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ANA PAULA VALENTE FIGUEIREDO

Os Conventos Franciscanos da Real Província da Conceição Análise histórica, tipológica, artística e iconográfica

volume I

Orientador: Professor Doutor Vítor Serrão

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Tese de Doutoramento em Arte, Património e Restauro Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Lisboa, 2008

“ A grandeza do mayor edificio, em que se esmera a arte, tem a sua segurança no alicerse; porque esse he o fundamento em que se sustenta; e para este fundamento, e para esta segurança não servem os jaspes, ou os porfidos, porque se firma a sua estabilidade nas toscas pedras, com que se lhes profundaõ os alicerses.”

In DEOS, Frei Martinho do Amor de, Escola de Penitencia, caminho de perfeição estrada segura para a vida Eterna Chronica da Santa Provincia de Santo António, Lisboa, António Pedrozo Galram, MDCCXL, p. 3

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Queremos agradecer profundamente a todos aqueles que nos ajudaram ao longo do nosso trabalho, particularmente:

Ao Professor Dr. Vítor Serrão, nosso orientador, o apoio desde o primeiro minuto e a paciência com que suportou os vários momentos de desânimo, ao longo dos vários anos que durou a recolha documental, fotográfica e elaboração do estudo; À Professora Dr.ª Maria João Neto, pela paciência com que ouviu as nossas dúvidas, durante uma exposição oral, e pelos conselhos prestados; Ao Dr. Eduardo Pires de Oliveira pelo aconselhamento e a documentação de cartórios inédita que nos cedeu; Ao Sr. Padre Manuel de Sousa Araújo a troca de impressões necessária ao bom entendimento da espiritualidade franciscana; Ao Dr. Maranhão Peixoto, director do Arquivo Histórico de Viana do Castelo, pela simpatia, disponibilidade e possibilidade de fotografar o espólio do Dr. José Figueiredo Guerra, bom como cedência de várias fotografias pessoais; À Ordem Terceira de São Francisco de Viana do Castelo, nas pessoas do Sr. João Silva e Sr. Soares, que, amavelmente nos deixaram consultar toda a documentação que possuem no Arquivo; À Dr.ª Sandra da Câmara Municipal de Ponte de Lima pela forma simpática com que nos recebeu; Ao Dr. João Velho Dantas, da Ordem Terceira de São Francisco de Ponte de Lima, pelas fotografias que nos cedeu; À Direcção do Museu do Buçaco que entendeu o nosso objectivo e nos deixou fotografar e circular no espaço do antigo claustro do Convento da Fraga; Aos proprietários directos ou indirectos dos edifícios em estudo, com particular obrigado ao Padre Manuel Gonçalo Pereira do Vale, pároco do Cerdal pelos sucessivos acolhimentos cordiais, pelas visitas guiadas pela cerca do Convento de Mosteiró e pela povoação, bem como a disponibilidade com que cedeu toda a documentação que possuía sobre o Convento; ao Dr. Meneses, proprietário do Convento de Melgaço pelas informações, cedência de plantas e a forma com que nos acolheu; à Ordem Terceira de São Francisco de Monção, na pessoa do Sr. João Cesarinho pela forma simpática com que nos acolheu; à Dr.ª Adriana Rodrigues que nos deixou fotografar o Convento de Monção,

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enquanto as obras decorriam; a Senhor Padre Armando por nos ter permitido o acesso ao arruinado Convento de Santo António de Viana do Castelo; à Sr.ª Figueiredo, que nos abriu as portas de sua casa em Vila Cova de Alva, deixando fotografar o interior do claustro, antigo refeitório e casa capitular; ao GTL da Câmara Municipal de São Pedro do Sul pela cedência de plantas do imóvel; ao Padre António Ribeiro Teixeira, que nos recebeu em Orgens e nos fez uma visita guiada pela cerca, permitindo descobrir determinados pormenores; à Ordem Terceira de São Francisco de Lamego, que nos deixou fotografar todos os espaços que lhe pertencem sem qualquer restrição; à Capitania do Porto de Caminha, pelas condições de acessibilidade ao Forte da Ínsua; ao Padre Mário de Macinhata do Vouga e Trofa, que nos deixou fotografar as peças provenientes do Convento de Serém. A todos os que contribuíram com fotografias para o elenco icononímico, como as amigas Ana Cristina Lemos, Ana Paula Noé e os ex-colegas Filomena Bandeira e Artur Jaime Duarte. Um muito obrigado à Paula Noé pela revisão dos apêndices. Enfim, um obrigado muito especial à saudosa ex-DGEMN, nas pessoas da Dr.ª Margarida Alçada e Dr. João Vieira, pela cedência de grande parte das fotografias e plantas que incluem o elenco iconográfico. À Paula, à Patrícia e ao Joaquim, um saudoso agradecimento pelo incentivo nos momentos de desânimo.

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ÍNDICE Índice - - - - - - - - - - -1 Índice de abreviaturas - - - - - - - -4 Introdução - - - - - - - - - -5 Notas prévias - - - - - - - 10 Capítulo I - Os Franciscanos Capuchos em Portugal - - - 12 1. A Província da Conceição – antecedentes, fundação evolução e extinção - - - - - - - - 12

1.1. Antecedentes – o Franciscanismo e a sua evolução até à introdução das vias puristas da Regra Seráfica - 12 1.2. O nascimento da Província - - - - 20

1.3. Fundação e meios de subsistência dos Conventos - 28

1.3.1. Fundação dos Conventos e os respectivos Padroeiros - - - - - - - 28

1.3.2. Meios de subsistência - - - - - 51

1.3.2.1. Instituição de Capelas, fundação de Irmandades e cedência de sepulturas - - 53

1.3.2.2. Privilégios e doações - - - - 73

1.4. A extinção das Ordens Religiosas no âmbito da Província da Conceição - - - - - - 84

Capítulo II – Os Conventos da Província da Conceição à luz da Espiritualidade Franciscana e da Regra Capucha – análise arquitectónica - - - - - - - 106 1. Os Conventos da Província da Conceição e a arquitectura do Mundo Capucho - - - - - - - - 107

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1.1.Os Estatutos das Províncias - - - - - 108 1.2.Criação de regras construtivas para os espaços Religiosos - - - - - - - 109

2.Construção e reforma dos conventos - - - - - 112

2.1. As novas construções da Província - - - - 113

2.2.Reforma dos conventos pré-existentes (processo evolutivo) - - - - - - - 120

2.2.1. As casas executadas pela Província de Santo

António - - - - - - - - 120 2.2.2. Reforma dos conventos medievais - - - 128

3. Análise da arquitectura dos imóveis dos Partidos do Minho e da Beira - reconstituição da implantação, distribuição dos espaços conventuais e respectiva funcionalidade - - 136

3.1 A implantação dos imóveis - - - - 136 3.2 A tipologia arquitectónica dos templos - - 145

2.3. Os aspectos arquitectónicos do espaço regral e a manutenção da pureza capucha - - - - - 163

4.Configuração das cercas conventuais - - - - - 189 5. O papel dos arquitectos, dos guardiães e provinciais na difusão do Modo Capucho - - - - - - 219 Capítulo III – A decoração dos conventos da Província da Conceição - análise iconográfica e iconológica - - - - 226 1.O espaço público - análise das tipologias decorativas - - 229 2. O papel catequético do templo - - - - - - 321 3. O espaço regral – análise dos elementos subsistentes e reconstituição dos elementos desaparecidos. A evolução decorativa - - - - - - - - 325 4. O papel dos artistas e respectivas oficinas e dos guardiães, provinciais e padroeiros na difusão da decoração Capucha - - 362 Considerações finais - - - - - - 371

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Bibliografia - - - - - - - - - 380 Índice remissivo - - - - - - - - 400

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ÍNDICE DE ABREVIATURAS Act. - Activo ADB – Arquivo Distrial de Braga ADV – Arquivo Distrital de Viseu ADVC – Arquivo Distrital de Viana do Castelo ADVR – Arquivo Distrital de Vila Real AHM – Arquivo Histórico Militar AHMPL – Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Lima AHMVC – Arquivo Histórico Municipal de Viana do Castelo AIOTSFVC – Arquivo da Irmandade da Ordem Terceira de São Francisco de Viana do

Castelo AML – Arquivo Municipal de Lamego AMM – Arquivo Municipal de Melgaço ATSP – Arquivo do Tombo da Seccção de Património AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra BMPM – Biblioteca Pública Municipal do Porto Cap. - Capítulo Cfr. – Conferir CMC – Câmara Municipal de Caminha Cod. – Códice Col. - Colecção Cx. - Caixa DIE – Direcção de Infraestruturas do Exército DGEMN – Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais DGA/TT – Direcção-Geral de Arquivos / Torre do Tombo Doc. – Documento Docs. – Documentos DREMC – Direcção Regional dos Edifícios e Monumentos do Centro (DGEMN) DREMN – Direcção Regional dos Edifícios e Monumentos do Norte (DGEMN) DSID – Direcção de Serviços de Inventário e Divulgação (DGEMN) Ed. - Edição Fig. – Figura Figs. – Figuras Fl. – Fólio Fls. - Fólios GEAEM – Gabinete de Estudos de Arquitectura e Engenharia Militar GTL – Gabinete Técnico Local IGESPAR – Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana IPPC – Instituto Português do Património Cultural Liv. – Livro Mç. - Maço Ms. - Manuscrito N.º - Número OFM – Ordem dos Frades Menores P. – Página Pp. - Páginas Séc. - Século Vol. – Volume Vols. – Volumes

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INTRODUÇÃO O estudo a que aqui damos início teve origem na constatação da existência de vários conventos franciscanos minhotos que apresentavam programas arquitectónicos e decorativos muito semelhantes, frequentemente com peças geminadas, cuja origem, pela sua qualidade artística, nos intrigou e despertou curiosidade. Por esta razão, optámos por aprofundar a investigação sobre os mesmos, verificando-se, à medida que íamos avançando, a necessidade de alargar o seu âmbito, partindo do Minho até outras casas situadas em regiões raianas, como a Beira e Trás-os-Montes, todas elas unidas por um laço, o facto de pertencerem à Real Província da Conceição, uma das vias Capuchas do universo Franciscano Português, fundada no início do século XVIII. Assim, este estudo abarca vinte e dois edifícios que integravam a Província em Portugal Continental, uma vez que existem algumas missões no Brasil, dos quais serão objecto da nossa análise apenas vinte, nove pertencentes ao Partido do Minho - Convento de São Bento de Arcos de Valdevez, Convento de Santa Maria da Ínsua, Convento de Santo António de Caminha, Convento de Nossa Senhora da Conceição de Melgaço, Convento de Santo António de Monção, Convento de Nossa Senhora de Mosteiró, Convento de Santo António de Ponte de Lima, Convento de São Francisco de Viana do Castelo, Convento de Santo António de Viana do Castelo – e dez ao Partido da Beira – Convento de Santo Cristo da Fraga, Convento de São Francisco de Lamego, Convento de São Francisco de Orgens, Convento de Santo António de Pinhel, Convento de São José de São Pedro do Sul, Convento de Santo António de Serém, Convento de São Francisco de Torre de Moncorvo, Convento de Santo António de Vila Cova de Alva, Convento de São Francisco de Vila Real e Convento de Santo António de Viseu. A estes, acresce o Colégio de Santo António da Estrela, fundado pela Província na cidade de Coimbra e integrando o conjunto universitário. Dois cenóbios não serão abordados de forma sistemática e aprofundada, não por ausência de documentação que o permitisse, mas por se afastarem, arquitectónica e decorativamente, da tipologia dos demais imóveis; é o caso do Convento de Santo António da Cidade, no Porto, cuja construção, já tardia, datável do final do século XVIII, seguiu o esquema dos grandes edifícios conventuais e monacais existentes na cidade, como se pode aferir da análise do claustro, o único vestígio que chegou até aos nossos dias, tendo a igreja sido totalmente demolida. Esta magnificência construtiva prender-se-ia, certamente, com o facto do imóvel ser construído para se assumir como cabeça da Província, a nova Casa Capitular, e demonstrar o poderio e afirmação que esta Congregação Franciscana, a última a ser criada, havia atingido. O outro edifício que foge às tipologias arquitectónicas e decorativas em estudo é o Hospício que a Província possuía em Lisboa, no Palácio da Bemposta, construído em época anterior à sua formação e com fortes alterações após o terramoto de 1 de Novembro de 1755. Este estudo não se centra, portanto, nos grandes meios de produção artística, mas aborda uma ampla região, normalmente rotulada como periférica, assimilando as novas correntes em fases tardias, estando na origem de uma arte anacrónica e nem sempre com grande valor estético, por vezes

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incompreendida e falha de informações, excepto em monografias locais, onde apenas nos surgem notas generalistas, pela ausência de uma prospecção arquivística séria. Essencialmente, moveu-nos a curiosidade em conhecer a forma como os novos programas arquitectónicos e decorativos foram assimilados nestes locais recônditos, levando, muitas vezes, à coexistência num mesmo Convento construído de raiz, de elementos aparentemente anacrónicos. Será que a coexistência de vários estilos era fruto de ignorância e falta de informação relativa às novas correntes artísticas ou era intencional, revelando persistências de gostos? Estas comunidades não estariam sensíveis à unidade de estilo e ao bello composto que os teóricos e artistas dos séculos XVII e particularmente do XVIII procuravam? As razões para tais disparidades seriam estéticas, económicas ou espirituais? Para dar resposta a estas questões e a outras que nos surgiram ao longo do âmbito cronológico deste trabalho, pretendemos cumprir uma leitura transversal relativa aos Conventos dos religiosos Franciscanos Capuchos, pertencentes à Real Província da Conceição, instituída em 1705 e implantada nas regiões minhota, beirã e transmontana, íntegros ou já destruídos, neste caso numa abordagem totalmente cripto-histórica1, um importante ramo da História da Arte. Procurámos tratá-los segundo perspectivas distintas, consagrando as análises históricas, arquitectónicas, decorativas e estéticas de forma individual e comparativa. O estudo comparativo dos imóveis ganhará particular relevância, uma vez que um dos principais objectivos do trabalho consiste na tentativa de definir a pertinência da expressão Modo Capucho e se ela se coaduna com a realidade arquitectónica das várias Províncias Franciscanas portuguesas e com a espiritualidade Capucha em particular. Para tal, começaremos por fazer uma abordagem ao nascimento da nova Província e da conjuntura que a envolveu, sendo necessário, contudo, estabelecer, de forma breve e sintética, o que foi o movimento Franciscano em Portugal e a sua evolução até ao aparecimento da Recolecção Capucha, pois alguns dos conventos que irão ser abordados foram construídos ao longo destes períodos, sendo necessário entender em que conjuntura nasceu cada um deles e a forma como evoluíram artisticamente ao longo do tempo; só deste modo, poderemos perceber algumas diferenças arquitectónicas e as opções tomadas em termos (re)construtivos pela Província da Conceição. Após esta perspectiva introdutória, passaremos a analisar a orgânica da nova Comunidade Capucha, os seus principais meios de subsistência, bem como os apoios régios e de outras instituições, nomeadamente da Igreja Católica, que auferiu ao longo da sua curta existência, que terminaria com a extinção das Ordens Religiosas em 1834, tendo os seus conventos sofrido destinos distintos que terão que ser analisados, bem como verificar o estado de conservação em que se encontram actualmente. Contudo, o cerne do trabalho será a análise da arquitectura e espólio decorativo, tentando-se, relativamente àquela, definir as especificidades do Modo Capucho, questionar a existência de uma unidade arquitectónica dentro da Província em estudo e verificar, através de um estudo comparado, se, cada

1 Sobre a teoria de um dos importantes ramos da História da Arte, a Cripto-história, ler as reflexões sobre o assunto na importante obra de SERRÃO, Vítor, A Cripto-História da Arte – análise de obras não existentes, Lisboa, Livros Horizonte, 2001.

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uma das Províncias Capuchas, possuía pequenas peculiaridades que as individualizavam. O espólio de cada um dos cenóbios será trabalhado de forma transversal, visando a percepção da existência de um programa decorativo e iconográfico dos templos e espaços regrais, explicáveis à luz da espiritualidade Franciscana e como esta era vivida no século XVIII, onde as normas tridentinas ainda se faziam sentir de forma particularmente forte, especialmente nestas zonas que estudamos. Procuraremos, ainda, estabelecer as oficinas e centros artísticos responsáveis pela produção do espólio decorativo e pelos edifícios, tentando perceber de que forma se expandiram determinados modelos e se unificaram alguns elementos em zonas tão distantes como Trás-os-Montes, a Beira interior e o Minho. Deparámo-nos, contudo, com problemas graves de falta de documentação, nalguns casos desaparecida, por incúria dos proprietários, mas, na maioria das ocorrências, na posse de particulares, dos quais apenas se suspeita a existência, sendo muito escassa a que subsiste nos arquivos nacionais e municipais, com grandes lacunas. A documentação encontra-se na posse de particulares, pois os frades, ao se aperceberem do movimento da extinção de 1834, tomaram providências relativamente a alguns escritos e, sobretudo, aos livros existentes nos seus arquivos e livrarias. Esta ideia encontra-se fundamentada na documentação relativa ao processo de extinção, sobretudo na que concerne ao Convento de Santa Maria de Mosteiró, onde o Padre Mestre Guardião que integrava o núcleo que procedeu ao seu inventário “(…) feito no anno de mil oitocentos trinta e tres, e sendo por elle examinado o Refetorio, Cozinha, Infermaria, e mais movila do Comum, bem como os vasos Sagrados, Paramentos, e mais perciosidades do Convento acharão-se varias, e consideraveis alteraçoes, e sendo perguntados por elle Menistro os chefes Admenistradores e mais Religiosos porque havia estas alteraçoins, lhe responderão que costumavão copiar huns inventarios dos outros sem haver hum exame se existião, ou não os objectos relacionados (...)”; no decurso do mesmo, verificou-se que parte da livraria dos religiosos desaparecera, afirmando, o guardião, que fora roubada; para averiguar a veracidade de tal facto, o inventariante chamou dois carpinteiros, José Garcia e João Manuel Pintado, do lugar de Bade, para avaliarem eventuais sinais de arrombamento da porta ou das duas janelas da livraria, verificando-se que o roubo fora fictício (Doc. 73). A documentação refere-nos, ainda, que o guardião de São Francisco do Monte, em 1834, Frei Matias de Jesus Maria José, recolheu a casa dos pais, em Refojos do Lima, levando os livros e papéis que conseguiu retirar do Convento, ficando estes na posse da sua família (CALHEIROS, 1927, p. 35). Alexandre de Lucena Vale escreve, também, que detinha todo o cartório do Convento de Serém, bem como duas telas dele provenientes (VALE, p. 62), o mesmo sucedendo com o estudioso Alexandre Alves que possui vários documentos relativos ao Convento de Santo António de Viseu, aos quais não foi possível ter acesso, apesar dos esforços enveredados nesse sentido. Também a Família Alpoim possui um vasto espólio documental, onde se enquadram núcleos correspondentes ao Convento de Arcos de Valdevez,

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parcialmente consultados no Arquivo Distrital de Viana do Castelo, no qual foi depositada alguma documentação. José Figueiredo Guerra e Augusto César Esteves possuíam documentação dos Conventos de São Francisco, Santo António de Viana e de Nossa Senhora da Conceição de Melgaço, actualmente na posse dos respectivos Arquivos Municipais, por doação dos seus herdeiros, sendo possível consultá-los. Para agravar estas lacunas, durante o último tratamento do fundo monástico-conventual da Torre do Tombo, ocorrido no início do século XXI e publicado em 20022, alguns documentos avulsos relativos aos Conventos de Arcos de Valdevez, Caminha e Ínsua foram mal indexados, sendo impossível localizá-los. Curiosamente, o Partido da Beira é o menos privilegiado em termos documentais, talvez pelo desaparecimento de grande parte da documentação dos Conventos extintos do bispado de Viseu, durante o violento incêndio ocorrido no Seminário daquele bispado, onde havia sido recolhida após a extinção das ordens religiosas em 1834. Contudo, apesar das disparidades da informação disponível e recolhida, foram vários os arquivos explorados ao longo da prospecção documental, nomeadamente vários núcleos da Torre do Tombo, como o Fundo Monástico-conventual, do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças e da Casa do Infantado, este revelando-se pouco profícuo, os Arquivos Distritais de Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu, bem como os Arquivos Históricos Municipais de Viana do Castelo, Caminha, Lamego, Ponte de Lima e Melgaço. Foram alvo das nossas recolhas os importantes fundos iconográficos e descritivos do Arquivo Histórico Militar e do Arquivo da Direcção de Infraestruturas do Exército, bem como o Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco de Viana do Castelo, a Biblioteca Pública Municipal do Porto e, obviamente, o Arquivo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Importantes para o nosso estudo, revelando-se fontes inesgotáveis de informação, transcrevendo inúmeros documentos desaparecidos e permitindo, através das suas descrições, percebermos a configuração de alguns edifícios desaparecidos ou mesmo parcelas amputadas nos existentes foram as várias Crónicas, Cerimoniais e Estatutos do Mundo Seráfico, particularmente a Crónica da Real Província da Conceição. Contudo, deparámo-nos com algumas imprecisões, que conseguimos constatar graças ao cruzamento de toda a documentação e informação reunida. Também os estudos sobre espiritualidade franciscana são inúmeros e variados, permitindo-nos entender a iconografia das capelas que integram os Conventos e o papel que o Mundo Capucho pretendia transmitir aos fiéis que pastoreavam, bem como o tipo de formação recebida por cada um dos frades que compunha estas Comunidades. Para além da falta de elementos documentais, deparámo-nos com uma grande lacuna de informação relativa às demais Províncias seráficas, que nos servissem de modelo e nos permitissem alargar o âmbito das nossas perspectivas. A falta de estudos que permitam estabelecer comparações, tipos de influências e revelar modelos preferenciais, não nos ajuda nesta tarefa,

2Ordens Monástico-Conventuais: Inventário, Lisboa, Instituto dos Arquivos Nacionais – Torre do Tombo,

2002.

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existindo, até à data, apenas os relacionados com os Colégios dos Jesuítas, os dos Conventos Beneditinos do Brasil e, relativamente aos Franciscanos, duas dissertações de mestrado, uma relativa aos Conventos Claustrais e outra aos Capuchos da Província da Piedade, os quais são bastante aligeirados, não permitindo estabelecer comparações, salvo para alguns espaços funcionais dos imóveis. Assim, tivemos que desenvolver o nosso trabalho com graves limitações, pela impossibilidade de visitar todos os Conventos Franciscanos existentes em Portugal continental, trabalho que começa a ser, neste momento, efectuado pelo Padre António de Sousa Araújo; assim, optámos por analisar de forma crítica as duas dissertações de mestrado, existentes sobre o assunto e a aceder à base de dados da ex-Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, procurando imagens que permitissem colmatar as nossas deficiências e dúvidas. Sabemos que algumas das ideias que avançamos em termos de comparação dos imóveis Capuchos podem não ser precisas, fruto desta lacuna, que só será colmatada com a existência de futuros estudos dedicados a outras comunidades que não as da Beira e do Minho. Os problemas relativos à abordagem aos edifícios foram vários, pois quando tentámos fotografar o Convento de Santo António de Viana do Castelo, a Casa-mãe da Província e o edifício mais importante em termos de espólio decorativo, deparámo-nos com o despojamento total da igreja, tendo sido o património integrado deslocado por razões de segurança, que se prendiam com a instabilidade da estrutura do imóvel; valeu-nos o Arquivo Fotográfico da DGEMN e o de um ex-colega, o Dr. Artur Jaime Duarte, que procedeu a uma imensa recolha de fotos durante o processo de desmontagem das peças decorativas. Também relativamente ao Convento da Ínsua, surgiram alguns problemas, tendo sido complicado o acesso ao seu espólio, que se encontra, na sua totalidade, arrecadado no Museu Municipal de Caminha, não nos sendo permitido recolher qualquer imagem, limitando-nos à visualização de algumas peças e à consulta de algumas publicações municipais a ele relativas. Apesar de ser importante um estudo mais aprofundada do espólio decorativo de cada um dos edifícios em estudo, desenvolvendo uma fortuna histórica e crítica, que permitisse a atribuição artística a algumas das peças pelo método comparativo, foi-nos impossível desenvolvê-lo de forma mais específica, pela quantidade de conventos e de exemplares ornamentais envolvidos, lançando-se algumas pistas que permitam estudos de maior envergadura e parcelares sobre cada um dos imóveis em questão. Esperamos que este modesto contributo para a compreensão do vasto universo Franciscano e, particularmente, do mundo Capucho, fruto de várias vicissitudes e lacunas, permita o aparecimento de outros estudos do mesmo género, para conseguirmos avaliar o real Modo Capucho e as especificidades de cada uma das Províncias que o compunham, considerando que muitas se implantavam em territórios com características e influências arquitectónicas distintas, e que permitam colmatar, definitivamente, algumas imprecisões ou desconhecimento relativos a datações, artistas e a forma como circulavam activamente por várias zonas do país, bem como os seus raios de influência.

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NOTAS PRÉVIAS A tese será composta por três partes, compreendendo o volume de texto, o elenco documental e o iconográfico. O segundo encontra-se organizado em quatro items, iniciando-se por documentos de carácter geral, relativos à Província e a vários casas, organizados por ordem cronológica, a que se seguem dois núcleos, o primeiro composto pelos conventos pertencentes ao Partido do Minho e o segundo aos do Partido da Beira; em cada um deles, a documentação surge reunida por Convento e por ordem cronológica, organizados alfabeticamente, tomando como ponto de partida o toponímia da povoação em que se implantam; a ordem cronológica em cada cenóbio apenas não é determinante no que concerne aos quadros elaborados a partir dos dados recolhidos nos Livros de Receitas e Despesas, os quais surgem em primeiro lugar. O quarto item prende-se com a documentação relativa ao Colégio de Coimbra. Não existindo uma regra rígida sobre a disposição dos elementos relativos à citação dos documentos, resolvemos citar toda a informação relativa ao documento no cabeçalho, com a identificação e título do documento, a que se sucede a indicação da sua origem e informação sobre a sua originalidade, separados por parágrafo. O apêndice iconográfico desenvolve-se em três partes, a primeira com uma única imagem, onde se assinalam os conventos objecto do nosso estudo; a segunda, a de maior volume, possui uma selecção de imagens, consideradas relevantes para a percepção das estruturas arquitectónicas e elementos decorativos dos vários conventos, composto por localização, cartografia, plantas, iconografia antiga e fotografias recolhidas mais recentemente, seguindo uma organização semelhante à do núcleo documental, dividindo-se em Partido do Minho, Partido da Beira e Colégio de Coimbra. A terceira parte, constitui um núcleo fotográfico que permite uma análise tipológica dos elementos que compõem cada convento, iniciando-se pelos de cariz arquitectónico, passando, depois, aos decorativos, a que se sucedem uma série de imagens de casas de outras Províncias Capuchas, que achámos pertinente incluir para estabelecer graus de comparação ou diferenciação e conseguir responder à grande e principal questão com que nos deparámos, relativa à pertinência da expressão modo capucho. Dentro deste último item, surgem, ainda, algumas fotografias de peças decorativas executadas por mestres que trabalharam para a Província da Conceição, importantes em termos comparativos ou de validação de uma atribuição. No texto, optámos, sempre que nos foi possível, estabelecer, entre parêntese, as balizas cronológicas de um personagem, na sua primeira referência; relativamente aos pontífices e bispos citados, as balizas cronológicas prendem-se com a sua actividade pastoral enquanto Papas ou enquanto bispos de uma diocese. A excepção prendeu-se com alguns frades da Província da Conceição, para os quais resolvemos elaborar notas de rodapé, com o objectivo preciso, de dar a entender a sua mobilidade por vários conventos, ajudando a explicar ciclos de obras semelhantes e, especialmente, revelar personalidades sensíveis às novas correntes artísticas em cada um deles. A bibliografia segue as normas portuguesas de catalogação, ao contrário das citações bibliográficas, ao longo do texto, onde optámos pelo método anglo-

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saxónico. A documentação encontra-se citada por arquivo e, dentro de cada um deles, por fundo documental.