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proibição retrocesso
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EstudosdeHomenagemaoProf.DoutorGomesCanotilho,CoimbraEditora,2012
AlexandraArago1
Desenvolvimento sustentvel em tempo de crise e em mar de simplificao. Fundamento e limites da proibio de retrocesso ambiental
Alexandra Arago
Contedo1. Introduo.....................................................................................................................................................1
2. Causas de retrocesso ambiental......................................................................................................................3
3. Fundamentos especficos da proibio de retrocesso ambiental.....................................................................7
4. Evoluo, progresso e retrocesso.....................................................................................................................17
5. Pressupostos da proibio do retrocesso ambiental..........................................................................................24
6. Redues no retrocedentes do nvel de proteco......................................................................................25
8. Retrocessos ambientais admissveis..............................................................................................................27
9. Condies gerais de admissibilidade do retrocesso.......................................................................................31
10. Concluso...............................................................................................................................................33
1. Introduo
A proibio do retrocesso um tema recorrente na doutrina constitucional a propsito dos direitos sociais.
Reconhecidos como direitos de realizao progressiva, os direitos sociais e a sua concretizao dependem
tanto da agenda poltica como da disponibilidade financeira do Estado. Nas palavras de Gomes Canotilho,
hoje como ontem, os direitos sociais, econmicos e culturais colocam um problema incontornvel: custam
dinheiro, custam muito dinheiro1. No caso da proteco do ambiente podem ser encargos com medidas de
adequao s exigncias legais e encargos administrativos ligados ao controlo; investimentos anteriores ao
desenvolvimento de uma actividade e custos posteriores, para monitorizao da actividade; pagamentos por
causa da poluio e pagamentos para evitar a poluio; custos pblicos e custos privados Mas, alm de a
proteco ambiental fazer gastar tempo e dinheiro, como se no bastasse, ainda pode criar complexidade
administrativa, entraves ao comrcio, insegurana jurdica.
Ora, no de admirar que, devido a alteraes da conjuntura econmica, devido ao crescimento da
intolerncia aos escolhos burocrticos ou devido integrao econmica em blocos regionais como a Unio
Europeia, a certa altura, estes custos sejam considerados intolerveis.
1 Metodologia Fuzzy e Camalees normativos na problemtica actual dos direitos econmicos, sociais e culturais, in: Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2 ed. Coimbra Editora, 2008, pg. 106.
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Em tempo de crise econmica, a presso da opinio pblica para cortar as despesas pblicas faz-se sentir
sobretudo nos domnios vistos como dispendiosos e pouco teis: da poltica de cooperao para o
desenvolvimento poltica cultural, da poltica militar poltica do ambiente, o argumento utilizado sempre
a no essencialidade dos valores protegidos relativamente a outros valores considerados prioritrios, como a
sade, a habitao, a educao ou a segurana pblica. Na ptica do mercado, a prioridade tambm proteger
as empresas das cargas fiscais, das quotizaes sociais, das obrigaes ambientais e dos fardos burocrticos,
considerados demasiado pesados para o fraco tecido econmico e, portanto, reputados dispensveis2.
A presso que, em tempo de crise e em mar de simplificao, se faz sentir, para revogar leis ambientais e
abandonar medidas de proteco de recursos naturais, consideradas dispendiosas, complexas e suprfluas,
convoca uma reflexo crtica acerca da aplicao do princpio da proibio do retrocesso social, proteco
ambiental e acerca do nascimento do princpio da proibio do retrocesso ambiental.
No nosso propsito fazer uma reviso da vasta literatura sobre retrocesso social, mas apenas procurar as
razes especficas, que nos permitem fundamentar actualmente a defesa de um princpio de proibio de
retrocesso em matria de proteco ambiental.
Pensamos que se justifica um estudo autnomo sobre o princpio da proibio do retrocesso ambiental,
porque h razes prprias do Direito Ambiental que justificam a proibio de retrocesso e porque h critrios
ambientais diferentes dos sociais para aferir se estamos ou no perante um retrocesso inadmissvel.
Porm, a razo determinante da escolha deste tema foi o facto de considerarmos que tambm ele orbita na
vasta esfera de interesses do nosso homenageado. Deste modo, pretendemos, com este estudo, dar
continuidade s interrogaes formuladas por Gomes Canotilho quanto existncia de () uma proibio
constitucional de retrocesso ecolgico-ambiental () e a propsito de saber se o princpio do retrocesso
ecolgico transporta a exigncia de proibio de desregulao da disciplina normativa-ambiental ()3.
Contudo, a aproximao que faremos ao tema do retrocesso, no uma abordagem teortica, fundada no
direito interno, sobre a existncia, a natureza ou a admissibilidade constitucional do princpio da proibio de
retrocesso, mas antes uma aproximao essencialmente pragmtica, em torno do fundamento jurdico
europeu do princpio, e ilustrada com exemplos que pretendem iluminar o texto com as cores da vida.
2 Ou at inconstitucionais e violadores dos Tratados Europeus, por desrespeito do direito fundamental de propriedade, das liberdades de iniciativa econmica, de estabelecimento e de concorrncia. Estes argumentos foram invocados pela empresa siderrgica Arcelor, SA, para fundamentar o seu pedido de anulao da Directiva 2003/87, de 13 de Outubro, que criou o regime europeu do comrcio de emisses de gases com efeito de estufa. No processo T-16/04, com deciso do Tribunal Geral em 2 de Maro de 2010, os juzes europeus no deram razo Arcelor, SA. 3 No texto que, em 2002, serviu de base comunicao proferida nas Jornadas Luso-Espanholas sobre Temas de Direito de Ambiente (O Direito ao Ambiente como Direito Subjectivo, in Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2 ed. Coimbra Editora, 2008, pgs. 182-183).
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2. Causas de retrocesso ambiental Olhando hoje para o edifcio jus-ambiental em Portugal, verificamos que ele foi sendo gradualmente erigido ao
longo das ltimas dcadas, mais por imposio europeia, do que por iniciativa nacional.
A necessidade de estudar a reversibilidade ou irreversibilidade da proteco ambiental resulta do
reconhecimento da crescente intensidade dos ataques ao edifcio jus-ambiental, vindos especialmente de duas
frentes: a frente econmica, resultante de um cenrio de crise prolongada4 e de reorientao de prioridades
sociais5 e a frente da governncia, preconizando um movimento crescente de simplificao administrativa e de
desburocratizao, a bem da transparncia, da abertura, da participao, mas tambm do desenvolvimento
econmico, da livre circulao dos factores de produo, da estandardizao e da livre concorrncia.
Sem nos pronunciarmos para j sobre a sua admissibilidade concreta, vamos analisar algumas alteraes
legislativas ocorridas em Portugal e que, de uma forma ou de outra, tiveram como efeito a reduo do nvel
de proteco ambiental. A nossa preocupao no , por agora, de analisar se essa reduo justificada,
tolervel ou proporcional. Pretendemos apenas avanar alguns exemplos que demonstram que, por razes
variadas, estamos a atravessar um perodo de retrocessos ambientais multifactoriais.
2.1. Retrocesso motivado pela crise econmica Um exemplo possvel do retrocesso ambiental justificado pela crise econmica a primeira alterao Lei n
50/2006, de 31 de Agosto, que criou um regime especial para as contra-ordenaes ambientais em Portugal.
A Lei n 89/2009, que reviu o regime das contra-ordenaes ambientais, trs anos depois da sua entrada em
vigor, resultou de uma proposta aprovada em Conselho de Ministros em 30 de Abril de 20096. Segundo o
Comunicado do Conselho de Ministros, a proposta de Lei baseou-se numa reduo da larga maioria dos
valores das coimas, com especial relevo para os limites mnimos sendo a sua justificao principal o
propsito de conferir ao regime aplicvel s contra-ordenaes ambientais um carcter mais adequado ao
quadro socioeconmico do pas, ajustando a punio necessidade de no comprometer a subsistncia de
pessoas singulares e de pessoas colectivas de pequena e mdia dimenso.
Eis a comparao entre as sanes consagradas na primeira e na segunda leis:
Lei 50/2006 Infraces leves Infraces graves Infraces muito graves negligncia dolo negligncia dolo negligncia Dolo
Indivduos 500 a 2500
1500 a 5000
12500 a 16000
17500 a 22500
25000 a 30000
32000 a 37500
4 Numa perspectiva constitucional brasileira, j em 2006, Ingo Wolfgang Sarlet discorria sobre o dilema da manuteno de nveis satisfatrios de proteco social num contexto de crise (A proibio do retrocesso, dignidade da pessoa e direitos sociais: manifestao de um constitucionalismo dirigente possvel, in: Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXII, Coimbra 2006, pg. 254 e ss). 5 Segundo dados do Eurobarmetro, em Fevereiro de 2009, j 90% dos europeus consideravam que a crise financeira teria forosamente consequncias importantes para a economia (Os europeus e a crise econmica, Eurobarmetro normal, (EB71), 24 de Maro de 2009. 6 Em 3 de Julho de 2009, a proposta foi aprovada na Assembleia da Repblica com o voto favorvel do Partido Socialista e votos contra do Partido Social Democrata, do Partido Popular e do Bloco de Esquerda.
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Empresas 9 000 a 13000
16000 a 22500
25000 a 34000
42000 a 48000
60000 a 70000
500000 a 2500000
Lei 89/2009 Infraces leves Infraces graves Infraces muito graves 7
negligncia dolo negligncia dolo negligncia dolo Indivduos 200 a
1000 400 a 2000
2000 a 10000
6000 a 20000
20000 a 30000
30000 a 37500
Empresas 3 000 a 13000
6000 a 22500
15000 a 30000
30000 a 48000
38500 a 70000
200000 a 2.500.000
Em percentagem, a reduo mdia foi de 32,5%, correspondendo a redues entre os 6,25% e os
84% para os indivduos e entre os 28,5% e os 66% para as empresas.
Infraces leves Infraces graves Infraces muito graves negligncia dolo Negligncia dolo negligncia dolo
Indivduos -60% e-60% -73% e -60% -84% e-37,5% -65,6% e -11% -20% e 0% -6,25% e 0%Empresas -66% e 0% -62,5% e 0% -40% et -11% -28,5% e 0% -35,8% e 0% -60% e 0%
Olhando para as redues operadas, levantam-se algumas questes: justificar-se-ia realmente esta reduo?
No haveria outras formas de aliviar as cargas financeiras que pendem sobre os operadores econmicos? No
ser este um sinal errado aos operadores econmicos, em contradio com o sentido geral da evoluo do
ordenamento jurdico ambiental, nomeadamente o regime da responsabilidade ambiental, que responsabiliza
os operadores pela adopo de medidas de preveno e reparao de todos os danos ou ameaas causados8
e at do regime da responsabilidade penal, que aponta no sentido do reforo das sanes aplicveis aos crimes
ambientais9?
2.2. Retrocesso motivado pela simplificao administrativa Outro caso, agora ilustrativo do retrocesso decorrente dos mpetos simplificadores associados s exigncias
de governncia, a conciliao entre o regime de produo de energia elctrica a partir de fontes de energia
renovvel (FER) e o regime de conservao da natureza e da biodiversidade10.
7 Estes montantes so elevados para o dobro no caso de a presena ou emisso de uma ou mais substncias perigosas afectar gravemente a sade ou a segurana das pessoas e bens e o ambiente (artigo 23 da Lei n 89/2009). 8 Artigo 12 do Decreto-lei n 147/2008, de 29 de Julho. 9 A experincia tem revelado que os actuais regimes de sanes no tm sido suficientes para garantir a observncia absoluta da legislao sobre proteco do ambiente. Esta observncia pode e dever ser reforada atravs da previso de sanes penais que reflictam uma desaprovao social qualitativamente diferente das sanes administrativas ou dos mecanismos de indemnizao do direito civil, pode ler-se no prembulo da Directiva 2008/99, de 19 de Novembro, relativa proteco do ambiente atravs do direito penal. Esta directiva foi transposta para o ordenamento jurdico portugus em 15 de Novembro de 2011, pela Lei n. 56/2001, que altera os crimes de incndio florestal, de dano contra a natureza e de poluio, e cria um novo tipo legal de crime de "actividades perigosas para o ambiente". 10 O aparente retrocesso que resulta do choque entre dois ou mais objectivos ambientais conflituantes situa-se fora do enquadramento dogmtico do retrocesso ambiental. So os chamados conflitos internos ou dilemas ambientais, de que exemplo paradigmtico o potencial conflito entre a reduo das emisses de gases com efeito de estufa e a proteco da natureza e biodiversidade, resultante das fontes energticas renovveis cujos impactes na fauna e na flora so muito significativos: a desflorestao para produo de biocombustveis em regime de monocultura intensiva, a construo de grandes empreendimentos hidroelctricos em zonas ecologicamente sensveis ou a explorao de parques elicos em zonas naturais classificadas. O retrocesso ambiental, de que nos propomos tratar, ocorre apenas quando o ambiente perde para outros valores, ou seja: conflitos externos.
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A lei que estabelece a Rede Natura 2000 prev, no seu artigo 10, n.10, as estritas condies em que podem
ser autorizadas aces, planos ou projectos susceptveis de originar impactes ambientais negativos em zonas
classificadas. Desde 1999 que a aprovao depende do reconhecimento, atravs de um despacho ministerial
conjunto, da ausncia de solues alternativas e da existncia de razes imperativas de reconhecido
interesse pblico11.
Porm, em 2004 aprovado um Despacho Conjunto12 que reconhece, em abstracto, o interesse pblico
relevante de certos projectos de produo de energia elctrica a partir de energias renovveis (elica, hdrica,
biomassa, biogs, ondas, fotovoltaica e pequenas centrais hidroelctricas13), onde quer que eles se localizem.
O regime aprovado prev a dispensa de um despacho conjunto ad hoc, sempre que, da avaliao de impacte
ambiental ou da anlise de incidncias ambientais de um projecto relativo s mencionadas FER, no resulte a
emisso de uma declarao de impacte ambiental desfavorvel. Rigorosamente, no sequer necessrio que
se trate de uma declarao de impacte ambiental totalmente favorvel, basta que seja favorvel mediante o
cumprimento das condies previstas.
Em suma, sempre que se pretenda realizar um qualquer projecto de produo de electricidade a partir das
FER descritas, mesmo em zonas sensveis e classificadas para a conservao da natureza, presume-se a
ausncia de solues alternativas e a existncia de razes imperativas de reconhecido interesse pblico.
Mais, da declarao de impacte ambiental positiva decorrem ainda outros efeitos automticos: o
reconhecimento do interesse publico para efeito de autorizao de edificaes em terrenos sitos na Reserva
Ecolgica Nacional, a aprovao por parte da Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional
competente, a emisso de parecer favorvel do Instituto da Conservao da Natureza e Biodiversidade e a
11 Artigo 10, n10 do Decreto-lei n 140/99, de 24 de Abril, alterado pelo 49/2005, de 24 de Fevereiro: a realizao de aco, plano ou projecto objecto de concluses negativas na avaliao de impacte ambiental ou na anlise das suas incidncias ambientais depende do reconhecimento, por despacho conjunto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Territrio e do ministro competente em razo da matria, da ausncia de solues alternativas e da sua necessidade por razes imperativas de reconhecido interesse pblico, incluindo de natureza social ou econmica. de notar que o adjectivo escolhido para qualificar o interesse pblico reconhecido est de acordo com a verso portuguesa da Directiva 93/43, que cria a Rede Natura 2000, mas est em completa dessintonia com todas as restantes verses lingusticas da mesma norma. De facto, a verso portuguesa da Directiva diverge das restantes lnguas oficiais ao usar um adjectivo que no transmite a especial relevncia dos interesses pblicos que exigem a realizao da actividade, do plano ou do projecto. Nas outras verses lingusticas da mesma Directiva, a especial relevncia dos interesses que permitem a compresso dos Stios classificados clara. Em ingls: imperative reasons of overriding public interest. Em espanhol: razones imperiosas de inters pblico de primer orden. Em francs: raisons impratives d'intrt public majeur. Em italiano: motivi imperativi di rilevante interesse pubblico. Em alemo: berwiegenden ffentlichen Interessen. Em romeno: motive cruciale de interes public major. 12 Despacho Conjunto n 51/2004, de 31 de Janeiro, do Ministro da Economia e do Ministro das Cidades, Ordenamento e do Territrio e Ambiente. 13J em 6 de Maro de 2012, a fim de ponderar e reavaliar o enquadramento legal da produo de eletricidade em regime especial, o Governo determinou que as autoridades competentes na rea dos recursos hdricos passassem a emitir informaes prvias desfavorveis ou a indeferir liminarmente os requerimentos de atribuio de novos ttulos de utilizao dos recursos hdricos para fins de produo de energia a partir de centrais minihdricas (Despacho Conjunto n.3316/2012, dos Ministrios da Economia e do Emprego, e da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Territrio).
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adopo de posio favorvel por todos os representantes das entidades dependentes ou tuteladas pelo
Ministrio do Ambiente (ponto 3 a], e]).
A razo directa da criao deste expedito regime o reconhecimento das demoras significativas e
insustentveis dos procedimentos de licenciamento dos projectos de produo de energia elctrica a partir
de FER e a necessidade de imprimir a necessria celeridade nos procedimentos de licenciamento de
projectos de produo de electricidade a partir de FER. O meio adoptado a clarificao dos
procedimentos de gesto e licenciamento, o que vem na linha das regras gerais simplificadoras dos
procedimentos de licenciamento adoptadas pelo Ministrio do Ambiente. A justificao ltima deste regime
no podia ser mais nobre: dar resposta () aos compromissos internacionais assumidos por Portugal,
decorrentes do reconhecimento de que o aumento de utilizao das FER constitui um relevante contributo
no s para a segurana de abastecimento, como tambm para fazer face s alteraes climticas, atravs da
reduo das emisses de gases com efeito de estufa, constituindo um elemento importante das medidas
necessrias ao cumprimento do Protocolo de Quioto no quadro do Programa Nacional das Alteraes
Climticas14.
A tentativa de conciliao, por vezes precipitada, entre conservao da natureza e produo de energias
renovveis, maxime energia elica, uma realidade comum a muitos Estados Membros da Unio Europeia15,
que j levou a Comisso a aprovar orientaes para conciliar o desenvolvimento da energia elica e a poltica
de biodiversidade16.
Mas a pergunta que se impe : o fim da reduo de gases com efeito de estufa justificar quaisquer meios?
Ser compatvel com o esprito da directiva europeia que estabelece a Rede Natura 2000, que exige a
declarao de um interesse pblico relevante, um regime de reconhecimento, em abstracto, da
compatibilidade entre qualquer projecto de FER e a conservao da natureza? Ser realmente dispensvel
uma anlise caso a caso? Por outro lado, far sentido, no caso dos projectos de FER, suprimir as exigncias
legais relativas ao acordo de vrias entidades (como o Instituto da Conservao da Natureza e Biodiversidade,
a Comisso de Coordenao e Desenvolvimento Regional, etc.) para a aprovao de projectos a realizar em
zonas naturais classificadas?
Tambm a nvel europeu encontramos exemplos de simplificao indutora do retrocesso. Estamos a pensar
na Directiva 2006/123, de 12 de Dezembro, que visa promover a livre circulao de servios pelo estabelecimento
de um quadro jurdico geral aplicvel a uma ampla variedade de servios (). Esta Directiva baseia-se
numa abordagem dinmica e selectiva que consiste em eliminar, prioritariamente, os entraves que podem ser
14 Pargrafos 2, 6, 7 e 8 do Prembulo do Despacho Conjunto. 15 H algumas excepes, como por exemplo a Blgica, que probiu atravs de um Arrt royal de 14 de Outubro de 2005, a instalao de parques elicos off shore em stios marinhos da Rede Natura 2000. Para a Regio da Flandres, uma circular de 17 de Julho de 2000 impe a mesma interdio para os parques terrestres. 16 IP/10/1450 Bruxelas, 29 de Outubro de 2010.
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rapidamente suprimidos e, relativamente aos restantes, em lanar um processo de avaliao, de consulta e de
harmonizao complementar sobre questes especficas que permitir, progressivamente e de maneira
coordenada, a modernizao dos sistemas nacionais de regulamentao das actividades de servios,
indispensvel para a realizao de um verdadeiro mercado interno dos servios at 201017.
Por sua vez, o Decreto-lei n. 92/2010, de 26 de Julho, que transpe esta Directiva para o ordenamento
jurdico portugus, assume o desgnio europeu e prope-se fomentar a competitividade do mercado dos
servios18 custa de reduzir ao mnimo indispensvel os encargos sobre todos os prestadores de servios e
seus destinatrios19.
Assim, a partir de Outubro de 2010, servios como a explorao de aterros para deposio de resduos, a
observao de cetceos, ou a pesquisa, captao ou extraco de guas subterrneas20, deixam de poder ser
submetidos a controlos prvios, salvo casos excepcionais, como quando a escassez de recursos naturais ou
das capacidades tcnicas disponveis o justifiquem, caso em que a lei pode limitar o nmero de permisses
administrativas a conceder para uma actividade de servios ()21. Ainda mais excepcional a invocao da
proteco do ambiente em geral, ou do ambiente urbano em particular, como imperiosa razo de interesse
pblico que permita o estabelecimento de um regime diferente e mais restritivo para certos servios22.
O escasso tempo decorrido desde a entrada em vigor do novo regime liberalizando os servios no nos
permite ainda ter uma viso clara dos efeitos ambientais da simplificao dos procedimentos. Contudo,
pensamos que a remoo de controlos prvios em actividades com impactes ambientais significativos
comporta, inevitavelmente, riscos.
3. Fundamentos especficos da proibio de retrocesso ambiental No Direito, a reversibilidade um fenmeno normal. As leis, em regra, so alterveis porque exprimem a
vontade, amide volvel, dos Homens. Mas pode haver razes fortes para defender a irreversibilidade de
algumas leis: a preservao de expectativas criadas, o respeito de compromissos assumidos, a segurana no
trfico jurdico, a previsibilidade e a planificao pessoal e empresarial, e, sobretudo, a preservao de novos e
frgeis equilbrios sociais considerados mais justos e mais promotores da coeso social, maxime, por
corresponderem proteco de minorias e de indivduos ou populaes vulnerveis ou socialmente excludas.
No caso do retrocesso ambiental, a estas (e outras) razes gerais, acrescem ainda algumas razes especiais,
no menos importantes, que resultam do facto de o retrocesso das leis de proteco ambiental provocar,
17 Pargrafo 7 do prembulo da Directiva. 18 Prembulo, 9 do Decreto-lei. 19 Artigo 5, sob a epgrafe desburocratizao e simplificao. 20 Estes so servios includos na lista (no taxativa, mas exemplificativa), anexa lei. 21 Artigo 17, n 3, em estrita conformidade com o artigo 12, n1 da Directiva. 22 Artigo 30 do mesmo Decreto-lei.
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consequencial e necessariamente, uma degradao do estado de conservao do ambiente, intolervel num
Estado de Direito Ambiental23.
3.1. Fundamento ambiental da proibio do retrocesso ambiental: a precauo ecolgica A prpria natureza dos problemas ambientais, com os quais nos confrontamos hoje, o primeiro
fundamento especfico da proibio de retrocesso ambiental, razo pela qual falamos de precauo ecolgica.
De facto, os problemas ambientais so problemas globais, crescentes e, frequentemente, irreversveis:
Globais, no sentido de que a sua magnitude planetria. Podemos afirmar, sem receio de errar, que dificilmente existir um Estado ou sequer um indivduo no Planeta que no seja afectado, em maior
ou menor grau, pelos novos problemas ambientais globais como o efeito de estufa, a destruio da
camada de ozono, a desflorestao, a acidificao, a poluio agro-qumica, a desertificao ou a
radiao nuclear
Crescentes, porque, se nada fizermos, a cada dia que passa os problemas ambientais vo agravar-se mais. A presso humana sobre os recursos naturais tal, que cada vez a sua resoluo se torna mais
difcil, mais dispendiosa e mais complexa. Na obra Os limites do crescimento24, mostra-se como no
cenrio business as usual a extino previsvel e datada dos recursos naturais conduzir a
humanidade para o colapso, j que a evoluo dos problemas ambientais obedece a um padro de
crescimento exponencial.
Irreversveis, pois os impactes resultantes da sobre-utilizao dos recursos naturais podem atingir um grau tal que, na prtica, se torna impossvel revert-los. Tratando-se de recursos naturais escassos e
no renovveis (como os recursos minerais ou os hidrocarbonetos, por exemplo) os impactes so
irreversveis porque se traduzem na extino do recurso. Mas, mesmo tratando-se de recursos
renovveis (como a fauna ou a flora selvagens), a sobre-explorao pode conduzir a uma to
profunda degradao, que os recursos dificilmente recuperam da espiral aniquiladora em que
entraram, acabando por ocorrer, subsequentemente, a extino irreversvel (de que paradigma a
extino de espcies raras e em perigo).
23 Gomes Canotilho tem desenvolvido, em paralelo com o tpico da democracia sustentada, o conceito constitucional de Estado de Direito Ambiental ou Estado Constitucional Ecolgico, entendido como aquele Estado que pressupe uma concepo integrada ou integrativa do ambiente, e assume o dever de acompanhar todo o processo produtivo e de funcionamento sob um ponto de vista ambiental (Estado Constitucional Ecolgico e Democracia Sustentada, in: RevCEDOUA, n 8, 2/2001, pgina 12). Ver tambm Estado de Direito, Coleco Cadernos Democrticos, Fundao Mrio Soares, Lisboa, 1999 e Judicializao da ecologia ou ecologizao do direito, in: Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, n. 4, 1995, pg. 73-75). 24 Donella Meadows, Denis Meadows e Jorgen Rangers. (Publicaes D. Quixote, Lisboa, 1973). A esta obra seguiu-se outra dos mesmos autores: Alm dos limites- Da catstrofe total ao futuro sustentvel (Difuso Cultural, Lisboa, 1993), onde pela primeira vez se utiliza um programa informtico desenvolvido no Massachusetts Institute of Technology, denominado World 3, para simular modelos de comportamento em sistemas complexos com equaes interdependentes, e para testar a sustentabilidade das tendncias evolutivas em relao capacidade de suporte do planeta (p. 117).
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Alm dos casos j mencionados, em que a sobre-utilizao do recurso se traduz no seu esgotamento, h
tambm situaes de contaminao duradoura e difcil de reverter, como a eutrofizao do meio aqutico25,
devido ao uso excessivo de nitratos de origem agrcola, ou a contaminao dos solos por radioactividade ou
por metais pesados26.
Ora, a proibio do retrocesso ambiental justifica-se para evitar as irreversibilidades ecolgicas graves,
mesmo quando no temos a certeza se o retrocesso ambiental vai, ou no, ter as consequncias que
tememos27. Temos, portanto, duas justificaes diferentes para a proibio do retrocesso.
Porque o princpio da proibio de retrocesso no pode ser compreendido, se no for em articulao com os
restantes princpios de poltica ambiental, podemos afirmar que se probe o retrocesso por precauo ou por
preveno, consoante ainda exista apenas o risco ou j exista a certeza de que a alterao legislativa em causa vai
conduzir a uma reduo do nvel de proteco alcanado. Tanto o princpio da precauo como o princpio
da preveno28 impem a adopo tempestiva de medidas antecipatrias que permitam, em tempo til e com
eficcia, evitar os efeitos ambientais indesejveis.
3.2. Fundamento social da proibio do retrocesso ambiental: a justia intergeracional Acresce que, alm da impressionante natureza dos problemas ambientais, os principais beneficirios da
legislao de proteco do ambiente no so os seus destinatrios, o que pode conduzir a uma ingovernncia
intolervel29.
Com efeito, so as geraes actuais, que aprovaram as leis, as principais destinatrias das normas ambientais,
que impem limites s actividades econmicas, condicionamentos aos estilos de vida, restries s liberdades
25 A eutrofizao um fenmeno de contaminao aguda que j levou responsabilizao do Estado francs, em 2009, por um tribunal de Rennes em virtude da morte de um cavalo, numa praia em Frana. A morte ocorreu poucos minutos ps a inalao de gs sulfdrico gerado pela decomposio das algas verdes na praia. (http://www.lefigaro.fr/environnement/2009/11/03/01029-20091103ARTFIG00587-algues-vertes-l-etat-renonce-in-extremis-a-faire-appel-.php). 26 No nos parece realista a posio daqueles que, como Cass Sunstein, defendem que tudo reversvel, apenas uma questo de ter tempo e oramento (Worst Case Scenarios, Harvard University Press, Cambridge, 2007, p. 183). certo que alguns dos casos mais graves de poluio e degradao de recursos naturais podem ser reversveis mas a que custo? Por exemplo, se esperarmos o tempo suficiente e as condies ideais estiverem reunidas, os prprios recursos fsseis podem regenerar-se. Mas deveremos, por isso, consider-los como recursos renovveis? A dilatao temporal necessria to grande que a possibilidade terica se converte numa impossibilidade prtica e, portanto, numa irreversibilidade definitiva. 27 Em Entropy A new world view (The Viking Press, New York, 1980), para ilustrar a necessidade de agir mesmo em situao de incerteza, Rifkin e Howard avanaram uma persuasora metfora: em certa medida, somos como aquele homem que se recusava a acreditar na gravidade. Para provar a sua inexistncia ou pelo menos a sua capacidade para a ultrapassar ele sobe ao cimo de um arranha-cus e salta. A gravidade, claro, pouco se importava se o homem acreditava nela ou no e, por isso, passou a dar uma lio ao cptico, puxando-o inexoravelmente em direco ao cho. Porm, o homem, agarrando-se mais pequena esperana para preservar a sua sobrevivncia intelectual e fsica, precipitava-se do quadragsimo piso apregoando: para j, est tudo bem [no original: so far, so good]. Se ns, como o homem que nega a gravidade, optarmos por negar as consequncias da Lei da Entropia, tambm nos ser ensinada a ltima e esmagadora lio. E, como esse homem, ns continuaremos a dizer para j, est tudo bem mesmo quando o mundo nossa volta se desintegra num caos em resultado da nossa cultura altamente entrpica (p. 242). 28 Sobre estes princpios ver sobretudo Les Principes du pollueur-payeur de prvention et de prcaution, de Nicolas de Sadeleer, Bruylant, Bruxelles, 1999. Em portugus, o nosso Princpio da precauo: manual de instrues, in: RevCEDOUA n.22, 2/2008. 29 Juan J. Linz, La quiebra de las democracias, Alianza Universidad, Madrid, 1987.
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individuais. Mas j no sero elas as principais beneficirias dos esperados efeitos de melhoria da qualidade de
vida, associados melhoria da qualidade ambiental no futuro.
Em que medida que esta no coincidncia conduz a um reforo do princpio de no retrocesso o que
veremos em seguida. Para tal, partiremos de uma comparao entre os efeitos do retrocesso social e
ambiental.
Retrocesso social
No mbito social, o que se perde com o retrocesso social so direitos de indivduos ou grupos sociais
vulnerveis, cujo estatuto adquirido, em funo de novas obrigaes estaduais criadas por lei, foi, ao tempo,
considerado como uma conquista30. Os deveres de prestao social compreendem direitos justos,
conseguidos a duras penas, por vezes aps uma longa luta para o seu reconhecimento, e aos quais se chegou
por via de uma lei que cria novas prestaes sociais31. Neste caso, as prestaes sociais devem ser mantidas (e
a proibio do retrocesso imposta) porque se considera que se alcanou um novo equilbrio social, um
equilbrio social mais justo que corresponde, em suma, a um avano civilizacional.
Acontece que, no plano social, podemos considerar que os retrocessos sociais s ocorrem se forem tolerados
pelos lesados, entenda-se, os indivduos ou grupos sociais que tinham sido beneficiados pelo progresso social
anterior.
Se os titulares dos direitos que so eliminados, comprimidos ou suspensos pela nova lei, no concordarem32,
tm meios jurdicos para defender a sua posio, maxime atravs do recurso s vias judiciais, invocando o
princpio da proibio do retrocesso, a proteco da confiana, da segurana jurdica, o respeito das legtimas
expectativas, a proibio de decises arbitrrias, os princpios de estoppel, de boa f, de proibio de abuso de
direito, ou simplesmente a obrigao de justificar os actos de contedo desfavorvel. Extra-judicialmente, os
afectados podem sempre exercer os seus direitos de reclamao, de representao, de participao, podem
apresentar peties ou exposies, etc. Para alm do recurso a meios jurdicos, podem, em qualquer caso,
recorrer a meios de protesto e de presso mais ou menos estrondosos, mais ou menos eficazes, mais ou
menos legais, como greves, manifestaes, bloqueios, boicotes, sabotagens
Porm, as vias de actuao no podem ser exactamente as mesmas em relao s conquistas e aos
retrocessos ambientais.
Retrocesso ambiental
30 Numa linha semelhante, Jorge Reis Novais considera os direitos fundamentais como trunfos contra a maioria (Direitos fundamentais. Trunfos contra a maioria, Coimbra Editora, 2006). 31 Os princpios da justia e sustentabilidade intergeracionais so princpios relativos ao tempo, tratados por Joo Carlos Loureiro no contexto do sistema de proteco social (Adeus ao Estado Social? A segurana social entre o crocodilo da economia e a medusa da ideologia dos direitos adquiridos, Coimbra Editora, 2010, pg. 278-279). 32 As democracias no tm apenas uma dimenso procedimental e, mais do que um meio de escrutinar as preferncias da maioria, elas devem ser um meio de criar uma sociedade em que todos os cidados (mesmo as minorias e sobretudo elas) gozem de certos direitos fundamentais (Gregory H. Fox; Georg Nolte (eds.), Intolerant democracies, in: Democratic governance and international law, Cambridge University Press, 2000, p. 401).
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Antes de mais, verdade que as novas conquistas ambientais correspondem, de igual modo, a novos
equilbrios ambientais ou ecolgicos33 considerados como mais justos, mais estveis e mais duradouros, numa
palavra, mais sustentveis.
Mais justos, na relao que se estabelece entre os homens, atravs da Natureza; mais estveis e duradouros
nas relaes directas do Homem com a Natureza.
As novas medidas legislativas mais sustentveis, porque correspondem prevalncia de valores colectivos,
valores a longo prazo, e valores globais, sobre consideraes individualistas, imediatistas ou de mbito
meramente local, so consideradas, por isso mesmo, um avano civilizacional.
Mas, por outro lado, verificamos que os beneficirios directos dos progressos ambientais no so pessoas ou
grupos sociais individualizveis, mas antes certos elementos naturais, como espcies da fauna ou da flora,
habitats, biocenoses, ecossistemas, monumentos naturais, paisagens, clima
Indirectamente, sim: so indivduos ou grupos sociais, os beneficirios indirectos tanto da correco das injustias
ambientais, como da superao das desequilibradas e insustentveis relaes Homem-Natureza.
Todavia, acontece que, na maior parte dos casos, apesar de as medidas de proteco adoptadas terem
encargos imediatos, os seus efeitos benficos a saber, os progressos no desempenho ambiental e as
melhorias na qualidade de vida da resultantes s se sentiro dentro de dcadas, sculos ou milnios.
Por isso consideramos que a proibio do retrocesso ambiental instituda, quando muito, no interesse das
geraes futuras, que so quem beneficiar (nessa altura, de forma directa) das privaes e das provaes
impostas, em seu nome, s geraes actuais.
Assim, aos deveres ambientais resultantes dos progressos ambientais no corresponde, muitas vezes, um
titular de um direito correspectivo que possa exigir, pelas vias judiciais ou extra-judiciais, o seu
cumprimento34.
Conclui-se daqui que os prejudicados pelos retrocessos ambientais so ainda mais vulnerveis do que aqueles
indivduos ou comunidades que sofrem com a perda das conquistas sociais, j que no podem manifestar-
se, pelas vias normais previstas pelo Direito.
verdade que no s no plano ambiental que h valores importantes sem expresso democrtica e que, por
essa razo, correm o risco de ser desprezados ou protelados pela maioria: so os valores ligados s minorias
33 A solidariedade intergeracional e a responsabilidade para com as futuras geraes so centrais no plano constitucional portugus, como nos explicam Gomes Canotilho e Vital Moreira na anotao ao artigo 66 da Constituio (Constituio da Repblica Portuguesa Anotada. Volume I, 4 ed. Coimbra Editora, 2007, pg. 849/850). 34 Axel Gosseries ensaia diferentes modelos de reciprocidade nas relaes com as geraes futuras (Three models of intergenerational reciprocity, in Intergenerational Justice, Axel Gossereies & Lukas H. Meyer, ed., Oxford University Press, 2009, pg. 119- 146).
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tnicas, culturais, lingusticas, religiosas, s geraes futuras, s espcies no humanas35 Porm, este
paradoxo democrtico36 inegavelmente mais grave no caso dos valores ambientais por causa da falta de
voz das geraes futuras37 e das espcies no humanas38.
E tambm por isso que no h participao pblica (referendo, consulta, audincia ou outro meio
democrtico de participao) que possa legitimar o retrocesso. Em primeiro lugar porque os cidados actuais
(eleitores, participantes) no tomam, frequentemente, em considerao as consequncias futuras das suas
posies actuais, manifestando uma inegvel miopia ambiental39. Em segundo lugar, porque os principais
afectados (directa e indirectamente) no tm voz40.
Indo um pouco mais longe, poderamos at considerar que o retrocesso ambiental sem consentimento dos ofendidos
configuraria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, na relao entre geraes
actuais e geraes futuras, na medida em que, aps o reconhecimento e a correco de uma injustia
ambiental, se retroceda sem alterao relevante ou significativa das circunstncias sociais, econmicas ou
ambientais que, em momento anterior, motivaram o estabelecimento de uma medida legislativa de proteco.
3.3. Fundamento legal e europeu do retrocesso ambiental: o princpio do nvel elevado de proteco
At aqui limitmo-nos a pressupr a existncia do princpio da proibio do retrocesso mas, para os no
crentes, a primeira objeco ao princpio resulta, desde logo, da inexistncia, na constituio ou nas leis, de uma
clusula expressa proibindo o retrocesso.
Na realidade, tais clusulas so prudentemente evitadas pelo legislador, para escapar a uma rigidificao da lei,
atravs do chamado efeito de Midas41.
Pensamos, porm, que o facto de no haver uma norma escrita, no significa que o princpio no exista e no
tenha fora jurdica. 35 J em 1994, Gomes Canotilho perguntava, num colquio organizado em Coimbra pela Associao Portuguesa de Direito do Ambiente, para quando um sistema jurdico reconhecedor de direitos fundamentais da natureza? (Direito do Ambiente e crtica da razo cnica das normas jurdicas, in Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Territrio, n.1, Setembro de 2005, pg. 98). 36 Nas concluses do Conselho Europeu de Madrid, em 15 e 16 de Dezembro de 1995, encontramos a primeira referncia ao simtrico paradoxo da governncia europeia, que mais tarde veio a dar origem ao Livro Branco da Governana Europeia (Com[2001] 428 final) publicado pela Comisso Europeia em 25 de Julho de 2001. 37 O dfice de representao das geraes futuras tratado de forma particularmente estimulante na obra colectiva Future Generations & International Law (Emmanuel Agius e Salvino Busuttil, eds. Earthscan, 1998). De forma mais compreensiva, Laura Westra Environmental Jystice and the Rights of Unborn and Future Generations, Earthscan, 2006. 38 Na obra The Principle of Sustainability.Transforming Law and Governance (Ashgate, 2008), Klaus Bosselmann desenvolve e aprofunda a ideia de justia ecolgica como justia intergeracional e justia interespcies (pg. 97 e ss.). 39 Problema h muito identificado como o sindroma da miopia ou defective telescopic faculty a que se referem Peter Nijkamp (em "Theory and Aplication of Environmental Economics", in Studies in Regional Science and Urban Economics, North Holland Publishing Company, 1977, pg. 230) e William J. Baumol e Wallace E. Oates (em The Theory of Environmental Policy, 2nd ed. Cambridge University Press, 1988, pg. 151). 40 Este no , no entanto, um problema inultrapassvel como demonstra a existncia do Comissrio Parlamentar para as Geraes Futuras, na Hungria (o portal oficial, http://jno.hu/en/, em ingls, justifica uma visita). 41 A expressiva metfora, alusiva ao Rei da mitologia grega que transforma em ouro tudo aquilo em que toca, surge precisamente na jurisprudncia do Tribunal Constitucional, no Acrdo n.148/1994, sobre a lei das propinas (processo n.530/93).
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assim na Unio Europeia, onde, apesar de no existir uma disposio proibindo expressamente o
retrocesso42 ambiental, existe um forte fundamento jurdico para a no regresso ambiental: o princpio do
nvel elevado de proteco43.
Este , actualmente, um princpio quase omnipresente no direito europeu do ambiente, tanto nos tratados
como no direito secundrio. Aps o Tratado de Lisboa, o nvel mais elevado de proteco figura ainda no
artigo 3, n.3 do Tratado da Unio Europeia; nos artigos 114 e 191, n.2, do Tratado sobre o Funcionamento
da Unio Europeia e no artigo 37 da Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia44.
No direito derivado, a Directiva que cria a licena ambiental45 a expresso mais visvel deste princpio,
repetindo nove vezes o objectivo do estabelecimento de um nvel elevado de proteco.
3.3.1. Contedo do princpio do nvel elevado de proteco na Unio Europeia A principal utilidade do princpio fundamental do nvel elevado de proteco do ambiente servir, num certo
momento, como critrio para escolher entre duas ou mais formas possveis de proteger o meio ambiente.
Neste sentido, ele um princpio de garantia para o ambiente, pois requer a escolha da opo mais eficaz para
a sua proteco.
O princpio do nvel elevado de proteco aplica-se precisamente no momento de tomar uma deciso jurdica
seja no plano legislativo, administrativo ou mesmo judicial sobre uma questo ambientalmente relevante,
em todos os casos em que haja uma variedade de contedos possveis da deciso e uma variedade semelhante
de mtodos de proteco.
Mas o contedo jurdico e as obrigaes que decorrem do princpio do nvel elevado de proteco dependem
directamente do contexto espacial e temporal da deciso.
Na verdade, o princpio do nvel elevado de proteco iniciou o seu percurso na Unio Europeia como um
critrio de opo entre duas ordens jurdicas diferentes a da Unio Europeia e a de um Estado-Membro
que aspiravam a aplicar-se simultaneamente mesma situao de vida. Neste caso, a dimenso espacial do
princpio do nvel elevado de proteco impunha a escolha da norma mais protectora do meio ambiente. 42 No domnio da liberdade de circulao de capitais provenientes ou com destino a pases terceiros, o Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia contempla uma clusula permitindo, em certas condies, o retrocesso no processo de construo europeia: () o Conselho, deliberando de acordo com um processo legislativo especial, por unanimidade e aps consulta ao Parlamento Europeu, pode adoptar medidas que constituam um retrocesso no direito da Unio em relao liberalizao dos movimentos de capitais com destino a pases terceiros ou deles provenientes (artigo 64, n.3). 43 No mbito do direito social europeu, mais concretamente na proteco dos trabalhadores relativamente a contratos de trabalho a termo, a relao entre o nvel elevado de proteco e a proibio de retrocesso social resulta expressamente do acordo-quadro anexo Directiva 1999/70, de 28 de Junho: da aplicao deste acordo no poder resultar um motivo vlido para diminuir o nvel geral de proteco dos trabalhadores () (artigo 8). O Tribunal de Justia j se pronunciou sobre este princpio de direito social em 2009 e 2010, nos casos Kiriaki Angelidaki e outros (processos apensos C-378/07 a C-380/07, com Acrdo de 23 de Abril de 2009) e Francesca Sorge contra Poste Italiane SpA (processo C-98/09, com Acrdo de 24 de Junho de 2010). 44 Mas a ideia de proteco elevada na Unio Europeia ainda mais vasta e aplica-se a outros valores, para alm do ambiente. Ela est presente tambm na educao, formao e proteco da sade humana (artigo 9 do TFUE), na segurana (artigo 67, n.3 do TFUE), na poltica de sade pblica (artigo 168 do TFUE e 35 da CDFUE) e na poltica de proteco dos consumidores (artigo 169 do TFUE e 38 da CDFUE). 45 Directiva 2008/1, de 15 de Janeiro, relativa preveno e controlo integrados da poluio.
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Mas o princpio do nvel elevado de proteco aplica-se tambm dentro de uma mesma ordem jurdica, no
momento da criao de uma nova norma jurdica. Aqui podemos distinguir duas situaes:
a) O caso de uma regulamentao ex novo. Quer dizer: se, antes de adoptar a nova norma, no havia qualquer regulamentao jurdica sobre o tema, falamos de um nvel absolutamente elevado de
proteco.
b) O caso de uma reforma legislativa. Aqui, antes da adopo da nova norma, j havia uma pr-regulao da questo jurdica e, portanto, falamos de um nvel relativamente elevado de proteco.
Ora, a proibio de retrocesso ambiental decorre justamente desta ltima dimenso temporal do princpio
do nvel elevado de proteco. Por outras palavras, numa reforma legislativa, uma reduo injustificada do
nvel j alcanado de proteco do ambiente, constitui uma violao do princpio de no retrocesso,
enquanto densificador do princpio do nvel relativamente elevado de proteco.
3.3.2. Do sentido histrico compreenso actual do nvel elevado de proteco na Unio Europeia
Quando se pretende criar um regime jurdico que novo no direito europeu, mas que j existe no direito
interno de um ou mais Estados-Membros, o nvel elevado de proteco significa que o direito europeu deve
estabelecer um nvel pelo menos to elevado como os nveis nacionais preexistentes. Este o primeiro
contedo histrico do princpio no direito europeu, que corresponde afirmao de uma poltica ambiental
europeia forte, que no se limita a ser o "menor denominador comum " entre os Estados-Membros que j
tm medidas de proteco ambiental anteriores.
Porm, actualmente, justifica-se defender uma nova compreenso do princpio do nvel elevado, significando,
simplesmente, que depois de adoptar um certo nvel de proteco h que mant-lo, proibindo retroceder.
Dito de outra forma: os progressos na proteco de um valor ecolgico relevante so irreversveis.
Isto diferente de um princpio de progresso, ou seja, de obrigao de ir aumentando o nvel de proteco,
mesmo que no haja evoluo da realidade ecolgica.
Defendemos, assim, uma aplicao minimalista do princpio do nvel elevado de proteco, apenas na
produo legislativa secundria, sem impor um progresso ambiental permanente, mas apenas proibindo
regresses ambientais.
Deste modo, aps a aprovao, pela Unio Europeia, de medidas de proteco ambiental, o mesmo princpio
do nvel elevado de proteco permite aos Estados-membros ir ainda mais longe, na proteco do ambiente,
do que a prpria Unio Europeia.
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Esta precisamente a soluo prevista no artigo 193 do Tratado sobre o Funcionamento da Unio
Europeia46. Da mesma forma, aps a harmonizao das disposies ambientais legislativas, regulamentares e
administrativas, necessrias para o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, os Estados-
Membros podem manter ou introduzir disposies nacionais de proteco reforada do ambiente47.
A doutrina denomina esta possibilidade como o dourar do direito europeu (gold plating of EU law) ou o
adicionar de uma cobertura nacional ao direito europeu (add a national topping)48.
3.3.3. Destinatrios do princpio do nvel elevado Tal como est consagrada no Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia, a obrigao de manter um
nvel elevado de proteco aplica-se apenas legislao europeia. Os destinatrios so as prprias instituies
da Unio, no momento de regulamentar ex novo um sector do direito do ambiente. Ou seja, com fundamento
no nvel elevado de proteco, a proibio de retrocesso vigoraria s ao nvel da Unio Europeia.
No entanto, a retoma do princpio do nvel elevado de proteco pela Carta Europeia dos Direitos
Fundamentais, como forma de proteco do direito fundamental ao ambiente, e sobretudo a sua insistente
incluso em directivas e regulamentos europeus49, conferem-lhe a qualidade de princpio jurdico
transversal, aplicvel tambm nos ordenamentos jurdicos nacionais dos Estados-Membros.
Tambm o princpio da cooperao leal entre a Unio Europeia e os Estados-Membros, previsto no artigo 4,
n.3, do Tratado da Unio Europeia, confirma o dever de os Estados-Membros contriburem para atingir um
nvel elevado de proteco do ambiente. Finalmente, a prpria cooperao administrativa para tornar mais
46 As medidas de proteco adoptadas por fora do artigo 192. no obstam a que cada Estado-Membro mantenha ou introduza medidas de proteco reforadas. Essas medidas devem ser compatveis com os Tratados e sero notificadas Comisso. Normas semelhantes, consagrando a possibilidade de os Estados-Membros manterem ou introduzirem medidas de proteco reforada compatveis com os Tratados tambm esto previstas noutros domnios como a poltica social (artigo 153, n.4 2 ), a proteco da sade (artigo 168 n.4) e a proteco dos consumidores (artigo 169, n. 4). 47 o artigo 114 n.4 do Tratado da Unio Euorpeia: Se, aps a adopo de uma medida de harmonizao pelo Parlamento Europeu e o Conselho, pelo Conselho ou pela Comisso, um Estado-Membro considerar necessrio manter disposies nacionais justificadas por exigncias importantes a que se refere o artigo 36. ou relativas proteco do meio de trabalho ou do ambiente, notificar a Comisso dessas medidas, bem como das razes que motivam a sua manuteno. O n.5 estabelece ainda: Alm disso, sem prejuzo do disposto no n. 4, se, aps a adopo de uma medida de harmonizao pelo Parlamento Europeu e o Conselho, pelo Conselho ou pela Comisso, um Estado-Membro considerar necessrio adoptar disposies nacionais baseadas em novas provas cientficas relacionadas com a proteco do meio de trabalho ou do ambiente, motivadas por qualquer problema especfico desse Estado-Membro, que tenha surgido aps a adopo da referida medida de harmonizao, notificar a Comisso das disposies previstas, bem como dos motivos da sua adopo. 48 Sobre este conceito e a sua aplicao nos diferentes Estados-membros, ver Gold plating of European Environmental Measures?, H. Jans, L. Squintani, Alexandra Arago, R. Macrory e B.W. Wegener, in: Journal for European Environmental and Planning Law, n 6.4, 2009, p. 417-435. 49 Como a Directiva 2008/1/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Janeiro, sobre a preveno e controlo integrados da poluio, o Regulamento n 1980/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Julho de 2000, estabelecendo um sistema comunitrio revisto de atribuio do rtulo ecolgico, ou o Regulamento n. 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro, relativo ao registo, avaliao, autorizao e restrio dos produtos qumicos (sucessivamente alterado pelos Regulamentos Europeus n. 1354/2007, 987/2008, 1272/2008, 134/2009 e 552/2009).
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eficaz o desempenho dos Estados-Membros50, tambm refora a necessidade de assegurar uma proteco
ambiental elevada.
3.4. Fora jurdica Analisados os novos fundamentos especficos da proibio de retrocesso, conclumos que o princpio da
proibio de retrocesso em matria ambiental ainda mais forte do que o da proibio do retrocesso social,
desde logo pelos fundamentos ambientais (precauo ecolgica), sociais (justia intergeracional) e europeus
(nvel elevado de proteco) que lhe esto subjacentes.
Apesar de podermos pensar que o objecto de proteco do princpio da proibio do retrocesso social o
Homem mais digno, mais nobre ou mais importante do que o objecto de proteco do retrocesso
ambiental sinteticamente, o Planeta Terra pensamos que esta uma concluso precipitada.
De facto, a distino entre retrocesso social e retrocesso ambiental, baseada no objecto de proteco,
simplista e redutora. Em ltima instncia, considerando que os recursos naturais desempenham funes de
suporte de vida51, o retrocesso ambiental pode afectar tanto como o retrocesso social as condies para
uma vida digna, podendo pr em perigo tal como o retrocesso social a sobrevivncia humana. A
coexistncia diria com situaes de degradao ambiental acentuada (poluio aguda do ar, das guas, dos
solos, etc.) pe em causa os direitos humanos mais bsicos, pelo que, no final das contas, ambos os princpios
se destinam a proteger o Homem52.
E esta a razo pela qual, como veremos, apenas em casos muito limitados so de admitir retrocessos
ambientais. 50 o novo Ttulo XXIV sobre a Cooperao Administrativa , que corresponde ao artigo 197, n.1 do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia: A execuo efectiva do direito da Unio pelos Estados-Membros, essencial para o bom funcionamento da Unio, considerada matria de interesse comum. n.2: A Unio pode apoiar os esforos dos Estados-Membros para melhorar a sua capacidade administrativa de dar execuo ao direito da Unio. Tal aco pode consistir, designadamente, em facilitar o intercmbio de informaes e de funcionrios, bem como em apoiar programas de formao. Nenhum Estado-Membro obrigado a recorrer a este apoio. O Parlamento Europeu e o Conselho, por meio de regulamentos adoptados de acordo com o processo legislativo ordinrio, estabelecem as medidas necessrias para este efeito, com excluso de qualquer harmonizao das disposies legislativas e regulamentares dos Estados-Membros. n.3. O presente artigo no prejudica a obrigao dos Estados-Membros de darem execuo ao direito da Unio, nem as prerrogativas e deveres da Comisso. O presente artigo tambm no prejudica as outras disposies dos Tratados que prevem a cooperao administrativa entre os Estados-Membros e entre estes e a Unio. 51 Entre 2000 e 2005, as Naes Unidas promoveram a elaborao de um documento cientfico de grande abrangncia, um relatrio destinado a apresentar o estado dos ecossistemas do mundo e a fornecer linhas orientadoras para os decisores polticos. Segundo o Milenium Ecosystem Assessment Report, das Naes Unidas, os ecossistemas desempenham quatro funes essenciais: servios de aprovisionamento, como produo de alimentos, fibras (madeira, algodo, l, seda), combustveis (madeira, adubos, e outros materiais biolgicos utilizados como fontes de energia), recursos genticos (genes e informao gentica usados para a reproduo de animais e plantas ou a biotecnologia), recursos ornamentais (produtos de animais e plantas usados como ornamentos), gua limpa tanto para consumo enquanto fonte de energia; servios de regulao do clima, da qualidade do ar e da gua ou regulao da eroso, decomposio ou remoo de qumicos nocivos, regulao de doenas ou 'pestes' agrcolas, polinizao e regulao das intempries; servios de suporte, tais como gerar, preservar e renovar a fertilidade dos solos, desencadear ciclos e movimentos dos nutrientes e fotossntese; servios culturais, que so os benefcios no materiais como enriquecimento espiritual, desenvolvimento cognitivo, reflexo, recreao, lazer ou experincias estticas. 52 Para qu e porqu um direito do ambiente foi a provocadora questo colocada por Gomes Canotilho na Orao de Sapincia durante a abertura do ano lectivo 1995/1996 (Judicializao da ecologia ou ecologizao do direito, in: Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, n. 4, 1995, pg 71 e ss).
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4. Evoluo, progresso e retrocesso
Antes de analisarmos as situaes excepcionais em que a reformatio in pejus admissvel, vamos aprofundar um
pouco mais o conceito de retrocesso ambiental para compreender melhor quando que algumas alteraes
legislativas que primeira vista poderamos classificar como promotoras de regresso e contrrias,
portanto, ao princpio da proibio do retrocesso na realidade no o so. Podem ser, por exemplo, meros
afinamentos do instrumentrio jus-ambiental.
Para j, vamos ensaiar uma aproximao ao conceito de retrocesso ambiental, a partir da contraposio ao
conceito simtrico de progresso ambiental. Com efeito, se afirmamos que s h retrocesso quando antes tiver
havido um progresso, importante comear por perceber o que o progresso ambiental. Ora, o progresso
ambiental ocorre quando se alcanam nveis de proteco acrescida do ambiente, considerados como um salto
qualitativo e um estdio civilizacional mais elevado. precisamente nesses saltos qualitativos que no se deve
retroceder.
Se um determinado progresso, alcanado por via legislativa, representou a correco de uma situao que, em
virtude da evoluo da conscincia axiolgico-jurdica geral, passou a ser considerada como injusta e
insustentvel e, portanto, se o novo equilbrio conseguido corresponde a uma situao mais justa, equilibrada
e duradoura, natural que a renncia ao progresso seja considerada como um retrocesso e no uma mera
inflexo.
E no cremos que a nossa concepo do progresso ambiental, com os seus saltos qualitativos, possa ser
considerada como uma ingnua concepo ferroviria da Histria, no sentido da crtica de Vieira de
Andrade53. Se verdade que existem diferentes formas de concretizao do dever de proteco do ambiente,
se verdade que o legislador goza de uma certa margem de manobra no estabelecimento das prioridades de
realizao dos direitos sociais e ambientais, sobretudo em pocas de crise, no menos verdade que a garantia
de manuteno do nvel de realizao dos direitos ambientais, alcanado em determinada poca histrica, a
nica forma de evitar que a miopia ambiental (tanto dos governantes, como dos agentes econmicos e mesmo
dos cidados), ponha em perigo, atravs de pequenos ataques, os direitos fundamentais das geraes futuras
e, em ltima instncia, a prpria sobrevivncia da espcie humana.
No mbito do ambiente, a proibio do retrocesso impede a revogao, suspenso ou condicionamento das
medidas destinadas a corrigir as injustias que resultam de serem os mais pobres, os mais fracos, os mais
53 Referimo-nos crtica apontada por Vieira de Andrade fundamentao do pedido de declarao de inconstitucionalidade da norma do Decreto da Assembleia da Repblica que, em 2002, revogava o rendimento mnimo garantido (O Direito ao mnimo de existncia condigna como direito fundamental a prestaes estaduais positivas. Uma deciso singular do Tribunal constitucional. Anotao ao Acrdo do Tribunal Constitucional n.509/02, Jurisprudncia Constitucional n.1 Janeiro-Maro de 2004, pg. 24, nota 6).
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vulnerveis, a sofrer os impactes da degradao ambiental crescente e tambm das medidas destinadas a
proibir uma explorao insustentvel de recursos54.
Se consideramos certas medidas como um progresso, porque passmos a proteger valores emergentes, que
so valores importantes do ponto de vista de uma convivncia social justa e s; valores essenciais do ponto de
vista da qualidade de vida, na sua estrita dependncia da qualidade ambiental; valores fundamentais do ponto
de vista da sobrevivncia do Homem.
Em suma, em qualquer dos casos, o retrocesso corresponderia a uma supresso de deveres de prestao ou
de respeito, impostos em nome de uma evoluo civilizacional importante.
Assim, o progresso ocorre quando se passa a regular algo que antes no tinha relevncia jurdica, e que a certa
altura passa a t-la, ou quando comea a aplicar-se um instrumento jurdico novo, que antes no existia.
Alguns exemplos permitir-nos-o visualizar melhor o tipo de progresso a que nos referimos:
O Direito regula ex novo um certo componente natural No domnio da proteco animal, a proteco por via legal comeou, quando se tornou visvel o declnio
populacional e o risco de extino de algumas espcies de animais selvagens em virtude de sobre-caa.
Posteriormente, a proteco legal alargou-se s espcies da fauna classificadas como vulnerveis,
nomeadamente pelo seu carcter endmico ou pela disperso territorial55. Actualmente a proteco legal
estende-se prpria biodiversidade domstica56. Paralelamente, preocupaes com o bem-estar animal
levaram aprovao de legislao interditando mtodos de caa especialmente insidiosos (armadilhas,
venenos, animais mutilados utilizados como chamarizes vivos, etc.57) e ao bem-estar dos animais utilizados
para fins experimentais, na rea da sade ou da cosmtica58, dos animais criados em exploraes pecurias59,
54 sabido que so as populaes mais vulnerveis que convivem, frequentemente, com as situaes mais agudas de degradao ambiental e sofrem na pele os efeitos do nimbyismo e do racismo ambiental to bem descrito por Benjamin Davy em Essential injustice: when legal institutions cannot solve environmental and land use disputes (Springer-Verlag, Wien, New York, 1997). Sobre questes de justia no mbito da preveno de catstrofes naturais ver Susan Cutter, Hazards, vulnerability and environmental justice, (Earthscan, London, Sterling, VA, 2006) e o nosso A preveno de Riscos em Estados de Direito Ambiental, Revista Crtica de Cincias Sociais (no prelo). 55 Artigo 6, n.2 do Decreto-lei n. 49/2005, de 24 de Fevereiro que transpe para Portugal o regime europeu da Rede Natura 2000. 56 A Portaria n. 427-A/2009 de 23 de Abril, que aprova o Regulamento de Aplicao do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, que integra, entre outras, a aco designada Proteco da biodiversidade domstica, identifica as espcies tradicionais portuguesas de bovinos, ovinos, caprinos, sunos, equdeos e galinhas, carecidas de proteco, classificando-as, das mais para as menos carecidas de proteco, como raras, muito ameaadas, ameaadas e em risco. Nos bovinos, por exemplo, as raas raras so a Algarvia, a Garvonesa e a Jarmelista; as raas muito ameaadas so a Cachena e a Marinhoa; as ameaadas so a Arouquesa, a Maronesa, a Mirandesa e a Preta e as raas em risco so a Minhota e a Barros. 57 O Anexo C do Decreto-lei n. 49/2005, de 24 de Fevereiro, apresenta uma lista de mtodos proibidos de caa de espcies venatrias. 58 Actualmente ainda o Decreto-Lei n 129/92, de 06 de Julho (alterado pelo Decreto-Lei n 197/96, de 16 de Outubro), regulamentado pela Portaria n 1005/92, de 23 de Outubro (alterada pela Portaria n 466/95, de 17 de Maio e pela Portaria n 1131/97, de 07 de Novembro) que regula esta matria. At Novembro de 2012 dever ser adoptada nova legislao para transposio da Directiva 2010/63 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro. 59 Decreto -Lei n. 64/2000, de 22 de Abril.
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no transporte60 e no abate dos animais61. Por fim, cientes da interaco profunda entre as espcies e os seus
habitats (biocenoses), a proteco estendeu-se aos habitats das espcies protegidas62.
Como podemos verificar, a proteco animal passou por vrias fases, correspondendo a nveis de proteco
cada vez mais elevados, sendo que a transio de um nvel para o outro, deve ser considerada um progresso.
No caso concreto da proteco animal, alteraes legislativas como a reduo da lista de animais protegidos
ou das tcnicas de abate proibidas, s no so um retrocesso se forem devidamente fundamentadas em
funo dos critrios e requisitos que desenvolveremos mais adiante.
O Direito regula ex novo um determinado sector ambiental Mas o progresso pode tambm resultar da identificao de todo um novo sector ambiental que,
normalmente pelos piores motivos, ganha relevncia e se autonomiza, passando a beneficiar de um regime
jurdico prprio. Foi o que se passou, paradigmaticamente, como o recente direito do clima63 que imps
alteraes drsticas nos sistemas produtivos, de transporte e de gesto de resduos, visando a reduo das
emisses de gases com efeito de estufa, a melhoria da eficincia energtica e a procura de novas fontes
energticas renovveis64.
O Direito regula ex novo uma actividade tradicional geradora de impactes anteriormente desconhecidos
Noutros casos, o progresso pode decorrer da supervenincia de dados cientficos relativos aos impactes
de actividades tradicionais no submetidas a regulao ambiental, seja por desconhecimento, seja por
suposio da irrelevncia dos seus impactes ambientais. o caso da utilizao agrcola de biocidas65, da
pesca de arrasto66, da captao de guas subterrneas67 ou da extraco de minrio de ouro utilizando
60 Decreto-lei n 265/2007, de 24 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei n. 158/2008, de 8 de Agosto. 61 o Decreto-Lei n 28/96, de 02 de Abril que regulamenta a proteco dos animais aquando da occiso. A partir de Janeiro de 2013, passaro a aplicar-se as regras do Regulamento (CE) n. 1099/2009 do Conselho, de 24 de Setembro. 62 O Decreto-lei n. 49/2005, de 24 de Fevereiro visa contribuir para assegurar a biodiversidade, atravs da conservao ou do restabelecimento dos habitats naturais e da flora e da fauna selvagens num estado de conservao favorvel (artigo 1). So variadssimos os tipos de habitats naturais de interesse comunitrio, protegidos pela lei (todos elencados no anexo B-I do mesmo diploma): bancos de areia, esturios, recifes, falsias, sapais, dunas, prados, matas, matagais, charnecas, turfeiras, pntanos, vertentes rochosas, grutas, florestas, etc.. 63 Desde 2008, o Reino Unido foi o primeiro pas da Europa a ter uma lei do clima. A lei britnica, com mais de 100 artigos, estabelece limites vinculantes de emisses de gases com efeito de estufa at ao ano 2050 e cria o Comit sobre Alteraes Climticas (http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2008/27/introduction/enacted). 64 A este propsito, o Decreto-Lei n. 141/2010 de 31 de Dezembro, que transpe a Directiva n. 2009/28/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, sobre fontes de energias renovveis e estabelece as metas nacionais de utilizao de energia renovvel no consumo final bruto de energia, incluindo os transportes. 65 A Directiva 98/8, de 16 de Fevereiro (alterada 50 vezes desde a sua publicao, em 1998), regula a colocao de produtos biocidas no mercado. Foi transposta para o ordenamento jurdico nacional pelo Decreto-Lei n 121/2002 de 3 de Maio, recentemente alterado pelo Decreto-Lei n. 47/2011 de 31 de Maro, que republica o diploma original. 66 O Regulamento n.1224/2009 do Conselho, de 20 de Novembro, que institui um regime comunitrio de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da Poltica Comum das Pescas estabelece que o objectivo da Poltica Comum das Pescas, fixado pelo Regulamento n 2371/2002 do Conselho, de 20 de Dezembro, relativo conservao e explorao sustentvel dos
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cianeto68. Todas estas actividades exigiram a adopo de um novo regime legal que configurou um
progresso ambiental.
O Direito regula ex novo uma actividade humana nova e geradora de impactes ambientais O progresso pode tambm estar associado ao surgimento ou generalizao de actividades novas, que
anteriormente no existiam de todo, ou pelo menos no eram desenvolvidas a uma escala industrial. Os
exemplos so a produo agrcola de organismos geneticamente modificados69, a produo de energia
elctrica a partir da fora motriz das ondas ocenicas70 ou a captura e armazenagem geolgica de
carbono71. J a utilizao de nanomateriais actualmente uma lacuna legislativa, considerada por alguns
sectores como uma omisso grave pelos riscos potenciais que comporta72. Ora o progresso resulta
precisamente da aprovao de legislao enquadradora destas jovens tecnologias.
O Direito regula ex novo quando cria um novo instrumento jurdico de proteco ambiental
recursos haliuticos no mbito da Poltica Comum das Pescas, garantir que a explorao dos recursos aquticos vivos crie condies sustentveis dos pontos de vista econmico, ambiental e social (1 do prembulo). 67 O Decreto-Lei n 226A/2007, de 31 de Maio, sobre ttulos de utilizao dos recursos hdricos, prev que todos os proprietrios e arrendatrios de utilizaes dos recursos hdricos (poos, noras, furos, minas, charcas, barragens ou audes, e quer se destine a consumo humano, rega ou actividade industrial) que no disponham de ttulo que permita essa utilizao, tm que pedir as devidas autorizaes, licenas ou concesses de utilizao, junto das autoridades competentes. Mais concretamente, no que respeita s guas subterrneas, o Decreto-Lei n. 208/2008, de 28 de Outubro estabelece o regime de proteco das guas subterrneas contra a poluio e deteriorao () no respeitante avaliao do estado qumico da gua subterrnea. A proteco dos recursos hdricos subterrneos tambm uma preocupao presente na Portaria n. 1284/2009 de 19 de Outubro, que estabelece o contedo dos planos de gesto de bacia hidrogrfica, tal como previstos na Lei da gua: A caracterizao das massas de guas subterrneas inclui: 5.5.1 - A localizao e os limites das massas de gua subterrneas, discriminando as que se encontram associadas a ecossistemas aquticos de superfcie ou ecossistemas terrestres que delas dependem directamente; 5.5.2 - A identificao das caractersticas gerais dos estratos que cobrem a rea de drenagem que alimenta as massas de guas subterrneas; 5.5.3 - A avaliao dos recursos hdricos subterrneos disponveis, incluindo a taxa de recarga global mdia anual a longo prazo () (Anexo nico). 68 O cianeto foi o contaminante presente no grave acidente industrial ocorrido em 30 de Janeiro de 2000, na Romnia. O rebentamento de um tanque de decantao na mina de ouro pela empresa Aurul, em Baia Mare, levou condenao da Romnia pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em 2009. A legislao que regula esta matria em Portugal o Decreto-Lei n. 10/2010, de 4 de Fevereiro que estipula que no caso de uma bacia existente qual esteja associada a presena de cianetos, o operador assegura que a concentrao de cianetos () reduzida ao mnimo possvel, utilizando as melhores tcnicas disponveis () e em caso algum exceda: a) 50 ppm a partir da data de entrada em vigor do presente decreto -lei; b) 25 ppm a partir de 1 de Maio de 2013; c) 10 ppm a partir de 1 de Maio de 2018. 69 Na Unio Europeia existem 16 variedades de organismos geneticamente modificados aprovadas, das espcies vegetais soja, milho, colza, algodo e, desde 2010, batata. 70 O regime jurdico de acesso e exerccio da actividade de produo de electricidade a partir da energia das ondas encontra-se previsto no Decreto-Lei n. 5/2008, de 28 de Janeiro. 71 Regulado pela Directiva 2009/31, de 23 de Abril, relativa ao armazenamento geolgico de dixido de carbono, e que devia ter sido transposta at 25 de Junho de 2011. 72 Praticamente sem regulao jurdica, os nano materiais uma lacuna de difcil resoluo j que a legislao sobre substncias qumicas, cujo regime faria sentido aplicar, analogicamente, aos nano materiais, tem sido expressamente afastada, por presso dos interessados. O Regulamento n. 987/2008, de 8 de Outubro, que altera o Regulamento n. 1907/2006, relativo ao registo, avaliao, autorizao e restrio dos produtos qumicos (REACH), estabelece expressamente que a reviso efectuada pela Comisso, nos termos do n. 4 do artigo 138., revelou que trs substncias constantes do anexo IV devem dele ser retiradas () [] o caso do carbono e da grafite, nomeadamente porque os nmeros Einecs e/ou CAS em causa so utilizados para identificar formas de carbono ou grafite escala nanomtrica, que no preenchem os critrios para a incluso nesse anexo(prembulo, 3).
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Finalmente, ocorre um progresso quando aprovado e posto em funcionamento um novo instrumento
jurdico que configure uma abordagem inovadora e que se venha a revelar justa e eficaz de um dado
problema ambiental.
o caso da criao dos sistemas de gesto de fluxos de resduos73 aplicvel aos leos, embalagens,
equipamentos elctricos e electrnicos, pneus, pilhas, acumuladores, veculos em fim de vida ou resduos de
construo e demolio. Outros exemplos so a avaliao do impacte ambiental de projectos74, a avaliao
estratgica de planos e programas75 ou o comrcio de licenas de emisso76.
A sua supresso, sem substituio por outro instrumento ou conjunto de instrumentos igualmente eficazes,
redundaria num retrocesso inadmissvel.
4.2. Normas retrocedentes
Mas o retrocesso no ocorre apenas se, subitamente, se revogar toda a legislao que regula um sector, um
componente ambiental ou uma actividade geradora de impactes ou um instrumento jurdico. bvio que, se
se suprimissem todas as leis de conservao da natureza, de gesto de resduos ou de avaliao de impactes,
isso configuraria uma violao flagrantssima do princpio da proibio do retrocesso.
Porm, estas so situaes-limite, que raramente acontecero. Pelo contrrio, o mais provvel ser que as
indesejveis involues legislativas do direito ambiental ocorram, mesmo sem uma supresso total de um
domnio de proteco jurdica do ambiente. E no preciso que todas as normas que, directa ou
indirectamente, protegem o ambiente, sejam revogadas, para que possamos falar em retrocesso ambiental
inadmissvel.
Vejamos algumas hipteses de normas susceptveis de conduzir ao retrocesso:
73 Um fluxo de resduos um tipo de produto componente de uma categoria de resduos transversal a todas as origens (artigo 3 m) do Decreto-lei n 178/2006, de 5 de Setembro). A propsito do princpio da hierarquia das operaes de gesto de resduos, a lei-quadro dos resduos prescreve a obrigao de produtores de resduos procederem separao dos resduos na origem, de forma a promover a valorizao dos fluxos (artigo 7, n.3). 74 Segundo o Decreto-Lei n. 69/2000, de 3 de Maio (na redaco dada pelo Decreto-Lei n. 197/2005 de 8 de Novembro), que actualmente estabelece o regime da avaliao de impacte ambiental de projectos pblicos e privados, este um instrumento de carcter preventivo da poltica do ambiente, sustentado na realizao de estudos e consultas, com efectiva participao pblica e anlise de possveis alternativas, que tem por objecto a recolha de informao, identificao e previso dos efeitos ambientais de determinados projectos, bem como a identificao e proposta de medidas que evitem, minimizem ou compensem esses efeitos, tendo em vista uma deciso sobre a viabilidade da execuo de tais projectos e respectiva ps-avaliao (artigo 2 e]). 75 Veja-se o Decreto-Lei n. 232/2007, de 15 de Junho, que descreve a avaliao ambiental de planos e programas como a identificao, descrio e avaliao dos eventuais efeitos significativos no ambiente resultantes de um plano ou programa, realizada durante um procedimento de preparao e elaborao do plano ou programa e antes de o mesmo ser aprovado ou submetido a procedimento legislativo, concretizada na elaborao de um relatrio ambiental e na realizao de consultas, e a ponderao dos resultados obtidos na deciso final sobre o plano ou programa e a divulgao pblica de informao respeitante deciso final (artigo 2 a]). 76 As licenas para emitir dixido de carbono, ou gs equivalente, no mbito de uma actividade industrial (nomeadamente, produo de energia, transformao de metais, produo de cimento, vidro, cermica ou papel) so transferveis entre as instalaes detentoras de ttulos de emisso de gases com efeito de estufa, a fim de obter uma reduo global das emisses destes gases responsveis pelo sobreaquecimento global do Planeta. O comrcio das licenas de emisses foi adoptado em Portugal pelo Decreto-lei n. 233/2004, de 14 de Dezembro, alterado pelos Decretos -lei n. 243 -A/2004, de 31 de Dezembro, 230/2005, de 29 de Dezembro, 72/2006, de 24 de Maro, e 154/2009, de 6 de Julho (que o republica).
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a) Revogao de normas sancionatrias, de incentivo, de classificao de zonas ou espcies protegidas; b) Reduo ou suspenso de sanes ou incentivos, c) Reduo ou suspenso do nmero ou tipo de actividades proibidas ou condicionadas, d) Reduo de permetros de proteco; e) Remoo ou simplificao de processos de controlo (como autorizaes prvias, notificaes, registos,
monitorizaes, auditorias, ou fiscalizaes);
f) Abolio ou compresso das competncias de entidades ou rgos de fiscalizao, autorizao ou consulta;
g) Restrio nas condies de acesso informao ou de exerccio do direito de participao; h) Alteraes processuais (regras sobre o nus da prova, limitaes quanto aos meios de prova, reduo ou
alargamento de prazos, etc.)
Porm, importante notar que pode haver mil e uma diferentes formas de proteger os mesmos valores
ambientais. As novas formas propostas podem ser aceitveis e no configuram um retrocesso ambiental
se forem, pelo menos, to eficazes e justas do ponto de vista ambiental, como as anteriores. E, claro,
melhor ainda se forem menos onerosas em termos sociais ou econmicos. Todavia, em virtude do
princpio da precauo, a quem pretender levar a cabo a alterao legislativa, que cabe fazer prova de
que o nvel de proteco equivalente, tanto do ponto de vista da eficcia, como da justia dos
resultados77.
4.3. Patamares da realizao do direito ambiental
A questo que vamos agora abordar prende-se com a identificao dos progressos ambientais que impedem o
legislador de retroceder, ou seja, os patamares de realizao do Direito Ambiental.
Embora na concretizao do direito fundamental ao ambiente, a discricionariedade do legislador seja grande,
h matrias que devem ser reguladas por lei, e em relao s quais no pode haver retrocesso. Referimo-nos
s normas que produzem um effet cliquet, para recorrer sugestiva metfora da doutrina francesa78.
Analisando o artigo 66 da Constituio Portuguesa, conseguimos identificar alguns patamares da realizao do
direito ambiental. Ora, os principais cliquets constitucionais, referem-se ao estatuto ambiental dos cidados (a],
b], c], d]), organizao ambiental do Estado (e], f]), relao entre o ambiente e as restantes polticas (g]),
proteco de locais importantes (h], i]), aos recursos naturais (j]) e poluio (k], l]) 79:
77 Desenvolveremos este tpico no Ponto 6., a propsito das Redues no retrocedentes do nvel de proteco. 78 Metfora retomada pelo Tribunal Constitucional Portugus (no Acrdo 509/02, proferido no processo n. 768/2002), citando Louis Favoreu (Revue Franaise de Droit Constitutionnel, 1991, 6, pg. 293) e a jurisprudncia francesa do Conseil Constitutionnel (Deciso 83-165, de 20 de Janeiro de 1984). 79 Outros patamares constitucionais de proteco ambiental decorrem:
a) Do direito fundamental sade. Artigo 64.1. Todos tm direito proteco da sade e o dever de a defender e promover.2. O direito proteco da sade realizado: () b) Pela criao de condies econmicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteco da infncia, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemtica
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a) Reconhecimento do direito ao ambiente como direito subjectivo dos cidados; (66, n.1)
b) Existncia de deveres (individuais e colectivos) de proteco ambiental; (66, n.1)
c) Reconhecimento do direito de participao dos cidados; (66, n.2)
d) Reconhecimento do princpio da solidariedade entre geraes (66, n.2 d])
e) Existncia, dentro da estrutura do Estado, de organismos prprios de proteco ambiental; (66, n.2)
f) Poder-dever de colaborao das autarquias locais na proteco do ambiente urbano; (66, n.2 e])
g) Integrao do ambiente nas restantes polticas sectoriais, nomeadamente a poltica de ordenamento do territrio, a poltica de educao e a poltica fiscal; (66, n.2 f] b] c] g] h])
h) Proteco de stios de interesse natural (criao de reservas, parques naturais e parques de recreio) e cultural (maxime, histrico ou artstico); (66, n.2 c])
i) Proteco do ambiente urbano, nomeadamente evitando impactes visuais e protegendo as zonas histricas80; (66, n.2 e])
j) Promoo de uma gesto duradoura e de uma utilizao racional, parcimoniosa e cuidadosa dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovao e a sua estabilidade ecolgica; (66,
n.2 d])
k) Existncia de normas destinadas a prevenir e controlar a poluio em todos os meios receptores ambientais, incluindo o solo81 e a paisagem; (66, n.2, a] b] e])
l) Existncia de normas destinadas a evitar todos os tipos de poluio, incluindo a visual (66, n.2 a] b] e])
Estes so valores constitucionais suficientemente importantes para se considerar que, com a sua
concretizao pela via legal, se ultrapassou uma etapa, que no deve ser abandonada e em relao qual um
retrocesso configuraria uma inconstitucionalidade material.
das condies de vida e de trabalho, bem como pela promoo da cultura fsica e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educao sanitria do povo e de prticas de vida saudvel.
b) Da poltica agrcola. Artigo 93. So objectivos da poltica agrcola: () d) Assegurar o uso e a gesto racionais dos solos e dos restantes recursos naturais, bem como a manuteno da sua capacidade de regenerao.
c) Dos direitos dos trabalhadores. Artigo 59 n. 1. c) A prestao do trabalho em condies de higiene, segurana e sade; n.2 c) A especial proteco do trabalho das mulheres durante a gravidez e aps o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminudos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condies insalubres, txicas ou perigosas; e) A proteco das condies de trabalho e a garantia dos benefcios sociais dos trabalhadores emigrantes; f) A proteco das condies de trabalho dos trabalhadores estudantes.
d) Dos direitos dos consumidores. Artigo 60. 1. Os consumidores tm direito qualidade dos bens e servios consumidos, formao e informao, proteco da sade, da segurana e dos seus interesses econmicos, bem como reparao de danos.
80 Tratando-se de uma proteco ambiental das zonas histricas encontram-se aqui abrangidas medidas como a proteco contra inundaes; a preveno da poluio atmosfrica e luta contra as chuvas cidas; medidas de gesto rodoviria visando a proteco contra trepidaes; medidas paisagsticas, destinadas a evitar impactes visuais, etc. 81 assim que interpretamos a referncia especfica eroso, referncia que compreensvel sabendo que o solo costuma ser sempre o parente pobre entre os recursos naturais protegidos.
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Mas, para determinar quais so os patamares do progresso ambiental, um critrio formal, que atendesse
apenas ao valor do documento legal a Constituio ou uma lei com valor reforado onde o regime ou o
instrumento est consagrado, parecer-nos-ia insuficiente82.
Julgamos, por isso, que alm dos cliquets constitucionais, h ainda cliquets legais, e que o progresso ambiental
pode resultar da aprovao de um regime legal especfico de proteco de determinados componentes ou
sectores ambientais que, independentemente de reconhecimento pela Constituio, seja considerado como
um progresso civilizacional83.
Por exemplo, a existncia dos instrumentos jurdicos da avaliao de impacte ambiental e da avaliao
estratgica, representa, na nossa opinio, um salto qualitativo impeditivo do retrocesso ambiental, que no teve,
no entanto, recepo constitucional, nem tem sequer plena consagrao na Lei de Bases do Ambiente, onde a
avaliao estratgica est omissa.
Assim, o critrio formal pode ser considerado como um indicador, mas dever sempre proceder-se a uma
anlise material do regime legal, para determinar se estamos ou no perante um progresso ambiental relevante.
5. Pressupostos da proibio do retrocesso ambiental
Como j referimos, todas as leis de proteco ambiental tm custos.
Esses custos podem assumir a forma de investimentos directos (em reflorestao de zonas florestais
degradadas ou na criao de recifes artificiais ao longo da costa, por exemplo) ou de encargos sociais
indirectos (resultantes, por exemplo, do indeferimento do pedido de ampliao das faixas de rodagem de
uma estrada com grandes congestionamentos de trnsito84 ou de interdies de pesca85). Tambm podem ser,
82 Se o regime em causa constar de uma lei que transpe uma directiva europeia, ento a proibio de revogar ou substituir esse regime pode no resultar autonomamente do princpio da proibio do retrocesso, mas simplesmente do dever de respeitar o direito europeu e de colaborar com as Instituies da Unio na prossecuo dos seus objectivos: Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou especficas adequadas para garantir a execuo das obrigaes decorrentes dos Tratados ou resultantes dos actos das instituies da Unio. Os Estados-Membros facilitam Unio o cu