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Transcrição FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. FONSECA JUNIOR, Alcides. Alcides Fonseca Junior (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 30p. ALCIDES FONSECA JUNIOR (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2013

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

FONSECA JUNIOR, Alcides. Alcides Fonseca Junior (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 30p.

ALCIDES FONSECA JUNIOR

(depoimento, 2012)

   Rio de Janeiro

2013  

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Nome do entrevistado: Alcides Fonseca Junior

Local da entrevista: São Paulo, SP

Data da entrevista: 18 de outubro 2012

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um

acervo de entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Bernardo Buarque, Bruna Gottardo e Felipe dos Santos

Câmera: Thomas Dreux

Transcrição: Fernanda Antunes

Data da transcrição: 11 de novembro de 2012

Conferência da transcrição : Felipe Santos

Data da conferência: 28 de novembro de 2012

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Alcides Fonseca Junior em 18/10/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Bernard Buarque – Juninho, uma boa tarde, queremos começar te agradecendo por estar

aqui, por vir tão solicitamente de Ribeirão Preto aqui para o coração de São Paulo,

Avenida Paulista, para prestar esse depoimento, falar um pouquinho das suas

lembranças, da sua trajetória como jogador profissional e ídolo, como referência do

Brasil. Então, muito obrigado, pela presença. Eu queria começar te perguntando quando

e onde você nasceu.

Alcides Junior – Primeiro eu quero agradecer. Acho que, para a história da... No

desenvolver da nossa vida esportiva, o país cresceu e hoje nós temos isso, um museu

para o futebol. Muito bacana, muito obrigado. Eu sou de 1958, nasci dia 29 de agosto,

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em Olímpia, 450, 460 quilômetros aqui da capital, onde eu comecei toda a história do

meu futebol, foi em Olímpia.

B. B. – Coincidentemente você nasceu no ano em que o Brasil foi campeão do mundo!

A. J. – Depois de ter sido campeão do mundo.

B. B. – Meses depois de ter sido campeão do mundo.

A. J. – Meses depois.

B. B. – Juninho, você é de uma família que teve jogadores de futebol, seu pai era são-

paulino, seu irmão jogou, também, futebol profissional. Conta um pouquinho as suas

lembranças da sua família, os seus avós já eram da sua cidade natal, de Olímpia? Conta

um pouquinho o seu passado.

 

A. J. – Bom, o esporte na minha vida, ele flui naturalmente, como se eu só fizesse isso.

Há pouco tempo atrás, há uns dois meses atrás, eu fui participar de uma palestra, e eu

procurei nas minhas fotografias, que eu moro em Ribeirão Preto, procurei nas minhas

fotografias, para que eu pudesse ter um sinal para dizer para os garotos em que

momento o esporte começou a fazer parte, e ter um documento para que isso seja

provado. 1961 porque é uma faixa de campeão, que lá embaixo tem, por sorte, a data

[riso]. Então, em 61, eu tinha três anos. Provável que seja no início do ano, tinha dois

anos e alguma coisa. Então o esporte na minha vida é fácil. O futebol na minha vida é

fácil. Apesar de eu, enquanto atleta, ter competido em outras ações esportivas: fui atleta

de handball, de 4x100, 100 metros rasos... - O que mais? A idade leva - Salto em

altura... Praticar esporte, na minha vida, não necessariamente futebol, desde quando eu

me lembro como gente. Talvez e provavelmente motivado pelo meu pai e pela minha

mãe, o fato de ter um irmão mais velho que também é do esporte puxa. Tudo que eu

participei tem a ver com a minha família, tem a ver com a minha escola, tem a ver com

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o meu clube. Esses três ícones que são quem me conduziu para o esporte. Quer dizer

que desde 61 eu estou ai enrolado com esporte.

B. B. – Juninho, nas nossas conversas com jogadores, muitos falam que no início houve

resistência da família, porque o futebol era visto como coisa de vagabundo. Havia uma

imagem negativa que só com o tempo mudou. O seu caso foi diferente?

A. J. – É, na cidade, quando eu fui... Eu jogava lá em Olímpia também, fazia todo o

meu esporte em Olímpia. Tinham competições lá pequenas, que eram feitas pela Liga,

meu pai era presidente da Liga, sempre estimulando, e, na verdade, quando eu fui

convidado para ir para a Ponte Preta e fui para Campinas e fui aprovado nesse mesmo

teste, avaliação, observação, que todo mundo faz, quando eu voltei para a minha cidade

que houve uma pressão da sociedade para a minha família, no intuito de perguntar: -

“Pô, mas ele vai ser jogador e o que mais?”. Porque tinha aquela conotação, uma tarja

sobre o atleta do futebol, na época, de que eram pessoas com comportamentos

complicados, de índoles ruins, e tal. No meu caso, como eu sempre vivi com esporte, eu

sempre vivi com o futebol por causa da minha família, do meu pai e do meu irmão,

aquilo, para mim, era uma surpresa que não me abalava, não me abalou, porque,

necessariamente eu era estudante, eu continuei a ser estudante. No meu caso não teve

uma quebra de paradigma, que é “começou a jogar futebol, parou tudo”. Eu, apesar de

ter parado durante o decorrer da minha carreira, hoje eu sou formado. Então, a

sociedade, eu acho que de alguma forma nós, dessa época, nós mostramos para a

sociedade que nós somos e fomos seres comuns. Eu sou atleta, mas sou igual a todo

mundo. Porém, eu sou atleta também. Então foi uma coisa que surgiu, mas logo em

seguida, no decorrer da história, a gente vai mostrando o comportamento, mostrando as

relações humanas... Eu me casei, sou casado com a mesma esposa há 30 anos, que é da

minha cidade também. De alguma forma, eu mostrei que eu não era aquilo, que se

aquilo era uma pecha que tinha sobre o atleta do futebol, no meu caso foi superado com

o que é a minha vida.

B. B. – Então a sua família já estava em Olímpia há muito tempo? Seus avós...

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A. J. – Isso, minha família, meus avós, todos de lá, sou descendente de italiano e

português, sempre voltado... Como eu te falei, família, religião, escola, entendeu? Então

para mim foi uma surpresa quando eu entendi que a sociedade nos enxergava assim.

Porque eu torcia... Na época, a gente está falando em rádio e jornal, não estamos falando

em televisão, televisão era muito pouco. Televisão, no Brasil, que competição ao vivo

primeiro que eu lembro de ter assistido? Foi a Copa de 66. Então para mim, pelo fato de

conviver muito com o esporte, e a própria cidade, a escola que eu vivi, ela entendia que

eu, Juninho, era – na verdade Alcides – eu era uma pessoa que tinha uma condição clara

de ser um atleta. Necessariamente não de futebol, como eu te falei, de outras

modalidades. Acho que foi um resultado positivo o fato de eu ter me transformado em

um bom atleta, um atleta de alto rendimento, no futebol, para, no meu caso, para a

minha família é muito bom, porque os pais ficam com aquela fotografia de jornal, “que

o Juninho saiu aqui”, e aquilo lá tudo. E a cidade, de alguma forma, ganhou também,

porque, para onde eu vou, desde começo de 74, para onde eu vou, a minha cidade vai

junto. Não tem como desvincular Juninho de Olímpia e Olímpia de Juninho. Então a

cidade ganhou.

B. B. – Você mencionou o colégio, o clube... Jogava-se futebol na rua? Você tem

alguma lembrança disso?

A. J. – Sim. Nós jogávamos futebol na casa do amigo que o terreno era maior [risos]. A

gente, por exemplo, de oito a 12 anos, 12 anos é o ponto inicial da minha vida em

competição registrada. Em 1970, lá em Olímpia, foi criado um torneio, que nesse

torneio tem o registro. Então, nesse ano eu comecei a disputar futebol, 12 anos. A turma

que jogava nesse ano era a turma de 55. Quer dizer que eu era talento, eu era avançado.

Eu lembro disso por quê? Porque o meu irmão era um dos atletas mais velhos que tinha

na competição, eu lembro claramente disso. Eu tinha essa condição por causa do

colégio. Eu só fui competir porque o colégio foi competir. Nessa competição, por

exemplo, tem a existência do meu irmão, que também foi atleta, do Joãozinho, o

zagueiro do Santos, irmão do Bezerra, irmão do Reinaldo, que é lá da minha região, e

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um outro menino lá de Olímpia, chamado Waltinho, que também jogou. Então, dessa

primeira competição oficial, surgiram três, quatro atletas. A cidade de Olímpia, por

exemplo, era uma cidade que curtia muito futebol. Então a Liga criou uma competição,

que acho que foram oito, ou 10 clubes daquele bairro, e eu jogava em um colégio

chamado Colégio da Vila, que hoje tem outro nome. E aí eu competi, durante cinco

anos, eu joguei lá. Talvez se não tivessem criado esses torneios, eu não sei te dizer se eu

teria esse crescimento que eu tive na minha carreira, porque me possibilitou jogar. E eu

era, como eu te disse, eu era um dos menores que jogava. Durante três anos eu fui o

menor de todos, de idade. E até de tamanho. Se você pegar a fotografia está lá, o

Juninho pequenininho. Então, de alguma forma, aquilo que eu consegui virar como

atleta, foi fomentado pela cidade, que me proporcionou, e pela família que tinha o

estímulo de ir atrás do esporte.

Felipe Santos – Quando você começa a jogar nesse campeonato ali em Olímpia,

organizado pela Liga Olimpiense, seu pai ainda era...?

A. J. – Ele era da Liga. Eu lembro bem disso claramente, por causa do meu irmão.

Porque o regulamento – eu poderia até ter documento aqui, não sei se tem – nascidos até

abril de 55. Meu irmão é nascido de abril de 55 para frente, então eu lembro disso

claramente. A Liga criou, através do meu pai, do seu Osvaldo – não me lembro o

sobrenome dele, mas vou lembrar – eles criaram. Por quê? Porque aqui, na cidade de

São Paulo, já tinha o “dente -de- leite”, acho que fazia uns dois anos que tinha surgido o

“dente- de- leite” aqui. Que foi um impacto muito grande para nós, jovens, ter um

torneio de jovem. Porque você não tem ideia que existia menores atletas jogando

futebol. A gente só via assim: o cara adulto jogando futebol. Depois que nós fomos

entender que existia – na época chamava juvenil A e juvenil B, que era antes do

chamado aspirante -, então aí que a cidade, por ter um apelo muito grande do futebol,

que a Liga criou esse torneio, que através desse torneio surgiram cinco, seis atletas que

vieram a ser jogadores de futebol.

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B. B. – Você falou dos clubes aqui da cidade de São Paulo. Você tinha, na época, um

clube da sua preferência?

A. J. – Eu era santista.

B. B. – Você era santista?

A. J. – Era santista. Não tinha alternativa [risos]. Meus amigos, não tinha alternativa,

era Santos ou Palmeiras. Porque a década de 60, você repara aí, quem foram os

campeões da década de 60? Só Palmeiras e Santos. O São Paulo tinha sido, acho, que

em 58, 57, e depois voltou a ser em 70. Apesar de eu sofrer pressão do meu pai em ser

são-paulino, eu fiquei com a ideia do Santos – que meu irmão também é santista – e não

tinha como. O pouquinho que você via na televisão... Além de Pelé. O Santos, além de

Pelé, o Santos tinha Pepe, Coutinho, tinha... Nossa Senhora!

F. S. – E você tinha, assim como um time da sua preferência, um jogador da sua

preferência? Aquele cara que você olhava e falava: - “Caramba, como ele consegue

fazer isso dentro do futebol?!”.

A. J. – O que eu mais lembro que eu gostava, vamos dizer, de 70 a 74, quando eu vim

para a PontePreta, eu já tinha essa vivência esportiva e acompanhava o jornal , a revista

Placar... Vocês lembram da revista Placar? Ela era semanal. Na parede do meu quarto

tinha lá. No meio saía o pôster de todo mundo, na minha casa tinha tudo aquilo. O que

eu me lembro é que... Faz de novo a pergunta, Felipe, eu esqueci!

F. S. – Assim como você tinha um time da sua preferência, no caso o Santos, tinha

algum jogador que você olhava…

A. J. – Ah, Luis Pereira. Porque, no meu entendimento, - olha, eu sou santista – o maior

time da década, do século 20, é o Palmeiras. Todo mundo sabe de cor e salteado a

escalação do Palmeiras. O Palmeiras não mudou. Então esta ação, ela ocorreu com todo

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mundo da minha idade. O time que mais marcou era o Palmeiras, e o Luis Pereira, que

era aquele zagueiro que ia para o ataque, fazia gols... Porque não tinha isso que nós

víamos. Em 70 nós vimos o Carlos Alberto fazendo um gol lá, no final do jogo da Itália,

bonito e tal. Então o Luis Pereira era, no meu entendimento, o cara que eu mais me

espelhava. E um dia eu encontrei com ele, eu falei isso para ele,   pode ter certeza, -

“Negão, era você o cara!” [risos]

B. B. – Então desde garoto a posição...

A. J. – A posição de defesa, jogava de defesa, acho que por não ter muito recurso, sei lá

[risos]. Meu irmão era atacante. E sempre que eu brinquei, eu brinquei de defesa. Eu,

por exemplo, como eu disse para vocês, eu jogava handebol, e bem. Jogava no sistema

de antigamente, que a bola era diferente, era tudo diferente. No basquete eu era ala.

Então eu sempre tive um sentido defensivo, e no futebol nunca brinquei em outra

posição. Só depois de adulto que, por brincadeira, eu brincava no ataque, mas sempre

fui de defesa.

B. B. – E algum estilo, alguma característica, dentro da posição de zagueiro, que mais

te destacou, ou...

A. J. – Olha, o que eu lembro é que eu, comparado... Por exemplo, fizeram comparação

das capacidades físicas... Por exemplo, eu, pela altura que eu tinha, 1,83m, eu era muito

veloz. Eu tinha um resultado de 100 metros rasos que, vamos dizer, deveria ser entre 12

e 13 segundos, 100 metros rasos. Que hoje o Usain Bolt faz 9s59, qualquer coisa. Para

futebol, estou falando de futebol. Como eu disse para vocês, por eu ter muita

capacidade, muita valência física, eu, naturalmente, seria um jogador, eu seria um

desportista. E jogar na defesa é muito mais fácil do que jogar no ataque, não tenho

duvida nenhuma. Para construir um prédio demora seis meses, destruir, dois segundos

[risos]. Então, o jogar na defesa é mais fácil. Talvez os recursos intelectuais que eu tinha

de antecipação, de noção de distância, isso pesa muito para o jogador de defesa. Essa

antecipação que, no jogador de tênis, é essa bola que ele já está avançado e faz. O Roger

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Federer já está na frente fazendo o movimento, porque ele está sabendo que a bola está

vindo por ali. Então essa vantagem da percepção no defensor é boa, mas as valências

físicas são imperativas: boa velocidade, que impõe um bom “breque”, bom cabeceio,

porque, antigamente, muito mais do que hoje, as bolas eram lançadas para a área muito

mais, em um número muito maior. Faltavam 20 minutos para acabar o jogo, o time que

está perdendo de um a zero, ele lança para dentro da área 30 bolas. Hoje não lança, tenta

chegar lá pertinho. Dessas 30 bolas, modéstia à parte, eu participava bem das 30 [risos].

Não sei se eu ganhava, mas participava das 30. Essas valências que me permitiram

chegar no futebol com uma condição boa. Me mandaram, não sei quem me mandou, um

monte de coisa boa.

B. B. – Quando nós conversamos com alguns goleiros, eles diziam: - “Ah, escolhi a

posição porque eu gostava de ser do contra. Para mim era um prazer tirar o gostinho do

outro de fazer o gol” [risos]. No seu caso também isso, de impedir um lance, era

prazeroso?

A. J. – Sem dúvida. Era o impedir. Do movimento que estava sendo feito, o cara vai

chutar, você evita, o seu posicionamento está correto... Se você disputar um jogo de

futebol e o cara chutar seis bolas e cinco pegarem em você, você está no lugar certo.

Então esse fato de você... Talvez até pelo fato de o meu irmão ser centroavante, que um

dia nós jogamos um contra o outro, três vezes. E para mim era simples, o jogar na

defesa era simples, talvez por todos esses detalhes. Mas acho que o que mais pesa é

gostar da posição, isso pesa muito. Porque todo mundo quer fazer gol, e eu me virava

bem na defesa.

F. S. – Nessa época aí que você começa a chegar a um cenário de competição dentro do

futebol, você começa a jogar dentro dos campeonatos da Liga Olimpiense, que você

joga pelo Colégio São José...

A. J. – Isso, colégio da Vila.

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F. S. – Como é que era? Isso te fazia conhecido dentro da cidade, jogar nesses vários

times dentro do grupo?

A. J. – Era, porque, mais ou menos como é parecido hoje – eu sei disso porque fui

secretário de esportes, eu sei como é que os clubes amadores vivem –: “Olha, tem

aquele moleque bonzinho, traz.” Só que hoje tem um impacto dos clubes de futebol, é

muito grande, maior do que era antigamente. Está todo mundo querendo fazer algum

jogadorzinho achando que vai virar Neymar. Rapaz, para virar Neymar é tão longe!

[risos]. Dos tempos atuais. O fomento do esporte sempre foi em cima do futebol,

naquela época mais ainda. Mas era só futebol na televisão, os programas que hoje, eles

estão fragmentados em participação de outros esportes. O que é o vôlei hoje não tinha

nada a ver: para nós, naquela época, era o basquete. Então o esporte, no caso de uma

cidade pequena, era tudo plantado em cima de futebol. Tinha a Liga, que jogava os

adultos, e nós que jogávamos as competições pequenas. Então, o que ocorria? Como

aqui em São Paulo ocorria de irem assistir o Rivellino, no aspirante, esses jogadores que

foram grandes, e o Olímpia era legal: - “Vamos assistir lá, porque naquele time tem o

Juninho, tem outro Juninho, tem aqueles garotos...”, que eu disse para vocês que alguns,

inclusive, viraram atletas também. E as famílias iam, não tem como dizer que nas

fotografias que tenho na minha casa, em vídeos e fotografias está lá meu pai, minha

mãe, meu irmão. Minha mãe entregando troféu, entregando faixa, tudo aquilo. Então

havia, porque era só a cidade. Você reúne, em 72, vamos dizer, em Olímpia, quantos

habitantes devia ter em Olímpia? Trinta mil habitantes? Quantos jovens tinha lá? Todos

estavam competindo, então as famílias iam aos campos. Como eu falei, eu fiz uma

entrevista outro dia que eu levei fotografia minha, da minha infância, que o campo, que

é o mesmo campo, no fundo você percebe, na silhueta, que são mulheres. São as mães.

Apesar da sociedade ter um certo distanciamento do atleta, a sociedade participa. Na

minha época, é claro que participou.

B. B. – Juninho, você disse que uma das suas lembranças primeiras de futebol foi com

três anos, apenas três anos. Mas em que momento você realizou que esse seria seu

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horizonte profissional ”vou ser jogador de futebol”?. Quando isso, vamos dizer, caiu a

ficha?

A. J. – Essa pergunta é difícil. É, sou gente dentro do esporte! [riso]. Eu diria assim,

olha: quando eu fui para a Ponte- Preta em 74, eu fui levado por um menino de Olímpia,

que já faleceu, chamado Dejair. Eu não sei por que ele estava na Ponte- Preta. E ele foi

abordado pelo treinador, senhor Ilzo Nery: - “Olha, tem algum amigo seu lá de Olímpia

que joga?”. Ele indicou todos que jogavam na defesa com ele. Quatro atletas. Eu era um

deles. Aí todos nós fomos para a PontePreta. Eu fiz o teste, passei, eu e o goleiro passou

(sic), os outros não passaram. E o que ocorreu? Falei: - “Puxa, passei! O que é isso?”.

Primeira coisa: fui para casa, voltei para Olímpia, saber se... apesar do meu pai e minha

mãe ter concordado de eu ir fazer o teste, não sabia se eu podia. Primeiro a imposição

de continuar a estudar, fazia segundo colegial, acho. Era no começo do ano, fevereiro,

que ajudava a transferência. A família permitiu que eu caminhasse para Campinas, com

todas essas dúvidas: o que será que vai acontecer? Aí a gente começa a jogar. Eu joguei

na Ponte Preta, no primeiro ano, de todos que jogaram comigo, só eu fiquei. No dia que

teve uma reunião lá com todo mundo, começou a ir na sala e voltando, e chorando,

falei: - “Será que eu vou também?”. Fui. O cara falou: - “Não, – não lembro o nome do

diretor – você volta em janeiro”. Puta, isso foi uma tremenda de uma festa [risos]. Para

a minha família, então... Porque eu cheguei lá, contei para o meu pai, contar por

telefone. Eu ia lá no telefone público, que tinha que agendar um horário, eram três

números da minha casa só [risos]. - “Olha, os caras fizeram uma reunião aqui e não me

mandaram embora, hein, vou ficar!”. Aí você fala: - “Oh, interessante!”. Aí começa o

segundo ano. Você tem o seu crescimento ali. Sem preocupar com dinheiro. Dinheiro

você nem... Aí quando você faz uma competição, sai no jornal, o cara fala: - “Opa, deve

ter alguma coisa, não está aqui enganando”. Aí quando vem... O que aconteceu assim de

muito peso... Você muda de categoria, que era chamado juvenil A - juvenil B, que era o

menor – você já começa a competir, já está incomodando. Quem jogava no juvenil

acima do meu? Polozzi. Acima do Polozzi? Oscar. - “Olha que bonitinho que tinha lá no

Ponte Preta! Pô, esse parece com aquele. Esse Juninho parece com aquele lá, o Oscar.

Olha que montadinho que ficou!”. Você fala: - “Opa, o negócio é bom!”. No final de

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75, o que ocorre? Vai um representante da CBD1. Senhor Antoninho2, CBD. A CBF3 é

de 78 ou 79.

F. S. – Setenta e nove.

A. J. – É. Eu tenho camisa da CBD. O cara falou: - “Nós estamos aqui observando os

garotos de 57”. Eu falei: - “Garoto 57? Legal, eu sou de 58, estou concorrendo”. Porque

eu era menor na categoria. Aí em fevereiro do ano seguinte, o cara falou: - “Olha, vai

sair seleção de novos – chamava seleção de novos - que foi para Cannes, que hoje é o

mundial, acho, que de juvenil ou junior. Aí quando sai desse período, que o senhor

Antoninho foi para a convocação, teve uma Seleção Paulista, fui convocado. Falei: -

“Nossa Senhora!”[risos]. Eu lembro bem, meu pai falou assim para mim um dia, eu

liguei lá: - “Tio Nenê – foi dessa paulista – tem uma convocação aqui assim, assim, mas

por que você vai para a Seleção Paulista?”. Ele perguntou para mim. - “Eu vou porque

entre todos eu fui escolhido.” Aí você começa a entender que o seu perfil é para alto

nível, aí não tem como. Porque você está crescendo, o seu corpo está crescendo, a sua

inteligência esportiva está crescendo, um pouquinho mais rápido que os seus

companheiros – eu já estava escapando dos que eram mais velhos do que eu – e nessa

sequência: Oscar, Polozzi, Juninho... Eu já tinha pulado atletas que estavam na minha

sequência. Então fica assim: é irreversível, porque eu tenho alto potencial, sabe, aí não

tem jeito. Convocação para seleção, que foi em março de 76, aí marca definitivamente...

- “Pô, Rapaz, eu sou do ramo!”. Aí você vai encontrar com garotos que você competiu

durante os anos anteriores. - “Ah, esse cara...”. Eu tinha um centroavante que jogava no

Palmeiras, o Gil. - “Pô, mas você não jogou aquele jogo? Eu também joguei, e tal...”

Você começa a perceber que aqueles que você acha bonzinho naquele time estão com

                                                                                                                         

1 Confederação Brasileira de Desportos

2        Antonio  Ferreira,  técnico  que  cuidou  por  muito  tempo  das  categorias  de  base  da  Confederação  Brasileira  de  Desportos  (CBD).  

3 Confederação Brasileira de Futebol  

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você na Seleção. De alguma forma você começa a entender que o seu futuro está aberto

com um sinal positivo.

B. B. – No juvenil você já vai morar em Campinas?

A. J. – Isso. Já estou morando lá, estou estudando, aí você é convocado para a Seleção

Brasileira, isso é um impacto na nossa vida. Se eu fizer um levantamento de cinco

coisas que aconteceram marcantes, é a convocação para a seleção de juniores.

Indiscutível. A de profissional, ela está conduzida. Você está indo, o seu time está

disputando, a Ponte Preta está sempre disputando as finais, daqui a pouco você vai para

a Seleção. Mas a de júnior, você pensa o seguinte: você joga na Ponte Preta, é um time

pequeno, tem uns caras que jogam no São Paulo. Você joga contra o São Paulo, contra o

Santos, você fala: - “Puta, esses caras são melhores do que eu! [risos]. Nossa, como eles

são bons!” Você fica com aquela... Vai sair a Seleção. - “Por que vão convocar um cara

para a Seleção de junior da Ponte Preta? Então é um paradigma você falar: - “`Pô,

realmente eu tenho potencial”. Mesma coisa que acontece quando você é convocado

para a seleção de profissional, mesma coisa. Eu jogo na Ponte Preta, tem 12 times

enormes no Brasil, todos esses grandes, que vocês sabem, aqueles quatro. Quatro daqui,

quatro de lá, dois lá e dois lá. - “Pô, mas eu estou na frente desses caras? Meu Deus, eu

devo fazer alguma coisa boa mesmo!”.

Bruna Gottardo – O que você sentiu que mudou depois que você foi convocado? Você

continuou na Ponte, e o que isso mudou?

A. J. – Mudou externamente. A sociedade te enxerga melhor. A sociedade esportiva.

B. G. – E internamente?

A. J. – Internamente, aí mexe com dinheiro, mexe com... Na época não existia

empresário, não existia nada disso, mas já tinha a percepção de empresas patrocinando.

Eu já fui procurado por uma empresa de material esportivo. O teu salário, naturalmente,

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ele tem uma subida que não dá nem para contar em percentual, não lembro quanto era,

mas foi algo em torno de, como se fosse hoje, ganhar 10 mil reais passar a ganhar 200

mil reais.

B. G. – Nossa!

A. J. – É um absurdo o que acontece na sua vida, e uma exposição pesada. Aí você

passa a ser melhor observado, você passa a ser cobrado pela sociedade. Você vai no bar,

você vai na festa, você anda com pessoas, na escola... Eu lembro bem quando eu

cheguei na escola, na primeira convocação, a escola estava me esperando lá [risos]. -

“Olha, você foi convocado!” - “Eu estou sabendo, mas e daí?!” Para a escola pesa.

Então você passa assim: se tiver um mau comportamento todo mundo vê, se tiver bom

fala assim: obrigação. É um peso muito grande. Mas é a coisa mais importante que

acontece na vida de um atleta, você ser convocado para o estágio máximo da sua

modalidade, como é com esses atletas de outras modalidades que vão disputar

Olimpíada. Imagina o impacto que é na vida de um atleta que vai para a Seleção

Olímpica.

B. B. – Juninho, você disse que uma das primeiras lembranças que você tem de Copa do

Mundo é a Copa de 66.

A. J. – 66.

B. B. – Você tinha oito anos.

A. J. – Isso.

B. B. – A Copa de 70 e 74?

A. J. – Pô, lembro tudo.

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B. B. – Você acompanhou na televisão...?

A. J. – Tudo. A cotovelada do Pelé no cara do Uruguai; uma passadinha que o Tostão

dá sem bola, no passe que ele dá para o Pelé para passar para o Jairzinho, no gol contra

a Inglaterra. Tudo eu assisti ao vivo, em branco e preto. Apesar que na frente da

televisão da minha casa tinha um colorido lá, três faixas de cor, lembra? [risos]. Não sei

se vocês têm idade para isso, tinha as três cores que dominam a pigmentação da

televisão, estava lá na minha casa. Então eu lembro tudinho de 70 para cá. Tudo sobre

futebol é bem possível que eu tenha condição... Além do futebol, me permitam dizer,

Seleção Olímpica, competições olímpicas, eu acompanhei tudo porque, de alguma

forma, o esporte sempre foi a mola mestra da minha vida.

B. B. – Já havia aquele desejo de observar o zagueiro da Seleção Brasileira...?

A. J. – Opa, muito importante. E as comparações que você faz. No dia que eu fui para a

Seleção Brasileira de juvenil, eu cheguei lá e encontrei zagueiro do Grêmio de Porto

Alegre. Falei:- “Nossa Senhora, o cara joga no Grêmio! Deve ser difícil demais jogar no

Grêmio” [risos]. Entendeu? É gozado, porque você cria dúvidas do seu desempenho, só

que a dúvida já está sanada. Você já está no mesmo nível que o cara, mesmo jogando

em um time pequeno. Para mim, uma coisa que marcou muito a minha vida de

desportista foi, através de um time pequeno, chegar na Seleção Brasileira.

F. S. – Você fica com essa dúvida, mas, ao mesmo tempo, você não tem tempo de

pensar nela.

A. J. – Não tem tempo.

F. S. – Você tem que jogar.

A. J. – E você começa a perceber que você também aprende ao ver os seus próprios

companheiros. Então, por exemplo, eu cheguei na Seleção, naquela época só jogavam

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dois zagueiros, eu vou treinar com esses zagueiros. Quando o técnico da Seleção, que

era o senhor Antoninho- esse que me escolheu- ,ele começa a fazer experiência, e você

consegue jogar dos dois lados, que eram só dois, você começa a perceber: “na pior das

hipóteses eu sou reserva”. Por quê? Porque só ficava um zagueiro no banco. Lembra?

Que ficava cinco atletas no banco. Eu já pensei, eu cheguei na Seleção, falei – a Seleção

era 57, nascidos de 57, eu de 58 – falei: - “Bom, normalmente...” Antigamente, o acesso

de atleta era por idade. Na Ponte Preta tinha o Oscar, o Polozzi, e o primeiro a subir foi

o Nenê..., o Eugênio, que é nascido em 56. Depois o Nenê, nascido em 56. Eu, em 58.

Eu passei pelos dois. É um sinal positivo. Eu cheguei na seleção de junior e consegui

ser titular contra atletas que eram de 57. Então o talento está puxando você para frente.

Agora o comparar é mortal. - “Nossa, aquele cara faz isso. Será que eu faço isso

também?” É muito gozado.

B. B. – Ainda que a Ponte Preta fosse uma equipe de porte menor do que as grandes da

capital, a Ponte Preta chega a final três vezes.

A. J. – Três vezes!

B. B. – No final dos anos 70, início dos anos 80...

A. J. – Uma eu fiquei no banco, em 77 eu fiquei no banco...

B. B. – Além disso, em Campinas o Guarani foi campeão brasileiro...

A. J. – Também, em 78.

B. B. – Que foi...

A. J. – Foi assim: em 76 a Ponte Preta fez uma campanha muito boa no Campeonato

Brasileiro. Eu não sei explicar como é que era a divisão, mas nós chegamos, nesse

campeonato, pelo desempenho do Campeonato Paulista. Eu consegui jogar algumas

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partidas, porque o Oscar machucou. Eu consegui ser titular da Ponte com... Eu tinha 18

anos. Aquilo que eu falei para você: o talento é antecipado, a coisa chega nova para o

cara que está crescendo. E o crescimento da Ponte Preta e do Guarani foi ao mesmo

tempo, concomitantemente. Os dois subiram e todos nós tiramos proveito, como o

Careca, Renato “Pé Murcho”, o próprio Oscar, Polozzi, o Carlos, que foram na Copa de

78, por quê? Pelo desempenho da Ponte Preta. Então, o clube tem um peso muito

grande na minha formação. Eu não posso nunca deixar de agradecer à Ponte Preta, a

Deus. Esse esforço todo ser recompensado, só que a existência do clube na vida do

atleta é uma linha que não tem como dividir. O que a Ponte Preta me ensinou e o que eu

repassei para a Ponte Preta? É muito difícil entender que essa divisão ocorre. Quanto do

Neymar é do Santos? E quanto que é só do talento dele? Não tem como separar. Então,

por alguma razão, tudo que a Ponte Preta fez naquele período, de 76 a 82, levou todos

nós para a Seleção. Que nós tivemos aí, durante três edições de Copa do Mundo,

jogadores da Ponte Preta convocados. Que é um marco. Todos nós convocados. Lembro

bem, a primeira vez que o Oscar foi para a Seleção, em 77, depois que a Ponte foi vice-

campeã paulista, esse que você falou, foi um impacto para nós. - “Nossa Senhora, o

Oscar vai para a Copa do Mundo!”. Para todos nós. Aí foi Oscar, Polozzi e o Carlos.

Nossa Senhora, um time pequeno... Não estou querendo dizer que é pequeno [risos],

mas a diferença de Corinthians e São Paulo... Então foi muito bom. Por mim, hoje, sou

ponte-pretano, não tem como desvincular a minha vida da Ponte Preta. Não tem como

separar: isso aqui é Juninho, isso aqui é Ponte Preta. Não dá.

B. B. – E esse campeonato estadual de 77, que acabou mobilizando o país todo porque

ele foi...

F. S. – Por causa do Corinthians!

A. J. – O Corinthians. Eu não lembro qual foi o governador, ou o presidente do

Corinthians lá, o Matheus, disse que o Corinthians ia ser campeão de qualquer jeito, que

a Ponte Preta tinha feito uma campanha excepcional nas fases de classificações. O

Botafogo também fez, que tinha Sócrates e Zé Mário, que é um ponta-direita que

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também foi para a Seleção, e assim todos nós surgimos. Na verdade a Ponte Preta, ela

ganhou de presente, e provocou o presente, de ter participado de uma competição muito

boa, e coincidentemente com o Corinthians. Que no último turno, o Corinthians já

estava praticamente desclassificado, não sei se vocês lembram. Era octogonal, sete

partidas. A Ponte Preta se classificou assim, rapidamente. Já está na final. E o

Corinthians ficou capengando. Quando nós chegamos no Morumbi - eu era reserva,

fiquei no banco – que nós entramos no campo, que nós vimos tudo aquilo lotado, falei: -

“Rapaz!”

F. S. – É o maior público da história do Morumbi.

A. J. – O maior público, que é o maior público também no campo do Internacional..., do

Grêmio, em 81.

F. S. – Grêmio e Ponte Preta.

A. J. – Grêmio e Ponte, foi um a zero para a Ponte. Gol do Oswaldo. O que eu lembro

bem, o terceiro jogo. A Ponte Preta jogava por empate na prorrogação. Ela precisava

empatar o jogo e empatar a prorrogação. Aí o que aconteceu? Com vinte e poucos

minutos, o Oscar falou para alguém – aquela época o banco era ali do lado do Morumbi,

não era essa casinha, era um banco mesmo [risos]. A gente ficava ali xingando o

bandeirinha. O bandeirinha, não era o auxiliar. Que o bandeirinha não era bandeirinha,

era árbitro que ia bandeirar. Era Romualdo4, esses caras, o Dulcídio5, esses caras que

iam bandeirar. O que aconteceu? O jogo da final foi em uma quinta-feira à noite. O

Oscar foi lá e falou assim: - “Minha chuteira está escorregando”. Aí eu falei para o

massagista: - “Eu vou correndo no Morumbi, no vestiário do São Paulo – vestiário

maior, que nós ficamos lá – eu vou lá correndo, eu vou lá, pego a chuteira e trago. E se

                                                                                                                         

4  Romualdo  Arppi  Filho,  árbitro  de  futebol  

5  Dulcídio  Wanderley  Boschilia,  árbitro  de  futebol  

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tiver alguma necessidade, eu já estou até aquecido”. A hora que eu voltei, o Corinthians

tomou uma bola na trave, tipo 25, 26 minutos do primeiro tempo. Rapaz, o Morumbi

urrou. Fez “Uh!”, mas um “uh”... de 120 mil “negos” falando: “Uuh!” [risos]. Falei: -

“Rapaz, essa coisa vai cair!” [risos]. Realmente está entre as cinco coisas que eu contei

para vocês. Uma das cinco coisas interessantes que eu contaria para todo mundo, foi

essa final que, infelizmente, nós não fomos campeões. Mas chegamos lá.

F. S. – Aquilo pode ter parecido único, mas depois a Ponte volta à final6 em 79...

A. J. – Mas com um time menor, a gente com uma capacidade menor.

F. S. – Você já recebendo mais chances como titular da Ponte...

A. J. – Sim, já titular.

F. S. – Pela maior presença do Oscar na Seleção Brasileira, na Copa de 78.

A. J. – Isso.

F. S. – O Oscar até titular junto do Amaral. É mais um estágio dessa sua evolução? É

como dizer: poxa, o negócio está melhorando?

A. J. – Eu estou mandando bem. Na verdade, a gente começa a mandar bem quando

chega o seguinte: titular absoluto, não só por causa do Oscar, porque em um ano – que

eu tive uma contusão séria em 78 – eu já era titular ao lado do Oscar. Que o Polozzi

saiu, criou essa brecha que eu contei para vocês, entre eu e mais dois companheiros, nós

três disputando a mesma posição. E tudo isso vai te fortalecendo, porque tudo é a

comparação. Meu amigo – nós somos amigos, na Ponte Preta, crescemos todo mundo                                                                                                                          

6  Referência  à  decisão  do  Campeonato  Paulista  de  1979,  novamente  disputada  entre  Corinthians  e  Ponte  Preta  

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junto, e a gente competia junto – eu ganhei do cara, eu virei titular, o time também foi

para a final. Que tem uma história lá na Ponte Preta, vocês podem provar perguntando

para o Oscar, que a melhor dupla é Juninho e Nenê. Eles dizem que é Oscar e Polozzi

[risos], eles dizem. Eu, Juninho e Nenê, muito melhor que Oscar e Polozzi. Por quê?

Porque, veja, o Polozzi saiu, eu entrei. Ficou Juninho e Oscar. Aí o Oscar saiu, entrou o

Nenê. Você vê, que coisa bonitinha que tinha lá assim. E todos nós jogamos juntos, nos

conhecendo bem. Pais, mães, irmãos, é gozado isso. O Oscar, para todos nós da Ponte

Preta, foi um exemplo máximo que nós tínhamos. Por comportamento, por ser uma

pessoa muito disciplinada, por ser uma pessoa que atingiu metas antecipadamente.

Então, dentro do nosso trabalho, ser titular no lugar do Oscar era um tremendo de um

lucro. Tudo isso foi acontecendo na minha carreira também, e chegou no o vice-

campeonato de 79. Mas o nosso time não era tão bom, tinha perdido alguns jogadores e

nós não conseguimos... Era um time muito novo, que veio a ser vice- campeão de novo

em 817.

B. B. – Na sequência desse vice- campeonato de 79, você é convocado para a Seleção

Brasileira principal...

A. J. – Fui convocado.

B. B. – E atua em quatro partidas...

A. J. – Isso.

B. B. – Contra Paraguai, contra Espanha, contra Polônia...

A. J. – Só aqui no Brasil eu atuei, se não me engano.

                                                                                                                         

7  Referência  ao  vice-­‐campeonato  da  Ponte  Preta  no  Campeonato  Paulista  de  1981.  

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B. B. – Teve um jogo em Assunção.

A. J. – Teve um jogo em Assunção e um jogo no Chile.

B. B. – É, no Chile.

A. J. – Eu tive pouquíssimas oportunidades, porque a posição era do Oscar. Foi

justamente na entrada do Telê, na CBF. O Telê vinha de uma campanha muito boa no

Palmeiras, veio para CBF, fez, assim, uma pequena mudança... Deixou de lado alguns

jogadores mais maduros, que já vinham de duas Copas, e possibilitou uma oportunidade

para novos. Nesses novos estão incluídos eu, o Edevaldo8, o Leandro, o Luizinho.

Quem mais? O Pedrinho, o Renato, o Careca. Então, tinha uma turma mais madura, que

era o Zico, que era o Falcão...

F. S. – Sócrates.

A. J. – Que era o Sócrates, que era o Valdir Peres. E tem a turma menor, que é... Nós

temos quatro anos de diferença, da turma de 54... A Copa de 82 tem: a turma de 54, que

são os titulares, e a turma de 58.

F. S. – São os reservas?

A. J. – Que são os reservas. Por isso que o Leandro tem um alto nível e o Luizinho

também, porque eles novinhos eram titulares. O Luizinho, inclusive, é um dos zagueiros

que eu gostaria de dizer que foi também um atleta... Apesar de sermos do mesmo ano,

da mesma idade, mas muito bom jogador, Nossa Senhora! Incrível!

B. B. – Então foi a mudança de técnico, do Coutinho para o Telê...

                                                                                                                         

8  Edevaldo  de  Freitas,  lateral  esquerdo  

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A. J. – Isso.

B. B. – Que abriu espaço para...

A. J. – Que possibilitou. Possibilitou que jovens valores... E todos esses que eu contei

para vocês tem uma historinha em seleção de base. Todos eles. Por exemplo, o

Edevaldo – o Edevaldo de Freitas, o lateral direito, que foi na Copa de 82, ele entrou em

um jogo - nós estivemos juntos em todas as seleções de base. Todas as fotografias que

tem, estou eu lá assim e o Edevaldo na direita [risos]. Eu ligo para ele falando: -

“Edevaldo, - vou falar o apelido dele – Cavalo!”. – “Ô, Juninho, para de palhaçada”. –

“Estou vendo a fotografia, você está aqui do meu lado, mala. Toda hora você está do

meu lado!”. É incrível! Então a CBF, ela tinha um padrãozinho assim: talvez, esses

jogadores, na dúvida, dá uma olhada se ele não já foi em seleção de base. Então é muito

bacana. Nós nos encontramos na Seleção profissional, imagina! Nós jogamos o primeiro

mundial de junior, que é de 77, que não é muito divulgado, mas foi o primeiro mundial,

e fomos juntos para a Seleção Brasileira. Você chega na Seleção com o mesmo cara,

você fala: -”Rapaz, nós éramos bacanas desde pequenininho!” [risos]. Muito legal!

 

B. B. – Então, quando você tem a consciência de que você vai participar da Copa de 82,

para você...

 

A. J. – Vixe, pesa muito na nossa vida. Um peso muito positivo, você já passa a ser

procurado por outros clubes. Nós não tínhamos empresário, as coisas eram feitas através

dos clubes. Então, tanto a Ponte Preta quanto o Corinthians já tinham ligado lá. A Ponte

Preta tinha um Conselho que administrava só as vendas. Tinha um Conselho lá que

tinha que convencer os caras que vender o atleta era bom, e era importante para a Ponte

Preta, porque a Ponte Preta vivia da venda. A cada ano ela vendia um ou dois atletas

que ela produzia na sua base, ela vendia. Então, desde 78, por essa trajetória minha de

seleção juvenil, seleção júnior, e profissional, eu já era interessante para contratação dos

times grandes da capital. Mais da capital do que de fora.

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F. S. – E antes ainda de seu nome começar a ser cogitado, de fato, como um jogador que

poderia ir para um grande clube da capital, você tem o problema da sua contusão grave

em 79...

 

A. J. – Isso, uma contusão seríssima.

 

F. S. – Que depois de um certo tempo você ainda lembra disso e isso até impede que

você vá para o Corinthians, antes ainda de você ter ido, em 83.

 

A. J. – Sem dúvida.

 

F. S. – Conta um pouco melhor essa contusão.

 

A. J. – Essa contusão, foi Ponte Preta e Corinthians, em um domingo à tarde, 13, 14 ou

15 de maio, eu lembro disso, que, na verdade, é nesse período que eu ia ser convocado

para a Seleção Brasileira. Porque a Seleção ia fazer dois jogos rápidos, uma coisa que

não tinha antigamente, tudo mais demorado, diferente do que é hoje. Então o Coutinho

imaginou que ele poderia levar eu e o Oscar para a Seleção, porque nós já tínhamos

entrosamento. Então eu já ia ser convocado para a Seleção profissional em 78, foi

justamente quando deu a contusão. Foi no dia que eu ia ser convocado. Aí eu tive essa

contusão, foi um lance com o Vaguinho lá, que ele deu carrinho, nem sei se tem filmado

isso ainda. Nós perdemos de três a um. Foi uma contusão assim, que no meu

entendimento, foi um marco na minha vida, é uma das cinco coisas que eu contaria. Por

quê? Porque eu transformei essa contusão em um handicap a favor. Em vez de ser

muito prejudicial – foi prejudicial por perder algumas convocações - mas me

possibilitou eu me formar mais como homem do que como atleta. Porque eu era cheio

de pose, “eu sou isso, eu sou aquilo”. Que é um inferno na nossa vida você ficar grande

sem saber que a sua cabeça suporte você ser tudo isso. Você fica grande, um cara

bacana, bonitão, chique... Você fica numa máscara desgraçada [risos], não tem como.

Você toma uma porrada dessa, você fala: - “Peraí, será que eu não facilitei, será que eu

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não estou preocupado com outras coisas?”. E o que ocorreu? O Nivaldo Baldo, que era

o fisioterapeuta da época, que tinha acabado de chegar... A presença do fisioterapeuta

no futebol, nessa época, era raríssima. E lá em Campinas tinha fisioterapia, o Nivaldo

veio, e nós criamos em seis meses uma condição de recuperação tão boa que eu nem fui

fazer preparo físico para voltar a jogar. Eu saí da fisioterapia e fui para o campo. Seis

meses depois, ficou aquela dúvida, no dia que eu operei tinham quatro médicos, porque

no hospital operou um outro jogador de futebol, que era defensor também, chamado

Primo, do São Paulo, e lá tinha quatro médicos. Os quatro médicos assistiram as duas

operações. E eles criaram aquela dúvida, doutor Amatuzzi que foi meu médico, que é

aqui de São Paulo – faz tantos anos que não encontro com ele, vou encontrar com ele,

pode deixar -, o doutor ficou na dúvida se vai voltar ou não. Nós nunca tivemos dúvida.

Seis meses. Deu assim uns cinco meses... não, deu certinho seis meses. Quando eu

voltei a jogar, eu já voltei assim: o Juninho era bonzinho imaturo, agora ele é bonzão e

maduro [risos]. Todos os jogos eu jogava bem, tinha um condicionamento físico que eu

não perdia, porque eu tinha problema de joelho, e naquela época não tinha tantos

recursos como tem hoje. Hoje você entra em uma academia, tem 200 aparelhos. Nós

tínhamos o legpress, que eu não fazia muito, uma máquina chamada Apolo, sei lá. Um

cara inventou e veio para o Brasil. Então a contusão, na verdade, ela mostrou um

amadurecimento, me permitiu um amadurecimento, e isso também surgiu no período

que eu entrei para a faculdade. Então foram três coisas que aconteceram: a contusão, a

recuperação – eu tenho umas filmagens em casa da minha recuperação, muito bacana -,

e voltar a estudar. Para mim foram três coisas que me marcaram e que me permitiram

ser melhor entendido dentro do meio que eu vivia, para tirar esse lado que... É que, na

verdade, eu sou falador, sou conversador, contador de história. E tinham isso, que eu era

um cara mascarado, cheio de coisa – acho que era um pouquinho sim [risos].

 

F. S. - E antes, já nessa preparação para a Copa de 82, que o Bernardo fala, o

Mundialito de 81 já teve um papel muito importante na preparação do elenco que o Telê

levaria para 82. Fala um pouco melhor do Mundialito...

 

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A. J. – O Mundialito, que hoje tem a ver, acho, que com Copa das Confederações, que

são os campeões do mundo, e é outro marco também, é outro degrau que você vai para

cima: - “Olha, eu estou disputando o Mundialito”. E o Brasil...

 

F. S. – Brasil, Uruguai, Argentina, Alemanha e Holanda.

 

A. J. – Isso. O Brasil ganhou duas...

 

F. S. – Empatou uma.

 

A. J. – Empatou uma, e depois perdeu para o Uruguai.

 

F. S. – Isso.

 

A. J. – O que eu achei interessante foi o ambiente que nós tivemos. Foi nessa época que

eu fiz o Jornal Nacional, fiz umas palhaçadas no meio do grupo lá [risos],

entrevistavam os caras e não sabiam o que eu ia fazer... Nem existia câmera de filmar,

eram raríssimas as câmeras de filmar. Era uma peça grande, obsoleta, e tal. E foi assim,

o importante, um expediente de contato com os outros atletas. Conhecer melhor o Zico,

conhecer melhor o Falcão, esses jogadores de altíssimo nível, que a gente admira os

caras. Desde moleque você admira os caras, os caras vão jogar com a gente. Acho que

foi muito importante o Mundialito, para a gente voltar ao enquadramento do que é uma

perspectiva de jogar uma Copa do Mundo. Você imagina, a gente novinho, sai de

Olímpia, vira jogador da Ponte Preta, titular... São tantas coisas que acontecem para

você chegar em uma Copa do Mundo, que antes da última convocação você fica

extremamente nervoso. Nossa, como eu fiquei nervoso, meu Deus! Vai que os caras

resolvem mudar para outro cara [risos]. Mas legal!

 

B. B. – Você falou de um bom ambiente...

 

A. J. – Bom ambiente. Nossa, nós tínhamos...

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B. B. – E o ambiente de 82?

 

A. J. – Foi mantido. A diferença foi que o Telê convocou o Dirceu, que não vinha

atuando muito ali, não lembro por qual razão o Dirceu9 foi convocado. Nós perdemos o

Reinaldo10 por algum deslize lá, que o Reinaldo fez alguma coisa, acho que o Telê

exagerou um pouquinho, porque acho que o Reinaldo seria o mais indicado para aquele

time que nós tínhamos. Acho que o Careca e o Reinaldo. Nós perdemos o Careca lá na

Copa do Mundo, acho que foi uma perda que não é falada muito, mas uma perda

superimportante, porque o Careca era novinho para caramba, acho que ele tinha 21, 19,

sei lá, pouquinha coisa. O “Careca” se contundiu lá em um jogo, eu lembro que no

ônibus que nós fomos embora eu fui lá, agradeci, fiz umas palhaçadas... Aquelas coisas

que eu sempre faço. Careca e tal aquela coisa, que era do Guarani, era meu concorrente

[risos]. Então, a amizade que nós tínhamos fora do campo, ela refletia dentro do campo,

essa preocupação... O time de 82, ele tinha um perfil Flamengo de jogo, com três times

cedendo jogador para essa Seleção: Atlético Mineiro, São Paulo e Flamengo. E mais o

Sócrates e o Falcão, não é isso? Ou errei algum nome? Então são três times, que foram

os principais times daquele período de três, quatro anos, culminando com aquela final

Atlético e Flamengo, que o mundo inteiro conhece, muito bacana, que o Flamengo

ganhou de três a dois o último jogo11, e era esse.... Mas muito amigos, porque desde 80,

essa Seleção era... As convocações eram repetidas. Com pouquíssimas mudanças. As

mudanças surgiam porque um atleta estava jogando muito bem no clube, ou por alguma

contusão. Então, quando nós chegamos em 82, no período da Seleção, já nas

eliminatórias nós já tínhamos uma amizade boa. A Volks12 deu um carro para nós de

presente. Aí, o que nós fizemos? Nós fizemos um sorteio, nós decidimos que o sorteio

                                                                                                                         

9  Dirceu  José  Guimarães,  meio-­‐campista  

10  José  Reinaldo  de  Lima,  atacante  

11  Referência  à  final  do  Campeonato  Brasileiro  de  1980,  entre  Flamengo  e  Atlético  Mineiro.  

12  Volkswagen.  

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ia envolver todos que tinham sido convocados, mesmo que não estivessem lá. Foi uma

decisão nossa, uma decisão de grupo. Fala assim: - “Não, eu estou aqui, eu fui

convocado em todos, eu quero a minha parte”. Não. A Volks deu lá não sei quantos

carros, nós fizemos a divisão, nós fizemos o sorteio. Os jogadores que não estavam ali,

foram sorteados lá na frente. Então, tinha uma amizade muito grande que, com certeza,

culminou com esse bom desempenho. A derrota vem porque vem mesmo, mas tinha

bom relacionamento.

B. B. – A gente vai precisar abreviar um pouco em função do horário, mas queremos só

que você fale um pouco mais dessas lembranças da Copa de 82 e o que ficou marcado...

Essa imagem que nós temos de um bom ambiente...

A. J. – Isso.

B. B. – “Voa canarinho, voa.”13 Isso de fato foi...

A. J. – O Júnior, o pessoal carioca, tinha uma participação muito grande por causa desse

expediente de descontração, o carioca, ele é, por si só... O Júnior, que era o que puxava

a fila, o Edevaldo – esse que eu falei – também puxava a fila. O Serginho Chulapa

também era bom de música. Então a música, ela está integrada no esporte, a música faz

parte do futebol. Tanto é que tem um monte de música que fala de futebol,

diuturnamente. E essa amizade nos permitiu que nós chegássemos... Disputamos as

eliminatórias, quatro partidas, ganhamos as quatro. Uma muito difícil, um gol de Zico,

contra a Venezuela. Venezuela, num campo horrível. O Zico fez um gol aos 39 do

segundo, que o empate ia ser um inferno para nós. Fomos lá na Bolívia, ganhamos de

dois a um, no limite. Acabou o jogo, viemos embora para o Brasil. Eu estava com o

Osmar Santos, ele narrando, ele passando mal, porque lá é um inferno, aquela tal de

altitude que tem lá. Então, tudo isso que a Seleção foi... e ganhando muito. O ambiente

                                                                                                                         

13  Referência  à  música  “Povo  feliz”,  cantada  pelo  lateral  Júnior  e  lançada  antes  da  Copa  de  1982.  

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de vitória, ele é muito bom porque ele vai consolidando as peças, e as peças vão se

enquadrando. - “Olha, espera aí, eu sou reserva, mas se eu entrar eu estou em um time

bom.” Que é diferente de ser reserva em time ruim. O treinador olha: - “Vou trocar

alguém”, “nego” fala assim: - “Hum, está vendo aquilo ali” [risos]. E isso credenciou

que nós chegássemos na Copa do Mundo com muito resultado positivo. Teve uma

viagem para a Europa, que o Brasil ganhou umas três partidas. Foi nessa viagem que o

Valdir Peres virou titular, que ele pegou dois pênaltis, e tal. Então, assim, o bom

desempenho da Seleção de 82 – que eu digo bom desempenho, nós ficamos em quinto

lugar – ele se fez também pela amizade que nós tínhamos entre nós.

F. S. – E até você ganha intimidade para criar apelido com o pessoal, que o Valdir Peres

era o ”Babão”, o Oscar era “O Belo”...

A. J. – Nossa. Então, justamente por quê? Por repetir. Você conhecia a pessoa e

começava a entender a pessoa, saber da família, ficou íntimo. Nós ficamos rodando

juntos durante dois anos, e isso refletiu na amizade que nós tínhamos e refletiu no

resultado. Perdemos para a Itália? Alguém tem que perder um dia, não tem como. Mas

com certeza o que o Telê planejou, ele conseguiu chegar. Apesar de alguns erros que eu

acho que ele cometeu, por escolhas pessoais, o Brasil chegou na Copa do Mundo para

vencer. E jogou para vencer. Fez 15 gols, teve tudo para vencer e, acidentalmente, Paolo

Rossi14 naquele dia estava inspirado. Fazer o quê?

B. B. – Juninho, para concluir: você falou de um ambiente de vitórias, como é que foi

lidar com a derrota e que lembranças você guarda do retorno ao Brasil?

A. J. – O retorno foi trágico, nós fomos para o bar [risos]. Acabou o jogo, nós fomos

para o bar. Entre aspas. Pouco. Todo mundo desesperado, por quê? Eu fiz uma

piadinha... Vocês sabem da piadinha que eu fiz no ônibus, que eu entrei e falei: -

                                                                                                                         

14  Paolo  Rossi,  atacante  italiano,  autor  dos  três  gols  da  vitória  da  Itália  sobre  o  Brasil  na  Copa  de  1982.  

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“Pessoal, é um sonho, o jogo é amanhã, não sei o que lá, e tal” [risos]. Por quê? Porque

para nós foi muito chocante a derrota. Porque você está o tempo todo... O adversário,

que é de alto nível, faz um a zero. Você empata, você está classificado, tinha uma

vantagem. O adversário faz dois a um. No intervalo você faz dois a dois no limite. E o

cara faz três a dois, e você está ali, batendo, chuta, o goleiro pega uma bola, outra

perigosa. Você está mais perto do empate, que não é difícil um empate. E aí perde.

Nossa, deu um “branco” geral. Chegamos no hotel – não lembro o nome do hotel –, do

primeiro dia para o outro, ninguém saiu do quarto. Aí que “nego” começou a botar a

cara de fora e falar: - “Gente, é verdade mesmo, nós perdemos”. Convocaram o avião

que nos levou... No avião acho que foi o pior de tudo. Na verdade a ficha mesmo caiu,

falei assim: - “Gente, nós estamos no avião, não é para ir para Madri”. Porque ia para

Madri, para jogar lá, sei lá contra quem. Acho que contra a Polônia, não é?

 

F. S. – Não, a semifinal contra a Polônia ia ser em Barcelona.

A. J. – Ia ser em Barcelona, é. Isso. E aí, no avião da volta, que teve o choro, teve a

reclamação: - “Podia ter feito isso, podia ter feito aquilo”. Tudo aquilo que surge logo

após uma derrota desse impacto, que foi muito grande para todos nós. Para a minha

carreira, imagina se eu tivesse sido campeão do mundo em 82, quanto eu representaria.

Um monte de coisa favorável. Um monte de coisa errada também, que vem junto. Tudo

vem junto. Mas assim, eu acho que a Seleção fez uma campanha muito boa, eu acho que

um fato que pesa muito foi nós termos viajado muito no dia do jogo. Foi o pior

caminho, o cara sorteou na hora. Você lembra, tem aquele sorteio para saber o caminho,

por causa do ETA, aquele negócio da Itália lá, aquela coisa, da Espanha. O cara sorteou,

nós pegamos o caminho mais longo. Começamos com samba e chegamos no campo em

silêncio, porque ficou muito longo. Mais do que 50 minutos é prejudicial para qualquer

coisa, entendeu? Então esse é um dado que eu sempre... Sempre que eu encontro com o

pessoal de 82 eu falo: - “Vocês lembram que nós demoramos muito para chegar no

campo?”. Os caras: - “Pô, Juninho, mas por que você lembra?”. – “Porque o samba

acabou” [risos]. Talvez tenha um peso muito grande no resultado.

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B. B. – Juninho, muito obrigado. Em nome do Museu do Futebol e da Fundação Getúlio

Vargas. Nós queremos aqui não concluir, interromper uma primeira parte e renovamos

nosso convite para continuar essa conversa com você...

A. J. – Se puder, eu venho com prazer. Espero ter sido...

B. B. – Uma honra.

A. J. – Foi bom?

F. S. – Foi.

A. J. – Para mim foi bom [risos]. Muito obrigado. Deu certo, gente?

B. B. – Maravilhoso.

F. S. – Acho que é legal continuar, porque...

[FINAL DO DEPOIMENTO]