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Allan Kardec

Viagem Espírita em 1862

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Conteúdo resumido

Esta obra é o relato da viagem realizadapelo Codificador no ano de 1862, que o le-vou a mais de vinte cidades, nas quais pre-sidiu aproximadamente 50 reuniões.

Para Kardec essa viagem teve a finali-dade de avaliar a situação em que se en-contrava a Doutrina Espírita e levar ao co-nhecimento geral as orientações necessáriasaos organizadores dos diferentes Centros.

Nos três discursos pronunciados porKardec, em Lyon e Bordeaux, foram feitasvaliosas considerações sobre a conduta dosespíritas, as atividades dos grupos e impor-tantes temas que envolvem os adeptos.

O Codificador oferece, também, instru-ções particulares aos grupos em resposta adiversas questões propostas e, por fim, umProjeto de Regulamento para o uso de gru-pos e pequenas Sociedades Espíritas.

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» Prefácio» Impressões Gerais» Discursos pronunciados nas reuniões

gerais dos espíritas de Lyon eBordeaux.

Discurso IDiscurso IIDiscurso III

» Instruções particulares dadas aosGrupos, em resposta a algumas dasquestões propostas

» Projeto de Regulamento para o uso deGrupos e pequenas SociedadesEspíritas

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Prefácio

Não obstante quanto de bom, respeitá-vel e digno já se tenha escrito, a “Históriado Espiritismo” dorme ainda no teclado de

um autor desconhecido.No decurso dos últimos cinqüenta anoshouve a brava tentativa de Sir Arthur ConanDoyle, na qual, todavia, o trabalho gigan-tesco de Kardec, por contraste, é quase im-palpável, diluído, e apenas se insinua entreas páginas bem elaboradas, nas quais cons-tata-se que o grande escritor absorveu, cro-nologicamente, todo o essencial a partir de1848, mas que, geograficamente, não foi

capaz de ir além do que um inglês, limitadopelas fronteiras de sua língua, pôde alcan-çar. Em verdade, ao invés de ser uma Histó-ria do Espiritismo, diríamos que a obra deDoyle faz parte dessa “História”, exatamen-

te pela admirável confissão e a inflexívelsegurança com que esse homem, famoso

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pela sutileza do raciocínio científico, apôssobre ela o seu nome celebrizado.

Mas essa “História”, em contexto inte-gral, haverá de ser escrita e nela nos im-pressionaremos com o capítulo dos que sedispuseram a sair pelo mundo, a enfrentar aenigmática substância das platéias, paratransmitir a doutrina dos Espíritos, aindaque ao preço de danos morais e físicos. Aesse capítulo se intitulará, talvez, os “Atosdos Espíritas”, parafraseando, por um sim-ples impulso de descobrir o futuro no pas-sado, os “Atos dos Apóstolos”.

Doyle menciona o curioso fenômeno daoratória em transe que, em azado momen-to, fez um arrepio de perplexidade eriçar asplatéias anglo-saxônicas. Jovenzinhas emflor, tais Cora Poldge, Emma Britten, NettieColburn adormeciam em face de ávidas as-sistências e só vinham a despertar, rubori-zadas e confusas, depois que os aplausosespoucavam. Haviam feito revolucionárias

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abordagens de temas filosóficos, teológicosou científicos que, ao lhes serem menciona-dos, faziam-nas quase perder o fôlego emseus rigorosos espartilhos. Em contraparti-da, certamente porque o mundo spiritualleva em conta, até onde não podemos ima-

ginar, certos condicionamentos de caráterpsicológico e social, essa ocorrência nãotem nenhuma significação mais profunda noambiente kardecista, e é o próprio Codifica-dor, lúcido e desperto, que se encarrega de

iniciar a divulgação das verdades espíritasatravés das tribunas. Em seguida a ele, emperfeita coordenação, surgirá Léon Denis.

Em um como em outro, e tal como su-cede ainda em nossos dias, a preocupação

se converge para uma ética que, em sendo,até certo ponto, patrimônio das mais anti-gas culturas, era, praticamente, apenas “le-tra que mata”; agora vai ser “espírito quevivifica”, subversiva no sentido de arremeter

do exterior para o interior, da teoria para aação. Seu caráter renovador torna-a evan-

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gelicamente desmistificada e autenticamen-te apostolar, o que nos leva a estabelecer acomparação com o livro dos “Atos”, essacrônica de viagem, durante a qual os inú-meros personagens têm, o tempo todo, oslábios entreabertos, como que preparados

para traduzir em palavras o pensamento daBoa Nova, em especulações sobre açõespassadas e presentes, que se acumulam emseus espíritos com a força do rio comprimi-do contra as paredes de uma barragem.

Esta Viagem Espírita em 1862é qual-quer coisa de semelhante e assim Allan Kar-dec nela se comporta.

Entretanto tudo começa, não exatamen-te em 1862, como o título sugere, mas, doisanos antes. O Novo “Atos” se inicia nos der-radeiros dias do outono de 1860.

*

O Livro dos Espíritose O Livro dos Mé-diuns tinham-se constituído, desde os seus

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lançamentos, em êxitos de livraria e o seuautor se fez, de imediato, notado. Dilacera-da por uma acabrunhante tristeza, a huma-nidade disputava pensamentos capazes deoferecer uma nova e veraz interpretaçãopara tudo quanto pudesse ser julgado de

real importância. As religiões apresentavamos sinais de uma incurável senilidade e dei-xavam de ser o “freio” esterilizante; mas aética que tresandava do ensino comunicadopelos Espíritos Superiores podia ser conside-

rada não como “uma religião”, mas a pró-pria “Religião”, surgindo de uma tenebrosanoite sufocada pelo fumo acre que tresan-dava a carne humana assada nas fogueiras.O seu símbolo não era o “freio”, porém a

“chave”, e nisso estava implícito ao mesmotempo uma esperança e uma ameaça. Haviaalgo de esgotante e doentio naquele decisi-vo século XIX, em que o homem alcançara osuperlativo de uma técnica elaborada emum suceder inimaginável de gerações: a deamar tão bem, amando tão pouco.

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Allan Kardec, com seu olhar acobreadoe fosforescente, não apreciava ver-se colo-cado na galeria marcial dos filósofos e en-frentava os louvores que lhe tributavamcomo algo de perigoso e inquietante. Erataciturno, e a única coisa que parecia

interessá-lo – ele haveria de ser sempre umpedagogo! – era um processo de educaçãoao qual se engajara com tanta paixão quan-to dantes o fizera em relação ao de Pesta-lozzi. Consistia em varrer do homem e das

instituições sociais um fator tão simplesquanto terrível: oegoísmo, substituindo-opor outro igualmente tão simples que fariamuita gente, durante anos de insensatez,rir-se à socapa: acaridade. Em seu sentido

global essas duas categorias breves guar-dam em si toda a complexidade da dor e daalegria humana, da mais negra miséria e damais estuante felicidade. A negação de ume a afirmação da outra eram a garantia doReino prometido e, por isso, o professorsentia-se impelido a escrever milhares de

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palavras, a deixar após si livros capazes de,nas coordenadas mesmas dos Evangelhosdo Cristo, enfrentar os séculos. Em conjuntoesse trabalho deveria contar com um fatordecisivo para sua definitiva conclusão: otempo. E os ponteiros do relógio, como de-

dos acusadores, muitas vezes apontavamem riste para o professor. Por esse motivosuas viagens de propaganda se reduziram amenos de meia dúzia. Não podia compro-meter a feitura da obra, toda ela dependen-

te de introspecção, toda ela educação, re-cursos do intelecto para lutar contra as in-timações do coração violento.

Como sucedeu à maioria dos grandesreformadores, uma parte de seus contem-

porâneos soube ver nele as qualidades exi-gidas ao predestinado. E um desses homensfoi o Sr. Guillaume, residente em Lyon. Guil-laume guarda a honra histórica de ter moti-vado a primeira viagem de propaganda do

Espiritismo kardecista. Cartearam-se a res-peito em agosto de 1860. Kardec partiu so-

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zinho, deixando para trás uma Paris envoltanas brumas de mortiço outono.

Pode-se imaginar como voltou a pisar osolo de sua cidade natal. Nas vésperas dapartida, exprimindo sua surpresa pelo de-senvolvimento do Espiritismo na terra emque vira a luz, ouviu de uma entidade co-municante o comentário seguinte: “Por quete espantas? Lyon é a cidade dos mártires.

A fé ali ainda é viva! Ela dará apóstolos aoEspiritismo. Se Paris é a cabeça, Lyon é ocoração!”

Cem anos depois, escrevendo sua admi-rável obra, Ave Cristo, o Espírito Emmanuel,através da psicografia de Francisco CândidoXavier, ofereceria ao mundo, por um enfo-que que só os arquivos da espiritualidadesuperior permitiriam, a crônica dos heróisdo Cristianismo nascente e que fizeram deLyon a “cidade dos mártires”.

Cortada em duas pela fita nebulosa doRhône, Kardec deve ter percebido que a

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cidade de sua infância já não existia mais.Quarenta anos se tinham passado e da casada Rua Sala nº 76, onde nascera, nem umúnico vestígio podia ser encontrado. Foraposta abaixo logo em seguida às inundaçõesde 1840. O mesmo destino sofreram o esta-

belecimento de águas minerais de FrédericoSyriaque Dittmar e a residência de FrançoisTarge, os dois amigos de seu pai que ti-nham firmado, no Tribunal, a certidão denascimento do menino Hippolyte. Por outro

lado as escassas notas históricas não infor-mam se o velho juiz Rivail ou a dama Jean-ne Duhamel, seus pais, ainda viviam. AllanKardec é sempre extremamente econômicoacerca de Hippolyte Léon Denizard Rivail, de

sorte que a biografia do segundo se dilui naobra do primeiro, um alicerce tenaz e insóli-to, mas fatalmente oculto e desapercebido.Como Saulo possuído de vertiginosa incerte-za e que se transforma em Paulo pela deci-são de agir!

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A caminho detivera-se em Sens, Mâcone Saint-Ettiene. É ainda o presidente da So-ciedade de Estudos Espíritas de Paris. Suarenúncia ao cargo fora, pouco antes, nega-da e Kardec vira-se reeleito por quase una-nimidade: um voto em contrário, um em

branco.*

Noite de 19 de setembro de 1860. Kar-dec é recebido no Centro Espírita de Brote-

aux, o único existente em Lyon. À portaesperam-no Dijou, operário, chefe deoficinas, e sua esposa.

Este é, na História, o primeiro encontrode dirigentes espíritas. Dijou encontra-se à

testa do grupo lionês, Kardec desempenhaas funções maiores naSocietéparisiense. Amão do emérito pensador aperta vigorosa-mente os dedos calosos e ásperos do com-panheiro, a quem chama “irmão”. No olhar

grave que trocam vê-se que mutuamente se

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entendem: embora em planos diferentes,suas responsabilidades se equivalem.

Transpostos os portais, o coração deKardec se rejubila. O “milagre” a que tantasvezes já fizera menção, sempre com arreba-tamento e orgulho, o grande feito que com-pete à Doutrina Espírita realizar, consubs-tancia-se ali, ante seus olhos, e é um men-tor espiritual, Erasto, em sublime epístoladirigida à comunidade lionesa, quem vaiencontrar palavras para vestir a emoção doCodificador: “Não podeis imaginar quantonos é doce e agradável presidir ao vossobanquete, onde o rico e o operário se abra-çam, bebendo a fraternidade!”

Kardec dirige-se à tribuna singela e oCentro Espírita de Broteaux, pelo futuro emfora, será lembrado como o local da pira. Alié aceso o fogo sagrado que empunharão,através dos séculos, todos aqueles que secompromissaram, mesmo ao preço de injú-

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rias, suor e lágrimas, a divulgar as glóriasdo Espiritismo pela bênção da palavra.

Todavia a noite inesquecível transcendeem significações.

A mulher, perfumada de amor e vestidade renúncia, vai ser a valiosa companheirado Espiritismo. Os dois cúmplices, de mãosdadas, descerão as escadas sombrias oubaterão, docemente, às portas das mansar-das. Secarão lágrimas e reacenderão espe-ranças. Mais e melhor do que o homem, elacomporá a galeria torturada dos grandesmédiuns que abalarão os negadores maisrecalcitrantes. Tinha seguido os passos deJesus e se mantivera solitária aos pés dacruz até que as roucas invocações subiramao Gólgota quando as cortinas do templo separtiram.

Agora que o Consolador prometido seanunciava, pressurosa ela corria a ocupar olugar de seu destino. Se ontem chamara-seMaria de Magdala, Marta, Maria ou Salomé,

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hoje chama-se Sra. Dijou. Por isso todo oencanto se prejudicaria se, naquela noiteoutonal de 1860, imprescindível presença,ela não tivesse descerrado a Allan Kardec asportas do Centro Espírita de Broteaux.

Todavia ali está a Sra. Dijou. Seu sorrisosem artifícios é como um maravilhoso diálo-go, seu olhar resoluto é cheio de convicção.Pode-se imaginar que tenha descido daCroix-Rousse para os Terreaux, nos grupostumultuosos de operários quando lhes faltouo trabalho. Agora, firmemente especada aolado do marido, ela é a segunda potêncianesse momento histórico. Qual é o seu pre-nome? Por que veio a partilhar essa situa-ção da qual, em obediência aostatus social

vigente no tempo, apenas o homem deveriaser o ator visível?Não se pode saber! A Sra. Dijou cami-

nhou através dos anos e o tempo tudo ouquase tudo apagou. Ele tem, afinal, o poder

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de transformar em um enigma mesmo amais simples dentre as mulheres do povo.

Kardec, entretanto, pressentiu que elase tornaria em um monumento. E, por isso,bem ao seu modo, guardou-lhe, não os tra-ços físicos, mas os traços morais. Do jantaramável que lhe foi oferecido pelo operariadode Lyon, transcreveu na suaRevue o pe-queno discurso do Sr. Courtet, um negoci-ante, no qual a Sra. Dijou se encontra decorpo inteiro.

“Senhores! Na qualidade de membrodo grupo Espírita de Broteaux e em seunome, venho vos propor um brinde emhonra do Sr. e da Sra. Dijou.

Senhora! Cumpro um dever muito a-gradável, servindo de intérprete de todaa nossa sociedade, que vos agradecepor tudo quanto fizestes em nosso fa-vor! Quantas consolações haveis feitobrotar entre nós! Quantas lágrimas deternura e de alegria nos fizestes derra-

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mar! Vosso coração, tão bom e tão mo-desto, não se orgulhou com os vossossucessos e, com isso, vossa caridadeaumentou.

Bem sabemos, senhora, que apenassois o intérprete dos Espíritos superio-res, que a vós estão ligados, mas, tam-bém, com que devotamento realizais es-sa tarefa! Por vosso intermédio nos ini-ciamos a essas altas questões de morale filosofia, cuja solução deve trazer oreino de Deus e, por conseqüência, a fe-licidade aos homens neste mundo.

Também vos agradecemos, senhora,a assistência que dais aos nossos doen-tes. Vossa fé e vosso zelo disso recebema recompensa pela satisfação que expe-rimentais em fazer o bem e aliviar o so-frimento. Nós vos pedimos a continua-ção dos vossos bons ofícios: ficai certade toda a nossa gratidão e de nosso e-terno reconhecimento.”

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Na história do Espiritismo kardecista,essa mulher do povo, essa esposa e mãe deoperários, é a primeira figura feminina quese projeta na linha de um horizonte difuso,no qual, entretanto, firmemente acendem-se as luzes das mais altas aspirações e ex-

pectativas jamais oferecidas ao gênero hu-mano. A Sra. Dijou sobrepõe-se às persona-lidades torturadas, para além do suportável,às mulheres de sua classe, em seu tempo, ecerrando as portas do Centro Espírita de

Broteaux, à saída de Allan Kardec, finda asessão memorável, cerra também as portasdo passado.

Em verdade todas as mulheres que hojevivem e abençoam a “situação” e a “condi-

ção” de espíritas, devem-lhe gratidão, poisque a Sra. Dijou é um ser distinto, marcadocom os sinais precisos e irrefutáveis de umaação que lhe deve ter custado a ameaça demil perigos invisíveis.

*

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Essa primeira viagem de Kardec tem odom de acender entusiasmos além do ima-ginável. Já agora o homem não pode deixarde pensar.

Uma imprensa teúda e manteúda por in-teresses bem conhecidos, também em Lyonacaba de se despertar. Mas em torno docasal Dijou e do Sr. Guillaume, o Espiritismoé feliz e espontâneo, arregimenta adeptos eestes se unem por uma teia de fidelidade,de idéias sem hesitações. Nada e ninguém

já poderá afastá-los.Pela Revue Kardec escreverá estas im-

pressões de viagem: “Eu bem sabia que emLyon os adeptos eram em grande número,porém estava longe de suspeitar que fossetão considerável, pois se contam por cente-nas e, em breve, espero, serão incontáveis”.

*

E foi para verificar se o seu prognósticose tornara em realidade, que Kardec retorna

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à “cidade dos mártires” no ano seguinte,1861. Como anteriormente, escolhe o outo-no para a excursão. O vento frio soluça en-tre os ramos que se enrijecem e as folhascor-de-cobre pingam melancolicamente dosplátanos e castanheiros quando ele desce

de novo em Mâcon e Sens para abraçar,depois de um ano, os companheiros espíri-tas. Exatamente a 19 de setembro encon-tra-se de novo entre os amigos lioneses.Mas agora, como predissera, os grupos mul-

tiplicam-se. Há-os em Guillotière, em Perra-che, em Croix-Rousse, em Vaise, em Saint-Juste, sem contar o grande número de reu-niões familiares.

Kardec sente-se invadido por indefinível

sentimento. A sua Lyon é, para ele, um do-ce tormento, uma dessas congeminaçõesque traduzem o triunfo da causa pela qualdá sua vida e a ira deletéria de seus críticosimpotentes. O tema predileto de Kardec é a

caridade, porém ele bem sabe que o despei-

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to pode ser tão clarividente quanto a bon-dade.

Um operário de Saint-Juste emociona-oprofundamente discursando com admiráveispalavras: “Viemos de longe e subimos asalturas de Saint-Juste com um calor extenu-ante. Trouxemos conosco as nossas ferra-mentas de trabalho juntamente com o pão eo queijo. Queríamos partilhá-lo convosco,um verdadeiro ágape oferecido com a sim-plicidade antiga e o coração sincero. E umcopo de vinho que essa brava gente nãopode beber todos os dias. Ah! Uma verda-deira festa! Iríamos ouvir falar de Espiritis-mo”

Mas, pelaGazeta de Lyon, um certo Sr.C. M. chama aos espíritas “... alucinadosque romperam com todas as crenças religio-sas de seu tempo e de seu país...”

A resposta de Kardec é serena. O Espiri-tismo não é uma seita política, como não éuma seita religiosa. É a constatação de um

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fato, uma doutrina moral, e a moral está emtodas as religiões, em todos os tempos, emtodos os países. A moral que ensina é boaou má? É subversiva? Estudem-na e sabe-rão do que se trata. Todavia, desde que é amoral do Evangelho desenvolvida, condená-

la será condenar o Evangelho.*

Em Kardec não há pusilanimidade. Nooutono de 1862 deixa Paris para sua tercei-

ra viagem de propaganda espírita. Esta seráa mais extensa a ser feita em toda a suavida e se alongará até Bordeaux. Precisaconstatar o processo de fermentação. Omundo do homem encarnado era um mun-

do enfermo que se tentava analisar dentrodos quadros da psicologia ou da filosofia.Mas tudo aquilo era susceptível de mais deuma explicação.

Kardec preparou, com zelo habitual, o

material de sua oratória e, de fato, o seu

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tema de eleição está, melhor do que nunca,expresso no legado dessa viagem.

Tudo quanto vai dizer é fruto de umaexperiência pessoal. Essa experiência cami-nha para nós e a voz que a expressa, ape-sar dos anos, nada tem de debilidade. Entreo homem e sua felicidade, ergue-se asom-bra, a terrível paixão: oegoísmo. Isto éuma espécie de grito que precisa ser milvezes repetido, até que o grande obstáculo,a sombra, seja reconhecida como o pior dosinimigos. Enquanto isso não se faça todosestaremos excluídos da felicidade que dese-

jamos partilhar.Todavia é inútil repetir o tema que o lei-

tor vai encontrar neste livro.

*

A Viagem Espírita em 1862levou AllanKardec a mais de vinte cidades diferentes,nas quais presidiu a cerca de cinqüenta re-uniões. Um convite subscrito por 500 assi-

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naturas, efetuado mais uma vez pelo grupolionês, promoveu-a. No decorrer dessas seissemanas de 1862, ao outono sucedeu o in-verno, e foi através da chuva, do frio e daneve que o grande missionário se locomo-veu pela província francesa.

Em novembro do mesmo ano, pelo edi-torial da Revue, prestava conta de seuspassos, escrevendo:

“Acabamos de fazer uma visita a vá-rios centros espíritas da França, lamen-tando que o tempo não nos tenha per-mitido ir a toda parte onde nos haviamconvidado, nem prolongar nossa visita acada localidade tanto quanto desejáva-mos, dada a acolhida simpática e frater-na recebida. Durante uma viagem demais de seis semanas e um percurso de693 léguas, estivemos em vinte cidadese assistimos a mais de cinqüenta reuni-ões. O resultado nos deu uma grandesatisfação moral, sob o duplo aspecto

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das observações colhidas e da constata-ção dos imensos progressos do Espiri-tismo.

O relato dessa viagem, que compre-ende principalmente as instruções pornós oferecidas aos vários grupos, é mui-to extenso para ser publicado naRevis-ta, pois absorveria quase dois números.Fizemos uma separata, do mesmo for-mato, a fim de, caso necessário, a elaser anexada.” Esse editorial é fechado com chave de

ouro através de dois magníficos parágrafos: “Parece-nos indicado aproveitar esta

circunstância para retificar uma opiniãoque se nos afigurou muito generalizada.

Várias pessoas, principalmente naprovíncia, tinham pensado que o custodessas viagens corria por conta da Soci-edade de Paris. Tivemos que explicaresse erro, sempre que se apresentou.

Aos que possam ainda pensar assim,

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lembramos o que foi dito em outra oca-sião: a Sociedade se limita a cobrir asdespesas correntes e não possui reser-vas. Para que pudesse constituir um ca-pital, teria que visar o número de ade-sos: é o que não faz, nem quer fazer,

pois seu objetivo não é a especulação, eo número não dá importância aos seustrabalhos. Sua influência é toda moral eo caráter de suas reuniões dá aos estra-nhos a idéia de uma assembléia grave e

séria. Este é o seu mais poderoso meiode propaganda. Assim, não poderia elaprover nenhuma despesa. Os gastos deviagem, como todos os decorrentes dasrelações que estabelecemos em favor

do Espiritismo, são cobertos por nossosrecursos pessoais e nossas economias,acrescidos do produto de nossas obras,sem o que ser-nos-ia impossível enfren-tar todos os encargos conseqüentes daobra que empreendemos. Digo isto semvaidade, mas unicamente em homena-

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gem à verdade e para edificação dosque imaginam que entesouramos di-nheiro.”

*

André Moreil, o mais recente biógrafo

de Kardec, comenta a Viagem Espírita em1862 nos seguintes termos: “Essa grandeviagem foi, mais tarde, publicada em obraespecial, que se tornou auxiliar indispensá-vel aos grupos espíritas, tanto no que con-

cerne à doutrina, quanto no que diz respeitoà organização e administração das socieda-des espíritas.”

Cremos que este livro não foi, até omomento, editado em língua portuguesa.

Lançamo-lo não apenas por sua alta quali-dade doutrinária, mas ainda como uma ade-são da “Casa de Cairbar Schutel” às come-morações do 1º Centenário de Desencarnede Allan Kardec, ocorrido em 1869.

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Os conceitos nele contidos são tão atu-ais e frescos, tão fundamentais à boa con-duta das entidades espíritas, que poderiamter sido escritos em 1952. O leitor arguto eatento fará aqui mil descobertas de trans-cendental valor. Cem anos transcorridos, as

instruções de Kardec são ainda perfeitamen-te aplicáveis e uma garantia para a purezadoutrinária. Caracterizam-se pela firmeza,lucidez e responsabilidade. Finalmente, oseu curioso modelo de Regulamento, o an-

tepassado dos atuais estatutos das socieda-des espíritas, é um exemplo de ponderação,de repulsa ao misticismo e uma revelaçãode alto espírito universalista.

A Viagem Espírita em 1862é obra em

que, de singular maneira, o “homem” AllanKardec se nos revela com sua consciênciahistórica e, em súbitos clarões, permite queo vejamos bem próximo de nós, o ser que

já realizou o que intentamos, isto é, a subs-

tancial reforma interior que, só ela, possibili-ta a mágica interação: a criatura vivendo no

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Espiritismo, o Espiritismo vivendo na criatu-ra.

Araraquara, maio de 1968.

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Im pressões Gerais

Nossa primeira viagem a serviço do Es-piritismo, realizada em 1860, limitou-se a-penas a Lyon e algumas outras cidades que

se encontravam em nosso trajeto. No anoseguinte acrescentamos Bordeaux ao itine-rário e finalmente agora, além dessas cida-des principais, no decorrer de uma excursãoque durou sete semanas, num percurso de

cento e noventa e três léguas, visitamosuma vintena de localidades e assistimos amais de cinqüenta reuniões. Nosso propósi-to não é fazer uma documentação históricadessa viagem. No decorrer dela recolhemos,

é verdade, toda uma série de episódios que,um dia, talvez, terão o seu interesse, umavez que pertencerão à História. Hoje, entre-tanto, limitamo-nos a resumir as observa-ções que fizemos sobre a situação em quese encontra a Doutrina Espírita e levar aoconhecimento geral as orientações que nos

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foi possível oferecer aos organizadores dosdiferentes Centros. Sabemos que os verda-deiros espíritas apreciarão tal iniciativa enossa intenção é, sobretudo, atender a es-tes e não aos que andam à cata de motivospara diversão. Além disso, nesta narrativa, o

nosso amor próprio estará, muitas vezes,posto em jogo e este é um motivo prepon-derante para um retraimento de nossa par-te. É esta ainda a razão que nos impede depublicar os numerosos discursos que nos

foram dedicados e que guardamos comopreciosas recordações. O que não podería-mos deixar de consignar, sem correr o riscode passar por ingrato, é o acolhimento tãobenevolente e tão simpático que recebemos

e que, só ele, bastaria para nos recompen-sar por todas as fadigas.Devemos particular reconhecimento aos

espíritas de Provins, Troyes, Sens, Lyon, Avignon, Montpellier, Cette, Toulouse, Mar-

mande, Albi, Saint Gemme, Bordeaux, Ro-yan, Marcherssur-Garonne, Marennes, St.

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Pierre d’Oléron, Rochefort, St. Jeand’Angély, Angoulème, Tours e Orléans, bemcomo a todos quantos não recuaram ante aperspectiva de uma viagem de dez e atévinte léguas para irem se reunir a nós nascidades onde nos havíamos detido. Essa

acolhida poderia, realmente, ser de molde anos encher de orgulho, não considerásse-mos que tais demonstrações se endereça-ram bem menos a nós como pessoa, do queà Doutrina Espírita, como constatação do

crédito em que é tida, pois que, não fossepor ela, nada seríamos e tão pouco alguémse preocuparia conosco.

O primeiro resultado que pudemosconstatar foi o imenso progresso realizado

pela crença espírita. Um único fato podedisso dar uma idéia. quando de nossa pri-meira viagem a Lyon, em 1860, existiam ali,por alto, algumas centenas de adeptos. Noano seguinte alcançavam a casa de 5 ou 6

mil. Este ano o cálculo tornou-se impossível.Pode-se, entretanto, avaliá-los entre 25 e

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30 mil. Em Bordeaux, no ano passado, nãochegavam a 1 mil. No espaço de um anoesse número foi decuplicado. Esse é um fatoconstante, que ninguém pode contestar.

Um outro fato que nos foi dado verificare que nos parece notável é que, em umainumerável quantidade de localidades, ondeera desconhecido, o Espiritismo penetrougraças às pregações que lhe são contráriase que, fazendo-o notado, inspiraram naspessoas o desejo de investigar em que con-siste ele. Em seguida, ao se provar o seucaráter racional, necessariamente adquiriupartidários. Poderíamos citar, entre outras,uma pequenina cidade no departamento doIndre-et-Loire onde, há mais ou menos seis

meses, nunca se ouvira falar de Espiritismo.Foi quando ocorreu a um pregador a idéiade fulminar, através do púlpito, o que eledenominava, do modo falso e impróprio, areligião do século dezenove e o culto a Satã.

A população, surpreendida, se interessoupor saber do que se tratava. Encomenda-

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ram-se livros e hoje, ali, um grupo de adep-tos já organizou um Centro. Esse fato é tan-to mais significativo porque prova quantarazão tinham os Espíritos quando nos dizi-am, há alguns anos, que nossos própriosadversários, sem o quererem, serviriam à

nossa causa.É uma constante o fato de que, por todaparte a propagação das idéias espíritas sedesenvolveu em razão dos ataques. Ora,para que uma idéia se difunda por tal pro-cesso, é preciso que ela satisfaça e que aspessoas a julguem mais racional do que a-quela que se lhe opõe. Um dos resultadosde nossa viagem foi, pois, constatar, comnossos próprios olhos, o que já sabíamos

por nossa correspondência.É preciso confessar, não obstante, queessa progressão ascendente está longe deser uniforme. Se há localidades onde a idéiaespírita parece germinar à medida que asemeamos, outras há, em contraposição,

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onde penetra mais dificilmente, por motivode causas locais devidas ao caráter de seushabitantes e, sobretudo, à natureza de suasocupações. Em tais lugares os espíritas rea-lizam seus estudos individualmente. Mas aí,como em outras partes, as raízes já se fir-

maram e, cedo ou tarde, apresentarão seusrebentos, tal como se tem visto ocorrer,hoje em dia, nas cidades onde os espíritas

já são mais numerosos.Por toda parte a idéia espírita começa a

ser difundida partindo das classes mais es-clarecidas ou de mediana cultura. Em ne-nhum lugar ascende das classes mais incul-tas. Da classe média ela se estende às maisaltas e mais baixas da escala social. Em

muitas cidades os grupos de estudos sãoconstituídos quase que exclusivamente pormembros dos tribunais, pela magistratura eo funcionalismo. A aristocracia fornece tam-bém seu contingente de adeptos, mas, até o

presente, eles se têm contentado em sersimpatizantes e, na França pelo menos,

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pouco se reúnem. Grupos desse tipo sãomais comuns na Espanha, Rússia, Áustria ePolônia, onde o Espiritismo tem lúcidos re-presentantes, mesmo nas camadas sociaismais elevadas.

Um fato talvez mais importante do quea constatação em termos de quantidade,resultante também de nossas observações,é a seriedade com que se encara o Espiri-tismo. Onde quer que se pesquise – e po-demos dizer: com avidez – busca-se o ladofilosófico, moral e instrutivo. Em nenhumlugar vimos a prática espírita reduzida a mo-tivo para distrações nem as experiênciasserem conduzidas como diversão. Invaria-velmente, as perguntas fúteis e a simples

curiosidade são postas de lado. Em suamaioria os grupos são muito bem dirigidos,alguns mesmo de forma notável, com o em-prego pleno dos verdadeiros princípios daciência espírita. Os propósitos são idênticos

aos que norteiam a sociedade de Paris enão se tem outra bandeira senão os princí-

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pios ensinados em “O Livro dos Espíritos” .Nesses grupos reina, de modo geral, umaordem e um recolhimento perfeitos. Vimosalguns, em Lyon e Bordeaux, que reúnem,habitualmente, cem a duzentas pessoas eonde a atitude geral é tão edificante quanto

o seria dentro de uma igreja. Foi em Lyonque tivemos a reunião geral mais importan-te. Compunha-se de mais de seiscentos de-legados de diferentes grupos e tudo trans-correu de forma admirável.

Devemos acrescentar que em nenhumadas localidades visitadas as reuniões espíri-tas sofreram a mais leve restrição e deve-mos agradecimentos às autoridades civispela cortesia de que fomos objeto em mais

de uma circunstância.Os médiuns igualmente se multiplicam ehá poucos Centros que não dispõem doconcurso de vários deles, sem falar daquantidade bem mais considerável daquelesque não pertencem a nenhum núcleo e que

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apenas empregam suas faculdades isolada-mente ou junto a pequenos grupos de ami-gos. Nesse número predominam os psicó-grafos de diferentes gêneros.Em grandemaioria, entretanto, fazem-se sentir os mé-diuns moralistas,1 pouco divertidos para os

curiosos, que melhor farão indo procurardistrações alhures do que nas reuniões espí-ritas verdadeiramente sérias. Lyon possuivários médiuns desenhistas2 notáveis, umdos quais emprega o óleo sem que jamais

1 Médiuns filósofos e moralistas: são aqueles cujascomunicações que recebem têm geralmente porobjeto as questões de moral e de alta filosofia.Muito comuns, quanto à moral (O Livro dos Mé-diuns, q. 193).

2 Médiuns pintores ou desenhistas: os que pintamou desenham sob a influência dos Espíritos. Fa-lamos dos que obtêm trabalhos sérios, visto nãose poder dar esse nome a certos médiuns queEspíritos zombeteiros levam a fazer coisas grotes-cas, que desabonariam o mais atrasado estudan-te (Idem, q. 190).

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tenha tido qualquer lição de desenho ou depintura, e vários médiuns videntes,

3

cujasfaculdades pudemos constatar. Em Marren-nes há também uma senhora, médium de-senhista e, igualmente, um ótimo médiumpsicógrafo,4 tanto para dissertações espon-

tâneas quanto para evocação. Em Saint-Jean d’Angély vimos um médium mecânico5 que podemos considerar excepcional. Trata-se de uma senhora que redige longas e

3 Médiuns videntes: os que, em estado de vigília,vêem os Espíritos. A visão acidental e fortuita deum Espírito, numa circunstância especial, é muitofreqüente; mas a visão habitual, ou facultativa,dos Espíritos, sem distinção, é excepcional (idem,

q. 190).4 Médiuns escreventes ou psicógrafos: os que têma faculdade de escrever por si mesmos sob a in-fluência dos Espíritos (idem, q. 191).

5 Médiuns escreventes mecânicos: aqueles cujamão recebe um impulso involuntário e que ne-nhuma consciência têm do que escrevem. Muitoraros (idem, q. 191).

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formosas comunicações enquanto lê o jornalou conversa com os presentes, e isto semnunca olhar para sua própria mão. Sucedemuitas vezes que, distraída, não se aperce-be de que a comunicação chegou ao fim. Osmédiuns iletrados são numerosos e muitos

há que psicografam sem jamais terem a-prendido a escrever. Isso não é mais sur-preendente do que ver um médium dese-nhar sem ter sido iniciado nessa arte.Mas oque é característico, é a evidente diminuição

dos médiuns de efeitos físicos,6

à medidaque se multiplicam os médiuns de efeitosintelectuais.7 É que, como os Espíritos o

6 Médiuns de efeitos físicos: os que têm o poder deprovocar efeitos materiais, ou manifestações os-tensivas: levitação e transporte de pessoas ouobjetos, produção de ruídos ou sons musicais,materializações, escrita direta, etc. (O Livro dosMédiuns, qs. 187, 189).

7 Médiuns de efeitos intelectuais: os que são maisaptos a receber e transmitir comunicações atra-vés de fenômenos intelectuais: audiência, vidên-

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afirmam, a fase da curiosidade passou e jávivemos um segundo período, o da filosofia.O terceiro, que começará em pouco, será ode sua aplicação à reforma da humanidade.

Os Espíritos, que tudo conduzem comgrande sabedoria, tiveram a intenção de,preliminarmente, despertar as atenções pa-ra a nova ordem de fenômenos e provar apossibilidade da comunicação com os seresdo mundo invisível. Espicaçando a curiosi-dade, alcançaram desentorpecer toda agente, ao passo que se tivessem apresenta-do, de início, uma filosofia abstrata, nãoalcançariam ser compreendidos senão porum pequeno número, com o agravante deque a origem dessa filosofia teria sido difi-

cilmente admitida. Optando por um proces-so gradativo, mostraram o que podiam rea-lizar. Todavia, como, em definitivo, as con-seqüências morais constituíam sua finalida-

cia, inspiração, pressentimentos, sonambulismo,etc. (idem, qs. 187, 190).

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de essencial, deram às manifestações seuaspecto normal de seriedade quando julga-ram suficiente o número de pessoas dispos-tas a ouvi-los, pouco se inquietando com osrecalcitrantes. Quando a ciência espírita es-tiver solidamente constituída e escoimada

de todas as interpretações sistemáticas eerrôneas, que caem a cada dia ante o exa-me sério, eles se ocuparão de estabelecê-laem âmbito universal, para isso empregandopoderosos meios. Enquanto esperam, se-

meiam a idéia por todo o mundo, a fim deque, quando o momento estiver chegado,ela encontre, por toda parte, o terreno pre-parado. E saberão bem como superar todosos entraves, pois o que podem contra eles e

contra a vontade de Deus os obstáculoshumanos?Essa caminhada racional e prudente se

revela em tudo, mesmo nos mais sutis ensi-namentos que gradualmente proporcionam

de acordo com o tempo, os lugares e oshábitos dos homens. Uma luz intensamente

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brilhante e súbita não ilumina, mas ofusca. Assim sendo, os Espíritos oferecem-na depouco em pouco. Quem quer que acompa-nhe o progresso da ciência espírita reconhe-cerá que ela cresce em importância à medi-da que penetra os mais profundos mistérios.

O Espiritismo discute, hoje em dia, idéiasdas quais não se duvidava há alguns anos, eele não disse ainda a última palavra, poisque reserva muitas outras revelações.

Pudemos constatar essamarcha pro-gressiva de ensinopela natureza das comu-nicações obtidas nos diferentes grupos quevisitamos e que comparamos com outrasanteriormente recebidas. Elas não se distin-guem apenas por sua extensão, sua ampli-

tude de vistas, facilidade de obtenção e altamoralidade, mas, acima de tudo, pela natu-reza das idéias discutidas e, freqüentemen-te, de forma magistral. Isso, sem dúvida,depende muito do médium, porém não ex-

clusivamente. Não basta ter um bom ins-trumento, é necessário dispor de um bom

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músico para dele tirar bons sons e, aindamais, é preciso que o executante disponhade uma audiência capaz de compreendê-lo ede apreciá-lo. Quem se daria ao trabalho deexecutar diante de surdos?

Esse progresso, convenhamos, não égeral. Abstração feita dos médiuns, nós oconstatamos em relação ao caráter dos gru-pos. Atinge seu mais amplo desenvolvimen-to naqueles onde reina, juntamente com afé mais ativa, os sentimentos puros, o de-sinteresse moral mais intenso. Os espíritossabem muito bem em quem depositar suaconfiança, relativamente a problemas quenão podem ser compreendidos por toda agente. Naqueles em que esbarram com

condições menos elevadas, o ensino é bom,sempre moral, porém se restringe, mais ge-ralmente, a banalidades.

Por desinteresse moralentendemos aabnegação, a humildade, a ausência de todaa pretensão orgulhosa e de todo o pensa-

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mento personalista postos a serviço do Espi-ritismo. Seria supérfluo falar do desinteressematerial, pois que esta é uma questão deprincípio e, por outro lado, porque vimos,por onde quer que andamos, uma repulsainstintiva contra toda idéia de especulação,

vista quase como um sacrilégio. Os médiunsinteresseiros e profissionais são desconheci-dos nas localidades onde estivemos, comexceção de uma, onde se encontram al-guns. Entretanto quem, por exemplo, em

Bordeaux ou seus arredores, fizesse profis-são de suas faculdades, não inspiraria ne-nhuma confiança; pelo contrário, seria repe-lido por todos os grupos. Essa atitude foipor nós constatada e registrada pessoal-

mente.Um outro traço característico à época éo número incalculável e em constante cres-cimento de adeptos quenada virame que,nem por isso, são menos entusiastas, pois

que leram e compreenderam. Em Cette, porexemplo, não se conhecem médiuns senão

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por se ouvir falar e pelas descrições doslivros. Não obstante é difícil encontrar-semais fervor e dedicação à causa espírita doque ali. Um dos habitantes da cidade per-guntou-me se essa facilidade em aceitar adoutrina pela simples teoria era um bem ou

um mal, se era atitude condizente com umespírito reflexivo ou superficial. Responde-mos-lhe que a facilidade em aceitar a idéiaespírita indica facilidade de compreender;que esta, como outra qualquer idéia, pode

se inata e que basta uma simples fagulhapara fazê-la saltar de seu estado latente.Essa facilidade em compreender denotauma evolução anterior nesse sentido: serialeviandade aceitá-la sob palavra e cegamen-

te. Este, entretanto, não é o caso daquelesque só a adotam após haver estudado ecompreendido. Eles vêem através dos olhosda inteligência o que os outros vêem sim-plesmente pelos olhos do corpo. Isso provaque emprestam maior atenção ao fundo doque à forma. Para eles afilosofia é o princi-

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pal; as manifestações constituem um meroacessório. A filosofia espírita explica-lhes oque nenhuma outra lhes pode explicar. Elasatisfaz-lhes à razão por sua lógica, preen-che neles o vazio da dúvida e isto lhes bas-ta. Eis porque preferem-na a qualquer ou-

tra. É raro que tais pessoas, compreendidasnesta categoria, não sejam bons e verdadei-ros espíritas, pois que nelas existe o germeda fé, abafado momentaneamente pelosprejuízos terrestres. De resto, os motivos deconvicção variam conforme os indivíduos.Para alguns são necessárias provas materi-ais; para outros as provas morais são sufici-entes. Ora, indivíduos há que não são con-

vencidos nem por umas nem por outras.Esses matizes possibilitam um diagnósticode seu espírito. Em todo o caso pouco sepode esperar daqueles que dizem: “Só a-creditarei se me fizerem assistir a tal ou tal

coisa”, e nada dos que julgam indigno de simesmos estudar e observar. Quanto aos

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que afirmam: “Ainda que eu veja não acre-ditarei, poissei que é impossível”, é de todoinútil mencioná-los e mais inútil ainda per-der, com eles, o nosso tempo.

Já é muito, sem dúvida, crer, mas acrença apenas não é suficiente, se ela nãooferece resultados e isso, infelizmente, temocorrido em muitos casos. Faço referênciaàqueles para os quais o Espiritismo nãopassa de um fato, de uma bela teoria, umaletra morta que não produz, na estruturaíntima dessas pessoas, nenhuma transfor-mação, nem em seu caráter, nem em seushábitos. Mas ao lado dos espíritas simples-mente crentes ou simpáticos à idéia, há osespíritas de coração, e nos confessamos

felizes por havermos deparado com eles emgrande número. Vimos transformações quepoderiam ser rotuladas de miraculosas, re-colhemos admiráveis exemplos de zelo, deabnegação e de devotamento, numerosos

casos de caridade verdadeiramente evangé-lica que poderíamos, com justiça, denomi-

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nar: Os belos traços do Espiritismo. Valeaqui lembrar que as reuniões exclusivamen-te compostas de verdadeiros e sinceros es-píritas, daqueles nos quais fala o coração,apresentam um aspecto muito especial: to-das as fisionomias refletem a franqueza e a

cordialidade. Nós nos encontramos à vonta-de nesses ambientes simpáticos, verdadei-ros templos onde reina a fraternidade. Tan-to quanto os homens, os espíritos aí secomprazem e é então que se revelam mais

expansivos, que oferecem as orientações decaráter mais íntimo. Pelo contrário, nos am-bientes onde se registram divergências desentimentos, onde as intenções não sãopuras ou onde se observa o sorriso sardôni-

co e desdenhoso em certos lábios, onde sesente o sopro da malquerença e do orgulho,onde se teme a cada instante pisar o pé davaidade ferida, há sempre constrangimento,embaraço e desconfiança. Em tais locais ospróprios espíritos são mais reservados e osmédiuns muitas vezes vêem-se paralisados

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pela influência dos maus fluidos que sobreeles pesam como um manto de gelo. Tive-mos a ventura de assistir a numerosas reu-niões que se enquadram na primeira cate-goria e registramo-las com grande alegriaem nossos apontamentos, como as mais

agradáveis lembranças que guardamos denossa viagem. Reuniões dessa natureza semultiplicarão, sem dúvida, à medida que averdadeira finalidade do Espiritismo for maisbem compreendida. Essas são, igualmente,

as que fazem a mais frutuosa e mais sólidapropaganda, pois que reúnem pessoas bemintencionadas e preparam areforma moralda humanidade pregando pelo exemplo.

É notável verificar que as crianças edu-

cadas nos princípios espíritas adquirem umacapacidade precoce de raciocínio, que astorna infinitamente mais fáceis de seremconduzidas. Nós as vimos em grande núme-ro, de todas as idades e dos dois sexos, nas

diversas famílias onde fomos recebidos, epudemos fazer essa observação pessoal-

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mente. Isso não as priva da natural alegria,nem da jovialidade. Todavia não existe ne-las essa turbulência, essa teimosia, essescaprichos que tornam tantas outrasinsuportáveis. Pelo contrário, revelam umfundo de docilidade, de ternura e respeito

filiais que as leva a obedecer sem esforço eas torna responsáveis nos estudos. Foi oque pudemos notar e essa observação égeralmente confirmada.

Se podemos analisar aqui os sentimen-tos que a crença espírita tende a desenvol-ver nas crianças, facilmente conceber-se-ãoos resultados que pode produzir. Diremosapenas que a convicção que têm da presen-ça de seus avós, que estão ali, ao seu lado

e podem incessantemente vê-las, impres-siona-as bem mais vivamente do que o te-mor do diabo, do qual terminam logo pordescrer, enquanto não podem duvidar doque testemunham todos os dias, no seio da

família. Há, pois, uma geração espírita quecresce e que vai incessantemente aumen-

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tando. Essas crianças, por sua vez, educa-rão seus filhos nos mesmos princípios e,enquanto isso, os velhos preconceitos irão,de pouco em pouco, desaparecendo com asvelhas gerações. Torna-se evidente que aidéia espírita será, um dia, a crença univer-

sal.Um fato não menos característico do es-tado atual do Espiritismo é o desenvolvi-mento de uma corajosa opinião. Se há aindaadeptos reprimidos pelo medo, o númerodestes é bem pouco considerável hoje emdia, ao lado daqueles que confessam emalto e bom som suas convicções e não seconstrangem de se confessarem espíritas,como não se constrangeriam de se confes-

sarem católicos, judeus ou protestantes. Aarma do ridículo, à força de ser arremetidasem abrir brechas e em face de tantas per-sonalidades notáveis que proclamam, aber-tamente, a nova filosofia, acabou por se

tornar inútil e foi posta de lado. Uma únicaarma permanece ainda em riste: a idéia do

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diabo. Mas, neste caso, é ao próprio ridículoque se faz justiça. Todavia não foi apenasesse gênero de coragem que verificamos,mas também aquela da ação, do devota-mento, do sacrifício, isto é, a coragem da-queles que, resolutamente, se põem à fren-

te na promoção das idéias novas em certaslocalidades, pondo em risco suas pessoas eenfrentando ameaças e perseguições. Elessabem que, se os homens lhe fizerem mal,nesta curta vida, Deus não os deixará es-

quecidos. A obsessão é, como se sabe, um dosgrandes escolhos do Espiritismo. Não pode-ríamos, pois, deixar de lado uma questão deimportância tão capital. Recolhemos a esse

respeito importantes observações, queconstituirão o assunto de um artigo especialna Revista. Nele trataremos dos possuídos

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de Morzine, que visitamos na Alta Sabóia.8 Aqui diremos apenas que os casos de ob-sessão são muito raros entre aqueles quefizeram um estudo prévio e atento deO Li-vro dos Médiunse se identificaram com osprincípios nele contidos, pois que se man-

têm vigilantes, atentos aos menores sinaisque podem trair a presença de um Espíritosuspeito. Vimos alguns grupos que, semdúvida, encontram-se sob uma influênciaabusiva. Mas é evidente que se comprazem

com ela e dela se tornam presa por umaconfiança demasiado cega e, além disso,por certas predisposições morais. Outros,pelo contrário, alimentam um tal temor deserem enganados, que levam a desconfian-

8 Região do sudeste da França, antiga província

dos Estados sardos. Passou a pertencer à Françadois anos antes da visita de Kardec, isto é, em1860. Era dividida em dois departamentos: a Sa-bóia propriamente dita, capital Chambéry, e AltaSabóia, capital Annecy (N.T.).

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ça, por assim dizer, ao excesso, analisandocom um cuidado meticuloso todas as pala-vras e todos os pensamentos, preferindorejeitar o duvidoso a correr o risco de admi-tir o que seria mau. Assim, os Espíritosmentirosos, sentindo-se inúteis, terminam

por se retirar, indo se desforrar junto da-queles que percebem menos vigilantes enos quais encontram fraquezas e exuberân-cias de espírito a explorar.

O excesso em tudo é prejudicial, masem semelhante casovale mais pecar porexcesso de prudência do que por excessode confiança.

Um outro resultado de nossa viagem foinos permitir sopesar a opinião que se faz decertas publicações que se distanciam, maisou menos, de nossos princípios e entre asquais algumas chegam mesmo a ser-lhesfrancamente hostis.

Diremos, de início, que encontramosuma unânime aprovação relativamente ao

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nosso silêncio em face dos ataques que,pessoalmente, temos sofrido. É relevanteque todos os dias recebamos cartas de feli-citações a esse respeito. Nos muitos discur-sos pronunciados, de modo geral aplaudiu-se, significativamente, nossa moderação.

Um deles, entre outros, contém a passagemseguinte: “A maledicência de vossos inimigos

produz um resultado inteiramente con-trário àquele que esperam, e é o de en-grandecer-vos aos olhos dos vossosnumerosos discípulos e de apertar os la-ços que os unem a vós. Por vossa indi-ferença mostrais que tendes consciênciade vossa força. Opondo a mansidão às

injúrias, ofereceis um exemplo que sa-beremos aproveitar. A História, prezadomestre, da mesma forma que vossoscontemporâneos, e melhor ainda do queestes, levará a vosso crédito essa mode-

ração, quando constatar, por vossas o-bras, que às provocações da inveja e do

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ciúme, opusestes apenas a dignidade dosilêncio. Entre eles e vós, a posteridadeserá o juiz”.Os ataques pessoais nunca nos abala-

ram. Coisa diversa, entretanto, ocorreu rela-tivamente àqueles que são dirigidos contraa doutrina. Algumas vezes respondemosdiretamente a certas críticas, quando issonos pareceu necessário e a fim de provarque, se preciso, sabemos também lutar. Eisso teríamos feito, sem dúvida, muitas ve-zes, se constatássemos que esses ataquestraziam um prejuízo real ao Espiritismo. Masquando ficou provado pelos fatos que, longede enodoá-lo, prestavam-se à causa quedefendia, louvamos a sabedoria dos Espíri-

tos que empregavam seus próprios inimigospara propagar o Espiritismo e tornar a infâ-mia em benefício, fazendo a idéia combatidapenetrar em círculos onde jamais teria pe-netrado pelo elogio. Este é um fato que

nossa viagem nos demonstrou de maneiraperemptória, uma vez que nesses mesmos

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círculos o Espiritismo veio a recrutar váriospartidários.

Quando as coisas caminham por si sós,por que, então, disputar e combater em lu-tas infrutíferas? Quando um exército verificaque as balas do inimigo não o atingem, eleo deixa atirar ao seu bel-prazer e desperdi-çar suas munições, certo de obter uma van-tagem depois. Em semelhantes circunstân-cias, o silêncio é, muitas vezes, um recursoastucioso. O adversário, ao qual não se res-ponde, acredita não haver ferido bastanteprofundamente ou não ter encontrado oponto vulnerável. Então, confiando no êxitoque supõe fácil, ele se descobre e cai por simesmo. Uma resposta imediata o teria pos-

to em guarda. O melhor general não é a-quele que se atira, de peito aberto, na con-fusão da batalha, mas o que sabe esperar eestudar as aproximações. Foi o que sucedeua alguns dos nossos antagonistas: obser-

vando o caminho pelo qual se enveredavam,era fácil ver que se comprometiam cada vez

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mais. Apenas os deixamos à vontade. E e-les, mais cedo do que se esperava, desa-creditaram o que defendiam à força de seuspróprios exageros, resultado esse que nãoteríamos alcançado através de nossa argu-mentação.

“Entretanto – dizem os que se preten-dem críticos de boa-fé – nossa única preo-cupação é a de esclarecer e, se atacamos,não é absolutamente por hostilidade, parti-darismo ou malquerença, mas para que, dadiscussão, possa nascer a luz.”

Entre esses críticos há, certamente, osque são sinceros. Mas é preciso notar queos que têm em vista apenas questões deprincípios discutem com calma e mantêmsempre o decoro. Ora, quantos desse tipopodemos encontrar? O que contém a maiorparte dos artigos que a grande ou pequenaimprensa tem dirigido contra o Espiritismo?Diatribes, facécias geralmente pouco espiri-tuosas, tolices e ironias chãs, muitas vezes

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injúrias que se caracterizam pela grosseria ebanalidade. Serão estes críticos sérios, dig-nos de uma resposta? Há os que se põem adescoberto com tanta inabilidade que setorna inútil desmascará-los, pois que toda agente percebe-lhes as intenções. Seria, em

realidade, dar-lhes demasiada importância evale mais, pois, deixar que se dêem asmãos, em seu pequeno círculo, do que pô-los em evidência através de polêmicas semobjetivo, já que não os convenceriam. Se a

moderação não estivesse em nossos princí-pios – pois que constitui uma conseqüênciamesma da Doutrina Espírita, que prescreveo esquecimento e o perdão às ofensas –,seríamos encorajados a empregá-la pela

simples verificação do efeito produzido poresses ataques, constatando que a opiniãopública melhor nos vinga do que jamaisnossas palavras tê-lo-iam podido fazer.

Quanto aos críticos honestos, de boa-fé,

que comprovam sua arte de viver pela ur-banidade das expressões, estes colocam a

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ciência acima de questões pessoais. A elesmuitas vezes respondemos, quando nãodiretamente, pelo menos no ensejo de nos-sos artigos, em que são abordadas questõespostas em controvérsia. E isso de tal formaque – julgamos –, para quem quer que se

dê ao trabalho de ler esses artigos, não háuma única objeção que não esteja sem refu-tação. Para responder a cada um, individu-almente, fora preciso repetir, incessante-mente, a mesma coisa e, de cada vez, com

serventia para uma única pessoa. O tempo,ademais, não nos permitiria essa façanha,enquanto que, aproveitando um assuntoque se nos apresenta para refutá-lo ou dara seu respeito uma explicação, consegui-

mos, as mais das vezes, colocar o exemploao lado da teoria, e isso é de proveito geral. Anunciamos a edição de um pequeno

volume intituladoRefutações. Não o publi-camos até hoje porque nos pareceu que

ninguém se revelava especialmente interes-sado nele. E essa impressão se justificou.

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Antes de responder a certas brochuras quedeveriam, conforme as afirmativas de seusautores, fazer ruir os fundamentos doEspiritismo, preferimos esperar e verificar oefeito que teriam. Pois muito bem! Nossaviagem nos convenceu de uma coisa: elas

nada fizeram ruir! O Espiritismo está maisvivo do que nunca e, em contrapartida, naatualidade, apenas de modo vago mencio-nam-se essas publicações. É fácil supor que,nos círculos aos quais eram endereçadas e

em cujas portas não batemos, são tidas co-mo irrefutáveis. E com certeza, diz-se quenosso silêncio é a prova de nossa impossibi-lidade de respondê-las. Daí concluem quefomos duramente batidos, fulminados e ar-

rasados. Que nos importa isso desde quenão fomos atingidos? Esses escritos fizeramdiminuir o número dos espíritas? Não! Nossaresposta teria convertido essas pessoas?Não! Onde, pois, a utilidade de refutá-las?Havia, pelo contrário, vantagem em deixar

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que os nossos adversários disparassem oprimeiro tiro.

Quando Sófocles9 foi acusado por seusfilhos, que exigiam sua prisão por causa deuma clemência, ele escreveu oÉdipo 10 eteve ganho de causa. Não somos capazesde escrever umÉdipo, mas outros se encar-regarão de responder por nós: nosso editorem primeiro lugar, lançando no mercadolivreiro a nona edição deO Livro dos Espíri-tos (a primeira é de 1857) e a quarta deOLivro dos Médiunsem menos de dois anos;os assinantes daRevista Espíritaduplicados

9 Sófocles– célebre poeta trágico grego, nascidoem Colona. Dele restam sete peças: Antígona, E-lectra, as Trequinianas, o Rei Édipo, Ajax, Filocte-tes e Édipo em Colona, consideradas todas comoobras-primas (497 ou 495-405 a.C.) (N.T.).

10 Édipo– é a tragédia do reconhecimentoou anag-norisis. É envolta em atmosfera de desesperadorafatalidade, constituindo-se em um caso a mais da

justiça que castiga o pai no seio de sua família(N.T.).

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em número e nos obrigando à necessidadede fazer uma nova impressão dos anos an-teriores, duas vezes esgotados; aSociedadeEspírita de Paris, que vê crescer sua reputa-ção; os espíritas que se multiplicam a cadaano, fundando por toda parte, na França e

no estrangeiro, grupos adesos e sob a ori-entação da Sociedade de Paris; o Espiritis-mo, finalmente, que avança pelo mundoafora, consolando os aflitos, sustentando acoragem dos abatidos, semeando a espe-

rança onde havia desespero, a confiança nofuturo em lugar do medo! Estas respostasbem mais valem do que as outras, pois quesão os fatos que falam. Mas, como um rápi-do corcel, o Espiritismo levanta em seu ras-

tro a poeira do orgulho, do egoísmo, da in-veja e do ciúme, derrogando à sua passa-gem a incredulidade, o fanatismo, os pre-conceitos e conclamando os homens todos àlei do Cristo, isto é, à caridade, à fraterni-dade. Vós que julgais que ele avança comexcessiva rapidez, que não podeis contê-lo,

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por que não ides mais célere do que ele? Omeio de barrar-lhe a passagem é tão sim-ples! Consiste apenas em fazerdes melhordo que ele faz. Dai mais do que ele dá, tor-nai os homens melhores, mais felizes, maischeios de crença do que ele pode fazer e o

mundo o abandonará para vos seguir. Masenquanto o atacardes apenas por palavras enão por melhores resultados morais, en-quanto não substituirdes a caridade que eleensina por uma caridade maior, tereis de

vos resignardes a deixá-lo passar. É que oEspiritismo não é apenas uma questão defatos mais ou menos interessantes ou au-tênticos, destinados à diversão dos curiosos.É, sobretudo, todo ele uma questão de prin-

cípios. Ele é forte principalmente por suasconseqüências morais; ele se faz aceito nãoporque fecha os olhos, mas porque toca oscorações. Tocai os corações mais do que eleo faz e sereis aceitos. Ora, nada sensibilizamenos o coração do que a acrimônia e asinjúrias.

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Se todos os nossos partidários se agru-passem em torno de nós, teríamos sob osolhos uma multidão e nela não seria possí-vel contar as milhares de adesões que noschegam de todos os pontos do globo, vin-das de pessoas que nunca vimos e que a-

penas nos conhecem por nossos escritos.Estes são fatos positivos, expressos pelabrutalidade das cifras e que não podem seratribuídos nem aos efeitos da propagandanem ao compadrio do jornalismo, pois, se

as déias que professamos e das quais nãosomos senão humilíssimo editor-responsávelencontram tão grandes simpatias, é que,examinadas, não se revelam desprovidas desenso comum.

Se bem que a utilidade da refutação aque mencionamos linhas acima não nos te-nha sido, até hoje, claramente demonstra-da, já que os ataques se refutam por simesmos, pela insignificância de seus resul-

tados, enquanto os adeptos do Espiritismocrescem em número, ainda assim estaría-

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mos dispostos a levá-la a efeito. Todavia asobservações que fizemos em viagem modifi-caram o nosso plano, pois que muitas coisasse nos revelam inúteis, ao mesmo tempoem que novas idéias nos são sugeridas.Disporemos para que essa tarefa retarde o

menos possível os trabalhos bem mais im-portantes que nos restam a fazer para com-pletar a obra pela qual nos responsabiliza-mos.

Em resumo, nossa viagem tinha umadupla finalidade: oferecer orientações ondedestas houvesse necessidade e, ao mesmotempo, nos instruirmos a nós mesmos. De-sejávamos ver as coisas com nossos pró-prios olhos, para julgar do estado real da

doutrina e damaneira pela qual ela é com-preendida; estudar as causas locais favorá-veis ou desfavoráveis ao seu progresso,sondar as opiniões, apreciar os efeitos daoposição e da crítica e conhecer o

julgamento que se faz de certas obras.Estávamos desejosos, sobretudo, de apertara mão de nossos irmãos espíritas e de lhes

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mão de nossos irmãos espíritas e de lhesexprimir pessoalmente nossa sincera e vivasimpatia, retribuindo tocantes provas deidênticos sentimentos que nos chegam, porsuas cartas; dar, em nome da Sociedade deParis e em nosso próprio nome, em particu-

lar, um testemunho especial de gratidão ede admiração a esses pioneiros da obra es-pírita que, por sua iniciativa, seu zelo desin-teressado e seu devotamento, constituemdela os primeiros e mais firmes sustentácu-

los, a esses que caminham sempre em fren-te, sem se inquietarem com as pedras quese lhes atiram, colocando o interesse dacausa espírita à frente de seus interessespessoais. Seu mérito é tanto maior porque

trabalham em solo ingrato, vivem em ummeio refratário e não esperam deste mundonem fortuna, nem glória, nem honrarias.Seu júbilo, porém, é grande quando, entreos abrolhos, vêem desabrochar algumasflores. Dia virá em que teremos a felicidadede erguer um Panteon ao devotamento dos

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espíritas. Esperando que esta circunstânciase apresente, queremos deixar-lhes o méri-to da modéstia: eles se fazem conhecer eapreciar por suas próprias obras.

Sob esses diversos ângulos nossa via-gem foi muito satisfatória e, sobretudo,muito instrutiva, pelas observações que nosfoi possível recolher. Se restasse qualquerdúvida quanto ao caráter irresistível do pro-gresso da Doutrina Espírita, quanto à impo-tência dos ataques, quanto à sua influênciamoralizadora e o seu futuro, o que vimosbastaria para dissipá-la. Há, certamente,ainda muito por fazer e, em inúmeras locali-dades, ela apenas lança as primeiras ver-gônteas esparsas, mas essas vergônteas

são vigorosas e já prenunciam frutos. Semdúvida, a rapidez com a qual se propagamas idéias espíritas é prodigiosa e sem exem-plo nos anais das filosofias, porém nós nosencontramos apenas no início da caminhada

e resta ainda a fazer a maior parte do per-curso. Que a certeza de atingir o objetivo

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seja, pois, para todos os espíritas um enco-rajamento em perseverar no rumo que lhesfoi traçado.

Publicamos, em seguida, o discursoprincipal que pronunciamos nas grandesreuniões de Lyon, Bordeaux e algumas ou-tras cidades. Vem seguido das instruçõesespecialmente oferecidas, conforme as cir-cunstâncias, a grupos particulares, respon-dendo a algumas das perguntas que nosforam endereçadas.

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Discursos

pronunciados nas reuniões geraisdos espíritas de Lyon e Bordeaux.

Discurso I

Senhores e prezados irmãos espíritas.Não sois escolares em Espiritismo. Hoje

colocarei, pois, de lado, questões práticas

sobre as quais, devo reconhecer, estais su-ficientemente esclarecidos, para enfocar oproblema sob uma perspectiva mais amplae, acima de tudo, em suas conseqüências.Este lado do assunto é grave, o mais grave

incontestavelmente, pois que revela oobje-tivopara o qual se orienta a Doutrina Espíri-ta e os meios para atingi-lo. Serei um poucolongo, talvez, pois o assunto é vasto e, to-davia, restaria ainda muito a dizer, paracompletá-lo. Assim, solicitarei vossa indul-gência considerando que, podendo perma-

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necer um tempo muito restrito entre vós,sou forçado a dizer, de uma só vez, o queem outras circunstâncias poderia ser dividi-do em muitas partes.

Antes de abordar o ângulo principal doassunto, creio dever examiná-lo de um pon-to de vista que me é, de certa forma, pes-soal. Se se tratasse tão somente de umaquestão individual, seguramente outra seriaa minha atitude. Entretanto ela se prende avários assuntos de caráter geral e disso po-de resultar um esclarecimento de utilidadepara toda a gente. Esse foi o motivo que melevou a optar por tal iniciativa, aproveitan-do, assim, a ocasião para explicar a causade certos antagonismos com que depara-

mos, não sem algum espanto, em nossocaminho.No estado atual das coisas aqui na Ter-

ra, qual é o homem que não tem inimigos?Para não tê-los fora preciso não habitar a-qui, pois esta é uma conseqüência da inferi-

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oridade relativa de nosso globo e de suadestinação como mundo de expiação. Basta-ria, para não nos enquadrarmos na situa-ção, praticar o bem? Não! O Cristo aí estápara prová-lo. Se, pois, o Cristo, a bondadepor excelência, serviu de alvo a tudo quanto

a maldade pôde imaginar, como nos espan-tarmos com o fato de o mesmo suceder à-queles que valem cem vezes menos?

O homem que pratica o bem – isto ditoem tese geral – deve, pois, preparar-se parase ferir na ingratidão, para ter contra eleaqueles que, não o praticando, são ciumen-tos da estima concedida aos que o praticam.Os primeiros, não se sentindo dotados deforça para se elevarem, procuram rebaixar

os outros ao seu nível, obstinam-se em anu-lar, pela maledicência ou a calúnia, aquelesque os ofuscam. Ouve-se constantementedizer que a ingratidão com que somos pa-gos endurece o nosso coração e nos torna

egoístas. Falar assim é provar que se tem ocoração fácil de ser endurecido, uma vez

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que esse temor não poderia deter o homemverdadeiramente bom. O reconhecimento é já uma remuneração pelo bem que se faz;praticá-lo tendo em vista essa remuneraçãoé fazê-lo por interesse. Por outro lado,quem sabe se aquele que beneficiamos, e

do qual nada esperamos, não será estimu-lado a mais elevados sentimentos por umreto proceder? Esse pode ser, talvez, ummeio de levá-lo a refletir, de suavizar suaalma, de salvá-lo! Essa esperança constitui

uma nobre ambição. Se nos inferiorizarmosnão realizaremos o que nos compete reali-zar.

Não podemos, entretanto, supor que umbenefício, aparentemente estéril na Terra,

seja para sempre improdutivo; é, muitasvezes, um grão semeado e que não germinasenão na vida futura daquele que o rece-beu. Muitas vezes temos observado certosEspíritos, ingratos como homens, tomados

de emoção na espiritualidade, pelo bem quelhes foi feito. E essa lembrança, neles des-

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pertando pensamentos benéficos, facilita-lhes enveredarem para o caminho do bem edo arrependimento, contribuindo para abre-viar-lhes os sofrimentos. Só o Espiritismopoderia revelar esse resultado da benevo-lência, só a ele está dado, pelas comunica-

ções recebidas do além-túmulo, revelar olado caridoso desta máxima:Um benefícionunca está perdido, substituindo o sentidoegoísta que se lhe atribui. Mas retornemosao que nos concerne.

Pondo de lado qualquer questão pesso-al, tenho adversários naturais nos inimigosdo Espiritismo. Não cogiteis que me lamen-te! Longe disso! Quanto maior é a animosi-dade deles, melhor se comprova a impor-

tância que a Doutrina Espírita assume aosseus olhos. Se se tratasse de algo sem con-seqüências, uma dessas utopias que já nas-cem inviáveis, não lhe prestariam atenção.Não tendes visto escritos vazados em um

tom de hostilidade que não se encontra nosmeus – quanto à ideologia –, e nos quais as

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expressões não são mais parcimoniosas doque o atrevimento dos pensamentos? Con-tra eles, todavia, não enunciam uma únicapalavra! O mesmo se daria se as doutrinasque luto por difundir permanecessem cir-cunscritas às páginas de um livro. Entretan-

to – o que pode parecer mais espantoso –,o fato é que tenho adversários mesmo entreos adeptos do Espiritismo. Ora, nesta área éque uma explicação se torna necessária.

Entre os que adotam as idéias espíritashá, como bem sabeis, três categorias bemdistintas:

1) os que crêem pura e simplesmentenos fenômenos das manifestações,mas que deles não deduzem qual-quer conseqüência moral;

2) os que percebem o alcance moral,mas o aplicam aos outros e não asi mesmos;

3) os que aceitam pessoalmente to-das as conseqüências da doutrina

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e que praticam ou se esforçam porpraticar sua moral.

Estes últimos, vós bem o sabeis, são osespíritas praticantes, os verdadeiros espíri-tas. Essa distinção é importante, pois quebem explica as anomalias aparentes. Semisso seria difícil compreendermos as atitudesde determinadas pessoas. Ora, o que pre-ceitua essa moral? Amai-vos uns aos outros;perdoai os vossos inimigos; retribuí o bemao mal; não tenhais ira, nem rancor, nemanimosidade, nem inveja, nem ciúme; sedeseveros para convosco mesmos e indulgen-tes para com os outros. Tais devem ser ossentimentos do verdadeiro espírita, aqueleque se atém ao fundo e não à forma, que

coloca o espírito acima da matéria. Ele podeter inimigos, mas não é inimigo de ninguém,pois que não deseja o mal a quem quer queseja e, com maiores razões, não procurafazer o mal a ninguém.

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Esse, como vede, senhores, é um prin-cípio geral, do qual toda a gente pode bene-ficiar-se. Se, pois, tenho inimigos, eles nãopodem ser contados entre os espíritas dessacategoria, pois que, admitindo que tivessemmotivos legítimos de queixa contra mim, o

que me esforço por evitar, esse não seriaum motivo para me odiarem e, com melho-res razões se nunca lhes fiz qualquer mal. OEspiritismo tem por divisa:Fora da caridadenão há salvação, o que equivale dizer:Fora

da caridade não pode existir verdadeirosespíritas. Solicito-vos inscrever, daqui para afrente, essa divisa em vossas bandeiras,pois que ela resume ao mesmo tempo afinalidade do Espiritismo e o dever que ele

impõe.Estando, pois, admitido que não se podeser um bom espírita com sentimentos derancor no coração, eu me orgulho de contarapenas com amigos entre estes últimos,

pois que, se eu tiver defeitos, eles saberãodesculpá-los. Veremos, em seguida, a que

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imensas e férteis conseqüências conduz es-se princípio.

Em primeiro lugar examinaremos ascausas que podem excitar certas animosi-dades.

Desde que surgiram as primeiras mani-festações dos Espíritos, algumas pessoasnisso viram um meio de especulação, umanova mina a ser explorada. Se essa idéiaseguisse o seu curso, teríeis visto pulularpor toda parte médiuns e pseudo-médiuns,oferecendo consultas a um dado preço porsessão. Os jornais estariam cobertos porseus anúncios e reclames. Os médiuns ter-se-iam transformado em ledores da sorte eo Espiritismo se enquadraria na mesma li-nha da adivinhação, da cartomancia, da ne-cromancia, etc.. Nesse conflito, como pode-ria o público discernir a verdade da mentira?Pôr o Espiritismo a salvo, em meio a tal con-fusão, não seria coisa fácil. Tornou-se impe-rioso impedir que fosse levado por essa via

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funesta. Era preciso cortar pela raiz um malque o teria atrasado por mais de um século.Foi o que me esforcei por fazer, demons-trando desde o princípio, a face grave e su-blime dessa nova ciência,fazendo-a sair docaminho puramente experimental para fazê-

la penetrar no da filosofia e da moral, reve-lando, finalmente, a profanação que seriaexplorar a alma dos mortos, ao mesmotempo em que cercamos seus despojos derespeito. Desse modo, assinalando os inevi-

táveis abusos que resultariam de semelhan-te estado de coisas, contribuí – e disso mevanglorio – para que se levasse ao descrédi-to a exploração do Espiritismo, conduzindoo público, por isso mesmo, a considerá-lo

como algo de venerável e digno de respeito.Creio ter, assim, prestado algum serviçoà causa e se não tivesse agido dessa forma,de que me poderia alegrar? Graças a Deusmeus esforços foram coroados de êxito, não

apenas na França, mas também no estran-geiro, e posso dizer que os médiuns profis-

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sionais são hoje raras exceções na Europa.Onde quer que minhas obras penetraram eservem de guia, o Espiritismo é visto sob oseu verdadeiro aspecto, isto é, sob um cará-ter exclusivamente moral. Por toda parte osmédiuns, devotados e desinteressados,

compreendendo a responsabilidade de suamissão, vêem-se cercados da consideraçãoque lhes é devida, qualquer que seja suaposição social. E essa consideração crescena razão mesma de um contraste realçado

pelo desinteresse.Não pretendo absolutamente dizer queentre os médiuns profissionais não existemmuitos que sejam honestos e dignos deconsideração. Mas a experiência provou, a

mim e a muitos outros, que o interesse éum poderoso estimulante à fraude, pois quetem em mira o lucro; e se os Espíritos nãocolaboram – o que freqüentemente ocorre,pois que não estão por conta de nossos ca-

prichos –, a astúcia, fecunda em expedien-tes, encontra facilmente meios de supri-los.

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Para um que agir lealmente, haverá cemdispostos ao abuso e que conspurcarão areputação do Espiritismo. Por outro lado osnossos adversários não descuidaram de ex-plorar, em proveito de suas críticas, asfraudes que puderam testemunhar, disso

concluindo que tudo no Espiritismo é falsi-dade, e que urge, portanto, oporem-se aesse charlatanismo de um novo gênero. Emvão objeta-se que a doutrina não é respon-sável por tais abusos. Conheceis o provér-

bio: “Quando se deseja matar o cão, diz-seque está raivoso”.Que resposta mais peremptória poder-

se-á dar à acusação de charlatanismo doque dizer-se: “Quem vos convidou a vir?

Quanto pagastes para entrar?” . Aquele quepaga quer ser servido; exige uma retribui-ção ao seu dinheiro; se não lhe é dado oque espera, tem o direito de reclamar. Ora,para evitar essa reclamação, cuida-se de

servi-lo por qualquer expediente. Eis o abu-so, mas o abuso que ameaça se tornar uma

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regra, ao invés de uma exceção. E é precisoobstá-lo! Agora que uma opinião se formoua esse respeito, o perigo não é de se temersenão relativamente aos inexperientes. À-queles, pois, que se queixarem de ter sidoenganados, ou de não haver obtido as res-

postas que desejariam, podemos dizer: “Setivésseis estudado o Espiritismo saberíeisem que condições ele pode ser experimen-tado com frutos; saberíeis quais são os legí-timos motivos de confiança e de desconfi-

ança, o que, em suma, se pode dele espe-rar; e não teríeis pedido o que ele não podedar; não teríeis ido consultar um médiumcomo a um cartomante, para solicitar aosEspíritos revelações, conselhos sobre heran-

ças, descobertas de tesouros e cem outrascoisas semelhantes que não são de alçadado Espiritismo. Se fostes induzido em erro,deveis apenas culpar-vos a vós mesmos”.

É evidente que não se pode considerar

uma exploração a mensalidade que se pagaa uma sociedade, para que enfrente as des-

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pesas de sua manutenção. Outrossim, amais vulgar eqüidade diz que não se podeimpor esse gasto a pessoas que não dis-põem de possibilidades financeiras ou detempo para a freqüência contínua como as-sociados. A especulação consiste em se fa-

zer uma indústria de situação, em convocaro primeiro que surge, curioso ou indiferente,para exigir seu dinheiro. Uma sociedade queassim agisse seria tão repreensível, ou maisrepreensível ainda, do que o indivíduo, e

não mereceria nenhuma confiança. Umaentidade espírita deve prover às suas ne-cessidades; ela deve dividir entre todos suasdespesas e nunca lançá-las aos ombros deum só; isso é justo e não existe nesse crité-

rio nem exploração, nem especulação. To-davia o caso não seria idêntico se o primeiroque se apresentasse pudesse adquirir, atra-vés de pagamento, o direito de entrada,pois isso seria desnaturar a finalidade es-sencialmente moral e instrutiva das reuniões

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desse gênero, para delas fazer um espetá-culo de curiosidade.

11

Quanto aos médiuns, eles se multipli-

cam de tal forma que os profissionais seri-am, hoje, completamente supérfluos.

Tais são, senhores, as idéias que me es-forcei por fazer prevalecer e confesso-mefeliz por ter obtido êxito muito mais facil-mente do que teria esperado. Mas compre-endei, aqueles que frustrei em suas espe-ranças não são meus amigos. Eis-nos, pois,em presença de um grupo que não me podever com bons olhos, o que, convenhamos,pouco me inquieta. Se nunca a exploração

11 Em flagrante desrespeito aos ensinos de Kardec,a própriaMaison des Espirits, de Paris, possui umguichê para venda de entradas, como aliás, amaioria das entidades espíritas da França. Eis porque a edição das obras de Kardec em geral, edesta Voyage Spirite en 1862em particular, pas-sou a ser encargo da União Espírita Kardecista daBélgica (N.T.).

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do Espiritismo tentou se introduzir em vossacidade, eu vos convido a renegar essa novaindústria, a fim de não comprometerdes avós mesmos com essa solidariedade e paraque as censuras que se levantarem não ve-nham a cair sobre a doutrina pura.

Ao lado da especulação material, há a-quela à qual poderíamos chamarespecula-ção moral, isto é, a satisfação do orgulho,do amor próprio. É o caso dos que acredi-tam, sem interesse pecuniário, ser possívelfazer do Espiritismo um pedestal honoríficopara se colocarem em evidência. Tão poucoos favoreci em meus escritos e, por outrolado, meus conselhos contrapuseram-se amais de uma premeditação, provando que

as qualidades do verdadeiro espírita são aabnegação e a humildade, conforme a má-xima do Cristo: “Quem exalta será humilha-do” . Este é o segundo grupo que, igualmen-te, não me pode apreciar. Nele se encon-

tram os portadores das ambições frustradase dos amores-próprios melindrados.

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Em seguida é a vez das pessoas quenão me perdoam o fato de ter sido bem su-cedido, para as quais o sucesso de minhasobras é uma causa de desgosto, que per-dem o sono quando assistem aos testemu-nhos de simpatia que, espontaneamente,

me são dispensados. É a faixa do ciúme,reforçada por todos aqueles que, por tem-peramento, não toleram ver um homemerguer um pouco a cabeça sem tentar ummovimento de fazê-lo submergir.

Um grupo não menos irascível, acredi-tai, é constituído por médiuns, não por mé-diuns interesseiros, mas, pelo contrário, de-sinteressados, materialmente falando-se.Refiro-me aos médiuns obsediados, ou me-

lhor, fascinados. Algumas observações aesse respeito não deixam de ter sua utilida-de.

Por orgulho estão de tal forma persua-didos de que tudo quanto recebem é subli-me e só pode vir dos Espíritos superiores,

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que se irritam com a menor observação crí-tica, a ponto de se malquistarem com seusamigos quando estes têm a inabilidade denão admirar o que lhes parece absurdo. Nis-to reside a prova da má influência que osdomina, pois, supondo-se que, por falta de

capacidade de julgamento ou de conheci-mento não fossem capazes de enxergar cla-ro, este não constituiria um motivo para seporem de prevenção contra os que não seacham em idêntica posição. Todavia essa é

a tarefa dos Espíritos obsessores que, paramelhor manter o médium sob sua depen-dência, induzem-no ao afastamento, mesmoà aversão por quem quer que possa lhesabrir os olhos.

Há ainda os que são dotados de umasusceptibilidade levada ao excesso. Agas-tam-se com as mínimas coisas, mesmo como lugar que lhes é destinado em uma reuni-ão, se este não é de bastante evidência,

com a ordem estabelecida para a leitura dascomunicações, ou com o fato de se recusar

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a leitura daquelas cujo tema não pareceoportuno ao momento. Alguns aborrecem-se quando não são convidados, com bastan-te insistência, a dar o seu concurso, outrosse agastam porque a ordem dos trabalhosnão é invertida, de modo a favorecer suas

conveniências. Há os que gostariam de seconsiderar médiuns titulares de um grupoou de uma sociedade, ser aí senhores debaraço e cutelo, pretendendo queseus Espí-ritos guiassejam tomados por árbitros infa-

líveis de todas as questões, etc.. Esses mo-tivos são tão pueris e tão mesquinhos, quenenhum deles ousa confessá-los. Mas nempor isso deixam de constituir uma fonte desurda animosidade que, cedo ou tarde, se

trai, ou pelas mal-querenças ou pelo afas-tamento. Sem ter razões ponderáveis a ofe-recer, muitos põem de lado os escrúpulos eapresentam pretextos ou alegações imagi-nárias. O fato de, absolutamente, não meconformar a essas pretensões surge comoum erro, ou melhor ainda, um crime aos

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olhos de algumas pessoas que, naturalmen-te, me deram as costas, gesto esse ao qual,mais uma vez reagi – a seu ver – erronea-mente, não lhes dando maior importância.Tudo isso éimperdoável!Concebei esta pa-lavra nos lábios de pessoas que se dizem

espíritas? Eis aqui uma palavra que deveriaser riscada do vocabulário espírita! A maior parte dos diretores dos grupos

ou das sociedades, como eu, tem experi-mentado esse desagrado, e eu os convido atomar minha atitude, isto é, não dar impor-tância a médiuns que constituem antes umentrave que um recurso. Em sua presençaestá-se sempre pouco à vontade, no temorde os ferir com ações por vezes as mais in-

significantes.Esse inconveniente foi, dantes, mais re-levante do que agora. Quando os médiunseram mais raros do que hoje, tinha-se de secontentar com aqueles de que se dispunha.Hoje, entretanto, que eles se multiplicam

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diante de nossos olhos, o inconveniente di-minui em razão mesmo da escolha e à me-dida que se compenetra melhor dos verda-deiros princípios da doutrina.

Pondo-se de lado o grau da faculdade,as qualidades de um bom médium são amodéstia, a simplicidade e o devotamento.O médium deve oferecer seu concurso ten-do em vista ser útil e não para satisfazer asua vaidade. Não deve nunca ater-se àscomunicações que recebe, pois de outraforma poderia fazer crer que nelas põe algode seu, algo que tem interesse em defen-der. Deve aceitar a crítica, mesmo solicitá-la, e se submeter às advertências da maio-ria sem intenções calculadas. Se o que re-

cebe é falso, mau, detestável, tudo isso épreciso que se lhe diga sem receio de feri-lo, e mesmo na certeza de que tal não ocor-rerá. Eis os médiuns verdadeiramente úteisa um grupo e com os quais nunca teremos

motivos de descontentamentos, pois quebem compreendem a doutrina. São, igual-

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mente, esses que recebem as melhores co-municações, uma vez que não se deixamdominar pelos Espíritos orgulhosos. Os Espí-ritos mentirosos os receiam, pois que sereconhecem impotentes para deles abusar.Quanto aos outros, ou não compreendem a

doutrina ou não a querem compreender.Em seguida vem a categoria das pesso-as que jamais estão contentes. Algumasacham que procedo com certa lentidão, ou-tros com abusiva celeridade. É como na fá-bula do Moleiro, seu filho e o asno. Os pri-meiros reprovam-me por haver formuladoprincípios prematuros, de me colocar comochefe de uma escola filosófica. Mas aconte-ce que, pondo-se a idéia espírita à parte,

não poderia eu acaso arrogar-me, comotantos outros, a autoria de um sistema filo-sófico, fosse ele o mais absurdo?

Se os meus princípios são falsos, porque não apresentam outros que os substitu-am, fazendo-os prevalecer? Ao que parece,

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entretanto, de modo geral eles não são jul-gados irracionais, já que encontram aderen-tes em tão grande número. Mas não seráexatamente isso que excita o mau humor decertas pessoas? Se esses princípios não en-contrassem partidários, se fossem ridículos

a partir do primeiro enunciado, seguramen-te, deles não se falaria.E quanto aos outros, os que pretendem

que não avanço bastante rapidamente, es-ses desejariam me empurrar – com boa in-tenção, quero crer, pois é sempre melhorpressupor o melhor que o pior – em umcaminho onde não quero me arriscar. Sem,pois, me deixar influenciar, seja pelas idéiasde uns, seja pelas de outros, sigo a rota que

eu mesmo tracei: tenho um objetivo, vejo-o, sei como e quando o atingirei e não meinquietam os clamores dos que passam pormim.

Crede, senhores, as pedras não faltamem meu caminho! Passo por cima delas,

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riam com a pouca importância que a tudoisso dão os verdadeiros espíritas. É que oEspiritismo abre horizontes tão vastos, quea vida corporal, curta e efêmera, se apagacom todas as suas vaidades e suas peque-nas intrigas, ante o infinito da vida espiritu-

al. Não devo, entretanto, omitir uma cen-sura que me foi endereçada: a de nada fa-zer para trazer de novo a mim as pessoasque se afastam. Isso é verdadeiro e a re-provação fundamentada. Eu a mereço, pois jamais dei um único passo nesse sentido eaqui estão os motivos de minha indiferença.

Aqueles que de mim se aproximam, fa-zem-no porque isto lhes convém; é menospor minha pessoa do que pela simpatia quelhes desperta os princípios que professo. Osque se afastam fazem-no porque não lhesconvenho ou porque nossa maneira de veras coisas reciprocamente não concorda. Porque, então, iria eu contrariá-los, impondo-

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me a eles? Parece-me mais convenientedeixá-los em paz. Ademais, honestamente,carece-me tempo para isso. Sabe-se queminhas ocupações não me deixam um ins-tante para o repouso. Além disso, para umque parte, há mil que chegam. Julgo um

dever dedicar-me, acima de tudo, a estes eé isso que faço. Orgulho? Desprezo por ou-trem? Oh! Não! Honestamente, não! Eu nãodesprezo ninguém; lamento os que agemmal, rogo a Deus e aos bons Espíritos que

façam nascer neles melhores sentimentos. Eisso é tudo. Se retornam, são sempre rece-bidos com júbilo. Mas correr ao seu encalço,isso não me é possível fazer, mesmo emrazão do tempo que de mim reclamam as

pessoas de boa vontade, e, depois, porquenão empresto a certos indivíduos a impor-tância que eles a si próprios atribuem. Paramim, um homem é um homem, isto apenas!Meço seu valor por seus atos, por seus sen-timentos, nunca por sua posição social. Per-tença ele às mais altas camadas da socie-

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dade, se age mal, se é egoísta e negligentede sua dignidade, é, a meus olhos, inferiorao trabalhador que procede corretamente eeu aperto mais cordialmente a mão de umhomem humilde, cujo coração estou a ouvir,do que a de um potentado cujo peito emu-

deceu. A primeira me aquece, a segundame enregela.Homens da mais alta posição honram-

me com sua visita, porém nunca, por causadeles, um proletário ficou na antecâmara.Muitas vezes, em meu salão, o príncipe seassenta ao lado do operário. Se se sentirhumilhado, dir-lhe-ei simplesmente que nãoé digno de ser espírita. Mas sinto-me felizem dizer, eu os vi, muitas vezes, apertarem-

se as mãos, fraternalmente, e então umpensamento me ocorria: “Espiritismo, eisum dos teus milagres; este é o prenúncio demuitos outros prodígios!”

Dependeria de mim abrir as portas daalta sociedade, porém nunca fui nelas bater.

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Isso exigiria um tempo que prefiro empre-gar mais utilmente. Coloco em primeira ins-tância o consolo que é preciso oferecer aosque sofrem, erguer a coragem dos caídos,arrancar um homem de suas paixões, dodesespero, do suicídio, detê-lo talvez no

limiar do crime! Não vale mais isto do queos lambris doirados? Guardo milhares decartas que para mim mais valem do quetodas as honrarias da Terra e que olho co-mo verdadeiros títulos de nobreza. Assim,

pois, não vos espanteis se deixo partir a-queles que me dão as costas.Tenho adversários, eu sei! Mas o núme-

ro deles não é tão grande quanto poderiafazer supor a enumeração mencionada. Eles

se encontram nos grupos que citei, mas sãoapenas indivíduos isolados e seu númeropouca coisa é em comparação com os quedesejam testemunhar-me sua simpatia. A-lém disso nunca conseguiram perturbar-me

o repouso, nem uma vez sequer suas ma-quinações, suas diatribes me emocionaram

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devo nada a ninguém, desse modo nada háque me possa ser cobrado; não falo mal deninguém, nem mesmo daqueles que o di-zem de mim. Em que poderiam, então, pre-

judicar-me? É certo que se pode atribuir amim o que eu não disse e isso já se fez

mais de uma vez. Mas aqueles que me co-nhecem são capazes de distinguir o que di-go daquilo que não sou capaz de dizer e euagradeço a quantos, em semelhantes cir-cunstâncias, souberam responder por mim.

O que afirmo estou sempre pronto a repetir,na presença de quem quer que seja, equando afirmo não ter dito ou feito umacoisa, julgo-me no direito de ser acreditado.

Ademais, o que representa tudo isso em

face do objetivo que nós, os espíritas since-ros e devotados, perseguimos conjuntamen-te? Desse futuro imenso que se desenroladiante dos nossos olhos? Acreditai-me,senhores, fora preciso ver como um roubo

perpetrado contra a grande obra, os instan-tes que perdêssemos preocupados com es-

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lativamente aos ataques que, em geral, lhetêm sido endereçados.

Há, pois, com referência ao Espiritismo,um fenômeno que se constitui em umaconstante: é que, sem o recurso de qual-quer um dos meios habitualmente empre-gados para alcançar o que se denomina umsucesso, e apesar dos entraves que lhe têmsido impostos, ele não cessa de ganhar ter-reno, todos os dias, como para dar umdesmentido àqueles que predizem seu fimpróximo. Será isso uma presunção, umafanfarrice de nossa parte? Não, trata-se deum fato impossível de ser negado. Ele hau-riu sua força em si mesmo, o que prova opoder incoercível dessa idéia. Aqueles a

quem isso contraria, pois, farão melhor mu-dando de partido ou se resignando a deixarpassagem franca ao que não podem deter.O caso é que o Espiritismo é uma idéia equando uma idéia caminha, ela derruba to-

das as barreiras; não se pode detê-la nasfronteiras, como um pacote de mercadoria.

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Queimam-se livros, mas não se queimamidéias, e suas próprias cinzas, levadas pelovento, fazem fecundar a terra onde ela devefrutificar.

Todavia não basta lançar uma idéia aomundo para que ela crie raízes. Não, certa-mente! Não se cria à vontade opiniões ouhábitos; o mesmo ocorreu relativamente àsinvenções e descobertas; mesmo a mais útilse perde se não chega a seu tempo, se anecessidade que está destinada a satisfazernão existe ainda. O mesmo ocorre quantoàs doutrinas filosóficas, políticas, religiosase sociais; é preciso que os Espíritos estejammaduros para aceitá-las. Se chegam muitocedo permanecem em estado latente e, co-

mo os frutos plantados fora da estação, nãovingam.Se, pois, o Espiritismo encontra tão nu-

merosas simpatias, é que o seu tempo estáchegado, é que os Espíritos estão madurospara recebê-lo, é que ele responde a uma

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necessidade, a uma aspiração. Tendes dissoa prova pelo número, hoje incontável, depessoas que o acolhem sem estranheza,como algo de muito natural, a partir domomento que se lhes fala a respeito pelaprimeira vez. E confessam que tudo sempre

lhes pareceu ser assim, mas que não eramcapazes de definir suas idéias. Sente-se ovazio moral que a incredulidade e o materia-lismo criam em torno do homem; compre-ende-se que essas doutrinas cavam um a-

bismo para a sociedade; que destroem oslaços mais sólidos: os da fraternidade. E,depois, instintivamente, o homem tem hor-ror ao nada, como a natureza tem horror aovazio. Eis porque ele acolhe com alegria a

prova de que o nada não existe.Mas dir-se-á, não se lhe ensinou, todosos dias, que o nada não existe? Sem dúvida,isso lhe foi ensinado! Mas, então, como en-tender que a incredulidade e a indiferença

tenham incessantemente crescido neste úl-timo século?

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É que as provas oferecidas não satisfa-zem mais, hoje em dia, pois não respondemàs necessidades de sua inteligência. O pro-gresso científico e industrial tornou o ho-mem positivo. Este quer se dar conta detudo. Quer saber oporquê e o comode ca-

da coisa. Compreender para crer se tornouuma necessidade imperiosa. Eis o motivopelo qual a fé cega já não possui domíniosobre ele. E isso para uns é um mal, paraoutros um bem. Sem desejar discutir a

questão, diremos apenas que assim é a leida natureza. A humanidade coletivamente,como os indivíduos, tem sua infância e suaidade madura. Quando se encontra na ma-turidade, atira à distância seu cueiro e quer

fazer uso de suas próprias forças, isto é, desua inteligência. Fazê-la retroceder é tãoimpossível quanto obrigar um rio a retornaràs suas fontes.

Atacar o mérito da fé cega, dir-se-á, é

uma impiedade, pois que Deus quer que seaceite sua palavra sem exame. A fé cega

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para os quais o alimento intelectual que lhesé dado não basta e o número destas pesso-as é tão grande que o tempo não sobra pa-ra nos ocuparmos com as outras. Por que,então, se queixam quando não lhes corre-mos ao encalço? O Espiritismo não procura

ninguém, não se impõe a ninguém, limita-sea dizer: “Aqui me tendes, eis o que sou, eiso que trago. Os que julgam ter necessidadede mim, se aproximem, os demais perma-neçam onde se encontram. Não é meu pro-

pósito perturbar-lhes a consciência nem in- juriá-los. A única coisa que peço é a reci-procidade.

Por que, então, o materialismo tende asuplantar a fé? Acaso porque, até o presen-

te, a fé não raciocina? Por que ela diz “Cre-de!”, enquanto o materialismo raciocina?Estes são sofismas, convenho; porém, boasou más, são razões que, ao ver de muitos,levam vantagem sobre aqueles que nada

oferecem. Acrescentai a isto que o materia-lismo satisfaz àqueles que se comprazem na

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vida material, que querem se distrair dasconseqüências do futuro, que esperam, as-sim, escapar à responsabilidade de seusatos, tendo-se em vista que, em suma, ele éeminentemente favorável à satisfação detodos os apetites brutais. Na incerteza do

futuro, o homem se diz: “Aproveitemos opresente. Que benefício me trazem os meussemelhantes? Por que me sacrificar por e-les? São meus irmãos, diz-se. Mas de queme servem irmãos que eu perderei para

sempre, que amanhã estarão mortos, comoeu próprio? Que somos, afinal, uns paracom os outros? Muito pouco se, uma vezmortos, nada resta de nós. De que serviráimpor-me privações? Que compensação dela

me poderá advir se tudo terminará comigo?” Julgais possível fundar uma sociedadesobre as bases da fraternidade com seme-lhantes idéias? O egoísmo é a conseqüêncianatural de uma posição como essa. De a-

cordo com o egoísmo, cada um tira o me-lhor para si, mas essa parte melhor é sem-

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pre o mais forte que leva. O fraco, por suavez, raciocinará: “Sejamos egoístas, umavez que os outros também o são. Pensemosapenas em nós, pois que os outros só pen-sam em si mesmos.”

Tal é, convenhamos, o mal que tende ainvadir a sociedade moderna e esse mal,como um verme roedor, pode arruiná-la emseus fundamentos. Oh!, qual não será aculpa dos que a levam por esse triste cami-nho, dos que se esforçam por rechaçar acrença, dos que preconizam o presente comprejuízo do futuro! Eles terão um terríveldébito a resgatar, pelo uso que fizeram desua inteligência!

E, enquanto isso, a incredulidade deixaem seu rastro um mar de inquietude. Se écômodo ao homem entregar-se às ilusões,não pode furtar-se de pensar, vez por outra,no que lhe sucederá depois. A contragosto aidéia do nada o enregela. Quereria ter umacerteza e não a encontra; então flutua, hesi-

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ta, duvida, e a incerteza o mortifica. Sente-se desgraçado em meio aos prazeres mate-riais que não podem preencher o abismo donada que se abre a seus pés e onde, supõe,vai ser precipitado.

É nesse momento que chega o Espiri-tismo, como uma âncora salvadora, comoum archote aceso nas trevas de sua alma.

Vem tirá-lo da dúvida, vem preencher o hor-ror do vazio, não com uma esperança vaga,porém com provas irrecusáveis, resultantesda observação dos fatos. Vem reanimar suafé, não apenas dizendo: “Crede, pois issovos ordeno!”, mas: “Vede, tocai, compreen-dei e crede!”. Ele não poderia, pois, chegarem momento mais oportuno, seja para de-

ter o mal, antes que se torne incurável, sejapara satisfazer às necessidades do homem,que já não crê sob palavra, que aspira ra-cionalizar aquilo em que crê. O materialismoo seduzira por seus falsos raciocínios; aos

seus sofismas era preciso opor raciocíniossólidos, apoiados em provas materiais. Para

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essa luta, a fé cega já se mostrava impoten-te. Eis por que digo que o Espiritismo veio aseu tempo.

O que falta ao homem é, pois, a fé nofuturo! E a idéia que se lhe dá não satisfazao seu apetite pelo positivo. É por demaisvaga, por demais abstrata. Os laços que oprendem ao presente não são bastante de-finidos. O Espiritismo, pelo contrário, nosapresenta a alma como um ser circunscrito,semelhante a nós, exceção feita ao envoltó-rio material do qual se desprendeu, masrevestida de um outro envoltório, fluídico, oque é mais compreensível e leva a concebermelhor a individualidade. Mais do que isso,ele prova, pela experiência, as relações in-

cessantes do mundo visível com o mundoinvisível, que se tornam, assim, reciproca-mente solidários. As relações da alma com oambiente terreno não cessam com a vida; aalma em estado de Espírito constitui uma

das engrenagens, uma das forças vivas danatureza, já não é um ser inútil, que não

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poder-se-á querer provar que não pode serassim. A provas palpáveis, seria o caso deopor provas mais palpáveis ainda. Todavia oque se oferece? Apenas a negação!

O Espiritismo apóia-se sobre fatos. Osfatos, de acordo com o raciocínio e umalógica rigorosos, dão ao Espiritismo o cará-ter de positivismo que convém à nossa épo-ca. O materialismo veio minar toda a cren-ça, solapar os alicerces, substituir a moralpela razão de ser e jogar por terra os pró-prios fundamentos da sociedade, procla-mando o reino do egoísmo. Então os ho-mens sérios se perguntaram para onde umtal estado de coisas nos conduziria e viramum abismo. Eis que o Espiritismo veio pre-

enchê-lo, dizendo ao materialismo: Não irásmuito longe, pois aqui estão os fatos queprovam a falsidade de teus raciocínios.

O materialismo ameaçava fazer a socie-dade mergulhar em trevas, afirmando aos

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homens: O presente é tudo, o futuro nãoexiste.

O Espiritismo corrige a distorção afir-mando: O presente é bem pouco, mas ofuturo é tudo. E isto ele o prova.

Um adversário escreveu, de certa feita,em um jornal, que o Espiritismo é cheio deseduções. Ele não podia, involuntariamente,dirigir-lhe um elogio maior, ao mesmo tem-po condenando-se de maneira maisperemptória. Dizer que uma coisa é seduto-ra é, na verdade, dizer que ela satisfaz. Ora,eis aqui o grande segredo da propagação doEspiritismo. Por que não lhe opõem algo demais sedutor, para suplantá-lo? Se tal nãose faz é porque não se tem nada de melhora oferecer. Por que ele agrada? É muito fácilexplicar.

Ele agrada:1) porque satisfaz à aspiração instin-

tiva do homem em relação ao fu-turo;

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2) porque apresenta o futuro sob umaspecto que a razão pode admitir;

3) porque a certeza da vida futura fazcom que o homem enfrente compaciência as misérias da vida pre-sente;

4) porque, com a doutrina da plurali-dade das existências, essas misé-rias revelam uma razão de ser,tornam-se explicáveis e, ao invésde ser atribuídas à Providência, emforma de acusação, passam a ser

justificáveis, compreensíveis e a-ceitas sem revolta;

5) porque é um motivo de felicidadesaber que os seres que amamosnão estão perdidos para sempre,que os encontraremos e que estãoconstantemente junto de nós;

6) porque as orientações dadas pelosEspíritos são de molde a tornar oshomens melhores em suas rela-

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ções recíprocas; estes e, além des-tes, outros motivos que só os espí-ritas podem compreender.

Em contrapartida, que sedução ofereceo materialismo? O nada! Nele todo o conso-lo que apresenta para as misérias da vida.

Com tais elementos, o futuro do Espiri-tismo não pode ser duvidoso e, todavia, sedevemos nos surpreender com alguma coi-sa, será com o fato de que tenha franquea-do um caminho tão rápido através dos pre-conceitos. Como e por que meios alcançaráa transformação da humanidade é o quenos resta examinar.

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caridade em forma de palavra nada diz quepossa prejudicar a outrem. A caridade emações assiste ao próximo na medida de suasforças. O pobre que partilha seu pedaço depão com o companheiro mais carecente doque ele é mais caridoso e tem mais mérito

aos olhos de Deus do que o rico que dá doseu supérfluo sem de nada se privar. Quemalimenta contra seu próximo sentimentos deira, de animosidade, de ciúme, de rancor,falta com a caridade. A caridade é a antítese

do egoísmo. Este é a exaltação da persona-lidade, aquela a sublimação da personalida-de. Ela diz:Para vós em primeiro lugar, pa-ra mim depois. E o egoísmo diz:Para mimantes e para vós se sobrar. A primeira está

toda inteira nesta frase de Cristo: “Fazei aosoutros o que quiserdes que vos façam”. Emuma palavra, ela se aplica a todas as rela-ções pessoais. Admiti: se todos os membrosde uma sociedade agissem de conformidadecom esse princípio, haveria menos decep-ções na vida. Uma vez que dois indivíduos

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estão reunidos, contratam, por força dissomesmo, deveres recíprocos. Se desejamviver em paz, estão obrigados a se fazeremconcessões recíprocas. Esses deveres au-mentam com o número dos indivíduos; asaglomerações constituem-se em todos-

coletivos que têm também suas obrigaçõesrespectivas. Tendes, pois, além das relaçõesde indivíduo a indivíduo, as relações de ci-dades para com cidades, de estados paracom estados, de países para com países.

Essas relações podem ter duas motivaçõesque são a negação uma da outra; o egoís-mo e a caridade, pois que há também ego-ísmo nacional. O egoísmo faz com que ointeresse pessoal prevaleça acima de tudo.

Cada pessoa arrebata o que pode para si, osemelhante é visto apenas como um anta-gonista, um rival que pode se intrometer emnosso caminho, que podemos explorar ouque pode nos explorar. A vitória pertenceráao mais sagaz e a sociedade – coisa tristede dizer – consagra comumente essa vitó-

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ria, o que faz com que ela se divida em du-as áreas principais: os explorados e os ex-ploradores. Disso resulta um antagonismoperpétuo, que faz da vida um tormento, umverdadeiro inferno. Substitua-se o egoísmopela caridade e tudo será diferente. Nin-

guém procurará fazer mal ao seu vizinho, asiras e os ciúmes se extinguirão à falta doque os alimente e os homens viverão empaz entreajudando-se ao invés de mutua-mente se despedaçando. Se a caridade

substituir o egoísmo, todas as instituiçõessociais passarão a ter por alicerce o princí-pio da solidariedade e da reciprocidade. Oforte protegerá o fraco ao invés de explorá-lo.

Muitas pessoas poderão dizer: Eis umbelo sonho! Infelizmente é apenas um so-nho. O homem é egoísta por natureza, pornecessidade, e para sempre será assim. Masse tal proposição é verdadeira – o que seria

realmente muito triste! –, é de se perguntarcom que finalidade o Cristo veio até nós,

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pregando a caridade aos homens. Com igualresultado teria pregado aos animais. Toda-via examinemos a questão.

Há progresso do selvagem ao homemcivilizado? Não se procura, diariamente, me-lhorar os costumes dos selvagens? Mas comque finalidade, se o homem é incorrigível?Estranha bizarria! Estais certos de educar osselvagens e acreditais que o homem civili-zado não pode melhorar. Se o homem civili-zado tivesse a pretensão de ter atingido oúltimo limite do progresso acessível à espé-cie humana, bastaria comparar os costu-mes, caráter, a legislação, as instituiçõessociais de hoje com as de outrora. E, entre-tanto, os homens de outrora, também eles,

supunham ter alcançado o último degrau. Oque teria respondido um grã senhor aotempo de Luís XIV se lhe tivessem dito quepoderia dispor de uma ordem social melhor,mais justa, mais humana do que a vigente

então; se lhe afirmassem que o regime maiseqüitativo se caracterizaria pela abolição

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dos privilégios de classe e a igualdade dogrande e do pequeno diante da Lei? O au-dacioso que isso proclamasse, certamentebem caro pagaria a sua temeridade.

Disso concluímos que o homem é emi-nentemente perfectível e que os mais adian-tados hoje parecerão atrasados dentro dealguns séculos. Negar esse fato será negaro progresso, que é uma lei da natureza.

Embora o homem tenha progredido doponto de vista moral, é preciso, entretanto,convir que esse progresso se realizou, maisacentuadamente, no sentido intelectual. Porque motivo? Eis aqui um outro problemaque foi dado ao Espiritismo explicar, mos-trando que a moral e a inteligência são doiscaminhos que raramente seguem juntos.Quando o homem dá alguns passos numdeles, se retarda no outro. Todavia, maistarde, torna a ganhar o terreno que haviaperdido e as duas forças acabam por se e-quilibrar, através de sucessivas reencarna-

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ções. O homem chegou a uma fase em queas ciências, as artes e as indústrias atingi-ram um alcance até hoje desconhecido. Sea satisfação que delas tira satisfaz à vidamaterial, deixa um vazio na alma: ele aspiraqualquer coisa de superior, sonha com me-

lhores instituições, deseja a vida, a felicida-de, a igualdade, a justiça para todos. Mascomo atingir tudo isso com os vícios da so-ciedade e, sobretudo, com o egoísmo impe-rando? O homem sente, pois, a necessidade

do bem para ser feliz, compreende que só oreino do bem pode lhe dar a felicidade pelaqual aspira. Esse reinado ele o pressentepois, instintivamente, crê na justiça de Deuse uma voz secreta lhe diz que uma nova era

vai se iniciar.Como ocorrerá isso? Ora, se o reino dobem é incompatível com o egoísmo, é preci-so que o egoísmo seja destruído. Mas o quepode destruí-lo? A predominância do senti-

mento do amor, que leva os homens a setratarem como irmãos e não como inimigos.

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um mal é sempre o sinal de que chega aoseu fim.

Acabo de afirmar que sem a caridade ohomem constrói sobre a areia. Um exemplotorna isso compreensível.

Alguns homens bem intencionados, to-cados pelos sofrimentos de uma parte deseus semelhantes, supuseram encontrar oremédio para o mal em certas doutrinas dereforma social. Com pequenas diferenças,os princípios são pouco mais ou menos osmesmos em todas essas concepções, qual-quer seja o nome que se lhes dê. Vida co-munitária, por ser a menos onerosa; comu-nidade de bens para que todos tenham asua parte; nada de riquezas, mas tambémnada de miséria. Tudo isso é muito sedutorpara aquele que, não tendo nada, vê ante-cipadamente a bolsa do rico passar ao fun-do comunal, sem cogitar que a totalidadedas riquezas, postas em comum, criaria umamiséria geral ao invés de uma miséria parci-

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al; que a igualdade, estabelecida hoje, seriarompida amanhã pela mobilidade da popu-lação e a diferença entre aptidões; que aigualdade permanente de bens supõe a i-gualdade de capacidades e de trabalho. Masesta não é a questão. Não está em minhas

intenções examinar o lado positivo e o ne-gativo desses sistemas. Faço abstração dasimpossibilidades que acabo de citar e pro-ponho olhá-los de um outro ponto de vistaque, parece-me, ainda não preocupou a

ninguém e que se relaciona à nossa área decogitações.Os autores, fundadores ou promotores

de todos esses sistemas, sem exceção, nãovisaram senão a organização da vida mate-

rial de uma maneira proveitosa a todos. Afinalidade é louvável, indiscutivelmente.Resta saber se nesse edifício não falta abase que, só ela, poderia consolidá-lo, ad-mitindo-se que fosse praticável.

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A comunidade é a abnegação maiscompleta da personalidade. Ela requer odevotamento mais absoluto, pois cada pes-soa deve pagar de sua pessoa. Ora, o móvelda abnegação e do devotamento é acarida-de, isto é, o amor ao próximo. Entretanto é

preciso reconhecer que a base da caridadeé a crença: que a falta de crença conduz aomaterialismo e o materialismo ao egoísmo.Um sistema que, por sua natureza, requerpara sua estabilidade virtudes morais no

mais supremo grau, haveria que ter seuponto de partida no elemento espiritual.Pois muito bem, ele não o leva absoluta-mente em conta, já que o lado material é asua finalidade exclusiva. Muitas dessas con-

cepções são fundamentadas em uma dou-trina materialista confessada em alto e bomsom, ou sobre um panteísmo que não passade uma espécie de materialismo disfarçado.Isso quer dizer que são enfeitadas com onome da fraternidade, mas a fraternidade,assim como a caridade, não se impõe nem

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se decreta, é algo que existe no coração enão será um sistema que a fará nascer, seela aí já não se encontra alojada. Ao mesmotempo em que isto ocorre, o defeito anta-gônico à fraternidade arruinará o sistema eo fará cair na anarquia, já que cada pessoa

quererá tirar para si a melhor parte. A expe-riência aí está, diante de nossos olhos, paraprovar que eles não extinguem nem as am-bições nem a cupidez. Antes de fazer a coi-sa para os homens, é preciso formar os ho-

mens para a coisa, como se formam obrei-ros, antes de lhes confiar um trabalho. An-tes de construir, é preciso que nos certifi-quemos da solidez dos materiais. Aqui osmateriais sólidos são os homens de coração,

de devotamento e abnegação. Sob o egoís-mo, o amor e a fraternidade são, como jádissemos, palavras vazias. Assim sendo, deque maneira, sob o império do egoísmo,fundar um sistema que requeira a abnega-ção em um sentido tão amplo que tenha porprincípio essencial a solidariedade de todos

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para cada um e de cada um para com to-dos? Alguns homens abandonaram o solonatal para ir fundar, à distância, colôniassob o regime da fraternidade. Quiseram fu-gir ao egoísmo que os esmagava, mas oegoísmo seguiu com eles e lá, onde se a-

cham, encontram-se exploradores e explo-rados, pois que a caridade lhes falta. Acredi-taram que bastasse conduzir o maior núme-ro de braços possível, sem imaginar que, aomesmo tempo, levavam os vermes roedores

da nova instituição, arruinada tão mais rapi-damente porque não tinha em si nem forçamoral nem força material suficientes.13

13 Quer nos parecer que Kardec refere-se à experi-ência de Robert Owen, célebre socialista utópico,nascido em 1771 e desencarnado em 1858. De1800 a 1829 dirigiu uma grande fábrica em NewLanark, na Escócia. Reduziu a jornada de traba-lho a dez horas e meia enquanto nas demais em-presas era de treze e quatorze horas. Melhorouas condições de vida dos trabalhadores, fundouuma escola modelo para os filhos dos operários,

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organizou uma casa berçário e um jardim de in-fância. Em sua primeira obra,Novos juízos sobrea sociedade, ou ensaios sobre a formação do ca-ráter humano, Owen dá conta de sua experiênciaem New Lanark e dos princípios que regeram suaatividade. Suas idéias filantrópicas levaram-no aosocialismo. Isso resultou em uma reviravolta emsua vida. Convencido de que suas idéias eram

justas, partiu para os Estados Unidos, onde fun-dou, em 1825, a comunidade denominadaNewHarmony(Nova Harmonia). Sofreu, porém, umfracasso e voltou à Grã-Bretanha em 1829, fun-

dando aHarmony Hall de Queenwood, no Hamp-shire, em 1839. Owen acreditava que o caráterdo homem é feito para ele e não por ele, comoum produto do meio social e econômico. Essadoutrina, hoje vista como marxista, é, de fato,owenista. Considerava a história como idealista,

vendo nela um progresso gradual do conheci-mento humano. Sonhando com uma ordem socialnova, na qual a comunidade seria a célula ele-mentar, combatia a luta revolucionária. Em suaopinião a correção socialista das relações sociaisnão pode ser realizada por meio da violência.Owen converteu-se ao Espiritismo, fundando naInglaterra o primeiro Centro Espírita daquele país.

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O que lhe faltava não eram braços nu-merosos, mas sólidos corações. Infelizmentemuitos foram os que se lhes engajaramporque, não se tendo desincumbido a con-tento no que lhes fora confiado, acreditaramlibertarem-se de obrigações pessoais. Viram

apenas um ponto sedutor no horizonte, semperceberem a espinhosa rota que para eleconduzia. Decepcionados em suas esperan-ças, reconhecendo que antes de gozar erapreciso muito trabalhar, muito sacrificar,

muito sofrer, tiveram por perspectiva o de-sencorajamento e o desespero. Sabeis oque sucedeu à maioria. Seu erro é teremquerido construir um edifício começandopela cumeeira, antes de ter assentado sóli-

dos fundamentos. Estudai a história e acausa da queda dos Estados mais florescen-

Seu filho, Robert Dale Owen, é célebre escritorespírita, autor de vários clássicos, entre os quaisRegião em Litígio entre este Mundo e o Outro (N.T.).

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zer o que quiserem. Com isso não se modi-ficará a marcha dos desígnios de Deus.

O Espiritismo, por sua poderosa revela-ção, vem, pois, acelerar a reforma social.Seus adversários, sem dúvida, rir-se-ão des-sa pretensão e, todavia, ela nada tem depresunçosa. Demonstramos que a increduli-dade, a simples dúvida em relação ao futu-ro, leva o homem a se concentrar sobre avida presente, o que, muito naturalmente,desenvolve o sentimento do egoísmo. Oúnico remédio para o mal é concentrar aatenção sobre um outro ponto e desenraizá-lo, por assim dizer, a fim de que, dessaforma, todos os hábitos a ele inerentes se-

jam modificados. O Espiritismo, provando

de maneira patente a existência de ummundo invisível, leva, forçosamente, a umaordem de idéias bem diversa, pois que dila-ta o horizonte moral limitado à Terra. A im-portância da vida corporal diminui à medida

que cresce a da vida espiritual. Colocamo-nos, naturalmente, em um outro ponto de

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vista e o que nos parecia uma montanhanão se nos afigura maior do que um grão deareia. As vaidades, as ambições, aqui naTerra, tornam-se puerilidades, brinquedosinfantis em presença do futuro grandiosoque nos espera. Atendo-nos menos às coi-

sas terrestres, tendemos, igualmente, a nossatisfazer menos às expensas dos outros, deonde uma diminuição no sentimento doegoísmo.

O Espiritismo não se limita a provar omundo invisível. Pelos exemplos que faz sedesenrolarem aos nossos olhos, ele no-lorevela em sua realidade e não como a ima-ginação o havia feito conceber. Ele no-lomostra povoado de seres felizes ou infelizes,

porém prova que a caridade, a soberana leido Cristo, pode aí assegurar a paz e a ale-gria. Por outro lado assistimos ao espetácu-lo da sociedade terrena que se auto-estraçalha sob o império do egoísmo e que,

entretanto, viveria feliz e pacífica sob o dacaridade. Com a caridade tudo é, pois, be-

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nefício para o homem! Felicidade nestemundo e no outro! Não se trata mais,conforme a expressão de um materialista,do sacrifício de pessoas logradas, massegundo a expressão do Cristo, doinvestimento de dinheiro que vai ser

centuplicado. Com o Espiritismo o homemcompreende que tem tudo a ganharrealizando o bem e tudo a perder optandopelo mal. Ora, entre a certeza (eu não direia oportunidade!) de perder ou de ganhar, a

escolha não pode ser duvidosa. Por essemotivo a propagação da idéia espírita tende,necessariamente, a tornar os homensmelhores em suas mútuas relações. O queele faz hoje, relativamente aos indivíduos,

fará amanhã, em relação às massas,quando estiver difundido de maneira geral.Tratemos, pois, de torná-lo conhecido, emproveito de todos.Prevejo uma objeção que pode ser le-vantada, isto é, a de que, de acordo com

essas idéias, a prática do bem seria umcálculo interessado. A isso respondo dizendo

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que a Igreja, prometendo as alegrias do céuou ameaçando com as chamas do inferno,conduz, ela própria, os homens, ou pelaesperança ou pelo terror. O próprio Cristoensinou que o que se dá neste mundo ren-derá, depois, centuplicado. Sem dúvida ha-

verá maior mérito em fazer-se o bemespontaneamente, sem pensar em suasconseqüências, mas acontece que todos oshomens não chegaram a esse estágio e valemais praticar o bem com um estímulo do

que não praticá-lo.Ouve-se por vezes falar de pessoas quefazem o bem sem premeditação e, por as-sim dizer, por um impulso que lhes é pró-prio. Delas diz-se que não têm mérito, pois

nessa realização não empenham nenhumesforço pessoal. É um erro! O homem nãochega a nada sem esforço. Aquele que nãoprecisou fazê-lo nesta existência, deve terlutado em uma precedente e o bem acabou

por se identificar com ele. Eis por que tudoparece tão natural. O bem está nele como

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estão, em outras pessoas, idéias que, tam-bém elas, tiveram sua fonte em um trabalhoanterior. Este é ainda um dos problemasque o Espiritismo vem resolver. Os homensde bem têm, pois, também eles, o mérito daluta. Para eles a vitória já está alcançada.

Os outros têm ainda que lutar para obtê-la.Eis por que, como as crianças, carecem deum estímulo, isto é, de um objetivo a seratingido, ou, se o quiserdes, de um prêmioa ser arrebatado.

Uma outra objeção mais séria é esta: Seo Espiritismo produz todos esses resultados,os espíritas devem ser os primeiros a delesse aproveitarem. A abnegação, o devota-mento desinteressado, a indulgência para

com o próximo, a abstenção absoluta detoda palavra ou de todo ato que possamferir os outros, em uma palavra, a caridadeem sua mais pura acepção, devem ser aregra invariável de sua conduta. Não devem

conhecer nem o orgulho, nem o ciúme, nema inveja, nem o rancor, nem as tolas vaida-

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des, nem as pueris suscetibilidades do a-mor-próprio. Devem praticar o bem pelobem, com modéstia e sem ostentação, pra-ticando esta máxima do Cristo: “Que vossamão esquerda não saiba o que dá a vossamão direita”. Agindo desse modo, ninguém

merecerá que se lhe aplique estes versos deRacine: “Um benefício lançado em rosto va-le sempre por uma ofensa” . Enfim, a maisperfeita harmonia deve reinar entre eles.Por que, então, citam-se exemplos que pa-

recem contradizer a eficácia dessas belasmáximas?No início das manifestações espíritas,

muitos as aceitaram sem prever suas con-seqüências. A maioria olhou-as como curio-

sas concepções, mas quando delas resultouuma moral severa, deveres rigorosos a se-rem executados, não faltou quem se sentis-se sem forças para praticá-las e a elas seconformar. Faltou-lhes coragem, devota-

mento, abnegação. Nessas pessoas a natu-reza corporal prevaleceu sobre a espiritual.

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Creram, mas recuaram em face da realiza-ção. Havia, pois, na origem, apenasespíri-tas, isto é, crentes; a filosofia e a moral a-briram a essa ciência um horizonte novo ecriou os espíritas praticantes. Os primeirosse atrasaram na retaguarda, os segundos

arremeteram-se para a frente.14

Quanto mais a moral se sublimou, maisela fez contrastar imperfeições daqueles quese negaram a segui-la, assim como umaintensa luz faz ressaltar as sombras. Eracomo um espelho: alguns não quiseram ne-le se olhar ou, crendo nele se reconhece-rem, preferiram apedrejar aqueles que lhomostravam. Tal é, ainda hoje, a causa decertas animosidades. Todavia posso, por

felicidade, dizer: estas são exceções, algu-mas pequenas sombras sobre o vasto pano- 14 Chamamos em especial a atenção dos espíritas

para esse tópico tão significativo, no qual Kardecdistingue os “espíritas” dos “espíritas praticantes” (N.T.).

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rama, e que não lhe podem alterar a lumi-nosidade. Neste grupo encontram-se, emgrande parte, os que poderíamos chamarespíritas da primeira formação. Quanto à-queles que se formaram depois e se formama cada dia, em grande maioria aceitaram a

doutrina precisamente por causa de suamoral e de sua filosofia. Eis por que esfor-çam-se em praticá-la. Pretender que deveri-am todos se terem tornado perfeitos é des-conhecer a natureza da humanidade. Mas

terem-se despojado de resquícios do ho-mem velho é sempre um progresso que, porforça, se deve levar em conta. São indes-culpáveis aos olhos de Deus apenas aquelesque, estando devidamente esclarecidos, não

tiraram desse esclarecimento o proveito quepoderiam tirar. A estes, certamente, serápedida uma conta severa, da qual sofrerão,conforme temos visto em numerosos exem-plos, as conseqüências aqui na Terra. Masao lado destes há também o grande númerono qual operou-se uma verdadeira meta-

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marcha natural das coisas, sua realizaçãopoderá ser por muito tempo adiada. Se a-creditarmos na revelação dos Espíritos, estános desígnios de Deus ativá-la e nós vive-mos exatamente o tempo predito para isso.

A concordância das comunicações a esse

respeito é um fato digno de nota. Em todaparte diz-se que nos aproximamos da eranova e que notáveis realizações irão se efe-tivar. Seria, entretanto, um erro supor que omundo está ameaçado por um cataclismo

material. Examinando as palavras do Cristo,torna-se evidente que nesta, como em ou-tras muitas circunstâncias, Ele falou de ma-neira alegórica. A renovação da humanida-de, o reino do bem sucedendo ao reino do

mal, são notáveis fatos que podem ter reali-zação sem que haja necessidade de umnaufrágio universal, da eclosão de fenôme-nos extraordinários, ou da derrogação dasleis naturais. E é sempre nesse sentido queos Espíritos se têm exprimido.

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Tendo a Terra alcançado o tempo mar-cado para se transformar em feliz morada,elevando-se assim na hierarquia dos mun-dos, basta a Deus não permitir aos Espíritosimperfeitos aqui se reencarnarem, dela a-fastando aqueles que, por orgulho, incredu-

lidade, maus instintos, se possam tornar emum obstáculo ao progresso, perturbando aboa harmonia, como, aliás, procedeis vósmesmos, em uma assembléia em que ne-cessitais ter paz e tranqüilidade e da qual

afastais aqueles que a ela possam trazer adesordem, ou como se expulsam de um paísos malfeitores, que são exilados em paíseslongínquos. Isso porque nas raças, ou me-lhor – para nos servirmos das palavras do

Cristo – nas gerações de Espíritos enviadosem expiação à Terra, aqueles que se manti-verem incorrigíveis serão substituídos poruma geração de Espíritos mais adiantadose, para isso, bastará uma geração de ho-mens e a vontade de Deus que pode, atra-vés de acontecimentos inesperados, embora

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naturais, apressar-lhes a partida da Terra.Se, pois, a maior parte das crianças quehoje nascem pertencem à nova geração deEspíritos melhores, se os demais, que par-tem a cada dia, não mais regressarão, dissoresultará uma renovação completa. E o que

será feito dos Espíritos exilados? Serão en-caminhados para mundos inferiores, ondeexpiarão duras asperezas em longos séculosde provas difíceis, pois que também elessão anjos rebeldes que desprezaram o po-

der de Deus e se revoltaram contra a lei queCristo veio lhes recordar.15 Como quer que seja, nada se faz brus-

camente na natureza. A velha levedura dei-xará ainda, durante algum tempo, traços

que só de pouco em pouco se apagarão.Quando os Espíritos nos dizem – e isso eleso fazem por toda parte – que nos abeiramos

15 Ver a Revista Espírita, janeiro de 1862, “Ensaiosobre a interpretação da doutrina dos Anjos caí-dos”.

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desse momento, não creiais que seremostestemunhas de uma transformação expostaà vista. Querem demonstrar-nos que esta-mos no momento da transição, assistimos àpartida dos velhos e à chegada dos novos,que virão fundar uma nova ordem de coi-

sas, isto é, o reino da justiça e da caridadeque é o verdadeiro reino de Deus, preditopelos profetas e do qual o Espiritismo vempreparar os caminhos.

Vede, senhores,estamos já bem distan-tes das mesas girantese, entretanto, ape-nas alguns anos nos separam do berço doEspiritismo! Quem quer que tivesse sidobastante audacioso para predizer o que hojese passa seria levado à conta de insensato

aos olhos dos seus próprios correligionários.Observando a pequenina semente, quempoderia compreender, se dantes não tivesseassistido ao fenômeno, que dali sairia a ár-vore poderosa? Vendo a criança nascida no

estábulo de uma pobre aldeia na Judéia,quem poderia supor que, sem o fausto e o

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tal assassino, que semeia a esperança e nãoo temor, tereis, dentro de alguns anos, le-vado ao aprisco da fé mais ovelhas desgar-radas do que o teriam podido fazer séculosde violência e de prepotência. É com a cari-dade por guia que o Espiritismo caminha

para a conquista do mundo.Será fantasioso e quimérico o quadroque esbocei diante de vós? Não! A razão, alógica, a experiência, tudo diz que essa éuma realidade.

Espíritas, sois os pioneiros dessa grandeobra. Tornai-vos dignos da gloriosa missão,cujos primeiros frutos já recolheis. Pregaipor palavras, mas, sobretudo, pregai porexemplos. Comportai-vos de modo a que,em vos vendo, não possam dizer que asmáximas que ensinais são palavras vãs emvossos lábios. A exemplo dos apóstolos, fa-zei milagres, pois para isso Deus concedeu-vos o dom! Não milagres que chocam ossentidos, porém milagres de caridade e de

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amor. Sede bons para com vossos irmãos,sede bons para com o mundo inteiro, sedebons para com vossos inimigos! A exemplodos apóstolos, expulsai os demônios. Paraisso tendes o poder, e eles pululam em tor-no de vós, os demônios do orgulho, da am-

bição, da inveja, do ciúme, da cupidez, dasensualidade, que alimentam todas as máspaixões e semeiam por entre vós os pomosda discórdia. Expulsai-os de vossos cora-ções, a fim de que tenhais a força necessá-

ria para expulsá-los dos corações alheios.Fazei esses milagres e Deus vos abençoará,as gerações futuras vos abençoarão comoas de agora abençoam os primeiros cristãos,dentre os quais, muitos revivem entre vós

para assistir e concorrer para o coroamentoda obra do Cristo. Fazei esses milagres evossos nomes serão inscritos gloriosamentenos anais do Espiritismo. Não empanai esseclarão por sentimentos e atos indignos doverdadeiro espírita, do espírita cristão. Li-bertai-vos, o quanto antes possível, de tudo

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quanto possa ainda restar em vós do velholevedo. Observai que de um momento parao outro, amanhã talvez, o anjo da mortepode vir bater à vossa porta e dizer: Deusvos chama para prestardes conta do quefizestes de sua palavra, da palavra de Seu

Filho, que Ele fez repetir pelos bons Espíri-tos. Estai, pois, sempre prontos a partir enão façais como o viajor imprudente que ésurpreendido desprevenido. Fazei vossasprovisões com antecipação, provisões de

boas obras e de bons sentimentos, pois in-feliz é aquele que o momento fatal surpre-ende com a ira, a inveja ou o ciúme no co-ração. Terão por escolta os maus Espíritos,

jubilosos das desgraças que o esperam,

uma vez que essas desgraças serão a suaobra. E vós sabeis, espíritas, quais são es-sas desgraças: os que as sofrem chegamaté nós, eles próprios, para descrever seussofrimentos. Àqueles, pelo contrário, que seapresentarem puros, os bons Espíritos virãoestender a mão, dizendo-lhes: Irmãos, sede

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bem-vindos às celestes moradas onde vosesperam cantos de alegra.

Vossos adversários rir-se-ão de vossacrença nos Espíritos e em suas manifesta-ções, mas não poderão rir das virtudes queresultam dessa crença. Não se rirão quandovirem os inimigos perdoar-se ao invés deferir-se, a paz renascer entre aqueles quese dividiram pela dissensão, o incrédulo deontem concentrado hoje em prece fervoro-sa, o homem violento e colérico transforma-do em ser doce e pacífico, o debochadotransfigurado no homem cumpridor de seusdeveres e perfeito pai de família, o orgulho-so que se tornou humilde, o egoísta ofere-cendo provas do mais alto espírito de cari-

dade. Não rirão quando constatarem que jánão têm a temer a vingança de seus inimi-gos, transformados em espíritas. O rico nãose rirá quando verificar que o pobre nãoinveja sua fortuna e o pobre, ao invés de

alimentar sentimentos de ciúmes, abençoa-rá o rico que se fez humano e generoso. Os

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chefes não rirão de seus subordinados enão os molestarão quando constatarem quese fizeram escrupulosos e conscienciosos narealização de seus deveres. Finalmente ospatrões encorajarão seus servidores e su-balternos quando os virem, sob o império

da fé espírita, mais fiéis, mais devotados emais sinceros. Eles verificarão que o Espiri-tismo é bom para tudo e para todos e nãoapenas para salvaguardar-lhes os interessesmateriais. E tanto pior será para aqueles

que não quiserem ver um pouco mais além.Sob o império dessa mesma fé, o militarserá mais disciplinado, mais humano, maisfácil de ser conduzido. Terá sentimentos eobedecerá não pelo temor, mas pela razão.

É o que constatam os dirigentes imbuídosdesses princípios e eles são numerosos. E,por tal motivo, sinceramente desejam quenenhum entrave se oponha à propagaçãodas idéias espíritas entre aqueles que seencontram sob sua direção.

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Eis, senhores, que rides, o que produz oEspiritismo, essa utopia do século dezenove,parcialmente ainda, é verdade, mas cujainfluência já se reconhece e cuja propaga-ção em breve se compreenderá ser do mai-or benefício, em favor de todos. Sua influ-

ência é uma garantia de segurança para asrelações sociais, pois que constitui o maispoderoso freio às más paixões, às eferves-cências desordenadas, mostrando o laço deamor e de fraternidade que deve unir o

grande ao pequeno e o pequeno ao grande.Fazei, pois, que por vosso exemplo logo sepossa dizer: Praza a Deus que todos os ho-mens sejam espíritas de coração!

Caros irmãos espíritas, venho vos indi-

car o caminho, fazer-vos ver o objetivo.Possam minhas palavras, em sua impotên-cia, ter-vos feito compreender a sua gran-deza! Todavia outros virão, depois de mim,que vo-la mostrarão também, e cuja voz,

mais poderosa do que a minha, terá para asnações o brilho vivaz da trombeta. Sim,

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meus irmãos, Espíritos mensageiros deDeus, encarregados de estabelecer o Seureino na Terra, logo surgirão entre vós e osreconhecereis por sua sabedoria e a autori-dade de sua linguagem. À sua voz, os in-crédulos e os ímpios se encherão de espan-

to e de estupor e curvarão a cabeça, poisnão ousarão chamá-los loucos. Eu não po-deria, irmãos, revelar-vos tudo quanto vosprepara o futuro. Mas o tempo está próximoem que todos os mistérios serão revelados,

para a confusão dos mentirosos e a glorifi-cação dos bons.Enquanto a oportunidade se apresenta,

revesti-vos do manto branco, abafai as dis-córdias, pois que as discórdias pertencem

ao reino do mal que vai ter fim. Seja-vospossível fundir-vos em uma única e mesmafamília e dar-vos mutuamente, do fundo docoração e sem pensamento premeditado, onome de irmãos. Se entre vós há dissidên-

cias, causas de antagonismos, se os gruposque devem todos marchar para um objetivo

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comum estiverem divididos, eu o lamento,sem me preocupar com as causas, sem e-xaminar quem cometeu os primeiros erros,e me coloco, sem hesitar, do lado daqueleque tiver mais caridade, isto é, mais abne-gação e verdadeira humildade, pois aquele

a quem falta a caridade está sempre errado,assistido embora por qualquer espécie derazão, pois Deus maldiz quem diz a seu ir-mão: racca.

Os grupos são indivíduos coletivos quedevem viver em paz como os indivíduos, serealmente são espíritas. Eles são os bata-lhões da grande falange. Ora, o que seráfeito de uma falange cujos batalhões se di-vidirem? Aqueles que vêem o próximo com

olhos ciumentos provam, só por isso, queestão sob uma má influência, pois que oEspírito do bem não pode produzir o mal.

Vós o sabeis: a árvore reconhece-se pelosfrutos. Ora, o fruto do orgulho, da inveja e

do ciúme é um fruto envenenado que mataquem dele se nutre.

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O que digo das dissidências entre gru-pos vale, igualmente, para as que possamhaver entre os indivíduos. Em semelhantecircunstância, a opinião das pessoas impar-ciais é sempre favorável àquele que dá pro-vas de maior grandeza e de generosidade.

Aqui na Terra, onde ninguém é infalível, aindulgência recíproca é uma conseqüênciado princípio da caridade que nos leva a agirpara com os outros como quereríamos queos outros agissem para conosco. Ora, sem

indulgência não há caridade, sem caridadenão há verdadeiro espírita. A moderação éum dos sinais característicos desse senti-mento, como a acrimônia e o rancor sãosinais da negação. Com acrimônia e espírito

vingativo deterioram-se as mais dignas cau-sas, mas com a moderação fortalecemo-las,se estamos de seu lado, ou delas passamosa participar, se não o fizemos ainda. Se,pois, eu tivesse de opinar em uma diver-gência, eu me preocuparia menos com ascausas e mais com as conseqüências. As

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causas, em querelas ocasionadas sobretudopor palavras, podem ser o resultado dequestões das quais nem sempre somos se-nhores; a conduta ulterior de dois adversá-rios é o resultado da reflexão; eles agem desangue frio e é então que o verdadeiro

caráter de cada uma das partes se define.Uma cabeça ruim e um mau coração cami-nham muitas vezes juntos, porém rancor ebom coração são incompatíveis. Minha me-dida de apreciação seria, então, a caridade,

isto é, eu observaria aquele que menos maldiz de seu adversário, aquele que é o maismoderado em suas recriminações. É segun-do esta medida que Deus nos julgará, poisque Ele será indulgente para quem tiver

sido indulgente e será inflexível para quemtiver sido inflexível. A rota traçada pela caridade é clara, in-

falível e sem equívocos. Poderíamos defini-la assim: “Sentimento de benevolência, de

justiça e de indulgência relativamente aopróximo, baseado no que quereríamos que

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o próximo nos fizesse”. Tomando-a por gui-a, podemos estar certos de não nos afastardo caminho reto que conduz a Deus. Quemdeseja, de maneira sincera e séria, trabalharpor sua própria melhoria, deve analisar acaridade em seus mínimos detalhes e por

ela conformar sua conduta, pois ela se apli-ca a todas as circunstâncias da vida, tantoàs mais simples quanto às mais complexas.De cada vez que estivermos incertos quantoao partido a tomar, no interesse alheio, bas-

ta que interroguemos a caridade e ela res-ponderá, sempre, de maneira justa. Infeliz-mente escuta-se mais freqüentemente a vozdo egoísmo.

Sondai, pois, os refolhos de vossa alma,

para dela arrancardes os últimos vestígiosdas más paixões, se delas algo restar ainda.E se experimentais algum ressentimentocontra alguém, cuidai de abafá-lo e dizei:

“Irmão, esqueçamos o passado. Os maus

Espíritos nos haviam separado, que os bonsnos reúnam!” Se ele recusar a mão que lhe

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estendeis, oh!, então lamentai-o, pois Deus,por sua vez, lhe dirá: “Por que pedes per-dão, tu que não perdoastes?”

Apressai-vos, pois, para que se não vosaplique esta frase fatal: É tarde demais!

Tais são, queridos irmãos espíritas, osconselhos que tenho a vos dar. A confiançaque vindes em mim depositar é uma garan-tia de que eles trarão bons frutos. Os bonsEspíritos, que vos assistem, dizem-vos acada dia a mesma coisa, porém julguei umdever apresentar-vos essas advertências emum conjunto, de modo a que suas conse-qüências melhor se destaquem. Venho,pois, em nome deles, lembrar-vos a práticada grande lei do amor e da fraternidade quedeverá, em breve, reger o mundo e nelefazer reinar a paz e a concórdia, sob o es-tandarte da caridade para com todos, semexceções de seitas, de castas e nem de co-res.

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Com esse estandarte, o Espiritismo seráo traço de união que reunirá os homens di-vididos pelas crenças e os prejuízos munda-nos. Ele fará ruir a mais poderosa barreiraque separa os povos: o antagonismo nacio-nal. À sombra dessa bandeira, que será o

seu ponto de reunião, os homens se habitu-arão a ver irmãos naqueles que viam comoinimigos. Daqui até lá haverá muitas lutas,pois o mal não liberta facilmente sua presae os interesses materiais são tenazes. Sem

dúvida, não vereis com os olhos do corpo arealização dessa obra, para a qual concor-reis, e isso embora esse momento não este-

ja remoto. Os anos iniciais do século próxi-mo deverão prenunciar essa era nova que

se prepara ao crepúsculo desta em que vi-vemos. Mas fruireis, com os olhos do Espíri-to, o bem que tiverdes feito, como os márti-res do Cristianismo rejubilaram-se contem-plando os frutos de seu sangue derramado.Coragem, pois, e perseverança. Não recueisante os obstáculos. O campo não se torna

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fértil sem a dádiva do suor. Assim como opai, mesmo no ocaso da vida, constrói o larque irá abrigar seus filhos, crede que cons-truís para as gerações futuras um templo àfraternidade universal e no qual as únicasvítimas imoladas serão o egoísmo, o orgulho

e todas as más paixões que ensangüenta-ram a humanidade.

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Instruções particulares

dadas aos Grupos, em resposta aalgumas das questões propostas.

I

Há um ponto sobre o qual creio ser umdever chamar toda a vossa atenção. Querofalar das surdas manobras dos adversáriosdo Espiritismo, que, depois de tê-lo, inutil-mente, atacado às abertas, procuram atingi-lo pelas costas. É uma tática contra a qual épreciso que estejais prevenidos.

Como sabeis, já se combateu o Espiri-tismo por todos os meios possíveis; ataca-ram-no em nome da razão, da ciência, dareligião. Nada disso deu certo. Tentou-secobri-lo do mais acintoso ridículo e o ridículodeslizou sobre ele como a água sobre omármore. Não se obteve mais êxito com aameaça e a perseguição; se elas encontra-ram frágeis caniços, depararam também

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com robustos carvalhos que não puderamdobrar. E não conseguiram, além disso,abalar nenhuma convicção. Deveríamos en-tão supor que o inimigo já se rendeu? Não!Restam-lhe ainda dois recursos, os derradei-ros, que, esperamos, não lhes resultará me-

lhor, graças ao bom senso e à vigilância detodos os verdadeiros espíritas, que saberãose preservar dos inimigos internos comopuderam rechaçar os externos.

Não tendo podido lançar o ridículo sobreo Espiritismo,invulnerável sob a égide desua sublime moral, experimentam, destavez, colocar os espíritas em ridículo, isto é,provocar atos ridículos da parte de certosespíritas ou pseudo-espíritas, responsabili-

zando a todos pelos atos desses poucos. Oque desejam, sobretudo, é atribuir os vocá-bulos espírita, Espiritismoe médium aoscharlatães, politiqueiros, necromantes e le-dores da sorte, e não lhes será difícil encon-

trar comparsas complacentes que os aju-dem, empregando sinais místicos ou cabalís-

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ticos para justificar o que ousaram afirmarem certos jornais: que os espíritas se entre-gam às práticas da magia e da feitiçaria, eque suas reuniões se constituem em reno-vadas cenas do sabá.16 À vista de um cartazde saltimbancos, anunciando representa-

ções de médiuns americanos ou de outrasnacionalidades, como se anuncia o Hérculesdo Norte, eles esfregam as mãos excitadosde alegria e correm a proclamar sobre ostelhados que o respeitável Espiritismo está

reduzido aos palcos das feiras.Os verdadeiros Espíritas, obviamente,nunca lhes darão essa satisfação e as pes-soas de sadio raciocínio saberão sempre

16 Sabá – do hebreuschabbat; descanso religiosoque, segundo a lei de Moisés, deviam os judeusobservar no sétimo dia da semana, consagrado aDeus. A superstição, durante a Idade Média, de-generou essa festa em assembléia noturna debruxos e bruxas, reunidos sob a presidência deSatanás, no sábado, à meia-noite (N.T.).

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estabelecer diferenças entre o sério e o bur-lesco; porém, de qualquer modo, é precisoque se esteja em guarda contra todas asprovocações que podem favorecer a crítica.Em semelhante situação, é preciso evitar-seaté mesmo as aparências. Um ponto final

que dá um desmentido formal a essas ale-gações da maledicência, é o desinteresse.Que dizer de pessoas que tudo fazem semesperar retribuição, apenas por devotamen-to? Como intitulá-los charlatães se eles nada

exigem? Como alegar que vivem do Espiri-tismo, tal qual outras pessoas vivem dosseus negócios comuns? Que partido pessoalpodem, pois, tirar da fraude se, pelo contrá-rio, sua crença é um motivo para sacrifícios

e abnegações, com absoluto desprezo e in-diferença às honras e aos lucros?Eu o repito: o desinteresse moral e ma-

terial será sempre a resposta mais peremp-tória a ser dada aos detratores da doutrina.

Eis por que eles ficariam encantados se pu-dessem subtrair-lhe esse prestígio por meio

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comércio, a respeito do qual pretendofalar-vos...” Segue um longo artigo condimentado de

piadas pouco espirituosas, descrevendo umasessão que o autor assistiu e na qual se en-contra a passagem seguinte, relacionada auma senhora que esperava receber umacomunicação de sua filha:

“... E a mesa se dirigiu para a infelizmãe que se torcia em espasmos nervo-sos. Quando se refez de sua emoção,ofereceram-lhe uma cópia da mensa-gem recebida:Custo, vinte francos; e opreço não é excessivo, em se tratandodas palavras de uma filha adorada.” Se devemos crer no autor do artigo, a

sessão não se desenvolveu de maneira aexigir muito respeito e recolhimento, poisele acrescenta:

“O senhor que interrogava os Espíri-tos não me pareceu mais digno do quecomportava a situação dos interlocuto-

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res: não emprestava às suas funçõesmaior majestade do que se estivessetrinchando um pernil de carneiro na me-sa de hóspedes de Batignolles.” 17 O mais constrangedor é que tenha po-

dido dizer que viu estabelecer preços paraas manifestações. Todavia o caso aqui é delamentá-lo por julgar uma obra por sua pa-ródia. Aliás, é isso que faz a maioria doscríticos, uma vez que afirmam: eu vi!

Esses abusos, como disse, são exce-ções, e raras exceções. Se as menciono cominsistência, é porque são tais fatos que dãomais pretexto à maledicência, se é que jáde per si não constituem obra de uma cal-culada maledicência. De resto, eles não po-deriam se propagar em meio a uma imensamaioria constituída por pessoas respeitáveis

17 Batignolles– subúrbio de Paris que, ao tempo deKardec, ainda era rico de vinhedos e de caça. Aexpressão prende-se às estalagens existentes en-tre postas de muda (N.T.).

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e que compreendem a verdadeira missão doEspiritismo e as responsabilidades que eleimpõe, bem como o caráter de grave digni-dade que lhe é próprio. Para esses é, pois,um dever repelir qualquer solidariedade comos abusos que poderiam comprometê-lo e

deixar bem claro que não se fariam campe-ões de tão tristes fatos, nem diante da justi-ça, nem diante da opinião pública.

Entretanto esse não é o único escolhoque se nos revela à vista. Eu disse que osadversários têm uma outra tática para al-cançar seus fins: consiste em procurar se-mear a desunião entre os adeptos, atiçandoo fogo de pequenas paixões, de ciúmes erancores, fazendo nascer os cismas, susci-

tando causas de antagonismo e de rivalida-de entre os grupos, a fim de levá-los aconstituir diversos campos. E não creiaisque são os inimigos declarados que destaforma agem! São os pseudo-amigos da dou-

trina e, freqüentemente, aqueles em apa-rência mais calorosos. Muitas vezes, esper-

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Os espíritas não constituem nem umasociedade secreta, nem uma afiliação. Elesnão devem, pois, ter nenhum sinal secretopara mútua identificação. Eles nada ensi-nam e nada praticam que não possa serconhecido por toda a gente e não têm, por

conseqüência, nada a ocultar. Um sinal,uma senha, poderiam, ademais, ser tambémusados por falsos irmãos e o resultado éfácil de ser imaginado.

Vós tendes uma senha que é compre-endida de um ao outro extremo do mundo:é a da caridade. Esta palavra é fácil de serpronunciada e pode estar na boca de todos,mas a verdadeira caridade não pode serfalsificada. Na prática da caridade reconhe-

cereis sempre um irmão, ainda que ele nãose diga espírita, e deveis estender-lhe amão, pois, se ele não vos partilha a crença,nem por isso deixará de ser para convoscobenevolente e tolerante.

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Um sinal de reconhecimento é, ademais,de todo inútil hoje em dia, pois o Espiritismo já não se oculta. Para aquele que não tem acoragem de afirmar sua opinião, igualmenteseria inútil, pois que dele não se serviria.Quanto aos demais, eles se fazem reconhe-

cer falando em alto e bom tom, sem ne-nhum temor.

I I I

Algumas pessoas vêem no Espiritismoum perigo para as classes pouco esclareci-das que, sem poder compreendê-lo em suapura essência, poderiam desnaturar-lhe oespírito e fazê-lo degenerar em superstição.Que responder-lhes?

Isso é passível de suceder com tudoquanto julgamos de maior utilidade e sefôssemos suprimir as coisas das quais pode-

se fazer um mau uso, eu não sei bem o querestaria, a começar pela imprensa, com o

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mento, dizia-se: isto é bom para estes, istopara aqueloutros! A luz penetra sempre naoficina de trabalho, mesmo sob a choupana,à medida que o sol da inteligência se ergueno horizonte e dardeja seus raios mais in-tensos. As idéias espíritas seguem esse mo-

vimento. Elas estão no ar e não é dado aninguém contê-las. É necessário apenas di-rigir-lhes o curso.O ponto capital do Espiri-tismo é o lado moral. Eis o que é preciso –mesmo à custa de todo e qualquer esforço –

fazer compreensível e, note-se, que é assimque ele é visto, mesmo nas classes menosesclarecidas. Por esse motivo o seu efeitomoralizador já é manifesto. Eis aqui um e-xemplo, entre muitos:

Em um grupo do qual eu fazia parte,durante minha permanência em Lyon, umhomem, envergando roupas de trabalhador,ergueu-se no fundo da sala e disse:

“Senhor, há seis meses eu não acre-ditava nem em Deus, nem no diabo,

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nem que eu possuísse uma alma. Estavapersuadido de que quando morremostudo se acaba. Não temia a Deus, pois onegava; não temia as penas futuras,uma vez que, ao meu parecer, tudo fin-dava com a vida. Será bom dizer que

não orava, pois, desde a minha primeiracomunhão, não voltara a pôr os pésnuma igreja. Além disso eu era violentoe arrebatado. Para resumir, eu não a-creditava em nada, nem mesmo na jus-

tiça humana. Há seis meses assim eraeu! Foi então que me aproximei do Espi-ritismo. Durante dois meses eu lutei.Entretanto eu lia, compreendia e nãome podia furtar à evidência. Uma ver-

dadeira revolução se operou em mim.Hoje já não sou o mesmo homem. Orotodos os dias e freqüento a igreja.Quanto ao meu caráter, perguntai aosmeus amigos se eu mudei. Outrora irri-tava-me com tudo, um nada me exaspe-rava! Hoje sou tranqüilo e feliz e bendi-

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go a Deus por me haver enviado suasluzes.” Compreendeis do que é capaz um ho-

mem que chega ao ponto de não crer nemao menos na justiça humana? Seria possívelnegar-se o efeito salutar do Espiritismo so-bre esta criatura? E há milhares como ele. Ainda que iletrado, nem por isto deixou decompreender: é que o Espiritismo não éuma teoria abstrata que se dirige apenasaos sábios. Ele fala ao coração e para falara linguagem do coração não há necessidadede diplomas. Fazei-o penetrar, por esse ca-minho, na mansarda e na choupana, e elerealizará milagres.

IV

Se o Espiritismo torna os homens me-lhores e conduz os descrentes à crença emDeus, na alma e na vida futura, ele só podefazer o bem. Por que então ele tem inimigos

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e por que aqueles que tudo isso negam nãose cansam de atacá-lo?

O Espiritismo tem inimigos, como toda equalquer idéia nova os tem. Uma idéia quese estabelecesse sem oposição seria um

fato miraculoso. E ainda há mais: quantomais for falsa e absurda, menos encontraráadversários, enquanto que os terá em nú-mero tanto maior quanto mais ela for ver-dadeira, justa e útil. Esta é uma conseqüên-cia natural do estado atual da humanidade.Toda idéia nova vem, necessariamente, su-plantar uma idéia velha. Se ela é falsa, ridí-cula ou impraticável, ninguém lhe dá impor-tância, pois que, instintivamente, compre-ende-se que não tem vitalidade. Deixam-namorrer de morte natural. Se é justa e fe-cunda, ela atemoriza aqueles que, a qual-quer título, por orgulho ou interesse materi-al, estiverem interessados em manter a i-déia antiga. Estes a combaterão e com tan-to maior ardor quanto melhor perceberem o

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perigo que representa aos seus interesses.Examinai a história, a indústria, as ciências,as religiões e por toda parte encontrareis aaplicação desse princípio. Mas a históriatambém vos dirá que contra a verdade nin-guém e nada pode prevalecer. Ela se esta-

belece, queiram ou não, quando os homens já estão suficientemente maduros para acei-tá-la. Torna-se necessário então que seusadversários se acomodem, pois isto é o úni-co que lhes resta. E, coisa bizarra, muitas

vezes eles se gabam de terem sido os pri-meiros a quem ocorreu a idéia até entãocombatida.

Pode-se, de modo geral, julgar a impor-tância de uma idéia pela oposição que ela

suscita. Suponde que, em chegando a umpaís desconhecido, tomais conhecimento deque o povo ali se prepara para repelir uminimigo que intenta invadir-lhe os limitesterritoriais. Ora, se aperceberdes que são

enviados a essas fronteiras apenas quatrosoldados e um cabo, julgareis que o inimigo

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não é tão temível. Outra será, entretanto, avossa reação se virdes ser mobilizado contraele numerosos batalhões municiados comtoda a artilharia de guerra. O mesmo sepassa relativamente às idéias novas. Anun-ciai uma teoria francamente ridícula e irreal,

envolvendo os interesses maiores da socie-dade. Ninguém nem ao menos sonhará emcombatê-la! Se essa concepção, pelo con-trário, for fundamentada sobre a lógica e obom senso, se recrutar entre seus adesos

pessoas de inteligência, por ela realmenteimpressionadas, todos quantos vivem sob avelha ordem vigente dirigirá contra ela suasmais poderosas baterias. Tal é a história doEspiritismo. Os que o combatem com mais

encarniçamento não o fazem, em realidade,porque ele constitui uma idéia falsa, pois –seria o caso de se perguntar – por que dei-xam passar tantas outras sem nenhum pro-nunciamento? É que o Espiritismo os inquie-ta e atemoriza. Ora, não se teme um mos-

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quito, embora, muitas vezes, já se tenhavisto um mosquito deitar por terra um leão.

Notai a sabedoria providencial em todasas coisas: Nunca uma idéia nova, de certaimportância, se apresenta de súbito, comtoda a sua força. Ela cresce e, de pouco empouco, se infiltra nos hábitos. O mesmo o-corre ao Espiritismo, que podemos ter, sempresunção, como a idéia capital do séculoXIX. Mais tarde verificar-se-á se nos enga-namos, a começar pelo inocente fenômenodas mesas girantes. Foram elasuma criança com a qual brincariam até mesmo os seusmais rudes adversários. E, valendo-se dadiversão, ela penetrou por toda parte. En-tretanto bem depressa cresceu. Hoje é adul-

ta e ocupou oseu lugar no mundo da filoso-fia. Já não se brinca com ela, discutem-na ecombatem-na. Se fosse uma mentira, umautopia, não teria saído de suas fraldas.

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com detratores terríveis? Por que, então, oEspiritismo seria privilegiado?

Eu observaria, em seguida, que isso quevedes como um mal é, verdadeiramente,um bem. Para compreender esse fato é pre-ciso olhar, não para o presente, mas para ofuturo. A humanidade é afligida por muitosmales que a corroem e que têm sua origemno orgulho e no egoísmo. Esperais curá-lainstantaneamente? Crede que essas pai-xões, que soberanamente reinam sobre e-las, se deixarão destronar facilmente? Não!Elas ocultam a cabeça para morder aquelesque a vêm perturbar em sua tranqüilidade.Tal é, não duvideis, a causa de certas opo-sições. A moral do Espiritismo não convém a

toda gente. Não ousando atacá-la, atacam asua fonte.O Espiritismo realizou, indubitavelmen-

te, milagres de reforma moral, mas suporque essa transformação pode ser súbita euniversal seria desconhecer a humanidade.

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Entre os próprios espíritas há aqueles que,como eu disse, só vêem do Espiritismo asuperfície, que não compreendem o seu fimessencial. Seja por incapacidade de julga-mento, seja por orgulho, dele aceitam ape-nas o que os lisonjeia e recusam o que os

humilha. Não é, pois, de admirar que algunsespíritas o aceitem de modo esdrúxulo. Issopode ser desconfortante no presente, porémdigo que não terá maiores conseqüências nofuturo.

Perguntais por que Deus não impede oserros. Perguntai-Lhe por que não criou oshomens perfeitos, de imediato, ao invés deconfiar-lhes o trabalho e o mérito de se a-perfeiçoarem; por que não fez a criança já

nascer adulta, dotada de raciocínio, esclare-cida, ao invés de deixá-la adquirir a experi-ência pela vivência; por que a árvore só a-tinge o seu porte depois de longos anos decrescimento e o fruto só amadurece quando

a estação propícia é chegada! Perguntai-Lhepor que o Cristianismo, que é Sua lei e Sua

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obra, sofreu tantas flutuações desde o seunascimento; por que tem permitido que oshomens se sirvam do Seu nome sagradopara cometer tantos abusos, tantos crimes ederramar tanto sangue! Nada se faz de ummomento para o outro na Natureza; tudo

caminha gradualmente, conforme as imutá-veis leis do Criador, e essas leis conduzemsempre ao objetivo que Ele propôs.

Ora, a humanidadena Terra é ainda jo-vem, apesar da pretensão dos seus doutos.O Espiritismo, também ele, apenas acaba denascer. Ele cresce depressa, como vedes, edesfruta de uma excelente saúde. Mas épreciso dar-lhe tempo para atingir a idadeviril. Eu vos disse ainda que as afrontas que

ele sofre, e que lamentais, têm seu ladobom. São os próprios Espíritos que nos vêmexplicar essa questão. Eis uma passagem decerta comunicação obtida a tal respeito:

“Os espíritas esclarecidos devem sefelicitar com o fato de as falsas e con-

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traditórias idéias se revelarem neste pe-ríodo inicial, pois que são combatidas,arruínam-se e se esgotam no decorrerda infância do Espiritismo. Uma vezpurgado de quanto haja de indesejável,ele cintilará com um brilho mais vivo e

caminhará com um passo mais firme atéque tenha alcançado o seu pleno desen-volvimento.”

A essa judiciosa apreciação, acrescentoque é assim como uma criança que fica su-

jeita aos incidentes da infância até que tudose equilibra. Mas para sopesar o efeito des-sas dissidências, basta observar o quanto sepassa. Em que se apóiam elas? Em opiniõesindividuais que podem reunir algumas pes-

soas, pois não há idéia, por mais absurdaque seja, que não encontre participantes.Todavia julga-se de seu valor pela prepon-derância que ela adquire. Ora, onde vedesessas idéias de que falamos empolgando,

ainda que em termos, as simpatias? Ondese constituem em escola, ameaçando, pelo

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número de aderentes, a bandeira que ado-tastes? Em parte alguma! Pelo contrário, asidéias divergentes assistem incessantemen-te à evasão dos seus participantes, que par-tem para aderir à unidade que se faz lei pa-ra a imensa maioria, se é que não o faz pa-

ra a totalidade. De todos os sistemas quesurgiram quando da origem das manifesta-ções, quantos permanecem de pé? Entreesses sistemas um há que, em certa cidade,adquiriu, há alguns anos, grandes propor-

ções. Mas contai seus aderentes nos diasque correm! Acreditais que se fosse verda-deiro não teria crescido e absorvido seusconcorrentes? Em semelhante caso, a cons-tatação por número é um índice que não

nos pode enganar. Quanto a mim, eu vosdeclaro que, se a doutrina da qual me fizpropagador fosse repelida com unanimida-de; se ao invés de crescer eu a tivesse vistodeclinar; se uma teoria mais racional hou-vesse conquistado maior número de simpa-tias, demonstrando, assim, de modo pe-

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remptório, o erro do Espiritismo, eu veriacomo uma orgulhosa puerilidade pôr-me àcabeça de uma idéia falsa, uma vez que,antes de tudo, a verdade não pode ser umaquestão pessoal nem de amor-próprio. E euseria o primeiro a dizer: “Irmãos, eis a luz,

segui-a; ofereço-vos o meu próprio exem-plo!” De resto, o erro leva consigo, quase

sempre, o seu remédio. E o seu reino, poroutro lado, nunca é eterno. Cedo ou tarde,enceguecido por uns poucos sucessos efê-meros, faz-se vítima de uma espécie de ver-tigem e curva-se ante as aberrações queprecipitam sua queda. Deplorais as excen-tricidades de certos escritos publicados sob

a cobertura do Espiritismo. Pelo contrário,devereis abençoá-los, uma vez que é poresses excessos mesmo que o erro se perde.O que é que vos choca nesses escritos? Oque é que vos ocasiona repulsa e, muitas

vezes vos impede de lê-los até o fim? Exa-tamente o que fere, violentamente, o vosso

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bom senso! Se a falsidade das idéias nãofosse bastante evidente, bastante chocante,talvez a elas mesmas vos deixaríeis prender,enquanto que os erros tão manifestos, fe-rindo-vos, constituíram-se em contravene-nos.

Esses erros provêm quase sempre deEspíritos levianos, sistemáticos ou pseudo-sábios, que se comprazem vendo editadassuas fantasias e utopias e isso por homensque conseguiram enlear a ponto de fazê-losaceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhesdebitam, oferecendo alguns poucos grãosde boa qualidade em meio ao joio. Mas co-mo esses Espíritos não possuem nem a ver-dadeira cultura, nem a verdadeira sabedori-

a, não conseguem manter por muito tempoo seu papel e a ignorância os trai. Deuspermite que deixem escapar em suas comu-nicações erros tão grosseiros, coisas tãoabsurdas e mesmo tão ridículas, idéias nas

quais as noções científicas mais vulgaressão demonstradas com tamanha falsidade

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que, ao mesmo tempo, destroem o sistemae o livro que o contém.

Sem dúvida alguma seria preferível quesó fossem publicados bons livros! Mas, em-bora tudo se passe de outra forma, é preci-so que não temais, para o futuro, a influên-cia dessas obras. Elas podem, momentane-amente, acender um fogo de palha, masquando não se apóiam em uma lógica rigo-rosa, vede, ao fim de alguns anos – muitasvezes de alguns poucos meses –, a que sereduziram. Para tais casos as livrarias sãoum termômetro infalível.

Isso me leva a dizer algumas palavrassobre as comunicações mediúnicas.

A sua publicação tanto pode ser útil, sefeita com discernimento, quanto perniciosa,em caso contrário. No número dessas co-municações algumas há que, por muito bo-as que sejam, não interessam senão àque-les que as recebem e que pareceriam, aosolhos dos leitores estrangeiros, simples ba-

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nalidades. Outras apenas têm interesse nascircunstâncias em que são transmitidas.Sem o conhecimento dos fatos a que se re-lacionam, surgem insignificantes aos olhosdo observador. Todo esse inconvenienteestaria circunscrito apenas aos bolsos dos

editores; todavia, ao lado disso, algumas háque são evidentemente nocivas, tanto porsua forma quanto por seu conteúdo e que,sob nomes respeitáveis, logicamente apócri-fos, revelam um contexto absurdo ou trivial,

o que, naturalmente, se presta ao ridículo eoferece armas à crítica. Tudo se torna aindapior quando, sob o manto desses mesmosnomes, formulam-se sistemas excêntricosou grosseiras heresias científicas. Não have-

ria nenhum inconveniente em publicar-seessas espécies de comunicações, se as fi-zessem acompanhar de comentários, sejapara refutar os erros, seja para lembrar queconstituem a expressão de uma opinião in-dividual, da qual não se assume absoluta-mente a responsabilidade. Assim, talvez re-

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velassem um lado instrutivo, pondo a des-coberto a que aberrações de idéias podemse entregar certos Espíritos. Mas publicá-laspura e simplesmente, apresentá-las comoexpressão da verdade e garantir a autenti-cidade das assinaturas, que o bom senso

não pode admitir, nisso está o inconvenien-te!Uma vez que os Espíritos possuem livre

arbítrio e uma opinião sobre os homens e ascoisas, compreender-se-á que a prudência ea conveniência mandam afastar esses peri-gos. No interesse da doutrina convém, pois,fazer uma escolha muito severa em seme-lhantes casos e pôr de lado, com cuidado,tudo quanto pode, por uma causa qualquer,

produzir uma má impressão. É assim que omédium, conformando-se a essa regra, po-derá apresentar uma compilação instrutiva,capaz de atrair as atenções e ser lida cominteresse; mas é também assim que,

publicando tudo quanto recebe, semmétodo e sem discernimento, será capaz deapresentar muitos volumes detestáveis, cujo

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tar muitos volumes detestáveis, cujo incon-veniente menor será o de não serem lidos.

É preciso que se saiba que o Espiritismosério se faz patrono, com alegria e presteza,de toda obra realizada com critério, qual-quer que seja o país de onde provém, masque, igualmente, repudia todas as publica-ções excêntricas. Todos os espíritas que, decoração, vigiam para que a doutrina nãoseja comprometida devem, pois, denunciá-las sem hesitação, tanto mais porque, sealgumas delas são produtos de boa-fé, ou-tras constituem trabalho dos próprios inimi-gos do Espiritismo, que visam desacreditá-loe poder motivar acusações contra ele. Eispor que, repito, é necessário que saibamos

distinguir aquilo que a Doutrina Espírita a-ceita daquilo que ela repudia.

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VII

Considerando-se os sábios ensinos mi-nistrados pelos Espíritos e o grande númerode pessoas que são conduzidas a Deus porseus conselhos, como é possível acreditarque tudo isso seja obra do demônio?

O demônio, nesse caso, revela-se bemdesastrado, pois que lhe seria muito maisfácil arrebatar aqueles que não crêem em

Deus, nem na existência da alma, nem navida futura e contra os quais poderia, con-seqüentemente, fazer tudo quanto lhe ocor-resse. Embora batizado, quem pode estarmais distante da igreja do que aquele que

em nada acredita? O demônio não precisa,pois, lançar mão de nenhum expedientepara atraí-lo e seria muito tolo se, com seuspróprios recursos, o aproximasse de Deus,da prece e de todas as convicções que po-dem afastar alguém da prática do mal, eisso pelo simples prazer de recapturá-lo de-

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pois. Essa doutrina oferece uma triste idéiado diabo, representado sempre como tãohábil, e o torna, em verdade, bem poucotemível. O homem da fábulaO Pescador e oPeixinholembra-lhe o espírito. Que se diriase alguém que, tendo um pássaro preso em

uma gaiola, o soltasse com a intenção deprendê-lo de novo?Todavia temos uma argumentação ain-

da mais séria. Se apenas o demônio pode semanifestar, ele o faz com ou sem a permis-são de Deus. Se o faz sem essa permissão,ele é mais poderoso do que Deus. Se tem apermissão, isto significa que Deus não ébom, uma vez que oferece ao Espírito domal, com exclusão de todos os outros, o

poder de seduzir os homens, sem concederaos bons Espíritos virem combater sua máinfluência. Este não seria um ato nem debondade nem de justiça. E a coisa se torna-ria ainda pior se, de acordo com a opinião

expressa por certas pessoas, a sorte doshomens estivesse irrevogavelmente fixada

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após a morte, pois, então, Deus precipitariapropositadamente e em conhecimento decausa suas criaturas nos tormentos eternos,fazendo com que se lhes preparassem ar-madilhas. Ora, Deus só pode ser concebidono infinito de seus atributos: restringir ou

diminuir um único seria a Sua negação, umavez que isso implicaria a possibilidade de sermais perfeito. Essa doutrina, pois, refuta-sepor si mesma. Por outro lado, encontra pou-co crédito, mesmo entre os indiferentes,

para merecer qualquer consideração. Bemcedo estará esquecida e aqueles que a pre-conizam abandoná-la-ão, espontaneamente,quando verificarem que ela lhes causa maisdano do que benefícios.

VIII

Que pensar da proibição imposta porMoisés aos hebreus, no sentido de não se

evocarem as almas dos mortos? Que inter-

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pretação poderíamos tirar do fato relativa-mente às evocações atuais?

A primeira conseqüência a tirar-se dessaproibição é a de que é possível evocar asalmas dos mortos e estabelecer relações

com elas. A proibição de se fazer uma de-terminada coisa implica a possibilidade defazê-la. Por exemplo, será necessário decre-tar-se uma lei proibindo a subida à lua?

É realmente curioso ver-se os inimigos

do Espiritismo reivindicar ao passado o que julgam servir-lhes e repudiarem esse mes-mo passado todas as vezes em que ele nãolhes convém. Se invocam a legislação deMoisés para esta circunstância, por que não

reclamam a sua aplicação de modo integral?Duvido, entretanto, que algum entre elesesteja tentado a fazer reviver o código mo-saico, sobretudo o penal, draconiano, tãopródigo em penas de morte. Dar-se-á entãoque, ao entender deles, Moisés procedeucorretamente em certas circunstâncias e

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erradamente em outras? Mas, nesse caso,por que estaria certo no que concerne àsevocações? É que, dizem, Moisés fez leisapropriadas ao seu tempo e ao povo igno-rante e indócil que conduzia. Mas essas leis,salutares naquele tempo, já não se enqua-

dram aos nossos costumes e à nossa cultu-ra. Ora, é precisamente isso que dizemosem relação à proibição de evocar os espíri-tos. Entretanto o fato, em sua época, é jus-tificável, como podemos verificar.

Os hebreus, no deserto, lamentavam vi-vamente a perda das doçuras do Egito eesta foi a causa das revoltas incessantesque Moisés, algumas vezes, não pôde re-primir senão pelo extermínio. Daí a excessi-

va severidade das leis. Em meio a esse es-tado de coisas, obstinava-se ele em fazercom que seu povo rompesse com os usos ecostumes que lhe pudessem recordar o Egi-to. Ora, uma das práticas que os hebreus

conservavam era a das evocações, em usonaquele país, desde tempos imemoriais. E

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isso não é tudo. Esse uso, que parecia serbem compreendido e sabiamente praticadona intimidade de pequeno núcleo de inicia-dos nos mistérios, degenerara em abuso esuperstição entre o povo, que nele via ape-nas uma arte de adivinhação, sem dúvida

explorada pelos charlatães, como hoje emdia o fazem os ledores da sorte. O povo he-breu, ignorante e grosseiro, adquirira-o sobesse aspecto abusivo. Defendendo-o, Moi-sés realizou um ato de boa política e sabe-

doria. Hoje em dia as coisas já não são asmesmas e o que podia ser outrora um in-conveniente já não o é no estado atual dasociedade. Todavia nós também nos levan-tamos contra o abuso que se poderia fazer

das relações com o além-túmulo e afirma-mos ser um sacrilégio, não o fato de estabe-lecerem-se relações com as almas dos quepartiram, mas fazê-lo com leviandade, demaneira irreverente, ou por especulação. Eispor que o verdadeiro Espiritismo repudiatudo quanto pode roubar a essas relações o

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seu caráter grave e religioso, pois que estaseria a verdadeira profanação. Além disso,se as almas podem se manifestar, elas ofazem com a permissão de Deus, e não hámal em se fazer o que Deus permite. O mal,nesta como em outras coisas, está no abuso

e no mau emprego.IX

Como podemos explicar esta passagemdo Evangelho: “Haverá falsos profetas efalsos Cristos que realizarão grandes prodí-gios e coisas espantosas para seduzir, sepossível, os próprios eleitos”? Os detratoresfazem dessa passagem uma arma contra osespíritas e os médiuns.

Se fôssemos recolher nos Evangelhostodas as passagens que se constituem emcondenação para os adversários do Espiri-

tismo, delas faríamos um volume. É, pois,quando menos, imprudente quem levanta

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uma questão que lhe pode cair sobre a ca-beça, sobretudo quando todas as vantagensestão do lado do Espiritismo.

Para começar, nem os espíritas nem osmédiuns se fazem passar por Cristos ou pro-fetas. Declaram, pelo contrário, que nãopodem fazer milagres que impressionem ossentidos e que todos os fenômenos tangí-veis que se produzem por sua influência sãoefeitos que entram nas leis da Natureza, eisso não tem caráter de milagre. Assim,pois, se quisessem tirar partido dos privilé-gios dos profetas, não poriam empenho emse privar do mais poderoso prestígio: o domde fazer milagres. Oferecendo a explicaçãodesses fenômenos, que sem isso poderiam

passar por sobrenaturais aos olhos da mul-tidão, cortam pela raiz a falsa ambição que,em seu proveito, poderiam explorar.

Supondo que um homem se atribui aqualidade de profeta, não será fazendo oque fazem os médiuns que dará prova do

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seu dom. E, nesse sentido, nenhum espíritaesclarecido se deixará engodar. O médiumHome, por exemplo, se fosse um charlatãoe um ambicioso, poderia dar-se ares de en-viado celeste. Qual é, afinal, a característicade um profeta: O verdadeiro profeta é um

enviado de Deus para advertir e esclarecera humanidade. Ora, um enviado de Deus sópode ser um Espírito superior e, como ho-mem, um homem de bem. Será reconhecidopor seus atos, marcados pelo sinete da su-

perioridade e pelas notáveis realizações quelevará a cabopelo bem e para o bem, e querevelarão sua missão, sobretudo às gera-ções futuras, pois que, conduzido muitasvezes inconscientemente por uma força su-

perior, ele quase sempre desconhece-se a simesmo. Não é ele, pois, que se atribui essaqualidade, são os homens que o reconhece-rão como tal, as mais das vezes após a suamorte.

Se, pois, um homem quiser fazer-sepassar pela encarnação de tal ou tal profe-

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ta, ele deverá dar a prova superlativa desuas qualidades morais, que não devem ser,em um mínimo, inferiores às daquele cujonome se atribui. Ora, tal papel não é fácilde ser sustentado e, quase sempre, revela-se pouco aprazível, uma vez que pode im-

por penosas privações e duros sacrifícios,não raro o da própria vida. Há, neste mes-mo momento, espalhados pelo mundo, vá-rios pretensos Elias, Jeremias, Ezequiéis eoutros que, entretanto, dificilmente se aco-

modariam à vida do deserto e julgam muitocômodo se manter às expensas de suas in-gênuas vítimas, graças ao prestígio do nomeemprestado. Há mesmo vários Cristos, comohá vários Luís XVII, aos quais falta apenas

isto: caridade, abnegação, humildade, supe-rioridade moral, numa palavra, todas as vir-tudes do Cristo. Se, como Ele, não tivessemonde repousar a cabeça mas, como pers-pectiva, apenas uma cruz, bem depressaabdicariam de uma realeza tão pouco lucra-tiva neste mundo. Pela obra reconhece-se o

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obreiro. Aqueles que se querem colocar a-cima da humanidade devem disso se mos-trar dignos, se não quiserem ter o destinodo galo que se enfeitou com as penas dopavão, ou do asno que vestiu a pele do le-ão. Uma queda humilhante os espera neste

mundo e um dissabor mais terrível no outro,pois é ali que o que se eleva será humilha-do.

Supondo, entretanto, que um homemdotado de uma grande força mediúnica oumagnética queira se atribuir o título de pro-feta ou de Cristo eque realize prodígiosdignos de seduzir mesmo os eleitos, isto é,alguns homens bons e de boa-fé, ele terá aseu favor as aparências, mas terá também

virtudes?E as virtudes constituem a pedra de to-que.

O Espiritismo também afirma: precavei-vos dos falsos profetas! E toma a si a tarefade arrancar-lhes a máscara.

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O Espiritismo repudia todas as mistifica-ções e não cobre com o seu manto nenhumabuso que se cometa em seu nome.

X

Sobre a form ação de grupos e socieda-des espíritas.

Em várias localidades solicitaram-meconselhos para a formação de grupos espíri-tas. Tenho pouco a dizer a esse respeito,além do que está contido, como instruções,em O Livro dos Médiuns. Acrescentarei ape-nas umas poucas palavras.

A primeira condição é, sem dúvida,constituir um núcleo de pessoas sérias, pormais restrito seja o seu número. Cinco ouseis pessoas, se são esclarecidas, sinceras,imbuídas pelas verdades da doutrina e uni-das pela mesma intenção, valem cem vezesmais do que uma multidão de curiosos eindiferentes. Em seguida devem os seus

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membros fundadores estabelecer um regu-lamento que se tornará em lei para os no-vos aderentes.

Esse regulamento é muito simples e nãocomporta senão medidas de disciplina inte-rior, pois que tão somente as sociedadesnumerosas e regularmente constituídas exi-girão o estabelecimento de particularidades.Cada grupo pode, pois, redigir esse regula-mento como desejar. Todavia, para garantiruniformidade e facilidade, ofereço, nas últi-mas páginas desta obra, um modelo quepoderá ser modificado de acordo com ascircunstâncias e as necessidades locais. Emtodo o caso o objetivo essencial propostodeve ser o recolhimento, a manutenção da

ordem mais perfeita e o afastamento detoda e qualquer pessoa que não estiver a-nimada de intenções sérias e possa setransformar em motivo de perturbação. Eisa razão da severidade imposta aos novos

elementos a serem admitidos. Não creiaisque essa severidade possa ser nociva à pro-

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pagação do Espiritismo. Bem pelo contrário! As reuniões sérias são aquelas que fazemmais prosélitos. As reuniões frívolas e quenão são conduzidas com ordem e dignidade,nas quais o primeiro curioso que aparecepode vir representar suas facécias, não ins-

piram nem atenção nem respeito e delas osincrédulos saem menos convencidos do queao entrar. Estas reuniões fazem a alegriados inimigos do Espiritismo, mas as outrasse constituem no seu pesadelo e eu conhe-

ço gente que tudo daria para ver multiplica-das as primeiras com total desaparecimentodas outras. Felizmente, é o contrário queocorre. Urge considerar ainda que o desejode ser admitido nas reuniões sérias aumen-

ta em razão das dificuldades antepostas.Quanto à difusão doutrinária, ela se proces-sa bem menos em razão da admissão deassistentes – que, via de regra, uma sessãoou duas não podem convencer – do quepelo estudo preliminar e pela conduta dosmembros fora das reuniões.

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Excluir as mulheres seria injuriar suacapacidade de julgamento que, verdade se- ja dita e sem intenção de lisonja, muitasvezes leva vantagem sobre a de muitos ho-mens, entre os quais incluiríamos até mes-mo certos críticos intelectualizados. A pre-

sença de senhoras exige uma observaçãomais rigorosa das leis da urbanidade e mo-difica uma certa displicência comum às reu-niões compostas apenas de cavalheiros. A-lém disso, por que privá-las da influência

moralizadora do Espiritismo? A mulher sin-ceramente espírita só poderá ser uma boaesposa, uma boa filha, uma boa mãe. Porforça de sua própria posição ela tem, muitasvezes, mais necessidade do que qualquer

outra pessoa, das sublimes consolações doEspiritismo, que a tornarão mais forte emais resignada ante as provações da vida.Não se sabe, de resto, que os Espíritos sótêm sexo para a encarnação? Se a igualda-de dos direitos da mulher deve ser reconhe-cida, com maior razão deverá ser assegura-

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que a maioria dos grupos espíritas goza emrazão de seu caráter pacífico, exclusivamen-te moral e, sobretudo, tendo-se em vistaque não constituem associações ou afilia-ções. Em qualquer circunstância, todavia, osespíritas devem ser os primeiros a dar e-

xemplo de submissão às leis, isso no casode ser necessária a sua aplicação.Há algum tempo constituíram-se alguns

grupos, de especial caráter, e cuja multipli-cação entusiasticamente desejamos encora-

jar. São os denominadosgrupos de ensino.Neles ocupam-se pouco ou nada das mani-festações. Toda a atenção se volta para aleitura e explicação deO Livro dos Espíritos,O Livro dos Médiunse artigos da Revista

Espírita. Algumas pessoas devotadas reú-nem com esse objetivo um certo número deouvintes, suprindo para eles as dificuldadesda leitura ou do estudo isolado. Aplaudimosde todo o coração essa iniciativa que, espe-

ramos, terá imitadores e não poderá, em sedesenvolvendo, deixar de produzir os me-

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lhores resultados. Para essa atividade nãose tem necessidade de ser orador ou pro-fessor; trata-se de uma leitura, como emfamília, seguida de explicações despretensi-osas do ponto de vista da eloqüência, masque estejam ao alcance de toda a gente.

Sem fazer disso norma obrigatória, mui-tos grupos têm por hábito iniciar as sessõespela leitura de algumas passagens deO Li-vro dos Espíritosou O Livro dos Médiuns.Seríamos felizes vendo essa prática adotadade modo geral, uma vez que o seu resultadoé despertar as atenções para princípios quepoderiam ser mal compreendidos ou passardesapercebidos. Nesse caso é útil que osdirigentes, ou presidentes dos grupos, pre-

parem antecipadamente as passagens quedeverão constituir o objeto de leitura, a fimde harmonizar essa escolha às circunstân-cias.

Não deve causar estranheza ou incom-preensão que eu indique essas obras como

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básicas para o estudo, uma vez que são asúnicas em que a ciência espírita se encontraanalisada em todas as suas partes e de ma-neira metódica. Todavia julgar-me-ia malquem me supusesse exclusivo a ponto derecusar outras obras, entre as quais muitas

merecem toda a simpatia dos bons espíri-tos. Em um estudo completo, ademais, épreciso examinar-se tudo, mesmo aquiloque é mau. Julgo também muito útil a leitu-ra das críticas, para delas fazer ressaltar o

vazio e a ausência de lógica; nelas nunca háuma única assertiva capaz de abalar a fé deum espírita sincero, pelo contrário, podemapenas fortalecê-la, pois que muitas vezes

já a fizeram nascer no coração de incrédulos

que se deram ao trabalho de compará-las.O mesmo se pode dizer de certas obrasque, se bem que escritas com uma finalida-de digna, nem por isso deixam de contererros manifestos ou excentricidades que ésempre preciso pôr a descoberto.

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Eis aqui um outro hábito, cuja adoçãonos parece extremamente útil: é essencialque cada grupo recolha e passe a limpo ascomunicações recebidas, a fim de, com faci-lidade, a elas recorrer em caso de necessi-dade. Os Espíritos que vêem seus ensina-

mentos relegados ao esquecimento bemcedo abandonam o grupo, fatigados. É tam-bém muito útil fazer-se, à parte, uma sele-ção especial, bem redigida e clara, das co-municações mais belas e instrutivas e reler

algumas em cada sessão, a fim de que de-las se tire proveito.

XI

Sobre o uso de práticas exteriores decultos nos grupos.

Freqüentes vezes me tem sido indagadose é útil começar as sessões com preces eatos exteriores de culto religioso. A resposta

não é apenas minha, mas também dos Espí-ritos que trataram desse assunto.

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É, sem dúvida, não apenas útil, porémnecessário rogar, através de uma invocaçãoespecial, por uma espécie de prece, o con-curso dos bons Espíritos. Essa prática pre-dispõe ao recolhimento, condição especial atoda reunião séria. O mesmo não se dá

quanto às práticas exteriores de culto, atra-vés das quais certos grupos crêem deverabrir suas sessões e que têm mais de uminconveniente, apesar da boa intenção comque são sugeridas.

Tudo nas reuniões espíritas deve sepassar religiosamente, isto é, com gravida-de, respeito e recolhimento. Mas é precisonão esquecer que o Espiritismo se dirige atodos os cultos. Por conseguinte, ele não

deve adotar as formalidades de nenhum emparticular. Seus inimigos já foram muitolonge, tentando apresentá-lo como umaseita nova, buscando um pretexto paracombatê-lo. É preciso, pois, não fortalecer

essa opinião pelo emprego de rituais dosquais não deixariam de tirar partido, para

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dizer que as assembléias espíritas são reu-niões de protestantes, de cismáticos, etc..Seria uma leviandade supor que essas fór-mulas são de natureza a acomodar certosantagonistas. O Espiritismo, chamando a sios homens de todas as crenças, para uni-los

sob o manto da caridade e da fraternidade,habituando-os a se olharem como irmãos,qualquer que seja sua maneira de adorar aDeus, não deve melindrar as convicções deninguém pelo emprego de sinais exteriores

de qualquer culto.São poucas as reuniões espíritas, pormenores que sejam os grupos, que, sobre-tudo na França, não tenham membros ouassistentes pertencentes a diferentes religi-

ões. Se o Espiritismo se colocasse aberta-mente na área de uma delas, afastaria asoutras. Ora, como há espíritas em todas,assistiríamos à formação de grupos católi-cos, judeus ou protestantes, assim perpetu-

ando o antagonismo religioso que é missãodo Espiritismo abolir.

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Essa é, também, uma das razões pelasquais deve-se abster, nas reuniões, de dis-cutir dogmas particulares, o que, necessari-amente, melindraria certas consciências. Asquestões morais, entretanto, são de todasas religiões e de todos os países. O Espiri-

tismo é um terreno neutro sobre o qual to-das as opiniões religiosas se podem encon-trar e dar-se as mãos. Ora, a desunião po-deria nascer da controvérsia. Não esqueçaisde que a desunião é um dos meios através

dos quais os inimigos do Espiritismo buscamatacá-lo. É com esse fim que eles induzemcertos grupos a se ocuparem de questõesirritantes ou comprometedoras, sob o pre-texto astucioso de que não se deve colocar

a luz sob o alqueire. Não vos deixeis pren-der nessa armadilha! Sejam os dirigentes degrupos firmes na recusa de todas as suges-tões desse gênero, se não quiserem passarpor cúmplices dessas maquinações.

O emprego dos aparatos exteriores doculto teria idêntico resultado: uma cisão en-

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tre os adeptos. Uns terminariam por acharque não são devidamente empregados, ou-tros, pelo contrário, que o são em excesso.Para evitar esse inconveniente, tão grave,aconselhamos a abstenção de qualquer pre-ce litúrgica, sem exceção mesmo da Oração

Dominical,18

por mais bela que seja. Como,para fazer parte de um grupo espírita, nãose exige que ninguém abjure sua religião,permita-se que cada um faça a seu bel pra-zer e mentalmente, a prece que julgar a

propósito. O importante é que não haja na-da de ostensivo e, sobretudo, nada de ofici-al. O mesmo se pode dizer com relação aosinal da cruz, ao hábito de se colocar de

joelhos, etc.. Sem essa linha de conduta

18 O critério de Kardec faz recordar publicaçõesfeitas após o último Congresso Internacional deEspiritismo, realizado em Copenhague, no qualrepresentantes do Oriente indagavam por que sefaziam menções tão constantes ao Cristo, rele-gando ao esquecimento as figuras de seus líderesreligiosos, tais como Buda, Maomé, etc. (N.T.).

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neutra não se poderia impedir, por exemplo,que um muçulmano, integrante de um gru-po espírita, se prosterne e coloque a facecontra a terra, recitando em voz alta suafórmula sacramental: “Só há um Deus eMaomé é o seu profeta!”

O inconveniente não existe quando aspreces, feitas em intenção de qualquer pes-soa, são independentes de todo e qualquerculto particular. Dito tudo isso, creio supér-fluo salientar o quanto haveria de ridículoem fazer-se toda uma assistência repetir emcoro uma prece ou fórmula qualquer, comoalguém me afirmou já ter visto ser pratica-do.

Deve ficar bem entendido que o que a-caba de ser dito não se aplica senão aosgrupos e sociedades constituídos de pessoasestranhas umas às outras, porém nunca àsreuniões íntimas de família, nas quais, natu-ralmente, cada pessoa é livre de agir comobem entender, uma vez que, em tal ambien-

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te, não se corre o risco de melindrar a nin-guém.

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Projeto de Regulamento

para o uso de Grupos epequenas Sociedades Espíritas

Proposto pela Sociedade Central de Pa-

ris, tendoem vista manter a unidade de princí-pios e de ação.

Os abaixo assinados, tendo resolvidoconstituir um grupo ou sociedade espírita nacidade de ..., sob o título de grupo ou soci-edade ..., combinaram as disposições se-guintes, que deverão ser aceitas por todapessoa que, ulteriormente, dela quiser fazerparte.1. O objetivo da sociedade é o estudo da

ciência espírita, principalmente no quediz respeito à sua aplicação à moral eao conhecimento do mundo invisível.

As questões políticas e de economia

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social ficam proibidas, bem assim ascontrovérsias religiosas.

2. A sociedade declara aderir aos princí-pios formulados emO Livro dos Espíri-tos e em O Livro dos Médiuns.19

Ela se coloca sob a proteção do Espíri-to de ..., que escolhe como seu guia epresidente espiritual.Ela toma por divisa:Fora da caridade não há salvação. Fora da caridade não há verdadei-ro espírita.

3. a) O número de membros titulares dasociedade fica fixado em ... (ou éilimitado).

19 Note-se que Viagem Espírita em 1862foi origina-riamente editada antes da publicação deO Evan-gelho Segundo o Espiritismo. Daí a sua não cita-ção ao longo da presente obra (N.T.).

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b) Para ser admitido como membroda sociedade o candidato precisater dado provas suficientes de co-nhecimento acerca do Espiritismoe de sua simpatia para com essadoutrina.

c) A sociedade determinará a nature-za e a extensão das provas e dasgarantias a serem oferecidas, bemassim a forma de apresentação ede admissão.

d) Toda pessoa que preencha ascondições exigidas pode ser admi-tida sem distinção de culto ou na-cionalidade.

e) A sociedade exclui quem quer quepossa trazer elementos de pertur-bação ao seio das reuniões, porqualquer causa que seja, ocasio-nando assim perda de tempo emdiscussões inúteis.

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f) Será redigida uma relação de to-dos os membros, com menção aseus endereços, profissão e datade admissão.

4. Todos os membros devem-se recipro-camente benevolência e cortesia: emtodas as circunstâncias colocarão o in-teresse geral acima das questões decaráter pessoal ou de amor-próprio eagirão, uns para com os outros, se-gundo os princípios da caridade.

5. a) Quando o grupo for julgado muitonumeroso ou as circunstâncias as-sim o tornarem, poderá fracionar-se em outros menores, conformeas necessidades locais.

b) Os diversos grupos ou sociedadesde uma mesma cidade, constituí-dos espontaneamente ou nascidosde um núcleo comum, gerindo-sepelos mesmos princípios e traba-lhando para um mesmo fim, de-

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vem manter e alimentar laços desimpatia e fraternidade mutua-mente e, em conseqüência disso,evitar todas as causas de diver-gência.Nota: Em caso de dissidência, a-quele que crer estar com a razãodeverá prová-lo por um espírito demaior caridade e maior benevolên-cia. O lado errado será, evidente-mente, aquele que denegrir o ou-tro e atirar-lhe a pedra.

6. a) A sociedade se reunirá das ... às... horas. Será presidida por quemfor designado e pelo tempo queestiver previsto.

b) As sessões das ... serão reserva-das apenas aos membros da soci-edade, salvo exceção, se isso o-correr.

c) Às demais sessões poderão seradmitidos assistentes estranhos,

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se isso for julgado oportuno. Aadmissão de visitantes estará su-bordinada às condições que a so-ciedade fixará. Não obstante elarecusará de maneira absoluta todae qualquer pessoa que estiver

sendo atraída por simples curiosi-dade e não tiver nenhuma noçãoprévia da Doutrina Espírita.

7. Os assistentes ou visitantes estranhosdeverão ser apresentados por um dosmembros do grupo, que por ele seresponsabilizará. Toda e qualquer pes-soa desconhecida que se recusar dar-se a conhecer deverá, rigorosamente,sofrer interdição.

As sessões nunca deverão ser públicas.Isto quer dizer que em nenhum casoas portas poderão estar abertas aoprimeiro que apareça.

8. Tendo em vista que o Espiritismo visaa união fraternal de todas as seitas,

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sob a bandeira da verdade, e conside-rando que a sociedade admitirá mem-bros ou assistentes sem distinção decrença, ficam proibidas, nas reuniões,fórmulas de preces ou sinais litúrgicosquaisquer, próprios a um culto especi-

al, cabendo a cada pessoa fazer emparticular aquilo que a consciência lheprescrever.Nota: Tudo nas sessões deve ser feitoreligiosamente, porém nada deverádar-lhe o caráter de reuniões de seitasreligiosas.

9. A ordem dos trabalhos, no decorrerdas sessões, está fixada como se se-gue, salvo as modificações ditadas pe-las circunstâncias.

10. Todas as comunicações recebidas nasociedade são de sua propriedade eela pode delas dispor. Serão transcritas

e conservadas para serem consultadasde acordo com as necessidades. Os

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médiuns, através dos quais tiverem si-do transmitidas, poderão guardar delasuma cópia.Será feita uma coleção especial dascomunicações mais instrutivas, cuida-dosamente copiadas em um livro parti-cular, constituindo espécie de guia ouagenda moral da sociedade, e cuja lei-tura será feita de tempos em tempos.

11. O presidente interditará a leitura detoda comunicação que tratar de assun-tos dos quais a sociedade não se ocu-par.

12. a) O silêncio e o recolhimento devemser observados durante as ses-

sões. Ficam proibidas as discus-sões fúteis, de interesse pessoal,de pura curiosidade, feitas com aintenção de submeter os Espíritosà prova, bem assim aquelas que

não tiverem um fim instrutivo.

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b) Ficam igualmente proibidas as dis-cussões que desbordarem os inte-resses da sociedade, bem como aapresentação de questões estra-nhas à sua finalidade.

c) As pessoas que desejarem tomar apalavra deverão fazê-lo dirigindo-se, antes, ao presidente.

13. A sociedade poderá, se julgar útil, con-sagrar sessões especiais destinadas àinstrução de pessoas noviças ao Espiri-tismo, seja através de explicações ver-bais, seja pela leitura, regular e segui-da, de uma seqüência de obras. So-mente serão admitidas pessoas anima-das do desejo sincero de se instruir eque, para essa finalidade, tenham feitosua inscrição. Estas sessões, aindamais do que as outras, não serão aber-tas aos primeiros que chegarem nem adesconhecidos.

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14. Toda publicação concernente ao Espiri-tismo, editada pela sociedade, será re-vista com o maior cuidado, no sentidode eliminar delas tudo quanto seja inú-til e possa produzir mau resultado. Osmembros se comprometerão a nada

publicar sobre matéria doutrinária an-tes de terem merecido sua aquiescên-cia.

15. A sociedade convida os médiuns quequiserem prestar-lhe o seu concurso anão se abespinharem com as observa-ções e críticas que, eventualmente, fo-rem levantadas em torno das comuni-cações por eles obtidas. Ela preferepassar sem aqueles que não transigemquanto à infalibilidade e à identidadeabsoluta dos Espíritos que por eles semanifestam.

16. A despesa havida com a sociedade, sehouver, será coberta por uma cotiza-ção cuja cifra será estabelecida por ela

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mesma, bem como o emprego e o mo-do de pagamento. Nesse caso a socie-dade nomeará um tesoureiro.Fica expressamente estipulado queessa cotização não será paga senãopelos membros propriamente ditos dasociedade e que, em nenhum caso esob nenhum pretexto, será solicitadaou exigida dos convidados e visitantesacidentais qualquer retribuição, nemmesmo como direito de entrada.

17. A sociedade poderá manter uma caixade beneficência ou de socorro, valen-do-se de cotizações ou de subscriçõesrecolhidas de quem quer que desejedela participar, seja ou não membroinscrito. O emprego dos fundos dessacaixa será controlado pelo comitê quedele prestará contas à sociedade.

18. Todo e qualquer membro que se reve-

lar uma causa constante de perturba-ção e tender a semear a desunião en-

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tre os membros da sociedade, bemcomo aquele que notoriamente desme-recê-la e cuja conduta ou reputaçãopuder prejudic1 ar a consideração que a