Alfabetização Ecológica: das pessoas às cadeias produtivas

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    1/15

    Alfabetizao Ecolgica: de indivduos s empresas do sculo XXI

    Deborah Munhoz

    Como citar este artigo:MUNHOZ, D Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas. IN:

    Identidades da Educao Ambiental Brasileira. MMA/DEA; P. P. Layrargues,

    (Coord.), Braslia: MMA, 2004; p.141 155

    Disponvel para download em:

    http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/og/pog/arqs/livro_ieab.pdf

    Palavras chaves: alfabetizao ecolgica ecodesign educao ambiental -empresas

    Introduo

    Meu primeiro contato com o trabalho de Fritjof Capra ocorreu no final da dcada de

    oitenta, durante minha graduao em Qumica, quando estudava Fsico-Qumica

    Moderna e tive o primeiro contato com a fsica quntica. Embora fosse um autor noaceito pela Academia, encontrei em seu trabalho valores e a sistematizao de um

    conhecimento que buscava em vrias reas do conhecimento assim como nas

    tradies da humanidade. O contato com a Alfabetizao Ecolgica aconteceu em

    1995, ao final do mestrado, durante o Io Seminrio de Educao Ambiental e ISO

    14000, realizado em Salvador, Bahia. Naquela ocasio conheci Moema Viezzer e a

    Rede Mulher. O caderninho Princpios da Alfabetizao Ecolgica, do Elmwood

    Institute, exposto mesa de publicaes da Rede Mulher, logo me chamou a

    ateno. Reconheci naquela publicao uma srie de princpios que j faziam parte

    de minha educao. Os anos se passaram. Distanciei-me do universo da Qumica

    pura e fui me aproximando do universo das organizaes, particularmente de

    empresas.

    Atualmente, trabalho com a linha de alfabetizao ecolgica tanto na concepo de

    projetos de Educao Ambiental para empresas, para o desenvolvimento de

    lideranas jovens, na campanha do consumo consciente quanto dentro dos mdulos

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    2/15

    de Gesto e Tecnologia e Projetos e Produtos com Eficincia Ecolgica no curso de

    ps graduao em Engenharia Ambiental Integrada, oferecido pelo IETEC Instituto

    de Educao Tecnolgica, em Belo Horizonte. Nesse ltimo fao uma introduo ao

    Ecodesign (Ecoplanejamento). Desta forma trabalho em diferentes nveis

    hierrquicos dentro das organizaes e fora delas buscando contribuir para o

    desenvolvimento de uma cultura de Sustentabilidade. Uso duas outras linhas que

    considero complementares alfabetizao ecolgica. Uma delas o trabalho de

    Ecologia Integral, do Centro de Ecologia Integral de Belo Horizonte e a outra a da

    autopotencializao e empoderamento, pautadaem valores, de Ken Odonnel, da

    organizao Brahma Kumaris. Falarei sobre ambas ao longo do artigo. Antes de

    falar sobre os princpios, acredito ser importante explicitar o que considero sendo

    Educao Ambiental.

    Educao Ambiental: de qual ambiente estou falando?

    Como lembra DIAS (1992), a evoluo do conceito de educao ambiental

    acompanhou a evoluo do conceito e da percepo de ambiente. Evoluiu de um

    enfoque mais ecolgico no sentido das Cincias Biolgicas, para uma dimenso que

    incorpora as contribuies das cincias sociais fundamentais para a melhoria do

    ambiente humano.

    Assim, pode-se pensar o ambiente e a Educao Ambiental de forma a reduz-los

    aos aspectos relativos fauna, flora, ar, solo e gua. Pode-se, no entanto, ampliar o

    conceito e adotar o modelo do tecido celular de DIAS (1992), abordando os

    aspectos polticos, ticos, sociais, cientficos, econmicos, tecnolgicos, culturais eecolgicos, por exemplo. Compartilho, no entanto, de um pensamento no qual o

    ponto de partida o ambiente interno de cada ser humano. No no sentido

    antropocntrico, mas porque parto do princpio de que o ambiente interno de cada

    ser humano est interconectado com o planeta e com o cosmos. onde comea a

    compreenso do conceito de rede e de interconexo, de interdependncia, de teia

    da vida. A Conferncia de Tbilisi considera a Educao Ambiental como sendo:

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    3/15

    um processo permanente no qual indivduos tornam-se conscientes do

    seu ambiente e adquirem conhecimento, valores, habilidades,

    experincias e a determinao para agir individual e coletivamente,

    prevenido e resolvendo problemas presentes e futuros.

    Quando olho para a sociedade, no entanto, onde esto a ao individual e coletiva,

    as mudanas de atitude to preconizada pela educao ambiental? Percebo muito

    mais pr-ocupao do que ao propriamente dita. Para contribuir nesse processo,

    apoio-me na Ecologia Integral e na Autopotencializao/empoderamento. Falarei

    sobre ambas nos pargrafos seguintes.

    Ecologia Integral, Autopotencializao e empoderamento: o incio do processo

    de Alfabetizao Ecolgica

    Assim como o ambiente precisa ser percebido na sua totalidade, a Educao

    Ambiental tambm precisa ser vista e praticada na sua integralidade. comum a

    prtica de uma EA voltada para o cuidado externo, com o oikos: nosso planeta-casa.

    A primeira casa, no entanto, habitada pelo ser humano constituda pelo seu prprio

    ser, seu prprio corpo. A viso do corpo como oikos encontrada tanto na cultura

    oriental quanto na tradio indgena ou crist. Desta forma, a educao ambiental

    precisa ser praticada tanto nas diferentes dimenses do ambiente interno de cada

    um (fsico, mental, emocional, espiritual) quanto nas dimenses do ambiente externo

    (relacionamentos interpessoais e com a as demais manifestaes da natureza).

    Para isso, utilizo de duas contribuies: a chamada ecologia integral peloCentro de

    Ecologia Integral, em Belo Horizonte, que sintetiza princpios trabalhados pela

    Universidade da Paz; e as consideraes sobre a

    autopotencializao/empoderamento, relacionando a interdependncia entre

    ambiente interno e externo e valores feitas por ODONNEL (1994). A ecologia

    integral rene as dimenses do ser humano, da sociedade e da natureza. composta por:

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    4/15

    Ecologia pessoal paz consigo

    Ecologia social paz com os outros

    Ecologia ambiental paz com a natureza

    A ecologia pessoal est relacionada ao cuidado que devemos ter com o nosso

    corpo. Isto inclui a prtica de alimentao saudvel, respirao correta, o movimento

    fsico, o sono reconfortante e o descanso necessrio. Relaciona-se com o

    conhecimento e entendimento de nossos estados emocionais com a finalidade de

    torn-los cada vez mais harmoniosos. Diz respeito tambm nossa mente, a

    ateno que devemos dar aos nossos pensamentos e s informaes que os

    alimentam, tais como msicas, dilogos internos ou programas de tv. E com nossa

    espiritualidade, buscando uma conexo interna, com as outras pessoas, com o

    planeta e com cosmos. Aecologiasocialexpandeo cuidado pessoal para com as

    outras pessoas com as quais nos relacionamos assim como para com toda a

    espcie humana. solidariedade, dilogo, soluo pacfica dos conflitos,

    compartilhar, respeitar s diferenas, dedicao s causas ligadas justia social e

    conquista de uma vida digna para todos. Por fim, aecologia ambientalprope

    uma unio profunda com a natureza, trazendo conscincia a estreita relao de

    interdependncia entre a vida humana e no humana. Desta compreenso, nasce a

    necessidade de praticar a simplicidade voluntria, optar pelo conforto essencial, pelo

    consumo consciente. Neste ponto, planta-se a semente dos princpios de

    alfabetizao ecolgica, na prtica do Ecodesign (Ecoplanejanento) do cotidiano.

    Para introduzir o conceito de interdependncia existente entre ao modo de vida e

    atitude interna das pessoas com o estado do mundo uso o trabalho de ODONNEL(1994). O estado interior de uma pessoa afeta seus pensamentos, idias e os

    desejos de sua mente. A sade da mente est diretamente conectada com a sade

    do corpo. A sade da mente e do corpo determina o estado dos relacionamentos

    que, por sua vez, geram a condio da sociedade e a forma com que ela se

    relaciona com o ambiente externo (fauna, flora, gua, ar, solo, pessoas, setor de

    uma empresa, partes interessadas de uma empresa...). Assim, o estado do

    ambiente externo reflete o que acontece nos outros nveis. Esta afirmao no uma novidade. Encontramos esta observao tanto na fsica quntica moderna

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    5/15

    quanto nos preceitos budista da no separatividade. Assim, vemos no mundo o

    resultado da prpria patologia da sociedade humana. Em muitas prticas de EA, o

    conhecimento e a orientao para a ao diz respeito somente ao ambiente externo

    ao indivduo. Muitos esforos vem sendo feitos pelos educadores e educadoras

    ambientais e outros profissionais da rea ambiental para que pessoas ou empresas

    mudem a atitude em relao ao ambiente externo. Na minha percepo, poucos

    vem se ocupando da educao para o auto-conhecimento: corpo, emoes,

    palavras, relacionamentos, pensamento, sentimentos, carter. Este costume pode

    ser interpretado como uma conseqncia da cultura da aparncia.

    Dentro dessa cultura, muitas empresas gastam pequenas fortunas em mquinas

    para controle da poluio, colocam sua equipe continuamente sobre estresse para

    obterem certificaes ambientais em prazos mnimos, insuficientes para mudanas

    consistentes nos hbitos humanos. Esto dentro de uma cultura reativa e pouco

    investem na transformao verdadeira e consistente de seus funcionrios, de seu

    ambiente interno. Por isso trabalho com a autopotencializao e empoderamento.

    Penso ser mais eficaz, mais econmico e preventivo trabalhar com equipes cujas

    pessoas tenham compromissos pessoais de melhoria contnua com a prpria vida.

    Ento, em minha concepo, na dimenso do ambiente interno que comea o

    processo de alfabetizao ecolgica. Esse o alicerce da minha metodologia de

    trabalho aplicada tanto com alunos jovens ou adultos quanto empresas: contribuir

    para que primeiro redescubram a sua dimenso viva, humana, olhem e aceitem

    suas prprias limitaes. Reconheam seus talentos, potencializem-se e

    empoderem-se. Assumam seu prprio poder de transformao, faam

    compromissos pessoais com a proteo da vida humana e no humana e,

    paralelamente, trabalhem para a aplicao dos princpios ecolgicos em seusprojetos, trabalhos, negcios.

    E o que a educao dentro deste contexto? CAPRA (2002), em seu livro As

    conexes ocultas traz a frase de Vclav Havel: A educao a capacidade de

    perceber as conexes ocultas entre os fenmenos. Educar tambm pode ser

    compreendido como trazer de dentro. A educao ambiental centrada na

    alfabetizao ecolgica e na ecologia integral pode ento ser vista como odesenvolvimento da habilidade de perceber as conexes existentes entre o

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    6/15

    ambiente interno e o ambiente externo e agir no mundo a partir dessas conexes. O

    processo de auto-educao adotado pela prtica da Ecologia Integral faz com que

    tais conexes deixem de ser ocultas. Num processo de expanso do pensamento e

    sentimento, a EA ainda pode ser compreendida como sendo um processo

    permanente de ampliao da conscincia de ser parte da Terra e sentir-se em casa,

    desenvolvendo uma cidadania planetria e csmica. Nesse contexto, um programa

    de educao ambiental pode ser compreendido como um processo no qual o(a)

    educador(a) contribui para que cada pessoa ou organizao envolvida descubra

    dentro de si sua ligao com a natureza e seu potencial de conhecer, criar, aplicar,

    agir em conformidade com princpios bsicos ensinados pelos ecossistemas.

    Falando sobre os princpios ecolgicos:

    Os ndios so grandes mestres em relao ao princpio da Interdependncia. Algo

    que aprendi rapidamente aos primeiros contatos com a sua cultura a profunda

    diferena existente entre a forma com que ndios e no ndios se relacionarem com

    a Terra e com a Natureza. Nosso sistema educacional nos ensina que ns estamos

    sobre a Terra. Considerando a influncia da cultura crist-judaica, estar sobre

    significa dominar. Somos, na concepo crist-judica, a espcie que est sobre,

    acima das outras espcies que foram criadas para servir ao ser humano, ou melhor,

    ao homem, ao gnero masculino.

    Na cultura indgena, ns fazemos parte da Terra, somos a Terra. Dentro dessa

    sabedoria ancestral, a relao de cada homem e mulher com a Terra de profunda

    reverncia. De filho/filha para com a grande me, que gera, nutre, que d a vida.Essa mesma relao encontrada em culturas muito antigas, matriarcais,

    espalhadas por todo o mundo.

    Dentro da cultura patriarcal, nos sistemas formais e informais de ensino, temos

    dificuldade na internalizao do princpio ecolgico da Interdependncia.

    Aprendemos a estabelecer acordos injustos, nos quais uma das partes tem o

    mximo de vantagens em detrimento da(s) outra(s) parte(s) envolvida(s) nanegociao. Tem sido assim nas relaes entre comunidades humanas e natureza:

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    7/15

    tudo para os ecossistemas humanos, para as mquinas e para os fortes e/ou ricos,

    nada para os demais ecossistemas, nem para os pobres e/ou fracos; entre pases

    ricos e pobres, entre grandes e pequenas empresas, entre empresas e

    fornecedores, entre Estado e populao; entre empregador e empregado (te pago o

    suficiente para voc sobreviver e no me deixar; quero que voc d o seu sangue

    pela empresa, desenvolva novas habilidades por sua conta mas a empresa no tem

    nenhum compromisso com voc). Dentro dos ecossistemas diferentes espcies se

    associam atravs da competio e da cooperao. Nosso sistema econmico optou

    predominantemente pela competio, em detrimento da cooperao entre as partes,

    conduzindo-nos aos atuais padres insustentveis da civilizao.

    Dentro da teia da vida, no entanto, estamos todos interconectados. Estamos em

    rede. Uma rede pode ser formalmente definida como um agrupamento de pontos

    (tambm chamados de elos ou ns) que se ligam a outros pontos por meio de

    linhas, conexes. So essas linhas ou conexes que fazem a rede. Os pontos

    podem ser clulas, pessoas, organizaes, equipamentos, etc. A vida se organiza

    e se manifesta em redes: redes celulares, neurais, sociais, organizacionais. Redes

    de bancos, supermercados, computadores... e a qualidade da rede vai depender do

    relacionamento entre seus pontos (ecologia social). Quanto pensamos em

    relacionamento, particularmente entre seres humanos precisamos tambm pensar

    em negociao. H quatro tipos bsicos de negociao que podemos estabelecer:

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    8/15

    Quadro 1: Diferentes Tipos de Negociao

    Tipo de negociao Conseqncia

    1. Eu perco, Voc perde Nesta todos perdem. um estilo suicida.

    2. Eu ganho Voc perde Estilo egosta, no qual apenas quero o meu

    prprio bem.

    3. Eu perco- Voc ganha Doao total, incondicional, na qual eu fao

    tudo pelo outro sem pensar em mim mesmo.

    Acabo morrendo e compromentendo a vida

    do outro.

    4. Eu ganho Voc ganha Bom para todas as partes, levando

    sobrevivncia da relao. Exemplo de

    relao sustentvel.

    No estabelecimento de uma Parceria, seja ela qual for: um namoro, um casamento,

    uma sociedade, uma relao entre empresa e fornecedores, a relao sustentvel

    se e somente se ela boa para todas as partes envolvidas. H uma relao

    simbitica, de Cooperao, de ganha-ganha, de crescimento mtuo, de jogar

    frescobol, como diz Rubem Alves. Nas parcerias, com o passar do tempo, a relao

    amadurece permitindo que cada um dos envolvidos saiba as necessidades do outro

    e faa o melhor de si para atend-lo, respeitando a sua prpria vocao e

    especialidade e sem colocar em risco a sua prpria sobrevivncia. Desta forma, as

    relaes se tornam sustentveis e Sustentabilidade quer dizer que se mantm ao

    longo do tempo.

    Com o passar dos anos, as partes envolvidas aprendem, mudam, se adaptam s

    necessidades umas das outras, coevoluem e Coevoluo outro princpio da

    natureza. As espcies vivas que habitam o planeta tm uma histria evolutiva em

    comum. Da mesma forma, as organizaes humanas possuem histrias conjuntas

    com seus consumidores e fornecedores. Consumidores mais conscientes do ponto

    de vista scio-ambiental provocam mudanas em empresas. Da mesma forma, uma

    grande empresa ao se tornar socialmente responsvel, passa a provocar mudana

    nos seus fornecedores e demais partes interessadas (stakeholders). E mudana

    envolve dinamismo, flexibilidade. A natureza no esttica e muda

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    9/15

    constantemente dentro de certos limites de tolerncia. Os prprios genes mutam ao

    longo do tempo. Esse eterno mover entre limites chamado de estado de equilbrio

    dinmico e encontrado por toda parte: do universo atmico aos macrossistemas. O

    princpio da Flexibilidade e do Equilbrio Dinmico encontrado dentro da Qumica,

    no Taosmo ou no Surf. pelo equilbrio dinmico que um surfista se mantm em p

    na prancha, em cima de uma onda. um eterno ceder e recomear a cada instante.

    No momento em que enrijece, o surfista cai. Trazendo tal princpio para as

    comunidades humanas, o princpio da flexibilidade deve estar presente nos

    processos de negociao, onde ambas as partes devem conhecer seus limites de

    tolerncia e na resoluo de conflitos: Hay que endurecer pero que sen perder la

    ternura. A flexibilidade de um ecossistema est relacionada com sua diversidade,

    da riqueza e complexidade de suas teias ecolgicas e de suas redes de relaes.

    Aqui, merece destaque o trabalho que o SEBRAE vem fazendo com

    empreededores, ensinando-os a serem flexveis, a negociar, a estabelecer relaes

    sustentveis, de respeito mtuo, transparncia, de redes de cooperao. A

    cooperao essencial para construirmos um mundo onde todos ganhem.

    O movimento da natureza tambm ocorre em ciclos. Tais ciclos ecolgicos so

    fundamentais para as diferentes manifestaes de vida, pois por meio deles,

    matria e energia fluem intra e entre ecossistemas lembra do ciclo de Krebs?. So

    exemplos de ciclos biogeoqumicos o da gua, carbono, fsforo, nitrognio, enxofre.

    Um corpo dgua, por exemplo sofre variaes em seu metabolismo ao longo do

    ano. Ocorrem variaes de temperatura, densidade populacional de diferentes

    espcies, concentrao de nutrientes, pH, etc. Caso uma perturbao em um

    sistema ultrapasse seus limites de tolerncia, ele fica estressado, podendo entrarem colapso.

    Dia e noite, estaes do ano, ciclos lunares, ciclo menstrual so exemplos de ciclos

    que podemos observar macroscopicamente. A percepo da natureza cclica

    perdida quando passamos a maior parte do tempo nos ecossistemas artificiais

    chamados de cidades. Nelas no vivenciamos os ciclos das plantas e da terra.

    Vivemos a iluso vendida pelo Marketing do instantneo, nos supermercados e

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    10/15

    shoppings, onde tudo pode ser comprado com um carto de crdito, a qualquer

    momento do dia ou em qualquer estao.

    Os princpios dentro do Ecoplanejamento

    No modelo convencional, o sistema produtivo linear e aberto, extraindo a matria

    prima da natureza e devolvendo a ela uma grande quantidade de resduos e

    produtos no biodegradveis e txicos. A natureza, no entanto cclica e no h

    desperdcio: Na natureza, nada se perde, nada se cria. Tudo se transforma, j dizia

    o qumico Lavoisier. Todos os tomos se movimentam atravs da Reciclagem

    dentro dos Ciclos Ecolgicos nos ambientes naturais. H que se compreender

    melhor o que reciclagem. Confeccionar vassouras de pedaos de PET (chamadas

    de ecolgicas) ou roupas de materiais que iriam para o lixo no configura

    reciclagem. Transformar garrafas PET em fibras txteis para confeco de

    agasalhos Reciclagem. Ao usar as vassouras de PET, estamos unicamente

    transformando grandes pedaos de plstico em pequenos pedaos de plstico pelo

    atrito durante a varrio, mas o material no biodegradvel continua existindo. Fora

    da percepo humana mas prxima da percepo de outros seres vivos. No

    resolve o problema. Da mesma forma, brinquedos e bijuterias de materiais que iriam

    direto para o lixo apenas adiam o problema. No temos mais tempo para adiar. O

    Marketing, alm de tica, tambm precisa de alfabetizao ecolgica e cientfica.

    Por meio do desenvolvimento cientfico e tecnolgico, atravs da cooperao e

    parceria entre consumidores e empresas podem ser projetados parques industriais

    ou cadeias produtivas nas quais os resduos ou produtos de uma empresa sejam

    usados como matria-prima de outra. A partir da perspectiva do Ecodesign(Ecoplanejamento), da chamada Ecologia Industrial, parques industriais podem ser

    planejados imitando os sistemas naturais no fluxo de materiais e no Fluxo de

    energia. O parque industrial da pequena cidade de Kalundborg, Dinamarca

    considerado modelo em simbiose industrial, com muitas de suas indstrias

    conectadas entre si atravs de dutos. Outra importante iniciativa a organizao

    ZERI (Zero Emissions Research and Initiatives Pesquisas e Iniciativas de Emisso

    Zero), fundada pelo empresrio Gunter Pauli no incio dos anos 90: zero deresduos, zero de desperdcio. Com mais de cinqenta projetos pelo mundo, a

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    11/15

    organizao tem exemplos de sucesso na Amrica Latina, como o caso de

    fazendas de caf e o programa de reflorestamento em Las Gaviotas, Colmbia. Zeri

    baseia-se no conceito de redes conectadas entre si: agrupamentos ecolgicos de

    indstrias, a comunidade local, na qual os empreendimentos se localizam e a uma

    rede internacional de cientistas que trocam informaes entre si para sustentar os

    parques industriais.

    A questo do Ecodesign tambm diz respeito ao universo dos qumicos. A Qumica

    a cincia que lida com as propriedades, transformaes e interaes entre

    materiais. Por meio das reaes qumicas, todas os materiais que conhecemos so

    fabricados quer seja pela natureza, quer pelas indstrias. Apaixonados pelo poder

    de criar e intervir na natureza, a espcie humana vem criando materiais

    desconectados do ritmo da natureza. A Qumica vem criando materiais no

    biodegradveis, fazendo com que tomos sejam aprisionados em ligaes

    extremamente estveis. Tais materiais refletem a rigidez, o perfil esttico e inflexvel

    do nosso padro civilizatrio. a artificialidade, contracenando com a natureza

    dinmica e gil dos ecossistemas. H que se introduzir a alfabetizao ecolgica

    entre os profissionais da Qumica para agilizar a transformao dos processos

    produtivos no que se refere gerao de produtos txicos e no degradveis.

    Atravs da Qumica e das Cincias da Paz, criaremos produtos amigos da natureza,

    da vida. No biocidas. Entraremos em outro paradigma de confeco de novos

    materiais para satisfazer as necessidades humanas deixando s futuras geraes

    aquilo que os ndios chamam de tempo de infinitas possibilidades e que ns

    chamamos simplesmente de futuro.

    A paz um dos valores humanos universais (OBKL, 2000). A formao delideranas e profissionais ticos, que possam atuar a favor da vida, da paz e no-

    violncia passa por uma escola e por uma Universidade pautada na educao em

    valores humanos.

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    12/15

    Quadro 2: Formao humana e tcnica

    Formao humana e

    tcnica clssica

    Profissional alfabetizad@

    ecologicamente

    Autoridade autoritrio(a);

    antropocntric@

    Humildade dialoga com o mundo

    em condies de igualdade

    Trabalha principalmente com

    o que sabe

    Trabalha com o saber do(a)

    outro(a) e o que no sabe

    Razo - lado esquerdo do

    crebro

    Intuio, emoo (lado direito do

    crebro) equilibrada com razo

    O(a) outro(a) entra no meu

    mundo

    Eu compartilho o mundo com o(a)

    outro(a)

    Fechado(a) em si e no seu

    prprio mundo

    Eu fao parte de um todo maior

    Predomina a expirao

    (eu sei > o outro no sabe)

    Expirao e inspirao equilibrados

    (sabemos e no sabemos)

    Eu decido/ Eu /Ego-ao Ns decidimos/Equipe/Eco-ao

    Hierarquia Horizontalidade, policentrismo,

    redes

    Disciplina fragmentao Interdisciplinaridade holos

    Durante minha passagem pela universidade, vi muitos professores autoritrios

    usarem seus ttulos como patentes militares. Dentro das organizaes,

    principalmente entre a mdia administrao, as relaes de poder dificultam a

    transformao de processos produtivos. Tais comportamentos j no cabem mais

    em um planeta cansado de guerras. Ano aps ano os Fruns Sociais Mundiais

    gritam cada vez mais forte: um outro mundo possvel!

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    13/15

    Construindo um mundo onde todos ganhem

    A Alfabetizao Ecolgica consiste no conhecimento, internalizao e

    implementao de princpios ecolgicos nas comunidade humanas:

    Interdependncia, Coperao e Parceria, Coevoluo, Flexibilidade,

    Diversidade, Equilbrio dinmico, Reciclagem e ciclos ecolgicos, Fluxo de

    energia, Redes. Existem muitos desafios para adotar tais princpios, mas penso

    que a maior barreira para a implantao destes princpios est no interior de cada

    um. Todos temos nossa prpria zona de conforto e sair deste estado confortvel, d

    trabalho, implica em mudana. E mudana exige esforo, coragem, vontade, garra,

    determinao, comprometimento, perseverana, empreededorismo, aventura,

    risco... Tudo o que as empresas buscam de seus funcionrios para vencer. Ento,

    preciso aprender a cooperar com a mudana.

    H um outro nvel de cooperao: o nvel interno, pessoal. Quando olho meus

    limites, percebo o que dou conta de mudar e o que no dou e coopero comigo

    diminuindo minha presso sobre mim mesma. medida que aprendo a cooperar

    comigo aprendo a cooperar com os outros. Torno-me mais tolerante. Quando

    estabeleo estratgias de melhorias internas, planejo melhor minha vida e parto para

    a ao, fica mais fcil planejar mudanas externas e intervir quando necessrio.

    Dentro deste contexto, vejo a prtica da ecologia pessoal como essencial para o

    comprometimento com a prpria vida. Quanto mais desintoxicados nosso organismo

    e nossa mente tiverem, menos energia gastar para metabolizar substncias

    desnecessrias, maior a vitalidade, a nossa disposio para agir, mais possibilidade

    de criarmos solues saudveis teremos. Pessoas comprometidas com sua prpriamelhoria contnua do melhor sustentao a qualquer sistema de certificao de

    uma organizao.

    A espcie humana precisa urgentemente implementar o princpio da cooperao

    tanto entre si quanto em relao natureza, caso deseje continuar a existir no

    planeta e atingir um estado de no sofrimento. No caso das relaes entre as

    empresas brasileiras, a no - cooperao coloca em risco os negcios, a gerao derenda de vrias famlias, a independncia econmica do pas. No adianta uma

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    14/15

    empresa trabalhar pela sustentabilidade se seus fornecedores no estiverem

    comprometidos e seus consumidores tambm. No existe a sustentabilidade de

    uma espcie ou um negcio s. Todos estamos interconectados em teias, em

    cadeias produtivas. Da mesma forma, no existem as mos invisveis do mercado.

    Na cadeia alimentar somos, por natureza, consumidores. Hoje, quase tudo o que

    usamos feito por outr@s que trabalham para suprir o nosso consumo. Estes

    outros, em sua maioria, so empresas. Uma empresa se move de acordo com os

    hbitos dos consumidores que a mantm. Portanto, o ato do consumo consciente

    essencial para a mudana profunda dos sistemas de produo. Ns, consumidores,

    damos as cartas, pois ns somos o mercado. Um mercado no tem mos invisveis:

    as mos so nossas. Precisamos nos alfabetizar ecologicamente para alfabetizar as

    empresas. Como disse Ghandi ns devemos ser o que queremos ver no mundo.

    Assim convido a vocs leitores, a empoderarem-se, a investirem no auto-

    conhecimento, a olhar para as prprias limitaes e fraquezas e assumir o

    compromisso pessoal de agir para a educao do prprio carter. As nossas

    fraquezas so as mesmas de qualquer organizao humana. Ao nos transformar-

    mos estaremos simultaneamente transformando a famlia, escolas, empresas,

    cidades, governos, pases...

    preciso empreender, empreender a favor da vida. A sustentabilidade, no sentido

    amplo, quer dizer tudo aquilo que se mantm ao longo do tempo. No de forma

    esttica, mas sim atravs de um equilbrio dinmico e vivo. O desafio da nossa

    cultura (onde esto includas as empresas) de tornar-se uma cultura da vida, de

    organizaes vivas, desenvolvendo processos e tecnologias que respeitem epromovam a vida, a paz, a incluso social, a preservao das espcies. Dentre

    deste contexto, a prosperidade das empresas e da sociedade do sculo XXI est

    diretamente ligada capacidade de transformar a cultura atual em uma cultura

    sustentvel, incluindo a tica, a flexibilidade, o respeito s diferenas nas relaes

    sociais, o uso de energias limpas e da reciclagem no uso de materiais.

    Sustentabilidade significa futuro, para a espcie humana e para os negcios.

  • 8/6/2019 Alfabetizao Ecolgica: das pessoas s cadeias produtivas

    15/15

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    DIAS, G. F. Educao Ambiental - Princpios e Prticas. 4 ed. So Paulo: Gaia,

    1992.

    O'Donnel, K. Razes da Transformao - a qualidade individual como base para a

    qualidade total. 2a ed. Salvador: Casa da Qualidade, 1994.

    ORGANIZAO BRAHMA KUMARIS LIGHTHOUSE. Vivendo Valores - um manual.

    4a ed. So Paulo: 2000.

    CAPRA, F. As conexes ocultas cincia para uma vida sustentvel So Paulo:

    Cultrix, 2002.

    Elmwood Institute. Princpios da alfabetizao ecolgica. Publicaes da Rede

    Mulher. Srie Mulher, Educao e Meio Ambiente. Caderno 3. Sem data.

    Fim do artigo

    www.deborahmunhoz.wordpress.com