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Ajude o seu filho a ultrapassar o luto.

Ajudar Os Filhos No Luto

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PSICOLOGIA; LUTO

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Ajude o seu filho a ultrapassar o luto.

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As situações de perda ou morte são das situações do ciclo de vida mais difíceis.

E se assim é e somos adultos, como será para as crianças? Este é um pequeno manual

que pretende ser uma ajuda para os pais poderem melhor acompanhar os filhos em

momentos ou situações difíceis como a morte ou perda de alguém significativo.

Fases do Luto

O luto é um processo com várias fases, vividas por crianças, adolescentes e

adultos. Elas podem ocorrer na sequência apresentada ou não. A pessoa tenderá a

“mover-se” de uma fase para a outra à medida que avança no processo de luto.

1. Negação/choque

A criança é confrontada com uma circunstância ou acontecimento doloroso e

recusa-se a aceitar que ele seja verdadeiro, ou procura uma explicação menos

dolorosa. Por exemplo, perante a notícia de uma morte, a criança afirma que essa

pessoa está “de férias” em breve regressará. Esta fase tem uma duração breve, em

relação às restantes, mas pode também persistir por semanas ou meses.

2. Raiva

À medida que “sai” da fase de negação a criança apercebe-se da realidade e

pode sentir níveis elevados de raiva. É frequente a pergunta “Porque é que isto me

aconteceu a mim?”. Podem também existir sentimentos de inveja para com aqueles a

quem não morreu ninguém. Esta é uma fase muito delicada e a criança deverá ser

acompanhada com atenção e carinho, uma vez que esta raiva, não resolvida, pode

acompanhá-la até à idade adulta, desenvolvendo-se o medo de ser abandonado por

outras figuras significativas, e a crença de que o mundo é um lugar injusto e perigoso,

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mostrando a pessoa relutância em envolver-se em relações de

proximidade/intimidade devido ao receio que algo de mau aconteça.

3. Negociação

Podem existir nesta fase sentimentos de culpa e a criança percepcionar-se

como responsável: “Se eu tivesse sido uma boa menina/portado bem, nada disto tinha

acontecido”. A criança pode tentar entrar em “acordos” com Deus ou com outros

adultos e tentar estratégias para trazer a pessoa de “volta”. Por exemplo, “Se eu me

portar bem, Deus vai “trazê-lo” de volta”.

4. Depressão

Nesta fase são vividos sentimentos de tristeza, remorso, culpa e desesperança.

Apesar de poder ser doloroso para o adulto ver as crianças passarem por este

sofrimento, é necessário e benéfico que seja permitido à criança lidar com estes

sentimentos e falar sobre eles. Podem surgir também pensamentos suicidas ou a

criança demonstrar desejo de ir também para o céu. Deve perguntar-se à criança ou

adolescente se pensam nisto, e se sim, perceber se existe um plano ou uma intenção

de concretizar estes pensamentos.

5. Aceitação

A criança ganha consciência e aceita que a perda aconteceu e que a sua vida

continua, alterada e diferente, mas continua. Uma sensação de cura pode ser sentida,

à medida que a criança se envolve nas suas actividades normais e ganha o

sentimento de esperança e confiança no futuro. Os sentimentos vividos no processo

de luto podem ser despoletados com outros tipos de acontecimentos: a morte de um

animal de estimação, mudar de casa, mudar de escola, uma doença ou uma nova

condição física, abuso sexual ou físico (a perda da segurança pessoal), uma separação

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de alguém significativo ou uma separação/divórcio.

Como ajudar o meu filho?

A criança deverá receber informação o mais breve possível e de modo

objectivo sobre o que aconteceu com o seu familiar ou com a figura que

morreu.

É importante contar à criança logo que possível, o que aconteceu, uma vez que

rapidamente se aperceberá de que algo de errado está a acontecer. Ser sincero com a

criança faz com que ela não crie as suas próprias justificações imaginárias sobre o que

terá acontecido.

Partilhar esta informação com a criança ajuda-a a sentir-se que está incluída no

processo de luto desde o início.

Devem estar acompanhadas de um adulto no qual confiem e que seja

visto como fonte de segurança.

A notícia deverá ser dada por um adulto em quem a criança confie, num local

calmo e que transmita segurança. Partilhar o que estamos a sentir, é transmitir à

criança que não tem mal em mostrarmos as nossas emoções e que é normal estarmos

tristes.

É igualmente positivo o contacto físico, como um abraço, segurar nas mãos da

criança, ou falar com ela no colo, sempre de modo afectuoso. Este gesto será

lembrado, mesmo depois de a notícia ter sido dada.

Os adultos devem colocar-se à sua disposição para responder a todas

as perguntas que a criança queira fazer e estas devem ser respondidas com

honestidade.

A criança pode sentir necessidade de fazer algumas perguntas várias vezes,

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mesmo quando estas já foram respondidas. Isto pode estar relacionado com o facto de

a criança não conseguir processar toda a informação que lhe foi dada num

determinado momento, e necessita de as repetir para ter uma melhor compreensão

do que se passou.

Fazer perguntas, mesmo que repetidas, pode também ser uma forma de a

criança verificar e assegurar-se de que os pais ou outros adultos estão disponíveis,

interessados e preocupados com ela. Ao falarmos com a criança do que aconteceu,

estamos a construir e/ou aumentar a sensação de segurança e confiança, que a

criança sentiu abaladas.

Deve ser dada à criança a oportunidade de participar no processo de

luto da família, incluindo os rituais do funeral.

Deve ser explicado à criança o ritual do funeral, que fases tem, o ambiente, o

choro das outras pessoas, as homenagens ou orações, a existência do caixão, que o

corpo será colocado numa caixa e depois enterrado, podendo-se visitar o local depois.

Não se deve forçar a criança a ir ao funeral. Pode dizer-se: “Há meninos que

vão, outros que não, por isso não tens que ir se não quiseres. A (o) (pessoa que

morreu) vai continuar a gostar de ti na mesma e podes ir visitá-lo outro dia, quando

quiseres.” É importante a criança sentir confiança, calma e serenidade no adulto.

Sintomatologia

Quais são as reacções mais frequentes da criança à perda ou luto?

A forma como a criança percepciona a morte depende da idade que tem e do

nível de desenvolvimento em que se encontra. O luto pode também ser influenciado

pelas experiências que a criança já teve com este tema, e a natureza ou tipo de

relacionamento que a criança tinha com a pessoa que morreu.

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A criança não tem a mesma capacidade do adulto de exprimir os seus

sentimentos e transmite-os através dos seus comportamentos. Inicialmente, a criança

pode negar que a morte aconteceu. Pode tornar-se agressiva e culpar os outros por

esta morte, ou ter raiva da pessoa que morreu, por deixá-la. Pode sentir-se culpada

pela morte dessa pessoa ou ficar deprimida. São várias as reacções possíveis.

As crianças mais pequenas têm dificuldades em compreender o significado e o

carácter definitivo e permanente da morte. Podem acreditar que a pessoa vai voltar,

apesar dos esforços dos adultos em lhe dizerem o contrário.

Têm um raciocínio muito concreto, por isso é importante utilizar uma linguagem

que não as confunda, e a morte deve ser explicada de acordo com coisas com as

quais as crianças se consigam relacionar na vida de todos os dias. Por exemplo : “

Quando as pessoas morrem, já não comem ou respiram. Não podem ver os familiares

ou ouvir o que estes lhes dizem. Eles morreram porque o corpo deixou de funcionar.”

Referir-se à morte como “estar a dormir”, ou “ter ido fazer uma viagem”, pode

suscitar o aparecimento de medos como “as pessoas que adormecem ou viajam vão

morrer”.

As crianças utilizam normalmente o pensamento mágico para construir um

sentido, um significado para a morte. Uma criança que teve uma discussão ou que se

zangou com alguém que morreu, pode desenvolver a ideia que é responsável pela

morte que ocorreu. É possível aos adultos aperceberem-se da presença deste tipo de

crenças, ao escutarem atentamente o que a criança vai partilhando sobre o que está a

sentir. Se uma criança utiliza um pensamento mágico para explicar a morte o adulto

pode dizer: “ Eu compreendo o que estás a dizer, mas isto não aconteceu por tua

causa, nem por nada que tenhas feito. O que aconteceu não é culpa tua.” De seguida,

é importante explicar, tendo em conta a sua capacidade de compreensão o que

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aconteceu, de modo factual, honesto e carinhoso.

Entre os seis e os dez anos a morte assume um carácter real e concreto e as

crianças podem ficar muito interessadas em aspectos físicos e concretos, que podem

por vezes ferir a sensibilidade dos adultos, mas as suas perguntas merecem uma

resposta adequada à sua idade e capacidade de compreensão.

As crianças podem perguntar-se se isto acontece a toda a gente e se sim,

desenvolverem a crença que apenas morre quem é velho, e que só acontece aos

outros. Podem preocupar-se com “quem será o meu melhor amigo a partir de agora?”

É frequente passarem a preocupar-se (como até aí não acontecia) com a saúde dos

mais próximos e esconder os seus sentimentos dos adultos com medo de os magoar

ainda mais. É importante que o adulto expresse os seus sentimentos para que possam

ser trabalhadas algumas questões como culpa ou ideias mágicas, que podem trazer

sofrimento acrescido à criança.

Com os adolescentes, a dor e o luto podem ser vividos junto dos pares, mais do

que com a família. Muitos adolescentes preferem desenvolver eles mesmos rituais

alternativos aos tradicionais. Pode ser uma fase muito difícil, uma vez que é desafiada

a sensação de imortalidade. Em consequência podem envolver-se em

comportamentos de risco como forma de testar limites e fronteiras face a essa mesma

“imortalidade”.

Principais Sintomas

Durante todo o processo de luto, um conjunto de sintomas são

frequentes:

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Sintomas físicos: Podem incluir perda de apetite, náuseas e dificuldades

intestinais, dores de cabeça, dores no peito, falta de ar, dificuldades em dormir (pode

acontecer a criança sentir alguns dos sintomas que a pessoa que morreu também

sentia, se estava doente).

Sintomas comportamentais: podem incluir mau comportamento,

hiperactividade, evitamento social, obsessão com determinados pensamentos ou

memórias, apatia ou perda de interesse em actividades, pesadelos ou apresentar um

padrão de muito bom comportamento, fora do habitual na criança.

As reacções emocionais: podem incluir medo, depressão, esquecimentos,

dificuldades de concentração e pouca produtividade.

É importante transmitir à criança que estes sintomas são normais e que têm um

carácter temporário ou passageiro.

Recomendações aos pais

O que posso fazer para ajudar o meu filho?

§ Permita à criança falar livremente sobre a sua experiência de luto – Dê-lhe a

oportunidade de falar sobre como está a viver todo o processo e seja um bom ouvinte.

Encoraje a criança a colocar todas as questões que sentir necessidade.

§O luto é um processo, não um acontecimento – é necessário dar à criança o

tempo que ela necessita para interiorizar e fazer o seu próprio processo de luto.

“Forçar” a criança a adoptar todas as actividades normais do dia a dia sem que ela

tenha feito este trabalho pode despoletar problemas adicionais ou outras reacções

negativas.

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§ Não minta ou conte “meias verdades” sobre a morte ou acontecimento

trágico – as crianças são inteligentes e sensíveis. Elas irão aperceber-se que não lhes

contaram tudo e perguntar-se-ão porque é que não lhes disseram a verdade.

A mentira não as ajuda a viver de modo saudável o processo de luto, nem a

desenvolverem estratégias de confronto saudáveis com as situações futuras difíceis

ou trágicas.

§ Ajude a criança a compreender, independentemente da sua idade, o

significado da perda e morte – forneça informação que a criança tenha capacidade

de compreender. Permita que seja a criança a mostrar-lhe se precisa de mais

informação que aquela que está a ser dada, e forneça todas as explicações que a

criança pedir – é importante para as crianças compreenderem que a perda e morte

são partes do ciclo da vida.

§ Não assuma que a criança se comportará ou reagirá de determinada

maneira – todos nós reagimos de um modo próprio, e não há uma maneira “correcta”

de reagir ou viver o processo de luto.

§ Diga à criança que compreende o que ela está a sentir e que está

disponível para a ouvir e estar com ela quando ela sentir necessidade –

mostre que é permitido falar sobre a pessoa que morreu, mesmo que a criança seja

pequena você pode partilhar com ela os seus sentimentos. O carinho irá confortar a

criança que sente angústia na família, mesmo que ela não entenda o que aconteceu.

Chore e deixe que a criança chore consigo. Num ambiente de tristeza, a criança

precisa de sentir que é amada.

§ Esteja atento à sua própria necessidade de viver e ultrapassar o luto. – Se

não se sentir capaz de responder às necessidades da criança, devido à sua própria

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dor, peça ajuda. A um outro familiar ou alguém próximo que seja também uma figura

de referência para a criança. Procure ajuda para si, junto de um amigo ou psicólogo.

Perguntas mais frequentes

Das crianças

A morte aconteceu por minha causa? – As crianças pensam com frequência terem

poderem mágicos. Podem sentir-se muito perturbadas por terem pensado “Gostava

que morresses” e que isso causou efectivamente a morte de alguém.

Vai acontecer-me o mesmo? – Este raciocínio pode acontecer sobretudo se a

criança estiver a viver a morte de uma outra criança. Há a crença que algo poderia ter

sido feito para evitar a morte e o medo que lhe aconteça o mesmo.

Quem é que vai cuidar de mim? – Há uma grande necessidade de proporcionar à

criança atenção, carinho e segurança.

Dos pais

Há alguma vantagem em permitir que a criança mantenha uma ligação com a

pessoa que morreu (pai, amigo, familiar)?

A continuação de laços é importante porque eles permitem reconhecer e respeitar

o papel que a pessoa que morreu tinha/desempenhava na vida da criança. Ajudar a

manter laços saudáveis com a memória dessa pessoa pode ser muito importante para

a criança. Os adultos devem ter alguns cuidados para que a criança não confunda que

essa ligação com a realidade. A vida da pessoa terminou com a morte, mas a relação

e os sentimentos que eu tenha por essa pessoa não terminaram.

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O que faço se o meu filho quiser saber coisas sobre a pessoa que morreu?

Há medida que as crianças crescem é natural que reflictam ou se lembrem de

algumas situações que já viveram. Uma experiência como a morte ou perda de

alguém é uma experiência marcante na vida das crianças, e por vezes, sentem

necessidade de falar sobre ela, de saber mais coisas, de levantar questões que até aí

não se tinham feito, para melhor integrarem essa experiência e para que ela faça

mais ou maior sentido. Todas as respostas deverão ser dadas, respeitando o nível de

desenvolvimento da criança, de uma forma sincera e honesta.

O que posso responder quando um amigo, que perdeu os pais num desastre

me diz: “Ninguém faz ideia do que sinto.”?

Responda: “Tens razão. Como é que te sentes?/ O que sentes?” E depois oiça.

Devo levar o meu filho a um funeral, quando a pessoa que morreu não é

ninguém que ele conhecia?

Esta pode ser uma forma de começar a abordar a criança para a realidade da

perda, morte e rituais do funeral de uma forma relativamente segura e não

ameaçadora para a criança. È importante preparar a criança, falando-lhe antes do que

é um funeral, o contexto em que acontece dos porquês, e preparar a criança para algo

que eventualmente viverá. Isto permite também à criança a oportunidade de optar se

quer ou não fazer parte destes rituais.

Como posso ajudar a criança a lidar com a morte, se não há serviços

fúnebres (não há corpo)?

Se não puderem existir os serviços fúnebres pode ser organizado um ritual de

despedida, para a pessoa que partiu. Podem ser alguns momentos de reflexão

conjunta sobre a pessoa, ler-lhe um poema, plantar uma árvore, criar um álbum de

memórias, ou partilhar apenas memórias. A criança deverá ser evolvida no planear

destes acontecimentos.

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Que livros posso ler para ajudar o meu filho?

- Bauman, Harold. Superando o luto: força e esperança diante da morte. Ed. Paulus.

- Bromberg, Maria Helena P.F.  Psicoterapia em situações de perdas e luto. Ed.

Sextante.

- Freitas, Neli Klix. Luto Materno e Psicoterapia Breve. Ed. Summus.

- Freud, Sigmund.  Luto e melancolia.  In: Edição Standard Brasileira das Obras

Psicológicas Completas de Sigmund Freud.  Trad. de Jayme Salomão et al.  Rio de

Janeiro : Imago, 1980.  24 v., v. XIV, pp. 275-291.

- Parkes, Colin Murray.  Luto - estudos sobre a perda na vida adulta.  Ed. Summus.

- Pincus, Lily. Família e a morte: como enfrentar o luto. Ed. Paz e Terra.

- Worden, J. Willian.  Terapia do luto.  Ed. Artes Médicas.

- Silveira, Joel.  Dias de luto.  Ed. Record.

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