Alexandre Melo - Arte

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  • 8/13/2019 Alexandre Melo - Arte

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    RTE( O sistema da arte contempornea )

    Excertos do livro Arte de Alenxandre Melo

    NDICE Pg.

    1. AS TRS DIMENSES DO SISTEMA ...................................................................................................... 1

    2. DIMENSO ECONMICA ......................................................................................................................... 1

    2.1. Os artistas enquanto produtores ......................................................................................................... 2

    2.1.1. Os financiadores .................................................................................................................................. 3

    2.1.2. Os ajudantes ........................................................................................................................................ 3

    2.2. Os vendedores ...................................................................................................................................... 4

    2.2.1. Os leiles .............................................................................................................................................. 4

    2.2.2. Os comerciantes .................................................................................................................................. 4

    2.2.3. Os galeristas ........................................................................................................................................ 5

    2.2.4. As feiras ............................................................................................................................................... 5

    2.3. Os compradores .................................................................................................................................... 5

    3. DIMENSO SIMBLICA ........................................................................................................................... 6

    3.1. Os comentadores .................................................................................................................................. 7

    3.1.1. Os curiosos .......................................................................................................................................... 7

    3.1.2. Os jornalistas ........................................................................................................................................ 7

    3.1.3. Os crticos ............................................................................................................................................ 8

    3.1.4. Os investigadores ................................................................................................................................. 83.1.5. Os editores ........................................................................................................................................... 9

    3.1.6. As revistas ............................................................................................................................................ 9

    3.1.7. Os catlogos ........................................................................................................................................ 10

    3.2. Os exibidores ......................................................................................................................................... 10

    3.2.1. Exposies para todos os gostos ......................................................................................................... 11

    4. DIMENSO POLTICA .............................................................................................................................. 11

    4.1. Os decisores institucionais .................................................................................................................. 12

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    O sistema da arte contempornea

    levar algum a querer adquirir uma obra de arte. Porque nos circunscrevemos neste momento dimenso

    econmica, devemos ento abordar a questo das motivaes econmicas da procura de obras de arte. (...)

    Em sntese, relativamente s motivaes econmicas que esto na base da atitude dos compradores - e aqui

    pode ser til, a ttulo comparativo, ter em mente o que se passa com os investimentos na Bolsa -, podemos

    distinguir trs objectivos: a longo prazo, a reserva de valor; a mdio prazo, o investimento; a curto prazo, a

    especulao.No que diz respeito aos objectivos de longo prazo, as obras de arte so encaradas como reserva de valor na

    medida em que so bens cujo valor se supe poder resistir passagem dos anos. O raciocnio, mais ainda do

    que arte contempornea, aplica-se a obras j consagradas pela histria e em relao s quais funciona o

    factor de raridade - isto , j no se podem produzir mais. Em todo o caso, existe sempre um risco. As prprias

    valorizaes feitas pela histria da arte esto sujeitas a flutuaes, no s por causa das mudanas de gosto ou

    de perspectivas de anlise, mas tambm devido evoluo das tcnicas de autenticao que ultimamente tm

    vindo a provocar pequenas, mas dramticas, crises de atribuio de autoria e deteco de falsificaes. Alm

    disso, a importncia que cada sociedade concede arte varia muito de poca para poca, com as

    correspondentes repercusses nas oscilaes dos preos das obras.

    O grau de risco e imprevisibilidade ainda maior se nos deslocarmos para o mdio prazo - trs ou quatro

    dcadas, grosso modo -, perodo no qual as variaes de gosto, a lgica pendurar dos movimentos estticos, ou

    os ritmos das modas, podem ditar alteraes radicais e inesperadas. (...)

    No curto prazo a situao diferente e remete sobretudo para uma lgica especulativa que s tem possibilidade

    de se manifestar em pocas de instabilidade do mercado: perodos de euforia ou de recesso, marcados por

    variaes muito rpidas de preos. Neste caso, como se sabe, possvel registar ganhos ou perdas

    consideravelmente elevados num espao de tempo relativamente curto. Tudo depende da qualidade, extenso e

    velocidade de actualizao das informaes de que se dispe, de se ter acesso aos crculos artsticos mais

    dinmicos e de se poderem obter a tempo as indicaes relativas a quem, quando, onde e por quanto comprar e

    vender. (....)

    2.1. Os artistas enquanto produtores

    O artista ou o produtor, entendido como agente econmico, pode encontrar-se em diferentes situaes que

    correspondem a um leque diversificado de possibilidades em termos de custos de produo e de auto-

    suficincia de execuo. As implicaes e consequncias destas alternativas so em cada caso concreto

    determinadas pela situao socioeconmica do artista, dependendo esta da cotao das suas obras, da sua

    situao econmica de partida - meio familiar ou social de origem e/ou de pertena - e da sua trajectria social.Comeando pela questo dos custos de produo, encontramos um conjunto de situaes que vo desde

    custos de produo irrelevantes, que so, por exemplo, os necessrios realizao de um desenho a grafite ou

    carvo sobre papel, at custos de produo gigantescos, como so, por exemplo, os requeridos por volumosas

    esculturas de bronze, sofisticadas instalaes com vdeos ou trabalhos com computadores, implicando um

    grande investimento em materiais e o recurso a processos tcnicos complexos e equipas especializadas.

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    2.1.1. Os financiadores

    A diversidade de custos e condies de produo leva a uma diferenciao no que diz respeito situao

    econmica do artista. Em termos do financiamento, este, conforme o seu nvel de rendimento e os seus custos

    de produo, pode ou no ter de recorrer a um financiamento por parte de outros agentes. Os financiadores

    distribuem-se por vrias categorias e situaes, que procuraremos enunciar metodicamente:

    - Galeristas com quem o artista trabalha e que recebem em contrapartida do pagamento dos custos de produoo direito de venda da pea com uma taxa de lucro estipulada antecipadamente ou no;

    - Coleccionadores que recebem em troca um tratamento preferencial na compra da pea em questo ou de

    outras, traduzindo-se esta preferncia no direito a primeiras escolhas ou em redues de preos;

    - Instituies que financiem a produo de uma pea com vista sua aquisio ou apresentao numa exposi-

    o da sua responsabilidade, o que configura uma situao prxima da encomenda;

    - Mecenato ou subsdios oficiais em sentido lato;

    - Apoio de artistas com uma situao econmica mais

    vantajosa ou de um grupo informal que, por razes de solidariedade pessoal ou cultural, decide viabilizar a

    continuidade de trabalho de um determinado artista.(...)

    2.1.2. Os ajudantes

    Examinando agora a questo da auto-suficincia de execuo veremos que tambm aqui o artista no est,

    longe disso, to sozinho quanto nos habitumos a imagin-lo. Desde logo convm reparar que mesmo o artista

    que utiliza os materiais mais tradicionais usa como matrias-primas uma srie de produtos que no ele a pro-

    duzir. Tintas, madeiras, telas, pincis, tubos de tinta, grades, papis, a lista interminvel e no precisa de ser

    prolongada para se perceber que, quando o artista comea a trabalhar, a existncia e reunio dos materiais de

    que ele se vai servir implicou j a existncia e o funcionamento, de um modo especfico de cada situao

    histrica e social concreta, de um conjunto de aparelhos de produo, geralmente subdivises especializadas de

    diferentes tipos de indstrias, especialmente organizados para a produo dos materiais com que o artista vai

    trabalhar. So o que chamaremos fornecedores.

    Passando agora prpria tarefa do artista, e embora a figura do artista sozinho no seu estdio continue a

    corresponder parcialmente realidade actual, observamos que, na maior parte dos casos, no que diz respeito

    execuo, h um leque de possibilidades de colaborao ou delegao que comea pela utilizao de

    assistentes e ajudantes - segundo modalidades que vo desde um auxiliar para esticar as elas ou amassar o

    gesso at algumas dezenas para fazerem quase tudo - e pode ir at delegao total da execuo, limitando-se

    o artista a fornecer desenhos de projectos, esquemas, maquetas, ou mesmo instrues orais a pessoas ou

    equipas que se encarregaro totalmente da execuo.

    Entre os casos-limite do artista auto-suficiente e a delegao total, ao nvel da execuo, h vrias situaes

    intermdias. Entre elas, para alm da utilizao de ajudantes e assistentes, refira-se o recurso a modelos para

    posar ou agentes especialistas em tarefas especficas fundio, nons, carpintaria, iluminao, vdeo, gravura,

    fotografia, computadores - to variadas quanto a prpria variedade de materiais mobilizados pela arte con-

    tempornea. (...)

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    2.2. Os vendedores

    Passando agora anlise dos vendedores, ou seja, da instncia de distribuio, distinguimos trs grupos

    principais: as casas de leiles, os comerciantes e os galeristas.

    2.2.1. Os leiles

    Hierarquicamente, as casas de leiles operam ao mais alto nvel do funcionamento da cadeia econmica do

    sistema. Tm tambm uma eficcia social e cultural, que j referimos, mas sobretudo no plano econmico que

    se consideram decisivas. a entrada no circuito dos leiles que decide e representa a chegada de um artista

    contemporneo ao escalo mais elevado da consagrao social e valorizao econmica. o comportamento

    dos preos de um artista nos leiles que decide a continuidade da sua ascenso - at possibilidade de

    candidatura irreversibilidade histrica -, a estabilizao ou o declnio, sendo que poucos eventos econmicos

    so menos gratificantes para um artista que a repetida - no acidental queda das cotaes, em leilo, para

    valores abaixo do preo corrente de mercado.

    O grande significado econmico dos preos atingidos em leilo - dado o seu carcter pblico, aberto e publici-

    tado -, que servem de guia e referncia para o conjunto do mercado, faz com que seja limitado o nmero de ar-

    tistas contemporneos que entram neste circuito, e que estas entradas se faam geralmente acompanhar de

    aces concertadas de galeristas e coleccionadores no sentido de prevenir qualquer eventual tendncia para a

    desvalorizao. Para este fim, trata-se de assegurar a compra, pelo menos, ao preo de mercado, ou, em ltimo

    caso, de impedir a venda abaixo desse preo, indicando-o como preo mnimo que, a no ser atingido, leva a

    que o quadro seja retirado. Neste ltimo caso, porm, persiste o efeito negativo. O facto de uma obra no ter

    encontrado comprador ao preo corrente no mercado d uma indicao negativa sobre a evoluo da procura

    de um artista. Se tal se verificar no de um modo ocasional e por motivos circunstanciais mas de forma repetida,

    haver que adoptar alguma discreta moderao na gesto das cotaes do artista. (...)

    2.2.2. Os comerciantes

    O grupo que aqui designamos por comerciantes inclui os agentes que compram e vendem obras de arte sem

    terem galeria aberta, actividade regular de exposio ou sequer, nalguns casos, existncia jurdica empresarial.

    Constituem o chamado mercado secundrio. Regra geral no tm uma relao directa com os artistas, isto ,

    no os representam no sentido em que estes no lhes entregam obras para posterior venda. As que este tipo de

    comerciantes tm para comercializar so aquelas que eles prprios previamente adquiriram, regra geral a

    galeristas ou coleccionadores, e que visam vender a outros galeristas ou coleccionadores. Mas h tambm

    casos em que compram directamente aos artistas, ou mesmo casos em que estes lhes entregam obras consignao. Nestas situaes, o comerciante desempenha em relao ao artista uma funo de agente

    comercial que, do ponto de vista econmico, se aproxima da funo de galerista, embora sem a correspondente

    componente cultural.

    Para alm dessa funo cultural dos galeristas, e de um ponto de vista apenas econmico, a principal diferena

    entre comerciantes e galeristas que estes tm acesso directo e privilegiado aos artistas com quem mantm

    uma relao continuada de trabalho, o que lhes permite dispor de stocks permanentemente actualizados e da

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    melhor qualidade, no tendo de pagar as obras antecipadamente aos artistas mas apenas quando as vendem.

    (...)

    2.2.3. Os galeristas

    (...) Os galeristas tm uma importncia simultaneamente econmica - so eles que essencialmente, ou

    inicialmente, vendem as obras dos artistas - e sociocultural - so eles que mostram, e basicamente promovem, otrabalho dos artistas. Um maior peso da componente cultural ou comercial depende do tipo de galeria.(...)

    Vrios tipos de distines se podem estabelecer entre galeristas e galerias. A principal corresponde hierar-

    quizao econmica, com a correspondente estratificao das relaes sociais e poder de mercado junto de

    coleccionadores. Esta hierarquizao no corresponde exactamente hierarquia cultural, podendo existir, para

    um mesmo nvel de poder econmico, galerias com graus de prestgio cultural que vo de zero at ao

    mximo.(...)

    2.2.4. As feiras

    As feiras de arte caracterizam-se pela reunio num espao e num perodo de tempo limitados de um elevado

    nmero de vendedores - galeristas e comerciantes - e compradores. Por isso, e porque se trata de um evento de

    natureza predominantemente econmica com caractersticas peculiares, entendemos trat-lo de modo

    autnomo na sequncia da abordagem dos vendedores e antes de passarmos anlise dos compradores.

    Quando comparamos as feiras de arte com as outras instituies que estruturam o mundo da arte, podemos

    dizer que elas tm uma funo esttico-artstica muito reduzida, se no mesmo nefasta, mas ao mesmo tempo

    uma significativa funo econmica e sociocultural.

    Apesar das excepes, e embora este aspecto varie de feira para feira e de stand para stand, uma feira regra

    geral o contexto menos apropriado para desfrutar a emoo esttica do confronto pessoal com uma obra ou

    para lograr um entendimento profundo do trabalho de um artista. Pelo contrrio, o carcter massivo das feiras, a

    heterogeneidade dos trabalhos expostos, a presena ruidosa do pblico, tudo contribui para uma disperso do

    olhar e da ateno. (...)

    A importncia, a animao e inclusivamente a realizao de mais ou menos feiras de arte depende

    evidentemente da situao econmica do mercado, tendo uma correlao positiva com a prosperidade deste.

    Assim, em meados da dcada de 80, assistimos a uma proliferao vertiginosa das feiras de arte, que atingiram

    uma popularidade inusitada. Mais recentemente, com o arrefecimento do mercado, esta tendncia inverteu-se e

    muitas delas entraram em declnio ou desapareceram. Tambm por esta razo as feiras constituem, pela sua

    simples realizao e pelo seu nvel de sucesso, um indicador da situao geral do mercado.

    2.3. Os compradores

    Chegamos agora ao terceiro plo do tringulo econmico, a instncia do consumo, ocupada pelos

    coleccionadores ou compradores. (...)

    Uma primeira aproximao tipologia dos coleccionadores -nos sugerida pela anlise das motivaes

    econmicas da procura. Conforme referimos atrs, podemos de forma esquemtica distinguir trs objectivos

    econmicos possveis para um coleccionador: a longo prazo, a reserva de valor; a mdio prazo, o investimento;

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    a curto prazo, a especulao. Estes diferentes objectivos do-nos, ainda apenas do ponto de vista de uma

    estrita anlise econmica, um leque de tipos possveis de coleccionadores, que vai desde o puro especulador

    financeiro at ao mecenas histrico, entendido como personalidade que, pela profundidade e perenidade da sua

    ligao s artes, cria uma imagem cultural pblica historicamente reconhecida e enaltecida.

    Uma vez mais devemos sublinhar que as motivaes econmicas no so suficientes para explicar o

    coleccionismo e que para a maioria dos coleccionadores so determinantes factores psicolgicos agregados aodesejo e ao prazer da posse, ao fascnio da acumulao ou do convvio directo com as obras, ou ainda factores

    socioculturais associados afirmao pessoal de uma imagem pblica ou a um empenho cvico na valorizao

    da vida cultural de uma comunidade.

    Para alm destas diferenciaes, que se estabelecem logo ao nvel das motivaes, h toda uma outra srie de

    distines que do conta das diferenas mais concretas de contedo das coleces.

    Comearamos por enunciar uma srie de distines que correspondem s que j referimos para os galeristas e

    que na altura analismos, as quais remetem para: hierarquia econmica em funo do poder de compra; hierar-

    quia e segmentao cultural em funo do grau de informao e da zona de gosto esttico; grau de estabilidade

    e continuidade segundo o ritmo de compras e eventuais trocas ou vendas; vocao para revelaes, actualidade

    ou consagrados; alcance geogrfico regional ou global; opo de tendncia ou eclctica; relao com os artistas

    mais prxima e activa ou mais distante e neutra. A respeito de todos estes tpicos poderamos repetir, com os

    devidos ajustamentos, o que escrevemos sobre os galeristas. (...)

    3. DIMENSO SIMBLICA

    (...) Estamos perante uma manifestao da dimenso simblica do sistema da arte contempornea quando as

    obras de arte se transformam em objecto de um discurso cultural. Entendemos aqui discurso cultural no seu

    sentido mais amplo, que vai da exclamao que um observador ocasional solta perante uma obra at mais

    elaborada tese terica. Alargando ainda mais a extenso desta noo, podemos mesmo incluir no discurso

    cultural as reaces no formuladas, ou seja, as reflexes ntimas ou as experincias emocionais no

    partilhadas de um qualquer observador.

    A dimenso simblica da existncia das obras de arte recobre assim o arco que vai das determinaes

    psicolgicas da sensibilidade e dos gostos pessoais at aos discursos tericos, passando pelos diferentes nveis

    de elaborao e difuso de discursos culturais atravs dos meios de comunicao social.

    A dimenso simblica corresponde, no essencial, ao conjunto das actividades do grupo de agentes que

    designaremos por comentadores e exibidores. Nos comentadores incluem-se, em termos muito, gerais, oscuriosos, os jornalistas, os analistas e os editores. Por exibidores designamos o conjunto das pessoas que

    decidem sobre o que se mostra em espaos de exposio no comerciais. (...)

    Porque tm certos objectos um valor cultural especial?A dimenso simblica o veculo de uma validao

    e legitimao cultural ao nvel da sociedade global. A dimenso simblica, enquanto produo de discursos,

    mais ou menos formalizados e mais ou menos publicamente divulgados, sobre as obras de arte, constitui-as em

    objecto social particular, com modalidades de presena e protocolos de dignidade especficos e com um

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    processo de valorizao especial a que corresponde um grau e um tipo de considerao social diferentes do de

    qualquer outro conjunto de objectos. (...) Podemos agora voltar ao tpico da insuficincia das motivaes

    econmicas para explicarmos a procura de obras de arte e tudo o que dela decorre - isto , o coleccionismo, e o

    prprio mercado de arte, em sentido amplo.

    dimenso simblica da existncia das obras de arte corresponde um outro tipo de motivaes em que se

    incluem, por um lado, o acesso a uma relao privilegiada ou de excepo com um determinado conjunto deobjectos e, por outro lado, a frequentemente correlativa aspirao a um prestgio social que pode ir desde o

    mero exibicionismo mundano at s mais elevadas noes de virtude cvica.

    Quando falamos de relao privilegiada com um objecto estamos a referir-nos ao elemento de prazer emocional

    ou intelectual que a maior parte dos coleccionadores aponta como principal motivao da sua actividade. (...)

    O coleccionador pode ainda apostar numa deliberada rentabilizao social da sua coleco. Abrir um museu,

    fazer a coleco circular, organizar exposies, editar livros e catlogos, publicitar as compras e vendas,

    transformar-se enfim numa personalidade cultural reconhecida e respeitada pela sociedade no seu conjunto. (...)

    3.1. Os comentadores

    Dissemos atrs que a dimenso simblica do sistema da arte contempornea corresponde, no essencial, ao

    conjunto das actividades do grupo de agentes que designamos por comentadores e exibidores. Nos comentado-

    res incluem-se, em termos muito gerais, os curiosos - que so os elementos mais activos do grande pblico -, os

    jornalistas - ou informadores -, os analistas - crticos, ensastas, investigadores -, os editores - de jornais, revis-

    tas, publicaes, especializa das ou no, catlogos ou livros, passando pelos directores de coleces e

    consultores de edio - e os exibidores - curators, comissrios, directores de servios de exposies, em suma,

    o conjunto das pessoas que decide sobre o que se mostra em espaos institucionais ou no comerciais em

    sentido lato. (...)

    3.1.1. Os curiosos

    Curiosos a designao que damos aquela faixa do grande pblico que revela um interesse - uma curiosida-

    de - mais vivo e mais continuado pela arte contempornea. So observadores annimos, que no desempe-

    nham qualquer funo formalizada no mundo da arte, mas que constituem uma parcela fundamental do conjunto

    dos visitantes das exposies e dos consumidores de informao artstica em geral. Tm alguma participao,

    embora mnima, na formao das opinies ao nvel mais elementar - o das trocas de impresses numa inau-

    gurao, por exemplo. Mas a sua funo mais importante consiste no seu papel de charneira, de veculos trans-

    missores, de intermedirios entre o discurso dos comentadores especializados e a formao do gosto da opiniopblica em sentido lato.

    3.1.2. Os jornalistas

    Os jornalistas, mais ou menos especializados em jornalismo cultural ou das artes, tm principalmente uma

    funo de informao, transformando, por assim dizer, em notcia, segundo o padro normalizado de todas as

    notcias, aquilo que se passa no mundo da arte. Mesmo no plano estritamente informativo, a dimenso e o tipo

    de notcias tm j um significado importante.

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    Assim, por exemplo, ao nvel mais elementar, o simples facto de uma galeria - uma pequena galeria de provn-

    cia, por exemplo - conseguir que o seu nome, morada e exposio em exibio sejam includos numa listagem

    num jornal dirio de grande expanso, ainda que sem nenhum comentrio, pode j ser considerado uma grande

    vitria. Marca a sua ascenso esfera da existncia, do ponto de vista da opinio pblica, concebida como

    entidade social global. A partir da, h uma hierarquia em termos de extenso e frequncia das referncias

    informativas. O tom mais ou menos neutro, positivo ou negativo e, sobretudo, a incluso ou no de fotografiasso tambm muito importantes para medir o valor promocional das informaes. (...)

    3.1.3. Os crticos

    Os crticos, quer como autores de textos divulgados em publicaes, especializadas ou no, quer como orga-

    nizadores de exposies ou outros eventos enquadrados por instituies, pblicas ou no, quer ainda como

    emissores de opinies, tomadas em considerao por compradores ou observadores, esto sempre, e

    inevitavelmente, a exercer ao mesmo tempo um papel cultural e um papel comercial. (...)

    Conforme j referimos, inclumos os crticos na categoria dos comentadores de que constituem o grupo mais

    activo, numa situao intermdia entre o grupo dos jornalistas, que se limitam a dar informaes mais ou menos

    desenvolvidas ou esclarecidas, e o dos investigadores, que conduzem as reflexes de maior ambio terica e

    pretenso erudita. Mais exactamente, o crtico surgiria entre o jornalista cultural especializado e o ensasta,

    sendo que estas fronteiras so tanto mais fluidas quanto frequentemente um mesmo indivduo ocupa, em diver-

    sas situaes e com diferentes tipos de escrita, estas diferentes posies. (...)

    3.1.4. Os investigadores

    Passando agora mais elevada categoria dos analistas, ou seja, a dos investigadores, importa comear por

    dizer que embora ocupem um escalo hierarquicamente superior em termos culturais, j que possuem um

    estatuto universitrio e um currculo terico adquiridos, isso no significa necessariamente que tenham um maior

    peso ou influncia. Pelo contrrio, precisamente porque ocupam um escalo cultural mais elevado, porque tm

    compromissos, posies e funes prioritrias no sistema de ensino - universidade ou instituies de

    investigao -, este tipo de investigadores, regra geral, mantm-se ou procura manter-se margem do mundo

    da arte, ou melhor, na fronteira entre o mundo da arte e o que nos termos ideais, que hoje em dia j no so

    sequer os dos prprios agentes em causa, se chamaria o mundo do saber. Esta distncia acadmica, erudita,

    universitria, a distncia da teoria e da investigao, particularmente visvel, porque tambm mais praticvel,

    no mbito da histria da arte, mas manifesta-se igualmente no domnio da arte contempornea, em que os

    estudiosos geralmente tentam ou pretendem tentar manter-se afastados dos condicionalismos e dos ritmos

    sociais e econmicos que rodeiam o funcionamento do sistema. (...)

    Os investigadores fazem, no entanto, parte integrante do sistema por duas ordens de razes. Em primeiro lugar,

    muitos crticos regulares so tambm e de forma igualmente regular professores ou investigadores, o que vem

    reforar a cauo terica e cultural do seu discurso enquanto crticos. Sucede ainda que muitos universitrios

    puros intervm pontualmente na actividade crtica corrente sob a forma de artigos ou, mais frequentemente, de

    ensaios para catlogos ou revistas tericas. Estas intervenes, por serem menos comuns, so muito

    apreciadas enquanto suplemento especial de cauo terica, costumando ser avaliadas em termos de: um

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    3.1.7. Os catlogos

    Numa situao intermdia entre os artigos de jornal ou revista e os livros encontram-se os catlogos. A im-

    portncia destes varia substancialmente, desde o pequeno folheto desdobrvel que qualquer galeria pode editar

    por ocasio de uma exposio at ao grande catlogo de uma retrospectiva em museu ou ao gigantesco

    catlogo raisonn que frequentemente exige a colaborao de um grupo internacional de editoras. No entanto,regra geral, a publicao de catlogos da iniciativa e responsabilidade das galerias ou instituies de exibio

    - museus -, pelo que no de inclu-la, em sentido estrito, na esfera de aco dos editores, devendo ser vista

    como uma actividade complementar das actividades principais das galerias e museus. (...)

    3.2. Os exibidores

    Chamamos exibidores, em termos genricos, aos responsveis pela organizao e escolha das obras e artistas

    presentes em exposies efectuadas fora do contexto regular da actividade das galerias. As mais importantes

    destas mostras so as que se realizam em museus ou centros culturais pblicos ou privados de grande

    prestgio, mas podem tambm incluir-se neste mbito exposies em espaos alternativos, sejam eles privados

    ou pblicos no especificamente culturais, ou mesmo em galerias comerciais normais, desde que a iniciativa e o

    projecto da exposio e a correspondente seleco correspondam a um objectivo independente da lgica

    normal de funcionamento da galeria. Na categoria de exibidores inclumos, portanto, os agentes habitualmente

    designados por curators, comissrios, organizadores ou coordenadores, responsveis ou directores de servios

    de exposies. (...)

    Em primeiro lugar, importa referir que os galeristas so tambm exibidores e dos mais importantes. No entanto,

    porque entendemos que o seu papel sobretudo econmico, analismo-lo no mbito da dimenso econmica e

    no repetiremos agora o que ento escrevemos.

    Em segundo lugar, importa clarificar a distino entre exibidores independentes e institucionais.

    Os exibidores independentes, actuando em regime de free-lancers, podem trabalhar com galerias, instituies

    ou espaos alternativos, e desempenham tambm outras funes, visando, atravs da organizao de expo-

    sies, reforar a sua capacidade de interveno e afirmao de pontos de vista. Geralmente estes exibidores

    so tambm crticos ou comentadores, mas podem igualmente ser coleccionadores, galeristas activos fora do

    mbito comercial ou mesmo agentes provenientes de outras reas, por exemplo, escritores ou cineastas que por

    qualquer razo estabelecem ligaes com as artes plsticas. Sublinhe-se que os exibidores independentes

    tambm podem trabalhar para instituies, sejam elas pblicas ou privadas, o que os distingue dos institucionais

    que no tm uma ligao contratual e funcional a nenhuma instituio. (...)Os exibidores institucionais so os que tm uma relao de dependncia contratual em relao a uma instituio

    cujos interesses e lgica de funcionamento so supostos secundar. Podem ser oriundos do grupo dos

    comentadores, sejam crticos ou investigadores universitrios, ou da rea da poltica ou da gesto, tendo apenas

    uma formao corrente de funcionrios polticos ou gestores. Eventualmente podem ter uma formao especfi-

    ca na rea da museologia ou da gesto cultural.

    Regra geral, os exibidores independentes mantm uma intensa actividade crtica e ensastica que complementa

    a de organizadores de exposies. J os exibidores institucionais, sobretudo os que trabalham para instituies

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    O sistema da arte contempornea

    pblicas, e por vezes por imposio regulamentar, tendem a no exercer uma actividade corrente de comentrio

    crtico, circunscrevendo o seu labor de escrita a livros ou catlogos da instituio a que esto ligados, isto

    quando o mantm. (...)

    3.2.1. Exposies para todos os gostos

    (...) Numa primeira aproximao, simplificadora, poderamos enunciar trs tipos de exposies: de galeria, demuseu e alternativas. As primeiras corresponderiam a uma dinmica predominantemente comercial, as segun-

    das a uma lgica de consagrao cultural oficial e as terceiras a uma dimenso experimental mais directamente

    ligada comunidade artstica. Os fundos de financiamento teriam assim uma origem respectivamente econ-

    mica, poltica ou cultural, ou seja, por exemplo, um comerciante - o galerista -, o Estado ou uma associao

    cultural independente.(...)

    O mecenato, ou seja, o apoio financeiro actividade artstica por parte de empresas ou particulares, um

    elemento presente praticamente em todo o espectro da actual actividade expositiva. Nenhum projecto de ambi-

    o mdia, tenha ele origem num agente independente, numa galeria, num museu ou no prprio Estado, dis-

    pensa hoje em dia o recurso ao mecenato. A angariao de fundos junto de potenciais financiadores tornou-se,

    alis, uma componente decisiva de qualquer projecto cultural, dando origem a uma especializao - a

    angariao de fundos - e a uma rea de reflexo estratgica especfica. Esta rea combina as relaes pblicas,

    o marketing e a publicidade de modo a conseguir transformar qualquer ideia ou projecto - artstico ou cultural -

    num produto vendvel, isto , um produto com uma imagem susceptvel de atrair e convencer financiadores. (...)

    O espao de acolhimento de uma exposio pode ser uma cidade inteira - incluindo os exteriores e os interiores

    de alguns edifcios -, um conjunto de salas seleccionadas de uma srie de casas particulares, um convento, um

    castelo ou qualquer outra construo com interesse histrico ou arquitectnico, uma instalao industrial, umas

    runas urbanas ou uma aldeia abandonada, uma srie de montras de estabelecimentos comerciais, as paredes

    ou os placards publicitrios de uma povoao, uma loja, um bar ou um restaurante, uma livraria ou uma

    biblioteca, uma estao ferroviria ou um estdio de futebol. tudo uma questo de projecto.

    4. DIMENSO POLTICA

    A legitimao e validao social global que a sua dimenso simblica traz ao sistema da arte contempornea faz

    com que a sua existncia seja reconhecida e, at certo ponto, enquadrada pelas instituies pblicas, dando

    assim lugar a uma dimenso poltica que se articula intimamente com as dimenses j referidas e produz efeitos

    significativos em termos de legitimao social, na medida em que introduz a representatividade do Estado como

    cauo e garante da relevncia social das obras de arte.

    Os agentes cuja aco d corpo a esta dimenso poltica so, na sua face mais visvel, os exibidores

    institucionais, dos quais depende a orientao das actividades dos espaos pblicos de exposio e que so, na

    maior parte dos casos, os espaos mais importantes de consagrao social. Mas a actividade destes exibidores,

    que tem o seu complemento na dos responsveis pelas igualmente decisivas polticas de aquisies pblicas de

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    O sistema da arte contempornea

    obras de arte, pelas polticas de apoios, subsdios e encomendas que as completam, s se compreende no

    interior de uma cadeia hierrquica. Esta toma a forma de uma pirmide de funcionrios culturais e decisores

    polticos cujo grau de especializao e vocao cultural vai diminuindo em favor de determinaes

    especificamente polticas medida que aumenta o nvel de poder de deciso. Esta assimetria poltico-cultural

    entre funcionrios que se querem assumir como agentes culturais e decisores que pretendem agir como

    responsveis polticos a fonte dos permanentes equvocos e polmicas em que as questes de poltica culturalesto constantemente envolvidas. (...)

    [ Os polticos e a arte] (...) Em sntese, podemos concluir que as relaes entre o mundo da arte e a poltica

    cultural dependem da conjuntura poltico-ideolgica e do tipo de efeitos e de imagem cultural que o Estado

    prioritariamente quer produzir junto da opinio pblica nacional ou internacional.

    Em perodos de conjuntura ascensional, positiva, a cultura tende a ser um plo de investimento pblico com

    vista promoo de uma imagem prspera e progressiva.

    Em perodos de conjuntura recessiva, negativa, a cultura pode ser fcil e rapidamente sacrificada e mesmo

    transformada em bode expiatrio no contexto de um retorno aos valores bsicos - a economia, a defesa, a fam-

    lia -, servindo propsitos conservadores e moralizantes contra os devaneios suprfluos e a bomia viciosa dos

    artistas. (...)

    4.1. Os decisores institucionais

    Os exibidores institucionais trabalham em ligao directa com um conjunto de funcionrios polticos que, no

    tendo necessariamente funes ou competncias estritamente culturais, dispem frequentemente de um poder

    real de deciso que se sobrepe ao dos especialistas culturais seus subordinados.

    Exibidores institucionais oficiais e funcionrios culturais constituem o grupo do que chamaremos os decisores

    institucionais, um grupo com forte capacidade de aco simultaneamente no campo da legitimao cultural e da

    legitimao econmica, e com o acrscimo de poder impositivo resultante da relao com o poder poltico. A

    considerao autnoma do grupo dos decisores institucionais permite-nos voltar a examinar a questo das

    relaes entre o mundo da arte e o da poltica. (...)

    No grupo dos decisores institucionais h que distinguir entre os decisores polticos e os funcionrios culturais,

    sendo que, embora s estes possam ser considerados agentes culturais em sentido estrito, so os decisores

    polticos que detm o poder final. Daqui resulta que, embora as decises institucionais sejam inevitavelmente

    unas, elas so quase sempre o resultado de uma srie de contradies e de negociaes permanentes entre os

    representantes das vertentes cultural e poltica da poltica cultural do Estado. A anlise destas contradies enegociaes revela uma extrema complexidade e diversidade de situaes que s podem ser abordadas caso a

    caso. (...)

    Referncia bibliogrfica

    MELO, Alexandre Arte. 3 Edio. Lisboa: Quimera Editores, 2001. ISBN 972-589-069-8

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