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Amanda Costa Reis de Siqueira
O caráter do jornalista: encontros e desencontros entre teoria e prática
Tese de Doutorado
Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Orientador: Prof. Valter Sinder
Rio de Janeiro Novembro de 2014
Amanda Costa Reis de Siqueira
O caráter do jornalista: encontros e desencontros entre teoria e prática
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Valter Sinder Orientador
Departamento de Ciências Sociais/PUC-Rio
Profa. Isabel Siqueira Travancas UNIRIO
Profa. Maria Claudia Pereira Coelho UERJ
Prof. Roberto Augusto DaMatta Departamento de Ciências Sociais/PUC-Rio
Prof. Ronaldo Oliveira de Castro UERJ
Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2014
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução
total ou parcial do trabalho sem autorização da
universidade, da autora e do orientador.
Amanda Costa Reis de Siqueira
Graduou-se em Comunicação Social, com Habilitação
em Jornalismo pelas Faculdades Integradas Hélio
Alonso em 2004. Cursou a Pós-Graduação (Latu-
Sensu) em Sociologia, Política e Cultura pela PUC-
RIO em 2005. Cursou Mestrado em Sociologia,
Política e Cultura em linha de pesquisa de
Diversidades Culturais pela PUC-RIO em 2008.
Cursou Doutorado em Ciências Sociais em linha de
pesquisa de Diversidades Culturais pela PUC-RIO em
2014.
Ficha Catalográfica
CDD: 300
Siqueira, Amanda Costa Reis de O caráter do jornalista: encontros e desencontros entre teoria e prática / Amanda Costa Reis de Siqueira ; orientador: Valter Sinder.– 2014. 147 f. : il. (color.) ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Ciências Sociais, 2014. Inclui bibliografia 1. Ciências Sociais – Teses. 2. Jornalismo. 3. Caráter. 4. Identidade. 5. Papel social. I. Sinder, Valter II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Ciências Sociais. III. Título.
Agradecimentos
Ao meu marido, Matheus, meu companheiro de todas as horas, que me incentivou
nas etapas de minha vida acadêmica, seguiu comigo para os Estados Unidos e
cuidou de mim nos momentos difíceis. Esta tese é pra você.
À minha mãe, Liliane. Simplesmente a melhor mãe do mundo.
Aos meus irmãos Larissa e Igor pela união e amor que só os irmãos podem sentir.
Ao meu padrasto, Ricardo, pela inspiração. Serei, um dia, uma professora tão boa
quanto você.
À minha vó, Yara. Vózinha querida com quem aprendi muitas receitas para
nossos almoços de domingo.
Aos tios Eveline e Zé Luís, Lida e Davi, Lenice e Ademar e ao meu tio Mano (in
memorian).
Aos meus primos queridos Babi, Nando, Renata, Mariana, Marina, Bia, Laura,
Dudu, Sofia e Leticia.
A todos os meus amigos, principalmente Helena, Max e Glenda pelo
companheirismo de anos.
Aos funcionários e colegas do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RIO
com quem convivi nos tempos de Especialização, Mestrado e Doutorado.
Aos professores do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RIO Angela Paiva,
Eduardo Raposo, Maria Alice Rezende de Carvalho, Maria Celina D’Araújo,
Maria Sarah da Silva Telles, Marcelo Burgos, Paulo Jorge Ribeiro, Paulo D’ávila,
Ricardo Ismael, Sônia Giacomini, Santuza Cambraia (in memorian) pelas aulas e
convivência acadêmica fundamentais à minha formação.
À secretária do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RIO, Ana Roxo.
Obrigada, Anita!
À professora Janet Sternberg pela contribuição acadêmica e receptividade durante
meu Doutorado Sanduíche no Departamento de Mídia da Fordham University.
Ao professor Michael Schudson (Columbia University) pelo encontro acadêmico
e indicações bibliográficas para minha pesquisa.
Ao professor Rodney Benson (NYU) pelo encontro acadêmico e indicações
bibliográficas para minha pesquisa.
À professora Isabel Travancas pelas sugestões dadas na Qualificação e pela
presença em minha Banca de Doutorado.
Aos professores Maria Claudia Coelho e Ronaldo Oliveira de Castro pela
participação em minha Banca de Doutorado.
À Comissão Capes/Fulbright pela bolsa de doutorado sanduíche.
À PUC-RIO pela bolsa de doutorado.
A todos os jornalistas que contribuíram com esta pesquisa, no Brasil e nos Estados
Unidos.
Ao professor Roberto DaMatta, meu orientador de Mestrado, professor no
Mestrado e Doutorado e membro em minha Banca de Doutorado. Obrigada pelo
incentivo acadêmico e pelo privilégio de poder conviver de perto com um dos
intelectuais mais importantes do país.
Ao professor Valter Sinder, meu orientador de Doutorado e professor durante
minha formação de Mestrado e Doutorado. Obrigada por suas orientações, pelo
incentivo acadêmico e por acreditar neste trabalho.
Resumo
Siqueira, Amanda Costa Reis de, Sinder, Valter. O caráter do jornalista:
encontros e desencontros entre teoria e prática. Rio de Janeiro, 2014.
147p. Tese de Doutorado - Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O presente trabalho tem por objetivo interpretar o que significa ser e fazer
jornalismo a partir da construção do “caráter” do jornalista. O “caráter” contempla
a identificação dos valores comuns aos profissionais (ser) e também ações,
comportamentos, atitudes que são compartilhadas e tidas como peculiares ao
grupo (fazer). A construção do caráter do jornalista também busca estabelecer a
relação destas identificações com o que o grupo define como “teoria” e “prática”.
A pesquisa realizada através de entrevistas com jornalistas brasileiros e norte-
americanos, além de outras fontes, busca criar um perfil ideal do jornalista através
da definição dos atributos mais ou menos valorizados para a formação do
“caráter” do grupo. Sob esta perspectiva, evidencia-se que este “caráter” se
reconhece nos elementos selecionados enquanto “práticos”, em oposição àqueles
entendidos como “teóricos”. Mas ainda que o “caráter” do jornalista esteja
ancorado em uma ideia de “prática”, o trabalho também busca problematizar esta
autoimagem e autonarrativa tendo em vista que os aspectos menos reivindicados
também podem estar presentes na formação do “caráter” grupo, desconstruindo a
separação entre “teoria” e “prática” na formação do caráter do jornalista.
Palavras-chave
Jornalismo; caráter, identidade; papel social.
.
Abstract
Siqueira, Amanda Costa Reis de, Sinder, Valter. (Advisor) The character
of the journalist: similarities and differences between theory and
practice. Rio de Janeiro, 2014. 147p. PhD. Thesis. Departament of Social
Sciences, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This study examines the meaning of being and doing journalism, based on
the construction of the “character” of journalists. The “character” includes
identifying values shared by journalists (being), as well as actions, behaviors and
attitudes that are shared and taken as peculiar to the group (doing). It also intends
to establish the relation between such identifications and what the group defines
as “theory” and “practice”. Based on interviews with Brazilian and American
journalists, as well as on other sources examined, it tries to form an ideal type
using the definitions of the attributes most and least valued in building the
journalist’s character. According to such perspective, the study shows that the
character recognizes the elements deemed “practical”, as opposed to those
considered “theoretical”. Although the journalist’s character is attached to an idea
of “practice”, the study also questions the self-image and the self-narrative found
in the group, taking into account that the elements least valued may also be found
in the construction of the group’s character, and the arguable separation between
theory and practice in the formation of the journalist’s character.
Keywords
Journalism; character; identity; social role.
Sumário
1. Introdução 11 2. O caráter do jornalista 16
2.1. Caráter 17 2.2. Ser e fazer jornalismo: dois eixos do caráter 20 2.3. Elementos de construção do caráter 21 2.4. Entrevistando entrevistadores: em busca de um recorte do “caráter” do jornalista 24 2.5. Profissionais do jornal impresso 26 2.6. O questionário (Anexo I) 28 2.7. Informações obtidas a partir do questionário: os traços incomuns 30 2.8. Informações obtidas a partir do questionário: os traços comuns 37 2.9. A importância dos traços comuns: encontrando um recorte para o “caráter” 43
3. O caráter do jornalista: as entrevistas 46
3.1. As entrevistas 46 3.2. Brasil e Estados Unidos: existe um traço do caráter que ultrapasse
fronteiras? 48 3.2.1. Rio de Janeiro e Nova York 52
3.3. As entrevistas e o perfil do jornalista 54 3.4. Aprimorando o questionário (Anexo II e III) 57
3.4.1. Modificações no questionário 59 3.5. Análise dos discursos: traços do caráter a partir dos questionários 63
3.5.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade, ambientes externos 63 3.5.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico 65 3.5.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação 66 3.5.4. Talento para escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e pertencimento a uma classe social 68 3.5.5. Grupo de jornalistas X Público geral, senso comum, sociedade 69 3.5.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado 70 3.5.7. Compromisso x Remuneração 71 3.5.8. Curiosidade 72
4. O caráter do jornalista: outras fontes 76 4.1. Outras fontes 76 4.2. As fontes 79
4.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo 80 4.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico 83 4.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação 85 4.2.4. Talento para escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social 87 4.2.5. Grupo de jornalistas X Público geral, senso comum, sociedade 90
4.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado 93 4.2.7. Compromisso X Remuneração 95 4.2.8. Curiosidade 97
5. Encontros e desencontros entre teoria e prática 101
5.1. Relativizando o discurso do nativo 101 5.2. Encontros e desencontros 103
5.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo 104 5.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico 108 5.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação 110 5.2.4. Talento para a escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social 111 5.2.5. Grupo de jornalistas x Público geral, senso comum, sociedade 112 5.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado 116 5.2.7. Compromisso X Remuneração 118
6. Conclusão 120 7. Referências Bibliográficas 129 8. Anexos 139
Lista de quadros Quadro 1: Comparativo das dimensões analisadas 37 Quadro 2: Comparativo inicial dos fatores que representam e não representam o “caráter do jornalista 43 Quadro 3: Perfil dos jornalistas entrevistados 57 Quadro 4: comparativo final dos fatores que representam e não representam o “caráter do jornalista 100
1. Introdução
Afinal, o que significa ser jornalista e fazer jornalismo? Estas perguntas
foram feitas primeiramente a mim mesma, ainda nos tempos de graduação,
durante a faculdade de Jornalismo. E, mesmo após os anos acadêmicos, são
questões que continuam presentes.
Fazendo uma avaliação sobre as ideias que possuía da profissão,
identifiquei que elas foram se modificando ao longo dos anos, que novas
características foram acrescentadas e outras, ainda, modificadas. E tanto as
mudanças em minha vida pessoal quantos os novos acessos que tinha a recursos
acadêmicos e experiências profissionais possibilitaram novos olhares sobre o
jornalismo. Novos olhares que ainda buscavam compreender o significado de ser
jornalista e fazer jornalismo.
Acabei encontrando, por linhas tortas, o lugar certo para realizar este
questionamento: minha tese de doutorado. Lugar certo, pois este trabalho me deu
a oportunidade de ter contato com jornalistas e recursos para pesquisar mais
profundamente sobre este mundo profissional. Assim, ao invés de tentar responder
a estas perguntas baseada em meus critérios e opiniões, nada melhor que ouvir
outras vozes, nesse caso, já mais familiares ao tema que a minha própria voz. Por
isso as linhas tortas. Elas se devem ao fato de ser o grupo dos jornalistas meu
objeto de pesquisa após meu afastamento da profissão.
Deixei de fazer parte do grupo de jornalistas que atua cotidianamente na
profissão para seguir um caminho profissional ligado ao mundo acadêmico, ainda
tratando em parte do Jornalismo, em suas disciplinas universitárias, mas também a
outros temas de estudo, ligados às Ciências Sociais.
A ideia de me relacionar novamente com a minha “primeira profissão”,
agora a partir de um olhar que poderia levar em consideração minhas práticas e
percepções daquela época, mas, também, com o afastamento necessário para
levantar questões sobre este universo, acessando novas fontes de pesquisa e
interlocutores, me pareceu promissora para a construção de uma análise que
interpretasse os critérios discursivos e comportamentais daquilo que o grupo dos
12
jornalistas identifica como peculiar, como formador de seu caráter, de suas visões
do que significa ser e fazer jornalismo.
Comecei a ouvir respostas de jornalistas e, a partir delas, fui encontrando
caminhos para perceber e analisar os aspectos que inserem o jornalista em um
grupo, dando a eles uma identidade específica, um caráter. Foram os jornalistas,
ainda em minhas primeiras entrevistas, que me forneceram subterfúgios para
construir este trabalho. Em seus discursos encontrei meu “furo”, o tema de tese
que desenvolverei nos próximos capítulos.
Das repostas dos jornalistas surgiu a necessidade de interpretar a relação
do grupo com aquilo que identificaram como “prática” e como “teoria”. Isso
porque valores comuns aos profissionais (ser) e também ações, comportamentos,
atitudes que são compartilhadas e tidas como peculiares ao grupo (fazer)
apareciam nos discursos relacionadas a elementos tidos como “práticos” e em
oposição a elementos que o grupo entendia como “teóricos”.
Apresentar a relevância desta “prática” e desta “teoria” para a formação da
identidade, ou melhor, do caráter do grupo, se tornou tema central desde as
primeiras entrevistas realizadas com intuito de ouvir dos jornalistas o que significa
para eles ser e fazer jornalismo. Foi possível perceber que elementos que os
próprios denominavam de “prática” prevaleciam sobre aqueles que eram
atribuídos a uma ideia de “teoria” na produção da autoimagem do grupo.
Esta relação de proximidade com a “prática” e afastamento da “teoria” me
fez perceber que seria necessário identificar quais atributos estavam sendo
colocados em cada uma dessas categorias e sua relação com a formação do grupo,
com os modos de pensar (ser) e agir (fazer) que dão ao indivíduo um senso de
identidade comum, de caráter.
Além de identificar e apresentar o que o grupo destaca como formador de
seu caráter, me pareceu necessário problematizar as escolhas do grupo, tendo em
vista que elementos menos ou não reivindicados também podem estar presentes.
Assim, leva-se em conta que o discurso do nativo não constrói sozinho o caráter
do grupo, pois não se trata de uma reprodução das falas dos interlocutores. Trata-
13
se de uma construção de um tipo ideal de jornalista a partir daquilo que reivindica,
mas também daquilo que não reivindica para a formação de seu caráter.
Os capítulos foram organizados de modo a valorizar a escolha do termo
“caráter” como referencial teórico; a percepção de que o grupo constrói sua
imagem a partir de uma autonarrativa que atribui mais valor a elementos que
entendem como “práticos”, desvalorizando elementos tidos como “teóricos”; a
seleção e definição dos atributos reivindicados como “práticos” e como
“teóricos”; a problematização desta escolha e divisão entre “teoria” e “prática” na
formação do caráter do grupo e, por fim, as possibilidades de se pensar em como
lidar com a maneira como o grupo se define e se enxerga, seja ela mais ou menos
crítica ao discurso e postura do jornalista.
No primeiro capítulo que, devido ao modo de organização da tese é
nomeado de segundo capítulo, apresento argumentos para a escolha do termo
“caráter”, de Richard Sennett, que relaciona as qualidades que levam indivíduos a
se perceberem enquanto grupo através de sua relação com o mundo do trabalho.
Para perceber como o grupo ganha forma, o caráter contempla dois eixos: o
primeiro leva em consideração aquilo que o grupo possui como valores e modos
de pensar comuns; e o segundo contempla a percepção dos comportamentos
peculiares entre os indivíduos do grupo.
Ainda neste capítulo apresento o resultado de entrevistas realizadas com
jornalistas que atuam ou atuaram em jornais impressos do Rio de Janeiro, com
intenção de encontrar traços específicos do caráter do jornalista. Estes
depoimentos ajudaram a produzir o recorte deste trabalho, pois revelaram que a
construção do caráter do grupo tendia a favorecer atributos que os jornalistas
denominavam como “práticos”. A investigação das características destes atributos
ganha corpo nos capítulos seguintes.
O terceiro capítulo buscou ouvir mais vozes para verificar se os aspectos
práticos enaltecidos nos primeiros depoimentos iriam manter sua predileção na
construção do caráter do jornalista. Um número maior de jornalistas de jornais
impressos do Rio de Janeiro foi ouvido e também foram realizadas entrevistas
14
com profissionais norte-americanos que atuam ou atuaram no mesmo segmento na
cidade de Nova York.
A escolha de jornalistas norte-americanos se deu devido à influência que o
Jornalismo norte-americano exerceu e ainda exerce no Brasil e à possibilidade de
compreender se o discurso de valorização de uma ideia de “prática” é comum
entre os jornalistas de ambos os países ou, ainda, se esta seria apenas uma
construção dos profissionais brasileiros.
Através do Programa de Doutorado Sanduíche Capes/Fulbright pude
realizar parte da pesquisa no Departamento de Mídia da Universidade de
Fordham, na cidade de Nova York. Neste período, colhi depoimentos de
profissionais de jornais da cidade, tive acesso a recursos acadêmicos sobre o tema,
participei de eventos em diversas universidades e centros de discussão sobre
Jornalismo, além de vivenciar o modelo de jornalismo da cidade no acesso
cotidiano aos meios de comunicação.
Um questionário revisado foi confeccionado, com versões em inglês e
português, para ouvir os novos depoimentos de maneira mais clara e organizada,
buscando, ao mesmo tempo, ser amplo e abordar variados temas ligados ao
Jornalismo, e também compreender a construção de um caráter voltado para
atributos retoricamente entendidos como “práticos”.
Ainda neste capítulo apresento uma relação de elementos que
discursivamente foram denominados “práticos” e elementos denominados
“teóricos” pelos jornalistas. Estes elementos fazem parte da construção de um
quadro ideal que busca sintetizar fatores que representam e fatores que não
representam o “caráter do jornalista”.
No quarto capítulo utilizo outras fontes que dialogam com os profissionais
do jornalismo e que auxiliam na consolidação dos exemplos dos aspectos
reivindicados como “práticos” e “teóricos”. Utilizei textos acadêmicos, biografias
de jornalistas, informações disponíveis na Internet, conversas informais e presença
em eventos para descobrir novos atributos peculiares ao grupo. Estas fontes se
somam às entrevistas para criar um quadro cuja proposta é produzir uma visão
15
ampla, um tipo ideal dos elementos práticos (mais próximos) e teóricos (mais
afastados) do caráter do jornalista.
No quinto capítulo pretendo problematizar o discurso nativo, trazendo a
possibilidade de encontros com a “teoria” e desencontros com a “prática”. Nesse
caso, os elementos deixados de lado ou enaltecidos pelo grupo são analisados sob
uma nova perspectiva, onde elementos não reivindicados pelo grupo também
podem se tornar parte constitutiva de seu caráter.
O sexto capítulo traz considerações finais sobre o tema, frisando que o
caráter do jornalista foi construído a partir da percepção das categorias nativas de
comportamento e pensamento; dos aspectos não reivindicados que, ainda assim,
se relacionam com o caráter do grupo; da produção retórica de uma lógica interna
e seus impactos nos modos de ser e fazer jornalismo e da relação construída com
os atributos mais ou menos afastados do grupo.
Também apresenta maneiras possíveis de lidar com o caráter ideal do
jornalista. A primeira delas traz exemplos de acolhimento ao caráter do jornalista
no formato retoricamente produzido e reivindicado pelos jornalistas. Ou seja, são
formas de lidar com o caráter que aceitam a construção do grupo
predominantemente a partir do discurso nativo.
Outra maneira de lidar com este caráter critica a escolha dos elementos de
construção do grupo e propõe que novos atributos sejam agregados e façam
sentido entre os pares. Nesse caso, os critérios de formação do grupo precisariam
ser revistos e aqueles que hoje são selecionados deixariam de fazer sentido.
Uma terceira alternativa propõe que se desfaça a separação rígida entre
“teoria” e “prática”, estimulando a percepção do jornalista para a interação entre
ambas e renovando a relação do jornalista com seu caráter.
2. O caráter do jornalista
É preciso que se entenda o que estou chamando de “caráter” do jornalista,
pois será a partir desta primeira definição que novos elementos serão agrupados à
identidade deste grupo de profissionais e que um recorte mais específico sobre
este será discutido.
Para chegar à ideia de que os jornalistas são um grupo que privilegia
aquilo que chamam de elementos práticos na sua formação e identificação
enquanto grupo, foi preciso primeiro definir o conceito ligado à identidade do
grupo, neste caso, o caráter.
O que chamo de “caráter” foi inspirado em “A corrosão do caráter”, de
Richard Sennett. Foi deste texto que retirei o termo e me apropriei dele, de
maneira particular, para interpretar a construção retórica de um grupo sobre si
mesmo.
Em minha apropriação do termo “caráter” há, ainda, dois eixos
fundamentais: o entendimento sobre o que significa ser e fazer jornalismo. Para
ser melhor compreendido e para que se entenda como o grupo ganha forma, é
preciso que se entenda o que jornalista entende por ser jornalista e fazer
jornalismo.
Nesse sentido, o “caráter” tem elementos daquilo que o grupo pensa,
interpreta como valores comuns aos profissionais (ser) e também ações,
comportamentos, atitudes que são compartilhadas e tidas como peculiares ao
grupo (fazer).
Utilizei ainda o texto de Bruno Latour, “Ciência em ação”, onde o autor
interpreta e revela características de cientistas de um laboratório a partir de
elementos discursivos e ações que não são apresentadas em suas pesquisas finais,
para exemplificar como estudos com olhares particulares para um grupo podem
produzir discussões sobre sua identidade, sobre seu “caráter”, sendo reveladores
de caraterísticas dos profissionais envolvidos em um mesmo ofício.
17
Portanto, após definir o que significa “caráter”, é possível interpretar como
o discurso do grupo ganha forma e revela traços de como se enxerga e se define,
como cria e reafirma suas características a partir de retóricas distintivas, com
elementos capazes de unir o grupo em ações e valores comuns e marcantes a eles.
Para entender como o grupo define o que é ser jornalista e fazer
jornalismo, foram realizadas entrevistas com profissionais no início, meio e fim de
carreira, com a intenção de traçar um recorte mais específico do “caráter” do
jornalista, um traço que pudesse apontar uma característica fundamental para
interpretar o grupo. Foram as entrevistas que permitiram a identificação de um
discurso de valorização de critérios práticos. Um aspecto que envolve a formação
do grupo e de seu caráter, uma construção retórica que é mais que simplesmente
um discurso, já que as interpretações e ações que delineiam o grupo são
construídas a partir do que se define como “prática”.
2.1. Caráter
Sem nenhuma relação com definições morais, o termo “caráter” deve ser
compreendido como as qualidades que ligam os jornalistas uns aos outros e dão a
cada um deles um senso de identidade. O “caráter” do jornalista deve ser
analisado através da percepção de “como os trabalhadores se relacionam uns com
os outros através de seu trabalho” (Sennett, 2010:77).
Em certo sentido, o termo “caráter” cumpre as funções que normalmente
são atribuídas ao uso de “identidade”, mas o conceito de caráter enfatiza as ações
e interpretações ligadas ao mundo do trabalho. E, como o grupo dos jornalistas
forma sua identidade, seu “caráter” em grande parte por sua relação com o mundo
do trabalho, o uso deste termo em especial se adequa bem à tentativa de
identificação das características que dão coerência à sua formação.
Richard Sennett enfatiza o entendimento do caráter do indivíduo, dos
“traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que
os outros nos valorizem (2010:10)”, pensando fortemente nas relações formadas a
partir do mundo do trabalho e questiona se este mundo ainda pode produzir laços
fortes capazes de agrupar indivíduos.
18
O conceito de “caráter” também permite relacionar dois termos que Peter
Berger utilizou para identificar os indivíduos em suas sociedades. O “caráter”
agregaria os conceitos de “papel social” e de “identidade”, já que o primeiro
valoriza a criação de valores e comportamentos dos indivíduos fortemente a partir
de sua relação com o mundo do trabalho e o segundo propõe uma percepção de
reconhecimento do grupo tanto em situações peculiares ao grupo quanto em
situações mais amplas. Por estarem sob o contexto de uma construção social que
ultrapassa seu grupo particular, eles precisam se reconhecer também em situações
mais gerais, onde indivíduos dotados de outro caráter estejam presentes.
Em “Perspectivas Sociológicas”, Peter Berger enfatiza a possibilidade de o
indivíduo ordenar e dar sentido à vida a partir de uma forte ligação com o mundo
do trabalho. O autor explica que um indivíduo com um repertório de papéis
sociais possíveis tem em seu ambiente de trabalho um lugar de produção de
relações sociais que vão além do cumprimento de tarefas semelhantes. Os
indivíduos, a partir de suas funções laborais, passam a compartilhar uma forma
própria de interpretação e atuação sobre o mundo. Neste enfoque, o papel social
do indivíduo está fortemente ligado ao mundo do trabalho, à função profissional
do indivíduo, com profundo impacto na formação do mesmo.
Em “A construção social da realidade”, Peter Berger e Thomas Luckmann
indicam que, além da valorização do mundo do trabalho, o indivíduo tem uma
interpretação da realidade cotidiana geral atrelada a esse papel social. Ou seja, o
indivíduo constrói sua percepção da realidade social relacionando aspectos mais
amplos à sua formação profissional, fazendo com que as relações e os sentidos
conectados ao mundo do trabalho ultrapassem as barreiras do mundo profissional
e permeiem as relações desses indivíduos com grupos fora do mundo do trabalho.
Nesse sentido, se reconhecer jornalista, por exemplo, é se reconhecer
dentro do grupo, mas também em relação e comparação com aqueles que não são
do grupo. A relação com o mundo do trabalho, as percepções e ações que o fazem
ser reconhecido como jornalista existem porque ele é reconhecido em seu grupo
profissional, mas também através da relação com grupos com os quais se
relaciona em outros momentos sociais.
19
A “identidade” e o “papel social” do jornalista se faz pela semelhança e
também pela diferença com outros tipos de profissionais, em situações ligadas ao
jornalismo, onde se reconheceria facilmente quem atua na profissão e, também,
em situações cotidianas gerais, onde características dos indivíduos deste grupo
podem aparecer, mesmo que estes não estejam em ambientes e horários de
trabalho.
O que o “caráter” de Sennett busca entender é como a formação dos
“papéis sociais” e das “identidades” se renovam num mundo em que as regras
sociais gerais e particulares aos grupos se colocam de forma menos linear, num
momento de capitalismo mais flexível comparado ao período descrito por Berger
e Luckmann. É uma tentativa de atualizar a ideia de “identidade” e o “papel
social” do indivíduo e pensar se esta mesma ideia ainda pode ser adotada e ter
sentido a partir das atuais relações de trabalho, a partir dos atuais formatos da
profissão. O “caráter” tenta dar conta, então, de pensar se ainda é possível
encontrar num mundo marcado por relações de instabilidade e de laços fracos
entre indivíduos e instituições, entre elas o trabalho, traços que ainda são capazes
de se somar à identidade do indivíduo.
Como exemplo de dificuldade de criação de percepção de identidade a
partir do mundo do trabalho, Richard Sennett explica que atualmente não há mais
a perspectiva de carreiras em um mesmo local por um longo prazo e tenta
demonstrar isso ao citar que “um jovem americano com pelo menos dois anos de
faculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes no curso do
trabalho (2010:22)”.
Uma flexibilidade que trouxe, segundo Sennett, dificuldade de produção
de ligação entre o trabalho e a identidade do indivíduo, devido à reinvenção das
instituições. Os novos trabalhos onde existem múltiplas tarefas a cumprir, a
especialização flexível de produtos e serviços, com pequenos grupos designados a
muitas tarefas e profissionais mais focados na descentralização do poder não
incentivam formas de trabalho estáveis e capazes de produzir relações mais fortes
com os indivíduos que atuam nessas funções. Assim, não há tempo para que se
criem laços, códigos, práticas e sentimentos que coloquem o trabalho como fonte
de produção de identidade.
20
Dessa maneira, quando escolhemos interpretar a atuação de um grupo de
profissionais sobre o mundo, temos uma tarefa mais complexa, já que a formação
de um grupo de indivíduos a partir de um modelo de trabalho com formato e
tempo consolidados pode não ser mais a principal fonte para se encontrar as
características do grupo. As mudanças constantes dos locais, das tarefas e dos
colegas de trabalho são alguns dos aspectos que dificultam a possibilidade de
relação entre indivíduos com potencial de criação de laços mais sólidos de
identificação entre eles.
Mas, o que por um lado parece ser um fator que dificulta a pesquisa sobre
grupos de indivíduos, por outro, pode dar margem a um caminho para se
compreender quais são as relações, ações e interpretações capazes de ligar
indivíduos e fazê-los atuarem e interpretarem o mundo ou, ao menos, parte dele,
de modo semelhante. Se elementos como a estabilidade do mundo do trabalho não
dão mais conta de explicar ou identificar o que leva indivíduos a se perceberem
enquanto grupo, outros elementos o farão. O próprio Sennett admite que, mesmo
tendo ocorrido mudanças nos tipos e relações de trabalho, ainda há nele um
potencial de percepção sobre um grupo. E diz que
a experiência do trabalho ainda parece intensamente pessoal. Essas pessoas são
fortemente impelidas a interpretar seu trabalho como refletindo sobre si mesmas,
como indivíduos (Sennett, 2010: 83).
Assim, o mundo do trabalho ainda é relevante na conformação do perfil,
do caráter do grupo, sendo necessário pensar em interpretar as relações do grupo
sob novos olhares, com novas perspectivas de análise sobre este mundo do
trabalho e os grupos que ele forma.
2.2. Ser e fazer jornalismo: dois eixos do caráter
Para encontrar aquilo que é capaz de unir o grupo, suas características
comuns, é preciso pensar o “caráter” a partir de dois eixos: ser e fazer. Isso
significa dizer que é preciso olhar para aquilo que os profissionais apresentam
como ações práticas, comportamentos comuns reconhecidos pelos indivíduos do
mesmo grupo e distintivos com relação a indivíduos que não fazem parte do
grupo. E, ao mesmo tempo, perceber a interpretação, os entendimentos, os valores
21
que ajudam os indivíduos a se relacionarem e a darem sentido aos
comportamentos que produzem e reproduzem.
Portanto, estes dois eixos do caráter não atuam de modo excludente.
Quando dizemos que o caráter do jornalista é composto por elementos ligados a
valores, regras e interpretações sobre sua profissão (ser) e atitudes,
comportamentos e linguagens pertinentes ao grupo (fazer), estamos falando de
eixos que convivem, se alimentam, se justificam e operam juntos na formação do
“caráter” do jornalista.
Dessa forma, o modo de atuação do jornalista (fazer) e como ele se vê,
como transforma em valores sua atuação (ser) são partes constitutivas do caráter e
atuam de maneira igualmente importantes para a formação desta identidade
particular.
Ser jornalista é compartilhar de sentimentos, valores, regras e
interpretações sobre a profissão. É entender que existem códigos do grupo que
têm sentido e que precisam ser seguidos, valorizados, afirmados e reafirmados.
Fazer jornalismo é produzir e reproduzir em atitudes, em práticas aquilo
que condiz com os valores e códigos do grupo. É reproduzir em ações estes
sentimentos e valores que o grupo compartilha. É atuar de modo distintivo, de
modo a serem reconhecidos como integrantes do grupo a partir de suas ações, seus
comportamentos.
2.3. Elementos de construção do caráter
Latour (2000) queria saber se o objeto final1 por si só seria capaz de
evidenciar o processo de construção e as características do grupo que o construiu.
Ao divulgar os bastidores do trabalho científico, normalmente ocultado, mostra o
quanto ele faz parte da formação do “caráter” do cientista. Dessa forma, o “objeto
final”, aquilo que foi construído em laboratório, existe por causa de um caminho
peculiar e identitário do grupo que o representa. E o faz revelando que conversas
1 “Objeto final” pode servir tanto para objetos concretos quanto para teorias, textos e conteúdos
abstratos. Um objeto científico pode ser um argumento, uma vacina, uma fábrica, uma nova teoria,
etc.
22
informais, escolhas políticas e retóricas de certos caminhos de trabalho e demais
ações internas do grupo são primordiais no entendimento de formação de um
grupo, com suas convergências e divergências.
Com esta análise, traz à tona um “ser cientista” e um “fazer científico” que
faz parte daquilo que constitui o caráter do cientista, mas que ficava escondido
nos bastidores dos laboratórios. São comportamentos, atitudes, protocolos e
diversas ações que revelam modos de um “fazer científico”, além de percepções
de grupo das manifestações práticas e simbólicas que conferem a ele uma
identidade, um “ser científico”. Da prática à teoria, do comportamento à
identidade, do formal ao informal, o processo de construção de um objeto
científico também revela o “caráter” do grupo.
As relações e disputas internas e as práticas no laboratório que parecem
inexistentes no trabalho científico final são reveladas através da análise do
processo de trabalho do cientista e do engenheiro. O que Latour apresenta é que a
formalidade do trabalho final, o modo de escrever e de apresentar um dado
científico não é capaz de mostrar o processo anterior a esta construção.
E mais, é no processo que se percebe como o objeto final é debatido e
pensado, até se tornar o “representante” do trabalho científico. Isso não quer dizer
que o trabalho final seja sozinho o que representa o grupo, ainda que seja ele
escolhido pelo grupo com esta finalidade, pois comportamentos, disputas internas
por verbas, diretrizes, discursos, linguajares, jargões, titulações, hierarquias
podem não ser evidentes, mas também são parte tanto do objeto final quanto das
características do grupo.
Se as características do cientista não são formuladas também a partir da
formação de um “caráter” que leva em consideração o processo de construção de
seu objeto, fica o cientista restrito ao “caráter” do objeto final:
... quase ninguém está interessado no processo de construção da ciência. (...)
[ainda mais] (...) os leigos [que] não sabem como se cria este campo de métodos
comuns (Latour, 2000:34,35).
23
Para conceber o “caráter” do cientista, a intenção de Latour não foi:
analisar os produtos finais (...),[mas seguir] cientistas e engenheiros nos
momentos e nos lugares nos quais planejam uma usina nuclear, desfazem uma
teoria cosmológica, modificam a estrutura de um hormônio para a contracepção
ou desagregam os números usados num novo modelo econômico (Latour,
2000:39).
E foi a partir de um olhar interessado sobre um grupo profissional
específico que ficaram evidentes as escolhas nem sempre científicas dos “objetos
científicos” e de elementos formadores do caráter do grupo. As escolhas políticas
que envolvem o “objeto”, as relações de força entre os cientistas e suas disputas
pela validade científica do “objeto” pesquisado são, assim, parte relevante na
construção e característica do “objeto final” e do grupo que o construiu.
Nesse sentido, além das percepções de grupo criadas a partir da divulgação
do produto final, o processo até a divulgação do trabalho científico e as interações
do grupo apresentam caminhos pouco ou até desconhecidos e que também são
parte relevante das características do grupo.
No caso do jornalismo, penso ser possível buscar elementos de construção
do “caráter” do jornalista a partir de elementos que não sejam apenas o resultado
final de seu trabalho, como uma reportagem, entrevista, etc. Existem outras
formas de analisar o grupo dos jornalistas, a fim de buscar suas características, sua
construção daquilo que entende como ser e fazer jornalismo e que são importantes
na construção da percepção de seu “caráter”.
Os jornalistas também são um grupo que apresenta potencial para que
sejam encontradas características a partir de um olhar sobre suas práticas e
valores, um grupo com aspectos que conferem especificidades ao mesmo, a partir
de análises que não sejam focadas simplesmente no “objeto final”.
Portanto, assim como Bruno Latour encontrou características marcantes
dos cientistas a partir de uma pesquisa que deu atenção não apenas ao seu trabalho
final, a produção científica divulgada ao público, acredito ser possível descobrir
traços comuns aos jornalistas a partir da percepção e interpretação de suas práticas
e discursos anteriores ao seu “objeto final” e, nesse sentido, perceber quais são os
24
elementos que fazem com que eles se identifiquem com outros indivíduos do
mesmo grupo.
2.4. Entrevistando entrevistadores: em busca de um recorte do “caráter” do jornalista
Para delinear as características mais marcantes dos jornalistas, o que
significa para o grupo ser e fazer jornalismo, um dos procedimentos da pesquisa
foi a realização de entrevistas com profissionais da área. Em um primeiro
momento, ainda em minha fase de Qualificação, foram escolhidos seis jornalistas
do Rio de Janeiro, que atuam ou atuavam em jornais impressos, e de diferentes
“gerações”. Escolhi este termo para dividir aqueles que começaram na profissão
ainda no período da ditadura militar, aqueles que começaram após os anos 1980 e
aqueles que começaram a carreira após os anos 2000.
Esta divisão buscou selecionar três grupos de jornalistas, pois os diferentes
períodos de escolha da profissão poderiam produzir depoimentos com percepções
distintas sobre o jornalismo. Mas, ao mesmo tempo, também poderiam consagrar
questões relativas ao grupo, independentemente do recorte geracional.
Com esta separação geracional pretendia criar uma forma de problematizar
se há mesmo uma igualdade nas percepções sobre o que significa ser e fazer
jornalismo ou se ela pode ser diferente quando se leva em consideração, por
exemplo, as histórias de vida ou a conjuntura social do país no momento de
atuação deste profissional, etc. Assim, seria possível percorrer as mudanças do
jornalismo nos depoimentos dos seus profissionais e também perceber as
modificações no seu modo de atuação, divulgação, apuração, no perfil dos
profissionais, no perfil dos meios de comunicação, etc. Além disso, seria possível
perceber como todas essas mudanças também fazem parte do processo de
transformações sociais mais amplas, não apenas relacionadas especificamente ao
jornalismo.
Esta divisão em gerações também tinha a intenção de identificar
características da formação da identidade e atuação comum ao jornalista, colher
depoimentos que pudessem identificar modos de ser e fazer jornalismo que
25
ultrapassassem as barreiras do tempo, contribuindo para a concepção do grupo em
uma unidade de práticas e valores.
As entrevistas foram realizadas de maneira confidencial, para que os
entrevistados pudessem realmente se expressar livremente. Nesse sentido, a não
identificação do profissional ou sua imagem tinha o intuito de deixar o
profissional à vontade para expressar sua opinião, importando mais seu
depoimento que sua identificação.
Nesta etapa, a escolha foi orientada por critérios qualitativos:
a partir da posição do entrevistado no grupo, do significado da sua experiência.
Assim, em primeiro lugar, convém selecionar os entrevistados entre aqueles que
participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou
situações ligadas ao tema e que possam fornecer depoimentos significativos
(Alberti, 2005:31,32).
Sendo assim, os informantes selecionados tinham papel estratégico no
entendimento da formação do “caráter” do jornalista, por serem eles a “categoria
nativa de pensamento” (Cambraia, 2007:163).
O questionário2 foi organizado de maneira aberta, para que as perguntas
pudessem levar a caminhos amplos, não restringindo o entrevistado a um tema
determinado. Este cuidado era importante, pois aquilo que fosse, por exemplo, um
traço comum ou peculiar dos entrevistados deveria surgir sem um direcionamento
dado a priori. Apesar de os entrevistados serem aqueles que selecionam o quê e
como dizer nas entrevistas, tentei criar um questionário que não tratasse
especificamente sobre um tema, mas que abordasse diversas questões relacionadas
ao jornalismo sem apontar para nenhuma direção nítida.
Portanto, nesta etapa foi relevante selecionar pessoas que pudessem
contribuir com suas experiências profissionais, pessoais e acadêmicas para o
processo de “constituição da identidade do jornalista, (...) para suas formas de
adesão e comprometimento com a profissão e com o grupo” (Travancas,
1993:13,14).
2 O questionário desta etapa de entrevistas encontra-se em anexo (Anexo I) para consulta.
26
Nesse sentido, as entrevistas iniciais serviram como elemento-chave para a
construção de meu argumento, pois forneceram importantes elementos para a
construção do “caráter” do jornalista, entre eles a valorização dos aspectos tidos
como práticos como sendo os mais relevantes nos modos de ser jornalista e fazer
jornalismo.
2.5. Profissionais do jornal impresso
A escolha de jornalistas com atuação em jornais impressos se deu pois,
para alcançar profissionais de diferentes gerações, era necessário escolher um
veículo de comunicação que estivesse presente como ambiente de trabalho a todos
os profissionais entrevistados. Os jornais impressos como opção de trabalho das
gerações entrevistadas serviria como um ambiente comum ao grupo, um local
onde os profissionais partilham e criam seus modos de ser e fazer jornalismo. E,
além disso, os jornais impressos possuem grande relevância para o jornalismo, por
serem veículos capazes de fazer circular a notícia por grandes espaços territoriais
e por terem a potencialidade de informar a população e de se tornar parte de sua
rotina.
É o que analisa Michael Schudson em “Discovering the news. A Social
History of American News Papers (1978)”, ao descrever as mudanças no
jornalismo norte-americano e como estas mudanças acompanham as mudanças
sociais do país. Segundo Schudson, a imprensa cresce desde o século XVII com
as mudanças democráticas e de mercado no país e daí em diante as mudanças no
jornal impresso servem como exemplo na mudança do perfil social.
Para ele, a expressão de uma nova sociedade poderia ser percebida nas
mudanças que aconteciam nos jornais. Assim, os avanços tecnológicos, os
avanços nos meios de transporte, o aumento da população alfabetizada, o
crescimento das cidades, as mudanças políticas e de mercado são algumas das
várias razões para o desenvolvimento da imprensa e aí reside a importância social
deste veículo para o desenvolvimento do jornalismo e também para o
desenvolvimento social.
27
E esta relevância dos jornais impressos se confirma, segundo pesquisa
realizada nos Estados Unidos e registrada no livro “The American Journalist in
the 21st Century (2007)3”. A pesquisa, que revela dados quantitativos e
qualitativos sobre a prática do jornalismo nos Estados Unidos, divulga que a
maioria dos jornalistas contratados para trabalhos jornalísticos em tempo integral
atuam em jornais impressos. Tal relevância parece ter se mantido ao longo dos
anos, já que esta pesquisa confirma o grande número de profissionais atuando em
jornais impressos desde os anos 1970, ano de início desta coleta que se renova a
cada dez anos.
Segundo o estudo, nos anos 1970 os jornais impressos diários
empregavam aproximadamente 56% dos profissionais de jornalismo. Nos anos
1980, este número caiu para 46%, com o aumento de empregos em veículos como
rádio e TV, mas, ainda assim, constituíam a maioria dos empregos. Nos anos
1990, o número volta a crescer e chega a 55% das contratações de empregos em
tempo integral. E em 2002, último ano de coleta de dados, o número de jornalistas
trabalhando em jornais impressos atingia o índice de 50% (Weaver, 2007:02).
No Brasil, a importância do jornal impresso pode ser percebida através do
expressivo número de exemplares que circula diariamente pelo país. Segundo a
Associação Nacional de jornais (ANJ) e o Instituto Verificador de Circulação
(IVC), no ano de 2013, setecentos e vinte e dois jornais produziam todos os dias,
mais de oito milhões e quatrocentos mil exemplares4.
A pesquisa “Perfil do Jornalista Brasileiro” aponta a relevância dos jornais
impressos, ao apresentar que 41,8% dos jornalistas entrevistados no estudo
trabalham para este setor da mídia. O número de jornalistas brasileiros
3 A pesquisa “The American Journalist in the 21st Century (2007)” é resultado de uma atualização
de dados sobre o perfil dos jornalistas norte-americanos realizada a cada dez anos, desde os anos
1970. O material inclui dados e análises sobre gênero, raça, classe social, percepção sobre teoria e
prática jornalística, divisão regional dos empregos na área, formação acadêmica, base salarial,
identificação partidária, principais áreas de atuação etc. Os dados, com base em mil e quinhentas
entrevistas com jornalistas norte-americanos, apresentam o perfil dos profissionais que atuam nos
Estados Unidos. 4 Fonte: Associação Nacional de Jornais: www.anj,org.br
28
empregados em jornais impressos só perde para o número de profissionais que
atuam na área de Internet (44,6%)5.
Estes dados ajudam a reforçar a presença do jornal impresso como veículo
de comunicação de referência na sociedade, com a circulação e presença diária na
vida da população, e também a apresentá-lo como local que acolhe uma parcela
representativa dos jornalistas brasileiros que estão no mercado de trabalho.
2.6. O questionário (Anexo I)
Entre quarenta minutos e uma hora e meia. Este foi o tempo que os
profissionais entrevistados levaram para responder as perguntas do questionário
produzido. Com questões que buscaram contemplar as diferentes fases da vida do
profissional; aspectos sociais de sua vida; o período acadêmico e profissional de
cada entrevistado; sua rotina de trabalho; a discussão de termos e materiais
relacionados ao jornalismo; critérios de seleção profissional; elementos
característicos do grupo e opiniões pessoais sobre o que é ser e fazer jornalismo,
busquei me cercar de questões que trouxessem possibilidades de identificar
características relevantes do grupo.
O questionário continha perguntas tais como a relação do entrevistado com
meios de comunicação em diferentes períodos de sua vida; vida acadêmica e vida
profissional; aspectos familiares, como profissão dos pais, situação financeira da
família, acesso a meios de comunicação em casa; as memórias dos meios de
comunicação presentes em sua vida.
Também havia perguntas para saber sobre o caminho percorrido até a
escolha da carreira, tais como as razões para a escolha da faculdade de Jornalismo,
para aqueles que cursaram a graduação em Jornalismo; a imagem que faziam
sobre os modos de atuar na profissão; a receptividade da família quando souberam
da escolha da profissão.
5 A pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro (Mick, 2013) entrevistou dois mil setecentos e trinta
e um jornalistas de todo o país no ano de 2012, produzindo dados relativos a características
demográficas, políticas e particularidades do trabalho jornalístico.
29
Questões sobre o período acadêmico foram realizadas para saber o que o
profissional lembrava acerca deste período e para que o jornalista pudesse citar
aquilo que foi relevante ou irrelevante na sua formação e na formação do seu
caráter, a partir da experiência adquirida durante esta fase.
O questionário prossegue indagando sobre as mudanças na percepção
sobre a profissão quando comparadas as experiências acadêmicas e profissionais,
ou seja, se há, na percepção do jornalista, diferenças no modo como ele percebe o
que significa ser e fazer jornalismo quando compara sua fase acadêmica e sua fase
prática, de trabalho e estágio em jornalismo.
Além disso, era importante saber sobre a relação entre os profissionais de
diferentes gerações, o convívio e a possibilidade de convergências e divergências
sobre as ideias do que significa ser e fazer jornalismo.
Também havia perguntas visando entender que elementos são capazes de
reunir os indivíduos enquanto grupo, que critérios distintivos do grupo existem e
tornam possível perceber que certos indivíduos pertencem a esse mesmo grupo.
Sendo ainda mais amplo, o questionário pedia para os profissionais
comentarem se acreditavam haver um perfil específico do jornalista, sendo este
perfil físico, social, de personalidade etc.
Termos usados no jornalismo, tais como imparcialidade, ética, verdade,
anonimato da fonte também foram citados, para que os profissionais pudessem
comentá-los e para que pudessem explicar a relação existente entre tais termos e
sua profissão. O uso e relevância do Manual de Redação também foram tratados.
Temas como a relação entre publicidade e jornalismo e os critérios para
seleção de profissionais, sendo eles por indicação ou outros meios de escolha dos
meios de comunicação de seus jornalistas foram abordados.
O dia a dia da profissão foi outro quesito da entrevista, onde os jornalistas
descreveram seu ambiente de trabalho e sua rotina profissional. Também foi
bastante relevante saber qual é, na opinião dos entrevistados, o papel do jornalista,
30
bem como pedir aos profissionais uma definição sobre o que, para eles, significa
ser jornalista e fazer jornalismo.
2.7. Informações obtidas a partir do questionário: os traços incomuns
Nesta etapa da pesquisa, foi possível perceber a existência de elementos
que separavam os jornalistas entre si e que não conferiam ao grupo uma
homogeneidade de entendimentos sobre o ser e o fazer jornalismo, mas foram
encontrados, principalmente, elementos relevantes sobre o caráter do jornalista
baseados em características comuns ao grupo.
Entre as diferenças identificadas havia percepções distintas sobre a
profissão baseadas nas diferenças entre as gerações e nos diferentes momentos
sociais de escolha e atuação profissional. Além deste fator, as gerações também
apontaram que o veículo de comunicação que serviu de referência ao profissional
sofreu transformações.
Os diferentes meios de comunicação que surgem como referência na vida
do jornalista e os momentos sociais distintos que as gerações atravessam criam
formas de atuação e motivações diferenciadas pela profissão. Enquanto o período
fa ditadura produziu jornalistas que tinham os jornais como veículos de referência,
como local de participação social, mesmo que muito limitada pela censura da
época, os jornalistas dos anos 1980 escolheram a profissão a partir de influências
do momento de transição em que se encontravam a sociedade brasileira e os
jornalistas.
Assim, os jornalistas dos anos de 1980 oscilam entre a atuação anterior de
caráter investigativo e denunciante dos problemas sociais que caracteriza os
profissionais da época da ditadura e de valorização do jornal como meio de
comunicação mais influente e a nova linguagem e postura de profissional objetivo
e descritor dos fatos que se desenvolve com o jornalismo mais “profissional” e
“imparcial”, com menções ao papel da televisão nesta mudança. Portanto, há uma
transição de percepção dos modos de trabalho e do meio de comunicação que
serve como referência.
31
Já jornalistas da geração pós-anos 2000 formulam a imagem da profissão
primordialmente a partir das referências de linguagem e abordagem televisiva: é a
TV que está presente nas casas dos futuros jornalistas desta geração e que foi
primordial na escolha da profissão. A televisão faz parte do universo deste
profissional desde sua infância e não há como cogitar a escolha da profissão sem
associá-la ao modo de trabalho do profissional de TV.
Esta última geração também tem um novo e forte referencial, a Internet,
ferramenta capaz de produzir um volume e diversidade de notícias inimaginável
tanto no jornal quanto na televisão. Este veículo criou uma nova relação com a
informação, pois ela é produzida momentos após ou até mesmo durante um fato
ocorrido. Nesse sentido, afeta o padrão de apuração e edição, afeta a construção
da realidade que se modela com o nome de notícia.
O meio de comunicação que surge como referência para o entrevistado, ou
seja, aquele mais utilizado pelo entrevistado, muda conforme as gerações. Para
aqueles da geração anterior aos anos 1980, o jornal impresso aparece como a
maior referência, primeiramente através de seus pais, que iam às bancas para
comprá-lo e, posteriormente, com a ida espontânea do próprio entrevistado.
O rádio também foi citado como meio de comunicação importante da
época, mas o jornal tinha mais relevância na escolha da profissão e no imaginário
do então jovem-futuro-jornalista:
“Eu ia toda quinta-feira na banca pra comprar o Pasquim, tempo de colégio, tinha
o Jornal do Brasil nesta época lá em casa, e aí eu comecei a me interessar pela
informação, com uns 15, 16 anos”.
E ainda:
“Eu ficava pensando em como ia ser escrever sobre as coisas que eu gostava:
política e carros. Por causa da censura, acabei indo parar numa revista
automobilística. Me lembro que eu fiquei igual um pinto no lixo, né? E eu ainda
tinha a minha máquina de escrever, porque era assim que se fazia um jornal.”
Outro entrevistado desta geração completa sobre a influência do jornal em
sua vida:
32
“Eu gostava muito de jornal, principalmente do Correio da Manhã, do segundo
caderno deles. Mas quando eu comecei, comecei num jornal pequeno que, apesar
de ser na época muito vendido, competia com O DIA e a melhor escola pra um
grande jornalista é entrar num jornal pequeno, porque ali você pode saber tudo.
Foi a partir daí que eu engrenei na profissão”.
O momento social da escolha da profissão para esta geração estava
limitado por condições políticas particulares, mas estar num jornal era, ainda
assim, um modo de participar ativamente da sociedade. Segundo este mesmo
jornalista:
“Eu peguei uma época em que você podia trabalhar em apenas algumas áreas e a
reportagem policial tomou muito o lugar no espaço da política porque a imprensa
estava amordaçada, aí então eles investiram muito no caderno policial. E eu entrei
de cabeça no jornalismo investigativo, era uma forma de denunciar coisas que
estavam erradas.”
Estes profissionais encaravam a profissão, com suas ações e identidade,
apesar das suas limitações, como uma “nobre missão de revelar pedaços do
mundo e de tentar elevar a consciência, provocando indignação justa e ampliando
a participação e a cidadania (DaMatta, 1999:20).”
Já para os jornalistas da geração pós anos 1980, o rádio e o jornal impresso
continuam a existir enquanto fonte de informação, mas perdem espaço, com a
força da televisão. Os depoimentos abaixo ajudam a mostrar a transição de
importância do jornal impresso para a TV. No primeiro, uma jornalista mostra que
ainda há nos profissionais dos anos 1980 uma referência de função social e perfil
transformador comum nos depoimentos dos profissionais da geração anterior:
“Na verdade, eu fui fazer jornalismo mais pela função social que eu acreditava da
profissão. Eu cheguei a acabar o curso de Direito, mas no final não me
identifiquei muito nem com os colegas nem com o curso, pelo perfil mesmo. Eu
entrei na profissão pela questão de eu achar que poderia, uma coisa bem ingênua,
ajudar a construir um mundo melhor”.
Já no segundo, uma profissional desta mesma geração já admite a
influência da televisão e de novas expectativas com relação ao que significa ser e
fazer jornalismo:
“Comecei a gostar do jornalismo prestando atenção no Jornal Nacional. Eles
mostravam sobre as Diretas Já, sobre histórias interessantes e contavam com uma
linguagem, com um jeito que parecia que aqueles jornalistas eram mais
inteligentes que os demais mortais.”
33
A televisão ganha espaço na vida familiar brasileira e mais pessoas têm
acesso à profissão do jornalista com esta nova linguagem de divulgação da
notícia. E é ela que, já nos anos 1990, cria uma linguagem para “ganhar as
massas”. Sua nova linguagem e sua busca por grandes audiências moldam o
jornalismo e a notícia também precisa se tornar acessível, com uma linguagem
para atingir o grande público.
Dessa forma, os jornalistas dos anos 1980 ainda estão, por um lado,
apegados às definições de ser jornalista reforçadas pelo grupo antecessor, com
ênfase nos veículos impressos, modos de escrita e relações com a notícia de perfil
transformador e cujo texto pode produzir impacto social, e, de outro lado, sendo
absorvidos pela força da linguagem televisiva, que também traz para o modo de
ser e fazer do jornalista novas características, como a rapidez em relatar os fatos, o
uso de imagens para confirmá-los, uma nova linguagem que faz da informação
uma ferramenta objetiva, etc.
O que se percebe nesta geração é que a transição do jornal impresso para a
televisão impactou diretamente a percepção sobre o caráter da profissão, aquilo
que se espera do trabalho do jornalista. Se o jornal esconde a imagem do jornalista
e dá a ele a sensação de que seu texto, embora seguindo critérios formais de
imparcialidade e objetividade na cobertura dos fatos, ainda é capaz de denunciar,
de apresentar questões e “pedaços ocultos ou distantes do mundo para pessoas que
simplesmente vivem a vida, reagindo aos eventos que as atingem ou talvez sem
nenhuma reação a qualquer fato de perto e de longe” (DaMatta, 1999:23) e, com
isso, ajudando na transformação social, a televisão expõe a imagem do jornalista,
mas diminui a percepção entre os profissionais de que esta é uma função
questionadora da realidade social.
Os entrevistados dos anos 2000 já têm a televisão como veículo
consolidado de fonte de informação e de referência. As linguagens e estrutura das
reportagens televisivas já entram no imaginário ideal da notícia, deixando, na
opinião dos entrevistados, o jornal impresso com menos importância, o que se
tornou evidente, por exemplo, com a diminuição das tiragens. Nesse sentido, os
futuros jornalistas que têm como referência este veículo percebem os eventos a
34
partir da edição e construção da realidade produzida por este meio de
comunicação.
Durante o período de infância e adolescência dos entrevistados da geração
mais recente, seguir a profissão do jornalismo tem como inspiração os
apresentadores e jornalistas da televisão, personagens e não apenas transmissores
de notícias, figuras cuja identidade é clara e não apenas um transmissor da
informação sem rosto nem atitude, como nos jornais. Nesse caso, os jornalistas
são reconhecidos não apenas pelo grupo, mas por todos os telespectadores. Eles
possuem destaque de celebridade, por serem detentores da informação e terem,
ainda, a projeção de sua imagem.
Além de terem esta projeção pessoal, ganharam, a partir desta imagem,
segundo Michael Schudson, um personagem: o personagem de tradutor, que serve
a um público “mal equipado para analisar por si próprio o significado dos eventos
(Schudson, 1982:100).” Ou seja, atuam como tradutores e intérpretes dos eventos
que selecionam a partir dos critérios de formação do grupo e expandem esta
tradução e interpretação dos eventos para o grande público social emprestando sua
imagem.
Além disso, para os jornalistas dos anos 2000, as informações que
circulam em tempo real pela Internet afetam o modo de ser e fazer jornalismo.
Criou-se um ciberespaço e um cibertempo6 cuja velocidade de divulgação de uma
notícia ultrapassa as possibilidades dos outros veículos de comunicação de
seleção, apuração, edição e divulgação da imagem.
O que a Internet trouxe ao jornalismo, segundo os entrevistados, foram
mudanças na velocidade de divulgação de um conteúdo e atualmente grandes
empresas de comunicação social agregam em suas aquisições portais on-line com
conteúdos que serão divulgados no jornal impresso ou em matérias televisivas e
muitos outros conteúdos que, por critérios de tempo e ordem de importância, não
são divulgados nem na televisão nem no jornal impresso.
6 Para uma discussão interessante sobre a postura dos indivíduos no espaço virtual, com suas
impressões sobre tempo e espaço, ver Sternberg, 2012.
35
Além das mudanças na importância dos meios de comunicação, que
passaram da força dos jornais impressos para a TV e hoje têm a TV e competição
acirrada com a informação em tempo real da Internet e das mudanças no perfil de
atuação do jornalista, há a percepção do grupo sobre a importância de seu trabalho
interna e externamente.
É possível notar que jornalistas da geração anterior aos anos 1980
percebiam no jornalismo a possibilidade de, segundo um dos entrevistados, “atuar
de alguma forma numa sociedade onde não havia muito onde atuar”.
Ou seja, a manifestação escrita comum a uma época de grande força dos
veículos impressos ainda era tida como uma forma de tentar falar sobre
acontecimentos sociais, mesmo que estes fossem retratados sob censura. São
jornalistas que se colocam como transformadores e investigadores sociais.
Num dos depoimentos fica bem claro que usar a escrita e estar num local
onde se fala e se apuram coisas que estão acontecendo no cotidiano da cidade e do
país é uma possibilidade, mesmo que pequena, já que não havia como realizar
uma escrita abertamente crítica, de não deixar escapar a observação sobre os fatos:
“Eu escrevia sobre automóveis porque tenho paixão por carro e fiz uma boa
escolha, pois a censura não me freou de escrever, mas sei que tinha muita gente
que preferia dar uma notinha sobre algo que aconteceu sem importância do que
ficar sem escrever.”
O segundo depoimento é ainda mais marcante nesse sentido, pois o
jornalista que atuou em um jornal de um grupo estudantil, ao ser contratado por
um veículo de grande circulação, revelou:
“Eu sabia que a editoria de Política do jornal não ia me deixar escrever, aliás, o
espaço de política ficou bem pequeno, e começaram a dar mais importância pra
editoria Policial. Foi pra lá que eu fui. Achei que era um jeito de denunciar coisas
que estavam erradas.”
A geração pós-1980 passa, na sua percepção sobre atuação e participação
como jornalista, por um processo de transição de razão pela qual escolheram atuar
no jornalismo. Percebem que devem se portar conforme a lógica do trabalho em
sua atualidade e não voltando para um tempo que não existe mais. Quer dizer,
36
mostra a transição entre os fins mais idealizados do que é fazer jornalismo e o
lado mais “prático” da profissão.
Por exemplo, uma jornalista entrevistada mostra bem esta transição
quando diz:
“Eu sou um pouco diferente, pois pensei em entrar no Jornalismo porque a
faculdade de Direito que fiz não mostrou que minha atuação poderia ser de um
transformador social e achei que o Jornalismo poderia dar este caminho”.
Quando a jornalista se diz “diferente”, está se colocando como parte menor
do grupo de jornalistas que, assim como os meios de comunicação, passam por
transformações nas motivações pela escolha da profissão. Isso se dá já que a
maioria dos jornalistas dos anos 1980 já tinha a televisão como veículo que fazia
parte da formação do caráter de jornalista e seu perfil estava atrelado ao perfil
televisivo de apreensão da realidade.
Profissionais mais recentes citam inúmeros programas jornalísticos da
televisão como influenciadores da escolha da profissão. Neles, há um enfoque
grande na imagem do jornalista e na “glamourização” deste profissional, que se
torna uma figura divulgadora da realidade. São, ainda, estes profissionais um
modelo de credibilidade, conhecimento e de narrativa clara sobre a realidade
social:
“Quem nunca sonhou em ser a próxima Fátima Bernardes ou William Bonner?
Você percebe que eles passam credibilidade, você olha pra eles e percebe que
eles sabem o que estão falando.”
O que parece diferenciar fortemente as gerações é exatamente a motivação
para a escolha da profissão. Enquanto o uso da escrita e da palavra era visto pela
geração anterior aos anos 1980 e parte da geração dos anos 1980 como um
poderoso instrumento de mudança da situação política brasileira, hoje esse uso da
escrita e da palavra ganha uma nova configuração de importância, segundo os
entrevistados, um “glamour de que a informação é parte de um privilégio de um
grupo de autoridade” e que este conhecimento de informações “já não faz parte de
uma prática fiscalizadora ou questionadora social”.
37
A mudança nas referências de veículos de comunicação, motivação para a
escolha do trabalho e percepções sobre o valor de ser jornalista também passam
pelos momentos sociais da escolha da carreira e pelos modelos que existiam para
esta escolha. Enquanto o jornalista dos anos da ditadura militar tinha nos jornais
um local onde podia realizar, pelo menos, o exercício da escrita, os jornalistas dos
anos 1980 estavam em transição de referência, ficando entre as concepções dos
profissionais da geração anterior e as novas possibilidades de atuação e
linguagem, como a televisão. Já os jornalistas da geração mais recente colocam
em sua formação de caráter práticas e referências distintas, num perfil de
profissional mais “objetivo e imparcial”, mesmo tendo como referência
profissionais cuja notícia está diretamente ligada a uma imagem pessoal.
Não há como não pensar nas mudanças sociais que ocorreram quando se
problematizam as razões de mudança de percepção do papel social do jornalista.
“O campo jornalístico, age, enquanto campo, sobre outros campos (Bourdieu,
1997:81)” e acaba tornando a influenciar mudanças em seu próprio campo. Assim,
o perfil do jornalista muda com as alterações internas (do grupo) e externas
(sociais).
Profissional pré-Anos
1980
Profissional pós-Anos
1980
Profissional pós-Anos
2000
Modelo de
atuação
Transformador e
investigador social
Transitório entre
transformador social e
tradutor da informação
Tradutor da informação
Veículo de
referência Jornal e Rádio
Transitório entre jornal e
televisão Televisão e Internet
Momento
Social Ditadura Militar Retorno à democracia Democracia
Quadro 1: Comparativo das dimensões analisadas.
2.8. Informações obtidas a partir do questionário: traços comuns
Entre os traços comuns identificados nas entrevistas iniciais, destaco o
pertencimento destes profissionais a famílias de classe média e a possibilidade de
acesso que esta classe proporcionou para a escolha desta carreira; o talento inato;
a utilização de mecanismos de controle do processo da notícia, ou seja, da seleção,
38
apuração, edição dos fatos selecionados; a percepção de falta de rotina no trabalho
jornalístico; o critério de seleção dos profissionais e a formação “prática” do
caráter do jornalista.
Destas questões comuns aos jornalistas, os dois primeiros temas fazem
parte da formação do caráter do jornalista ainda antes dele fazer parte do grupo. A
trajetória pessoal do indivíduo, por conta de seu capital econômico, escolar,
familiar e cultural influencia a escolha da profissão; mas estando ele, ainda, fora
do processo. Da mesma maneira, a noção de “talento” do jornalista faz parte de
uma formulação subjetiva e anterior à profissão, referindo-se a supostas
habilidades inatas que fazem do indivíduo um bom profissional da área. Estas
lógicas são anteriores aos comportamentos e percepções construídas já no
processo interno de formação do caráter, mas atuam diretamente no mesmo.
Já a existência de mecanismos de controle do processo da notícia; a
percepção de falta de rotina no trabalho jornalístico; o critério de seleção dos
profissionais e a formação “prática” do caráter do jornalista são construções
analisadas no seu processo interno, nos modos de fazer e nas definições do ser
jornalista.
Entre os jornalistas entrevistados, um fato chama logo atenção: o
pertencimento destes profissionais a famílias de classe média e cuja leitura, escrita
e acesso aos meios de comunicação de referência de suas épocas foram
influenciadas pela formação educacional e familiar. Isso não significa dizer que
esta influência é condicionante de uma escolha pelo jornalismo, mas o capital
familiar e escolar dos entrevistados tinha como mecanismo de distinção a
influência da leitura, escrita e mídias e a continuidade, em casa, do acesso a livros,
revistas, pesquisas, enciclopédias, filmes, documentários e materiais fornecidos
tanto pelo universo escolar quanto pela mídia. Assim, os capitais escolar e
familiar, que são importante influência nos caminhos de um indivíduo, por
fazerem parte da formação do caráter do indivíduo, ajudam a “sugerir” a profissão
de jornalista a um grupo específico da sociedade que consegue ter acesso a bens
simbólicos e práticos que os torna capazes de exercer tal função.
39
A disponibilidade da leitura contínua do jornal e acesso a outros meios de
comunicação criou para os entrevistados a possibilidade de pensar no jornalismo
como uma possibilidade de campo de trabalho. Ou seja, tendo acesso ao meio de
comunicação por conta do capital familiar e escolar, foi possível que se
construísse um habitus, uma oportunidade de usar desta rotina para participar
daquele campo, o do jornalismo (Bourdieu, 1977:190).
A prática do acesso em casa aos meios de comunicação revela bem mais
do que apenas um hábito isolado daquelas pessoas. Existe neste acesso a
possibilidade de isso se tornar sua profissão, pois este acesso se limita a um grupo
social capaz de “ler o código” criado pelo veículo. O acesso econômico e cultural
a um meio de comunicação cria mecanismos distintivos de aproximação com o
mesmo.
Esta rotina traz à tona uma prática que coloca aquele grupo social em uma
posição com relação aos demais grupos sociais e cria em torno desta prática uma
postura estruturada socialmente de acesso e uso do meio de comunicação (habitus)
por um grupo que o escreve e outro que o lê, ambos influenciando um ao outro
(campo). Aqueles de um mesmo habitus e campo se reconhecem por suas práticas
e por sua posição intelectual no campo:
O princípio unificador e gerador de todas as práticas e, em particular, destas
orientações comumente descritas como ‘escolhas’ da ‘vocação’, e muitas vezes
consideradas efeitos da ‘tomada de consciência’, não é outra coisa senão o
habitus, sistema de disposições inconscientes que constituem o produto da
interiorização das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos
determinismos objetivos e de uma determinação, do futuro objetivo e das
esperanças subjetivas, tende a produzir práticas e, por esta via, carreiras
objetivamente ajustadas às estruturas objetivas. (Bourdieu, 1977:201, 202)
A escolha de certas carreiras pode ser determinada num campo de
possibilidades e impossibilidades associadas a cada tipo de posição na estrutura
social e, por esta via, chegar no sistema dos fatores objetivos que contribui para
definir as trajetórias biográficas mais prováveis para as diferentes categorias de
agentes. (Idem, 1977:202)
Carreiras ficam num sistema de posições estruturalmente pertinentes. Ou
seja, certas profissões mantêm a estrutura, o padrão social e escolar da família à
qual o indivíduo pertence, numa manutenção da estrutura de poder nas carreiras
40
escolhidas por certos grupos. Nesse sentido, há na trajetória pessoal do indivíduo
um leque limitado de possibilidades de atuação profissional, todas visando manter
a estrutura familiar numa posição econômica, social e cultural igual àquela de
todos os outros membros. No caso dos jornalistas, a profissão está disponível no
“leque de oportunidades” das carreiras para aqueles das camadas médias urbanas.
O processo externo de definição do jornalismo como carreira também
possui outro componente: o talento para o jornalismo. Palavras como “talento,
faro, sorte, dom, curiosidade” estão presentes tanto nas entrevistas quanto em
inúmeros textos que abordam as características do trabalho e do profissional do
jornalismo.
Este dom, estas qualidades “extras” não são adquiridas no meio
acadêmico; pelo contrário, elas parecem ter sido oriundas de virtudes inatas do
indivíduo, portanto são consideradas habilidades “naturais”. E elas serão testadas
e aprimoradas na prática da profissão, na qual o profissional tem a chance de
mostrar aos outros este talento ao escrever bem, ter faro para investigar os fatos,
ser curioso para produzir perguntas relevantes etc.
A habilidade de o jornalista escrever com clareza, de “dominar sua língua,
escrever bem” (Noblat, 2002:78,79) é, nesta concepção, inerente a ele e é
aprimorada no processo interno de formação. Quem define o que é escrever bem é
o próprio grupo que, no seu dia a dia, julga as matérias dos colegas e cria critérios
internos de mérito na apuração e forma da notícia (Travancas, 1993). Assim, o
talento do jornalista “nasce com ele” e é aprimorado e julgado com base nos
critérios do grupo em que atua.
Assim como a definição interna de “como escrever bem”, também há uma
lógica interna de construção dos fatos em notícias através de sua seleção, apuração
e edição. Há, em todos os meios de comunicação, critérios de seleção sobre quem
irá escrever certa notícia, seu destaque no jornal, a maneira como aquela notícia
será retratada e o modo como ela será escrita. Ou seja, há procedimentos de rotina
instrumentalizados para que a ações do grupo tenham uma coerência e funcionem
dentro de uma lógica comum.
41
Em momentos como a ditadura militar, os entrevistados conseguiam
definir mais claramente os critérios de edição interna e externa que viabilizavam a
publicação de uma notícia, embora em todos os outros momentos sociais de
atuação do jornalista existam critérios de seleção daquilo que é notícia, como ela é
dita e escrita. Segundo um jornalista que começou sua atuação ainda nos anos da
ditadura e que permanece na profissão, “sempre existiu o que chamamos de
‘tesoura’, um modo do editor, do chefe de redação ou quem quer que seja o
responsável pela edição final do jornal alinhar o texto do jornalista com a linha
editorial, seja na época da ditadura ou nos dias de hoje”.
Para citar alguns procedimentos de rotina que sugiram nos depoimentos,
destaco como mais frequentes as reuniões de pauta, onde são definidos os fatos
que serão apurados ao longo do dia e que jornalistas irão fazê-lo; a seleção do
tamanho que a notícia irá ganhar e, portanto, a definição do texto do jornalista
conforme o espaço que lhe é dado para escrever; e a “tesoura” do editor, que
adapta o texto conforme seu entendimento, para adequá-lo à linha editorial.
Este exemplo de rotina de confecção da notícia não é assim entendido pelo
próprio jornalista no seu discurso, pois as entrevistas revelaram que há uma ideia
de que “o jornalismo não tem rotina”. Mas o que querem dizer com isso é que
todos os dias há notícias diferentes a serem tratadas, o que não significa que não
haja uma rotina quanto aos procedimentos para escolha, apuração, edição e
divulgação das mesmas.
Existe no modo de fazer jornalismo um dia a dia que parece novidade,
pois, a cada dia, há um novo fato com potencial de ser coberto, mas os
procedimentos de escolha, apuração, escrita e finalização da escrita têm sua
formalização e sua formatação. Nesse sentido, os critérios do jornalista sobre o
que é rotina não contemplam uma prática que é rotinizada. É que o discurso
interpreta como falta de rotina apenas um dos aspectos do trabalho e não leva em
consideração procedimentos bem definidos e usados cotidianamente nas práticas
do grupo.
Para manter esta ordem, “esta rotina de não ter rotina”, nas palavras do
próprio grupo, os profissionais são escolhidos para integrarem o grupo sob
42
critérios também “internos7”, ou seja, o modo de contratação de pessoas também é
peculiar.
Normalmente jornalistas são contratados por indicação de outros
profissionais que já atuam no veículo, “porque a pessoa já te conhece, já sabe das
suas habilidades, da sua competência, do seu talento”, define uma jornalista cuja
atuação iniciou nos anos 1980. Outro jornalista, da época anterior, completa:
“temos que escolher aqueles que são dos nossos, quem terá facilidade de trabalhar
aqui”. E, ainda, segundo uma profissional da geração mais atual, “não há como
saber se um jornalista é bom pelo papel, pelo currículo, só dá pra saber quando ele
coloca a mão na massa e corresponde à pressão da redação”.
Sob esse aspecto, o grupo seleciona os profissionais com potencial de
participarem do que Isabel Travancas, em “O mundo dos jornalistas (1993)”,
classificou como sendo um mesmo “estilo de vida”, e uma mesma “visão de
mundo” sobre o grupo, sua formação, atuação e valores.
Ingênua ou não, já que, segundo Pierre Bourdieu, os profissionais do
jornalismo se voltam para percepções e discussões internas, achando que têm
força de atuação sobre suas práticas e sobre o veículo em que atuam, enquanto as
empresas que os contratam se beneficiam deste trabalho voltado para o âmbito
interno por ser ele menos questionador dos processos externos de controle que
estes meios de comunicação exercem na sociedade (Bourdieu,1997), é esta a
percepção sobre os “talentos” que são selecionados para a inserção no grupo.
O “mundo dos jornalistas” é inventado e reinventado com foco nas
práticas internas e, portanto, alguém se torna jornalista efetivamente após rituais
criados no ambiente de trabalho. Mesmo os talentos e influências externas só
fazem sentido quando colocadas à disposição das práticas construídas e
entendidas como internas. O quadro comparativo a seguir busca sintetizar fatores
que representam e fatores que não representam o “caráter do jornalista”:
7 As ideias de práticas e critérios internos e, portanto, específicos do grupo para formação do grupo
e do seu caráter são construídas a partir do discurso do próprio grupo e não devem ser entendidas
como práticas e critérios absolutos e exclusivos; são apenas aqueles reivindicados como legítimos
e formadores da identidade, do perfil, das ações, do pertencimento do jornalista.
43
Fatores que representam o
caráter do jornalista
Fatores que não representam o caráter
do jornalista
“Prática” “Teoria”
Local de trabalho, ambiente
interno
Universidade, ambientes e materiais
acadêmicos e formais, ambiente externo
Dom, talento para a escrita, faro
jornalístico
Influência dos capitais escolar e familiar e
de pertencimento a uma classe social
Grupo de jornalistas Público geral, senso comum, sociedade
Objetividade, verdade Subjetividade, narrativa, interpretação
social dos fatos
Imparcialidade Parcialidade
Falta de rotina no trabalho Mundo do trabalho rotinizado
Quadro 2: Comparativo inicial dos fatores que representam e não representam o “caráter do
jornalista.
2.9. A importância dos traços comuns: encontrando um recorte para o “caráter”
Como havia mencionado anteriormente, há, sim, fatores que podem
diferenciar jornalistas entre si, mas o que se mostrou bastante relevante nas
primeiras entrevistas com jornalistas que trabalham ou trabalharam em jornais do
Rio de Janeiro é que elas apontaram um relevante traço comum entre os
jornalistas das diferentes gerações e que identifico como parte bastante definidora
do caráter do grupo, uma especificidade que mostra que eles são um grupo que
continua a reforçar suas características e a criar traços distintivos e específicos do
grupo e continuam a reforçá-los com o passar do tempo.
Este critério comum ao grupo profissional, independente do recorte
geracional, ajudou a pesquisa a seguir adiante. Vamos a ele.
Foi possível identificar nas entrevistas o discurso e a descrição de critérios
tidos como “práticos” como sendo essenciais para a formação do caráter do
jornalista. Além disso, todos os entrevistados citaram modestamente suas
disciplinas acadêmicas, professores, bibliografias e teorias usadas no período
universitário, bem como materiais formais como Manuais de Redação ou
protocolos oficiais, como sendo aquilo que os ajudou a formar a sua base
profissional e o seu caráter.
44
Foi da pouca lembrança ou ênfase aos tempos, disciplinas, professores e
discussões universitárias que foi possível identificar que os temas de cunho
teórico, formal e/ou oficial eram citados, mas não priorizados e entendidos como
definidores do modo de ser e fazer jornalismo.
Era comum ouvir entre os jornalistas frases que explicitavam o
aprendizado do jornalismo “na prática”. Em frases como “tudo o que eu aprendi,
eu aprendi na prática”. Esta “prática”, definição do jornalista para o aprendizado
no ambiente de trabalho, local onde se vê, sente e pratica a atividade, se dava em
oposição à teoria acadêmica, aos aspectos formais da profissão e a elementos
externos ao grupo. Esta “prática” era uma descrição de critérios que eram
expostos como dando sentido às ações e identidades construídas pelo grupo dos
jornalistas.
A relação do grupo com sua construção de “prática” está ligada a uma
visão de dentro pra fora: ou seja, das redações e demais locais de trabalho se cria a
atuação e interpretação sobre o ambiente externo. As relações com a “teoria” e a
“sociedade” são tidas como fatores externos com os quais o grupo tem que lidar
em segundo plano. A construção de uma ideia de “prática” e de “local de
trabalho” criam respectivamente uma interpretação de modos de agir como sendo
específicos do grupo (ser) e das especificidades das ações e locais de atuação
(fazer).
O que se pode ver desta interpretação é que o jornalista inicia sua
definição de existência e de atuação a partir da ideia de um núcleo que se espalha
para fora, de um mundo dos jornalistas que quer se ver a partir de critérios
distintivos do grupo, sendo ali onde se encontram suas características marcantes.
Não é que estes fatores tidos como externos e teóricos não existam ou não
influenciem o grupo, mas eles não são reivindicados de modo enfático como
marcantes do modo de ser jornalista e fazer jornalismo.
Para Marshall Sahlins (2007), não há, de fato, uma ordem prática capaz de
operar sobre um grupo. O que há é uma criação arbitrária de definição do que se
quer definir como “prática” e, a partir desta definição, revestir esta ideia de
“prática” de critérios e conceitos necessários para sua existência.
45
Sob este aspecto, os jornalistas se revelam “agentes que desenvolveram
suas próprias normas e valores discursivos. (...) [e] o modo jornalístico de
escrever tornou-se caracterizado por estratégias e práticas discursivas específicas”
(Chalaby, 1996:303).
Os jornalistas criam um ambiente de invenção da realidade exatamente por
julgar que há um movimento de dentro pra fora: da prática sendo a formadora das
opiniões, da construção de relações e de processos de comportamento e
identidade.
Nesse sentido, o “caráter” do jornalista é percebido pelo grupo através de
ações e identidades criadas e reconhecidas dentro do grupo e estão relacionadas
mais fortemente à construção de uma ideia de “prática”. Assim, essa autoimagem
e autonarrativa que o jornalista produz sobre si mesmo alicerçam a forma como
ele constrói e reconstrói seu caráter.
3. O caráter do jornalista: as entrevistas
Vou te contar uma história, posso? Tinha um motorista que trabalhava em carros
fortes e na época assaltavam muito, aí conseguiu uma vaga aqui no jornal. Ele
ligou pra mulher e disse: “querida, agora estou no jornal e acabou essa história
de tiroteio”. Na primeira saída ele foi pra uma matéria com a Luíza Brunet,
pediu autógrafo, depois foram outras com outros artistas, ele ficou encantado. Aí
uma hora antes dele largar, o diretor de redação me chamou pra subir o morro
do Cantagalo porque estava tendo um tiroteio, pra sair com foto na segunda
edição. Eu e o fotógrafo fomos pro carro e falamos que a gente tava indo pra
Ipanema. O olho dele brilhou, ele ficou todo feliz porque achou que ia encontrar
artista. Eu brinquei: “vamos encontrar artistas pra caramba!” Quando
chegamos perto da favela estava tudo escuro, eu falei pra ele apagar a lanterna
do carro pra gente entrar devagarzinho. Quando a gente parou o carro começou
o tiroteio, eu vi bola de fogo cruzando o céu, parecia que a gente estava no meio
de uma guerra. Eu me abriguei atrás de um poste, porque eu sou magrinho, o
fotógrafo estava atrás dos carros dos PMs, e o motorista, nós gritamos para ele
arranjar um abrigo, aí ele se jogou no chão. Aí meu chefe telefonou com o
tiroteio comendo: “Onde você está Natal? Na guerra? Volta logo pra redação,
pelo amor de Deus!” Eu tinha apurado a história e falei: “É hora da gente ir
embora”. Quando chegamos numa parte de Ipanema que tinha luz, adivinha o
que aconteceu? Ele (o motorista) procurou abrigo numa viela onde tinha fossa a
céu aberto e ficou todo sujo. Essa história foi muito engraçada. É que ele não
fazia ideia do que era trabalhar como jornalista.
(Lúcio Natalício, in memorian)
3.1. As entrevistas
A presença marcante nos depoimentos dos jornalistas de uma ideia de
prática que constitui predominantemente o caráter do grupo merecia uma
investigação mais profunda. Para tal, optei pela realização de entrevistas com um
grupo maior de profissionais brasileiros e, ainda, pela realização de entrevistas
com profissionais de outro país, no caso, os Estados Unidos.
Dessa forma, ao ter acesso a um número maior de jornalistas brasileiros, a
ideia sobre a percepção da construção de modos de ser e fazer jornalismo
relacionados a elementos que constituem a ideia de prática poderiam ser
entendidas com mais detalhes e ganhar novos elementos. E, ao entrevistar
profissionais norte-americanos, seria possível colocar esta construção retórica e
constitutiva do caráter do grupo em perspectiva comparada, buscando
interlocutores orientados por outra cultura. As entrevistas com jornalistas de outro
47
país seriam importantes também para verificar se o discurso de valorização dos
critérios práticos e sua influência direta no delinear do caráter do grupo se
relacionam a características peculiares ao jornalista brasileiro ou se há, entre
profissionais de ambos os países, alguma convergência discursiva e formadora de
um caráter favorável aos critérios definidos como práticos.
A opção por jornalistas norte-americanos não foi feita ao acaso. Ela se deu
em virtude de as escolas de jornalismo, os jornalistas e meios de comunicação
deste país terem tido grande influência na formação das escolas de jornalismo,
jornalistas e meios de comunicação brasileiros. Nesse sentido, toda esta influência
pode servir como fonte de convergências discursivas e de atuação ligadas ao que
significa ser e fazer jornalismo.
Os jornalistas brasileiros selecionados para esta segunda fase de
entrevistas continuaram sendo profissionais que atuam ou atuaram em jornais
impressos da cidade do Rio de Janeiro, enquanto os profissionais norte-
americanos selecionados faziam parte do grupo de profissionais que atua ou atuou
em jornais impressos da cidade de Nova York.
A escolha de Nova York se deu pois, assim como o Rio de Janeiro, a
cidade atua como um centro de referência de mídia nos Estados Unidos. A cidade
é um centro onde empresas midiáticas constituem sedes, a partir do qual
disseminam notícias para o restante do país. Cidade onde os fatos locais são
relevantes e de onde notícias que ocorrem em todo o mundo são redigidas e
divulgadas. Além disso, a cidade hospeda importantes escolas de jornalismo, com
estudantes que chegam de todas as partes do país para estudarem e também para
tentar trabalho em um veículo de comunicação da cidade.
O questionário produzido para ouvir estes jornalistas sofreu algumas
alterações desde aquele utilizado na pesquisa de Qualificação. Ele continuou
sendo amplo e tendo como proposta não produzir direcionamentos acerca do que
poderia surgir sobre a formação do caráter do jornalista, mas, agora, ele tinha a
intenção de entender melhor o sentido da valorização dos critérios práticos na
formação deste caráter e, ainda, buscar novos elementos que pudessem auxiliar na
interpretação da construção desta retórica e identidade de grupo.
48
Além das mudanças e acréscimos de questões, o questionário também
ganhou uma versão em inglês. Esta versão também permitiu que profissionais
entrevistados que solicitassem o questionário pudessem recebê-lo em seu idioma
e, conforme ocorreu em alguns casos, respondê-lo por escrito.
3.2. Brasil e Estados Unidos: existe um traço do caráter que ultrapasse fronteiras?
Para a expansão da discussão sobre o caráter do jornalista e identificação
de elementos que pudessem ajudar no entendimento sobre a valorização dos
critérios práticos na formação deste caráter, foram realizadas entrevistas com um
número maior de jornalistas brasileiros e também com profissionais norte-
americanos.
Assim, seria possível colher novos depoimentos de profissionais
brasileiros, a fim de compará-los com as primeiras entrevistas e também buscar
depoimentos de profissionais de outro país, ganhando a possibilidade de
comparação de semelhanças naquilo que, através do discurso nativo, é
reivindicado como elementos formadores do caráter do jornalista.
Portanto, a intenção de colher depoimentos de jornalistas de Brasil e
Estados Unidos se deu pois, mesmo que estes estejam sujeitos às influências da
cultura de seus países de origem, há a possibilidade da existência de critérios
convergentes e que possam ser percebidos nos grupos de ambos os países8.
E, conforme assinalado anteriormente, a opção por jornalistas brasileiros e
norte-americanos não foi aleatória, já que o modelo de fazer jornalismo no Brasil
8 Este trabalho tem a intenção de dar ênfase aos aspectos semelhantes, aos pontos de convergência
existentes nos discursos de jornalistas brasileiros e norte-americanos no que diz respeito à visão
sobre os modos de ser e fazer jornalismo, sobre a formação do caráter do grupo. Isso não significa
que não haja inúmeros aspectos divergentes entre os grupos de ambos os países nem mesmo entre
os profissionais de um mesmo país. Há uma escolha pela busca dos aspectos semelhantes
encontrados na construção retórica do grupo. Aspectos que se assemelham e estabelecem sentido à
formação de seu caráter, influenciando nos modos de se perceber e agir enquanto jornalista. Além
disso, a busca pelos aspectos semelhantes não tem a intenção de propor que brasileiros e norte-
americanos, ao produzirem um discurso de formação de caráter convergente, o produzam sem a
relevância de suas diferenças culturais. Não se trata de retirar o peso cultural que há sobre estes
profissionais na maneira de interpretar o mundo e, com isso, seu próprio caráter. Dessa forma, os
aspectos aqui apontados devem ser encarados como similares, já que é preciso levar em
consideração a existência de características culturais distintas entre profissionais brasileiros e
norte-americanos.
49
foi influenciado pelo modelo norte-americano. Dessa forma, os discursos sobre o
que é ser e fazer jornalismo entre os jornalistas brasileiros podem convergir com
interpretações sobre o caráter dos profissionais norte-americanos, por serem
grupos que possuem um nível de interação que potencializa a existência de traços
semelhantes.
Segundo Carlos Eduardo Lins da Silva, em “O adiantado da hora. A
influência americana sobre o jornalismo brasileiro”, é bastante significativa a
relação entre o jornalismo brasileiro e o norte-americano. Segundo o autor, há
registros de interesse das empresas jornalísticas brasileiras e dos jornalistas pelo
modelo norte-americano de fazer jornalismo desde a década de 1920. E daí em
diante, a aproximação foi se estreitando cada vez mais:
É na década de 40 que dois dos mais importantes jornalistas do Brasil vão aos
EUA e voltam de lá dispostos a mudar alguns padrões da imprensa do Brasil na
direção da americana. Um deles é Pompeu de Souza (...) (Lins da Silva, 1990:
77).
Seja através de visitas de jornalistas brasileiros a redações norte-
americanas e o retorno ao Brasil com projetos de mudanças no jornalismo
brasileiro, seja pelo retorno de profissionais que viveram uma experiência de
moradia e/ou estudos nos EUA, o que fica evidente, segundo Lins da Silva, é que
o jornalismo norte-americano passa a influenciar as redações brasileiras.
Lins da Silva também ressalta o estreitamento das relações diplomáticas
entres os dois países e a admiração pela postura empresarial das empresas
jornalísticas norte-americanas por parte dos empresários ligados à imprensa
brasileira como fatores influentes para a aceitação do modelo norte-americano.
A década de 1970 confirma e expande a influência do jornalismo norte-
americano no Brasil. Entre os fatores que contribuíram para tal, Lins da Silva
destaca o caso Watergate e a implantação do modelo da escola norte-americana no
Brasil:
o caso Watergate, em meados da década de 70, também se constituiu num agente
fundamental para a disseminação generalizada da ideia de que só numa
sociedade com um tipo de jornalismo como o americano é possível à imprensa
exercer um papel político tão predominante (Idem, 1990:83).
50
O caso Watergate9 serviu de exemplo de modelo jornalístico a ser seguido
e ajudou a “cimentar a hegemonia ideológica dos conceitos da escola americana
de jornalismo no Brasil” (Idem, 1990:84), ao criar uma imagem de que o
jornalismo pode ser capaz de exercer um papel transformador relevante na
sociedade.
Confirmando a influência do jornalismo norte-americano no Brasil, o autor
revela, que nos anos 1970, jornalistas que viveram ou foram influenciados pelos
Estados Unidos chegam às redações apresentando conceitos adquiridos por lá.
Dessa forma, muitos jornais ganharam características marcantes do modelo
importado:
Não há exemplo mais acabado desta situação do que o da Folha de S. Paulo. A
leitura do Manual de Redação desse jornal e os estudos científicos que vêm
sendo feitos a seu respeito mostram com clareza indiscutível que se tem ali um
caso de influência consciente, não-ocasional, do jornalismo americano sobre o
brasileiro (Ibidem, 1990: 86,87).
Além disso,
os cursos de jornalismo que se expandiram no Brasil a partir da regulamentação
de 1969 da profissão de jornalista, que tornou obrigatório o diploma de bacharel
na área para o exercício da atividade [foi] outra fonte de inestimável
importância para a disseminação dos valores e técnicas do jornalismo
americano na imprensa brasileira (Ibidem, 1990:84).
Isso porque
a escassez de literatura específica produzida no país e o fácil acesso aos livros
americanos na área fizeram dos autores americanos os responsáveis pelos textos
básicos com que o estudante se [formava] no Brasil (Ibidem, 1990:85).
Ainda assim é preciso perceber, segundo o autor, embora os dois países
produzam tipos de jornalismo distintos em razão de suas características históricas,
9 Os jornalistas Carl Bernstein e Bob Woodward, do jornal Washington Post, escreveram uma
série de reportagens investigativas que provava a existência de um esquema de corrupção dentro
do Partido Republicano. Entre os casos investigados, estava a ligação da Casa Branca com a
invasão, em 1972, da sede do Partido Democrata. O caso ficou conhecido como Watergate por ser
este o nome do edifício onde existia a sede do Partido Democrata. Além disso, o trabalho
investigativo dos jornalistas é considerado de extrema importância para a renúncia do presidente
Richard Nixon, em 1974. A série de reportagens serviu para profissionais de jornalismo como
modelo de apuração a ser seguido e também se tornou grande sucesso junto ao público em geral
com a adaptação para o cinema do livro Todos os homens do presidente (1974).
51
econômicas, políticas e culturais, que foi o conceito norte-americano o escolhido
enquanto padrão a ser seguido pelos meios de comunicação brasileiros:
O jornalismo brasileiro aceita o modelo americano de jornalismo (...) como
hegemônico. Mais isso não significa ser ele submisso, dependente ou mero
reprodutor de conceitos alheios. Ele goza de relativa autonomia, reinterpreta o
que absorve, incorpora suas próprias ideias, junta aspectos de outras escolas (a
francesa, a britânica e a ibérica em particular) para formar um jornalismo com
características peculiares, mas ainda assim dentro da hegemonia ideológica do
jornalismo norte-americano (Ibidem, 1990:36).
As regras que o modelo americano trouxe aos modos de escrever no Brasil
são tratados por José Maria Mayrink, em “Vida de Repórter” (2002), no qual o
jornalista revela sua trajetória profissional e os cuidados com a redação das
matérias. Matérias essas que deviam seguir o modelo norte-americano. Mayrink
citava regras como lead, sublead, pirâmide invertida como regras que deveriam
aparecer nos textos dos jornalistas:
Lead, sublead em parágrafos corridos, entretítulos a cada 20 linhas, a matéria
seguia, à risca, a técnica da pirâmide invertida, que teoricamente permitia cortar
o texto pelo pé, sem maior prejuízo (Mayrink, 2002:25).
Em “Ser jornalista no Brasil. Identidade profissional e formação
acadêmica”, Fernanda Lima Lopes apresenta a presença de marcas no jornalismo
norte-americano no Brasil, principalmente a partir dos anos 1950, quando o
modelo de jornalismo brasileiro começa a se afastar da influência dos modelos
europeus, principalmente do modelo francês, e se vale de características norte-
americanas de fazer jornalismo, utilizando o ideal da objetividade, a valorização
da publicidade e inovações tecnológicas e de técnicas de redação.
Segundo a autora, a padronização dos textos a partir do ideal da
objetividade e da neutralidade jornalística:
significaram, em alguma medida, o aumento da sensação de isenção produzida
pelo discurso jornalístico informativo. As técnicas de objetividade procuraram
propositalmente se afastar do antigo modelo prolixo, de terminologia rebuscada,
com uso de termos de linguagem jurídica ou de estilo literário, mas,
principalmente, cheio de juízo de valor explícito. Nesse sentido, a notícia e a
reportagem acabaram se tornando os produtos jornalísticos que melhor
sistematizavam a imagem do jornalismo pós-reformas dos anos 1950. (...) A
abstenção do uso dos adjetivos, a presença de aspas e do discurso indireto, a
regra de saber abranger os dois ou mais lados da questão, entrevistando todos os
envolvidos nela e dando igual espaço a eles, são alguns exemplos de recursos
52
retóricos capazes de provocar uma aura – ainda que ilusória – da neutralidade
(Lopes, 2013:77).
E para além da apreensão das técnicas jornalísticas entre os profissionais:
os impactos da adoção da norma da objetividade pelos veículos de comunicação
não se restringem a transformações da ordem da prática jornalística. A
identidade do grupo passou a estar necessariamente vinculada a ela (ideia de
objetividade) não apenas pelo que ela significou na dimensão dos fazeres, mas
também porque alcançou o âmbito dos valores, bem como dos saberes. A partir
dos anos 1950, esse ideal tornou-se pilar fundamental para construção de toda
uma deontologia (Idem, 2013:78).
Entre os exemplos citados pela autora sobre a influência do modelo de
jornalismo norte-americano estão ainda a confecção de Manuais de Redação nos
moldes norte-americanos, “a organização de cursos nas redações dos jornais para
ensinar as novas técnicas de redação e estilo” (Ibidem, 2013:79), o ensino
universitário que aplicou técnicas de objetividade em suas disciplinas, afetando
assim a organização curricular das universidades, a visita de jornalistas aos
Estados Unidos, até mesmo a convite do Departamento de Estado americano,
dentre outros.
Assim, das normas ao ensino universitário, das técnicas de redação ao
ideal de objetividade, do intercâmbio formal às viagens informais de jornalistas,
os modos de fazer jornalismo no Brasil foram se aproximando dos modos de fazer
jornalismo nos Estados Unidos, estabelecendo relações cada vez mais fortes entre
os modelos.
3.2.1. Rio de Janeiro e Nova York
A escolha das cidades do Rio de Janeiro e Nova York se deu por serem
grandes centros da mídia e para a mídia. O Rio de Janeiro abriga a sede de um dos
maiores jornais brasileiros, O Globo, e Nova York o maior jornal norte-
americano, o The New York Times. Além destes dois veículos impressos de grande
porte, as duas cidades abrigam um grande número de profissionais de jornalismo
que atuam em outros veículos impressos, bem como em muitos outros veículos
midiáticos. Também são dois grandes centros urbanos por onde importantes
notícias circulam e se tornam relevantes de serem apuradas e divulgadas para todo
o território nacional e onde importantes escolas de jornalismo estão localizadas.
53
O número de jornais de grande, médio e pequeno porte que circulam por
estas cidades é significativo e estas foram cidades que se tornaram referências de
atuação da mídia. E a força da presença midiática nas duas cidades ultrapassa a
participação dos jornais impressos. São locais com centros universitários de
referência em Jornalismo, com grande número de empresas de rádio, TV, Internet,
agências de notícias que atuam das formas mais variadas e que expandem seu
trabalho jornalístico para o restante do país e do mundo.
A cidade de Nova York é a mais populosa10 dos Estados Unidos, com mais
de oito milhões de habitantes. Ela é um importante centro de moda, pesquisa,
tecnologia, arte, turismo, finanças, comércio e mídia e os acontecimentos da
cidade se tornam relevantes para todo o país. A cidade em si é notícia relevante,
pois possui grande influência na economia, política e cultura norte-americana e,
além disso, é um centro que produz e analisa notícias e as faz circular pelo resto
do país.
O jornal mais lido no país pelos leitores de maneira geral e também entre
os jornalistas norte-americanos é redigido na cidade de Nova York. Segundo
pesquisa realizada em “The American Journalist in the 21st Century” (Weaver,
2007), o periódico The New York Times lidera a lista dos jornais mais lidos pelos
jornalistas norte-americanos. E este resultado se repete desde que a pesquisa
incluiu este item na lista de perguntas, nos anos 1980, até a última pesquisa
realizada em 2002 (Weaver: 2007: 24, 25, 26).
A cidade de Nova York também abriga universidades de renome que
oferecem cursos de graduação e pós-graduação em Jornalismo e áreas afins. Entre
as importantes universidades estão a NYU (New York University), Fordham
University, CUNY (City University of New York), Columbia University, entre
outras. Sendo esta última considerada uma das mais importantes universidades do
país11. Além disso, o Departamento de Jornalismo da Universidade de Columbia
10 Fonte: documento Population Distribution and Change: 2000-2010, publicado em 2011 pelo
United States Census Bureau, no site www.census.gov 11 A Universidade de Columbia e mais sete universidades fazem parte da Ivy League. Ser
integrante desta associação é, para universidades, sinônimo de excelência acadêmica e prestígio.
Além da Universidade de Columbia, são membros do grupo as universidades: Brown, Cornell,
Dartmouth, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale.
54
administra o prêmio de Jornalismo mais importante dos Estados Unidos, o Prêmio
Pulitzer12.
O Rio de Janeiro também é um centro de referência para o jornalismo,
com atividades econômicas, culturais, sociais e políticas que são consideradas
relevantes de serem divulgadas para todo o país. Além disso, a cidade é sede de
grandes empresas midiáticas que produzem informações que irão circular por todo
o país e possui universidades federais, estaduais e particulares que oferecem
cursos de Jornalismo.
A mídia impressa carioca conta com a presença de importantes empresas
jornalísticas. Entre elas, a maior empresa midiática do país, as Organizações
Globo13, com diversos produtos jornalísticos em veículos como televisão, rádio,
Internet e mídia impressa. Dos cinco jornais mais lidos do país, dois pertencem à
organização, segundo pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Jornais14
(ANJ) e realizada pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), em 2013. São
eles os jornais O Globo e Extra. Além destes veículos, a organização possui
também os jornais Diário de São Paulo e Valor Econômico, este em parceria com
o grupo Folha.
3.3. As entrevistas e o perfil dos jornalistas
Nesta segunda etapa de entrevistas, foram entrevistados dez jornalistas
brasileiros, somando um total de dezesseis profissionais, já que entrevistei na
primeira etapa seis profissionais, e dezoito jornalistas norte-americanos, num total
de trinta e quatro jornalistas. Os profissionais entrevistados atuam ou atuaram em
jornais impressos nas cidades do Rio de Janeiro e Nova York. Com entrevistas
variando entre quarenta minutos e uma hora e meia, também nesta fase, o tempo
total de gravação, em torno de 23 horas15, foi suficiente para obter informações
12 Atualmente o prêmio elege trabalhos jornalísticos em 14 categorias, com premiações em
dinheiro aos ganhadores. Para saber mais: www.pulitzer.org 13 Para saber mais sobre a história das Organizações Globo ver Rede Globo: 40 anos de poder e
hegemonia (Brittos & Bolaños (org.), 2005). 14 Pesquisa divulgada em www.anj.org.br 15 Das trinta e quatro entrevistas realizadas, trinta foram gravadas com áudio e quatro entrevistas
foram respondidas de maneira impressa, após envio de questionário por correio eletrônico. Destas
quatro, duas por profissionais brasileiros e duas por norte-americanos.
55
relevantes para a pesquisa. O encerramento da fase de entrevistas se deu quando
as respostas passaram a ser muito semelhantes, tanto quando comparadas às
respostas de outros jornalistas por mim entrevistados quanto em comparação às
outras fontes utilizadas como fonte para este trabalho.
Para Verena Alberti, em “Manual da História Oral” (2005), há um
momento em que os depoimentos passam a se repetir e isso significa que é hora de
seguir para uma nova etapa da pesquisa. Quando as entrevistas começam a ficar
“saturadas”, produzindo cada vez menos novidade em suas informações, é o
momento de análise do material colhido.
Assim como os profissionais entrevistados na primeira etapa, a escolha
dos profissionais foi orientada:
a partir da posição do entrevistado no grupo, pelo significado de sua experiência
(...) como unidades qualitativas – em função de sua relação com o tema estudado
– seu papel estratégico, sua posição no grupo (Alberti, 2005: 31,32).
Algumas entrevistas foram realizadas de maneira presencial e outras
através de telefone ou skype. Durante a primeira etapa das entrevistas, os seis
jornalistas que atuam no Rio de Janeiro foram entrevistados pessoalmente. Na
segunda etapa, percebi que, para alcançar um número maior de profissionais,
precisaria recorrer a recursos como o telefone, e-mail e skype. Isto permitiu que eu
pudesse conversar com jornalistas em horários mais flexíveis e possibilitou a
chance de chegar a um número maior de profissionais e horas de entrevistas.
O conteúdo dos depoimentos não foi menos relevante nas entrevistas não
presenciais, pelo contrário, já que os horários mais flexíveis permitiram que os
jornalistas ficassem livres para falar sem a preocupação de ter que retornar ao
trabalho ou de surgir algum compromisso de última hora.
Tanto no Rio de Janeiro quanto em Nova York, os jornalistas que
participaram das entrevistas foram selecionados a partir de sua relevância no
grupo e no recorte deste trabalho. Ou seja, atuam ou atuaram como profissionais
de jornalismo em jornais impressos. Os contatos com estes profissionais foram
feitos através de redes pessoais e profissionais e também através de pesquisas dos
56
endereços eletrônicos de jornalistas, aos quais enviei e-mail apresentando minha
pesquisa e convidando para participação como entrevistado.
Minhas redes pessoais e o contato com pessoas da área do jornalismo me
levaram a alguns entrevistados, já que me graduei no curso de Jornalismo e tive
experiências profissionais em meios de comunicação, entre elas um jornal
impresso do Rio de Janeiro. Também contei com a ajuda de meu orientador,
Valter Sinder, para realizar contatos com jornalistas no Brasil e nos Estados
Unidos, e me comuniquei com jornalistas do Rio de Janeiro com os quais não
possuía contato prévio, através de mensagens enviadas aos seus endereços
eletrônicos.
Em Nova York, tive a oportunidade de ser bolsista Capes/Fulbright no
Departamento de Mídia da Universidade de Fordham e minha supervisora, Janet
Sternberg, me auxiliou indicando alguns profissionais para entrevista. Também
contei com a rede de bolsistas e ex-bolsistas Fulbright para entrar em contato com
jornalistas da cidade.
Uma outra maneira de encontrar jornalistas para serem entrevistados
ocorreu através pesquisa dos endereços eletrônicos de profissionais da área e
envio de mensagem apresentando o tema de minha pesquisa e um convite para
uma entrevista que iria colaborar com a realização de meu projeto acadêmico.
Apesar de mais acostumados a realizarem entrevistas que serem
entrevistados, devo dizer que os jornalistas de ambos os países foram bastante
receptivos, demonstraram interesse pela pesquisa, curiosidade pelo resultado final
e não se recusaram a responder nenhuma das questões do questionário.
Busquei contemplar profissionais de ambos os sexos e de diferentes faixas
etárias em números equilibrados. Nos Estados Unidos, foram entrevistados oito
homens e dez mulheres, enquanto no Brasil foram ouvidos sete homens e nove
mulheres. Cinco brasileiros e cinco norte-americanos iniciaram suas carreiras
antes dos anos 1980, enquanto seis profissionais em ambos os países iniciaram no
jornalismo entre os anos 1980 e 2000. Com carreira iniciando após os anos 2000,
foram entrevistados cinco brasileiros e sete norte-americanos.
57
Entre os profissionais entrevistados16 apenas um jornalista brasileiro não
concluiu ao menos o curso de graduação. Destes trinta e três, quinze jornalistas
brasileiros estudaram em curso de graduação e (ou) pós-graduação na área de
jornalismo. Já entre os norte-americanos, seis profissionais possuem formação em
outras áreas, enquanto doze estudaram Jornalismo em curso de graduação e(ou)
pós-graduação.
Apenas dois jornalistas brasileiros revelaram ser oriundos de classe baixa.
Os outros trinta e dois jornalistas classificaram que suas famílias pertenciam à
classe média. Durante a pesquisa, a definição sobre classe média não estava entre
as questões feitas ao jornalista e, portanto, o sentido de classe média deve ser
percebido em seu aspecto amplo, levando em consideração que esta escolha pela
“classe média” pode ter sido orientada por critérios distintos entre os
interlocutores.
Perfil dos jornalistas entrevistados
Classe social Formação Início de carreira Sexo
País Média Baixa Não Graduação ou pós
Graduação
Outra
Até 1980 1980-2000 Depois Homens Mulheres
BRA 14 2 1 15 0 5 6 5 7 9
EUA 18 0 0 12 6 5 6 7 8 10
Total 32 2 1 27 6 10 12 12 15 19
Quadro 3: Perfil dos jornalistas entrevistados.
3.4. Aprimorando o questionário (Anexo II e III)
Para uma análise mais detalhada do caráter do jornalista, agora buscando
compreender o discurso do grupo brasileiro e do grupo norte-americano, o
questionário17 ganhou algumas questões que pudessem ajudar a desenvolver ainda
mais a análise do perfil do grupo e de sua relação com o discurso de valorização
dos aspectos práticos. A partir destes novos elementos do questionário, surgiram
16 Trata-se de uma amostra qualitativa. Esta pesquisa não tem intenção de produzir uma amostra
que corresponda a números de pesquisas quantitativas sobre o perfil de jornalistas que atuam no
Brasil e nos Estados Unidos. 17 Os questionários nas versões em português e inglês estão disponíveis em anexo (Anexos II e III)
58
mais traços ligados à ideia de prática e de teoria que contribuíram ainda mais para
entender o caráter do grupo.
O questionário sofreu alterações nesta etapa de entrevistas para que
pudesse, assim como o primeiro, ser amplo e abordar diversos temas ligados ao
jornalismo, sem propor o direcionamento para um recorte específico e tornar-se
ainda mais claro e organizado. Novas perguntas foram acrescentadas, para que
características dos modos de ser e fazer jornalismo pudessem aparecer e também
para que a escolha retórica pelos aspectos práticos na formação do caráter do
grupo fosse melhor definida.
Também busquei encontrar profissionais que tivessem iniciado a carreira
em épocas distintas. Na primeira etapa de entrevistas para a Qualificação,
organizei esta divisão, para o caso de haver entre profissionais de diferentes
gerações diferentes percepções sobre o que significa ser e fazer jornalismo.
Nesta segunda etapa, optei por profissionais das diferentes gerações para
que o caráter do grupo não contemplasse informações de um perfil geracional
específico. Mas, a partir desta fase, o foco do trabalho está nos elementos
semelhantes do grupo, independentemente das diferenças que possam surgir
diante das faixas etárias.
O questionário manteve seu caráter confidencial, para que os entrevistados
pudessem falar livremente. Além disso, a organização das questões manteve a
intenção de abarcar as relações e percepções sobre o jornalismo desde a infância
do entrevistado até o os dias atuais.
É importante destacar que, na fase das novas entrevistas, minha atenção
estava mais voltada para os discursos relacionados à valorização dos elementos
práticos na formação do caráter do jornalismo e nas definições sobre o que
significa ser e fazer jornalismo mas, ainda assim, busquei não ser específica nas
perguntas, mantendo o questionário amplo e sem um caminho traçado, para poder
analisar se os novos entrevistados confirmariam, acrescentariam ou, ainda,
modificariam essas características do caráter do jornalista.
59
Nesse sentido, as modificações do questionário não foram para limitar o
jornalista a falar do recorte produzido neste trabalho. A organização se deu para
compreender ainda de maneira mais clara que elementos formam e dão sentido ao
caráter do jornalista e não para produzir um direcionamento. A diferença mais
marcante entre este questionário e aquele produzido para a Qualificação é a minha
visão para as respostas, agora mais direcionada para o entendimento sobre o que o
jornalista denomina como prática e reivindica com aspecto característico e
formador de seu caráter.
Portanto, se na primeira etapa de entrevistas foram apresentados aspectos
que convergiam e divergiam nos depoimentos de jornalistas, a partir da divisão
em gerações e outros critérios de diferenciação dentro do grupo, neste momento o
olhar foi direcionado para a compreensão do que pode ser entendido retoricamente
como prática e quais exemplos de atuação e identificação com estas práticas são
revelados.
3.4.1. Modificações no questionário
O questionário utilizado para entrevistar os jornalistas teve sua primeira
modificação na forma, pois optei por dividir os itens por etapas, as etapas da vida
dos jornalistas. No primeiro questionário, as perguntas foram realizadas sem
nenhuma divisão e a escolha por dividir as questões por temas e etapas da vida do
jornalista acabou auxiliando na percepção da relevância, existência e influência do
jornalismo nessas diferentes fases da vida do profissional18.
A primeira parte19 das entrevistas buscava ouvir sobre a infância do
entrevistado, tendo como foco suas lembranças sobre meios de comunicação e
sobre o jornalismo neste período da vida. Nesta fase, o questionário se manteve
sem modificações, pois as perguntas formuladas foram suficientes para captar o
18 Também foram revisadas questões relativas a aspectos gerais da profissão, a conceitos do
Jornalismo e a opiniões dos profissionais relacionadas ao entendimento dos modos de ser e fazer
jornalismo. 19 Etapa “Infância e família”:1) Em que ano você nasceu? 2) Onde nasceu? 3) Me fale sobre sua
família: onde morava? Com quem? 4) Como foi a sua infância: o que lembra sobre sua escola,
família, viagens. 5) Onde seus pais trabalhavam, sua situação financeira. 6) Da infância, o que
lembra dos meios de comunicação? 7) O que lembra sobre jornalismo? 8) De onde veio sua
primeira percepção sobre o jornalismo: TV, Rádio, jornal? Fale sobre isso. Você se lembra
quantos anos você tinha?
60
tipo de relação que os jornalistas construíram com os meios de comunicação e
com o jornalismo neste período.
A segunda parte20 tinha a intenção de captar dos jornalistas referências da
fase da adolescência, do período anterior à escolha de um curso universitário, ou
seja, as questões buscavam saber sobre as referências e percepções sobre o
jornalismo antes mesmo de se tornar uma escolha acadêmica.
A terceira parte21 abordava questões sobre o período acadêmico do
jornalista, as percepções sobre a profissão, as mudanças nessas percepções a partir
de uma relação, neste momento, mais próxima ao exercício do jornalismo. Além
de questões sobre a possível mudança nas percepções sobre modos de ser e fazer
jornalismo a partir de uma relação agora mais direta com a profissão, foram
abordados temas como as experiências de estágio e sobre as disciplinas do período
acadêmico e sua utilidade no período profissional.
Algumas modificações no questionário ocorreram nesta fase. A primeira
delas, na pergunta de número vinte e um, indaga de maneira mais enfática se há,
nas experiências de estágio, diferenças entre a teoria acadêmica e a prática
profissional. No questionário da Qualificação, esta pergunta estava formulada de
maneira menos direta e, a partir do recorte da tese buscando analisar a construção
de um discurso e de um caráter do jornalista em torno de elementos práticos, optei
por fazê-la de maneira mais direta, buscando alcançar mais detalhes para esta
questão.
20 Etapa “Adolescência – período pré-universitário”: 9) Na sua adolescência, qual era a percepção
sobre o jornalismo? 10) Com que referências tinha esta percepção? De onde vinha a imagem do
que era fazer jornalismo? 11) Com quais elementos você decidiu fazer jornalismo? (Caso não
tenha cursado a universidade, com quais elementos optou pela profissão?) 12) Que opiniões você
escutou quando revelou que iria fazer jornalismo? O que seus pais, familiares, amigos acharam
dessa escolha? 13) Onde e como você achava que iria atuar? 14) Descreva o que você pensava
sobre a profissão, sobre o modelo que tinha sobre o modo de atuação. 21 Etapa “Período Acadêmico”: 15) Durante o período acadêmico, o que mudou na sua percepção?
16) O que não mudou? 17) O que foi acrescentado? O que foi novo para você? 18) Fale um pouco
sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que matérias mais te agradaram, quais foram
úteis para sua vida profissional, etc. 19) Comente suas experiências de estágio: o que aprendeu; as
diferenças que percebeu entre a teoria e a prática. 20) De que maneira conseguiu estes estágios:
indicação, sites, anúncios ou algum outro tipo de seleção? 21) Comente suas experiências como
estagiário. Há diferenças entre a teoria acadêmica e a prática profissional? 22) Em que ano você se
formou? 23) Me conte sobre a fase final da faculdade, quais eram as suas expectativas? O que
você estava fazendo nesta época?
61
Também foram incluídas nesta etapa duas perguntas, são elas: “Em que
ano você se formou?” e “Me conte sobre a fase final da faculdade, quais eram as
suas expectativas? O que você estava fazendo nesta época?” Estas perguntas
tinham a intenção de saber sobre as expectativas profissionais ao final do curso, o
que o profissional esperava de seu futuro, se ele já estava atuando na área e suas
impressões sobre seu trabalho.
Na quarta etapa22 de perguntas, busquei saber informações sobre o período
profissional dos jornalistas, explorando relatos sobre as experiências profissionais
e tentando obter um enfoque ainda mais direcionado para elementos discursivos
que tratam da percepção do jornalista sobre si mesmo, sua impressão pessoal
sobre a profissão, seu entendimento sobre as diferentes gerações de profissionais e
traços marcantes deste grupo específico e, principalmente, sua opinião sobre o que
significa ser jornalista e fazer jornalismo.
A intenção de propor este questionamento mais direto nesta etapa se deu
para o profissional incluir em sua avaliação sobre o que entende sobre ser
jornalista e fazer jornalismo ações e interpretações baseadas em todas as fases de
sua vida, sobre a formação deste caráter a partir de elementos adquiridos em sua
infância, adolescência, período universitário e período profissional.
A quinta etapa23 da entrevista relacionou questões gerais sobre o
jornalismo, buscando uma avaliação do profissional tanto de sua imagem para o
22 Etapa “Período Profissional”: 24) Comente suas experiências profissionais: onde foram, quais
funções? 25) Fazendo um retrospecto, o que mudou na sua percepção sobre o jornalismo? Ou seja,
pense desde a fase de criança até os dias de hoje e faça uma análise. 26) Na sua opinião, o que é
ser jornalista? 27) Na sua opinião, o que é fazer jornalismo? 28) Você acha que sua impressão
pessoal sobre o jornalismo pode ser uma percepção geral? Ou seja, demais jornalistas com
diferentes faixas etárias, funções, formações pensam de modo semelhante? 30) Comente seu
convívio com outras gerações de profissionais. Pense sobre o modo como eles enxergam a
profissão e a maneira como trabalham. 31) Você acha que a opinião de jornalistas de outras
gerações sobre ser jornalista e fazer jornalismo são parecidas ou diferentes da sua? Por quê? 32)
Existe alguma característica que pode ser encontrada em qualquer jornalista? 33) É comum ouvir
que jornalistas são contratados através de indicações ou recomendações. Você concorda com isso?
34) Você acha que esta maneira de conseguir emprego é mais comum no jornalismo que em outras
carreiras? 23 Etapa “Informações Gerais”: 35) Pense naqueles que não são jornalistas, qual é a ideia destas
pessoas sobre o jornalista e sua atividade? 36) Como os jornalistas são retratados na ficção? Em
novelas, filmes, séries de TV etc. 37) Na sua opinião, existe algum perfil típico de jornalista? Há
algo que identifique alguém como jornalista pelo seu modo de vestir; classe social; aparência;
personalidade? 38) Fale um pouco sobre o que é, na sua visão: a) Imparcialidade; b) Ética no
jornalismo; c) busca pela verdade; d) anonimato da fonte 39) Comente a relação entre jornalismo e
publicidade. 40) Para você, jornalista é um investigador, um descritor, um transformador social,
62
público em geral, quanto de termos, elementos, características que pudessem
formar um perfil específico de jornalista. Também teve o objetivo de detalhar o
caráter do jornalista, ao tentar saber a visão sobre questões consideradas inerentes
ao jornalismo, como imparcialidade; ética; busca pela verdade; anonimato da
fonte, assim como a relação entre o jornalismo e a publicidade e a importância dos
Manuais de Redação para o trabalho jornalístico.
As questões de número quarenta e quarenta e dois foram produzidas para
tentar alcançar mais uma vez elementos sobre o que significa ser jornalista e fazer
jornalismo, respectivamente. Ao perguntar, na questão quarenta, se o jornalista é
um investigador, um descritor, um transformador social, um intelectual ou um
fiscalizador, tento provocar o profissional a se posicionar como alguém que se
coloca em um papel, diante de um perfil estabelecido, ainda que ele não se sinta
enquadrado em nenhuma destas definições e escolha alguma outra ou nenhuma.
Em todo caso, é mais uma tentativa de fazer com que ele defina ainda mais uma
vez o que entende por ser jornalista.
E com a questão de número quarenta e dois, que questiona qual é o papel
do jornalista, faço mais uma tentativa de descobrir que modos de agir, ações,
atitudes se espera deste profissional. Ou seja, que formas de fazer jornalismo
unem o grupo e se tornam mais que comportamentos, se tornam aspectos de
formação de um caráter de grupo.
A última etapa24, chamada de “Comentários finais” incluía duas questões
para que o jornalista descrevesse seu trabalho, aquilo que faz enquanto jornalista e
também sua rotina, um dia de trabalho em sua vida. Além dessas questões
acrescentei a pergunta “O que faz de alguém um bom jornalista?” para que as
características entendidas pelos jornalistas como relevantes ao seu caráter fossem
descritas. Saber o que significa ser um “bom jornalista” me daria chances de
um intelectual, um fiscalizador? Por quê? 41) Para que serve o Manual de Redação? Você o
utiliza? Com qual frequência? Em que momentos? 42) Qual é o papel do jornalista? 43) Como
você busca ser imparcial? 24 Etapa “Comentários Finais”: 44) Me explique como funciona o seu trabalho, como você o
descreveria. 45) Descreva o seu dia de trabalho. 46) O que faz de alguém um bom jornalista? 47)
Algum comentário final? Há algo sobre o que entende que é fazer jornalismo e ser jornalista que
gostaria de adicionar, que não foi perguntado?
63
compreender quais são os critérios utilizados para que o jornalista seja
considerado um profissional reconhecido por seus pares.
Por fim, a última pergunta indagava se havia algo que constitui o caráter
do jornalista, o que eles entendem como ser e fazer jornalismo, que não havia sido
contemplado nas perguntas anteriores. Esta pergunta se mostrou muito importante,
já que muitos profissionais, neste momento final, chamaram atenção para a
necessidade de estar atento às mudanças no jornalismo e como elas devem ser
encaradas para o futuro do grupo.
3.5. Análise dos discursos: traços do caráter a partir dos questionários
A partir desta nova etapa de entrevistas, com jornalistas brasileiros e norte-
americanos, muitos aspectos práticos citados durante a entrevista de Qualificação
surgiram novamente nos discursos dos jornalistas. Além deles, novas questões
foram relacionadas a uma ideia de “prática”, que se aproxima do caráter do
jornalista, e de “teoria”, que se afasta dos elementos retoricamente reivindicados
como formadores do caráter do jornalista.
Os elementos práticos e teóricos citados no Capítulo 225 serão revisitados a
partir dos novos depoimentos e novos elementos serão incluídos entre os fatores
que representam e que não representam o caráter do jornalista. Assim, itens já
citados e também novos atributos relacionados à prática serão mais uma vez
colocados em oposição aos aspectos teóricos, àqueles que os jornalistas julgavam
fora do contexto de formação de seu caráter.
3.5.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambientes externos
Esta relação com o local de trabalho está associada a uma ideia de um
ambiente onde os profissionais se reconhecem, reconhecem uma linguagem
específica, criam um mundo que organiza e dá sentido ao seu trabalho. E, ainda
que este ambiente de trabalho seja a rua, como muitas vezes relatado pelos
25 Trata-se do quadro comparativo localizado no Capítulo 2, que buscou sintetizar fatores que
representam e fatores que não representam o “caráter do jornalista”.
64
profissionais, já que as redações são o ambiente de organização de pautas e
redação dos textos enquanto as ruas são onde se busca a informação, onde a
notícia acontece, ele é percebido pelos próprios dos jornalistas como sendo seu
local de trabalho, numa relação tida como interna.
Assim, seja em um espaço explicitamente ligado ao jornalista, como as
redações, seja um local público como as ruas, há uma relação do grupo com estes
locais que os apresenta como sendo seus. Na visão dos jornalistas, a formação do
caráter se dá a partir de uma relação de dentro para fora, de um mundo construído
pelo grupo e não de um mundo social mais amplo que participa anteriormente da
formação do grupo.
A partir das frases de jornalistas brasileiros - “Os profissionais são
formados nas redações e não nas universidades”; “Jornalista aprende na rua, indo
atrás de notícia”; “Tem profissões que você aprende na universidade, jornalismo
não”; “Quer aprender a fazer jornalismo: vá para a rua, leia, se informe, fique
atento aos seus colegas”; “A realidade do jornalismo é bem mais dura do que nos
fazem acreditar na faculdade” - é possível perceber que os modos de fazer
jornalismo estão relacionados às redações, onde praticam e aprendem com os
colegas e nas ruas, ambiente que lhes dá as ferramentas, o material de trabalho.
Além disso, se faz notar a partir dos discursos que os aspectos práticos se
reforçam a partir de uma oposição, negando a participação de ambientes como o
acadêmico, tidos pelos profissionais como externos, não influentes na formação
do caráter do grupo.
Em frases retiradas de entrevistas com jornalistas norte-americanos, mas
também presentes de modo semelhante entre os brasileiros, há ainda a
apresentação mais evidente da tentativa de se dissociar de um ambiente externo,
especialmente ao referir-se ao ambiente acadêmico: “Eu acho que é difícil que te
ensinem (numa escola de jornalismo) aquilo que você terá como experiência no
jornalismo. Eu acho que estagiar é onde você começa a ter a percepção do que
fazer neste trabalho; “Eu não sou contra escolas de jornalismo, mas eu não as vejo
como uma necessidade, pra mim eu não achei necessário”; “O que me lembro da
65
faculdade de jornalismo? Dos contatos que fiz. Não acho que a universidade é tão
importante para formar um bom jornalista”.
Ao notar esta relação da universidade enquanto ambiente externo, de
pouca relevância na retórica do grupo para a constituição de seu caráter, verifiquei
que, nas respostas à questão de número dezoito26 do questionário, poucos
jornalistas citaram disciplinas, textos e professores universitários como altamente
relevantes ou simplesmente relevantes para a formação de seu caráter.
Dos trinta e quatro jornalistas entrevistados, vinte e sete realizaram
graduação e/ou pós-graduação em cursos de Jornalismo. Destes vinte e sete,
apenas nove, cinco brasileiros e quatro norte-americanos, citaram como relevantes
as disciplinas acadêmicas e o ambiente universitário para a formação de seu
caráter. Ainda assim, estes nove jornalistas em seus depoimentos não conseguiam
lembrar o nome de mais que quatro disciplinas cursadas e apresentar quais
conteúdos, técnicas ou reflexões destes cursos foram úteis para sua prática
jornalística. E mesmo aqueles que citam a importância do ensino acadêmico não
apresentaram quantidade significativa de argumentos ou exemplos de como o
ambiente acadêmico foi relevante para a formação de seu caráter27.
3.5.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico
Outros dois temas que buscaram dissociar o caráter do jornalista do mundo
acadêmico surgiram nos itens “Vocação X Diploma” e “Habilidade de adaptação
X Dificuldade de adaptação”. O primeiro deles em “Vocação X Diploma” aponta
para a construção de um discurso favorável a uma ideia de que, para ser jornalista,
é preciso que exista um dom, uma vocação e que essas habilidades não são
necessariamente adquiridas num curso universitário, ao se conseguir um diploma,
um certificado acadêmico.
26 Questão 18) Fale um pouco sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que matérias mais
te agradaram, quais foram úteis para sua vida profissional, etc. 27 A etapa do Questionário “Período Acadêmico”, das questões 15 a 23, buscaram perceber a
participação do ambiente acadêmico na formação do caráter do jornalista. Além destas questões
especificas, questões gerais também poderiam receber menções da importância do ambiente
acadêmico para o caráter do grupo.
66
O ambiente de trabalho onde os jornalistas aprendem sobre seu trabalho,
observam seus colegas, criam e recriam suas práticas é também o lugar onde, ao
observar a atuação profissional, se percebe a existência da vocação. No caso dos
jornalistas, a perspicácia para encontrar uma informação, uma fonte, uma
novidade, a qualidade do texto, qualidade esta julgada pelo grupo, são formas de
ganhar e perceber a vocação, o dom do colega.
Em inúmeros depoimentos, jornalistas revelaram que escrevem suas
matérias pensando no que os colegas vão achar, e que desejam conseguir textos,
furos, informações, fontes e ideias tais quais as do colega que todos elogiam e
julgam ser um bom jornalista. E não será através de cursos acadêmicos e técnicas
padronizadas que haverá o reconhecimento deste dom entre os pares. Nas palavras
de um jornalista norte-americano:
“Um bom jornalista é aquele que você percebe que tem o dom, aquele que
descobre coisas que ninguém imaginou, que pensa em assuntos novos, fala com
as pessoas certas. Não sei explicar, mas parece que é algo que nasce contigo, você
tem ou não tem.”
Quanto à baixa atribuição de potencialização desta vocação na experiência
universitária, um jornalista brasileiro completa:
“Tem coisas que a gente não aprende. Você pode até treinar técnicas pra escrever
bem na faculdade, mas já ouviu a expressão ‘treino é treino e jogo é jogo?’,
então, é a mesma coisa. Você só sabe quem é bom na hora que tem que mostrar
serviço, quando tem que tirar ideia da cartola.”
3.5.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação
No quadro organizado no final do Capítulo 1 com fatores da “prática”, que
representam o caráter do jornalista, e fatores da “teoria”, que não representam o
caráter do jornalista, temas como “imparcialidade”, “objetividade” e “verdade”
estavam do lado “prático” do caráter, enquanto “parcialidade”, “subjetividade”,
“narrativa” e “interpretação social dos fatos” estavam do lado “teórico” do
quadro.
No decorrer das novas entrevistas, percebi que estas noções estavam sendo
questionadas por alguns dos jornalistas. Muitos deles buscavam explicar que as
67
ideias de “imparcialidade” e “verdade” como pilares do jornalismo nada mais são
que utopias:
“Imparcialidade não existe. Nós não somos imparciais, o jornal onde eu trabalho
não é imparcial, nenhum outro é. Mas isso não quer dizer que você não tenha
compromisso com a informação. Tem que checar, ir atrás mesmo. Eu não
acredito na primeira coisa que me falam porque pra virar notícia você tem que
tratar a informação da melhor maneira possível.28”
Além disso, muitos buscaram mostrar que o que se espera de um jornalista
não é que ele seja imparcial e tente alcançar uma verdade inquestionável, mas que
seja “justo; cheque as informações; seja fiel aos fatos; investigue; trate a
informação da melhor maneira possível; apure os diversos lados de uma notícia;
não se conforme apenas com uma fonte”. Ou seja, em exemplos colhidos dos
depoimentos, o que o jornalista procura fazer e exigir do grupo é uma “habilidade
de se adaptar para lidar com os fatos”:
“Você tem que checar se foi feito direito e não é só pelo seu nome, mas é pela
informação errada. O bom jornalista tem que checar cada informação que ele
publica, tem que ter respeito pelas fontes29.”
Nesse sentido, as ideias de “imparcialidade”, “objetividade” e “verdade”,
apesar de ainda presentes entre alguns jornalistas enquanto características do
caráter do grupo, não apareciam mais enquanto consenso, devido aos
questionamentos a estes elementos. Aquilo que unia o grupo em torno da postura
com relação aos modos de apurar, escrever e divulgar uma notícia estava em
comum acordo a partir da ideia de que o jornalista possui uma habilidade, uma
postura que o faz saber a maneira correta de levar a informação:
“Pessoalmente, eu acho que todos os jornalistas devem tentar com força buscar a
informação. Acho que as pessoas têm o poder de mandar informação para o
mundo, mas o jornalista é aquele que tenta a todo custo levar a informação
correta, com o contexto correto, mostrando as razões da relevância da
informação30.”
E esta postura parece ganhar um significado mais próximo ao caráter, ao
ser parte do discurso daqueles que dizem buscar imparcialidade, verdade e
objetividade no trato com a informação, no exercício do jornalismo e também
28 Profissional dos Estados Unidos, ao questionar a ideia de imparcialidade no jornalismo. 29 Depoimento de jornalista brasileira. 30 Depoimento de jornalista norte-americana.
68
entre aqueles que relativizam e/ou questionam a possibilidade de ser o jornalista
imparcial e objetivo:
“Eu colo na minha parede [na redação] recados para lembrar que tipo de
jornalista eu tenho que ser. Um dos lembretes diz: “conceber, apurar, focar,
organizar, rascunhar e revisar”31.
3.5.4. Talento para escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e pertencimento a uma classe social
Na primeira etapa das entrevistas, produzi esta diferenciação entre talento
e faro do jornalista versus influência dos capitais escolar e familiar32 e o
pertencimento a uma classe social, pois nos discursos dos jornalistas havia uma
reivindicação de que suas habilidades para escrever, de ter acesso à leitura e aos
meios de comunicação estavam mais relacionadas às noções de talento e faro para
o exercício da profissão que a uma possibilidade de adquirir tais habilidades a
partir de um contexto familiar, escolar e de classe33 que propiciassem condições
de se desenvolverem tais capacidades de escrita, criatividade e tino para o trabalho
jornalístico.
Ou seja, para os jornalistas, o fato de terem talento para a escrita e faro
jornalístico está mais ligado a uma ideia de habilidade inata, que nasce com o
indivíduo, que a condições sociais, econômicas, culturais que cercaram o
profissional ao longo de sua vida, dando a ele condições de desenvolver
habilidades e códigos que o tornassem capaz de exercer tal profissão.
“Gostar de ler, escrever bem, ser criativo, ter facilidade de conhecer e
ouvir pessoas, saber o que é importante de ser apurado e divulgado ao público”,
todos esses parecem ser traços do caráter adquiridos de maneira “natural”. É uma
maneira de naturalizar talento e faro apresentando-os como características que
31 Tradução minha de fala de jornalista norte-americano para: “conceive, collect, focus, organize,
draft, revise”. 32 Conceitos retirados da teoria de Pierre Bourdieu (1977) e apresentados no Capítulo 2. 33 Dos trinta e quatro entrevistados, trinta e dois definiram a condição econômica de sua família
como “classe média”, frequentando escolas de qualidade, além de terem acesso a meios de
comunicação (TV, Jornal, Radio) em suas casas. Apenas dois jornalistas se disseram oriundos de
famílias pobres com limitações de acesso a certos meios de comunicação e a um ensino de
qualidade durante infância e adolescência.
69
“nascem com os indivíduos” e não a partir de estímulos, influências aos quais
foram submetidos ao longo da vida.
3.5.5. Grupo de jornalistas X Público geral, senso comum, sociedade
“Os colegas, a redação, a rua, a pauta, as notícias, a apuração, a reunião, os
contatos, a manchete, o furo, o texto, a foto, a capa”; os termos utilizados pelos
profissionais para descrever elementos da rotina de trabalho são
predominantemente autorreferenciais, indicando que existe um comportamento
interpretativo de uma realidade construída a partir do grupo e não de maneira
inversa, quando a influência do público geral, do senso comum e da sociedade
serviriam como base fundadora do caráter.
Uma jornalista norte-americana disse algo que ajuda a evidenciar a
existência de um perfil diferenciado do grupo e que “pessoas comuns”, mesmo
sendo o jornal direcionado a elas e abordando temas do cotidiano social geral e
não relativas ao grupo, não entenderiam o trabalho do jornalista pois não possuem
as ferramentas necessárias para atuar enquanto jornalista:
“Pessoas comuns não entendem o que o jornalista faz. Minha mãe não entende o
que eu faço, ela vê o jornal pronto e acha que é a coisa mais simples do mundo,
não percebe o caminho entre escolher e apurar a notícia até sua divulgação.”
Este traço peculiar ao grupo, de se perceber através de ações e
interpretações internas, é bastante relevante, exatamente por se tratar de um grupo
de profissionais que produz notícias se valendo de informações da sociedade e do
público de maneira geral. Ou seja, enquanto se definem a partir das práticas
internas, existem utilizando como “material de trabalho” informações obtidas num
quadro social mais amplo que o seu e informando um público que não aparece no
discurso como fonte de inspiração primária para a formação de seu caráter.
Isso não significa que os jornalistas não tenham a percepção de que
trabalham para informar um público geral. Muito pelo contrário, muitos
depoimentos explicitam que a função do jornalista é trazer para aqueles que não
podem estar em todos os lugares notícias relevantes sobre a sociedade onde vivem
70
e o restante do mundo. É uma questão de ordenação34 da lógica da formação do
caráter, de dentro para fora, uma visão onde o jornalista busca e “traduz” a
informação para o público.
O que quero dizer é que há a construção de uma noção de que as
habilidades que fazem de alguém um jornalista, e um bom jornalista, se alcançam
a partir de uma base que é adquirida no processo de inserção ao grupo. Assim, as
influências sociais, tanto das fontes de trabalho (a sociedade) quanto do público
(senso comum) parecem menos relevantes na formação do caráter do grupo que os
ambientes internos (redação, rua) e os atores internos (jornalistas).
3.5.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado
Um traço do jornalista, segundo o próprio grupo, é a falta de rotina no
trabalho. Ao lidar com informações novas a cada dia, o jornalista não sabe o que
esperar de seu dia de trabalho. O depoimento de um jornalista dos Estados Unidos
evidencia bem a falta rotina no trabalho:
“Eu acho que não existe rotina de trabalho porque no jornalismo você reage ao
fluxo dos acontecimentos. Muitas vezes você chega na redação sem saber o que
vai acontecer, muitas vezes você precisa deixar de lado uma matéria em que
estava trabalhando para poder fazer outra matéria sobre algo que surgiu de
repente. Nessa semana, por exemplo, isso aconteceu comigo. E isso exige do
jornal e do jornalista a capacidade de reagir aos fatos na hora.”
Essa “falta de rotina” do jornalista é apresentada como um tipo de trabalho
que foge ao modelo convencional, no qual os trabalhadores têm horários de
entrada e saída bem definidos e tarefas bem estabelecidas a serem realizadas ao
longo do dia. Para o jornalista, seu trabalho e horário são flexíveis, precisam se
adaptar à notícia, aos acontecimentos e, portanto, se diferenciam da rotina de um
profissional “comum”:
“A nossa rotina é não ter rotina. Se você não sabe o que pode acontecer ao longo
do dia, também não tem como prever meu trabalho. Tem coisas que eu faço
bastante, que pode até chamar de rotina porque chego, ligo o computador, leio
meus e-mails, vou para reunião de pauta, falo com meu editor e com meus
34 Uma outra ordenação poderia sugerir que a sociedade, com seus fatos e pessoas, acaba por
formar um perfil de jornalistas e modos de atuação e, sendo assim, o profissional colocaria na base
de formação de seu caráter a percepção de um contexto social mais amplo prevalecendo entre os
modos de ser e fazer jornalismo.
71
colegas. Mas de repente tudo pode mudar, posso ter que ir correndo pra rua ou
fazer uma pesquisa urgente. É isso que eu chamo de não ter rotina, entende?”35
3.5.7. Compromisso x Remuneração
Outro aspecto sobre o caráter do jornalista, que foi se delineando a partir
das novas entrevistas, foi o sentido de compromisso com a profissão em oposição
a um trabalho realizado para a conquista de status financeiro.
O sentido de compromisso surge enquanto um critério relacionado à
“prática” no caráter do jornalista e pode ser percebido através do relato de um
jornalista norte-americano que diz que em sua visão:
“Ser jornalista, claro que vai além de um emprego onde você chega às nove da
manhã e fica até as cinco da tarde. É muito mais, requer sacrifício, requer um
compromisso profundo, uma grande vontade de informar”.
Esta relação de compromisso profundo com o trabalho ganha o sentido de
missão, de responsabilidade que não é possível ser abandonada. A relação que o
grupo produz com seu trabalho, com a informação, se torna mais que uma tarefa,
pois ganha um teor de comprometimento que ultrapassa o sentido de uma tarefa
laboral cotidiana.
Uma das formas de se perceber como este compromisso com a profissão
extrapola a dimensão de tarefa de trabalho para se tornar parte integrante da
identidade e do papel social que o grupo estabelece para formar seu caráter se faz
notar quando comparadas a relação entre o trabalho e a remuneração no
jornalismo.
O comprometimento com a informação, com os modos de ser e fazer
jornalismo criados e recriados pelo grupo, é percebido como fator primordial para
o caráter do grupo, mas este comprometimento não pode ser medido pela
remuneração do profissional. Muitos depoimentos revelam que a remuneração não
é compatível com o trabalho e com o compromisso do grupo e, ainda assim, o
sentido de responsabilidade sobre a função parece prevalecer e ser capaz de
mantê-los atuando.
35 Palavras de profissional de um jornal norte-americano.
72
No caso dos jornalistas norte-americanos, a relação entre o trabalho e a
remuneração é percebida como “suficiente para pagar as contas”, “dá pra viver”,
mas ainda assim: “não dá pra dizer que você fica rico trabalhando como
jornalista” e “quem escolhe jornalismo não escolhe pensando em ficar rico”. Ou
seja, entre o grupo que atua nos Estados Unidos, a remuneração é suficiente para
uma vida compatível com os padrões da classe média.
No caso brasileiro, muitos jornalistas se queixam da baixa remuneração e
das dificuldades de se viver com baixos salários. Entre eles existe a percepção de
que seu trabalho, sua missão enquanto jornalista não é reconhecida
financeiramente. Em muitos depoimentos havia frases como “se quisesse ficar
rico escolheria outra carreira” ou “não espere salários gordos, reconhecimento é
ter matéria publicada”:
“Se eu quisesse ficar rica ia ser advogada, economista, ia trabalhar no mercado
financeiro, eu não escolhi a profissão por isso. Mas é uma realidade dura. (...)
Na faculdade eu já estava consciente da besteira que eu estava fazendo mas
você começa a trabalhar e já viu, né? O problema é que eu sempre acreditei na
importância da profissão, é isso que me faz continuar”.36
O que une os jornalistas, nesse caso, é o caráter de compromisso com a
escolha profissional. E o valor que o grupo atribui a esta escolha é tão forte que
ultrapassa as ambições por status financeiro e as dificuldades financeiras impostas
pela profissão. Portanto, ainda que em dimensões distintas com relação às
condições financeiras da profissão, há um sentido de responsabilidade com o
trabalho que une profissionais de ambos os países e incluem este senso de missão
entre os requisitos práticos que ajudam a construir o caráter do jornalista.
3.5.8. Curiosidade
Ao longo da elaboração de definições dos aspectos práticos e teóricos do
caráter do jornalista a partir das entrevistas com brasileiros e norte-americanos,
busquei frases, trechos, palavras e expressões que pudessem representar as ideias
que o grupo discursivamente foi construindo acerca de si mesmo, daquilo que
entendia como elementos formadores de seu caráter ou afastados dele.
36 Palavras de jornalista de um jornal do Rio de Janeiro.
73
Neste caminho de ir retornando às entrevistas, uma a uma, para buscar
estas formas de exemplificar traços do caráter do jornalista, me deparei com uma
palavra que esteve presente em todos os depoimentos: curiosidade. Todos os
jornalistas citavam a curiosidade como a característica que não pode faltar ao
jornalista. Para ser jornalista, para ser um bom jornalista, é preciso ter curiosidade.
E a curiosidade não é colocada em oposição a outro elemento ou a uma possível
falta de curiosidade por parte daqueles que não são jornalistas.
Nem todo curioso é jornalista, mas todo jornalista é curioso. É que a
curiosidade do jornalista é seu motor, seu coração, o critério que move sua
máquina, seu corpo. Esta curiosidade peculiar que move o jornalista deve ser
analisada para se pensar no grupo, em seus aspectos específicos e na maneira
como estes aspectos são construídos.
Dessa forma, o jornalista, reconhecidamente um curioso, transforma essa
curiosidade em compromisso, ao organizar maneiras de apresentar a notícia;
transforma essa curiosidade em talento, ao desenvolver uma habilidade para
escrever que será julgada e reconhecida entre os pares; transforma essa
curiosidade em busca pelo novo, pela descoberta de fatos num mundo sem rotina;
transforma essa curiosidade em postura diante dos fatos que apura; transforma
essa curiosidade em missão e vocação acima das expectativas financeiras;
transforma em quesito essencial ao seu caráter, fazendo deste aspecto subjetivo
um elemento prático e revelador do grupo.
A curiosidade, apesar de ser um aspecto qualitativo e subjetivo, torna-se,
nos discursos dos jornalistas, um aspecto necessário, uma condição sine qua non
ao grupo. Frases como “ser jornalista é ser primeiro de tudo um curioso”; “você
identifica o jornalista por sua curiosidade, ele vai atrás, quer saber sempre mais”;
“eu não me satisfaço fácil, tenho sempre que saber o que está acontecendo”; “você
reconhece um bom jornalista pois ele não cansa de fazer perguntas, é quem gosta
de perguntar e perguntar mais do que qualquer um perguntaria” são exemplos de
como a curiosidade é um condição essencial, ela tem que estar presente e ser
atuante nos modos de ser e fazer jornalismo.
74
É, portanto, distintiva, sem precisar se contrapor a nenhuma outra
característica da construção discursiva do grupo, e capaz de se revelar um
importante aspecto formador do caráter do grupo. Surge enquanto traço marcante
por ser uma espécie de condição, de força que move o indivíduo para a profissão.
Como se esta curiosidade fosse, em certo sentido, extraordinária e encontrasse no
jornalismo seu encaixe ideal: como se a partir deste encontro entre curiosidade e
jornalismo, se formassem aspectos peculiares ao grupo, constituindo novas
maneiras de o grupo se distinguir dos demais indivíduos.
Por outro lado, esta maneira de construir a própria imagem é importante
para a interpretação mais ampla sobre o grupo, já que serve como exemplo para
mostrar a capacidade do jornalista de transformar aspectos subjetivos em
objetivos, em trazer para sua zona “prática” questões que ultrapassam os aspectos
facilmente identificados como práticos. Ou seja, a ideia unânime de curiosidade
necessária e que move o trabalho, comportamento, modos de percepção do outro,
em suma, modos de ser e fazer jornalismo, permite pensar em quanto o grupo
consegue produzir um significado para seu caráter se apropriando de aspectos não
claramente práticos e inserindo-os nesta categoria.
Portanto, o quesito “curiosidade” se mostrou extremamente revelador do
grupo, pois trouxe à tona um relevante traço do caráter do jornalista: a capacidade
de classificar aspectos como práticos apesar de serem passíveis de interpretações
ou percepções contrárias a essa classificação. A construção retórica favorável aos
elementos práticos que ganham forma discursivamente e que moldam os modos
de ser e fazer jornalismo, ao se depararem com a característica “curiosidade”
enquanto constitutiva do grupo, acaba por revelar aspectos importantes da
construção do caráter do grupo.
O primeiro deles é a percepção de que o discurso é construído, é criado de
modo a se estabelecer pelo grupo critérios que julgam mais próximos ao seu
caráter e por ser uma construção, poderia ter envolvido outros elementos, até
mesmo aqueles colocados na categoria de teoria, entre os agregadores para a
formação do caráter. Assim, quando os jornalistas apoiam seu caráter em
elementos subjetivos tais como o aspecto da “curiosidade” e os incorporam como
aspectos práticos, evidenciam que a produção discursiva e de sua identidade são
75
parte de um processo de escolhas e não de condições intransponíveis e evidentes
do que deve ser um aspecto inerente ao grupo.
O segundo aspecto relevante que se pode perceber a partir desta
construção do caráter está justamente na possibilidade de se analisar quais são
estas escolhas, que elementos são reivindicados pelo grupo. Portanto, o caráter do
jornalista deve ser analisado levando em consideração o seu aspecto de escolha
num universo de elementos mais amplo que aquele reivindicado pelo grupo e
também a partir da descoberta e análise dos aspectos que o grupo seleciona para
designar-se.
4. O caráter do jornalista: outras fontes
“Sempre achei que é o mundo que está à
espera de um jornalista, não o contrário.”
(Samuel Wainer, 1987:91)
4.1. Outras fontes
O terceiro capítulo tratou de mostrar os elementos que através dos
discursos dos jornalistas se apresentavam enquanto “práticos” e, portanto,
constitutivos do caráter do grupo, e também os elementos que foram colocados à
margem das características do grupo, sendo classificados como “teóricos”.
Além de todos os quesitos apresentados como reveladores do caráter do
grupo e os exemplos de discurso e atuação que fortalecem esses quesitos, ao final,
o elemento “curiosidade”, citado em todos os trinta e quatro depoimentos, acabou
contribuindo para a interpretação sobre a ação do grupo em torno da construção de
seu mundo.
O fator “curiosidade”, que ajudou a mostrar como os elementos que soam
óbvios ao grupo são retoricamente selecionados enquanto “práticos” e utilizados
na formação do caráter do grupo, influenciando nos modos de ser e fazer
jornalismo, servirá como questionador dos critérios de seleção dos elementos
práticos e teóricos na formação do caráter do grupo, bem como a construção da
definição do que constitui esta “prática” e esta “teoria”.
Este o caminho interpretativo que pretendo percorrer e desenvolver de
maneira mais explícita a partir do próximo capítulo. Neste capítulo, ainda me
atenho a reforçar os elementos discursivos e formadores do caráter do grupo, me
valendo de outros interlocutores, outras fontes que dialogam com os profissionais
do jornalismo e que auxiliam na consolidação dos exemplos dos aspectos
reivindicados como “práticos”.
77
É que outras fontes também foram importantes para a pesquisa, pois
ajudaram a reforçar as características relacionadas ao caráter do jornalista. Livros,
biografias, artigos, palestras, conversas informais, eventos acadêmicos e sites
forneceram confirmação e questionamento para os elementos retóricos que
constituem o caráter do grupo destacados a partir dos depoimentos colhidos.
Fontes teóricas, acadêmicas, de alguma maneira ligadas a aspectos como a
universidade, pesquisas científicas, protocolos e regras oficiais foram utilizadas
para encontrar aspectos ligados ao jornalismo e suas intepretações sobre modos de
ser e fazer jornalismo. Além destas, fontes que estão ligadas ao cotidiano da
profissão, materiais de sites e mídias sociais, boletins não acadêmicos também
foram utilizados para apresentar traços do caráter do jornalista.
Estes materiais permitiram a identificação de respostas semelhantes à de
meus entrevistados e tornou ainda mais significativa a percepção sobre a
construção de discurso e consciência de um grupo que privilegia os aspectos
denominados como práticos na formação dos modos de ser e fazer jornalismo.
Portanto, além dos interlocutores selecionados nas entrevistas, novas vozes
serão somadas a esta tentativa de delinear o caráter do jornalista. São registros de
jornalistas e outros profissionais ligados à profissão que contribuem para as ideias
acerca do grupo e para a construção de seus aspectos peculiares.
A partir do discurso dos entrevistados e das fontes formais e informais,
forma-se um quadro mais completo dos elementos definidos como práticos e
teóricos pelos profissionais. Um quadro que propõe uma visão geral, uma
tipificação ideal do que é entendido como elementos práticos (mais próximos) e
teóricos (mais afastados) do caráter do jornalista.
Darei ênfase aos aspectos de convergência nas informações colhidas entre
as fontes formais e informais e os jornalistas entrevistados para produzir um
quadro de definições do que é entendido como teoria e prática pelos jornalistas.
Portanto, o quadro com as características do caráter do jornalista contemplará as
respostas de profissionais de ambos os países e das fontes aqui apresentadas e
78
deve ser percebido a partir de seu aspecto de semelhança, já que foi formulado a
partir de elementos discursivos convergentes.
O que não quer dizer que os termos e definições tenham o mesmo
significado e interpretação nos dois países, por se tratar de culturas distintas, com
regras e valores que não podem ser vistos como iguais. A ideia é tentar traçar um
quadro geral sem a pretensão de apresentá-lo como representativo de uma
interpretação comum entre brasileiros e norte-americanos.
O aspecto da semelhança deve ser entendido como uma tentativa de
criação de um “tipo ideal” dos aspectos “práticos” e “teóricos” definidos no
discurso dos jornalistas, tendo em vista que os elementos que constituem a ideia
de “prática” em ambos os países são mais valorizados na formação do caráter do
grupo.
O caráter do jornalista enquanto “tipo ideal” faz parte de um esforço de
compreender os elementos retoricamente selecionados, uma tentativa de criar um
quadro que traga referências sobre o grupo, uma forma de possíveis
comportamentos e condutas dos indivíduos.
O uso do conceito “tipo ideal” se baseia na intepretação de Max Weber
que o apresenta como uma “tentativa para apreender os indivíduos históricos ou
os seus diversos elementos” (1999:109) sem necessariamente o fazer buscando
uma “pureza conceitual”. Em outras palavras, Weber constrói o conceito de “tipo
ideal” para que interpretações da realidade sejam produzidas e aceitas ainda que
não representem a totalidade da realidade.
Segundo Raymond Aron, em “As etapas do pensamento sociológico”, o
“tipo ideal” weberiano é uma “percepção parcial de um conjunto global”
(1999:465), mas que se propõe a falar em sentido amplo, abrangendo uma
totalidade. Nesse sentido, quando falamos de um grupo, não significa que “todos
os indivíduos incluídos na extensão do conceito apresentam as características
médias” (Idem:466).
79
Para Aron, por exemplo,
quando se diz que os franceses são indisciplinados e inteligentes, não se quer
dizer que todos eles sejam indisciplinados e inteligentes, o que é improvável. O
que se pretende é reconstruir um indivíduo histórico, os franceses, identificando
certos traços que parecem típicos e definindo sua originalidade (Ibid: 466).
Ainda assim, cada leitor pode produzir sua intepretação sobre os elementos
aqui relacionados à construção do caráter do jornalista, não sendo nenhum deles
uma definição estanque e que deva ser pensada de modo idêntico. A construção de
um modelo ideal do caráter do jornalista não significa a busca por um modelo
rígido de interpretação.
Os aspectos levantados são passíveis de interpretações diversas a partir do
lugar social e cultural do leitor e, portanto, ainda que haja o esforço pela
formulação de um “tipo ideal” de elementos que formam o caráter do jornalista,
não há a intenção de produzir com isso uma linha interpretativa ideal sobre o
caráter do jornalista.
4.2. As fontes
Biografias e livros com relatos sobre a vida de jornalistas e fatos do
cotidiano do jornalismo também têm valor de depoimento, pois oferecem detalhes
sobre a escolha da profissão, rotina de trabalho e percepções sobre o jornalismo e
os jornalistas. Assim, estes relatos sobre a vida no jornalismo e os aspectos
inerentes à profissão se somam às vozes dos profissionais que pude escutar
pessoalmente, produzindo um coro mais representativo dos aspectos relativos ao
grupo.
Profissionais brasileiros como Ricardo Noblat em “O que é ser jornalista”
(2004) e “A arte de fazer um jornal diário” (2002); Edgar Morel em “Histórias de
um repórter” (1999); José Carlos Bardawil em entrevista a Luciano Suassuna em
“O repórter e o poder” (1999); Nivaldo Marangoni em “Minha vida de jornalista”
(1999); José Maria Mayrink em “Vida de repórter” (2002); Audálio Dantas (org.)
em “Repórteres” (1998); Geraldinho Vieira em “Complexo de Clark Kent”
(1991); Samuel Wainer em “Minha razão de viver” (1987) tratam de fatos ligados
80
ao jornalismo e trajetórias profissionais e abordam diversos aspectos comentados
nos depoimentos dos jornalistas por mim entrevistados.
Relatos biográficos e registros ligados ao mundo do jornalismo em obras
de jornalistas norte-americanos, como “O beijo de Lamourette” (2010), de Robert
Darnton; “Deu no New York Times” (2007), de Larry Rohter; “O reino e o poder”
(1981), de Gay Talese, também contribuem para a apresentação dos aspectos que
fazem referência ao grupo.
Estes “depoimentos” também acrescentam detalhes, exemplos e mais
elementos aos temas encontrados nos discursos relativos ao caráter do jornalista.
Eles reforçam a existência de temas ligados ao mundo do jornalista e também aos
temas cuja influência os profissionais buscam descartar com relação à formação
de seu caráter.
Além destes materiais, foram selecionadas pesquisas e publicações
científicas, além de eventos acadêmicos onde o tema sobre o caráter do jornalista
e depoimentos de profissionais serviram para acrescentar informações sobre o que
se define como “o caráter do jornalista”, a construção discursiva e os modos de
atuação a favor dos elementos práticos.
Textos de sites, percepções retiradas do cotidiano do jornalismo também
servem de fonte para que o caráter do jornalista seja apresentado, levando em
consideração as diversas dimensões onde são discutidas e apresentadas
caraterísticas relacionadas aos modos de ser e fazer jornalismo.
4.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo
Robert Darnton, em “O beijo de Lamourette”, traz sua contribuição para a
definição sobre o caráter do jornalista ao abordar a época em que trabalhava como
jornalista ao longo do capítulo “Jornalismo: toda notícia que couber a gente
publica”. Uma característica marcante, segundo o autor, é a relação do grupo com
seu ambiente de trabalho e com seus colegas no que diz respeito à construção de
uma ideia de que o grupo busca suas referências no ambiente interno e buscando
corresponder às expectativas de seus pares:
81
Nunca escrevemos para as ‘imagens de pessoas’ invocadas pela ciência social.
Escrevíamos uns para os outros. Nosso principal ‘grupo de referência’, como se
poderia dizer na teoria da comunicação, encontrava-se espalhado em torno de
nós na sala de redação, ou no ‘buraco da cobra’ como dizíamos. Sabíamos que
os primeiros a cair em cima de nós seriam nossos colegas, pois os repórteres são
os leitores mais vorazes, e precisam conquistar um status diariamente, ao se
exporem a seus colegas de profissão (Darnton, 2010:78).
O autor, ao descrever seu trabalho em uma redação de um jornal norte-
americano, enfatiza como o ambiente une o grupo em torno de ações e
interpretações sobre a profissão, e como o ambiente de trabalho e aquilo que se
produz nele conferem sentido à formação do grupo.
Além da relação do grupo com aquilo que chama de ambiente interno
(redação e até mesmo a rua), há o trabalho feito e julgado pensando nos colegas e,
ainda, a ideia de um texto, o resultado final deste trabalho, como uma “coisa de
sua propriedade” (Idem, 2010:85). Ou seja, toda a dinâmica de trabalho, desde o
ambiente, até o local de apuração dos fatos, ao produto final, a reportagem são
percebidas a partir de seu impacto primeiramente entre os pares.
Em contrapartida, o ensino acadêmico, tido como ambiente externo, é
intencionalmente afastado dos temas que participam da formação do caráter do
grupo. Segundo Darnton:
Embora alguns repórteres possam aprender a redigir em escolas de jornalismo
(...) a maioria deles (incluindo muitos jornalistas formados) pega o jeito na
prática de aprendizagem. Adquirem atitudes, valores e um espírito profissional
enquanto trabalham como mensageiros na seção de Cidades, e aprendem a
perceber e comunicar a notícia quando estão sendo ‘treinados’ como repórteres
principiantes (Ibid, 2010:96).
Em “O repórter e o poder”, o jornalista José Carlos Bardawil reforça o
depoimento de Darnton, ao atribuir a qualidade do trabalho jornalístico à prática
na redação, ao treino diário e às habilidades pessoais de saber escrever e descobrir
notícias e não acredita na influência do ensino universitário na formação do
caráter do jornalista, pois, segundo ele, as faculdades, até sua experiência
profissional nos anos 1990, continuavam “a mesma porcaria” (Bardawil &
Suassuna, 1999:218).
82
Uma visão compartilhada pelo jornalista Boris Casoy, exposta em
“Complexo de Clark Kent”, quando diz que aqueles que “brilham na profissão”
não contaram com a ajuda do ensino universitário:
(...) as pessoas saem da universidade e têm contato com a realidade da profissão
na primeira vez em que vão trabalhar. Se é que devem existir faculdades de
Comunicação – acho que não precisamos -, elas deveriam oferecer uma cota
muito maior de prática. Deveria ter jornais impressos, telejornais e radiojornais,
não como eles fazem, como mero exercício onde o tempo, por exemplo, não é
considerado. É preciso que se aprenda a lutar contra a pressão, contra o tempo,
contra o relógio, e a favor da qualidade. Todo esse estresse profissional que
conduz ao erro não existe na escola. Não conheço nenhuma escola que
desenvolva um trabalho parecido com uma Redação. No Brasil, o estudante só
vai conhecer isso no primeiro emprego, e às vezes já é tarde (Vieira, 1991:74).
Para o jornalista Gilberto Dimenstein, em depoimento no mesmo livro, há
também um distanciamento entre o que é necessário para a formação dos
jornalistas e o ensino acadêmico, já que as faculdades de Jornalismo não
trabalham a prática e possuem discussões e professores obsoletos. Para ele, “a
faculdade deveria ser uma coisa muito mais forte do que é, se quisesse justificar
sua própria existência” (Vieira, 1991:115,116).
Outro relato que descreve alguns critérios práticos do grupo pode ser
encontrado em “O repórter e o poder”, onde o jornalista José Carlos Bardawil, que
iniciou sua carreira nos anos 1960, enfatiza sua habilidade de escrever bem e suas
experiências nas redações por onde passou como formadoras de seu caráter. Em
seu início de carreira, não era necessário ter diploma de jornalismo, pois apenas a
partir de 1969 o diploma tornou-se obrigatório e, para se destacar como jornalista,
era preciso, segundo Bardawil, ter experiência e saber de jornalismo sem que isso
tivesse relação com aspectos acadêmicos.
Ao relatar sua experiência em um curso chamado Curso Abril, que
selecionava pessoas para atuarem como jornalistas na Editora Abril, o jornalista
afirma não ter aprendido nada porque, segundo ele, pegou “um professor que não
sabia nada e eu [Bardawil] sabia mais do que ele” (1999:47), já que possuía a
experiência necessária, adquirida com a prática anterior em outros jornais.
Este é mais um discurso reforça a ideia de que as experiências acadêmicas
são menos importantes, na retórica do grupo, para a formação do caráter do
83
jornalista, que os aspectos práticos da experiência, reconhecimento de talento e
interação entre os profissionais que compartilham das mesmas ideias e ações.
4.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico
Edmar Morel, em “Histórias de um repórter” conta sua trajetória no
jornalismo a partir da década de 1930, uma época em que não havia onde estudar
jornalismo e o ofício se aprendia na prática. Era nas redações que se descobria o
talento, a vocação para a profissão:
não havia escola de jornalismo, nem curso de comunicação. O jornalista
provinha de atividades auxiliares na arte de fazer jornal ou já trazia experiência
noutro jornal ou, ainda, seria uma vocação a se manifestar (Morel, 1999:33).
Mas seus sessenta anos de carreira o fizeram acompanhar o surgimento de
escolas de jornalismo e discussões sobre a valorização do diploma para o
exercício do jornalismo. Ainda assim, para Morel, seu “diploma” foi conseguido
na prática, fazendo jornalismo:
Na verdade, saí de O Globo diplomado em jornalismo. Nenhuma faculdade é
capaz de formar um profissional de imprensa (...). Para mim a experiência foi
válida e muito serviu (Idem, 1999:65).
É nessa direção que segue o jornalista Audálio Dantas, em “Repórteres”,
para quem o bom jornalista não pode ser definido a partir de teses e manuais. Para
ele, os jornalistas são “seres que perguntam”, que estão sempre atrás de uma boa
notícia, seja na esquina de casa ou do outro lado do mundo, e que têm capacidade
de escrevê-la com qualidade, de transformá-la em história. Este estilo é certificado
pelo grupo, percebido pelos colegas. Não é necessário um certificado ou diploma
para comprovar. Nos textos de diversos jornalistas em “Repórteres”, fica evidente
a existência de um modelo de valorização profissional baseada nos aspectos
reivindicados pelo grupo. São textos nos quais jornalistas como Caco Barcellos,
Carlos Wagner, Domingos Meirelles, Joel Silveira, entre outros, se valem da
cobertura de suas histórias para reafirmarem suas características de “bom
jornalista”.
É que as reportagens ou fatos do jornalismo que cada profissional
selecionou para contar se misturam a citações sobre sua própria atuação, seu
84
relacionamento com outros colegas, suas habilidades de investigação e escrita.
Com isso, as histórias escolhidas dividem espaço com os modos de agir e pensar
do jornalista e os exemplos “extraordinários” de sua atuação profissional que
merecem ser enaltecidos.
Nesse sentido, as comprovações da vocação e do dom para fazer
jornalismo são produzidas e apresentadas por eles próprios, valendo-se de espaços
como este livro para divulgarem suas práticas e habilidades.
Um outro exemplo pode ser encontrado no texto do jornalista José
Hamilton Ribeiro, ao relacionar sua habilidade jornalística e um prêmio recebido
por uma reportagem:
Repórter e reportagem – eis uma praia em que me sinto em casa. Estou indo para
quarenta anos de profissão, o tempo todo nessa luta de repórter (...) ganhei
Prêmio Esso Nacional com uma reportagem sobre cirurgia de coração com peito
aberto (Na época era novidade!) (Dantas, 1998:198).
O jornalista José Hamilton Ribeiro o segue citando aspectos de sua
atuação que são típicos de um bom jornalista, ao destacar que possui mais de
“oitocentas grandes reportagens publicadas” (1998:110), a sorte por atuar em
jornais que estavam em boa fase e coragem para assumir os riscos do trabalho
jornalístico. Riscos estes que lhe fizeram perder uma perna em cobertura da
Guerra do Vietnã.
O jornalista Lúcio Flávio Pinto também escreve em “Repórteres” sobre
seu esforço para continuar sendo um “jornalista respeitado”, o que demonstra a
preocupação em mostrar sua atuação como exemplar para seus pares:
Revelar informações sobre negócios escusos com o dinheiro público e os
esquemas políticos que os mantêm pode acarretar dor de cabeça. Especializado
nesse tipo de assunto, acostumei-me a receber ameaças. As primeiras me fizeram
tremer. Mas percebi que, na maioria das vezes, era apenas intimidação. Se
afrouxasse, elas cessariam. Se me mantivesse firme, era pagar pra ver. Eu tinha
que pagar: queria continuar a ser um jornalista respeitado até o fim dos meus
dias (Dantas, 1998:125).
O questionamento sobre o valor do diploma para a formação de um “bom
jornalista” também foi feito pelo jornalista Michael Wolff em evento organizado
pelo departamento de Jornalismo da Universidade de Columbia (em abril de 2013,
85
em Nova York), para debater a necessidade de graduação e pós-graduação em
jornalismo para o exercício da profissão. Wolff, que se reconhece como jornalista
bem-sucedido por méritos próprios e não por sua formação acadêmica, fez duras
críticas à academia. E durante o debate com a professora do departamento, Emily
Bell, reiterou as críticas feitas ao ensino universitário em artigos seus publicados
anteriormente na New York Magazine37
.
Para Wolff, que cursou a Universidade de Columbia, o jornalismo é uma
experiência e não há um currículo que precise ser formulado para isso. Segundo
ele, “esse é um trabalho sobre escrever bem, encontrar pessoas, interagir, achar
fontes”. O jornalista é enfático ao afirmar que não recomenda a escola de
jornalismo e que o valor gasto com o ensino acadêmico é “dinheiro jogado fora”,
já que não é o diploma que vai dar ao jornalista suas “melhores credenciais”. Em
sua opinião, os melhores profissionais não são aqueles que gastam sessenta mil
dólares em uma pós-graduação em jornalismo cuja preparação é feita para “um
mundo que não existe”.
4.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação
A escolha discursiva e formadora do caráter pelo ambiente interno, a
vocação e o dom se relacionam também a uma ideia de habilidade inata para
produção de informação. A prática e as qualidades dos jornalistas reconhecidas e
obtidas em treinamento em “seu ambiente” os credenciam a lidar com os fatos de
maneira peculiar, transformando-os em informação, em notícia.
Em “Minha vida de jornalista”, Nivaldo Marangoni enfatiza que as
surpresas do dia a dia da profissão exigem a habilidade de lidar com o
imprevisível, uma vez que o jornalista vai conviver com “momentos de tensão,
descontração, emoção e, acima de tudo apreensão” (1999:43), ao esperar por uma
pauta, por um telefonema, etc. Para ele, o profissional tem que estar preparado
para ouvir que seu chefe lhe diga: “Vá para a rua e se vire. Traga alguma coisa
boa. Rua, rua...” (Idem).
37
WOLFF, Michael. Class Dismissed (2002).
86
Este é um exemplo de “habilidade de produzir informação”, de um
trabalho que precisa ser realizado naquele dia e que precisa de pessoas capazes de
apurar os fatos e transformá-los em notícia, informação. E, segundo Marangoni,
esta é uma realidade de trabalho que apenas o grupo consegue entender, já que
“para quem nunca esteve em uma redação é difícil imaginar o dia a dia de quem
trabalha ali” (1999:63). Assim, as habilidades peculiares de trazer informação, de
encontrá-las no cotidiano do cidadão comum e transformá-las são inerentes ao
jornalista.
A valorização desta característica de produzir informação foi tratada no
“Social Media Summit” organizado pelo jornal The New York Times, pela Knight
Foundation e pela BBC Academy’s College of Journalism, realizado no salão de
eventos do The New York Times, em Nova York, em junho de 2013.
O evento buscou discutir como o jornalista é capaz de lidar com a enorme
quantidade de conteúdos produzidos no dia a dia e em mídias digitais e, ainda
assim, demonstrar destreza para identificar o que é relevante para se tornar
notícia. Os jornalistas que atuaram como palestrantes reforçaram o discurso e
percepção do grupo sobre suas “habilidades extraordinárias” de lidar com a
informação. Eles procuraram demonstrar como os acontecimentos precisam passar
pelo “filtro” do jornalista para que sejam considerados relevantes.
O conteúdo produzido em mídias sociais por qualquer cidadão também foi
tema de debate durante o evento e os jornalistas apontaram diversas “falhas”
nesses conteúdos exatamente por não serem produzidos por jornalistas. Assim, um
fato só se torna notícia quando é selecionado, apurado e divulgado por alguém do
grupo, alguém com as “credenciais necessárias” para fazer com que um
acontecimento possa ser classificado como informação, como notícia.
87
4.2.4. Talento para a escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social
Afinal, o que faz de alguém um bom jornalista? É preciso ter talento e ter
faro jornalístico. De acordo com os entrevistados, estes são requisitos que
contribuem para a habilidade de lidar com a informação, pois é preciso ter faro
para encontrar boas histórias e talento para escrevê-las.
O reconhecimento de um “bom jornalista”, medido pela disposição para
trabalhar, pela qualidade reconhecida entre os pares de escrever bem e encontrar
temas interessantes, pode ser encontrado em depoimentos como o de Edmar
Morel (1999), que destaca talentos como o de Roberto Marinho para exemplificar
o que é ser “um bom jornalista”:
A princípio tomei Roberto Marinho por um playboy, apaixonado por
automobilismo, hipismo e bilhar. Porém, com o decorrer do tempo, modifiquei
essa ideia. Era, sim, um trabalhador infatigável que chegava à redação às cinco
horas da manhã e saía à noite, com a pauta preparada para o dia seguinte
(1999:56).
Ricardo Noblat (2002) cita também exemplo de jornalista “bom farejador”,
aquele que descobre notícias em qualquer lugar, como “Bob Fernandes, atual
redator-chefe da Revista Capital é um dos melhores repórteres que já conheci. É
capaz de farejar notícia onde aparentemente não existe” (2002:44).
Marcos Faerman chama de “inventividade” a mistura de talento e faro
jornalístico, pois, segundo ele, “só ganha espaço, mesmo nas piores redações,
quem tem o mínimo de inventividade e não escreve como se estivesse lidando
com uma bula de remédios” (Dantas, 1998:162).
E é sem modéstia que Samuel Wainer apresenta seus “talentos
jornalísticos”, ao narrar como se transformou em um “repórter bajulado por
políticos interessados em obter maior repercussão para suas declarações” (Wainer,
1987:29). Segundo ele, seu talento fez com que conseguisse uma entrevista com
Getúlio Vargas que foi “uma bomba que (...) espalharia estilhaços por todo o país”
(Idem, 1987:23). Depois de publicar palavras de Getúlio de que retornaria ao
poder como “líder das massas”, todos queriam uma “entrevista assinada por
Samuel Wainer” (Idem, 1987:29).
88
Para o jornalista Ricardo Noblat, é preciso estar atento para descobrir uma
notícia; é o jornalista que tem esse “faro” e a identifica “onde quer que ela esteja”:
A notícia pode estar no ambiente onde se passou determinada história. A notícia
pode estar no silêncio de uma pessoa entrevistada. A notícia pode estar no
nervosismo de alguém. Há, portanto, que estar atento a tudo. E há que ter faro
para identificar a notícia onde quer que ela esteja. Faro. É o faro que faz a
diferença entre um bom repórter e um repórter medíocre (2002:44).
Este “talento” e “faro” que aparecem no discurso dos jornalistas se
contrapõem à ideia de que os jornalistas adquirem estas habilidades por serem
indivíduos que tiveram acesso a um capital escolar e familiar que os habilitou a
desenvolver a escrita, a capacidade de observação, a pesquisa, a criatividade, etc.
Entenda-se como “capital”38
a definição de Pierre Bourdieu, que o utiliza
como um sistema de vantagens do indivíduo capaz de colocá-lo ou mantê-lo em
um grupo social, econômico e cultural específico. No caso do jornalista,
vantagens de origem familiar e acesso a um padrão educacional garantem ao
grupo a possibilidade de certas escolhas, entre elas as escolhas profissionais que
colocam o campo do jornalismo como opção:
A família e a escola funcionam, inseparavelmente, como espaços em que se
constituem, pelo próprio uso, as competências julgadas necessárias em
determinado momento, assim como espaços em que se forma o valor de tais
competências (Bourdieu, 2008:82).
Ocorre que não há na produção discursiva sobre o caráter do jornalista o
entendimento de que as ferramentas necessárias para que alguém se torne um
“bom jornalista” sejam atreladas a um padrão de vida anterior à profissão, que
gerou a possibilidade de existir a escolha pela carreira no jornalismo.
Ainda que a grande maioria dos profissionais entrevistados e os jornalistas
que contam sobre sua trajetória nos livros, artigos e entrevistas pesquisadas
tenham revelado serem de classe média, com acesso a meios de comunicação em
suas casas e acesso a escolas de boa qualidade, este critério não foi selecionado
38
Há, segundo Bourdieu, uma “estratégia” das classes dominantes de criarem uma estrutura
simbólica onde os acessos a bens culturais, econômicos, familiares, escolares, políticos sejam
capazes de estabelecer distinções entre as classes e dificultar a mobilidade social. Para o autor, esta
“estratégia” acaba favorecendo grupos hegemônicos e mantendo diferenças entre as classes. Para
uma discussão mais ampla do tema, ver textos do autor como A economia das trocas simbólicas
(1997) e A distinção. Crítica social do julgamento (2008).
89
como formador do caráter do jornalista. Assim, o talento e faro jornalísticos são
reivindicados enquanto aspectos inatos do jornalista e não são feitas associações
entre estas habilidades e origem familiar e escolar dos profissionais.
Em pesquisa39
realizada em 2002 com mil e quinhentos jornalistas dos
Estados Unidos, também ficou configurado que os profissionais do jornalismo
são, em sua maioria, de classe média. A exigência pelo diploma fez do jornalista,
principalmente aquele que atua nos grandes centros urbanos, um profissional
oriundo, no mínimo, da classe média, pois é preciso que se tenha um capital
econômico e escolar minimamente de classe média, ainda segundo a pesquisa,
para se adquirir a graduação que garanta a entrada na profissão.
A relação entre curso universitário e classe média também surge na
pesquisa “Quem é o jornalista brasileiro: perfil da profissão no país (2012)”40
que
aponta que a maioria dos dois mil setecentos e trinta e um profissionais
entrevistados em todo o país possuía curso universitário (98%), o que os coloca
numa parcela da população minimamente de classe média pelo acesso ao ensino
superior. Além disso, valores salariais do grupo variam numa média também de
patamares de renda estabelecidos, segundo a pesquisa, para a classe média, uma
vez que a maioria dos profissionais ganha entre três e cinco salários mínimos41
.
Não tenho a intenção de utilizar critérios econômicos para atribuir ao
jornalista uma classe social, devido à dificuldade de estabelecer a relação entre os
ganhos econômicos dos profissionais e seu agrupamento em uma classe. Utilizo o
termo “classe média” parafraseando esses interlocutores, que se dizem
pertencentes a esta classe. A identificação do grupo com a classe média pode estar
relacionada ao compartilhamento de um capital escolar e familiar considerado de
classe média.
Ou seja, o sentido de pertencimento de classe se dá, portanto, a partir da
ideia de experiências comuns compartilhadas entre os indivíduos em fase anterior
ao trabalho de jornalista, proporcionado pelos capitais escolar e familiar.
39
Pesquisa encontrada em The American Journalist in the 21st Century (Weaver, 2007:42,43). 40
MICK, Jaques (coord.) Quem é o jornalista brasileiro? Perfil da profissão no país (2012),
versão online e MICK, Jacques. (coord.) Perfil do jornalista brasileiro. Características
demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012. 41
Idem, p. 73.
90
Posteriormente, o grupo também compartilha experiências comuns que o
definem enquanto unidade, enquanto classe42
. Mais uma vez, critérios não
econômicos são levados em consideração na compreensão dos jornalistas sobre a
formação do grupo. A construção do caráter de grupo aqui apresentada enfatiza os
elementos reivindicados pelos profissionais como experiências comuns, dando
sentido de classe ao grupo.
4.2.5. Grupo de jornalistas x Público geral, senso comum, sociedade
Um elemento marcante entre os aspectos práticos do caráter do jornalista é
sua percepção de dentro para fora, numa relação onde o grupo forma suas
representações considerando primeiramente seus elementos específicos. E esta
relação se dá ainda que seja este um grupo que precisa encontrar fatos do
cotidiano social geral e leitores do senso comum para continuarem existindo.
Assim como o ambiente de trabalho e demais locais onde buscam fontes
para atuar são valorizados no repertório de formação do grupo, as relações,
conceitos e julgamentos formulados e utilizados entre os pares também são mais
relevantes ao grupo que aqueles entendidos como externos, vindos do senso
comum.
A relação do jornalista se define por sua percepção de pertencimento ao
grupo. É a partir desta interpretação que se moldam os modos de ser e fazer
jornalismo que delineiam seu caráter. O grupo constrói uma oposição grupo-
sociedade onde normalmente se constrói uma oposição indivíduo-sociedade, pois
há um esforço de produção de uma lógica relativa a um grupo específico que se
contrapõe a aspectos sociais gerais, que servem aos demais indivíduos.
Em “Complexo de Clark Kent”, o jornalista Otávio Frias Filho descreve os
feitos realizados pelo jornal onde trabalhava e os furos conseguidos, numa postura
de inversão, pois propõe uma visão onde as ações dos jornalistas é que
desencadeiam as notícias. São as escolhas e atitudes dos jornalistas que iniciam
42
Um contexto de classe amplo, tal como definiu Max Weber, ao cogitar a relação entre
indivíduos a partir de um olhar para o modo como estão organizados. O contexto de organização
dos indivíduos se dá a partir de interesses e atividades que criam uma identificação, um estilo de
vida. Para uma discussão mais ampla, ver Max Weber em Classe, estamento, partido (1974).
91
um processo de revelação da notícia. Para o jornalista, este processo seria
impossível de ser realizado não fosse pela característica do grupo:
Houve momentos de grande entusiasmo, de alguma excitação histórica. (...) Por
exemplo, a divulgação da descoberta do poço para testes nucleares na Serra do
Cachimbo (Pará). Também foi emocionante – e este foi um furo descoberto pelo
meu pai – a divulgação do verdadeiro estado de saúde do presidente Tancredo
Neves (Vieira, 1991:24).
E esta também é a percepção de Robert Darnton, que aponta para o
comportamento autocentrado do jornalista a partir de sua experiência profissional
nos Estados Unidos:
Não é preciso se intrometer muito para pegar o cerne da fala dos repórteres.
Eles falam sobre si mesmos, e não sobre os personagens de suas matérias. (...) A
conversa dos repórteres também se refere às condições de seu trabalho (Darnton,
2010:97,98).
A valorização das ações e indivíduos do grupo é reforçada através da
construção de personagens ideais, de jornalistas tidos como exemplos, cujo dom,
talento, faro, escrita, postura e linguagem servem de molde para o grupo. Dessa
forma, esses personagens ajudam a reforçar uma imagem centrada no grupo e nos
aspectos que constituem o perfil ideal do jornalista.
Exemplo de ídolos, para o jornalista José Carlos Bardawil:
Nós tínhamos nossos ídolos. Luís Fernando Mercadante era um deles. O homem
das matérias políticas da Realidade, perfis políticos, escritos com frases curtas e
saborosas. Tínhamos o Zé Hamilton Ribeiro, que era repórter dos assuntos
gerais, um homem que conseguiu tornar interessante uma matéria sobre dente
(Bardawil & Suassuna, 1999:46).
Para o jornalista Marcos Sá Corrêa, “quem faz bom jornalismo
investigativo, como o Teodomiro Braga, que no final de 1990 saiu do JB para ser
correspondente de O Globo em Londres, faz por mérito próprio” (Vieira,
1991:40).
Exemplo de talento para o jornalista Mino Carta:
Cláudio Abramo era um jornalista com este talento: era ótimo repórter, tinha
excelente texto, sabia dirigir uma equipe, sabia definir numa reunião de pauta
quais eram os assuntos principais, sabia paginar uma primeira página, sabia
ditar uma manchete (Idem, 1991:59).
92
José Maria Mayrink também apresenta exemplos de “bons jornalistas”,
ajudando a reforçar em seu discurso os exemplos de como o jornalista “deve ser”
para se destacar e ser lembrado pelo grupo. Entre os exemplos, profissionais que
viajaram para El Salvador nos anos 1980 para cobrir conflitos e demonstraram
coragem ao cobrir os acontecimentos locais em meio a bombas e tiroteios.
Segundo ele, Lucas Mendes “mais que outros repórteres, ele enfrentou bombas e
tiroteios, para mostrar como os eleitores iam às urnas, desafiando ameaças de
represálias” (Mayrink, 2002:146).
E também Clóvis Rossi, seu “incansável e excelente companheiro” (Idem,
2002:147) que teve o carro atingido e sobreviveu ao ataque no mesmo dia em que
jornalistas franceses tiveram o carro metralhado por guerrilheiros.
Sobre sua própria carreira, Mayrink também demonstra orgulho de ter sido
considerado um bom profissional por seus colegas. Um trabalho que apresenta
como exemplo de “bom jornalismo” é uma série de reportagens que realizou após
sugestão de um colega, Robson Costa, sobre a solidão em São Paulo. Esta série
lhe rendeu o título de “repórter da alma”, por ter conseguido, segundo ele,
mergulhar “fundo no sofrimento de meus personagens, incorporei-os às minhas
preocupações” (Ibid, 2002:149).
É o que Gay Talese complementa ao mostrar em “O reino e o poder”, livro
em que apresenta a história do jornal norte-americano The New York Times, que
os jornalistas que por lá passaram são “voyeurs” do mundo que não se limitam a
simplesmente observar. É que o grupo se sente mais que observador, ao produzir
notícia, ao selecionar fatos, lugares e pessoas e tornarem suas histórias relevantes.
Para Talese, a imprensa precisa cobrir um acontecimento para que ele seja
considerado relevante e com isso “não se sabe se são as pessoas que fazem a
notícia ou vice-versa” (2000:13). Assim, a força do grupo de jornalistas acaba por
dar “legitimidade” aos fatos e transformá-los em notícia e isso alimenta o discurso
do jornalista de referenciar o produto de seu trabalho a uma construção que
valoriza enfaticamente o grupo e sua produção.
93
Gay Talese, como ex-jornalista do The New York Times, reforça o
discurso de seus colegas sobre a relevância do grupo e sua presença para
transformar um acontecimento em notícia ao afirmar que “se a imprensa está
ausente, políticos cancelam seus discursos, manifestantes em defesa dos direitos
civis adiam suas marchas, alarmistas deixam de fazer previsões lúgubres” (Talese,
1981:13).
Além disso, o livro de Gay Talese conta, numa mistura de jornalismo e
ficção, a história do jornal norte-americano tendo como ponto forte a história de
jornalistas que contribuíram para o crescimento do periódico e que com seu
trabalho ajudaram o The New York Times a se tornar uma das principais
referências nos Estados Unidos e no mundo. O livro surgiu, segundo o autor,
em grande medida, de entrevistas com as pessoas do Times, de minhas
observações pessoais durante os muitos anos que trabalhei na redação (a partir
de 1953, como mensageiro), do que ouvi, junto com outros repórteres, de
veteranos relembrando o passado, ou ainda de longas cartas de Timesmen que
responderam às minhas perguntas sobre certos eventos e incidentes que fazem
parte das lendas da redação (Talese, 1981:518).
É possível perceber como o autor fez a escolha de desenvolver a história
do jornal citando, além da trajetória dos donos do jornal com suas histórias
pessoais e profissionais, a trajetória dos jornalistas que por lá passaram. Eles são
os personagens que ajudaram a dar personalidade ao jornal. São os jornalistas que
fazem o Times se tornar o Times. E, nesse sentido, a construção de Talese se
apresenta como mais um reforço à visão do grupo de enxergar seu caráter a partir
de uma construção baseada em discursos e comportamentos que privilegiam o
ambiente entendido como interno e que, a partir daí, se expande e causa impacto
no ambiente externo.
4.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado
Segundo o jornalista Augusto Nunes, em entrevista registrada no livro
“Complexo de Clark Kent”, “a ausência de rotina, para quem gosta, dá um charme
à profissão” (Vieira, 1991:29). Essa ausência de rotina se refere a uma
característica percebida entre os jornalistas como singulares ao grupo devido à
possibilidade de lidar com fatos novos todos os dias. Essa rotina de não ter rotina
94
surge como elemento que distingue o grupo dos jornalistas de profissionais de
outras áreas.
Esta falta de rotina é explicada no mesmo livro durante entrevista realizada
com a jornalista Marília Gabriela, quando ela aponta este quesito como um
elemento-chave do grupo, um privilégio para poucos:
Para mim é a possibilidade de ter uma vida muito menos rotineira, muito mais
interessante do que a de 95% das pessoas. Eu tenho um medo profundo da
rotina, do tédio. (Vieira, 1991:83).
O jornalista Mauro Santayana também cita entre os elementos
característicos do jornalista o trabalho que pode mudar em cima da hora e como
não conseguiria viver de outra maneira:
Este ano faz 45 anos que tenho vivido do meu ofício. Acho que não conseguiria
viver de outra maneira. Os nossos dias não são sempre iguais, como os daqueles
condenados à rotina de um trabalho repetitivo. Como dizem os italianos, fare il
giornalista è molto faticoso, ma è meglio che lavorare (Dantas, 1998, 181).
Quando a pesquisa “The American Journalist in the 21st Century”
perguntou a jornalistas norte-americanos a razão para a escolha da profissão ouviu
entre os quatro principais motivos ser o jornalismo uma profissão cujo trabalho é
“variado e excitante”43
. Para muitos jornalistas, a possibilidade de conhecer
lugares, pessoas e histórias diferentes a cada dia surge como grande motivador e
torna cada dia de trabalho único.
Trabalho único e que, para o jornalista Ricardo Noblat (2004), tem como
“lei” a atuação durante as vinte e quatro horas do dia, pois a notícia não escolhe
como nem quando aparecer. O jornalista tem que estar sempre alerta para um
trabalho que exige dedicação integral:
Outra lei estabelece que o jornalismo deve ser exercido em tempo integral. Isso
quer dizer: do momento em que o jornalista acorda até o momento em que vai
dormir. Notícia não tem hora nem dia marcado para eclodir e você esbarra nela
em qualquer lugar (Noblat, 2004:38).
43
The American Journalist in the 21st Century (Weaver, 2007:56 a 60).
95
4.2.7. Compromisso X Remuneração
José Carlos Bardawil em “O repórter e o poder”, livro com entrevistas
dadas a Luciano Suassuna sobre sua trajetória como jornalista desde o final dos
anos 1950 até os anos 199044
, frisava em inúmeras histórias de sua carreira como
o dinheiro não era o mais importante reconhecimento de seu trabalho. Bardawil
relata que os baixos salários que recebia nos jornais onde trabalhou não fizeram
com que ele aceitasse oportunidades de suborno frequentes por ele trabalhar na
área de Política, entre elas a chance de ter um apartamento e trabalhar na Câmara
“só para assinar ponto” (1999:116).
A pouca relevância do reconhecimento financeiro diante da possibilidade
de ser reconhecido entre os colegas, de ser visto, nas palavras dele, como um
“puta repórter” prevalecia, o que importava e dava sentido à escolha pela
profissão. Segundo o jornalista, “apesar de ser considerado um cara brilhante
pelos chefes de redação, um puta repórter, sempre vivi pior do que todos os meus
colegas que se vendiam” (Bardawil & Suassuna, 1999:129).
Ao descrever o perfil do jornalista Otávio Frias Filho em “Complexo de
Clark Kent”, Geraldinho Vieira destaca a frase em que Frias Filho afirma que,
dependendo do momento e das circunstâncias, pode até ser um bom negócio ser
jornalista, mas o oficio é muito mais “uma obrigação que qualquer outra coisa
(Vieira,1991:15)”. É esta obrigação, esse sentido de compromisso que coloca
acima de status financeiro quando pensadas as razões e modos de reconhecimento
do trabalho.
O jornalista Mauro Santayana conta que, ao iniciar no jornalismo, ouviu de
seu redator-chefe que a profissão não era para aqueles que querem ganhar muito
dinheiro, mesmo sendo um bom profissional:
Você vai ganhar muito menos. Se continuar mexendo com publicidade, é capaz
de ficar rico. Como jornalista, você nunca terá muito dinheiro. Se tiver sorte e
trabalhar duro, poderá vir a ser um bom profissional. Se isso acontecer, ótimo
(Dantas, 1997:167).
44
O livro traz entrevistas realizadas com o jornalista entre os anos de 1993 e 1994.
96
Com a remuneração passando longe das referências constitutivas do
caráter do jornalista, o reconhecimento do “bom jornalista” ultrapassa a barreira
profissional, se tornando, como diz o jornalista Ricardo Kotscho, “uma opção de
vida”:
Costumo dizer que, mais do que uma opção profissional, ser repórter é uma
opção de vida – não dá tempo para fazer mais nada, preocupar-se com outra
coisa (Idem, 1998:188).
O jornalista José Maria Mayrink também se refere em “Vida de repórter”
aos baixos salários:
O salário inicial de repórter – Cr$ 16 mil, numa época em que o mínimo beirava
Cr$ 9 mil – saía regularmente atrasado. Minha namorada, Maria José,
professora primária estadual, ganhava mais do que eu (Mayrink, 2002:29).
E, ainda assim, não desiste da profissão por ser esta uma “escolha” maior,
que não se pode medir apenas pela remuneração. Segundo o jornalista, sua
“vocação” era esta: ser “repórter de jornal, acostumado à correria do dia-a-dia”
(Idem, 2002:82).
Um fato que ilustra a ideia de “missão” nos discursos do grupo pode ser
encontrado no livro sobre a vida de jornalista de José Maria Mayrink quando ele
relata sua ida, em 1982, para El Salvador mesmo após o massacre de quatro
jornalistas holandeses:
Quando liguei para casa, Maria José e nossas quatro filhas se revezavam ao
telefone, chorando para pedir que eu não fosse a El Salvador. Enfrentei, naquela
noite, um conflito insuportável. Morria de pavor diante do perigo real, mas
sabia, ao mesmo tempo, que desistir da viagem seria renunciar à minha profissão
(Ibid, 2002: 141).
Além deste fato, o jornalista enfatiza sua disponibilidade integral ao
trabalho e as “missões” que surgirem:
Costumo trabalhar mais de oito horas por dia, estou à disposição do jornal em
tempo integral, sempre pronto para viajar em qualquer missão, às vezes viro a
noite em plantões e velórios (Ibid, 2002:218).
A “glória” do jornalista está em uma ideia de reconhecimento que
corresponde aos valores internos do grupo: suas reportagens, furos e
compromissos por parte dos pares, a partir do “cumprimento” destes quesitos de
97
maneira mais aparente do que, por exemplo, uma nivelação de reconhecimento
entre os pares baseada em remuneração pelo trabalho profissional realizado:
Outras reportagens e outros furos viriam nos meses seguintes, num ritmo que
logo me levaria ao auge da carreira de repórter. Respeitado, temido, bajulado,
eu saboreava a minha glória particular... (Wainer, 1987:33).
Entre os jornalistas norte-americanos, a questão salarial também não figura
entre os principais motivos para a escolha da profissão. E esta é uma crítica do
jornalista Michael Wolff aos colegas, por não terem como uma de suas
prioridades profissionais a ambição de “ganhar dinheiro fazendo jornalismo”. Para
Wolff,45
a valorização do trabalho jornalístico deve também ser percebida a partir
do status financeiro.
Jornalistas norte-americanos que, em sua maioria, são profissionais de
renda média, sendo que, em 200246
, o ganho médio anual de um jornalista de
jornal impresso girava em torno de US$42.800, também não condicionam, em
seus discursos, a carreira a ganhos salariais. Dessa forma, é possível notar que não
há relação de prioridade financeira para a escolha da profissão e, com isso, não se
encontra entre os temas que configuram o caráter do jornalista o status financeiro.
4.2.8. Curiosidade
Para o jornalista Armando Nogueira, o “sentimento mais palpitante do
jornalista, em qualquer estágio de sua formação, é a curiosidade e o prazer de ser
o primeiro a saber (Vieira, 1991:86)”. E não é uma curiosidade qualquer; é uma
curiosidade especial, uma curiosidade que impulsiona o jornalista a criar modos
de agir e pensar enquanto grupo, pois é um sentimento que dá sentindo à escolha
da profissão e influencia no processo de construção do caráter do grupo.
O comportamento autocentrado e autorreferencial, por exemplo, se liga ao
aspecto da curiosidade quando o jornalista revela que tem que ser o primeiro a
saber os fatos. Mas não para por aí, já que este sentimento o leva também a querer
ser o primeiro a estabelecer uma relação com a notícia e sua divulgação.
45
Opinião produzida no evento acadêmico Emily Bell in conversation with Michael Wolff.
Local: World Room, Columbia Journalism School, Nova York, 2013. 46
Dados da pesquisa The American Journalist in the 21st Century (Weaver, 2007:97 a 106).
98
Como se percebe no depoimento de Armando Nogueira, a intenção de
saber antes sobre os acontecimentos se apresenta como aspecto referente ao
grupo: é o jornalista que tem curiosidade, é o jornalista que sabe primeiro, é o
jornalista que apresenta a notícia, é o jornalista que produz reações na sociedade:
...é o jornalista que vai dizer às pessoas se o mundo vai acabar daqui a 20 dias
ou não, é o jornalista que vai dizer às pessoas se fulano é mesmo um mito ou
não, é ele que vai estabelecer um juízo de valores para o máximo de pessoas que
ele possa atingir (Vieira, 1991:86).
O que a curiosidade persegue e que, para o jornalista Caio Túlio, é “a
alegria do jornalista” está novamente fazendo menção ao grupo, aos seus modos
de agir e pensar. “É o furo, é a informação exclusiva, aquela coisa que você
investigou, que você sabe que é verdadeira. É o que dá mais retorno pessoal e
profissional” (Idem, 1991:108).
José Hamilton Ribeiro destaca a curiosidade como a “maior condicionante
espiritual” do jornalista, “é a curiosidade, aquela compulsão de saber mais e de
saber primeiro, para poder espalhar” (Dantas, 1997:112, 113).
Para Larry Rohter em “Deu no New York Times”, livro que conta suas
experiências no Brasil, principalmente aquelas envolvendo seu trabalho de
jornalista no país, é a curiosidade que move seu trabalho desde quando era um
“correspondente novato tentando aprender o ofício e finalmente como macaco
velho” (2007:19).
Em abril de 2013, em Nova York, a jornalista Molly Bingham foi a
convidada do evento “Rethinking Journalism”, para discutir sobre os desafios do
jornalismo no mundo pós-moderno. Na ocasião, perguntei à jornalista sua opinião
sobre a necessidade de estudar em uma escola de jornalismo para exercer a
profissão. A resposta de Bingham foi:
“Não acho que é preciso ir a uma escola de jornalismo para ser jornalista. Eu não
fui e acho que tenho as habilidades necessárias. É preciso ter uma infinita
curiosidade e sempre questionar os fatos, nunca estar satisfeita. É isso que torna
alguém um bom jornalista.”
A importância do aspecto “curiosidade” apresentado pelos jornalistas
acaba por reforçar a característica do grupo de construir uma retórica, uma lógica
99
e uma atitude de grupo que seleciona aspectos e os define enquanto práticos. Ao
escolher a “curiosidade”, os jornalistas acabam revelando que suas características
aparentemente bem definidas como práticas são, de fato, uma construção que pode
ser relativizada.
Isso porque, apesar de o fator “curiosidade” ser evidente nos discursos dos
jornalistas e tido como importante quesito formador do caráter do grupo, não fica
claro nos depoimentos como ela escapa de seu sentido subjetivo e pode ser
definida a partir de critérios práticos. Ou seja, não há uma definição objetiva de
como ter ou alcançar esta “curiosidade”. Portanto, ela acaba sendo, ao mesmo
tempo, um elemento “prático” na formação do caráter do jornalista e também uma
condição inata dos integrantes do grupo.
A escolha ampla entre os jornalistas da “curiosidade” se transforma em
elemento-chave para se pensar sobre a formação do caráter do grupo, já que o
posicionamento da “curiosidade” entre os critérios “práticos” do caráter do
jornalista cria a possibilidade de que se repensem e se relativizem todos os demais
aspectos reivindicados pelos jornalistas como formadores de seu caráter.
Se a “curiosidade” é parte de um esforço do grupo de que ela soe
logicamente como característica “prática”, todos os outros aspectos por eles
selecionados também podem fazer parte deste esforço de construção de uma
categoria “prática”. Para uma nova interpretação e entendimento do caráter do
jornalista, será preciso revisitar os aspectos selecionados pelos jornalistas como
relativos ao grupo e analisá-los como escolhas, e não como características dadas a
priori. Uma nova visita que pode proporcionar mais detalhes sobre o caráter do
jornalista.
100
O quadro comparativo a seguir busca sintetizar fatores que representam e
fatores que não representam o “caráter do jornalista”:
Fatores que representam o caráter do
jornalista
Fatores que não representam o caráter do
jornalista
“Prática” “Teoria”
Local de trabalho, ambiente interno Universidade, ambiente externo
Vocação, dom Diploma, certificado acadêmico
Habilidade de produzir informação Dificuldade de produzir informação
Talento para a escrita, faro jornalístico Influência dos capitais escolar e familiar e
pertencimento a uma classe social
Grupo de jornalistas Público geral, senso comum, sociedade
Mundo do trabalho sem rotina Mundo do trabalho rotinizado
Compromisso Remuneração
Curiosidade
Quadro 4: comparativo final dos fatores que representam e não representam o “caráter do
jornalista.
5. Encontros e desencontros entre teoria e prática
“Enquanto médico pensa que
é Deus, jornalista tem certeza.”
(Ricardo Noblat, 2002:28)
5.1. Relativizando o discurso nativo
As entrevistas realizadas com jornalistas brasileiros e norte-americanos e
os depoimentos encontrados em livros e demais materiais produzidos por
jornalistas e sobre jornalistas ajudaram a apresentar a construção de um discurso
que privilegia critérios práticos na formação do caráter do jornalista. As ideias
acerca do que significa ser e fazer jornalismo se definem a partir de uma
construção retórica e de atitudes de afastamento com os critérios teóricos e ligação
com os práticos.
Apesar da força desta característica para a construção e existência do
caráter do jornalista, é preciso relativizar o discurso do nativo, já que, ainda que o
jornalista tenha um discurso de valorização da prática e desvalorização da teoria,
não é possível tomar esta retórica como uma visão única e definitiva do caráter do
grupo. Assim, mesmo que seja importante perceber esta construção discursiva,
também é importante percebê-la enquanto construção. Nesse sentido, é necessário
entendê-la enquanto uma escolha e percebê-la num mundo mais amplo de
possibilidades e que, por esta razão, pode ser relativizada.
Significa que é importante perceber a formação do grupo a partir da
reivindicação de certo fatores como sendo peculiares ao grupo, e é relevante que
se perceba que estes fatores estão sendo mais valorizados que outros, mas, ao
mesmo tempo, isso não significa admitir que aqueles fatores menos valorizados,
citados, lembrados e reivindicados não atuam na formação do caráter do grupo.
É preciso relativizar o discurso nativo e analisar se há fatores que, embora
não tenham sido lembrados e reconhecidos como importantes na formação do
grupo, também participam para a construção e re-construção do caráter do grupo.
102
Não é à toa que a “curiosidade” serviu para problematizar a construção do
caráter do jornalista. A escolha deste quesito por todos os jornalistas
entrevistados, também presente em frases e falas no material pesquisado, serve
como ponto questionador dos elementos práticos de formação do caráter do
jornalista, já que não fica claro como esta definição subjetiva se torna objetiva e
“prática” nos discursos dos jornalistas.
O uso do termo “curiosidade” e seu deslocamento para os elementos
práticos são uma apropriação discursiva. É a partir da postura retórica do grupo
que a “curiosidade” foi incorporada entre os aspectos “práticos” do grupo.
Portanto, os elementos que caracterizam o grupo e a própria ideia do que significa
prática também se revela a partir de uma construção e não de caraterísticas
intrínsecas ou notoriamente evidentes.
Outras características “práticas” atribuídas ao jornalista tais como “dom”,
“faro”, “vocação” e “talento” já davam pistas sobre a transformação de critérios
subjetivos em elementos “práticos”. Quando a “curiosidade” se revela em todas as
entrevistas e em grande parte das demais fontes pesquisadas, torna-se ainda mais
importante a percepção sobre a criação de um caráter que pode ser problematizada
por não haver critérios inquestionáveis e de definição óbvia.
Neste capítulo proponho um confronto entre os elementos “práticos” e
“teóricos’ no que diz respeito à formação do caráter do jornalista. Os desencontros
com a “teoria” e os encontros com a “prática” serão colocados em pauta, para uma
interpretação mais abrangente do caráter do jornalista. Os termos influentes no
caráter do grupo e também os termos considerados exteriores ao grupo serão
trazidos à discussão com um novo olhar, cogitando agora possibilidade de
interações inesperadas na formação do grupo.
Se aspectos subjetivos foram apropriados pelo grupo e chamados de
“práticos”, outros aspectos do grupo “enquadrados” na categoria oposta também
podem ser parte desta construção do grupo. Por esta razão, as características
negadas ou enaltecidas pelo grupo podem ser problematizadas e percebidas sob
uma nova perspectiva.
103
Com isso, pretendo mostrar que não há como olhar para o grupo
simplesmente levando em consideração sua construção discursiva. Suas escolhas
são importantes para a análise dos traços que caracterizam o grupo, mas a análise
sobre o grupo precisa ir além desta etapa. Não se trata, portanto, de reproduzir e
aceitar passivamente o discurso nativo. É preciso um olhar sobre o grupo que não
seja apenas seu próprio olhar.
5.2. Encontros e desencontros
A opção do grupo de privilegiar na concepção sobre seu caráter os
elementos práticos coloca duas questões: em primeiro lugar, são escolhas. Em
segundo lugar, são chamados de “práticos” atributos que poderiam também ser
construídos como “teóricos”.
Assim, o caráter do jornalista agrega elementos que vão ganhando aspecto
“prático” e formador do caráter do jornalista, a partir das relações e discursos do
grupo. Com isso, é preciso perceber quais elementos são escolhidos como
formadores do caráter do jornalista, mas também há que se considerar que os
atributos negados e não selecionados podem estar mais próximos do caráter grupo
do que se imagina. Não escolher e negar certos aspectos não quer dizer
necessariamente falta de relação com eles.
O exemplo sobre a construção em torno da “curiosidade” acabou
despertando minha percepção para as escolhas aleatórias e formuladas de modo a
tender para uma categoria do grupo, no caso, o lado “prático”. Mas durante toda a
construção dos aspectos “práticos” e “teóricos” do grupo, da relação com os
fatores que podem estar relacionados em uma ou outra categoria, me peguei
questionando a produção de sentido dos aspectos selecionados como “práticos” e
“teóricos”.
Os aspectos “práticos” e “teóricos” que parecem claramente definidos
careciam, a meu ver, de um olhar relativizador sobre esta construção. Um olhar
voltado a interpretar a possibilidade de as posições relativas ao caráter do
jornalista produzirem encontros com a “teoria” e, porque não, afastamentos com
relação à “prática”.
104
Questionando o sentido de “prática” a partir de termos que me parecem
subjetivos, tais como “curiosidade”, “faro”, “talento” e “dom”, encontrei um
caminho para contribuir com novos elementos para analisar o caráter do jornalista,
levando em consideração aquilo que ele reivindica em seu discurso, conforme
apresentado nos dois capítulos anteriores, mas também a partir daquilo que ele
não diz.
Para tal, retomarei os elementos “práticos” e “teóricos” selecionados pelos
jornalistas e analisarei a partir de alguns exemplos ou indagações como o caráter
do grupo também pode promover encontros improváveis com a teoria e
desencontros inesperados com a prática.
5.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo
A relação de proximidade do jornalista com seu local de trabalho e com
tudo aquilo que considera “seu ambiente”, podendo incluir neste critério a rua,
pessoas e tudo mais que achar ser “seu”, se define como aspecto peculiar do
caráter do grupo. Os locais não reconhecidos pelo grupo, entre eles o espaço
universitário, são relacionados aos elementos teóricos e, portanto, distantes ou
afastados do caráter do grupo.
Como aspectos subjetivos são vistos como “práticos” na construção do
caráter do grupo, a rejeição ao ambiente universitário poderia ser um aspecto, mas
ainda assim ter participação na formação deste caráter. Este desencontro poderia
ser questionado da mesma maneira que o encontro entre “curiosidade” e “prática”
foi posto em questão.
E este questionamento surge em virtude de a grande maioria dos
jornalistas entrevistados em ambos os países revelar ter realizado graduação e/ou
pós-graduação em cursos de jornalismo. Além dos entrevistados e dos jornalistas
citados através de outras fontes, pesquisas brasileiras e norte-americanas apontam
que os jornalistas que atuam em grandes centros urbanos tais como o Rio de
Janeiro e Nova York possuem, em sua maioria, formação universitária.
105
A pesquisa brasileira “Perfil do jornalista brasileiro47”, que aponta que a
região Sudeste possui o maior número de profissionais de jornalismo, com quase
sessenta por cento dos profissionais brasileiros, confirmando a relevância da
participação do Rio de Janeiro no cenário nacional do jornalismo, também revela
que:
Têm formação superior 98,1% dos jornalistas brasileiros. Concluíram ou estão
cursando o nível de graduação 57,3% dos profissionais, enquanto 0,4% fazem
cursos superiores de tecnologia. Outros 40,4% já têm ou estão em cursos de
pós-graduação: 28,2% em especialização, 9,6% em mestrado, 2,2% em
doutorado e 0,4% em pós-doutorado (Mick, 2012:43).
Entre os profissionais norte-americanos, o índice de graduados e pós-
graduados também é bastante significativo. A pesquisa “The American Journalist
in the 21st Century” (2007) indica que 89% dos jornalistas norte-americanos
possuem nível universitário em cursos de Jornalismo ou Comunicação de Massa e
36% possuem pós-graduação na área de Jornalismo.
Estes dados ajudam a mostrar que a passagem dos profissionais por
instituições de ensino, reivindicadas ou não como relevantes para a formação de
seu caráter, faz parte da formação do indivíduo que virá a se tornar um jornalista.
Ambos os estudos também apontam o aumento do número de cursos de
Jornalismo e a crescente necessidade desta formação para inserção no mercado de
trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, setenta e cinco por cento dos
profissionais contratados entre 1998 e 2002 haviam se graduado em cursos de
Jornalismo ou Comunicação de Massa (Weaver, 2002:43). O que mostra que o
grupo, embora não queira atribuir o conhecimento acadêmico à formação de seu
caráter, tem grande relação com o ambiente universitário e, principalmente, com
cursos relacionados a jornalismo e mídia.
Além disso, é durante período universitário que muitas referências que
parecem não fazer parte do caráter do grupo são apresentadas ao futuro
profissional. Disciplinas, docentes, meios de comunicação, discussões sobre
47 A pesquisa realizada em 2012 pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia Política (PPGSP)
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em parceria com a Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj) e com apoio da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo
(SBPJor) e do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), entrevistou, através de uma
enquete em rede, dois mil setecentos e trinta e um jornalistas brasileiros (Mick, 2012:15,16).
106
mídias, simulações de aspectos técnicos relacionados ao jornalismo são exemplos
de atividades realizadas em cursos universitários e que, apesar não relacionadas à
lista dos fatores que conferem sentido ao grupo, participam da formação
profissional do jornalista.
A escolha do desencontro com as atividades acadêmicas pode estar
relacionada à sensação de que a universidade simula a realidade que encontram
quando estão na prática da profissão. Não significa, contudo, pelo fato de não
reproduzir um retrato esperado da realidade, que não haja impacto do ambiente
acadêmico sobre o futuro jornalista. No entanto, esta percepção de que o ambiente
acadêmico não reflete a prática profissional resulta na escolha do período
acadêmico como algo que não faz parte do caráter do grupo.
O que se percebe, então, é que há uma expectativa, por parte do jornalista,
de que o que se simula no ambiente acadêmico corresponda exatamente ao mundo
profissional. No entanto, as tentativas de simular o mundo nunca serão, de fato, o
mundo. E, portanto, a busca pela imagem perfeita, pelo reflexo entre o ensino
acadêmico e a prática jornalística, ao não se concretizar, provoca esse afastamento
entre o ambiente universitário e a construção do caráter do jornalista. A frustração
do jornalista com relação às experiências acadêmicas para elas não serem
percebidas como úteis e, principalmente, integrantes do caráter do jornalista, está
relacionada a uma ideia de que o mundo universitário deveria ser uma
representação fiel ou a mais próxima possível do mundo do trabalho.
O que o ensino acadêmico se esforça para produzir como simulação da
realidade se torna, na visão dos jornalistas, um simulacro. Ou seja, enquanto a
universidade propõe ao aluno uma formação que cogita diversas formas de
atuação através de disciplinas, técnicas, professores e atividades que ajudem o
futuro profissional em variadas situações ligadas ao jornalismo (simulações), o
jornalista entende esta atuação como sendo uma fantasia que se cria e que não
representa a realidade (simulacro)48.
48 O sociólogo Jean Baudrillard em Simulacros e simulação (1991) apresenta de maneira mais
complexa o conceito de “simulacro” e “simulação” e as estratégias de construção da realidade a
partir destes conceitos. Suas interpretações sobre as possíveis cópias do real a partir das
simulações e simulacros não se limita ao modo como estou tratando os conceitos aqui. Neste
107
Há uma expectativa de que o que é apresentado no ensino universitário
corresponda, em certo sentido, àquilo que será a experiência no mundo real. E a
não correspondência cria no grupo uma frustração. Porém, não há como simular
tantas possibilidades que serão reveladas no mundo do trabalho e também aquelas
que surgirão nas interpretações dos indivíduos. As simulações escolhidas na
atividade universitária fazem parte de um universo de vivências do qual não se
pode dar conta.
A expectativa de ser a atividade acadêmica um “reflexo da realidade
profunda” (Baudrillard, 1991:13) não se confirma nem se pode confirmar, já que
não há como representar tantos mundos possíveis e que se encaixem nas
experiências do grupo.
A universidade se aproxima, na versão dos jornalistas, da Disneylândia, de
Jean Baudrillard, por se tratar de local onde existe a tentativa de produzir um
modelo através de “tipos de simulacros”, de fantasias que remetem à realidade. A
Disneylândia, assim como o ensino universitário, produz um “mundo imaginário”
que tenta se associar ao modelo real:
É antes de mais nada um jogo de ilusões e de fantasmas: os Piratas, a Fronteira,
o Future World, etc. (...) [um] mundo imaginário [que tenta produzir uma]
seleção do American way of life (Baudrillard, 1991:20).
Os parques de diversão atuam, assim como o ensino universitário, como
um local onde se fala do real, onde se produz uma ideia sobre o real, mas, no
imaginário do grupo, essa não passa de uma tentativa frustrada de tratar do real. A
tentativa de trazer aspectos relacionados à realidade é, no entendimento do grupo,
fracassada no momento em que não se apresenta nem mesmo como uma
simulação das atividades práticas da profissão. São simulacros, pois apresentam
formas de reproduzir situações que não são compreendidas, autorizadas e
apropriadas pelo grupo.
trabalho, me atenho a desenvolver a ideia de que o simulacro faz parte da percepção de um grupo a
respeito da existência um ponto de vista equivocado, mal formulado, mal apresentado e fantasioso
da realidade, enquanto a simulação representaria a forma mais aceita, mais “respeitosa” de olhar e
interpretar as ações que expõem experiências do real.
108
5.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico
Entre as habilidades estabelecidas no grupo para que um indivíduo se torne
um “bom jornalista” estão a existência de uma vocação e um dom para a
profissão. O diploma acadêmico, que comprova a formação do profissional e que
poderia ser agregado como elemento confirmador da formação e habilidade
jornalística, não é enaltecido na construção retórica do grupo.
Ainda assim, a relação entre jornalistas e diplomas acadêmicos parece se
estreitar cada vez mais. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a quantidade
de jornalistas com estes certificados supera em grande número a quantidade de
profissionais que atua sem diploma.
Em “Perfil do jornalista brasileiro”, a maioria dos jornalistas entrevistados
(55,3%) se declarou “a favor da exigência de formação superior específica em
Jornalismo para o exercício da profissão” (Mick, 2012:40). Contudo, este
argumento favorável ao diploma, segundo os jornalistas entrevistados pela
pesquisa, se dá por ser ele um “instrumento de luta trabalhista e não medidor da
competência de ninguém” (Idem, p.41).
Em “Ser jornalista no Brasil”, o debate caminha também no sentido de
pensar outras atribuições para o valor do diploma acadêmico na formação do
caráter do grupo, já que “tanto o diploma quanto o próprio curso superior estão
cercados de instabilidades no que diz respeito à forca deles na construção da
identidade dos jornalistas brasileiros” (Lopes, 2013:10).
O diploma não é valorizado como comprovante das habilidades aprendidas
e apreendidas para uso no mundo do trabalho tal qual em outros cursos
universitários. Ele serve como um mecanismo de segurança do grupo e de acesso
ao grupo. Ou seja, atua como protetor do grupo, pois é necessário para atuação na
área, e também seleciona aqueles que fazem parte do grupo. É, antes de tudo,
selecionador dos integrantes do grupo. Não tem como função principal servir de
registro das competências do “bom jornalista”.
109
Mesmo não servindo enquanto integrante, enquanto formador do caráter
do jornalista, a entrada dos jornalistas no grupo está cada vez mais condicionada
ao diploma. Os jornalistas possuem, então, um discurso a favor da exigência do
diploma para a atuação na área e, ao mesmo tempo, o dispensam na formação do
caráter do grupo. O diploma49 se agrega ao grupo enquanto critério de inserção,
mas não confere, em si, uma autoridade, um atestado de “bom jornalista”.
No caso dos profissionais norte-americanos, a relação é semelhante: este
elemento também é afastado retoricamente do caráter do jornalista, mas tampouco
lhe é distante. O diploma se revela nos Estados Unidos, assim como no Brasil,
como um fator de agrupamento dos profissionais, tendo em vista o número de
profissionais com diploma de Jornalismo e a quantidade de escolas de Jornalismo
existentes no país. Em 1971, duzentas universidades ofereciam cursos graduação
e/ou pós-graduação na área de Jornalismo; em 1982 o número já havia subido para
trezentos e quatro programas; em 1992, havia quatrocentos e treze programas no
país e no ano de 2002 o número de cursos chegou a quatrocentos e sessenta e
três50.
O crescimento de cursos de Jornalismo também impulsionou a relação do
diploma com o mercado de trabalho, fazendo com que as redações e demais
ambientes jornalísticos ficassem cada vez mais povoados por detentores de
diploma de Jornalismo. Com isso, o diploma ganha um novo significado e seu
uso, sua apropriação, seu novo sentido é produzido pelo grupo sob critérios que
ajudam a definir o caráter do jornalista. Se pensarmos no diploma como um
“convite” ou uma “autorização” de entrada no grupo, podemos pensar que, para
perceber quem são os “bons jornalistas”, através de exemplos do “dom” e da
“vocação”, é preciso primeiro que eles sejam parte do grupo, que sejam aceitos.
Ou seja, o diploma ganha papel relevante no caráter do grupo ao ser identificado
como um elemento de inserção e de unificação.
49 Para saber mais sobre o tema, ver Fernanda de Lima Lopes em Ser jornalista no Brasil (2013),
onde a autora discute a identidade profissional do jornalista e a necessidade do diploma para
atuação na área. 50 Weaver, 2007:32.
110
5.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação
O que distingue o jornalista dos demais indivíduos? Nas respostas de
muitos jornalistas, haveria a defesa da “habilidade de produzir informação”. Sob o
argumento da existência de uma “habilidade extraordinária” do jornalista para
encontrar, filtrar e produzir informação como distintiva do grupo perante os
demais indivíduos, é construído e reforçado mais um critério de seu caráter.
Segundo Paul Starr, em “Goodbye to the age of newspapers”, a função
diária do jornalista de “separar rumores dos fatos permanece vital” (Starr,
2011:32)51, mas esta autoridade vem sendo questionada e a condição do jornalista
enquanto detentor da habilidade de produzir informação esbarra em outros grupos,
outras “autoridades” que também se apresentam neste espaço que apenas o
jornalista gostaria de ocupar.
Para Muniz Sodré, em “Os neojornalistas estão chegando”, a autoridade do
jornalista sempre foi “dividida” com outros grupos sociais. Isso ocorria desde a
época em que:
os jornais abrigavam tradicionalmente intelectuais oriundos do mundo das
Letras ou da Academia stricto sensu” [até os dias de hoje quando] “blogs e
twitters estão aí para demonstrar que qualquer indivíduo, munido de computador
e devidamente "antenado", é, no mínimo, um ‘protojornalista’, isto é, uma fonte
de informação ou de opinião conversível em discurso social” (Sodré, 2010).
Em “O livro no jornal”, Isabel Travancas destaca o trânsito de outros
profissionais pelo jornal. Escritores, professores universitários e acadêmicos estão
entre os grupos sociais que atuavam e ainda atuam nos periódicos. Há, segundo a
autora, em espaços do jornal, disputas
inclusive de prestígio, entre ocupações distintas. Os especialistas afirmam muitas
vezes que os jornalistas são ‘especializados em generalidades’ e os profissionais
de imprensa criticam a forma da escrita daqueles intelectuais, que não escrevem
para o público do jornal nem com uma linguagem clara e objetiva (Travancas,
2001:130,131).
A exaltação de uma da habilidade de lidar com a notícia se torna parte da
produção de um critério de distinção e defesa do grupo quanto à presença de
51 Tradução minha do idioma inglês para português.
111
outros profissionais no espaço de produção de informação e da possibilidade
destes “competidores” alcançarem uma autoridade que deveria ser conferida
somente ao jornalista. Dessa forma, ter como caráter, como característica, a
habilidade de produzir a informação é uma maneira de se diferenciar dos demais
indivíduos, inclusive daqueles que tentam “invadir” o espaço do jornalista.
Isso não significa que outros grupos não possam selecionar, produzir e
divulgar informações. O que se revela é que esta é uma reação do grupo para a
manutenção de sua autoridade e relevância social, onde os critérios para que se
produza algo que pode ser chamado de informação tenha que passar pelo “filtro
jornalístico”.
5.2.4. Talento para a escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social
As ferramentas do “bom jornalista”, entre elas o talento e o faro, se
sobrepõem ao fato de os profissionais possuírem capitais familiares e escolares
semelhantes. Os indivíduos que escolheram o jornalismo tiveram acesso a
condições sociais proporcionadas pela família e a escolas que os ajudaram a
eleger este caminho profissional. Esta possibilidade de escolha faz parte de um
campo de opções mais acessível a certos grupos sociais.
Assim, a construção do grupo dos jornalistas começa a se formar bem
antes do que eles cogitam; as condições sociais e escolares dos indivíduos
influenciam posteriormente as possibilidades de vida que os indivíduos terão. O
acesso a um certo conjunto de bens materiais e simbólicos faz com que indivíduos
possam se tornar jornalistas. São precondições que facilitam e proporcionam a
chance de o jornalismo ser uma opção de trabalho.
As características do faro e do talento, compreendidas como intrínsecas, se
ancoram, na verdade, em bens adquiridos ao longo da vida, que propiciam o
surgimento destas habilidades. Segundo Pierre Bourdieu, em “A distinção”, a
ordenação de pessoas em classes ou frações de classe, que se constrói a partir de
práticas mais ou menos conscientes, depende das condições simbólicas e materiais
dadas aos indivíduos. São modelos de organização de grupos em campos
112
possíveis. Os capitais herdados levam a um “feixe de trajetórias” (2008:104)
previsível, já que escolhas profissionais estão associadas ao “volume de capital”
(Idem, p.107)52 adquirido e incorporado pelo indivíduo.
No texto “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à
cultura”, Bourdieu relaciona a posição social do indivíduo a um sistema de valores
influenciado por sua trajetória da vida (capital familiar) e interiorização de bens
simbólicos, que se constrói também a partir do acesso a um modelo de educação
(capital escolar):
Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que
diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e
profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as
atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. (Bourdieu, 2005:42).
5.2.5. Grupo de jornalistas x Público geral, senso comum, sociedade
A visão autocentrada e autorreferencial do jornalista também pode ser
notada na relação que o grupo constrói com a notícia, num discurso que atribui a
ele a descoberta de fatos relevantes, e também a partir da construção de modelos
de bons jornalistas, figuras que representam, que personificam formas ideais de
ser e fazer jornalismo.
O grupo entende que são eles que descobrem a notícia e também criam
entre eles figuras internas que servem de referencial, de exemplo de atuação. Com
isso, criam uma lógica interna que se sobrepõe à externa e tratam os elementos de
“fora” como coadjuvantes.
A frase de Samuel Wainer: “Sempre achei que é o mundo que está à espera
de um jornalista, não o contrário” (1987:91), escolhida como destaque do capítulo
anterior, corrobora esta construção voltada primeiramente para as ações e
indivíduos relativos ao grupo. E, ainda que os indivíduos e ações externas possam
52 Para Bourdieu, o indivíduo possui um “conjunto de recursos”, de bens materiais e simbólicos
que contribuem para a formação de seu capital cultural. O que chama de “capital cultural
objetivado” (adquirido) diz respeito a bens apropriados e que podem ser transmitidos
materialmente, enquanto o “capital incorporado (habitus)” diz respeito aos bens simbólicos, às
formas de interiorizar, de incorporar o capital cultural, mantendo a lógica e estrutura do grupo.
Para uma discussão mais profunda sobre o tema, ver Os três estados do capital cultural, 2005.
113
“servir” ao grupo, elas não são valorizadas em sua influência na formação de seu
caráter.
Com isso há duas questões que precisam ser analisadas: a problematização
sobre o papel da sociedade (mundo externo) na formação do caráter do jornalista e
sua atuação autônoma na seleção de notícias, dos fatos a serem divulgados53. O
discurso do jornalista de apropriação do mundo externo e de autonomia para
produção da notícia esbarra em questões cruciais do campo jornalístico, já que a
relação do grupo com “o outro” ou “os outros” é tão constitutiva do caráter do
grupo que não se pode supor algum distanciamento entre eles.
Para Rodney Benson e Erik Neveu, em “Bourdieu and the journalistc
field”, o campo jornalístico tem sua existência condicionada a modelos de
sociedade que organizam sua existência. Ele existe em relação à sociedade e não
anterior, afastado ou utilizando dela. Além disso, o campo jornalístico tem sua
existência condicionada a grupos sociais, econômicos e culturais com tipos
distintos de “caráter”.
Os autores utilizam conceitos do sociólogo Pierre Bourdieu para
apresentar o campo jornalístico como um espaço de produção cultural e
econômica que representa aspectos sociais amplos da sociedade onde atua e como
um campo influenciado e de existência condicionada a diversos campos.
Ainda que, segundo Benson e Neveu, o campo tenha, sim, suas
características e uma “autonomia necessária”, um modo de atuação com
características peculiares, pois através dela é possível perceber as práticas do
campo, trata-se também de um “microcosmo” capaz de representar um universo
53 É importante que se entenda que se trata da problematização de uma escolha discursiva, de um
privilégio dado a certos elementos. Não significa que o jornalista não cogite a participação do
ambiente externo, dos fatores sociais em seu trabalho. Esta divisão, bem como todas as outras aqui
produzidas são “tipos ideais” que valorizam critérios selecionados para formação do caráter aqui
definidos como “práticos” em oposição aos “teóricos”. Com isso, afastar-se de certos aspectos não
significa ignorar sua existência e, por que não, participação na formação do grupo. Portanto, trata-
se de uma “organização ideal” de aspectos que se aproximam e se afastam do grupo, a partir do
discurso produzido pelas vozes nativas.
114
social mais amplo e que também se relaciona com diversos campos para continuar
existindo54.
Michael Schudson, em “Autonomy from What?”, destaca que há grupos
que são mais orientados por lógicas internas na maneira de se relacionar com o
mundo externo em suas extensões sociais, econômicas e políticas55. Para
Schudson, essa lógica de relacionamento se aplica ao campo jornalístico, mas ela
é mais complexa do que parece.
O autor apresenta episódios históricos que mostram exemplos de
subserviência do campo ao Estado e ao mercado, que dissolvem o “muro de
separação” entre o campo jornalístico e interesses políticos e econômicos. Dessa
forma, o campo é vulnerável, pois depende do mercado e do Estado de maneiras
distintas e não é possível definir até que ponto há autonomia na produção de
informação.
Esta autonomia faz parte, para Schudson, de um discurso de defesa de uma
“esfera autônoma” que não se sustenta e a escolha por se fechar em uma lógica
interna não se apresenta como solução para pensar os desafios do jornalismo,
entre eles que tipo de relação deve ser estabelecida com o mercado e o Estado,
tendo em vista que participam dos modos de ser e fazer jornalismo.
A lógica interna que busca afastar a relação entre o jornalismo e a lógica
empresarial e sua influência política na sociedade ganha forma no discurso do
jornalista Ricardo Noblat, em “A arte de fazer um jornal diário”, quando afirma
que:
jornalismo nada tem a ver com essas corporações. Elas reconhecem o impacto
poderoso da mídia no processo político. Sabem quanto a mídia ajuda a formar
opinião sobre assuntos públicos. E querem por meio dela influenciar governos,
ampliar seus negócios e lucrar mais (Noblat, 2002:22).
O que o jornalista apresenta é o contrário do desafio proposto por
Schudson, já que Noblat isenta aqueles que praticam o que chama de “bom
jornalismo” da proximidade com intenções políticas e econômicas. Contudo, seria
54 Argumento desenvolvido em “Field Theory as a Work in Progress” (p.02 e 25). In: Bourdieu
and the journalistic field, 2005. 55 Argumento desenvolvido em “Autonomy from What?” (p.214 e 223)”. In: Idem.
115
mais relevante pensar a responsabilidade e o papel do jornalismo em suas
conexões e impactos na sociedade, pois admitir a atuação do jornalismo em meio
a questões políticas e econômicas não desmerece o grupo, pelo contrário, legitima
a existência do jornalismo, pois a atividade jornalística, se descolada da realidade
social, estaria atuando de modo paralelo à sociedade e não inserida no contexto
social.
Para Patrick Champagne (2005)56, apesar de todos os esforços do campo
jornalístico para profissionalizar suas atividades e desenvolver escolas de
jornalismo que reforcem que o trabalho deve ser submetido apenas a pareceres
intelectuais e técnicos, a autonomia jornalística tem limites que esbarram nas
dependências políticas e econômicas. Champagne enfatiza as dificuldades de um
campo que atua na fronteira entre as relações econômicas e políticas e o público,
assumindo um papel de mediador.
Nesse sentido, o campo jornalístico não pode ser pensado sem levar em
consideração sua relação com aspectos econômicos, tais como o volume de
vendas de um jornal, interesses empresariais dos grupos de mídia, as propagandas
estampadas nos periódicos, entre outros. E tampouco pode existir sem estar
associado ao papel de formador de opinião pública, a partir dos fatos que anuncia.
Nada mais político que isso57.
A pesquisa de doutorado de Jorge Claudio Ribeiro (1994)58 também
buscou discutir como a “dimensão empresarial e política dos jornais se articula
com a vivência profissional dos jornalistas” (p.16). Através do estudo dos jornais
Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, Ribeiro interpreta a complexa relação
56 Argumento desenvolvido em “The ‘Double Dependency’: the Journalistic Field Between
Politics and Markets”, In: Bourdieu and the journalistic field, 2005. 57 A dimensão e o impacto dos aspectos econômicos e políticos no jornalismo é bastante complexa
e merece uma discussão mais ampla e bem desenhada que a discussão realizada neste trecho. O
que pretendo destacar aqui é a escolha discursiva e formadora do caráter a partir da ideia de
existência de uma lógica interna mais valorizada que outros aspectos. Os exemplos servem
somente para ilustrar que esta lógica não pode nem consegue atuar descolada de suas relações
políticas e econômicas. Também serve para explicitar que a escolha dos elementos de formação do
caráter do grupo poderiam se basear em outros aspectos, até mesmo naqueles que se afastam do
grupo, já que é possível notar a interação com atributos que foram afastados. 58 Para saber mais, ver RIBEIRO, Jorge Claudio. A religião do jornalismo, 2007, e Sempre
alerta. Condições e Contradições do trabalho jornalístico, 1994.
116
do jornalista com os demais grupos e interesses existentes dentro e fora dos
jornais.
Para o autor, a devoção do jornalista ao seu grupo, valores e práticas ajuda
a apresentar aspectos relativos ao grupo, mas, ao mesmo tempo, se apresenta
como uma reação a valores e práticas com as quais precisa conviver e que
permeiam seus modos de ser e fazer jornalismo, mesmo sem serem reivindicados.
5.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado
Não ter rotina de trabalho. Este é um elemento que caracteriza o jornalista
e que o diferencia dos demais tipos de trabalhadores. Esta “rotina de não ter
rotina” faz parte da definição do grupo e o diferencia dos outros indivíduos.
A chance de encontrar algo novo para relatar todos os dias pode ser
relativizada, já que existem processos rotinizados de elaboração e divulgação das
notícias e também por ser a seleção dos fatos uma escolha dentre muitas. Dessa
forma, o fazer jornalístico está atrelado a tarefas rotinizadas e também a escolhas
definidas, não sendo a divulgação dos fatos puramente definida a partir de
episódios inesperados, ou selecionadas de forma aleatória.
O funcionamento de uma redação, local, segundo Isabel Travancas (1993),
bastante peculiar do jornalista, possui processos bem definidos de funcionamento,
sendo dividido entre categorias de jornalistas, editorias, “em muitos casos, cada
editoria tem um detalhe que a diferencia das demais” (p.25) e profissionais de
outras áreas, por exemplo.
Também há, na atividade diária do jornalista, rotinas de trabalho que se
estabelecem na relação com os demais profissionais da redação e também com a
produção da notícia. Para Travancas, ao acompanhar a rotina de uma redação, é
possível até mesmo identificar horários mais ou menos movimentados que
identificam a rotina do local:
A redação, embora funcione 24 horas por dia, tem seus momentos de pique. Em
torno de 7 horas da manhã, há poucas pessoas na sala. Ali se encontram o chefe
de reportagem, o pauteiro, alguns contínuos e os primeiros repórteres da manhã
que começam a chegar, sem falar nos que trabalham de madrugada. Por volta
117
das 10 horas o movimento já é grande e o barulho, intenso. Entre 11 da manhã e
4 da tarde o período é de ‘calmaria’, quando os repórteres estão na rua e os
redatores ainda não chegaram. Depois das 16 até as 20 ou 20h30, o movimento
vai não só aumentando como se intensificando, e a ansiedade crescendo; vêem-se
várias pessoas correndo de um lado para outro, ouvem-se gritos aflitos,
motivados pela tensão. Está próximo o momento de fechamento do jornal, que
não espera ninguém – é o deadline (linha da morte), ou seja, prazo fatal. (...)
Passado esse clímax, aos poucos a redação vai se esvaziando, silenciando, e por
volta das 10 horas da noite ela já está com mais da metade de seus terminais
desocupados e parados. É a hora da conversa amena, dos comentários sobre o
dia, a pauta e as coberturas; e para muitos a hora do chope relaxante que
amortece mais um dia de tensão” (Idem, 1993:31).
A seleção das notícias e seu processo de produção também não são tão
imprevisíveis. Reuniões de pauta, eventos agendados ou aguardados, temas
sempre presentes nos noticiários são exemplos de fatos que serão abordados
dentro de uma organização prévia. Ou seja, muitas notícias divulgadas nos jornais
fazem parte de pesquisa, escolha e apuração anteriores e exigem uma preparação,
uma rotina, para sua confecção.
No próprio discurso dos jornalistas entrevistados e pesquisados em outras
fontes, muitos processos e temas são retratados em rotinas de trabalho. São
viagens, datas importantes, eventos que ocorrem em momentos específicos,
editorias que desdobram assuntos já apurados. Além disso, muitas “matérias frias”
são feitas por jornalistas para serem usadas caso necessário. São temas atemporais
que se tornam matéria caso haja espaço a ser preenchido no jornal. Também existe
no trabalho jornalístico a rotina de pesquisa, já que os profissionais não podem ir
às ruas para entrevistar alguém ou cobrir um evento sem saber antes do que se
trata.
Durante o tempo em que trabalhei em um jornal de grande circulação no
Rio de Janeiro, havia a expectativa pelas novidades, pelos furos, pelas notícias
inesperadas que poderiam mudar o dia da redação e movimentar todo o jornal.
Mas, ao mesmo tempo, escrevíamos matérias que poderiam ser veiculadas em
qualquer dia da semana e realizávamos pesquisas sobre futuros temas e sobre
pautas já organizadas. Uma das coisas que meus amigos não jornalistas achavam
engraçado e mórbido eram meus relatos de “preparação de mortes”. Recolhíamos
material, fotos, depoimentos e tudo mais que fosse interessar sobre a vida de
algumas celebridades que tinham chance de morrer num futuro próximo e os
118
deixávamos em arquivos, para que a matéria sobre aquela pessoa pudesse ser feita
de maneira mais rápida. Nos bastidores da redação havia, inclusive, o boato de
que o dono do jornal concorrente havia proibido seus funcionários de fazerem a
preparação antecipada de sua morte. No nosso caso, não posso dizer o mesmo...
5.2.7. Compromisso X Remuneração
Estudos qualitativos que investigaram a formação da identidade do
jornalista, como Travancas (1993) e Ribeiro (1994), apontaram que ser jornalista
não implica apenas em uma opção profissional; trata-se de uma escolha de vida
que cria uma “identidade comum (...), um estilo de vida e visão de mundo
próprios” (Travancas, 1993:84). Segundo Travancas (1993) e Ribeiro (1994), o
jornalista transformou o mundo do trabalho em sua Casa. Ele
faz um investimento afetivo tão grande no emprego que ele se transforma em
Casa (...) e a vida privada do jornalista, relegada a segundo plano transforma-se
em Rua (Ribeiro, 1994:171).
A análise dos autores, que se baseia nas categorias sociológicas
desenvolvidas por Roberto DaMatta, de Casa e Rua59, revela que a Casa
representa o mundo das relações pessoais, “é o lugar da pureza, do controle, da
ordem, frequentada pela Pessoa identificada, onde prevalecem as relações de
favor, de simpatia, de igualitarismo e de afetividade” (Idem, 1994:170)60,
enquanto a Rua representa o lugar das leis impessoais, das regras que valem para
todos, onde somos apenas “anônimos e desgarrados” (DaMatta, 1997:20)61.
Entre os aspectos comuns ao grupo e que dão sentido à vida do jornalista
dentro e fora do mundo do trabalho, está o entendimento de ser esta profissão uma
missão. Uma noção de compromisso, responsabilidade e sacrifício que o
acompanha em todos os momentos da vida. E esta missão é cumprida a partir do
reconhecimento de valores internos reforçados através da aceitação dos pares e da
repercussão dos trabalhos realizados.
59 São categorias que devem ser interpretadas não como um espaço físico e sim como um sistema
classificatório de pensamentos e valores sociais. 60 Interpretação de Jorge Claudio Ribeiro (1994) sobre categoria Casa formulada por Roberto
DaMatta (1997). 61 Para saber mais ver A Casa e a Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil, 1997.
119
Por outro lado, a questão salarial não se apresenta como fator primordial
de reconhecimento de um “bom jornalista”, nem serviu de motivação para a
escolha ou continuidade na profissão. Pelo contrário. Outros tipos de status são
atribuídos ao grupo e mais valorizados em seu reconhecimento. Nesse sentido, o
trabalho do jornalista e o sentido de missão fazem parte do universo do grupo
(Casa), enquanto o salário e o status financeiro como formas de reconhecimento
profissional se afastam do grupo (Rua).
Ainda que os aspectos financeiros não assumam papel relevante nos
discursos de formação do caráter do jornalista, pesquisas62 quantitativas e
qualitativas apontam que o grupo é, em sua maioria, formado por indivíduos das
camadas médias urbanas e que se mantêm nas camadas médias urbanas a partir
desta escolha profissional. Esta manutenção também se dá, entre outros fatores, a
partir de um recorte financeiro.
Críticos da postura jornalística na abordagem sobre aspectos econômicos,
como o jornalista Michael Wolff63, tentam provocar discussões no sentido de
propor que o jornalismo também é uma profissão reconhecida a partir do status
financeiro do profissional. Para Wolff, o custo de formação acadêmica precisa
produzir retorno na vida profissional do jornalista e é possível produzir associação
entre reconhecimento financeiro e “bom jornalismo”.
62 Ver 1. BECKER, Lee B. & VLAD, Tudor. & SIMPSON, Holly Anne. (org.) Annual Survey of
Journalism & Mass Communication Enrollments. Grady College of Journalism & Mass
Communication, University of Georgia, 2013; MICK, Jacques. (coord.) Perfil do jornalista
brasileiro. Características demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012, 2013;
NONATO, Cláudia. & GROHMANN, Rafael. As mudanças no mundo do trabalho do
jornalista, 2013; RIBEIRO, Jorge Claudio. Sempre alerta. Condições e contradições do
trabalho jornalístico, 1994; TRAVANCAS, Isabel. O mundo dos jornalistas, 1993; WEAVER,
David. (org.) The American Journalist in the 21st Century. U.S. News People at the Dawn of
a New Millennium, 2007. 63 WOLFF, Michael. Class Dismissed, 2002. Opinião desenvolvida também no evento acadêmico:
Emily Bell in conversation with Michael Wolff, na Columbia Journalism School, em Nova
York, no ano de 2013.
6. Conclusão
O caminho percorrido para a construção do caráter do jornalista buscou
contemplar as vozes dos interlocutores internos, a partir de entrevistas e também
de materiais com depoimentos e registros de ações do grupo, e, ao mesmo tempo,
agregar a estas vozes novos elementos que, ainda que não reivindicados,
pudessem estar de alguma maneira atrelados ao caráter do jornalista. A relação do
grupo com a “prática” e com a “teoria” ajudou a perceber, apresentar, interpretar e
problematizar a construção do grupo e suas concepções sobre os modos de ser e
fazer jornalismo.
Explicitar as características reivindicadas pelo grupo contribuiu para a
noção de que havia um grupo se formando a partir de critérios que iam sendo
trazidos para junto daquela unidade. Diante de uma ideia de “prática”, foi possível
encontrar elementos que iam se colocando, no discurso do próprio jornalista,
como favoráveis à formação de um grupo.
Detalhar quais eram tais elementos e as definições dos jornalistas,
caracterizando-os como formadores do caráter do grupo colaborou com a
produção de um quadro, de um “tipo ideal” do caráter do jornalista, com fatores
que são, segundo o grupo, identificáveis como componentes e não componentes
dos modos de ser e fazer jornalismo.
Interpretar as escolhas de certos elementos se fez necessária já que, ao
definirem os elementos “práticos” formadores do caráter do jornalista, os
profissionais também estariam descartando, não reivindicando ou ocultando
elementos que poderiam influenciar na formação do grupo. Ao problematizar
estas escolhas, cogitando a possibilidade de interações entre “teoria” e “prática”,
desenha-se um “caráter” do jornalista mais abrangente, que leva em consideração
as escolhas nativas, mas também contempla a possibilidade de relações entre
critérios aparentemente dissonantes na formação do grupo.
O caráter do jornalista não se forma apenas tomando o discurso do nativo
como palavra definitiva e muito sobre ele pode ser revelado também naquilo que
não foi evidenciado em seu discurso. Sendo assim, é importante perceber os
121
elementos selecionados pelo grupo e também aqueles elementos que não se quer
assumir.
Com isso, conhecer os aspectos característicos do grupo propicia a
percepção sobre
as categorias nativas de comportamento e pensamento;
os aspectos não reivindicados que, ainda assim, se relacionam com
o caráter do grupo;
a produção retórica de uma lógica interna e seus impactos nos
modos de ser e fazer jornalismo;
a relação construída com os atributos mais ou menos afastados do
grupo.
Reações: aceitar, contrariar ou dialogar com o caráter do jornalista?
Resgato o aspecto da “Curiosidade”, aquele gerador de questionamento
das escolhas e da construção do caráter do grupo, e me aproprio dele para pensar
como esta tipificação do caráter do jornalista pode causar reações, impactando
instituições, pensadores e demais grupos e lugares que se propõem a lidar com o
jornalista e o jornalismo.
Ou seja, se existe um caráter do jornalista, como lidar com ele? Quais
reflexões são possíveis sobre o impacto deste “tipo ideal”? Como identificar onde
este caráter é aceito, onde é questionado ou criticado e onde poderia ser convidado
a um diálogo, a uma negociação dos elementos “práticos” e “teóricos”? A partir
da construção desse quadro ideal, muitas relações entre as características do grupo
e temas que fazem parte do mundo do jornalista e do jornalismo podem ser
produzidas. Trago, aqui, uma primeira sugestão.
Abordarei um elemento fortemente identificado como teórico: o ensino
universitário, para pensar qual é a postura de universidades, instituições e
intelectuais ligados ao Jornalismo diante das características do caráter do
jornalista. Tendo em vista a intervenção retórica negativa com relação à
universidade, que tipo de reação, que tipo de diálogo é possível estabelecer com o
grupo?
122
Aceitar
A primeira “reação” ao caráter do jornalista será denominada de
“aceitação”, ou seja, de relação com o grupo a partir do acolhimento dos
elementos retóricos reivindicados e denominados “práticos”.
Um exemplo me chega através de um e-mail da Universidade de
Columbia, com convite para que eu me inscreva em um curso de pós-graduação
do Departamento de Jornalismo da universidade. No último parágrafo da
mensagem, aquele que formaliza o convite a conhecer e se inscrever num curso de
pós-graduação da universidade, a impressão final que se quer deixar para o leitor,
me chamou atenção. O parágrafo dizia: “Columbia ensina você a ser um jornalista
- como escrever, como fazer as perguntas críticas, como obter a verdade em suas
reportagens. Mas o que realmente faz com que este seja um lugar especial é a rede
de jornalistas que você encontra aqui, dos professores aos ex-colegas que estão
nas redações de todo o mundo64”.
A valorização de uma “rede”, de um grupo, soa bastante familiar. E, nesse
caso, a universidade deixa como impressão final a ideia de que a justificativa para
a escolha universitária tem relação com o caráter do grupo nos moldes que o
próprio grupo produz e identifica. Ou seja, há por parte da postura da universidade
a valorização das relações do grupo, a partir dos critérios que seus próprios
integrantes selecionaram, os critérios “práticos” que valorizam os aspectos
internos, entre eles a relação e formação do grupo a partir do que aprendem com
os pares, na experiência dentro do próprio grupo.
Outro exemplo de “aceitação” do caráter do jornalista pode ser notado na
apresentação de um modelo de educação jornalística onde os estudantes
aprenderiam no “mundo real”, com experiências semelhantes às de hospitais-
escola. Este modelo, defendido por nomes como Nicholas Lemann, antigo diretor
da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, e Eric Newton,
consultor da Fundação Knight65, propõe que as faculdades de Jornalismo criem
maneiras de proporcionar ao estudante experiências práticas, modos de ensinar
64 Tradução minha do inglês para português. 65 Fundação contribui com programas e iniciativas relacionadas a inovações na área do jornalismo.
Para saber mais, ver: www.knightfoundation.org
123
que sejam semelhantes à maneira como estudantes de medicina aprendem sobre
sua profissão66.
Este modelo que, segundo seus defensores, ajudaria o ensino de jornalismo
a se reinventar e agir diante da possibilidade de se tornar desnecessário, utilizaria
a própria comunidade como lugar de pesquisa e ferramentas digitais para registrar
as informações recolhidas. Ao tentar corresponder de modo mais explícito às
experiências do mundo real, cria-se uma aproximação com o caráter do jornalista,
na forma retórica do grupo, a partir da expectativa de chegar o mais próximo
possível da “realidade profunda” (Baudrillard, 1991:13)67.
Utilizando o ambiente local, a rua, a comunidade para as experiências
práticas, o ensino acadêmico proporcionaria uma relação de “proximidade
extrema” com o real, não precisando mencionar e preparar o estudante para
possíveis situações, por já estar diante delas, ainda que em sentido experimental.
A simulação do real no mundo real seria como a realização de uma peça teatral
onde o ensaio seria mais parecido com uma estreia fechada para convidados, onde
é permitido errar, mas as atuações já são para valer e já não é possível propor
alterações para o cenário.
As universidades brasileiras também apresentam “aceitações” ao caráter
do jornalista tal qual o grupo o reivindica, por exemplo, através das escolhas de
disciplinas que serão oferecidas ao longo do curso de Jornalismo. Segundo a
pesquisa “Análise das matrizes curriculares dos cursos de Comunicação com
habilitação em Jornalismo no Brasil: um retrato da realidade nacional”, divulgada
em 2012, a escolha e organização de disciplinas produz um desequilíbrio entre
disciplinas que estimulam compreensão e conhecimentos (teoria) e disciplinas de
aplicação e avaliação de habilidades jornalísticas (prática).
A pesquisa revela que disciplinas tidas como teóricas, definidas na
pesquisa como disciplinas de Conhecimento e Compreensão68, possuem carga
66 Artigo de Eric Newton Back to school: the evolution of Journalism Education, 2012. 67 Argumento foi desenvolvido no capítulo 5 no item “5.2.1 Local de trabalho, ambiente interno X
Universidade e ambiente externo”. 68 As pesquisadoras citam uma série de disciplinas que consideram teóricas, cujos conteúdos
abordam “a história da profissão; a história da comunicação e de suas interfaces culturais; os
conhecimentos teóricos da área de comunicação; as políticas voltadas para a comunicação (...) [e]
124
horária menor que as disciplinas práticas, definidas como de Aplicação e
Análise/Avaliação. Segundo as autoras, em todas as regiões do Brasil, há uma
estrutura curricular mais voltada aos conteúdos práticos o que, segundo elas,
diminui o espaço “para a reflexão dos processos comunicacionais” (Bernardo &
Leão, 2012:269).
Na região Sudeste, região com mais cursos de jornalismo no Brasil e onde
atuam ou atuaram os jornalistas entrevistados para esta pesquisa, foram analisadas
55 estruturas curriculares:
Da média de 2760 horas-aula, são destinadas aos conteúdos teóricos apenas 640
horas-aula; mais 310 horas-aula para o Projeto Experimental e 1810 horas-aula
para as disciplinas práticas (Idem, 2012:268).
Além disso, o estudo propõe uma reflexão acerca de como esta
desigualdade entre as disciplinas práticas e teóricas afeta o intercâmbio entre elas.
Há, portanto, nesta desigualdade de forças entre as disciplinas, uma dificuldade de
inter-relação entre conteúdos práticos e teóricos, em virtude tanto da
predominância do foco nos critérios práticos para a formação do jornalista quanto
em razão da falta de uma interação entre os conteúdos que contribuísse para uma
relação mais equilibrada e de interação entre teoria e prática.
Contrariar
Um outro cenário, bastante diferente, poderia ser construído a partir do
caráter do jornalista, já que não faltam críticas ao “tipo ideal” que representa o
grupo. Dentre as vozes que criticam este modelo de apresentação do grupo, está
Jay Rosen69, que propõe revisões naquilo que configura sentido ao grupo. Rosen
defende um movimento por um “novo jornalismo”, o “jornalismo público” ou
aspectos políticos, econômicos, históricos e culturais da sociedade em que a profissão se
desenvolve”, em contraposição às disciplinas práticas, que são aquelas “de caráter
profissionalizante e, portanto, mais prático” (Bernardo & Leão, 2012:260,261). 69 Autor de textos acadêmicos, entre eles o livro What are journalists for? (1999a), e criador do
blog Press Think, um projeto do Instituto de Jornalismo Arthur L. Carter, na New York University
(NYU), Jay Rosen tenta atualizar o debate sobre a importância do jornalismo, seu impacto na
sociedade e as mudanças na área. Rosen é professor de Jornalismo na New York University e
defensor do “jornalismo público”, um movimento que confere ao jornalista a responsabilidade de
promover e desenvolver a qualidade da vida pública. Para o professor, mais do que informar, o
jornalista precisa atuar de modo a fazer do jornal um lugar de debate dos temas da comunidade.
Nesse caso, mais do que descrever fatos, o jornalista usaria o jornal como plataforma de discussões
de temas relativos à população local, dando espaço para que estes atores também sejam tema e
vozes dentro das próprias matérias.
125
“jornalismo cívico”, onde o trabalho jornalístico renovaria o seu sentido e
relevância, ao servir como caminho de melhoria da vida cívica, sendo espaço para
debate dos temas da comunidade.
No caso, contrariando o caráter do grupo, o jornalista precisaria organizar
seu sentido de grupo no compromisso com a sociedade. A relação de fora
(sociedade) para dentro (grupo) é defendida por Rosen, já que, segundo ele, a
profissão existe para servir aos cidadãos e, antes de tudo, em razão de o jornalista
se perceber primeiramente como cidadão. Portanto, a identidade do jornalista
deveria estar ligada primeiramente à sua identidade cívica. É o sentido cívico que
incita o cidadão a se tornar jornalista.
Nesse sentido, os jornalistas não formariam seu caráter se diferenciando
dos demais ou a partir de uma lógica interna; pelo contrário, escolhem a profissão
por pertencerem a uma comunidade e por entenderem que o trabalho jornalístico
precisa existir com e em relação a esta comunidade70. O jornalista e o jornal
atuariam como parte da comunidade, se vendo como comunidade, sendo um
espaço de debate para a comunidade.
Tendo em vista que o jornalista existe para a comunidade71, ele deve
ajudar no empoderamento desta comunidade, deve mostrar para as pessoas toda
sua “capacidade cidadã” (Rosen, 1999a:50). Para tal, todas as formas de conectar
a população com a vida pública são bem-vindas. Entre elas, o relacionamento com
outros ambientes, profissionais e pensamentos precisam adquirir espaço no
trabalho jornalístico. Novamente, o caráter do grupo, que procura afastar outros
70 O relevante a destacar no argumento do autor é a possibilidade de o caráter do jornalista ser
construído por meio de caminho inverso àquele retoricamente produzido. Há uma crítica ao
modelo de construção do grupo e aos seus modos de ser e fazer jornalismo reforçada pela falta de
postura e de posicionamento por um “jornalismo público”. Ressalto que o debate sobre
“jornalismo público”, que serviu para exemplificar um outro enfoque para se pensar sobre o papel
do jornalista e do jornalismo, é bem mais profundo que o apresentado. Ele serve apenas para
mostrar que existem reações críticas ao modo como o grupo se percebe e a sua relevância social.
Para discussão mais ampla, ver What are journalists for? (1999), e The Idea of Public
Journalism (1999). 71 O autor usa o termo “comunidade” para mostrar a quem o jornalista deve se dirigir e entende
que o termo “público” teve seu sentido esvaziado. Para Jay Rosen, a ideia de “público” foi sendo
dissolvida na imaginação dos jornalistas e com ela o compromisso de se estar falando e
representando um “público”. A abstração da ideia de público está entre os fatores que revelam a
crise no jornalismo e a falta de comprometimento e de relação com a “comunidade” e suas
demandas.
126
profissionais, o ambiente acadêmico e o público em geral de seu sentido de grupo,
precisaria ser reformulado.
O jornalista não pode achar que é
melhor informado, que sabe mais que os outros, que têm acesso aos melhores
fatos e os melhores insights. Essa é uma tendência que representa a pior
expectativa com relação ao público (Rosen, 1999a:70,71)72.
Críticas à postura e ao papel social do jornalista também estão presentes no
Brasil. Entre elas, a preocupação com o lugar do jornalista na sociedade
contemporânea, já que a função e relevância do profissional como mediador entre
público e informação tropeçam em ferramentas da cibercultura que podem
destituir o jornalista da posição protagonista de produção e divulgação dos fatos.
Segundo Muniz Sodré,
já não é nenhuma novidade dizer que a era eletrônica, com a internet à frente,
pôs em crise a identidade corporativa do profissional de imprensa. Blogs e
twitters estão aí para demonstrar que qualquer indivíduo, munido de computador
e devidamente "antenado", é, no mínimo, um "protojornalista", isto é, uma fonte
de informação ou de opinião conversível em discurso social (Sodré, 2010).
Para Sodré, o jornalista precisa restabelecer sua função social e ser
reconhecido como uma voz necessária neste novo contexto cercado por novos
canais de informação e “protojornalistas”. Este reconhecimento, segundo o autor,
passa pelo fortalecimento do compromisso do jornalista com a clareza dos fatos e,
principalmente, pela percepção pública de quão imprescindível é esta
responsabilidade. Nesse sentido, o jornalista precisa apresentar ao público sua
importância e fazer com que ele compreenda a relevância de sua existência.
Assim, o grupo possui seus atributos internos que os diferenciam dos demais
indivíduos, mas precisa que estes indivíduos afirmem que sua atuação enquanto
referência informativa continua fazendo sentido.
Dialogar
Há, ainda, uma postura mais “diplomática” de lidar com o caráter do
jornalista, que tenta promover encontros entre os aspectos “práticos” e “teóricos”
72 Tradução minha do inglês para português.
127
do grupo. São iniciativas acadêmicas que tentam desfazer a separação rígida entre
estes dois aspectos através de projetos que trazem os jornalistas de volta à
universidade.
Estas tentativas buscam renovar a relação com o profissional que se
descola do ensino acadêmico e reconhece de maneira tímida sua relevância na
vida “prática”, ao propor que, no retorno deste profissional ao seu trabalho, a
participação acadêmica possa ser percebida e reivindicada como relevante na
formação do caráter do grupo.
Um destes projetos, organizado pela Fundação Nieman73, na Universidade
de Harvard, oferece bolsas de estudos para que jornalistas passem um ano na
universidade desenvolvendo projetos para a melhoria do jornalismo. Pesquisas,
plataformas online, projetos de design e programação, estratégias de negócios são
algumas das opções de trabalhos a serem desenvolvidos. A intenção do projeto,
que já recebeu mais de mil e quatrocentos profissionais norte-americanos e
estrangeiros, é oferecer espaço, tempo e recursos acadêmicos para que o jornalista
possa elaborar iniciativas e, posteriormente, aplicá-las em sua prática jornalística.
Durante o período em que o jornalista se dedica a desenvolver seu projeto
ele também tem acesso a cursar disciplinas e participar de seminários,
conferências e premiações. Esta relação renovada com o ambiente acadêmico faz
com que este profissional retorne à sua prática cotidiana sendo influenciado pelo
ambiente acadêmico, renovando os laços com a universidade.
A fundação também possui a plataforma NiemanLab74, que atualiza
diariamente discussões nacionais e internacionais sobre o jornalismo a partir de
temáticas como modelos de negócios; aplicativos e iniciativas virtuais; debates
sociais e públicos; novas iniciativas; apurações, histórias e produções jornalísticas
73 www.nieman.harvard.edu 74 A plataforma NiemanLab é responsável por atualizar discussões sobre o jornalismo em seu
website, via twitter e através de boletins enviados para os endereços eletrônicos de jornalistas e
demais interessados. Este boletim é bastante popular entre os jornalistas norte-americanos. Muitos
jornalistas que entrevistei me aconselharam a acompanhar o NiemanLab (www.niemanlab.org).
128
com a finalidade de manter contato constante os jornalistas, ex-bolsistas ou não,
através das discussões que se aproximam do cotidiano da profissão75.
Outra iniciativa de trabalho que busca estreitar a relação entre “teoria” e
“prática”, contando mais uma vez com a participação do jornalista e do ensino
acadêmico, é realizada pelo Instituto Poynter, que se dedica a promover
discussões sobre a prática jornalística através de aulas, cursos, palestras, eventos
presenciais e virtuais.
Jornalistas e futuros jornalistas, que assistem aulas organizadas tanto em
um campus universitário quanto em plataformas virtuais ou em redações de
jornais, têm como disciplina a discussão sobre suas práticas. A “temática
acadêmica” do instituto se refere ao trabalho do jornalista, ao profissional que
“produz, edita, reporta, escreve, fotografa e programa”76. Com isso, a “prática”
(trabalho do jornalista) é trazida para dentro da “teoria” (ensino acadêmico) a
partir do momento em que elementos do cotidiano do profissional são
transformados em disciplina, em tema a ser desenvolvido em ambiente
acadêmico.
O que se pode notar a partir destes exemplos é que o encontro entre a
“teoria”, no caso, o ensino acadêmico, e a “prática”, no caso, o trabalho
jornalístico cotidiano, pode renovar a relação do jornalista com seu caráter e
reconstruir a relação entre elementos aparentemente dissonantes.
Em comum, estas três maneiras de “reagir” ao caráter do jornalista
mostram que identificar aspectos da construção do grupo é ter elementos para
interagir com ele. Com isso, conclui-se que conhecer as características do grupo
contribui para o tipo de relação que se deseja estabelecer, seja ela mais ou menos
permissiva ao caráter. O momento atual incita reflexões sobre o caráter do
jornalista e, principalmente, reações.
75 Outras instituições universitárias e organizações elaboram, divulgam e financiam iniciativas que
possam contribuir com o futuro do jornalismo. Indico também o trabalho realizado pela Fundação
Knight (www.knightfoudantion.org), que financia projetos de inovação no jornalismo e conta com
a participação de docentes e universidades para desenvolver e divulgar os projetos. 76 Trecho retirado do site do instituto www.poynter.org.br
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WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais. In: COHN,
Gabriel. (org.). Sociologia. Max Weber. São Paulo, Editora Ática, 1999.
______________ A neutralidade axiológica nas Ciências Sociais. In: Ensaios
sobre a teoria das Ciências Sociais. São Paulo, Editora Moraes, 1991.
______________ Classe, estamento, partido. In: GERTH, Hans e MILLS, Wright
(Org.). Max Weber - Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1974.
WOLFF, Michael. Class Dismissed. New York Magazine (versão online), New
York, Setembro de 2002.
ZELIZER, Barbie. Covering the body: The Kennedy assassination, the media,
and the shaping of collective memory. Chicago & London, University of
Chicago Press, 1992.
8. Anexos
140
Anexo I – Questionário (Qualificação)
“Este questionário tem como objetivo captar o que é fazer jornalismo e o que é ser
jornalista. Suas informações são muito importantes, portanto, diga aquilo que
pensa sobre a profissão. Nenhuma informação pessoal será divulgada. O
QUESTIONÁRIO É CONFIDENCIAL”.
1) Em que ano você nasceu?
2) Onde nasceu?
3) Me fale sobre sua família: onde morava?
4) Com quem?
5) Como foi a sua infância: o que lembra sobre sua escola, família, viagens.
6) Aonde seus pais trabalhavam, sua situação financeira.
7) Da infância, o que lembra dos meios de comunicação?
8) O que lembra sobre jornalismo?
9) De onde veio sua primeira percepção sobre o jornalismo: TV, Rádio, jornal?
Fale sobre isso.
10) Você lembra quantos anos você tinha?
11) Na sua adolescência, qual era a percepção sobre o jornalismo?
12) Com que referências tinha esta percepção? De onde vinha a imagem do que
era fazer jornalismo?
13) Com quais elementos você decidiu fazer jornalismo? (Caso não tenha cursado
a universidade, com quais elementos optou pela profissão)
14) Que opiniões você escutou quando revelou que iria fazer jornalismo? O que
seus pais, familiares, amigos acharam dessa escolha?
15) Aonde e como você achava que iria atuar?
16) Descreva o que você pensava sobre a profissão, sobre o modelo que tinha
sobre o modo de atuação.
17) Durante o período acadêmico o que mudou na sua percepção?
18) O que não mudou?
19) O que foi acrescentado?
20) Fale um pouco sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que
matérias mais te agradaram, quais foram úteis para sua vida profissional, etc.
21) Comente suas experiências de estágio: o que aprendeu; as diferenças que
percebeu entre a teoria e a prática.
22) De que maneira conseguiu estes estágios: indicação, sites, anúncios ou algum
outro tipo de seleção...
23) Dizem que no jornalismo a maioria das vagas é conseguida através de
indicações. Você concorda?
141
24) Acha que é peculiar ao jornalismo?
25) Me conte sobre a fase final da faculdade, qual eram as suas expectativas? O
que você estava fazendo nesta época?
26) Comente suas experiências profissionais: aonde foram, quais funções...
27) Fazendo um retrospecto, o que mudou na sua percepção sobre o jornalismo?
Ou seja, pense desde a fase de criança até os dias de hoje e faça uma análise.
28) O que é ser jornalista?
29) O que é fazer jornalismo?
30) Em que ano você se formou?
31) Você acha que sua impressão pessoal sobre o jornalismo pode ser uma
percepção geral? Ou seja, demais jornalistas com diferentes faixas etárias,
funções, formações pensam de modo semelhante?
32) Comente seu convívio com outras gerações de profissionais.
33) Há diferenças de opinião entre as gerações?
34) Há quanto tempo você trabalha na profissão?
35) Há algo que identifique um jornalista, características que podemos encontrar
em qualquer profissional, seja qual for a geração?
36) Há algo que identifique jornalistas em diferentes sociedades? Há traços
comuns?
37) Pense naqueles que não são da área, o que escuta sobre o que é ser jornalista?
38) Como o jornalista é retratado na ficção: filmes, livros, teatros, novelas?
39) Na sua opinião, existe algum perfil típico de jornalista? Modo de vestir, classe
social, aparência, personalidade? Há algo que identifique alguém como jornalista?
40) Fale um pouco sobre o que é, na sua visão:
a) Imparcialidade:
b) Ética no jornalismo:
c) busca pela verdade:
d) anonimato da fonte:
41) Comente a relação entre jornalismo e publicidade.
42) Para você, jornalista é um investigador, um descritor, um transformador
social, um intelectual, um fiscalizador? Por quê?
43) Para que serve o Manual de Redação? Você o utiliza? Com qual freqüência?
Em que momentos?
44) Qual é o papel do jornalista?
45) Como você busca ser imparcial?
46) Me explique como funciona seu ambiente de trabalho (redação de jornal, TV,
revista, mídia eletrônica, entre outros). Imagine que o leitor não é jornalista e não
sabe como funciona seu local de trabalho. Fale sobre todos os momentos, desde a
decisão de pauta até a divulgação das notícias.
142
47) Caso queira, deixe comentários finais sobre sua opinião sobre o tema: “O que
é fazer jornalismo? O que é ser jornalista?”
Questionário – Jornalistas (Anexo II)
“Este questionário tem como objetivo coletar opiniões de jornalistas brasileiros
sobre o papel do jornalista e do jornalismo, sua opinião sobre o que significa ser
jornalista e faz jornalismo. Toda informação fornecida será confidencial e
utilizada apenas para a pesquisa acadêmica”.
Infância e Família
1) Em que ano você nasceu?
2) Onde nasceu?
3) Me fale sobre sua família: onde morava? Com quem?
4) Como foi a sua infância: o que lembra sobre sua escola, família, viagens.
5) Aonde seus pais trabalhavam, sua situação financeira.
6) Da infância, o que lembra dos meios de comunicação?
7) O que lembra sobre jornalismo?
8) De onde veio sua primeira percepção sobre o jornalismo: TV, Rádio, jornal?
Fale sobre isso. Você lembra quantos anos você tinha?
Adolescência – Período pré-universitário
9) Na sua adolescência, qual era a percepção sobre o jornalismo?
10) Com que referências tinha esta percepção? De onde vinha a imagem do que
era fazer jornalismo?
11) Com quais elementos você decidiu fazer jornalismo? (Caso não tenha cursado
a universidade, com quais elementos optou pela profissão)
12) Que opiniões você escutou quando revelou que iria fazer jornalismo? O que
seus pais, familiares, amigos acharam dessa escolha?
13) Aonde e como você achava que iria atuar?
14) Descreva o que você pensava sobre a profissão, sobre o modelo que tinha
sobre o modo de atuação.
Período acadêmico
15) Durante o período acadêmico o que mudou na sua percepção?
143
16) O que não mudou?
17) O que foi acrescentado? O que foi novo para você?
18) Fale um pouco sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que
matérias mais te agradaram, quais foram úteis para sua vida profissional, etc.
19) Comente suas experiências de estágio: o que aprendeu; as diferenças que
percebeu entre a teoria e a prática.
20) De que maneira conseguiu estes estágios: indicação, sites, anúncios ou algum
outro tipo de seleção?
21) Comente suas experiências como estagiário. Há diferenças entre a teoria
acadêmica e a prática profissional?
22) Em que ano você se formou?
23) Me conte sobre a fase final da faculdade, qual eram as suas expectativas? O
que você estava fazendo nesta época?
Período Profissional
24) Comente suas experiências profissionais: onde foram, quais funções?
25) Fazendo um retrospecto, o que mudou na sua percepção sobre o jornalismo?
Ou seja, pense desde a fase de criança até os dias de hoje e faça uma análise.
26) Na sua opinião, o que é ser jornalista?
27) Na sua opinião, o que é fazer jornalismo?
28) Você acha que sua impressão pessoal sobre o jornalismo pode ser uma
percepção geral? Ou seja, demais jornalistas com diferentes faixas etárias,
funções, formações pensam de modo semelhante?
30) Comente seu convívio com outras gerações de profissionais. Pense sobre o
modo como eles enxergam a profissão e a maneira como trabalham.
31) Você acha que a opinião de jornalistas de outras gerações sobre ser jornalistas
e fazer jornalismo são parecidas ou diferentes da sua? Por quê?
32) Existe alguma característica que pode ser encontrada em qualquer jornalista?
33) É comum ouvir que jornalistas são contratados através de indicações ou
recomendações. Você concorda com isso?
34) Você acha que esta maneira de conseguir emprego é mais comum no
jornalismo que em outras carreiras?
Informações Gerais
144
35) Pense naqueles que não são jornalistas, qual é a ideia destas pessoas sobre o
jornalista e sua atividade?
36) Como os jornalistas são retratados na ficção? Em novelas, filmes, séries de
TV, etc.
37) Na sua opinião, existe algum perfil típico de jornalista? Há algo que
identifique alguém como jornalista pelo seu
- Modo de vestir
-classe social
- aparência
- personalidade?
38) Fale um pouco sobre o que é, na sua visão:
a) Imparcialidade:
b) Ética no jornalismo:
c) busca pela verdade:
d) anonimato da fonte:
39) Comente a relação entre jornalismo e publicidade.
40) Para você, jornalista é um investigador, um descritor, um transformador
social, um intelectual, um fiscalizador? Por quê?
41) Para que serve o Manual de Redação? Você o utiliza? Com qual frequência?
Em que momentos?
42) Qual é o papel do jornalista?
43) Como você busca ser imparcial?
Comentários Finais
44) Me explique como funciona o seu trabalho, como você o descreveria.
45) Descreva o seu dia de trabalho.
46) O que faz de alguém um bom jornalista?
47) Algum comentário final? Há algo sobre o que entende que é fazer jornalismo
e ser jornalista que gostaria de adicionar, que não foi perguntado?
145
Journalist`s Questionnaire (Anexo III)
“This questionnaire is intended to collect U.S. journalists´ views on the role of
journalism and journalists, your opinion about what means to be a journalist and
do journalism. All the personal information you provide will be kept confidential
and will only be used for research purposes.”
Childhood and Family
1) Year of birth
2) Place of birth
3) Who did you live with? Where did you live at that time? Your city, state
and country.
4) What memories do you have from childhood related to the situation of
your family, school(s), and community(ies)?
5) What were your parents’ professions? What was their general economic
situation?
6) What memories do you have of media?
7) What memories do you have related to Journalism?
8) In which medium did you have your first Journalism perception from (TV,
Radio, newspaper, other)? How old were you then?
Teenage period – pre-university
9) As a teenager, what was your perception of Journalism?
10) What were your journalistic references at that time? How did you build a
perception about what Journalism was?
11) Which factors made you think about studying Journalism?
12) What feedback did you get when you mentioned that you were considering
studying Journalism? Who gave those opinions: family, friends?
13) Where and how did you imagine yourself working?
14) Describe your thoughts about the profession in your teen years.
University period
15) During the academic period did your perception of Journalism changed? If
so, how?
16) And what didn´t change in your perception of Journalism?
17) What did you learn about Journalism during university period that was
new for you?
18) What did you learn from the courses you took? Which courses were good?
Why were those courses good? Which courses were useful for your
professional life?
19) Did you have an internship experience? In what kind of media? For how
long?
20) How did you get the internship(s) (websites, indication, etc) ?
21) What did you learn as a journalism intern? Were there any differences
between academic theory and professional practice?
146
22) In which year did you graduate?
23) What were your expectations then?
Professional Experience
24) What professional experience have you had so far?
25) Thinking of the beginning of your professional career, what has changed in
your perception about Journalism?
26) In your opinion, what does it mean “to be a journalist”?
27) In your opinion, what does it mean “to do journalism”?
28) Do you think your personal perception about being a Journalist is just
personal or is it a general perception shared by other colleagues?
29) Tell me about your relationship with your colleagues from different
generations. Think about the way they see the profession and how they
work.
30) Do you think their opinions about being a journalist and their practices are
similar or different from yours? Why?
31) Are there any characteristics that can be found in all journalists? Even
journalists from different generations?
32) Are there any characteristics that are shared by journalists across other
societies?
33) It is common to hear that most journalist jobs are achieved by indications
or recommendations. Do you agree with that?
34) Do you think this way of achieving jobs is something that is more common
in the field of Journalism than in others fields?
General information
35) Thinking about people that are not journalists, what are their ideas about
journalists and their activities?
36) How are journalists depicted in fiction? Movies, novels, TV Series…
37) In your opinion is there a typical journalist personality or pattern?
- Social Class
- Appearance
- Dress code
- Personality
38) What do you understand by the phrases:
- Impartiality
- Journalistic Ethics
- Search for the truth
- Anonymous Sources
39) What do you think about the relationship between Media and Public
Relations?
40) In your opinion, are journalists investigators, describers, social changers,
intellectuals, watchdogs? Why?
41) In the case of your work place, how is the Journalism Handbook used? Do
you use it? In which occasion? How often?
42) What is the function, the role of a journalist?
43) How do you seek to be impartial?
147
Final comments
44) If you were to explain your job, how would you describe it?
45) Please, describe a typical day in your current job.
46) What makes someone a good journalist?
47) Any other comments? Would you like to talk about something that I didn’t
ask and you think it is important to add?