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TEXTO: CELSO ARNALDO FOTOS: DIVULGAÇÃO Páginas Azuis 6 | REVISTA ABCFARMA | AGOSTO/2011 Antigamente, quando uma pessoa idosa começava a apresentar lapsos de memória e confusão mental, dizia-se que ela estava “esclerosada”. Essas pessoas, à luz dos conhecimentos de hoje, teriam Alzheimer? Com certeza. O termo esclerosado não se usa mais. O avanço da terceira idade é uma realidade em todo o mundo e por isso a doença é muito estudada. Exames anatomopatológicos de cérebros com diagnóstico de Alzheimer são perfeitamente compatíveis com exames simila- res em nossos avós “esclerosados”. A maioria dos pacientes com demência, sabe-se hoje, tem Doen- ça de Alzheimer senil. Um mal, um enigma Dr. Mauro Atra Alzheimer C omeça com esquecimentos banais – o nome de um filho ou neto, por exemplo. Então, as falhas de memórias se tornam mais constantes e evoluem para desorientação espacial e temporal. No fim, a perda da individualidade e a completa dependência para os atos mais simples do dia a dia. A Doença de Alzheimer parece ser um dos males de nosso tempo, à medida que a população vive mais. Hoje a mais comum forma de demência senil conhecida pela neurologia, afeta cerca de 1 milhão de pessoas no Brasil – mas ainda se sabe pouco sobre ela. As causas são desconhecidas. Os sintomas, a gravidade e a velocidade da doença variam de caso a caso, mas, de modo geral, o Alzheimer é progressivo e inexorável, afetando idosos de todas as classes sociais – o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan e o ator Charlton Heston estão entre as vítimas da doença. Tudo o que os médicos podem fazer, no momento, uma vez diagnosticada a moléstia, é tentar retardá-la, através de medicamentos específicos. Mas são os chamados cuidadores – quase sempre familiares – que desempenham o papel mais importante na terapia. O Dr. Mauro Atra, neurologista do Hospital do Coração, em São Paulo, que lida todos os dias com pacientes de Alzheimer, explica o que até hoje se sabe sobre esse verdadeiro mistério do cérebro humano Dr. Mauro Atra, neurologista do HCor

Alzheimer

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Matéria da Revista ABCFARMA sobre o Alzheimer

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Page 1: Alzheimer

TexTo: Celso ArnAldofoTos: divulgAção

Páginas Azuis

6 | revisTA ABCFARMA | AgosTo/2011

Antigamente, quando uma pessoa idosa começava a apresentar lapsos de memória e confusão mental, dizia-se que ela estava “esclerosada”. Essas pessoas, à luz dos conhecimentos de hoje, teriam Alzheimer?

Com certeza. O termo esclerosado não se usa mais. O avanço da terceira idade é uma realidade em todo o mundo e por isso a doença é muito estudada. Exames anatomopatológicos de cérebros com diagnóstico de Alzheimer são perfeitamente compatíveis com exames simila-res em nossos avós “esclerosados”. A maioria dos pacientes com demência, sabe-se hoje, tem Doen-ça de Alzheimer senil.

Um mal, um enigma

Dr. Mauro Atra

AlzheimerComeça com esquecimentos banais – o nome de um filho

ou neto, por exemplo. Então, as falhas de memórias se tornam mais constantes e evoluem para desorientação

espacial e temporal. No fim, a perda da individualidade e a completa dependência para os atos mais simples do dia a dia. A Doença de Alzheimer parece ser um dos males de nosso tempo, à medida que a população vive mais. Hoje a mais comum forma de demência senil conhecida pela neurologia, afeta cerca de 1 milhão de pessoas no Brasil – mas ainda se sabe pouco sobre ela. As causas são desconhecidas. Os sintomas, a gravidade e a velocidade da doença variam de caso a caso, mas, de modo geral, o Alzheimer é progressivo e inexorável, afetando idosos de todas as classes sociais – o ex-presidente norte-americano Ronald Reagan e o ator Charlton Heston estão entre as vítimas da doença. Tudo o que os médicos podem fazer, no momento, uma vez diagnosticada a moléstia, é tentar retardá-la, através de medicamentos específicos. Mas são os chamados cuidadores – quase sempre familiares – que desempenham o papel mais importante na terapia. O Dr. Mauro Atra, neurologista do Hospital do Coração, em São Paulo, que lida todos os dias com pacientes de Alzheimer, explica o que até hoje se sabe sobre esse verdadeiro mistério do cérebro humano

Dr. Mauro Atra, neurologista do HCor

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Mas ela não é sempre senil?Quando o Dr. Alois Alzheimer (mé-

dico alemão que identificou essa doença neurológica degenerativa) descreveu o mal, este tinha características pré-senis, pois seu trabalho inicial foi um estudo sobre sete pacientes com menos de 60 anos – o que chamou a atenção de toda a comunidade médica da época. O que antes acontecia numa fase pré-senil hoje ocorre na senilidade. Casos preco-ces de Alzheimer são raros. O risco da doença aumenta com a idade.

Os cientistas já têm alguma pista sobre a causa e a origem do Alzheimer?

Há muito interesse em descobrir isso, mas ainda sabemos pouco. É uma doença degenerativa de algumas subs-tâncias cerebrais, mas a causa dessa degeneração ainda é desconhecida. Ela possivelmente se desenvolve como resultado de uma série de eventos com-plexos que ocorrem no interior do cére-bro. Pode ser de origem cromossômica, mas ainda estamos muito longe de uma resposta. Por isso, costumo dizer que, por enquanto, a doença é degenerativa

– um termo que se usa normalmente quando não se conhece o mecanismo de uma moléstia.

Um paciente com suspeita de Alzheimer nunca vem sozinho ao consultório do neurologista, é trazido por parentes. O que leva a família a desconfiar de Alzheimer? Há sintomas inconfundíveis?

No âmbito social, é difícil diag-nosticar o Alzheimer na fase inicial, em que falhas de memória passam des-percebidas ou parecem naturais para a idade e portanto não são valorizadas. São situações, por exemplo, em que o idoso esquece o nome de familiares, eventualmente se perde ou não sabe voltar para a casa, mas são confundidas com o processo de envelhecimento.

Todos nós temos lapsos de memória. Há pessoas relativamente jovens, por exemplo, que esquecem onde deixaram o carro. Pode ser um lapso sugestivo de uma fase precoce de Alzheimer?

Não, isso geralmente é um déficit de atenção, por causa da que-bra da rotina. Para que se caracterize um lapso de memória como indício de Alzheimer é preciso associar a queixa pessoal com sintomas clínicos. E esses sintomas são levantados através de uma avaliação neuropsicológica, compos-ta por uma série de testes. Na consulta inicial, com o neurologista, podemos fazer um teste rápido, que chamamos de “mini-mental”, ou “mini-exame do esta-do mental”, que consiste de perguntas e exercícios básicos: que dia é hoje, em que ano estamos, nomes de filhos, etc. Pedimos também para o paciente dese-nhar um relógio, por exemplo. Mesmo no início da doença, um paciente com Alzheimer terá dificuldade de respon-der a perguntas simples ou atender ao que é pedido. Essa já é uma pista. Mas o diagnóstico deve ser confirmado com um teste mais extensivo, feito por uma psicóloga, e desdobrado em pelo me-nos duas sessões, em que se avaliam

todas as funções cognitivas do pacien-te: memória tardia, memória recente, memória de evocação, noção de espaço e cálculo, entre outras. Nessa bateria de testes são conferidos pontos a cada item. E, com esses números, a psicólo-ga nos transmite parâmetros sobre o estado neuronal de cada paciente. Um déficit cognitivo leve – que num passado recente era tido como um quadro iso-lado – já pode ser sugestivo da doença. Observou-se, com o tempo, que muitos pacientes que apresentavam esse défi-cit leve evoluíram para Alzheimer. Esse pode ser, portanto, um sinal precoce da doença. Sintomas iniciais devem ser valo-rizados, na tentativa de se estabelecer um diagnóstico de probabilidade o mais pre-cocemente possível. Teoricamente, essa fase inicial dura de 2 a 4 anos. O começo das alterações é lento e alguns pacientes conseguem se adaptar a determinadas deficiências na primeira fase da doença.

A família, que convive diariamente com o idoso, geralmente nota mudanças de padrão de comportamento sugestivos de Alzheimer?

A maior parte dos pacientes que a família suspeita estar com Alzhei-mer efetivamente já tem a doença. Os

Novos testes bioquímicos podem apontar marcadores da doença antes que ela se manifeste

Exercícios constantes para a mente talvez não previnam o Alzheimer, mas são essenciais para uma terceira idade com qualidade

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demais podem ser quadros de demên-cia por problemas circulatórios.

Com o diagnóstico confirmado, o que se pode fazer?

Lamentavelmente, muito pouco para se interromper o curso da doen-ça. O diagnóstico, na maioria dos casos, é o ato médico mais eficiente de todo o processo. Existem alguns medicamen-tos para tentar retardar o ritmo de evolução, mas que não alteram a histó-ria natural da doença. Não são como os antibióticos, que debelam uma infecção. Mas vale a tentativa, sobretudo porque esses medicamentos funcionam como uma espécie de placebo para a família, que fica mais tranquila com a existên-cia dessa possibilidade terapêutica. São, basicamente, os chamados inibidores da acetilcolinesterase (donepesila, rivas-timina, galantamina, rivastigmina, etc), fármacos que atuam inibindo a enzima responsável pela degradação da acetil-colina – um neurotransmissor que atua na área da memória – no sentido de ten-tar preservar as funções cognitivas. A deficiência de acetilcolina é considerada um dos fatores bioquímicos da doença.

Com o tempo, o paciente sai do âmbito do médico e passa à responsabilidade dos cuidadores?

Infelizmente. Mas os neurologistas continuam acompanhando o paciente, no sentido de tentar minimizar as in-tercorrências médicas da evolução da doença em suas várias etapas – os dis-túrbios de humor, como a depressão e a ansiedade, por exemplo, ou infecções, dificuldade de deglutição, etc. No final, o

paciente com Mal de Alzheimer se torna um paciente muito complexo. E o papel dos cuidadores no Brasil tem sido fun-damental. Os brasileiros parecem não aceitar a institucionalização da doença – ou seja, deixá-la a cargo de pessoas ou instituições externas à família. Temos uma afetividade familiar exacerbada que acaba resultando na indicação de um cuidador d entro da própria famí-lia. Esse cuidador, muitas vezes, acaba também perdendo sua individualidade, porque o doente passa a exigir cuida-dos cada vez mais intensos. No Brasil, cuidadores geralmente são mulheres – grandes cuidadoras em todas as fases de sua vida

Há algo que uma pessoa possa fazer para tentar evitar ou retardar o Alzheimer, como praticar exercícios mentais com mais frequência?

A neurologia ainda não encam-pou essa teoria, bem como a de que pessoas com melhor formação cultural e educacional teriam menor risco de Alzheimer por eventualmente ter uma reserva neuronal maior, uma hipertro-fia da memória. Essa hipótese, sugeri-da por algumas estatísticas, ainda não está cientificamente comprovada. De

qualquer forma, independentemente do Alzheimer, é sempre muito saudável exercitar a mente, paralelamente ao exercício do corpo. Exercícios físicos fazem muito bem à saúde e, mesmo no caso de um diagnóstico de Alzheimer, um bom estado geral conta pontos na evolução da doença.

O IBGE identificou 23 mil centenários no Brasil. Como chegar lá com a cabeça legal?

Manter permanentemente a ati-vidade cerebral, com muita leitura e exercícios para a mente, pode ser fun-damental. Um dos exercícios que a gente sugere é ler sobre determinado assunto e em seguida discutir o tema com alguém da família, o que contri-bui para aumentar a atenção e reter informações. Há idosos que leem o jornal inteiro e, ao final da leitura, não retiveram nada. O estímulo ao debate é um ótimo exercício. O bom humor também é essencial para uma vida lon-ga com qualidade. Pessoas mal humo-radas podem até viver muito, mas em geral vivem mal, isoladas, presas em si mesmas. O convívio saudável com outras pessoas é um dos ingredientes dessa receita. n

O papel dos cuidadores familiares se torna mais

importante à medida que a doença avança e o paciente se

torna mais dependente

Apoiando quem cuidaCriada em 1991 por um grupo de médicos e familiares de pacientes de

Alzheimer com o objetivo de discutir, conhecer e difundir as informações sobre a doença, a Abraz/Associação Brasileira de Alzheimer oferece meios de atualização e apoia ações voltadas ao bem estar do portador, da família, do cuidador e do profissional. A atriz Irene Ravache, que cuidou da mãe com Alzheimer, é uma das mais ativas divulgadoras da entidade.

Mais informações:www.abrazsp.org.br