147
Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista: encontros e desencontros entre teoria e prática Tese de Doutorado Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Valter Sinder Rio de Janeiro Novembro de 2014

Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Amanda Costa Reis de Siqueira

O caráter do jornalista: encontros e desencontros entre teoria e prática

Tese de Doutorado

Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Orientador: Prof. Valter Sinder

Rio de Janeiro Novembro de 2014

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 2: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Amanda Costa Reis de Siqueira

O caráter do jornalista: encontros e desencontros entre teoria e prática

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Valter Sinder Orientador

Departamento de Ciências Sociais/PUC-Rio

Profa. Isabel Siqueira Travancas UNIRIO

Profa. Maria Claudia Pereira Coelho UERJ

Prof. Roberto Augusto DaMatta Departamento de Ciências Sociais/PUC-Rio

Prof. Ronaldo Oliveira de Castro UERJ

Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro

de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2014

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 3: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução

total ou parcial do trabalho sem autorização da

universidade, da autora e do orientador.

Amanda Costa Reis de Siqueira

Graduou-se em Comunicação Social, com Habilitação

em Jornalismo pelas Faculdades Integradas Hélio

Alonso em 2004. Cursou a Pós-Graduação (Latu-

Sensu) em Sociologia, Política e Cultura pela PUC-

RIO em 2005. Cursou Mestrado em Sociologia,

Política e Cultura em linha de pesquisa de

Diversidades Culturais pela PUC-RIO em 2008.

Cursou Doutorado em Ciências Sociais em linha de

pesquisa de Diversidades Culturais pela PUC-RIO em

2014.

Ficha Catalográfica

CDD: 300

Siqueira, Amanda Costa Reis de O caráter do jornalista: encontros e desencontros entre teoria e prática / Amanda Costa Reis de Siqueira ; orientador: Valter Sinder.– 2014. 147 f. : il. (color.) ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Ciências Sociais, 2014. Inclui bibliografia 1. Ciências Sociais – Teses. 2. Jornalismo. 3. Caráter. 4. Identidade. 5. Papel social. I. Sinder, Valter II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Ciências Sociais. III. Título.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 4: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Agradecimentos

Ao meu marido, Matheus, meu companheiro de todas as horas, que me incentivou

nas etapas de minha vida acadêmica, seguiu comigo para os Estados Unidos e

cuidou de mim nos momentos difíceis. Esta tese é pra você.

À minha mãe, Liliane. Simplesmente a melhor mãe do mundo.

Aos meus irmãos Larissa e Igor pela união e amor que só os irmãos podem sentir.

Ao meu padrasto, Ricardo, pela inspiração. Serei, um dia, uma professora tão boa

quanto você.

À minha vó, Yara. Vózinha querida com quem aprendi muitas receitas para

nossos almoços de domingo.

Aos tios Eveline e Zé Luís, Lida e Davi, Lenice e Ademar e ao meu tio Mano (in

memorian).

Aos meus primos queridos Babi, Nando, Renata, Mariana, Marina, Bia, Laura,

Dudu, Sofia e Leticia.

A todos os meus amigos, principalmente Helena, Max e Glenda pelo

companheirismo de anos.

Aos funcionários e colegas do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RIO

com quem convivi nos tempos de Especialização, Mestrado e Doutorado.

Aos professores do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RIO Angela Paiva,

Eduardo Raposo, Maria Alice Rezende de Carvalho, Maria Celina D’Araújo,

Maria Sarah da Silva Telles, Marcelo Burgos, Paulo Jorge Ribeiro, Paulo D’ávila,

Ricardo Ismael, Sônia Giacomini, Santuza Cambraia (in memorian) pelas aulas e

convivência acadêmica fundamentais à minha formação.

À secretária do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RIO, Ana Roxo.

Obrigada, Anita!

À professora Janet Sternberg pela contribuição acadêmica e receptividade durante

meu Doutorado Sanduíche no Departamento de Mídia da Fordham University.

Ao professor Michael Schudson (Columbia University) pelo encontro acadêmico

e indicações bibliográficas para minha pesquisa.

Ao professor Rodney Benson (NYU) pelo encontro acadêmico e indicações

bibliográficas para minha pesquisa.

À professora Isabel Travancas pelas sugestões dadas na Qualificação e pela

presença em minha Banca de Doutorado.

Aos professores Maria Claudia Coelho e Ronaldo Oliveira de Castro pela

participação em minha Banca de Doutorado.

À Comissão Capes/Fulbright pela bolsa de doutorado sanduíche.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 5: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

À PUC-RIO pela bolsa de doutorado.

A todos os jornalistas que contribuíram com esta pesquisa, no Brasil e nos Estados

Unidos.

Ao professor Roberto DaMatta, meu orientador de Mestrado, professor no

Mestrado e Doutorado e membro em minha Banca de Doutorado. Obrigada pelo

incentivo acadêmico e pelo privilégio de poder conviver de perto com um dos

intelectuais mais importantes do país.

Ao professor Valter Sinder, meu orientador de Doutorado e professor durante

minha formação de Mestrado e Doutorado. Obrigada por suas orientações, pelo

incentivo acadêmico e por acreditar neste trabalho.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 6: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Resumo

Siqueira, Amanda Costa Reis de, Sinder, Valter. O caráter do jornalista:

encontros e desencontros entre teoria e prática. Rio de Janeiro, 2014.

147p. Tese de Doutorado - Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O presente trabalho tem por objetivo interpretar o que significa ser e fazer

jornalismo a partir da construção do “caráter” do jornalista. O “caráter” contempla

a identificação dos valores comuns aos profissionais (ser) e também ações,

comportamentos, atitudes que são compartilhadas e tidas como peculiares ao

grupo (fazer). A construção do caráter do jornalista também busca estabelecer a

relação destas identificações com o que o grupo define como “teoria” e “prática”.

A pesquisa realizada através de entrevistas com jornalistas brasileiros e norte-

americanos, além de outras fontes, busca criar um perfil ideal do jornalista através

da definição dos atributos mais ou menos valorizados para a formação do

“caráter” do grupo. Sob esta perspectiva, evidencia-se que este “caráter” se

reconhece nos elementos selecionados enquanto “práticos”, em oposição àqueles

entendidos como “teóricos”. Mas ainda que o “caráter” do jornalista esteja

ancorado em uma ideia de “prática”, o trabalho também busca problematizar esta

autoimagem e autonarrativa tendo em vista que os aspectos menos reivindicados

também podem estar presentes na formação do “caráter” grupo, desconstruindo a

separação entre “teoria” e “prática” na formação do caráter do jornalista.

Palavras-chave

Jornalismo; caráter, identidade; papel social.

.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 7: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Abstract

Siqueira, Amanda Costa Reis de, Sinder, Valter. (Advisor) The character

of the journalist: similarities and differences between theory and

practice. Rio de Janeiro, 2014. 147p. PhD. Thesis. Departament of Social

Sciences, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This study examines the meaning of being and doing journalism, based on

the construction of the “character” of journalists. The “character” includes

identifying values shared by journalists (being), as well as actions, behaviors and

attitudes that are shared and taken as peculiar to the group (doing). It also intends

to establish the relation between such identifications and what the group defines

as “theory” and “practice”. Based on interviews with Brazilian and American

journalists, as well as on other sources examined, it tries to form an ideal type

using the definitions of the attributes most and least valued in building the

journalist’s character. According to such perspective, the study shows that the

character recognizes the elements deemed “practical”, as opposed to those

considered “theoretical”. Although the journalist’s character is attached to an idea

of “practice”, the study also questions the self-image and the self-narrative found

in the group, taking into account that the elements least valued may also be found

in the construction of the group’s character, and the arguable separation between

theory and practice in the formation of the journalist’s character.

Keywords

Journalism; character; identity; social role.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 8: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Sumário

1. Introdução 11 2. O caráter do jornalista 16

2.1. Caráter 17 2.2. Ser e fazer jornalismo: dois eixos do caráter 20 2.3. Elementos de construção do caráter 21 2.4. Entrevistando entrevistadores: em busca de um recorte do “caráter” do jornalista 24 2.5. Profissionais do jornal impresso 26 2.6. O questionário (Anexo I) 28 2.7. Informações obtidas a partir do questionário: os traços incomuns 30 2.8. Informações obtidas a partir do questionário: os traços comuns 37 2.9. A importância dos traços comuns: encontrando um recorte para o “caráter” 43

3. O caráter do jornalista: as entrevistas 46

3.1. As entrevistas 46 3.2. Brasil e Estados Unidos: existe um traço do caráter que ultrapasse

fronteiras? 48 3.2.1. Rio de Janeiro e Nova York 52

3.3. As entrevistas e o perfil do jornalista 54 3.4. Aprimorando o questionário (Anexo II e III) 57

3.4.1. Modificações no questionário 59 3.5. Análise dos discursos: traços do caráter a partir dos questionários 63

3.5.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade, ambientes externos 63 3.5.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico 65 3.5.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação 66 3.5.4. Talento para escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e pertencimento a uma classe social 68 3.5.5. Grupo de jornalistas X Público geral, senso comum, sociedade 69 3.5.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado 70 3.5.7. Compromisso x Remuneração 71 3.5.8. Curiosidade 72

4. O caráter do jornalista: outras fontes 76 4.1. Outras fontes 76 4.2. As fontes 79

4.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo 80 4.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico 83 4.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação 85 4.2.4. Talento para escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social 87 4.2.5. Grupo de jornalistas X Público geral, senso comum, sociedade 90

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 9: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

4.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado 93 4.2.7. Compromisso X Remuneração 95 4.2.8. Curiosidade 97

5. Encontros e desencontros entre teoria e prática 101

5.1. Relativizando o discurso do nativo 101 5.2. Encontros e desencontros 103

5.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo 104 5.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico 108 5.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação 110 5.2.4. Talento para a escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social 111 5.2.5. Grupo de jornalistas x Público geral, senso comum, sociedade 112 5.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado 116 5.2.7. Compromisso X Remuneração 118

6. Conclusão 120 7. Referências Bibliográficas 129 8. Anexos 139

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 10: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

Lista de quadros Quadro 1: Comparativo das dimensões analisadas 37 Quadro 2: Comparativo inicial dos fatores que representam e não representam o “caráter do jornalista 43 Quadro 3: Perfil dos jornalistas entrevistados 57 Quadro 4: comparativo final dos fatores que representam e não representam o “caráter do jornalista 100

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 11: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

1. Introdução

Afinal, o que significa ser jornalista e fazer jornalismo? Estas perguntas

foram feitas primeiramente a mim mesma, ainda nos tempos de graduação,

durante a faculdade de Jornalismo. E, mesmo após os anos acadêmicos, são

questões que continuam presentes.

Fazendo uma avaliação sobre as ideias que possuía da profissão,

identifiquei que elas foram se modificando ao longo dos anos, que novas

características foram acrescentadas e outras, ainda, modificadas. E tanto as

mudanças em minha vida pessoal quantos os novos acessos que tinha a recursos

acadêmicos e experiências profissionais possibilitaram novos olhares sobre o

jornalismo. Novos olhares que ainda buscavam compreender o significado de ser

jornalista e fazer jornalismo.

Acabei encontrando, por linhas tortas, o lugar certo para realizar este

questionamento: minha tese de doutorado. Lugar certo, pois este trabalho me deu

a oportunidade de ter contato com jornalistas e recursos para pesquisar mais

profundamente sobre este mundo profissional. Assim, ao invés de tentar responder

a estas perguntas baseada em meus critérios e opiniões, nada melhor que ouvir

outras vozes, nesse caso, já mais familiares ao tema que a minha própria voz. Por

isso as linhas tortas. Elas se devem ao fato de ser o grupo dos jornalistas meu

objeto de pesquisa após meu afastamento da profissão.

Deixei de fazer parte do grupo de jornalistas que atua cotidianamente na

profissão para seguir um caminho profissional ligado ao mundo acadêmico, ainda

tratando em parte do Jornalismo, em suas disciplinas universitárias, mas também a

outros temas de estudo, ligados às Ciências Sociais.

A ideia de me relacionar novamente com a minha “primeira profissão”,

agora a partir de um olhar que poderia levar em consideração minhas práticas e

percepções daquela época, mas, também, com o afastamento necessário para

levantar questões sobre este universo, acessando novas fontes de pesquisa e

interlocutores, me pareceu promissora para a construção de uma análise que

interpretasse os critérios discursivos e comportamentais daquilo que o grupo dos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 12: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

12

jornalistas identifica como peculiar, como formador de seu caráter, de suas visões

do que significa ser e fazer jornalismo.

Comecei a ouvir respostas de jornalistas e, a partir delas, fui encontrando

caminhos para perceber e analisar os aspectos que inserem o jornalista em um

grupo, dando a eles uma identidade específica, um caráter. Foram os jornalistas,

ainda em minhas primeiras entrevistas, que me forneceram subterfúgios para

construir este trabalho. Em seus discursos encontrei meu “furo”, o tema de tese

que desenvolverei nos próximos capítulos.

Das repostas dos jornalistas surgiu a necessidade de interpretar a relação

do grupo com aquilo que identificaram como “prática” e como “teoria”. Isso

porque valores comuns aos profissionais (ser) e também ações, comportamentos,

atitudes que são compartilhadas e tidas como peculiares ao grupo (fazer)

apareciam nos discursos relacionadas a elementos tidos como “práticos” e em

oposição a elementos que o grupo entendia como “teóricos”.

Apresentar a relevância desta “prática” e desta “teoria” para a formação da

identidade, ou melhor, do caráter do grupo, se tornou tema central desde as

primeiras entrevistas realizadas com intuito de ouvir dos jornalistas o que significa

para eles ser e fazer jornalismo. Foi possível perceber que elementos que os

próprios denominavam de “prática” prevaleciam sobre aqueles que eram

atribuídos a uma ideia de “teoria” na produção da autoimagem do grupo.

Esta relação de proximidade com a “prática” e afastamento da “teoria” me

fez perceber que seria necessário identificar quais atributos estavam sendo

colocados em cada uma dessas categorias e sua relação com a formação do grupo,

com os modos de pensar (ser) e agir (fazer) que dão ao indivíduo um senso de

identidade comum, de caráter.

Além de identificar e apresentar o que o grupo destaca como formador de

seu caráter, me pareceu necessário problematizar as escolhas do grupo, tendo em

vista que elementos menos ou não reivindicados também podem estar presentes.

Assim, leva-se em conta que o discurso do nativo não constrói sozinho o caráter

do grupo, pois não se trata de uma reprodução das falas dos interlocutores. Trata-

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 13: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

13

se de uma construção de um tipo ideal de jornalista a partir daquilo que reivindica,

mas também daquilo que não reivindica para a formação de seu caráter.

Os capítulos foram organizados de modo a valorizar a escolha do termo

“caráter” como referencial teórico; a percepção de que o grupo constrói sua

imagem a partir de uma autonarrativa que atribui mais valor a elementos que

entendem como “práticos”, desvalorizando elementos tidos como “teóricos”; a

seleção e definição dos atributos reivindicados como “práticos” e como

“teóricos”; a problematização desta escolha e divisão entre “teoria” e “prática” na

formação do caráter do grupo e, por fim, as possibilidades de se pensar em como

lidar com a maneira como o grupo se define e se enxerga, seja ela mais ou menos

crítica ao discurso e postura do jornalista.

No primeiro capítulo que, devido ao modo de organização da tese é

nomeado de segundo capítulo, apresento argumentos para a escolha do termo

“caráter”, de Richard Sennett, que relaciona as qualidades que levam indivíduos a

se perceberem enquanto grupo através de sua relação com o mundo do trabalho.

Para perceber como o grupo ganha forma, o caráter contempla dois eixos: o

primeiro leva em consideração aquilo que o grupo possui como valores e modos

de pensar comuns; e o segundo contempla a percepção dos comportamentos

peculiares entre os indivíduos do grupo.

Ainda neste capítulo apresento o resultado de entrevistas realizadas com

jornalistas que atuam ou atuaram em jornais impressos do Rio de Janeiro, com

intenção de encontrar traços específicos do caráter do jornalista. Estes

depoimentos ajudaram a produzir o recorte deste trabalho, pois revelaram que a

construção do caráter do grupo tendia a favorecer atributos que os jornalistas

denominavam como “práticos”. A investigação das características destes atributos

ganha corpo nos capítulos seguintes.

O terceiro capítulo buscou ouvir mais vozes para verificar se os aspectos

práticos enaltecidos nos primeiros depoimentos iriam manter sua predileção na

construção do caráter do jornalista. Um número maior de jornalistas de jornais

impressos do Rio de Janeiro foi ouvido e também foram realizadas entrevistas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 14: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

14

com profissionais norte-americanos que atuam ou atuaram no mesmo segmento na

cidade de Nova York.

A escolha de jornalistas norte-americanos se deu devido à influência que o

Jornalismo norte-americano exerceu e ainda exerce no Brasil e à possibilidade de

compreender se o discurso de valorização de uma ideia de “prática” é comum

entre os jornalistas de ambos os países ou, ainda, se esta seria apenas uma

construção dos profissionais brasileiros.

Através do Programa de Doutorado Sanduíche Capes/Fulbright pude

realizar parte da pesquisa no Departamento de Mídia da Universidade de

Fordham, na cidade de Nova York. Neste período, colhi depoimentos de

profissionais de jornais da cidade, tive acesso a recursos acadêmicos sobre o tema,

participei de eventos em diversas universidades e centros de discussão sobre

Jornalismo, além de vivenciar o modelo de jornalismo da cidade no acesso

cotidiano aos meios de comunicação.

Um questionário revisado foi confeccionado, com versões em inglês e

português, para ouvir os novos depoimentos de maneira mais clara e organizada,

buscando, ao mesmo tempo, ser amplo e abordar variados temas ligados ao

Jornalismo, e também compreender a construção de um caráter voltado para

atributos retoricamente entendidos como “práticos”.

Ainda neste capítulo apresento uma relação de elementos que

discursivamente foram denominados “práticos” e elementos denominados

“teóricos” pelos jornalistas. Estes elementos fazem parte da construção de um

quadro ideal que busca sintetizar fatores que representam e fatores que não

representam o “caráter do jornalista”.

No quarto capítulo utilizo outras fontes que dialogam com os profissionais

do jornalismo e que auxiliam na consolidação dos exemplos dos aspectos

reivindicados como “práticos” e “teóricos”. Utilizei textos acadêmicos, biografias

de jornalistas, informações disponíveis na Internet, conversas informais e presença

em eventos para descobrir novos atributos peculiares ao grupo. Estas fontes se

somam às entrevistas para criar um quadro cuja proposta é produzir uma visão

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 15: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

15

ampla, um tipo ideal dos elementos práticos (mais próximos) e teóricos (mais

afastados) do caráter do jornalista.

No quinto capítulo pretendo problematizar o discurso nativo, trazendo a

possibilidade de encontros com a “teoria” e desencontros com a “prática”. Nesse

caso, os elementos deixados de lado ou enaltecidos pelo grupo são analisados sob

uma nova perspectiva, onde elementos não reivindicados pelo grupo também

podem se tornar parte constitutiva de seu caráter.

O sexto capítulo traz considerações finais sobre o tema, frisando que o

caráter do jornalista foi construído a partir da percepção das categorias nativas de

comportamento e pensamento; dos aspectos não reivindicados que, ainda assim,

se relacionam com o caráter do grupo; da produção retórica de uma lógica interna

e seus impactos nos modos de ser e fazer jornalismo e da relação construída com

os atributos mais ou menos afastados do grupo.

Também apresenta maneiras possíveis de lidar com o caráter ideal do

jornalista. A primeira delas traz exemplos de acolhimento ao caráter do jornalista

no formato retoricamente produzido e reivindicado pelos jornalistas. Ou seja, são

formas de lidar com o caráter que aceitam a construção do grupo

predominantemente a partir do discurso nativo.

Outra maneira de lidar com este caráter critica a escolha dos elementos de

construção do grupo e propõe que novos atributos sejam agregados e façam

sentido entre os pares. Nesse caso, os critérios de formação do grupo precisariam

ser revistos e aqueles que hoje são selecionados deixariam de fazer sentido.

Uma terceira alternativa propõe que se desfaça a separação rígida entre

“teoria” e “prática”, estimulando a percepção do jornalista para a interação entre

ambas e renovando a relação do jornalista com seu caráter.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 16: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

2. O caráter do jornalista

É preciso que se entenda o que estou chamando de “caráter” do jornalista,

pois será a partir desta primeira definição que novos elementos serão agrupados à

identidade deste grupo de profissionais e que um recorte mais específico sobre

este será discutido.

Para chegar à ideia de que os jornalistas são um grupo que privilegia

aquilo que chamam de elementos práticos na sua formação e identificação

enquanto grupo, foi preciso primeiro definir o conceito ligado à identidade do

grupo, neste caso, o caráter.

O que chamo de “caráter” foi inspirado em “A corrosão do caráter”, de

Richard Sennett. Foi deste texto que retirei o termo e me apropriei dele, de

maneira particular, para interpretar a construção retórica de um grupo sobre si

mesmo.

Em minha apropriação do termo “caráter” há, ainda, dois eixos

fundamentais: o entendimento sobre o que significa ser e fazer jornalismo. Para

ser melhor compreendido e para que se entenda como o grupo ganha forma, é

preciso que se entenda o que jornalista entende por ser jornalista e fazer

jornalismo.

Nesse sentido, o “caráter” tem elementos daquilo que o grupo pensa,

interpreta como valores comuns aos profissionais (ser) e também ações,

comportamentos, atitudes que são compartilhadas e tidas como peculiares ao

grupo (fazer).

Utilizei ainda o texto de Bruno Latour, “Ciência em ação”, onde o autor

interpreta e revela características de cientistas de um laboratório a partir de

elementos discursivos e ações que não são apresentadas em suas pesquisas finais,

para exemplificar como estudos com olhares particulares para um grupo podem

produzir discussões sobre sua identidade, sobre seu “caráter”, sendo reveladores

de caraterísticas dos profissionais envolvidos em um mesmo ofício.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 17: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

17

Portanto, após definir o que significa “caráter”, é possível interpretar como

o discurso do grupo ganha forma e revela traços de como se enxerga e se define,

como cria e reafirma suas características a partir de retóricas distintivas, com

elementos capazes de unir o grupo em ações e valores comuns e marcantes a eles.

Para entender como o grupo define o que é ser jornalista e fazer

jornalismo, foram realizadas entrevistas com profissionais no início, meio e fim de

carreira, com a intenção de traçar um recorte mais específico do “caráter” do

jornalista, um traço que pudesse apontar uma característica fundamental para

interpretar o grupo. Foram as entrevistas que permitiram a identificação de um

discurso de valorização de critérios práticos. Um aspecto que envolve a formação

do grupo e de seu caráter, uma construção retórica que é mais que simplesmente

um discurso, já que as interpretações e ações que delineiam o grupo são

construídas a partir do que se define como “prática”.

2.1. Caráter

Sem nenhuma relação com definições morais, o termo “caráter” deve ser

compreendido como as qualidades que ligam os jornalistas uns aos outros e dão a

cada um deles um senso de identidade. O “caráter” do jornalista deve ser

analisado através da percepção de “como os trabalhadores se relacionam uns com

os outros através de seu trabalho” (Sennett, 2010:77).

Em certo sentido, o termo “caráter” cumpre as funções que normalmente

são atribuídas ao uso de “identidade”, mas o conceito de caráter enfatiza as ações

e interpretações ligadas ao mundo do trabalho. E, como o grupo dos jornalistas

forma sua identidade, seu “caráter” em grande parte por sua relação com o mundo

do trabalho, o uso deste termo em especial se adequa bem à tentativa de

identificação das características que dão coerência à sua formação.

Richard Sennett enfatiza o entendimento do caráter do indivíduo, dos

“traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que

os outros nos valorizem (2010:10)”, pensando fortemente nas relações formadas a

partir do mundo do trabalho e questiona se este mundo ainda pode produzir laços

fortes capazes de agrupar indivíduos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 18: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

18

O conceito de “caráter” também permite relacionar dois termos que Peter

Berger utilizou para identificar os indivíduos em suas sociedades. O “caráter”

agregaria os conceitos de “papel social” e de “identidade”, já que o primeiro

valoriza a criação de valores e comportamentos dos indivíduos fortemente a partir

de sua relação com o mundo do trabalho e o segundo propõe uma percepção de

reconhecimento do grupo tanto em situações peculiares ao grupo quanto em

situações mais amplas. Por estarem sob o contexto de uma construção social que

ultrapassa seu grupo particular, eles precisam se reconhecer também em situações

mais gerais, onde indivíduos dotados de outro caráter estejam presentes.

Em “Perspectivas Sociológicas”, Peter Berger enfatiza a possibilidade de o

indivíduo ordenar e dar sentido à vida a partir de uma forte ligação com o mundo

do trabalho. O autor explica que um indivíduo com um repertório de papéis

sociais possíveis tem em seu ambiente de trabalho um lugar de produção de

relações sociais que vão além do cumprimento de tarefas semelhantes. Os

indivíduos, a partir de suas funções laborais, passam a compartilhar uma forma

própria de interpretação e atuação sobre o mundo. Neste enfoque, o papel social

do indivíduo está fortemente ligado ao mundo do trabalho, à função profissional

do indivíduo, com profundo impacto na formação do mesmo.

Em “A construção social da realidade”, Peter Berger e Thomas Luckmann

indicam que, além da valorização do mundo do trabalho, o indivíduo tem uma

interpretação da realidade cotidiana geral atrelada a esse papel social. Ou seja, o

indivíduo constrói sua percepção da realidade social relacionando aspectos mais

amplos à sua formação profissional, fazendo com que as relações e os sentidos

conectados ao mundo do trabalho ultrapassem as barreiras do mundo profissional

e permeiem as relações desses indivíduos com grupos fora do mundo do trabalho.

Nesse sentido, se reconhecer jornalista, por exemplo, é se reconhecer

dentro do grupo, mas também em relação e comparação com aqueles que não são

do grupo. A relação com o mundo do trabalho, as percepções e ações que o fazem

ser reconhecido como jornalista existem porque ele é reconhecido em seu grupo

profissional, mas também através da relação com grupos com os quais se

relaciona em outros momentos sociais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 19: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

19

A “identidade” e o “papel social” do jornalista se faz pela semelhança e

também pela diferença com outros tipos de profissionais, em situações ligadas ao

jornalismo, onde se reconheceria facilmente quem atua na profissão e, também,

em situações cotidianas gerais, onde características dos indivíduos deste grupo

podem aparecer, mesmo que estes não estejam em ambientes e horários de

trabalho.

O que o “caráter” de Sennett busca entender é como a formação dos

“papéis sociais” e das “identidades” se renovam num mundo em que as regras

sociais gerais e particulares aos grupos se colocam de forma menos linear, num

momento de capitalismo mais flexível comparado ao período descrito por Berger

e Luckmann. É uma tentativa de atualizar a ideia de “identidade” e o “papel

social” do indivíduo e pensar se esta mesma ideia ainda pode ser adotada e ter

sentido a partir das atuais relações de trabalho, a partir dos atuais formatos da

profissão. O “caráter” tenta dar conta, então, de pensar se ainda é possível

encontrar num mundo marcado por relações de instabilidade e de laços fracos

entre indivíduos e instituições, entre elas o trabalho, traços que ainda são capazes

de se somar à identidade do indivíduo.

Como exemplo de dificuldade de criação de percepção de identidade a

partir do mundo do trabalho, Richard Sennett explica que atualmente não há mais

a perspectiva de carreiras em um mesmo local por um longo prazo e tenta

demonstrar isso ao citar que “um jovem americano com pelo menos dois anos de

faculdade pode esperar mudar de emprego pelo menos onze vezes no curso do

trabalho (2010:22)”.

Uma flexibilidade que trouxe, segundo Sennett, dificuldade de produção

de ligação entre o trabalho e a identidade do indivíduo, devido à reinvenção das

instituições. Os novos trabalhos onde existem múltiplas tarefas a cumprir, a

especialização flexível de produtos e serviços, com pequenos grupos designados a

muitas tarefas e profissionais mais focados na descentralização do poder não

incentivam formas de trabalho estáveis e capazes de produzir relações mais fortes

com os indivíduos que atuam nessas funções. Assim, não há tempo para que se

criem laços, códigos, práticas e sentimentos que coloquem o trabalho como fonte

de produção de identidade.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 20: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

20

Dessa maneira, quando escolhemos interpretar a atuação de um grupo de

profissionais sobre o mundo, temos uma tarefa mais complexa, já que a formação

de um grupo de indivíduos a partir de um modelo de trabalho com formato e

tempo consolidados pode não ser mais a principal fonte para se encontrar as

características do grupo. As mudanças constantes dos locais, das tarefas e dos

colegas de trabalho são alguns dos aspectos que dificultam a possibilidade de

relação entre indivíduos com potencial de criação de laços mais sólidos de

identificação entre eles.

Mas, o que por um lado parece ser um fator que dificulta a pesquisa sobre

grupos de indivíduos, por outro, pode dar margem a um caminho para se

compreender quais são as relações, ações e interpretações capazes de ligar

indivíduos e fazê-los atuarem e interpretarem o mundo ou, ao menos, parte dele,

de modo semelhante. Se elementos como a estabilidade do mundo do trabalho não

dão mais conta de explicar ou identificar o que leva indivíduos a se perceberem

enquanto grupo, outros elementos o farão. O próprio Sennett admite que, mesmo

tendo ocorrido mudanças nos tipos e relações de trabalho, ainda há nele um

potencial de percepção sobre um grupo. E diz que

a experiência do trabalho ainda parece intensamente pessoal. Essas pessoas são

fortemente impelidas a interpretar seu trabalho como refletindo sobre si mesmas,

como indivíduos (Sennett, 2010: 83).

Assim, o mundo do trabalho ainda é relevante na conformação do perfil,

do caráter do grupo, sendo necessário pensar em interpretar as relações do grupo

sob novos olhares, com novas perspectivas de análise sobre este mundo do

trabalho e os grupos que ele forma.

2.2. Ser e fazer jornalismo: dois eixos do caráter

Para encontrar aquilo que é capaz de unir o grupo, suas características

comuns, é preciso pensar o “caráter” a partir de dois eixos: ser e fazer. Isso

significa dizer que é preciso olhar para aquilo que os profissionais apresentam

como ações práticas, comportamentos comuns reconhecidos pelos indivíduos do

mesmo grupo e distintivos com relação a indivíduos que não fazem parte do

grupo. E, ao mesmo tempo, perceber a interpretação, os entendimentos, os valores

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 21: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

21

que ajudam os indivíduos a se relacionarem e a darem sentido aos

comportamentos que produzem e reproduzem.

Portanto, estes dois eixos do caráter não atuam de modo excludente.

Quando dizemos que o caráter do jornalista é composto por elementos ligados a

valores, regras e interpretações sobre sua profissão (ser) e atitudes,

comportamentos e linguagens pertinentes ao grupo (fazer), estamos falando de

eixos que convivem, se alimentam, se justificam e operam juntos na formação do

“caráter” do jornalista.

Dessa forma, o modo de atuação do jornalista (fazer) e como ele se vê,

como transforma em valores sua atuação (ser) são partes constitutivas do caráter e

atuam de maneira igualmente importantes para a formação desta identidade

particular.

Ser jornalista é compartilhar de sentimentos, valores, regras e

interpretações sobre a profissão. É entender que existem códigos do grupo que

têm sentido e que precisam ser seguidos, valorizados, afirmados e reafirmados.

Fazer jornalismo é produzir e reproduzir em atitudes, em práticas aquilo

que condiz com os valores e códigos do grupo. É reproduzir em ações estes

sentimentos e valores que o grupo compartilha. É atuar de modo distintivo, de

modo a serem reconhecidos como integrantes do grupo a partir de suas ações, seus

comportamentos.

2.3. Elementos de construção do caráter

Latour (2000) queria saber se o objeto final1 por si só seria capaz de

evidenciar o processo de construção e as características do grupo que o construiu.

Ao divulgar os bastidores do trabalho científico, normalmente ocultado, mostra o

quanto ele faz parte da formação do “caráter” do cientista. Dessa forma, o “objeto

final”, aquilo que foi construído em laboratório, existe por causa de um caminho

peculiar e identitário do grupo que o representa. E o faz revelando que conversas

1 “Objeto final” pode servir tanto para objetos concretos quanto para teorias, textos e conteúdos

abstratos. Um objeto científico pode ser um argumento, uma vacina, uma fábrica, uma nova teoria,

etc.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 22: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

22

informais, escolhas políticas e retóricas de certos caminhos de trabalho e demais

ações internas do grupo são primordiais no entendimento de formação de um

grupo, com suas convergências e divergências.

Com esta análise, traz à tona um “ser cientista” e um “fazer científico” que

faz parte daquilo que constitui o caráter do cientista, mas que ficava escondido

nos bastidores dos laboratórios. São comportamentos, atitudes, protocolos e

diversas ações que revelam modos de um “fazer científico”, além de percepções

de grupo das manifestações práticas e simbólicas que conferem a ele uma

identidade, um “ser científico”. Da prática à teoria, do comportamento à

identidade, do formal ao informal, o processo de construção de um objeto

científico também revela o “caráter” do grupo.

As relações e disputas internas e as práticas no laboratório que parecem

inexistentes no trabalho científico final são reveladas através da análise do

processo de trabalho do cientista e do engenheiro. O que Latour apresenta é que a

formalidade do trabalho final, o modo de escrever e de apresentar um dado

científico não é capaz de mostrar o processo anterior a esta construção.

E mais, é no processo que se percebe como o objeto final é debatido e

pensado, até se tornar o “representante” do trabalho científico. Isso não quer dizer

que o trabalho final seja sozinho o que representa o grupo, ainda que seja ele

escolhido pelo grupo com esta finalidade, pois comportamentos, disputas internas

por verbas, diretrizes, discursos, linguajares, jargões, titulações, hierarquias

podem não ser evidentes, mas também são parte tanto do objeto final quanto das

características do grupo.

Se as características do cientista não são formuladas também a partir da

formação de um “caráter” que leva em consideração o processo de construção de

seu objeto, fica o cientista restrito ao “caráter” do objeto final:

... quase ninguém está interessado no processo de construção da ciência. (...)

[ainda mais] (...) os leigos [que] não sabem como se cria este campo de métodos

comuns (Latour, 2000:34,35).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 23: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

23

Para conceber o “caráter” do cientista, a intenção de Latour não foi:

analisar os produtos finais (...),[mas seguir] cientistas e engenheiros nos

momentos e nos lugares nos quais planejam uma usina nuclear, desfazem uma

teoria cosmológica, modificam a estrutura de um hormônio para a contracepção

ou desagregam os números usados num novo modelo econômico (Latour,

2000:39).

E foi a partir de um olhar interessado sobre um grupo profissional

específico que ficaram evidentes as escolhas nem sempre científicas dos “objetos

científicos” e de elementos formadores do caráter do grupo. As escolhas políticas

que envolvem o “objeto”, as relações de força entre os cientistas e suas disputas

pela validade científica do “objeto” pesquisado são, assim, parte relevante na

construção e característica do “objeto final” e do grupo que o construiu.

Nesse sentido, além das percepções de grupo criadas a partir da divulgação

do produto final, o processo até a divulgação do trabalho científico e as interações

do grupo apresentam caminhos pouco ou até desconhecidos e que também são

parte relevante das características do grupo.

No caso do jornalismo, penso ser possível buscar elementos de construção

do “caráter” do jornalista a partir de elementos que não sejam apenas o resultado

final de seu trabalho, como uma reportagem, entrevista, etc. Existem outras

formas de analisar o grupo dos jornalistas, a fim de buscar suas características, sua

construção daquilo que entende como ser e fazer jornalismo e que são importantes

na construção da percepção de seu “caráter”.

Os jornalistas também são um grupo que apresenta potencial para que

sejam encontradas características a partir de um olhar sobre suas práticas e

valores, um grupo com aspectos que conferem especificidades ao mesmo, a partir

de análises que não sejam focadas simplesmente no “objeto final”.

Portanto, assim como Bruno Latour encontrou características marcantes

dos cientistas a partir de uma pesquisa que deu atenção não apenas ao seu trabalho

final, a produção científica divulgada ao público, acredito ser possível descobrir

traços comuns aos jornalistas a partir da percepção e interpretação de suas práticas

e discursos anteriores ao seu “objeto final” e, nesse sentido, perceber quais são os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 24: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

24

elementos que fazem com que eles se identifiquem com outros indivíduos do

mesmo grupo.

2.4. Entrevistando entrevistadores: em busca de um recorte do “caráter” do jornalista

Para delinear as características mais marcantes dos jornalistas, o que

significa para o grupo ser e fazer jornalismo, um dos procedimentos da pesquisa

foi a realização de entrevistas com profissionais da área. Em um primeiro

momento, ainda em minha fase de Qualificação, foram escolhidos seis jornalistas

do Rio de Janeiro, que atuam ou atuavam em jornais impressos, e de diferentes

“gerações”. Escolhi este termo para dividir aqueles que começaram na profissão

ainda no período da ditadura militar, aqueles que começaram após os anos 1980 e

aqueles que começaram a carreira após os anos 2000.

Esta divisão buscou selecionar três grupos de jornalistas, pois os diferentes

períodos de escolha da profissão poderiam produzir depoimentos com percepções

distintas sobre o jornalismo. Mas, ao mesmo tempo, também poderiam consagrar

questões relativas ao grupo, independentemente do recorte geracional.

Com esta separação geracional pretendia criar uma forma de problematizar

se há mesmo uma igualdade nas percepções sobre o que significa ser e fazer

jornalismo ou se ela pode ser diferente quando se leva em consideração, por

exemplo, as histórias de vida ou a conjuntura social do país no momento de

atuação deste profissional, etc. Assim, seria possível percorrer as mudanças do

jornalismo nos depoimentos dos seus profissionais e também perceber as

modificações no seu modo de atuação, divulgação, apuração, no perfil dos

profissionais, no perfil dos meios de comunicação, etc. Além disso, seria possível

perceber como todas essas mudanças também fazem parte do processo de

transformações sociais mais amplas, não apenas relacionadas especificamente ao

jornalismo.

Esta divisão em gerações também tinha a intenção de identificar

características da formação da identidade e atuação comum ao jornalista, colher

depoimentos que pudessem identificar modos de ser e fazer jornalismo que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 25: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

25

ultrapassassem as barreiras do tempo, contribuindo para a concepção do grupo em

uma unidade de práticas e valores.

As entrevistas foram realizadas de maneira confidencial, para que os

entrevistados pudessem realmente se expressar livremente. Nesse sentido, a não

identificação do profissional ou sua imagem tinha o intuito de deixar o

profissional à vontade para expressar sua opinião, importando mais seu

depoimento que sua identificação.

Nesta etapa, a escolha foi orientada por critérios qualitativos:

a partir da posição do entrevistado no grupo, do significado da sua experiência.

Assim, em primeiro lugar, convém selecionar os entrevistados entre aqueles que

participaram, viveram, presenciaram ou se inteiraram de ocorrências ou

situações ligadas ao tema e que possam fornecer depoimentos significativos

(Alberti, 2005:31,32).

Sendo assim, os informantes selecionados tinham papel estratégico no

entendimento da formação do “caráter” do jornalista, por serem eles a “categoria

nativa de pensamento” (Cambraia, 2007:163).

O questionário2 foi organizado de maneira aberta, para que as perguntas

pudessem levar a caminhos amplos, não restringindo o entrevistado a um tema

determinado. Este cuidado era importante, pois aquilo que fosse, por exemplo, um

traço comum ou peculiar dos entrevistados deveria surgir sem um direcionamento

dado a priori. Apesar de os entrevistados serem aqueles que selecionam o quê e

como dizer nas entrevistas, tentei criar um questionário que não tratasse

especificamente sobre um tema, mas que abordasse diversas questões relacionadas

ao jornalismo sem apontar para nenhuma direção nítida.

Portanto, nesta etapa foi relevante selecionar pessoas que pudessem

contribuir com suas experiências profissionais, pessoais e acadêmicas para o

processo de “constituição da identidade do jornalista, (...) para suas formas de

adesão e comprometimento com a profissão e com o grupo” (Travancas,

1993:13,14).

2 O questionário desta etapa de entrevistas encontra-se em anexo (Anexo I) para consulta.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 26: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

26

Nesse sentido, as entrevistas iniciais serviram como elemento-chave para a

construção de meu argumento, pois forneceram importantes elementos para a

construção do “caráter” do jornalista, entre eles a valorização dos aspectos tidos

como práticos como sendo os mais relevantes nos modos de ser jornalista e fazer

jornalismo.

2.5. Profissionais do jornal impresso

A escolha de jornalistas com atuação em jornais impressos se deu pois,

para alcançar profissionais de diferentes gerações, era necessário escolher um

veículo de comunicação que estivesse presente como ambiente de trabalho a todos

os profissionais entrevistados. Os jornais impressos como opção de trabalho das

gerações entrevistadas serviria como um ambiente comum ao grupo, um local

onde os profissionais partilham e criam seus modos de ser e fazer jornalismo. E,

além disso, os jornais impressos possuem grande relevância para o jornalismo, por

serem veículos capazes de fazer circular a notícia por grandes espaços territoriais

e por terem a potencialidade de informar a população e de se tornar parte de sua

rotina.

É o que analisa Michael Schudson em “Discovering the news. A Social

History of American News Papers (1978)”, ao descrever as mudanças no

jornalismo norte-americano e como estas mudanças acompanham as mudanças

sociais do país. Segundo Schudson, a imprensa cresce desde o século XVII com

as mudanças democráticas e de mercado no país e daí em diante as mudanças no

jornal impresso servem como exemplo na mudança do perfil social.

Para ele, a expressão de uma nova sociedade poderia ser percebida nas

mudanças que aconteciam nos jornais. Assim, os avanços tecnológicos, os

avanços nos meios de transporte, o aumento da população alfabetizada, o

crescimento das cidades, as mudanças políticas e de mercado são algumas das

várias razões para o desenvolvimento da imprensa e aí reside a importância social

deste veículo para o desenvolvimento do jornalismo e também para o

desenvolvimento social.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 27: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

27

E esta relevância dos jornais impressos se confirma, segundo pesquisa

realizada nos Estados Unidos e registrada no livro “The American Journalist in

the 21st Century (2007)3”. A pesquisa, que revela dados quantitativos e

qualitativos sobre a prática do jornalismo nos Estados Unidos, divulga que a

maioria dos jornalistas contratados para trabalhos jornalísticos em tempo integral

atuam em jornais impressos. Tal relevância parece ter se mantido ao longo dos

anos, já que esta pesquisa confirma o grande número de profissionais atuando em

jornais impressos desde os anos 1970, ano de início desta coleta que se renova a

cada dez anos.

Segundo o estudo, nos anos 1970 os jornais impressos diários

empregavam aproximadamente 56% dos profissionais de jornalismo. Nos anos

1980, este número caiu para 46%, com o aumento de empregos em veículos como

rádio e TV, mas, ainda assim, constituíam a maioria dos empregos. Nos anos

1990, o número volta a crescer e chega a 55% das contratações de empregos em

tempo integral. E em 2002, último ano de coleta de dados, o número de jornalistas

trabalhando em jornais impressos atingia o índice de 50% (Weaver, 2007:02).

No Brasil, a importância do jornal impresso pode ser percebida através do

expressivo número de exemplares que circula diariamente pelo país. Segundo a

Associação Nacional de jornais (ANJ) e o Instituto Verificador de Circulação

(IVC), no ano de 2013, setecentos e vinte e dois jornais produziam todos os dias,

mais de oito milhões e quatrocentos mil exemplares4.

A pesquisa “Perfil do Jornalista Brasileiro” aponta a relevância dos jornais

impressos, ao apresentar que 41,8% dos jornalistas entrevistados no estudo

trabalham para este setor da mídia. O número de jornalistas brasileiros

3 A pesquisa “The American Journalist in the 21st Century (2007)” é resultado de uma atualização

de dados sobre o perfil dos jornalistas norte-americanos realizada a cada dez anos, desde os anos

1970. O material inclui dados e análises sobre gênero, raça, classe social, percepção sobre teoria e

prática jornalística, divisão regional dos empregos na área, formação acadêmica, base salarial,

identificação partidária, principais áreas de atuação etc. Os dados, com base em mil e quinhentas

entrevistas com jornalistas norte-americanos, apresentam o perfil dos profissionais que atuam nos

Estados Unidos. 4 Fonte: Associação Nacional de Jornais: www.anj,org.br

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 28: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

28

empregados em jornais impressos só perde para o número de profissionais que

atuam na área de Internet (44,6%)5.

Estes dados ajudam a reforçar a presença do jornal impresso como veículo

de comunicação de referência na sociedade, com a circulação e presença diária na

vida da população, e também a apresentá-lo como local que acolhe uma parcela

representativa dos jornalistas brasileiros que estão no mercado de trabalho.

2.6. O questionário (Anexo I)

Entre quarenta minutos e uma hora e meia. Este foi o tempo que os

profissionais entrevistados levaram para responder as perguntas do questionário

produzido. Com questões que buscaram contemplar as diferentes fases da vida do

profissional; aspectos sociais de sua vida; o período acadêmico e profissional de

cada entrevistado; sua rotina de trabalho; a discussão de termos e materiais

relacionados ao jornalismo; critérios de seleção profissional; elementos

característicos do grupo e opiniões pessoais sobre o que é ser e fazer jornalismo,

busquei me cercar de questões que trouxessem possibilidades de identificar

características relevantes do grupo.

O questionário continha perguntas tais como a relação do entrevistado com

meios de comunicação em diferentes períodos de sua vida; vida acadêmica e vida

profissional; aspectos familiares, como profissão dos pais, situação financeira da

família, acesso a meios de comunicação em casa; as memórias dos meios de

comunicação presentes em sua vida.

Também havia perguntas para saber sobre o caminho percorrido até a

escolha da carreira, tais como as razões para a escolha da faculdade de Jornalismo,

para aqueles que cursaram a graduação em Jornalismo; a imagem que faziam

sobre os modos de atuar na profissão; a receptividade da família quando souberam

da escolha da profissão.

5 A pesquisa Perfil do Jornalista Brasileiro (Mick, 2013) entrevistou dois mil setecentos e trinta

e um jornalistas de todo o país no ano de 2012, produzindo dados relativos a características

demográficas, políticas e particularidades do trabalho jornalístico.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 29: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

29

Questões sobre o período acadêmico foram realizadas para saber o que o

profissional lembrava acerca deste período e para que o jornalista pudesse citar

aquilo que foi relevante ou irrelevante na sua formação e na formação do seu

caráter, a partir da experiência adquirida durante esta fase.

O questionário prossegue indagando sobre as mudanças na percepção

sobre a profissão quando comparadas as experiências acadêmicas e profissionais,

ou seja, se há, na percepção do jornalista, diferenças no modo como ele percebe o

que significa ser e fazer jornalismo quando compara sua fase acadêmica e sua fase

prática, de trabalho e estágio em jornalismo.

Além disso, era importante saber sobre a relação entre os profissionais de

diferentes gerações, o convívio e a possibilidade de convergências e divergências

sobre as ideias do que significa ser e fazer jornalismo.

Também havia perguntas visando entender que elementos são capazes de

reunir os indivíduos enquanto grupo, que critérios distintivos do grupo existem e

tornam possível perceber que certos indivíduos pertencem a esse mesmo grupo.

Sendo ainda mais amplo, o questionário pedia para os profissionais

comentarem se acreditavam haver um perfil específico do jornalista, sendo este

perfil físico, social, de personalidade etc.

Termos usados no jornalismo, tais como imparcialidade, ética, verdade,

anonimato da fonte também foram citados, para que os profissionais pudessem

comentá-los e para que pudessem explicar a relação existente entre tais termos e

sua profissão. O uso e relevância do Manual de Redação também foram tratados.

Temas como a relação entre publicidade e jornalismo e os critérios para

seleção de profissionais, sendo eles por indicação ou outros meios de escolha dos

meios de comunicação de seus jornalistas foram abordados.

O dia a dia da profissão foi outro quesito da entrevista, onde os jornalistas

descreveram seu ambiente de trabalho e sua rotina profissional. Também foi

bastante relevante saber qual é, na opinião dos entrevistados, o papel do jornalista,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 30: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

30

bem como pedir aos profissionais uma definição sobre o que, para eles, significa

ser jornalista e fazer jornalismo.

2.7. Informações obtidas a partir do questionário: os traços incomuns

Nesta etapa da pesquisa, foi possível perceber a existência de elementos

que separavam os jornalistas entre si e que não conferiam ao grupo uma

homogeneidade de entendimentos sobre o ser e o fazer jornalismo, mas foram

encontrados, principalmente, elementos relevantes sobre o caráter do jornalista

baseados em características comuns ao grupo.

Entre as diferenças identificadas havia percepções distintas sobre a

profissão baseadas nas diferenças entre as gerações e nos diferentes momentos

sociais de escolha e atuação profissional. Além deste fator, as gerações também

apontaram que o veículo de comunicação que serviu de referência ao profissional

sofreu transformações.

Os diferentes meios de comunicação que surgem como referência na vida

do jornalista e os momentos sociais distintos que as gerações atravessam criam

formas de atuação e motivações diferenciadas pela profissão. Enquanto o período

fa ditadura produziu jornalistas que tinham os jornais como veículos de referência,

como local de participação social, mesmo que muito limitada pela censura da

época, os jornalistas dos anos 1980 escolheram a profissão a partir de influências

do momento de transição em que se encontravam a sociedade brasileira e os

jornalistas.

Assim, os jornalistas dos anos de 1980 oscilam entre a atuação anterior de

caráter investigativo e denunciante dos problemas sociais que caracteriza os

profissionais da época da ditadura e de valorização do jornal como meio de

comunicação mais influente e a nova linguagem e postura de profissional objetivo

e descritor dos fatos que se desenvolve com o jornalismo mais “profissional” e

“imparcial”, com menções ao papel da televisão nesta mudança. Portanto, há uma

transição de percepção dos modos de trabalho e do meio de comunicação que

serve como referência.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 31: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

31

Já jornalistas da geração pós-anos 2000 formulam a imagem da profissão

primordialmente a partir das referências de linguagem e abordagem televisiva: é a

TV que está presente nas casas dos futuros jornalistas desta geração e que foi

primordial na escolha da profissão. A televisão faz parte do universo deste

profissional desde sua infância e não há como cogitar a escolha da profissão sem

associá-la ao modo de trabalho do profissional de TV.

Esta última geração também tem um novo e forte referencial, a Internet,

ferramenta capaz de produzir um volume e diversidade de notícias inimaginável

tanto no jornal quanto na televisão. Este veículo criou uma nova relação com a

informação, pois ela é produzida momentos após ou até mesmo durante um fato

ocorrido. Nesse sentido, afeta o padrão de apuração e edição, afeta a construção

da realidade que se modela com o nome de notícia.

O meio de comunicação que surge como referência para o entrevistado, ou

seja, aquele mais utilizado pelo entrevistado, muda conforme as gerações. Para

aqueles da geração anterior aos anos 1980, o jornal impresso aparece como a

maior referência, primeiramente através de seus pais, que iam às bancas para

comprá-lo e, posteriormente, com a ida espontânea do próprio entrevistado.

O rádio também foi citado como meio de comunicação importante da

época, mas o jornal tinha mais relevância na escolha da profissão e no imaginário

do então jovem-futuro-jornalista:

“Eu ia toda quinta-feira na banca pra comprar o Pasquim, tempo de colégio, tinha

o Jornal do Brasil nesta época lá em casa, e aí eu comecei a me interessar pela

informação, com uns 15, 16 anos”.

E ainda:

“Eu ficava pensando em como ia ser escrever sobre as coisas que eu gostava:

política e carros. Por causa da censura, acabei indo parar numa revista

automobilística. Me lembro que eu fiquei igual um pinto no lixo, né? E eu ainda

tinha a minha máquina de escrever, porque era assim que se fazia um jornal.”

Outro entrevistado desta geração completa sobre a influência do jornal em

sua vida:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 32: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

32

“Eu gostava muito de jornal, principalmente do Correio da Manhã, do segundo

caderno deles. Mas quando eu comecei, comecei num jornal pequeno que, apesar

de ser na época muito vendido, competia com O DIA e a melhor escola pra um

grande jornalista é entrar num jornal pequeno, porque ali você pode saber tudo.

Foi a partir daí que eu engrenei na profissão”.

O momento social da escolha da profissão para esta geração estava

limitado por condições políticas particulares, mas estar num jornal era, ainda

assim, um modo de participar ativamente da sociedade. Segundo este mesmo

jornalista:

“Eu peguei uma época em que você podia trabalhar em apenas algumas áreas e a

reportagem policial tomou muito o lugar no espaço da política porque a imprensa

estava amordaçada, aí então eles investiram muito no caderno policial. E eu entrei

de cabeça no jornalismo investigativo, era uma forma de denunciar coisas que

estavam erradas.”

Estes profissionais encaravam a profissão, com suas ações e identidade,

apesar das suas limitações, como uma “nobre missão de revelar pedaços do

mundo e de tentar elevar a consciência, provocando indignação justa e ampliando

a participação e a cidadania (DaMatta, 1999:20).”

Já para os jornalistas da geração pós anos 1980, o rádio e o jornal impresso

continuam a existir enquanto fonte de informação, mas perdem espaço, com a

força da televisão. Os depoimentos abaixo ajudam a mostrar a transição de

importância do jornal impresso para a TV. No primeiro, uma jornalista mostra que

ainda há nos profissionais dos anos 1980 uma referência de função social e perfil

transformador comum nos depoimentos dos profissionais da geração anterior:

“Na verdade, eu fui fazer jornalismo mais pela função social que eu acreditava da

profissão. Eu cheguei a acabar o curso de Direito, mas no final não me

identifiquei muito nem com os colegas nem com o curso, pelo perfil mesmo. Eu

entrei na profissão pela questão de eu achar que poderia, uma coisa bem ingênua,

ajudar a construir um mundo melhor”.

Já no segundo, uma profissional desta mesma geração já admite a

influência da televisão e de novas expectativas com relação ao que significa ser e

fazer jornalismo:

“Comecei a gostar do jornalismo prestando atenção no Jornal Nacional. Eles

mostravam sobre as Diretas Já, sobre histórias interessantes e contavam com uma

linguagem, com um jeito que parecia que aqueles jornalistas eram mais

inteligentes que os demais mortais.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 33: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

33

A televisão ganha espaço na vida familiar brasileira e mais pessoas têm

acesso à profissão do jornalista com esta nova linguagem de divulgação da

notícia. E é ela que, já nos anos 1990, cria uma linguagem para “ganhar as

massas”. Sua nova linguagem e sua busca por grandes audiências moldam o

jornalismo e a notícia também precisa se tornar acessível, com uma linguagem

para atingir o grande público.

Dessa forma, os jornalistas dos anos 1980 ainda estão, por um lado,

apegados às definições de ser jornalista reforçadas pelo grupo antecessor, com

ênfase nos veículos impressos, modos de escrita e relações com a notícia de perfil

transformador e cujo texto pode produzir impacto social, e, de outro lado, sendo

absorvidos pela força da linguagem televisiva, que também traz para o modo de

ser e fazer do jornalista novas características, como a rapidez em relatar os fatos, o

uso de imagens para confirmá-los, uma nova linguagem que faz da informação

uma ferramenta objetiva, etc.

O que se percebe nesta geração é que a transição do jornal impresso para a

televisão impactou diretamente a percepção sobre o caráter da profissão, aquilo

que se espera do trabalho do jornalista. Se o jornal esconde a imagem do jornalista

e dá a ele a sensação de que seu texto, embora seguindo critérios formais de

imparcialidade e objetividade na cobertura dos fatos, ainda é capaz de denunciar,

de apresentar questões e “pedaços ocultos ou distantes do mundo para pessoas que

simplesmente vivem a vida, reagindo aos eventos que as atingem ou talvez sem

nenhuma reação a qualquer fato de perto e de longe” (DaMatta, 1999:23) e, com

isso, ajudando na transformação social, a televisão expõe a imagem do jornalista,

mas diminui a percepção entre os profissionais de que esta é uma função

questionadora da realidade social.

Os entrevistados dos anos 2000 já têm a televisão como veículo

consolidado de fonte de informação e de referência. As linguagens e estrutura das

reportagens televisivas já entram no imaginário ideal da notícia, deixando, na

opinião dos entrevistados, o jornal impresso com menos importância, o que se

tornou evidente, por exemplo, com a diminuição das tiragens. Nesse sentido, os

futuros jornalistas que têm como referência este veículo percebem os eventos a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 34: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

34

partir da edição e construção da realidade produzida por este meio de

comunicação.

Durante o período de infância e adolescência dos entrevistados da geração

mais recente, seguir a profissão do jornalismo tem como inspiração os

apresentadores e jornalistas da televisão, personagens e não apenas transmissores

de notícias, figuras cuja identidade é clara e não apenas um transmissor da

informação sem rosto nem atitude, como nos jornais. Nesse caso, os jornalistas

são reconhecidos não apenas pelo grupo, mas por todos os telespectadores. Eles

possuem destaque de celebridade, por serem detentores da informação e terem,

ainda, a projeção de sua imagem.

Além de terem esta projeção pessoal, ganharam, a partir desta imagem,

segundo Michael Schudson, um personagem: o personagem de tradutor, que serve

a um público “mal equipado para analisar por si próprio o significado dos eventos

(Schudson, 1982:100).” Ou seja, atuam como tradutores e intérpretes dos eventos

que selecionam a partir dos critérios de formação do grupo e expandem esta

tradução e interpretação dos eventos para o grande público social emprestando sua

imagem.

Além disso, para os jornalistas dos anos 2000, as informações que

circulam em tempo real pela Internet afetam o modo de ser e fazer jornalismo.

Criou-se um ciberespaço e um cibertempo6 cuja velocidade de divulgação de uma

notícia ultrapassa as possibilidades dos outros veículos de comunicação de

seleção, apuração, edição e divulgação da imagem.

O que a Internet trouxe ao jornalismo, segundo os entrevistados, foram

mudanças na velocidade de divulgação de um conteúdo e atualmente grandes

empresas de comunicação social agregam em suas aquisições portais on-line com

conteúdos que serão divulgados no jornal impresso ou em matérias televisivas e

muitos outros conteúdos que, por critérios de tempo e ordem de importância, não

são divulgados nem na televisão nem no jornal impresso.

6 Para uma discussão interessante sobre a postura dos indivíduos no espaço virtual, com suas

impressões sobre tempo e espaço, ver Sternberg, 2012.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 35: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

35

Além das mudanças na importância dos meios de comunicação, que

passaram da força dos jornais impressos para a TV e hoje têm a TV e competição

acirrada com a informação em tempo real da Internet e das mudanças no perfil de

atuação do jornalista, há a percepção do grupo sobre a importância de seu trabalho

interna e externamente.

É possível notar que jornalistas da geração anterior aos anos 1980

percebiam no jornalismo a possibilidade de, segundo um dos entrevistados, “atuar

de alguma forma numa sociedade onde não havia muito onde atuar”.

Ou seja, a manifestação escrita comum a uma época de grande força dos

veículos impressos ainda era tida como uma forma de tentar falar sobre

acontecimentos sociais, mesmo que estes fossem retratados sob censura. São

jornalistas que se colocam como transformadores e investigadores sociais.

Num dos depoimentos fica bem claro que usar a escrita e estar num local

onde se fala e se apuram coisas que estão acontecendo no cotidiano da cidade e do

país é uma possibilidade, mesmo que pequena, já que não havia como realizar

uma escrita abertamente crítica, de não deixar escapar a observação sobre os fatos:

“Eu escrevia sobre automóveis porque tenho paixão por carro e fiz uma boa

escolha, pois a censura não me freou de escrever, mas sei que tinha muita gente

que preferia dar uma notinha sobre algo que aconteceu sem importância do que

ficar sem escrever.”

O segundo depoimento é ainda mais marcante nesse sentido, pois o

jornalista que atuou em um jornal de um grupo estudantil, ao ser contratado por

um veículo de grande circulação, revelou:

“Eu sabia que a editoria de Política do jornal não ia me deixar escrever, aliás, o

espaço de política ficou bem pequeno, e começaram a dar mais importância pra

editoria Policial. Foi pra lá que eu fui. Achei que era um jeito de denunciar coisas

que estavam erradas.”

A geração pós-1980 passa, na sua percepção sobre atuação e participação

como jornalista, por um processo de transição de razão pela qual escolheram atuar

no jornalismo. Percebem que devem se portar conforme a lógica do trabalho em

sua atualidade e não voltando para um tempo que não existe mais. Quer dizer,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 36: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

36

mostra a transição entre os fins mais idealizados do que é fazer jornalismo e o

lado mais “prático” da profissão.

Por exemplo, uma jornalista entrevistada mostra bem esta transição

quando diz:

“Eu sou um pouco diferente, pois pensei em entrar no Jornalismo porque a

faculdade de Direito que fiz não mostrou que minha atuação poderia ser de um

transformador social e achei que o Jornalismo poderia dar este caminho”.

Quando a jornalista se diz “diferente”, está se colocando como parte menor

do grupo de jornalistas que, assim como os meios de comunicação, passam por

transformações nas motivações pela escolha da profissão. Isso se dá já que a

maioria dos jornalistas dos anos 1980 já tinha a televisão como veículo que fazia

parte da formação do caráter de jornalista e seu perfil estava atrelado ao perfil

televisivo de apreensão da realidade.

Profissionais mais recentes citam inúmeros programas jornalísticos da

televisão como influenciadores da escolha da profissão. Neles, há um enfoque

grande na imagem do jornalista e na “glamourização” deste profissional, que se

torna uma figura divulgadora da realidade. São, ainda, estes profissionais um

modelo de credibilidade, conhecimento e de narrativa clara sobre a realidade

social:

“Quem nunca sonhou em ser a próxima Fátima Bernardes ou William Bonner?

Você percebe que eles passam credibilidade, você olha pra eles e percebe que

eles sabem o que estão falando.”

O que parece diferenciar fortemente as gerações é exatamente a motivação

para a escolha da profissão. Enquanto o uso da escrita e da palavra era visto pela

geração anterior aos anos 1980 e parte da geração dos anos 1980 como um

poderoso instrumento de mudança da situação política brasileira, hoje esse uso da

escrita e da palavra ganha uma nova configuração de importância, segundo os

entrevistados, um “glamour de que a informação é parte de um privilégio de um

grupo de autoridade” e que este conhecimento de informações “já não faz parte de

uma prática fiscalizadora ou questionadora social”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 37: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

37

A mudança nas referências de veículos de comunicação, motivação para a

escolha do trabalho e percepções sobre o valor de ser jornalista também passam

pelos momentos sociais da escolha da carreira e pelos modelos que existiam para

esta escolha. Enquanto o jornalista dos anos da ditadura militar tinha nos jornais

um local onde podia realizar, pelo menos, o exercício da escrita, os jornalistas dos

anos 1980 estavam em transição de referência, ficando entre as concepções dos

profissionais da geração anterior e as novas possibilidades de atuação e

linguagem, como a televisão. Já os jornalistas da geração mais recente colocam

em sua formação de caráter práticas e referências distintas, num perfil de

profissional mais “objetivo e imparcial”, mesmo tendo como referência

profissionais cuja notícia está diretamente ligada a uma imagem pessoal.

Não há como não pensar nas mudanças sociais que ocorreram quando se

problematizam as razões de mudança de percepção do papel social do jornalista.

“O campo jornalístico, age, enquanto campo, sobre outros campos (Bourdieu,

1997:81)” e acaba tornando a influenciar mudanças em seu próprio campo. Assim,

o perfil do jornalista muda com as alterações internas (do grupo) e externas

(sociais).

Profissional pré-Anos

1980

Profissional pós-Anos

1980

Profissional pós-Anos

2000

Modelo de

atuação

Transformador e

investigador social

Transitório entre

transformador social e

tradutor da informação

Tradutor da informação

Veículo de

referência Jornal e Rádio

Transitório entre jornal e

televisão Televisão e Internet

Momento

Social Ditadura Militar Retorno à democracia Democracia

Quadro 1: Comparativo das dimensões analisadas.

2.8. Informações obtidas a partir do questionário: traços comuns

Entre os traços comuns identificados nas entrevistas iniciais, destaco o

pertencimento destes profissionais a famílias de classe média e a possibilidade de

acesso que esta classe proporcionou para a escolha desta carreira; o talento inato;

a utilização de mecanismos de controle do processo da notícia, ou seja, da seleção,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 38: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

38

apuração, edição dos fatos selecionados; a percepção de falta de rotina no trabalho

jornalístico; o critério de seleção dos profissionais e a formação “prática” do

caráter do jornalista.

Destas questões comuns aos jornalistas, os dois primeiros temas fazem

parte da formação do caráter do jornalista ainda antes dele fazer parte do grupo. A

trajetória pessoal do indivíduo, por conta de seu capital econômico, escolar,

familiar e cultural influencia a escolha da profissão; mas estando ele, ainda, fora

do processo. Da mesma maneira, a noção de “talento” do jornalista faz parte de

uma formulação subjetiva e anterior à profissão, referindo-se a supostas

habilidades inatas que fazem do indivíduo um bom profissional da área. Estas

lógicas são anteriores aos comportamentos e percepções construídas já no

processo interno de formação do caráter, mas atuam diretamente no mesmo.

Já a existência de mecanismos de controle do processo da notícia; a

percepção de falta de rotina no trabalho jornalístico; o critério de seleção dos

profissionais e a formação “prática” do caráter do jornalista são construções

analisadas no seu processo interno, nos modos de fazer e nas definições do ser

jornalista.

Entre os jornalistas entrevistados, um fato chama logo atenção: o

pertencimento destes profissionais a famílias de classe média e cuja leitura, escrita

e acesso aos meios de comunicação de referência de suas épocas foram

influenciadas pela formação educacional e familiar. Isso não significa dizer que

esta influência é condicionante de uma escolha pelo jornalismo, mas o capital

familiar e escolar dos entrevistados tinha como mecanismo de distinção a

influência da leitura, escrita e mídias e a continuidade, em casa, do acesso a livros,

revistas, pesquisas, enciclopédias, filmes, documentários e materiais fornecidos

tanto pelo universo escolar quanto pela mídia. Assim, os capitais escolar e

familiar, que são importante influência nos caminhos de um indivíduo, por

fazerem parte da formação do caráter do indivíduo, ajudam a “sugerir” a profissão

de jornalista a um grupo específico da sociedade que consegue ter acesso a bens

simbólicos e práticos que os torna capazes de exercer tal função.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 39: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

39

A disponibilidade da leitura contínua do jornal e acesso a outros meios de

comunicação criou para os entrevistados a possibilidade de pensar no jornalismo

como uma possibilidade de campo de trabalho. Ou seja, tendo acesso ao meio de

comunicação por conta do capital familiar e escolar, foi possível que se

construísse um habitus, uma oportunidade de usar desta rotina para participar

daquele campo, o do jornalismo (Bourdieu, 1977:190).

A prática do acesso em casa aos meios de comunicação revela bem mais

do que apenas um hábito isolado daquelas pessoas. Existe neste acesso a

possibilidade de isso se tornar sua profissão, pois este acesso se limita a um grupo

social capaz de “ler o código” criado pelo veículo. O acesso econômico e cultural

a um meio de comunicação cria mecanismos distintivos de aproximação com o

mesmo.

Esta rotina traz à tona uma prática que coloca aquele grupo social em uma

posição com relação aos demais grupos sociais e cria em torno desta prática uma

postura estruturada socialmente de acesso e uso do meio de comunicação (habitus)

por um grupo que o escreve e outro que o lê, ambos influenciando um ao outro

(campo). Aqueles de um mesmo habitus e campo se reconhecem por suas práticas

e por sua posição intelectual no campo:

O princípio unificador e gerador de todas as práticas e, em particular, destas

orientações comumente descritas como ‘escolhas’ da ‘vocação’, e muitas vezes

consideradas efeitos da ‘tomada de consciência’, não é outra coisa senão o

habitus, sistema de disposições inconscientes que constituem o produto da

interiorização das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos

determinismos objetivos e de uma determinação, do futuro objetivo e das

esperanças subjetivas, tende a produzir práticas e, por esta via, carreiras

objetivamente ajustadas às estruturas objetivas. (Bourdieu, 1977:201, 202)

A escolha de certas carreiras pode ser determinada num campo de

possibilidades e impossibilidades associadas a cada tipo de posição na estrutura

social e, por esta via, chegar no sistema dos fatores objetivos que contribui para

definir as trajetórias biográficas mais prováveis para as diferentes categorias de

agentes. (Idem, 1977:202)

Carreiras ficam num sistema de posições estruturalmente pertinentes. Ou

seja, certas profissões mantêm a estrutura, o padrão social e escolar da família à

qual o indivíduo pertence, numa manutenção da estrutura de poder nas carreiras

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 40: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

40

escolhidas por certos grupos. Nesse sentido, há na trajetória pessoal do indivíduo

um leque limitado de possibilidades de atuação profissional, todas visando manter

a estrutura familiar numa posição econômica, social e cultural igual àquela de

todos os outros membros. No caso dos jornalistas, a profissão está disponível no

“leque de oportunidades” das carreiras para aqueles das camadas médias urbanas.

O processo externo de definição do jornalismo como carreira também

possui outro componente: o talento para o jornalismo. Palavras como “talento,

faro, sorte, dom, curiosidade” estão presentes tanto nas entrevistas quanto em

inúmeros textos que abordam as características do trabalho e do profissional do

jornalismo.

Este dom, estas qualidades “extras” não são adquiridas no meio

acadêmico; pelo contrário, elas parecem ter sido oriundas de virtudes inatas do

indivíduo, portanto são consideradas habilidades “naturais”. E elas serão testadas

e aprimoradas na prática da profissão, na qual o profissional tem a chance de

mostrar aos outros este talento ao escrever bem, ter faro para investigar os fatos,

ser curioso para produzir perguntas relevantes etc.

A habilidade de o jornalista escrever com clareza, de “dominar sua língua,

escrever bem” (Noblat, 2002:78,79) é, nesta concepção, inerente a ele e é

aprimorada no processo interno de formação. Quem define o que é escrever bem é

o próprio grupo que, no seu dia a dia, julga as matérias dos colegas e cria critérios

internos de mérito na apuração e forma da notícia (Travancas, 1993). Assim, o

talento do jornalista “nasce com ele” e é aprimorado e julgado com base nos

critérios do grupo em que atua.

Assim como a definição interna de “como escrever bem”, também há uma

lógica interna de construção dos fatos em notícias através de sua seleção, apuração

e edição. Há, em todos os meios de comunicação, critérios de seleção sobre quem

irá escrever certa notícia, seu destaque no jornal, a maneira como aquela notícia

será retratada e o modo como ela será escrita. Ou seja, há procedimentos de rotina

instrumentalizados para que a ações do grupo tenham uma coerência e funcionem

dentro de uma lógica comum.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 41: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

41

Em momentos como a ditadura militar, os entrevistados conseguiam

definir mais claramente os critérios de edição interna e externa que viabilizavam a

publicação de uma notícia, embora em todos os outros momentos sociais de

atuação do jornalista existam critérios de seleção daquilo que é notícia, como ela é

dita e escrita. Segundo um jornalista que começou sua atuação ainda nos anos da

ditadura e que permanece na profissão, “sempre existiu o que chamamos de

‘tesoura’, um modo do editor, do chefe de redação ou quem quer que seja o

responsável pela edição final do jornal alinhar o texto do jornalista com a linha

editorial, seja na época da ditadura ou nos dias de hoje”.

Para citar alguns procedimentos de rotina que sugiram nos depoimentos,

destaco como mais frequentes as reuniões de pauta, onde são definidos os fatos

que serão apurados ao longo do dia e que jornalistas irão fazê-lo; a seleção do

tamanho que a notícia irá ganhar e, portanto, a definição do texto do jornalista

conforme o espaço que lhe é dado para escrever; e a “tesoura” do editor, que

adapta o texto conforme seu entendimento, para adequá-lo à linha editorial.

Este exemplo de rotina de confecção da notícia não é assim entendido pelo

próprio jornalista no seu discurso, pois as entrevistas revelaram que há uma ideia

de que “o jornalismo não tem rotina”. Mas o que querem dizer com isso é que

todos os dias há notícias diferentes a serem tratadas, o que não significa que não

haja uma rotina quanto aos procedimentos para escolha, apuração, edição e

divulgação das mesmas.

Existe no modo de fazer jornalismo um dia a dia que parece novidade,

pois, a cada dia, há um novo fato com potencial de ser coberto, mas os

procedimentos de escolha, apuração, escrita e finalização da escrita têm sua

formalização e sua formatação. Nesse sentido, os critérios do jornalista sobre o

que é rotina não contemplam uma prática que é rotinizada. É que o discurso

interpreta como falta de rotina apenas um dos aspectos do trabalho e não leva em

consideração procedimentos bem definidos e usados cotidianamente nas práticas

do grupo.

Para manter esta ordem, “esta rotina de não ter rotina”, nas palavras do

próprio grupo, os profissionais são escolhidos para integrarem o grupo sob

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 42: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

42

critérios também “internos7”, ou seja, o modo de contratação de pessoas também é

peculiar.

Normalmente jornalistas são contratados por indicação de outros

profissionais que já atuam no veículo, “porque a pessoa já te conhece, já sabe das

suas habilidades, da sua competência, do seu talento”, define uma jornalista cuja

atuação iniciou nos anos 1980. Outro jornalista, da época anterior, completa:

“temos que escolher aqueles que são dos nossos, quem terá facilidade de trabalhar

aqui”. E, ainda, segundo uma profissional da geração mais atual, “não há como

saber se um jornalista é bom pelo papel, pelo currículo, só dá pra saber quando ele

coloca a mão na massa e corresponde à pressão da redação”.

Sob esse aspecto, o grupo seleciona os profissionais com potencial de

participarem do que Isabel Travancas, em “O mundo dos jornalistas (1993)”,

classificou como sendo um mesmo “estilo de vida”, e uma mesma “visão de

mundo” sobre o grupo, sua formação, atuação e valores.

Ingênua ou não, já que, segundo Pierre Bourdieu, os profissionais do

jornalismo se voltam para percepções e discussões internas, achando que têm

força de atuação sobre suas práticas e sobre o veículo em que atuam, enquanto as

empresas que os contratam se beneficiam deste trabalho voltado para o âmbito

interno por ser ele menos questionador dos processos externos de controle que

estes meios de comunicação exercem na sociedade (Bourdieu,1997), é esta a

percepção sobre os “talentos” que são selecionados para a inserção no grupo.

O “mundo dos jornalistas” é inventado e reinventado com foco nas

práticas internas e, portanto, alguém se torna jornalista efetivamente após rituais

criados no ambiente de trabalho. Mesmo os talentos e influências externas só

fazem sentido quando colocadas à disposição das práticas construídas e

entendidas como internas. O quadro comparativo a seguir busca sintetizar fatores

que representam e fatores que não representam o “caráter do jornalista”:

7 As ideias de práticas e critérios internos e, portanto, específicos do grupo para formação do grupo

e do seu caráter são construídas a partir do discurso do próprio grupo e não devem ser entendidas

como práticas e critérios absolutos e exclusivos; são apenas aqueles reivindicados como legítimos

e formadores da identidade, do perfil, das ações, do pertencimento do jornalista.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 43: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

43

Fatores que representam o

caráter do jornalista

Fatores que não representam o caráter

do jornalista

“Prática” “Teoria”

Local de trabalho, ambiente

interno

Universidade, ambientes e materiais

acadêmicos e formais, ambiente externo

Dom, talento para a escrita, faro

jornalístico

Influência dos capitais escolar e familiar e

de pertencimento a uma classe social

Grupo de jornalistas Público geral, senso comum, sociedade

Objetividade, verdade Subjetividade, narrativa, interpretação

social dos fatos

Imparcialidade Parcialidade

Falta de rotina no trabalho Mundo do trabalho rotinizado

Quadro 2: Comparativo inicial dos fatores que representam e não representam o “caráter do

jornalista.

2.9. A importância dos traços comuns: encontrando um recorte para o “caráter”

Como havia mencionado anteriormente, há, sim, fatores que podem

diferenciar jornalistas entre si, mas o que se mostrou bastante relevante nas

primeiras entrevistas com jornalistas que trabalham ou trabalharam em jornais do

Rio de Janeiro é que elas apontaram um relevante traço comum entre os

jornalistas das diferentes gerações e que identifico como parte bastante definidora

do caráter do grupo, uma especificidade que mostra que eles são um grupo que

continua a reforçar suas características e a criar traços distintivos e específicos do

grupo e continuam a reforçá-los com o passar do tempo.

Este critério comum ao grupo profissional, independente do recorte

geracional, ajudou a pesquisa a seguir adiante. Vamos a ele.

Foi possível identificar nas entrevistas o discurso e a descrição de critérios

tidos como “práticos” como sendo essenciais para a formação do caráter do

jornalista. Além disso, todos os entrevistados citaram modestamente suas

disciplinas acadêmicas, professores, bibliografias e teorias usadas no período

universitário, bem como materiais formais como Manuais de Redação ou

protocolos oficiais, como sendo aquilo que os ajudou a formar a sua base

profissional e o seu caráter.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 44: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

44

Foi da pouca lembrança ou ênfase aos tempos, disciplinas, professores e

discussões universitárias que foi possível identificar que os temas de cunho

teórico, formal e/ou oficial eram citados, mas não priorizados e entendidos como

definidores do modo de ser e fazer jornalismo.

Era comum ouvir entre os jornalistas frases que explicitavam o

aprendizado do jornalismo “na prática”. Em frases como “tudo o que eu aprendi,

eu aprendi na prática”. Esta “prática”, definição do jornalista para o aprendizado

no ambiente de trabalho, local onde se vê, sente e pratica a atividade, se dava em

oposição à teoria acadêmica, aos aspectos formais da profissão e a elementos

externos ao grupo. Esta “prática” era uma descrição de critérios que eram

expostos como dando sentido às ações e identidades construídas pelo grupo dos

jornalistas.

A relação do grupo com sua construção de “prática” está ligada a uma

visão de dentro pra fora: ou seja, das redações e demais locais de trabalho se cria a

atuação e interpretação sobre o ambiente externo. As relações com a “teoria” e a

“sociedade” são tidas como fatores externos com os quais o grupo tem que lidar

em segundo plano. A construção de uma ideia de “prática” e de “local de

trabalho” criam respectivamente uma interpretação de modos de agir como sendo

específicos do grupo (ser) e das especificidades das ações e locais de atuação

(fazer).

O que se pode ver desta interpretação é que o jornalista inicia sua

definição de existência e de atuação a partir da ideia de um núcleo que se espalha

para fora, de um mundo dos jornalistas que quer se ver a partir de critérios

distintivos do grupo, sendo ali onde se encontram suas características marcantes.

Não é que estes fatores tidos como externos e teóricos não existam ou não

influenciem o grupo, mas eles não são reivindicados de modo enfático como

marcantes do modo de ser jornalista e fazer jornalismo.

Para Marshall Sahlins (2007), não há, de fato, uma ordem prática capaz de

operar sobre um grupo. O que há é uma criação arbitrária de definição do que se

quer definir como “prática” e, a partir desta definição, revestir esta ideia de

“prática” de critérios e conceitos necessários para sua existência.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 45: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

45

Sob este aspecto, os jornalistas se revelam “agentes que desenvolveram

suas próprias normas e valores discursivos. (...) [e] o modo jornalístico de

escrever tornou-se caracterizado por estratégias e práticas discursivas específicas”

(Chalaby, 1996:303).

Os jornalistas criam um ambiente de invenção da realidade exatamente por

julgar que há um movimento de dentro pra fora: da prática sendo a formadora das

opiniões, da construção de relações e de processos de comportamento e

identidade.

Nesse sentido, o “caráter” do jornalista é percebido pelo grupo através de

ações e identidades criadas e reconhecidas dentro do grupo e estão relacionadas

mais fortemente à construção de uma ideia de “prática”. Assim, essa autoimagem

e autonarrativa que o jornalista produz sobre si mesmo alicerçam a forma como

ele constrói e reconstrói seu caráter.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 46: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

3. O caráter do jornalista: as entrevistas

Vou te contar uma história, posso? Tinha um motorista que trabalhava em carros

fortes e na época assaltavam muito, aí conseguiu uma vaga aqui no jornal. Ele

ligou pra mulher e disse: “querida, agora estou no jornal e acabou essa história

de tiroteio”. Na primeira saída ele foi pra uma matéria com a Luíza Brunet,

pediu autógrafo, depois foram outras com outros artistas, ele ficou encantado. Aí

uma hora antes dele largar, o diretor de redação me chamou pra subir o morro

do Cantagalo porque estava tendo um tiroteio, pra sair com foto na segunda

edição. Eu e o fotógrafo fomos pro carro e falamos que a gente tava indo pra

Ipanema. O olho dele brilhou, ele ficou todo feliz porque achou que ia encontrar

artista. Eu brinquei: “vamos encontrar artistas pra caramba!” Quando

chegamos perto da favela estava tudo escuro, eu falei pra ele apagar a lanterna

do carro pra gente entrar devagarzinho. Quando a gente parou o carro começou

o tiroteio, eu vi bola de fogo cruzando o céu, parecia que a gente estava no meio

de uma guerra. Eu me abriguei atrás de um poste, porque eu sou magrinho, o

fotógrafo estava atrás dos carros dos PMs, e o motorista, nós gritamos para ele

arranjar um abrigo, aí ele se jogou no chão. Aí meu chefe telefonou com o

tiroteio comendo: “Onde você está Natal? Na guerra? Volta logo pra redação,

pelo amor de Deus!” Eu tinha apurado a história e falei: “É hora da gente ir

embora”. Quando chegamos numa parte de Ipanema que tinha luz, adivinha o

que aconteceu? Ele (o motorista) procurou abrigo numa viela onde tinha fossa a

céu aberto e ficou todo sujo. Essa história foi muito engraçada. É que ele não

fazia ideia do que era trabalhar como jornalista.

(Lúcio Natalício, in memorian)

3.1. As entrevistas

A presença marcante nos depoimentos dos jornalistas de uma ideia de

prática que constitui predominantemente o caráter do grupo merecia uma

investigação mais profunda. Para tal, optei pela realização de entrevistas com um

grupo maior de profissionais brasileiros e, ainda, pela realização de entrevistas

com profissionais de outro país, no caso, os Estados Unidos.

Dessa forma, ao ter acesso a um número maior de jornalistas brasileiros, a

ideia sobre a percepção da construção de modos de ser e fazer jornalismo

relacionados a elementos que constituem a ideia de prática poderiam ser

entendidas com mais detalhes e ganhar novos elementos. E, ao entrevistar

profissionais norte-americanos, seria possível colocar esta construção retórica e

constitutiva do caráter do grupo em perspectiva comparada, buscando

interlocutores orientados por outra cultura. As entrevistas com jornalistas de outro

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 47: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

47

país seriam importantes também para verificar se o discurso de valorização dos

critérios práticos e sua influência direta no delinear do caráter do grupo se

relacionam a características peculiares ao jornalista brasileiro ou se há, entre

profissionais de ambos os países, alguma convergência discursiva e formadora de

um caráter favorável aos critérios definidos como práticos.

A opção por jornalistas norte-americanos não foi feita ao acaso. Ela se deu

em virtude de as escolas de jornalismo, os jornalistas e meios de comunicação

deste país terem tido grande influência na formação das escolas de jornalismo,

jornalistas e meios de comunicação brasileiros. Nesse sentido, toda esta influência

pode servir como fonte de convergências discursivas e de atuação ligadas ao que

significa ser e fazer jornalismo.

Os jornalistas brasileiros selecionados para esta segunda fase de

entrevistas continuaram sendo profissionais que atuam ou atuaram em jornais

impressos da cidade do Rio de Janeiro, enquanto os profissionais norte-

americanos selecionados faziam parte do grupo de profissionais que atua ou atuou

em jornais impressos da cidade de Nova York.

A escolha de Nova York se deu pois, assim como o Rio de Janeiro, a

cidade atua como um centro de referência de mídia nos Estados Unidos. A cidade

é um centro onde empresas midiáticas constituem sedes, a partir do qual

disseminam notícias para o restante do país. Cidade onde os fatos locais são

relevantes e de onde notícias que ocorrem em todo o mundo são redigidas e

divulgadas. Além disso, a cidade hospeda importantes escolas de jornalismo, com

estudantes que chegam de todas as partes do país para estudarem e também para

tentar trabalho em um veículo de comunicação da cidade.

O questionário produzido para ouvir estes jornalistas sofreu algumas

alterações desde aquele utilizado na pesquisa de Qualificação. Ele continuou

sendo amplo e tendo como proposta não produzir direcionamentos acerca do que

poderia surgir sobre a formação do caráter do jornalista, mas, agora, ele tinha a

intenção de entender melhor o sentido da valorização dos critérios práticos na

formação deste caráter e, ainda, buscar novos elementos que pudessem auxiliar na

interpretação da construção desta retórica e identidade de grupo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 48: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

48

Além das mudanças e acréscimos de questões, o questionário também

ganhou uma versão em inglês. Esta versão também permitiu que profissionais

entrevistados que solicitassem o questionário pudessem recebê-lo em seu idioma

e, conforme ocorreu em alguns casos, respondê-lo por escrito.

3.2. Brasil e Estados Unidos: existe um traço do caráter que ultrapasse fronteiras?

Para a expansão da discussão sobre o caráter do jornalista e identificação

de elementos que pudessem ajudar no entendimento sobre a valorização dos

critérios práticos na formação deste caráter, foram realizadas entrevistas com um

número maior de jornalistas brasileiros e também com profissionais norte-

americanos.

Assim, seria possível colher novos depoimentos de profissionais

brasileiros, a fim de compará-los com as primeiras entrevistas e também buscar

depoimentos de profissionais de outro país, ganhando a possibilidade de

comparação de semelhanças naquilo que, através do discurso nativo, é

reivindicado como elementos formadores do caráter do jornalista.

Portanto, a intenção de colher depoimentos de jornalistas de Brasil e

Estados Unidos se deu pois, mesmo que estes estejam sujeitos às influências da

cultura de seus países de origem, há a possibilidade da existência de critérios

convergentes e que possam ser percebidos nos grupos de ambos os países8.

E, conforme assinalado anteriormente, a opção por jornalistas brasileiros e

norte-americanos não foi aleatória, já que o modelo de fazer jornalismo no Brasil

8 Este trabalho tem a intenção de dar ênfase aos aspectos semelhantes, aos pontos de convergência

existentes nos discursos de jornalistas brasileiros e norte-americanos no que diz respeito à visão

sobre os modos de ser e fazer jornalismo, sobre a formação do caráter do grupo. Isso não significa

que não haja inúmeros aspectos divergentes entre os grupos de ambos os países nem mesmo entre

os profissionais de um mesmo país. Há uma escolha pela busca dos aspectos semelhantes

encontrados na construção retórica do grupo. Aspectos que se assemelham e estabelecem sentido à

formação de seu caráter, influenciando nos modos de se perceber e agir enquanto jornalista. Além

disso, a busca pelos aspectos semelhantes não tem a intenção de propor que brasileiros e norte-

americanos, ao produzirem um discurso de formação de caráter convergente, o produzam sem a

relevância de suas diferenças culturais. Não se trata de retirar o peso cultural que há sobre estes

profissionais na maneira de interpretar o mundo e, com isso, seu próprio caráter. Dessa forma, os

aspectos aqui apontados devem ser encarados como similares, já que é preciso levar em

consideração a existência de características culturais distintas entre profissionais brasileiros e

norte-americanos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 49: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

49

foi influenciado pelo modelo norte-americano. Dessa forma, os discursos sobre o

que é ser e fazer jornalismo entre os jornalistas brasileiros podem convergir com

interpretações sobre o caráter dos profissionais norte-americanos, por serem

grupos que possuem um nível de interação que potencializa a existência de traços

semelhantes.

Segundo Carlos Eduardo Lins da Silva, em “O adiantado da hora. A

influência americana sobre o jornalismo brasileiro”, é bastante significativa a

relação entre o jornalismo brasileiro e o norte-americano. Segundo o autor, há

registros de interesse das empresas jornalísticas brasileiras e dos jornalistas pelo

modelo norte-americano de fazer jornalismo desde a década de 1920. E daí em

diante, a aproximação foi se estreitando cada vez mais:

É na década de 40 que dois dos mais importantes jornalistas do Brasil vão aos

EUA e voltam de lá dispostos a mudar alguns padrões da imprensa do Brasil na

direção da americana. Um deles é Pompeu de Souza (...) (Lins da Silva, 1990:

77).

Seja através de visitas de jornalistas brasileiros a redações norte-

americanas e o retorno ao Brasil com projetos de mudanças no jornalismo

brasileiro, seja pelo retorno de profissionais que viveram uma experiência de

moradia e/ou estudos nos EUA, o que fica evidente, segundo Lins da Silva, é que

o jornalismo norte-americano passa a influenciar as redações brasileiras.

Lins da Silva também ressalta o estreitamento das relações diplomáticas

entres os dois países e a admiração pela postura empresarial das empresas

jornalísticas norte-americanas por parte dos empresários ligados à imprensa

brasileira como fatores influentes para a aceitação do modelo norte-americano.

A década de 1970 confirma e expande a influência do jornalismo norte-

americano no Brasil. Entre os fatores que contribuíram para tal, Lins da Silva

destaca o caso Watergate e a implantação do modelo da escola norte-americana no

Brasil:

o caso Watergate, em meados da década de 70, também se constituiu num agente

fundamental para a disseminação generalizada da ideia de que só numa

sociedade com um tipo de jornalismo como o americano é possível à imprensa

exercer um papel político tão predominante (Idem, 1990:83).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 50: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

50

O caso Watergate9 serviu de exemplo de modelo jornalístico a ser seguido

e ajudou a “cimentar a hegemonia ideológica dos conceitos da escola americana

de jornalismo no Brasil” (Idem, 1990:84), ao criar uma imagem de que o

jornalismo pode ser capaz de exercer um papel transformador relevante na

sociedade.

Confirmando a influência do jornalismo norte-americano no Brasil, o autor

revela, que nos anos 1970, jornalistas que viveram ou foram influenciados pelos

Estados Unidos chegam às redações apresentando conceitos adquiridos por lá.

Dessa forma, muitos jornais ganharam características marcantes do modelo

importado:

Não há exemplo mais acabado desta situação do que o da Folha de S. Paulo. A

leitura do Manual de Redação desse jornal e os estudos científicos que vêm

sendo feitos a seu respeito mostram com clareza indiscutível que se tem ali um

caso de influência consciente, não-ocasional, do jornalismo americano sobre o

brasileiro (Ibidem, 1990: 86,87).

Além disso,

os cursos de jornalismo que se expandiram no Brasil a partir da regulamentação

de 1969 da profissão de jornalista, que tornou obrigatório o diploma de bacharel

na área para o exercício da atividade [foi] outra fonte de inestimável

importância para a disseminação dos valores e técnicas do jornalismo

americano na imprensa brasileira (Ibidem, 1990:84).

Isso porque

a escassez de literatura específica produzida no país e o fácil acesso aos livros

americanos na área fizeram dos autores americanos os responsáveis pelos textos

básicos com que o estudante se [formava] no Brasil (Ibidem, 1990:85).

Ainda assim é preciso perceber, segundo o autor, embora os dois países

produzam tipos de jornalismo distintos em razão de suas características históricas,

9 Os jornalistas Carl Bernstein e Bob Woodward, do jornal Washington Post, escreveram uma

série de reportagens investigativas que provava a existência de um esquema de corrupção dentro

do Partido Republicano. Entre os casos investigados, estava a ligação da Casa Branca com a

invasão, em 1972, da sede do Partido Democrata. O caso ficou conhecido como Watergate por ser

este o nome do edifício onde existia a sede do Partido Democrata. Além disso, o trabalho

investigativo dos jornalistas é considerado de extrema importância para a renúncia do presidente

Richard Nixon, em 1974. A série de reportagens serviu para profissionais de jornalismo como

modelo de apuração a ser seguido e também se tornou grande sucesso junto ao público em geral

com a adaptação para o cinema do livro Todos os homens do presidente (1974).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 51: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

51

econômicas, políticas e culturais, que foi o conceito norte-americano o escolhido

enquanto padrão a ser seguido pelos meios de comunicação brasileiros:

O jornalismo brasileiro aceita o modelo americano de jornalismo (...) como

hegemônico. Mais isso não significa ser ele submisso, dependente ou mero

reprodutor de conceitos alheios. Ele goza de relativa autonomia, reinterpreta o

que absorve, incorpora suas próprias ideias, junta aspectos de outras escolas (a

francesa, a britânica e a ibérica em particular) para formar um jornalismo com

características peculiares, mas ainda assim dentro da hegemonia ideológica do

jornalismo norte-americano (Ibidem, 1990:36).

As regras que o modelo americano trouxe aos modos de escrever no Brasil

são tratados por José Maria Mayrink, em “Vida de Repórter” (2002), no qual o

jornalista revela sua trajetória profissional e os cuidados com a redação das

matérias. Matérias essas que deviam seguir o modelo norte-americano. Mayrink

citava regras como lead, sublead, pirâmide invertida como regras que deveriam

aparecer nos textos dos jornalistas:

Lead, sublead em parágrafos corridos, entretítulos a cada 20 linhas, a matéria

seguia, à risca, a técnica da pirâmide invertida, que teoricamente permitia cortar

o texto pelo pé, sem maior prejuízo (Mayrink, 2002:25).

Em “Ser jornalista no Brasil. Identidade profissional e formação

acadêmica”, Fernanda Lima Lopes apresenta a presença de marcas no jornalismo

norte-americano no Brasil, principalmente a partir dos anos 1950, quando o

modelo de jornalismo brasileiro começa a se afastar da influência dos modelos

europeus, principalmente do modelo francês, e se vale de características norte-

americanas de fazer jornalismo, utilizando o ideal da objetividade, a valorização

da publicidade e inovações tecnológicas e de técnicas de redação.

Segundo a autora, a padronização dos textos a partir do ideal da

objetividade e da neutralidade jornalística:

significaram, em alguma medida, o aumento da sensação de isenção produzida

pelo discurso jornalístico informativo. As técnicas de objetividade procuraram

propositalmente se afastar do antigo modelo prolixo, de terminologia rebuscada,

com uso de termos de linguagem jurídica ou de estilo literário, mas,

principalmente, cheio de juízo de valor explícito. Nesse sentido, a notícia e a

reportagem acabaram se tornando os produtos jornalísticos que melhor

sistematizavam a imagem do jornalismo pós-reformas dos anos 1950. (...) A

abstenção do uso dos adjetivos, a presença de aspas e do discurso indireto, a

regra de saber abranger os dois ou mais lados da questão, entrevistando todos os

envolvidos nela e dando igual espaço a eles, são alguns exemplos de recursos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 52: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

52

retóricos capazes de provocar uma aura – ainda que ilusória – da neutralidade

(Lopes, 2013:77).

E para além da apreensão das técnicas jornalísticas entre os profissionais:

os impactos da adoção da norma da objetividade pelos veículos de comunicação

não se restringem a transformações da ordem da prática jornalística. A

identidade do grupo passou a estar necessariamente vinculada a ela (ideia de

objetividade) não apenas pelo que ela significou na dimensão dos fazeres, mas

também porque alcançou o âmbito dos valores, bem como dos saberes. A partir

dos anos 1950, esse ideal tornou-se pilar fundamental para construção de toda

uma deontologia (Idem, 2013:78).

Entre os exemplos citados pela autora sobre a influência do modelo de

jornalismo norte-americano estão ainda a confecção de Manuais de Redação nos

moldes norte-americanos, “a organização de cursos nas redações dos jornais para

ensinar as novas técnicas de redação e estilo” (Ibidem, 2013:79), o ensino

universitário que aplicou técnicas de objetividade em suas disciplinas, afetando

assim a organização curricular das universidades, a visita de jornalistas aos

Estados Unidos, até mesmo a convite do Departamento de Estado americano,

dentre outros.

Assim, das normas ao ensino universitário, das técnicas de redação ao

ideal de objetividade, do intercâmbio formal às viagens informais de jornalistas,

os modos de fazer jornalismo no Brasil foram se aproximando dos modos de fazer

jornalismo nos Estados Unidos, estabelecendo relações cada vez mais fortes entre

os modelos.

3.2.1. Rio de Janeiro e Nova York

A escolha das cidades do Rio de Janeiro e Nova York se deu por serem

grandes centros da mídia e para a mídia. O Rio de Janeiro abriga a sede de um dos

maiores jornais brasileiros, O Globo, e Nova York o maior jornal norte-

americano, o The New York Times. Além destes dois veículos impressos de grande

porte, as duas cidades abrigam um grande número de profissionais de jornalismo

que atuam em outros veículos impressos, bem como em muitos outros veículos

midiáticos. Também são dois grandes centros urbanos por onde importantes

notícias circulam e se tornam relevantes de serem apuradas e divulgadas para todo

o território nacional e onde importantes escolas de jornalismo estão localizadas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 53: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

53

O número de jornais de grande, médio e pequeno porte que circulam por

estas cidades é significativo e estas foram cidades que se tornaram referências de

atuação da mídia. E a força da presença midiática nas duas cidades ultrapassa a

participação dos jornais impressos. São locais com centros universitários de

referência em Jornalismo, com grande número de empresas de rádio, TV, Internet,

agências de notícias que atuam das formas mais variadas e que expandem seu

trabalho jornalístico para o restante do país e do mundo.

A cidade de Nova York é a mais populosa10 dos Estados Unidos, com mais

de oito milhões de habitantes. Ela é um importante centro de moda, pesquisa,

tecnologia, arte, turismo, finanças, comércio e mídia e os acontecimentos da

cidade se tornam relevantes para todo o país. A cidade em si é notícia relevante,

pois possui grande influência na economia, política e cultura norte-americana e,

além disso, é um centro que produz e analisa notícias e as faz circular pelo resto

do país.

O jornal mais lido no país pelos leitores de maneira geral e também entre

os jornalistas norte-americanos é redigido na cidade de Nova York. Segundo

pesquisa realizada em “The American Journalist in the 21st Century” (Weaver,

2007), o periódico The New York Times lidera a lista dos jornais mais lidos pelos

jornalistas norte-americanos. E este resultado se repete desde que a pesquisa

incluiu este item na lista de perguntas, nos anos 1980, até a última pesquisa

realizada em 2002 (Weaver: 2007: 24, 25, 26).

A cidade de Nova York também abriga universidades de renome que

oferecem cursos de graduação e pós-graduação em Jornalismo e áreas afins. Entre

as importantes universidades estão a NYU (New York University), Fordham

University, CUNY (City University of New York), Columbia University, entre

outras. Sendo esta última considerada uma das mais importantes universidades do

país11. Além disso, o Departamento de Jornalismo da Universidade de Columbia

10 Fonte: documento Population Distribution and Change: 2000-2010, publicado em 2011 pelo

United States Census Bureau, no site www.census.gov 11 A Universidade de Columbia e mais sete universidades fazem parte da Ivy League. Ser

integrante desta associação é, para universidades, sinônimo de excelência acadêmica e prestígio.

Além da Universidade de Columbia, são membros do grupo as universidades: Brown, Cornell,

Dartmouth, Harvard, Pensilvânia, Princeton e Yale.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 54: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

54

administra o prêmio de Jornalismo mais importante dos Estados Unidos, o Prêmio

Pulitzer12.

O Rio de Janeiro também é um centro de referência para o jornalismo,

com atividades econômicas, culturais, sociais e políticas que são consideradas

relevantes de serem divulgadas para todo o país. Além disso, a cidade é sede de

grandes empresas midiáticas que produzem informações que irão circular por todo

o país e possui universidades federais, estaduais e particulares que oferecem

cursos de Jornalismo.

A mídia impressa carioca conta com a presença de importantes empresas

jornalísticas. Entre elas, a maior empresa midiática do país, as Organizações

Globo13, com diversos produtos jornalísticos em veículos como televisão, rádio,

Internet e mídia impressa. Dos cinco jornais mais lidos do país, dois pertencem à

organização, segundo pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Jornais14

(ANJ) e realizada pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), em 2013. São

eles os jornais O Globo e Extra. Além destes veículos, a organização possui

também os jornais Diário de São Paulo e Valor Econômico, este em parceria com

o grupo Folha.

3.3. As entrevistas e o perfil dos jornalistas

Nesta segunda etapa de entrevistas, foram entrevistados dez jornalistas

brasileiros, somando um total de dezesseis profissionais, já que entrevistei na

primeira etapa seis profissionais, e dezoito jornalistas norte-americanos, num total

de trinta e quatro jornalistas. Os profissionais entrevistados atuam ou atuaram em

jornais impressos nas cidades do Rio de Janeiro e Nova York. Com entrevistas

variando entre quarenta minutos e uma hora e meia, também nesta fase, o tempo

total de gravação, em torno de 23 horas15, foi suficiente para obter informações

12 Atualmente o prêmio elege trabalhos jornalísticos em 14 categorias, com premiações em

dinheiro aos ganhadores. Para saber mais: www.pulitzer.org 13 Para saber mais sobre a história das Organizações Globo ver Rede Globo: 40 anos de poder e

hegemonia (Brittos & Bolaños (org.), 2005). 14 Pesquisa divulgada em www.anj.org.br 15 Das trinta e quatro entrevistas realizadas, trinta foram gravadas com áudio e quatro entrevistas

foram respondidas de maneira impressa, após envio de questionário por correio eletrônico. Destas

quatro, duas por profissionais brasileiros e duas por norte-americanos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 55: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

55

relevantes para a pesquisa. O encerramento da fase de entrevistas se deu quando

as respostas passaram a ser muito semelhantes, tanto quando comparadas às

respostas de outros jornalistas por mim entrevistados quanto em comparação às

outras fontes utilizadas como fonte para este trabalho.

Para Verena Alberti, em “Manual da História Oral” (2005), há um

momento em que os depoimentos passam a se repetir e isso significa que é hora de

seguir para uma nova etapa da pesquisa. Quando as entrevistas começam a ficar

“saturadas”, produzindo cada vez menos novidade em suas informações, é o

momento de análise do material colhido.

Assim como os profissionais entrevistados na primeira etapa, a escolha

dos profissionais foi orientada:

a partir da posição do entrevistado no grupo, pelo significado de sua experiência

(...) como unidades qualitativas – em função de sua relação com o tema estudado

– seu papel estratégico, sua posição no grupo (Alberti, 2005: 31,32).

Algumas entrevistas foram realizadas de maneira presencial e outras

através de telefone ou skype. Durante a primeira etapa das entrevistas, os seis

jornalistas que atuam no Rio de Janeiro foram entrevistados pessoalmente. Na

segunda etapa, percebi que, para alcançar um número maior de profissionais,

precisaria recorrer a recursos como o telefone, e-mail e skype. Isto permitiu que eu

pudesse conversar com jornalistas em horários mais flexíveis e possibilitou a

chance de chegar a um número maior de profissionais e horas de entrevistas.

O conteúdo dos depoimentos não foi menos relevante nas entrevistas não

presenciais, pelo contrário, já que os horários mais flexíveis permitiram que os

jornalistas ficassem livres para falar sem a preocupação de ter que retornar ao

trabalho ou de surgir algum compromisso de última hora.

Tanto no Rio de Janeiro quanto em Nova York, os jornalistas que

participaram das entrevistas foram selecionados a partir de sua relevância no

grupo e no recorte deste trabalho. Ou seja, atuam ou atuaram como profissionais

de jornalismo em jornais impressos. Os contatos com estes profissionais foram

feitos através de redes pessoais e profissionais e também através de pesquisas dos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 56: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

56

endereços eletrônicos de jornalistas, aos quais enviei e-mail apresentando minha

pesquisa e convidando para participação como entrevistado.

Minhas redes pessoais e o contato com pessoas da área do jornalismo me

levaram a alguns entrevistados, já que me graduei no curso de Jornalismo e tive

experiências profissionais em meios de comunicação, entre elas um jornal

impresso do Rio de Janeiro. Também contei com a ajuda de meu orientador,

Valter Sinder, para realizar contatos com jornalistas no Brasil e nos Estados

Unidos, e me comuniquei com jornalistas do Rio de Janeiro com os quais não

possuía contato prévio, através de mensagens enviadas aos seus endereços

eletrônicos.

Em Nova York, tive a oportunidade de ser bolsista Capes/Fulbright no

Departamento de Mídia da Universidade de Fordham e minha supervisora, Janet

Sternberg, me auxiliou indicando alguns profissionais para entrevista. Também

contei com a rede de bolsistas e ex-bolsistas Fulbright para entrar em contato com

jornalistas da cidade.

Uma outra maneira de encontrar jornalistas para serem entrevistados

ocorreu através pesquisa dos endereços eletrônicos de profissionais da área e

envio de mensagem apresentando o tema de minha pesquisa e um convite para

uma entrevista que iria colaborar com a realização de meu projeto acadêmico.

Apesar de mais acostumados a realizarem entrevistas que serem

entrevistados, devo dizer que os jornalistas de ambos os países foram bastante

receptivos, demonstraram interesse pela pesquisa, curiosidade pelo resultado final

e não se recusaram a responder nenhuma das questões do questionário.

Busquei contemplar profissionais de ambos os sexos e de diferentes faixas

etárias em números equilibrados. Nos Estados Unidos, foram entrevistados oito

homens e dez mulheres, enquanto no Brasil foram ouvidos sete homens e nove

mulheres. Cinco brasileiros e cinco norte-americanos iniciaram suas carreiras

antes dos anos 1980, enquanto seis profissionais em ambos os países iniciaram no

jornalismo entre os anos 1980 e 2000. Com carreira iniciando após os anos 2000,

foram entrevistados cinco brasileiros e sete norte-americanos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 57: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

57

Entre os profissionais entrevistados16 apenas um jornalista brasileiro não

concluiu ao menos o curso de graduação. Destes trinta e três, quinze jornalistas

brasileiros estudaram em curso de graduação e (ou) pós-graduação na área de

jornalismo. Já entre os norte-americanos, seis profissionais possuem formação em

outras áreas, enquanto doze estudaram Jornalismo em curso de graduação e(ou)

pós-graduação.

Apenas dois jornalistas brasileiros revelaram ser oriundos de classe baixa.

Os outros trinta e dois jornalistas classificaram que suas famílias pertenciam à

classe média. Durante a pesquisa, a definição sobre classe média não estava entre

as questões feitas ao jornalista e, portanto, o sentido de classe média deve ser

percebido em seu aspecto amplo, levando em consideração que esta escolha pela

“classe média” pode ter sido orientada por critérios distintos entre os

interlocutores.

Perfil dos jornalistas entrevistados

Classe social Formação Início de carreira Sexo

País Média Baixa Não Graduação ou pós

Graduação

Outra

Até 1980 1980-2000 Depois Homens Mulheres

BRA 14 2 1 15 0 5 6 5 7 9

EUA 18 0 0 12 6 5 6 7 8 10

Total 32 2 1 27 6 10 12 12 15 19

Quadro 3: Perfil dos jornalistas entrevistados.

3.4. Aprimorando o questionário (Anexo II e III)

Para uma análise mais detalhada do caráter do jornalista, agora buscando

compreender o discurso do grupo brasileiro e do grupo norte-americano, o

questionário17 ganhou algumas questões que pudessem ajudar a desenvolver ainda

mais a análise do perfil do grupo e de sua relação com o discurso de valorização

dos aspectos práticos. A partir destes novos elementos do questionário, surgiram

16 Trata-se de uma amostra qualitativa. Esta pesquisa não tem intenção de produzir uma amostra

que corresponda a números de pesquisas quantitativas sobre o perfil de jornalistas que atuam no

Brasil e nos Estados Unidos. 17 Os questionários nas versões em português e inglês estão disponíveis em anexo (Anexos II e III)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 58: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

58

mais traços ligados à ideia de prática e de teoria que contribuíram ainda mais para

entender o caráter do grupo.

O questionário sofreu alterações nesta etapa de entrevistas para que

pudesse, assim como o primeiro, ser amplo e abordar diversos temas ligados ao

jornalismo, sem propor o direcionamento para um recorte específico e tornar-se

ainda mais claro e organizado. Novas perguntas foram acrescentadas, para que

características dos modos de ser e fazer jornalismo pudessem aparecer e também

para que a escolha retórica pelos aspectos práticos na formação do caráter do

grupo fosse melhor definida.

Também busquei encontrar profissionais que tivessem iniciado a carreira

em épocas distintas. Na primeira etapa de entrevistas para a Qualificação,

organizei esta divisão, para o caso de haver entre profissionais de diferentes

gerações diferentes percepções sobre o que significa ser e fazer jornalismo.

Nesta segunda etapa, optei por profissionais das diferentes gerações para

que o caráter do grupo não contemplasse informações de um perfil geracional

específico. Mas, a partir desta fase, o foco do trabalho está nos elementos

semelhantes do grupo, independentemente das diferenças que possam surgir

diante das faixas etárias.

O questionário manteve seu caráter confidencial, para que os entrevistados

pudessem falar livremente. Além disso, a organização das questões manteve a

intenção de abarcar as relações e percepções sobre o jornalismo desde a infância

do entrevistado até o os dias atuais.

É importante destacar que, na fase das novas entrevistas, minha atenção

estava mais voltada para os discursos relacionados à valorização dos elementos

práticos na formação do caráter do jornalismo e nas definições sobre o que

significa ser e fazer jornalismo mas, ainda assim, busquei não ser específica nas

perguntas, mantendo o questionário amplo e sem um caminho traçado, para poder

analisar se os novos entrevistados confirmariam, acrescentariam ou, ainda,

modificariam essas características do caráter do jornalista.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 59: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

59

Nesse sentido, as modificações do questionário não foram para limitar o

jornalista a falar do recorte produzido neste trabalho. A organização se deu para

compreender ainda de maneira mais clara que elementos formam e dão sentido ao

caráter do jornalista e não para produzir um direcionamento. A diferença mais

marcante entre este questionário e aquele produzido para a Qualificação é a minha

visão para as respostas, agora mais direcionada para o entendimento sobre o que o

jornalista denomina como prática e reivindica com aspecto característico e

formador de seu caráter.

Portanto, se na primeira etapa de entrevistas foram apresentados aspectos

que convergiam e divergiam nos depoimentos de jornalistas, a partir da divisão

em gerações e outros critérios de diferenciação dentro do grupo, neste momento o

olhar foi direcionado para a compreensão do que pode ser entendido retoricamente

como prática e quais exemplos de atuação e identificação com estas práticas são

revelados.

3.4.1. Modificações no questionário

O questionário utilizado para entrevistar os jornalistas teve sua primeira

modificação na forma, pois optei por dividir os itens por etapas, as etapas da vida

dos jornalistas. No primeiro questionário, as perguntas foram realizadas sem

nenhuma divisão e a escolha por dividir as questões por temas e etapas da vida do

jornalista acabou auxiliando na percepção da relevância, existência e influência do

jornalismo nessas diferentes fases da vida do profissional18.

A primeira parte19 das entrevistas buscava ouvir sobre a infância do

entrevistado, tendo como foco suas lembranças sobre meios de comunicação e

sobre o jornalismo neste período da vida. Nesta fase, o questionário se manteve

sem modificações, pois as perguntas formuladas foram suficientes para captar o

18 Também foram revisadas questões relativas a aspectos gerais da profissão, a conceitos do

Jornalismo e a opiniões dos profissionais relacionadas ao entendimento dos modos de ser e fazer

jornalismo. 19 Etapa “Infância e família”:1) Em que ano você nasceu? 2) Onde nasceu? 3) Me fale sobre sua

família: onde morava? Com quem? 4) Como foi a sua infância: o que lembra sobre sua escola,

família, viagens. 5) Onde seus pais trabalhavam, sua situação financeira. 6) Da infância, o que

lembra dos meios de comunicação? 7) O que lembra sobre jornalismo? 8) De onde veio sua

primeira percepção sobre o jornalismo: TV, Rádio, jornal? Fale sobre isso. Você se lembra

quantos anos você tinha?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 60: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

60

tipo de relação que os jornalistas construíram com os meios de comunicação e

com o jornalismo neste período.

A segunda parte20 tinha a intenção de captar dos jornalistas referências da

fase da adolescência, do período anterior à escolha de um curso universitário, ou

seja, as questões buscavam saber sobre as referências e percepções sobre o

jornalismo antes mesmo de se tornar uma escolha acadêmica.

A terceira parte21 abordava questões sobre o período acadêmico do

jornalista, as percepções sobre a profissão, as mudanças nessas percepções a partir

de uma relação, neste momento, mais próxima ao exercício do jornalismo. Além

de questões sobre a possível mudança nas percepções sobre modos de ser e fazer

jornalismo a partir de uma relação agora mais direta com a profissão, foram

abordados temas como as experiências de estágio e sobre as disciplinas do período

acadêmico e sua utilidade no período profissional.

Algumas modificações no questionário ocorreram nesta fase. A primeira

delas, na pergunta de número vinte e um, indaga de maneira mais enfática se há,

nas experiências de estágio, diferenças entre a teoria acadêmica e a prática

profissional. No questionário da Qualificação, esta pergunta estava formulada de

maneira menos direta e, a partir do recorte da tese buscando analisar a construção

de um discurso e de um caráter do jornalista em torno de elementos práticos, optei

por fazê-la de maneira mais direta, buscando alcançar mais detalhes para esta

questão.

20 Etapa “Adolescência – período pré-universitário”: 9) Na sua adolescência, qual era a percepção

sobre o jornalismo? 10) Com que referências tinha esta percepção? De onde vinha a imagem do

que era fazer jornalismo? 11) Com quais elementos você decidiu fazer jornalismo? (Caso não

tenha cursado a universidade, com quais elementos optou pela profissão?) 12) Que opiniões você

escutou quando revelou que iria fazer jornalismo? O que seus pais, familiares, amigos acharam

dessa escolha? 13) Onde e como você achava que iria atuar? 14) Descreva o que você pensava

sobre a profissão, sobre o modelo que tinha sobre o modo de atuação. 21 Etapa “Período Acadêmico”: 15) Durante o período acadêmico, o que mudou na sua percepção?

16) O que não mudou? 17) O que foi acrescentado? O que foi novo para você? 18) Fale um pouco

sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que matérias mais te agradaram, quais foram

úteis para sua vida profissional, etc. 19) Comente suas experiências de estágio: o que aprendeu; as

diferenças que percebeu entre a teoria e a prática. 20) De que maneira conseguiu estes estágios:

indicação, sites, anúncios ou algum outro tipo de seleção? 21) Comente suas experiências como

estagiário. Há diferenças entre a teoria acadêmica e a prática profissional? 22) Em que ano você se

formou? 23) Me conte sobre a fase final da faculdade, quais eram as suas expectativas? O que

você estava fazendo nesta época?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 61: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

61

Também foram incluídas nesta etapa duas perguntas, são elas: “Em que

ano você se formou?” e “Me conte sobre a fase final da faculdade, quais eram as

suas expectativas? O que você estava fazendo nesta época?” Estas perguntas

tinham a intenção de saber sobre as expectativas profissionais ao final do curso, o

que o profissional esperava de seu futuro, se ele já estava atuando na área e suas

impressões sobre seu trabalho.

Na quarta etapa22 de perguntas, busquei saber informações sobre o período

profissional dos jornalistas, explorando relatos sobre as experiências profissionais

e tentando obter um enfoque ainda mais direcionado para elementos discursivos

que tratam da percepção do jornalista sobre si mesmo, sua impressão pessoal

sobre a profissão, seu entendimento sobre as diferentes gerações de profissionais e

traços marcantes deste grupo específico e, principalmente, sua opinião sobre o que

significa ser jornalista e fazer jornalismo.

A intenção de propor este questionamento mais direto nesta etapa se deu

para o profissional incluir em sua avaliação sobre o que entende sobre ser

jornalista e fazer jornalismo ações e interpretações baseadas em todas as fases de

sua vida, sobre a formação deste caráter a partir de elementos adquiridos em sua

infância, adolescência, período universitário e período profissional.

A quinta etapa23 da entrevista relacionou questões gerais sobre o

jornalismo, buscando uma avaliação do profissional tanto de sua imagem para o

22 Etapa “Período Profissional”: 24) Comente suas experiências profissionais: onde foram, quais

funções? 25) Fazendo um retrospecto, o que mudou na sua percepção sobre o jornalismo? Ou seja,

pense desde a fase de criança até os dias de hoje e faça uma análise. 26) Na sua opinião, o que é

ser jornalista? 27) Na sua opinião, o que é fazer jornalismo? 28) Você acha que sua impressão

pessoal sobre o jornalismo pode ser uma percepção geral? Ou seja, demais jornalistas com

diferentes faixas etárias, funções, formações pensam de modo semelhante? 30) Comente seu

convívio com outras gerações de profissionais. Pense sobre o modo como eles enxergam a

profissão e a maneira como trabalham. 31) Você acha que a opinião de jornalistas de outras

gerações sobre ser jornalista e fazer jornalismo são parecidas ou diferentes da sua? Por quê? 32)

Existe alguma característica que pode ser encontrada em qualquer jornalista? 33) É comum ouvir

que jornalistas são contratados através de indicações ou recomendações. Você concorda com isso?

34) Você acha que esta maneira de conseguir emprego é mais comum no jornalismo que em outras

carreiras? 23 Etapa “Informações Gerais”: 35) Pense naqueles que não são jornalistas, qual é a ideia destas

pessoas sobre o jornalista e sua atividade? 36) Como os jornalistas são retratados na ficção? Em

novelas, filmes, séries de TV etc. 37) Na sua opinião, existe algum perfil típico de jornalista? Há

algo que identifique alguém como jornalista pelo seu modo de vestir; classe social; aparência;

personalidade? 38) Fale um pouco sobre o que é, na sua visão: a) Imparcialidade; b) Ética no

jornalismo; c) busca pela verdade; d) anonimato da fonte 39) Comente a relação entre jornalismo e

publicidade. 40) Para você, jornalista é um investigador, um descritor, um transformador social,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 62: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

62

público em geral, quanto de termos, elementos, características que pudessem

formar um perfil específico de jornalista. Também teve o objetivo de detalhar o

caráter do jornalista, ao tentar saber a visão sobre questões consideradas inerentes

ao jornalismo, como imparcialidade; ética; busca pela verdade; anonimato da

fonte, assim como a relação entre o jornalismo e a publicidade e a importância dos

Manuais de Redação para o trabalho jornalístico.

As questões de número quarenta e quarenta e dois foram produzidas para

tentar alcançar mais uma vez elementos sobre o que significa ser jornalista e fazer

jornalismo, respectivamente. Ao perguntar, na questão quarenta, se o jornalista é

um investigador, um descritor, um transformador social, um intelectual ou um

fiscalizador, tento provocar o profissional a se posicionar como alguém que se

coloca em um papel, diante de um perfil estabelecido, ainda que ele não se sinta

enquadrado em nenhuma destas definições e escolha alguma outra ou nenhuma.

Em todo caso, é mais uma tentativa de fazer com que ele defina ainda mais uma

vez o que entende por ser jornalista.

E com a questão de número quarenta e dois, que questiona qual é o papel

do jornalista, faço mais uma tentativa de descobrir que modos de agir, ações,

atitudes se espera deste profissional. Ou seja, que formas de fazer jornalismo

unem o grupo e se tornam mais que comportamentos, se tornam aspectos de

formação de um caráter de grupo.

A última etapa24, chamada de “Comentários finais” incluía duas questões

para que o jornalista descrevesse seu trabalho, aquilo que faz enquanto jornalista e

também sua rotina, um dia de trabalho em sua vida. Além dessas questões

acrescentei a pergunta “O que faz de alguém um bom jornalista?” para que as

características entendidas pelos jornalistas como relevantes ao seu caráter fossem

descritas. Saber o que significa ser um “bom jornalista” me daria chances de

um intelectual, um fiscalizador? Por quê? 41) Para que serve o Manual de Redação? Você o

utiliza? Com qual frequência? Em que momentos? 42) Qual é o papel do jornalista? 43) Como

você busca ser imparcial? 24 Etapa “Comentários Finais”: 44) Me explique como funciona o seu trabalho, como você o

descreveria. 45) Descreva o seu dia de trabalho. 46) O que faz de alguém um bom jornalista? 47)

Algum comentário final? Há algo sobre o que entende que é fazer jornalismo e ser jornalista que

gostaria de adicionar, que não foi perguntado?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 63: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

63

compreender quais são os critérios utilizados para que o jornalista seja

considerado um profissional reconhecido por seus pares.

Por fim, a última pergunta indagava se havia algo que constitui o caráter

do jornalista, o que eles entendem como ser e fazer jornalismo, que não havia sido

contemplado nas perguntas anteriores. Esta pergunta se mostrou muito importante,

já que muitos profissionais, neste momento final, chamaram atenção para a

necessidade de estar atento às mudanças no jornalismo e como elas devem ser

encaradas para o futuro do grupo.

3.5. Análise dos discursos: traços do caráter a partir dos questionários

A partir desta nova etapa de entrevistas, com jornalistas brasileiros e norte-

americanos, muitos aspectos práticos citados durante a entrevista de Qualificação

surgiram novamente nos discursos dos jornalistas. Além deles, novas questões

foram relacionadas a uma ideia de “prática”, que se aproxima do caráter do

jornalista, e de “teoria”, que se afasta dos elementos retoricamente reivindicados

como formadores do caráter do jornalista.

Os elementos práticos e teóricos citados no Capítulo 225 serão revisitados a

partir dos novos depoimentos e novos elementos serão incluídos entre os fatores

que representam e que não representam o caráter do jornalista. Assim, itens já

citados e também novos atributos relacionados à prática serão mais uma vez

colocados em oposição aos aspectos teóricos, àqueles que os jornalistas julgavam

fora do contexto de formação de seu caráter.

3.5.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambientes externos

Esta relação com o local de trabalho está associada a uma ideia de um

ambiente onde os profissionais se reconhecem, reconhecem uma linguagem

específica, criam um mundo que organiza e dá sentido ao seu trabalho. E, ainda

que este ambiente de trabalho seja a rua, como muitas vezes relatado pelos

25 Trata-se do quadro comparativo localizado no Capítulo 2, que buscou sintetizar fatores que

representam e fatores que não representam o “caráter do jornalista”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 64: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

64

profissionais, já que as redações são o ambiente de organização de pautas e

redação dos textos enquanto as ruas são onde se busca a informação, onde a

notícia acontece, ele é percebido pelos próprios dos jornalistas como sendo seu

local de trabalho, numa relação tida como interna.

Assim, seja em um espaço explicitamente ligado ao jornalista, como as

redações, seja um local público como as ruas, há uma relação do grupo com estes

locais que os apresenta como sendo seus. Na visão dos jornalistas, a formação do

caráter se dá a partir de uma relação de dentro para fora, de um mundo construído

pelo grupo e não de um mundo social mais amplo que participa anteriormente da

formação do grupo.

A partir das frases de jornalistas brasileiros - “Os profissionais são

formados nas redações e não nas universidades”; “Jornalista aprende na rua, indo

atrás de notícia”; “Tem profissões que você aprende na universidade, jornalismo

não”; “Quer aprender a fazer jornalismo: vá para a rua, leia, se informe, fique

atento aos seus colegas”; “A realidade do jornalismo é bem mais dura do que nos

fazem acreditar na faculdade” - é possível perceber que os modos de fazer

jornalismo estão relacionados às redações, onde praticam e aprendem com os

colegas e nas ruas, ambiente que lhes dá as ferramentas, o material de trabalho.

Além disso, se faz notar a partir dos discursos que os aspectos práticos se

reforçam a partir de uma oposição, negando a participação de ambientes como o

acadêmico, tidos pelos profissionais como externos, não influentes na formação

do caráter do grupo.

Em frases retiradas de entrevistas com jornalistas norte-americanos, mas

também presentes de modo semelhante entre os brasileiros, há ainda a

apresentação mais evidente da tentativa de se dissociar de um ambiente externo,

especialmente ao referir-se ao ambiente acadêmico: “Eu acho que é difícil que te

ensinem (numa escola de jornalismo) aquilo que você terá como experiência no

jornalismo. Eu acho que estagiar é onde você começa a ter a percepção do que

fazer neste trabalho; “Eu não sou contra escolas de jornalismo, mas eu não as vejo

como uma necessidade, pra mim eu não achei necessário”; “O que me lembro da

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 65: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

65

faculdade de jornalismo? Dos contatos que fiz. Não acho que a universidade é tão

importante para formar um bom jornalista”.

Ao notar esta relação da universidade enquanto ambiente externo, de

pouca relevância na retórica do grupo para a constituição de seu caráter, verifiquei

que, nas respostas à questão de número dezoito26 do questionário, poucos

jornalistas citaram disciplinas, textos e professores universitários como altamente

relevantes ou simplesmente relevantes para a formação de seu caráter.

Dos trinta e quatro jornalistas entrevistados, vinte e sete realizaram

graduação e/ou pós-graduação em cursos de Jornalismo. Destes vinte e sete,

apenas nove, cinco brasileiros e quatro norte-americanos, citaram como relevantes

as disciplinas acadêmicas e o ambiente universitário para a formação de seu

caráter. Ainda assim, estes nove jornalistas em seus depoimentos não conseguiam

lembrar o nome de mais que quatro disciplinas cursadas e apresentar quais

conteúdos, técnicas ou reflexões destes cursos foram úteis para sua prática

jornalística. E mesmo aqueles que citam a importância do ensino acadêmico não

apresentaram quantidade significativa de argumentos ou exemplos de como o

ambiente acadêmico foi relevante para a formação de seu caráter27.

3.5.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico

Outros dois temas que buscaram dissociar o caráter do jornalista do mundo

acadêmico surgiram nos itens “Vocação X Diploma” e “Habilidade de adaptação

X Dificuldade de adaptação”. O primeiro deles em “Vocação X Diploma” aponta

para a construção de um discurso favorável a uma ideia de que, para ser jornalista,

é preciso que exista um dom, uma vocação e que essas habilidades não são

necessariamente adquiridas num curso universitário, ao se conseguir um diploma,

um certificado acadêmico.

26 Questão 18) Fale um pouco sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que matérias mais

te agradaram, quais foram úteis para sua vida profissional, etc. 27 A etapa do Questionário “Período Acadêmico”, das questões 15 a 23, buscaram perceber a

participação do ambiente acadêmico na formação do caráter do jornalista. Além destas questões

especificas, questões gerais também poderiam receber menções da importância do ambiente

acadêmico para o caráter do grupo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 66: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

66

O ambiente de trabalho onde os jornalistas aprendem sobre seu trabalho,

observam seus colegas, criam e recriam suas práticas é também o lugar onde, ao

observar a atuação profissional, se percebe a existência da vocação. No caso dos

jornalistas, a perspicácia para encontrar uma informação, uma fonte, uma

novidade, a qualidade do texto, qualidade esta julgada pelo grupo, são formas de

ganhar e perceber a vocação, o dom do colega.

Em inúmeros depoimentos, jornalistas revelaram que escrevem suas

matérias pensando no que os colegas vão achar, e que desejam conseguir textos,

furos, informações, fontes e ideias tais quais as do colega que todos elogiam e

julgam ser um bom jornalista. E não será através de cursos acadêmicos e técnicas

padronizadas que haverá o reconhecimento deste dom entre os pares. Nas palavras

de um jornalista norte-americano:

“Um bom jornalista é aquele que você percebe que tem o dom, aquele que

descobre coisas que ninguém imaginou, que pensa em assuntos novos, fala com

as pessoas certas. Não sei explicar, mas parece que é algo que nasce contigo, você

tem ou não tem.”

Quanto à baixa atribuição de potencialização desta vocação na experiência

universitária, um jornalista brasileiro completa:

“Tem coisas que a gente não aprende. Você pode até treinar técnicas pra escrever

bem na faculdade, mas já ouviu a expressão ‘treino é treino e jogo é jogo?’,

então, é a mesma coisa. Você só sabe quem é bom na hora que tem que mostrar

serviço, quando tem que tirar ideia da cartola.”

3.5.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação

No quadro organizado no final do Capítulo 1 com fatores da “prática”, que

representam o caráter do jornalista, e fatores da “teoria”, que não representam o

caráter do jornalista, temas como “imparcialidade”, “objetividade” e “verdade”

estavam do lado “prático” do caráter, enquanto “parcialidade”, “subjetividade”,

“narrativa” e “interpretação social dos fatos” estavam do lado “teórico” do

quadro.

No decorrer das novas entrevistas, percebi que estas noções estavam sendo

questionadas por alguns dos jornalistas. Muitos deles buscavam explicar que as

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 67: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

67

ideias de “imparcialidade” e “verdade” como pilares do jornalismo nada mais são

que utopias:

“Imparcialidade não existe. Nós não somos imparciais, o jornal onde eu trabalho

não é imparcial, nenhum outro é. Mas isso não quer dizer que você não tenha

compromisso com a informação. Tem que checar, ir atrás mesmo. Eu não

acredito na primeira coisa que me falam porque pra virar notícia você tem que

tratar a informação da melhor maneira possível.28”

Além disso, muitos buscaram mostrar que o que se espera de um jornalista

não é que ele seja imparcial e tente alcançar uma verdade inquestionável, mas que

seja “justo; cheque as informações; seja fiel aos fatos; investigue; trate a

informação da melhor maneira possível; apure os diversos lados de uma notícia;

não se conforme apenas com uma fonte”. Ou seja, em exemplos colhidos dos

depoimentos, o que o jornalista procura fazer e exigir do grupo é uma “habilidade

de se adaptar para lidar com os fatos”:

“Você tem que checar se foi feito direito e não é só pelo seu nome, mas é pela

informação errada. O bom jornalista tem que checar cada informação que ele

publica, tem que ter respeito pelas fontes29.”

Nesse sentido, as ideias de “imparcialidade”, “objetividade” e “verdade”,

apesar de ainda presentes entre alguns jornalistas enquanto características do

caráter do grupo, não apareciam mais enquanto consenso, devido aos

questionamentos a estes elementos. Aquilo que unia o grupo em torno da postura

com relação aos modos de apurar, escrever e divulgar uma notícia estava em

comum acordo a partir da ideia de que o jornalista possui uma habilidade, uma

postura que o faz saber a maneira correta de levar a informação:

“Pessoalmente, eu acho que todos os jornalistas devem tentar com força buscar a

informação. Acho que as pessoas têm o poder de mandar informação para o

mundo, mas o jornalista é aquele que tenta a todo custo levar a informação

correta, com o contexto correto, mostrando as razões da relevância da

informação30.”

E esta postura parece ganhar um significado mais próximo ao caráter, ao

ser parte do discurso daqueles que dizem buscar imparcialidade, verdade e

objetividade no trato com a informação, no exercício do jornalismo e também

28 Profissional dos Estados Unidos, ao questionar a ideia de imparcialidade no jornalismo. 29 Depoimento de jornalista brasileira. 30 Depoimento de jornalista norte-americana.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 68: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

68

entre aqueles que relativizam e/ou questionam a possibilidade de ser o jornalista

imparcial e objetivo:

“Eu colo na minha parede [na redação] recados para lembrar que tipo de

jornalista eu tenho que ser. Um dos lembretes diz: “conceber, apurar, focar,

organizar, rascunhar e revisar”31.

3.5.4. Talento para escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e pertencimento a uma classe social

Na primeira etapa das entrevistas, produzi esta diferenciação entre talento

e faro do jornalista versus influência dos capitais escolar e familiar32 e o

pertencimento a uma classe social, pois nos discursos dos jornalistas havia uma

reivindicação de que suas habilidades para escrever, de ter acesso à leitura e aos

meios de comunicação estavam mais relacionadas às noções de talento e faro para

o exercício da profissão que a uma possibilidade de adquirir tais habilidades a

partir de um contexto familiar, escolar e de classe33 que propiciassem condições

de se desenvolverem tais capacidades de escrita, criatividade e tino para o trabalho

jornalístico.

Ou seja, para os jornalistas, o fato de terem talento para a escrita e faro

jornalístico está mais ligado a uma ideia de habilidade inata, que nasce com o

indivíduo, que a condições sociais, econômicas, culturais que cercaram o

profissional ao longo de sua vida, dando a ele condições de desenvolver

habilidades e códigos que o tornassem capaz de exercer tal profissão.

“Gostar de ler, escrever bem, ser criativo, ter facilidade de conhecer e

ouvir pessoas, saber o que é importante de ser apurado e divulgado ao público”,

todos esses parecem ser traços do caráter adquiridos de maneira “natural”. É uma

maneira de naturalizar talento e faro apresentando-os como características que

31 Tradução minha de fala de jornalista norte-americano para: “conceive, collect, focus, organize,

draft, revise”. 32 Conceitos retirados da teoria de Pierre Bourdieu (1977) e apresentados no Capítulo 2. 33 Dos trinta e quatro entrevistados, trinta e dois definiram a condição econômica de sua família

como “classe média”, frequentando escolas de qualidade, além de terem acesso a meios de

comunicação (TV, Jornal, Radio) em suas casas. Apenas dois jornalistas se disseram oriundos de

famílias pobres com limitações de acesso a certos meios de comunicação e a um ensino de

qualidade durante infância e adolescência.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 69: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

69

“nascem com os indivíduos” e não a partir de estímulos, influências aos quais

foram submetidos ao longo da vida.

3.5.5. Grupo de jornalistas X Público geral, senso comum, sociedade

“Os colegas, a redação, a rua, a pauta, as notícias, a apuração, a reunião, os

contatos, a manchete, o furo, o texto, a foto, a capa”; os termos utilizados pelos

profissionais para descrever elementos da rotina de trabalho são

predominantemente autorreferenciais, indicando que existe um comportamento

interpretativo de uma realidade construída a partir do grupo e não de maneira

inversa, quando a influência do público geral, do senso comum e da sociedade

serviriam como base fundadora do caráter.

Uma jornalista norte-americana disse algo que ajuda a evidenciar a

existência de um perfil diferenciado do grupo e que “pessoas comuns”, mesmo

sendo o jornal direcionado a elas e abordando temas do cotidiano social geral e

não relativas ao grupo, não entenderiam o trabalho do jornalista pois não possuem

as ferramentas necessárias para atuar enquanto jornalista:

“Pessoas comuns não entendem o que o jornalista faz. Minha mãe não entende o

que eu faço, ela vê o jornal pronto e acha que é a coisa mais simples do mundo,

não percebe o caminho entre escolher e apurar a notícia até sua divulgação.”

Este traço peculiar ao grupo, de se perceber através de ações e

interpretações internas, é bastante relevante, exatamente por se tratar de um grupo

de profissionais que produz notícias se valendo de informações da sociedade e do

público de maneira geral. Ou seja, enquanto se definem a partir das práticas

internas, existem utilizando como “material de trabalho” informações obtidas num

quadro social mais amplo que o seu e informando um público que não aparece no

discurso como fonte de inspiração primária para a formação de seu caráter.

Isso não significa que os jornalistas não tenham a percepção de que

trabalham para informar um público geral. Muito pelo contrário, muitos

depoimentos explicitam que a função do jornalista é trazer para aqueles que não

podem estar em todos os lugares notícias relevantes sobre a sociedade onde vivem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 70: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

70

e o restante do mundo. É uma questão de ordenação34 da lógica da formação do

caráter, de dentro para fora, uma visão onde o jornalista busca e “traduz” a

informação para o público.

O que quero dizer é que há a construção de uma noção de que as

habilidades que fazem de alguém um jornalista, e um bom jornalista, se alcançam

a partir de uma base que é adquirida no processo de inserção ao grupo. Assim, as

influências sociais, tanto das fontes de trabalho (a sociedade) quanto do público

(senso comum) parecem menos relevantes na formação do caráter do grupo que os

ambientes internos (redação, rua) e os atores internos (jornalistas).

3.5.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado

Um traço do jornalista, segundo o próprio grupo, é a falta de rotina no

trabalho. Ao lidar com informações novas a cada dia, o jornalista não sabe o que

esperar de seu dia de trabalho. O depoimento de um jornalista dos Estados Unidos

evidencia bem a falta rotina no trabalho:

“Eu acho que não existe rotina de trabalho porque no jornalismo você reage ao

fluxo dos acontecimentos. Muitas vezes você chega na redação sem saber o que

vai acontecer, muitas vezes você precisa deixar de lado uma matéria em que

estava trabalhando para poder fazer outra matéria sobre algo que surgiu de

repente. Nessa semana, por exemplo, isso aconteceu comigo. E isso exige do

jornal e do jornalista a capacidade de reagir aos fatos na hora.”

Essa “falta de rotina” do jornalista é apresentada como um tipo de trabalho

que foge ao modelo convencional, no qual os trabalhadores têm horários de

entrada e saída bem definidos e tarefas bem estabelecidas a serem realizadas ao

longo do dia. Para o jornalista, seu trabalho e horário são flexíveis, precisam se

adaptar à notícia, aos acontecimentos e, portanto, se diferenciam da rotina de um

profissional “comum”:

“A nossa rotina é não ter rotina. Se você não sabe o que pode acontecer ao longo

do dia, também não tem como prever meu trabalho. Tem coisas que eu faço

bastante, que pode até chamar de rotina porque chego, ligo o computador, leio

meus e-mails, vou para reunião de pauta, falo com meu editor e com meus

34 Uma outra ordenação poderia sugerir que a sociedade, com seus fatos e pessoas, acaba por

formar um perfil de jornalistas e modos de atuação e, sendo assim, o profissional colocaria na base

de formação de seu caráter a percepção de um contexto social mais amplo prevalecendo entre os

modos de ser e fazer jornalismo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 71: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

71

colegas. Mas de repente tudo pode mudar, posso ter que ir correndo pra rua ou

fazer uma pesquisa urgente. É isso que eu chamo de não ter rotina, entende?”35

3.5.7. Compromisso x Remuneração

Outro aspecto sobre o caráter do jornalista, que foi se delineando a partir

das novas entrevistas, foi o sentido de compromisso com a profissão em oposição

a um trabalho realizado para a conquista de status financeiro.

O sentido de compromisso surge enquanto um critério relacionado à

“prática” no caráter do jornalista e pode ser percebido através do relato de um

jornalista norte-americano que diz que em sua visão:

“Ser jornalista, claro que vai além de um emprego onde você chega às nove da

manhã e fica até as cinco da tarde. É muito mais, requer sacrifício, requer um

compromisso profundo, uma grande vontade de informar”.

Esta relação de compromisso profundo com o trabalho ganha o sentido de

missão, de responsabilidade que não é possível ser abandonada. A relação que o

grupo produz com seu trabalho, com a informação, se torna mais que uma tarefa,

pois ganha um teor de comprometimento que ultrapassa o sentido de uma tarefa

laboral cotidiana.

Uma das formas de se perceber como este compromisso com a profissão

extrapola a dimensão de tarefa de trabalho para se tornar parte integrante da

identidade e do papel social que o grupo estabelece para formar seu caráter se faz

notar quando comparadas a relação entre o trabalho e a remuneração no

jornalismo.

O comprometimento com a informação, com os modos de ser e fazer

jornalismo criados e recriados pelo grupo, é percebido como fator primordial para

o caráter do grupo, mas este comprometimento não pode ser medido pela

remuneração do profissional. Muitos depoimentos revelam que a remuneração não

é compatível com o trabalho e com o compromisso do grupo e, ainda assim, o

sentido de responsabilidade sobre a função parece prevalecer e ser capaz de

mantê-los atuando.

35 Palavras de profissional de um jornal norte-americano.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 72: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

72

No caso dos jornalistas norte-americanos, a relação entre o trabalho e a

remuneração é percebida como “suficiente para pagar as contas”, “dá pra viver”,

mas ainda assim: “não dá pra dizer que você fica rico trabalhando como

jornalista” e “quem escolhe jornalismo não escolhe pensando em ficar rico”. Ou

seja, entre o grupo que atua nos Estados Unidos, a remuneração é suficiente para

uma vida compatível com os padrões da classe média.

No caso brasileiro, muitos jornalistas se queixam da baixa remuneração e

das dificuldades de se viver com baixos salários. Entre eles existe a percepção de

que seu trabalho, sua missão enquanto jornalista não é reconhecida

financeiramente. Em muitos depoimentos havia frases como “se quisesse ficar

rico escolheria outra carreira” ou “não espere salários gordos, reconhecimento é

ter matéria publicada”:

“Se eu quisesse ficar rica ia ser advogada, economista, ia trabalhar no mercado

financeiro, eu não escolhi a profissão por isso. Mas é uma realidade dura. (...)

Na faculdade eu já estava consciente da besteira que eu estava fazendo mas

você começa a trabalhar e já viu, né? O problema é que eu sempre acreditei na

importância da profissão, é isso que me faz continuar”.36

O que une os jornalistas, nesse caso, é o caráter de compromisso com a

escolha profissional. E o valor que o grupo atribui a esta escolha é tão forte que

ultrapassa as ambições por status financeiro e as dificuldades financeiras impostas

pela profissão. Portanto, ainda que em dimensões distintas com relação às

condições financeiras da profissão, há um sentido de responsabilidade com o

trabalho que une profissionais de ambos os países e incluem este senso de missão

entre os requisitos práticos que ajudam a construir o caráter do jornalista.

3.5.8. Curiosidade

Ao longo da elaboração de definições dos aspectos práticos e teóricos do

caráter do jornalista a partir das entrevistas com brasileiros e norte-americanos,

busquei frases, trechos, palavras e expressões que pudessem representar as ideias

que o grupo discursivamente foi construindo acerca de si mesmo, daquilo que

entendia como elementos formadores de seu caráter ou afastados dele.

36 Palavras de jornalista de um jornal do Rio de Janeiro.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 73: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

73

Neste caminho de ir retornando às entrevistas, uma a uma, para buscar

estas formas de exemplificar traços do caráter do jornalista, me deparei com uma

palavra que esteve presente em todos os depoimentos: curiosidade. Todos os

jornalistas citavam a curiosidade como a característica que não pode faltar ao

jornalista. Para ser jornalista, para ser um bom jornalista, é preciso ter curiosidade.

E a curiosidade não é colocada em oposição a outro elemento ou a uma possível

falta de curiosidade por parte daqueles que não são jornalistas.

Nem todo curioso é jornalista, mas todo jornalista é curioso. É que a

curiosidade do jornalista é seu motor, seu coração, o critério que move sua

máquina, seu corpo. Esta curiosidade peculiar que move o jornalista deve ser

analisada para se pensar no grupo, em seus aspectos específicos e na maneira

como estes aspectos são construídos.

Dessa forma, o jornalista, reconhecidamente um curioso, transforma essa

curiosidade em compromisso, ao organizar maneiras de apresentar a notícia;

transforma essa curiosidade em talento, ao desenvolver uma habilidade para

escrever que será julgada e reconhecida entre os pares; transforma essa

curiosidade em busca pelo novo, pela descoberta de fatos num mundo sem rotina;

transforma essa curiosidade em postura diante dos fatos que apura; transforma

essa curiosidade em missão e vocação acima das expectativas financeiras;

transforma em quesito essencial ao seu caráter, fazendo deste aspecto subjetivo

um elemento prático e revelador do grupo.

A curiosidade, apesar de ser um aspecto qualitativo e subjetivo, torna-se,

nos discursos dos jornalistas, um aspecto necessário, uma condição sine qua non

ao grupo. Frases como “ser jornalista é ser primeiro de tudo um curioso”; “você

identifica o jornalista por sua curiosidade, ele vai atrás, quer saber sempre mais”;

“eu não me satisfaço fácil, tenho sempre que saber o que está acontecendo”; “você

reconhece um bom jornalista pois ele não cansa de fazer perguntas, é quem gosta

de perguntar e perguntar mais do que qualquer um perguntaria” são exemplos de

como a curiosidade é um condição essencial, ela tem que estar presente e ser

atuante nos modos de ser e fazer jornalismo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 74: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

74

É, portanto, distintiva, sem precisar se contrapor a nenhuma outra

característica da construção discursiva do grupo, e capaz de se revelar um

importante aspecto formador do caráter do grupo. Surge enquanto traço marcante

por ser uma espécie de condição, de força que move o indivíduo para a profissão.

Como se esta curiosidade fosse, em certo sentido, extraordinária e encontrasse no

jornalismo seu encaixe ideal: como se a partir deste encontro entre curiosidade e

jornalismo, se formassem aspectos peculiares ao grupo, constituindo novas

maneiras de o grupo se distinguir dos demais indivíduos.

Por outro lado, esta maneira de construir a própria imagem é importante

para a interpretação mais ampla sobre o grupo, já que serve como exemplo para

mostrar a capacidade do jornalista de transformar aspectos subjetivos em

objetivos, em trazer para sua zona “prática” questões que ultrapassam os aspectos

facilmente identificados como práticos. Ou seja, a ideia unânime de curiosidade

necessária e que move o trabalho, comportamento, modos de percepção do outro,

em suma, modos de ser e fazer jornalismo, permite pensar em quanto o grupo

consegue produzir um significado para seu caráter se apropriando de aspectos não

claramente práticos e inserindo-os nesta categoria.

Portanto, o quesito “curiosidade” se mostrou extremamente revelador do

grupo, pois trouxe à tona um relevante traço do caráter do jornalista: a capacidade

de classificar aspectos como práticos apesar de serem passíveis de interpretações

ou percepções contrárias a essa classificação. A construção retórica favorável aos

elementos práticos que ganham forma discursivamente e que moldam os modos

de ser e fazer jornalismo, ao se depararem com a característica “curiosidade”

enquanto constitutiva do grupo, acaba por revelar aspectos importantes da

construção do caráter do grupo.

O primeiro deles é a percepção de que o discurso é construído, é criado de

modo a se estabelecer pelo grupo critérios que julgam mais próximos ao seu

caráter e por ser uma construção, poderia ter envolvido outros elementos, até

mesmo aqueles colocados na categoria de teoria, entre os agregadores para a

formação do caráter. Assim, quando os jornalistas apoiam seu caráter em

elementos subjetivos tais como o aspecto da “curiosidade” e os incorporam como

aspectos práticos, evidenciam que a produção discursiva e de sua identidade são

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 75: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

75

parte de um processo de escolhas e não de condições intransponíveis e evidentes

do que deve ser um aspecto inerente ao grupo.

O segundo aspecto relevante que se pode perceber a partir desta

construção do caráter está justamente na possibilidade de se analisar quais são

estas escolhas, que elementos são reivindicados pelo grupo. Portanto, o caráter do

jornalista deve ser analisado levando em consideração o seu aspecto de escolha

num universo de elementos mais amplo que aquele reivindicado pelo grupo e

também a partir da descoberta e análise dos aspectos que o grupo seleciona para

designar-se.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 76: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

4. O caráter do jornalista: outras fontes

“Sempre achei que é o mundo que está à

espera de um jornalista, não o contrário.”

(Samuel Wainer, 1987:91)

4.1. Outras fontes

O terceiro capítulo tratou de mostrar os elementos que através dos

discursos dos jornalistas se apresentavam enquanto “práticos” e, portanto,

constitutivos do caráter do grupo, e também os elementos que foram colocados à

margem das características do grupo, sendo classificados como “teóricos”.

Além de todos os quesitos apresentados como reveladores do caráter do

grupo e os exemplos de discurso e atuação que fortalecem esses quesitos, ao final,

o elemento “curiosidade”, citado em todos os trinta e quatro depoimentos, acabou

contribuindo para a interpretação sobre a ação do grupo em torno da construção de

seu mundo.

O fator “curiosidade”, que ajudou a mostrar como os elementos que soam

óbvios ao grupo são retoricamente selecionados enquanto “práticos” e utilizados

na formação do caráter do grupo, influenciando nos modos de ser e fazer

jornalismo, servirá como questionador dos critérios de seleção dos elementos

práticos e teóricos na formação do caráter do grupo, bem como a construção da

definição do que constitui esta “prática” e esta “teoria”.

Este o caminho interpretativo que pretendo percorrer e desenvolver de

maneira mais explícita a partir do próximo capítulo. Neste capítulo, ainda me

atenho a reforçar os elementos discursivos e formadores do caráter do grupo, me

valendo de outros interlocutores, outras fontes que dialogam com os profissionais

do jornalismo e que auxiliam na consolidação dos exemplos dos aspectos

reivindicados como “práticos”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 77: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

77

É que outras fontes também foram importantes para a pesquisa, pois

ajudaram a reforçar as características relacionadas ao caráter do jornalista. Livros,

biografias, artigos, palestras, conversas informais, eventos acadêmicos e sites

forneceram confirmação e questionamento para os elementos retóricos que

constituem o caráter do grupo destacados a partir dos depoimentos colhidos.

Fontes teóricas, acadêmicas, de alguma maneira ligadas a aspectos como a

universidade, pesquisas científicas, protocolos e regras oficiais foram utilizadas

para encontrar aspectos ligados ao jornalismo e suas intepretações sobre modos de

ser e fazer jornalismo. Além destas, fontes que estão ligadas ao cotidiano da

profissão, materiais de sites e mídias sociais, boletins não acadêmicos também

foram utilizados para apresentar traços do caráter do jornalista.

Estes materiais permitiram a identificação de respostas semelhantes à de

meus entrevistados e tornou ainda mais significativa a percepção sobre a

construção de discurso e consciência de um grupo que privilegia os aspectos

denominados como práticos na formação dos modos de ser e fazer jornalismo.

Portanto, além dos interlocutores selecionados nas entrevistas, novas vozes

serão somadas a esta tentativa de delinear o caráter do jornalista. São registros de

jornalistas e outros profissionais ligados à profissão que contribuem para as ideias

acerca do grupo e para a construção de seus aspectos peculiares.

A partir do discurso dos entrevistados e das fontes formais e informais,

forma-se um quadro mais completo dos elementos definidos como práticos e

teóricos pelos profissionais. Um quadro que propõe uma visão geral, uma

tipificação ideal do que é entendido como elementos práticos (mais próximos) e

teóricos (mais afastados) do caráter do jornalista.

Darei ênfase aos aspectos de convergência nas informações colhidas entre

as fontes formais e informais e os jornalistas entrevistados para produzir um

quadro de definições do que é entendido como teoria e prática pelos jornalistas.

Portanto, o quadro com as características do caráter do jornalista contemplará as

respostas de profissionais de ambos os países e das fontes aqui apresentadas e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 78: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

78

deve ser percebido a partir de seu aspecto de semelhança, já que foi formulado a

partir de elementos discursivos convergentes.

O que não quer dizer que os termos e definições tenham o mesmo

significado e interpretação nos dois países, por se tratar de culturas distintas, com

regras e valores que não podem ser vistos como iguais. A ideia é tentar traçar um

quadro geral sem a pretensão de apresentá-lo como representativo de uma

interpretação comum entre brasileiros e norte-americanos.

O aspecto da semelhança deve ser entendido como uma tentativa de

criação de um “tipo ideal” dos aspectos “práticos” e “teóricos” definidos no

discurso dos jornalistas, tendo em vista que os elementos que constituem a ideia

de “prática” em ambos os países são mais valorizados na formação do caráter do

grupo.

O caráter do jornalista enquanto “tipo ideal” faz parte de um esforço de

compreender os elementos retoricamente selecionados, uma tentativa de criar um

quadro que traga referências sobre o grupo, uma forma de possíveis

comportamentos e condutas dos indivíduos.

O uso do conceito “tipo ideal” se baseia na intepretação de Max Weber

que o apresenta como uma “tentativa para apreender os indivíduos históricos ou

os seus diversos elementos” (1999:109) sem necessariamente o fazer buscando

uma “pureza conceitual”. Em outras palavras, Weber constrói o conceito de “tipo

ideal” para que interpretações da realidade sejam produzidas e aceitas ainda que

não representem a totalidade da realidade.

Segundo Raymond Aron, em “As etapas do pensamento sociológico”, o

“tipo ideal” weberiano é uma “percepção parcial de um conjunto global”

(1999:465), mas que se propõe a falar em sentido amplo, abrangendo uma

totalidade. Nesse sentido, quando falamos de um grupo, não significa que “todos

os indivíduos incluídos na extensão do conceito apresentam as características

médias” (Idem:466).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 79: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

79

Para Aron, por exemplo,

quando se diz que os franceses são indisciplinados e inteligentes, não se quer

dizer que todos eles sejam indisciplinados e inteligentes, o que é improvável. O

que se pretende é reconstruir um indivíduo histórico, os franceses, identificando

certos traços que parecem típicos e definindo sua originalidade (Ibid: 466).

Ainda assim, cada leitor pode produzir sua intepretação sobre os elementos

aqui relacionados à construção do caráter do jornalista, não sendo nenhum deles

uma definição estanque e que deva ser pensada de modo idêntico. A construção de

um modelo ideal do caráter do jornalista não significa a busca por um modelo

rígido de interpretação.

Os aspectos levantados são passíveis de interpretações diversas a partir do

lugar social e cultural do leitor e, portanto, ainda que haja o esforço pela

formulação de um “tipo ideal” de elementos que formam o caráter do jornalista,

não há a intenção de produzir com isso uma linha interpretativa ideal sobre o

caráter do jornalista.

4.2. As fontes

Biografias e livros com relatos sobre a vida de jornalistas e fatos do

cotidiano do jornalismo também têm valor de depoimento, pois oferecem detalhes

sobre a escolha da profissão, rotina de trabalho e percepções sobre o jornalismo e

os jornalistas. Assim, estes relatos sobre a vida no jornalismo e os aspectos

inerentes à profissão se somam às vozes dos profissionais que pude escutar

pessoalmente, produzindo um coro mais representativo dos aspectos relativos ao

grupo.

Profissionais brasileiros como Ricardo Noblat em “O que é ser jornalista”

(2004) e “A arte de fazer um jornal diário” (2002); Edgar Morel em “Histórias de

um repórter” (1999); José Carlos Bardawil em entrevista a Luciano Suassuna em

“O repórter e o poder” (1999); Nivaldo Marangoni em “Minha vida de jornalista”

(1999); José Maria Mayrink em “Vida de repórter” (2002); Audálio Dantas (org.)

em “Repórteres” (1998); Geraldinho Vieira em “Complexo de Clark Kent”

(1991); Samuel Wainer em “Minha razão de viver” (1987) tratam de fatos ligados

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 80: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

80

ao jornalismo e trajetórias profissionais e abordam diversos aspectos comentados

nos depoimentos dos jornalistas por mim entrevistados.

Relatos biográficos e registros ligados ao mundo do jornalismo em obras

de jornalistas norte-americanos, como “O beijo de Lamourette” (2010), de Robert

Darnton; “Deu no New York Times” (2007), de Larry Rohter; “O reino e o poder”

(1981), de Gay Talese, também contribuem para a apresentação dos aspectos que

fazem referência ao grupo.

Estes “depoimentos” também acrescentam detalhes, exemplos e mais

elementos aos temas encontrados nos discursos relativos ao caráter do jornalista.

Eles reforçam a existência de temas ligados ao mundo do jornalista e também aos

temas cuja influência os profissionais buscam descartar com relação à formação

de seu caráter.

Além destes materiais, foram selecionadas pesquisas e publicações

científicas, além de eventos acadêmicos onde o tema sobre o caráter do jornalista

e depoimentos de profissionais serviram para acrescentar informações sobre o que

se define como “o caráter do jornalista”, a construção discursiva e os modos de

atuação a favor dos elementos práticos.

Textos de sites, percepções retiradas do cotidiano do jornalismo também

servem de fonte para que o caráter do jornalista seja apresentado, levando em

consideração as diversas dimensões onde são discutidas e apresentadas

caraterísticas relacionadas aos modos de ser e fazer jornalismo.

4.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo

Robert Darnton, em “O beijo de Lamourette”, traz sua contribuição para a

definição sobre o caráter do jornalista ao abordar a época em que trabalhava como

jornalista ao longo do capítulo “Jornalismo: toda notícia que couber a gente

publica”. Uma característica marcante, segundo o autor, é a relação do grupo com

seu ambiente de trabalho e com seus colegas no que diz respeito à construção de

uma ideia de que o grupo busca suas referências no ambiente interno e buscando

corresponder às expectativas de seus pares:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 81: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

81

Nunca escrevemos para as ‘imagens de pessoas’ invocadas pela ciência social.

Escrevíamos uns para os outros. Nosso principal ‘grupo de referência’, como se

poderia dizer na teoria da comunicação, encontrava-se espalhado em torno de

nós na sala de redação, ou no ‘buraco da cobra’ como dizíamos. Sabíamos que

os primeiros a cair em cima de nós seriam nossos colegas, pois os repórteres são

os leitores mais vorazes, e precisam conquistar um status diariamente, ao se

exporem a seus colegas de profissão (Darnton, 2010:78).

O autor, ao descrever seu trabalho em uma redação de um jornal norte-

americano, enfatiza como o ambiente une o grupo em torno de ações e

interpretações sobre a profissão, e como o ambiente de trabalho e aquilo que se

produz nele conferem sentido à formação do grupo.

Além da relação do grupo com aquilo que chama de ambiente interno

(redação e até mesmo a rua), há o trabalho feito e julgado pensando nos colegas e,

ainda, a ideia de um texto, o resultado final deste trabalho, como uma “coisa de

sua propriedade” (Idem, 2010:85). Ou seja, toda a dinâmica de trabalho, desde o

ambiente, até o local de apuração dos fatos, ao produto final, a reportagem são

percebidas a partir de seu impacto primeiramente entre os pares.

Em contrapartida, o ensino acadêmico, tido como ambiente externo, é

intencionalmente afastado dos temas que participam da formação do caráter do

grupo. Segundo Darnton:

Embora alguns repórteres possam aprender a redigir em escolas de jornalismo

(...) a maioria deles (incluindo muitos jornalistas formados) pega o jeito na

prática de aprendizagem. Adquirem atitudes, valores e um espírito profissional

enquanto trabalham como mensageiros na seção de Cidades, e aprendem a

perceber e comunicar a notícia quando estão sendo ‘treinados’ como repórteres

principiantes (Ibid, 2010:96).

Em “O repórter e o poder”, o jornalista José Carlos Bardawil reforça o

depoimento de Darnton, ao atribuir a qualidade do trabalho jornalístico à prática

na redação, ao treino diário e às habilidades pessoais de saber escrever e descobrir

notícias e não acredita na influência do ensino universitário na formação do

caráter do jornalista, pois, segundo ele, as faculdades, até sua experiência

profissional nos anos 1990, continuavam “a mesma porcaria” (Bardawil &

Suassuna, 1999:218).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 82: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

82

Uma visão compartilhada pelo jornalista Boris Casoy, exposta em

“Complexo de Clark Kent”, quando diz que aqueles que “brilham na profissão”

não contaram com a ajuda do ensino universitário:

(...) as pessoas saem da universidade e têm contato com a realidade da profissão

na primeira vez em que vão trabalhar. Se é que devem existir faculdades de

Comunicação – acho que não precisamos -, elas deveriam oferecer uma cota

muito maior de prática. Deveria ter jornais impressos, telejornais e radiojornais,

não como eles fazem, como mero exercício onde o tempo, por exemplo, não é

considerado. É preciso que se aprenda a lutar contra a pressão, contra o tempo,

contra o relógio, e a favor da qualidade. Todo esse estresse profissional que

conduz ao erro não existe na escola. Não conheço nenhuma escola que

desenvolva um trabalho parecido com uma Redação. No Brasil, o estudante só

vai conhecer isso no primeiro emprego, e às vezes já é tarde (Vieira, 1991:74).

Para o jornalista Gilberto Dimenstein, em depoimento no mesmo livro, há

também um distanciamento entre o que é necessário para a formação dos

jornalistas e o ensino acadêmico, já que as faculdades de Jornalismo não

trabalham a prática e possuem discussões e professores obsoletos. Para ele, “a

faculdade deveria ser uma coisa muito mais forte do que é, se quisesse justificar

sua própria existência” (Vieira, 1991:115,116).

Outro relato que descreve alguns critérios práticos do grupo pode ser

encontrado em “O repórter e o poder”, onde o jornalista José Carlos Bardawil, que

iniciou sua carreira nos anos 1960, enfatiza sua habilidade de escrever bem e suas

experiências nas redações por onde passou como formadoras de seu caráter. Em

seu início de carreira, não era necessário ter diploma de jornalismo, pois apenas a

partir de 1969 o diploma tornou-se obrigatório e, para se destacar como jornalista,

era preciso, segundo Bardawil, ter experiência e saber de jornalismo sem que isso

tivesse relação com aspectos acadêmicos.

Ao relatar sua experiência em um curso chamado Curso Abril, que

selecionava pessoas para atuarem como jornalistas na Editora Abril, o jornalista

afirma não ter aprendido nada porque, segundo ele, pegou “um professor que não

sabia nada e eu [Bardawil] sabia mais do que ele” (1999:47), já que possuía a

experiência necessária, adquirida com a prática anterior em outros jornais.

Este é mais um discurso reforça a ideia de que as experiências acadêmicas

são menos importantes, na retórica do grupo, para a formação do caráter do

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 83: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

83

jornalista, que os aspectos práticos da experiência, reconhecimento de talento e

interação entre os profissionais que compartilham das mesmas ideias e ações.

4.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico

Edmar Morel, em “Histórias de um repórter” conta sua trajetória no

jornalismo a partir da década de 1930, uma época em que não havia onde estudar

jornalismo e o ofício se aprendia na prática. Era nas redações que se descobria o

talento, a vocação para a profissão:

não havia escola de jornalismo, nem curso de comunicação. O jornalista

provinha de atividades auxiliares na arte de fazer jornal ou já trazia experiência

noutro jornal ou, ainda, seria uma vocação a se manifestar (Morel, 1999:33).

Mas seus sessenta anos de carreira o fizeram acompanhar o surgimento de

escolas de jornalismo e discussões sobre a valorização do diploma para o

exercício do jornalismo. Ainda assim, para Morel, seu “diploma” foi conseguido

na prática, fazendo jornalismo:

Na verdade, saí de O Globo diplomado em jornalismo. Nenhuma faculdade é

capaz de formar um profissional de imprensa (...). Para mim a experiência foi

válida e muito serviu (Idem, 1999:65).

É nessa direção que segue o jornalista Audálio Dantas, em “Repórteres”,

para quem o bom jornalista não pode ser definido a partir de teses e manuais. Para

ele, os jornalistas são “seres que perguntam”, que estão sempre atrás de uma boa

notícia, seja na esquina de casa ou do outro lado do mundo, e que têm capacidade

de escrevê-la com qualidade, de transformá-la em história. Este estilo é certificado

pelo grupo, percebido pelos colegas. Não é necessário um certificado ou diploma

para comprovar. Nos textos de diversos jornalistas em “Repórteres”, fica evidente

a existência de um modelo de valorização profissional baseada nos aspectos

reivindicados pelo grupo. São textos nos quais jornalistas como Caco Barcellos,

Carlos Wagner, Domingos Meirelles, Joel Silveira, entre outros, se valem da

cobertura de suas histórias para reafirmarem suas características de “bom

jornalista”.

É que as reportagens ou fatos do jornalismo que cada profissional

selecionou para contar se misturam a citações sobre sua própria atuação, seu

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 84: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

84

relacionamento com outros colegas, suas habilidades de investigação e escrita.

Com isso, as histórias escolhidas dividem espaço com os modos de agir e pensar

do jornalista e os exemplos “extraordinários” de sua atuação profissional que

merecem ser enaltecidos.

Nesse sentido, as comprovações da vocação e do dom para fazer

jornalismo são produzidas e apresentadas por eles próprios, valendo-se de espaços

como este livro para divulgarem suas práticas e habilidades.

Um outro exemplo pode ser encontrado no texto do jornalista José

Hamilton Ribeiro, ao relacionar sua habilidade jornalística e um prêmio recebido

por uma reportagem:

Repórter e reportagem – eis uma praia em que me sinto em casa. Estou indo para

quarenta anos de profissão, o tempo todo nessa luta de repórter (...) ganhei

Prêmio Esso Nacional com uma reportagem sobre cirurgia de coração com peito

aberto (Na época era novidade!) (Dantas, 1998:198).

O jornalista José Hamilton Ribeiro o segue citando aspectos de sua

atuação que são típicos de um bom jornalista, ao destacar que possui mais de

“oitocentas grandes reportagens publicadas” (1998:110), a sorte por atuar em

jornais que estavam em boa fase e coragem para assumir os riscos do trabalho

jornalístico. Riscos estes que lhe fizeram perder uma perna em cobertura da

Guerra do Vietnã.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto também escreve em “Repórteres” sobre

seu esforço para continuar sendo um “jornalista respeitado”, o que demonstra a

preocupação em mostrar sua atuação como exemplar para seus pares:

Revelar informações sobre negócios escusos com o dinheiro público e os

esquemas políticos que os mantêm pode acarretar dor de cabeça. Especializado

nesse tipo de assunto, acostumei-me a receber ameaças. As primeiras me fizeram

tremer. Mas percebi que, na maioria das vezes, era apenas intimidação. Se

afrouxasse, elas cessariam. Se me mantivesse firme, era pagar pra ver. Eu tinha

que pagar: queria continuar a ser um jornalista respeitado até o fim dos meus

dias (Dantas, 1998:125).

O questionamento sobre o valor do diploma para a formação de um “bom

jornalista” também foi feito pelo jornalista Michael Wolff em evento organizado

pelo departamento de Jornalismo da Universidade de Columbia (em abril de 2013,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 85: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

85

em Nova York), para debater a necessidade de graduação e pós-graduação em

jornalismo para o exercício da profissão. Wolff, que se reconhece como jornalista

bem-sucedido por méritos próprios e não por sua formação acadêmica, fez duras

críticas à academia. E durante o debate com a professora do departamento, Emily

Bell, reiterou as críticas feitas ao ensino universitário em artigos seus publicados

anteriormente na New York Magazine37

.

Para Wolff, que cursou a Universidade de Columbia, o jornalismo é uma

experiência e não há um currículo que precise ser formulado para isso. Segundo

ele, “esse é um trabalho sobre escrever bem, encontrar pessoas, interagir, achar

fontes”. O jornalista é enfático ao afirmar que não recomenda a escola de

jornalismo e que o valor gasto com o ensino acadêmico é “dinheiro jogado fora”,

já que não é o diploma que vai dar ao jornalista suas “melhores credenciais”. Em

sua opinião, os melhores profissionais não são aqueles que gastam sessenta mil

dólares em uma pós-graduação em jornalismo cuja preparação é feita para “um

mundo que não existe”.

4.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação

A escolha discursiva e formadora do caráter pelo ambiente interno, a

vocação e o dom se relacionam também a uma ideia de habilidade inata para

produção de informação. A prática e as qualidades dos jornalistas reconhecidas e

obtidas em treinamento em “seu ambiente” os credenciam a lidar com os fatos de

maneira peculiar, transformando-os em informação, em notícia.

Em “Minha vida de jornalista”, Nivaldo Marangoni enfatiza que as

surpresas do dia a dia da profissão exigem a habilidade de lidar com o

imprevisível, uma vez que o jornalista vai conviver com “momentos de tensão,

descontração, emoção e, acima de tudo apreensão” (1999:43), ao esperar por uma

pauta, por um telefonema, etc. Para ele, o profissional tem que estar preparado

para ouvir que seu chefe lhe diga: “Vá para a rua e se vire. Traga alguma coisa

boa. Rua, rua...” (Idem).

37

WOLFF, Michael. Class Dismissed (2002).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 86: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

86

Este é um exemplo de “habilidade de produzir informação”, de um

trabalho que precisa ser realizado naquele dia e que precisa de pessoas capazes de

apurar os fatos e transformá-los em notícia, informação. E, segundo Marangoni,

esta é uma realidade de trabalho que apenas o grupo consegue entender, já que

“para quem nunca esteve em uma redação é difícil imaginar o dia a dia de quem

trabalha ali” (1999:63). Assim, as habilidades peculiares de trazer informação, de

encontrá-las no cotidiano do cidadão comum e transformá-las são inerentes ao

jornalista.

A valorização desta característica de produzir informação foi tratada no

“Social Media Summit” organizado pelo jornal The New York Times, pela Knight

Foundation e pela BBC Academy’s College of Journalism, realizado no salão de

eventos do The New York Times, em Nova York, em junho de 2013.

O evento buscou discutir como o jornalista é capaz de lidar com a enorme

quantidade de conteúdos produzidos no dia a dia e em mídias digitais e, ainda

assim, demonstrar destreza para identificar o que é relevante para se tornar

notícia. Os jornalistas que atuaram como palestrantes reforçaram o discurso e

percepção do grupo sobre suas “habilidades extraordinárias” de lidar com a

informação. Eles procuraram demonstrar como os acontecimentos precisam passar

pelo “filtro” do jornalista para que sejam considerados relevantes.

O conteúdo produzido em mídias sociais por qualquer cidadão também foi

tema de debate durante o evento e os jornalistas apontaram diversas “falhas”

nesses conteúdos exatamente por não serem produzidos por jornalistas. Assim, um

fato só se torna notícia quando é selecionado, apurado e divulgado por alguém do

grupo, alguém com as “credenciais necessárias” para fazer com que um

acontecimento possa ser classificado como informação, como notícia.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 87: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

87

4.2.4. Talento para a escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social

Afinal, o que faz de alguém um bom jornalista? É preciso ter talento e ter

faro jornalístico. De acordo com os entrevistados, estes são requisitos que

contribuem para a habilidade de lidar com a informação, pois é preciso ter faro

para encontrar boas histórias e talento para escrevê-las.

O reconhecimento de um “bom jornalista”, medido pela disposição para

trabalhar, pela qualidade reconhecida entre os pares de escrever bem e encontrar

temas interessantes, pode ser encontrado em depoimentos como o de Edmar

Morel (1999), que destaca talentos como o de Roberto Marinho para exemplificar

o que é ser “um bom jornalista”:

A princípio tomei Roberto Marinho por um playboy, apaixonado por

automobilismo, hipismo e bilhar. Porém, com o decorrer do tempo, modifiquei

essa ideia. Era, sim, um trabalhador infatigável que chegava à redação às cinco

horas da manhã e saía à noite, com a pauta preparada para o dia seguinte

(1999:56).

Ricardo Noblat (2002) cita também exemplo de jornalista “bom farejador”,

aquele que descobre notícias em qualquer lugar, como “Bob Fernandes, atual

redator-chefe da Revista Capital é um dos melhores repórteres que já conheci. É

capaz de farejar notícia onde aparentemente não existe” (2002:44).

Marcos Faerman chama de “inventividade” a mistura de talento e faro

jornalístico, pois, segundo ele, “só ganha espaço, mesmo nas piores redações,

quem tem o mínimo de inventividade e não escreve como se estivesse lidando

com uma bula de remédios” (Dantas, 1998:162).

E é sem modéstia que Samuel Wainer apresenta seus “talentos

jornalísticos”, ao narrar como se transformou em um “repórter bajulado por

políticos interessados em obter maior repercussão para suas declarações” (Wainer,

1987:29). Segundo ele, seu talento fez com que conseguisse uma entrevista com

Getúlio Vargas que foi “uma bomba que (...) espalharia estilhaços por todo o país”

(Idem, 1987:23). Depois de publicar palavras de Getúlio de que retornaria ao

poder como “líder das massas”, todos queriam uma “entrevista assinada por

Samuel Wainer” (Idem, 1987:29).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 88: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

88

Para o jornalista Ricardo Noblat, é preciso estar atento para descobrir uma

notícia; é o jornalista que tem esse “faro” e a identifica “onde quer que ela esteja”:

A notícia pode estar no ambiente onde se passou determinada história. A notícia

pode estar no silêncio de uma pessoa entrevistada. A notícia pode estar no

nervosismo de alguém. Há, portanto, que estar atento a tudo. E há que ter faro

para identificar a notícia onde quer que ela esteja. Faro. É o faro que faz a

diferença entre um bom repórter e um repórter medíocre (2002:44).

Este “talento” e “faro” que aparecem no discurso dos jornalistas se

contrapõem à ideia de que os jornalistas adquirem estas habilidades por serem

indivíduos que tiveram acesso a um capital escolar e familiar que os habilitou a

desenvolver a escrita, a capacidade de observação, a pesquisa, a criatividade, etc.

Entenda-se como “capital”38

a definição de Pierre Bourdieu, que o utiliza

como um sistema de vantagens do indivíduo capaz de colocá-lo ou mantê-lo em

um grupo social, econômico e cultural específico. No caso do jornalista,

vantagens de origem familiar e acesso a um padrão educacional garantem ao

grupo a possibilidade de certas escolhas, entre elas as escolhas profissionais que

colocam o campo do jornalismo como opção:

A família e a escola funcionam, inseparavelmente, como espaços em que se

constituem, pelo próprio uso, as competências julgadas necessárias em

determinado momento, assim como espaços em que se forma o valor de tais

competências (Bourdieu, 2008:82).

Ocorre que não há na produção discursiva sobre o caráter do jornalista o

entendimento de que as ferramentas necessárias para que alguém se torne um

“bom jornalista” sejam atreladas a um padrão de vida anterior à profissão, que

gerou a possibilidade de existir a escolha pela carreira no jornalismo.

Ainda que a grande maioria dos profissionais entrevistados e os jornalistas

que contam sobre sua trajetória nos livros, artigos e entrevistas pesquisadas

tenham revelado serem de classe média, com acesso a meios de comunicação em

suas casas e acesso a escolas de boa qualidade, este critério não foi selecionado

38

Há, segundo Bourdieu, uma “estratégia” das classes dominantes de criarem uma estrutura

simbólica onde os acessos a bens culturais, econômicos, familiares, escolares, políticos sejam

capazes de estabelecer distinções entre as classes e dificultar a mobilidade social. Para o autor, esta

“estratégia” acaba favorecendo grupos hegemônicos e mantendo diferenças entre as classes. Para

uma discussão mais ampla do tema, ver textos do autor como A economia das trocas simbólicas

(1997) e A distinção. Crítica social do julgamento (2008).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 89: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

89

como formador do caráter do jornalista. Assim, o talento e faro jornalísticos são

reivindicados enquanto aspectos inatos do jornalista e não são feitas associações

entre estas habilidades e origem familiar e escolar dos profissionais.

Em pesquisa39

realizada em 2002 com mil e quinhentos jornalistas dos

Estados Unidos, também ficou configurado que os profissionais do jornalismo

são, em sua maioria, de classe média. A exigência pelo diploma fez do jornalista,

principalmente aquele que atua nos grandes centros urbanos, um profissional

oriundo, no mínimo, da classe média, pois é preciso que se tenha um capital

econômico e escolar minimamente de classe média, ainda segundo a pesquisa,

para se adquirir a graduação que garanta a entrada na profissão.

A relação entre curso universitário e classe média também surge na

pesquisa “Quem é o jornalista brasileiro: perfil da profissão no país (2012)”40

que

aponta que a maioria dos dois mil setecentos e trinta e um profissionais

entrevistados em todo o país possuía curso universitário (98%), o que os coloca

numa parcela da população minimamente de classe média pelo acesso ao ensino

superior. Além disso, valores salariais do grupo variam numa média também de

patamares de renda estabelecidos, segundo a pesquisa, para a classe média, uma

vez que a maioria dos profissionais ganha entre três e cinco salários mínimos41

.

Não tenho a intenção de utilizar critérios econômicos para atribuir ao

jornalista uma classe social, devido à dificuldade de estabelecer a relação entre os

ganhos econômicos dos profissionais e seu agrupamento em uma classe. Utilizo o

termo “classe média” parafraseando esses interlocutores, que se dizem

pertencentes a esta classe. A identificação do grupo com a classe média pode estar

relacionada ao compartilhamento de um capital escolar e familiar considerado de

classe média.

Ou seja, o sentido de pertencimento de classe se dá, portanto, a partir da

ideia de experiências comuns compartilhadas entre os indivíduos em fase anterior

ao trabalho de jornalista, proporcionado pelos capitais escolar e familiar.

39

Pesquisa encontrada em The American Journalist in the 21st Century (Weaver, 2007:42,43). 40

MICK, Jaques (coord.) Quem é o jornalista brasileiro? Perfil da profissão no país (2012),

versão online e MICK, Jacques. (coord.) Perfil do jornalista brasileiro. Características

demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012. 41

Idem, p. 73.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 90: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

90

Posteriormente, o grupo também compartilha experiências comuns que o

definem enquanto unidade, enquanto classe42

. Mais uma vez, critérios não

econômicos são levados em consideração na compreensão dos jornalistas sobre a

formação do grupo. A construção do caráter de grupo aqui apresentada enfatiza os

elementos reivindicados pelos profissionais como experiências comuns, dando

sentido de classe ao grupo.

4.2.5. Grupo de jornalistas x Público geral, senso comum, sociedade

Um elemento marcante entre os aspectos práticos do caráter do jornalista é

sua percepção de dentro para fora, numa relação onde o grupo forma suas

representações considerando primeiramente seus elementos específicos. E esta

relação se dá ainda que seja este um grupo que precisa encontrar fatos do

cotidiano social geral e leitores do senso comum para continuarem existindo.

Assim como o ambiente de trabalho e demais locais onde buscam fontes

para atuar são valorizados no repertório de formação do grupo, as relações,

conceitos e julgamentos formulados e utilizados entre os pares também são mais

relevantes ao grupo que aqueles entendidos como externos, vindos do senso

comum.

A relação do jornalista se define por sua percepção de pertencimento ao

grupo. É a partir desta interpretação que se moldam os modos de ser e fazer

jornalismo que delineiam seu caráter. O grupo constrói uma oposição grupo-

sociedade onde normalmente se constrói uma oposição indivíduo-sociedade, pois

há um esforço de produção de uma lógica relativa a um grupo específico que se

contrapõe a aspectos sociais gerais, que servem aos demais indivíduos.

Em “Complexo de Clark Kent”, o jornalista Otávio Frias Filho descreve os

feitos realizados pelo jornal onde trabalhava e os furos conseguidos, numa postura

de inversão, pois propõe uma visão onde as ações dos jornalistas é que

desencadeiam as notícias. São as escolhas e atitudes dos jornalistas que iniciam

42

Um contexto de classe amplo, tal como definiu Max Weber, ao cogitar a relação entre

indivíduos a partir de um olhar para o modo como estão organizados. O contexto de organização

dos indivíduos se dá a partir de interesses e atividades que criam uma identificação, um estilo de

vida. Para uma discussão mais ampla, ver Max Weber em Classe, estamento, partido (1974).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 91: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

91

um processo de revelação da notícia. Para o jornalista, este processo seria

impossível de ser realizado não fosse pela característica do grupo:

Houve momentos de grande entusiasmo, de alguma excitação histórica. (...) Por

exemplo, a divulgação da descoberta do poço para testes nucleares na Serra do

Cachimbo (Pará). Também foi emocionante – e este foi um furo descoberto pelo

meu pai – a divulgação do verdadeiro estado de saúde do presidente Tancredo

Neves (Vieira, 1991:24).

E esta também é a percepção de Robert Darnton, que aponta para o

comportamento autocentrado do jornalista a partir de sua experiência profissional

nos Estados Unidos:

Não é preciso se intrometer muito para pegar o cerne da fala dos repórteres.

Eles falam sobre si mesmos, e não sobre os personagens de suas matérias. (...) A

conversa dos repórteres também se refere às condições de seu trabalho (Darnton,

2010:97,98).

A valorização das ações e indivíduos do grupo é reforçada através da

construção de personagens ideais, de jornalistas tidos como exemplos, cujo dom,

talento, faro, escrita, postura e linguagem servem de molde para o grupo. Dessa

forma, esses personagens ajudam a reforçar uma imagem centrada no grupo e nos

aspectos que constituem o perfil ideal do jornalista.

Exemplo de ídolos, para o jornalista José Carlos Bardawil:

Nós tínhamos nossos ídolos. Luís Fernando Mercadante era um deles. O homem

das matérias políticas da Realidade, perfis políticos, escritos com frases curtas e

saborosas. Tínhamos o Zé Hamilton Ribeiro, que era repórter dos assuntos

gerais, um homem que conseguiu tornar interessante uma matéria sobre dente

(Bardawil & Suassuna, 1999:46).

Para o jornalista Marcos Sá Corrêa, “quem faz bom jornalismo

investigativo, como o Teodomiro Braga, que no final de 1990 saiu do JB para ser

correspondente de O Globo em Londres, faz por mérito próprio” (Vieira,

1991:40).

Exemplo de talento para o jornalista Mino Carta:

Cláudio Abramo era um jornalista com este talento: era ótimo repórter, tinha

excelente texto, sabia dirigir uma equipe, sabia definir numa reunião de pauta

quais eram os assuntos principais, sabia paginar uma primeira página, sabia

ditar uma manchete (Idem, 1991:59).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 92: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

92

José Maria Mayrink também apresenta exemplos de “bons jornalistas”,

ajudando a reforçar em seu discurso os exemplos de como o jornalista “deve ser”

para se destacar e ser lembrado pelo grupo. Entre os exemplos, profissionais que

viajaram para El Salvador nos anos 1980 para cobrir conflitos e demonstraram

coragem ao cobrir os acontecimentos locais em meio a bombas e tiroteios.

Segundo ele, Lucas Mendes “mais que outros repórteres, ele enfrentou bombas e

tiroteios, para mostrar como os eleitores iam às urnas, desafiando ameaças de

represálias” (Mayrink, 2002:146).

E também Clóvis Rossi, seu “incansável e excelente companheiro” (Idem,

2002:147) que teve o carro atingido e sobreviveu ao ataque no mesmo dia em que

jornalistas franceses tiveram o carro metralhado por guerrilheiros.

Sobre sua própria carreira, Mayrink também demonstra orgulho de ter sido

considerado um bom profissional por seus colegas. Um trabalho que apresenta

como exemplo de “bom jornalismo” é uma série de reportagens que realizou após

sugestão de um colega, Robson Costa, sobre a solidão em São Paulo. Esta série

lhe rendeu o título de “repórter da alma”, por ter conseguido, segundo ele,

mergulhar “fundo no sofrimento de meus personagens, incorporei-os às minhas

preocupações” (Ibid, 2002:149).

É o que Gay Talese complementa ao mostrar em “O reino e o poder”, livro

em que apresenta a história do jornal norte-americano The New York Times, que

os jornalistas que por lá passaram são “voyeurs” do mundo que não se limitam a

simplesmente observar. É que o grupo se sente mais que observador, ao produzir

notícia, ao selecionar fatos, lugares e pessoas e tornarem suas histórias relevantes.

Para Talese, a imprensa precisa cobrir um acontecimento para que ele seja

considerado relevante e com isso “não se sabe se são as pessoas que fazem a

notícia ou vice-versa” (2000:13). Assim, a força do grupo de jornalistas acaba por

dar “legitimidade” aos fatos e transformá-los em notícia e isso alimenta o discurso

do jornalista de referenciar o produto de seu trabalho a uma construção que

valoriza enfaticamente o grupo e sua produção.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 93: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

93

Gay Talese, como ex-jornalista do The New York Times, reforça o

discurso de seus colegas sobre a relevância do grupo e sua presença para

transformar um acontecimento em notícia ao afirmar que “se a imprensa está

ausente, políticos cancelam seus discursos, manifestantes em defesa dos direitos

civis adiam suas marchas, alarmistas deixam de fazer previsões lúgubres” (Talese,

1981:13).

Além disso, o livro de Gay Talese conta, numa mistura de jornalismo e

ficção, a história do jornal norte-americano tendo como ponto forte a história de

jornalistas que contribuíram para o crescimento do periódico e que com seu

trabalho ajudaram o The New York Times a se tornar uma das principais

referências nos Estados Unidos e no mundo. O livro surgiu, segundo o autor,

em grande medida, de entrevistas com as pessoas do Times, de minhas

observações pessoais durante os muitos anos que trabalhei na redação (a partir

de 1953, como mensageiro), do que ouvi, junto com outros repórteres, de

veteranos relembrando o passado, ou ainda de longas cartas de Timesmen que

responderam às minhas perguntas sobre certos eventos e incidentes que fazem

parte das lendas da redação (Talese, 1981:518).

É possível perceber como o autor fez a escolha de desenvolver a história

do jornal citando, além da trajetória dos donos do jornal com suas histórias

pessoais e profissionais, a trajetória dos jornalistas que por lá passaram. Eles são

os personagens que ajudaram a dar personalidade ao jornal. São os jornalistas que

fazem o Times se tornar o Times. E, nesse sentido, a construção de Talese se

apresenta como mais um reforço à visão do grupo de enxergar seu caráter a partir

de uma construção baseada em discursos e comportamentos que privilegiam o

ambiente entendido como interno e que, a partir daí, se expande e causa impacto

no ambiente externo.

4.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado

Segundo o jornalista Augusto Nunes, em entrevista registrada no livro

“Complexo de Clark Kent”, “a ausência de rotina, para quem gosta, dá um charme

à profissão” (Vieira, 1991:29). Essa ausência de rotina se refere a uma

característica percebida entre os jornalistas como singulares ao grupo devido à

possibilidade de lidar com fatos novos todos os dias. Essa rotina de não ter rotina

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 94: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

94

surge como elemento que distingue o grupo dos jornalistas de profissionais de

outras áreas.

Esta falta de rotina é explicada no mesmo livro durante entrevista realizada

com a jornalista Marília Gabriela, quando ela aponta este quesito como um

elemento-chave do grupo, um privilégio para poucos:

Para mim é a possibilidade de ter uma vida muito menos rotineira, muito mais

interessante do que a de 95% das pessoas. Eu tenho um medo profundo da

rotina, do tédio. (Vieira, 1991:83).

O jornalista Mauro Santayana também cita entre os elementos

característicos do jornalista o trabalho que pode mudar em cima da hora e como

não conseguiria viver de outra maneira:

Este ano faz 45 anos que tenho vivido do meu ofício. Acho que não conseguiria

viver de outra maneira. Os nossos dias não são sempre iguais, como os daqueles

condenados à rotina de um trabalho repetitivo. Como dizem os italianos, fare il

giornalista è molto faticoso, ma è meglio che lavorare (Dantas, 1998, 181).

Quando a pesquisa “The American Journalist in the 21st Century”

perguntou a jornalistas norte-americanos a razão para a escolha da profissão ouviu

entre os quatro principais motivos ser o jornalismo uma profissão cujo trabalho é

“variado e excitante”43

. Para muitos jornalistas, a possibilidade de conhecer

lugares, pessoas e histórias diferentes a cada dia surge como grande motivador e

torna cada dia de trabalho único.

Trabalho único e que, para o jornalista Ricardo Noblat (2004), tem como

“lei” a atuação durante as vinte e quatro horas do dia, pois a notícia não escolhe

como nem quando aparecer. O jornalista tem que estar sempre alerta para um

trabalho que exige dedicação integral:

Outra lei estabelece que o jornalismo deve ser exercido em tempo integral. Isso

quer dizer: do momento em que o jornalista acorda até o momento em que vai

dormir. Notícia não tem hora nem dia marcado para eclodir e você esbarra nela

em qualquer lugar (Noblat, 2004:38).

43

The American Journalist in the 21st Century (Weaver, 2007:56 a 60).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 95: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

95

4.2.7. Compromisso X Remuneração

José Carlos Bardawil em “O repórter e o poder”, livro com entrevistas

dadas a Luciano Suassuna sobre sua trajetória como jornalista desde o final dos

anos 1950 até os anos 199044

, frisava em inúmeras histórias de sua carreira como

o dinheiro não era o mais importante reconhecimento de seu trabalho. Bardawil

relata que os baixos salários que recebia nos jornais onde trabalhou não fizeram

com que ele aceitasse oportunidades de suborno frequentes por ele trabalhar na

área de Política, entre elas a chance de ter um apartamento e trabalhar na Câmara

“só para assinar ponto” (1999:116).

A pouca relevância do reconhecimento financeiro diante da possibilidade

de ser reconhecido entre os colegas, de ser visto, nas palavras dele, como um

“puta repórter” prevalecia, o que importava e dava sentido à escolha pela

profissão. Segundo o jornalista, “apesar de ser considerado um cara brilhante

pelos chefes de redação, um puta repórter, sempre vivi pior do que todos os meus

colegas que se vendiam” (Bardawil & Suassuna, 1999:129).

Ao descrever o perfil do jornalista Otávio Frias Filho em “Complexo de

Clark Kent”, Geraldinho Vieira destaca a frase em que Frias Filho afirma que,

dependendo do momento e das circunstâncias, pode até ser um bom negócio ser

jornalista, mas o oficio é muito mais “uma obrigação que qualquer outra coisa

(Vieira,1991:15)”. É esta obrigação, esse sentido de compromisso que coloca

acima de status financeiro quando pensadas as razões e modos de reconhecimento

do trabalho.

O jornalista Mauro Santayana conta que, ao iniciar no jornalismo, ouviu de

seu redator-chefe que a profissão não era para aqueles que querem ganhar muito

dinheiro, mesmo sendo um bom profissional:

Você vai ganhar muito menos. Se continuar mexendo com publicidade, é capaz

de ficar rico. Como jornalista, você nunca terá muito dinheiro. Se tiver sorte e

trabalhar duro, poderá vir a ser um bom profissional. Se isso acontecer, ótimo

(Dantas, 1997:167).

44

O livro traz entrevistas realizadas com o jornalista entre os anos de 1993 e 1994.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 96: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

96

Com a remuneração passando longe das referências constitutivas do

caráter do jornalista, o reconhecimento do “bom jornalista” ultrapassa a barreira

profissional, se tornando, como diz o jornalista Ricardo Kotscho, “uma opção de

vida”:

Costumo dizer que, mais do que uma opção profissional, ser repórter é uma

opção de vida – não dá tempo para fazer mais nada, preocupar-se com outra

coisa (Idem, 1998:188).

O jornalista José Maria Mayrink também se refere em “Vida de repórter”

aos baixos salários:

O salário inicial de repórter – Cr$ 16 mil, numa época em que o mínimo beirava

Cr$ 9 mil – saía regularmente atrasado. Minha namorada, Maria José,

professora primária estadual, ganhava mais do que eu (Mayrink, 2002:29).

E, ainda assim, não desiste da profissão por ser esta uma “escolha” maior,

que não se pode medir apenas pela remuneração. Segundo o jornalista, sua

“vocação” era esta: ser “repórter de jornal, acostumado à correria do dia-a-dia”

(Idem, 2002:82).

Um fato que ilustra a ideia de “missão” nos discursos do grupo pode ser

encontrado no livro sobre a vida de jornalista de José Maria Mayrink quando ele

relata sua ida, em 1982, para El Salvador mesmo após o massacre de quatro

jornalistas holandeses:

Quando liguei para casa, Maria José e nossas quatro filhas se revezavam ao

telefone, chorando para pedir que eu não fosse a El Salvador. Enfrentei, naquela

noite, um conflito insuportável. Morria de pavor diante do perigo real, mas

sabia, ao mesmo tempo, que desistir da viagem seria renunciar à minha profissão

(Ibid, 2002: 141).

Além deste fato, o jornalista enfatiza sua disponibilidade integral ao

trabalho e as “missões” que surgirem:

Costumo trabalhar mais de oito horas por dia, estou à disposição do jornal em

tempo integral, sempre pronto para viajar em qualquer missão, às vezes viro a

noite em plantões e velórios (Ibid, 2002:218).

A “glória” do jornalista está em uma ideia de reconhecimento que

corresponde aos valores internos do grupo: suas reportagens, furos e

compromissos por parte dos pares, a partir do “cumprimento” destes quesitos de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 97: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

97

maneira mais aparente do que, por exemplo, uma nivelação de reconhecimento

entre os pares baseada em remuneração pelo trabalho profissional realizado:

Outras reportagens e outros furos viriam nos meses seguintes, num ritmo que

logo me levaria ao auge da carreira de repórter. Respeitado, temido, bajulado,

eu saboreava a minha glória particular... (Wainer, 1987:33).

Entre os jornalistas norte-americanos, a questão salarial também não figura

entre os principais motivos para a escolha da profissão. E esta é uma crítica do

jornalista Michael Wolff aos colegas, por não terem como uma de suas

prioridades profissionais a ambição de “ganhar dinheiro fazendo jornalismo”. Para

Wolff,45

a valorização do trabalho jornalístico deve também ser percebida a partir

do status financeiro.

Jornalistas norte-americanos que, em sua maioria, são profissionais de

renda média, sendo que, em 200246

, o ganho médio anual de um jornalista de

jornal impresso girava em torno de US$42.800, também não condicionam, em

seus discursos, a carreira a ganhos salariais. Dessa forma, é possível notar que não

há relação de prioridade financeira para a escolha da profissão e, com isso, não se

encontra entre os temas que configuram o caráter do jornalista o status financeiro.

4.2.8. Curiosidade

Para o jornalista Armando Nogueira, o “sentimento mais palpitante do

jornalista, em qualquer estágio de sua formação, é a curiosidade e o prazer de ser

o primeiro a saber (Vieira, 1991:86)”. E não é uma curiosidade qualquer; é uma

curiosidade especial, uma curiosidade que impulsiona o jornalista a criar modos

de agir e pensar enquanto grupo, pois é um sentimento que dá sentindo à escolha

da profissão e influencia no processo de construção do caráter do grupo.

O comportamento autocentrado e autorreferencial, por exemplo, se liga ao

aspecto da curiosidade quando o jornalista revela que tem que ser o primeiro a

saber os fatos. Mas não para por aí, já que este sentimento o leva também a querer

ser o primeiro a estabelecer uma relação com a notícia e sua divulgação.

45

Opinião produzida no evento acadêmico Emily Bell in conversation with Michael Wolff.

Local: World Room, Columbia Journalism School, Nova York, 2013. 46

Dados da pesquisa The American Journalist in the 21st Century (Weaver, 2007:97 a 106).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 98: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

98

Como se percebe no depoimento de Armando Nogueira, a intenção de

saber antes sobre os acontecimentos se apresenta como aspecto referente ao

grupo: é o jornalista que tem curiosidade, é o jornalista que sabe primeiro, é o

jornalista que apresenta a notícia, é o jornalista que produz reações na sociedade:

...é o jornalista que vai dizer às pessoas se o mundo vai acabar daqui a 20 dias

ou não, é o jornalista que vai dizer às pessoas se fulano é mesmo um mito ou

não, é ele que vai estabelecer um juízo de valores para o máximo de pessoas que

ele possa atingir (Vieira, 1991:86).

O que a curiosidade persegue e que, para o jornalista Caio Túlio, é “a

alegria do jornalista” está novamente fazendo menção ao grupo, aos seus modos

de agir e pensar. “É o furo, é a informação exclusiva, aquela coisa que você

investigou, que você sabe que é verdadeira. É o que dá mais retorno pessoal e

profissional” (Idem, 1991:108).

José Hamilton Ribeiro destaca a curiosidade como a “maior condicionante

espiritual” do jornalista, “é a curiosidade, aquela compulsão de saber mais e de

saber primeiro, para poder espalhar” (Dantas, 1997:112, 113).

Para Larry Rohter em “Deu no New York Times”, livro que conta suas

experiências no Brasil, principalmente aquelas envolvendo seu trabalho de

jornalista no país, é a curiosidade que move seu trabalho desde quando era um

“correspondente novato tentando aprender o ofício e finalmente como macaco

velho” (2007:19).

Em abril de 2013, em Nova York, a jornalista Molly Bingham foi a

convidada do evento “Rethinking Journalism”, para discutir sobre os desafios do

jornalismo no mundo pós-moderno. Na ocasião, perguntei à jornalista sua opinião

sobre a necessidade de estudar em uma escola de jornalismo para exercer a

profissão. A resposta de Bingham foi:

“Não acho que é preciso ir a uma escola de jornalismo para ser jornalista. Eu não

fui e acho que tenho as habilidades necessárias. É preciso ter uma infinita

curiosidade e sempre questionar os fatos, nunca estar satisfeita. É isso que torna

alguém um bom jornalista.”

A importância do aspecto “curiosidade” apresentado pelos jornalistas

acaba por reforçar a característica do grupo de construir uma retórica, uma lógica

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 99: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

99

e uma atitude de grupo que seleciona aspectos e os define enquanto práticos. Ao

escolher a “curiosidade”, os jornalistas acabam revelando que suas características

aparentemente bem definidas como práticas são, de fato, uma construção que pode

ser relativizada.

Isso porque, apesar de o fator “curiosidade” ser evidente nos discursos dos

jornalistas e tido como importante quesito formador do caráter do grupo, não fica

claro nos depoimentos como ela escapa de seu sentido subjetivo e pode ser

definida a partir de critérios práticos. Ou seja, não há uma definição objetiva de

como ter ou alcançar esta “curiosidade”. Portanto, ela acaba sendo, ao mesmo

tempo, um elemento “prático” na formação do caráter do jornalista e também uma

condição inata dos integrantes do grupo.

A escolha ampla entre os jornalistas da “curiosidade” se transforma em

elemento-chave para se pensar sobre a formação do caráter do grupo, já que o

posicionamento da “curiosidade” entre os critérios “práticos” do caráter do

jornalista cria a possibilidade de que se repensem e se relativizem todos os demais

aspectos reivindicados pelos jornalistas como formadores de seu caráter.

Se a “curiosidade” é parte de um esforço do grupo de que ela soe

logicamente como característica “prática”, todos os outros aspectos por eles

selecionados também podem fazer parte deste esforço de construção de uma

categoria “prática”. Para uma nova interpretação e entendimento do caráter do

jornalista, será preciso revisitar os aspectos selecionados pelos jornalistas como

relativos ao grupo e analisá-los como escolhas, e não como características dadas a

priori. Uma nova visita que pode proporcionar mais detalhes sobre o caráter do

jornalista.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 100: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

100

O quadro comparativo a seguir busca sintetizar fatores que representam e

fatores que não representam o “caráter do jornalista”:

Fatores que representam o caráter do

jornalista

Fatores que não representam o caráter do

jornalista

“Prática” “Teoria”

Local de trabalho, ambiente interno Universidade, ambiente externo

Vocação, dom Diploma, certificado acadêmico

Habilidade de produzir informação Dificuldade de produzir informação

Talento para a escrita, faro jornalístico Influência dos capitais escolar e familiar e

pertencimento a uma classe social

Grupo de jornalistas Público geral, senso comum, sociedade

Mundo do trabalho sem rotina Mundo do trabalho rotinizado

Compromisso Remuneração

Curiosidade

Quadro 4: comparativo final dos fatores que representam e não representam o “caráter do

jornalista.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 101: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

5. Encontros e desencontros entre teoria e prática

“Enquanto médico pensa que

é Deus, jornalista tem certeza.”

(Ricardo Noblat, 2002:28)

5.1. Relativizando o discurso nativo

As entrevistas realizadas com jornalistas brasileiros e norte-americanos e

os depoimentos encontrados em livros e demais materiais produzidos por

jornalistas e sobre jornalistas ajudaram a apresentar a construção de um discurso

que privilegia critérios práticos na formação do caráter do jornalista. As ideias

acerca do que significa ser e fazer jornalismo se definem a partir de uma

construção retórica e de atitudes de afastamento com os critérios teóricos e ligação

com os práticos.

Apesar da força desta característica para a construção e existência do

caráter do jornalista, é preciso relativizar o discurso do nativo, já que, ainda que o

jornalista tenha um discurso de valorização da prática e desvalorização da teoria,

não é possível tomar esta retórica como uma visão única e definitiva do caráter do

grupo. Assim, mesmo que seja importante perceber esta construção discursiva,

também é importante percebê-la enquanto construção. Nesse sentido, é necessário

entendê-la enquanto uma escolha e percebê-la num mundo mais amplo de

possibilidades e que, por esta razão, pode ser relativizada.

Significa que é importante perceber a formação do grupo a partir da

reivindicação de certo fatores como sendo peculiares ao grupo, e é relevante que

se perceba que estes fatores estão sendo mais valorizados que outros, mas, ao

mesmo tempo, isso não significa admitir que aqueles fatores menos valorizados,

citados, lembrados e reivindicados não atuam na formação do caráter do grupo.

É preciso relativizar o discurso nativo e analisar se há fatores que, embora

não tenham sido lembrados e reconhecidos como importantes na formação do

grupo, também participam para a construção e re-construção do caráter do grupo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 102: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

102

Não é à toa que a “curiosidade” serviu para problematizar a construção do

caráter do jornalista. A escolha deste quesito por todos os jornalistas

entrevistados, também presente em frases e falas no material pesquisado, serve

como ponto questionador dos elementos práticos de formação do caráter do

jornalista, já que não fica claro como esta definição subjetiva se torna objetiva e

“prática” nos discursos dos jornalistas.

O uso do termo “curiosidade” e seu deslocamento para os elementos

práticos são uma apropriação discursiva. É a partir da postura retórica do grupo

que a “curiosidade” foi incorporada entre os aspectos “práticos” do grupo.

Portanto, os elementos que caracterizam o grupo e a própria ideia do que significa

prática também se revela a partir de uma construção e não de caraterísticas

intrínsecas ou notoriamente evidentes.

Outras características “práticas” atribuídas ao jornalista tais como “dom”,

“faro”, “vocação” e “talento” já davam pistas sobre a transformação de critérios

subjetivos em elementos “práticos”. Quando a “curiosidade” se revela em todas as

entrevistas e em grande parte das demais fontes pesquisadas, torna-se ainda mais

importante a percepção sobre a criação de um caráter que pode ser problematizada

por não haver critérios inquestionáveis e de definição óbvia.

Neste capítulo proponho um confronto entre os elementos “práticos” e

“teóricos’ no que diz respeito à formação do caráter do jornalista. Os desencontros

com a “teoria” e os encontros com a “prática” serão colocados em pauta, para uma

interpretação mais abrangente do caráter do jornalista. Os termos influentes no

caráter do grupo e também os termos considerados exteriores ao grupo serão

trazidos à discussão com um novo olhar, cogitando agora possibilidade de

interações inesperadas na formação do grupo.

Se aspectos subjetivos foram apropriados pelo grupo e chamados de

“práticos”, outros aspectos do grupo “enquadrados” na categoria oposta também

podem ser parte desta construção do grupo. Por esta razão, as características

negadas ou enaltecidas pelo grupo podem ser problematizadas e percebidas sob

uma nova perspectiva.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 103: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

103

Com isso, pretendo mostrar que não há como olhar para o grupo

simplesmente levando em consideração sua construção discursiva. Suas escolhas

são importantes para a análise dos traços que caracterizam o grupo, mas a análise

sobre o grupo precisa ir além desta etapa. Não se trata, portanto, de reproduzir e

aceitar passivamente o discurso nativo. É preciso um olhar sobre o grupo que não

seja apenas seu próprio olhar.

5.2. Encontros e desencontros

A opção do grupo de privilegiar na concepção sobre seu caráter os

elementos práticos coloca duas questões: em primeiro lugar, são escolhas. Em

segundo lugar, são chamados de “práticos” atributos que poderiam também ser

construídos como “teóricos”.

Assim, o caráter do jornalista agrega elementos que vão ganhando aspecto

“prático” e formador do caráter do jornalista, a partir das relações e discursos do

grupo. Com isso, é preciso perceber quais elementos são escolhidos como

formadores do caráter do jornalista, mas também há que se considerar que os

atributos negados e não selecionados podem estar mais próximos do caráter grupo

do que se imagina. Não escolher e negar certos aspectos não quer dizer

necessariamente falta de relação com eles.

O exemplo sobre a construção em torno da “curiosidade” acabou

despertando minha percepção para as escolhas aleatórias e formuladas de modo a

tender para uma categoria do grupo, no caso, o lado “prático”. Mas durante toda a

construção dos aspectos “práticos” e “teóricos” do grupo, da relação com os

fatores que podem estar relacionados em uma ou outra categoria, me peguei

questionando a produção de sentido dos aspectos selecionados como “práticos” e

“teóricos”.

Os aspectos “práticos” e “teóricos” que parecem claramente definidos

careciam, a meu ver, de um olhar relativizador sobre esta construção. Um olhar

voltado a interpretar a possibilidade de as posições relativas ao caráter do

jornalista produzirem encontros com a “teoria” e, porque não, afastamentos com

relação à “prática”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 104: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

104

Questionando o sentido de “prática” a partir de termos que me parecem

subjetivos, tais como “curiosidade”, “faro”, “talento” e “dom”, encontrei um

caminho para contribuir com novos elementos para analisar o caráter do jornalista,

levando em consideração aquilo que ele reivindica em seu discurso, conforme

apresentado nos dois capítulos anteriores, mas também a partir daquilo que ele

não diz.

Para tal, retomarei os elementos “práticos” e “teóricos” selecionados pelos

jornalistas e analisarei a partir de alguns exemplos ou indagações como o caráter

do grupo também pode promover encontros improváveis com a teoria e

desencontros inesperados com a prática.

5.2.1. Local de trabalho, ambiente interno X Universidade e ambiente externo

A relação de proximidade do jornalista com seu local de trabalho e com

tudo aquilo que considera “seu ambiente”, podendo incluir neste critério a rua,

pessoas e tudo mais que achar ser “seu”, se define como aspecto peculiar do

caráter do grupo. Os locais não reconhecidos pelo grupo, entre eles o espaço

universitário, são relacionados aos elementos teóricos e, portanto, distantes ou

afastados do caráter do grupo.

Como aspectos subjetivos são vistos como “práticos” na construção do

caráter do grupo, a rejeição ao ambiente universitário poderia ser um aspecto, mas

ainda assim ter participação na formação deste caráter. Este desencontro poderia

ser questionado da mesma maneira que o encontro entre “curiosidade” e “prática”

foi posto em questão.

E este questionamento surge em virtude de a grande maioria dos

jornalistas entrevistados em ambos os países revelar ter realizado graduação e/ou

pós-graduação em cursos de jornalismo. Além dos entrevistados e dos jornalistas

citados através de outras fontes, pesquisas brasileiras e norte-americanas apontam

que os jornalistas que atuam em grandes centros urbanos tais como o Rio de

Janeiro e Nova York possuem, em sua maioria, formação universitária.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 105: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

105

A pesquisa brasileira “Perfil do jornalista brasileiro47”, que aponta que a

região Sudeste possui o maior número de profissionais de jornalismo, com quase

sessenta por cento dos profissionais brasileiros, confirmando a relevância da

participação do Rio de Janeiro no cenário nacional do jornalismo, também revela

que:

Têm formação superior 98,1% dos jornalistas brasileiros. Concluíram ou estão

cursando o nível de graduação 57,3% dos profissionais, enquanto 0,4% fazem

cursos superiores de tecnologia. Outros 40,4% já têm ou estão em cursos de

pós-graduação: 28,2% em especialização, 9,6% em mestrado, 2,2% em

doutorado e 0,4% em pós-doutorado (Mick, 2012:43).

Entre os profissionais norte-americanos, o índice de graduados e pós-

graduados também é bastante significativo. A pesquisa “The American Journalist

in the 21st Century” (2007) indica que 89% dos jornalistas norte-americanos

possuem nível universitário em cursos de Jornalismo ou Comunicação de Massa e

36% possuem pós-graduação na área de Jornalismo.

Estes dados ajudam a mostrar que a passagem dos profissionais por

instituições de ensino, reivindicadas ou não como relevantes para a formação de

seu caráter, faz parte da formação do indivíduo que virá a se tornar um jornalista.

Ambos os estudos também apontam o aumento do número de cursos de

Jornalismo e a crescente necessidade desta formação para inserção no mercado de

trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, setenta e cinco por cento dos

profissionais contratados entre 1998 e 2002 haviam se graduado em cursos de

Jornalismo ou Comunicação de Massa (Weaver, 2002:43). O que mostra que o

grupo, embora não queira atribuir o conhecimento acadêmico à formação de seu

caráter, tem grande relação com o ambiente universitário e, principalmente, com

cursos relacionados a jornalismo e mídia.

Além disso, é durante período universitário que muitas referências que

parecem não fazer parte do caráter do grupo são apresentadas ao futuro

profissional. Disciplinas, docentes, meios de comunicação, discussões sobre

47 A pesquisa realizada em 2012 pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia Política (PPGSP)

da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em parceria com a Federação Nacional dos

Jornalistas (Fenaj) e com apoio da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo

(SBPJor) e do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), entrevistou, através de uma

enquete em rede, dois mil setecentos e trinta e um jornalistas brasileiros (Mick, 2012:15,16).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 106: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

106

mídias, simulações de aspectos técnicos relacionados ao jornalismo são exemplos

de atividades realizadas em cursos universitários e que, apesar não relacionadas à

lista dos fatores que conferem sentido ao grupo, participam da formação

profissional do jornalista.

A escolha do desencontro com as atividades acadêmicas pode estar

relacionada à sensação de que a universidade simula a realidade que encontram

quando estão na prática da profissão. Não significa, contudo, pelo fato de não

reproduzir um retrato esperado da realidade, que não haja impacto do ambiente

acadêmico sobre o futuro jornalista. No entanto, esta percepção de que o ambiente

acadêmico não reflete a prática profissional resulta na escolha do período

acadêmico como algo que não faz parte do caráter do grupo.

O que se percebe, então, é que há uma expectativa, por parte do jornalista,

de que o que se simula no ambiente acadêmico corresponda exatamente ao mundo

profissional. No entanto, as tentativas de simular o mundo nunca serão, de fato, o

mundo. E, portanto, a busca pela imagem perfeita, pelo reflexo entre o ensino

acadêmico e a prática jornalística, ao não se concretizar, provoca esse afastamento

entre o ambiente universitário e a construção do caráter do jornalista. A frustração

do jornalista com relação às experiências acadêmicas para elas não serem

percebidas como úteis e, principalmente, integrantes do caráter do jornalista, está

relacionada a uma ideia de que o mundo universitário deveria ser uma

representação fiel ou a mais próxima possível do mundo do trabalho.

O que o ensino acadêmico se esforça para produzir como simulação da

realidade se torna, na visão dos jornalistas, um simulacro. Ou seja, enquanto a

universidade propõe ao aluno uma formação que cogita diversas formas de

atuação através de disciplinas, técnicas, professores e atividades que ajudem o

futuro profissional em variadas situações ligadas ao jornalismo (simulações), o

jornalista entende esta atuação como sendo uma fantasia que se cria e que não

representa a realidade (simulacro)48.

48 O sociólogo Jean Baudrillard em Simulacros e simulação (1991) apresenta de maneira mais

complexa o conceito de “simulacro” e “simulação” e as estratégias de construção da realidade a

partir destes conceitos. Suas interpretações sobre as possíveis cópias do real a partir das

simulações e simulacros não se limita ao modo como estou tratando os conceitos aqui. Neste

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 107: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

107

Há uma expectativa de que o que é apresentado no ensino universitário

corresponda, em certo sentido, àquilo que será a experiência no mundo real. E a

não correspondência cria no grupo uma frustração. Porém, não há como simular

tantas possibilidades que serão reveladas no mundo do trabalho e também aquelas

que surgirão nas interpretações dos indivíduos. As simulações escolhidas na

atividade universitária fazem parte de um universo de vivências do qual não se

pode dar conta.

A expectativa de ser a atividade acadêmica um “reflexo da realidade

profunda” (Baudrillard, 1991:13) não se confirma nem se pode confirmar, já que

não há como representar tantos mundos possíveis e que se encaixem nas

experiências do grupo.

A universidade se aproxima, na versão dos jornalistas, da Disneylândia, de

Jean Baudrillard, por se tratar de local onde existe a tentativa de produzir um

modelo através de “tipos de simulacros”, de fantasias que remetem à realidade. A

Disneylândia, assim como o ensino universitário, produz um “mundo imaginário”

que tenta se associar ao modelo real:

É antes de mais nada um jogo de ilusões e de fantasmas: os Piratas, a Fronteira,

o Future World, etc. (...) [um] mundo imaginário [que tenta produzir uma]

seleção do American way of life (Baudrillard, 1991:20).

Os parques de diversão atuam, assim como o ensino universitário, como

um local onde se fala do real, onde se produz uma ideia sobre o real, mas, no

imaginário do grupo, essa não passa de uma tentativa frustrada de tratar do real. A

tentativa de trazer aspectos relacionados à realidade é, no entendimento do grupo,

fracassada no momento em que não se apresenta nem mesmo como uma

simulação das atividades práticas da profissão. São simulacros, pois apresentam

formas de reproduzir situações que não são compreendidas, autorizadas e

apropriadas pelo grupo.

trabalho, me atenho a desenvolver a ideia de que o simulacro faz parte da percepção de um grupo a

respeito da existência um ponto de vista equivocado, mal formulado, mal apresentado e fantasioso

da realidade, enquanto a simulação representaria a forma mais aceita, mais “respeitosa” de olhar e

interpretar as ações que expõem experiências do real.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 108: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

108

5.2.2. Vocação, dom X Diploma, certificado acadêmico

Entre as habilidades estabelecidas no grupo para que um indivíduo se torne

um “bom jornalista” estão a existência de uma vocação e um dom para a

profissão. O diploma acadêmico, que comprova a formação do profissional e que

poderia ser agregado como elemento confirmador da formação e habilidade

jornalística, não é enaltecido na construção retórica do grupo.

Ainda assim, a relação entre jornalistas e diplomas acadêmicos parece se

estreitar cada vez mais. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a quantidade

de jornalistas com estes certificados supera em grande número a quantidade de

profissionais que atua sem diploma.

Em “Perfil do jornalista brasileiro”, a maioria dos jornalistas entrevistados

(55,3%) se declarou “a favor da exigência de formação superior específica em

Jornalismo para o exercício da profissão” (Mick, 2012:40). Contudo, este

argumento favorável ao diploma, segundo os jornalistas entrevistados pela

pesquisa, se dá por ser ele um “instrumento de luta trabalhista e não medidor da

competência de ninguém” (Idem, p.41).

Em “Ser jornalista no Brasil”, o debate caminha também no sentido de

pensar outras atribuições para o valor do diploma acadêmico na formação do

caráter do grupo, já que “tanto o diploma quanto o próprio curso superior estão

cercados de instabilidades no que diz respeito à forca deles na construção da

identidade dos jornalistas brasileiros” (Lopes, 2013:10).

O diploma não é valorizado como comprovante das habilidades aprendidas

e apreendidas para uso no mundo do trabalho tal qual em outros cursos

universitários. Ele serve como um mecanismo de segurança do grupo e de acesso

ao grupo. Ou seja, atua como protetor do grupo, pois é necessário para atuação na

área, e também seleciona aqueles que fazem parte do grupo. É, antes de tudo,

selecionador dos integrantes do grupo. Não tem como função principal servir de

registro das competências do “bom jornalista”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 109: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

109

Mesmo não servindo enquanto integrante, enquanto formador do caráter

do jornalista, a entrada dos jornalistas no grupo está cada vez mais condicionada

ao diploma. Os jornalistas possuem, então, um discurso a favor da exigência do

diploma para a atuação na área e, ao mesmo tempo, o dispensam na formação do

caráter do grupo. O diploma49 se agrega ao grupo enquanto critério de inserção,

mas não confere, em si, uma autoridade, um atestado de “bom jornalista”.

No caso dos profissionais norte-americanos, a relação é semelhante: este

elemento também é afastado retoricamente do caráter do jornalista, mas tampouco

lhe é distante. O diploma se revela nos Estados Unidos, assim como no Brasil,

como um fator de agrupamento dos profissionais, tendo em vista o número de

profissionais com diploma de Jornalismo e a quantidade de escolas de Jornalismo

existentes no país. Em 1971, duzentas universidades ofereciam cursos graduação

e/ou pós-graduação na área de Jornalismo; em 1982 o número já havia subido para

trezentos e quatro programas; em 1992, havia quatrocentos e treze programas no

país e no ano de 2002 o número de cursos chegou a quatrocentos e sessenta e

três50.

O crescimento de cursos de Jornalismo também impulsionou a relação do

diploma com o mercado de trabalho, fazendo com que as redações e demais

ambientes jornalísticos ficassem cada vez mais povoados por detentores de

diploma de Jornalismo. Com isso, o diploma ganha um novo significado e seu

uso, sua apropriação, seu novo sentido é produzido pelo grupo sob critérios que

ajudam a definir o caráter do jornalista. Se pensarmos no diploma como um

“convite” ou uma “autorização” de entrada no grupo, podemos pensar que, para

perceber quem são os “bons jornalistas”, através de exemplos do “dom” e da

“vocação”, é preciso primeiro que eles sejam parte do grupo, que sejam aceitos.

Ou seja, o diploma ganha papel relevante no caráter do grupo ao ser identificado

como um elemento de inserção e de unificação.

49 Para saber mais sobre o tema, ver Fernanda de Lima Lopes em Ser jornalista no Brasil (2013),

onde a autora discute a identidade profissional do jornalista e a necessidade do diploma para

atuação na área. 50 Weaver, 2007:32.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 110: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

110

5.2.3. Habilidade de produzir informação X Dificuldade de produzir informação

O que distingue o jornalista dos demais indivíduos? Nas respostas de

muitos jornalistas, haveria a defesa da “habilidade de produzir informação”. Sob o

argumento da existência de uma “habilidade extraordinária” do jornalista para

encontrar, filtrar e produzir informação como distintiva do grupo perante os

demais indivíduos, é construído e reforçado mais um critério de seu caráter.

Segundo Paul Starr, em “Goodbye to the age of newspapers”, a função

diária do jornalista de “separar rumores dos fatos permanece vital” (Starr,

2011:32)51, mas esta autoridade vem sendo questionada e a condição do jornalista

enquanto detentor da habilidade de produzir informação esbarra em outros grupos,

outras “autoridades” que também se apresentam neste espaço que apenas o

jornalista gostaria de ocupar.

Para Muniz Sodré, em “Os neojornalistas estão chegando”, a autoridade do

jornalista sempre foi “dividida” com outros grupos sociais. Isso ocorria desde a

época em que:

os jornais abrigavam tradicionalmente intelectuais oriundos do mundo das

Letras ou da Academia stricto sensu” [até os dias de hoje quando] “blogs e

twitters estão aí para demonstrar que qualquer indivíduo, munido de computador

e devidamente "antenado", é, no mínimo, um ‘protojornalista’, isto é, uma fonte

de informação ou de opinião conversível em discurso social” (Sodré, 2010).

Em “O livro no jornal”, Isabel Travancas destaca o trânsito de outros

profissionais pelo jornal. Escritores, professores universitários e acadêmicos estão

entre os grupos sociais que atuavam e ainda atuam nos periódicos. Há, segundo a

autora, em espaços do jornal, disputas

inclusive de prestígio, entre ocupações distintas. Os especialistas afirmam muitas

vezes que os jornalistas são ‘especializados em generalidades’ e os profissionais

de imprensa criticam a forma da escrita daqueles intelectuais, que não escrevem

para o público do jornal nem com uma linguagem clara e objetiva (Travancas,

2001:130,131).

A exaltação de uma da habilidade de lidar com a notícia se torna parte da

produção de um critério de distinção e defesa do grupo quanto à presença de

51 Tradução minha do idioma inglês para português.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 111: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

111

outros profissionais no espaço de produção de informação e da possibilidade

destes “competidores” alcançarem uma autoridade que deveria ser conferida

somente ao jornalista. Dessa forma, ter como caráter, como característica, a

habilidade de produzir a informação é uma maneira de se diferenciar dos demais

indivíduos, inclusive daqueles que tentam “invadir” o espaço do jornalista.

Isso não significa que outros grupos não possam selecionar, produzir e

divulgar informações. O que se revela é que esta é uma reação do grupo para a

manutenção de sua autoridade e relevância social, onde os critérios para que se

produza algo que pode ser chamado de informação tenha que passar pelo “filtro

jornalístico”.

5.2.4. Talento para a escrita, faro jornalístico X Influência dos capitais escolar e familiar e do pertencimento a uma classe social

As ferramentas do “bom jornalista”, entre elas o talento e o faro, se

sobrepõem ao fato de os profissionais possuírem capitais familiares e escolares

semelhantes. Os indivíduos que escolheram o jornalismo tiveram acesso a

condições sociais proporcionadas pela família e a escolas que os ajudaram a

eleger este caminho profissional. Esta possibilidade de escolha faz parte de um

campo de opções mais acessível a certos grupos sociais.

Assim, a construção do grupo dos jornalistas começa a se formar bem

antes do que eles cogitam; as condições sociais e escolares dos indivíduos

influenciam posteriormente as possibilidades de vida que os indivíduos terão. O

acesso a um certo conjunto de bens materiais e simbólicos faz com que indivíduos

possam se tornar jornalistas. São precondições que facilitam e proporcionam a

chance de o jornalismo ser uma opção de trabalho.

As características do faro e do talento, compreendidas como intrínsecas, se

ancoram, na verdade, em bens adquiridos ao longo da vida, que propiciam o

surgimento destas habilidades. Segundo Pierre Bourdieu, em “A distinção”, a

ordenação de pessoas em classes ou frações de classe, que se constrói a partir de

práticas mais ou menos conscientes, depende das condições simbólicas e materiais

dadas aos indivíduos. São modelos de organização de grupos em campos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 112: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

112

possíveis. Os capitais herdados levam a um “feixe de trajetórias” (2008:104)

previsível, já que escolhas profissionais estão associadas ao “volume de capital”

(Idem, p.107)52 adquirido e incorporado pelo indivíduo.

No texto “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à

cultura”, Bourdieu relaciona a posição social do indivíduo a um sistema de valores

influenciado por sua trajetória da vida (capital familiar) e interiorização de bens

simbólicos, que se constrói também a partir do acesso a um modelo de educação

(capital escolar):

Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que

diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores implícitos e

profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre coisas, as

atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. (Bourdieu, 2005:42).

5.2.5. Grupo de jornalistas x Público geral, senso comum, sociedade

A visão autocentrada e autorreferencial do jornalista também pode ser

notada na relação que o grupo constrói com a notícia, num discurso que atribui a

ele a descoberta de fatos relevantes, e também a partir da construção de modelos

de bons jornalistas, figuras que representam, que personificam formas ideais de

ser e fazer jornalismo.

O grupo entende que são eles que descobrem a notícia e também criam

entre eles figuras internas que servem de referencial, de exemplo de atuação. Com

isso, criam uma lógica interna que se sobrepõe à externa e tratam os elementos de

“fora” como coadjuvantes.

A frase de Samuel Wainer: “Sempre achei que é o mundo que está à espera

de um jornalista, não o contrário” (1987:91), escolhida como destaque do capítulo

anterior, corrobora esta construção voltada primeiramente para as ações e

indivíduos relativos ao grupo. E, ainda que os indivíduos e ações externas possam

52 Para Bourdieu, o indivíduo possui um “conjunto de recursos”, de bens materiais e simbólicos

que contribuem para a formação de seu capital cultural. O que chama de “capital cultural

objetivado” (adquirido) diz respeito a bens apropriados e que podem ser transmitidos

materialmente, enquanto o “capital incorporado (habitus)” diz respeito aos bens simbólicos, às

formas de interiorizar, de incorporar o capital cultural, mantendo a lógica e estrutura do grupo.

Para uma discussão mais profunda sobre o tema, ver Os três estados do capital cultural, 2005.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 113: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

113

“servir” ao grupo, elas não são valorizadas em sua influência na formação de seu

caráter.

Com isso há duas questões que precisam ser analisadas: a problematização

sobre o papel da sociedade (mundo externo) na formação do caráter do jornalista e

sua atuação autônoma na seleção de notícias, dos fatos a serem divulgados53. O

discurso do jornalista de apropriação do mundo externo e de autonomia para

produção da notícia esbarra em questões cruciais do campo jornalístico, já que a

relação do grupo com “o outro” ou “os outros” é tão constitutiva do caráter do

grupo que não se pode supor algum distanciamento entre eles.

Para Rodney Benson e Erik Neveu, em “Bourdieu and the journalistc

field”, o campo jornalístico tem sua existência condicionada a modelos de

sociedade que organizam sua existência. Ele existe em relação à sociedade e não

anterior, afastado ou utilizando dela. Além disso, o campo jornalístico tem sua

existência condicionada a grupos sociais, econômicos e culturais com tipos

distintos de “caráter”.

Os autores utilizam conceitos do sociólogo Pierre Bourdieu para

apresentar o campo jornalístico como um espaço de produção cultural e

econômica que representa aspectos sociais amplos da sociedade onde atua e como

um campo influenciado e de existência condicionada a diversos campos.

Ainda que, segundo Benson e Neveu, o campo tenha, sim, suas

características e uma “autonomia necessária”, um modo de atuação com

características peculiares, pois através dela é possível perceber as práticas do

campo, trata-se também de um “microcosmo” capaz de representar um universo

53 É importante que se entenda que se trata da problematização de uma escolha discursiva, de um

privilégio dado a certos elementos. Não significa que o jornalista não cogite a participação do

ambiente externo, dos fatores sociais em seu trabalho. Esta divisão, bem como todas as outras aqui

produzidas são “tipos ideais” que valorizam critérios selecionados para formação do caráter aqui

definidos como “práticos” em oposição aos “teóricos”. Com isso, afastar-se de certos aspectos não

significa ignorar sua existência e, por que não, participação na formação do grupo. Portanto, trata-

se de uma “organização ideal” de aspectos que se aproximam e se afastam do grupo, a partir do

discurso produzido pelas vozes nativas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 114: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

114

social mais amplo e que também se relaciona com diversos campos para continuar

existindo54.

Michael Schudson, em “Autonomy from What?”, destaca que há grupos

que são mais orientados por lógicas internas na maneira de se relacionar com o

mundo externo em suas extensões sociais, econômicas e políticas55. Para

Schudson, essa lógica de relacionamento se aplica ao campo jornalístico, mas ela

é mais complexa do que parece.

O autor apresenta episódios históricos que mostram exemplos de

subserviência do campo ao Estado e ao mercado, que dissolvem o “muro de

separação” entre o campo jornalístico e interesses políticos e econômicos. Dessa

forma, o campo é vulnerável, pois depende do mercado e do Estado de maneiras

distintas e não é possível definir até que ponto há autonomia na produção de

informação.

Esta autonomia faz parte, para Schudson, de um discurso de defesa de uma

“esfera autônoma” que não se sustenta e a escolha por se fechar em uma lógica

interna não se apresenta como solução para pensar os desafios do jornalismo,

entre eles que tipo de relação deve ser estabelecida com o mercado e o Estado,

tendo em vista que participam dos modos de ser e fazer jornalismo.

A lógica interna que busca afastar a relação entre o jornalismo e a lógica

empresarial e sua influência política na sociedade ganha forma no discurso do

jornalista Ricardo Noblat, em “A arte de fazer um jornal diário”, quando afirma

que:

jornalismo nada tem a ver com essas corporações. Elas reconhecem o impacto

poderoso da mídia no processo político. Sabem quanto a mídia ajuda a formar

opinião sobre assuntos públicos. E querem por meio dela influenciar governos,

ampliar seus negócios e lucrar mais (Noblat, 2002:22).

O que o jornalista apresenta é o contrário do desafio proposto por

Schudson, já que Noblat isenta aqueles que praticam o que chama de “bom

jornalismo” da proximidade com intenções políticas e econômicas. Contudo, seria

54 Argumento desenvolvido em “Field Theory as a Work in Progress” (p.02 e 25). In: Bourdieu

and the journalistic field, 2005. 55 Argumento desenvolvido em “Autonomy from What?” (p.214 e 223)”. In: Idem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 115: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

115

mais relevante pensar a responsabilidade e o papel do jornalismo em suas

conexões e impactos na sociedade, pois admitir a atuação do jornalismo em meio

a questões políticas e econômicas não desmerece o grupo, pelo contrário, legitima

a existência do jornalismo, pois a atividade jornalística, se descolada da realidade

social, estaria atuando de modo paralelo à sociedade e não inserida no contexto

social.

Para Patrick Champagne (2005)56, apesar de todos os esforços do campo

jornalístico para profissionalizar suas atividades e desenvolver escolas de

jornalismo que reforcem que o trabalho deve ser submetido apenas a pareceres

intelectuais e técnicos, a autonomia jornalística tem limites que esbarram nas

dependências políticas e econômicas. Champagne enfatiza as dificuldades de um

campo que atua na fronteira entre as relações econômicas e políticas e o público,

assumindo um papel de mediador.

Nesse sentido, o campo jornalístico não pode ser pensado sem levar em

consideração sua relação com aspectos econômicos, tais como o volume de

vendas de um jornal, interesses empresariais dos grupos de mídia, as propagandas

estampadas nos periódicos, entre outros. E tampouco pode existir sem estar

associado ao papel de formador de opinião pública, a partir dos fatos que anuncia.

Nada mais político que isso57.

A pesquisa de doutorado de Jorge Claudio Ribeiro (1994)58 também

buscou discutir como a “dimensão empresarial e política dos jornais se articula

com a vivência profissional dos jornalistas” (p.16). Através do estudo dos jornais

Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, Ribeiro interpreta a complexa relação

56 Argumento desenvolvido em “The ‘Double Dependency’: the Journalistic Field Between

Politics and Markets”, In: Bourdieu and the journalistic field, 2005. 57 A dimensão e o impacto dos aspectos econômicos e políticos no jornalismo é bastante complexa

e merece uma discussão mais ampla e bem desenhada que a discussão realizada neste trecho. O

que pretendo destacar aqui é a escolha discursiva e formadora do caráter a partir da ideia de

existência de uma lógica interna mais valorizada que outros aspectos. Os exemplos servem

somente para ilustrar que esta lógica não pode nem consegue atuar descolada de suas relações

políticas e econômicas. Também serve para explicitar que a escolha dos elementos de formação do

caráter do grupo poderiam se basear em outros aspectos, até mesmo naqueles que se afastam do

grupo, já que é possível notar a interação com atributos que foram afastados. 58 Para saber mais, ver RIBEIRO, Jorge Claudio. A religião do jornalismo, 2007, e Sempre

alerta. Condições e Contradições do trabalho jornalístico, 1994.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 116: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

116

do jornalista com os demais grupos e interesses existentes dentro e fora dos

jornais.

Para o autor, a devoção do jornalista ao seu grupo, valores e práticas ajuda

a apresentar aspectos relativos ao grupo, mas, ao mesmo tempo, se apresenta

como uma reação a valores e práticas com as quais precisa conviver e que

permeiam seus modos de ser e fazer jornalismo, mesmo sem serem reivindicados.

5.2.6. Mundo do trabalho sem rotina X Mundo do trabalho rotinizado

Não ter rotina de trabalho. Este é um elemento que caracteriza o jornalista

e que o diferencia dos demais tipos de trabalhadores. Esta “rotina de não ter

rotina” faz parte da definição do grupo e o diferencia dos outros indivíduos.

A chance de encontrar algo novo para relatar todos os dias pode ser

relativizada, já que existem processos rotinizados de elaboração e divulgação das

notícias e também por ser a seleção dos fatos uma escolha dentre muitas. Dessa

forma, o fazer jornalístico está atrelado a tarefas rotinizadas e também a escolhas

definidas, não sendo a divulgação dos fatos puramente definida a partir de

episódios inesperados, ou selecionadas de forma aleatória.

O funcionamento de uma redação, local, segundo Isabel Travancas (1993),

bastante peculiar do jornalista, possui processos bem definidos de funcionamento,

sendo dividido entre categorias de jornalistas, editorias, “em muitos casos, cada

editoria tem um detalhe que a diferencia das demais” (p.25) e profissionais de

outras áreas, por exemplo.

Também há, na atividade diária do jornalista, rotinas de trabalho que se

estabelecem na relação com os demais profissionais da redação e também com a

produção da notícia. Para Travancas, ao acompanhar a rotina de uma redação, é

possível até mesmo identificar horários mais ou menos movimentados que

identificam a rotina do local:

A redação, embora funcione 24 horas por dia, tem seus momentos de pique. Em

torno de 7 horas da manhã, há poucas pessoas na sala. Ali se encontram o chefe

de reportagem, o pauteiro, alguns contínuos e os primeiros repórteres da manhã

que começam a chegar, sem falar nos que trabalham de madrugada. Por volta

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 117: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

117

das 10 horas o movimento já é grande e o barulho, intenso. Entre 11 da manhã e

4 da tarde o período é de ‘calmaria’, quando os repórteres estão na rua e os

redatores ainda não chegaram. Depois das 16 até as 20 ou 20h30, o movimento

vai não só aumentando como se intensificando, e a ansiedade crescendo; vêem-se

várias pessoas correndo de um lado para outro, ouvem-se gritos aflitos,

motivados pela tensão. Está próximo o momento de fechamento do jornal, que

não espera ninguém – é o deadline (linha da morte), ou seja, prazo fatal. (...)

Passado esse clímax, aos poucos a redação vai se esvaziando, silenciando, e por

volta das 10 horas da noite ela já está com mais da metade de seus terminais

desocupados e parados. É a hora da conversa amena, dos comentários sobre o

dia, a pauta e as coberturas; e para muitos a hora do chope relaxante que

amortece mais um dia de tensão” (Idem, 1993:31).

A seleção das notícias e seu processo de produção também não são tão

imprevisíveis. Reuniões de pauta, eventos agendados ou aguardados, temas

sempre presentes nos noticiários são exemplos de fatos que serão abordados

dentro de uma organização prévia. Ou seja, muitas notícias divulgadas nos jornais

fazem parte de pesquisa, escolha e apuração anteriores e exigem uma preparação,

uma rotina, para sua confecção.

No próprio discurso dos jornalistas entrevistados e pesquisados em outras

fontes, muitos processos e temas são retratados em rotinas de trabalho. São

viagens, datas importantes, eventos que ocorrem em momentos específicos,

editorias que desdobram assuntos já apurados. Além disso, muitas “matérias frias”

são feitas por jornalistas para serem usadas caso necessário. São temas atemporais

que se tornam matéria caso haja espaço a ser preenchido no jornal. Também existe

no trabalho jornalístico a rotina de pesquisa, já que os profissionais não podem ir

às ruas para entrevistar alguém ou cobrir um evento sem saber antes do que se

trata.

Durante o tempo em que trabalhei em um jornal de grande circulação no

Rio de Janeiro, havia a expectativa pelas novidades, pelos furos, pelas notícias

inesperadas que poderiam mudar o dia da redação e movimentar todo o jornal.

Mas, ao mesmo tempo, escrevíamos matérias que poderiam ser veiculadas em

qualquer dia da semana e realizávamos pesquisas sobre futuros temas e sobre

pautas já organizadas. Uma das coisas que meus amigos não jornalistas achavam

engraçado e mórbido eram meus relatos de “preparação de mortes”. Recolhíamos

material, fotos, depoimentos e tudo mais que fosse interessar sobre a vida de

algumas celebridades que tinham chance de morrer num futuro próximo e os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 118: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

118

deixávamos em arquivos, para que a matéria sobre aquela pessoa pudesse ser feita

de maneira mais rápida. Nos bastidores da redação havia, inclusive, o boato de

que o dono do jornal concorrente havia proibido seus funcionários de fazerem a

preparação antecipada de sua morte. No nosso caso, não posso dizer o mesmo...

5.2.7. Compromisso X Remuneração

Estudos qualitativos que investigaram a formação da identidade do

jornalista, como Travancas (1993) e Ribeiro (1994), apontaram que ser jornalista

não implica apenas em uma opção profissional; trata-se de uma escolha de vida

que cria uma “identidade comum (...), um estilo de vida e visão de mundo

próprios” (Travancas, 1993:84). Segundo Travancas (1993) e Ribeiro (1994), o

jornalista transformou o mundo do trabalho em sua Casa. Ele

faz um investimento afetivo tão grande no emprego que ele se transforma em

Casa (...) e a vida privada do jornalista, relegada a segundo plano transforma-se

em Rua (Ribeiro, 1994:171).

A análise dos autores, que se baseia nas categorias sociológicas

desenvolvidas por Roberto DaMatta, de Casa e Rua59, revela que a Casa

representa o mundo das relações pessoais, “é o lugar da pureza, do controle, da

ordem, frequentada pela Pessoa identificada, onde prevalecem as relações de

favor, de simpatia, de igualitarismo e de afetividade” (Idem, 1994:170)60,

enquanto a Rua representa o lugar das leis impessoais, das regras que valem para

todos, onde somos apenas “anônimos e desgarrados” (DaMatta, 1997:20)61.

Entre os aspectos comuns ao grupo e que dão sentido à vida do jornalista

dentro e fora do mundo do trabalho, está o entendimento de ser esta profissão uma

missão. Uma noção de compromisso, responsabilidade e sacrifício que o

acompanha em todos os momentos da vida. E esta missão é cumprida a partir do

reconhecimento de valores internos reforçados através da aceitação dos pares e da

repercussão dos trabalhos realizados.

59 São categorias que devem ser interpretadas não como um espaço físico e sim como um sistema

classificatório de pensamentos e valores sociais. 60 Interpretação de Jorge Claudio Ribeiro (1994) sobre categoria Casa formulada por Roberto

DaMatta (1997). 61 Para saber mais ver A Casa e a Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil, 1997.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 119: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

119

Por outro lado, a questão salarial não se apresenta como fator primordial

de reconhecimento de um “bom jornalista”, nem serviu de motivação para a

escolha ou continuidade na profissão. Pelo contrário. Outros tipos de status são

atribuídos ao grupo e mais valorizados em seu reconhecimento. Nesse sentido, o

trabalho do jornalista e o sentido de missão fazem parte do universo do grupo

(Casa), enquanto o salário e o status financeiro como formas de reconhecimento

profissional se afastam do grupo (Rua).

Ainda que os aspectos financeiros não assumam papel relevante nos

discursos de formação do caráter do jornalista, pesquisas62 quantitativas e

qualitativas apontam que o grupo é, em sua maioria, formado por indivíduos das

camadas médias urbanas e que se mantêm nas camadas médias urbanas a partir

desta escolha profissional. Esta manutenção também se dá, entre outros fatores, a

partir de um recorte financeiro.

Críticos da postura jornalística na abordagem sobre aspectos econômicos,

como o jornalista Michael Wolff63, tentam provocar discussões no sentido de

propor que o jornalismo também é uma profissão reconhecida a partir do status

financeiro do profissional. Para Wolff, o custo de formação acadêmica precisa

produzir retorno na vida profissional do jornalista e é possível produzir associação

entre reconhecimento financeiro e “bom jornalismo”.

62 Ver 1. BECKER, Lee B. & VLAD, Tudor. & SIMPSON, Holly Anne. (org.) Annual Survey of

Journalism & Mass Communication Enrollments. Grady College of Journalism & Mass

Communication, University of Georgia, 2013; MICK, Jacques. (coord.) Perfil do jornalista

brasileiro. Características demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012, 2013;

NONATO, Cláudia. & GROHMANN, Rafael. As mudanças no mundo do trabalho do

jornalista, 2013; RIBEIRO, Jorge Claudio. Sempre alerta. Condições e contradições do

trabalho jornalístico, 1994; TRAVANCAS, Isabel. O mundo dos jornalistas, 1993; WEAVER,

David. (org.) The American Journalist in the 21st Century. U.S. News People at the Dawn of

a New Millennium, 2007. 63 WOLFF, Michael. Class Dismissed, 2002. Opinião desenvolvida também no evento acadêmico:

Emily Bell in conversation with Michael Wolff, na Columbia Journalism School, em Nova

York, no ano de 2013.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 120: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

6. Conclusão

O caminho percorrido para a construção do caráter do jornalista buscou

contemplar as vozes dos interlocutores internos, a partir de entrevistas e também

de materiais com depoimentos e registros de ações do grupo, e, ao mesmo tempo,

agregar a estas vozes novos elementos que, ainda que não reivindicados,

pudessem estar de alguma maneira atrelados ao caráter do jornalista. A relação do

grupo com a “prática” e com a “teoria” ajudou a perceber, apresentar, interpretar e

problematizar a construção do grupo e suas concepções sobre os modos de ser e

fazer jornalismo.

Explicitar as características reivindicadas pelo grupo contribuiu para a

noção de que havia um grupo se formando a partir de critérios que iam sendo

trazidos para junto daquela unidade. Diante de uma ideia de “prática”, foi possível

encontrar elementos que iam se colocando, no discurso do próprio jornalista,

como favoráveis à formação de um grupo.

Detalhar quais eram tais elementos e as definições dos jornalistas,

caracterizando-os como formadores do caráter do grupo colaborou com a

produção de um quadro, de um “tipo ideal” do caráter do jornalista, com fatores

que são, segundo o grupo, identificáveis como componentes e não componentes

dos modos de ser e fazer jornalismo.

Interpretar as escolhas de certos elementos se fez necessária já que, ao

definirem os elementos “práticos” formadores do caráter do jornalista, os

profissionais também estariam descartando, não reivindicando ou ocultando

elementos que poderiam influenciar na formação do grupo. Ao problematizar

estas escolhas, cogitando a possibilidade de interações entre “teoria” e “prática”,

desenha-se um “caráter” do jornalista mais abrangente, que leva em consideração

as escolhas nativas, mas também contempla a possibilidade de relações entre

critérios aparentemente dissonantes na formação do grupo.

O caráter do jornalista não se forma apenas tomando o discurso do nativo

como palavra definitiva e muito sobre ele pode ser revelado também naquilo que

não foi evidenciado em seu discurso. Sendo assim, é importante perceber os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 121: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

121

elementos selecionados pelo grupo e também aqueles elementos que não se quer

assumir.

Com isso, conhecer os aspectos característicos do grupo propicia a

percepção sobre

as categorias nativas de comportamento e pensamento;

os aspectos não reivindicados que, ainda assim, se relacionam com

o caráter do grupo;

a produção retórica de uma lógica interna e seus impactos nos

modos de ser e fazer jornalismo;

a relação construída com os atributos mais ou menos afastados do

grupo.

Reações: aceitar, contrariar ou dialogar com o caráter do jornalista?

Resgato o aspecto da “Curiosidade”, aquele gerador de questionamento

das escolhas e da construção do caráter do grupo, e me aproprio dele para pensar

como esta tipificação do caráter do jornalista pode causar reações, impactando

instituições, pensadores e demais grupos e lugares que se propõem a lidar com o

jornalista e o jornalismo.

Ou seja, se existe um caráter do jornalista, como lidar com ele? Quais

reflexões são possíveis sobre o impacto deste “tipo ideal”? Como identificar onde

este caráter é aceito, onde é questionado ou criticado e onde poderia ser convidado

a um diálogo, a uma negociação dos elementos “práticos” e “teóricos”? A partir

da construção desse quadro ideal, muitas relações entre as características do grupo

e temas que fazem parte do mundo do jornalista e do jornalismo podem ser

produzidas. Trago, aqui, uma primeira sugestão.

Abordarei um elemento fortemente identificado como teórico: o ensino

universitário, para pensar qual é a postura de universidades, instituições e

intelectuais ligados ao Jornalismo diante das características do caráter do

jornalista. Tendo em vista a intervenção retórica negativa com relação à

universidade, que tipo de reação, que tipo de diálogo é possível estabelecer com o

grupo?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 122: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

122

Aceitar

A primeira “reação” ao caráter do jornalista será denominada de

“aceitação”, ou seja, de relação com o grupo a partir do acolhimento dos

elementos retóricos reivindicados e denominados “práticos”.

Um exemplo me chega através de um e-mail da Universidade de

Columbia, com convite para que eu me inscreva em um curso de pós-graduação

do Departamento de Jornalismo da universidade. No último parágrafo da

mensagem, aquele que formaliza o convite a conhecer e se inscrever num curso de

pós-graduação da universidade, a impressão final que se quer deixar para o leitor,

me chamou atenção. O parágrafo dizia: “Columbia ensina você a ser um jornalista

- como escrever, como fazer as perguntas críticas, como obter a verdade em suas

reportagens. Mas o que realmente faz com que este seja um lugar especial é a rede

de jornalistas que você encontra aqui, dos professores aos ex-colegas que estão

nas redações de todo o mundo64”.

A valorização de uma “rede”, de um grupo, soa bastante familiar. E, nesse

caso, a universidade deixa como impressão final a ideia de que a justificativa para

a escolha universitária tem relação com o caráter do grupo nos moldes que o

próprio grupo produz e identifica. Ou seja, há por parte da postura da universidade

a valorização das relações do grupo, a partir dos critérios que seus próprios

integrantes selecionaram, os critérios “práticos” que valorizam os aspectos

internos, entre eles a relação e formação do grupo a partir do que aprendem com

os pares, na experiência dentro do próprio grupo.

Outro exemplo de “aceitação” do caráter do jornalista pode ser notado na

apresentação de um modelo de educação jornalística onde os estudantes

aprenderiam no “mundo real”, com experiências semelhantes às de hospitais-

escola. Este modelo, defendido por nomes como Nicholas Lemann, antigo diretor

da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, e Eric Newton,

consultor da Fundação Knight65, propõe que as faculdades de Jornalismo criem

maneiras de proporcionar ao estudante experiências práticas, modos de ensinar

64 Tradução minha do inglês para português. 65 Fundação contribui com programas e iniciativas relacionadas a inovações na área do jornalismo.

Para saber mais, ver: www.knightfoundation.org

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 123: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

123

que sejam semelhantes à maneira como estudantes de medicina aprendem sobre

sua profissão66.

Este modelo que, segundo seus defensores, ajudaria o ensino de jornalismo

a se reinventar e agir diante da possibilidade de se tornar desnecessário, utilizaria

a própria comunidade como lugar de pesquisa e ferramentas digitais para registrar

as informações recolhidas. Ao tentar corresponder de modo mais explícito às

experiências do mundo real, cria-se uma aproximação com o caráter do jornalista,

na forma retórica do grupo, a partir da expectativa de chegar o mais próximo

possível da “realidade profunda” (Baudrillard, 1991:13)67.

Utilizando o ambiente local, a rua, a comunidade para as experiências

práticas, o ensino acadêmico proporcionaria uma relação de “proximidade

extrema” com o real, não precisando mencionar e preparar o estudante para

possíveis situações, por já estar diante delas, ainda que em sentido experimental.

A simulação do real no mundo real seria como a realização de uma peça teatral

onde o ensaio seria mais parecido com uma estreia fechada para convidados, onde

é permitido errar, mas as atuações já são para valer e já não é possível propor

alterações para o cenário.

As universidades brasileiras também apresentam “aceitações” ao caráter

do jornalista tal qual o grupo o reivindica, por exemplo, através das escolhas de

disciplinas que serão oferecidas ao longo do curso de Jornalismo. Segundo a

pesquisa “Análise das matrizes curriculares dos cursos de Comunicação com

habilitação em Jornalismo no Brasil: um retrato da realidade nacional”, divulgada

em 2012, a escolha e organização de disciplinas produz um desequilíbrio entre

disciplinas que estimulam compreensão e conhecimentos (teoria) e disciplinas de

aplicação e avaliação de habilidades jornalísticas (prática).

A pesquisa revela que disciplinas tidas como teóricas, definidas na

pesquisa como disciplinas de Conhecimento e Compreensão68, possuem carga

66 Artigo de Eric Newton Back to school: the evolution of Journalism Education, 2012. 67 Argumento foi desenvolvido no capítulo 5 no item “5.2.1 Local de trabalho, ambiente interno X

Universidade e ambiente externo”. 68 As pesquisadoras citam uma série de disciplinas que consideram teóricas, cujos conteúdos

abordam “a história da profissão; a história da comunicação e de suas interfaces culturais; os

conhecimentos teóricos da área de comunicação; as políticas voltadas para a comunicação (...) [e]

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 124: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

124

horária menor que as disciplinas práticas, definidas como de Aplicação e

Análise/Avaliação. Segundo as autoras, em todas as regiões do Brasil, há uma

estrutura curricular mais voltada aos conteúdos práticos o que, segundo elas,

diminui o espaço “para a reflexão dos processos comunicacionais” (Bernardo &

Leão, 2012:269).

Na região Sudeste, região com mais cursos de jornalismo no Brasil e onde

atuam ou atuaram os jornalistas entrevistados para esta pesquisa, foram analisadas

55 estruturas curriculares:

Da média de 2760 horas-aula, são destinadas aos conteúdos teóricos apenas 640

horas-aula; mais 310 horas-aula para o Projeto Experimental e 1810 horas-aula

para as disciplinas práticas (Idem, 2012:268).

Além disso, o estudo propõe uma reflexão acerca de como esta

desigualdade entre as disciplinas práticas e teóricas afeta o intercâmbio entre elas.

Há, portanto, nesta desigualdade de forças entre as disciplinas, uma dificuldade de

inter-relação entre conteúdos práticos e teóricos, em virtude tanto da

predominância do foco nos critérios práticos para a formação do jornalista quanto

em razão da falta de uma interação entre os conteúdos que contribuísse para uma

relação mais equilibrada e de interação entre teoria e prática.

Contrariar

Um outro cenário, bastante diferente, poderia ser construído a partir do

caráter do jornalista, já que não faltam críticas ao “tipo ideal” que representa o

grupo. Dentre as vozes que criticam este modelo de apresentação do grupo, está

Jay Rosen69, que propõe revisões naquilo que configura sentido ao grupo. Rosen

defende um movimento por um “novo jornalismo”, o “jornalismo público” ou

aspectos políticos, econômicos, históricos e culturais da sociedade em que a profissão se

desenvolve”, em contraposição às disciplinas práticas, que são aquelas “de caráter

profissionalizante e, portanto, mais prático” (Bernardo & Leão, 2012:260,261). 69 Autor de textos acadêmicos, entre eles o livro What are journalists for? (1999a), e criador do

blog Press Think, um projeto do Instituto de Jornalismo Arthur L. Carter, na New York University

(NYU), Jay Rosen tenta atualizar o debate sobre a importância do jornalismo, seu impacto na

sociedade e as mudanças na área. Rosen é professor de Jornalismo na New York University e

defensor do “jornalismo público”, um movimento que confere ao jornalista a responsabilidade de

promover e desenvolver a qualidade da vida pública. Para o professor, mais do que informar, o

jornalista precisa atuar de modo a fazer do jornal um lugar de debate dos temas da comunidade.

Nesse caso, mais do que descrever fatos, o jornalista usaria o jornal como plataforma de discussões

de temas relativos à população local, dando espaço para que estes atores também sejam tema e

vozes dentro das próprias matérias.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 125: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

125

“jornalismo cívico”, onde o trabalho jornalístico renovaria o seu sentido e

relevância, ao servir como caminho de melhoria da vida cívica, sendo espaço para

debate dos temas da comunidade.

No caso, contrariando o caráter do grupo, o jornalista precisaria organizar

seu sentido de grupo no compromisso com a sociedade. A relação de fora

(sociedade) para dentro (grupo) é defendida por Rosen, já que, segundo ele, a

profissão existe para servir aos cidadãos e, antes de tudo, em razão de o jornalista

se perceber primeiramente como cidadão. Portanto, a identidade do jornalista

deveria estar ligada primeiramente à sua identidade cívica. É o sentido cívico que

incita o cidadão a se tornar jornalista.

Nesse sentido, os jornalistas não formariam seu caráter se diferenciando

dos demais ou a partir de uma lógica interna; pelo contrário, escolhem a profissão

por pertencerem a uma comunidade e por entenderem que o trabalho jornalístico

precisa existir com e em relação a esta comunidade70. O jornalista e o jornal

atuariam como parte da comunidade, se vendo como comunidade, sendo um

espaço de debate para a comunidade.

Tendo em vista que o jornalista existe para a comunidade71, ele deve

ajudar no empoderamento desta comunidade, deve mostrar para as pessoas toda

sua “capacidade cidadã” (Rosen, 1999a:50). Para tal, todas as formas de conectar

a população com a vida pública são bem-vindas. Entre elas, o relacionamento com

outros ambientes, profissionais e pensamentos precisam adquirir espaço no

trabalho jornalístico. Novamente, o caráter do grupo, que procura afastar outros

70 O relevante a destacar no argumento do autor é a possibilidade de o caráter do jornalista ser

construído por meio de caminho inverso àquele retoricamente produzido. Há uma crítica ao

modelo de construção do grupo e aos seus modos de ser e fazer jornalismo reforçada pela falta de

postura e de posicionamento por um “jornalismo público”. Ressalto que o debate sobre

“jornalismo público”, que serviu para exemplificar um outro enfoque para se pensar sobre o papel

do jornalista e do jornalismo, é bem mais profundo que o apresentado. Ele serve apenas para

mostrar que existem reações críticas ao modo como o grupo se percebe e a sua relevância social.

Para discussão mais ampla, ver What are journalists for? (1999), e The Idea of Public

Journalism (1999). 71 O autor usa o termo “comunidade” para mostrar a quem o jornalista deve se dirigir e entende

que o termo “público” teve seu sentido esvaziado. Para Jay Rosen, a ideia de “público” foi sendo

dissolvida na imaginação dos jornalistas e com ela o compromisso de se estar falando e

representando um “público”. A abstração da ideia de público está entre os fatores que revelam a

crise no jornalismo e a falta de comprometimento e de relação com a “comunidade” e suas

demandas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 126: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

126

profissionais, o ambiente acadêmico e o público em geral de seu sentido de grupo,

precisaria ser reformulado.

O jornalista não pode achar que é

melhor informado, que sabe mais que os outros, que têm acesso aos melhores

fatos e os melhores insights. Essa é uma tendência que representa a pior

expectativa com relação ao público (Rosen, 1999a:70,71)72.

Críticas à postura e ao papel social do jornalista também estão presentes no

Brasil. Entre elas, a preocupação com o lugar do jornalista na sociedade

contemporânea, já que a função e relevância do profissional como mediador entre

público e informação tropeçam em ferramentas da cibercultura que podem

destituir o jornalista da posição protagonista de produção e divulgação dos fatos.

Segundo Muniz Sodré,

já não é nenhuma novidade dizer que a era eletrônica, com a internet à frente,

pôs em crise a identidade corporativa do profissional de imprensa. Blogs e

twitters estão aí para demonstrar que qualquer indivíduo, munido de computador

e devidamente "antenado", é, no mínimo, um "protojornalista", isto é, uma fonte

de informação ou de opinião conversível em discurso social (Sodré, 2010).

Para Sodré, o jornalista precisa restabelecer sua função social e ser

reconhecido como uma voz necessária neste novo contexto cercado por novos

canais de informação e “protojornalistas”. Este reconhecimento, segundo o autor,

passa pelo fortalecimento do compromisso do jornalista com a clareza dos fatos e,

principalmente, pela percepção pública de quão imprescindível é esta

responsabilidade. Nesse sentido, o jornalista precisa apresentar ao público sua

importância e fazer com que ele compreenda a relevância de sua existência.

Assim, o grupo possui seus atributos internos que os diferenciam dos demais

indivíduos, mas precisa que estes indivíduos afirmem que sua atuação enquanto

referência informativa continua fazendo sentido.

Dialogar

Há, ainda, uma postura mais “diplomática” de lidar com o caráter do

jornalista, que tenta promover encontros entre os aspectos “práticos” e “teóricos”

72 Tradução minha do inglês para português.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 127: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

127

do grupo. São iniciativas acadêmicas que tentam desfazer a separação rígida entre

estes dois aspectos através de projetos que trazem os jornalistas de volta à

universidade.

Estas tentativas buscam renovar a relação com o profissional que se

descola do ensino acadêmico e reconhece de maneira tímida sua relevância na

vida “prática”, ao propor que, no retorno deste profissional ao seu trabalho, a

participação acadêmica possa ser percebida e reivindicada como relevante na

formação do caráter do grupo.

Um destes projetos, organizado pela Fundação Nieman73, na Universidade

de Harvard, oferece bolsas de estudos para que jornalistas passem um ano na

universidade desenvolvendo projetos para a melhoria do jornalismo. Pesquisas,

plataformas online, projetos de design e programação, estratégias de negócios são

algumas das opções de trabalhos a serem desenvolvidos. A intenção do projeto,

que já recebeu mais de mil e quatrocentos profissionais norte-americanos e

estrangeiros, é oferecer espaço, tempo e recursos acadêmicos para que o jornalista

possa elaborar iniciativas e, posteriormente, aplicá-las em sua prática jornalística.

Durante o período em que o jornalista se dedica a desenvolver seu projeto

ele também tem acesso a cursar disciplinas e participar de seminários,

conferências e premiações. Esta relação renovada com o ambiente acadêmico faz

com que este profissional retorne à sua prática cotidiana sendo influenciado pelo

ambiente acadêmico, renovando os laços com a universidade.

A fundação também possui a plataforma NiemanLab74, que atualiza

diariamente discussões nacionais e internacionais sobre o jornalismo a partir de

temáticas como modelos de negócios; aplicativos e iniciativas virtuais; debates

sociais e públicos; novas iniciativas; apurações, histórias e produções jornalísticas

73 www.nieman.harvard.edu 74 A plataforma NiemanLab é responsável por atualizar discussões sobre o jornalismo em seu

website, via twitter e através de boletins enviados para os endereços eletrônicos de jornalistas e

demais interessados. Este boletim é bastante popular entre os jornalistas norte-americanos. Muitos

jornalistas que entrevistei me aconselharam a acompanhar o NiemanLab (www.niemanlab.org).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 128: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

128

com a finalidade de manter contato constante os jornalistas, ex-bolsistas ou não,

através das discussões que se aproximam do cotidiano da profissão75.

Outra iniciativa de trabalho que busca estreitar a relação entre “teoria” e

“prática”, contando mais uma vez com a participação do jornalista e do ensino

acadêmico, é realizada pelo Instituto Poynter, que se dedica a promover

discussões sobre a prática jornalística através de aulas, cursos, palestras, eventos

presenciais e virtuais.

Jornalistas e futuros jornalistas, que assistem aulas organizadas tanto em

um campus universitário quanto em plataformas virtuais ou em redações de

jornais, têm como disciplina a discussão sobre suas práticas. A “temática

acadêmica” do instituto se refere ao trabalho do jornalista, ao profissional que

“produz, edita, reporta, escreve, fotografa e programa”76. Com isso, a “prática”

(trabalho do jornalista) é trazida para dentro da “teoria” (ensino acadêmico) a

partir do momento em que elementos do cotidiano do profissional são

transformados em disciplina, em tema a ser desenvolvido em ambiente

acadêmico.

O que se pode notar a partir destes exemplos é que o encontro entre a

“teoria”, no caso, o ensino acadêmico, e a “prática”, no caso, o trabalho

jornalístico cotidiano, pode renovar a relação do jornalista com seu caráter e

reconstruir a relação entre elementos aparentemente dissonantes.

Em comum, estas três maneiras de “reagir” ao caráter do jornalista

mostram que identificar aspectos da construção do grupo é ter elementos para

interagir com ele. Com isso, conclui-se que conhecer as características do grupo

contribui para o tipo de relação que se deseja estabelecer, seja ela mais ou menos

permissiva ao caráter. O momento atual incita reflexões sobre o caráter do

jornalista e, principalmente, reações.

75 Outras instituições universitárias e organizações elaboram, divulgam e financiam iniciativas que

possam contribuir com o futuro do jornalismo. Indico também o trabalho realizado pela Fundação

Knight (www.knightfoudantion.org), que financia projetos de inovação no jornalismo e conta com

a participação de docentes e universidades para desenvolver e divulgar os projetos. 76 Trecho retirado do site do instituto www.poynter.org.br

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 129: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

7. Referências Bibliográficas

ABRAMO, Cláudio. A Regra do Jogo. São Paulo, Companhia das Letras, 1988.

ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005.

ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas – Reflexões sobre a origem

e a difusão do nacionalismo. Rio de Janeiro, Companhia das Letras, 1994.

ANDERSON, Christopher William. Rebuilding the news. Metropolitan

journalism in the digital age. Filadélfia, Temple University Press, 2013.

ARBEX JR., José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa

Amarela, 2002.

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo, Martins

Fontes, 1999.

ASSIS. De Francisco. Jornalismo, desenvolvimento e cidadania: pensar

conteúdo e forma para promover uma imprensa comprometida com a

sociedade. Belo Horizonte, Mediação, v.14, n.14, jan/jun de 2013.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS. <http://www.anj.org.br>

BARBERO, Jesus Martin. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro, Editora

UFRJ, 2003.

BARDAWIL, José Carlos. O repórter e o poder. Uma autobiografia. São

Paulo, Alegro 1999.

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa, Antropos, 1991.

BARROS FILHO, Clóvis. Ética na Comunicação, da Informação ao Receptor.

São Paulo, Editora Moderna, 1995.

___________Comunicação na Pólis - Ensaio sobre mídia e política, São Paulo,

Vozes, 2005.

___________O habitus na Comunicação. São Paulo, Paulus, 2003.

___________Globalização, Mídia e Ética. São Paulo, Plêiade, 1998.

BECKER, Lee B. & VLAD, Tudor. & SIMPSON, Holly Anne. (org.) Annual

Survey of Journalism & Mass Communication Enrollments. Grady College of

Journalism & Mass Communication, University of Georgia, 2013.

BELL, Emily & WOLFF, Michael. Emily Bell in conversation with Michael

Wolff. Local: World Room, Columbia Journalism School, Nova York, 2013.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 130: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

130

BENSON, Rodney. & NEVEU, Erik (org.). Bourdieu and the journalistic field.

Cambridge, Polity Press, 2005.

BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas. Petrópolis, Vozes, 2002.

___________ & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade:

tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis, Vozes, 1993.

BERNARDO, Cristiane Hengler Corrêa & LEÃO, Inara Barbosa. Formação do

jornalista contemporâneo: a história de um trabalhador sem diploma. Revista

Brasileira de História, São Paulo, v.33, n. 65, p 337-358, 2013.

___________ Análise das matrizes curriculares dos cursos de Comunicação

Social com habilitação em Jornalismo no Brasil: um retrato da realidade

nacional. Itercom – RBCC, São Paulo, v.35, n.I, p. 253-274, jan-jun, 2012.

BERNSTEIN, Carl. & WOODWARD, Bob. Todos os homens do presidente.

Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1974.

BIAL, Pedro. Crônicas de Repórter. Rio de Janeiro, Objetiva, 1996.

BINGHAM, Molly. Rethink Journalism with Molly Bingham. New York,

2013.

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas sobre a teoria da ação. Campinas,

Papirus, 2013.

___________ A distinção. Crítica social do julgamento. São Paulo, Edusp,

2008.

___________ A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura.

In: Escritos de educação. NOGUEIRA, Maria Alice e CATANI, Afrânio

Mendes (Org.), 7ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

___________ Os três estados do capital cultural. In: Escritos de educação.

NOGUEIRA, Maria Alice e CATANI, Afrânio Mendes (Org.), 7ª ed. Petrópolis,

RJ: Vozes, 2005.

___________ Sobre a televisão. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997.

___________ A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva, 1977.

BRASIL, Antonio Claudio. Antimanual de Jornalismo e Comunicação. Senac,

2007.

BRETON, Philippe. & PROULX, Serge. Sociologia da Comunicação. São

Paulo, Editora Loyola, 2002.

BRITTOS, Valério Cruz & BOLAÑO (org.), César Ricardo Siqueira. Rede

Globo: 40 anos de poder e hegemonia, São Paulo, Paulus, 2005.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 131: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

131

CALHOUN, Craig. Comunicação como Ciência Social. Intercom – RBCC. São

Paulo, v. 35, n.1, 277-310, jan-jun, 2012.

CAMBRAIA, Santuza. A entrevista como recurso etnográfico. In: Matraga.

Estudos Linguísticos e Literários, Revista do Programa de Pós-Graduação em

Letras da UERJ, Rio de janeiro, v.14, n.21, p.155-p.164, jul./dez. 2007

CANCLINI, Néstor Garcia. A globalização imaginada. São Paulo, Iluminuras,

2003.

_________ Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade.

São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

CARVALHO, Ary. Manual de Redação e texto jornalístico: O DIA. Rio de

Janeiro, Editora O DIA, 1996.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo, Paz e Terra, 2003.

CHALABY, Jean. Journalism as an Anglo-American invention: a comparison of

the development of French and Anglo-American Journalism. In: European

Journal of Communication. London, p. 303-326, 1996.

CHAMPAGNE, Patrick. The ‘Double Dependency’: the Journalistic Field

Between Politics and Markets. In: BENSON, Rodney. & NEVEU, Erik (org.).

Bourdieu and the journalistic field. Cambridge, Polity Press, 2005.

CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do Jornalismo. Buscas práticas para

uma teoria da ação jornalística. São Paulo, Summus Editorial, 1994.

COHN, Gabriel. Sociologia da Comunicação: teoria e ideologia. São Paulo,

Livraria Pioneira Editora, 1973.

COLUMBIA UNIVERSITY. <http://www.journalism.columbia.edu>

DA SILVA, Juremir Machado. A miséria do jornalismo brasileiro. As

(in)certezas da mídia. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2000.

DAMATTA, Roberto. Toquevillianas. Rio de Janeiro, Rocco, 1999.

__________ Relativizando. Rio de Janeiro, Rocco, 1998.

__________ A Casa e a Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil.

Rio de Janeiro, Rocco, 1997.

__________ O ofício do etnólogo, ou como ter anthropological blues. In:

Aventura Sociológica. Rio de janeiro, Jorge Zahar, 1978.

DANTAS, Audálio (org.). Repórteres. São Paulo, Senac, 1998.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 132: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

132

DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. Mídia, cultura e revolução. São

Paulo, Cia da Letras, 2010.

DI FRANCO, Carlos Alberto. Jornalismo, Ética e Qualidade. Rio de Janeiro,

Editora Vozes, 1996.

DIAS, Robson. Um retrato de quem retrata o mundo: uma compilação de

representações sociais e da identidade profissional do jornalista. Belo

Horizonte, Mediação, v. 14, n.14, jan/jun, 2012.

EDITORA ABRIL. Manual de Estilo Editora Abril. Rio de janeiro, Nova

Fronteira, 1990.

FISH, Stanley. Is there a text in this class? The authority of interpretive

communities. Cambridge, Harvard University Press, 1980.

FOLHA DE S. PAULO. Manual de Redação da Folha de S. Paulo. São Paulo,

Editora Publifolha.

FOLHA DE S. PAULO. Novo Manual de Redação (versão eletrônica). São

Paulo, 1992.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979.

FUNDAÇÃO EDITORA PERSEU ABRAMO (org.). Padrões de Manipulação

na grande imprensa. São Paulo, 1996.

GANS, Herbert. Deciding what`s news. Evanston, Northwestern University

Press, 2004.

GARCIA, Luiz (org.) Manual de Redação e Estilo: O GLOBO. Rio de Janeiro,

Editora Globo.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, LTC, 1989.

_______________ O saber local. Petrópolis, Vozes, 1997.

GLADSTONE, BROOKE. Brooke Gladstone: The Influencing Machine,

Fordham University, Center of Communication, Nova York, 2012.

GLASSER, Theodore (org.) The Idea of Public Journalism. Nova York, The

Gilford Press, 1999.

_____________ & ETTEMA, James S. Investigative journalism and the moral

order. In: Critical perspectives on media and society. New York & London:

The Guilford Press, 1991.

GOMES, Maya Rodrigues. Ética e Jornalismo. Uma cartografia dos valores.

São Paulo, Escrituras Editora, 2002.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 133: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

133

GOODWIN. Eugene H. Procura-se Ética no Jornalismo. Rio de Janeiro,

Nórdica, 1993.

HALL, Stuart. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro,

DP&A, 2005.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo, EDUSC, 2001.

KELLY, Celso. As Novas Dimensões do Jornalismo, Rio de Janeiro, Editora

Agir, 1966.

KNIGHT FOUNDATION. <http://www.knightfoundation.org>

KOVACH, Bill. & ROSENSTIEL, Tom. The elements of Journalism. New

York, Three Rivers, 2007.

____________ Blur. How to know what`s true in the age of information

overload. New York, Bloomsbury, 2010.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo na era virtual. Ensaios sobre o colapso da

razão ética. São Paulo, Unesp, 2005.

_________________ A síndrome da antena parabólica – ética no jornalismo

brasileiro. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1998.

KUNCZIK, Michael. Conceitos de jornalismo: Norte e Sul. Manual de

Comunicação. São Paulo, Editora USP, 2002.

LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa

jornalística. Rio de Janeiro, Record, 2001.

____________ Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis, Vozes, 1979.

LATOUR, Bruno. Ciência em ação. Como seguir cientistas e engenheiros

sociedade afora. São Paulo, UNESP, 2000.

LEWIS, Charles. & NILES, Hilary. Measuring impact. The art, science and

mistery of nonprofit news. In: Investigative Reporting Workshop (iLab). The

American University School of Communication, Washington, D.C, 2013.

LINS DA SILVA, Carlos Eduardo. O adiantado da hora – Influência

americana sobre o jornalismo brasileiro. São Paulo, Summus, 1990.

LOPES, Fernanda Lima. Ser jornalista no Brasil. Identidade profissional e

formação acadêmica. São Paulo, Paulus, 2013.

LUSTOSA, Isabel. O nascimento da imprensa brasileira. Rio de Janeiro, Jorge

Zahar, 2004.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 134: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

134

MARANGONI, Nivaldo. Minha vida de jornalista. Trajetória profissional.

São Paulo, Papercrom, 1999.

MAROCO, Beatriz & BERGER, Christa. A era Glacial do Jornalismo: Teorias

Sociais da Imprensa. Editora Sulina, 2000.

MARQUES, José Melo. Jornalismo Brasileiro , Editora Sulina, 2003.

MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de Redação e Estilo: o Estado de

São Paulo. São Paulo, Editora Moderna.

MATTELART, Armand & MATTELART, Michèle. História das teorias da

comunicação. São Paulo, Edições Loyola, 2006.

MAYRINK, José Maria. Vida de repórter. São Paulo, Geração Editorial, 2002.

MCCHESNNEY, Robert & PICKARD, Victor. (Org.) Will the last reporter

please turn out the lights. The collapse of Journalism and what can be done

to fix it. New York, The New Press, 2011.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem.

São Paulo, Cultrix, 1964.

MELO, José Marques. A Opinião no Jornalismo Brasileiro. Petrópolis, Vozes,

1985.

MICK, Jacques. (coord.) Perfil do jornalista brasileiro. Características

demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012. Florianópolis,

Insular, 2013.

____________ Quem é o jornalista brasileiro? Perfil da profissão no país.

Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC, em convênio com a

Federação Nacional dos Jornalistas – FENAJ, 2013, versão online.

MORAES, Denis. Planeta Mídia - Tendências da Comunicação na era Global.

Letra Livre, 1998.

_____________ Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro, Record, 2003.

MOREL, Edmar. Histórias de um repórter. Rio de Janeiro, Record, 1999.

MOTTA, Luiz Gonzaga (org.). Imprensa e Poder. Brasília, Editora UNB, 2002.

NEVEU, Érik. Sociologia do jornalismo. São Paulo, Edições Loyola, 2006.

NEW YORK MAGAZINE. <http://www.nymag.com>

NEW YORK UNIVERSITY. Neil Postman Graduate Conference. NYU

Department of Media Culture and Communication, New York, 2013.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 135: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

135

NEW YORK UNIVERSITY. The New York Times' Drilling Down Series: A

Discussion of investigative Journalism. Kimmel Center, New York, 2013.

<http://www.journalism.nyu.edu>

NEWSONOMICS. <http://www.newsonomics.com>

NEWTON, Eric. Back to school: the evolution of Journalism Education. In:

NiemanLab (versão online), 10 de setembro de 2012.

NIEMAN FOUNDATION. <http://ww.nieman.harvard.edu>

NIEMANLAB. <http://www.niemanlab.org>

NOBLAT, Ricardo. O que é ser jornalista. Rio de Janeiro, Record, 2004.

____________ A arte de fazer um jornal diário. Rio de Janeiro, Contexto,

2002.

NONATO, Cláudia. & GROHMANN, Rafael. As mudanças no mundo do

trabalho do jornalista. Editora Atlas, 2013.

O GLOBO. <http://www.oglobo.com.br>

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

<http://www.observatoriodaimprensa.com.br>

ONLINE NEWS ASSOCIATION. <http://www.journalists.org>

PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. Rio de Janeiro, Contexto, 2005.

PEW RESEARCH. The State of the News Media 2014. In: <http:

//www.pewresearch.org>, 26 de março, 2014.

POYNTER INSTITUTE. New Ethics of Journalism Symposium. Paley Center

for Media, New York, 2013. <http://www.poynter.org>

PRESS THINK. <http://www.pressthink.org>

PULITZER. <http://www.pulitzer.org>

RIBEIRO, Jorge Claudio. A “religião do jornalismo”. Revista Horizonte, Belo

Horizonte, v.6, n.11, p.35-51, dez 2007.

____________ Sempre alerta. Condições e contradições do trabalho

jornalístico. São Paulo, Brasiliense, 1994.

ROHTER, Larry. Deu no New York Times. O Brasil segundo a ótica de um

repórter do jornal mais influente do mundo. Rio de Janeiro, Objetiva, 2007.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 136: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

136

ROSEN, Jay. The Action of the Idea: Public Journalism in Built Form. In:

GLASSER, Theodore (org.) The Idea of Public Journalism. New York, The

Gilford Press, 1999b.

ROSEN, Jay. What are journalists for? New Haven and London, Yale

University Press, 1999a.

ROSSI, Clóvis. Vale a pena ser jornalista? São Paulo, Moderna, 1986.

SAHLINS, Marshall. Cultura na prática. Rio de Janeiro, UFRJ, 2007.

_____________ Cultura e razão prática. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.

SBPJOR. <http: //www.sbpjor.org.br>

SCHUDSON, Michael. Reluctant Stewards: Journalism in a Democratic Society.

In: American Democracy and the Common Good, Academy of Arts and

Science, Cambridge, 2013.

_____________ O modelo americano de jornalismo: excepção ou exemplo.

Comunicação e Cultura, n. 3, pp. 115-130, 2007.

______________ Autonomy from What? In: BENSON, Rodney & NEVEU, Erik

(org.). Bourdieu and the journalistic field. Cambridge, Polity Press, 2005.

_____________ The sociology of news. New York and London, W.W Norton &

Company, 2003.

_____________ The sociology of news production revisited. In: CURRAN,

James & GUREVITCH, Michael, (eds.) In: Mass media and society. New York,

Edward Arnold, Cap. 07, p. 141-159, 1992.

_____________ The politics of narrative form: the emergence of news

conventions. In: Journal of the American Academy of Arts and Sciences, p.97-

112, 1982.

_____________ Discovering the News. A Social History of American

Newspapers. New York, BasicBooks, 1978.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. Consequências pessoais do

trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro, Record, 2010.

SENRA, Stella. O último jornalista. Imagens de cinema. São Paulo, Estação

Liberdade, 1997.

SINDER, Valter. Configurações da narrativa. Verdade, literatura e

etnografia. Madri, Iberoamericana, 2002.

SODRÉ, Muniz. Os neojornalistas estão chegando. In: Observatório da

imprensa (versão online), edição n.596, 2010.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 137: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

137

_____________ Para onde vai o jornalismo. In: Observatório da imprensa

(versão online), edição n.554, 2009.

_____________ Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear

e em rede. Petrópolis, Editora Vozes, 2006.

_____________ A comunicação do grotesco. Um ensaio sobre a cultura de

massa no Brasil. Petrópolis, Editora Vozes, 1971.

STARR, Paul. Goodbye the age of newspapers. In: Will the last reporter please

turn out the lights. The collapse of Journalism and what can be done to fix it. New York, The New Press, 2011.

____________ The creation of the Media. Political Origins of Modern

Communications. Nova York, Basic Books, 2004.

STERNBERG, Janet. Misbehavior in Cyber Spaces. The regulation of online

Conduct in virtual communities on the Internet. New York, University Press

of America, 2012.

TALESE, Gay. O reino e o poder: uma história do New York Times. São

Paulo, Cia da Letras, 2000.

____________ &HEDLEY, Tom Hedley, & LOIS, George, & HAYES, Tom.

Smiling Through the Apocalypse: Esquire in the '60s, Center of

Communication, Nova York, 2013.

THE NEW YORK TIMES. Social Media Summit. McGraw Hill Conference

Center, The New York Times, New York, 2013. <http://www.nytimes.com>

TOQUEVILLE, Alexis. Democracia na América. Editora Itatiaia, 1977.

TOW CENTER FOR DIGITAL JOURNALISM, COLUMBIA UNIVERSITY.

<http://www.towcenter.org, 2014>

TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa, Vega,

1993.

______________ O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Editora

Unisinos, 2001.

TRAVANCAS, Isabel. O livro no jornal. Os suplementos literários dos jornais

franceses e brasileiros nos anos 90. São Paulo, Ateliê Editorial, 2001.

______________ O mundo dos jornalistas. São Paulo, Summus, 1993.

UNITED STATES CENSUS BUREAU. Population Distribution and Change:

2000-2010, In: <http://www.census.gov>, 2011.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 138: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

138

VIEIRA, Geraldinho. Complexo de Clark Kent. São super-homens os

jornalistas? São Paulo, Summus, 1991.

WAINER, Samuel. Minha razão de viver. Rio de Janeiro, Record, 1988.

WEAVER, David. (org.) The American Journalist in the 21st Century. U.S.

News People at the Dawn of a New Millennium. New Jersey, Lawrence

Erlbaum Associates, 2007.

WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais. In: COHN,

Gabriel. (org.). Sociologia. Max Weber. São Paulo, Editora Ática, 1999.

______________ A neutralidade axiológica nas Ciências Sociais. In: Ensaios

sobre a teoria das Ciências Sociais. São Paulo, Editora Moraes, 1991.

______________ Classe, estamento, partido. In: GERTH, Hans e MILLS, Wright

(Org.). Max Weber - Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1974.

WOLFF, Michael. Class Dismissed. New York Magazine (versão online), New

York, Setembro de 2002.

ZELIZER, Barbie. Covering the body: The Kennedy assassination, the media,

and the shaping of collective memory. Chicago & London, University of

Chicago Press, 1992.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 139: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

8. Anexos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 140: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

140

Anexo I – Questionário (Qualificação)

“Este questionário tem como objetivo captar o que é fazer jornalismo e o que é ser

jornalista. Suas informações são muito importantes, portanto, diga aquilo que

pensa sobre a profissão. Nenhuma informação pessoal será divulgada. O

QUESTIONÁRIO É CONFIDENCIAL”.

1) Em que ano você nasceu?

2) Onde nasceu?

3) Me fale sobre sua família: onde morava?

4) Com quem?

5) Como foi a sua infância: o que lembra sobre sua escola, família, viagens.

6) Aonde seus pais trabalhavam, sua situação financeira.

7) Da infância, o que lembra dos meios de comunicação?

8) O que lembra sobre jornalismo?

9) De onde veio sua primeira percepção sobre o jornalismo: TV, Rádio, jornal?

Fale sobre isso.

10) Você lembra quantos anos você tinha?

11) Na sua adolescência, qual era a percepção sobre o jornalismo?

12) Com que referências tinha esta percepção? De onde vinha a imagem do que

era fazer jornalismo?

13) Com quais elementos você decidiu fazer jornalismo? (Caso não tenha cursado

a universidade, com quais elementos optou pela profissão)

14) Que opiniões você escutou quando revelou que iria fazer jornalismo? O que

seus pais, familiares, amigos acharam dessa escolha?

15) Aonde e como você achava que iria atuar?

16) Descreva o que você pensava sobre a profissão, sobre o modelo que tinha

sobre o modo de atuação.

17) Durante o período acadêmico o que mudou na sua percepção?

18) O que não mudou?

19) O que foi acrescentado?

20) Fale um pouco sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que

matérias mais te agradaram, quais foram úteis para sua vida profissional, etc.

21) Comente suas experiências de estágio: o que aprendeu; as diferenças que

percebeu entre a teoria e a prática.

22) De que maneira conseguiu estes estágios: indicação, sites, anúncios ou algum

outro tipo de seleção...

23) Dizem que no jornalismo a maioria das vagas é conseguida através de

indicações. Você concorda?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 141: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

141

24) Acha que é peculiar ao jornalismo?

25) Me conte sobre a fase final da faculdade, qual eram as suas expectativas? O

que você estava fazendo nesta época?

26) Comente suas experiências profissionais: aonde foram, quais funções...

27) Fazendo um retrospecto, o que mudou na sua percepção sobre o jornalismo?

Ou seja, pense desde a fase de criança até os dias de hoje e faça uma análise.

28) O que é ser jornalista?

29) O que é fazer jornalismo?

30) Em que ano você se formou?

31) Você acha que sua impressão pessoal sobre o jornalismo pode ser uma

percepção geral? Ou seja, demais jornalistas com diferentes faixas etárias,

funções, formações pensam de modo semelhante?

32) Comente seu convívio com outras gerações de profissionais.

33) Há diferenças de opinião entre as gerações?

34) Há quanto tempo você trabalha na profissão?

35) Há algo que identifique um jornalista, características que podemos encontrar

em qualquer profissional, seja qual for a geração?

36) Há algo que identifique jornalistas em diferentes sociedades? Há traços

comuns?

37) Pense naqueles que não são da área, o que escuta sobre o que é ser jornalista?

38) Como o jornalista é retratado na ficção: filmes, livros, teatros, novelas?

39) Na sua opinião, existe algum perfil típico de jornalista? Modo de vestir, classe

social, aparência, personalidade? Há algo que identifique alguém como jornalista?

40) Fale um pouco sobre o que é, na sua visão:

a) Imparcialidade:

b) Ética no jornalismo:

c) busca pela verdade:

d) anonimato da fonte:

41) Comente a relação entre jornalismo e publicidade.

42) Para você, jornalista é um investigador, um descritor, um transformador

social, um intelectual, um fiscalizador? Por quê?

43) Para que serve o Manual de Redação? Você o utiliza? Com qual freqüência?

Em que momentos?

44) Qual é o papel do jornalista?

45) Como você busca ser imparcial?

46) Me explique como funciona seu ambiente de trabalho (redação de jornal, TV,

revista, mídia eletrônica, entre outros). Imagine que o leitor não é jornalista e não

sabe como funciona seu local de trabalho. Fale sobre todos os momentos, desde a

decisão de pauta até a divulgação das notícias.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 142: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

142

47) Caso queira, deixe comentários finais sobre sua opinião sobre o tema: “O que

é fazer jornalismo? O que é ser jornalista?”

Questionário – Jornalistas (Anexo II)

“Este questionário tem como objetivo coletar opiniões de jornalistas brasileiros

sobre o papel do jornalista e do jornalismo, sua opinião sobre o que significa ser

jornalista e faz jornalismo. Toda informação fornecida será confidencial e

utilizada apenas para a pesquisa acadêmica”.

Infância e Família

1) Em que ano você nasceu?

2) Onde nasceu?

3) Me fale sobre sua família: onde morava? Com quem?

4) Como foi a sua infância: o que lembra sobre sua escola, família, viagens.

5) Aonde seus pais trabalhavam, sua situação financeira.

6) Da infância, o que lembra dos meios de comunicação?

7) O que lembra sobre jornalismo?

8) De onde veio sua primeira percepção sobre o jornalismo: TV, Rádio, jornal?

Fale sobre isso. Você lembra quantos anos você tinha?

Adolescência – Período pré-universitário

9) Na sua adolescência, qual era a percepção sobre o jornalismo?

10) Com que referências tinha esta percepção? De onde vinha a imagem do que

era fazer jornalismo?

11) Com quais elementos você decidiu fazer jornalismo? (Caso não tenha cursado

a universidade, com quais elementos optou pela profissão)

12) Que opiniões você escutou quando revelou que iria fazer jornalismo? O que

seus pais, familiares, amigos acharam dessa escolha?

13) Aonde e como você achava que iria atuar?

14) Descreva o que você pensava sobre a profissão, sobre o modelo que tinha

sobre o modo de atuação.

Período acadêmico

15) Durante o período acadêmico o que mudou na sua percepção?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 143: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

143

16) O que não mudou?

17) O que foi acrescentado? O que foi novo para você?

18) Fale um pouco sobre suas disciplinas: o que aprendeu, discordou, que

matérias mais te agradaram, quais foram úteis para sua vida profissional, etc.

19) Comente suas experiências de estágio: o que aprendeu; as diferenças que

percebeu entre a teoria e a prática.

20) De que maneira conseguiu estes estágios: indicação, sites, anúncios ou algum

outro tipo de seleção?

21) Comente suas experiências como estagiário. Há diferenças entre a teoria

acadêmica e a prática profissional?

22) Em que ano você se formou?

23) Me conte sobre a fase final da faculdade, qual eram as suas expectativas? O

que você estava fazendo nesta época?

Período Profissional

24) Comente suas experiências profissionais: onde foram, quais funções?

25) Fazendo um retrospecto, o que mudou na sua percepção sobre o jornalismo?

Ou seja, pense desde a fase de criança até os dias de hoje e faça uma análise.

26) Na sua opinião, o que é ser jornalista?

27) Na sua opinião, o que é fazer jornalismo?

28) Você acha que sua impressão pessoal sobre o jornalismo pode ser uma

percepção geral? Ou seja, demais jornalistas com diferentes faixas etárias,

funções, formações pensam de modo semelhante?

30) Comente seu convívio com outras gerações de profissionais. Pense sobre o

modo como eles enxergam a profissão e a maneira como trabalham.

31) Você acha que a opinião de jornalistas de outras gerações sobre ser jornalistas

e fazer jornalismo são parecidas ou diferentes da sua? Por quê?

32) Existe alguma característica que pode ser encontrada em qualquer jornalista?

33) É comum ouvir que jornalistas são contratados através de indicações ou

recomendações. Você concorda com isso?

34) Você acha que esta maneira de conseguir emprego é mais comum no

jornalismo que em outras carreiras?

Informações Gerais

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 144: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

144

35) Pense naqueles que não são jornalistas, qual é a ideia destas pessoas sobre o

jornalista e sua atividade?

36) Como os jornalistas são retratados na ficção? Em novelas, filmes, séries de

TV, etc.

37) Na sua opinião, existe algum perfil típico de jornalista? Há algo que

identifique alguém como jornalista pelo seu

- Modo de vestir

-classe social

- aparência

- personalidade?

38) Fale um pouco sobre o que é, na sua visão:

a) Imparcialidade:

b) Ética no jornalismo:

c) busca pela verdade:

d) anonimato da fonte:

39) Comente a relação entre jornalismo e publicidade.

40) Para você, jornalista é um investigador, um descritor, um transformador

social, um intelectual, um fiscalizador? Por quê?

41) Para que serve o Manual de Redação? Você o utiliza? Com qual frequência?

Em que momentos?

42) Qual é o papel do jornalista?

43) Como você busca ser imparcial?

Comentários Finais

44) Me explique como funciona o seu trabalho, como você o descreveria.

45) Descreva o seu dia de trabalho.

46) O que faz de alguém um bom jornalista?

47) Algum comentário final? Há algo sobre o que entende que é fazer jornalismo

e ser jornalista que gostaria de adicionar, que não foi perguntado?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 145: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

145

Journalist`s Questionnaire (Anexo III)

“This questionnaire is intended to collect U.S. journalists´ views on the role of

journalism and journalists, your opinion about what means to be a journalist and

do journalism. All the personal information you provide will be kept confidential

and will only be used for research purposes.”

Childhood and Family

1) Year of birth

2) Place of birth

3) Who did you live with? Where did you live at that time? Your city, state

and country.

4) What memories do you have from childhood related to the situation of

your family, school(s), and community(ies)?

5) What were your parents’ professions? What was their general economic

situation?

6) What memories do you have of media?

7) What memories do you have related to Journalism?

8) In which medium did you have your first Journalism perception from (TV,

Radio, newspaper, other)? How old were you then?

Teenage period – pre-university

9) As a teenager, what was your perception of Journalism?

10) What were your journalistic references at that time? How did you build a

perception about what Journalism was?

11) Which factors made you think about studying Journalism?

12) What feedback did you get when you mentioned that you were considering

studying Journalism? Who gave those opinions: family, friends?

13) Where and how did you imagine yourself working?

14) Describe your thoughts about the profession in your teen years.

University period

15) During the academic period did your perception of Journalism changed? If

so, how?

16) And what didn´t change in your perception of Journalism?

17) What did you learn about Journalism during university period that was

new for you?

18) What did you learn from the courses you took? Which courses were good?

Why were those courses good? Which courses were useful for your

professional life?

19) Did you have an internship experience? In what kind of media? For how

long?

20) How did you get the internship(s) (websites, indication, etc) ?

21) What did you learn as a journalism intern? Were there any differences

between academic theory and professional practice?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 146: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

146

22) In which year did you graduate?

23) What were your expectations then?

Professional Experience

24) What professional experience have you had so far?

25) Thinking of the beginning of your professional career, what has changed in

your perception about Journalism?

26) In your opinion, what does it mean “to be a journalist”?

27) In your opinion, what does it mean “to do journalism”?

28) Do you think your personal perception about being a Journalist is just

personal or is it a general perception shared by other colleagues?

29) Tell me about your relationship with your colleagues from different

generations. Think about the way they see the profession and how they

work.

30) Do you think their opinions about being a journalist and their practices are

similar or different from yours? Why?

31) Are there any characteristics that can be found in all journalists? Even

journalists from different generations?

32) Are there any characteristics that are shared by journalists across other

societies?

33) It is common to hear that most journalist jobs are achieved by indications

or recommendations. Do you agree with that?

34) Do you think this way of achieving jobs is something that is more common

in the field of Journalism than in others fields?

General information

35) Thinking about people that are not journalists, what are their ideas about

journalists and their activities?

36) How are journalists depicted in fiction? Movies, novels, TV Series…

37) In your opinion is there a typical journalist personality or pattern?

- Social Class

- Appearance

- Dress code

- Personality

38) What do you understand by the phrases:

- Impartiality

- Journalistic Ethics

- Search for the truth

- Anonymous Sources

39) What do you think about the relationship between Media and Public

Relations?

40) In your opinion, are journalists investigators, describers, social changers,

intellectuals, watchdogs? Why?

41) In the case of your work place, how is the Journalism Handbook used? Do

you use it? In which occasion? How often?

42) What is the function, the role of a journalist?

43) How do you seek to be impartial?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA
Page 147: Amanda Costa Reis de Siqueira O caráter do jornalista ... · Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. ... encontros

147

Final comments

44) If you were to explain your job, how would you describe it?

45) Please, describe a typical day in your current job.

46) What makes someone a good journalist?

47) Any other comments? Would you like to talk about something that I didn’t

ask and you think it is important to add?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011780/CA