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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DESCONSTRUÇÃO: A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO DERRIDIANO NAS TEORIAS PÓS- ESTRUTURALISTAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS - A dicotomia inside/outside- Aline Luiza Santos Fernandes Belo Horizonte 2008

Aline Luiza Fernandes - Desconstrução A influência do ... · (lingüística,antropologia,psicologia,etc) que tem como procedimento a determinação e a análise de estruturas.Ainda

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

DESCONSTRUÇÃO: A INFLUÊNCIA DO

PENSAMENTO DERRIDIANO NAS TEORIAS PÓS-

ESTRUTURALISTAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

- A dicotomia inside/outside-

Aline Luiza Santos Fernandes

Belo Horizonte 2008

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ALINE LUIZA SANTOS FERNANDES

DESCONSTRUÇÃO: A INFLUÊNCIA DO

PENSAMENTO DERRIDIANO NAS TEORIAS PÓS-

ESTRUTURALISTAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

- A dicotomia inside/outside-

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Cristiano Garcia Mendes

Belo Horizonte

2008

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ALINE LUIZA SANTOS FERNANDES

DESCONSTRUÇÃO: A INFLUÊNCIA DO

PENSAMENTO DERRIDIANO NAS TEORIAS PÓS-

ESTRUTURALISTAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

- A dicotomia inside/outside-

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Cristiano Garcia Mendes

Monografia aprovada em: 11 de dezembro de 2008. Banca Examinadora:

Prof. Leonardo César Souza Ramos

Prof. Danny Zahreddine

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“A comunicação é impossível”. Apel respondeu: “Concordo”. Derrida não deixou por menos: “Então eu me expressei mal”.

(Jacques Derrida)

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RESUMO Este trabalho mostra a influência do pensamento derridiano nas abordagens teóricas pós-

estruturalistas de Relações Internacionais. O pensamento de Jacques Derrida surge como uma

crítica aos pressupostos da lingüística moderna estrutural saussuriana e se insere dentro do

movimento filosófico pós-estrutural e mais amplamente dentro da corrente de pensamento pós-

moderna. É dentro deste contexto, pois, que surge o desconstrucionismo filosófico. O trabalho

demonstrará como o desconstrucionismo forneceu as bases para a argumentação teórica e para a

problematização da dicotomia inside/outside do autor pós-estrutural das Relações Internacionais,

R.B.J Walker.

Palavras-Chave: Saussure, Pós-modernismo, Pós-estruturalismo, Derrida, Desconstrucionismo,

Walker, Dicotomia inside/outside.

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ABSTRACT

This paper shows the influence of the derridian thought on the theoretical poststructuralist

approaches of International Relations. The Jacques Derrida thought emerges as a critical to the

assumptions of the modern structural linguistics saussurean and falls into the philosophical post

structural movement, and more widely into the stream of the post-modern thought. In this context,

the philosophical desconstructionism arrises. This paper is going to demonstrate how this

desconstructionism provides the basis for the theoretical arguments, and for the dichotomy

problematization inside/outside, of the post structural author of the International Relations, R.B.J.

Walker.

Keywords: Saussure, Postmodernism, Poststructuralism, Derrida, Desconstructionism, R.B.J Walker, Inside / outside dichotomy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 9

1-A LINGUÍSTICA SAUSSURIANA................................................................................... 12

1.1- Signo, Significado e Significante. ................................................................................. 12

1.2- A Arbitrariedade do signo ............................................................................................. 14

1.3- Imutabilidade e Mutabilidade do Signo ........................................................................ 15

1.3.1-Imutabilidade: ......................................................................................................... 16

1.3.2-Mutabilidade: .......................................................................................................... 17

1.4 - O papel da escrita para Saussure .................................................................................. 18

1.5- Valor Lingüístico e o Caráter Linear do Significante ................................................... 20

2-PÓS-MODERNISMO E PÓS-ESTRURALISMO .......................................................... 24

2.1- Conceituações: Modernidade/Pós-Modernidade e Modernismo/Pós-Modernismo ...... 24

2.2-Precedentes e Precursores do Pós-modernismo ............................................................. 27

2.2.1- Pós-modernismo Latente ........................................................................................ 27

2.2.2- Início da Sistematização Teórica............................................................................ 30

2.3-Estruturalismo em cena .................................................................................................. 32

2.4- Pós-estruturalismo em cena ........................................................................................... 34

2.4.1. A base para a crítica pós-estrutural em Nietzsche e Heidegger ............................. 34

2.4.2- Contexto político .................................................................................................... 35

2.4.3- A crítica pós-estrutural ........................................................................................... 36

2.4.4- Proposições Pós-estruturalistas .............................................................................. 36

3-DERRIDA E A DESCONSTRUÇÃO ............................................................................... 38

3.1- Derrida e as críticas a Saussure ..................................................................................... 38

3.2-Escritura ......................................................................................................................... 42

3.2.1- Derrida em Freud: Sonho e Significante ................................................................ 43

3.3- Oposição Binária ........................................................................................................... 45

3.4- Desconstrução ............................................................................................................... 45

3.4.1- Inversão e Deslocamento ....................................................................................... 45

4- WALKER E A DICOTOMIA INSIDE/OUTSIDE NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS ............................................................................................................... 48

4.1- As Relações Internacionais ........................................................................................... 48

4.1.1- Mitos de Origem .................................................................................................... 48

4.1.2-A Teoria Realista como apagamento das diferenças ............................................... 49

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4.1.3- A Modernidade e suas implicações para as relações internacionais ...................... 51

4.2- A dicotomia inside/outside ............................................................................................ 52

4.2.1. A caricatura da dicotomia e o julgamento de valores ............................................. 53

4.2.2- As questões éticas .................................................................................................. 55

4.3- A Desconstrução na dicotomia inside/outside .............................................................. 57

CONCLUSÃO......................................................................................................................... 59

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ................................................................................. 61

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INTRODUÇÃO

Jacques Derrida foi um dos críticos de maior importância do pensamento

estruturalista1. Destacando-se como um dos maiores filósofos pós-estruturalistas2, juntamente

com alguns nomes como Lyotard, Heidegger e Nietzsche; tendo sofrido forte influência em

seus escritos destes dois últimos. A crítica tecida pelo filósofo ao estruturalismo lingüístico3

instituído por Ferdinand de Saussure é central no seu pensamento. Destas críticas, surge o

termo pelo qual Derrida torna-se notório, o desconstrutivismo4 que inaugura um novo modo

de pensar dentro da filosofia.

O teórico das Relações Internacionais5 R.B.J Walker estabelece as bases para a

construção do seu arcabouço teórico sob os alicerces do pensamento de Derrida e do seu

desconstrucionimo filosófico. Tomando de empréstimo do pensamento derridiano as questões

e implicações concernentes à adoção da oposição binária como constituidora ou ditadora da

forma de pensamento social como preconizado por Derrida. Walker por sua vez mostra a

forma pela qual estas oposições trabalham na construção da realidade dentro das Relações

Internacionais e posteriormente realiza a desconstrução de uma destas oposições em especial,

a dicotomia inside/outside.

1 Na definição de Japiassú e Marcondes é uma doutrina filosófica que considera a noção de estrutura fundamental como conceito teórico e metodológico. Concepção metodológica em diversas ciências (lingüística,antropologia,psicologia,etc) que tem como procedimento a determinação e a análise de estruturas.Ainda também pode-se considerar o estruturalismo como uma das principais correntes de pensamento sobretudo nas ciências humanas,em nosso século. O método estruturalista de investigação científica foi estabelecido pelo lingüista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), que afirma ver na linguagem a predominância do sistema sobre os elementos, visando extrair a estrutura do sistema através da análise das relações ente os elmentos. ( JAPIASSÚ,Hilton;MARCONDES,Danilo, 1998,p. 92). 2 A constituição da abordagem teórica pós-estrutural se inicia a partir da crítica aos pressupostos estruturalistas. (BEST; KELLNER, 2001). Ver segundo capítulo deste trabalho. 3 Todo o estudo lingüístico será dividido entre antes e depois de Saussure. Para Saussure, a lingüística é um sistema, uma forma e não uma substância. É um sistema de valores, sendo suas unidades, opositivas, diferenciais e negativas. Estas unidades nunca são isoladas, pois depende uma das outras para seu funcionamento. Nisto consiste a lingüística de Saussure. (DUBOIS, Jean, et all, 1973, p.390,391). Ver primeiro capítulo deste trabalho. 4 Termo cunhado e desenvolvido pelo filósofo. Ver capítulo três. Note-se que existem diferentes traduções do termo. No original em francês “déconstruction”. Em português encontra-se três diferentes traduções, a ver: desconstrucionismo, desconstrução, desconstrutivismo, todos utilizados para designar a déconstruction de Derrida. 5 As Relações Internacionais designam o campo acadêmico fundado em 1919, quando foi criada a primeira cadeira acadêmica,sob os auspícios do filantropo David Davies, na Universidade de Gles,no Reino Unido,sob o nome de Cátedra Woodrow Wilson de Política Intenacional(SARFATI,2005,p.9).O objeto de estudo da disciplina são as relações internacionais,entendidas,no sentido mais amplo,como os vínculos entre as unidades políticas autônomas chamadas Estados-Nações,ou entre indivíduos membros destas unidades quando interatuam através de suas fronteiras.(ORTIZ,2000,p.9).

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A proposta deste trabalho consiste em mostrar como o pensamento de Derrida fora

de crucial importância para o pós-estruturalismo nas Relações Internacionais, utilizando para

tal fim a obra de Rob Walker a fim de corroborar o intencionado.

O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro será demonstrado o

pensamento de Saussure, os principais conceitos criados pelo lingüista e as implicações destes

conceitos para a constituição da lingüística moderna. Neste capítulo, nossa intenção será

somente a de demonstrar de forma mais fidedigna e genuína possível o pensamento do

lingüista, pois será de crucial importância para o entendimento dos demais pensamentos e

conceituações que desenvolveremos ao longo do trabalho.

No segundo capítulo apresentaremos uma explanação a cerca das teorias pós-

modernas e pós-estruturais, com as ressalvas necessárias à cerca da sistematização e unidade

das mesmas, apresentando os pontos centrais destes pensamentos, bem como os pontos de

convergência e divergência.

O terceiro capítulo é dedicado a demonstrar o pensamento de Derrida. As críticas

que são constitutivas do seu pensamento, das quais se destacam as tecidas em relação à

metafísica ocidental6 e ao pensamento de Saussure. Esta última servindo de aparato para a

criação do desconstrucionismo, que será também abordado neste capítulo.

Por fim, no capítulo quatro será apresentada à abordagem teórica de Walker. As

preconizações do autor em relação à constituição da tradição teórica das Relações

Internacionais, a dicotomia inside/outside seu estabelecimento e suas conseqüências para as

Relações Internacionais e a desconstrução da mesma.

A estruturação destes capítulos seguiu uma ordem de linearidade. Apresentaremos

primeiramente o pensamento de Saussure, pois, é a obra do lingüista que oferece o arcabouço

para a crítica posteriormente que será realizada por Derrida e que acabará por dimanar na

criação do desconstrucionismo. No segundo capítulo apresentaremos as teorias pós- modernas

e pós-estruturais a fim de oferecer uma contextualização para o surgimento do pensamento do

filósofo francês e que servirá também para demonstrar as principais características deste

6 A metafísica é a parte mais central da filosofia, a ontologia geral, o tratado do ser enquanto ser. A metafísica define-se assim como filosofia primeira, como ponto de partida do sistema filosófico, tratando daquilo que é pressuposto por outras partes do sistema, na medida em que examina os princípios e causas primeiras, e que se constitui como doutrina do ser em geral. (JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo, 1998, p.180). De acordo com Giles, Metafísica é uma explicação compreensiva, coerente e total (uma visão) da realidade (do ser, da realidade, do universo) como totalidade, ou ainda, o estudo do ser enquanto ser,e não do ser enquanto ente particular,ou ainda,o estudo das características mais gerais,persistentes e onipresentes no universo,a saber:a existência,a mudança,o espaço,o tempo,causa e efeito,relação,substância,identidade,dentre outros, ou ainda, o estudo da última realidade: a realidade tal como é constituída em si,fora das aparências ilusórias que se apresentam à percepção.(GILES,Thomas,1993,p.101,102). A metafísica do ocidente é centrada no significado. (SANTIAGO, Silviano (org),1976,p.56).

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pensamento. Após, será introduzido o pensamento de Derrida e o desconstrucionismo que

será utilizado como arcabouço teórico posteriormente por Walker.

No que diz respeito aos procedimentos metodológicos, utilizamos à revisão

bibliográfica das obras centrais do pensamento dos autores trabalhados. Optamos por utilizar

as obras dos próprios autores no que concerne aos capítulos dedicados a Saussure, Derrida e

Walker, afim de não nos perdemos em interpretações e ou traduções errôneas que

eventualmente poderíamos nos deparar. Em relação ao capítulo dedicado ao pós-modernismo

e pós-estruturalismo nossa opção foi pela obra dos autores Steven Best e Douglas Kellner,

uma vez que inexiste uma obra centralizadora ou que possa ser tomada como referência

absoluta sobre estas teorias. Dessa forma, a obra destes autores nos pareceu fidedigna na

tarefa que a mesma se propõe, pois os autores utilizam de uma considerável investigação

histórica sobre os termos valendo-se de um rigor ético na medida em que diversificam as

abordagens expondo o conceito de vários autores sobre as teorias em questão.

A importância deste trabalho, no nosso entender, se dá na medida em que existe uma

tendência nas Relações Internacionais, devido à própria tradição Realista da mesma, de não se

realizar trabalhos sobre teorias que sejam mais periféricas. O que se nota é sempre a

realização de um sem número de trabalhos sobre teorias mainstream. Este fato por sua vez,

não é exclusivo somente no que concerne a produção de trabalhos no campo das Relações

Internacionais, mas se dá em todas as áreas do conhecimento. A partir da observância desta

lacuna no que diz respeito às Relações Internacionais, procuramos contribuir um pouco para

que a lacuna deste campo aos poucos seja preenchida.

.

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1-A LINGUÍSTICA SAUSSURIANA

Saussure (1969) foi o responsável pelo desenvolvimento de uma série de conceitos

que culminaram na gênese da lingüística moderna, determinando a língua como objeto de

estudo. A partir da concepção e compreensão da língua como um fenômeno de ordem

sistemática, o autor elaborou uma série de novos conceitos que contribuiriam para a formação

da nova ciência da linguagem moderna. Seu ponto de iniciação para tal seria a proposta de

que a língua é constituída de um signo, um significante e um significado.

1.1- Signo, Significado e Significante.

Segundo Saussure (1969) a língua em uma primeira e superficial análise parece ser

constituída de uma porção de termos que se liga a uma porção de coisas. Para cada coisa e ou

objeto (material) parece haver um outro termo e ou palavra correspondente. Como mostra a

figura seguinte:

Fonte: SAUSSURE, p.79

Porém, o autor crítica essa visão demasiadamente simplificada e temerária, pois,

“supõe idéias completamente feitas, preexistentes às palavras (...) ela faz supor que o vínculo

que une um nome a uma coisa constitui uma operação muito simples” (SAUSSURE, 1969, p.

79). Essa visão, tão pouco também esclarece se a natureza da palavra é física/ vocal ou

puramente psíquica.

A conceituação saussuriana de signo, significado e significante nos permitem

entender como se dá o funcionamento da língua e nega a visão simplista de anteriormente.

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Sobre o signo lingüístico o autor o considera como sendo de natureza psíquica e dicotômica;

psíquica, pois deriva de dois conceitos também psicológicos, o significante e o significado,

que veremos mais adiante, pois são de natureza abstrata e apenas representam o objeto

real/material; e dicotômico por que se divide em duas partes, o conceito e a imagem acústica a

serem substituídos por significado e significante respectivamente. Pode-se dizer, pois que a

junção e ou interação desses dois elementos (imagem acústica/conceito) culminariam na

formação do signo, que se refere ao total gerado entre significado e significante; “O signo

lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica”

(SAUSSURE, 1969, p.80) Com relação ao conceito de significante, segundo o autor

corresponderia a uma imagem acústica, seria a impressão de um som que já está impresso no

nosso psíquico, logo, de caráter não material. De acordo com autor, podemos observar esse

caráter psicológico do significante quando, por exemplo: “Sem movermos os lábios nem a

língua, podemos falar conosco ou recitar mentalmente um poema (...) porque as palavras da

língua são para nós imagens acústicas” (SAUSSURE, 1969, p. 80). O segundo conceito o de

significado que substitui o conceito e ou idéia; nada mais é do que a representação na mente

de um objeto real qualquer.

Dessa maneira, Saussure (1969) concluiu que significante e significado não somente

tem uma relação de dependência mútua como são de natureza indissociável, não podem se

separar, pois sem um não há como o outro existir. “Esses dois elementos estão intimamente

unidos e um reclama o outro” (SAUSSURE, 1969, p.80). Ou seja, estamos o tempo todo

estabelecendo relação entre o conceito e a imagem acústica. Quando evocamos uma imagem

acústica logo associamos a um conceito, o contrário também é verdadeiro. Este conceito que

se forma em nossa mente de uma coisa física qualquer é somente virtual/ psíquico e se nos é

permitido realizar tal façanha é devido a um contato sensorial realizado anteriormente com

aquele determinado objeto real. Portanto, não é o nosso pensamento que criará de forma

facultativa um determinado conceito, esse já existe no mundo real. É o conceito real que

permitirá uma ilustração do mesmo na mente, que por sua vez irá reclamar por associação a

imagem acústica; ainda que de forma arbitrária, como veremos mais adiante.

Ilustremos da seguinte maneira: Ao lermos em um livro a palavra “pássaro”, logo a

impressão psíquica desse som (significante) nos remete ao significado, que o nosso cérebro

une por associação, e representamos ou ilustramos mentalmente o conceito de um animal que

tem asas, penas, canta, vôa, etc. A resultante desses elementos forma o signo “pássaro”; que

nada tem de material também, é apenas uma abstração mental; pois material é somente o

animal no mundo real/ o objeto palpável em si.

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1.2- A Arbitrariedade do signo

O princípio saussuriano de arbitrariedade do sigo preconiza que:

“O laço que une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total resultante da associação de um significante com um significado, podemos dizer simplesmente: o signo lingüístico é arbitrário” (1969, p. 81).

Dessa maneira, podemos afirmar que o signo é arbitrário, pois entre o conceito e a imagem

acústica não há um elo natural. A relação de ligação é meramente social e produzida através

do hábito coletivo adquirido ao longo do tempo de uma determinada língua. Prova disso,

segundo o autor, seriam as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas

diferentes; “o significado da palavra francesa bouef (““ boi”) tem por significante b-o-f de um

lado da fronteira franco-germânica, e o-k-s (ochs) do outro “(SAUSSURE, 1969, p. 82).

Portanto, há vários significantes para um mesmo significado, isso se torna evidente quando

analisamos algum mesmo conceito em significantes diferentes, como nos foi mostrado na

citação acima, percebemos que um determinado conceito pode-se ligar a inúmeras imagens

acústicas nos mais variados idiomas. Assim, o autor afirma que inexiste uma relação à priori

que irá unir um determinado significado a um significante. “A idéia de “mar” não está ligada

por relação alguma interior a seqüência de sons m-a-r que lhe serve de significante: poderia

ser representada igualmente bem por outra seqüência” (SAUSSURE, 1969, p.81). É por isso,

que Saussure (1969) irá chamar o significante de imotivado, pois é arbitrário em relação ao

seu conceito; o autor enfatiza que devemos entender por arbitrariedade do signo somente essa

relação imotivada do significante com o significado. Pois o termo arbitrário poderia dar

margem a outras interpretações.

“(...) Não deve dar a idéia de que o significante dependa da livre escolha do que fala (...); queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.” (1969, p.83).

Convencionou-se a usar a palavra símbolo para referir-se ao signo. Contudo,

Saussure (1969) considera inconveniente essa relação, pois prejudica a compreensão do

caráter imotivado do signo, pois o autor entende que:

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“O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não está vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o significado. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto qualquer, um carro, por exemplo.” (1969, p.82).

Ainda segundo Saussure (1969) algumas contra-argumentações poderiam ser feitas a

respeito da arbitrariedade do signo. Por exemplo, com relação às palavras que parecem imitar

um determinado som produzido pela natureza, pelos animais, um determinado objeto, etc.

Pois, a princípio pode-se argumentar que a relação entre a imagem acústica e o conceito são

ligados de uma maneira natural. Contudo, o autor afirma que:

“(...) sua escolha é já, em certa medida, arbitrária, pois não passam de imitação aproximativa e já meio convencional de certos ruídos (...) Além disso, uma vez introduzidas na língua, elas se engrenam mais ou menos na evolução fonética, morfológica etc, que sofrem as outras palavras (...) Prova evidente de que perderam algo de seu caráter primeiro para adquirir o do signo lingüístico em geral, que é imotivado.” (1969, p. 83).

Uma segunda contra-argumentação poderia ser feita em relação às exclamações, que

para o autor, assim como as onomatopéias são em parte contestáveis. Pois o vínculo natural

entre significado e significante que tornaria o signo não arbitrário, também inexiste, embora

em um primeiro momento acreditemos que sim. Para tal, “Basta comparar duas línguas, sob

esse aspecto, para ver o quanto tais expressões variam de uma língua para outra (por exemplo,

ao francês aie! Corresponde em alemão au! E em português ai!)” (SAUSSURE, 1969, p.84).

1.3- Imutabilidade e Mutabilidade do Signo

O Caráter arbitrário do signo permite que o mesmo seja imutável e mutável ao

mesmo tempo, essa aparente contradição será explicada pelo autor nos parágrafos seguintes.

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1.3.1-Imutabilidade:

Já tratamos anteriormente que a adoção de determinado signo nada tem de natural, é

arbitrária; o seu estabelecimento é um fato social e histórico. Em uma determinada época de

uma língua (que não conseguimos definir qual, pois não nos cabe tencionar descobrir a

origem da mesma), atribuíram-se imagens acústicas aos objetos da matéria. A partir de então,

estabeleceu-se um sistema lingüístico o qual todos os indivíduos da posteridade

reconheceriam e adotariam como um meio de comunicação. Em outras palavras, a língua é

um hábito social adquirido e ou herdado. Sobre essa questão, Saussure afirma que o

significante “(...) com relação à comunidade lingüística que o emprega não é livre: é imposto.

Nunca se consulta a massa social (...) Diz-se à língua:” Escolhe!;"mas acrescenta-se:O signo,

será este, não outro” (SAUSSURE,1969.p. 85).

Contudo, poderia indagar-se porque a língua não muda e ou por que ela é imutável;

para essa pergunta poderíamos pensar a língua como um produto social, que de fato o é dessa

maneira é necessário que não somente um indivíduo queira mudá-la, mas toda uma sociedade.

E por que uma sociedade desejaria mudá-la, se essa está lhe servindo de maneira satisfatória?

Para Saussure (1969) essas questões, são importantes mais ainda não atingem o cerne da

problemática. Uma das respostas apontadas pelo autor, diz respeito ao princípio de

arbitrariedade do signo, para ele o fato de o signo ser arbitrário, permite que o mesmo não

mude, pois não há motivo para querer trocar bouef, por ox ou boi. Todos os significantes são

imotivados em relação ao que significam, ou significado. Seria possível “discutir um sistema

de símbolos, pois que o símbolo tem uma relação racional com o significado; mas para a

língua, sistema de signos arbitrários, falta essa base, e com ela desaparece todo terreno sólido

de discussão”. (SAUSSURE, 1969.p. 87). A segunda questão à cerca da imutabilidade se

deita na questão de que para se formar uma língua seriam necessários um sem número de

signos. Seria relativamente fácil trocar um alfabeto, por exemplo. Contudo, a língua possui

milhares de conceitos e não seria tarefa fácil adotar significantes para todos. Disso, deriva

uma outra resposta do autor que afirma ser a língua um sistema demasiado complexo, por isso

não passível de mutações. “Pois, tal sistema é um mecanismo complexo; só se pode

compreendê-lo pela reflexão (...) Não se poderia conceber uma transformação que tal sem a

intervenção de especialistas (...) e as intervenções nesse sentido não tiveram êxito algum.”

(SAUSSURE, 1969. p.88). E por último, o autor cita a falta de vontade e inércia da sociedade

que não permite mudanças. A todo o momento nos servimos da língua, quando estamos nos

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comunicando com outrem, ou até mesmo quando estamos sozinhos em casa lendo um livro,

ela se faz presente sempre em nossas vidas, desde o momento de quando aprendemos aos

poucos os códigos de funcionamento lingüísticos. Para o autor:

“ Esse fato capital basta para demonstrar a impossibilidade de uma revolução. (...) A língua, de todas as instituições sociais, é a que oferece menos oportunidades às iniciativas. A língua forma um todo com a vida da massa social e esta, sendo naturalmente inerte, aparece antes de tudo como um fator de conservação.”(1969, p. 88).

1.3.2-Mutabilidade:

O signo com o seu caráter arbitrário possibilita que a língua sofra mudanças, pois

embora ele apregoe que o signo não mude porque qualquer outro que adotarmos será

igualmente arbitrário e não há razões para predileções de um significante qualquer, ele ao

mesmo tempo faz com que não haja regras, nem impedimentos se caso desejarmos. Pois, o

signo é completamente imotivado e não há nada que impeça de associarmos um significado

qualquer a um outro significante. Ele nos dá liberdade para efetuarmos quaisquer mudanças.

“Uma língua é radicalmente incapaz de se defender dos fatores que deslocam, de minuto a

minuto, a relação entre significado e significante. É uma das conseqüências da arbitrariedade

do signo.” (SAUSSURE, 1969, p. 90).

O tempo é um outro fator que permite que a língua sofra mutações, é ele que faz

com que também a língua não se modifique, como tratado anteriormente. Esse argumento,

que a princípio parece se contradizer, se explica segundo o autor, pois:

“Os dois fatos são solidários: o signo está em condições de alterar-se porque se continua. O que domina, em toda alteração, é a persistência da matéria velha; a infidelidade ao passado é apenas relativa. Eis por que o princípio de alteração se baseia no princípio de continuidade.” (1969, p.89).

Saussure (1969) abre um parêntese e ressalta a importância de se entender

apropriadamente o termo “alteração”. Para ele o termo deve ser entendido como o

deslocamento da relação entre o significado e significante. O autor elucida a questão com a

seguinte exemplificação, “o latim necáre, “matar”, deu em francês noyer, “ afogar”. Tanto a

imagem acústica como o conceito mudaram(...) o vínculo entre idéia e signo se afrouxou e

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que houve um deslocamento em sua relação. ”( SAUSSURE, 1969, p.89). Ainda, sobre o

papel do tempo nas alterações lingüísticas, o autor escreve que essas alterações são também

evoluções, pois a língua sendo um fato social é uma instituição e como tal, passível de sofrer

as modificações provocadas pelo fenômeno da evolução.

“A língua é uma instituição pura (...). Isso se vê bem pela maneira por que a língua evolui; nada mais complexo: situada, simultaneamente, na massa social e no tempo, ninguém lhe pode alterar nada e, de outro lado, a arbitrariedade de seus signos implica, teoricamente, a liberdade de estabelecer não importa que relação entre a matéria fônica e as idéias. Disso resulta que esses dois elementos unidos nos signos guardam sua vida própria (...) e que a língua se altera ou, melhor evolui, sob a influência de todos os agentes que possam atingir quer os sons, quer os significados. Essa evolução é fatal; não há exemplo de uma língua que lhe resista. Ao fim de certo tempo, podem-se sempre comprovar deslocamentos sensíveis” (1969 p.90-91).

Contudo, essas alterações não podem ser realizadas por somente um indivíduo

desejoso de realizar tal façanha. Para que uma língua adquira condições de existência é

necessário o individuo, como massa falante. Mas as alterações não se podem dar segundo a

vontade de um único indivíduo, pois a língua como já tratado anteriormente é um fato social.

“Se tomasse a língua no tempo, sem a massa falante- suponha-se o indivíduo isolado que vivesse durante vários séculos- não registraria talvez nenhuma alteração; o tempo não agiria sobre ela. Inversamente, se se considerasse a massa falante sem o tempo, não se veria o efeito das forças sociais agindo sobre a língua.” (1969, p. 92-93).

1.4 - O papel da escrita para Saussure

É fato notável que o senso-comum considere que a escrita exerça preponderância

sobre a fala ou ainda que não se faça diferenciação das duas. Enxergando ambas inseparáveis

uma da outra, sendo assim, impossível dissociar a língua de sua ortografia e por conseguinte

guardando a impressão que só há razão de ser se a outra também existir; se analisarmos uma

tribo de índios perceberemos que esse argumento cai logo por terra, pois estes não possuem

um alfabeto ou qualquer outro sistema de escrita e somente se comunicam através da fala.

Portanto, podemos afirmar que a língua/fala oral é independente da escrita. Sendo assim,

“deve-se priorizar o estudo da língua oral, porque a escrita obscurece a visão da língua; não é

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um traje, mas um disfarce” (SAUSSURE, 1969, p.40). Pois, existem muitas incoerências na

escrita, “percebe-se bem isso pela ortografia da palavra francesa oiseau,onde nenhum dos

sons da palavra falada (wazo), é representado pelo seu signo próprio; nada resta da imagem da

língua.” (SAUSSURE,1969,p. 40) A escrita somente existe para simbolizar a língua oral,

dessa maneira uma vez que a língua é um significante a escrita seria portanto, o significante

do significante, de acordo com a visão do autor. Podemos também preconizar segundo ele que

a fala antecede a escrita, basta analisarmos o fato de que primeiro aprendemos a falar e

somente depois a escrever.

“Língua e escrita são dois elementos distintos de signos; a única razão de ser do segundo é representar o primeiro; o objeto lingüístico não se define pela combinação da palavra escrita e da palavra falada; esta última por si só, constitui tal objeto. Mas a palavra escrita se mistura tão intimamente com a palavra falada, da qual é a imagem, que acaba por usurpar-lhe o papel principal; terminamos por dar maior importância à representação do signo vocal do que ao próprio signo.” (1969, p.34).

Contudo, a escrita para o senso-comum é ainda considerada mais importante do que

a fala. Saussure (1969) aponta que isso se dá, pois, em primeira instância as imagens gráficas

da ortografia nos impressionam mais facilmente do que os sons; e pelo fato de que ficam mais

facilmente guardadas na memória do que as impressões sonoras. Depois por que se

estabeleceu um código da escrita, em que se legitimou o uso da escrita através de livros de

gramática, dicionários, etc. Nestes códigos a fala não entra em cena, somente ficam

registradas e fixadas as normas da escrita. E finalmente por que quando há divergência entre a

maneira que uma palavra é pronunciada e sua ortografia, considera-se a escrita em detrimento

da fala.

Saussure (1969) nos mostra que existem dois sistemas de escrita somente, o

ideográfico e o fonético; o primeiro é “representado por um signo único e estranho aos sons

de que ela se compõe. Esse signo se relaciona com o conjunto da palavra, e por isso,

indiretamente, com a idéia que exprime.” (SAUSSURE, 1969.p.36) Como exemplo, temos o

sistema de escrita japonês e chinês. O segundo diz respeito ao sistema que a maioria das

línguas ocidentais se dispõe e tentam “reproduzir a série de sons que se sucedem na palavra.

As escritas fonéticas são tanto silábicas como alfabéticas (...)” (SAUSSURE, 1969. p. 36). O

autor adotara como recorte de estudo o sistema “fonético” mais especificamente o alfabeto

grego.

Analisando o sistema fonético grego Saussure (1969) percebe que essa “série de

sons que se sucedem na palavra” não é tão simétrica nem tão pouco harmônica como se

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supõe. O autor concluiu que isso se deve ao fato de que é mais fácil que a língua mude, pois

fazemos uso dela o tempo inteiro e logo esta mais passível de modificações, mesmo que não

intencionais, enquanto as mudanças na escrita são mais difíceis, pois como já dito

anteriormente, esta é regida por regras afixadas, nas gramáticas, dicionários, etc. O autor

exemplifica essa mudança no exemplo seguinte “o l palatal francês se converte em jod; os

franceses pronunciam essuyer, éueyer, mouyer como essuyer, nettoyer; mas continuamos a

escrever éveiller ,mouiller”.( SAUSSURE,1969. p. 38). E acrescenta ainda que:

“O que fixa a pronúncia de uma palavra não é sua ortografia, mas sua história. Sua forma, num dado momento, representa um momento da evolução que ela se vê forçada a seguir e que é regulada por leis precisas. Cada etapa pode ser fixada pela que precede. A única coisa a considerar, e a que mais se esquece, é a ascendência da palavra, sua etimologia.” (1969 p 40-41).

Contudo, para o autor essas mudanças fonéticas deveriam ser seguidas pelas

mudanças na escrita, pois a função da escrita nada mais é do que a de representar a língua e

este exemplo como um sem número de outros, é algo simplesmente estranho à língua, e o

resultado disto é “que a escrita obscurece a visão da língua (...) quanto menos a escritura

representa o que deve representar, tanto mais se reforça a tendência de tomá-la por base (...)

como se o signo gráfico fosse à norma.” (SAUSSURE, 1969, p.40).

1.5- Valor Lingüístico e o Caráter Linear do Significante

Para se entender o conceito de valor lingüístico é necessário, de acordo com

Saussure (1969), que entendamos primeiramente dois elementos que através de seu

funcionamento permitem que a língua se constitua como um sistema de valores, as

idéias/pensamentos e os sons. As idéias nada mais são do que “(...) uma massa amorfa e

indistinta (...) o pensamento é como uma nebulosa onde nada está necessariamente

delimitado. Não existem idéias preestabelecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da

língua.” (SAUSSURE, 1969, p.130.). Enquanto os sons são “(...) uma matéria plástica que se

divide por sua vez, em partes distintas, para fornecer os significantes dos quais o pensamento

necessita.”( SAUSSURE,1969.p.130). Dessa maneira, a língua seria um elo entre pensamento

e o som. Que pode ser representado através da figura seguinte, em que a língua é ilustrada

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pelos pontilhados que marcam as subdivisões nos planos das idéias (A) e no plano dos sons

(B).

Fonte: SAUSSURE, p.131.

Essa concepção nos mostra que é o conceito de arbitrariedade do signo que

determina que a língua seja um sistema de valores relativo, pois percebemos que:

“Não só os dois domínios ligados pelo fato lingüístico são confusos e amorfos como a escolha que se decide por tal porção acústica para tal idéia é perfeitamente arbitrária. Se esse não fosse o caso, a noção de valor perderia algo de seu caráter, pois conteria um elemento de fora. Mas de fato, os valores continuam a ser inteiramente relativos, e eis porque o vínculo entre a idéia e som é radicalmente arbitrário (...) A coletividade é necessária para estabelecer os valores cuja única razão de ser está no consenso geral (...).” (SAUSSURE, p.132).

Saussure (1969) postulou que o valor lingüístico, funcionaria como um sistema do

qual os elementos da língua dependem um dos outros, portanto sua significação e ou valor

não pode ser dá em isolado. É através da relação que os elementos adquirem suas diferenças e

também semelhanças. O signo tal como já tratado anteriormente, em que o significante

reclama o significado, como mostra a figura seguinte, pode erroneamente nos levar a pensar

que faça parte de algo que adquire sua significação por si só, que seja resultado somente da

simples associação de significado/significante.

Fonte: SAUSSURE, p.133.

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Contudo, esta visão é errônea, pois, “a língua é um sistema em que todos os termos

são solidários e o valor de um resulta tão somente da presença simultânea de outros”

(SAUSSURE, 1969, p. 133). O autor exemplifica a questão comparando o sistema de valores

com um jogo de xadrez:

“Tomemos um cavalo; será por si só um elemento no jogo? Certamente que não, pois, na sua materialidade pura, fora de sua casa e das outras condições do jogo, não representa nada para o jogador e não se torna elemento real e concreto senão quando revestido de seu valor e fazendo corpo com ele. “ (SAUSSURE, p. 128).

Portanto a significação só é dada através das relações de um elemento com outro. É

necessário não somente que estejam linearmente dispostos e ou estruturados (vide caráter

linear do significante), como também que sejam distintos uns dos outros, como ilustrará a

figura seguinte:

Fonte: SAUSSURE, p.133.

Saussure (1969) propõe definir o signo não por aquilo que ele é, pois o valor de um

signo não existe por si só, é adquirido na sua relação e principalmente pela sua diferença com

os outros termos; o autor define o signo por aquilo que ele não é. Analisemos a frase: A/ casa/

é/ grande/ e/ bonita. Só nos é permitido apreender o sentido desta frase, pois as palavras estão

não somente linearmente ordenadas, mas principalmente por que o significante/ significado

casa é diferente de bonita que por sua vez é diferente de grande e assim por diante. Ou ainda,

o conceito de casa só significa casa, pois existe algo que não é conceituado como casa.

Com relação ao caráter linear do significante, Saussure (1969) postula que todo

significante desenvolve-se através de uma linha, ou seja, só é possível que funcione de

maneira sucessiva. Não há como se pensar em dois significantes ao mesmo tempo. Pensemos

da seguinte maneira: não pronunciamos duas palavras ao mesmo tempo, dizemos uma de cada

vez; nem tão pouco se consegue escrever várias letras de uma só vez e em um mesmo espaço,

escrevemos uma seguida de outra, em diferentes espaços. Essa impossibilidade de pensá-lo

sem a linearidade, é devido ao fato de que segundo o autor:

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“ O significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem características que toma do tempo:a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha(...) Se, por exemplo, acentuo uma sílaba, parece que acumulo em um só ponto elementos significativos diferentes. Mas trata-se de uma ilusão: a sílaba e seu acento constituem apenas um ato fonatório(...)”(1969,p. 84)

Disto resulta que o caráter linear e o valor lingüístico são complementares. Como já

dito anteriormente só apreendemos os sentidos das frases devido aos elementos estarem

linearmente dispostos e por serem uns distintos dos outros.

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2-PÓS-MODERNISMO E PÓS-ESTRURALISMO

A teoria pós-moderna que invadiu o panorama cultural, artístico e filosófico em

meados da década de 70, irrompeu-se já comemorando o fim do pensamento modernista,

criticando-o e consequentemente criando novas teorias políticas e sociais. Contudo, a teoria

pós-moderna ainda nos dias de hoje carece de uma unidade. Apresentando variadas

concepções e percepções dos diferentes autores a respeito do termo, como veremos adiante.

Embora,o termo muitas vezes seja usado de forma una, negligenciando a pluralidade e por

vezes conflituosas posições a cerca do pós-modernismo. Best e Kellner (2001) propõem

então, realizar a intricada tarefa de nos mostrar as mais expressivas visões conceituais da

teoria pós-moderna, bem como suas posições centrais e limitações. Procurando assinalar as

principais rupturas e diferenças discursivas modernas e pós-modernas, em busca de identificar

“algumas das palavras chaves dentro da família de conceitos pós-modernos” (BEST;

KELLNER, 2001, p.2).7

2.1- Conceituações: Modernidade/Pós-Modernidade e Modernismo/Pós-Modernismo

De acordo com Best e Kellner (2001) é preciso primeiramente fazer a distinção entre

alguns termos utilizados no texto, afim de não confundi-los. Os autores utilizam o termo “pós-

modernidade” para referirem à época que se segue a modernidade, enquanto o termo “pós-

modernismo” é utilizado para designar os “movimentos e artefatos no campo cultural, que se

distinguem dos movimentos, textos e práticas modernistas” (BEST; KELLNER, 2001, p. 5).

Feitas as distinções e ressalvas necessárias, os autores entram na discussão conceitual dos

termos modernidade e pós-modernidade. Para eles a “modernidade é conceituada como o

período da idade moderna e pós-modernidade, como o período que segue a modernidade”

(BEST; KELLNER, 2001, p.2).8 Entretanto, há diferentes conceituações à cerca do período da

idade moderna, bem como também diferentes concepções do que caracterizaria a pós-

modernidade. Para alguns autores como Weber e Marx, modernidade seria o período que

7 Some of the key words within the family of concepts of the postmodern (Tradução nossa). 8 Modernity conceptualized as the modern age and postmodernity as an epochal term for describing the period wich allegedly follows modernity.( Tradução nossa).

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sucede a idade média. Para outros como Descartes, é o período onde reina a razão e o

progresso social. Para Best e Kellner:

“A modernidade entrou no cotidiano, através da disseminação da arte moderna, dos produtos da sociedade de consumo, das novas tecnologias (...). As dinâmicas das quais a modernidade produziu um novo mundo industrial e colonial, podem ser definidas como “modernização”-um termo que denota esses processos de individualização, secularização, industrialização, diferenciação cultural, mercantilização, urbanização, burocratização e racionalização, que junto constituíram o mundo moderno (...).A modernidade também produziu um conjunto de instituições disciplinadoras, práticas e discursos que legitimaram seus modos de dominação e controle.”(2001.p.2-3).9

A pós-modernidade para os seus defensores é assinalada por uma sociedade na qual

se tem como fator característico a alta tecnologia. Essa nova sociedade não mais tem a ver

com aquela de antigamente marcada principalmente pela industrialização. Irrompe-se, então,

uma nova sociedade nomeada pós-moderna. “Constituindo um novo estágio na história e uma

nova formação sócio-cultural que requer novos conceitos e teorias.” (BEST; KELLNER,

2001, p. 3). 10

Surgem, portanto, os teóricos defensores da idéia de sociedade pós-moderna, os

chamados pós-modernistas. Braudillard, Lyotard, Harvey são alguns dos nomes de destaque,

dentre esses novos teóricos. Esses autores preconizam que o desenvolvimento das novas

tecnologias e as mudanças no sistema sócio-econômico estão formando a sociedade pós-

moderna.

“Esses processos estão produzindo também aumento na fragmentação cultural, mudanças na experiência de espaço e tempo, e novos modos de experiência, subjetividade, e cultura. Essas condições promovem as bases econômicas e socioculturais para a teoria pós-moderna (...).” (2001, p.3).11

9 Modernity entered everyday life through the dissemination of modern art,the produtcs of consumer society,new technologies. The dynamics by wich modernity produced a new industrial and colonial world can be described as modernization-a term denoting those processes of individualization, secularization,industrialization,cultural differentiantion,commodification,urbanization,bureaucratization, and rationalization wich together have constituted the modern world.Modernity also produced a set of disciplinary institutions,practices,and discourses wich legitimate its modes of domination and control.(Tradução nossa). 10 Constitutes a novel stage of history and novel sociocultural formation wich requires nem concepts and theories.( Tradução nossa). 11 These processes are also producing incresead cultural fragmentation,changes in the experience of space and time, and new modes of experience,subjectivity,and culture. These conditions provide the socioeconomic and cultural basis for postmodern theory. ( Tradução nossa).

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Contudo, há diferentes formas de interpretações, percepções e consequentemente,

resultados que essa nova sociedade gera ou gerará, dentre os teóricos pós-modernos. Para

Harvey, a pós-modernidade inaugura um novo estágio do capitalismo, um estágio ainda mais

alto, onde este se expandirá por todo o mundo. Já na concepção de Baudrillard a pós-

modernidade é vista em termos de produção de novas informações, tecnologias e

conhecimento. Desta maneira, podemos perceber que o conceito de pós-modernidade mesmo

que apresente alguns elementos comuns entre os autores, ainda sim é marcado por diferenças

conceituais, que variam de autor para autor. (BEST; KELLNER, 2001).

Nos mais variados campos, desde o cultural perpassando pelo artístico ao teórico,

Best e Kellner (2001) procuram fazer a distinção entre os principais pontos característicos do

modernismo e pós-modernismo. No campo cultural e artístico os autores escrevem que o

modernismo é representado principalmente pelo impressionismo, expressionismo, surrealismo

e outras artes vanguardistas. Ao passo de que o pós-modernismo é marcado pelas “diversas

formas estéticas e práticas que vieram depois e romperam com o modernismo” (BEST;

KELLNER, 2001.p.4).12 Dentre os principais expoentes culturais do pós-modernismo

podemos citar: Warhol, Rauschenberg, Lynch, Ballard e John Cage. No campo teórico, as

diferenças são marcadas principalmente pelas críticas dos teóricos pós-modernos em relação

aos teóricos modernos, criticando:

“Suas buscas e tentativas por uma fundação do conhecimento, por suas "universais” e “totalizantes” alegações, por sua arrogância em tentar fornecer verdades (...). (...) criticam a crença moderna de que a teoria reflete a realidade (...). Rejeitam os pressupostos modernos de coerência social e noções de causalidade.” (2001, p.4). 13

Adotando em contrapartida uma visão teórica:

“Perspectivista e relativista, argumentando que as teorias no máximo proporcionam perspectivas parciais de seus objetos, e que todas as representações cognitivas do mundo são historicamente e linguisticamente mediadas. (...) adotam uma posição em favor da multiplicidade, pluralidade, fragmentação e indeterminação.” (2001, p.4).14

12 Postmodernis can describe those diverse aesthetic forms and pratices which come afther break with modernism.( Tradução nossa). 13 Is critized for its research for foundation of knowledge,for its universalizing and totalizing claims,for its hubris to supply apodictic truth.the modern belief that theory mirrors reality. Rejects modern assumptions of social coherence and notions of causality, and indeterminancy.( Tradução nossa). 14 Perspectivist and relativist positions that theoris at bets provide partial perspectives on their objects,and that all cognitive representations of the world are historically and linguistically mediated. taking in favour of multiplicity, pluracity,fragmentations and indeterminacy.( Tradução nosa).

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2.2-Precedentes e Precursores do Pós-modernismo

2.2.1- Pós-modernismo Latente

O termo pós-modernismo tal qual o conhecemos, nem sempre fora usado para

referir-se ao conceito pelo qual o entendemos nos dias de hoje. Outrora, já fora diversas vezes

utilizados em outros desígnios. Esta é apenas uma das descobertas realizadas por Best e

Kellner (2001) que, em busca de uma clarificação sobre o termo, realizaram uma verdadeira

“escavação” sobre as camadas de sua história, promovendo uma arqueologia15 do termo. A

utilização do termo pós-modernismo data de épocas bastante remotas, já no ano de 1870 como

os autores apontam, um pintor chamado John Chapman, já utilizara o termo “pintura pós-

modernista”, para referir-se a pinturas mais modernas e de vanguarda que as pinturas

impressionistas francesas da mesma época (BEST; KELLNER, 2001).

Alguns dos precursores do uso do termo, que surgiam com uma sugestão de - pós-

modernismo e pós-modernidade - para designar algo por vezes distante, por vezes próximo do

atual, foram revelados através da investigação de Best e Kellner (2001). No ano de 1947, o

historiador inglês Arnold Toynbee citado pelos autores surge com a noção de uma era pós-

moderna no primeiro volume de seu livro intitulado: “A Study of History”. O livro constituiu-

se ao todo de doze volumes e o termo pós-moderno é não somente adotado nos demais

volumes, como também é subsequentemente trabalhado nos volumes VIII e IX,como

apontado pelos autores. Para Toynbee (1947), segundo Best e Kellner (2001), por volta do

ano de 1875, a sociedade ocidental adentrou em uma nova era denominada pós-moderna, que

rompeu completamente com a era anterior que fora “(...) marcada por uma estabilidade social,

racionalismo e progresso - uma típica concepção de uma burguesia de classe média, de uma

era marcada por ciclos de crises, guerras e revoluções.” (BEST, KELLNER, 2001, p.6).16 Ao

passo de que está nova, passava a ser caracterizada pela descrença nos idéias iluministas e

racionalistas. Best e Kellner (2001) chamam atenção para o fato de que faltou a Toynbee

(1947) uma teoria sistematizada sobre o que ele escrevera sobre a pós-modernidade e

15 Os autores esclarecem que o termo arqueologia é usado de uma forma metafórica,não aquele usado por Focault que sugere uma análise que articula as regras que constituí e governa um dado discurso. A arqueologia dos autores explora a história no termo na sua forma mais desigual dentro de diversos campos teóricos. 16 Marked by social stability,rationalism,and progress, a typical burgeois middle-class conception of na era marked by cycles of crisis,war,revolution.(Tradução nossa).

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acrescentam ainda que: “os traços religiosos de sua análise seria totalmente estranho para com

aqueles que trabalham com o conceito de pós-modernidade no cenário contemporâneo.”

(BEST; KELLNER, p.6). 17

Uma “avalanche” de novas conceituações sobre pós-modernidade e pós-modernismo

inundou o panorama da década de 50 invadindo, sobretudo os campos de estudos histórico-

sociológico da América do Norte. Neste cenário, Best e Kellner (2001) escrevem que surge

Bernard Rosenberg (1957), argumentando que a sociedade e a cultura não eram mais as

mesmas e as mudanças eram cada vez mais crescentes e visíveis. Rosenberg (1957),de

acordo com os autores, passou a utilizar o termo pós-modernismo para referir-se as novas

condições de vida da sociedade de massa. (BEST; KELLNER, 2001).

“(...) uma certa uniformidade desenvolve em todo lugar. Clement Greenberg pode significativamente falar sobre uma cultura de massa universal (...) que une um residente de Johanesburgo a seu vizinho em San Juan, Hong Kong, Moscou, Paris, Bogotá, Sydney e Nova Iorque. Aborígines Africanos (...) dão um salto para fora de seu passado primitivo - direto ao espetáculo onde (...) eles podem ser enfeitiçados como o resto de nós. Primeiro envolvido pelas “commodities” o homem pós-moderno torna-se uma parte trocável no processo cultural. “(1957, p.4)”. 18

Best e Kellner (2001) citam outro autor que escrevera dentro do mesmo período

supracitado, Peter Drucker, autor de “The Landmarks of Tomorrow: A report on the New

Post-Modern World” (1957), escreve em seu livro que a sociedade caminhou sem ao menos

se dar conta, nos últimos vinte anos para uma nova sociedade, a qual ele não consegue ainda

atribuir um nome. Para Best e Kellner (2001), Drucker se assemelha bem ao estilo dos

teóricos da “sociedade pós-industrial” bastante otimista em relação à nova era, o que ao final

o próprio Drucker (1957) acaba por confirmar segundo os autores. Peter Drucker (1957)

“acreditava que o mundo pós-moderno poderia ver o fim da pobreza e ignorância, o declínio

do estado-nação, o fim das ideologias e um processo de modernização a nível mundial”

(BEST, KELLNER, 2001, p.8). 19

Escrevendo a mesma época, porém, compartilhando de uma visão um tanto quanto

mais negativista que a de Drucker; o sociólogo Wright Mills (1959), citado por Best e Kellner

17 The religious overtones of his analysis would be totally foreign to those who took up the concept of postmodernity in the contemporary scene. (Tradução nossa) 18 A certain sameness develops every where.Clement Greenberg can meaningfully speak of a universal mass culture wich unites a resident of Johannesburg with his neigbord in San Juan,Hong Kong,Moscow,Paris,Bogotá,Sydney na New york.African Aborígines, leap out of their primitive past-straight into the movie house where,they be mesmerized like the rest of us. First besiege with commodities,postmodern man becomes interchangeable part in the whole cultural process.( Tradução nossa) 19 Believed that the postmodern world would see the end of poverty and ignorance,the decline of the nation state,the end of ideology,and a worldwide process of modernization.( tradução nossa).

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(2001) adota uma conceituação de pós-modernidade em seu livro “The Sociological

Imagination” (1959) em que escreve que a nova sociedade é um produto natural e histórico

“Assim como a antiguidade fora seguida por séculos de ascendência Oriental (...) agora a

idade moderna está sendo sucedida por um período de pós-modernidade” (MILLS, Wright,

1959, apud, BEST; KELLNER, 2001, p.8)20. Contudo, Mills não cria um conceito claro do

que caracteriza e ou caracterizaria a pós-modernidade; ele apenas escreve sobre uma “nova

realidade” a qual está mudando nossa concepção de sociedade e que precisamos nos adequar

pelo fato de estarmos ainda presos a certos padrões que não estão mais em vigor. Porém,

Mills (1959), como escreve os autores, também assinala com uma certa carga de

descontentamento que todas essas novas mudanças, estariam indo de encontro a um

“aumento” da racionalização da sociedade, o que em sua fórmula, resulta na diminuição de

liberdade da mesma. Wright Mills (1959), segundo Best e Kellner(2001) trabalha com a

noção de sociedade de “rôbores satisfeitos” que segundo o próprio, pode nos levar ao aumento

da servidão.

Best e Kellner (2001) abrem um parênteses neste ponto para destacar que todos os

teóricos tratados até esse ponto, seriam autores mais modernistas do que pós-modernistas,

pois:

“realizam generalizações sociológicas, totalizam levantamentos de sociologia e história e tem a crença no poder da imaginação sociológica para iluminar a realidade social e para mudar a sociedade. Consequentemente, os usos precedentes do termo pós-modernismo nas teorias sociais e culturais não fizeram a mudança conceitual (...) que poderia caracterizar a virada teórica no pós-modernismo.” (2001, p.8).21

Ainda nesse contexto, o historiador Geoffrey Barraclough, citado por Best e Kellner

(2001) desenvolve em seu: “An Introduction to Contemporary History” (1964), uma

conceituação mais metódica sobre pós-modernidade, ainda que um pouco distante da sonhada

“virada” teórica pós-modernista. Barraclough (1964),segundo os autores, argumenta que o

mundo que vivemos hoje é consideravelmente e indubitavelmente diferente do mundo do

século passado; e um mundo diferente requer uma estrutura também diferente. Barraclough

(1964) preconiza que a história contemporânea, a qual ele intitula de era pós-moderna é

20 Just like as antiquity was followe by several centuries of oriental ascendancy, so now the modern age is being suceeded by a post-modern period.( Tradução nossa). 21 Given to sweeping sociological generalization,totalizing surveys of sociology and history and history,and belief in the power of the sociological imagination to iluminate social reality and to change society.Consequently,the early uses of the term postmodern in social and cultural theory had not the conceptual shifhts wich would come to characterize the postmodern tun in theory.( Tradução nossa).

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completamente diferente da era que a precede, a era moderna, que por conseguinte é diferente

da era medieval e assim sucessivamente. Para ele cada período histórico ou eras tem suas

características próprias e despreza qualquer noção de continuidade histórica. Como

características próprias da era pós-moderna Barraclough (1964) sugere que os traços

delimitadores ou limitadores dessa era seriam os desenvolvimentos científicos e tecnológicos,

a transição do individualismo para a sociedade de massa e os movimentos revolucionários do

terceiro mundo, contrários a expansão do capitalismo. (BEST; KELLNER, 2001.)

2.2.2-Início da Sistematização Teórica

Na década de 60, alguns autores começavam a trabalhar para conseguirem realizar a

embaraçada tarefa de desenvolver a tão desejada mudança conceitual pós-moderna. Nas

décadas anteriores, o termo pós-modernismo como já vimos anteriormente era usado ou de

maneira temerária e infundada, sem uma preocupação com uma sistematização teórica ou era

utilizado “para descrever novas formas de arquitetura ou poesia, não era usado amplamente

no campo da teoria cultural para descrever artefatos que opusessem ou que vieram depois do

modernismo, até a década de 60 e 70.” (BEST; KELLNER, 2001, p.9,10).22

As discussões começavam a ficar cada vez mais acaloradas entre os teóricos sociais

que insistiam numa ruptura radical com a cultura modernista em detrimento do surgimento de

uma nova cultura pós-moderna. Com o surgimento na década de 60 de novas expressões

culturais, como a arte pop, que se destoava quase que por completo do modelo artístico

moderno, ficava cada vez mais difícil negar o surgimento de senão algo “pós” – que se rompe

e sucede seu precedente - ao menos deixava os defensores da modernidade em alerta para com

os novos acontecimentos.

“Os anos 60 foi o período da arte pop, filmes de cultura, acontecimentos multimídia, shows e concertos de rock, e outras formas culturais (...) esses desenvolvimentos transcendem as limitações e formas anteriores como à poesia e o romance. Artistas em muitos campos começaram a misturar e incorporar mídia (...) e cultura popular em sua estética. Consequentemente, a nova sensibilidade era mais pluralista, menos séria e moralista que a modernista (...). (contra valores modernistas de seriedade, pureza e

22 To describe new forms of archictecture or poetry,it was not widely used in the field of cultural theory to describe artifacts that opposed and/or came after modernism until 1960s and 1970s.( Tradução nossa)

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individualidade a arte pós-moderna exibia uma despreocupação, diversão e um novo ecletismo” (2001 p.10-11). 23

Nas décadas de 70 e 80 surgiam cada vez mais discursos de prismas pós-modernistas

e que agora se estendiam pelos mais diversos campos, desde a arquitetura, seguindo pela

literatura e chegando ao filosófico. Despontando como um grande expoente da concepção de

literatura pós-moderna; insere-se: Hassan (1971, 1979, 1987),citado por Best Kellner (2001).

Ele insere os termos “anti-literatura” e “literatura do silêncio” e afirma ser uma contra-

resposta à sociedade ocidental. No campo arquitetônico o nome de destaque, que sugere em

seu livro: “The Language of Modern Architecture” (1977), é Charles Jenck, como aponta Best

e Kellner(2001) que preconiza o surgimento de um novo estilo pós-moderno, onde

predominaria uma forma e ou estilo “eclético”.

No flanco dos teóricos que viam as mudanças com “bons olhos”, de acordo com Best

e Kellner (2001), encontravam-se autores como: Susan Sontag (1972), Leslie Fiedler (1971),

Ihab Hassan (1971), dentre outros. Para estes a cultura pós-moderna é: “opositora dos

aspectos opressivos do modernismo (...). Expressando sua insatisfação com a ficção e modos

de interpretação modernista” (BEST; KELLNER, 2001.p.10).24 Ao lado partidário da

perspectiva negativista, que preconizavam que o surgimento da nova cultura pós-moderna,

causaria, sobretudo, a decadência do racionalismo acabando por culminar no anti-

intelectualismo; encontravam-se: Irving Howe (1970), Harry Levin (1966) e George Steiner

(1971). Este ainda mais hostil ao pós-modernismo do que aqueles. Steiner (1971) citado pelos

autores reconhecia, assim como os outros, que inegavelmente, a pós-modernidade havia

tomado conta dos novos tempos, inditosamente, mas havia. E para ele a pós-modernidade era

destrutiva, pois, em suma arruinava os valores da sociedade ocidental, promovia uma perda de

identidade e centralidade geográfica bem como sociológica. Não tão entusiasta da idéia como

o primeiro grupo, contudo, tampouco pessimista como o segundo, Amitai Etzioni (1968)

realizou um discurso mais social, argumentando que o período do pós-guerra com todas as

mudanças que trouxera em especial as tecnológicas, inaugurou o período da pós-modernidade.

Acrescentou ainda que essa tecnologia poderá ser usada tanto para o bem quanto para o mal

23 The 1960s were the period of pop art,film culture,happenings,multi-media light shows and rock concerts,and other new cultural forms.This developments transcend the limitations of previous forms like poetry or the novel. Artists in many fields began mixing media and incorporating kitsch and popular culture into ther aesthetic,Consequently,the new sensibility was more pluralistic and less serious and moralistic than modernist.Against modernist values of seriousness,purity,and individuality,postmodern art exhibitis a new insouciance, a new playfuness,and a new eclectism.( Tradução nossa). 24 Opposes her dissatisfaction with modernist fiction and modes of interpretation.( Tradução nossa)

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da humanidade. Etzioni (1968) era esperançoso de que fosse usada para o bem, na melhora da

qualidade de vida social humana. Best e Kellner (2001) acrescentam que:

“Teóricos positivistas e negativistas estavam respondendo a desenvolvimentos contemporâneos capitalistas (...) que estava entrando em um ciclo expansionista e produzindo novas commodities, abundância, e um modo de vida mais afluente. Seus espetáculos de publicidade, planos de créditos, mídia e mercadorias estavam encorajando a satisfação, o hedonismo e a adoção de novos hábitos, formas culturais e estilos de vida que mais tarde seriam nomeados de pós-modernismo. Alguns teóricos estavam celebrando a nova afluência e diversidade, enquanto outros estavam criticando a decadência dos valores tradicionais e o aumento das forças de controle social. Em suma, os discursos pós-modernos são respostas aos desenvolvimentos sócio-econômicos que por vezes eles nomeiam e por vezes obscurecem.” (2001, p.15).25

2.3-Estruturalismo em cena

As décadas de 60,70 e 80 foram de intensa produtividade teórica, a sociedade pós-

guerra e pós-industrial sentiam “na pele” as rápidas transformações no cotidiano social e

cultural. Novas teorias se tornavam emergenciais para a interpretação e ou explicação da nova

sociedade que agora presenciava o surgimento dos arranha-céus, dos shoppings centers, do

consumismo e da tecnologia. Tendo como pano de fundo esta nova realidade, a França

desponta como palco principal para o desenvolvimento destas novas teorias (Best;

Kellner,2001).

Nos anos iniciais subseqüentes a Segunda Guerra, teorias como o marxismo e o

existencialismo estavam em voga. Nos anos 60 essas teorias foram suprimidas pelo

estruturalismo lingüístico. Teóricos como Lacan, Lévi- Strauss e Althusser passaram a utilizar

e ou incorporar o estruturalismo lingüístico de Saussure nos campos da psicanálise,

antropologia e teoria política respectivamente. Nas palavras de Barthes (1964) citados por

Best e Kellner (2001), assinala que: “O objetivo de toda atividade estruturalista (...) é

25 Both the positive and negative theorists were responding to developments in contemporary capitalism-thought rarely conceptualizing the as such-wich was going through na expansionist cycle and producing new commodities,abundance, and a more affluent lifestyle. Its advertising,credit plans,media, and the adoption of new habits,cultural forms,and lifestyles which would be termed postmodern. Some theorists were celebrating the new diversity and affluence,with others were criticing the decay of traditional values or incresead powers of social control. In a sense,then,the discourses of the postmodern are responses to socioeconomic developments which they sometimes name and sometimes obscure.( Tradução nossa)

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reconstituir o objeto e por esse processo fazer-se conhecer as regras de funcionamento ou as

funções desse objeto.” (BARTHES, 1964, apud, BEST; KELLNER, 2001. p.18).26

Best e Kellner (2001) afirmam que a grande inovação e ou mudança da nova

abordagem teórica lingüística é a eliminação da prática humana e do próprio sujeito humano

(que dominara até então as teorias sociais e humanas até aquele momento). O conceito de

sujeito incorporado nas filosofias de até então fora abolido em detrimento da primazia dos

sistemas de símbolos e do inconsciente “o sujeito em si é constituído pelas relações dentro da

língua, dessa maneira a subjetividade é vista como uma construção lingüística e social.”

(BEST; KELLNER, 2001, p.19). 27

“As novas correntes estruturalistas(...) tem suas raízes na teoria semiótica de Ferdinand de Saussure (1857-1913). Argumentando que a língua pode ser analisada em termos de sua presente lei de operação, sem referência as suas propriedades históricas e de evolução, Saussure interpreta o signo lingüístico consistido de duas partes integralmente relacionadas: um componente acústico-visual, o significante e um componente conceitual, o significado. A língua é um “sistema de signos que expressa idéias”, ou significantes, através de diferentes significados que produzem sentido. Saussure enfatiza duas propriedades da língua que são de crucial importância para entender os desenvolvimentos teóricos atuais. Primeiro, ele viu que o signo lingüístico é arbitrário (...). Segundo, ele enfatizou que o signo é diferencial, parte de um sistema de significados onde as palavras adquirem significação somente pela diferença do que não são.” (2001, p.19) 28

26 The aim of all structuralistic activity, in the fields of both thought and poetry,is to reconstitute an object,and,by this process,to make known the rules of functioning,or functions,of this object.( Tradução nossa) 27 The subject itself was constituted by its relations its relations within language by individual subjects,was determined by language was seen as a social and linguistic construct. 28 The new structuralist currents were in part products of a linguistic turn which had roots in the semiotic theory of Ferdinand de Saussure( 1857-1913).Arguing that language can be analyzed in terms of its presents laws of operation, without reference to its historical properties and evolution, Saussure interprete the linguistic sign as comprised of two integrally related parts: an acoustic-visual component,the signifier,and a conceptual componet,the signified.Language is a system of signs that expresses ideas,or signifieds,through differing signifiers that produce meaning. Saussure emphasized two properties of language that are crucial importance for understanding contemporary theoretical developments. First,he saw that the linguistic sign was arbitrary,Second he emphasized that the sign is differential,part of a system of meanings where words acquire significance only by reference to what they are not.( Tradução nossa).

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2.4- Pós-estruturalismo em cena

2.4.1. A base para a crítica pós-estrutural em Nietzsche e Heidegger

Best e Kellner (2001) enfatizam o papel de destaque que filósofos como Nietzsche e

Heidegger tiveram sobre a constituição do pensamento pós-estrutural, através da crítica tecida

sobre a modernidade. O ataque de Nietzsche a filosofia ocidental e de Heidegger a metafísica

estimulou vários teóricos a questionar e consequentemente produzir novas bases e concepções

filosóficas, que culminou na gênese das teorias pós-modernas e pós-estruturalistas.

Nietzsche criticou energicamente os fundamentos da filosofia ocidental tais como os

conceitos de: causa/efeito, sistema, sujeito, verdade e valores; adotando em contrapartida o

perspectivismo “o qual não há fatos, somente interpretações, nem verdade objetiva, somente a

construção de indivíduos e grupos”. (BEST; KELLNER, 2001, p.22).29 Nietzsche imaginou

uma nova forma de escrita e vida, sobretudo desejou fundamentar um novo modelo de

filosofia. “Ele insistiu que toda língua é metafórica e que o sujeito é apenas um produto da

língua e pensamento.(...) atacou as pretensões de razão e defendeu os desejos do corpo (...) a

superioridade da arte sobre a teoria.(BEST;KELLNER,2001,p.22).30 Nietzsche também

considerava as concepções democráticas, liberais,racionalistas,dentre outras; provindas da

modernidade e a própria modernidade em si um estágio de avançado declínio do homem,

onde os instintos naturais são postos de lado.

Heidegger (1977), também citado pelos autores, não somente criticou como rejeitou

a modernidade, juntamente com o racionalismo e humanismo frutos daquela árvore, bem

como a metafísica ocidental. Heidegger (1977) preconizou que o racionalismo e seu desejo

pela transposição do homem e da natureza dimanaria no que ele chamou de “esquecimento do

ser/natureza”. (BEST; KELLNER, 2001).

29 There are no facts,only interpretations,and no objective truths, only the constructs of groups and individuals groups.( Tradução nossa). 30 He insisted that all language was metaphorical and that the subject was only a product of reason and defended the desires of the body and the life-enhancing superiority of art over theory.( Tradução nossa).

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2.4.2- Contexto político

Os acontecimentos políticos de maio de 68, como é conhecido contribuiu para a

difusão e aceitação de novas idéias em todo o mundo ocidental, bem como ajudou a

impulsionar o pensamento pós-moderno e pós-estrutural que estava em plena concernência

com as reivindicações da sociedade, como assinalado por Best e Kellner (2001). Nos anos 60

a França era governada pelo general De Gaulle e sua política era extremamente conservadora.

A sociedade era retrograda, a homossexualidade era vista como uma doença, as mulheres

viviam sob a sombra de seus maridos e os negros eram tidos como inferiores. Os estudantes

franceses decidiram então realizar uma greve em maio de 68, que rapidamente alcançou a

adesão do resto da sociedade. Os acontecimentos do período “assinalaram o desejo por uma

ruptura radical com as instituições políticas do passado e evidenciou o fracasso das

instituições liberais”. (BEST; KELLNER, 2001, p.23).31 A descrença no sistema de ensino

acadêmico e consequentemente seu questionamento, também fora um dos acontecimentos

marcantes do período. Os estudantes criticaram a “produção de conhecimento como um meio

de poder e dominação (...) que forçam a conformidade (...) compartimenta conhecimentos que

são irrelevantes para existência real (...)” (BEST; KELLNER, 2001, p.23).32 Nas palavras de

Best e Kellner (2001) os acontecimentos desse período tiveram impacto na teoria pós-

estruturalista na medida em que:

“A força das circunstâncias tornaram difícil de negar (...) o papel da história na experiência humana (...) as brigas políticas (...) dos pensadores pós-estruturalistas que febrilmente tentaram combinar teoria e prática, escrita e política (...) mais atenção foi dada a subjetividade, diferença, e aos elementos marginais da cultura (...)houve intensos debates sobre como o sujeito é formado(...)as multiplicidades de formas de poder na sociedade e no dia-dia.” (2001,p.24).33

31 The upheaval signalled desires for a radical break with institutions and politics of the past and dramatized the failure of liberal institutions.( Tradução nossa). 32 The production of knowledge as a means of power and domination,its enforced conformity,and its specialized and compartmentalized knowledge that are irrelevant to real existence.( Tradução nossa). 33 The force of circumstances made it difflicult to avoid conceptualizing the constituted role of history in human experiende,the political struggles, of the poststructuralist thinkers who feverishly attempted to combine theory and practice,wrting,politics. More attention was paid to subjectivity,difference,and the marginal elements of culture and everyday life.( Tradução nossa).

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2.4.3- A crítica pós-estrutural

A constituição da abordagem teórica pós-estrutural se inicia a partir da crítica aos

pressupostos estruturalistas. Best e Kellner (2001) apontam os principais pontos da crítica

pós-estruturalista ao estruturalismo que se deita em questões como: às aspirações cientificas

destes, em que buscam “criar uma base cientifica para o estudo da cultura e trabalha pelos

padrões modernos (...) de fundamento, verdade, objetividade, certeza e sistema.” (BEST;

KELLNER, 2001.p.19).34 Criticam também a idéia de que a mente tem uma estrutura

universal e ingênita, bem como o “mito e outras formas simbólicas trabalhadas para resolver

as inalteráveis contradições entre natureza e cultura.” (BEST; KELLNER, 2001, p.19).35 A

premissa estruturalista que confina o papel da língua a uma simples e pura estrutura fechada

de oposições, também é duramente criticada. Os pós-estruturalistas chamam a atenção e

também criticam o fato de que os estruturalistas não romperam completamente com a noção

de conceito humanista, pelo fato de eles ainda trabalharem com a perspectiva da inalterável

natureza humana. Outra critica é tecida no campo filosófico estrutural, pela sua tentativa de

fundação do conhecimento e verdade.

2.4.4- Proposições Pós-estruturalistas

Os pós-estruturalistas constroem suas premissas teóricas em cima de uma

perspectiva mais histórica “que vê diferentes formas de consciência, identidades, significação

(...) como historicamente produzidas e por conseguinte variando nos diferentes períodos

históricos.”(BEST;KELLNER,2001,p.20).36 A teoria pós-estruturalista é estabelecida sob a

égide da predominância do significante sobre o significado, pelo fato de que “o significado é

apenas um momento no processo de significação que nunca acaba, onde o sentido é produzido

não em uma estável e referencial relação entre sujeito e objeto, mas (...) pelo papel

34 Created a scientific base for the study of cultural and work for the modern standard, of principles,truth,objectivity,sure and system.( Tradução nossa). 35 Myth and another symbolics forms works to set up the unchangeable contradiction between nature and culture.( Tradução nossa). 36 View wich sees different forms of consciousness,identities,signification,and so on as historically produced and therefore varying in different historical periods.( Tradução nossa).

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intertextual do significante.” (BEST; KELLNER, 2001, p.21).37 Derrida (1973) citado por

Best e Kellner (2001) dá o nome de “disseminação” a esta produção de significação, nas

palavras de Derrida (1973): “O sentido do sentido é uma implicação infinita, a referência

indefinida de siginificante para significado...força uma certa(...) questionabilidade que não dá

descanso ao significado(...)que sempre significa de novo e difere.”( DERRIDA,1973,apud,

BEST;KELLNER,2001).38

Best e Kellner (2001) destacam o ponto de que fora Derrida (1973) que também

criou o conceito de “metafísica da presença” que supostamente garante ao sujeito um acesso a

realidade sem mediador. Derrida (1973) segundo os autores, afirma que a cultura e filosofia

ocidentais são compostas de termos de oposições binárias metafísicas, tais como: fala/escrita,

sujeito/objeto, bom/mal, razão/natureza, mulher/homem,dentre outras ; constroem uma

hierarquia de valores que criam e ou estabelecem as verdades, mas também excluem,

denigrem e inferiorizam os outros termos. Estes conceitos criados e trabalhados por Derrida

(1973) foram de crucial importância não só para o estabelecimento de uma filosofia pós-

estruturalista, mas também influenciou muitos autores; que passaram a argumentar que uma

desconstrução da filosofia moderna era necessária, bem como o estabelecimento de uma nova.

No campo político, o pós-estruturalismo apresenta um discurso radical. Criticando formas

políticas vigentes e reivindicando políticas vanguardistas concernentes com a teoria pós-

estrutural.

37 The signifier is only a moment in a never-ending process of signification where meaning is produced not in a stable,referential between object and subject,but only within the infinite,intertextual play of signifiers.( Tradução nossa). 38 The meaning of meaning....Its force is a certain pure and infinite equivocality wich gives signified meaning and respite,no rest...its always signifies again and differs.( Tradução nossa).

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3-DERRIDA E A DESCONSTRUÇÃO

O filósofo francês Jacques Derrida é tido não somente como o grande nome do

pensamento pós-estrutural, mas também como um dos principais expoentes da filosofia do

último século. O conceito de “desconstrução” criado e desenvolvido pelo filósofo é a

principal marca do legado de Derrida. As críticas tecidas pelo filósofo, as noções de

metafísica logocêntrica39 e principalmente ao estruturalismo lingüístico, é a égide sobre a qual

seus pressupostos são fundamentados.

Em seu paciente e complexo trabalho realizado em Gramatologia (1973) e em A

Escritura e a Diferença (1976) o filósofo desconstrutor surge com uma proposta filosófica que

difere de todas as outras de até então. Através da crítica dos pressupostos supracitados e do

desenvolvimento de conceitos como o de escritura (écriture), oposições binárias, inversão e

deslocamento- conceitos e termos os quais serão expostos e esmiuçados no desenrolar deste

capítulo- Derrida inaugura um novo modo de pensar filosófico: o desconstruticionismo .

3.1- Derrida e as críticas a Saussure

Os pressupostos tratados no Curso de Lingüística geral (1969) que acabou por instituir

a lingüística moderna, como já vimos no capítulo de mesma intitulação, encontrou na obra do

filósofo francês- Jacques Derrida (1973)- suas críticas mais agudas. Em Gramatologia (1973)

Derrida tece suas críticas ao pensamento saussuriano, mostrando as limitações, os perigos e as

contradições do pensamento do lingüista genebrino.

O ponto inicial da crítica derridiana é o fato de Saussure (1969) dar prioridade e

enaltecer a phoné ou fala e reservar à escrita um caráter completamente marginal. Para este,

“Língua e escrita são dois elementos distintos de signos; a única razão de ser do segundo é

representar o primeiro; o objeto lingüístico não se define pela combinação da palavra escrita e

da palavra falada; esta última por si só, constitui tal objeto.” (SAUSSURE, 1969, p.34).

39 Centramento da metafísica ocidental no significado, que tem privilégio da proximidade com o logos,com a determinação metafísica da verdade – eidos-(...)Um dos elementos básicos sobre o qual se construiu o pensamento ocidental. A metafísica atribuiu ao logos a origem da verdade do ser, inseparável da phoné- substância fônica, - que se confunde o ser como presença. (...) é um (pré) conceito que se instala com o platonismo.( SANTIAGO,Silviano(org), 1976,p.56).

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Derrida (1973) chama a atenção para o fato de o tratamento de caráter principal e central dado

à fala por Saussure (1969) seria um resgate da tradição de Platão e Aristóteles que reservara a

escrita e ou escritura um caráter secundário. Derrida (1973) cita uma definição de Aristóteles

que demonstra bem essa tradição: “os sons emitidos pela voz, são símbolos dos estados da

alma e as palavras escritas os símbolos das palavras emitidas pela voz” (Aristóteles, apud,

DERRIDA, 1973, p.13).Portanto, segundo essa tradição“ a voz é o que está mais próximo do

significado(...)o significante escrito seria sempre derivado.Seria sempre técnico e

representativo.”(DERRIDA,1973,p.14). O filósofo francês atribuiu a esse pensamento o papel

de genitor do pensamento logocêntrico e acrescenta ainda que “(...) logocentrismo é também

um fonocentrismo: proximidade absoluta da voz do ser, da voz e do sentido do ser, da voz e

da idealidade do sentido.” (DERRIDA, 1973, p.14).

Jacques Derrida (1973) procura mostrar por sua vez então, o quão perniciosa é a

visão que relega a escritura a um papel secundário e o quanto têm-se adotado o logocentrismo

em várias práticas ocidentais, principalmente na filosofia, sem ao menos percebermos.

Derrida (1973) tenta também, dar uma outra visão ao papel da escritura, mostrando que ela

não somente não é secundária, mas como a escritura tem excedido ao longo do tempo à

própria linguagem, e que por esse fato, torna-se-ia necessário considerar a existência de uma

escritura primeira, uma arquiescritura40. Nas palavras de Derrida (1973):

“(...) o conceito de escritura começava a ultrapassar a extensão da linguagem. Em todos os sentidos desta palavra, a escritura compreenderia a linguagem. Não que a palavra “ escritura” deixe de designar o significante do significante, mas aparece, sob uma luz estranha, que o “significante do significante” não mais define a reduplicação acidental e a secundária decaída.(...) O significado funciona aí desde sempre como um significante.” (1973,p.8).

Saussure (1969) restringe seu escopo de estudo ao sistema de escrita fonético grego,

desprezando os demais. Derrida (1973) escreve que esta limitação é explicada por Saussure

(1969) devido ao caráter arbitrário do signo “A escritura sendo definida como “um sistema de

signos” não há escritura “simbólica” (...), nem escritura figurativa (...) o conceito de escritura

pictográfica ou de escritura natural seria contraditório para Saussure. (DERRIDA, 1973,

p.40). Na visão de Derrida ( 1973):

40 Escritura primeira, não no sentido de precedência histórica à palavra proferida, mas que antecede a linguagem falada e a escrita vulgar. (SANTIAGO,Silviano(org), 1976, p.11).

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“Se pensarmos na fragilidade agora reconhecida das noções de pictograma, de ideograma, etc, na incerteza das fronteiras entre as escrituras ditas pictográficas, ideográficas, fonéticas, medimos não só a imprudência da limitação saussuriana mas também a necessidade para a lingüística geral, de abandonar toda uma família de conceitos herdados da metafísica.”(1973,p.40).

Uma outra crítica é tecida a Saussure (1969) pela afirmação de que a fala sofre com

a escrita na medida em que a “escrita obscurece a visão da língua” (SAUSSURE, 1969, p.40).

Em outras palavras,quando a escrita muda à forma de uma palavra da escrita fônica e deixa de

representar o que ela deve representar -a fala-(SAUSSURE,1969). Derrida (1973) o crítica

indagando qual seria o pecado da escrita contra a fala, por quê a necessidade de

Saussure(1969) a protegê-la tanto, não mereceria ela ter também uma história?. O filósofo

acrescenta ainda que, “enquanto se colocar a questão das relações entre a fala e a escritura,

considerando unidades indivisíveis “pensamento-som” a resposta já estará pronta. A escritura

será “fonética”,será o fora, a representação exterior da linguagem e desse “pensamento-

som”(DERRIDA,1973,p.38). Dessa maneira, Saussure (1969) define um “fora e dentro” da

língua; o fora é a escrita e o dentro e ou interno é a fala. Disso deriva, segundo Derrida (1973)

a criação de uma série de oposições por Saussure (1969) do tipo interno/externo,

realidade/imagem, etc. O filósofo conclui:

“(...) tal é a velha grade a que está entregue o desejo de desenhar o campo de uma ciência. (...) De uma ciência que não mais pode responder ao conceito clássico de episteme porque seu campo tem como originalidade- uma originalidade que ele inaugura- que a abertura da “imagem”, que nele se dá, aparece como a condição da realidade: relação que não mais se deixa pensar na diferença simples e na exterioridade sem compromisso da “imagem” e da “realidade”,do “fora” e do “dentro”(...).(1973,p.41).

O lingüista de Genebra adota uma conceituação de signo substanciosamente criticada

por Derrida (1973). Para Saussure (1969) a idéia da qual o signo tem um significado

independente e ou a parte do significante, possuindo dessa maneira, um caráter transcendente

não é aceita pelo filósofo. Uma vez que para Derrida (1973) não há significado em si- que se

encerre em si- crendo assim, que a função da língua é apenas ser o intermediário ou

transportador de um significado já existente a priori. E a qual cabe ao significante exercer tal

função. Não que o filósofo dê a idéia de que não haja sentido algum na linguagem. Mas

questiona o fato de se pressupor- leia-se por Saussure (1969)- que haja um significado

primeiro e ou inato. Derrogar a idéia de um significado que exista por si só, é eliminar a

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41

noção de metafísica da presença (que pressupõe a presença e a origem); a idéia da presença41

de um sentido-que existe por si e preceda toda referência-. Dessa maneira, o significado seria

uma utopia e ou fantasia para o filósofo, havendo somente significantes, como veremos mais

adiante. (DERRIDA, 1973).

O conceito de linearidade do significante de Saussure (1969) o qual preconiza que

“os significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo (...) sendo de natureza auditiva,

desenvolve-se no tempo, unicamente e tem as características que toma do tempo (...)”

(SAUSSURE, 1969, p.84). É de acordo com Derrida (1973) resultante de uma abordagem da

qual o caráter linear do tempo-como linha contínua-que dominou todo um pensamento

filosófico de Aristóteles a Hegel, se fundiu e acabou por dimanar no conceito descrito acima

do lingüista, “um conceito do tempo pensado a partir do movimento espacial ou do agora (...)

conceito que determina toda a ontologia clássica.(...)é interior à totalidade da história do

ocidente”(DERRIDA,1973,p.88). Acrescenta ainda que a fonética é solidária a

linearidade,uma vez que esta “(...)pode elevar a voz na medida mesma em que uma escritura

linear pode parecer submeter-se a ele.”(DERRIDA,1973,p.88). Contudo, para o filósofo

francês a regra da linearidade não pode jamais se querer soberana, pois “A “linha” representa

apenas um modelo particular (...) o modelo enigmático da linha é, portanto, aquilo mesmo que

a filosofia não podia ver enquanto tinha os olhos abertos sobre o dentro de sua própria

história.” (DERRIDA, 1973, p.107). Dessa maneira, o filósofo nos abre a perspectiva de uma

nova temporalidade, através de uma escritura não linear. “O acesso à pluridimensionalidade e

a uma temporalidade des-linearizada não é uma simples regressão ao

“mitograma”42.(DERRIDA,1973,p.109). O filósofo acrescenta que “o fim da escritura linear é

efetivamente o fim do livro”(DERRIDA,1973,p.108).

“A conservação do pensamento pode agora ser concebida de outro modo do que nos livros, que ainda conservam (...), a vantagem de seu rápido manuseio. Uma vasta “magnoteca” de seleção eletrônica fornecerá, num futuro próximo, a informação pré-selecionada e restituída instantaneamente (...) a escritura (entendemo-la no sentido de inscrição linear) está verossimilmente convidada a desaparecer depressa, substituída por aparelhos-ditafone de impressão automática.” (1973, p.108).

41 “A metafísica logocêntrica colocou a presença, designada por eidos,arché,telos,energeia,ousia (essência,existência,substância,sujeito),aletheia (transcendentalidade,consciência,Deus,homem),como forma matriarcal do ser como identidade a si. O privilégio concedido à consciência e ao presente vivo é solidário com o privilégio da phoné (fonocentrismo) e com a condenação da escritura como ameaça à presença,na medida em que se estabelece a não-presença. Considerada como ponto de origem, centro e fundamento de toda estrutura, a função da presença- o significado transcendental- foi a de sempre orientar,equilibrar e organizar a estrutura(...).”(SANTIAGO,Silviano(org),1976,p.71). 42 Escritura que soletra seus símbolos na pluridimensionalidade. (DERRIDA, 1973, p.106).

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42

3.2-Escritura

A compreensão do conceito de escritura é indispensável para o entendimento de toda

obra derridiana. Entendamos, então, primeiramente porque o filósofo adota o termo escritura

em detrimento de escrita, para depois compreendermos a noção de escritura e suas

implicações.

Derrida (1973) adota o termo escritura pelo fato de que o filósofo não se refere

restritamente ao sentido de linguagem escrita. Como já citado nos parágrafos acima, Derrida

(1973) afirma que a escritura tem excedido a própria linguagem, ela passa, consequentemente

a ir para além da simples linguagem escrita; a escritura passa a abrangir a concepção de

linguagem escrita e ir mais adiante, abrangendo o conceito de linguagem como um todo.

Linguagem entendida como: “(...) ação, movimento, pensamento, reflexão, inconsciente,

experiência, afetividade, etc.”. (DERRIDA, 1973, p10).

Dessa maneira, o ponto de partida para o desenvolvimento da noção de escritura em

Derrida (1973) é a questão da conceituação de escritura que abrange a própria linguagem.

Uma vez que hoje já pode se falar em:

“ “ escritura “pictural, musical, escultural etc. (...) escritura atlética, (...) em escritura militar ou política. Tudo isso para descrever não apenas o sistema de notação que se anexa secundariamente a tais atividades, mas a essência e o conteúdo dessas atividades mesmas. (...) o biólogo fala hoje de escritura e pro-gama, a respeito dos processos mais elementares da informação na célula viva. (...) todo o campo coberto pelo programa cibernético será campo da escritura.” (1973, p.11).

O filósofo quer ir ainda além quando fala de escritura, Derrida (1973) quer abolir

com a idéia que tem-se vigorado na lingüística e de modo mais geral na metafísica do

ocidente, que a escritura é mera representação da linguagem. Marginalizada por ser o

“significante do significante”. Derrida (1973) quer recuperar o sentido positivo da escritura

como sendo o “significante do significante”, não mais numa posição representativa e

secundária, mas antes como a origem da própria linguagem, como já tratado anteriormente

(vide tópico 3.1).

““ significante do significante” descreve, (...) o movimento da linguagem: na sua origem (...) o significado funciona aí desde sempre como um

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significante. A secundariedade que se acreditava poder reservar à escritura,afeta todo o significado em geral, afeta-o desde sempre, isto é, desde o início do jogo43.Não há significado que escape mais cedo ou mais tarde, ao jogo das remessas significantes, que constitui a linguagem. O advento da escritura é o advento do jogo.”(1973,p.8).

3.2.1- Derrida em Freud: Sonho e Significante

Derrida (1976) em “A escritura e a diferença (1976)” busca na psicanálise

Freudiana, nas descobertas acerca do inconsciente e do modo como à escritura é vista pelo

médico austríaco o apoio necessário para elevar a escritura do seu rebaixamento pelo

fonocentrismo; uma vez que as descobertas sobre o inconsciente desestabilizam o pensamento

metafísico ocidental- quando o consciente deixa de ser provedor de toda a significação e o

inconsciente parece se servir de seus próprios significantes – Derrida (1976) também encontrará

no tratado do inconsciente freudiano um melhor entendimento para seu “quase-conceito” de

diferencia (differánce), uma vez que o mesmo se torna difícil dentro da lógica

fonocêntrica.(DERRIDA,1976).

A abertura de um parágrafo faz-se necessária nesse ponto, à medida que o “quase-

conceito” de diferencia (differánce) nos é trazido à luz do texto. A grafia da palavra “inventada”

por Derrida (1976) “differánce” é propositalmente imaginada pelo filósofo. Ao francês a

palavra que encontra significação nos dicionários é “différence” com e ao invés do a. Contudo,

a pronunciação é a mesma. Em Santiago (1976) encontra-se a seguinte explicação:

“Esta “discreta intervenção gráfica” (a em lugar de e) será significativa no decorrer de um questionamento da tradição fonocêntrica, dominante (...); o a de différance propõe-se como uma “marca muda”, se escreve ou se lê mas não se ouve. Este silêncio, funcionando unicamente no interior do sistema da escritura fonética, “vem assinalar de maneira oportuna...que não existe escritura puramente e rigorosamente fonética.”( SANTIAGO,Silviano, 1976, p. 22).

Derrida (1976) quer com a idéia de différance anular a origem (entendida como

presença). Propondo a idéia de diferencialidade, ou seja, cada termo e ou elemento se estabelece

em razão dos outros elementos que não sejam ele. Dessa maneira, a différance é o que torna

43 “a saber a linguagem é uma linguagem finita- exclui a totalização: este campo é com efeito o de um jogo, isto é, de substituições infinitas no fechamento de um conjunto finito. “(DERRIDA,1976,p.244)

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possível que “o movimento da significação só seja possível se cada elemento dito “presente”,

aparecendo no cenário da presença, relacionar-se com algo que não seja ele próprio (...).

”(SANTIAGO,Silviano,1976, p.22).

Voltemos, então, ao inconsciente freudiano e a linguagem do sonho. Em “A

escritura e a diferença (1976)” o filósofo afirma que a grande contribuição de Freud (1966),

contra a metafísica logocêntrica, concerne ao que o médico escreveu sobre os sonhos. Sigmund

Freud (1966), não procura apanhar um sentido dos sonhos que possa ser transcrito e ou

traduzido para a lógica metafísica, mas sim em perceber a “real” linguagem onírica,

descrevendo-a tal qual ela é, servindo-se de uma temporalidade, ou melhor, de uma não-

temporalidade que só pode ser apreendida no universo do inconsciente e dos sonhos, estranha

ao mundo das palavras fonéticas. (DERRIDA, 1976).

O médico austríaco percebe que a linguagem do sonho difere completamente da

linguagem falada “Parece-nos mais justo comparar o sonho a um sistema de escrita do que uma

língua (...).” (FREUD, 1966, apud DERRIDA, 1967, p.213). A escritura que mais se

assemelharia a escritura onírica seria o hieroglífico “A plurivocidade dos diferentes elementos

dos sonhos tem seu equivalente neste sistema de escrita antiga (...)” (FREUD, 1966, apud

DERRIDA, 1967, p.213). Derrida (1967) acrescenta ainda que “O sonhador inventa sua própria

gramática. Não há material significante ou texto prévio que ele contentasse em usar, mesmo que

ele jamais se prive dele” (DERRIDA, 1967, p.196-197). Há ruptura desejada pelo filósofo e

achada pelo médico encontra-se nesse ponto. A inexistência de uma referência lingüística

qualquer, leva a conclusão por Derrida (1967) de que os sonhos produzem seus próprios

significantes. O “significante do significante” deixa de ser secundário e passa a ser a própria

origem. Dessa maneira, a idéia de significado/significante como faces distintas de uma mesma

folha, não faz mais sentido. Antes seria, “a escritura originária, se é que existe uma, deve

produzir o espaço e o corpo da própria folha.” (DERRIDA, 1976, p.198).

“A experiência do inconsciente, antes do sonho que segue explorações antigas, não pede emprestados, produz os seus próprios significantes, não os cria na verdade no seu próprio corpo mas produz a sua significância. Sendo assim não se trata mais de significantes propriamente ditos.”( 1976,p.197).

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3.3- Oposição Binária

Na metafísica ocidental vigora-se uma hierarquização de conceitos, dos quais

coexistem de forma conflitante uns com os outros. Conceitos como: “servidão/liberdade, (...)

Norte/Sul, articulação/acento, consoante/vogal (...)” (DERRIDA, 1973, p.247). Uma vez que

um dos conceitos ou pólos é sempre notado como sendo mais importante, central e ou elevado;

ao outro reserva-se o lugar à margem.(DERRIDA,1973).

Dessa maneira, Derrida (1973) assinala que a hierarquização conceitual é inerente e

ou inseparável do sistema logocêntrico, basta recordamos que se relegou à escritura desde

Aristóteles, um caráter exterior em detrimento do interior da fala, da verdade da phoné contra a

representação da escritura. Uma vez que o caráter hierárquico é assumido, verifica-se a

imposição, logo se há uma imposição a uma certa “violência”. Onde um dos conceitos irá

querer “reinar” sobre o outro. Derrida (1973) constata então que a oposição e ou conflito

sempre estão presentes na constituição da metafísica ocidental. Uma metafísica que por sua vez

é constituída de uma hierarquia de oposições em que favorece um dos termos em depreciação

do outro, nunca sendo imparcial, e que governa toda a lógica e realidade desse sistema.

(DERRIDA, 1973).

“A linguagem é uma estrutura- um sistema de oposições de lugares e de valores- e uma estrutura orientada. Digamos antes, brincando um pouco, que sua orientação é uma desorientação. Poder-se-ia dizer uma polarização. A orientação dá a direção do movimento relacionando-o à sua origem como seu oriente. E é desde a luz da origem que se pensa o ocidente, o fim e a queda, a cadência ou a caducidade, a morte ou a noite.”( 1973,p.265).

3.4- Desconstrução

3.4.1- Inversão e Deslocamento

Uma vez que compreendido o caráter hierárquico que rege a estrutura de oposições

binárias, suas características e implicações para o estabelecimento da metafísica ocidental e ou

fonocêntrica. Derrida (1973,) irá, pois, propor uma inversão (renversement) dos conceitos

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contrários- que não se tornará necessário para os propósitos do filósofo-para em seguida realizar

um deslocamento. Efetuando, dessa maneira, um duplo movimento de que se servirá a

desconstrução. A abertura de um parágrafo é vital neste ponto, pois, tem o caráter de alertar ao

fato de que o filósofo afirma não haver um “passo-a-passo” e ou metodologia da desconstrução.

(DERRIDA, 1976).

Desconstruir os conceitos opostos implica, pois, com a inversão da hierarquia,

inverter a ordem daquilo que é elevado e tido como centro na estrutura. Derrida (1976) escreve

que: “a estrutura (...) sempre se viu (...) reduzida: por um gesto que consistia em dar-lhe um

centro, em relacioná-la a um ponto de presença, a uma origem fixa. Esse centro tinha como

função (...) organizar a estrutura.” (DERRIDA, 1976, p.230). Inverter resulta nada mais do que

uma simples troca de lugar das oposições, colocando o que era marginal ao centro e vice-versa.

Esse movimento, apenas altera o lugar dos elementos conflitantes, a violência continuara a

existir, com a única diferença de que, quem sofria a violência, agora é quem a pratica. Derrida

(1976) afirma que essa é a “arapuca” que muitos filósofos já deixaram se prender. “(...) todos

estes discursos destruidores e todos os seus análogos estão apanhados numa espécie de

círculo.”(DERRIDA,1976,p.233).

(...) reversement- esse primeiro movimento consiste em desrecalcar o dissimulado e inverter a hierarquia das oposições.(...).A necessidade desse movimento é justamente marcar a hierarquia das oposições.(...) apenas com esse movimento permanece-se no campo que ser quer desconstruir,assegura-se o domínio das contradições,mesmo porque, diz Derrida, não se trata de opor um grafismo a um logocentrismo,nem, em geral nenhum centro ao outro.Daí a necessidade de um outro gesto(...).”(SANTIAGO,Silviano(org),1976,p.77).

O outro gesto e ou movimento é o deslocamento ou descentramento. Esse movimento

é necessário para pensarmos para além da estrutura em vigor. Em verdade, no momento em que

um conceito é elevado e o outro em que outrora era o que se elevava agora se vê rebaixado, já

nesse instante permiti-nos que pensemos diferentemente do que pensávamos quando a ordem

não fora invertida. Quando se tira o “significante do significante” da secundariedade, através da

inversão e posteriormente do deslocamento e o coloca como não sendo a margem do que estava

em torno do centro (o significado). Não há mais a idéia de significado/significante. Há somente

significantes que repetem os significantes uma vez que não existem mais significados, pois, o

que era significado é agora um significante. Dessa maneira, não estamos mais sendo regidos

pela lógica da estrutura de antes. Deu-se então a desconstrução do texto.( DERRIDA,1973).

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“A partir de uma leitura desconstrutora(...),observamos que o significado não possui mais um lugar fixo (centro) ,mas,sim,passa a existir enquanto construção substitutiva que, na ausência de centro ou de origem,faz com que tudo se torne discurso(...).Dessa forma,eliminando-se qualquer referência a um centro, a um sujeito, e não mais privilegiando aspecto algum sob o disfarce da “origem”, a atividade interpretativa,com base na polissemia(...) vai permanecer sempre incompleta,ou (...) nunca pretendendo chegar a esgotar o significado do objeto-texto na sua totalidade.”(SANTIAGO,Silviano(org),1976,p.16).

Dessa maneira, desconstruir não significa negar por completo o que se pretende

relativar, mas sim aceitar até um determinado ponto o que pretende desconstruir, é necessário

um ponto de referência, para que se possa realizar a desconstrução. No exemplo acima, Derrida

(1973) aceita a oposição binária significado/significante, até o momento em que ele a

desconstrói. O filósofo não quer negar apenas - por puro e simples prazer algo- mas

sim,realizar um descentramento estrutural,pois como já vimos anteriormente,na sociedade as

dicotomias sempre acabam por privilegiar um termo em detrimento do outro. O que Derrida

(1973) realiza pois, com a desconstrução é valorizar aquilo que está a margem em um primeiro

momento, mostrando toda a contradição do que se pretendia sustentar, uma vez que como

Derrida (1973) preconiza, nada pode se querer completo e sempre está repleto de incoerências.E

uma vez que a dicotomia é invertida ela é exposta as suas contradições inerentes.

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4- WALKER E A DICOTOMIA INSIDE/OUTSIDE NAS RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

As Relações Internacionais e suas teorias são imbuídas de conceitos emprestados do

campo maior da teoria política. A teoria política por sua vez toma de empréstimo conceitos do

pensamento moderno. O resultado patente é a constituição de uma disciplina e ou teoria de

Relações Internacionais que se inaugura com uma série de conceitos epistemológicos e

metodológicos já dados pela teoria política moderna e primariamente pela filosofia moderna.

(WALKER, 1993).

Dessa maneira, divisamos que não é fortuitamente que conceitos e ou termos como:

Estado racional, a Anarquia do sistema internacional e a existência do Estado soberano fazem

parte do léxico que constitui as Relações Internacionais, muito pelo contrário, Descartes e a

racionalidade do indivíduo, Hobbes e a guerra de todos contra-todos e consequentemente a

abdicação dos direitos em prol de um soberano respectivamente estão na origem deste e

outros conceitos da disciplina. É sobre essa prática moderna que vigora nas relações

internacionais que Walker (1993) nos alertará, e posteriormente problematizara a dicotomia

do moderno conceito de soberania/anarquia ou inside/outside.

4.1- As Relações Internacionais

4.1.1- Mitos de Origem

A problemática à cerca de quando de fato se deu o início das relações internacionais,

encontra respostas em três tradições distintas sobre a questão. A primeira hipótese ou tradição

preconiza que as relações internacionais tiveram seu início no período das cidades-estados

gregas, a segunda afirma que só se pode falar de relações internacionais a partir do

renascimento italiano, uma terceira e última propala a idéia de origem das relações

internacionais mais tardiamente, somente no século XVIII com a formação dos Estados

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modernos. Walker (1993) escreve que essas três tradições e suas reivindicações de tentar

fornecer o ponto inicial das relações internacionais, não passam de mitos de origem e que são

apenas convenientes para os teóricos de relações internacionais. “(...) uma conveniência

prática está sempre sujeita a se transformar em um poderoso mito de origem” (WALKER,

1993, p.27).44 Uma vez que, não se adotar nenhum destes mitos deixa lacunas que não são

aceitáveis e ou quistas na teoria. “(...) a simples história de vida antes das relações

internacionais-uma história de ausência contra aquela de presença das (...) relações

internacionais (...)- tem se tornado implausível” (WALKER,1993,p.89). 45

4.1.2-A Teoria Realista como apagamento das diferenças

A teoria realista constrói sua tradição em cima de escritos de pensadores como

Thommas Hobbes, Jean-Jacques Rosseau, Tucídides e Maquiavel. Autores que não

escreveram sobre o tema e nem sequer tencionaram, uma vez que o próprio conceito de

internacional à época destes escritores era inexistente. Contudo, a teoria realista no anelo da

construção de sua tradição não se importará- não inocentemente- com esta e outras questões,

mas antes irá utilizar e ressaltar as parecenças daqueles autores em prol de sua constituição.

(WALKER, 1993).

Dessa maneira, o resgate e a deificação de textos clássicos de autores como os citados

acima, estão na essência- mais do que “estar”, “são” a própria essência- da teoria realista.

Walker (1993) escreve que “(...) mais do que qualquer outro (...) é o nome de Maquiavel que

se tornou o símbolo do que é a tradição das Relações Internacionais.” (WALKER, 1993,

p.30).46 A despeito de quaisquer e ou mesmo de todas as discrepâncias do pensamento de

Maquiavel em relação ao realismo, como a questão da temporalidade, a qual o autor trabalha;

Maquiavel estava preocupado com a questão da polis, com a questão interna e não com as

relações entre Estados, uma vez que o mesmo nem existia. “(...) os seus pressupostos são

apagados em favor das asserções de como eles todos articularam verdades essenciais sobre a

44 A practical convenience is always liable to turn into a powerful myth of origin.( Tradução nossa). 45 A simple story of life before international relations- a story of absence against which the presence of contemporary international relations can be defined-has become quite implausible.( Tradução nossa). 46 More tha almost anyone,it is the name of Machiavelli that has come to symbolise what the tradition of international relations theory is all about.(Tradução nossa).

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mesma e imutável realidade trágica: o eterno jogo das relações entre Estados” (WALKER,

1993, p.92). 47

“Lido através de um paradigma realista, ele é imediatamente reduzido a fórmulas instantâneas- sobre a prioridade do poder sobre a ética, sobre a necessidade da violência (...) nas relações do Estado, sobre os fins justificando os meios (...) o nome de Maquiavel indica como as alegações realistas são intricadamente cheias de textualizações,reificações,idealizações e mistificações.” (1993,p.34).

Dessa forma, Walker (1993) mostrará que é o modo de leitura ou interpretação que

regera a maneira pela qual um autor é colocado dentro ou fora, como ícone ou como crítico de

uma certa teoria. O autor escreve que uma releitura-não mais apagando as diferenças e

ressaltando as similaridades-de Maquiavel pode mostrar o quão incoerente é se adotar e ou

inserir Maquiavel dentro do paradigma realista.

“Maquiavel aparece como (...) um codificador de máximas para o tirano, o inimigo da moralidade. Nesta forma, ele é famoso, mas sem muita importância teórica. Uma análise mais profunda reconhece um sem número de tensões que arruína esta leitura, apenas pela diferença entre o Príncipe e outros escritos, e a distinção entre virtù e maldade (...).” (1993, p.109).

A teoria realista tende não só a apagar as dessemelhanças, mas também a estabelecer

uma espécie de continuidade da tradição. Dessa maneira, o pensamento realista segue uma

ordem de evolução linear do qual segue de Tucídides à Carr. “O diálogo eterno torna-se um

monólogo existencialista, a despeito do número das figuras teatrais-

Tucídides,Maquiavel,Hobbes,Rosseau,Hegel,Morgenthau,Carr-são convidados a ler o script”

(WALKER,1993,p.32). O recurso do apagamento das diferenças se faz necessário na

manutenção do pensando desta linha evolutiva também. Walker (1993) acrescenta ainda que:

“(...) o realismo político pode ser entendido mais como um complexo terreno de um quebra-

cabeça filosófico e contradições, do que uma tradição banal que se estica de Tucídides a

Morgenthau. (...)” (WALKER, 1993, p.79).

47 They are caught and erased in favour of assertions about how they all articulate essential truths about the same enchanging and usually tragic reality:the eternal game of relations between states.( Tradução nossa).

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4.1.3- A Modernidade e suas implicações para as relações internacionais

A era moderna ou modernismo estabeleceu parâmetros sobre a forma de pensamento

social como um todo; oferecendo novos conceitos e dinâmicas. “(...) a modernidade não

somente como uma era de rápidas transformações político-sociais, econômicas (...) mas

também de uma nova consciência de temporalidade e contingência de especificas experiências

modernas” (WALKER, 1993, p.9).48

O fenômeno da modernidade é particularmente importante para as relações

internacionais, não somente porque neste período ou contexto se insere o surgimento do

Estado moderno49, mas antes mesmo, e mais consideravelmente, porque transmite a tradição

teórica das Relações Internacionais valores e conceitos modernos como o iluminismo50

“modernidade usualmente refere a uma forma de vida associada com a emergência das (...)

subjetividades e precipícios deixados por Descartes (...) e reificados na caracterização popular

da razão iluminista.” (WALKER, 1993, p.9)51; propaga também quais valores devem ser

considerados centrais no pensamento social “o racionalismo que tem dominado o

“pensamento ocidental” (...) tem provido os critérios mais fundamentais para a distinção entre

acerto e erro, realidade e ilusão, belo e feio ou bom e mal” (WALKER, 1993, p.113)52; e

ainda estabelece a noção de tempo-espaço e do “aqui e lá” que dimana nas relações

internacionais em forma do conceito de soberania. “(...) a resolução moderna das relações

espaço-temporais são expressas no princípio de soberania do Estado que implica na distinção

fundamental entre um local autêntico de política dentro e um mero espaço de relações entre

48 The theme of modernity as an era not only of rapid sócio-political,economic and technological transformations but also of a new consciouness of temporality and the contigency of specifically modern experiences.( Tradução nossa). 49 Os tratados de Westphália reconheceram explicitamente uma sociedade de Estados fundada no princípio da soberania territorial, não intervenção nos assuntos internos das outras unidades soberanas e a independência dos Estados, detentores de direitos jurídicos iguais a seres respeitados pelos demais membros. (SARFATI, 2005, p.13). O tratado de Westphália de 1648 serve como uma demarcação crucial entre uma era que ainda era dominada por reivindicações de universalismo religioso e autoridade hierárquica e uma era de competição secular e cooperação entre comunidades políticas autônomas. (WALKER, 2003, p.90). 50 A linha filosófica responsável pelo empenho de se estender a crítica e o guia da razão em todos os campos da experiência humana. (ABBAGNANO, 1962, p.509). 51 Modernity usually refer to a form of life associated with the emergence of those autonomous subjectivities adn unbridgeable chasms charted by Descartes, and reified in popular characterisations of Enlightment reasom. 52 Western thought has provided the most fundamental criterion for distinguishing between truth and error,reality and illusion,beauty and ugliness,or good and evil.( Tradução nossa).

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Estados” (WALKER, 1993, p.20).53 Esta noção será a mais importante em termos de

influência do pensamento moderno na disciplina de Relações Internacionais, uma vez que é

ela quem ditara a noção de inside-outside, como veremos no desenrolar das páginas deste

capítulo.

“(...) está se tornando incrivelmente claro as regras e sobre como tem sido possível falar de (...) discursos sobre limites e perigos, sobre as supostas fronteiras da possibilidade política no espaço e no tempo do Estado moderno, teorias de Relações Internacionais expressam e afirmam os horizontes necessários para a imaginação da política moderna. Felizmente, os horizontes necessários da imaginação da política moderna são ambos espacialmente e temporalmente contingentes.” (WALKER, 1993, p.6).54

4.2- A dicotomia inside/outside

As relações internacionais só se sustentam, segundo Walker (1993), a partir do

momento em que se estabelece a dicotomia inside/outside, ou seja, as relações internacionais

só existem por que se nutre a idéia de que de fato exista algo que está dentro e algo que esteja

fora do Estado. Como conseqüência do que está inside e outside do Estado irrompe uma série

de conceitos como o de soberania e anarquia.

“ Inside/outside forma uma divisão dialética, a geometria óbvia que nos cega tão logo quanto a trazemos para jogar nos domínios metafóricos. Tem a severidade das dialéticas do sim e do não, da qual decide tudo. Se não tomarmos cuidado, ela fornece as bases que governam todo o pensamento sobre positivo e negativo.” (BACHELARD, Gaston, apud, WALKER, 1993, p.1).55

Embora, esses conceitos pareçam para o senso-comum naturais, atemporais e

imutáveis, o autor divisará que não é essa a verdadeira estória, em verdade, estes conceitos

53 The early-modern resolution of all spatio-temporal relations expressed by the principle of sovereingty implies a fundamental distinction between a locus of authentic politics within and a mere space of relations between states.( Tradução nossa). 54 Is to become increasingly clear about the rules under which it has been deemed possible to speak about the rules under which it has been possible to speak about politics at all. As discourses about limitis and dangers,about the presumed boundaries of political possibility in the space and time of the modern state,theories of international relations express and affirm the necessary horizons of the modern political imagination. Fortunately,the necessary horizons of the modern political imagination are both spatially and temporally contingent.( Tradução nossa). 55 Outside and inside form a dialetic of division,the obvious geometry of wich blinds us as soon as we bring into play in metaphorical domains. It has sharpness of dialetics of yes na no, wich decides everytihng. Unless one is careful,it is made into a basis of images tha govern all thoughts of positive and negative.( Tradução nossa).

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são construções ontológicas e históricas que acabaram por serem incorporadas como a única

verdade absoluta e suprema. A realidade do sistema de Estados modernos nos parece ser a

única racionalidade exeqüível. Contudo, o mundo não foi sempre assim, desde sua gênese,

como se possa primariamente e pressurosamente inferir. A construção destes conceitos se deu

no tempo- dos Estados modernos e a partir da consideração do Estado como sendo o principal

ator56 das relações entre os Estados - e como tudo que se dá no tempo é passível de mudança,

estes conceitos podem ser não tidos mais como única realidade divisível, como veremos mais

adiante. (WALKER, 1993).

“Era uma vez, o mundo não era como é. O modelo de exclusão e inclusão que agora tomamos como verdades são inovações históricas. O princípio de Estado soberano é a clássica expressão deste modelo, uma expressão que nos encoraja a acreditar que estes modelos são permanentes (...). Este fixamento de unidade e diversidade, ou de inside e outside, ou espaço e tempo não é natural. Ou inevitável. É uma parte crucial das práticas dos Estados modernos, mas não são naturais ou inevitáveis” (1993, p.179).57

No que tange aos estudos acadêmicos à cerca do assunto, o autor escreve que se hoje

é possível se falar de uma disciplina como a ciência política- que trata dos assuntos

concernentes a política interna- e a disciplina de Relações Internacionais- que lida com as

relações políticas que se dá entre os Estados soberanos- é devido à dicotomia inside/outside.

Sem está diferenciação dicotômica não seria necessário à divisão entre estes dois campos do

conhecimento, uma vez que se não se adota a noção de existência entre o que está dentro e o

que está fora do Estado, dissolve-se a fina malha que divisa as fronteiras. (WALKER, 1993).

4.2.1. A caricatura da dicotomia e o julgamento de valores

A dicotomia inside/outside fornece ainda de acordo com o autor, caricaturas à cerca

da vida dentro e fora do Estado, da vida no ambiente anárquico e no ambiente da soberania

56 Ator é um termo frequentemente usado nas Relações Internacionais, no sentido de “entidade individual ou coletiva, tal como um Estado ou organização internacional, que tem um papel nas relações internacionais” (HENDERSON, 1998, p.27). 57 Once upon a time,the world was not as it is. The patterns of inclusion and exclusion we now take for granted are historical innovantions.The principle of state sovereignty is the classic expression of those patterns are permanent, Its fixing of unity and diversity, or inside and outside,or space and time is not natural. Nor is it inevitable. It is a crucial part of the practices of all modern states,but they are not natural or inevitable either.( Tradução nossa).

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estatal. Fora do Estado à idéia de um ambiente desordenado e conflituoso, dentro do Estado a

visão de um ambiente ordenado e pacífico. “O principio de soberania estatal fixa uma

demarcação clara entre a vida inside e outside (...) dentro dos Estados, inspirações universais

para o bem, a verdade e beleza (...) mas apenas dentro de um território espacialmente

delimitado.” (WALKER, 1993, p.62).58 A conceituação de anarquia já vem carregada de uma

conotação pejorativa e quando se pensa em anarquia logo se associa a idéia de uma desordem

infindável. Por sua vez, a idéia de um controle soberano rapidamente é associada e ou

assimilada por nós como um ambiente onde há presença de uma certa ordem, uma certa

retidão. Estas idéias não são inatas em nosso pensamento, elas foram ao longo do

estabelecimento do Estado moderno firmadas no nosso imaginário. É para esse fato que

Walker (1993) quer chamar a nossa atenção. O autor preconizará o quanto tomamos como

dadas essas definições sem um mínimo de reflexão, pois uma vez que refletimos, todas as

contradições destas conceituações vem a tona, como trataremos mais adiante.

Walker (1993) nos alerta também para o fato de como as relações espaço -temporais

são caricaturadas através da dicotomia inside/outside, a medida em que sempre tratamos o

outside e ou ambiente internacional, como uma questão espacial, ou seja, dizemos que o

ambiente internacional “é” assim, ao passo de que, quando falamos do inside e ou do Estado,

fazemos menção a como ele “está”, ou seja, uma questão temporal. É como se o ambiente

internacional não tivesse história, não fosse passível de sofrer evoluções, em contrapartida,

imputasse a idéia de constante evolução no que ocorre dentro do Estado (WALKER, 1993).

A dicotomia inside/outside fornece não somente como se pensar a cerca da vida

dentro e fora do Estado, mas também estabelece os limites das formas de pensar. “a divisão

entre inside e outside (...) continua a informar nosso entendimento de como e quando a prática

política efetiva e progressiva pode ser desenvolvida” (WALKER, 1993, p.13).59

O estabelecimento desta caricatura à cerca do inside/outside, acaba por estabelecer

valores à cerca da vida dentro e fora do Estado. Pois, acabamos julgando valorativamente a

vida dentro destes dois ambientes. Para dentro dos Estados, a vida é “boa”, harmoniosa,

pacífica, com a presença de uma autoridade, o local onde me sinto seguro, com princípios a

serem seguidos, indivíduos comuns e com os mesmos interesses. É pintado da forma que

quase nos remete a vida no Éden e qualquer ação contrária em relação a estes valores é tida

58 The principle of state sovereingty fixes a clear demarcation between inside and outside a centred political community. Within states, universalist aspirations to the good,the true and the beautiful may be relisable,but only within a spatially delimited territory. 59 This distinction between inside outside, continues to inform our understandig of how and where effective and progressive political practice can be advanced ( Tradução nossa).

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como uma exceção. A vida para fora do Estado por sua vez, é uma vida de conflitos eternos e

de impassível resolução, um lugar onde não há uma unidade de interesses, onde a presença de

uma autoridade que seria fator fundamental para colocar ordem no ambiente inexiste, mais

uma vez também qualquer ação que vá contra essa noção do ambiente internacional, é dita

apenas como uma exceção e não a regra. Em suma, o inside/outside é visto e representado por

uma série de outras dicotomias de valor o bom/ruim, pacífico/conflitante, igual/diferente,

seguro/inseguro. (WALKER,1993).

4.2.2- As questões éticas

A dicotomia inside/outside vai ainda além da problemática das questões já tratadas

aqui- relações espaço-temporais, limitações sobre a forma de pensar política, dentre outras- a

partir do momento em que passamos a relacionar o ambiente internacional a uma anarquia da

qual vigora a desordem e conflitos impassíveis de resolução e perspectivamos o Estado como

um ambiente de ordem e ausente de conflitos, neste ponto começamos a estabelecer o local

onde se pode falar de ética60 e o qual não se pode.(WALKER,1993).

“As relações internacionais não fornecem as mesmas bases de uma comunidade política central para estabelecer uma forma de vida que é o objeto de orientação do estabelecimento de princípios éticos. Antes, a falta de uma comunidade central sugere- e aqui a distinção (...) é crucial-(...) a dificuldade ou a impossibilidade radical de estabelecer princípios éticos (...)” (1993,p.63).61

O autor escreve que as implicações a respeito da ética nas relações internacionais

começam com a distinção entre comunidade e anarquia. Uma vez que a noção de

comunidade, que vigora na tradição teórica, é um fator ou fenômeno característico de dentro

do Estado, juntamente com a concepção de valores universais compartilhados e de uma

60 De acordo com Giles, pode ser entendida como, a análise de conceitos tais como “dever”,regras morais”, “o certo”,o “errado”m”obrigação”,”responsabilidade”, etc., com relação ao comportamento ou à conduta,ou ainda, o inquérito que visa a natureza da moral ou de ator morais,ou ainda, A procura da vida moralmente boa.(GILES,Thomas,1993,p.51). 61 Relations between states do not offer the same basis of a centred political community for establishing a form of life that is subject to the guindance of established ethical principles. Rather,the lack of a centred community suggests- and here the distinction,is crucial- either the difficulty or the radical impossibility of establishing ethical principles.( Tradução nossa).

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identidade62 comum, todos estes fatores ou características é que viabilizaria o estabelecimento

de uma ética. Por sua vez o conceito de anarquia no sistema internacional, é segundo a

tradição teórica um lugar onde se encontra um mosaico de identidades, onde fica impossível

de se estabelecer uma unidade, é também um lugar sem princípios e valores comuns. Uma vez

adotado este estereótipo sobre o ambiente internacional, o mesmo se torna um espaço inviável

para o estabelecimento de uma ética. “A pretensão ética (...) sobre uma identidade humana,

uma comunidade política e uma autoridade legitima é suficiente para justificar que (...) as

relações internacionais não podem ser guiadas por princípios éticos.” (WALKER, 1993,

p.67).63

Walker (1993) escreve ainda que as relações internacionais e a ética, são tidas na

tradição teórica como uma interseção, onde duas linhas distintas se cruzam em um

determinado ponto, mas são incapazes de uma justaposição, ou até mesmo de serem vistas

sem a noção de serem distintas. “(...) a suposição problemática da qual “ética e relações

internacionais” são na verdade o nome de uma interseção, uma junção entre duas áreas

separadas (...)” (WALKER, 1993, p.50).64

Dessa maneira, o autor concluirá afirmando que a questão da ética, já está respondida

pela dicotomia inside/outside. Uma vez que adotada esta dicotomia, o comportamento dos

indivíduos vão ser completamente distintos dentro e fora do Estado. Dentro do Estado pode-se

cobrar ética e fora dele não há a mesma cobrança. Portanto, não é a anarquia a causadora da

falta de ética, mas sim a vontade de não ser ético fora do Estado. Se analisarmos mais

cuidadosamente observaremos que as vezes dentro do Estado tem-se anarquia e o

compartilhamento de valores universais dentro do Estado não passa de uma utopia, a despeito

disto as cobranças em torno da ética não deixam de existir. Dessa forma, enquanto houver a

dicotomia do que esteja dentro e o que esteja fora do Estado não haverá ética no ambiente

internacional. A fronteira de onde se possa cobrar ética já estará delimitada. (WALKER,

1993).

62 A identidade refere-se ao entendimento que as pessoas têm sobre quem são e o que é importante para elas. A identidade social descreve as características que são atribuídas a um indivíduo por outros. Essas atribuições são amiúde feitas com base nos grupos sociais a que um indivíduo parece pertencer – como homem, asiático ou católico – e marcam de que forma um indivíduo é igual a outros. A auto-identidade, ou a identidade pessoal, nos diferencia como indivíduos distintos. Refere-se ao juízo singular de si mesmo que é produzido pelo autodesenvolvimento e pela constante interação do indivíduo com o mundo exterior (GIDDENS, 2005, p. 56-57). 63 The ethical and political claim to a statist monopoly on human identity, political community and legitimate authorithy is enough to justify a claim that humam action in the specific spatial realm of international relations cannot be guided by ethical principles.( Tradução nossa). 64 The problematic assumption that ethics and international relations is indeed the name of na intersection,a junction between two separete areas.( Tradução nossa).

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4.3- A Desconstrução da dicotomia inside/outside

Walker (1993), objetiva em um primeiro momento, mostrar como e sobre quais

circunstâncias se deu à formação das Relações Internacionais, para em um segundo momento

mostrar as contradições e ou incongruências da mesma. Através da releitura de textos

clássicos da tradição teórica das Relações Internacionais, demonstrando como o apagamento

das diferenças e aproximação das similaridades estão na base ou são a própria base da

disciplina, ou seja, Walker (1993) demonstra que o campo das Relações Internacionais é

erigido em cima de pilares arbitrários. (WALKER, 1993).

Posteriormente, o autor se engajara na questão de demonstrar como as oposições

binárias- tais como abordadas por Saussure (1969) e problematizadas ulteriormente por

Derrida (1976)- que constituem o léxico das Relações Internacionais, modulam o pensamento

e a postura não somente dos Estados, mas também dos indivíduos e de uma forma mais geral

afeta toda uma realidade e noção de mundo, na medida em que as mesmas fornecem toda a

base a cerca de como se pensar para dentro e para fora dos Estados- com todas as implicações

já vistas anteriormente, de comunidade e anarquia,conflito e estabilidade,etc- presentes na

dicotomia inside/outside. (WALKER, 1993).

“(...) identidade/diferença, outro/mesmo, dentro/fora, história/contingência e iminência/transcendência permitiram que as relações internacionais fossem construídas com o discurso sobre as permanentes tragédias do mundo, fadado a permanecer fragmentado desejoso por conciliação e integração.” (1993, p.17).65

Dessa forma, demonstrando que a noção de internacional só se mantém a partir destas

oposições binárias e seu maniqueísmo que lhe são intrínsecos, que divide o mundo em dois

pólos, o interno dos Estados e o externo de relações entre os Estados, donde ocorre à

valoração dos mesmos, como já observamos anteriormente. (WALKER, 1993).

As oposições binárias como divisada por Derrida (1973), tem sempre a função dentro

da metafísica ocidental de valorizar uma das partes do pólo. Onde se julga uma das partes

sempre positiva em detrimento da outra. Como já abordado por Derrida (1973) somente

inverter a ordem das oposições não é suficiente, pois continuamos operando dentro da lógica

65 Indentity/difference,self/other,inside/outside,History/contingency and immincence/transcendance that have permitted theories of international relations to be constructed as a discourse about the permanent tragedies of aworld to remain fragmented while longing for reconciliation and integration.( Tradução nossa).

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da estrutura. Nas palavras de Walker (1993) “a tentação é de reverter as polaridades, para

mover-se do outro para o mesmo, da anarquia para comunidade.” (WALKER, 1993, p.73). 66

O autor, desconstruirá está dicotomia através do processo de descentramento e

tresvaloração. Walker (1993) preconiza que deve-se demonstrar como que está dicotomia se

sustenta somente por um processo de apagamento de certas características presentes em cada

um dos pólos, dessa maneira, fazendo com que venha à tona as diferenças entre estes dois

pólos. Portanto, existe a separação e o julgamento da vida dentro do Estado, sendo melhor que

a vida fora, no momento em que apagamos os conflitos, ausência de autoridade e as

diferenças identitárias que possam existir dentro do Estado e também pelo apagamento dos

momentos de paz, governância e valores comuns que existem no ambiente internacional.

(WALKER, 1993).

A dicotomia inside/outside se dá no momento em que apagamos as semelhanças

existentes nos dois ambientes. No momento em que não mais ressaltarmos as diferenças entre

está dicotomia e passarmos a apontar as semelhanças, a divisão dicotômica entre o dentro e o

fora não terá mais orientação. Basta começarmos a julgar o ambiente de fora do Estado como

um ambiente onde exista a possibilidade de se cobrar ética e onde haja a possibilidade de se

haver paz, ao passo de que no âmbito de dentro do Estado passemos a julgá-lo não tão

pacífico e harmonioso, a divisão entre estes dois ambientes não encontraria mais significação.

Á medida em que se dá a inversão da lógica de moralidade, desconstrói-se está dicotomia.

(WALKER, 1993).

O metódo de desconstrução derridiano é utilizado por Walker (1993) na medida em

que o autor mostra como a hierarquização destas dicotomias, assim como expostas por

Derrida (1973) foram pouco a pouco sendo instituídas ,tomando espaço e estabelecendo o

modo de pensar à cerca das Relações Internacionais, através de um processo de ressaltar das

diferenças entre os campos da dicotomia inside/outside. A desconstrução que Walker (1993)

aplica será realizada na medida em que o autor demonstra que se apagarmos as diferenças

entre está dicotomia e ressaltarmos as características comuns o inside/outside não fará mais

sentido.

66 The temptation is to reverse polarities, to move from the other to the same,from anarchy to community. (Tradução nossa).

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CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi o de mostrar a influência do pensamento de Derrida

para a teoria pós-estrutural de Relações Internacionais do autor, Walker. Demonstrou-se como

o pensamento do filósofo pós-estrutural ofereceu o arcabouço teórico para o desenvolvimento

da teoria do autor de Relações Internacionais, para a problematização da dicotomia

inside/outside que rege todo um entendimento à cerca do internacional e para a realização da

desconstrução desta dicotomia.

O entendimento do funcionamento da lingüística moderna e dos seus conceitos

centrais, tais como: signo, significado e significante, arbitrariedade do signo, caráter linear do

significante, valorização da phoné em relação à escrita, dentre outros. Como explanados neste

trabalho permitiu nos dar a base para o entendimento do terreno do qual iríamos caminhar ao

longo do trabalho, mais do que isso, o entendimento do pensamento de Saussure não só

fornece as bases para o entendimento, como constituí o próprio chão do qual caminhamos.

A arqueologia realizada, sob a gênese do pensamento teórico pós-moderno e pós-

estrutural, nos permitiu divisar o momento em que começaram a surgir os primeiros

questionamentos e movimentos no sentido da instituição de um novo pensamento que

rompesse com aquele que não mais servia para a explicação da nova sociedade e realidade da

qual se vivia. A conclusão da qual chegamos neste ponto do trabalho é que apesar de todas

estas novas transformações que se deram na sociedade, ainda sim é difícil e controverso se

falar de uma sociedade pós-moderna, uma vez que este pensamento é duramente criticado

pelos saudosos modernistas- saudosos,pois, neste trabalho decidimos por trabalhar em cima

da idéia de que vivemos de fato em uma era pós-moderna, caso contrário seria contraditório

tratarmos de uma teoria pós-moderna ou pós-estrutural filosófica e das Relações

Internacionais- contudo, divisamos o quanto o assunto ainda é de trato delicado e têm-se ainda

nos dias de hoje uma longa jornada para se instituir o pensamento de fato, não só no sentido

de argumentar contra os ainda remanecentes modernistas, mas para se unificar, dado a falta de

unicidade dentro destas próprias teorias como foi possível observar neste trabalho, a fim de se

criar novas teorias políticas e sociais que sirvam para a explicação desta nova sociedade,que

ainda se vale em muitas áreas do conhecimento, e não obstante o campo das Relações

Internacionais, das teorias modernas.

Como pudemos observar o filósofo pós-estruturalista Jacques Derrida valeu-se do

pensamento saussuriano e de seus conceitos para estabelecer seu próprio modo de pensar. A

crítica aos conceitos do proto-estruturalista Saussure, sobretudo ao papel secundário que o

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lingüista relegou a escrita, como sendo o “significante do significante” possibilitou a Derrida

criar o desconstrutivismo filosófico. Observarmos e concluimos neste ponto que o

desconstrucionismo possibilitou a constituição de um modo de pensar, onde delatou a

metafísica fonocêntrica, mostrou a forma pela qual às oposições binárias trabalham na

constituição das verdades e ou pensamento do ocidente e nos mostrou como se desconstruir

estas dicotomias sem cairmos na armadilha de ainda nos prendermos na estrutura da mesma,

através de um duplo movimento do qual se constitui a desconstrução, a inversão e o

descentramento.

O pensamento de Derrida, por sua vez, serviu de base como concluímos, para a

teoria de Walker. O teórico das Relações Internacionais percebeu que as Relações

Internacionais são regidas por uma série de oposições binárias, assim como preconizada por

Derrida, em que um dos pólos é sempre tido como positivo e central; está positividade que é

atribuída sempre a um dos dois pólos implica sempre em um julgamento de valores; no

campo das Relações Internacionais, Walker enfocou em uma destas oposições ou dicotomias,

como vimos, a dicotomia do inside/outside que como divisamos possibilitou o

estabelecimento da noção do internacional e moldou o pensamento à cerca do que se pensa

para dentro do Estado e para fora do Estado, com todos os julgamentos de valores e morais

que está oposição binária implica. Através das elucidações de Walker, percebemos de que

forma está dicotomia fora construída ao longo da história dos Estados modernos, em cima do

apagamento das semelhanças dentre estes dois campos.

Dessa forma, concluímos que o desconstrucionismo de Derrida fora utilizado por

Walker- que embora não se afilie explicitamente ao desconstrucionismo derridiano- utilizou

deste método, na medida em que o mesmo toma de empréstimo a problemática à cerca das

oposições binárias de Derrida e realiza a desconstrução derridiana de uma dicotomia em

especial que sustenta toda uma lógica dentro das Relações Internacionais, a inside/outside.

Walker desconstrói a dicotomia através do descentramento pela tresvaloração, como tivemos

a oportunidade de observar ao longo do esforço deste trabalho, cumprindo assim o objetivo do

mesmo de demonstrar a influência do filósofo francês desconstrutor na teoria pós-estrutural

de Walker.

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