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ALTO REPRESENTANTE DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA A
ALIANÇA DAS CIVILIZAÇÕES
O B-A-BA DA ALIANÇA
“A Aliança das Civilizações,
o contributo das Nações Unidas para o quarto pilar do desenvolvimento
sustentável”
O B-A-AB DA ALIANÇA
1. Origem e génese da Aliança
A Aliança das Civilizações foi uma ideia originalmente lançada
pelo Presidente do Governo espanhol, Zapatero, logo a seguir
perfilhada pelo Primeiro-Ministro turco, Erdogan e que, em 2005,
Kofi Annan, o então Secretário-Geral das Nações Unidas,
endossou.
Foi assim que foi nomeado um grupo dito de Alto Nível, composto
por vinte personalidades1, oriundas de horizontes bastante diversos
em termos geográficos, culturais e mesmo profissionais, ao qual
foi confiada a redacção de um Relatório sobre a Aliança das
Civilizações.
Tal relatório, apresentado em 2006 – disponível no site
www.unaoc.org -, contém um conjunto de recomendações, não só
sobre os contornos da iniciativa – temas cobertos, finalidades –
1 Fizeram parte do grupo de relatores: Professor Mehmet Aydin (Turquia), Professor Federico Mayor (Espanha), ex- Presidente do Irão, Seyed Mohamed Khatami, Sheikha Mozah bint Nasser al Missned (Qatar), Dr Ismail Serageldin (Egipto), Dr Mohamed Charfi (Tunísia, entretanto falecido), André Azoulay (Marrocos), ex-Primeiro Ministro do Senegal, Moustapha Niasse, Arcebispo Desmond Tutu, Hubert Védrine (França), Karen Armstrong (Reino Unido), Professor John Esposito (EUA), Rabi Arthur Schneier (USA), Enrique Iglesias (Uruguai), Professor Cândido Mendes (Brasil), Dr Nafis Sadik (Paquistão), Shobhana Bhartia (Índia), Ali Alatas (Indonésia, entretanto falecido), Professor Pan Guang (China)
2
como ainda formula um conjunto de recomendações, entre as quais
se inclui a nomeação de um Alto Representante.
2. A Aliança da Civilizações, uma iniciativa envolta em controvérsias
Logo em 2006, quando a Aliança das Civilizações foi lançada
enquanto iniciativa das Nações Unidas, o acolhimento foi mitigado
pois inúmeros foram os que viram nela um receptáculo meio vazio
em vez de um copo meio cheio.
Este cepticismo baseava-se, de resto, numa argumentação variada.
Uns entendiam que a Aliança prestava o flanco às próprias teses de
um choque de civilizações que pretendia, mas afinal não
conseguia, combater
Outros achavam que a nova iniciativa se vinha somar à pletora de
projectos já existentes.
Outros ainda entendiam que prosseguia fins completamente
desproporcionados em relação aos parcos meios postos à sua
disposição.
Por fim, havia ainda aqueles para quem a Aliança das Civilizações,
no quadro da luta global contra o terrorismo, mais soava a música
celestial do que a toque de política externa.
3
Por isso, quando foi o Dr. Jorge Sampaio2 foi nomeado, pelo
Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, para Alto
Representante (Abril de 2007), escolheu para mote, a cautela, para
palavra de ordem, a confiança, e para lema, a certeza de que a
Aliança vinha preencher um vazio político.
Com a nomeação do Alto Representante, a Aliança das
Civilizações entrou numa nova fase de operacionalização, cujo
objectivo principal foi criar um processo político, uma rede de
parcerias e uma dinâmica conducente à produção de resultados
concretos.
3. A Aliança das Civilizações, uma iniciativa para quê?
No nosso mundo marcado por tão profundos desequilíbrios, não é
só o planeta que acusa um adiantado estado de degradação.
Também as sociedades estão hoje mergulhadas num ambiente
humano muito degradado
Sabemos, claro, que a história das nações, das religiões e das
civilizações tem alternado períodos de paz e de guerras, momentos
de afrontamento, conflitos e intolerâncias com vontade de diálogo,
2 Presidente de Portugal (1996-2006)
4
abertura ao Outro e à cultura da diferença, da tolerância e de
valores universalistas.
De facto, as culturas tendem muitas vezes a afirmar as respectivas
identidades no confronto com as outras. E os particularismos
culturais, legitimados por factores religiosos ou étnicos, têm
funcionado como vectores de conflito e de dominação.
Mas por isso também, é preciso que cada civilização, cada religião
e cada cultura seja capaz de praticar, no seu próprio interior, a
tolerância, o reconhecimento da liberdade de consciência e o
direito à diferença.
Não só porque a intolerância de uma cultura ou de uma religião é
proporcional à intolerância no seu próprio interior mas também
porque a intolerância de uma cultura ou de uma religião não é
estável, mas tem variado ao longo dos tempos.
A complexa situação internacional criada na sequência do 11 de
Setembro, bem como de todos os outros atentados terroristas que
têm constantemente marcado esta década, fazem do diálogo de
civilizações, religiões e culturas uma inadiável urgência
humanitária.
Sem dúvida, a História mostra-nos que este não é um diálogo fácil.
Mas se não for ensinado e cultivado, cede o lugar ao monólogo ou
5
ao mutismo que são quase sempre fermento de perigosas atitudes
extremistas e de pulsões fanáticas.
Por isso, o diálogo, complexo e exigente, de civilizações, culturas e
religiões é necessário, possível e frutuoso. É o melhor contraponto
para o isolamento, a desconfiança e o confronto mas também o
mais potente incentivo à abertura, ao entendimento e à tolerância.
Por isso, também, a Aliança das Civilizações é a iniciativa certa,
no momento certo.
4. Mas afinal o que é a Aliança das Civilizações ? Os 3As da Aliança
Em inglês funciona melhor - Aims, Agenda, Approach!
Em português, é preciso um pouco mais de imaginação, mas
chegamos lá também – Alvos, Agenda e Abordagem da Aliança.
São estes os 3As da Aliança e que marcam a diferença.
6
Primeira Nota – os Alvos da Aliança.
As finalidades ou alvos a atingir são dois: o primeiro, é o de contribuir
para o melhoramento das relações entre as sociedades e comunidades
de extracção cultural e religiosa compósita e diversa, num tempo
marcado precisamente pela recrudescência do peso dos factores
cultural e religioso na vida pública e nas relações internacionais; o
segundo, é o de permitir enquadrar a luta contra o extremismo na
perspectiva da prevenção, actuando no plano da educação, da
juventude, dos media e das migrações, que são as quatro áreas de
intervenção da Aliança.
Segunda Nota - a Agenda da Aliança
A Aliança propõe-se desenvolver a agenda das Nações Unidas da Boa
Governação da Diversidade Cultural. Ao propor-se intervir nos quatro
domínios atrás referidos, que até recentemente eram sobretudo vistos
como políticas do foro interno dos Estados e tratados isoladamente, a
Aliança inova porque os traz para a Agenda da Boa Governação da
Diversidade Cultural.
Assim, para a Aliança, quer a educação, quer os media, quer a
juventude, quer as migrações são matérias conexas que importa
“transversalizar” através de um prisma de abordagem comum. Esta é,
sem dúvida, uma perspectiva nova, à qual importa imprimir um
carácter sistemático, coerente e sustentável.
7
Por isso, o Alto Representante lançou três desafios aos membros do
Grupo de Amigos da Aliança – uma comunidade que conta já com
mais de oitenta membros, composta por Estados e organizações
internacionais: primeiro, incitou os Estados a elaborar Planos
Nacionais e Estratégias Regionais para o diálogo inter-cultural; em
segundo lugar, convido as organizações internacionais a trabalhar em
parceria com a Aliança por forma a potenciar o extraordinário acervo
de que dispõem, a dar-lhe acrescida visibilidade e reforçada unidade
política de propósitos. E, em terceiro lugar, pediu a ambos que
nomeassem coordenadores nacionais ou Focal Points que sirvam de
interlocutores para a Aliança.
Só o preenchimento destas três condições permite tornar a Aliança
numa iniciativa sustentável, a prazo.
Para atingir este fim, é ainda indispensável garantir uma quarta
condição: a da estreita associação da sociedade civil à Aliança. Este é
um pilar, ainda incipiente, mas a cujo reforço está agora a ser dada
prioridade.
Terceira Nota - a Abordagem da Aliança
Por causa das finalidades que prossegue e da agenda que é a sua, a
Aliança é uma iniciativa prática, vinculada à obrigação de resultados.
8
Os colóquios, debates e conferências - de contornos mais ou menos
académicos e participação mais ou menos reservada - são, sem
dúvida, interessantes e úteis porque, nas matérias de que se ocupa a
Aliança, importa evitar estereótipos, preconceitos e análises simplistas
e redutoras, que resultam, quase todos, da ignorância.
No entanto, importa também evitar o escolho da “teologia civil do
diálogo”, para utilizar uma expressão que Régis Debray utiliza num
pequeno opúsculo intitulado “O diálogo das civilizações, um mito
contemporâneo” …
Por outras palavras, a Aliança tem por missão, produzir resultados e,
como vocação primeira, desenvolver uma abordagem glocal -
permitam-me o neologismo!
E por glocal, entende-se: transformar o âmbito global que é o seu, em
acção local. É este o desafio da Aliança.
5. Conspecto da evolução da Aliança: 2008/2009 – período de
operacionalização
O objectivo cardeal de operacionalização da Aliança ou, afinal, da
conversão de uma ideia num programa de actuação, orientado para a
obtenção de resultados no terreno tem dominado a estratégia que o
Alto Representante definiu para os dois primeiros anos do seu
mandato, tal como expresso no Plano de Acção (2007-2009)3,
3 Em consulta no site www.unaoc.org
9
apresentado ao Secretário Geral das Nações Unidas em Junho de 2007
e logo tornado público.
Eixos de actuação
Nesta primeira fase, têm sido três os principais eixos de actuação da
Aliança: consolidação da sua base de apoio, na tripla dimensão dos
Governos, das Organizações Internacionais e da sociedade civil;
definição e lançamento de um conjunto de projectos concretos, que
marcam a presença da Aliança no terreno; estruturação e definição da
Aliança, como o pilar das Nações Unidas para a boa governação da
diversidade cultural, no contexto de uma cultura de paz e de
desenvolvimento sustentável.
A concretização da primeira dimensão comporta três sub-dimensões
que se prendem respectivamente com o alargamento do “Grupo de
Amigos”, por forma a garantir à Aliança uma abrangência tão extensa
quanto possível em termos de países membros4; a expansão do Grupos
de Amigos virtualmente a todas as organizações internacionais e
regionais relevantes5, o que passa designadamente pela conclusão de
4 Situação a 31 de Dezembro de 2008: o Grupo de Amigos da Aliança contava com 78 Estados (lista no site da Aliança), estando em curso diligências junto de alguns Estados adicionais com vista à sua futura integração; em Abril de 2009, nas vésperas do Segundo Fórum da Aliança, os membros do Grupo de Amigos já somavam cem elementos5 Situação a 31 de Dezembro de 2008: o Grupo de Amigos contava com 12 Organizações; as diligências entretanto envidadas com vista à futura integração de outras organizações, levou a que mais algumas tenham aderido, tais como a CPLP, a Francofonia e a Commonwealth
10
acordos de entendimento e planos de acção conjuntos6; a densificação
da rede de parcerias com interlocutores da sociedade civil na
multiplicidade das suas componentes, desde ONGs a empresas,
passando por fundações, universidades, think tanks, organizações de
jovens, inter-profissionais ou outras e grupos confessionais.
Quanto à dimensão “presença no terreno”, a estratégia seguida visa
não só a progressiva afirmação e presença da Aliança em diferentes
fora internacionais, conferências e eventos, através de uma
colaboração activa na sua organização, mas também a sua
participação em projectos no terreno, quase sempre em parceria com
diferentes inter-locutores, embora haja algumas excepções que se
detalharão mais adiante.
Para além disso, está outrossim em estudo um conjunto de iniciativas
de cooperação ao nível das cidades, com o objectivo de criar redes no
terreno, envolvendo as autoridades locais, mas também os actores da
sociedade civil e do sector privado, cujo objectivo é desenvolver
actividades conjuntas permitindo a redução das tensões multiculturais
e um melhor conhecimento entre comunidades diferentes.
Por último, no que respeita à sustentabilidade da Aliança, esta passa
pela sua incorporação nas agendas nacionais e internacionais e pela
sua ancoragem no plano nacional e local. A realização deste objectivo
6 Situação a 31 de Dezembro de 2008: concluídos MoU, Planos de Acção e/ou Trocas de Cartas com: UNESCO, Liga Àrabe, Conselho da Europa, ALECSO, ISESCO, UCLG, SEGIB, União Europeia; No Fórum de Istambul, em Abril de 2009 foram assinados MoU e Planos de Acção adicionais, nomeadamente com a Organização da Conferência Islâmica, a Fundação Anna Lindh, a CPLP, a Francofonia, a OIM e a União Latina
11
tem exigido, por um lado, um extenso trabalho no plano dos
contactos, quer ao nível político e diplomático quer técnico, com as
organizações internacionais com o fim de serem acordados princípios
de colaboração, através da conclusão de acordos de entendimento e de
planos de acção conjuntos.
Acresce ainda ser da maior importância o papel que aos governos
cabe na ancoragem local da Aliança. Por isso, foi-lhes solicitado que,
por um lado, nomeassem coordenadores nacionais da Aliança, que
simultaneamente servissem também de pontos de contacto ou
correspondentes nacionais e, por outro, que desenhassem e aplicassem
Estratégias Nacionais para o Diálogo Intercultural.
Planos Nacionais e Estratégias Regionais para o Diálogo Intercultural: um
pilar fundamental da Aliança
Na economia da Aliança das Civilizações, que concentra os seus
esforços na cooperação intercultural e no desenvolvimento de práticas
de boa governação da diversidade cultural, os Planos Nacionais e as
Estratégias Regionais para o Diálogo Intercultural representam um
instrumento de primordial importância. Neste sentido, a Aliança
iniciou um trabalho contínuo e regular com o conjunto dos
coordenadores nacionais com vista a facilitar o trabalho de elaboração
das Estratégias Nacionais e a proporcionar uma plataforma de trocas
de boas práticas e de intercâmbios de experiências.
12
Nesta conformidade, teve lugar no início de Outubro de 2008, em
Paris, o primeiro encontro de coordenadores nacionais cujo objectivo
foi duplo: por um lado, fomentar um sentido de unidade e de
comunidade entre os coordenadores nacionais, estimulando o seu
conhecimento recíproco e a troca de experiências e práticas na área do
diálogo inter-cultual; por outro, proporcionar uma primeira troca de
pontos de vista acerca dos contornos e conteúdos das Estratégias
Nacionais. Para o efeito, foram também chamadas a participar nos
debates as Organizações Internacionais parceiras da Aliança.
Embora, por reflectirem situações muito diversas, tais Estratégias não
sejam passíveis de ser elaboradas com base num modelo único,
deverão tender, pelo menos a prazo, quer a cobrir os quatro domínios
de actuação da Aliança (educação, juventude, media e integração de
minorias/migrações), quer a incluir medidas e práticas que traduzam o
conjunto de princípios definidores da boa governação da diversidade
cultural. Tratando-se de um domínio relativamente novo, o
desenvolvimento de critérios e parâmetros adequados que constituam
um paradigma de boa governação da diversidade cultural, constitui,
sem dúvida, um desafio futuro para a Aliança das Civilizações, a que
não é alheia a problemática do respeito dos Direitos Humanos.
Conexas às Estratégias Nacionais existem ainda outras questões
pendentes, tais como a do modelo utilizado para a sua elaboração –
modelo centralizado ou top down ou, ao invés, bottom up, com base
num envolvimento precoce, ainda na fase da concepção, das
13
organizações da sociedade civil -, a do modelo de implementação ou
ainda de supervisão e avaliação. A abordagem que a Aliança tem
seguido nesta matéria define-se pela gradualidade e pelo carácter
aberto e voluntário deste processo que, reveste, no entanto, uma
natureza prioritária para o sucesso da Aliança.
A Aliança: uma construção gradual por blocos
Deve salientar-se que, tomada como um todo, a estratégia seguida
para transformar a ideia da Aliança das Civilizações numa iniciativa
concreta e sustentável, não só no espaço como no tempo, sem, no
entanto, a onerar com uma pesada estrutura burocrática, para a qual
aliás a Aliança não tem meios disponíveis, aparenta-se a uma
construção tripartida que, ao longo de 2008/2009, tem sido
progressivamente desenvolvida.
Assim, o primeiro bloco desta construção é constituído, como se
acabou de ver, por planos nacionais de diálogo inter-cultural, com
políticas claras nos domínios da educação, dos jovens, das migrações
e dos media, orientadas para o desenvolvimento de uma cultura de
paz, de diálogo e de respeito pela diferença, com base em conceitos e
princípios de boa governação da diversidade cultural.
O segundo bloco é constituído por iniciativas regionais,
impulsionadas quer pelas organizações ou processos regionais
existentes, quer por um país ou grupo de países de uma dada região. A
14
prazo, será na plena utilização das próprias agências das Nações
Unidas que parece necessário apostar para, de uma forma flexível,
evitar redundâncias e duplicações e, ao mesmo tempo, dotar a Aliança
de unidade, coerência e efectividade na sua actuação.
O terceiro bloco é constituído pelas redes associativas – de cidades, de
fundações, de escolas, de universidades, de think tanks, de empresas,
de ONGs, de igrejas e grupos confessionais - que, associadas à
Aliança das Civilizações, através do endosso dos seus propósitos e
objectivos, deverão estabelecer parcerias e desenvolver acções
comuns.
Em termos muito genéricos, é no quadro de uma dinâmica com estes
contornos que a Aliança será susceptível de realizar a sua vocação
global de construtora de pontes entre as sociedades, de fomentadora
do diálogo e do entendimento e de fermento da vontade política
colectiva de abordar os desequilíbrios do mundo, tal como consta do
seu Relatório inspirador.
Só assim, apostando num forte enraizamento regional – escudado
ademais numa adequada implantação nacional –, poderá a Aliança,
por assim dizer, desglobalizar os seus objectivos universais e produzir
resultados locais.
6. O primeiro Forum da Aliança e os compromissos de Madrid (Janeiro de
2008)
15
Do conjunto das actividades acabadas de referir, levadas a cabo desde
a apresentação do Plano de Acção, em Junho de 2007, cabe destacar a
realização do primeiro Fórum da Aliança das Civilizações, que teve
lugar em Madrid, em Janeiro de 20087.
Este encontro revestiu uma dupla vertente: por um lado, constituiu
uma espécie de plataforma para um vasto debate que reuniu mais de
mil participantes, não só representantes dos Estados membros e das
organizações que fazem parte do Grupo de Amigos da Aliança, como
também fundações, académicos, líderes religiosos, empresários,
organizações da sociedade civil, especialmente de jovens etc; por
outro, serviu como um verdadeiro laboratório de projectos novos, de
aprofundamento de outros em curso ou de lançamento de um conjunto
de programas com a chancela da Aliança das Civilizações.
De facto, o Fórum foi uma ocasião única de que resultou o anúncio de
uma série de projectos, uns levados a cabo pela Aliança outros com a
sua colaboração. Entre os primeiros, devem destacar-se dois:
construção de “Clearinghouses” da Aliança – a primeira das quais,
lançada no Fórum e centrada na chamada “Media literacy
education”-, que cataloga os programas de media literacy e as
políticas governamentais correlacionadas existentes nos quatro cantos
do mundo.
O segundo projecto refere-se à construção de um “Rapid Response
Media Mechanism (RRMM)”- uma espécie de plataforma on line de
7 Brochura em consulta no site www.unaoc.org ou disponível em papel quando solicitada
16
acesso a uma bolsa de peritos, autores, filósofos, escritores, que
podem ser consultados pelos media sobre um conjunto de questões e
polémicas de sociedade, sobretudo de natureza cultural e religiosa,
que, como sabemos, têm marcado o quotidiano da nossa vida em
comum e sobre as quais existe, tantas vezes, tanta ignorância e tantos
mal-entendidos – a título de exemplo, cabe referir que este mecanismo
foi operacionalizado, pela primeira vez, por ocasião do lançamento do
filme “Fitna”, em Março último, tendo-se esta utilização experimental
do Mecanismo revelado muito positiva.
Estes dois projectos merecem especial destaque porque são
específicos da Aliança e porque são susceptíveis de revestir uma forte
componente nacional e/ou regional. Por exemplo, no âmbito do
RRMM, a sua evolução natural será simultaneamente a de ir
alargando e aprofundando o conjunto de matérias cobertas, mas
também completando a lista dos peritos disponíveis, consolidando a
sua abrangência geográfica; para este efeito, dever-se-ão incentivar os
países ou áreas linguísticas a desenvolver uma secção de recursos
próprios – no nosso caso, “lusófono”.
Para além destes dois projectos, foram anunciadas em Madrid outras
iniciativas de relevo, tais como: «Silatech», uma iniciativa dotada de
uma verba inicial de cem milhões de dólares, resultante de um
conjunto de parcerias internacionais, liderada pelo Qatar e destinada a
fomentar a criação de emprego para jovens na zona do Magrebe;
criação de um “Fundo Media”, anunciada pela Rainha Noor da
Jordânia, com uma dotação inicial de dez milhões de dólares
17
provenientes do sector privado e de parcerias com empresas de
Hollywood, destinado a apoiar produções media destinadas a focar
questões de relacionamento inter-cultural para serem difundidas num
canal YouTube próprio; criação de um “Fundo de Solidariedade para
Jovens” vocacionado para o apoio de iniciativas promovidas por
jovens que incentivem o relacionamento e melhor conhecimento entre
jovens de diferentes culturas e tradições.
O Fórum de Madrid constituiu um marco incontornável na história da
Aliança pois, por um lado, simbolizou o arranque efectivo da Aliança
como iniciativa com um dinamismo próprio e uma força política
inegável e, por outro, dotou a Aliança de um fôlego político renovado
e de metas de actuação claras. Desde então, as actividades
desenvolvidas têm tido por objectivo não só concretizar os
compromissos assumidos em Madrid, como também preparar o
terreno para uma nova fase da Aliança, consolidada a iniciativa em
termos organizativos, estruturais e funcionais.
18
7. O segundo Fórum da Aliança e os compromissos de Istambul (Abril de 2009)
O segundo Fórum da Aliança realizou-se a 6 e 7 de Abril de 2009,
tendo tido como anfitrião a Turquia.
O Fórum de Istambul evidenciou três características que, em muito
contribuíram para o seu sucesso, a saber:
o ser uma plataforma de diálogo abrangente com participação e
interacção de diferentes categorias interlocutores (decision-
makers, organizações internacionais, sociedade civil, ONGs,
fundações, sector empresarial)
o ser uma plataforma de intercâmbios, debate e apresentação
pública das matérias e projectos de que se ocupa a Aliança
o ser um momento de reafirmação de compromissos, de
lançamento de novos projectos, de estímulo e de reforço para a
Aliança – mobilização política e social
19
O segundo Fórum desempenhou um papel ímpar: por um lado,
constituiu a renovação pública do compromisso político da
Comunidade Internacional em relação à Aliança, enquanto plataforma
das Nações Unidas para tratar da questão da boa governação da
diversidade cultural; e, por outro, preencheu um duplo requisito pois
mostrou os progressos realizados na concretização dos dez
compromissos resultantes do Forum de Madrid e apontou o caminho a
seguir na criação de uma dinâmica reforçada que vai permitir a
Aliança avançar com resultados concretos na boa governação da
diversidade cultural.
O Fórum de Istambul foi um dos principais desafios e prioridades
para 2009, não porque a Aliança se esgote na realização de Fóruns
anuais, mas porque estes são pedras angulares na concretização dos
objectivos da Aliança, envolvendo não só todos os seus parceiros
como a inteira comunidade dos seus membros.
Com acima referido, em Istambul foram reafirmados alguns dos
compromissos, já assumidos em Madrid, e anunciadas novas
iniciativas que serão levas a cabo durante o período de vigência do
segundo Plano de Acção (2009-2011) que será apresentado pelo Alto
Representante em Junho.
Em Istambul foi assinado mais um conjunto de novos Memoranda of
Understanding, apresentados cerca de dez novos Planos Nacionais e
anunciadas várias Estratégias Regionais.
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Entre as iniciativas novas destacam-se (lista completa encontra-se no
site www.unaoc.org):
o Um Movimento Global de Jovens para a Aliança das
Civilizações, composto por organizações de jovens e
particulares que se dedicam a tornar os temas da Aliança uma
realidade através de projectos e iniciativas
o Uma Rede de “Global Dialogue Cafés”, baseados na tecnologia
de ponta de telepresença, lançado em parceria com a CISCO;
o “Restore Trust, Rebuild Bridges”, um conjunto de projectos
para a bacia mediterrânica lançado conjuntamente com a
Fundação Anna Lindh em parceria com outras organizações,
como a UNESCO, Organização da Conferência Islâmica etc;
o Programa de Intercâmbios de Jovens Líderes
o Um festival de filmes “Plural+” para jovens sobre temas ligados
às migrações, em parceria com a Organização Internacional das
Migrações
o Lançamento de uma publicação “Mapping Media Education
Policies around the World”, conjuntamente com a UNESCO
21
o Lançamento de uma publicação “Doing business in a multi-
cultural world – challenges and opportunities”, conjuntamente
com a UN GLOBAL COMPACT.
8.Depois do segundo Fórum - Os desafios de um ano charneira
Para a Aliança, 2009 parece ser um ano charneira por duas razões
principais. Primeiro, porque o primeiro Plano de Acção (2007-2009)
vem a termo, sendo necessário apresentar um novo roteiro para o
biénio de 2009-2011, o qual deverá ser apresentado em Junho.
Ora, se o primeiro Plano de Acção foi o do arranque da
operacionalização da Aliança, como se viu no parágrafo anterior,
tendo sido razoavelmente bem sucedido, já o segundo Plano de
Acção, correspondendo agora a uma fase de maior maturidade e de
consolidação terá certamente que vencer um conjunto de dificuldades
e inércias próprias, o seu sucesso dependendo fundamentalmente da
vontade política e do grau de compromisso que os parceiros da
Aliança manifestarem.
Expressão desta fase de maturidade, corresponde a intenção de, pela
primeira vez em 2009, ser apresentada à Assembleia Geral das Nações
Unidas uma proposta de resolução sobre a Aliança (em preparação),
em complemento aos Relatórios Anuais, cuja primeira edição foi
apresentada pelo Secretário Geral em 2008.
22
Em segundo lugar, por causa do papel ímpar que o segundo Fórum
desempenhou importa prosseguir com a dinâmica criada por forma a
apresentar resultados concretos no âmbito da boa governação da
diversidade cultural.
O terceiro desafio da Aliança consistirá em consolidar o seu alcance
global através do alargamento do grupo de amigos, da ampliação do
seu campo de actuação e do aprofundamento e da sua presença
regional sobretudo em África, América do Sul e Ásia. A Aliança
velará por desenvolver uma presença regional mais equilibrada e
forte. No entanto, este objectivo só poderá ser alcançado se os Estados
assumirem o compromisso político de desenvolver as suas Estratégias
Nacionais e se forem desenvolvidas iniciativas regionais com vista a
promoção da boa governação da diversidade cultural.
Por conseguinte, a quarta prioridade da Aliança será prosseguir os
seus esforços com vista a promover o debate com e entre os
coordenadores nacionais e outros parceiros relevantes em torno dos
Planos Nacionais e das Estratégias Regionais.
Acresce que será desenvolvida uma abordagem mais abrangente com
vista a trabalhar em conjunto em eventuais parâmetros comuns,
políticas e estratégias de implementação da boa governação da
diversidade cultural. Entre as matérias a abordar neste âmbito podem
destacar-se a questão de um modelo de Estratégia Nacional; de
critérios comuns de “boas práticas” aplicáveis à avaliação dos
23
projectos; da definição de políticas apropriadas de diálogo
intercultural. Para o efeito, a Aliança contará com a colaboração das
organizações internacionais e regionais parceiras bem como de
instituições académicas e think tanks, cujo contributo será crucial.
A quinta prioridade diz respeito a questões organizativas e financeiras.
Para que se torne numa organização sustentável, a Aliança terá
simultaneamente que consolidar as suas estruturas de trabalho no
plano mundial e o seu Fundo Fiduciário. Deverá ser procurada uma
melhor coordenação com as agências e órgãos especializados das
Nações Unidas assim como com as outras organizações existentes e
processo regionais existentes.
Quanto ao financiamento da Aliança, será um ponto prioritário por
causa do seu papel crucial quer para a viabilidade quer para a própria
credibilidade da Aliança. Em 2009, uma das principais prioridades
será a construção de uma verdadeira comunidade de patrocinadores
empenhados - abarcando governos, organizações internacionais,
sector empresarial, fundações etc.
Quanto à sexta prioridade, diz respeito ao desenvolvimento de uma
estratégia de comunicação no plano global que coloque a Aliança na
agenda mediática de uma forma positiva e construtiva, contribuindo
para um melhor conhecimento da iniciativa por parte do grande
público.
24
9. Desenhar o futuro: algumas interrogações e dificuldades
A tarefa da Aliança das Civilizações não é de um dia nem porventura
de uma geração só. Ao limite, ela visa realizar o sonho kantiano da
paz universal…Neste sentido, encerra algo que alguns se apressarão a
rotular de utópico, desvalorizando a iniciativa. Mas podemos, ao
invés, sem perder o sentido da realidade, ver nela a afirmação de uma
vontade colectiva de mudar o mundo; de dizer, basta de negros
vaticínios acerca de uma imparável rota de colisão inter-cultural e
inter-religiosa. Podemos ver na Aliança das Civilizações a expressão
de um sobressalto civilizacional e uma tentativa colectiva de melhorar
o ambiente humano, tal como muito recentemente o tema da
protecção do ambiente e da bio-diversidade passou a ocupar o topo da
agenda política internacional.
O certo é que as questões da diversidade cultural por efeito da
crescente mobilidade das populações e da universalidade da
comunicação em tempo real ganharam uma nova premência. O certo é
que, desde o 11 de Setembro entrámos numa fase de perigosos
afrontamentos no plano internacional, que se repercutem na aldeia
global em que vivemos e que não temos podido nem sabido controlar.
Um primeiro ponto parece, no entanto, seguro: a Aliança das
Civilizações nasce de um propósito novo – o de constituir um espaço
de diálogo alargado, que ultrapasse as clivagens e os bloqueios
habituais que têm polarizado os debates nos fora multilaterais,
dificultando decisões e opondo blocos pré-alinhados – países do Norte
25
versus países do Sul; Ocidente versus Islão; mundo desenvolvido
versus mundo em desenvolvimento.
Um segundo elemento parece também indiscutível: para se
desenvolver como espaço alargado de diálogo e de cooperação, a
Aliança não pode posicionar-se como mais uma qualquer comissão ou
conselho das Nações Unidas nem tão pouco como uma versão restrita
de uma Assembleia Geral. Os membros que a compõem terão de se
ver mutuamente mais como sócios e condóminos de um projecto
comum do que como partes de uma guerra de trincheiras.
O objectivo da Aliança não é o de recriar enclaves, nem de reproduzir
conhecidas linhas de divisão no seu próprio seio. Bem pelo contrário,
trata-se de salvaguardar o essencial, renunciando ao acessório; trata-se
de, sem iludir os desacordos, aceitar que podemos dialogar, sem
necessariamente ter de concordar em tudo, e sobretudo que podemos
trabalhar em conjunto evitando que os desentendimentos degenerem
em conflitos; trata-se no fundo de, da mesma lira, extrair acordes que
repercutam uma certa harmonia de contrários.
Claro que a Aliança das Civilizações não deixará de ser vista e
utilizada por cada um dos seus Estados membros como um
instrumento da sua própria política externa. Mas isso é muito positivo
porque potencia a sua força de afirmação. No entanto, não pode
deixar-se canalizar para a retórica da guerra das civilizações nem ser
usada como uma arma mais de arremesso. Há que ousar esperar que
os compromissos assumidos em Madrid serão levados a cabo, com
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