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América Latina pós Consenso de Washington Compondo uma nova Cultura Nova Sociedade Comunicação Em dez anos o Brasil enviou ao exterior mais de US$ 400 bilhões outubro 3

América Latina pós Consenso de Washington …...Consenso de Washington Bolivar, em 1826, já advertia sobre o perigo do expansionismo dos Estados Unidos para a América Latina

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América Latina pósConsenso de Washington

Compondo umanova Cultura

N o v a S o c i e d a d e C o m u n i c a ç ã o

Em dez anos o Brasil enviou ao exterior mais de US$ 400 bilhões

outubro

3

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Aos leitores,

Esta publicação, iniciativa daNova Sociedade Comunicação,tem o objetivo de oferecersubsídios para uma reflexãosobre a atualidade brasileira e oacontecer mundial, com textos dePaulo Cannabrava Filho, com acolaboração da estagiária dehistória, Paula de Sousa e CastroNoya Pinto. É uma contribuiçãopara um debate que julgamos maisque necessário num momento emque a sociedade é chamada aforjar um Pacto Social, unicocaminho para a retomada dodesenvolvimento e o resgate dadívida social. Os dados utilizadosforam retirados de jornais,notadamente os diáriosFolha de São Paulo e O Estado deSão Paulo e de sitios oficiais dogoverno federal.

Paulo Cannabrava Filho, jornalista desde 1957, comexperiência profissional bastante diversificada, trabalhou emimportantes meios de comunicação no Brasil e em países daAmérica Latina. Desde 1980 se dedica a elaborar projetos decomunicação social e a realizar pesquisa e sistematizaçãona área de história. É sócio fundador e presidente doconselho diretor da Associação Brasileira da PropriedadeIntelectual dos Jornalistas Profissionais – Apijor.

Outubro

Produção editorial e gráfica:

Nova Sociedade Comunicação Ltda Rua Fábia, 27 05051-030 - São Paulo - SP

Responsável: Paulo Cannabrava Filho [email protected] MTb 7654 Impressão e fotolito:

www.novasociedade.com.br

• Pesquisa histórica esistematização

• PlanejamentoEstratégico Participativo

• Elaboração de Projetospara captação derecursos

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Intelectuais e estadistas dosEstados Unidos estão sempreformulando teorias parajustificar os caminhos edescaminhos na evolução docapitalismo e do processo dedesenvolvimento daquele país,de tal forma que o modelo láadotado sirva de paradigmapara o mundo.

A política imperial dosEstados Unidos já estava bemdefinida no século XIX quandoincorporou, pela força dasarmas ou do dinheiro, mais dedois terços de territórioamericano as suas fronteiras.Com relação a nós, latino-americanos, em 1826, noprimeiro congresso anfictiônicodas Américas, Bolívar advertiaas jovens nações recém libertasdo colonialismo ibérico sobre operigo da expansão manifestada grande nação do norte. Adoutrina Monroe, entãoformulada, pretendendo selarnosso destino, deixava clara aintenção dos Estados Unidos deestender, se não suas fronteiras,sua hegemonia até a Patagônia.De então para hoje, a históriadas relações dos EstadosUnidos com os demais estadosamericanos é uma sucessão deagressões de todo tipo.

O ConsensoEssa história ajuda a

entender os dias de hoje. Nofinal da década de 1980,formulações elaboradas por umgrupo de intelectuais foramsistematizadas por JohnWillianson, do Institute for

International Economics, aserviço de instituiçõesfinanceiras e do governo dosEstados Unidos. Essasformulações, que ficaramconhecidas como Consenso deWashington, deram origem aomodismo da subordinação doEstado ao Mercado. Quando emnovembro de 1989 o governodos Estados Unidos se reuniucom organismos financeirosprivados e multilaterais, como oFMI, entre outros, para debateras propostas de Willianson, onosso economista, depoisMinistro, Pedro Malan, estava lá.Esse tal Williamson já deu aulasno Brasil, na PUC do Rio, de1978 a 1981.

O consenso, lá em Washing-ton, na formulação deWillianson, era o de que osrecursos das instituiçõesfinanceiras destinadas aospaíses em desenvolvimentoestavam sendo desperdiçados.Sem resolver suas crises,muitos países, para desesperodas instituições, estavam setornando inadimplentes. Paraevitar o agravamento dessesproblemas, tornou-se neces-sário que os destinatários

desses recursos se sujeitassema algumas regras.

Essas regras são conhecidaspor todos, mas, não é demaislembrá-las;1 Disciplina fiscal2 Redução dos gastos3 Reforma tributária4 Juros de mercado5 Câmbio de mercado6 Abertura comercial7 Investimento estrangeiro

direto, com eliminaçãodas restrições

8 Privatização das estatais9 Desregulação –

afrouxamento das leiseconômicas etrabalhistas

10 Direito de propriedadeComo se vê, os dez manda-

mentos de Washington definemcom clareza a políticaeconômica que nos vem sendoimposta com extrema falta decriatividade, nos doze anos defernandato e que o nossopresidente operário nãoconsegue dela se livrar. Pior queisso, aquelas reformas queFernando Henrique nãoexecutou por não terconseguido apoio suficiente noCongresso, são hoje asprioridades do governo do PT.

AntecedentesA liberalização desenfreada

em nosso meio não começoucom o consenso ou dissenso deWashington. Na realidade, foiuma reação ao ciclo ded e s e n v o l v i m e n t i s m onacionalista que tivemos nocontinente nos anos 1950 – 60– 70, que foi possível graças a

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América Latina pósConsenso de Washington

Bolivar, em 1826,já advertia sobreo perigo do

expansionismo dosEstados Unidos para a

América Latina .

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revolução tardia que no Brasil,na Argentina e no México se deunos anos 1930 e nos demaispaíses um pouco mais tarde.

A primeira vítima dessa novaonda foi o Chile, com aliberalização promovida porPinochet que assumiu o poderem 1973. A Argentina foi aseguinte, a partir de 1977. Apartir daí funcionou a teoria dodominó. Em dezembro de 1994,vendo derrubadas todas asfichas, os Estados Unidospropõem, em Miami, a criaçãoda Alca.

Um pouco do que aconteceuna nossa América nos anos1960/70 eu conto no livro NoOlho do Furacão, que a CortezEditora acaba de lançar noBrasil e a Plaza e Valdez lançaainda este mês no México. Alidou testemunho de alguns denossos sonhos e frustrações,relato revoluções vitoriosas efracassadas e dou as receitasdos golpes de estado cujosobjetivos tem sido sempre orestabelecimento do poder develhas oligarquias e areciclagem da submissão aosditames de Washington.

Na realidade, propostasdesse tipo já tivemosanteriormente. Elas foramsempre propiciadas pelosEstados Unidos e não passamde corolários à Doutrina Monroe,formulada em 1826. Não sódevemos rechaçar a propostaestadunidense sobre a Alca,como devemos retomar a lutapara reformulação de todo oSistema Interamericano, parti-cularmente na esfera militar,

onde o Tiar, o maior dos coro-lários, é uma excrescênciaainda em vigor.

É interessante observar queem nossos países a luta pelademocratização se deu apenasno campo político. Quando sepensou que se havia resta-belecido a democracia, elege-ram-se os Fernandos Color eCardoso (12 anos), um Menen(10 anos), um Fujimori (10anos).

A hegemonia do processoeconômico estava nas mãosdos donos do capital financeiro.As esquerdas dizimadas nosprocessos contra-revolucio-nários de um lado e, de outro, adeterioração do ensino e aimposição da cultura de massa,deixaram-nos sem alternativas.

Não tivemosdesenvolvimento, sufocamos ademocracia, sucateamos ainfra-estrutura industrial eaumentamos a fosso entre ariqueza e a pobreza. Hoje 140milhões de pessoas, um terçoda população da AméricaLatina, (quase um Brasil inteiro)estão abaixo do nível depobreza, vivendo com rendainferior a 2 dólares diários; 80milhões na extrema miséria, ouseja, com renda individualinferior a um dólar diário. 60%dos pobres do continente vivem

em áreas rurais, mas o queproduzem participa de apenas8% do PIB. É bom anotar queesses dados foram fornecidospelos autores do dissenso.

O dissensoO próprio John Willianson,

em 1996, publicou artigo em quepedia a revisão do tal consenso.No ano seguinte um tal deJoseph Stiglitz, com a auto-ridade de economista chefe doBanco Mundial e ex-assessor dapresidência dos EstadosUnidos, sistematizou as críticas.Analisando o pós-consenso elecriticava a submissão incon-dicional ao mercado e osprocessos de privatização quecriaram novos monopólios. Oartigo tem mais de 30 laudas,mas o conteúdo resumido pelopróprio autor dá bem idéia deseus objetivos. Trata-se, comosempre, de propor caminhospara a sobrevivência dosistema, sobrevivência comlucros sempre maiores.

Mais recentemente, doisinstitutos de pesquisa dosEstados Unidos – o FundoCarnegie para Paz Mundial eDiálogo Interamericano, emtrabalho sistematizado porNancy Bindsoll, vice-presidenteexecutiva do Bid, qualifica osresultados do consenso comodesalentatores. Foi ela quemconsagrou o termo dissenso aoconstatar que não havia sidoalcançado um só dos objetivosociais e não se haviaendireitado as economias.Enquanto na década de 1980 –a década perdida – o cres-cimento na América Latina foi de

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Nossa democracia se dá só no campo político

A hegemonia doprocesso econômicocontinua nas mãos docapital financeiro

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2%, na década de 1990 foi de3%, com aumento do desem-prego.

Apesar do consenso, a dívidacontinuou sendo um grandenegócio para os capitalistas esuas instituições. Segundo oBanco Mundial, em 2002 oreembolso da dívida dos paísesda América Latina e do Caribefoi superior aos novos emprés-timos. Pagaram US$ 9 bilhõesa mais do que receberam.

Outro dado interessanterevelado pelo Banco Mundial éque a principal fonte de recursoexternos desses países tem sidoa remessa feita por trabalha-dores emigrados, que enviampara seus familiares parte deseus salários. A América Latinae o Caribe receberam US$ 25bilhões em 2002. México,República Dominicana, ElSalvador, Colômbia, Brasil eEquador estão entre os 20países que recebem maiorvolume dessas remessas.

Historicamente o Brasilsempre foi um país que recebiaimigrantes. É raro o brasileiroemigrar. Tivemos algumasdiásporas provocadas porperseguições políticas. Hoje astemos por razões econômicas.Alguns milhões de brasileirosprocuraram outros países comoopção de emprego.

A Argentina é emblemáticapara demonstrar os resultadosdo tal consenso. Possuía indús-tria de alta tecnologia e expor-tava alimentos para todo omundo. Buenos Aires era a capi-tal cultural da América Latina.Na voragem privatizante nãosobrou nada nacional.

Privatizaram tudo e o Estadoficou com os passivos.Resultado: US$ 200 bilhões dedívida externa e outro tanto defuga de capitais; o famosocorrralito expropriou US$ 68bilhões; US$ 28 bilhões foi o queDuhalde teve que pagar pelaeliminação da convertibilidadedo dólar.

Como voltar a ser o que era?Voltar não no sentidosaudosista, mas no de retomaros índices de produção tanto naagricultura como na indústria,oferecer um mínimo de bem-estar à população. Lá não haviaanalfabetos nem mendigos quehoje são maioria.

O Equador também éemblemático. Tem petróleo, é omaior exportador de bananas,produz e exporta café, cama-rões, atum. Jamil Mauhad man-teve as políticas de seusantecessores. Não deu resul-tado. Deixou de pagar, não deuresultado. Dolarizou. Issoagravou a resistência que jáhavia na população. Esperava-se um golpe de Estado que nãohouve. As forças armadasconservaram em seu comandooficiais fieis a Rodrigues Lara.Disputaram as eleições,

ganharam. O presidente LucioGutiérrez, que conheci aindacapitão do exército, decretou oquéchua como idioma oficialjunto com o espanhol e colocouuma índia no Ministério deRelações Exteriores, dando umafago na auto-estima desseaguerrido povo. A situação édifícil. O desemprego superior a20%; 2 mil empresas fecharamas portas; inflação em alta; sóem 1999, US$ 1,5 bilhõesdeixaram o país. Um país de 12milhões de habitantes, 25%indígenas os demais mestiços.Como desdolarizar? Comoretomar o desenvolvimento?

Mais emblemático ainda é ocaso da Bolívia. A castadirigente fiel ao Império continuaignorando o que é o povoboliviano e sua história. Quantasvezes esse povo escorraçou ogoverno? A única certeza sobreo futuro imediato é que haveráoutras insurreições enquantonão houver um governo querealmente represente osinteresses da nação boliviana.

MonterreyNo limiar do novo século, em

março de 2002, com o objetivode consertar o estrago ocorridonas duas décadas anteriores, foiconvocada pela ONU aConferência Internacional sobreFinanciamento ao Desenvolvi-mento, em Monterrey. FHC, Foxe Bush foram as estrelas.Estrelas não. Satélites. Os quetinham luz própria eram asgrandes instituições que foramcriadas para serem multilateraise acabaram servindo a inte-resses hegemônicos: FMI, Bird,OMC, a própria ONU, a Otan.

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Nossa democracia ocorre apenas no campo político

Pela primeira vezna história

o brasileiro estáemigrandoem busca de alternativas desobrevivência

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Desde que a ONU começoua funcionar se vem procurandoum equilíbrio nos termos deintercâmbio. Tivemos muitosavanços. A descolonização daÁfrica; a criação da Unctad e daOnudi; a realização daConferência sobre MatériasPrimas; a criação do Comitê daONU de análise das trans-nacionais. Depois, a partir de umcerto momento, só tivemosretrocesso, agravado pelafamília Bush. A ONU e oConselho de Segurança criadospara assegurar a paz epromover o desenvolvimentoestão hoje manietados.Estamos assistindo, impo-tentes, até mesmo ações arma-das de colonialismo explícito.

Não obstante, a ONU viu anecessidade de promover algodiante do reconhecimento deque o Consenso de Washing-ton fracassara. Fracassoreconhecido inclusive peloFórum de Davos, no início desteano. Fórum que pela primeiravez ouviu, na voz de Lula, umpensamento dissidente.

A Declaração de Montereyfala da necessidade de abriros mercados para os produtosdos países em desenvol-v imento e de aumentar ovolume da ajuda. Ajuda que naúl t ima década havia s idoreduzida em 20%.

Na realidade, o dissensoexpressado pelo sistema querconsertar o consenso. Em um eoutro caso, são os teóricos quefundamentam a doutrina dogoverno estadunidense queestão com a palavra. Sãointelectuais, professores,

geralmente a serviço deinstituições, que estão pen-sando e planejando estrate-gicamente o país deles eolhando o mundo em funçãodesses interesses.

Eles não sabem ver o mundode outra maneira. E muitos denossos intelectuais dançam aosom da mesma valsa. Não sãocapazes de olhar o próprioumbigo. A doutrina imperialconseguiu colocar cabresto emnossas universidades. O sonhodos profissionais de sucesso éo pós em Harvard, é umemprego numa instituiçãofinanceira. O Brasil não conta,o país não passa pela cabeçadessa gente. O consenso e odissenso geraram entre nós onon sense.

Situação propíciaAssistimos, na transição do

século, o fim do keynesianismo,ou seja, do desenvolvimentismocom base no pacto entre oestado, o capital e o trabalho, quepossibilitou a construção dasocial-democracia, o sonho doestado do bem-estar social, o wayof life holiwoodiano. Poucasvezes, na história dos EstadosUnidos, verificou-se tão elevadoíndice de exclusão social. AEuropa não descobriu aindacomo reduzir os mais altosíndices de desemprego do pósguerra.

A situação está propícia paraa busca de alternativas, para aconstrução de novos modelos.Em todo o mundo se estãobuscando essas alternativas. OFórum Social Mundial é umaexpressão dessa busca. Essapreocupação se verifica tambémnos organismos das NaçõesUnidas.

Pesquisa realizada pelaMarket Analysis Brasil, revelouque sete em cada dez brasi-leiros opinam que os futuroslíderes do Brasil devem darmenos apoio para as políticasdo governo estadunidense.

Para onde toda essa situaçãonos conduz? Numa analise emConjuntura 2002, lançada nomomento da posse dopresidente Lula, alertamossobre a necessidade de mantermobilizada a população e formaruma ampla frente política ecidadã em torno de um projetonacional. Alertamos ainda que,de ser honesta a determinaçãode Lula de propiciar mudançasna política econômica eprivilegiar o desenvolvimento ea inclusão social, as elitesdeslocadas do poder, com apoiodas forças ocultas de sempre,já estariam conspirando.

O que o Brasil realmenteprecisa para sair do enormeabismo em que o jogaram é deuma profunda RevoluçãoCultural que torne possível oreencontro do Estado com aNação. Uma Revolução Culturalque defina o Brasil quequeremos para os nossos netose com que modelo econômicovamos construir esse Brasil.

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O consenso entre nós gerou o “non sense”

Para sair do abismo sócom uma RevoluçãoCultural profunda.

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Tecendo uma nova cultura

Revolução CulturalA Conferência Mundial sobre Políticas Culturais, realizada pela Unesco

no México em 1982, consagrou como conceito de cultura o conjunto dascaracterísticas distintivas, espirituais e materiais, intelectuais e afetivasque caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Ela engloba, alémdas artes e as letras os modos de vida, os direitos fundamentais ao ser

humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.

No conceito consagrado pelaUnesco, cultura é praticamentetudo o que resulta de esforçocriativo das pessoas comoindivíduos ou como parte deuma comunidade. Então,quando há traços comuns atéentre diferentes grupos sociais,estamos falando de culturanacional.

Além da Declaração Univer-sal dos Direitos Humanos, aONU aprovou outra que declaraa Diversidade Cultural comoPatrimônio da Humanidade.

“Tudo é gerar e logo parir”,dizia Rilke aconselhando osjovens poetas. Não obstante, acriatividade não brota do nada– é preciso algo que a alimente.Esse algo se chama liberdadede existir. Cultura, portanto, élibertação. Assim, a cultura éverdadeira se reflete a realidadee ajuda a transformá-la.

Pertenço a uma geração que– na expressão do professorToledo Machado - entende quea cultura, em suas diferentesmanifestações, “deve contribuirpara a construção da auto-identidade brasileira”. Identi-dade pressupõe cultura naci-onal socializada, “a articulaçãoentre a cultura geral e arealidade social profunda”.

E o que é existir senão opoder realizar-se em todo o

potencial de ser humano? Éexistir o estar excluído dacompreensão da criaçãohumana? É existir o estarexcluído do convívio social, nãoter acesso às letras, à moradia,a atenção à saúde, à apo-sentadoria digna?

O professor Boaventura deSouza Santos, tem asseveradoque “a política dos DireitosHumanos é, basicamente, umapolítica cultural. Tanto assim éque poderemos mesmo pensaros direitos humanos como sinalde regresso do cultural, e atémesmo do religioso em finais doséculo”.

A busca de definição de umprojeto nacional, a construçãoda democracia e do desenvol-vimento econômico e social nãopode estar divorciada dareflexão sobre nossa identidadecultural. Pois é íntima a inter-relação entre identidade,cultura, ideologia e política,língua e linguagem, modo deprodução, modelo econômico.

Se estamos de acordo comisso não podemos, ou nãodevemos pensar em políticacultural descasada de umaestratégia de desenvolvimento.Isso porque a libertaçãonacional só será alcançadaatravés da realização de umaestratégia de desenvolvimento

integral que tenha como objetivoúltimo dar condições para opleno desenvolvimento dapessoa humana em todo seupotencial realizador. Trata-se,portanto, de desenvolvimentocultural.

Essa inter-relação nosremete à importância dopensamento e das letras naformação da nossa identidadeao longo da história,particularmente e mais recente-mente, o papel dos meios decomunicação de massa.

Diversos agentes culturaistêm sido chamados a discutir ocomo o Estado deve atuar napromoção cultural. O atualministro da Cultura, Gilberto Gil,tem afirmado que “não cabe aoEstado fazer cultura, mas, sim,proporcionar condições neces-sárias para a criação e aprodução de bens culturais,sejam eles artefatos oumentefatos”.

Como esses temas estão naagenda do Fórum Mundial deCultura a realizar-se em SãoPaulo em 2004, trazemos comocontribuição ao debate algumasreflexões:

Recursos públicosNa medida em que se

desenvolve o processo deconstrução da democracia,

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mercado latino-americano, parti-cularmente no Brasil e México.O grupo italiano Mondatori, deSilvio Berlusconi, está compran-do grandes editoras nacionaisna Espanha e no México.

Seguindo a lógica domercado, o que interessa paraessas editoras são obras eautores que vendem,geralmente ficção e auto-ajuda,reduzindo o já parco espaçopara as obras de reflexão sobrea realidade no campo dahistória, da sociologia, dafilosofia.

A política cultural deve estarvoltada a proteger não omercado dos mercadores delivros mas a produção editorial,privilegiando o autor nacional,protegendo os direitos autorais.Temos poucas bibliotecas etemos poucas editoras que sepreocupam com as obras dereflexão. As poucas bibliotecasque existem não possuemrecursos para adquirir obraspara seus acervos. Precisamosreivindicar que o governofederal, através de seusorganismos, como Ministériosda Educação e Cultura eBiblioteca Nacional tenhamrecursos para suprimento debibliotecas públicas.

Mídia globalA sedução da “Vênus Plati-

nada” é o padrão que domina aTV. O que vale é a emoção. Avelocidade e a quanti-dade deinformações estão acima denossa capacidade deacompanhar. Além disso, temosa pasteurização da informaçãomisturando o bom com o ruim,a guerra com o esporte, o crime

cresce na sociedade o enten-dimento de que os recursospúblicos devem ser dirigidos àpolíticas públicas.

Quando os recursos advêmde renúncia fiscal de empresaprivada, entende-se que devehaver contrapartida. Nãoobstante, é preciso que além dacontrapartida financeira sejaexigida uma contrapartida ética.A FGV já criou um índicenacional para medir a ética dasempresas. A exigência de umaavaliação positiva deve sercritério para que se aceite arenúncia fiscal.

Nessa linha, as empresaspoderiam investir em projetos depromoção cultural em benefíciode seus colaboradores e dascomunidades em seu entorno.Estimular as empresas a ofe-recer cursos de alfabetização,capacitação técnica, semi-nários de atualização cultural edispor de espaços para biblio-teca e expressões artísticas.Muitas dessas ações podemenvolver a população local. Umaindústria cerâmica, por exemplo,pode capacitar a comunidade aproduzir uma linha artesanal queagregará valor a seus produtos.

Há muitas maneiras de sepropiciar desenvolvimentocultural através de açõescircunscritas a universos locais.Dessa maneira, há maiorcontrole, e se propiciaintegração regional, nacional eaté latino-americana.

Mercado editorialA política do livro não pode

ser a de escolher um livro paraser distribuído às escolas semnenhum critério de respeito às

culturas regionais. Tampoucopode ser só a do financiamentode obras de luxo.

Recentemente, o FórumRegional de Políticas Culturais,realizado em Rio Claro,recomendou a disseminação debibliotecas em escolas e centrosde promoção cultural por todaparte. Porém, a sugestão só éválida se amparada em políticasque gerem recursos para aprodução, difusão e distribuiçãode livros às bibliotecas. Issodemandaria grandes tiragensque além de reduzir o custo daprodução editorial, propiciariamremuneração digna aos autores,incentivando a produçãointelectual.

Assim, parte dos recursos daUnião destinados à cultura,sejam eles orçamentários ouobtidos através das leis deincentivo, poderia ser destinadanão só à construção ehabilitação das bibliotecas ecentros de promoção cultural,mas também à compra, difusãoe distribuição de livros

Até hoje os recursos se apli-cam no ápice da pirâmide. Se oque queremos é construir ademocracia e o desenvolvimen-to, devem ser aplicados nabase.

A chamada aberturaeconômica está permitindo aentrada de grandes monopóliosna área editorial. Exemplo daFnac que adquiriu a Ática/Scipione, uma das maisimportantes na área de livrodidático. Outro grande grupoeuropeu, a espanhola Planeta,está entrando com grandeinvestimento em marketing no

Recursos públicos somente às políticas públicas

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O critério de mídia técnica não é democratico

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e o voyerismo. Tudo num mes-mo tom, como se tivessem amesma importância, fora docontexto em que os fatos foramproduzidos, sem os antece-dentes, sem dar tempo parauma reflexão. A equação dadapela estetização do consumo, aahistoricidade e o consumismoestá dando como resultado ohedonismo, a alienação.

O mesmo fenômeno semultiplica com as publicaçõesperiódicas informativas. O podereconômico e o governo pautama mídia e a mídia pauta a própriamídia. A crítica, quando há, é nosentido oportunista de protegerprivilégios ameaçados, garantirespaços conquistados.

A lógica do mercado é o povotransformado em mero consu-midor, um dado estatístico parabalizar o lucro, quando o que opaís requer é que seja criador eprodutor.

A indústria cinematográfica éinvestimento que dá lucro. NosEstados Unidos, a indústria,comércio e serviços relaciona-dos com o áudio-visualconstituem o segundo PIB dopaís. Os recursos públicospoderão ajudar o desenvolvi-mento das atividades relacio-nadas ao áudio-visual estimu-lando o desenvolvimento domercado para esses produtos.Dotar as escolas, os centros depromoção cultural de salas deespetáculo, construir cinemasrelacionados com clubes decinemateca nos bairros; criarcotas para projeção do nacional,subsidiar ingressos, tudo issogeraria demanda capaz degarantir retorno ao investimento

na produção áudio-visual. Osrecursos assim dirigidos àsbases da sociedade gerariaminclusão, ao contrário de hojeque, dirigido ao produtor,acentua a concentração.

As programações de mídiado governo da União, bem comodos governos estaduais emunicipais não devem funda-mentar-se unicamente noscritérios de mídia técnica. Essecritério perpetuará o modeloconcentrador e monopolizadordas grandes empresas. Enten-demos que parte dos recursosdeve ser democratizada atravésde sua distribuição aos meios decomunicação comunitários,municipais e regionais, particu-larmente aqueles envolvidos naluta por uma cultura nacional epelo desenvolvimento.

A maior parte das programa-ções das rádios e televisões,inclusive das grandes redes, éde péssima qualidade. As televi-sões e rádios comunitárias care-cem de profissionalismo porfalta de recursos e deregulamentação sobre suasatividades.

O governo tem se ocupadode concessões sem nenhumcuidado com as questões deconteúdo dos meios. Abomi-namos a censura, mas, nãopodemos dispensar a ética.Deve haver um controle comu-nitário sobre a ética das empre-sas de comunicação e, oestabelecimento dessas regrasdeve ser atribuição do Ministérioda Cultura. A questão daidentidade nacional passa pelaética na comunicação!

A democracia participativa éinviável sem a democratizaçãoda informação e comunicação.A política cultural deve orientarprojetos com o objetivo de lutarpela democratização dacomunicação. Forçar o governofederal, particularmente opresidente da República e seusauxiliares da área: a AgênciaNacional, a Assessoria deImprensa, o Ministério daComunicação – para que asverbas publicitárias e de apoioà comunicação sejam distri-buídas com critérios demo-cráticos, abandonando a praxede privilegiar a grande mídiamonopolizada. Um governo quepretende ser popular deveabandonar o critério de mídiatécnica e, democraticamente,incluir as publicações alter-nativas, hoje ameaçadas deextinção. Assim tambémdevemos mobilizar a sociedadepara proteger a boa televisão,como a TV Cultura de SãoPaulo, abandonada pelogoverno do Estado, hojeameaçada de extinção, comoextinta foi a TV Cultura e Arte.

Revolução nas escolasA alienação dos meios de

comunicação de um lado e deoutro à má qualidade da escolaem todos os níveis. O sistemaeducativo ainda privilegia aconformidade e a obediência. Opensamento independentegeralmente é segregado, éafastado. Como conseqüência,estão saindo das escolaspessoas incapazes de olharcriticamente a realidade, umpovo que não se indigna, que

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Há muito o que fazer após duas décadas de estagnação

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não distingue os erros e acertosde seus governantes.

É aterrador constatar quemais de 50% dos brasileiros quesaíram das escolas estãoclassificados como analfabetosfuncionais.

Temos que refletir se não éuma questão cultural o fato deos estados latino-americanos,desde o início da década de1980, terem suas políticaseconômicas ditadas porintelectuais a serviço deinstituições financeiras sediadasem outros países, geralmenteos Estados Unidos.

Em termos culturais, adverteBoaventura, globalização ésempre a globalização bemsucedida de um determinadolocalismo. Na realidade, adoutrina do império conseguiucolocar cabresto em nossasuniversidades. É o que explicaa perplexidade diante daincapacidade de se formularalternativas às políticas ditadaspelo Consenso de Washingtonou pelo FMI, alternativas quecoloquem o país na rota dodesenvolvimento.

Fim de um cicloLembrando Samir Amin, não

foi só o modelo soviético quecaiu com o Muro de Berlim.Assistimos, simultaneamente, ofim também do modelo do“welfare state” e o desenvol-vimento nacionalista no terceiromundo. Traduzindo em cifras areflexão de Amim, MartaHarnecker diz que 95% daatividade econômica atual émeramente financeira.

É profunda a crise em que

está mergulhada a AméricaLatina após mais de duasdécadas de estagnação, dedesmontagem e desnacio-nalização. Não obstante, asituação está propícia para abusca de alternativas, para aconstrução de novos modelos.Em todo o mundo se estábuscando essas alternativas.Em vários organismos dasNações Unidas se trabalhanessa busca. O Fórum SocialMundial é uma expressão dessabusca como o é também oFórum Cultural Mundialconvocado para discutir e teceruma nova cultura.

Aqui se coloca outra questão,que é a de descortinar ocaminho para a cultura. Nostermos em que está colocada,o caminho da cultura é aeducação. Desde Capanemaaté Anísio, Darcy, Houaiss,Freire, nenhum de nossospensadores apontou outrocaminho para o desen-volvimento cultural que o daeducação. Todos eles sonharamcom nenhuma criança fora daescola.

Mas nossos pensadorestambém ensinaram que a escolanão serve se não for orientadapor uma estratégia cultural quedefina, entre outras coisas, quepaís queremos construir. Maisimportante que os bancosescolares é que todas asorganizações da sociedade, ecada indivíduo, estejamcontribuindo diuturnamente noaprendizado das questõesessenciais para o desenvol-vimento humano.

Revolução culturalTecer uma nova cultura é o

mesmo que construir um novoBrasil. O caminho para chegarlá é o de uma profundaRevolução Cultural. UmaRevolução Cultural que tornepossível o reencontro do Estadocom a Nação, que defina oBrasil que queremos paranossos filhos e netos e com quemodelo econômico vamosconstruir esse Brasil.

A Revolução Cultural deve tercomo objetivo o reinventar o serhumano, o indivíduo comoespírito, ou seja, como serpensante. Ou como diriaGramsci, “Devolver àhumanidade o papel deformadores da história, tirando-a do pedestal de espectadores”.

Através dos conselhoscomunitários as pessoas estãotomando conhecimento sobre agestão do estado, estãopraticando a democracia, estãodesenvolvendo cidadania. Paratornar realidade o sonho de umnovo Brasil, cada Conselhodeve transformar-se em fórumde discussão sobre a questãonacional. Cristalizar na base dasociedade a consciência de quepara ter cidadania é preciso terpátria.

Assim, também a ação dosagentes ou promotores culturaisestará contribuindo paraconsolidar a mesmice se nãoestiver orientada a desenvolvero espírito crítico e trans-formador, se não estiverorientada por um pensamentoestratégico, por uma política dedesenvolvimento que resgate oBrasil para os brasileiros.

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Cultura das CidadesAgenda cultural nas cidades – o local e o global – políticas públicas

municipais - Arte e identidade cultural - Paz e reencantamento - Processos eespaços de participação - Preservação do patrimônio

Conjuntura 2003 - outubro - pág. 11

Cultura nas cidadesNo mundo acadêmico já se vê

desentendimento entre o que é cultura urbana,cultura erudita, cultura popular, folclore, o que temcontribuído para a descaracterização do próprioconceito de cultura e para reforçar adesconstrução da identidade nacional.

Felizmente vem se impondo o conceitoconsagrado pela Unesco de que Cultura é oconjunto das características distintivas, espirituaise materiais, intelectuais e afetivas quecaracterizam uma sociedade ou um grupo social.Ela engloba, além das artes e as letras os modosde vida, os direitos fundamentais ao ser humano,os sistemas de valores, as tradições e crenças.

No plano da enteléquia, tudo bem com esseconceito. Na prática, porém, a teoria é outra.

Nas décadas de 1960/70, chegou-se àcompreensão de que cultura urbana é a culturada mídia de massa. As discussões foram tãointensas, a constatação causou tal impacto quelevou as Nações Unidas a criar uma comissãopara estudar o assunto, tendo como relator SeanMac Bride. De lá para cá, a situação relatada,revelando o monopólio e a manipulação psico-social exercida através dos meios decomunicação, piorou. Impôs-se a cultura dabanalização. Troca-se o mérito pela fama, a éticapelo levar vantagem.

No Brasil, com certeza, piorou ainda mais queem qualquer outro lugar, pois é evidente afragilidade de nossa identidade cultural, a nossasubmissão aos desígnios da grande potênciahegemônica.

É impressionante como se dá essa dominaçãosob qualquer prisma que se observe. Na área doáudio-visual, por exemplo, em que pese tantotalento e técnica de que dispomos, em nadaconseguimos alterar o fato de que 90 por centodos filmes projetados nos cinemas brasileiros têm

origem em Hollywood. E que isso custa aoTesouro Nacional nada menos que 700 milhõesde dólares anuais. Quantos filmes se poderiamfazer aqui com esse dinheiro? Quantosengenheiros poderiam ser formados?

Nossas universidades, desvinculadas dasociedade e do processo histórico, não têm sidocapazes de pensar com os pés em solo brasileiro.Estão sendo formados técnicos deixando de ladoa formação de cidadãos. A doutrina imperialconseguiu de tal maneira condicionar opensamento que o sonho de sucesso dosprofissionais é o pós em Harvard, é um empregonuma instituição financeira. O Brasil não conta.O que conta é a renda.

Até para combater a miséria, o que se cria érenda. Há um atraso de mais de 20 anos na infra-estrutura e na produção industrial. O arroz-feijãoestá deixando de ser a dieta básica do brasileirosimplesmente porque a renda do trabalhador nãoalcança para comprá-lo. Importa-se feijão doMéxico e dos Estados Unidos e, por outro lado,somos os maiores exportadores do mundo desoja, açúcar, álcool, de carne bovina e frango, desucos cítricos e, ainda assim, temos mais de 50milhões de pessoas que passam fome. Pode-seimaginar um absurdo maior que esse?

Claro que a ditadura militar ajudou amassificação da alienação ao massacrar aslideranças nacionais e submeter a mídia e todasas formas de manifestação da criatividadehumana. Mas o estrago maior, sem dúvida, vemsendo perpetrado a partir da adoção de ummodelo econômico e político que nos tem sidoimposto como forma de dominação.

Foi Goebles, o gerente de comunicação deHitler, quem muito antes de Mc Luan, Mattelartou Mac Bride, expressou a constatação de que,mais poderosa que qualquer força militar é a forçada comunicação. Com ela submetem-se

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O maior feito da política externa dos EUA

foi a conquista do Brasil sem dar um só tiro

pág. 12 - Conjuntura 2003 - outubro

populações, Nações e Estados sem confronto,sem sangue. E essa tarefa fica mais fácil quandohá elites tradicionalmente submissas. Elites, oumais precisamente, castas dominantes, que seconsolidaram como tal através da ocupaçãopredatória do território e da política do levavantagem.

Ouvi ou li de um diplomata estadunidense, naEuropa, que o maior feito da política externa dosEstados Unidos, acima mesmo das vitórias emtodas as guerras, foi a conquista do Brasil semdar um só tiro.

É preciso se insurgir contra isso. Felizmentevozes favoráveis a uma política de soberanianacional já podem ser ouvidas. Já se consegueaté exercer uma política externa independente,guiada por interesses nacionais. Mas é pouco.No Congresso Nacional se está reestruturando a

Frente Parlamentar Nacionalista e se começa adiscutir a necessidade de um projeto nacional.Contudo, Isso ocorre sem qualquer repercussãoe desarticulado dos partidos políticos e dosmovimentos sociais. É preciso se insurgir contraisso.

É preciso livrar-se da ditadura do capital volátil.O país pode crescer a uma taxa razoável cominvestimentos da ordem de 12% do PIB. Nosmelhores tempos, nossa poupança permitiainvestimentos em torno de 20% do PIB, o querepresentava altas taxas de desenvolvimento eoferta de emprego. Hoje, 12% do PIB é o que opaís paga de juros. Em suma, com o nossosacrifício estamos financiando o modo de vidada grande potência e suas guerras de conquistas.É preciso se insurgir contra isso.

Na década de 1991 a 2000, o Brasil pagoumais de 120 bilhões de dólares a título dejuros, uma média anual superior a 10 bilhõesde dólares, ou R$ 26.000.000.000, ao câmbiode outubro de 2003. Outros 64 bilhões dedólares saíram do país a título de remessade lucros e dividendos e outros serviços,totalizando quase 200 bilhões de dólares.

Há que tomar em conta ainda que nessetotal não estão considerados os pagamentosdo princi-pal da dívida. Entre 1990 e 2001foram pagos, a título de amortização, outros260 bilhões de dólares, uma média anualsuperior a 21 bilhões de dólares. Somadosao que se pagou de juros ultrapassa is 400bilhões de dólares.

Em resumo, traduzindo em números aquiloque Leonel Brizola chama de perdasinternacionais, a título de juros e amortizações

da dívida externa estamos despendendo maisde 30 bilhões de dólares por ano.

O que ganhamos com isso? Gastamos emdez anos 400 bilhões de dólares e, emdezembro de 2002, o total da dívida externaera 227.7 bilhões de dólares, segundo oboletim de outubro do Banco Central.

R$ 7 bilhões é o que o Ministério dos Trans-portes necessita para tapar os buracos dasestradas federais, o que não é realizado soba alegação da falta de recursos. Mas, só emjuros o pais terá desembolsado este ano,segundo o Banco Central, nada menos queR$ 153,9 bilhões equivalentes a 10% do PIB.

Ainda segundo o Banco Central, o total dadívida pública interna, em setembro de 2003,estava em torno de R$ 707.7 bilhões, 45,9%do PIB, hoje em torno de 1.4 Trilhões de reais.

Já pagamos US$ 400 bilhões e ainda devemos US$ 220 bilhões

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O fortalecimento da identidade tem que ver

com a preservação do patrimônio

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É preciso um Projeto Nacional. É preciso queo país desenvolva sua própria estratégia dedesenvolvimento integrado e auto-sustentado.Para chegar aí é preciso mobilizar toda a nação.É preciso uma verdadeira revolução cultural paraque se resgate o verdadeiro pensar brasileiro.

Somos bons em diagnósticos, mas somosverdadeiros patifes na formulação de alternativas,principalmente na execução de políticasalternativas. A situação está propícia para abusca de alternativas e para construção de novosmodelos de desenvolvimento. Em todo o mundose está buscando essas alternativas. Nós vamospoder constatar isso em julho de 2004, quandose realiza, em São Paulo, a Conferên cia dasNações Unidas para o Comercio e o

Desenvolvimento - a Unctad -, e o Fórum CulturalMundial.

Estamos perdendo tempo precioso em ummomento em que há condições subjetivas eobjetivas para tomar outros caminhos naconstrução do desenvolvimento. E odesenvolvimento deve dar-se como conseqüênciado desenvolvimento cultural. De não ser assim,perderemos a identidade e haverá decadência,degeneração social.

Patrimônio e Identidade.O fortalecimento da identidade tem que ver

com a preservação do patrimônio. Contudo, háque ter clareza de que patrimônio não émonumento, não é viver o passado. O patrimônioé argamassa com a qual se constrói a identidade.

Juros, Rendas e Total da Dívida Externa

Dívida externa total, mais empréstimos intercompanhias (US$ milhões)

227.689

237.233

236.157

226.067

2000 2001 2002 jun/03

Fonte: Banco Central do Brasil

Serviços e Rendas (US$ mi)

Juros Líquidos

Lucros e Dividendos

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Fonte: Banco Central do Brasil

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Patrimônio é vivo, é vida, língua, música...Patrimônio é físico, é histórico, é ideológico; égeográfico e ambiental, é território e paisagem; éartístico, tecnológico; patrimônio é, enfim, cultural.

O povo terá encontrado sua identidade culturalquando se sentir dono desse patrimônio, quandose sentir partícipe de sua preservação por enten-der que dela depende a qualidade de vida de seusdescendentes, para não dizer a sobrevivência davida em um país independente, capaz deproporcionar a todos os seus habitantes a plenarealização como ser humano. Então sim,estaremos próximo do reencantamento sugeridopelo poeta, Hamilton Faria.

Diante dessa questão, ao se propor políticasculturais para cenários locais ou municipais, nãose pode perder de vista que a cultura é o cenário.É preciso ter presente que a cultura é o motorpara o desenvolvimento, e que o motor da culturaé a criatividade do povo em movimento. E o papeldo Estado é o de colocar combustível nessemotor, ou seja, propiciar os recursos para o povoexpandir sua criatividade.

Preservar a cultura local não significa isolar-se, mesmo porque não temos como nos livrar denossa multiculturalidade. Como diz nosso amigoJoão Pimentel Neto, nem nossos coqueiros, nemnossos negros são originais. Nós somos essanossa diversidade: branca-negra-india, pampa-caatinga, floresta-cerrado, concreto e areia-mar.

Eduardo Galeano, entendeu bem isso quandoescreveu que Somos lo que hacemos paracambiar lo que somos. Creo en una identidad enmovimiento, en una identidad viva. Creo muchomás en las identidades elegidas que en lasidentidades heredadas. Lo mejor que el mundotiene es la cantidad de mundos que contiene. Pararecuperar la universalidad de la condiciónhumana, que es lo mejor que tenemos, hay quecelebrar al mismo tiempo la diversidad de esacondición.

Nessa diversidade podemos ser nós mesmos.Na Bolívia e no Peru, onde trabalhei em projetosculturais, me qualificavam de latinoamericanoensamblado en Brasil. Não foi preciso perderminha identidade de brasileiro nascido embaixo

I - Conselhos Comunitários de Ética eCidadania

A serem constituídos no âmbito de distritos,municípios, estado até a União com duploobjetivo:

1. O de garantir o manejo ético daadministração pública e a convivênciaética entre as pessoas;

2. O de exigir o manejo ético dos meiosde comunicação e trabalhar pelademocratização da comunicação.

Sua missão: estudar, fazer estudar, difundire propor programas que levem à realizaçãodos objetivos.

II - Conselhos Comunitários de Cultura

Com objetivo de fazer cumprir a Agenda2 1

para o desenvolvimento cultural. Sua missão:estudar, fazer estudar, difundir e proporprogramas que levem ao desenvolvimentocultural.

Os Conselhos de Cultura e os Conselhosde Ética e Cidadania deverão constituir e fazerfuncionar um fórum permanente de discussãodas questões nacionais tais como soberania,identidade cultural, projeto nacional, etc.

III - Núcleo Empresarial de PromoçãoCultural

A ser instituído no interior das empresascom a finalidade de elaborar e executarprojetos de promoção cultural com oscolaboradores e em interação com acomunidade de seu entorno.

Proposições

Nós somos nossa diversidade

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de um pé de café às margens do rio das Onçaspara me sentir boliviano, ou peruano, ouargentino. Afinal, temos todos um passado e umdestino comuns.

Os Estados, apesar da origem comum, àsvezes se comportam de maneira diversa e atémesmo antagônica. Mas nós somos diferentesdo Estado porque somos capazes de ver com osmesmos olhos o negro e o branco, o homem e amulher. E o antagonismo entre o Estado e aNação tem sido a rotina em nosso continente,porque o Estado foi montado como instrumentode dominação de uma elite predadora. É o estadoque precisa ser desapropriado, melhor dizendo,desprivatizado, voltar a ser público, instrumentoa serviço da nação.

Discutir propostas de políticas culturais,debater identidade nacional, pensar um projetonacional, uma estratégia de desenvolvimento,tudo isso pode resultar em nada se não se pensar,se não se discutir, se não se formular propostasconcretas que nos levem à democratização dacomunicação.

Estas são questões que devem ser colhidascomo bandeira dos fóruns de participaçãopopular. Bandeiras para uma mobilização socialem grande escala. Esse povo, com suasmobilizações, conquistou espaço democrático.Agora é preciso dar conteúdo a esse espaço.

Cultura de pazA palavra paz, assim como a luta pela paz e

pela bandeira nacionalista, tem sidohistoricamente satanizada, não só pela mídia,mas até nos meios acadêmicos.

O individualismo exacerbado pela globalizaçãoliberalizante é a negação de uma política de paz,assim como a imposição de hegemonias.

Falar em cultura de paz nos remete a umareflexão sobre democracia, pois, esta é o alicerceprincipal para a construção da paz. Como vamosdefinir paz sem definir democracia? Eis aqui ogrande desafio. Como vamos conquistar a pazsem construir a democracia? Qual é a democracia

que queremos? Existe uma democracia igual aoutra?

Para muitos, particularmente na nossa mídiae nas nossas escolas, o paradigma dedemocracia é aquela dos Estados Unidos. É essaa democracia que queremos? A democracia domacartismo, do sindicalismo reprimido, do bigstick, da ku klux klan, da fraude eleitoral? Seráque Martin Luther King achava que vivia numademocracia ideal? O que nos diriam dessademocracia os mártires de Chicago, as tecelãscarbonizadas de Nova York, os chicanos, oschilenos ou guatemaltecos, os cubanos? Seráque alguém com cara de árabe se sentirá numademocracia ao viajar hoje para aquele país? Poisé essa a democracia que se vem utilizando comoparadigma aqui, pois aqui como lá estão matandonossas lideranças.

Lemos nos jornais que os Estados Unidoselegeram seu atual presidente através de fraude.Fraude na contagem de votos ou fraudepsicosocial? Em qualquer dos casos, uma farsamoral, tal como essa que foi o espetáculo daeleição do exterminador do futuro para governara Califórnia.

Temos com que nos preocupar! Se não houverum alerta naquela sociedade de que o espetáculoé outro, ainda presenciaremos novos e horríveisholocaustos em nome da democracia e da defesada paz. E parece que é esse tipo de fraudeeleitoral, o espetáculo da eleição no lugar daescolha racional do candidato, que também vemsendo aperfeiçoada no nosso meio.

Então parece óbvio que devemos perder omedo de construir nosso próprio modelo dedemocracia. Não estamos sozinhos nisso. Nomundo todo se está buscando esses novoscaminhos. O desafio é traçar a linha de ação quenos leve à concretização de nossos objetivose sonhos. Pois, como asseverou o mestrePaulo Freire “não se pode conceber aexistência humana fora do sonho e da utopia”.

É preciso desprivatizar o Estado

para que volte a ser público

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Quando descemos das árvores e perdemos o rabo,evoluímos de apenas gregário para o ser social. Quem sabeesse 0,05 de diferença na cadeia do DNA que nos separa daminhoca está na capacidade genética que temos de acumularconhecimentos, de usar esse conhecimento para melhorar nossacondição de vida, a capacidade de modificar o nosso entorno.Essa constatação constitui o maior avanço ocorrido na ciênciagenética. Ao decifrar o código genético, os cientistascomprovaram que homens, mulheres, pretos, brancos, amarelosou índios, somos todos absolutamente iguais.

É longo o caminho percorrido pela humanidade naconstrução do processo civilizatório que desembocou no quesomos hoje. A primeira vista pareceria que evoluímos muito,que estamos muito distantes daqueles que iniciaram essamarcha. Não obstante, nas questões essenciais, o arquétipohumano continua o mesmo.

Uma dessas questões essenciais e permanentes nessalonga marcha empreendida pela humanidade é o conflito. Conflitona estruturação do poder na família. Conflito na estruturação dopoder na comunidade. Se prestarmos atenção, veremos que oconfronto entre nômades e sedentários no passado não édiferente do conflito entre potências hegemônicas e paísesperiféricos. Então, fica evidente o verdadeiro busílis que é acontradição entre opressão e libertação.

Observando as contradições derivadas dessa realidade emque o ser humano, como ente social, busca as formas daconvivência, a filosofia entendeu que isso é política. Quer dizerque sendo o ser humano um ente social ele é também um entepolítico. A política estrutura a sociedade, organiza as formas deconvivência não só no interior de uma comunidade como tambémcom o mundo exterior. Organiza inclusive a cultura e tambémas formas de dominação.

Quando a humanidade se organizou para viver socialmente,além da necessidade de superar conflitos teve que resolver anecessidade de alimentar muita gente. Descobrimos então quesem a terra não há produção e que sem o trabalho não háprodutividade. A sobrevivência da espécie está ligada àorganização da produção do alimento que é o mesmo que dizerda organização da vida. A humanidade adquiriu mais sabedoriae experiência a partir da atividade agrícola – a cultura agri.

Cultura é semear, cuidar e colher, armazenar, distribuir. Issoé tão importante que o filósofo chamou de cultura todo oconhecimento adquirido. Daí que não se pode pretender reduzira cultura a meras apresentações da criatividade artística. Modode produção também é cultura, é arte.

A acumulação do conhecimento ocorrida em uma agrupaçãohumana e sua organização num espaço geográfico comum geroua Nação. O mesmo idioma, modos de produção comum, umjeito próprio de encarar a vida, a identificação na criatividadeobjetiva e subjetiva nas artes, tudo isso constitui a personalidadede um povo. É o que se entende por identidade cultural de umaNação.

A Nação se organiza e impõe regras para a convivênciasocial. Ela se organiza para a defesa de ataques externos paraa proteção de suas fronteiras. Organiza-se também parapreservar sua identidade cultural. Essa organização é o Estado.

O Estado é o ente político social. É a nação organizada para adefesa e para as relações internacionais.

Ainda segundo os filósofos, o que dá o conteúdo àorganização social é a ética. Assim como a estética estárelacionada com a construção do belo, com a busca da perfeiçãona arte, a ética está relacionada à busca da perfeição naconvivência social. O mundo ético é o mundo bom.

A ética é indispensável para o desenvolvimento social. Háquem diga que ética é bem estar social. Giannetti, por exemplo,diz que sem ética a própria sobrevivência fica comprometida.

Com esse entendimento, hoje se estuda a ética dodesenvolvimento. Entram aí as questões tão em voga como aética da ecologia, da reprodução, da genética, do transplante,dos transgênicos.

Tanto nos meios de comunicação tradicionais como nomundo virtual – e há que incluir aqui todo tipo de utilização quese dê à Internet - a exigência da ética é crucial. E é precisopensar se, além disso, não deve existir um certo controle.

Quando se fala em ética na convivência social está-sedefinindo o conceito de cidadania. Aliás, entendo que ética ecidadania são expressões de um mesmo conteúdo.

O cidadão é o indivíduo como parte do Estado. A convivênciae a interação entre os diversos indivíduos impõem limites àliberdade. Então, o cidadão ético é aquele que conhece os seusdireitos e os direitos dos outros, direitos que são regulados peloEstado.

Uma pergunta persegue intelectuais e artistas: Qual é o papeldo artista cidadão, do intelectual cidadão? Como ser um artistaético? Um intelectual ético? O compromisso maior do intelectualcidadão, do artista cidadão é para com a sociedade. A sociedadede sua nação, de seu país.

A sociedade consumista, do consumo estetizado, asociedade da ditadura do capital volátil, do liberalismotransformado em libertinagem, privilegia sobretudo o indivíduo.Pior que isso. Mais valor tem aquele que leva vantagem. Ora, oindivíduo não pode ser contraponto ao social porque o indivíduoé naturalmente um ser social!

A contracultura da pós-modernidade é contra a cultura damodernidade. Enquanto aquela vê o fim da história, esta tratade resgatar a história para forjar o futuro. A banalização dosvalores culturais nacionais, a cultura de massa e a conseqüentealienação, a desesperança diante da ausência de futuro, aridicularização de nossos líderes, tudo isso forma a contraculturada globalização que nada mais é senão a velha cultura dadominação.

Vale lembrar Roberto Damatta que diz que está na hora depensar criticamente a liberdade. É para concordar. A liberdadedesprovida da ética cidadã leva à barbárie em que se estátransformando o mundo. A modernidade exige a construção daigualdade. Toda ação cultural deveria estar dirigida à construçãoda solidariedade, ao desenvolvimento da igualdade. Só assimchegaremos ao cidadão ético, capaz de viver em harmonia coma natureza e de construir a paz. De não ser assim, estamosfritos, literalmente. De onde se conclui que é necessário planejaro futuro de modo consistente, e criativamente.

Ética e cidadania

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Conjuntura 2003 - outubro - pág. 17

Petrodólares e o capitalismo volátil

Na primeira guerra dopetróleo, no final dos anos 1960e início da década de 1970, ospaíses árabes infligiramespetacular derrota às grandespotências. Além de barrar aofensiva de Israel na guerra doGolfo, nacionalizaram os poçosde petróleo e passaram avender o barril a preço justo. Demenos de um dólar em trêsanos o petróleo chegou a US$14,00 o barril.

Praticamente todos os paísesmembros da Opaep estavamenvolvidos nisso. Da Líbiarevolucionária de Kadaffi àmonarquia retrógrada da ArábiaSaudita.

As potências ocidentaistremeram. As balançascomerciais registraram déficitsabissais. Os europeus sofreramde frio no inverno por falta decombustível para calefação. Asmontadoras estadunidensesencolheram as carrocerias e osmotores dos automóveis.

O Terceiro Mundo exultou.Infligiu-se derrota a Israel e seusapoiadores sem dar um tiro. Viu-se, na prática, que aquilo quevinham discutindo como umapossibilidade nos foros inter-nacionais, podia concretizar-se.Quando, no início dos anos1970, os Estados Unidos e aGrã Bretanha, os maioresprejudicados pelas naciona-lizações, ameaçaram invadir ospaíses árabes produtores de

petróleo, a resposta saudita veiorápida. Se invadirem,explodiremos os poços. Aspotencias imperiais recuaram.

Vale a pena fazer umareflexão sobre o que há dediferente entre esse episódio eo que ocorre nos dias de hojeno Oriente Médio. Nunca é omesmo rio que passa por baixoda ponte.

Os países da Opaeppassaram alguns anos ditandoo preço do barril de petróleo elocupletando suas burras comdólares. Amealharam muitosbilhões. O que fizeram comtanto dinheiro além de colocarlimusines Mercedes Benz nasfrotas de táxis? Alguns dessesgovernantes ainda hoje gastamfortunas maiores que o PIB demuitos países em uma noitenuma mesa de roleta ou bacaráem Mônaco ou Las Vegas. Mas,por maior que seja o esforço deum paiseco como os Emirados,ou monarquias como a saudita,o que se consegue gastar épouco diante da avalanche dedólares.

Países com governosnacionalistas como o Iraque,Argélia, Líbia, Iêmen, e de certaforma também o Irã, escolheramoutros caminhos que não os doscassinos. O Iraque, porexemplo, investiu em arma-mento e em desenvolvimento. OBrasil, na época, cooperou eganhou dinheiro construindoestradas de ferro e de rodagemna Mesopotâmia.

Com os excedentes dedólares os árabes começarama comprar ativos fora de seuspaíses. Compraram edifícios emNova York, Chicago, Miami,ações de corporações transna-cionais e aplicaram nas bolsasno mundo inteiro.

Os petrodólares, em buscade rendimento, inundaram osbancos. Como conseqüência,os bancos corriam atrás de ondeaplicar esse dinheiro. Encon-traram. Como a oferta de dólarera farta, baixaram os juros ealongaram os prazos.

Países do Terceiro Mundo,como o Brasil, acharam quepoderiam financiar o desen-volvimento com recursosexternos e, aproveitando aoferta, triplicaram, quadru-plicaram suas dívidas. Essaeuforia, no entanto, não durariamuito.

Paralelamente a esses fatos,ocorria no mundo uma granderevolução científica etecnológica, dando origem a

Os petrodólares embusca de rendimento

inundaram osbancos

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A familia Bush é sócia da família Bin Laden

na exploração de petróleo e outras maracutaias

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uma nova era do desen-volvimento, com base naconvergência tecnológica – ainformática, a comutação dedados em alta velocidade,telefonia, televisão, rádio, ossatélites de comunicação, todosfundidos numa poderosamultimídia de alcance mundial.

A abundância de petrodó-lares e a facilidade nas comuni-cações fizeram a alegria dosespeculadores financeiros domundo inteiro. Como conse-qüência, aplicando seus dólaresnos EUA, Europa e Japão, osárabes se tornaram sócios dosmagnatas e das corporaçõesdas potencias ocidentais.

Arábia Saudita, os emires esultões da Ásia Menor são hojesócios dos capitalistasocidentais, particularmente dosEstados Unidos. A família Bush,por exemplo, explora petróleono oeste estadunidense emsociedade com o dinheiro dafamília Bin Laden.

Todo esse dinheiro girandosem qualquer controle nosBancos serviu também paraarmar um grande bordelmundial, ficando difícil distinguironde terminavam os interessesdas potencias ocidentais ecomeçavam os dos traficantese toda sorte de bandidagem.

Ficaram de certa forma porfora dessa maracutaia o Iraque,a Líbia, a Argélia e o Irã. Essespaíses mantiveram o controleestatal sobre os recursos

petrolíferos e se vincularammais com a Europa que com osEstados Unidos.

Ocorre também que, apesardo contubérnio britânico-saudita-estadunidense, sóciosda Aramco, a maior petroleira domundo, os Estados Unidosforam perdendo a confiança namonarquia saudita.

O fato de a Arábia Sauditaabrigar a Meca em seu território,vincula os sauditas ao mundoislâmico de forma perigosa parao Ocidente. Perigosa porqueparece haver, entre muitosintelectuais a serviço dosistema, a certeza de que oislamismo ainda tem condiçõesde continuar se expandindo edentro dele, ampliando espaço,o fundamentalismo.

Os bancos e a convergênciatecnológica favoreceram odesenvolvimento de uma novacategoria de capitalistas – osespeculadores. Essa novadinâmica deu origem a umcapitalismo volátil, que privilegiaa especulação e a renda em

detrimento da produção e dobem estar social.

Ninguém escapou dos efeitosda onda especuladora. A mídiainformou fartamente sobre acrise asiática, a crise mexicana,a crise russa, a crise Argentina,o efeito Orloff e que tais. Poucose tem falado, no entanto, dacrise nos Estados Unidos.

Processos industriaisdefasados, economia semchance de retomar o ritmo dedesenvolvimento necessáriopara manter o padrão deconsumo. Bush, na semanaanterior ao 11 de setembro,diante da resistência doscongressistas em aprovar seuprojeto de guerra nas estrelas,deixou bem claro que nãorestaria outra alternativa para arecessão senão a guerra. Nãotardou outra semana paradeclarar guerra ao Afeganistão.

De todos os países do Orien-te do Mediterrâneo e da ÁsiaCentral, o Iraque é o que extraipetróleo a mais baixo custo. Éimpressionante e até a Bíbliamenciona o fato do petróleoverter à flor da terra na Meso-potâmia. Saddam Hussein,além de manter o controleestatal sobre os poços, a partirde 2000 deixou de cotizar o óleopelo dólar passando a utilizar oEuro. E também a UniãoEuropéia estava privilegiando acompra do óleo iraquiano. Semdúvida um golpe na geopolíticaestadunidense.

No Iraque o petróleoé mais barato

porque, desde ostempos bíblicos, está

à flor da terra

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O saque aos recursos naturais e ao mercadodos países periféricos tem sido a saída para osImpérios nos momentos de crise. Isso não énovidade desde os impérios anteriores a Roma.

Os estoques de minerais estratégicos nosEstados Unidos estão praticamente esgotados,particularmente os combustíveis fósseis. Estáficando cada dia mais difícil manter o modo devida da população estadunidense com a enormedependência externa, o dólar cada vez maisdesvalorizado e os povos dos demais países domundo tomando consciência sobre o dever deser independentes.

São visíveis nos Estados Unidos asconseqüências dessa conjuntura. Concentraçãocada vez maior do capital, com a recíproca decrescimento da pobreza e da exclusão. Déficitcada vez maior na balança de pagamentos e dólarcada vez valendo menos. Deterioração social com30 milhões de drogados e quase 3 milhões depresos.

A fragmentação da antiga União dasRepúblicas Soviéticas não podia ter ocorrido emmelhor momento para os Estados Unidos. Ao abrirum flanco numa das mais ricas zonas petroleiras,abriu também a oportunidade para o novo impérioocupar espaços que antes nem podia pensar emocupar. O Afeganistão e o Paquistão sãoestratégicos por estarem nas rotas deescoamento do petróleo e gás. Assim também aSíria, a Jordânia, Palestina e Israel.

Não é fácil manter esse controle num mundoconturbado e politizado no Oriente Médio e naÁsia Central. É preciso se impor pela força. Issoleva à necessidade de se abrir o maior númerode frentes possíveis. Redobra portanto aimportância estratégica do petróleo da Venezuela,do gás da Bolívia, e, notem bem, do gás e petróleoda plataforma continental brasileira.

E, de fato, os Estados Unidos estão nessacontingência de se desmembrarem em múltiplas

frentes para assegurar o abastecimento dematérias primas, garantir mercados para seusprodutos e impor sua hegemonia. Isso não étarefa fácil mesmo para um grande império.Assim, não estão delirando os intelectuaiseuropeus que prevêem a possibilidade de suaimplosão.

Não é isso o que tem acontecido ao longo dahistória? Não é o que aconteceu com a URSS?É um discurso no mínimo diversionista, senãosalvacionista, pretender que a URSS foiderrubada por ter sido derrotada na guerra fria.O que aconteceu foi precisamente a implosão deum império que perdeu as condições de se manterem múltiplas frentes. Exatamente o que estáacontecendo com os Estados Unidos nos diasde hoje. Em quantas frentes e por quanto tempoagüentarão?

Mas tampouco se pode descartar a guerra friacomo um fator subjetivo que influenciou dealguma maneira a queda da URSS, pois a mídiaconseguiu estigmatizar o socialismo soviético ecriar uma onda de opinião pública desfavorável,minando possíveis bases de apoio. Digamos quefoi um empurrão no império prestes a implodir.

Hoje há também um fator subjetivo presenteque é o antiimperialismo, tendo como alvo apolítica imperial dos Estados Unidos. Econsiderando que o cenário no mundo de hoje édominado pela convergência tecnológica nascomunicações, é de se esperar o incremento doconflito entre o anti e pró império.

Muita gente tem medo de que a derrocada doimpério estadunidense arraste consigo toda aeconomia mundial, com graves conseqüênciassociais. Esse é outro mito que é necessáriodesfazer. Decorre, entre outras coisas, do fatode todo mundo querer vender para o queconsideram o maior mercado consumidor domundo.

O ocaso do Império

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Está certo: é um tremendo mercado, mas oseu fim está longe de representar o fim do mundo.Já ocupou maior espaço. Hoje é um mercado emprocesso de encolhimento numa economia queprecisa de guerra para sustentar-se. Em relaçãocom o Brasil, por exemplo, os Estados Unidos jáforam os maiores compradores das exportaçõesbrasileiras. Mas, isso foi há bastante tempo.

Hoje, as exportações para os Estados Unidosestão em torno de 25% do total, um índice acimada média das últimas décadas. Mesmo nosgovernos de Collor e Cardoso essa porcentagemesteve abaixo de 20%. Nos últimos anos houveretração das exportações para América Latina,particularmente para a Argentina, devido à crise,o que explica o desequilíbrio. As exportações paraa Europa e Ásia mantêm-se equilibradas e podemcrescer. Vale lembrar ainda, como exemplo, quea carne bovina brasileira, que entrourecentemente na pauta das exportações, éexportada para mais de 100 paises.

A queda do império soviético não levou omundo à falência. Aqueles 350 milhões dehabitantes já recuperaram o terreno perdido eagora começam a crescer. Imagine-se o tamanho

que terá o mercado da Comunidade Européiaapós a integração da Rússia. O que será omercado da China em dez anos mais mantendoaquele país o ritmo de desenvolvimento atual?Só a China cresce por ano um Brasil inteiro. Oque será o mercado interno da América Latina senos tornamos independentes?

Se o mercado dos Estados Unidosdesaparecesse – se isso fosse possível –realmente não seria o fim do mundo. Os EstadosUnidos não precisam desaparecer comomercado. Precisam desaparecer como potênciahegemônica, pois, isso já não faz mais sentidopara o mundo civilizado.

Na América Latina somos 450 milhões que,se encontrarmos o caminho para odesenvolvimento num contexto de integraçãobolivariana, não precisaremos dos EstadosUnidos. Eles sim, como também a Europa, é quecontinuarão precisando de nossas matériasprimas, de nossos alimentos produzidos commelhor qualidade e preço.

A Europa que viveu os pesadelos das décadasde 30 e 40 do século XX, não tem como deixarde fazer comparações com o que está ocorrendo

Hegemonia já não faz sentido no mundo civilizado

Exportações brasileiras por blocos econômicos (em milhões de dólares)

Exportações Brasileiras por Blocos Econôm

7.5777.7456.8576.6295.990

13.32713.59910.9289.9759.745

14.74814.51312.836

12.91211.812

5.6167.7307.8148.1927.047

9.8729.407

9.3128.7988.951

1994 1995 1996 1997 1998

Demais ALADI União Européia ÁSIA** EUA* Fonte: MDIC/Secex (*) Inclusive Porto Rico (**) Exclusive Oriente Médio

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na atualidade. Tal como no passado, o impériode hoje se crê onipotente e atua com a mesmaarrogância e prepotência em relação ao resto domundo.

No passado, a Hitler não faltou apoioentusiástico de um Franco, um Mussolini, damesma forma que a Bush não tem faltado apoiode um Berlusconi, um Asnar, um Blair, um Sharon.Não se pode esquecer que em todo o mundo deontem houve entusiasmo com as façanhas deHitler, como hoje há ainda certo entusiasmo comas de Bush. Afinal, um pais em guerra compra,seus aliados vendem.

Quem governa os Estados Unidos? Aconstituição ou o capital monopolista? Existe

Uma fábrica para o mundo

O presidente Hugo Chavez, da Venezuela,disse durante uma viagem a China que, se épara seguir algum exemplo, o exemplo queAmérica Latina deve seguir é o da China.Certamente o que ele quis dizer com isso éque há caminhos próprios que podem serconstruídos. É que um país pode e deve seinserir na globalização com projeto próprio,aproveitando a globalização para sedesenvolver.

A realidade é que a China alimenta quasedois bilhões de habitantes e é o país quemaiores índices de desenvolvimento temapresentado. Isso em períodos em que aeconomia mundial andou beirando aestagnação.

Segundo a Agência Nova China, ocrescimento do país neste ano deve repetir ataxa histórica dos últimos anos, entre 7% e 8%.Para ao setor industrial o crescimento previstoé em torno de 16%. Trata-se de taxas bemacima da média em torno de 3% calculada peloBanco Mundial para a economia mundial comoum todo.

liberdade de imprensa naquele país ou submissãoao capital monopolista? O governo serve àsgrandes corporações ou as grandes corporaçõesse servem do governo? Isso é democracia ou éliberdade democrática para bendizer o way of life?

Como dizia Georg Lukács no início dos anos1960 sobre a ditadura do capital monopolista: oque Hitler conseguiu com a força bruta, a classedominante estadunidense conseguiu através deuma fachada democrática,

Esses paralelismos históricos são importantesainda que não determinantes. Ajudam a entendero momento atual e reforçam a idéia de que outromundo não só é possível como é imperativo.

É interessante que isso ocorre em umperíodo em que a China foi assolada pelaepidemía da pneumonia asiática.

É impressionante ver como todo mundohoje está de olho na China. Todas as grandescorporações nacionais e transnacionais jáestão lá, com investimentos produtivos:Lucent, Alcatel, Philips, Fuji, Kodak, IBM, paracitar só algumas, estão investindo bilhões dedólares na China. O Japão não esconde osonho de fazer da China sua fábrica para omundo.

Entre 1999 e 2001 houve um incrementono comércio do Brasil com a China da ordemde 44,9%. Em 2001 o Brasil exportou US$ 1,9bilhões para a China e no ano seguinte, US$2,5 bilhões, quase um bilhão de dólares decrescimento.

Estamos exportando basicamente produtosprimários para a China que, no entanto, temgrande potencial para compra demanufaturados. Por exemplo, está comprandonos Estados Unidos e na Europa suco cítricofabricado no Brasil.

Quem realmente governa os Estados Unidos?

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A grande expectativa nacional é o início do espetáculodo crescimento. A perplexidade é que não tendo começadoem 2003 tampouco acontecerá em 2004, nem em 2005,nem nunca, a não ser que se mudem as regras do jogo, . Etudo indica que não há intenção de que as coisas mudem.Assim sendo, o máximo que poderá ocorrer é umcrescimento insuficiente e distorcido beneficiando poucossetores já abastados. Não o desenvolvimento desejado:integral, auto-sustentado, de pleno emprego.

A preparação dos cenários para o espetáculo já deveriaestar ocorrendo. Não é preciso romper com o FMI ou darcalote na banca internacional. O realmente necessário éum projeto nacional de desenvolvimento que nos livre daditadura do capital volátil.

Todo credor sabe que não pode cortar as mãos doartesão se pretende que ele pague sua dívida. Essa regranão está valendo entre nós. O que interessa aos nossoscredores é que tenhamos renda suficiente para continuargarantindo suas ganâncias. Nossos economistas eplanejadores parecem que se especializaram precisamentenisso. Portanto, como parece que não há uma mudança dementalidade, nada de novo acontecerá.

Com a carga tributária em nível recorde e os jurospornográficos que os bancos cobram para desconto deduplicada e empréstimos não há como esperar que o setorindustrial volte a ser o que era nos anos 1980. Enquanto osbancos têm lucros anuais acima de 400% as pequenas emédias empresas estão fechando as portas.

O empresário descapitalizado e parque industrialtrabalhando com capacidade ociosa, desemprego crescente,população depauperada, salários aviltados, tudo issoconforma um circulo vicioso que leva à deterioração do tecidosocial. Vivemos em clima de guerra civil com mais de 50 milmortes por violência ao ano.

É preciso criar o circulo virtuoso do investimentoprodutivo, gerador de emprego e riqueza. Um crescimentoa taxas médias de 10% ao ano, em cinco anos elevaria oPIB em 60%, colocando-o cerca de R$ 2,2 trilhões. Essadiferença de mais de R$ 800 bilhões, equivalentes a maisde 300 bilhões de dólares, é mais do que suficiente paragarantir a dívida externa que está em torno de US$ 200bilhões. Em dez anos, o PIB cresceria mais que o dobro,superando 3 trilhões de reais, tornando comparativamenteirrisório o valor atual da dívida.

Mas, não é para pagar a dívida que devemos crescer.Dívida, desde os tempos bíblicos, existe para ser negociada.Devemos crescer para oferecer vida digna ao povo brasileiro.E se tivermos um projeto vigoroso de desenvolvimentopoderemos até fazer mais dívidas para acelerar ainda maisesse desenvolvimento. O que conta é o poder denegociação. É ter riqueza e poder para impor à banca oscritérios para o uso da poupança.

Como crescer a taxas anuais superiores a 6% que é omínimo que o Brasil precisa para gerar em torno de ummilhão de novos empregos por ano? Isso só é possível como controle do sistema financeiro e das perdas internacionais.Não é preciso expropriar os bancos. Basta impor taxas dejuros compatíveis com as que eles cobram nos EstadosUnidos, por exemplo, e colocar os spreads em níveiscivilizados.

Privilegiar o investimento na infra-estrutura, por exemplo,foi uma das bandeiras da campanha do Lula. É correta aintenção. A indústria da construção, por exemplo, é a queemprega maior número de mão-de-obra direta e indireta e éa mais dinâmica porque para movimentar-se utiliza todosos demais setores produtivos do país.

O Secovi tem estudos que comprovam que cominvestimento de 5% do PIB, algo em torno de 70 bi, poderiamser construídas 5 milhões de casas populares, pelo menos.Ainda segundo esses estudos, cada milhão dessas casasde 40 metros quadrados que se construísse estaria gerando80 mil empregos diretos e outros 160 mil indiretos. 5% doPIB é o que o Tesouro está guardando para garantir osuperavit primário que nem é mais exigido pelo FMI.

Os Estados Unidos conseguiram levantar a economiaarrasada pela guerra civil de 1888 privilegiando a indústriada construção. A mesma estratégia serviu para ressuscitara Europa destruída pela II Guerra Mundial. Temos um déficitde mais de 10 milhões de unidades habitacionais, nossasestradas estão imprestáveis e insuficientes, precisamos dehidrelétricas, de portos e aeroportos. O setor da construçãonão precisa pagar royalties pois dispomos de tecnologia deprimeira linha. Além disso, só consome matéria prima emanufaturados nacionais. Os recursos para impulsionar essedesenvolvimento podem vir da agricultura em expansão eatravés do estímulo à poupança interna e até com recursosexternos. O que falta é vontade política para assumir odesafio.

Do circulo vicioso para um circulo virtuoso

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