13
1 Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: DO MÉTODO TRADICIONAL À PROPOSTA SOCIOLINGUÍSTICA Adenize da Silva Viana (FCP) 1 Evelyn Olivia da Conceição (FCP) 2 Gildete Fialho de Brito (FCP) 3 Gleicy Nascimento Silva (FCP) 4 Maria José Santos Figueiredo (FCP) 5 Tatiane Rosa Matos Menezes (FCP) 6 Ana Cristina Guedes de Oliveira (UNICSUL, FCP) 7 Resumo Este artigo traz uma reflexão sobre a compreensão dos métodos no processo de alfabetização, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apresentando as formas tradicionais de alfabetizar, suas trajetórias e finalidades. Abordando a história da alfabetização no Brasil, faz uma abordagem sobre as práticas tradicional e sociolinguística, no contexto da Educação, com o objetivo de discutir os diferentes métodos e abordagens referentes à alfabetização, verificando qual seria o melhor método para alfabetizar, que trouxesse menos dificuldades e mais prazer à criança. Palavras-chave: Alfabetização. Ensino Fundamental I. Métodos. Aprendizagem significativa. Abstract This article presents a reflection on the understanding of the methods in the literacy process, in the initial years of Elementary School, presenting the traditional forms of literacy, its trajectories and purposes. Addressing the history of literacy in Brazil, it approaches traditional and sociolinguistic practices in the context of education, with the 1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 2 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 3 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 4 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 5 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 6 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 7 Mestre em Políticas Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Pós-graduada em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Educação de Assis (IEDA). Licenciada em Letras pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Botucatu (UNIFAC). É docente na Faculdade Centro Paulistano (FCP). Contato: [email protected]

ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

1

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL: DO MÉTODO

TRADICIONAL À PROPOSTA SOCIOLINGUÍSTICA

Adenize da Silva Viana (FCP)1

Evelyn Olivia da Conceição (FCP)2

Gildete Fialho de Brito (FCP)3

Gleicy Nascimento Silva (FCP)4

Maria José Santos Figueiredo (FCP)5

Tatiane Rosa Matos Menezes (FCP)6

Ana Cristina Guedes de Oliveira (UNICSUL, FCP)7

Resumo

Este artigo traz uma reflexão sobre a compreensão dos métodos no processo de

alfabetização, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, apresentando as formas

tradicionais de alfabetizar, suas trajetórias e finalidades. Abordando a história da

alfabetização no Brasil, faz uma abordagem sobre as práticas tradicional e

sociolinguística, no contexto da Educação, com o objetivo de discutir os diferentes

métodos e abordagens referentes à alfabetização, verificando qual seria o melhor

método para alfabetizar, que trouxesse menos dificuldades e mais prazer à criança.

Palavras-chave: Alfabetização. Ensino Fundamental I. Métodos. Aprendizagem

significativa.

Abstract

This article presents a reflection on the understanding of the methods in the literacy

process, in the initial years of Elementary School, presenting the traditional forms of

literacy, its trajectories and purposes. Addressing the history of literacy in Brazil, it

approaches traditional and sociolinguistic practices in the context of education, with the

1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 2 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 3 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 4 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 5 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 6 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia da Faculdade Centro Paulistano (FCP). 7 Mestre em Políticas Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Pós-graduada em Docência

do Ensino Superior pela Faculdade de Educação de Assis (IEDA). Licenciada em Letras pelo Centro

Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras de Botucatu (UNIFAC). É docente na Faculdade Centro Paulistano (FCP).

Contato: [email protected]

Page 2: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

2

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

aim of discussing the different methods and approaches related to literacy, checking

what would be the best method for literacy, which would bring less difficulties and

more pleasure to the child.

Keywords: Literacy. Elementary Education I. Methods. Meaningful learning.

Introdução

Este artigo tem por objetivo conhecer os métodos de alfabetização mais

utilizados em sala de aula, nos anos iniciais do Ensino Fundamental do ciclo I, fazendo

uma reflexão sobre esses métodos, visto que ainda é grande o número de crianças

consideradas copistas ou analfabetas funcionais nesse nível de ensino. Segundo Cagliari

(1998), as cartilhas surgiram muito antes de se ensinar às crianças a alfabetização nas

escolas. Antigamente, as cartilhas serviam de subsídio para as pessoas aprenderem a ler

e a escrever em casa, eram feitas em tabelas, com grupos de letras para que a escrita

representasse os diferentes padrões silábicos. O tipo de letra era sempre o de imprensa,

em uso na época. O referido autor, em sua obra “A cartilha e a leitura”, relata o

fracasso de se alfabetizar ambientes em que não havia representação alguma para os

alunos. O método era rápido, porém não oferecia significado aos educandos; era um

processo de conhecer o alfabeto e sílabas com grupos de letras, correspondentes à fala,

caracterizando esse método como um equívoco educacional.

No Brasil, a alfabetização começou a ser transformada a partir dos anos de

1980, como descreve Mendonça (2007). Nesse período, as práticas sociais de leitura e

escrita assumem a natureza de problema relevante no contexto da constatação de que a

população, embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e escrita

necessárias para a participação efetiva nas práticas sociais e profissionais que envolvem

essas competências.

Segundo Soares (2003, p. 31) “[...] por uma perspectiva mais limitada, a

alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar alfabético, sendo necessário alfabetizar

letrando, de forma que a criança possa ler e escrever e também apropriar-se de

habilidades, para usar socialmente a leitura e a escrita”. Para a autora, o letramento traz

consequências sociais, culturais, políticas e econômicas, tanto no âmbito coletivo,

quanto no individual.

Page 3: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

3

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

1 Método de alfabetização tradicional

Em meados dos anos de 1980, a alfabetização no Brasil foi questionada devido

ao fracasso escolar. Resultados de pesquisas nas escolas públicas apontavam que os

alunos chegavam ao 5º ano ainda analfabetos, sendo que eram alfabetizados pelo

método tradicional. O método tradicional de alfabetização é centrado no professor, que

tem a função de observar se o aluno está seguindo à risca o que lhe foi pedido.

Segundo Cagliari (1998, p. 108), na alfabetização “existem dois métodos, um

voltado para o ensino e outro voltado para a aprendizagem”. O primeiro tipo é

considerado, pelo autor, inadequado, porque nele a situação inicial do aluno é

considerada uma página em branco, onde serão acrescentadas informações, uma após a

outra, dando ênfase ao conhecimento já dominado e, para isso, decorar é fundamental.

O autor cita como exemplo mais trivial deste método, o uso das cartilhas, em que o

aluno precisa desmembrar palavras, decorar os pedaços e, com eles, construir outras

palavras.

O segundo tipo de método, que enfoca a aprendizagem, é centrado na reflexão

em que o aprendiz utiliza todo conhecimento adquirido a partir do momento que nasce

para refletir sobre todas as coisas. Esse método prega que o ensino é igual para todos,

enquanto a aprendizagem é diferenciada para cada indivíduo, isto é, cada um tem o

momento adequado para aprender.

Contudo, Cagliari (1998) considera que,

O melhor método para um professor deve vir de sua experiência e deve ser

baseado em conhecimentos sólidos e profundos da matéria que leciona. O

fato de não ter um método preestabelecido não significa que o ensino seguirá

navegando à deriva […] Quando um professor é bem conhecedor da matéria

que leciona, ele tem um jeito particular de ensinar […] e isso é fundamental

para o processo educativo. (CAGLIARI, 1998, p. 108)

Geralmente, o método de ensino que utilizava as cartilhas, era feito por etapas

exigindo que os alunos as seguissem, de acordo com sua ordem, usando palavras-chaves

e sílabas geradoras, ou seja, o famoso método do “bá-bé-bi-bó-bu”. Cada capítulo da

cartilha apresentava uma unidade silábica. As lições eram organizadas do mais fácil

para o mais difícil e finalizam com um texto que resumia tudo o que ela tentou ensinar.

Page 4: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

4

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

A Cartilha tem seu ensino baseado na ortografia perfeita, ensinada através de

regras gramaticais, confundindo ainda mais a aprendizagem do aluno e deixando, às

vezes, seus textos escritos de forma ortograficamente correta, porém sem sentido. A

cartilha de método tradicional cria seus próprios ideais, que o aluno tem por obrigação

seguir, aprendendo uma lição após a outra.

Essa metodologia tem a concepção de que a aula deve acontecer apenas dentro

da sala, em que o professor ensina a matéria, passa os exercícios e depois os corrige,

seguindo com a matéria em frente, fazendo sempre a mesma coisa, tornando a aula

mecanizada, dando a entender que o aluno só irá aprender através do conhecimento do

professor. Este tipo de aula faz com que o aluno aprenda por repetições de exercícios,

com exigência do uso da memória, levando o aluno a decorar e não a aprender e, como

consequência, a escola forma alunos desinteressados e desmotivados pelos estudos.

1.1 O método tradicional sob a ótica de Paulo Freire

Paulo Freire (2013), em seu livro “Pedagogia da Autonomia: saberes

necessários à prática educativa”, descreve o método tradicional como sendo uma

alfabetização bancária. Isso significa que a alfabetização na concepção bancária se

baseia na transmissão de conhecimentos do educador ao educando; dessa forma, o

educando é apenas o objeto da aprendizagem que se encontra “vazio” e passivo, e o

professor deve apenas “depositar” os conteúdos a fim de que eles os assimilem e os

reproduzam.

Essa situação acontece nas relações tradicionais de alfabetização, nas quais o

educador é o único conhecedor e o educando não traz nada de sua realidade; por essa

razão, nessa forma de ensino, é desconsiderada a realidade e os conhecimentos do

educando, considerando-o como recebedor passivo e decorador das sílabas que irá

aprender. Nesta concepção de educação, os educandos somente recebem os

conhecimentos como arquivos para serem utilizados quando necessário. Desta forma, a

alfabetização é narradora e dissertadora, porque se limita a relatar conhecimentos sem

reflexão. Segundo Freire,

[...] uma das características desta educação dissertadora é a “sonoridade” da

palavra e não sua força transformadora. No fundo, porém, os grandes

Page 5: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

5

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

arquivos são os homens, porque fora da busca, fora das práxis, os homens

não podem ser. Educadores e educandos se arquivam na medida em que,

nesta distorcida visão de educação não há criatividade, não há transformação,

não há saber. (FREIRE, 2005. p. 66-67)

A alfabetização, na concepção bancária, não possibilita o verdadeiro acesso ao

saber que, segundo Freire (2005, p. 67) “é crítica, de invenção e reinvenção, de busca

permanente feita no mundo, com o mundo e com os outros; [a concepção bancária, ao

contrário] assim, mantém-se, refletindo a sociedade opressora e sua visão, reforçando a

cultura do silêncio e de passividade dos oprimidos”. A massa, nesta concepção de

alfabetização, não tem voz, pensar próprio, leitura do mundo e nem a possibilidade de

uso dos seus conhecimentos para uma ação, o que faz dos “homens espectadores e não

recriadores do mundo” (FREIRE, 2005, p. 67).

Freire (2005) ainda reforça que a alfabetização é dada como se fosse

desvinculada da realidade; por isso, se percebe que há a utilização de frases prontas,

sem criticidade e, muitas vezes, sem sentido, e as cartilhas só reforçam o caráter

bancário. Os conteúdos para o aprendizado da escrita são acríticos e não refletem a

realidade, mas a prática alfabetizadora tradicional. Outro aspecto importante a se

destacar é o controle de leitura, que expressa a alfabetização que os “os opressores”

querem: que limite a leitura e o verdadeiro saber, que apassive para a resignação e não

para a emancipação, que limite a leitura e o pensar para uma escrita acrítica.

A alfabetização, em uma visão bancária, é aquela que serve para uma visão

elitista da norma culta, em que é repassada a língua padrão da classe dominante, sua

cultura e ideologia, e que determina quando e como se deve usar a escrita. De certa

forma, Paulo Freire, ao escrever, percebeu que a sociedade praticava uma cultura de

leitura e escrita, mas não de letramento. Sua crítica à alfabetização tradicional traz a

junção da alfabetização e do letramento em seu método; uma proposta não para repassar

conhecimentos, mas para avançar em um letramento que sirva para as massas populares

e que seja feito por elas.

A alfabetização, na perspectiva freireana, é perceptível claramente em seu

método e suas práticas. No decorrer da alfabetização, ao realizar este método, podemos

analisar a letra e sua perspectiva, como um conjunto que dificilmente dissocia

alfabetização de letramento. Para Freire (2005), quando a alfabetização é tomada como

Page 6: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

6

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

uma aprendizagem de leitura e escrita de “forma ingênua” e tradicional, ela não observa

princípios básicos da educação, como uma prática necessária, que sirva para o

aprendizado e não para a impossibilidade de prosseguimento no conhecimento, pelo uso

de leitura e escrita.

Nesta visão, pode-se observar o educando não como ser, mas depósito de

conhecimentos, algo que frequentemente ocorre com muitas pessoas que leem, mas não

interpretam o que têm lido, pois recebem o código linguístico sem realmente serem

letradas. Freire (2005) concebe a leitura com a finalidade de inserir o indivíduo em um

contexto de conhecimento e sabedoria para a formação de outros conhecimentos, algo

que uma educação bancária não objetiva. Para o autor, “[...] o ato de estudar, enquanto

ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo dos seres

humanos, como seres sociais, históricos, seres fazedores, transformadores, que não

apenas sabem, mas sabem que sabem” (FREIRE, 2009, p. 60).

Na visão de Paulo Freire (op. cit.), a alfabetização não deve reproduzir seres

passivos, mas compreendedores da realidade e da vida social. Estes fatos reforçam o

que a maioria dos estudiosos tem concluído sobre o letramento, que seria para as

necessidades de utilização de escrita e leitura exigidas pela sociedade e de importância

nas várias práticas sociais. Paulo Freire (op. cit.), além de expressar características do

letramento amplamente aceito, afirma que ele ultrapassa o aprendizado, visando o ser

não como passivo, mas como sujeito ativo em seu contexto social e histórico, voltado

para a ação transformadora.

Segundo Pinto (1989, p. 61), o letramento tradicional pode ter como foco o

acesso a várias fontes escritas e valoriza apenas aquele que lê e escreve e, aos que não

têm acesso a esses processos, “desconsidera-os, como iletrados, incultos, pessoas

ignorantes absolutas”. Paulo Freire (2005) ultrapassa essa noção de letramento e

demonstra que mesmo pessoas com pouco acesso à leitura possuem conhecimento da

linguagem e letramento de vida em uma perspectiva construtivista.

Numa concepção política, o letramento se torna a leitura de mundo; por ela,

qualquer homem tem um letramento e sabe alguma coisa. De acordo com Tfouni (1995)

deve-se valorizar o saber de acordo com os aspectos sócio-históricos do homem:

“Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo ou grupo

Page 7: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

7

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de uma

sociedade” (TFOUNI, 1995, p. 20). Assim, observa-se um método não como simples

técnica de aprendizagem de leitura e escrita, mas como a totalidade que ultrapassa estes

e muitos outros aspectos do que vem a ser letramento.

“As técnicas do método de alfabetização de Paulo Freire, embora em si

valiosas tomadas isoladamente não dizem nada do método” (FIORI, 2005, p. 9),

portanto, não pode ser tratada como simplesmente uma técnica, mas com uma visão em

que alfabetizar é humanizar. Reforçando esse aspecto “sensível” e humano, a autora

Magda Soares (2003, p. 39) afirma que "Letramento é, sobretudo, um mapa do coração

do homem, um mapa de quem você é e de tudo que pode ser".

Paulo Freire observa esse mapa da condição de oprimido do ser, que passa pela

leitura de mundo e reflexão das causas sociais, que leva a uma conscientização, uma

real leitura de mundo e das condições de vida. De grande valor é a contribuição de

Freire em relação à leitura de mundo em que o ato de ler tem como ponto de partida a

experiência de vida, leitura do contexto, depois da palavra. Paulo Freire (2005) busca

aprofundar este letramento para que forme a leitura da palavra-mundo:

Na verdade, o domínio sobre os signos linguísticos escritos, mesmo pela

criança que se alfabetiza, pressupõe uma experiência social que o precede – a

da leitura do mundo. Esta percepção desmistifica a visão ingênua e

ideológica de que os alunos de famílias com pouco acesso a leitura tendem a

ser ignorantes em absoluto e que por sua falta de conhecimento dificilmente

serão letrados e que não poderão transformar a situação. [...] Aprender a ler e

a escrever é aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto numa

relação dinâmica, vinculando linguagem e realidade e ser alfabetizado é

tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita como meio de tomar consciência

da realidade e de transformá-la. (FREIRE, 2005, p. 60)

Paulo Freire defende aqueles que ele intitula como oprimidos e demonstra que

possuem letramento – o da leitura do mundo e o da leitura da sua realidade – e que

ambos representam um reforço para um letramento escrito. Assim, percebe-se que o

letramento defendido por Freire é diferente do tradicional. Segundo Street (apud

KLEIMAN, 1995, p. 38),

O letramento ideológico não se trata simplesmente de aspectos da cultura

letrada, mas estruturas de poder da sociedade, e Paulo Freire foca nas lutas

sociais, educação como prática de liberdade, alfabetização e letramento que

ultrapassem as práticas sociais e as relações de poder. (STREET apud

KLEIMAN, 1995, p. 38)

A partir de todo o exposto, vê-se a importância em valorizar um método que

Page 8: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

8

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

vai muito além de ensinar a ler e a escrever, mas sim “letrar”, levando o aluno a

interpretar e refletir, para que se torne um ser crítico e autônomo, dono de seu próprio

saber e assim possa contribuir para uma sociedade mais justa.

2 O método Sociolinguístico

O Método Sociolinguístico veio para propor uma nova forma de alfabetização.

Isto porque desenvolve efetivamente o diálogo no contexto social de sala de aula. É

linguístico porque trabalha o que é específico da língua, a codificação e decodificação

de letras, sílabas, palavras, texto, contexto e o desenvolvimento as habilidades para ler e

escrever. Esta proposta está fundamentada no método Paulo Freire e nas atividades

didáticas desenvolvidas pela teoria de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, na qual a

criança passa pelos diferentes níveis de estrutura escrita, descritos na “Psicogênese da

língua escrita” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).

2.1 Níveis Conceituais

Por acreditarem que a criança busca a aprendizagem na medida em que

constrói o raciocínio lógico e que o processo evolutivo de aprender a ler e escrever

passa por níveis de conceitualização que revelam as hipóteses a que chegou a criança,

Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999) definiram cinco níveis: Hipótese Pré-silábica,

Nível intermediário I, Hipótese silábica; Hipótese silábico-alfabética ou Nível

Intermediário II e Hipótese alfabética.

A caracterização de cada nível não é determinante, podendo a criança estar em

um nível ainda com características do nível anterior. Essas situações são mais

frequentes nos níveis Intermediários I e II, onde frequentemente podemos nos deparar

com contradições na conduta da criança, quando se percebe a perda de estabilidade do

nível anterior e a não estabilidade do nível seguinte, evidenciando o conflito cognitivo.

Na Hipótese Pré-silábica, a criança não estabelece vínculo entre fala e escrita;

demonstra intenção de escrever através de traçado linear com formas diferentes; usa

letras do próprio nome ou letras e números da mesma palavra; caracteriza uma palavra

Page 9: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

9

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

como letra inicial; tem leitura global, individual e instável do que escreve (só ela sabe o

que quis escrever).

No Nível Intermediário I (ou silábico sem valor sonoro), a criança começa a ter

consciência de que existe alguma relação entre pronúncia e escrita; começa a

desvincular a escrita das imagens e os números das letras; conserva as hipóteses da

quantidade mínima e da variedade de caracteres.

Na Hipótese Silábica (ou silábico com valor sonoro), a criança já supõe que a

escrita representa a fala; tenta fonetizar a escrita e dar valor sonoro às letras; já supõe

que a menor unidade da língua seja a sílaba; em frases, pode escrever uma letra para

cada palavra.

Na Hipótese Silábico-alfabética (ou Nível Intermediário II), a criança inicia a

superação da hipótese silábica; compreende que a escrita representa o som da fala; passa

a fazer uma leitura termo a termo (não global); consegue combinar vogais e consoantes

numa mesma palavra, numa tentativa de combinar sons, sem tornar, ainda, sua escrita

socializável, por exemplo, CAL para cavalo.

Na Hipótese Alfabética, a criança compreende que a escrita tem função social;

entende o modo de construção do código da escrita; omite letras quando mistura as

hipóteses alfabética e silábica; não tem problemas de escrita no que se refere a

conceitos; não é ortográfica e nem léxica.

Nessa perspectiva, a alfabetização não é mais vista como sendo o ensino de um

sistema gráfico que equivale a sons. Um aspecto que tem que ser considerado é que a

relação da escrita com a oralidade não é uma relação de dependência da primeira com a

segunda, mas uma relação de interdependência, isto é, ambos os sistemas de

representação se influenciam igualmente.

O método sociolinguístico, em razão de sua eficácia, comprovada por diversas

experiências, mostra ser possível não só a alfabetização dos alunos em um ano, mas

ainda levá-los através do diálogo, a avançar no domínio dos usos sociais da leitura e da

escrita e no desenvolvimento de sua consciência crítica e social.

Page 10: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

10

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

2.2 O Método Sociolinguístico e seus quatro passos

Entende-se que o Método Sociolinguístico é composto por quatro passos que

levam o aluno ao processo de alfabetização, segundo a ótica de Paulo Freire (2009):

a) Codificação: consiste na representação de um aspecto da realidade, expresso

pela palavra geradora (proveniente do universo vocabular dos alunos), por meio da

oralidade, de desenhos dramatização, mímica, música e outros códigos que o

alfabetizando já dominar;

b) Descodificação: implica a releitura da realidade expressa na palavra

geradora, no intuito de superar as formas ingênuas de compreender o mundo, mediante

a discussão crítica e os subsídios do conhecimento universal acumulado (ciência, arte,

cultura);

c) Análise e síntese: por meio da divisão da palavra geradora em sílabas e

apresentação de suas famílias silábicas na ficha descoberta e, a seguir, junção das

sílabas para formar novas palavras, que visam levar o aprendiz à descoberta de que a

palavra escrita representa a palavra falada, a entender o processo de composição e os

significados das palavras, através da leitura e da escrita;

d) Fixação da leitura e escrita: faz a revisão da análise das sílabas da palavra e

a apresentação de suas famílias silábicas para, através da ficha de descoberta, formar

novas palavras com significado e compor frases e textos, com leitura e escrita

significativa.

Sobre os passos apresentados, um aspecto importante a ressaltar refere-se à

centralidade que a “codificação” e a “descodificação” assumem no Método

Sociolinguístico. Ao contrário da “codificação”, em que o professor questiona apenas

para descobrir o que os alunos sabem/pensam sobre o tema, na “descodificação” o

docente questionará para fazer com que reflitam sobre ele e assim cresçam criticamente.

Se o professor entender o processo de seu aluno, respeitando a ludicidade

peculiar à faixa etária, pode desenvolver palavras geradoras que agucem o olhar crítico

do aluno no tocante a diferentes aspectos da realidade, como, por exemplo, necessidade

e medidas para alimentação correta, preservação da natureza, higiene pessoal,

Page 11: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

11

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

brincadeiras de risco, escola, respeito e cuidados com animais e tornar a aprendizagem

prazerosa e eficiente. Sendo assim, cabe ao professor entender e se aprofundar nessa

forma de alfabetização para que seu aluno tenha uma aprendizagem significativa, que

venha a ler e a escrever com criticidade e autonomia, que saiba o que se está fazendo e

que a passividade seja realmente eliminada da vida escolar.

Considerações Finais

Após o estudo apresentado, foi possível constatar que o Método

Sociolinguístico e sua prática socioconstrutivista oferecem uma alternativa eficiente

para alfabetizar, própria dos educadores comprometidos com a formação de cidadãos

críticos e competentes para a construção de uma sociedade mais justa. É possível

alfabetizar os alunos em menos de um ano e ainda levá-los, através do diálogo, a

avançar para o uso social da leitura e da escrita e ao desenvolvimento de sua

consciência crítica e social.

Para que o aluno progrida no seu processo de aprendizagem, é preciso partir do

nível de conhecimento que ele possui para conduzi-lo a um nível de conhecimento mais

amplo. Isso ocorre diagnosticando-se, individualmente, o nível em que cada aluno se

encontra, para propor atividades mais adequadas a cada grupo de alunos, a fim de que

todos avancem no processo de construção da linguagem escrita.

O processo de alfabetização ocorre através da mediação entre a criança e a

linguagem escrita, sendo fundamental a mediação do professor, pois é ele quem pode

auxiliar seus alunos, seja parando ou acelerando uma explicação; ajustando o

planejamento inicial quando houver necessidade; ampliando ou não determinados

aspectos trabalhados; propondo atividades adequadas ao nível de aprendizagem dos

alunos; aproveitando um conteúdo bem compreendido como ponto de partida para

aulas seguintes; fornecendo às crianças pistas para solucionar algo que elas não

conseguem; iniciando uma atividade e deixando os alunos finalizá-la, ou até mesmo

possibilitando que as crianças se ajudem durante a execução da tarefa; tudo isso

favorece o processo de aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento dos

alunos.

Page 12: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

12

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

O professor precisa conhecer a realidade em que o aluno está inserido e

preparar um ambiente alfabetizador que incorpore essa realidade; o método mais

importante e mais adequado é conhecer o aluno. Essa é uma prática que prioriza o aluno

enquanto construtor de seu conhecimento e o professor enquanto um mediador da

aprendizagem. Portanto, não existe um método que seja totalmente eficaz, mas sim

educadores realmente engajados no ato de ensino e aprendizagem, fazendo com que o

aluno aprenda e que seja autônomo e crítico, pronto para atuar socialmente.

Referências

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização sem o BÁ-BÉ-BI-BÓ-BU. São Paulo:

Scipione, 1998.

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:

Artmed, 1999.

FIORI, Ernani Maria. Prefácio: aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, Paulo.

Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São

Paulo: Cortez, 2009

_______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de

Janeiro: Paz e terra, 2013.

_______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2005.

KLEIMAN, Angela B. (Org). Os significados do letramento: uma nova perspectiva

sobre prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.

MENDONÇA, O. S. A eficiência do método sociolinguístico de alfabetização.

Presidente Prudente: Editora da Unesp, 2007.

PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de jovens e adultos. São Paulo:

Cortez, 1989.

SOARES, M. A reinvenção da alfabetização. Presença pedagógica. Belo Horizonte, v.

9, n. 52, jul./ago, p. 15-21, 2003.

Page 13: ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO …uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20170606113325.pdf · tradicionais de alfabetizar, ... de tornar alfabético, sendo necessário

13

Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queirós, ISSN 2179-9636, Ano 7, número 26, junho de 2017. www.faceq.edu.br/regs

TFOUNI, L. V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.

Recebido em 22/12/2016

Aceito em 10/04/2017