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AMADOS E DESPREZADOS: OS ANIMAIS E OS USOS … · aluno/a reconheça as características que identificam o texto como literário ou não literário. Significa que o artista literário

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AMADOS E DESPREZADOS: os animais e os usos humanos

Maria Silvani Zavatini1

Evely Vânia Libanori2

RESUMO

O presente trabalho objetivou discutir o modo como os animais estão sendo tratados na sociedade contemporânea e essas discussões vêm se tornando mais frequentes nas últimas décadas. Entretanto, a sociedade, em geral, ainda não desenvolve valores éticos que atendam a uma relação harmônica envolvendo o ser humano e o animal. Assim, ao estudar os animais na Literatura pretendeu-se fazer um paralelo com a situação do animal na vida real, mostrando as origens e as consequências do especismo, ou seja, do entendimento de que o ser humano é superior a todas as outras espécies. A ideia é o despertar de uma consciência que permita enxergar o animal não humano como criatura autoconsciente e senciente, que reage a estímulos e interage com o meio ao qual está inserido, sentindo e sofrendo com as relações estabelecidas com o ser humano. Essa proposta se tornou relevante para o desenvolvimento do processo educativo, devido ao fato de que por meio do conhecimento desenvolvemos competências e habilidades, sensibilização e mobilização, culminando na mudança de atitude, já que a Literatura contribui para a formação da personalidade do indivíduo. A intervenção e a implementação ocorreram no Colégio Estadual Humberto de Campos – Ensino Fundamental e Médio, do município de Atalaia, com alunos/as do 1º ano do Ensino Médio, utilizando a Estética da Recepção como base teórica de compreensão da Literatura, portanto as atividades em sala foram desenvolvidas a partir das etapas do Método Recepcional.

Palavras–chave: Animais. Literatura. Ser humano. Valores éticos. Método

Recepcional.

Introdução

Ao se trabalhar Literatura no Ensino Médio, percebe-se que parte dos/as

alunos/as não a veem como algo necessário para sua formação intelectual, já que a

leitura de obras literárias não faz parte de sua rotina diária.

Desse modo, o/a professor/a contribui no processo de formação de leitores/as

de obras literárias, pois quanto mais experiência de leitura os/as alunos/as tiverem,

maiores condições eles/as terão para compreendê-las e interpretá-las, instigando-

os/as para que possam perceber que estas obras estão carregadas de

intencionalidades e reflexões sobre o papel do ser humano no ecossistema.

1 Graduada em Letras – Português e Inglês pela FAFIPA, Pós- Graduada em Leitura e Produção

Textual pela UNOESTE e Professora PDE 2012 2 Professora Doutora do Departamento de Teorias Linguísticas e Literárias da Universidade Estadual

de Maringá -UEM

É papel do/a professor/a incentivar o/a aluno/a nesse processo para que

desperte o gosto pela Literatura e perceba que:

O artista não é um gênio solitário e excepcional, mas um ser social que busca exprimir seu modo de estar no mundo na companhia dos outros seres humanos, num embate contínuo com a natureza, com a sociedade e consigo mesmo. É alguém que, além de voltar-se para si mesmo para compreender-se por meio da obra que exprime seu trabalho de compreensão, também reflete sobre a sociedade, por meio da obra volta-se para o social, seja para criticá-lo, seja para afirmá-lo, seja superá-lo. (CHAUI, 2004, p. 284-285).

Nesse sentido, fica claro que a leitura exige tempo, paciência, concentração

para que ela se torne algo prazeroso, fluente e que desafie o/a leitor/a a perceber a

intencionalidade existente no texto lido.

Segundo as DCEs de Língua Portuguesa (2008, p. 71) “o professor precisa

atuar como mediador, provocando os alunos a realizarem leituras significativas”.

Assim, através da Literatura, o/a professor/a contribui para a formação de um sujeito

politizado, crítico e consciente de seu papel enquanto agente transformador dentro

da sociedade.

Considerando a importância de uma intervenção transformadora, que visa

promover a reflexão sobre os valores éticos em vigência na sociedade atual,

percebeu-se a necessidade de trabalhar um tema que abordasse essa questão.

Optou-se, então, pela representação do animal em diferentes obras da Literatura

Brasileira e Portuguesa, de épocas e estilos literários diferentes.

A escolha desse tema deu-se pelo fato de que os animais convivem com a

humanidade desde as datas mais remotas e essa convivência, infelizmente, nem

sempre foi pacífica, respeitosa e ética, pois os seres humanos sempre exploraram

os animais para seu benefício. Porém, há algumas décadas, o domínio humano

sobre todas as outras espécies está sendo repensado. Atualmente, há um grupo

social conhecido como "abolicionistas" ou "libertários" que lutam pela abolição ou

libertação dos animais e que pedem, ainda, o mesmo tratamento ético para com

todas as espécies.

Dessa forma, as atividades da Produção Didática objetivaram analisar a

situação de como o animal era e é visto pelo escritor e pela sociedade, mostrando

as consequências do especismo, ou seja, a ideia de que o ser humano é superior a

todas as demais espécies, devido a isso não tem deveres éticos para com elas.

Buscou-se, também, despertar a consciência para que o ser humano comece

a enxergar o animal não humano como criatura autoconsciente e senciente. E,

assim, pensar a identidade humana em nível ético.

Pressupostos Teóricos do Trabalho

A Literatura contribui para o enriquecimento intelectual e para a formação de

valores, incluindo os valores éticos. Por meio da leitura de textos literários tem-se a

oportunidade de discutir a trajetória da humanidade e perceber que determinados

valores éticos, sociais e estéticos estão associados a uma determinada época da

história.

A leitura de textos literários mostra como diz Candido (1972, p. 803) “a

função humanizadora da literatura, isto é, sobre a capacidade que ela tem de

confirmar a humanidade do homem”. Então, a Literatura deve ser vista pela

possibilidade de o/a leitor/a conhecer a si próprio/a e a realidade em que está

inserido/a.

Segundo Chaui (2004, p. 287) “A arte deve ser engajada ou comprometida,

isto é, estar a serviço da emancipação do gênero humano, oferecendo-se como

instrumento do esforço da libertação”.

A Escola exerce papel primordial na formação de um/a aluno/a leitor/a, já que

a leitura dá condições para que o/a aluno/a possa ampliar seu conhecimento,

percebendo melhor seu papel social. Segundo as Diretrizes Curriculares do Estado

do Paraná de Língua Portuguesa (2008, p. 71) através da leitura o aluno desenvolve

uma atitude crítica que o faz perceber o sujeito presente nos textos, além de ter uma

atitude responsiva diante dos mesmos.

Nesse sentido, “é preciso que a escola seja um espaço que promova, por

meio de uma gama de textos com diferentes funções sociais, o letramento do aluno,

para que ele se envolva nas práticas de uso da língua [...]” (DCEs, 2008, p. 50).

De acordo com Bordini e Aguiar:

A socialização do indivíduo se faz, para além dos contatos pessoais, também através da leitura, quando ele se defronta com produções significantes provenientes de outros indivíduos, por meio do código comum da linguagem escrita. No diálogo que então se estabelece o sujeito obriga-se a descobrir sentidos e tomar posições, o que o abre para o outro (BORDINI E AGUIAR, 1988, p. 10).

Dessa forma, “ao definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos,

a escola contribui para determinar o tipo de participação que lhes caberá na

sociedade” (DCEs, 2008, p. 14).

Assim, o/a leitor/a se constitui por meio de uma prática constante de leitura e

ele/a não pode ser visto/a como um/a mero/a decodificador/a de palavras, de acordo

com Suassuna:

Se o aluno lê sem prazer, sem o exercício da crítica, sem imaginação: se lê e não faz disso uma descoberta ou um ato de conhecimento; ele só reproduz, nos exercícios, a palavra lida do outro, não há nisso nada que lhe possibilite uma intervenção sobre aquilo que historicamente está posto. (SUASSUNA, 2002, p. 52).

O trabalho do/a professor/a em sala de aula é fundamental para que o/a

aluno/a perceba que “[...] no ato da leitura, um texto leva a outro e orienta para uma

política de singularização do leitor que, convocado pelo texto, participa da

elaboração dos significados, confrontando-o com o próprio saber, com a sua

experiência de vida.” (DCEs, 2008, p. 57).

Para que o trabalho com a Literatura seja significativo, é necessário que o/a

aluno/a reconheça as características que identificam o texto como literário ou não

literário. Significa que o artista literário pode utilizar a palavra no sentido conotativo,

através de uma linguagem metafórica na qual objetiva atrair a atenção do/a leitor/a,

enquanto o texto não literário apresenta-a no sentido denotativo, reproduzindo

fielmente a realidade. O texto literário tem conteúdos imprevisíveis, visto que

estamos no universo da palavra elevada à condição de arte:

O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não são mensuráveis pelos mesmos padrões das verdades factuais. Os fatos que manipulam não têm comparação com os da realidade concreta. São as verdades humanas gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das coisas humanas, um

sentido da vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida, o qual sugere antes que esgota o quadro (COUTINHO, 1978, p. 9).

Nesse sentido, Bordini e Aguiar (1988, p. 13) argumentam que os livros

literários permitem uma descoberta de sentido mais abrangente que os textos

informativos, pois estes ficam presos a fatos particulares, enquanto os outros

atingem uma significação mais abrangente da realidade.

Assim, a Arte, em geral, deixa de ser vista apenas pelo seu lado estético, mas

passa a ser vista, também, como já mencionado anteriormente, por seu papel

“humanizador”, ou seja, ela está voltada para a necessidade de que o ser humano

aprimore aquilo que é tão somente humano e a consciência moral é valor

intrinsecamente humano.

A necessidade de abordar o tema da representação do animal em diferentes

obras da Literatura para relacioná-las com práticas culturais atuais decorreu da

necessidade de a sociedade rever muitos de seus valores e um dos papéis do/a

professor/a de Literatura é a reflexão acerca das práticas existentes e da ética que

as embasa.

Nesse contexto, percebe-se que a sociedade está precisando rever muitos

valores humanos e ao trabalhar com os animais pretendeu mostrar que “A partilha

da experiência criadora, própria da obra de arte, permite, como diz Jorge Amado,

uma viagem a ‘mundos diversos’, uma percepção mais aguçada de nossa

possibilidade de transformação da realidade” (SILVA, 1993, p. 90-91).

O filósofo ativista australiano Peter Singer com o livro “Libertação animal”,

lançado em 1974, deu início ao debate formal e acadêmico sobre a maneira de

como as pessoas tratam o animal no dia a dia. Para Singer, não faz sentido que o

"raciocínio" seja a linha que divide animais humanos e não humanos, pois a posse

ou não do raciocínio é irrelevante quando se trata da capacidade de sofrer. Assim, a

"capacidade de sofrer" é que deveria ser, segundo Singer e seus seguidores, a

medida do nosso trato ético com o outro ser.

Os animais, do mesmo modo como os seres humanos, são sencientes, ou

seja, são seres que possuem os cinco sentidos e, portanto, sentem exatamente as

mesmas sensações que os seres humanos. A senciência que dá ao animal a

capacidade para o sofrimento é que deveria estar na base da nossa consideração

moral para com os animais.

Partindo desse pressuposto, fica claro que Singer é a favor da libertação

animal da tirania humana, defende que os animais não humanos recebam o mesmo

grau de importância moral que os seres humanos. Enxergá-los como alimento,

roupa, produto para teste, diversão, é degradar sua condição de senciente, o que

rebaixa moralmente o ser humano. Para Singer, não existe grandeza nem

superioridade na exploração dos animais, existe, ao contrário, a aplicação da "lei do

mais forte".

O artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978) mostra

que: ”a) Todo o animal tem o direito a ser respeitado; b) O homem, como espécie

animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito;

tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.” (FELIPE, 2007,

p. 348).

E, ainda, segundo a Proclamação dos Direitos dos Animais (1989), no artigo

3º afirma: “Considerando que os animais são iguais aos homens em sua capacidade

de sofrer, sentir dor, interesse e gratificação, estas capacidades precisam ser

respeitadas” (FELIPE, 2007, p. 349).

A visão abolicionista inaugurada por Singer, a Declaração Universal dos

Direitos dos Animais e a Proclamação dos Direitos dos Animais contrariam o uso

indiscriminado dos animais na sociedade contemporânea. Declaradamente, não está

se respeitando os animais.

Essa linha de pensamento faz uma crítica severa ao comportamento

humano de se considerar superior a todas as outras espécies e de pensar que elas

são propriedades do ser humano. Ainda, segundo as considerações de Singer:

O especismo - a palavra não é bonita, mas não consigo pensar num termo melhor - é um preconceito ou atitude de favorecimento dos interesses dos membros de uma espécie em detrimento dos interesses dos membros de outras espécies.[...] Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para recusar ter em conta esse sofrimento. [...] Assim, o limite da senciência (utilizando este termo como uma forma conveniente, se não estritamente correta, de designar a capacidade de sofrer e/ou, experimentar alegria) é a única fronteira defensável de preocupação relativamente aos interesses dos outros (SINGER, 2004, p. 19-20).

Outra defensora dos animais é Sônia T. Felipe, filósofa eticista brasileira,

abolicionista dos animais. A filósofa critica a moral tradicional por discriminar

animais de outras espécies e propõe o fim de todas as formas de exploração animal.

Segundo ela: “Essa posição reconhece que sujeitos morais têm não apenas deveres

negativos, os de não-maleficência, mas também, positivos, os da beneficência para

com animais dotados de senciência” (FELIPE, 2007, p. 30).

Para completar, segundo a autora: “Ao contrário do que se afirmou ao longo

dos últimos trezentos e cinquenta anos, que os animais não sofrem por serem

destituídos de consciência, nenhum cientista, hoje, ousa afirmar tal coisa frente à

própria comunidade científica” (FELIPE, 2007, p. 72).

Assim sendo, a leitura de textos tendo como tema a representação do

animal na Literatura, possibilitou a reflexão do/a aluno/a sobre a forma como ele

próprio trata o animal não humano e sobre o que significa agir de um jeito ou de

outro.

A intenção do trabalho foi organizar momentos de leitura e reflexão sobre o

modo de como a humanidade tem tratado os animais na cultura contemporânea.

Para isso foram considerados os conhecimentos prévios dos/as alunos/as sobre

Literatura e sobre o tema "animais". Segundo Bordini e Aguiar:

Sensível aos problemas sociais, o jovem interroga-se sobre suas possibilidades de atuação na comunidade adulta. A busca da identidade individual e social e o maior exercício de leitura têm como dividendo uma postura crítica diante dos textos, através da comparação de idéias, da conclusão, da tomada de posições (BORDINI E AGUIAR, 1988, p. 21).

Uma vez que o/a jovem interroga-se, é papel do/a professor/a dar a ele/a as

possibilidades de atuação no mundo adulto de forma justa e ética. Portanto, é papel

do/a professor/a tanto promover o crescimento intelectual do/a aluno/a como

promover o refinamento da sensibilidade. Num primeiro momento, o/a aluno/a

tomará contato com a ambiguidade da palavra artística. A interpretação do/a aluno/a

será vista como sendo decisiva para que aconteça a transmissão da mensagem

artística. O/a leitor/a do texto literário é o co-autor/a do texto e, sendo chamado/a

para contribuir para a construção dos sentidos.

A base teórica de compreensão da Literatura que sustentou o trabalho foi o

Método Recepcional, “[...] esse método proporciona momentos de debates, reflexões

sobre a obra lida, possibilita ao aluno a ampliação dos seus horizontes de

expectativas.” (DCEs, 2008, p. 74).

Sendo assim, a capacidade de interpretação do/a leitor/a é decisiva para que

o texto literário revele o efeito estético. A valorização da leitura se constitui em uma

abordagem que tem dado bons resultados, como evidenciam as autoras Bordini e

Aguiar (1988, p. 31), “[...] desenvolve seus estudos em torno da reflexão sobre as

relações entre narrador-texto-leitor”.

De acordo com Bordini e Aguiar (1988), o Método Recepcional divide-se em

cinco etapas:

1) Determinação do Horizonte de expectativas;

2) Atendimento do Horizonte de expectativas;

3) Ruptura do Horizonte de expectativas;

4) Questionamento do Horizonte de expectativas;

5) Ampliação do Horizonte de expectativas.

Relato de Experiência

A Implementação do Projeto de Intervenção na Escola foi realizada no

Colégio Estadual Humberto de Campos, município de Atalaia, tendo como tema a

representação do animal na Literatura. Essa experiência foi posta em prática com

alunos/as do 1º ano, embasada nos pressupostos teóricos das etapas do Método

Recepcional, cujas atividades foram divididas em módulos.

No primeiro módulo, foi determinado o Horizonte de expectativas dos/as

alunos/as referentes à leitura de textos literários e sua relação com os animais. Para

isso, foram utilizados um questionário para conhecer os hábitos de leitura de textos

literários e imagens de animais. Por meio de um debate informal, verificou-se que

grande parte dos/as alunos/as não tinha o hábito de ler obras literárias,

principalmente, os clássicos da Literatura Brasileira e, além disso, percebeu-se que

muitos possuíam animais de estimação e eram contra os maus-tratos. Através das

atividades foram averiguados quais horizontes de expectativas os/as alunos/as já

possuíam. Esta primeira etapa do Método Recepcional teve por finalidade

determinar o Horizonte de expectativas dos/as alunos/as referentes à leitura de

textos literários e sua relação com os animais, bem como, verificar seus valores

éticos e morais em relação a ambos.

Já, no segundo módulo para atender o Horizonte de expectativas foram

trabalhados o conto “Disciplina do amor” de Lygia Fagundes Telles e o filme

“Sempre ao seu lado” do diretor Lasse Hallstön, que por meio de análise e

comparação foi oportunizado aos/às alunos/as estabelecer semelhanças e

diferenças em relação ao tema, e aos aspectos composicionais e situacionais

abordados. Muitos/as alunos/as se emocionaram com a atitude de amizade entre o

cão e seu dono, relataram que conheciam outros casos reais em que os animais,

muitas vezes, podem ser mais companheiros e fiéis do que o próprio ser humano.

Na etapa da ruptura do Horizonte de expectativas, o terceiro módulo, foram

trabalhados textos literários e não literários, que se diferenciam do tipo de leitura

realizada pelos/as alunos/as, para que através de análise interpretativa e crítica

pudessem abalar certos costumes e certezas em relação à maneira como muitos

seres humanos tratam os animais.

O primeiro texto a ser analisado foi o capítulo “Baleia” da obra “Vidas secas”

de Graciliano Ramos, em seguida assistiram a um vídeo da atualidade no Youtube

que mostrava agressão a um cachorro. Por meio dessas atividades, muitos

alunos/as perceberam que atitudes desumanas para com os animais, são

consideradas inaceitáveis principalmente no atual contexto. Após, realizarem uma

pesquisa sobre as punições previstas no Código Nacional Brasileiro contra maus-

tratos a animais, muitos/as alunos/as ficaram surpresos/as ao perceber que os

animais, assim como os seres humanos, têm direitos garantidos por lei.

Em um segundo momento, os/as alunos/as tiveram contato com texto

nãoliterário, vídeo e com o conto “Miura”, do escritor português Miguel Torga. Todos

os textos tratavam de touradas, um tema polêmico em que muitas pessoas tornam-

se aficionados com o espetáculo, em contrapartida, os/as defensores/as dos

animais, possuem ideias divergentes, pois de acordo com sua visão os animais

merecem o mesmo respeito que o ser humano. Pôde-se perceber, através de um

debate, que alguns/algumas alunos/as não concordam com atividades em que os

animais não são respeitados.

Em seguida os/as alunos/as fizeram a leitura do texto “Direitos emocionais

para os animais”, de Sônia T. Felipe, filósofa eticista brasileira, abolicionista dos

animais. Após, os/as alunos/as assistiram a vídeos que tratavam do mesmo tema, e

concluíram que, assim, como os seres humanos, os animais possuem os mesmos

sentimentos, alguns comentaram que, infelizmente, até aquele momento, não tinham

consciência de que os animais e os seres humanos são semelhantes no sofrimento,

no amor, na amizade, enfim, nos sentimentos.

Na última atividade dessa etapa do Método Recepcional, os/as alunos/as

tiveram contato com três textos literários “Um cão, apenas” de Cecília Meireles, “O

Bicho” de Manuel Bandeira e “O crime do professor de matemática” de Clarice

Lispector. Os/As alunos/as puderam analisar questionar e posicionar-se diante dos

textos, reconhecendo as ideologias neles veiculadas, refletindo sobre sentimentos,

posturas e valores. Para finalizar essa etapa confeccionaram um mural em que

puderam mostrar e demonstrar seus reais sentimentos em relação ao tema

abordado.

No quarto módulo, passou-se para a etapa do questionamento do Horizonte

de expectativas que consistiu numa comparação entre os textos trabalhados nos

módulos anteriores, com a finalidade de verificar, através de questionamentos, em

qual dos módulos foram proporcionados textos que exigiram maiores dificuldades de

entendimento. Os/as alunos/as constaram que os conhecimentos provenientes

vivências pessoais, facilitaram e contribuíram para o entendimento dos textos, e

ampliação do conhecimento científico. De acordo com as DCEs de Língua

Portuguesa (2008, p. 75): “o aluno deverá perceber que os textos oferecidos na

etapa anterior (ruptura) trouxeram-lhe mais dificuldades de leitura, porém,

garantiram-lhe mais conhecimento, o que ajudou a ampliar seus horizontes”.

O quinto módulo é referente a ampliação do Horizonte de expectativas, nesta

última etapa do Método Recepcional, os/as alunos/as já possuíam concepções de

que muitos assuntos, que chocam a sociedade, podem ser temas de textos

literários. Assim, a Arte, em geral, deixa de ser vista apenas pelo seu lado estético,

mas passa a ser vista, também, por seu papel social, ou seja, a leitura de obras

literárias contribui para que os/as alunos/as percebam que elas estão carregadas de

intencionalidades e de reflexões sobre o papel do ser humano no ecossistema.

Então, os/as alunos/as foram divididos/as em equipes, realizaram pesquisas

a respeito do tema abordado, usaram os conhecimentos adquiridos através da

análise crítica e reflexiva de suas pesquisas, como também, organizaram uma

exposição visando promover a sensibilização de mudança de atitude para a melhoria

da qualidade de vida de todos os seres vivos.

É importante salientar a participação dos/as professores cursistas do GTR

(Grupo de Trabalho em Rede), estes/as analisaram e discutiram o material

produzido (Projeto e Produção didático-pedagógica)em suas várias instâncias. O

grupo pôde acompanhar o desenvolvimento da aplicação da implementação, dando

sugestões, favorecendo o enriquecimento do trabalho.

Os cursistas ao postaram suas contribuições, deixaram claro sua

concordância sobre a importância de apresentar aos/às alunos/as uma produção

que mescla textos e vídeos, pois essas possibilitam ao/à aluno/a uma proximidade

entre a realidade e a ficção, gerando comparações e reflexões através da troca de

ideias e experiências, proporcionando do aprendizado prazeroso, estimulando a

imaginação, auxiliando-os/as a sentir-se agentes transformadores, ocasionando,

portanto, uma mudança de atitude, com possíveis ações positivas.

Considerações Finais

A inserção no PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) foi essencial

para a realização desse trabalho, pois foi dada a oportunidade de se retornar ao

universo acadêmico, possibilitando contato com outros profissionais, bem como,

embasamento teórico e metodológico para uma reflexão mais aprofundada da práxis

escolar.

O trabalho apresentado foi desenvolvido com o intuito de despertar a

sensibilidade, a responsabilidade e a mudança de atitude dos/as alunos/as em

relação aos seres vivos, instigando-os/as a novas descobertas e possibilitando a

ampliação de seus conhecimentos.

Associar o tema da representação do animal em obras da Literatura Brasileira

e Portuguesa, de épocas e estilos literários diferentes, a imagens e vídeos foi muito

interessante, pois estes recursos direcionaram os/as alunos/as a falar, refletindo e

expondo suas opiniões, participando de forma política e cidadã. Nesse contexto,

interagiram mais durante as aulas, tornando-as mais prazerosas. Com isso, dois

objetivos foram alcançados, legitimando o exercício da cidadania: a sensibilização e

o acesso ao conhecimento científico de forma significativa.

Após a implementação desse trabalho, nota-se que é possível promover um

trabalho contínuo e planejado, proporcionando mudanças de atitude com relação ao

ensino de Literatura no Ensino Médio, contribuindo para a ampliação da capacidade

de análise crítica e reflexiva, conduzindo o/a leitor/a em busca de novos sentidos

para qualidade de vida no meio ao qual está inserido.

Também, percebeu-se, através do GTR, que os professores estão sempre em

busca de novas metodologias que contribuam para que os/as alunos/as se tornem

leitores/as mais assíduos/as, principalmente, no que se refere à leitura de obras

literárias, tornando, assim, o ensino de Literatura mais significativo. Através dos

fóruns e diários, ficou claro que trabalhar temas como esse, faz-se necessário, pois

a maioria de nossos/as alunos/as não gosta de ler. Através de debates, estes/as são

provocados/as a novas leituras para que possam se expressar melhor, percebendo

que é preciso mudar muitas atitudes e valores que estão arraigados em nossa

sociedade.

A escolha do Método Recepcional foi de fundamental importância para que o

objetivo maior fosse posto em prática, pois ficou evidente que trabalhar com o

Método Recepcional auxilia o/a aluno/a a ampliar seus Horizontes de expectativas e

respectivamente formar leitores mais competentes.

Nestes termos, percebe-se que: “o trabalho com a Literatura potencializa uma

prática diferenciada com o Conteúdo Estruturante da Língua Portuguesa (o Discurso

como prática social) e constitui forte influxo capaz de fazer aprimorar o pensamento

trazendo sabor ao saber” DCEs (2008, p. 77).

Fica evidente que sempre é tempo de reforçar conceitos e atitudes que

resgatam valores esquecidos pelo ser humano, pois não podemos deixar de

acreditar e ter esperança que, mesmo com projetos e gestos singelos, poderemos

fazer à diferença nos hábitos de nossos/as alunos/as, despertando-os/as para uma

mudança de atitude quanto ao cuidado com a vida.

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