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6b866b28-1c7b-428d-9ba0-02312487d833 Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público. Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A. Algarve Ir ao mercado e trazer o mar e a serra no saco Alvor Caminhar entre as duas e a ria Brasil Está de volta o hotel mais chique de Salvador FUGAS | Público N.º 9963 Sábado 29 Julho 2017

Algarve Ir ao mercado e trazer o mar e a serra no sacoEdição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima e José Soares Infografia

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Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.

AlgarveIr ao mercado e trazer o mar e a serra no sacoAlvorCaminhar entre as duas e a ria

BrasilEstá de volta o hotel mais chique de Salvador

FUGAS | Público N.º 9963Sábado 29 Julho 2017

Page 2: Algarve Ir ao mercado e trazer o mar e a serra no sacoEdição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima e José Soares Infografia

Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.

2 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

Semana de lazer

A pé ou entre bólides, de comboio ou avião, passe os dias em passeios com história(s). Sílvia Pereira

Torreões no bolsoFeiras medievais há muitas. Dentro de muralhas desses tempos, poucas. Acrescente-se à equação a nomeação recente de Óbidos como um dos melhores destinos medievais da Europa (pela European Best Destinations) e está montado o cenário perfeito para viajar no tempo – e, de caminho, pensar no que é Ser Mulher na Idade Média, o tema deste ano. O Mercado Medieval envolve jograis, artesãos, taberneiros, cuspidores de fogo, bobos, cavaleiros e centenas de figurantes e actores. E também envolve o visitante, que é convidado a vestir-se a rigor (quem for trajado à época tem desconto no bilhete; quem não tiver roupagens pode alugá-las na Casa do Pelourinho por 5€) e a trocar o euro pelo torreão, a moeda que vale neste mercado. Para uma experiência ainda mais realista, basta reservar lugar, à sexta ou sábado, num serão de torneio e jantar.

ÓBIDOSAté 6 de Agosto. Quinta e sexta, das 17h à 1h; sábado, das 10h às 1h; domingo, das 10h às 24h. Bilhetes a 7€ (c/descontos); Grátis até 11 anos. Serão medieval (torneio e jantar): 38€; 15€ dos 3 aos 11 anos

O Mundo ao Contrário

A vila de Paredes de Coura enche-se de novo circo, animação de rua, instalações, oficinas e residências artísticas que têm como objectivo levar toda a família a entrar num universo de fantasia que quer contrariar a rotina através uma rota de

criatividade, humor e absurdo. Quem passar pela quarta edição

d’O Mundo ao Contrário arrisca-se a encontrar os malabarismos e paródias de Nino Costrini, o humor poético d’O Grande Embrulho do alemão Thorsten Grütjen (com o saxofonista Gil Abrantes), as

palhaçadas de Diogo Duro, a mímica de René Bazinet (que tem no currículo

o Cirque du Soleil), as excentricidades de Ale Risorio, as marionetas da Mandrágora, as improvisações (em várias posições) de Elastic e as trapalhadas do clown Fausto Giori. São apenas alguns dos muitos artistas participantes — ou, nas palavras da organização, “promotores de sonhos”.

PAREDES DE COURA Vários locaisAté 30 de Julho.Grátis

Na linha do tempo

As carruagens foram fabricadas nos anos 1940. Circularam em Portugal entre 1949 e 1977. Neste Verão, voltam a estar em movimento na Linha do Douro. Foram restauradas e andam a fazer aquele que é considerado um dos trajectos ferroviários mais belos do país. Puxada por uma locomotiva ligeiramente mais jovem (dos anos 1960), a composição MiraDouro parte todos os dias da estação de São Bento em direcção ao Tua, com paragens na Régua e no Pinhão. Tal como há 60 anos, o serviço da CP não dispõe de ar condicionado. Faz parte do charme. Mas com a paisagem que o passageiro tem pela frente, a do Douro vinhateiro (Património da Humanidade), certamente poucas janelas ficarão por abrir.

PORTO São Bento - TuaAté 30 de Setembro. Todos os dias, às 9h25 (regresso às 16h34).Bilhetes a 11,60€ (percurso completo)

Mais sugestões em lazer.publico.pt

anos. Serão medieval (torneio e jantar):38€; 15€ dos 3 aos 11 anos

PAREDES DE COURA Vários locaisAté 30 de Julho.Grátis

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 3

Caretos de pára-quedas

Bragança está de olhos postos no céu. Vem aí o Fly-in Careto Air Show. Traz aviões, acrobacias, balões, aeromodelismo, competições e pára-quedistas muito especiais. Promovido pelo Aero Clube de Bragança e pela autarquia, o festival começa na noite de sexta-feira com subidas estáticas de balões de ar quente junto ao castelo. No sábado de manhã, já no aeródromo, é feita a recepção às aeronaves que à tarde farão manobras acrobáticas e de onde se lançarão, em ligação directa às tradições da região, pára-quedistas trajados ao modo dos carnavalescos caretos. Em terra, o programa passa por exposições, simuladores, actividades para crianças e, à noite, animação de rua, música e um espectáculo de video mapping. Mas o público não tem de ficar a ver tudo do chão. Domingo abrem os baptismos de voo. Os mais destemidos podem seguir o exemplo de Sá Ferreirinha, o octogenário que vai cumprir o sonho de saltar pela primeira vez de pára-quedas.

BRAGANÇACidade e Aeródromo MunicipalDe 4 a 6 de Agosto.Grátis

Lagos entre sonhos e segredosEm Agosto, Lagos é mostrada como A Cidade dos Sonhos e dos Segredos. Uma série de passeios culturais promovidos pela autarquia convida a calcorrear as ruas à descoberta de marcos históricos que tanto lembram a importância estratégica e militar da cidade — por exemplo, enquanto escala do exército enviado por D. João I à conquista de Ceuta em 1415 — como revelam cantarias manuelinas no centro, sem deixar de visitar a Capela dos Ossos da Igreja de São Sebastião.

LAGOS Vários locaisDias 1, 10, 16, 22 e 29 de Agosto, às 10h (A Arte do Sagrado); dias 1 e 16 de Agosto, às 10h (A Arte da Guerra); dias 1 e 2 de Agosto, às 21h30 (A Arte da Pedra).Grátis mediante inscrição até dois dias antes da visita, através do email [email protected]

Ferraris no Caramulo

Destino de eleição para os apreciadores de automóveis clássicos, o Museu do Caramulo tem novo chamariz: está recheado de Ferraris. Apresentada como a maior exposição da marca italiana alguma vez realizada em Portugal, Ferrari: 70 Anos de Paixão Motorizada abriu a 8 de Julho e na primeira semana bateu recordes de visitas. São exibidos exemplares raros e históricos da casa de Maranello, de um veterano 195 Inter de 1951 a um raríssimo 500 Mondial de 1955, passando pelo elegante 250 Lusso ou pelos emblemáticos 275 GTB Competizione, Dino 246 GT, F40 e Testarossa.

TONDELA Museu do CaramuloAté 29 de Outubro. Todos os dias, das 10h às 13h e das 14h às 18h (horário de Verão).Bilhetes a 7€ (adultos); 3€ (crianças dos seis aos 12 anos); Grátis para crianças até seis anos

Corrupção em ruínas

As ruínas do Convento do Carmo, no espaço ao ar livre do Museu Arqueológico do Carmo, transformam-se no cenário de uma farsa escrita no final do século XIX mas com traços de actualidade no enredo. Política, poder e corrupção são os temas de Rei Ubu, uma caricatura teatral do dramaturgo francês Alfred Jarry que foi levada à cena pela primeira vez em 1896, em Paris. Nesta produção do Teatro do Bairro, encenada por António Pires e baseada na versão de Alexandre O’Neill e Luís de Lima, 15 actores dão vida à história do homem que se torna rei e rapidamente se assume como um tirano cruel, maldoso e catastrófico. Mas as suas acções são tão cobardes, caprichosas e delirantes que acabam por lhe conferir um carácter ridículo — e, por isso, cómico.

LISBOA Museu Arqueológico do Carmo.De 3 a 20 de Agosto. Terça a domingo, às 21h30.Bilhetes a 16€

FUGAS N.º 894 Foto de capa: Mário Lopes Pereira FICHA TÉCNICA Di rec ção David Dinis Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima

e José Soares Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Praça Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto.

Tel.: 226151000. E-mail: fugas@pu bli co.pt. fugas.publico.pt

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Algarve

Os mercados algarvios são espaços de encontro: entre produtores e fregueses, entre o mundo rural e o mundo urbano, entre um tempo que já passou e aquele que teima em esquecê-lo. Haverá poucos sítios onde a serra esteja mais próxima do mar. Francisca Gorjão Henriques (texto) e Mário Lopes Pereira ( fotos)

E já que temos de ir às co m

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 5

Vila Real de Santo António“Deus te alevede, São João te acrescente”

Quando chegamos a Pisa Barro de

Cima (Castro Marim), Frederico

está atarefado a varrer o forno. A

mãe, Nélia Pedro, também não tem

mãos a medir. Está a preparar o pão

para levar para a feira de artesana-

to em Vila Real de Santo António.

Pão e costas (pãezinhos pequenos

e rectangulares que podem levar

chouriço, torresmos ou canela e

erva doce).

Há dois fornos, um dentro da pa-

daria, outro fora — e é este que está

na família há 200 anos. Quer num,

quer no outro, só ali entra lenha de

esteva. “É a melhor para fazer pão,

a mais saborosa.” Coloca-se a lenha,

deixa-se arder durante mais de uma

hora. Depois recolhe-se, limpa-se

tudo, “e mete-se todo branquinho

para podermos pôr o pão”.

Na sala ao lado, a televisão mos-

tra uma das provas da Volta a Fran-

ça. Frederico junta os torresmos à

massa, faz uma pequena bola e pe-

sa na balança digital: 200 gramas.

Depois, faz um rolo espalmado e

coloca em cima de uma tábua de

madeira comprida. Há uma penei-

ra para quando se acaba o serviço

aproveitar a farinha que fi cou lim-

pa. A mãe começa agora a fazer as

costas de chouriço de porco preto,

alentejano (“os torresmos vou bus-

car a Monchique”). É generosa na

quantidade de rodelas.

Pisa Barro fi ca no barrocal, no

meio de amendoeiras, alfarrobei-

ras, oliveiras. Nélia Pedro nasceu

aqui, há 58 anos. Passou uns tempos

na Suíça, trabalhando numa fábri-

ca de fazer meias. É difícil imaginar

o salto, quando tudo o que há por

aqui é silêncio e cheiro a pão.

Se formos ao Mercado Munici-

pal de Vila Real de Santo António,

um edifício amplo, com telhado

de zinco, ela lá estará a vender

fl ores e frutos secos — “havia mui-

ta amêndoa, mas começou a ter

pouco valor e as pessoas deixa-

ram de apanhar”, diz. “Eu ainda

tenho, mas já não há quem parta.”

Nélia Pedro também não tem

tempo para isso. Até fi nal de Agos-

to, faz pão todas as segundas, ter-

ças, quintas e sextas-feiras (no res-

to do ano é às segundas, quartas e

sextas), que vende por encomenda

no mercado. Podemos encontrá-la

também na feira de artesanato que

todas as quintas-feiras se faz na

Praça Marquês de Pombal. Assim

que monta a banca, às sete da

tarde, a fi la cresce como nenhu-

ma outra. Há quem venda doces

regionais (mesmo ao lado

de Nélia), cestos de cana

(“são feitos por mim, só

para passar o tempo e

não estar olhando

a televisão e

cismando na

minha vida”,

diz Florinda

Custódio), mel, colares

e pulseiras...

Mas voltemos a Pisa

Barro porque são qua-

tro da tarde e o pão

ainda não está pronto.

Aqui chama-se cres-

cente à massa-mãe. É

a esta que no dia seguinte se junta

a farinha, água e sal “e um boca-

dinho poucochinho de fermento

de padeiro”. E benze-se: “Deus te

alevede, São João te acrescente”.

Fica a levedar uma hora, no Verão,

duas no Inverno, tapado com uma

manta. Depois tende-se, coloca-se

nos tabuleiros de madeira, tapado

em lençóis brancos e cober-

tores: “é o tendal”. O pão

de um quilo fi ca a cozer

durante 1h20; cabem 40

numa fornada.

Nélia faz uma peque-

na dobra na bola de

massa para lhe fa-

zer a “cabeça”,

antes de a colocar

na pá de madeira

que a levará para

o fundo do forno

e que o marido,

Manuel, segura

com fi rmeza. Todos

os gestos estão bem

treinados. Fazer

pão é tarefa para

os ocupar aos três,

e “a lenha quem me-

te são os homens”.

o mpras...

Depois de colocado no forno, faz-

se uma cruz na porta: “Jesus, que

é o santo nome de Jesus, Deus te

acrescente no forno, como a graça

de Deus no mundo todo. Já a minha

avó dizia assim, mas nem todas as

pessoas dizem da mesma maneira.”

TaviraA bruxa da Andaluzia

A fi la vai-se formando na Laranja do

João. A loja fi ca colada ao Mercado

Municipal de Tavira e está forrada

a quadros de ardósia a anunciar

as múltiplas variedades de sumos

naturais. Manga, papaia e moran-

go (copo 2€, garrafa de meio litro

3,20€), abacaxi, uva, toranja e kiwi

(1,50€/2,60€), ou simplesmente la-

ranja (copo 1€, um litro 2,50€) — a

lista continua, com outras medidas

para copos e garrafas e outras com-

binações. A todos os sumos pode-se

misturar hortelã, gengibre e aipo.

Estão cinco pessoas atarefadas,

colocando a fruta nas máquinas ou

descascando-a. João Sotero está a

receber os pedidos. Há dias em que

são precisas 15 caixas (cada uma tem

15 quilos) para responder à

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procura. “Estou ainda a fazer a la-

ranja de Inverno”, explica. “Como

está na parte fi nal do ciclo é mais

doce. Mas já está a acabar.” Tem dez

hectares em Santo Estêvão só com

laranjas e não há nada como a la-

ranja algarvia, assegura. “As laranjas

são boas porque os algarvios são boa

gente.” Tem a variedade lanelate, a

tal que se dá no Inverno, e a valen-

cialate, que está boa no Verão. “Há

laranja o ano todo.”

Vende fruta também: melancia,

melão, framboesas, mangas de Ta-

vira... “Mas o meu negócio é sumos.

Vou bebendo e experimentando.

Agora é a melancia, com beterraba

e gengibre.”

Não há tanta variedade na ban-

ca de Maria Antónia. Desde 2000,

quando o novo Mercado Municipal

de Tavira abriu, que tem ali uma aju-

da à sua reforma, mas nesta sexta-

feira de manhã o movimento não

é grande.

Tem um terreno ao pé de Santa

Catarina — “Estive sempre ligada ao

campo, mas era a parte do sequei-

ro. Agora ainda tenho um pouco de

fi go.” Vem Agosto e Maria Antónia

começa a secar fi gos na varanda.

“Antigamente era com esteiras de

palha de centeio, agora já não há

nada disso.” Usa cartões “limpos”

ou caixas de plástico.

Garante que tudo o que tem à ven-

da é produção sua: tomate, tomate

cereja, pepino, laranja, cebola, ba-

tata... Nesta altura o que sai mais

é o feijão-verde, porque “há pouca

quantidade nesta zona, por causa

do calor”. “Não compensa é a pes-

soa estar aqui. O pessoal vem com

os tostões contados para os hotéis.

Não dá para viver, só com a ajuda

da reforma. Se fosse só disto já tinha

morrido de fome.” Acrescentava al-

gum nos mercados e feirinhas de ar-

tesanato, “mas a saúde já não quer”.

“É só para ir vivendo e convivendo

um pouco.”

Vivendo é a palavra de ordem da

ERVASUL. Num dos extremos do

mercado, Maria del Mar ocupa três

bancas, onde tem as suas ervas e

especiarias. Raiz de curcuma, chi-

Algarve

Mercado artesanal (só às quintas-feiras)Praça Marquês de PombalVila Real de Santo António

Mercado Municipal de Vila Real de Santo António Rua Doutor Raúl Folque e BritoVila Real de Santo António

Mercado Municipal de TaviraAvenida Dom Manuel ITaviraDe 15 de junho a 15 de Setembro: das 6h30 às 15h

Mercado de Olhão (diário)Av. 5 De OutubroOlhão

i

Mercado de Loulé R. José Fernandes Guerreiro 34Loulé

Mercado Reforma Agrária, Lagos (sábados)Rua Mercado de LevanteLagos

Mercado Municipal de AljezurR. 25 de AbrilAljezur

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 7

to, uma mistura de chá com manje-

rona, passifl ora, hipericão, fl or de

laranjeira, melissa, valeriana...” As

doses é que fi cam em segredo.

O que tem mais saída é uma mis-

tura para emagrecer, com algas,

cavalinha, bétula “e muito mais!”.

“Tenho as minhas doses, os meus

tratamentos e as minhas misturas.”

Houve até quem já lhe chamasse “a

bruxa da Andaluzia”.

Olhão“Eu sou mais peixeira que ela”

“Eu sou mais peixeira que ela”, ouvi-

mos gritar repetidamente. Estamos a

conversar com Tânia Lopes porque,

com 29 anos, é ela a mais nova do

Mercado de Olhão — pelo menos, do

lado onde se vende o peixe. Piercing

na sobrancelha e outro debaixo do

lábio, cabelo aos caracóis, compri-

do, conta com alguma timidez que

veio aqui parar há três anos, quando

estava desempregada, por con-

michurri argentino, preparado de

barbacoa, canela de Madagáscar,

mate, bagas de zimbro, ajil doce ar-

gentino... Há várias misturas para

depressão, acne juvenil, infl amação

do fígado, diabetes, faringite, laxan-

te, lombrigas, bronquite, pedras nos

rins, dores musculares... Há também

gomas e rebuçados artesanais.

A andaluza Maria del Mar dedi-

cou-se às ervas medicinais toda

a sua vida de 40 anos. “Já vai na

quinta geração”, garante. “Somos

oito irmãos e todos vivemos disto.

O meu pai é curandeiro. É Antonio

Tribaldos Carrasco, muito conheci-

do em toda a Espanha porque cura

muita gente”, diz num sotaque car-

regado (só vive em Portugal há três

anos, desde que se casou com um

português).

“Todos os medicamentos são fei-

tos de plantas medicinais, antiga-

mente toda a gente usava para ali-

viar as doenças”, afi rma. “Faço tra-

tamento para nervos, depressões,

insónias, esgotamento, enxaquecas:

é um pacote que serve para tudo is-

Maria Antónia produz tudo o que vende na sua banca em Tavira. Em baixo, Tânia Lopes, a peixeira mais nova do mercado de Olhão

c

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selho da sogra e da cunhada. Antes

não distinguia uma sardinha de um

carapau, agora diz que não quer ou-

tra vida.

Pouco depois das seis da manhã já

está na praça, e aos sábados chega

uma hora mais cedo. Mas não é isto

que torna o seu trabalho mais difícil.

“Muita gente parece que tem nojo

de nós. ‘Ai, cheira mal’. Agarram nos

sacos com nojo. Não tenho vergonha

nenhuma. Vergonha é fi car em casa

a passar fome.”

“Eu sou mais peixeira que ela”, gri-

tam novamente por trás de uma ban-

cada. Aproxima-se Vítor, o ex-fi scal

do mercado, que confi rma: “Aquela é

que é a mais regateira.” Tânia Lopes

ri-se e apresenta-nos a Cláudia Lou-

renço, que tem apenas mais um ano

que ela. “Somos as duas caçulas”, di-

zem. “Eu sou de certeza a mais pe-

quenina” — Cláudia não terá muito

mais que um metro e meio, mas sabe

fazer-se ouvir como ninguém por ali.

Sim, ela é que é a mais peixeira da

praça, confi rma orgulhosamente.

“Sou peixeira de coração há mais

de nove anos.” Sempre foi esta a vi-

da que ambicionou. “Gosto do mar

e de ir à maré.” Ou seja, de apanhar

conquilhas, amêijoas e lingueirão,

que há com abundância na ria For-

mosa, mesmo por trás do mercado.

“As melhores alturas [de venda]

são o Verão, a Páscoa e o Natal”, diz

Cláudia Lourenço. Mas a patroa da

Peixaria Menau (tem até uma t-shirt cor-de-rosa com o nome da banca) é

das poucas que paga salário ao mês

e não ao dia, durante o ano inteiro,

diz. “O peixe vem todo de Quarteira

e de Olhão, mas fazemos entregas no

Alentejo.” Mostra os chocos da ria, as

gambas da costa. Faz a festa, como

uma criança a falar de guloseimas.

O dinheiro chegou a Olhão na pri-

meira metade do século XX, quando

se instalaram ali as fábricas de con-

serva de peixe. A primeira, a francesa

Delory, apareceu em 1892, mas nos

anos seguintes a indústria cresceu

aceleradamente. Foi sol de pouca

dura. Os congelados contribuíram

para a crise das conserveiras e agora

já muito pouco resta dessa herança.

O mercado, começado a construir

em 1912, fi cou como uma lembrança

desses tempos mais afortunados. São

dois corpos avermelhados de tijolo,

ferro e vidro, cada um com quatro

torreões.

Num lado vende-se o peixe, no ou-

tro, as frutas e legumes. Passamos

para esta zona. Logo à direita está

Felismina, cheia de doces e biscoi-

tos da marca Vitalina — o nome da

sua fi lha. “Trabalhei em França, nas

limpezas e numa fábrica, trabalhei

nas salinas, mas há 30 anos que es-

tou aqui.” Nenhum dos legumes ou

frutas que vende vem da sua horta.

“Em vida do meu marido semeáva-

mos isso tudo, agora estou velha para

Algarve

O mercado de Olhão começou a ser construído em 1912. Em cima, Felismina, que vende os produtos embalados pela filha

trabalhar na terra.” Só os fi gos é que

são de uma árvore que tem ao lado

de casa.

Em várias bancas há mel, amêndo-

as, castanhas piladas, sacos de milho

para o xerém. Conceição (não quer

apelidos nem fotografi as) dá a recei-

ta: “O xerém é todo igual: água, sal e

azeite, pôr ao fogo até fi car cozido. No

fi m deita-se conquilhas, amêijoas ou

camarão. Não tem segredo nenhum.”

É quinta-feira e o movimento não

é muito, apesar de os turistas já te-

rem invadido a cidade. Como em

tantos outros mercados algarvios, o

melhor dia para fazer as compras é

ao sábado. Juntam-se produtores da

região, com aquilo que cultivam nos

seus terrenos, e o passeio à volta da

praça fi ca apinhado.

LouléHavia bailes, cinema, teatro e comícios

“Há uma história por trás desta his-

tória”, ou seja, por trás do Mercado

Municipal de Loulé, afi rma Luísa

Martins, que trabalha na Câmara

Municipal da cidade e desenvolve in-

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 9

casas junto à muralha e vai surgir a

praça de fora (que é no fi nal da Praça

da República, mas que não é praça,

é uma rua, só que o nome fi cou).”

Mercados variados vão proliferan-

do em pontos diferentes da vila (que

entretanto já é cidade), consoante

o tipo de produtos: ora das loiças,

ora do peixe, ora dos legumes. “Em

1898 começam as discussões sobre

a necessidade de haver uma praça

onde os mercados da vila se con-

centrassem”, adianta Luísa Martins.

“Como com tudo em Loulé, a discus-

são prolongou-se e foi acentuada.”

Ninguém se entendia quanto ao lo-

cal onde deveria fi car o mercado e

chegou a falar-se em construir dois

edifícios distintos, um para o peixe,

outro para as verduras, em dois lo-

cais diferentes. “Finalmente houve

uma crise fi nanceira e chegaram à

conclusão que tinham mesmo de

fazer apenas um mercado. Mas isso

não impediu que surgissem vários

projectos.”

Num painel colocado no merca-

do podemos ver alguns exemplos,

incluindo o projecto inicial do arqui-

tecto Alfredo Costa Campos, que foi

a proposta aprovada, em 1903, mas

que se baseou noutra de 1898. Do pri-

meiro projecto fi cou o alçado da por-

ta principal, a norte. “A parte sul do

mercado não fi cou fechada durante

muitas décadas. Tudo isto era a céu

aberto e aqui se vendia o peixe”, tal

como agora.

O mercado instalou-se numa zo-

na de ruas estreitas, que seria de um

bairro islâmico e perto da judiaria.

Indo à porta nascente, olhamos para

uma casa em obras e vemos uma par-

te da antiga muralha. “Partiu-se um

bairro e foram encontrados muitos

vestígios arqueológicos islâmicos”,

mas também de “antigas residências

da judiaria”. As obras começaram em

1905 e levaram três anos, com uma

linha arquitectónica semelhante aos

mercados de Tavira (o antigo, que

agora só tem lojas e restaurantes) e

de Olhão, com muito ferro e reviva-

lismo árabe.

Todos os sábados de manhã, as ru-

as que circundam o mercado fi cam

cheias de pequenos agricultores que

vêm de todo o concelo para vender

os seus produtos. É fácil imaginar o

tempo em que este era o ponto ne-

vrálgico de Loulé. “Havia aqui bailes,

cinema, teatro. Faziam-se comícios.

Aqui apareciam os cauteleiros, o po-

eta António Aleixo a contar as suas

quadras... A praça era acima de tudo

um ponto de encontro da gente do

campo com a gente da vila. Não era

apenas [um local] de compra e ven-

da”, continua a historiadora. “De ma-

nhã, as pessoas que vinham do cam-

po esperavam que a porta abrisse no

lado nascente, que tinha sol. Mas de-

pois, para o debate político e para ver

o que se passava naquela casa

vestigação na área da história local. A

explicação começa na época medie-

val. “Chamava-se praça às ruas intra-

muros, estreitas, onde se fazia o mer-

cado. Num período medieval tardio,

à medida que a vila se desenvolve e

as pessoas começam a poder morar

fora [da muralha] porque há mais

segurança, não há o perigo da inva-

são castelhana, vão construir as suas

A praça era acima de tudo um ponto de encontro da gente do campo com a gente da vila. Não era apenas [um local] de compra e venda”, diz Luísa Martins

c

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10 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

ao lado, que é a Câmara Municipal,

os opinion makers punham-se ali à

porta, a ver quem entrava e saía da

câmara. Muita discussão havia ali.

E ainda hoje gostam mais de estar

naquele lado. São coisas que fi cam

na memória colectiva.”

Para um lado o peixe, para o ou-

tro tudo o resto. O resto, neste caso,

tem uma boa quantidade de produ-

tos regionais. Coisas Boas da Anto-

nieta, Cantinho dos Frutos Secos,

Da Tradição ao Sabor. Há bolos de

figo com variedade, com rótulos

bem cuidados. Amêndoa a granel —

uma grande parte vem da Califórnia;

“faltam incentivos”, queixa-se Luísa

Martins. Há vendas de licores, como

o que produz Carlos Faísca. “Nós não

dizemos alfarroba, dizemos farroba”,

daí a sua marca ser a Farrobinha.

Vamos visitá-lo a Querença, onde

tem a sua pequena fábrica (está à es-

pera de licenças para a fazer crescer,

mas “não é fácil”). Tem 15 hectares

de terra com frutas e hortícolas, al-

gumas árvores de sequeiro também.

“Ao ser transformado em produto

fi nal tem rentabilidade”, mas amên-

doas, fi gos e azeitonas são produções

que “não estão mecanizadas e não se

consegue competir com as grandes

plantações dos EUA”, nem mesmo

de Espanha. “Uma arroba, que são

15 quilos de amêndoa com casca, cus-

ta dez euros. Há 30 anos pagava-se

exactamente o mesmo. Nessa altura

era viável.”

Por baixo há um restaurante, que

aluga, por cima há a loja, a sala on-

de faz a rotulagem e a cozinha, onde

prepara as compotas e piripíris, tudo

artesanal. “Agora não estou a produ-

zir, o morango já acabou e estou à

espera que saia o melão.”

Aprendeu a fazer licores “aí com

os velhotes”, em 1998, quando ainda

tinha o restaurante, para oferecer aos

clientes depois da refeição. “Come-

çou de brincadeira, e começaram a

querer levar garrafas.” Agora produz

15 mil garrafas de meio litro por ano

(e 20 mil frascos de compotas). Nas

traseiras estão 16 cubas de mil litros,

na fase da maceração. Noutra sala, es-

tão os licores já prontos a engarrafar.

A base é sempre a mesma: aguar-

dente de fi go (que é comprada, por-

que ainda não conseguiu ver apro-

vado o projecto para a destilaria). À

aguardente junta-se o poejo, canela,

amêndoa, funcho, amora... “Traba-

lhamos a maior parte dos produtos

que temos à nossa volta”, diz. Fica

um ano nesta infusão (mais no caso

da bolota, porque tem menos sabor,

explica Carlos Faísca). Ao fi m desse

tempo faz-se um xarope de açúcar e

o fruto usado, e junta-se à aguarden-

te. Fica mais um mês a decantar na

cuba e só depois se engarrafa. “No li-

cor industrial é só juntar o aroma ao

álcool e no dia seguinte está feito.”

Lagos“Galo do campo não quer capoeira”

Chama-se Quinta das Seis Marias

porque todas elas, mãe e cinco fi -

lhas, têm Maria no nome. Vamos fa-

lar com Maria de Fátima Torres (48

anos), porque é ela quem põe tudo

a mexer.

Conta que se instalaram no Sar-

gaçal (Lagos) depois de uma breve

passagem pelo Norte do país, quan-

do saíram de Angola. “Somos retor-

nados”, conta. “Os meus pais vieram

quando a guerra [civil] rebentou e

não conseguiram trazer nada, só as

cinco fi lhas. Lembro-me de estar es-

condida na fábrica de confecções do

meu pai e de ouvir tiros. Viemos na

ponte aérea. Primeiro fomos para o

Norte, mas estávamos sempre doen-

tes, não nos habituámos ao clima, e

os meus pais decidiram vir para o

Algarve. Foram alugando quintas e

acabaram por comprar esta.”

Há 11 anos, Fátima fez a conversão

para agricultura biológica e no ano

passado abriu um agroturismo. Em

frente às casas há uma pequena hor-

ta onde os hóspedes podem apanhar

Algarve

Aos sábados, o Mercado de Loulé fica rodeado de pequenos agricultores da região, que vêm vender os seus produtos

+

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 11

o que quiserem. Os tomates cereja

estão já bons para ser colhidos, mas

as alfaces ainda estão pequeninas.

Há uma curgete gigante, ervas aro-

máticas, pimentos…

Uma vez por semana faz entregas

em Lisboa, mas o principal merca-

do da família é a Reforma Agrária,

em Lagos (lá iremos, mas temos de

esperar pela manhã seguinte, por-

que só abre ao sábado). Também há

uma pequena loja na quinta, onde

se vendem os produtos produzidos

ali e alguns que vêm de fora, como

umas maçãs grandes e amarelas,

porque “os clientes querem sempre

maçãs”. A batata-doce está a trazer

de Mafra, mas a maior parte das

verduras cresceram mesmo aqui,

tal como os microlegumes e fl ores

comestíveis que vende para alguns

restaurantes.

Para dar mais rentabilidade, Fáti-

ma Torres construiu quatro estufas

em meio hectare de terreno, mas

ainda não conseguiu controlar bem

as perdas, sobretudo devido ao pio-

lho. “Damos sabão de potássio e um

insecticida à base de urtigas”, mas

ainda assim eles atacam o tomate,

o feijão-verde, o pepino e as alfaces.

Aqui dentro estão sempre mais dez

graus do que lá fora. E, apesar de tu-

do, tem sido possível garantir mais

produção durante todo o ano: “Te-

mos tomate mesmo no Inverno.”

Passamos por um talhão onde as

sementes de cebola roxa, ainda nas

plantas já secas, estão praticamente

prontas a ser apanhadas — “se não,

daqui a nada os pássaros comem-

nas todas”. Dentro de uma estufa,

os bicos de lacre também estão a re-

galar-se com a milhareira (sementes

de uma pequena planta que parece

milho, daí o nome) que cresce aqui

de forma selvagem, “mas sempre dá

sombra às curgetes”.

Hoje foi dia de apanhar produtos

para que na manhã seguinte a banca

do Mercado Reforma Agrária esteja

bem repleta — em todo o mercado

só há dois produtores biológicos cer-

tifi cados.

Na Rua Mercado de Levante, por

trás da estação rodoviária, sente-se

a agitação bem cedo (abre às seis

da manhã). Para além dos legumes

e frutas, do mel e das azeitonas, há

patinhos bebés e codornizes dentro

de gaiolas.

Uma parte dos vendedores está

dentro do edifício, mas há também

uma zona exterior, só com uma co-

bertura de linóleo. É aqui que se en-

contra António Duarte, de 66 anos,

e as suas sacas de feijão fi dalgo e bo-

neco (ambos brancos), grão, feijão

catarino, frade e manteiga. As legu-

minosas crescem nos seus terrenos

na zona de Aljezur. Usa ainda as

cestas de palma e outras de esparto

— “são as mais resistentes mas já há

muito pouco quem faça. Cresce junto

à beira mar, até Vila do Bispo, onde

os animais não frequentam, porque

eles gostam de comer isto; a palma

não comem.”

Há muitos homens de boina como

ele, a comprar e a vender. Mas An-

tónio Duarte está cansado. “Estou a

pensar desistir. A idade vai chegando

e é preciso descansar.” Não é que o

ofício seja complicado: “Mete-se o

feijão à terra e passados três meses

está capaz de colher. Depois temos a

debulha, colhemos e pomos na eira,

mas ele seca na planta.” Em média,

produz dois mil quilos por ano de

feijão e três mil de grão. A conversa é

interrompida porque a senhora Fer-

nanda, uma cliente de há mais de 20

anos, quer levar o feijão bone-

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António Duarte produz cerca de dois mil quilos de feijão por ano, em Aljezur, mas prefere vender no mercado de Lagos

FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES

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12 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

co para a feijoada — “feijão boneco é

sempre aqui que compro”.

Na outra zona está José Júlio Gló-

ria, apicultor desde os sete anos (tem

62). “Ninguém me ensinou. Para se

ser apicultor, tem que nascer connos-

co, é como quem nasce para ser mú-

sico ou pintor. Se for com o intuito do

lucro, difi cilmente vai ser apicultor.”

Há duas regras para a profi ssão,

diz. “A primeira, é não ser alérgico

a picadas de abelha”; a segunda é

“não entrar em pânico quando se

está sozinho”. “Porque nunca se es-

tá sozinho; estamos com os pássaros,

com os ventos, com as árvores.” São

tantos anos no campo que reconhece

as árvores de olhos fechados, “pelo

som do vento a passar entre as fo-

lhas — não é igual num eucalipto ou

num pinheiro”. Não concebe a sua

vida noutro sítio. “Galo do campo

não quer capoeira.”

O mesmo apicultor não recolhe o

mesmo mel o ano todo. Em Janeiro

começa com o trevo azedo e a amen-

doeira; nas últimas semanas de Mar-

ço é o rosmaninho (a esteva também

está em fl or, mas não dá néctar, só

pólen, explica). Em Setembro há a

tágueda e em Outubro o eucalipto e

o medronheiro. “A abelha faz um raio

de três quilómetros; nessa área, se há

mais de 50% de uma fl or, é essa que

vai ser rotulada. Só o rosmaninho

dá quase 100%. Isto, aqui na nossa

zona”, ressalva.

Nem sempre a natureza é gene-

rosa. “O ano passado foi mau, este

vai ser pior — o pior dos últimos 100

anos. Não choveu em Abril e em Maio

fez vento levante, cheio de pó e sal.

Mas se chover um bocadinho em

Setembro é bom. Não digam mal da

chuva, a chuva é o sangue da terra.”

Aljezur “Só quero que me fales de cantigas e de vinho”

Percebe-se por que é que o senhor

António Duarte, que é de Aljezur,

vai vender para Lagos. Aqui o Mer-

cado Municipal é uma miniatura

(na verdade, faz-se todos os sába-

dos um mercado semelhante

ao Reforma Agrária onde es-

tão mais produtores). Peixe

à esquerda, vindo de Sagres,

de Lagos ou da Arrifana, fru-

tas, legumes e produtos re-

gionais à direita.

A banca de Peitra Deen ocu-

pa quase metade do mercado.

Trocou a Holanda por Portu-

gal, há quase 11 anos (tem 56)

e a venda de cosméticos pelas

hortaliças. “Porque não mu-

dar? Sempre o mesmo não é

agradável.” Ela e o marido,

Paulo, compraram um terreno

e, “com uma carrinha velha”,

começaram a vender batata-

Algarve

doce aos restaurantes. A produção

foi crescendo. Tem caixas da famosa

batata-doce de Aljezur (lira e roxa) e

uma variedade enorme de produtos

da região, que compra a outros agri-

cultores. “Gosto de vender os produ-

tos locais, de boa qualidade. É impor-

tante que o dinheiro fi que cá.”

Para além dos frescos, vende do-

ces Campos Santos (de Albufeira), ou

manteiga de amendoim Alcagoita.

É António Rosa quem a faz, só com

amendoim e fl or de sal. António Rosa

não tem nem um frasco para

amostra porque das três to-

neladas de amendoim nada

sobrou.

A sua quinta fi ca em

João Roupeiro, depois

de passar Maria Vinagre.

São cinco hectares

com amendoim,

batata-doce e

vinha. À di-

reita do seu

terreno está

um campo

de flores de

agro-indústria.

“Sinto-me um ma-

caco dentro de

uma jaula e de vez

em quando vão

lá uns turistas jo-

gar uma côdea de

pão.” Ou seja, os

pequenos agricul-

tores como ele são

“Em termos botânicos, a planta

do amendoim é mais parecida com

a orquídea, a fl or é igual”, amarela e

pequenina, mostra. Escava um pou-

co na terra para revelar também a

vagem: o amendoim, ainda amare-

lo pálido. “É só cultura de Verão, é

subtropical.”

Noutra parcela, colhe um pouco

de feijão carito, ainda verde — peque-

no e fi no, e bem estaladiço. Abre a

vagem e retira os pequenos feijões,

minúsculos e esbranquiçados. “Fi-

cam encarnados depois de cozer.

Era a comida do pobre porque dá-se

em qualquer terra e não tem grandes

cuidados.”

Mais adiante tem a vinha (um hec-

tare aqui, outro no Rogil). Tem Mos-

catel e Bastardinho, Boal-roxo. “Fa-

zemos tudo por enxertia. Primeiro

plantamos um bravo (porta-enxertos

ou cavalo), faz-se um garfo e pomos a

variedade que quisermos.” António

Rosa está apostado em desenvolver

as castas antigas — “um tributo a esta

gente boa das comunidades locais”

—, e quer também produzir um vinho

palhete, com mistura de uva branca

e tinta. “O que está sempre na moda

é fazer como se fazia! Já está tudo

inventado.” O rótulo do palhete terá

versos do rei e poeta árabe Al Muta-

mide (1039-1095):

“Eu só quero que me fales de can-

tigas e de vinho,

deixa lá e não te rales

Deus perdoa o descaminho...”

António Rosa mostra as vagens da planta de amendoim, enterradas na terra; Maria de Fátima Torres, da Quinta das Seis Marias, diz que é das poucas a produzir em biológico no Algarve Os velhos

desistiram. Abandonaram isto. Em dois anos perdeu-se a biodiversidade quase toda, porque se armaram em modernos e sustentáveis”, diz António Rosa

FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES

uma espécie em vias de extinção.

“O que eu faço é microeconomia

e hoje pensa-se tudo em grande.

Não pode ser. Os velhotes vão aca-

bando e deixam-se da agricultura

tradicional. Obrigarem os velhos

a uma formação sobre pesticidas

é muito bonito, mas deviam ir ter

com eles [em vez de exigir o curso].

O que acontece? Os velhos desisti-

ram. Abandonaram isto. Em dois

anos perdeu-se a biodiversidade

quase toda, porque se armaram em

modernos e sustentáveis. Mas esses

velhos têm melhor pegada do que

nós. Tinham o mundo rural vivo,

agora é a agro-indústria.”

Usa uma t-shirt cinzenta de um

concerto de David Byrne que tem

à frente uma lista de governantes

que estavam então no poder: Fran-

çois Mitterrand, Helmut Khol, Bo-

ris Ieltsin, Felipe Gonzalez, George

Bush, Saddam Hussein, Corazon

Aquino… Não é nova, portanto. A

política está no seu discurso tanto

quanto a agricultura, porque as du-

as coisas nem sempre se separam.

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UM CERTOLOUREIROSe o país fosse um romance queiroziano, o vinho verde seria uma família nortenha e a personagem mais típica, o Loureiro

CONTEÚDO PATROCINADO

ara contar a história do vinho verde, o romancista

precisaria de uma intriga, de um espaço e de um

tempo determinados, de produzir descrições várias

e, claro, de uma complexificação geradora de clímax,

antes do desfecho. Precisaria também de personagens.

Independentemente de o autor se chamar Camilo Castelo

Branco ou Eça de Queiroz, o vinho verde seria certamente

um ramalhete de castas ou um amor de degustação, sendo

que um certo Loureiro ocuparia o lugar de destaque entre

as dezenas de personagens que povoam a história do verde

vinho. Porque Loureiro é o nome da casta mais expressiva

da região dos Vinhos Verdes.

A história de uma região ultrapassa o terroir vitivinícola

de um país. E a região Demarcada dos Vinhos Verdes

acompanha o nascimento de Portugal: terra de fundadores

e principais protagonistas que deram uma capital ao Reino

(Guimarães), um nome ao País, soldados aos exércitos,

nobres à corte e gente à terra. Os rios que cruzam as

paisagens inspiraram Camilo Castelo Branco, a verdura dos

campos surpreendeu Virchow e as serras entusiasmaram

Eça de Queiroz. Este conjunto geográfico e climatérico é

a fonte de um néctar ímpar que conquistou o paladar de

especialistas e apreciadores em todo o mundo.

O Vinho Verde é um vinho de carácter vincado que

reflecte a personalidade das castas que lhe dão origem

e do autor que lhe dá forma. Tal como as personagens

queirozianas, são dezenas as castas da Região Demarcada

dos Vinhos Verdes. De entre todas, o Loureiro destaca-se

por ser a mais expressiva, qual reflexo da hipotética alma

da região: vivaz, exuberante, surpreendente, aromática

e sempre fresca. É uma casta trabalhada por centenas

de produtores, também eles autores, que lhe dão forma

e lhe traçam singularidades mediante cada vinho. Mas a

matéria-prima está lá: das uvas, o tom verde-amarelo, com

laivos acobreados, faz adivinhar o tesouro que se esconde

nos bagos. Apesar da a casta Loureiro ser extremamente

fértil e abundante por toda a Região dos Vinhos Verdes, só

muito recentemente começou a assumir o papel de casta

nobre em Portugal. No entanto, tem vindo a ser aclamada

internacionalmente com os especialistas a compararem-na

à Riesling, não se cansando de lhe atribuir louvores.

Do Loureiro diz quem sabe tratar-se de uma casta

extremamente aromática que encapsula o encanto da flor

de louro e das flores brancas e o atrevimento da acácia. Em

boca, a exuberância tropical do maracujá, a frescura tão

característica da Região dos Vinhos Verdes e a elegância

da flor de laranjeira dominam as papilas gustativas. Por

exemplo, o enólogo Manuel Soares descreve-a como «a

melhor casta da Região dos Vinhos Verdes. É uma casta com

personalidade, com intensidade e extremamente elegante.

Temos muitas castas autóctones intensas como a Moscatel

ou Fernão Pires, mas não tão elegantes como o Loureiro. É

uma casta que tem tudo o que um vinho branco deve ter:

refrescante, elegante, aromático e intenso sem ser pesado».

Se o Loureiro é a expressão da Região dos Vinhos Verdes,

a Aveleda é a assinatura do autor que lhe dá forma. A marca

Aveleda é fruto de um saber antigo, de ligação à terra, e

resultado de um sonho alimentado desde 1870, ao longo de

várias gerações no seio da família Guedes. Especialista em

vinhos brancos e empenhada em valorizar a casta Loureiro,

a Aveleda lançou recentemente um vinho que lhe dá toda

a atenção. Tal como nos outros vinhos brancos da marca,

há três aspectos que denunciam a arte da viticultura e

enologia da Aveleda: o equilíbrio entre o açúcar e a acidez,

conseguido através de uvas de alta qualidade e vindimadas

na altura certa; a pureza e autenticidade do aroma, sendo as

melhores características da casta preservadas e enaltecidas;

e o potencial de evolução em garrafa – um vinho Aveleda

tem de ser bom enquanto jovem, mas precisa também

de conservar as suas características (a fruta, a elegância

e a frescura) quando evolui em garrafa. São três hábitos

familiares que não se perdem, sobretudo quando inovam na

produção de novos vinhos.

O Aveleda Loureiro junta-se assim ao grupo, ainda

restrito, de vinhos que exploram esta casta na sua

integralidade, sublinhando-lhe a essência singular: a de uma

personagem expressiva que, aos poucos, vai conquistando

um lugar de destaque num romance chamado vinho verde.

ara c

prec

te

e,

RUI BANDEIRARUI BANDEIRA

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14 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

Protagonista

FOTOS: MÁRIO LOPES PEREIRA

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 15

María UleciaA espanhola mais portuguesa de Lisboa

a Quando teve que, literalmente,

destruir a casa anterior para

poder construir a nova, na

Graça, em Lisboa, María

Ulecia encomendou frangos na

churrascaria do bairro, chamou

os seus amigos e deu-lhes

material para se divertirem a

pintar paredes ou a derrubar as

de pladur.

Muitos perguntavam-lhe se não

tinha pena de ver desaparecer

a casa que a tinha prendido a

Lisboa, em 2006, quando aqui

chegou durante um ano sabático,

sem saber ainda que acabaria por

fi car. Ela respondia-lhes que não.

Tinha-se encerrado um

capítulo e na sua cabeça estava

já a nova casa que ia nascer — a

micasaenlisboa, como baptizou o

seu projecto, ia mudar. Mas, para

despedida, levou-os a um quarto

onde fi cara o escritor espanhol,

e seu amigo, Antonio Muñoz

Molina, e leu-lhes uma página do

livro Como la sombra que se va,

que ele escreveu durante uma das

estadias em Lisboa.

No livro, que cruza a história da

passagem por Lisboa do assassino

de Martin Luther King e a própria

história de Molina, fala-se desta

casa (Calçada do Monte,48)

que tem “algo de labirinto

concentrado, com as suas escadas

estreitas, os seus tectos baixos, os

seus corredores esquinados, a sua

fachada hermética que esconde

um interior de perspectivas

assombrosas, quartos e

corredores de penumbra que se

abrem sem aviso às amplitudes

do mundo”.

A casa nova, que inaugurou

no fi nal de 2016 depois quase

dois anos de obras profundas, é

muito diferente, embora guarde

a memória da anterior em cada

um dos quartos (que são nove,

um deles individual). Mas,

com o projecto de arquitectura

do atelier Ábaton, de Madrid,

o “interior de perspectivas

assombrosas” mantém-se, num

jogo entre o interior, que nos

convida a fi car, e o exterior que

entra, exuberante, pelas janelas.

Subimos as escadas atrás

Resposta rápidaO que é que a Graça tem de único?As pessoas que aqui vivem. É o espírito das pessoas — a senhora Odete, o Luís do [restaurante] O Pitéu da Graça, a dona Adelaide da mercearia — que faz com que continue a ser um bairro.

Hoje sente-se mais espanhola ou mais portuguesa?O Luís do Pitéu diz que eu sou a espanhola mais portuguesa de Lisboa. Quando me perguntam de onde sou, digo que sou espanhola de Lisboa. Não é tanto portuguesa, é de Lisboa.

Precisamos de mais turistas ou de menos turistas?De turistas de qualidade, de pessoas que tenham interesse em descobrir a cidade e não que venham para marcar no mapa que estiveram cá.

?

de María, com Oliva, a cadela

brincalhona, a saltar à nossa

volta. Em cada quarto paramos

a ouvir as histórias, a prestar

atenção aos detalhes. Encostada

a uma parede, pronta para ser

pendurada, está uma imagem

oferecida pelo fotógrafo Juan

Baraja; na sala, uma fotografi a

tirada pelo artista Alberto García-

Alix de María com Lola, a cadela

com a qual chegou a Lisboa e

que já morreu; num dos quartos

do sótão, a parede de betão é

suavizada por delicadas fl ores

feitas a giz (e levemente apagadas)

por outra artista sua amiga, a

suíça Frédérique Bangerter.

As mobílias e os objectos

são diferentes e María conta

como cada um chegou aqui —

a pintura com um retrato de

mulher veio da Feira da Ladra,

tal como os lençóis bordados

transformados em cortinas,

as duas cadeiras com ripas de

madeira pertenceram ao antigo

Café Império, a fotografi a de

Camilla Watson, fotógrafa que

vive na Mouraria, foi encontrada

por María no lixo (e Camilla

confi rmou que não a queria de

volta). Em cima das mesas, há

cadernos da papelaria Emílio

Braga, onde os hóspedes deixam

histórias, desenhos e dicas para

os que vierem depois.

Nas banheiras, os azulejos são

trabalhos em cerâmica feitos por

María, tal como os lavatórios. E,

se prestarmos atenção, num deles

encontramos gravados em azul,

no fundo, os versos de Sophia

de Mello Breyner Andresen:

“Quando eu morrer voltarei para

buscar/ os instantes que não vivi

junto do mar”.

Também a fachada exterior

lateral da casa, junto à escada

que dá para o Jardim da Cerca

da Graça, está decorada com

azulejos nos quais Maria gravou

plantas da zona, como um

herbário em cerâmica.

A sala, com a varanda onde

se podem tomar os pequenos-

almoços, e seis dos quartos dão

para este jardim e para uma vista

sobre a cidade que lembra à mãe

de María um presépio. Vêem-

se, mais próximos, a Igreja e o

convento da Graça, ao fundo

o Castelo de São Jorge, e, mais

longe ainda, do lado direito, a

ponte sobre o Tejo e o Cristo-Rei.

Esta casa é, acima de tudo, um

espaço de encontros. O primeiro

foi entre ela e María. “Digo

sempre que a casa encontrou-

me a mim. Estou em Lisboa por

causa dela.” Cansada de viver

em Espanha — onde trabalhara

no hotel Convento de La Parra

—, procurava “um estilo de vida

diferente, mais calmo, mais

humano, mais próximo”.

Quando encontrou este espaço

e percebeu que no Largo da

Graça (ainda) era possível ter

essa vida, decidiu fi car. Hoje,

confessa-se preocupada com o

que o excesso de turismo está a

fazer a Lisboa, mas preserva aqui

um lugar especial.

No dia em que a visitamos

está a preparar-se para receber

o primeiro dos jantares que vai

passar a organizar com chefs

seus amigos (ela cozinha todas as

segundas-feiras para os hóspedes

da casa). Escolheu os seus três

cozinheiros preferidos, que têm

restaurantes num triângulo em

torno da sua casa: Hugo Brito, do

Boi Cavalo, David Eyguesier, d’Os

Gazeteiros, ambos em Alfama,

e Tiago Feio, do Leopold, junto

ao Castelo de São Jorge. Estes

jantares, para um máximo de

20 pessoas, são abertos a quem

não é hóspede e deverão passar a

acontecer regularmente.

Outro projecto em que María já

está a pensar — “vêm-me à cabeça

milhares de ideias”, diz — é o de,

na época baixa, disponibilizar

o quarto individual para

residências artísticas. Depois,

quem sabe, pode convidar o

artista a fi car para um jantar e a

partilhar o seu projecto.

“Para mim é uma forma muito

bonita de se descobrir coisas que

as pessoas estão a fazer. Vivemos

numa época muito visual, em que

se vê o resultado do trabalho mas

falta sentir que se partilha, com

tempo.” Essa partilha agrada-lhe,

porque “dá-se algo mas também

se recebe, como um abraço”. É

isso, no fundo, que a sua casa faz:

recebe-nos num abraço, como

quem reencontra um velho amigo

de quem já se tinha saudades.

Alexandra Prado Coelho

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Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.

16 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

O Palace Hotel, cenário de livros de Jorge Amado, local de visita obrigatória para a alta sociedade de Salvador da Bahia na década de 1950, cujos quartos receberam Pablo Neruda, Orson Welles, Carmen Miranda e tantas outras fi guras históricas, esteve fechado e em risco. Agora está de volta em grande estilo. Alexandra Prado Coelho

O hotel “mais chique” de Salvador renasceu das cinzasa “No salão do Palace iam os dois

a dançar, num tango de doçura e

de volúpia, tão de jovens inocen-

tes namorados e tão de lúbricos

amantes.” No salão do Palace, Dona

Flor dançou o tango com Vadinho

na noite do seu aniversário. Mas

“uma coisa dançar em festinha de

aniversário, muito outra sair pelo

salão do Palace nos apuros de um

tango arrabalero, e logo aquele! […].

Saberia ainda dançá-lo tanto tempo

depois, e, ao demais, nessa noite

quase mágica quando vem ao Pa-

lace pela primeira vez?”.

O Palace Hotel era, nas primei-

ras décadas do século XX, um dos

locais mais chiques da cidade de

Salvador da Bahia, Brasil. Por isso,

Dona Flor, que Jorge Amado imor-

talizou em Dona Flor e seus Dois Ma-ridos, sonhava com aquela noite no

Palace.

“O hotel, aberto em 1924, foi cons-

truído pelo comendador Martins

Catharino, o homem mais rico da

cidade, um Rockefeller da época”,

conta António Mazzafera. “A cidade

de Salvador chamava-se então Bahia

e ele construiu-o para os coronéis

do cacau que moravam em Ilhéus

e Itabuna e vinham com frequência

para cá. Foi o hotel mais luxuoso

da cidade e é considerado uma das

jóias Art Deco da Bahia.”

Estamos a almoçar no restaurante

do recém-aberto Fera Palace Hotel

de Salvador e António Mazzafera é

um dos homens por trás do renasci-

mento deste ícone da cidade, fecha-

do durante mais de dez anos e ame-

açado de ruína, que reabriu portas

em Fevereiro deste ano. Hoje, o Pa-

lace recuperou a sua velha glória e

ergue-se majestoso e elegante aos

olhos de quem sobe a Rua Chile — a

mais antiga da cidade (1549) e a pri-

meira construída pelos portugueses

no Brasil (por ordem de Tomé de

Sousa, o primeiro governador-geral

do Brasil, que encomendou o plano

da cidade ao arquitecto Luís Dias),

que anteriormente foi chamada Rua

Direita do Palácio e Rua Direita do

Mercador.

O comendador Martins Cathari-

no tinha ido a Nova Iorque e en-

cantara-se com o Flatiron Building

da 5ª Avenida. E assim a Bahia viu

nascer o edifício, também ele trian-

gular, avançando como a proa de

um navio pela Rua Chile. “Nos anos

1930, 40, 50, a Rua Chile estava no

seu auge”, continua António Ma-

zzafera. “Todo o mundo vinha para

cá, era onde as pessoas da cidade

passeavam.” Carmen Miranda, Pa-

blo Neruda, Orson Welles, todos

fi cavam instalados no Palace. Que

era, claro, poiso obrigatório dos

paparazzi, empenhados em não

perder a foto da próxima estrela a

cruzar a porta do hotel.

No blogue Mais de Salvador, a

museóloga Ana Maria Carvalho de

Azevedo faz um delicioso relato do

que era a vida de sociedade na Rua

Chile, “das lojas mais elegantes,

frequentadas pela boa sociedade

e onde se encontravam os mais fi -

nos artigos e também, é claro, os

últimos lançamentos da moda”.

Recorda ela que “para se ir à Rua

Chile era preciso uma preparação

em grande estilo”, com “vestidos de

passeio, sapatos de salto e meias de

seda, com a costura bem certinha”,

Brasil

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 17

e as garotas a copiar os modelos dos

vestidos “dos fi lmes americanos e

do fi gurino ‘Lana Lobell’”.

Havia a Casa Sloper, “um sonho

de coisas lindas” e uma secção de

beleza “onde uma especialista, ro-

deada de frascos contendo vários

tons de pó-de-arroz, misturava-os,

de acordo com a tonalidade da pe-

le da cliente, uma coisa fi níssima

e muito chic!”; havia a Loja Duas

Américas, “um verdadeiro maga-

zine” que “na década de 50 era o

lugar mais fi no e bem frequentado

da cidade”, tendo sido “a primeira a

instalar escada rolante”, o que equi-

parava Salvador “ao Rio de Janeiro

e São Paulo”.

E havia, claro, o Palace, com o

seu casino no primeiro andar. Um

cartaz reproduzido no blogue anun-

cia “os shows do Palace Hotel” que

“constituem o encanto da Bahia

chic”. Ana Maria Azevedo recorda

que no piso térreo “encontrava-se

a loja Adamastor”, na década de

50 “uma das melhores em artigos

masculinos” com “o que havia de

mais moderno para os rapazes”.

Essa loja situava-se precisamente

no local do restaurante Adamastor,

onde estamos a almoçar. “Aqui ha-

via oito lojas, que não existiam no

hotel original”, explica António.

“A loja Adamastor tinha o nome do

proprietário, que era o pai do cine-

asta Glauber Rocha.”

Não é só para turistas

Numa viagem a Salvador, António,

nascido em Minas Gerais e que tra-

balhou em Londres no Grupo Ho-

téis Maybourne (antigo Grupo Sa-

voy), encantou-se com o edifício.

“Achei que tinha muito potencial.”

Depois de, com o sócio, o empre-

sário Marcelo Lima, o adquirir, há

cinco anos, começou a procurar

informação sobre a sua história e

a estudar a melhor forma de o re-

construir.

Por haver pouca experiência na

recuperação de edifícios históricos

no Brasil, optaram por chamar o ar-

quitecto dinamarquês Adam Kur-

dahl para “resgatar todas as carac-

terísticas Art Deco mas, ao mesmo

tempo, criar um ambiente jovem e

descontraído”. Quando começaram

não imaginavam o trabalho que ti-

nham pela frente.

Para perceber o estado a que

tinha chegado o Palace, é preciso

entender que a partir da década

de 90, com a transferência da sede

administrativa do Governo do Esta-

do para o Norte da cidade, todo o

centro histórico de Salvador entrou

em declínio. “Quando começámos

a reforma, em 2014, tivemos uma

surpresa muito desagradável, não

sabíamos que o Palace estava num

estado de degradação tão grande”,

conta António. “As fundações esta-

vam todas comprometidas.”

A obra foi imensa para um hotel

com uma área de 6100 metros qua-

drados distribuídos por dez anda-

res — actualmente são, no total, 81

quartos, dez dos quais suítes. “Cri-

ámos um reservatório de água de

150 mil litros para que o hotel

Fechado durante dez anos, e ameaçado de ruína, o Palace reabriu em Fevereiro deste ano em todo o seu esplendor chique

Fera Palace HotelRua Chile, 20Salvador da BahiaTel.: +55 (71) 3266-0487Email: [email protected]ço: a partir de 245 reais (cerca de 70 euros)

i

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OCEANOATLÂNTICO

525km

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Salvador

1836

2897

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FOTOS: DR

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18 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

possa funcionar todos os dias sem

parar. Reforçámos 750 pilares para

podermos fazer uma piscina na co-

bertura. Recuperámos a torre [que

encima a esquina do edifício], que

estava caindo.”

As 434 janelas de madeira do

Palace foram todas recuperadas,

assim como o soalho, os mármo-

res originais e mais de 200 adornos

Art Deco. O mobiliário nos quartos

e corredores cruza o clássico/co-

lonial/anos 20 com grandes foto-

grafi as a cores do fotógrafo Akira

Cravo que trazem a festa da Bahia

para o interior.

A piscina na cobertura, com uma

vista magnífi ca sobre a cidade — es-

tamos a menos de cinco minutos a

pé do histórico Elevador Lacerda e

a dez minutos do Pelourinho — é o

lugar para assistir ao pôr do sol, até

porque, lembra António, “o Palace

está voltado para a Bahia de Todos

os Santos, que está virada para a

terra e não para o oceano, por isso

estamos virados para o pôr do sol

enquanto o resto do Brasil está vira-

do para o nascer do sol”. Este é um

espaço usado para festas à noite e,

tal como o restaurante, está aberto

a toda a população da cidade.

Embora mantendo a sofi sticação,

o novo Palace quer ter um ambiente

descontraído e, sobretudo, quer ser

um espaço não apenas para turistas,

convidando os habitantes de Salva-

dor a voltar a frequentar o centro da

Brasil

Não existia no hotel original mas existe no novo Palace: a piscina de borda infinita e azulejos de inspiração portuguesa, localizada no topo, junto à emblemática torre que encima o edifício. Com vista para a Baía de Todos os Santos, o Forte São Marcelo e a ilha de Itaparica, é o local perfeito para ver o pôr do sol

+cidade e a almoçar ou a jantar no res-

taurante. Aliás, o objectivo dos novos

proprietários, seguindo aquela que

é a fi losofi a do grupo Fera Hotéis,

é não fi car por aqui e, aproveitan-

do o novo dinamismo que o Palace

traz à zona, apostar na recuperação

de outros edifícios da Rua Chile.

“Estamos analisando edifícios

para termos oferta residencial e de

escritórios”, conta António. “Há um

palacete deslumbrante que adquiri-

mos e onde estamos a pensar fazer

algo inspirado pelo Mercado Time

Out, em Lisboa.” A rua ainda está de-

teriorada, mas o Governo do Estado

prepara-se para refazer os passeios.

E, dentro de um ano e meio, o Fa-

sano, a famosa cadeia de hotéis, vai

instalar-se mesmo ao lado do Palace,

noutro edifício histórico que está já a

sofrer obras de recuperação.

E assim, espera António, a pouco

e pouco, a Rua Chile voltará ao seu

antigo esplendor. Já quase ouvimos

ao longe no ar o tango que chama

Dona Flor e Vadinho para a pista de

dança. Dessa “noite de quimera”,

escreve Jorge Amado, Dona Flor

guardou na memória cada detalhe,

“desde a entrada no salão de dança

até ao derradeiro minuto de prazer

infi nito de desbragada impudicícia

no leito de ferro, com ele a lhe co-

brar, na raiz do seu corpo, o presen-

te de aniversário: a ida ao Palace.”

A Fugas viajou a convite do grupo Fera Hotéis

Nádia Taquary

“Quem não tem balangandãs não vai no Bonfi m”

a No hall de entrada do Fera Palace

Hotel, em Salvador da Bahia, estão

duas peças da artista baiana Nádia

Taquary. E trazem com elas essa

mistura de português-negro-índio

que faz muita da história da Bahia.

Quando era pequena, sempre que

fazia anos, Nádia recebia do pai uma

pequena jóia representativa da joa-

lharia afro-brasileira que, sem ela o

saber, iria tornar-se a principal fonte

de inspiração do seu trabalho — nas

peças que hoje faz, esses objectos

de pequenas dimensões crescem e

conquistam uma presença feita do

orgulho de uma história de mesti-

çagem.

Chegamos ao seu atelier em Sal-

vador e a primeira coisa que nos

chama a atenção é uma série de

fotografi as antigas, enchendo uma

parede, de negros com penteados

esculturais e rostos tristes, fechados.

Nádia descobriu o álbum de fotos

num alfarrabista de Lisboa e viu lo-

go como ele tinha tudo a ver com

a sua vontade de aprofundar a cul-

tura africana do adorno e o uso do

corpo como forma de comunicação

(uma série de peças que fez inspi-

ram-se precisamente nestes com-

plexos adornos de cabelo africanos).

“A joalharia afro-brasileira nasce

aqui na Bahia com a técnica por-

tuguesa, referências portuguesas

mas uma estética africana”, por-

que quem a fazia eram os escravos

vindos de África. “A senhora usava

o brinco, o camafeu, o anel, o pen-

te, uma joalharia que não era tão

opulenta”, conta Nádia. Mas quan-

do a ourivesaria sai desse domínio e

passa a ser usada pela crioula, “ela

nasce com todos os símbolos e a es-

tética africana”.

Um dos objectos que fascina Ná-

dia, e que inspira muitas das suas pe-

ças, é o balangandã, um conjunto de

amuletos e talismãs que as escravas

libertadas traziam presos num arco à

cintura — o nome vem do som que fa-

ziam ao andar, chocalhando uns con-

tra os outros. “Essas peças nascem

como uma forma de pecúlio. Como

é que essas mulheres podem guar-

dar o dinheiro que ganham se não o

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 19

podem pôr no banco? Vão botá-lo no

próprio corpo.” Sempre que reúnem

algum dinheiro, arranjam uma fi ga

da sorte em madeira e encastram-

na com prata. Carregam literalmen-

te no corpo o preço da liberdade.

“Vão afi rmando esse conjunto,

que tem uma simbologia muito pro-

funda, nenhum balangandã é igual

a outro, são peças muito subjecti-

vas. E quando têm peso sufi ciente,

entregam o balangandã ao senhor

para comprar a alforria de algum pa-

rente”, descreve Nádia. Estas peças

tipicamente baianas passam então

para a posse dos senhores que as

usam para exibir a sua riqueza.

No entanto, não é a “sinhá” que

as vai usar, mas sim as suas damas

de companhia. “A sinhá ia à Igreja

do Bonfi m aos domingos à tarde

para uma célebre missa que havia

em Salvador. Tem até uma música

do Dorival Caymmi [O que é que a baiana tem?] que fala assim: ‘Só vai

no Bonfi m quem tem/ um rosário

de ouro, uma bolota assim/Quem

não tem balangandãs não vai no

Bonfi m.” Quanto mais as damas de

companhia crioulas fossem carrega-

das de jóias, mais rico era o senhor.

“Como tudo era dele, incluindo a

enormes, “agigantam-se”, tornam-

se “barrocos e africanos”, porque

precisam de se mostrar. “São”, diz

a artista, “peças que nasceram de

uma superação, de um empodera-

mento, de uma forma de sobrevi-

vência e, ao mesmo tempo, com

uma história que traz uma carga

muito grande de liberdade.” A his-

tória dos escravos que fi zeram a

Bahia. “Aproprio-me dela porque

ela é também a minha história”. Alexandra Prado Coelho

O trabalho da artista Nádia Taquary inspira-se na joalharia afro-brasileira, mostrando, através de peças como os balangandãs, como as baianas transportavam no corpo o preço da liberdade.

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ESTÚ

DIO

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O L

OU

CO

escrava, ele podia enchê-la de ou-

ro”, sublinha Nádia. “Ela era como

uma jóia andante.”

E ostentar riqueza era muito im-

portante numa sociedade como a

baiana. Conta Maria Novaes Pin-

to, que nos guia por uma visita ao

centro histórico de Salvador, que a

Igreja de São Francisco é toda de-

corada a ouro porque quando foi

pedida autorização a Lisboa para a

construção, Portugal respondeu que

daria se ela representasse a riqueza

da colónia — baseada na exploração

da cana-de-açúcar e de tabaco. Daí a

ostentação da igreja, que apenas se

encontra despida de ouro na parte

de trás, junto à porta, o local on-

de fi cavam os escravos que vinham

acompanhando os senhores. “Quan-

to mais escravos acompanhassem a

família, mais importante era ela”,

explica Maria Novaes.

Nos balangandãs recriados por

Nádia Taquary, os elos e os talis-

mãs que eles unem passam a ser

40 ANOS 1978-2017

22 JULHO A 6 AGOSTO

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20 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

Em Alvor, o maior passadiço do Algarve parece dividir para unir. De um lado, o estuário da ria. Do outro, o cordão dunar. De um lado, o longo areal. Do outro, os resorts. De um lado, a natureza. Do outro, os veraneantes. Mundos diferentes em comunhão. Mara Gonçalves (texto) e Mário Lopes Pereira ( fotos)

Entre dunas e ria, esvoaça um mundo de pássaros

a Não há como nos enganarmos.

Calças e calções beges, meias a des-

pontar dos sapatos de caminhada,

binóculos ao pescoço e, no ombro,

um monóculo com tripé. Marcial

Felgueiras e Guillaume Réthoré des-

toam dos desportistas e veraneantes

madrugadores com quem nos cru-

zamos a esta hora no passadiço de

Alvor, junto a Portimão. Passa pouco

das 8h de uma manhã em fi nal de

Julho, começa a fervilhar o pico da

época balnear algarvia.

O passadiço em madeira de Alvor

ganhou o epíteto de maior da região

no ano passado, ao chegar à linha de

meta que as falésias recortadas da

praia dos Três Irmãos impõem à lín-

gua de areia que se desenrola, bran-

da, desde o molhe nascente da ria.

Há seis anos, no entanto, que A Ro-

cha Life — ramo turístico da organiza-

ção ambiental que nasceu em Alvor

há 34 anos e que entretanto se espa-

lhou pelo mundo — realiza aqui um

dos seus passeios para observação

de aves (quatro horas, 3km, 40€).

São dessa altura os primeiros tro-

ços de madeira que serpenteiam en-

tre as dunas e o sapal, integrados no

percurso “Ao sabor da maré”, já em

plena área classifi cada da Rede Na-

tura 2000. A associação colaborou

na homologação do trilho pedestre,

mas desta vez não o percorreremos

na totalidade. Saltitamos, antes, en-

tre o “estradão” de terra batida e

parte dos passadiços que unem as

margens salobra e salgada, no encal-

ço das aves que habitam a ria e aque-

las que vêm nidifi car nesta altura do

ano. Como é o caso dos borrelhos-

de-coleira-interrompida. “Estão cá

e já devem ter crias. Vamos ver se

os encontramos”, desafi a Marcial

Felgueiras, director de operações

da empresa.

Nos últimos anos, a equipa tem

Série Caminhos de Verão

monitorizado a população nidifi can-

te de borrelhos nas dunas de Alvor,

em declínio a nível mundial. Che-

garam a contabilizar-se 30 casais.

“Agora nem perto.” Este ano, no en-

tanto, o projecto está suspenso por

falta de verbas e não sabem ao certo

quantas aves escondem crias entre

os tufos de gramíneas. Os pequenos

limícolas de bico negro constroem

os ninhos sobre a areia “na extremi-

dade das dunas”, lá à boca da ria,

longe dos apoios de praia e dos es-

tacionamentos, onde existem níveis

mais baixos de perturbação huma-

na. É para lá que segue o passeio, de

olhos entre o céu e a vegetação.

Pouco caminhamos até à primeira

paragem. Um bando de pintassilgos

e alguns pintarroxos (distinguem-se

pelas manchas avermelhadas no pei-

to e na testa) estão empoleirados em

fi os dourados de estorno, a planta

mais abundante nas dunas de Alvor.

Guillaume ajusta o monóculo e, por

momentos, temos a ilusão de quase

tocarmos no rasgo amarelo das asas,

na cauda negra pintalgada de bran-

co. “Gostam muito de estar por aqui

porque se alimentam das sementes

das gramíneas”, descreve Marcial.

Guillaume é o guia, mas é o director

quem vai tomando a palavra. A Gui,

para facilitar, interessam sobretudo

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 21

O passadiço tem quase seis quilómetros, entre Alvor e a praia dos Três Irmãos. É o maior da região algarvia

as conversas que se desenham no

céu e dele mal tira os binóculos, com

a paciência infi nita de quem sabe

que esta não é a melhor altura para

a observação de aves. “Tal como os

humanos, preferem resguardar-se

nas sombras quando está muito ca-

lor”, retoma Marcial. Há seis anos

que o biólogo francês se mudou para

o Algarve, depois de ter trabalhado

pela primeira vez n’A Rocha, em

2007, ao abrigo do Serviço Volun-

tário Europeu. “De Outubro a Março

é bonito e, no Inverno, muito espe-

cial”, resume num sorriso tímido.

Dos esquivos borrelhos nem sinal,

mas o passeio vai sendo brindado

por outros voos. Cotovias-de-poupa,

fuinhas dos juncos, andorinhas-dos-

beirais, andorinhas-das-chaminés e

andorinhas-daurica — muito pare-

cidas com as segundas, mas com a

cauda preta. “Parece que têm umas

calças vestidas”, descreve Marcial.

da fi leira de estabelecimentos que

se sucede em catadupa quase até

à Prainha. A partir daqui a estra-

da suspensa de madeira deixa de

contemplar a natureza para servir

um único propósito: unir, quase

em linha recta, os parques de esta-

cionamento, os apoios de praia, os

acessos ao areal, os blocos de apar-

tamentos e as unidades hoteleiras

do grupo Pestana. Cinco bordejam

o passadiço — e o grupo madeiren-

se fi nanciou parte da estrutura. No

total, são quase seis quilómetros,

da ria até à praia dos Três Irmãos.

O sol sobe implacável ao meio-dia,

é um corrupio de sotaques, chine-

los, sacos, toalhas, chapéus-de-sol

e geleiras. Há quem esteja a chegar

e quem parta para o almoço. Um

miúdo interrompe a parafernália

dos pais para esticar a mão para lá

do corrimão do passadiço. “Adeus,

praia”, grita entre acenos.

Pousa um cartaxo na vegetação

seca, ouve-se um maçarico. Lá ao

fundo, de patas enterradas nos sa-

pais, vêem-se ostraceiros e gaivotas.

“Não estou a apontar muito para

elas porque são comuns mas avis-

tam-se cinco espécies nesta altura

do ano”, indica Guillaume. A saber:

gaivota-de-patas-amarelas, gaivota-

de-cabeça-escura, gaivota-de-asa-

escura, gaivotão-real e guincho.

“Adeus, praia”

Esta zona da ria, encaixada entre os

ribeiros e o mar, não é o melhor sí-

tio do Algarve para a observação de

aves, confessam. Mas integra “dois

habitats muito próximos e bastan-

te diferentes”: o dunar e o estuari-

no. Numa caminhada curta e fácil

é possível avistar várias espécies e

compreender os diferentes ecossis-

temas, programa ideal para famílias

e para promover programas de edu-

cação ambiental e de conscienciali-

zação da população. É essa a grande

vantagem dos passadiços, defende

Marcial: “Usufruir da paisagem sem

destruir o ecossistema.” E acaba por

“encorajar a actividade física e o

contacto com a natureza”.

Numa encosta arenosa colada ao

caminho de terra batida, juras de

amor são eternizadas em palavras

desenhadas a seixos sobre a areia.

Uma garça-real e uma garça-branca

alimentam-se na margem, junto aos

veleiros que se aninham aos pés da

vila de Alvor. O melhor estaria guar-

dado para o fi m: um casal de colori-

dos abelharucos escavou um ninho

num dos bancos de areia de uma

pequena lagoa e um juvenil espera

por comida junto à entrada da toca.

“Chegam nos últimos dias de Março

e vão-se embora nos primeiro dias

de Setembro”, precisa Guillaume.

O passeio termina junto ao res-

taurante Restinga, com quem têm

uma parceria desde o ano passado

(passeio de uma hora e bebida, sa-

lada ou refeição por preços que vão

dos 25€ aos 50€). Foi Filipe Esteves,

o proprietário, quem tomou a ini-

ciativa. “A minha família tem o res-

taurante há 40 anos, eu venho para

aqui desde os quatro. Gostava que

um dia os meus netos vissem esta

beleza única como eu a conheci.”

No entanto, apesar de reconhecer

que o passadiço “fazia falta pelo

pressuposto de conservação da na-

tureza”, a nova estrutura de madei-

ra veio tirar-lhe o estacionamento à

porta e isso “mudou os paradigmas

do negócio”. Às vezes, tem de ir bus-

car ou levar clientes a casa porque

nem os taxistas ali querem ir. Não

há iluminação mas o pó chega para

cobrir os carros.

O Restinga é o último restaurante

Page 22: Algarve Ir ao mercado e trazer o mar e a serra no sacoEdição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima e José Soares Infografia

Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.

22 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

A mais recente novidade da oferta hoteleira bracarense tem uma vista privilegiada sobre um dos monumentos mais antigos do país e está no coração da crescente movida na cidade. Samuel Silva (texto) e Adriano Miranda ( fotos)

Uma guest house mais nova que a Sé de Braga

a Abre-se a janela do quarto e a va-

randa não é muito larga. Não cabe

ali uma mesa ou uma cadeira, mas,

para um corpo, é espaço sufi ciente.

Pode fi car-se ali de pé, confortavel-

mente, durante uns minutos. Incli-

namo-nos para a esquerda: é desse

lado que, a escassos metros, se er-

gue a Sé de Braga. Ícone maior da

cidade e um dos monumentos mais

antigos do país, tem deste local uma

vista privilegiada. Apetece, por isso,

olhar demoradamente e perceber os

vários estilos arquitectónicos que se

conjugam naquele templo.

Volta-se para dentro e ouve-se

uma voz simpática. “Esta é vossa ca-

sa por uma noite”, diz Susana Cunha

que, juntamente com o marido, gere

a Sé Guest House — que, pela vista

singular e proximidade em relação

à catedral da cidade, lhe tomou o

nome. Sem nunca perder o sorri-

so, Susana sublinha: “É assim que

gostámos de ver este espaço, como

uma casa.”

Essa preocupação percebe-se na

decoração, que é sóbria e confortá-

vel, com cores quentes e detalhes

aconchegantes, recorda mais um

espaço doméstico do que uma uni-

dade hoteleira. Há por ali recantos

com poltronas e mantas e vários lo-

cais onde apetece parar a ler. A sa-

la de estar — que também serve de

sala de pequeno-almoço — tem um

grande sofá em frente à televisão e,

na cozinha, a meia-dúzia de passos,

há sempre bolo, chá e café de que

os hóspedes se podem servir. A es-

tadia inclui ainda acesso à máquina

de lavar roupa e aos detergentes e,

no frigorífi co e despensa, há sem-

pre ingredientes básicos para poder

preparar-se uma refeição. Como em

casa, pois.

A pequena dimensão desta guest house bracarense, que abriu no início

deste ano, também ajuda a que nos

sintamos ali como em casa. O edifí-

cio tem três pisos e apenas quatro

quartos, todos tratados pelo nome

— que é sempre o de um monumento

da cidade. Ou seja, no máximo esta-

rão ali oito pessoas numa noite. Não

haverá confusões. O próprio edifí-

cio era uma casa unifamiliar e tinha

sido remodelado para habitação. A

adaptação a guest house não mexeu

praticamente na estrutura e o traba-

lho de Susana Cunha foi apenas o de

pensar na sua decoração.

“Os hotéis têm todas as comodida-

des, mas muito formais. Isso acaba

Sé Guest House

por criar um desconforto. Já a in-

formalidade ajuda-nos a criar laços,

mesmo que estejamos fora de casa”,

explica a gerente da Sé Guest House.

Minutos antes, tinha-nos recebido

na porta do edifício, como faz com

todos os hóspedes: “É importante

estabelecer este contacto.”

A Sé Guest House não é a primei-

ra aventura no mundo da hotelaria

de Susana Cunha e João Fernandes.

Há cinco anos, foram responsáveis

pela abertura do hostel do Gerês, a

primeira unidade deste género na

área do Parque Nacional da Pene-

da-Gerês. Em 2016, expandiram o

negócio abrindo o Home Gerês Hos-

tel, a poucos metros da primeira uni-

dade, também na vila de Caldas do

Gerês.

A sua história é comum a tantas

outras no crescente universo do alo-

jamento turístico em Portugal. Em

época de crise, a vida profi ssional de

Tirar os sapatos, fazer um chá e sentarmo-nos, de forma meio desengonçada, no sofá. Na Sé Guesthouse isso faz--se com o à-vontade de quem está em casa

A vista privilegiada para a Sé implica que a guest house tenha varanda sobre algumas das esplanadas mais movimentadas do centro histórico e paredes partilhadas com o principal bar de música ao vivo. Quem procurar uma estadia tranquila, isto será um problema

+

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 23

João, que é economista, e Susana,

responsável gráfi ca de uma estam-

paria têxtil, não estava a correr bem.

Começaram a estudar possibilidades

de abrirem um negócio próprio e o

turismo, por ser uma das áreas me-

nos afectadas pela crise económica,

pareceu-lhes o melhor caminho.

Logo em 2012, a abertura de um

negócio em Braga, cidade onde vi-

vem, chegou a ser equacionada.

“Mas Braga nessa altura não era aqui-

lo que é actualmente. Estas zonas

do centro histórico estavam pratica-

mente fechadas e não havia a procu-

ra turística a que hoje assistimos na

cidade”, justifi ca Susana. O Gerês,

de onde é natural, parecia na altura

uma solução com “mais potencial”.

Contudo, a maior cidade da re-

gião nunca saiu verdadeiramente

dos seus planos. No ano passado,

surgiu a oportunidade de arrendar o

prédio onde está a Sé Gest House. A

“mudança” que Susana e João obser-

varam em Braga, com um número

crescente de hostels e guest houses,

restaurantes e lojas inovadoras, e um

centro histórico cada vez mais pro-

curado por visitantes, convenceu-os

a experimentar o mercado turístico

da cidade.

O edifício fi ca na Rua Dom Paio

Mendes que, apesar do nome, não é

bem uma rua: é a praça defronte da

Sé de Braga e, por estes dias, o prin-

cipal centro da movida bracarense.

A Sé Guest House fi ca paredes-meias

com o Sé lá Vie, o bar de concertos

mais movimentado da cidade, e bem

perto de meia dúzia de esplanadas e

uma cada vez maior e mais diversa

oferta de restauração. Na Primavera

e Verão são espaços sempre muito

procurados, quer pelos locais, quer

pelos visitantes.

“A rua agora está na moda, mas

não foi por isso que viemos para

aqui”, defende Susana Cunha. O

importante no momento da esco-

lha era uma localização tão próxima

quanto possível do centro histórico

da cidade que, por ser relativamente

pequeno, pode percorrer-se a pé fa-

cilmente e com total independência.

E isso é importante para o segmento

em que a Sé Guest House quer posi-

cionar-se: estadias de fi m-de-semana

de casais maioritariamente jovens.

Ainda assim, desde a abertura da

unidade, 40% dos clientes estão na

cidade em viagens de trabalho.

A proximidade ao centro de Braga

é um dos aspectos mais valorizados

por quem procura esta guest house.

Mas também pode ser um problema.

Confuso? É fácil de explicar: a movi-

da bracarense está em crescimento

Sé Guesthouse BragaRua Dom Paio Mendes, 43, BragaTel.: 253 614 080/ 963 736 590www.seguesthouse.comPreço: O preço-base de uma noite na Sé Guest House são 60€ na época alta e 39€ na época baixa. Os preços dos quartos podem, no entanto, sofrer variações consoante a época do ano e a procura verificada. O quarto com a melhor vista para a Sé de Braga é sempre mais caro 10 euros do que os restantes.

i

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e proporciona noites de diversão

nocturna que, ao fi m-de-semana,

se prolongam até às 2h.

As queixas foram, contudo, pou-

cas, até ao momento. “Normalmen-

te, quando as pessoas vêm ao fi m-

de-semana, vêm para se divertir e

acabam por não dar importância a

esse facto”, garante Susana Cunha.

Ainda assim, a Sé Guest House perce-

beu que isso pode ser um problema

e está, neste momento, a trabalhar

para melhorar o isolamento de ruído

nas janelas do edifício.

A Fugas esteve alojada a convite da Sé Guest House

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24 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

Leonardo regressa à terra

Leonardo Pereira, que trabalhou durante vários anos no que já foi considerado o melhor restaurante do mundo, o Noma, em Copenhaga, voltou “à terra”, num duplo sentido (a Portugal e aos produtos portugueses), e este livro é o resultado das receitas que criou para o programa Chef de Raiz, do canal 24 Kitchen. “Tentei encontrar receitas que possam ser, ao longo dos tempos, absorvidas e reinterpretadas por cada um de vocês”, escreve. Começa pela Alvorada (pequeno-almoço e brunch), onde aparecem produtos menos habituais, como no smoothie de beterraba, framboesa e baunilha ou o muesli de alperce, pinhões e folha de figueira ou ainda a quinoa, trigo-sarraceno e ovo. Passa para a Mordida Grande (almoço) com um “pão sem amassar”, ostras e maracujá ou um creme de brócolos e caju, mas também por produtos portugueses como as beldroegas ou a moxama de atum; pela Pausa (lanche); o Lusco-Fusco (fins de tarde) com, por exemplo, ostras grelhadas com salicórnia; e chega ao Quando o Sol se Põe (jantar), dando aí atenção a produtos como as algas, o bacalhau e os cogumelos menos comuns.

Um jardim dentro de um bule

Muita gente que gostava de ter um jardim tem que se contentar com um vaso de plantas na varanda. O livro da jardineira britânica Holly Farrell, agora editado em português, mostra que é possível ter pelo menos um minijardim mesmo quando se vive num apartamento pequeno. As soluções apresentadas são várias: aquilo a que chama “paisagens em miniatura”, que podem ser um “bosque de salgueiros”, um “prado de Verão”, uma “selva num vaso”; os terrários, ecossistemas em miniatura; os jardins verticais; os jardins aquáticos e selvagens, e os produtivos (com ervas aromáticas, morangueiros organizados em torre ou até uma plantação de ananases). Basta começar com uma caixa de madeira, um bloco de cimento ou simplesmente… um bule.

+De bicicleta para todo o lado

a É possível escrever perto de 200

páginas sobre bicicletas? Miguel Bar-

roso, arquitecto de formação, espe-

cialista em questões de mobilidade e

planeamento sustentável, pratican-

te de BTT, utilizador entusiástico de

bicicletas e autor do blogue Lisbon

Cycle Chic, fá-lo sem qualquer difi -

culdade.

O livro, editado pela Esfera dos Li-

vros, destina-se sobretudo a quem

está a pensar começar a deslocar-se

mais frequentemente de bicicleta (de

casa para o trabalho, por exemplo)

mas precisa de (mais) um incentivo.

Miguel Barroso começa por dar o seu

próprio exemplo. “Quando em 2007

decidi que a minha vida iria mudar

e que iria tentar fazer o máximo das

deslocações de bicicleta, essa mu-

dança não aconteceu de um dia para

o outro”, escreve.

Apesar de já ter bicicleta e o há-

bito de andar, não o fazia de forma

O Livro da BicicletaMiguel BarrosoEd. A Esfera dos LivrosPreço: 12,50 €

i sistemática e, sobretudo depois de os

fi lhos terem nascido, as coisas torna-

ram-se mais complicadas. Mas não

impossíveis, sublinha. Aliás, mais pa-

ra a frente, o livro tem um capítulo

dedicado precisamente à utilização

da bicicleta em família e com crian-

ças, que trata não só do melhor mo-

do de as transportar (Miguel, a certa

altura, adaptou a sua bicicleta para

poder levar dois fi lhos) mas também

como os ensinar e como garantir a

segurança.

Nos capítulos anteriores, o autor

tinha já feito uma breve história da

bicicleta no mundo e a evolução, des-

de o entusiasmo do início do século

XX até à queda quando os automó-

veis se tornaram dominantes e, por

fi m, ao seu renascimento nos últimos

anos. Também em Portugal, afi rma,

as coisas estão a mudar e há cada vez

mais gente a escolher a bicicleta para

as suas deslocações diárias.

Para isso é necessário saber qual a

bicicleta certa — há um capítulo so-

bre preços, tamanhos e diferentes

ENRIC VIVES RUBIO

Alexandra Prado Coelho

Livros

modelos. Adquirida a bicicleta, sur-

gem outras questões como a roupa

a usar quando chove, os obstáculos

que se encontram numa cidade, ou

a conjugação da bicicleta com outros

meios de transporte. No capítulo 6,

explica-se como cuidar da bicicleta

para a manter em boas condições.

Por fi m, o autor dirige-se a quem

já tem o hábito de andar de bicicleta

e quer ir um pouco mais longe, num

capítulo sobre cicloturismo no qual

trata temas como “qual a bicicleta in-

dicada para viajar?”, “escolher desti-

nos e percursos”, “equipar a bicicleta

para levar bagagem” ou mesmo “e

terei forças para isto?”.

E, para terminar, as modalidades

mais desportivas ligadas à bicicleta,

da BTT ao ciclocrosse. Com o nú-

mero de utilizadores de bicicletas a

crescer e as cidades a criarem cada

vez mais condições para que isso

aconteça, com ciclopistas e outras

facilidades, este é um livro útil para

quem quer começar e não sabe exac-

tamente por onde.

Chef de RaizLeonardo PereiraEd. Casa das LetrasPreço: 21,90€

Jardins em Miniatura: Terrários e outros Pequenos JardinsHolly FarrellEd. Vogais 20|20Preço: 13,99€

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 25

Estarás sempre comigo, Irão

Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto, devem ser enviados para [email protected]. Os relatos devem ter cerca de 2500 caracteres e as dicas de viagem

cerca de 1000. A Fugas reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos, bem como adaptá-los às suas regras estilísticas. Os melhores textos, publica-dos nesta página, são premiados com um dos produtos vendidos juntamente com o

PÚBLICO. Mais informações em fugas.publico.pt

a O Irão surgiu-nos como uma

história de amor antiga, um

enamoramento que nos retirou da

realidade presente para nos elevar

a uma realidade onde a linguagem

é a da emoção.

Numa qualquer noite de

Setembro, enquanto, na qualidade

de viajantes crónicos, dávamos

asas à imaginação em busca de

um destino insólito, o Irão surgiu-

nos como a resposta evidente

à adrenalina do desconhecido,

ao rebuliço de uma sociedade

fechada em si mesma, à ausência

de informação que nos permitisse

construir.

Aterrámos em Teerão com a

certeza de que nada tínhamos

de certo, com a vontade de

beber ao máximo da realidade

que se nos apresentava e com a

intenção de quebrar as barreiras

do distanciamento cultural,

económico e social que faz o

comum dos mortais levantar

o sobrolho, apelidar-nos de

“malucos” e recear pela nossa

segurança. No Irão redescobri

o tempo, voltei a sentir o frio na

barriga de quem não se pode

socorrer do Google, Tripadvisor

ou qualquer outro aplicativo, a

adrenalina de quem viaja com o

que traz consigo.

Chegados ao aeroporto, e com a

pretensão de viajarmos até Shiraz,

negociámos o valor do táxi até ao

aeroporto local, onde comprámos

bilhete para o avião seguinte. Foi lá

o nosso primeiro contacto com o

Irão, país onde homens e mulheres

vivem distanciados no toque, mas

muito próximos no olhar.

Se o Irão for uma full meal para o nosso apetite de viajantes

inconformados, Shiraz e Persépolis

serviram-nos de entrada para

um admirável mundo novo. A

sociedade persa é loud, como

dizem os ingleses, as cores são

gritantes, os risos são contagiantes

e tudo é magnânimo. Muito se

escreve sobra a história do Irão e

o retrocesso do papel da mulher

na sociedade iraniana, agora mais

submissa no comportamento

e na imagem. Nunca me senti

menosprezada ou inferiorizada,

porém foi um processo até me

convencer que não podia estender

a mão a um homem em forma

de cumprimento, nem deveria

introduzir-me nas conversas com o

meu ar perguntador. Ainda assim,

senti-me muitas vezes mais ouvida

que no Ocidente, ali eu era a Rita,

a portuguesa viajante, portadora

de informação e histórias

merecedoras de serem partilhadas.

Isfahan foi o nosso main course,

servido com tudo o que tivemos

direito, desde uma visita a uma

mesquita, onde fomos convidados

a beber chá e comer tâmaras

com os locais, até à participação

num casamento iraniano. Esta

é a cidade que guarda a beleza

do império persa e a magnitude

das suas construções. Os seus

tons de azul entraram-nos pelos

olhos e as suas gentes sorriram-

nos com o coração. Num inglês

difícil, completado pela linguagem

universal, fomos abordados um

punhado de vezes por locais

Fugas dos leitores

#fugadoviajanteEsta tag diz-lhe alguma coisa? A Fugas (@fugaspublico) está à procura das melhores fotos de viagem. Siga a conta e partilhe os melhores instantâneos das suas férias com a #fugadoviajante

@ricardomiguel3101 “Desde pequeno que sinto um enorme encanto por Sintra e pela sua serra! Deslumbra-me todo o romantismo que envolve os palácios e mansões e encanta-me o mistério que dali emana! Cada recanto tem algo para nos contar e é isso que me faz ir várias vezes a este lugar, capturar toda a sua essência e magia!”

@anafilipagoulao “O projecto ‘Support’, de Anthony Quinn, que pretende “apoiar” Veneza, é uma estrutura impressionante, com uma mensagem importantíssima, que surge das águas do Grande Canal. É uma forma criativa de mostrar a situação de perigo que a cidade corre.”

interessados em saber da nossa

história, em saber do estado da

taxa de desemprego no nosso país

e ainda sedentos de saber qual a

nossa opinião sobre a evolução da

União Europeia.

Ali apreciámos o

companheirismo de velhos

iranianos que enchem os jardins

com cânticos e danças quase

em forma de ode à vida e à sua

existência; acompanhámos um

professor universitário que nos

guiou pelas ruelas do mercado

contando-nos histórias do velho

império; ali fomos abordados

por duas jovens locais que

gentilmente nos ofereceram boleia

até à paragem de autocarro mais

próxima; ali fomos recomendados

a amigos e parentes de outras

cidades; e tudo isto em troca da

partilha, numa onda de gentileza

que não mais engrandece a

nossa capacidade de olharmos o

próximo.

Teerão, o nosso último destino,

repleto de cafés onde se pode

ouvir o que de melhor se faz no

Ocidente, foi portanto a sobremesa

desta experiência cultural e

um regresso à urbanidade. O

burburinho é uma constante,

não fosse esta uma cidade com

12 milhões de habitantes, sendo

o local onde o desenvolvimento

tecnológico encontra o

tradicionalismo cultural e religioso.

Tal sente-se no metro, um dos mais

desenvolvidos do mundo (nas suas

carruagens, isoladas por sexo,

vende-se de tudo — de comida a

meias, de produtos de maquiagem

a esfregonas); nos centros culturais

altamente desenvolvidos ao

nível da exposição artística, mas

onde proliferam salas de oração,

e outros tantos exemplos que

podíamos replicar.

Deixei parte de mim no

Irão, trouxe um punhado de

experiências comigo, ao passo

que aumentei a graduação deste

meu olhar curioso. Querem um

conselho? Percam-se no Irão, sem

medos, aproveitem ao máximo a

experiência da partilha e sorriam

com os olhos. O distanciamento

está em nós e a partilha do olhar

pode ser bem mais profunda e

complexa que a proximidade do

toque. Estarás sempre comigo,

Irão, porque foste especial, porque

me deste tolerância e porque

marcaste o inícoo de uma nova

era de curiosidade na vida desta

pequena viajante.

Ana Rita Ferreira

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26 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

No início de Agosto, o restaurante Terraço, do Hotel Tivoli da Avenida da Liberdade, reabre com cara nova e novo chef: Rui Paula, que vem do Porto para conquistar a capital. E já a olhar mais para além, para um palácio em Sintra. Alexandra Prado Coelho

Rui Paula“Não vinha para Lisboa para falhar”

Gastronomia

a Aquilo de que o chef Rui Paula

mais gosta é da adrenalina da aber-

tura de um novo restaurante — e é

precisamente isso que está a viver

neste momento no último andar do

Hotel Tivoli, na Avenida da Liberda-

de, em Lisboa. O Terraço, o históri-

co restaurante do hotel, com uma

extraordinária vista sobre a cidade,

foi o espaço que convenceu o chef do

Porto a avançar para Lisboa.

“Tive ofertas, e não foram pou-

cas, recusei algumas”, conta, bem-

disposto, de manhã cedo, quando

nos encontramos num Terraço em

plenos preparativos para a sua nova

vida (que passa pelo chef mas tam-

bém por um novo visual, mais claro,

mais arejado, a prolongar-se para o

Sky Bar, que também cresceu e está

mais bonito).

Rui Paula prossegue: “Mas não

podia vir para um sítio qualquer

em Lisboa. Sou conhecido por ter

restaurantes bonitos [o DOC, junto

ao Douro, entre a Régua e o Pinhão,

o DOP, no Porto, e a Casa de Chá da

Boa Nova, projecto do arquitecto Si-

za Vieira, em Leça da Palmeira, on-

de conquistou uma estrela Michelin.

Tem ainda um restaurante no Recife,

Brasil]. O espaço é importante para o

negócio, não é só a comida.”

O que é que procurava, exacta-

mente? “Ou era um restaurante meu

e fazia à minha maneira ou um res-

taurante que não é meu e faço à mi-

nha maneira também”, brinca. “Daí

ter recusado algumas coisas porque,

por mais dinheiro que me pagassem,

não ia ter a liberdade que queria. O

objectivo é fazer um trabalho em que

a minha imagem esteja segura e eu

tenha prazer e seja feliz. Não é fácil.

É preciso acreditarem no nosso tra-

balho, deixarem-nos fazer, dar pro-

vas. E não se vão arrepender.”

Trouxe para a cozinha do Terraço

uma equipa nova, chefi ada por Mau-

ro Silva, que será o chef residente e

que é, desde há muito, o seu braço

direito. “O Mauro esteve comigo na

abertura de todos os meus restauran-

tes, excepto o Cêpa Torta [o primei-

ro que abriu, em 1994, em Alijó].”

Para Rui Paula é vital ter à frente

da cozinha uma pessoa da sua total

confi ança. Só assim é possível abrir

novos espaços.

A ideia de que o chef que dá o nome

ao restaurante tem que estar sempre

na cozinha, à volta dos tachos, não

faz sentido, explica. “É preciso muita

coisa para um restaurante funcionar.

Estar concentrado na cozinha, o que

é isso? Se o restaurante tem 80 clien-

tes, ele sozinho vai fazer a comida de

todos? Vai fazê-la mal. Tem que ter

uma equipa. E boa, se calhar com

alguns elementos mais tecnicistas, a

cozinhar melhor do que ele.”

A proposta do Grupo Minor — que

comprou a cadeia Tivoli e está a reno-

var os vários hotéis — foi a que, fi nal-

mente, levou Rui Paula a fazer as

malas e partir para Lisboa. Mas não

se trata apenas do Terraço — o que

tornou a proposta irresistível foi o

Palácio de Seteais (ver caixa). A ida

para Sintra, contudo, demorará ain-

da cerca de um ano, pelo que agora

é tempo de o chef se concentrar no

Terraço e na nova carta que está a

ultimar para poder abrir portas

no início de Agosto.

Haverá, evidentemen-

te, uma continuidade

AD

RIA

NO

MIR

AN

DA

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 27

do seu trabalho nos outros restau-

rantes mas com muitos pratos adap-

tados ou pensados especialmente

para aqui. Rui Paula vai buscar a lis-

ta ainda provisória, com anotações

a lápis, mostrando que o trabalho

ainda não está concluído. Tem vin-

do a discutir com a equipa porque

é assim que gosta de fazer as coi-

sas, ouvindo as ideias dos que tra-

balham consigo e, quando são boas,

integrando-as.

“Não fazia sentido vir para Lisboa

fazer um copy/paste dos outros es-

paços. Quero resgatar alguns pratos

daqui, assim como trazer outros que

me caracterizam, a minha maneira

de empratar, o tratar o produto em

três vertentes, por exemplo. E terei

algumas infl uências do mundo, em

pratos mais internacionais.”

Garante, contudo, que não es-

tá a preparar um restaurante para

os turistas que enchem Lisboa por

estes dias. “Não pretendo que este

seja um local para os hóspedes do

hotel, embora eles também venham.

Tenho a certeza de que vamos ter

muitos clientes portugueses. É mi-

nha obrigação fazer isso. Restaurante

que não tem portugueses, para mim

não é restaurante.”

Mostra a carta: nas entradas en-

contramos, por exemplo, carpaccio

de polvo e romã; ceviche de camarão

e lírio com manga verde e chili; cara-

bineiros, citrinos e cenouras; rosbife

no carvão com toro de atum, tuta-

no e chicória; língua de vitela, ostra

glaciada e puré de maçã assada; nos

peixes podemos optar por um xarém

de amêijoas e lingueirão com robalo;

um salmão niçoise; uma caldeirada

ou um arroz caldoso de peixe e lava-

gante. Nas carnes, as propostas pas-

sam por carne maturada no carvão

com legumes grelhados; lombinho

de novilho, isca de foie, puré de ba-

tata fumada e couve glaciada; pá de

cordeiro ou carne de porco preto à

alentejana. E nas sobremesas, para

dar dois exemplos, haverá chocolate,

caramelo e açafrão ou creme brûlée

de chocolate branco.

Tem ainda a ideia de resgatar al-

guns pratos clássicos dos tempos em

que o Terraço era um restaurante

de referência. “Tenho clientes

com 70 anos que vinham aqui

com os pais e falam de pratos

como o robalo ao sal. Isto quer

dizer alguma coisa. Põe-nos em

sentido.” Até porque, garan-

te, gosta de desafi os. “Sei que

resgatar este Terraço é um

feito. Não só porque ‘venci’

em Lisboa, como porque o

trouxe de novo para a ri-

balta. Não é por ter uma

estrela Michelin que pen-

so que sou o rei da festa.

Quero fazer bem e quero

vencer. Não vinha para

Lisboa para falhar.”

O sonho de Seteais“Seteais foi determinante” para aceitar a proposta do Grupo Minor, proprietário da cadeia Tivoli, admite o chef Rui Paula. O Tivoli Palácio de Seteais, em Sintra, está também em obras e quando estiver pronto, dentro de um ano, receberá a cozinha de Rui Paula. “Gosto de trabalhar em coisas mais pequenas, Seteais tem uma beleza incontornável, posso fazer festas bonitas e trabalhar um restaurante gastronómico.” Ao nível da Casa de Chá da Boa Nova? “Ou mais… vai ser top.”

i Quer experimentar ramen em casa de António? Tem que esperar por Outubro

a João Ferreira pode passar uma

noite da semana a acordar de qua-

tro em quatro horas para verifi car a

cozedura da carne de porco. António

Carvalhão pode expulsar a mulher

e os dois fi lhos de casa para receber

os convivas que chegam para expe-

rimentar ramen, o prato japonês de

origem chinesa, pelo qual os dois

amigos se apaixonaram na Ásia e que

os fez lançar o projecto Ajitama, um

supper club, ou seja, a possibilidade

de jantar em casa de outra pessoa.

António e João são amigos desde os

tempos da escola, há 17 anos e cada

um seguiu o seu percurso académi-

co e profi ssional. Quando João, hoje

gestor numa empresa de equipamen-

tos industriais, trabalhou na China,

António estudou no Japão. No regres-

so a Portugal, de vez em quando, os

amigos falavam do famoso prato de

sopa com noodles. “Em Novembro de

2015 decidimos: vamos fazer o nos-

so ramen”, conta António. No mês

seguinte descobriram um workshop

sobre o tema, começaram a comprar

livros, a ver vídeos e a experimen-

tar fazer. “Demorámos 13 meses”,

revela João. O primeiro ramen que

fi zeram demorou 36 horas e “fi cou

uma porcaria”, riem-se. “Mas com

muita resiliência lá chegámos ao re-

sultado.”

Depois, começaram a fazer janta-

res para a família, para os amigos, pa-

ra os amigos dos amigos… Em Março

abriram a página no Facebook e, de

repente, as pessoas que entram em

casa de António são perfeitos des-

conhecidos. “A coisa foi crescendo

e não tivemos muito tempo para re-

agir”, avalia. A lista de espera é de

230 pessoas e só para Outubro os

dois amigos conseguirão voltar a re-

ceber reservas.

Agora, o ramen de João e António

tem lista de espera e a mesa que pre-

pararam para receber oito pessoas

leva, por vezes, uma dúzia — acres-

centaram uma velha porta encon-

trada na rua que fi ca exactamente

ao mesmo nível da mesa — “houve

um alinhamento dos astros”, brinca

António.

A actividade do Ajitama — é o

nome que tem o ovo cozinhado e

cortado com fi o de nylon para que

a gema não fi que na lâmina da faca

— começa à sexta-feira, quando os

dois amigos iniciam a preparação do

jantar de sábado. Às vezes João fi ca

em casa de António a dormir no sofá,

tal é a hora a que terminam os pre-

parativos. Fazem tudo, da entrada

à sobremesa de matcha, passando

pela massa. O vinho que é servido é

alentejano, Herdade dos Grous, e, no

fi nal, o café é Nespresso — de resto,

tudo é japonês. Por exemplo, pode

Bárbara Wong

Ajitama é o projecto de dois amigos que os deixa noites sem dormir e nos desafia a comer ao lado de estranhos

pedir uma cerveja ou um refrigerante

nipónico.

E sobre o que se conversa com

estranhos? António e João fazem as

honras da casa e ao longo da refei-

ção vão contando as suas histórias.

Quando eles não estão, seguimos o

mesmo guião: conversamos sobre

viagens inspirados pelo planisfério

que decora a sala e que mostra os

países por onde o anfi trião já passou

e as dezenas de guias de viagens que

estão empilhados ao fundo da divi-

são. Se não, podemos sempre falar

de comida ou de vinhos.

O jantar começa às 21h30 e ter-

mina impreterivelmente às 0h30 e

cada um deixa o que quiser para pa-

gar a refeição. A média tem sido 30

euros, um preço que António e João

consideram justo. A marcação deve

ser feita por email: ajitamalisbon@

gmail.com.

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28 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

Vinhos

ChryseiaVinho de ouro filho de Roriz

a Para um vinho cuja curta vida de

15 edições carrega já uma das mais

ricas e destacadas histórias do Dou-

ro, cada nova colheita é um aconte-

cimento. E bem se entende a tenta-

ção para a classifi car como a melhor

de sempre, até porque se há traço

que marque as sucessivas colheitas

de Chryseia é a linha de elegância e

frescura que distinguem os melhores

entre os melhores.

Nos Chryseia dos últimos anos

pode notar-se também uma menor

preponderância do vigor e concen-

tração, com o acentuar das notas

de frescura em favor da elegância e

equilíbrio. Uma evolução em relação

às colheitas da primeira década, que

se associa à disponibilidade da tota-

lidade das uvas das vinhas da Quinta

de Roriz, que permitiram reduzir

o recurso a uvas de vinhas do vale

do Torto, voltadas a sul e poente e

expostas a temperatura bem mais

elevadas.

Em Roriz, numa encosta da

margem esquerda do Douro

voltada a norte e benefi ciando

do efeito de sombra nos fi nais

de tarde do pico de Verão, o

fruto das uvas bem expressa

essas características de terra

fresca. Por isso, se o nome

Chryseia signifi ca de ouro

em grego clássico, com toda

a propriedade se dirá agora

ser fi lho de Roriz.

Charles Symington, um dos

enólogos responsáveis pela

produção, destaca também

os “muitos anos de afi nação

de processos” e o facto de “as

vinhas começarem já a ter uma cer-

ta idade, produzindo agora fruta de

muita qualidade”. Foram plantadas

nos anos 1990 e Charles aponta ain-

da para outra característica: “Com

excepção de Sauternes, não conhe-

ço outro lugar onde seja tão baixa a

quantidade de vinho que se tira por

cada hectare.”

Autêntico néctar, que bem se ex-

pressa na intensidade dos aromas e

sabores de fruta fresca nesta colhei-

ta de 2015 que foi agora lançada. As

chuvas do Outono (de 2014) permiti-

ram à terra um bom armazenamen-

to de águas, a Primavera amena, o

início de Verão quente e um Agosto

de noites frescas proporcionaram

condições de maturação equilibrada

e de grande qualidade. O futuro dirá

e foi o ano perfeito, mas este Chry-

seia de 2015 para aí aponta.

Impõe-se a frescura e profundida-

de logo desde o primeiro contacto.

Cor de média densidade, fruta,

intensidade, jovialidade, com-

plexidade, estrutura e sabor. Mas

não é só isto, é tudo isto dentro

do vinho que até o efeito dos 15

meses de estágio em madei-

ra parece já ter absorvido.

Tem corpo e alma de vi-

nho, aromas fl orais e de fós-

foro, sabor intenso, fi nal ele-

gante, longo e saboroso, com

expressão de tanino maduro

e poderoso a prometer longa

e vigorosa vida de evolução. É

notável, no entanto, a forma

elegante e gulosa como cativa

já nesta prova de juventude. José Augusto Moreira

DR

Está a chegar a hora dos sommeliers, os novos gurus do vinho

a Produtores de vinho? Ainda

continuam a ser a base do

negócio, mas só uns românticos

ou uns enófi los mais ciosos é

que querem saber quem está

por trás das uvas que estão por

trás de um vinho. Enólogos?

Também já começam a pagar

o preço da fama. Alguns,

voadores ou Speedy Gonzalez

na velocidade com que passam

por adegas, receitam poções

mágicas ou “bitaitam” sobre

lotes e coisas afi ns, ainda acham

que são as verdadeiras estrelas

do fi rmamento, os Ronaldos do

vinho. No universo dos críticos,

escritores de vinhos, bloguers e

afi ns, primeiro surgia o enólogo

e só depois o vinho e o produtor.

Até virou moda colocar nos

rótulos by fulano tal. Mas esse

tempo parece estar a acabar.

A hora é dos chefs. Mesmo

com algum atraso em relação ao

mundo desenvolvido, Portugal

está a viver o seu momento

Masterchef. Não há cara laroca,

com turbante ou sem turbante,

gorda ou esbelta, culta ou

iletrada, que não tenha o seu

programa de televisão. Nas

revistas cor-de-rosa já disputam

o protagonismo com as Lili

Caneças e os Castelo Branco

deste mundo. E nos jornais de

referência têm cada vez mais

espaço e mais leitores do que

os políticos ou os artistas. São

as stars que vivem para as stars

do Michelin — o avatar das

revistas de vinho. Também é

para estas que muitos enólogos

trabalham. A coisa está tão ligada

que o Guia Michelin acabou de

comprar 40% da Wine Advocate,

a revista-site criada por Robert

Parker, o homem que, quando

era o mais infl uente do mundo,

Os sommeliers são hoje uma peça essencial no negócio do vinho. Fazem a ponte entre o produtor e o consumidor final

Pedro Garcias

Elogio do vinhoconvenceu toda a gente que

os grandes vinhos tinham que

ser encorpados, estruturados,

densos, amadeirados e

alcoólicos. Ganhou muito

dinheiro e deu muito dinheiro

a ganhar, mas o seu legado está

hoje a ser posto em causa até

pelos seus próceres, como o

francês Michel Rolland, que já

vaticinou o fi m da ditadura das

pontuações nos vinhos.

Em breve, o palco pertencerá

aos sommeliers, nome

moderno para os escanções de

antigamente. Já ninguém usa

cordões em volta do pescoço

a segurar uma coisa com ar de

concha para provar o vinho.

O sommelier de hoje já não é

um reciclado do empregado

de mesa. E é cada vez menos

também chefe de sala. É

sommelier e basta. Gere e sugere

vinhos. No mínimo, passa por

uma escola de hotelaria. Viaja,

visita produtores, prova tudo e

veste Zara ou até alta costura.

Já não procura trabalho. Hoje,

o bom sommelier escolhe o

restaurante ou o chef com quem

quer trabalhar.

Os chefs já não vivem sem eles.

Entregam-lhes o departamento

dos vinhos, para se poderem

dedicar apenas aos fogões. Os

produtores de vinho já não

falam com os proprietários

dos restaurantes, vão directos

aos sommeliers. Os concursos

nacionais e internacionais de

vinhos já não passam sem os

sommeliers. Até as revistas

do sector já não vivem sem

os sommeliers. Em Portugal,

verdade seja dita, a Revista de Vinhos-Essência do Vinho foi

a mais visionária. No tempo

da Wine, já colaboravam com

esta revista os sommeliers

João Pires, o único Master

Sommelier português, e Manuel

Moreira. Recentemente, a

Revista de Vinhos contratou

mais quatro sommeliers para

integrarem o seu painel de

provas, todos eles renomados:

o brasileiro Guilherme Corrêa e

os portugueses João Chambel,

António Lopes e Rodolfo Tristão.

Não vai demorar muito até

aparecer o primeiro programa

televisivo Mastersommelier.

Os sommeliers são hoje uma

peça essencial no negócio do

vinho. Fazem a ponte entre

o produtor e o consumidor

fi nal. Aconselham cadeias

de distribuição, assessoram

empresas de importação e

exportação, marcam tendências.

São os novos gurus do vinho. Por

cá, o fenómeno só agora começa

a ganhar algum signifi cado. Há

uma nova geração de sommelliers

talentosos a despontar e será ela,

pelo exemplo, que irá levar toda a

classe atrás (como aconteceu com

a primeira fornada de enólogos

que saiu da universidade) e

colocar o consumo e o serviço de

vinhos em Portugal num outro

patamar de qualidade.

Mas vai demorar. Por culpa

do Estado, a formação é ainda

uma anedota. Os sommeliers nem plano formal de estudos

têm (qualquer um pode ser

sommelier) e na maioria das

escolas de hotelaria, verdade

seja dita, pouco aprendem sobre

vinhos — embora já andem alguns

por aí que julgam saber tudo.

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 29

55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100

Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo com os

seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada: Fugas - Vinhos em Prova, Praça Coronel Pacheco, n.º 2, 3.º 4050-453 Porto

O branco estrela de Valle Pradinhos

a O sucesso dá trabalho, não cai

do céu. Se o Valle Pradinhos branco

tem o sucesso que tem, se esgota

ano após ano e obriga os distribui-

dores a comprar outros vinhos da

casa, é porque o vinho tem que ter

valor, tem que ser bom.

O “bom” é sempre subjectivo,

mas mais objectiva é a consistência

deste branco. Quem o compra, já sa-

be o que espera encontrar. Embora

nunca haja um vinho igual, pela in-

fl uência climatérica do ano, o Valle

Pradinhos mantém o mesmo estilo

inconfundível, que lhe advém da

aposta no mesmo trio de castas de

sempre — Gewürztraminer, Riesling

e Malvasia Fina — e também da lo-

calização das vinhas, na zona alta e

fresca de Macedo de Cavaleiros, em

Trás-os-Montes. Podemos gostar ou

não, mas é um vinho com carácter,

com uma identidade bem defi nida

— e este é o melhor elogio que se

lhe pode fazer.

O seu traço mais distintivo é o

aroma a líchias que as uvas da va-

riedade Gewürztraminer incutem

ao vinho. Se o vinho fosse feito só

desta casta mais exuberante, podia

tornar-se algo excessivo. Mas a sei-

vosidade do Riesling e a faceta mais

fl oral da Malvasia Fina acrescentam-

lhe outros atributos, complexam-no

mais, deixam-no mais vivo e equi-

librado.

A frescura do lugar, associada à

sua boa exposição, também é im-

portantíssima, porque permite que

as uvas amadureçam bem e preser-

vem uma boa acidez. Aliás, isso é

bem notório neste 2016. Sendo um

vinho de 13,5%, já bastante maduro,

possui um frescor e uma vivacidade

magnífi cas. É um branco muito efu-

sivo de aroma mas ao mesmo tempo

vibrante e saboroso. A um autênti-

co bailado aromático, sucedem-se

sensações frutadas e uma salvífi -

ca torrente de frescura. Frescura

mesmo, não aspereza ácida — uma

particularidade do Riesling, quando

plantado em lugares frescos, como

é o caso das vinhas de Valle Pradi-

nhos. Pedro Garcias.

Proposta da semana

Valle Pradinhos Branco Reserva 2016Casal de Valle PradinhosMacedo de CavaleirosCastas: Riesling, Gewürztraminer e Malvasia FinaGraduação: 13% volRegião: Trás-os-MontesPreço: 13,95€

Pouca Roupa Rosé 2016João Portugal Ramos, EstremozCastas: Sauvignon, Aragonez e Touriga Nacional BlancGraduação: 12,5 volRegião: AlentejoPreço: 3,99€

Há por aí muitos rosés bem mais caros do que este e sem a mesma qualidade. A cor pode não ser a mais entusiasmante, sugerindo mesmo alguma evolução, mas a prova desmente essa ideia. É um rosado cheio de fruta vermelha, contido de álcool e com uma excelente acidez que lhe dá equilíbrio, vivacidade e persistência. Tudo o que se pede de um vinho destes, de vocação estival. Muita boa relação qualidade/preço P.G.

Monte das Ânforas by Quinta do Carmo Tinto 2016Bacalhôa VinhosCastas: Trincadeira e AragonezGraduação: 14% volRegião: AlentejoPreço: 2,80€

Vinho novo, da última vindima, madurinho e macio e também espevitado. Bastante vinoso, ressuma a frutos vermelhos. Não tem grande espessura, mas tem volume. Bebe-se bem. P.G.

Vale da Mata Tinto 2014Herdade do Rocim, Cortes, LeiriaCastas: Touriga Nacional, Tinta Roriz e SyrahGraduação: 13,5% volRegião: LisboaPreço: 8,50€

Os vinhos Vale da Mata são do melhor que a Herdade do Rocim faz. São vinhos mais frescos e equilibrados, a que não é alheio o facto de provirem de vinhas situadas na zona das Cortes (Leiria), numa encosta da serra de Aire. Vinhas mais altas e mais próximas do mar. Este tinto de 2014 é exemplar. Lote de Touriga Nacional, Roriz e Syrah, é um vinho com raça, não uma bomba mas suficientemente musculado, bem afinado, com uma boa influência da barrica, fruta viva e madura, sugestões florais delicadas, final fresco e apimentado. Um primor. P.G.

Grão Vasco Tinto 2016Quinta dos Carvalhais, SograpeCastas: váriasGraduação: 13% volRegião: DãoPreço: 3,49€

O tinto clássico da Sogrape no Dão está mais moderno. Vinho de combate, ganhou um pouco mais de cor (é mais tinto) e também maior exuberância aromática — ressuma, sobretudo, a fruta vermelha muito limpa e definida —, sem perder a elegância e a frescura de sempre. É difícil haver alguém que não goste deste tipo de vinho, muito directo e impressivo, ideal para o dia-a-dia. P.G.

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89

83

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30 | FUGAS | Sábado, 29 de Julho de 2017

Nesta cave de vinhos, o trabalho dos tanoeiros sai do esconderijo

a Depois de meses fechadas ao pú-

blico, as Caves da Cockburn’s, em

Gaia, abriram portas com novo fi gu-

rino. O investimento de mais de um

milhão de euros chegou para mon-

tar um museu, duas salas de provas,

garrafeira e uma loja. Mas a principal

novidade é que a arte da tanoaria es-

tá também no centro das atenções:

quem por aqui passar poderá ver os

sete tanoeiros da casa em acção. Pa-

ra que ninguém se esqueça da im-

portância que têm na qualidade do

vinho que transporta o nome do Por-

to — e de Portugal — para o mundo.

A visita guiada, que dura 45 mi-

nutos, inicia-se assim que ultrapas-

samos a ampla e renovada recepção

— o primeiro espaço que se levanta

diante de nós é um pequeno museu.

naves do armazém, pipas de carva-

lho e tonéis empilhados e enormes

balseiros dispõem-se ao longo de

corredores que não parecem ter fi m.

Uma caminhada que só é interrompi-

da pelo fi lme de seis minutos, narra-

do por Paul Symington e por Charles

Symington, sobre o ofício dos tano-

eiros e a importância dos cascos no

envelhecimento do vinho.

O vídeo antecede a realidade. Nu-

ma pequena abertura para a ofi ci-

na dos tanoeiros, faz-se uma visita

ao passado. A arte de desmantelar,

aduela a aduela, as pipas para manu-

tenção pouco ou nada mudou com

o passar do tempo e a Cockburn’s é

a última casa de vinho do Porto que

mantém uma equipa residente de se-

te tanoeiros e deixa que as pessoas

assistam ao ofício em vias de extin-

ção, revela Ana Rodrigues, respon-

sável pelo enoturismo da Symington.

Meta: 40 mil visitas anuais

Num piso abaixo, uma escura garra-

feira de vinho do Porto vintage guar-

da 16 mil garrafas, de três séculos di-

ferentes, que ali estão a envelhecer.

A mais antiga é de 1868.

O fi m da visita faz-se na sala de

provas. Com 80 lugares sentados,

os visitantes podem optar por uma

prova de 12 ou 15 euros. A Sala John

Smithes, no piso superior, fi ca reser-

vada para aqueles que optam por

provas entre os 25 e os 45 euros, que

incluem Portos Vintage raros e Por-

tos velhos envelhecidos em madeira.

A loja é o último espaço por on-

de passamos, antes de chegarmos

novamente à recepção. Lá estão vi-

nhos do Porto da gama Cockburn’s

e de outras marcas associadas à fa-

mília Symington: Graham’s, Dow’s,

Warre’s, entre outros.

Neste novo centro de visitas, a

família Symington, proprietária da

Cockburn’s, espera receber cerca de

40 mil pessoas por ano. “Temos rece-

bido essencialmente turistas”, conta

André, um dos guias da Cockburn’s.

E, até agora, o espaço preencheu as

expectativas de quem visita: “Já ti-

vemos cá pessoas que estiveram cá

antes da remodelação e gostaram

das mudanças no espaço.” Texto editado por Sandra Silva Costa

Poder ver os tanoeiros a trabalhar é uma mais--valia na visita às caves

+

Cockburn’sRua de Serpa Pinto, 346, Vila Nova de GaiaTel.: 913 007 950Email:[email protected] www.cockburns.comHorário: Até 31 de Outubro, as caves estão abertas entre as 9h30 e as 18h. De 1 de Novembro a 31 de Março, fecham meia hora mais cedo. Quem quer ver os tanoeiros ao vivo, tem de lá passar entre as 8h e as 17h, durante a semana.Preços: A visita guiada, que necessita de pré-reserva, fica entre os 12 e os 45€, consoante os vinhos que cada pessoa escolhe provar no final do circuito.

i

Beatriz Silva Pinto

FOTOS: PAULO PIMENTA

Cockburn’s

Um documentário e duas esculturas

fazem menção à época em que o vi-

nho era transportado pelos barcos

rabelos, desde o Douro até Gaia, e

uma cronologia e diversos docu-

mentos narram a história da marca

com mais de 200 anos. Há um catá-

logo de fotografi as enorme, que nos

transporta até à Quinta dos Canais,

no Douro Vinhateiro, uma das que

fornece os vinhos da Cockburn’s.

Poucos passos depois, entramos

nos armazéns de envelhecimento.

Apesar da remodelação, o espaço

manteve-se intocado. O chão, de

terra batida, ajuda a manter a tem-

peratura do armazém e, quando o

calor cresce, continua a ser regado.

Nestes armazéns estão mais de seis

mil pipas de vinho do Porto em está-

gio e o equivalente a mais de 10 mil

pipas em balseiros.

A paisagem impressiona: numa das

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Day dreamers,

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Sábado, 29 de Julho de 2017 | FUGAS | 31

Com o calor que está só um arjamolho geladinho nos pode salvar

a Cada família italiana tem uma

receita diferente de esparguete à

bolonhesa. Carne de porco? Carne

de vaca? As duas? Leite? Azeite?

Manteiga? A multiplicidade de

receitas é, paradoxalmente, o sinal

que um prato é tradicional.

Faz parte dessa tradição que,

no fundo, cada um faz como quer.

Quanto mais versões houver, mais

reclamarão que são as verdadeiras

ou originais e todas as outras são

erradas.

“Pode não ser assim que vem

nos livros mas é assim que eu

gosto e é assim que eu faço.” Esta

é a atitude inteligente e criativa de

quem consegue cozinhar bem.

A discussão acerca da

autenticidade faz parte do prazer

da cozinha.

Que triste seria se fôssemos

todos robots humanos a obedecer

até ao grama receitas de aplicação

universal. Infelizmente isso já

acontece com a ditadura popular

das Bimbys, tão implantada que

não temos amigos que não tenham

sucumbido e tenhamos por

isso fi cado, literalmente, a falar

sozinhos.

É divertido passar uma

década ou duas a discutir o que

constitui um gaspacho alentejano,

um gaspacho andaluz ou um

arjamolho algarvio. O meu sogro,

que era de Portalegre, defi nia o

gaspacho como alho, sal, pão,

azeite e vinagre. Depois ia-se

acrescentando o que se queria.

Uma coisa é certa (faz de

conta): os gaspachos e arjamolhos

portugueses, ao contrário dos

espanhóis, abominam a utilização

de varinhas mágicas, essas

antepassadas das Bimbys, que

reduzem tudo a um grosseiro e

indistinto puré de nada e de tudo.

O arjamolho está para a cozinha

estival portuguesa como o

Bloody Mary para o mundo dos

cocktails. Investigações recentes da

gastrofísica sugerem que os Bloody

Marys sabem bem quando se anda

de avião por causa do sabor umami

que têm, capaz de suplantar a

mortandade organoléptica imposta

pelo ruído dos motores.

No caso do arjamolho é a

deliciosamente baixa temperatura,

ocasionada pelo uso compulsivo

(faz de conta) do gelo, que é capaz

de fazer frente ao calor.

Há debates infi ndos acerca do

uso de gelo ou de água gelada

no arjamolho. Alguns espíritos

radicais até dispensam — horror

dos horrores — a água fria. Só

não há quem goste do arjamolho

quente, embora isso seja apenas

uma questão de horas até um dos

novos chefs se lembrar disso.

O arjamolho é uma sopa de

água fria que sabe bem por ser

um cocktail vegetal que se come

com uma colher. É, por isso,

essencial que a água seja a melhor

possível. Sai barato fazer cubos de

gelo com água do Fastio, do Luso

ou qualquer outra água limpa e

pouco mineralizada. O que não se

quer é o sabor a cloro da água da

companhia.

Sim, sim, sim: a água dos canos

é de excelente qualidade. Mas tem

um saborzinho mais ou menos

incomodativo, conforme a zona

onde se vive.

Nas outras sopas essa água é

fervida. Mas no arjamolho ela é

somente congelada, o que fi xa

mais esses gostos, quando não vai

buscar outros aromas indesejáveis

ao congelador.

Também não vale a pena fazer

o arjamolho se o alho, o tomate,

o pepino, a cebola e os orégãos

não forem deliciosos sozinhos. Se

um ingrediente não está perfeito,

o melhor é deixá-lo de fora. O

arjamolho não só não esconde

os defeitos dos constituintes,

como denuncia-os violentamente.

Sobretudo o alho: o melhor é

o de chão seco, como já aqui

É divertido passar uma década ou duas a discutir o que constitui um gaspacho alentejano, um gaspacho andaluz ou um arjamolho algarvio

Miguel Esteves Cardoso

demonstrei.

Vamos à receita. Ponha dois

dentes de alho no fundo de uma

tigela. Não é preciso esmagá-los.

Basta abri-los com uma faca. Junte

o sal e dê umas voltas. Quando

começar a comer o arjamolho

pode tirar o alho: já fez o que

tinha a fazer. O arjamolho perfeito

não pode ser nem um bocadinho

indigesto.

Junte uma cebola pequena

cortada em 16 gomos. Depois um

tomate sem pele, em cubinhos.

Agora, se quiser, deite os

cubinhos de pão alentejano. Mexa

indolentemente. Deite também

cubos de um pepino (o melhor

é o holandês) e de um pequeno

pimento vermelho.

Esmifre nos dedos uma

mão cheia de orégãos secos

inteiros, para soltarem os óleos e

fi nalmente deite o azeite, o vinagre

e quatro cubos de gelo. Prove

e afi ne o sal. Está pronto. Bom

arjamolho!

ANTÓNIO CARRAPATO

O gato das botas

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