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1 Fiscalidade e acumulação: um balanço historiográfico sobre contratos no Brasil Colônia Carolina Alves de Oliveira Rocha O arrendamento de tributos e produtos a terceiros esteve presente em grande parte da história administrativa e fiscal do mundo luso-brasileiro. Se baseava em um acordo, ou contrato, temporário estabelecido entre a Coroa e particulares, representantes das elites coloniais ou metropolitanas – políticas ou econômicas, e que proporcionava benefícios para ambas as partes envolvidas. A Coroa era duplamente beneficiada com a prática: além de não ter que arcar com os custos de um imenso aparelho burocrático, contava com um valor pré-fixado, no momento da arrematação. Em relação aos contratadores, tinham por obrigação, além de pagar o preço do contrato, cuidar para a arrecadação e/ ou distribuição do produto / tributo. Por benefícios, o contratador obtinha todos os privilégios destinados, pelas Ordenações ou pelo Regimento da Fazenda, aos participantes das rendas reais, uma posição social diferenciada – devemos lembrar da forte carga simbólica da sociedade colonial - além da acumulação de capital possibilitada pelos contratos, ainda que ilegalmente. Dessa forma, estabelece-se, via arrendamento, uma aliança entre Coroa e particulares, responsáveis, ainda que temporariamente, por gerir a arrecadação sobre bens ou tributos pertencentes à Coroa portuguesa. E, mais do que uma opção sobre a forma pela qual se dariam as arrecadações, os contratos se constituíram em uma necessidade imposta à Portugal ao longo do período colonial, em decorrência tanto da distância física entre metrópole e colônia americana, da incapacidade de manter um extenso aparelho burocrático sobre as áreas dominadas como dos altos custos e riscos decorrentes da empresa colonial. Deve-se destacar a importância dos contratos para a administração fazendária e, por conseguinte, para a própria sobrevivência financeira da Coroa. Desde o início do século XVII, boa parte das receitas auferidas por Portugal tinham origem nos contratos da colônia americana. Em 1617, por exemplo, de uma receita total de 306:467$000 réis, os contratos (dízimos, pau-brasil e pesca da baleia) geraram 81:500$000 réis, isto é, 26,6% da renda Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

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Artigo tratando da época moderna. Destaca-se a

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Fiscalidade e acumulação: um balanço historiográfico sobre contratos no Brasil Colônia

Carolina Alves de Oliveira Rocha

O arrendamento de tributos e produtos a terceiros esteve presente em grande parte

da história administrativa e fiscal do mundo luso-brasileiro. Se baseava em um acordo, ou

contrato, temporário estabelecido entre a Coroa e particulares, representantes das elites

coloniais ou metropolitanas – políticas ou econômicas, e que proporcionava benefícios para

ambas as partes envolvidas. A Coroa era duplamente beneficiada com a prática: além de

não ter que arcar com os custos de um imenso aparelho burocrático, contava com um valor

pré-fixado, no momento da arrematação. Em relação aos contratadores, tinham por

obrigação, além de pagar o preço do contrato, cuidar para a arrecadação e/ ou distribuição

do produto / tributo. Por benefícios, o contratador obtinha todos os privilégios destinados,

pelas Ordenações ou pelo Regimento da Fazenda, aos participantes das rendas reais, uma

posição social diferenciada – devemos lembrar da forte carga simbólica da sociedade

colonial - além da acumulação de capital possibilitada pelos contratos, ainda que

ilegalmente. Dessa forma, estabelece-se, via arrendamento, uma aliança entre Coroa e

particulares, responsáveis, ainda que temporariamente, por gerir a arrecadação sobre bens

ou tributos pertencentes à Coroa portuguesa. E, mais do que uma opção sobre a forma pela

qual se dariam as arrecadações, os contratos se constituíram em uma necessidade imposta à

Portugal ao longo do período colonial, em decorrência tanto da distância física entre

metrópole e colônia americana, da incapacidade de manter um extenso aparelho burocrático

sobre as áreas dominadas como dos altos custos e riscos decorrentes da empresa colonial.

Deve-se destacar a importância dos contratos para a administração fazendária e, por

conseguinte, para a própria sobrevivência financeira da Coroa. Desde o início do século

XVII, boa parte das receitas auferidas por Portugal tinham origem nos contratos da colônia

americana. Em 1617, por exemplo, de uma receita total de 306:467$000 réis, os contratos

(dízimos, pau-brasil e pesca da baleia) geraram 81:500$000 réis, isto é, 26,6% da renda

Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

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total obtida por Portugal naquele ano1. O movimento continuou semelhante ao longo do

período colonial. Já sob Pombal, os contratos renderam ao Erário Régio mais de 1.000

contos por ano, ou seja, o equivalente a 17% das receitas2.

Apesar disso, o estudo da dinâmica dos contratos ainda é relativamente pequeno.

Apesar do vácuo historiográfico sobre o tema, a análise dos contratos, sobretudo através de

seus conluios e descaminhos, se constitui em preciosa ferramenta para o estudo dos jogos

de poder, tanto na colônia, quanto além dela, nas relações com o Reino ou com outras

partes do Império ultramarino português.

Caio Prado Jr, um dos primeiros a abordar a questão dos contratos, ainda na década

de 1940, percebe nesse mecanismo, uma prática prejudicial tanto à Coroa quanto aos

contratadores, uma vez que: “(...) no afã de arrebatá-los, pois constituíam em princípio um

dos melhores negócios da época, os licitantes iam freqüentemente além do que o contrato

podia render em tributos arrecadados; e não só se arruinavam, mas deixava a fazenda de

receber seus créditos.”3

O posicionamento de Caio Prado a respeito dos contratos merece algumas

considerações. Para o clássico autor, o sistema de contratos se constituía em “uma das mais

maléficas práticas do governo colonial”4. O prejuízo gerado pela gestão de terceiros

desprovidos de capacidade de administração ou mesmo pelas dívidas não pagas e

descaminhos, protegidos sob o manto de poderosas alianças, acabava por transformar uma

prática que a princípio deveria ser positiva, uma vez que em sua visão o sistema de

contratos simplificava a cobrança de tributos5, em um arranhão direto no exercício da

exploração pela metrópole, uma vez que atingia aquilo que Caio Prado considerou o

objetivo essencial da colonização: a maximização dos lucros metropolitanos e a produção

1 Desses valores, os direitos alfandegários pagos pelo açúcar compreendiam a o maior parte: 214:467$000, ou seja, 70%. In: LOBO, Eulália M. Lahmeyer. O Processo Administrativo Íbero-Americano (Aspectos sócio-econômicos – Período Colonial). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército – Editora, 1962. p. 329. Apud ARAUJO, Luiz Antônio Silva. Contratos e Tributos nas Minas Setecentistas: o estudo de um caso – João de Souza Lisboa ( 1745-1765). Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF. 2002. p. 56. 2 ARAUJO, Luiz Antonio Silva. Contratos e Tributos nas Minas Setecentistas. Op. cit. p. 62. 3 PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. p. 322. 4 Idem. ibidem. p. 321. 5Idem. ibidem. p. 322.

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voltada para o exterior, como “simples fornecedora do comércio internacional”6. Dessa

forma, o mau exercício do poder fiscal pelos contratadores, bem como a apropriação desse

poder para fins particulares com participação de funcionários régios, poderia acarretar, em

última instância, em um esvaziamento da autoridade metropolitana. Essa visão passa a ser

discutida pela geração seguinte que, embora continuasse a perceber a dinâmica dos

contratos como inerente ao regime do exclusivo, entende as arrematações não como uma

prática perniciosa, mas uma extensão do poder régio na medida em que se tratava de uma

concessão de monopólio.

Pioneiro, nesse sentido, é o trabalho de Myriam Ellis. Ellis afirma: “Mediante

contrato estabelecia-se a concessão do monopólio. Ou melhor, a Coroa proporcionava a

particulares sociedade temporária com a Fazenda Real para a exploração do comércio de

um produto”7. Para a autora, o arrendamento ou arrematação dos contratos se constituía em

uma sociedade temporária oferecida pela Coroa, uma concessão do monopólio, privilégio

assumido pelo Estado ou concedido à classe mercantil metropolitana e que se constituía na

essência do sistema colonial, uma vez que “Cabe lembrar que o monopólio do comércio das

Colônias foi a essência do sistema colonial e a sua preservação, o principal objetivo da

política colonial. À sombra do monopólio, e apesar dele, é que as colônias se originaram e

se desenvolveram”8. Os contratos surgem, assim, como mecanismo essencial para que fosse

levada a cabo uma política burguesa de acumulação de capital mercantil, movimento

intensificado sob a administração pombalina.9 Em relação aos contratadores, Ellis percebe a

arrematação como forma de destaque e prestígio10, sem considerar os lucros que tal

mecanismo poderia proporcionar aos seus participantes.

Assim como Myriam Ellis, Maria de Lourdes Viana Lyra percebe os contratos, em

seu caso, especialmente o contrato dos dízimos, como forma de obtenção de lucros

imediatos, sem grandes encargos, sobre produtos ou rendas monopolizadas por parte da

6 Idem. ibidem. P. 125. 7 ELLIS, Myriam. “Comerciantes e contratadores do passado colonial”. São Paulo, Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, USP, 1982, p. 97-122. Disponível em: http://www.ieb.usp.br/revista/revista024/rev024myriamellis.pdf. P. 98. 8 Idem. ibidem. P. 98 9 Idem. Ibidem. P. 99 10 Idem. Ibidem. P. 100

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Coroa. O objetivo seria, mais uma vez, a garantia do lucro metropolitano11, não

considerando as dinâmicas internas, a acumulação proporcionada pelos contratos e as

formas de investimento dos valores auferidos pelos contratadores. Sobre eles, afirma

apenas que a figura do contratador surge como alternativa aos dizimeiros, primeiros

arrecadadores dos dízimos, que pelos altos custos que representavam à Coroa portuguesa

cederam lugar à administração contratual. Os contratadores são percebidos, portanto, como

funcionários públicos, ainda que desfrutando de maior autonomia no exercício de suas

funções do que o dizimeiro12. Lyra não se estende nas análises sobre os contratadores,

preferindo trabalhar a história e a cobrança dos dízimos, investigando minuciosamente a

origem dos dízimos e a apropriação do imposto pela Coroa, dentro da idéia da exploração e

monopólio, embora aponte para a possibilidade de negociação – não se trata aqui do sentido

dado à palavra “negociação” por uma historiografia mais recente, que propõe a

flexibilização das relações colônia / metrópole e o reconhecimento dos poderes locais13,

mas sim de um reacordo - entre Coroa e colonos, entendidos aí como contratadores, no caso

do não pagamento do contrato14.

Trabalhos mais recentes, que romperam com a visão dualística metrópole/colônia e

buscam entender as articulações de poder dentro do Império português, percebem nos

contratos um instrumento para estudo das dinâmicas de poder, conluios e descaminhos,

bem como da fiscalidade; afinal, “O estudo da arrematação dos contratos é revelador do

efetivo funcionamento da administração fazendária”15. Os freqüentes casos de conluios e

descaminhos levavam a uma tentativa de cerceamento ou um esforço por centralização,

através, por exemplo, das transferências das arrematações para a Bahia ou arrecadação dos

11 LYRA, Maria de Lourdes Viana. Os dízimos reais na capitania de São Paulo: Contribuição à História Tributária do Brasil Colonial (1640-1750). Dissertação de Mestrado. São Paulo, 1970. P. 36. 12Idem. ibidem. P. 26. 13 Sobre a aplicação da idéia de “autoridade negociada”, cunhada por Jack Greene, na América Portuguesa cf. BICALHO, Maria Fernanda. “Pacto colonial, autoridades negociadas e o império ultramarino português”. In SOIHET, Rachel et alli. Culturas Políticas: Ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. 14 LYRA, Maria de Lourdes Viana. Os dízimos reais na capitania de São Paulo. op. cit. P. 64. 15 SANCHES, Marcos Guimarães. “Contratos e Conluios: a administração fazendária no Rio de Janeiro”. Revista da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica, v. 21, Curitiba, p. 41-49, 2001.

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tributos por oficiais régios, mas que acabavam por esbarrar nas dinâmicas coloniais, como

demonstrou Sanches16.

E sobre essas dinâmicas coloniais que se debruçou Luciano Figueiredo, uma vez

que buscou articular os contratadores com a sociedade colonial, privilegiando as relações e

a receptividade desses arrematadores na sociedade. Figueiredo percebe os contratadores

como arrendatários, ainda que temporários, dos direitos reais e os contratos como a solução

da incapacidade da estrutura administrativa fazendária de cercar todas as fontes da receita

que necessitava obter, ao lado da venalidade dos cargos públicos17, bem como uma forma

de desonerar a Fazenda de despesas maiores e do desgaste político com a cobrança dos

tributos, que ficariam por conta do contratador 18. O autor destaca ainda o papel da

burguesia metropolitana nas arrematações e na produção e distribuição dos produtos,

concordando nesse ponto, com a perspectiva adotada por Myriam Ellis, tratando os

contratos como forma de promoção de uma política burguesa19. Lembrando que, muitas

vezes, as cobranças feitas pelos contratadores à população constituíram em motivo de

constantes queixas da sociedade local, Figueiredo associa a ação dos contratadores à

eclosão de revoltas de caráter fiscal na colônia, levantando a hipótese de que a

autotributação, praticada várias vezes pelas Câmaras coloniais, poderia servir como recurso

de resistência à tributação direta e ao arrendamento dos tributos20.

Linha diferente foi adotada pelo português Jorge Pedreira, que aponta que, na

segunda metade do XVIII, surge em Portugal uma elite mercantil empenhada no comércio a

longa distância e na arrematação de contratos como conseqüência da política pombalina de

nacionalização ou concentração do comércio do Império nas mãos de comerciantes

portugueses. Característica do grupo mercantil era a pluralidade das formas de

investimentos, que incluiriam as navegações, comércio a longas distâncias, arrematações de

contratos e atividades creditícias. Pedreira, entretanto, vai além em sua análise sobre os

contratos. Para o autor, “Se havia, no entanto, uma actividade que podia introduzir uma

16 Idem. ibidem. 17 FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América Portuguesa: Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-1761. Tese de Doutorado. São Paulo: USP,1996. p. 342 - 344. 18 Idem. ibidem. p. 352. 19 Idem. ibidem p. 344-345. 20 Idem. Ibidem. p. 362-363 e 383.

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certa diferenciação entre eles [homens de negócios] era a arrematação da cobrança de

rendas públicas e da exploração de bens e monopólios régios, que, em grande parte, o

Estado continuava a adjudicar, por contrato, a particulares.”21. Os contratos surgem em sua

análise, portanto, como formador ou reiterador de estratégias, fator de discriminação no

interior do corpo mercantil e até mesmo fomentador de tendências oligárquicas, indo além

de uma simples ramificação das atividades dos homens de negócios, em especial se

considerado que se tratava de um mecanismo de enriquecimento e de influência acessível a

poucos.

Influenciadas por Pedreira, surgiram diversas análises sobre o tema, como as de

Helen Osório, João Fragoso e Jucá Sampaio, sobretudo percebendo os contratos como uma

ferramenta para análise das atividades desenvolvidas pelas elites – principalmente

mercantis, trabalhando os contratos dentro do âmbito do poder e influência das elites locais,

ou imperiais, bem como as possibilidades de acumulação proporcionadas, deslocando o

foco da análise dos contratos para a ação dos contratadores.

Helen Osório, ao trabalhar diversos contratos do Rio Grande, insere a contratação

no corpo das atividades realizadas por homens de negócios, como já fizera Pedreira. A

autora percebe na arrematação dos contratos um mecanismo de delegação da competência

fiscal a particulares, bem como a concessão de um privilégio vantajoso para ambos os

lados. Para a Coroa, como já mostrado, porque esta se desonerava de custos maiores e ainda

contava com valores pré-fixados e para os contratadores porque tinham diante de si um

instrumento de acumulação e influência, dada a lógica do Antigo Regime, estendendo para

si direitos e práticas monopolísticas22. Em relação aos contratadores, identificados pela

autora, em boa parte, como comerciantes de grosso trato, os contratos se constituíam em

lucrativos negócios para homens que já haviam adquirido capacidade de acumulação,

através de negócios diversos - de trigo a escravos e práticas usurárias23 - e em indicativo de

seu sucesso no corpo mercantil, assim como a obtenção do título de Cavaleiro da Ordem de

21 PEDREIRA, Jorge M. “Negócio e capitalismo, riqueza e acumulação. Os negociantes de Lisboa (1750-1820). Tempo: Revista do Departamento de História da UFF. Nº 15 Vol. 8. Niterói, 2003. P. 46. 22 OSÓRIO, Helen. “As elites econômicas e a arrematação dos contratos reais: o exemplo do Rio Grande do Sul (século XVIII)”. In: FRAGOSO, J., BICALHO, M. F., GOUVÊA, M. de F. (Org.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 110 e 122. 23 Idem. Ibidem. p. 117 e 137.

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Cristo24. Nesse sentido, os contratos funcionavam como uma extensão de suas atividades,

conferindo conhecimento e prestígio e propiciando o alargamento de seus negócios

mercantis25, ou uma conseqüência da acumulação proporcionada por outras atividades, de

forma a reiterar a posição alcançada e expandir as redes de conhecimento e, também, de

negócios. Osório aponta ainda que o mecanismo dos contratos contribuiu para a

constituição de um mercado interno encabeçado pelo Rio de Janeiro, que se estendia sobre

as demais áreas coloniais, incluindo aí o Rio Grande26, uma vez que, além de possibilitarem

mecanismos de acumulação e acesso ao poder – entendido aí como a proximidade com a

governança – para as elites mercantis fluminenses, proporcionou a diversificação das

atividades desenvolvidas pelas melhores famílias da terra e o controle pelo Senado da

Câmara de importantes setores da economia. E é especialmente sobre as atividades das

elites da terra e camaristas que João Fragoso analisa os contratos. O autor trata a questão

dos contratos de forma secundária, abordando-a quando trata das atividades e negócios da

elite da terra ou, ainda, das elites mercantis. Fragoso se mostra interessado nas redes de

aliança que envolvem os contratos e seus conluios, bem como a arrecadação proporcionada

pelos contratos, de forma legal ou ilegal. Para Fragoso, o controle de alguns contratos por

parte do Senado da Câmara do Rio de Janeiro significa a possibilidade dos principais da

terra controlarem setores vitais da economia colonial através de arrendamentos diversos27.

Jucá Sampaio, por sua vez, trabalha com os contratos tanto ao tratar da economia

agrária fluminense entre os séculos XVII e XVIII, quanto do grupo mercantil em

consolidação na praça do Rio de Janeiro, sobretudo na primeira metade do século XVIII.

Para o autor, a arrematação de contratos se constituía em um dos ramos de atividade dos

homens de negócio fluminenses, perspectiva também adotada, como já visto, por Helen

Osório, bem como o mercado de crédito, embora ressalte que não havia um monopólio do

24 OSÓRIO, Helen. “Comerciantes do Rio Grande de São Pedro: formação, recrutamento e negócios de um grupo mercantil da América Portuguesa”. Revista Brasileira de História. Vol. 20. nº 39. São Paulo. 2000. 25 OSÓRIO, Helen. “As elites econômicas e a arrematação dos contratos reais: o exemplo do Rio Grande do Sul (século XVIII)”. Op.cit. p. 125. 26 Idem. Ibidem. p. 137. 27 FRAGOSO, João Luiz. A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII). Topoí, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 45-123, 2000. p. 88.

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grupo mercantil sobre as arrematações28. Para Jucá, tanto a arrematação como o

arrendamento de parte dos contratos são estratégias de ampliação das atividades dos

homens de negócio – que, em especial nos anos iniciais do século XVIII, raramente se

definem como tais, preferindo usar titulações diversas, como Cavaleiro da ordem de Cristo,

moedeiros ou contratadores29, podendo indicar uma certa hierarquia entre as diferentes

denominações, daí o privilégio de uma em detrimento de outra, e onde o ser contratador

assume um peso maior possivelmente pela inserção no serviço régio e proximidade com a

governança - e, em especial no caso da divisão dos contratos em partes, de diminuição de

seus riscos. Assim, a arrematação dos contratos é indicativo da capacidade financeira dos

homens de negócio, além de ser poderoso mecanismo de acumulação de capital 30, por

propiciar altos ganhos.

Nos últimos anos, o tema dos contratos tem reaparecido com destaque, especial se

tratando da região mineradora, como nas obras de Luís Antônio Araújo e Fernando Lamas,

que se dedicam a uma micro análise, trabalhando com estudos de caso de alguns

contratadores. Dessa forma, assim como os trabalhos anteriores, inserem os contratos no

corpo das atividades de alguns homens de negócios.

Araújo, ao trabalhar com os diversos contratos assumidos pelo homem de negócios

João de Souza Lisboa, retoma os trabalhos clássicos, em especial o de Myriam Ellis que,

como já visto, aponta a monarquia portuguesa como dotada de um caráter empresarial.

Araújo, entretanto, vai além ao concordar com uma historiografia que aponta os

comerciantes, grupo de origem de boa parte dos contratadores, como formas de

interiorização metropolitana na colônia, sobretudo na região mineradora, verdadeiros

braços do aparelho estatal31. Para o autor, a possibilidade de efetuar a arrematação de um

contrato liga-se aos investimentos anteriormente realizados pelos comerciantes, tais como a

28 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império: Hierarquias sociais e conjunturas econômicas no Rio de Janeiro (c. 1650-c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 257. 29 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. “Famílias e negócios: a formação da comunidade mercantil carioca na primeira metade do setecentos” In: FRAGOSO, João; ALMEIDA, Maria Carvalho de; SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de (org.). Conquistadores e negociantes: Histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, Séculos XVI a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 232-233 30 SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do império. Op. Cit. P. 258 e 260. 31 ARAUJO, Luiz Antonio Silva. Contratos e Tributos nas Minas Setecentistas. Op. cit. p. 46 e 56.

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busca de títulos, cargos, redes de conhecimento e matrimônios32. Araújo também percebe

nos contratos um instrumento de acumulação e influência, uma vez que a atividade de

contratador confere um prestígio aos negociantes para além daquele proporcionado pela

atuação comercial ou creditícia33, abrindo portas para o estabelecimento e consolidação de

redes de poder mais amplas. Além disso, o autor também aponta para uso da função de

contratador em benefício próprio, causando conflitos com a sociedade colonial, como já

visto na análise de Luciano Figueiredo.

Fernando Lamas segue linha semelhante à traçada por Araújo, trabalhando o

sistema de contratos na economia mineira na primeira metade do século XVIII através da

análise das formas de atuação e dos diversos negócios de dois contratadores. Lamas chama

a atenção sobre a prática dos comerciantes manipularem a lucratividade de seus contratos,

buscando alargar seus lucros ou conquistar a renovação de um contrato – ou a arrematação

de novos - através da alegação de dificuldades na administração do contrato34. Estratégia

semelhante foi adotada por muitos governadores de diversas capitanias, ao destacar os

perigos sofridos, bem como os prejuízos de sua casa35.

Pode-se entender, portanto, o estudo dos contratos coloniais, sobretudo nos séculos

XVII e XVIII, quando a importância brasileira no Império português – sobretudo da região

centro-sul – assume uma trajetória crescente contínua, como fundamental tanto para a

análise da administração fazendária do mundo luso, como das dinâmicas de poder

envolvendo as sociedades colonial e metropolitana e as estratégias por esses grupos

adotadas, como vem sido defendido pela historiografia recente. As dinâmicas de

arrematação, muitas vezes, oscilando entre a fronteira do legal e do ilegal, desnudam

alianças e jogos de poder, que vão além das perspectivas dualistas metrópole (eixo

mandante) e colônia (eixo subordinado), iluminando conflitos de diversas relações – e

magnitudes – no seio da própria sociedade colonial. Considerando, especialmente, que

eram freqüentes os conluios e o não pagamento dos valores devidos pelas arrematações,

32 Idem. ibidem . P. 49 e 131. 33 Idem. ibidem. P. 109. 34 LAMAS, Fernando Gaudareto. Os contratadores e o Império colonial português: um estudo dos casos de Jorge Pinto de Azevedo e Francisco Ferreira da Silva. Dissertação de mestrado. UFF. 2005. P. 35 e 100. 35 Por exemplo, SOUZA, Laura de Mello. O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa no século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. P. 223.

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tem-se aí uma dinâmica entre colônia e metrópole, onde há uma relativização dos papéis

tradicionalmente atribuídos a ambas, um jogo de concessões e cessões, onde é possível

perceber a interação entre ambas e os espaços abertos para a negociação.