Algumas Questões Sobre a Teologia Da Redenção

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  • 7/23/2019 Algumas Questes Sobre a Teologia Da Redeno

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    COMISSO TEOLGICA INTERNACIONAL

    ALGUMAS QUESTES SOBREA TEOLOGIA DA REDENO

    (1995)

    NDICE

    Nota preliminar

    Parte I: A condio humana e a realidade da redeno

    a) A situao atualb) Relacionamento com as religies do mundoc) A doutrina crist da Redeno e o mundo moderno

    Parte II: Redeno bblica: a possibilidade de liberdade

    Parte III: Perspectivas histricasa) Interpretaes patrsticas da redeno

    b) Teorias mais recentes da redeno

    Parte IV: Perspectivas sistemticas

    a) A identidade do Redentor: quem o Redentor?b) A humanidade cada e redimidac) O mundo sob a graa redentora

    Nota preliminar

    O estudo da teologia da Redeno foi proposto aos membros da Comisso TeolgicaInternacional por Sua Santidade o Papa Joo Paulo II em 1992. Uma Subcomisso, composta

    pelo Prof. Jan Ambaum, Prof. Joseph Dor, Prof. Avery Dulles, Prof. Joachim Gnilka, Prof.Sebastan Karotemprel, Dom Mcel Ledwith (Presidente), Prof. Francis Moloney, Mons.Max Thurian e Prof. Ladislaus Vanyo, foi designada para preparar este estudo.

    As discusses gerais sobre esse tema tiveram lugar durante vrias reunies da Subcomisso enas sesses Plenrias da prpria Comisso Teolgica Internacional, realizadas em Roma em1992, 1993 e 1994. Esse texto foi aprovado emforma especficapor voto da Comisso em 29de novembro de 1994 e submetido apreciao de seu Presidente, Sua Eminncia CardealJoseph Ratzinger, Prefeito da Congregao para a Doutrina da F, que o aprovou para

    publicao.Ao apresentar aqui uma sntese de abordagens teolgicas contemporneas, a ComissoTeolgica Internacional no se prope a oferecer novos elementos teolgicos, mas um pontoseguro de referncia para a continuidade da discusso e investigao desse tema.

    Parte I

    A condio humana e a realidade da redeno

    a) A situao atual

    1. Umaconsiderao apropriada da teologia da redeno nos dias atuais tem de comear comum sumrio dos autnticos ensinamentos cristos sobre a redeno e sua influncia sobre acondio humana, conforme a Igreja tem proposto esse ensinamento durante o curso de suatradio.

    http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Nota_preliminar_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Nota_preliminar_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_I_A_condi%C3%A7%C3%A3o_humana_e_a_realidade_da_reden%C3%A7%C3%A3o_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_I_A_condi%C3%A7%C3%A3o_humana_e_a_realidade_da_reden%C3%A7%C3%A3o_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_II_Reden%C3%A7%C3%A3o_b%C3%ADblica:_a_possibilidade_de_liberdade_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_II_Reden%C3%A7%C3%A3o_b%C3%ADblica:_a_possibilidade_de_liberdade_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_III_Perspectivas_hist%C3%B3ricas_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_III_Perspectivas_hist%C3%B3ricas_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_IV_Perspectivas_sistem%C3%A1ticas_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_IV_Perspectivas_sistem%C3%A1ticas_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_IV_Perspectivas_sistem%C3%A1ticas_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_III_Perspectivas_hist%C3%B3ricas_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_II_Reden%C3%A7%C3%A3o_b%C3%ADblica:_a_possibilidade_de_liberdade_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Parte_I_A_condi%C3%A7%C3%A3o_humana_e_a_realidade_da_reden%C3%A7%C3%A3o_http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_1995_teologia-redenzione_po.html#Nota_preliminar_
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    2. A declarao bsica que precisa ser feita que a doutrina da redeno diz respeito ao queDeus realizou para ns na vida, morte e ressurreio de Jesus Cristo, ou seja, a remoo dosobstculos que existiam entre Deus e ns e a oferta que nos feita de participao na vida deDeus. Em outras palavras, redeno diz respeito a Deus, como autor de nossa redeno, antesde dizer respeito a ns. Somente por ser assim que a redeno pode realmente significarlibertao para ns e ser, continuamente e para todos os tempos, a Boa Nova da Salvao. Isso

    significa que ela s uma realidade libertadora para ns por dizer respeito primariamente gloriosa bondade de Deus, e no nossa necessidade, embora ela venha satisfazer essanecessidade. Se a redeno, ao contrrio, devesse ser julgada ou medida pela necessidadeexistencial dos seres humanos, como poderamos evitar a suspeita de termos simplesmentecriado um Deus-Redentor imagem de nossas prprias necessidades?

    3. Existe aqui um paralelismo com o que encontramos na doutrina da criao. Deus crioutodas as coisas, e os seres humanos Sua prpria imagem, e achou que estava "muito bom"(Gn 1,31) o que havia criado. Tudo isso precede o incio de nossa histria, na qual a atividadehumana no acaba sendo to inequivocamente "boa" como a criao de Deus. No entanto,apesar disso, o ensinamento da Igreja ao longo dos sculos baseado nas Escrituras

    sempre tem sido de que a imagem de Deus na pessoa humana, embora muitas vezes escondidae desfigurada na histria como resultado do pecado original e de seus efeitos, jamais foicompletamente erradicada ou destruda. A Igreja acredita que os homens pecadores no foramabandonados por Deus, mas que Deus, em seu amor redentor, quer um destino glorioso para araa humana, e de fato para toda a ordem criada, um destino cujas sementes j se encontram

    presentes na Igreja e por meio dela. Partindo da perspectiva crist, essas consideraesfundamentam e do apoio crena de que a vida aqui e agora vale a pena ser vivida. Masqualquer convocao geral a "afirmar a vida" ou "dizer 'sim' vida", emboraindubitavelmente relevante nesse aspecto e digna de ser incentivada, no deve esvaziar omistrio da redeno, como a Igreja o tenta viver.

    4. Portanto, a f crist tem o cuidado, por um lado, de no divinizar ou idolatrar os sereshumanos por causa de sua grandeza, de sua dignidade e de suas realizaes, nem, por outro,conden-los ou esmag-los por causa de suas falhas ou maus atos. A f crist no subestima o

    potencial e o desejo humanos de crescimento e realizaes, e as conquistas para as quais arealizao desse potencial e desse desejo podem efetivamente levar. Essas conquistas, alm deno serem consideradas a prioripela f como obstculos a serem vencidos ou adversrios aserem combatidos, so, ao contrrio, positivamente avaliadas desde o princpio. A partir das

    primeiras pginas do livro do Gnesis at as mais recentes encclicas dos Papas, o convitedirigido aos seres humanose, naturalmente, em primeiro lugar aos cristos sempre deorganizar o mundo e a sociedade de maneira a melhorar em todos os nveis as condies davida humana. Alm disso, somos convidados a ampliar a felicidade dos indivduos, promover

    a justia e a paz entre todos e, na medida do possvel, incentivar um amor que, ao sertraduzido em palavras e aes, no exclua pessoa alguma sobre a face da terra.

    5. Quanto maldade e ao sofrimento humanos, eles no so, em sentido algum, subestimadospela f: a f no est, sob o pretexto de proclamar a felicidade eterna em um mundo futuro, demodo algum inclinada a ignorar os muitos tipos de dor e sofrimento que afligem osindivduos, nem a bvia tragdia coletiva inerente a muitas situaes. Apesar de tudo isso, af tampouco se alegra com o mal e os momentos de tribulao por si mesmos, como se noexistisse sem a presena deles.

    6. Aqui, pelo menos como primeiro passo, a f contenta-se simplesmente em tomar nota eregistrar. Portanto, no permissvel acusar a f de fechar seus olhos; mas igualmente

    inadmissvel ter ressentimento em relao f, acusando-a de tratar o mal e o sofrimentocomo fatos fundamentais sem os quais ela no teria fundamento digno de crdito. Como se,em resumo, a f s pudesse basear-se, como condiosine qua non de sua existncia, nadesgraa da condio humana e no efeito e reconhecimento desse desespero.

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    7. De fato, o mal e o sofrimento no so, em primeiro lugar, funes denenhuma interpretao teolgica da vida em particular, mas uma experincia universal. E o

    primeiro movimento da f, diante do mal e do sofrimento, no explor-los para os seusprprios fins! Se a f crist os leva em considerao , em primeiro lugar, simplesmente parafazer uma avaliao coerente e sincera da real e concreta situao histrica da raa humana. Ea nica preocupao da f saber se, como e em que condies a sua viso dessa real situao

    histrica ainda pode conquistar a ateno e a adeso das pessoas hojeao mesmo tempo emque leva em considerao as anlises das prprias pessoas quanto sua condio e as atitudesque adotam nas diferentes situaes que tm de enfrentar.

    8. No entanto, a f crist de fato tem uma perspectiva especfica sobre a condio humanaque, em muitos aspectos, ilumina aquilo que muitas vises de mundo no-crists afirmam aoseu prprio modo. Primeiramente, a f destaca que o mal aparece como estando sempre

    presente na histria e na humanidade: o mal transcende e precede todas as nossasresponsabilidades individuais e parece surgir de "foras" e at de um "esprito" que esto

    presentes antes de agirmos e, at certo ponto, so externos a qualquer conscincia e vontadepessoal em ao aqui e agora.

    9. Em segundo lugar, a f observa que o mal e o sofrimento que afetam a condio histricados seres humanos tambm tm, e mesmo em grande parte, suafonte no corao dos sereshumanos,nos seus reflexos egostas, no seu apetite pelo prazer e pelo poder, na sua silenciosacumplicidade com o mal, em sua covarde capitulao diante do mal, em sua terrvel dureza decorao. Mesmo assim, a revelao bblica e a f crist no desanimam com a pessoa humana;ao contrrio, continuam a apelar ao livre arbtrio, ao senso de responsabilidade, capacidadede adotar aes decisivas no sentido de mudar e queles momentos de lcida conscinciaem que essas faculdades podem ser efetivamente exercitadas. A f acredita de fato que todosso fundamentalmente capazes tanto de se distanciar de tudo o que os predispe de uma formanegativa quanto de abdicar de seu prprio egosmo e preocupao consigo mesmos para se

    comprometer com o servio ao prximo e, desse modo, abrir-se para uma esperana viva quepoderia at ultrapassar todos os seus prprios desejos.

    10. Para a f crist, portanto, os seres humanos, por uma questo de fato histrico, estoalienados da santidade de Deus por causa do pecado, alm de sermos diferentes de Deus emvirtude de termos sido criados em vez de ser intrinsecamente divinos. Essa dupla diferenaentre Deus e a humanidade encontra testemunho nas Escrituras e pressuposta por todos oscristos ortodoxos que escreveram nos tempos ps-bblicos. Mas a iniciativa divina de seaproximar com amor da humanidade pecadora uma caracterstica contnua do modo de Deusnos tratar, antes e dentro da histria, e a pressuposio fundamental da doutrina da redeno.Portanto, a dialtica da graa e do pecado pressupe que, antes que qualquer pecado entrasseno mundo, a graa de Deus j havia sido oferecida aos seres humanos. A lgica interna da

    viso crist da condio humana exige tambm que Deus seja o autor da redeno, pois o queprecisa ser curado e salvo nada menos do que a imagem do Prprio Deus em ns.

    11. Assim, para a f crist, o valor da natureza humana criada garantido desde o princpiopelo Prprio Deus e indestrutvel. De maneira similar, a realidade da redeno foi obtida e garantida por Deus e por Cristo tambm para sempre. Segundo o ensinamento da Igreja, tantoa criao como a redeno esto arraigadas na graciosa e profunda bondade e liberdadedivinas e, a partir do nosso ponto de vista, permanecem incompreensveis, inexplicveis emaravilhosas. A busca do entendimento dessas realidades surge de um ato ou atitude anterior,indivisvel e, portanto, irredutvel de agradecimento por elas1.

    12. Embora certamente nos seja impossvel uma total compreenso da redeno, um certoentendimento da doutrina no apenas possvel, mas exigido pela prpria natureza daredeno, que se preocupa com a verdade, o valor e o destino supremo de toda a realidadecriada. Se no fosse permitida nenhuma tentativa de compreender a redeno, a aceitabilidadeda f seria prejudicada, a legtima busca de compreenso seria negada f e o resultado seria

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    o fidesmo. Alm do mais, j que a pessoa humana como um todo redimida por Cristo, essaverdade deve poder ser demonstrada na ordem intelectual2.

    13. Para a f crist, a verdade da redeno sempre iluminou particularmente os aspectos dacondio humana que apontam de modo mais bvio para a necessidade humana de salvao.Os seres humanos experimentam fragmentao, inadequaes e frustraes na vida, em

    muitos nveis. Na medida em que os seres humanos frequentemente consideram-seresponsveis pela fragmentada e insatisfatria qualidade de sua experincia, eles confessam,em linguagem tradicional, o seu estado de pecadores. No entanto, para pintar um quadrocompleto da condio humana, tambm devem ser levados em considerao os aspectos davida que desfiguram e destroem a existncia humana e pelos quais ningum tem,aparentemente, responsabilidade direta. Porque eles tambm falam de modo eloquente sobre anecessidade humana de redeno. Realidades tais como a fome, a pestilncia, as catstrofesnaturais, as doenas, o sofrimento fsico e mental e a prpria morte revelam que o mal como a tradio crist, claro, sempre reconheceu de modo algum se esgota no que sechama de "malum culpae" (mal moral), mas tambm compreende o "malum

    poenae" (sofrimento), seja este o mal em si mesmo ou tenha origem nas limitaes da

    natureza. Tradicionalmente, no entantocomo revela o prprio testemunho bblico , todosofrimento, e at mesmo a prpria morte, tem sido entendido como resultado do pecado, "omistrio da impiedade", nas palavras de So Paulo (2 Ts 2,7).

    14. Embora os desafios que acabamos de mencionar sejam as dificuldades existenciais maisbsicas enfrentadas pelo homem, h tambm toda uma srie de outros problemas mais ntimoscom que as pessoas se defrontam. Em primeiro lugar, elas tm dificuldade em atingir, comoindivduos, o equilbrio pessoal interior. Em segundo lugar, sentem dificuldade em viver emharmonia com os demais seres humanos, conforme revela a histria das guerras com toda asua inerente crueldade e horror. Em terceiro lugar, sua incapacidade de viver bem com anatureza no-humana dramaticamente refletida na questo ecolgica do mundo

    contemporneo. Em quarto lugar, quando as presses da vida se tornam intensas demais, podesurgir facilmente a suspeita de que a existncia humana esteja condenada ao malogro e faltacompleta de significado. Por trs das reas crticas citadas acima, encontra-se, finalmente, aquesto da busca ainda no concluda da humanidade pela paz com Deus, que frustrada pela

    poderosa e penetrante realidade do pecado.

    15. Este esboo preliminar da maneira como, para a f crist, a verdade da redeno ilumina acondio humana deve ser complementado por uma avaliao de como o prprio homem v,hoje em dia, sua situao histrica efetiva.

    16. No entanto, devemos primeiro examinar brevemente a compreenso da redeno propostapelas grandes religies do mundo. Ao fazer isso, podemos deixar de lado aqui nesta seo de

    reviso o judasmo, no qual o cristianismo tem suas razes e com o qual comunga de umaviso da redeno baseada na soberana boa vontade de Deus, o Criador, para com a erranteraa humana, conforme expresso na Aliana.

    b) Relacionamento com as religies do mundo

    17. O hindusmo no uma religio monoltica. Ao contrrio, um mosaico de crenas eprticas religiosas que afirma oferecer raa humana a redeno e a salvao. Embora ohindusmo vdico primitivo fosse politesta, a tradio vdica posterior passou a falar daRealidade suprema, tambm chamada de "Atm" ou "Brama", como Uma, a partir da qualtodas as coisas teriam surgido com um modo especfico e tridico de manifestao. O prprio"Brama" incompreensvel e sem forma, mas tambm o ser Consciente Auto-Existente, que

    a totalidade da Felicidade. Em um nvel pessoal mais popular, divindades como Shiva,destruidor da imperfeio, Vishnu e seus "avatares"("encarnaes") como R, o Iluminado,Krishna e a Me Deusa Shakti correspondem aos atributos da Realidade Suprema. As

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    "encarnaes" do Deus descem terra para enfrentar o mal quando este se torna poderoso nomundo.

    18. Dando o devido desconto simplificao exagerada, pode-se dizer que, para o hindusmo,a pessoa humana uma fagulha do divino, uma alma ("atm") encarnada por causa da"avidya" (ignorncia: uma espcie de ignorncia metafsica sobre a verdadeira natureza do

    indivduo, ou um tipo de ignorncia original). Como resultado, o ser humano est sujeito leido "carma", ou renascimento, o ciclo de nascimento renascimento conhecido como "carma-samsara", ou a lei da retribuio. O desejo egosta que leva ignorncia espiritual a fonte detodo mal, misria e sofrimento no mundo.

    19. Assim, para o hindusmo, a redenoexpressa por palavras como "moksha" e "mukti" a libertao da lei do "carma". Embora o homem possa dar alguns passos em direo salvao de trs maneiras (no mutuamente exclusivas) - por intermdio da aodesinteressada, da intuio espiritual e do devotado amor a Deus , a etapa final dacomunho salvfica com Deus s pode ser alcanada com a ajuda da graa.

    20. Com relao ao budismo,podemos comear dizendo que Buda, ao lidar com o sofrimento

    do mundo, rejeitou a autoridade dos Vedas e a utilidade dos sacrifcios, e tambm no viumotivo para as especulaes metafsicas sobre a existncia de Deus e da alma. Procurava alibertao do sofrimento a partir do prprio homem. Sua viso central de que o desejohumano a raiz de todo mal e misria que, por sua vez, do lugar "ignorncia"("avidya")e a causa suprema do ciclo de nascimento e renascimento.

    21. Depois de Buda, apareceram muitas escolas de pensamento que transformaram seussimples ensinamentos bsicos em sistemas que tratam da doutrina do "Carma" como atendncia de nascer de novo, inerente na ao. A vida humana histrica no tem um fioexistencial unificador, pessoal, substantivo; feita simplesmente de fragmentos existenciaisno vinculados de nascimento, crescimento, decadncia e morte. A doutrina da "anicca", ou a"no permanncia" de toda realidade, central para o budismo. A ideia de impermannciaexistencial exclui a possibilidade da existncia de uma "atm", da o silncio de Buda sobre aexistncia de Deus ou da "atm". Tudo aparncia ("maya"). Nada pode ser dito sobre arealidade, seja de modo positivo ou negativo.

    22. Portanto, para o budismo, a redeno consiste em um estado de libertao ("Nirvana")deste mundo de aparncia, uma libertao da natureza fragmentria e da impermanncia daexistncia, alcanada por meio da supresso de todo desejo e de toda conscincia. Medianteuma tal libertao, atinge-se um estado puro e indeterminado de vazio. Sendo radicalmente ocontrrio do tormento transitrio deste mundo de Maya, o Nirvana literalmente:"extino", ou "apagamento" (isto , de todos os desejos), como se apaga a luz de uma velaquando a cera acaba de queimarfoge a uma definio terrena, mas no apenas um estado

    de extino completa ou aniquilamento total.Nirvana no um objetivo intelectual, mas umaexperincia impossvel de definir. a libertao de todos os desejos e vontades, a libertaodo ciclo de renascimento e sofrimento ("dukha"). O modo mais perfeito de libertao, para os

    budistas, o caminho de oito etapasperfeito entendimento, perfeita inteno, perfeita fala,perfeita conduta, perfeita ocupao, perfeito esforo, perfeita contemplao e perfeitaconcentrao ("Vinayana Pitaka") que coloca toda sua nfase nos esforos humanos. Na

    perspectiva budista, todos os outros caminhos religiosos so imperfeitos e secundrios.

    23. Como o judasmo e o cristianismo, o islamismo ("submisso") uma religio monotestabaseada na Aliana, com firme crena em Deus como Criador de todas as coisas. Como oprprio nome sugere, essa religio v a chave da verdadeira religio e, portanto, da salvao,

    na F, Confiana e Submisso total vontade de Deus misericordioso.24. De acordo com a f dos muulmanos, a religio islmica foi revelada por Deus, desde os

    primeiros instantes da humanidade, e confirmada pelas sucessivas alianas com No, Abrao,

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    Moiss e Jesus. O islamismo considera-se o acabamento e cumprimento de todas as alianasque existiram desde o princpio.

    25. O islamismo no possui a ideia do pecado original, e o sentido cristo de redeno noencontra espao no pensamento islmico. Todos os seres humanos so considerados criaturasque precisam de salvao, a qual s podem obter voltando-se para Deus com f total. O

    conceito de salvao tambm expresso pelas palavras "sucesso" ou "prosperidade". Mas aideia de salvao melhor expressa por palavras como segurana ou proteo: em Deus, araa humana encontra a segurana definitiva. A totalidade da salvao concebida emtermos de alegrias fsicas e espirituais3 conseguida apenas no ltimo Dia com o JuzoFinal e na vida no alm ("Akhira"). O islamismo acredita em um tipo de predestinao naquesto da salvao, seja rumo felicidade do paraso ou ao sofrimento no fogo do inferno("Nar"), mas o homem permanece livre para responder com a f e as boas obras. Os meios

    para chegar salvao alm da profisso de f so: a orao ritual, a doao legal de esmolas,o jejum do Ramad e a peregrinao casa de Deus, em Meca. Algumas tradies somam aesses meios o "jihad", ou "luta", como guerra santa para a difuso ou defesa do islamismo ou,mais raramente, como conflito espiritual pessoal.

    26. Alm das grandes religies clssicas do mundo, existem outras religies, chamadas deTradicionais, Primitivas, Tribais ou Naturais. As origens destas religies perderam-se naantiguidade. Suas crenas, cultos e cdigos ticos so transmitidos por meio da tradio oralviva.

    27. Os seguidores dessas religies acreditam em um Ser Supremo, identificado sob nomesdiferentes, e que se acredita ser o criador de todas as coisas, mas Ele prprio no-criado eeterno. O Ser Supremo delegou a superviso dos assuntos do mundo a divindades menores,conhecidas como espritos. Esses espritos influenciam o bem-estar ou as desgraas humanas.A propiciao dos espritos muito importante para o bem-estar humano. Nas ReligiesTradicionais tambm importante o sentido de comunho de um grupo com os ancestrais do

    cl, a tribo e a famlia humana em geral. Os ancestrais que morrem so respeitados evenerados de vrios modos, embora no sejam adorados.

    28. A maior parte das Religies Tradicionais tem mitos e histrias picas que falam de umestado de felicidade com Deus, da queda de uma situao ideal e da esperana em algum tipode redentor-salvador que vir para restabelecer o relacionamento interrompido e trazer areconciliao e a condio de felicidade. A salvao vista em termos de reconciliao eharmonia com os ancestrais mortos, os espritos e Deus.

    c) A doutrina crist da Redeno e o mundo moderno

    29. Alm de considerar as concepes da redeno propostas pelas grandes religies do

    mundo e as mais localizadas religies tradicionais e ancestrais de muitas culturas humanas, preciso, no entanto, dedicar um pouco de ateno a outros movimentos e estilos de vidaalternativos contemporneos que prometem a salvao a seus seguidores (por exemplo, oscultos modernos, os diversos movimentos da "Nova Era" e as ideologias de autonomia,emancipao e revoluo). Mas preciso ter cautela nessa rea, e o risco de simplificaesexageradas deve, se possvel, ser evitado.

    30. Seria enganoso sugerir, por exemplo, que os povos contemporneos se encaixam emapenas duas categorias: a da "modernidade" autoconfiante que acredita na possibilidade deauto-redeno, ou a de uma ps-modernidade desencantada que no acredita em nenhumamelhora na condio humana a partir de "dentro" e confia apenas na possibilidade de umasalvao que vem de "fora". Em vez disso, o que de fato encontramos um pluralismo

    cultural e intelectual, uma vasta gama de diferentes anlises da condio humana e umavariedade de maneiras de tentar lidar com ela. Junto com um tipo de trajetria rumo diverso e ao prazer, ou s absorventes e passageiras atraes do hedonismo, vemos umaretirada rumo a vrias ideologias e novas mitologias. Junto a um estoicismo mais ou menos

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    resignado, lcido e corajoso, percebemos tanto uma desiluso que se considera persistente erealista, como um protesto resoluto contra a reduo dos seres humanos e de seu ambiente condio de recursos comercializveis que podem ser explorados e contra a correspondenterelativizao, subestimao e, enfim, trivializao do lado obscuro da existncia humana.

    31. Portanto, um fato fica abundantemente claro na situao contempornea: a condio

    concreta dos seres humanos est cheia de ambiguidades. Seria possvel descrever de vriosmodos os dois "plos" entre os quais cada ser humano em particular, e a humanidade comoum todo, se acham de fato divididos. Por exemplo, existe em cada indivduo, por um lado, umintenso desejo de vida, felicidade e realizao e, por outro, a inevitvel experincia delimitao, insatisfao, fracasso e sofrimento. Passando do indivduo para a esfera geral,

    pode-se ver o mesmo quadro em uma tela maior. Aqui tambm possvel apontar, por umlado, o imenso progresso que tem sido conquistado pela cincia e tecnologia, peladisseminao dos meios de comunicao e pelos progressos alcanados, por exemplo, nodomnio das leis privadas, pblicas e internacionais. Mas, por outro lado, tambm se deveapontar as muitas catstrofes que ocorrem no mundo e, entre os seres humanos, tantacorrupo, com o resultado de que um nmero muito grande de pessoas sofrem terrvel

    opresso e explorao e tornam-se vtimas indefesas daquilo que, na verdade, s pode lhesparecer um destino cruel. Est claro que, apesar das diferenas de nfase, qualquer otimismodesanuviado sobre o progresso geral e universal proporcionado pela tecnologia vemclaramente perdendo terreno nos nossos dias. E no contexto contemporneo da injustia e dafalta de esperana generalizadas que a doutrina da redeno deve ser apresentada hoje.

    32. Mas importante observar que a f crist no faz julgamentos apressados: seja no sentidode rejeitar in toto ou de aceitar sem fazer crticas. Procedendo com boa vontade ediscernimento, ela no deixa de observar, na grande diversidade de anlises e atitudes queencontra, vrias percepes fundamentais que lhe parecem corresponder, em si mesmas, auma profunda verdade sobre a existncia humana.

    33. A f tambm observa, por exemplo, que, apesar de suas limitaes e dentro delas, ohomem assim mesmo procura uma possvel "realizao" em sua vida; que a maldade e osofrimento so por ele experimentados como algo profundamente "anormal"; que asdiferentes formas de protesto levantadas a partir desta perspectiva so em si mesmas sinais deque os seres humanos tm a necessidade de estar procurando por "algo mais", ou "algumacoisa a mais", "alguma coisa melhor". E, finalmente, como consequncia disso, a f crist vque os seres humanos contemporneos no esto simplesmente procurando uma explicao desua condio, mas esto aguardando ou esperando reconheam isso ou no poruma liberao efetiva do mal e uma confirmao e realizao de tudo que positivo em suasvidas: o desejo do bem e do melhor, etc.

    34. Mas, embora a Igreja reconhea a importncia de tentar compreender e avaliar osproblemas reais dos seres humanos no mundo, as diferentes atitudes por eles provocadas e aspropostas concretas feitas no sentido de enfrent-los, ela tambm reconhece a necessidade dejamais perder de vista a questo fundamental que est na base desses problemas e,necessariamente, tambm de qualquer modo proposto de resolv-los, ou seja, a questo daverdade: qual a verdade da condio humana? Qual o significado da existncia humana e,na perspectiva do prprio momento presente, o que pode, enfim, o homem esperar? Aoapresentar a doutrina da redeno ao mundo, a Igreja talvez possa considerar vrias

    perspectivas diferentes sobre as questes supremas, concentrando-se no aspecto da f crist naredeno que talvez seja o mais crucial para a humanidade: a esperana. Porque a redeno a nica realidade suficientemente poderosa para satisfazer as verdadeiras necessidades

    humanas e a nica realidade profunda o bastante para convencer as pessoas sobre o querealmente existe dentro delas4. Essa mensagem redentora de esperana baseia-se nas duasdoutrinas-chave do cristianismo, isto , a Cristologia e a Trindade. Nessas doutrinas,encontra-se a base racional suprema para a compreenso crist da histria humana e da pessoa

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    humana, feita imagem do Deus Trino, uma Unidade em Comunidade, e redimida por amorpelo Filho nico de Deus, Jesus Cristo, para o propsito de participao na vida divina, para aqual fomos primordialmente criados. Esta participao indicada pela doutrina daressurreio do corpo, quando os seres humanos, em sua realidade total, compartilham atotalidade da vida divina.

    35. Portanto, a avaliao crist da condio humana no isolada, mas um aspecto de umaviso muito mais ampla, em cujo centro encontra-se a compreenso crist de Deus e dorelacionamento de Deus com a raa humana e toda a ordem criada. Essa viso maior adaAliana que Deus desejou e ainda deseja para a raa. E uma Aliana por meio da qual Deusquer associar os seres humanos Sua vida, realizando muito alm do que eles possam porsi mesmos desejar ou concebertudo o que positivo dentro deles e libertando-os de tudo oque h de negativo em seu interior e que prejudica sua vida, felicidade e desenvolvimento.

    36. Mas essencial observar que, se a f crist fala dessa maneira sobre Deus e Sua vontadede instituir uma Aliana com os seres humanos, no por termos sido, por assim dizer,apenas informados (por meros ensinamentos) das intenes de Deus. E porque, de um modomuito mais radical, Deus literalmente interveio na histria e agiu no prprio corao dahistria; por seus "feitos poderosos", ao longo de toda a Antiga Aliana em primeiro lugar,mas suprema e definitivamente em e por meio de Jesus Cristo, Seu nico e verdadeiro Filho,que entrou, encarnou-se, na condio humana, em sua forma totalmente concreta e histrica.

    37. Estritamente falando, segue-se da que, a fim de estabelecer o que tm a dizer sobre acondio humana, os fiis no comeam questionando a si mesmos sobre isso, para depoisindagar a si prprios que tipo de esclarecimento ainda pode ser lanado sobre o problema peloDeus que eles professam. Da mesma maneira, e ainda estritamente falando, os cristos nocomeam afirmando a Deus com base em uma linha de argumento ou, pelo menos, no com

    base em uma reflexo puramente abstrata, para depois, apenas como ao secundria,passarem a examinar que tipo de esclarecimento esse conhecimento prvio de Sua existncia

    poderia trazer ao destino histrico da humanidade.38. Na realidade, para a revelao bblica, e portanto para a f crist, conhecer a Deus confess-Lo com base naquilo que Ele Prprio fez pelo homem, revelando-o totalmente a simesmo no prprio ato de revelar-Se a ele, precisamente por entrar em relao com ele:estabelecendo e oferecendo ao homem uma Aliana e chegando, com essa finalidade, ao

    ponto de vir e tornar-se encarnado na prpria condio humana.

    39. E, finalmente, a partir dessa perspectiva que a viso da pessoa humana e da condiohumana, apresentada pela f crist, adquire toda a sua especificidade e toda a sua riqueza.

    40. Por fim, deve-se dedicar alguma ateno ao que poderia ser chamado de debate cristo

    interno sobre a redeno, e especialmente questo de como o sofrimento e a morte de Cristose relacionam com a conquista da redeno da humanidade. A importncia dessa questo destacada hoje em muitos setores, por causa da observada inadequaoou, pelo menos, daobservada abertura a um srio e perigoso mal-entendido de certas maneiras decompreender a obra de redeno realizadas por Cristo em termos de compensao ou punio

    por nossos pecados. Alm do mais, a seriedade do problema do mal e do sofrimento nodiminuiu com a passagem do tempo mas, ao contrrio, intensificou-se, e a capacidade demuitos acreditarem que elepossa ao menos ser apropriadamente enfrentado foi minada nestesculo pelos prprios registros factuais. Nessas circunstncias, pareceria importante repensarcomo a Redeno revela a glria de Deus. Pode-se perguntar se uma tentativa de compreendera doutrina da redeno poderia ser, no fundo, um exerccio de teodiceia, uma tentativa de

    sugerir uma resposta digna de crdito para o "mistrio da iniquidade", nas palavras de Paulo, luz da f crist. O mistrio de Cristo e da Igreja a resposta divina. Em suma, seria aredeno ajustificao de Deus, ou seja, a mais profunda revelao Dele a ns e, portanto, adoao a ns da paz que "ultrapassa toda a compreenso"? (Fl 4,7).

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    41. A finalidade deste documento no ser um tratamento abrangente de toda a rea dateologia da redeno, mas abordar algumas questes selecionadas da teologia da redeno quese apresentam com uma fora particular dentro da Igreja de hoje.

    Parte II

    Redeno bblica: a possibilidade de liberdade

    1. Os registros bblicos refletem uma busca incessante pelo supremo significado da condiohumana5. Para Israel, Deus se faz conhecer pela Tor e, para o cristianismo, Deus se d aconhecer pela pessoa, os ensinamentos, a morte e a ressurreio de Jesus de Nazar. Porm,tanto a Lei como a Encarnao ainda deixam a humanidade na ambiguidade de uma revelaodada, contraposta a uma histria humana que no responde s verdades reveladas. Ainda"gememos, interiormente, esperando a adoo, a libertao para o nosso corpo" (Rm 8,23).

    2. O ser humano enfrenta uma situao dramtica, em que todos os esforos em busca de sualibertao da escravido e dos sofrimentos auto-infligidos esto destinados ao fracasso.Finitos por causa de nossa origem como criaturas, infinitos como resultado de nosso chamado

    para sermos um com o Criador, no somos capazes, com base em nossos prprios esforos, de

    passar do finito para o infinito. Assim, o cristo olha para alm das conquistas humanas."Incansveis so os nossos coraes, at que descansem em ti" (Agostinho, Confisses 1,1).

    3. J na sua legislao civil, Israel tinha conscincia de um "redentor" (go'el). As famliaspodiam pagar o resgate por um parente, para preservar a solidariedade da famlia.6Aimportncia da solidariedade da famlia est na base de instituies legais tais como ocasamento por levirato7, a vingana do sangue8e o ano do jubileu9. A lei israelita permite queuma pessoa condenada seja comprada de volta10. O pagamento do kofer liberta a pessoaculpada, sua famlia, a famlia vitimada e toda a comunidade, pois o conflito fica resolvido.H algumas narrativas no Antigo Testamento em que ocorrem atividades redentoras que tmsuas razes neste sistema legal. Por meio da auto-oferenda de Jud, que reverte o seu crime

    contra Jos11

    , a famlia redimida da vingana. Do mesmo modo, Jac, que havia roubadoEsa de sua bno de herana, compensa isto oferecendo uma grande parte de suapropriedade12. A vingana evitada.

    4. A religio israelita desenvolveu uma liturgia de expiao. Era o ato simblico dahomenagem, pelo qual a pessoa culpada cobre e paga uma dvida a YHWH. Eram osseguintes os elementos essenciais dessa liturgia:

    a. Os rituais so de instituio divina (lugares sagrados, sacerdcio sagrado e rituais ditadospor YHWH).

    b. YHWH quem perdoa13.

    c. Os ritos so todos sacrificais e, em geral, so sacrifcios de sangue, em que derramado osangue que representa a vida. YHWH d ao homem o sangue para o rito do perdo 14. Osangue sacrifical expressa a gratuidade do perdo no nvel da expresso ritual.

    5. As pessoas santas, e especialmente Moiss e os profetas que o seguiram, tinham grandevalor diante de Deus. Isso equilibrava o desvalor da maldade e do pecado de outros. Dessaforma, eles davam grande importncia intercesso para o perdo dos pecados15. A figura doServo Sofredor de Is 53,4-12 seria repetidamente usada no Novo Testamento como ummodelo de Cristo, o Redentor.

    6. As narrativas da ao de Deus no xodo (Ex 1-15) e o amor redentor de Ester e Rute16

    mostram como a liberdade vem da entrega desinteressada de si mesmo por uma nao ou uma

    famlia. Esses mesmos sentimentos so encontrados na vida de orao de Israel, que celebra oamor redentor de Deus por seu povo no xodo17 e seu cuidado e bondade que trazem aliberdade e a integridade para a vida do povo18.

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    7. Esses temas antigos de libertao e redeno so focalizados de forma mais intensa emJesus Cristo. Produto deste mundo, e um dom de Deus ao mundo, Jesus de Nazar aponta ocaminho para uma felicidade autntica e duradoura. Em sua pessoa, suas palavras e seus atos,ele mostrou que a presena reinante de Deus estava prxima e convocou todos converso afim de poderem ser parte desse Reino19. Jesus de Nazar contou parbolas do Reino queabalaram a estrutura profunda de nossa viso aceita do mundo20. Elas removem nossas

    defesas e nos tornam vulnerveis para Deus. Aqui Deus nos toca e seu Reino chega.

    8. Jesus, o contador das parbolas do Reino de Deus, era a Parbola de Deus. Sua inabalvelabertura para Deus encontrada em sua relao com o Deus tradicional de Israel, Deus como

    Abba.21Esta pode ser observada em sua disposio, como Filho do Homem, a enfrentar todosos possveis insultos, sofrimentos e morte, na certeza de que, no fim, Deus teria a ltima

    palavra.22Ele reuniu seguidores23e compartilhou sua mesa com pecadores, invertendo valoresaceitos ao lhes oferecer a salvao24. Perseverou em seu estilo de vida e em seusensinamentos, apesar da tenso que isso criava ao seu redor25, culminando com sua"destruio" simblica do Templo (Mc 11,15-19; Mt 21,12-13; Lc 19,45-48; Jo 2,13-22), sualtima ceia que prometia ser a primeira de muitas ceias semelhantes26e sua morte na Cruz27.

    Jesus de Nazar foi o mais livre de todos os seres humanos que j viveram. No tinha desejoalgum de controlar seu futuro, pois sua confiana radical em seu Abba-Pai libertava-o de taispreocupaes.

    9. A histria joanina da Cruz fala da revelao de um Deus que amou tanto o mundo a pontode lhe dar seu prprio Filho28, A Cruz o lugar onde Jesus "elevado"29para glorificar aDeus e, assim, obter a sua prpria glria30. "Ningum tem maior amor do que aquele que sedespoja da vida por aqueles a quem ama" (Jo 15,13). Como a Cruz d testemunho de Deus,todos os fiis subsequentes devem "olhar para aquele que traspassaram" (19,37).

    10. Boa parte da busca pela libertao, liberdade ou qualquer outra das expresses usadas hojeem dia para falar do que poderia ser chamado de uma "redeno" das ambiguidades da

    situao humana representa uma tentativa de evitar e ignorar o sofrimento e a morte. Ocaminho de Jesus de Nazar indica que a livre entrega de si mesmo aos desgnios de Deus,seja qual for o custo, traz glria para ns e tambm para Deus. A morte de Jesus no o atode um Deus impiedoso que exige o sacrifcio supremo; no um "resgate" pago a alguma

    potncia alienadora que nos escravizou. E o momento e o lugar em que um Deus que amor eque nos ama torna-se visvel. Jesus crucificado conta o quanto Deus nos ama e afirma que,nesse gesto de amor, um ser humano demonstrou sua concordncia incondicional com avontade de Deus.

    11. O Evangelho de Jesus crucificado demonstrou a solidariedade do amor de Deus com osofrimento. Na pessoa de Jesus de Nazar, esse amor salvador de Deus e sua solidariedade

    para connosco recebe sua forma histrica e fsica. A crucifixo, uma forma desprezvel demorte, tornou-se "Evangelho". Embora boa parte do Antigo Testamento veja a morte comodefinitiva e trgica31, esta ideia vai gradualmente dando lugar concepo emergente de umavida aps a morte32e ao ensinamento de Jesus de que Deus um Deus dos vivos, e no dosmortos.33Mas o sangrento episdio do Calvrio exigiu que a Igreja primitiva explicasse, porsi mesma e por sua misso, a eficcia expiatria de uma morte sacrificai de Jesus na Cruz34.

    12. O Novo Testamento usa imagens sacrificais para explicar a morte de Cristo. A salvaono pode ser obtida por meio da mera perfeio moral e o sacrifcio no pode ser consideradocomo um vestgio de uma religiosidade ultrapassada. O judasmo j fornecia o paradigma damorte expiatria do mrtir modelo35, mas isso ainda mais acentuado no Novo Testamento,

    por causa da importncia decisiva atribuda ao "sangue de Cristo". A cruz de Jesus, queocupou uma posio central na proclamao inicial, envolveu o derramamento de sangue. Osignificado salvfico da morte de Jesus foi explicado em termos emprestados da liturgiasacrifical do Antigo Testamento, em que o sangue desempenhava um papel importante.Continuando, porm transformando, o entendimento do Antigo Testamento quanto ao sangue

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    como marca essencial da vida, a linguagem e a teologia sacrifical apareceram na Igrejaprimitiva:

    I. Por uma argumentao tipolgica, o sangue de Cristo foi considerado eficiente noestabelecimento de uma nova e perfeita aliana entre Deus e o Novo Israel36. Mas, aocontrrio das repetidas aes dos sacerdotes da antiga aliana, o sangue de Jesus, o nico

    meio de obter remisso e santificao

    37

    , corre apenas uma vez, em um sacrifcio oferecido deuma vez por todas38.

    II. Por si s, a palavra "morte" no significaria uma obra redentora. "Sangue" implica mais doque morte. Tem a conotao ativa de vida39. A asperso de sangue sobre o altar era vista comoum ato essencial e decisivo de oferenda (Levtico) mas, para Paulo, a eficincia atribuda aosangue de Cristo (justificao, redeno, reconciliao e expiao) vai muito alm daextenso reivindicada pelo sangue em Levtico, em que seu efeito apenas negativo, acobertura ou neutralizao daquilo que impede o culto seguro ou aceitvel de Deus (Rm 3,24-25). Cristo considerado o kaporeth: ao mesmo tempo oferenda e propiciao.

    III. Estar em aliana significa obedecer40. A ideia de obedincia e lealdade Tor at a morte

    era bastante conhecida no judasmo do sculo I Paulo consegue explicar a morte de Jesuscomo obedincia s exigncias de Deus41. Essa obedincia no para acalmar um Deus irado,mas uma livre oferenda de si, que possibilita a criao da Nova Aliana. Os cristos entram na

    Nova Aliana por meio da imitao da pacincia e obedincia de Jesus42.

    IV. Como toda a vida terrena de Jesus43, sua morte na cruz ocorreu na presena e com aassistncia do Esprito Santo44. Aqui fica incompleta qualquer analogia com o AntigoTestamento. Foi Jesus Cristo "que pelo esprito eterno se ofereceu a Deus" (Hb 9,14). Tudo oque acontece na cruz d testemunho do Pai e, segundo Paulo, ningum pode chamar a Deusde Pai exceto no Esprito Santo, e o Esprito de Deus d testemunho dele nos fiis 45. Para oQuarto Evangelho, o Esprito Santo dado Igreja quando Jesus grita, "Tudo estconsumado!", e entrega o esprito (Jo 19,30:Paredoken to pneuma).

    V. A morte de Jesus foi louvor e exaltao a Deus. Ele permaneceu fiel na morte; demonstrouo Reino de Deus e, assim, Deus esteve presente na morte de Jesus. Por essa razo, a Igreja

    primitiva atribuiu morte de Jesus um poder redentor: "Embora sendo Filho, aprendeu aobedincia pelos prprios sofrimentos e, levado at a prpria consumao, veio a ser, paraquantos lhe obedecem, causa de salvao eterna, tendo sido proclamado por Deus sumosacerdote maneira de Melquisedec" (Hb 5,8-10). O sacrifcio de Jesus na cruz no foiapenaspassio, mas tambm actio. Este ltimo aspecto, a oferta voluntria de si mesmo ao Pai,com seu contedo espiritual, o aspecto mais importante de sua morte. O enredo no umconflito entre o destino e o indivduo. Pelo contrrio, a cruz uma liturgia de obedincia,manifestando a unidade entre o Pai e o Filho no eterno Esprito Santo.

    13. Jesus ressuscitado afirma a resposta misericordiosa de Deus a esse amor de auto-entrega.No final, o cristianismo olha para uma cruz vazia. A aceitao incondicional de Jesus deNazar em relao a tudo o que lhe foi pedido por seu Pai levou ao "sim" incondicional do Paia tudo o que Jesus disse e fez. E a ressurreio que proclama que o caminho de Cristo ocaminho que vence o pecado e a morte em uma vida que no tem limites.

    14. O cristianismo tem a tarefa de anunciar, com palavras e atos, o incio da libertao dasinmeras escravides que desumanizam a criao de Deus. A revelao de Deus em e porintermdio de Jesus de Nazar, crucificado porm ressuscitado, convoca-nos a ser tudo o quefomos criados para ser. A pessoa que participa do amor de Deus revelado em e por meio deJesus Cristo torna-se o que ela foi criada para ser: a imagem de Deus46, assim como Jesus o

    cone de Deus47. A histria de Jesus mostra que isso vai custar nada menos do que tudo. Masa resposta de Deus histria de Jesus igualmente intensa: a morte e o pecado foramconquistados de uma vez por todas48.

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    15. O poder de destruio permanece em nossas mos; a histria de Ado ainda estconosco49. Mas o dom da obedincia ao estilo de Cristo oferece a esperana de transformaoao mundo50, livre da Lei para uma unio frutfera com Cristo (Rm 7,1-6). A vida sob a Leitorna impossvel a verdadeira liberdade (Rm 7,7-25), enquanto a vida no Esprito Santo

    possibilita uma liberdade que vem do gracioso dom de Deus (Rm 8,1-13). Mas tal liberdades possvel por meio da morte para o pecado, de maneira que possamos estar "vivos para

    Deus em Jesus Cristo"51.

    16. A vida redimida dos cristos tem um bvio carter histrico e uma inevitvel dimensosocial. Os relacionamentos entre senhores e escravos jamais podero ser os mesmos outravez52; no h mais nem judeu nem grego, no h mais nem escravo nem homem livre, no hmais homem e mulher53. Os cristos so chamados a ser autenticamente humanos em ummundo dividido, a manifestao nica de amor, alegria, paz, pacincia, bondade, caridade,fidelidade, gentileza e autodomnio, vivendo pelo Esprito e caminhando ao lado do Esprito54.

    17. Na soteriologia da Carta aos Efsios e da Carta aos Colossenses, destacam-se os temas depaz e reconciliao: "Ele (Cristo) a nossa paz" (Ef 2,14). Aqui, paz (shalom) e reconciliaotornam-se o centro e a melhor expresso da redeno. Mas esse aspecto da redeno no novo. A palavra "paz" deve ser entendida luz de seu rico uso ao longo da tradio bblica.Ela tem uma dimenso tripla:

    I. Significa paz com Deus: "Assim, pois, justificados pela f, ns estamos em paz com Deus,por nosso Senhor Jesus Cristo" (Rm 5,1).

    II. Significa paz entre os homens. Compreende a boa disposio de uns para com os outros. Apaz, que Cristo, destri as paredes do dio, da diviso e dos desentendimentos e construdacom base na confiana mtua.

    III. Significa a importantssima paz interior que o ser humano pode encontrar dentro de simesmo. Este aspecto da paz de Cristo tem consequncias abrangentes. Paulo (Rm 7,14-25),

    fala da pessoa humana dividida contra si mesma, cuja vontade e aes esto em conflito entresi. Essa pessoa, sem o poder libertador que vem do dom da graa e da paz de Jesus Cristo, spode gritar: "Infeliz que eu sou! Quem me livrar deste corpo que pertence morte?" (Rm7,24). Paulo imediatamente oferece a resposta: "Graas sejam dadas a Deus por Jesus Cristo,nosso Senhor!" (Rm 7,25).

    18. No hino a Cristo que abre a Carta aos Colossenses (Cl 1,15-20), a redenoproporcionada por Cristo louvada como uma redeno universal, csmica. Toda a criaodeve ser libertada de sua escravido deteriorao, para obter a gloriosa liberdade dos filhosde Deus. Este tema da integridade essencialmente voltada para Deus de toda a criao, jeloquentemente expresso por Paulo na anterior Carta aos Romanos55, conscientiza-nos de

    nossas responsabilidades contemporneas em relao criao.19. Na Carta aos Hebreus, encontramos a imagem do povo errante de Deus em seu caminho

    para a terra prometida do repouso divino (Hb 4,11). O modelo o da gerao de Moiss, queviaja pelo deserto durante quarenta anos em busca da terra prometida de Cana. Em JesusCristo, no entanto, temos o "promotor da salvao" (Hb 2,10) que, na sua qualidade de Filho, muito superior a Moiss56. Ele o sumo sacerdote de acordo com a ordem de Melquisedec.Seu sacerdcio no apenas ultrapassa o sacerdcio da Antiga Aliana, mas de fato o aboliu(Hb 7,1-28). Jesus Cristo nos libertou de nossos pecados por intermdio de seu sacrifcio. Elenos santificou e nos tornou seus irmos. Redimiu aqueles que, por medo da morte, estavamsujeitos escravido durante a vida inteira (Hb 2,10-15). Ele agora aparece como nossoadvogado, diante da face de Deus (Hb 9,24; 7,25).

    20. Assim, a jornada crist ao longo da histria marcada por uma inabalvel confiana. verdade que "ver o que se espera no mais esperar: o que se v, como ainda esper-lo? Masesperar o que no vemos aguard-lo com perseverana" (Rm 8,24-25). Podemos no v-la,

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    mas recebemos a promessa da Nova Jerusalm, o lugar onde "Ele habitar com eles. Elessero seu povo e ele ser o Deus que est com eles. Ele enxugar toda lgrima de seus olhos.J no haver morte. No haver mais luto, nem clamor, nem sofrimento, pois o mundo antigodesapareceu. ... Eis que eu fao novas todas as coisas" (Ap 21,3-5). J presenteados com oEsprito, a liberdade e a garantia57que vem da morte e ressurreio de Jesus, caminhamosconfiantes na direo do fim dos tempos, gritando: "Vem, Senhor Jesus!" (Ap 22,20).

    Parte III

    Perspectivas histricas

    a) Interpretaes patrsticas da redeno

    Introduo

    1. Os Padres continuaram o ensinamento do Novo Testamento sobre a redeno,desenvolvendo e elaborando certos temas luz de sua prpria situao religiosa e cultural.Enfatizando a libertao do paganismo, da idolatria e dos poderes demonacos, e de acordocom a mentalidade contempornea, eles interpretaram a redeno principalmente como uma

    libertao da mente e do esprito. No entanto, no ignoraram a importncia do corpo, em queos sinais da deteriorao e da morte, como consequncias do pecado58, apareciam de formamais evidente. Fiis ao axioma caro cardo salutis", repudiaram a concepo gnstica daredeno apenas da alma.

    2. Os Padres tm clara noo da obra "objetiva" de redeno e reconciliao que propicia asalvao do mundo como um todo, e de uma obra "subjetiva" que diz respeito aos sereshumanos individuais. A obra "objetiva" est intimamente preocupada com a encarnao e aCristologia, enquanto a "subjetiva" est interessada nos sacramentos e na doutrina da graa,que acompanham e direcionam a histria humana para o schaton.

    Os Padres Apostlicos e os Apologistas

    3. Incio de Antioquia usa o ttulo soteriolgico Christos iatros (Christus medicus). "Existeum mdico que de carne e esprito, criado e no criado, Deus feito carne, verdadeira vida namorte, (nascido) tanto de Maria como de Deus, primeiro passvel e depois impassvel, JesusCristo, nosso Senhor"59. Cristo no s cura as doenas, mas tambm abraa a morte, namedida em que ela vida; de fato, a verdadeira vida encontrada na morte. Sua atividade decura, que parte de sua obra redentora nos Evangelhos, expressa, antes de tudo, sua divina

    bondade: ele queria que suas curas e exorcismos fossem boas obras, pelas quais as pessoasdariam louvor ao Pai. Suas curas basearam-se em seu poder divino de perdoar os pecados,

    para o que a nica condio exigida era a f. Esta linha de pensamento pode ser encontradanaPrimeira Carta de Clemente 60na Carta a Diogneto61e em Orgenes62.

    4. O pensamento de Justino est intimamente ligado ao credo. Sua compreenso do Christsdidaskalos e doLogos didaskalos lembra o ensinamento de Jesus sob Pncio Pilatos. OsApologistas enfatizam a figura de Christus Magister (Christos didaskalos) e ainda tm ointeresse centralizado em seus ensinamentos e exorcismos, mas Justino apoia-se

    principalmente na tradio da prtica sacramental da Igreja e nas formulaes de f para suaexplicao da presena curadora de Cristo. As palavras doLogoschegam com fora divina;elas tm o poder libertador. Gnesis 6,1-4 coloca em ao as foras do mal, e a histria dasalvao marcada pelos confrontos entre Cristo e os demnios em uma luta contra a semprecrescente depravao, conforme ensinado na Apologia de Justino (II, 5, 1-6;6) e emAtengoras (Supplic. 25,3-4). O artigo do Credo dos Apstolos "descendit adinferos" descreve a culminao dessa batalha por meio do batismo, da tentao, dos

    exorcismos e da ressurreio de Jesus. De maneira semelhante, o uso que Justino fazdesotrpara falar da continuao da obra redentora de Cristo vem das frmulas da liturgia edo credo. O mesmo pode ser dito sobre sua ideia de Jesus comoRedemptor e auxiliador, Filhode Deus, primognito de toda criao, nascido de uma virgem, que sofreu sob Pncio Pilatos,

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    morreu e ressuscitou dos mortos e subiu aos cus, expulsando, derrotando e subjugando todosos demnios63. Embora d continuidade ao pensamento dos Padres Apostlicos, Justinoapoia-se tambm nos credos batismais, no Novo Testamento e nasotera vivenciada nossacramentos da Igreja.

    Ireneu

    5. No incio deAdversus haereses, Livro 5, Ireneu explica: Cristo, o mestre (ChristusMagister) o Verbo encarnado, que estabeleceu a comunho conosco, de maneira que opudssemos ver, entender sua palavra, imitar seus atos, obedecer suas ordens e vestir aincorruptibilidade. Nisto, somos refeitos imagem de Cristo. Ao mesmo tempo, Cristo oVerbo poderoso e homem verdadeiro (Verbum potens et homo verus) que, de maneirainteligvel (rationabiliter), redimiu-nos por seu sangue, entregando a si mesmo comoresgate (redemptionem)por ns. Para Ireneu, a redeno foi realizada de um modo que o serhumano pudesse compreender (rationabiliter): o Verbo, que absoluto em poder, tambm

    perfeito em justia. Portanto, o Verbo pode opor-se ao inimigo, no com a fora, mas compersuaso e bondade, assumindo tudo o que por direito lhe pertence (sua proprie et benigneassumens). Ireneu no admite que Satans tenha qualquer direito de dominao sobre ahumanidade depois da Queda. Ao contrrio, Satans governa injustamente (iniuste),porquens pertencemos a Deus segundo a nossa natureza (cum natura essemus Deiomnipotents). Ao nos redimir por seu sangue, Cristo inaugurou uma nova etapa na histria dasalvao, enviando o Esprito do Pai para que Deus e a humanidade possam unir-se e estar emharmonia. Por meio de sua encarnao, ele concedeu de forma verdadeira e segura aincorruptibilidade humanidade64. O Redentor e a redeno so inseparveis, porque aredeno nada mais do que a unio do redimido com o Redentor65. A mera presena doLogos divino na humanidade tem um impacto curador e enobrecedor sobre a natureza humanaem geral.

    6. A ideia de "recapitulao" (anakephalaosis) em Ireneu compreende a restaurao da

    imagem de Deus no homem. Embora a expresso venha de Efsios 5,10, o pensamento deIreneu tem uma ampla base bblica. O terminus a quo da redeno a libertao do domniode Satans e a recapitulao da histria anterior da humanidade. O terminus ad quem oaspecto positivo: a renovao da imagem e semelhana de Deus. O primeiro Ado carrega emsi a semente de toda a raa humana; o segundo Ado, por meio da encarnao, recapitula cadaindivduo que viveu at ento e dirige-se a todos os povos e lnguas. A redeno no olhaapenas para o passado; ela uma abertura para o futuro. Para a recapitulao da imagem esemelhana de Deus, tanto o Verbum como o Spiritus devem estar presentes. O primeiro Ado

    prenuncia o Verbo encarnado, em. vista de quem o Verbum e o Spiritus haviam formado oprimeiro homem, mas ele ficou estacionado na "infncia", porque o Esprito que d ocrescimento o deixou. A concesso da semelhana do Esprito Santo introduz o perodo novo

    e final da "oeconoma", que foi completado na ressurreio, quando toda a raa humanarecebeu a forma do novo Ado66. O aspecto espiritual da anakephalaosis importante porquea posse permanente da vida s se concretiza por meio do Esprito67. Embora a encarnaoresuma o passado, condensando-o na recapitulao, em certo sentido ela leva o passado a umfim. O derramamento do Esprito Santo, que foi inaugurado na ressurreio, direciona ahistria para o schaton e torna a anakephalaosis realmente universal.

    Tradies gregas

    7. Atansio nunca menosprezou o significado do pecado, mas viu claramente que o redentortinha de curar no apenas a realidade do pecado em si, mas tambm as suas consequncias: a

    perda da semelhana com Deus, a corrupo e a morte68.Atansio afirmava que, se Deus sprecisasse levar em conta o pecado, poderia ter realizado a redeno de algum outro modoque no pela encarnao e crucifixo. Ele no negava que Cristo tivesse entrado em contatoimediato com o pecado, mas afirmava que, embora o pecado no afetasse a natureza divina de

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    Cristo, ele experimentou em sua natureza humana as consequncias do pecado. Ele entrou nomundo do pecado e da corrupo, porque a corrupo e a morte so, elas mesmas, o pecado69.

    8. Gregrio de Nazianzo ensina que a encarnao ocorreu porque a humanidade precisava deuma ajuda maior. Antes da encarnao, a pedagogia de Deus tinha sido insuficiente 70.Cristoassumiu toda a condio humana para nos libertar do domnio do pecado 71, mas a fonte da

    salvao, possibilitada pela encarnao, a crucifixo e ressurreio de Cristo

    72

    .9. Gregrio rejeita totalmente a suposio de que Deus teria entrado em negociao comSatans, e a sugesto de que um resgate teria sido pago ao Pai. Qualquer coisa que fossetocada pela divindade era santificada73. Esta ideia desenvolvida por Gregrio de Nissa, quecombina imagens joaninas para afirmar que o Verbo, como um pastor, uniu-se centsimaovelha. Estabelecendo uma analogia com "o Verbo se fez carne", ele afirma que "o pastor sefez ovelha"74. A mesma ideia retorna em Agostinho: "Ipse ut pro omnibus pateretur, ovis est

    factus"75.

    Tradies latinas

    9. Na tradio latina, Ambrsio e Agostinho fundamentaram-se na riqueza dos "mistrios" da

    Igreja, na vida litrgica, na orao e especialmente na vida sacramental, que floresciam naIgreja latina do sculo IV. Ambrsio, cujos conhecimentos do idioma grego lhe permitiramtrazer boa parte da tradio oriental para o Ocidente, baseou seus ensinamentos nossacramentos do Batismo, Penitncia e Eucaristia. Isso no s nos proporciona um testemunhoinestimvel da vida sacramental da Igreja latina, mas tambm da maneira como a Ecclesiaorans entendia o mistrio da ao redentora de Deus no acontecimento de Cristo, passado(redeno objetiva), presente e futuro (redeno subjetiva)76.

    10. Agostinho no um inovador no pensamento cristo quanto redeno. No entanto, comprofundidade e viso, ele elabora e sintetiza as tradies, as prticas e as oraes da Igreja querecebeu. S Deus pode ajudar a humanidade em sua impotncia77. Agostinho revela o

    profundo abismo entre nosso estado real e nossa vocao divina. No pode haver negociaoentre Deus e Satans. A redeno s pode ser uma obra da graa78. No plano divino dasalvao, a misso de Cristo restringe-se a um certo perodo de tempo mas, ainda assim, uma realidade supra terrestre: o amor do Deus irado para com a humanidade. Este amoreterno produz, por meio da crucifixo e morte de Cristo, a reconciliao e a condio deFilho.79A obra de redeno tem de ser digna tanto de Deus quanto do homem e, assim, Deus

    perdoa e esquece o pecado apenas se a pessoa humana se arrepender e expi-lo. Quando issoacontece, Deus revoga o pecado e a morte. Assim, a reparao e a reconciliao baseiam-sena justia, j que somente desse modo a humanidade pode participar com responsabilidade dahistria da salvao. A humanidade de tal maneira atrada para a reconciliao que aceitaativamente a salvao e a redeno.

    11. A redeno no um evento que simplesmente acontece ao ser humano. Estamosativamente envolvidos nela, por meio de nossa cabea, Jesus Cristo. O sacrifcio redentor deCristo o pice da atividade cultual e moral da humanidade. o nico sacrifciomeritrio (sacrificium singulare). A morte de Jesus Cristo um sacrifcio perfeito e um ato deadorao. A crucifixo um resumo de todos os sacrifcios anteriormente oferecidos a Deus.Aceita pelo Pai, ela obtm a salvao para os irmos e irms de Cristo. Repetindo uma ideiaque, como no caso de Ambrsio, estava associada sua compreenso do efeito redentor davida sacramental da Igreja, especialmente o Batismo, Agostinho ensinou que todos ossacrifcios, inclusive o da Igreja, s podem ser uma "imagem"80dosacrificium singulare, osacrifcio de Cristo81.

    12. Embora seja pura graa, a redeno compreende a satisfactio obtida pela obedincia doFilho de Deus, cujo sangue o resgate por meio do qual ele mereceu e obteve a justificao ea libertao82. Jesus Cristo realiza sua batalha como ser humano e, desse modo, salva a honrada humanidade em sua perfeita resposta a Deus (o "factio" exigido da humanidade) e tambm

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    revela a majestade de Deus (o "satis" de Deus, que completa a "satisfactio"). Assim, Cristono apenas aquele que cura, mas tambm o santificador, que salva pela santificao.Continuando uma tradio dos Padres anteriores, Agostinho insiste que Cristo a cabea dahumanidade mas, como tambm j era o Salvador da humanidade antes de todo tempo e antesde sua encarnao, Cristo influencia todos os indivduos, assim como a humanidade em geral.

    Concluso13. Os temas que chegam at ns pela tradio bblica formam a base da reflexo patrsticasobre a redeno. O abismo entre a condio humana e a esperana de liberdade para sermosfilhos e filhas do nico Deus verdadeiro claramente compreendido e apresentado. Ainiciativa de Deus cria uma ponte sobre o abismo por meio do sacrifcio de Jesus Cristo e desua ressurreio. Dentro das diferentes escolas de pensamento, esses elementos formam a

    base da reflexo patrstica. Igualmente importante para os Padres a associao da histriahumana e dos indivduos humanos com a morte e ressurreio de Jesus Cristo. Uma vida deamor e obedincia reflete e, de certo modo, envolve-nos no significado perene de sua vida emorte. Embora falassem de maneiras diferentes, refletindo suas prprias vises de mundo eseus prprios problemas, os Padres da Igreja elaboraram mais profundamente, com base no

    Novo Testamento e nos crescentes "mistrios" da vida, orao e prtica da Igreja, um slidocorpo de tradio sobre o qual poderia ser construda a reflexo teolgica posterior.

    b) Teorias mais recentes da redeno

    14. As Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja proporcionam uma base slida para areflexo sobre a redeno da raa humana por meio da vida, do ensinamento, da morte e daressurreio de Cristo como o Filho de Deus encarnado. Proporcionam tambm umaabundncia de metforas e analogias para ilustrar e contemplar a obra redentora de Cristo.Falando de Cristo como conquistador, mestre e mdico, os Padres tenderam a dar nfase ao "descendente" de Deus, mas no menosprezaram a obra de Cristo como aquele queoferece satisfao, pagando o "resgate" devido e oferecendo o nico sacrifcio aceitvel.

    15. Estaria fora do mbito do presente documento uma retomada da histria da teologia daredeno ao longo dos sculos. Para o nosso propsito, ser suficiente indicar alguns pontosde destaque dessa histria, a fim de expor as principais questes que devem ser consideradasnuma elaborao contempornea.

    Idade Mdia

    16. A contribuio medieval teologia da redeno pode ser estudada em Anselmo, Abelardoe Toms de Aquino. Em sua obra clssica Cur Deus Homo, Anselmo, sem esquecer ainiciativa "descendente" de Deus na encarnao, coloca a nfase sobre a obra "ascendente" derestituio legal. Ele comea com a ideia de Deus como Senhor soberano, cuja honra

    ofendida pelo pecado. A ordem de justia comutativa exige reparao adequada, que s podeser dada pelo Deus-homem. "Esta dvida era to grande que, embora ningum alm dohomem pudesse sald-la, ningum alm de Deus era capaz de faz-lo; de tal maneira quequem o realiza tem de ser ambos, Deus e homem"83. Ao oferecer a satisfao adequada, Cristoliberta a humanidade da pena devida pelo pecado. Embora enfatize a morte satisfatria deCristo, Anselmo no fala nada a respeito da eficincia redentora da ressurreio de Cristo.Preocupado com a libertao da culpa, ele d pouca ateno ao aspecto da divinizao.Concentrando sua ateno na redeno objetiva, Anselmo no se estende quanto apropriaosubjetiva dos efeitos da redeno pelos redimidos. Ele reconhece, porm, que Cristo deu umexemplo de santidade para todos seguirem84.

    17. Embora sem negar o valor satisfatrio da morte de Cristo, Pedro Abelardo prefere falar deCristo como aquele que ensina por meio do exemplo. Na sua concepo, Deus poderia tersatisfeito sua honra sem a cruz de Cristo, mas Deus queria que os pecadores se reconhecessemcomo objetos do amor crucificado de Jesus e, assim, se convertessem. Abelardo v na paixo

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    de Cristo uma revelao do amor de Deus, um exemplo que nos incita imitao. Comoseu locus classicus, ele recorre a Jo 15,13: "Ningum tem maior amor do que aquele que sedespoja da vida por aqueles a quem ama"85.

    18. Toms de Aquino retoma o conceito de satisfao de Anselmo, mas interpreta-o demaneira semelhante a Abelardo. Para Aquino, a satisfao a expresso concreta da tristeza

    pelo pecado. Ele afirma que a paixo de Cristo compensou o pecado por serpreeminentemente um ato de amor, sem o que no poderia haver satisfao86. Em seusacrifcio, Cristo ofereceu a Deus mais do que era exigido. Citando 1Jo 2,2, Aquino declaraque a paixo de Cristo prestou uma satisfao superabundante pelos pecados do mundointeiro87. A morte de Cristo foi necessria apenas como resultado de uma deciso autnomade Deus de redimir a humanidade de um modo apropriado, que mostrasse ao mesmo tempo a

    justia e a misericrdia de Deus88. Para Aquino, Cristo redentor cura e diviniza os sereshumanos pecadores no apenas por sua cruz, mas tambm por sua encarnao e por todos osseus acta et passa in carne, inclusive sua gloriosa ressurreio. Em seu sofrimento e morte,Cristo no um mero substituto de pecadores cados, mas a cabea representativa de umahumanidade regenerada. Aquino declara "que Cristo a cabea da Igreja e que a graa que ele

    possui como cabea passada para todos os membros da Igreja, por causa da conjunoorgnica obtida dentro do Corpo Mstico"89.

    Reforma e contra-reforma

    19. Os reformadores protestantes adotaram a teoria anselmiana, mas no distinguiram, comoele havia feito, entre as alternativas de satisfao e castigo. Para Lutero, a satisfao tem lugar

    precisamente pelo castigo. Cristo est sob a ira de Deus pois, como Paulo ensina na Carta aosGlatas 3,13, ele assumiu no apenas as consequncias do pecado, mas o prprio pecado 90.De acordo com Lutero, Cristo o maior de todos os ladres, assassinos, adlteros e blasfemosque jamais viveram91. Em alguns pontos, Lutero fala paradoxalmente de Cristo como sendototalmente puro e, ainda assim, o maior de todos os pecadores92. Como Cristo pagou por

    completo a conta devida a Deus, estamos dispensados de qualquer compromisso. Ospecadores podem completar a "transao bem-sucedida" se pararem de se apoiar emquaisquer mritos prprios e vestirem-se pela f com os mritos de Cristo, assim como ele sevestiu com os pecados da humanidade93. A justificao ocorre apenas por meio da f.

    20. Calvino apresenta uma compreenso imputvel da pecaminosidade de Cristo. Diz ele queCristo estava coberto pela sujeira do pecado mediante a "imputao transferida" 94. A culpaque nos tornava passveis de punio foi transferida para a cabea do Filho de Deus. Acima detudo, devemos lembrar essa substituio95a fim de sermos libertados da ansiedade. Jesus nos morreu como malfeitor; ele tambm foi para o inferno e sofreu as dores dos condenados96.

    21. No sculo XVII, Hugo Grotius formulou a soteriologia de Calvino em uma forma mais

    jurdica, explicando de modo detalhado como o derramamento do sangue de Cristo mostra odio de Deus pelo pecado97.

    22. O Conclio de Trento apresenta uma breve discusso da redeno no Decreto sobre aJustificao. Baseando-se em Agostinho e Aquino, o Conselho afirmou que Cristo, por meiode seu grande amor, mereceu a nossa justificao e satisfez por ns no madeiro da cruz98. Adoutrina da satisfao integrada por Trento em um quadro mais amplo, que inclui adivinizao conferida aos pecadores justificados por meio do Esprito Santo, que os tornamembros vivos do corpo de Cristo99.

    Protestantismo liberal

    23. Em algumas verses da pregao protestante, e mesmo catlica, a teoria da substituiopenal apresentava Deus quase como um soberano vingativo exigindo reparao por sua honraofendida. A ideia de que Deus puniria os inocentes em lugar dos culpados pareciaincompatvel com a certeza crist de que Deus eminentemente justo e cheio de amor.

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    compreensvel, portanto, que os cristos liberais adotassem uma abordagem bem diferente,em que a justia vingativa de Deus no tinha lugar. Retomando Abelardo em certos aspectos,alguns telogos do sculo XIX deram nfase ao amor exemplar de Jesus, que evoca umaresposta de gratido, permitindo que outros imitassem suas aes amorosas e, assim,alcanassem a justificao. Sob a influncia de Kant, a doutrina da redeno foi purificada desuas supostas "corrupes sacerdotais", inclusive dos conceitos de sacrifcio e satisfao

    penal. Albrecht Ritschl, com o devido crdito a Kant, redefiniu a redeno em termos deliberdade para colaborar em uma associao de virtude, com vistas ao "Reino de Deus"100.

    24. Uma variao da teoria liberal pode ser encontrada em Schleiermacher, que afirmava queJesus nos leva perfeio no tanto por aquilo que ele faz, mas pelo que ele , como oexemplo supremo de conscincia humana transformada pela unio com o divino. Ao invs defalar apenas em influncia moral, Schleiermacher usou categorias de causalidade orgnicas emesmo fsicas. "Ao lhes conferir um novo princpio vital, o Redentor assume os fiis nacomunidade de Sua lmpida bem-aventurana, e esta sua atividade reconciliadora"101.

    Movimentos do sculo XX

    25. Vrias novas teorias da redeno surgiram no sculo XX. Na teologia querigmtica deRudolf Bultmann, Deus redime a humanidade por meio da proclamao da cruz e daressurreio. Para Bultmann, o significado redentor da cruz no reside em qualquer teoria"ascendente" de sacrifcio ou satisfao vicria (ambas as quais tm sabor de mitologia), masno julgamento "descendente" do mundo e sua libertao do poder do mal. A mensagem

    paradoxal da salvao por meio da cruz provoca nos seus ouvintes uma resposta de amorosasubmisso, pela qual eles so levados da existncia no autntica para a autntica. "Acreditarna cruz de Cristo no significa voltar-se para um processo mtico forjado fora de ns e denosso mundo, para um acontecimento objetivo visvel que Deus reverte para nosso bem, massignifica crer na cruz, a saber, assumir a cruz de Cristo como sua, deixar-se crucificar comCristo"102.

    26. Paul Tillich tem uma teoria existencial semelhante, exceto pelo fato de atribuir o poder desuperao da alienao humana imagem bblica de Jesus como o Cristo, e especialmente aosmbolo da Cruz. "A Cruz no a causa, mas a manifestao efetiva de Deus assumindo sobresi as consequncias da culpa humana"103. Como Deus participa do sofrimento humano, assimsomos redimidos ao participar espontaneamente dessa participao divina e permitir que elanos transforme"104.

    27. Em qualquer uma de suas formas, a teoria existencial atribui a redeno ao poder de Deusoperante por meio das palavras ou smbolos que transformam a auto-compreenso humana.Uma ateno apenas secundria dedicada ao prprio Jesus, que considerado uma figurahistrica obscura e envolta pelo mito.

    28. Reagindo contra o descaso pelo Jesus histrico na teologia querigmtica e contra apiedade centralizada na Igreja dos ltimos sculos, alguns telogos mais recentes tm seesforado para reconstruir a histria real de Jesus e tm enfatizado o modo como sua morteresultou de sua luta contra estruturas opressivas e injustas, tanto polticas quanto religiosas.Jesus, afirma-se, defendeu os direitos dos pobres, dos marginalizados e dos perseguidos. Seusseguidores so convocados a demonstrar solidariedade para com os oprimidos. A vida e mortede Jesus so vistas como redentoras, na medida em que inspiram outros a entrar na luta poruma sociedade mais justa. Esse tipo de soteriologia caracterstico da teologia da libertao ede algumas verses da teologia poltica105.

    29. A teologia da libertao pode parecer unilateral em sua nfase nas reformas sociais. Como

    concordam alguns dos seus defensores, a santidade no pode ser alcanada, nem o pecadovencido, por uma mera mudana nas estruturas sociais e econmicas. J que o mal tem suafonte em grande medida no corao humano, os coraes e as mentes precisam sertransformados e impregnados com a vida de cima. Os telogos da libertao divergem entre si

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    quanto nfase que do esperana escatolgica. Alguns deles afirmam de maneira explcitaque o Reino de Deus no pode ser totalmente estabelecido pela ao humana dentro dahistria, mas apenas pela ao de Deus naParousia.

    30. Entre os telogos modernos que desejam restaurar o sentido da ao "descendente" deDeus em benefcio de suas criaturas necessitadas, Karl Rahner merece meno especial. Ele

    coloca Jesus como o smbolo insupervel que manifesta a vontade salvfica universal eirreversvel de Deus. Como realidade simblica, Cristo efetivamente representa tanto a auto-comunicao irrevogvel de Deus na graa como a aceitao dessa auto-comunicao pelahumanidade106. Rahner bastante reservado em relao noo de sacrifcio expiatrio, quedescreve como uma ideia primitiva que era aceita como vlida nos tempos do NovoTestamento, mas que "no oferece muita ajuda hoje para a compreenso daquilo que estamos

    procurando", ou seja, o significado causal da morte de Jesus107. Na teoria de causalidadequase sacramental de Rahner, a vontade salvfica de Deus produz o sinal, no caso a morte deJesus e sua ressurreio, e no sinal e por meio dele faz acontecer aquilo que significado108.

    31. Parece que, para Rahner, os benefcios essenciais da redeno podem ser obtidos pelaaceitao da auto-comunicao interior de Deus, que dada a todos, como um "existencialsobrenatural", antes mesmo de a Boa Nova de Jesus Cristo ser ouvida. A mensagem doEvangelho, quando se torna conhecida, permite compreender melhor o que j est implcito na

    palavra interior da graa de Deus. Todos que ouvem e acreditam na mensagem crist obtm agarantia de que a palavra final de Deus para os seres humanos no de severidade e

    julgamento, mas de amor e misericrdia.

    32. A teoria de Rahner de inquestionvel valor por colocar a nfase sobre a iniciativaamorosa de Deus e sobre a resposta apropriada de confiana e gratido. Ela se afasta daslimitaes legalistas e moralistas de algumas teorias anteriores. No entanto, algunsquestionaram se a teoria deixaria espao suficiente para a eficcia causal do evento de Cristo eespecialmente para o carter redentor da morte de Jesus na cruz. Por acaso o smbolo-Cristo

    simplesmente expressa e comunica o que dado anteriormente pela vontade salvficauniversal de Deus? A palavra interior de Deus (como "revelao transcendental") enfatizadaa expensas da palavra exterior dada na proclamao do evangelho como Boa Nova?

    33. Indo alm de Rahner, vrios telogos contemporneos introduziram uma distino maisradical entre os aspectos transcendentais e predicamentais da religio. Para eles, a revelao,como orientao transcendental, dada ao esprito humano sempre e em toda parte. Nasvrias religies, inclusive no judasmo e no cristianismo, eles encontram simbolizaeshistrica e culturalmente condicionadas de uma experincia espiritual comum a todas elas.Todas as religies so consideradas redentoras, na medida em que seus "mitos" provocam aconscincia do trabalho interior da graa e incitam seus seguidores ao libertadora. Apesar

    de suas divergncias doutrinrias, afirma-se, as vrias religies esto unidas em suaorientao para a salvao. "A confiana comum, no entanto, permanece soteriolgica, sendoa preocupao da maior parte das religies a libertao (vimukti, moksa, nirvana)" 109. Com

    base em raciocnios como esse, um telogo contemporneo sugere uma transio doteocentrismo ou Cristocentrismo para o que ele chama de "soteriocentrismo"110.

    34. Essas abordagens inter-religiosas so tentativas louvveis de alcanar uma harmonia entreas diferentes concepes religiosas e reafirmar o centralismo da soteriologia. Mas asdiferentes identidades das religies ficam ameaadas. O cristianismo, em particular, desfigurado se for privado de sua doutrina de que toda redeno no ocorre simplesmente porintermdio de uma obra interior da graa divina ou por meio do compromisso humano com aao libertadora, mas mediante a obra salvadora do Verbo Encarnado, cuja vida e morte soacontecimentos histricos reais.

    35. Partindo-se da teologia transcendental das religies, resta apenas um pequeno passo paraas teorias da Nova Era, j mencionada na primeira parte. Na suposio de que o divino seja

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    um constitutivo intrnseco inerente da natureza humana, alguns telogos argumentam emfavor de uma religio de celebrao centralizada na criao, em lugar da nfase cristtradicional na queda e na redeno. A salvao vista como sendo a descoberta e atualizaoda presena divina imanente por meio da espiritualidade csmica, da liturgia do jbilo e detcnicas psicolgicas de elevao do nvel de conscincia ou de autodomnio111.

    36. Os mtodos de conscientizao e disciplina espiritual que foram desenvolvidos nasgrandes tradies religiosas e em alguns movimentos contemporneos de "potencial humano"no devem ser negligenciados, mas no podem ser equiparados redeno no sentido cristoda palavra. No h uma base slida para se minimizar os efeitos insidiosos do pecado e aincapacidade da humanidade para redimir a si prpria. A humanidade no redimida, nemDeus apropriadamente glorificado, a no ser pela ao misericordiosa de Deus em JesusCristo.

    Recuperao da tradio anterior

    37. Diversos telogos catlicos contemporneos procuram manter em tenso os temas"descendente" e "ascendente" da soteriologia clssica. Inclinando-se muitas vezes na direo

    de uma teologia narrativa ou dramtica da redeno, esses autores recuperaram temasimportantes das narrativas bblicas, de Ireneu, Agostinho e Toms de Aquino. O panorama aseguir foi baseado em materiais tirados de uma srie de autores recentes.

    38. Sendo distintas das teorias legalistas de restituio ou substituio penal, essas teoriascolocam a nfase sobre o que poderamos chamar de liderana representativa. Embora nodesconsiderem a oposio entre o Redentor e os redimidos, essas teorias enfatizam a maneiracomo Cristo se identifica com a humanidade cada. Ele o novo Ado, o progenitor de umahumanidade redimida, a Cabea ou a Videira a que os indivduos devem ser incorporadoscomo membros ou ramos. A participao sacramental a maneira normal pela qual osindivduos tornam-se membros do Corpo de Cristo e crescem em sua unio com ele.

    39. A teoria da representao entende a redeno como a interveno misericordiosa de Deusna situao humana de pecado e sofrimento. O Verbo encarnado torna-se o ponto de uniopara a constituio de uma humanidade reconciliada e restaurada. Toda a carreira de Jesus,inclusive os mistrios de sua vida pblica e privada, redentora, mas atinge a culminao nomistrio pascal, por meio do qual Jesus, pela sua submisso amorosa vontade do Pai,estabelece uma nova relao de aliana entre Deus e a humanidade. A morte de Jesus, queresulta inevitavelmente de sua oposio corajosa ao pecado humano, constitui o seu atosupremo de auto-entrega sacrifical e, neste aspecto, agradvel ao Pai e proporciona umasatisfao notvel para a doena do pecado. Sem ser pessoalmente culpado nem punido porDeus pelos pecados de outros, Jesus amorosamente identifica-se com a humanidade pecadorae experimenta a dor de sua alienao de Deus112. Em sua humildade, Jesus permite que seus

    inimigos descarreguem seu ressentimento sobre ele. Dando amor em troca do dio, econsentindo em sofrer como se fosse culpado, Jesus torna presente na histria o amormisericordioso de Deus e abre um canal pelo qual a graa redentora pode fluir sobre o mundo.

    40. A obra de redeno completa-se na vida ressuscitada do Salvador. Ao ressuscitar Jesusdos mortos, Deus o estabelece como fonte de vida para muitos. A ressurreio oderramamento do amor criativo de Deus no espao vazio criado pelo vcuo da auto-abnegao de Jesus. Por intermdio do Cristo ressuscitado, agindo no Esprito Santo, o

    processo de redeno continua at o fim dos tempos, com novos indivduos sendo, por assimdizer, "enxertados" no corpo de Cristo. Os pecadores so redimidos quando se abrem para aauto-entrega generosa de Deus em Cristo; quando, com a ajuda dessa graa, imitam sua

    obedincia e quando depositam sua esperana de salvao na continuada misericrdia deDeus em seu Filho. Em suma, ser redimido entrar em comunho com Deus por meio dasolidariedade com Cristo. No corpo de Cristo, as paredes de diviso so progressivamentedemolidas; a reconciliao e a paz so alcanadas.

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    Parte IV

    Perspectivas sistemticas

    a) A identidade do Redentor: quem o Redentor?

    1. A partir das prprias ideias de pecado ou queda, por um lado, e de graa ou divinizao,

    por outro, parece evidente que a natureza humana cada no era por si s capaz de restaurarseu relacionamento rompido com Deus e voltar a ter amizade com ele. Portanto, umverdadeiro Redentor teria de ser divino. Era altamente apropriado, no entanto, que ahumanidade desempenhasse um papel na reparao de sua prpria falta coletiva. Nas palavrasde Toms de Aquino, "Um mero homem no poderia prestar satisfao por toda a raahumana; mas Deus no precisava prestar essa satisfao; portanto, eranecessrio (oportebat) que Jesus Cristo fosse tanto Deus quanto homem"113. De acordo com af crist, Deus no cancelou a culpa humana sem a participao da humanidade na pessoa donovo Ado, em quem toda a raa haveria de ser regenerada.

    2. Assim, a redeno um processo que envolve tanto a divindade quanto a humanidade deCristo. Se ele no fosse divino, no poderia pronunciar o julgamento de perdo efetivo de

    Deus, nem poderia ter parte na vida Trinitria interior de Deus. Mas, se no fosse homem,Jesus Cristo no poderia fazer a reparao em nome da humanidade pelos pecados cometidos

    por Ado e seus descendentes. Somente por ter as duas naturezas que ele pde ser a cabearepresentante que oferece satisfao por todos os pecadores e a eles confere a graa.

    3. Como uma obra ad extra de Deus, a redeno atribuvel a todas as trs pessoas divinas,mas atribuda a cada uma delas em diferentes aspectos. A iniciativa pela qual o Filho e oEsprito Santo so enviados ao mundo atribuda ao Pai, a fonte original de quem fluem todasas bnos. O Filho, na medida em que se torna encarnado e morre na Cruz, produz a reverso

    pela qual somos transformados da inimizade para a amizade com Deus. O Esprito Santo,enviado para a mente e o corao dos fiis, permite-lhes participar pessoalmente dos

    benefcios da ao redentora de Deus. Depois da Ascenso de Cristo, o Esprito Santo tornapresentes os frutos da atividade redentora de Cristo na Igreja e por meio dela114.

    4. Quem o Redentor? Esta pergunta s pode ser respondida de dentro da Igreja e pela Igreja.Conhecer o Redentor pertencer Igreja. Agostinho deu nfase a esse ponto em seuensinamento sobre o Cristo total, Christus totus, Cabea e Membros juntos. Como disseGregrio, o Grande, "Nosso Redentor considerado uma s pessoa com a santa Igreja, queele criou como sua"115. A vida da Igreja como o corpo de Cristo no pode ser amputada davida da Cabea. Joo Eudes oferece uma abordagem inicial para uma descrio daindividualidade do Redentor: "Devemos ir adiante e completar, em ns mesmos, asdisposies e mistrios de Jesus e pedir frequentemente a ele que os realize e aperfeioe em

    ns e em toda a sua Igreja... O Filho de Deus de fato deseja... nos fazer compartilhar dos seusmistrios, desenvolv-los e continu-los de alguma forma em ns e em toda a sua Igreja"116.Gaudium et spes n. 22 expressa esta abrangente individualidade do Redentor: "Na verdade apenas no mistrio do Verbo feito carne que o mistrio do homem de fato se torna claro.Porque Ado, o primeiro homem, foi uma representao daquele que deveria vir, Cristo, oSenhor. Cristo, o novo Ado, na prpria revelao do mistrio do Pai e de seu amor, revelainteiramente o ser humano a si mesmo e traz luz o seu mais alto chamado... A naturezahumana, pelo prprio fato de ter sido assumida, e no absorvida, por ele, tambm foi elevadaem ns a uma dignidade alm de toda comparao. Pois, por sua encarnao, ele, o Filho deDeus, de certo modo se uniu a cada pessoa humana. Ele trabalhou com mos humanas,

    pensou com uma mente humana. Agiu com vontade humana e, com um corao humano, ele

    amou". Joo Paulo II faz eco a isso emRedemptor hominis 13,3: "Cristo uniu-se para semprea cada homem por meio do mistrio da Redeno".

    5. Pela encarnao do Verbo, a individualidade do Redentor torna-se discernvel para ns jcom toda a sua fora redentora. No mistrio pascal, o Redentor ps a salvao disposio de

    http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_04031979_redemptor-hominis_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_04031979_redemptor-hominis_po.htmlhttp://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_04031979_redemptor-hominis_po.htmlhttp://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html
  • 7/23/2019 Algumas Questes Sobre a Teologia Da Redeno

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    todos: "Quanto a mim, quando eu for elevado da terra, atrairei a mim todos os homens" (Jo12,32). A ddiva de Pentecostes permitiu que seus apstolos e discpulos finalmentereconhecessem quem e o que era Jesus, quando, na comunidade da Igreja no ensinamento,na frao do po e nas oraes (At 2,42) , eles tomaram conscincia do que Jesus haviafeito por eles, o que lhes havia ensinado e ordenado. Esta precisamente a funo do EspritoSanto na teologia joanina (cf. Jo 16,13-15).

    6. Por essa razo ns, como seres humanos, podemos ficar conhecendo quem o Redentor,mas apenas dentro da comunidade da Igreja e por meio dela. Cristo no pode ser isolado daIgreja. Cristo precisamente aquele que alimenta seu corpo como Igreja e, assim, atrai acomunidade de fiis para a obra de realizao da redeno. Tambm seria um errosobrecarregar a Igreja com uma autonomia que ela no poderia suportar sozinha.

    7. A individualidade de Cristo deve ser entendida dentro desta "constelao cristolgica" quetoma forma concreta na Igreja. O mistrio da Pscoa forma o contexto para o ano litrgico daIgreja117. Os cristos so convidados por meio da objetividade de sua f (fides quae) etambm de acordo com suas prprias possibilidades dentro da comunidade da Igreja aconfessar e pregar Cristo como o nico Redentor deste mundo, de modo que a Igreja osacramento da Salvao universal. O evento de Cristo estar acessvel por meio da Igreja namedida em que a Igreja percebe, explica e prega a individualidade do Redentor.

    8. A Igreja torna presente o nico Redentor no sentido de que, como umacomunidade (koinona)que vive o mistrio da Pscoa, ela d as boas vindas a todos queexperimentarem a justificao em Cristo no Batismo ou no sacramento da reconciliao e quedesejarem vivenciar a redeno. Embora devamos levar em considerao que a comunho nosacrifcio de Cristo ("prosphor") tambm implic