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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VIICURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ALGUNS ASPECTOS DO ATRASO NO DESENVOLVIMENTO
INDUSTRIAL BRASILEIRO:
do Tratado de Methuen aos Governos Militares
Monografia apresentada como requisito parcial paraobtenção do grau de Bacharel em RelaçõesInternacionais na Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICA: CRISTINA MAES LISBÔA
São José (SC), Novembro de 2004
iv
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VIICURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ALGUNS ASPECTOS DO ATRASO NO DESENVOLVIMENTO
INDUSTRIAL BRASILEIRO:
do Tratado de Methuen aos Governos Militares
Monografia apresentada como requisito parcial paraobtenção do grau de Bacharel em RelaçõesInternacionais, sob orientação de conteúdo do Prof.MSc Márcio Roberto Voigt.
ACADÊMICA: CRISTINA MAES LISBÔA
São José (SC), Novembro de 2004
iv
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Zaida Luzia Maes, e à minha avó, Teresinha Faraco Maes, por
todo apoio e incentivo aos estudos, pela educação que me deram e pela ajuda financeira. Se
não fosse por vocês eu não seria quem sou hoje e não estaria tendo essa enorme alegria de me
formar em uma faculdade. Do fundo do coração, amo vocês.
Ao meu avô, David Carlos Maes, que mesmo não estando mais presente foi
parte muito importante da minha vida, da minha criação. Onde quer que estejas, meu
pensamento está sempre em ti.
A todos os professores que durante esses quatro anos tão importantes souberam
ser educadores e amigos, sempre muito pacientes com os erros e dúvidas.
Ao meu namorado, Sérgio, que me ajudou em vários aspectos na construção
desse trabalho e aos seus pais, Fernando e Rose, que também sempre me apoiaram.
A todos aqueles que, de forma direta ou indireta, contribuíram para que esse
dia fosse possível.
iv
“Becoming what we want to be requires consistency, the doing
day after day of what needs to be done: one step at a time, one
fact at a time, one phrase at a time, one line memorized, one
lesson learned, one thing thought through”
Richard L. Evans
iv
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ABREVIATURAS
INTRODUÇÃO........................................................................................................................9
1 A RELAÇÃO TRIANGULAR ENTRE PORTUGAL, INGLATERRA E BRASIL
1.1 O FIM DA UNIÃO IBÉRICA E AS CONSEQÜÊNCIAS PARA PORTUGAL E SUA
COLÔNIA BRASIL............................................................................................................13
1.2 O TRATADO DE METHUEN DE 1703 E SUA RELAÇÃO COM O
BRASIL.............................................................................................................................15
1.3 O BRASIL NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL.................................................................17
1.3.1 O Contexto Externo......................................................................................................17
1.3.2 O Contexto Interno.......................................................................................................18
1.4 A RELAÇÃO TRIANGULAR EM 1810: A CONSTANTE DEPENDÊNCIA
PORTUGUESA..................................................................................................................20
2 A NOVA DEPENDÊNCIA PÓS-INDEOENDÊNCIA: DE 1822 A 1930
2.1 O BRASIL INDEPENDENTE...........................................................................................23
2.2 AS TENTATIVAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL: DE MAUÁ À PRIMEIRA
REPÚBLICA......................................................................................................................26
3 O PERÍODO MILITAR: DE 1964 A 1985
3.1 O ESTABELECIMENTO DO REGIME MILITAR..........................................................32
3.2 OS GOVERNOS MILITARES..........................................................................................34
CONSIDERAÇÕES
FINAIS....................................................................................................................................41
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................44
ANEXOS
RESUMO
Este presente trabalho irá tratar de alguns aspectos do atraso no desenvolvimento industrial
brasileiro, englobando vários períodos da história que o caracterizam. O trabalho irá abordar a
influência das políticas coloniais e governamentais para a industrialização do país. A hipótese
proposta para esta pesquisa afirma que essas políticas foram, em grande parte, inadequadas e
prejudiciais para o crescimento industrial do Brasil. Os resultados obtidos foram satisfatórios,
pois se conseguiu mostrar que todas as épocas mencionadas ajudaram, de alguma forma, a
aumentar o atraso industrial do país.
ABSTRACT
This present paper work is about some aspects of Brazil's late industrial development and it
will show several historical times that characterized it. The paper will broach the influence of
colonial and governmental politics to the country's industrialization. The hypothesis suggested
for this research affirms that most of these politics were inadequate and harmful to Brazil's
industrial growth. The results acquired were satisfactory because they showed that all the
times that were mentioned, somehow helped to increase the country's industrial retardness.
LISTA DE ABREVIATURAS
FMI Fundo Monetário Internacional
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PIB Produto Interno Bruto
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
INTRODUÇÃO
A presente monografia, intitulada "Alguns Aspectos do Atraso no Desenvolvimento
Industrial Brasileiro: do Tratado de Methuen aos Governos Militares", irá tratar do cenário
industrial brasileiro em determinadas épocas da história do país. Todos os períodos descritos
nessa monografia foram selecionados de acordo com sua importância para o foco do trabalho.
Eles não tem a pretensão de abordar todos os períodos ou aspectos do processo, mas têm em
comum o fato de focarem a dependência nacional perante outras nações, o que afetou o
crescimento do parque industrial brasileiro. O trabalho é constituído de três capítulos que
procuram esclarecer o porquê do atraso industrial do país baseando-se em fatos históricos.
A monografia é iniciada com a relação entre Inglaterra, Portugal e sua colônia Brasil
em 1696 e transcorre até 1810. A escolha das datas se deu devido aos momentos históricos
dessa época. Em 1696 houve a descoberta do ouro em Minas Gerais, o que a elevou a uma
província de grande importância na colônia e propiciou o surgimento de um pequeno
comércio na região. A mineração fez surgir uma pequena população livre em Minas e deu
espaço para que aquele comércio começasse a crescer, desenvolvendo certos tipos de
manufaturas têxteis para atender às necessidades locais. Foi quando em 1785 a rainha Maria I
decretou que todas as manufaturas, fábricas e teares fossem extintos e abolidos. Foi o fim de
um início de "industrialização" no país. Em 1810 Portugal assina com a Inglaterra um tratado
de comércio e navegação e outro de aliança e amizade, que tinham por obejtivo oferecer
vantagens à Inglaterra no comércio com a colônia Brasil. A Inglaterra se aproveitou da
abertura da colônia portuguesa para o comércio com outros países e pouco a pouco foi
conseguindo espaço e assumindo sua influência sobre ela. O ponto de vista inglês predominou
sobre as decisões internas até pelo menos 1814; tudo devido à dependência que Portugal tinha
perante a Inglaterra, e que será melhor detalhado no capítulo I deste trabalho. Os Tratados de
1810 foram criados para beneficiar os ingleses e fizeram com que o Brasil sofresse grande
atraso no seu desenvolvimento, pois não trouxeram nenhum benefício significativo para a área
industrial, pelo contrário, suprimiram o nascimento de uma indústria incipiente, mas efetiva.
O próximo período escolhido para dar seqüência ao trabalho foi de 1822, quando o
Brasil torna-se independente, a 1930 com o fim da Primeira República brasileira. Essa foi uma
época em que o país se manteve dependente economicamente, em especial para com a
Inglaterra e mais tarde com os Estados Unidos, dando continuidade ao processo que se iniciou
na colônia. A independência brasileira em 1822 foi apenas política, uma quebra de laços
formais entre a colônia e sua metrópole. Prova disso foi a renovação dos Tratados de 1810 em
1827, pelos quais os ingleses se aproveitaram mais uma vez da situação de necessidade do
país, como fizeram anteriormente com Portugal. Essa relação perdurou até 1889 quando foi
instaurada a Primeira República no país e o foco comercial passou da Inglaterra para os
Estados Unidos. Este segundo capítulo da monografia é finalizado com a crise de 1929, que
atingiu seu auge com a quebra na Bolsa de Valores de Nova Iorque, e o fim da República
Velha em 1930.
O terceiro capítulo irá abranger a época da ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985.
Os governos militares se caracterizaram por incentivar a entrada de capital estrangeiro no país
em grande escala por meio de empréstimos e investimentos. Isso trouxe conseqüências
negativas para o desenvolvimento da indústria brasileira, pois ela não possuia estrutura
adequada o suficiente para concorrer com os preços e produtos internacionais. Os presidentes
desse período criaram planos de desenvolvimento nacional para melhorar a economia do país,
mas a verdade é que o real desenvolvimento econômico da época se deu pela presença do
capital estrangeiro que agravou a dívida externa.
Essa monografia tem por objetivo geral investigar os aspectos que levaram ao atraso
do desenvolvimento industrial brasileiro na época do Tratado de Methuen (1703) até os
governos militares (1964-1985). Já os objetivos específicos são: a) estudar as relações entre
Portugal e Inglaterra, Portugal e Brasil, e Brasil e Inglaterra no período de 1703 à 1810; b)
estudar a situação da indústria nacional na época do Brasil independente até o fim da Primeira
República em 1930; c) estudar o cenário industrial brasileiro durante a ditadura militar.
A justificativa dessa pesquisa firma-se pela importância que ela traz para o estudo da
história econômica das Relações Internacionais. O tema, apesar de antigo, ajuda muito na
reflexão acerca da formação econômica do Estado brasileiro. É de grande importância para as
Relações Internacionais pois significou o início de muitos problemas econômicos e de
desenvolvimento do Brasil, os quais refletiram em sua relação com outros países e se
perpetuam até os dias atuais. O tema procura mostrar como o desenvolvimento industrial
brasileiro foi muitas vezes colocado em segundo plano e prejudicado pelas políticas
inadequadas dos vários tipos de governo. A subordinação a outros países, a dependência
externa e a forma de gerar dívidas caracterizam as Relações Internacionais do Brasil nas
épocas abordadas.
A técnica de pesquisa adotada é bibliográfica, buscando nos acervos a pertinência
temática no intuito de encontrar os subsídios necessários para fundamentar a presente
monografia.
A idéia de desenvolvimento, o qual é amplamente abordado no tema, foi fortalecida a
partir da Segunda Guerra Mundial. De acordo com Paulo Sandroni (SANDRONI, 2000),
existia uma grande desigualdade entre os países que se industrializaram, conseguindo
elevados níveis de bem-estar material, e os que não se industrializaram, permanecendo em
situação de pobreza e com desníveis sociais. A industrialização de vários países da Europa e
da América do Norte no século XIX, fez com que os outros países se tornassem colônias
políticas e/ou econômicas dos industrializados. O desenvolvimento, então, deve ser entendido
como sendo "[...] um processo de transformação estrutural com o objetivo de superar o atraso
histórico em que se encontravam esses países e alcançar, no prazo mais curto possível, o nível
de bem-estar dos países considerados 'desenvolvidos'" (SANDRONI, 2000, p.169). Entre os
principais teóricos da economia e formação econômica brasileira estão: Celso Furtado, Caio
Prado Júnior, Raul Prebisch e Fernando Henrique Cardoso.
1 A RELAÇÃO TRIANGULAR ENTRE PORTUGAL,
INGLATERRA E BRASIL
Este capítulo busca estudar as relações existentes entre Portugal, sua colônia Brasil e a
Inglaterra entre 1696 e 1810. Esse estudo é importante para se compreender como e por que
tais países e a colônia se relacionavam, bem como o que surgia como conseqüência dessas
relações.
A Inglaterra era um país muito preocupado em defender seus interesses,
especialmente os comerciais, sempre sabendo fazer bom uso de uma aliança secular que tinha
com Portugal. Aliança essa que se evidencia em 1640 ao término da União das Coroas
Ibéricas, cujo início ocorreu em 1580 devido a uma crise de sucessão do trono português. Em
1640, então, o reino luso se encontrava em situação econômica adversa. As seis décadas de
União Ibérica acarretaram perdas econômicas e territoriais para Portugal, um país que já
possuía reduzido território e população frente a seus vizinhos e adversários. Para se fortalecer
novamente, o reino português começou a estabelecer alianças com outros países que, apesar
de muitas vezes desvantajosas, eram necessárias para sua reestruturação, e quem estava entre
eles era a Inglaterra (MENDES JR., 1991). Portugal não podia descartar a possibilidade de
novas investidas espanholas em seu território e, como não possuía um eficiente poderio
militar, precisava de ajuda. O auxílio era oferecido pela Inglaterra de acordo com seus
interesses.
Portugal, era um país sem manufaturas devido ao Tratado de Methuen (o qual será
melhor visto adiante, que não possibilitou o desenvolvimento das mesmas, pois obrigava o
país a adquirir os manufaturados ingleses), dependente de exportações, e com um fraco e
decadente exército. Por essa razão, necessitava de ajuda militar em tempos de conflito para
poder superar os problemas e manter sua estabilidade. Assim, quem oferecia tal proteção era
a Inglaterra, pois ambos eram há muito tempo aliados, principalmente quando se tratava de
suas relações comerciais. Outro motivo do relacionamento inglês com Portugal era o interesse
da Inglaterra no território português, já que lá estava a sua porta de entrada para a parte
continental da Europa (HOLANDA, 1993). Havia também a rica colônia portuguesa, o Brasil,
que seria de grande importância comercial para ela. Sendo assim, Portugal cedia vantagens
comerciais à Inglaterra em troca de proteção militar e também política (AZEVEDO, 1989).
O Brasil se encaixava nessa relação bilateral, Portugal - Inglaterra, por ser uma
colônia portuguesa e, apenas com esse país, poder comercializar durante os primeiros séculos
após seu descobrimento. Na era colonial, o papel da colônia era "contribuir para a auto-
suficiência da metrópole, transformando-se em áreas reservadas de cada potência
colonizadora [...]", a qual possuía em seu favor a "exclusividade do comércio externo da
colônia [...]" (FAUSTO, 2000, p.55-56). E, tratando-se de comércio, a Inglaterra estava muito
interessada. Conseguiu, então, por meio de sua ligação com Portugal, atingir o Brasil e
usufruir de suas riquezas, fechando-se, assim, o triângulo.
1.1 O FIM DA UNIÃO IBÉRICA E AS CONSEQÜÊNCIAS PARA PORTUGAL E
SUA COLÔNIA BRASIL
Como já foi visto, a União das Coroas Ibéricas - Portugal e Espanha - teve início em
1580 devido à morte de D. Sebastião I de Portugal em 1578, que faleceu sem deixar herdeiros.
O trono português ficou vago e fez com que três facções políticas surgissem para disputar a
Coroa: o partido bragantino, por D. Catarina, duquesa de Bragança; o partido filipino, por
Filipe II de Espanha, do império dos Habsburgos espanhóis, neto de D. Manuel I de Portugal e
uma facção nacionalista que queria D. Antônio, Prior do Crato, como rei. A disputa termina
tendo como vencedor Filipe II de Espanha, que alegava a união dos dois países como sendo
benéfica pois, juntos, estariam mais aptos a enfrentar inimigos comuns (GUEDES, 1983).
Filipe II apenas conseguiu a aceitação como rei de Portugal e legitimou seu poder
sobre o país depois de entrar em acordo com os lusos por meio do Juramento de Tomar
(1581). De acordo com Mendes Jr.,
consistia este numa série de compromissos assumidos pelo soberanoHabsburgo e que se destinavam, até certo ponto, a 'salvaguardar a honra' dePortugal, fazendo concessões aos detentores do aparelho burocráticolusitano. Uma das principais cláusulas do Juramento estabelecia que todo ocomércio entre Portugal e suas colônias deveria ser realizado através deembarcações portuguesas, cujos comandantes fossem também lusitanos"(MENDES JR., 1991, p.145).
Após 60 anos de subordinação, Portugal consegue pôr fim à União das Coroas
Ibéricas em 1640. Alguns fatores externos e internos contribuíram para que isso ocorresse.
Dentre as causas externas pode ser citado o enfraquecimento da Espanha frente aos seus
inimigos, especialmente ingleses e holandeses. O declínio do império espanhol se fez sentir
com a independência das Províncias Unidas (Países Baixos, Holanda), a fracassada tentativa
de invadir a Inglaterra por meio da Invencível Armada, a diminuição da produção das minas
de ouro e prata da América Espanhola e a sua derrota na Guerra dos Trinta Anos1. Portugal se
aproveitou da situação para iniciar uma revolução em busca de sua liberdade, uma vez que,
"levantando-se contra a Espanha, não lhe faltariam novos aliados" (GUEDES, 1983, p.104). A
separação era necessária também porque, sob o domínio espanhol, o império colonial
português estava desaparecendo devido a invasões, por inimigos da Espanha, à África, ao
Oriente e ao Brasil. A parte mais rica do Brasil foi parar nas mãos dos holandeses que, não
muito tempo depois da união das Coroas, invadiram e dominaram o Nordeste. Como explica
Mário Meireles, a Holanda estava na luta por sua emancipação da tutela espanhola e a invasão
ao Brasil foi com o intuito de "[...] não só diminuir a pressão das tropas imperiais contra seus
campos, diques e cidades, obrigando-as [...] a correr em defesa de suas colônias, como
também objetivando enfraquecer o trono madrileno com roubar-lhe as ricas possessões
ultramarinas onde parecessem mais fracas" (MEIRELES, 1960, p.82).
.Por fim, a Espanha estava querendo mobilizar os "portugueses para coadjuvar a ação
de repressão contra os rebeldes [da revolução de Catalunha]. [...] [Ela] queria resolver os seus
conflitos internos à custa do sangue português" (GUEDES, 1983, p.105), o que provocou
reação da população lusa.
Nas causas internas, pode-se assinalar a escorchante política econômica que a
Espanha impôs a Portugal: aumento de tributações e canalização das fontes econômicas
portuguesas para a Espanha e a diminuição da autonomia portuguesa, violando o Juramento
de Tomar, na tentativa de reduzir Portugal a uma província espanhola. Mas o patriotismo
português não permitiu que o monarca espanhol alcançasse seus objetivos (GUEDES, 1983).
Tendo conseguido sua liberdade, era hora de restaurar a monarquia portuguesa. A
consolidação da restauração teve conseqüências negativas para o Brasil, principalmente a
nova política diplomática de Portugal. Como já foi citado, Portugal precisou estabelecer
alianças para se recuperar de todos os danos causados pela União Ibérica, e muitas delas
foram desvantajosas. Um exemplo foi a aliança com a Holanda, onde os portugueses, em troca
da solidariedade
holandesa com a sua causa, se viram obrigados a reconhecer as conquistas que ela havia
efetivado no império de Portugal e a posse legítima do Brasil holandês foi reconhecida, sendo
1 Desentendimento político-religioso entre a autoridade central do Santo Império (Espanha) e os luteranos daBoêmia. A Dinamarca decide intervir, apoiada pela Inglaterra e pelas Províncias Unidas, sob o pretexto deauxiliar os protestantes que estavam sendo massacrados pelo Imperador Ferdinando II. O real motivo era ointeresse de expansão territorial às custas do Santo Império. Ela foi derrotada provocando uma nova intervenção,agora da Suécia, com as mesmas alegações, mas que também não conseguiu derrotar os espanhóis. A França,temendo um grande fortalecimento da Espanha na Europa, entra na guerra fazendo com que as tropas espanholaspassassem a agir na defensiva e em pouco tempo fossem derrotadas. Algumas razões da defensiva espanholaforam as campanhas dos generais franceses e as dificuldades causadas pelas revoltas em Portugal e na Catalunha(MENDES JR., 1991).
depois alterada com a expulsão dos holandeses. Foi um período em que os interesses de
Portugal não se conciliavam com os da colônia Brasil que, na era filipina, havia conseguido
expansão territorial e comercial.
1.2 O TRATADO DE METHUEN DE 1703 E SUA RELAÇÃO COM O BRASIL
Em 1696 foi descoberto, em Minas Gerais, o ouro. Tal descoberta elevou Minas a
uma província de grande importância dentro da colônia Brasil e propiciou o surgimento de um
modesto mercado na região. O ouro tornou-se essencial na medida em que era o único meio
da população provincial de pagar os caríssimos produtos europeus.
Na época de 1700, Portugal estava com dificuldades de recuperar suas posses no
Oriente e voltou-se para o Brasil a fim de manter o seu Império. Como esse Estado se
encontrava em condições muito adversas, necessitava de proteção política e militar, oferecida
pela Inglaterra em troca de vantagens comerciais. Em 1703 foi estabelecido entre os dois
países o Tratado de Methuen2, com o qual "as manufaturas de lã inglesas tinham acesso ao
mercado português em condições muito favoráveis" (AZEVEDO, 1989, p.13). O Tratado foi
negociado pelo diplomata inglês John Methuen e constava de três artigos que afirmavam o
comprometimento da Inglaterra em adquirir o vinho português e de Portugal em adquirir o
tecido inglês. Como relata Antônio Mendes Junior,
Artigo 1º - Sua Sagrada-Majestade El-Rei de Portugal promete, tanto em seupróprio Nome, como no de Seus Sucessores, admitir para sempre, de aquiem diante, no Reino de Portugal os panos de lã e mais fábricas de lanifíciode Inglaterra, como era costume até o tempo em que foram proibidos pelasleis, não obstante qualquer condição em contrário.
Artigo 2º - É estipulado que Sua Sagrada e Real Majestade Britânica, emSeu Próprio Nome, e no de Seus Sucessores, será obrigada para sempre, deaqui em diante, de admitir na Grã-Bretanha os vinhos do produto dePortugal, de sorte que em tempo algum (haja paz ou guerra entre os Reinosde Inglaterra e de França) não se poderá exigir direitos de Alfândega nestesvinhos, ou debaixo de qualquer outro título direta ou indiretamente, ousejam transportados para a Inglaterra em pipas, tonéis ou qualquer outravasilha que seja, mais que o que se costuma pedir para igual quantidade oumedida de vinho de França, diminuindo ou abatendo uma terça parte dodireito do costume.
2 Concretização da teoria das vantagens comparativas de David Ricardo (economista inglês), a qual consiste emrelacionar "os custos de produção dos produtos A e B [vinho e tecido], produzidos por dois países distintos, X eY [Portugal e Inglaterra]. Os custos de produção do produto A são expressos em relação aos custos de produçãodo produto B. Possui vantagem comparativa o país em que for menor a relação dos custos de produção dosprodutos A e B. Ricardo introduziu esse conceito como prova de que é vantajosa para um país sua especializaçãointernacional". (SANDRONI, 2000, p.152).
Artigo 3º - Os Exmos. Senhores Plenipotenciários prometem e tomam sobresi, que Seus Amos acima mencionados ratificarão este tratado, e que dentrodo termo de dois meses se passarão as ratificações (MENDES JR., 1991,p.224).
O Tratado de Methuen ajudou no agravamento da crise econômica lusitana e
forneceu os subsídios necessários para a Inglaterra financiar, em parte, a sua Revolução
Industrial, que será vista adiante, e firmar-se como maior potência européia. Os subsídios
vieram em grande parte do ouro da colônia portuguesa, o Brasil. Portugal era um reino que
não possuía manufaturas, sendo dependente da sua colônia para obter riquezas. Mas, tais
riquezas não ficavam no reino, uma vez que Portugal necessitava utilizá-las para cobrir todas
as despesas advindas da mineração na colônia Brasil, como vestuário e alimentação, do
estabelecimento dos representantes portugueses na colônia, pagar suas dívidas com a
Inglaterra, entre outros. O ouro era, então, repassado a outras nações que forneciam produtos
para Portugal e ia, em especial, para a Inglaterra. O Tratado de Methuen cristalizou a
dependência de Portugal em relação ao reino inglês e "favoreceu o contrabando realizado por
navios ingleses nas costas do Brasil, pelas facilidades que concedia às embarcações do Reino
Unido que para cá vinham" (MENDES JR, 1991, p.225).
No contexto interno, a mineração propiciou o surgimento de uma pequena população
livre e fez com que aquele modesto mercado tomasse proporções por volta de 1770. Algo que
se fazia necessário para a população, nesse momento, era livrar-se das obrigações com os
produtos europeus, principalmente o vestuário. Para que este novo mercado juntamente com
as necessidades da população fosse atendido, "um certo capital se dirigiu para uma nascente
indústria têxtil, multiplicando-se os teares manuais por toda a região" (AZEVEDO, 1989,
p.12). Desse modo, a produção de tecidos na província atingiu grandes proporções,
preocupando os representantes da Coroa Portuguesa que lá se encontravam.
Para se fortalecer novamente, Portugal decidiu retomar sua manufatura e proibi-la no
Brasil para que não houvesse concorrência. Era um período em que a Revolução Industrial já
havia tomado conta da Inglaterra e começava a expandir-se para os outros países. Em 1785,
como será visto adiante, a rainha Maria I decretou que todas as fábricas, manufaturas e teares
encontrados no Brasil deveriam ser extintos e abolidos. O Brasil deveria ser responsável
apenas pela agricultura e mineração, deixando a indústria para Portugal. "Com essa medida,
ou pelo monopólio metropolitano, não só se garantia uma troca que privilegiava odiosamente
a Metrópole, como se garantia a perene dependência da Colônia [...]" (KATINSKY, 1994, p.
98).
1.3 O BRASIL NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
A Revolução Industrial ocorreu por volta de 1750 e se caracterizou como sendo uma
revolução tecnológica que introduziu a fábrica com máquinas a vapor e a produção em massa
de produtos. Nem Portugal, por não possuir manufaturas, nem o Brasil participaram da
revolução a princípio.
1.3.1 O Contexto Externo
A Revolução Industrial aconteceu na Inglaterra por volta de 1750 e pôs fim à
passagem entre o feudalismo e o capitalismo. A revolução teve origem na Inglaterra pois lá se
encontravam os elementos necessários para que ela ocorresse: capital, recursos, mercado,
entre outros. A Inglaterra, na época, foi a única capaz de reorientar todo o capital adquirido
para as atividades industriais. Nas palavras de Francisco Iglésias, a Revolução Industrial não
se deu na Inglaterra casualmente:
[...] a Inglaterra tinha unidade política que a Europa não atingira, pois foi aprimeira a superar em parte o atomismo do regime feudal [...]. O feudalismoafrouxa-se com a Guerra dos Cem Anos, entre a Inglaterra e a França, [...].Sua política é flexível, e, ao lado dos direitos da nobreza, vai lentamenteganhando força a burguesia, surgida do comércio (IGLÉSIAS, 1996, p.70-71).
Outros fatores políticos e sociais que levaram ao pioneirismo inglês foram: o fim do
absolutismo e das forças retrógradas do catolicismo ligado à propriedade feudal; o
fortalecimento de instituições parlamentares onde estariam representadas as forças
econômicas da nação; a construção das bases sociais para uma sociedade industrial e
capitalista, com grande quantidade de mão-de-obra livre para ser usada nas atividades
urbanas; a concentração de terras nas mãos de homens com mentalidade comercial; a
transformação de servos em homens livres, uma massa trabalhadora de destituídos pronta para
ser explorada, entre outros. A industrialização necessitava de trabalhadores e o melhor lugar
para conseguí-los era no setor não-industrial (MENDES JR., 1991).
Segundo Mendes Junior, a Revolução Industrial foi precedida por um grande
crescimento da produção industrial na Inglaterra, que fez com que o artesanato fosse
substituído em importância por um sistema de produção conhecido como "indústria
doméstica"; sistema controlado "por homens com perspectivas capitalistas que se utilizavam
de uma mão-de-obra rural facilmente explorável" (MENDES JR., 1991, p.41).
O período da revolução assistiu a várias alterações, sendo que as mais importantes
foram a transição da manufatura para as indústrias com máquinas a vapor e a produção em
larga escala. Como diria Iglésias:
Enquanto antes se produzia para certo mercado, constituído por pessoasconhecidas, agora se produz para um mercado anônimo; enquanto antes oartigo era feito por um artesão, uma pessoa, agora é pela máquina ou porvárias pessoas, [...]. A produtividade da máquina é evidentemente muitosuperior à do trabalho antigo (IGLÉSIAS, 1996, p.48-49).
A expansão industrial significou muito mais um crescimento da produção do que um
desenvolvimento de novas técnicas.
A revolução não acarretou transformações apenas no sistema produtivo mas, também,
na sociedade. A população inglesa cresceu em torno de 50%, concomitante ao crescimento
industrial; houve um deslocamento da população rural para as cidades; o desenvolvimento
industrial se concentrou no Norte do país e fez com que o próspero Sudoeste entrasse em
decadência; surgiram grandes cidades como Manchester (ARRUDA, 1994). Todos esses
foram efeitos da inovação "imposta" pela Revolução Industrial, que primeiro transformaram a
Inglaterra para mais tarde transformar o mundo.
1.3.2 O Contexto Interno
O Brasil não participou da Revolução Industrial por ter ainda uma economia agrícola
e dependente da mão-de-obra escrava, situação que a Inglaterra começou a pôr fim para que os
escravos pudessem também participar do mercado e comprar seus produtos, e também pelo
fato de ser uma colônia e não ter autonomia, vivendo de acordo com os aspectos políticos e
econômicos determinados pela Metrópole. Quando a revolução se espalhou pelo mundo, o
Brasil estava proibido pela Coroa, pelo Alvará de 1785, de possuir teares e manufaturas ou
qualquer indício de industrialização que pudesse prejudicar a Metrópole. O Alvará de 1785 foi
criado pela rainha Maria I de Portugal, a qual ordenava que todas as manufaturas, teares e
fábricas que se encontrassem em qualquer parte de seus domínios no Brasil fossem extintos e
abolidos (AZEVEDO, 1989). De acordo com ela, como consta no seu Alvará (ver anexo A), a
razão pela qual a colônia Brasil não podia possuir manufaturas estava no fato de que a sua
população era pequena e o surgimento de fábricas levaria à multiplicação do número de
fabricantes, diminuindo ainda mais a população de cultivadores, braços importantes para se
empregar no descobrimento e rompimento de grande parte dos extensos domínios
portugueses. Para Maria I, as fábricas e manufaturas que começaram a se difundir na colônia
causaram graves prejuízos para a cultura, lavoura e exploração das terras (AZEVEDO, 1989).
Sendo assim, o modelo produtivo da colônia continuou sendo primário agrícola,
utilizando mão-de-obra escrava e sendo comandado por Portugal, ao passo que o modelo
industrial utilizava mão-de-obra livre assalariada e produzia mercadorias sofisticadas que
competiam no mercado externo. É certo que os produtos primários eram necessários para a
produção dessas mercadorias, mas os preços pagos por eles eram insignificantes frente aos
cobrados por elas.
Então, a colônia Brasil, não podendo possuir sua própria manufatura, era obrigada a
importar todos os produtos dos quais necessitasse. Como cita Werner Baer,
até a independência do país, importavam-se virtualmente todos os bensmanufaturados. Devia-se isso a uma deliberada política mercantilistaportuguesa, que proibia qualquer tipo de desenvolvimento industrial nacolônia. O mercado brasileiro para artigos manufaturados constituía reservaexclusiva dos fabricantes portugueses e britânicos (BAER, 1966, p.13-14).
Isso prejudicava muito a colônia e em especial Minas Gerais, que desenvolvia um
comércio interno de tecidos e outros artefatos que abasteciam sua população local, e fez com
que as despesas com importações fossem crescentes. Esses e outros acontecimentos fizeram
com que o Brasil sofresse um grande atraso no seu expansionismo industrial.
Com a Abertura dos Portos em 1808, que será explicada a seguir, o Alvará de 1785
foi abolido e a colônia Brasil teve chance de começar a desenvolver sua indústria. Mas, a
Revolução Industrial já havia começado há mais de 50 anos e o Brasil não teria condições de
competir com a Inglaterra e seus produtos industrializados.
1.4 A RELAÇÃO TRIANGULAR EM 1810: A CONSTANTE DEPENDÊNCIA
PORTUGUESA
O Tratado de Methuen de 1703 foi renovado, de uma outra forma, com os Tratados
de 1810 que deram continuidade à dependência de Portugal em relação à Inglaterra. O
significado desses Tratados tem início em 1805 quando Napoleão tenta invadir a Inglaterra
por ela ter previamente formado uma coligação com Áustria, Prússia e Rússia contra o
império francês e seu expansionismo. Contudo, ele é derrotado pelo grande poderio naval
britânico. Ao se recuperar dessa derrota, Napoleão, ainda inconformado, procurou meios de
enfraquecer os ingleses. Desse modo, em 1806, ele decreta o Bloqueio Continental que tinha
como objetivo enfraquecer o comércio inglês por meio do fechamento de todos os portos do
continente europeu para o país, provocando uma crise na indústria inglesa. Napoleão
acreditava que assim a Inglaterra se renderia aos poderes da França. Mas Portugal, pelo fato
de possuir aquela aliança histórica com a Inglaterra, não aderiu ao bloqueio. Ele cedeu às
pressões inglesas e foi contra as intenções de Napoleão. Esse, para que ainda conseguisse
alcançar seus objetivos, decidiu invadir Portugal em 1807. Na época, o exército português
estava mal estruturado e o próprio país não tinha condições de resistir a uma invasão pelas
forças francesas que já haviam tomado a Espanha, um país forte. Portugal pede, então, ajuda à
Inglaterra que sugere ao Príncipe Regente e toda a família real que fuja para o Brasil. A perda
do mercado europeu levou a Inglaterra a tirar proveito de suas relações com Portugal e com o
Brasil; para a Inglaterra, essa relação comercial era a oportunidade de que necessitava em
decorrência do prejuízo sofrido pelo bloqueio. Para que a Corte portuguesa fosse transferida
para o Brasil, Portugal precisava de garantias de segurança para a viagem e estabelecimento,
assim como o reconhecimento internacional dessa transferência. A Grã-Bretanha apoiou
sobremodo a transmigração do Príncipe Regente (HOLANDA, 1993).
Com a Coroa portuguesa no Brasil e Portugal ocupado por Napoleão, a família real
precisava de condições para a implantação e manutenção da administração na nova metrópole,
para isso a alfândega era, senão o melhor, o único meio capaz de organizar os recursos
previstos. E, devido à presença francesa em Portugal, a colônia não conseguia manter as
mesmas relações comerciais que tinha com a Metrópole antes da posse de Napoleão. Sendo
assim, Dom João decreta, em 1808, a Abertura dos Portos, a primeira ação da diplomacia
econômica no Brasil. Essa abertura acarretou problemas diplomáticos para o país, já que pôs
fim ao monopólio comercial que era a base das relações entre a Colônia e a Metrópole. De
acordo com Almeida,
ao abrir-se o Brasil para o mundo, [...], três grandes conjuntos de problemasdiplomáticos passaram a dominar as relações econômicas internacionais danova nação independente: em primeiro lugar, o dos acordos de comércio e
seus eventuais efeitos nefastos para a economia nacional [...]; em segundolugar, o problema crucial da mão-de-obra, que se desdobrava, de um lado, naquestão do tráfico negreiro e das pressões exercidas pela Inglaterra para pôrfim ao regime da escravidão e, de outro, na política destinada a favorecer aimigração de estrangeiros e a colonização no interior; por fim, [...] oangustiante problema dos desequilíbrios crônicos nas contas do Estado que,à falta de excedentes orçamentários ou de comércio exterior [...], tinham deser equacionados pela via dos empréstimos externos, significando, nessaconjuntura de hegemonia britânica, a contratação de vultuosas somas juntoàs casas financeiras de Londres e a conseqüente dependência das finançaspúblicas brasileiras dos banqueiros daquela praça (ALMEIDA, 2001, p.91-92).
Em 1810, a Inglaterra pressionou Portugal a assinar um tratado comercial e um de
amizade – o Tratado de Aliança e Amizade e o Tratado de Comércio e Navegação - pois ela
precisava de um contrato especial de comércio para escoar seus produtos, ainda em razão do
bloqueio. Ela via na América uma forma de compensação pelas perdas européias. O ato de
firmar um Tratado e seu conteúdo comprova que a política externa da Inglaterra predominou
no mercado brasileiro, exportando suas mercadorias e importando as matérias-primas e
produtos nacionais. A presença inglesa no país refletiu-se, também, na sociedade, na qual se
pôde presenciar várias mudanças no estilo de vida da população; na área intelectual, por meio
de seus livros, escritos e colégios e na área política onde, até 1814, pelo menos, o ponto de
vista inglês predominava sobre as decisões internas. Tudo devido à dependência portuguesa
em relação àquele país. Não se deve esquecer que a Inglaterra estava em posição de impor sua
vontade junto ao governo português, pois, como já foi visto, este dependia dela para defesa e
comércio. Portugal encontrava-se isolado num continente ainda a desbravar e na Europa, via-
se tomado pelos franceses. Como cita Seitenfus,
o relacionamento entre Lisboa e Londres é do tipo clássico. Os britânicosconcedem sua proteção ao pequeno Portugal, enquanto este, em troca,concede vantagens e privilégios que ainda tem no início do século passado,sobretudo o seu monopólio no comércio com o Brasil (SEITENFUS, 1994,p.42).
As imposições inglesas podem ser vistas nas cláusulas incluídas pela Inglaterra nos
Tratados de 1810 e ainda pela imposição de um prazo para o encerramento do tráfico negreiro
e o aprisionamento de navios que pudessem estar transportando escravos. É notável a
“instalação da tutela britânica sobre o Brasil” (PINTO, 1973, p.133) naqueles dias. Tal fato
pode ser afirmado pela situação de dependência que o Brasil vivia por meio das relações de
privilégio mantidas entre Grã-Bretanha e Portugal. Dependência essa, confirmada por tratados
como o Tratado de Amizade e Aliança e o Tratado de Comércio e Navegação, firmados entre
Brasil e Inglaterra, onde ambos estavam repletos de cláusulas que favoreciam a Inglaterra e
seus súditos (ALMEIDA, 2001).
Os Tratados de 1810 foram um exemplo da diplomacia econômica portuguesa feita a
partir do Brasil. Nesses Tratados, ficou estabelecido que a Inglaterra teria vantagens no
comércio com o Brasil, como o pagamento das menores tarifas (15%). Ficou estabelecido,
também, que o café e o açúcar, principais produtos brasileiros, ficariam excluídos do
comércio bilateral para evitar concorrência dentro da Inglaterra com os produtos das colônias
inglesas, uma vez que a colônia Brasil ainda utilizava mão-de-obra escrava tornando o custo
da produção baixo. Os Tratados de 1810 significaram concessões comerciais à Inglaterra aqui
no Brasil, uma vez que ela havia conferido benefícios políticos e militares à Portugal.
2 A NOVA DEPENDÊNCIA PÓS-INDEPENDÊNCIA: DE 1822 A
1930
Este capítulo irá tratar sobre o período de 1822, quando o Brasil tornou-se
independente, até o final da Primeira República em 1930. Essa foi uma época em que o país se
manteve dependente economicamente dando continuidade ao processo que havia se iniciado
com a colônia. Devido à crise de 1929, estourou no país a Revolução de 1930 e, a partir dela,
mudanças internas começaram a ser vistas.
Como visto no primeiro capítulo, Portugal assinou com a Inglaterra os Tratados de
1810 que ofereciam grandes vantagens comerciais à mesma. Esses Tratados deveriam ser
renovados em 1821, mas não o foram pois a economia brasileira estava centrada na
monocultura cafeeira e a mão-de-obra escrava era de alta necessidade, e a política
antiescravista britânica não era vista com bons olhos pelas oligarquias nacionais. Este capítulo
mostrará que tal decisão durou apenas até 1827 quando os Tratados de 1810 foram renovados,
demonstrando a subordinação brasileira à Inglaterra e as concessões econômicas e políticas
desiguais feitas apenas para beneficiá-la.
2.1 O BRASIL INDEPENDENTE
Em 7 de setembro de 1822, o Brasil conquista a sua independência perante Portugal
sob a liderança de Dom Pedro, o Príncipe Regente. Apesar de ter sido conquistada apenas em
1822, a origem da independência está ligada à Abertura dos Portos em 1808 onde Portugal
perdeu os seus vínculos coloniais e seu monopólio sobre o Brasil. A Abertura dos Portos
levou, como afirma Sérgio Buarque de Holanda, todo o país a abrir-se para as "perspectivas
da industrialização com o objetivo de multiplicar a riqueza nacional, promover o
desenvolvimento demográfico e dar trabalho a certo elemento da população que não se
acomodava à estrutura sócio-econômica vigente" (HOLANDA, 1995, p. 30).
A independência brasileira significou apenas uma separação política entre o Brasil
colônia e sua Metrópole. O movimento não acarretou mudanças sociais, fazendo com que a
população continuasse a viver nos moldes da época colonial, e manteve a forma monárquica
de governo tendo como imperador do país um rei português, Dom Pedro I.
O primeiro país a reconhecer formalmente a emancipação política brasileira foi os
Estados Unidos em 1824. De modo informal, já havia sido reconhecida pela Inglaterra, que
tinha interesse em garantir a ordem na antiga colônia portuguesa, fazendo com que suas
vantagens comerciais fossem preservadas. Portugal reconheceu a nova nação somente em
1825 mediante uma indenização de 2 milhões de libras pela perda que havia sofrido
(FAUSTO, 2000, p. 144).
Como cita Paulo Roberto de Almeida:
se, durante o período colonial, a metrópole portuguesa manteve o monopóliode comércio com o Brasil [...], durante a primeira fase da vida independenteesse papel foi exercido pela Grã-Bretanha, que consegue fazer passar seusinteresses econômicos no bojo do processo de reconhecimento político dajovem nação independente [...] (ALMEIDA, 2001, p.115-116).
Prova disso foi a renovação dos Tratados de 1810, mencionados no capítulo anterior,
no ano de 1827 quando o Brasil reforçou os privilégios britânicos e se comprometeu a abolir o
tráfico de escravos em 1830, o que aconteceu somente em 1850 como veremos adiante. Os
ingleses conseguiram os Tratados de 1827 devido à precária situação financeira em que se
encontrava o Brasil; a guerra com Buenos Aires em 18253, os gastos militares, a queda no
preço de produtos importantes como o algodão, cacau e fumo, e as rendas do governo
dependentes dos impostos sobre importações que eram insuficientes, fizeram com que o
Brasil sempre precisasse de auxílio externo para superar as dificuldades, este oferecido
principalmente pela Inglaterra. Os Tratados de 1827 tiveram fim apenas em 1844 quando, por
iniciativa britânica, foi redigido o decreto de Bill Aberdeen, que mandava aprisionar os
barcos brasileiros que eram utilizados no tráfico de escravos. Como já foi citado, a economia
brasileira estava centrada na monocultura cafeeira, fazendo com que os escravos fossem de
grande necessidade para o trabalho nas lavouras. Já a Inglaterra, desde a época da Revolução
Industrial, como foi visto no capítulo anterior, libertou seus escravos. Para Portugal e,
conseqüentemente o Brasil, ela tenta impor a mesma atitude desde os Tratados de 1810, tendo
em vista toda a ajuda já oferecida e devido ao fato de que a "[...] mão-de-obra escrava tornava
o custo da produção açucareira brasileira relativamente baixo, entrando em concorrência
direta com a produção similar da Grã-Bretanha nas Antilhas" (SEITENFUS, 1994, p.43). Mas
Portugal sempre prometeu a libertação dos escravos e nunca a cumpriu, fazendo com que os
ingleses tomassem medidas mais drásticas depois de mais de trinta anos de espera. Como
menciona Sérgio Buarque de Holanda:
3 Luta entre Brasil e Argentina pela posse da Banda Oriental, atual Uruguai, que terminou com aderrota brasileira.
Foi quando Aberdeen fez passar no Parlamento Britânico uma leiautorizando o Almirantado inglês a tratar todos os navios negreiros do Brasilcomo se fossem piratas. Mais uma vez, a despeito da captura de diversasembarcações em alto mar, aumentou persistentemente a importaçãobrasileira de africanos. Finalmente, em 1850, navios britânicos passaram aentrar nos portos e rios brasileiros, caçando os navios negreiros e queimandoou aprisionando os barcos aparelhados para esta finalidade (HOLANDA,1995, p. 142).
Devido a essa atitude unilateral tomada pelos britânicos, o decreto de Bill Aberdeen,
as negociações de tratados desiguais entre brasileiros e inglesas tiveram fim. Como é citado
no texto de Almeida,
a negociação de um tratado de amizade, comércio e navegação com a Grã-Bretanha foi interrompida depois que constou ao Governo Imperial aapresentação no Parlamento britânico da lei que sujeita aos tribunaisbritânicos os navios brasileiros suspeitos de se empregarem no tráfico ilícitode escravos (ALMEIDA, 2001, p.125-126).
Mas tal ato serviu para que o tráfico sofresse um declínio e conseqüente extinção. Em
1850 foi decretada a Lei Eusébio de Queirós, que aboliu o tráfico negreiro e também auxiliou
no desenvolvimento da indústria uma vez que o capital investido no tráfico de escravos ficou
ocioso e acabou sendo transferido para o novo setor da economia. A pressão inglesa também
auxiliou a criação da Lei do Ventre Livre em 1871.
Foi quando o Brasil viu-se desimpedido de manter relações comerciais exclusivas
com a Inglaterra e começou a estabelecer novas bases com as outras nações, “desenvolvendo
uma política externa de caráter nacional desimpedida das limitações contraídas no processo de
independência” (ALMEIDA, 2001, p.126).
Sendo assim, foi decretada no Brasil a cobrança de uma taxa de 30% sobre grande
parte das mercadorias importadas, pois era necessária a arrecadação do Tesouro imperial. Esse
foi o principal motivo do aumento da taxa, mas não o único. O governo, ao estabelecer esse
aumento, tinha intenções protecionistas. Como alegou o ministro da Fazenda, Manuel Alves
Branco, os objetivos não eram "só preencher o déficit do estado, como também proteger os
capitais nacionais já empregados dentro do país em alguma indústria fabril, e animar outros a
procurarem igual destino" (AZEVEDO, 1989, p. 14). Ficou conhecida, assim, como Tarifa
Alves Branco, e foi o primeiro passo mais firme do país rumo ao desenvolvimento industrial.
Os 30% se destinavam aos produtos que eram consumidos em grandes quantidades e que não
eram fabricados em território nacional, e entre 40% e 60% para produtos os quais o Brasil
possuía similares.
Mesmo com todas as restrições, a Grã-Bretanha continuou predominando nos
mercados brasileiros. Todos os tipos de produtos eram exportados para o Brasil, desde
manteiga até capas de chuva. E não apenas os bens de consumo, mas também artigos de
produção como metais e ferramentas vinham da Grã-Bretanha e contribuíram para aumentar a
dependência brasileira em relação a ela numa fase em que o Brasil estava conseguindo criar a
base para sua independência econômica (HOLANDA, 1995).
2.2 AS TENTATIVAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO BRASIL: DE MAUÁ À
PRIMEIRA REPÚBLICA
O gaúcho Irineu Evangelista de Souza, conhecido mais tarde como Barão de Mauá4,
em 1829 deixou o comércio português e foi para a firma inglesa Carruthers & Cia onde se
tornaria o brasileiro mais rico de sua época. Em 1840 já era sócio de seu antigo patrão Ricardo
Carruthers e viajou para Bristol, Inglaterra, onde visitou uma fundição de ferro e construção
de máquinas. Em 1846 comprou as instalações de uma indústria no Rio de Janeiro e
transformou-a na fábrica de Ponta de Areia produtora, principalmente, de navios e que foi a
mãe das outras indústrias brasileiras (AZEVEDO, 1989).
Irineu conseguiu em poucos anos expandir seus negócios para diversas áreas sendo,
talvez, a mais importante delas o setor ferroviário. Em 1854 o imperador Pedro II inaugurou a
primeira ferrovia brasileira, construída por Irineu, e condecorou-o com o título de Barão de
Mauá.
Como Mauá tinha sociedade com um inglês, é certo que a Inglaterra estava no meio de
suas conquistas através dos investimentos e capitais que ele tanto queria atrair para o Brasil.
Por trás de sua grande obra, a ferrovia São Paulo Railway Company, estavam os ingleses com
seu capital, administração e técnicos. Era a Grã-Bretanha quem fornecia os materiais,
trabalhadores, engenheiros, etc. E não apenas para Mauá, mas para grande maioria da rede
ferroviária brasileira. E eles não controlavam apenas a parte de construção das ferrovias, mas,
também, o transporte transoceânico dos produtos necessários para as obras. Com isso, devido
aos seus esforços, os britânicos conseguiram amplas compensações. A linha construída por
Mauá servia para escoar as riquezas agrícolas dos distritos cafeeiros de São Paulo para os
4 Obra para pesquisa: CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império.
porões dos navios britânicos em Santos (HOLANDA, 1995). E não somente, como cita
Azevedo,
[...] as ferrovias que Mauá tanto se empenhou em construir ou incentivarserviam para escoar de modo mais rápido e barato o café para o exterior,[mas] elas também tornavam as mercadorias inglesas acessíveis a umaparcela crescente do mercado nacional (AZEVEDO, 1989, p.16).
A Grã-Bretanha lucrou em todos os sentidos com essa tentativa de desenvolvimento de
Mauá e mostrou, mais uma vez, que o Brasil continuava dependente principalmente dela no
que se refere a comércio e capitais para sua própria modernização.
Com a entrada de produtos estrangeiros, era preciso proteger as indústrias e produtos
nacionais por meio de taxas alfandegárias. Mas nem todos concordavam, a exemplo dos
representantes da agricultura de exportação que dependiam da importação de certos
instrumentos agrários que se tornaram mais caros com as tarifas.
Havia, também, o problema com os diferentes tipos de pensamento das elites; pessoas
que defendiam as indústrias e o livre-cambismo e pessoas que achavam que o Brasil tinha
vocação agrária. Como menciona Baer, "durante a maior parte da existência do Império
Brasileiro (1822-1889), a política comercial baseava-se no livre-cambismo, o que tornava
extremamente difícil o estabelecimento de indústrias no país, face à concorrência externa"
(BAER, 1966, p.14). Quem defendia a indústria, como era o caso de Borja Castro, citado por
Azevedo, dizia que
uma nação agrícola [...] deve resignar-se ao eterno jugo das naçõesindustriais e mercantis, contentando-se com o modesto papel de supridor dematéria-prima [e que] a verdadeira barreira ao progresso da industrializaçãono Brasil [...] [está na] hegemonia política e industrial da Inglaterra(AZEVEDO, 1989, p.16-17).
Em 1857 e 1860 com, respectivamente, a Reforma Cotegipe e a Reforma Silva
Ferraz, todas as máquinas e materiais destinados à lavoura, indústria, navios, estradas, etc e
gêneros de primeira necessidade ficaram isentos das taxas de importação. Isso fez com que os
produtos nacionais não conseguissem competir com os importados principalmente em matéria
de preço. Devido a isso, Mauá viu-se obrigado a vender a indústria de Ponta de Areia, pondo
fim à primeira tentativa de implantar uma indústria naval no país. Em quinze anos Mauá
perdeu tudo: suas companhias, estradas de ferro e também o Banco Mauá. Tudo porque o
governo abriu o país ao livre-cambismo, em parte pressionado por ingleses e norte-
americanos, e recusou-se a ajudar Mauá. Nas palavras de Azevedo, Mauá "assistiu impassível
a seu fim, negando-se a intervir na economia em nome da liberdade, e do laissez-faire,
laissez-passer. E quem fez e quem passou foi o capital inglês" (AZEVEDO, 1989, p.18).
Em 1889 foi proclamada a Primeira República, também conhecida como República
Velha, que durou até 1930. A primeira Constituição da República foi promulgada em 1891 e
"inspirou-se no modelo norte-americano, consagrando a República federativa liberal"
(FAUSTO, 2000, p. 249).
O governo republicano herdou do Império uma grande dívida externa que se agravou
durante a década de 1890 com o aumento do déficit público. Tal dívida seria paga por meio de
um acordo, o funding loan, que foi um empréstimo contraído pelo Brasil para poder cumprir
com seus deveres junto aos credores estrangeiros da época da monarquia (FAUSTO, 2000).
Mas não passou da contração de uma nova dívida para pagar a velha.
Os governos da República Velha se caracterizaram pela proteção às oligarquias
agrárias, em especial os donos de lavouras de café que se desenvolveram em Minas Gerais,
São Paulo e Rio de Janeiro. Devido ao sistema oligárquico que foi mantido na Primeira
República, os lucros do país eram privatizados nas mãos das elites agrárias enquanto todos os
prejuízos, como as conseqüências do funding loan, eram socializados e toda a população
sofria com aumento de impostos, falta de obras públicas, entre outros.
A Primeira República foi uma época em que o café estava em alta e sua exportação
rendia milhões para o país, mas o dinheiro não era visto por ninguém e a população
continuava pobre. Segundo Francisco Alencar, o problema estava no fato de o Brasil importar
a maioria dos produtos manufaturados que consumia, os quais representavam mais de 50% do
valor total das importações, e também no contínuo déficit na balança de pagamentos do país e
de sua crescente dívida externa (ALENCAR, 1994).
Durante o período da Primeira República, o Brasil continuou sendo um país
predominantemente agrícola, pois os projetos econômicos brasileiros passavam pelos
interesses de uma elite agrária que não desejava a industrialização. Como menciona Boris
Fausto, "segundo o censo de 1920, dos 9,1 milhões de pessoas em atividade, 6,3 milhões
(69,7%) se dedicavam à agricultura, 1,2 milhão (13,8%) à indústria e 1,5 milhão (16,5%) aos
serviços" (FAUSTO, 2000, p.281-282). As indústrias não existiam em grande número no país
e as mais importantes se concentravam apenas em alguns pontos do território. Houve um
relativo avanço na produção industrial do país tendo como principais produtos tecidos e
alimentos. Mas por trás desse avanço, encontrava-se "profunda carência de uma indústria de
base (cimento, ferro, aço, máquinas e equipamentos). Desse modo, grande parte do surto
industrial dependia de importações" (FAUSTO, 2000, p.288).
Nos primeiros anos do século XX viu-se uma transição de importância comercial da
Grã-Bretanha para os Estados Unidos, que se tornaram os principais compradores do Brasil.
Em 1891 o Brasil havia assinado com os Estados Unidos o tratado "recíproco" de 1891,
também conhecido como Convênio Aduaneiro, onde ficou estabelecido que "em troca da livre
entrada do café brasileiro, vários produtos norte-americanos passariam a entrar no país livres
de direitos, enquanto outros gozavam de uma redução de 25% sobre o imposto a pagar"
(BUENO, 2003, p. 95). Com isso, voltou a ser visto na república o que era feito na época da
monarquia, o estabelecimento de acordos e tratados desiguais, tendo apenas uma troca de
atores, da Inglaterra para os Estados Unidos. Como cita Seitenfus,
a política externa brasileira de 1822 a 1930 pode ser dividida em duasgrandes fases: do momento da independência até meados do século passado,caracteriza-se por um privilegiado relacionamento com a Grã-Bretanha. Asegunda fase, que se estende ao longo de oitenta anos (de meados do séculopassado até a Revolução de 30), pode ser identificada pela progressivaamericanização de nossa política externa (SEITENFUS, 1994, p.42).
Com a Primeira Guerra Mundial, novas indústrias conseguiram se instalar no Brasil
devido à interrupção das importações que eliminou a concorrência externa. Mas "[...] o surto
industrial ocorrido durante a guerra foi de pouca valia para o desenvolvimento da indústria
pesada, e [...] a atividade industrial continuou a depender amplamente da importação de
máquinas e peças" (BAER, 1966, p.18). Depois de países da Europa e os Estados Unidos
terem conseguido se recuperar da guerra, na década de 20, as indústrias foram reconstruídas e
os produtos se tornaram disponíveis novamente. Isso provocou um retrocesso para muitas das
indústrias aqui instaladas, pois a recuperação dos países significou a volta da concorrência. E,
como já foi visto, os produtos de fora possuíam melhor qualidade e menor preço.
Em 1922 teve início uma cooperação militar entre brasileiros e americanos e, devido
a esta “amizade”, o Brasil desejava seguir e acompanhar os Estados Unidos nas questões
internacionais e demonstrava vontade de atuar em conjunto com o mesmo. Essa aproximação
com os norte-americanos não foi bem vista por todos. Os outros países acusavam o Brasil de
ter preferência pelos Estados Unidos e ainda, como cita Clodoaldo Bueno, internamente os
promotores dessa aproximação foram acusados de “estarem colocando o Brasil em um tipo
de relação com os Estados Unidos semelhante àquela de Portugal com a Inglaterra, isto é,
mais de patrocínio do que aliança” (BUENO, 2003, p.366).
Para entender melhor como ficou a situação da indústria na época da República
Velha, é preciso citar a participação do Estado. De acordo com Boris Fausto, o Estado não foi
um adversário da indústria, mas também não promoveu uma política deliberada de
desenvolvimento industrial (FAUSTO, 2000). Como é analisado por ele:
a principal preocupação do Estado não estava voltada para a indústria, maspara os interesses agroexportadores. Entretanto, não se pode dizer que ogoverno tenha adotado um comportamento antiindustrialista. Houveproteção governamental em certos períodos à importação de maquinaria,reduzindo-se as tarifas da alfândega. Em alguns casos, o Estado concedeuempréstimos e isenção de impostos para a instalação de indústrias de base.Por outro lado, a tendência de longo prazo das finanças brasileiras nosentido da queda da taxa de câmbio tinha efeitos contraditórios com relaçãoà indústria. A desvalorização da moeda encarecia a importação dos bens deconsumo e, portanto, estimulava a indústria nacional, mas, ao mesmo tempo,tornava mais cara a importação de máquinas de que o parque industrialdependia (FAUSTO, 2000, p.289).
No final da década de 20, ocorreu "[...] uma crise sem precedentes na economia e no
comércio internacional, atingindo seu ponto alto com o crack da Bolsa de Nova Iorque [...]
" (SEITENFUS, 1994, p.46).
É nesse cenário que a Primeira República tem seu fim em 1930. A crise de 1929
complicou a situação da cafeicultura. Como explica Fausto
a defesa permanente do café gerara a expectativa de lucros certos,garantidos pelo Estado. Em conseqüência, as plantações se estenderam noEstado de São Paulo. Muita gente tomou empréstimos a juros mensais de2% - uma taxa na época muito alta - para plantar café. [...] Com a crise, ospreços internacionais caíram bruscamente. Como houve retração doconsumo, tornou-se impossível compensar a queda de preços com aampliação do volume de vendas (FAUSTO, 2000, p.320).
Com isso, os cafeicultores passaram a solicitar o enfrentamento da crise pelo governo
por meio da concessão de novos financiamentos e de uma moratória de seus débitos. Mas o
governo, tendo como presidente na época Washington Luís, recusou o pedido devido à sua
preocupação em manter o plano de estabilidade cambial. O país estava prestes a ter novas
eleições para presidente e a decisão de Washington Luís levou a um descontentamento geral.
Mesmo assim, o candidato lançado pelo presidente, Júlio Prestes, venceu as eleições de março
de 1930 causando insatisfação à oposição. Estourou uma revolução no país: o governo contra
a oposição. O presidente da República é deposto, a oposição vence e coloca o seu candidato à
presidência no governo dando fim à Primeira República em outubro de 1930 (FAUSTO,
2000).
A República Velha teve fim, mas os efeitos de seu governo para a economia
brasileira ficaram marcados. A abertura ao exterior e as concessões governamentais fizeram
com que as nossas indústrias nascentes fossem monopolizadas nas mãos de estrangeiros. É
verdade que, como menciona Holanda, o Marechal Floriano Peixoto fez
a primeira tentativa de reivindicação da posse das indústrias brasileiras,devolvendo as credenciais ao ministro português e dando passaporte a todosos súditos daquele reino. [Mas], [...] o seu sucessor, desfazendo todos todosos seus mais grandiosos atos, anulou também a nossa aspiração econômica,restituindo-nos de novo ao senhorio português; e hoje a indústria detransmissão, isto é, todo o comércio tanto a retalho como em grosso, tantointerno como internacional, feito por vias terrestres ou marítimas, acha-se namão do estrangeiro, acarretando assim todas as grandes desgraças que são onosso flagelo e a nossa ruína (HOLANDA, 1973, p.171).
Na Primeira República se encontrava, também, outro problema: a grande influência
das elites agrárias no governo. Como sita Baer, "o governo não dispunha de política para
proteger ativamente e muito menos para estimular ulteriormente a diminuta base industrial.
Sua única preocupação voltava-se para a defesa da produção cafeeira" (BAER, 1966, p.21).
Sendo assim, o desenvolvimento de nossas indústrias foi feito por estrangeiros e a riqueza que
elas constituíam não era nossa, era deles que a monopolizavam.
3 O PERÍODO MILITAR: DE 1964 A 1985
Este último capítulo irá tratar sobre a situação da economia brasileira durante o
Regime Militar, focando, principalmente a indústria nacional na época.
Busca-se, com este capítulo, mostrar as atitudes de alguns governos atreladas ao
pensamento de que o desenvolvimento industrial brasileiro está na presença do capital
estrangeiro no país e quão prejudicial isso realmente foi. Deve-se ter claro que a presença de
capital externo nem sempre prejudica a economia nacional. No contexto abordado pelo
trabalho, onde os governos procuraram a maciça entrada do mesmo, muitas vezes por
questões políticas internas, ele foi considerado prejudicial.
De acordo com Octavio Ianni, "a ditadura militar expressa o predomínio da grande
burguesia financeira e monopolista no mundo do Estado, das relações do Estado com as
classes subordinadas, as várias categorias de 'cidadãos' e o conjunto da sociedade civil"
(IANNI, 1984, p.93).
O período militar foi de domínio econômico das elites burguesas e dos estrangeiros.
A dependência brasileira em relação ao capital externo e a outros países, a qual será
melhor explicada no texto, pode ser entendida como sendo um "sistema de relações
econômicas, financeiras, políticas e culturais que mantém as nações subdesenvolvidas
subordinadas aos grandes centros do mundo desenvolvido. A situação de dependência atinge
especialmente os países de passado colonial recente, além dos que se iniciaram mais tarde no
desenvolvimento industrial, estruturando-se como um sistema periférico, que se estende pelo
chamado Terceiro Mundo (África, Ásia e América Latina)" (SANDRONI, 2000, p.164).
3.1 O ESTABELECIMENTO DO REGIME MILITAR
O Regime Militar foi estabelecido no Brasil por meio de um golpe de Estado em
1964. Quando o Presidente Jânio Quadros renunciou em 1961, o seu vice, João Goulart
(Jango), assumiu o governo e trouxe esperança a uma sociedade que se encontrava em meio a
uma frágil economia com crescimento ínfimo do Produto Interno Bruto e aumento de índices
inflacionários. A população esperava que João Goulart desse início às reformas de base:
reformas fiscal, tributária, agrária, entre outras, as quais foram por ele prometidas ao longo de
sua campanha política (Economia no Período Militar, 2003). A ascensão de Goulart à
presidência, juntamente às suas idéias de mudança, não foi bem vista pelos defensores da
situação econômica do país naquele momento, que possuía investimentos de multinacionais e
corporações estrangeiras não-vinculadas ao governo nacional. Foi por essa razão, pelo grande
crescimento do movimento social que estava por vir, que surgiu o Golpe Militar de 1964.
Nas palavras de Nadine Habert:
o golpe de 64 ocorreu num momento de crise da economia brasileira e degrandes mobilizações operárias, estudantis e camponesas em torno dereformas políticas e institucionais de cunho nacionalista, defendidas pelogoverno Jango, chamadas “reformas de base”(HABERT, 1996, p.8).
Estabelecido o Regime Militar, “[...] assumem o controle da economia [do país] os
adeptos da idéia de que apenas acentuando e aprofundando os mecanismos de
complementaridade e integração na economia mundial é que se poderia garantir nosso
desenvolvimento econômico” (AZEVEDO, 1989, p.97).
A economia brasileira passou, então, a sofrer intervenções do Estado, “o que
contribuiu para o desenvolvimento de uma infra-estrutura propícia aos interesses dos grandes
grupos capitalistas nacionais, em especial aqueles que mantinham estreitos vínculos com o
capital internacional" (Economia no Período Militar, 2003).
Acreditava-se que dessa forma, por meio do fluxo do capital estrangeiro para o Brasil,
iriam ocorrer o desenvolvimento e a industrialização nacionais. No entanto, o grande fluxo
daquele capital estrangeiro fez com que a participação do capital nacional nas indústrias
diminuísse. Como já não era orientação da política econômica do regime militar reforçar
empresas estatais no setor produtivo, em pouco tempo, tendo como exemplo as montadoras de
veículos e as fábricas de autopeças, começaram a acontecer as privatizações. Com isso, o
capital estrangeiro começou a assumir o controle de setores que eram muito importantes para
a economia nacional.
Como cita Carlos Azevedo,
as empresas multinacionais haviam assumido o controle de setores-chave deuma economia industrializada, tais como mecânica, aparelhos elétricos e decomunicação, borracha, plásticos e química. As empresas privadas nacionaisse concentravam nos setores tradicionais como têxtil, bebidas, mobiliários,madeiras e artefatos e, mesmo aí, seu predomínio já era ameaçado oucontestado [...] (AZEVEDO, 1989, p.100).
Esse período da história brasileira foi de aquisição de grande parte das empresas
nacionais do setor industrial por companhias estrangeiras. Foi, também, uma época em que os
Estados Unidos se destacou como sendo o país que mais investiu no Brasil por meio de uma
política de créditos fáceis e de empréstimos de capital, fazendo com que o endividamento
externo brasileiro iniciasse sua escalada (Economia no Período Militar, 2003). Exemplo disso
foi a abertura do mercado brasileiro para as gigantes norte-americanas General Motors,
Chrysler e Ford. A princípio elas não se interessaram em investir no Brasil porque quando a
indústria automobilística foi criada no país, o governo estipulou que apenas carros pequenos e
econômicos poderiam ser fabricados, e esses não eram de interesse delas por não produzirem
lucros significativos. Mas os governos militares mudaram essa política e permitiram a
produção de carros médios, fazendo com que as empresas viessem a fabricar aqui. Isso mostra
que, mais uma vez, concessões foram feitas para outros Estados a fim de satisfazer quem
quisesse investir no país. As elites burguesas e estrangeiras lucravam com esses estímulos, ao
passo que importantes setores como saúde e educação ficavam sem seus recursos.
3.2 OS GOVERNOS MILITARES
Durante os vinte e um anos de regime militar o Brasil conheceu cinco presidentes. O
primeiro a governar na ditadura foi o General Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-
1967), seguido do General Costa e Silva (1967-1969), General Emílio Garrastazu Médici
(1969-1974), General Ernesto Geisel (1974-1979) e General João Batista Oliveira Figueiredo
(1979-1985).
A política econômica nos primeiros anos da ditadura se mostrou
voltada a implantação e implementação de um amplo programa deinvestimentos do Estado, sempre financiados através de fundos obtidosjunto à instituições internacionais de crédito. Assim o Estado passou ainvestir maciçamente em programas de crescimento nas áreas dastelecomunicações, construções de estradas para implantar um sistema detransporte rodoviário, ampliação do sistema de geração e distribuição deenergia elétrica, sempre voltados a viabilizar o aumento de investimentosestrangeiros no Brasil (Economia no Período Militar, 2003).
Como já foi visto no tópico anterior, o grande anseio do governo pela entrada do
capital estrangeiro no país não surtiu bons resultados para o capital e empresas nacionais.
Em 1964 e 1965, durante o governo de Castelo Branco, houve, respectivamente, a
reforma da Lei de Remessa de Lucros "[...] de forma a beneficiar as subsidiárias de empresas
multinacionais que operavam no país" (REZENDE, 1999, p.118) e o estabelecimento de um
acordo com os Estados Unidos "[...] segundo o qual o governo brasileiro se comprometia a
garantir os investimentos de empresas norte-americanas interessadas em instalar fábricas ou
explorar jazidas minerais, contra eventuais prejuízos decorrentes de inflação ou de revoluções
[...]" (REZENDE, 1999, p.118). A política econômica militar propiciava financiamento
nacional às indústrias estrangeiras.
Castelo Branco foi acusado pelo economista Celso Furtado de, no seu governo, "[...]
submeter o Brasil a um plano 'pastoril' [...]" (SKIDMORE, 1988, p.141). Como explica
Thomas Skidmore, "por esse plano, o investimento industrial seria 'reduzido a zero', enquanto
os gastos do governo seriam concentrados no campo. [Os] críticos previam a ruína da
indústria brasileira em face de generosas concessões ao capital estrangeiro" (SKIDMORE,
1988, p.141). É verdade que as severas políticas fiscal e monetária de Castelo Branco
deixaram, ao fim de seu governo, o Brasil em uma situação econômica favorável, mas não
para a indústria.
Entre 1969 e 1974, quem governou o Brasil foi o General Médici. No seu governo foi
elaborado o I Plano Nacional de Desenvolvimento, o PND, para o período de 1972 a 1974.
Por meio desse, "[...] apelava-se à colaboração das empresas multinacionais no esforço para
criar e expandir as indústrias básicas necessárias a garantir a manutenção do nosso
desenvolvimento econômico" (AZEVEDO, 1989, p.105).
Foi também nessa época que o Brasil vivenciou um grande aumento dos setores
econômicos. O país foi atingido por um rápido crescimento em sua economia caracterizado
pela elevação do Produto Nacional Bruto em grande escala, pela aplicação do capital
estrangeiro no país em quantidades elevadas e pela ampliação das exportações brasileiras;
tudo com taxas de inflação relativamente baixas. Tal acontecimento foi chamado de "Milagre
Econômico" e durante ele, as cidades, o mercado interno, a construção civil, a de estradas e
hidrelétricas e as operações nas Bolsas de Valores se expandiram (HABERT, 1996). O país
tornou-se menos dependente da exportação de um único produto e o governo aumentou sua
capacidade de arrecadar tributos. Essa grande melhoria na área econômica se deu por meio de
incentivos tributários, hábil manipulação do sistema financeiro e redução dos custos da mão-
de-obra (SKIDMORE, 1988). Mas o real crescimento só se daria com a realização de
reformas estruturais; reformas de base como as que tentaram ser feitas anteriormente no
governo Jango. Era isso que economistas da época afirmavam, mas que nenhum governo
militar estava realmente disposto a fazer.
Como explica Nadine Habert, tal crescimento da economia brasileira não tinha nada
de milagroso. Foi apenas "[...] a consolidação da expansão capitalista nos moldes que já
vinham se delineando, contando com as bases econômicas e políticas anteriormente
implantadas e com a recuperação da economia mundial a partir de 1967-68" (HABERT, 1996,
p.13) e, o que se chamou de "milagre",
tinha a sustentá-lo três pilares básicos: o aprofundamento da exploração daclasse trabalhadora submetida ao arrocho salarial, às mais duras condiçõesde trabalho a à repressão política; a ação do Estado garantindo a expansãocapitalista e a consolidação do grande capital nacional e internacional; e aentrada maciça de capitais estrangeiros na forma de investimentos e deempréstimos (HABERT, 1996, p.13-14).
É verdade que, como já foi dito, as exportações brasileiras cresceram muito e se
diversificaram nesse período, em especial no que se refere a produtos industrializados.
Contudo, a ampliação da participação desses produtos na exportação “[...] deveu-se
basicamente à atuação de diversas empresas multinacionais que iniciaram ou ampliaram suas
atividades no país” e que “[...] supriram o crescimento do PIB, promovendo um maciço
ingresso de capitais externos, por meio de investimentos diretos ou de empréstimos
intercompanhias de suas matrizes [...]” (REZENDE, 1999, p.143-144).
O desenvolvimento acelerado da economia brasileira tinha participação, também, das
indústrias nacionais. Mas, como menciona Skidmore, "a indústria brasileira, o setor mais
dinâmico da economia, consumia grande parcela das importações, especialmente bens de
capital e produtos de petróleo" (SKIDMORE, 1988, p.280). O setor industrial era intensivo de
importações. Sendo assim, o Brasil precisava do ingresso de capitais para financiar o déficit
comercial causado por essa necessidade e, também, para cobrir os gastos com os serviços de
embarque de mercadorias, seguro, remessa de lucros e juros sobre empréstimos. A
necessidade de importar para manter o desenvolvimento e os gastos com o setor de serviços,
ultrapassou o crescimento das exportações nacionais. Isso explica o porquê da dependência
brasileira em relação ao capital externo (SKIDMORE, 1988).
Na vigência do "milagre", juntamente com as suas amplas conquistas, houve também
um agravamento das desigualdades sociais, uma vez que os interesses econômicos do país
estavam voltados para a grande burguesia nacional e estrangeira. Os trabalhadores da cidade e
do campo viviam com menos de um salário mínimo e as taxas de subnutrição, mortalidade
infantil e acidentes de trabalho eram altíssimas. O Ministro da Fazenda da época, Delfim
Neto, comparava a economia como sendo um bolo que deveria primeiro crescer para depois
ser distribuído. É por isso que as estratégias de crescimento do país não eram vistas apenas
com bons olhos. Vários críticos atacaram as políticas de Médici e Delfim "[...] que
supostamente aprofundavam as divisões econômicas internas e concediam favores indevidos
aos investidores estrangeiros" (SKIDMORE, 1988, p.283).
O "Milagre Econômico" brasileiro durou apenas quatro anos, até 1973 quando o
capitalismo mundial entrou numa crise iniciada por problemas com o petróleo5 e que se
estendeu por toda década de 70. O Brasil foi afetado pela crise pois a elevação dos preços do
petróleo comprometeu o desenvolvimento do país que dependia da importação de mais de
80% do total do seu consumo. O "milagre" não conseguiu sobreviver a esses acontecimentos,
entre outras razões, devido à sua enorme dependência em relação ao sistema financeiro e
comércio internacionais, "que eram responsáveis pela facilidade dos empréstimos externos,
pela inversão de capitais estrangeiros, pela expansão das exportações etc" (FAUSTO, 2000,
p.486).
Foi dentro deste cenário que, em 1974, o General Geisel tornou-se presidente. Ele
lançou o II PND, que "buscava completar o processo de substituição de importações instalado
há décadas no país, mudando o seu conteúdo" (FAUSTO, 2000, p.495) e defendeu uma
abertura política lenta, gradual e segura, uma vez que as contradições sociais e políticas se
aprofundaram com o fim do “milagre” e a crise econômica. Já no campo da economia, para
que as empresas continuassem crescendo, foram necessários maiores recursos externos, que
entraram no país sob a forma de empréstimos e causaram o aumento da dívida externa. O II
PND, diante da escassez do petróleo, definiu "[...] como objetivo alcançar a substituição de
importações de bens de capital e de insumos básicos industriais e agropecuários, de maneira a
desafogar a balança comercial" (AZEVEDO, 1989, p.106).
Foi por meio desse programa de substituição de importações de insumos básicos
(aço, cimento, fertilizantes, papel, bens de capital, etc), que o Brasil conseguiu sair, em 1978,
da crise gerada pelo primeiro choque do petróleo. Não se pode negar que as exportações
aumentaram em grande número e contribuíram para que o país conseguisse se livrar de um
5 A primeira crise internacional do petróleo ocorreu em 1973 e foi conseqüência da Guerra do Yom Kippur dosEstados Árabes contra Israel. Os países árabes membros da OPEP e responsáveis pela maior parte da produçãode petróleo do mundo, suspenderam as suas exportações em represália ao apoio que as potências do Ocidentederam a Israel na guerra. Tal medida provocou um grande aumento nos preços do petróleo (HABERT, 1996).
grande problema. Mas ainda assim, o lucro das exportações não conseguia pagar as
importações e, mais uma vez, o Brasil recorreu ao capital externo e aumentou sua dívida. No
fim de 1978, a dívida externa brasileira era de 43,5 bilhões de dólares. Como cita Skidmore, o
crescimento brasileiro era baseado na dívida, ou seja, se os empréstimos e investimentos
diminuíssem ou acabassem, o crescimento econômico do Brasil também teria igual
comportamento (SKIDMORE, 1988).
Não demorou muito para que outra crise nos abalasse novamente. Em 1979 veio o
segundo choque do petróleo6, que agravou o problema do balanço de pagamentos e levou ao
início de um crescimento econômico nacional lento e instável. "As taxas internacionais de
juros continuaram subindo [...], a obtenção de novos empréstimos era cada vez mais difícil e
os prazos para pagamento se estreitavam" (FAUSTO, 2000, p.502). A crise foi aprofundada
na década de 80, como veremos a seguir, e levou às mais altas inflações da história do país,
gerando grande estagnação no setor industrial. Esse período trouxe conseqüências para uma
época mais recente pois, desde então, a indústria nacional não apresentou nenhum
crescimento significativo, e as grandes empresas estrangeiras acabaram levando ao
sucateamento do parque industrial nacional.
Quem governava o país na época era o General Figueiredo. Segundo Boris Fausto, o
governo de Figueiredo
[...] combinou dois traços que muita gente considerava de convivênciaimpossível: a amplição da abertura [iniciada por Geisel] e o aprofundamentoda crise econômica. Pensava-se que as dificuldades econômicasestimulariam conflitos e reivindicações sociais, levando à imposição denovos controles autoritários por parte do governo. O equívoco desseraciocínio estava em fazer da política uma simples decorrência da economia(FAUSTO, 2000, p.501).
O objetivo da época era desenvolver o crescimento do país controlando a inflação.
Para isso foi criado o III PND que
[...] propunha a manutenção do ritmo do crescimento econômico, comênfase nos setores energético e agropecuário; uma melhora significativa nadistribuição da renda e uma redução drástica nas disparidades regionais; aobtenção do equilíbrio do balanço de pagamentos e a redução doendividamento externo; e o controle da inflação interna (REZENDE, 1999,p.156).
6 O segundo choque do petróleo foi causado por uma revolução iraniana, liderada pelo aiatolá Khomeini, contrao xá Reza Pahlevi. Em 1979, grandes manifestações obrigaram o xá a deixar o país e Khomeini retorna ao poder(HABERT, 1996).
Mas o aprofundamento da crise levou à deterioração da economia, provocando "[...]
uma grave recessão com índices inflacionários crescentes, a estagflação. O resultado prático
dessa situação foi a perda da legitimidade política do regime e sua aberta contestação"
(REZENDE, 1999, p.153). Nas palavras de Thomas Skidmore,
não cabia mais ao Brasil ' escolher' ou 'recusar' uma recessão. Em fins de1982 a necessidade de evitar a inadimplência externa suplantou todas asdemais metas econômicas. PIB, produção industrial, emprego, bem-estarsocial, tudo ficou subordinado à descoberta de dólares para pagar os juros dadívida (SKIDMORE, 1988, p.458).
No entanto, o governo se mostrou incapaz de administrar a recessão de 1981-1983 e
foi tomado pela crise. Foram três anos de péssimas condições para a economia do Brasil, o
que o levou a recorrer ao FMI e assinar uma "carta de intenções", "pela qual [...] se
comprometia a cumprir metas especificadas de política fiscal e monetária, assim como de
política cambial e tarifária, [e] para continuar a receber periodicamente parcelas do
empréstimo do Fundo [...] teria que alcançar [tais] metas [...]" (SKIDMORE, 1988, p.459). A
partir do momento em que o Brasil firmou laços com o FMI, ele se viu obrigado a manter
relações satisfatórias com o mesmo, pois era o FMI quem permitia aos bancos fazer novos
empréstimos.
Os setores mais atingidos pela recessão foram as indústrias de bens de consumo
durável. O ano de 1983 foi considerado como sendo o pior ano da economia brasileira; os
indicadores foram todos negativos: o produto industrial caiu, o índice de emprego na indústria
foi reduzido e o setor de bens de capital retraído. E, seguindo a recessão, a inflação acelerou,
batendo novos recordes e devastando a economia. Para contornar a crise, o governo decide,
entre outras medidas, reduzir as importações e elevar as exportações, fator que, juntamente
com a recuperação da economia norte-americana, ajudou a reativar a nossa economia em
1984. Como menciona Skidmore,
as autoridades brasileiras continuaram a reduzir as importações por todas asformas imagináveis, no que foram ajudadas pela severa recessão industrialque inibia as empresas de continuarem comprando no mesmo ritmo noexterior. Mas o cancelamento de importações significava atrasos demanutenção, bem como perda de novas tecnologias de que o Brasilnecessitava para competir nos mercados de exportação. Eram perspectivassombrias a médio e longo prazo para o setor industrial (SKIDMORE, 1988,p.462).
Mesmo conseguindo sair da crise, "a necessidade de financiamento externo, constante
e substantivo, era condição sine quae non para a manutenção do crescimento econômico
interno" (REZENDE, 1999, p.162).
Em 1985, após seis anos na presidência, Figueiredo deixou o governo e pôs fim à
ditadura militar, uma época da história brasileira marcada pela enorme dependência externa e
terríveis crises econômicas que prejudicaram, mais uma vez, o desenvolvimento da indústria
nacional.
O Brasil termina o período da ditadura em fase de tentativa de estabilização e
crescimento. Após as graves crises e recessões, a economia do país começou a melhorar, as
exportações de manufaturados voltaram à ativa e os produtos industrializados também
conseguiram mercado. Mas nada grande o suficiente para poder ser considerado significativo.
Enquanto os outros países se recuperavam e retomavam o mercado, o Brasil continuava na
busca pelo capital externo, ficando sempre atrás na luta do mercado competitivo.
Pode-se ver, então, que a dependência nunca deixou de existir. Uma criação dos
governos que foi sendo carregada ao longo do tempo e que se tornou uma infeliz realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho procurou identificar alguns aspectos do relativo atraso da
industrialização brasileira, relacionando este atraso à falta de políticas de desenvolvimento
para o setor e à dependência do país em diferentes momentos da história em relação a outros
países e organismos internacionais.
De acordo com isto, no primeiro capítulo foi ressaltada a subordinação brasileira a
Portugal, uma Metrópole cujos interesses eram mais importantes do que as condições da
colônia Brasil. Os atos da Coroa portuguesa tinham suas conseqüências sentidas pela colônia,
a exemplo o Tratado de Methuen de 1703, o qual foi exposto por acreditar-se estar entre as
origens do atraso industrial brasileiro. O acordo de tecidos e vinhos entre Portugal e Inglaterra
serviu para, mais tarde, proibir a existência de fábricas e manufaturas aqui no território. O
Alvará de 1785 protegeu os artigos do Tratado de Methuen, dando continuidade ao comércio
sem concorrência para os tecidos ingleses. A Revolução Industrial fez com que a Inglaterra
despontasse como a mais importante economia mundial, impondo ao resto do mundo a
necessidade de consumir seus produtos industrializados e o Brasil manteve-se ligado a este
processo. Outro momento que reflete a herança colonial foi o dos Tratados de 1810. Mais uma
vez os portugueses abriram a colônia à exploração comercial dos ingleses. A abertura
comercial que deveria ajudar no desenvolvimento comercial da colônia, nada mais fez do que
colocá-la aos pés da Inglaterra. E Portugal, perdendo seu domínio sobre a colônia, empurrou
as dívidas da Coroa para o Brasil, ou seja, além de submetê-lo às imposições inglesas, ainda
tornou-o responsável pelo pagamento de dívidas que não eram suas. Desse jeito, há mais de
um século sendo prejudicada, a situação econômica brasileira tomou formas difíceis de serem
mudadas.
Foi possível perceber no segundo capítulo, durante a Monarquia e a Primeira
República, que o Brasil continuou firmando laços de dependência com outros países.
Concessões e acordos que, cada vez mais, diminuíam a sua capacidade de se desenvolver
industrialmente. O Brasil, apesar de ser um país rico e com potencial, se via amarrado pelas
condições herdadas de Portugal. Somente em 1844 é que foi possível "livrar-se" das mãos da
Inglaterra e estabelecer relações com outros países. Mas já era um pouco tarde. O Brasil
continuou, de qualquer forma, atrelado aos ingleses comercialmente. Tanto é verdade que, na
época de Mauá, ele tentou industrializar o Brasil por meio de companhias e estradas de ferro,
mas o capital, material, técnicos, etc para realizar as obras vinham da Grã-Bretanha. Na
tentativa de proteger a indústria e comércio nacional, implantando tarifas para as importações,
o governo não conseguiu mantê-las por muito tempo, pois a agricultura que era predominante
e o setor mais importante da economia, necessitava das máquinas e ferramentas estrangeiras, e
as elites agrárias brasileiras não desejavam pagar mais caro por isso. O livre-cambismo
tornava impossível o desenvolvimento das indústrias nacionais que não conseguiam concorrer
com as mercadorias de fora. Mais uma vez os produtos nacionais perderam mercado. O
período da República já começou herdando dívidas gigantescas vindas da época colonial e
monárquica, e precisou se endividar para tentar pagá-las. Durante a República, o Brasil
continuou sendo governado pelos interesses agrícolas e não conseguiu desenvolver sua
industrialização, também porque o capital estrangeiro monopolizou as indústrias nascentes.
Isto se reflete nas ações do Estado que, apesar de não ser considerado antiindustrialista,
também não desenvolvia políticas benéficas para o crescimento industrial. A preocupação do
governo estava no café, que durante a Primeira República era o produto número um das
exportações. Mesmo assim, empréstimos eram tomados para conseguir manter e desenvolver
o setor, sempre aumentando a dívida externa brasileira.
Durante a ditadura militar não foi diferente. Os governos acreditavam que o
desenvolvimento do Brasil iria se dar pela presença do capital externo. Foi um período em que
a economia e as indústrias se desenvolveram, mas pelo capital estrangeiro, iniciando
novamente o aumento da dívida externa. As elites burguesas nacionais e estrangeiras
controlaram os interesses econômicos e deixaram o resto da população na miséria. Alguns
governos desenvolveram planos nacionais de desenvolvimento, os PNDs, cada um baseado
em diferentes ações. O I PND insistia na presença externa para expandir a indústria nacional,
o que de fato não iria melhorar as condições nas quais o setor se encontrava. O II PND, um
pouco melhor pensado, defendia a substituição de importações, que era um bom incentivo
para a nossa indústria. Mas ainda assim, as nascentes e crescentes não tinham condições de
competir com as gigantes estrangeiras. E o III PND, iria resolver os problemas econômicos e
sociais do país, se não fosse vontade do Presidente Figueiredo aprofundar a crise econômica.
A terceira tentativa que deveria ser a melhor, acabou por colocar o país em recessão. O regime
militar foi também abalado por duas grandes crises do petróleo, que dificultaram a situação
econômica do país. A indústria não conseguiu mais crescer devido às dificuldades enfrentadas
na recessão e nas crises, e os estrangeiros tomaram conta do setor.
Os anos 80 foram de caos para a economia e a indústria. A recessão tomou conta do
país, que se viu mergulhado em dívidas. Todas as metas econômicas foram deixadas de lado a
fim de se encontrar meios para pagar somente os juros da dívida, que já eram enormes. Entre
1981 e 1983, não conseguindo administrar a recessão, o Brasil foi atirado em uma profunda
crise que devastou a economia. A única saída encontrada foi recorrer ao FMI, o que firmou a
subordinação brasileira a ele. Após vários problemas, em 84 o Brasil consegue contornar a
crise. E não é surpresa que isso foi possível por meio do capital externo e de novos
endividamentos.
Portanto, tendo em vista o problema dessa pesquisa, pode-se considerar que ela está
correta. Todos os acontecimentos que ocorreram nos períodos abordados pelo trabalho,
contribuíram de alguma forma para dificultar o desenvolvimento da indústria brasileira e
demonstrar a dependência do país, aspecto que evidentemente comprometeu e ainda
influencia a inserção do país no cenário internacional.
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