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729 Cadernos de Pesquisa, v.40, n.141, p.729-750, set./dez. 2010 RECONSIDERANDO A NOVA SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA1 ALAN PROUT Diretor do Instituto da Universidade de Warwick – Conventry, Reino Unido [email protected] Tradução: Fátima Murad RESUMO Apesar do forte desenvolvimento e da alta produtividade nos últimos anos, a Sociologia da Infância parece estar sem rumo atualmente. Este artigo explora o problema, indicando possíveis causas e apontando algumas soluções. Argumenta-se que a construção de uma Sociologia da Infância implicou uma dupla tarefa: criar um espaço para a infância no discurso sociológico e enfrentar a crescente complexidade e ambiguidade da infância como um fenômeno contemporâneo e instável. Sustenta-se que, embora se tenha criado um espaço para a infância, isto se deu, em grande medida, nos termos de sociologia moderna, que se mostrava cada vez mais incapaz de lidar adequadamente com o mundo instável da modernidade tardia. Um aspecto importante desse problema revela-se pela reprodução, na Sociologia da Infância, das oposições dicotomizadas que caracterizaram a sociologia moderna. Três dessas oposições (ação e estrutura, natureza e cultura, ser e devir) são exploradas. Sugere-se que para libertar a Sociologia da Infância do controle desse pensamento moderno é preciso desenvolver uma estratégia para incluir o terceiro excluído. Entre outras coisas, isso pode exigir maior atenção à interdisciplinaridade, ao hibridismo do mundo social, às suas redes e mediações, à mobilidade e à relação entre gerações. SOCIOLOGIA – INFÂNCIA – ANTROPOLOGIA – CRIANÇAS ABSTRACT RECONSIDERING THE NEW SOCIOLOGY OF CHILDHOOD. Despite its energetic development and high productivity during the last period, the sociology of childhood seems currently to be experiencing a loss of direction. This paper explores this problem, suggesting what its causes may be and pointing to some possible remedies. It is argued that the construction of a sociology of childhood entailed a double task. First, space had to be created for childhood Esta é uma versão da comunicação originalmente apresentada no 8 o Encontro anual da secção de “Sociologia da Infância” da Associação Alemã de Sociologia, no Max Plank Institut fur Bilduns- forschung, Berlim, em maio de 2002. Muitos dos argumentos expostos aqui foram expandidos posteriormente em The future of childhood (Prout, 2005). O texto original sofreu pequenos ajustes para corrigir anacronismos devido à distância entre o momento em que foi escrito e a tradução (cerca de oito anos).

Allan Prout - RECONSIDERANDO A NOVA SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA (Tradução de Fátima Murad)

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Apesar do forte desenvolvimento e da alta produtividade nos últimos anos, a Sociologia daInfância parece estar sem rumo atualmente. Este artigo explora o problema, indicandopossíveis causas e apontando algumas soluções. Argumenta-se que a construção de umaSociologia da Infância implicou uma dupla tarefa: criar um espaço para a infância no discursosociológico e enfrentar a crescente complexidade e ambiguidade da infância como um fenômenocontemporâneo e instável. Sustenta-se que, embora se tenha criado um espaço para a infância,isto se deu, em grande medida, nos termos de sociologia moderna, que se mostrava cada vezmais incapaz de lidar adequadamente com o mundo instável da modernidade tardia. Umaspecto importante desse problema revela-se pela reprodução, na Sociologia da Infância, dasoposições dicotomizadas que caracterizaram a sociologia moderna. Três dessas oposições(ação e estrutura, natureza e cultura, ser e devir) são exploradas. Sugere-se que para libertara Sociologia da Infância do controle desse pensamento moderno é preciso desenvolver umaestratégia para incluir o terceiro excluído. Entre outras coisas, isso pode exigir maior atenção àinterdisciplinaridade, ao hibridismo do mundo social, às suas redes e mediações, à mobilidadee à relação entre gerações.

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  • 729Cadernos de Pesquisa, v.40, n.141, p.729-750, set./dez. 2010

    RECONSIDERANDO A NOVA SOCIOLOGIA DA INFNCIA1

    ALAN PROUTDiretor do Instituto da Universidade de Warwick Conventry, Reino Unido

    [email protected]

    Traduo: Ftima Murad

    RESUMO

    Apesar do forte desenvolvimento e da alta produtividade nos ltimos anos, a Sociologia da Infncia parece estar sem rumo atualmente. Este artigo explora o problema, indicando possveis causas e apontando algumas solues. Argumenta-se que a construo de uma Sociologia da Infncia implicou uma dupla tarefa: criar um espao para a infncia no discurso sociolgico e enfrentar a crescente complexidade e ambiguidade da infncia como um fenmeno contemporneo e instvel. Sustenta-se que, embora se tenha criado um espao para a infncia, isto se deu, em grande medida, nos termos de sociologia moderna, que se mostrava cada vez mais incapaz de lidar adequadamente com o mundo instvel da modernidade tardia. Um aspecto importante desse problema revela-se pela reproduo, na Sociologia da Infncia, das oposies dicotomizadas que caracterizaram a sociologia moderna. Trs dessas oposies (ao e estrutura, natureza e cultura, ser e devir) so exploradas. Sugere-se que para libertar a Sociologia da Infncia do controle desse pensamento moderno preciso desenvolver uma estratgia para incluir o terceiro excludo. Entre outras coisas, isso pode exigir maior ateno interdisciplinaridade, ao hibridismo do mundo social, s suas redes e mediaes, mobilidade e relao entre geraes.SOCIOLOGIA INFNCIA ANTROPOLOGIA CRIANAS

    ABSTRACT

    RECONSIDERING THE NEW SOCIOLOGY OF CHILDHOOD. Despite its energetic development and high productivity during the last period, the sociology of childhood seems currently to be experiencing a loss of direction. This paper explores this problem, suggesting what its causes may be and pointing to some possible remedies. It is argued that the construction of a sociology of childhood entailed a double task. First, space had to be created for childhood

    Esta uma verso da comunicao originalmente apresentada no 8o Encontro anual da seco de Sociologia da Infncia da Associao Alem de Sociologia, no Max Plank Institut fur Bilduns-forschung, Berlim, em maio de 2002. Muitos dos argumentos expostos aqui foram expandidos posteriormente em The future of childhood (Prout, 2005). O texto original sofreu pequenos ajustes para corrigir anacronismos devido distncia entre o momento em que foi escrito e a traduo (cerca de oito anos).

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    within sociological discourse. Second, the increasing complexity and ambiguity of childhood as a contemporary, destabilised phenomenon had to be confronted. It is argued that, whilst a space for childhood has been created, this was accomplished largely in terms of modernist sociology, a discourse that was increasingly unable to deal adequately with the destabilised world of late modernity. An important aspect of this problem is apparent in the reproduction within the sociology of childhood of the dichotomised oppositions that characterise modernist sociology. Three of these oppositions (agency and structure, nature and culture, being and becoming) are explored. It is suggested that moving the sociology of childhood beyond the grip of such modernist thinking entails developing a strategy for including the excluded middle. Inter alia this may necessitate greater attention to interdisciplinarity, the hybridity of the social world, its networks and mediations, mobility and the relationality of generation.SOCIOLOGY CHILDHOOD ANTROPOLOGY CHILDREN

    H dez anos, em uma conferncia em Londres, Barrie Thorne acenou para a necessidade de reflexo e de renovao na Sociologia da Infncia, observando que o novo paradigma da infncia estava ficando velho demais para a criana1. Pouco tempo depois, socilogos alemes consagraram seu encontro de 2002, em Berlim, para discutir meios de revigorar o campo. Ao mesmo tempo, ouviam-se vozes crticas, tanto internas (por exemplo, Lee, 1999; Alanen, 2001a), como externas (por exemplo, Buckingham, 2000). Assim, parece que depois de mais de duas dcadas de um esforo extraordinariamente criativo, que ampliou as perspectivas tericas, metodolgicas e empricas, a nova Sociologia da Infncia est cada vez mais aberta a algumas ideias arrojadas.

    Em meu livro O futuro da infncia (Prout, 2005), examinei alguns proble-mas e novos direcionamentos para esse campo. Eles se refletem no presente artigo, embora seja impossvel desenvolv-los integralmente aqui. A principal ideia que sugiro neste texto que a construo de um lugar para a infncia na Sociologia se deu em termos que reproduzem as dicotomias da Sociologia moderna: por exemplo, estrutura e ao, natureza e cultura, ser e devir. necessrio, penso eu, reconsiderar e redirecionar o foco para o terceiro ex-cludo dessas oposies. Concluo que isto ajudar a indicar alguns itens para a agenda da Sociologia da Infncia em sua prxima fase.

    1. Utilizo o termo nova Sociologia da Infncia em referncia ao conjunto dos trabalhos que conceituam as crianas como atores sociais e a infncia como entidade ou instituio socialmente construda. Esses trabalhos comearam nos anos 1970, difundiram-se e foram codificados nos 1990. Exemplos so os textos de James, Jenks e Prout (1998), Qvortrup et. al. (1994) e Corsaro (1997).

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    CONDIES DE POSSIBILIDADE DA SOCIOLOGIA DA INFNCIA

    Em sua forma contempornea, ela surgiu nos anos 1980-1990. Trs principais recursos tericos foram empregados em sua construo. Primeiro, apoiou-se na Sociologia interacionista desenvolvida principalmente nos Esta-dos Unidos nos anos 1960. Esta problematizou o conceito de socializao, que torna as crianas muito passivas. Segundo, nos anos 1990, sobretudo na Europa, houve um ressurgimento (um tanto quanto surpreendente) da sociologia estrutural, que v a infncia como um dado permanente da estru-tura social. Finalmente, nos anos 1980, na Europa e nos Estados Unidos, o construtivismo social problematizou e desestabilizou todo e qualquer conceito consagrado sobre a infncia, lanando-lhe um olhar relativista. Este enfatizou a especificidade histrica e temporal da infncia e dirigiu o foco sua construo atravs do discurso.

    Esse trabalho foi realizado em um cenrio de grandes mudanas sociais. O contexto era o complexo de fenmenos que a teoria sociolgica designa hoje por termos como ps-fordismo, modernidade tardia, sociedade em rede da ps-modernidade e sociedade de risco. No obstante suas diferenas (nas quais no nos deteremos, pois extrapolam os propsitos deste artigo), esses termos referem-se a fenmenos como flexibilizao da produo, deslocaliza-o e esvaziamento das instituies, fragmentao das fontes de identidade, enfraquecimento do Estado-Nao e de sua ao reguladora, desiluso com o conhecimento racional e a especializao, um sentimento generalizado de incerteza, risco e insegurana, novas prticas de monitorao e reflexividade, a distribuio de normas de democracia, prestao de contas e participao, expanso das redes de conhecimento pondo em circulao ideias novas e mais diversas em um ritmo cada vez mais acelerado, formas plurais de vida familiar, padres de consumo diversificados e mudanas na participao no mercado de trabalho, no emprego e na economia global.

    A infncia estava profundamente envolvida nesses fenmenos. Por exemplo, desde meado dos anos 1970, h sinais de uma crise cultural (ou representacional) da infncia. Um indicador disso so os textos semiacadmicos e populares dessa poca que anunciavam o desaparecimento da infncia. Postman bem conhecido, mas h inmeros outros. No seria muito difcil desmentir esses crticos. Mas o fato que eles ajudaram a ver que as velhas

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    ideias sobre a infncia j no eram adequadas, que estava ocorrendo ento, como ocorre ainda hoje, uma modificao no carter da infncia. Inclusive, em alguns aspectos, esses crticos esto corretos ao assinalar o enfraquecimento das fronteiras entre a infncia e a idade adulta.

    Podemos destacar tambm a mudana das condies da infncia. A ideia de uma infncia padro foi sempre questionvel, mas nos anos 1970 e 1980 ficou claro que a experincia da infncia estava se fragmentando. A proporo de crianas vivendo em situaes familiares no padro j era to elevada que estas no podiam mais ser vistas como desvios da norma. Alm disso, as novas formas de famlia se diversificaram bastante, e ficou difcil categoriz-las em um esquema rgido com apenas duas ou trs variantes. Acrescente-se que, embora isso tenha ocorrido em um contexto de padres de vida em constante elevao nos pases industrializados, h evidncia de uma crescente diferenciao entre as crianas que tiraram mais proveito do crescimento da riqueza e as que se beneficiaram menos. Um estudo baseado em dados da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico OCDE procurou verificar se a distribuio de renda entre crianas est se tornando mais desigual. Parece que sim. Dos 17 pases estudados, 12 mostraram uma desigualdade crescente da renda entre as crianas (Oxley et al., 2001, p.378).

    SOCIOLOGIA MODERNA

    Foi a complexa e catica desorganizao da vida social, refletida na infn-cia contempornea, mas no confinada a ela, que erodiu a Sociologia moderna e a tornou inadequada para a modernidade tardia. Segundo Bauman, o projeto bsico de modernidade era a busca da ordem, da pureza e a determinao de excluir a ambivalncia: O horror mistura reflete a obsesso pela separao [] A referncia central tanto do intelecto moderno quanto da prtica mo-derna a oposio mais precisamente, a dicotomia (Bauman, 1991, p.14).

    A Sociologia moderna refletiu essa tendncia geral. Ela marcada pela proliferao de tais dicotomias atravs das quais o mundo social foi dividido em tpicos distintos: estrutura versus ao; local versus global; identidade versus diferena; continuidade versus mudana, e assim por diante. Mas, em face de sociedades que se tornaram marcadamente desordenadas e repletas de fenme-nos mistos, hbridos, complexos, impuros, ambivalentes, em constante mutao,

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    fluidos e em rede, a teoria social foi obrigada a encontrar termos de anlise. Quaisquer que tenham sido os termos inventados, todos tentaram passar a ideia de que a ntida separao das coisas que a modernidade buscou com tanto afinco j no era adequada para a tarefa de compreender a vida social contempornea.

    Foi ento, em meio a essa mudana no carter da vida social e em meio a essa crise da teoria social, que teve incio a Sociologia da Infncia contem-pornea. Comeou ligada a uma tradio sociolgica e a um aparato terico que j viviam, eles prprios, um momento de dvida sobre si mesmos, de instabilidade e de reproblematizao. Nos anos 1980 e 1990, a sociologia tentava manter-se em sintonia com um conjunto complexo de mudanas sociais esboadas anteriormente e que abalaram os pressupostos modernos que lhe haviam servido de base durante quase todo o sculo anterior. O problema aqui reside em que a teoria social moderna nunca havia dado muito espao infncia. A Sociologia da Infncia surgia ento com uma dupla tarefa: criar um espao para a infncia no discurso sociolgico e encarar a complexidade e ambiguidade da infncia como um fenmeno contemporneo e instvel.

    H muitas excees a isso, e eu exagero um pouco o quadro para ressalt-lo, mas minha opinio hoje que a Sociologia da Infncia, no conjunto, est apenas comeando a lidar com a segunda parte dessa tarefa. Todo o esfor-o concentrou-se em abrir um espao para a infncia na Sociologia moderna, em grande medida nos seus termos. Ou seja, isso se deu, em grande medida, dentro de um conjunto de oposies dicotomizadas.

    Por exemplo, dois elementos-chave na Sociologia da Infncia, a ao das crianas e a ideia de infncia como uma estrutura social, vieram diretamente da Sociologia moderna, em uma forma mais ou menos idntica. Isso levou a alguns estranhos paradoxos. Ao mesmo tempo em que a teoria social se ajustava modernidade tardia descentrando o sujeito, a Sociologia da Infncia valorizava a subjetividade das crianas. Enquanto a Sociologia procurava metforas para mobilidade, fluidez e complexidade, a Sociologia da Infncia ia edificando a infncia como uma estrutura. Assim, a Sociologia da Infncia chegou ao pice da modernidade quando a teoria social adequada s transformaes em cur-so na modernidade j estava em processo de constituio. A Sociologia da Infncia teve ento de correr para acompanhar a teoria social moderna, que, por sua vez, estava ficando confusa com as mudanas sociais que excediam e ultrapassavam seu patamar conceitual.

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    Para resumir, o encontro da Sociologia com a infncia marcado pela modernidade tardia. Mas, principalmente, neste sentido irnico: ao mesmo tempo em que os pressupostos sociolgicos sobre a modernidade estavam desmoronando, eles se estendiam, tardiamente, infncia.

    OS DUALISMOS DA SOCIOLOGIA DA INFNCIA

    A Sociologia da Infncia estabeleceu-se ento, ela prpria, dentro, e no alm das oposies dicotomizadas da Sociologia moderna. Gostaria aqui de ressaltar trs delas: crianas como atores versus infncia como estrutura social; infncia como constructo social versus infncia como natural; e infncia como ser versus infncia como devir.

    Estrutura e ao

    Meu primeiro exemplo de um dualismo problemtico codificado dentro da Sociologia da Infncia: aquele entre infncia como parte da estrutura social e crianas como atores. Em geral, fala-se em Sociologia da Infncia, no primeiro caso, e em Sociologia das Crianas, no segundo. Ambas as abordagens, por si mesmas, tm muitas qualidades louvveis.

    Assim, a infncia como estrutura social tem a ver com a padronizao em larga escala da infncia de uma determinada sociedade. Chama a aten-o, quando se tenta compreend-la, a distribuio crescente de recursos destinados infncia. Segue por longas cadeias de causa e efeito, de modo que a forma da infncia em uma determinada sociedade pode ser moldada por fenmenos distantes dela, espacial e temporalmente. Contudo, do lado problemtico, tal abordagem est mais envolvida com o que concebe como entidades estveis e bem delimitadas, mais comumente o Estado-Nao, e com as variaes nos padres comparativos da infncia encontrados dentro dessas entidades e entre elas. Ela no est muito interessada no carter instvel das fronteiras entre sociedades definidas nacionalmente e nas mo-vimentaes atravs dessas fronteiras. No est preocupada com a relativa diminuio do poder do Estado-Nao para vigiar suas fronteiras e tende a homogeneizar as formas de infncia encontradas dentro das fronteiras que imagina seguras. Tende a um certo formalismo matemtico, que est mais

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    focalizado no padro do que no modo como ele produzido e construdo. Tende a subestimar o modo como se obteve a escala e a estabilidade. Ad-mite que os padres de larga escala explicam a ao dos atores individuais e coletivos, em vez de tentar compreender como um padro de atividade atinge larga escala ou, inclusive, como alcana a estabilidade implcita na metfora da estrutura.

    Os estudos das crianas como atores so quase a imagem invertida disso. A ideia que as infncias, no plural aqui, e no no singular, so construdas mais diversamente e localmente mediante a interao contnua entre atores humanos. A vida social , ao mesmo tempo, mais contingente e mais frgil, e precisa ser permanentemente trabalhada, mantida e reparada. Embora se re-conheam padres de larga escala, isso se d mais gestualmente em referncia aos recursos e imposies que supostamente viriam da estrutura externa. Como isso acontece, difcil saber em detalhe. Em geral, trata-se apenas su-perficialmente da ao das crianas como atores; ela vista como uma carac-terstica essencial e quase no mediada dos humanos, que no requer muitas explicaes. A verdadeira novidade da abordagem est em considerar que as crianas realmente tm uma determinada ao e que cabe ao pesquisador sair a campo e descobri-la. Nisso, eles tiveram mais xito.

    Natureza e cultura

    Meu segundo exemplo de dicotomias na Sociologia da Infncia pode ser compreendido melhor por meio do um exame crtico da infncia como uma construo social. Do mesmo modo que a Sociologia interacionista, ela tambm ressalta a pluralidade de infncias que coexistem, se sobrepem e entram em conflito entre si. Sua fora est em chamar a ateno para o modo como todos os fenmenos se produzem relacionalmente, o que significa dizer que tanto a idade adulta como a infncia so vistas como efeitos produzidos no interior de atos discursivos. Ela v ao e estrutura do mesmo modo como efeitos produzidos no interior do discurso. Descentra ambas para saber como elas se produzem mutuamente e sob que condies. Esse gnero de estudos da infncia, na medida em que se apoia em textos ps-estruturalistas, desafia diretamente os dualismos da teoria social moderna e, com isso, indica a via para escapar ao domnio deles no mbito da Sociologia da Infncia.

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    Entretanto, isso tem um custo enorme: garante ao discurso (narrativa, representao, simbolizao etc.) o monoplio como meio pelo qual a vida social, consequentemente a infncia, construda. Relatos sobre a criana socialmente construda privilegiam sempre o discurso. Algumas verses so claramente idealistas sobre a infncia, enquanto outras simplesmente silenciam sobre os componentes materiais da vida social. Na melhor das hipteses, h uma equivocada e difcil omisso sobre a materialidade, seja ela pensada como natureza, corpos, tecnologias, artefatos ou arquiteturas.

    bem conhecido o argumento de Bruno Latour (1993) de que os dua-lismos da modernidade surgem da separao radical que se estabelece entre cultura e natureza, separao que, ele sugere, foi a condio histrica para a criao das cincias naturais. Nesse arranjo, a cincia encampou a natu-reza, pensada como cultura externa, como seu objeto, enquanto cultura e sociedade, pensadas como externas natureza, foram deixadas para o que viria a ser as cincias sociais. Como lembrou Urry, At muito recentemente, essa diviso acadmica entre o mundo dos fatos naturais e o dos fatos sociais era incontestvel. [] O pressuposto que existia um abismo entre natureza e sociedade (2000, p.10).

    Isso diz respeito diretamente Sociologia da Infncia. Se a Sociologia ignorou por tanto tempo a infncia, foi porque esta parecia desafiar a diviso entre natureza e cultura.

    De fato, Haraway situa a infncia entre os fenmenos os outros so a loucura e o corpo feminino que burlaram a modernidade, porque se situam dos dois lados da barreira cultura/natureza que ela erigiu. O carter hbrido da infncia, em parte natural e em parte social, parece claramente incmodo para a mentalidade moderna, com sua preocupao em dicotomizar os fe-nmenos. A soluo parcial que encontrou, a de ceder a infncia natureza (isto , s cincias biolgicas e mdicas ou suas extenses), persistiu at os ltimos anos do sculo XX. Isso foi codificado na Sociologia como a ideia de socializao devir social. As crianas pertencem natureza at fazerem parte do social. A fundamentao da Sociologia da Infncia na ideia de que a infncia uma construo social revela-se, desse ponto de vista, como um discurso inverso. Abandona o reducionismo biolgico e o substitui pelo reducionismo sociolgico. Por mais til que tenha sido para rebater o reducionismo biolgico da infncia como natural, hoje em dia um exagero.

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    Ser e devir

    Meu terceiro exemplo a conhecida dicotomia entre crianas como devires e crianas como seres. Em alguns autores da nova Sociologia da Infn-cia, ela foi construda como uma oposio, reafirmada com tanta insistncia e de forma to dogmtica que nega a possibilidade de considerar as crianas igualmente como seres e devires. Em outros casos, foi sempre uma oposio problemtica. Christensen, por exemplo, em um texto de 1994, mostrou que a distino entre ser e devir s tinha utilidade se o ser das crianas fosse compreendido como vivido no tempo, com um passado lembrado e um futuro antevisto. O ser que ela concebe no poderia ser inclume ao tempo.

    Nick Lee (1999) argumentou, de forma conclusiva, a meu ver, que a Sociologia da Infncia deve reconhecer igualmente o ser e o devir. Em primeiro lugar, ele sugere que, embora a oposio fizesse algum sentido do ponto de vista das sociedades modernas, tornou-se insustentvel em face das mudanas recentes no emprego e na famlia. Com elas, o carter inacabado da vida dos adultos ficou to visvel quanto o das crianas. Nesses termos, tanto os adultos quanto as crianas podem ser vistos como devires, sem deixar de lado a neces-sidade de respeitar seus estatutos como seres ou pessoas. Em segundo lugar, ao distinguir as crianas como seres de direito prprio, a nova Sociologia da Infncia corre o risco de endossar o mito da pessoa autnoma e independente, como se fosse possvel ser humano sem pertencer a uma complexa rede de interdependncias. Ele critica ento a nova Sociologia da Infncia por se basear unilateralmente na ideia de crianas como seres. Tanto crianas como adultos deveriam ser vistos atravs de uma multiplicidade de devires, nos quais todos so incompletos e dependentes.

    ESTRATGIAS PARA A INCLUSO DO TERCEIRO EXCLUDO

    As dicotomias que explorei no so as nicas que perpassam a Sociologia da Infncia. Contudo, a questo no elaborar uma lista exaustiva delas, mas identificar o problema-chave criado por essa diviso de campo. No se trata tampouco de afirmar que o trabalho baseado nessas oposies no produz novos conhecimentos, e sim de considerar que, como categorias tericas, elas se tornaram mutuamente exclusivas. difcil encontrar algum ponto de comu-

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    nicao entre elas, visto que cada uma se define fora do domnio das outras, seja suprimindo tudo o que lhes sirva de mediao, seja distribuindo-o entre si para que se torne propriedade de uma ou de outra. Desviam a ateno das mediaes e conexes entre as oposies que erigem. Assim, excluem tudo o que se situe abaixo delas e entre elas, suprimindo sua dependncia mtua e ocultando aspectos importantes sobre o modo como se constroem as infncias contemporneas.

    Diante disso, na ltima parte do artigo, pretendo tratar de algumas estra-tgias para superar essa situao e encontrar meios de incluir o terceiro excludo.

    Atualmente, existem duas linhas de abordagem do problema, nenhuma delas adequada.

    A primeira a que chamo de coexistncia pacfica (que , naturalmente, outra forma de dizer guerra fria). Na melhor das hipteses, isso significou autorizar que diferentes sociologias da infncia, localizadas em diferentes polos de uma dicotomia, seguissem caminhos separados, sem se preocupar muito em explorar o territrio que as conecta. Isso evidente, por exemplo, no texto de Bill Corsaro, The sociology of childhood (1997).

    A segunda a que chamo de jogo heurstico. mais ou menos a estratgia sugerida em Theorising childhood, que escrevi com Alison James e Chris Jenks. Identificamos ali diferentes abordagens da Sociologia da Infncia, situando-as em um conjunto de dualismos que, a nosso ver, caracterizam as crenas e os valores da teoria sociolgica: ao e estrutura; identidade e dife-rena; continuidade e mudana; localismo e globalismo. Argumentamos que o modo como esses dualismos foram selecionados, atravessados e desenvolvidos por analistas da infncia delineou quatro gneros principais de Sociologia da Infncia, que tambm identificamos (James, Jenks, Prout, 1998).

    Depois de formalizar a desconexo entre esses gneros, recorremos aos socilogos da infncia para examin-los, procurando novos pontos de co-nexo e interseco entre eles. Isso poderia dar algum resultado inclusive, o que muitas pesquisas empricas fazem diante de realidades complexas. Contudo, ao tomar como principal ponto de referncia aquele que focaliza o discurso dualista da Sociologia, corremos o risco de nele entrincheirar a So-ciologia da Infncia, limitando assim a rea em que o campo poderia avanar.

    Se essas duas abordagens so inadequadas, sugiro ento, como alterna-tiva, desenvolver e explorar novas ideias. Essas ideias deveriam ter como foco

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    o terceiro excludo e nos ajudar a inclu-lo. Em outras palavras, no deveriam de antemo inscrever um conjunto de dicotomias no campo, e sim observar a infncia como um fenmeno complexo, no imediatamente redutvel a um extremo ou outro de uma separao polarizada. No estou advogando aqui um obsoleto caminho do meio. A abordagem que tenho em mente similar do autor italiano Norberto Bobbio, quando se refere ao terceiro includo: ele tenta encontrar seu prprio espao entre dois opostos e, embora se insira entre eles, no os elimina [] eles deixam de ser duas totalidades mutuamente exclusivas, como as duas faces da mesma moeda, que no podem ser vistas ao mesmo tempo (Bobbio, 1996, p.7).

    Bobbio, no entanto, fala de uma sntese superior, feita de oposies. Quanto a isso, no estou to certo. Estou mais preocupado em situar o plano mais fundo onde essas oposies se erigem ou desmoronam. Isso est mais prximo do ator-rede de Latour (1993) ou da noo de rizoma encontrada em Deleuze e Guattari (1988).

    Nos dois casos, a ateno direcionada aos materiais e prticas a partir dos quais gerada e emerge uma infinidade de novos fenmenos, incluindo distines e dicotomias. Esse o terceiro excludo que constri a infncia e para o qual sugiro dirigir nosso olhar. Para isso, gostaria de indicar cinco palavras--chave que podem nos servir de guia em uma tal empreitada.

    Interdisciplinaridade

    Uma implicao prtica imediata de minha argumentao a necessi-dade de intensificar a interdisciplinaridade dos estudos da infncia. O campo j significativamente interdisciplinar graas s contribuies da Sociologia, da Geografia Humana, da Antropologia, da Histria etc. No entanto, existem reas em que o dilogo interdisciplinar fraco. Uma delas a Psicologia, que, de algum modo, foi a disciplina contra a qual a nova Sociologia de Infncia se constituiu como oposto: crianas como indivduos versus crianas como seres sociais. Sustentar essa posio significava apegar-se a esteretipos banais do engajamento da Psicologia com a infncia. Mas, evidente que pelo menos alguns psiclogos se preocupam com muitas questes parecidas. Em particular, a Psicologia crtica procurou descobrir novas formas de compreender a rela-o entre sociedade individual e cultura. Exemplos so os trabalhos de Martin

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    Woodhead, no Reino Unido, Michael Cole, nos Estados Unidos, Jaqueline Goodnow, na Austrlia, e Hanna Havind, na Noruega.

    Seria til aqui que houvesse mais dilogo, que se explorasse a base co-mum, assim como as diferenas. A maior dificuldade talvez seja o tempo que levar para se dialogar mais diretamente com as cincias biolgicas e mdicas que, para o bem ou para o mal, tm um importante papel na compreenso e constituio da infncia na sociedade contempornea.

    Hibridismo

    A principal razo para a interdisciplinaridade o reconhecimento de que a infncia um fenmeno complexo. Essa complexidade resulta do seu carter hbrido, constitudo mediante o que Latour chama de redes heterogneas do social. Estas so, segundo ele, simultaneamente reais, como a natureza, narradas, como o discurso, e coletivas, como a sociedade (Latour, 1993, p.6).

    Apenas quando a vida social reconhecida como heterognea, a diviso a priori de entidades (pessoas, adultos, crianas, corpos, mentes, artefatos, animais, plantas, arquiteturas etc.) entre cultura e natureza torna-se pensvel. Os fenmenos sociais devem ser compreendidos como entidades complexas nas quais se d um misto de cultura e natureza como condio de possibilidade. No existem mais entidades puras, apenas hbridas, que Latour qualifica de quase-sujeitos e quase-objetos. Nem preciso dizer que isso muito mais desafiador analiticamente do que partir de uma diviso estvel e predeterminada entre o natural e o cultural.

    Redes cada vez mais extensas de elementos heterogneos seguem o curso de vida em combinaes que so empiricamente variadas, mas que, em princpio, no requerem tipos diferentes de anlise. Assim, no necessrio separar arbitrariamente as crianas dos adultos, como se fossem espcies de ser diferentes. Em vez disso, a tarefa consiste em saber quantas verses distintas de criana ou adulto emergem da complexa interao, rede e orquestrao entre diferentes materiais naturais, discursivos, coletivos e hbridos.

    Em um livro sobre a infncia e o corpo (Prout, 2000), argumentei que essa abordagem nos permite reincluir a materialidade na anlise da infncia. Ela nos permite ver a infncia no apenas integrada, mas tambm enredada em uma enorme variedade de artefatos materiais. O livro cita como exemplos

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    relaes entre crianas e tecnologia mdica em uma unidade de tratamento peditrico intensivo, entre crianas e instrumentos musicais em uma anlise do filme O Piano, e entre crianas e cmeras de vdeo em depoimentos aos tribunais do Reino Unido.

    Redes e mediaes

    Isto conduz a uma preocupao comum de encontrar uma linguagem analtica para falar sobre a ordenao da infncia. A nova Sociologia da Infncia oferece-nos trs opes, todas elas problemticas. A primeira constituda de metforas do tipo infncia como estrutura, sistema e ordem que enfatizam a larga escala, a estabilidade e o determinismo. A segunda, derivada do inte-racionismo, apresenta noes de infncia como uma ordem local negociada. Enfatiza o trabalho de atores, mas tende frequentemente ao voluntarismo. A terceira apresentada pelo ps-modernismo, que abandona as noes de estabilidade, vendo apenas fluidez e mudana constante.

    A teoria do ator-rede oferece uma outra opo. Usando a metfora da rede, sugere que a infncia poderia ser vista como um conjunto de ordens distintas, s vezes concorrentes e s vezes em conflito. Estas podem ser frgeis, mas podem tambm estabilizar-se, difundir-se, e, com isso, ser encontradas em larga escala. A rede parece proporcionar uma linguagem da ordenao, que se situa entre as oposies polarizadas oferecidas pela teoria social moderna.

    Por exemplo, a teoria do ator-rede tem um meio eficaz de se livrar da dicotomia ao/estrutura. Em primeiro lugar, afirma que os atores podem ser de diferentes tipos: humanos, como no caso das crianas e adultos, mas tambm no humanos, como artefatos e tecnologias. Todos eles so tratados como hbridos de cultura e natureza, produzidos por redes de conexo e desconexo. Em segundo lugar, afirma que, em decorrncia disso, os atores se apresentam em todos os tamanhos, dos pequenos, como a criana individual, aos grandes, como o Estado ou a mdia. por isso que todos os atores so vistos como redes, embora possam aparecer e agir como pontos. Por detrs de cada ator, seja uma criana, seja o Estado ou a mdia, h uma rede complexa, mais ou menos unida, de pessoas e coisas. Redes que se estabilizaram aparecem como os objetos slidos que a Sociologia moderna gostava de chamar de estrutura ou sistema. Mas essas redes podem se tornar frgeis, e so sempre parciais

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    e perecveis. Podem surgir novas redes que ou se perdem no caminho, ou se estabilizam e crescem em escala. Em outras palavras, novas formas de infncia aparecem quando se criam novos espaos de conexes em rede, por exemplo, entre crianas e tecnologias, como a TV e a internet. Essas novas redes podem se sobrepor e coexistir com outras mais antigas, mas tambm podem entrar em conflito com elas. Uma questo-chave, portanto, saber que rede produz uma forma particular de infncia ou de criana.

    Em O futuro da infncia, de 2005, esboo uma posio parecida, apoiando--me no apenas em Latour e na teoria do ator-rede, mas tambm nas noes de extenso e reunio, emprestadas de Deleuze e Guattari. Lee (1999) desenvolveu uma posio similar, recorrendo s ideias de extenso e reunio para discutir uma srie de exemplos, que vo do conflito entre crianas de rua e a polcia no Brasil at o uso de vdeos com testemunhos de crianas em casos de abu-so nos tribunais do Reino Unido. Ele esclarece essas ideias mostrando como diferentes combinaes de elementos humanos e no humanos podem ser tratadas como diferentes ordenaes da infncia, parciais e mais ou menos es-tveis, que podem se sobrepor e se apoiar mutuamente ou entrar em conflito.

    Mobilidade

    A preocupao em focalizar o terceiro includo significa tambm priorizar a mobilidade e os fluxos entre fronteiras. Segundo Urry (2000), o declnio da noo de sociedade como entidade distinta e delimitada, vigente no sculo XX, requer nova nfase sociolgica na mobilidade. Sociedades so cada vez menos capazes de defender suas fronteiras sempre mais permeveis, e tendem a adotar um nvel mais baixo de defesa, na tentativa de regular e moderar no-vos e intensos fluxos de pessoas, informaes e produtos que as atravessam.

    Esses processos tm implicaes para a infncia. Um aspecto da questo bem ilustrado na pesquisa sobre infncias transnacionais, realizada por Thorne e colaboradores, na Califrnia, que mostra a impossibilidade de compreender a variedade e a complexidade da infncia sem levar em conta o movimento (Orellana et al., 2001). A pesquisa apresenta crianas movimentando-se de um lado a outro das fronteiras nacionais, compondo e recompondo, voltando e saindo de casa. So membros de famlias nos Estados Unidos e em outro pas (por exemplo, Taiwan ou Filipinas). Essas crianas vm geralmente de famlias

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    pobres e usam ligaes com parentes ou conhecidos nos Estados Unidos como rota para a mobilidade social.

    Frnes (1997), por sua vez, mostrou a emergncia de formas de infncia altamente confinadas entre as classes mdias em ascenso profissional. Estas so encontradas igualmente em Nova Iorque, em Nova Dli ou Copenhague. Essas crianas so as beneficirias da economia em rede de Castell.

    Esses fluxos delineiam a conexo entre o global e o local, entre o grande e o pequeno, entre o grandioso e o mundano. Assim, a mobilidade uma questo central, qualquer que seja a escala de nosso estudo. Um trabalho de Christensen, James e Jenks (2002) mostra que a casa constituda pelas crian-as e para as crianas. Entrevistas com crianas sobre o significado de tempo em famlia sugerem que a casa, tradicionalmente compreendida mediante o conceito de estabilidade, tambm, para as crianas, um lugar cujo significado dado pelas idas e vindas de diferentes membros da famlia, medida que se movem dentro e fora do espao que chamamos de casa.

    Mas, assim como as pessoas, as mobilidades transnacionais envolvem fluxos de produtos, informaes, valores e imagens com os quais algumas crianas so capazes de interagir rotineiramente. Isso chamou a ateno de estudiosos da mdia, como David Buckingham (2000), que criticaram com razo os novos Estudos Sociais da Infncia por ignorarem esse aspecto da vida das crianas. Vista globalmente, a cultura da infncia e da juventude est se tornando cada vez mais homognea.

    De fato, esse fluxo de produtos, informaes, valores e imagens tem profundas implicaes para a socializao e, em certo sentido, criou as bases para a nova Sociologia da Infncia. Processos de socializao cada vez mais complexos ocorrem quando crianas pequenas passam a viver grande parte de sua vida cotidiana longe da famlia na escola, em centros de recreao ou com baby-sitters. Isso deu origem ideia de dupla socializao. O educador alemo Giesecke (1985) alertou, no entanto, que hoje temos de reconhecer tambm que as crianas, assim como os adultos, vivem em uma sociedade pluralista. So confrontadas com uma srie de valores e perspectivas concorrentes, comple-mentares e divergentes dos pais, da escola, da mdia, da sociedade de consumo e de seu crculo de relaes. Ainda segundo Giesecke, pais, professores e outros responsveis pelo cuidado das crianas tm menos poder para controlar e direcio-nar esses diversos fatores em sua totalidade. Por isso, importante compreender

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    as crianas nas suas tentativas, individuais e coletivas, de dar coerncia e sentido ao mundo em que vivem (Christensen, Prout, 2004).

    Os lugares da infncia podem ser vistos, neste caso, pelos fluxos que passam por eles.

    Escolas, por exemplo, so relacionadas a outras escolas, casa, aos parques, aos centros de recreao, s empresas, s autoridades locais, aos sindicatos, ministrios, tribunais e assim por diante. Pessoas cruzam essas fron-teiras levando consigo ideias, experincias, ideais, valores e vises (tudo o que forma os discursos) diferentes e conflitantes, assim como recursos materiais diversos. Coisas tambm cruzam as fronteiras, e no so menos importantes. Isso inclui textos, orientaes curriculares, materiais didticos, modelos de poltica de financiamento etc.; e ainda mquinas (como computadores) que funcionam deste e no daquele modo, ou que favorecem aquela e no esta possibilidade de aprender, e assim por diante. Os atores hbridos, pessoas e coisas, que se movimentam em e entre diferentes locais, todos tm um papel na construo daquilo que emerge como infncia. preciso retraar esses movimentos para compreend-los melhor.

    A anlise relacional: gerao e trajetria de vida

    Por ltimo, gostaria de examinar o conceito de relao entre geraes, tal como formulado por Leena Alanen. Essa abordagem procura estabelecer a ideia de um sistema geracional ou ordem ao lado das noes de ordem de classe ou ordem de gnero a que os socilogos costumam se referir quando falam em estrutura social. Nessa definio, a gerao vista como um sistema de relaes no qual se produzem as posies de criana e de adulto. Para Alanen, a gerao pode ser pensada como: um sistema socialmente construdo de relaes entre posies sociais, no qual crianas e adultos detm posies sociais especficas, definidas em relao s outras e constituindo, por sua vez, estruturas especficas (no caso, geracionais) (2001, p.12).

    Neste aspecto, a ideia estrutural de gerao est menos explicitamente preocupada com a mudana ao longo do tempo do que a de Mannheim. Est mais centrada no padro de relaes entre adultos e crianas, na medida em que estas constituem um elemento mais ou menos duradouro e estvel dos sistemas sociais.

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    As questes investigativas que a abordagem prioriza esto voltadas, portanto, a detectar as relaes invisveis, diretas e indiretas, atravs das quais as crianas se incorporam firmemente em conjuntos estruturados de relaes sociais mais amplas do que suas relaes locais muito imediatas e potencial-mente extensveis ao sistema social global (Alanen, 2001, p.142). Acredita-se que isso pode ser obtido por meio de estudos que examinem a vida cotidiana de crianas, entre outras coisas, em termos de prticas geracionais e o modo como se tornam disponveis os recursos (materiais, sociais e culturais) dos quais dependem essas prticas particulares.

    Essa posio, em muitos aspectos, compatvel com a proposta que esboo neste artigo. Est preocupada com o terceiro excludo, visto que deixa de ver a infncia como uma categoria essencializada para v-la como algo que se produz dentro de um conjunto de relaes. paralela mudana na Sociologia feminista, que desviou o foco das mulheres para se preocupar com gnero. Nesse sentido, dirige o olhar s relaes no interior das quais se produzem a infncia e a idade adulta. Est interessada tambm, em princpio, nos recursos tanto discursivos como materiais e nas prticas envolvidas na construo da infncia. Assim, no mnimo, est aberta ao carter hbrido da infncia.

    Contudo, h muitos problemas na abordagem de Alanen que precisam ser discutidos.

    Primeiro, em sua formulao corrente, a ideia de ordem geracional restringe o alcance de relaes que se supe que a criana mantenha. De fato, h apenas duas posies de sujeito: adulto e criana. Isso parece desne-cessariamente abstrato em vista do alcance da infncia e da idade adulta que capaz de registrar. Alm disso, por se tratar de um sistema binrio que gira em torno de adulto e criana, est centrado em relaes intergeracionais, e difcil ver como as relaes intrageracionais podem ser adequadamente reco-nhecidas. As relaes intrageracionais so bastante diversas e apenas captadas de maneira inadequada pelo termo relaes entre pares. No obstante, h bons argumentos e muitas evidncias de que essas relaes intrageracionais, de pares ou outras, desempenham um papel importante na vida das crianas.

    Segundo, em suas formulaes correntes, o conceito de gerao utiliza uma linguagem de sistema ou estrutura, em vez de rede, rizoma ou reunio. Assim, tende a supervalorizar a estabilidade e a solidez das relaes intergera-

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    cionais. Como consequncia, acaba caindo de novo na ideia de uma estrutura geracional nica, cujas variaes empricas so meros exemplos. Da resulta que h sempre apenas duas geraes na existncia uma alegao estranha e nada sutil de um ponto de vista mannheimiano. Isso aumenta o risco de transformar a gerao de processos em produto acabado, uma abstrao so-ciolgica utilizada preferentemente para explicar e no como algo que precisa de explicao. Para mim, o importante manter o processo geracional aberto e sem um propsito determinado, e a pluralidade e o alcance dos ordenamentos geracionais abertos investigao.

    Um estudo recente que emprega esses referenciais, mas que tambm mostrou suas limitaes, o realizado por meus colegas em Stirling, Greg Mannion e John IAnson. Eles estudaram uma organizao artstica dedicada especialmente a atender crianas e jovens e conhecida por promover a sua participao. Em particular, eles acompanharam o processo pelo qual as crian-as participaram no redesenho do espao fsico do centro de artes. Para mim, esse estudo sugere que possvel entender as relaes geracionais como um produto inacabado, contingente e emergente das interaes entre elementos heterogneos materiais, culturais, espaciais, discursivos etc.

    So essas interaes, mais do que o trabalho misterioso de uma es-trutura geracional subjacente, mas invisvel e necessria, que determinam e produzem relaes geracionais. O estudo mostra como os adultos e crianas, ao descobrirem novas formas de trabalhar juntos, no apenas reconfigura-ram o espao e a organizao material do lugar, mas tambm, como parte disso, modificaram as identificaes adulto-criana, as relaes e construes associadas da idade adulta e da infncia. Mostram que estas esto longe de ser estveis e fixas. Os autores, apoiados na noo de Deleuze de um devir inacabado e no teleolgico, comentam: Ao invs de apenas enfatizar que crianas tambm so seres, mostramos como producente considerar tanto o adulto como a criana como devires parciais (Mannion, IAnson, 2003, p.21).

    A este respeito, parece-me razovel considerar o interesse para o estudo da infncia de um outro conceito relacional o da trajetria de vida. A anlise da trajetria de vida um tema amplo, que inclui tempo histrico (geraes e coortes), tempo individual (histria de vida e biografia) e tempo institucional (carreiras, sequncias e transies). Nas trs abordagens, a trajetria de vida entendida como uma sequncia de estgios ou configuraes de status e

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    transies na vida que so cultural e institucionalmente demarcadas, do nas-cimento at a morte.

    Sob algumas condies, isso me parece constituir tambm uma refe-rncia til para avanar nos estudos das relaes das crianas. As razes que me levam a pensar assim decorrem da posio que defendi antes. Primeiro, fundamenta-se na crtica interna aos estudos da infncia por se centrarem ex-clusivamente no ser das crianas, o que sempre foi problemtico (Christensen, 1994). Segundo, uma abordagem da trajetria de vida conduz multiplicidade e complexidade de infncias. Para comear, no reduz o fenmeno a uma relao lgica ou interna entre dois termos apenas adulto e criana. Reco-nhece justamente o que Alanen deseja excluir ou seja, a importncia das contingncias externas na moldagem de infncias particulares. Enfatiza que as trajetrias de vida esto abertas ao efeito de um amplo leque de fatores humanos e no humanos na construo de mltiplas verses da infncia e da idade adulta medida que se modificam ao longo do tempo. Como vimos, Bruno Latour usa o termo redes heterogneas do social, simultaneamente reais, como a natureza, narradas, como o discurso, e coletivas, como a sociedade, para indicar essas formas e esse contedo complexos no interior dos quais se constitui a vida humana (1993, p.6).

    Essas redes mutveis de elementos heterogneos acompanham a traje-tria de vida em combinaes empiricamente variadas, mas, em princpio, no requerem tipos de anlise diferentes. No necessrio, por exemplo, separar arbitrariamente as crianas dos adultos, como se fossem espcies diferentes de ser. Ao contrrio, a tarefa verificar como diferentes verses de criana ou adulto emergem da interao complexa, das redes e da orquestrao de diferentes materiais naturais, discursivos, coletivos e hbridos.

    Um dos problemas da abordagem convencional da trajetria de vida que, muitas vezes, ela classifica a infncia como uma simples etapa ou fase desta. Mas esse no um elemento necessrio da abordagem. Assim como a idade adulta, a infncia pode ser vista, em uma perspectiva de trajetria de vida, como um conjunto constitudo de mltiplas fases decorrentes da experincia. Um exemplo vem, mais uma vez, de Christensen (2003). Em seu trabalho sobre crianas e alimentao, ela trata a infncia como um conjunto de fases socialmente construdas. O significado e as prticas alimentares mudam de acordo com a relevncia da trajetria de vida e com as metas das crianas.

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    Assim, por exemplo, embora o tema da competncia permeie a trajetria de vida das crianas, seu significado no que se refere ao alimento varia conforme sua posio em relao s metas e prticas mutveis, mas socialmente esta-belecidas, das crianas.

    Tal viso da trajetria de vida no apenas condiz com a importncia que as prprias crianas atribuem ao crescer, como tem o mrito de atribuir um papel relevante s relaes entre as crianas. Os trabalhos de pesquisadores to diferentes como Barrie Thorne, Bill Corsaro, Judith Rich Harris e Ivar Frnes mostraram como importante reconhecer que o crescer no se realiza indi-vidualmente, mas coletivamente ou seja, no contexto de relaes de grupo. Corsaro (1997) mostra que as crianas descobrem juntas como realizar transies institucionais decisivas, como da pr-escola para a etapa seguinte. Frnes (1997), em particular, argumenta que as relaes entre pares, igualitrias, mas complexas do ponto de vista da comunicao, desenvolvem as competncias de expresso, de intimidade e de formao comunitria exigidas pela modernidade, entendidas como mais do que simples clculo racional. Contudo, preciso tambm ter o cuidado de no limitar as relaes das crianas entre si categoria de pares. O termo um pouco impreciso, e seria inaceitvel na anlise das relaes entre adultos exatamente porque tende a sobrepor tipos de relaes muito distintas, como as de trabalho, de vizinhana e de amizade. Tende a simplificar e a dar uma coerncia que no existe s relaes entre crianas. Deixa escapar as relaes entre crianas pequenas e crianas mais velhas.

    Uma perspectiva de trajetria de vida, entendida em termos de hete-rogeneidade, pode, no entanto, conter toda essa variao, na medida em que se move entre tempo histrico, tempo individual e tempo institucional. Mostra como as estruturas institucionais podem tanto construir como inviabilizar rela-es entre crianas. Por exemplo, possvel criar relaes de pares juntando crianas da mesma idade na mesma classe, mas a amizade entre uma criana mais velha e uma mais nova fica invivel quando uma vai para o ensino mdio e a outra no.

    CONCLUSO

    A linguagem do hibridismo, da rede, da mobilidade e da reunio, a meu ver, um bom caminho a seguir se quisermos reconectar o terceiro excludo da

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    Sociologia da Infncia. menos propensa a reafirmar as oposies dicotomiza-das da teoria social moderna. E mais propensa a sustentar a desestabilizao e a pluralizao tanto da infncia quanto da idade adulta que marcam nossa poca. E mais ainda, a compreender as mobilidades que as produziram. Em suma, parte da passagem da modernidade que, na minha opinio, a Sociologia da Infncia precisa fazer agora.

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    Recebido em: setembro 2010

    Aprovado para publicao em: setembro 2010