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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ALEXANDRO BRAGA VIEIRA PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA: CONTRIBUIÇÕES PARA A INCLUSÃO ESCOLAR VITÓRIA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ALEXANDRO BRAGA VIEIRA

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA:

CONTRIBUIÇÕES PARA A INCLUSÃO ESCOLAR

VITÓRIA 2008

ALEXANDRO BRAGA VIEIRA

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E FORMAÇÃO CONTINUADA DE

PROFESSORES NO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA: CONTRIBUIÇÕES PARA A INCLUSÃO ESCOLAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase na linha de pesquisa Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas. Orientadora: Profª Dra. Denise Meyrelles de Jesus.

VITÓRIA 2008

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Vieira, Alexandro Braga, 1975- V658p Práticas pedagógicas e formação continuada no ensino da

língua materna : contribuições para a inclusão escolar / Alexandro Braga Vieira. – 2008.

246 f. : il. Orientador: Denise Meyrelles de Jesus. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito

Santo, Centro de Educação. 1. Inclusão em educação. 2. Língua materna - Formação de

professores. 3. Linguagem. I. Jesus, Denise Meyrelles de. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

ALEXANDRO BRAGA VIEIRA

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA:

CONTRIBUIÇÕES PARA A INCLUSÃO ESCOLAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro

de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre em Educação, com ênfase na linha de pesquisa

Diversidade e Práticas Educacionais Inclusivas.

Aprovada em 29 de agosto de 2008.

COMISSÃO EXAMINADORA

Profª Dra. Denise Meyrelles de Jesus Universidade Federal do Espírito Santo

Orientadora

Profª Dra. Ivone Martins de Oliveira Universidade Federal do Espírito Santo

Prof. Dr. Erineu Foerste Universidade Federal do Espírito Santo

Profª. Dra. Kátia Regina Moreno Caiado Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Dedico esse trabalho a duas grandes educadoras porque

sei que falar em sucesso na aprendizagem, em

professores contagiados e engajados e em educação que

dá certo são movimentos que enchem os seus corações

de felicidade:

À minha professora Denise Meyrelles de Jesus e à

minha mãe – professora Ariademes Carmem Braga

Vieira – pelos anos de dedicação à educação e pela

crença de que sempre é possível educar, principalmente

no contexto da diversidade humana. Vocês foram

aquelas que me inspiraram para o desenvolvimento deste

estudo.

Denise, tê-la como professora e orientadora é um

privilégio com o qual poucos podem contar. Agradeço a

Deus por escolher-me e presentear-me com essa dádiva.

Vou para sempre lembrar-me da alegria em seus olhos,

contemplados nos momentos de orientação, quando

falávamos de uma escola em movimento, em professores

implicados e de alunos vencendo desafios. Sei o quanto

o sucesso da escola alegra o seu coração.

Mãe, você é sublime, corajosa, porque sempre nos

surpreende. Mesmo aposentada, continua na jornada e

na luta. Fez da nossa casa uma sala de aula e ali faz a

educação acontecer. Para você não tem idade, não tem

credo, não tem cor, não tem sujeito que aprende ou não

aprende, o que importa é fazer acontecer.

A vocês duas, mestras, só tenho a dizer:

obrigado, muito obrigado.

Meus Agradecimentos

Certo homem, procurando desvendar os segredos da humanidade, transitava por

vários caminhos não obtendo muito sucesso por onde passava e não se alegrando

com muitas coisas que via. Certo dia, deparou-se com o caminho da educação.

Aquele amontoado de carteiras, mesas, gizes, quadros, diários, conceitos, homens e

mulheres poderiam ajudá-lo a entender os rumos da humanidade? Meio descrente,

deu alguns passos adiante e foi adentrando por aquele caminho desconhecido

repleto de interrogações. Já no início de sua caminhada, foi prontamente recebido

pelo SORRISO de SABRINA que brincava de pique-esconde, com a DELICADEZA

de BERNADETE FONTES, a PACIÊNCIA de CLAUDINHA, a FÉ QUE É POSSÍVEL

FAZER A DIFERENÇA de ANDERSON e com a ALEGRIA de DÉBORA.

Das montanhas sentia o aroma e o frescor das flores do campo, trazidos pelo

COMPROMISSO de MARIÂNGELA que, presa à cauda do vento, desorganizava a

ORGANIZAÇÃO de LUZILENE e despenteava os cabelos da SERENIDADE de

MÁRCIA que eram penteados pela MEIGUICE de ROSANE.

Brincando de escorregar nas nuvens, o homem avistava a GARRA de DOUGLAS, a

AMIZADE de ROGÉRIA, a ENERGIA de JOSI e o JEITO DESPOJADO de

BERNADETE SANTOS que dava gargalhadas toda vez que descia do escorregador

e caía sentada nas nuvens que pareciam feitas de algodão. A MATERNIDADE de

DANIELLA fazia o homem fixar seus olhos em MARINA que brincava de pula-pula

na barriga de sua mãe, acordando o ZELO de seu pai VALQUIMAR que, todo bobo,

mostrava as peripécias de seu rebento para todos que ali passavam.

O sol despertava detrás das montanhas e dava gargalhadas ao acordar a ALEGRIA

de CARLY CRUZ e a ESPIRITUALIDADE de ELDIMAR que, cansada de viajar de

Portugal para o Brasil, passava a contar suas aventuras para a VIVACIDADE de

INÊS que, apaixonada pela cultura lusitana, falava em Nóvoa, Alarcão e também em

Boaventura Souza Santos.

No gramado daquele local, brincavam de futebol a MATURIDADE de EDSON, a

DESENVOLTURA de JOSI, a HONESTIDADE de GRAÇA, a SUTILIDADE de

ANDRESSA, a ESPONTANEIDADE de REGINALDO, a TRANQÜILIDADE de

ZINEIA, a JUVENTUDE de IGOR, a VITÓRIA de WIRLÂNDIA que tinham como

técnico a FORÇA de AGDA e, assim, todos se alegravam com o gol marcado pela

PRODUÇÃO CIENTÍFICA de ROSANA GIVIGI.

No local, havia uma grande horta e, todas as manhãs, eram abertos seus portões e

colhidas a COMPETÊNCIA da Profª. IVONE MARTINS, a ELEGÂNCIA da Profª.

REGINA SIMÕES, a DEDICAÇÃO da Profª. VÂNIA ARAÚJO, a PÓS-

MODERNIDADE do Prof. FERRAÇO, a VIVACIDADE do Prof. HIRAN e a

PONDERAÇÃO da Profª. ANTONIA COLBARI. Esses alimentos eram servidos

para que todas as pessoas que ali habitavam tivessem dias promissores e repletos

de felicidades.

No azulado céu, subia um balão multicolorido levando a DELICADEZA de FLÁVIA

BONELLA, a CAMARADAGEM de VILMARA, a GENTILEZA de LILI

MATEMÁTICA, enquanto o JEITO EXTROVERTIDO da Profª CIDA BARRETO

desfazia as tranças do JEITO SERELEPE da Profª SÔNIA LOPES VICTOR que

desfilava de um canto a outro encantando a todos com o seu jeito potira de ser.

De repente, do céu ouviam-se sons como de trovões, era a PAIXÃO PELA

PESQUISA do Profº. ERINEU que dava comando para que as nuvens

descarregassem suas águas e abençoassem a todos com a SOLIDARIEDADE de

ALAÍDE FOSSE e a PERSEVERANÇA de PENHA KAPISKI, pois essas eram

virtudes que não podiam faltar nos corações de todos que transitavam por aquele

local.

Nas poças e pequenos riachos formados pelas águas dessas chuvas, brincavam de

barquinho de papel a TERNURA de KAWUAN, a INTELIGÊNCIA de ALEXANDRE,

o JEITO MOLEQUE de GUSTAVO, a DOÇURA de ARTHUR, a ESPERTEZA de

GABRIEL e a BELEZA de JULYA, enquanto brincavam de escorregar no arco-íris

formado pelo sol em que novamente despontava a EXPERIÊNCIA de GLÓRIA

PONZO e o AMOR de JACYARA que ali estava preocupada com todos aqueles que

viviam em desvantagem social.

As frondosas árvores davam sustentação às brincadeiras de balanço entre o

CARISMA de TITA, o ZELO de KIKI, a PATERNIDADE de ALAN, todos

empurrados bem alto pelo JEITO BRINCALHÃO do JUNINHO. Embora crescidos,

jamais deixavam de brincar, se sentir crianças, pois o sentimento conhecido por

amor que os unia era poderoso e capaz de romper todas as barreiras dessa vida.

BRANCO, o AMIGO DE TODAS AS HORAS, falava de humanidade e convidava a

todos para estarem “ligados” a tudo que acontecia no mundo, sendo prontamente

ouvido pela SENSIBILIDADE de FRED GUIDINI e aplaudido pela ATENÇÃO de

RONALDO JÚNIOR que, com olhos já marejados, absorvia todos aqueles

ensinamentos, enquanto a CRIATIVIDADE de KELL brincava com as nuvens

fazendo delas personagens de contos de fadas.

Enquanto isso, o PROFISSIONALISMO de YARA, o COMPROMETIMENTO de

FERNANDA, a ALEGRIA de MIRIENE, o ENVOLVIMENTO de ADRIANA e a

COLABORAÇÃO de VERA pesquisavam sempre novas formas de fazer dos

aprendizados construídos naquele local, conhecimentos acessíveis a todos que ali

habitavam.

A Maria Fumaça muito escandalosa trazia a SUTILIDADE de VIVIANE, o JEITO

SAPECA de DANIELLY, o TALENTO de MARA, a VAIDADE de ANA MARIA,

comandada pela SAPIÊNCIA de ANDERSON de GEOGRAFIA, e espalhava muita

fumaça e barulho por onde passava.

Os jardins floridos eram regados com o CUIDADO da VÓ MARIA, a BONDADE da

TIA MARY e a SIMPLICIDADE do meu pai, ADOLFO, estando as flores sempre

vistosas e alimentadas por essas virtudes.

No centro daquele espaço, o homem avistava uma escola e, seguindo mais adiante,

contemplava a SABEDORIA de DENISE MEYRELLES DE JESUS, a ÉTICA de

minha mãe Profª. ARIADEMES CARMEM, e a SENSIBILIDADE de KÁTIA

CAIADO que, colaborativamente, no interior daquela construção, juntavam todas

essas peças e formavam o quebra-cabeça da educação daquele local.

Assim o homem entendeu que a educação não pode tudo, mas tem implicações

contundentes na construção de um mundo onde as questões humanas têm a sua

significância e o seu espaço e o fazer EDUCAÇÃO compreende conjugar valores,

atitudes, saberes, movimentos, pois...

Estudar é muito importante, mas pode-se estudar de várias maneiras...

Muitas vezes estudar não é só aprender o que vem nos livros. Estudar não é só ler nos livros que há nas escolas É também aprender a ser livres, sem idéias tolas.

Ler um livro é muito importante, às vezes, urgente. Mas os livros não são o bastante para a gente ser gente.

É preciso aprender a escrever, mas também a viver, mas também a sonhar. É preciso aprender a crescer, aprender a estudar.

Aprender a crescer quer dizer: aprender a estudar, a conhecer os outros, a ajudar os outros, a viver com os outros. E quem aprende a viver com os outros aprende sempre a viver bem consigo próprio.

Não merecer um castigo é estudar. Estar contente consigo é estudar.

Aprender a terra, aprender o trigo e ter um amigo também é estudar. Estudar também é repartir, também é saber dar o que a gente souber dividir para

multiplicar. Estudar é escrever um ditado sem ninguém nos ditar;

e se um erro nos for apontado é sabê-lo emendar. É preciso, em vez de um tinteiro, ter uma cabeça que saiba pensar, pois, na escola da vida, primeiro

está saber estudar. Contar todas as papoilas de um trigal é a mais linda conta que se pode fazer.

Dizer apenas música, quando se ouve um pássaro, pode ser a mais bela redação do mundo... Estudar é muito

mas pensar é tudo! (JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS)

A todos vocês que estiveram sempre ao meu lado, no transcorrer de todo o

processo de construção deste estudo, dando palpites, aconselhando-me, lendo

meus escritos, compreendendo minhas ausências, ouvindo-me ler meus rabiscos

por repetidas vezes, construindo e desconstruindo movimentos, meus eternos

agradecimentos, deixando a certeza de que daqui a pouco estarei deixando vocês

“todos loucos novamente”, pois outros estudos virão e novamente estarei me

apoiando na canção que nos diz...

“[...] Pois seja o que vier, venha o que vier, qualquer dia, amigo, eu volto a te

encontrar, qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar” (MILTON NASCIMENTO).

[...] Se eu entrar, fechar os olhos e deixar os dois sentadinhos, melhor pra

mim, não estou tendo trabalho nenhum [...]. Mas eu não consigo ver os dois

parados. Aí perde o sentido pra mim. Eu estou excluindo os meus dois

alunos [...]. Eu olho pra eles e acho que eles fazem parte da sala de aula [...].

Acho que eles têm que interagir [...]. Eles não podem ficar sentadinhos com a

mochilinha nas costas sem fazer nada [...]. Eles têm que estar comigo ou

sentadinhos perto de algum aluno, fazendo uma atividade [...]. O que desejo

para todos os meus alunos, desejo para eles [...]. O meu objetivo é vê-los

crescer (ADRIANA – PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

RESUMO

Este estudo tem como objetivo central instituir processos de formação continuada

com professores, tendo em vista a constituição de contextos favorecedores da

leitura e da escrita para alunos com necessidades educacionais especiais

matriculados nas séries finais do Ensino Fundamental com dificuldades nos

processos de leitura e escrita. O trabalho de pesquisa foi desenvolvido em uma

unidade de Ensino Fundamental do Sistema Municipal de Ensino de Vila Velha,

Estado do Espírito Santo, envolvendo, inicialmente, professores de Língua

Portuguesa, de Educação Especial e pedagogos, contagiando, no transcorrer do

processo de intervenção, os demais educadores da escola. Nesse movimento,

busca fundamentação nas interlocuções possíveis entre FREIRE – fundamentação

teórico-epistemológica, MEIRIEU – fundamentação pedagógica, BARBIER –

fundamentação teórico-metodológica e, nos estudos da Psicologia Histórico-Cultural,

a fundamentação para o trabalho com as questões da linguagem, construindo,

assim, possibilidades de reflexão sobre as categorias que sustentam as discussões,

ou seja, formação de professores, leitura, escrita e práticas pedagógicas inclusivas.

Dialoga também com outros autores, como Alarcão, Nóvoa, Geraldi, Giroux, Orlandi,

Zeichner que, pela via de suas teorizações, subsidiam as discussões levantadas no

transcorrer do estudo, no que tange à formação de educadores, à instituição da

escola, como espaço-tempo de produção de conhecimentos para alunos e para

professores, e também à constituição de práticas pedagógicas que tomam o

aprendizado da leitura e da escrita como prática propiciadora de inclusão social e

escolar. A metodologia adotada é a pesquisa-ação colaborativo-crítica que norteou

os trabalhos no processo de coleta dos dados. O estudo está organizado em sete

capítulos que apresentam: a implicação do pesquisador; a constituição da escola e

da pesquisa; o referencial teórico sobre formação de professores e linguagem; a

metodologia investigativa; o processo de intervenção na escola e o diálogo final. O

processo de pesquisa foi desenvolvido pela via de três frentes de trabalho, não-

lineares, e que se entrelaçam a todo o momento – período de observação do

cotidiano escolar, instituição de contextos de formação continuada/potencialização

dos planejamentos escolares e intervenção em sala de aula, articulando os saberes-

fazeres dos professores de ensino comum, de Educação Especial e do pesquisador

externo. Como resultados, interpreta que a formação continuada em contexto se

configura como dispositivo necessário/possível para o educador potencializar suas

práticas, aprofundar seus conhecimentos teórico-práticos, instituir contextos de

aprendizagem para todos os alunos, bem como projetar a escola como espaço-

tempo para a continuidade do aperfeiçoamento docente, necessitando, no entanto,

ser assumida como ação política e pedagógica por todos os atores sociais

envolvidos nos processos educativos nela desenvolvidos. A evidência de tais

movimentos é revelada no transcorrer de todo o estudo, uma vez que os

professores, pela via de processos formativos e ações colaborativas, vivenciam a

possibilidade de constituir-se grupo de estudo crítico-reflexivo engendrando práticas

pedagógicas favorecedoras do trabalho com a leitura e com a escrita para alunos

com e sem deficiência, matriculados na segunda etapa do Ensino Fundamental.

Palavras-Chaves: Inclusão escolar. Formação docente. Linguagem.

ABSTRACT The main goal of this study is to establish continuing education processes with

teachers, and to aim at the formation of facilitating reading and writing contexts to

students enrolled in final grades of Elementary Education who have special

educational needs related to reading and writing. This research was carried out in a

unit of Elementary Education of the Municipal System of Education in Vila Velha,

Espírito Santo. It involved, initially, Portuguese and Special Needs Education

teachers and pedagogues, including, in the process, other teachers in the school.

The study is based on possible interlocutions among FREIRE – theoretical and

epistemological foundation, MEIRIEU – pedagogical foundation, BARBIER –

theoretical and methodological foundation, and studies on Historical and Cultural

Psychology, the foundation to language issues, thus, building possibilities of

reflection on categories which support the discussions, that is, teacher training,

reading, writing, and inclusive pedagogical practices. It is also based on authors such

as Alarcão, Nóvoa, Geraldi, Giroux, Orlandi, and Zeichner, who, through their

theories, contribute to discussions about teacher training, the establishment of the

school, as the space and the time to produce knowledge to students and to teachers,

and also the creation of pedagogical practices which take the learning of reading and

writing as a practice that allows for both social and school inclusion. The

methodology used to collect data was collaborative and critical action research. The

study is organized in seven chapters which present: the researcher’s questioning; the

building of the school as well as of the research; a review of the literature on teacher

training and language; the methodology; the intervention in the school and the

discussion. The development of the research process was a three-fold non-linear one

which was intertwined at all times – the observation of the school routine, the

establishment of contexts for continuing education/improvement of school planning

and classroom intervention. The research process articulated the knowledge and the

practice of regular and special needs school teachers as well as those of the

researcher’s. The results demonstrate that contextualized continuing education is a

needed/possible device so that educators can better their practice, deepen their

theoretical and practical knowledge, organize learning contexts to all learners,

besides projecting the school as the space and the time for the continuity of teacher

improvement. The school, however, needs to be seen as a political and pedagogical

action by all the social actors involved in its educational processes. There is evidence

of such movements throughout the whole study since teachers, via formative

processes and collaborative actions, live the possibility to organize themselves in

critical-reflexive study groups engendering pedagogical practices which favor

reading and writing work with final grade elementary students who have or do not

have deficiencies.

Keywords: School inclusion. Teacher training. Language.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: FASES QUE NOS CONSTITUÍRAM PESQUISADOR E NOS IMPLICARAM NESTE ESTUDO..............................................................

17

1.1 OUTRAS FASES E OUTRAS DESCOBERTAS............................................... 24

1.2 FASE DO ENCONTRO COM A PESQUISA.....................................................

26

2 RESGATANDO A HISTÓRIA DA ESCOLA E OS PERCURSOS DA PESQUISA........................................................................................................

37

3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INCLUSÃO ESCOLAR: CAMINHOS E DESCAMINHOS NO TRABALHO COM A DIVERSIDADE.............................

54

4 COSTURAR LETRAS, FORMAR PALAVRAS, TECER TEXTOS: LER E ESCREVER PALAVRAS E O MUNDO: O DESAFIO PROPOSTO À ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE..........................................................

70

4.1 O TRABALHO COM A LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUNS APONTAMENTOS........................................

72

4.2 DIALOGANDO COM ALGUMAS VOZES NO INTUITO DE ENCONTRAR ENCAMINHAMENTOS......................................................................................

77

5 CONSTRUÇÃO DA DINÂMICA DE INVESTIGAÇÃO: PERCORRENDO CAMINHOS PELA VIA DA PESQUISA-AÇÃO COLABORATIVO-CRÍTICA............................................................................................................

88

5.1 OBSERVANDO O DIA-A-DIA DA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL “PAULO FREIRE”..................................................................

89

5.2 INSTITUINDO PROCESSOS DE FORMAÇÃO CONTÍNUA E POTENCIALIZANDO OS ESPAÇOS-TEMPOS PARA O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL.................................................................................................

92

5.3 A SALA DE AULA: ESPAÇO DE APRENDIZADO DE TODOS E DE INTERVENÇÃO PARA O PROFESSOR REGULAR, O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E O PESQUISADOR EXTERNO...............................

95

5.4 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS PARA COLETAS DOS DADOS CONSTRUÍDOS NO ENTRELAÇAMENTO DESSAS FRENTES DE TRABALHO.......................................................................................................

99

5.5 OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL “PAULO FREIRE”...................................................

101

5.6

OS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NO ESTUDO..........................................

103

6 O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA NO COTIDIANO DA ESCOLA............................................................................................................

107

6.1 PRIMEIROS PASSOS: LEVANDO A PROPOSTA PARA O COTIDIANO DA ESCOLA.....................................................................................................

108

6.1.2 Nosso primeiro encontro com os professores: vendendo idéias e comprando proposições.................................................................................

109

6.1.3 Uma pausa: quem eram os profissionais que constituíam nosso grupo de pesquisa?...................................................................................................

113

6.2 OLHARES E PERCEPÇÕES: CONHECENDO O CAMPO PELA VIA DA OBSERVAÇÃO.................................................................................................

116

6.2.1 Observando o dia-a-dia da sala de aula e os trabalhos desenvolvidos com os alunos com necessidades educacionais especiais.......................

126

6.2.2 A Olimpíada de Matemática: conhecendo um pouco mais do cotidiano escolar..............................................................................................................

136

6.2.3 Descobrindo movimentos, ações significativas e possibilidades de trabalho............................................................................................................

142

6.2.4 Conhecendo mais um lócus de intervenção: a sala de aula do aluno que escrevia em vários idiomas....................................................................

145

6.2.5 Conhecendo mais de perto, pela via da observação, os trabalhos da Educação Especial na escola........................................................................

151

6.2.6 Conhecendo os momentos de planejamento dos professores na escola...............................................................................................................

158

6.3 CONSTRUINDO EM PROCESSO MOMENTOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA E PLANEJAMENTO EM CONTEXTO.....................................

164

6.4 COLOCANDO A MÃO NA MASSA: O PROCESSO DE INTERVENÇÃO EM SALA DE AULA................................................................................................

181

6.4.1 A Avaliação de Língua Portuguesa: o que fazer?........................................

186

6.4.2 Trabalhar gramática com os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais? Isso é possível?...................................................

193

6.4.3 Atividades fora do script: Concurso de Redação da Secretaria de Educação. E o Projeto Musiculturarte?.........................................................

195

6.4.4 O Projeto Musiculturarte.................................................................................

199

6.4.5 O Projeto Musiculturarte e a 5ª série A......................................................... 206

7 É POSSÍVEL FECHAR ESTA CONVERSA?...................................................

217

8 REFERÊNCIAS.................................................................................................

234

17

1 INTRODUÇÃO: FASES QUE NOS CONSTITUÍRAM PESQUISADOR E NOS IMPLICARAM NESTE ESTUDO

Embora o trabalho dos homens e das mulheres no sentido de melhorar o seu mundo esteja vinculado às condições materiais de sua época, é também afetado pela capacidade humana de aprender com o passado, imaginar e planejar o futuro (VYGOTSKY, 1998, p. 172).

A história da humanidade nos vem ensinando que a constituição histórica e social de

homens e mulheres vem atribuindo a esses sujeitos a possibilidade de escrever

novas formas de estar, sentir e intervir no mundo, colocando-os em um lugar

diferente dos outros animais. O pensamento vygotskyano, trazido no início deste

texto, talvez, consiga sintetizar essa diferenciação, quando nos faz pensar na

capacidade humana de escrever história a partir do conjunto de experiências

acumuladas pela humanidade.

As experiências que vivenciamos, no transcorrer de toda nossa trajetória formativa e

profissional no âmbito da Educação Especial e como professor de Língua

Portuguesa, veio nos constituindo profissional da educação e nos servindo de

motivação por estudar as contribuições da formação continuada no paradigma da

inclusão escolar e, pela via desses processos, buscar compreender o processo

educacional de educandos com necessidades educacionais especiais que procuram,

por meio do trabalho educativo escolar, possibilidades para aprender a ler e a

escrever.

Assim sendo, tendo este estudo o objetivo de buscar na formação continuada

possibilidades para a constituição de contextos para o ensino e a aprendizagem da

leitura e da escrita para alunos com necessidades educacionais especiais

matriculados nas séries finais do Ensino Fundamental, faremos, neste primeiro

diálogo, um resgate histórico crítico-reflexivo de nosso processo formativo e de

nossa atuação docente, compartilhando esses movimentos com outros educadores

brasileiros que vivenciam situações semelhantes às relatadas neste trabalho,

visando a possibilitar aos leitores deste texto compreender nossa implicação no

18

trabalho com essas crianças e com o desenvolvimento desta pesquisa. Apoiar-nos-

emos nessas experiências, que aqui chamaremos de Fases de formação e de

atuação docente, para compreendermos a formação continuada como um trabalho

de reflexão crítica da prática desenvolvida em sala de aula, que vai exigindo dos

sujeitos nela envolvidos o desencadear de processos cognitivos e metacognitivos

capazes de provocar mudanças na ação docente, pela via da comunicação entre

pares, da solidariedade, do confronto de idéias, da introspecção e ainda do

afrontamento dos próprios valores.

A Fase das ilusões ou das utopias compreende nossos tempos de aluno do Curso

Normal, quando buscávamos habilitação para o exercício docente de 1ª a 4ª série.

Entre as muitas discussões e pouca maturidade para compreender esse “Ser

Educador”, recordamos nossas expectativas em canalizar esforços para continuar

esse processo com o ingresso no Ensino Superior.

Nessa época, acreditávamos que a certificação de um curso de Ensino Superior nos

colocaria em condições plenas para o exercício docente. Esse contexto pode ser

elucidado por Tardif (2002, p. 287), quando nos diz que “[...] as fontes da formação

profissional de professores não se limitam à formação inicial na universidade; trata-

se, no verdadeiro sentido do termo, de uma formação contínua e continuada que

abrange toda carreira docente”.

Nóvoa (1992, p. 25) também parece dialogar com essas ilusões, acrescentando que

“[...] a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou

de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as

práticas e de (re)construção permanente de uma identidade profissional”.

Com o transcorrer do tempo, nossa expectativa em ingressar no Ensino Superior

materializava-se no Curso de Letras/Português que nos levava a organizar nosso

tempo para o exercício docente como professor de Língua Portuguesa em escolas

públicas de Ensino Fundamental e Médio e como aluno de um curso de graduação,

19

uma vez que, nessa época, embora ainda em processo de formação, exercíamos a

docência como professor contratado em designação temporária na rede estadual e

municipal de ensino.

Ao suscitarmos esses fatos, para trazê-los neste diálogo, compartilhamos essa

história com outros educadores que desenvolvem o exercício docente em até dois

turnos de trabalho para a continuidade desses processos formativos, pelo fato de a

formação docente se configurar como possibilidade que temos para buscar, nas

teorias da educação, oportunidades reflexivas para o enfrentamento das situações

vivenciadas em nossos contextos de trabalho, para a instituição de estratégias de

ensino capazes de superá-las e, ainda, para a melhoria dos planos de cargos e

salários de professores em atuação nas escolas de educação básica.

Estudos de Tardif e Lessard (2005), dedicados a problematizar o trabalho docente

em países como o Brasil, apontam que muitos educadores, para garantir condições

mínimas de sobrevivência e de trabalho significativo em sala de aula, enfrentam

jornada de 37 a 40 horas de trabalho semanal, desenvolvendo atividades que vão

desde a ministração de aulas até ações coletivas e individuais dentro e fora dos

cotidianos escolares.

Corroborando tal questão, Facci (2004) nos faz pensar que, paralelamente a essa

exaustiva carga horária de trabalho, a formação dos professores é praticamente feita

por eles mesmos, tendo esses profissionais que trabalhar até três turnos para

sobreviver e investir na sua própria formação.

A instituição de políticas públicas de educação que privilegiem a formação e a

valorização do trabalho docente surge como uma necessidade intrínseca para a

educação atual e uma possibilidade para se pensar a “[...] preparação dos

profissionais da educação para uma prática crítico-reflexiva para a inovação e a

cooperação, não só em termos de formação inicial, mas também de formação

continuada” (JESUS, 2005, p. 204).

20

Como muitos educadores, também nos debruçamos à procura de encaminhamentos

para os conflitos encontrados em sala de aula, pois, concomitantemente,

ocupávamos o lugar de educador e educando e nos deparávamos com a

necessidade de estudos e aprofundamentos teórico-metodológicos em

conhecimentos ainda não trabalhados em nosso processo formativo, mas requeridos

por nossa prática docente cotidiana, período esse lembrado como fase do Correndo

atrás do prejuízo.

Refletindo sobre tal contexto, Costa e Oliveira (2007) nos dizem que a presença de

educandos que exercem a docência paralelamente à formação inicial vem sendo

pouco valorizada pelas agências formadoras, necessitando essas vivências serem

colocadas como objeto de reflexão para que educadores universitários e educandos

em processo de formação docente possam, coletivamente, ressignificá-las e

incorporá-las às discussões tecidas no processo de formação de educadores.

Argumentam que a formação se dá tanto na licenciatura quanto na escola,

assinalando que “[...] o local de trabalho desses alunos é a escola que pulsa, que

acontece cotidianamente e que, de certa forma, fica longe dos discursos e análises

tecidos sobre ela” (COSTA; OLIVEIRA, 2007, p. 81). Finalizando, nos dizem que as

vivências que esses educandos trazem para seu processo de formação inicial “[...]

podem fornecer elementos para que se possa aproximar a formação inicial das

necessidades dos professores que atuam na escola básica” (COSTA; OLIVEIRA,

2007, p. 81).

A busca pela compreensão dos desafios da sala de aula nos levava, junto com

muitos colegas de trabalho, a procurar cursos de aperfeiçoamento profissional que,

por se distanciarem da realidade por nós vivenciada, nos ofertavam conhecimentos

fragmentados e pouco articulados com a realidade presente no dia-a-dia da escola.

Embora a reflexão crítica da prática já se presentificasse como uma possibilidade de

superação das dificuldades e conflitos presentes em nossa atuação docente, faltava-

21

nos clareza sobre a possibilidade que tínhamos em adotar a escola como espaço-

tempo para a instituição de grupos de estudos crítico-reflexivos para

aprofundamento teórico-prático das questões relativas ao processo ensino-

aprendizagem dos alunos e para a produção de saberes-fazeres individuais e

coletivos pela via das situações que diariamente enfrentávamos no dia-a-dia escolar.

Esses momentos serão lembrados como Fase dos antídotos para a sala de aula,

uma vez que muitos cursos convergiam em torno de receitas, atividades, trocas de

experiências que, aplicadas em sala de aula, apresentariam resultados satisfatórios.

Nossa atuação, como professor de Língua Portuguesa em escolas onde atuavam

profissionais que acumulavam também experiência com alunos com necessidades

educacionais especiais, motivava-nos a participar de nosso primeiro curso de

capacitação em Educação Especial, embora com base metodológica centrada em

relatos de experiências, discussão de estratégias de trabalho docente, estudo de

diferentes deficiências e foco de intervenção em escolas de ensino especializado.

A falta de aportes teóricos e pesquisas que vinham discutindo a Educação Especial

em sentido mais amplo não permitia que esses momentos se configurassem como

oportunidades para “[...] construir/implementar conhecimento sobre alternativas

educacionais facilitadoras dos processos educacionais de inclusão escolar de alunos

com necessidades educacionais especiais” (JESUS, 2006, p. 100).

A formação docente desarticulada da relação teoria-prática favorece a construção de

propostas de trabalho pautadas em uma visão passiva do professor, em que esse

profissional, sob essa ótica, encarna a perspectiva de um sujeito vazio, deficiente, à

procura de “receitas prontas” para os desafios da prática, necessitando ser injetado

de novas técnicas e novas estratégias de trabalho produzidas por outros e distantes

das reais situações enfrentadas diariamente em sala de aula (FULLAN;

HARGREAVES, 2000).

22

O contato com esses profissionais levou-nos a colaborar com a organização desse

curso que, sem intenções explícitas, favorecia nosso interesse pelo estudo da

formação docente, inaugurando a fase carinhosamente lembrada como

Engatinhando, mas sem muita explicação para onde ir. Como muitos educadores

oriundos de cursos de formação de professores sem reflexões teóricas e práticas

sobre inclusão escolar, também nos víamos contagiado pelas questões trazidas por

esses educandos, despertando nosso interesse pela temática.

Mendes (2005) nos diz que a instituição de políticas públicas de formação de

educadores, atualmente, se configura como um dos pilares para a construção da

inclusão escolar, pois a mudança requer um potencial instalado, em termos de

recursos humanos, em condições de trabalho para que ela possa ser posta em

prática.

A participação no curso motivava-nos a atuar pedagogicamente com essas crianças

em instituição especializada no interior do Estado do Espírito Santo, por meio de

intervenções de cunho assistencialista, dentro de uma perspectiva de trabalho

clínico, centrado nas deficiências dos alunos e distante de uma proposta pedagógica

que tomasse o desenvolvimento humano como “[...] a relação entre as bases

biológicas do comportamento e as condições sociais dentro das quais e através das

quais a atividade humana ocorre” (VYGOTSKY, 1998, p. 165), ou seja, condições

sociais de efetiva aprendizagem.

Recorramos a uma pequena pausa: encontramos, neste diálogo, oportunidade para

nos desculpar com nossos primeiros alunos, que, por trazerem marcas tão explícitas

de suas deficiências, eram levados a participar de atividades pouco significativas

para o seu desenvolvimento acadêmico e pessoal. Nossa falta de experiência e

aprofundamento teórico contribuía para que nossas intervenções se direcionassem

para a realização de passeios matinais pela escola, brincadeiras diversas,

alimentação e higiene pessoal.

23

A condição social e econômica vivenciada por eles influenciava nosso fazer docente

e favorecia nossa perspectiva de trabalho assistencialista e de cunho clínico, uma

vez que a escola se configurava como uma das poucas oportunidades para receber

alimentação adequada, noções mínimas de higiene e acesso a medicamentos. Essa

fase batizaremos de Atirando para todos os lados e pedindo desculpas, pois

esse primeiro sentimento é o que nos abatia na época e o segundo é o que sentimos

ao redigir este texto.

Rememoramos que a população que constituía o corpo discente da escola se fazia

de educandos que apresentavam deficiência, outros sem sucesso na escola regular,

filhos de educandos deficientes que passavam a integrar o alunado da escola,

embora sem nenhum tipo de deficiência que justificasse sua estada na instituição.

Figueiredo (2002) nos lembra que a escola não constitui um espaço destinado ao

trabalho clínico, mas, sim, educacional. Trabalhar com educandos que apresentam

necessidades educacionais especiais não requer que os profissionais da educação

busquem uma especialização que vise a reduzir ou a pôr termo às deficiências dos

educandos, mas, sim, ao aprimoramento docente no ensino e na aprendizagem,

para que sejam capazes de identificar as potencialidades e dificuldades desses

sujeitos, objetivando eliminar barreiras próprias de suas relações na escola.

Assim sendo, valoriza processos formativos que resgatam o papel social da escola,

bem como ações voltadas para a formação profissional que concebam os

profissionais da educação como sujeitos capazes de realizar reflexões e

questionamentos sobre sua prática, enfatizando o trabalho cooperativo, respeitando

os diferentes estilos de aprendizagem e, sobretudo, refletindo, planejando e

assumindo a educação.

Ferreira (2005) também corrobora o pensamento trazido por Figueiredo (2002),

quando argumenta:

24

As atitudes excludentes têm suas raízes na história dos conceitos que definem as práticas da educação especial dentro de uma tendência médica que nos leva à aproximação do estudo e do tratamento de uma série de incapacitações com um fato decorrente meramente do aspecto orgânico, pouco ou nada visto numa perspectiva social. Os educadores parecem alienados quanto ao que temos desenvolvido com nossos estudos, naturalizam a exclusão que assim passa a nada ter a ver com a organização da sociedade tal como se dá nas relações de produção capitalista, agora com uma orientação política neoliberal (FERREIRA, 2005, p. 147).

A autora defende a instituição, no contexto escolar, de possibilidades de trabalho

docente, que tomem esses educandos como sujeitos históricos e sociais, que se

desenvolvem em interação com seus pares, mediante propostas interventivas que

lhes permitem constituir suas subjetividades, dentro de uma trama particular e social.

[...] Todavia, precisamos considerar mais, que na ontogênese de cada um, o desenvolvimento está vinculado às condições concretas do grupo social em que ele está inserido; isto é, considerar que o sujeito é produto de uma história particular entrelaçada com uma história social, repleto de desejos e motivos contraditórios determinados pela história singular dele e dos outros presentes na interação, todos inseridos numa trama social (FERREIRA, 2005, p. 147).

A mistura dessas fases, permeadas por buscas, desejos, inquietações, erros e

acertos iam-nos constituindo educador e educando, um sujeito, como muitos

educadores, repleto de incertezas, dúvidas, mas em processo contínuo de formação,

uma vez que esse movimento nos fazia pensar em nossa inconclusão humana, na

necessidade constante de aperfeiçoamento docente e na possibilidade que temos

em (re)criar e (re)inventar novas formas de ensinar e aprender e fazer da escola de

educação básica um espaço onde alunos e professores aprendem em comunhão

uns com os outros.

1.1 OUTRAS FASES E OUTRAS DESCOBERTAS

Com o transcorrer dos anos, passamos a residir na Capital do Estado e as

experiências que acumulávamos em escolas que vivenciavam a inclusão escolar

nos abriam outras possibilidades para ver esses alunos “[...] como alguém que vai se

apropriando da cultura, e não somente somando hábitos” (PADILHA, 2005, p. 133),

ou seja, propensos a aprender por serem sujeitos passíveis de educabilidade

25

(MEIRIEU, 2005) e a formação continuada em contexto, como oportunidade para

“[...] despertar o hábito do trabalho cooperativo e da reflexão coletiva sobre os

problemas e as atividades profissionais desenvolvidas nas escolas, visando à

conscientização e à sistematização dos mesmos” (MANTOAN, 2002, p. 90). Nesse

período, vivenciávamos a Fase da descoberta da educabilidade na diferença,

pois aprendíamos que, como sujeitos históricos e sociais, nossos alunos não podiam

ser sintetizados nas necessidades que carregavam, mas deviam ser vistos como

educandos capazes de vencer barreiras, romper com preconceitos, por serem

capazes de construir experiências de sucesso em suas aprendizagens.

A proximidade com reflexões e teorizações elaboradas em favor da constituição de

escolas inclusivas contribuía para que reforçássemos nosso interesse pelo estudo

da formação continuada, por levar “[...] o professor a pensar, a compreender, a

conhecer, a aprender a fazer, a aprender a aprender e a conviver com as diferenças,

as dificuldades, a aprender a ser um verdadeiro educador” (MANTOAN, 2002, p. 90),

inaugurando nossa Fase de novos olhares e novas descobertas.

Estudos como os de Tardiff (2002) argumentam que perspectivas filosóficas que

concebem os professores como sujeitos competentes, de conhecimento e

produtores de saberes, contribuem para o rompimento de paradigmas que colocam

os educadores como técnicos que aplicam conhecimentos produzidos por outros

agentes educacionais ou como atores sociais cuja atividade é determinada

exclusivamente por forças ou mecanismos sociológicos, ou seja, como peritos

educacionais ou como especialistas em ciências sociais.

[...] um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e orienta (TARDIFF, 2002, p. 230).

Revisitando nossa trajetória formativa e profissional, encontramos as contribuições

de pesquisas, aportes teóricos e experiências inclusivas bem-sucedidas no

26

envolvimento dos educadores no processo educacional de todos os alunos, pois “[...]

intelectuais transformadores precisam desenvolver um discurso que una a

linguagem da crítica e a linguagem da possibilidade, de forma que os educadores

sociais reconheçam que podem promover mudanças” (GIROUX, 1997, p. 163).

1.2 FASE DO ENCONTRO COM A PESQUISA

Nossa participação no Quadro de Educadores do Município de Vila Velha

inaugurava nossa fase de Encontro com a pesquisa acadêmica e com as

políticas de formação docente, que trouxe implicações contundentes para o

desenvolvimento deste estudo.

Nosso ingresso nessa rede de ensino, como professor das séries iniciais do Ensino

Fundamental, favoreceu nossa participação no Núcleo de Educação Especial, que

se constituía em cumprimento à Resolução CNE/CEB, nº. 2, de 11 de fevereiro de

2001, que instituía Diretrizes Nacionais Para a Educação Especial na Educação

Básica.

Os sistemas de ensino devem contribuir e fazer funcionar um setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da educação inclusiva (BRASIL, 2001, art. 3º).

Até o ano de 2003, o município de Vila Velha não possuía proposta de trabalho

pedagógico especializado construído com/nas suas unidades de ensino. Contava

apenas com profissionais que faziam atendimento clínico-terapêutico e intervenções

pedagógicas1 no Centro de Referência ao Aluno com Necessidades Educacionais

Especiais (CRAPNEE),2 no âmbito da Fonoaudiologia, Psicologia, Serviço Social,

Psiquiatria e também da Pedagogia.

1 O aluno com necessidades educacionais especiais recebia atendimento educacional especializado no contraturno nas dependências do Centro de Referência. 2 O Centro de Referência ao Aluno com Necessidades Educacionais Especiais (CRAPNEE) é um espaço destinado a atendimentos clínicos, terapêuticos e no âmbito da área social, com educandos matriculados nas unidades de Educação Infantil e de Ensino Fundamental do Sistema Municipal de Vila Velha, que apresentam necessidades educacionais especiais.

27

Uma pausa: apresentemos o município de Vila Velha.

Vila Velha é o maior e o mais antigo município do Estado do Espírito Santo. Foi

fundada em 23 de maio de 1535, com o nome de Vila do Espírito Santo, pelo

português Vasco Fernandes Coutinho, donatário da Capitania do Espírito Santo, e

foi sede da capitania até 1549, quando esta foi transferido para Vitória, passando a

ter o nome atual.

É o município mais populoso do Estado, pois, segundo dados do IBGE/2007, possui

398.068 habitantes (inclusive superando a Capital), e a grande maioria da população

reside na área urbana. Dista 5km da Capital do Estado, possui 32 quilômetros de

litoral, que é praticamente todo recortado por praias, as quais constituem

importantes ícones turísticos e paisagísticos.

A rede municipal de ensino3 é composta por 8.075 alunos matriculados na Educação

Infantil (creche e pré-escola), 18.267 nas quatro primeiras séries do Ensino

Fundamental e 16.834 na segunda etapa, totalizando 43.176 de matrículas nas

unidades de ensino, incluídas 94 crianças com necessidades educacionais especiais

por deficiência mental na Educação Infantil, outras 410 nas séries iniciais e 88 nas

séries finais do ensino orbrigatório.

O município conta ainda com a matrícula de 30 alunos surdos que são atendidos em

uma escola pólo que realiza trabalhos de alfabetização na Língua Brasileira de

Sinais e em Língua Portuguesa, pela via da ação pedagógica de professores

bilíngues e intérpretes, além de 27 alunos cegos/baixa visão que são assistidos por

profissionais habilitados que realizam trabalhos de itinerância nas unidades de

ensino.

3 Dados obtidos no site www.inep.gov.br/censo/Escolar/Matrícula/censoescolar_2007.

28

O corpo docente da rede municipal de ensino4 é composto por 434 professores e 49

pedagogos em atuação na Educação Infantil, 764 educadores de 1ª a 4ª série, 887

de 5ª a 8ª e 276 pedagogos distribuídos na primeira e segunda etapa do Ensino

Fundamental. O Núcleo de Educação Especial conta com o efetivo trabalho de 71

professores na área de Deficiência Mental, seis em Altas Habilidades/Superdotação,

nove na Educação de Surdos e outros nove na área de Deficiência Visual/Baixa

Visão, além de sete professores/pedagogos que atuam diretamente na sede do

núcleo desenvolvendo trabalhos de formação continuada, elaboração de projetos e

realização de ações de ordem administrativa e pedagógica e três profissionais

responsáveis pelo Projeto Fazendo a Diferença que têm como objetivo promover

atividades de lazer e recreação para os alunos com necessidades educacionais

especiais nas escolas da rede, aos finais de semana.

As condições de trabalho vivenciadas pelos educadores em atuação nas escolas da

rede municipal de ensino não diferem consubstancialmente da realidade enfrentada

pela maioria dos educadores brasileiros, atuando esses profissionais em dois ou até

três turnos de trabalho para manutenção de suas necessidades básicas de

sobrevivência e investimento em sua formação docente, desenvolvendo suas

práticas em salas de aula com número significativo de alunos – um quantitativo de

30 a 35 alunos por turma, estando inserido nesse contexto alunos com

necessidades educacionais especiais – e em espaços-tempos, muitas vezes, com

escassez de recursos pedagógicos e metodológicos para o atendimento às

demandas apresentadas pelos educandos.

Neste contexto, contrastam-se as unidades de ensino construídas recentemente

com as mais antigas, uma vez que, nas novas, percebe-se toda a infra-estrutura

projetada para as necessidades educacionais dos alunos enquanto as pertencentes

ao segundo grupo – constituído por unidades de ensino municipalizadas ou

construídas pelo município há muito tempo – são edificações com mais de um

pavimento, com a presença de escadas de acesso, salas de aulas pouco arejadas e

pequenas diante do número de educandos e com espaços improvisados ou “não- 4 Dados obtidos no Setor de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação de Vila Velha no ano de 2008.

29

projetados” para o desenvolvimento de atividades como Educação Física (em

algumas escolas realizadas nas ruas do bairro ou em escolas vizinhas) e atividades

relacionadas com a biblioteca, laboratório de informática e até com salas de aula,

percebendo-se que, gradativamente, o município vem promovendo reformas ou

adaptações nessas unidades de ensino em respostas às necessidades

apresentadas por alunos e professores nelas em atuação. A necessidade de

investimentos na formação contínua configura-se como uma das maiores exigências

do corpo docente, dado os desafios enfrentados diariamente em seus cotidianos de

trabalho.

Retomando nossa reflexão sobre nosso ingresso no Sistema Municipal de Ensino de

Vila Velha, ressaltamos que, na perspectiva de garantir o estabelecido pela LDB nº.

9.394/96, em seu Capítulo V, art. 58, endossado pela Resolução CNE/CEB, nº. 2,

quando determina que o atendimento aos alunos com necessidades educacionais

especiais deve ser realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer

etapa ou modalidade da Educação Básica, foi ofertado cargo de professor de

Educação Especial em concurso público, no ano de 2003, obtendo aprovação dez

candidatos, dentre os quais oito assumiam os trabalhos de itinerância nas unidades

de ensino que haviam efetivado matrícula de educandos com maiores

comprometimentos.

O trabalho docente dos oito professores itinerantes não contemplava as demandas

que emergiam das 29 unidades municipais de Educação Infantil e das 55 de Ensino

Fundamental, levando o município a adotar processo seletivo simplificado para

contratação de 12 educadores em regime de designação temporária. Esses

professores, juntamente com os demais profissionais efetivos, passavam a

desenvolver ações pedagógicas em diferentes espaços, ou seja, corredores,

bibliotecas, salas de recursos, sala dos professores, sala dos dirigentes escolares e,

em alguns casos isolados, em sala de aula.

O déficit de professores de Educação Especial, confrontando-se com as demandas

emergidas das unidades de ensino, levou o município a promover remanejamento

30

de 12 professores efetivos em atuação na Educação Infantil e Ensino Fundamental,

que acumulavam experiência e formação profissional no âmbito da Educação

Especial, portando alguns com habilitação específica obtida em cursos de

licenciatura e outros com curso de capacitação de no mínimo 120 horas.

Mesmo sem habilitação específica em Educação Especial, as experiências

acumuladas e a participação em cursos de capacitação favoreciam nossa aprovação

no processo de remanejamento, inaugurando nossa fase de Encontro com a

pesquisa acadêmica e com as políticas de formação docente, pois, a partir das

vivências construídas no coletivo do Núcleo de Educação Especial, interessamo-nos

pelo desenvolvimento de pesquisas direcionadas a investigar a formação continuada

por entendermos que esses processos revigoram o ato educativo, projetam os

professores como pesquisadores de saberes-fazeres capazes de enfrentar os

desafios presentes nas salas de aula, proporcionam a aproximação da teoria e da

prática e possibilitam aos docentes empreenderem esforços coletivos e individuais

para fazer da escola de educação básica espaço para produção de conhecimentos

para todos os alunos, respeitando a diversidade humana presente nesse contexto.

Nesse movimento, o Núcleo de Educação Especial já coordenava os trabalhos

pedagógicos com os alunos com necessidades educacionais especiais, instituindo

processos de formação continuada na perspectiva de realização de ações

colaborativas entre professor especialista e de ensino comum, com vistas a garantir

a inclusão dos educandos, conforme instituído pela Resolução nº. 2/2001.

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2001, art. 2º).

No Centro de Referência aos Alunos com Necessidades Educacionais, eram

realizados trabalhos clínicos com psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas,

psiquiatras e do âmbito social que, somados aos trabalhos pedagógicos,

colaboravam com as unidades de ensino no processo educacional dos alunos.

31

A perspectiva de formação dos profissionais que iniciavam os trabalhos de

Educação Especial colocava o município em situação privilegiada, pois favorecia a

construção de políticas públicas atreladas a pesquisas e teorizações que discutiam a

construção de escolas inclusivas e a formação de educadores como um movimento

necessário para a melhoria da educação no País, uma vez que esses processos se

configuram em oportunidades para os educadores superar dificuldades, romper com

resistências, engendrar estratégias de ensino em frente às situações novas que

emergem do ato de ensinar e aprender e ainda para acompanhar seus avanços e

retrocessos nesse processo.

Tais perspectivas favoreciam o enriquecimento das práticas dos educadores

remanejados, concursados na área e contratados e, gradativamente, dos

professores de ensino comum, pois a constituição de ações colaborativas e a

instituição de discussões que situavam a escola como espaço-tempo para formação

de educadores aos poucos se incorporavam às políticas públicas do município,

visando a possibilitar aos educadores “[...] criar ambientes educativos em que

diferentes alunos, com os mais diversificados percursos de escolarização, consigam

participar; que contribuam com experiências de sucessos” (JESUS, 2006, p. 100).

Essas vivências fazem parte da fase Construindo em processo outras formas de

estar e viver a profissão docente.

Capelini (2005) argumenta que ações colaborativas trazem benefícios para

educandos e educadores. Aos primeiros é ofertada a possibilidade de participação

em contextos diversificados de aprendizagens, ao passo que ao segundo grupo são

atribuídas novas formas de organização e enriquecimento da prática docente. Nesse

movimento, “[...] o maior benefício da colaboração é sua capacidade de reduzir a

sensação de impotência dos professores e aumentar sua sensação de eficiência”

(ASHTON; WEBB, apud FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 62).

Nesse contexto, o Núcleo de Educação Especial instituía momentos de formação

com diretores, pedagogos, educadores de Educação Infantil e das séries iniciais do

32

Ensino Fundamental, constituindo possibilidades de trabalho docente mediante o

desafio de incluir alunos com necessidades educacionais especiais nas propostas

curriculares escolares. Tais processos realizavam-se pela via de palestras,

discussões nas escolas e seminários, realizados em colaboração com os

profissionais que, nas escolas, davam vida, com suas práticas, às discussões

fomentadas nos processos de formação continuada.

[...] uma mudança educacional que não envolva os professores e que não tenha seu apoio costuma terminar como uma mudança para a pior ou para nada. Basicamente. É o professor em sua sala de aula quem deve identificar e promover aperfeiçoamentos. O professor é o elemento-chave da mudança, sem dúvida nenhuma. Uma liderança que não compreende e não envolve o professor está fadada ao fracasso (FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 30).

Estudos de Nóvoa (1992) revelam que dinâmicas coletivas de aperfeiçoamento

profissional minimizam o isolamento docente, destituindo a imagem do educador

como transmissor de um saber produzido no exterior da profissão e também

contribuem para a “[...] emancipação profissional e para a consolidação de uma

profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e dos seus valores”

(NÓVOA, 1992, p. 27).

As experiências acumuladas possibilitavam ao Núcleo de Educação Especial

compreender que o investimento na formação contínua do professor e a valorização

da prática docente se configuram como “[...] uma necessidade que, se satisfeita,

pode ampliar as possibilidades educacionais de todos os alunos que hoje parecem

não ter lugar na escola ou dela não tiram proveito para o seu desenvolvimento”

(FERREIRA, 2005, p. 153-154).

As políticas públicas de formação docente instituídas pelo Núcleo de Educação

Especial de Vila Velha também evidenciavam momentos de formação continuada

com professores em atuação nas séries finais do Ensino Fundamental, embora de

forma bastante tímida, mediante demandas apresentadas pelas unidades de

Educação Infantil e pelas séries iniciais do Ensino Fundamental, etapas em que se

33

concentravam o maior número de matrículas de alunos com necessidades

educacionais especiais.

Com a aprovação desses alunos para a segunda etapa do Ensino Fundamental e a

efetivação de novas matrículas, emergia a necessidade de ampliação desses

processos formativos, principalmente ao se considerar as práticas pedagógicas

desenvolvidas na segunda etapa do Ensino Fundamental, a perspectiva de

formação do corpo docente, a organização curricular e metodológica, a organização

temporal, a individualização das ações, a compartimentalização dos saberes e a

quantidade de alunos por turma, conforme podemos observar na fala da

coordenadora do Núcleo de Educação Especial.

Nosso maior desafio, esse ano, é pensar nos alunos que estão chegando de 5ª a 8ª. Estou preocupada com a formação continuada do ano que vem. Temos que investir na formação continuada dos professores de 5ª a 8ª. Os alunos estão chegando lá e tudo fica muito mais complicado.

Os percursos de escolarização dos educandos reforçavam a necessidade desses

processos formativos, uma vez que suas trajetórias escolares eram bastante

díspares e conflitantes com o ensino ministrado de 5ª a 8ª série, estando inseridos

nessa etapa educandos com necessidades educacionais especiais com defasagem

idade/série sem vivências em escolas de ensino comum ou especializado ou com

conhecimentos construídos somente em escolas com fins filantrópicos.

A inexistência de Programas de Educação de Jovens e Adultos, no período diurno,

avolumava tal problemática, uma vez que suas famílias não se sentiam seguras em

matriculá-los no período noturno, e muitos deles faziam uso de medicamentos

também nesse período.

Outros alunos advindos de processos de inclusão escolar nas séries iniciais

necessitavam continuar vivenciando experiências de aprendizagem, apresentando

esse conjunto de alunos pouca intimidade com a linguagem escrita, estando todos

34

ou quase todos em processos iniciais de aquisição da leitura e da escrita.

Vivenciávamos nesse período a fase Namorando a pesquisa acadêmica.

Tal contexto reforçava a necessidade de investimentos nas políticas de formação

continuada, para a instituição de práticas pedagógicas que favorecessem o

desenvolvimento dos alunos e que focalizassem a aquisição da leitura e da escrita

“[...] situada dentro de uma teoria de produção cultural e encarada como parte

integrante do modo pelo qual as pessoas produzem, transformam e reproduzem

significado” (MACEDO, 1990, p. 90).

Nas palavras de Possenti (1996, p. 49): “[...] Ler e escrever são trabalhos. A escola é

um lugar de trabalho. Ler e escrever são trabalhos essenciais no processo de

aprendizagem”.

Analisando os desafios trazidos pelos educandos com necessidades educacionais

especiais para as séries finais do Ensino Fundamental e as dificuldades encontradas

pela escola em ensinar seus alunos a ler e a escrever, sentimo-nos motivado a

desenvolver o presente estudo, inaugurando nossa fase Implicação na pesquisa

buscando mudanças.

Padilha (2004), ao refletir sobre a implementação de políticas públicas de formação

continuada para a instituição de práticas pedagógicas inclusivas, pela via da reflexão

crítica sobre os saberes-fazeres docentes, reforçava nosso interesse pelo

desenvolvimento do estudo ao sinalizar:

Na luta contra o fracasso, além de uma modificação radical nos ‘métodos de investigação’ vigentes, empregados pelos profissionais legitimados que avaliam e interpretam os índices de deficiência, será preciso uma nova leitura semiótica e, portanto, uma nova abordagem psicológica, o que implica também mudanças na prática pedagógica (PADILHA, 2004, p. 46).

35

Inspirado no pensamento de Minayo (2000), quando nos leva a refletir que o desejo

em investigar um determinado tema não nasce de forma espontânea, mas, ao

contrário, surge pela via dos interesses e circunstâncias que construímos nas

relações grupais, passamos a vivenciar a fase Gestação e nascimento da

pesquisa acadêmica.

Nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não surge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionados, fruto de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos (MINAYO, 2000, p. 90).

Barbier (1985), dialogando com o pensamento trazido por Minayo, diz que a

implicação do investigador no campo de pesquisa pode estar atrelada aos seus

percursos de vida, história familiar e relações políticas e filosóficas, contribuindo

para a construção de novas possibilidades de conhecimento.

A implicação, no campo das ciências humanas, pode ser então definida como o engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em e por sua práxis científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições passada e atual nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sócio-político em ato, de tal modo que o investimento que resulte inevitavelmente de tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento (BARBIER, 1985, p. 120).

Esses movimentos contribuíam para o desenvolvimento desta pesquisa acadêmica

que se constituiu a partir do seguinte questionamento: quais as contribuições da

formação continuada de educadores na constituição de práticas pedagógicas voltadas para o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita para alunos

com necessidades educacionais especiais nas séries finais do Ensino

Fundamental?

A capacidade humana que nos possibilita escrever novos/outros capítulos da história

da humanidade nos motivava a escrever algumas páginas dessa história que vem

contando a trajetória de pessoas com necessidades educacionais especiais que

buscam, no trabalho educativo escolar, possibilidades para estarem inseridas, de

36

forma mais produtiva, na sociedade atual, que a cada dia se faz cada vez mais

moderna, exigente e, ao mesmo tempo, excludente.

Ao trazermos nossas fases de formação docente e de atuação profissional,

procuramos compartilhar essas trajetórias com outros educadores que buscam o

aperfeiçoamento docente, mostrando-se inquietos e incomodados com desafios

trazidos pelos alunos para o contexto educacional na perspectiva de mudanças e

construção de novas práticas.

A crença em uma educação libertadora e a busca pela construção de

conhecimentos e experiências que favorecem a inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais são movimentos que movem e nos fazem

acreditar que é possível educar na diversidade humana e nos formar em processo,

pela via do diálogo com as tensões e desafios trazidos por esses sujeitos para o

cotidiano escolar.

Assim sendo, convidamos você, que, neste momento, está mergulhado nas

reflexões trazidas nas linhas deste estudo para se reportar ao segundo capítulo no

qual apresentaremos a história da escola onde desenvolvemos este estudo, sua

localização, conflitos, anseios e possibilidades, bem como as expectativas dos

professores acerca do processo educacional dos alunos com necessidades

educacionais especiais, além, é claro, dos objetivos por nós traçados que se

reportavam à constituição de processos de formação continuada para os

educadores instituírem contextos onde o ensino e a aprendizagem da leitura se

configurassem em conhecimentos acessíveis a todos os alunos. Que venham as

próximas cenas!

37

2 RESGATANDO A HISTÓRIA DA ESCOLA E OS PERCURSOS DA PESQUISA

A aranha realiza operações que lembram o tecelão, e as caixas suspensas que as abelhas constroem envergonham o trabalho de muitos arquitetos. Mas até mesmo o pior dos arquitetos difere, de início, da mais hábil das abelhas, pelo fato de que, antes de fazer uma caixa de madeira, ele já a construiu mentalmente. No final do processo de trabalho, ele obtém um resultado que já existia em sua mente antes de ele começar a construção. O arquiteto não só modifica a forma que lhe foi dada pela natureza, dentro das restrições impostas pela natureza, como também realiza um plano que lhe é próprio, definindo os meios e o caráter da atividade aos quais ele deve subordinar sua vontade (KARL MARX, 1985).

O ano de 2002 se inicia trazendo consigo muitas expectativas, sonhos, anseios por

dias promissores e pela construção de uma sociedade mais justa e aberta ao

respeito às diferenças humanas. Nesse mesmo ano, o terreno baldio, localizado na

região de Santa Rita, município de Vila Velha - ES, utilizado como depósito de lixo,

vai, aos poucos, sendo transformado. Operários, máquinas, caminhões, materiais de

construção vão se misturando à população que, entre idas e vindas, observa,

comenta e sente-se realizada com a construção de uma escola que ampliaria o

futuro de crianças, filhas de pais comerciantes, pedreiros, vendedores ambulantes e

operários que sonham com dias mais promissores e com melhores expectativas de

vida para suas famílias, principalmente ofertando a seus filhos o que um dia lhes

fora privado, ou seja, o direito de estudar.

Localizada em região que convivia, em algumas épocas do ano, com calor

incandescente e com problemas de alagamentos nos períodos chuvosos, a

comunidade possuía uma avenida central que trazia do lado direito o “pomposo”

lixão, uma unidade municipal de Educação Infantil, algumas residências, comércios,

pastagens, motéis, ruas transversais e, do lado oposto, outras paisagens, além de

residências que tomavam a região montanhosa, retirando o pouco de verde que

sobrevivia entre casas, barracos e pequenas vielas.

O frenesi de carros e caminhões quebrava o silêncio da paisagem com sons de

buzinas, freadas bruscas e ronco de motores, onde também transitavam garotos e

ambulantes, com carrinhos cheios de sucata e outros com materiais pirateados, bem

como adormeciam vira-latas que se mostravam indiferentes ao que de absoluto

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ocorria na avenida. Tal indiferença, às vezes, era quebrada com uma freada brusca

ou uma buzinada.

No centro do bairro, eram encontradas igrejas de variadas vertentes religiosas,

pontos comerciais, residências, pracinhas e ruas que levavam e traziam as crianças

para a escola. O perigo do narcotráfico fazia parte da constituição do bairro e,

somado à idéia de pobreza, periferia e perigo, favorecia a constituição de “estigmas”

para aqueles que ali residiam (SILVA; FREITAS, 2006).

A capacidade humana de inquietar-se, questionar e provocar mudanças, conforme

suscita o início deste diálogo, abria possibilidades para que o “pomposo” lixão

cedesse lugar à construção de uma ESCOLA que, segundo Saviani (apud PADILHA,

2005, p. 127), tem por princípio trabalhar o ato educativo, ou seja, o “[...] ato de

produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é

produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.

A construção da instituição se configurava como possibilidades para que as crianças

que ali residiam rompessem com olhares e pensamentos que profetizavam futuros

nada promissores para cidadãos residentes em bairros muito pobres ou periféricos,

pois estudar significava “trocar” a rua pela escola, ser alguém na vida, pensar em

ensino universitário, sonhar com formatura e emprego e, principalmente, não ser

visto como sujeito à mercê de “situações de risco”, susceptível à “situação de

vulnerabilidade” ou “menino de rua” (SILVA; FREITAS, 2006).

Seja quem for o sujeito à mercê das ‘situações de risco’, uma vez identificado o seu ‘índice de vulnerabilidade’, sobre ele recai um conjunto de prognósticos, ora em tom profético ora em tom apolítico, que expõe a descrença social em relação ao seu futuro. O aluno vulnerável passa a ser um (não) sujeito subordinado às variáveis de suas suscetibilidades. Desponta o vulnerável à drogadição; à violência física, emocional e moral; à cooptação pelo narcotráfico; à exploração sexual e tudo o mais que se possa adquirir estando no lugar onde a vulnerabilidade e o risco se exibem sem pudores: a rua (SILVA; FREITAS, 2006, p. 28).

Meirieu (2005) nos diz que a escola não é – e nem pode ser – uma máquina de

ensinar e aprender, mas sim uma instituição que se remete a valores ou, mais

precisamente, a princípios, e o exercício da decisão democrática é um de seus

fundamentos. A escola deve “[...] trabalhar para que as condições de escolarização

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sejam as mais eqüitativas possíveis, para que todas as crianças possam

verdadeiramente beneficiar-se de boas escolas e de bons professores” (MEIRIEU,

2005, p. 24).

Alarcão (2001, p. 18) nos afirma que “[...] a escola tem a função de preparar

cidadãos, mas não pode ser pensada apenas como tempo de preparação para a

vida. Ela é a própria vida, um local de vivência da cidadania”.

Caiado (2008) também nos permite pensar que o papel social da escola é socializar

o conhecimento historicamente construído e as ferramentas utilizadas nessa

construção e sistematização. Segundo suas palavras, socialização não se resume a

passar de geração em geração um conhecimento pronto e acabado, mas, sim, um

conhecimento sempre em processo, em que fronteiras se rompem e se reorganizam,

inclusive, ouvindo a voz de atores que, historicamente, foram calados,

marginalizados e oprimidos.

Nesse movimento, cabe-nos compreender que

[...] o espaço escolar é múltiplo e que os alunos trazem em suas singulares histórias de vida um saber que deve ser ponto de partida para o trabalho pedagógico. Um ponto de partida que se dá na escuta atenta e respeitosa por um professor que saiba valorizar as experiências de vida de todos os alunos. Um saber que será ponto de partida para a conquista de novas dimensões, seja na língua oral e escrita, seja nas concepções que internalizaram em seu grupo cultural para explicar e organizar a vida cotidiana. Porém, ao chegar à escola, podem agora se apropriar de um novo saber. Um saber guardado a sete chaves, um saber que dá poder e que transforma o mundo de forma vertiginosa. Uma transformação que nem sempre tem levado o homem à felicidade. Portanto, entende-se que se a escola guarda esse saber está nela a possibilidade ímpar de encontrá-lo, dele se apropriar e quiçá usá-lo para o respeito à vida (CAIADO, 2008, p. 363).

Sonhar com a escola simbolizava estabelecer relações que estimulassem “[...] nas

crianças o gosto da pergunta, a paixão do saber, da curiosidade, a alegria de criar e

o prazer do risco sem o que não há criação” (FREIRE, 1992, p. 141), pois “[...] a

superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem

deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza”

(FREIRE, 1996, p. 30).

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A nova construção, dia após dia, ia se estruturando e tomando a forma de escola. Já

no primeiro semestre de 2004, podiam ser abertos seus portões, sentir o cheiro da

tinta fresca e ouvir um silêncio profundo vindo dos corredores e das salas de aulas,

agravado pela ausência dos educandos. Ouvia-se a voz de homens e mulheres que

organizavam carteiras e mesas que haviam chegado; o barulho ensurdecedor de

máquinas que perfuravam paredes e as discussões dos primeiros funcionários que

falavam em horários, conceitos, grades, matrículas e diários.

Falava-se em livros, biblioteca, informática, educandos e educadores que ainda não

tinham chegado, mas que, com toda a certeza, seriam as peças fundamentais

daquela construção. Falava-se em gente e em sonhos. Aquele espaço, com o

passar do tempo, ia se materializando para receber homens e mulheres capazes de

comparar, de analisar, de avaliar, de decidir, de romper, de criar, de serem éticos e

políticos, por isso, capazes de produzir conhecimento e de aprender.

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito (FREIRE, 1996, p. 69).

Todos que passavam pela avenida principal, que levava e trazia os transeuntes para

outras vielas da comunidade, contemplavam a exuberante construção que se

contrastava das demais instituições de ensino da região, dada a sua estrutura física

e arquitetônica. Construída em três pavimentos, possuía, em seu primeiro piso,

amplo pátio coberto contornado por refeitório, cozinha, depósitos, sala de

pedagogos, de professores, direção, secretaria escolar, sala de recursos,

almoxarifado, sanitários para uso dos professores, além de quadra poliesportiva,

cantina, piscina olímpica, auditório e área livre para os estudantes transitarem.

Adaptada às necessidades arquitetônicas impostas pelos alunos, suas rampas de

acesso levavam-nos aos demais pavimentos que comportavam 15 salas de aulas,

biblioteca, sala de informática, coordenação escolar, sala de multiuso e banheiros

para uso dos educandos.

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No segundo semestre de 2004, a Unidade de Ensino Municipal “Paulo Freire” 5

recebia seus primeiros alunos que eram remanejados de escolas vizinhas para

concluírem o ano letivo no estabelecimento que acabava de ser inaugurado. 6

Atuando, inicialmente, com educandos matriculados nas séries iniciais do Ensino

Fundamental vivenciava o desafio de trabalhar com o recém-chegado alunado

composto por crianças consideradas “problemáticas” pelas escolas que os

remanejavam, pois encontravam, na nova instituição, possibilidades para “livrar-se”

desses sujeitos que não conseguiam se adaptar e cumprir as normas curriculares e

disciplinares impostas.

Foi solicitado pela Secretaria de Educação que as escolas vizinhas nos encaminhassem nossos primeiros alunos [...]. Era nítido que essas escolas tinham encaminhado os alunos-problemas, o que favoreceu esse significativo número de alunos com necessidades educacionais especiais (PEDAGOGA).

Santos (2006, p. 281), ao problematizar a construção intercultural da igualdade e da

diferença, nos diz que a exclusão é um fenômeno cultural e social, ou seja, um

fenômeno civilizacional. A exclusão é um processo histórico pelo qual uma cultura,

pela via de um discurso de verdade, cria o interdito e o rejeita. Nesse movimento,

estabelece um limite para além do qual só há transgressão, um lugar que atira para

outro lugar, a heterotopia, todos os grupos sociais que são atingidos pelo interdito

social, ou seja, a delinqüência, a orientação sexual, a loucura ou o crime.

Nas palavras do autor: “[...] a desqualificação como inferior, louco, criminoso ou

pervertido consolida a exclusão e é a perigosidade pessoal que justifica a exclusão”

(SANTOS, 2006, p. 281). Esses movimentos assentavam “[...] um discurso de

fronteiras e limites que justificam grandes fracturas, grandes rejeições e

segregações”.

Amaral (1998) afirma que é inegável que a espécie humana tem, na “vocação” de

5 Nome fictício. 6 Segundo informações dos servidores mais antigos da instituição, a unidade de ensino iniciaria seus trabalhos letivos no início do ano de 2005. Como forma de “desafogar” as outras escolas vizinhas que apresentavam estrutura física e arquitetônica mais inferior e com significativo número de alunos, foi solicitado pela Secretaria Municipal de Educação que fossem remanejados alunos para concluírem o ano letivo na nova instituição. Assim, foram encaminhados os alunos considerados “problemas” por essas instituições escolares.

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sua forma/função, a existência de determinadas características socialmente

valorizadas, ou seja, necessidade de portar olhos que vêem, ouvidos que ouvem e

membros que funcionem, pois qualquer alteração nessa “vocação” caracteriza o

sujeito como diferente, desviante, anormal e com deficiência, cabendo-lhes viver às

margens da sociedade, uma vez que não apresenta habilidades e características

construídas dentro de um paradigma considerado bom, belo e bonito.

Segundo seu pensamento, todo sujeito que não corresponde, no mínimo, a um ser

jovem, do gênero masculino, branco, cristão, heterossexual, física e mentalmente

perfeito, belo e produtivo pode ser caracterizado como indivíduo que apresenta

diferença significativa, desvio ou anormalidade. “[...] E o fato é que muitos e muitos

de nós, embora não correspondendo a esse protótipo ideologicamente construído, o

utilizamos em nosso cotidiano para categorização/validação do outro” (AMARAL,

1998, p. 14).

Nesse movimento, tal remanejamento, às vezes, parecia despertar um sentimento

de não-pertencimento desses alunos à escola ou de avolumar o número de crianças

que demandavam atenção por parte do setor de Educação Especial, pois trazia a

sensação de que suas dificuldades e desafios eram frutos de suas escolas de

origem, não propiciadas naquele contexto escolar. Muitas vezes, pairava a idéia de

que os alunos que iniciavam sua jornada de estudos na escola, ou seja, aqueles que

ingressavam pela primeira vez no Ensino Fundamental, pela via dos trabalhos da

instituição, trariam outras possibilidades de trabalhos, bem como resultados mais

satisfatórios em relação aos seus processos de ensino e aprendizagem.

[...] No início foi muito difícil para nós. Hoje, a escola está bem melhor porque nossos alunos de 1ª a 4ª série são aqueles que não vieram desse remanejamento. Os de 5ª a 8ª são aqueles que eram problemas para as escolas e foram remanejados para cá. Acho que ano que vem, vamos ter uma 5ª série melhor, porque são os ‘nossos alunos’, aqueles que começaram seus estudos aqui, nesta escola (PEDAGOGA).

Nas palavras de Ferreira, esses alunos acabam “[...] ocupando o lugar de falência do

ideal, dentro de um saber instituído que não lhe confere o estatuto de sujeito, e que

leva a uma distorção no processo educacional” (FERREIRA, 2005, p. 149).

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Com a chegada desses alunos, o silêncio dos corredores e das salas de aula

cessava, pois os gritos, conversas, risadas altas, empurrões eram trazidos pelos

educandos, enquanto sinetas, filas, horários, vai-e-vem de educadores, discussões,

reflexões, aulas, planejamentos e reuniões já se incorporavam à rotina daquele local

de trabalho. Aquele espaço ia aos poucos se transformando em escola, uma vez

que, em seu seio, existia gente. Gente que estuda, trabalha, diverge, pensa,

questiona, reflete e atua. Gente que faz amizade, camaradagem e faz a escola,

implicando-se nos desafios e tensões nela presentes. Aquele entrelaçamento de

relações humanas fazia daquele lugar um espaço de significativas aprendizagens,

uma vez que “[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica

e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles

que as cercam” (VYGOTSKY, 1998, p. 115).

Os movimentos trazidos para aquele novo espaço nos levam a rememorar Vygotsky

(1998) que, ao estudar a teoria do desenvolvimento humano e os caminhos

utilizados por esses sujeitos históricos e sociais na construção de suas

aprendizagens, nos leva a pensar que

O aprendizado é mais do que a aquisição de capacidades para pensar; é a aquisição de muitas capacidades especializadas para pensar sobre várias coisas. O aprendizado não altera nossa capacidade global de focalizar a atenção; ao invés disso, no entanto, desenvolve várias capacidades de focalizar a atenção sobre várias coisas (VYGOTSKY, 1998, p. 108).

Homens e mulheres que passaram a habitar esse espaço demonstravam que a

instituição escolar necessitava ser concebida como uma organização em constante

desenvolvimento e aprendizagem, tal como os seres humanos, que aprendem e se

desenvolvem em interação. Reconheciam a escola não apenas como um edifício

edificado, mas, sobretudo, como espaço de trabalho para educandos e para

educadores, ou seja, oportunidades para o trabalho com a aprendizagem em suas

várias dimensões.

Esse espaço de produção, onde se entrelaça o trabalho de educandos e

educadores, necessitava ser configurado como um “[...] organismo vivo, dinâmico,

capaz de atuar em situações, de interagir e desenvolver-se ecologicamente e de

aprender a construir conhecimento sobre si nesse processo” (ALARCÃO, 2001, p.

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27).

Pensando nas contribuições da escola na concretização das expectativas, como as

da população de Santa Rita, os autores Tardiff e Lessard (2005) sinalizam a

necessidade de os educadores constituírem reflexão sobre concepções curriculares,

práticas avaliativas e metodológicas, perfil de educandos, idéias, discursos e

objetivos que historicamente deflagram processos de exclusão escolar, pois esses

fenômenos afetam incisivamente o trabalho educativo desenvolvido no contexto

escolar e o status do professor em sua profissionalidade docente.

Freire (1987, p. 68) diz que, no espaço escolar, “[...] o educador já não é mais o que

apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando

que, ao ser educado, também educa”. Em tal interação, “[...] não mais educador do

educando, não mais educando do educador, mas educador-educando com

educando-educador” (FREIRE, 1987, p. 68). Nessa dinâmica, a escola se configura

como espaço para produção de conhecimentos para todos os que nele habitam.

Para os educandos, espaço de aprendizagens e, para os educadores, oportunidade

de processos de formação continuada em contexto.

Chegado ao ano de 2007, vislumbrávamos a Unidade de Ensino Municipal “Paulo

Freire” crescida, adulta em pleno processo de desenvolvimento. Atuando com 382

matrículas nas séries iniciais do Ensino Fundamental no turno vespertino e outras

386 nas séries finais no turno matutino, perfazia um quantitativo de 768 crianças

matriculadas em seus dois turnos de funcionamento. Contava também com o

trabalho efetivo de 15 educadores de 1ª a 4ª série, 21 de 5ª a 8ª, dois professores de

Educação Especial, três pedagogos, quatro auxiliares de secretaria escolar, um

dirigente escolar, cinco coordenadores de turno e outros 19 profissionais ligados aos

trabalhos de vigilância e serviços de apoio à escola. Paralelamente a essa

organização, abria suas portas aos finais de semana para o Projeto Escola Aberta e,

no período noturno, para o Programa PROJOVEM, subsidiado pelo Ministério da

Educação e Cultura.

É desse espaço onde se faz amigos, produz-se conhecimento, diverge-se, forma-se,

onde as “[...] aprendizagens são obrigatórias, onde as coisas são organizadas para

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não se ‘sair dali’ sem aprender. Onde não se deve ter êxito sem compreender [...]

[pois] a obrigação de aprender é o fundamento da escola [...]” (MEIRIEU, 2005, p.

38), que relataremos as experiências vivenciadas por um grupo de profissionais que,

durante cinco meses e meio, estudaram, planejaram, discutiram e se reuniram em

lugares diversos e adversos e atuaram colaborativamente, com o objetivo único de

instituir uma proposta educativa que fizesse da escola um espaço aberto às

diferenças, por acreditarem que

Abrir a Escola para todos não é uma escolha entre outras: é a própria vocação dessa instituição, uma exigência consubstancial de sua existência, plenamente coerente com seu princípio fundamental. Uma escola que exclui não é uma escola: é uma oficina de formação, um clube de desenvolvimento pessoal, um curso de treinamento para passar em concursos, uma organização provedora de mão-de-obra ou uma colônia de férias reservada a uma elite social. A Escola, propriamente, é uma instituição aberta a todas as crianças, uma instituição que tem a preocupação de não descartar ninguém, de fazer com que se compartilhem os saberes que ela deve ensinar a todos. Sem nenhuma reserva (MEIRIEU, 2005, p. 44).

Relataremos as experiências que esse grupo acumulou ao adotar a formação

continuada em contexto como possibilidade para criar mecanismos teóricos e

práticos de aprendizagem docente, a partir da reflexão crítica da práxis, instituindo,

nesse movimento, contextos favorecedores da leitura e da escrita para todos os

alunos, principalmente para aqueles que apresentavam necessidades educacionais

especiais matriculados nas séries finais do Ensino Fundamental.

A formação de professores deve ser concebida como uma das componentes da mudança, em conexão estreita com outros sectores e áreas de intervenção, e não como uma condição prévia da mudança. A formação não se faz antes da mudança, faz-se durante, produz-se nesse esforço de inovação e de procura dos melhores percursos para a transformação da escola. É esta perspectiva ecológica de mudança interactiva dos profissionais e dos contextos que dá um novo sentido às práticas de formação de professores centradas nas escolas (NÓVOA, 1992, p. 28).

Ao trazermos os percursos da construção dessa escola, buscamos inspiração para

dissertar sobre os movimentos feitos por esse grupo na construção de práticas

pedagógicas que fizessem materializar partes dos sonhos das famílias de

educandos com necessidades educacionais especiais que almejam oportunidades

de participação social para seus filhos ao reconhecerem que a sala de aula pode se

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configurar como lugar de aprendizagem coletiva da suspensão e de construção de

regras do “viver junto” (MEIRIEU, 2005).

Concordando com o pensamento de Mantoan (2002), acreditamos que, das escolas

inclusivas esperamos fluir planos que definam uma educação que prime pela

cidadania global, plena, livre de preconceitos, isto é, escola que se dispõe a

reconhecer as diferenças, a interdependência e a complementaridade entre as

pessoas. A construção de uma escola que se diz responsável pelo processo

educativo de todos seus alunos caracteriza-se por reconhecer e valorizar as

diferenças que os educandos trazem para o cotidiano da sala de aula, bem como a

heterogeneidade da turma e a diversidade dos processos de construção coletiva e

individual do conhecimento. Esses movimentos favorecem a consolidação dessas

escolas, pois não excluem os alunos, ou seja, não têm “[...] valores e medidas

predeterminadas de desempenho escolar, considerando a pluralidade um fator

relevante para o desenvolvimento do pensamento” (MANTOAN, 2002, p. 84).

A inclusão escolar, decorrente de uma educação acolhedora e para todos, necessita

adotar a autonomia social e intelectual como objetivos norteadores da formação de

educandos e de educadores, ao considerar que os caminhos pelo qual o

conhecimento se produz não obedecem a critérios rígidos estabelecidos e limitados

pelos componentes curriculares, mas, ao contrário, configuram redes

imprescindíveis de idéias que se cruzam, formando tecidos singulares, sentidos

originais. Esses movimentos colaboram para que os educadores se sintam capazes

de trabalhar com todos os educandos, adequando suas práticas de acordo com o

grupo heterogêneo de aprendizes presentes em sala de aula.

Tal qual essa escola construída no antigo lixão, que foi gradativamente se

materializando, assim também se deu com esta pesquisa. O trabalho coletivo de

professores e pesquisador desencadeava movimentos que davam forma e vida aos

objetivos traçados, pois o trabalho fundado na perspectiva da colaboração nos

oferecia “[...] possibilidades inesgotáveis e, dentre elas, a oportunidade de

interpretação da experiência vivida. Permitia-nos ser um espaço-tempo de

convergência/divergência de saberes” (JESUS, 2007, p. 169).

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Nessas vivências coletivas, éramos educandos, éramos aprendizes de nosso fazer

pedagógico, uma vez que o grupo nos permitia sonhar, além de encontrarmos,

nessa dinâmica de colaboração, oportunidades para partilhar nossas experiências

vividas e nossos saberes profissionais. Nóvoa (1992, p. 26) nos diz que, no trabalho

coletivo, “[...] a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de

formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar,

simultaneamente, o papel de formador e de formando”.

No grupo, não olhávamos mais com um olhar, mas eram, agora, multiolhares que se

entrecruzavam que revelavam grandes e pequenos movimentos e que nos

ensinavam a ver situações que, por menores que fossem, tinham relevante valor e

significado.

Nesse processo grupal, repensamos conceitos, colocamos em suspensão outros, tentamos nos colocar numa atitude de aceitação/acolhimento de nossos saberes profissionais, mas também dos possíveis/impossíveis do outro. Criamos espaços de convergência, mas também de divergência (JESUS, 2007, p. 174).

A escola ia se constituindo, no olhar coletivo, espaço para formação de educadores,

que procuravam, incansavelmente, construir propostas pedagógicas que tornassem

o aprendizado da leitura e da escrita conhecimentos significativos para os

educandos, por acreditarem que tais saberes sinalizavam possibilidades de inclusão

social e novos horizontes para os alunos serem subjetivados para além das

deficiências que carregavam.

Nesse movimento grupal, o estudo traz, no transcorrer de suas reflexões, os

movimentos de professores em atuação nas séries finais do Ensino Fundamental

que, mesmo se deparando com a falta de formação inicial para lidar com as

questões da diversidade, se propuseram a fazer tentativas, a pesquisar, estudar,

contagiar aqueles que estavam ao seu redor e buscar, na formação continuada,

possibilidades para ensinar crianças com necessidades educacionais especiais a ler

e a escrever por acreditarem que “[...] as palavras são tecidas a partir de uma

multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos

os domínios” (BAKHTIN, 1992, p. 41).

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A formação continuada em contexto possibilita o despertar da autonomia docente e

a articulação de estratégias diferenciadas de ensino e aprendizagem, tendo como

foco desses processos a “[...] preparação de professores reflexivos, que assumam a

responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como

protagonistas na implementação das políticas educativas” (NÓVOA, 1992, p. 27).

Trazemos uma perspectiva de pesquisa que foi se constituindo em processo, a partir

das demandas surgidas, do confronto de idéias, de projetos implementados pelo

grupo ou já existentes no planejamento anual da escola, das necessidades

apresentadas pelos educandos e, principalmente, pela via do esforço coletivo de

profissionais dispostos a participar de uma experiência de pesquisa com

disponibilidade para se construir pesquisador de novos/outros saberes-fazeres e

ainda se assumir como sujeito produtor de conhecimento.

Nossa preocupação, como pesquisador, foi registrar as inúmeras tentativas desse

coletivo, suas inquietações e reflexões – que, a nosso ver, eram indicativos de

mudanças – acompanhar a produção de conhecimento humano, refletir sobre as

contribuições e impactos de estudos e pesquisas no fazer diário desses educadores,

principalmente os relacionados com a Educação Especial em uma perspectiva

inclusiva e ainda trazer uma configuração de educador que, mesmo se deparando

com contextos heterogêneos, trazia, para o cotidiano escolar, falas prospectivas em

relação ao processo educacional de educandos com necessidades educacionais

especiais.

[...] Eu não os vejo mais como alunos especiais. Tá entendendo? Especiais que não fazem nada. Não quero vê-los sentados, ignorantes, paralisados. Quero vê-los produzindo (PROFESSORA DE CIÊNCIAS). A gente só vai trabalhar [...] só coisinhas de colorir? [...]. Não vai trabalhar nada para que essa pessoa [...] se torne mais forte, emocionalmente mais preparada, politicamente mais consciente, crítico, um cidadão de verdade? (PROFESSOR DE GEOGRAFIA). Com o aluno especial [...] a turma fica mais humana. Têm alunos que se aproximam mais [...], que têm um carinho especial, [...] que cuida. Isso é legal! [...] Eu ficava encantada com isso [...]. Isso vale a pena ver! (PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

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Trazemos uma escola inquieta, angustiada e incomodada com o fato de não

conseguir responder às necessidades de seus educandos, além de educadores

repletos de dúvidas e questionamentos, mas que fizeram tentativas encontrando, no

trabalho colaborativo, possibilidades para minimizar essas angústias, pois “[...]

trabalhar em grupo numa perspectiva de construção coletiva significa compreender a

capacidade de produzir sentidos a partir das diferenças, das vivências, da forma de

pensar e agir muitas vezes cristalizadas” (JESUS, 2007, p. 172).

Tem horas que dá certa angústia na gente. Temos que saber para que eles estão aqui e saber o que a gente está precisando aprender para trabalhar com eles (PROFESSORA DE HISTÓRIA). Vou chutar o pau da barraca. Preciso aprender a trabalhar com eles. Não consigo vê-la olhando para mim, pedindo ajuda e não saber o que fazer. Isso me incomoda, me angustia, me corrói. Meu compromisso com ela é igual ao que tenho com os outros alunos (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

Essas ações coletivas nos colocaram diante de processos de formação continuada

baseados na investigação-ação das ações desenvolvidas na/pela escola,

focalizando essa instituição como espaço-tempo para a continuidade do

aperfeiçoamento docente pela via da reflexão partilhada entre educadores, visando

a anular o sentimento de solidão que enfraquece o trabalho educativo levado para o

contexto da sala de aula.

Considerando os desafios trazidos pelos educandos para o contexto da sala de aula,

buscou-se, na formação continuada em contexto, possibilidade para “[...]

compreender e intervir na prática educativa, produzindo uma reflexão crítica sobre

essa mesma prática” (JESUS, 2005, p. 204).

Dessa forma, este estudo se propõe a falar em possibilidades de contágio, de

implicação e de construção de novas práticas pedagógicas e de um educador “[...]

capaz de produzir e recriar saberes, bem como as condições de formação de um

professor autônomo, que busca, no conhecimento qualificado, as possibilidades para

renovar e inovar em sua prática educativa” (SANTORO; LISITA, 2004, p.1).

É justamente a capacidade humana de quebrar paradigmas, criar possibilidades

para ensinar e aprender, produzir novas formas de estar e compreender o mundo

50

que nos faz caminhar em direção a uma proposta de estudo atenta a perceber

movimentos, fundada na configuração de um educador que se faz investigador

crítico, capaz de instituir contextos de significativas aprendizagens para seus alunos,

criativo e reflexivo, juntamente com seu aluno que, contagiado pela perspectiva de

acompanhar a produção do conhecimento humano e disposto a produzir

novos/outros saberes-fazeres, se assume investigador e produtor de conhecimentos

na sociedade na qual está inserido.

Tomando a leitura e a escrita como categorias a serem trabalhadas, em um

cotidiano de 5ª a 8ª série, educandos com domínio apenas de leitura de mundo

pareciam, muitas vezes, conflitar com essa proposta, uma vez que o simples ato de

pegar um lápis, construir palavras simples ou reconhecer as letras do alfabeto, para

muitos, se configurava como um grande desafio. Necessitamos, muitas vezes, parar,

suspender conceitos, problematizar, intervir, fazer tentativas, acompanhar

resultados, aproveitar movimentos para compreender que a formação do educador

também se dá com o diálogo contínuo, com tensões e desafios e também para

acreditar na educabilidade humana como uma estratégia para minimizar o fracasso

escolar e combater todas as formas de fatalidade.

Não devo desistir porque é esse postulado que nutre a minha inventividade pedagógica e didática: sem ele, eu poderia me contentar com o mínimo e, tranqüilamente, excluir do círculo dos eleitos aqueles que não conseguem compreender. Com ele, preciso estar permanentemente buscando novos meios. Graças ao estímulo extraordinário que representa, faço um grande esforço para imaginar métodos que possam minimizar o fracasso e combater todas as formas de fatalidade (MEIRIEU, 2005, p. 75).

O trabalho coletivo desencadeado no contexto dessa escola, construída com a

capacidade humana de criar, recriar e transformar um espaço destinado ao depósito

de lixo em um lugar onde se produz conhecimento, favoreceu a constituição deste

estudo, que teve como objetivo central constituir processos de formação

continuada com professores, instituindo possibilidades de organização de

contextos favorecedores da aquisição da leitura e da escrita para alunos com

necessidades educacionais especiais matriculados nas séries finais do Ensino

Fundamental.

51

Tendo em vista tal objetivo central, delineamos objetivos específicos para o

norteamento das ações formativas e pedagógicas desenvolvidas no contexto da sala

de aula:

a) conhecer as expectativas dos profissionais sobre suas práticas pedagógicas,

bem como o que pensavam sobre o movimento de inclusão escolar para, a

partir desses movimentos, instituir processos formativos para reflexão e

instituição de contextos favorecedores da leitura e da escrita dos alunos;

b) acompanhar, pela via da observação, o cotidiano da escola e as práticas

pedagógicas desenvolvidas pelos professores em sala de aula com alunos,

tendo em vista instituir ações colaborativas para que alunos e professores

experienciem aprendizagens de sucesso no contexto da sala de aula;

c) constituir processos de formação continuada em contexto, adotando, como

foco de reflexões, as teorizações voltadas para a inclusão escolar, o ensino

da língua materna e outras questões que os profissionais envolvidos julgaram

necessárias;

d) planejar estratégias de trabalho interdisciplinar que favorecessem a

participação dos alunos com necessidades educacionais especiais no

processo ensino-aprendizagem, tendo por princípio o desenvolvimento dos

processos de leitura e escrita;

e) instituir processos avaliativos das ações desenvolvidas, procurando

acompanhar as aprendizagens e os desenvolvimentos dos alunos, bem como

potencializar algumas frentes de trabalho dos movimentos dos docentes;

f) utilizar a pesquisa-ação colaborativo-crítica como metodologia capaz de

propiciar condições para os educadores refletirem sobre as possibilidades e

desafios presentes em sua ação educativa, forjando processos contínuos de

formação continuada em contexto, além de enfrentamento das situações

encontradas no contexto da sala de aula e instituição de ações pedagógicas

que garantam a participação dos alunos nas atividades propostas.

52

A busca por alternativas de trabalho docente que respondessem a esses objetivos,

bem como a necessidade de diálogo constante com aportes teóricos que nos

ouvissem, compreendessem e também nos acalentassem em nossos momentos de

dúvidas e retrocessos nos levaram a buscar fundamentação nas interlocuções

possíveis entre FREIRE – fundamentação teórico-epistemológica; MEIRIEU –

fundamentação pedagógica; BARBIER – fundamentação teórico-metodológica; e,

nos estudos da Psicologia Histórico-Cultural, a fundamentação para trabalharmos

com as questões da linguagem, construindo, assim, possibilidades para refletirmos

sobre as categorias que vêm sustentando nossas discussões, ou seja, formação de

professores, leitura, escrita e práticas pedagógicas inclusivas. Dialogamos também

com outros autores, como Alarcão, Nóvoa, Geraldi, Giroux, Orlandi, Zeichner, dentre

outros, que, pela via de suas teorizações, subsidiaram as discussões levantadas no

transcorrer do estudo, no que tange à formação de educadores, à instituição da

escola como espaço-tempo de produção de conhecimentos para alunos e

aperfeiçoamento docente para professores e à constituição de práticas pedagógicas

que tornavam o aprendizado da leitura e da escrita como prática social propiciadora

de inclusão social.

Mergulhado em uma metodologia de investigação, cuja base teórico-metodológica

nos apontava possibilidades de realização de ações interventivas no cotidiano da

sala de aula, este estudo foi desenvolvido por meio de ações colaborativas pautando

seus fundamentos teórico-metodológicos na pesquisa-ação colaborativo-crítica que,

além de direcionar-se para uma perspectiva de provocar mudanças, tem a finalidade

de “[...] criar uma cultura de análise das práticas da escola, tendo em vista suas

transformações pelos professores, com a colaboração dos pesquisadores da

universidade” (PIMENTA, 2005, p. 14).

Ancorado na busca por mudanças e na perspectiva de contribuir com a instituição na

construção de novas possibilidades de criar uma cultura escolar que acreditasse na

possibilidade de ensinar crianças com necessidades educacionais especiais a ler e a

escrever, mesmo nas séries finais do Ensino Fundamental, buscamos, nos princípios

e fundamentos dessa metodologia investigativa, caminhos para se pensar os

profissionais da educação como intelectuais críticos e reflexivos e buscar, na

53

formação continuada em contexto, possibilidades para “[...] repensar e reformar as

tradições e as condições que têm impedido que os professores assumam todo o seu

potencial como estudiosos e profissionais ativos e reflexivos” (GIROUX, 1997, p.

162).

Foi falando em formação contínua que encontramos sustentação para conjugar

leitura, escrita e processo educacional de crianças com necessidades educacionais

especiais. A temática “Formação de professores e inclusão escolar: caminhos e

descaminhos no trabalho com a diversidade” será o próximo tópico a ser abordado

por este trabalho.

54

3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INCLUSÃO ESCOLAR: CAMINHOS E DESCAMINHOS NO TRABALHO COM A DIVERSIDADE

Educabilidade: a palavra é lançada [...]. A aposta fundamental: ‘Toda criança, todo homem é educável’ [...] e a história da pedagogia, assim como das instituições escolares, nada mais é do que a implementação cada vez mais audaciosa dessa aposta: a escolha da educação contra a da exclusão [...]. [...] Nada jamais está perdido, [...] ao contrário, tudo pode ser ganho se nos dedicarmos, obstinadamente, a inventar métodos que permitam integrar as crianças no círculo do humano [...] (MEIRIEU, 2005, p. 43).

Por que eles estão aqui? Por que a escola regular e não a especial? Eles aprendem

alguma coisa? Socializar ou aprender? Por acaso, formei-me para trabalhar com

alunos deficientes? Temos que trabalhar com eles, mas o laudo vai chegar?

Discursos como esses já se tornaram habituais no dia-a-dia das escolas de

educação básica, toda vez que é mencionado o processo educacional de alunos

com necessidades educacionais especiais. O pensamento de Meirieu (2005), que

conosco dialoga no início desta conversa, com toda a certeza nos faz refletir e

pensar que, para essas indagações, fica a resposta: “Toda criança, todo homem é

educável” e não sabemos se necessitamos de algo mais para continuarmos

pensando sobre elas.

Certamente, não há como negar que precisamos de formação para lidar com as

questões da educação e diversidade, que é preciso promover diálogos entre a

Pedagogia e as outras ciências para compreendermos melhor o humano e

problematizar o papel social da escola no trabalho educacional com nossas

crianças, mas, antes de tudo, é preciso pensar que,

[...] se os seres humanos fossem puramente determinados e não ‘seres programados para aprender’ não haveria por que na prática educativa apelarmos para a capacidade crítica do educando. Não haveria por que falar de educação para a decisão, para a libertação (FREIRE, 1993, p. 12).

Justamente apostando na educabilidade humana e nas contribuições da instituição

escolar na construção de uma sociedade aberta às diferenças humanas, é que

movimentos sociais de âmbito nacional e internacional, nas últimas décadas, vêm

empreendendo esforços para assegurar o direito à educação a todos os cidadãos,

independentemente de suas características culturais, sociais, físicas e estruturais.

55

Dentre esses movimentos, a Declaração Mundial de Educação Para Todos (1990)

sinaliza que a educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens

e adultos. Para tanto, é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade, bem

como tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades, postulando que:

Art. 5º Os programas de alfabetização são indispensáveis, dado que saber ler e escrever constitui-se uma capacidade necessária em si mesma, sendo ainda o fundamento de outras capacidades vitais. A alfabetização na língua materna fortalece a identidade e a herança cultural (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA, 1990, p. 5).

A Declaração de Salamanca (1994) também argumenta em favor da constituição de

escolas inclusivas, trazendo como princípio pedagógico dessa proposta a

perspectiva de que todas as crianças possam aprender juntas, sempre que possível,

independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter,

apostando em arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e

parcerias com as comunidades para o enfrentamento desse desafio.

Inspirada ainda na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e na

Constituição Brasileira (1988), que imprime que toda pessoa tem direto à educação,

a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº. 9.394/96, em seus arts.

58, 59, 60), ao traçar as diretrizes para o trabalho educativo com educandos que

apresentam necessidades educacionais especiais, endossa esses princípios,

definindo a Educação Especial como modalidade de educação escolar ofertada

preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com necessidades

educacionais especiais, assegurando currículos, métodos, técnicas, recursos

educativos e organizacionais específicos para atender às suas necessidades, bem

como professores do ensino regular capacitados e apoiados por especialistas,

visando a desenvolver ações colaborativas que incluam todos os alunos nas

propostas educativas levadas para o contexto da sala de aula.

Esses movimentos imprimem à prática docente a necessidade de inclusão de

grupos minoritários nas ações desenvolvidas na escola a partir da aceitação das

diferenças individuais, da valorização do humano e do convívio com a diversidade,

56

situações que necessitam estar emanadas pelo espírito da reflexão crítica dos

saberes-fazeres docentes e do desenvolvimento de ações colaborativas na escola,

que a colocam como instituição aprendente que, por meio de um conjunto alargado

de interações, vai se estruturando como um sistema de aprendizagem solidário de

uma dada cultura organizacional.

Abrir as portas das escolas para educandos que trazem trajetórias históricas e

sociais marcadas pela diferença significativa e garantir a permanência desses

sujeitos nesses contextos educacionais têm se configurado um grande desafio para

instituições de educação básica que, pautadas em uma perspectiva de aluno-

padrão, encontram dificuldade em atuar em contextos heterogêneos, principalmente,

quando constituídos por sujeitos que aprendem em ritmo diferenciado ou que não

falam, não enxergam ou não ouvem e que percorrem caminhos diferenciados nos

processos de aquisição de seus conhecimentos, prevalecendo junto a esses alunos

uma identidade marcada pela diferença negativamente representada (FERREIRA,

2006).

Para Amaral (1998, p. 17), nesse contexto, o indivíduo “[...] não é alguém com uma

dada condição, é aquela condição específica e nada mais do que ela: é a

encarnação da ineficiência total”.

Marques (2007, p. 146) revela que essa perspectiva de subjetivação é fruto de

nossa sociedade impregnada de preconceitos e de competição que, “[...] por

prepotência dos ditos ‘normais’, procura estabelecer os limites do outro, como se

este fosse um inválido e, conseqüentemente, um ser digno apenas de ‘caridades’

marginalizadoras e humanamente humilhantes”.

Mais adiante, o autor nos diz que a sociedade, ao subjetivar esses sujeitos a partir

de uma perspectiva de inferioridade corpórea e de incapacidade produtiva, acaba

por gerar uma estratificação social com limites muito claros quanto às possibilidades

de realização pessoal, profissional e afetiva de seus membros.

Enfim, a sintetização desses sujeitos nas deficiências que carregam dificulta à

instituição escolar subjetivá-los como produto de uma história particular entrelaçada

57

com uma história social, ou seja, como indivíduos que carregam desejos, anseios,

aspirações, capazes de aprender e contribuir com a produção de conhecimento a

ser deixado como herança para as futuras gerações.

A organização pedagógica das instituições escolares, fundamentada nessa

perspectiva de aluno-padrão, favorece a constituição de propostas pedagógicas a

partir de um sistema de ensino organizado por currículos inflexíveis e engessados,

pela via de conteúdos que obedecem a uma seqüência rígida, com complexidade

crescente a partir de critérios padronizados do desenvolvimento psicológico baseado

em etapas.

Essa escola é significada como lugar de aprender que se expressa pelo

desenvolvimento de habilidades e aquisição de conhecimento, onde a socialização,

reduzida a atitudes de civilidade, apresenta-se como objetivo distinto e de segunda

ordem (FERREIRA, 2006).

Nesse contexto, Padilha (2005, p. 129) conclama a necessidade de organização das

escolas, visando a “[...] oferecer programas educacionais flexíveis, contribuindo com

a promoção de desafios, de forma a superar as necessidades grupais ou individuais,

compreendendo e reorganizando ações educativas que garantam aprendizagem de

novos conhecimentos”.

Para a gestão dessas práticas organizativas educacionais, a pesquisadora sinaliza

que os profissionais nelas envolvidos necessitam repensar suas concepções acerca

de:

[...] sujeito, de mundo, de sociedade, de deficiência, de eficiência, de desenvolvimento e aprendizagem, para poder conhecer mais e melhor sobre as características de crianças e jovens que da escola esperam um papel crucial no desenvolvimento cognitivo em todas as esferas do simbólico (PADILHA, 2005, p. 133).

Pensando nos desafios trazidos por esses educandos para o contexto educacional e

nos percursos que a instituição escolar vem adotando para subjetivá-los, Meirieu

(2005) nos ajuda a pensar que

58

[...] o desafio da educação é desembaraçar-se dessas formas de rejeição [...] como também se livrar de uma obediência cega que impõe ao sujeito a aceitação incondicional de sua herança [...]. Somente assim, podemos combater todas as formas de reprodução, de fatalidade e de encurralamento [...] que determinariam completamente o futuro de um indivíduo (MEIRIEU, 2005, p. 94).

A necessidade de ruptura da escola, como instituição pensada para poucos e

quando aberta ao trabalho educacional com crianças com necessidades

educacionais especiais, configurada na dependência de diagnósticos clínicos para a

elaboração de trabalhos diversificados, reforça a necessidade de ressignificação dos

processos de formação inicial de educadores e investimentos na formação

continuada, pois a formação que recebemos, realmente, não nos tem ofertado

condições para lidar com as questões que hoje temos nas escolas.

Por isso, Jesus (2005, p. 206) argumenta que, [...] se quisermos uma escola inclusiva, precisamos pensar com o outro, precisamos de um processo de reflexão-ação-crítica dos profissionais que fazem o ato educativo acontecer. Se quisermos mudanças significativas nas práticas convencionais de ensino, precisamos pensar na formação continuada dos educadores.

Corroborando o pensamento de Jesus (2006), Ferreira (2005, p. 150), ao refletir

sobre o trabalho docente com alunos com necessidades educacionais especiais, nos

fala que “[...] a esses alunos os professores não sabem como ensinar e, de fato, não

foram preparados para ensiná-los”.

Tomando esses diálogos como reflexão, Foerste (2005) argumenta que levar o

processo de formação inicial a contribuir, de maneira significativa e inovadora, na

construção coletiva de uma cultura de transformação da prática acadêmica e da

prática da escola de educação básica e na qualificação de profissionais “preparados”

para promover mudanças se configura como uma das questões mais prementes e

desafiadoras nas análises sobre profissionalização docente.

Por isso, defende a necessidade de fomentação de “sólidos” processos de formação

inicial e continuada para que os professores se sintam capazes de promover

59

diálogos entre a teoria e a prática e ainda para que possam refletir sobre o vivido, o

experienciado e aquilo que consideram conflitivo, pois a reflexão sobre essas

questões “[...] ajuda o profissional e seus colegas de profissão a pensar sobre sua

identidade e competências e como elas são construídas, seja no âmbito individual

ou coletivo, na formação acadêmica ou no campo da prática” (FOERSTE, 2005, p.

33-34).

Ao analisarmos o compromisso social das instituições de educação básica no

processo educacional de alunos com necessidades educacionais especiais e as

dificuldades encontradas em promover sua efetiva inclusão nas práticas escolares,

somos levados a concordar com Alarcão (2001), quando salienta que a mudança

que a escola necessita é uma mudança paradigmática, ou seja, é preciso mudar o

pensamento sobre ela, refletindo sobre a vida que lá se vive, em uma atitude de

diálogo com seus problemas, suas frustrações, seus sucessos e fracassos, com seu

pensamento próprio e o dos outros.

Mudar a escola e fazê-la percorrer novos caminhos em função da gestão de outras

práticas organizativas, de novas concepções curriculares, de diferenciadas

estratégias avaliativas e de possibilidades de instituição de contextos de

aprendizagens que beneficiem todos os seus alunos nos remete a pensar em

investimentos na formação de professores, pois o que importa na formação docente

é a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da

insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai

gerando a coragem (FREIRE, 1996).

Para essa mudança paradigmática, Nóvoa (1992) nos diz que necessitamos falar de

professores críticos, reflexivos, pesquisadores, detentores de conhecimentos e,

nessa mesma linha de raciocínio, em investimentos na formação docente por serem

esses processos necessários para se estimular o desenvolvimento profissional dos

professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente.

A autonomia docente não é uma qualidade presente em cada sujeito, mas um processo que vai, gradativamente, garantindo a assunção, por parte do professor, de sua responsabilidade social pela condução do ensino em situações complexas, historicamente construídas e ideologicamente comprometidas. Isto só pode ser feito com um sujeito que se sinta, se

60

perceba como ator de sua história, como sujeito ‘empoderado’, habilitado ao exercício do poder que advém de sua práxis (SANTORO; LISITA, 2004, p. 10).

Tais movimentos nos fazem pensar na necessidade em promover rupturas com

perspectivas de formação docente centradas na transmissão de conhecimentos

técnicos, que centralize o educador como eixo principal do processo ensino-

aprendizagem e que valorize práticas que o coloca como aquele que tem a função

de vigiar, aconselhar os educandos e ainda ensinar conteúdos programáticos para

depois corrigi-los, objetivando verificar as aprendizagens dos alunos a partir de uma

perspectiva “bancária” de educação que atribui ao educador o papel de disciplinar a

entrada dos educandos no mundo e, conseqüentemente, fazê-los imitar as relações

nele estabelecidas.

É justamente se contrapondo a essa perspectiva de educação que argumenta em

favor de processos de formação docente que elevam os profissionais da educação a

educadores-problematizadores, ou seja, a sujeitos que refazem “[...]

constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscitividade dos educandos. Estes,

em lugar de serem recipientes dóceis de depósito, são agora investigadores críticos,

em diálogo com o educador, investigador crítico também” (FREIRE, 1987, p. 69).

Em frente a esses movimentos, necessitamos falar em processos formativos que

valorizam a relação teoria-prática, a reflexão crítica sobre os avanços e retrocessos

da ação educativa, o contexto da sala de aula onde o ato de ensinar e aprender se

realiza, a instituição de culturas pedagógicas emergidas pela via de olhares

prospectivos, pois esses movimentos contribuem para que “[...] os professores [se

tornem] mais atentos à necessidade de melhoria em sua prática, quando se viabiliza

para eles e com eles a análise e a observação de seu próprio perfil e das

características de seu trabalho” (CAPELLINI, 2004, p. 70).

Por isso, cabe valorizar perspectivas de formação que promovam a preparação de

professores críticos e reflexivos, que também assumam a responsabilidade de seu

desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na

implementação de políticas educativas capazes de garantir a qualidade do ensino

ministrado nas escolas públicas de Ensino Fundamental.

61

Retomando os desafios encontrados pela prática docente em atuar em contextos

heterogêneos, principalmente com alunos que apresentam necessidades

educacionais especiais, o pensamento de Nóvoa (1992) nos diz que realmente há

necessidade de se investir positivamente nos saberes do professor, explorando-os

de um ponto de vista teórico e conceitual, pois os problemas da prática docente não

são meramente instrumentais; comportando situações problemáticas que obrigam

decisões num terreno de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito

de valores. Em suas palavras, “[...] as situações que os professores são obrigados a

enfrentar (e a resolver) apresentam características únicas, exigindo, portanto,

respostas únicas: o profissional competente possui capacidades de

autodesenvolvimento reflexivo” (NÓVOA, 1992, p. 27).

Ao reconhecer que as mudanças no campo educacional são necessárias, o autor

defende a necessidade de transformação das práticas pedagógicas e de

ressignificação do trabalho docente, considerando o diálogo com essas situações

momentos fecundos de formação do professor, uma vez que a formação implica

mudança do pensamento dos educadores, bem como das práticas assumidas e

desenvolvidas na/pela escola, situação difícil de ser realizada sem um investimento

positivo em experiências inovadoras e provocadoras de movimentos nas ações que

constituem o ato de ensinar e aprender.

Nessa mesma perspectiva, Freire (1996) enfatiza que os conhecimentos construídos

no processo de formação inicial de educadores se entrelaçam com os construídos

no dia-a-dia da sala de aula, configurando a formação docente como movimento

contínuo, processual, uma vez que a docência requer discência, rigor metodológico,

curiosidade e pesquisa, respeito ao educando e à realidade, criticidade, estética e

ética, aceitação do novo, reflexão crítica sobre a prática e o reconhecimento e

assunção da identidade cultural.

Nesse processo, o desenvolvimento de políticas de formação continuada configura-

se como possibilidade para os professores emergirem das situações enfrentadas em

sala de aula que, muitas vezes, parecem insolúveis, para sobre elas refletir, tomar

fôlego e retomar esses trabalhos, dialogar com seus pares e construir novas

62

possibilidades de atuação, confrontando-as com aportes teóricos que também

procuram compreender o trabalho escolar na perspectiva da diversidade, pois

tornar-se professor é, de fato, investir no futuro, é trabalhar, cotidianamente, nas e

sobre as aprendizagens (MEIRIEU, 2006).

É justamente pensando no desencadeamento de processos formativos emanados

pela reflexão crítica da prática, que vislumbramos possibilidades de os educadores

construírem, nos cotidianos escolares, propostas pedagógicas pautadas em uma

Pedagogia diferenciada, uma vez que “[...] uma pedagogia será tanto mais crítica e

radical, quanto mais ela for investigativa e menos certa de ‘certezas’. Quanto mais

‘inquieta’ for uma pedagogia, mais crítica ela se tornará” (FREIRE, 1990, p. 35).

Pensando na constituição desta Pedagogia investigativa, somos levados a entender

a formação continuada como instrumento motivador de movimentos transformadores

na/da escola, ao considerarmos que esses processos favorecem o diálogo docente,

a instituição de trabalhos coletivos, a articulação de saberes, o gosto pela tentativa e

a busca constante de respostas para o novo, pois, para Meirieu (2005), aprender é

fazer alguma coisa que não se sabe fazer fazendo, pois toda aprendizagem

depende de assumir um risco, de fazer uma aposta em um futuro sempre incerto.

Pensando sobre essa configuração formativa e, principalmente, nos processos de

formação inicial, Zeichner (1993, p. 17) afirma que, “[...] independentemente do que

fazemos nos programas de formação de professores e do modo que fazemos, no

melhor dos casos só podemos preparar os professores para começarem a lecionar”,

uma vez que “[...] o que não podemos é [...] parar de aprender e buscar, de

pesquisar a razão de ser das coisas. Não podemos existir sem nos interrogar [...] em

torno de como fazer concreto o ‘inédito’ viável demandando de nós a luta por ele”

(FREIRE, 1992, p. 98).

A partir do raciocínio de Zeichner (1993), entendemos que a formação docente se dá

pela via do entrecruzamento de sólidos processos de formação inicial e continuada

de educadores, pois, “[...] se quisermos entender as características e qualidades do

ofício de ensinar temos que discutir tudo que se diz sobre ele ou que dele se espera.

Mas, também, o que é e o que não deveria ser; o que se propõe mas que se torna,

63

ao menos, discutível” (CONTRERAS, 2002, p. 32).

Analisando esse movimento contínuo de pensar, agir, refletir, dentro de uma trama

formativa, falaremos em professores como pesquisadores de sua prática, “[...]

transformando-a em objetos de indagação dirigida à melhoria de suas qualidades

educativas [...]” (CONTRERAS, 2002, p. 119), pois, “[...] a idéia de professor como

pesquisador está ligada, portanto, à necessidade dos professores de pesquisar e

experimentar sobre sua prática enquanto expressão de determinados ideais

educativos” (CONTRERAS, 2002, p. 119).

É apostando no investimento da formação docente e na valorização do magistério

que poderemos vislumbrar, no contexto das escolas de educação básica, o esboço

feito por Góes (2002) da perspectiva de educador que gostaríamos de ter, ou seja,

um educador que fosse:

[...] orientado prospectivamente, atento à criança, às suas dificuldades e, sobretudo, às suas potencialidades, que se configuram na relação entre a plasticidade humana e as ações do grupo social. É aquele que é capaz de analisar e explorar recursos especiais e de promover caminhos alternativos, que considera o educando como participante de outros espaços do cotidiano, além do escolar, que lhe apresenta desafios na direção de novos objetivos, que o considera integralmente, sem se centrar no não, na deficiência (GÓES, apud FERREIRA, 2005, p. 151-152).

É centrada nessa configuração de educador, que se forma em processo, que Jesus

(2006, p. 100) defende os investimentos na formação inicial e continuada de

educadores como caminhos para esses profissionais se sentirem “[...] capazes de

criar ambientes educativos em que diferentes alunos, com os mais diversificados

percursos de escolarização, consigam participar; que contribuam com experiências

de sucesso”.

O pensamento de Arroyo (2000) também nos leva a refletir que tais investimentos se

configuram como oportunidades para os professores aprenderem a refletir e lidar

com o novo, o imprevisto, o não esperado, pois trabalhar o ato educativo significa

revelar saberes, significados, mas, antes de qualquer coisa, revelar-nos como

docentes educadores em nossa condição humana, pois esse é o nosso ofício, nossa

humana docência.

64

Investir na formação docente é também investir na instituição escolar como espaço

de produção de conhecimento para alunos e professores, principalmente ao

considerarmos que “[...] os homens são seres da práxis. São seres do quefazer [...]

porque seu fazer é reflexão e ação. É a práxis. É a transformação do mundo [...]. O

quefazer é teoria e prática. É reflexão e ação [...]” (FREIRE, 1987, p. 121).

Meirieu (2006) nos leva argumentar sobre a necessidade de instituição de

momentos para os educadores se encontrarem na escola, dialogarem e refletirem

sobre os problemas vividos, engendrarem possibilidades para a superação desses

obstáculos, uma vez que a prática dialógica que nos move nos faz sair de situações

inusitadas, nos faz acreditar em possibilidades, nos permite trocar e produzir

conhecimentos e, principalmente, nos instrumentaliza para instituir propostas de

trabalho docente em consonância com os desafios enfrentados em sala de aula.

Para o autor, o resgate da ação dialética entre professores é um caminho possível

para superarmos a problemática já habitual no discurso docente, ou seja, a falta de

atenção dos alunos, a dispersão e desinteresse deles com as ações levadas para o

contexto da sala de aula.

[...] hoje esse é o grande desafio que todos os professores têm de enfrentar [...]: estruturar as relações na sala de aula a partir das próprias exigências do trabalho e, desse modo, participar da luta contra a dispersão a que, de resto, a maioria de nossos alunos está condenada (MEIRIEU, 2006, p. 63).

É apostando na educabilidade humana e na instituição da escola como espaço de

aprendizagens para todos que defendemos a idéia de instituição de políticas

públicas de formação docente comprometidas com a formação de profissionais

capazes de lidar com a diversidade humana, independentemente de níveis ou áreas

de atuação, uma vez que nossas crianças percorrem todas as etapas de ensino,

trazendo suas necessidades, anseios e subjetividades que perpassam todos os

níveis de educação.

Meirieu (2006) nos faz pensar que o trabalho educativo, a partir de uma lógica na

diversidade, deve estar contemplado no currículo de formação de todas as

licenciaturas, pois precisamos superar a representação tradicional, que opõe o

65

ensino nas séries iniciais e nas séries finais do ensino fundamental. “[...] Não temos,

de um lado, animadores benevolentes desprovidos de verdadeiras competências

disciplinares e, de outro, conhecedores especializados, sem a preocupação de

acompanhamento das pessoas” (MEIRIEU, 2006, p. 18).

Nesse movimento, esperamos a preparação de professores que saibam buscar, na

reflexão crítica da práxis e no entrelaçamento da teoria-prática, possibilidades para

dialogar com a diversidade trazida pelos educandos para o contexto da sala de aula,

pela via de uma formação que desperte a consciência crítica nesses profissionais

para auto-regular sua atividade docente, para a ministração de aulas que não

encurralem os conhecimentos historicamente constituídos em conhecimentos

escolares e da prática avaliativa como punição ou castigo para aqueles que não se

enquadram às normas escolares, muitas vezes inflexíveis e engessadas.

É na busca por mudanças pedagógicas, por novas possibilidades de ensinar-

aprender que colocamos a formação docente como possibilidades para os

professores enriquecerem sua prática e ainda

[...] ressignificar o cotidiano escolar por meio da construção de novos diálogos, de cujo contexto ninguém seja excluído, do qual emerja e se consolide o maior de todos os valores da atualidade: o reconhecimento e o respeito pela diversidade humana como base de uma sociedade mais justa e solidária (MARQUES, 2007, p. 153).

Pensando nesses investimentos, falaremos de professores que se formam

pedagogos em processo (MEIRIEU, 2002),7 em escolas onde todas as crianças têm

a oportunidade de efetivamente aprender juntas e de professores que tomam os

desafios da prática como momentos ápices de sua atuação docente, ou seja, como

nos diria Meirieu (2002), em profissionais que transformam os desafios da prática no

“momento pedagógico”:

[...] o instante em que o professor é levado pela exigência daquilo que diz, pelo rigor de seu pensamento e dos conteúdos que deve transmitir e em

7 No contexto francês, o professor se torna pedagogo em processo à medida que entrelaça os desafios da prática docente, com as teorias da educação e com a possibilidade de fazer emergir contextos para a superação desses desafios, construindo, nesse movimento, processos contínuos de aperfeiçoamento docente. No cenário educacional brasileiro, a configuração desse perfil de educador vem sendo discutida como professor-pesquisador de novos/outros saberes-fazeres.

66

que, simultaneamente, percebe um aluno concreto, um aluno que lhe impõe um recuo que nada tem de renúncia [...]. Esse instante em que o professor, sem renegar seu projeto de transmitir, descobre que o aluno, diante dele, escapa ao seu poder [...] (MEIRIEU, 2002, p. 57-58).

Argumentamos em favor desse educador que, em frente à resistência de seu aluno

em participar de sua proposta pedagógica, também não recua, não abre mão do seu

ofício de ensinar, mas toma o aluno concreto como instrumento de sua prática e faz

salutar no contexto de sua sala de aula uma “obstinação didática”, ou seja, a

prospecção incansável de formulações que o leva aprender aquilo que se quer

transmitir, a inventar permanentemente novas situações de aprendizagem e a

buscar demonstrações mais eficazes para fazer da sala de aula espaço de

aprendizagens para esse aluno concreto que se mostrou resistente à sua proposta

educativa (MEIRIEU, 2002).

Para tanto, necessitamos de “boa” formação para todos os professores da educação

básica, por ser esse um possível caminho para o reconhecimento de que a

educação não pode tudo, mas, em contrapartida, pode alguma coisa, pois uma das

tarefas dos educadores é descobrir o que “[...] pode ser feito no sentido de contribuir

para a transformação do mundo, de que resulte um mundo mais ‘redondo’, menos

arestoso, mais humano, em que se prepare a materialização da grande Utopia:

Unidade na diversidade” (FREIRE, 1993, p. 35-36).

É falando em transformação, mudança, criação de olhares prospectivos e

possibilidades em engendrar trabalhos que garantam a aprendizagem de todos os

alunos, que vislumbramos, na formação dos profissionais da educação,

probabilidades para esses sujeitos instituírem possibilidades para “[...] resolver [...] a

complexidade crescente das situações de ensino, seja qual for a dinâmica de sua

equipe profissional, do estabelecimento em que trabalha e das contradições

institucionais que os atingem” (MONCEAU, 2005, p. 13).

Refletindo sobre as questões até agora suscitadas, estamos certo de que, investindo

positivamente na formação inicial de professores e fomentando sólidas políticas de

formação contínua, estaremos rompendo com uma cultura constituída entre os

professores, que, por estarem acostumados a participar de pacotes prontos de

67

processos formativos, instituídos “de cima para baixo”, concebem que os

investimentos na formação docente se resumem na oferta de cursos, seminários ou

palestras, que conferem, ao seu término, certificado de participação com carga

horária. Embora tragam muitos desses processos formativos significativas

contribuições para a prática docente, não podemos resumir os desafios presentes

nas escolas de educação básica a uma única estratégia formativa ou a modelos

prontos e distanciados das questões que emergem do cotidiano da sala de aula.

Tal reflexão se faz necessária, uma vez, que há pouco tempo, o investimento no

aperfeiçoamento docente centrava-se na perspectiva de “reciclar” o educador, com a

oferta de encontros esporádicos e superficiais, desconectados da realidade

vivenciada em sala de aula, desprovidos de uma perspectiva que valorizasse os

saberes docentes e incumbidos de apresentar novas fórmulas e receitas para os

desafios emergidos do ato de ensinar e aprender.

O retorno para a sala de aula e a frustração em perceber que essas fórmulas e

receitas não surtiam o efeito esperado acabavam por despertar um sentimento de

isolamento, descrença nos processos de formação contínua e introjeção de que a

teoria se distanciava da prática. Sá-Chaves e Amaral (2000) salientam que a prática

mais visível dessa solidão é configurada nos momentos em que o professor se isola

na sala de aula, queixando-se ou orgulhando-se por ter que fazer tudo sozinho, ou

seja, gerir o programa/currículo das disciplinas que leciona, produzir materiais para

suas aulas, elaborar ações metodológicas e engendrar atividades avaliativas para a

verificação do rendimento de seus alunos.

Esses autores argumentam que só será possível alterar esses estágios de solidão,

com a ocorrência de processos formativos fundamentados e centralizados nos

contextos de atuação dos educadores, resultado de uma análise criteriosa das

necessidades inerentes da prática cotidiana. Assim, os autores não falam em

formação imposta ou vendida por entidades estranhas, mas em uma formação

baseada na investigação-acção, estratégia a privilegiar, pela formação centrada nas

escolas e desenvolvida num clima de reflexão partilhada, a anulação do ser solitário.

Nóvoa (1992, p. 28) nos diz que “[...] é preciso trabalhar no sentido da diversificação

68

dos modos e das práticas de formação, instituindo novas relações dos professores

com o saber pedagógico e científico”, principalmente ao considerarmos que a

formação do educador se alimenta “[...] de modelos educativos, mas asfixia quando

se torna demasiado (educado). A formação vai e vem, avança e recua, construindo-

se num processo de relação ao saber e ao conhecimento que se encontra no cerne

da identidade profissional” (DOMINICÉ, apud NÓVOA, 1992, p. 25).

Tomando o pensamento de Nóvoa (1992) para reflexão e as teorizações que

discutem a formação contínua centrada na escola, somos levado a reconhecer que

os professores não terão êxito trabalhando sozinhos, pois necessitam atuar em

colaboração a fim de serem bem-sucedidos na integração dos elementos culturais

produzidos pelos alunos em seu processo educativo, uma vez que esses

profissionais necessitam inventar e criar métodos com os quais utilizem ao máximo o

espaço limitado de mudança possível que têm a seu dispor e, ainda, precisam

utilizar o universo cultural de seus alunos como ponto de partida, fazendo com que

eles sejam capazes de se reconhecerem como possuidores de uma identidade

cultural específica e importante.

Dar e receber ajuda não implica, conseqüentemente, incompetência, mas parte da

busca pelo aperfeiçoamento docente. Ter os colegas como apoiadores e o processo

dialógico como aliado da ação educativa significa gerir oportunidades para os

educadores adquirirem mais confiança, mais proximidade com suas tentativas e

avaliação prospectiva de seus processos evolutivos, pois escolas eficientes atrelam

a colaboração a oportunidades de aperfeiçoamento contínuo e aprendizagem ao

longo da carreira.

Finalizando este diálogo, acreditamos que, se quisermos transformações

significativas nas escolas de educação básica no trabalho com a diversidade,

necessitamos assumir a formação docente como compromisso de todos e, ainda, se

almejamos fazer da escola espaço-tempo para formação de professores,

necessitamos assumir os desafios e possibilidades que constituem o ato educativo

como oportunidades de aprendizado para melhor compreender e trabalhar

com/sobre o humano. Para tanto, acreditamos que sozinhos não iremos muito longe,

mas, como nos diz Drummond (2005, p. 56), “[...] O presente é tão grande, não nos

69

afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”.

70

4 COSTURAR LETRAS, FORMAR PALAVRAS, TECER TEXTOS: LER E ESCREVER PALAVRAS E O MUNDO: O DESAFIO PROPOSTO À ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE

Ai, palavras, ai, palavras, Que estranha potência a vossa!

Ai, palavras, ai, palavras, Sois de vento, ides no vento,

No vento que não retorna, E, em tão rápida existência, Tudo se forma e transforma!

[...] A liberdade das almas,

ai! com letras se elabora... E dos venenos humanos sois a mais fina retorta:

frágil, frágil como o vidro e mais que o aço poderosa!

Reis, impérios, povos, tempos, pelo vosso impulso rodam...

[...] Detrás de grossas paredes,

De leve, quem vos desfolha? Pareceis de tênue seda,

Sem peso de ação nem de hora... - e estais no bico das penas,

- e estais na tinta que se molha, - e estais nas mãos dos juízes,

- e sois o ferro que arrocha, - e sois barco para o exílio,

- e sois Moçambique e Angola! [...]

Ai, palavras, ai, palavras, Que estranha potência, a vossa!

Éreis um sopro de aragem... - sois um homem que se enforca!

(CECÍLIA MEIRELLES)

71

O pensamento de Cecília Meirelles, que abre este diálogo, talvez nos ajude a

evidenciar nosso desejo em adotar a formação continuada de professores para

instituirmos contextos favorecedores da leitura e da escrita para educandos com

necessidades educacionais especiais, matriculados nas séries finais do Ensino

Fundamental, pois, metalingüisticamente, a autora consegue sintetizar nossas

motivações, quando nos diz que, pela via das palavras, homens e mulheres formam

e transformam a si e ao mundo, pois, pensando dessa forma, vislumbramos

possibilidades para falar em processos de inclusão social para sujeitos que vêm

ficando às margens da sociedade porque apresentam diferenças significativas nos

processos de subjetivação de suas aprendizagens, do mundo e de si próprios.

Eleger a formação de educadores como estratégia para instituir práticas de ensino

da leitura e da escrita pode ser uma escolha compreensível, ao considerarmos o

valor exponencial das palavras na construção de uma sociedade aberta às

diferenças humanas, pois é por essa via que homens e mulheres são aprisionados e

libertos, exilados e acalentados, silenciados e ouvidos, amados e abandonados,

compreendidos e humilhados. É justamente apoiando na vertente libertadora das

palavras que falamos em possibilidades de mudança e construção de novas formas

de viver em sociedade.

Dominar os códigos lingüísticos, que historicamente vêm se constituindo privilégios

para poucos e motivo de exclusão, pode, também, simbolizar sinais de inclusão

social, uma necessidade que, se satisfeita, pode abrir novas formas de participação

para grupos minoritários na sociedade contemporânea e novas perspectivas de

subjetivação de suas identidades, ou seja, possibilidades de serem considerados

como sujeitos que constroem história e não meramente atores coadjuvantes que

contemplam de longe essa escrita feita por poucas cabeças, mãos e dedos, como

pensa Fuck (1994), ao suscitar seu ideal de educação para todos:

Que a educação seja o processo através do qual o indivíduo toma a história em suas próprias mãos, a fim de mudar o rumo da mesma. Como? Acreditando no educando, na sua capacidade de aprender, descobrir, criar soluções, desafiar, enfrentar, propor, escolher e assumir as conseqüências de sua escolha. Mas isso não será possível se continuarmos bitolando os alfabetizandos com desenhos pré-formulados para colorir, com textos criados por outros para copiarem, com caminhos pontilhados para seguir,

72

com histórias que alienam, com métodos que não levam em conta a lógica de quem aprende (FUCK, 1994, p. 14-15).

Rememorar a relevância que as palavras exercem na constituição de homens e

mulheres também nos permite refletir sobre alguns desafios que necessitam ser

respondidos pela educação nacional, principalmente ao considerarmos que “[...] o

desafio que se coloca diante da escola na contemporaneidade é o de proporcionar

meios para que os alunos mantenham uma relação significativa com a leitura e a

escrita, sendo capazes de buscar no texto os sentidos pessoais que ele é capaz de

produzir” (MICARELLO; FREITAS, 2002, p. 133).

Pensando nesse desafio, acreditamos que a prática de ensinar a ler e a escrever

necessita ser assumida “[...] enquanto ato político e ato de conhecimento,

comprometida com o processo de aprendizagem da escrita e da leitura da palavra,

simultaneamente com a leitura e a reescrita da realidade” (FREIRE, 1997, p. 41),

pois precisa contribuir “[...] para que o povo, tomando mais e mais a História nas

mãos, se refaça na feitura da História [uma vez que] fazer a História é estar presente

nela e não simplesmente nela estar representado” (FREIRE, 1997, p. 40).

4.1 O TRABALHO COM A LÍNGUA PORTUGUESA NAS ESCOLAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA: ALGUNS APONTAMENTOS

Refletindo sobre o desafio que se coloca para a escola na contemporaneidade, no

que se refere à constituição de educandos que apresentam afinidades com a leitura

e com a escrita, Micarello e Freitas (2002) sinalizam que a ênfase no ensino da

gramática, o trabalho com a metalinguagem que se sobrepõe ao trabalho com uma

linguagem viva e dinâmica acaba por afastar o aluno dos sentidos que a linguagem

tem na vida de homens e mulheres inscritos num momento histórico determinado,

que, em seus processos de interação, vão construindo a língua e os sentidos que

lhe dão origem e que são produzidos por ela.

Para os autores, a dificuldade em produzir sentidos para o trabalho com a língua

portuguesa leva o aluno a “[...] construir a idéia de que desconhece a própria língua,

idéia essa muitas vezes reforçada pelo discurso do professor” (MICARELLO;

73

FREITAS, 2002, p. 113).

Geraldi (1991), dialogando com tal tensão, salienta que o insucesso da escola em

levar os alunos a terem afinidades com a língua materna, muitas vezes, vem sendo

ocasionado pelo estudo abstrato da gramática normativa, descontextualizada das

situações reais enfrentadas socialmente, provocando uma sensação de

“estranhamento”, por parte do aluno, em relação à compreensão de sua língua que

faz parte de sua constituição histórica e social.

Não é a gramática abstrata, mas a vida em comum que nos deu uma língua comum. Ensinar a língua é ampliar a experiência do aluno com a nossa. Por isso, importa ensinar a língua e não a gramática, pois esta deve constituir um dos meios para alcançar o objetivo que se tem em mira (GERALDI, 1991, p. 121).

O pressuposto de que a língua é um sistema de normas que se impõe aos

indivíduos, cuja função se centra em assimilá-la e a ela subordinar-se, apóia-se

numa orientação filosófica e lingüística chamada por Bakhtin de objetivismo abstrato.

Nessa orientação “[...] a língua é um arco-íris imóvel” (BAKHTIN, 1997, p. 77) que

domina o fluxo ininterrupto dos atos da fala. Nas palavras de Bakhtin (1997, p. 78 )

“[...] a língua se opõe aos indivíduos enquanto norma indestrutível, peremptória, que

o indivíduo só pode aceitar como tal”.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ministério da Educação,

organizados para subsidiar o trabalho com a língua portuguesa em escolas de

Ensino Fundamental, relacionam o fracasso escolar com a dificuldade de os alunos

se apropriarem dos códigos lingüísticos necessários para o seu desempenho

acadêmico. Atrela o fracasso escolar à dificuldade de os alunos se alfabetizarem nas

duas primeiras séries do Ensino Fundamental e de não se apropriarem de padrões

mínimos de leitura e de escrita necessários à continuidade de sua vida acadêmica.

O ensino da Língua Portuguesa tem sido [...] o centro de discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade do ensino no país. O eixo desta discussão no ensino fundamental centra-se, principalmente, no domínio da leitura e da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar que se expressa com mais clareza nos dois funis em que se encontra a maior parte da repetência: na primeira série (ou nas duas primeiras) e na quinta série. No primeiro, pela dificuldade de alfabetizar; no segundo, por não conseguir levar os alunos ao uso apropriado de padrões de linguagem escrita, condição primordial para que continuem a progredir

74

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1998, p. 17, grifo nosso).

Tais movimentos suscitam a reflexão: que concepção de leitura e escrita

necessitamos incorporar às práticas docentes e instituir nos contextos escolares?

Bakhtin (1997) postula por uma concepção de língua como processo dinâmico, vivo,

flexível e em constante processo de mutação por parte de seus usuários.

Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que a sua consciência desperta e começa a operar [...]. Os sujeitos não adquirem a sua ‘língua’ materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência (BAKHTIN, 1997, p. 78).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais defendem a necessidade de atrelar o trabalho

com a língua portuguesa aos usos da linguagem oral e escrita, à compreensão e

produção de textos socialmente situados, com finalidades comunicativas ocorridas

em situações de produção específicas do discurso, trazendo, como objetivo, o

trabalho com a língua portuguesa como possibilidade de levar o aluno a

Utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos e considerar as diferentes condições de produção do discurso (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1998, p. 32).

A incorporação de uma perspectiva de trabalho com a língua portuguesa que adote

a linguagem como corrente viva, dinâmica, flexível e construída socialmente pelos

seus usuários é defendida por Soares (2006, p. 69-70), quando externa sua

concepção acerca de como a leitura e a escrita devem ser concebidas nos

cotidianos escolares:

[...] a leitura estende-se da habilidade de traduzir em sons sílabas sem sentido a habilidades cognitivas e metacognitivas; inclui, dentre outras: a habilidade de captar significados; a capacidade de interpretar seqüências de idéias ou eventos, analogias, comparações, linguagem figurada, relações complexas, anáforas e, ainda, a habilidade de fazer previsões iniciais sobre o sentido do texto, de construir significado combinando conhecimentos prévios e informação textual, de monitorar a compreensão e modificar previsões iniciais quando necessário, de refletir sobre o significado do que foi lido, tirando conclusões e fazendo julgamentos sobre o conteúdo (p. 69).

75

Acrescente-se a essa grande variedade de habilidades de leitura o fato de que elas devem ser aplicadas diferencialmente a diversos tipos de materiais de leitura: literatura, livros didáticos, obras técnicas, dicionários, listas, enciclopédias, quadros de horário, catálogos, jornais, revistas, anúncios, cartas, cartas formais e informais, rótulos, cardápios, sinais de trânsito, sinalização urbana, receitas [...] (p. 69). [...] a escrita engloba desde a habilidade de transcrever a fala, via ditado, até habilidades cognitivas e metacognitivas; inclui a habilidade motora (caligrafia), a ortografia, o uso adequado de pontuação, a habilidade de selecionar informações sobre um determinado assunto e de caracterizar o público desejado como leitor, a habilidade de estabelecer metas para a escrita e decidir qual a melhor forma de desenvolvê-la, a habilidade de organizar idéias em um texto escrito, estabelecer relações entre elas, expressá-las adequadamente (p. 70). Além disso, as habilidades de escrita, tal como as de leitura, devem ser aplicadas diferencialmente à produção de uma variedade de materiais escritos: da simples assinatura do nome ou elaboração de uma lista de compras até a redação de um ensaio ou de uma tese de doutorado (p. 70).

Freire (1996) corrobora o pensamento dos autores sinalizando que o processo de

aquisição da leitura e da escrita não pode ser reduzido a um aprendizado técnico-

lingüístico, como um fato acabado e neutro, ou simplesmente como uma construção

pessoal intelectual: “[...] A alfabetização passa por questões de ordem lógico-

intelectual, afetiva, sócio-cultural, política e técnica” (FREIRE, 1996, p. 60). Tal

reflexão revela a necessidade de busca de novas metodologias adequadas à

realidade do educando, distanciadas de padronizações que reduzem o aprendizado

dessas categorias a símbolos predeterminados que não condizem com o contexto

de interlocução de seus usuários.

Nesse contexto, o papel do educador é mediar a aprendizagem, priorizando, nesse

processo, a bagagem de conhecimentos trazida por seus educandos, ajudando-os a

ampliá-la e relacioná-la com o uso social que exercem na sociedade vigente, pois

“[...] a escrita não é um produto escolar, mas sim objeto cultural, resultado do

esforço coletivo da humanidade” (FERREIRO, 2001, p. 43).

Adotando o pensamento de Saramago (1996, p. 329), quando nos diz que “[...] Tudo

no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas”,

vislumbramos a necessidade entender a prática docente no ensino da leitura e da

escrita como atividade que “[...] envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o

fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 1996, p. 38) e, nesses movimentos,

76

construir práticas que despertem nos educandos o desejo de criar afinidades com o

ler o e escrever, pois “[...] os sistemas de signos reestrutura a totalidade do processo

psicológico, tornando a criança capaz de dominar seu movimento. Ela reconstrói o

processo de escolhas em bases totalmente novas” (VYGOTSKY, 1998, p. 46). E o

autor prossegue: “[...] Uma vez que as crianças aprendem a usar, efetivamente, a

função planejadora de sua linguagem, o seu campo psicológico muda radicalmente.

Uma visão do futuro é, agora, parte integrante de suas abordagens ao ambiente

imediato” (p. 38).

Pensando no valor exponencial desse sistema de signos, entendemos que aprender

a ler e a escrever e, conseqüentemente, a utilizar tais habilidades em diferentes

contextos de interlocução configura-se em possibilidades para os educandos

exercitarem sua autonomia, capacidade de reflexão crítica e exposição de seu

pensamento em frente às situações socialmente constituídas.

A capacitação especificamente humana para a linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento. Signos e palavras constituem para a criança, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividades nas crianças, distinguindo-as dos animais (VYGOTSKY, 1998, p. 38).

Refletindo sobre as contribuições da leitura e da escrita na constituição das

subjetividades humanas, Ferreira (2007, p. 105) argumenta que a linguagem é “[...]

elemento, que além de possibilitar a compreensão da existência de diferentes

modos de subjetivação e as possibilidades de restituição desta, é instrumento de

mediação social e cultural [...]”. Para a autora, “[...] é na palavra e por ela que nos

constituímos fundamentalmente como humanos; é a linguagem que nos coloca na

ordem simbólica, ordem de nosso funcionamento mental” (FERREIRA, 2007, p.

105).

Tal reflexão nos faz pensar como a autora, quando argumenta que educadores da

educação básica necessitam de

77

[...] diretrizes que dêem concretude a um processo educativo cuja concepção é a de que é necessário inserir a criança, desde a mais tenra idade, em significantes da cultura, (re)construindo nas relações sociais um espaço de representação e compreensão da importância da linguagem, entendida aqui como fenômeno muito mais complexo que a língua, e que envolve as dimensões dialógica e ideológica, presentes na pluralidade de vozes que constituem o sujeito (FERREIRA, 2007, p. 105).

Ao refletirmos sobre os desafios encontrados pela escola em ensinar seus alunos a

ler e a escrever, somos levado a perceber a necessidade de instituir, nos cotidianos

escolares, momentos de reflexão entre os professores, para que possam instituir

práticas pedagógicas que tornem o ensino da língua escrita significativo para os

educandos, dentro de uma concepção de linguagem que coloca esses sujeitos em

plenas possibilidades de participação na sociedade letrada e no mundo

contemporâneo, que se torna cada dia mais globalizado e repleto de informações.

4.2 DIALOGANDO COM ALGUMAS VOZES NO INTUITO DE ENCONTRAR ENCAMINHAMENTOS

O desafio de constituir alunos leitores e produtores de textos vem favorecendo o

desenvolvimento de pesquisas e teorizações que buscam colaborar com o trabalho

educativo escolar, procurando “[...] proporcionar meios para que os alunos

mantenham uma relação significativa com a leitura e a escrita, sendo capazes de

buscar no texto os sentidos pessoais que ele é capaz de produzir” (MICARELLO;

FREITAS, 2002, p. 133). Estudos como os de Micarello e Freitas (2002) indicam a

necessidade de se instituir nas práticas escolares o trabalho com a leitura e com a

escrita, atrelado ao uso social que os alunos fazem dela, dentro e fora da escola,

isto é, “[...] como uma atividade cultural complexa que torne seu ensino atividade

discursiva e cognitiva promotora do desenvolvimento dos processos intelectuais

superiores” (VYGOTSKY, 1998, p. 156).

Para Vygotsky, a escrita deve ter significado para os educandos, de forma tal que se

incorpore às suas tarefas cotidianas e se torne relevante para a vida. Segundo seu

pensamento, é pela via dessa perspectiva social de linguagem que teremos

condições para falar em ensino da leitura e da escrita a partir do paradigma “[...] de

que ela se desenvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma

78

nova e complexa de linguagem” (VYGOTSKY, 1998, p. 156).

Para o autor, a leitura e a escrita deve ser ensinada naturalmente aos educandos,

devendo seus aspectos motores serem acoplados a atividades lúdicas, como o

brinquedo, de forma tal que o escrever possa ser “cultivado” pela criança ao invés de

“imposto” pelos professores. Vygotsky sinaliza que esses movimentos contribuem

para que as crianças passem a ver a escrita como um momento natural no seu

desenvolvimento, e não como um treinamento imposto de fora para dentro, com a

realização de atividades pouco articuladas com as funções reais que a linguagem

vem exercendo na sociedade contemporânea.

O melhor método para ensinar as crianças a terem habilidades com sua língua

materna, “[...] é aquele em que as crianças não aprendem a ler e a escrever, mas,

sim, descubram essas habilidades durante as situações de brinquedo” (VYGOTSKY,

1998, p. 156). Para tanto, focaliza a necessidade de as letras se tornarem elementos

da vida da criança, da mesma forma que a fala se incorpora às suas atividades

cotidianas.

[...] da mesma forma que as crianças aprendem a falar, elas podem muito bem aprender a ler e a escrever. Métodos naturais de ensino implicam operações apropriadas sobre o meio ambiente das crianças. Elas devem sentir a necessidade do ler e do escrever no seu brinquedo (VYGOTSKY, 1998, p. 156).

Nesse sentido, aponta a necessidade de levarmos as crianças a uma compreensão

interior da escrita, “[...] assim como fazer com que a escrita seja desenvolvimento

organizado, mas do que aprendizado” (VYGOTSKY, 1998, p. 157), ou seja, que

trabalhos com produções textuais sejam constituídos dentro de uma perspectiva que

considere sua função social e as subjetividades empreendidas na internalização da

língua escrita.

Vygotsky nos diz que “[...] o material sensorial e a palavra são partes indispensáveis

à formação de conceitos” (1991, p. 45). Para o autor, “[...] conceito não é uma

formação isolada, fossilizada e imutável, mas sim uma parte ativa do processo

intelectual, constantemente a serviço da comunicação, do entendimento e da

solução de problemas” (p. 46).

79

O fato de estarmos inseridos em uma sociedade em que a produção de

conhecimentos tecnológicos e humanos se processa com muita rapidez e a

avalanche de informações se avoluma, gradativamente, com a globalização da

economia mundial, a participação de homens e mulheres na sociedade letrada se

configura como uma necessidade que, se satisfeita, nos coloca em condição para

participarmos do desenvolvimento cultural de nossa nação. Dessa forma, atrelamos

o domínio da leitura e da escrita à possibilidade plena da participação social, pois é

por meio da linguagem que o homem se comunica, tem acesso à informação,

expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz

conhecimento e marca seu pertencimento na sociedade da qual faz parte.

Os modos como as pessoas expressam suas vivências, crenças, sentimentos e desejos são suas formas subjetivas de apresentar seus conhecimentos e suas relações com o mundo. São, portanto, as interpretações possíveis no/do interior de seus universos referenciais culturalmente formados. A linguagem tem papel fundador nesse processo, não só do ponto de vista da construção da singularidade desses sujeitos, mas também da construção das suas marcas de pertencimento a determinado(s) grupo(s) (GOULART, 2006, p. 6).

Entendendo a língua como um sistema de signos histórico e social que permite ao

homem significar o mundo, a si mesmo e a realidade que o cerca, aprendê-la

significa aprender não só palavras, mas também seus significados culturais e, com

eles, os modos pelos quais as pessoas interferem no meio social produzindo cultura.

Segundo Morim (2005, p. 35), “[...] a linguagem, surgida ao longo da hominização, é

o nó de toda cultura e de toda sociedade humana [...]”.

Concebendo o homem como ser interativo, social e histórico que se constitui a partir

de sua imersão na sociedade, produzindo cultura, o domínio da linguagem se

configura como canal facilitador desse processo, uma vez que, por meio da

linguagem, as pessoas podem abrir a sua consciência para sua existência, dando

significado à sua subjetividade, abrindo-se e fechando-se para o mundo,

conservando, transmitindo e aprendendo os princípios e valores culturais essenciais

para sua participação social.

O homem se faz na linguagem que o faz. A linguagem está em nós e nós estamos na linguagem. Somos abertos pela linguagem, fechados na linguagem, abertos ao outro pela linguagem (comunicação), fechados ao outro pela linguagem (erro, mentira), abertos às idéias pela linguagem,

80

fechados às idéias pela linguagem. Aberto ao mundo e expulsos do mundo pela linguagem, somos, conforme o nosso destino, fechados pelo que nos abre e abertos pelo que nos fecha (MORIM, 2005, p. 37).

Inserido no universo da cultura, o homem, por intermédio da linguagem, desenvolve

seu pensamento e aprendizagem, constrói quadros de referência cultural, ou seja,

teorias, mitos, conhecimentos, arte, concepções, orientações ideológicas,

preconceitos, interferindo, sistematicamente, na realidade social que o cerca. Assim

sendo, a linguagem exerce um papel relevante na aprendizagem e no

desenvolvimento de qualquer habilidade constitutiva da atividade social humana.

Vygotsky (1993) relaciona o pensamento com a linguagem, não havendo, para ele,

possibilidades de desenvolvimento cognitivo fora da linguagem e nem linguagem

sem a mediação, necessariamente, entre o mundo cultural e o biológico (PADILHA,

2005).

Logo, adotando o domínio da linguagem como atividade discursiva e cognitiva, e o

domínio da língua como sistema simbólico utilizado por uma comunidade lingüística

para conservar e transmitir às gerações futuras o capital cultural necessário para sua

inclusão social, entendemos que o compromisso social da escola, no processo de

utilização da língua materna, centra-se em criar contextos em que os alunos possam

utilizar a língua de modo variado, produzindo efeitos de sentido e adequando o texto

a diferentes situações de interlocução oral e escrita, assumindo a linguagem como

processo constituinte de seu processo de formação.

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência de assumir-se. Assumir-se como um ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto [...] (FREIRE, 1996, p. 41).

A prática educativo-crítica, pautada na produção da linguagem como constitutiva do

ser humano e de suas relações, tem por princípio trabalhar suas questões como

processos de interação verbal, concebendo a língua como “[...] conjunto de

variedades utilizadas por um grupo social, de acordo com o exigido pela situação de

interação comunicativa em que o usuário da língua se engaje” (BAKHTIN, 2003, p.

81

57).

Dessa forma, o objeto de análise e de ensino da língua centra-se no enunciado, o

ato de fala no contexto lingüístico e extralingüístico, o que requer que seu estudo, na

escola, esteja vinculado ao uso que se faz dela na sociedade. Nessa perspectiva, o

ensino da língua materna deve ser produtivo, reflexivo, num processo contínuo,

devidamente planejado e sistematizado previamente.

Para a realização de um trabalho sistemático e contínuo de ensino da língua, torna-

se necessário que a escola defina os objetivos a serem alcançados e os conteúdos

a serem ensinados, tendo como referência a realidade social em que os estudantes

estão inseridos e o uso social que eles fazem da linguagem para seus processos de

interação verbal.

Assim sendo, entendemos a interação verbal como um processo de construção de

sentidos pelos falantes, a partir de escolhas de formas lingüísticas adequadas à

situação, ao momento e à necessidade enunciativa. O conhecimento da linguagem e

do seu funcionamento é resultado de situações de interação verbal entre

interlocutores em diferentes situações de comunicação. A aprendizagem da língua

escrita, segundo a concepção de Vygotsky, tem importância significativa na

mediação de uma ou outra ordem de simbolização, ou seja, na possibilidade de

participação social, de acesso à informação, de defesa de pontos de vista,

(des)construção de algumas visões de mundo e produção de cultura.

Nesse sentido, a aprendizagem da língua escrita deixa de ser concebida como uma

manifestação ou expressão do desenvolvimento cognitivo, passando a ser entendida

como atividade cognitiva promotora de processos intelectuais que envolvem o plano

da ação lógico-verbal e que ultrapassa os limites da “[...] percepção sensorial

imediata do mundo exterior” (LURIA, apud DA ROS, 1996, p. 138), isto é,

possibilidade de compreensão, indagação, reflexão, transformação e participação no

desenvolvimento da sociedade moderna.

Tomando a linguagem como atividade cognitiva promotora de processos

82

intelectuais, compreendemos que ensiná-la, pela via da leitura e da escrita, significa

incluir a criança no mundo do conhecimento sistematizado, isto é, do conhecimento

científico. Significa fazê-la percorrer um novo caminho, colocá-la em contato com

uma nova relação com o saber, possibilitar situações em que possa compreender os

desafios de seus cotidianos e a eles responder, utilizando suas experiências

cognitivas, mas agora tomando o conhecimento elaborado como objeto de estudo

formalmente organizado para esse fim. Segundo Luria (1988), esse movimento de

apropriação da escrita simbólica, culturalmente elaborada e convencionada, permite

à criança empregar expedientes culturais complexos na compreensão dos fatos a

ela apresentados, facultando ainda sua transformação em processo.

[...] a criança constrói, agora, novas e complexas formas culturais, as mais importantes funções psicológicas não mais operam por meio de formas naturais primitivas e começam empregar expedientes culturais complexos. Estes expedientes são tentados sucessivamente e aperfeiçoados e no processo a criança também se transforma. Observamos o processo crescente de desenvolvimento dialético das formas complexas e essencialmente sociais de comportamento, os quais, após percorrerem longo caminho, acabaram por conduzir-nos finalmente ao domínio do é que talvez o mais inestimável instrumento da cultura (LURIA, apud DA ROS, 1996, p. 138).

Pensando a linguagem como instrumento que possibilita ao homem não somente

veicular informação, mas também produzir discurso, às vezes ser respeitado, bem

como marcar seu pertencimento no ambiente em que realiza os atos lingüísticos,

acreditamos ser necessário postular por uma configuração de escola que esteja

aberta para reconhecer as diferentes práticas de leitura e escrita que vêm emergindo

na sociedade como um todo. Tarefa empreendida com a participação de

profissionais mediadores, que vislumbram o trabalho com essas categorias como

instrumentos que possibilitam ao alfabetizando realizar uma leitura crítica da

realidade, ver nesse processo um ato político, um ato de conhecimento.

Para Freire (1996), a aquisição da leitura e da escrita é um processo histórico, tanto

em nível ontogenético, como em nível filogenético. “[...] O sistema escrito é

produzido historicamente pela humanidade e utilizado de acordo com os interesses

políticos de classe. O sistema escrito não é um valor neutro” (FREIRE, 1996, p. 59).

83

Por isso, alfabetizar significa tomar posse da língua escrita, pela via de um processo

de construção do conhecimento que se dá num contexto discursivo de interlocução e

inter-ação, por meio do “[...] desvelamento crítico da realidade, como uma das

condições necessárias ao exercício pleno da cidadania: exercer seus direitos e

deveres frente à sociedade global” (FREIRE, 1996, p. 59).

Essas reflexões nos permitem pensar que, se os processos psicológicos superiores

se constituem pela via da linguagem, a escola, portanto, exerce um papel fundante

nessa constituição. Se considerarmos o signo como o elemento propulsor do

desenvolvimento cerebral, a aquisição de um sistema de signos, como o da escrita,

amplia intensamente a capacidade cognitiva humana. Se considerarmos ainda a

escrita como elemento-chave para a aquisição dos conhecimentos historicamente

constituídos, ensinar a ler e a escrever se configura como possibilidade de inclusão

social. Logo, o ato de ensinar a ler e a escrever implica um ato eminentemente

político.

É justamente essa possibilidade de pensar a leitura e a escrita como atos

estruturantes e políticos que argumentamos em favor da ampliação do conceito de

alfabetização, concebendo-o para além da possibilidade de junção de letras e

sílabas, leitura de frases e textos simplificados, em rumo à construção de uma

Pedagogia, pois se acredita que o aluno aprende a escrever escrevendo e, no

mesmo movimento, ler lendo. Todavia, para que isso ocorra, faz-se necessário que

o ensino dessas categorias seja continuamente colocado em suspensão e risco, ou

seja, é preciso mediar com muita propriedade todo o seu processo, caso contrário,

poderemos estar nos iludindo e iludindo nossos educandos quanto ao ensino e à

aprendizagem.

A necessidade de ampliar o conceito de alfabetização, no intuito de projetar um processo crítico de aprendizagem da leitura e da escrita que vá além do conhecimento da escrita e da leitura de frases e textos simples, é um dos fatores que vêm determinando a discussão sobre a noção de letramento. A aprendizagem da escrita de um modo restrito não alteraria o estado ou a condição do indivíduo no que diz respeito a aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, lingüísticos e até mesmo econômicos; do mesmo modo, não alteraria determinados grupos sociais, em relação a efeitos de natureza social, cultural, política, econômica e lingüística

84

(Soares,1998, p. 18) que a condição de letrado lhes poderia possibilitar. Dessa forma, torna-se relevante distinguir o acesso ao sistema de escrita e ao seu conhecimento, como tecnologia, do acesso ao mundo da escrita e dos conhecimentos aí implicados, isto é, a escrita como prática social, como um saber, no caso do letramento (GOULART, 2006, p. 5).

Tomando por pressuposto que os estudos da Psicologia Histórico-Social apontam

que o desenvolvimento histórico-cultural se dá pela via de três formas básicas de

mediação, ou seja, a instrumental, a semiótica e a social, Brasil (2000) nos diz que,

dentre os instrumentos técnicos produzidos pela espécie humana, a linguagem

ocupa espaço privilegiado como instância mediadora, uma vez que “[...] é o traço

distintivo da sociedade humana, pela qual se instaura a cultura enquanto sistema de

intercâmbio simbólico” (BRASIL, apud ROCHA, 2000, p. 27). Nesse movimento, o

autor nos permite compreender o valor da linguagem no desenvolvimento humano,

quando assim a define:

A linguagem tem uma dupla natureza que exige um tratamento diferenciado na sua condição de instância mediadora: o seu domínio permite ao sujeito significar e afetar a realidade, agir sobre o outro, mas permite, também, no processo de desenvolvimento, afetar a própria atividade, regular as suas funções psíquicas, auferindo-lhes novo estatuto, categorizadas pela teoria histórico-cultural como funções psicológicas mediadas e superiores. Além disto, a linguagem é o sistema de signos através dos quais se generaliza e se transmite a experiência da prática histórico-cultural da humanidade, na medida em que é portadora dos modos de ação a serem desempenhados com os objetos e instrumentos, estando portanto, também inevitavelmente ligada a mediação instrumental. Por conseqüência, é meio de comunicação e condição de apropriação, pelos indivíduos, desta experiência. A linguagem, como produto histórico do desenvolvimento da humanidade, constitui-se, ao mesmo tempo, como fator imprescindível de humanização; os processos e os efeitos da atividade de linguagem transformam os indivíduos, enquanto mediam a experiência humana. Fundamento básico para entender o desenvolvimento, a mediação semiótica serve-se como instância fundamental para compreensão das relações humanas, sintetizadas no conceito de mediação social (ROCHA, 2000, p. 32-33).

Assim sendo, acreditamos que o aprendizado na língua escrita pode ser conquistado

a partir de tentativas, aproximações, confrontos e conflitos, possibilitando aos

educandos realizar conquistas pessoais e coletivas, construir conhecimento,

incorporando-os à sua atividade cotidiana.

A leitura direcionada para a exploração das relações intertextuais presta-se como base para o tratamento interdisciplinar dos temas, para o desenvolvimento de projetos de ensino e aprendizagem que favoreça a formação dos alunos autônomos, mas também como sujeitos criativos e

85

aptos a formular e realizar seus projetos de vida (RIBEIRO, apud BOZZA, 2003, p. 4).

Assumindo, assim, a linguagem como fator que possibilita ao homem construir e

transmitir conhecimentos, registrar suas experiências, planejar suas atividades

sociais, comunicar-se, relacionar-se consigo mesmo e com seus pares, já que,

segundo as teorizações da Psicologia Histórico-Social, o uso de signos conduz os

seres humanos a uma “[...] estrutura específica de comportamento que se destaca

do desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos

enraizados na cultura” (Vygotsky, 1998, p. 54), acreditamos que, para a eficácia do

ensino da língua materna em escolas de ensino comum, o trabalho com a língua

portuguesa necessita ter a finalidade de

[...] criar condições nas quais os alunos ampliem o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (ABAURRE, 2000, p. 6).

É essa perspectiva de trabalho com a leitura e a escrita em sala de aula, pautada

em propostas que veiculam a linguagem ao desenvolvimento humano, a produções

culturais que promovem a produção de conhecimento e a participação dos

indivíduos na sociedade da qual fazem parte, que nos faz acreditar na possibilidade

de instituir, nas práticas escolares das escolas de educação básica, novos contextos

de aprendizagem, em que os educandos possam buscar, nas práticas de leitura e

produção textual, possibilidades para responder aos desafios impostos por suas

vivências em sociedade por meio de suas experiências e aprendizagens

relacionadas com o ato de ler e escrever.

Para a construção desses movimentos, acreditamos na possibilidade de as

instituições de ensino incorporar à sua organização pedagógica e curricular

momentos de formação entre os professores, para que eles possam instituir ações

pedagógicas que adotem o teatro, a música, a contação de história, a fotografia, o

cinema, as diferentes tipologias textuais, a biblioteca escolar, dentre outras, como

instrumentos facilitadores da inclusão dos educandos no universo do simbólico, pois

86

“[...] essas linguagens todas não são alternativas. Elas se articulam. E é essa

articulação que deveria ser explorada no ensino da leitura, quando temos como

objeto trabalhar a capacidade de compreensão do aluno” (ORLANDI, 2006, p. 40).

Considerando a complexidade que a escola de educação básica vem enfrentando

em proporcionar maiores afinidades de seus educandos com sua língua materna,

vislumbramos a necessidade de instituição de políticas públicas de valorização da

prática docente e de formação continuada de educadores, atrelada a reflexões e

aprofundamentos teóricos que adotem a alfabetização como possibilidades

pedagógicas e didáticas que proporcionem aos educandos contextos de

aprendizagem que os tornem capazes de ler o texto e o mundo dialeticamente, pois

“[...] a prática [...] de ensinar implica aprendizagem por parte daqueles a quem se

ensina, bem como aprendizagem, ou re-aprendizagem, por parte dos que ensinam”

(FREIRE, 1990, p. 75).

Finalizando este discurso, acreditamos que o papel social da escola, mediante as

exigências do mundo moderno e globalizado, centra-se em forjar, no transcorrer de

toda a educação básica, alunos críticos capazes de buscar, na leitura e na escrita,

possibilidades para compreender as transformações que a sociedade

contemporânea vem passando, acompanhando-as e provocando outras quando

necessário, principalmente ao considerarmos que “[...] a leitura do mundo procede a

leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da

continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se aprendem

dialeticamente” (FREIRE, 1997, p. 11).

Assim, “[...] ler a palavra e aprender como escrever a palavra, de modo que alguém

possa lê-la depois, são precedidos do aprender como escrever o mundo, isto é, ter a

experiência de mudar o mundo e de estar em contato com o mundo” (FREIRE, 1990,

p. 31).

Talvez, nas palavras de Meirieu (2005), a busca por possibilidades em ensinar os

educandos a se apropriarem dos códigos lingüísticos constituintes de sua língua

materna, conjugando tais ações ao uso social que esses sujeitos fazem dela dentro

87

e fora da escola nos leve a pensar que, para a realização de trabalhos significativos

com a leitura e com a escrita, a sala de aula deve dispor de uma trama, a ação

educativa deve inserir-se em processos que dê sentido à presença do professor e do

aluno e, ainda, “[...] que permita organizar avaliações e soluções, intervir a tempo

quando surge uma incompreensão ou um bloqueio, operar agrupamentos

provisórios, fazer balanços e se propor desafios” (MEIRIEU, 2005, p. 85).

Essas foram as bases que sustentaram nossas reflexões, que nos apoiaram e que

nos apontaram caminhos para que gestássemos alternativas de trabalho docente

que envolvessem alunos com e sem deficiência em atividades que exploraram

leitura e produção de texto. Recorramos, agora, à metodologia investigativa adotada

para o desenvolvimento deste estudo que nos permitirá dialogar com nossos feitos,

nossos movimentos, nossas idas e vindas e nosso processo de aperfeiçoamento

docente.

88

5 CONSTRUÇÃO DA DINÂMICA DE INVESTIGAÇÃO: PERCORRENDO CAMINHOS PELA VIA DA PESQUISA-AÇÃO COLABORATIVO-CRÍTICA

“A mudança não é trabalho exclusivo de alguns homens, mas dos homens

que a escolhem” (FREIRE, 1979, p. 52).

A reflexão de Freire que abre esta discussão, com poucas palavras, consegue

expressar o desejo que, gradativamente, foi nos contagiando e nos instituindo grupo

envolvido no desenvolvimento desta pesquisa. Mudar, mudar e mudar. Essa foi

nossa meta, pois transformar a sala de aula em espaço de produção de

conhecimento para alunos e professores nos falava de transformação.

Transformação de olhares, saberes, atitudes e de possibilidades em fazer do ensino

da leitura e da escrita conhecimentos acessíveis a todos os alunos.

A possibilidade de alcance dos objetivos propostos por esta pesquisa e de

transformação dos cotidianos escolares pela via do envolvimento dos profissionais

responsáveis pelo ato educativo e as marcas que trazemos do nosso processo de

formação e atuação docente nos levaram a adotar a pesquisa-ação como

metodologia para o desenvolvimento deste estudo, uma vez que

Obriga o pesquisador a implicar-se. Ele percebe como está implicado pela estrutura social na qual ele está inserido e pelo jogo de desejos e interesses de outros [...] o pesquisador descobre que na pesquisa ação [...] não se trabalha sobre os outros, mas com os outros (BARBIER, 2004, p.14, grifo nosso).

Nossa implicação no campo de pesquisa, com base nessa metodologia

investigativa, motivou-nos a conceber a escola como unidade básica de formação e

inovação de educadores, cuja “[...] identidade profissional valoriza o seu papel como

animadores de redes de aprendizagem, como mediadores culturais e como

organizadores de situações educativas” (NÓVOA, 2002, p. 255). Dessa forma, para

o alcance dos objetivos traçados, fez-se necessário entender a instituição escolar

como organização reflexiva e aprendente, bem como os profissionais que nela

atuam como sujeitos pesquisadores de novos saberes-fazeres individuais e

coletivos.

89

A opção por trabalhar com essa metodologia fundamentou-se na crença de que a

pesquisa-ação possibilita aos pesquisadores refletirem sobre os desafios presentes

nos cotidianos escolares, propondo mudanças, uma vez que sua abordagem se

centra “[...] no mergulho na práxis do grupo social em estudo, do qual se extraem as

perspectivas latentes, o oculto, o não familiar que sustentam as práticas, sendo as

mudanças negociadas e geridas no coletivo [...]” (FRANCO, 2005, p. 3).

Assim sendo, para concebermos a escola como espaço-tempo para formação de

professores e os profissionais nela envolvidos como pesquisadores de novos-outros

saberes, desenvolvemos o estudo a partir de três frentes de trabalho, não-lineares,

mas que se entrelaçaram a todo instante, ou seja, desenvolvimento de período de

observação participante do cotidiano escolar, instituição de processos de formação

continuada em contexto/potencialização do planejamento escolar e intervenção em

sala de aula com os professores regentes e de Educação Especial. Vejamos como

se materializaram essas ações no campo de pesquisa.

5.1 OBSERVANDO O DIA-A-DIA DA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL “PAULO FREIRE”

Era necessário sentir aquele ambiente escolar, perceber como os profissionais que

ali atuavam interagiam com os alunos, principalmente com os que demandavam

atenção diferenciada por apresentarem necessidades educacionais especiais, como

os educadores se relacionavam, conviviam com os desafios trazidos pelos

educandos e engendravam estratégias de trabalho com esses sujeitos. Assim

sendo, nosso primeiro passo para o desenvolvimento deste estudo foi capturar

movimentos, sentir o ambiente de trabalho, pela via da observação participante e,

dessa forma, fomos conhecendo os desafios, possibilidades, projetos, alunos e

professores da escola e incorporando-os em nossa proposta de intervenção.

Nesse movimento, tivemos a oportunidade de conhecer o que os educadores

expressavam acerca da inclusão de alunos com necessidades educacionais, os

trabalhos desenvolvidos pelo setor de Educação Especial, a própria constituição

histórica da escola, a história de vida dos alunos, como eram organizados os

planejamentos semanais e como os professores lidavam com as questões da

90

diversidade em sala de aula. Ficamos conhecedores da existência de um projeto

que seria desenvolvido pela escola em parceria com a empresa capixaba, visando a

trabalhar a conscientização ambiental com os alunos, encontrando nessa ação

possibilidade de desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares no transcorrer da

pesquisa. Esse período de observação foi de suma importância para o

desenvolvimento do estudo, uma vez que, ao mesmo tempo em que percebíamos a

dinâmica organizacional da instituição, os docentes também tinham a oportunidade

de nos conhecer, discutir os objetivos da pesquisa e ver, nesse movimento, uma

possibilidade de superação dos desafios enfrentados em sala de aula.

Nesse contexto, observávamos os trabalhos desenvolvidos em sala de aula, a

entrada e a saída dos alunos, o período de recreio, como as crianças com

necessidades educacionais interagiam com as outras e vice-versa, como as

questões relativas ao processo educacional dessas crianças eram discutidas na

escola e, principalmente, se era favorecida ou não a participação deles nas

atividades levadas para a sala de aula.

Assim sendo, observar o cotidiano da escola nos remetia a alguns desafios que

necessitavam ser problematizados, ou seja, a necessidade de focalização dos

trabalhos da Educação Especial na sala de aula regular, a potencialização dos

espaços-tempos destinados ao planejamento escolar, a promoção de vínculos entre

professores e pedagogos, a realização de ações colaborativas na escola, visando a

erradicar o sentimento de solidão que abatia o grupo, bem como a instituição de

práticas pedagógicas que favorecessem os processos de desenvolvimento de todos

os alunos.

Perceber a necessidade de problematização desses movimentos ao mesmo tempo

em que nos levava a assumir desafios nos apontava possibilidades de superação,

uma vez que, no período de observação, percebíamos o quanto os educadores

eram implicados no processo educacional dos alunos com necessidades

educacionais especiais, abertos à mudança, sufocados com um sentimento de

frustração por não conseguir lidar com as questões trazidas por esses sujeitos e

sedentos de apoios e experiências de sucesso com esse alunado.

91

Para Franco (2005, p. 7), “[...] numa pesquisa-ação espera-se a construção de

atitudes voltadas à disponibilidade, à cooperação, ao envolvimento”. Mais adiante, a

autora salienta que “[...] É preciso que o pesquisador saiba tecer e organizar esse

sentimento de parceria e colaboração, construindo um clima grupal que permita a

emergência qualitativa dessas ações em todos os participantes” (p. 7).

Atuar em grupo significa implicar-se, o que consiste em “[...] reconhecer

simultaneamente que eu implico o outro e sou implicado pelo outro na situação

interativa” (BARBIER, apud JESUS, 2007, p. 174), pois esses movimentos nos

permitem “[...] fazer uma abordagem crítica da prática e da experiência a ser

inventada” (FREIRE, 1990, p. 81).

Esse período de observação nos levava a concordar com Pimenta (2005, p. 8),

quando salienta que “[...] um dos desafios da pesquisa colaborativa é o

estabelecimento dos vínculos entre os pesquisadores da universidade e os

professores da escola”, pois acreditamos que fazer parceria, criar laços afetivos e

nos colocarmos como sujeitos propensos a aprender em comunhão com a escola

foram movimentos significativos e propiciadores do alcance dos objetivos propostos,

pois “[...] testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus

desafios, são saberes necessários à prática educativa” (FREIRE, 1992, p. 135-136).

A criação desses vínculos configurou-se em oportunidades para os professores

perceberem que a pesquisa tinha, como pressuposto, colaborar com a escola,

instituindo contextos formativos, emanados pelo diálogo, reflexão crítica, projeção de

possibilidades e intervenção significativa.

Saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro para ‘compreender do interior’ as atitudes e os componentes, o sistema de idéias, de valores, de símbolos e de mitos (ou a ‘existencialidade interna’, na minha linguagem) [...]. A escuta sensível afirma a coerência do pesquisador. Este comunica suas emoções, seu imaginário, suas perguntas, seus sentimentos profundos. Ele está ‘presente’, quer dizer, consistente (BARBIER, 2004, p. 94).

Foi observando e dialogando que aprendemos a olhar o outro. Educamos nosso

olhar para subjetivar os profissionais da escola como sujeitos abertos ao

92

conhecimento, ao novo, ao fazer junto, a provocar mudanças e a, incansavelmente,

atuar, mesmo quanto o cansaço nos abatia. Foi problematizando as questões que

observávamos no cotidiano escolar que derrubamos paredes, levantamos outras e

constituímos contextos para a aprendizagem da leitura e da escrita para todos os

alunos que, ao final de nosso processo de intervenção, nos diziam que aprender a

ler e a escrever era bom, pois lhes possibilitava abrir os olhos para o mundo, dar

sentido para o que nele estava escrito e produzir novos escritos para que outras

pessoas pudessem continuar compreendendo o que se passava neste mundo

repleto de surpresas e de transformações.

5.2 INSTITUINDO PROCESSOS DE FORMAÇÃO CONTÍNUA E POTENCIALIZANDO OS ESPAÇOS-TEMPOS PARA PLANEJAMENTO EDUCACIONAL

Paralelamente ao período de observação participante, ao dialogarmos sobre a

necessidade de instituição de momentos para a formação continuada em contexto

com os professores participantes da pesquisa, por iniciativa do grupo, ficou

determinado, às segundas-feiras, o horário das 7h30min às 8h30min para o

aprofundamento teórico-prático sobre questões que envolviam a Educação Especial,

desenvolvimento humano, implicações da linguagem nesse processo, formação

docente e assuntos que emergissem no transcorrer do processo de intervenção em

sala de aula.

Assim sendo, às segundas-feiras, sentávamos com os professores de Língua

Portuguesa, pedagogos e especialista em Educação Especial para aprimorar

conhecimentos nessas áreas e ainda para instituir planos de ação que favorecessem

o envolvimento de todos os alunos nas atividades a serem desenvolvidas em sala de

aula. Nesse processo de formação/planejamento, refletíamos sobre as

contribuições/impactos que os trabalhos da Educação Especial trariam para a sala

de aula a partir da atuação da especialista nesse contexto, sobre a importância da

articulação entre pedagogos e professores na implementação de atividades que

garantissem o aprendizado de todos os alunos e, ainda, sobre a necessidade de

93

desenvolvimento de ações colaborativas na escola, visando a apoiar os professores

que davam vida e consistência ao ato educativo.

Nesse movimento, lemos, estudamos, refletimos, trocamos idéias, falamos de

nossas experiências de sucesso, suspendemos alguns conceitos, criamos outros,

reclamamos, saindo desses encontros inquietos, com algumas indagações,

afirmando que tínhamos que discutir novamente a temática e ainda com uma

proposta de intervenção a ser desenvolvida em sala de aula no transcorrer da

semana. Nesse movimento formativo, adotamos as teorizações de Meirieu (2002,

2005, 2006), Vygotsky (1991, 1997, 1998, 2001), Freire (1990, 1992, 1996) e nos

apoiamos também em Padilha (2005, 2006), Jesus (2005, 2006), Ferreira (2005,

2006), dentre outros teóricos, para refletirmos sobre questões que envolviam

inclusão escolar, formação de professores e práticas de leitura e escrita.

No transcorrer da pesquisa, ampliamos os processos de formação contínua,

desenvolvendo dois encontros com todos os profissionais da escola para,

primeiramente, apresentarmos o estudo, discutir nossas proposições e refletir sobre

o processo educacional dos alunos com necessidades educacionais ali

matriculados, e um segundo encontro para reflexão sobre o Projeto Musiculturarte

que, embora fosse um projeto da escola, necessitava ser problematizado novamente

para o envolvimento dos educadores nos trabalhos já iniciados pelos professores de

Língua Portuguesa e de Educação Especial. Nesse movimento, os trabalhos de

pesquisa já haviam se incorporado ao projeto, abrindo esse segundo encontro

caminhos para o desenvolvimento de atividades interdisciplinares, pela via do

trabalho coletivo de todos os profissionais que atuavam naquele estabelecimento de

ensino.

Paralelamente aos encontros realizados às segundas-feiras ou com todos os

profissionais da escola, o sentimento de implicação nos movimentos da pesquisa

levava-nos a planejar muitas ações no ônibus que nos levava até a escola, bem

como nas caronas que tomávamos para o translado a outros postos de trabalho.

Imersos nesses movimentos, os professores foram se sentindo capazes de

compreender suas próprias práticas, produzindo significado e conhecimento para o

94

ato educativo e gerando as mudanças necessárias na cultura escolar. No tocante

aos objetivos propostos, pensamos que esses processos possibilitaram aos

professores constituir movimentos significativos nos cotidianos escolares, instituindo

contextos de aprendizagem para que seus alunos, principalmente os que demandam

uma atenção diferenciada, pudessem se beneficiar de mediações para a

apropriação dos conhecimentos lingüísticos, necessários para a aquisição da leitura

e da escrita, bem como de situações de aprofundamento da prática docente, pela via

da formação continuada em contexto.

Essa abordagem formativa apontada pela pesquisa-ação abria possibilidade para

que os pesquisadores envolvidos no estudo encontrassem as aproximações

existentes entre a teoria e a prática, diminuindo, assim, o “hiato imaginário”

constituído entre essas duas instâncias, já que vivenciavam contínuo processo de

produção de conhecimento a partir da reflexão crítica de sua práxis, além de pensar

a prática docente como um movimento de permanente pesquisa, partindo sempre da

premissa de que o ato de pesquisar desencadeava outros movimentos, ou seja, a

necessidade de constatar, de intervir, de aprender, de ensinar e de se formar.

Pesquisamos porque queremos desvendar o desconhecido, conhecer o que não

conhecemos e anunciar essa novidade para o mundo.

[...] a pesquisa-ação [...] não pretende apenas compreender ou descrever o mundo da prática, mas transformá-lo [...] é sempre concebida em relação à prática – ela existe para a melhoria da prática. Os pesquisadores críticos da ação tentam descobrir aqueles aspectos da ordem social dominante que minam nossos esforços para perseguir objetivos emancipatórios (KINCHELOE, apud PIMENTA, 2005, p. 15).

Esse movimento nos leva assumir que “[...] o professor em processo de formação,

dentro da perspectiva crítica da prática, precisa aprender como construir, rever,

criticar e ressignificar, em processo” (SANTORO; LISITA, 2004, p. 12) e ainda nos

permitia acreditar que os momentos de diálogo que se constituíam em lugares

previstos e não previstos no transcorrer de todo esse estudo, o confronto com os

desafios vivenciados em sala de aula, os encontros para planejamento e formação e

a concretização desses planejamentos em sala de aula se constituíram em

processos fecundos de formação docente, de (re)significação de práticas e de

contribuições para que a sala de aula se transformasse em espaço de produção

95

para todos nós, que ali estávamos envolvidos, ou seja, professores-pesquisadores e

alunos.

Monceau (2005) nos diz que as transformações que uma pesquisa pode gerar não

se esgotam no alcance de seus objetivos, mas, ao contrário, permitem a produção

de conhecimentos que possuem suas especificidades, em particular a de explorar

dinâmicas sociais mais do que situações supostamente estáticas. No caso da

pesquisa-ação, “[...] a colaboração se coloca de saída em torno de um problema

para cujo tratamento se convoca um pesquisador interessado. O fim comum é a

produção de conhecimentos novos e até mesmo de instrumentos úteis e práticos”

(MONCEAU, 2005, p. 3). Assim sendo, além de provocar mudanças, o desejo que

nos movia era produzir conhecimentos naquele contexto de trabalho de forma tal

que os professores se sentissem capazes de atuar dentro do contexto da

diversidade não permitindo que nenhum aluno fosse excluído das atividades por nós

programadas.

Em outras palavras, a pesquisa-ação nos abria possibilidades para pensar que “[...]

o conhecimento produzido deve voltar para a realidade concreta que descreve, para

ser um apoio a mudanças” (MONCEAU, 2005, p. 4), pois visa à transformação dos

comportamentos, cabendo ao pesquisador otimizar a participação dos sujeitos no

processo de mudança e na organização de reflexões coletivas centradas no

problema a resolver.

5.3 A SALA DE AULA: ESPAÇO DE APRENDIZADO DE TODOS E DE INTERVENÇÃO PARA O PROFESSOR REGULAR, O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E O PESQUISADOR EXTERNO

Em consonância com as duas frentes de trabalho explicitadas e de posse dos planos

de ação constituídos nos momentos de formação/planejamento, adotamos a sala de

aula como espaço de aprendizagem de todos os alunos e de intervenção dos

sujeitos envolvidos na pesquisa. Assim sendo, com essa frente de trabalho,

levávamos para a sala de aula a intervenção de três educadores (professor regular,

de Educação Especial e pesquisador) que se responsabilizavam pelos trabalhos de

mediação na produção de conhecimentos dos alunos.

96

Nossa ida para a sala de aula efetivava-se mediante a elaboração de planejamentos

ou de potencialização de projetos já existentes na escola, podendo aqui ser

destacados o Projeto Hino Nacional Brasileiro, o Concurso de Poesia e de Redação,

atividades de avaliação para fechamento de bimestre, e o Projeto Musiculturarte, a

serem explicitados de forma mais abrangente no capítulo que trata das práticas

pedagógicas levadas para o contexto da sala de aula. De posse desses projetos,

trabalhávamos com atividades que envolviam leitura e produção de texto, incluindo

os conteúdos programáticos das disciplinas, flexibilizando-as para os alunos com

necessidades educacionais especiais. Esse movimento permitia-nos adotar novas

formas de organização da sala de aula, rompendo com a dinâmica de cadeiras

enfileiradas, desenvolver atividades grupais entre os alunos, elaborar aulas

diversificadas e flexibilizadas, fazer uso sistemático da biblioteca escolar e do

laboratório de informática em consonância com os trabalhos em desenvolvimento e

instituir novas possibilidades para que os alunos se apropriassem das questões que

envolviam a leitura e a escrita no contexto escolar.

Assim sendo, trabalhamos com contação de histórias, produção de maquetes,

acrósticos, narrativas, quadrinhos, charges, contos, rodas de leitura, teatro,

fantoches, pinturas, desenhos, filmes e documentários, com alunos com e sem

deficiência nas atividades que envolviam leitura e produção de texto, uma vez que

nosso objetivo se centrava em apresentar desafios para que a turma recorresse a

diferentes práticas de leitura e escrita para solucionar os desafios por nós

apresentados. Nesse movimento, em algumas atividades, conseguimos envolver os

professores de todas as disciplinas que, de posse de um trabalho já iniciado pelas

professoras de Língua Portuguesa, davam continuidade ao planejamento

enriquecendo as discussões já suscitadas com os conteúdos programáticos de suas

disciplinas.

Pensar em instituir esses contextos para a aprendizagem da leitura e da escrita,

envolvendo alunos que, muitas vezes, não falavam, não pegavam em um lápis ou

não apresentavam intimidades com letras, palavras e números, nos fazia repensar

conceitos, suspender concepções e aprender a subjetivar esses sujeitos pela via de

outros caminhos. Esses movimentos nos revelavam a necessidade de provocar

97

mudança, seja em nossa ação didática, seja na organização temporal e espacial da

sala de aula, seja nas ações metodológicas e nas relações estabelecidas entre os

profissionais que, de forma mais direta, estavam envolvidos no processo ensino-

aprendizagem desses alunos, ou seja, professor de ensino regular, de educação

especial, pedagogos e pesquisador externo.

Tomando essas questões como referência, Franco (2004) argumenta que, nesse

contexto, a pesquisa-ação não se reduz a um mero procedimento de resolução de

problemas práticos, mas é um meio de contribuir para a emancipação e

desvelamento da autonomia docente. No calor dessa discussão, a autora destaca

três movimentos provocados por esta metodologia investigativa, ou seja,

empoderamento dos professores, considerados como sujeitos de conhecimento e de

transformação da prática; articulação entre teoria e prática como possibilidade de

construção da teoria e, ainda, produção de conhecimentos sobre a realidade

educativa por meio da integração entre conhecimentos científicos e saberes

práticos.

Dialogando com o pensamento de Franco e analisando esses três movimentos

discutidos pela autora, somos levados a recorrer a Barbier (2004), quando nos diz

que a pesquisa-ação se fundamenta e imprime a possibilidade de promover

mudanças, pois mudar e transformar faz parte da essência do ser humano, porque

um estado de não-mudança não constitui a natureza do ser vivo. Para o autor, toda

problemática científica que não considere essa capacidade humana de provocar

mudanças não pode estudar a criatura viva em toda a sua complexidade. “[...] A

mudança, quer dizer, o vivente, implica a existência de conflitos abertos entre as

instâncias internas e externas no âmago dos indivíduos e dos grupos” (BARBIER,

2004, p. 48).

Foi falando em transformação que nosso grupo de pesquisa encontrou, na pesquisa-

ação colaborativo-crítica, caminhos para provocar movimentos na escola e instituir

práticas que garantissem aprendizados para todos os alunos, dentro de uma

perspectiva de escola inclusiva, uma vez que “[...] a abordagem crítica da pesquisa-

ação compromete-se tanto com a produção de conhecimento sobre a realidade

98

social, quanto com sua transformação em um sentido emancipatório” (SANTORO;

LISITA, 2004, p. 8).

[...] o processo de formação do professor reflexivo vai, aos poucos, requerendo um novo enfoque às metodologias investigativas, pautado em procedimentos científicos que permitam aos pesquisadores não só aprenderem e compreenderem a prática reflexiva, mas construí-la em processo (FRANCO, 2005, p.1).

Nessa dinâmica de investigação, éramos professores, pesquisadores, formadores,

sujeitos problematizadores, provocadores de movimentos, profissionais fraternos e

não solitários, uma vez que esse processo de ir para a sala de aula nos fazia buscar,

pesquisar, trocar conhecimentos, “improvisar” algo que não estava planejado, mas

que surgia pela via de uma idéia que nos iluminava, ajudar e pedir ajuda, pois

sonhávamos e víamos que era possível concretizar esse sonho graças ao trabalho

coletivo do grupo que ia amadurecendo e vivenciando experiências de sucesso com

os alunos.

O pesquisador em pesquisa-ação não é nem um agente de uma instituição, nem um ator de uma organização, nem um indivíduo sem atribuição social; ao contrário, ele aceita eventualmente esses diferentes papéis em certos momentos de sua ação e de sua reflexão. Ele é antes de tudo um sujeito autônomo e, mais ainda, um autor de sua prática e de seu discurso (BARBIER, 2004, p. 19).

Pela via do trabalho grupal, superamos ações solitárias e buscamos compreender os

desafios trazidos pela prática, instituindo nesse coletivo novos/outros movimentos e

saberes que nos permitiram falar em mudanças nas relações entre os diferentes

profissionais que habitam o cenário da escola, em formação continuada em

contexto, em profissionalidade docente e em instituição de políticas públicas

educacionais pelos sujeitos responsáveis pelo ato educativo, uma vez que, para

Barbier (2004), na pesquisa-ação, as questões desafiadoras são da coletividade e

não de uma amostra representativa.

É justamente o desafio de receber educandos com necessidades educacionais

especiais na segunda etapa do Ensino Fundamental, sem afinidades com a leitura e

a escrita, que configurava o problema a ser pesquisado. Somente pela via do

99

trabalho grupal foi que conseguimos alcançar nossos objetivos, mediados pelos

princípios e fundamentos da pesquisa-ação colaborativo-crítica que nos apresentava

duas características que se fizeram fortemente presentes no transcorrer deste

estudo, ou seja, “[...] a autoformação e a práxis docente situadas nos contextos mais

amplos da organização das escolas e da comunidade nas quais se inserem”

(PIMENTA, 2005, p. 5).

Nesse movimento, vislumbramos os fundamentos e princípios da pesquisa-ação

favorecendo a construção de novos/outros conhecimentos para a educação atual,

principalmente para os tecidos sobre o processo educacional de alunos com

necessidades educacionais especiais, pois, “[...] se a educação fica esvaziada de

conteúdo, há esvaziamento do ser humano. O que se busca é a valorização da

escola, do saber do professor, do conhecimento científico socialmente existente – e

não qualquer um” (PADILHA, 2005, p. 131).

5.4 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS PARA COLETAS DOS DADOS CONSTRUÍDOS NO ENTRELAÇAMENTO DESSAS FRENTES DE TRABALHO

Considerando ainda que “[...] a pesquisa-ação é uma forma de investigação-ação

que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a ação que se decide

tomar para melhorar a prática [...]” (TRIPP, 2005, p. 5), utilizamos, como

instrumentos para coleta de dados, diário de campo para registro dos

acontecimentos que emergiam no contexto da escola pela via da pesquisa, bem

como os sentimentos que aquele cotidiano nos provocava, além de diálogos abertos

com os educadores e entrevistas semi-estruturadas para resgate de suas trajetórias

histórica e profissional.

Para utilização na pesquisa, podemos entender a entrevista social como sendo um meio ou instrumento para coleta de dados sobre um determinado tema que se refere a um problema de pesquisa. Assim, dentre os vários tipos de pesquisa, focalizaremos aquela cuja finalidade é (a de) buscar conhecer como se dão os fenômenos sociais, ou seja, a entrevista cuja finalidade decorra da pesquisa social como um problema de investigação definido. A conversa informal passaria a ser orientada por um objetivo previamente definido pelo investigador social que modificaria o caráter da

100

conversa informal passando, então, a adquirir características de entrevista como técnica de coleta de dados (MANZINI, 2006, p. 369).

Registrar os momentos vividos na pesquisa, pela via da utilização de diário de

campo, possibilitava-nos constituir um conjunto de dados para a utilização em nossa

pesquisa de Mestrado e, ao mesmo tempo, para reflexão no grupo de estudo, uma

vez que, ao compartilharmos esses registros com os profissionais ali presentes, eles

podiam refletir sobre suas práticas, procedimentos, metodologias de ensino levadas

para a sala de aula, trabalhos da Educação Especial, utilização dos espaços-tempos

destinados ao planejamento escolar, funções e atribuições de professores e

pedagogos no processo educacional dos alunos, bem como as crianças reagiam e

se envolviam nos processos de intervenção e, principalmente como os com

necessidades educacionais eram subjetivados pela escola e gradativamente iam se

envolvendo nas atividades construídas a partir do momento em que passamos a

flexibilizar os conteúdos programáticos trabalhados. O diário de campo possibilitava

aos educadores constituir um paralelo entre as ações pedagógicas desenvolvidas no

início da pesquisa e a forma como íamos amadurecendo e enriquecendo essa ação

pela via do trabalho colaborativo que ia se incorporando à nossa prática docente.

Nesse movimento, ao buscarmos nas entrevistas procedimentos para conhecer a

trajetória formativa e profissional dos professores, bem como observar como eles

sentiam o processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais

e engendravam estratégias de trabalho com esses sujeitos, encontramos

possibilidades de discutir, trocar informações, problematizar ações e instituir

momentos de diálogo, levantando questões acerca do processo educativo desses

alunos, das contribuições da escolarização em sua inclusão social, rompendo com

olhares que sinalizavam idéias que colocavam a escola como espaço para a

socialização e não para a produção de conhecimentos. Pela via de entrevistas com

as crianças e seus familiares, conhecemos um pouco sobre suas histórias de vida,

as instituições onde já haviam estudado, as dificuldades que os pais enfrentavam

para garantir sua permanência na escola, como lutavam para garantir padrões

mínimos de sobrevivência e as expectativas trazidas para o contexto escolar,

principalmente ao reconhecerem a necessidade de serem subjetivados como

sujeitos capazes de estar inseridos na sociedade de forma mais produtiva.

101

Problematizar essas informações que coletávamos nas entrevistas com as crianças

e seus responsáveis imprimia possibilidades para a escola subjetivar esses sujeitos

de forma mais prospectiva, refletindo sobre as contribuições que a escola

desempenhava em seus processos de inclusão social e na construção de uma

sociedade em que essas crianças tivessem seu espaço e fossem respeitadas,

independentemente das “diferenças” que carregavam. É por movimentos como

esses que Jesus (2005) argumenta que, pela via da pesquisa-ação colaborativo-

crítica, é possível instituir momentos grupais para os professores conhecerem seus

campos de atuação, os sujeitos que buscam na escola novas formas de participação

social, uma vez que esta metodologia investigativa “[...] revela uma nova

intencionalidade na pesquisa: a de conhecer o contexto onde está inserida a escola

e de gerar um movimento capaz de fazer com que seus atores possam intervir

instituindo novos/outros possíveis” (JESUS, 2007, p. 170).

5.5 OS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL “PAULO FREIRE”

Foi observando o cotidiano da escola, instituindo processos de formação contínua,

potencializando os espaços-tempos para planejamento, intervindo em sala de aula e

dialogando com professores, pedagogos, alunos e familiares, que visualizamos o

quanto era complexo para a escola definir os sujeitos a serem trabalhados pelo

Setor de Educação Especial.

Ao tomarmos conhecimento da constituição história da escola e perceber a

inexistência de projetos que dessem apoio ao professor em sala de aula, para além

dos realizados pela Educação Especial, percebíamos que alunos que apresentavam

necessidades educacionais especiais por deficiência, que os educadores diziam

possuir laudo médico, se configuravam público-alvo da Educação Especial, bem

como aqueles que apresentavam percursos mais diferenciados em seu processo de

escolarização, considerados com “déficit de atenção”, “falta de interesse”,

“dificuldades de aprendizagens”, “agitados”, “dispersos”, desencadeando um

102

pensamento no contexto da escola de que a instituição era pólo de Educação

Especial, por ter recebido todos os sujeitos que eram desafios pelas escolas

vizinhas no ano de sua inauguração. Nesse movimento, podíamos assim dizer que

todo sujeito que apresentava um “desvio” ou um “desafio maior” para a sala de aula

era considerado aluno que necessitava do apoio da professora especialista em

Educação Especial que se desdobrava para trabalhar pedagogicamente com 18

alunos considerados com necessidades educacionais especiais pela escola.

Assim sendo, para o desenvolvimento deste estudo, adotamos como sujeitos-foco

de nosso processo de intervenção um autista, uma aluna com Síndrome de Down,

outra com hiperatividade e duas com condutas típicas, matriculados na 5ª série A,

além de um jovem com microcefalia que vivenciava processo de inclusão escolar na

6ª série C. Esses alunos serão apresentados de forma mais detalhada no capítulo

que trata de nossa intervenção, uma vez que delimitamos essas duas turmas para o

desenvolvimento da pesquisa, embora nossa atuação docente se estendesse para

todas as classes onde atuavam as professoras Carmem e Tita, responsáveis pela

disciplina de Língua Portuguesa na escola e envolvidas com nossa proposta de

investigação.

Pensando nos desafios que esses educandos traziam para o contexto da sala de

aula e no compromisso social da escola em responder às necessidades deles,

rememoramos Barbier (2004) que sinaliza que o problema a ser investigado pela

pesquisa-ação nasce num contexto preciso de um grupo em crise. Assim, o

pesquisador não o provoca, mas, em contrapartida, constata-o para, nesse mesmo

coletivo, buscar possíveis encaminhamentos e soluções, pois “[...] o rigor da

pesquisa-ação repousa na coerência lógica e política das interpretações propostas

nos diferentes momentos da ação” (BARBIER, 2004, p. 60).

Tínhamos como desafios sujeitos concretos que necessitavam ser subjetivados

como homens e mulheres repletos de anseios, necessidades, sonhos, capazes de

participar de nossa sociedade letrada e grafocêntrica, muitos vindos de experiências

em que muitas portas já haviam se fechado e buscavam na escola de ensino regular

103

a possibilidade de abertura novamente dessas portas para não somente estarem no

mundo, mas também dele participar.

Foi pensando nesses sujeitos concretos que depositavam na escola regular

expectativas, visando a participar de forma mais produtiva na sociedade atual, em

seus contextos familiares, pois não podiam depender para sempre dos “cuidados” de

seus pais ou de responsáveis, necessitando ser subjetivados como sujeitos

autônomos e com sonhos a serem concretizados, que tivemos o desejo de fazer da

sala de aula um espaço onde esses sujeitos pudessem se beneficiar das mediações

necessárias para a criação de vínculos mais afinados com sua língua materna,

aprendendo a ler e a escrever, uma vez que eram conhecimentos que esperavam

aprender na escola e esse era o compromisso da instituição com esses alunos.

5.6 OS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NO ESTUDO

Tendo este estudo o objetivo de envolver professores e pedagogos em processos de

formação continuada em contexto para a instituição de práticas pedagógicas que

favorecessem o desenvolvimento da leitura e da escrita dos alunos, principalmente

daqueles que demandavam atenção diferenciada, por apresentar necessidades

educacionais especiais, desenvolvemos nossas ações pensando na possibilidade de

trabalhar com a idéia de “contágio” com o grupo. Como nosso desejo era provocar

movimentos na escola dentro dessa perspectiva, iniciamos tal ação pela via do

trabalho de duas professoras de Língua Portuguesa, uma professora de Educação

Especial, três pedagogas e uma professora de Informática, constituindo essas

educadoras nosso grupo de ação-reflexão, trazendo, gradativamente, os demais

educadores para as atividades programadas e desenvolvidas em sala de aula.

Meirieu (2005) nos permite pensar que “contagiar” o outro simboliza possibilitá-lo

adentrar para o contexto de uma trama de conhecimento e aprendizagem, pois,

como não podemos educar nada e nem ninguém, posicionar-nos no lugar do outro,

cabe-nos criar condições para que este outro se eduque, sinta o desejo de

104

movimentar-se, escapar de idéias preestabelecidas, ousar, fazer tentativas, arriscar-

se, mostrar-se aberto a mudanças e a novas formas de estar, sentir e atuar neste

mundo, pois assim nos diz esse autor:

[...] sei que não posso educar nada nem ninguém, mas apenas criar as condições para que o outro se eduque, saber-se impotente sobre a liberdade do outro para recobrar um poder sobre os dispositivos que lhe permitem afirmar-se [...] porque decididamente, e para recordar mais uma vez a célebre fórmula de Lacan, ‘se eu me coloco no lugar do outro, onde é que o outro se colocará?’, e, enfim, [...] a única coisa que se torna possível a passagem ao ato pedagógico: a convicção de que no instante em que agimos é o outro que age e apenas ele, pois apenas ele pode decidir seu destino, e é esta, precisamente, a finalidade de toda a educação (MEIRIEU, 2002, p. 274-275).

Essa perspectiva de contágio permitia que os demais educadores acompanhassem

os movimentos feitos pelo grupo de estudo tanto nas reflexões construídas nos

processos de formação e planejamento, quanto nas deliberações que adotávamos

para a intervenção em sala de aula e nos trabalhos que desenvolvíamos neste

contexto. Esses movimentos possibilitavam aos educadores visualizar o

desenvolvimento dos alunos, bem como o crescimento profissional dos professores

que estavam envolvidos na pesquisa, despertando, neste primeiro grupo, o desejo

de participar das ações implementadas, uma vez que viam, nos movimentos feitos,

possibilidades de atuar colaborativamente, oportunidades para trocar com seus

pares, aprofundar seus conhecimentos teórico-práticos e instituir novas-outras

formas de atuar dentro do contexto da diversidade de aprendizagens dos alunos,

sendo tal situação concretizada em encontros realizados com toda a escola e de

inclusão desses profissionais nos trabalhos que se desenvolviam pela via do Projeto

Musiculturarte.

Para Jesus (2006), trabalhar nessa perspectiva configura-se em possibilidades para

professores e acadêmicos atuar juntos, como parceiros, dentro de uma trama que

considere que não há igualdade absoluta, uma vez que ambos trazem

conhecimentos diferentes para a colaboração, mas há paridade no relacionamento e

cada um reconhece e respeita a contribuição do outro.

105

Nesse movimento, assumem os educadores a configuração de intelectuais-

autônomos em seus saberes-fazeres e capazes de reinventar suas lógicas de

ensino pela via da pesquisa científica, visando a “[...] ultrapassar a linha divisória

entre professores e os pesquisadores acadêmicos” (ZEICHNER, 1998, p. 229).

A idéia de contagiar gradativamente os educadores permitia ao grupo envolvido no

estudo avaliar suas ações e perceber as contribuições de nossos movimentos nas

práticas dos demais educadores, uma vez que eles passavam a perceber que

muitos encaminhamentos para os desafios presentes em sala de aula podiam ser

gestados na própria escola, pela via da ação conjunta de todos os profissionais

responsáveis pelo trabalho educativo escolar. A construção desses olhares na

escola nos faz rememorar Barbier (1985, 2004), quando nos diz que a pesquisa-

ação permite a todos os envolvidos se constituírem em grupos-sujeito, assumindo,

coletivamente, o processo de instituição de seus percursos, gerando sua própria

autoformação no coletivo.

Concordamos com Jesus (2006), quando nos diz que a pesquisa-ação colaborativo-

crítica se configura como dispositivo para os educadores provocarem mudanças em

seus cotidianos de trabalho, partilhando seus pontos de vista, seus valores, suas

bases teóricas, a fim de engendrar a construção de uma escola que considere e

trabalhe a partir da diversidade de seus alunos, uma vez que os professores são os

que estão em situação privilegiada para trazer outro olhar para a escola, pois lidam

com seus desafios e possuem possibilidades de construção de conhecimentos para

superá-los, principalmente ao considerarmos que “[...] a pesquisa-ação

emancipatória pressupõe que os profissionais busquem transcender a dualidade de

papéis da investigação e da prática (JESUS, 2006, p. 98).

Assim sendo, os movimentos feitos por este estudo falam de homens e mulheres

que acreditam que os obstáculos da vida jamais se eternizam. Fala de homens e

mulheres inacabados, que buscam mudança e transformação. Fala de sonhos e

esperanças. Fala de “gente”... gente que caminha, retorna, aprende, coloca em

suspensão, enfim, se forma em processo. “[...] Ninguém caminha sem aprender a

106

caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a

retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar” (FREIRE, 1992, p.

155).

107

6 O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA NO COTIDIANO DA ESCOLA

Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero, Há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhes deres; Trouxeste a chave?

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

Não sabemos dizer se as mil faces secretas de cada palavra, como nos diz

Drummond, seria suficiente para expressarmos os sentimentos, idas e vindas,

pensamentos, (des)construções, fazeres, aprendizados que este estudo nos

proporcionou desde o momento em que adentramos os portões da escola pela

primeira vez.

Reconhecemos que a difícil tarefa de resgatar palavras, acordá-las ou ressuscitá-las

será um exercício árduo, pois o vivido, o sentido, o experiênciado se transfigurou em

sentimentos e histórias que somente poderão ser sentidas e contadas, com sua

vivacidade, por aqueles que construíram em processo todos os rumos dessa

produção. Faremos tentativas esperando encontrar as chaves que nos colocarão em

contato com expressões que nos ajudarão a registrar os poemas vividos nesta

pesquisa e compartilhar nossos sentimentos com aqueles que se interessarem pela

leitura e estudo deste construto.

Como forma de organizar didaticamente essa poesia vivida, que aqui chamaremos

de pesquisa científica, sistematizaremos nossos pensamentos em três frentes de

trabalho, não-lineares, mas que se entrelaçaram a todo momento e se convergiram

em rumos e direções adotadas para o desenvolvimento do estudo no cotidiano da

escola.

108

6. 1 PRIMEIROS PASSOS: LEVANDO A PROPOSTA PARA O COTIDIANO DA ESCOLA

Vencida nossa etapa de Qualificação de Mestrado, fizemos contato com a unidade

de ensino que já tínhamos em mente para desenvolvimento do estudo, para a

apresentação de nossas proposições. Era uma manhã de terça-feira, 23 de julho de

2007, quando a dirigente escolar nos atendeu por telefone, agendando nosso

primeiro encontro para o dia seguinte, às nove horas, na própria sede da escola. No

dia agendado, pontualmente, estávamos lá e fomos atendidos às 13h10min, em

virtude de realização de uma reunião com o Conselho de Escola para deliberação de

algumas ações concernentes a alunos que traziam problemas disciplinares para a

escola.

Em nosso diálogo inicial, apresentamos os objetivos da pesquisa, e fomos informado

de que o significativo número de alunos com necessidades educacionais especiais

se presentificava como um dos maiores desafios para os professores e pedagogos,

que toda ajuda era bem-vinda e que a escola estava aberta para o desenvolvimento

de projetos e trabalhos que visassem a enriquecer a prática dos professores e o

processo educacional dos alunos, principalmente dos que demandavam uma

atenção diferenciada.

Com parecer inicial positivo, informamos que o estudo, inicialmente, envolveria

professores efetivos responsáveis pela disciplina de Língua Portuguesa, além de

pedagogos e o professor de Educação Especial, contagiando, gradativamente, os

demais educadores, pela via da formação continuada em contexto para a instituição,

em sala de aula, de propostas pedagógicas que favorecessem o desenvolvimento

da leitura e da escrita dos alunos. Foi agendado o dia 30 de julho de 2007 para a

apresentação da proposta ao grupo, pelo fato de as segundas-feiras serem os dias

adotados para planejamento dos professores de Língua Portuguesa.

109

6.1.2 Nosso primeiro encontro com os professores: vendendo idéias e comprando proposições Na data agendada, às 7h30min, nos reunimos na sala dos professores com três

professoras de Língua Portuguesa, três pedagogas e uma professora especialista

em Educação Especial para conversar sobre nosso projeto de pesquisa. As

educadoras, com olhares fixados, mãos e dedos mexendo-se a todo instante e com

muitas interrogações perpassando seus pensamentos, ouviam atentas nossas

exposições.

Na oportunidade, relatamos nossa trajetória como professor de Educação Especial e

de Língua Portuguesa, afirmando que reconhecíamos os desafios trazidos pelo

movimento de inclusão escolar, refletindo, coletivamente, que a presença de alunos

em processo inicial de leitura e escrita nas séries finais do Ensino Fundamental se

configurava como um grande desafio para a escola, mediante a inexistência de

conhecimentos teóricos e práticos no processo de formação inicial dos profissionais

em atuação nessa etapa de ensino, desencadeando nosso interesse em

desenvolver o projeto de pesquisa.

No encontro, os olhares fixados iam se transformando em diálogos, conversas ao pé

do ouvido e alguns burburinhos. Entre os diálogos construídos, uma pedagoga em

atuação nas séries iniciais afirmava que o desenvolvimento do estudo poderia ajudar

os professores, mediante o fato de, em 2008, sete alunos com necessidades

educacionais especiais estarem avançando para a segunda etapa do Ensino

Fundamental, fazendo essa fala com que os professores se entreolhassem,

colocassem as mãos na testa e fizessem uma expressão de desespero acerca da

informação repassada, uma vez que já contavam com 18 alunos com necessidades

educacionais especiais nessa etapa do ensino. Acho que, como você coloca que quer colaborar com a escola, esse trabalho é bem-vindo. Até mesmo porque não temos para onde correr. A inclusão veio de cima para baixo e ninguém foi perguntado se queria ou não trabalhar assim. Pensou em incluir o aluno e não o professor. Nesse ano, temos sete alunos especiais na 4ª série que vão vim para a 5ª. E ai? Temos que começar a fazer algo. Acho que essa pesquisa pode nos ajudar com os alunos que temos esse ano, e olha que não são poucos, e com os outros que virão o ano que vem (PEDAGOGA).

110

Externamos que nosso objetivo não visava a trazer as responsabilizações da

alfabetização somente para os profissionais ali presentes, mas iniciar movimentos a

partir deles, contagiando gradativamente os outros educadores que, a nosso ver,

tinham a mesma responsabilidade no trabalho com o ensino da leitura e da escrita

para todos os alunos, justificando que a opção de iniciarmos tais movimentos com

os professores de Língua Portuguesa se dava pelo fato de entendermos que o

objeto de estudo e ensino se imbricava na prática pedagógica desses profissionais,

já que realizavam, em sala de aula, necessariamente, um trabalho com e sobre a

linguagem que demandava conhecimentos sobre seus usos e funções, bem como

conhecimentos sistemáticos sobre ensino e aprendizagem, além de a formação

acadêmica do pesquisador também se efetivar nessa área do conhecimento,

fazendo com que nos sentíssemos mais seguro para instituir uma proposta de

trabalho que contagiasse os demais professores.

Sinalizamos que o envolvimento das pedagogas no estudo seria de grande valia,

uma vez que podiam colaborar com a articulação de ações pedagógicas para o

projeto, bem como envolver os demais professores nas discussões estabelecidas

nos dias em que realizavam planejamentos semanais com eles. Sorrindo

timidamente, a professora de Educação Especial afirmava estar pronta para o

trabalho, sendo dito que suas articulações pedagógicas poderiam nos ajudar com a

adequação dos conteúdos para os alunos e orientação sobre como trabalhar com

alguns deles ao considerarmos que era a pessoa que desenvolvia trabalhos

diretamente com o grupo. Refletindo sobre nosso dizer, a pedagoga Marta8 afirmou:

[...] nós, pedagogos, temos muito a contribuir. Só fico preocupada porque estou aprendendo a trabalhar com a inclusão. Então eu acho assim, que nós temos que fazer junto, estudar, planejar, trocar idéias, um aprendendo com o outro. Podemos trazer outras pessoas para o nosso grupo. Acho uma boa idéia. Vamos tentar, sim (PEDAGOGA).

Procurando afirmar seu interesse em participar do estudo, a professora de Educação

Especial também afirmava:

8 Adotaremos nomes fictícios para os alunos envolvidos no estudo, bem como para os professores, como forma de preservar a identidade desses profissionais.

111

Eu não posso deixar de participar, né? Ainda mais que nossa maior dificuldade é trabalhar a leitura e a escrita com esses alunos. Cada um aqui juntando o que sabe, pode fazer muita coisa. Segunda-feira será formação na SEMECE com os professores de Educação Especial, mas no próximo encontro pode contar comigo (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Sinalizamos para o grupo que, para além de desejar contribuir com os educadores, a

pesquisa fazia parte de nossa especialização e formação, tendo o pesquisador um

tempo já determinado para a defesa pública da Dissertação de Mestrado, portanto

seria necessário que avaliassem a possibilidade de envolvimento no estudo, uma

vez que não teríamos tempo hábil para desenvolvê-lo em outra unidade de ensino,

caso se desinteressassem pela pesquisa no transcorrer do processo.

A professora de Língua Portuguesa, que aqui chamaremos de Carmem, falando

sempre fixando o dedo indicador nas extremidades dos lábios, demonstrava estar

pensativa e atenta às nossas explanações, sinalizando seu interesse pela pesquisa:

Olha, um tipo de pesquisa assim dá certo medo, mas acho que tudo na vida, para dizer que é bom ou ruim, a gente tem que tentar. Como a pedagoga diz, já temos alguns alunos especiais esse ano. Ano que vem virão outros. Acho que esse trabalho só tem que nos ajudar a trabalhar com esses alunos. Vamos tentar! Se der errado, a gente tentou (CARMEM).

Balançamos afirmativamente a cabeça para Carmem que continuava dizendo “[...]

Vamos tentar! Se der errado a gente tentou”. Vimos na professora uma grande

aliada. Passamos a ouvir a professora Tita que há pouco havia assumido suas

atividades na escola e, entre muitas pautas, livros e materiais pedagógicos, fixava-

nos seu olhar, sorria e sinalizava:

Olha, estou chegando à escola agora e estou conhecendo os alunos. E como é que você pensa em fazer? Eu tenho esse monte de conteúdo para trabalhar [folheando o livro didático]. Não posso só pensar no aluno especial, mas também nos outros. Mas o aluno especial também me preocupa. Eu acho que temos que tentar, sim. Você só não pode nos sufocar. Acho que até podemos fazer umas atividades diferentes para esses alunos [...]. Vamos tentar. Acho que tudo que vem como ajuda é bem-vindo (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

112

Rimos e brincamos com o “sufocar” da professora, afirmando que nosso desejo era

colaborar com a escola. Fomos informado que Carmem e Tita atuavam com as 5ª e

6ª séries, tendo a segunda algumas turmas de 7ª série. A terceira professora de

Língua Portuguesa dizia-nos que precisava de um tempo para pensar, afirmando

que há três semanas estava sem planejamento, que tinha muitas atividades para

corrigir, que não gostava de tomar decisões precipitadas, ficando acordado que, se

mudasse de idéia, iria nos procurar. Refletimos que cada profissional tem seu tempo

e que a colaboração se faz de diferentes maneiras, afirmando que, em caso de

mudança de idéia, sua presença seria muito festejada pelo grupo.

O grupo ia se constituindo. Ao colocarmos a necessidade de instituição de

momentos para formação e planejamento, Carmem voltou-se para o grupo

externando que podíamos fazer um grupo de estudo às segundas-feiras, das

7h30min às 08h30min, pois estaríamos estudando nesse período e depois cada

professor utilizaria o tempo restante para a realização de atividades corriqueiras que

estavam acostumados a fazer nos dias de planejamento.

Balançamos a cabeça afirmativamente brincando com a educadora, dizendo que se

não podíamos roubar mais um pouquinho desse tempo estendendo nosso estudo

até às 9h. Ela prontamente respondeu explicando que esse tempo “[...] sempre

acaba passando. Se o assunto for bom, a gente até perde a noção do tempo. Vamos

ver como vai ser”. Como estava ao nosso lado, apertou nossa mão sinalizando:

“Estamos prontos, vamos tentar, vai dar tudo certo”.

Já no primeiro dia, achamos que o grupo prometia, uma vez que os professores

demonstravam interesse em trazer outros profissionais para o estudo, utilizando a

expressão “nosso grupo” ao apresentarem os nomes dos professores que poderiam

também participar de nosso movimento.

Finalizamos o encontro reafirmando nossa proposição em trabalhar eticamente,

considerando os professores envolvidos no estudo como sujeitos de conhecimento e

produtores de novos/outros saberes-fazeres e enfatizamos que alcançaríamos os

objetivos traçados por “nosso grupo”, se estivéssemos sempre juntos e trabalhando

colaborativamente.

113

Freire (1996) nos fazia pensar que assumir o compromisso de educar a todos nos

revelava a necessidade de construir ações solidárias, parcerias, colaborações e

instituir a escola como o espaço pedagógico e formativo para o desencadeamento

dos movimentos propostos no que se referia ao trabalho com leitura e escrita com os

alunos.

[...] o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescrito’. Nesse sentido, quando mais solidariedade exista entre o educador [...] no ‘trato’ deste espaço, tanto mais possibilidades de aprendizagens democráticas se abrem na escola (FREIRE, 1996, p. 97).

Assim, atuar nessa perspectiva solidária exigia de nós comprometimento,

curiosidade, convicção de que a mudança é possível, se tomada de forma

consciente e emanada pelo diálogo. Foi trabalhando em grupo que aprendemos a

nos comprometer, tentar “fazer bonito”, conjugar forças para suspender conceitos e

acreditar que as palavras costuradas em forma de texto podiam estar acessíveis a

todos os alunos. Freire (1996) nos fala que não podemos exercer a docência sem

nos pôr diante dos alunos, sem revelar com facilidade ou relutância nossa maneira

de ser, de pensar politicamente, de nos assumir e nos comprometer com a

construção de uma escola aberta às diferenças humanas. Isso nos falava de

comprometimento, de envolvimento político e didático, de crença na possibilidade de

mudança e foram esses os sentimentos que conseguimos subtrair do grupo já em

nosso primeiro encontro para apresentação do estudo.

6.1.3 Uma pausa: quem eram os profissionais que constituíam nosso grupo de pesquisa?

Vejamos:

Tita era formada em Letras/Português em uma faculdade da rede particular sediada

na cidade de Vitória, concluindo pós-graduação a distância em uma instituição de

ensino na cidade do Rio de Janeiro, também na área de Linguagem. Havia sido

aprovada no último concurso promovido pela Prefeitura Municipal de Vila Velha e

114

assumiu suas funções letivas há praticamente um mês na escola. Á tarde e noite,

trabalhava na rede estadual de ensino em regime de Designação Temporária. Tinha

formação em música e atuava como professora de Português desde o 2º período de

faculdade, além das experiências como professora de flauta e piano exercida tanto

em casa quanto em escolas particulares.

Já Carmem acumulava grande experiência na rede particular de ensino, atuando

como professora de Língua Portuguesa no SESI desde seu terceiro período de

graduação, desenvolvendo projetos com trabalhadores, Educação de Jovens e

Adultos e Ensino Fundamental. Era formada pela Universidade Federal do Espírito

Santo no Curso de Letras/Português. Com aprovação em concurso público na

Prefeitura Municipal de Vila Velha, no ano de 2004, e em 2006 na rede estadual de

ensino, concentrava suas atividades profissionais somente na rede pública de

ensino. Possuía também pós-graduação na área de Linguagem pela UFES e, além

dos trabalhos desenvolvidos na escola, atuava no período noturno na Educação de

Jovens e Adultos em uma escola estadual da região periférica da cidade de Vitória.

Isabel era a professora de Educação Especial em atuação no turno matutino,

contratada em regime de Designação Temporária. Iniciara sua docência no Sistema

Municipal de Ensino de Vila Velha como professora de 1ª a 4ª série em uma escola

vizinha a que desenvolvemos a pesquisa. Com a realização de concurso público e

convocação dos profissionais aprovados, ficara excedente e com possibilidade de

encerramento de seu contrato de trabalho. Nesse período, inaugurava-se a Escola

Municipal Paulo Freire e a antiga dirigente da escola onde ela atuava assumiu a

direção e convidou Isabel para participar de um projeto de reforço e alfabetização

com os alunos que apresentavam baixo rendimento escolar. Sob orientação da

assessoria de Educação Especial, na época, responsável pela unidade de ensino, a

educadora passou a exercer a função de professora de Educação Especial em

virtude da carência de profissionais habilitados e contratados pelo município.

Possuía formação em nível médio – Habilitação para o Magistério de 1ª a 4ª série,

estando em fase de conclusão do Curso de Pedagogia a Distância.

Das três pedagogas que iniciaram os trabalhos, tivemos maiores contatos com

Marta e Sandra que eram formadas no Curso de Pedagogia pela mesma instituição

115

de ensino, ou seja, uma faculdade da rede privada, bem conceituada pela população

capixaba. Elas atuavam também como professoras de Educação Infantil no Sistema

Municipal de Ensino de Vitória no turno vespertino há praticamente cinco anos.

Ambas possuíam curso de pós-graduação na área pedagógica. Marta acumulava

experiências de atuação na Secretaria Municipal de Vila Velha e na Secretaria

Estadual de Educação na área de formação de professores. Trabalhava na escola

desde a sua inauguração, no turno vespertino, como pedagoga de 1ª a 4ª série, mas

foi remanejada por questões pessoais para o turno matutino, para a coordenação

dos trabalhos com os professores de 5ª a 8ª, trazendo tal situação alguns conflitos

para a pedagoga.

Participaram também, em alguns momentos formativos, a pedagoga Maria, que

atuava no turno vespertino com os professores de 1ª a 4ª série, cumprindo extensão

de carga horária no turno matutino, cuja formação inicial se efetivara na

Universidade Estadual de Minas Gerais, e a professora de Informática, Juliana, que

também possuía formação no Curso de Pedagogia, realizado em faculdade da rede

privada de ensino. Ambas participaram somente de alguns momentos, em virtude do

encerramento da extensão da carga horária de Maria e das várias atribuições de

Juliana na escola. Juliana fora aprovada em concurso público municipal, no ano de

2008, exercendo a função de professora de Educação Especial juntamente com a

professora Isabel no turno matutino.

Com essas educadoras, iniciamos os trabalhos da pesquisa na escola, trazendo,

gradativamente, outros, que, aos poucos, iam se contagiando com nossos

movimentos. Ouvindo-as narrar suas trajetórias formativas e profissionais, muitas

vezes, embaraçávamo-nos em seus discursos, uma vez que víamos nossa história

contada nas delas, pois seus percursos, várias vezes, se encontravam com o nosso.

Assim, um dos passos para o desenvolvimento deste estudo foi conhecer esses

professores, ouvir suas histórias, nos aproximar de seus feitos, de suas narrativas,

de suas buscas por fatos passados que ficaram marcados e que, agora, eram

revisitados, acompanhados de um sorriso ou um enrugar de testa. Esse movimento

nos fazia concordar com Oliveira (2007, p. 253), quando nos dizia que, “[...] ao

116

narrarem situações vivenciadas [...] os professores não apenas relatam, também

refletem enquanto relatam”.

Narrar favorecia a reflexão sobre a prática pedagógica, emanada pela busca por

passagens, fases de vida, experiências, feitos, fatos transcorridos na formação

inicial que afeta incisivamente, segundo a autora, a construção dos saberes-fazeres

docentes. Ao regressarem no tempo, reviam conceitos, analisavam posturas,

acompanhavam a mudança de seus pensamentos, encontravam-se com suas

subjetividades, desencadeando um processo de reflexão-avaliação de sua própria

vida, de seu processo formativo e de sua atuação docente.

6.2 OLHARES E PERCEPÇÕES: CONHECENDO O CAMPO PELA VIA DA

OBSERVAÇÃO

No transcorrer do período que delimitamos para a observação do dia-a-dia da

escola, procuramos sentir seus movimentos, trabalhos, suas possibilidades, seus

conflitos, suas estratégias de ensino e como o grupo (alunos, professores e demais

funcionários) estabelecia as suas relações sociais naquele ambiente de trabalho.

Nosso primeiro dia de observação realizava-se na manhã de 3 de agosto de 2007,

dia de festa para a escola, pois, segundo calendário de datas comemorativas, seria

realizada uma festa folclórica. Procuramos nos envolver com as atividades

desenvolvidas, ajudando os professores a organizar as barracas, os brindes para a

pescaria, uma caixa com produtos alimentícios que seria rifada, com a intenção de

criar vínculos iniciais com os profissionais que compunham a escola.

Tita, professora de Língua Portuguesa, já havia chegado e Carmem estava

licenciada por problemas de doença. Vendo-nos trabalhando na seleção de brindes

para a pescaria, a professora de Informática, aproximando-se, apresentou-se

sinalizando:

As meninas me falaram sobre a pesquisa aqui na escola. É só para as professoras de Português? A gente não pode participar, não? Fiquei interessada e, se puder, quero pedir autorização para a diretora para participar (PROFESSORA DE INFORMÁTICA).

117

Afirmando que sua participação era bem-vinda, pensei: “As ‘meninas’ já estão em

movimento, já estão contagiando”. Como nos dizia Cecília Meirelles, “[...] isso me

deixa extremamente feliz”.

No outro canto da sala, encontramo-nos com a professora de Ciências9

confeccionando sacolas para os brindes. Dela nos aproximamos afirmando que

tínhamos tomado conhecimento de suas preocupações com os alunos com

necessidades educacionais especiais e de suas tentativas de intervenção com eles.

De olhos baixos, sorriso nos lábios e mãos e dedos articulados na confecção das

sacolas, refletindo sobre nosso dizer conosco conversava:

Você é o cara de Português, né? As meninas me falaram sobre sua pesquisa e sobre o Grupo de Estudo. Eu quero participar. Olha, tenho tentado ajudar os meninos, mas é um pouco difícil. Tem um que tem dias nem deixa a gente tocar nele, mas acho que temos que fazer alguma coisa. Ele não pode ficar na sala sem fazer nada. Eu tento, mas acho que falta para a gente um pouco de embasamento teórico (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

Víamos o grupo contagiando. Esses movimentos que o grupo provocava entre os

demais educadores nos reportavam à Givigi (2007), quando ressalta que o processo

de interação entre as pessoas se configura como mecanismo propiciador do

desenvolvimento humano, pois é por meio dos outros e das “inter-ações”

estabelecidas nos processos dialógicos que são modificados os pensamentos e as

próprias ações, criando-se possibilidades de aprendizagens, confrontos e saberes.

O grupo movia-se, interagia, uns provocava os outros e também quem estava ao

seu lado. Tudo isso contagiava e permitia aos professores pensar em possibilidades

de tentativas para os desafios que vivenciavam em sala de aula.

Givigi (2007) nos permite pensar que contagiar significa mediar, abrir caminhos para

o outro descobrir potências, também se envolver nas relações com o outro, pois é

nelas que outras formas de ver e viver as situações desafiadoras são construídas.

9 No primeiro encontro com os professores para a apresentação da proposta de pesquisa, elas sinalizaram que a professora de Ciências apresentava interesse pelo processo educacional dos alunos com necessidades educacionais especiais, e era considerada, na escola, a profissional mais engajada e que fazia sempre tentativas de intervenção, visando a incluir os alunos nas propostas levadas para o cotidiano da sala de aula.

118

Significa abrir mão de certo poder, de relações hierárquicas, de verdades absolutas.

Simboliza trazer o outro para fazer junto, buscar alternativas de forma colaborativa.

É estar aberto ao incerto e das brechas abrir grandes rachaduras. Provocar não uma

mudança prescrita e ideal, mas mudanças possíveis naquele grupo.

Esse encontro nos dizia muita coisa, pois já sinalizava que nosso grupo estava em

movimento e que tínhamos professores com perspectivas de trabalho em relação ao

processo educacional dos alunos com necessidades educacionais especiais.

Inicialmente, parecia que encontraríamos menos resistências e mais dificuldades e

falta de conhecimentos por parte dos professores em envolver os educandos nas

propostas escolares. Para nós, isso era um sinal muito positivo e alguns passos a

mais na caminhada, pois a possibilidade de contagiar e trazer outros professores

para o grupo parecia ser muito grande.

Aproximamo-nos também da professora de História que nos informava já saber da

pesquisa e que estava muito interessada em participar, pois já havia solicitado às

“meninas” que repassassem todos os textos que havíamos de estudar:

Estou me organizando para também participar do grupo, pois encontro muitas dificuldades em trabalhar com os alunos especiais. Eles não me incomodam, são bons. Nós, professores, é que necessitamos saber como trabalhar com eles [...]. Eu acho muito importante esses alunos estarem dentro da sala de aula para terem o convívio mesmo com a gente, mas eu me sinto frustrada por não ter habilidade para lidar com eles e eu não conseguir me aproximar tanto devido o número de alunos ser muito grande na turma (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

Aos poucos nos aproximávamos dos educadores, sentindo os conflitos e

possibilidades presentes naquele cotidiano de trabalho. No pátio da escola,

encontramos com a professora de Matemática que era interpelada pelos alunos que

transitavam naquele espaço, todos fantasiados de caipiras. Aproximamo-nos da

educadora nos apresentando, falando de nosso estudo na escola. Dentre as

conversas estabelecidas, a educadora apresentava algumas dificuldades em atuar

com os alunos, informando-nos como essas questões eram trabalhadas na escola,

principalmente nos dias de planejamento:

119

Nossa maior dificuldade é não ter formação para trabalhar com esses meninos e aqui, na escola, a gente não discute esses assuntos. Nos dias de planejamento, as meninas10 já sentaram com a gente algumas vezes para saber o que a gente está trabalhando, mas não temos nenhum projeto que aborde essas questões dos alunos especiais. Nós participamos dos projetos que a escola já tem, mas não temos nenhum direcionado para essas questões. Elas sentam, vê o que a gente está trabalhando e cada um faz o seu. Quando a gente não está em formação na SEMECE, ficamos aqui na escola fazendo diário, corrigindo provas, mas nunca sentamos para discutir esses assuntos, não (PROFESSORA DE MATEMÁTICA).

Conversando com o grupo, ficamos sabendo que os professores participavam de

momentos de formação por área na Secretaria de Educação e que, nos dias de

planejamento, podiam chegar 30 minutos mais tarde na escola ou entrar no horário

normal e sair 30 minutos mais cedo, conforme relato de uma das pedagogas em

nossas conversas habituais:

A Secretaria de Educação vem garantindo dias de formação continuada para os professores na escola. Além desses dias, os professores participam de formação continuada por área. Na escola, esses processos não ocorrem. De manhã, não tem ocorrido, à tarde temos feito tentativas. Os professores, nos dias de PL, entram ou saem da escola meia hora antes, já que não trabalham diretamente com os alunos nesses dias. Quinzenalmente, temos garantido um encontro coletivo que também não ocorre, uma vez que os professores ficaram acostumados a sair mais cedo nesses dias (PEDAGOGA).

A nosso ver, tal situação se configurava como uma grande tensão, uma vez que

esse espaço garantido para planejamento e formação fora conquistado com lutas,

paralisações, passeatas, reivindicações e greves, necessitando ser mais bem

aproveitado pela escola, ficando a seguinte interrogação: o que poderia significar

esses 30 minutos de carência para o professor? Seria uma forma de dizer que esses

dias eram menos importantes que os dias normais que estariam em sala de aula?

Que rebatimentos poderiam trazer para a maneira de os professores enxergarem

esses dias? Essa foi uma tensão muitas vezes discutida em nosso grupo de

formação e que nos acompanhou nesses cinco meses de intervenção na escola.

Pensando em todos esses movimentos e na necessidade que víamos na escola em

potencializar os espaços-tempos destinados ao planejamento, reportamo-nos a

Devens (2007, p. 107) que assim nos fala:

10 A professora, ao usar a expressão “meninas”, refere-se às pedagogas da escola.

120

[...] o planejamento sistematizado das ações produz os mecanismos necessários para que o professor realize seu ensino de forma consistente. Possibilita, também, um ensino que seja capaz de atender às necessidades dos alunos e, principalmente, do professor, que, a partir de sua ação pedagógica, reflete, avalia e, se necessário, altera continuamente.

Nesse movimento, concordamos com a autora, quando nos fala que o planejamento

escolar é um dispositivo propício para o professor reavaliar sua prática, instituir

outros fazeres com seus pares, aprofundar conhecimentos e engendrar

coletivamente estratégias para a superação dos problemas enfrentados em sala de

aula. Nesse movimento, o processo de superação dos problemas passa,

necessariamente, pela fase de análise na qual se investigam suas raízes, causas e

origens, necessitando, logo em seguida, perpassarem por processos de reflexão e

enfrentamento. Isso exige dos educadores uma reflexão crítica de sua práxis, para a

(re)avaliação e potencialização de seus saberes-fazeres e de suas ações na escola,

movimento este que deve emergir nos momentos destinados a planejamento e

formação na escola.

A tensão existente nos dias de planejamento na escola nos permitia perceber que

toda essa reflexão necessitava ser retomada pelo grupo de professores,

principalmente por acreditarmos que, nesses espaços-tempos, os professores têm a

oportunidade de buscar responder a questões relativas aos objetivos traçados,

conteúdos, estratégias e avaliação das aprendizagens dos alunos, refletindo

continuamente sobre: por que ensiná-lo? O que ensinar? A quem ensinar? Como

ensinar? O que esperar? Como avaliar? (DEVENS, 2007).

Retomando o registro de nossas observações do cotidiano na escola, rememoramos

que, nesse dia de festa, fomos apresentado a dois alunos com necessidades

educacionais especiais. Tratava-se de uma jovem com aproximadamente 19 anos,

com síndrome de Down, e outro adolescente que criativamente construía um idioma

próprio, escrevendo em japonês, italiano, francês, inglês e tupiniquim. A professora

de Educação Especial que trouxera os alunos até nós informava que eles estavam,

respectivamente, na 5ª a 6ª série e que, naquele dia, o adolescente havia produzido

121

um bilhete para ela em japonês, tendo, em seguida, transcrito para a língua

portuguesa.

Vejamos o que dizia o bilhete do aluno:

Abraçando os alunos, a professora externava:

Está vendo, eles são alguns de nossos desafios. Não adianta ter o aluno aqui por ter. Vai para a Escola Paulo Freire porque lá tem especial. Nós temos que olhar esse aluno, trabalhar com ele, porque não adianta ele ficar de fantasma aqui. Nós precisamos de formação. Tendo uma formação aquele professor que não tem esse dom de trabalhar com esse aluno, que não gosta dessa dificuldade, pode ser tocado. Então, tem que ter formação pelo menos uma vez por mês (Professora de Educação Especial).

Esses momentos iniciais mostravam-nos que teríamos um grande mosaico a ser

montado repleto de ambigüidades, necessidade de potencialização de tempos e

espaços, desafios trazidos pelos alunos, como o adolescente construtor de idiomas,

mas com grandes possibilidades, pois o diálogo construído nos revelava que os

122

educadores estavam abertos a trabalhar e instituir práticas que garantissem o

aprendizado do grupo.

Dialogar com o grupo nos possibilitava criar contextos para conversarmos sobre

nossa trajetória formativa e profissional, principalmente sobre como as questões da

diversidade foram abordadas em nosso processo de formação inicial e, ainda, sobre

como lidávamos com tais situações em sala de aula. Curiosamente, esses diálogos

nos revelavam um movimento interessante existente entre o professorado que

perpassava desde a opção pela licenciatura mediante facilidade de acesso e

empregabilidade até o encontro com esse “ser educador”, construído pelos

encontros e desencontros existentes na dinâmica de ensinar e aprender. Nesse

contexto dialógico, encontrávamos a seguinte movimentação entre os docentes:

• Os professores nos diziam que a opção pela licenciatura se efetivava

mediante a facilidade de acesso ao ensino superior e a empregabilidade, não

construindo, nesse percurso, perspectivas em assumir o trabalho docente:

[...] Fiz vestibular para Odontologia, levei uma bomba e [...] quase tive um troço. Fui tentar um curso mais fácil, porque, até então, não tinha noção para onde iria. Tentei [...] Ciências Biológicas. Fiz quatro anos, mas nunca achando que ia dar aulas. Fiz Ciências Biológicas pensando em um curso que tivesse menos candidatos por vaga [...]. Nunca pensei em ser professora [...] (PROFESSORA DE CIÊNCIAS). Na verdade, não escolhi. Não escolhi. Fiz tudo na área Médica. Como só passei na primeira etapa para Medicina [...], fui fazer Pedagogia. Fui fazer Pedagogia para ver o que dava. Quando a gente entra na faculdade, eles nos perguntam o porquê de nossa opção e eu falei que tinha caído de pára-quedas, porque eu jamais pensei no curso, eu não estudei o ensino médio para fazer pedagogia (PEDAGOGA). [...] Fui fazer o Curso de Letras porque eu queria fazer um curso que me ajudasse a dar aulas mais rápido, que me trouxesse dinheiro e retorno rápido [...]. Resolvi fazer esse curso porque essa disciplina tinha carga horária maior e assim eu iria arrumar emprego rápido (TITA - PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

• Nesse mesmo movimento, a falta de perspectiva para o trabalho docente,

somada à inexistência de reflexões teórico-práticas sobre o trabalho com a

diversidade, contribuía para que as questões relativas aos desafios

enfrentados em sala de aula, principalmente os relacionados com os alunos

123

com necessidades educacionais especiais, se transformassem em uma

lacuna em seus processos de formação inicial.

Nunca! Nunca! Nunca! Sobre os alunos com necessidades educacionais especiais, nunca foi falado [...] por nenhum professor. Foi o ensino que não foi ensinado [...]. Ela falava da teoria, desses homens aí difíceis [...]. Aprendi a trabalhar com o aluno especial fora da universidade. Porque lá parece que esse menino nunca vai existir na escola. (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

As maiores dificuldades que encontro para trabalhar com os alunos com necessidades especiais não é a falta de vontade de trabalhar com eles ou questionar o porquê de eles estarem aqui. Não é isso! O que me angustia é a falta de formação. Não sei como lidar com tipos específicos de deficiência. Não somos preparados para atendê-los. Desenvolvemos o que achamos o que é certo. Mas será que o que fazemos é o certo? (CARMEM - PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

[...] Na minha graduação, eu não tive nenhum conteúdo que me preparasse para lidar com inclusão seja de que tipo for: seja de homossexuais, seja de negros, seja de alunos especiais, seja da mulher [...]. Eu tive uma formação paternalista, tradicional, teorética, quantitativa [...]. Então eu estou tendo que descobrir uma prática pedagógica de como lidar com um mundo que não é aquele que eu aprendi [...] (PROFESSOR DE GEOGRAFIA).

É justamente pensando sobre questões como essas que Beyer (2007) nos fala que

a construção de projetos inclusivos é um compromisso a ser assumido por todos os

educadores, necessitando, no entanto, de que seja problematizada a reformulação

do currículo de formação do educador, tanto na Pedagogia quanto nas licenciaturas,

de maneira que a formação contemple a heterogeneidade presente no contexto

escolar.

Pietro (2006, p. 2-3) também nos diz que

[...] o recomendável é que o planejamento da formação dos professores parta das necessidades elencadas pelo público-alvo, reunidas, preferencialmente, em consultas diretas aos profissionais, e atenda aos propósitos estabelecidos pelo sistema de ensino. Os cursos de formação inicial e continuada devem qualificá-los para analisar diversas situações que envolvem processos de ensino e de aprendizagem e para propor alternativas adequadas a cada uma delas, visando a garantir o direito de todos à educação de qualidade.

Ferreira (2005) corrobora dizendo que a questão da inclusão educacional também

perpassa a formação docente, no que diz respeito ao saber escolar e ao saber fazer

124

para todos os alunos. Sinaliza que o movimento de entrada de alunos com

deficiência nas escolas de ensino comum revitaliza essa necessidade, uma vez que

o professor, ao se deparar com tal situação, muitas vezes, não sabe o que fazer,

ficando mais complexa a situação, quando os educandos apresentam necessidades

mais acentuadas que exigem desse profissional significar o insignificável, ou seja,

dar sentido ao que se mostra sem sentido consciente.

A autora resgata a necessidade de rupturas com perspectivas teóricas que

sustentam processos formativos que caminham em uma linha de semiformação,

deformação ou idealização de professores que sozinhos se responsabilizavam por

sua formação profissional, defendendo perspectivas que entendem a atividade

docente como atividade humana, que se articulam dialeticamente com a história

social humana e com a história dos próprios indivíduos envolvidos nessa prática

social, pois, como atividade humana, é uma construção social historicamente

desenvolvida por um coletivo, portanto desenvolvida de forma grupal, na cultura,

antes de ser pessoal.

• Ir à escola, enfrentar desafios, defrontar-se com alunos com necessidades

educacionais especiais e vivenciar experiências colaborativas configura-se

como uma possibilidade de enfrentamento dessas questões de formação

docente no trabalho com a diversidade e de encontro com esse “ser

educador”.

Cheguei à escola [...] e peguei alunos com deficiência pela primeira vez. Eram muitos, mas severos mesmo [...]. O lado bom é que eu tinha apoio. [...] Eu aprendi a fazer as provas adaptativas conforme a deficiência do aluno [...]. O lado ruim foi o susto de ter crianças que eu nunca tinha tido contato, a falta de preparação. Mesmo com apoio eu também me virava sozinha. Hoje peguei o manejo da sala de aula e encontrei prazer em ser professora (PROFESSORA DE CIÊNCIAS). [...] Fui trabalhar [...] de 1ª a 4ª série na Prefeitura. Lá tinha aquela criança que eles achavam que não servia; que não aprendia; [...] aquele menino que mais precisa, então, eu pegava [...]. Tanto na Prefeitura quanto no Estado, eu só pego aqueles que eles chamam de refugo [...]. A diretora sempre me dava uma turma de defasados [...]. De certa forma, eu estava trabalhando na Educação Especial, inconscientemente e, até então, eu não sabia. Mas acho que isso é ser professora (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

125

É justamente pensando nesses movimentos trazidos pelo grupo que Zeichner (1998)

reconhece a impossibilidade de as agências formadoras apresentarem às

instituições de educação básica profissionais “prontos” para lidar com as questões

da diversidade presentes em sala de aula, bem como Freire (1992), por postular

pelo “inacabamento humano”, mas ambos conclamam o compromisso dessas

agências em forjar, no contexto da formação inicial, professores-pesquisadores, ou

seja, profissionais que lutam coletivamente pelo resgate da profissionalidade

docente e por uma Pedagogia e uma escola que consiga desenvolver o ato

educativo em contextos em que a adversidade e a diversidade humana possam ser

reconhecidas como peças integrantes do ser humano e do processo ensino-

aprendizagem.

Para Zeichner (1998), o compromisso de formar profissionais dentro dessa

perspectiva, com toda a certeza, traz contundentes contribuições para o

enfrentamento das situações presentes nas escolas de educação básica,

apresentando-se como movimento necessário e interessante, uma vez que

[...] os professores não podem figurar somente como meros executores passivos de idéias concebidas em outra parte, [pois] [...] produzem, em suas práticas, uma riqueza de conhecimentos que precisa ser, juntamente com as suas experiências, assumida como ponto de partida de qualquer processo de aperfeiçoamento de seu trabalho e de mudança na escola (ZEICHNER, 1998, p. 386).

O pensamento freireano também refletindo sobre esses movimentos, nos fala da

necessidade de o aprendiz de educador, no transcorrer de seu processo de

formação inicial, exercitar a prática do “pensar certo”, ou seja, assumir a postura de

um educador que reflete criticamente sobre as adversidades a serem enfrentadas

em sala de aula, alimentando sua ação pedagógica pela curiosidade epistemológica,

isto é, “[...] a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o

movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE,

1998, p. 38).

126

6.2.1 Observando o dia-a-dia da sala de aula e os trabalhos desenvolvidos com os alunos com necessidades educacionais especiais

Na manhã de 9 de agosto, estávamos pontualmente às 7h na escola. Quando

chegamos, deparamo-nos com um quadro que não sabíamos conceituar se era

trágico ou engraçado, ou se as duas coisas ao mesmo tempo. A professora de

Educação Especial procurava convencer um aluno a entrar na sala de recursos para

atendimento, sem grandes resultados. Já ofegante, a mãe também tentava fazê-lo

entrar, enquanto o aluno que não falava, somente emitia ruídos, apontava para sua

mochila que estava sobre a mesa da professora. Aproximamo-nos do grupo e

perguntamos o que estava acontecendo. Disse a mãe: “[...] ele não quer entrar na

sala. Ele não gosta muito de ficar aqui. Ele quer ir para a sala de aula. Não sei, mas

hoje ele está muito agitado e nervoso. Está resistente em ficar aqui na sala de

recursos”.

Perguntamos se podíamos entregar a mochila para o aluno que, ao recebê-la, deu-

nos as costas e pôs-se a caminhar rumo às rampas que dão acesso ao segundo

piso da escola. Lá chegando, entrou na sala de aula, ficando em frente ao aluno que

estava em seu lugar, como assim dizendo: “Aqui é meu lugar, levanta e procura o

seu”. Entendíamos que, com esse movimento, aquele jovem, nos dizia: “Está vendo,

se saio perco o meu lugar!”.

Afinal de contas, quem era esse aluno? Vejamos como o relato da coordenadora

pode nos elucidar sobre quem era Miguel:

Miguel tinha mãe e pai quando ele entrou aqui. O pai dele faleceu há mais ou menos dois anos. Ele é autista. Tem laudo. Quando ele entrou na escola, entrou na 1ª série [...]. Na época, ele tinha 13 anos. Hoje, ele tem 16. E como ele não sabe ler e escrever, a gente achou que o melhor lugar seria a 1ª série e não foi. A professora não dava conta dos 26 alunos para alfabetizar e mais o Miguel que era autista [...]. Ninguém sabia se comunicar com Miguel [...]. Descobrimos que era preciso mandá-lo ao banheiro, caso contrário, ele ficava o tempo todo sem ir [...]. Ele ficou na 1ª série porque nenhum professor queria Miguel. Como ele tinha sido matriculado nessa série, a professora não podia rejeitar. Não podia fazer nada. Na verdade, todos os professores corriam de Miguel. Não era não querer o Miguel, mas sim a dificuldade dele. Aí, ele completou o ano na 1ª série, sendo assistido individualmente pela professora de Educação Especial. Ficamos um ano e meio para ele fazer o ‘M’ [...]. Terminado o ano, foi avançado para a 4ª série, não pelo aprendizado, mas pelo

127

tamanho. Ele trazia muitos desafios. Tirava a calça no recreio, porque estava com coceira no bumbum. Veio para a 5ª série A que é a mais complicada [...]. De maio para frente, ele parou de desenvolver porque o pai ficou internado e ele ia ao hospital todo dia junto com a mãe. Ele ficava horas segurando a mão do pai. O pai faleceu e a mãe não contou o fato para ele. Ele não viu o pai morto. A mãe casou-se novamente e foi Ana – a aluna com síndrome de Down, que é sua prima – que contou para ele sobre o falecimento do pai. Com a morte do pai, ele voltou à estaca zero (Coordenadora Escolar).

Ele não era o aluno que o professor esperava encontrar em sala de aula, não era

aquele para quem esperava dar aulas. Ele paralisava ações e dava visibilidade à

falta de conhecimento docente para lidar com sua aprendizagem. Não falava, não

copiava, não fixava seu olhar, era tido como vazio. Carregava as marcas do discurso

biologizante que, historicamente, vem marcando a trajetória de sujeitos com

deficiência, ou seja, era reduzido às marcas do orgânico, como se fosse somente

um sujeito biológico (GIVIGI, 2007).

Miguel era autista, portanto carregava o mito de que não falaria, isolar-se-ia em seu

mundo particular, não manteria comunicação com os que estavam ao seu redor,

portaria a ecolalia e não subjetivaria as relações estabelecidas em seu meio social.

Oliveira (2002) fala-nos que um dos maiores desafios que a escola e a sociedade

enfrentam no processo de compreensão de sujeitos com essa síndrome é a

dificuldade de se afastar desse mito. Para a autora, “[...] o mito poderá acarretar um

erro perigoso, pois nos satisfazemos e não procuramos compreender

verdadeiramente uma incógnita. A crença no mito dificulta o reconhecimento da

dúvida, a identificação do problema” (p. 31). Miguel era autista, portanto, para a

escola, reproduzia o estereótipo de indivíduos com tal marca.

Oliveira (2002) salienta que o autismo é uma síndrome ainda em processo de

estudo, uma vez que não se tem conhecimento de sua origem e quais fatores

acarreta. Segundo a autora, algumas vertentes a compreendem como uma

síndrome causada por fatores biológicos, outras por ordem genética e, ainda, por

distúrbios do funcionamento do cérebro e por dificuldades na linguagem.

128

Nas palavras da autora (2002, p. 43),

A síndrome do autismo é uma temática geradora de polêmica. Existem hoje diversas correntes teóricas que se debruçam sobre o estudo a respeito das possíveis causas do autismo, favorecendo nitidamente uma concepção que indica a possível multideterminação dos fatores associados à etiologia [...]. A complexidade dos fenômenos associados ao quadro permite a coexistência de diferentes ‘verdades’, que se afirmam como inevitavelmente parciais. Restam, portanto, muitos elementos motivadores para posteriores investigações.

Assim sendo, nos fala que o rótulo “autista” traz consigo a colocação de limites –

limites para aprender, para falar, para comunicar-se, para interagir – como se a

associação entre autismo e limitação fosse inevitável, influenciando intensamente as

idéias acerca da etiologia dessa síndrome na opção por uma abordagem ou outra de

“tratamento”.

O estudo de Oliveira (2002), ao buscar construir algumas reflexões acerca da

necessidade de sujeitos com autismo serem subjetivados dentro de uma perspectiva

histórico-cultural, fala-nos que o diagnóstico dessa síndrome, embora seja

geralmente realizado por meio de observações, procurando, privilegiar aspectos

qualitativos e distanciar-se da avaliação psicométrica da deficiência mental, na

realidade, o que se efetiva é a supervalorização das “faltas” que essas pessoas

apresentam.

[...] Quando examinamos a maioria dos laudos e relatórios psicopedagógicos, podemos constatar uma grande lista de termos negativos como ‘não pode’, ‘não consegue’, ‘não chega’, ‘não tem’, ‘não domina’, ‘não faz’ etc. poucas vezes descrevem características que indicam potencialidades/recursos – que com toda certeza existem – como também não ajudam os responsáveis por aquela criança a encontrar possibilidades para a mesma (OLIVEIRA, 2002, p. 50).

Nesse movimento, afirma que seria conveniente passar do “não consegue” ao “é

capaz de”, pois a avaliação e a identificação das necessidades educativas especiais

deveriam ter como base o currículo para serem destacados os apoios de que o

aluno necessita. Para a autora, o autismo “[...] é uma possibilidade de vida entre a

ampla gama de diferenças que existem entre nós [...] [sendo esta síndrome], muitas

vezes a disparadora de mecanismos de defesa naqueles que interagem com tais

sujeitos” (OLIVEIRA, 2002, p. 51).

129

Assim, Miguel necessitava ser subjetivado como sujeito histórico-cultural, como

aluno, como pessoa, para além das limitações intelectuais que carregava. Rocha

(2000) nos diz que a Teoria Histórico-Cultural entende o desenvolvimento humano

como um processo complexo e dialético, caracterizado por desproporcionalidade no

desenvolvimento de várias funções, complexas combinações de processos de

evolução e involução, complexas misturas de fatores externos e internos e pelo

processo de adaptação e de superação de dificuldades. Por isso, Miguel era

complexo, indivisível, concreto, com vontade própria, sensível, capaz de perceber e

compreender o que se passava ao seu redor, necessitando das mediações

pertinentes para organizar esses movimentos.

Olhamos para a mãe do aluno, para a professora de Educação Especial e para o

professor regente, arregalamos os olhos, sorrimos e dissemos que ele sabia onde

era o lugar dele: se todos estavam em sala de aula, por que só ele ficaria na sala de

recursos? O aluno, indiferente à nossa presença, sentou, cruzou as pernas,

balançou-as e começou a mexer os dedos e a observá-los. Olhando o aluno, dizia-

nos o professor regente:

O negócio dele é ficar aqui no meio dos outros. Fica as cinco aulas assim parado, de pernas cruzadas, mexendo os dedos. Ele fica na sala de aula e não atrapalha, não incomoda. Ele não gosta de toque, mas gosta de ficar observando a sala. Ele fica na sala e não traz nenhum problema (PROFESSOR REGENTE).

Ficamos pensativo sobre a situação trazida pelo aluno e a afirmativa “Ele não

incomoda”. Como não incomoda? Como pode o menino ficar ali parado cinco aulas

sem fazer nada e isso não incomodar ninguém? Aproveitando a deixa trazida pelo

aluno, perguntamos ao professor se podíamos observar como os alunos especiais

se relacionavam em sala de aula e como eles se envolviam nas atividades ali

trabalhadas. Continuava nos dizendo o professor:

Essa é a turma mais difícil de ser trabalhada, porque a maioria dos alunos especiais estão aqui. A turma é bem agitada e temos seis alunos especiais aqui, fora os meninos com dificuldade na aprendizagem. Quando formamos a turma, achamos que colocando todos os especiais juntos, acalmaríamos os alunos agitados. Isso não aconteceu e virou esse problema que você está vendo. A maioria da turma não acompanha os conteúdos que trabalhamos (PROFESSOR DE MATEMÁTICA).

130

Na turma era a 5ª série A, considerada o grande desafio para a escola, o professor

fazia uma revisão do conteúdo programático de Matemática que seria cobrado na

Olimpíada de Matemática, elaborada pelo Ministério da Educação e absorvida pela

unidade de ensino.

A professora de Educação Especial também nos acompanhou até a sala de aula e

sentou-se ao lado de Miguel. Por ela, ficamos sabendo os alunos trabalhados pela

Educação Especial na escola. A maioria deles apresentava percursos diferenciados

em relação à leitura e à escrita, estando alguns em processo inicial de alfabetização.

Nos 50 minutos destinados àquela aula, o professor procurava controlar a disciplina

da turma, explorar o conteúdo programático, ficando à margem da intervenção os

alunos com necessidades educacionais especiais ou aqueles que não

acompanhavam ou não compreendiam os conhecimentos ali trabalhados.

Mais tarde, em conversa com a coordenadora escolar, indagamos os motivos que

levaram a escola a colocar todos os alunos com necessidades educacionais da 5ª

série na mesma turma, reafirmando a justificativa apresentada pelo professor de

Matemática.

A formação dessa turma foi uma experiência da escola, ou seja, essa grande quantidade de alunos com deficiência na mesma turma. Colocamos as crianças com deficiência lá porque, como a 5ª A era a turma mais apimentada, nosso pensamento foi que, se a gente juntasse todos os deficientes, a sala que era uma sala polvorosa ia sossegar em respeito aos deficientes. Mas nada disso aconteceu. A turma ficou mais difícil ainda de se trabalhar. Erramos, mas era o dávamos conta de acreditar na época. Ano que vem a gente já viu que tem que ser diferente (COORDENADORA).

A configuração dessa turma suscitava, em nós, muitos questionamentos e

sentimentos. No entanto, tomamos a decisão de pensá-la como um movimento da

escola, como uma tentativa ou busca por soluções para os desafios que os alunos

da 5ª série traziam para aquele contexto, pois nos diziam os professores: “Foi uma

experiência da escola”, “Foi uma tentativa, mas a gente viu que não deu certo”.

Lançando um olhar prospectivo para essa iniciativa, Alarcão (2001) nos diz que a

escola necessita construir a cultura do “pensar a si própria”, pela via de momentos

131

processuais coletivos de avaliação e formação de sujeitos envolvidos no processo

educacional, de modo que todos conheçam, vivam, critiquem e assumam essa

cultura. Víamos na escola um movimento avaliativo para essa iniciativa, pois

também externavam os educadores: “Vimos que não deu certo. Ano que vem já

pensamos fazer diferente”.

Outra vertente dessa reflexão, que muitas vezes levantamos no grupo, dizia respeito

aos prejuízos que as demais turmas sofriam pela acomodação dos alunos com

necessidades educacionais na 5ª série A, pois essa iniciativa, além de trazer outros

desafios para as práticas dos professores, desfavorecia os alunos que não

estudavam naquele contexto, principalmente por acreditarmos que

[...] a convivência de crianças ditas normais e aquelas com deficiência favorece a quebra de preconceitos e permite o estabelecimento de relações que nelas ampliam a aquisição de valores e de aprendizagens os quais dificilmente seriam desenvolvidos em contextos ausentes dessa realidade (FIGUEIREDO, 2002, p. 71).

Ter alunos com necessidades educacionais nas diversas salas de aula permite,

também, aos professores beneficiar outros alunos com estratégias de ensino

diferenciado, pois a presença desses sujeitos contribui para que a prática docente se

torne mais exigente, sensível, rica em recursos didáticos e metodológicos, fazendo

com que o educador perceba que os alunos aprendem muito mais do que sonhamos

ou esperamos.

Na aula de Matemática, o professor distribuiu uma atividade em folha xerografada

para a turma, apresentando a mesma atividade para todos os alunos ali presentes,

tanto para os alunos com necessidades educacionais especiais, os com percursos

de aprendizagens mais diferenciadas, quanto para aqueles que davam conta de

resolver os desafios matemáticos ali propostos.

Miguel mostrou-se indiferente à folha colocada sobre sua mesa. O tempo foi se

passando e o aluno fixava seu olhar em um vazio constante. De vez em quando,

olhava para a professora de Educação Especial e voltava-se novamente para o

vazio que encontra em sua frente. O professor chamava a atenção da turma para se

132

empenhar na resolução dos desafios propostos. A professora nos apontava uma

outra aluna atendida pela Educação Especial. Mais tarde, a coordenadora escolar

nos trouxe algumas informações sobre a aluna.

Rogéria, eu acho que é uma criança hiperativa. Ela não tem diagnóstico. É uma criança inteligente, dentro dos limites dela. O que Rogéria precisa e a escola não pode oferecer é uma pessoa que fique ao lado dela o tempo todo, porque com uma pessoa ao lado dela, ela desenvolve todas as atividades [...]. Ela foi encaminhada para a Educação Especial porque anda muito, só faz alguma coisa se tiver ajuda, atrapalha os colegas, gasta um lápis por dia, porque vai à lixeira toda hora para fazer ponta. Lê, escreve e interpreta com muita dificuldade (COORDENADORA ESCOLAR).

Tratava-se de Rogéria que sorria, mexia nos cabelos loiros presos em duas tranças,

cumprindo o dito pela coordenadora escolar. Ela se levantava, ia da primeira carteira

para a última e vice-versa, pegava seu material, entregava uma folha em branco

para a professora de Educação Especial, andava, levantava, sentava, abria o

caderno, copiava as atividades propostas pelo professor de Matemática, mas não

conseguia resolvê-las.

No fundo da sala de aula, encontramos outra aluna atendida pela profissional de

Educação Especial na escola. Como não conseguia resolver as atividades

programadas, passava também a copiá-las no caderno. Sentando ao seu lado,

propusemo-nos a ajudá-la, respondendo-nos que não iria resolver a atividade,

porque havia faltado a aula anterior e precisava colocar a matéria em dia, senão ia

reprovar. Na escola, era considerada aquela que não acompanhava os conteúdos

programáticos, “vivia no mundo da lua”, falava e andava demais e inventava

histórias.

A coordenadora escolar assim nos falou sobre a aluna:

Escreve aí Sabrina é uma peça rara. Diamante negro [...]. Ela é carinhosa, apresenta quase a mesma situação de Rogéria. Sabrina e Rogéria são quase a mesma coisa. Levanta demais, conversa demais e não faz as atividades. Mas a pior parte são as fantasias. Quando ela estava na terceira série, chegava à escola e dizia que Sandy e Júnior tinham feito uma festa para ela [...]. Chegava à escola, contava para os colegas e a confusão estava armada e eu tinha que entrar em sala para acalmar os ânimos da garotada [...]. Os meninos mexiam com ela, ela arrumava confusão, chorava, batia e apanhava [...]. Teve uma vez que teve um trabalho para nota. Foi na semana que João Paulo II morreu, e ela chegou chorando dizendo que não tinha feito o trabalho porque tinha acabado de

133

chegar do enterro do Papa [...]. E aí você já imagina o que aconteceu. A confusão já estava arrumada e eu tinha novamente que entrar em ação (COORDENADORA ESCOLAR).

Sabrina trazia questões que a escola não conseguia responder e toda essa

“inventividade” provocava movimentos na sala de aula que a colocava como aquela

que se apresentava dispersa, desatenta, com “dificuldades” em acompanhar os

conteúdos trabalhados pelos professores, não compreendida por estes profissionais,

inventando histórias e, além desses “predicativos”, mexendo com a “organização

disciplinar” da sala de aula, tendo, no entanto, necessidade de ser apoiada pelo

setor de Educação Especial da escola.

Beyer (2007) nos diz que escolas inclusivas necessitam romper com olhares que

focalizam as “deficiências/dificuldades” dos sujeitos que nela habilitam. Não significa

desprezá-las, mas não colocá-las como carro-chefe das aprendizagens de seus

alunos, caso contrário, a valorização da pessoa fica prejudicada. Sabrina, sem laudo

que instrumentalizasse a escola dizer o que carregava, portava o predicativo de

“diamante negro”, simbolizando todos seus “déficits”, seus “não-fazeres” e sua

“inventividade”, que muitas vezes, servia de fuga para situações complexas e

conflituosas em que se envolvia.

Aos poucos, íamos conhecendo os alunos com necessidades educacionais

especiais da 5ª série A, restando-nos encontrar com Ana, aluna com síndrome de

Down, que há dias vinha se ausentando das atividades escolares por problemas de

doença. Na primeira fila, próximo à parede, encontramos uma aluna que ficava de

cabeça baixa também atendida pela professora de Educação Especial. Como não

conseguia resolver as atividades de Matemática, ocupava-se escrevendo algo em

seu caderno. Era uma adolescente muito tímida e introspectiva, falava praticamente

sussurrando e, segundo informações dos educadores, não acompanhava os

conteúdos trabalhados por nenhuma disciplina:

Daniela é uma menina boa, mas muito pacata [...]. Ela tem muita dificuldade de se comunicar, mas se desenvolveu muito na socialização. Quando interpreta, faz com muita dificuldade. Matemática é tenso para ela. Um mais um para ela é cinco. Ela também não faz interpretação. Ela tem umas questões muito interessantes e ao mesmo tempo esquisitas. A gente está conversando alguma coisa com ela sobre um determinado assunto

134

[...]. Ela fala coisas que não tem nada a ver com aquele momento [...]. Ela é muito calada, introspectiva, com muita dificuldade de se comunicar, tanto usando a fala quanto a escrita. Ela já ficou reprovada algumas vezes (COORDENADORA ESCOLAR).

Outros alunos apresentavam dificuldade em acompanhar os conteúdos

programáticos e “suas dificuldades de aprendizagem” os levavam até o atendimento

ministrado pela professora de Educação Especial, ganhando, assim, o predicativo de

“especiais” por toda a escola. Como o caso de Mari que, por não acompanhar os

trabalhos desenvolvidos em sala de aula, também era considerada uma aluna com

necessidades educacionais especiais pela escola:

Mari a gente precisa trazer de rédeas curtas, porque ela é fogo na roupa. Ela é bem pra frente, respondona, mente muito. Já conversei com ela e disse que, se ela melhorar no comportamento, ia colocá-la no grupo de dança rítmica. Não quer nada com nada. Não faz as atividades, anda, fala, conversa, atrapalha e não aprende o que precisa aprender (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICA).

Na aula de Matemática, o tempo ia se esgotando, fazendo com que o professor

procurasse animar os alunos a concluírem a atividade. Os que tinham dado conta de

resolver começavam a afirmar que tinham terminado, aqueles com mais dificuldades

se mostravam indiferentes às tentativas do professor. Dado o sinal, todos os alunos

gritaram, uma vez que era aula de Educação Física e era algo que despertava o

interesse deles. Essas primeiras observações nos apontavam a 5ª série A como

lócus de nosso processo de intervenção, mediante o número de alunos com

necessidades educacionais especiais e os desafios presentes na turma.

Parar e observar esses movimentos nos permitia verificar que a própria história de

constituição da escola fomentava dificuldades para a definição dos alunos a serem

trabalhados pelo setor de Educação Especial, dificultando, assim, a elaboração de

projetos que visassem a apoiar os alunos que apresentavam percursos de

escolarização mais diferenciados, mas que não apresentavam nenhum tipo de

deficiência. A inexistência dessa definição e reflexão na escola colocava os

trabalhos da Educação Especial como único apoio para professores e alunos,

estando conjugada a idéia de que os alunos assistidos pela especialista eram

sujeitos que apresentavam algum tipo de deficiência para a escola.

135

[...] A gente pensa que especial é Ana e o Miguel, mas não é. Às vezes eles são muito mais normais que uns que estão com dificuldade em casa, na família, aquela coisa toda. E aí me pergunto: quem é o aluno especial? Tínhamos alunos que não tinham as deficiências dos dois, mas pareciam precisar de mais ajuda que eles (PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Percebo que existe uma grande indefinição do que é um aluno especial, porque parece que existe um discurso comum: qualquer aluno que tem alguma dificuldade é especial. Qualquer aluno que conversa um pouco mais é hiperativo. Então, acho que nós temos um problema de conceitos [...]. Então, ser preguiçoso também é ser especial? [...] A gente precisa saber quem é realmente o aluno especial. Nós estamos no ‘achômetro’ (PROFESSOR DE GEOGRAFIA).

Refletindo sobre os movimentos presentes nessas observações e na caracterização

dos alunos que apresentavam maiores desafios para a escola como sujeitos que

apresentavam necessidades educacionais especiais, somos levado a concordar com

Meirieu (2002, p. 67), quando sinaliza que “[...] sempre que se tenta educar, sempre

há ‘resistência’ e uma forte resistência. Qualquer um que assuma a tarefa de educar

[...] sabe que se vive o tempo todo no fio da navalha”. Neste movimento, vencer

resistências faz parte do processo de ensinar/aprender. Assim sendo, acreditamos

que classificar os educandos como sujeitos com ou sem deficiência nos parece uma

ação inválida, quando não dispomos de estratégias de ensino que venham dialogar

com suas necessidades ou potencialidades ou, ainda, reconhecer que esses sujeitos

percorrerem percursos de aprendizagens diferenciadas. Não levar em conta esses

movimentos no trabalho realizado em sala de aula simboliza descaracterizar esse

sujeito concreto repleto de anseios, necessidades e aspirações a serem respondidas

pelo ato educativo.

Mantoan (2002) nos diz que o conhecimento é fruto da coordenação de idéias e se

engendra quando se aprende fazendo, investigando, errando, acertando,

experimentando, ousando, criticando, duvidando, opinando, pois aprendemos

quando resolvemos nossas dúvidas, superamos nossas incertezas, quando

satisfazemos nossa curiosidade. Assim sendo, acreditamos que nosso desafio,

como educadores, é ensinar, independentemente do percurso de aprendizagem do

aluno. É reconhecer o outro e a nós mesmos como sujeitos singulares, que

estabelecem vínculos entre si, pois é assim que nasce nosso entendimento, nossa

compreensão.

136

6.2.2 A Olimpíada de Matemática: conhecendo um pouco mais do cotidiano escolar

Passados alguns dias, observamos a realização da Olimpíada de Matemática.

Todos os professores estavam envolvidos nessa atividade. Na 5ª série A, Miguel e

Ana não haviam comparecido à escola, uma vez que não teriam condições de

resolver a atividade. Problematizamos com a professora de Educação Especial o

porquê de a escola não ter elaborado outras atividades para esses alunos, ficando

tal questão sem uma resposta precisa.

Observamos que as avaliações se encontravam armazenadas em um envelope

lacrado, despertando a curiosidade dos alunos que já estavam em sala de aula.

Dado o sinal, o envelope foi aberto e foi apresentada uma folha amarela que

aumentava a euforia dos alunos. Às 7h30min, todos os alunos já estavam com a

atividade sobre a mesa. Mediante a dificuldade em resolvê-las, curiosamente, às

8h28min já haviam perdido o interesse pela olimpíada.

Os alunos queriam tirar algumas dúvidas com a professora que dizia não poder

ajudá-los por não ser professora de Matemática. O professor da disciplina chegou

até a porta e os alunos começaram a gritar: “Professor, o que é perímetro?”.

Fazendo uma demonstração no azulejo fixado na parede, ele procurava responder à

pergunta dos alunos, mas sem muito sucesso.

Percebíamos que, diante da atividade, os alunos tinham reações diferenciadas,

desde o interesse pela leitura do material, tentativa de resolução, olhares vazios e

logo, em seguida, fixados nas folhas de papel e outros se mostrando indiferentes,

pois já haviam internalizado que não conseguiriam resolver as questões.

Passamos a observar os alunos com necessidades educacionais especiais que

haviam comparecido à escola. Rogéria, como não conseguia resolver a atividade,

fazia de seu casaco azul claro uma cabana e nele escondia sua cabeça deitada

sobre a mesa. Fixamos nela nosso olhar e estabelecemos o seguinte diálogo:

137

Pesquisador – [Baixinho falamos] Lê a atividade. Aluna – [De cabeça baixa e escondida, nos falava sussurrando] Já li.

Pesquisador – Faz a atividade! Se concentra. Aluna – [Balançando uma das mãos, sinalizando que a deixássemos em paz, nos dizia sussurrando] Acabei. Pesquisador – [Voltamos a falar baixinho] Lê de novo. Aluna – Já li, respondia sussurrando novamente.

Pesquisador – Tem certeza?

A aluna, balançando a cabeça afirmativamente, fez um casulo com seu casaco,

escondendo sua cabeça, esperando o tempo passar, mostrando-se indiferente às

nossas solicitações.

De repente, Rogéria se põe novamente a caminhar e sentar de carteira em carteira.

A professora retorna com ela para seu lugar. Com tantas idas e vindas em nossa

cabeça, formava-se a seguinte indagação: “Tempo ocioso e crianças combinam?”.

No outro canto, Daniela, a aluna introspectiva, olhava para o vazio, enquanto

Sabrina, a aluna que gostava de inventar histórias, começava a copiar a atividade

em seu caderno. De repente, os alunos começaram a gritar: Acabei! Acabei! sendo

informados pela professora que somente poderiam entregar a atividade às

10h30min. Logo em seguida, os alunos expressaram o desejo em tomar água e ir ao

banheiro: “Professora, quero ir ao banheiro, estou apertada”, “Professora, estou com

sede”. Assim que atendeu ao primeiro pedido, a turma ficou incontrolável, pois todos

os alunos não queriam aguardar o colega voltar e esperar a sua vez. A professora,

procurando acalmar os ânimos dos alunos, incentivava-os a reler o material e ter

cuidado com o preenchimento do gabarito que seria distribuído. Em resposta, eles

diziam: “Já li! Já acabei! Tô com sede!”.

Enquanto os alunos preenchiam o gabarito da avaliação, a professora mostrou-se

curiosa em saber o que anotávamos em nosso Diário de Campo, dizendo-nos que

gostaria de ver coisas que não conseguia ver, uma vez que os desafios encontrados

em sala de aula não favoreciam tal exercício, mas que tinha vontade de ter esse

tempo. Nessa conversa, problematizamos a ausência de Miguel e Ana.

Pesquisador – Fiquei pensando no Miguel e na Ana. Hoje eles não compareceram e não programamos nenhuma atividade para eles. Fico

138

pensando por que trabalhamos com essas atividades, uma vez que sabemos que nem todos os alunos conseguem resolver. E se tivesse um aluno cego aqui, como ele faria? Não houve adequação da atividade para alunos com essas deficiências e para nenhuma outra. Professora – É mesmo, a gente acaba não pensando nessas coisas. Mas acho que a situação tem que mudar de lá [fazendo menção ao sistema]. Queria que você sentasse perto da Daniela. Fico pensando o que passa na cabeça dela com uma atividade assim. A Rogéria é inteligente, mas não pára. Mas a Daniela...

Refletindo sobre a avaliação no contexto escolar e principalmente sobre como os

alunos se comportaram mediante essa proposta de atividade observada, somos

levado a concordar com Mantoan (2005), quando nos diz que uma boa avaliação é

aquela que é planejada para todos, em que o aluno aprende a analisar a sua

produção de forma crítica e autônoma. Ele deve dizer o que aprendeu, o que acha

interessante estudar e como o conhecimento adquirido modifica a sua vida. A função

da avaliação não é medir se a criança chegou a um determinado ponto, mas se ela

cresceu. Esse mérito vem do esforço pessoal para vencer as suas limitações, e não

da comparação com os demais.

Pensando sobre a ausência dos alunos com diferença significativa nessa atividade,

também nos reportamos à Anache e Martinez (2007) que nos dizem que a avaliação

necessita romper com práticas classificatórias que tendem a estimular a reprodução

mecânica dos conteúdos, privilegiando a competitividade e não o trabalho coletivo.

Ela deve, portanto, ser parte do processo, permitindo a participação de todos os

envolvidos, com o objetivo de retroalimentar o aluno e o professor por meio de

monitoramentos constantes e não periódicos.

Nas palavras das autoras:

[...] a avaliação é parte do processo de planejamento do ensino-aprendizagem, devendo ser, portanto, um instrumento de transformação das práticas instituídas, uma vez que ela é imprescindível para provocar reflexões e com isso a construção de estratégias de ensino que possam promover a aprendizagem de todos (ANACHE; MARTINEZ, 2007, p. 53).

Dado o sinal estipulado para a entrega das atividades, os alunos gritaram em

manifestação de alívio e libertação, pois já haviam “concluído” a atividade há muito

139

tempo. Na sala dos professores, os educadores já haviam iniciado a correção das

atividades, não apresentando surpresa alguma os resultados apresentados, pois já

sabiam quais os alunos se sairiam bem ou mal na Olimpíada de Matemática.

A cada correção das atividades que envolviam a Olimpíada, os professores faziam

um comentário acerca dos alunos. Entrando na sala com as atividades da 5ª A, a

professora responsável pela turma, rememorando nossa conversa, pedia silêncio

aos colegas dizendo:

Estive conversando com o Alex e ele tocou em um assunto que eu não tinha parado para pensar. Se tivesse um aluno cego ali, como ele iria resolver a atividade. Eu acho que, uma vez por mês, nós temos que sentar aqui na escola para conversar sobre essas coisas, para desabafar e conversar sobre tudo que acontece aqui na escola. Vi que não era só os alunos especiais que encontraram dificuldade em resolver as atividades, mas outros alunos também. O sistema fala para a gente respeitar o ritmo de cada aluno, que cada um tem o seu tempo e agora vem com uma atividade como essa (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

Um silêncio profundo se fazia na sala, permitindo-nos ver que tal situação havia

provocado os professores que, sem resposta à situação, puseram-se a pensar ao

invés de responder. De repente, uma simples oração quebrava o silêncio.

Ia ser igual ao Miguel. Ele ia ficar em casa. A prova tá difícil mesmo pra eles. Os meninos especiais a gente já sabe que eles não conseguem fazer, mas tem um montão de menino que não é especial que também não dá conta. Aí, vai no chute mesmo! (PROFESSORA DE MATEMÁTICA).

Esse discurso nos angustiava, pois revelava não somente a exclusão de Miguel da

atividade avaliativa, mas de outros alunos que, de “corpo presente” em sala de aula,

já eram reconhecidos como incapazes de desenvolvê-la. Esse movimento, mais uma

vez nos aproxima do pensamento de Figueiredo (2002), quando nos fala do quanto

ainda temos que avançar para construirmos propostas de trabalhos dentro de uma

perspectiva de escola inclusiva, pois, na tentativa de garantir a homogeneidade da

turma, a escola excluía aqueles que se diferenciavam. A avaliação, mesmo que sem

intenções explicitas, acabava caminhando nessa perspectiva. Avaliar dentro de uma

proposta pedagógica inclusiva significa para a autora reconhecer que as diferenças

140

são inerentes ao gênero humano, pois elas nos fazem distintos, inigualáveis e sem

possibilidades de repetição. Cada ser humano é essencialmente singular pelas suas

diferenças, por isso apresenta ritmos e caminhos diferenciados para aprender,

necessitando, conseqüentemente, de dispositivos diferenciados para

acompanhamento de suas aprendizagens.

A professora Carmem mostrava-se indignada com a situação, informando-nos que

estivera sabendo que haveria também a Olimpíada de Língua Portuguesa.

Agora vamos ter Olimpíada de Português, você está sabendo? Olha, não concordo, não. A comissão que vai organizar serão professores de sala de aula. Assim não vale. Eu preparo as questões e trabalho com elas em sala de aula. Falaram que vão selecionar os alunos que têm média acima de 7 para fazer a prova. Isso não é exclusão? Depois que você começou a conversar com a gente, fiquei pensando sobre isto. Os alunos não são diferentes? Cada um não sabe coisas diferentes? Como vamos dar uma mesma prova? Alex, tô te falando isso só para desabafar [...]. Só fiquei pensando se isso não é exclusão, porque a gente está conversando sobre isso em nossos encontros (CARMEM – PROFESSORA DE PORTUGUÊS).

Mais tarde, conversando com o grupo que se mostrava indignado com a Olimpíada

de Matemática, refletíamos sobre os sentidos e significados da inclusão de alunos

com necessidades educacionais especiais nas escolas de educação básica. Para

nossa alegria, o grupo de educadores que, anteriormente, sinalizava cair de pára-

quedas no magistério, com uma lacuna existente em seu processo de formação

inicial sobre as questões da diversidade, nos revelava que as experiências

construídas no âmbito educacional lhes possibilitavam compreender o movimento de

inclusão escolar como um grande desafio a ser assumido, mas, também como

compromisso a ser respondido por aqueles que fazem da escola uma aposta para a

construção de uma sociedade mais justa e aberta ao diálogo com as diferenças

humanas, pois assim refletiam os educadores sobre esse movimento:

Antes, eu achava assim... Inclusão! Como isso vai acontecer? Eu achava que não tinha nada a ver. Agora, o que é inclusão? [...] É você inserir esses alunos, que são ditos especiais, cada um com a sua habilidade, juntamente com os outros aqui na sala de aula. É buscar meios para esses alunos terem as mesmas oportunidades que os outros (CARMEM - PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

141

Foi justamente com essas reflexões, que passamos a compreender um sentimento

que muito abatia os educadores, ou seja, uma sensação de frustração, pois se

sentiam implicados com o processo educacional dos alunos com necessidades

educacionais especiais e, ao mesmo tempo, não sabiam lidar com tantas questões

trazidas por eles. A falta de aprofundamento teórico e prático e de discussões na

escola sobre o movimento de inclusão escolar fomentava esse sentimento entre o

professorado que muitas vezes saía angustiado e sem noção do que fazer com

essas crianças em sala de aula:

[...] Frustrada [...]. Eu vou alfabetizar! Todos falavam. Eu não consegui fazer isso [...]. Quem conseguiu foi a professora de Educação Especial. Não consegui controlar a turma que é agitada e atender os dois [...]. Sinto dificuldade e precisava de uma pessoa como você para falar: ‘Adriana, pára de trabalhar A, E, I, O, U porque ela já sabe’. Senão eu estaria liga A com A, E com E até hoje. Preciso de informações, de mais informações, de como fazer essas atividades no início do ano. Para eu não ficar igual agora. Eu tô me sentindo frustrada, queria ter saído desse lugar com eles, mas não saí. Não digo isso porque quero contar vantagem, mas porque me sinto compromissada, porque quero vê-los crescer [...]. Preciso de ajuda em como fazer uma atividade para eles crescerem. Eu quero vê-los crescer, que é agora a minha meta. Como eu quero ver os meus 33 alunos crescendo, eu quero os dois, Ana e ele também. Fiquei meio frustrada. (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

[...] Não vou dizer para você que houve dificuldade, eu vou dizer que houve falta de informação [...]. Eu consegui atingir os objetivos, por exemplo, do ponto de vista do relacionamento, da relação com os meninos, de estabelecer um vínculo afetivo com eles, isso aí eu consegui. Agora, em termos de conteúdo, não [...]. Como pessoa deu tudo certo, mas como geógrafo, esta resposta eu não tive e continuo sem ela. Isso provoca um sentimento de frustração sempre quando a gente fecha o ano letivo e faz um balanço do trabalho que desenvolvemos com os alunos (PROFESSOR DE GEOGRAFIA).

Talvez seja pensando em situações como essas que Alarcão (2001) nos fala da

necessidade de provocarmos uma mudança paradigmática na escola, ou seja,

concebermos os desafios da práxis educativa como momentos fecundos de

formação docente, assumindo o trabalho com a diversidade humana com

compromisso de todos e, nesse movimento, trabalharmos coletivamente para a

construção de propostas curriculares que dialoguem com as necessidades trazidas

pelos educandos para o contexto da sala de aula, pois somente assim “[...]

olharemos o currículo a uma nova luz e responsabilizaremos a escola e os

professores para, juntamente com os alunos, o instituírem na ação concreta”

(ALARCÃO, 2001, p. 13).

142

Sá-Chaves e Amaral (2000), refletindo sobre o sentimento de frustração provocado

pelo trabalho solitário desenvolvido em sala de aula, nos fala da necessidade de

promoção de parcerias com todos os sujeitos envolvidos de forma direta ou indireta

com os trabalhos assumidos pela escola, pela via de supervisão reflexiva e crítica da

ação docente, pois essa perspectiva colaborativa possibilita ao grupo escolar

acompanhar os trabalhos realizados em sala de aula, a gestão curricular elaborada

coletivamente, as relações interpessoais, os conhecimentos produzidos, o

desenvolvimento profissional, a gestão de projetos educativos, “[...] enfim, tudo o

que se possa desenvolver no âmbito das funções sociais que estão cometidas à

escola” (SÁ-CHAVES; AMARAL, 2000, p. 83).

Analisando ainda essas questões, vislumbramos, mais uma vez, a necessidade de

promoção de contextos que façam emergir o diálogo entre o professorado, pois o

que muitas vezes nos falta é conversar, desabafar, trocar opiniões, construir

coletivamente, principalmente, ao considerarmos que “[...] o diálogo tem significação

precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade,

mas a defendem e crescem um com o outro” (FREIRE, 1992, p. 118).

6.2.3 Descobrindo movimentos, ações significativas e possibilidades de trabalho

Dias se passavam e, gradativamente, nossas idas e vindas à escola nos

possibilitavam observar outros cenários, outras passagens e outras estratégias de

ações interventivas da escola. Em uma manhã de 17 de agosto de 2007, tivemos a

oportunidade de observar os trabalhos que a professora Carmem, de Língua

Portuguesa, desenvolvia com os alunos das 5ª séries, iniciando-os com os da 5ª

série B, que era uma turma bastante calma. Os alunos estavam reunidos na

biblioteca, pois a sala de aula estava sem luz, sem porta e muito empoeirada.

A necessidade de desenvolver os trabalhos na biblioteca trazia uma outra proposta

para a turma, que, em grupos, desenvolvia as atividades do livro didático previstas

pela educadora. Assim que concluídas, os alunos puderam reportar-se até às

143

estantes e selecionar livros para leitura. A professora necessitou ausentar-se para

conversar com uma mãe e, assim que retornou, retomou uma atividade de produção

de textos poéticos que fazia parte de um concurso promovido pela Secretaria de

Educação. Sentamos ao lado de alguns alunos que diziam não saber fazer a

atividade e, com nosso auxílio, foram percebendo que eram capazes. Concluída a

atividade, corriam até a professora dizendo: “Tia, eu consegui! Vê se ficou bom!”.

Carmem nos olhava e, sorrindo, fazia sinal positivo com os dedos. Iniciávamos

nossas primeiras colaborações e intervenções com os alunos.

Dado o sinal, fomos até a 5ª série A. A turma mostrava-se ansiosa para a chegada

da professora que, ao entrar, procurou controlar a agitação dos alunos. Percebemos

que Miguel e Ana tinham faltado mais um dia de aula. A professora, utilizando o

quadro, fez uma breve explicação da estrutura do texto poético, trabalhando em

seguida com uma poesia trazida no livro didático. Os alunos pediam à educadora

para ler novamente o texto como trabalhado na aula anterior, conforme registro em

diário de campo de 17 de agosto de 2007:

Achei fantástico o trabalho desenvolvido por Carmem nesse dia. Para trabalhar a sonoridade do texto poético, contido no livro didático, a mesma combinou com os alunos que leria o texto, devendo cada fila representar os sons presentes na poesia, trabalhando com recursos diferentes, como estalar de dedos e línguas, folhas de papel amassadas, abrir e fechar de bocas e cadernos, representando sons de chuvas, ventos, gotas presentes no texto. A aula motivava os alunos que pediam para ler outros textos presentes no livro. Os alunos com necessidades educacionais especiais se envolveram na atividade. A turma é agitada, mas está totalmente envolvida com a aula. Dá para perceber que, quando se tem algo para promover a atenção, o envolvimento, o gosto por realizar a atividade, os professores conseguem trazer todos os alunos para sua proposta de trabalho. Onde ficam as diferenças nessas horas? Que diferenças há entre a aula de Carmem e as Olimpíadas de Matemática? São somente os alunos que trazem as marcas da diferença para a sala de aula ou os professores também podem provocar diferenças significativas de aprendizagem? Como essas situações se entrelaçam em espaços-tempos tão pequenos? Mesmo com um único recurso didático – o livro – percebi que Carmem fazia a diferença, ou seja, envolvia os alunos em seu planejamento (DIÁRIO DE CAMPO – 17 de agosto de 2007).

Concluída a atividade, os alunos a avaliavam com a professora, conforme relato de

um deles, fazendo produções de textos poéticos orientados pelo pesquisador e pela

professora regente: “Professora, hoje foi bem melhor do que ontem, porque ontem a

144

gente gritou, mas hoje a gente tá fazendo, mas sem bagunça. Gosto de Português

porque ela traz coisas diferentes pra gente fazer” (ALUNO da 5ª A).

Parabenizamos a educadora dizendo que ela havia desenvolvido uma aula muito

prazerosa utilizando o livro didático. Atenta ao nosso discurso, ela nos respondeu:

Carmem – Mas não fiz nada assim tão diferente. Pesquisador – Mas você deu um toque especial nesse trabalho com o livro didático. Você viu como os alunos ficaram envolvidos em sua aula? Acho interessante que, nessas horas, o aluno diferente até some, porque o que passa a ser diferente é a aula e não o menino. Carmem – Eh! Mas cansa! Tem horas que me sinto sugada. Mas a gente vê que eles gostam. Teve um dia que Daniela me trouxe toda a atividade respondida. Lógico do jeito dela, mas fez tudo. Quando a gente leva coisas diferentes, eles se envolvem mais. Mas não é sempre que a gente consegue, né?

Carmem passava a imagem de uma educadora compromissada, criativa e, mesmo

dizendo não saber trabalhar com os alunos que apresentavam maiores

comprometimentos, fazia suas tentativas. Isso, a nosso ver, era muito positivo,

porque nela víamos uma possibilidade para fazermos outros movimentos.

Os movimentos feitos por Carmem e o envolvimento dos alunos nas atividades

trabalhadas em sala de aula nos levavam rememorar Freire (1992) e com ele

concordar, quando nos dizia que ensinar exige curiosidade, pois as ações

construídas naquele espaço de ensino e aprendizagem estavam irrigadas pela

curiosidade, criatividade e inventividade, levando-nos a refletir que “[...] como

professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me

insere na busca, não aprendo nem ensino” (FREIRE, 1992, p. 85).

Carmem mostrava-se curiosa e trazia esse movimento para os alunos. Movimento

necessário para o seu crescimento profissional e para o desenvolvimento acadêmico

dos educandos, pois, para Freire (1992), o bom professor é o que consegue trazer o

educando até a intimidade de seu pensamento, que faz de sua aula um desafio e

não uma “cantiga de ninar”. Nesse processo, “[...] seus alunos cansam, não

dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento,

surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas” (FREIRE, 1992, p. 86).

145

Cansam porque, nessa dinâmica, professores e alunos, se assumem

epistemologicamente curiosos, “repousados” no saber que tem como pedra

fundamental a curiosidade do ser humano, ou seja, o sentimento que nos move a

perguntar, conhecer, atuar, perguntar mais e (re)conhecer, pois “[...] quanto mais a

curiosidade espontânea se intensifica, mas, sobretudo, se ‘regozija’, tanto mais

epistemológica ela vai se tornando” (FREIRE, 1992, p. 87).

6.2.4 Conhecendo mais um lócus de intervenção: a sala de aula do aluno que escrevia em vários idiomas

Em outro momento, observamos a turma da 6ª C, pois lá estudava o aluno Fábio

que construía idiomas próprios, afirmando para os professores que lia e escrevia em

inglês, francês, alemão, espanhol, tupiniquim e japonês. O aluno muito nos

interessava, pois já havíamos sido apresentados e o vimos de perto produzindo um

texto em “japonês”, transpondo-o para o português e fazendo a leitura nos dois

idiomas.

Por que nosso interesse em conhecer esse aluno? Quem era ele? Quando me casei, meu esposo não podia ter filhos. Resolvemos adotar uma criança. Fomos à Casa de Passagem.11 Mesmo sabendo que ele era deficiente, gostamos muito dele [...]. Ele tinha microcefalia e era filho de pais andarilhos e alcoólatras que deixaram o menino na casa para adoção. Ele tem 13 anos e é um presente de Deus na minha vida. Ele é um ótimo filho, me ajuda nas tarefas de casa e no cuidado com os outros dois irmãos. Meu filho do meio também é deficiente, hiperativo. Como a gente vive no Brasil, onde pobre não tem vez, demorou nove anos para sair a adoção dele. Nesse período, meu casamento já tinha acabado e meu ex-esposo não quis mais adotar a criança por causa da pensão. Cuido dos três trabalhando em meu salão de beleza. As escolas onde ele estudou sempre se preocuparam muito com ele [...]. Você pode ver que ele sabe ler e escrever bem. Tem as dificuldades dele, mas está indo [...]. Meus outros dois filhos são de outros casamentos que tive [...]. Estou no quinto casamento e meu companheiro se dá melhor com meu filho mais novo que não é deficiente [...]. Não sei de onde ele inventa esses idiomas [...]. O contato que ele teve foi com alguns bolivianos que passaram um tempo perto do salão [...]. Além de gostar de escrever nesses idiomas, ele também desenha muito bem [...] (MÃE DE FÁBIO).

11 A Casa de Passagem é uma entidade filantrópica, com sede no município de Vila Velha, servindo de abrigo para crianças que foram abandonadas por seus pais biológicos para adoção.

146

Vejamos mais algumas produções do aluno:

Fábio trazia possibilidades e talentos não compreendidos para a escola e, ao

mesmo tempo, atitudes que pareciam reforçar os olhares construídos acerca de sua

deficiência. Dizia-nos conseguir andar nas paredes laterais do murro da escola e,

logo em seguida, falava com sapiência, expressando sua opinião sobre um texto

trabalhado pela professora de Educação Especial sobre a dengue. Desenhava

madonas, imagens em alto relevo, paisagens e demonstrava grande talento para a

área da linguagem e da arte:

[...] Eu não sei como avaliar um menino como o Fábio que responde a prova toda em uma linguagem que só existe na cabeça dele e diz que é um misturado de francês e japonês. Quer dizer, como eu avalio esse menino? (PROFESSOR DE GEOGRAFIA).

147

Nós temos um aluno especial que é espetacular. Ele é um espetáculo. Ele sempre se encontra com a gente no caminho e diz ‘Bom-dia’. Ele é um espetáculo, inteligentíssimo. Escreve em idiomas que ele inventa. O negócio é decifrar o que ele escreve (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

Fábio lia, escrevia, interpretava, debatia, fazia inferências, mas o que falava mais

alto em seu processo de subjetivação era sua deficiência. Marques (2007) fala-nos

que o conceito de ser humano não pode ser tomado como um conceito unívoco, pois

não há uma unidade de manifestações emocionais, intelectuais ou físicas que possa

reduzir os habitantes dos diversos recantos do planeta a um único conjunto de

interações e manifestações. Na escola a marca de sua maior diferença era sua

maneira de escrever, de “inventar seus idiomas”.

Soares (1999, p. 63) fala-nos que a escola leva os alunos, principalmente os

provenientes das camadas populares, “[...] a reconhecer que existe uma maneira de

falar e escrever considerada ‘legitima’, diferente daquela que dominam, mas não os

leva a conhecer essa maneira de falar e escrever, isto é, a não saber produzi-la e

consumi-la”. Era necessário a escola pensar nessa reflexão de Soares para refletir

sobre os caminhos que esse aluno adotava para construir seus saberes e sua

relação com a Língua Portuguesa. Não poderia a escola se apoiar nesse interesse

do aluno pelo trabalho com a linguagem para provocá-lo a compreender de forma

mais significativa sua língua materna? Até que ponto Fábio necessitava ser

conceituado para além de sua deficiência para a escola perceber essa possibilidade

de intervenção? Não estaria ele nos relevando seu interesse pelo estudo de outros

idiomas?

Vygotsky (1997) fala-nos que o homem se faz na linguagem. A articulação de Fábio

com a linguagem necessitava ser problematizada dentro de uma visão mais

prospectiva, pois parecia que seu envolvimento com ela reforçava as suas limitações

e sua deficiência. Tal movimento fazia-nos pensar que a escola necessitava

aprender com Fábio, pois, dentro da Teoria Histórico-Cultural, a aprendizagem inclui

tanto aquele que aprende quanto aquele que ensina, assim como inclui,

imprescindivelmente, a relação entre essas pessoas.

148

Esses movimentos nos impulsionavam a conhecer mais de perto a turma da 6ª C,

levando-nos também a adotá-la como nosso lócus de intervenção. Dentre as

atividades observadas, focalizamos nossa atenção no movimento realizado pela

professora de Ciências sobre folclore, com os alunos. Eles haviam feito pesquisas

sobre o tema e externavam seus saberes para a turma. Ficamos sabendo que tal

trabalho foi desenvolvido de forma interdisciplinar com a professora Carmem de

Língua Portuguesa que, se recordando da atividade realizada pela professora de

Ciências no ano anterior, convidou-a para desenvolvê-la novamente, agora fazendo

essa parceria. Enquanto a professora de Ciências discutia o assunto com a turma, a

de Língua Portuguesa auxiliava os alunos na confecção de cartazes e textos, como

adivinhas, parlendas, trava-línguas, dentre outros e, assim que eram concluídos os

materiais, as apresentações eram realizadas nas aulas das duas disciplinas.

Achamos fantástica a iniciativa das educadoras e vimos mais movimentos e

possibilidades de envolvimento dos professores na pesquisa.

Notávamos que Fábio participava ativamente da atividade, apresentando para a

turma seus desenhos confeccionados para a ocasião. A professora de Ciências nos

relatou que ficava difícil decifrar suas atividades e avaliações, uma vez que, a cada

dia, ele utilizava um idioma desconhecido pelos professores, mas seu envolvimento

com a turma era muito significativo.

Dado o sinal do recreio, ficamos observando os alunos com necessidades

educacionais especiais no pátio da escola. Avistamos Miguel que andava de um

lado para o outro, indo e vindo, sempre ocupando um espaço limitado do pátio da

escola. Mexia com os dedos, olhava-os, mexia no bigodinho, em suas espinhas,

parecendo alheio a tudo que acontecia ao seu redor, sem contato, sem interesse,

sem nenhuma atividade proposta. Ele não “incomodava” e ninguém o incomodava.

Nada fazia, só andava de um lado para o outro.

Eu quero uma interação maior com Ana no sentido de conversar. Eu não a vejo conversando com ninguém. No recreio, ela está sempre sozinha. Eu queria uma coleguinha que sentasse com ela, conversasse com ela. Você vê isso? Não vê [...]. O Miguel [...], que tivesse um aluno que chutasse uma bolinha para ele no recreio [...]. As crianças brincam tanto e eu vejo os dois assim parados (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

149

As outras meninas da 5ª A, logo que nos avistaram no pátio da escola, vieram até

nós dizendo: “Olha, o Miguel, ele anda de um lado para o outro e não faz nada, né?”.

Rogéria parecia mais agitada e muito desatenta, sempre ofegante e com os cabelos

loiros presos em duas tranças. Sabrina era mais espontânea e, assim que

perguntamos do que mais gostava na escola, ela respondeu prontamente: “Acho

que tinha que mudar com a tal da ocorrência e com a tal transferência, porque, se o

nome da gente bate três vezes no caderno de Joana [coordenadora], a gente tá fora.

Já ia ajudar muito acabar com isso!” (SABRINA – aluna com necessidades

educacionais especiais).

Rimos e passamos as mãos em sua cabeça e, depois de um abraço no pesquisador,

saíram correndo, pulando e interagindo com as demais colegas.

Fábio, o menino poliglota, como era chamado pelos professores, também não

apresentava problemas de relacionamento na escola, pois tinha seu grupo de

amigos e suas afinidades. A grande complexidade girava em torno de Miguel, que

parecia não saber o que estava fazendo ali, e de Ana, a aluna com síndrome de

Down que, tanto na entrada quanto no recreio e na saída da escola, ficava sentada

em uma cadeira que dava acesso ao espaço escolar onde ficava localizada a sala

dos professores, da direção e a secretaria escolar. Já era rotineira a presença da

aluna ali, aguardando o sinal de entrada, o passar do recreio e a chegada de alguma

pessoa para levá-la para casa. A única tentativa de interlocução era realizada pelo

vigilante da escola ou pelos professores que por ali passavam brincando com a

aluna.

Falta-nos dizer quem era Ana. Vejamos: Ana tem 19 anos e sempre estudou em tempo integral na escola especial desde os seis meses de vida. Ela ficava de manhã e de tarde na escola especial, porque eu precisava trabalhar na Glória12 e ela não tinha com quem ficar [...]. Agora, em 2005, que ela não quis mais estudar lá. Eu acho que ela não desenvolveu tanto porque, lá na escola especial, eles olham para uma criança como Ana e dizem que ela não tem jeito. No segundo semestre de 2006, ela veio estudar aqui e entrou na 4ª série. Sente muita falta da professora do ano passado e está se adaptando aos novos professores. Ela

12 A mãe se reporta ao Pólo de Confecções da Glória, comércio lojista localizado no município de Vila Velha, onde comerciantes de diferentes produtos, como roupas, sapatos, acessórios, materiais de cama, mesa e cozinha, desempenham suas atividades profissionais.

150

passou para a 5ª série [...]. Não espero que minha filha seja normal, porque sei que ela não é, mas quero que ela aprenda coisas simples que todo mundo aprende, como os números para usar o telefone [...], aprenda a ler e a escrever para deixar um recado [...]. Matriculei ela aqui, porque minha vizinha disse que essa escola aceitava pessoas como ela [...]. Ana não tem muitos amigos, só convive comigo e com os primos quando nos reunimos nos finais de semana [...]. Ela me ajuda em casa e é vidrada na novela ‘Da Cor do Pecado’ por causa do Reinaldo Gianechini. Fala que é namorada do Paco (personagem do ator na novela). Ela consegue fazer um resumo de toda a novela e é muito amada e paparicada pelos meus familiares (MÃE DE ANA).

Ana era outra aluna que trazia as marcas do estatuto médico-clínico em seu

processo de constituição e subjetivação. Estudava desde os seis meses de vida em

tempo integral em uma escola especializada, mas ainda não sabia ler e escrever

palavras simples. Realmente sua história nos fazia concordar com Givigi (2007),

quando, mais uma vez, dizia que o diagnóstico muitas vezes é implacável. Num

piscar de olhos, reduz a autonomia, a fala, as vontades e as necessidades de

ensinar e aprender do sujeito. Condena-o a carregar o rótulo de incapaz de pensar,

de viver sozinho, fazendo-o frágil e limitado, quando deveria estar protegido, pela via

da inclusão na escola, e não excluído por meio da produção de uma forma “doente”

de estar na escola.

É por questões como essas que Meirieu (2002) nos provoca a pensar na

necessidade que temos em constituir práticas pedagógicas que garantam o

aprendizado de todos os alunos. Ana precisa aprender a ler e a escrever para se

comunicar com sua mãe e com aqueles que estavam ao seu redor, fazer uso do

telefone, tornar-se uma pessoa mais autônoma. Que práticas pedagógicas dariam

conta desse desafio? Que caminhos necessita a escola trilhar?

Jesus (2008), pautada nas teorizações desse autor, fala-nos que a constituição de

práticas pedagógicas que favoreçam a entrada de todos os alunos no jogo da

aprendizagem se configura um compromisso a ser assumido por escolas que

desejam se configurar inclusivas, uma vez que trabalhar no contexto da diversidade

simboliza não perder de vista a singularidade de cada sujeito e assegurar que,

nessa subjetividade, aprenda no coletivo da relação humana.

151

Para a autora, práticas pedagógicas inclusivas se configuram em:

[...] criação de situações pedagógicas em que todo aluno ‘possa entrar no jogo’, a partir de uma pedagogia possível, criando condições de mediações culturais que façam da sala de aula e da escola um verdadeiro espaço-tempo de aprendizagem – razão pela qual crianças, adolescentes, jovens e adultos vão à escola, tendo em vista uma compreensão de mundo e de como é ser-estar nele [...] (JESUS, 2008, p. 215-216).

Corroborando ainda o pensamento destes autores, Anache e Martínez (2007) nos

permitem pensar que a construção de práticas pedagógicas inclusivas e o trabalho

docente construído a partir de uma representação da sala de aula, como um espaço

de diversidade educativa, exigem dos educadores o desenvolvimento de novos

conhecimentos, novas competências e muita criatividade, pois é precisamente nesse

esforço de experimentação, de fracasso e de acerto que a inclusão pode ser

efetivamente construída.

Esses períodos de observação nos apontavam outras possibilidades, falavam de

outros cenários e permitiam amadurecer nosso olhar com a escola. Começamos a

criar vínculos, pois a possibilidade de diálogo, colaboração, reflexão e

problematização das situações vivenciadas, trazidas por esses momentos, colocava-

nos mais próximo dos professores que passavam a ver nossa proposta de pesquisa

como uma colaboração para os desafios enfrentados em sala de aula.

6.2.5 Conhecendo mais de perto, pela via da observação, os trabalhos da Educação Especial na escola Na sala de recurso, a professora de Educação Especial desenvolvia atividades de

alfabetização, reforço dos conteúdos trabalhados em sala de aula e atividades mais

específicas para os alunos que apresentavam maiores comprometimentos, como

Miguel. Ao todo, eram trabalhados 18 alunos, alguns com deficiência e outros com

dificuldades em acompanhar os conteúdos programáticos desenvolvidos em sala de

aula.

152

Quando vim para cá, todos queriam saber quem eu era e o que eu ia fazer. Aí, começaram a jogar todas as crianças para cá. Aquela criança indisciplinada, aos olhos do professor, ele é especial. E aí, todos queriam que eu pegasse todos, todos, todos... enfim. E, no início, eu ficava querendo pegar todos mesmo. O Fulano não aprende. Ele deve ter algum problema, porque ele não aprende. Aí, eu queria que ele estivesse junto de mim para ver se ele conseguia. Aí, depois, eles foram aceitando as especialidades que nós atendemos, não só na aprendizagem, porque senão seria toda a escola, todos os alunos. E aí, nós teríamos que ser todos professores de Educação Especial [...] (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Essa tensão trazida pela professora de Educação Especial nos fazia pensar que na

escola as “dificuldades” em aprender recaem sempre sobre os alunos, pois são

poucas vezes problematizadas as práticas desenvolvidas pelos docentes em sala de

aula. Trazer os alunos com percursos diferenciados para os trabalhos da Educação

Especial solucionaria as questões apresentadas por esses sujeitos? Padilha (2005)

nos diz que tão violento é deixar crianças e jovens sem escolas quanto o é deixá-los

na escola, matriculados, com lugar marcado na sala de aula, sem acesso a todos os

instrumentos e estratégias que respondam às suas necessidades peculiares.

A sala não dispunha de jogos nem de muitos recursos pedagógicos, contendo

somente materiais confeccionados pelas professoras que ali atuavam, como fichas,

dominós de letras, numerais, sucatas, além de um microcomputador, um armário e

mesa para uso da educadora e dos alunos que por ali transitavam.

Percebíamos a grande preocupação da educadora em ver os alunos com

necessidades educacionais especiais se desenvolver, trabalhando com atividades

xerografadas com exercícios de alfabetização, leitura, interpretação e produção de

texto ou mesmo com atividades que os alunos não conseguiam realizar em sala de

aula em tempo hábil. A professora trabalhava com os alunos de segunda a quinta-

feira, fazendo seu planejamento semanal nas sextas-feiras em horário integral,

dizendo-nos sempre: “[...] eu tenho um sonho. Ana, eu vou alfabetizar Ana em nome

de Deus. Ela já está em processo. Ela já está lendo palavras, mas eu quero ver Ana

lendo textos. Claro que não é aquele texto complexo de tudo. Ela vai ler. Vai chegar

lá” (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Em nossos momentos de formação e planejamentos, enfatizávamos sempre a

necessidade de a educadora iniciar atividades com os alunos em sala de aula, uma

153

vez que, a nosso ver, o trabalho desconectado desse espaço trazia uma perspectiva

de segregação para a escola e um sentimento de frustração para o professor

regular, que se sentia sozinho e despreparado em trabalhar com essa clientela:

Eu acredito que nós, professores de Educação Especial, temos que ficar em sala de aula. É uma pena que de 5ª a 8ª fica difícil, porque são muitos alunos e muitos professores e todos estão espalhados. Acho que esse trabalho não dá para ser realizado com só um professor na escola. Nós deveríamos ter pelo menos três em cada escola, no turno. Olha de 1ª a 4ª é um professor só. Então dá para a gente sentar, entrar na sala de aula e acompanhar. Mas de 5ª a 8ª é difícil, Alex. Muito difícil (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL). [...] A maior dificuldade que eu tenho é não ter ninguém para me ajudar. [...] Não adianta eu trabalhar e o outro professor chegar e deixar o bichinho lá. [...] Eu chego lá e ele está com a mochilinha nas costas. Na minha aula, ele faz alguma coisa e na outra ele está parado. Queria que tivesse maior interação entre os professores (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

Colocávamos sempre para a educadora que acreditávamos que os professores de

ensino regular necessitavam ter experiências de sucesso com os alunos especiais

para assim acreditar em sua educabilidade, sendo tal movimento uma das

atribuições do professor especialista em Educação Especial na escola de ensino

regular. Refletindo sobre nossas colocações, a educadora nos apresentava os

desafios encontrados no trabalho educacional com os alunos e nas articulações

desenvolvidas com toda a escola.

Eu penso que nós temos que discutir mais [...]. Nós nunca paramos para discutir a Educação Especial [...]. Você nunca discute, nunca senta para discutir isso [...]. Ele não aprendeu. É de Fulana: ‘Fulana, oh! O menino está ai para você dá jeito’. Aquele Fulano não aprende. Esse aqui é seu. Ai, eu tinha que passar para ele que aquele problema era de aprendizagem e não uma necessidade [...]. Então é aqui. Eu vejo essa sala como uma sala de apoio [...]. Ele não foi bem em uma avaliação, vem para cá. Tem uma aluna que, na avaliação, fica trêmula e não faz nada. Aqui ela consegue. Ana está em processo de alfabetização. Lá na sala, não tem como trabalhar com ela. Uma ou duas vezes na semana ou até mesmo num período eu venho para a sala para que eu possa alfabetizar separada dos outros. Como eu vou trabalhar sílabas com ela na sala de aula? (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Paralelamente aos trabalhos desenvolvidos com os alunos, a educadora também se

encarregava da cantina da escola, desempenhando, assim, outras atribuições, além

de seus afazeres docentes. Reconhecíamos que o desejo da educadora era

contribuir com a escola, mostrar-se útil, colaborar, assumindo essa atribuição que

muito do seu tempo tomava. Problematizamos muitas vezes com ela que seu papel

154

na escola era muito desgastante, podendo a cantina ser de responsabilidade de

outros profissionais, e ela afirmava sempre: “Alex, eu sei que é cansativo, é mais

trabalho, mas minha intenção é ajudar”.

Pensando sobre essa outra atribuição exercida pela professora de Educação

Especial, Capellini (2004) reconhece que o trabalho desse educador pode trazer

contribuições significativas para a construção de práticas propiciadoras do

envolvimento dos alunos com necessidades educacionais nas atividades da escola

tendo, no entanto, esses profissionais atribuições que perpassam desde a

participação nos encontros para planejamentos até a intervenção em sala de aula,

onde as aprendizagens realmente se efetivam. Contudo, afirma que, embora a

literatura venha se debruçando para estudar a articulação dos saberes entre

especialistas e generalistas, “[...] ainda há perguntas sem resposta em nossa

realidade. Os questionamentos são de como implementar tal colaboração e se ela

seria efetiva para promover o desenvolvimento dos alunos com necessidades

educacionais especiais” (CAPELLINI, 2004, p. 93).

Compreendíamos que, na escola, esses questionamentos também necessitavam ser

respondidos. Era necessário focalizar, centralizar, discutir coletivamente no Projeto

Político-Pedagógico o lugar do professor de Educação Especial. Assumir a cantina

tirava o tempo do aluno, dos professores de ensino comum, da própria educadora e

da possibilidade que tínhamos em responder ao questionamento: “É possível

implementar a colaboração entre professores de Educação Especial e de ensino

comum em escolas com matrícula de alunos com necessidades educacionais

especiais?”.

A sala de recurso era um espaço sempre visitado pelos professores e demais

profissionais da escola, pois ficava próximo ao pátio interno, à cozinha e à rampa de

acesso ao segundo pavimento. Sempre alguém por ali parava, conversava, oferecia

“merenda” para a educadora, contava um caso, brincava e fazia um carinho nos

meninos ou um agrado e também resolvia questões pertinentes à cantina.

Percebíamos que esses movimentos atrapalhavam a educadora que nos informava

que já havia conversado com a dirigente escolar recebendo a orientação de afixar

um cartaz na porta com a seguinte informação: “É permitida a entrada de pessoas

155

somente com a autorização da professora de Educação Especial”. Fazendo um

semblante de não saber o que fazer, a educadora sempre nos dizia: “Alex, eles

param aqui para agradar. Não tenho coragem de proibir a entrada das pessoas na

sala, porque fazem isso em sinal de carinho a mim e às crianças” (PROFESSORA

DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Falávamos à educadora que o entrar e sair de pessoas na sala de recursos ou o

bater constante na porta podia representar o que a escola pensava sobre os alunos

que ali estudavam. Problematizávamos o porquê de tal situação não se presentificar

nas salas de aula e ocorrer com muita freqüência na sala de recurso.

Perguntávamos sempre à educadora que conosco concordava: “Não estaria a

escola nos dizendo que lá se aprende e aqui não?”.

Nossas conversas, reflexões, problematizações, nossos momentos de planejamento

e formação, bem como de intervenção junto ao professor regular abriam outras

possibilidades para a educadora repensar sua prática e instituir trabalhos em sala de

aula, pela via do desenvolvimento de ações colaborativas com o professor regente.

Víamos movimentos na educadora que, embora ainda explorando o espaço da sala

de recursos, começava também a focalizar a sala de aula como espaço de

aprendizagem dos alunos.

Olha, no início foi muito difícil entrar e ficar ao lado do aluno. No início, para o professor, eu era praticamente uma espiã da diretora. Eu estava ali para observar o trabalho do professor. Com minhas idas para a sala de aula, eles se acostumaram e passaram a ter confiança em mim e viram que eu não era um professor fiscal, mas que estava ali só olhando aquela criança. Ontem, teve barreira [...]; hoje não. Ainda mais depois que você veio, aí o campo se abriu mais (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Refletindo sobre o discurso da educadora, percebemos a necessidade que temos

em definir coletivamente o lugar do professor especialista na escola que vivencia

processos de inclusão escolar. É um sujeito que não tem sala de aula, não tem

pauta, não tem alunos definidos, uma vez que a escola não consegue dizer quem

são os sujeitos da Educação Especial. Quase sempre ele trabalha com aqueles que

a escola “não dá conta”. É um profissional que veio para colaborar. De que tipo de

colaboração falamos e precisamos? É um espião? Um colaborador? Nossa vivência,

como professor de Educação Especial, permite-nos pensar que o trabalho desse

156

profissional na escola se encontra em fase de construção de confiabilidade com os

demais educadores, de articulação de parceria, de diálogo entre saberes e,

principalmente, de configuração de sua identidade como colaborador. Sair do lugar

de espião e configurar-se colaborador é um movimento complexo e necessário. Para

tanto, faz-se necessário falar em colaboração. Fullan e Hargreaves (2000) nos

permitem pensar que tal construção se dará pela via do trabalho coletivo de toda a

escola, uma vez que as colaborações eficientes operam no mundo das idéias, do

exame crítico, das práticas existentes, na busca por melhores alternativas de

trabalho e no investimento do desenvolvimento profissional dos educadores

responsáveis pelo ato de fazer da escola lugar de construção de significativas

aprendizagens.

Além da sala de aula, com o passar do tempo, já presenciávamos a educadora

retornando ofegante da aula de Educação Física, saindo de uma intervenção

colaborativa que desenvolvia com o professor da disciplina, procurando envolver os

alunos mais comprometidos nas atividades de lazer e recreação. Em outras

passagens, falava-nos de seu contentamento em estar na sala de aula com a

professora de História, além de colaborar com as atividades programadas em

nossos planejamentos:

Essa minha ida para a sala de aula é uma boa ajuda para o professor. Vejo que acabo atendendo a todos os alunos. Eu fico ali como se fosse uma bolinha de ping-pong. Vou aqui, vou ali [...]. O trabalho com a professora de História [...] conseguimos não somente envolver os alunos ditos normais, mas conseguimos envolver todos, principalmente as crianças com necessidades educacionais especiais [...]. Acho que atendi [...] até mesmo a professora, porque ela estava com dificuldade [...] e, juntas, nós conseguimos alcançar os objetivos (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL). Sabe de onde estou vindo? Da aula de Educação Física [...]. Hoje Miguel quicou a bola com Mari. Você nem acredita! Sabrina pediu para brincar e ele disse não [...]. Na bola tinha a letra M e, quando as meninas perguntaram onde estava o M, ele apontou para a letra [...]. Estou morta e o professor de Educação Física falou que me quer nas aulas com a 5ª A (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Dizíamos sempre que a educadora estava em processo duplo de formação, uma vez

que, na escola, vinha participando de momentos de formação continuada em

contexto e fora aprofundava seus conhecimentos no Curso de Pedagogia a

157

Distância que lhe tomava noites de sono para leitura de textos e cumprimento das

atividades previstas pelo curso.

Ter Isabel atuando colaborativamente com os professores nas aulas de Educação

Física e nos projetos desenvolvidos pela escola abria possibilidades para os

educadores instituírem a sala de aula como espaço de aprendizagem para os

educandos com necessidades educacionais especiais, uma vez que, ao engendrar

trabalhos pedagógicos para envolvimento desses sujeitos, enriqueciam suas aulas,

envolvendo outras crianças que estavam à margem das atividades trabalhadas

nesse contexto:

Nossa! Se eu falasse que envolvemos os meninos com deficiência [...], acho que estaria sendo injusta. E os outros que tinham tamanha dificuldade, como você presenciou aqui? Tínhamos muito mesmo! Alunos que tinham muitas dificuldades em ler e escrever. Que tinham dificuldades em interpretar. E como a gente conseguiu que todos se desenvolvessem! Meninos que não escreviam nada, que a gente não conseguia tirar nada, estavam mais motivados a fazer textos [...]. A gente conseguiu envolver um número bem maior de crianças. Nossa! Todo mundo, né? Todos eles fizeram, todos eles participaram de uma maneira ou de outra [...] (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA). [...] Eu sei que o seu trabalho de pesquisa tem o objetivo de trabalhar com os alunos especiais, mas acho que fomos mais longe. Não foi um trabalho que envolvia só os alunos especiais, mas todos foram beneficiados. [...] vejo que todos os alunos ficaram envolvidos, porque puderam mostrar sua criatividade e seu potencial [...] (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA). Esse trabalho que desenvolvemos, pensando em incluir os alunos especiais, me fez refletir. Me fez pensar na necessidade de refletir sobre como estamos fazendo educação. Com certeza, fez! Ajudou, como no caso da Ana, que está em um processo de alfabetização, a buscar... a buscar muito. Buscar coisas que ela gostasse, que ela escrevesse, que ela colorisse [...]. Só que eu senti que deixei muito a desejar ainda. Eu tenho que melhorar muito. Falar que é por causa da correria. Pode ser! Mas a gente quer fazer mais. Eu acho que eu posso tentar mais [...] (CARMEM –PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Colocar a sala de aula como espaço de aprendizagem de todos nos levava a

concordar com Padilha (2005) que argumentava em favor da necessidade de a

escola assumir cada educando como sujeito singular e essa consideração nos

colocava diante de Meirieu (2005), quando também defendia a perspectiva de uma

pedagogia diferenciada, como compromisso e fundamento da própria instituição

158

escolar, principalmente daquelas que querem se fazer abertas e respeitosas às

diferenças humanas. Assim nos provoca o autor e nos faz refletir que:

‘Diferenciar a pedagogia’ não é absolutamente uma ‘revolução’ na Escola, nem um fortiori, uma renúncia aos princípios ou mesmo à existência de uma instituição que se diluiria em uma infinidade de procedimentos individuais justapostos. ‘Diferenciar a pedagogia’ é, ao contrário, reforçar uma instituição escolar incorporando em seu seio o que jamais deveria ser abandonado à esfera privada, familiar ou comercial: o acompanhamento individualizado dos alunos. ‘Diferenciar a pedagogia’ é oferecer a cada um os meios de apropriar-se dos saberes respeitando suas necessidades específicas e acompanhando-os o melhor possível em sua trajetória de aprendizagem (MEIRIEU, 2005, p. 122).

Para Perticari (apud BAPTISTA, 2007, p. 158), a presença de alunos com percursos

diferenciados de aprendizagem traz benefícios para toda a escola, uma vez

A presença de crianças com dificuldades tem consentido que a escola se interrogue sobre a aprendizagem. Trata-se de uma ocasião histórica que ajuda a escola a refletir sobre a qualidade das aprendizagens para aprender a partir dos modos originais de aprender apresentados por cada estudante; para considerar, a partir de um novo ângulo, o trabalho e os modos de aprender dos primeiros da classe, ou para orientar-se em direção àquela faixa de crianças ‘médias’ que a escola não consegue afastar de um panorama acinzentado. Poderíamos definir a presença de crianças com dificuldades uma co-evolutiva do (eco)sistema escola quando aprende sobre a aprendizagem e sobre os contextos educativos que podem facilitá-los.

Podemos, assim, perceber, nas falas dos professores, o que Perticari assinala, pois

os movimentos feitos, no transcorrer da pesquisa, possibilitavam aos educadores a

construção de novas práticas de organização dos trabalhos desenvolvidos com os

alunos, juntando as ações dos professores de ensino comum e de Educação

Especial, pela via de ações colaborativas.

6.2.6 Conhecendo os momentos de planejamento dos professores na escola

O planejamento dos professores era realizado por área de atuação, conforme

diretrizes instituídas pela Secretaria Municipal de Educação, trazendo, para o

cotidiano escolar, o seguinte desenho organizacional desses momentos (Quadro 1):

159

ÁREA DE ATUAÇÃO DIAS PARA PLANEJAMENTO

Língua Portuguesa e Língua Inglesa Segunda-Feira

Matemática e Educação Física Terça-Feira

Ciências Quarta-Feira

Arte e História Quinta-Feira

Geografia Sexta-Feira

Quadro 1 – Organização do planejamento dos professores

Não havia dia de planejamento instituído para a Educação Especial pela Secretaria

Municipal de Educação. Esse tempo era garantido pela dirigente escolar às sextas-

feiras, para a especialista organizar seus trabalhos. Já que as diretrizes do Núcleo

de Educação Especial do município primavam pela ação colaborativa entre

professor de ensino comum e de Educação Especial, sugerimos à educadora que

fizesse seu planejamento junto com os demais professores regentes, diluindo seu

planejamento uma hora por dia, nos momentos em que os professores das

disciplinas desempenhavam essa atividade:

[...] Meu planejamento é assim: eu já levo o planejamento pronto, porque eu sei a necessidade do aluno, estou junto do professor. [...] levo para a pedagoga só para que ela veja [...]. Fico aqui, na minha sala, quietinha, vou nos meus livros e já pego as atividades [...]. Pedagogo nunca tem tempo de sentar comigo, então eu já levo pronto [...]. Quanto aos professores, nos planejamentos, basta chegar e perguntar. Não encontro resistência nenhuma (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Considerando que o número de salas de aulas e de alunos com necessidades

educacionais especiais não permitia que a educadora acompanhasse os alunos em

todas as aulas, elaborar colaborativamente com o professor regente as atividades

adaptadas para os alunos especiais era um movimento bastante significativo, pois,

de posse dessas propostas de ensino, o professor regular poderia realizar, em sala

de aula, outras dinâmicas de trabalho, de forma tal que os próprios alunos também

pudessem trabalhar colaborativamente com os considerados especiais, fazendo da

sala de aula um espaço para aprendizagem de todos.

A revitalização dos momentos de planejamento era latente para que a escola

refletisse sobre as questões presentes em sala de aula. No início do ano, ocorreram

movimentos tímidos de planejamento entre os educadores e os pedagogos

escolares que procuravam saber os conteúdos trabalhados e repassavam

160

informações da escola ou da Secretaria de Educação. Os desafios enfrentados

revelavam a necessidade de esses momentos serem potencializados, situação que

era reconhecida por todos os professores.

Eu queria, uma vez por mês, sentar, tanto para desabafo, não só de aluno [...], de nós, professores da escola. Aquela coisa de sentar e botar tudo na mesa. Conversar sobre tudo que acontece dentro de uma escola. Esse tempo aqui na escola, a gente não tem e já foi dito que esse tempo ia acontecer, mas até hoje não vi acontecer. Esse tempo tem que ter (PROFESSORA DE CIÊNCIAS). Acho que é fundamental a gente sentar e planejar. Inicialmente, a gente tem que sentar, discutir e planejar mesmo e fazer esse acompanhamento, porque senão a gente não dá conta, não. Sozinho, a gente, pelos corredores, não dá conta [...] (PROFESSORA DE HISTÓRIA). Eu acho que temos que começar a potencializar os espaços de formação e planejamento na escola. Eu acho necessário pensar dessa maneira. Mas alguém puxando isso, de maneira ordenada, coordenada para atingir um objetivo, com avaliação do processo. Tem que criar expectativas. Tem que criar inquietações, mas, ao mesmo tempo, tem que gerar resultados que se quer e se cobrar esses resultados (PROFESSOR DE GEOGRAFIA).

A nosso ver, os pedagogos escolares podem trazer significativas contribuições para

os processos de formação continuada e planejamentos, uma vez que, dentre suas

atribuições, está a tarefa de assistir o aluno e toda a equipe que está envolvida no

processo ensino-aprendizagem (professores, familiares e a sociedade), propondo

alternativas que visem ao combate ao fracasso escolar e ao acesso de todos à

escola, tornando-a igualitária e democrática. O desafio que se coloca diante desses

profissionais configura-se em assumir a gestão das questões pedagógicas da

escola, procurando desvencilhar-se das de ordem burocrática e administrativa que

tomam boa parte de seu tempo.

Jesus (2002, p. 9) nos diz que o desafio de educar na diversidade nos revela a

necessidade de “[...] conhecer funções, papéis, atitudes de cada um e o espaço

ocupado por todos os envolvidos para que, de fato, possamos intervir pela via da

formação e do trabalho em colaboração”. Assim sendo, articular com os professores

contextos que favoreçam as aprendizagens dos alunos e momentos para

aperfeiçoamento docente são ações que perpassam as práticas desses educadores.

Reconhecemos, no entanto, que, muitas vezes, ocupar esse lugar nos remete a

pensar em tensões e resistências. No entanto, Meirieu (2002, p. 213) nos fala que,

muitas vezes, para educar, temos que investir na “[...] pedagogia da coragem que

161

[constitui] a necessidade de suspender qualquer sentimento de ignorância,

incapacidade ou medo, pela confiança, pela reserva do educador e pelo

‘acionamento’ dos dispositivos de formação”.

Dessa forma, acreditamos que os discursos dos educadores, além de nos

proporcionar essa reflexão acerca dos espaços-tempos dos pedagogos nos

cotidianos escolares, nos permitem pensar na necessidade que temos em construir

projetos político-pedagógicos atrelados à realidade da escola, definindo os papéis e

as atribuições de cada profissional no processo de superação de seus desafios e,

ainda, procurando entender que a formação continuada em contexto se faz

necessária porque, pela via desses processos, “[...] os professores tornam-se mais

atentos à necessidade de melhoria em sua prática, quando se viabiliza para eles e

com eles a análise da observação do seu próprio perfil e das características de seu

trabalho” (CAPELLINI, 2004, p. 70).

Acreditamos não ser um “privilégio” da escola, mas, sim, de toda a educação

brasileira o fato de as questões pedagógicas – mola mestra do funcionamento da

instituição escolar – perder sempre espaço para a resolução de ações de ordem

burocrática ou administrativa presentes no dia-a-dia escolar. Correção de pautas,

preenchimento de formulários, levantamento estatístico de alunos, conversas com

os pais eram atividades que consumiam boa parte do tempo dos pedagogos na

escola. Em contrapartida, a “participação momentânea” da escola em concursos ou

projetos da Secretaria de Educação ou de outras instituições que apareciam de uma

hora para outra, correção de atividades, preenchimento de diário de classe eram

outras atividades que tomavam um tempo considerável dos professores, fazendo

com que o encontro entre esses profissionais praticamente não se efetivasse.

Reconhecemos existir culturas e pensamentos naturalizados, cristalizados na

educação que parecem nos dizer: “Em educação é sempre assim. Não tem jeito!”.

Os desafios vivenciados pela escola imprimiam um repensar sobre essas questões.

Era necessário ter jeito. Era possível fazer educação de maneira diferente e

construir a cultura daquela escola, ou seja, uma nova cultura para o planejamento,

para a relação professor e pedagogo, para o lugar do aluno especial ou não, para o

162

currículo trabalhado em sala de aula, necessitando esses quesitos serem

enriquecidos nos planejamentos.

Nos dias de planejamento, os professores trabalhavam? Sim e muito. Mas não

podíamos ser redundantes. Outras questões necessitavam ser problematizadas,

como a formação continuada de professores e pedagogos, a elaboração de projetos

interdisciplinares, a articulação de ações que propiciassem aos educandos

percursos diferenciados para participarem de contextos significativos de

aprendizagem, dentre outras questões. Era preciso romper com o trabalho solitário e

abraçar o coletivo, instituir o pensar e fazer junto, assumir o pedagógico como um

compromisso de toda a escola e não somente dos sujeitos conhecidos como

pedagogos escolares:

O pedagógico não funciona. No início do ano, os professores têm mania de falar assim [...]. ‘Ah! Porque o pedagógico da escola não funciona, porque o pedagógico da escola deixou a desejar’. Tudo é o pedagógico [...]. O que é o pedagógico? O pedagógico para mim é todo mundo. É o professor, é o CTA, é todo mundo. Só que o professor acha que o pedagógico é pedagogo. Eu acho que é uma fala muito vaga [...] (PEDAGOGA).

O pedagógico não funciona, dizem os professores. Quem é o pedagógico? – retruca

a pedagoga. Alarcão (2001) nos permite pensar que, em uma escola reflexiva e

aprendente, alunos, professores, pedagogos, gestores escolares e toda a

comunidade escolar constituem os movimentos que chamamos de pedagógico, pois,

nessa configuração de escola, os educadores são atores sociais autônomos, críticos

e exigentes em sua profissionalidade coletivamente assumida.

Os professores geralmente se encontravam pelos corredores da escola, pela sala

dos professores, no recreio, compartilhando suas angústias e inquietações,

instituindo “planejamentos marginais”, como assim o chamavam, procurando

articular ações, trabalhos interdisciplinares e estratégias de trabalho para

desenvolvimento das ações implementadas pela escola ou pela Secretaria de

Educação. A idéia de “marginal” era porque não era combinado, momentâneo,

rápido, não sistematizado, não instituído. De certa forma, a escola tinha “tempo”,

mas era necessário dizer como aproveitar melhor esse tempo.

163

Participar de um processo de pesquisa também abria horizontes para os educadores

instituírem a escola como espaço-tempo para a continuidade da formação docente e

o enfrentamento dos desafios vivenciados em sala de aula, pois, pela via desses

momentos, podiam emergir das situações desafiadoras, tomar fôlego, respirar

novamente, discutir teoricamente sobre as questões vivenciadas e retomar seus

trabalhos com mais vivacidade e com sentimento de renovação:

Ano que vem acho que posso contribuir para que a escola possa se organizar de forma diferente, aproveitando melhor o planejamento, articulando melhor o trabalho entre as disciplinas e professores, problematizando e solicitando momentos reflexivos para busca de soluções, para os conflitos da sala de aula, através de momentos de estudo e de debate (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Não estamos desestimulados. A nossa briga é justamente ao contrário. Eu quero fazer, mas, pelo amor de Deus, me dá condição. Não falamos de uma falta de formação paralisante, mas de pensar como fazer da escola nosso espaço de formação. Acho que é isso. Quando estamos falando da formação, estamos falando disso: é indo para a sala de aula, fazendo planejamento, trocando informações, metendo a cara, porque a gente está precisando. A gente está precisando mesmo, porque está difícil (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

É acreditando nas contribuições da formação continuada em contexto como

possibilidades para os educadores refletirem criticamente sobre seus saberes-

fazeres, engendrando contextos de aprendizagens para todos os alunos, que

defendemos a idéia de que “[...] a qualificação do professor constitui uma forma de

fortalecimento da qualidade do atendimento aos alunos em seu conjunto e da crença

dos professores de que podem construir novas alternativas e desenvolver novas

competências” (NÓVOA, apud JESUS, 2005, p. 206-207).

Colocar a escola como espaço de aperfeiçoamento docente se configura como

possibilidades para que os educadores “[...] percebam que possuem uma profissão

emocionalmente apaixonante, profundamente moral e intelectualmente exigente”

(FULLAN; HARGREAVES, 2000, p. 12), por isso são considerados sujeitos capazes

de instituir “[...] uma era em que a aprendizagem dos professores tornar-se-á

completamente ligada à aprendizagem daqueles a quem ensinam (FULLAN;

HARGREAVES, 2000, p. 12).

164

6.3 CONSTRUINDO EM PROCESSO MOMENTOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA E PLANEJAMENTO EM CONTEXTO

Os momentos de formação continuada com nosso grupo de estudo eram realizados

todas as segundas-feiras de 7h30min às 9h00min, com exceção dos dias em que os

professores estavam na Secretaria Municipal de Educação em formação continuada

por área.

Paralelamente aos encontros das segundas-feiras, outros momentos de

planejamento eram articulados sempre que estávamos juntos. Já se tornava

costumeiro iniciar um planejamento com a professora Tita, de Língua Portuguesa,

dentro do ônibus que nos levava até a escola e nas saídas. Aproveitando as caronas

ofertadas, planejávamos com Carmem, Língua Portuguesa, e as responsáveis pela

disciplina de Ciências, História e Arte. Era comum alguém no carro solicitar uma

caneta ou papel para anotação da nova idéia surgida, com receio de esquecimento,

promovendo um chega pra lá, um apertar de braços e pernas na busca do material,

pois as palavras podiam se perder no ar.

Aos poucos, os encontros das segundas-feiras traziam outras possibilidades

organizativas para os dias de planejamento. Foi possível perceber os coordenadores

pedagógicos problematizando suas atribuições na escola, reconhecendo a

necessidade de estender tal organização para o planejamento dos demais

educadores. A pesquisa trazia movimentos e outras possibilidades para a escola

repensar suas ações:

Como eu cheguei esse ano preferi manter o que já estava estruturado. Para o ano que vem, a gente já está pensando em modificar [...]. Eu já penso o planejamento com um estudo como você colocou. Eu já pensei muito sobre isto. [...] Eu acho que vai ser uma mudança aos pouquinhos, [...] porque, se for de uma vez só, a gente não vai conseguir [...] (PEDAGOGA). Eu acho que podemos estruturar uma proposta pedagógica para os alunos como Ana nesses momentos de planejamento (PEDAGOGA).

Esses encontros provocavam movimentos na escola. Não eram sempre instituídos

de forma linear e harmoniosa, pois, de vez em quando, algum professor faltava por

165

problemas de doença ou os pedagogos e professores estavam na Secretaria de

Educação ou envolvidos com alguma atividade na escola.

Dos encontros analisados tomaremos os realizados nas datas de 6-8, 20-8, 3-9, 17-

9, 3-10, 31-10-2007 para reflexão, uma vez que, nessas oportunidades, refletimos

sobre situações distintas que nos ajudaram a apresentar os movimentos que esses

processos formativos e de planejamento trouxeram para a escola.

No primeiro encontro realizado na manhã de 6 de agosto de 2007, trabalhamos com

o grupo algumas falas de Philippe Meirieu (2005) sobre a educabilidade humana,

fazendo um diálogo com o texto “Necessidade especial do trabalho educativo geral

ou necessidades educativas especiais?”, da autora Ana Maria Lunardi Padilha

(2005). As reflexões sobre educabilidade, processos de inclusão e exclusão social

provocavam o grupo, fazendo-o pensar nas ações instituídas pela escola para o

trabalho educacional com crianças com necessidades educacionais especiais. O

grupo mostrava-se inquieto, confuso, pensativo, perguntando-se se os trabalhos

desenvolvidos com as crianças com necessidades educacionais especiais as

incluíam ou excluíam das propostas curriculares da escola:

Falando sobre inclusão e exclusão, estou aqui com minha cabeça fervendo. Teve um dia que passei umas atividades de alfabetização para Ana que a professora de Educação Especial me arrumou e aí, assim, eu ajudava, mas eu sentia a necessidade dela. Ela queria a minha atenção. Ela queria que eu ajudasse, mas eu não conseguia, porque a turma não deixava. Então, assim, aquele dia para mim foi terrível. Nossa! Que eu a vi olhando para mim assim, dizendo: ‘Ajuda!’. E não teve como, ficou a desejar naquele dia. E aí fico me perguntando: ‘Eu não excluí minha aluna?’ (PROFESSORA CARMEM – LÍNGUA PORTUGUESA).

Questionavam o trabalho desenvolvido na sala de recursos, dizendo que tal

movimento explicitava o quanto as crianças estavam sendo excluídas dentro do

contexto da escola e que acreditavam que as intervenções da professora de

Educação Especial deveriam ser realizadas em sala de aula, junto com os demais

professores, conforme discursos apresentados pela pedagoga e pela professora

Tita, de Língua Portuguesa:

[...] Pera aí. Agora essas coisas deram um nó na minha cabeça. Na verdade, acho que precisamos fazer tudo de novo. Se eu tirar o menino da sala de aula e colocá-lo na sala de recursos, eu não estou excluindo essa

166

criança da sala de aula? Agora quero saber se isso é inclusão. Ele não tinha que ficar na sala de aula? Se ele sai, não é exclusão? Onde ele tem que ficar? (PEDAGOGA). Acho que o melhor lugar para o aluno é a sala de aula. Eu percebo que, quando a professora de Educação Especial chega na porta da minha sala, tem aluno que não quer sair. A sala fica toda sabendo para onde ele vai. Ele fica com vergonha. Acho que temos que respeitar [...] (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

As teorizações de Padilha (2005) provocam as educadoras. Se o aluno com

necessidades educacionais sai da sala de aula, não está excluído desse contexto?

Só um minuto: mas está incluído na sala de recursos, não é? E os demais alunos

como ficam nesse processo? A autora permitia ao grupo pensar que ser/estar

excluído pressupõe que haja o seu oposto, ou seja, ser/estar incluído, pois “[...] a

complexidade está na unidade de sentido de um enunciado completo: quem está

excluído está excluído de algo, de alguém, de algum lugar, por algum motivo, por

algum tempo, em certas condições” (PADILHA, 2005, p. 126).

Assim sendo, compreendíamos que a exclusão é processo de impedimento

sistemático de acesso aos níveis de participação social, processo que desqualifica

uma nação, um grupo ou um indivíduo, em relação aos valores e normas sociais

definidos em tempos e espaços em transformação (PADILHA, 2005).

Essas reflexões possibilitavam aos educadores focalizar a sala de aula como

espaço-tempo para aprendizagem de todos os alunos, uma vez que os programas

de estudos devem estar adaptados às necessidades da criança e não o contrário,

pois a escola

[...] deve oferecer programas educacionais flexíveis, contribuindo para a promoção de desafios, de forma a superar as necessidades grupais ou individuais, compreendendo e reorganizando ações educativas que garantam aprendizagem de novos conhecimentos (PADILHA, 2005, p. 129).

Ferreira (2005), considerando o desafio proposto por Padilha (2005), nos fala que tal

proposta revela a necessidade de um trabalho em sala de aula mais coletivo,

garantindo a expressão de cada singularidade num processo de

acompanhamento/orientação, que possibilite a constituição do sujeito sem as

167

marcas das desvantagens que têm sido impostas àqueles que são acentuadamente

diferentes.

Pensativos e reconhecendo que a escola necessitava instituir momentos para que

questões como essas emergissem para que os professores sobre elas pudessem

pensar, os profissionais ali envolvidos sentiam que a formação dos profissionais da

educação necessitava ser concebida como movimento processual, dinâmico,

inacabado. Aproveitamos essas inquietações para discutir as contribuições que os

planejamentos coletivos entre pedagogos, professores regentes e de Educação

Especial trariam para o processo, uma vez que a especialista não podia estar em

sala de aula sem as atividades adaptadas para os alunos considerados especiais

pela escola.

A discussão era picante, levando-nos a refletir sobre questões que falavam de

currículo, do papel social da escola, da avaliação e das contribuições da instituição

escolar no processo de inclusão social dos alunos com necessidades educacionais

especiais. Finalizamos o encontro com a fala da pedagoga que, a exemplo dos

demais professores, mostrava-se inquieta, cheia de interrogações e disposta a

potencializar os planejamentos com os demais educadores com discussões como

aquelas.

[...] Acho que temos que continuar estudando. Essa história deu um nó na minha cabeça. Temos que nos perguntar onde é o melhor lugar para essa criança. Não é inclusão? Então ele não tem é que ficar na sala de aula? Se não temos nada pensado para o menino, ele também não fica excluído na sala de aula? Assim não temos como avaliá-lo também (PEDAGOGA).

Retomando as atribuições e contribuições dos pedagogos nesses processos e a

necessidade de os professores assumirem o pedagógico juntamente com os

coordenadores pedagógicos, encerramos o encontro com avaliação positiva, pois as

discussões nele construídas haviam provocado movimentos, saberes e atitudes.

Depois dessas reflexões, já percebíamos que a sala de aula também se fazia foco

do processo ensino-aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais

especiais e movimentos na professora de Educação Especial que já começava a

desenvolver sua prática nesse contexto.

168

Aproveitando os movimentos da primeira formação do grupo, em 20-8-2007,

apresentamos as observações que havíamos feito no primeiro momento da

pesquisa, permitindo que o grupo refletisse sobre as ações políticas e pedagógicas

da escola no processo de inclusão dos alunos com necessidades educacionais

especiais. Problematizamos ações que consideramos prospectivas na escola, como

a ida da professora de Educação para a sala de aula, o trabalho interdisciplinar

desenvolvido entre a professora Carmem, de Língua Portuguesa, e a professora de

Ciências no trabalho com folclore, algumas intervenções que havíamos feito e que

apresentaram resultados satisfatórios, bem como as dificuldades que os professores

encontravam em envolver os alunos nas atividades levadas para a sala de aula e o

que sentimos ao observar o envolvimento dos alunos na Olimpíada de Matemática

desenvolvidas pela escola.

Esses movimentos nos faziam pensar em duas questões que gostaríamos de aqui

relatar. Primeiro: a articulação constituída entre a professora de Ciências e a de

Língua Portuguesa, a ida da professora de Educação Especial para a sala de aula e

nossas intervenções relevavam que ações coletivas trazem significativas mudanças

e contribuições para as aprendizagens dos alunos e para a própria escola. Meirieu

(2005) nos diz que o trabalho educacional desejável é o coletivo, uma vez a sala de

aula é um coletivo que deve dispor de momentos de trabalhos comuns, pois, assim,

a atenção do conjunto consegue ser focalizada regularmente nos mesmos objetivos,

além de possibilitar a interação entre as pessoas pautada na construção de uma

linguagem compartilhada. Trabalhar de forma coletiva possibilitava aos professores

unir suas linguagens, suas perspectivas avaliativas, suas articulações pedagógicas e

seus saberes-fazeres docentes. Segundo: a ausência de ações coletivas permite a

absorção de projetos, como a Olimpíada de Matemática que, a nosso ver, caminham

em um sentido contrário ao que de absoluto fundamenta perspectivas pedagógicas

inclusivas, pois a sensação que tínhamos desse movimento era o que Freire (1992)

chama de educação bancária. Depositavam conteúdos nos alunos e, pela via da

olimpíada, conferiam o extrato de suas aprendizagens. E o que fazer com a idéia de

que os alunos são sujeitos únicos, concretos, que aprendem em ritmos e tempos

diferenciados? Meirieu (2005) nos fala que escolas que trabalham respeitando a

heterogeneidade humana fundamentam seus trabalhos em uma pedagogia

diferenciada, ou seja,

169

[...] não é uma estrutura rígida, administrada de maneira tecnocrática por uma infinidade de avaliações; é um procedimento aberto, vetorizado por objetivos comuns e regulados pela observação em tempo real do trabalho dos alunos. Não é um sistema organizado com base em uma sucessão de diagnósticos [...], mas um conjunto de atividades [...] que se ajustam e se fecundam reciprocamente para abrir a cada um espaço e possibilidades inexploradas [...] (MEIRIEU, 2005, p. 203).

A pergunta que fazemos é: a Olimpíada de Matemática organizada pelo Ministério

da Educação respeitava as subjetividades dos educandos, os espaços-tempos de

suas aprendizagens, dialogava com as reflexões trazidas por Meirieu?

Nesse encontro, pensamos, refletimos, falamos de possibilidades, ambigüidades e

conversamos sobre o Projeto Musiculturarte13 que a escola teria que desenvolver até

o mês de dezembro como fechamento das atividades letivas. Percebíamos, no

encontro, que o prazo de praticamente quatro meses para culminância do projeto

trazia certo conforto para o grupo que sinalizava não necessitar se preocupar com

tais questões, uma vez que havia ainda muito tempo para a realização da atividade

e que outras ações necessitavam ser desenvolvidas/priorizadas.

Só uma pausa: o Projeto Musiculturarte, embora absorvido por aquele coletivo,

muitas vezes trazia uma sensação de desconforto para os professores pelo fato de

não ser gestado naquele cotidiano e se configurar como elemento pensado para

“resolver” uma problemática que a escola parecia não conseguir dar conta, ou seja,

ensinar seus alunos de forma criativa.

Contreras (2002) afirma que o desenvolvimento de ações educacionais não pode se

realizar a partir das intuições ou sabedorias que surgem fora da prática. Para ele, o

sucesso de qualquer projeto encontra-se atrelado à participação dos professores em

13 O Musiculturarte é um projeto da Companhia Siderúrgica Tubarão (CST), desenvolvido colaborativamente com escolas da rede pública e privada de ensino da Grande Vitória, incentivando ações de Educação Ambiental no contexto escolar, desenvolvendo sua proposta de trabalho com músicas regionais do grupo Moxuara, por considerarem que a música e a arte proporcionam um aprendizado mais dinâmico e agradável. Assim sendo, a proposta do Projeto tinha como pressuposto a promoção do diálogo entre os conhecimentos trabalhados pelos professores com as reflexões trazidas pelo grupo pela via da música e da arte. O Grupo Moxuara é composto por músicos capixabas que trabalham com canções regionais, explorando arranjos e letras que retratam, pela via da poesia, temas do cotidiano e valores, como solidariedade, amizade, transformação e formação de cidadãos críticos e conscientes capazes de preservar a vida.

170

sua implementação, execução e avaliação, pois é muito difícil melhorar o ensino, se

os próprios docentes não possuírem idéias próprias.

Nesse movimento, afirma que a educação oferecida nas escolas de educação

básica não pode ser determinada a partir de fora, pois os professores necessitam

planejar suas aulas e construir seus projetos educativos, uma vez que as práticas

com qualidades educativas nascem a partir da decisão e do julgamento autônomo

dos que se responsabilizam realmente por elas, pois “[...] só quem pratica e só na

prática podem-se realizar os valores educativos enquanto tratam de perguntar sobre

o seu significado” (CONTRERAS, 2002, p. 130).

MacDonald (apud CONTRERAS, 2002, p. 129) continua defendendo essa idéia

pontuando:

É muito difícil para aqueles que estão fora das escolas melhorar a qualidade do que estas proporcionam [...]. É a qualidade dos próprios professores e a natureza de seu compromisso para mudar o que determina a qualidade do ensino e da melhoria da escola [...]. Sua compreensão, seu sentido de responsabilidade, seu compromisso para proporcionar de maneira efetiva a experiência educativa para seus alunos, aumentam significativamente quando eles são os proprietários das idéias e os autores dos meios pelos quais essas idéias se traduzem em prática na sala de aula.

Tomando essas discussões para debate, aprofundamos nossos conhecimentos

acerca dos princípios e fundamentos da Pedagogia de Projetos, por meio de

algumas reflexões de Freire (1996) extraídas do livro “Pedagogia da Autonomia:

saberes necessários à prática educativa” e de outras trazidas por Sônia Maria

Bitencourt no texto “Escola serve para quê?”, publicado na revista Exame no ano de

2001, chegando à guisa de conclusão que tal atividade se faz de forma processual,

dinâmica, no dia-a-dia, e sua culminância são os conhecimentos construídos por

professores e alunos nesse período. Essas questões faziam o grupo rever suas

considerações e perceber que o prazo de quatro meses não se configurava como

tanto tempo como pensavam, necessitando instituir ações que fizessem desses

momentos uma oportunidade para envolver todos os alunos em situações de

significativas aprendizagens.

171

Vamos começar o nosso projeto amanhã? [...] Tenho duas aulas na 5ª A. Posso trabalhar em uma recuperação e na outra apresentamos o projeto para os alunos [...]. Se não der, a gente começa na quinta [...]. Acho melhor começar logo. Depois que você começou a discutir isto, parece que tem muito tempo, mas não tem. Temos muita coisa para trabalhar e, se não ficarmos atentos, não dá para fazer nada. Melhor começar logo (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Esses debates levaram o grupo a adotar o encontro de 3 de setembro de 2007 para

releitura dos objetivos e pressupostos do Projeto Musiculturarte e instituir proposta

de trabalho e intervenção a ser coordenada pelas professoras de Língua

Portuguesa, envolvendo os alunos das 5ª, 6ª e 7ª séries e, gradativamente, os

demais educadores nas ações ali delineadas, saindo desse encontro dois planos de

ação, cujo objetivo estava centrado em instituir contextos favorecedores do

desenvolvimento da leitura e da escrita com os alunos, pela via dos pressupostos do

Projeto Musiculturarte, ficando acordado que, colaborativamente, iniciaríamos na

semana seguinte.

A proposta de trabalho a ser coordenado pela professora Tita ficou assim

organizada (Quadro 2): INSTITUIÇÃO Escola Municipal Paulo Freire SÉRIES 6ª B, 6ª C, 7ª A, 7ª B COORDENADOR Professora Tita OBJETIVO GERAL Instituir propostas pedagógicas interdisciplinares para o desenvolvimento do

Projeto Musiculturarte, implementando contextos favorecedores da leitura e da escrita para os alunos

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Instituir contextos favorecedores do desenvolvimento da leitura e da escrita por meio de recursos diversificados, como contação de histórias, ilustração, teatro, releitura de textos, dinâmicas, dentre outros

• Realizar trabalhos intertextuais a partir dos textos “Arte de Ser Feliz” da autora Cecília Meirelles, e da música “Da Janela” do Grupo Moxuara

• Desenvolver trabalhos interdisciplinares com os professores responsáveis pelas demais áreas do conhecimento

• Mediar e acompanhar a produção dos alunos a partir dos textos “Arte de Ser Feliz” e da música “Da Janela”

• Adequar esses trabalhos de acordo com as necessidades dos alunos com necessidades educacionais especiais, envolvendo-os nas atividades realizadas pelo projeto

METODOLOGIA 1º MOMENTO

Trabalhar com os alunos o texto “Arte de Ser Feliz” por meio de contação de história coletiva com os alunos. A partir dessa atividade, dividir os alunos em seis grupos para a realização das ações

2º MOMENTO Os alunos farão releitura dos textos trabalhados a partir da seguinte dinâmica organizativa: 1º Grupo: Trabalhar com o texto “Arte de Ser Feliz” em forma de quadrinhos 2º Grupo: Fazer uma paródia do texto 3º Grupo: Trabalhar com massinhas de modelar para releitura do texto

Quadro 2 – Planejamento realizado com a professora Tita de Língua Portuguesa para o Projeto Musiculturarte (continua)

172

4º Grupo: Realizar entrevista fictícia com a escritora para apresentação de sua biografia e o texto “Arte de Ser Feliz” 5º Grupo: Abordar situações sociais vivenciados pelo povo brasileiro a partir do texto trabalhado 6º Grupo: Confeccionar a maquete de um prédio, com diversas janelas e ilustrar o que seus residentes podem ver desses diferentes espaços

3º MOMENTO Depois de contada a história: • Explorar com os alunos que o livro é uma janela que nos coloca em

frente a diferentes horizontes • Discutir com o grupo suas preferências textuais • Problematizar a importância da leitura e da escrita para nossa

inclusão social • Realizar com os alunos roda de leitura na biblioteca escolar • Apresentar aos alunos proposta de trabalho a ser desenvolvida a

partir de um dos livros lidos na roda de leitura. Os alunos deverão apresentar a obra de maneira bem criativa, podendo utilizar quadrinhos, pinturas, encenação de programas televisivos, dentre outros

4º MOMENTO Trabalhar com a música do Grupo Moxuara “Da Janela”, desenvolvendo uma atividade intertextual com o texto de Cecília Meirelles, fazendo os seguintes movimentos:

• Apresentar e cantar a música com os alunos • Fazer interpretação verbal e coletiva do texto • Explorar palavras que chamaram a atenção dos alunos,

relacionando-as no quadro e com as idéias centrais do texto • Promover um diálogo entre a música e o texto “Arte de Ser Feliz”

5º MOMENTO Produzir coletivamente com os alunos peça teatral a partir dos textos trabalhados em sala de aula

• Os alunos, com o incentivo da professora, farão a composição do texto, tendo a educadora a atribuição de anotá-lo no quadro

• Os alunos, em seguida, transcreverão o texto para seus cadernos • O fechamento do texto deverá ser a música “Da Janela” • Os alunos ensaiarão com a professora a peça teatral • Os alunos apresentarão a peça na culminância do projeto

DISCIPLINAS ENVOLVIDAS

Língua Portuguesa, Ciências, História, Arte, Espanhol, Matemática, Inglês, Geografia

Quadro 2 – Planejamento realizado com a professora Tita de Língua Portuguesa para o Projeto Musiculturarte (conclusão)

Já a professora Carmem coordenou o seguinte plano de ação com as turmas de 5ª

séries e algumas de 6ª (Quadro 3). INSTITUIÇÃO Escola Municipal Paulo Freire SÉRIES 5ª A, 5ª B, 5ª C, 6ª A COORDENADOR Professora Carmem OBJETIVO GERAL Instituir propostas pedagógicas interdisciplinares para o desenvolvimento do

Projeto Musiculturarte, implementando contextos favorecedores da leitura e da escrita para os alunos

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Instituir contextos favorecedores do desenvolvimento da leitura e da escrita por meio de recursos diversificados, como contação de histórias, ilustração, teatro, releitura de textos, dinâmicas, dentre outros

• Realizar trabalhos intertextuais a partir dos textos “Vidas Secas”, do autor Graciliano Ramos, e da música “Não Mande a Geada, Não”, do Grupo Moxuara

Quadro 3 – Planejamento realizado com a professora Carmem, para desenvolvimento do Projeto Musiculturarte (continua)

173

• Desenvolver trabalhos interdisciplinares com os professores responsáveis pelas demais áreas do conhecimento

• Mediar e acompanhar a produção dos alunos a partir da obra “Vidas Secas” e da música “Não Mande a Geada, Não”

• Adequar esses trabalhos de acordo com as necessidades dos alunos com necessidades educacionais especiais, envolvendo-os nas atividades realizadas pelo projeto

METODOLOGIA 1º MOMENTO

Trabalhar com os alunos a obra “Vidas Secas”, utilizando, como recurso metodológico, contação de história protocolada, explorando imagens e figuras, trabalhando, em seguida, a interpretação verbal do texto

2º MOMENTO Apresentar a música “Não Mande a Geada, Não”, promovendo um diálogo com a obra de Graciliano Ramos

3º MOMENTO Dividir os alunos em grupo, para que eles possam fazer a releitura dos textos trabalhados, utilizando quadrinhos, paródias, acrósticos, textos narrativos, charges, desenhos, poesias, dentre outros recursos tendo os alunos, liberdade em escolher o recurso metodológico desejado

4º MOMENTO Confeccionar livros ilustrados com massinha de modelar, a partir da releitura do texto, para armazenamento das atividades desenvolvidas

5º MOMENTO Formar um coral com os alunos, envolvendo as crianças com n.e.e., trabalhando a música “Não Mande a Geada, Não”, do Grupo Moxuara

DISCIPLINAS ENVOLVIDAS

Língua Portuguesa, Ciências, História, Arte, Espanhol, Matemática, Inglês, Geografia

Quadro 3 – Planejamento realizado com a professora Carmem, para desenvolvimento do Projeto Musiculturarte (conclusão)

No encontro de 17 de setembro de 2007, fizemos uma avaliação do

desenvolvimento da pesquisa na escola, podendo cada pesquisador falar de si, de

seus movimentos e de como a proposta vinha ajudando a instituir trabalhos que

envolvessem todos os alunos, principalmente os com necessidades educacionais

especiais.

Você é como se fosse um pedagogo para nós, porque através da pesquisa, a gente estuda juntos, planeja e você vai ainda para a sala de aula fazer junto. Acho que você fala a mesma língua que a gente [...]. Acho também que, em nossas escolas, precisamos ter mais colaboração e usar melhor nossos planejamentos. Com você em sala de aula, o trabalho não fica tão pesado, porque tem alguém que nos ajuda, principalmente com aqueles alunos que apresentam mais dificuldades [...]. Nós temos aprendido a trabalhar com os alunos especiais no nosso dia-a-dia, por isso acho que essa pesquisa tem nos ajudado muito, porque tem nos feito refletir, pensar nessas crianças e construir possibilidades que os ajudem a aprender. E eles aprendem! (TITA – PROFESSORA LÍNGUA PORTUGUESA). [...] No início [...], eu achei que você viesse avaliar o meu trabalho, devido você estar lá dentro, por fazer parte dos coordenadores da Educação Especial. Aí, no início, eu pensei: ‘Ai, meu Deus, eu acho que tenho que melhorar, porque o Alex está aqui. Acho que essa pesquisa dele é de ‘H’, de mentirinha, uma mentira dele [...]. Ele quer avaliar o trabalho como estava sendo feito [...]’. Com o passar do tempo, vi que você veio ajudar e, a cada dia, você foi infiltrando mais. Você contagiou todos os professores que estavam contaminados, mas eram gotinhas, aí você deu litros de ânimo. E depois eu percebi que você veio só para me ajudar, não para me criticar. E foi uma maravilha [...] (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

174

Nesse encontro, os professores produziam seus discursos e nos traziam

movimentos e tensões que nos provocavam reflexões. Primeiramente, falavam-nos

da configuração de pedagogos que necessitavam ter um profissional que falasse a

sua linguagem. Embora atrelasse a figura do pesquisador a do pedagogo, nele se

apoiava para sublimar essa configuração. Afinal, que configuração é essa? Meirieu

(2002, p. 90) nos diz que “[...] o pedagogo poderia ser definido como aquele que

trabalha sobre o saber que ensina”. Assim sendo, acreditamos que o pedagogo,

dentro do contexto educacional, é aquele que, em colaboração com o professor,

gesta as aprendizagens, abre caminhos para elas emergirem, fomenta processos de

mediação, colabora, problematiza, forma sujeitos e forma-se nesse mesmo

processo.

Nas palavras de Barbier (2004, p. 18), em uma pesquisa-ação, o pesquisador ocupa

diferentes funções e aceita esses diferentes papéis, necessitando ter clareza de que

[...] desempenha, então, seu papel profissional numa dialética que articula constantemente a implicação e o distanciamento, a afetividade e a racionalidade, o simbólico e o imaginário, a mediação e o desafio, a autoformação e a heteroformação, a ciência e a arte.

Nesse período, nossa intervenção em sala de aula já havia se efetivado, tendo os

professores oportunidade de vivenciar a colaboração de mais dois colegas nesse

contexto, uma vez que, além do pesquisador, a professora de Educação Especial já

considerava esse espaço também como lugar de aprendizagem dos alunos e de

desenvolvimento de sua prática docente.

[...] Com duas pessoas, o trabalho é melhor, porque são mais idéias, a motivação é maior [...]. Daqui em diante eu quero a professora de Educação Especial mais integrada com a gente. Vejo agora que a professora de Educação Especial pode sentar, planejar e ir para a sala de aula atuar junto. Eu acho que ninguém pode ficar como expectador. Tem que fazer junto (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Falamos de nossos movimentos, de como o grupo crescia e dos resultados obtidos

ao se trabalhar colaborativamente, apresentando os professores suas preocupações

com a pesquisa, almejando saber se estávamos alcançando os objetivos propostos:

175

Alex, você fica sempre preocupado em nos ajudar e à escola. Quero saber sobre a pesquisa. Você tem alcançado seus objetivos? Temos ajudado? [...] Você acredita que o que você está vendo, o que estamos fazendo vai te ajudar na escrita do trabalho? Porque fico pensando, se não estivermos ajudando, como fazer diferente para te ajudar também (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA). Eu acho legal o que você faz com a gente. Traz as críticas que ajuda a gente a pensar. Vejo que, nesse tempo pequeno, temos crescido, porque temos refletido muito. Espero que tudo isso também te ajude no seu trabalho de Mestrado (PROFESSORA DE INFORMÁTICA).

Sinalizamos que os movimentos eram positivos, embora tivéssemos um longo

período ainda a percorrer. Externamos nossa felicidade em poder registrar o

trabalho de professores empenhados, principalmente com o processo educacional

dos alunos com necessidades educacionais especiais e que, embora professor de 5ª

a 8ª, a pesquisa nos possibilitava direcionar novos olhares para a atuação desses

profissionais, rompendo com percepções cristalizadas e receios que também

tínhamos no início dos trabalhos.

O espírito colaborativo e solidário nos tomava. O grupo zelava pela pesquisa, tinha o

cuidado de acompanhar seus rumos. As professoras tinham atenção com o

pesquisador. Barbier (2004, p. 33) nos fala que a pesquisa-ação “[...] não convém

nem aos ‘mornos’, nem aos aloprados, nem aos espíritos formalistas, nem aos

estudantes preguiçosos”. O trabalho grupal nos envolvia no estudo, nos fazia querer

alcançar objetivos, nos fazia “cuidadores” uns dos outros, pois, ao mesmo tempo em

que tínhamos o desejo de provocar mudanças naquele cotidiano, éramos

provocados e passávamos a repensar nossas atitudes e valores. Os professores

colocavam em suspensão sentimentos como medo e insegurança e passavam a

sentir o desejo de colaborar e cuidar da/com a pesquisa. Tornavam-se, assim,

pesquisadores de novos/outros saberes para a construção de práticas inclusivas,

uma vez que, nesta metodologia investigativa, “[...] o pesquisador é aqui um

participante engajado. Ele aprende durante a pesquisa. Ele milita em vez de

procurar uma atitude de indiferença (BARBIER, 2004, p. 61).

Em uma quinta-feira, 3 de outubro de 2007, às 10h50min, realizamos o primeiro

encontro com toda a escola, envolvendo CTA, professores, bibliotecários e

profissionais da secretaria escolar, para reflexão sobre o processo educacional dos

176

alunos com necessidades educacionais especiais e, em conseqüência, dos

movimentos que víamos a instituição implementando para a garantia desse

processo e, também para uma análise de como nossa pesquisa se envolvia com

esses movimentos instituídos.

Abrimos o encontro com uma apresentação teatral que fazia parte dos trabalhos do

Projeto Musiculturarte já iniciados com os alunos da 6ª C. Texto, cenário e figurinos

foram confeccionados pelas alunas. A iniciativa da apresentação partiu da

professora Tita que iniciou o encontro falando dos trabalhos desenvolvidos pela

pesquisa. Em seguida, apresentamos nossas implicações com a Educação Especial,

os objetivos do estudo, problematizando algumas questões que diziam respeito ao

processo educacional dos alunos com necessidades educacionais especiais,

reafirmando as contribuições da formação continuada como processo

retroalimentador da prática docente e, conseqüentemente, da implementação de

trabalhos em sala de aula para o desenvolvimento dos alunos.

Logo em seguida, tomamos os casos de Fábio e Ana como ponto de reflexão

problematizando como esses alunos eram vistos pela escola e pela sociedade,

destacando a importância da escolarização na constituição desses sujeitos

históricos e sociais e a inexistência de tempos de planejamento, formação e

encontros entre os profissionais da escola para a implementação de trabalhos.

Alguns professores assim se posicionaram:

Acredito que o sistema deveria investir em nossa formação. Não acho que somente com palestras ou reuniões isso se resolve. Por que não oferecer um curso de Extensão ou até uma pós-graduação para realmente nos capacitar? (PROFESSOR DE CIÊNCIAS). O que nós precisamos mesmo é de formação. Não temos esse tempo na escola. Saí da faculdade sem nunca terem tocado no aluno especial. Me preparei para dar aula de Arte e não para alunos especiais. Minha dificuldade é não ter formação (PROFESSORA DE ARTES). A inclusão veio de cima para baixo e ninguém foi perguntado se a escola estava preparada ou não. O negócio realmente passa pela formação. Nós fomos formados para trabalhar com alunos que não têm deficiência e, quando a gente chega à escola, dá de cara com o menino. O que fazer? (PEDAGOGA DE 1ª A 4ª SÉRIE DO TURNO VESPERTINO).

177

Refletimos que, mesmo com perspectiva de formação com poucas discussões sobre

o processo educacional desses alunos, necessitávamos considerar nossa

implicação nesses processos, uma vez alguns alunos, como Ana, já portavam

experiência escolar desde a tenra idade, saindo dela sem conhecimento sobre

diferenciação de letras e números. Ficou o seguinte questionamento para os

profissionais ali envolvidos: como registrar, (re)planejar, (re)avaliar, avançar, intervir,

para que os alunos, principalmente os com necessidades educacionais especiais,

possam se apropriar dos códigos lingüísticos, tão necessários à sua inclusão

escolar? Como potencializar os tempos e espaços escolares, de forma a torná-los

fecundos para o desenvolvimento de trabalhos com leitura e escrita? Como significar

o currículo escolar em face às demandas apresentadas pela prática? Como fazer da

instituição escolar um espaço de produção coletiva de conhecimentos? “[...] Como

não fazer da nossa prática um ‘empurrar para frente’ indiscriminado, sem levar em

consideração a constituição histórica e social dos alunos?” (PADILHA, 2005, p.135).

No encontro, relatamos a seguinte passagem ocorrida na sala de recursos com a

aluna Ana, anotada em nosso diário de campo em 18 de setembro de 2007.

Cheguei à escola, encontrei a professora de Educação Especial com Ana na sala de recursos e falei: – Bom-dia, meninas. Abracei as duas e Ana me disse: – Você está bonito. Respondi: – Você também está uma gata. Ela sorriu, fez cara de envergonhada e sinalizou: – Olha, você tem que ajudar o Miguel. Ele não faz nada. A Cida [mãe dele] arrumou outro (namorado) e ele ficou assim. Não faz nada. Ano que vem Isabel [professora de Educação Especial] vai dá aula para mim e a Milena [coordenadora] para o Miguel.

Refletimos sobre o discurso da aluna, dizendo que ela se incomodava com a

situação de Miguel e que isso deveria nos provocar. Perguntamos aos professores:

será que também estamos incomodados? Ana não se encontra alheia ao que

acontece ao seu redor, apontando-nos caminhos organizativos para trabalharmos

com os desafios presentes na sala de aula. Como temos feito essas tentativas?

Incomodado, o grupo falava ao mesmo tempo, podendo ser capturado o discurso

elaborado pelo professor de Geografia:

178

Como é? Ela está se incomodando com a situação de Miguel? E a gente tem que pensar no que ela está falando. Ana é danada! Ela está querendo dizer muita coisa pra gente com isso. Ela está dando conta de resolver coisas que a gente ainda não deu conta [...]. Eu quero trabalhar com ela atividades sobre dimensão espacial e temporal. Comprei um livro na internet que vai me ajudar [...]. Esse ano não vai dá mais para fazer muita coisa, mas ano que vem já quero começar estudando. Eu preciso aprender a trabalhar com ela (PROFESSOR DE GEOGRAFIA).

Feitas tais reflexões, apresentamos o quadro sintético do perfil dos alunos com

necessidades educacionais especiais matriculados na segunda etapa do Ensino

Fundamental na escola, didaticamente organizado em três grupos (Quadro 4):

GRUPOS QUESTIONAMENTOS

Alunos inseridos em propostas de trabalho nas séries iniciais do Ensino Fundamental, necessitando vivenciar contextos de aprendizagem que garantissem a continuidade dos trabalhos desenvolvidos

Como garantir a continuidade desses trabalhos? Como não parar? Vamos paralisá-los?

Alunos sem processo de escolarização em escola de ensino regular ou especializada, com idade acima de 12 anos, buscando, nas séries finais do Ensino Fundamental, possibilidades de inclusão escolar

Vamos frustrá-los? Fechar as portas que agora se abrem? Vamos excluir novamente?

Alunos com experiência em escolas de ensino especializado e/ou de ensino comum, apresentando pouco desenvolvimento acadêmico e social, sem idade compatível com as séries iniciais do Ensino Fundamental sendo avançados para a segunda etapa por uma perspectiva de laudo médico ou crença em uma suposta legislação que garante avanço automático

Irão passar esses alunos pela escola comum, dela saindo sem aprender? Vamos fazer de conta que eles não estão em sala de aula? Vamos continuar avançando a partir de uma perspectiva de laudo médico ou pelo aprendizado obtido?

Quadro 4 – Quadro sintético do perfil dos alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na escola

Tal dinâmica permitia ao grupo refletir sobre a importância do processo de

escolarização na vida desses sujeitos e sobre a cultura estabelecida na escola,

avaliando-a e instituindo canais potencializadores de algumas frentes de trabalho

como possibilidade de concepção da escola como espaço de problematização e

aprofundamento teórico/prático das questões trazidas pelos educandos para o

cotidiano escolar, bem como de ressignificação dos planejamentos semanais,

desenvolvimento de ações colaborativas na escola para enfrentamento dos desafios

da prática e de processos de formação continuada em contexto para o ano letivo de

2008:

179

[...] Ano que vem acredito que a escola pode se organizar de forma diferente. Podemos aproveitar melhor o planejamento, articular o trabalho entre as disciplinas, problematizar, buscar soluções para nossos desafios, através de momentos de estudo e de debate (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA). [...] Essa discussão me faz ver que precisamos ter uma organização da parte pedagógica mesmo [...]. Tem que ter um trabalho mais efetivo com a gente [...]. Precisamos de encontros como esse nem que seja bimestral para discutirmos esses assuntos (PROFESSOR DE GEOGRAFIA). [...] Acho esse trabalho que você faz muito lindo e o que a gente precisa você já tocou. Precisamos criar o hábito de sentar, planejar, discutir e fazer (COORDENADORA ESCOLAR).

No encontro, os educadores falavam das dificuldades que o grupo enfrentava em

trabalhar de forma solitária com esses alunos. Afirmaram que encontravam, na

pesquisa que desenvolvíamos na escola, possibilidades de enfrentamento de tais

dificuldades, podendo os professores envolvidos no estudo compartilhar as

experiências e encontrar, no trabalho colaborativo, outras possibilidades de

planejamento, formação e intervenção em sala de aula:

[...] Olha estou achando excelente essa discussão e esse trabalho de pesquisa na escola [...]. Acho que você veio e contribuiu muito, me fez pensar em algumas coisas que eu, às vezes, não tenho percebido [...]. É legal a gente está pensando (PEDAGOGA). Acho que este trabalho de pesquisa me fez pensar em duas coisas que eu nunca tinha pensado: temos que saber para que e por que esses alunos estão aqui e saber o que a gente está precisando aprender para trabalhar com eles (PROFESSORA DE HISTÓRIA). A pesquisa está sendo muito importante para mim, porque é possível fazer algo a partir do envolvimento de todos. Não que sozinha seria impossível, mas seria bem mais complicado. As questões feitas nos planejamentos sobre as questões vivenciadas [...] e o apoio do pesquisador que se propôs desde o inicio a estar junto conosco tem feito muita diferença em nosso trabalho em sala de aula (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

O trabalho grupal, gradativamente, provocava movimentos na escola. Existia uma

fórmula para o alcance desse objeto? Acredito que não. O que tínhamos se

chamava “implicação”. Estudávamos, discutíamos, refletíamos, planejávamos,

intervíamos, avaliávamos e contagiávamos. Barbier (2004) nos fala que a pesquisa-

ação é “[...] uma maneira filosófica de existir e de fazer pesquisa interdisciplinar para

um pesquisador implicado”. Que contribuição traz essa metodologia investigativa

180

para escolas que desejam se configurar inclusivas? Primeiro, a busca por mudanças

permite aos sujeitos nela envolvidos a emergência da capacidade de serem autor e

co-autor de saberes-fazeres individuais e coletivos; segundo, desencadeia

processos contínuos de formação docente, uma vez que prima pela participação

coletiva; terceiro, permite-nos vislumbrar, pela via da colaboração, possibilidades de

diálogo com o que é conflitivo, ainda não desvendado e considerado difícil de ser

superado.

[...] o objetivo final da pesquisa-ação existencial reside em uma mudança de atitude do sujeito (indivíduo ou grupo) em relação à realidade que se impõe em última instância (princípio da realidade). Não se trata, entretanto, de esperar uma mudança milagrosa ou de permanecer numa atitude passiva (BARBIER, 2004, P. 71-72).

Em 31 de outubro de 2007, realizamos o segundo encontro coletivo para o

envolvimento dos demais professores no Projeto Musiculturarte já iniciado,

colaborativamente, pelos professores de Língua Portuguesa e de Educação Especial

em cumprimento ao planejado no dia 3 de setembro.

Nesse encontro, os educadores de Língua Portuguesa socializaram com os demais

professores os dois planos de ação constituídos, bem como alguns trabalhos em

processo de desenvolvimento com os alunos. Feitas tais apresentações, formamos

grupos de trabalhos para que os educadores, dentro de suas disciplinas,

explorassem seus conteúdos, promovendo um diálogo com os trabalhos já iniciados,

colaborando com os trabalhos de releitura dos textos de Cecília Meirelles, Graciliano

Ramos e das músicas do Grupo Moxuara.

Estes movimentos de instituir outras possibilidades para planejamento e formação,

constituíam-se pela via de encontros semanais com o grupo de pesquisa ou com

toda a escola, como os mencionados neste texto, nas idas e vindas para a escola,

nos intervalos de aulas, no horário de recreio, nos dias em que chegávamos mais

cedo na escola, deixando esses “momentos menores” de serem considerados

“marginais” e instituindo-se como momentos de criação, recriação e potencialização

da prática docente, pois tínhamos um projeto de intervenção instituído que conduzia

nossas ações e intervenções em sala de aula.

181

Jesus (2007) fala-nos que o trabalho grupal favorece o desencadeamento de ciclos

de discussão, em que os sujeitos nele envolvidos ocupam a posição de mediadores

no que consiste a reflexão-ação dos interesses/demandas presentes nas escolas e

questionamentos sobre os “possíveis e impossíveis” no cotidiano. Na ação grupal,

busca-se desmobilizar inércias, compreender o que se coloca como desafio e

tensão, escutar a escola, estabelecer metas/planejamentos em contexto, junto com

essa instituição, a partir de suas narrativas, pensando na possibilidade de colocar,

pelo menos provisoriamente, os julgamentos em suspensão.

Para Givigi (1998, p. 51), o grupo não é somente um agrupamento de pessoas com

algum referencial de semelhança, mas um “campo de forças”, onde não há

linearidade, mas atravessamentos, pois, nessa organização, existem processos, são

estabelecidas conexões que envolvem modos de vida diferentes, criando confrontos.

Para a autora, esses confrontos podem ser produtores de outras formas de ser e

estar na escola, contagiando, rompendo com o que está estabelecido.

Assim sendo, foi sentando, confrontando idéias, planejando, instituindo-nos grupo de

pesquisa, indagando nosso fazer, nossos valores e as teorias que sustentam o

trabalho docente que encontramos possibilidades para caminharmos sobre nossas

práticas, reavaliando/potencializando ações e promovendo encontros entre a leitura

e a escrita com os alunos que transitavam pelo espaço da sala de aula.

6.4 COLOCANDO A MÃO NA MASSA: O PROCESSO DE INTERVENÇÃO EM SALA DE AULA

Concomitantemente às fases de observação do cotidiano escolar e de instituição de

processos de formação continuada e planejamento com os educadores, estivemos,

desde o início do estudo, atuando colaborativamente, em sala de aula, mediando os

alunos em seus processos de produção de conhecimento.

Incrivelmente, mesmo com foco nos alunos com necessidades educacionais

especiais, assim que entrávamos em sala de aula, éramos sempre recebido por

todos os alunos que, ao nos ver, logo sinalizavam: “Alex, você vai me ajudar hoje?

182

Senta aqui do meu lado? Vai ter aula diferente?”. Todos batiam palmas e ficavam

ansiosos, aguardando as novidades que levávamos para a sala de aula.

Nossas primeiras intervenções colaborativas efetivaram-se no período em que

observávamos a professora Carmem trabalhando textos poéticos com os alunos na

biblioteca da escola, atividade já relatada neste trabalho, informando-nos a

educadora que tal iniciativa era um projeto da Secretaria Municipal de Educação,

que promovera concurso de poesia envolvendo as escolas de Ensino Fundamental

do município.

Dentre as intervenções colaborativas que estávamos desenvolvendo, na manhã de 3

de setembro de 2007, deparamo-nos com Carmem nos apresentando uma atividade

relacionada com a interpretação de fragmentos acerca do Hino Nacional Brasileiro,

em alusão às comemorações de 7 de setembro que se aproximava. Eram orações

extraídas do texto com as seguintes indicações: “Busque no dicionário, o significado

das palavras grifadas”. O objetivo da educadora era que, com o auxílio do dicionário,

os alunos pudessem compreender o significado de expressões mais rebuscadas. Foi

constituído o seguinte discurso acerca da situação:

[...] Fico pensando se esta não seria uma oportunidade para trabalharmos com a leitura e interpretação do Hino Nacional Brasileiro. Quando vejo alguma comemoração, onde o Hino é cantado, fico me perguntando se realmente as pessoas entendem o que estão cantando. Por que não trabalhamos com a leitura e interpretação desse texto com os alunos? (PESQUISADOR). [...] Você me mata! Já sei que, na sua cabeça passa alguma idéia milaborante. Vai, pode contar. Vamos ver se concordo e o que posso ajudar (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Refletindo sobre meu dizer, a educadora nos perguntava como pensávamos

desenvolver a atividade. Arrastamos algumas cadeiras, sentamos à mesa dos

professores e nos pusemos a rascunhar. No transcorrer de 15 minutos, tínhamos a

idéia pronta. Faríamos um resgate histórico de fatos que marcaram a colonização

das terras brasileiras, culminando na libertação do Brasil do poder português, pela

via de roda de história. Decidimos também que, após esse diálogo, cantaríamos o

Hino Nacional Brasileiro e faríamos a interpretação verbal desse texto, explorando

183

suas passagens. Após, apresentaríamos atividades para que os alunos, em duplas,

pudessem ilustrar o hino para posterior apresentação para a turma.

Convidamos Tita para se juntar ao nosso planejamento e ela sinalizou:

Meu Deus, nem me lembro mais quem deu o Grito da Independência! Temos que estudar. Alex, você vai para a internet e eu e Carmem vamos para a biblioteca. Acho que vai ser uma boa essa atividade. Nós ainda vamos ficar loucas com essas suas idéias.

No dia 5 de setembro, iniciamos os trabalhos. Trabalhamos a atividade com todas as

turmas com as quais atuavam Tita e Carmem. Para explicitação dos trabalhos

desenvolvidos, recorremos às nossas anotações feitas em diário de campo em

relação à intervenção realizada com os alunos da 5ª A:

Fiquei encarregado de trabalhar a roda de história com os alunos. Chegando à sala, perguntamos o que comemorávamos em 7 de setembro. Com resposta na ponta da língua, os alunos respondiam “Dia da Independência do Brasil”, sendo falado, em seguida, que iríamos encenar a História do Descobrimento do Brasil, tendo os alunos a tarefa de representar os indígenas, enquanto o pesquisador, a professora de Educação Especial e de Língua Portuguesa, os europeus. Resgatamos as caravelas chegando, avistando as terras brasileiras e a reação dos indígenas da época. Os alunos emitiam sons com mão e boca imitando a euforia dos nativos com nossa chegada. Riram e fizeram piada quando relatamos que os indígenas estavam completamente nus e nós, europeus, vestidos. A professora de Língua Portuguesa representava Pero Vaz de Caminha, sendo relatado que essa pessoa tinha a função de registrar todos os acontecimentos e informá-los ao rei de Portugal. Resgatamos a importância da leitura e da escrita com os alunos, informando-lhes que a Carta de Caminha era considerada a “certidão de nascimento do Brasil” e que estava guardada em Portugal. Os alunos falavam que os indígenas eram bobos ao externarmos o fragmento trazido pela carta quando sinaliza que os indígenas apontavam para o cordão de ouro do capitão e para o castiçal de prata informando que aqui no Brasil havia esses metais. Refletimos sobre todo o processo de exploração de nossas riquezas, do abandono das terras brasileiras e das primeiras civilizações constituídas. Chegamos até ao Bloqueio Continental, representando a professora de Educação Especial Napoleão Bonaparte, e a fuga da família real portuguesa para o Brasil. Os alunos mostraram-se curiosos, sendo informados sobre o rompimento político e econômico dos portugueses com os países vizinhos, a fuga da Família Real e a construção dos primeiros museus, escolas, praças, bancos, jornais, bibliotecas, academia de Belas Artes e primeiros cursos superiores, como forma de criar condições de sobrevivência dos europeus na colônia. Contamos passagens do reinado de D. Pedro I, as pressões políticas que se fizeram, levando-o a libertar o Brasil das mãos portuguesas em 7 de setembro de 1882, às margens do Rio Ipiranga. Brincamos sobre a localização desse rio, dizendo que ficava nos Estados Unidos, sendo prontamente interpelado pelos alunos que sinalizavam: “D. Pedro não estava no Brasil? Como o rio pode ficar nos Estados Unidos?”. Informamos que ficava localizado na cidade de São Paulo e que o Hino Nacional Brasileiro retratava todas as lutas firmadas para a libertação do Brasil dos poderes portugueses. Os alunos mostraram-se curiosos, fazendo-nos vários questionamentos acerca da história de nossa pátria, sendo respondidas ora pelo pesquisador, ora pelas professoras de Educação Especial e de Língua Portuguesa (DIÁRIO DE CAMPO de 5 de setembro de 2007).

Nas aulas subseqüentes, retomamos a atividade com os alunos, dividindo-os em

grupo para ilustração do Hino Nacional Brasileiro. Utilizamos folha de papel ofício

184

dividida em três partes: a primeira com cabeçalho trazendo fragmentos do hino, a

segunda com espaço em branco para ilustração e a terceira com palavras a serem

consultadas no dicionário e, posteriormente, registradas na folha. Discutimos a

utilização do dicionário, devendo os alunos interpretar o fragmento para posterior

ilustração. Tomando várias aulas para o desenvolvimento da atividade, os alunos,

colaborativamente, trocavam idéias, registravam, uns desenhavam, enquanto outros

pintavam, se envolvendo nas atividades os alunos com necessidades educacionais

especiais.

Íamos de carteira em carteira. Os alunos estavam empolgadíssimos com o

desenvolvimento da atividade. Trabalhavam com canetinha, lápis cera e de cor,

trocavam idéias, argumentavam, solicitavam a contribuição dos professores. Éramos

três em sala de aula, ficando mais fácil promover essa contribuição. Uma dupla de

meninas mostrou-se interessada em ter Ana no grupo. Contavam para ela o que

haviam entendido. Ana desenhava, fazia seus rabiscos e dizia o que cada um

significava. Pintava os desenhos feitos pelas meninas. Estava envolvida com os

trabalhos. Rogéria, Daniela, Sabrina e Mari, sempre que pediam ajuda, eram

auxiliadas e mostraram-se envolvidas com os trabalhos. Miguel pintava desenhos

ilustrativos do Hino com o auxílio da professora de Língua Portuguesa e assim a

atividade foi sendo desenvolvida no transcorrer de toda a semana.

Observar os alunos interagindo, produzindo, envolvidos nas atividades e, ao mesmo

tempo, perceber que a educadora podia acompanhar mais de perto a produção dos

alunos, principalmente daqueles considerados maiores desafios, nos aproximava do

estudo de Devens (2007) que, pautado nos fundamentos da pesquisa-ação,

provocava movimentos na escola e concluía que os momentos e movimentos de

colaboração-crítica individual e coletiva no cotidiano escolar, apontam a constituição

de mudanças significativas nos processos de ensino e de aprendizagem dos

profissionais da instituição de ensino. A constituição desses movimentos só se

efetiva quando a prática pedagógica é problematizada, avaliada e construída de

modo tal que todos os alunos dela se beneficiem.

Analisando os trabalhos realizados com o Hino Nacional, reportamo-nos a Jesus

(2008), quando nos fala que, dentre as várias tensões/desafios presentes na

185

inclusão escolar, movimentos são construídos e anunciam possíveis, permitindo-nos

dizer que é “[...] possível um trabalho com todos os alunos concretos, sem negar as

especificidades de alguns, a partir de um trabalho coletivo de colaboração crítica de

toda a escola. Os profissionais já colhem a idéia de deixar-se contagiar pela ética da

educação de todos” (JESUS, 2008, p. 224).

Dias se passaram e, próximo à finalização da atividade, necessitamos interrompê-la

em virtude do encerramento da aula de Língua Portuguesa, dado sinal do recreio. A

história do trabalho com o Hino não parou por aí. Carmem conseguiu fazer um

movimento interessante com a professora de Arte, articulando a atividade com a

disciplina que seria a próxima aula a ser trabalhada. Foi maravilhoso! A professora

deu algumas orientações e dicas que enriqueceram o trabalho desenvolvido.

Afixamos cada folha em papel cartão e, seqüencialmente, os alunos apresentaram a

interpretação realizada com o Hino para a turma.

Mais tarde, avaliando a atividade com o grupo, conversávamos sobre os trabalhos

com o Hino Nacional Brasileiro:

Pesquisador – Veja só, nossa intenção não é chegar aqui e dizer que o planejamento do professor não está bom. Não tenho jamais a intenção de descartar o planejamento de vocês. Minha intenção é pensar junto como podemos enriquecer nossas aulas [...]. Chegamos aqui e a professora nos apresentou a necessidade de trabalhar com o Hino Nacional [...]. Ela já tinha uma atividade pensada, e o que nós fizemos? Fomos atrás de outras que traziam outras possibilidades de enriquecimento [...]. Nós pesquisamos, estudamos e a aula foi aquele sucesso [...]. Olha a produção desses meninos [...]. Ali não tinha menino com dificuldade, eles estavam envolvidos e alcançaram os nossos objetivos. Pedagoga – [...] Só fico triste em saber que a outra professora de Português está perdendo essa oportunidade de estar envolvida com o grupo. Essa atividade com o Hino Nacional fez tanto sucesso, que todos os professores pediram uma cópia para levar para os outros lugares onde trabalham. Estou cansada de tanto xerocar essa atividade. Vi como as crianças estavam envolvidas e a 5ª A nem parecia a mesma. Professora de Educação Especial – Já levei essa atividade para minha escola em Cariacica e todo mundo gostou. Estamos também desenvolvendo lá [...]. Não sou tão criativa para contar história como você contou, mas dei meus pulos e os alunos se interessaram bastante.

Encerramos a atividade trabalhando com a primeira atividade que Carmem nos

apresentou e nos motivou a desenvolver os trabalhos. Foi novamente adequada

186

para que os alunos com necessidades educacionais especiais participassem e

tivessem experiências de sucesso no processo de aprendizagem.

Esse trabalho foi um divisor de águas para nosso processo de intervenção, pois

mostrava para o grupo que o planejamento diferenciado beneficiava todos os alunos,

a exemplo da 5ª série A. Além de ofertar outras possibilidades de construção de

conhecimento, apontava caminhos para trabalhar valores como o trabalho em

equipe, atenção, ética, colaboração, silêncio para ouvir o outro falar, ações essas

necessárias para a turma que, dia após dia, se mostrava mais quieta, produtiva e

interessada pelas atividades levadas para o contexto da sala de aula.

Esse trabalho com o Hino Nacional Brasileiro nos ensinava que era possível

aprender, uma vez que o objetivo de alunos e professores naquele contexto era

esse. Aprendíamos em comunhão, uns com os outros. Os professores aprendiam

como trabalhar com os alunos, flexibilizar sua prática, avaliar e acompanhar

movimentos. Os alunos, além de absorverem os conhecimentos historicamente

acumulados, aprendiam a colaborar, fazer juntos, respeitar as diferenças humanas e

construir em parceria seus conhecimentos.

Assim, a colaboração nos movia, nos fazia simultaneamente educandos e

educadores e construtores de possíveis que nos permitiam juntar nossas vozes a

outras vozes que defendiam que a sala de aula pode e deve se configurar em um

lugar de encontros e de efetivas aprendizagens.

6.4.1 A Avaliação de Língua Portuguesa: o que fazer? Na manhã de 17 de setembro de 2007, vimos Carmem adentrar a sala dos

professores, sempre com o dedo indicador em um dos cantos dos lábios, sinalizando

almejar nos dizer alguma coisa. Sentava-se ao nosso lado e externava seu desejo

em adaptar a avaliação de Língua Portuguesa para os alunos com necessidades

educacionais especiais. Para nós, isso era muito positivo e mais um ponto para

nosso trabalho de pesquisa. Sentamos, discutimos, selecionamos materiais e

saímos com o planejamento para a atividade.

187

Jesus (2008) nos fala que os profissionais da educação, pela via do trabalho grupal,

têm construído “[...] pistas no sentido de possíveis. [...] [pois] apontam para alguns

aspectos organizacionais, curriculares, de formação, de tentativas que têm

potencialidades para provocar mudanças sensíveis na escola, nas relações, nas

políticas e ‘até na cultura dos professores’”. O planejamento organizado para o

trabalho com a avaliação na 5ª Série A era um exemplo desses movimentos, pois

flexibilizávamos a atividade considerando os sujeitos concretos que tínhamos em

sala de aula.

Para Jesus (2008), os processos de planejamento e avaliação, concebidos como

atividades coletivas, se configuram como ponto de partida das ações educacionais

que, pela via do trabalho colaborativo na instância do grupo, pode se constituir em

uma das formas de viabilização dos processos de inclusão nas escolas de educação

básica.

Vejamos o planejamento elaborado pela professora e pelo pesquisador para a

realização da avaliação com os alunos da 5ª série A (Quadro 5):

PLANEJAMENTO: AVALIAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA – 5ª SÉRIE A

PROFESSORA CARMEM OBJETIVO - Trabalhar com atividades que promovessem o

desenvolvimento da leitura e interpretação dos alunos, além de reconhecimento de fonemas, letras e dígrafos, já trabalhados no bimestre

CONTEÚDO - Leitura e interpretação do texto “A Tempestade de Henriqueta Lisboa” - Atividades gramaticais

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO - Revisão dos conteúdos gramaticais - Apresentação do texto em forma de contação de história e posterior interpretação verbal - Realização da atividade escrita pelos alunos

ADEQUAÇÃO DA ATIVIDADE PARA OS ALUNOS COM N.E.E.

- Sabrina, Rogéria, Mari e Daniela fariam atividade conforme a turma, uma vez que a metodologia de intervenção favorecia o desenvolvimento da atividade que não apresentava questões complexas para o nível de desenvolvimento das alunas - Miguel: A professora de Língua Portuguesa contaria a história para o aluno utilizando imagens e desenhos. A avaliação do aluno seria baseada na concentração e participação na história contada - Ana: Contaríamos novamente a história para a aluna, promovendo interpretação verbal, tendo o pesquisador a função de registrar as respostas

Quadro 5 – Planejamento realizado para avaliação com os alunos da 5ª série A (continua)

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dadas para a aluna repassá-las para a avaliação Registro de listas de palavras presentes no texto trabalhado

Quadro 5 – Planejamento realizado para avaliação com os alunos da 5ª série A (conclusão)

Conforme planejado e combinado, em 21 de setembro de 2007, trabalhamos com a

atividade avaliativa com a 5ª série A, não contando, nesse dia, com o apoio da

professora de Educação Especial que estava na Secretaria de Educação

participando de processos de formação continuada. Iniciamos a aula, trabalhando

com o texto que assim nos dizia:

TEMPESTADE

(Henriqueta Lisboa) – Menino, vem para dentro Olha a chuva lá na serra Olha como vem o vento!

– Ah! como a chuva é bonita

E como o vento é valente!

– Não sejas doido, menino Esse vento te carrega Essa chuva te derrete!

– Eu não sou feito de açúcar

para derreter na chuva Eu tenho força nas pernas Para lutar contra o vento!

E enquanto o vento soprava

E enquanto a chuva caía, Que nem um pinto molhado

Teimoso como ele só:

– Gosto de chuva com vento, Gosto de vento com chuva!

Os registros de nosso diário de campo nos ajudarão a expressar como

desenvolvemos a atividade avaliativa. Após revisão dos conteúdos gramaticais,

trabalhamos o texto de forma protocolada com os alunos, conforme explicitado. Adotando o texto de Henriqueta Lisboa para interpretação, tivemos a iniciativa de trabalhá-lo, resgatando as experiências que os alunos acumulavam nos dias chuvosos, perguntando para a turma: – Vocês já tomaram banho de chuva? Os alunos afirmavam que sim e que era muito bom. Contavam que era gostoso pular nas poças de água e espirrar lama em quem passava. Falavam que a chuva, às vezes, era gelada, que depois de

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molhados não sentiam mais frio, que ficavam muito molhados e gostavam de tomar banho nas bicas que caíam dos telhados das casas. Trouxemos o seguinte relato de experiência: – Quando criança, adorávamos tomar banho de chuva, mas essa situação era um desespero para minha mãe que, sempre que nos via molhados, já nos recebia com o chinelo na mão. – E com vocês como é? Como isso ocorre na casa de vocês? Suas mães os deixam tomar banho de chuva? O que elas falam? Como reagem? Os alunos riam e, eufóricos, sentiam necessidade de contar suas histórias nesses dias chuvosos. Alguns diziam que as mães não os deixavam tomar banho de chuva, pois tinham medo que ficassem doentes, tinham medo de raios e trovões e reclamavam muito da roupa suja. Outros sinalizavam que também já haviam tomado chineladas por essas peripécias. Com esse diálogo inicial, apresentamos o texto de Henriqueta Lisboa, lendo-o para os alunos de forma protocolada, permitindo que fizessem suas interferências e recriassem o cenário imaginário onde se passava a história. – Nos dias chuvosos como fica o céu? – E as nuvens? –Como ficam as ruas e calçadas? – Quem tem roupa no varal o que faz? – Como as pessoas reagem quando o temporal as pega no meio do caminho? Os alunos, respondendo a essas questões, a relacionavam aos alagamentos do município que, nos dias chuvosos, fica praticamente embaixo d’água. Com esse cenário, trouxemos o texto a partir da seguinte história: “O dia amanhecera fechado. As montanhas já anunciavam que a chuva, em poucos minutos, já estava chegando. O vento soprava forte. Olhávamos para o céu e víamos as nuvens carregadas. O mundo estava escuro e sozinho, pois todas as pessoas estavam escondidas em suas casas. O vento balançava forte e as árvores tentavam, a todo custo, se agarrar na terra batida e seca. As mulheres saíam de suas casas e recolhiam a roupa no varal. No meio da rua, avistava-se um corre-corre sem fim. De repente, avistamos alguém despontando de uma das janelas das casas gritando: – Menino, vem para dentro – Olha a chuva lá na serra – Olha como vem o vento!” Quem vocês acham que estava chamando o menino? Perguntávamos para os alunos. É a mãe dele, pode ser a tia também, a irmã mais velha, uma vizinha, respondiam os alunos. “A chuva caía forte. Do telhado das casas a água descia como cachoeira, o vento soprava muito forte, próximos às calçadas se formavam pequenos riachos, enquanto raios e trovões riscavam o céu escuro. Com medo da chuva, a mãe gritava novamente com o menino”. O que vocês acham que ele estava fazendo? – Ele estava tomando banho de chuva, respondiam os alunos. A mãe continuava chamando-o para entrar. – O que vocês acham que ele respondia? Os alunos apresentavam suas possibilidades de resposta. “– Ah! Como a chuva é bonita. E como o vento é valente, dizia o menino”. O que vocês acham desse menino? – Ele é desobediente, levado. Banho de chuva é bom mesmo e o menino não está nem aí para a mãe dele, sinalizavam os alunos. Continuamos relatando o chamado da mãe. “– Não sejas doido, menino. Essa chuva te carrega Essa chuva te derrete!”

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Adivinha o que o menino respondia? “– Eu não sou feito de açúcar para derreter na chuva Eu tenho força nas pernas Para lutar contra o vento!” Em pleno temporal, o menino ia brincando na chuva, todo molhado, sujo e feliz da vida, dizendo para sua mãe: “– Gosto de chuva com vento, Gosto de vento com chuva!” (DIÁRIO DE CAMPO de 21 de setembro de 2007). No transcorrer de nosso desempenho em contar a história para a turma, um fato

inusitado se incorporava à sala de aula. Miguel, pela primeira vez, observava-nos.

Colocando em suspensão os movimentos já rotineiros de bater as pontas dos dedos

uns nos outros, com cabeça em pé e olhar fixado em nossa atuação, ouvia-nos

contar a história para a turma. Carmem, com os olhos marejados de lágrimas,

dizendo-se arrepiada, apontava-nos o aluno que parecia compreender o que

falávamos. Assim que nele fixamos nosso olhar, abaixou a cabeça e continuou nos

ouvindo. Miguel dava sinais de participação, de compreensão do que acontecia ao

seu redor e de possibilidades de intervenção, ou seja, saía de seu anonimato. Sobre

tal situação nos confidenciava a educadora:

Foi incrível, ele te observava contar a história. Ele nunca fez isso [...]. Estou arrepiada [...]. Quando se trabalha junto, o trabalho toma outra dimensão. [...] Nem acreditei quando o vi prestando atenção na história que você contava [...]. Estou arrepiada até agora e sem palavras. Jamais tinha pensado nessa reação dele (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Estou arrepiada, dizia-nos a professora. Miguel mostrava que era capaz de

aprender, de mostrar seu potencial. Firmava-se como um sujeito histórico-cultural,

pois estava inserido na cultura produzindo história. Contribuía com a história de

pessoas com deficiência que precisavam ser ouvidas e mostrar que são produtivas.

Ele produzia, observava, mirava, saía de seu estado de sujeito deficiente. Meirieu

(2006) nos diz que, para ajudarmos os alunos a construírem seus conceitos,

precisamos propiciar as mediações necessárias. Diz que a pergunta que devemos

fazer para a construção desses movimentos é: “[...] Que ação o aluno deve realizar

sobre tal objeto para chegar ao conhecimento? (MEIRIEU, 2006, p. 42). A contação

de história era a condição que ofertávamos a Miguel. Era simples, mas foi o que

despertou sua atenção. A ação que dele esperávamos era que fixasse seus olhos

191

nos nossos, controlasse suas mãos e pernas e nos ouvisse. Assim o fez. Esses

eram os movimentos que precisávamos vislumbrar para acreditarmos que era

possível envolvê-lo em nossa ação docente, pois, a partir daí, cabia-nos criar

condições necessárias para trazê-lo para nosso projeto educativo, vencendo suas

resistências e configurando-o como aluno daquele espaço de aprendizagens.

A exploração do texto de Henriqueta, pela via da contação de história, favorecia o

envolvimento dos alunos nas atividades de interpretação escrita, ficando acordado

que, após a explicação das questões interpretativas, eles deveriam se empenhar e

se concentrar para responder a cada uma delas. Combinamos com Rogéria,

Daniela, Mari e Sabrina que o trabalho agora era com elas e que não podiam fazer

feio, pois necessitávamos contar com a colaboração delas, uma vez que

precisávamos auxiliar Miguel e Ana na resolução das atividades. As meninas

sinalizavam que podíamos contar com seu apoio. Pela primeira vez, observamos

Rogéria concentrada realizando a atividade sem o costumeiro pular de carteira em

carteira.

Combinamos com Carmem que, enquanto a turma executava a atividade, ela

trabalharia com Miguel e o pesquisador com Ana. A professora demonstrava

inquietação e medo. Esse trabalho era nosso desafio, ao considerarmos que se

tratava de um dia de avaliação, que era a primeira vez que os alunos com

necessidades educacionais a desenvolviam em sala de aula e estava extensiva aos

alunos mais comprometidos, como Miguel e Ana. Recorramos novamente ao nosso

diário de campo para compreender como nossa intervenção com esses alunos se

efetivou:

Tentamos recontar a história para Ana que não nos dava muita atenção. Lemos a poesia novamente para ela e tínhamos a sensação de estar falando para um vazio, alguém desconectado daquele ambiente. Lembramo-nos que havíamos conversado com sua mãe minutos atrás e do relato que fizera acerca do interesse da aluna em relação à novela “Da Cor do Pecado”, qual atuava o ator Reinaldo Gianechini, retomamos a história da seguinte forma: – Ana, esse texto conta a história de um menino muito levado (ela continuava demonstrar desinteresse e falta de atenção). Você sabe como ele se chama? (Ela continuava desatenta). Ele se chama Paco (nome do personagem do ator na novela). Nesse instante, a aluna nos olhou atenta, abrindo os olhos e sinalizando: Paco? – Você nem acredita o que esse menino está fazendo? Ele está tomando banho de chuva. Só que a mãe dele ficou preocupada e o chamou para dentro de casa. A chuva caía forte e ele estava lá, em pleno temporal, fazendo farra (Atenta a nossa intervenção, a aluna trazia outros personagens da novela para a história, dizendo-nos sobre Bárbara e Preta, namoradas do personagem na novela). Dizíamos que elas estavam em casa, procurando trazer novamente Ana para a história.

192

Informávamos que uma pessoa olhava pela janela e o chamava para entrar em casa. Quem você acha que estava chamando Paco para entrar? É a Mamuska, respondia a aluna fazendo menção à mãe do personagem na novela. Dizíamos que sua mãe o chamava dizendo: “– Menino, vem para dentro/Olha a chuva lá na serra/Olha como vem o vento” (acenando para as montanhas próximas à escola, procurando trazer o cenário para o imaginário da aluna). Ana, sabe o que ele respondia? Atenta, ela nos ouvia dizer: “– Eu não sou de açúcar. Eu tenho pernas fortes”. Ana sorria e se envolvia na história contada. Falamos que a mãe do menino estava preocupada e ela nos respondia que Paco era muito magro e o vento ia carregá-lo. Ana ia absorvendo o texto, mostrando compreensão. Lemos a poesia de Henriqueta Lisboa para a aluna promovendo, em seguida, sua interpretação verbal. Depois, trabalhamos com a interpretação escrita. Fomos discutindo cada uma das perguntas elaboradas, sendo todas respondidas pela aluna. Registramos suas respostas em uma folha para que a aluna as transcrevesse para a atividade avaliativa. Para finalizar, deveria reproduzir a história através de desenhos. Desenhou vários quadrados, círculos e alguns rabiscos (percebemos que desconhecia situações já convencionais, como as partes do corpo humano, desenho de nuvens, casas, flores, etc.), nos informando o que representava cada desenho traçado, ou seja, Paco tomando banho de chuva, a mãe dentro de casa, chamando-o para entrar, a chuva caindo, montanhas e nuvens. Percebemos que ela atingia nossos objetivos. Assim que Carmem dela se aproximou, recontou toda a história desenhada para a professora. Carmem trabalhava a atividade com Miguel apresentando desenhos que representavam os personagens e objetos da história. Ia introduzindo as imagens no transcorrer de cada passagem, dizendo que o menino se chamava Miguel, sendo solicitado que apontasse esse personagem dentre as figuras apresentadas. Com o dedo indicador, apontava a figura que trazia essa imagem. Assim, a professora trabalhava todo o texto com ele. Além de demonstrar compreender a história, permitia que a professora sentasse ao seu lado, controlando seus gestos e, com olhar fixado na atividade desenvolvida, interagia; não se mutilava, permitindo que a educadora vislumbrasse possibilidade de trabalho e intervenção junto a ele. Nesse dia, a turma estava tranqüila. A história acalmara os alunos. As outras alunas com necessidades educacionais especiais arrasavam na avaliação. Saímos da sala de aula satisfeitos, sorridentes, comentando essas conquistas com todos os professores que nos encontravam (DIÁRIO DE CAMPO de 21 de setembro de 2007). Saímos da sala de aula refletindo com a educadora que, satisfeita, sinalizava:

É uma coisa que você falou. Quando tem mais gente trabalhando [...], o trabalho fica mais fácil. Trabalhando com o texto dessa forma, Rogéria fez tudo. Até Daniela conseguiu fazer toda a atividade. Viu como Ana conseguiu entender toda a história e fazer toda a atividade? Consegui até dar atenção para Miguel. E a turma estava quieta. Acho que aqui, na escola, a gente tem que pensar no que você falou: ‘ Você ano que vem não vai estar aqui, mas o pedagogo não podia estar fazendo esse trabalho com a gente? A coisa não fica mais fácil’ (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Esse movimento casava-se com o pensamento de Meirieu (2005, p. 120), quando

nos fala que a colaboração é o alicerce de políticas inclusivas, pois permite aos

atores sociais que habitam no espaço escolar refletir que

É preciso, de fato, sair da relação dual e criar oportunidades de investimentos múltiplos e transversais, multiplicar as relações de colaboração que permitam escapar aos conflitos estéreis. Romper com o enfrentamento entre os desejos individuais imediatos e organizar, ligando esses desejos uns aos outros, projetos que ajudem os indivíduos a se ‘livrarem’ de sua fantasia de onipotência. Instalar entre as pessoas ‘alguma

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coisa’ que as obrigue a sair do face a face, a dirigir o olhar a outros lugares, a fazer juntos para descobrir juntos que o mundo existe e que seus caprichos não podem ser lei.

O sentimento que nos tomava era de objetivo alcançado. Saímos da escola

refletindo que tal intervenção se configurava como outro dia produtivo e significativo

para nosso processo de pesquisa. Era notória a satisfação dos alunos ao realizar a

atividade e, pela primeira vez Miguel saía do anonimato. A pesquisa provocava tanto

a escola como nós, pesquisador, uma vez que fazíamos movimentos, propúnhamos,

acreditávamos e víamos resultados surpreendentes.

6.4.2 Trabalhar gramática com os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais? Isso é possível? Concluída a atividade avaliativa com os alunos da 5ª A, fomos até a 6ª série C, uma

vez que, no ônibus que nos conduzia até a escola, Tita sempre se encarregava de

organizar nosso dia de trabalho na escola.

No 3º horário, você é meu, porque a gente emenda o recreio. Na 1ª e 2ª aula você fica na 5ª A [...]. Amigo, você tem que também ir para a 6ª B. Acho que você está gostando mais da 6ª C. Olha a exclusão, heim? Quero sua ajuda para trabalhar um conteúdo de gramática com a 6ª C depois do recreio (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Tita trabalhava morfologia com a turma, precisamente a classe de palavras

advérbios, sinalizando a professora que os alunos estavam apresentando

dificuldades em compreender o conteúdo programático. Lembramo-nos de que

havíamos trabalhado de forma diferenciada tal conteúdo com nossos alunos, e foi

apresentada a proposta à educadora que, prontamente, solicitou que fizéssemos tal

intervenção com os alunos da 6ª C, sala onde estudava Fábio. Fomos para o quadro

e recapitulados o conteúdo com a turma, trabalhando a seguinte história para

fixação da classificação dos advérbios com a turma: Para não esquecer a classificação dos advérbios, basta lembrar da seguinte história que vou contar para vocês: Vamos imaginar que a professora Tita tem 15 anos, está de namoradinho novo e quer ir a uma festa com ele. Ao pedir autorização à sua mãe, quais as três possíveis perguntas que ela faria para Tita? 1- Quando será a festa? O que ela pode responder? Hoje, amanhã, depois, semana que vem. Essas respostas nos dão idéia de quê? De tempo, respondiam os alunos. Então, palavras como essas são chamadas de... advérbio de tempo, sinalizavam. 2 – Onde será a festa? Ali, aqui, na rua, na escola, no clube. Essas palavras nos dão idéia de... lugar. Então, são advérbios de lugar, afirmávamos para os alunos. 3 – A mãe continuava: - De que modo você vai? Ela respondia: Vou

194

tranquilamente, calmamente, apaixonadamente. Essas palavras são o quê? Advérbio de modo, falavam todos ao mesmo tempo. Chateada, a mãe dizia: Você não vai. Jamais. Nunca. Que idéia nos passam essas palavras? Negação. Irritada, Tita afirmava: Sim, lógico, certamente, claro que vou. E como podemos classificar esses advérbios? De afirmação, falavam em coro. Procurando tirar tal idéia da cabeça da filha, a mãe pergunta: Esse rapaz trabalha? Apaixonada, Tita havia se esquecido de fazer tal pergunta para o rapaz, afirmando para sua mãe: Talvez, provavelmente, decerto. Que idéia nos passam as respostas de Tita agora? De dúvida, compreendiam os alunos. Finalizando, dizíamos para os alunos que, chateada e sem conseguir convencer a filha, a mãe de Tita dizia: Estou tão chateada, muito doente, com bastante dor de cabeça. Anotamos os advérbios no quadro, sinalizando os alunos que os mesmos expressavam a idéia de intensidade (DIÁRIO DE CAMPO de 21 de setembro de 2007).

A história facilitava a compreensão dos alunos, sendo apresentadas, posteriormente,

várias orações para fixação do conteúdo trabalhado. Recordando a historia contada,

os alunos, sem dificuldade, encontravam a classe de palavra, classificando-a.

Propusemos desafios para alguns alunos envolvendo a temática, dentre eles, Fábio,

que ia ao quadro e solucionava as questões apresentadas. Eufórica, Tita solicitava

que trabalhássemos a atividade com as demais turmas com as quais atuava, sendo

prontamente atendido o pedido da professora:

[...] Amigo, quando falamos da pesquisa pela primeira vez, pensei que ia aprender trabalhar com os alunos especiais. Desde que começamos os trabalhos, estou aprendendo coisas novas que não passavam pela minha cabeça. Eu sempre tive dificuldade em ensinar verbos e advérbios e hoje não somente eles aprenderam, eu também [...]. Acho que deveria ter pessoas assim nas escolas, que se dispusessem ajudar os professores. Isso é fundamental para o nosso crescimento (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

A fala da educadora, a avaliação realizada com a 5ª A e a intervenção com a 6ª C

nos permitiam confirmar os laços afetivos e profissionais que já nos envolviam.

Saímos da escola pensando: “Elas já nos olham como ajuda, apoio, alguém que

está problematizando, mas que quer fazer junto. Isso é um passo importante para o

cumprimento de nossos objetivos e para o crescimento do grupo”.

O discurso de Tita e todos os movimentos feitos nos provocavam, pois permitiam-

nos pensar nas contribuições trazidas pela pesquisa-ação para a prática dos

professores e para sua produção de conhecimentos. Barbier (2004, p. 53) sinaliza

que “[...] a pesquisa-ação postula que não se pode dissociar a produção de

conhecimento dos esforços feitos para levar à mudança”. Os professores, pela via

desta metodologia investigativa, provocavam mudanças em suas aulas, em sua

ação didática e metodológica, tinham a oportunidade de olhar seus saberes-fazeres

195

sob outra ótica, conceituavam a idéia da colaboração e incorporava-a em suas

práticas.

6.4.3 Atividades fora do script: Concurso de Redação da Secretaria de Educação. E o Projeto Musiculturarte?

Concomitantemente à realização das atividades de avaliação, concurso de poesia,

aula de advérbio, já havíamos iniciado os trabalhos do Projeto Musiculturarte com as

turmas. Para efeitos didáticos, traremos o desenvolvimento dessa atividade após

relatarmos o seguinte episódio:

Você nem imagina a última informação que foi passada na formação continuada das pedagogas? [...] Teremos que participar de um concurso de redação que está sendo organizado pelo Ministério Público [...]. Estou exausta! É concurso de poesia, redação. É o Projeto Musiculturarte? A maioria desses trabalhos cai sobre nós, professores de Língua Portuguesa [...]. Fico pensando como seria interessante envolver os outros professores, como os de História e Matemática, pois tem tudo a ver com o assunto, mas temos que encaminhar as redações já corrigidas na quarta-feira e não teremos tempo para isso (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Realmente, não contávamos com a realização dessa atividade. Foi necessário

colocarmos em suspensão as atividades do Projeto Musiculturarte para atendermos

ao concurso de redação. O tempo se presentificava também bastante escasso, uma

vez que tal informação chegava até nós em uma segunda-feira, tendo o grupo

apenas dois dias para realizá-la. Analisando o horário da professora de História,

observamos que ela atuava nas turmas onde desenvolvíamos a pesquisa somente

nas quartas, quintas e sextas-feiras. Tomamos o fato de as professoras de Língua

Portuguesa reconhecer que o trabalho com leitura e escrita perpassava a prática de

todos os professores e o vislumbramento da realização de trabalhos

interdisciplinares como ponto positivo e frutos dos movimentos que fazíamos na

escola e desenvolvemos os trabalhos com o grupo envolvido na pesquisa.

Dissemos ao grupo: Tudo bem. Temos que pensar como envolver os alunos na atividade de forma prazerosa. Temos as crianças com necessidades educacionais especiais que também vão participar. Só não gostaria que repetíssemos o ocorrido com Miguel e Ana nas Olimpíadas de Matemática. Eles irão

196

participar da atividade. Combinado! Vamos olhar a situação da seguinte forma: é mais uma oportunidade para desenvolvermos a leitura e a escrita com nossos alunos (ALEX – pesquisador).

Para a realização da atividade, sistematizamos o seguinte plano de ação (Quadro 6):

PLANEJAMENTO: CONCURSO DE REDAÇÃO TEMA: Corrupção PROFESSORES ENVOLVIDOS: 5ª A: Tita, Carmem, Alex e Professora de Educação Especial 6ª C: Alex, Tita e a Professora de Educação Especial

OBJETIVO - Aprimorar o desenvolvimento da escrita dos alunos

- Refletir sobre questões relativas à corrupção e às contribuições da organização da sociedade para acompanhamento da aplicação do dinheiro público

METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO - Trabalho com vídeo e cartilha encaminhados pelo Ministério Público - Aula expositiva e dialogada - Produção escrita dos alunos mediada pelos professores e pesquisador

ADEQUAÇÃO DA ATIVIDADE PARA OS ALUNOS COM N.E.E. NA 5ª A

- Rogéria, Daniela, Mari e Sabrina farão a produção escrita, mediadas pelos professores e pelo pesquisador, quando necessário - Ana: Adequação do texto da cartilha, produção de texto verbal por parte da aluna e posterior registro pelo professor. Leitura do texto produzido para a aluna - Miguel: Adequação do texto da cartilha, utilizando imagens e figuras para exploração com o aluno

ADEQUAÇÃO DA ATIVIDADE PARA OS ALUNOS COM N.E.E. NA 6ª C

- Mediar a produção de Fábio, problematizando as questões por ele apresentadas

Quadro 6 – Planejamento realizado para o concurso de redação

Inicialmente, reunimos todos os alunos das 5ª, 6ª e 7ª séries no auditório da escola

para que a professora Tita contextualizasse a atividade com eles. Os alunos

desceram em fila para o auditório e, curiosamente, Miguel também se posicionou

como os demais alunos. Mais um ponto para ele e para nosso processo de

intervenção.

Feitas as exposições iniciais, passamos o vídeo encaminhado pelo Ministério

Público, com duração de aproximadamente 20 minutos, que abordava questões

relativas à corrupção e à necessidade de organização da sociedade civil para

acompanhamento da aplicação do dinheiro público.

Em seguida, os alunos foram encaminhados para as salas de aula para

problematização da cartilha também encaminhada pelo Ministério Público, que trazia

197

a história de duas cidades que vivenciavam experiências diferenciadas em virtude

da aplicação da verba pública, ou seja, uma que aplicava bem esses recursos e a

outra negativamente. Os professores relacionavam as situações trazidas pelas

cidades com as temáticas: corrupção, políticos desonestos, cidadania, educação,

assistência social e saúde e a importância da participação da sociedade na

construção de uma sociedade mais democrática. Concluídas tais atividades,

dividimos o quadro em duas partes e solicitamos que os alunos apontassem

palavras que rememorassem idéias de progresso e atraso para a utilização na

produção escrita que apresentava a seguinte temática: “Como podemos nos

organizar para combater a corrupção em nosso país?”.

Na 5ª A, assim que os alunos iniciaram a produção escrita, sentamo-nos ao lado de

Miguel e intervimos. Ana faltou aula neste dia.

[...] Sentamo-nos ao lado de Miguel e, utilizando a cartilha encaminhada pelo Ministério Público, passamos a contar a história para ele. Achamos interessante o fato de ele novamente fixar os olhos nos fatos e, toda vez que apontávamos alguma imagem no texto, ele procurava também apontar. Perguntamos onde estava o carro e, com o dedo indicador, apontava. Depois afirmamos que nome do menino contido no texto era Miguel. Passávamos as páginas da cartilha e, assim que aparecia a imagem do menino, perguntávamos onde estava Miguel e ele apontava para a imagem do garoto. Perguntamos onde estava o telefone, o rio, as casas e, seqüencialmente, ia acenando para as imagens presentes. Carmem e a professora de Educação Especial pulavam de carteira em carteira auxiliando os alunos em suas produções. Ao contarmos o envolvimento de Miguel, Carmem demonstrou interesse em realizar a atividade novamente com ele. Assim, passei a mediar os trabalhos realizados pelos demais alunos e Carmem ficou com Miguel. O dia foi proveitoso e nossos alunos demonstravam que nosso grupo de pesquisa crescia, uma vez que eles já faziam parte desse processo de construção de conhecimento (DIÁRIO DE CAMPO de 17 de outubro de 2007).

Na terça e quarta-feira, trabalhamos com a reescrita dos textos dos alunos para

posterior encaminhamento à Secretaria de Educação. Alguns apresentavam

produções excelentes, outros demandavam atenção mais direta por parte dos

professores e do pesquisador. O concurso de redação fazia emergir que as

dificuldades relacionadas com a leitura e a escrita não se referiam apenas aos

alunos com necessidades educacionais especiais, mas também a outros alunos que

relutavam com a folha em branco mediante a dificuldade em realizar a atividade.

Poderão nossos registros elucidar os processos interventivos desenvolvidos com

esses alunos? Recorramos a eles:

198

Na terça-feira, Ana compareceu à escola e, em sala de aula, a professora de Educação Especial trabalhava a produção escrita com ela. Enquanto isso, assistimos os alunos em seus processos de reescrita textual. Após trabalhar a cartilha do Ministério Público, a professora de Educação Especial ia construindo o texto verbal com a aluna e registrando sua produção. Logo após, leu o texto com ela, informando-a que era o registro do que ela havia falado. Finalizando, produziu a lista de palavras presentes na cartilha. Enquanto isso, fomos auxiliando Rogéria, Daniela, e Sabrina em suas produções. As alunas demonstravam muita dificuldade em transpor para o papel suas reflexões. Fomos, aos poucos, fazendo questionamentos e, a partir dessas exposições orais, as alunas iniciavam suas produções. Rogéria se empolgava com a atividade solicitando sempre nossa ajuda. Elaborou um texto coerente contando com nossa mediação. Daniela parecia fechar-se em si. Apresentava respostas desconexas aos nossos questionamentos, demonstrando medo em verbalizar seu pensamento. Com muita dificuldade, fomos interagindo e, aos poucos, ela ia produzindo seu texto que necessitava ser revisitado. Sabrina demonstrava dificuldade no início de sua produção e, com nossa intervenção, produzia seu texto com as mesmas necessidades de Daniela. Nas aulas subseqüentes, retomamos os textos com as alunas, problematizando-os para que as mesmas produzissem suas reescritas. E assim foram feitas as atividades de reescrita com as alunas. Vendo-nos colaborar com os educandos com necessidades educacionais especiais, o aluno Marcos (aluno não considerado especial pela escola) também solicitou nossa ajuda, apresentando-nos sua produção bastante desconexa. O aluno apresentava sérias dificuldades em relação à escrita. Pedimos que sentasse ao nosso lado e passamos a fazer a leitura de sua produção. Dissemos que conseguíamos entender suas idéias, mas que podíamos organizá-las de forma mais adequada. Retomamos as reflexões sobre a temática e passamos a reescrever o texto com o aluno. Quando nos deparávamos com problemas relacionados com a ortografia, problematizávamos se a palavra estava escrita de forma adequada. Quando sentia muita dificuldade em escrever uma determinada palavra, pedia que a escrevêssemos em uma folha que estava ao nosso lado. Abordávamos questões relacionadas com concordância, paragrafação, pontuação, coerência, pontuação e ortografia. Aos poucos, o texto se constituía. Fizemos a leitura dos dois textos do aluno, perguntando-lhe se percebia mudanças. Sorrindo, ele nos dizia que o segundo estava melhor, porque dava para entender. Ao apresentar a produção para a professora, ganhava elogios se reportando a nós para aperto de mãos em sinal de agradecimento (DIÁRIO DE CAMPO de 19 de outubro de 2007).

Sobre esse contexto, afirmava-nos Carmem:

Alex, pela primeira vez consegui sentar ao lado de crianças que nunca tinha tido tempo de dar atenção [...]. Daniela estava lá me mostrando sua atividade: ‘ Oh, professora! Eu estou fazendo também. Eu estou igual a todo mundo. Eu estou fazendo [...]’. Ela tem uma dificuldade danada, mas vejo que de agosto para cá ela tem mudado muito. Realmente, trabalhar com mais pessoas em sala de aula permite ao professor respirar e dar atenção àqueles que realmente precisam e que muitas vezes acabam ficando de lado (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Na 6ª C, sentamo-nos ao lado de Fábio que defendia bem suas idéias, externando-

as sem muitas dificuldades na folha de papel. De vez em quando,

problematizávamos algumas questões, orientando-o quanto à coesão e coerência do

texto. Assistimos também outros alunos que nos apresentavam suas produções,

perguntando-nos se estavam boas, e fazíamos algumas observações que eram

amplamente acatadas.

199

Mais uma vez percebíamos que a ação colaborativa favorecia a ação pedagógica do

professor e a aprendizagem dos alunos. Mesmo fora de nosso script, tornamos o

Concurso de Redação em possibilidades para os professores instituírem contextos

favorecedores da escrita dos alunos. Dessa forma, nossa pesquisa ia se

constituindo e se incorporando aos desafios e projetos da escola. Não

necessitávamos parar a escola para o desenvolvimento de nossos projetos, nem

mesmo suspender a pesquisa em virtude dos projetos da escola, uma vez que

concebíamos todos os movimentos como parte do estudo e oportunidade de

intervenção em sala de aula.

O movimento era este: infiltrar-se das ações da escola. Barbier (2004) nos fala que a

pesquisa-ação reconhece que o problema nasce em um contexto preciso. O

pesquisador não o provoca, mas constata-o e, coletivamente, colabora com o grupo

para sua superação. Portanto, as questões são as da coletividade inteira e não as

de uma amostra representativa. Não podíamos, assim, eleger os movimentos da

pesquisa e os movimentos da escola. Os movimentos daquele cotidiano eram

nossos e precisavam ser assumidos, negociados, avaliados e encaminhados para a

construção de possíveis no coletivo da escola.

A pesquisa-ação submete seus resultados, previamente negociados dia a dia entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, a toda a coletividade para provocar sua avaliação. A coletividade passa, então, à determinação das ‘possibilidades’ de melhoria’. [O lugar do pesquisador é] criar as condições favorecendo uma análise de conjunto do problema em questão e uma tomada de consciência das condições que o criam [...] (BARBIER, 2004, p. 56-57).

Assim, negociar a demanda que surgia dia após dia nos fazia pensar que “[...] uma

prática inclusiva supõe vivências coletivas e relações solidárias entre aqueles que se

ocupam da tarefa de educar” (JESUS, 2006, p. 96). 6.4.4 O Projeto Musiculturarte Iniciamos, primeiramente, o Projeto Musiculturarte com os alunos da 6ª C em virtude

de Carmem necessitar trabalhar algumas atividades de fechamento de bimestre com

os alunos da 5ª A. Combinamos que, nesse período, assistiríamos a professora Tita

enquanto Isabel daria apoio mais direto aos alunos da 5ª A nas aulas de Carmem.

200

Ao entrarmos em sala de aula, Tita solicitou que trabalhássemos o texto selecionado

com os alunos. Dissemos que o momento era dela e que os alunos gostariam de

ouvi-la contar a história. Mesmo nervosa, socializava o planejamento com os alunos,

solicitando, logo em seguida, que prestassem atenção à história que seria contada.

Adaptando o texto “Arte de Ser Feliz”, da poetisa brasileira Cecília Meirelles, de

forma protocolada, assim contava a história para os alunos:

[...] Olha, Alex trouxe uma história para nosso planejamento e fiquei motivada a contar para vocês. Não a conhecia, por isso quero pedir a ajuda de vocês para contá-la de forma bem dinâmica e criativa. Conta a história de uma mulher. Como se chamará essa mulher? Maria, Tereza, Babalu, sinalizavam alguns alunos, sendo escolhido o nome Nazaré para a personagem. Como vocês imaginam Nazaré? Sem dentes, manca, cabelos crespos, estrábica, suja. De forma pejorativa, os alunos caracterizavam a personagem, sendo interpelados pela professora que dizia que estavam sendo maldosos com a personagem. Nazaré era uma menina de família simples, estudiosa, que gostava muito de ler e ver o mundo sempre de forma diferente e agradável, residindo em uma casa que possuía uma grande janela que lhe permitia ver situações diferentes todos os dias. Certa vez, ao abrir sua janela avistou um chalé que tinha um grande ovo de cristal na ponta de seu telhado. Nos dias ensolarados e límpidos, algo muito interessante acontecia com aquele ovo. O que vocês acham que acontecia? Os alunos apresentavam respostas diversas. O ovo ficava totalmente transparente e, de vez em quando, um pombo nele pousava. E agora, que sensação tinha Nazaré? Que o pombo estava flutuando no ar, sinalizavam os alunos. Essa situação trazia um sentimento muito bom ao coração de Nazaré. Que sentimento seria esse? De amor, felicidade, paz, magia, respondiam em coro os alunos. Finalizando, a professora dizia como Cecília Meirelles: “Isso a deixa completamente feliz”. Aos poucos, a professora desenhou esses fatos no quadro, acompanhada pelos alunos. Na manhã seguinte, Nazaré abriu sua janela e viu um riacho com um barco carregado de alguma coisa. O que vocês acham que ele transportava. Fazendo suas tentativas, os alunos foram informados que se tratava de flores. Quem iria recebê-las? Em que vasos seriam depositados? Que ambientes enfeitariam? Assim a professora trazia o texto da autora para os alunos, sinalizando que, nessa fase, Nazaré não era mais criança, mas que não havia perdido sua sensibilidade e poder de ver o mundo com olhares prospectivos. Continuando com os desenhos no quadro, a professora relatou que, passados alguns anos, Nazaré avistou uma mangueira que fazia uma enorme sombra e uma mulher que sentava todas as manhãs nesse mesmo local. O que vocês pensam que ela fazia? Descansava, tirava um ronco, morava debaixo da árvore, pois era mendiga, respondiam os alunos. Ela contava histórias para crianças e, de longe, Nazaré não conseguia compreender o que era contado, observando somente que as crianças estavam completamente felizes. Esta ação ensinava à personagem que jamais devemos perder a criança que existe em cada um de nós. Cansada de morar na mesma casa, Nazaré comprou uma passagem de avião e mudou-se para São Paulo. Morava também em uma casa com uma grande janela. “Ela está ferrada, se for de TAM, o avião vai cair”, sinalizavam os alunos. Da janela de sua nova casa, avistava um jardim muito seco e, todas as manhãs, um homem desconhecido regava as plantas quase mortas com gotas de água que caíam de seus dedos. Vocês acham que, molhando o jardim assim, adiantaria alguma coisa? Os alunos afirmavam que não. A professora retrucou que ações pequenas também fazem grande diferença. Concluindo, dizia que Nazaré afirmava que, ao contar essas passagens, algumas pessoas diziam que isso ocorria somente embaixo de sua janela, outros que nada disso existia, mas que todos esses atos a deixavam completamente feliz (DIÁRIO DE CAMPO de 20 de setembro de 2007). Logo em seguida, a professora refletia com os alunos conceitos sobre felicidade,

indagando se eles eram felizes e o que esperavam de seus futuros, problematizando

algumas questões sociais presentes em nosso país que nos abriam janelas, às

201

vezes, pouco agradáveis, como: fome, miséria, falta de moradia, desemprego. A

educadora disse que, mesmo em situações, tão difíceis, o texto nos ensinava a ter

olhares prospectivos, relacionando com as contribuições dos estudos para melhoria

de nossa qualidade de vida. Dado o sinal, os alunos, aos poucos, nos deixavam

sozinhos em sala de aula, sinalizando para a educadora enquanto ela arrumava seu

material:

Tita – Amigo, hoje estou pouco criativa, estou cansada! Pesquisador – Sua atuação foi brilhante. Extrapolou nossas expectativas. Você está de parabéns! Avisa quando você estiver mais disposta. Se hoje não está criativa e nem disposta e faz um trabalho como esse, como será o dia em que você estiver disposta. Será a aula do século! Tita – Amigo, você está parecendo Cecília Meirelles. Só fica procurando o lado bom das coisas. Acho que seu lema é esse: e essas coisas me deixam completamente feliz.

Realmente, saímos da sala de aula com esse sentimento, pois a aula foi realmente

interessante, sendo possível perceber como os alunos gostavam de ouvir histórias.

Na manhã de 25 de outubro, ao chegarmos à escola, fomos interpelado pela

professora que sinalizava:

– Amigo ouvi sua voz e pensei: “O Alex chegou”. E hoje, vamos continuar com nosso trabalho? Hoje vamos fazer as atividades em grupo ou a roda de leitura? –Vamos seguir o nosso planejamento, o que você acha? – respondemos. – Então pegue o material com as meninas da secretaria enquanto organizo os grupos com os alunos – dizia a professora de Língua Portuguesa.

Uma pausa. As meninas que trabalhavam na secretaria da escola eram também

receptivas ao estudo, demonstrando muito interesse em saber o que

desenvolvíamos, afirmando que podíamos contar com suas colaborações. Assim

sendo, todos os materiais que solicitávamos, como consulta à internet, cartolinas,

pincéis, colas, tesouras, dentre outros, eram automaticamente cedidos por esse

setor que ficava encarregado da entrada e saída de materiais do almoxarifado da

escola.

202

De posse dos materiais, fomos até a sala de aula. Os alunos estavam divididos em

cinco grupos para a execução da seguinte dinâmica de atividade (Quadro 7).

GRUPO 1 Reprodução do texto em forma de quadrinhos

GRUPO 2 Produção de paródias

GRUPO 3 Roteiro e entrevista com Cecília Meirelles

GRUPO 4 Extração de manchetes, notícias de jornais e revistas

para reflexão sobre as janelas que se abrem para os

brasileiros cotidianamente

GRUPO 5 Confecção de maquete apresentando o que cada

morador via de sua janela

Quadro 7 – Organização dos alunos da 6ª C para realização das atividades do Projeto Musiculturarte

Em grupo, os alunos iniciaram a produção de suas atividades, auxiliados pela

professora regente e pelo pesquisador, utilizando os materiais dispostos na mesa da

educadora. Continuamos com a atividade em várias aulas consecutivas. Também foi

utilizado o laboratório de Informática pelos alunos envolvidos com o roteiro de

entrevista e com as paródias. Neste último grupo, encontrava-se o aluno Fábio, com

necessidades educacionais especiais.

Dias se passaram e, concluídas as atividades, os alunos as apresentaram para a

turma. Foram convidados outros professores para a apresentação. Acalmados os

ânimos, uma vez que se diziam nervosos para falar em público, os alunos foram

convidados a apresentar seus trabalhos, conforme registrado em nosso diário de

campo:

O primeiro grupo vencendo a timidez apresentava a paródia de um funk. No primeiro momento, não entendíamos o que cantavam, uma vez que misturavam risos com a música cantada. A turma também ria, mexia com os meninos e, acalmados os ânimos, solicitamos que começassem novamente. Tratava-se um funck sobre o texto “Arte de Ser Feliz”, de Cecília Meirelles, bastante coerente e cuidadosamente ilustrado pelo aluno Fábio. O segundo trazia o texto em forma de quadrinhos. O grupo trouxe o texto em tirinhas que eram afixadas no quadro, concomitantemente a apresentação da historia, sendo percebível que procurava relacionar imagem e texto escrito. O terceiro grupo nos surpreendia, uma vez que apresentava uma janela que, aberta, trazia manchetes extraídas de jornais e revistas com situações sociais e econômicas que necessitavam ser modificadas em nosso país. Em seguida, o grupo responsável pelo roteiro e entrevista trazia duas alunas caracterizadas, ou seja, uma de entrevistadora e outra de Cecília Meirelles. Curiosamente encenavam a entrevista com a autora relatando informações sobre sua vida e obras publicadas, informações obtidas no laboratório de Informática da escola. Confeccionaram também um CD com simulação de entrevista com a escritora para posterior apresentação para a turma. Finalizando, o grupo responsável pela maquete nos levava ao delírio. Além de trazer a maquete de um prédio, apresentava peça teatral sobre a vivência de quatro mulheres que residiam no imóvel e que viam a

203

vida de suas janelas de forma diferente. Criativamente, as alunas faziam interlocuções do texto de Cecília Meirelles com personagens de novelas e filmes que estavam em evidência, como a personagem de Camila Pitanga, da novela “Paraíso Tropical” da Rede Globo de Televisão, e uma mulher evangélica do filme “Oh, Pai, Oh!”, além de outra bastante calma que via somente o lado bom da vida. Em resumo, o texto falava das diferenças humanas e, ao mesmo tempo, de solidariedade, uma vez que o prédio, ao ser incendiado, teve a ajuda das personagens que, colaborativamente, se juntavam para resolver o problema. Concluindo, as alunas sinalizavam: “Quando tudo parece estar perdido, sempre existe uma esperança. Isso depende de como você encara as situações da vida”. Os alunos foram aplaudidos e elogiados pelos professores presentes (DIÁRIO DE CAMPO de 03 de outubro de 2007).

Sobre a apresentação, satisfeita, Tita comentava: [...] Amigo, como eles surpreendem a gente! Eles fizeram coisas que nem passaram pelas nossas cabeças. As meninas deram um show no teatro. Fábio praticamente conduziu a apresentação do grupo dele. Amigo, esse trabalho cansa, mas é bom, né? A gente vê resultado e consegue envolver todos os alunos. Nessa hora não tem menino que não aprende [...] (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Os alunos realmente deram um show. Por vários dias, os trabalhos realizados

serviram de comentários na escola. Todo esse movimento nos fazia pensar que, “[...]

quando o sujeito é capaz de produzir sentido sobre o que aprende, podemos falar de

uma aprendizagem personalizada e criativa” (GONZÁLES REY; MITJÁNS

MARTINEZ, apud ANACHE; MITJÁNS MARTINEZ, 2007, p. 51). Os alunos

produziram, se envolveram, redigiram, contracenaram, pesquisaram e esses

movimentos falavam de aprendizagem e era isso que apresentavam à escola.

Freire nos diz que, para o desvelar do senso crítico do educando, de sua criatividade

e potencialidade, de seu envolvimento na produção de conhecimentos, cabe ao

educador pensar que

É preciso que o(a) educador(a) saiba que seu ‘aqui’ e o seu ‘agora’ são sempre o ‘lá’ do educando. Mesmo que o sonho do(a) educador(a) seja não somente tornar o seu ‘aqui-agora’, o seu saber, acessível ao educando, mas ir mais além de seu ‘aqui-agora’ com ele ou compreender, feliz, que o educando ultrapasse o seu ‘aqui’, para que esse sonho se realize tem que partir do ‘aqui’ do educando e não do seu. No mínimo tem que levar em consideração a existência do ‘aqui’ do educando e respeitá-lo. No fundo, ninguém chega lá, partindo de lá, mas de um certo aqui. Isto significa [...], que não é possível ao educador(a) desconhecer, subestimar ou negar os ‘saberes de experiências feitos’ com que os educandos chegam à escola (FREIRE, 1992, p. 59).

204

Dando continuidade às atividades, no transcorrer dos dias, desenvolvemos roda de

leitura com os alunos na biblioteca da escola. O grupo foi motivado a escolher suas

obras para a leitura, pois a professora apresentaria uma surpresa para os alunos.

Mergulhados na leitura, sinalizavam interesse em reportar-se até às estantes para a

retirada de outras obras para leitura na biblioteca e em casa. Concluída a atividade,

Tita informava que premiaria o aluno que apresentasse o livro lido da forma mais

criativa para a turma. Na data agendada para a apresentação da atividade, a sala

da 6ª C estava repleta de materiais elaborados pelos alunos, desde maquetes de

TV, quadrinhos, paródias, charges, cartazes, peças de teatro retratando todos os

livros lidos na roda de leitura. Convocamos novamente os professores para a

apreciação dos trabalhos da turma que se transformava em alvo de visita por toda a

escola.

Era necessário aproveitar esses momentos para contagiar os demais educadores e

trazê-los para nossa proposta de intervenção, uma vez que assim já sinalizavam:

Já falei com a diretora que ano que vem quero voltar para a sala de aula [...] Quero ficar com algumas aulas de Geografia e outra parte de minha carga horária continuando com esse trabalho que você está desenvolvendo [...]. Vou até ao secretario de Educação ou ao prefeito [...] mas quero trabalhar com os professores e organizar a formação continuada na escola (COORDENADORA DE TURNOS).

Os movimentos da pesquisa contagiavam os professores. Queriam ocupar o lugar

de pesquisadores, de colaboradores. Mostravam que o “pedagógico” era um

compromisso a ser assumido por todos: “[...] Quero trabalhar com os professores e

organizar a formação continuada na escola”, sinalizava a coordenadora. Em uma

escola reflexiva e aprendente, seus princípios e fundamentos são guiados pelo

conhecimento e pela prática reflexiva que acompanham o desejo de compreender a

razão de ser de sua existência, as características de sua identidade própria, os

constrangimentos que a afetam e as potencialidades que detém, afirma Alarcão

(2001).

A coordenadora nos falava disso, pois reconhecia a possibilidade de configurar-se

pesquisadora naquele cotidiano, articulando processos formativos capazes de

promover a reflexão, problematização e busca por possíveis para os desafios

205

presentes nas salas de aula. Jesus (2006) nos fala que o objetivo de uma pesquisa-

ação colaborativo-crítica é esse, isto é, assumir a centralidade dos profissionais da

educação nos processos de aprendizagem-ensino, instituintes de outro “saber-fazer-

ser”, ou seja, sujeitos de conhecimento.

Após almoçarmos com o professor de Geografia e Tita para planejar e envolver o

educador nas atividades em desenvolvimento, acordamos que, para a atividade com

a música “Da Janela”, de autoria do Grupo Moxuara, caberia à disciplina de

Geografia trabalhar as questões que envolviam economia, trabalho e vida do homem

do campo, relacionando-as também com o texto “Arte de Ser Feliz” de Cecília

Meirelles.

A professora de Língua Portuguesa ficaria a incumbência de iniciar a produção das

paródias com a turma a partir da música e história trabalhadas. Após exploração da

temática e entonação da música, as aulas de Geografia e Língua Portuguesa

ficaram destinadas à produção textual. Os professores e o pesquisador deveriam

orientar os alunos na escrita e reescrita de seus textos. Assim sendo, essas

produções, depois de digitadas, compuseram um painel apresentado na culminância

do projeto com toda a escola. Com esse movimento, iniciávamos o cumprimento de

nosso objetivo de contagiar os professores e trazê-los para os trabalhos

desenvolvidos em sala de aula, pela via da pesquisa.

Como se não bastasse, colaborativamente, decidimos com os alunos produzir uma

peça teatral para apresentação na culminância do projeto, envolvendo alguns

professores na atividade. Coletivamente, o texto foi escrito pelos alunos e registrado

no quadro pela professora Tita, de Língua Portuguesa, ficando os alunos com a

incumbência de providenciar figurinos e cenário para a apresentação. Nesse

período, as alunas confeccionaram asas de borboletas, envolvendo uma das mães

que era costureira na produção de seus figurinos. Fizeram cenários com pássaros,

árvores, riachos. O texto também foi problematizado pelos professores de Ciências e

Geografia que se encarregavam, junto com Tita, de ensaiar a peça com os alunos.

Todas essas produções foram socializadas com toda a escola no encerramento de

nossas atividades letivas.

206

A sala de aula configurava-se lugar de prazer para alunos e professores, além de

espaço de formação docente, pois ali se produzia conhecimento sobre as

possibilidades do fazer articulado, envolvendo conteúdos, disciplinas, professores e

alunos com e sem deficiência.

[...] numa sala de aula interdisciplinar a obrigação é alternada pela satisfação; a arrogância pela humildade; a solidão pela cooperação; a especialização pela generalidade; o grupo homogêneo pelo heterogêneo; a reprodução pela produção do conhecimento [...]. Numa sala de aula interdisciplinar, todos se percebem e gradativamente e se tornam parceiros e, nela, a interdisciplinaridade pode ser aprendida e pode ser ensinada o que pressupõe um ato de perceber-se interdisciplinar [...] (FAZENDA, apud CARLOS, 2007, p. 169).

Trabalhar nessa perspectiva favorecia o crescimento dos educandos que

surpreendiam os docentes, trazendo significativas contribuições para os projetos

desenvolvidos em sala de aula. Com toda a certeza, sem a colaboração e o

envolvimento dos alunos, os objetivos traçados pela pesquisa e, simultaneamente

pelo Projeto Musiculturarte, não teriam alcançado seus objetivos. O espírito da

colaboração envolvia não somente os professores, mas também os alunos que

também se sentiam compromissados com a inclusão daqueles com necessidades

educacionais especiais nas atividades desenvolvidas em sala de aula.

6.4.5 O Projeto Musiculturarte e a 5ª série A

Depois de iniciarmos os trabalhos do Projeto Musiculturarte com a 5ª série A e de

várias interrupções em virtude da realização de concurso de redação, avaliação,

fechamento de bimestre e, conseqüentemente, conteúdos a serem explorados por

Carmem, retomamos as atividades, recapitulando a história já iniciada com os

alunos. Segundo nosso planejamento, promoveríamos diálogo entre a música do

Grupo Moxuara “Não Mande a Geada” com a obra “Vidas Secas”, de Graciliano

Ramos. Nessa sala, coube ao pesquisador trabalhar a história com a turma:

[...] solicitamos que os alunos guardassem seus materiais e viajassem conosco na história de Vidas Secas. Apresentamos os personagens, o cenário onde se passava a história e a situação econômica e social do povo nordestino, pedindo que os alunos adivinhassem os nomes dos protagonistas. Faziam suas tentativas e, ao apresentarmos o nome do pai como Fabiano, diziam que não combinava com o anfitrião, uma vez que se tratava de uma pessoa tão pobre. Falamos também que, além de Fabiano, a família era composta por Sinhá Vitória (a mãe), dois filhos e um animal de estimação. Vocês não acreditam que animal é esse! Papagaio, gato, vaca e, finalmente, uma cadela,

207

argumentavam os alunos. Ao trabalharmos o nome da cachorra, sinalizavam que a mesma poderia se chamar Magrela, Esqueleto, Magricela. Ao apresentarmos o nome Baleia, os alunos não concordaram questionando como podia uma cadela que passava tanta fome ganhar esse nome. Aos poucos, íamos comentando a saga da família de Fabiano, as andanças debaixo do sol quente, a fome, a sede e o encontro com algo inusitado. – O que vocês acham que essa família encontrou? – Um rio, um poço, sinalizava os alunos. Comentávamos que Fabiano chegara a uma fazenda abandonada. Os alunos faziam comparações dos retirantes aos sem-terra. Em seguida, relatamos Baleia chegando toda ensangüentada com o preá na boca, apresentando o jantar para aquela família. Os alunos ficavam indignados com o fato de somente sobrar os ossos para ela e sentiam dó de Sinhá Vitória que sonhava com uma vida melhor e uma cama confortável para dormir. Comentamos o momento em que Fabiano vai às compras, joga cartas com o Soldado Amarelo, briga, passa a noite na prisão, preocupado com sua família que nada tinha para comer, além da exploração a que era submetido pelo dono da fazenda que tinha chegado. Os alunos, atentos à nossa historia, faziam suas interlocuções e ficaram tristes com a morte de Baleia. Baleia parece gente, diziam! Explicávamos que a idéia de trazer Baleia com características humanas se dava pelo fato de a miséria humana aproximar homens e mulheres dos demais animais irracionais e essa era a intenção do autor. Atentos, eles nos ouvia dizer que Fabiano fora muito humilhado na prisão e que, passados alguns dias, encontrara-se sozinho em um canavial podendo se vingar do policial. Ele o matou? Afirmamos que Fabiano se lembrou de sua família e pensou na do Soldado Amarelo e resolveu perdoá-lo. Fabiano tem bom coração, sinalizavam os alunos. Chegada a seca, o único poço de água que havia na fazenda aos poucos ia secando e, mais uma vez, Fabiano juntou seus farrapos e sua família, se pôs a caminhar mais uma vez com a esperança de um dia conseguir uma vida melhor para sua família (DIÁRIO DE CAMPO de 26 de setembro de 2007).

A necessidade de desenvolvimento dos projetos mencionados nos levou a retomar

os trabalhos do Projeto Musiculturarte com a turma, em 30-11-2007. Para nossa

surpresa, ao revisitarmos a obra de Graciliano Ramos, os alunos se dispuseram a

nos contar novamente a história, uma vez que a sabiam de ponta a ponta. Era

possível observar alguns alunos transitando com o livro pela escola afirmando que

estavam motivados a lê-lo.

Após problematizarmos, mais uma vez, “Vidas Secas” com os alunos, trabalhamos

também com a música “Não Mande a Geada”, do Grupo Moxuara, que trazia

questões relacionadas com a vida do homem do campo. Em seguida, organizamos

os alunos em grupos para que eles, apoiando-se em paródias, acrósticos,

quadrinhos, desenhos, contos, charges, dentre outras metodologias de escrita,

fizessem a releitura dos textos trabalhados, selecionando a metodologia mais

adequada para suas produções. Com esses movimentos, procurávamos romper

com práticas de produção de texto em que o aluno escreve para o professor corrigir

e trazer para a sala de aula desafios para que os alunos buscassem na escrita a

resolução.

Em grupos, os alunos produziam auxiliados pela professora de Língua Portuguesa e

de Educação Especial, além do pesquisador. Era chegado o momento de envolver

208

os demais educadores em nosso projeto de intervenção, colocando em prática o

planejamento de 31 de outubro, realizado com todos os professores da escola.

Assim, as atividades de releitura de “Vidas Secas” e da música “Não Mande a

Geada” eram trabalhadas nas aulas de todos os professores, que contextualizavam

os conteúdos de suas disciplinas com a produção escrita dos alunos. Entravam e

saíam professores e os alunos continuavam executando a atividade. Desse

envolvimento colaborativo foram confeccionados livros, para que os alunos

armazenassem suas produções. Tivemos a idéia de ilustrar a capa com a releitura

das obras utilizando massinha de modelar, envolvendo todos os professores na

execução da atividade.

[...] Todo o meu conteúdo foi trabalhado naquela paródia. Foi citado lixo, água, poluição do ar, até equinodermos eles colocaram na paródia. Vento, nuvens que são matérias que eu estou finalizando. Então, entrou toda a matéria na paródia [...]. Com as massinhas de modelar para a capa do livro, exploramos tipos de animais [...]. Saímos daquela rotina, para os alunos quebrarem um pouquinho dessa rotina que estão acostumados (PROFESSORA DE CIÊNCIAS). [...] Fiz as paródias com os alunos e a pintura de pôsteres em sala de aula, durante minhas aulas. Eu aproveitei para trabalhar alguns conteúdos com eles [...] (PROFESSOR DE GEOGRAFIA). [...] O assunto percorria História, percorria Geografia, todas as disciplinas [...]. Achei fantástico que ela começava em uma turma e eu ia terminando e não teve problema nenhum. Eu acho que, quando todo mundo fala a mesma linguagem, fica muito mais tranqüilo de se trabalhar (PROFESSORA DE HISTÓRIA).

Essa dinâmica colaborativa facilitava a projeção de idéias, outras possibilidades de

trabalhos, bem como de registro das produções realizadas pelos alunos.

[...] Tenho incentivado os alunos a buscarem na biblioteca livros para leitura. Estou trabalhando com diário reflexivo para que registrem o que de mais interessante encontraram no livro lido (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA). [...] Estou trabalhando com a confecção de mandalas com a professora de História. Já envolvemos o professor de Geografia que tem se mostrado muito criativo (PROFESSORA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL).

Outra pausa: E os alunos com necessidades educacionais especiais participaram da

atividade ou ficaram em casa impossibilitados de interagir?

209

Para nossa surpresa, ao sentarmos ao lado de Ana – pesquisador e Carmem – a

aluna nos contou com destreza a história de Vidas Secas. Trabalhando com recorte

e colagem de gravuras, ela fazia a reescrita da obra utilizando essas imagens.

Procurava, selecionava e apontava as que representariam Fabiano, Sinhá Vitória, os

filhos, a cachorra Baleia, o Soldado Amarelo, o sol quente do Nordeste e a fazenda.

Em seguida, utilizando alfabeto móvel, foi escrevendo o nome desses elementos e

registrando na folha onde produzia seu texto.

Enquanto isso, a professora de Educação Especial (re)contava a história adaptada

para Miguel, que passou a colorir fatos da obra. Em grupo, Rogéria, Sabrina,

Daniela e Mari produziam seus textos auxiliadas pelos professores e demais alunos

do grupo. Um grupo de professores teve também a iniciativa de constituir um coral

para a apresentação da música “Não Mande a Geada” na culminância do projeto,

envolvendo os alunos com necessidades educacionais na atividade. Esse trabalho

interdisciplinar nos permitia alcançar os objetivos de nossa pesquisa, ou seja, iniciar

movimentos na escola a partir dos professores de Língua Portuguesa, contagiando,

gradativamente, os demais educadores na criação de contextos que envolvessem o

desenvolvimento da leitura e da escrita dos alunos.

O movimento contagiava os professores que viam, no trabalhado colaborativo,

outras possibilidades de atuação em sala de aula, como observado na fala da

professora de Língua Portuguesa que conosco conversava:

[...] Estou achando ótimo esse entrar e sair de professores. A atividade não pára [...]. Quando trabalhamos com a história, fica difícil controlar os alunos porque todos querem falar ao mesmo tempo, mas o que vale é a participação deles. Você viu como eles participam, interagem, querem falar. É aquilo que você diz: quando o trabalho é diferente eles se envolvem mais. Eu penso que esse trabalho tem possibilitado aos meninos terem um outro contato com a leitura e com a escrita. Não é escrever por escrever, nem ler por ler. É ler e escrever dentro de um contexto. É usar a leitura e a escrita entendendo o porquê de seu uso (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

Movimentos iam surgindo e a preocupação com o processo educacional dos alunos

com necessidades educacionais especiais se presentificava no discurso de muitos

educadores que assim sinalizavam:

210

[...] Vou chutar o pau da barraca [...]. Não estou conseguindo trabalhar meu conteúdo e dar atenção para Miguel e Ana. Vou atrás de Isabel. Vou pedir para ela ir para a sala de aula comigo. Quero fazer o que você está fazendo com Carmem e Tita [...]. Carmem me disse o que vocês estão fazendo e estou encantada (PROFESSORA DE CIÊNCIAS). Coordenadora – Acabei de fazer um desfile de moda com a 5ª A. Ana e Miguel desfilaram. Professora de Inglês – Mentira! Não acredito! Professor de Educação Física – Consegui trabalhar com Miguel em minha aula. Isabel e as outras meninas da sala me ajudaram e ele interagiu. Professor de Geografia – O desfile foi na minha aula e a turma toda incentivava os especiais a desfilarem. Viu, eles podem! Dá para envolvê-los também.

Com o passar dos dias, presenciávamos ações colaborativas desenvolvidas também

entre os alunos que passaram a ser preocupar com o processo educacional de

Miguel, como foi verificado nas atitudes de Mari, aluna com necessidades

educacionais especiais, que preparava, em casa, atividades de alfabetização para

que ele resolvesse em sala de aula, conforme constatado pelos professores:

[...] Ontem, quando fui trabalhar uma atividade com Miguel, fiquei boba [...]. Ontem eu fiquei boba com o carinho que ele tem por ela. Perto de mim e da coordenadora, ele apontou para Mari quando eu apresentei a atividade para ele. Ele a tem como ajuda. Não apontou para ninguém, nem para mim e nem para a coordenadora, apontou para ela (PROFESSORA DE CIÊNCIAS).

Em diálogo com a aluna, ela nos confidenciou: Pesquisador – Por que você quer ajudar Miguel? Aluna – Para ele saber. Para ele não zerar. Pesquisador – Por que você passa deveres para ele? Aluna – Ué. Para ajudar ele fazer os deveres direito [...]. Quando eu passo dever para ele, ele aprende [...]. Tem que passar uns deverzinhos para ele, para ele não ficar parado. Pesquisador – O que ele aprende com esses deveres? Aluna – Escrever o nome dele, o nome de coisas, porque ele é muito diferente. Pesquisador – Ele é diferente em quê? Aluna – Só tem ele de diferente, porque ele é mudo. Ele é o mais quieto da sala. Os professores falam que a gente tinha que ficar igual a ele, daquele jeito. Pesquisador – E ele vem para a escola para quê? Aluna – Para estudar as matérias que a gente aprende. Eu ajudo ele para vê se ele melhora alguma coisa. Quando a professora passar algum dever para ele... para ele já ir aprendendo. Pesquisador – Ele aprende? Aluna – Aprende. Quando a professora fala cadê o “M” de Miguel, aí ele aponta para o “M” [...]. Eu coloco ele para escrever o nome dele, para ele pintar, para ele ligar [...]. Tiro as atividades do livro [...]. Passo assim para

211

escrever o nome das coisas, faço pontinhos para ele passar por cima e escrever o nome dele, pra ele ligar e para ele desenhar.

Pensando nessas múltiplas situações, trouxemos os seguintes registros em nosso

diário de campo: Ficamos pensando nas situações vivenciadas como a integração dos professores no Projeto Musiculturarte, de como passavam a problematizar as questões relativas aos alunos com necessidades educacionais especiais e em Mari que se preocupava com Miguel. Estas situações são frutos do trabalho de nosso grupo de pesquisa? Parece uma coisa tão simples, mas, no início de nossos trabalhos, o nome de Miguel não era mencionado e, quando acontecia, diziam que não incomodava, que não trazia problemas para a escola. Não pôde participar das Olimpíadas de Matemática e ali estava para socialização. Agora ele é lembrado pelos professores. Os alunos o incentivam a participar das atividades, se preocupam em levar atividades para que ele resolva em sala de aula. Ele sorri, tira foto, faz fila, desfila. Isto é movimento? Nossa preocupação sempre foi promover a leitura e a escrita dos alunos. Ele ainda não aprendeu a ler convencionalmente. Ana está em processo. Contribuímos? Seria o aprendizado da leitura e da escrita convencional o termômetro que sinalizaria o alcance de nossos objetivos? Não poderíamos concluir que a escola também aprendia a ler suas crianças, principalmente as com necessidades educacionais especiais, pois, mesmo não sabendo como agir, repleta de conflitos, interrogações e ambigüidades, reconhecia as contribuições do processo de escolarização na inclusão desses sujeitos na sociedade e fazendo assim suas tentativas de intervenção? (DIÁRIO DE CAMPO de 16 de novembro de 2007).

O trabalho grupal constituía seus movimentos. A escola, os alunos com e sem

deficiência e os professores estavam em movimento. No transcorrer de cinco meses,

procuramos problematizar, contagiar professores que sinalizavam estar

incomodados com o processo educacional dos alunos e contribuir com a instituição

de práticas que dialogassem com esses desafios, chegando, finalmente, o dia 20 de

novembro de 2007, data agendada para a culminância do Projeto Musiculturarte.

Depois de sairmos da escola, às 14h, no dia anterior, juntamente com Carmem e a

professora de Ciências, para deixar todos os materiais em seus devidos lugares,

restava-nos aplaudir os trabalhos desenvolvidos com nossos alunos e expostos na

escola.

Contando com a participação dos músicos do Grupo Moxuara, na quadra da escola,

os alunos apresentavam peças teatrais, paródias e danças retratando as músicas do

grupo e os textos trabalhados em sala de aula. Tita apresentava a peça teatral e

nela estava presente o aluno Fábio, enquanto Ana e Miguel participavam do coral da

escola. Simplesmente podíamos resumir os trabalhos em uma única palavra:

fantástico! Ana, Miguel, Fabio, Rogéria, Mari, Sabrina, Daniela e tantos outros

alunos saíam de seu anonimato graças ao empenho, dedicação e espírito de equipe,

conforme avaliação do professor de Geografia na ocasião:

212

[...] Tita entrou aqui em julho, junto comigo. A quantidade de coisas, de pequenas tarefas que essa menina desempenhou para fazer essa apresentação do Moxuara foi impressionante. Ela deu conta de teatro, ela deu conta de exposição, ela deu conta de paródia junto comigo, ela deu conta de muita coisa [...]. No dia da apresentação, ela faltou pouco para enfartar, porque ela queria que tudo desse certo, que tudo ficasse bonito. Não era para fazer sucesso, não, porque ela estava concursada. É o compromisso dela [...].

Foi assim, querendo que tudo ficasse bonito e contando com o compromisso de

Carmem, Tita, Isabel, Sandra e Marta que, aos poucos, fomos contagiando,

aprendendo a ler nossos alunos e a escrever algumas páginas a mais de suas

histórias de vida.

Trabalhar colaborativamente trazia uma sensação de dever cumprido, de objetivo

alcançado e de possibilidades de atuação com as questões da diversidade, pois

essa perspectiva nos permitia perceber dois movimentos interessantes entre o

grupo:

a) O trabalho com a diversidade conclama a necessidade de engajamento

coletivo, de troca, de reflexão entre pares, de colaboração e de assunção das

questões relativas ao processo educacional dos alunos como um

compromisso de todos os profissionais que, de forma direta ou indireta,

contribuem para o desabrochar do ato educativo no contexto da sala de aula.

Quando as coisas acontecem com mais pessoas pensando, como o trabalho fica melhor! Como ele cresce! Porque, se fosse só eu, eu nunca imaginava trazer Vidas Secas para cá. Nunca tinha passado pela minha cabeça [...]. Para mim, foi uma coisa inédita. Eu nunca pensei em fazer isso. Eu nunca pensei em fazer esse feedback. Pegar um livro lá do ensino médio. Pegar um livro tão complexo [...] e jogar essa história [...] e eles terem aproveitado tão bem. Você via que eles vivenciavam. Dava reportagem na televisão e eles chegavam falando: ‘Olha professora, tem a ver com o livro [...]‘ (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA). [...] A melhor coisa é trabalhar junto. Quando você tem uma outra professora para trocar, para fazer os planejamentos juntos é maravilhoso. [...] Um ajuda o outro [...]. Lembra da experiência do Hino Nacional? Eu lembro que só tinha um papelzinho e, discutindo com você, a atividade tomou uma dimensão enorme [...]. A atividade foi envolvendo todo mundo. Envolveu a professora de Artes e envolveu todos os alunos, sem exceção de nenhum (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA).

213

Embora nossa perspectiva no desenvolvimento deste estudo fosse ocupar o lugar de

pesquisador externo à escola, muitas vezes nossa subjetividade de educador de

escola de educação básica também se misturava nesse processo. Agora, falando

como educador, concordamos com as educadoras, quando afirmam que o trabalho

coletivo traz contundentes contribuições para as práticas desenvolvidas em sala de

aula e para o aperfeiçoamento docente, pois esse foi o grande ensinamento que

tiramos deste estudo.

b) Finalmente, a pesquisa-ação colaborativo-crítica se configura como

possibilidades de enfrentamento dos desafios da práxis, engendramento de

ações responsivas a esses desafios e formação continuada em contexto para

os educadores. [...] eu acredito que a pesquisa me ajudou a mudar a minha visão em relação ao aluno deficiente porque eu achava que eu tinha que trabalhar no nível dele. Tipo assim: se ele não fosse alfabetizado, eu tinha, primeiro, que ensinar o menino a ler e a escrever para depois trabalhar textos que eu trabalhava com as outras crianças com ele. Eu achava que ele tinha que chegar ao nível dos outros alunos para poder aprender. Agora, eu estou tendo uma visão diferente. Eu vejo que essas crianças são criativas, que conseguem desenvolver as atividades que eu proponho e que têm idéias próprias. Eles criam muito. Eles não ficam só na idéia que eu levo. Eles vão além. Dou a minha idéia e eles não ficam ali; eles criam, eles mostram que são independentes (TITA – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA). A pesquisa foi excelente para mim, como profissional, e também para os alunos, porque eu vi que, a todo instante eles nunca foram excluídos. Eles estavam inseridos em tudo que aconteceu na pesquisa. Vejo um outro ponto muito positivo: a pesquisa não veio pronta, ela foi acontecendo, foi se inserindo nos movimentos da escola. A pesquisa estava aqui desde julho/agosto e a gente não parou de fazer o que estávamos fazendo para entrar na pesquisa, mas a pesquisa foi se envolvendo com a gente, com as necessidades e projetos da escola. Toda semana nós, professores, tínhamos uma atividade para desenvolver e não precisávamos parar nossas atividades para trabalhar algo que você propusesse. Fomos aproveitando os movimentos, os planejamentos, os projetos que já existiam na escola e desenvolvendo a pesquisa a partir deles. Isso foi um ganho, porque enriquecemos nossa prática e pudemos ver que podemos ir mais além, contando com a colaboração e o trabalho dos alunos (CARMEM – PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA). [...] você veio e contribuiu muito. Revolucionou algumas coisas. [...] me fez pensar em algumas coisas que eu, às vezes, não tinha percebido, outras eu tinha percebido, mas estava aguardando passar o ano, porque eu aceitei aceitar o ano da forma que a escola era e algumas coisas é legal a gente está pensando. Acho que você fez um movimento bom dentro da escola com as professoras. Até atingiu a Adriana que não estava incluída...

214

que era só a área de Português e acabou incluindo... Acho que todos... o Anderson... em Geografia...buscou um, buscou outro... acabou que todo mundo ficou sabendo o que você estava fazendo dentro da escola [...]. Hoje eu vejo o carinho que eles têm por você... Até perguntam: ‘O Alex vem hoje? O Alex vem que dia?’ Todos eles... [...] Porque a gente está vendo a evolução do Fulano, da Fulana... E eu acho isso bacana... [...] (PEDAGOGA).

Nossas reflexões nos levaram a destacar alguns pontos que foram interessantes

para que nossa intervenção em sala de aula alcançasse os objetivos por nós

estabelecidos. Intervir em um contexto em que reconhecíamos a

heterogeneidade de subjetividades presentes, assumindo-as como peças do

processo ensino-aprendizagem, nos levava a potencializar os momentos de

planejamento, problematizando as atividades a serem trabalhadas em sala de

aula, de forma tal que todos os alunos se beneficiassem de nosso processo de

intervenção, pois o professor engajado nessa perspectiva de trabalho deve “[...]

assegurar que todos possam expressar-se, ser ouvidos, e que a tarefa comum

comporte a intervenção de cada um” (MEIRIEU, 2005, p. 125).

Em outras palavras, a intervenção comprometida o aprendizado de todos,

[...] possibilita não apenas o enriquecimento dos mais ‘fracos’, mas também daqueles que eram identificados como os ‘mais fortes’, e que, nesta situação, descobrem obstáculos e objeções que lhes permitam apropriar-se ainda melhor de conhecimentos que imaginavam plenamente adquiridos (MEIRIEU, 2005, p. 125).

Um segundo ponto a ser destacado diz respeito aos trabalhos com a leitura e a

escrita adotados para o desenvolvimento do estudo. Partimos do princípio que

Vigotsky (2001) defende ao afirmar que a aprendizagem da linguagem escrita é de

fundamental importância para o desenvolvimento humano, pois possibilita seu uso

involuntário, cabendo à escola trabalhá-la de acordo com o uso social que o

educando faz dela dentro e fora da escola, pois, assim procedendo, toma

consciência de sua estrutura fônica e passa a utilizá-la em várias situações de

interlocução social. Objetivamos instituir contextos em que os alunos buscassem,

nas diferentes tipologias textuais, nas plurais possibilidades de utilização da escrita,

possibilidades para dar conta dos desafios que levávamos para a sala de aula.

215

Assim, muitas vezes, convivemos com situações nas quais os alunos, no mesmo

espaço, desenvolviam as atividades, mas apropriando-se da tipologia textual que

julgavam mais adequadas para a situação, ou seja, uns faziam paródias, outros

narrativas, outros contos, quadrinhos, desenhos, acrósticos, favorecendo, assim,

que os educandos reconhecessem a função social da escrita para aquele

determinado momento. Tal dinâmica distanciava as práticas de leitura e escrita de

rituais já enraizados nas práticas escolares, em que os alunos lêem baixo, depois

em voz alta com o professor e, em seguida, respondem a um questionário para

posterior correção. Nas palavras de Gontijo (2005), trabalhar a leitura e a escrita no

contexto da sala de aula, como uma prática social, é um movimento relevante e

interessante uma vez que [...] ler e escrever são atividades, por meio das quais as crianças, os jovens e os adultos expõem para os outros e para si mesmos o que pensam, sentem, desejam, gostam, concordam, discordam, etc. Nesse sentido, é a interação com o outro, por meio da leitura e da escritura; é, portanto, um processo dialógico desde o início. [Por isso,] [...] a escrita precisa ser ensinada como atividade relevante à vida, como linguagem (GONTIJO, 2005, p. 4).

O terceiro e último ponto diz respeito à metodologia adotada para o desenvolvimento

da pesquisa no cotidiano da escola. Ao falarmos de formação contínua e pela via

desses processos em instituição de contextos de aprendizagem da leitura e da

escrita para o contexto da sala de aula, reconhecíamos a necessidade de

aperfeiçoamento para alunos e professores, uma vez que nos deparávamos com

educandos ainda em processo inicial de aquisição da leitura e da escrita,

contrapondo-se com a lacuna existente na formação inicial dos educadores, relativa

às práticas e reflexões sobre alfabetização. Assim, era necessário construir

conhecimentos, buscar teorizações, colaboração nas pedagogas e na professora de

Educação Especial para que, coletivamente, pudéssemos intervir e aprender

sistematicamente a trabalhar com essas questões. A pesquisa-ação colaborativo-

crítica nos possibilitava esses encontros, essas construções coletivas, essa prática

de aperfeiçoamento docente, essa possibilidade de aprender com os aprendizes que

ocupavam o lugar de educandos e também educadores, pois, muitas vezes,

aprendíamos com eles e por eles:

[...] a pesquisa-ação visa à mudança de atitude, de práticas, de situações, de condições, de produtos, de discursos, em função de um projeto alvo [...]

216

que exprime sempre um sistema de valores, uma filosofia de vida, individual e coletiva, suposta melhor do que a que preside à ordem estabelecida (BARBIER, 2004, p. 106).

Esses foram nossos movimentos, outros virão e outros ainda estão em pleno

movimento, pois, segundo Freire (1996), como educadores progressistas, nosso

papel é forjar educandos que vão se constituindo artífices de sua formação com a

ajuda necessária do educador. Essa é nossa meta, esperamos contribuir para que

ela renasça todos os dias nos contextos de nossas salas de aula.

217

7 É POSSÍVEL FECHAR ESTA CONVERSA?

Tanto tempo que se vai, um minuto, uma hora, um dia, dias inesquecíveis. Momentos marcados na lembrança... Sentimentos emoções, alegrias, uma felicidade, um estado de espírito, uma vida renovada sempre. Descoberta, feita minuto a minuto, em busca de um caminho livre. Tanto tempo que se vai, mas como se tivesse iniciado ontem, ou mesmo como se não tivesse um verdadeiro início. Na verdade, o tempo não conta, não vale tanto como o que nele se passa. O importante é fazer valer tudo, e qualquer dia, minuto, torna-se sempre, pelo amor, algo de bom, inesquecível.

(RENATO RUSSO)

Sábias palavras do grande poeta brasileiro Renato Russo que, com poucas linhas,

nos reporta às experiências construídas neste trabalho de pesquisa científica,

levando-nos a rememorar nossos momentos vividos, que aqui se juntam como

peças de um mosaico, que, como por incidência de uma força maior, se aproximam,

possibilitando-nos refletir sobre a capacidade que homens e mulheres têm de

provocar o tempo e nele construir mudanças.

Pensando nos movimentos que construímos no transcorrer do nosso tempo de

pesquisa, dela saímos com um sentimento de quero mais, provocado pela

possibilidade de falar em transformação e mudança, mesmo que, inicialmente, nos

parecessem elementos inatingíveis, pois pensar em ensino da leitura e da escrita

para crianças com necessidades educacionais especiais, matriculadas nas séries

finais do Ensino Fundamental, que mal conseguiam manipular um lápis entre seus

dedos, parecia uma prática escolar humanamente desafiadora e difícil de ser

realizada, mas, pela via do esforço coletivo dos profissionais que foram se

contagiando com esta proposta de intervenção, desafiando-se a si e ao tempo,

construíram contextos de aprendizagens para que ler e escrever se configurasse em

conhecimentos acessíveis a todos os alunos.

Como nos diz Meirieu (2005), para suscitar essas mudanças e para falarmos nesses

contextos de aprendizagem, foi necessário apostar na educabilidade humana, na

inclusão em detrimento da exclusão e na abertura da escola, pois essa é sua missão

irrevogável e foi assim que conseguimos alcançar os objetivos e metas aqui

traçados. Foi apostando nesses movimentos que superamos olhares, revimos

218

conceitos, construímos possibilidades para ensinar e aprender e para

transformamos o tempo em algo que valesse a pena viver, pois os contextos

vivenciados, construídos durante o planejamento, a formação e confrontos de idéias,

olhares, expressões e, até mesmo, um simples franzir de testa em frente ao

desvelamento do novo serão lembrados e eternizados para sempre em nossa

memória.

Agora, é chegado o momento de fazermos um balanço dessas experiências, e olha

que não foram poucas. Mas, antecipadamente, podemos afirmar que valeram a

pena. Valeu a pena acordar cedo, chegar à escola com os professores para

acompanhar e sentir seus movimentos e desafios. Valeram a pena nossos

encontros, nossas formações que nos possibilitavam crescer, aprender

coletivamente, perceber que pouco sabíamos e que tínhamos muito ainda a

aprender. Valeu a pena ir para a sala de aula, que nos proporcionava inesgotáveis

possibilidades de aprendizado com nossos alunos, que, muitas vezes, superavam

nossas expectativas e nos surpreendiam. Valeu a pena passar os finais de semana

e noites afora pensando em movimentos. Valeu a pena os momentos dedicados aos

telefonemas que dávamos uns para os outros, contagiados pelo trabalho de

pesquisa, para falarmos de inquietações, de novas/outras possibilidades, de uma

idéia surgida de uma hora para outra, de avanços, de retrocessos e de situações

que nos afligiam e nos deixavam com o coração pulsando de alegria.

Pensar sobre os movimentos feitos, ao mesmo tempo em que nos reporta às

situações vivenciadas, favorece nossa reflexão acerca dos ensinamentos que este

estudo nos proporcionou. Inicialmente, pensando na perspectiva de constituir a

escola como espaço-tempo para formação de professores, nosso estudo nos

ensinou que tal proposta, com toda a certeza, pode e necessita ser viabilizada. Para

tanto, necessitamos recuperar a cultura do diálogo entre os professores,

potencializar e melhor aproveitar os momentos destinados ao planejamento,

fortalecer o vínculo entre professores e pedagogos, resgatar a prática do fazer junto

na escola e, ainda, estabelecer momentos para que esses profissionais possam se

encontrar, problematizar os desafios enfrentados em sala de aula e engendrar

possíveis para a superação dos problemas.

219

Levantando essas questões, recordamos que aprendemos, crescemos e

aperfeiçoamos nossa prática docente ao adotar os desafios que enfrentávamos em

sala de aula para a constituição de processos de formação continuada em contexto.

Para tanto, problematizamos, muitas vezes, o que chamávamos de processo de

formação contínua, uma vez, que no início de nossos trabalhos, nos deparamos com

educadores inquietos, angustiados, implicados, sem saber para onde iam e

sedentos por esses momentos para poder sentar, refletir e instituir propostas de

trabalho para os desafios enfrentados. Ao passo que requisitavam da instituição

escolar a liberação dos alunos mais cedo para a constituição desses encontros, não

compreendiam que esse movimento era tão necessário quanto a potencialização

dos encontros para planejamento, quando, nesses dias, contávamos com três a

quatro professores , pedagogos e professor de Educação Especial que podiam se

juntar para o aprofundamento teórico, reflexão crítica da práxis e instituição de

trabalhos interdisciplinares e flexibilizados, que dialogassem com as necessidades

dos alunos, sendo pouco aproveitado esse movimento entre o grupo.

Assim sendo, aprendemos que a formação continuada na escola constitui-se de

momentos macros em que toda a escola pára e se junta para refletir e engendrar

estratégias de ensino e aprendizagem, bem como momentos micros, quando

paramos com quem está ao nosso lado, sentamos com os pedagogos nos dias de

planejamento, trocamos e construímos novos-outros possíveis com nossos colegas

de trabalho, aproveitando os momentos já instituídos pela escola ou pela Secretaria

de Educação e nos contagiamos com esse processo de troca, fazendo das idas e

vindas à escola oportunidades para superação da solidão que muitas vezes nos

toma e nos enfraquece.

É pela via da formação centrada entre pares, da reflexão crítica da práxis e da

assunção dos desafios presentes nas questões pedagógicas que acreditamos ser

possível recuperar a esperança, o sonho, a crença na educabilidade humana, o

papel social da instituição escolar e de uma configuração profissional que entenda o

ato educativo como ato político e social, distanciando as práticas desenvolvidas em

sala de aula de uma concepção ingênua de educação, pois, levantando essas

questões, sobre elas, Freire (1996, p. 103) mais uma vez nos disse:

220

[...] não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina, não posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito jamais negado ao educando, a seu saber de ‘experiência feito’ que busco superar com ele. Tão importante quanto o ensino de conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço.

Vivenciar esses momentos de encontros, diálogo, reflexão, crescimento pessoal e

profissional nos permitia pensar que a formação contínua faz parte de nosso

processo de desenvolvimento humano e profissional, pois, à medida que

enfrentamos e vencemos os obstáculos da vida, crescemos, amadurecemos,

aprendemos a olhar o mundo com outros olhos, produzimos conhecimentos,

formamo-nos continuamente. Esses movimentos nos faziam refletir sobre o que

temos chamado/considerado formação contínua nos dias atuais, pois não podemos

encurralar esses processos somente a encontros agendados, reuniões,

planejamentos, estudos, pois nossa vida, nossa presença neste mundo, nossa

atuação profissional, nossos encontros e desencontros são movimentos que nos

falam de formação. Formamo-nos para ser gente, profissionais, pais, filhos,

educadores e educandos. Formar é viver. É encenar/incorporar os diferentes

personagens que a vida nos proporciona e nos permite viver, no âmbito profissional,

familiar ou afetivo.

Outro ponto que gostaríamos de destacar neste trabalho diz respeito às

contribuições que alunos com necessidades educacionais especiais trazem para o

contexto da escola e da sala de aula em particular. Não descartando os desafios

constituídos por esse movimento, acreditamos que, a partir do momento em que

assumimos esses alunos como sujeitos capazes de aprender e produzir

conhecimento, nos abrimos para também com eles aprender. Primeiramente,

reavivamos nosso senso de humanidade, fraternidade, solidariedade, pois é sempre

bom lembrar que somos humanos, que temos corpo e mentes que também falham,

por isso nos cabe aprender a lidar com as questões da diversidade humana. Ter as

crianças com necessidades educacionais em sala de aula configurava-se em

oportunidades para alunos e professores refletirem sobre essas questões, uma vez

221

que convivemos em um mundo aonde o valor humano vem perdendo a sua essência

a cada dia.

Pensando sobre esses movimentos provocados pela inclusão de alunos com

necessidades educacionais especiais nas escolas de ensino comum, somos levado

a concordar com Mantoan (2005, p. 2), quando salienta que essa iniciativa traz

benefícios para alunos e professores uma vez que

A escola tem que ser o reflexo da vida do lado de fora. O grande ganho, para todos é viver a experiência da diferença. Se os estudantes não passam por isso na infância, mais tarde terão muita dificuldade de vencer os preconceitos. A inclusão possibilita aos que são discriminados pela deficiência, pela classe social ou pela cor que, por direito, ocupem o seu espaço na sociedade. Se isso não ocorrer, essas pessoas serão sempre dependentes e terão uma vida cidadã pela metade. Você não pode ter um lugar no mundo sem considerar o do outro, valorizando o que ele é e o que ele pode ser. Além disso, para nós, professores, o maior ganho está em garantir a todos o direito à educação.

Outra questão interessante desencadeada pela presença desses alunos na escola

configurava-se no sentimento despertado nos professores, que, por entenderem que

necessitavam aprender para serem subjetivados para além das deficiências que

carregavam, passavam a flexibilizar suas práticas, levando para a sala de aula

propostas de trabalho criativas, interessantes, ricas metodologicamente e em

conteúdo, fazendo com que alunos com ou sem deficiência fossem beneficiados

com essas mediações, pela via da instituição de uma pedagogia diferenciada

(MEIRIEU, 2002).

A adoção dessa pedagogia diferenciada configura-se como possibilidade para

contemplarmos as necessidades que os educandos trazem para o contexto da sala

de aula, que necessita ser construída coletivamente por todos os profissionais que,

de forma direta ou indireta, convivem com esses desafios, uma vez que trabalhamos

com sujeitos concretos que portam percursos e ritmos de aprendizagens

diferenciadas e expectativas singulares em relação à produção de seus

conhecimentos, demandando trabalhos diversificados e distantes de estratégias e

mediações prontas que, às vezes, parecem retiradas de “manuais ou receituários”

de como ensinar e aprender.

222

Aprendemos que, para o trabalho significativo em sala de aula e construção desta

Pedagogia diferenciada, necessitamos, talvez, pensar como Meirieu (2005), quando

argumenta que o desenvolvimento humano não é um processo autônomo,

desconectado das aprendizagens, mas, ao contrário, a assimilação progressiva de

novos saberes que permitem o desenvolvimento de novas capacidades e a

aquisição de outros conhecimentos. Com esse movimento, rememoraremos o rosto

de cada sujeito que está inserido em sala de aula, flexibilizando, criativamente, os

conteúdos a serem trabalhados, não excluindo ninguém e fazendo da apropriação

dos conhecimentos historicamente acumulados elementos culturais provocadores de

inclusão social.

Esse movimento, além de remontar a necessidade de instituição dessa Pedagogia

diferenciada, nos leva a refletir que a presença dessas crianças em sala de aula

dava visibilidade a outros desafios que se presentificavam na escola e que, muitas

vezes, eram pouco problematizados, como o caso de alunos que apresentavam

percursos de escolarização mais diferenciados, outros com situações familiares,

sociais, econômicas, afetivas que afetavam seus processos de aprendizagem e,

assim como os alunos com necessidades educacionais especiais, demandavam

atenção diferenciada para a superação desses problemas, necessitando vivenciar

experiências de sucesso no contexto da sala de aula. Ao problematizarmos o

desenvolvimento acadêmico dos alunos trabalhados pela Educação Especial

também nos aproximávamos desse outro grupo, reconhecendo os professores o

papel social da escola na superação das questões suscitadas pelos alunos,

engendrando trabalhos dos quais todos pudessem participar, coletivamente,

colaborando uns com os outros, produzindo saberes e fazendo da sala de aula um

espaço onde alunos com e sem deficiência trabalhavam juntos na construção de

práticas pedagógicas, onde a leitura e a escrita eram desenvolvidas dentro da

exigência social que aquele contexto demandava.

Vale a pena também destacar que saímos deste estudo ciente da possibilidade de

articulação das ações entre professores de ensino regular e de Educação Especial

na escola. Foi assim pensando que rompemos com um sentimento que muito nos

afligia, ou seja, o isolamento na sala de aula, pois, por diversas vezes, tivemos o

223

prazer de contracenar com três educadores, multiplicando as possibilidades de

mediação, correção de atividades, releitura e reescrita das produções dos alunos,

problematizando o que escreviam, liam e compreendiam. Esses movimentos nos

fazem pensar na necessidade de todos os educadores assumir o que é pedagógico

na escola e não atrelar esses movimentos somente às atribuições dos pedagogos

escolares, pois ensinar e aprender são compromissos de todos aqueles que estão

implicados, de forma direta ou indireta, com o processo educacional dos alunos. Por

isso, conclamamos a ruptura com práticas e pensamentos que distanciam os

profissionais na escola, que os separam, que provocam isolamentos.

Foi problematizando os trabalhos da Educação Especial na escola que aprendemos

o quanto professores de ensino regular, pedagogos e de educadores, em

comunhão, podem aperfeiçoar seus saberes-fazeres, uma vez que levam

conhecimentos específicos para o contexto da escola, mas, em determinado

momento, se entrecruzam, projetando possibilidades para aperfeiçoamento e

enriquecimento da prática docente. Sentando, discutindo coletivamente, instituindo

propostas e dividindo ações, acreditamos na possibilidade de fazer do professor de

Educação Especial um colaborador do professor de ensino regular e de romper com

trabalhos, muitas vezes, desenvolvidos por esses profissionais de forma isolada e

desconectada dos assuntos trabalhados em sala de aula tão habituais nas práticas

desenvolvidas com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.

A ação colaborativa na escola beneficia alunos e professores, uma vez a presença

do professor especialista em sala de aula remonta à necessidade de planejamentos

e elaboração de trabalhos diferenciados, envolvendo alunos com ou sem deficiência

nas atividades programadas, contribuindo para que eles se mostrem mais

produtivos, criativos, atentos, “menos agitados”, e também possibilita aos

educadores de ensino regular e de Educação Especial desempenhar outros papéis

em sala de aula, ou seja, aos primeiros, trabalhar de forma mais direta com os

alunos que apresentam necessidades educacionais enquanto são apoiados pelos de

Educação Especial que, de posse do planejamento já realizado, auxiliam os demais

alunos em seus processos de ensino e aprendizagens e, de vez em quando, até

coordenam os trabalhos desenvolvidos com a turma.

224

Reavivando os movimentos feitos pelo estudo no período em que estivemos na

escola, dele saímos ciente da necessidade de problematizarmos com as escolas de

educação básica o que elas vêm denominando de inclusão escolar, pois, muitas

vezes, deparávamo-nos com reflexões que atrelavam tal perspectiva à matrícula de

alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns, descartando

os outros sujeitos trazidos por esse movimento, levando qualquer indivíduo que fugia

ao padrão de aluno esperado a ser considerado como sujeito com necessidades

educacionais especiais, público, então a ser trabalhado pelo setor de Educação

Especial na escola.

As reflexões que este estudo também nos permite constituir dizem respeito à

necessidade que temos de definir o público a ser trabalhado pela Educação Especial

e, nesse mesmo movimento, gestar outros apoios, para além deste, para que os

professores possam trabalhar com as questões da diversidade humana em sala de

aula, sem necessidade de rotular os educandos como “deficientes” para a

constituição dessas colaborações. Aprendemos, assim, que assumir os percursos de

aprendizagens que os educandos trazem para o contexto da sala de aula remonta à

necessidade de toda a escola assumir esse desafio, criando apoios para que o

professor, em sala de aula, “dê conta” das situações enfrentadas, pois o trabalho

educativo, pautado dentro de uma perspectiva da diversidade, permite-nos também

pensar na possibilidade de contar com mais de um professor em sala de aula e na

necessidade de apropriação de recursos didáticos e de acompanhamento

sistemático das ações desenvolvidas e dos processos de aprendizagens dos alunos.

Com relação à formação inicial de educadores, saímos deste estudo refletindo sobre

o compromisso que as academias têm na configuração de “profissionais capazes”

de lidar com os desafios presentes nas escolas de educação básica, engendrando

políticas e ações pedagógicas para enfrentá-las. Não argumentamos em favor de

uma preparação que forme profissionais “prontos” e acabados, pois estamos

consciente de que trabalhamos com pessoas que são sujeitos complexos,

inacabados, indivisíveis, únicos, repletos de incertezas e de desafios que emergem

a todo o momento. Defendemos a idéia de uma formação problematizadora, que nos

coloque a par dos desafios a serem enfrentados em sala de aula, que nos faça

225

refletir sobre a heterogeneidade presente dentro das escolas de educação básica,

sobre as necessidades que os alunos levam para esse contexto e as contribuições

que os conteúdos trabalhados pela área do conhecimento exercem na constituição

histórica e cultural desses alunos e, ainda, na necessidade que temos de flexibilizar

e construir “pontes” para que esses conhecimentos sejam apropriados por alunos

com ou sem necessidades educacionais especiais.

Entendemos que, além das discussões que se fazem em torno da formação de

professores especialistas ou generalistas no âmbito do Curso de Pedagogia, nossa

prática evidencia a necessidade de formação de “bons” professores para as escolas

de educação básica, independentemente do nível ou da área de atuação do

educador. Pensando sobre as questões que se levantam em torno da reformulação

curricular desse curso, acreditamos que muitas discussões necessitam ser

contempladas nas demais licenciaturas, uma vez que as crianças com necessidades

educacionais especiais transitam por todas as etapas da Educação Básica, com

percursos de escolarização que necessitam continuar fluindo, muitas vezes se

deparando com a “falta de preparo docente” e o questionamento: “O que fazer?”.

Assim sendo, argumentamos por uma formação inicial que, além de se preocupar

em ensinar aos novos professores conteúdos e metodologias docentes também se

faça investigativa acerca dos percursos que homens e mulheres fazem para

assimilar/construir os conhecimentos historicamente acumulados e de como forjar

profissionais que tomam os desafios da prática como oportunidade para crescimento

e aperfeiçoamento docente.

Para Meirieu (2006), formar profissionais capazes de lidar com as questões

presentes nas escolas de educação básica é um desafio a ser assumido pelas

agências formadoras de educadores, principalmente ao considerarmos que,

independentemente da área ou do nível de atuação, o professor necessita levar em

consideração que

[...] onde quer que [...] ensine, e seja qual for o seu público, [...] sempre ensina alguma coisa a alguém. Não existe professor que não ensina nada. Não existe professor que não ensine a ninguém. Todo professor trabalha sobre esta difícil associação entre objetos do saber e sujeitos que devem

226

apropriar-se deles. É por isso que um professor não é um ‘simples’ conhecedor, nem um ‘simples’ psicólogo. Não é tampouco uma ‘simples’ justaposição de ambos. É uma outra coisa. Ou melhor, alguém diferente. Alguém que tem seu próprio projeto [...] (MEIRIEU, 2006, p. 22).

Assim, acreditamos que todos os professores deveriam ter conhecimentos básicos

sobre a forma de organizar o currículo e o ensino para responder às necessidades

de todos os alunos. Uma estratégia que se tem mostrado eficaz é a formação

centrada na escola como globalidade, em função do seu projeto, problemática e

necessidades concretas.

Com relação ao trabalho com a leitura e a escrita, nossas experiências, no

transcorrer do processo de pesquisa, nos permitiam refletir que formar alunos

leitores e produtores de textos se configura como um dos maiores desafios a ser

enfrentado pelas escolas de educação básica, não podendo ser resumida tal

problemática ao processo educacional de alunos com necessidades educacionais

especiais, pois esse é o compromisso a ser respondido pela educação brasileira

para todo cidadão que procura, no contexto escolar, o aprendizado desses

conhecimentos para a continuidade de sua jornada educativa, inclusão no mercado

de trabalho e participação nas diversas atividades sociais que requerem tais

conhecimentos.

Refletindo sobre o desafio em formar sujeitos com maiores afinidades com a leitura

e a escrita, destacamos as seguintes questões para reflexão: primeiro, necessitamos

gestar momentos para a reflexão sobre as questões trazidas pelos alunos com

necessidades educacionais para o contexto educacional, bem como sobre as que

perpassam a educação de maneira mais ampla, pois os desafios trazidos pela

inclusão de alunos com deficiência para as escolas de educação básica não são os

únicos problemas a serem enfrentados nesse contexto; segundo, temos

necessidade de assumir a alfabetização como direito de todos, alunos com ou sem

deficiência, pois a capacidade humana de ler e escrever se configura como ato que

nos modifica, aponta horizontes, nos faz críticos e reflexivos, porque a leitura, como

experiência que modifica nossas relações sociais e nossas subjetividades, deve ser

uma questão cotidianamente discutida no contexto escolar, uma vez que o

227

compromisso da escola é “[...] ensinar às crianças a linguagem escrita, e não

apenas a escrita das letras” (VYGOTSKY, 1998, p. 157).

Esse movimento nos permite pensar que esse compromisso necessita ser assumido

pelos professores em atuação nas séries iniciais, bem como pelos que exercem sua

docência nos demais níveis da educação básica, uma vez que ler o escrever se

configura como conhecimento transversal que perpassa os saberes trabalhados por

qualquer área do conhecimento. Assim, defendemos a necessidade de

potencialização de todos os espaços escolares que servem de apoio à sala de aula

– bibliotecas, laboratórios de informáticas, salas de recursos – e criação de espaços-

tempos para debate e reflexão sobre a necessidade de combate ao fracasso

escolar, principalmente quando relacionado com a não aquisição da leitura e da

escrita, pela via da ação colaborativa de todos os profissionais que, de forma direta

ou indireta, estão implicados com os trabalhos desenvolvidos em sala de aula.

Comumente, a ida dos educandos à biblioteca escolar, em muitos casos, emerge

graças ao incentivo despertado pelo professor que, em sala de aula, o leva buscar

por leituras ou por pesquisas visando a complementar ou aprofundar os

conhecimentos construídos no transcorrer das aulas. Da mesma forma vem

ocorrendo com laboratórios de informática que, muitas vezes, parecem competir com

os trabalhos realizados em sala de aula por se apresentarem mais atrativos e com

recursos mais disponíveis aos alunos. Nossas reflexões, nossas parcerias com os

profissionais em atuação nesses espaços, no transcorrer da pesquisa, nos fizeram

pensar que esses setores necessitam assumir uma postura pedagógica diante da

escola e de apoio ao trabalho realizado em sala de aula. O que propomos é uma via

de mão dupla, ou seja, que os movimentos realizados pelos educadores em levar os

educandos para esses espaços também sejam assumidos pelos profissionais em

atuação nesses cotidianos, isto é, que a sala de aula também se presentifique como

lugar de encontros e atuação de todos. Que a ida para a sala de aula, que a

elaboração de ações colaborativas, de projetos em parceria sejam uma cultura

assumida por todos os profissionais da escola, independentemente dos espaços

onde atuam.

228

Nessa mesma linha de raciocínio, rememoramos que, ao adotarmos a formação

continuada em contexto, para compreender as práticas que envolviam o ensino da

leitura e da escrita para educandos com necessidades educacionais especiais,

deparamo-nos com outras crianças que não apresentavam nenhuma deficiência por

ordem biológica, mas que mereciam igual atenção, por apresentarem pouca

afinidade com sua língua materna. Assim, pensamos, refletimos, estudamos,

confrontamos idéias e compreendemos que o desafio apresentado às escolas de

educação básica não se resume em ter ou não educandos com deficiência em sala

de aula, mas, ao contrário, responder às necessidades que todos trazem para esse

contexto.

Refletindo sobre a metodologia adotada para desenvolvimento deste estudo,

acreditamos que a pesquisa-ação colaborativo-crítica realmente nos possibilita

mergulhar no contexto da escola, tomar ciência das dificuldades enfrentadas e

instituir possíveis para a superação de seus desafios. Sua perspectiva formativa e

emancipatória desencadeia movimentos na escola, possibilitando aos educadores

se aproximarem, sentar juntos, refletir sobre a problemática vivenciada em sala de

aula e engendrar, coletivamente, contextos de aprendizagens para alunos com ou

sem deficiência.

Essa possibilidade trazida por esta metodologia investigativa em instituir trabalhos

grupais para enfrentamento dos desafios vivenciados minimiza processos de solidão

que abatem os educadores, desencadeando oportunidades reflexivas para a

instituição de apoio ao professor em sala de aula, constituição do currículo escolar

de acordo com as necessidades dos educandos e de processos de avaliação para

que, coletivamente, a escola possa acompanhar os avanços e retrocessos dos

alunos.

Estudos de Jesus (2006) nos dizem que a pesquisa-ação colaborativo-crítica se

configura como uma metodologia de investigação que, ao reportar a provocar

mudanças em um determinado contexto, favorece a constituição de grupos de

estudos críticos reflexivos, uma vez que os encaminhamentos para as situações

consideradas conflituosas necessitam ser gestados e subtraídos desse coletivo que

229

dialoga diariamente com o problema a ser pesquisado. A autora salienta que essa

ação metodológica pode possibilitar a transformação da prática pedagógica pela

formação/pesquisa educacional.

Nas palavras de Zeichner (apud JESUS, 2006, p. 100), esse movimento grupal

desencadeado pela pesquisa-ação colaborativo-crítica nos leva a pensar que

A pesquisa-ação, além de ser um instrumento de desenvolvimento profissional [...], é um instrumento fundamental para a implantação de reformas educacionais ou de transformação da escola em que os professores e as professoras têm uma presença autônoma.

Assim sendo, salientamos que, embora nossa preocupação, em determinado tempo

de pesquisa, estivesse centrada na formação docente e em saber se os alunos

leriam e escreveriam ao final de nosso processo de intervenção, a metodologia

adotada para o desenvolvimento deste estudo também nos proporcionou algumas

surpresas, pois vislumbramos que todos nós, contagiados pelo movimento da

pesquisa, aprendemos a ler e a escrever. Aprendemos a ler os profissionais em

atuação nas séries finais do Ensino Fundamental como sujeitos capazes de

provocar mudanças, mesmo com uma lacuna em seu processo de formação inicial

relativa ao trabalho com a diversidade. Aprendemos a interpretar a escola como

espaço de formação docente, não somente pelo olhar teórico, mas também pela

vivência do dia-a-dia escolar. Nesse movimento, aprendemos a escrever a teoria

pela via da reflexão crítica da prática. Aprendemos que é possível provocar

movimentos, fazer da sala de aula espaço de aprendizagens para todos os alunos,

abrir a escola às diferenças humanas e nos sentir incomodados e engendrar

possibilidades para que todos possam aprender. Aprendemos a olhar o outro com

olhares prospectivos, mesmo que sua estrutura física, intelectual, cultural e

econômica nos dissesse o contrário. Aprendemos a fazer pequenos e grandes

movimentos, a incomodar e nos sentir incomodados. Aprendemos a ser gente.

Aprendemos que nosso corpo é uma máquina que pode parar a qualquer momento,

por isso não nos cabe ser arrogantes e acreditar que somos melhores ou piores que

nossos semelhantes, porque somos humanos, nada mais. Aprendemos que não

somos tão onipotentes como, às vezes, acreditamos ser, pois somos gente, nada

mais que isso. E, finalmente, aprendemos – alunos e professores – a escrever nossa

230

história de vida atrelada a uma perspectiva de superação de olhares, de novas

formas de conceber e entender o humano.

Agora, para os professores que conosco viajaram nesta aventura, assumindo o

desafio de fazer da sala de aula um lugar para todos aprenderem, que não sabiam

falar de outra coisa senão dos movimentos provocados pela pesquisa, que iam e

voltavam sacolejando no ônibus, falando dos avanços dos alunos, que ficavam

horas ao telefone, emocionados com a superação das crianças, fica aqui nosso

questionamento: será que contagiamos? Provocamos as mudanças esperadas? A

escola parou de se movimentar, porque a pesquisa precisou de um ponto final ou,

sei lá, de umas reticências?

Vc não vai acreditar, mas o Miguel ESTÁ LENDO LENDO, LENDO. VC TEM NOÇÃO????? Alex quando ele leu, do jeito dele claro, eu comecei a gritar igual uma louca e ele também começou a gritar. Depois comecei a chorar e os alunos da sala dele também choraram. Foi um momento lindo, mas não foi registrado. Vc perdeu! Foi um dos momentos mais lindos da minha vida de educadora. Ai, quero falar com vc ao vivo, é mais emocionante. bjm miri – Em 26 de março de 2008 – Coordenadora Escolar14

Querido Alex estamos com saudades. Tenho muitas novidades. Vc não vai acreditar, mas cada dia que passa, estou mais apaixonada pelo Miguel. Quando entro na sala da 6ª B, onde ele está este ano, ele já começa a sorrir e a querer falar. Fica emitindo alguns sons. To achando o máximo! Eu adoro, mas vamos ao que interessa. Bom, estamos com algumas dificuldades, pois temos muitos alunos este ano que precisam de acompanhamento e as meninas não estão dando conta. Só a Izabela, Maycom e Huesley tomam quase todo o tempo e ainda temos os do ano passado e Fernanda e Hiago...........Tá tenso!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!. Mas voltamos para minha paixão. Hoje, eu e quase toda a turma choramos muito, muito foi até engraçado eu com os alunos chorando rsrsrsrsrsrsrs é que o Miguel falou. Vc tem noção do tamanho da minha felicidade ele falou, falou, falou, falou eu não consegui me conter e comecei a chorar e a turma foi junto. Ele pronunciou a palavra GATO estava trabalhando algumas palavras e logo depois comecei a falar com ele para ele olhar e repetir comigo a palavra gato ele falou, falou. Vc ta fazendo falta venha nos visitar vc precisa ver! To com saudade bjm Miri – Em 03 de abril de 2008. – Coordenadora Escolar

Só Isabel mesmo, já pegou comigo os conteúdos, e está em sala comigo........amanhã terei outra reunião c/ ela........quero ela só p/ mim!!!!! rssssssssssssssssss Pena q tenho q dividi-la c/ as meninas! Rssss Obrigada..............

14 A primeira e a segunda mensagem utilizadas neste texto são de uma educadora que, no período em que estivemos coletando os dados na escola, exercia a função de Coordenadora de Turnos, assumindo, no ano de 2008, a função de professora de Geografia, sendo-nos relatados, no entanto, os movimentos feitos no transcorrer de suas aulas nessa nova função exercida.

231

Ah! O Miguel ta desenvolvendo muito nas minhas aulas.............está aprendendo sobre animais..........FOFO!!!! Tenho alunas q tb me ajudam, me auxiliando c/ os alunos, como o Miguel e Ana. Bjao – Em 05 de março de 2008 – Professora de Ciências.

Alex, Ah! Foi uma pena! Pois Isabel marcou comigo p/ conversarmos na quinta, mas ela esqueceu q iria estar na reunião na SEMEC. Eu não tô sozinha nesse movimento.........as meninas estão tb...........iremos pedir na segunda, q possa ser marcada uma reunião c/ todos os envolvidos c/ essas crianças ( CTA, profs., Isabel, Juliana, Diretora, e inclusive Vc... hehehe) Obrigada Amigo..............estamos envolvidas ( professoras), mas estamos precisando muito de ajuda!!!!! Bj e Bom fds Em 08 de março de 2008 – Professora de Ciências.15 Alex, encontra-se na pasta de matrícula de Fábio, laudo médico indicando atraso no desenvolvimento neuromotor, atraso P. Estatinal e microcefalia. Constam também, relatos de alcoolismo materno durante a gestação. Como você observou, no período que esteve conosco, ele apresenta grande dificuldade na fala e no aprendizado da matemática. Temos percebido que ele tem conseguido avançar, significativamente, na superação dessas dificuldades. Lógico que respeitamos o ritmo e tempo dele. Agora, ele é um aluno, extremamente, disciplinado, obediente e com grande facilidade para o desenvolvimento de trabalhos artísticos. Continua desenhando e produzindo desenhos com perfeição. Com relação aos idiomas, chega sempre fazendo aquela misturada de inglês com francês, mas aprendemos que o negócio é compreender o que ele quer dizer. Deu agora de dizer que está apaixonado pelas professoras de Educação Especial. Até sonha com a gente. Diz que vai nos namorar. É uma novela! Mas é isso ai. Ele é nosso poliglota. Chega “falando e escrevendo” em francês, inglês, espanhol, japonês e tupiniquim e, às vezes, uma mistura disso tudo. É de morrer de rir. Tem nos trazido desafio e nos fazendo viver com um pouco mais de intensidade esse ser professor. Acho que é isso ai. Beijos e vê se aparece. Juliana – Professora de Educação Especial e Sandra – Pedagoga. Correspondência encaminhada sobre avaliação do aluno no 2º Semestre/2008.

São discursos como esses que nos fazem olhar para trás, avaliar os momentos

construídos e dizer que valeram a pena ser vividos. Com toda a certeza, criamos

movimentos. Talvez tenhamos deixado para trás uma escola mais inquieta, ainda

angustiada, com muitos desafios a serem respondidos, mas que assim se sente,

porque sentiu o “bom aroma” e o “bom sabor” de construir possibilidades para

ensinar e a aprender no contexto da diversidade humana. Mostra-se implicada,

incomodada porque encontrou alguns caminhos, pela via da pesquisa científica,

para dialogar com as situações conflituosas presentes na sala de aula, por isso,

clama para que eles não se exasperem ou se percam pelos encontros e

desencontros da vida. “Não estamos sozinhas, estamos envolvidas”, dizem-nos os 15 Mantivemos os registros originais das educadoras para não perder a sua espontaneidade.

232

professores. Foi essa a aposta e a proposição que levamos para a escola no

período em que lá estivemos, ou seja, fazer da escola um espaço de encontro, de

diálogo, de enfrentamento do novo, de diálogo entre pares, de formação contínua e

de constituição de homens e mulheres capazes de unir forças para construir uma

sociedade como o humano tenha o seu valor e o seu lugar.

Voltando ao questionamento que dá nome a este diálogo final, acreditamos que esta

conversa não se fecha aqui e nem queremos que assim seja feito, pois acreditamos

que muito ainda há de ser construído para fazer da escola espaço de aprendizagem

para todos, mas aprendemos que é possível movimentar essa construção e que

esses movimentos, muitas vezes, dependem de nós, que, em sala de aula, damos

vida e consistência ao ato de ensinar e de aprender. Precisamos continuar

construindo e saímos deste estudo com a sensação de que um caminho promissor

para essas construções passa pela realização de parcerias entre academia e os

profissionais que, em sala de aula, vivenciam o conflito de educar na diversidade e

continuamente engendram possibilidades para fazer da sala de aula um lugar de

encontros e de aprendizagens. Essa é a nossa aposta.

Para tentar colocar um ponto, que não é final, neste bate-papo, voltamos nossas

atenções para as “meninas” que abraçaram este estudo e fizeram nossos momentos

de pesquisa valer a pena. A vocês lembro a canção “[...] amigo é coisa pra se

guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração [...] qualquer dia, amigo, eu volto

a te encontrar, qualquer dia a gente vai se encontrar”. Com toda a certeza, outros

estudos, outros encontros, outras despedidas, outros desafios nos colocarão frente a

frente e faremos valer a pena novamente, porque aprendemos com nosso saudoso

e companheiro Paulo Freire, que conosco esteve nos auxiliando, nos acalentando,

nos dando conselhos ao pé do ouvido e nos ensinando que:

Escola é...

o lugar onde se faz amigos

não se trata só de prédios, salas, quadros,

programas, horários, conceitos...

Escola é, sobretudo, gente,

gente que trabalha, que estuda,

233

que se alegra, se conhece, se estima.

O diretor é gente,

O coordenador é gente, o professor é gente,

o aluno é gente,

cada funcionário é gente.

E a escola será cada vez melhor

na medida em que cada um

se comporte como colega, amigo, irmão.

Nada de ‘ilha cercada de gente por todos os lados’.

Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir

que não tem amizade a ninguém,

nada de ser como o tijolo que forma a parede,

indiferente, frio, só.

Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,

é também criar laços de amizade,

é criar ambiente de camaradagem,

é conviver, é se ‘amarrar nela’!

Ora , é lógico...

numa escola assim vai ser fácil

estudar, trabalhar, crescer,

fazer amigos, educar-se,

ser feliz.

Fica também nosso desejo por mais encontros com todos aqueles que se

interessarem pelos movimentos feitos por este estudo, pois outras aventuras virão,

outros “namoros”, com toda a certeza, a vida nos proporcionará, pois, como nos

ensina Freire, o que não podemos é parar de pesquisar, de argumentar o porquê

das coisas e esse é o desejo que nos move e alimenta a produção de conhecimento

da humanidade.

Até a próxima!

234

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