ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE · PDF fileUMA PERSPECTIVA PARA DANÇAR O TANGO PARA ALÉM ... o qual dedilha no violão e ... quais inundaram Paris com as inúmeras partituras

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  • ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANA

    Comit Dana em Configuraes Estticas Setembro/2014

    http://www.portalanda.org.br/anais

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    DILOGOS DE UM SER A DOIS: UMA PERSPECTIVA PARA DANAR O TANGO PARA ALM DA CONDUO

    Paola Vasconcelos Silveira (UFRGS)i

    Orientadora: Mnica Fagundes Dantas (UFRGS)ii

    RESUMO: O tema desta pesquisa surgiu da experincia da autora nos ambientes de prtica do tango, no qual o conceito de conduo se encontra institudo. Sendo assim, este artigo tem por objetivo traar um panorama histrico cultural para auxiliar a compreender como a perspectiva de conduo foi instituda como dominante no ato de danar a dois. E ainda, a partir do reconhecimento desse contexto pretendesse propor uma alternativa para pensar a relao a dois durante a dana, que seja baseada no dilogo entre os parceiros.

    PALAVRAS-CHAVE: Dana. Tango. Conduo. Dilogo.

    DIALOGUE EXPERIENCE THE TWO: A PERSPECTIVE TO DANCE TANGO IN ADDITION TO CONDUCTION

    ABSTRACT: The subject of this research emerged from my experience in the

    environments of tango practice, in which the conduction concept is instituted. However this article has the objective to trace a cultural and historical panorama to understand how the conduction perspective was instituted dominant in the act of dance in two. Plus the recognition of this context may eventually to help us rethink the relation in during the dance, so dancing two begins to be based on dialogue between the partners.

    KEYWORDS: Dance. Tango. Conduction. Dialog.

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    Introduo

    O presente artigo emerge de uma pesquisa oriunda de um Trabalho de Concluso

    de Curso de Graduao em Dana da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O

    tema surgiu da experincia da autora nos ambientes de prtica da dana de salo, no

    qual o conceito de conduo se encontra institudo. Entretanto essa perspectiva carrega

    peculiaridades que descaracterizam aspectos das danas sociais. Sendo assim, essa

    comunicao tem por objetivo traar um panorama histrico cultural para auxiliar a

    compreender como a perspectiva de conduo foi instituda como dominante no ato de

    danar a dois. E ainda, a partir do reconhecimento desse contexto e discurso,

    pretendesse propor uma alternativa para pensar a relao a dois durante a dana, que

    seja baseada no dilogo entre os parceiros buscando compreender quais as

    particularidades desse modo de danar tango. Esse estudo tem por aporte metodolgico

    o pressuposto da pesquisa em dana, buscando no conceito operacional de empatia

    cinestsica uma possibilidade de utilizar as percepes do prprio pesquisador durante o

    danar como dados etnogrficos. A coleta de informao foi realizada atravs de

    anotaes em um dirio de bordo durante e ps o perodo de ensaio com um parceiro de

    dana.

    Perspectiva histrica e cultural no tango

    Inicialmente interessante decifrarmos o universo que permeia a palavra tango,

    afinal esse termo est diretamente ligado ao gnero musical e prtica de dana a dois.

    Essas duas atmosferas caminham lado a lado, porm segundo uma perspectiva

    contempornea, elas tambm podem, em alguns momentos, optar pelo distanciamento.

    Afinal, no somos obrigados a danar toda vez que escutamos um tango. Do mesmo

    modo, no somos obrigados a utilizar uma msica do gnero musical tango para danar

    tango.

    Todavia, ao pensarmos em sua origem histrica, deparamo-nos com uma nascente

    extremamente imbricada entre a dana e a msica. Outra marca do tango seria a

    relevncia cultural desse fenmeno (msica, dana, ritual, gestual) na cultura Rio-

    platense, principalmente nas cidades porturias de Montevidu e Buenos Aires, pois

    como coloca Labraa e Sebastian (2000) foi nesse assentamento geogrfico repleto de

    vivncias e ideologias contrapostas que nasceu o tango.

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    Alguns autores como Dnzel (1994), Fernandes (2000), Nau-Klapwijk (2006)

    colocam que o danar surgiu antes da msica; era uma maneira improvisada de se

    danar a dois msicas da poca como valsa, polca, mazurca, passo doble, cuadrilla,

    habanera, milonga1 e chotis. Posteriormente criao de movimentos caractersticos,

    como as paradas e os cortes e quebradas, agregaram-se os ritmos, a parte musical e

    depois a letra, at se chegar estrutura que possumos hoje. Entretanto, autores como

    Labraa e Sebastian (2000) colocam que a referncia musical do tango j estava

    presente nas mitologias africanas dos povos de Shng, que se estabeleceram na

    Amrica do Sul, nos ritmos calenda, bambula, chica, candombe e makawa. A dana teria

    se desenvolvido lentamente no continente americano a partir da influncia dos

    colonizadores espanhis e dos diversos povos que imigraram para a regio do Rio da

    Plata, sendo composta prioritariamente pelo componente musical negro, a milonga e a

    habanera. A maioria dos autores concorda que o perodo em que essa manifestao

    comeou a se formar permeia o final do sculo XVIII, entretanto a primeira apario da

    palavra tango, segundo Romay (2006), foi em 1802 em um documento de venda de uma

    propriedade que se chamava Casa y sitio de tango, provavelmente esse local era

    frequentado por negros para se divertirem e danarem, j que na poca era muito comum

    as festas de Candombe e Tango.

    importante ressaltar que at a metade do sculo XIX, como coloca Romay

    (2006), danar tango possua um carter marginal. Segundo as autoridades da poca

    essa manifestao no se adequava aos bons costumes, pois a maneira como era

    danada era considerada imoral e pecaminosa. Segundo Dnzel, slo los estratos

    sociales de la periferia da la ciudad, del subrbio, los humildes, cultivaban esta danza

    (DNZEL, 1994, p. 117). A identificao com as classes sociais desfavorecidas em

    Buenos Aires tornou o tango um smbolo de expresso de uma cidade que crescia graas

    exportao de carnes e cereais. Outro fator primordial para o surgimento desse danar

    foi a poltica da Constituio de 1853, como coloca Fernandes (2000), atravs da qual o

    governo passou a estimular a vinda de europeus que quisesse viver no pas, a fim de

    garantir uma populao com condies financeiras para investir no pas. No entanto, isso

    1 Importante ressaltar que inicialmente se tem contato com a Milonga del gacho: o qual dedilha no violo e

    compe seus versos improvisadamente. Entretanto em 1850/1860 surge o antecessor do tango a Milonga, o qual existe at hoje e sua maneira de danar bem parecida com a do tango, entretanto seu compasso musical mais rpido. Milonga at hoje tambm o nome da festa no qual as pessoas vo para danar tango.

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    s fez aumentar a mo de obra no qualificada e analfabeta que fugia das pssimas

    condies em seus pases de origem.

    Com a alta taxa de imigrantes e as pssimas condies de trabalho, viver em

    Buenos Aires passou a ser um grande problema: surgiram os conventillos2, conjuntos

    habitacionais, nos quais muitas pessoas habitavam nos bairros populares (arrabal). Esses

    locais de encontro entre negros, imigrantes, criollos3 e compadres4 onde era permitido

    danar o tango. Os prostbulos e bordis tambm acolhem o tango e, dessa forma, a

    manifestao chega ao centro da cidade. Como coloca Labraa e Sebastian las classes

    medias y altas argentinas tomaron contacto por primeira vez con el tango en el burdel

    (LABRAA & SEBASTIAN, 2000, p. 37). Isso ocorria principalmente atravs dos nins

    bien, que eram filhos de famlias ricas que faziam suas festas nesses locais. Essa

    contaminao do tango pelas diversas classes sociais abalou as estruturas do governo da

    poca como cita Fernandes:

    Na verdade, enquanto esteve circunscrito a bailes de negros ou a prostbulos, o tango era algo distante e inofensivo moral vitoriana da poca, somada e potencializada pela severa moral hispnica. Agora o tango estava dando um susto nas classes dirigentes argentinas cujo projeto de identidade nacional se mostrava definitivamente comprometido (...). A imagem cultivada, estava representada por uma dana brbara e indecente, fruto de mestiagem negra e crescida nos prostbulos. (FERNANDES, 2000, p.13)

    O tango levado para Paris, atravs dos barcos que traziam imigrantes. Segundo

    Hlio de Almeida Fernandes mais precisamente no vero de 1910, atravs dos oficiais e

    cadetes da fragata Sarmiento em viagem de instruo (FERNANDES, 2000, p. 65), os

    quais inundaram Paris com as inmeras partituras musicais e fomentaram ainda mais

    essa dana. A pesar de ter abalado as estruturas morais, por ser considerada pela igreja

    uma dana pecaminosa, em 1912 o tango atinge seu apogeu tornando-se um baile de

    moda extravagante pela elite parisiense, como retrata Nau-Klapwijk (2006). Dessa forma

    o triunfo do tango em Paris, e de resto em toda a Europa, foi fundamental para que a

    classe alta argentina fizesse uma reviso conceitual e acabasse por aceitar o tango

    (FERNANDES, 2000, p. 69). Sendo assim, a elite do Rio da Plata passa a reconhecer

    esse danar nos sales de baile, entretan