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DIÁLOGOS – Cristina de Fátima Lourenço Marques – Ambigüidade no Direito: Algumas Considerações. Ambiguidade no Direito: Algumas Considerações. Prof.ª Dr.ª Cristina de Fátima Lourenço Marques UNIP\SP A ambigüidade é conceitualmente em Gramática entendida como um vício de linguagem ou como um erro. Neste sentido, ambigüidade é a possibilidade de uma dupla interpretação, resultado de uma frase mal construída em termos de coerência e coesão. Por exemplo: “João comprou legumes e frutas verdes”, em que se pode entender, ora que os legumes e as frutas são verdes, ora que, só as frutas são verdes. Outro exemplo: “Maria dirigiu bem seu carro”, em que se pode perguntar de quem era o carro? De Maria, ou de outra pessoa, a quem nos dirigimos. Pode ocorrer ambigüidade, devido à polissemia própria das palavras, como em “José trouxe o macaco para o carro”, em que “macaco” pode ser o artefato mecânico para erguer um automóvel, mas pode também ser o animal símio, o que vai determinar a correta interpretação nesse caso é o contexto. No Dicionário Eletrônico Houaiss encontramos a seguinte definição de ambigüidade: “Ambigüidade: s. f. 1) característica ou condição do que é ambíguo; 2) obscuridade de sentido (de palavras, formas de expressão etc.); 3) hesitação entre duas ou mais possibilidades; dúvida, incerteza, indecisão; 4)Rubrica: automação: duplicidade de equilíbrio num mecanismo de controle automático; 5)Rubrica: filosofia: multiplicidade de significados conexos e complementares atribuíveis a conceitos filosóficos polissêmicos; 6) Rubrica: filosofia: no existencialismo, situação básica à qual está submetido todo ser humano, que consiste em se defrontar com a ausência de um sentido preestabelecido ou prefixado para a vida, devendo portanto lutar incessantemente para inventá-lo e estabelecê-lo no mundo real; 7) Rubrica: filosofia: em Merleau-Ponty (1908-1961), a situação paradoxal do homem autêntico que simultaneamente se retira do mundo para refletir e nele se põe para agir; 8) Rubrica: lingüística: propriedade que possuem diversas unidades lingüísticas (morfemas, palavras, locuções, frases) de significar coisas diferentes, de admitir mais de uma leitura; anfibologia [A ambigüidade é um fenômeno muito freqüente, mas, na maioria dos casos, os contextos lingüístico e situacional indicam qual a interpretação correta; estilisticamente, ela é indesejável em texto científico ou informativo, mas é muito us. na linguagem poética e no humorismo.]” DIÁLOGOS N.° 4 março \ junho, 2011 – UPE \ Faceteg – Garanhuns, PE separata, p. 74-82 74

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DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. Ambiguidade no Direito: Algumas Consideraes. Prof. Dr. Cristina de Ftima Loureno Marques UNIP\SP A ambigidade conceitualmente em Gramtica entendida como um vcio de linguagem ou como um erro. Neste sentido, ambigidade a possibilidade de umaduplainterpretao,resultadodeumafrasemalconstrudaemtermosde coernciaecoeso.Porexemplo:J oocomproulegumesefrutasverdes,em que se pode entender, ora que os legumes e as frutas so verdes, ora que, s as frutas so verdes. Outro exemplo: Maria dirigiu bem seu carro, em que se pode perguntardequemeraocarro?DeMaria,oudeoutrapessoa,aquemnos dirigimos.Podeocorrerambigidade,devidopolissemiaprpriadaspalavras, comoemJ ostrouxeomacacoparaocarro,emquemacacopodesero artefatomecnicoparaerguerumautomvel,maspodetambmseroanimal smio, o que vai determinar a correta interpretao nesse caso o contexto. NoDicionrioEletrnicoHouaissencontramosaseguintedefiniode ambigidade: Ambigidade:s.f.1)caractersticaoucondiodoqueambguo;2) obscuridadedesentido(depalavras,formasdeexpressoetc.);3) hesitao entre duas ou mais possibilidades; dvida, incerteza, indeciso; 4)Rubrica:automao:duplicidadedeequilbrionummecanismode controleautomtico;5)Rubrica:filosofia:multiplicidadedesignificados conexosecomplementaresatribuveisaconceitosfilosficos polissmicos;6)Rubrica:filosofia:noexistencialismo,situaobsica qual est submetido todo ser humano, que consiste em se defrontar com a ausnciadeumsentidopreestabelecidoouprefixadoparaavida, devendo portanto lutar incessantemente para invent-lo e estabelec-lo no mundoreal;7)Rubrica:filosofia:emMerleau-Ponty(1908-1961),a situao paradoxal do homem autntico que simultaneamente se retira do mundopararefletirenelesepeparaagir;8)Rubrica:lingstica: propriedadequepossuemdiversasunidadeslingsticas(morfemas, palavras, locues, frases) de significar coisas diferentes, de admitir mais deumaleitura;anfibologia[Aambigidadeumfenmenomuito freqente,mas,namaioriadoscasos,oscontextoslingsticoe situacionalindicamqualainterpretaocorreta;estilisticamente,ela indesejvelemtextocientficoouinformativo,masmuitous.na linguagem potica e no humorismo.] DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 74DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. De fato, a ambigidade pode ou no ser um erro ou um vcio de linguagem. No caso das figuras de linguagem, o conceito de metfora compreende tambm uma possibilidade ambgua. Se dizemos J oo um leo, existe a ambigidade. Num sentido metfora, no outro no. Se o nome do leo J oo, a no existe metfora,masseJ ooeleosodoisseresdiferenteseentreelestrao elementos comparativos que me permitem a afirmao, ento uma metfora. Ao trabalhar no eixo sintagmtico, aquele em que as relaes das palavras quedeterminamocamposemnticoegramatical,ametforaseimpecomo figuradaambigidade,aindaque,outrasfiguras,comoacatacrese,aironia,a hiprbole, p.ex., possam conter elementos tambm ambguos.Pelo modo e pela natureza com que a linguagem potica se apropria dos recursosfiguradosdalinguagem,nessecampoquepodemosdizerqueo exercciodaambigidadesefazpresentecomoumelementodesejvele provocador.Oldicodalinguagemexploradopelopoeta,quefazdas possibilidadespolissmicasdapalavraedafraseumespectrocriativoe enriquecedor das vrias possibilidades de leitura. Defato,aambigidadepodesercausadaporvrioselementosalmdo aspectopolissmicodaspalavras.Errosdeacentuao,depontuaoede ortografiapodemlevarsinterpretaesambguas.Nocasodaacentuao,se digoGostodecqui(cqui:paroxtona),possoconsiderarqueestareime referindoaotomdeverdeamarronzado,caractersticodealgunsuniformes militares, mas se eu quisesse de fato dizer acerca da fruta, eu deveria escrever Gosto de caqui (caqui: oxtona). Muito comum o erro entre est e esta, no primeirocasoopresentedoindicativo,terceirapessoadosingular,doverbo estar,enosegundoumpronomedemonstrativo.Nocasodapontuao,uma oraocomoEnquantoopadrepastaoburroreza,evidentementecausariso pelo sentido satrico que ela prope, mas basta o uso de uma vrgula e se corrige oerro:Enquantoopadrepastaoburro,reza.Aortografiapodecausar ambigidades, se escrevo Fao concerto de violo, evidentemente as pessoas querero ouvir minhas habilidades de violonista e no pensaro que eu estou a anunciar que conserto violes. DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 75DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. Porm, no mbito da linguagem jurdica, o que menos se quer, ou devia se querer a ocorrncia da ambigidade. No caso de ambigidades causadas por erros de acentuao, pontuao ou ortografia,deve-semesmoatentarparaasnecessidadesdecorreoede redaodotexto.Umalei,comseuspargrafoseartigos,devepassarporum amploprocessoderevisoeleitura,paraqueaquiloquesequeiradizeresteja claramente dito e da forma a mais unvoca possvel seja sua interpretao. Poroutrolado,existemambigidadesquefogemaoespectrodoserros previsveispeladesobedinciasregrasdagramticanormativa.Soaqueles causadospelaexploraoconscienteouinconscientedaspossibilidadesde interseco dos campos semnticos de palavras. Osconceitos,naturalmenteligadosaossubstantivos,podemter interpretaodecorrentedocamposemnticoemqueutilizado.Assim,por exemplo,apalavrasmbolotemumamplocamposemntico,quevaida herldicaaoesoterismo,passandopelapoesia,pelareligio,pelamatemtica, entreoutrasreasdoconhecimentohumano.Sepretendoqueoschamados smbolosnacionaistenhamseuusopadronizadoemrazodequestes patriticas e afins, preciso que eu defina claramente o que entendo por smbolo nacional.Assim,seoHinoNacional,obrasodearmas,oselo,so considerados smbolos nacionais brasileiros, mas o ip amarelo tambm . De algumaformaprecisodeixarclaroanaturezadecadaumeoseusignificado dentro do campo semntico Smbolo Nacional, uma vez que uma rvore de ip amarelo em seu estado natural, num bosque ou floresta ter um contexto diferente de uma plantada em frente uma repartio pblica ou prdio oficial.Noimaginriopopular,obomadvogadoaquelequesabecaminhar pelosmeandrosdalei.Ora,aleinodevetermeandros,masoque evidentementesesupequeexisteumavariedadedepossibilidades interpretativas acerca de algo que se prope como tendo uma nica interpretao. RafaelRuiz,estudandoleisdosculoXVII,naAmrica,observaque pareciaexistirumprocedimentoemqueumaleiseriapassveldeinterpretao ambgua,decorrentedeaspectosqueenvolviamaamplitudedaadministrao DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 76DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. pblica, que deveria ao mesmo tempo que salvaguardar as insipientes instituies pblicas,deveriatambmabrigarosinteresseslocaispolticoseeconmicos, como forma de manter a ordem: De acordo com os textos comentados, pode-se afirmar que, na Amrica e durante o sculo XVII, existiam vrios elementos que permitiam uma ampla margem de ambigidade para que as autoridades locais pudessem aplicar asleisreaisdeacordocomosseusinteresses,sem,necessariamente, terem de se opor ou enfrentar a Coroa. Esses elementos seriam: 1.Aconscinciaindividualdosfuncionriosencarregadosda administraodajustia.Essaconscinciasurgiacomocritrioltimoe decisivoparadeterminarcomoaleiseriaaplicada.Seupodererato grandeque,mesmoqueaconscinciaestivesseerradacomrelaoao fato de se uma lei era justa ou no, sempre devia ser seguida. 2. As circunstncias locais eram requisitos, por si ss, capazes de justificar emquemedidaaleipoderiaseraplicada,demaneiraqueumamesma Cdula Real poderia ser aplicada no todo ou em parte, ou mesmo no ser aplicada, em cada uma das partes do Vice-Reinado. 3.Aprudnciadecadamagistradoeradeterminanteparamediras conseqnciasdaaplicaodeumaleirgiae,nessesentido,essa prudncia,aliadaconscinciaindividual,convertia-senocritrioque determinavaaproporcionalidadecomquecadaleirgiadeveriaser aplicadaemcadaterritrio.Era,naverdade,oprincpioreguladordas diferentes medidas que uma mesma lei da Coroa podia ter na Amrica. 4. Os costumes locais configuram-se como prticas sociais, decantadas ao longo do tempo, com uma fora tal que so capazes de impedir que uma Cdula Real seja efetivamente posta em vigor no Vice-reinado, a partir do momentoemqueseaceitaqueasleisspodemobrigarossditosna medida em que so recebidas pela maior parte da repblica. 5.Oestadodenecessidade,obemeaconservaodaRepblicaso critriososuficientementeamploseambguoscomoparapermitirque, sempre que for conveniente aos interesses locais, possam ser invocados para cumprir ou no a lei rgia conforme esses mesmos interesses. (RUIZ, Adolfo em: CLIO, 2008, p.197) EssacaractersticadosestadoscoloniaisnaAmrica,parecetercriado uma cultura da ambigidade, notadamente na Amrica espanhola e portuguesa. As relaes, no raras vezes, conflitantes, entre os interesses da Igreja e do rei parecemjterabertocampoparaaduplicidadedeinterpretaes.Oquena Europa costumava levar um fiel fogueira, poderia ser tolerado na Amrica, desde que no ofendessem os interesses econmicos e polticos de reis e bispos; mas, DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 77DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. poroutrolado,falsasacusaespoderiamsercompostaseaprovadas,levando injustamentealgumprisodaInquisio,setalfatoocorresse.Oautorde teatroAntnioJ osdaSilva,queinicioucarreirafazendosucessonoRiode J aneiro,aotransferir-separaPortugalecontinuandoseutrabalho,foilevado fogueira pela inquisio portuguesa. Bento Teixeira, o primeiro poeta brasileiro, foi presopelainquisioapsdennciadesuamulher,porprticadejudasmo,o que era proibido, mas tolerado se no fosse denunciado. Aambigidade,norarasvezes,decorremesmodeumafaltade compreensodasvariveisqueumaquestopodeenvolver.Seoautordalei, supe uma nica interpretao para um fato que pretende normatizar com sua lei, desconhecendo, entretanto, outras acepes para a questo, a ambigidade logo seapresentacomocaractersticadeterminantedaquelalei.Recentemente,em Cricima1, um vereador apresentou um projeto acerca da necessidade de controle epunioparaaquelesqueapresentassemcartazes,outdoorsepropagandas com erros gramaticais. A questo que o prprio conceito de erro relativizado pelosmaisrecentesestudoslingsticos,decorrendooerroantesdeuma necessidade de contextualizao da gramtica normativa do que propriamente de uma prevalncia desta sobre qualquer situao.Assim, observa Lene Costa, colunista da Rdio Cricima:

1 Texto da Rdio Cricima (colunista Lene Costa): A Cmara de Vereadores de Cricima aprovou por unanimidade no dia 21/02/2004 o Projeto de Emenda Lei 4.538, de autoria do vereador Itamar da Silva (PSDB), que pretende multar as empresas de publicidade que veicularem outdoors com erros gramaticais, por considerar que os outdoors que ficam normalmente em locais bem visveis tem que educar e no deseducar com palavras grosseiras e erros. Se sancionada pelo prefeito Anderlei Antonelli (PMDB), o artigo 15 da lei passa a ser assim constitudo:Lei 4.538 de 23 de outubro de 2003Institui normas para publicidade ao ar livre e d outras providnciasArt. 15: Constitui infrao punvel:I) A exibio de publicidade:a) sem licenab) em desacordo com as caractersticas aprovadasc) em estado precrio de conservaod) alm do prazo da licenae) em desacordo com as normas gramaticais oficiais da lngua portuguesa. DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 78DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. A polmica maior, no entanto, : quem vai atestar se a mensagem est ou nodentrodasnormasgramaticais?Aperguntapertinente,jquea lnguacomplexaesuasregrasconseguemdividiropiniesatmesmo entreosprofessoresdeportugusdaregio.ocasodosdiversos outdoorsqueestoagoranasruasoferecendocursosadistnciae cursos distncia. A coluna procurou professores de lngua portuguesa, que apontaram verses diferentes para justificar qual deles estava correto, masdeacordocomamaioria(edasgramticasemanuaisderedao pesquisados),ocorretografaradistncia,semcrase,quandoesta distncianoestiverdeterminada,edistnciade10m,porexemplo, comcrase,quandoespecificada.Porm,umoutdoordacidadecoma chamadaEnsinoadistnciafoiusadocomoreferncianacoluna Archimedes Naspolini Filho de 13/02 como exemplo de grafia incorreta. Se a lei entrar mesmo em vigor, para evitar multas as agncias devero seguir a lngua de quem? claro que uma lei que obrigue boa aplicao da lngua portuguesa nos textosdepropaganda,placasecartazesbemvinda,pormprecisoquea prpria redao da lei no permita a ambiguidade. Pululam na Internet, exemplos de placas com erros to esdrxulos que so mais do que cmicos, infelizmente, sotragicmicos,denunciandodecorpopresenteumadeficinciadenosso sistema educacional, haja vista a imensa quantidade de exemplos que podem ser levantados.ExemploscomoadaplacadosalodebarbeariaquedizCorto cabelo e pinto, ou da oficina de consertos de bicicleta (cocerta biciqeta) no so raridades, antes, esto prximos da cotidianeidade. RafaelPinnaSousaapresentouumadissertaodemestradoPuc-Rio em que estuda a questo da ambigidade nas leis. J no resumo da dissertao ele pondera que: O foco da anlise so as indeterminaes presentes nas leis, que ganham novahipteseexplicativaapartirdaconsideraodecontextose participantes desse processo comunicativo. Defende-se que boa parte das ambigidadesevaguezaspresentesemtextoslegais,freqentemente disfarada por uma linguagem de difcil acesso ao homem mdio e at a operadores do Direito, na realidade, faz parte de uma estratgia intencional delegisladoresparaobscurecersentidospotencialmentepolmicos.O corpus analisado um recorte do material constitucional brasileiro: artigos da Constituio de 1988 e leis complementares previstos pelos mesmos. (SOUSA: 2008) DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 79DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. AhiptesepresentenadissertaodeRafaelPinnaSousaqueexiste umaintencionalidadedetornarobscuro,aspectosdotextoconstitucional,como forma de ocultar sentidos que possam gerar polmica ou discusso para o qual o legislador no tem o amplo controle das variveis de significao, e que pode, de algumaforma,levarinterpretaesquetenhamsignificaodiferentedas intenes polticas vigentes. , convenhamos, uma hiptese ousada, mas que a prtica cotidiana do Direito tem mostrado que no incomum, no sendo poucos os exemplos de processos jurdicos que buscam a soluo do problema mediante a descoberta de uma nova interpretao da lei, e que o sentido de nova aqui no propriamente de algo que surge originalmente, mas antes, que o esclarecimento sobre algo que parecia obscuro no texto legal. Assim,aidiadelanarluzsobreumaquestopareceserosentido figuradoadequadoparaseresolveralgoquepareciaobscuronotexto.No poucas vezes, os alunos de graduao chamam o professor para que d uma luz diante da leitura difcil de um texto. Nesse caso, anloga a questo da criao da jurisprudncia sobre uma questo qualquer. Supor que um juiz, por mais estudado que seja nas leis, seja algum imune sinflunciasideolgicasumaidiadescabida.Sabemosqueodireitode tradioanglo-saxnica,quesefundamentamaisnohistricodoscostumesdo que no texto escrito, tem a jurisprudncia como um recurso mais freqente do que nombitodatradioromana.Mas,jcorrentenombitobrasileiroqueuma vezquesecriecomosoluodeumaquestopolmicaalgoquenoestava definido em lei, ou na lei, essa soluo se apresente como histrico jurisprudente paraasoluodecasossemelhantes.Odireitotrabalhistaestrepletode exemplos desse tipo. Noso,defacto,neutrasascoisas,porqueseintegramnasmltiplas narrativas da nossa existncia; com elas e sobre elas exercitamos o trao essencialquenoscaracteriza,asimbolizao.porissoinadequadaa nossarelaoscoisasexpressanasimplesdominao,notrejeito ditatorialdopoder,numadistnciaespiritualneutra,que,nosseus pressupostos,apenastraduzumfundodeindiferenaontolgicae gnsticaemfacedacarnedomundo,dequetambmsomosfeitos. Perdemos ento a proximidade vertiginosa DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 80DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. entreelasens,oculta-se-nososeuhaloe(porqueno?)asuaaura, queasartes(apintura,apoesia)-sempreatentasdenunciadorasda ilusodenosconsiderarmospurosespritosprocuramrestituire dilucidar. (MOURO: 2008, p.7) H pouco tempo, num evento na regio Norte do Brasil, o presidente Lula disse, buscando defender a construo da barragem de Belo Monte, que entraves a obras no so culpa de A ou B, mas da ambiguidade das leis brasileiras, que, comoaBblia,cadauminterpretacomoquer.Podemossuporqueexisteum paralelismo entre o estudo da chamadas leis de Deus (a teologia) e o estudo do Direito. Em ambos, o texto o que se apresenta como a definio da realidade, porm, enquanto linguagem, da natureza da palavra o ser uma representao sgnica,porissomesmo,incompletadoobjeto.DesdeOckamesuanavalha2, passando por Saussure, Peirce, Chomsky, Greimas e outros grandes estudiosos das cincias da linguagem, temos que o domnio da palavra sempre incompleto. As lnguas evoluem, se modificam, os significados se misturam, se alternam, se completam ou no. Da que o Direito tem como uma das suas tarefas, ao mesmo tempofilosficaeprtica,abuscadapalavra,buscaconstante,porm,nasua plenitude, inalcanvel. Porm, que no se use essa incapacidade humana como desculpa para incongruncias e contradies propositais, d a palavra ao Direito a possibilidadequeelenosejanuncaumacinciamorta,masemconstante progresso. REFERNCIAS COSTA, Lene. A Polmica dos Erros Gramaticais em: Rdio Cricima On Line

2Ockamnotitubeouempercorreronovocaminhoatsuasltimas conseqncias.Emltimainstncia,eleretiradosuniversaistodaequalquer realidadeontolgica.Afirmaqueosuniversaisnotemrealidadeobjetiva, existindoapenasnointelectohumanoecomoalgoproduzidoporele;notem realidade nem nas coisas individuais, nem mesmo na mente divina. Os universais so,portanto,apenaspalavras(emlatim,nome,dondeaexpresso nominalismoparaateoriadeOckam).Sendosomentesignos,servempara designarumconjuntodesemelhanasouidentidadedecaracteres,abstrados das coisas invididuais pelo intelecto humano. (OCKAM, Os Pensadores. p.162) DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 81DILOGOS Cristina de Ftima Loureno Marques Ambigidade no Direito: Algumas Consideraes. (http://www.radiocriciuma.com.br/portal/mostraconteudo.php?id_colunista=14&id_conteudo=496) HOUAISS, Antnio. Dicionrio Eletrnico On-Line, 2008. MOURO, Artur. A Lio da Ambigidade na Filosofia de M.Marleau-Ponty. Covilh, Portugal, Universidade da Beira Interior, 2008. RUIZ, Adolfo. A interpretao das leis reais: ambigidade e prudncia no poder das autoridades locais na Amrica do sculo XVI em: Clio - Srie Revista de Pesquisa Histrica - N. 26-2, 2008, p.197 SOUSA, Rafael Pinna. Ambigidades e Vaguezas em Textos Legais: Uma Anlise da Constituio Federal Brasileira.Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Letras da PUC-Rio como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Letras. Orientadora: Prof. Dr. Maria do Carmo Leite de Oliveira. Rio de J aneiro, PUC-Rio, 2008. DILOGOS N. 4 maro \ junho, 2011 UPE \ Faceteg Garanhuns, PEseparata, p. 74-82 82