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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL Gleidson Sena Dias ALIJADOS DA TERRA: (DES)TERRITORIALIZAÇÃO E (DES)CAMINHOS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE EM CACHOEIRA-BA Feira de Santana 2017

ALIJADOS DA TERRA: (DES)TERRITORIALIZAÇÃO E … · 2019-05-23 · Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado D53a Dias, Gleidson Sena Alijados da terra: (des)territorialização

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO PROFISSIONAL EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL

Gleidson Sena Dias

ALIJADOS DA TERRA: (DES)TERRITORIALIZAÇÃO E (DES)CAMINHOS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE

SANTIAGO DO IGUAPE EM CACHOEIRA-BA

Feira de Santana 2017

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GLEIDSON SENA DIAS

ALIJADOS DA TERRA: (DES)TERRITORIALIZAÇÃO E (DES)CAMINHOS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE

SANTIAGO DO IGUAPE EM CACHOEIRA-BA

Relatório Técnico apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Planejamento Territorial do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito para obtenção do título de Mestre em Planejamento Territorial. Orientadora: Profª. Dra. Nacelice Barbosa Freitas

Feira de Santana 2017

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Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado

D53a Dias, Gleidson Sena

Alijados da terra: (des)territorialização e (des)caminhos da

comunidade quilombola de Santiago do Iguape em Cachoeira-Ba. /

Gleidson Sena Dias. –, 2017.

193f.: il.

Orientadora: Nacelice Barbosa Freitas

Relatório Técnico (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de

Santana, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, 2017.

1. Território - Cachoeira, BA. 2. Comunidade quilombola de

Santiago do Iguape – Aspectos sociais. I. Freitas, Nacelice Barbosa,

orient.. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.

CDU: 71 (814.22)

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Aos meus pais, Antônia e Edvaldo, em especial

ao meu pai, que tinha o sonho de ver um dos

filhos “formado em Universidade” e hoje tem um

filho obtendo o título de Mestre.

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AGRADECIMENTOS

A benção aos meus mais velhos e ancestrais que deram origem a minha linhagem e, assim, possibilitaram a minha chegada até aqui. A benção aos meus mais novos, aos quais desejo que tenham garra força e fé para chegarem ainda mais longe do que eu consegui ou conseguirei chegar. Aos meus Deuses, os Orixás, gratidão pela permissão e proteção que me deram em todas as estradas que andei e encruzilhadas que passei. Ogum Yê; Odoyá; Okê Arô. À mainha e pai, guerreira e guerreiro, rainha e rei, que com todo sacrifício criou e educou quatro filhos. Sem os ensinamentos de vocês eu não seria nem a metade do que sou hoje. Essa conquista é por/para vocês, eternos amores! Aos meus irmãos, Euflavio, Fabricio e Iago, com os quais compartilho o fruto de muita dedicação, o qual não teria conseguido, ou não teria o mesmo sabor sem a presença e apoio de vocês, amores eternos! Aos meus familiares, em especial minhas tias Lene e Vonice, que sempre acreditaram em mim. À Comunidade de Santiago do Iguape, em especial à Associação Quilombola, por ter me recebido de braços abertos e contribuído com seus saberes, viabilizando o desenvolvimento da pesquisa. Ao Sr. Edson Falcão e José Carlos (Seu Zé) pela disponibilidade, auxílio e orientação durante todo o processo de realização do campo. A Edson pela presteza e colaboração precisa. Gratidão! A todos que compõem o Colégio Estadual Eraldo Tinoco, em especial a Itana Soares, pessoa especial, sempre presente em minha caminhada; a Lilica pela ajuda essencial na fase de conclusão da pesquisa; a Clara Amorim; Pedro Silvestre; Tito e todos do Colégio que contribuíram direta ou indiretamente para o caminhar da pesquisa. Gratidão! Ao meu querido amigo Eduardo Chagas, eu não poderia deixar de registrar: a culpa é sua! Quem me incentivou a iniciar esta caminhada. Acreditou e sempre se fez presente durante a caminhada, obrigado. A Jaciene Carvalho pelos auxílios nos momentos de sufoco. Obrigado nega! Aos amigos e amigas, Marcus (Boca), Vanessa, Geisa, Betânia, e Railma que contribuíram, cada um a seu jeito, com este trabalho. Gratidão! A Rilana, Dê, Jô, Vanessa Campos, gratidão meninas, por tudo mesmo.

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Ao meu preto, irmão que a UEFS me deu, Gabriel Matos, pelas orientações, macetes e ajuda com os programas de Geoporcessamento, e as várias prosas boas nas madrugadas. A minha grande parceria, Rose, pelo companheirismo/parceria de sempre, e suporte quando necessário. Aproveito para agradecer à minha tribo, ADEGA, pelas boas energias, pela rede de suporte, pelas prosas mais que necessárias nos momentos estressantes e os nossos Mafuá de Malungo. Tenho um carinho especial por cada um de vocês. Gratidão! Ao meu amigo George Rocha pela acolhida, pelo companheirismo, pela cerveja no Quatro Estações e o churrasquinho de Ademir nos momentos tensos. Pela irmandade que se solidificou ainda mais. A Verônica pelo companheirismo, pela paciência, pelas conversas produtivas, por me suportar nos momentos angustiantes e por me fazer acreditar, quando eu achava que não era mais possível. Mulher negra que tem sido um referencial pela trajetória, competência e dedicação em tudo que faz. Gratidão! Aos amigos da turma 03 do PLLANTER, Adson, Paula, Eduardo, Poli, Miryan, Keila, Rosana, Lidi, Elmo, Uirã, Juliana, Fran, Matheus, Jorge, César, Ozi e Caetano, valeu pela companhia nessa caminhada árdua. Grato pelo conhecimento adquirido como todos vocês ao longo dessa jornada. Vocês são estourad@s. É tudo nosso! A Lu, Leveza, Fran e Adson, parcerias fortes nos trabalhos de campo, nas oficinas. Não há dinheiro no mundo que pague o que vocês fizeram por mim. Gratidão, gratidão, gratidão! À zeladora dos meus guias, Mãe Anagilda, a qual me ajuda a manter meu Orí firme e forte para seguir a minha caminhada. A Nacelice Freitas, que me acolheu com o cuidado acadêmico daquelas que sabem gerar o “filho intelectual” e não apenas o letrado. Minha orientadora, a quem não tenho adjetivos para descrever tamanho humanismo, tamanha bondade. És um exemplo de mulher negra, retada e competente, além da grande inteligência. Sinto-me honrado por você me orientar. Faço questão de registrar que as 4 horas de orientações em cada encontro, apesar de saber que meus textos voltariam coloridos, cheios de anotações, mas ao mesmo tempo, as orientações mais descontraídas que já vi. Gratidão! À FAPESB, que cumpriu com seu dever de fomentar e incentivar à pesquisa científica, financiando este trabalho de pesquisa.

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TODO RISCO

A possibilidade de arriscar É que nos faz homens

Vôo perfeito No espaço que criamos

Ninguém decide Sobre os passos que evitamos

Certeza De que não somos pássaros

E que voamos Tristeza

De que não voamos Por medo dos caminhos.

(Damário da Cruz)

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RESUMO

A pesquisa analisa o processo de (des)territorialização da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape em Cachoeira no Estado da Bahia, analisando as mudanças após a construção da Barragem de Pedra do Cavalo. Realizou-se o levantamento bibliográfico e informações em jornais, revistas, mapas históricos, e arquivos fotográficos, para caracterização da área. Elaborou-se gráficos a partir de dados estatísticos apresentados através da planilha Microsoft Excel, utilizando-se dos softwares de geoprocessamento de dados vetoriais, obtidos nos bancos de dados fornecidos pelo SIG-BAHIA da Superintendência de Recursos Hídricos (SRH) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A importância do objeto de estudo centra-se na ampliação dos conhecimentos geográficos sobre o território. Com a pesquisa de campo foi possível aprofundar os conhecimentos acerca dos processos territoriais, em especial o de (des)territorialização que aconteceram na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape após a construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, além de revelar detalhes da situação socioeconômica e socioeterritorial da comunidade. As oficinas de etnomapeamento realizada na comunidade foi essencial para compreender as relações que a população estabelece com seu território, além de revelar a necessidade da comunidade em registrar parte da sua história, através de relatos e desenhos que deram origem a três etnomapas. Conclui-se que a construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo altera a dinâmica natural do rio Paraguaçu, influenciando na biodiversidade de peixes, até extinguindo algumas espécies, fato que interfere diretamente na vida da população da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, pois a população sobrevivia eminentemente da pesca, fazendo com que os habitantes, e especial em idade de trabalho busquem em outras localidades, como Salvador, melhores condições para sobreviver.

Palavras Chave: (Des)territorialização. Território. Territorialização. Comunidade ribeirinha.

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ABSTRACT

This search analyze the process of (des) territorialization of riparian communities

affected by dam, specifically the Quilombola Community of Santiago do Iguape in

Cachoeira in the State of Bahia, analyzing the changes after the construction of the

Pedra do Cavalo’s Dam. A bibliographic survey and information in newspapers,

magazines, historical maps, and photographic archives were carried out to

characterize the area. Graphs were drawn from statistical data presented in Excel,

using the geoprocessing software of vector data, obtained in the databases provided

by SIG-BAHIA of the Superintendency of Hydrous Resources (SRH), and by the

Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The importance of the object of

study is focused on the expansion of geographical knowledge about the territory. With

the field research, it was possible to deepen the knowledge about the territorial

processes, especially the (des) territorialization that happened in the Quilombola

Community of Santiago do Iguape after the construction of the Dam and Hydropower

of Pedra do Cavalo, besides revealing details of the situation socioeconomic and

socio-territorial levels of the community. The ethnomapping workshops done in the

community were essential to understand the relationships that the population

establishes with its territory, in addition to revealing the community's need to record

part of its history through reports and drawings that gave rise to three ethno maps. It

is concluded that the construction of the Pedra do Cavalo’s Dam and Hydroelectric

alters the natural dynamics of the Paraguaçu River, influencing the biodiversity of fish,

even extinguishing some species, a fact that interferes directly in the life of the

population of the Quilombola Community of Santiago do Iguape. The population

survived eminently from fishing, making the habitants, and especially of working age,

seek in other places, such as Salvador, better conditions to survive.

Keywords: (Des) territorialization. Territory. Territorialization. Riverside Community.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fluxograma 1 Construção e Desenvolvimento da Cartografia Social......... 36

Figura 1 Localização da Barragem de Pedra do Cavalo..................... 64

Figura 2 Falha Geológica de Maragogipe ......................................... 65

Climograma 1 Temperatura e pluviosidade de Cachoeira......................... 84

Figura 3 Imagem de satélite da comunidade de Santiago do Iguape

Cachoeira, Bahia..................................................................

110

Figura 4 Engenhos do vale do Iguape................................................ 114

Figura 5 Ruínas do Engenho Central................................................. 115

Figura 6 Oficina 1: apresentação dos desenhos grupo 1................... 147

Figura 7 Oficina 1: apresentação dos desenhos grupo 2................... 148

Figura 8 Oficina 1: apresentação dos desenhos grupo 3................... 149

Figura 9 Oficina 1: apresentação dos desenhos grupo 4................... 150

Figura 10 Imagem de Satélite da Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape..............................................................

161

Figura 11 Imagem de Satélite da área urbana da Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape......................................

162

Etnomapa 1 História dos pescados na Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape..............................................................

163

Etnomapa 2 Representação da área urbana da comunidade................... 164

Etnomapa 3 Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape: peixes

existentes antes da construção da Barragem de Pedra do

Cavalo (1979-1985...............................................................

165

Etnomapa 4 Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape: peixes

depois da construção da Barragem de Pedra do Cavalo

(1985-2017).........................................................................

166

Etnomapa 5 Entnomapeamento da área urbana da Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape em 2017........................

167

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LISTA DE FOTOS Foto 1 Barragem de Pedra do Cavalo em fase de construção......... 67

Foto 2 Barragem de Pedra do Cavalo na atualidade........................ 68

Foto 3 Enchente em Cachoeira de 1910............................................ 70

Foto 4 Enchente em Cachoeira de 1911............................................ 71

Foto 5 Enchente em Cachoeira de 1930............................................ 72

Foto 6 Enchente em Cachoeira 1947................................................. 73

Foto 7 Enchente em Cachoeira de 1948............................................ 73

Foto 8 Enchente em Cachoeira 1957................................................. 74

Foto 9 Enchente em Cachoeira 1960................................................ 75

Foto 10 Chegada do navio da Companhia de Navegação Baiana ao

cais de Cachoeira................................................................

79

Foto 11 Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade

Federal do Recôncavo - Cachoeira (CAHL - UFRB)..............

96

Foto 11 Feira livre de Cachoeira........................................................... 98

Foto 13 Capela de Nossa Senhora D’Ajuda Século XVII..................... 101

Foto 14 Capela de Nossa Senhora D’Ajuda na atualidade................... 102

Foto 15 Igreja matriz de Santiago do Iguape ....................................... 111

Foto 16 Registros da fachada do Colégio Estadual Eraldo

Tinoco......................................................................................

112

Foto 17 Quilombolas voltando da maré............................................... 131

Foto 18 Registros do labor diário dos quilombolas............................... 137

Foto 19 Segunda oficina: momento 1................................................... 153

Foto 20 Segunda oficina: momento 2................................................... 153

Foto 21 Segunda oficina: momento 3................................................... 154

Foto 22 Segunda oficina: momento 4................................................... 154

Foto 23 Terceira oficina: momento 1.................................................... 156

Foto 24 Terceira oficina: momento 2.................................................... 157

Foto 25 Terceira oficina: momento 3.................................................... 158

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LISTA DE G RÁFICOS

Gráfico 1 População do Brasil por regiões em 1960................................. 56

Gráfico 2 Temperatura de Cachoeira........................................................ 83

Gráfico 3 Evolução da população de Santigo do Iguape - 1920-2010..... 91

Gráfico 4 Evolução da taxa de urbanização do Brasil, Bahia e Cachoeira

– 1940-2010………………….....................................................

93

Gráfico 5 Evolução da taxa de crescimento urbano do Brasil, Bahia e

Cachoeira – 1940-2010 ……………..........................................

95

Gráfico 6 Divisão dos entrevistados por sexo........................................... 123

Gráfico 7 Faixa etária dos sujeitos da pesquisa........................................ 123

Gráfico 8 Declaração de raça/cor dos entrevistados ................................ 123

Gráfico 9 Escolaridade dos entrevistados................................................. 124

Gráfico 10 Profissões dos entrevistados..................................................... 125

Gráfico 11 Renda média mensal dos entrevistados.................................... 126

Gráfico 12 Atividade econômica que desenvolve na comunidade.............. 127

Gráfico 13 Destino da produção................................................................. 127

Gráfico 14 Local de venda da produção..................................................... 128

Gráfico 15 Tempo de moradia dos entrevistados na comunidade.............. 129

Gráfico 16 Opinião do entrevistado sobre a escolha de Santiago do

Iguape para viver .....................................................................

132

Gráfico 17 Opinião dos entrevistados sobre a relação entre a pesca,

mariscagem e a construção da Barragem de Pedra do Cavalo..

132

Gráfico 18 Opinião do Entrevistado sobre mudanças na comunidade após

a construção na barragem de pedra do

cavalo........................................................................................

133

Gráfico 19 Contribuição da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo

para a Comunidade...................................................................

135

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localização de Cachoeira no Recôncavo....................................... 78

Mapa 2 Localização de Cachoeira............................................................... 81

Mapa 3 Tipos climáticos de Cachoeira........................................................ 85

Mapa 4 Cobertura vegetal e uso das terras do município de Cachoeira..... 87

Mapa 5 Tipos de solos do Município de Cachoeira..................................... 88

Mapa 6 Capitanias hereditárias................................................................... 100

Mapa 7 Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira 1698-

1833..................................................................................................

104

Mapa 8 Evolução territorial de Cachoeira entre 1761 e 2017........................ 105

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Planejamento no Brasil: principais características................. 59

Quadro 2 Principais Hidrelétricas do Brasil: Localização, Ano de início

e término da construção........................................................

62

Quadro 3 Cachoeira: formação territorial ............................................. 82

Quadro 4 Síntese das respostas dos entrevistados sobre a

importância do Rio Paraguaçu antes e depois da construção

da Barragem de Pedra do Cavalo..........................................

139

Quadro 5 Planejamento da oficina 1..................................................... 144

Quadro 6 Planejamento da oficina 2..................................................... 152

Quadro 7 Planejamento da oficina 3..................................................... 156

Quadro 8 Problemas, conflitos e soluções.......................................... 158

Quadro 9 Planejamento da oficina 4..................................................... 168

Quadro 10 Planejamento da oficina 5..................................................... 169

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 População do Brasil por Regiões em 1960............................ 55

Tabela 2 Cachoeira: população total, urbana, rural, taxa de

urbanização e taxa de crescimento da população urbana

1872-2010.............................................................................

89

Tabela 3 População total do distrito do Iguape - 1872-2010 ............... 91

Tabela 4 Brasil, Bahia, Cachoeira: população total, 1872-2010........... 92

Tabela 5 Brasil, Bahia e Cachoeira: taxa de urbanização e taxa de

crescimento da população urbana 1940-2010.......................

94

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LISTA DE SIGLAS

ACASI Associação Cultural e Artística de Santiago do Iguape

ANA Agência Nacional de Águas

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

CBPM Companhia Baiana de Pesquisa Mineral

CEPAL Comissão Econômica Para a América Latina

CONDER Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia

ESRI Environmental Systems Research Institute

GPS Sistema de Posicionamento Global

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEMA Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MMA Ministério do Meio Ambiente

PAEG Programa de Ação Economia do Governo

I PND I Plano Nacional de Desenvolvimento

II PND II Plano Nacional de Desenvolvimento

SEMA Secretária do Meio Ambiente

SIG Sistemas de Informações Geográficas

SEI-BA Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

UFBA Universidade Federal da Bahia

UFRB Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................... . 20

1.1 Os caminhos da percorridos: a realização da pesquisa..................... 26

1.2 Cartografia social: um recurso metodológico...................................... 34

2 TERRITÓRIO, IDENTIDADE TERRITORIAL E (DES)TERRITO-

RIALIZÇÃO...............................................................................................

38

2.1 Território: breve discussão ................................................................... 38

2.2 Territorialização, (Des)territorialização, (Re)territorialização............. 42

2.3 Comunidades Quilombolas: identidade territorial e pertencimento.. 47

3 Estado, construções de Barragens e planejamento territorial no

Brasil..................................................................................................... ...

51

3.1 A Construção de barragens e hidrelétricas no Brasil......................... 60

3.2 A Barragem de Pedra do Cavalo............................................................ 63

3.2.1 AS ENCHENTES EM CACHOEIRA.......................................................... 68

4 CACHOEIRA: FORMAÇÃO TERRITORIAL............................................ 76

4.1 Aspectos Geo-históricos do Município de Cachoeira......................... 76

4.2 Aspectos Socioambientais de Cachoeira............................................. 83

4.3 Aspectos Sociodemográficos de Cachoeira........................................ 89

4.4 Formação territorial de Cachoeira......................................................... 98

4.5 Disputas territoriais: nativos versus portugueses............................... 107

4.6 Santiago do Iguape: sabores e dissabores da formação territorial... 109

4.7 Libertos no por lei, mas escravos pela posse da terra........................ 115

5 COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE: A

BARRAGEM E HIDRELÉTRICA DE PEDRA DO CAVALO E O

PROCESSO DE (DES)TERRITORIALIZAÇÃO.......................................

120

5.1 Perfil do(a) entrevistado(a)..................................................................... 121

5.2 Perfil socioeconômico do(a) entrevistado(a)..................,,,................... 125

5.3 Territorialidade e (des)territorialização em Santiago do Iguape......... 129

6 ETNOMAPEAMENTO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE

SANTIAGO DO IGUAPE: ROTEIROS, REGISTROS E RELATOS..........

143

6.1 Primeira oficina: o que éramos.............................................................. 143

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6.2 Segunda Oficina: quem somos............................................................. 151

6.3 Terceira Oficina: grafando o território.................................................. 155

6.4 Territorialidade da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape:

demarcação através da Cartografia Social...........................................

159

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 170

REFERÊNCIAS ........................................................................................ 176

APÊNDICES............................................................................................. 182

ANEXOS................................................................................................. .. 189

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20

1 INTRODUÇÃO

Eu saí cedo de casa Andei no colo do vento

Corri cavalgando sonhos Perseguindo pensamentos.

(Mestre Toni Vargas)

Encontrar respostas para os problemas socioterritoriais e buscar contribuir para

a formação de cidadãos críticos capazes de agir enquanto sujeitos na transformação

da sociedade é função da Universidade e dos intelectuais. Explicar a dinâmica

territorial é fundamentalmente importante para a ampliação do conhecimento

geográfico, sendo assim, cabe ao geógrafo a responsabilidade de debruçar-se sobre

as complexas e indissociáveis relações sociais políticas que permeiam o território,

analisando a totalidade, na busca pela não fragmentação do conhecimento. Com o

fito de contemplar o rigor teórico e metodológico, os geógrafos desenvolvem

pesquisas tendo em vista a produção do conhecimento.

Explicar a (des)territorialização e os (des)caminhos da Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape, após a construção da Barragem e Hidrelétrica de

Pedra do Cavalo no rio Paraguaçu em 1979, é objetivo principal deste trabalho de

pesquisa. Buscou-se identificar os alijados da terra.

No Brasil a construção de barragens e hidrelétricas alteram a dinâmica

territorial nos espaços que são implantadas. Enquanto isso o Estado justifica a

necessidade de tais empreendimentos em decorrência da demanda energética. As

construções estão sempre associadas à resistência das comunidades atingidas e o

enfrentamento ao poder do Estado, que para a implantação das obras vale-se das leis

e do discurso de planejamento e ordenamento territorial. O exemplo mais recente das

divergências entre as ações do Estado e os interesses das comunidades ribeirinhas,

é a construção da Usina de Belo Monte - situada à sudoeste do Pará, no rio Xingu,

município de Altamira -, que teve as obras iniciadas em 2011 e foi inaugurada em

março de 2016, em meio aos movimentos de resistência popular e dos relatórios

socioambientais elaborados por ONGs e instituições não governamentais indicando e

alertando para os impactos socioambientais, socioeconômicos, e socioterritoriais

irreversíveis para a natureza e sociedade.

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Os rebatimentos sociais e ambientais são colocados em segundo plano pelo

poder estatal, relativizando problemas concretos, tendo em vista que as obras

provocam alterações no meio físico e biótico, com mudanças dos regimes hídricos,

sazonalidades nas vazões dos rios, supressão de cobertura vegetal, diminuição de

espécies animais e do volume da pesca e vegetais, enquanto no âmbito social,

econômico e cultural exerce influência no deslocamento de populações ribeirinhas.

A construção de barragens e hidrelétricas e a consequente alteração do fluxo

dos rios interferem no ciclo migratório dos peixes e até mesmo para a sobrevivência

das espécies, isso faz com que a população seja forçada a (re)organizar-se territorial,

social, cultural e economicamente. Assim, não são raros os casos em que as

populações ribeirinhas não conseguem (re)territorializar-se, e são forçadas a migrar

para outros territórios alheios àqueles os quais guardavam vínculos de pertencimento

(VIANA, 2003).

Em 1979 inicia-se a construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo,

localizada no rio Paraguaçu, e nos territórios de Cachoeira e Governador Mangabeira.

Em 1985 é concluída e tem-se iniciado o seu funcionamento. Nessa perspectiva, fez-

se imperativo analisar os rebatimentos socioterritoriais antes, e o depois da

implantação, pois tal obra foi projetada com o intento primaz de conter as cheias do

rio que periodicamente atingiam os municípios de Cachoeira e São Félix, causando

inúmeros transtornos e perdas materiais e imateriais para as populações.

A água represada destina-se ao abastecimento da Região Metropolitana de

Salvador (RMS), Feira de Santana, Cachoeira e Cruz das Almas e, desde 2005, a

geração de energia hidrelétrica, que é enviada para uma subestação elevadora da

Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), localizada no município de

Governador Mangabeira, e distribuída no sistema de transmissão e consumo de

energia.

Após a construção do barramento e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo houve

mudança no regime hídrico do rio Paraguaçu, passando a apresentar inversão nos

teores de água doce e salgada. Esse fator altera toda a dinâmica natural, mudanças

do regime hídrico, sazonalidade na vazão do rio, supressão de cobertura vegetal e

diminuição de espécies animais e vegetais. Tal obra de engenharia apresenta-se

como a materialização da ação de um modelo de gestão capitalista por parte do

Estado, que se utiliza de variadas estratégias para controlar e demonstrar poder sobre

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o território, impondo os interesses das classes hegemônicas, de forma direta ou

indireta (SANTOS, 2006).

A convivência com jovens que residiam na Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape – à época do colegial entre os anos de 2001 e 2004, fez surgir

inquietudes, que foram se aguçando ao ouvir as histórias contadas em meio a feira

livre onde ao trabalhar como carregador de feira, era ouvinte dos diversos relatos das

marisqueiras, que ali negociavam o fruto do seu labor junto ao rio Paraguaçu -, frutos

esses que atualmente encontram-se escassos.

Com o passar do tempo ocorreu o distanciamento das pessoas, pois, não mais

encontrava-se os colegas de escola, e a feira já não mais se constituía o lócus do

antigo labor. No entanto, algumas falas dos estudantes nos corredores do Colégio

Estadual da Cachoeira ainda se faziam latentes na memória, a exemplo: “buscar por

condições de uma vida melhor”, “preciso arrumar um emprego, e para isso preciso

sair do Iguape”. Observa-se que as falas denotam a existência de problemas

concernentes ao aproveitamento da mão de obra para o trabalho, tendo em vista que

o rio representa fonte de renda da Comunidade, e com a diminuição dos pescados

não havia onde empregá-la, ficando evidente os indicativos da existência do processo

de saída da população do território, ou seja, a (des)territorialização conforme

discussões de Haesbaert (2003; 2007; 2012) e Saquet (2015).

A Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape é formada pela população

remanescente de quilombo que habita no Distrito de Santiago do Iguape localizado à

sudeste de Cachoeira. Os quilombolas foram escolhidos como sujeitos da

investigação por terem sido os sujeitos diretamente atingidos pela construção da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, em consequência das mudanças que

ocorreram no ambiente porque é do rio Paraguaçu que a população retira o seu

sustento.

As alterações influenciam diretamente a vida dos ribeirinhos, em especial a da

população da Comunidade pesquisada, pois, dedicam-se as atividades produtivas

relacionadas à terra e ao rio. Os pescados retirados do rio Paraguaçu são utilizados

na alimentação e/ou para comercialização, portanto, diminuição da oferta dos mesmos

deixa a população em situação de vulnerabilidade social (DIEESE, 2007). Observa-se

também que a construção da Barragem de Pedra do Cavalo atinge, de modo mediato,

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os recursos físicos da Comunidade, pois, ao modificar a dinâmica natural do rio, altera

as condições econômicas da população de Santiago do Iguape.

Ao sair do lugar de pertencimento, onde os laços afetivos, culturais, econômicos

e políticos os constituem como sujeitos integrados à historicidade, e geograficidade

inicia-se, mesmo que parcialmente, um processo (des)territorialização, interferindo no

fortalecimento da identidade, pois, “as relações que os grupos mantêm com o seu

meio não são somente materiais, são também de ordem simbólica, o que os torna

reflexivos” (CLAVAL 1999, p.11). Nessa perspectiva, observa-se que tais obras

colocam as comunidades ribeirinhas na condição de vulnerabilidade social, pois as

deixam alijados da terra, sem condição de garantir a sobrevivência, além de ocorrer

a ruptura da, identidade, relações sociais, políticas, e econômicas que são

fragilizados, contribuindo para desfazer laços identitários que se estabeleceram ao

longo do tempo naquele território, porque a identidade é um processo desenvolvido

ao logo do tempo, guardando uma história e várias relações (CRUZ, 2007).

Sem os meios tradicionais de sobrevivência a população é forçada a se deslocar

para outros territórios, na busca por recursos e infraestruturas propícios para

atendimento das necessidades básicas e manutenção das tradições herdadas dos

antepassados. No entanto, nem sempre isso é possível, pois a ruptura com a

territorialidade, historicamente e geograficidade estabelecida, desestabiliza toda uma

lógica de funcionamento organizacional que preexistia, seja econômica, política, social

ou simbólica, imprimindo perdas materiais e imateriais oriundas dessas mudanças que

são especialmente orquestradas pelo Estado.

O Estado, é visto “como um agente desterritorializador”, segundo Haesbaert

(2011, p.194), pois os projetos de desenvolvimento, a exemplo das construções de

Barragens e Hidrelétricas, subjugam os habitantes destituindo-os dos seus territórios,

porquanto muitas vezes não detêm conhecimentos técnicos, jurídicos, políticos que

lhes permitam contrapor, e compreender a dimensão política e econômica do Estado

e do capital.

A saída da população do território deve-se a busca por emprego, com melhores

salários, e também acesso a serviços de saúde, saneamento básico, cursos de

qualificação profissional e lazer etc. Esse fato foi observado durante a pesquisa nas

conversas informais com os quilombolas. A falta de infraestrutura na comunidade

reflete no território uma desestruturação proposital para atender aos interesses do

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capital, induzindo mudanças na dinâmica territorial, fomentada pelo Estado, forçando

a população a migrar para outros espaços.

Para o melhor delineamento e avaliação das transformações territoriais

ocorridas na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, faz-se necessário

estabelecer um recorte temporal, assim, a referida pesquisa buscou identificar os

processos que servem para demarcar o contexto dessas transformações no período

compreendido entre 1970 e 2010. Vale ressaltar que período relaciona-se ao início da

construção da Barragem, e ao pleno funcionamento da Hidrelétrica de Pedra do

Cavalo, no rio Paraguaçu, à montante da foz, entre os municípios de Cachoeira e

Governador Mangabeira.

Assim, a pesquisa buscou explicar o processo de (des)territorialização e as

mudanças na dinâmica territorial na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape,

decorrente da construção da Barragem de Pedra do Cavalo em Cachoeira. Sendo

assim, as questões que se colocam são: Como se deu o processo de

(des)territorialização da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape? Até que

ponto a construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo contribuiu com o

processo de (des)territorialização da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape?

De que forma se deu o processo de (re)territorialização da Comunidade de Santiago

do Iguape após a construção da Barragem? Os limites territoriais da Comunidade

antes e depois da construção da Barragem são os mesmos?

Especificamente buscou-se explicar o processo de (des)territorialização na

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, analisando a relação entre a

construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo e o processo de

(des)territorialização. Além disso, identificou-se a (re)territorialização da Comunidade

antes e depois da construção da Barragem, e por fim, delimitou-se a Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape, através do etnomapeamento.

A pesquisa é importante pois pauta a produção do conhecimento acerca dos

processos de territorialização, (des)territorialização e (re)territorialização

desencadeados pela construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, a

partir do olhar da Comunidade, trazendo para o meio acadêmico as concepções, os

conhecimentos da Comunidade sobre o processo, tendo em vista que os estudos

realizados sobre o tema apresentam uma abordagem verticalizada, ou seja, mostram

o olhar de sujeitos alheios à Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape.

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A produção do conhecimento da Comunidade e para a Comunidade se faz

imperativo, pois objetiva que tal pesquisa sirva de fonte para a sistematização de

dados principalmente para os moradores da mesma, que tem a história e a geografia

retratada neste trabalho, visando contribuir para o fortalecimento dos laços identitários

com o território. Pretende-se que a mesma seja utilizada também como instrumento

de empoderamento auxiliar na luta em busca de implementação de políticas públicas

adequadas à realdiade, pois o mapeamento participativo documenta problemas

resultantes da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo

historicamente presentes na oralidade, porém sem registros escritos.

Nessa perspectiva, a pesquisa traz contribuições sob o ponto de vista geográfico,

tendo em vista que os conhecimentos produzidos pela a partir do olhar da comunidade

se apresenta com o diferencial, pois não reflete apenas leitura do pesquisador que

resolve escrever sobre determinada realidade sem conhecer as minúcias da mesma,

nesse caso, tem-se sobretudo, a voz e o conhecimento dos habitantes do território.

O texto encontra-se estruturado em cinco capítulos nos quais estão expostas as

discussões sobre o objeto da pesquisa, análise e discussão da problemática. No

primeiro capítulo, a Introdução, apresenta a problemática, justificativa e o

embasamento teórico conceitual da pesquisa, delineando os caminhos que levaram

ao interesse por estudar o tema em questão, bem como detalha a metodologia e os

passos do desenvolvimento de toda a pesquisa. O segundo capítulo aborda os

principais referenciais teóricos e conceituais abordados no texto, trazendo para

discussões diversos autores a exemplo de Hasbaert (2003; 2007; 2012), Saquet

(2015), Souza (2007), Santos (1994; 2006), Gottman (2012), Correia (2007).

O terceiro capítulo dialoga acerca do entrelaçamento das construções de

barragens e hidrelétricas e as estratégias do Estado para um planejamento territorial

que atendesse aos interesses dos grupos hegemônicos e analisa de modo mais

específico a construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, e os impactos

no território.

O quarto capítulo aborda a formação territorial de Cachoeira, realizando

discussão histórico-geográfica desde o período da usurpação territorial realizada

pelos portugueses, assim como, as especificidades naturais e a atual configuração

territorial município. Destaca-se também a caraterização natural e socioeconômica e

socioterritorial da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape.

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No capítulo cinco tem-se a análise das informações obtidas através da aplicação

de questionários e entrevistas realizados durante a pesquisa de campo. O sexto

capítulo trata-se das informações sobre a Comunidade estudada, produzidas durante

as oficinas que teve como resultado o mapeamento participativo da Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape, quando as falas dos sujeitos, e as imagens obtidas

nos encontros com o grupo que participou ativamente das oficinas, permitiram explicar

o processo de (des)territorialização.

A pesquisa ainda conta com apresentação dos produtos elaborados durante a

realização das oficinas com a comunidade, que são: o mapa em que os sujeitos

identificam os peixes que foram extintos após a construção da Barragem de

Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, e as espécies que ainda existem no rio Paraguaçu

(Bacia do Iguape), e também o mapa da comunidade com a localização dos pontos

considerados por eles importantes e que serviram de referência para a análise sobre

a territorialidade. Inclui-se ainda na discussão o quadro de problemas e soluções

elaborado pelos participantes das oficinas. No último capítulo foram descritas as

considerações finais.

1.1 Os caminhos da percorridos: a realização da pesquisa

A busca por um método que proporcione reflexões direcionadas aos caminhos

passíveis de serem trilhados no processo de construção, desconstrução e

reconstrução do conhecimento é essencial para alcançar os objetivos propostos na

pesquisa, não esquecendo o rigor científico necessário para o desenvolvimento desse

processo, (APPOLINÁRIO, 2011; MARCONI E LAKATOS, 2010).

As discussões sobre (des)territorialização e território – pois não há como debater

sobre o primeiro sem discutir o segundo - seguem caminhos variados levando, em

alguns casos, à construção de um conhecimento fragmentado/compartimentalizado.

Na busca pelo desenvolvimento de conhecimento tanto sobre (des)territorialização,

quanto sobre o território no contexto de comunidades ribeirinhas tornou-se necessário

escolher referenciais teórico-conceituais e metodológicos condizentes com a proposta

da pesquisa, que auxiliem e colaborem na construção e descoberta dos caminhos a

serem percorridos, assim como a edificação das bases e pressupostos iniciais, que

objetivam reunir elementos para atender os escopos da pesquisa.

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Para realização da investigação sobre o problema foram realizadas pesquisas

qualitativas e quantitativas, pois no âmbito da pesquisa científica, em especial nas

ciências humanas, é demasiadamente complexo se falar na utilização apenas da

pesquisa quantitativa, ocorrendo o mesmo com pesquisa qualitativa. Apesar de

analisarem aspectos distintos da pesquisa, há, no decorrer do percurso, o

intercruzamento entre elas, fazendo-se necessário uma análise conjunta de ambas

para alcançar um resultado satisfatório na investigação (APOLINÁRIO, 2011).

O primeiro passo para concretização da investigação consistiu em fazer o

levantamento bibliográfico de todo conhecimento produzido sobre o tema em teses,

dissertações, livros, periódicos, artigos e jornais, utilizados para embasar

teoricamente à pesquisa, tendo em vista que os conceitos de território,

(des)territorialização forneceram as bases da pesquisa. Na visão de Gil (2002),

pesquisa bibliográfica se constitui no levantamento dos autores que já discutiram o

tema que pretende-se discutir na pesquisa.

Além disso, buscou-se a pesquisa documental que segundo Gil (2002), se

assemelha à pesquisa bibliográfica, porém, o que as diferencia é a natureza das

fontes, bem como o material que ainda não recebeu tratamento analítico, ou que ainda

pode ser reelaborado de acordo com os objetivos da pesquisa, ou seja, apesar da

semelhança entre ambas, a pesquisa documental não se restringe ao material escrito,

utilizando-se da obtenção de informações em fotografias, filmes, músicas, dentre

outros.

Apesar de apresentarem pontos que as diferenciam, ambas foram utilizadas no

processo de levantamento de dados e informações para o desenvolvimento desse

trabalho.

Buscou-se informações em mapas históricos, especialmente os conteúdos

relativos ao desenvolvimento territorial do município, para comparar com o contexto

atual. Vale ressaltar que, no acervo do arquivo público municipal de Cachoeira não

foram encontrados os mapas antigos do município. Os mapas físicos a exemplo do

geomorfológico, geológico e vegetação, forneceram subsídios para a caracterização

física da área de estudo; os mapas de solo e clima, além de contribuírem para a

caracterização física, forneceram informações relevantes para compreensão da

dinâmica agrícola do lugar. A sistematização das informações obtidas é imprescindível

para o estudo e análise do objeto da pesquisa.

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As informações ambientais sobre a área de estudo, nos períodos definidos para

a pesquisa, foram coletadas nos sites dos Institutos do Meio Ambiente e Recursos

Hídricos (INEMA), e Secretárias do Meio Ambiente do Estado da Bahia, e a Secretaria

do Município de Cachoeira. Baseando-se nesses dados foi possível traçar um

comparativo dos recursos hídricos antes e depois da construção da Barragem, para

então analisar quais foram as consequências dessas mudanças no território.

Os períodos remontam respectivamente a época antes e depois da construção

da Barragem e funcionamento da Hidrelétrica de Pedra do Cavalo. Assim, a análises

dos números nos forneceram informações acerca dos aspectos socioeconômicos da

população estudada nos referidos espaços temporais.

A segunda etapa da investigação referiu-se à pesquisa de campo para o

reconhecimento, caracterização da área, coleta de pontos através do Sistema de

Posicionamento Global (GPS), com a ajuda dos habitantes da Comunidade, para o

georreferenciamento e delimitação territorial, reunindo assim, dados para elaboração

dos mapas de localização do lócus da pesquisa, com o auxílio das técnicas de

Geoprocessamento. Tais ferramentas foram usadas para sistematização dos dados

reunidos em campo, permitindo a delimitação territorial do espaço estudado. As

informações colhidas nessa fase da pesquisa deram subsídio para analisar a

delimitação territorial imposta pelo poder público e a que é reconhecida pela

Comunidade.

A terceira parte da pesquisa consistiu na formação de um banco de dados com

informações georreferenciadas, que serviram de base tanto para a elaboração da

cartografia do território investigado, como fornecer elementos para auxiliar na

construção de conhecimento sobre o mesmo, coletando informações nos sites do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Superintendência de Estudos

Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-BA), Instituto do Meio Ambiente e Recursos

Hídricos (INEMA), Secretária do Meio Ambiente (SEMA), Agência Nacional de Águas

(ANA), Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), Ministério do Meio Ambiente

(MMA), Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER).

Após a formação do banco de dados, passou-se a elaboração dos mapas de

localização, com o qual foi possível espacializar a área de estudo. O mapa de

vegetação, que permitiu a análise fitogeográfica do lócus da pesquisa, e o mapa de

uso e cobertura do solo para identificar os usos que são feitos do solo daquela

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Comunidade, além do geomorfológico, climático e relevo. Os três mapas permitiram a

análise dos aspectos naturais da área de estudo. Também foram confeccionados o

mapa divisão político administrativa do município.

No que concerne a caracterização sociodemográfica do município e da

comunidade estudada, buscou-se dados dos censos demográficos do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1872 e 2010 tornando possível o

conhecimento dos números sobre o índice de crescimento populacional, população

total, população urbana e rural e taxa de urbanização.

A obtenção de informações que indicassem caminhos para a compreensão da

realidade, levando em consideração variáveis que não podem ser quantificadas, a

saber, a ideia de pertencimento da população com o território e a relação da

Comunidade com o rio foi possível por meio das entrevistas bem como a aplicação

de questionários direcionados aos sujeitos da pesquisa, que são os quilombolas da

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, situada às margens do rio

Paraguaçu, Bacia do Iguape, distante 37km a sudeste da sede do município de

Cachoeira-Ba, que localiza-se a aproximadamente 110km da capital do Estado, e

corresponde a área diretamente atingida pela construção da Barragem e Hidrelétrica

de Pedra do Cavalo.

Realizou-se também entrevistas com questões semiestruturadas, aplicadas com

representantes da Colônia de Pescadores Z-52, que foi criada em 10 de abril de 2005,

e encontra-se situada à Rua Quebra-Cabeça, no mesmo município, segundo

informações da direção, a mesma contando com aproximadamente 1000 associados.

Também buscou-se informações na Associação Quilombola de Santiago do Iguape.

A mesma não possui sede própria, por esse motivo solicitam os espaços do Centro

de Referência em Assistência Social (CRAS – Quilombola) e do centro comunitário de

Santiago do Iguape para a realização das reuniões. O objetivo das entrevistas

realizadas com membros das associações da Comunidade estudada foi buscar

informações, tanto sobre o processo de (des)territorialização, quanto sobre as

condições de risco/vulnerabilidade da referida Comunidade, decorrente da construção

da barragem e hidrelétrica.

A escolha dos sujeitos que estão à frente de cada instituição, para a entrevista,

justifica-se pelo fato de se apresentarem como líderes e estarem envolvidos com os

processos de mobilização e reivindicações de melhorias e mudanças na/para a

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comunidade, e podem fornecer informações de suma importância para o caminhar da

pesquisa.

As informações sobre as ações desenvolvidas pelos movimentos sociais, - em

especial o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) -, que atuam de forma a

subsidiar às Comunidades atingidas por barragem, na luta pela garantia dos seus

direitos, foi buscada através de entrevista ao Sr. Moises, um dos coordenadores do

Movimento dos Atingidos por Barragem no Estado da Bahia (MAB).

Aplicou-se 72 questionários com questões semiabertas para os moradores da

Comunidade, que tiveram ou tem vínculos com a Associação Quilombola e com a

Colônia de Pescadores Z-53. Para responder aos questionários escolheu-se em

pessoas com idade acima de 50 anos, pois no ano do término da construção da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo contavam com a idade de 20 anos e

poderiam fornecer informações acerca da comunidade antes das obras, tendo em

vista que detém memórias e histórias acerca da prática pesqueira e mariscagem no

rio Paraguaçu e, também, podiam relatar sobras mudanças ocorridas no território

Assim buscou-se informações na Secretária Municipal de Saúde acerca do

quantitativo de pessoas com a faixa etária acima de 50 anos de idade, e encontrou-

se um universo amostral de 150 pessoas de ambos os sexos, através dos dados da

Secretária Municipal de Saúde.

Com base nessas informações partiu-se para campo com o objetivo de aplicar

questionários com 100% do universo amostral. No entanto, um pouco mais da metade

dessa população se recusou a contribuir com a pesquisa respondendo ao

questionário. Uns demonstravam muito receio que de algum modo o fato deles

participarem fosse prejudicar o recebimento de algumas dos benefícios concedidos

pelo governo federal, a exemplo do Programa Bolsa Família, Seguro Defeso dentre

outros. Outra parte se negava justificando que os pesquisadores das Universidades

só iam buscar conhecimento na comunidade, e que nunca davam nenhum tipo de

retorno para eles. Esses fatores foram responsáveis pela diminuição do número de

pessoas que responderam ao questionário.

Entendendo a significativa importância da produção de conhecimento sobre o

território, os resultados obtidos serão disponibilizados em Cartografia Social, mapas

elaborados pela própria Comunidade, levando em consideração os conhecimentos

acerca do mesmo. Sobre esse entendimento Ferreira (2011, p. 45) discute que “a

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cartografia social como instrumento participativo é o próprio processo de elaborar

mapa. Deste modo, o mapa produzido pela cartografia social pode ser usado pela

Comunidade como centro de reflexão sobre o território”.

A origem dos mapas explica a sua importância nos processos envolvendo o

conhecimento sobre território desde tempos pretéritos. Os navegantes e negociantes

da antiguidade com o objetivo de discutir rotas para navegação e expansão para os

mercados, reuniam-se em locais públicos, e os rabiscos e traçados das rotas eram

feitos nas toalhas das mesas, daí a alusão e associação da palavra mappa à “toalha

de mesa” (OLIVEIRA, 1988). Há, no entanto, dúvidas relacionadas à sua procedência,

mas alguns autores partem da ideia que a palavra é de origem cartaginesa.

Os mapas desde tempos remotos são utilizados como instrumento de

dominação territorial pelos setores tradicionais da sociedade. A esse respeito, Harley

(1988, 280-282 apud CORREIA, 2007 p. 30) afirma que

No mundo Islâmico, no período clássico da geografia árabe, os sultões do Império Otomano patrocinaram a produção de mapas e os usaram para propósitos militares, políticos, religiosos e propagandísticos. Na China antiga, os mapas foram produzidos de acordo com as sucessivas dinastias, servindo como ferramentas burocráticas e militares, e como emblemas espaciais de impérios. Na Europa moderna, os mapas foram usados na defesa e na guerra, na administração interna ligada ao crescimento de governos centralizados e como propaganda na legitimação das identidades nacionais. No período colonial, os mapas antecipavam os impérios nas Américas e em outros continentes.

Essa técnica foi definida devido a relevância e significado de uma representação

territorial pautada nos conhecimentos sobre população tendo em vista que a

elaboração de mapas sempre atendeu aos interesses do Estado, e se configura como

instrumento de legitimação do poder frente a outros agentes envolvidos na gestão

territorial. (ACSELRAD, 2008). Visando mudar a perspectiva de hegemonia e poder,

é que optou-se por realizar o etnomapeamento – que é uma denominação de

mapeamento participativo - na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape.

Enquanto metodologia, o mapeamento participativo da comunidade de

Santiago do Iguape alcançou objetivos bem maiores que a mera delimitação territorial

da comunidade, pois foi utilizado para cartografar e registrar histórias orais da

comunidade, dos pescadores e marisqueiras, resgatando memórias que seriam

esquecidas no espaço tempo.

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Para realização das oficinas escolheu-se os participantes da Associação

Quilombola de Santiago do Iguape, primeiro pela receptividade e forma como

abraçaram o projeto, segundo pela facilidade em organizar e marcar as reuniões, e

terceiro por poder realizar as reuniões com uma quantidade menor de pessoas, porém

representativa.

Antes das oficinas foi feito contato com os representantes da Associação

Quilombola de Santiago do Iguape -coordenador e vice coordenador - com o objetivo

de apresentar o projeto, e que eles pudessem mostrar os limites territoriais da

comunidade. Após o primeiro contato ficou marcado uma data para que fosse possível

coletar os pontos com o aparelho de GPS para fechar o quadrante do território da

comunidade, nos mesmos locais em que o INCRA - Órgão responsável pela

demarcação dos territórios indígenas e quilombolas - realizou a demarcação das

terras quilombola de Santiago do Iguape.

Para pensar e organizar as oficinas foi necessário buscar auxílio em trabalhos

acadêmicos que tratam do mapeamento participativo, a exemplo dos realizados por

Santos (2016) e Araújo (2015), assim foi possível traçar os objetivos a serem

alcançados em cada oficina, os materiais que foram utilizados e as estratégias que

seriam utilizadas para motivar os participantes a se envolverem no processo de

construção dos mapas. Formou-se uma equipe de apoio, para auxiliar no

desenvolvimento das oficinas, composta por uma Mestra em Planejamento Territorial,

uma Mestranda em Planejamento Territorial, um Mestrando em Planejamento

Territorial e um Licenciado em Educação Física.

As oficinas aconteceram na sede do CRAS-Quilombola, foram realizados três

encontros, o primeiro com a presença de 25 pessoas, e três pessoas da equipe técnica

o segundo com 14, e mais duas pessoas da equipe técnica, e o terceiro com 9 pessoas

da comunidade, e mais três pessoas da equipe técnica.

Os materiais necessários para o desenvolvimento das oficinas foram, papel

metro, lápis de cor, hidrocor, cartolina, lápis, caneta, piloto, lápis de cera, notebook,

data show, imagem de satélite da comunidade georreferenciada e impressa no

tamanho A0, papel vegetal e borracha, que foram utilizados para a confecção dos

desenhos e dos etnomapas.

Na primeira reunião, que aconteceu no dia 01 de novembro de 2016, com início

às 14:20hs e término às 17:30hs, apresentou-se a proposta da pesquisa para os

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presentes, como diálogos acerca da história dos pescados na comunidade, dos

rebatimentos da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo na

comunidade. A partir desta discussão inicial, direcionamos os diálogos para história

da comunidade guardada nas memórias dos participantes, assim, foi proposto que os

participantes da oficina fizessem uma representação da comunidade antes da

barragem, em meio ao processo de recordação surgiam relatos e lembranças acerca

de cada ponto, ruas, braços de rios e riachos, das estradas e caminhos existentes em

Santiago do Iguape. As informações adquiridas nessa parte da pesquisa estão

expostas no capítulo 07 de relatos e registros.

Na segunda reunião, que aconteceu no dia 12 de novembro de 2016,

começando às 14:30hs e finalizando às 17:40hs, o objetivo foi iniciar os etnomapas.

Assim, dividiu-se os participantes da oficina em três grupos, onde dois foram trabalhar

com os mapas e o outro foi pensar as soluções para cada problema existente na

comunidade, o que deu origem ao quadro de problemas e soluções. Começou-se a

oficina com as discussões acerca dos elementos de um mapa e depois se falou dos

problemas da comunidade.

A terceira oficina, que aconteceu às 14:20hs do dia 30 de novembro de 2016,

foi organizada com o objetivo de finalizar a confecção dos mapas e do quadro de

problemas e soluções. O grupo foi dividido a princípio em outros dois subgrupos, cada

um ficou responsável por trabalhar em um dos mapas. Após o intervalo para o lanche,

que ocorreu às 15:30, houve a necessidade de reorganizar os grupos a fim de formar

um terceiro grupo, já que a quantidade de participantes na oficina era relativamente

pequena, cerca de 9 pessoas. Esse novo grupo ficou responsável por finalizar o

quadro de problemas e soluções. Os mapas e o quadro foram terminados ao final

desta oficina, às 17:30hs.

A quarta oficina destinar-se-á a apresentação do produto para a comunidade

para ser validado ou proposto modificações. Bem como para entrega do relatório

técnico, pois entende-se que toda produção de conhecimento sobre a comunidade

deve ser entregue a comunidade para que seja utilizado de alguma forma por eles, já

que conhecimento também apresenta-se como uma forma de poder.

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1.2 Cartografia social: um recurso metodológico

A cartografia sempre teve papel primaz nos processos de dominação territorial,

sendo os mapas responsáveis por conferir vantagens e depois legitimar a ação de

grupos hegemônicos, a exemplo do Estado, nas disputas territoriais. Para Acselrad

(2008), os mapas sempre estiveram a serviço do Estado, a exemplo do controle das

rotas para escoamento de mercadorias, ou para ter acesso ao interior do território,

localização de riquezas, de áreas não exploradas. Nesse sentido, os primeiros mapas

institucionais estavam ligados aos interesses estatais em riquezas localizadas em

locais de difícil acesso, e à necessidade de delimitação dos limites do Estado criando

as bases legais para a administração territorial. É perceptível que os processos de

mapeamento têm uma finalidade específica, e serve à legitimação e dominação do

território por parte dos agentes hegemônicos, em especial quando se trata de traçar

limites/fronteiras, demarcações que possuam algum recurso, ou no qual os poderes

públicos tenham grandes interesses.

Revisitando a história é possível citar alguns fatos importantes que comprovam

a utilização estratégica dos conhecimentos cartográficos, a exemplo das grandes

navegações, nas quais as nações definidas como metrópoles à época, já tinham

conhecimento de terras que ainda não haviam posto os pés, mas encontravam-se

distribuídas entre os países colonialistas, a exemplo de Portugal e Espanha que já

dividiam as terras entre Oriente e o Ocidente mesmo sem conhecê-las.

Detendo-nos à compreensão acerca do século XVIII, é possível perceber nesse

marco temporal que os mapas eram utilizados para obter conhecimento, dominar e

gerir o território e sua população. Corroborando com essa linha de pensamento,

Etxebarria (2012 p. 5) expõe que:

En el siglo XVIII, con el descenso de las conquistas y los viajes, y coincidiendo con el nacimiento del nacionalismo, los países comienzan a mirar hacia dentro de sus fronteras; despierta el interés por conocer mejor su territorio. El territorio es más que los límites que lo definen; se trata de un espacio de relaciones sociales que los poderes del país necesitaban conocer para ejercer el dominio y el poder sobre su población, así como para gestionar recursos e impuestos. En esta época se realizan los primeros mapas topográficos creados por las primeras instituciones cartográficas oficiales.

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Assim, entende-se que no contexto do século XVIII, a arte de cartografar e de

produzir mapas concentravam-se sob o controle do Estado, demonstrando que o

conhecimento sobre o território era, e é importante, ao ponto dos órgãos

governamentais disputarem como outros seguimentos da sociedade, e figurarem

entre os mais dotados de aparato tecnológico e de informações cartográficas sobre

geomorfologia, geologia, hidrografia, solo, clima etc., o que garante planejar ações e

gestão territoriais de acordo com seus interesses, conferindo ao Estado a vantagem

de controlar o território e exercer o poder sobre ele.

Buscando-se a inversão desse papel, e uma virada no tabuleiro do poder, que é

proporcionado pelo domínio das novas tecnologias associadas à cartografia, os

grupos contra hegemônicos estão se empoderando, e apropriando-se do uso desses

instrumentos, contrapondo-se ao poder historicamente dominante, tendo em vista que

a cartografia social vem sendo usada cada vez mais como recurso para a articulação

social, pois permite reformulação, e releitura territorial, SANTOS (2011).

Nesse sentido, observa-se a grande importância das novas metodologias de

mapeamento participativo – Cartografia Social - baseada no conhecimento territorial

historicamente adquiridos e construídos pelas populações das comunidades

tradicionais.

No Brasil, o entendimento e a utilização da cartografia social tem início entre as

décadas de 1980 e 1990, na região Amazônica, e Santos (2012, p. 4), afirma que ao

tratar da “busca do auto mapeamento de seringueiros em suas lutas pela preservação

de suas territorialidades, na década de 1980, que esteve na base da criação das

Reservas Extrativistas”.

Essa nova metodologia insere no contexto das disputas territoriais uma nova

perspectiva para o diálogo, pois, instrumentaliza os grupos historicamente excluídos,

possibilitando disputar o território com os grupos hegemônicos, tendo em vista que o

conhecimento sobre o lócus de vida, a identidade territorial, ganham relevância.

O fluxograma 1 expõe a síntese do processo de construção da cartografia social.

Por conhecer o espaço, as comunidades são capazes de descrever, localizar e

identificar com riquezas de detalhes cada parte do território, porém não possuem o

conhecimento técnico que lhes permitam utilizar as novas tecnologias associadas à

cartografia, a exemplo do Sistema de Informações Geográficas (SIG), Sistema de

Posicionamento Global (GPS), e de software de mapeamento digital, necessários para

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a realização do levantamento de dados e mapeamento que “utilizam técnicas

geomáticas (principalmente o GPS) ou tradicionais de levantamento para registrar

dados nos mapas” (ACSELRAD, 2008 p. 15).

O entendimento da significativa importância da produção de conhecimentos

geográficos sobre o território, suas riquezas, e o controle desses saberes, são de

suma importância no processo de afirmação, e de legitimação de poder, por essa

razão propomos a utilização da metodologia de mapeamento participativo junto à

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape. A esse respeito, são exemplares as

afirmações de Acselrad (2008, p.10) “é fato que possuir a informação geográfica

significa não somente afirmar sua autoridade, mas também proteger as riquezas,

cuidando ciosamente de que ninguém mais dela se apodere”.

FLUXOGRAMA 1 – CONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA CARTOGRAFIA SOCIAL

Fonte: Elaboração do autor

Nessa perspectiva, o uso da metodologia de mapeamento segue evoluindo e

crescendo, pois, a relevância e significado de uma representação territorial pautada

nos conhecimentos das populações de Comunidades tradicionais é deveras

Conhecimento

técnico

Domínio do SIG;

Domínio do sistema de

geoposicionamento

Comunidades

tradicionais

Conhecimento do

território

Oficinas de

Etnomapeamento

Mapeamento

participativo

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importante nas disputas, principalmente com os poderes públicos, já que estes

sempre se utilizaram dos mapas para legitimação do poder frente a outros agentes

envolvidos na gestão territorial.

Por ser uma metodologia que busca dotar de representatividade os grupos

historicamente excluídos, visando sobretudo contestar a legitimidade dos

instrumentos, neste caso os mapas, apresentados pelos poderes públicos quando

estabelecem e elaboram, quase sempre de forma autoritária, as políticas e o

gerenciamento do uso dos recursos existentes em territórios tradicionais,

Vêm emergindo como instrumentos de luta de grupos historicamente excluídos de processos de representação e tomada de decisão, mas, ao mesmo tempo, aparecem como tecnologia de gestão em diferentes processos de planejamento estatal, e nem sempre beneficiando a real

democratização do acesso a recursos (SANTOS 2011, p. 11).

A união dos conhecimentos técnicos advindo das novas tecnologias, com os

saberes sobre o território adquiridos pelas Comunidades através de suas vivências e

relação com o lugar, possibilita a criação de instrumentos capazes de mover tais

comunidades ao empoderamento, conferindo-lhes aportes sólidos para as lutas e

demandas existentes no contexto das disputas historicamente engendradas pela

demarcação de território e poder.

E com base nessas premissas, optou-se por utilizá-la como procedimento

metodológico empregado no estudo do processo de (des)territorialização da

população da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, que fica localizada no

município de Cachoeira, no Estado da Bahia.

Os resultados da pesquisa foram sistematizados, organizados e apresentados

em forma de relatório técnico, que acompanhará a Cartografia Social, a qual será

apresentada à Comunidade e posteriormente ao poder público municipal, para que

possa auxiliar em possíveis políticas para a Comunidade estudada.

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2 TERRITÓRIO, IDENTIDADE TERRITORIAL E (DES)TERRI-TORIALIZAÇÃO

Não nos prendemos à terra pela sua materialidade, Mesquinha, voraz, desumana.

Nos prendemos aos bons momentos vividos nessa terra.

Somos presos pelos sentimentos, pelas memórias. Somos presos pelas histórias grafadas nos caminhos

Percorridos por esse imenso chão, Que não me deixa esquecer quem sou.

(Gleidson Dias)

O capítulo tem por objetivo elaborar uma discussão conceitual sobre território,

identidade territorial e desterritorialização, tendo em vista a necessidade de explicar o

processo de (des)territorialização na Comunidade de Santiago do Iguape em

decorrência da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo.

2.1 Território: breve discussão

A discussão sobre território tem dominado os debates no âmbito da Geografia

nos últimos tempos, conceito que carrega múltiplas faces, o que demanda esforço por

parte das ciências humanas na busca por um melhor entendimento, o que demanda

aprofundamento do mesmo.

O território apesar de ter ganhado mais notoriedade nas discussões sociais há

relativamente pouco tempo, especificamente a partir do início da segunda metade do

século XX, é um conceito que já se fazia presente em obras datadas entre os séculos

V e I a.C, a exemplo das publicações de Aristóteles e Platão as quais esboçavam uma

discussão de caráter eminentemente físico, sobre o território ideal de uma cidade, isto

é, a polis.

Para Raffestin (1993) o território é precedido pelo espaço, ou seja, se forma a

partir de há um sistema de representatividade, funcionalidade que seja possível

caracterizá-lo. Para o autor, a discussão acerca do território perpassa pelas relações

de poder que se estabelecem no espaço à medida que o mesmo é constituído por

malhas compostas de redes e nós que conferem especializações, segundo o seu grau

de importância, em outras palavras, a partir do momento que há uma hierarquia tem-

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se escalas de poder, que se estabelecem do grau de especialização e funcionalidade

que é imposta a cada território, ordenando-o de acordo com os interesses dos grupos

dominantes.

Santos (1998; 2008), e Raffestin (1933), com posições diferenciadas,

concedem mais ênfase à hierarquização pautada na divisão territorial do trabalho. O

autor questiona a noção de nós e redes na compreensão sobre o território, pois

privilegia alguns espaços em detrimento de outros, não contemplando a profundidade

necessária para o entendimento da completude do mesmo.

Souza (2007, p. 78) discute território balizando a partir da concepção de poder

tal como Raffestin (1933), afirmando que o território (...) “é fundamentalmente um

espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. Contudo, não

explicita que nesse processo há uma hierarquização territorial, e entende que para

haver relação de poder, é preciso ter dominador e dominado, que no contexto desta

pesquisa são caraterizados pelo Estado e quilombolas envolvidos na construção da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo. Assim subtende-se implicitamente que

há uma hierarquização nesse processo.

As abordagens sobre território trazem importantes contribuições para a

consolidação e avanços na forma de definir o seu significado, mesmo os teóricos

pautando discussões que se alinham ao viés político – e/ou econômico-,

fragmentando e limitando as amplitudes das análises, pois não levam em

consideração as relações imateriais que existem no território, direcionando-as para

instrumentalizar e perpetuar as classes sociais historicamente hegemônicas.

Fernandes (2008, p. 278) afirma que, as diversas leituras sobre território,

(...) predominam análises da dimensão econômica e da dimensão social numa acepção de território como uma unidade geográfica determinada, quase sempre como espaço de governança. A definição de ‘território’ por órgãos governamentais e agências multilaterais não consideram as conflitualidades dos diferentes tipos de territórios contidos ‘território’ de um determinado projeto de desenvolvimento territorial. Ao se ignorar propositalmente os distintos tipos de território, perde-se a multiescalaridade, porque estes territórios estão organizados em diversas escalas geográficas, desde a local até a escala internacional. O conceito de território passa a ser instrumentalizado para atender aos interesses de instituições e expressa, então, sua mais cara propriedade: as relações de poder.

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Nessa perspectiva, é possível pensar a relação de poder entre a Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape e o Estado, no que concerne à implantação da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, ignorou as conflitualidades, porquanto a

concepção de multiescalaridade do território explica o pertencimento que determina a

territorialidade e não apenas espaço de governança. Sendo assim,

Quando o território é concebido como uno, ou seja, apenas como espaço de governança e se ignora os diferentes territórios que existem no interior do espaço de governança, temos então uma concepção reducionista de território, um conceito de território que serve mais como instrumento de dominação por meio das políticas neoliberais (FERNANDES, 2008 p. 280).

Na visão de Fernandes (2005) o território é antes de tudo um espaço, cultural,

social, econômico, político ou geográfico. Nesse sentido, adquire as características do

grupo social que exerce o poder sobre ele. Observa-se que a territorialidade da

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape é definida a partir da atividade

pesqueira.

Entendendo que a concepção de território transpassa a materialidade,

compreendendo, também imaterialidade, pois na visão de Fernandes (2005, p. 28) “os

territórios são países, estados, regiões, municípios, departamentos, bairros, fábricas,

vilas, propriedades, moradias, salas, corpo, mente, pensamento, conhecimento”.

Sendo assim, possível afirmar que o território da Comunidade Quilombola de Santiago

do Iguape vai além da materialidade estendendo podendo ser definido e delimitado

pelo sentimento de pertencimento que os quilombolas têm com o rio Paraguaçu,

fazendo do mesmo, parte do seu território, com o qual eles estabelecem relação

econômica, afetivas e simbólicas, ou seja, relações materiais e imateriais.

Gottman (2001) debate sobre território a partir de um viés político júris legalista

pautando as análises nas concepções de soberania nacional. Nessa abordagem, o

autor demonstra a importância do mesmo para o Estado nacional, porém ele ressalta

que não é o único fator necessário para formação de um Estado, mas isso não diminui

o significado, o valor do território.

Não se restringindo a essa concepção o autor, aprofunda a discussão ao

afirmar que “o conceito de território, com seus componentes materiais e psicológicos,

é um dispositivo psicossomático necessário para preservar a liberdade e a diversidade

de comunidades separadas em um espaço acessível independente” (Gottman, 2001,

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p. 543 grifo do autor). Assim demonstra que o território não pode ser pensado apenas

sob o ponto de vista político-administrativo ou econômico, é preciso levar em

consideração também a imaterialidade intrínseca e inerente ao território, oriundas das

relações sociais estabelecidas sobre ele.

Haesbaert (2011, p.74) propõe uma análise sobre o território, associando as

várias relações de poder, sejam elas político-econômicas e/ou culturais-simbólicas;

em outras palavras, expõe que as relações materiais e imateriais que ocorrem no

território são inseparáveis da sua essência espacial, ao afirmar que “o território

carrega sempre, de forma indissociável uma dimensão simbólica, ou cultural em

sentido estrito, e uma dimensão material, de natureza predominantemente

econômico-política”. Dessa forma, há a possibilidade de estudar o território, e em

espacial o da comunidade estudada, sem fragmentá-lo, observando a totalidade, não

privilegiando uma dimensão em detrimento de outra.

As relações sociais que são desenvolvidas no e entre os territórios não podem

ser entendidos e pensados concatenada se houver a fragmentação da materialidade

e imaterialidade, pois o território também é uma construção simbólica. Dessa forma,

Saquet (2015) sugere explicar o território a partir de uma perspectiva integradora e

complexa, onde todas as dimensões se imbricam, nesse sentido, afirma que

As dimensões sociais do território (econômica, política e cultural) estão no mesmo nível. Porém, ora uma(s), ora outra(s) dimensão(sões), em cada lugar e momento e/ou período histórico, pode(m) predominar diante das demais. O que muda e/ou permanece, para cada período e/ou momento e lugar, é o arranjo territorial, através das formas espaciais e relações que esse arranjo assume (SAQUET, 2015, p. 172).

Assim, pode-se afirmar que não é possível analisar o território dicotomizando e

isolando as diversas dimensões, pois elas coexistem no mesmo espaço-tempo, de

forma indissociável, imbricadas e relacional; os graus de importância de cada uma

delas, seja política, cultural e econômica, dar-se-á de acordo com a necessidade e

objetivo do estudo.

É de suma importância lembrar que o território é multifacetado, apresenta

multiterritorialidades e como tal precisa ser analisado em sua dimensão política,

econômica, cultural, conjuntamente, partindo das experiências mais abstratas

(simbólicas, imateriais) às mais, concretas, (físicas, materiais), pois “o território pode

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ser concebido a partir da de múltiplas relações de poder, do poder mais material das

relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais

estritamente cultural” (HAESBAERT 2011, p. 79). Porém, haverá contextos em que

uma dimensão aparecerá mais latente que outra, contudo, isso não implica dizer que

as outras devam ser desconsideradas.

As abordagens propostas por Gottman (2001), Fernandes (2005; 2008)

Haesbaert (2011) e Saquet (2015) fornecem elementos para pensar o território e a

territorialidade na Comunidade de Santiago do Iguape, de forma a levar em

consideração as dimensões territoriais, ou seja, aquelas definidas pelas relações

políticas e econômicas, às relações de pertencimento como o rio Paraguaçu.

2.2 Territorialidade, (des)territorialização e (re)territorialização

A territorialidade é entendida como a forma de influenciar, apropriar-se, e

dominar uma determinada área, através das relações, sejam elas, políticas,

econômicas ou culturais. Tais influências e/ou dominações ocorrem por meio das

relações que se processaram no passado, e rebatem no presente, sendo permeada

pelo poder (RAFFESTIN, 1993; SACK, 1986; SAQUET, 2015).

Assim, partindo das análises sobre território, surge a necessidade de refletir

sobre o conceito de territorialidade, porquanto é imprescindível na/para construção

territorial, e também apresenta-se como um instrumento de poder, pois corresponde

a um processo relacional onde há a influência do ser no ambiente em que vive, além

existir a influência de um ser para outro ser, assim, todo processo relacional é

permeado por relações de dominação. Sendo espaço de dominação e conflito, é

relacional, por conseguinte, permeado por relações de poder, pois tais relações

figuram-se como conteúdo fundamentais para a concretização do território (SAQUET,

2015). Ainda sobre a territorialidade o autor afirma que

A definição de territorialidade extrapola as relações de poder político, os simbolismos dos diferentes grupos sociais e envolve, ao mesmo tempo, os processos econômicos centrados em seus agentes sociais. A territorialidade significa cotidianidade, (i)materialidade, no(s) tempo(s), na(s) temporalidade(s) e no(s) território(s), no movimento relacional-processual” (p. 164).

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Ou seja, as concepções acerca do entendimento sobre a territorialidade

ultrapassam o viés simplista e reducionista das relações do poder político, por

exemplo. Direcionando as discussões para a compreensão da territorialidade por meio

da imaterialidade, cotidianidade, nos diferentes tempos e temporalidades.

Nessa perspectiva, entende-se que a construção de Barragens e Hidrelétricas

são realizadas com base nas relações/conflitos de poder entre Estado e a sociedade.

Pois as construções modificam completamente a dinâmica socioterritorial das

localidades onde são instaladas, transformando permanentemente as vidas das

populações afetadas direta ou indiretamente, a exemplo da Barragem de Pedra do

Cavalo, que modifica a dinâmica do rio, implicando diretamente na sobrevivência das

populações que viviam dos pescados retirados do rio.

Quando se trata da relação de grupos contra hegemônicos, aqui entendidos

como as comunidades ribeirinhas, e os grupos hegemônicos, representado pelo

Estado, nota-se a desproporcionalidade nas disposições do poder, tendo em vista que

este é responsável por gerir, organizar, controlar os territórios. No contexto dessa

discussão, são exemplares as afirmações de Carnoy (1988, p. 67), quando expõe que:

O Estado é um instrumento essencial de dominação de classes na sociedade capitalista. Ele não está acima dos conflitos de classes, mas profundamente envolvido neles. Sua intervenção no conflito é vital e se condiciona ao caráter essencial do Estado como meio da dominação de classe.

Desse modo, o Estado detém o poder e os instrumentos necessários para

promover, mudanças no território adequando-o às necessidades do capital. É em

decorrência da dominação que as comunidades ribeirinhas atingidas por barragem e

usinas hidrelétricas, são impactadas seja de forma direta, através da saída forçada

do território, após o alagamento das terras em decorrência do represamento das

águas, seja de forma indireta, como na situação da Comunidade de Santiago do

Iguape no município de Cachoeira-Ba, onde a população não foi forçada a sair do

território, mas foram atingidas pelos impactos ambientais resultantes das

transformações naturais que a construção causou na dinâmica fluvial à jusante do

barramento, ou seja, entre Cachoeira e a foz, que interferiu na reprodução da fauna e

flora, afetando diretamente a vida da população ribeirinha, que sobrevive da pesca.

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De acordo com relatos dos moradores da comunidade, em conversas informais

durante a realização da pesquisa, pôde-se observar que houve migração para outros

municípios, principalmente para Salvador, especialmente da população em idade de

trabalho, podendo-se inferir que saíram do território em busca de sobrevivência. Além

de mudança de hábitos e costumes pesqueiros. Sendo assim, pode-se afirmar a

presença da (des)territorialização, e inevitavelmente (re)territorialização, ou a

reconstrução da identidade territorial, (re)significando novo território com velhos

símbolos. Durante a pesquisa observou-se que os processos estão intrinsecamente

ligados - um não existe sem o outro - porque não há (des)territorialização sem

territorialização e consequentemente (re)territorialização, há uma processualidade

entre estes - um permanente – contínuo-descontínuo - demonstrando a dialeticidade

do fazer territorial.

Assim, não há como discutir o processo de (des)territorialização, sem refletir

sobre o território, por conseguinte (re)territorialização, tendo em vista que são

movimentos dialéticos, relacionais, indissociáveis e interligados, que acontecem

simultaneamente no espaço-tempo, onde há a coexistência do passado-presente em

constante movimento, que refletem as transformações no espaço das populações

ribeirinhas, resultando na reconstrução das bases territoriais por conta, do

deslocamento, de mudanças de costumes, e alterações na atividade econômica

tradicionais das comunidades, oriundas das construções de barragens.

(HAESBAERT, 2012; SAQUET 2015).

Ao determinar a construção de uma barragem e/ou usina hidrelétrica, o Estado

deveria assumir os riscos e danos que presumidamente ocorrerão no território atingido

diretamente, e em seu entorno. Tais construções visam atender a interesses

específicos, têm funcionalidades específicas, e representam a hegemonia de um

agente ou grupo em detrimento de outro(s). As construções constituem-se em

materialização do poder do Estado e do capital sobre o território independente dos

sujeitos historicamente territorializados - que serão (des)territorializados.

As obras de engenharia impactam o território e atingem as populações de

diversas formas, seja influindo e modificando no ambiente - que em alguns casos é

visto como lócus de desenvolvimento e manutenção da vida da população - ou

remanejando-as para outros territórios, relegando as relações constituídas e

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solidificadas ao longo dos tempos. Medeiros (2008, p. 224) elucida a situação

discutindo que

O encontro com uma nova realidade certamente provocará uma desterritorialização dos processos simbólicos, quebrando muitas vezes as coleções organizadas pelos sistemas culturais com novas ressignificações e redimensionamentos dos objetos, coisas e comportamentos e isso tudo, certamente, imbricado de conflitos.

O encontro com uma nova realidade, a saída da população do seu território,

mudança no modal econômico, e/ou mudanças nos costumes e hábitos provocam não

só a (des)territorialização dos processos simbólicos, mas também materiais

econômicos e políticos, direcionando-as para uma reestruturação das bases

territoriais em um outro espaço.

As discussões acerca das comunidades ribeirinhas permitem afirmar que a linha

que une e separa os processos de territorialização, (des)territorialização e

(re)territorialização é deveras muito tênue, tornando complexa ou impossível a

tentativa de discuti-los separadamente. Sendo assim, a interligação entre os

processos faz com que haja a presença dos mesmos enquanto se discute território e

vice-versa, pois, entende-se que são processos dialéticos. (HAESBAERT, 2011).

Nas construções de barragens e usinas hidrelétricas no Brasil, observa-se a

necessidade de retirada das populações realocando-as para outros territórios, quase

sempre sem a equivalência das condições de vida que outrora dispunham.

(HAESBAERT, 2011). No entanto, o que se observa na Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape é a saída da população forçada pela interferência direta da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo através das mudanças ocasionadas ao

ambiente, especialmente no rio Paraguaçu.

Territorializar, (des)territorialializar e (re)territorializar não significa apenas

colocar, retirar e recolocar a população no espaço, porque a territorialização precisa

ser entendida de modo mais profundo, dialético, imanente ao território. A sociedade

ao territorializar, faz não apenas no sentido de estabelecer uma fronteira e determinar

que aquela porção de terra lhe pertence - não apenas no intuito de terra para retirar

seu sustento-, mas estabelecer um espaço que é constituído por sentimentos de

pertencimento, resultado de relações políticas e econômicas, e simbólicos

concretizando o espaço vivido.

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Quando se trata da (des)territorialização, tende-se a não levar em consideração

a relação que é construída entre sociedade e natureza; há uma dissociação, uma

dualidade de análise que incorre no comprometimento de parte do processo. Segundo

Haesbaert (2011, p. 368)

A dinâmica da natureza e a chamada questão ambiental precisam, de alguma forma, ser incorporadas ao debate da des-territorialização, a fim de questionar a visão antropocêntrica que vê na des-territorialização um processo exclusivamente ‘humano’, como se a materialidade do espaço pudesse prescindir ou abstrair as bases ‘naturais’ sobre as quais foi (e, de forma cada vez mais híbrida, continua sendo) concebida.

Pode-se afirmar que o processo de (des)territorialização da comunidade

estudada se deu primeiro em consequência da construção da Barragem e Hidrelétrica

de Pedra do Cavalo que afetou a relação dos quilombolas com o rio; durante a

realização das oficinas e trabalho de campo era recorrente as afirmações, que,

ficaram órfãos do seu meio de sobrevivência, forçando-os a (des)territorializar-se do

seu território em busca de emprego em outros lugares. Nessa perspectiva,

(re)territorialização não tem um fim, porquanto sempre em construção, sempre

existindo uma parte dos referenciais, da memória, política, economia, ou da natureza,

que não poderá ser refeita, reconstruída, reforjada.

A relação entre a sociedade e seu território é deveras intrínseca, pois a

população ao ser desligada, privada de nele permanecer ou ingressar, gera o

sentimento de perda. Assim, este espaço é analogamente comparado a algo imanente

à sociedade, por isso Haesbaert (2004, p .2) faz alusão ao termo alijados da terra,

como expressão que reflete a materialidade e imaterialidade, porque o território, na

sua visão é construído por elementos concretos, mas também simbólico, afirmando

que:

Desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo – especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou no “territorium” são impedidos de entrar (grifo do autor).

O alijamento não se refere apenas a parte material do território, mas também ao

imaterial e simbólico, porquanto ao sair do território os laços simbólicos são

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reconstruídos mediante (re)territorialização e (re)criação dos vínculos a partir do que

sobrou no processo de mudança, pois uma parte da história não pode ser

transportada. Desta forma, quando a Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo

contribui para modificar o ambiente que envolve o rio Paraguaçu, ocorre a

(des)territorialização da população levando-a a recriar formas de sobrevivências,

deslocando-se para outros territórios.

2.3 Comunidade quilombola: identidade territorial e pertencimento

Santiago do Iguape é uma comunidade quilombola que construiu sua identidade

territorial, dentre outros fatores, a partir da luta pela terra, tendo em vista que é um

território profundamente marcado pelas agruras do período escravista, que conferiram

à comunidade sentimento de pertencimento territorialidade, os quais são identificáveis

através dos comportamentos e das ações cotidianas da população local, demarcando

profundos laços e posicionamentos na autoafirmação como quilombola.

No Brasil reconhecimento e denominação de comunidades quilombolas são

relativamente recentes, entretanto as lutas pela posse da terra são históricas, e

perpassam pelo processo de reconhecimento da identidade e pelo sentimento de

pertencimento, levando em consideração a trajetória de lutas no/pelo território.

Nos termos legais, a posse da terra das comunidades quilombolas está

resguardada pelo Artigo 65 da Constituição Federal de 1988, que em sua redação

traz: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando

suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os

títulos respectivos”. Contudo, havia uma lacuna no tocante a definição do termo

remanescentes das comunidades quilombolas para efeito da lei, que foi sanada com

o Artigo 2 do Decreto Nº 4.887, de 20 de Novembro de 2003, que considera os

Remanescentes das comunidades dos quilombos, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Observa-se que para o estabelecimento e certificação do território - que

também é uma categoria social, de luta, resistência, representatividade política, e

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manutenção da história e cultura de um povo - é levado em consideração a

historicidade e simbolismo do espaço, ou seja, a imaterialidade histórica que existe

em cada território, pois os quilombos se efetivam, e passam a existir a partir da

memória, do sentimento que liga o indivíduo, ou grupo de indivíduos à determinada

porção do espaço, diferenciando-os dos demais.

Para entender as relações e o contexto dos quilombos é necessário fazer o

movimento inverso aos dos navios negreiros, ou seja, retornar à África, onde

encontramos as raízes históricas do conceito.

Os quilombos brasileiros assemelham-se aos africanos, pois em ambos os

casos o termo denota território de resistência, e no Brasil, reflete o processo de luta,

contra o sistema escravagista. Era o espaço em que refugiavam-se distantes dos

aglomerados ou centros urbanos, geralmente, onde o acesso era dificultado. Alí

definiam, uma estrutura social e política distinta da aristocracia rural, como forma de

se opor ao modelo escravocrata. Munanga (1995-96 p. 63) ao explicar a ligação entre

o quilombo na África e no Brasil afirma que:

O quilombo brasileiro é, sem dúvida, uma cópia do quilombo africano reconstruído pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos. Escravizados, revoltados, organizaram-se para fugir das senzalas e das plantações e ocuparam partes de territórios brasileiros não-povoados, geralmente de acesso difícil (grifo do autor).

Essa observação atesta que, assim como vários outros elementos da África, a

organização em quilombo também tem suas raízes naquele continente, e também é

utilizada como uma forma de resistência.

No entanto, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o quilombo foi

definido de forma reducionista, nota-se uma padronização dessas organizações,

como se toda estrutura que não se enquadrasse nos moldes estabelecidos, não

poderia ser considerada quilombo. Aqui é preciso relembrar as diversas formas de

relações instituídas entre senhores de engenhos e escravos; por exemplo, alguns

deles permitiam que seus escravos produzissem, nas terras cedidas por eles,

caracterizando a relação de meeiro, e vendessem a produção nas feiras livres mais

próximas (SCHMITT, TURATTI, CARVALHO 2002).

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Assim, os senhores de engenhos estabeleciam com os escravos e ex-escravos

outra relação de subserviência, em que as ações são vistas como benesses, quando

na verdade garantiam manutenção da mão de obra escrava nas fazendas, mesmo

depois do período escravista.

A Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape origina-se nas terras que

pertenciam a senhores de engenhos, onde os escravos realizavam seus trabalhos,

mas tinha acesso a uma extensão de terra para cultivar e plantar nos dias em que não

estavam de efetivo serviço nos latifúndios - ressaltando que esse fato não indica, nem

garante que os escravos e ex-escravos tinham acesso efetivo a terra.

Os frutos do cultivo eram utilizados no sustento das famílias e também

comercializados nas feiras livres de centros urbanos, a exemplo da Vila de Nossa

Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e Santo Amaro da Purificação, bem como

em trocas entre os escravos de fazendas vizinhas.

Assim, o que prevalece atualmente para a definição de comunidades

quilombolas são os laços materiais e imateriais que envolvem e permeiam as relações

entre a população e seu território, valorizando, sobretudo a identidade e o sentimento

de pertencimento dos povos, fortalecendo a territorialidade. A diversidade das

relações territoriais das comunidades quilombolas é tão vasta, que não é possível

enquadrá-las em um modelo hermético, conceituando todas da mesma forma. É

preciso levar em consideração as especificidades existentes, assim como as relações,

e o modo de vida nas comunidades. Na visão de O’Dwyer (1995, p. 2)

Contemporaneamente, portanto, o termo Quilombo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebeldes, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolvem práticas cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de um território próprio.

Na atualidade esta é a definição do termo quilombo mais utilizada servindo de

referência para órgãos como o Instituto Nacional de Civilização e Reforma Agrária

(INCRA) e a Fundação Palmares, que são responsáveis pela certificação e

reconhecimento jurídico do território dessas comunidades.

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A discussão a respeito de comunidade quilombola perpassa pela questão

territorial, fazendo-se necessário refletir sobre a identidade territorial, que é o processo

estabelecido mediante identificação de um sujeito ou um grupo de sujeitos a um

determinado território. Esta transcende a materialidade e a temporalidade, portanto é

passível de ser pensada partindo das múltiplas facetas do território, espaço que

possibilita o enraizamento, manutenção e criação de laços, tanto por meio das

relações simbólicas e culturais (imateriais), quanto políticas e econômicas (materiais),

(HAESBAERT, 1999).

Segundo O’Dwyer (1995, p. 2) “A identidade desses grupos não se define pelo

tamanho e número de seus membros, mas pela experiência vivida e as versões

compartilhadas de sua trajetória comum e da continuidade enquanto grupo”, legado

que precisa ser preservado e perpetuado para que as representações materiais e

imateriais dessas comunidades continuem vivas. E na busca por essa manutenção,

pautando-se nessas continuidades dos saberes, simbolismos e culturas que a

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape mantém viva a sua historicidade

Pode-se afirmar que há uma estreita relação entre a formação de um quilombo

e a construção da identidade territorial. Está se estabelece como fator fundamental

para fortalecimento da luta das comunidades tradicionais, pois “a construção da

identidade vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia,

instituições produtivas, pela memória coletiva” (CASTELLS, 1999, p. 23). E até mesmo

para garantir o amparo legal, no entanto, mesmo com os avanços nos processos de

certificações, ainda há dificuldade e morosidade no processo de legalização das terras

pertencentes aos remanescentes quilombolas, em decorrência dos interesses dos

latifundiários e do capital.

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3 ESTADO, CONSTRUÇÕES DE BARRAGENS E PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL

Do Paraguaçu de outrora, que as lembranças vivem na memória.

Rio que hoje é de águas salgadas. Das águas doces, à saudade.

Do vapor que navegava, à fumaça. Do camarão Mouro, apenas as histórias,

Histórias do tempo de outrora. (Gleidson Dias)

Empreender uma discussão sobre o Estado capitalista torna-se necessário

remeter aos escritos de Karl Marx, Friedrich Engels e Lenin, teóricos que imprimiram

severas críticas ao Estado burguês, em decorrência da sua função no contexto da luta

de classes.

Na visão de Engels (1984) o Estado é um recurso da classe dominante, pois

surge da necessidade de manter a opressão e não para garantir direitos individuais

ou coletivos. Em sendo estado capitalista se estabelece como uma máquina de

repressão nas mãos da burguesia, porquanto

O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro (...). É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. (ENGELS, 1984, p. 191).

O caráter capitalista o faz defensor dos interesses hegemônicos, mas, pois,

como produto da sociedade, não deveria contaminar-se pela classe dominante,

todavia a neutralidade esperada não é observada e não existe nas ações do Estado

burguês (CARNOY 1988).

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A essência do Estado capitalista discutido por Engels (1984) é comprovada ao

observarmos as disputas territoriais, e os processos de construções de Barragens e

Usinas Hidrelétricas no Brasil, pois disputas envolvem, relações de poder.

É contrapondo tal relação, que se observa as necessidades de manutenção da

sobrevivência e dos laços políticos, sociais, simbólicos e econômicos das

comunidades ribeirinhas, que notoriamente não detêm do poder de decisão inerente

ao o Estado.

Para Engels (1984), o Estado é um poder que está acima das classes, apesar

de ter na sociedade a sua origem, porém, ao ser instituído se coloca acima delas,

estabelecendo a contradição.

O poder, ao qual nos referimos, é a força que obriga os cidadãos a cumprirem

as leis estabelecidas, sob a pena de sofrer sanções caso as regras não sejam

seguidas. São as prerrogativas que a sociedade concede ao Estado, e que este

delega as agências para que se encarreguem de garantir o cumprimento das regras

sociais, assim como punir a quem ouse transgredi-la (PARSONS 1979).

O Estado capitalista, no Brasil, especialmente a partir da década de 1950, tem

por meta imprimir o desenvolvimento econômico baseado na industrialização

moderna. É relevante mencionar que só após a Segunda Guerra Mundial o Brasil inicia

a implantação da industrialização moderna, e que os traços mais marcantes desse

processo foram a construção de diversos centros e distritos industriais. No entanto, o

efetivo funcionamento dos mesmos foi possível após a adoção de mudanças eficazes

no setor energético, para que os tornassem viáveis. Estas se iniciam nas décadas de

1920 até a de 1950, pois é nesse período ocorre o processo de mudanças econômicas

do país decorrentes da denominada crise do café. Para que as mesmas pudessem

ocorrer de fato, era fundamental contar com um setor energético eficiente, como

afirma Oliveira e Melo (1985, apud, ARAUJO e OLIVEIRA, 2003, p. 628)

Os anos 1920-1950 foram décadas em que se introduziram profundas mudanças na economia brasileira. A crise da economia cafeeira de exportação acelerou a divisão do trabalho nacional com a implantação de um setor manufatureiro no País. A incipiente base técnico-produtiva industrial persistiria dependente das importações de bens intermediários e de capital. Mesmo de caráter restrito, o surgimento de novas indústrias havia provocado uma transformação profunda das estruturas do consumo energético nacional, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial.

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No período descrito, o setor energético brasileiro não explorava o petróleo e

havia grande dependência do uso de fontes não renováveis. Até meados do século

XX a industrialização brasileira ainda era atrasada sob o ponto de técnico e a produção

e comercialização do petróleo do país era pouco expressiva. Ainda existia o agravante

do atraso tecnológico para exploração e prospecção das bacias petrolíferas, que até

então não apresentavam perspectivas de grandes produções (ARAÚJO E OLIVEIRA,

2003)

Nesse contexto, era premente a necessidade de uma política de

desenvolvimento energético, para servir de subsídio ao crescimento industrial do país.

Para Fonseca (2013, p. 10), “A política energética é elemento estratégico do processo

de desenvolvimento, já que a geração de energia é condição sine qua non para que

políticas industriais e de desenvolvimento tecnológico sejam promovidas”.

Um dos primeiros passos nesse sentido foi a criação da Petrobras, em 3 de

outubro de 1953, inaugurando o monopólio estatal do petróleo, fato que gerou

benefício para a indústria e consolidação do transporte rodoviário, pois, dependiam

das importações do mesmo.

Com a produção nacional de petróleo o volume de importações decairia,

diminuindo assim, os altos custos que envolviam a compra de petróleo no exterior.

Nesse contexto, é inaugurado o monopólio estatal do petróleo brasileiro, com a

Criação da Petrobras (ARAÚJO & OLIVEIRA, 2003).

O Brasil, durante o século XX, acumulou significativa experiência sobre o

planejamento econômico, no entanto, no presente capítulo, as discussões dizem

respeito ao Plano de Metas, I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) e II Plano

Nacional de Desenvolvimento (II PND), por considerar que são os mais relevantes

para a explicação do planejamento regional, porém, não significa desconsiderar as

experiências anteriores.

O Plano de Metas tem com objetivo principal solucionar problemas do

crescimeto industrial e econômico enfrentado pelo país, tambem denominado pontos

de estrangulamento na visão de Almeida (2004). Não se configurou como o primeiro

plano brasileiro de programação global da economia, e segundo Palazzo (s/d, p. 4,

apud ALMEIDA, 2004, p. 9)

Apesar de muitos identificarem o Plano de Metas como o primeiro plano brasileiro de programação global da economia, em realidade ele

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apenas correspondeu a uma seleção de projetos prioritários, mas evidentemente, desta vez, com visão mais ampla e objetivos mais audaciosos que os do Plano Salte, buscando inclusive uma cooperação mais estreita entre os setores público e privado.

Pode-se afirmar, portanto que o Plano de Metas teve sua importância para o

crescimento industrial e econômico do país, pois, o mesmo tinha como objetivo básico

industrializar o Brasil, além de promover crescimento no Produto Interno Bruto (PIB).

Plano de Metas continha 30 metas a serem alcançadas, que se distribuíam entre

os setores energéticos, transporte, alimentação, indústrias de base e educação, como

afirma Almeida (2004, p. 10):

O Plano compreendia um conjunto de 30 metas organizadas nos seguintes setores: 1) Energia (com 43,4% do investimento total): elétrica; nuclear; carvão mineral; produção e refinação de petróleo; 2) Transportes (29,6% dos recursos previstos): reaparelhamento e construção de ferrovias; pavimentação e construção de rodovias; serviços portuários e de dragagens; marinha mercante; transportes aeroviários; 3) Alimentação (com apenas 3,2% dos investimentos previstos): trigo; armazéns e silos; armazéns frigoríficos; matadouros industriais; mecanização da agricultura; fertilizantes; 4) Indústrias de base (com 20,4% dos investimentos previstos): siderurgia; alumínio; metais não-ferrosos; cimento; álcalis; celulose e papel; borracha; exportação de minérios de ferro; indústria automobilística; construção naval; mecânica e material elétrico pesado; 5) Educação (3,4% dos recursos): formação de pessoal técnico.

Não há como abordá-lo sem considerar que os principais investimentos foram

concentrados nos pólos industriais do Centro-Sul do país, mais especificamente em

São Paulo, promovendo assim, desigualdade no crescimento econômico entre as

Regiões brasileiras, apesar do discurso que o governo de Juscelino Kubitschek

pleiteava diminuir a pobreza e as desigualdades com a criação da Superintendência

do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). No entanto, esse órgão surge no

contexto político que é crescente a atuação dos movimentos sociais no Nordeste, em

especial as Ligas Camponesas que nas décadas de 1950 e 1960 atuaram de forma

enfática no combate aos desmandes das elites oligárquicas e latifundiária do

Nordeste.

Sobre as desigualdades regionais, é perceptível que cada região apresenta

especificidades naturais, contudo, as diferenças sociais existentes entre elas estão

diretamente associadas ao modelo de exploração, a forma de colonização e às

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manutenções de privilégios e interesses das elites latifundiárias que ainda exploram a

região (SOUZA, 2012). Esses fatores, em dado momento, privilegiaram e privilegiam

determinadas regiões do país, como podemos confirmar nas palavras de Silva, Silva

e Silva (2010, p. 6):

Os desequilíbrios regionais, do ponto de vista econômico e social, existentes em um determinado momento e quase sempre tomados em um contexto nacional, decorrem de vantagens econômicas e sociais, produzidas historicamente, mais favoráveis a determinadas regiões do que a outras gerando, assim, uma estrutura regional com regiões ricas.

A análise pode ser feita, a princípio, pela ocupação territorial, que mostra a maior

concentração populacional na Região Sudeste, enquanto as Regiões Norte e Centro-

Oeste, por exemplo, apresentam baixas densidades demográficas. As diferenças se

tornam ainda mais evidentes quando a observação é voltada para a questão do

desenvolvimento econômico e social.

As informações contidas na tabela 1 e no gráfico 1, retratam a realidade sobre a

concentração populacional no Brasil no ano de 1960, a partir dos dados do censo

demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estátistica (IBGE), que mostram o

quão é desigual a distribuição da população no espaço. A realidade pode ser explicada

pelo nível de desenvolvimento de cada região, e pela concentração de investimentos

do setor industrial no Sudeste, principalmente no Estado de São Paulo

TABELA 1 – POPULAÇÃO DOBRASIL

POR REGIÕES EM 1960

Fonte: Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 1960).

A proposta dos “50 anos de progresso em cinco anos de governo”, lema do

Governo de Juscelino Kubitschek, pode ser sintetizada a partir do planejamento e

construção da atual capital federal - Brasília - no planalto central, situando-a como

importante ponto de centralização do poder, mas também de articulação nacional no

REGIÃO POPULAÇÃO

Norte 2.930.005

Nordeste 22.428.873

Sudeste 31.062.978

Sul 11.892.107

Centro-Oeste 2.678.380

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que se refere à espacial. Este tinha como proposta também, criação e expansão das

rodovias, com essa ampliação da malha rodoviária as diversas regiões do país

estariam interligadas, proporcionando a integração Nacional (ALMEIDA, 2004), mas é

preciso destacar que os interesses das ações propostas pelo Plano de Metas,

estavam diretamente ligados ao capital estrangeiro, atrelado ao afã do processo

acelerado de industrialização.

GRAFICO 1 – POPULAÇÃO DO BRASIL POR REGIÕES EM 1960

Fonte: Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 1960).

Na década de 1970, a crise estrutural do capital, denominada crise do petróleo,

centralizada no setor energético, mais especificamente no petrolífero decorrente do

aumento no valor do barril de petróleo, de $3,00 para $12,00, tem interferência no

crescimento econômico do Brasil, que estava em fase de investimento no setor

industrial, herança principal dos objetivos propostos pelo Plano de Metas. Entre 1964

a 1984, período que corresponde a ditadura militar deslumbra-se crescimento

econômico para o país, porém, foi a época de retrocesso no que concerne aos direitos

sociais. No ímpeto de alcançar este objetivo, os militares formulam e implantam três

Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), os quais perdurariam até meados da

década de 1980 (SOUZA, 2004). No entanto, a discussão é desenvolvida tendo como

base o I e o II Plano Nacional de Desenvolvimento.

4%

31%

44%

17%4%

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

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O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) dá início a fase conhecida como

o “milagre econômico”, que segundo Souza (2004, p. 19) tinha as seguintes

premissas:

a) as reformas econômico-financeiras introduzidas no período 1964-1967 aumentaram a capacidade de investimento do Estado brasileiro; b) o quadro externo de crescimento econômico, propiciou grande liquidez no mercado financeiro mundial; e c) a existência de capacidade ociosa, como resultado da crise econômica de 1962-

1966.

Isso levou o Brasil a experimentar aumento no Produto Interno Bruto (PIB),

chegando a 7% a.a de crescimento econômico (SOUZA, 2004). Mesmo com esse

índice de desenvolvimento crescimento, ainda era preciso galgar taxas maiores, já

que a meta era elevar o país à categoria de país desenvolvido, para tanto, foram

estabelecidos, de acordo com o I Plano de Desenvolvimento (I PND), três objetivos:

Primeiro – colocar o Brasil no espaço de uma geração, na categoria das nações desenvolvidas; Segundo - duplicar até 1980 a renda per capita do Brasil (em comparação com 1969), devendo verifica-se, para isso, crescimento anual do Produto Interno Bruto equivalente aos últimos três anos; Terceiro – elevar a economia, em 1974, às dimensões resultantes de um crescimento anual do Produto Interno Bruto entre 8 e 10%. (I PND, 1972-74, p. 14-15).

Convém destacar outras ações advindas do I PND, as quais, segundo o governo

e a classe hegemônica, são de suma importância para o crescimento econômico e

industrial do país. Nesse período foram desenvolvidos projetos voltados para as

grandes obras de infraestrutura em diversos setores, a exemplo da eletricidade, setor

de transportes e construção. São exemplos desse período a rodovia Transamazônica,

as Usinas Hidrelétricas de Itaipu e Três Marias (ALMEIDA, 2004).

Para além das obras nas áreas de infraestrutura, houve investimentos em outros

segmentos do ramo industrial, como petroquímica, siderúrgico, indústria de

exportação, investimentos no setor de hidrelétrico. O setor de energia nuclear também

foi contemplado, a partir da criação da central nuclear localizada em Angras dos Reis,

não se podendo esquecer dos investimentos no setor de comunicação e de mineração

(ALMEIDA, 2004).

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Já o II segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), apesar de

conservar a proposta desenvolvimentista do (I PND), oferece maior atenção ao setor

energético, tendo em vista que naquele período o mundo passava por crise no setor

energético, esse cenário distinto exigia medidas diferenciadas. Sobre esse contexto,

Almeida (2004, p. 22-23) reflete que

Partindo da avaliação de que a crise e os transtornos da economia mundial eram passageiros e de que as condições de financiamento eram favoráveis (taxas de jurosex-antereduzidas e longo prazo para a amortização), o II PND propunha uma ‘fuga para a frente’, assumindo os riscos de aumentar provisoriamente os déficits comerciais e a dívida externa, mas construindo uma estrutura industrial avançada que permitiria superar a crise e o subdesenvolvimento.

Para que essas ações lograssem êxito e para garantir que as metas fossem

alcançadas era necessário planejamento. Para tal finalidade foi instituída uma equipe

econômica, que teria uma missão deveras complexa diante da atual conjuntura

internacional, na visão de Cavarzan e Racy (2011).

Ainda nesse período, o Brasil apresentava um crescimento econômico

concentrado no Centro-Sul, privilegiando apenas uma porção do território nacional,

problema que os responsáveis pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-

1979) trataram de discutir, e propor estratégias como o espraiamento dos centros

industriais para outras áreas do país, assim como, investimentos para alavancar a

produção científica nacional (CAVARZAN e RACY, 2011).

A proposta de desconcentração industrial demonstra uma tentativa de minimizar

as desigualdades regionais, bem como a integração e maior aproveitamento dos

espaços ociosos existentes no país, indicando sobremaneira, uma política

reordenamento territorial.

As diretrizes do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) demonstram

que os pesquisadores tinham por proposta minimizar a centralização industrial no

Centro-sul com o objetivo de garantir a reprodução ampliada do capital, fato que pode

ser comprovado através da análise de mas propostas traçados, que traziam políticas

de desenvolvimento e valorização do potencial para industrialização, melhorias no

perfil econômico e social, além de estabelecer intenções para o crescimento da

Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste, para isso era preciso desconcentrar as

indústrias que a princípio concentravam-se nas regiões metropolitanas do Rio de

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Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife etc., além disso, a construção e instalação do

Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, desenvolvimento do

Programa de Desenvolvimento de Recursos Florestais, e a instalação do Pólo

Petroquímico da Bahia.

Esses são apenas exemplos que mostram a tentativa do governo militar em

implementar uma política territorial que, atingisse a totalidade do território nacional,

tendo em vista a necessidade de garantir a segurança nacional, a base do projeto

geopolítico.

Todavia, é importante lembrar que o fato do planejamento, teoricamente, ter

alcançado todo o país, não significou dizer que promoveu mudanças sociais, tendo

em vista que o II PND teve maior alcance atingindo algumas das metas propostas,

foram realizadas no contexto da ditadura militar proporcionando avanços nos setores

industriais e tecnológicos, no entanto, o mesmo êxito não foi observado em setores

primordiais da sociedade, como saúde e educação (ALMEIDA, 2004).

O quadro 1 indica as experiências do planejamento no Brasil desde a década de

1940 até o contexto atual, observando o período de execução e os principais objetivos

de cada um deles.

QUADRO 1 - PLANEJAMENTO NO BRASIL: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

ANO PLANEJAMENTO PRINCIPAIS OBJETIVOS

1942-43 Missão Cooke Elevar o nível da qualidade de vida da população brasileiros, incentivar o crescimento do comércio exterior.

1944-45 Relatório Simonsen O Estado controlando a economia, através de extenso projeto de planificação da economia.

1948

Missão Abbink

Equilibrar a economia através de diretrizes, identificar os obstáculos que impedem esse desenvolvimento, assim como os avanços para o mesmo.

1948-50 Plano Salte Estimular o desenvolvimento da saúde, alimentação, transporte e energia.

1951-53 Comissão Mista Brasil-EUA Reestruturação da infraestrutura econômica brasileira.

1953-55

Grupo Misto BNDE – CEPAL

Identificar os fatores que dificultam o desenvolvimento da economia brasileira, em especial os setores de transporte, energia e alimentação, e as áreas. Elaborando propostas de projetos de intervenções.

1956-61

Plano de Metas

Impulsionar a econômico expandido o setor industrial, com investimentos na produção de aço, alumínio, metais não-ferrosos, cimento, álcalis, papel e celulose, borracha, construção naval, maquinaria pesada e equipamento elétrico.

1963-65 Plano Trienal Propor conjunto de metas para o desenvolvimento da economia brasileira no triênio 1963-65.

1964-66 Programa de Ação Economia do Governo (PAEG)

Controlar a política inflacionária, possibilitando a retomada do desenvolvimento.

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60

1967 Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico

Compatibilizar a estabilidade e política externa, mediante elaboração de modelo de crescimento econômico através da balança de pagamentos.

1972-74

I Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND)

Promover a integração do território nacional através de transportes, corredores de exportação, telecomunicações; ponte Rio-Niterói, rodovia Transamazônica, hidrelétrica de Três Marias, barragem de Itaipu; desenvolvimento das regiões;

1975-79

II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)

Investimento em indústrias de base; bens de capital; autonomia em insumos básicos; energia; Elaboração de dois planos básicos de desenvolvimento científico e tecnológico, assim como elaboração do primeiro plano nacional de pós-graduação.

1986 Plano Cruzado Controle inflacionário com congelamento de preços, tarifas e câmbio.

1987 Plano Bresser Controlar a inflação com congelamento de preços, alugueis e salários.

1989 Plano Verão Estabilizar a inflação mediante congelamento de tarifas e salários, bem como realização de reforma monetária.

1994 Plano Real Controlar a economia e fornecer condições para o planejamento governamental.

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

Ao analisar os PNDs e observar o quadro 1, constata-se que as políticas

públicas e o planejamento obedecem a lógica do capital, representado pelas grandes

empresas e, por conseguinte atende aos interesses da classe dominante.

3.1 Barragens e hidrelétricas no Brasil

O histórico de construção de Barragens e Hidrelétricas no Brasil é antigo,

remonta ao final do século XVI, com a construção do açude de Apipucos1 que é

destacado em um mapa de 1577 de origem holandesa, e localizava-se na atual área

urbana do Recife-PE (MELLO, 2011).

No entanto, a primeira Barragem construída no Brasil não tinha objetivos

energéticos, muito menos fazia parte de um projeto geopolítico. De acordo com as

informações do autor, as primeiras construções com finalidades energéticas surgiram

no final do século XIX, nas regiões Sul e Sudeste.

Nas regiões Sul e Sudeste a implantação de barragens foi principalmente direcionada para produção de energia elétrica. No final do Século XIX começaram a ser implantadas pequenas usinas para

1 Apipucos é um termo oriundo da língua tupi e significa onde os caminhos se encontram.

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suprimento de cargas modestas e localizadas, todas com barragens de dimensões discretas. (2011, p. 20)

Nesse contexto o Brasil não possuía uma política de exploração e produção da

energia elétrica oriunda das usinas hidrelétricas. Esse ramo era explorado por

empresas estrangeiras, ou seja, o capital privado dominava e ditava as ordens nesse

segmento, ficando o país exposto aos interesses externos à realidade nacional. Tal

domínio estava concentrado mais especificamente entre dois grupos de

nacionalidades distintas, um era o Light, de origem estadunidense-canadense,

responsável por abastecer a Região Sudeste, e o outro a American Foreign Power

Company (AMFORP), de nacionalidade exclusivamente norte-americana que

dominava o mercado em Salvador, Natal, São Paulo, Curitiba, Vitória e Rio de Janeiro

(ARAÚJO E OLIVEIRA, 2003).

Observa-se que o país ainda não possuía um projeto desenvolvimentista

efetivamente estabelecido, já que a política energética é um dos pilares para o

crescimento, pleiteado pelos governantes, em especial o pautado na indústria. É no

primeiro governo Vargas (1930-1945) que se que se define uma política energética,

com a criação da primeira legislação que regulamentaria o uso das águas - desde

aquele período até os dias atuais - e a criação do Conselho Nacional de Águas e

Energia Elétrica, como é observado na discussão de Araújo e Oliveira (1995, p. 40-

41).

O elevado potencial hidroelétrico, próximo à principal região consumidora, levou o primeiro governo Vargas a promulgar uma legislação (o Código de Águas) em 1934, e criar um órgão regulador (Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica) em 1939 para orientar a exploração desses recursos.

É no contexto da ditadura militar que se desenvolvem as maiores obras de

construção de Barragens no Brasil, a exemplo da Usina Binacional de Itaipú (na

fronteira com o Paraguai), Tucuruí e Balbina (ambas na Amazônia brasileira),

(ARAÚJO E OLIVEIRA, 2003). Esses empreendimentos se multiplicam por todo

território, demonstrando o esforço dispêndio em busca de uma política energética que

proporcionasse mudanças no perfil econômico e social no país como um todo.

O quadro 2 expõe as Barragens e Hidrelétricas, a localização e o rio onde se

encontram, assim como o período das construções. E possível observar que as

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construções iniciam-se após 1970, e concentram-se nas regiões Norte e Nordeste,

mostrando que as estratégias de gestão e controle territoriais estavam voltadas para

consolidação e expansão da industrialização no país.

Na trama desenvolvimentista, a construção de hidrelétricas tem um papel

fundamental, já que o país possui muitos parques industrias, com indústrias de grande

porte, que utilizam significativa quantidades de energia. Assim, uma das funções das

hidrelétricas é prover eletricamente as indústrias, como observa-se no texto do II

Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), ou seja,

Emprego intensivo de energia de origem hidroelétrica na produção de bens que exigem alto consumo de energia elétrica, visando à substituição de importações, mas, principalmente, à exportação, aproveitando a vantagem do baixo custo e do nosso imenso potencial de energia hidráulica” (p. 65).

QUADRO 2 - PRINCIPAIS HIDRELÉTRICAS DO BRASIL: LOCALIZAÇÃO, ANO DE INÍCIO E TÉRMINO DA CONSTRUÇÃO

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena. *Ano de programação da licitação. ** Não é considerada uma das mais importantes do Brasil, porém foi incluída no quadro por

constituir o objeto de investigação.

Nota-se que o território está sendo pensado e planejado, visando uma

articulação, integração, e uma suposta complementariedade entre as diferentes

NOME

RIO

ESTADO

INÍCIO/TERMINO

Usina Hidrelétrica de Três Marias Rio São Francisco

Minas Gerais 1957-1962

Usina Hidrelétrica de Furnas Rio Grande Minas Gerais 1958- 1965

Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira Paraná São Paulo 1965-1978

Usina Hidrelétrica de Xingó S. Francisco Alagoas e Sergipe

1987-1994

Usina Hidrelétrica de Tucuruí Tocantins Pará 1974-1984

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo**

Paraguaçu Bahia 1975-1985

Usina Hidrelétrica de Itaipu Paraná Paraná (Brasil e Paraguai)

1975 -1982

Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso IV S. Francisco Bahia 1975-1982

Usina Hidrelétrica de Jirau Madeira Rondônia 2008-2012

Usina Hidrelétrica Santo Antônio Madeira Rondônia 2008-2016

Usina Hidrelétrica Jatobá Tapajós Pará 2011*

Usina Hidrelétrica de Belo Monte Xingú Pará 2011-2016

Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós Tapajós Pará 2015*

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regiões, através das ações implementadas pelo Estado, buscando atender aos

interesses do capital.

3.2 A Barragem de Pedra do Cavalo

Retomando neste item as discussões acerca de território, (des)territorialização e

Comunidades ribeirinhas, traz-se para o debate, a forma como o Estado subjuga as

populações afetadas pelas construções de Barragens e Usinas Hidrelétricas,

retirando-as do seu território, imprimindo rupturas de ordens materiais e imateriais

muitas vezes irreconstituíveis, porque elementos representativos da memória, do

cotidiano, das relações sociopolíticas e territoriais são destruídos, implicando em

perda de referenciais historicamente constituídos.

A Barragem de Pedra do Cavalo, inaugurada no ano de 1985, localiza-se na

Bacia do Paraguaçu, no espaço onde se localizam os municípios de Cachoeira e

Governador Mangabeira. Origina-se do projeto que definia como proposta principal o

controle das cheias do rio Paraguaçu, as quais acometiam rotineiramente os

municípios de Cachoeira e de São Felix, gerando inúmeros danos econômicos,

sociais, e culturais para as populações das referidas. (PALMA, 2007). (FIGURA 1).

Além de contenção das cheias, a construção da Barragem e Hidrelétrica de

Pedra do Cavalo também tinha como finalidade o abastecimento de água para

Salvador e Região Metropolitana, Cachoeira, Feira de Santana e Cruz das Almas, e a

geração de energia elétrica, para um central, para posterior distribuição.

Na época dos estudos, sondagem e lançamento do projeto houve discussões e

posicionamentos contrários à construção da barragem, tanto pelas comunidades

atingidas, quanto estudiosos e pesquisadores. Os argumentos contra o

empreendimento perpassavam pelo custo-benefício da obra, pelos danos causados

ao meio ambiente e social, à localização da área em que a barragem seria e foi

soerguida, pois o sítio escolhido para a implantação do barramento situa-se em área

de instabilidade geológica, à borda da falha de Maragogipe, a que faz parte da Bacia

Sedimentar Recôncavo-Tucano, estendendo-se da Baía de Todos os Santos à Região

de Tucano no norte do Estado da Bahia (PALMA, 2007). (FIGURA 2).

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FIGURA 1 - LOCALIZAÇÃO DA BARRAGEM DE PEDRA DO CAVALO

Fonte: Google Earth. Acesso em: 13 de outubro de 2015

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FIGURA 2 – FALHA GEOLÓGICA DE MARAGOGIPE

Fonte: GENZ, 2006, p. 23.

O risco de construir a barragem nas proximidades de uma falha geológica foi

tema de diversos debates no Instituto de Geociências da Universidade Federal da

Bahia (UFBA) entre as décadas de 1970 e 1980, incluindo posições de integrantes do

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governo do Estado (PALMA, 2007). Os estudos encomendados pelo governo com o

intuito de obter informações físicas e sociais da área, sinalizaram para a

impossibilidade de recebimento de uma construção dessa magnitude naquele sítio

Os estudos realizados indicaram que a rocha é gnaisse cinza, praticamente inalterado, com uma pequena cobertura de solo principalmente de origem coluvionar. Não se deve esperar problemas maiores de fundação e permeabilidade na área de implantação da barragem. Nos limites desta área, na margem direita, existe uma falha de grande desenvolvimento. Esta zona deve ser evitada no posicionamento de estruturas de concreto e, de qualquer forma, há de receber atenção especial durante as sondagens. (BAHIA, 1974b, p. 9 apud PALMA, 2007, p. 67).

No entanto, as informações foram desconsideradas por parte do Estado, que

estava decidido em retirar o projeto do papel e efetivá-lo, mostrando assim, força e

poder, enquanto agente modificador do espaço e gerenciador do território.

A Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo figuravam como símbolo de

desenvolvimento e materializava o poder do Estado, pois constituíam-se junto com a

Barragem de Sobradinho as maiores da Bahia, além de ser elemento chave e de

grande importância para a implantação e funcionamento do Centro Industrial Subaé

(CIS), (FREITAS, 1998). (FOTO1).

Após a conclusão das obras em 1985, observa-se uma série de

consequências para as comunidades ribeirinhas, a exemplo da diminuição da

quantidade de pescados, necessidade de mudança no modal econômico, deixando-

as em situação de vulnerabilidade social e ambiental. Sabe-se que vulneráveis são

pessoas ou grupos que encontram-se em exposição à situações que lhes ofereçam

riscos e disponham de menor probabilidade de reconstituir ou recuperar

(BARCELLOS E OLIVEIRA, 2008). Partindo dessas afirmações, é assaz importante

debater o processo de construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo,

buscando a explicação do processo de (des)territorialização de comunidades

ribeirinhas na Bahia, especificamente no município de Cachoeira.

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FOTO 1 - BARRAGEM DE PEDRA DO CAVALO EM CONSTRUÇÃO

Fonte: Acervo de Carlos Eduardo Morais

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FOTO 2 - BARRAGEM DE PEDRA NA ATUALIDADE

Fonte: http://www.zevaldoemaragogipe.com/2011/04/perigo-agua-acumulada-na-barragem-de.html

3.2.1 ENCHENTES EM CACHOEIRA

Cachoeira se estabeleceu entalhada no vale do Paraguaçu, e até 1989 foi

atingida pelas rotineiras cheias do rio, que alagavam as planícies de inundação

invadidas/tomadas pelo crescimento urbano do município.

Não há registros sobre as primeiras cheias do rio Paraguaçu, porém, o

crescimento urbano nas áreas da planície de inundação, provoca a o estreitamento

da calha do rio e no período das cheias a elevação do nível da água do rio atingindo

parte significativa do atual centro da cidade. Devido a ocorrência desse fenômeno

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69

natural, prédios e templos religiosos, a exemplo da Igreja de Nossa Senhora do Monte,

Casa de Câmara e Cadeia, dentre outros, foram erguidos nas áreas mais elevadas,

onde as cheias não alcançavam.

As enchentes aconteciam predominantemente entre os meses de dezembro e

março, época das chuvas torrenciais que aumentam repentinamente o fluxo de água

na cabeceira do rio, e consequentemente o nível das águas. Ainda há que mencionar

o período de influência do campo gravitacional da lua sobre a terra, devido a maior

proximidade entre ambas – especificamente em março - tal processo influência nas

marés, fazendo com que as cheias cheguem com mais força ao continente, sendo

chamadas de maré de março.

Em Cachoeira, as marés de março, em conjunto com o maior volume de água

advindo da cabeceira do Paraguaçu, em decorrência das chuvas, ocasionaram as

grandes enchentes, como em 1960, que segundo relatos da tradição oral, foi a maior

de todas.

Com o intuito de conter e amenizar os danos causados pelas cheias, a Barragem

de Pedra do Cavalo foi planejada, e, após a sua construção, os municípios de

Cachoeira e São Felix foram atingidos pela cheia em 1989, ano da primeira cheia após

a construção (década de 1970) e funcionamento da mesma, no ano de 1985.

Algumas das maiores enchentes que aconteceram no rio Paraguaçu e

acometeram os municípios de Cachoeira e São Felix são retratadas por fotos. A foto

1 corresponde a enchente que aconteceu no ano de 1910; a 2 aconteceu no ano de

1911; já a 3 foi em 1930; a foto 4 corresponde ao ano 1947; a 5 ocorreu em 1948; a 6

em 1957; a 7 aconteceu em 1960.

A enchente que ocorreu em agosto de 1949 foi retratada pela revista A Cigarra

Magazine (ANEXO A), com a matéria, na edição de agosto do mesmo ano, intitulada

Um monstro entre duas cidades, quando a matéria publicada pelo jornalista Jacy B.

Lima, que apesar de não haver registro de vítimas fatais, as enchentes causaram

transtornos sociais, ambientais e econômicos aos dois municípios.

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FOTO 3 - ENCHENTE EM CACHOEIRA 1910

Fonte: Acervo de Erivaldo Brito. Disponível em: <https://goo.gl/sQS2r9>

A foto 3 mostra uma enchente no início do século XX, em que as águas do rio

chegam às ruas do centro da cidade de Cachoeira, onde atualmente localiza-se a

Praça 25 de Junho. O nível das águas elevou-se a al ponto que a população utilizou

pequenas embarcações para se locomover nas vias públicas.

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FOTO 4 – ENCHENTE EM CACHOEIRA 1911

Fonte: Rio Leilões. Disponível em: <https://goo.gl/rSM6Qh>

As consequências socioambientais da enchente que atingiu Cachoeira em

1911, pode ser visualizada na foto 4. É possível identificar o nível das águas na rua

13 de Maio, onde atualmente situa-se o Fórum Teixeira de Freitas

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As enchentes sempre eram acompanhadas por consequências que

perpassavam os âmbitos sociais, econômicos e ambientais. Os alagamentos

afetavam a população, pois alagavam as residências, ocasionando a perda de bens

materiais, documentos e etc. No que se refere às consequências econômicas, o centro

comercial da cidade de Cachoeira era afetado pelas águas, ocasionando, mesmo que

por curto prazo de tempo, dificuldades no abastecimento de alimentos e água. Quanto

a situação ambiental, o grande volume de água ocasionava a escassez de peixes que

para a população da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape era prejudicial

em um primeiro momento, mas depois que o volume da água baixava ocorria o

aumento dos pescados.

FOTO 5 – ENCHENTE EM CACHOEIRA 1930

Fonte: Acervo do Arquivo Público de São Félix. Disponível em: <https://goo.gl/cX4wE9>

Na foto 5 é possível observar que o nível das águas do rio, na enchente de

1930, alcançaram primeiro andar de três sobrados, incluindo o Hotel Colombo, que

fica localizado na Praça 25 de junho, na cidade de Cachoeira.

Os problemas socioambientais causados pela enchente de 1947 podem ser

visualizados na foto 6. Nesta vê-se os moradores usando de embarcações para se

locomover na rua Ponte Nova.

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FOTO 6 - ENCHENTE EM CACHOEIRA 1947

Fonte: Pila/Acervo de Erivaldo Brito. Disponível em: <https://goo.gl/TY8rWa>

FOTO 7 - ENCHENTE EM CACHOEIRA 1948

Fonte: Manoel Cewani / Acervo de Jorge Ramos. Disponível em: <https://goo.gl/i8WcHB>.

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A imagem apresentada na foto 7, pode-se constatar que o nível do rio alcançou

pontos mais altos que em 1910, 1911, 1930, 1947 e 1957. Nota-se que as copas das

árvores e o primeiro andar dos sobrados estão quase que completamente tomados

pelas águas. Na foto 8 é possível visualizar o nível das águas do rio na Rua 13 de

Maio, onde pode-se observar a Igreja da Matriz ao fundo. Neste ano as pequenas e

médias embarcações circulavam pelas ruas do centro da cidade resgatando e/ou

levando alimentos para a população que se encontrava ilhada nos sobrados, como

também transportando bens materiais para locais menos afetados pelas águas.

FOTO 8 – ENCHENTE EM CACHOEIRA 1957

Fonte: Acervo de Erivaldo Brito. Disponível em: <https://goo.gl/iJEHKN>.

No mosaico de fotos número 9 expõe-se imagens da enchente de 1960 e é

possível identificar na parte superior esquerda o prédio da casa de Câmara e Cadeia,

onde as águas chegaram a quase invadir o pátio do prédio - vale ressaltar que o

mesmo se localiza na parte mais alta da Praça da Aclamação. Na parte inferior

esquerda está o prédio da estação ferroviária de Cachoeira, localizada na Praça

Manoel Vitorino, que também é uma área alta da cidade, mas as águas chegaram a

alcançar as janelas. Com essas observações é possível concordar com os relatos de

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populares quando afirmam que essa enchente foi uma das que trouxeram mais

prejuízos para Cachoeira.

FOTO 9 – ENCHENTE EM CACHOEIRA 1960

Fonte: Acervo de Erivaldo Brito. Disponível em: <https://goo.gl/nfPyvb>.

De fato, as enchentes traziam sérias consequências para a população da sede

do município de Cachoeira, e o discurso utilizado pelo Estado para justificar a

construção da Barragem de Pedra do Cavalo foi o de eliminar tal problema. Porém,

durante a pesquisa, em conversas informais com os moradores mais antigos da

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, constatou-se que eles consideravam

as enchentes como benéficas, pois quando o nível das águas baixava após as cheias

ocorria o aumento da quantidade de pescado. Pode-se afirmar que o interesse dos

habitantes dessa comunidade não coaduna ao projeto do Estado, e que tal construção

responde ao projeto geopolítico da ditatura militar, para mostrar a presença do Estado

no território.

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76

4 CACHOEIRA: FORMAÇÃO TERRITORIAL

Quanto mais eu sonho com Cachoeira

mais amanheço em Nove York (Damário da Cruz)

Este capítulo tem como objetivo explicar a formação territorial de Cachoeira,

identificando o sítio e a situação geográfica, aspectos socioeconômicos e

socioambientais, e a sua posição no estado da Bahia, caracterizando o distrito de

Santiago do Iguape para localizar a Comunidade escolhida para a realização da

pesquisa.

4.1 Aspectos Geo-históricos do Município de Cachoeira

Não há como estudar de Cachoeira sem voltar os pensamentos e os olhos para

o Recôncavo, açucareiro e escravista, dos maiores engenhos da Bahia: região de

solos férteis, onde na época em que o Brasil era colônia de Portugal brotava densos

canaviais, riqueza da época. Além disso, foi a porta de entrada para a invasão doa

território, morada dos povos denominados como indígenas pelos portugueses.

Cachoeira localiza-se no Recôncavo, na parte leste do Estado da Bahia, a

110km de Salvador em distância rodoviária, e aproximadamente 66km em linha reta.

É formada por dois distritos - Santiago do Iguape e Belém de Cachoeira - e 36

povoados: Alecrim, Alto do Camelo, Boa Vista, Brejo, Cabonha, Capoeiruçu, Calembá,

Caonge, Calolé, Caibongo, Campinas, Carapinha, Desterro, Dendê, Engenho Velho

da Ponte, Faleira, Fazenda Bastos, Formiga, Granja, Guaíba, Imbiara de Cima,

Imbiara de Baixo, Maria Preta, Moinho, Murutuba, Opalma, Pinguela, Povoado de

Alves, Rio do Corte, Saco, São Francisco do Paraguaçu, Tupim, Tibiri, Terra

Vermelha, Tabuleiro da Vitória, e Tombo.

O município é tangenciado pela BR-101, que em Conceição da Feira cruza com

a BA-502, conectando-se à Feira de Santana, BR-324, permitindo o acesso a

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Salvador. A BA-420, no sentido leste, permite a circulação entre Cachoeira e Santo

Amaro, e no sentido oeste com São Felix.

No que se refere aos aspectos socioambientais o município possui imensa

riqueza natural, desde a exuberância dos resquícios de mata atlântica, aos mangues

com diversidades de espécies.

O Recôncavo situa-se na Baía de Todos os Santos, e recebe esse nome devido

ao seu formato côncavo, ocupa um raio de aproximadamente 100km. Durante o Brasil

colônia foi área de intensa movimentação econômica, pois abrigava importantes

engenhos, os quais tinham vultuosas produções de açúcar. Cachoeira integra o

Território de Identidade Recôncavo Baiano, uma unidade de planejamento da

Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN), e abrange Cabaceiras do

Paraguaçu, Cachoeira, Castro Alves, Conceição do Almeida, Cruz das Almas, Dom

Macedo Costa, Governador Mangabeira, Maragogipe, Muniz Ferreira, Muritiba,

Nazaré, Santo Amaro, Santo Antônio de Jesus, São Felipe, São Felix, São Francisco

do Conde, São Sebastião do Passé, Sapeaçu, Saubara, Varzedo.(MAPA 1).

Sobre a importância do rio Paraguaçu, Freitas (2013, p. 75) afirma que o

“Paraguaçu se destacava como via de penetração e escoamento da produção. Foi

intensamente utilizado pelos latifundiários do gado e do açúcar, como ligação entre o

local da produção ao porto da cidade do Salvador”. Além disso, se caracteriza por

fornecer alimentos para as populações, pois contava com significativa quantidade de

pescados, mariscos, bem como a possibilidade de utilização da água para as

pequenas lavouras de subsistência.

O mar grande2 que corta o território no sentido oeste-leste, oferecia condições

privilegiadas para a exploração e ocupação das terras do sertão. Neves (2008, p.13)

afirma que

Suas águas abrem caminho desde o sertão até o litoral, servindo de divisor das terras do Recôncavo e as dos sertões, que passaram a ser identificadas como sertão de Baixo – as terras localizadas abaixo da margem do Paraguaçu – e o de Cima – ao norte do mesmo rio.

2 Mar Grande era uma expressão utilizada pelos tupinambás para identificar o rio Paraguaçu devido a

sua extensão.

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MAPA 1 – LOCALIZAÇÃO DE CACHOEIRA NO RECÔNCAVO

Elaboração: DIAS, Gleidson Sena

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No entanto, um fato de ordem natural dificultou a exploração efetiva do sertão

por parte dos colonizadores: o rio, que apesar de possuir aproximadamente 600 km

de extensão, desde a nascente até desaguar no Oceano Atlântico, só era navegável

em um percurso de aproximadamente 46 km, no trecho que compreendia Cachoeira

e a foz. A foto 10 remonta o período áureo da navegação do rio Paraguaçu, ao retratar

a chagada do Navio da Companhia de Navegação Baiana que realizava a travessia

entre o porto de Salvador e o cais de Cachoeira, e a intensa circulação de pessoas

que constantemente se deslocavam entre o sertão e o litoral.

FOTO 10 – CHEGADA DO NAVIO DA COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO BAIANA AO CAIS DE CACHOEIRA

Disponível em: https://www.facebook.com/fotosantigasdoreconcavo.

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Entre os séculos XVII e XIX, era possível a circulação do porto da Vila de Nossa

Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira para diferentes destinos no continente,

pois os caminhos que se iniciam em Cachoeira permitiam aos exploradores e viajantes

opções de acesso que outras vilas não ofereciam. A esse respeito Vilhena (1969, p.

483) expõe que

Saem da vila da Cachoeira diferentes estradas, o que concorre muito para fazê-la famosa, pois que de tôdas as minas, e sertões se vem dar àquele pôrto; há muitos pastos em que se refazem as cavalgaduras, que pisam aquelas estradas, e os viajantes ali vão deixar uma grande parte do seu dinheiro. A estrada que sai por S. Pedro da Muritiba estende-se até Minas Novas, Rio de Contas, Sêrro do Frio, e todas as minas gerais, até que circulando vai sair ao Rio de Janeiro; sai outra que passando pela de Água Fria, passa às minas de Jacobina, corta parte do Piauí, e conduz até o Maranhão; e além destas saem outras de menos conta, e menor distância.

Subentende-se que a importância da Vila de Nossa Senhora do Rosário do

Porto da Cachoeira não residia apenas no fato de ser último ponto de parada das

embarcações que velejavam da Baía de Todos os Santos rumo ao sertão, através do

rio Paraguaçu, mas também em uma série de outros fatores, a exemplo das estradas,

e pastagens que favoreciam o descanso dos animais, possibilitando a comercialização

das mercadorias, principalmente entre os séculos XVII e XIX.

Fundada em 1531, abrange uma área de aproximadamente 395,223 km²,

situado a uma altitude média de 38m, na Zona da Mata. Integra a Mesorregião

Geográfica Metropolitana de Salvador, e Microrregião Geográfica de Santo Antônio

de Jesus. Ao norte limita-se com São Gonçalo dos Campos e Conceição da Feira, a

noroeste Governador Mangabeira, a oeste Muritiba e São Felix, ao sul e ao Sudoeste

Maragogipe e Saubara, e a Leste Santo Amaro. À noroeste encontra-se o Lago de

Pedra do Cavalo, e em toda porção oeste, sudoeste e sul é banhada pelo rio

Paraguaçu, que tem foz distante aproximadamente 45 km dos limites territoriais do

município. (MAPA 2)

Cachoeira é um município conhecido nacionalmente devido à importante

participação na luta pela independência da Bahia e do Brasil, onde no dia 25 de junho

de 1822, deu-se início a batalha contra as tropas portuguesas que durou três dias,

com as embarcações posicionadas ancoradas no rio Paraguaçu com as canhoneiras

voltadas para a região da atual praça 25 de junho.

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MAPA 2 – LOCALIZAÇÃO DE CACHOEIRA

Elaboração: DIAS, Gleidson Sena

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Os portugueses desconheciam a dinâmica da maré que adentrava a calha do

rio, na baixa da maré os navios dos lusitanos encalharam e as canhoneiras perderam

os seus alvos, ficando vulneráveis aos ataques das tropas de Cachoeira, fator

preponderante para a vitória dos Cachoeiranos. Após às lutas a sede do Governo foi

transferida para o município através da constituição do Conselho Interino de Governo,

que substituía a Junta Militar de Governo localizada na capital baiana e sob o domínio

português. Em decorrência desse fato histórico, foi denominada pela lei nº 43, de 13

de março de 1837 de a heroica cidade de Cachoeira.

A Freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira é criada em

1674, elevada à condição de Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira

do Paraguaçu em 1698, e em 13 de março de 1837 passa à categoria de cidade

através da Lei Provincial Nº 44/1837 com o nome de Cachoeira. Devido ao valioso

conjunto arquitetônico, com casarios e Igrejas do estilo Barroco, estruturas que se

assemelham ao Pelourinho em Salvador, e Ouro Preto em Minas Gerais, foi

reconhecida e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(IPHAN), como Cidade Monumento Nacional. Em 2007 é promulgada a Lei Estadual

nº10 695/07, que instituí o município como a capital da Bahia, em 25 de junho, data

em que a sede do governo e os atos administrativos do Estado são deslocado para o

município em reconhecimento da importância do mesmo na luta pela independência.

(QUADRO 3).

QUADRO 3 CACHOEIRA: FORMAÇÃO TERRITORIAL

ANO

SITUAÇÃO ADMINISTRATIVA

1674 Elevação a Freguesia de Nossa Senhora do Rosário

1698 Elevação a condição de Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira do Paraguaçu

25 de junho de 1822 Sede do Governo Provisório do Brasil durante a guerra da Independência

13 de março de 1837

A vila foi elevada à categoria de cidade de Cachoeira pelo decreto imperial (Lei Provincial 44); Sede do Governo Provisório do Brasil pela segunda vez, durante o levante da Sabinada; denominada pela lei nº 43, de 13 de março de 1837 como Heroica Cidade de Cachoeira.

1971 Considerada Cidade Monumento Nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional (IPHAN)

2007 Lei Estadual nº10 695/07instituí o município como a capital da Bahia todo os dias 25 de junho

Fonte: <https://goo.gl/wcAkJn>. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

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No percurso da formação territorial Cachoeira perdeu parte significativa do

território dando origem a outros municípios, perdendo população, e

consequentemente a sua importância socioeconômica no Estado.

4.2 Aspectos Socioambientais de Cachoeira

Cachoeira situa-se numa área de clima tropical úmido, com temperatura média

anual em torno dos 24ºC, máxima de 26ºC, e mínima de 21ºC. (GRÁFICO 2). Porém,

é possível distinguir três tipos climáticos em Cachoeira: o Equatorial ou Tropical Úmido

(Af), o Tropical com invernos secos (Aw) e o de monção e predominantemente úmido

(Am).

GRÁFICO 2 – TEMPERATURA DE CACHOEIRA

Fonte: http://pt.climate-data.org/location/43373/. Acesso em: dez. 2015. Adaptado

De forma geral esses tipos climáticos não possuem estação fria, com o mês mais

frio apresentando temperatura acima de 18ºC. As pequenas diferenças são

identificadas no tipo Af, que ocorre na parte sul do município, e caracteriza-se por não

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apresentar estação seca, sendo úmido o ano todo. O tipo Am, é encontrado na porção

central de Cachoeira -, é o clima que apresenta pequena estação seca, com chuvas

intensas durante parte de ano, e Aw, e encontra-se no lado norte, suas principais

características são a incidência de chuvas concentradas no verão e estação seca no

inverno (MACHADO E TORRES, 2011). (MAPA 3)

Observando o gráfico de pluviosidade e temperatura de Cachoeira, é possível

inferir que a pluviosidade média anual alcança 1.268mm/ano, com a máxima de

177mm (no mês mais chuvoso - maio) e a mínima de 61mm (no mês mais seco -

setembro). Nota-se durante o período mais chuvoso entre os meses de abril e julho, -

os quais apresentam média pluviométrica de aproximadamente 207mm - a menor

temperatura entre 22 e 23º entre os meses de junho e julho. (CLIMOGRAMA 1).

CLIMOGRAMA 1 – TEMPERATURA E PLUVIOSIDADE DE CACHOEIRA

Fonte: http://pt.climate-data.org/location/43373/. Acesso em: dez. 2015. Adaptado

.

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MAPA 3 - TIPOS CLIMÁTICOS DE CACHOEIRA

Elaboração: DIAS, Gleidson Sena

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Sob o ponto de vista fitogeográfico, a vegetação que predomina no município

ainda é a mata atlântica mesmo com o processo de desmatamento que acontece no

espaço desde a período colonial, para implantação da cultura canavieira,

especialmente entre os séculos XVI e XVIII.

O município integra a Área de Proteção Ambiental da Baía de Todos os Santos

(APA Baía de Todos os Santos), que conta com uma extensão de 800 km². A APA foi

criada em 1999, estendendo-se pelos municípios de Salvador, Madre de Deus,

Candeias, Simões Filho, São Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, Saubara,

Itaparica, Vera Cruz, Jaguaripe, Maragogipe e Salinas da Margarida.

Na área do município também se encontra as Reservas Extrativista Marinha da

Baía do Iguape. Criada em 2000 é uma área destinada a preservação da Mata

Atlântica, com extensão territorial de 8.117,53 há, além disso, a Particular de

Patrimônio Natural da Peninha, criada em 2002, compreendendo 350 ha., e a Reserva

Particular de Patrimônio Natural de São Joaquim da Cabonha, fundada em 2000, com

257 ha.

O mapa 4 expõe a cobertura vegetal e uso das terras do município de

Cachoeira, e observa-se resquícios de vegetação secundária, uma pequena macha

de restinga na Bacia do Iguape, e a maior parte do território é utilizado para agricultura

e pecuária.

Quanto aos aspectos geomorfológicos, Cachoeira localiza-se no do vale do

Paraguaçu, planície aluvial, compondo uma área plana, pouco inclinada, com solos

do tipo Argissolo Vermelho-Amarelo Distrófico, Chernossolo Háplico, Latossolo

Amarelo Distrófico, Neossolo Quartzarêncio, Manguezal, Vertissolos (MAPA 4). No

que se refere aos aspectos hídricos, o rio Paraguaçu se constitui como a principal rede

de drenagem do espaço estudado. Rio genuinamente baiano nasce na Chapada

Diamantina, em Barra da Estiva, no Morro do Ouro

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MAPA 4 – MAPA DE VEGETAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CACHOEIRA

Elaboração: LIMA, Gabriel M.

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MAPA 5- TIPOS DE SOLOS DO MUNICÍPIO DE CACHOEIRA

Elaboração: DIAS, Gleidson Sena

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4.3 Aspectos Sociodemográficos de Cachoeira

No que concerne ao contingente populacional do município de Cachoeira,

baseando-se nos dados do censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE 2010), o município conta com uma população de 32.026 mil

habitantes, e densidade demográfica de 81,3 hab/km², com taxa de urbanização de

51,2%. Comparando a população de Cachoeira com a população dos demais

municípios do Estado, a mesma ocupa a 81ª posição no ranking populacional (IBGE

– 2010).

Na tabela 2 estão dispostos dados sobre população total, urbana, rural, taxa de

urbanização e de crescimento da população de Cachoeira entre 1872 até 2010.

Quanto ao crescimento da população total possível notar que no decorrer de 28 anos

(1872-1900), o município apresenta decréscimo de aproximadamente 38% no número

de habitantes e durante as décadas compreendidas ente 1900 e 1920 houve aumento

populacional de 11,44%, já no período seguinte, entre 1920 e 1940 apresenta redução

de 46,46%. Entre 1940 a 1950 o decréscimo no número de habitantes é inferior a 1%

e no período de 1950 e 1960 a população cresceu aproximadamente 6,7% e entre

1960 a 1970 a diminuição do contingente populacional é de 5,1%. No período que

corresponde as décadas de 1970 a 1980 e 1980 e 1991 observa-se um aumento de

2% do tamanho da população é de 1991 a 2001 o crescimento chega a 7,5% enquanto

no período de 2001 a 2010 a população apresenta aumento de 5,2%.

TABELA 2 - CACHOEIRA: POPULAÇÃO TOTAL, URBANA, RURAL, TAXA DE

URBANIZAÇÃO E TAXA DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA 1872-2010

ANOS

POPULAÇÃO RESIDENTE

TOTAL

URBANA

RURAL

TAXA DE

URBANIZAÇÃO %

TAXA DE CRESCIMENTO

DA POPULAÇÃO URBANA

1872 72.834 - - - - 1892 - - - - - 1900 45.199 - - - -

1920* 50.370 8.414 41.956 16,70 - 1940 26.966 15.355 11.611 56,94 3,05 1950 26.979 15.562 11.417 57,68 0,13 1960 28.869 16.225 12.644 56,20 0,42 1970 27.382 13.613 13.769 49,72 -1,74 1980 27.946 13.762 14.184 49,24 0.11 1991 28.290 14.193 14.097 50,20 0.28 2000 30.416 15.831 14.585 52,00 1.22 2010 32.026 16.387 15.639 51,20 0.25

Fonte: Censos Demográficos do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 1872 a 2010). Elaboração DIAS, Gleidson Sena

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A variação observada no tamanho da população total de Cachoeira no decorrer

de 68 anos (1827-1940) é explicada pelo processo de desmembramento do território

de Cachoeira, que acontece entre os séculos XIX e primeira metade do século XX,

com perdas territoriais, que deu origem a outros municípios. Essa fragmentação inicia-

se com a separação de Feira de Santana em 1833, seguida por Curralinho (1880) -

atual Castro Alves - São Gonçalo dos Campos da Cachoeira (1884), São Felix (1889),

Santo Estevão do Jacuípe (1921) e Conceição da Feira (1926). A diminuição da

extensão territorial do município reflete diretamente na variação populacional do

mesmo. Impondo uma redução de aproximadamente 37% do número de habitantes

de Cachoeira no decurso de 68 anos.

A taxa de urbanização que em 1920 era de 16,70%, passa para 57,68 em 1950:

um aumento de 40,98% no decurso de 30 anos. Há que considerar que foi nesse

período que houve o desmembramento dos atuais municípios de Santo Estevão e

Conceição da Feira. Em 1960 a taxa de urbanização começa a diminuir alcançando o

nível mais baixo na década de 1980, com 49.24%, voltando a aumentar em 1991 para

50,20%. Em 2001 a variação é de 1,80%, passando de 50,20% para 52%, no entanto,

em 2010 apresenta uma leve queda, de 52% para 51,20%.

Enquanto a população do município de Cachoeira apresenta oscilações entre

1872 e 1970, com aumento e decréscimo do número de habitantes ao longo desse

período, o Distrito do Iguape apresenta uma linearidade no crescimento do

contingente populacional de 1872 até 1960, acompanhado de diminuição da

população a partir de 1970 até o último censo em 2010. A leitura dos dados permite

afirmar que é exatamente após a construção da Barragem de Pedra do Cavalo que o

Distrito do Iguape apresenta perda populacional: diminuição de 38,43% no decorrer

de 40 anos, ou seja, entre 1970 e 2010. (TABELA 3; GRÁFICO 3).

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TABELA 3 – POPULAÇÃO TOTAL DO DISTRITO DO IGUAPE - 1872-

2010

ANOS POPULAÇÃO

TOTAL

1872 5.074 1892 - 1900 - 1920 6.487 1940 9.186 1950 9.140 1960 9.817 1970 7.866 1980 - 1991 5.028 2000 5.206 2010 4.843

Fonte: Censos Demográficos do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 1872 a 2010

GRÁFICO 3 – EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DO DISTIRITO DE SANTIAGO DO IGUAPE - 1920-2010

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

Comparando os dados referentes ao crescimento populacional do Brasil, Bahia

e Cachoeira, percebe-se que há uma progressão no número de habitantes em nível

nacional, pois em 1872 conta com 9.930.478 de habitantes, em 1892 a população era

de 14.333.915 de pessoas, na década de 1900 esse número passa para 17.438.434.

No ano de 1920 conta com 30.635.605, em 1940 a população era de 41.236.315, e

em 1960 passa para 70.992.343. Na década de 1980 alcança as cifras de

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020ANOS

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121.150.573, enquanto que em 2000 chega a 169.590.693, e em 2010 alcança

190.755.799 de habitantes. (TABELA 4). Na escala estadual observa-se que em 1872

a população era de 1.379.616 de habitantes, em 1892 esse número corresponde a

1.919.802, no ano de 1900 passa a 2.117.956, e na década de 1920 esse quantitativo

alcança 3.334.465 de pessoas, enquanto em 1940 a população era de 3.918.112, e

em 1960 5.990.605. Na década de 1980 observa-se que o número de habitantes

chega a 9.597.393, enquanto que em 2000 era de 13.066.910, e no censo

demográfico do IBGE de 2010 esse quantitativo apresenta 14.016.960 pessoas.

A análise dos dados municipais mostra que em 1872 o primeiro censo

contabilizou 72.834 habitantes, enquanto que em 1900 esse contingente decai para

45.199. Em 1920 observa-se que a população é 50.370 habitantes, em 1940 o número

de pessoas corresponde a 26.966, em 1960 tem-se 28.869 habitantes, e em 1980 a

população é de 27.946, enquanto em 2000 chega a 30.416, e em 2010 esse número

compreende 32.026 habitantes. Comparando os dados da escala municipal com os

da nacional e estadual observa-se que enquanto a população em nível nacional e

estadual apresenta crescimento progressivo ao longo do tempo, a população de

Cachoeira apresenta períodos de crescimento e decréscimo no contingente

populacional.

TABELA 4 – BRASIL, BAHIA, CACHOEIRA: POPULAÇÃO TOTAL, 1872-2010

ANOS

POPULAÇÃO TOTAL

BRASIL

BAHIA

CACHOEIRA

1872 9.930.478 1.379.616 72.834

1892 14.333.915 1.919.802 - 1900 17.438.434 2.117.956 45.199 1920 30.635.605 3.334.465 50.370 1940 41.236.315 3.918.112 26.966 1950 51.944.397 4.834.575 26.979 1960 70.992.343 5.990.605 28.869 1970 94.508.583 7.583.140 27.382 1980 121.150.573 9.597.393 27.946 1991 146.917.459 11.855.157 28.290 2000 169.590.693 13.066.910 30.416 2010 190.755.799 14.016.906 32.026

Fonte: Censos Demográficos do instituto Brasileiro de Geografia e Esta- tística (IBGE – 1872 a 2010). Elaboração DIAS, Gleidson Sena

A leitura dos dados da tabela 5 e gráfico 4, permite afirmar que a taxas de

urbanização em nível nacional em 1940 era de 31,24%, passando para 45,08% em

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93

1960, e para 67,70% em 1980, na década de 2000 essa taxa alcança 81,23%, e em

2010 chega até a 84,36%. Na escala estadual em 1940 a taxa era de 23,93%, em

1960 era de 34,78%, enquanto que em 1980 chegou a 49,44%, na década de 2000 a

taxa alcançou 67,05%, e em 2010 72,07%. Quanto ao município de Cachoeira,

observa-se que em 1940 a taxa de urbanização era de 56,94%, ao passo que em

1960 foi para 56,20% e em 1980 era de 49.24%. No entanto os dados do censo

demográfico de 2000 demonstram a taxa de urbanização de 52.0% enquanto em 2010

apresentou cifras iguais a 51.2%. Nota-se que as taxas do município apresentam

decréscimo ao longo dos anos, enquanto no estado da Bahia e no Brasil o movimento

é inverso, elas aumentam progressivamente.

GRÁFICO 4 - EVOLUÇÃO DA TAXA DE URBANIZAÇÃO DO BRASIL,BAHIA E CACHOEIRA – 1940-2010

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

A taxa de crescimento da população urbana brasileira em 1950 corresponde a

3,47%, em 1960 esse número passa para 5,85%, na década de 1980 esse valor

alcança 4,48%. Os dados do censo demográfico de 2000 indicam que há um

decréscimo em termos percentuais para 2,44%, e em 2010 a taxa situa-se em torno

em 1,57%. Os números referentes ao estado da Bahia indicam que em 1950 foi de

3,68%, enquanto em 1960 corresponde a 4,47%, em 1980 esse valor compreende

4,21%.

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020ANO

TAXA DE URBANIZAÇÃO BRASIL ANO

TAXA DE URBANIZAÇÃO BAHIA ANO

TAXA DE URBANIZAÇÃO CACHOEIRA ANO

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TABELA 5 – BRASIL, BAHIA E CACHOEIRA: TAXA DE URBANIZAÇÃO E TAXA DE CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO URBANA 1940-2010

Fonte: Censos Demográficos do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 1940 a 2010). Elaboração DIAS, Gleidson Sena

BRASIL

BAHIA

CACHOEIRA

ANO

TAXA DE

URBANIZAÇÃO %

TAXA DE CRESCIMENTO

DA POPULAÇÃO URBANA %

TAXA DE

URBANIZAÇÃO %

TAXA DE CRESCIMENTO

DA POPULAÇÃO

URBANA%

TAXA DE

URBANIZAÇÃO %

TAXA DE

CRESCIMENTO DA

POPULAÇÃO URBANA%

1940 31,24 - 23,93 - 56,94 3,05

1950 34,89 3,47 27,83 3,68 57,68 0,13 1960 45,08 5,85 34,78 4,47 56,20 0,42 1970 55,98 5,15 41,41 4,19 49.72 -1,74 1980 67,70 4,48 49,44 4,21 49.24 0,11 1991 75,47 2,78 59,11 3,61 50.2 0,28 2000 81,23 2,44 67,05 2,51 52.0 1,22 2010 84,36 1,57 72,07 1,43 51.2 0,25

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95

Na década de 2000 a taxa de crescimento da população urbana apresentou

valor igual a 2,51%, e em 2010 1,43%. No que concerne ao estado da Bahia, observa-

se que em 1950 é igual a 0,13%, em 1960 o número atinge as cifras de 0,42%, em

1980 esse valor é igual a 0,11%, no ano de 2000 tem-se 1,22% e em 2010 os dados

indicam 0,25%. (GRÁFICO 5)

A descrição dos dados permite afirmar que a taxa de crescimento da população

urbana, em nível nacional e estadual apresenta índices crescentes desde 1950 até

1970, e entre 1980 e 2010 os valores decrescem. Na escala municipal esse

crescimento indica oscilações ao logo do tempo, ou seja, apresenta crescimento, após

decréscimo, seguido de progressão e depois de regressão.

GRÁFICO 5- EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRESCIMENTO URBANO DO BRASIL, BAHIA E CACHOEIRA – 1940-2010

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

No tocante ao sistema educacional, Cachoeira conta com 12 estabelecimentos

de ensino da rede estadual, 85 da rede municipal, 13 da rede particular, e a

Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) com oito cursos de graduação,

sedo seis Bacharelados: Bacharelado em Artes Visuais, Ciências Sociais, Cinema e

Audiovisual, Comunicação Social, Museologia, Serviço Social, Licenciatura e

Bacharelado em História, Tecnológico em Gestão Pública e três cursos de pós-

graduação stricto sensu: os Mestrados em Ciências Sociais - Cultura, Desigualdades

e Desenvolvimento, Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos

-2

-1

0

1

2

3

4

5

6

7

ANO

TAXA DE CRESCIMETO DA POPULAÇÃO URBANA BRASIL

TAXA DE CRESCIMETO DA POPULAÇÃO URBANA BAHIA

TAXA DE CRESCIMETO DA POPULAÇÃO URBANA CACHOEIRA

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Povos Indígenas e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação - Mídia e

Formatos Narrativos. A foto 11 mostra o quarteirão ocupado pela UFRB

FOTO 11 – CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO - CACHOEIRA (CAHL – UFRB)

Foto: Carlos Augusto

O município conta com uma estação rodoviária, e o cais do porto, o qual

exerceu papel fundamental no período colonial, entre os séculos XVII e metade do

século XX, recebendo embarcações de médio e grande porte que vinha da Capital do

Estado com mercadorias e passageiros destinadas às regiões mais afastadas do

litoral e Recôncavo, a exemplo de Feira de Santana que fica a aproximadamente 40km

de Cachoeira. Atualmente, devido ao processo de assoreamento da calha do rio

Paraguaçu, só é possível a navegação de embarcações de pequeno porte.

Cachoeira é um município de vasto potencial e atrativos turísticos, naturais,

históricos e culturais, a exemplo da Ponte Dom Pedro II, construída sobre o rio

Paraguaçu inaugurada em 7 de julho de 1885, que liga as à São Felix.

Apresenta casarios imponentes, com arquiteturas do estilo Barroco e

Neoclássico, que demonstram a força e poder econômico das famílias abastadas que

vivam em Cachoeira no período colonial; cada casario guarda em seu interior um

pouco da história do período áureo, pujante de Cachoeira.

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A Casa de Câmara e a Cadeia, localizadas na Praça da Aclamação, são

símbolos da arquitetura da época, e teve grande importância na vida política e

administrativa de Cachoeira e da Bahia; ambas foram projetadas em 29 de janeiro de

1689, na administração de D. João de Lancastro, contudo a construção só iniciou em

1700, terminando 12 anos depois, em 1712. A construção tinha dupla função: a de

servir como sede do poder legislativo, e ao mesmo tempo a cadeia. Ressalta-se que

durante as lutas pela independência da Bahia e do Brasil serviu de abrigo para o

Governo Provisório e a Junta Provisória.

As igrejas também são importantes registros arquitetônicos, pois cada uma

delas apresentam características singulares, que vão desde as mais simples às mais

suntuosas com partes da estrutura interna trabalhada em ouro, a exemplo da Igreja

que compõe o conjunto da Ordem Terceira do Carmo, localizada na Praça da

Aclamação.

A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, surge na Barroquinha, em

Salvador, na primeira metade do século XIX, e transfere-se para Cachoeira quando

ainda era a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Formada por

mulheres afrodescendentes, de religiões de matrizes africanas, em especial o

Candomblé, teve papel importante na sociedade escravista, pois desenvolviam

atividades como vendedoras de acarajé, doces, quitutes e etc., com o objetivo

angariar fundos para comprar a alforria de pessoas e escravizados. Os festejos

religiosos são comemorados no mês de agosto, entre os 13 e 15, e recebe visitas de

turistas do mundo inteiro, movimentando a economia lugar.

Para o lazer da população, o município conta com um cineteatro recentemente

reformado, que oferece aos munícipes filmes, peças, shows de comédias,

apresentações musicais, dentre outras formas de entretenimento.

O local onde se encontra a maior densidade das atividades econômicas é o

centro da cidade, onde a principal via de circulação é a Rua Martins Gomes. A feira

livre acontece aos sábados, na Praça Maciel ou Nossa Senhora do Rosário (FOTO

12).

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FOTO 12 – FEIRA LIVRE DE CACHOEIRA

Fonte: DIAS, Gleidson Sena. Trabalho de campo em dezembro de 2015.

A população municipal tem facilidade de acesso aos principais serviços

bancários, pois a cidade conta uma agência da Caixa Econômica Federal, uma do

Banco do Brasil e uma do Bradesco, além de uma unidade dos Correios e Telégrafos

e uma lotérica, onde também é possível realizar movimentações bancárias.

4.4 Formação territorial de Cachoeira

Analisar a formação territorial de Cachoeira, requer um passeio pelos tempos de

outrora, aqueles da chegada dos portugueses trazidos pelas naus que flutuavam

sobre o oceano que refletia o azul do céu. Embarcações que deslizavam sobre aquela

imensidão, cujas lendas assustavam até os guerreiros mais valentes, e assim

chegaram à terra desconhecida, embora o Tratado de Tordesilhas, de 07 de junho de

1494, já determinasse a posse entre Portugal e Espanha das terras habitadas pelos

povos pré-cabralinos, denominados de índios pelos colonizadores

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Em 1500 aportaram em Porto Seguro, e o português Manuel Pinheiro, em missão

exploratória no litoral, no sentido sul-norte, deparou-se com um elemento geográfico:

o encontro entre as águas do rio Paraguaçu e Oceano Atlântico, uma baía,

denominada de Todos os Santos. Ao velejar até seu interior notou a existência de uma

via de acesso para a parte mais interna das novas terras, denominada pelos nativos

de rio Paraguaçu ou Peruaçu (VILHENA, 1969).

Durante o processo de chegada, reconhecimento e colonização, o contato com

os povos Tupinambás, que habitavam as terras que se estendiam desde o litoral de

Sergipe até Ilhéus, foi pacífico devido a influência de Diogo Alvares, Caramuru. Os

portugueses estabeleceram com os povos nativos relações de trocas de mercadorias

sem a utilização de moeda, escambo, de madeiras, alimentos e mão de obra, por

roupas e ferramentas. No entanto, com a tentativa de escravização das populações

indígenas, há a resistência e o contato antes pacífico, passar a ser permeado por

diversos conflitos, como observamos na análise de Freitas (2013, p. 69) ao descrever

a “chegada ao litoral que combina violência, força e destruição como instrumentos

estruturantes do poder condizente com o delineamento das novas fronteiras e limites”.

O choque entre os dois povos desenhava-se no território como disputa pela

territorialidade, pois de acordo com Sack (1986, p. 2-3)

A Territorialidade nos humanos supostamente ser um controle sobre uma área ou espaço que deve ser concebida e comunicada, então alguém pode levantar que a Territorialidade (...). A Territorialidade nos humanos é melhor entendida como uma estratégia espacial para afetar, influenciar ou controlar fontes e pessoas, controlando área; e, como uma estratégia, a Territorialidade pode ser ligada e desligada

Na disputa pela manutenção do controle e posse do território, em diversos

momentos, os nativos sacaram arcos e flechas, partindo para o enfrentamento contra

os invasores que responderam com seus paus cuspidores de fogo movido à pólvora.

Não obstante, a recusa à subjugação aos mandos e desmandes dos colonizadores,

levou ao quase extermínio da população que habitavam as terras, desativando,

mesmo que parcialmente, a territorialidade dos nativos.

Com a posse territorial e na busca por defender, explorar e ocupar efetivamente

as novas terras, a coroa portuguesa optou por dividi-la em capitanias hereditárias,

faixas territoriais que estendiam-se latitudinalmente do litoral até a linha do Tratado de

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100

Tordesilhas. A Bahia foi dividida em cinco capitanias, a saber: Porto Seguro, Baía de

Todos os Santos, Ilhéus, Itaparica e Paraguaçu (FONSECA, 2006). (MAPA 6).

MAPA 6 – CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

Fonte: FREITAS (2013, p. 84).

O atual território de Cachoeira situa-se na área que correspondia a Capitania do

Paraguaçu. Em 1553 esta foi doada a D. Álvaro da Costa, filho de D. Duarte da Costa,

segundo Governador Geral do Brasil. Ao tomar posse das terras, D. Álvaro repartiu-a

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101

em sesmarias, cabendo a porção territorial que hoje corresponde a Cachoeira, ao

genovês Paulo Dias Adorno (FREITAS, 2013).

Para empreender a colonização e ocupação do território, o genovês fixou

residência nas mediações dos riachos Caquende e Pitanga, local onde funda seu

engenho, pois as condições pedoclimáticas eram propícias para cultivo da cana-de-

açúcar. Ergue na nova terra um dos maiores símbolos da dominação portuguesa, uma

das marcas do catolicismo, a atual Capela de Nossa Senhora D’Ajuda, antes

denominada Capela de Nossa Senhora do Rosário.

A foto 13 mostra uma das referências do período colonial é ícone da dominação

portuguesa, a primeira Igreja da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da

Cachoeira. Não foi possível encontrar a data precisa em que foi feito o registro, mas

sabe-se que a construção foi concluída no século XVII, e a foto 14 indica o período

atual.

FOTO 13 - CAPELA DE NOSSA SENHORA D’AJUDA SÉCULO XVII

Fonte: Acervo de Erivaldo Brito. Disponível em: https://www.facebook. com/fotosantigasdoreconcavo.

A Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira desempenhou papel

primaz no processo de ocupação do interior da Bahia e do Brasil, servindo de elo, e

entreposto, entre a primeira capital da Colônia Salvador - e as terras à oeste do litoral,

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102

ou como denomina Freitas (2013, p. 69), “terras d’além Paraguaçu”. Tal importância

deve-se ao fato da vila localizar-se à margem esquerda do rio Paraguaçu, fundamental

para a circulação fluvial, permitindo que as embarcações adentrarem o território para

além do litoral e, de acordo com Freitas (2013, p. 69) o povoamento da Bahia se deu

“espraiando-se em direção aos rios mais próximos do litoral e em direção ao interior”.

FOTO 14 – CAPELA DE NOSSA SENHORA D’AJUDA NA ATUALIDADE

Foto: DIAS, Gleidson Sena. Trabalho de campo em maio de 2016

É imperativo salientar que nos primeiros séculos de colonização, o transporte

hidroviário se constituía em importante forma de transportar mercadorias,

mantimentos e pessoas. É nessa conjuntura que se processa o início da formação

territorial de Cachoeira.

A criação da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira se dá em

meio a empecilhos que dificultavam a administração da Colônia, dentre eles as diante

das ameaças constantes dos holandeses, que já se faziam presentes em algumas

partes do território, a exemplo de Pernambuco. Junta-se também a busca por formas

viáveis e eficazes que pudessem garantir a posse da terra já conquistada, para então

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103

continuar o processo de exploração pelas matas que escondiam tesouros, mas ao

mesmo tempo dificultavam o acesso ao interior.

No século XVII o então governador geral D. João de Lencastro, ordena por meio

de Carta Régia, a criação de vilas e povoados. Segundo Fonseca (2006, p. 209)

No século XVII, foi grande o esforço da Coroa Portuguesa para ocupar o território, ao assumir novas direções para o sertão e para o sul, no que foi prejudicada, inicialmente, pela invasão holandesa, em 1624. (...) buscando atender às necessidades de povoamento das terras, D. João de Lencastro, o trigésimo segundo governador, em carta régia datada de 1693, ordenou a criação de vilas e povoados. Como consequência dessa medida foi criada a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, em 29 de janeiro de 1698.

O atual município de Cachoeira se estendia por uma área que hoje corresponde

a aproximadamente 35 municípios do Estado da Bahia, a exemplo de São Felix, Feira

de Santana, Baixa Grande e São Gonçalo dos Campos. Os limites, segundo Fonseca

(2006) iam desde o rio Subaúma até o rio Inhambupe, perpassando pela praia até o

rio Real. Os marcos limítrofes podem ser desenhados atualmente da seguinte forma:

os rios Subaúma e Ihambupe localizam-se próximo à Entre Rios, Esplanada e Cardeal

da Silva. O rio Real faz divisa entre os Estados de Sergipe e a Bahia nas

intermediações de Ribeira do Amparo, Itapicuru e Rio Real.

No processo desmembramento territorial, a Vila de Nossa Senhora do Rosário

do Porto da Cachoeira tem as terras partilhadas, dando origem a 27 novos municípios

baianos. Observa-se que a primeira freguesia a ser desmembrada da então Vila de

Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira é Feira de Santana, em 1833,

seguida pela Vila de Curralinho – atual Castro Alves – em 1880, por São Gonçalo dos

Campos da Cachoeira em 1884 e São Felix, em 1889. Na primeira metade do século

XX, especificamente no ano de 1921, ocorre a separação de Santo Estevão do

Jacuípe, atual município de Santo Estevão, e em 1926 deu-se o desmembramento do

município de Conceição da Feira (MAPA 7).

O territorio da Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira deu

origem, além dos seis municipios mencionados, mais outros vinte e um: Ipecaetá,

Muritiba, Cabaceiras do Paraguaçu, Governador Mangabeira, Cruz das Almas,

Sapeaçu, Antonio Cardoso, Rafael Jambeiro, Santa Barbara, Anguera Tanquinho,

Ipirá, Pintadas, Serra Preta, Baixa Grande, Macajuba, Itaberaba, Boa Vista do Tupim,

Ibiquera, Ruy Barbosa e Lajedinho (MAPA 8).

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104

MAPA 7 - VILA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DO PORTO

DA CACHOEIRA 1698-1833

Elaboração: DIAS, Gleidson Sena

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105

MAPA 8 - EVOLUÇÃO TERRITORIAL DE CACHOEIRA ENTRE 1761 E 2017

Elaboração: DIAS, Gleidson Sena

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106

Com o processo de esfacelamento territorial, Cachoeira aos poucos vai

perdendo sua hegemonia territorial. No limiar desse processo, freguesias como a de

Santana dos Olhos d’Água (1833), atual Feira de Santana, surgem e passam a

assumir funções que outrora era exercida por Nossa Senhora do Rosário do Porto da

Cachoeira decorrente, dentro outros fatores, da importância das feiras de gado

(FREITAS, 2013).

Com a diminuição do tamanho territorial, o município de Cachoeira atualmente

goza da memória do seu passado glorioso que emergiu em longo período de

recessão, e até estagnação econômica (segunda metade do século XX até início do

século XIX). A perda de parte do território de Cachoeira tem a sua gênese não apenas

no fato já mencionando, mas também no declínio das lavouras de cana-de-açúcar e

de fumo, que movimentavam a economia do Recôncavo. Outro aspecto responsável

pelo processo é a evolução dos meios de transportes na segunda metade do século

XIX, e a formação de novos centros regionais, em decorrência da importância

econômica, como Feira de Santana, Ilhéus, Vitória da Conquista. A esse respeito

Santos (1999, p. 85) escreve que “Cachoeira e Santo Amaro, portos debruçados sobre

a água, viam restringir-se sua zona de influência e desciam da posição de capital

regional para a de centro local”.

Sendo assim, não há como dissociar as modificações territoriais das urbanas

que ocorreram município, onde as velhas estruturas econômicas, os casarios

coloniais, que a priori foram construídos para desempenharem funções relacionadas

à importância que a cidade exercia no âmbito regional e nacional, , com a

reconfiguração espacial, passam a desempenhar novos papéis adequando-se às

novas necessidades do espaço urbano, como afirma Santos (2008, p. 74/75) “Uma

vez criada e usada na execução da função que lhe foi designada, a forma

frequentemente permanece aguardando o próximo movimento dinâmico da

sociedade, quando terá a probabilidade de ser chamada a cumprir uma nova função”.

Diante destas mudanças, Henrique (2009, p. 2) fazendo uma releitura dos

escritos de Milton Santos, salienta que “lugares sofrem com adaptações,

desaparecimento ou diminuição das atividades chamadas ‘tradicionais’, devido à

quebra de seu papel central”, ou seja, o espaço onde está localizada, a cidade de

Cachoeira sofreu um forte e perverso processo de recessão econômica,

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107

principalmente a partir da metade do século passado, o que pode ser constatado

através de observações existe nas velhas estruturas.

4.5 Disputas territoriais: nativos versus portugueses

Ao fazer a doação das terras e ilhas a ocidente achadas ou por achar à Coroa

portuguesa, a igreja católica desconsiderou/negligenciou, a possibilidade de já as

encontrar habitadas. Dessa forma, as investidas das expansões territoriais alcançadas

pelos portugueses, implicavam na possibilidade de aumento do poder papal, através

da conversão dos colonizados ao catolicismo, pois sabe-se que o denominado

descobrimento do Brasil foi a última grande Cruzada de Portugal.

Pesquisas mostram que a população que existia nas Américas era maior que a

do continente europeu. A esse respeito Santos (2010, p. 41) escreve que:

Os estudos contemporâneos de história, antropologia e etnologia têm posto à prova muitas das certezas de que se cercou a abordagem convencional da América pré-conquista. Uma primeira e surpreendente constatação é a de que em 1492 o continente seria mais populoso do que a Europa, assim considerado o espaço compreendido entre o Atlântico Norte e os Urais. Pesquisas recentes indicam que a população das três Américas seria, no final do século XV, de 60 a 100 milhões, dos quais 8,5 milhões estariam nas terras baixas da América do Sul. No mesmo momento, a população europeia estaria entre 60 e 80 milhões de pessoas.

Analisando a Bula Inter Coetera conjuntamente com as afirmações de, permite-

nos inferir que os colonizadores detinham conhecimento acerca do chamado Novo

Mundo e das populações que aqui habitavam. No território o poder colonial foi deveras

sangrento, e dizimador.

A busca por ocupar novos espaços, culmina com a expansão territorial

significando aumento do poder Estado. A esse respeito Freitas (2013, p. 56)

baseando-se nos escritos Ratzel, discorre que a “base da formação do Estado (...) ao

ampliar os seus limites, não se expande apenas territorialmente, mas igualmente a

sua força, riqueza e poder e, enfim, a sua permanência e existência”.

Nessa perspectiva, observa-se que no início da segunda metade do século XVII,

mais precisamente entre os anos de 1651 e 1656, houve várias guerras entre

portugueses e índios das etnias tapuias.

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Os nativos que resistiram às incursões e investidas usurpadoras de domínio e

expansão territorial em prol dos interesses capitalista mercantilista, eram vistos como

empecilhos, ameaça a ser neutralizada. Santos (2010, p. 67) tomando como

referência as explicações de Sierra, ratifica a questão quando explica:

Lugares como Cairu, Camamu, Ilhéus, Jaguaripe e Cachoeira eram indispensáveis no abastecimento alimentar e no provimento de materiais, tais como lenha, formas, tijolos, telhas e caixões, para o funcionamento de engenhos. (...) Os ataques indígenas tinham tido o “’efeito que pôs a contingência de pararem os engenhos e, parados eles, cessava o comércio e com eles, os pagamentos, crescendo a fome em público e geral dano’. As investidas indígenas, portanto, não só provocavam danos civis à população afetada, aspecto que é comumente mais ressaltado nos documentos oficiais, mas tinham também forte impacto econômico sobre o núcleo do sistema produtivo colonial.

Ao dominar a população nativa, seja por mediante a força ou utilizando-se de

outros meios como a catequização, os invasores introduzem a língua, a cultura, ou

seja, passam a exercer o poder sobre o território, nessa perspectiva, de acordo com

Haesbaert (1997, p. 42)

O território envolve sempre, ao mesmo tempo (...), uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de ‘controle simbólico’ sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar [e político-econômico] a apropriação e ordenação de espaços como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.

Santos (2010,) fazendo uma releitura dos escritos de Hemming, critica o

silenciamento, a tentativa de apagar da história os registros que faziam referência às

lutas contada pelos indígenas. Havia e há uma intencionalidade em não registrar a

história de luta desse povo, em transformá-los povos sem história, subjugados aos

colonizadores, que introduziram sua língua, cultura, leis e costumes.

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109

4.6 Santiago do Iguape: sabores e dissabores da formação territorial

A Comunidade de Santiago do Iguape é composta por remanescente

quilombolas que vivem no Distrito do mesmo nome e localiza-se a 37km de distância

da sede do município de Cachoeira. Formou-se a aproximadamente 20 km da

desembocadura do Paraguaçu na Baía de Todos os Santos, à margem esquerda do

rio. (FIGURA 3). Compõe, juntamente com mais 13 comunidades - Cabonha,

Caimbongo, Calolé, Calembá, Campinas, Caonge, Dendê, Embiara, Engenho da

Ponte, Engenho Novo, Opalma, São Francisco do Paraguaçu e Tombo - a Bacia do

Iguape. Ainda, é possível observar que a Comunidade Quilombola de Santiago do

Iguape, situa-se às margens da BA-880, com ligação para ruas como De Cima e São

Felix, possibilitando rápido e fácil acesso ao porto e à margem do rio Paraguaçu.

(FIGURA 3).

De acordo com as informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) Santiago do Iguape é o maior distrito do município de Cachoeira em termos

populacionais e em extensão em um espaço situado no entorno da Bacia do Iguape3.

Há diferenças na denominação utilizada para identificar o lócus da pesquisa, pois

o IBGE denomina como Distrito de Santiago do Iguape, no entanto, a população se

autodenomina e se reconhece como comunidade quilombola. Como investigação

buscou produzir conhecimentos a partir do saberes e oralidade dos moradores de

Santiago do Iguape, adotamos o conceito de comunidade quilombola.

A comunidade tem ruas pavimentadas, dispõe de água encanada, energia

elétrica, ou seja, conta com uma infraestrutura básica. Possui uma igreja católica,

construída em 1608 pelos padres jesuítas, a Matriz de Santiago do Iguape um marco

da arquitetura barroca, apresentando a pujança, beleza e poder econômico da época.

(FOTO 15).

O acesso a comunidade pode ser feito pelo rio Paraguaçu, utilizando pequenas

embarcações, desde feito o período colônia, quando não havia estradas e rodagens,

apenas caminhos que eram percorridos com auxílio de animais como cavalo.

3 Iguape, é um termo de origem tupi-guarani e significa lugar onde há água em abundância. (SANTOS

FILHO, 2013).

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110

FIGURA 3: IMAGEM DE SATÉLITE DA COMUNIDADE DE SANTIAGO DO IGUAPE –CACHOEIRA, BAHIA.

Fonte: Satélite Google Earth. Acesso em 21 de abril de 2016.

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FOTO 15 – IGREJA MATRIZ DE SANTIAGO DO IGUAPE

Foto: DIAS, Gleidson Sena. Trabalho de campo em setembro de 2016.

A educação formal em Santiago do Iguape é realizada através da Creche Hélio

Barros, que faz parte da rede pública de educação, que atendeu a 105 alunos em

2016; da Escola Municipal de Santiago do Iguape com 235 alunos (ensino

fundamental na modalidade educação de jovens e adultos, e ensino fundamental

regular); Escola Pedro Paulo Rangel com 185 alunos do ensino fundamental I – series

iniciais; e Colégio Estadual Eraldo Tinoco – Comunidade Quilombola, que atende a

190 alunos do ensino médio, funciona nos turnos matutino e vespertino, e desenvolve

trabalhos de fortalecimento da identidade quilombola dos estudantes através de

projetos que integram gestores, professores e alunos.

Com modelo de ensino pioneiro no Estado, contribui e orienta os estudantes

acerca da importância em se reconhecerem enquanto quilombolas, identificarem,

preservarem, e perpetuarem as suas origens e raízes. Essa iniciativa pode ser

percebida, por exemplo, observando a pintura da fachada lateral do muro do Colégio,

que traz diversos elementos representativos do cotidiano relacionados à vida da/na

comunidade, que reforçam a questão identitária dos alunos. Esse modelo diferenciado

de atuação ganhou força graças à parceria entre docentes e a gestão (iniciada em

2013), que conseguiram envolver e motivar os estudantes. (FOTO 16).

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FOTO 16 –REGISTROS DA FACHADA DO COLÉGIO ESTADUAL ERALDO TINOCO

Foto: DIAS, Gleidson Sena. Trabalho de campo em setembro de 2016.

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Os dados do censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE, 2010) indicam que, a população do distrito é de 4.843 habitantes,

no entanto, a Comunidade de Santiago do Iguape conta com aproximadamente 2.632

habitantes, segundo dados da Secretária Municipal de Saúde, correspondendo de

54,3% do total da população do distrito.

O espaço onde se situa Santiago do Iguape foi importante para Coroa no

período colonial, por contar com solos de massapê, que se caracterizam por ser férteis

e apropriados para a produção de cana-de açúcar. Chegou a contar com 21 engenhos

de incontestável importância para economia em 1835, como descreve Barickman

(2003, p. 87) ao debruçar-se na inquirição das unidades domésticas e fogos4 (casas)

dos senhores de engenhos e lavradores da época, na tentativa de obter elementos

que possibilitasse a caracterização das grandes unidades domésticas do Nordeste

Quando se fez o censo de 1835, funcionavam no Iguape 21 engenhos ‘moentes e correntes’, cada um dos quais consta do censo como um fogo. Com uma força de trabalho média de cerca de 123 escravos, esses engenhos estavam entre os maiores da Bahia e do Brasil. Também moravam na freguesia mais de oitenta lavradores de cana (muitas vezes conhecidos simplesmente como lavradores). Os lavradores às vezes possuíam fazendas próprias, mas era mais comum cultivarem a cana em terras arrendadas a um engenho.

Santiago do Iguape era uns dos destinos para desembarque dos escravos que,

na África foram capturados e trazidos para o Brasil com a finalidade de servir de mão

de obra nas lavouras de cana-de-açúcar, devido a quantidade de engenhos existentes

na Bacia do Iguape, a qualidade do açúcar produzido e a posição de destaque frente

a economia da Colônia (BARICKMAN, 2003).

Assim como a Vila de Nossa Senhora Rosário do Porto da Cachoeira do

Paraguaçu5, que detinha posição central no escoamento de mercadorias das regiões

interioranas da Província da Bahia até o porto de Salvador, e também era o entreposto

para as mercadorias e pessoas que vinham da capital com destino ao sertão, Santiago

do Iguape, também exercia importância como local para escoar as produções dos

engenhos localizados na Baía do Iguape, devido ao porto ali existente. A figura 4

mostra a distribuição e localização dos engenhos ao longo do Vale do Iguape, e

4 Segundo Barickam (2006), fogos são unidades domésticas e coincidem com unidades produtoras. 5 Vila de Nossa Senhora Rosário do Porto da Cachoeira do Paraguaçu foi o segundo nome do atual

município, até que passou a se chamar Cachoeira.

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mostra a posição de destaque de Santiago do Iguape em relação aos outros fogos,

como eram conhecidas as áreas que possuíam engenhos. A localização facilitava até

as embarcações que vinham ou iam em direção à Vila de Nossa Senhora do Rosário

do Porto da Cachoeira, atracar para o embarque e desembarque de mercadorias e/ou

pessoas.

FIGURA 4 – ENGENHOS DO VALE DO IGUAPE

Fonte: CRUZ (2014, p. 27)

Santiago do Iguape, assim como as Comunidades circunvizinhas de Calembá,

Engenho da Ponte, Engenho da Praia e Opalma, se originou nos arredores dos

engenhos, no entanto, guarda uma especificidade, pelo fato das produções de cana

de açúcar do Vale do Iguape serem consideradas de qualidade, juntamente com as

da freguesia de Nossa Senhora do Socorro do Recôncavo, atual São Francisco do

Conde. No ano de 1880 foi escolhido como local para implantação do engenho, que

foi instalado pela empresa Dennis, Blair and Company de nacionalidade inglesa

(BARICKMAN, 2003). Nos arredores desse engenho, cujo as marcas das estruturas

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ainda se encontram impressas no território, compondo a paisagem até os dias de hoje,

que surge a Comunidade de Santiago do Iguape (FIGURA 5).

FIGURA 5 – RUÍNAS DO ENGENHO CENTRAL

Fonte: Satélite Google Earth. Acesso em 22 de abril de 2016.

A instalação do Engenho Central demonstra a importância da Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape para a economia açucareira do Brasil colônia, pois

contava com elevada produção de açúcar, e a facilidade de escoamento do produto.

4.7 Santiago do Iguape: libertos por lei, mas escravos pela posse da terra

Apesar de ser menor que a população afrodescendente, era a população de

origem branca que detinha a posse das terras e dos engenhos em Santiago do Iguape,

como demonstra Barickman (2003, p. 93), quando expõe:

Embora os pardos e pretos livres e libertos compusessem, por ampla margem, a maior parte dos moradores não-escravos do Iguape, os 37 senhores de engenho e lavradores abastados eram, com uma única exceção, brancos, ou pelo menos assim classificados no censo.

Ainda segundo o autor, Francisco Marinho e Aragão era o único pardo livre,

lavrador de cana de açúcar e dono de escravo, possuindo aproximadamente 15

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116

escravos. Ele era a exceção entre os senhores de engenhos, em meados do século

XIX.

Nesse contexto, observa-se que a população negra escrava, parda, negra livre

ou que nasceram livres não dispunha da posse da terra, tendo que se submeter às

ordens e desmandos dos senhores e senhoras de engenhos. Assim, tal posse figura-

se como objeto de dominação e de poder, quando o monopólio deu origem a uma

complexa relação de dependência dos escravos para aqueles que exploravam a

forças de trabalho.

Mesmo após o período escravista, os negros permaneceram nas terras dos

senhores de engenhos, pois era a forma mais viável para conseguirem acesso à terra

e produzirem seus sustentos, já que nelas eles cultivavam as próprias lavouras, além

de criarem animais. Os produtos e animais serviam para alimentar as famílias dos

escravos, negros cativos e pardos, bem como para negociar nas feiras livres que

existiam nas vilas próximas aos engenhos e fazendas.

O acesso à terra era adquirido ao longo da vida de cativo nos engenhos, e para

as famílias desses “permanecer na propriedade significou a possibilidade de continuar

a ter acesso à terra” (FRAGA FILHO, 2006, p. 250), já que as dificuldades para adquirir

um lote fora das fazendas era deveras evidente.

A Lei Áurea6 estabelecia que os negros eram livres, no entanto, não lhes permitiu

ou garantiu formas de acesso à terra, ou quaisquer garantias para a subsistência fora

das fazendas e dos engenhos. Como agravante, após o período escravista houve

aumento na criminalização e preconceito para com os negros, culminando em forte

repressão policial (FRAGA FILHO, 2006).

A marginalização dos ex-escravos dificultava a mobilidade enquanto cidadão

livre, impedia o acesso à terra, consecutivamente colocava em risco a sobrevivência

longe das fazendas às quais pertenciam. A despeito dessa realidade, Fraga Filho

(2006, p. 248-249) afirma

Um ex-escravo distante de sua localidade de origem podia ser considerado forasteiro e, facilmente, preso como ‘como suspeito’ ou vagabundo. Havia ainda a suposição generalizada de que o liberto era criminoso em potencial. Em 1º de janeiro de 1889, uma denúncia dizia:

6 A despeito da Lei Áurea é importante salientar que surge, principalmente, em decorrência das

pressões dos movimentos abolicionistas internacionais e nacionais. Para os afrodescendentes garantiu a liberdade sob o ponto de vista formal, mas haviam outros fatores, como o acesso à terra e moradia, que faziam os libertos permanecerem vinculados aos senhores de engenhos.

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‘Quando some-se qualquer animal dizem: são os ciganos e os

libertos’.

Em decorrência do processo de exclusão tornava-se mais difícil a decisão do ex-

escravo, desvincular-se das fazendas e dos engenhos onde foram escravizados.

Nesse contexto, percebe-se a existência de um território mantido e dominado pelos

donos das fazendas e dos engenhos, e de uma territorialidade fragilizada dos negros,

ex-escravos, ex-cativos e libertos, em decorrência da desvinculação com a posse da

terra.

Apesar do conflito de interesses entre senhor de engenho - dono da fazenda,

detentor do meio de produção - e ex-escravos – proprietário da força de produção-,

havia um vínculo entre eles, porque os primeiros como donos da terra necessitavam

da mão de obra, e os segundos, necessitavam da terra para sobrevivência, assim

perpetuava-se a relação de exploração, porquanto

A possibilidade de acesso a um lote de terra assegurava maiores alternativas de subsistência, embora os roceiros fossem obrigados a prestar serviços nas terras dos ex-senhores. Para estes, era possível ter acesso às feiras locais e diversificar o cultivo de gêneros de subsistência (FRAGA FILHO, 2006, p. 299).

Fato que evidência os laços invisíveis de dominação e até exploração da mão

de obra dos negros. Em decorrência dessa relação é possível identificar atualmente

famílias que ainda pagam o foro da terra, sem possuir a posse da mesma.

A situação da população de Santiago do Iguape, no tocante as questões

territoriais ainda são deveras complexas, pois parte significativa da Comunidade não

detém a posse das terras, onde foram desenvolvidas as memórias dos antepassados,

com as quais os laços de pertencimento já se encontram profundamente arraigados,

e foram/são perpetuados ao longo do tempo.

Depois de libertos, os negros não eram mais escravos, porém, a sua força de

trabalho era tocada pela terra em que plantava. Os senhores de engenho ou

latifundiários, cediam um lote para que os escravos pudessem cultivar as suas

lavouras, e criar os animais, em troca destinavam alguns dias da semana para

trabalhar nas terras do senhor, além de dividir a produção do lote cedido,

caracterizando a relação de meeiro.

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118

Vale ressaltar que essa não foi a realidade de todos os ex-cativos, pois, muitos

preferiram mudar-se do local, que por muito tempo foram escravizados e constituíram

alguns vínculos, na busca por refazerem suas vidas em outros locais, longe das

lembranças do período escravista. (FRAGA FILHO, 2006).

Esse fato orienta as reflexões acerca das relações que permearam e permeiam

a formação territorial de Santiago do Iguape, onde a localização de boa parte da

Comunidade coincide, com o território que outrora era a Fazenda Santiago, que teve

lotes de terras doados por integrantes da família Rangel - donos da fazenda onde está

localizada uma parte das terras da comunidade-, para o poder público, o qual investiu

em construção de Escola, construção de casa de luz, como descreve Cruz (2014, p.

31)

As doações de terras foram práticas usadas na ocupação do território em Santiago do Iguape. A família Rangel doou alguns lotes de terras para a construção de órgãos públicos, como a escola que leva o nome de Pedro Paulo Rangel, na Rua Monte Alegre; para uma “’casa de luz’, na Rua Direta, onde funcionou posteriormente os serviços dos correios; um espaço na Rua do Prédio para fundação de outro Grupo Escolar; também doou terras às margens do rio Serrário para perfuração de um poço tubular para o sistema de abastecimento de água; além de doações de terras para fundação de serviços de saúde pública.

O processo de doação de terras funcionou como uma forma de beneficiar,

qualificar com serviços públicos básicos nas terras pertencentes à fazenda. Dessa

forma, ocorreu a valorização da mesma. A fazenda até início do século XX pertencia

a família Novis, e segundo Cruz (2014, p. 28), “grande parte das terras, que

atualmente compõem a Comunidade de Santiago do Iguape, até a década de 1930

pertencia a Elvira Novis”. Ainda no mesmo período foi vendida para a família Rangel,

como consta no Inventário/Processo 553/53, arquivado na Vara Cível e Comercial do

Fórum de Cachoeira

A Fazenda denominada Monte Alegre ou São Tiago situada no Distrito do Iguape, deste termo, com casa residencial, um barracão e casa de Fazenda, adquirida por compra a Dona Elvira Alves Novis, escritura pública lavrada no livro 137 às folhas 77, dividindo-se por um lado com a Fazenda Catú de Otavio Batista Soares, pelo fundo com a Fazenda Caimbongo de Antrifo Ribeiro Sanches, e pela frente com o mar salgado.

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119

Apesar de constituir terras particulares há um processo de construção da

identidade da Comunidade, que remonta aos períodos do cativeiro, e pós-cativeiro,

onde os negros trabalhavam na terra, cultivavam, plantavam, mas não detinham a

posse da mesma. Pagavam o Foro da Terra e quase sempre dividiam o que produziam

com o dono. Tal processo de relação de poder, no fim diz respeito a posse e uso da

terra, perpetuou ao longo do tempo, e ainda é recorrente na Comunidade de Santiago

do Iguape, realidade que é observada no depoimento de Dona Maricélia, entrevistada

por Cruz (2014, p. 29), ao se referir a Pedro Paulo Rangel, comprador da Fazenda

Santiago, ela afirma: “ele era um comerciante e plantava muito, o mesmo também

lucrava com as terras arrendadas, as pessoas arrendavam as terras plantavam muita

mandioca, muito feijão, tinha casa de farinha, fazia azeite e o lucro era dividido”.

Observa-se que as disputas e relações territoriais se estabeleceram no tempo e

no espaço, e ainda apresentam características que remetem ao passado escravista,

pois segundo relatos de moradores da comunidade, obtido em conversas informais

durante as pesquisas de campo, ainda na atualidade existem pessoas na Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape que pagam o foro da terra.

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5 COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE:

BARRAGEM E HIDRELÉTRICA DE PEDRA DO CAVALO NO

PROCESSO DE (DES)TERRITORIALIZAÇÃO

Tem gente que um dia foi embora prometendo não mais voltar

mas quem fez-se aqui passarinho Ao ninho há de um dia voltar.

(Priscilla Dias Cavalcante)

Este capítulo é dedicado a análise e discussão dos dados coletados na

pesquisa de campo especialmente durante a aplicação dos questionários e realização

das entrevistas na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape.

Os impactos da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo é

responsável pelo processo de (des)territorialização da Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape, e sabendo-se que é uma questão de importante relevância social,

buscou-se investigá-la, no intento de responder as questões levantadas na discussão

sobre o objeto.

O questionário conta com 21 questões que tratam de questões referentes ao

perfil socioeconômico do entrevistado, além do processo de territorialização e

(des)territorialização em Santiago do Iguape (Apêndice B). Para respondê-las foram

escolhidos 67 sujeitos de ambos os sexos, com idade acima de 50 anos, em um

universo de aproximadamente 150 pessoas. Também selecionou-se mais 5 pessoas

entre 45 e 50 anos, que foram indicados pelos quilombolas mais velhos para fornecer

informações sobre o objeto estudado. Estes se disponibilizaram dialogar sobre o tema

em conversa informal, tendo em vista que os mesmos tinham informações importantes

para a pesquisa.

Para realização das entrevistas (Apêndice C), selecionou-se os coordenadores

da Associação Quilombola de Santiago do Iguape e da Colônia de Pescadores Z-53,

que tem sede na comunidade quilombola alvo da investigação. Os representantes

foram escolhidos pelo fato de estarem à frente das duas entidades socialmente

organizadas na comunidade.

Na esfera da Administração pública municipal buscou-se os secretários de

Obras e Meio Ambiente, e de Assistência Social, além do prefeito. A escolha dos

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secretários ocorreu por estarem à frente Secretarias que poderiam fornecer

informações acerca das relações socioterritoriais e socioambientais do/no município,

incluindo a comunidade quilombola estudada. Observou-se durante a pesquisa que

os secretários não tinham as informações consideradas fundamentais para a

discussão do objeto de análise. A entrevista com o prefeito do município não

aconteceu a despeito de cinco tentativas diretas de contato através de ligações para

o seu celular e gabinete. Tentou-se também contato através do seu assessor, por

diversas vezes, porém não obteve-se sucesso.

Entrevistou-se o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens

(MAB- Pernambuco e Bahia). A entrevista foi realizada na cidade de Salvador, no dia

20 de junho, às 11hs na sede do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (SINDIPETRO),

localizada à rua Boulevard América, 55, Jardim Baiano – Nazaré.

Em decorrência do aproveitamento da oportunidade, não houve sistematização

de questões para a entrevista. Assim, buscou-se reunir informações sobre o MAB,

especialmente quanto a participação do movimento na área em estudo, se contribuiu

de alguma forma quando os quilombolas de Santiago do Iguape foram atingidos pela

construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo.

Após a sistematização dos dados obtidos na pesquisa de campo, por meio da

aplicação de questionários, elaborou-se a síntese que foram organizadas em gráficos,

analisando os resultados baseando-se nas discussões teóricas sobre território e

(des)territorialização que foram desenvolvidas ao longo do texto.

5.1 Perfil do(a) entrevistado(a)

Buscou-se a caracterização da população residente na Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape, que foram selecionados como os sujeitos da

pesquisa. Quanto a ao sexo observou-se que, do total de 72 pessoas que forneceram

informações, 50% é do sexo masculino, e 50%, do sexo feminino o que demonstra um

equilíbrio entre os dois sexos (GRÁFICO 6).

A respeito da faixa etária dos entrevistados, identificou-se que 8% tem idade

entre 45 e 50 anos, 31% contam com a idade entre 50 e 54 anos, 20% entre 55 e 59

anos, 25% tinha entre 60 a 64 anos e 10% das pessoas estão com a idade entre 65 e

69 anos. Os 6% com idade acima dos 70 anos foram escolhidos para participar da

pesquisa por conter em suas memórias relatos, com riquezas de detalhes, acerca da

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história da comunidade, dos conhecimentos sobre os processos que envolvem o

antes, durante e o depois da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do

Cavalo. Vale ressaltar que no geral os homens apresentam idades mais elevadas que

as mulheres, indicando maior expectativa de vida do sexo masculino (GRÁFICO 7).

GRÁFICO 6 – DIVISÃO DOS ENTREVISTADOS POR SEXO

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena

GRÁFICO 7 - FAIXA ETÁRIA DOS SUJEITOS DA PESQUISA

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena

50%50%

M

F

8%

31%

20%

25%

10%6%

45 a 50

50 a 54

55 a 59

60 a 64

65 a 69

Acima de 70

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123

No que diz respeito a declaração de raça/cor, observa-se que os dados

demonstram que a maioria da população que se considera preta, somando-se um

percentual de 75%, enquanto 21% se autodeclaram parda e 4% do grupo pesquisado

se identificam como moreno, claro, ou que tinha a pele clara, e também escuro, fato

que, mesmo não sendo objetivo dessa investigação, chamou atenção haver em

alguns habitantes da Comunidade Tradicional de Santiago do Iguape, resistência em

se auto declarar negro (GRÁFICO 8).

GRÁFICO 8 - DECLARAÇÃO DE RAÇA/COR DOS ENTREVISTADOS

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena

No que tange a escolaridade, os dados demonstram que 32% dos integrantes

do grupo pesquisado não são alfabetizados, 39% possuíam o Ensino Fundamental I

incompleto, 7% como o Ensino Fundamental I completo, 10% apresentaram o Ensino

Fundamental II incompleto, 3% Concluiu o Ensino Fundamental II, 4% iniciaram o

Ensino Médio, 4% concluiu o Ensino Médio, e 1% informou que cursou e terminou a

Graduação. Ainda com base nos dados é possível afirmar que as mulheres

apresentam índices de escolaridades superiores aos dos homens, 65% dos não

alfabetizados são do sexo masculino, enquanto 35% do sexo feminino (GRÁFICO 9).

75%

21%

4%

Preta

Parda

Outra

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124

GRÁFICO 9 – ESCOLARIDADE DOS ESTREVISTADOS

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

Ao questionar sobre a profissão dos sujeitos da pesquisa, observou-se que

50% dos entrevistados são pescadores(as), 30% são marisqueiras, e 17% tem outras

profissões: enquadrando-se nesse grupo professores, pedreiros, pintores, donas de

casa, quilombola7, carpinteiro, agente de portaria, auxiliar de serviços gerais,

motorista, e aqueles que não declararam sem profissão. Vale ressaltar que no grupo

de pescadores(as) também estão inseridas algumas marisqueiras que em face aos

problemas de corte de benefícios e direitos das mesmas por parte do Ministério da

Pesca, se auto declaram pescadoras (GRÁFICO 10).

7 Durante a aplicação dos questionários o termo quilombo foi utilizado pelos participantes da pesquisa

como algum tipo de profissão. Buscando entender o que era o “trabalhar no quilombo”, observou-se que era trabalhar na roça, na lavoura. Assim, utilizamos o mesmo termo por eles utilizado, mas lembramos que quilombo não é profissão.

32%

39%

7%

10%

3%4% 4%

1%

Não Alfbetizado

Ensino F.I Icom.

Ensino F.I Comp.

Ensino F.II Incom.

Ensino F.II Comp.

Ensino M. Incom.

Ensino M. Comp.

Nível Sup. Comp.

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125

GRÁFICO 10 – PROFISSÕES DOS ESTREVISTADOS

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

A caracterização do perfil dos participantes da pesquisa faz-se necessário para

que haja uma melhor percepção, por a exemplo a nível de escolaridade, profissão

dos sujeitos que viviam na comunidade antes da barragem e que ainda hoje residem

lá.

5.2 Perfil socioeconômico do(a) entrevistado(a)

A definição do perfil socioeconômico dos entrevistados permitiu ter-se

conhecimento sobre as atividades econômicas desenvolvidas pelos quilombolas,

especialmente, concluir se foram atingidas pela construção da barragem e hidrelétrica,

tendo em vista que, nas conversas informais, durante as aplicações dos questionários,

obteve-se a informação que estas se concentravam na pesca e mariscagem.

As informações sobre renda média da população que participou da pesquisa

demonstram que 43% das famílias ganham até um salário mínimo, 33% tem

rendimento até meio salário mínimo, 25% não tem nenhum rendimento, e apenas 3%

apresenta rendimento entre um salário e meio e dois salários. Os dados indicam que

as famílias chefiadas por mulheres possuem os maiores salários, ou seja, variando

entre um e dois salários mínimos. Isso fica mais evidente ao analisar que dos 33%

50%

33%

17%

Pescador(a)

Marisqueira

Outros

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126

questionados com renda familiar de até um salário, 55% são de mulheres chefes de

família. Já no segmento onde a média salarial situa-se entre um e meio, e dois

salários, observa-se que 100% dos entrevistados são mulheres na mesma situação

descrita (GRÁFICO 11).

GRÁFICO 11 - RENDA MÉDIA MENSAL DOS ENTREVISTADOS

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

Ao buscar informações sobre as atividades que os entrevistados desenvolvem

na comunidade, do total das pessoas entrevistadas, 64% afirmou que ainda trabalha

com a pesca, 17% com mariscos e 19% desenvolvem outras atividades, como por

exemplo, agente de portaria, dona de casa, ou são aposentados(as). Os entrevistados

que desenvolvem outros tipos de atividades somente, ou fazem em conjunto com a

pesca, ou há pouco tempo - sete, oito, dez anos, segundo as informações dos

entrevistados. Os que mariscam ou pescam, os fazem, em sua maioria, há mais de

trinta anos, demonstrando significativa relação temporal e vínculos identitários com as

estas atividades econômicas e também com o rio (HAESBAERT, 1999). (GRÁFICO

12).

Com relação ao destino da produção - pesca e marisco - observa-se que 74%

dos questionados afirmaram consumir uma parte da produção e vender a outra na

feira livre de Cachoeira, 18% não comercializa o que pesca ou marisca, só consome,

21%

33%

43%

3%

Sem Renda

Até meio SM

Até um SM

Entre 1 e meio e 2 SM

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127

e 8% vende tudo o que pesca ou marisca, não consumindo nenhuma parte da

produção (GRÁFICO 13).

GRÁFICO 12 – ATIVIDADE ECONÔMICA QUE DESENVOLVE NA COMUNIDADE

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

GRÁFICO 13 - DESTINO DA PRODUÇÃO DOS ENTREVISTADOS

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

8%

18%

74%

0%

Sim. Comercializa

Não Comercializa

Comercializa parte daprodução

17%

64%

19%

Mariscagem

Pescaria

Outros

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128

Analisando as informações acerca do local de venda da produção de pescados

e mariscos, observa-se que 13% dos entrevistados não vende o que produz, 7%

comercializa o que pesca e marisca em outros locais, a exemplo da feira livre de

Cachoeira e Santo Amaro da Purificação, e 80% distribui os produtos na própria

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape para os atravessadores (GRÁFICO

14). A partir da leitura dos dados é possível constatar que além dos problemas

oriundos da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, ainda há os

relacionados à comercialização do pescado, devido à falta de infraestrutura e políticas

públicas de incentivo aos pequenos produtores, segundo informações obtidas em

conversas informais durante as visitas de campo.

GRÁFICO 14 – LOCAL DE VENDA DA PRODUÇÃO DOS ESNTREVISTADOS

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

Com base na realidade descrita pelos entrevistados, depreende-se que, de

modo geral, a renda média da comunidade é relativamente baixa, pois a principal

atividade econômica desenvolvida é a pesca e mariscagem, e comercialização da

produção oriunda dessa atividade, que em pouco contribui para o aumento da renda.

Isso justifica a saída da população, principalmente em idade de trabalho, para outros

municípios em busca de meios para sobrevivência.

80%

13%7%

Santiago do Iguape

Não vende

Vende em outros lugares

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129

5.3 Territorialidade e (des)territorialização em Santiago do Iguape

A busca de informações nesse momento da investigação teve como objetivo

explicar o processo de (des)territorialização na Comunidade quilombola de Santiago

do Iguape em decorrência da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do

Cavalo. Analisar os aspectos da territorialidade e (des)territorialização permitiu

explicar a complexa relação esxistente entre a construção da barragem e e hidrelétrica

e a territorialização na área estudada (HAESBAERT, 1997; 1999; 2011).

Tratando do tempo de moradia na Comunidade Quilombola de Santiago do

Iguape, parte do grupo que participou da pesquisa, ao ser questionado sobre há

quanto tempo mora em Santiago do Iguape, informou que vive na comunidade desde

o nascimento, apesar da saída da população em busca de trabalho, e, por não se

adaptaram ao ritmo de vida externo à comunidade retornam para a mesma. Os dados

mostram que 80% das pessoas que participaram da pesquisa moram em Santiago do

Iguape há mais de 40 anos. Entre os que residem no período entre 30 a 39 anos tem-

se 6%. O mesmo percentual é observado para os moram entre 20 a 29 anos, 7%

afirmaram residir a período entre 10 e 19 anos, e 1% há menos de 10 anos (GRÁFICO

15).

GRÁFICO 15 - TEMPO DE MORADIA DOS ENTREVISTADOS NA COMUNIDADE

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena

7% 6%6%

80%

1%

Entre 10 e 19 anos

Entre 20 e 29 anos

Entre 30 e 39 anos

Mais de 40 anos

Menos de 10 anos

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130

Observou-se durante a pesquisa de campo que há uma importante relação

entre o tempo de moradia na comunidade e o sentimento de pertencimento, porquanto

os laços materiais e imateriais encontram-se solidificados no espaço-tempo, onde a

memória produz historicidade. Percebeu-se que, quanto mais tempo de residência,

mais profunda é a relação com o território, implicando em consolidação da

territorialização. (HAESBAERT, 1999)

Quando questionados sobre por qual motivo escolheu Santiago do Iguape para

viver, os participantes da pesquisa informaram vários motivos responsáveis pela

permanência ali. As respostas foram agrupadas por semelhança, a partir daí criou-se

cinco categorias seguintes: identidade territorial, falta de oportunidade, tranquilidade

da comunidade, facilidade em garantir o sustento da família, e outros. Assim, tem-se

33% dos entrevistados atribuindo o fato de permanecerem morando em Santiago do

Iguape à tranquilidade existente ali e 25% afirmou que não tiveram oportunidade para

sair ir viver em outro lugar, enquanto 21% alegaram que a facilidade em conseguirem

sustentar suas famílias é o que os mantém morando na comunidade. De todos os

entrevistados, 17% permaneceram em Santiago do Iguape pelo sentimento de

pertencimento que confere a identidade territorial, que pode ser comprovado através

das seguintes respostas: escolhi morar em Santiago do Iguape “porque é minha terra,

é meu reduto. Minha mãe mora aqui, aí eu tinha que vim para cá” (ENTREVISTADO

1); ou ainda “porque não existe lugar melhor para viver” (ENTREVISTADO 2). Já 4%

apresentaram outras justificativas, tais como: “me envolvi com uma pessoa que

morava aqui em Santiago do Iguape” (ENTREVISTADO 3); “não tive oportunidade de

sair” (ENTREVISTADO 4).

Vale ressaltar que nas respostas dos entrevistados, há aqueles que moram em

Santiago do Iguape pela facilidade em conseguir alimentar sua família, como pode ser

observada nas seguintes respostas: “é o único lugar que a gente se sente. É um lugar

que não passa privação, se tem fome vai ao mangue” (ENTREVISTADA 5); “Não

existe lugar melhor para morar, aqui um ajuda o outro, mesmo com toda dificuldade,

toda vez que vou pescar trago alguma coisa” (ENTREVISTADO 6)

Durante a pesquisa pode-se constatar que o rio é principal fonte de alimento da

população (FOTO 17). Na Comunidade pesquisada observou-se que há uma prática

diretamente relacionada à solidariedade existente entre os moradores que não é muito

comum na sociedade capitalista, pois se uma família não conseguiu pescar o

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131

suficiente para se alimentar, aqueles que obtiveram êxito na pesca reparte o fruto do

labor diário entre os que não foram bem-sucedidos naquele dia. (GRÁFICO 16)

FOTO 17 – QUILOMBOLAS VOLTANDO DA MARÉ

Fotos: DIAS, Gleidson Sena. Trabalho de campo em novembro de 2016.

Quando questionados sobre: Em sua opinião há alguma relação entre a pesca,

mariscagem e a construção da Barragem de Pedra do Cavalo? 82% afirmaram que

há relação, listando vários problemas como, diminuição e extinção das espécies de

pescados e mariscos, que desapareceram no rio depois das construções, e que tal

fato afetou diretamente a vida dos pescadores e marisqueiras; apenas 1% respondeu

que não há relação, e 17% não souberam responder (GRÁFICO 17).

Durante o trabalho de campo notou-se que a população da comunidade tem

percepção sobre os danos causados pela barragem na vida comunidade. Ao

questioná-los sobre como analisam os impactos - positivos e negativos - da construção da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo na Comunidade Quilombola de Santiago do

Iguape o entrevistado B, representante da comunidade foi categórico em afirmar que foi

“catastrófico, bem caótico mesmo, ruim, porque os impactos pra gente aqui é só negativo.

Não tem impacto positivo nenhum”. Conclui-se que houve um processo de

(des)territorialização da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, em

decorrência das mudanças ocasionadas pela construção do empreendimento.

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132

GRÁFICO 16 – OPINIÃO DO ENTREVISTADO SOBRE ESCOLHER SANTIAGO DO IGUAPE PARA VIVER

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

GRÁFICO 17 - OPINIÃO DO ENTREVISTADO SOBRE RELAÇÃO ENTRE A PESCA, MARISCAGEM E A CONSTRUÇÃO DA

BARRAGEM DE PEDRA DO CAVALO

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

82%

1%17%

Sim, há relação

Não há relação

Não Sabe Responder

17%

25%

33%

21%

4% Identidade territorial

Falta de oportunidade

Tranquilidade da comunidade

Facilidade em garantir osustento da família

Outros

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133

Perguntou-se aos entrevistados se poderiam dizer se houve alguma mudança

na Comunidade após a construção na Barragem de Pedra do Cavalo, e para a maior

parte do grupo pesquisado, ou seja, cerca de 79% afirmou que a construção da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo modificou a dinâmica da comunidade,

principalmente no que diz respeito às questões econômicas, que foram impactadas

diretamente através da diminuição do volume de pescado e dos mariscos, mas para

6% não houve nenhum tipo de mudança, e 15% não soube responder (GRÁFICO

18).

GRÁFICO 18 - OPINIÃO DO ENTREVISTADO SOBRE AS MUDANÇA NA COMUNIDADE APÓS A CONSTRUÇÃO NA BARRAGEM DE PEDRA DO CAVALO

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

Os resultados obtidos durante o trabalho de campo permitem afirmar que o

Estado capitalista interfere diretamente na territorialidade da Comunidade Quilombola

de Santiago do Iguape, pois quando construiu-se a barragem e hidrelétrica

negligenciou os impactos do empreendimento na vida dos quilombolas. Raffestin

(1993) e Souza (2007) afirmam que território se estabelece a partir das relações de

poder, percebendo-se que, no espaço estudado, os interesses da sociedade não

79%

6%

15%

Sim, houve mudança

Não houve mudança

Não sabe responder

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134

foram considerados, no projeto de construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra

do Cavalo.

Ao ser interpelado sobre quais foram os impactos positivos e negativos para

as comunidades ribeirinhas de Cachoeira que sobrevivem da pesca e da mariscagem

o entrevistado A, representante da administração pública municipal afirmou que:

Olha, é... Os impactos, eu acho que a maior parte dos impactos são negativos. Apesar de eu não ter muito conhecimento nesta área especifica, né? Questões muito ligada a política ambiental, de pesca... Mas as informações que a gente tem é que de algum modo prejudicou. A questão da salinização da água, algumas questões aí quando a gente conversa com as pessoas, a gente tem conhecimento que prejudicou na pesca no marisco, por exemplo. É..., populações aqui que pescavam muito a pititinga... a gente tem o conhecimento que há uma dificuldade na pesca desse tipo de peixe. Então, eu acho que as comunidades aqui ribeirinhas, elas foram impactadas mais negativamente que positivamente com a construção da barragem. Eu não consigo perceber para essas comunidades o que foi de positivo com a construção da barragem.

Diante das afirmações do entrevistado, pode-se afirmar que, apesar do

representante do poder público municipal não dispor de informações precisas ou

conclusivas sobre a questão, reconhece que é inegável os danos causados pela

construção da barragem à Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, e durante

a pesquisa pode-se perceber que não houve, por parte do Estado, a efetivação de

alguma medida mitigadora dos efeitos negativos dos impactos causados no espaço

estudado.

Perguntou-se aos entrevistados sobre qual é a opinião dos mesmos sobre em

que a Barragem de Pedra do Cavalo contribuiu para a Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape, e 65% das pessoas afirmou não haver nenhuma contribuição, só

prejuízos, mas 14% acham que houve sim algum tipo de contribuição. E essa

afirmação decorre da construção da Praça da Matriz, na comunidade. No entanto, há

divergências, pois não se sabe quem foi o responsável pela obra, já que na placa de

inauguração da praça está escrito que a construção foi com os recursos próprios da

Prefeitura Municipal de Cachoeira. O percentual de pessoas que não soube responder

se houve, ou não contribuição corresponde a 18% e 3% dos entrevistados disseram

que contribuiu muito (GRÁFICO 19).

Observa-se nas respostas dos entrevistados, que a Barragem de Pedra do

Cavalo imprimiu impactos positivos na sede do município de Cachoeira, Salvador e

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135

Região Metropolitana, e em Feira de Santana, ratificando o entendimento que a

construção do barramento visava atender ao interesse do capital, produzindo

(des)territorialização e (re)territorialização.

Para confirmar as impressões sobre a questão, buscou-se entrevistar o

Secretário Municipal – secretário entrevistado B. Ao ser questionado sobre o

significado da Barragem de Pedra do Cavalo para o município de Cachoeira,

respondeu que a construção.

GRÁFICO 19 - CONTRIBUIÇÃO DA BARRAGEM E HIDRELÉTRICA

DE PEDRA DO CAVALO PARA A COMUNIDADE

Fonte: Pesquisa de Campo, novembro de 2016. Elaboração DIAS, Gleidson Sena

É importante, pois, a principal finalidade da Barragem de Pedra do Cavalo era, é, para conter as cheias do rio Paraguaçu, pois quando chegava nesse período de chuva muito forte nos sertões da Bahia, que é exatamente entre o período de outubro até início do mês de março, normalmente as cidades de Cachoeira e São Felix, a região ribeirinha sofria com isso. Isso foi aquilo que foi mais falado, mas na verdade quando a gente percebe a grande finalidade... Eles já tinham uma ideia, já sabia que num futuro próximo a Região Metropolitana e a capital do Estado teriam sérias dificuldades com o abastecimento de água. Com a expansão demográfica, o aumento da população, então tudo isso iria gerar um sério problema de abastecimento, então na verdade isso hoje fica claro que a principal finalidade da Barragem de

14%

65%

18%

3%

Contribui pouco

Não contribui

Não sabe Responder

Contribuiu muito

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136

Pedra do Cavalo foi o abastecimento de água de Salvador e Região Metropolitana e também a cidade de Feira de Santana

É evidente a sobreposição de interesses entre o Estado - que buscava

materializar no espaço o poder -, a população da sede do município de Cachoeira que

era afetada pelas periódicas cheias do rio, e a Comunidade Quilombola de Santiago

do Iguape, que tem as bases de sua territorialidade diretamente desestruturada.

Conclui-se que, o empreendimento do Estado interfere diretamente na vida dos

quilombolas da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape,

(des)territorializando-os, e que não houve elaboração de projetos que mitigassem os

efeitos causados pelo barramento.

Em conversas informais durante as aplicações dos questionários, observou-se

que antes da construção da barragem e hidrelétrica já havia registros de

deslocamento de pessoas para outros municípios, por exemplo para Salvador, em

busca de melhores condições de vida, no entanto, a ligação afetiva com o lugar de

nascimento, o território, e toda a rede de representatividade existente naquele espaço

fazia com que os sujeitos retornem após um período de tempo vivendo em outros

lugares. (HAESBAERT, 1999; 2011)

Entretanto, com o término das obras da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do

Cavalo em 1985, e o início do funcionamento da Hidrelétrica em 2005, houve

interferências na vida da comunidade: primeiro porque a Barragem modifica todo

ambiente nas proximidades rio Paraguaçu que situa-se à jusante, interferindo em

processos reprodutivos e migratórios da ictiofauna, devido a inundação das áreas

agricultáveis, que consequentemente altera a fauna aquática e terrestres da bacia

hidrográfica, provocando perdas da biodiversidade, inclusive extinção de espécies,

importantes da cadeia alimentar dos ecossistemas. Segundo, com o funcionamento

das turbinas da Hidroelétrica, o fluxo de água doce no rio é reduzido drasticamente,

contribuindo de forma efetiva para modificar a vida da comunidade sob o ponto de

vista socioeconômico e socioambiental, pois a força motriz da economia local tem a

pesca e mariscagem como atividade principal, e segundo relatos em conversas

informais com os pescadores e marisqueiras mais antigos da comunidade, no

passado, do rio tirava-se canoas cheias de pescados e mariscos, demonstrando a

fartura do Paraguaçu para a população.

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137

O rio é para a comunidade eminentemente um elemento territorializador, a

escassez da pesca e de mariscos fragiliza a territorialidade, facilitando e promovendo

a (des)territorialização (HAESBAERT, 1997; 1999; 2007; 2011; 2016; FERNANDES,

2008).

Durante as entrevistas e aplicação de questionários, os entrevistados

afirmaram ainda que, atualmente, ao retornar da maré, as embarcações trazem

quantidades pequenas de pescados, e a mariscagem também apresenta acentuada

queda (FOTO 18). Sobre esta questão o entrevistado 44 afirmou que “hoje você vai,

panha alguma coisa, amanhã vai não panha nada, e estamos assim”.

FOTO 18 – REGISTROS DO LABOR DIÁRIO DOS QUILOMBOLAS

Fotos: DIAS, Gleidson Sena. Trabalho de campo em novembro de 2016.

Segundo os pescadores quilombolas, ainda há o aumento do número de redes

de pesca no rio, colocadas por pescadores de outras comunidades localizadas às

margens do rio, refletindo diretamente na quantidade de peixes e mariscos que são

pescados.

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138

Quando questionados a respeito da importância do rio Paraguaçu para a

Comunidade, antes da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo,

90% dos entrevistados afirmaram que o rio sempre foi muito importante pois era dele

que retiravam o sustento dos familiares e 10% não soube responder, ou não quiseram

opinar. Para a comunidade o rio é um elemento territorializador, pois fornece

condições básicas para a sobrevivência da população, além de auxiliar na produção

da identidade (HAESBAERT, 1999; 2011; FERNANDES, 2008).

Quando perguntados sobre a importância do rio após a construção da

Barragem, 90% das pessoas entrevistadas disseram que tudo mudou, o entrevistado

15 é categórico ao afirmar que muitos pescadores têm dificuldades até para conseguir

o sustento da família, “tudo parado, a pesca é pouca, muita gente vai e não pega nem

o sustento”. Já o entrevistado 35 afirma que “falido, o rio tá falido”.

No quadro 4, foram transcritas 10 respostas às questões 20 e 21 do

questionário aplicado com os integrantes da comunidade. Ao serem perguntados se

poderia dizer qual a importância do rio Paraguaçu antes da Barragem de Pedra do Cavalo; e

depois da Construção da Barragem? As respostas oferecem condições para a discussão

de identidade territorial, pois reflete sentimento de pertencimento, que segundo

Castells (2008), resulta do processo de construção de símbolos, que no que se refere

à Comunidade quilombola de Santiago do Iguape se materializa também no rio.

Analisando as respostas dos entrevistados é possível observar a produção da

identidade territorial porquanto a relação estabelecida com o rio antes da Barragem e

Hidrelétrica de Pedra do Cavalo tem alicerce tanto econômico, quanto simbólico, como

responde o entrevistado 25 “o rio é tudo para a comunidade”. Ao questionar o

entrevistado B se poderia nos informar sobre relação da Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape com o rio Paraguaçu, o mesmo respondeu que a relação é

Ótima. É como ser um pai, uma mãe. Quem me criou, criou meu pai, meus avós foi essa perna de rio. E era o único meio de transporte que tínhamos aqui há muitos tempos atrás. Mesmo o poder de alguns vem destruindo o nosso rio, é daí que nós tiramos ainda o nosso sustento.

Tal relato demonstra que, para os quilombolas da Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape o rio Paraguaçu não é apenas um elemento natural da paisagem,

porquanto há ligações profundas, de territorialidade, de enraizamento, de fixação da

população ao território (HAESBAERT, 1999; 2011).

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139

QUADRO 4 – SÍNTESE DAS RESPOSTAS DOS ENTREVISTADOS SOBRE A IMPORTÂNCIA DO RIO PARAGUAÇU ANTES E DEPOIS DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE PEDRA DO CAVALO

ENTREVIS TADO

IMPORTÂNCIA DO PARAGUAÇU ANTES DA BARRAGEM E HIDRELÉTRICA DE PEDRA DO CAVALO

IMPORTÂNCIA DO PARAGUAÇU DEPOIS DA BARRAGEM E HIDRELÉTRICA DE PEDRA DO CAVALO

1 Aqui era bom, era um lugar mais fundo, muito peixe grande andava aqui, até baleia mataram aí no rio. Nesse tempo entrava peixe grande atrás dos peixes miúdos.

O que eu já vi de pescaria, eu não tô vendo mais.

4 Ótimo, onde você colocava a rede pegava camarão.

Tá cada dia pior.

5 O rio é o sustento. O rio é tudo, sem o rio o Iguape é um Sertão.

Piorou! Trouxe doenças.

7 Era o mesmo que ganhar na loteria. Tinha fartura

Sempre passa dificuldades.

9 Tudo era com mais tranquilidade, existia muitos mariscos. Sempre nós vínhamos com uma quantidade ótima de mariscos e pescados.

Tudo ficou muito escasso. Os mariscos foram reduzidos.

10 Era importante para o transporte e pesca

Cada dia pior.

18 Muito bom, você ia na maré trazia sururu.

Muito difícil, não volta sem nada, mas não é como antes.

30 Era importante tinha muito camarão, peixes, siri e caranguejo, tudo acabou.

Tudo acabou, nunca mais vi fartura no porto.

33 Uma fonte de renda para a nossa comunidade.

Piorou a situação de todos nós da comunidade.

55 Era muito importante, a gente ia para maré de manhã, e de tarde trazia fartura para a comunidade.

Tudo parado, a pesca é pouca, muita gente vai e não pega nem o sustento.

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

A construção da Barragem fragiliza, e promove a quebra da territorialidade,

(des)territorializando os sujeitos que ali viviam, deixando a comunidade alijada do

território, ou seja, alijada do rio. O processo descrito remete as observações de

Bonnemaison e Cambrezy (1996, p. 13-14, apud HAESBAERT, 1999, p. 185), quando

afirmam que “o território é a riqueza dos pobres’, especialmente para os segmentos

mais excluídos. Para eles, ‘perder seu território é desaparecer’”.

A barragem e hidrelétrica promoveu interferências direta na territorialidade da

comunidade, sob o ponto de vista material e imaterial, forçando-os a empreender uma

nova forma de (re)territorialidade, na busca pela manutenção da subsistência

econômica e simbólica, pois a relação da comunidade com o rio também é uma

relação territorial que implica em pertencimento. Pode inferir que, a construção da

Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo consolidou à comunidade um alijamento

da terra (HAESBAERT, 1997; 1999; 2007; 2011; 2016).

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140

Ao inquerir o entrevistado B se poderia explicar o significado da Barragem e

Hidrelétrica de Pedra do Cavalo para a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape ele

relatou que

Depois da Barragem a gente vem sofrendo muito na pesca com a redução do marisco, com a redução do pescado. Apareceu coceira na lama aí, e ninguém sabe. Já foram feitas várias pesquisas e ninguém sabe dizer quem é o culpado; a gente atrela à Barragem de Pedra do Cavalo. A barragem de Pedra do Cavalo em sí, se foi bom... Só mesmo lá para o centro de Cachoeira, porque parou mais as enchentes, e para o pessoal do grupo Votorantim; é quem tá ganhando dinheiro até hoje e tá há mais de cinco anos operando sem licença.

Observa-se que para a comunidade a enchente não tem significado negativo.

Pois, nesse período havia o aumento significativo da quantidade de peixes e mariscos.

Quando as águas do rio baixavam formava-se o ambiente perfeito para reprodução

das espécies, bem como crescia a oferta de alimentos para as espécies, fosse aqueles

produzidos com o processo de decomposição das algas que eram levadas pela

enchente, ou pelo aumento do contingente que serviam de sustento para espécies de

peixes de maior porte.

A ação do Estado capitalista é responsável pelas mudanças territoriais, e

consequentemente (des)territorialização que ocorre na Comunidade Quilombola de

Santiago do Iguape. Quanto ao poder público municipal, pode-se constatar que não

busca atender as demandas e interesses sociais dos quilombolas. A esse respeito, ao

ser questionado sobre quais as ações dos poderes públicos realizadas nessas

comunidades, e hidrelétrica, o entrevistado A, representante do poder público

municipal respondeu que:

(...) nós executamos programas aqui, que de algum modo beneficiam a comunidade ali de Santiago do Iguape. Nós temos implantado naquela região o CRAS Quilombola, Centro de Referência da Assistência Socia, que desenvolve ações com a população, principalmente com a população que vive da pesca, e do marisco. De forma ainda mais notável a gente tem a presença das mulheres, no grupo de mulheres, que são acompanhadas pela nossa equipe de psicóloga, assistente social. Por parte da Secretaria de Saúde, têm os postos de saúde que funcionam lá, tem o NASF - Núcleo de Apoio a Família - que também tem desenvolvido um trabalho em parceria com CRAS com as mulheres marisqueiras. Nós também desenvolvemos lá um trabalho a respeito da conscientização do trabalho infantil das crianças que acompanham seus país na pesca e também na mariscagem. Nós temos lá a presença constante da nossa equipe,

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conscientizando. Evidente que o trabalho infantil naquela comunidade é diferenciado, é um trabalho mais ligado as tradições, a cultura do local, nós temos a sensibilidade para isso, mas são desenvolvidas ações nesse sentido. Nós também desenvolvemos naquela região oficinas de inclusão produtivas, com cursos, com capacitações para aquela população lá.

As ações que são desenvolvidas na comunidade pelo poder público municipal

não podem ser desconsideradas, mas em face dos danos causados pela obra na

dinâmica socioterritorial de Santiago do Iguape, há que se considerar que é preciso

projetos e políticas públicas mais efetivas, direcionadas a mitigar os impactos do

empreendimento na atividade pesqueira.

Por entender que o diálogo entre Estado e os afetados pelo barramento e seus

impactos era/é de fundamental importância para que a população tomasse

conhecimento acerca do projeto, questionamos aos representantes do poder público

municipal se houve algum processo de audiência pública antes da construção da

Barragem. O representante A, não soube responder, pois na época da construção ele

tinha apenas um ano de idade. Já o representante B afirmou houve audiência pública,

mas o diálogo com a população foi pouco perante a magnitude dos danos que seriam

causados pela barragem.

Quando perguntou-se ao entrevistado B, representante da comunidade, se

Houve algum dialogo dos poderes públicos com a comunidade quilombola antes da

construção da Barragem de Pedra do Cavalo, o mesmo relatou que “depois da

barragem pronta, pra ele nos iludir, teve até ônibus aqui para mostrar que ia ter danos

nenhum, que não ia causar poluição nenhuma”. Ou seja, houve omissão de

informações a respeito dos danos que o barramento causaria para aqueles afetados

direta ou indiretamente por ele.

No Brasil há uma organização que tem por objetivo auxiliar e organizar as

populações atingidas por barragens, no sentido de buscar a garantia dos direitos

sociais, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), é um movimento popular

que surgiu na década de 1970. Durante a pesquisa foi possível avaliar que não houve

nenhuma movimentação no sentido de orientar as comunidades ribeirinhas de

Cachoeira, mas em entrevista com o representante do MAB, o mesmo informou sobre

o interesse em reverter a situação, pois segundo ele

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142

O MAB passa agora por um período de estruturação e Estadualização aqui no Estado. O que o MAB teve nesse período foi um acompanhamento distante de Pedra do Cavalo, através do GEOGRAFAR que um grupo de pesquisa da UFBA, então a gente ali com a equipe, a gente dialogava muito, discutia muito como é que o MAB subsidiava nos debates com inclusive materiais que já tinha publicado, as conquistas que o MAB já tinha historicamente acumulado, a gente conseguiu socializar esses materiais, esse debate com o GEOGRAFAR que conseguiu levar para as comunidades atingidas de Pedra do cavalo. Esse foi um pouco do mais próximo que nós conseguimos fazer até então. Agora a partir desse ano (2016), e daí para frente o nosso desejo é tentar se aproximar mais, ver como a gente pode contribuir mais para essas comunidades.

Nota-se que a população da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape

não contou com nenhum auxilio de organizações sociais na busca pela defesa dos

seus direitos.

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143

6 ETNOMAPEAMENTO DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE

SANTIAGO DO IGUAPE: ROTEIROS, REGISTROS E RELATOS

A rebeldia que nos alimenta

Vem talvez do fel Derramado pela serpente adâmica

Vem talvez da morte De heróis que não se sabiam

Vem talvez da dor De crianças desnascidas

Vem talvez de nós E dessa vontade incontrolável

De ser. (Carine Araujo)

O capítulo expõe as atividades desenvolvidas nas oficinas de etnomapeamento

com os quilombolas da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape os registros

fotográficos, e relatos dos sujeitos acerca dos temas desenvolvidos. Vale ressaltar

que os participantes não foram identificados, assim, as suas falas no corpo do texto

seguirão uma numeração precedida do termo pescador, tendo em vista a atividade

realizada e que lhes confere identidade.

As oficinas de etnomapeamento foram realizadas com a Associação de

Quilombolas de Santiago do Iguape, fundada em 2006, contando com 348

associados. A escolha por fazer as oficinas com os quilombolas se deu pelo fato

destes conhecerem, com riqueza de detalhes, o passado e o presente da comunidade,

podendo assim contribuir de forma efetiva com a pesquisa.

À comunidade será entregue uma cópia do texto, dois etnomapas criados por

eles sem a interferência de software, impressos no tamanho A0, os três etnomapas

que foram gerados a partir das atividades cartográficas realizadas nas oficinas, e

geoprocessados com a ajuda de software, também impressos no tamanho A0.

6.1 Primeira oficina: o que éramos

Antes da realização da oficina elaborou-se um quadro com os objetivos

propostos, materiais que seriam utilizados, público alvo, e os participantes das

oficinas, incluindo a equipe de apoio (QUADRO 5).

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144

QUADRO 5 - PLANEJAMENTO DA OFICINA 1

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

OBJETIVOS PROPOSTOS PÚBLICO ALVO PARTICIPANTES MATERIAIS OBJETIVOS ALCANÇADOS

AP

RE

SE

NT

ÃO

Ofi

cin

a 0

1 –

Qu

em

éra

mo

s

Apresentar a pesquisa e objetivos à Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape

Convidar a população da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape para participar da pesquisa Formação dos grupos Para a realização das oficinas Representar a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape a partir da memória da população, por meio construção de mapas mentais

População da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape

Os integrantes da Associação Quilombola Equipe de apoio Gleidson (mediador) José Carlos Franciele Luciana

Datashow, computador, lista de presença máquina fotográfica, gravador, papel metro branco, lápis, lápis de cor, hidrocor.

Todos os objetivos propostos

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145

A primeira oficina realizada às 14h30h (quatorze horas e trinta minutos) do dia

01 de novembro de 2016 na sede do Centro de Referência da Assistência Social -

Quilombola (CRAS- Quilombola) em Santiago do Iguape. Contou-se com a presença

de três mediadores sendo dois licenciados em Geografia e um licenciado em

Educação Física, além do pesquisador, que ficaram responsáveis por registrar o

encontro através de fotos, vídeos e gravação de áudio.

Primeiro fez-se uma reunião, com o intuito de explicar aos participantes o

objetivo da pesquisa. Após apresentar projeto de pesquisa para a comunidade e

convidar a população para ajudar no desenvolvimento do mesmo, explicou-se como

seriam desenvolvidas as atividades. Nessa oficina, após a apresentação da equipe de

trabalho e o projeto, utilizou-se fotos antigas de Cachoeira e da Comunidade

projetadas através de data show para que os participantes fizessem uma viagem até

o seu passado do município e da comunidade. Enquanto as fotos eram reproduzidas,

ouvíamos as histórias sobre a população, a pesca e as enchentes.

Além disso, fez-se alguns questionamentos acerca da percepção deles sobre

a construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo para a comunidade, a

saber: O que foi bom? O que foi ruim? Como a comunidade se adaptou a essa nova

realidade? Depois dos questionamentos os participantes expressaram os sentimentos

tornando possível o registro das respostas às questões levantadas

As respostas demonstram que para a comunidade as enchentes não eram tão

ruins assim, pois segundo o Pescador 01,

Antes da barragem, aqui eu lembro, que a fartura de marisco aqui era muito grande. Tinha a langudinha que desapareceu depois da barragem, um peixizinho muito bom. A fartura de peixe era grande mesmo, camarão, depois da barragem para cá só vem diminuindo, diminuindo, agora apareceu uma coceira na lama que ninguém sabe dizer quem é o culpado, se é a hidrelétrica, se é Mastrotto, até agora não tem, se faz pesquisa e tudo e não dá uma resposta à comunidade.

O Pescador 02 faz uma visita à sua memória, relembrando com riquezas de

detalhes, de fatos e momentos importantes da Comunidade, reconstruindo as

condições econômicas e as relações que permeavam o território àquela época,

fazendo um paralelo com atual realidade da Comunidade Quilombola de Santiago do

Iguape e do rio Paraguaçu.

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146

Antigamente aqui o Iguape era uma maravilha, do tempo do meu avô, entendeu? Do tempo do meu pai, chegava ali botava lance, vinha canoa e mais canoa de peixe, camarão, a gente tinha muito de fartura. Mas agora pra gente trazer um baldinho de marisco, a gente intontea dentro do mangue, e é capaz de cair para trazer um baldinho de coisa pra dá comida a nossos fio. Antigamente aqui tinha muita fartura, tinha água, essa barragem não era tapada. Mas hoje essa barragem é tapada, uma vez ou outra assim quando eles abrem lá, que chove demais aí é que vem aqueles dois peixinhozinho, quando os pescadores começa a se alegrar, daqui uns dias começar a ficar murcho de novo, de cansado, de fadado de ir buscar o que não tem, entendeu?

As falas dos quilombolas demarcam o lugar de uma comunidade que foi

profundamente atingida pela construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do

Cavalo. As bases territoriais da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape,

assenta-se, principalmente, sobre o rio Paraguaçu, pois a vida da população está

territorialmente ligada à pesca e mariscagem, fato que é comprovado através das

narrativas dos sujeitos mais velhos da comunidade durante conversas informais, e no

decurso das oficinas de etnomapeamento (HAESBAERT, 1997; 1999; 2007; 2011).

Propôs-se que juntamente com as memórias trazidas pelas imagens, os

participantes relembrassem fatos mais antigos que representassem algum significado

para eles e tivesse acontecido na comunidade. Assim foi possível retomar elementos

materiais e imateriais sobre de Santiago do Iguape e realizar a elaboração de mapas

mentais.

Dividiu-se o grupo em quatro equipes com cinco e seis pessoas, em seguida

distribuiu-se cartolina branca, lápis de cor, hidrocor e lápis de cera, e pediu-se para

que duas equipes representassem o rio antes da construção da barragem e

hidrelétrica, e dois grupos representassem a comunidade no mesmo período.

Cada grupo retratou um tema. Quando terminaram os desenhos foram

apresentados e explicados pelos componentes das equipes. As falas, transcritas logo

após cada exposição, podem ser associadas aos processos de identidade territorial,

territorialidade, (des)territorialização, na visão de Haesbaert (1997; 2007; 2011; 2016).

Com croqui da área urbana da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape feito

pelos integrantes do grupo 01, expressos na figura 6 é possível comparar as

mudanças territoriais ocorridas no lócus da pesquisa antes e depois da construção da

barragem. Nota que, segundo os quilombolas, houve uma expansão da área urbana

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147

da comunidade com a abertura de ruas. Segundo os relatos do representante do grupo

01.

Santiago do Iguape antes da Barragem de Pedra do Cavalo... aí esse mapa aqui tá mostrando as ruas que existiam, Rua São Felix, a Rua de Cima, as duas ruas principais na época, aí vem as outras transversais, que é a Roque Sales, tem a Quebra Cabeça, Beco de Rute (...) aí vem aqui agora a Avenida Gonçalo, tem aqui agora a Rua Chile, Quebra cabeça eu já falei, aí vem o Areal, em cima o Monte Alegre, a Praça da Matriz, só existiam essas ruas aí na época da Barragem de Pedra do Cavalo, que destruiu muito nosso lazer, nossa fauna marinha.

FIGURA 6 – OFICINA 1: APRESENTAÇÃO DOS DESENHOS GRUPO 1

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

Durante a apresentação do grupo 02, a representante relata: “eu desenhei a

minha casa lá no quilombo, e aqui é Dalva pescando. Aqui é outra casinha. Aqui é a

Barragem. Aqui é ainda tirando ostra” (FIGURA 7). Na fala, é retratada o dia-a-dia dos

pescadores e marisqueiras. Ao se referir à “Dalva pescando”, e a barragem, a

representante do grupo ratifica, que de fato o barramento impôs mudanças na vida da

população quilombola de Santiago do Iguape.

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148

O desenho, além de representar a ligação dos indivíduos da comunidade com

o território - quilombo, área de pesca, local de vivencia - demonstra, através do relato

escrito no mesmo, o entendimento do grupo acerca do processo de enfraquecimento

das bases territoriais imposto à comunidade pela construção da Barragem, pois o rio

é caracterizado, a partir dos relatos, como um dos elementos territorializadores da

população na comunidade. (HAESBAERT, 1999; 2011).

FIGURA 7 – OFICINA 1: APRESENTAÇÃO DOS DESENHOS GRUPO 2

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

Na apresentação do desenho elaborado pelo grupo 03, o representante explica

como era a pesca antes da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo

e como é hoje, afirmando que:

No desenho a gente ver a pesca como era antes e como é agora. Antigamente tinha muita fartura, e hoje nenhuma fartura, malmente o

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149

sustento do dia a dia. Antigamente a canoa vinha cheia de peixe e agora a canoa vem pura, vazia, só mesmo com as redes e os pescadores.

Observa-se que no desenho - elaborado pelos integrantes do Grupo 03,

exposto na figura 8 -, há uma lista de peixes que faziam parte da fauna do rio

Paraguaçu antes da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, e

que hoje não se existe mais.

FIGURA 8– OFICINA 1: APRESENTAÇÃO DOS DESENHOS GRUPO 3

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

Nota-se no desenho que o grupo 03 elaborou, há a representação e lembranças

do passado como sendo farto, com abundância de pescados e mariscos, quando a

população da comunidade não tinha dificuldades para se alimentar.

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150

O grupo 04 apresentou um desenho que também fazia um paralelo entre o

passado e presente dos pescados na comunidade (FIGURA 9). O representante do

grupo expôs que:

Antes, só fartura, tinha langudinha, camarão mouro, serrinha, xaréu, depois da barragem esses peixes sumiu, xaréu, papa terra ainda dá, só langudinha, rubalo, serrinha, chicharro, pititinga, merete, xangó, sardinha... Tínhamos tudo isso, hoje nada. Antes tinha ostra sururu, hoje é sururu morrendo.

FIGURA 9 – OFICINA 1: APRESENTAÇÃO DOS DESENHOS GRUPO 4

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

Ao observar todos relatos, e desenhos elaborados pelos grupos, nota-se que

em cada representação a identidade territorial é latente e com a identificação da

influência direta da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo.

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151

6.2 Segunda Oficina: quem somos

A primeira oficina serviu de parâmetro para a elaboração do planejamento para

a segunda oficina, tendo em vista que o etnomapeamento é pensado por e a partir

dos conhecimentos da comunidade acerca do território, então, o planejamento das

oficinas necessita atender aos interesses e necessidades da população envolvida no

processo (QUADRO 6).

A segunda oficina, realizada às 14 horas (quatorze horas) do dia 12 de

novembro de 2016, iniciando-se com a explicação dos elementos do mapa: escala,

legenda e título. Logo após, questionou-se sobre o sentimento de identificação e

pertencimento que eles tinham e ainda têm com o lugar onde moram. As respostas à

esta questão foram discutidas de forma mais aprofundada no capítulo 6.

Esta oficina contou com a presença de dois mediadores, além do pesquisador.

Apresentou-se aos participantes da oficina duas imagens de satélite da Google,

Georreferenciada pelo pesquisador, a partir das quais propôs-se identificar

informações do passado e presente referentes à pesca no rio Paraguaçu e indicassem

a comunidade como ela se apresenta hoje.

Partindo para a parte prática, propôs-se a organização de três grupos, onde

cada um ficou responsável por desenvolver uma atividade. Uma equipe elaboraria o

etnomapa da comunidade, especializando pontos de referências, a exemplo da Igreja

Católica, posto policial, mercadinhos, escolas e etc.; outra equipe com o etnomapa

detalhando elementos do passado e presente das espécies de peixes pescadas; e o

terceiro grupo trabalhou na elaboração do quadro de problemas existentes na

comunidade hoje, apontando também as possíveis soluções.

Os grupos responsáveis pelos etnosmapas receberam as imagens de satélite

impressa no formato A0, além de lápis de cor e de escrever, hidrocor e papel vegetal

para que pudessem confeccionar o desenhar (FOTO 19 e 20). A equipe com a

incumbência da elaboração do quadro de problemas e soluções recebeu lápis, piloto,

hidrocor, e papel branco para que pudessem fazer o quadro (FOTO 21). Observou-se

que os participantes empenharam-se ao máximo para fazer os etnomapas, e ao final

da tarde e da oficina era latente a satisfação e alegria no semblante de cada um deles

(FOTO 22).

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152

QUADRO 6 - PLANEJAMENTO DA OFICINA 2

OBJETIVOS PROPOSTOS PÚBLICO ALVO PARTICIPANTES MATERIAIS OBJETIVOS ALCANÇADOS

Qu

em

So

mo

s?

Ofi

cin

a 0

2–

Qu

em

so

mo

s?

Refletir sobre a forma como a população percebe a comunidade atualmente Construir etnomapas da comunidade, e quadro de problemas e soluções.

Grupo da oficina

Os integrantes da Associação Quilombola Equipe de apoio Gleidson (mediador) José Carlos Franciele

Datashow, papel metro, papel oficio, lápis, hidrocor, pincel atômico, lápis de cera, lápis de cor, máquina fotográfica, gravador, computador, lista de presença.

Todos os objetivos propostos

Elaboração DIAS, Gleidson Sena.

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153

FOTO 19 – SEGUNDA OFICINA: MOMENTO 1

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

FOTO 20 –SEGUNDA OFICINA: MOMENTO 2

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

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154

FOTO 21 –SEGUNDA OFICINA: MOMENTO 3

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

FOTO 22 – SEGUNDA OFICINA: MOMENTO 4

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

As oficinas de etnomapeamento proporciona a interação e troca de conhecimento

entre a comunidade e a equipe que ministra as oficinas, direcionando o entendimento

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155

e aprofundando o entendimento do pesquisador acerca dos processos territoriais

imposto à comunidade pela construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do

Cavalo.

6.3 Terceira Oficina: grafando o território

A terceira oficina, aconteceu no dia 30 de novembro de 2016 e teve início às

14h30h (quatorze horas e trinta minutos), com a presença de dois mediadores, além

do pesquisador. Os mediadores ficaram responsáveis em registrar a oficina através

de fotos e gravação de áudios, e orientar os participantes no processo de construção

dos etnomapas. O planejamento desta oficina exposto no quadro 7, baseou-se nas

experiências e resultados obtidos durante a primeira e segunda oficina.

Foi retomado os trabalhos com os dois mapas (o da pesca antes e depois da

barragem, e o hoje da comunidade de Santiago do Iguape). O grupo foi dividido em

duas equipes, cada uma ficou com um etnomapa (FOTO 23). Enquanto desenhavam

os participantes mostravam domínio e conhecimento ao localizar cada ponto, fosse

na água ou em terra, a exemplo das praias com seus respectivos nomes, e afluentes

de rios, pois fazem parte do dia-a-dia deles.

FOTO 23 – TERCEIRA OFICINA: MOMENTO 1

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

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156

QUADRO 7 - PLANEJAMENTO DA OFICINA 3

OBJETIVOS PROPOSTOS PÚBLICO ALVO PARTICIPANTES MATERIAIS OBJETIVOS ALCANÇADOS

Qu

em

se

rem

os

Ofi

cin

a 0

3 -

gra

fan

do

o t

err

itó

rio

Elaboração dos etnomapas.

Grupo da oficina

Os integrantes da Associação Quilombola Equipe de apoio Gleidson (mediador) Adson Luciana

Papel metro, hidrocor, lápis, papel oficio, pincel atômico, lápis de cera, lápis de cor, máquina fotográfica, gravador, computador, lista de presença.

Todos os objetivos propostos

Elaboração DIAS, Gleidson Sena

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157

Os etnomapas foram ganhando cor e mais forma, as legendas sendo criadas e

a identificação e envolvimento de cada participante no processo de elaboração dos

etnomapas foram os pontos altos da oficina (FOTO 24 e 25). Um outro grupo foi criado

para dar continuidade ao quadro de problemas e soluções.

FOTO 24 - TERCEIRA OFICINA: MOMENTO 2

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

No quadro 5, estão indicados os problemas e soluções descritos pelos

participantes da oficina. Tais problemas estão ligados diretamente a organização e

planejamento territorial na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape.

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158

FOTO 25 - TERCEIRA OFICINA: MOMENTO 3

Foto: DIAS, Gleidson Sena.

QUADRO 8– RESPOSTAS DOS QUILOMBOLAS SOBRE OS PROBLEMAS, CONFLITOS

E SOLUÇÕES

PROBLEMAS E CONFLITOS SOLUÇÕES

1.O esgoto que está indo para o mar

1. Que a EMBASA retire o esgoto de dentro do mar

2. A lama do mangue coçando 2. Foi depois da barragem que começou a jogar substâncias no mar. Que pare de jogar.

3. O Estaleiro modificou a dinâmica da pesca 3. Não tem solução nenhuma

4. A Fábrica de Couro 4. Nada8

5. O seguro desemprego 5. Até hoje o povo não teve nenhuma solução e ninguém recebeu nada

6. O desaparecimento dos peixes 6. Nenhuma Solução

7. A saúde 7. Mais médicos e remédios para a nossa saúde.

8. Quilombo 8. Recurso para o Quilombo

9. Fardamentos 9. As marisqueiras e pescadores tenham fardamento para pesca.

10. Segurança 10. Mais polícia para a nossa comunidade

11. Banco 11. Instalar uma agencia para a nossa comunidade

12. Farmácia 12. Instalar uma farmácia no distrito

13. Fórum 13. A volta do Fórum

14. Casa Lotérica 14. Instalação de uma Lotérica para pagar nossas contas

15. Trabalho 15. Uma Fábrica para a nossa comunidade

16. Uma oficina 16. Para ocupar a mente dos jovens

17. Uma marcenaria 17. Para os jovens aprenderem a profissão

8 População não consegue visualizar nenhuma solução para o problema da Fábrica de Couro, que

segundo eles, poluí o Rio Paraguaçu com resíduos químicos.

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No término da oficina os participantes ficaram muito felizes ao ver o resultado

do trabalho desenvolvido por eles. Agradeceram pela iniciativa, e se mostram

ansiosos para verem os mapas terminados.

6.4 Territorialidade da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape:

demarcação através da Cartografia Social

As oficinas realizadas na comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, no

município de Cachoeira-Ba, proporcionaram a elaboração de um relatório, e uma

cartografia social que conta com informações oriundas, principalmente, memória e

história oral da Comunidade. A partir da tradição oral, obtidos nas oficinas e

registrados através de áudios e vídeos e dos etnomapas construídos pela

comunidade, representando a história dos pescados e a forma como a população

percebe o território e o lugar, foi possível elaborar etnomapas 3, 4 e 5 com o auxílio

das ferramentas de geoprocessamento.

Com o conhecimento sobre o território, e auxílio de duas imagens de satélite

da google (FIGURAS 10 e 11), os participantes das oficinas representaram a

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape em dois etnomapas: o etnomapa 1,

retratando as espécies de peixes que existiam antes da construção da Barragem e

Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, e os que se tem hoje e o etnomapa 2 representa a

parte urbana da comunidade, identificando os pontos que para os quilombolas são

importantes, como as igrejas católica e evangélica, praça, mercadinho e mercearia

etc. (FIGURA 13).

Utilizou-se a base do etnomapa dos pescados com os registros por eles

colocados sobre os aspectos territoriais, antes e depois da construção da Barragem e

Hidrelétrica de Pedra do Cavalo. Para tanto, recorreu-se ao programa de

geoprocessamento para elaborar os etnomapas 3, 4 e 5 separando os peixes que

existia antes da construção da barragem, dos que existem depois.

Analisando o processo de construção dos etnomapas feitos pela comunidade

notou-se, tanto através dos desenhos, quanto mediante a oralidade que há um forte

sentimento de ligação e pertencimento da população não só com o território – o solo

- mas também com o rio, lugar de desenvolvimento das atividades econômicas. Essa

ligação extrapola os limites físicos, imbricando-se pelos laços imateriais, pois o rio é

visto como um pai ou mãe que nunca deixa faltar alimentos para os seus filhos.

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160

A partir dos etnomapas elaborados pela comunidade, foi utilizado o software Arcgis,

que tornou possível realizar o mapeamento digital com base nas informações

elaboradas durante as oficinas. Assim, gerou-se três etnomapas: o etnomapa 3, que

identifica os tipos de peixes que pescavam antes da construção da barragem,

intitulado etnomapa da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape: peixes

existentes antes da construção da Barragem de Pedra do Cavalo (1979-1985). O

etnomapa 4 que registra as espécies de pescado, hoje encontradas, intitulado

etnomapa da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape: peixes depois da

construção da Barragem de Pedra do Cavalo (1985-2017), e o etnomapa 5, referente

as impressões sobre o espaço urbano da Comunidade Quilombola de Santiago do

Iguape, intitulado área urbana da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape em

2016.

A elaboração dos etnomapas digitais (3,4 e 5) obedeceu às regras e técnicas

cartográficas, utilizando-se os elementos básicos exigidos para elaboração de um

mapa: escala, rosa-dos-ventos, legenda, título, fonte, coordenadas, no entanto,

buscou-se priorizar as representações estabelecidas pela comunidade porque não se

trata de um mapeamento tradicional, porquanto a intencionalidade e objetivo da

pesquisa é legitimar a representação social construída pelos participantes das oficinas

(ACSELRAD, 2008; SANTOS, 2016).

Diante do que foi implementado durante as oficinas 1, 2 e 3, propõe-se a

efetivação de mais duas oficinas que serão realizadas após a defesa deste relatório

técnico, nos dias 28 de abril e 19 de maio de 2017. Sendo assim, a oficina 4, foi

planejada para apresentação do trabalho à Comunidade Quilombola de Santiago do

Iguape, com o objetivo de concretizar a validação do produto desta pesquisa e na

oficina 5, será efetuada a entrega do produto desta pesquisa, ou seja, os resultados

do etnomapeamento, elaborados pela comunidade. Os planejamentos para as duas

oficinas estão descritos nos quadros 9 e 10.

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FIGURA 10 – IMAGEM DE SATÉLITE DA COMUNIDADE

QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE

Fonte: Google Ehart Pro, 2016.

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FIGURA 11 – IMAGEM DE SATÉLITE DA ÁREA URBANA DA COMUNIDADE

QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE

Fonte: Google Ehart Pro, 2016.

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163

ETNOMAPA 1 - HISTÓRIA DOS PESCADOS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE

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ETNOMAPA 2 – REPRESENTAÇÃO DA ÁREA URBANA DA COMUNIDADE

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ETNOMAPA 3 - COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE: PEIXES EXISTENTES ANTES DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE PEDRA DO CAVALO (1979-1985)

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ETNOMAPA 4 - COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE: PEIXES DEPOIS DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE PEDRA DO CAVALO (1985-2017)

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ETNOMPA 5 - ÁREA URBANA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTIAGO DO IGUAPE EM 2016

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QUADRO 9 -PLANEJAMENTO DA OFICINA 4

OBJETIVOS PROPOSTOS PÚBLICO ALVO PARTICIPANTES MATERIAIS OBJETIVOS ALCANÇADOS

O q

ue

fiz

em

os?

Ofi

cin

a 0

4 –

Ap

res

en

taç

ão

do

s r

es

ult

ad

os

Apresentação do resultado das oficinas, o produto final para que haja a validação ou proposta de modificação.

Grupo da oficina

Os integrantes da Associação Quilombola Equipe de apoio Gleidson (mediador)

Máquina fotográfica, gravador, computador, lista de presença.

Fonte: Elaboração DIAS, Gleidson Sena

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169

QUADRO 10 -PLANEJAMENTO DA OFICINA 5

OBJETIVOS PROPOSTOS PÚBLICO ALVO PARTICIPANTES MATERIAIS OBJETIVOS ALCANÇADOS

O q

ue

fiz

em

os?

Ofi

cin

a 0

5 –

En

tre

ga

do

pro

du

to

Entrega do produto finalizado e validado para a comunidade.

Grupo da oficina

Os integrantes da Associação Quilombola Equipe de apoio Gleidson (mediador)

Computador; data show.

Elaboração DIAS, Gleidson Sena

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170

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa teve como objetivo principal explicar o processo de

(des)territorialização da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, e a

territorialização a partir da identidade territorial com o Rio Paraguaçu. Pretendeu,

ainda, agregar elementos ao debate sobre as questões territoriais das comunidades

quilombolas que são afetadas pelas construções de Barragens e Hidrelétricas.

De modo específico, o desenvolvimento da investigação revela que, no contexto

da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, a interferência direta do Estado

se concretiza com a construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo,

tornando-os alijados do território.

Assim, constatou-se que o empreendimento, construído pelo Estado, no

contexto da ditadura militar, também pode ser visto como símbolo de poder e presença

marcante da instituição estatal, além disso provocou e provoca impactos

socioambientais. Esse fato promoveu e promove a (des)territorialização dos

quilombolas que sobrevivem da pesca e mariscagem, impelindo-os a emigrar para

outros lugares, buscando outras formas de labor.

Ressalta-se que durante a pesquisa comprovou-se que a população busca

estratégias para modificar a situação vivida na comunidade, no entanto, as condições

socioambientais de Santiago do Iguape e a desatenção por parte dos poderes

públicos dificultam uma reorganização econômica, fator que vem interferindo de modo

mediato no processo de territorialização.

Importante salientar que a construção da Barragem e posteriormente o

funcionamento da Hidrelétrica de Pedra do Cavalo trouxeram benefícios para a sede

do município de Cachoeira. No entanto, para aqueles que têm a sobrevivência

atrelada ao rio, a exemplo da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, o

empreendimento estatal trouxe benesses limitadas, levando a população,

principalmente os que se encontram em idade de trabalho, a empreender o movimento

de saída do território, efetivando o processo de (des)territorialização, em busca de

melhores condições de sobrevivência.

A construção da Hidrelétrica provocou impacto ambiental, interferindo no

regime fluvial. Dentre eles, pode ser citado o aumentando a salinidade do rio

Paraguaçu, ocasionado pelo represamento quase que total da vasão de água doce

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para a jusante do barramento, o que favorece a ocupação da calha do rio pela água

salgada da Baia de Todos os Santos. Os reflexos desse processo são observados na

mudança da fauna e flora do rio, bem como na vida econômica da comunidade.

Em outros termos, é possível concluir que o represamento da água doce, no

caso do objeto de pesquisa, provocou impactos socioambientais, interferiu no regime

hídrico, e modificou parte da dinâmica fluvial, ocasionando a extinção de peixes e

mariscos na área estudada, bem como a diminuição das espécies que ainda existem.

Todo o processo atinge de forma significativa a população da comunidade, que se

(des)territorializa, porquanto é formada por pescadores e marisqueiros, os quais tiram

do rio a sua sobrevivência.

Analisando as relações territoriais, com base nas discussões de Haesbaert

(1997; 2011), Saquet (2015), é possível concluir que o processo de

(des)territorialização, vivenciado pela comunidade estudada, é também de ordem

econômica, pois, tendo impactado os meios de produção econômica proveniente do

rio, a população enfrenta dificuldades para desenvolver outras atividades na

comunidade, que tem uma economia com bases solidificadas na pesca e mariscagem.

Dessa forma, entende-se que todos os impactos supracitados e oriundos, de

alguma forma, da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra Cavalo

desencadeou na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape o processo de

alijamento da terra. Vale ressaltar que utilizou-se o termo alijados da terra em alusão

ao processo de desvinculação, forçada, entre a população e seu território - simbólico

e material.

Em paralelo ao alijamento da terra, ocorre o processo de (re)territorialização,

pois na busca por emprego em outros municípios, a população, principalmente a de

jovens, empreende o movimento de emigração.

Para além da relação com a barragem e hidrelétrica, as questões territoriais na

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, apesar de não se mostrar em

evidência aos primeiros olhares, são deveras complexas, e apresentam-se

enraizadas, pois parte da Comunidade ainda é obrigada, periodicamente, a realizar o

pagamento do Foro pela terra que utiliza e mora. Esse fato foi comprovado através de

consulta a documentos encontrados no cartório da cidade de Cachoeira.

Vale ressaltar que, por tratar-se de uma comunidade quilombola, oficialmente

reconhecida pela Fundação Palmares, e estar aguardando apenas a certificação do

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172

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a terra é um direito dos

habitantes, adquirido historicamente e reconhecido legalmente, o que demonstra a

necessidade de maiores discussões acerca do pagamento do Foro da terra em

questão.

No âmbito acadêmico, os estudos sobre questões territoriais, especialmente os

processos de territorialização, (des)territorialização e (re)territorialização, acerca de

comunidades atingidas por barragens em condições semelhantes à Comunidade

Quilombola de Santiago do Iguape, ainda são restritos, tornando esta pesquisa mais

uma contribuição para ampliação do debate.

Estudos acadêmicos sobre a relação das comunidades quilombolas com

barragens, demonstram que decorre do processo de alagamento proveniente das

construções de barramento, ou seja, geralmente são apresentados análises sobre

comunidades localizadas a montante dos empreendimentos. No entanto, a relação da

Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape com a Barragem, não decorre do

alagamento das suas terras pela cheia do lago, mas do represamento das águas do

Rio Paraguaçu, pois a Comunidade situa-se a jusante da Barragem de Pedra do

Cavalo, que alterou a vazão do rio.

A pesquisa buscou produzir conhecimento a partir da vivência com a

Comunidade de Santiago do Iguape, que foi possível através das pesquisas de

campo, aplicação de questionários, e realização de oficinas com o objetivo de realizar

o etnomapeamento.

Assim, o etnomapeamento apresentou-se como uma forma de conhecer e

resgatar a territorialidade da comunidade, ao mesmo tempo devolver à Comunidade

Quilombola, os conhecimentos produzidos a partir da pesquisa de campo, relatos e

histórias contadas sujeitos da pesquisa.

Os conhecimentos acerca da construção de mapas sempre estiveram sob o

controle e a serviço das classes dominantes e do Estado, configurando-se como uma

ferramenta no auxílio da manutenção do poder. Com base nessas premissas, o

etnomapeamento apresenta-se como uma alternativa de mapeamento com a

participação de grupos contra-hegemônicos, baseando-se nos conhecimentos dos

povos tradicionais, acerca dos recursos materiais existentes em seu território -, sejam

hídricos, pesqueiros, e ambientais etc.- além dos valores imateriais existentes no

território.

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173

O etnomapeamento é um procedimento metodológico em que a utilização vem

se ampliando, com mapeamento de terras de povos tradicionais e indígenas. Sendo

assim, apresenta-se como uma forma integradora de cartografar, registrar os

conhecimentos dos povos historicamente excluídos, pois o processo de criação dos

etnomapas é realizado utilizando técnicas que visam unir o saber de todos os

envolvidos no etnomapeamento.

Dessa forma, o objetivo presente nas construções dos etnomapeamento

pretendeu que as comunidades possam utilizar os etnomapas para planejar melhor a

gestão e os usos que fazem dos recursos existentes nos territórios, assim como

reivindicar dos poderes públicos a implantação de políticas públicas e projetos que

tenham por propostas melhorar a qualidade de vida nas comunidades. Para tanto,

deve-se partir do pressuposto que elas detêm o conhecimento sobre o território, e o

etnomapa é um instrumento que lhes permitem realizar o planejamento; em outras

palavras, as comunidades têm o poder para gerir o seu território.

Sabe-se que o planejamento das ações do Estado capitalista para o território

sempre ocorre numa perspectiva vertical, ou seja, de cima para baixo, negligenciando

as necessidades daqueles que serão atingidos de modo imediato pelos problemas

sociais. Com a utilização de etnomapas as populações que compõem os grupos

contra-hegemônicos podem questionar os planejamentos territoriais propostos pelo

Estado para as comunidades tradicionais.

Partindo desse entendimento, a pesquisa permitiu concluir que o

etnomapeamento se apresenta como uma outra perspectiva para o planejamento

territorial das/nas comunidades tradicionais, pois contrapõe-se a esta forma de pensar

e gerir o território para atender aos interesses das classes dominantes, conquanto

horizontaliza as formas de pensar e planejar as ações a serem implantadas no

território. Desse modo, busca o empoderamento dos grupos contra-hegemônicos, ou

seja, das comunidades tradicionais e indígenas.

Na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, locus da pesquisa, durante

o processo de etnomapeamento, os participantes fizeram relatos acerca da história

da abundância dos pescados e mariscos do rio Paraguaçu, fazendo o contraponto

com a atual realidade do lugar. Outrossim, indicaram a construção da barragem como

responsável pelas alterações no regime hídrico, consequentes impactos

socioterritoriais e socioeconômicos em Santiago do Iguape.

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Durante a realização das oficinas de etnomapeamento foram elaborados três

etnomapas: um referindo-se aos pescados que existiam na comunidade antes da

construção da barragem e hidrelétrica, outro sobre as espécies hoje existentes, e um

terceiro que identifica aspectos do espaço urbano da comunidade. Utilizou-se o mapa

dos pescados para originar dois mapas, individualizando o passado-presente, ou seja,

gerou-se um mapa sobre a realidade, a partir da ideia de pertencimento e do

imaginário que determina a territorialidade. Sendo assim, materializam a identidade

territorial da Comunidade Quilombola estudada.

Para a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape, os mapas construídos

refletem alguns impactos causados na dinâmica territorial e na vida da população a

partir do empreendimento construído pelo Estado: Barragem e Hidrelétrica de Pedra

do Cavalo. Em outra perspectiva, os etnomapas preservam parte da memória do

passado da comunidade, transmitida através da história oral, que estava se perdendo

no espaço-tempo.

A pesquisa de campo também revelou a realidade e possibilitou conhecer mais

profundamente a comunidade, percebendo-se que existem muitas lacunas no tocante

aos projetos de políticas públicas adequadas a serem implementadas no território.

Observou-se a existência de problemas socioterritoriais como dificuldade de acesso,

para outros espaços, pois os serviços de transportes públicos são deficientes, fato

que, contribui para o isolamento da comunidade em relação ao Estado e mesmo

município.

Em conversas informais, durante a realização do trabalho de campo, observou-

se que os quilombolas reclamam da falta segurança pública, ausência de prestação

serviços bancários, levando-os sempre a se deslocarem até a sede do município. Ao

relatar os problemas sociais, decorrentes da falta de interesse dos poderes públicos,

forneceram elementos que solidificam a concepção de que o planejamento territorial

visa prioritariamente atender aos interesses das classes hegemônicas, em detrimento

das contra-hegemônicas, ratificando a necessidade premente de planejamentos

horizontalizados, ou seja, que ocorra com a participação popular, considerando os

conhecimentos e as necessidades das comunidades.

A economia da Comunidade necessita de incentivo. Uma das alternativas seria

a colaboração entre as Associações e a Colônia de Pescadores Z-53, para a criação

de uma cooperativa de pescadores e marisqueiras, pois, dessa maneira, a venda dos

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pescados e mariscos seria feita sem o intermédio dos atravessadores, o que

contribuiria para aumentar a renda dos trabalhadores.

Durante a pesquisa encontrou-se resistência por parte da população da

Comunidade, pois outros pesquisadores já estiveram presentes para desenvolver

investigação, e após a conclusão não retornaram à Comunidade para dar um retorno

sobre o trabalho realizado. Assim, é compromisso do pesquisador, após a defesa,

realizar mais duas oficinas, tendo em vista a necessidade premente de entregar à

Comunidade um produto que sirva de base para refletir-se sobre a identidade territorial

no sentido de produzir uma territorialidade a partir da ideia de pertencimento dos

sujeitos.

A territorialidade da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape é deveras

complexa, por isso demanda mais aprofundamento dos estudos sobre o processo de

(des)territorialização. A pesquisa permitiu perceber os laços que unem os sujeitos ao

seu território, principalmente a partir do rio, e, estes aspectos transcendem a

compreensão do pesquisador que não vive naquele território. Pensar sobre a ligação

entre população e território - que aqui se estende às águas do Rio Paraguaçu -, é

concluir que os sentimentos de pertencimento ligam o homem ao seu território tanto

quanto as bases materiais.

Assim, é preciso continuar a refletir sobre o território, e em especial o lócus da

pesquisa, para além das relações de poder estatal, é preciso pensar e entender na

perspectiva da territorialidade, (des)territorialização e (re)territorialização.

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REFERÊNCIAS

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Campinas: Papirus, 1988.

CASTELLS, M. O poder da identidade. 6. ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2008.

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APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA - UEFS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA – DCHF

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

O senhor(a) está sendo convidado a participar de uma pesquisa, cujo tema é Alijados da Terra: (des)territorialização e (des)caminhos da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo, desenvolvida pelo estudante do Mestrado Profissional em Planejamento Territorial (PLANTERR), da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Gleidson Sena Dias, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), sob a orientação da Profª. Drª. Nacelice Barbosa Freitas.

A participação não é obrigatória e em qualquer momento poderá desistir e retirar o seu consentimento, onde a recusa não lhe trará nenhum tipo de prejuízo. Sua identidade será mantida em sigilo e as opiniões jamais serão associadas ao seu nome quando da publicação dos resultados do trabalho, garantindo, assim, o respeito a integridade física, psíquica, moral, intelectual, social e espiritual do entrevistado(a).

As informações serão analisadas e os resultados apresentados no trabalho acadêmico. Os dados serão arquivados por cinco anos e depois destruídos, e o conteúdo utilizado apenas em pesquisas e publicações.

A presente pesquisa é de fundamental importância, pois visa analisar o processo de (des)territorialização da Comunidade de Santiago do Iguape após a construção da Barragem de Pedra do Cavalo, no município de Cachoeira – Bahia. Caso o Sr(a). concordar em participar, deverá assinar este termo. Uma cópia dele ficará com o Sr(a)., e outra com o pesquisador responsável.

Agradecemos a sua participação. Santiago do Iguape, ____ de ___________________de 2016.

____________________________________________ Gleidson Sena Dias

Mestrando

____________________________________________ Entrevistado(a)

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APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO PARA OS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA COMUNIDADE DE SANTIAGO DO IGUAPE.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA - UEFS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA – DCHF

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR

APÊNDICE B - QUESTIONÁRIO PARA OS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA COMUNIDADE DE SANTIAGO DO IGUAPE.

I PERFIL DO(A) ENTREVISTADO(A) 1. Nome: ____________________________________________________________ 2. Sexo: ( ) M. ( )F. 3. Estado Civil: ( ) solteiro(a) ( ) casado(a) ( ) separado(a) ( ) viúvo(a) ( ) divorciado ( ) desquitado ( ) outros Qual? __________________________________ 4. Idade50 a 54 ( ) 55 a 59 ( )

60 a 64 ( ) 65 a 69 ( )

5. Cor ou Raça: ( ) Preta ( ) Branca ( ) Amarela ( ) Parda ( ) Indígena ( ) Outra Qual?_______________________________________ 6. Local de Nascimento: _______________________________________________ 7. Nível de escolaridade: ( ) Não alfabetizado ( ) Ensino fundamental I

incompleto ( ) Ensino fundamental I

completo ( ) Ensino Fundamental II incompleto ( ) Ensino Fundamental

II completo ( ) Ensino médio incompleto ( ) Ensino médio completo ( ) Nível superior incompleto. ( ) Nível superior completo.

( ) Pós-graduação

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Qual?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

8. O Sr(a) poderia informar qual é a sua profissão? ___________________________________________________________________

9. Poderia informar qual é a renda média mensal da família: ( ) Sem renda ( ) Até meio SM ( ) Até um SM ( ) Entre um e meio e dois SM

( ) Entre dois e meio e três SM ( ) Entre três e meio e quatro SM ( ) Entre quatro e meio e cinco SM ( ) Mais de cinco SM

II PERFIL SOCIOECONÔMICO DO(A) ENTREVISTADO(A): 10. O Sr(a). poderia informar a atividade econômica que desenvolve na Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape?

___________________________________________________________________ Há quanto tempo? ___________________________________________________________________

11. O Sr(a). comercializa o que produz? ( ) Sim. Comercializo toda produção ( ) Não comercializo a produção ( ) Comercializo parte da produção

( )Outro Qual? __________________________

12. O Sr(a). poderia informar o local em que comercializa a produção? ___________________________________________________________________

III TERRITORIALIDADE E (DES)TERRITORIALIZAÇÃO EM SANTIAGO DO IGUAPE 13. Há quanto tempo o Sr(a). mora na comunidade Quilombola de Santiago do Iguape? ( ) Menos de 10 anos ( ) Entre 10 e 19 anos ( ) Entre 20 e 29 anos

( ) Entre 30 e 39 anos ( ) Mais de 40 anos

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14. Por que o Sr(a). escolheu a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape para viver? ___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

15. Em sua opinião há alguma relação entre a pesca, mariscagem e a construção da Barragem de Pedra do Cavalo? ( )Sim, há relação ( )Não há relação ( )Não sabe responder ( ) Outro Qual?__________________________

16. O Sr(a). poderia dizer se houve alguma mudança na Comunidade após a construção na Barragem de Pedra do Cavalo? ( ) Sim, houve mudança ( ) Não houve mudança ( ) Não sabe responder ( ) Outro 17. Por quê? __________________________________________________________________ 18. Em sua opinião, como a Barragem de Pedra do Cavalo contribuiu para a Comunidade? ( ) contribui muito ( ) contribui pouco ( ) Não contribui ( ) Não sabe responder Por quê? ___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

19. Em sua opinião após a construção da Barragem de Pedra do Cavalo, como ficou

a vida dos pescadores e marisqueiras da Comunidade? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

20. O(a) Sr(a) poderia nos dizer qual a importância do rio Paraguaçu antes da

Barragem de Pedra do Cavalo?

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___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

21 E depois da Construção da Barragem? _______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Nome do pesquisador: _______________________________________________

Endereço do(a) entrevistada(o)

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Santiago do Iguape, ___/___/2016

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APÊNDICE C - ENTREVISTA PARA OS PRESIDENTES DAS ASSOCIAÇÕES DE SANTIAGO DO IGUAPE

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA - UEFS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA – DCHF

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR

APÊNDICE C - ENTREVISTA PARA OS PRESIDENTES DAS ASSOCIAÇÕES DE SANTIAGO DO IGUAPE

1. O(a) Sr(a) poderia nos falar do significado da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo para a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape? 2. O(a) Sr(a) poderia nos falar da relação da Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape com o rio Paraguaçu? 3. Como o(a) Sr(a) analisa os impactos (positivos e negativos) da construção da Barragem de Pedra do Cavalo na a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape? 4. Houve algum dialogo dos poderes públicos com a comunidade quilombola antes da construção da Barragem de Pedra do Cavalo?

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APÊNDICE D - ENTREVISTA PARA OS REPRESENTANTES DOS PODERES PÚBLICOS DE CACHOEIRA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA - UEFS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA – DCHF

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL – PLANTERR

APÊNDICE D - ENTREVISTA PARA OS REPRESENTANTES DOS PODERES PÚBLICOS DE CACHOEIRA

1. O(a) Sr(a) poderia nos dizer qual a importância da construção da Barragem e Hidrelétrica de Pedra do Cavalo para o município de Cachoeira? 2. O(a) Sr(a) poderia nos falar se houve algum processo de preparação, audiência pública, e os diálogos mantidos com a população de Cachoeira para a construção da Barragem de Pedra do Cavalo? 3. O(a) Sr(a) poderia nos falar quais foram os impactos (positivos e negativos) da construção da Barragem de Pedra do Cavalo para as comunidades ribeirinhas de Cachoeira que sobreviviam e sobrevivem da pesca e mariscagem no rio Paraguaçu, em especial para a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape? 4. Quais políticas são desenvolvidas para impulsionar a economia a Comunidade Quilombola de Santiago do Iguape?

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ANEXO A – IMAGENS DA REVISTA A CIGARRA MAGAZINE

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