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ANAIS DO SIDIALE: TEXTOS...Metodologicamente a investigação pauta-se em uma abordagem qualitativa, de cunho descritivista e documental, tendo como objeto principal o “infográfico”,

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ANAIS DO SIDIALE: TEXTOS COMPLETOS

IV Simpósio ProfLetras/UENP

&

II SIDIALE - Simpósio Diálogos Linguísticos e Ensino

Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) Campus de Cornélio

Procópio

08 a 10 de outubro de 2018

ORGANIZAÇÃO DOS ANAIS:

Letícia J. Storto & Samandra de Andrade Corrêa

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COORDENAÇÃO GERAL

Eliana Merlin Deganutti de Barros COMISSÃO ORGANIZADORA Eliana Merlin Deganutti de Barros Gabriela Martins Mafra Jakeline Aparecida Semechechem Letícia Jovelina Storto Lívia Maria Turra Basseto Marilúcia Domingos dos Santos Striquer Osnir Branco Samandra de Andrade Corrêa Vanessa Santos Fonteque COMISSÃO TÉCNICA Daniela Monica Cabral Beatriz Carolini Bento Xavier

COMISSÃO CIENTÍFICA Maria Ilza Zirondi

Bruna Carolini Barbosa Leticia Jovelina Storto

Samandra de Andrade Corrêa

MONITORES Camila da Silva Pelizari

Danielle Felicio Gabriela Pepis Belinelli

Leticia Vidotti dos Santos Mariana Helena Delavia Natalia Prado Xiriqueira

Nathalia de Souza Toncovitch

WEB DESIGNER Leticia Jovelina Storto

Coordenação do ProfLetras/ UENP: Marilúcia Domingos dos Santos Striquer

Coordenação da Graduação em Letras/ UENP, Cornélio Procópio: Raquel Gamero

Carga Horária: 36 horas

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ – UENP

Campus de Cornélio Procópio PR 160, Km 0 (saída para Leópolis)

Cornélio Procópio, PR Fones: (43) 3904-1906; 3904-1907

MAIORES INFORMAÇÕES:

http://sidiale.webnode.com sidiale.com

www.sidiale.com

ANAIS DO SIDIALE:

http://anaisdosidiale.webnode.com

E-MAIL: [email protected]

■ Os textos aqui publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores, inclusive

revisão e citações.

Capa de Letícia J. Storto

Imagem da Capa: Josealbafotos, disponível no Pixabay (https://pixabay.com/)

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APRESENTAÇÃO

Assim como aconteceu em 2017, em 2018, o Simpósio

PROFLETRAS/UENP se articula ao SIDIALE – Simpósio Diálogos Linguísticos

e Ensino –, evento criado pelo Grupo de Pesquisa (CNPq) DIALE, liderado pelas

Profas. Dras. Eliana Merlin Deganutti de Barros e Letícia Jovelina Storto.

O grupo DIALE - Diálogos Linguísticos e Ensino (UENP/ CNPq)

desenvolve pesquisas em duas linhas, uma que se dedica aos estudos analíticos

do texto e do discurso, outra que foca tanto o ensino e aprendizagem da Língua

Portuguesa, como língua materna, como a formação do professor. Ambas as

linhas têm como escopo uma visão enunciativa da linguagem e sociointeracional

do ensino e aprendizagem. Este simpósio reúne pesquisadores desse e de

outros grupos de pesquisa que se interessam pela pesquisa a respeito de

linguagem, ensino etc

O IV Simpósio do PROFLETRAS (Mestrado Profissional em Letras em

Rede Nacional) da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) tem por

finalidade apresentar e debater as pesquisas desenvolvidas por mestrandos do

Programa. O evento também objetiva ser um espaço de discussão de estudos

sobre o ensino-aprendizagem e formação do professor de língua portuguesa e

literatura, promovendo palestras de pesquisadores da área.

É nesse sentido que o Simpósio PROFLETRAS/UENP se articula ao

SIDIALE, em sua segunda edição, o qual busca fomentar pesquisas na área dos

Estudos da Linguagem, tendo como escopo estudos tanto de fenômenos

linguísticos diversos e como da língua como objeto de ensino-aprendizagem.

Sendo assim, o SIDIALE vai ao encontro das discussões empreendidas no

PROFLETRAS. O evento conjunto se destina, assim, a professores, alunos

(graduação ou pós-graduação) e pesquisadores da área de Letras, com ênfase

na área de ensino da língua portuguesa e literatura. Destacamos nosso interesse

pelos profissionais da Educação Básica, pois o foco é, sobretudo, a simbiose

inerente entre teoria e prática docente.

Eliana Merlin Deganutti de Barros & Letícia Jovelina Storto

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SUMÁRIO

A construção de um modelo teórico do infográfico sob a perspectiva do ISD ..................................................................................................................... 6

Gabriela Pepis Belinelli ................................................................................................ 6

Eliana Merlin Deganutti de Barros ............................................................................... 6

A potencialidade dos elementos fantásticos nos contos de Lygia Fagundes Telles ............................................................................................................... 27

Elisete Soares .............................................................................................................. 27

Mariângela Alonso ..................................................................................................... 27

Admirável mundo novo e admirável chip novo: uma nova visão intertextual distópica.......................................................................................................... 48

Naraiane Tais da Silva ................................................................................................ 48

Ane Caroline Santos ................................................................................................... 48

A importância da compreensão da intertextualidade na música “Além do espelho”, de João Nogueira .......................................................................... 64

Rafael Augusto Moraes Monteiro .............................................................................. 64

Lívia Maria Turra Bassetto ......................................................................................... 64

Inclusão de alunos com necessidades especiais: problemáticas em torno do processo de ensino-aprendizagem ......................................................... 74

Gabriela Martins Mafra .............................................................................................. 74

Aparecida de Fátima Martins Mafra ........................................................................... 74

Formação de educadores para o trabalho em sala de aula com base na oralidade letrada ............................................................................................. 88

Gesmilher de Almeida Lopes ..................................................................................... 88

Leitura linguístico-textual de um apólogo: trabalhando com a literatura infanto-juvenil ................................................................................................. 99

Letícia Jovelina Storto ................................................................................................ 99

Karen Alves de Andrade Moscardini ......................................................................... 99

Solange Aparecida de Souza Monteiro ...................................................................... 99

O cardápio na perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo .............. 116

Franciele Andriane da Costa..................................................................................... 116

Rafaela Zenovello ..................................................................................................... 116

Marilúcia dos Santos Domingos Striquer ................................................................. 116

Uma análise textual dos discursos instituídos em “O patinho feio” de Andersen ....................................................................................................... 132

Aline Regina Lemes de Sene .................................................................................... 132

Marilúcia dos Santos Domingos Striquer ................................................................. 132

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Uma contribuição para o ensino da língua portuguesa: tratando o gênero causo ............................................................................................................. 150

Luciane Cristina Benites Pereira .............................................................................. 150

Uma perspectiva sociolinguística sobre identidade e esteriótipo no discurso humorístico stand up comedy..................................................... 163

Angélica Prestes Rosas ............................................................................................. 163

Beatriz dos Santos da Silva ...................................................................................... 163

Naraiane Taís da Silva .............................................................................................. 163

Bruna Carolini Barbosa ............................................................................................ 163

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A construção de um modelo teórico do infográfico sob a perspectiva do ISD

The construction of a theoretical model of the infographic from the

perspective of ISD

Gabriela Pepis Belinelli (UENP/CCP – G)

Eliana Merlin Deganutti de Barros (UENP/CCP – PQ)

RESUMO: Este artigo é fruto de um trabalho de Iniciação Científica voluntária, vinculado ao projeto de pesquisa coordenado pela Profª. Drª. Eliana Merlin Deganutti de Barros: “Gêneros do jornal como objetos de transposição didática”, o qual faz parte do Grupo de Pesquisa DIALE – Diálogos Linguísticos e Ensino (UENP/ CNPq). A fundamentação teórica que norteia este trabalho são os estudos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), sobretudo, a sua concepção de práticas de linguagem configuradas em gêneros textuais e o seu modelo de análise de textos. A pesquisa também tem como base os estudos acerca dos gêneros do jornal, com foco na infografia jornalística. O objetivo deste artigo é apresentar o trabalho desenvolvido na Iniciação Científica, a qual envolve o estudo bibliográfico do gênero “infográfico”, a pesquisa analítica amparada por um corpus textual e a elaboração de um modelo teórico deste gênero. Espera-se, com isso, contribuir para a produção de materiais didáticos que se pautam na metodologia das sequências didáticas de gêneros criadas pelo ISD e, também, colaborar com os estudos que tomam os gêneros textuais como objetos de ensino da Língua Portuguesa.

PALAVRAS-CHAVE: Gêneros Textuais. Infográfico. Interacionismo Sociodiscursivo. Modelo

Teórico.

INTRODUÇÃO

Este trabalho está vinculado ao projeto de pesquisa “Gêneros do jornal

como objetos de transposição didática”, coordenado pela Profª. Drª. Eliana

Merlin Deganutti de Barros, o qual se insere no Grupo de pesquisa DIALE –

Diálogos Linguísticos e Ensino (UENP/ CNPq).

A pesquisa vincula-se aos estudos do gênero textual/discursivo como

objeto de ensino da língua. Estudos esses que têm aflorado nas últimas décadas,

em contraponto aos estudos tradicionais do ensino da língua, os quais se servem

de fragmentos da língua, como palavras, frases, orações como objetos centrais

do processo de ensino/aprendizagem linguística, desconsiderando o todo da

enunciação – os textos/discursos/gêneros.

O trabalho pauta-se nos estudos teórico-metodológicos do Interacionismo

Sociodiscursivo (ISD), (BRONCKART, 2003, 2008; SCHNEUWLY; DOLZ, 2004;

entre outros) e em suas bases epistemológicas (BAKHTIN, 1997). Também tem

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como aporte trabalhos que tomam os gêneros do jornal como objeto de estudo,

como é o caso de Bonini (2003) e aqueles que se dedicam à investigação do

infográfico dentro do contexto jornalístico (FOGOLARI, 2014).

Metodologicamente a investigação pauta-se em uma abordagem qualitativa, de

cunho descritivista e documental, tendo como objeto principal o “infográfico”, um

gênero textual da esfera jornalística.

O objetivo deste artigo é identificar e analisar subgêneros de infográficos

que circulam em algumas revistas brasileiras, com o intuito de elaborar um

modelo teórico (BARROS, 2012) de um subgênero que sirva de suporte para

elaboração de futuros materiais didáticos, sobretudo, os que se pautam na

metodologia das sequências didáticas de gêneros (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).

Para delimitar o subgênero a ser modelizado, foi feita uma pesquisa exploratória

em revistas voltadas para o público jovem. Como objetivo específico pretende-

se também verificar até que ponto o infográfico funciona como gênero autônomo

ou conjugado (BONINI, 2003) a outro gênero, como é o caso da reportagem.

A intenção é, principalmente, contribuir para a produção de materiais

didáticos que se pautam na metodologia das sequências didáticas de gêneros

criadas pelo ISD e, também, colaborar com os estudos que tomam os gêneros

textuais como objeto de ensino da Língua Portuguesa. Espera-se, com esse

trabalho, fomentar as pesquisas que procuram articular os Estudos da

Comunicação com os Estudos da Linguagem, para fins de transposição didática.

GÊNERO TEXTUAL/DISCURSIVO: CONFIGURAÇÕES DE PRÁTICAS DE

LINGUAGEM

Ao falar sobre gêneros textuais/discursivos1 não há como não referenciar

Mikhail Bakhtin, pois é ele quem dá base para a concepção de língua como

interação ou ação social, concepção essa que embasa as principais teorias que

se dedicam aos estudos sobre os gêneros. De acordo com o teórico russo,

gêneros são “enunciados2 relativamente estáveis” (BAKHTIN, 1997) que

1 Embora Bakhtin (1997) utilize a nomenclatura gêneros discursivos, no nosso trabalho usaremos a expressão gêneros textuais (utilizada pelo ISD, fonte teórica da pesquisa), porém, conservando a mesma concepção. 2 É importante ressaltar que, nesse caso, enunciado e texto possuem a mesma significação: unidade de comunicação.

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circulam nas diversas esferas da atividade humana, em contextos de interação

diversos, frutos de uma intenção comunicativa.

Marcuschi (2005, p. 19), apoiando-se em autores que abordam os

gêneros pelo olhar sociorretórico (cf. BAZERMAN, 2006; CARVALHO, 2005),

define gêneros “uma ‘ação social tipificada’, que se dá na recorrência de

situações que torna o gênero reconhecível”. Para o autor, “a ação com gêneros

é sempre uma seleção tática de ferramentas adequadas a algum objetivo”

(MARCUSCHI, 2005, p. 19 - 20). Bazerman (1994 apud MARCUSCHI, 2005, p.

18) afirma que os gêneros textuais “são o que as pessoas reconhecem como

gêneros a cada momento do tempo, seja pela denominação, institucionalização

ou regularização [...] são rotinas sociais de nosso dia-a-dia”. É possível perceber

que os pontos-chave dessa visão são a recorrência – que dialoga com a

estabilidade dos gêneros apontada por Bakhtin (1997) – e a ação retórica, que

atribui aos gêneros um teor pragmático.

Na definição de Bakhtin (1997) – enunciados relativamente estáveis – o

caráter estável dos gêneros refere-se às suas propriedades linguístico-

discursivas e funcionais regulares, o que os tornam objetos genéricos. Ou seja,

cada gênero possui características e funções próprias, que requerem o domínio

dos sujeitos-produtores para utilizá-los como instrumento do agir comunicativo.

Eles se encontram em arquitextos (BRONCKART, 2008), espécies de

repertórios de gêneros, disponibilizados pelas gerações anteriores. Ou seja, nós

não criamos os gêneros na hora da nossa comunicação, nós fazemos um

“empréstimo” dos modelos existentes em uma determinada esfera social. Por

exemplo, o indivíduo cuja intenção é reclamar formalmente sobre um problema

da sua comunidade precisa acionar os gêneros da “esfera da cidadania” (cf.

BARROS, 2012) para encontrar o que mais se adequa a sua intenção

comunicativa. Porém, ele precisa dominar a forma de agir por meio desse

gênero, para que possa realizar a interação discursiva pretendida.

Na definição de gêneros de Bakhtin (1997) vemos que o termo

relativamente dá abertura para ir além da aparente estabilidade dos gêneros,

ressaltando seu caráter flexível, variável e dinâmico. Marcuschi (2005) alerta que

os gêneros, mesmo sendo caracterizados pela sua canonização (se não fosse

esse poder de padronização, não os identificaríamos), deixam espaço para uma

vasta mobilidade, tanto do ponto de vista sincrônico como diacrônico, permitindo

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mudanças sócio-históricas e variações contextuais e de estilo. O autor

caracteriza-os como “formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de

organização social e de produção de sentidos” (MARCUSCHI, 2005, p. 19).

De acordo com Marcuschi (2005, p. 25), “quanto mais um gênero circula,

mais ele é suscetível a mudanças ou alterações por se achar estreitamente

ligado a uma moldagem social”. Para o autor:

[...] os gêneros se configuram de maneira plástica e não formal; são dinâmicos, fluindo um do outro e se realizando de maneira multimodal, circulam na sociedade das mais variadas maneiras e nos mais variados suportes. Exercem funções sócio-cognitivas e permitem lidar de maneira mais estável com as relações humanas em que entra a linguagem (MARCUSCHI, 2005, p. 23).

Por essas citações, nota-se que o autor dá ênfase a uma característica

primordial dos gêneros: seu caráter fluido, dinâmico; o que dialoga com a

instabilidade do gênero na definição de Bakhtin (1997) – “relativamente estável”.

Isso porque os gêneros mudam de um ponto de vista diacrônico (são

influenciados por uma época sócio-histórica) e variam sincronicamente, de

contexto de uso para contexto de uso.

Já Rojo e Barbosa (2015, p. 16) tomam os gêneros como organizadores

e mediadores da comunicação. Para as autoras, gêneros são “entidades que

funcionam em nossa vida cotidiana ou pública, para nos comunicar e para

interagir com as outras pessoas”. As pesquisadoras, apoiando-se na visão

bakhtiniana de gêneros discursivos, sintetizam o processo de “nascimento” dos

gêneros na sociedade:

Diferentes modos de vida e circunstâncias ligados às diversas esferas/campos de comunicação, por sua vez relacionadas com os vários tipos de atividade humana e determinadas, em última instância, pela organização econômica da sociedade, gerariam tipos temáticos, composicionais e estilísticos de enunciados/textos relativamente estáveis – os gêneros (ROJO; BARBOSA; 2015, p. 64).

Marcuschi (2005), também fundamentado nos estudos bakhtinianos,

ressalta a clássica máxima de que a comunicação verbal só é possível por algum

gênero textual. Ou seja, os gêneros são ferramentas essenciais para a

comunicação humana, como afirma Bakhtin (1997, p. 302):

[...] se não existissem os gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no

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processo de fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível.

Bakhtin (1997) propõe uma divisão dos gêneros entre primários e

secundários. O primeiro refere-se aos gêneros mais simples e espontâneos,

ligados à oralidade, que podem ser aprendidos sem instruções, como por

exemplo o diálogo familiar. O segundo, por sua vez, refere-se aos gêneros mais

complexos, de caráter cultural, ligados à escrita, que dependem de uma

escolarização para serem compreendidos e utilizados, por exemplo: resenha,

reportagem, etc. O autor distingue também três elementos do gênero: o conteúdo

temático, a construção composicional e o estilo. O primeiro diz respeito àquilo

que é dizível em um gênero; a construção composicional refere-se à

macroestrutura textual; já o estilo diz respeito aos elementos linguístico-

discursivos que caracterizam um gênero.

Já o ISD, corrente teórica que ampara nossas pesquisas, trabalha com

um modelo de análise de textos/gêneros sistematizado por categorias de três

níveis: 1) a infraestrutura geral do texto; 2) os mecanismos de textualização; 3)

os mecanismos enunciativos. São essas categorias que focalizamos no tópico

seguinte.

MODELO TEÓRICO: CATEGORIAS DE ANÁLISE DO ISD

O modelo teórico, proposto por Barros (2012), constitui uma primeira

etapa do modelo didático. Trata-se de um processo de modelização preliminar

do gênero, essencialmente teórico e elaborado de forma genérica, que serve

como suporte para a construção de diversos modelos didáticos e sequências

didáticas (cf. SCHNEUWLY; DOLZ, 2004).

Este caráter genérico permite que não se leve em conta as capacidades

dos alunos e nem o contexto de ensino, pois, como afirma Barros (2012, p. 15),

são as sequências didáticas que “precisam ser adaptadas a um contexto de

ensino específico, uma vez que se configuram ferramentas didáticas que

possibilitam a transposição do conhecimento teórico de um gênero para o

conhecimento a ser ensinado”.

O modelo teórico segue os primeiros passos do modelo didático: i) busca

por especialista do gênero (por pesquisa bibliográfica ou observação de campo);

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ii) análise de um corpus textual representativo do gênero. A única diferença é

que esse modelo não necessita de adaptações para se adequar a um contexto

específico de intervenção didática. Essa pesquisa traz, assim, essas duas

etapas: i) uma busca por autores que tomam o infográfico como objeto de estudo;

ii) uma análise de corpus baseada em uma pesquisa exploratória preliminar de

alguns suportes selecionados para a investigação.

Para a elaboração do modelo teórico, Barros (2012) elaborou um quadro

com perguntas diretivas fundamentadas nas categorias de análise do ISD

(BRONCKART, 2003), o qual servirá de ferramenta para a análise do infográfico.

Para uma visualização das categorias analíticas do ISD, trazemos uma síntese

a seguir.

Bronckart (2003) sistematiza as categorias para análise de textos/gêneros

em três níveis: 1) a infraestrutura geral do texto; 2) os mecanismos de

textualização; 3) os mecanismos enunciativos. A infraestrutura geral do texto

envolve o plano textual global, os tipos de discursos e as formas de planificação

textual, ou seja, os tipos de sequências. Os mecanismos de textualização são

responsáveis por dar coerência articulatória ao texto, os quais são analisados,

pelo ISD, por três categorias: a conexão, a coesão nominal e a coesão verbal.

Já os mecanismos enunciativos envolvem o gerenciamento das vozes e a

modalização dos enunciados. O quadro abaixo sintetiza o modelo proposto por

Bronckart (2003) para a análise de textos/gêneros:

Quadro 1 – Categorias de análise textual do ISD

INFRAESTRUTURA GERAL DO TEXTO

MECANISMOS DE TEXTUALIZAÇÃO

MECANISMOS ENUNCIATIVOS

1. Plano textual global 1. Conexão 1. Gerenciamento das vozes

2. Tipos de discursos 2. Coesão nominal 2. Modalizações dos enunciados

3. Tipos de sequências 3. Coesão verbal

Fonte: adaptado de Bronckart (2003).

É, pois, a partir desse quadro analítico que Barros (2012) propôs a

ferramenta com perguntas diretivas para a elaboração de um modelo teórico do

gênero. E é essa ferramenta que pautará a nossa análise do infográfico.

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MODELO TEÓRICO DO INFOGRÁFICO

Como dissemos, para a elaboração do modelo teórico partimos,

primeiramente, para a busca de respaldo bibliográfico, para, em seguida, fazer

uma pesquisa exploratória em alguns suportes selecionados para a

investigação, a fim de delimitar o subgênero (BONINI, 2003) de infográfico que

vamos nos concentrar na análise de corpus baseada nas categorias do ISD.

AS VOZES DOS ESPECIALISTAS: PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

O infográfico é considerado um gênero emergente da esfera jornalística,

ou seja, um gênero relativamente recente, que ainda está se consolidando como

uma prática discursiva dentro do jornalismo. Por esse motivo, ainda existem

poucos trabalhos voltados ao estudo da infografia.

De maneira geral, os infográficos podem ser entendidos como textos

jornalísticos que unem linguagem verbal e não verbal para expor conteúdos de

forma compacta e facilitar a compreensão e a visualização do leitor. De acordo

com Cirne (2010, p. 3), “promover um entendimento mais claro e possibilitar que

o esboçado se fixe na memória é efeito desejado a todo e qualquer infográfico”.

A infografia não é ilustração, nem somente texto. É uma junção estética harmônica entre imagens [...] e textos [...], com efeitos de sentido e organizadas de maneira que cada uma das partes não exerça mais relevância sobre a outra. Estima-se a ponderação entre o verbal e o não-verbal (CIRNE, 2010, p. 3).

Alguns autores supõem que a infografia surgiu por volta de 1620 – mesmo

período em que surgiu o jornalismo impresso. No entanto, Fogolari (2014) afirma

que, nesse período, os jornais traziam apenas mapas simples e ilustrações de

texto, os quais não podem ser considerados como infográficos. Além disso, a

autora acrescenta que “os primeiros registros efetivos de infografia em jornais

impressos ocorrem há mais ou menos 200 anos” (FOGOLARI, 2014, p. 121).

Vários pesquisadores, entre eles, Ribeiro (2016), Paiva (2016) e Fogolari

(2014), dão foco à multimodalidade do infográfico. Segundo Paiva (2016),

infográficos são textos visuais informativos que contém informações verbais e

não verbais em uma mesma forma composicional. São, portanto, textos

multimodais, constituídos, em síntese, pela combinação de modos semióticos

verbais e imagéticos. Fogolari (2014) também aborda o infográfico como um

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gênero que combina linguagem verbal e não verbal para compor um texto

jornalístico, e, por isso, o classifica como dentro de um sistema híbrido, devido à

mistura destas linguagens. Por “não verbais” estão todos os elementos que

utilizam outras semioses, além da verbal, para compor um texto multimodal. Em

textos impressos é mais comum encontrarmos figuras, cores e gráficos,

enquanto nos meios digitais é possível inserir elementos como sons, links,

vídeos, animações, entre outros.

O infográfico visa unir diversas informações em um único espaço, por

meio de palavras e imagens, com o objetivo de simplificar e otimizar a

visualização das informações, acelerando a compreensão e a memorização do

leitor. Fogolari (2014) afirma que, com o intuito de atrair novos leitores, a mídia

impressa tem apostado cada vez mais em elementos visuais, portanto, é

necessário que o infográfico seja um texto ágil, simples e compacto, no qual o

leitor consiga captar todas as informações.

Cirne (2010, p. 11) afirma que “os infográficos são muito usados na

representação de um acontecimento para o qual o discurso verbal seria mais

complexo e solicitaria mais espaço”. Já Campos (2014) aborda a infografia como

uma opção mais estimulante ao leitor, visto que as imagens e demais

possibilidades interativas atraem uma atenção maior, aumentando as chances

de leitura do texto. Valero Sancho (2001) e Alberto Cairo (2008) (apud RIBEIRO,

2016, p. 32) também ressaltam que os infográficos são importantes “para que

informações e dados relevantes possam ser melhor e mais rapidamente lidos e

compreendidos pelo leitor”. Assim, pode-se dizer que este gênero é de extrema

importância para os leitores visuais de jornais e revistas, que desejam a

visualização plena do conteúdo de forma prática e rápida.

De acordo com os autores pesquisados, o jornalismo impresso é o

principal meio de circulação de infografias. Mas, hoje em dia, graças aos avanços

tecnológicos, é possível encontrar infográficos nos meios de comunicação em

geral, com diversos formatos e tamanhos. Na TV, por exemplo, os infográficos

estão presentes nas previsões do tempo, nos gráficos e tabelas explicativas, etc.

Já na internet, observam-se infográficos mais dinâmicos, em que são agregados

hiperlinks, animações, sons, entre outros recursos interativos da web. Souza

(2012) expõe o diferencial do gênero nos meios de comunicação digitais:

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[...] a infografia digital é-nos apresentada como um discurso jornalístico que se caracteriza pela quebra do caráter linear do texto escrito, pela estruturação essencialmente gráfica do conteúdo, e pelo propósito bem claro de fomentar o interesse e a compreensão nos leitores (SOUZA, 2012, p. 52).

Segundo Fogolari (2014), o infográfico:

[...] se distribui na página em relação a outros textos, com os quais forma um bloco de informação. Uma hipótese que se mostrou interessante, nesse sentindo, é a de que o infográfico teria a função de ‘chamar a atenção’ do leitor para a leitura do texto base, haja vista que o gênero é composto por ilustrações, na sua maioria coloridas, que são percebidas de imediato no instante em que a página é aberta (FOGOLARI, 2014, p. 133 – grifos nossos).

Por essa citação é possível perceber que a autora toma o infográfico

como um gênero conjugado (cf. BONINI, 2003) a “outros textos” (outra matéria

jornalística). Ou seja, ele seria um suporte ou um complemento textual. Teria a

função de “chamar a atenção” do leitor, como citado pela autora. Entretanto,

entendemos que esse gênero pode ter um caráter autônomo (cf. BONINI, 2003),

uma vez que pode funcionar como prática discursiva independente, que, por si

só, desempenharia uma função comunicativa, ou seja, ele poderia ser publicado

sozinho, desprezando a sua função clássica de “complementar” uma matéria

jornalística. Nesse caso, ele próprio seria a matéria – muitos chamam de

reportagem infográfica ou matéria jornalística infográfica.

Cirne (2010) destaca a independência do infográfico, mas em outra

perspectiva. Para a autora, mesmo acompanhando uma matéria jornalística o

infográfico tem sua autonomia comunicativa:

[...] esta pode ser descartada do contexto, sem necessariamente interferir no entendimento do texto que a acompanha, bem como o contrário também é presumível – a infografia por si só deve ter um sentido sólido, fundamentado, ou seja, deve ser passível de constituir a própria informação (CIRNE, 2010, p. 3).

Partindo de um estudo de caso, Teixeira (2007) estipula duas

classificações para o infográfico:

a) enciclopédicos: infográficos mais amplos, com temas mais gerais e

caráter universal. Podem ser independentes, quando abordam assuntos

gerais de maneira autônoma, ou complementares, quando tem a função

de acompanhar uma notícia ou reportagem de caráter mais amplo;

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ANAIS DO SIDIALE: TEXTOS COMPLETOS | 15

b) específicos: infográficos com aspectos e temas mais singulares. Também

podem ser divididos entre independentes, os quais não acompanham

uma reportagem e apresentam sua própria introdução, ou

complementares, que acompanham notícias e reportagens, mas são

responsáveis por dar maiores informações e detalhes.

Em outra perspectiva, Cirne (2010), por meio de levantamento

bibliográfico, apresenta os seguintes tipos de infografias:

a) complementares: funcionam como complemento de um texto;

b) independentes: não se vinculam a nenhum texto;

c) individuais: estruturados de maneira simples;

d) compostos: acompanhados de recursos multimídias;

e) jornalísticos: fixados ao tema de uma matéria jornalística;

f) enciclopédico: abordam assuntos de maneira totalizante.

Para nossa pesquisa, fizemos uma junção entre a categorização de

Teixeira (2007) e Cirne (2010), e selecionamos quatro subgêneros3 do

infográfico para nossa pesquisa exploratória: 1) enciclopédico complementar; 2)

enciclopédico independente; 3) específico complementar; 4) específico

independente. A delimitação desse quadro teve como propósito simplificar o

processo de análise, uma vez que nosso objetivo e subsidiar futuros processos

de transposição didática da infografia para o contexto do ensino da língua.

A próxima seção deste artigo será destinada, assim, à uma pesquisa

exploratória, com o objetivo de explorar os quatro subgêneros do infográfico nos

suportes que compõem nosso corpus. Ao final, caberá fazer uma escolha quanto

ao objeto de análise da modelização teórica.

PESQUISA EXPLORATÓRIA DO CORPUS

Após estudo do gênero “infográfico” pelas vozes dos especialistas, foi feita

uma pesquisa exploratória, a fim de analisar a funcionalidade da infografia.

Foram utilizados exemplares das revistas Galileu, Aventuras na História e

SuperInteressante, conforme segue:

3O que estamos chamando de subgêneros, os autores denominam tipos – seriam configurações textuais particulares delimitadas da configuração mais genérica (o que identificamos como gêneros textuais).

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1. Galileu: edições 303, 304 e 305 de 2016.

2. Aventuras na História: edições 155, 157 e 158 de 2016.

3. SuperInteressante: edições 371-A e 372-A de 2017.

A seleção do corpus se deu em razão do perfil demonstrado pelas

revistas, visto que todas se assemelham por possuírem um estilo voltado a um

público mais jovem, com recursos semelhantes ao mundo virtual.

No decorrer da pesquisa exploratória, foi possível observar que a revista

Galileu apresenta conteúdos mais científicos e simula uma interatividade por

meio de layouts modernos que se assemelham com a discursividade do mundo

virtual, ao passo que a revista Aventuras na História é mais voltada para temas

históricos e possui um design mais “tradicional”, e a SuperInteressante

demonstra assuntos mais amplos e configuração visual mais formal. Ainda

assim, consideramos que as três possuem perfil semelhante e se voltam a um

público mais jovem, científico e engajado.

Além disso, pôde-se notar que, apesar de se considerar certa semelhança

do perfil das revistas, a incidência de infografias é uma grande variante. Os três

exemplares da revista Galileu continham infografias em quase todas as páginas,

ao passo que as revistas Aventuras na História e SuperInteressante

apresentaram poucos infográficos. Com o intuito de esclarecer as noções

obtidas por meio da análise, foi criado um quadro que demonstra a incidência

dos subgêneros do infográfico, delimitados na nossa pesquisa bibliográfica, no

corpus selecionado: 1) enciclopédico complementar; 2) enciclopédico

independente; 3) específico complementar; 4) específico independente.

De acordo com o que foi demonstrado na seção sobre as vozes dos

especialistas, o subgênero enciclopédico complementar apresenta infográficos

com temas e caráter universal e funciona como complemento de outro texto, ao

passo que o enciclopédico independente também traz assuntos gerais, mas não

se vincula a nenhum outro texto. Já o subgênero específico complementar exibe

infográficos com temas mais singulares e acompanha outros gêneros/textos,

enquanto o específico independente também expõe conteúdos mais

particulares, mas não se relaciona com nenhum outro texto.

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Quadro 2 – Incidência de infografias nas revistas analisadas

INCIDÊNCIA DE INFOGRAFIAS NAS REVISTAS

TOTAL SUBGÊNEROS DOS

INFOGRÁFICOS

GALILEU

AVENTURAS NA HISTÓRIA

SUPER INTERESSANTE

1) Enciclopédico complementar

10

1

3

14

2) Enciclopédico

independente

3

0

3

6

3) Específico

complementar

6

7

2

15

4) Específico independente

21

2

3

26

Fonte: a autora.

Como vemos, a maior incidência de infográficos foi na revista Galileu, com

ênfase no subgênero “infográfico específico independente”. Sendo assim, para

a elaboração do modelo teórico, selecionamos tal subgênero como objeto de

análise textual, uma vez que nosso objetivo é subsidiar futuras modelizações

didáticas. Ou seja, nesse momento, seria importante dar destaque a

configurações genéricas que possuem maior peso quantitativo nos veículos

jornalísticos do mundo jovem.

ANÁLISE DO CORPUS: O INFOGRÁFICO “ESPECÍFICO INDEPENDENTE”

COMO OBJETO DE ESTUDO

Conforme exposto na seção bibliográfica, realizou-se uma pesquisa

exploratória, a fim de verificar os infográficos presentes em nosso corpus e

delimitar os principais subgêneros encontrados. Ao final da pesquisa, optou-se

pela análise de infográficos específicos independentes, levando em

consideração a grande incidência nos exemplares analisados, bem como o

caráter autônomo (cf. BONINI, 2003) deste subgênero.

No quadro 2, é possível observar que infográficos específicos – que

apresentam temas mais singulares – tendem a aparecer mais nas revistas,

dividindo-se entre complementares ou independentes. Os infográficos

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complementares, como se pôde comprovar, acompanham um texto verbal e

servem como adicionais, os quais fornecem mais informações e detalhes sobre

determinado assunto. Em contrapartida, os infográficos independentes não se

vinculam a nenhum outro gênero ou texto introdutório, pois desempenham uma

função comunicativa e valem por si só. Cabe ressaltar, aqui, que infográficos

independentes não estão livres de textos, pois conforme já foi dito, a

característica principal da infografia é a mistura entre o verbal (palavras, frases,

textos, etc.) com o não verbal (imagens, gráficos, tabelas, etc.), ainda que se

considere sua natureza independente.

Portanto, foram selecionados cinco infográficos específicos

independentes, os quais denominamos, nesta pesquisa, de “matérias

jornalísticas infográficas”, com a intenção de descrever suas principais

características, ou seja, modelizá-los teoricamente a partir de análise de

categorias do ISD propostas por Bronckart (2003). A seguir trazemos a descrição

do corpus textual analisado:

Quadro 3 – Corpus da modelização dos infográficos específicos independentes

NÚMERO DESCRIÇÃO DO CORPUS

1 “Altos e Baixos”, Revista Galileu, p. 21, edição 304 – novembro/2016

2 “Black Mirror? Vamos por partes”, Revista Galileu, p. 23, edição 303 – outubro/2016

3 “Agosto na História”, Revista Aventuras na História, p. 10 e 11, edição 158 – agosto/2016

4 “Guia da Astronomia Amadora”, Revista Galileu, parte II, p. 44 e 45, edição 305 – dezembro/2016

5 “Truque dos covilhetes”, Revista SuperInteressante, p. 11, edição 371-A – fevereiro/2017

Com as impressões obtidas no decorrer da pesquisa exploratória do

corpus, elaboramos diferentes denominações para os infográficos analisados,

visto que todos são caracterizados como “específicos independentes”, mas

possuem suas particularidades. A partir dessas observações elaboramos cinco

tipologias diferentes, as quais descrevemos a seguir.

1. Infográfico estruturado em gráficos. O infográfico 1, “Altos e Baixos”,

traz uma média da altura da população de diferentes países no último

século, e é estruturado basicamente a partir de um gráfico, contendo

apenas texto verbal introdutório – ou seja, a informação introdutória se dá

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por meio de palavras, enquanto as informações principais são expostas

graficamente. Portanto, a denominação mais apropriada para este

subgênero seria “infográfico estruturado em gráficos”.

2. Infográfico imagético subdividido em partes textuais. O infográfico 2,

“Black Mirror [...]” possui um caráter diferente dos demais analisados.

Observou-se que o aspecto mais chamativo é a imagem localizada no

centro da página. Tal imagem, caracterizada como central, é dividida em

partes, sendo que cada parte é descrita com um texto verbal. Optamos,

então, considerá-lo como um “infográfico imagético subdividido em partes

textuais”.

3. Infográfico com linha do tempo. O infográfico 3, “Agosto na História”, foi

denominado “infográfico com linha do tempo”. Como o próprio nome já

diz, tal subgênero é estruturado por uma linha cronológica, acompanhada

por diversos blocos de textos que mostram detalhes sobre o tema

abordado.

4. Infográfico composto por tópicos explicativos. O infográfico 4, “Guia

da Astronomia Amadora”, é parte de uma extensa matéria sobre

astronomia na revista. Optamos por denominá-lo de “infográfico composto

por tópicos explicativos”, visto que apresenta tópicos temáticos

explicativos articulados a imagens do universo – textos e imagens, nesse

caso, são balanceados para compor a matéria jornalística infográfica.

5. Infográfico instrucional. O infográfico 5, “Truque dos covilhetes”, foi

caracterizado como “infográfico instrucional”, pois apresenta um passo a

passo sobre técnicas de truques de mágica. A matéria infográfica é

dividida em blocos, sendo que cada bloco apresenta instruções, de forma

verbal, com o acompanhamento de imagens demonstrativas. Neste caso,

texto e imagem se articulam e se complementam, manifestando uma das

principais características da infografia.

Nos parágrafos a seguir, trazemos uma descrição do subgênero

“infográfico específico independente”, o qual estamos denominando de “matéria

jornalística infográfica”. A descrição é feita a partir da análise do nosso corpus,

com base no quadro elaborado por Barros (2012), fundamentado nas categorias

de análise do ISD e dividido pelos três tipos de capacidades de linguagem: de

ação (traz as características contextuais prototípicas do subgênero), discursivas

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(características do nível discursivo, como tipos de sequência textual) e

capacidades linguístico-discursivas (características linguísticas, como o

funcionamento da coesão textual).

No que se refere às capacidades de ação, a matéria jornalística infográfica

pertence à esfera jornalística e está vinculada a uma prática informativa, pois

visa dar informações de forma mais rápida e sintética ao leitor sobre temas ou

fatos de interesse do veículo jornalístico e do seu público, articulando linguagem

verbal e não verbal. O emissor é um jornalista e/ou designer gráfico, que

desempenha papel discursivo de alguém que tem por objetivo informar o leitor

sobre determinado fato ou tema de forma sintética e visual. O destinatário é o

leitor das revistas, que desempenha o papel discursivo de um leitor que busca

uma leitura rápida, mas completa, sobre determinado fato ou tema. A relação

estabelecida entre produtor e destinatário se dá no nível jornalístico, de cunho

informativo. O texto é produzido com a finalidade de divulgar uma matéria

jornalística de forma sintética e visual e costuma se ater a temas mais

particulares, voltados para o foco do suporte jornalístico. Atualmente, o gênero

possui bastante valor na sociedade devido às características do público

contemporâneo (agilidade, objetividade, rapidez, etc.).

Quanto às capacidades discursivas, a matéria jornalística infográfica

apresenta um discurso do expor teórico. O infográfico 4, por exemplo, ao trazer

explicações sobre certos aspectos do tema, o faz sem implicar parâmetros

contextuais, ou seja, quem escreveu, o público leitor e o tempo de publicação,

como mostra o trecho: “OBSERVADOR NO EQUADOR – Todas as estrelas

nascem e se põem (intervalo de 12 horas) em arcos perpendiculares ao

horizonte. Constelações dos dois hemisférios visíveis no céu ao longo do ano”.

Como é possível perceber, é um expor que mantém um distanciamento do leitor.

Entretanto, há infográficos que simulam certa interação com o leitor por meio,

por exemplo, de perguntas retóricas como o infográfico 2: “De onde vem o nome

da série? Uma das hipóteses [...]”. Mesmo num texto instrucional, como o

infográfico 5, em que poderia ser usado o modo imperativo (com implicação do

leitor), vemos que o autor da matéria infográfica prefere utilizar o modo indicativo

para descrever as ações que pretende instruir: “O mágico coloca três copos e

três bolas sobre a mesa”. Portanto, prototipicamente, classificamos o corpus

como expor teórico. O plano textual global apresenta prototipicamente: título,

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subtítulo, normalmente aparece a assinatura do jornalista/designer (mais comum

na revista Galileu); de forma não linear, informações verbais e não verbais, de

forma articulada; dependendo do tipo de infográfico, podem aparecer gráficos

(infográfico 1), tabelas, listas, setas (infográfico 2), cronologia (infográfico 3),

quadros, sequências de imagens numeradas (infográfico 5), sempre utilizando

recursos visuais multicromáticos. Por exemplo, o infográfico 2 traz como título

“Black Mirror? Vamos por partes”; um subtítulo que explica melhor a função da

matéria jornalística infográfica, acompanhado da especificação de autoria; uma

imagem ilustrativa dividida em partes temáticas das quais saem setas que

direcionam a textos verbais informativos. A sequência predominante é a

explicativa e descritiva. O infográfico 2 é exemplo de sequência explicativa, uma

vez que se coloca uma problemática no título e subtítulo da matéria, e essa é

explicada nas partes apontadas pelas setas que saem da imagem. O infográfico

4 traz trechos descritivos a partir de tópicos temáticos, como “ASCENÇÃO RETA

– Medida sobre o plano do Equador Celeste”. Mesmo sendo a descrição e

explicação sequências analisadas como prototípicas, é possível encontrar,

pontualmente, sequências narrativas, como no infográfico com linha do tempo

(infográfico 3): “1940 – O revolucionário russo Leon Trotsky morre na Cidade do

México. Ele foi atacado por Ramón Mercader [...]”.

Já no que concerne às capacidades linguístico-discursivas, observamos

que, por serem textos mais curtos, não há muita incidência de retomada textual.

Quando existem, são normalmente de ordem lógica (a/o qual, isso com valor

rotulador sintético, etc.). O infográfico 5, por exemplo, apresenta o seguinte

trecho: “Com as bolas feitas de metal, é possível esconder ímãs no fundo dos

copos. Isso ajuda a evitar que a bolinha caia e que o público descubra o segredo

do truque” (destaque em itálico feito pela autora). Geralmente, o tempo verbal

usado é o presente, e a ancoragem é o momento de produção do texto. Sendo

assim, é possível aparecerem tempos no passado ou futuro, desde que

ancorados ao momento de produção. O infográfico 3 serve como um exemplo,

pois narra acontecimentos do ano 47 A.C., mas utiliza verbos no presente (o que

é denominado pela literatura linguística como presente histórico) como pode-se

confirmar no trecho: “Ao vencer Farnaces II, rei do Ponto, e dominar a Ásia,

JÚLIO CÉSAR, profere suas famosas palavras: “Veni, vidi, vinci” (“Vim, vi e

venci”). E torna-se ditador perpétuo” (destaques em itálico feitos pela autora). Os

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conectivos usados, geralmente, são de ordem lógica (mas, porém, sendo assim,

etc.), como se verifica no infográfico 5, no trecho: “Dentro de um dos copos há

uma bola escondida – mas para escondê-la bem é preciso agilidade” (destaque

em itálico feito pela autora). O registro linguístico é o formal, porém, por conta da

aproximação com o leitor, é possível às vezes uma linguagem um pouco mais

informal, como exemplifica o infográfico instrucional, em que o autor usa uma

linguagem figurada, mais próxima da linguagem do cotidiano: “O mágico faz as

bolinhas ‘viajarem’ de um copo para o outro”. Sendo assim, a variedade

linguística é a variedade culta. A escolha lexical depende do tema do infográfico,

por exemplo, o infográfico 1, cujo título é “Altos e Baixos”, retoma várias vezes

esses léxicos e outros relacionados à altura da população (tema central da

matéria), como “homens que mais cresceram”. Os sinais de pontuação também

são de ordem lógica, como ponto final, vírgula, ponto e vírgula. Em alguns

momentos, é possível simular uma interação com o leitor a partir de perguntas

retóricas, como se vê no infográfico 2: “De onde vem o nome da série? Uma das

hipóteses é que tenha saído de Black Mirror, faixa de abertura de Neon Bible

(2007)”. O tom do texto é mais informativo, de caráter mais objetivo e sintético.

É comum a menção explícita de vozes externas, como a voz de pesquisadores

ou pessoas relacionadas diretamente ao tema, como mostra o infográfico 1: “Um

grupo internacional de cientistas chamado NCD Risk Factor Collaboration

analisou 1.472 pesquisas do último século [...]”.

Por fim, adentramos nas capacidades multissemióticas, em que foi

possível constatar peculiaridades em cada um dos infográficos analisados. O

infográfico estruturado em gráficos (1) tem como característica básica a

apresentação de gráficos para demonstrar resultados que a matéria jornalística

infográfica objetiva divulgar. Os gráficos, por si só, não representam a matéria

jornalística, mas a sua articulação com as informações verbais do título,

subtítulo, espaço textual de destaque, etc. Como o infográfico faz parte da esfera

jornalística e tem por objetivo trazer informações rápidas para o leitor, o gráfico

não pode ser complexo, pois precisa vulgarizar as informações de forma didática

para um público específico (dependendo do leitor-alvo do suporte jornalístico). O

infográfico imagético subdividido em partes textuais (2) tem uma imagem e suas

partes (que depende do foco da matéria) como ponto central. Por isso, essa

imagem deve ter um tamanho expressivo para chamar a atenção do leitor.

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Normalmente, essas partes servem como “chamada” para a

descrição/explicação de certos componentes imagéticos.

O infográfico com linha do tempo (3) é bastante clássico nas matérias

jornalísticas infográficas. Traz uma linha do tempo marcada por períodos

cronológicos com uma divisão visual em forma de sequência de quadros em

articulação com algumas imagens relacionadas às especificações das

informações contidas em cada período. No caso do infográfico composto por

tópicos explicativos (4), as imagens aparecem como complemento das

informações verbais contidas em cada tópico explicativo. Em nosso exemplo, há

também uma imagem central com legendas que integraliza as informações da

matéria jornalística. O infográfico instrucional (5) traz uma sequência de imagens

conjugadas a uma sequência numerada de instruções para cada etapa do

processo que se deseja descrever/explicar/relatar. No nosso exemplo, a

instrução está direcionada a ensinar como se realiza o “truque dos covilhetes”.

Nesse tipo de infográfico, as imagens são geralmente apresentadas em forma

de desenhos focados nas ações que se deseja instruir. Essas imagens precisam

ser bastante claras para o leitor, uma vez que complementam as instruções

verbais. É comum, nesse tipo de imagem, aparecerem setas para reforçar a

instrução, como é possível verificar na figura que acompanha a primeira

instrução do nosso exemplo. Em todas as matérias jornalísticas infográficas

analisadas, a utilização de cores é bastante importante. Muitas vezes, são as

cores que diferenciam partes do objeto, tópicos explicativos, a imagem verbal da

não verbal, os quadros, etc.

Como podemos observar, a matéria jornalística infográfica é um gênero

que articula a imagem verbal e não verbal de forma sintética, buscando para

isso, recursos discursivos e linguísticos para trazer uma informação ao leitor de

forma mais didática, mas que por si só, tenha um começo, meio e fim.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O infográfico ainda é um gênero emergente na esfera jornalística e, por

conta disso, não existem tantos estudos e análises a seu respeito. O objetivo

deste artigo foi, portanto, desenvolver uma pesquisa bibliográfica e analítica

sobre este gênero, a fim de depreender possíveis subgêneros, a partir de uma

pesquisa em revistas de grande circulação entre o público jovem – a saber:

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Galileu, Aventuras na História e SuperInteressante. Com isso, buscamos

verificar se o gênero pode funcionar tanto como um gênero autônomo como

conjugado (BONINI, 2003) a uma matéria jornalística. O objetivo principal foi

elaborar um modelo teórico (BARROS, 2012) a partir de um subgênero

delimitado na pesquisa exploratória.

Após a pesquisa bibliográfica e exploratória do corpus, delimitamos quatro

subgêneros de relevância: enciclopédico complementar, enciclopédico

independente, específico complementar e específico independente; sendo que

este último foi o escolhido para a modelização do gênero. Tal escolha se deu

devido à maior incidência de infográficos desse aspecto nas revistas analisadas.

Com a análise, confirmou-se a ideia de gênero autônomo, já postulada por Bonini

(2003), visto que os infográficos específicos independentes possuem essa

autonomia/independência de outros textos. Para esta pesquisa, rotulamos esse

subgênero como “matéria jornalística infográfica”, uma vez que problematiza um

tema ou fato e, de forma una, não fragmentada, traz um texto que contempla a

“resolução” desse problema, apresentando informações de forma

multissemióticas para didatizá-lo.

Além disso, foi possível delimitar cinco tipologias específicas para a

matéria jornalística infográfica a partir do corpus analisado: “infográfico

estruturado por gráficos”, infográfico imagético subdividido em partes textuais”,

“infográfico com linha do tempo”, “infográfico composto por tópicos explicativos”

e “infográfico instrucional”, os quais foram objetos da nossa modelização teórica.

Essas tipologias são importantes, também, para o contexto de transposição

didática do gênero, uma vez que é possível o professor conduzir um projeto de

ensino a partir de uma tipologia específica.

Esperamos, com esta pesquisa, contribuir para os próximos estudos

acerca do infográfico e para a produção de materiais didáticos que venham a

utilizá-lo como objeto a ser ensinado – visto que é um gênero rico, que ainda

pode ser muito explorado, e possui forte potencial contemporâneo para o ensino

da língua na perspectiva dos multiletramentos (ROJO, 2012).

REFERÊNCIAS

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A potencialidade dos elementos fantásticos nos contos de Lygia Fagundes Telles

The Potentiality of the Fantastic Elements in the Tales of Lygia Fagundes

Telles

Elisete Soares (UENP/CCP - G)

Mariângela Alonso (UENP/CCP - PQ)

RESUMO: O objetivo deste artigo é delimitar de maneira sucinta o percurso histórico do gênero fantástico e suas principais implicações na ficção de Lygia Fagundes Telles. Para tanto, analisaremos os contos As Formigas e A Caçada, salientando os elementos fantásticos, bem como os objetos descritos nos textos, os quais acabam por transmitir ambiguidade e hesitação no leitor, caracteres essenciais para o funcionamento do gênero fantástico. Serão utilizados os aparatos críticos de Todorov (1970), Camarani (2014), Sá (2003), Silva e Lourenço (2010), Dimas (2009), Lucas (1990), Monteiro (1980), Régis (2007), Santiago (1998), entre outros. Palavras-Chave: Literatura-fantástica. Lygia Fagundes Telles. As formigas. A caçada.

INTRODUÇÃO

A literatura fantástica é um gênero que costuma causar deleite em leitores

de todas as faixas etárias. A curiosidade, impulsionada pela hesitação de um

mundo incógnito, permite uma evasão da realidade, transportando o leitor para

uma outra dimensão que encanta, choca, desperta sentimentos e concede

experiências curiosas. Ela trabalha temas da obscuridade da alma humana, do

que é considerado proibido pela sociedade e pela religião, mas que está

presente no cotidiano desde os primórdios.

Identificar os elementos fantásticos em um texto é essencial para que o

ato de leitura possa ser pleno em sua significação. Por isso, o presente artigo

tem por objetivo geral tecer considerações a respeito do gênero fantástico e suas

implicações na ficção de Lygia Fagundes Telles.

Para realizar esse trabalho, foram escolhidos dois contos: As Formigas,

do volume Seminário dos ratos (1977) e A caçada (1970), de Antes do baile

verde (1970), ambos de Lygia Fagundes Telles. Autora intimista, Lygia escreve

e descreve sobre o universo feminino, redigindo diversos textos que dialogam

com o fantástico. Os dois contos supracitados foram selecionados por possuírem

critérios que se enquadram nesse gênero, e que serão discutidos ao longo desse

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artigo, destacando de forma especifica as características fantásticas, tais como

o tempo, o espaço, a ambiguidade, a hesitação, a descrição dos cenários e das

personagens, de forma qualitativa e objetiva, de modo a esmiuçar os aspectos

mais pontuais da ficção da autora.

Logo a seguir, descreveremos brevemente o contexto do surgimento das

narrativas fantásticas e das teorias de Todorov (1970), Camarani (2014), Sá

(2003), Silva e Lourenço (2010), entre outros, para posteriormente adentrar na

análise dos contos, objetivo desse trabalho.

POR QUE O MUNDO FANTÁSTICO DAS NARRATIVAS NOS ATRAI?

O desejo de experimentar o insólito, de sentir medo e calafrios

acompanhados pelo sentimento de ansiedade impulsionado por um alto teor de

adrenalina e de quebrar regras socialmente impostas faz com que busquemos,

para assim viver a experiência do outro, narrativas e filmes que tratam

explicitamente essa temática. A curiosidade nos leva pela incansável busca de

sentir e experimentar de forma controlada a experiência do outro, uma vez que

podemos voltar a ela quantas vezes desejarmos sem nos comprometermos

diretamente, e isso está guardado no inconsciente de cada indivíduo.

Em um artigo para a revista Galileu, Rita Loiola afirma que, o anseio que

uma criança possui de ouvir a mesma história que a assusta não é aleatório.

Esse terror que vivenciamos ao ler um livro ou assistir um filme voltado para o

fantástico permite o desenvolvimento psíquico dos pequenos, uma vez que o

pavor possui formas distorcidas e que habitam internamente em nós de forma

primitiva, despertando sensações e sentimentos que ainda não estão

devidamente controlados. Essa é a explicação da razão dessa fase da vida

termos tanto pesadelos e medo de coisas consideradas insignificantes pelos

adultos. As narrativas fantásticas nos ensinam a projetar todo esse pavor que

mantemos dentro e a lidar com os pesadelos que tanto nos assombram,

encontrando coragem para vencer os obstáculos em nosso inconsciente.

Entretanto, é relevante salientar que esse medo, como a biologia nos explica, é

que permite que os seres humanos prodigam e preservem a espécie, sendo por

isso que as narrativas fantásticas tanto nos fascinam.

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Para Loiola (2011) as pessoas gostam de sentir medo. Além disso, o

terror controlado na tela ajuda a entender o mundo e a experimentar sensações

que não existem em outro lugar:

As aulas de ciência ensinam que medo, ansiedade e estresse ajudaram o homem a evitar o perigo e a progredir. Evolutivamente importantes, eles aumentam a eficiência do organismo, deixando-o pronto para a briga. Assim que o cérebro percebe uma ameaça, um sistema chamado circuito do medo entra em ação. Formado por núcleos cerebrais como a amigdala e o hipocampo, ele libera neuro-hormônios e neurotransmissores para defender o organismo. Dopamina, endorfina e adrenalina vão para o sangue, preparando o corpo para a reação. Só que, quando o monstro é de papelão, o cérebro percebe a pegadinha e suspende a produção das substâncias. E a alta da dopamina, que deixa o corpo atento e alerta durante esses momentos, dá a sensação de prazer e calma. Como se o corpo ficasse chapado em segundos. (LOIOLA, 2011, p. 2)

Cantar uma canção de ninar para uma criança prestes a dormir que

envolva elementos do fantástico, uma lenda ou um mito que as deixem

amedrontadas é mais comum do que se imagina, e esse processo é socialmente

aceito e transmutado ao longo das gerações e são geralmente contadas a noite

em épocas especificas do ano (como a quaresma e o halloween).

Essa prática permite assegurar que as crianças permaneçam dentro dos

limites de forma sutil, pois o medo que bruxas, lobisomens, fantasmas, saci, etc.,

possam vir atrás após alguma peraltice cometida, é maior do que se imagina e

acaba por servir como ferramenta de doutrinação por parte dos adultos que

desejam controlar as ações de alguma criança levada, uma vez que “o medo de

alguma forma está associado a um estado de angústia, angústia que castra,

tolhe, inibe e reprime, algo que vai muito além do compreendido e manifesto”

(D`ELÍA, 2013). As crianças sentem mais o efeito do sobrenatural porque não

conseguem separar o real do imaginário. Acabamos por aprender esse processo

na medida em que vamos adquirindo maturidade para tal e passamos a ter

fascínio pelas histórias fabricadas que outrora nos amedrontavam.

COMO SURGIU O TERMO FANTÁSTICO

Contos e relatos são práticas de tentativas de explicação para eventos

sobrenaturais que assolam a humanidade desde os seus primórdios. Muitos

desses relatos sobrenaturais são passados ao longo das gerações e sobrevivem

até os dias atuais, tal é o fascínio que possuímos pelo oculto:

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Essas histórias que afloram a mente do ser humano são preservadas ao longo do tempo e se tornam imortais. Recorrendo aos mitos europeus, podemos citar o já conhecido panteão grego, com deuses e titãs dotados de poderes que extrapolam as leis tais como conhecemos. No extremo oriente, temos a milenar China, com seus dragões e suas simbologias; ou, trazendo nosso foco para as Américas, podemos citar o México e a sua cultura ligada à morte, além do próprio Brasil onde os mitos folclóricos, tais como o Boi Bumbá, Iara, Saci Pererê, a Mula sem cabeça, a Caipora, o Curupira, foram preservados até os dias atuais, e são conhecidos por boa parte da população brasileira. Todas estas histórias estão cercadas de acontecimentos inexplicáveis, ou sobrenaturais. (SILVA; LOURENÇO, 2010, p.1)

Surge, então, a necessidade de uma vertente dentro da Literatura que

analise todos os aspectos que envolva esse tipo de narrativa: a Literatura

Fantástica, que se serve assim dos elementos provenientes do gótico, dos

contos e lendas populares, dos sonhos e das descobertas científicas.

Segundo Sá (2003), o termo fantástico está diretamente relacionado a

temas sobrenaturais: ao folclore, ao mundo das fadas e da feitiçaria, dos

vampiros e lobisomens, e também, ousaríamos dizer, às crenças religiosas, às

superstições dos espíritos, da possessão, transes, prodígios, milagres,

sonambulismo e licantropia. Vem da palavra grega “Phantastikos”, que evoca

fantasia, imaginação, para depois firmar-se como uma nova modalidade literária.

É um gênero que evolui de forma concomitante com a filosofia e a

expressão linguística, e que foi profundamente talhado no Romantismo,

desenvolvendo-se em contrapartida ao Classicismo, ao plano político e social,

com uma nova concepção do homem e da forma exacerbada que o “eu” versus

“mundo” eram trabalhados no romance.

O termo foi definido e redefinido por quase setenta anos por vários

teóricos diferentes. Sá (2003) cita Lovrecraft e sustenta que uma das primeiras

tentativas em definir o termo fantástico por esse autor está diretamente

relacionada ao medo e aos sustos imprevisíveis que a obra deveria suscitar no

leitor implícito. Contudo, essa ideia foi descartada por muitos teóricos, pois nem

todo texto fantástico causa pavor e medo.

Silva e Lourenço (2010) afirmam que sua percussão, no entanto,

começou no século XVIII com o Iluminismo e toda a racionalidade que a época

propunha, com o questionamento dos possíveis relatos de séculos passados.

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Camarani (2014) defende a teoria de que o objetivo da repercussão do

positivismo e do século das luzes era fazer com que o homem perdesse o medo

do escuro, dos fantasmas e dos espíritos, pois tudo seria devidamente explicado

pelas leis naturais. Esse forte desejo de crer no sobrenatural não se perde:

[...] por volta de 1770, quando o espírito científico e positivo granjeou uma grande parte do público esclarecido, as ciências ocultas também se beneficiaram de um novo interesse. Castex explica essa coincidência de interesses, assinalando que quanto mais se obstina o espírito crítico, mais se afirma a necessidade da crença: o movimento ocultista seria um protesto contra a implacável filosofia que destrói os mitos consoladores. Assim, os ocultistas dirigem-se a uma sociedade cuja fé foi abalada, mas o fervor permanece intacto. (CAMARANI, 2014, p.32)

É nesse cenário que o fantástico literário se desenvolve, com a oposição

das leis que deveriam ser “fixas” e “imutáveis”, abolindo a tênue linha que rege

as fronteiras do real e do imaginário, do interior e do exterior, do sonho e da

magia, dando ênfase à intuição e imaginação, sem deixar de aproveitar, no

entanto, as descobertas que a ciência acabava por proporcionar.

Com isso, no século XIX, com a publicação de vários trabalhos

relacionados às pesquisas eletromagnéticas e à psiquiatria, Freud contribuirá e

será a grande influência nos estudos relacionados à literatura fantástica. Ao

invés de radicalizar o sobrenatural nas obras literárias, as descobertas científicas

e as certezas positivistas acabam por estimular cada vez mais a imaginação do

ser humano com a propagação do espiritismo, cujo objetivo era a tentativa de

encontrar uma resposta para as inquietações pós-morte. Os temas abordados

agora serão a loucura, as alucinações e as angústias humanas. O Surrealismo

também se aproveitaria, por assim dizer, das teorias freudianas, e acabaria

tentando encontrar uma possível explicação para o mundo paralelo e fantástico

nas artes.

É importante salientar que ainda no século XIX, o gênero fantástico

permitia laborar temas considerados tabus dentro de uma sociedade

(assassinato, necrofilia, loucura, incesto, rituais de magia negra, etc),

transgredindo leis, pois trabalhava situações humanas que geralmente ficavam

obscuras e que eram dificilmente tratadas: “o fantástico surge frequentemente

de uma ruptura da constância do mundo perceptivo ou físico (gigantes, mortos

vivos), do mundo moral (perversidades) ou do mundo estético (monstros)”

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(CAMARANI, 2014, p.50). Nada disso é construído de forma aleatória, mas o

objetivo também é explanar sobre questões tenebrosas da humanidade.

Atualmente, esses estudos e essas reflexões ficaram sob a responsabilidade

(ainda que não exclusiva) da psicanálise.

De acordo com Silva e Lourenço (2010), a partir do século XX, a narrativa

fantástica se torna mais sutil, adentrando esferas mais complexas, ou seja,

passa a discutir elementos da atualidade e do cotidiano, tais como: angústias

existências, avanços tecnológicos, desigualdade social, entre outras temáticas.

Contudo, a característica mais importante das narrativas fantásticas é fazer com

que o leitor aceite os fatos inexplicáveis como se estes fossem reais.

A leitura de um texto fantástico, portanto, possibilita uma evasão da

realidade, permitindo ao leitor conhecer e adentrar um mundo ignoto, ao mesmo

tempo em que o aceita como real, pois apresenta homens comuns: “a narrativa

fantástica, por sua vez, necessita da oposição marcante entre o real diegético e

o sobrenatural ou o inexplicável.” (CAMARANI, 2014, p.44). É de extrema

relevância que o diálogo entre obra e leitor aconteça, bem como a consideração

do destinatário, assim como a compreensão do emissor. O autor deve usar

estratégias para que o monstro mantenha o interesse do leitor, fazendo com que

seu espírito crítico se adormente por um momento, e que ele seja capaz de sentir

a atmosfera mágica, deixando seduzir-se. A maneira como o autor-narrador irá

explanar os fatos, determinará a credibilidade do conto.

Entretanto, é importante destacar que é de extrema relevância a maneira

como o fantástico será relatado, pois o leitor não está interessado se os

elementos sobrenaturais são reais ou não, mas se o contista será convincente

em suas especulações.

Geralmente, no conto fantástico o tempo e o espaço estão amalgamados

em uma atmosfera de terror. Esses se completam, como se fossem um: “Há um

paralelismo entre espaço e tempo: mesma lentidão tanto em relação à

aproximação do lugar maldito, quanto no que se refere à espera da meia-noite”

(CAMARANI,2014, p.51). A espacialidade reproduzida retrata a solidão da

condição humana em que o leitor se sente inserido, em uma busca incessante

pelo proibido e pelo insólito.

O monstro retratado no conto aparece inicialmente de uma forma sutil,

como uma fissura do real. É um pressentimento, um presságio que o leitor irá

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descobrindo aos poucos, para logo após ver todo seu universo estável regido

por leis severas, ser fragmentado. É por isso que o fantástico aterroriza, pois

infringe com a razão de um mundo aparentemente inabalável.

No entanto, o fantástico não possui uma concepção inteiramente estática,

pois conforme a sociedade evolui, o gênero muda e se adapta, funcionando

como um registro da memória coletiva de um povo, uma vez que ele reflete

concepções de crença, de filosofia, de cultura e de tecnologia.

O FANTÁSTICO NOS CONTOS DE LYGIA FAGUNDES TELLES

Analisaremos os contos As formigas e A Caçada, de Lygia Fagundes

Telles. Para tanto, utilizaremos o aporte crítico de Todorov (1970) e sua teoria

fantástica.

Todorov publica em 1970 um estudo intitulado Introdução à literatura

fantástica, em que descreve e classifica a literatura fantástica como um gênero

literário: “os gêneros existem em níveis de generalidade diferentes e que o

conteúdo desta noção se define pelo ponto de vista que se escolheu”

(TODOROV, 1970, p. 5), cada um com suas particularidades específicas que o

determinam, embora algumas dessas características possam sofrer

modificações ao longo dos tempos, designando assim outro tipo de gênero.

O termo fantástico seria precisamente o que não é explicável aos

conhecimentos humanos, ou seja, aquilo que consideramos irreal, produto de

nossas imaginações férteis ou que faz parte integrante da realidade e que são

regidas por forças ocultas, estando acima de todas as possibilidades. Portanto,

o que caracteriza essa nomenclatura seria precisamente essa incerteza que

paira sobre o texto, dado que “O fantástico é a vacilação experimentada por um

ser que não conhece mais que as leis naturais, frente a um acontecimento

aparentemente sobrenatural.” (TODOROV, 1970, p.16) e ainda “o fantástico se

apóia essencialmente em uma vacilação do leitor — de um leitor que se identifica

com o personagem principal— referida à natureza de um acontecimento

estranho” (TODOROV, 1970, p.82), mesclando assim o real e o imaginário na

tentativa de definir e explicar. É nessa irresolução que o fantástico se instala.

Consequentemente, são o mistério e a vacilação os elementos primordiais que

rondam a vida cotidiana responsável pela elucidação desse gênero:

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Esta vacilação pode resolver já seja admitindo que o acontecimento pertence à realidade, já seja decidindo que este é produto da imaginação ou o resultado de uma ilusão; em outras palavras, pode-se decidir que o acontecimento é ou não é. (TODOROV, 1970, p.82)

Contudo, é necessário que consigamos identificar a quem pertence esse

momento de vacilo: do narrador ou do leitor. É extremamente difícil definir esse

processo, uma vez que o leitor se sente parte integrante do mundo do

personagem e da ambiguidade que é construído ao longo do texto. O leitor deve

ainda aceitar as condições fantásticas que a narrativa proporciona, rechaçando

“tanto a interpretação alegórica como a interpretação ‘poética’” (TODOROV,

1970, p.20) no momento da leitura para que o fantástico ocorra.

Não obstante, nem todos os textos fantásticos seguem a ordem exata

de hesitação. Todorov apresenta textos em que essas situações de oscilação

serão exclusivamente do leitor, ou seja, os personagens estarão convictos da

verdade aparente e quem questionará esses elementos será unicamente o leitor:

Por conseguinte, o leitor não se identifica com nenhum dos personagens, e a vacilação não está representada no texto. Diremos então que esta regra da identificação é uma condição facultativa do fantástico: este pode existir sem cumpri-la; mas a maioria das obras fantásticas se submetem a ela (TODOROV, 1970, p 19)

Temos, portanto, três condições para que o Fantástico ocorra segundo

Todorov: 1) o leitor deve considerar o mundo dos personagens como de pessoas

reais, onde ele deve hesitar entre uma explicação natural ou sobrenatural dos

acontecimentos relatados; 2) a hesitação deve ser sentida também pelo

personagem, que representará o leitor, para logo em seguida ter uma postura de

julgamento perante o texto; 3) o leitor deve rechaçar tanto a leitura poética

quanto a alegórica. Geralmente, o primeiro e o terceiro itens acabam por se

cumprir, enquanto que com o segundo pode ter-se uma oscilação enquanto a

essa expectativa, mas usualmente todos os três acabam acontecendo.

A experiência que o leitor desenvolve durante a leitura ajuda a definir a

nomenclatura fantástica. A maneira que o leitor recepciona o texto, e se ele irá

despertar certa atmosfera também definem o termo, pois a emoção que o texto

poderá suscitar é extremamente relevante. Contudo, TODOROV (1970) salienta

que o medo que um texto fantástico “deverá” despertar não deve ser considerado

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em exclusivo, pois o fantástico não deve necessariamente causar terror ou

temor, mas um possível questionamento de dúvida aparente da realidade, da

ilusão e da maneira que vemos certos fatos insólitos e de como eles se

apresentam.

AS FORMIGAS

Em As formigas temos duas jovens universitárias que chegam a uma

pensão. Narrado em primeira pessoa, o narrador é autodiegético, com um

espaço determinado. Sem nome, a estudante de medicina é a protagonista, pois

todo o conflito gira em torno dela, e é denominada de “prima”: “Quando minha

prima e eu descemos do táxi” (TELLES,1998, p.7).

Sem descrição, a narradora enumera somente uma característica da

prima, estudante de medicina: “Estudo direito. Medicina é ela” (TELLES,1998,

p.7) que acaba desenvolvendo um estrabismo quando fica nervosa: “Ela apertou

os olhos estrábicos, ficava estrábica quando se preocupava.” (TELLES, 1998,

p.10). A deficiência dos olhos da protagonista no conto, indica uma visão

imprecisa, acarretando duplicidade, ambiguidade e a deformação dos relatos

ocorridos, uma vez que paira certa incerteza relacionado ao esqueleto de um

anão que se monta sozinho. Quando as estudantes chegam à pensão, a

narradora percebe que a uma das janelas de fronte também possui um dos

“olhos” ineficiente: “Ficamos imóveis diante do velho sobrado de janelas

ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada.”

(TELLES, 1998, p.7)

É interessante destacar que o sobrado, como é descrito no conto, retoma

aos castelos assombrados, elemento muito explorado nas narrativas de terror.

Os contos fantásticos se servem também dessas características para despertar

no subconsciente do leitor aspectos surreais, que causam medo e pavor. A

descrição da espacialidade nesse tipo de conto é essencial para firmar o gênero

fantástico, assim como a atmosfera pressentida deve ser convincente em suas

especulações.

Conforme a narrativa se desenrola, a narradora deixa transparecer um

pequeno lado de sua personalidade: “prendi na parede, com durex, uma gravura

de Grassmann e sentei meu urso de pelúcia em cima do travesseiro” (TELLES,

1998, p.8). Com esse pequeno indício, percebemos que a narradora tem certo

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fascínio pelo fantástico, uma vez que o artista Marcelo Grassmann (1925-2013)

retrata em suas gravuras seres mitológicos (homens com corpo de animal),

criaturas macabras e inquietantes, aves assustadoras e demônios, ao mesmo

tempo em que temos um retrato do lado infantil da personagem que ainda não

amadureceu, marcado sobremaneira pela posse do urso de pelúcia, objeto que

remete à ingenuidade das crianças quando presenciam um relato fantástico,

uma vez que elas não conseguem separar o real do fantasioso.

De acordo com Todorov (1970), a escolha do narrador em primeira

pessoa, muito comum nas narrativas fantásticas, é uma estratégia utilizada para

possibilitar credibilidade e veracidade aos relatos, ao mesmo tempo que causa

aproximação entre o personagem e o leitor, embora a terceira possa ser

tranquilamente utilizada sem danificar o efeito fantástico e ambíguo do texto.

O conto inicia com a descrição da pensão: “É sinistro.” (TELLES,1998,

p.7). No século XX, a literatura fantástica, assim como os outros gêneros

literários, sofre alterações. O sobrenatural já aparece nas primeiras linhas do

texto, e não mais após algumas indicações e gradações. Quando o narrador

declara que o ambiente é “sinistro”, temos já no início uma alusão ao que está

para suceder nas próximas linhas.

O ambiente retratado da pensão possui uma atmosfera gótica e romântica

sugerida no seguinte trecho: “Ficamos imóveis diante do velho sobrado de

janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada.”

(TELLES,1998, p.7). A passagem: “A mulher não respondeu, concentrada no

esforço de subir a estreita escada de caracol que ia dar no quarto”

(TELLES,1998, p.7), constitui também uma atmosfera de elementos pitorescos

do romantismo, pois as escadas em caracóis retomariam esses componentes,

uma vez que elas remetem aos castelos medievais, além da vertigem do sentido

e da identidade. Essas casas em ruínas transmutam uma visão inquietante, com

o ressurgimento do passado no presente. Tais construções decadentes trazem

em suas estruturas histórias de um tempo remoto, funcionando como um

depositório de segredos sombrios. O fantástico privilegia esses espaços de

aberrações arquitetônicas.

A descrição do local no início da narrativa indica um personagem lúcido,

capaz de fazer relações, que transmite confiança à veracidade dos fatos, para

no decorrer dos relatos, lançar dúvidas no leitor, pois a personagem além de

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despertar de vários sonhos relacionados ao anão, indicando uma oscilação

quanto à realidade e fantasia, na noite da fuga e da quase completa montagem

do esqueleto, ela aparece embriagada após participar de uma festa de

casamento: “Vim animada, com vontade de cantar, passei da conta” (TELLES,

1998, p.11). O leitor, portanto, encontra-se na hesitação que os textos fantásticos

devem despertar: trata-se de um sonho ou realidade? Acreditar no relato, mesmo

proveniente de um narrador que possui os sentidos turvos devido à bebida

alcoólica? É esse elemento primordial que Todorov (1970) afirma que o gênero

deve suscitar no leitor.

O fato de a narradora sonhar quase todas as noites com o anão, indica

que a mesma além de ter ficado enternecida com os restos mortais, o evento lhe

causa terror em seu inconsciente. O medo faz com enxerguemos a circunstância

de forma distorcida da realidade, permitindo que o lado primitivo da fuga seja

acionado, além de nos induzir em acreditar ter ouvido ou presenciado certas

situações:

Calcei os sapatos, descolei a gravura da parede, enfiei o urso no bolso da japona e fomos arrastando as malas pelas escadas, mais intenso o cheiro que vinha do quarto, deixamos a porta aberta. Foi o gato que miou comprido ou foi um grito? (TELLES,1998, p.12)

“O quarto [que ficava no sótão] não podia ser menor, com o teto em

declive tão acentuado que nesse trecho teríamos que entrar de gatinhas”

(TELLES,1998, p.7). Esta passagem possibilita ambientes delimitados,

fechados, em que percebemos um interior quase claustrofóbico, narrado sempre

em uma temporalidade noturna, privilegiando a escuridão que causar terror,

dúvida, espaço em que os personagens e o leitor não conseguem separar o real

da imaginação. Embora a narradora só afirme que era “quase noite”

(TELLES,1998, p.7) quando as personagens chegaram ao local, sem decretar

com exatidão a hora certa, o conto transcorre sempre à noite e na madrugada.

Os efeitos sinestésicos nas narrativas fantásticas também são relevantes,

pois os cheiros descritos no texto auxiliam a construção tétrica do ambiente e da

tomada de consciência dos personagens, funcionando como uma revelação

epifânica, uma vez que é pelo cheiro que as personagens percebem que algo

está para acontecer: “De onde vem esse cheiro? — perguntei farejando. Fui até

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o caixotinho, voltei, cheirei o assoalho. — Você não está sentindo um cheiro meio

ardido?” (TELLES,1998, p.8).

Não se sabe ao certo se o odor está ligado ao esqueleto do anão ou às

formigas. A prima que estuda medicina, no entanto, descarta a possibilidade de

carne putrefata, e afirma que o cheiro pode ser bolor, o que causa certa dúvida,

uma vez que bolor não possui a característica “ardida”, e ao mesmo tempo que

não se sabe ao certo o que atrai as formigas, visto que todos os ossos do anão

estavam completamente limpos: “Mas que maravilha, é raro à beça esqueleto de

anão. E tão limpo, olha aí” (TELLES, 1998, p.7). Portanto, temos também a

hesitação na descrição desse cheiro que se intensifica conforme o esqueleto vai

adquirindo a forma, sumindo pela manhã junto com as formigas. Esse fato

acompanhará todas as madrugadas das meninas até a fuga eminente.

A problemática do conto acontece quando a dona da pensão cede à futura

médica, protagonista do conto, uma caixa que contém um esqueleto de um anão

em perfeitas condições deixadas pelo antigo inquilino. Já naquela noite

percebem no quarto uma trilha de formigas que passam pela fresta da porta e

desembocam dentro da caixa, reorganizando os ossos na estrutura anatômica

correta. No entanto, as formigas só fazem caminho de ida: “São milhares, nunca

vi tanta formiga assim. E não tem trilha de volta, só de ida — estranhei.”

(TELLES, 1998, p.9). Curiosa e fascinada, é ela que nota a forma organizada

que as formigas se dirigem ao caixote de ossos, bem como a mudança da

colocação dos mesmos, até a formação correta da estrutura anatômica: “Me

lembro que botei o crânio em cima da pilha, me lembro que até calcei ele com

as omoplatas para não rolar. E agora ele está aí no chão do caixote com uma

omoplata de cada lado.” (TELLES, 1998, p.9).

As meninas ficam cada vez mais intrigadas com as formigas que só

aparecem na madrugada, trazendo consigo o cheiro desconhecido. De manhã

tudo volta ao normal, sem qualquer indício da passeata das formigas pelo quarto:

— E as formigas? — Até agora, nenhuma. — Você varreu as mortas? Ela ficou me olhando. — Não varri nada, estava exausta. Não foi você que varreu? — Eu?! Quando acordei, não tinha nem sinal de formiga nesse chão, estava certa que antes de deitar você juntou tudo... Mas então, quem?! (TELLES, 1998, p.10)

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O anão e a velha dona da pensão são personagens planos e tipificados,

peças fundamentais para o desenrolar da narrativa. A velha, por possuir um gato:

“Não deixem a porta aberta senão meu gato foge.” (TELLES, 1998, p.8), animal

que geralmente acompanha as bruxas nos contos de fadas, dispõe de uma

descrição descuidada e inquietante:

A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da graúna. Vestia um desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas encardidas. Acendeu um charutinho. (TELLES, 1998, p.7)

A descrição nos transporta para um mundo de mistério por sua aparência

e costumes peculiares, bem como o anão, personagem muito explorado também

nos contos de fadas, por ser algo mágico, fantástico. É interessante notar que a

figura do anão é constante na obra da autora. Em seu conto O anão no jardim

(1995) que se encontra na coletânea A noite escura e mais eu e Ciranda de

pedra, primeiro romance da autora publicado 1954, o anão é caracterizado como

um personagem emblemático e insólito, por retratar algo grotesco, que causa

inquietação e por ser um personagem assíduo dos contos de fadas. Temos no

anão uma imagem dissonante de um adulto preso no corpo de uma criança que

não sofre desenvolvimento. Por ser mais sensível ao fantástico, o lado infantil

acaba predominando.

Podemos afirmar, portanto, que o anão contribui para a atmosfera

fantástica do conto, pois guarda em si um segredo, uma hesitação por estar

preso em uma dimensão que não lhe pertence. Todorov (1970) afirma que o

papel que o elemento sobrenatural desempenha em uma narrativa é de extrema

relevância:

O sobrenatural comove, assusta ou simplesmente mantém em suspense ao leitor [...] o sobrenatural constitui sua própria manifestação, é uma auto-designação [...] o sobrenatural intervém, como dissemos, no desenvolvimento do relato. (TODOROV, 1970, p.85)

Com Todorov (1970) afirmamos que o gênero fantástico pode ser

classificado em estranho e maravilhoso. No fantástico-estranho “Os

acontecimentos que com o passar do relato parecem sobrenaturais, recebem,

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finalmente, uma explicação racional” (Todorov, 1970, p.25). Entretanto, se ele

não conseguir uma explicação lógica para os fatos ocorridos e essa explanação

permanecer no viés do sobrenatural e esses for comprovado, temos então o

Maravilhoso, que “não pode ser explicado pelas leis da natureza tal como são

reconhecidas; estamos, pois, no terreno do fantástico-maravilhoso.” (Todorov,

1970, p.30). Contudo, por se tratar de uma autora brasileira da modernidade,

temos um hibridismo do gênero em As formigas, manifestando-se por meio do

fantástico estranho e maravilhoso concomitantemente. Isso é possível e

bastante compreensível, uma vez que “toda obra modifica o conjunto das

possibilidades; cada novo exemplo modifica à espécie” (TODOROV, 1970, p. 6).

Assim, o conto em questão é estranho pelas possíveis explicações que temos

ao longo do texto (a personagem que narra se apresenta ora bêbada, ora

acabando de acordar de um sonho com o anão). E também maravilhoso pela

presença da velha que retoma as bruxas e o anão, personagens característicos

dos contos de fadas.

Temos, portanto, um texto multifacetado, bem característico do século XX

e do estilo peculiar de Lygia Fagundes Telles.

A CAÇADA

A caçada, de Lygia Fagundes Telles é também um conto fantástico e se

encontra na coletânea Antes do baile verde (1970). O conto relata um

personagem que vive um surto de esquecimento, e que procura respostas

incansavelmente em uma pintura de uma tapeçaria deteriorada. Mesmo

apresentando narrador onisciente de terceira pessoa, este não possui

conhecimento sobre o nome do personagem, denominando-o apenas como “o

homem”.

A narrativa tem início com o protagonista dentro de uma loja de

antiguidades. Enquanto observa distraidamente os outros objetos, finalmente

fixa o olhar sob o objetivo que o leva todos os dias ao recinto: uma velha

tapeçaria pregada no fundo da loja que possui uma pintura bastante particular:

Era uma caçada. No primeiro plano, estava o caçador de arco retesado, apontando para uma touceira espessa. Num plano mais profundo, o segundo caçador espreitava por entre as árvores do bosque, mas esta era apenas uma vaga silhueta, cujo rosto se reduzira a um esmaecido contorno. Poderoso, absoluto era o primeiro caçador, a barba violenta como um bolo de serpentes, os músculos tensos, à

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espera de que a caça levantasse para desferir-lhe a seta. (TELLES,1970, p. 48)

O homem, que acredita conhecer a perfeição da pintura, não consegue

recordar nada a respeito: “Em que tempo, meu Deus! em que tempo teria

assistido a essa mesma cena. E onde? ….” (TELLES,1970, p.48). O personagem

sabe somente que de alguma forma faz parte daquele objeto. Mesmo de olhos

fechados se recorda de todos os detalhes da pintura. A dona da loja, uma

senhora de idade, não entende o fascínio despertado no homem, e reage com

indiferença ao interesse do personagem: “Já vi que o senhor se interessa mesmo

é por isso... Pena que esteja nesse estado” (TELLES,1970, p.47),

desestimulando qualquer possibilidade de venda:

(...) essa tapeçaria não aguenta a mais leve escova, o senhor não vê? Acho que é a poeira que está sustentando o tecido (...). Eu poderia vendê-la, mas quero ser franca, acho que não vale mesmo a pena. Na hora que se despregar, é capaz de cair em pedaços. (TELLES,1970, p. 47)

Deixado ali por um desconhecido, o tapete fora abandonado na loja anos

atrás, já em estado deteriorado:

Foi um desconhecido que trouxe, precisava muito de dinheiro. Eu disse que o pano estava por demais estragado, que era difícil encontrar um comprador, mas ele insistiu tanto… Preguei aí na parede e aí ficou. Mas já faz anos isso. E o tal moço nunca mais me apareceu. (TELLES,1970, p. 47).

Todas as vezes que o homem olha para a pintura, seu corpo reage de

forma violenta, causando-lhe calafrios, palpitações, dores musculares, insônia,

palidez, acompanhado de alta tensão e ansiedade. Tudo por não recordar

quando e onde tivera contato com a gravura.

O homem nota que a pintura está mais nítida: “As cores estão mais vivas.

A senhora passou alguma coisa nela?” (TELLES,1970, p.47). A senhora, no

entanto, não consegue notar nenhuma diferença na tela: “A velha firmou mais o

olhar. Tirou os óculos e voltou a pô-los. — Não vejo diferença nenhuma.”

(TELLES,1970, p.48).

Quando o caso começa a intrigar, o homem nota que a seta do arco do

caçador havia sido disparada. Fato que, somente ele consegue visualizar:

“Ontem não se podia ver se ele tinha ou não disparado a seta…— Que seta? O

senhor está vendo alguma seta?” (TELLES,1970, p.48).

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Todo esse relato ambíguo deixa o leitor perplexo e ansioso, tal como o

protagonista, pois este consegue entrever, por meio da narração, toda confusão

dos sentimentos que o personagem vivencia, sua crise de identidade, ao mesmo

tempo em que deseja entender tudo que está acontecendo com o protagonista,

mas ao mesmo tempo se distanciando para perceber toda hesitação e

ambiguidade que paira no texto. De acordo com Todorov (1970), esse processo

é bastante comum nos textos fantásticos:

O fantástico implica, pois, uma integração do leitor com o mundo dos personagens; define-se pela percepção ambígua que o próprio leitor tem dos acontecimentos relatados. Terá que advertir imediatamente que, com isso, temos presente não tal ou qual leitor particular, real, a não ser uma “função” de leitor, implícita ao texto (assim como também está implícita a função do narrador). A percepção desse leitor implícito se inscreve no texto com a mesma precisão com que o estão os movimentos dos personagens. (TODOROV, 1970, p.19)

A condição necessária para que o fantástico ocorra é pautada pelos

acontecimentos estranhos que rondam a obra, despertando sentimentos

particulares no leitor (medo, terror, ansiedade, angustia e até mesmo

curiosidade). De acordo com Todorov, “O elemento sobrenatural resulta ser o

material narrativo que melhor cumpre esta função precisa: modificar a situação

precedente e romper o equilíbrio (ou desequilíbrio) estabelecido.” (TODOROV,

1970, p.86)

A hesitação que o leitor sente relacionada aos elementos narrados e se

eles são reais ou irreais, e se são evocações da mente do personagem ou do

ambiente em que a história transcorre, são elementos considerados fantásticos.

A ambiguidade, essa vacilação da verdade aparente que gira em torno da

dúvida, ou seja, tudo o que está no plano da incerteza relacionado ao irreal,

termina por caracterizar-se como fantástico. É uma amálgama da realidade

aparente com a fantasia criada pela mente, pelo psicológico do indivíduo, em

que o mesmo procura explicações racionais para acontecimentos estranhos e

inaceitáveis.

A dona da loja procura ainda dar uma solução para os possíveis

devaneios do homem: “Mas esse não é um buraco de traça? Olha aí, a parede

já está aparecendo, essas traças dão cabo de tudo — lamentou, disfarçando um

bocejo” (TELLES,1970, p.48), trazendo o leitor para a realidade, ao mesmo

tempo que firma a loucura aparente em o personagem vive.

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O homem, deixado a sós, continua em sua investigação: “E se tivesse

sido o pintor que fez o quadro?” (TELLES,1970, p.49), para logo em seguida

descartar a ideia, uma vez que detestava caçadas: “E se fosse o artesão que

trabalhou na tapeçaria?” (TELLES,1970, p.50). Os recursos linguísticos

utilizados nos textos fantásticos também ajudam a afirmar o gênero, pois é por

meio das palavras que são transmitidas as ambiguidades e as incertezas que

permeiam a leitura. O uso de “e se” indica insegurança que permeia o

protagonista. O sobrenatural e a dúvida surgem por meio da ambiguidade gerada

por essas palavras.

O homem, no momento da observação, nota um animal que tenta se

esconder atrás de uma pequena moita e se sente comovido, pois sabe que a

morte da criatura é inevitável, para finalmente se convencer que fora um dos

personagens da pintura:

“Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu — conhecia tudo tão

bem, mas tão bem! Quase sentia nas narinas o perfume dos eucaliptos, quase sentia morder-lhe a pele o frio úmido da madrugada, ah, essa madrugada!” (TELLES,1970, p.48).

O fantástico prioriza os ambientes de grandes florestas, de natureza

selvagem, uma vez que anuncia um lugar que foge das marcas humanas, quase

virgem, responsável por abrigar seres obscuros e sobrenaturais, pois esse

espaço escapa da ordem da civilização, representando assim algo que não

segue regras delimitadas, mas caótico em sua composição, o que reflete de

forma inconsciente os medos do personagem.

O homem deixa a loja e perambula pela cidade inquieto, quando lhe passa

a possibilidade de estar enlouquecendo: “Mas não estou louco.” (TELLES, 1970,

p.49). A obsessão é tamanha pela gravura que o homem chega a sonhar com a

floresta da caçada. Acorda aos gritos quando percebe que fora atingido: “Sou o

caçador? Mas ao invés da barba encontrou a viscosidade do sangue” (TELLES,

1970, p.50).

Após o pesadelo da noite anterior, o homem decide retornar à loja logo

cedo para destruir a tapeçaria. A senhora lhe permite o acesso e o homem

percebe que já não está mais na loja, mas dentro da pintura: “Seus dedos

afundaram por entre galhos e resvalaram pelo tronco de uma árvore, não era

uma coluna, era uma árvore!” (TELLES, 1970, p.50), para logo em seguida ser

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“atingido” e desfalecer no chão: “E rolou encolhido, as mãos apertando o

coração” (TELLES, 1970, p.50)

Nesse conto, a dúvida é tão bem construída pelo autor que não sabemos,

enquanto leitores, se os acontecimentos são frutos de nossa imaginação fértil ou

do personagem, enquanto que o narrador persiste em lançar as dúvidas como

um recurso do gênero:

Em primeiro lugar, o personagem não está de tudo decidido quanto à interpretação dos fatos: também ele crê às vezes em sua loucura, mas nunca chega à certeza. [...] Ao mesmo tempo, o narrador não está seguro de que tudo o que o personagem viveu dependa da ilusão; insiste inclusive sobre a verdade de certos feitos relatados. (TODOROV, 1970, p.22)

Passado e presente são amalgamados na narrativa, completando-se.

Quando o espaço muda, é o passado que deseja mostrar algo, pois geralmente

o espaço é marcado por esses acontecimentos. Nesse conto, o protagonista vive

na busca frenética por respostas de algo que não se recorda. O personagem,

que é um herói problemático com uma oscilação de identidade, passa a adentrar

o espaço fantástico.

Nada indica que ele confrontará o extraordinário, o impossível. Os objetos

utilizados revelam o problema na narrativa, pois nem o personagem, nem o leitor

dão a devida importância a ele, o que acaba por chocar quando a problemática

se revela em seu entorno. Esse objeto está inserido no cotidiano, como algo

normal, irrelevante. A animação da matéria nos contos fantásticos, como o tapete

em A caçada se desenvolve como um objeto mediador para a loucura aparente

do protagonista, que acaba tornando-se obsessivo ao perseguir o próprio eu.

Conforme Todorov:

O princípio que temos descoberto pode designar-se como o questionamento dos limites entre matéria e espírito. Este princípio engendra diversos temas fundamentais: uma casualidade particular, o pandeterminismo; a multiplicação da personalidade; a ruptura do limite entre sujeito e objeto; e, por fim, a transformação do tempo e o espaço. (TODOROV, 1970, p.64)

As narrativas fantásticas do século XX mudam um pouco o seu foco.

Por retratar uma literatura intimista, Telles trabalha os temas dos conflitos do Eu

versus Mundo, como uma busca frenética por um possível enquadramento do

homem na sociedade. Todorov declara que “os temas do eu podiam interpretar-

se como realizações da relação entre o homem e o mundo, do sistema

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percepção-consciência” (TODOROV, 1970, p.73). Assim, “os temas do eu se

fundamentavam sobre uma ruptura do limite entre o psíquico e o físico”

(TODOROV,1970, p.78). Notamos, portanto, um indivíduo perdido em busca de

uma identidade que até mesmo ele desconhece, causando-lhe um desvio de

personalidade. No trecho abaixo:

Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de tempestade. Envenenando o tom verde-musgo do tecido, destacavam-se manchas de um negro-violáceo que pareciam escorrer da folhagem, deslizar pelas botas do caçador e espalhar-se no chão como um líquido maligno. (TELLES, 1970, p.48)

A forma com que o narrador descreve as cores que permeiam o tapete,

é uma estratégia que evoca repulsa no leitor, ao mesmo tempo em que suscita

medo ao descrevê-la com nuances escuras e tenebrosas.

A tempestade, a cor negro-violáceo e o líquido maligno são

mobilizadores empregados para dar realidade ao irreal, remetendo ao

inconsciente, aos pesadelos, ao mesmo tempo em que promove um clima de

pavor e horror, muito utilizado nesse tipo de gênero.

Em A caçada temos um Fantástico-estranho, uma vez que a explicação

racional cairia sobre a loucura aparente do protagonista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, procuramos mostrar como o gênero fantástico

apresenta-se na ficção de Lygia Fagundes Telles e nos contos analisados.

Escolhemos esses contos por apresentarem elementos ambíguos e por

possuírem cenários característicos que retomam os contos fantásticos (floresta

e velho sobrado), bem como os fortes elementos que os compõem, tais como: a

hesitação que emana dos textos, as angústias e inquietudes do homem

contemporâneo, o tempo, o espaço, os personagens tipificados dos contos de

fadas, os odores e as cores descritos, entre outros.

O narrador dos contos de Telles possui um olhar agudo sobre os fatos,

bisbilhotando cuidadosamente os objetos e os personagens da narração. Ele

lança dúvidas e incertezas ao longo da narrativa, elemento primordial para que

o Fantástico seja perceptível. O final em aberto permanece ao encargo do leitor,

que deverá escolher entre o surreal ou uma explicação plausível que o satisfaça.

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De acordo com Dimas, o narrador lygiano apresenta comportamento incerto e

sinuoso, o qual:

[...] não favorece a clareza, nem a objetividade. Mas favorece a dúvida e a curiosidade que, aliás, serão as constantes da maioria dos contos deste livro, cujos finais preferem a incerteza, não obstante o acúmulo de detalhes anteriores que, em princípio, deveriam esclarecer e não confundir. Na ficção de Lygia Fagundes Telles, o final não é, forçosamente, conclusivo. Antes, pelo contrário. (DIMAS, 2009, p. 130)

Escrito em uma linguagem coloquial, ambos os textos retratam situações

do cotidiano. A autora nem sempre anuncia de forma imediata os efeitos

catastróficos, o que acaba por gerar suspense e inquietude no leitor. Seus

personagens possuem uma aparência simples e inocente. Porém, à medida que

o mistério se estabelece, acabam por corroer toda sanidade psicológica que

ainda possuem, fato que acontece com a fuga das primas da pensão e com o

possível momento de insanidade do homem da tapeçaria.

Portanto, podemos considerar ambos os contos fantásticos por possuírem

fortes características potenciais do gênero. Assim, a narrativa de As formigas é

caracterizada por não ser um fantástico-puro, mas um hibridismo literário e A

caçada por ter um protagonista à beira de um possível desiquilíbrio mental, um

fantástico-estranho.

REFERÊNCIAS CAMARANI, Ana Luiza Silva. A literatura fantástica: caminhos teóricos. São Paulo: Editora Cultura Academia, 2014. CANDIDO, Antonio. A nova narrativa. In: CANDIDO, Antonio. A Educação pela noite e outros ensaios. E.ed. Sâo Paulo: àtica, 1989.p.199-215. CORTAZÁR,Júlio.Valise de Cronópio. São Paulo: Perspectiva, 1993. D’ELÍA, Karla Alessandra de Amorim. Uma abordagem psicológica sobre o Medo. Portal da Educação, 2013. Disponível em: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/uma-abordagem-psicologica-sobre-o-medo/49333 acesso: 25/mar/2018. JUNIOR, Arnaldo Franco. Operadores de Leitura da Narrativa. Maringá. Edvem, 2009. LOIOLA, Rita. Revista Galileu. Entenda por que gostamos de sentir medo. Brasil. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI113919-

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17579,00ENTENDA+POR+QUE+GOSTAMOS+DE+SENTIR+MEDO.html acesso: 25/mar/2018 PIGLIA, Ricardo. Formas breves. São Paulo: Cia.das Letras, 2004. PIRES, Priscila Aparecida Borges Ferreira. As insólitas formigas de Lygia Fagundes Telles. Paraná: Anais Selliticon, 2015. SÁ, Marcio Cicero de. Da literatura fantástica (teorias e contos). São Paulo, 2003. SILVA, Luis Cláudio Ferreira. LOURENCO, Daiane da Silva. O gênero literário fantástico: considerações teóricas e leituras de obras estrangeiras e brasileiras. Maringá Paraná, 2010. TELLES, Lygia Fagundes. A caçada. IN: Antes do baile verde. São Paulo. Cia das letras, 1970. TELLES, Lygia Fagundes. As formigas. IN: Seminário dos Ratos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução Maria Clara Correa Castello. São Paulo: Perspectiva, 2014.

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Admirável mundo novo e admirável chip novo: uma nova visão intertextual distópica

Brave new world and brave new chip: a new dystopic intertextual vision

Naraiane Tais da Silva (UENP - G)

Ane Caroline Santos (UENP - G)

RESUMO: Levando em consideração as primícias da literatura comparada (BASSET, 1993; GYARD, 1994; NITRINI, 2000 entre outros) entende-se que comparar é a forma que rege as semelhanças entre duas ou mais obras em diferentes nacionalidades. Já que comparar eminentemente é provido pelo pensamento do ser humano, assim como, pela sua organização cultural (CARVALHAL, 2007). A partir disso, tomamos como objeto de análise a obra Admirável mundo novo (1932) do escritor Inglês Aldous Huxley fomentando o intertexto gerado pela canção Admirável Chip novo (2003) da cantora e compositora brasileira Priscila Novaes Leone (Pitty). O objetivo deste artigo é desenvolver os aspectos relevantes que tornam esses trabalhos citados semelhantes tendo como aporte o tempo e o espaço no momento de criação desses feitos literários: Admirável mundo novo (1932) e Admirável Chip novo (2003). Nesse sentido, os resultados revelam que as obras Admirável mundo novo (1932) e Admirável Chip novo (2003) contém elementos similares distópicos quando expõem o contexto social de cada civilização que são regidas pelas ordens governamentais e que a manipulação social é derivada pelo condicionamento estabelecido pelos líderes do governo. PALAVRAS-CHAVE: Literatura comparada. Intertextualidade. Distopia.

INTRODUÇÃO

A literatura comparada é um campo desenvolvido como meio de

comparar obras literárias tendo como referência o espaço e o tempo em que as

mesmas foram produzidas. Nesse quesito, os estudos comparativos quebram

barreiras nacionais pois se interligam com as questões internas e externas da

produção literária como os aspectos culturais de cada sociedade.

Este vasto campo de conhecimento baseia-se no ato de comparar que

pode acorrer por meio de duas diferentes escolas literárias a Americana e a

Francesa. A partir disso, é possível fazer comparações entre diferentes obras da

área da literatura tendo como aparato as escolas citadas acima. De fato, a

vertente Americana permitiu ter com maior amplitude emitir um grande número

de comparações pela inserção de diversos elementos literários como os

instrumentos artísticos: quadros, músicas, esculturas etc. (CARVALHAL, 2007;

REMAK, 1994).

Nesse sentido, está pesquisa utilizou-se de duas diferentes obras

estéticas com a intenção de tornar visível os estudos comparativos. Em primeiro

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plano, tomamos como soma Admirável mundo novo (1932) do autor inglês

Aldous Huxley que é uma distopia quando inverte valores reais para uma

realidade ficcional sociológica.

Em segundo plano, fizemos menção a canção Admirável Chip novo

(2003) da cantora e compositora brasileira Priscila Novaes Leone (Pitty). Está

canção foi originada a partir da obra de Huxley como meio crítico ao atual

governo vivenciado pela cantora Leone em seu país. Nesse quesito, ambas as

obras possuem semelhanças em relação ao enredo e as críticas contra o poderio

governamental.

Seguindo essa linha de análise, condecoramos que os trabalhos aqui

apresentados fomentam aspectos comparativos. A partir disso, decidimos

estudar os elementos intertextuais decorrentes a essas obras. Levando em

consideração o contexto de produção, ou seja, os aspectos culturais e sociais

que determinam a correlação que se estabelece em ambos trabalhos.

Dessa forma, nos apropriaremos dos métodos existentes da disciplina

de literatura comparada sobre nossos objetos de estudos. Neste caso, os

métodos criados pela escola Americana como forma de agregar ênfase aos

estudos comparativos apresentando os valores que regem este vasto campo

literário.

OBJETIVO

O objetivo desta pesquisa é utilizar os estudos desenvolvidos pela

literatura comparada como método de comparação entre duas obras com

diferentes papeis estéticos. Neste caso, as obras Admirável mundo novo de

Aldous Huxley publicada em 1932 e a música Admirável Chip novo produzida

pela cantora e compasitora Priscila Novaes Leone (Pitty) repercutida em 2003.

Os aspectos traçados estarão direcionandos as condições de produção dos

criadores levando em consideração o tempo e o espaço em que desfrutavam

durante a produção dessas obras.

OS DESAFIOS DA LITERATURA COMPARADA

A literatura comparada surge no século XIX decorrente dos

pensamentos cosmopolitas que procuravam comparar estruturas ou analogias

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da época com o intuito de extrair leis gerais que promovessem o domínio de

poder sobre as ciências naturais. A compreensão dada a esta área literária é

permeada pela investigação de duas ou mais obras literárias, entretanto, para

Carvalhal (2007) e Remak (1994) a área comparativa promove um vasto campo

de atuação alcançando outras áreas como a da arte: a música, pintura, escultura

etc.

Não obstante, comparar é um processo que ocorre naturalmente dentro

do pensamento do homem e de sua organização cultural (CARVALHAL, 2007).

Por esse viés, os comparatistas pretendem demonstrar os fatores que permeiam

as culturas e entre outros aspectos que regem o âmbito literário levando em

consideração o valor da influência sobre todo tipo de aporte que envolvem a

literatura.

Podemos assim dizer que grandes obras literárias influenciaram ou

influenciam outros escritores de outros países. Como, por exemplo,

Shakespeare um dos grandes criadores literários de todos os tempos que

possibilitou influenciar outros escritores como Charles Dickens, Machado de

Assis e o próprio escritor Aldous Huxley. A partir disso, a literatura comparada

busca estabelecer os traços de semelhanças que envolvem essas obras

literárias. De fato, cada escritor obteve diferentes pensamentos, assim como,

distintos métodos que foram marcados pelo contexto social da época e que só

podem ser revelados por meio do ato de comparar.

Inicialmente, o estudo da comparação foi visto como algo para não ser

estudado, até porque a literatura não era vista como algo inovador (BASSET,

1993). Além de que outros campos de estudos surgiram com mais influência

sobre a sociedade em questão deixando os estudos comparativos de lado.

Por causa da amplitude de outros campos de conhecimento a literatura

comparada passou por diversas crises em diferentes países da Europa. Pode-

se dizer que as obras canônicas permeavam os primeiros estudos e que as

diferentes escritas da língua Inglesa trouxeram dúvidas. Segundo Wellek (1994)

os objetivos e os métodos permeados pela literatura comparada trouxeram

contradições. Neste quesito, a “comparação” se tornou sinônimo para os estudos

comparatistas condiz Carvalhal (2007), pois não havia uma metodologia

específica para tal campo. Ou seja, comparar se tornou o objeto de estudo da

literatura comparada.

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Como contribuição para os estudos comparativos conhecer as línguas

estrangeiras se tornou um elemento primordial para o início de carreira nesse

campo. O comparatista deveria também compreender os motivos de cada autor

ao escolher suas fontes de inspiração no momento de produção da obra. Além

de ser obrigado a encontrar escritos de outros autores em outras línguas, para

constatar a relação desenvolvida entre as obras escolhidas (GYARD, 1994).

Em outras palavras, o comparatista devia ser alguém com vocação para

lidar com este trabalho de semelhanças. Segundo Guyard (1994) a literatura

comparada é o estudo de obras literárias de diferentes nacionalidades, portanto

o comparatista deve estar sempre em contato com as mudanças e diversidades

para poder realizar suas pesquisas:

A literatura comparada é a história das relações literárias internacionais. O comparatista se encontra nas fronteiras, lingüísticas ou nacionais, e acompanha as mudanças de temas, de idéias, de livros ou de sentimentos entre duas ou mais literaturas. Seu método de trabalho deve-se adaptar a diversidade de suas pesquisas (GUYARD, 1994. p.97)

Mais à frente a literatura comparada se tornou uma disciplina que foi

aprimorada por algumas vertentes de ensino que existem ainda hoje, que

desenvolveram métodos para os estudos comparativos. No entanto, as

metodologias e métodos criados por estes sobrecarregaram a comparação entre

os materiais literários (WELLEK, 1994).

As instituições criadas estabeleceram condições arbitrárias em relação

aos estudos comparatistas. As escolas literárias Americana e Francesa

promoveram diferentes ideologias quanto aos primórdios do comparatismo.

A escola Francesa é permeada pelos materiais documentais providos

pela fonte e pela influência, ao qual limita-se a crítica literária. Segundo Wellek

(1994) o estudo francês estaria apenas voltado a fontes e influencias, causas e

efeitos.

Os estudos promovidos pela escola Americana são mais abrangentes

para o estudo da comparação (REMAK, 1994). Pois, a literatura comparada deve

assumir as diferenças significativas de linguagem que ultrapassam estigmas

como a nacionalidade e a tradição. Levando isso em consideração, a vertente

Americana desenvolveu-se mais entre as escolas pela ampla forma de trabalhar

os estudos comparativos.

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ORIGINALIDADE LITERÁRIA

É indiscutível afirmar que as obras de cunho literário carregam

influências de vários escritores nacionais ou internacionais. Dessa forma, o

estudo da literatura comparada desenvolveu dúvidas sobre a origem de

produção das obras literárias. Nesse sentido, debate-se então sobre o teor de

originalidade que é provido pelo campo estético da literatura, já que parte dos

escritores usam referências externas e internas que regam a autenticidade de

cada um destes.

Então o criador literário depende de outros para o desenvolvimento de

seu trabalho, sendo assim, os questionamentos sobre o ser “original” e

independente ocorrem automaticamente. A angustia da influência separa os

autores que se permitem ser influenciados, o que para Nitrini (2000) ocorre por

meio de dois polos que são significativos na visão de Bloom:

Bloom só se interessa por poetas fortes, isto é, aquelas grandes figuras que combatem seus precursores, também poetas fortes, até a morte. No pólo oposto, acham-se os poetas fracos cuja imaginação capaz se apropria de tudo para si, não se aventurando no embate que se concretiza por meio da desleitura (NITRINI, 2000.p.146).

Em outro ponto de vista é condecorado que a imitação ou invenção

permeadas por outras obras se diferem entre o tempo e o espaço (CARVALHAL,

2007). Ou seja, a dependência que os escritores mantêm por outras obras se

distanciam pelo momento em que cada criador atua como literato.

Infelizmente o conceito de originalidade ainda é questionado quando se

refere a influências literárias, a estudiosa Odette de Mourgues apresentada por

Nitrini (2000) diz que o original está ligado a dois sentidos comuns o “imaginado

sem modelo” e aquele que produz sua “marca própria”.

O primeiro é quando o criador provê seu próprio modelo de obra a partir

de sua imaginação sem ser influenciado, ou seja, esse material se desenvolve

de modo independente de um modelo inexistente de influência.

De outro lado, o segundo conceito é aquele com marca própria de

originalidade é aquele escritor que teve influências, porém, conseguiu assimilar

tão bem a fonte influenciada que passa quase despercebida suas similaridades.

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Para os estudos comparativos as fontes e influências são indagadas, mas aquilo

que é promovido através de grandes criadores pode constituir o termo original:

A originalidade que percebemos numa obra literária, ou seja, sua marca própria, não é outra coisa senão o gênio criador que levou um escritor a escolher um assunto, modificar uma técnica, etc., nas suas relações complicadas e variáveis com a tradição, com as influencias especificas que agiram sobre ele e com o gosto de sua época. É muito importante considerar com algum cuidado as relações entre os dois elementos da originalidade relativa: o esforço criador e o condicionamento da época (NITRINI, 2000, p.141)

Na concepção de Valéry, trazida por Nitrini (2000) em Literatura

comparada teoria e crítica a originalidade é uma forma de influência. Um autor

original é aquele que consegue pegar as influências de vários outros autores e

transforma-las em algo totalmente diferente. Segundo Valéry em Carta sobre

Mallarmé “Nada mais original, nada mais próprio do que nutrir-se dos outros.

Mas é preciso digeri-los. O leão é feito de carneiro assimilado” (NITRINI, 2000.

p.134 apud VALÉRY, 1960. p.478).

Nessa percepção, ser influenciado por outros é comumente aceitável,

mas é necessário aflorar sentidos novos a cada obra desenvolvida. Para

Carvalhal (2006), a escrita literária é uma reescrita interminável que pode

desenvolver diversos significados, que são originados pelo contexto social de

cada produtor do campo da literatura.

INTERTEXTUALIDADE LITERÁRIA

É necessário afirmar também que a intertextualidade ocorre entre as

obras literárias tornando-se um aspecto fundamental logo que um texto dialoga

com outro. Ou seja, o intertexto é a representação de duas vozes e o

agrupamento de duas ideias em uma escrita literária, acrescenta Carvalhal

(2007).

Nesse sentido, a intertextualidade ocorre de maneira significativa ao se

relacionar com outros materiais e outros textos. Os escritos literários em si

permanecem manuseados por meio da história e da sociedade quando

ultrapassam as barreiras nacionais (NITRINI, 2000). Desse modo, a

comunicação entre textos se tornam imprescindível para atuação da literatura

comparada.

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Basta acreditar que o texto é uma réplica de outro e que a linguagem

poética é um diálogo entre dois textos. Dessa forma, ocorre o intertexto

incorporado por um diferente texto que se torna outro referencial materializado.

A partir disso, é possível observar o modo como que esse material se

apropria de outros materiais linguísticos (NITRINI, 2000). Qualquer escrito

literário pode ser analisado quando comparado pelas suas formas e

propriedades linguísticas. Para Carvalhal (2007), trata-se de entender como a

intertextualidade é explorada nesse segundo momento como uma “invenção” de

sentidos.

A ligação desenvolvida pela obra através da intertextualidade dá lugar a

poética da palavra libertando-se dos elementos semânticos gramaticais. Ao que

se refere isso, a conectividade gerada por duas superfícies textuais estabelece

ligação entre escritor e leitor que é definida pela palavra literária que busca a

significação de sentidos na ordem poética. Nitrini (2000) acrescenta como

ambivalência literária já que há a diversidade de significados entre a recriação

desses novos textos.

UTOPIA E DISTOPIA

Com o início do capitalismo industrial no fim do século XVII e no início do

século XIX surgiram os pensamentos utópicos, entretanto, o termo Utopia

apareceu na obra de Thomas More em 1516:

Enquanto ideal, a utopia possuiu seu momento mais prolífico no início do capitalismo industrial – fins do século XVIII e início do século XIX – por mais que as raízes do pensamento utópico ou do gênero literário utopia tenham surgido bem antes, em 1516, mais exatamente com a Utopia, de Thomas More. Se More e seus contemporâneos utopistas – como o italiano Tommaso Campanella, autor de La città del Sole – tinham como fonte de inspiração de seus escritos os relatos de viagem dos colonizadores que se aventuraram pelas Américas e pelas Índias; (PONE, 2014, p. 223).

As ideias utópicas segundo Pone (2014) envolviam a consolidação de um

pensamento ideal de nacionalidade entre países e estados. Podemos então

entender que a utopia é como um lugar em que tudo funciona perfeitamente e

que a realidade é melhor do que a que vivemos. Ou seja, é a construção de um

lugar ideal e imaginário que os criadores literários inferiram em suas obras

desconstruindo os sentidos providos pelo senso comum (BECKER, 2017).

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Nesse sentido, os enredos voltados para os temas utópicos envolvem uma

sociedade organizada e em harmonia social.

Ricardo Azevedo (2016) em seu artigo Duas palavras sobre ficção, utopia

e literatura afirma que a utopia é extremamente importante tanto na literatura

quanto na vida real, pois é a partir dela que buscamos um mundo ideal, o autor

cita ainda como exemplo os transplantes de órgãos, engenharia genética e

avanços a respeito do DNA e da nanotecnologia, da informática, da internet e

dos celulares, que para pessoas que viveram no século XVII isso seria visto

como utópico ou impossível.

Posteriormente surgiu a palavra Distopia com o objetivo de nos explicar

uma inversão de valores, ou seja, enquanto uma realidade utópica tudo acontece

de maneira perfeita, na distopia isso não acontece como apresenta Pone (2014):

A visão distópica é bem mais condizente com o momento atual e diz bem mais sobre a forma como o desequilíbrio das forças produtivas, hoje, significam a quebra da relação dialética entre tecnologia e ser humano, estando este em movimento descendente, enquanto aquela só evolui (PONE, 2014, p. 226).

Os temas distópicos apresentam os conflitos de um tempo e

potencializam problemas confrontados pela sociedade (BECKER, 2017). Tanto

a Distopia quanto a Utopia demostram ao leitor um mundo ficcional, entretanto,

opostos quanto aos aspectos positivos de negativos de uma civilização.

METODOLOGIA

Seguindo os estudos comparativos faremos uma análise estre duas

obras de diferentes estéticas para explorar os aspectos intertextuais promovidos

pela literatura comparada. Nessa presente pesquisa utilizaremos como objeto de

análise a obra Brave new world do escritor Inglês Aldous Huxley publicada em

1932 (versão em língua portuguesa: Admirável mundo novo). Assim como, a

música Admirável Chip novo lançada no ano de 2003 pela cantora e compositora

brasileira Priscilla Novaes Leone popularmente conhecida como “Pitty”.

Ademais, destacaremos os traços opostos e semelhantes que envolvem o

enredo desses dois trabalhos.

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LITERATURA COMPARADA: ADMIRÁVEL MUNDO NOVO VS ADMIRÁVEL

CHIP NOVO

A obra Admirável mundo novo escrita pelo escritor Aldous Huxley

publicada em 1932 apresenta uma crítica social moderna associada ao

capitalismo e aos avanços tecnológicos sobre a humanidade daquela época. A

obra busca mostrar um futuro distópico e extremista sobre a sociedade em

questão. Sociedade esta que desde o nascimento é controlada por cientistas que

pretendem desenvolver seres humanos perfeitos condicionados pelos seus

comandos. Tanto as crianças como os adultos são manipulados para obedecer

a essas ordens, nesse sentido, religião, Deus, sentimentos ou até mesmo família

não existem dentro dessa inversão de valores.

O escritor Aldous Huxley também se utiliza de um dos maiores escritores

de todos os tempos conhecido como Shakespeare, com o intuito fomentar as

questões apresentadas na obra Admirável mundo novo.

Já a música Admirável Chip novo criada em 2003 pela cantora e

compositora brasileira conhecida como Pitty (Priscilla Novaes Leone) apresenta

uma crítica contra os líderes governamentais do país do Brasil. Condizendo que

a população é regida pelas ordens superiores e que cada indivíduo é submetido

a corresponder e aceitar o atual governo. Além de relatar que as pessoas dessa

época agem como se fossem robôs e que são manipuladas o tempo todo por um

governo capitalista.

Essas duas obras fazem intertexto quanto aos assuntos relacionadas a

sociedade da época e fazem menção aos poderes governamentais com os quais

sofrem a população pela manipulação. De fato, Admirável Chip novo música da

cantora Pitty foi gerada a partir da obra de Huxley. O que difere esses trabalhos

são as diferentes perspectivas manuseadas pela cultura vivenciada pela

musicista e pelo o escritor em seu ano de publicação.

LITERATURA COMPARADA: UM INTERTEXTO DISTÓPICO

Na obra de Huxley Admirável mundo novo apresenta questionamentos

sobre a manipulação que a população sofre quanto ao poder governamental:

“Não há civilização sem estabilidade social. Não há estabilidade social sem

estabilidade individual” (HUXLEY, 2001, p. 34). Ou seja, os líderes do estado

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pretendem estabelecer um modelo social e impor este sobre as pessoas para

que se tornem uma humanidade idealizada.

O que acontece também em Admirável Chip novo, a cantora desenvolve

críticas que abordam o atual sistema organizado pelo governo no ano de 2003:

“Mas lá vêm eles novamente, eu sei o que vão fazer, reinstalar o sistema”

(LEONE, 2003). As obras são permeadas pela história e pela sociedade em

questão, neste caso as obras escolhidas estabelecem ligações sociológicas,

condiz Nitrini (2000).

A música representa a dominação em que a população é submetida

por classes superiores. Aliás, se torna perceptível pelo próprio título do romance

comparado ao da compositora que trocou a palavra “mundo” pela palavra “Chip”.

Os trabalhos em si apropriam-se de fatores linguísticos que promovem a

intertextualidade (NITRINI, 2000). A palavra “Chip” representa a indução de

fazeres conduzidos por este pequeno material tecnológico com o objetivo de

cumprir funções desejadas pelo controlador.

No romance este aparato é demostrado pela criação humana dentro de

laboratórios pois seria de mais fácil manipulação:

Vou começar pelo começo - disse o D.I.C., e os estudantes mais aplicados anotaram sua intenção no caderno: Começar pelo começo. - Isto - agitou a mão – são as incubadoras. - E, abrindo uma porta de proteção térmica, mostrou-lhes porta-tubos 10 empilhados uns sobre os outros e cheios de tubos de ensaio numerados. — A provisão de óvulos para a semana. Mantidos à temperatura do sangue; ao passo que os gametas masculinos - e abriu outra porta - devem ser guardados a 35°, em vez de 37°. A temperatura normal do sangue esteriliza (HUXLEY, 2001 p. 10).

Na música a representação de condicionamento humano é a do sujeito

assimilado ao robô (obra tecnologicamente desenvolvida por mãos humanas). A

crítica viabilizada pela compositora configura uma população conduzida por

outros como se fossem máquinas.

Nesse quesito, cria-se dois sentidos para o mesmo assunto

representativos que se tornam ambivalentes (NITRINI, 2000), aos quais

confundem-se o ser vivente com o ser manipulado. Pois, demostra uma

sociedade remida por ordens e que cada indivíduo é categorizado como um robô,

já que apenas recebem ordens para depois cumpri-las:

Pane no sistema, alguém me desconfigurou Aonde estão meus olhos de robô?

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Eu não sabia, eu não tinha percebido Eu sempre achei que era vivo (LEONE, 2003).

É perceptível notar também que os comandos dentro de uma

humanidade capitalista são configurados por decretos. Como por exemplo a

exploração de condicionamento aos sentimentos que são deixados de lado pois

o que importa é a nova caracterização humana: “É o segredo da felicidade e da

virtude: amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o

condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem

escapar” (HUXLEY, 2001 p. 35).

Na letra da canção essa denotação é permeada pelos diálogos

oferecidos pela cantora durante a música: “Não, senhor, sim, senhor; Não,

senhor, sim, senhor” (LEONE, 2003). Não obstante, no romance de Huxley há

novamente a emancipação de poderes vindos dos superiores quando esses

obrigam a sociedade em questão a seguir aquilo que se é sugerido:

Até que finalmente, o espírito da criança seja essas coisas sugeridas, e que a soma dessas sugestões seja o espírito da criança. E não somente o espírito da criança. Mas também o adulto, para toda a vida. O espírito que julga, e deseja, e decide, constituído por essas coisas sugeridas. Mas todas essas coisas sugeridas são aquelas que nós sugerimos, Nós! (HUXLEY, 2001 p. 49).

Isso é decorrente também na letra da canção “Pense, fale, compre,

beba; leia, vote, não se esqueça” que faz menção a governo e suas exigências.

As determinações são mantidas como se fossem um estilo de vida ideal: “O

mundo agora é estável. As pessoas são felizes, tem o que desejam e nunca

desejam o que não podem ter”, em Admirável mundo novo essa vida desejada

é perfeita socialmente e promoveria a felicidades de todos (HUXLEY, 2001 p.

256). De alguma forma essas exigências deveriam ser cumpridas tanta pela

visão governamental de Leone (2003) ou pela visão estatal do escritor Huxley

(2001).

No entanto, as emancipações sociais foram questionadas dentro da obra

Huxley (2001), por meio da personagem Selvagem, que por sua vez contrariou

a formas de comandos estabelecidas pelos superiores:

O Selvagem sacudiu a cabeça. - Tudo isso me parece absolutamente horrível. - Sem dúvida. A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a

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instabilidade. E o fato de se estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa. - Pode ser - disse o Selvagem, depois de um silêncio. - Mas será preciso chegar ao horror desses gêmeos? - Passou a mão pelos olhos, como se procurasse apagar da lembrança a imagem daquelas longas filas de anões idênticos nas mesas de montagem, daquelas manadas de gêmeos enfileirados na entrada da estação do monotrilho de Brentford, daquelas larvas humanas que rodeavam o leito de morte de Linda, da fisionomia interminavelmente repetida de seus agressores. - Horríveis! (HUXLEY, 2001 p. 127).

Embora, devemos reconhecer também que as ações permeadas pelo

romance sobre os personagens são derivadas pelo o capitalismo, que por sua

vez é um dos traços de semelhança entre as duas obras. Os aparatos

relacionados pelo comércio também são atribuídos por meio do livro: “É

impossível obter alguma coisa por nada. A felicidade tem de ser paga” (HUXLEY,

2001 p. 265). Para Leone (2003) ler, comprar, votar são verbos determinados

como ordens e que dão suporte ao regime de poder emanado pelo dinheiro.

Mediante a isso não há restrição ao poder, mas sim ao condicionamento

gerados pelos favores que a população deve dar aos líderes governamentais,

pois “Nada é orgânico, é tudo programado” (LEONE, 2003). Cada ser é ordenado

pela ambição provida pelo capitalismo em que os sentimentos permanecem em

segunda opção pois deveras atrapalham a dominação sobre estes.

Na obra Admirável mundo novo, as fabulações de emoções traduzem a

busca por esta liberdade, que neste caso é representado pela personagem

Selvagem: “quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autentico, quero a

liberdade, quero a bondade” (HUXLEY, 2001 p. 278). No entanto, isso não pode

ocorrer pois essa busca pela libertação deixaria a civilização instável, como de

fato é demostrado contra as conspirações da existência de Deus:

Diga, antes, que a culpa é da civilização. Deus não é compatível com as máquinas, a medicina científica e a felicidade universal. É preciso escolher. Nossa civilização escolheu as máquinas, a medicina e a felicidade. Eis por que é preciso que eu guarde esses livros no cofre. Eles são indecentes. As pessoas ficariam escandalizadas se... O Selvagem interrompeu-o. - Mas não é natural sentir que há um Deus? - O senhor poderia igualmente perguntar se é natural fechar as calças com fecho ecler - retrucou o Administrador sarcasticamente (HUXLEY, 2001 p. 134).

Compreendemos que a obra de Huxley apresenta uma visão distópica

da realidade quando se refere a religião, aos sentimentos, os relacionamentos

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sociais, ou seja, os valores humanos. O enredo é permeado por uma história que

reflete os conflitos existentes dentro da sociedade da época como Becker (2017)

assim define as questões distopicas.

O autor nos apresenta uma sociedade em que seus indivíduos são

separados por castas “Ainda assim - insistiu o Selvagem - é natural crer em

Deus quando se está só, completamente só, à noite, pensando na morte...”

(HUXLEY, 2001, p. 134). Nesse caso os diálogos entre esses são

menosprezados por questões de poderio.

Isso ocorre também na letra da música de Leone as classes sociais que

são inferiores e devem prestígio aos seus comandantes. Grande parte da

população sofre por não ser ouvida, assim contentando-se com o poder

emanado pelo governo. O que demostra ser a canção uma distopia realizada

quando há as inversões de valores. Já que que automaticamente à ficção se

torna real na cultura da musicista:

Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Tenha, more, gaste, viva Pense, fale, compre, beba Leia, vote, não se esqueça Use, seja, ouça, diga Não, senhor, sim, senhor Não, senhor, sim, senhor! (LEONE, 2003).

Portanto, temos duas sociedades em que todos os valores são

distorcidos, e os direitos individuais não são levados em consideração já que

ocorre uma espécie de “ditadura” a qual os indivíduos são obrigados a viver.

Automaticamente a população se prende a ideias de outros e que geram dúvidas

sobre a própria existência como ocorre na obra de Huxley:

Não, o verdadeiro problema é este: como é que não posso; ou antes, pois sei perfeitamente por que é que não posso, o que eu sentiria se pudesse, se fosse livre, se não estivesse escravizado pelo meu condicionamento? (HUXLEY, 2001 p. 115)

De fato, as emoções de cada indivíduo são organizadas segundo os

aparatos capitalistas que são demostrados por uma sociedade angustiada. Em

que não há liberdade de expressão e que também é representada na canção “E

eu achando que tinha me libertado” fortalecendo as dores vividas por cada

civilização (LEONE, 2003).

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Não obstante, a ficção social se torna grotesca por expor exageros quanto

aos sentimentos humanos pois não há estabilidade nos pensamentos de cada

um como seres existentes. Na obra Huxley fica nítido entender que só haverá

felicidade em um mundo em que as pessoas tenha um modelo ideal de

percepção.

Aliás, para os idealistas da obra de Huxley uma vida bem-sucedida

contrapõe as valorizações humanas e que quando isso acontecer a humanidade

se tornará estável. Pois, deveras como cita Huxley (2001) o mundo de Admirável

mundo novo não é como Otelo obra de Shakespeare em que tudo parece estar

estável, ou seja, a estabilidade está ligada as ações instáveis segundo a fala dos

Administradores:

Porque o nosso mundo não é o mesmo mundo de Otelo. Não se pode fazer um calhambeque sem aço, e não se pode fazer uma tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, tem o que desejam e nunca desejam o que não podem ter (HUXLEY, 2001 p.256).

E que segundo o intertexto com a obra Otelo de Shakespeare as

condições sociais que as personagens da obra de Huxley viviam não

alcançariam o mundo idealizado de um dos maiores escritores universais: “Mas

esse é o preço que temos de pagar pela estabilidade. É preciso escolher entre a

felicidade e aquilo que antigamente se chamava a grande arte. Nós sacrificamos

a grande arte [...]” (HUXLEY, 2001 p. 126/127).

Considerando isso, o termo estável não é difundido quando valorizamos

a crítica emanada pela música de Leone. Em que esta demostra uma sociedade

inconformada com a manipulação política sobe seu país e que o

condicionamento governamental não contribuí com o progresso da civilização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As obras Admirável mundo novo e Admirável Chip novo possuem um

longo distanciamento de tempo de quase um século, no entanto, interligam-se

através da temática. Já que fazem menção a semelhantes situações vividas por

essas duas divergentes sociedades em questão.

É notável que as perspectivas fomentadas pelas duas obras discorrem

sobre os mesmos conflitos em ambas civilizações. Aldous Huxley propôs uma

sociedade moderna angustiada com os avanços sociológicos que manipulavam

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o âmbito social. Nesse momento, a população se via condicionada pelos

superiores em função da não liberdade de seus respectivos lugares como seres

humanos.

Assim como na canção Leone esclarece sua visão sobre aquela

determinada sociedade naquele determinando momento. Dessa forma,

contrariando os poderes governamentais e ressaltando a submissão da

população quanto aos comandos de seus superiores.

Por esse viés, a literatura comparada permitiu que os fatos que

interligavam ambas obras aparecessem com o auxílio da intertextualidade

literária. Sendo assim, foi possível condecorar os aspectos relevantes na

comparação entre os dois materiais da literatura e que de certa forma podem

contribuir com os estudos da disciplina de literatura comparada.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, R. Duas palavras sobre ficção utopia e literatura. São Paulo: Auditório Memorial da América Latina, 2016.

CARVALHAL, T. F. Literatura Comparada. São Paulo: Editora Ática, 2007.

BASSNETT, Susan. Comparative Literature: A Critical Introduction. Oxford UK & Cambridge USA: Blackwell Publishers, 1993.

BECKER, Caroline Valada. Inscrições distópicas no romance português do século XXI. Porto alegre: Programa de Pós-graduação em Letras, 2017.

GYARD, Marius François. Objeto e Método da Literatura comparada. IN: COUTINHO, E. F. (org) Literatura Comparada: Textos fundadores. Rio de Janeiro: Roco, 1994.

HUXLEY, A. Admirável mundo novo. Tradução Lino Vallandro e Vidal Serrano. São Paulo: Globo, 2001.

LEONE, Larissa. Admirável Chip Novo. Deckdisc, 2003. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/pitty/admiravel-chip-novo/>. Acesso em: 03 de setembro de 2018.

MORAIS, Irany Novah; AMATO, Alexandre Campos Moraes. Metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Editora Roca LTD, 2007.

NITRINI, S. Literatura Comparada: Teoria e critica, (2° ed.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.

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PONE, P. F. M. O momento histórico das distopias (uma leitura de The Handmaid’s tale, de Margaret Atwood, e Never let me go, de Kazuo Ishiguro, através do conceito de forças produtivas). Revista Virtual de Letras, 2014

REMAK, Henry H. Literatura comparada: definição e função. IN: COUTINHO, E. F. (org) Literatura Comparada: Textos fundadores. Rio de Janeiro: Roco, 1994.

WELLEK, René. A crise da Literatura Comparada. IN: COUTINHO, E. F. (org) Literatura Comparada: Textos fundadores. Rio de Janeiro.

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A importância da compreensão da intertextualidade na música “Além do

espelho”, de João Nogueira

The importance of the understanding of intertextuality in the song “Além do

Espelho”, by João Nogueira

Rafael Augusto Moraes Monteiro (UENP/CCP – G)

Lívia Maria Turra Bassetto (UENP/CCP – PQ)

RESUMO: Este trabalho tem como principal objetivo analisar a intertextualidade entre as obras “Espelho” e “Além do espelho”, de João Nogueira, observando como essa relação entre texto e intertexto contribui para a compreensão dos sentidos construídos no texto, seja ele verbal, não-verbal ou multimodal. A metodologia utilizada foi baseada na visão da Linguística Textual, tendo como alicerce os conceitos de linguistas renomados como Beaugrande & Dressler (1983), Koch (1997; 2009), Bentes & Leite (2010), entre outros. Nessa perspectiva, a intertextualidade é conceituada como uma influência de enunciados já preexistentes, sendo eles proferidos através da referência direta ou indireta, explícita ou implícita, que se correlacionam com outros intertextos, colaborando com novas interpretações das premissas, favorecendo diferentes sentidos para o texto. Considerando tal aparato teórico, este trabalho contempla a intertextualidade, o conhecimento prévio e a contextualização como essenciais para a melhor compreensão do texto e sua relação com o intertexto. No caso do corpus utilizado para a realização deste trabalho, se o leitor não tiver uma instrução preliminar de interpretação da música “Além do Espelho”, de João Nogueira, sua compreensão se torna restrita somente às palavras/ àquele texto, não conseguindo estabelecer a conexão intertextual e contextual que há com “Espelho”, do mesmo autor, o que prejudicaria a compreensão de referências intertextuais das canções que abordam o mesmo tema e ritmo. PALAVRAS-CHAVE: Linguística textual. Intertextualidade. Música.

INTRODUÇÃO

A linguística textual teve sua eclosão na Europa, em resposta ao

desconforto das teorias utilizadas nas análises de textos da época, visando

primeiramente o estudo dos mecanismos interfrásticos que são parte do sistema

gramatical da língua, conforme destaca Koch (2009).

Sua progressão foi de forma heterogênea, como cita Bentes (2006), tal

que houve três fases independentes: análise interfrásticas (ligações de frases

coerentes para formar um texto, como exemplo as metarregras de Michael

Charolles), gramática de texto (verificando a legitimidade daquele “amontoado

de frase” ser um texto, observando os recursos linguísticos utilizados e

diferenciando-os em suas características, fornecendo melhor base para o estudo

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do texto e da conversação) e a teoria do texto (indo além da abordagem sintático-

semântica, dando alusão à comunicação e interação humana – os textos deixam

de ser vistos como produtos acabados e passam a ser elementos constitutivos

de uma atividade complexa conforme afirma Heinemann (apud KOCH, 2009).

Portanto, partindo de uma elucidação meramente superficial, ao “final”, temos

uma disciplina com forte tendência sócio-cognitivista (KOCH, 2002),

instaurando-se uma nova concepção de texto, contexto e textualidade.

Ou seja, anteriormente, as análises realizadas pela Linguística Textual

limitavam-se ao nível da frase, porém, com o desenvolvimento da área, esta

passou a olhar para o texto numa perspectiva interacional, visto que o uso da

língua se dá na interação social, em um determinado contexto, envolvendo

sujeitos que se valem da língua para agir e interagir na sociedade. De acordo

com Koch (2004, p. 11):

A Linguística Textual toma, pois como objeto particular de investigação não mais a palavra ou a frase isolada, mas o texto, considerado a unidade básica de manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do texto. O texto é muito mais que a simples soma das frases (e palavras) que o compõem: a diferença entre frase e texto não é meramente de ordem quantitativa; é sim, de ordem qualitativa. (KOCH, 2004, p. 11)

Assim, passa-se a abordar também a definição de língua e texto na

perspectiva sociocognitivo-interacionista, definindo-os a partir do envolvimento

dos conhecimentos (cognição) linguísticos, de mundo e interlocucional, ou seja,

o texto e a língua são trabalhados como formas de interação social,

considerando-se fatores sociais, culturais e históricos. O texto, portanto, é a

materialização linguística, um ato comunicacional por meio do qual os sujeitos

interagem com outros e com o mundo. Diante desse olhar sobre o texto, a análise

textual vai além das questões estruturais da língua, mas envolve também

aspectos semânticos, lexicais, pragmáticos.

Intrínsecos às perspectivas citadas, a Linguística Textual passa a

considerar como elemento relevante de seus estudos a textualidade, como um

dos principais fatores de entendimento do texto. A esse respeito, Beaugrande &

Dressler (1983) destaca como elementos fundamentais os fatores de

textualidade: coesão, coerência, situacionalidade, informatividade,

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intencionalidade, aceitabilidade e intertextualidade, estando as duas primeiras

mais relacionadas ao cotexto e as demais, ao contexto.

Embora todos os fatores de textualidade sejam importantes para a análise

textual, neste trabalho, destacaremos a intertextualidade, foco da pesquisa.

INTERTEXTUALIDADE

Dentre os sete critérios estabelecidos por Beaugrande & Dressler (1983)

– coesão, coerência, situcionalidade, informatividade, intertextualidade,

intencionalidade e aceitabilidade –, este trabalho tem como ênfase a

intertextualidade em sentido amplo, restrito (implícito e explícito), temático e

estilístico, na perspectiva apresentada por Koch et al. (2008).

Para se compreender melhor o conceito de intertextualidade, é preciso

recuperar algumas definições de estudiosos da Linguística Textual. Koch e

Travaglia (1995), ao tratar desse fator de textualidade, destacam:

Conforme Beaugrande e Dressler, a intertextualidade compreende as diversas maneiras pelas quais a produção e recepção de dado texto depende do conhecimento de outros textos por parte dos interlocutores, isto é, diz respeito aos fatores que tornam a utilização de um texto dependente de um ou mais textos previamente existentes. (KOCH; TRAVAGLIA, 1995, p. 88).

Ou seja, para melhor compreender um texto no qual a intertextualidade

foi empregada, é necessário que se recupere o texto que lhe serviu de base, de

modo que, assim, se possa estabelecer relações de sentido entre eles.

A respeito da intertextualidade em sentido amplo, considera-se todo

intertexto um texto, sendo ele um componente decisivo das condições de

produção, já que “um discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas

constrói-se através de um já-dito em relação ao qual toma posição”

(MAINGUENEAU, 1976, apud KOCH, 1997), ou seja, nenhum texto surge de

forma espontânea e, sim, como fruto de uma miscelânea e transformação de

intertextos.

Já sobre a intertextualidade em sentido restrito, Koch et al. (2008) definem

como a relação de um texto com outros textos já escritos, podendo-a ter caráter

explícito, quando há, de forma clara a citação da referência, ou implícito, quando

esta se dá de forma que a referência ocorra sem citação, ou seja, este recurso

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força o leitor a retomar conceitos na memória para construir o sentido do texto,

como ocorre também com as paráfrases. Tanto a intertextualidade explícita

quanto a implícita são, segundo Koch e Travaglia (1995), de suma importância

para a construção da coerência textual.

A intertextualidade estilística ocorre quando o autor parodia, imita ou faz

alusão a certo intertexto, ou seja, reinventa um texto pré-existente, utilizando de

uma afirmação prévia. Koch, Bentes e Cavalcante (2008) caracterizam este tipo

de intertextualidade como stricto sensu, isto é, quando o autor recorre e elucida

a um intertexto já escrito.

Quanto à intertextualidade temática, esta ocorre quando há o uso de

termos concisos e marcantes de gêneros de uma mesma esfera, sendo,

geralmente, o fator determinante o vocabulário utilizado. As autoras, já citadas

previamente, definem como intertextualidade temática, quando dois ou mais

textos mantêm diálogos entre si, na forma de partilhar um mesmo tema. Citam-

se, como exemplo, os diferentes textos encontrados na esfera jornalística.

METODOLOGIA

Justifica-se a utilização das músicas “Espelho” e “Além do Espelho”, de

João Nogueira, devido à notória presença da intertextualidade, de modo que o

autor dialoga com seu texto, recuperando-o em seu novo texto, o que leva com

que o leitor resgate, muitas vezes, o conhecimento de mundo e o conhecimento

das próprias autorias do compositor.

Para análise desses textos, este trabalho tem como amparo a Linguística

Textual, com definições majoritariamente elaboradas por autores como Koch

(1997; 2009) e Bentes & Leite (2010), a fim de elaborar uma análise das canções

e incentivar o leitor a sempre buscar informações extratextuais, e não se prender

somente ao que está escrito superficialmente.

Portanto, este trabalho é fruto de uma pesquisa qualitativa, que, por meio

de interpretações e análises textuais, chegou-se à presente conclusão, na

tentativa de esclarecer, ao máximo, todos os detalhes do processo estudado.

ANÁLISE DO CORPUS

João Nogueira (1941-2000) foi um cantor e compositor brasileiro que ficou

famoso principalmente pela sua voz sui generis, ou seja, totalmente singular e

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única – uma peculiaridade da família Nogueira –, tendo em sua carreira diversas

composições, como a música “Espelho”, lançada em 1977. A letra desta canção

pode ser considerada como autobiográfica e se constitui, sumariamente, de

declarações de afeto que o compositor faz para seu progenitor, protagonista

nesta obra, podendo ser atribuída a João Batista Nogueira.

Nos primeiros versos, o autor retrata o seu nascimento “nos melhores

dias”, utilizando-se da intertextualidade para aludir ao ano de 1941, período em

que o defensor do nacionalismo, Getúlio Vargas, era presidente do Brasil – o

cantor chegou a ser considerado simpatizante com a tese ideológica, onde no

início dos anos 70 ficou famoso pela obra “Das 200 milhas pra lá” de tom

nacionalista. João retoma também sua infância, chegando a mencionar seu pai,

que além de advogado, era também instrumentista e violonista.

Nascido no subúrbio nos melhores dias Com votos da família de vida feliz Andar e pilotar um pássaro de aço Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço Com as fardas mais bonitas desse meu país O pai de anel no dedo e dedo na viola Sorria e parecia mesmo ser feliz

Logo mais adiante, o refrão é consignado, e nele o protagonista tem um

sentimento de nostalgia, retomando como a infância com seu pai era aprazível,

chegando a repetir “E de fazer canções como as que fez meu pai” três vezes,

para reforçar a proposição do nome da canção.

Eh, vida boa Quanto tempo faz Que felicidade! E que vontade de tocar viola de verdade E de fazer canções como as que fez meu pai (Bis)

Na terceira estrofe, é relatada a morte de João Batista Nogueira - que o

compositor perdera aos dez anos de idade - através de um eufemismo suave,

de forma estratégica, para não impactar o ouvinte de forma negativa. O músico

retoma novamente o sentimento de saudade e nostalgia, registrando o seu

sonho, que era ser jogador de futebol, mas acabou frustrando-se por uma

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contusão e seu progenitor não estava lá para atenuar sua angústia (“Foi mais

uma vontade que ficou pra trás”).

Num dia de tristeza me faltou o velho E falta lhe confesso que ainda hoje faz E me abracei na bola e pensei ser um dia Um craque da pelota ao me tornar rapaz Um dia chutei mal e machuquei o dedo E sem ter mais o velho pra tirar o medo Foi mais uma vontade que ficou pra trás

Na quarta estrofe, o refrão é recitado novamente, dessa vez com

alterações, já que seu pai estava finado. João expõe sua inquietude e

melancolia, enunciando que, ainda quando criança, culpou Deus por levar seu

mentor. Novamente, no último verso do refrão, o compositor repete, dessa vez,

“Troquei de mal com Deus por me levar meu pai” três vezes, assim como na

primeira ocorrência do refrão.

Eh, vida à toa Vai no tempo vai E eu sem ter maldade Na inocência de criança de tão pouca idade Troquei de mal com Deus por me levar meu pai (Bis)

Nesta penúltima estrofe, João já adulto e independente, de forma

inconsciente se personifica em seu pai: se torna músico, tem filhos e pretende

que eles se tornem o espelho do espelho que ele foi.

E assim crescendo eu fui me criando sozinho Aprendendo na rua, na escola e no lar Um dia eu me tornei o bambambã da esquina Em toda brincadeira, em briga, em namorar Até que um dia eu tive que largar o estudo E trabalhar na rua sustentando tudo Assim sem perceber eu era adulto já

Nos versos finais, é retomado o refrão, novamente de forma adaptada.

João reconhece que a vida passou rápida e a saudade do pai perdurou, e

confessa que seu maior medo é se um dia ele se frustrar – “Eu temo se um dia

me machuca o verso”, ou seja, ele teme que seus filhos não sigam os caminhos

do pai. “E o meu medo maior é o espelho se quebrar” é a última frase da música,

dando ênfase mais uma vez no propósito contextual da música.

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Eh, vida voa Vai no tempo, vai Ai, mas que saudade Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade E orgulho de seu filho ser igual seu pai Pois me beijaram a boca e me tornei poeta Mas tão habituado com o adverso Eu temo se um dia me machuca o verso E o meu medo maior é o espelho se quebrar (Bis)

Em 1992, João Nogueira lança a música “Além do Espelho”, já nos anos

finais de sua carreira. Esta canção, em suma, tem como protagonista João

Nogueira na posição de pai, tendo como alvo de seus versos, os filhos. O nome

da música se inter-relaciona com a anterior, podendo-se caracterizar através da

intertextualidade estilística (KOCH et al., 2008), já que ambas se estabelecem

semelhanças logo nos nomes das canções, e mais adiante, no contexto.

Também é possível constatar a presença da intertextualidade temática, já

que o vocabulário é bastante semelhante e muitas vezes se inferem o mesmo

significado, como é o caso do vocábulo “espelho” presente em ambas, sendo o

mesmo tema e contexto. Verifica-se também a afinidade rítmica entre “Espelho”

(1977) e “Além do Espelho” (1992), sendo ambas tocadas em “tom G”, e como

característico do samba-canção de Nogueira, é sempre estendida a última

palavra das frases contidas nos versos.

Nos primeiros versos de “Além do Espelho” (1992), João retoma o

falecimento de seu pai, por meio de versos maviosos para suavizar a expressão

“morte”, Inter textualizando-se de forma restrita e implícita com a terceira estrofe

de “Espelho” – em que foi utilizada a figura de linguagem eufemismo. No trecho

“Assim como meu olho dá conselho”, o compositor personifica a si próprio no

órgão, tornando-se reflexo e exemplo do que seu pai foi.

Quando eu olho o meu olho além do espelho Tem alguém que me olha e não sou eu Vive dentro do meu olho vermelho É o olhar de meu pai que já morreu O meu olho parece um aparelho De quem sempre me olhou e protegeu Assim como meu olho dá conselho Quando eu olho no olhar de um filho meu

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Na segunda estrofe, é consignado o refrão, assim como na música

“Espelho”, Inter textualizando-se novamente de forma estilística e implícita,

porém dessa vez o refrão permanece o mesmo até o final da canção. Nesses

versos, João enfatiza que a vida é uma missão, ou seja, existe uma obrigação a

ser cumprida: passar os valores e a honestidade para os filhos – “Pois quando o

espelho é bom / Ninguém jamais morreu”, ou seja, quando o exemplo bom é

pregresso, ninguém se desvirtua.

A vida é mesmo uma missão A morte uma ilusão Só sabe quem viveu Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu

Na terceira estrofe, o compositor vale-se da intertextualidade novamente

com os versos da terceira estrofe da música “Espelho”, retomando o sentimento

de saudade e nostalgia e utilizando-se do eufemismo para evitar impactar de

forma negativa o ouvinte. Nesses versos, João retoma a lembrança que tem de

seu pai quando ele olha para seu filho – percebe que seu filho está sendo o

espelho do espelho que ele é, e de forma indireta João Nogueira Batista ainda

“vive”, através dos princípios morais repassados de geração em geração.

Sempre que um filho meu me dá um beijo Sei que o amor de meu pai não se perdeu Só de olhar seu olhar sei seu desejo Assim como meu pai sabia o meu Mas meu pai foi-se embora no cortejo E eu no espelho chorei porque doeu Só que vendo meu filho agora eu vejo Ele é o espelho do espelho que sou eu A vida é mesmo uma missão A morte uma ilusão Só sabe quem viveu Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu

Nessa estrofe, o compositor exprime que todas as pessoas carregam

algum costume ou valor consigo proveniente de seu antecessor. Posteriormente

retoma o pesar e a saudade que tem de seu pai, afirmando que ele era um molde

a ser seguido, e que fez um bom “trabalho”, e que, dessa vez, João quer que

seus filhos sigam seu exemplo – dando alusão novamente à música “Espelho”.

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Toda imagem no espelho refletida Tem mil faces que o tempo ali prendeu Todos têm qualquer coisa repetida Um pedaço de quem nos concebeu A missão de meu pai já foi cumprida Vou cumprir a missão que Deus me deu Se meu pai foi o espelho em minha vida Quero ser pro meu filho espelho seu A vida é sempre uma missão A morte uma ilusão Só sabe quem viveu Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu

Por fim, o músico repete o estribilho “E o meu medo maior é o espelho se

quebrar” quatro vezes - finalizando com a mesma frase que terminou a canção

“Espelho” - ou seja, seu maior medo é se frustrar e que seus filhos se desvirtuem,

tendo como intertextualidade no trecho “Eu temo se um dia me machuca o verso”

na música “Espelho”.

Portanto, conclui-se que há uma clara relação intertextual entre as

canções, que abordam o mesmo tema e retratam uma mesma mensagem: que

os filhos sigam o espelho que seus pais foram. É notória a bagagem de

sentimentos que ambas músicas conduzem, sendo através da utilização da

intertextualidade, que João consegue resgatar pensamentos e valores sublimes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caracteriza-se como intertextualidade qualquer influência de um texto

sobre o outro, podendo ser através da referência direta ou indireta, utilizando o

texto já escrito como ponto de partida, como definem Koch et al. (2008).

Portanto, para uma melhor compreensão da música é necessário o

conhecimento prévio de “Espelho” (1977), caso contrário, a canção ficará mais

vaga, ou, pelo menos, sem a compreensão profunda de todas as suas

referências.

Através da análise qualitativa que foi feita no corpus deste trabalho,

chega-se à conclusão de que os textos estão intrinsicamente ligados, tendo

como início logo em seus títulos, em que “Espelho” é escrito com a letra

maiúscula. Mais adiante, aplicam-se as diversas teorias de intertextualidade

elaboradas por escritores como Koch, Bentes e Cavalcante, que, no decorrer

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das canções, são perceptíveis. Por fim, verifica-se também a semelhança

rítmica, fundamental para o estudo.

A capacidade de retomar os intertextos torna essencial para melhor

fluidez de muitos conteúdos, por isso a importância da intertextualidade e sua

compreensão. Assim sendo, o fenômeno intertextualidade é fundamental para

compreensão textual, visto que só é capaz entender o intertexto se

relacionarmos com o contexto.

REFERÊNCIAS

BEAUGRANDE, R. A.; DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics. London: Longman, 1983.

BENTES, A. C. Linguística Textual. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2006.

BENTES, A. C. & LEITE, M. Q (org). Linguística de texto e análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.

KOCH, I. G. V. A coesão textual. 19. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Contexto, 2002.

______. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. 2.ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

______. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

KOCH, I. G. V., BENTES, A. C., CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: Diálogos Possíveis. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2008.

KOCH, I.V. & TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. São Paulo, Contexto, 1995.

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Inclusão de alunos com necessidades especiais: problemáticas em torno do

processo de ensino-aprendizagem

Inclusion of special needs students: problematic around the teaching-learning

process

Gabriela Martins Mafra (UNICENTRO - PG)

Aparecida de Fátima Martins Mafra (EFM)

RESUMO: A inclusão de alunos com necessidades especiais é uma realidade, está presente em praticamente todas as escolas do ensino fundamental, é lei (BRASIL, 1996). Todavia, ainda é preciso discutir algumas problemáticas relacionadas à educação especial para que ela não seja uma utopia. Há fatores básicos que influenciam diretamente o desenvolvimento desses alunos, dentre eles: a infraestrutura escolar, a formação profissional, o compromisso profissional e o compromisso familiar. Este trabalho objetiva discutir essas problemáticas por meio de uma análise linguística (BEZERRA; REINALDO, 2013) de dois instrumentos de geração de dados: um questionário escrito e uma entrevista oral com um professor da educação básica que atua há 12 anos na educação especial. A pesquisa é de natureza qualitativa (COHEN; MANION; MORRISON, 2007) e enquadra-se como um estudo de caso (JOHNSON, 1992). Os resultados demostram que essas problemáticas estão presentes no processo de inclusão do aluno com necessidades especiais. Constata-se com a pesquisa que esses fatores precisam ser pensados por todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem: pais, profissionais da escola e sociedade em geral. Almeja-se, assim, contribuir com pesquisas relacionas ao sentimento de pertencimento ao ambiente escolar, de alunos com necessidades especiais. PALAVRAS-CHAVE: Educação especial. Inclusão. Profissionais da educação.

INTRODUÇÃO

Este trabalho advém de estudos desenvolvidos no Programa de Pós-

graduação em Educação Especial Inclusiva, ofertado pela Faculdade São Braz.

Nele discute-se problemáticas envoltas na inclusão de alunos especiais. A

relevância desse tema está em discutir problemas reais da educação especial

(DUARTE, 2016).

O objetivo deste artigo é analisar quais são as problemáticas envolvidas no

trabalho com a educação especial inclusiva, principalmente, com alunos dos anos

iniciais do ensino fundamental.

Primeiramente, por meio de uma entrevista exploratória, elenca-se as

principais problemáticas envoltas na inclusão de alunos especiais, em seguida

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realiza-se uma pesquisa bibliográfica sobre essas problemáticas e, assim,

trazem-se fundamentações que discutem esses pontos, a diante expõe-se uma

entrevista oral e um questionário escrito com as mesmas perguntas, a fim de

comparar as respostas e complementar as ideias, por fim analisa-se tanto o

questionário quanto e, principalmente, a entrevista. Nesse sentido, a metodologia

utilizada para elaborar este artigo foi um estudo de caso (JOHNSON, 1992), de

natureza qualitativa (COHEN; MANION; MORRISON, 2007).

Além desta introdução, das Considerações finais e das Referências, o

artigo está organizado em quatro partes principais. Na primeira, traz-se

documentos que tratam da educação especial inclusiva. Na segunda parte, a

partir de uma pesquisa exploratória apresenta-se problemáticas envolvidas no

trabalho com a educação especial inclusiva, na educação básica. Na terceira

parte, é exposto o contexto empírico da pesquisa, bem como seu sujeito de

pesquisa. Por fim, na quarta, e última, parte é discutido essas problemáticas por

meio de uma análise linguística (BEZERRA; REINALDO, 2013) tendo como

instrumento para a análise as entrevistas orais e escritas realizadas com o sujeito

de pesquisa.

EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA

Primeiramente, cabe compreender o papel da educação especial

inclusiva e quais as prescrições em relação a ela. Sabe-se que a educação

especial inclusiva é garantida pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com

Deficiência, lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Ela é destinada a assegurar e a

promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades

fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e

cidadania (BRASIL, 2015, art. 1).

Outra lei que rege a educação, inclusive a educação especial é a lei

9394/96 “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”. No Art. 58 assegura

que aos alunos com deficiência devem frequentar, preferencialmente, a rede

regular de ensino, com professores capacitados em condições adequadas, com

currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica para

atender suas necessidades (BRASIL, 1996).

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A Declaração de Salamanca é outro documento importantíssimo. Foi

elaborada por 88 governantes de países do mundo, os quais se reuniram em

Salamanca, na Espanha, e assinaram um documento se comprometendo em

assegurar às pessoas com deficiência melhorias no acesso à educação, escolas

eficazes, combate ao preconceito, garantia de capacitação ao professor. Além

disso, muitas outras leis foram elaboradas, votadas e sancionadas para garantir

à pessoa portadora de necessidades especiais um ensino de qualidade ao ser

inserido na rede regular de ensino. Nesta perspectiva, questiona-se o que impede

que isso ocorra?, Quais mecanismos precisam ser acionados para que estas leis,

que foram citadas, e tantas outras existentes saiam do papel e possibilitem a

esses educandos um direito que já lhes pertence?

FATORES INFLUENTES NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Neste tópico, encontra-se uma pesquisa bibliográfica em relação a fatores

determinantes no trabalho com a educação especial inclusiva.

INFRAESTRUTURA ESCOLAR

Pensar em inclusão escolar é pensar em uma gama de transformações

que precisam acontecer em diferentes segmentos, entre eles a acessibilidade do

educando em todos os ambientes da escola. Não há inclusão se o aluno não

tiver acesso a todo espaço físico da escola. Segundo Lopes e Capellini (2015, p.

93),

A acessibilidade física consiste na remoção de barreiras de um determinado espaço para que todos tenham acesso a ele. As condições de acessibilidade física nas escolas são precárias, principalmente, quanto à presença de barreiras arquitetônicas, visto que muitas construções são antigas, construídas quando o paradigma da inclusão ainda não existia. Além disso, não se considerava a presença dos alunos com deficiência, em classes regulares.

Nesta perspectiva, pode-se entender que a inclusão não acontece de

forma completa e total, seria necessário que as escolas fossem adaptadas para

depois oferecer a inclusão. A adaptação vai desde construir rampas de acesso,

ambientes claros e arejados, banheiros adaptados ou salas completamente

escuras, entre tantas outras necessidades que um aluno incluso precise para se

sentir confortável e pertencente ao ambiente escolar.

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FORMAÇÃO PROFISSIONAL

A formação profissional vai desde os cursos técnicos na área de ensino,

a licenciatura, a pós-graduação até os constantes cursos de aperfeiçoamento.

Segundo a lei nº 12.056, de 13 de outubro de 2009, no art. 62, em seu primeiro

inciso “a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de

colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação

dos profissionais de magistério”. Nesse sentido, pode-se observar que é dever

dos órgãos públicos assegurar a formação adequada aos profissionais da

Educação. De acordo com Lopes e Capellini (2015, p. 95),

O professor por sua vez, com esse novo quadro [de inclusão], precisa estar preparado para trabalhar, pedagogicamente, com as necessidades e diferenças dos alunos. Nesse sentido, emerge o princípio de que os professores devem trabalhar em equipe e não sozinhos. Equipe está que se caracteriza pela colaboração e cooperação, além da busca por um objetivo comum atrelado ao oferecimento de uma educação de qualidade para todos os alunos.

Infelizmente, isso não é algo comum às escolas, pois não oferecem uma

equipe multidisciplinar. O professor acaba tendo que tomar todas as decisões

relativas às aprendizagens dos alunos. O que é um problema, pois ele não

possui tempo hábil para isso, e tão pouco capacitação suficiente. Segundo a

Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.9),

Para crianças com necessidades educacionais especiais uma rede contínua de apoio deveria ser providenciada, com variação desde a ajuda mínima na classe regular até programas adicionais de apoio à aprendizagem dentro da escola e expandindo, conforme necessário, à provisão de assistência dada por professores especializados e pessoal de apoio externo

.

COMPROMISSO PROFISSIONAL

Pensar em educação é pensar em compromisso, ética e

responsabilidade, tudo isso implica em tomadas de decisões. Nesse sentido,

Há que se levar em conta as escolhas do professor para ensinar e as do aluno para aprender. Essas escolhas não são espontâneas, aleatórias, mas demandam decisão, seleção de um caminho de aprendizagem, de uma metodologia de ensino, do uso de recursos didáticos pedagógicos. Da parte do aluno, essa escolha é mais limitada, pois o professor, por mais que seja aberto e acessível ao modo de aprender do aluno, não está ensinando individualmente, mas desenvolvendo um trabalho pedagógico coletivamente organizado,

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que tem limites para essas diferenças (BATISTA; MANTOAN, 2006, p.7).

Dessa forma, os objetivos escolares devem estar muito claros, tanto para

os alunos quanto para todos os profissionais da escola, com metas pré-

estabelecidas, planejamentos diferenciados e capazes de atender as

necessidades educacionais do aluno incluso.

O processo de ensino e aprendizagem dos alunos é diferenciado, cada

um tem um tempo de aprendizagem, sempre temos facilidades em algumas

disciplinas e dificuldades em outras, o mesmo ocorre com o aluno incluso, ao

professor cabe ter um olhar, ética e respeito por cada aluno e por suas

particularidades.

Batista e Mantoan (2006, p.12) salientam que,

O caráter elitista, meritocrático, homogeneizador e competitivo dessas escolas oprimem o professor e o reduz a uma situação de isolamento e impotência, principalmente frente aos seus alunos com deficiência mental, pois são aqueles que mais amarram o desenvolvimento do processo escolar, em todos os seus níveis e séries. Diante disso, a saída encontrada pela maioria desses professores é desvencilhar-se desses alunos que não acompanham as turmas, encaminhados para qualquer outro lugar que supostamente entenda como ensiná-los.

Por se sentir só, nesse processo, sem equipe multidisciplinar, com

gestores que, muitas vezes, não são especializados e não compreendem o

processo de ensino e aprendizagem, o professor opta por escolher uma sala

onde não há inclusão, deixando, assim, para os professores com menor tempo

de serviço e pouca experiência o papel assumir esse trabalho. De acordo com

Sant’Ana (2005, p. 228),

Na inclusão educacional, torna-se necessário o envolvimento de todos os membros da equipe escolar no planejamento de ações e programas voltados à temática. Docentes, diretores e funcionários apresentam papéis específicos, mas precisam agir coletivamente para que a

inclusão escolar seja efetivada nas escolas.

Sant’Ana (2005) também acrescenta que é essencial que esses

profissionais continuem seu desenvolvimento profissional, que aprofundem seus

estudos tendo como objetivo uma melhoria no sistema educacional.

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COMPROMISSO FAMILIAR

Para a família é muito difícil internalizar que tem um filho portador de

necessidades especiais. Conscientizar a família das dificuldades dos filhos não

é tarefa fácil, mas é extremamente necessária, pois a escola precisa desta

parceria para ser bem-sucedida. Quando inconscientes os pais tendem a ser

superprotetores dificultando, muitas vezes, o processo. Dessa forma, precisa

existir uma parceria entre escola e família, pois essa relação interfere no

desenvolvimento da criança. Existem muitas informações a respeito da criança

que os professores precisam compartilhar com os pais, tais como:

medicamentos, alergias, atividades extraclasse, dentre outro.

De acordo com Silva (2015, p.14249), “a ligação da família com a escola

potencializa o processo de ensino e aprendizagem do educando, na etapa

educacional. A escola complementa as ações da família e vice-versa”.

CONTEXTO EMPÍRICO DA PESQUISA

O tipo de estudo qualitativo que esta pesquisa segue é o estudo de caso

(COHEN; MANION; MORRISON, 2007), pois ele tem por objetivo proporcionar

vivência da realidade por meio da discussão, análise e tentativa de solução de

um problema extraído da vida real, estabelecendo relação entre a teoria e a

prática. O pesquisador pode levar outros professores, leitores dos relatórios dos

estudos de caso a reflexões sobre seus próprios contextos de trabalho

(JOHNSON, 1992).

Para analisar como os fatores: infraestrutura escolar, formação

profissional, compromisso profissional e compromisso familiar influenciam na

educação especial inclusiva utilizamos dois instrumentos de coleta de dados: um

questionário escrito (cf. quadro 1) e uma entrevista oral (cerca de 18 minutos).

Ambos possuem os mesmos questionamentos, em relação às problemáticas, e

foram realizados com uma professora da rede municipal da cidade de Santa

Amélia. Traremos, adiante, o questionário escrito e trechos transcritos da

entrevista oral com marcação do período de fala.

A análise linguística, refere-se ao, “ato de descrever e explicar ou

interpretar aspectos da língua” (BEZERRA e REINALDO, 2013, p.21). As

análises linguísticas podem ser constituídas de “análises semânticas de

substantivos, verbos, adjetivos e preposições, enfatizando seus semas e suas

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relações sintáticas na frase” (LOBATO et al., 1975 apud BEZERRA; REINALDO,

2013, p.22).

A professora, sujeito da pesquisa, atua desde o ano de 1993 na educação

básica, é pedagoga e especialista em Educação Especial, além disso, tem

formação em Direção supervisão e orientação educacional, Gestão e educação

ambiental, Psicopedagogia institucional e clínica. Trabalha, há 12 anos, na

educação especial. O contexto a ser analisado é a “Escola Municipal Prefeito

Francisco Da Silva Leal” - Ensino Fundamental, que atente aproximadamente

490 alunos nos períodos matutino, vespertino e noturno, localizada na cidade de

Santa Amélia.

ANÁLISE DAS PROBLEMÁTICAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA

NAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Traz-se, a seguir, um quadro com as perguntas e respostas realizadas

com a professora em estudo, a qual denominamos de A.M, optou-se por não

expor o nome do sujeito de pesquisa para protegê-lo, conforme orientam

Gonçalves, Silva e Góis, (2014).

As respostas ao questionário preservam a escrita da professora. Nesse

sentido, não houve nenhuma intervenção no dizer dela. Também se utiliza para

a análise trechos da entrevista oral, os quais sofreram pequenas supressões,

algumas exclusões de repetições para tornar mais objetivo o texto e facilitar o

entendimento da mensagem.

Quadro 1 – Fatores que influenciam no ensino-aprendizagem de alunos com necessidades especiais

Infraestrutura escolar Na sua visão, as escolas municipais que você atuou estão aptas para incluir os alunos com necessidades especiais?

As escolas não estão aptas a receber todos os alunos por diversas razões entre elas: falta de adaptação estrutural, ausência de equipe multidisciplinar, profissionais despreparados para a inclusão.

Formação profissional Na sua concepção a formação dos profissionais da educação especial inclusiva é adequada? Dê exemplos de situações que comprovam sua tese?

Não são adequados, os cursos de capacitação oferecidos pela secretaria de educação, dificilmente, são dirigidos à educação especial, quando a secretaria oferece é em outros municípios, e os professores, dificilmente, se dispõem a participar, mesmo porque são aos sábados ou à noite, dificultando assim uma formação eficaz,

Compromisso familiar Em que medida as famílias são conscientes em relação à condição especial de seus filhos? E qual o grau de comprometimento no

Com a falta da equipe multidisciplinar, os pais não recebem acompanhamento adequado, não sabendo ou não compreendendo corretamente o problema de seus filhos, sendo

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processo de ensino-aprendizagem de seus filhos?

assim não são participativos no processo de ensino e aprendizagem de seus filhos, aparecem no final do ano e ficam muito decepcionados quando são reprovados, não há um acompanhamento eficaz.

Compromisso profissional Com base na sua vivência profissional e no seu coletivo de trabalho, você acredita que as ações desenvolvidas pelos professores dão condições para a aprendizagem de alunos portadores de necessidades especiais?

Na maioria dos casos não, os professores não tem apoio de equipe pedagógica e multidisciplinar, não há com quem partilhar suas dúvidas e anseios, assim fazem o possível dentro de suas possibilidades, mas esse possível está muito longe da inclusão ideal.

Fonte: as autoras.

Na primeira pergunta, os substantivos “falta” e “ausência” marcam a

definição da professora em relação à infraestrutura escolar. Segundo o Dicionário

Priberam da Língua Portuguesa, falta é “1. Ato ou efeito de faltar; 2. Ausência de

coisa precisa, útil ou agradável; 3. Privação, carência [...]”. Sabe-se que a

infraestrutura é útil e necessária até essencial para o aluno da educação especial

e pode tornar-se agradável e possibilitar o ensino-aprendizagem dependendo do

ambiente. Segundo a professora, “vamos falar da estrutura física, a escola tem

muitas escadas, muitos paredões, oferece muito risco para a criança. A criança

pode cair e se machucar” (entrevista oral, trecho 02:00 - 02:21).

Percebe-se que o muito adquire função de um adjetivo: “muitas escadas”;

“muitos paredões”; “muito risco” que se referem a substantivos e concordam em

gênero e número. Essa repetição do adjetivo mostra como a escola tem muitos

problemas arquitetônicos (LOPES; CAPELLINI, 2015), na visão de A.M. O que

se comprova com os trechos seguintes de fala: “as salas de aula não têm [a]

menor adaptação, os banheiros não são adaptados, [em] todos banheiros as

crianças têm que subir escadas para ela ir ao banheiro. Então, no caso de criança

cadeirante e criança cega ela estaria impossibilitada de ir ao banheiro” (entrevista

oral, trecho 02:30 – 02:55). A docente exemplifica como o ambiente e a

infraestrutura prejudicam a aprendizagem da criança. Segundo a professora,

para “a criança que é cega, o ambiente tem que ser um ambiente estático,

porque nessa sala, a partir dos passos dela ela sabe onde estão os armários,

ela sabe onde é a mesa do professor, onde é a mesa dela e nessa sala todo dia

é revirada a sala, ou um dia a mesa do professor está no fim da sala, outro dia

está no começo. Então ela não tem condições” (entrevista oral, trecho 04:10 -

04:40). Compreende-se pela expressão “ela sabe”, a visão de ator, dotando de

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capacidades, motivos e intenções, que a professora tem dos alunos

(BRONCKART, 2008).

Em relação à formação profissional, a professora responde no questionário

que não há formação adequada e suficiente. Mas na entrevista oral comenta que

“durante esses 24 anos que estou trabalhando, nós já tivemos vários cursos.

Todos os anos nós temos, no início e no meio do ano temos capacitação. Na

capacitação há fóruns relacionados à educação especial. Fora isso, se tiver um

curso nas faculdades, por exemplo, em Jacarezinho, em Cornélio Procópio

relacionado à educação especial, que o professor se interessar a secretaria de

educação paga esse curso, dá transporte, dá lanche para os professores

poderem se deslocar. Inclusive eu já fiz um em Jacarezinho de 40 horas e fiz

outro em Cornélio Procópio também de 40 horas” (entrevista oral, trecho 05:50 –

06:39). Percebe-se que o município que o sujeito de pesquisa atua é bem flexível

e dá oportunidade para a formação. O problema está na disponibilidade dos

professores de participarem, conforme pode ser observado no quadro 1.

A constatação da professora é que “existe uma falta de comprometimento

profissional muito grande, porque nas cidades pequenas a política estraga muito”

(entrevista oral, trecho 07:16 – 07:26). Percebe-se, que nesse trecho, a

professora justifica a falta de compromisso por causa da política. Em seguida,

argumenta que “independente de política, de gostar ou não gostar da gestão,

você, o professor tem um compromisso ético com o aluno. O Aluno tem direito ao

melhor ensino, a um ensino de qualidade. Todos os alunos, inclusive, e,

principalmente, os alunos especiais” (entrevista oral, trecho 07:54 – 08:16). A

professora apresenta durante a entrevista marcas dialógicas/conversacionais,

como, por exemplo, o uso de “você” querendo trazer o entrevistado para a

conversa. A escolha do pronome de tratamento “você” marca a informalidade de

tratamento entre entrevistador e entrevistado, assim como indica o papel social

do entrevistador (professor). Já o advérbio “inclusive” é utilizado no sentido de

com inclusão dos alunos especiais e é reforçado pela repetição de outro advérbio,

o “principalmente” que acrescenta valor a frase. Ele demostra que para essa

professora os alunos especiais têm direitos, assim como os outros, a uma

educação de qualidade e principalmente eles, pois esse direito é muitas vezes

desrespeitado.

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A docente também comenta que “o professor não tem apoio da direção, não

tem apoio da coordenação, o professor se vê sozinho em um maremoto, sem ter

onde se apegar” (entrevista oral, trecho 08:52 – 09:35).

Nesse sentido, a professora expõe que não tem apoio do seu coletivo de

trabalho, Lopes e Capellini (2015) apontam como é importante que os

professores trabalhem em equipe.

Compreende-se que o compromisso profissional deve estender-se a todos

os funcionários da escola, segundo a professora, na escola “não tem

psicopedagoga, não tem fonoaudióloga, não tem psicóloga, ninguém. O professor

se vê sozinho. A escola não tem profissional suficiente, a pedagoga vive em sala

de aula substituindo, pois não tem substituta. Então a pedagoga nem olha, nem

sabe o que está trabalhando e o que não está. Então o que importa é que os

alunos são aprovados no final do ano. E que a diretora seja bem tratada”

(entrevista oral, trecho 11:09 – 11:48). Esse trecho demostra um grande

descontentamento marcado pela repetição do “não” e da contradição o que

importa não é a aprendizagem dos alunos, mas que um funcionário que está no

papel de superior seja bem tratado, pois ele tem o poder de mandar ou prejudicar

os demais.

A professora aponta, no quadro 1, que a falta de uma esquipe

multidisciplinar afeta a conscientização das famílias e, consequentemente, o

compromisso familiar. De acordo com a professora “como não existe uma equipe

multidisciplinar, faltam profissionais para direcionar e conscientizar essas

famílias. Mostrar para elas a deficiência do filho. Como não existe isso, os pais

chegam na escola, matriculam os filhos e largam lá. Chega no final do ano eles

vão ver se os filhos foram aprovados. Eles não sabem que o filho tem grau

elevadíssimo de dificuldade” (entrevista oral, trecho 12:12 – 12:53).

O confronto entre as respostas do questionário e as respostas da entrevista

oral permitem compreender de forma mais abrangente a visão da professora e

das problemáticas da inclusão escolar. O objetivo não é construir uma denúncia,

mas sim uma reflexão dessas problemáticas. Por fim, com objetivo de propor

mudanças, nesse contexto analisado, é questionado, na entrevista oral: quais as

mudanças que deveriam ser feitas para que houvesse a inclusão de alunos

especiais? A professora comenta que “acha que deveria ter uma rede de

proteção sobre o aluno especial. Todos os olhares da escola deveriam ser

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voltados para esse aluno”. Nesse sentido, o sujeito de pesquisa acredita em um

trabalho coletivo/colaborativo. Segundo ela “esse olhar começa da cantineira

que, muitas vezes, dá três vezes a refeição para a criança, porque a criança

especial não tem noção que chegou a hora dela parar de comer. A diretora não

tem esse olhar, pois ela não é especialista. O professor não tem esse olhar,

porque, muitas vezes, quem pega classe especial são professores que querem

um suplementar. Muitos deles estão visando apenas o financeiro. Não se

preocupam se estão aptas para trabalhar com esses alunos (entrevista oral,

trecho 14:55 – 15:49).

Além de esse olhar coletivo para o aluno tanto dos funcionários da escola

quanto da família, a docente sugere que deveria ter um “mecanismo que,

realmente, comprovasse e acompanhasse a aprendizagem do aluno. Por

exemplo, uma escola que tem aluno incluso, tem que ter uma psicopedagoga,

uma psicóloga acompanhando diariamente esse aluno. O que você trabalhou?

Quanto tempo o aluno levou para realizar? O que ele conseguiu realizar? O que

ele não realizou? Por que ele não realizou? Onde foi a dificuldade dele em

realizar? (Entrevista oral, trecho 15:50 – 16:28). Percebe-se que o uso da

expressão “tem que ter” mostra uma ordem, uma necessidade como se isso

fosse essencial para a professor.

Observa-se que a situação de ensino nas escolas públicas é

desanimadora, professores sem uma formação adequada para lidar com esses

alunos, a falta de adequação dos ambientes escolares, ausência de materiais

didáticos específicos para suprir as suas necessidades e inúmeros outros

problemas existentes que limitam a prática da educação inclusiva (RODRIGUES,

2006 apud DUARTE; SILVA; PINTO, 2014, p.2).

Não cabe, nesse sentido, culpar apenas o professor ou o governo pelos

problemas no ensino. Assim como propõe a professora argumenta-se, nesse

texto, a necessidade de uma rede colaborativa, na qual todos cooperem para a

melhoria na educação e na inclusão de alunos especiais. É possível observar

que “a cultura relacionada à exclusão das pessoas que não se enquadravam a

um padrão de normalidade, imposto socialmente, perpetuou-se e consolidou-se,

historicamente” (LOPES; CAPELLINI, 2015, p.92). E, infelizmente, ainda impera,

dessa forma, é necessário empenho dessa rede colaborativa para que o aluno

se sinta incluso.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio da entrevista oferece-se um relado em relação à infraestrutura

das escolas que, infelizmente, não são projetadas para receber todos os alunos,

também se discute a formação profissional que é ineficiente e insuficiente que

somada com a falta de compromisso do educador – o qual sofre de falta de

incentivo, e de necessidades financeiras – em nada contribuem para uma

inclusão eficaz e para completar essa situação tem-se a ausência de

comprometimento familiar gerada, muitas vezes, pela falta de informação e

conscientização.

Essa pesquisa permite compreender como essas problemáticas:

infraestrutura, formação profissional, compromisso profissional e compromisso

familiar são importantes pontos de discussão e geram várias implicações na

inclusão e no processo de ensino-aprendizagem de alunos especiais. A análise

retrata a realidade de uma escola do Paraná e demostra a necessidade de

pesquisas tanto sincrônicas quanto diacrônicas (SAUSSURE, 1993) sobre o

tema.

Por fim, compreende-se que falta muito trabalho e comprometimento de

todos para que o aluno incluso não se sinta um sozinho no ninho, para que todo

educando sinta-se pertencer ao ambiente escolar, onde os profissionais saibam

onde querem chegar e como chegar, onde os ambientes escolares sejam

adaptados e acessíveis a todos e que os materiais didáticos e pedagógicos

sejam voltados para cada necessidade. Um ambiente que atenda o coletivo, mas

que permita focar no individual.

Cabe, nesse sentido, lutar e buscar novas possibilidades, seja enquanto

família, profissionais da educação ou sociedade. Sendo assim, existe um

aparato de providências a tomar antes de colocar o aluno dentro de uma sala do

ensino regular e dizer que ele está incluso, afinal não basta garantir o acesso é

preciso garantir a permanência e o sucesso.

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Formação de educadores para o trabalho em sala de aula com base na oralidade letrada

The training of educators for classroom work based on orality

literacy Gesmilher de Almeida Lopes (EFM)

RESUMO: A pesquisa apresenta uma abordagem referente ao estudo da oralidade e sua importância em sala de aula nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Com o decorrer das últimas décadas, começa-se a discutir sobre a importância de ensinar a oralidade letrada aos estudantes em diferentes situações comunicativas. Neste contexto, entende-se que no primeiro ano do Ensino Fundamental, os estudantes estão em processo de aquisição da leitura e da escrita, deste modo, tem-se a necessidade do contato com a oralidade letrada e suas situações comunicativas, para que posteriormente inicia-se à aquisição da escrita e da leitura. Igualmente, emerge a necessidade do trabalho com a oralidade letrada dos professores alfabetizadores, para que seja possível oferecer subsídios aos discentes na construção da alfabetização e do letramento. Assim, em conformidade com as pesquisas, apresenta-se que na formação inicial dos professores, não são apresentados e discutidos com ênfase o tema oralidade letrada e sua prática em sala de aula. E neste sentido, o presente grafado tem como objetivo principal a formação continuada dos educadores com base a oralidade letrada, para o trabalho em sala de aula. O método da pesquisa é de cunho bibliográfico, que pauta-se em autores como: Magalhães (2008); Kleiman (2002) e Marcuschi (2007). Pretende-se com a pesquisa a valorização da fala letrada em sala de aula, e seu uso por educadores e estudantes, que estão inseridos em situações comunicativas e de aprendizagem. Com isso, os professores possam aprimorar suas práticas de ensino e aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Formação Continuada. Oralidade Letrada. Ensino.

INTRODUÇÃO

O aludido escrito tem por intuito estudar a importância de trabalhar a

oralidade letrada dos discentes e dos docentes do Ensino Fundamental I, em

especial com o 1° ano do Ensino Fundamental. Esta premissa parte de estudos

realizados por Marcuschi (2007) e Kleiman (2002), em que descrevem o trabalho

com a oralidade em sala de aula e que somente após esta etapa trabalhar a

escrita, desse modo, a escola fomenta seus discentes a desenvolver habilidades

linguísticas para desempenhar seu papel social. E nessa compreensão ocorre

que, ao deparar-se com o uso social da linguagem o discente encontra

dificuldades, principalmente com o uso da linguagem formal, em meio ao corpo

social ou acadêmico.

Dessa maneira, percebe-se a necessidade de ser trabalhado com a

oralidade letrada em sala de aula, desde a educação infantil e principalmente

nas séries de alfabetização, para que ao entrar em contato com as diferentes

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situações comunicativas, no ambiente escolar ou fora dele o indivíduo possa

fazer o seu uso adequado conforme cada ocasião.

Partindo deste contexto, a escola tem que proporcionar e realizar um

trabalho que crie diferentes situações comunicativas aos estudantes. O trabalho

com os Gêneros Textuais Orais pode proporcionar diferentes experiências com

o uso da oralidade letrada, ao tratar-se do 1° ano do Ensino Fundamental, e

neste sentido o trabalho com histórias infantis e seu reconto, abrange uma

grande oportunidade de desenvolvimento da linguagem oral dos discentes.

Nesta perspectiva, o presente estudo relata sobre a importância do uso

da oralidade em sala de aula, para construir situações comunicativas que leve o

estudante a criar um pensamento crítico e reflexivo, desse modo, apresenta-se

como auxilio na construção de sua aprendizagem e seu convívio social.

De semelhante modo, para que o trabalho com a oralidade ocorra de maneira

condizente com os materiais norteadores da educação, faz-se necessário o

investimento em formações continuadas dos professores alfabetizadores, para

que desenvolvam suas aulas práticas orais letradas com seus discentes. E neste

sentido, proporcionar uma educação social. O trabalho com a oralidade em sala

de aula é de suma importância para que as crianças se apropriem da

alfabetização e do letramento de maneira integral.

ORALIDADE E SUA IMPORTÂNCIA EM SALA DE AULA

Encontra-se, a necessidade de trabalhar com a oralidade desde a

Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, para que a criança

tenha contato com a mesma, como defende Milanez (1993) e Kleiman (2002),

para que isso ocorra é necessária uma consciência crítica e reflexiva do

educador, assim, possa fazer uso da oralidade como meio de construção e

significação para o aluno. E para tanto, é necessária a interação entre ambos,

educador e educando, deste modo, constroem competências comunicativas ao

uso da linguagem e inicia-se o processo de ensino e de aprendizagem.

Nesta perspectiva, o uso da oralidade letrada em sala de aula é de

extrema importância, sendo que, as aulas, as explicações são transmitidas por

meio da oralidade, como ressalta Marcuschi (2002), que as situações discursivas

vivenciadas em sala de aula estão situadas no campo da oralidade. Porém,

alguns educadores não percebem a importância da oralidade no cotidiano dos

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estudantes. Sabe-se que a linguagem oral na escola contribui para a transmissão

de informações e interações humanísticas, porém, a escola não avalia o

estudante por meio da oralidade, mas por meio da escrita. Desde modo,

necessita uma reflexão sobre o uso da avaliação na linguagem, para que haja

práticas cotidianas que ampliem o conhecimento dos estudantes e impulsiona-

os a serem críticos e humanísticos para que assim possam romper as barreiras

culturais.

Ao referir-se nas séries de alfabetização, a linguagem oral, cria mais

ênfase e importância, por saber que “no início da escolarização a fala exerce

influência sobre a escrita” (MARCUSCHI, 1996, p.3). A criança, primeiro se

apropria da linguagem oral, para após passar para a escrita. Sendo que a escrita

é a representação da fala. Com isso, o professor que trabalha em sala de aula

com a oralidade, seus alunos passam a apresentar maiores embasamentos para

apropriarem da escrita de maneira prazerosa e correta. O uso da oralidade

letrada pelo professor alfabetizador é de suma importância para o estudante

como afirma Kleiman (2002, p.23),

O processo de ensino da língua materna e de introdução e inserção do aluno nas práticas sociais de uso da escrita sustenta-se na oralidade letrada do professor alfabetizador. O elemento central, então, dos eventos de letramento no contexto escolar é a prática oral do professor, uma vez que os gêneros complexos da escrita são ensinados, na aula, via interação oral face a face.

Com isso percebe-se a importância do professor alfabetizador, utilizar

com consciência e objetividade a oralidade letrada em sala de aula. Sendo que,

a escola “é a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não com

o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento,

a alfabetização” (KLEIMAN, 1995 p. 20). Com isso, a necessidade de construir

na escola uma consciência crítica sobre o uso da oralidade letrada em sala de

aula, como ferramenta auxiliadora para a alfabetização e o letramento como

defende Soares (2004).

O uso da oralidade em sala de aula é além do simples fato de falar, mas,

de interpretar, compreender e trazer para a realidade dos estudantes, desse

modo, elabora embasamentos sólidos para a construção de sua aprendizagem.

O ensino da oralidade letrada proporciona aos discentes experiências únicas que

futuramente irão utilizar em sua vida social, dessa maneira, saberão se

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manifestar em diferentes situações comunicativas seja nas universidades, no

mercado de trabalho e na sua vida social, como relata Marcuschi (2007).

Neste contexto, surge-se a necessidade do trabalho com a oralidade

letrada, por educadores, não apenas os quais trabalham com a alfabetização,

mas por todos que estão envolvidos no processo de educação, desde a

Educação Básica até a Superior. Com isso, dá-se a necessidade da utilização

de situações comunicativas na escola e em sala de aula, por meio de diálogos

construtivos e intencionais, para a formação dos seres humanos, de maneira

integral e humanística.

SITUAÇÕES COMUNICATIVAS NA ESCOLA

A escola tem um papel fundamental na construção do indivíduo, ao tratar-

se de linguagem oral, Dolz e Schneuwly (2004) ressaltam que ela é o meio pelo

qual o estudante apropria-se da linguagem oral, e consegue fazer seu uso em

situações formais. Neste contexto, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

trazem que

Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso aos usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania (BRASIL, 1997, p.67).

Desta maneira, percebe-se a necessidade da escola proporcionar

situações comunicativas para os estudantes, assim, possam desenvolver suas

capacidades argumentativas, de expressão oral e fazer o uso delas em seus

diversos contextos, porém é necessário que apresente um caráter intencional e

não apenas comprimentos das leis existentes no que se refere à linguagem oral.

Com isso, existem diferentes atividades que podem proporcionar

situações comunicativas em sala de aula, desde a Educação Infantil a Superior,

cada uma com seu grau de dificuldade. Neste caso, a pesquisa trata-se do

primeiro ano do Ensino Fundamental, as crianças nesta faixa etárias algumas

não conseguirão ainda apropriar-se o sistema de escrita e de leitura, deste modo,

o professor, realiza os procedimentos de leitura a elas, e inicia-se a construção

da aquisição da leitura e escrita, como Soares (2004) explica. O trabalho do

educador baseia-se na oralidade, neste contexto dá-se a importância do uso da

oralidade letrada em sala de aula por parte do educador e dos educando, para

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que possam aprimorar seu aprendizado na língua materna, já se tem a

necessidade de apresentar diferentes situações comunicativas aos estudantes.

O trabalho como os contos e histórias são situações comunicativas em

sala de aula. Sendo atividades prazerosas e lúdicas, em que os estudantes se

envolvem, assim, proporciona diferentes reflexões sobre as histórias e os contos,

com isso, o educador trabalha com a oralidade dos estudantes e modela a

linguagem conforme o propósito da aula. Porém, para que isso ocorra é

necessário que o educador esteja envolvido e com os objetivos claros e

definidos, para a sua aula. Desse modo, fazer as intervenções necessárias para

que os estudantes possam adquirir conhecimentos prévios sobre o diferente uso

da língua falada e suas situações comunicativas em contextos escolares e não

escolares.

Outra atividade que pode ser realizado com as crianças de 1° ano é o

trabalho com pequenos debates, com assuntos do cotidiano das mesmas, dessa

maneira, o educador consegue proporcionar situações comunicativas e

construtivas. Sendo trabalhado com um grau de dificuldade menor, centrado no

desenvolvimento de competências comunicativas e argumentativas dos

estudantes, desse modo, desenvolvendo prática discursiva em sala de aula

como defende Bakhtin (1992).

Entretanto, por meio de diversas pesquisas na área, percebe-se uma

resistência do uso da língua falada como ferramenta de ensino e aprendizagem,

por parte dos professores, que permanecem ensinando por meio de textos

escritos os gêneros orais, assim distancia da realidade do estudante a

importância dos gêneros orais em sua vida social, como cita Galvão e Azevedo

(2015, p.262),

Todavia, no que se refere à transposição didática dos saberes sobre a oralidade, observamos que o trabalho com os textos permanece, parcialmente, distanciado das práticas pedagógicas realizadas no contexto das salas de aula, haja vista que muitos professores têm apresentado dificuldades para implementar estratégias metodológicas firmadas no objetivo de desenvolver a competência linguística da oralidade em seus alunos. Isso nos revela que, talvez, os docentes estejam perdendo de vista o perfil do aluno, a concepção interacional da linguagem, o objeto de ensino (textos orais e escritos), como também uma metodologia que permita a formação do cidadão crítico idealizado nas orientações contidas na proposta oficial vigente.

Assim, corrobora que à necessidade de trabalho com situações

comunicativas em sala de aula, para que o trabalho do educador seja condizente

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aos documentos oficiais que norteiam a educação brasileira. Nos Parâmetros

Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (1997), a

importância do desenvolvimento da linguagem oral para que “o avanço no

conhecimento das áreas afins torna possível a compreensão do papel da escola

no desenvolvimento de uma aprendizagem que tem lugar fora dela” (BRASIL,

1997). Nesse intuito tem se a necessidade do docente desenvolver habilidades

dos seus discentes no trabalho com gêneros textuais orais, para que possa dar

subsídios aos estudantes como o “domínio ativo do discurso nas diversas

situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da

linguagem” (BUENO e COSTA-HÜBES, p. 198, 2015).

Neste intuito, há necessidade de formações continuadas dos docentes

para o trabalho com a oralidade letrada em sala de aula e sua importância para

o pleno desenvolvimento do estudante.

FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES ALFABETIZADORES

PARA O TRABALHO COM A ORALIDADE LETRADA

No decorrer das últimas décadas, cada vez mais é tratado e discutido

sobre a necessidade de formações continuadas para professores que já atuam

em sala de aula, assim, visa-se a melhoria do ensino e das aulas propostas por

eles. Com isso, elaboraram-se políticas públicas para a formação continuada dos

educadores, tanto que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996)

relata sobre a formação continuada dos professores, em que o governo, estado

e municípios terão que promover esta formação.

Ao tratar-se de formação continuada para o trabalho com oralidade

letrada, quase não ouve falar sobre a temática. Sendo que os PCNs (1998)

trazem sobre a importância do trabalho com a oralidade desde a educação

infantil até o ensino médio. Portanto, para que isso ocorra há necessidade de

uma formação continuada para que os educadores possam assimilar e entender

sobre o uso da oralidade letrada nos anos iniciais e nas classes de alfabetização.

Soares (2005) salienta que as series de alfabetização o uso da oralidade é

indispensável, sendo que as crianças ainda não se apropriaram do sistema de

escrita alfabético, deste modo o educador realiza grande parte do seu trabalho

por meio da oralidade. Mas, ele não dá a ênfase necessária para a oralidade de

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seus discentes, para que possam fazer o uso social da língua e ampliar suas

capacidades discursivas como defende Marcuschi (2007).

Em pesquisa de campo realizada em uma Escola Municipal, na cidade de

Guapirama-PR, percebe-se a necessidade do trabalho com o uso da oralidade

letrada. Entretanto, há necessidade de formação continuada dos professores

alfabetizadores, sendo que em relatos realizados pelas professoras de

alfabetização do 1° ano e do 2° ano, elas nunca tiveram uma formação, seja

inicial ou continuada que abrangesse o trabalho com a oralidade letrada, como

uma ferramenta de ensino e aprendizagem, que proporcione aos seus discentes

um letramento e não apenas uma alfabetização, como defende Soares (2004),

aborda que letramento é diferente de ser alfabetizado, sendo que a sociedade

necessita de pessoas letradas, em que possam compreender o sistema de

leitura e escrita que envolve o mundo e seu meio social, já alfabetizado apenas

codifica de decodifica códigos, não compreende a função social da leitura e da

escrita, Marcuschi (2007, p. 33) refere-se à alfabetização e letramento desta

maneira:

Letramento - processo mais geral que designa as habilidades de ler e escrever diretamente envolvidas no uso da escrita como tal. É a prática da escrita desde um mínimo a um máximo. Diz respeito a fenômenos relativos à escrita como prática social. Alfabetização - processo de letramento em contextos formais de ensino, ou seja, por um processo de escolarização mantido pelo governo ou pelo setor privado. Mas organizado em séries e sistematizado.

Percebe-se que tanto Soares como Marcuschi, compartilham a ideia de

letramento e alfabetização. E neste sentido, os educadores têm que proporcionar

as discentes diferentes experiências para que possam atuar de maneira

autônoma e reflexiva no seu meio social.

Neste contexto, emerge a necessidade de uma formação continuada

para que ocorra a inserção do trabalho com oralidade nos anos iniciais do ensino

fundamental, para que assim possa instigar o interesse dos educadores, para

que adotem em sua prática cotidiana e o uso da oralidade letrada em sala de

aula, como ferramenta de ensino e aprendizagem, como defende Braga (2008),

que as práticas orais e escritas têm a mesma importância, sendo que o ensino

da oralidade letrada colabora para mostrar aos estudantes que os dialetos são

diversificados e existem diferentes tipos de oralidade desde a mais informal a

mais formal.

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Neste contexto, percebe-se que as formações continuadas dos

professores de alfabetização no que refere se à oralidade e o trabalho com

gêneros orais, merecem ter um olhar com maior carinho e atenção, para que

assim, consigam mudar suas práticas pedagógicas em sala de aula e auxiliar

seus discentes no processo de aquisição da leitura e da escrita, para que possa

ser letrados, de modo a apresentar que a oralidade tem grande importância em

sala de aula para as crianças ser alfabetizadas e letradas.

As formações continuadas são de suma importância para que ocorra um

trabalho pedagógico conforme as normativas existentes, os professores

necessitam estar em constante transformação para que aprimorem suas práticas

cotidianas, sendo que eles possuem papel fundamental na sociedade atual,

como corrobora Araujo e Reis (2014, p.4),

formação continuada [...] o professor alfabetizador, que precisa cada vez mais aprimorar sua prática, pensando‐a coletivamente para o

conhecimento de metodologias adequadas para a alfabetização e o letramento e os diversos fenômenos que ocorrem na escola, impedindo que esse processo concretize‐se. Em razão da nossa sociedade

vigente, capitalista, o papel do professor é fundamental, no sentido de buscar a emancipação social, ou seja, a não alienação do sujeito frente à dominação e exploração da maioria da classe (dominada). Essa condição de sujeito só é possível por meio do conhecimento que é ofertado pela escola, ou seja, transmitido pelo professor.

Ao analisar este contexto, o professor tem o papel fundamental na

emancipação de seus discentes, mas para que isso ocorra tem-se a necessidade

do educador estar em constante busca de aprimoramento em sua jornada

docente.

Sabe-se que a escola tem o papel fundamental de fomentar o uso da

linguagem como prática social, porém para que isto ocorra é necessário que

elaborem maneiras de valorizar a oralidade de seus estudantes e professores,

para que possa desenvolver o aluno de maneira integral para o convívio em

sociedade. Moraes e Ramos (2009, p. 2) relatam que

valorizar a fala na sala de aula é assumir um novo entendimento sobre como os alunos aprendem. É entender que se aprende por permanente reconstrução de conhecimentos já anteriormente adquiridos, por adição de mais significados a partir do intenso envolvimento em situações desafiadoras relacionadas aos temas trabalhados, sobre os quais os alunos são solicitados a falar.

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Como ressalta os autores, as crianças necessitam de passar por

situações comunicativas para que possam apropriar dos conhecimentos

propostos a elas, e desse modo, ocorra à aprendizagem. Com isso, percebe-se

que, cada vez mais surge a necessidade do trabalho com a oralidade em sala

de aula. Mas para que este trabalho seja condizente com a realidade social, é

necessário que o educador tenha uma formação adequada para realizar as

atividades de oralidade junto aos discentes.

Contudo, também há a necessidade de grupos de estudos nas escolas

para que os educadores possam fazer as trocas de experiências vivenciadas em

sala de aula, desse modo, evoluir e aprimorar a sua prática docente, como

destaca Tardif (2012), que o saber docente é plural, e dá-se por meio das

interações pessoais dos educadores. Com o grupo de estudo voltado para os

professores alfabetizadores, conseguiram partilhar suas práticas pedagógicas

vivenciadas em sala de aula, e fazer uma análise sobre seu trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente estudo, pode-se observar a necessidade da valorização

da oralidade em sala de aula. Não apenas a fala cotidiana, mas o trabalho com

esta fala, a necessidade de ajudar os discentes a desenvolver pensamento

críticos e reflexivos a partir da oralidade usada em sala de aula.

Sabe-se que o educador tem o papel fundamental na construção da

oralidade letrada dos alunos, mas há necessidade de desenvolver competências

nos professores para que possam trabalhar de maneira adequada sobre a

temática com a sua classe.

Desta maneira, oferecer uma profunda análise de que a oralidade vai além

de simples fala, mas sim profundas interpretações e compreensões onde

envolvam e apresentam junto à realidade dos estudantes. E assim, possam

usufruir em seu cotidiano, tanto na vida social como acadêmica. Porém, grande

sucesso somente é possível com o envolvimento de todos da educação e não

somente com os envolvidos na alfabetização dos discentes.

Desta maneira, surge nas escolas a oportunidade de apresentar e treinar

os indivíduos da sociedade para a prática da linguagem oral, a qual será de

grande valia em sua vida futura, usando as em suas comunicações formais, em

que está é endereçada por meio dos canais de comunicação existentes no

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organograma social. E desta maneira, a mensagem é transmitida e recebida

dentro dos canais formalmente estabelecidos pelo corpo social na sua estrutura

organizacional.

Igualmente, neste sentido a escola tende apresentar e exercitar os

estudantes por diferentes meios didáticos para seu melhor aperfeiçoamento,

como a escrita e leitura, contos e histórias, debates, entre tantos outros meios

utilizados quais objetivam a mesma finalidade, quais seja, a prática da oralidade

letrada.

Contudo, mesmo comprovado a eficácia por meio de diversos estudos

existentes, destes modos didáticos de ensinos é comum a resistência de

educadores em aplicá-los no dia a dia da educação, onde optam por sistemas

arcaicos de ensinar oralidade e gêneros orais por meios de textos escritos, em

que conduz os discentes a vertentes distintas da realidade social, motiva-se o

desinteresse em aprendizado oral.

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Leitura linguístico-textual de um apólogo: trabalhando com a literatura infanto-juvenil

Letícia Jovelina Storto (UENP - PQ)

Karen Alves de Andrade Moscardini (IFPR - PQ)

Solange Aparecida de Souza Monteiro (IFSP - PQ)

RESUMO: Este estudo tem como objetivo realizar uma leitura textual-discursiva do texto “O pneu vaidoso”, de Diléa Frate. Trata-se de um apólogo que faz parte do livro “Histórias para acordar”, publicado em 1996 pela editora Companhia das Letrinhas, a qual se volta ao público infanto-juvenil. Na década em que a obra livro foi publicada, as tecnologias de informação e a globalização já exerciam grande influência, o que gera a alta valorização do produto externo ou internacional. O texto em análise conta a história de dois pneus, um americano e um brasileiro, que discutiam a respeito da preferência que os brasileiros dão a tudo o que é de fora. Trata-se de um texto da ordem do narrar, cujos elementos colaboram para a construção de um texto coerente que busca criar um contexto lúdico e descontraído. PALAVRAS-CHAVE: Gênero textual. Apólogo. Análise linguístico-discursiva.

INTRODUÇÃO

Partimos do pressuposto de que “um texto não é simplesmente uma

sequência de frases isoladas, mas uma unidade linguística com propriedades

estruturais específicas” (KOCH, 1996, p.11). Segundo os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN), “quando se pensa no trabalho com textos, outro

conceito indissociável diz respeito aos gêneros em que eles se materializam,

tomando-se como pilares seus aspectos temático, composicional e estilístico”

(BRASIL, 1998, p.77). Por isso, o nosso objetivo é realizar uma análise

linguístico-textual do apólogo “O pneu vaidoso” (FRATE, 1996), a partir do

levantamento de suas marcas linguístico-enunciativas e de suas condições de

produção (suporte, interlocutores, finalidade e local de circulação) e de seu

arranjo textual, com o intuito de discutir seus possíveis efeitos de sentido e

contribuir com uma proposta de organização didática de análise linguística do

gênero textual em questão. Como metodologia de trabalho, propomos uma

análise linguístico-textual com foco nas marcas da oralidade e nos elementos

linguísticos relacionados à coerência, à coesão e ao humor do texto em análise.

Trata-se de um apólogo que foi publicado em 1996 no livro Histórias para

acordar, da editora infanto-juvenil Companhia das Letrinhas. A autora é contista,

jornalista, consultora de programas de televisão e idealizadora de páginas

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eletrônicas a respeito de ciência, educação, meio ambiente, esporte, cultura,

entre outros, mostrando estar bastante “antenada” e ter uma visão ampla e

crítica.

Com uma linguagem de fácil acesso, o texto narra a história de dois

pneus, um americano e um brasileiro, que discutem a respeito da preferência

que os brasileiros têm pelo que é importado de outros países em relação aos

produtos nacionais. O pneu americano se exalta tanto que, em certo ponto da

narrativa, começa a inflar, até que explode, de modo que o outro pneu segue seu

caminho tranquilamente. O assunto é interessante, porque as tecnologias de

informação e a globalização exercem grande influência na vida social, o que gera

a alta valorização dos produtos importados.

Inicialmente, o texto atrai a atenção dos alunos por ser construído de um

único parágrafo e por apresentar uma imagem ilustrativa. Em seguida, por meio

de um tom descontraído, favorece a discussão crítica e a postura reflexiva em

relação a comportamentos sociais. Por ser curto, favorece um trabalho de

análise mais profunda, em que discussões possam ser mediadas pelo professor,

a fim de aprofundar o debate a respeito de globalização, importação cultural,

preconceitos e outros.

ANÁLISE LINGUÍSTICO-TEXTUAL DO APÓLOGO

O PNEU VAIDOSO (Diléa Frate)

O pneu usado americano estava numa discussão com o pneu novo nacional: “(sotaque americano) Eu sou muito melhor que você. Andei toda Nova York, sou viajado, estou acostumado com o Primeiro Mundo”. O brasileiro (e caipira) respondeu: “Pior procê, que é velho e usado, e não vai güentar toda essa buraqueira daqui, sô!”. O americano, então, disse: “Eu não sou velho, sou balanceado, aqui todos me preferem, porque as pessoas preferem as coisas de fora. Tênis, por exemplo, que é a pneu do pé do menino: todos preferem os importados. Entre uma tênis usado americano e um novo nacional, a preferência é o americano, mesmo com aquele cheirinho de... como é mesmo aquele palavra de vocês para isso?”. “Chinelo!”, disse o pneu caipira sacaneando... “Isto mesmo, cheirinha de chinelo, mais ou menos como a cheirinho de vocês, pneus nacionais.” Aí o caipira se queimou: “E ocê, que estava sendo jogado fora? Ocê é lixo: lixo importado, mas lixo!”. A discussão continuou, até que o pneu americano, que não parava de contar vantagens, começou a inflar, inflar, e... ploft!, explodiu! Impressionado, o brasileiro pensou: “A vaidade é um perigo!”, e seguiu, humilde, por uma estrada cheia de buracos.

Para melhor compreensão do texto, faz-se necessário verificar alguns

aspectos no apólogo, tais como marcas relacionadas ao gênero apólogo, à

oralidade e a marcas linguísticas, de subjetividade e outros.

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O GÊNERO TEXTUAL APÓLOGO

O texto “O pneu vaidoso” pode ser considerado como sendo do tipo

narrativo pertencente ao gênero apólogo. Para Barbosa e Amaral (1994, p.58):

“Narrar é contar. Relacionar situações e personagens. Narrar é uma das

atividades de linguagem mais presentes em nossa vida. Temos, quase sempre,

paixão por contar e por ouvir histórias”.

Para narrar, é preciso apresentar personagem(ns), que deve(m) estar

situado(s) em um tempo e espaço. Além disso, outros elementos importantes

são: o narrador (quem conta a história) e o enredo (a história em si). O texto em

análise apresenta dois personagens centrais, um pneu americano e um pneu

brasileiro. O espaço físico e o tempo não são explicitados no texto.

O apólogo consiste em uma narrativa que ilustra uma lição de sabedoria,

utilizando, para isso, personagens de índole diversa, no caso objetos

personificados. Além disso, como todos os apólogos, “O pneu vaidoso” tem por

objetivo interferir de alguma forma no comportamento social e moral dos

homens, de modo a modificá-lo pelo exemplo. Assim, mostra-nos que a

presunção exacerbada pode ser prejudicial ao homem, que deve ser humilde

para poder “güentar toda essa buraqueira” dos caminhos que percorrerá na vida,

afinal “a vaidade é um perigo!”.

MARCAS DA ORALIDADE

É importante notar que oralidade e escrita são práticas comunicativas (ou

sociais) distintas, com peculiaridades próprias, mas não são estanques, pois não

formam uma dicotomia, mas se agrupam em um mesmo sistema linguístico.

Acerca do sistema linguístico, Marcuschi (2006, p.62) afirma que “tanto na

produção oral como na escrita o sistema linguístico [discursivo] é o mesmo para

a construção das frases, mas as regras de sua efetivação, bem como os meios

empregados são diversos e específicos, o que acaba por evidenciar produtos

linguísticos diferenciados”.

Além disso, oralidade e escrita possibilitam a construção de textos

coerentes e coesos, formais e informais, com variações de diversos níveis

(estilística, social, geográfica etc.) de acordo com as especificidades contextuais

de cada texto (MARCUSCHI, 2007; FÁVERO, 2001). Ainda segundo Marcuschi

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(2007, p.17), “as limitações e os alcances de cada uma estão dados pelo

potencial do meio básico de sua realização: som de um lado e grafia de outro,

embora elas não se limitem a som e grafia”, porque muitos outros elementos

estão inseridos, ampliando suas semioses.

O apólogo em análise apresenta marcas de oralidade, que são

empregadas com o objetivo de aproximar o leitor do texto, remetendo-o a uma

possível situação semelhante. Isso contribui para que o leitor vivifique a história

no momento em que é lida. Os fragmentos que seguem ilustram essas marcas:

inserções parentéticas para comentar ou explicar, emprego de marcador

conversacional, marcas da intersubjetividade, repetição, entre outros.

O locutor textual busca estabelecer um diálogo com seu leitor, de modo a

deixar marcada a intersubjetividade do texto. Isso pode ser verificado na fala

“Mas que muitos meninos fazem isso, fazem”. Nesse trecho, nota-se que o

enunciador comenta a situação, como se ele premeditasse a concordância do

enunciatário (que, em textos escritos, é muitas vezes virtual) com a expressão

valorativa “Que nojo!”.

Em “Caco, para quem você está dando cola?”, o emprego forma coloquial

permite que o aluno identifique-se com a cena. Além disso, o ato de “colar” em

provas é, em muitos momentos, utilizado por alguns discentes a fim de conseguir

uma nota maior, o que o aproxima do personagem. Ao citar que Caco “tinha até

uma tática para tirar meleca sem ninguém perceber”, o autor desperta ainda mais

o interesse do aluno, que pode ter a intenção em aprendê-la, para também se

camuflar ou descobrir quando alguém estiver praticando-a.

Segundo Burgo, Storto e Galembeck (2013, p.297), “os marcadores

conversacionais apresentam-se como elementos independentes sintaticamente

do verbo, formados por um ou mais itens ou expressões lexicais, que corroboram

o monitoramento da conversação e a organização do texto”. Esses elementos,

segundo os autores, “são extremamente relevantes na manutenção da

interação”. No apólogo em análise, encontramos dois marcadores, aí e sô!: “Aí

o caipira se queimou” e “[...] não vai güentar toda essa buraqueira daqui, sô!”.

No texto, o aí pode ser facilmente substituído por “nesse momento”, e o sô! pode

ser apagado sem prejuízo. Tais marcadores têm a função de colaborar na

construção da coerência e coesão textuais, de modo a contribuir com a conexão

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entre os enunciados. Além disso, o sô! tem o papel de contribuir para a

construção da imagem do pneu brasileiro como sendo caipira.

Além dos marcadores, o texto apresenta as repetições como estratégias

discursivas. Esses elementos, típicos da língua falada, servem para dar mais

ludicidade ao apólogo, aproximando sua linguagem daquela utilizada pelas

crianças, interlocutor prévio do livro em que o texto foi publicado. A repetição tem

também outra função: prolongar a ação expressa pelo verbo no infinitivo,

indicando uma progressão:

Excerto 1

“A discussão continuou, até que o pneu americano, que não parava de contar vantagens, começou a inflar, inflar, e ... ploft!, explodiu!”.

Tem-se também uma “coisificação”, o pneu americano afirma que tudo,

qualquer coisa que venha de fora é melhor que um produto brasileiro. A

expressão coisa, muito usada na oralidade e na linguagem informal, tem o papel

generalizante, o que dá a ideia de que por mais insignificante que seja um

produto americano, ele sempre será melhor que o do Brasil: “as pessoas

preferem as coisas de fora”.

Todos esses elementos, enfim, intensificam a participação dos

interlocutores, de modo a envolvê-los e a aproximá-los do texto.

COESÃO E COERÊNCIA TEXTUAIS

Os elementos coesivos são os principais responsáveis para concatenação

dos itens linguísticos nos textos. Assim, se os elementos de coesão são inseridos

de forma inadequada, o texto torna-se desarticulado, o que dificulta sua leitura e

compreensão, já que o leitor torna-se confuso e desorientado, sem boa

compreensão do que é dito (KOCH, 2001; 2005). Segundo Koch (2001, p.35), a

coesão textual é “o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos

lingüísticos presentes na superfície textual se encontram interligados, por meio

de recursos também lingüísticos, formando seqüências veiculadoras de

sentidos”.

Como mecanismos coesivos mais frequentes têm-se: a) coesão

referencial: anáfora, catáfora, substituição e elipse; b) coesão lexical: reiteração

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e colocação; c) coesão sequencial: tempos verbais; conectivos (conjunções,

preposições, pronomes relativos).

Enquanto a coesão é linguística, sintática, a coerência é semântica,

cognitiva (KOCH, 2004). Por isso, “nunca se percebe num texto sua coerência,

até o momento em que ela é perdida. Qualquer incoerência se sobressai, ao

passo que uma série de elementos bem ajustados e harmônicos muitas vezes

não são notados, dando a impressão de que construir a unidade de um texto é

algo automático, que vem com a simples escolha das palavras” (FURTADO;

CONTANI 2001, p.50).

A coerência é, segundo os autores, condição mínima e essencial para

existência do texto, é “não cair em contradição”. Sendo assim, seu conceito está

relacionado à existência de conexão, de nexo entre as situações,

acontecimentos ou ideias num dado texto. Por fim, um aspecto essencial da

construção da coerência é a capacidade de relacionar corretamente as ideias de

um texto. A relação entre as ideias pode ser feita por meio de mecanismos de

coesão sequencial que ajudem o leitor a compreender o que se pretende dizer.

A fim de se analisar esses mecanismos, faz-se necessário verificar os

elementos linguísticos do conto, tais como tempos verbais, pronomes, adjetivos,

advérbios e conjunções como elementos do processo coesivo.

Tempos verbais como elementos de coesão

Por meio do modo verbal, o falante interage marcando o tipo de relação

que o une ao interlocutor ou ainda, transmite o grau de seu envolvimento

emocional com relação ao fato enunciado. A história é narrada na terceira

pessoa. Os verbos são marcados pelo pretérito perfeito do indicativo, o qual

indica fatos ocorridos no passado, ações iniciadas e concluídas em tempo

anterior ao tempo em que a história é narrada:

Excerto 2

“A discussão continuou, até que o pneu americano, que não parava de contar vantagens, começou a inflar, inflar, e ... ploft!, explodiu! Impressionado, o brasileiro pensou: “A vaidade é um perigo!”, e seguiu, humilde, por uma estrada cheia de buracos”.

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Esses verbos inscrevem-se no mundo narrado, o qual, segundo Koch

(2004), diz respeito ao relato. Essa nomenclatura, assim como a de mundo

comentado, é criação do alemão Harald Weinrich. Koch (2004, p.54) postula que,

“no mundo narrado, a atitude do locutor é distensa, ‘relaxada’: ele se distancia

do seu discurso, não se compromete com relação ao dito: simplesmente relata

fatos, sem interferência direta” (grifos da autora). Desse modo, o narrador

descreveu a ação de forma a não se envolver, ou seja, sem comentá-la, sem

fazer juízos de valor.

De igual forma, há o presente do indicativo, o qual é utilizado no discurso

direto, ou seja, nas falas dos personagens:

Excerto 3

“Eu sou muito melhor que você. Andei toda Nova York, sou viajado, estou acostumado com o Primeiro Mundo”.

Segundo Koch (2011), o tempo zero do mundo comentado é o presente.

Para a autora (2004, p.55), “o discurso (estilo) direto pertence ao mundo

comentado”, o que corrobora o distanciamento do locutor diante do fato

apresentado. Ao empregar os verbos no presente para se qualificar, o pneu

americano, implicitamente, afirma que essas características lhe são próprias,

indicando que é e permanecerá sendo viajado, balanceado e outros.

O apólogo apresenta, ainda, verbos no pretérito imperfeito do indicativo.

O emprego desse tempo verbal aponta para dois sentidos principais no texto

analisado: a) reitera a “autoapreciação” do pneu americano, que, repetidas

vezes, vangloriou-se: “o pneu americano, que não parava de contar vantagens”;

b) aponta certa imprecisão ou a incerteza do início da discussão: “o pneu usado

americano estava numa discussão com o pneu novo nacional”. Com isso, o

locutor implicitamente coloca para o leitor que o fato havia se iniciado antes

daquilo que a narrativa apresenta. Em oposição, o término do debate é

claramente marcado por verbos no pretérito perfeito do indicativo (vide Excerto

2).

Além disso, cumpre comentar o emprego do gerúndio em:

Excerto 4

“‘Chinelo!’, disse o pneu caipira sacaneando...”.

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Nesse caso, a forma nominal do verbo evidencia a simultaneidade e o

prolongamento da ação. Enfim, essas formas verbais indicam, na narrativa, a

progressão temporal dos acontecimentos.

Adjetivos como recurso argumentativo

Os adjetivos são os elementos gramaticais mais afetivos, eles

demonstram a relação subjetiva entre o locutor e o referente e o interlocutor,

marca também o engajamento afetivo do locutor (julgamento ou apreciação) em

relação ao que enuncia. Os “adjetivos representam as qualidades em si (algo

intangível) ou qualificam um objeto representado por um nome” (CARVALHO,

1996, p.39). Além disso, de acordo com Oliveira e Souza (1993, p.428), “o

adjetivo expressa uma relação subjetiva entre ele e o substantivo caracterizado

que permite que se avalie a expressividade do texto, dando uma orientação

argumentativa ao enunciado, e conduzindo o destinatário à direção almejada

pelo locutor”.

De acordo com Benites (2001), a adjetivação é uma das marcas

discursivas mais salientes do posicionamento do locutor-enunciador ante o

mundo; seu emprego envolve inteiramente a pessoa do locutor, uma vez que ele

se presta a caracterizar, expressando atitudes de estabelecimento de valores,

ou seja, o adjetivo é a palavra que modifica o substantivo, atribuindo-lhe um

estado, qualidade ou característica.

O texto “O pneu vaidoso” apresenta vários adjetivos, os quais qualificam

os dois personagens da história, o pneu americano e o pneu brasileiro, que se

diferenciam justamente por meio de um adjetivo. Para aquele, os adjetivos

utilizados são: usado, americano, viajado, velho, balanceado, importado, lixo.

Para esse: novo, nacional, caipira, humilde. Relacionando alguns desses

elementos, notamos a construção de um discurso das diferenças ou de

oposições, em que as características de um pneu diferenciam-se, de modo

dispare, das do outro pneu. Logo, temos:

PNEU BRASILEIRO VS. PNEU AMERICANO

Usado, Velho, Lixo Importado

Viajado Balanceado

Novo Nacional Caipira Humilde

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No segundo período do texto, há um numeral de valor adjetivo (primeiro)

cuja função é qualificar os países desenvolvidos, como os Estados Unidos, como

aqueles pertencentes ao “Primeiro Mundo”. Implicitamente, o leitor pode

compreender isso como nação de melhor qualidade, superior, que está no ápice

da civilização, da tecnologia e da globalização.

Marcas de subjetividade

A subjetividade é um recurso argumentativo que diz respeito à inscrição

do sujeito no discurso e ao estabelecimento da relação com o outro, ou seja, às

marcas (sempre existentes) da presença dos interlocutores no enunciado, o qual

parte de alguém para outro alguém. Assim, toda subjetividade é uma

intersubjetividade, já que o sujeito não existe por si só, ele só se define em face

do outro. Pode-se, logo, afirmar que todo texto/discurso é subjetivo e

intersubjetivo, “por que as palavras são recortes do mundo referencial e lhe

impõem uma forma particular de conteúdo” (CARVALHO, 1996, p.36). Desse

modo,

A subjetividade é [...] ‘a capacidade do locutor se propor como sujeito’. Trata-se da emergência do eu no seio da linguagem, ou seja. [...]. O eu fundamenta a consciência de si e esta, como se viu, dá-se no contraste com o tu. Assim, a subjetividade nasce no seio da intersubjetividade. Esses aspectos vão se tornar relevantes no tratamento do texto quando se observar o funcionamento dos dêiticos (este, aqui, agora, hoje etc.) sejam de lugar, tempo, pessoa ou mesmo a modalidade e os tempos verbais (MARCUSCHI, 2008, p.71).

A subjetividade divide-se em dêitica e afetiva (ou avaliativa). Segundo

Marcuschi (2008), os dêiticos, podem ser pessoais, temporais ou espaciais. Os

primeiros referem-se às marcas de pessoas do texto, o locutor e o interlocutor,

utilizando, para isso, dos pronomes de primeira e segunda pessoa (eu, tu, você),

dos pronomes possessivos (meu, teu, seu etc.) e dos verbos de primeira pessoa

(andei, cantei, comi etc.). Os segundos, por sua vez, referem-se às marcas de

tempo, empregadas nos verbos e nos advérbios (ontem, hoje, amanhã, agora,

mais tarde e muitos outros). Já os últimos, com o uso de advérbios de lugar (aqui,

lá, embaixo etc.) e de pronomes demonstrativos (esse, essa, isso e variações),

referem-se às marcas de lugar no enunciado (e na enunciação).

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Benites (2001) afirma que o advérbio, quando nominal, reflete a mesma

subjetividade do adjetivo; quando pronominal, faz menção ao tempo e ao lugar

da enunciação, ambos definidos e delimitados pelo sujeito do discurso. Assim,

os advérbios marcam a subjetividade dêitica do texto.

Os advérbios consistem em uma palavra que, basicamente, modifica o

verbo, o adjetivo ou outro advérbio, acrescentando-lhes uma circunstância. No

conto, há várias ocorrências de advérbios. Exemplo disso é o enunciado

“...devagarinho, punha o polegar dentro do nariz...”, em que há um advérbio de

lugar, dentro. Em “...grudou a meleca embaixo da carteira”, a expressão

adverbial “embaixo da carteira” agrega circunstância de lugar ao enunciado,

revelando a localidade onde Caco colou sua secreção.

Também, no texto, encontram-se locuções adverbiais que nada mais são

que duas ou mais palavras, as quais juntas têm o mesmo valor de um advérbio:

“o que você está fazendo com essa mão na frente do rosto?” - na frente é uma

locução adverbial que indica onde estavam as mãos de Caco.

Os pronomes também são marcas da subjetividade dêitica, pois apontam

as pessoas do discurso. Segundo Braz (2006, p.42), “as marcas de subjetividade

e intersubjetividade são representadas por meio de verbos e pronomes na

primeira e segunda pessoa do discurso, tanto no singular quanto no plural, e

também por meio de marcadores conversacionais”.

Gramaticalmente, o pronome é a palavra que substitui ou acompanha o

substantivo, indicando sua posição em relação às pessoas do discurso ou

mesmo situando-o no espaço e no tempo. Cabe lembrar que as pessoas do

discurso são: primeira pessoa: emissor (que fala); segunda pessoa (com quem

se fala): receptor e terceira pessoa: referente (de quem se fala). No texto, é

possível observar a colocação de alguns pronomes: eu, você, essa, a, ninguém.

Segundo Koch (2004), a coesão referencial retoma elementos linguísticos

da superfície textual; constitui, assim, uma atividade discursiva. Os processos de

referenciação são escolhas do sujeito em função do que se quer dizer. Enquanto

operação básica, ocorre a seguinte estratégia de referenciação: Reconstrução:

um nódulo já presente na memória discursiva é reintroduzido na memória

operacional, por meio de uma forma referencial, de modo que o objeto de

discurso permanece saliente (anáfora): “a enfiava na boca”; “...se aproximou...”;

“a professora viu essa manobra”, entre outros.

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ANAIS DO SIDIALE: TEXTOS COMPLETOS | 109

Por meio dos elementos anafóricos, um mesmo assunto ou nome, pode

ser retomado durante todo um texto sem que seja repetido de uma mesma

maneira, de forma a manter, assim, a coesão textual do início ao fim.

A subjetividade afetiva (ou avaliativa), por seu turno, é aquela na qual o

enunciador coloca a sua avaliação pessoal, expressa os seus sentimentos, pois

“nenhum falante descreve a natureza com imparcialidade absoluta; mesmo que

se imagine neutro, é obrigado de alguma forma a imprimir sua interpretação”

(CARVALHO, 1996, p.36).

A subjetividade afetiva pode se refletir no emprego de adjetivos,

modalizadores, interrogação, exclamação, diminutivos, entre outros.

Os adjetivos são os elementos gramaticais mais afetivos que verificamos;

eles demonstram a relação subjetiva entre o locutor e o referente e o

engajamento afetivo do locutor (julgamento ou apreciação). Para Oliveira e

Souza (1993, p.428), “o adjetivo expressa uma relação subjetiva entre ele e o

substantivo caracterizado que permite que se avalie a expressividade do texto,

dando uma orientação argumentativa ao enunciado, e conduzindo o destinatário

à direção almejada pelo locutor”. O adjetivo é, pois, essencial à expressividade

de um texto.

De acordo com Benites (2001), a adjetivação é uma das marcas

discursivas mais salientes do posicionamento do locutor-enunciador ante o

mundo; seu emprego envolve inteiramente a pessoa do locutor, uma vez que ele

se presta a caracterizar, expressando atitudes de estabelecimento de valores,

ou seja, o adjetivo é a palavra que modifica o substantivo, atribuindo-lhe um

estado, qualidade ou característica: “Caco era um menino quietinho...” aqui, o

adjetivo quietinho modifica o substantivo menino, não é um menino qualquer é

um menino muito quieto. Ademais, o adjetivo “quieto” na forma diminutiva

colabora para que consigamos imaginar a personalidade do sujeito, como

alguém comportado, contido, que possui bons modos e que posteriormente

contradiz com o que se segue “mas gostava de comer meleca”. Isso tudo dá um

caráter afetivo ao que é dito.

O adjetivo nervoso em “...foi ficando nervoso com aquela meleca na mão”

indica como Caco se sentia irritado sem saber o quê fazer com a “meleca”. “Eu

estou meio enjoado”, meio enjoado indica o possível estado do “eu”, modificando

este substantivo.

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ANAIS DO SIDIALE: TEXTOS COMPLETOS | 110

Já os modalizadores são formados por advérbios, em especial os de

modo. Em geral, os advérbios são afetivos (exceção: advérbios de tempo e de

espaço, pois são dêiticos). Modalizar é igual a avaliar; assim, o enunciador ao

empregá-los insere-se no texto, marca seu ponto de vista de maneira

argumentativa. No enunciado “...devagarinho, punha o polegar dentro do

nariz...”, o advérbio de modo devagar modifica o verbo pôr, indicando a maneira

modo como Caco colocava o dedo no nariz. Em “...respirou aliviado”, o advérbio

de modo modifica o verbo respirar, indicando a forma modo como foi a respiração

de Caco após ter colocado a “meleca” na boca.

“Botava a mão na frente da boca e, devagarinho, punha o polegar dentro

do nariz, que saía já com a melequinha enroladinha, e a enfiava na boca”: o uso

de “devagarinho”, um advérbio de modo no diminutivo, serve para caracterizar o

cuidado dos movimentos de Caco para não ser percebido. Em “Melequinha

enroladinha”, há continuação dos comentários a respeito dos cuidados do

personagem, o qual tenta ser discreto, para isso buscar deixar a sujeira bem

pequena para que não seja percebida.

Há também, no texto, muitas exclamações e interrogações. Aquelas

apresentam o sentimento do locutor diante de algo, servindo para indicar

emoções/estados emocionais. Verifica-se um exemplo claro disso em “Que

nojo!”, em que o enunciador enfatiza o que sente.

Todos esses elementos, enfim, servem para engendrar a argumentação

do texto e para construir um diálogo entre texto e leitor, texto e produtor.

Operadores argumentativos

Gramaticalmente, entende-se por conjunção a palavra invariável que

serve para ligar (relacionar, unir) duas orações ou dois termos semelhantes - de

mesma função sintática - da mesma oração. Textualmente, pode-se dizer que

conjunção é o conectivo oracional, isto é, é a palavra que liga orações; dessa

forma ela funciona como um elemento coesivo, como um operador

argumentativo. Segundo Oliveira (1999, p.100), “Ducrot, ao formular os

princípios básicos da Semântica Argumentativa, chamou de operadores

argumentativos a um grupo de elementos da gramática, cujo objetivo

fundamental é revelar a argumentatividade inerente a determinados enunciados

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e direcioná-los a uma conclusão específica de acordo com as condições de uso”.

Enfim, eles têm a função de orientar a argumentação dentro do texto.

Apresentam-se, a seguir, alguns operadores argumentativos

encontrados no conto: i) “...mas gostava de comer meleca” a conjunção mas é

adversativa, pois se espera que um menino quieto possua modos considerados

bons pela nossa sociedade. ii) “...viu essa manobra e perguntou...” e é uma

conjunção aditiva, acrescenta outra atitude da professora à primeira; acontece

pelo menos mais quatro vezes no decorrer do texto. iii) Conjunção integrante,

utilizada para iniciar oração subordinada substantiva: “Foi aí que ele grudou...”.

iv) “Se você não estivesse...” e “E se ela visse aquilo? Se é conjunção

condicional, exprime a condição para a atitude consequente da professora”; v)

“...até uma tática para tirar a meleca...” para conjunção final, que indica a

finalidade da tática que Caco havia desenvolvido.

Pontuação

As aspas, presentes em todo o texto (ex.: “Chinelo!”; “A vaidade é um

perigo!”) , servem para demarcar os discursos diretos, de forma que os mesmos

não sejam delimitados pelo parágrafo e travessão, o que mantêm, em todo o

texto, um único parágrafo.

Os dois-pontos foram, também, usados para marcar os discursos diretos,

com a mesma finalidade das aspas. Os dois-pontos demarcam, também, um

aposto pronunciado pelo pneu brasileiro: “Ocê é lixo: lixo importado, mas lixo!”.

Percebe-se o uso de reticências, que significariam o implícito textual. No

seguinte trecho do apólogo temos: “mesmo com aquele cheirinho de...”, neste

excerto percebe-se que as reticências serviram para demonstrar o esquecimento

do pneu americano, isso pode-se confirmar quando, no próximo enunciado o

pneu pergunta ao outro: “como é mesmo aquele palavra de vocês para isso?”.

As reticências também mostram o tom do narrador, a posição dele perante a

discussão: “disse o pneu caipira sacaneando...”; neste mesmo enunciado, as

reticências nos dão tanto a ideia de um riso, implícito, do narrador e do pneu

caipira, quanto à intenção deste, que pretendia ridicularizar o pneu americano

por não conseguir se expressar perfeitamente em português. Nas reticências

usadas quando o pneu americano estoura parece que elas querem dizer que o

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pneu inflou muito, ficando enorme até que ele explodiu: “começou a inflar, inflar,

e ... ploft!, explodiu!”.

Os parênteses estão contêm um termo explicativo – o pneu brasileiro fala

daquele jeito porque é caipira: “o brasileiro (e caipira) respondeu: “Pior procê”.

Contêm, também, um momento no qual o narrador se coloca, como que se

pedisse que na leitura fosse dada ênfase a uma entonação especial: “(sotaque

americano) Eu sou muito melhor que você”.

Outro sinal de pontuação que chama a atenção dos leitores são as

exclamações, que representam, no texto, o estado de espírito irônico e a

simplicidade do pneu nacional: “Pior procê, que é velho e usado, e não vai

güentar toda essa buraqueira daqui, sô!”; “Chinelo!”; “A vaidade é um perigo!”. A

exclamação marcou, também, a onomatopeia, que representa o barulho que o

pneu americano fez ao explodir: “ploft!”. Por fim, para dar entonação à fala do

narrador que ficou surpreso com o que aconteceu com o pneu americano:

“explodiu!”.

Reiteração

O pneu americano reitera algumas vezes, no quinto, sexto e sétimo

período do texto, a preferência que os brasileiros dão a tudo o que é importado:

“e aqui todos me preferem, porque as pessoas preferem as coisas de fora. Tênis,

por exemplo, que é a pneu do pé do menino: todos preferem os importados.

Entre uma tênis usado americano e um novo nacional, a preferência é o

americano”.

Este recurso foi utilizado com o fim de marcar a preferência brasileira por

tudo o que é de fora, de maneira a criticar essa atitude das pessoas.

A reiteração está presente na fala do pneu brasileiro para enfatizar a

insignificância e a inutilidade do pneu americano, comparado ao lixo: “ocê é lixo:

lixo importado, mas lixo!”.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Dentre os recursos linguísticos empregados o que se sobressai é o da

variação linguística, representada pelos sotaques americano e caipira.

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A fala do americano, no momento em que não consegue concordar

nominalmente os termos em português vem demarcado com itálico, como que

para mostrar ao leitor, que é uma variante linguística, que o americano tem

dificuldade para fazer as concordâncias em nossa língua, o autor usa do itálico,

pois não tem como mostrar na escrita, da mesma forma que na fala, o sotaque

americano: “entre uma tênis usado americano e um novo nacional, a preferência

é o americano, mesmo com aquele cheirinho de... como é mesmo aquele palavra

de vocês para isso?”; “isto mesmo, cheirinha de chinelo”.

Já o sotaque caipira vem demarcado pela oralidade, informalidade e pela

economia linguística, posto que ele exclui na pronuncia algumas vogais e/ou

consoantes, com o fim de alcançar uma linguagem mais rápida e tranquila, o que

caracteriza o jeito sossegado do caipira: “e ocê, que estava sendo jogado fora?”;

“pior procê, que é velho e usado, e não vai güentar toda essa buraqueira daqui,

sô!”.

Além dessas marcas, percebe-se a oralidade (procê, ocê, sô) e a

informalidade em outros enunciados, que apresentam, até mesmo, gírias: “o

caipira se queimou”, “o pneu caipira sacaneando”. Esses recursos são

empregados para aproximar o leitor do texto, para entrar no espaço adolescente.

OUTROS RECURSOS

A aproximação de dois advérbios (mais/menos), no caso do texto, deu

uma inexatidão à comparação que o pneu americano fez sobre o cheiro do

chinelo com o do pneu brasileiro, como se os cheiros não fossem iguais, mas

parecidos: “cheirinha de chinelo, mais ou menos como a cheirinho de vocês”.

No enunciado “cheirinha de chinelo, mais ou menos como a cheirinho de

vocês”, o diminutivo deu um caráter pejorativo ao cheiro tanto do chinelo quanto

do pneu brasileiro.

A supervalorização de países considerados desenvolvidos, pois o pneu

americano andou por Nova York nos Estados Unidos, não andou por qualquer

lugar: “andei toda Nova York”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo gramatical contextualizado realizado por meio da tríade “leitura,

análise linguística e produção textual”, utilizando-se de textos humorísticos,

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torna-se mais prazeroso e interessante, favorecendo a produtividade do aluno.

Por meio da leitura e da análise, o aluno simplesmente não “decora”, porém

aprende, adquire um novo conhecimento que, obtido por meio da prática, passa

a ser algo “concreto” para ele. Algo que não será lembrado e estudado apenas

na hora da avaliação, mas fará parte de seu aprendizado.

Em cada análise, agregam-se gradativamente novos conteúdos sem que

o discente perceba, o conhecimento tornar-se um processo cumulativo. Por meio

deste breve estudo, buscou-se mostrar que, em “O pneu vaidoso”, critica-se o

fato de os americanos se sentirem superiores aos brasileiros, a supervalorização

do povo brasileiro por aquilo que é estrangeiro e a vaidade exagerada,

causadora de males à sociedade, às relações sociais e ao homem.

REFERÊNCIAS

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O cardápio na perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo

The menu from the perspective of Sociodiscursive Interactionism

Franciele Andriane da Costa (UENP-G) Rafaela Zenovello (UENP-G)

Marilúcia dos Santos Domingos Striquer (UENP-PQ) RESUMO: Os gêneros discursivos/textuais participam da nossa vida diária organizando nossas interações sociais, e, na maioria das vezes não nos damos conta do porquê e para que os gêneros existem. Nesse sentido, interessamo-nos em conhecer os elementos que caracterizam o gênero discursivo/textual cardápio, o qual circula em diferentes lugares, como em lanchonetes, restaurantes, eventos como casamentos, aniversários e jantares, escolas, hospitais, entre muitos outros lugares. E por essa diversidade, elegemos como objeto de estudo apenas os cardápios que circulam em estabelecimentos comerciais como as lanchonetes. A base teórica que sustenta nossa pesquisa se norteia pelas definições de gêneros do discurso de Bakhtin (2003), e de estudiosos brasileiros como Rojo e Barbosa (2015), e, como ferramenta de análise, utilizamos o Dispositivo didático de gêneros, elaborado por Barros (2012). Os resultados demonstram alguns dos elementos que formam o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo do gênero, bem como que o cardápio é, aparentemente, simples, contudo, como um gênero secundário é constituído por uma complexidade que o torna um cartão de visitas do comerciante/lanchonete, é uma ferramenta de marketing. Estando bem organizado e sendo criativo na apresentação dos produtos pode ajudar o comerciante a atrair seus clientes/consumidores. PALAVRAS-CHAVE: Gêneros discursivos/textuais. Cardápio. Dispositivo didático de gênero. ABSTRACT: In Bakhtin's view that discursive/textual genres organize social interactions and are so present in people's lives that sometimes we do not realize why and for what a genre exists, so we are interested in knowing the elements that characterize the menu. Specifically, the menu circulating in snack bars, because they are so integrated in that context that often do not cause reflections on their social and structural constitution. For this, we used as a guiding tool, the analysis process didactic device developed by Barros (2012). The results showed some socio-communicative, discursive and linguistic characteristics that form the menu in its representativeness in the communicative situation. KEYWORDS: Discursives/Textuais Genres. Menu. Didactic device of the genre.

INTRODUÇÃO

De acordo com Rojo e Barbosa (2015), os gêneros discursivos/textuais, a

partir da definição bakhtiniana, “permeiam nossa vida diária e organizam nossa

comunicação” (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 17), por isso fazem parte de nosso

convívio social e estão presentes em todas as atividades desenvolvidas no

decorrer do dia das pessoas, desde o “bom-dia” ao vizinho até a produção da

ata da reunião no escritório. Portanto, em todas as nossas atividades, a

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linguagem é instrumento de interação que está sempre organizada, estruturada

em diferentes e diversos gêneros discursivos/textuais.

É sob essa perspectiva que nos interessamos em conhecer um gênero

muito presente no cotidiano das pessoas: o cardápio. Dessa forma, nosso

objetivo, neste trabalho, é compreender as especificidades que caracterizam o

gênero discursivo/textual cardápio, o qual circula em diferentes lugares, como

em lanchonetes, restaurantes, jantares, inseridos em eventos de casamento,

aniversários, escolas, hospitais, entre muitos outros lugares. E por essa

diversidade, elegemos como objeto de estudo apenas os cardápios que circulam

em estabelecimentos comerciais onde se fabricam e/ou vendem-se lanches,

sanduíches, refeições rápidas e bebidas, como as lanchonetes4.

De acordo com Bakhtin (2003), os gêneros refletem os campos/esferas

da atividade humana da qual participam. Por exemplo, o cardápio escolar, em

decorrência da finalidade da interação na qual está inserido, do papel social que

assume seu produtor e de quem são os destinatários, pode receber uma

estrutura linguística diferente do cardápio de lanchonete. Logo, para uma

delimitação, nosso foco recai sobre os cardápios das chamadas lanchonetes.

A base teórica que sustenta nossa pesquisa se norteia pelas definições

de gêneros do discurso, de Bakhtin (2003), e de gêneros discursivos/textuais, de

Rojo e Barbosa (2015), e, como ferramenta de análise, utilizamos o Dispositivo

didático de gêneros, elaborado por Barros (2012).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O conceito de gêneros inicia-se, conforme explicam Rojo e Barbosa

(2015), com as discussões de Platão e Aristóteles, em uma classificação dos

gêneros literários em: épico, lírico e dramático. A partir disso, Aristóteles realiza

também uma classificação de diversos outros gêneros sob a perspectiva de que

são “grupo[s] que engloba[m] várias espécies de substâncias individuais”

(ROJO; BARBOSA, 2015, p. 36 – grifo nosso). Contudo, foi o filósofo Bakhtin, no

século XX, quem elaborou a definição de gênero da qual as múltiplas áreas do

estudo da linguagem passaram a fazerem uso. A definição de Bakthin (2003)

tomou grande proporção quando eles realizaram estudos e discussões sobre os

4Estabelecimento comercial onde se faz refeições rápidas. Sinônimo: bar. DICIONÁRIO informal. Disponível em: <https://www.dicionarioinformal.com.br>. Acesso em: 02 fev. 2017.

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gêneros poéticos, e logo expandiram seus olhares para todas as produções

discursivas existentes, compreendendo que gêneros são “tipos relativamente

estáveis de enunciados”. (BAKHTIN, 2003, p.262).

O conceito de relativamente estável é porque, segundo o autor, os

gêneros mudam de acordo com as diferentes culturas, transformam-se

historicamente no tempo e são flexíveis para concretizações enunciativas

(ROJO; BARBOSA, 2015). Isso ocorre porque, todo e qualquer gênero está

inserido, conforme Bakhtin (2003), em um campo da atividade humana, que são

espaços organizados de desenvolvimento das práticas humanas. Isto é, os

campos são as situações comunicativas nas quais os gêneros nascem e se

estabelecem. Nesse sentido, o entendimento é o de que os gêneros estão

presentes no dia a dia de todas as pessoas, embora muitas não conheçam ou

não percebam conscientemente que eles existam. Como é o caso do cardápio

de lanchonetes. O cardápio é um gênero tão comum nesses locais que, por

vezes, é possível que as pessoas que o utilizam nem percebam a

especificidades e que não tenham consciência da importância de sua função

sócio-comunicativa. Essas especificidades e funções desse gênero são as

características que pretendemos abordar neste trabalho.

Para compreender o que são os gêneros, conforme Bakhtin (2003), é

preciso ter ciência de que todo e qualquer gênero é formado por três elementos:

o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo. Tais elementos são

inseparáveis, porém cada um apresenta uma definição. Conforme Rojo e

Barbosa (2015), a construção ou forma composicional é a estrutura do texto, a

qual organiza o conteúdo temático e sua progressão. Por exemplo, a estrutura

básica de um cardápio é formada pela apresentação dos produtos em forma de

tópicos/seções: a seção de exposição dos alimentos, das bebidas, cada uma

acompanhada da descrição e do preço, expostos em listas. Às vezes, cada

produto é acompanhado de uma imagem, sinalizando ainda de forma mais

detalhada como é e quais são os ingredientes do produto.

O estilo trata dos recursos linguísticos empregados na construção do

texto: o léxico, a linguagem em uma modalidade mais informal ou formal, os

mecanismos coesivos, etc. Os recursos linguísticos utilizados em uma ata de

reunião, por exemplo, não serão os mesmos utilizados em uma conversa pelo

WhatsApp. A ata tem uma linguagem mais formal e técnica, com a construção

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de períodos curtos. Já nas redes sociais, o léxico e a formalidade na linguagem

vão variar conforme o destinatário da interação, podendo ser formada por fotos,

desenhos.

O conteúdo temático é o elemento mais importante na constituição de um

gênero. Segundo Rojo e Barbosa (2015, p. 87 – grifos nossos), “o tema é o

conteúdo inferido com base na apreciação de valor, na avaliação, no acento

valorativo que o locutor (falante ou autor) lhe dá”. Compreendemos então que o

tema é o assunto central abordado no gênero, organizado segundo o juízo de

valor que seu autor lhe dá, considerando ainda quem são seus destinatários, o

objetivo da interação, o momento histórico e o lugar em que o texto é produzido.

Uma tirinha de jornal, por exemplo, pode ter, como tema, uma crítica à política,

com apontamentos de seu autor, que pode ser permeado de humor, ironia,

figuras de linguagem, etc.

Além desses elementos que estão “indissoluvelmente ligados ao todo do

enunciado” (BAKHTIN, 2003, p. 87), para Bakhtin (2003), os gêneros se dividem

em dois grupos: os gêneros primários e os secundários. Os primários são os que

pertencem às atividades cotidianas, estão presentes e são usados pelas

pessoas de forma mais simples, como um bilhete. Os gêneros secundários são

os mais complexos e elaborados, por exemplo: relatórios, atas ou formulários.

Os gêneros secundários, muitas vezes, agregam os primários, como o romance

que é secundário, mas comporta diálogos cotidianos de seus personagens,

sendo o diálogo um gênero primário.

Apresentadas as definições básicas de gênero, a seguir abordamos a

proposta de Barros (2012) para a análise de gêneros.

OS PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DE GÊNEROS

De acordo com Barros (2012), os pesquisadores do Interacionismo

Sociodiscursivo (ISD), corrente teórica que tem como suporte teórico, entre

outras teorias, a definição de gêneros do discurso de Bakhtin (2003), sugerem

que para que um gênero possa ser conhecido, é preciso a análise dos elementos

que o constituem. De forma geral, analisam-se a esfera da qual participa o

gênero, a intenção comunicativa dos envolvidos na interação, os elementos que

formam o contexto de produção e a infraestrutura textual do gênero.

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Tomando os procedimentos sugeridos pelo ISD para análise de gêneros,

Barros (2012) elaborou um dispositivo denominado de Dispositivo didático de

gênero, visando didatizar os passos sugeridos pelo ISD. O Dispositivo é

constituído de perguntas direcionadoras para que o analista tenha condições de

conhecer as principais características de um gênero. No entanto, apesar do

dispositivo se intitular didático, é possível atender, com essa ferramenta, a outros

objetivos que não apenas conhecer as especificidades de um gênero para que

ele possa ser transformado em objeto de ensino escolar. Sendo assim, é

possível, via esse dispositivo, conhecer o nosso objeto de estudo – o cardápio –

em seu ambiente típico, verificando sua função na situação comunicativa e sua

estrutura formal.

A seguir reproduzimos o Dispositivo didático de gêneros, de Barros

(2012), com adaptações que este trabalho requer5.

Quadro 1 - Dispositivo didático

Elementos que formam o contexto de produção do gênero A qual prática social o gênero está vinculado? É um gênero oral ou escrito? A qual esfera de comunicação pertence (jornalística, religiosa, publicitária, etc.)? Quem produz esse gênero (emissor)? Para quem se dirige (destinatário)? Qual o papel discursivo do emissor? Qual o papel discursivo do destinatário? Com que finalidade/objetivo produz o texto? Qual é a relação estabelecida entre o produtor e o destinatário? Comercial? Afetiva? Qual o valor desse gênero na sociedade? Qual o suporte? Qual o meio de circulação (onde o gênero circula)? Elementos discursivos que formam o gênero Qual o tipo de discurso? Do expor? Do narrar? É um expor interativo (escrito em primeira pessoa, se reporta explicitamente ao interlocutor, tenta manter um diálogo mais próximo com o interlocutor, explicita o tempo/espaço da produção)? É um expor teórico (não deixa marcas de quem fala, para quem fala, de onde e quando fala)? É um narrar ficcional? É um narrar acontecimentos vividos (relato)? Como é a estrutura geral do texto? Tem título/subtítulo? É assinado? Qual sua extensão aproximada? Acompanha fotos/figuras? Como são organizados os conteúdos no texto? Em forma de lista? Versos? Prosa? Qual o tipo de sequência predominante? Sequencia narrativa? Descritiva? Explicativa? Argumentativa? Dialogal? Injuntiva? Elementos linguístico-discursivo que formam o gênero Como são feitas as retomadas textuais? Quais os tempos verbais usados? E os tipos de verbo: ação? Estado?

5 Optamos em não apresentar todas as perguntas que formam o Dispositivo, elegendo apenas as que estão

relacionadas ao gênero cardápio.

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Quais os tipos de conectivos usados: lógico (mas, portanto, assim, dessa forma, etc.)? Temporal (era uma vez, um dia, depois, amanhã, etc.)? Espacial (lá, aqui, no bosque, etc.)? Qual a variedade linguística privilegiada? Mais formal? Mais informal? Coloquial? Estereotipada? Respeita a norma culta da língua? Usa gírias? Como se verifica isso no texto? Pelo vocabulário empregado? Pela sintaxe? Como são mobilizados os sinais de pontuação no texto? Quais os mais usados? E com qual finalidade? Que vozes são frequentes no texto? Do autor? Sociais? De personagens? De que instâncias advêm essas vozes? Do poder público? Do senso comum? De autoridades científicas? Há a mobilização de elementos paratextuais (quadros, imagens, cores...) ou supratextuais (títulos, subtítulos, sublinhados...)? Como eles agem na construção dos sentidos do texto? Observe, caso o texto possibilite, a forma de grafar as palavras, as cores, a expressão gestual, a forma das imagens, a entonação, as pausas, etc.

Fonte: Barros (2012) - com adaptações das pesquisadoras.

O GÊNERO CARDÁPIO

Para conhecer o gênero cardápio, partimos dos princípios sugeridos por

Barros (2012). Assim, nossa primeira ação foi reunir um conjunto de exemplares

do gênero, a fim de formar nosso corpus, sendo ele, portanto: 04 exemplares:

um cardárpio impresso no pub6 Tenete Pimenta, estabelecimento localizado na

cidade de Ouro Preto - MG; o segundo cardápio é online, disponivel nas redes

sociais da lanchonete delivery Foodflix, localizada em Montes Claros - MG; o

terceiro é impresso e de uma franquia da esfiharia Casa da Sfihaa, da cidade de

Siqueira Campos - PR; e o quarto da cidade de Jacarezinho - PR, é o cardápio

da pizzaria La Favorita, também impresso.

Nossa intenção em selecionar exemplares de diferentes lugares do país

foi para entender se essa questão pode, de alguma forma, influenciar na

regularidade dos elementos que formam o gênero, ou se esse é um gênero mais

estável em seus componentes estruturais, dentro do que Bakhtin (2003) define

como relativamente estável.

6Pub (pronuncia-se pâb) é uma abreviação do inglês public house, cujo significado é casa pública, e designa um. tipo de bar muito popular no Reino Unido, República da Irlanda e outros países de influência britânica, como Austrália ou Nova Zelândia, onde são servidas bebidas (principalmente alcoólicas) e comida ligeira. Um pub tem especial significado para os britânicos. Distingue-se de outros bares por manter o estilo medieval com pouca iluminação, o que o transforma num ambiente muito acolhedor. É o local ideal para beber uma cerveja após o trabalho ou ponto de encontro de amigos. Em alguns pubs é possível ouvir música ao vivo, assistir a jogos de futebol ou jogar sinuca, por exemplo. A cerveja é a bebida mais consumida num pub, tendo sempre disponível uma grande variedade de cervejas de pressão, onde fazem questão de possuir as melhores cervejas regionais. Esse estilo de bar tem tido bastante sucesso, sendo cada vez mais frequente encontrá-los em diversas cidades pelo mundo afora. SIGNIFICADOS. Disponível em: <https://www.significados.com.br/pub/>. Acesso em: 12 fev. 2018.

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Antes ainda de partimos para a apresentação das respostas às perguntas

que formam o dispositivo, apresentamos pesquisas realizadas sobre a definição

teórica do cardápio, conforme estabelece Barros (2012).

A definição de cardápio no Dicionário de gêneros, de Costa (2008, p. 48-

49) é:

Cardápio (v. CARTA, LISTA, MENU, RELAÇÃO): nos restaurantes e afins, relação/ lista (v.) das iguarias, bebidas e sobremesas disponíveis para consumo, quase sempre seguida dos seus preços, colocados à direita, e, muitas vezes, com a descrição sucinta e telegráfica da sua composição, abaixo de cada item da lista. Em banquetes, jantares de gala e afins, apenas consta a relação (às vezes a descrição da composição) das iguarias, bebidas e sobremesas a serem servidas.

Logo, o cardápio é visto por Costa (2008) como uma relação de alimentos,

bebidas, etc., estruturada em: nome do produto, detalhamento e preço.

Entretanto, é importante ressaltar que, para Costa (2008), o cardápio “quase

sempre” tem a referida formatação. Isto é, o gênero é mais livre na constituição

de sua construção composicional e seu estilo, caracterizando-se como o

relativamente estável, o que vai ao encontro da definição de Bakhtin (2003).

Também ressaltamos o fato de Costa (2008, p. 49) expor que “em

banquetes, jantares de gala e afins”, o cardápio pode ganhar nova estrutura, uma

vez que não faz sentido a apresentação de preços. Assim, como explica Bakhtin

(2003), o gênero se estrutura conforme sua função comunicativa e reflete o

campo da atividade humana no qual está inserido.

Diferente de Costa (2008), Barreto7 (2001 apud LINASSI, 2009, p. 13)

define esse gênero não tão pautado em seus aspectos composicionais, mas na

função sócio-comunicativa:

O cardápio tem por base vender os produtos ofertados pelo restaurante, sendo ele o seu maior instrumento de vendas, o cartão de visitas da casa. Seu papel principal é informar, devendo ter para isso: grafia e layout corretos, atendendo as expectativas do cliente tanto na alimentação, quanto em seu formato, cor e organização. O menu, como também é chamado, é inconscientemente avaliado pelo público, que com isso já firma sua primeira impressão sobre o restaurante.

Logo, é a intenção comunicativa, o campo da ativdade humana, o

conteúdo temático que definem a construção composicional e o estilo do gênero,

7 BARRETO, Ronaldo L. P. Passaporte para o sabor: tecnologia para elaboração de cardápios. São Paulo: Senac, 2001.

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assim como defende Bakhtin (2003). Objetivando vender seus produtos, o

estabelecimento oferece ao cliente o cardápio, a fim de que os produtos possam

ser conhecidos e escolhidos diante da vontade ou necessidade do consumidor.

A apresentação dos produtos está ligada à exposição da organização do

ambiente, por isso, o cardárpio “faz parte do marketing do restaurante e deve

estar voltado a atingir o segmento de mercado proposto” (BARRETO, 2001 apud

LINASSI, 2009, p. 13). Assim, muito mais do que só um expositor dos produtos

comercializados, o gênero é uma ferramenta de marketing. Definição que

demonstra o valor do gênero na sociedade (ROJO; BARBOSA, 2015; BARROS,

2012), para aqueles que interagem dentro de uma situação comunicativa por

meio do cardápio.

A partir disso, entende-se o cardápio como um gênero da modalidade

escrita, de forma impressa ou virtual, que configura-se como um gênero

secundário8, pela complexidade que envolve a elaboração do texto.

A seguir, apresentamos os resultados de nossas análises, a partir do

dispositivo de Barros (2012). A primeira questão é: “a qual prática social o gênero

está vinculado?”. Nossos exemplares estão vinculados à prática social, ou ao

que Bakhtin (2003) define como atividade humana, de apresentação de produtos

que são ofertados por estabelecimentos comerciais de consumo de alimentos e

bebidas, a fim de auxiliar os consumidores na escolha dos produtos, dos

ingredientes que compõe os produtos e os preços. Sendo uma forma de

apresentação do referido estabelecimento, pertence à esfera social comercial de

consumo de alimentos/bebidas. E, em decorrência da prática social da qual

emerge o gênero, a relação entre o produtor e o destinatário do cardápio pode

ser classificada como comercial.

Sobre os elementos que formam o contexto de produção, o produtor e seu

papel discursivo (BARROS, 2012), o autor do texto pode ser o próprio dono do

estabelecimento, que pode elaborar, produzir e imprimir ele mesmo o cardápio,

de forma mais artesanal. Ou ele pode contratar uma empresa especializada, uma

gráfica para as referidas ações, repassando à empresa as instruções que julgue

necessárias e os detalhes que gostaria que constassem em seu cardápio, sendo

o layout realizado pelo profissional contratado. Nesse sentido, o emissor/autor

8 Sobre diferença entre gênero primário e secundários, cf. Bakhtin, 2003.

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do cardápio não precisa ter uma formação acadêmica ou profissional específica

para produzir o referido gênero. Diferente, por exemplo, de um editorial de jornal

que é produzido pelo jornalista-chefe ou pelo editor responsável pela mídia, ou

seja, que requer uma autoridade do autor para a produção textual.

Logo, muitas vezes, não é possível determinar quem é exatamente o autor

de nossos exemplares: o cardápio da delivery Foodflix não apresenta nomes ou

logomarcas de nenhuma gráfica ou empresa do ramo que o possa ter

confeccionado, poderia, então, ter sido produzido pelo responsável pelo

estabelecimento. É o mesmo que acontece com o cardápio do pub Tenente

Pimenta. Já no cardápio da pizzaria La Favorita existe uma logomarca de uma

empresa, com nome e telefone, marcando, assim, a produção do texto por uma

instituição especializada em desenvolvimentos gráficos e impressões. E, a Casa

da Esfihaa também não deixa marcas do produtor de seu cardápio.

Sobre o destinatário do gênero, ele caracteriza-se por ser o

cliente/consumidor do local onde circula os cardápios e seu papel discursivo é o

de comprar/consumir os produtos ofertados, conhecendo, pelo cardápio, o

estabelecimento. Contudo, é fundamental destacar que ao planejar e produzir o

cardápio, o produtor sabe ou presume quem possa ser seus

destinatários/consumidores. Por isso, a forma de apresentação do gênero é

direcionada e diferenciada conforme o segmento da empresa e dos possíveis

clientes. Por exemplo, no cardápio do pub Tenente Pimenta as comidas e

bebidas estão organizadas em seções intituladas de forma criativa e bem-

humorada, orientadas para um público jovem e adulto, uma vez que esse tipo de

estabelecimento não tem como público alvo menores de idade, funcionando,

geralmente, mais ao entardecer e durante a noite. Para abonar nossa afirmação,

a respeito de uma construção mais criativa, transcrevemos alguns títulos de

algumas das seções que formam o cardápio do pub: “Pros Brutos” - lista os

lanches, que provavelmente tenham esse nome porque os lanches são

alimentos mais ricos em gorduras e carboidratos; “Pra beliscar” - seção das

porções; “...Do rio...do mar” - seção de peixes e frutos do mar; “Pros carnívoros”

- porções e pratos compostos por carnes vermelhas; “Gordices” - lista as

sobremesas; “Pros animados” - bebidas alcoólicas/drinks com destilados; “Pra

matar a sede” - cervejas, vinhos, espumantes, doses e refrigerantes.

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No caso da empresa Foodflix, sendo uma lanchonete delivery, ou seja,

que só trabalha com entrega a domicílio, o estabelecimento tem como

destinatário/público-alvo pessoas que gostam ou têm a necessidade de ficar

mais em casa, público este também vislumbrado pela empresa Netflix – uma

plataforma privada, que existe em muitos países, que oferece a custo financeiro

filmes e séries de streaming9 para que os telespectadores possam assistir em

casa: na televisão, em smartfones, em tabletes ou IPhones. Assim, a lanchonete

cria o nome do estabelecimento fazendo referência aos lanches (food) que

podem ser consumidos em casa, assistindo a um filme ou série (flix – de Netflix).

Também os nomes dos lanches seguem essa proposta: todos eles fazem

referência direta aos programas e às séries transmitidas pela Netflix, e por outros

canais pagos de televisão. Por exemplo, o sanduíche “Frango Anathomy” que

referencia a série “Grey’s Anathomy”, disponível na Netflix; o lanche “Game of

Fomes”, que faz referência à série “Game of Thrones”, do canal de televisão

HBO. As fontes, estilo de letras e cores usadas para criar o logotipo do cardápio

e os nomes dos lanches também fazem referência às logomarcas das séries.

Tendo, em decorrência, filmes e séries como ponto de criação para os

nomes dos lanches, como pode ser visto na FIG. 1, podemos compreender que

os destinatários do cardápio da Foodflix, seu público consumidor alvo, é formado

por jovens e adultos, em uma faixa etária provável que se inicia em 16 anos,

seguindo, assim, o sistema de classificação de filmes e séries.

9 Streaming é uma tecnologia que envia informações multimídia, através da transferência de dados, utilizando redes de computadores, especialmente a Internet, e foi criada para tornar as conexões mais rápidas. Um grande exemplo de streaming é o site Youtube, que utiliza essa tecnologia para transmitir vídeos em tempo real. Em inglês, a palavra stream significa córrego ou riacho, e por isso a palavra streaming remete para o fluxo, sendo que no âmbito da tecnologia, indica um fluxo de dados ou conteúdos multimídia. Muitas pessoas assistem filmes, seriados ou jogos de futebol em streaming. O live streaming permite que o utilizador veja um programa que está sendo transmitido ao vivo. Existem também a possibilidade de transmitir um evento através do live streaming, para que pessoas que estão longe possam assistir. Quando a ligação de uma rede é banda larga, a velocidade de transmissão da informação é muito maior, dando a sensação ao usuário de que o áudio e o vídeo são transmitidos em tempo real. Atualmente, emissoras de televisão, bem como rádios FM e AM, além de várias empresas que realizam eventos, utilizam esta tecnologia para interação digital com seus ouvintes e clientes. O streaming possibilita que um usuário reproduza mídia, como vídeos, que são sempre protegidos por direitos autorais, de modo que não viole nenhum desses direitos, tornando-se bastante parecido com o rádio ou a televisão aberta. A tecnologia é também muito usada em jogos online, em sites que armazenam arquivos, ou em qualquer serviço onde o carregamento de arquivos é bastante rápido. SIGNIFICADOS. Disponível em: <https://www.significados.com.br/streaming/>. Acesso em: 14 fev. 2018.

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Figura 1 - Cardápio Foodflix

Fonte: Facebook (2017).

No caso do cardápio da esfirraria, na primeira página estão descritos os

dias e horários de atendimento, assim, considerando horário, nossa

interpretação é de que o público consumidor pretendido não tem uma idade

específica. A empresa pretende atender desde crianças a idosos. Funciona de

quarta a sábado e segunda das 17h às 00h, e domingos e feriados das 18h às

00h30. Também a pizzaria recebe um público variado, sem restrição de idade,

por isso, o destinatário do cardápio também não tem distinção entre idade.

Sobre o veículo que divulga o gênero, podem ser panfletos impressos,

redes sociais e aplicativos de celulares. O cardápio da Foodflix, como

mencionado, é veiculado pelas redes sociais Facebook e Instagram e pelos

aplicativos de mensagens como o Whatsapp e o Messenger. Os cardápios da

Casa da Esfiha, pizzaria La Favorita e do pub são veiculados em panfletos

impressos.

Seguindo para a investigação dos elementos discursivos, nossos

exemplares caracterizam-se pelo discurso denominado de expor teórico

(BARROS, 2012). Em busca de uma linguagem que seja adequada a expor de

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forma objetiva os produtos, o texto apresenta-se de forma técnica: o produto, a

descrição do produto e o preço. Como exemplificação, reproduzimos o cardárpio

da pizzaria:

Figura 2 - Cardápio La Favorita

Fonte: Arquivo pessoal (2018).

Nas páginas centrais do cardápio, como é possível visualizar na FIG. 2,

há uma divisão por seções ou tópicos na exposição dos produtos: o que é

alimento e o que é bebida, com subdivisões de pizzas, lanches, pratos, esfirras,

alimentos salgados e doces, sucos, refrigerantes, bebidas alcóolicas.

Já a respeito de “como é a estrutura geral do texto?” (BARROS, 2012), o

cardápio é estruturado por um número de páginas adequados a quantidade de

alimentos e bebidas que o estabelecimento oferece. Portanto, não há como

definir o texto como de longa ou curta extensão. Geralmente, são poucas

páginas, sem um formato padrão característico. A empresa pode apresentar um

cardápio formado por capa – com o nome do estabelecimento, logradouro,

telefone, horário de funcionamento, um slogan e outras páginas com a exposição

do produtos, como é o caso da esfirraria (FIG. 3) e da pizzaria, ou apenas de

uma única página, como é o da Foodflix, na FIG. 1.

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Figura 3 - cardápio da Casa da Esfihaa

Fonte: Arquivo pessoal (2018).

Os títulos que as seções recebem estão relacionados ao destinatário,

conforme abordado, ao estilo e segmento que atende o estabelecimento. Por

exemplo, a pizzaria e a esfirraria que atendem a público geral, sem definição de

idade, têm uma estrutura mais tradicional (seções: Esfirras salgadas, Esfirras

especiais, Esfirras doces, Pastéis arabes, Pastéis doces, Sucos naturais,

Refrigerantes diversos, etc.); e no caso do cardápio do pub Tenente Pimenta,

como mencionado, as seções recebem nomes bem criativos, por exemplo, as

porções mais tradicionais são listadas na seção “Pra beliscar”; as porções

destinadas a vegetarianos e veganos: “Pros Lights”; as sobremesas: “Gordices”;

para os que não digerem bebidas alcoolicas: “Pros sóbrios”, entre outras.

Portanto, a estrutura de apresentação do formato não é estável, ela pode

ser determinada por cada estabelecimento, de acordo com a intenção

comunicativa da empresa. No cardápio da Foodflix, é possível notar que os

lanches estão dispostos lado a lado, mas ainda seguem o modelo de apresentar

o nome do produto em letras grandes, seguindo de sua composição em letras

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menores e, logo após, seu valor. O cardápio da La Favorita segue a exposição

dos produtos em uma ordem alfabética, com os produtos listados um abaixo do

outro com letras grandes, seguindo de sua composição em letras menores e logo

após seu valor, assim como é na esfirraria.

Os produtos são expostos por meio da sequência descritiva, organizada

em frases curtas, com tamanho de letra menor do que o nome do produto,

detalhando o que compõem os alimentos e as bebidas quando drinks e o preço

do produto. Por exemplo, lanche: “Tenete pimenta, 26 [pão australiano/burger

grelhado recheado com gorgonzola 180g/ rúcula/ bacon/ queijo prato/ Onion

crispy/ acompanhado de rustic potatoes, molho Teneten Pimenta e barbecue]”

(cardápio do Tenete Pimenta).

Em relação aos elementos linguístico-discursivos que formam o gênero

discursivo/textual cardápio (BARROS, 2012), verificamos que não estão

presentes mecanismos que promovam retomadas textuais, nem conectivos

lógicos, temporais e espaciais, e a densidade verbal é nula, isso pelo fato de o

texto ser formado pela sequência descritiva. O mecanismo de conexão textual

se estabelece na estrutura na distribuição de alimentos por seções. A variedade

linguística empregada depende também do segmento do estabelecimento e de

quem são seus destinatários/clientes: pode ser formada por neologismos, como

é o caso do Foodflix; pode ser uma linguagem mais informal, como o pub Tenete

Pimenta, e com uma formalidade coloquial, como nos cardápios da pizzaria e da

esfirraria. Contudo, em todos os casos, as regras da gramática da língua

portuguesa são consideradas no uso de vírgulas, de letra maiúscula em nomes

próprios ou início de frases, do cifrão que representa o real para exposição dos

valores dos alimentos.

A maioria dos exemplares analisados, como mencionado, não identifica

quem foi o produtor do texto, sendo assim, a única voz identificável, é a voz

empírica do narrador.

Nos exemplares há uma grande mobilização de elementos paratextuais,

por exemplo, no cardápio da pizzaria são expostas imagens de pizzas e de

esfirras para ilustração do texto (FIG. 2). No cardápio da Casa da Esfiha, em

cada tópico é encontrada a imagem de esfirras. Enquanto no pub as

encontramos imagens nos tópicos, “Pros brutos”, que tem um homem forte

malhando; “Pros carnívoros”, um espeto de churrasco e “Pros animados”, taças

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de drinks. Também foram colocadas imagens de pimentas na frente dos pratos

que são mais picantes, e imagens de balãozinho nos pratos mais novos. O

cardápio da lanchonete Foodflix tem uma imagem de um motoqueiro no rodapé

do cardápio, pois a lanchonete serve apenas em delivery.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o objetivo de compreender as especificidades do cardápio de

lanchonete, um gênero discursivo/textual tão presente no cotidiano dos

frequentadores desse tipo de estabelecimento comercial que, geralmente, as

pessoas não se preocupam em querer conhecer por que e para que esse texto

existe, analisamos um conjunto de exemplares do gênero, tendo como princípio

a definição de gênero discursivo de Bakhtin (2003) e como ferramenta

norteadora da investigação o Dispositivo Didático, elaborado por Barros (2012).

A partir dos resultados das análises, podemos afirmar que o cardápio é,

aparentemente, um gênero simples, principalmente por sua função sócio-

comunicativa ser a de apresentar os produtos, alimentos e bebidas, que a

lanchonete oferece. Contudo, como um gênero secundário (BAKHTIN, 2003), é

constituído por uma complexidade que o torna um cartão de visitas do lugar, uma

ferramenta de Marketing. Estando bem organizado e criativo, pode ajudar a atrair

os consumidores.

Pode não se modificar diante da região do país em que está, como

inicialmente acreditamos, as modificações se instauram diante do contexto de

produção: de quem o produz, e, principalmente, para qual público se destinam

os produtos vendidos na lanchonete. Em decorrência, o estilo vai variar para

atender as questões contextuais, mas a estrutura é relativamente estável: uma

listagem dos produtos, seus ingredientes e preços.

Enfim, o que consideramos mais importante destacar com os resultados

desta pesquisa é que, com ela, pudemos compreender os preceitos de Bakhtin

(2003) na prática, isto é, como os gêneros realmente estão e porque estão em

nossa vida diária, organizando nossas interações sociais.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, Michail. Estética da criação verbal. Introdução e tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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BARROS, Eliana Merlin Deganutti de. Transposição didática externa: a modelização do gênero na pesquisa colaborativa. Raído, Dourados (MS), v. 6, n. 11, p. 11 - 35, jan./jun., 2012. COSTA, Sérgio Roberto. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. LINASSI, Rossano. Engenharia de cardápios e custeio baseado em atividades: uma aplicação em restaurante oriental. 2009. 261 f. Dissertação (Mestrado em Turismo e Hotelaria) – Universidade do Vale do Itajaí, Balneário Camboriú (SC), 2009. Disponível em: http://siaibib01.univali.br/pdf/rossano%20linassi.pdf . Acesso em: 30 jan. 2018. ROJO, Roxane; BARBOSA, Jaqueline P. Hipermodernidade, multiletramentos e gêneros discursivos. São Paulo: Parábola, 2015.

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Uma análise textual dos discursos instituídos em “O patinho feio” de Andersen

(RE)THINK THE RELATIONS BETWEEN CONTEXT, CONTEXT AND TEXT(S): THE PERSPECTIVES OF THE DISCOURSES' TEXTUAL ANALYSIS

Aline Regina Lemes de Sene (UENP – PG) Marilúcia dos Santos Domingos Striquer (UENP – PQ)

Resumo: Este trabalho, resultado de pesquisa desenvolvida na disciplina Texto e ensino, no Profletras da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), tem o objetivo de apresentar uma análise realizada sobre o conto “O patinho feio”, de Hans Christian Andersen, em obra organizada por Sandroni (2007), tendo como princípio (re)pensar as relações entre contexto, contexto e texto, a partir dos preceitos teóricos de Adam (2011) sobre a Análise textual dos discursos e da proposta de Antunes (2010) de análises centradas em elementos determinantes da textualidade e da função interacional de um texto. A premissa inicial foi a de que os estudos em questão poderiam contribuir para a compreensão dos elementos que constituem o referido conto, e, em decorrência, nos instrumentalizar para que pudéssemos toma-los como eixo organizador das práticas de leitura e produção de textos em salas de aula da educação básica. Os resultados demonstraram que o entrelaçamento das propostas teórico-metodológicas dos dois referidos autores é profícuo, os elementos que formam o conto foram detalhadamente conhecidos, nos permitindo assim toma-los, como conteúdo escolar. Palavras-chave: Conto maravilhoso; Análise textual dos discursos; Ensino da língua portuguesa.

Abstract: This work aims to present an analysis of Hans Christian Andersen's tale "The Ugly

Duckling", in a work organized by Sandroni (2007), having as principle (re)think the relations between context, context and text, from the theoretical precepts of Adam (2011) about the Textual analysis of the discourses and the Antunes’ (2010) proposal of analyzes centered on elements that determine textuality and the interactional function of a text. The initial premise was that the studies in question could contribute to the understanding of the elements that make up this tale, and, as a result, instrumentalize us so that we could take them as the organizing axis of the practices of reading and producing texts in classrooms of basic education. The results showed that the interweaving of the theoretical and methodological proposals of the two authors is profitable, the elements that make up the tale were thoroughly known, allowing us to take them as school content. Keywords: Wonderful tale; Textual analysis of the discourses; Teaching of Portuguese language.

INTRODUÇÃO

Prescreve a Base Nacional Comum Curricular (2017) que entre as

competências específicas a serem desenvolvidas pelo aluno na disciplina de

língua portuguesa, no ensino fundamental II, está a de “reconhecer o texto como

lugar de manifestação e negociação de sentidos, valores e ideologias”,

desenvolvimento possível, diante de nossa experiência como docentes da

educação básica, quando o texto é tomado como objeto de ensino e

aprendizagem em todos os seus aspectos: linguísticos, contextuais e cognitivos.

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Contudo, ainda é possível constatar a presença de atividades de análise

linguística em livros didáticos desconectadas, ou seja, atividades que podem ser

realizadas pelo aluno com a leitura apenas do enunciado do exercício. Bem

como, persistem na prática da sala de aula propostas pedagógicas de

professores que concebem a linguagem como expressão do pensamento, que

oferecem a seus alunos exercícios de classificação gramatical, por exemplo,

atividades para que o aluno retire ou identifique em um texto as palavras que

podem ser classificadas como adjetivos.

Levar o aluno a interagir nas mais diferentes situações comunicativas

existentes na sociedade, produzindo e interpretando textos, orais, escritos,

multisemióticos, negociando sentidos, (re)conhecendo valores e ideologias é

tarefa que requer muitas ações pedagógicas, nas quais o docente deve ocupar

o papel de mediador, no sentido que Leontiev (2004) apresenta. Conforme o

autor, para que o aluno aprenda os conteúdos escolares,

Para fazer deles as suas aptidões, 'os órgãos da sua individualidade', a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança 'aprende' a atividade adequada. Pela sua função, este processo e, portanto, um processo de 'educação' (p. 272 - grifos do autor).

Estes “doutros” são os professores mediadores que já se apropriaram dos

objetos materiais e intelectuais e que já dominam ações e operações e podem,

então, auxiliar os discentes. Nesse sentido, sempre preocupados em nossa

formação enquanto mediadores, no anseio de podermos colaborar para

mudança das situações destacadas, e, em decorrência, poder cumprir o

prescrito pelos documentos orientadores das práticas docentes, realizamos

estudos, reflexões, pesquisas, das quais, destacamos neste trabalho uma

análise realizada a partir do entrelaçamento dos preceitos teóricos de Adam

(2011) sobre a Análise textual dos discursos (p. 13), e da proposta de Antunes

(2010) de “como se pode fazer análises de textos centradas em elementos que,

de fato, são determinantes para construção de sua textualidade e de sua função

interacional” (p. 13 – grifos da autora). A intenção é sempre aprimorar os

conhecimentos teóricos que sustentam nossa prática e buscar diferentes

metodologias que possibilitem compreender os fenômenos do mundo

circundante que se materializam em texto, para que por conhecer os elementos

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que formam um texto tenhamos condições de tomá-los como objeto de ensino e

aprendizagem escolar.

Logo, nosso objetivo, neste trabalho, resultado de pesquisa desenvolvida

na disciplina Texto e ensino, no Profletras da Universidade Estadual do Norte do

Paraná (UENP), é apresentar uma análise realizada do conto O patinho feio de

Hans Christian Andersen (SANDRONI, 2007), tendo como princípio (re)pensar

as relações entre contexto, contexto e texto que podem contribuir para que

possamos tomar esse texto como eixo organizador das práticas de leitura e

produção de textos em salas de aula da educação básica.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

De acordo com Adam (2011), apesar da linguística de texto e a análise do

discurso terem origem epistemológica e historicidade diferentes é possível, e é

exatamente essa a proposta teórico-metodológica do autor, situar a “linguística

textual no quadro mais amplo da análise do discurso” (p. 24). Sob essa

perspectiva, destaca o autor, que um texto deve sempre ser visto a partir do

gênero do discurso que o materializa e o estabiliza social e normativamente, uma

vez que um gênero reflete a situação comunicativa ou formação discursiva da

qual faz parte, reflete e se concretiza de acordo com a ação de linguagem

pretendida, promovendo, assim, interação social entre os sujeitos. Dito de outra

forma, um sujeito inserido em uma formação discursiva, em uma prática social

de linguagem, de acordo com seu objetivo, elege um gênero já existente/um

interdiscurso e interage na sociedade realizando as adaptações sociais e

discursivo-linguísticas necessárias na organização da textualidade do texto.

Por esse entendimento, é possível que a linguística textual seja definida

como um subdomínio da análise das práticas discursivas (ADAM, 2011). Para

tanto, conceitos e ações precisam ser ampliados. Um deles, segundo Adam

(2011, p. 52), é a definição de contexto, “o contexto entra na construção do

sentido do enunciado”, não é apenas formado por elementos que estão no

cotexto, os quais levam às situações extralinguísticas. Nesse sentido, a

denominação dada pelo autor é a de co(n)texto, porque na interpretação de um

texto misturam-se os dados linguísticos e os dados da situação extralinguística.

O contexto não é um dado objetivo, pronto e concreto, ele é reconstruído pelo

leitor/ouvinte/analista, a partir dos conhecimentos de mundo que tem o sujeito.

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Esse sujeito vai interpretar o texto apoiando-se na (re)construção de outros

enunciados que estão à esquerda e/ou à direita daquele texto que está sendo

lido/ouvido/analisado. Assim, o co(n)texto de um enunciado é sempre formado

por outros que o antecederam, pelos aspectos que formam o texto propriamente

dito, pelos enunciados que se relacionam com aquele texto no momento da

interação, e outros possíveis de serem construídos. Essa é a justificativa para a

assertiva de Adam (2011, p.56) de que “o contexto está ligado à memória

intertextual” dos sujeitos (ADAM, 2011, p. 56).

Nesse ponto, é possível compreender que os níveis ou planos da análise

textual estão em dependência com os níveis ou planos da análise do discurso:

um sujeito que está dentro de uma formação sociodiscursiva, a partir da ação

linguageira pretendida, ou seja, de sua intenção comunicativa, formula um

discurso, por meio de interdiscursos que constituem sua memória, discurso que

se molda em um gênero, que por sua vez é materializado em um texto. Esse

texto então estrutura o ato ilocucionário, a responsabilidade enunciativa que

assume o produtor, os sentidos pretendidos, por meio da organização de um

plano geral, de sequências tipológicas, de proposições, de períodos, da escolha

lexical.

Essa perspectiva da análise textual dos discursos apresentada já

apresentada por Adam, inicialmente em 1999 e depois em 200810 é retomada

por Marcuschi (2008) em seus estudos sobre a importância de se instaurar e de

como fazer a articulação entre o plano discursivo e textual no estudo dos textos.

Norteado pelos preceitos de Adam, explica Marcuschi (2008) que, na referida

perspectiva, o texto é “um objeto concreto, material e empírico resultante de um

ato de enunciação. Com isto, chega à articulação do discursivo com o textual e

a distinção entre ambos dilui-se de modo sensível” (p. 83). Assim, a separação

do textual e do discursivo é apenas metodológica, pois na essência da

construção de sentidos de um texto tal separação anula-se, uma vez que o que

ocorre é:

Na realidade, se observarmos como agimos nas nossas decisões na vida diária, dá-se o seguinte: primeiramente, tenho uma atividade a ser

10 A obra de 1999 é: ADAM, J.M. Linguistique textuelle. Des genres de discours aux textes. Paris: Nathan,

1999. E a obra de 2008 é: ADAM, J.M. La linguistique textuelle. Introdução à I’analyse textelle des

discursos. Paris, 2008 – a qual foi traduzida para o português e a que utilizamos como referência teórica

neste trabalho, em sua segunda edição revista e aumentada:2011.

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desenvolvida e para a qual cabe um discurso característico. Esse discurso inicia com a escolha do gênero que por sua vez condiciona uma esquematização textual. (MARCUSCHI, 2008, p. 85).

Não exatamente seguindo os pressupostos de Adam (2011) e Marcuschi

(2008), mas comungando com eles, Antunes (2010) apresenta na obra Análise

de textos: fundamentos e práticas uma proposta de análise de textos. A intenção

da autora é a de apresentar alguns exemplos de como professores, estudantes,

estudiosos sobre o ensino e aprendizagem de língua podem fazer análises de

textos centradas em “elementos de sua construção, de sua relevância

comunicativa e de como se pode ultrapassar, nas atividades de análise, a

simples identificação de elementos de sua superfície” (p. 15). Para tanto, elege

três grandes blocos de elementos para o processo de análise: 1) os aspectos

globais do texto; 2) os aspectos da construção do texto; 3) os aspectos da

adequação vocabular. Explica a autora que apenas didaticamente esses

aspectos podem ser isolados. Um texto só existe e por isso só pode ser

investigado levando todos os elementos que o constituem de forma unificada.

De acordo com Antunes (2011), o primeiro passo para análise de um

texto é orientar-se para apreensão de seus aspectos globais (1), isto é, para o

entendimento dos elementos que definem o sentido e os propósitos globais do

texto. Alguns desses elementos seriam: Quanto ao universo de referência: 1.a)

o texto pertence, faz referência a um mundo real ou ficcional; em decorrência

disso, 1;b) o texto se insere em qual campo social-discursivo (formação

discursiva, conforme Adam (2011)); Por que um texto assume níveis de

formalidade, formatos para determinados suportes em dependência com as

“normais sociais e discursivas, que decorrem do universo de referência e o

campo social em que o evento comunicativo se insere e vai circular” (ANTUNES,

2010, p. 66), é preciso conhecer como se realiza a: 1.c) adequação contextual

do texto; e: 1.d) os destinatários previstos. Quanto a unidade semântica: 1.e) de

qual tema trata o texto; 1.f) o ponto de vista a partir do qual o autor trata o tema.

Quanto a progressão do tema: 1.g) como se organiza o tema, ou seja, o plano

de progressão do tema. Quanto o propósito comunicativo: 1.h) o texto acontece

sempre a partir de uma intenção comunicativa, de uma atividade de linguagem.

Quanto aos esquemas de composição: tipos e gêneros: “Os textos obedecem a

padrões regulares de organização, em decorrência do tipo e, sobretudo, do

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gênero que materializam” (ANTUNES, 2010, p. 70), por isso é importante

conhecer: 1.i) qual gênero o texto materializa; 1.j) qual o tipo de texto

predominante. Quanto a relevância informativa: 1.k) a relevância informativa.

Quanto as relações com outros textos; 1.l) a intertextualidade.

Sobre os elementos que formam os aspectos da construção do texto (2)

também denominados por Antunes (2011) de aspectos mais pontuais. Segundo

a autora é impossível esgotar a totalidade desses elementos em uma análise,

conforme o gênero materializado pelo texto, alguns desses aspectos são mais

relevantes investigar, outros podem ser até mesmo ser dispensados. Mas, de

uma forma geral, os elencados por Antunes (2010) são a coesão e a coerência,

de acordo com Antunes (2010, p. 117) “ a íntima ligação da coesão com a

coerência decorre do fato de ambas estarem a serviço do caráter semântico do

texto, de sua relevância comunicativa e interacional”, e tal ligação pode se

instituir da seguinte forma: os tipos de nexos textuais (2.a): (2.a.i) os nexos de

equivalência; (2.a.ii) os nexos de contiguidade; (2.a.iii) os nexos de associação;

(2.a.iv) os nexos de conexão ou sequenciação. Quanto aos recursos de

constituição dos nexos textuais (2.b): (2.b.i) a repetição de palavras; (2.b.ii) a

paráfrase; (2.b.iii) o paralelismo; (2.b.iv) a substituição de unidades do léxico;

(2.b.v) a substituição pronominal; (2.b.vi) a associação semântica entre palavras;

(2.b.vii) o uso de expressões conectivas.

O terceiro grupo é formado pelos aspectos de adequação vocabular,

segundo Antunes (2010, p. 178), “um repertório vocabular amplo e diversificado

é condição de uma atuação comunicativa socialmente participativa, funcional e

relevante”. Assim, o léxico empregado no texto (3.1) colabora,

fundamentalmente, para a coerência e para a unidade semântica.

OS ASPECTOS GLOBAIS E PONTUAIS DO CONTO O PATINHO FEIO

Partindo da proposta para análises de texto apresentada por Antunes

(2010), analisamos o conto “O patinho feio”, de Hans Christian Andersen,

publicado na obra As melhores histórias de Andersen, organizada por Laura

Sandroni (2007). A obra é integrante do acervo do Programa Nacional Biblioteca

da Escola (PNBE), do ano de 2010, recomendada para o público infanto-juvenil.

Nesse sentido, buscando analisar o texto para que a partir de conhecidos os

elementos que o formam ter condições de tomá-lo como eixo organizador das

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práticas de ensino da língua portuguesa em salas de aula da educação básica,

(re)destacando o fato da obra ser recomendada para esse fim.

Iniciando nossa investigação com vistas à apreensão dos aspectos

globais (1) do conto, a primeira constatação, apoiado no agrupamento de

gêneros proposto por Dolz e Schnewuly (2004), é a de que o universo de

referência (1.a) do qual o texto está vinculado é o ficcional. Segundo os autores,

o conto pertence à “cultura literária ficcional”, ou seja, o campo do qual participa

o conto (1.b) é o literário. O que pode ser constatado ainda nas palavras de

Sandroni (2007), na apresentação da referida obra, conforme a autora, “O

patinho feio” é um legítimo representante da literatura universal, junto aos demais

contos que participam da coletânea. A literatura é, portanto, a formação

discursiva (ADAM, 2011) da qual o conto faz parte.

De forma mais específica, situamos o texto “O patinho feio” como a

materialização (conforme Adam, 2011 e Marcuschi, 2008) do gênero textual

conto maravilhoso (1.i). O maravilhoso, segundo Chiampi (1980), confere aos

acontecimentos extraordinários, aos espaços imaginários, aos personagens

sobrenaturais e ao tempo fictício uma legitimidade à priori; narra acontecimentos

inadmissíveis à realidade empírica, sem ao menos considerar o despropósito

dos fatos narrados. Nessas narrativas a problemática entre o entre o real e o

imaginário é desconsiderada, devido à fata de comprometimento com a

verossimilhança. A história se instala no irreal sem qualquer estranhamento. O

imaginário subverte a ordem convencional e situa os acontecimentos no plano

fictício, sem possibilidade de transposição ao mundo material. De acordo com

Coelho (1984),

No início dos tempos, o maravilhoso foi a fonte de misteriosa e privilegiada de onde nasceu a Literatura. Desse maravilhoso nasceram personagens que possuem poderes sobrenaturais; deslocam-se, contrariando as leis da gravidade; sofrem metamorfoses contínuas; defrontam-se com forças do Bem e do Mal, personificadas; sofrem profecias que se cumprem; são beneficiadas com milagres; assistem fenômenos que desafiam as leis da lógica, etc. (p. 122).

Como exemplo, transcrevemos um trecho do conto, onde o maravilhoso

se estabelece a partir dos personagens, que são animais que falam, que expõem

sentimentos:

- Puxa! Como tudo aqui fora á grande! Que mundo enorme! – diziam os patinhos, olhos arregalados. (SANDRONI, 2007, p. 09).

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Além da presença do maravilhoso (CHIAMPI, 1980; COELHO, 1984), é

possível identificar no texto outras características de gêneros que participam do

campo literário. Como explica Cândido (2011), a literatura possui um papel

humanizador, por possibilitar nos indivíduos o exercício da reflexão e da

percepção da complexidade do mundo, das relações sociais que os circundam.

Logo, esse papel pode ser apontado como a intenção comunicativa (1.h) do

conto em análise. A problemática das relações sociais é abordada de forma mais

específica no “O patinho feio” sob a temática (1.e) do preconceito sobre o

diferente, das humilhações que sofrem aqueles que são considerados fora dos

padrões estáticos estabelecidos por uma sociedade. Exemplos:

Era maior e mais magro que os outros. A mãe olhou-o desconfiada, e pensou: “Como é feio! É tão grande! Não pode ser meu filho e nem de meu marido! Não se parece nada com os outros! Será mesmo filhote de peru? Vou jogá-lo logo na água para saber a verdade”. (SANDRONI, 2007, p. 10). Um dos patos velhos ficou tão zangado que avançou para o patinho feio e lhe deu uma picada no pescoço, e resmungou: - Ainda por cima essa geração é feia! Olha este! Que feiura! (p. 11). Nem os irmãos o poupavam: - O gato bem que podia comê-lo! Você nos envergonha! E assim o tempo passou, o patinho feio sendo bicado por todas as aves e chutado pela menina que cuidava delas. Ninguém queria saber dele, ninguém! E ele vivia sozinho e triste. (p. 12).

O patinho era diferente dos demais, por isso sofreu com a rejeição e as

humilhações. No início da história a própria mãe o rejeita, e durante todo o

enredo, sofre com o que os irmãos e os demais personagens da história fazem

a ele, o julgando, o apontando, o “bicando”.

Não característica regular do gênero, mas uma particularidade desse

conto é a de que, de acordo com Brum (s/d), “para os estudiosos, O Patinho

Feio é o conto de Hans Christian Andersen que mais se aproxima de sua

biografia. Assim como o personagem principal do conto, Andersen sofreu

opressão diante da sociedade e humilhações por causa de suas origens sociais”.

O mesmo defende Sandroni (2007, p. 7): “O patinho feio parece contar a própria

vida de Andersen, já que ele era muito pobre e feito, sentindo-se rejeitado até

tornar-se, com seu talento e esforço, um belíssimo cisne admirado por todos”

(SANDRONI, 2007, p. 7). Baseados nessas afirmativas, o ponto de vista sobre

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o qual o autor trata do tema (1.f) tem relação com a vida real dele. Em

decorrência disso, em uma leitura superficial, poderíamos entender que a ideia

central do O patinho feio seria propor reflexões a respeito da problemática social

do preconceito, mas considerando a relação da história com o mundo ordinário

do produtor do texto, em uma perspectiva ampliada pelo discurso (ADAM, 2011;

ANTUNES, 2010), podemos chegar ao nível da interpretação de que esse conto

pode ser uma autobiografia de Hans Cristian Andersen.

Portanto, o propósito comunicativo (1.h) do texto em questão é fazer seu

destinatário refletir sobre a complexidade do mundo e das relações sociais que

os circundam (CANDIDO, 2011). Contudo, quando nos referimos à reflexão

sobre relações humanas propostas pelo conto, não podemos deixar de

considerar o conhecimento que deverá ser mobilizado pelo leitor para que possa

perceber as metáforas subjacentes. Para construir sentidos ao “O patinho feio”

é necessário que seu destinatário compreenda, no mínimo, as relações

familiares abordadas no texto, em especial a relação mãe e filho; a crítica ao fato

de que todos devem ser iguais, se participam de uma mesma família; o

preconceito que vivem os diferentes, a submissão instaurada na sociedade

diante dos integrantes das classes economicamente ou socialmente privilegiada;

além do leitor precisar conhecer as simbologias instituída nos animais que se

relacionam às características e às práticas dos serem humanos. Sob essa égide

está a relevância informativa do texto (1.k), por meio de um conto maravilhoso

aborda-se um conteúdo tão sério.

Para exemplificar as relações que apontamos, trazemos um trecho do

conto em que a mãe-pata está ensinado seus filhotes como devem se

comportarem diante dos outros patos:

Aprendam a andar direito. Movam só os pés, avancem firmes e balancem a cabeça para cumprimentar. Principalmente aquele velho pato. É de raça espanhola e muito importante. Estão vendo a fita vermelha amarrada na perna dele? É o sinal da alta posição social que tem. Por causa daquela fita, todos – homens e animais - o reconhecem e o respeitam. (SANDRONI, 2007, p.11)

Se são patos, devem nadar, mas nadar direito, isto é, de um jeito que

caracterize a espécie em questão. Também é preciso cumprimentar e respeitar

os mais velhos e, principalmente, os de alta posição social. Não importa quem é

essa pessoa, o que importa é que ela é de uma classe social mais alta e por

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esse motivo deve ser respeitada. Todos os conhecimentos mobilizados pelo

leitor na construção de sentidos de um texto fazem parte do que Antunes (2010)

chama de “intertextualidade ampla” (1.l).

A respeito de quem são os destinatários previstos do texto (1.d), como

mencionado por Sandroni (2007), na apresentação da coletânea, Andersen é o

patrono da literatura infantil e “a data de seu nascimento – 2 de abril – é

considerada em todo mundo como o Dia internacional do livro infantil” (p. 7). E,

considerando ainda o fato da obra de Sandroni (2007) fazer parte do PNBE,

como destinada ao público infanto-juvenil, nesse sentido, os destinatários são o

público infantil e juvenil.

E, em conformidade com o gênero, o conto maravilhoso, o conteúdo

temático é organizado pela predominância da narração (1.j), a qual desenvolve-

se a partir de uma sequência de fatos que garantem a progressão do tema. De

acordo com os preceitos de (ADAM, 2011, p. 225),

Em sentido amplo, toda narrativa pode ser considerada como a exposição de ‘fatos’ reais ou imaginários, mas essa designação geral de ‘fatos’ abrange duas realidades distintas: eventos e ações. A ação se caracteriza pela presença de um agente – ator humano ou antropomórfico – que provoca ou tenta evitar uma mudança. O evento acontece sob o efeito de causas, sem intervenção intencional de um agente. (p. 225 – grifos do autor)

No “O patinho feio”, a ação caracteriza-se pela presença do patinho feio

que provoca uma mudança na vida da família de patos, pois era diferente dos

integrantes dessa família, não se parecia nem com a mãe-pata, nem com o pai

e nem com os irmãos, tampouco com os demais animais da fazenda: os outros

patos, o peru, os passarinhos, etc. E o evento acontece no decorrer das

situações e humilhações pelas quais o patinho passa.

Sobre a estrutura hierárquica, clássica, da narração, de acordo com Adam

(2011) ela é formada por cinco momentos: a situação inicial, o nó

(desencadeador), a re-ação ou avaliação, o desenlace (resolução) e a situação

final. No “O patinho feio” a estrutura se apresenta da seguinte forma:

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Quadro 1: Estrutura da narração

Momentos do processo narrativo

“O patinho feio”

Situação inicial Era verão. Árvores verdes rodeavam os campos de trigo, os lagos e as estradas. A vida no campo era uma delícia. No quintal da grande fazenda, uma pata escolheu um recanto segura e calmo para fazer seu ninho. Ficou muitos dias em cima dos ovos, à espera de que os patinhos quebrassem a casca. Já começava a se sentir cansada quando os ovos foram rompendo um a um: crac! Crac!... e as cabecinhas vivas apareceram. [...]

Nó (desencadeador)

Voltou ao ninho para verificar se ainda restava algum ovo. E lá estava um, o maior deles. - Menino, o que é isto? O que você está esperando! Deixa de preguiça, filho! Todos os seus irmãos já saíram! Anda!... já estou cansada de chocar. [...] Afinal a casca rompeu e o novo patinho da ninhada apareceu, piando, piandp: - Piu! Piu! Piu! Era maior e mais magro que os outros. A mãe olhou-o desconfiada, e pensou:

Re-ação “Como é feio! E tão grande! Não pode ser meu filho nem de meu marido! Não se parece nada com os outros! Será mesmo filhote de peru? Vou jogá-lo na água para saber logo a verdade”. [...] - Bonita ninhada, minha senhora, Parabéns!... mas aquele ali é mesmo...vamos dizer... não muito bonito. Seria bom a senhora chocá-lo outra vez. É apenas uma sugestão, minha senhora, não se zangue. [...] E assim o tempo passou, o patinho feio sendo bicado por todas as aves e chutado pela menina que cuidava delas. Ninguém queria saber dele, ninguém! E ele vivia sozinho e triste. [...] Vivendo entre os caniços, quase morrendo de fome e de frio, o patinho feio passou todo o inverno. Ao chegar a primavera, apesar dos sofrimentos, o patinho se sentiu mais crescido e forte. Suas asas cortavam o ar com mais força, levando-o mais rapidamente.

Desenlace (resolução)

Resolveu fazer uma grande viagem. Voou durante muito tempo, a uma grande altura, até ver um lindo jardim cheio de macieiras floridas, contornando um lago. [...]. Viu três cisnes lindos e brancos nadando no lago. [...] Pousou no lago e nadou na direção dos cisnes brancos. Quando baixou a cabeça, viu sua imagem refletida na água azul e calma do lago e – imaginem! – era a imagem de um lindo cisne branco! A mãe-pata chocara um ovo de cisne e dele saíra o nosso patinho feio.

Situação final Os cisnes brancos nadaram a seu lado e o acariciaram, aceitando-0 como um irmão recém-chegado. [...] -Nosso novo companheiro é o mais bonito de nós todos! O antigo patinho feio, sem saber o que fazer, encabulado, escondeu a cabeça entre as asas. Estava feliz, mas não orgulhoso. Fora tão perseguido e sofrera tanto! Bateu as asas, esticou o pescoço gracioso e deu um grito de alegria, que vinha do mais fundo de seu coração: - Nunca sonhei em ser tão feliz no tempo em que eu era o patinho feio!

Fonte: as pesquisadoras.

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Gancho (2002) ainda defende como elementos constituintes da narrativa:

o enredo, personagens, tempo, espaço e narrador. No caso do enredo, ele seria

o encadeamento de ações/eventos que compõem a história, os quais já expomos

no quadro 1. Os personagens são os responsáveis pelo desenvolvimento do

enredo (GANCHO, 2002) e são caracterizados por suas ações, falas e pelo

julgamento que fazem deles o narrador e os outros personagens. No “O patinho

feio” o protagonista, o patinho feio, é apresentado como o feio: “Como é feio!” –

disse a mãe-pata (SANDRONI, 2007, p. 10) ; “Olha este! Que feiura” (p.11) -

disse um dos patos velhos; “...vamos dizer...não muito bonito” – disse o pato

velho de fita vermelha na perna (p. 11); “-Bico feio, grandalhão” – disseram os

pintos (p. 12); “- Puxa! Você é feio demais!” (p. 13) – disseram os patos-

selvagens; “- Escute, bicho, você é tão feio...” – disseram os dois gansos.

Contudo, a repetição da palavra feio (nexo textual (2.b.i)) não caracteriza o

personagem como sendo esteticamente feio, tendo uma aparência feia, o

mecanismo marca a concentração temática do texto, a de que por ser diferente

dos demais de um lugar específico, o personagem é discriminado, humilhado,

não aceito.

Sobre o tempo e o espaço, é comum os contos não apresentá-los

definidos, a fim de garantir a atemporalidade e universalidade de alguns gêneros

literários. No conto analisado, em consonância com a sequência da narração em

predominância, os verbos são conjugados no pretérito, exemplo: “A vida no

campo era uma delícia” (p. 9); “Vivendo entre os caniços, quase morrendo de

fome e de frio, o patinho feio passou todo o inverno” (p. 15). Mas não há como

identificar precisamente se a história acontece em um passado remoto ou

recente, a passagem do tempo da narrativa é construída mais pelas referências

às estações do ano, um dos fatores que garante a coesão e coerência (2.a) ao

texto. A história inicia-se com a expressão “Era verão...” (p. 09) – momento em

que o patinho feio estava ainda dentro do ovo e quando ele nasce. Logo,

aparecem as expressões: “E assim o tempo passou...” (p. 12); “Um dia...”(p. 12);

“Dias depois...” (p. 13); “Três semanas se passaram...” (p. 14) – as quais

sequenciam as ações e os eventos vivenciados pelo protagonista nos diferentes

momentos da narração (ADAM, 2011). Chega então outra estação do ano: “O

inverno chegou e com ele o frio” (p. 15) – que simboliza a passagem do tempo e

principalmente a fase de total abandono e tristeza: “Vivendo entre caniços, quase

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morrendo de fome e de frio, o patinho feio passou todo o inverno” (p.15). Já a

chegada da primavera marca a metamorfose que o patinho sofreu: “Ao chegar a

primavera, apesar dos sofrimentos, o patinho se sentiu mais crescido e forte” (p.

15).

Quanto ao espaço, como mencionado, ele não é bem definido, a história

aconteceu, primeiramente, no quintal da grande fazenda; depois o patinho feio

fugiu para um brejo; depois foi para em uma choupana; até chegar em um jardim

onde encontrou os outros cisnes. Tais lugares são apresentados por breves

sequências descritivas (ADAM, 2011). Exemplos: “Era verão. Árvores verdes

rodeavam os campos de trigo, os lagos e as estradas” (p. 9); “A choupana era

velha e estragada; só ainda não caíra porque não sabia para que lado tombar”

(p. 13).

Também dá progressão ao conteúdo temático a sequência dialogal (1.j),

por ela as informações mais relevantes sobre os julgamentos que recebe o

protagonista podem ser conhecidas. Isto é, na fala dos personagens é que

melhor o autor aborda a temática do conflito social, a questão da humilhação

pela qual passa o protagonista. Exemplo: “- Puxa! Você é feio demais! O melhor

é ir embora, antes que se apaixone por uma das nossas meninas!” (p. 13).

Ainda sobre a sequência dialogal, apresentamos algumas observações

sobre alguns fatos gramaticais verificados no “O patinho feito”: as marcas da

transcrição do discurso direto com a utilização de travessões e de verbos do

dizer. Exemplo: “[...]. E todos lhe diziam: - Bicho feio, grandalhão!” (p. 12); e o

uso de aspas para marcar o momento em que o personagem pensa, sem

oralizar. ““Minha feiura assusta até os passarinhos!” – pensou ele” (p. 12); o

emprego do sinal de exclamação que usualmente é utilizado para expressar

emoção, surpresa, admiração, indignação, raiva, espanto, susto, exaltação,

entusiasmo, dentre outros. Exemplos: “- O mundo é assim mesmo!” (p. 11); “-

Absurdo!” (p. 11); “- Puxa! Você é feio demais!” (p. 13).

Sobre os aspectos mais pontuais que formam o conto, os quais, de acordo

com Antunes (2010), alicerçam e sustentam a construção dos sentidos do texto,

destacamos a forma como a coesão e a coerência articulam e fazem progredir o

conteúdo temático. Os nexos de equivalência (2.a.i), fazem a ligação das partes

do texto no âmbito da referenciação. Esses nexos podem ser identificados nos

momentos em que o mesmo objeto de discurso voltou a ser referenciado. Por

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exemplo: Assim que o protagonista sai do ovo, a mãe-pata diz: “Como ele é feio!”

(p. 10), a partir daí o personagem é chamado de “patinho feio” até o

encerramento da história, mais especificamente esta é a última palavra do texto:

“-Nunca sonhei em ser tão feliz no tempo em que eu era o patinho feio!” (p.17).

Assim, a equivalência referencial acontece por meio de nexos textuais (2.b), com

o emprego da repetição (2.b.i), da palavra feio, que é uma marca da

concentração temática do texto, como já explorado. A progressão temática

também se concretiza por meio do emprego da substituição pronominal (2.b.v):

“-Mas ele é feio demais” (p. 12) – o referente de ele é o patinho feio; “E ele vivia

sozinho e triste” (p. 12) – ele, o patinho feio; “Mas ele não estava pensando em

namorar ninguém, queria apenas dormir em paz, beber e comer, e que

gostassem dele um pouquinho” (p. 13) – ele, o patinho feio; dele- do patinho feio.

Os nexos de equivalência (2.1.i) são importantes elementos nesse texto

promover que o leitor reflita sobre a temática das humilhações que sobrem os

que são considerados fora dos padrões estéticos estabelecidos por uma

sociedade. O uso da palavra feio se repete (2.b.1) na fala de quase todos os

personagens, a começar pela mãe, logo que o personagem principal sai do

ninho, a mãe diz é: “Como é feio!” (p. 10); assim, o nome estabelecido para o

personagem foi: o patinho feio; um dos patos velhos: “- Mas ele é feio demais!”

(p. 12); os pintos: “- Bicho feio, grandalhão!” (p. 12); os patos-selvagens: “-

Escute bilho, você é tão feio...” (p. 13); mesmo quando o patinho descobre-se

um cisne, a expressão ainda é repetida para marcar o preconceito: “O antigo

patinho feio, sem saber o que fazer, encabulado, escondeu a cabeça entre as

asas” (p. 17), ou seja, nem no final feliz a caracterização é modificada, ele não é

cisne, é o antigo patinho feio.

A referida temática é abordada também diante do subentendido de que

alguns podem até se colocar como não preconceituosos, mas o preconceito

acaba se revelando de alguma forma. O pato velho de fita vermelha é

apresentado como alguém importante, que deve até mesmo ser chamado de

“excelência”: “...é de raça espanhola e muito importante. [...] é de alta posição

social” (p. 11). Contudo, o que ele diz ao encontrar-se com o patinho feio é: “-

Bonita ninhada, minha senhora. Parabéns!... mas aquele ali é mesmo...vamos

dizer... não muito bonito” (p. 10). A expressão em destaque organizada pelo

emprego de nexo de associação (2.a.iii) semântica (2.b. vi) revela que mesmo

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sendo mais polido, mais importante, assim apresentado na história, do que os

demais animais, o pato velho de fita vermelha também discrimina o diferente. De

acordo com o conhecimento de mundo do leitor, necessário para essa

interpretação, não muito bonito pode ser compreendido como feio em

associação semântica. A rejeição velada pode ser vista ainda no momento em o

pato velho diz à mãe: “Seria bom a senhora chocá-lo outra vez. É apenas uma

sugestão, minha senhora, não se zangue” (p. 12). Isto é, para ele, o patinho feio

teria que nascer novamente para ser condições de ser mais bonito.

A relação afetiva, o amor incondicional na relação de maternidade é

também tematizada no texto, o que pode ser percebido pelo uso de nexos

textuais por substituição de unidades do léxico (2.b.iv), no caso, na substituição

de uma expressão por outra equivalente contextualmente. A mãe, antes ainda

do ovo se romper conversa com o filho: “- Menino, o que é isto? O que você está

esperando! Deixa de preguiça, filho!” (p. 10). Mas quando um dos patos ataca o

patinho, a substituição é feita por uma palavra que representa a aproximação, o

afeto: “- Pare com isso! – protestou a mãe-pata – Não se atreva a repetir! Meu

filhinho não está aqui para apanhar de ninguém” (p. 12). E a mãe-pata continua

na defesa de seu filho, que para ela tem qualidades que sobressaem a feiura:

“Mas se ele é feio, é muito bonzinho: obediente, educado, respeitador” (p. 12). A

utilização do recurso da substituição promove a elevação do teor da informação,

conforme postula Antunes (2010). O leitor é conduzido a percepção de que a

mãe de início pode ter rejeitado o filho por ser diferente, mas aceitou-o, assim

como os demais, e não deixa que o maltrate, que ele seja humilhado.

Essa relação de afetividade maternal também pode ser identificada na

organização do texto por meio de nexo de conexão ou sequênciação (2.a.iv), no

trecho: “- Menino, o que é isto? O que você está esperando! Deixa de preguiça,

filho! Todos os seus irmãos já saíram! Anda! ... já estou cansada de chocar. Mas

ainda assim, mãe-pata se deitou de novo no ninho” (p.10). O emprego da

conjunção adversativa “mas”, indica que mesmo já irritada, dando bronca no

filho, a mãe não desiste dele, ela ainda continuando chocando.

Vale ressaltar ainda a função coesiva do termo “assim”, como um

elemento de substituição pronominal (2.b.v), no trecho de fala do patinho feio:

“Prefiro arriscar ser morto por elas a continuar vivendo como tenho vivido, bicado

pelos patos e galinhas, expulso de toda parte. Antes morrer do que continuar

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assim! ” (p.15). O termo retomar a situação descrita em todos os períodos

anteriores do texto quanto a força da temática: da situação vivenciada pelo

personagem desde o seu nascimento, sobretudo, marca a passagem para um

novo período de sua vida. Nesse caso, como aponta Antunes (2010, p. 132), “o

pronome não funciona apenas como ‘palavras de retomada textual’; isto é, o

pronome não funciona apenas sob a forma de uma expressão que retoma outro

antecedente. [...] O pronome também pode referir um elemento da situação

extralinguística”.

Com a mesma configuração, com o recurso da substituição pronominal

(2.b.v), destacamos o emprego do pronome “nosso” no início do fechamento da

história, na situação final (ADAM, 2011), em: “A mãe-pata chocara um ovo de

cisne e dele saíra o nosso patinho feio” (p. 15). O sentimento de inadequação e

distanciamento com que o personagem é tratado no decorrer do conto, sempre

referido pelo narrador como “o patinho feio”, dá lugar à ideia de pertencimento

expressa pela utilização do pronome possessivo nosso, a partir do momento em

que o personagem se identifica como um cisne ao ver sua imagem refletida na

água. Bem como, o pronome refere-se a um elemento da situação

extralinguística, o patinho passa a pertencer aos leitores, os quais se

compadeceram dos sofrimentos, e agora, ao final, podem se alegrar porque o

patinho encontrou os seus iguais, não mais sofrerá.

Sobre o aspecto da adequação vocabular (3.1), diante do gênero textual

conto maravilhoso materializado no texto “O patinho feio”, destacamos a escolha

de um léxico bem próximo ao nível coloquial, adequado no sentido de ser tratar

da contação de uma história ficcional que pretende provocar reflexões nos

leitores sobre situações que acontecem no dia a dia da sociedade do mundo

real. Os personagens animais falam de acordo com que falam os seres humanos

no cotidiano, exemplo: “- Graças a Deus! Minha feiura me ajudou pela primeira

vez! Ele não me matou!” (p. 13). As personagens utilizam-se de expressões

característica da modalidade oral da língua: “Deixe-me ver este seu ovo! Ih! É

mesmo ovo de perua...” (p. 10); “- Puxa! Você é feio demais!” (p. 13). Contudo,

também podem ser identificadas construções mais comuns em contextos

formais, exemplos: “A mãe olhou-o desconfiada, e penseu:” (p. 10); “Vou jogá-lo

na água para saber logo a verdade” (p. 10); “O patinho mostrava-se o mais

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educado possível, cumprimentando todos tal como sua mãe lhe ensinara” (p.

13).

O uso do diminutivo marcando a afetividade característica da

maternidade: “filhinho” (p.12) – usado pela mãe-pata; “diabinho” (p. 10) – usado

por uma pata-velha (que também já tinha tido filhotes). O emprego de

expressões para caracterizar socialmente quem são os personagens na história:

“Esta gente moça não faz nada direito!” – disse um dos patos velhos; “- Bonita

ninhada, minha senhora” (p. 12) – disse de forma polida o pato velho de fita

vermelha; “- Impossível, Excelência” (p. 12) – pronome de tratamento utilizado

pela mãe-pata para o pato velho de fita vermelha uma vez que ele foi

apresentado no texto como importante, de raça; “- Escute, bicho, você é tão feio

que estou simpatizando com sua cara” (p. 13) – disse um dos gansos, marcando

a entrada de outros animais na história, que não os patos. E o emprego de

onomatopeias que também identificam quem são os personagens na história: os

patinhos recém-nascidos fazem: “piu, piu, piu” (p. 9); a mãe-pata: “Cuá! Cuá!

Cuá!”; o peru: “glu!glu!glu”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como mencionado, sempre preocupados no desenvolvimento de nossa

ação docente e em busca de tornarmo-nos mediadores entre os conhecimentos

científicos e os alunos, como postula Leontiev (2004), bem como de transpor

didaticamente o que prescreve a Base Nacional Comum Curricular para à área

de língua portuguesa na educação básica, analisamos o conto “O patinho feio”,

de Hans Christian Andersen (SANDRONI, 2007), tendo como princípio os

preceitos da análise textual dos discursos. Os resultados de nossas análises

apontaram os aspectos globais, os pontuais e os da adequação vocabular

elencados por Antunes (2010) que formam o conto. Nesse sentido, conhecidos

tais elementos que podem ser tomados como objeto de ensino e aprendizagem

escolar, pretendemos organizar, em uma segunda etapa deste trabalho,

sequências didáticas para ensino da língua portuguesa tendo o “O patinho feio”

como eixo organizador do trabalho destinado ao ensino fundamental.

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REFERÊNCIAS ADAM, J.M. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Revisão técnica João Gomes da Silva Neto. 2. Ed. Revista e aumentada. São Paulo: Cortez, 2011.

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BRASÍLIA. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília, 2017.

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Uma contribuição para o ensino da língua portuguesa: tratando o gênero causo

A contribution to the teaching of the portuguese language: treating the

gender caused

Luciane Cristina Benites Pereira (UENP - PG) RESUMO: O presente trabalho direciona um olhar para as necessidades de aprendizagem da língua portuguesa em consonância com as diretrizes curriculares, tendo em vista a concepção de linguagem como discurso que se efetiva nas diferentes práticas sociais, buscando empregar a língua oral em diferentes situações de uso, saber adequá-la a cada contexto e interlocutor, reconhecer as intenções implícitas nos discursos do cotidiano e propiciar a possibilidade de um posicionamento diante deles. Contemplando a leitura, produção textual e análise linguística de forma interligada, considera-se que, quanto maior for o contato do aluno com variedades de linguagens, melhores serão suas possibilidades de entender e interpretar o texto, seus sentidos, suas intenções e visões de mundo. Tem como ponto de partida os pressupostos de Bakhtin, que privilegia “(i) a concepção dialógica da linguagem; (ii) os textos enquanto enunciados concretos, pertencentes a diferentes gêneros [...] (iii) os aspectos dialógicos presentes nos enunciados [... ]”, e prioriza o estudo além da gramática com enfoque no uso social da linguagem (ANTUNES, 2007; 2010) contemplando a oralidade, produção textual e análise linguística contextualizada, que além de melhorar aspectos do ensino da língua portuguesa busca valorizar o patrimônio sociocultural brasileiro. Os PCN (BRASIL, 1998) afirmam que o gênero causo posssibilita o trabalho com a leitura e a escrita. Entende-se a fala como representação fônica da língua e a escrita como representação gráfica. PALAVRAS CHAVE: Língua Portuguesa. Linguagem. Gênero textual.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa a contribuição para a aprendizagem da

Língua Portuguesa em consonância com as Diretrizes Curriculares, tendo em

vista a concepção de linguagem como discurso que se efetiva nas diferentes

práticas sociais, buscando:

Empregar a língua oral em diferentes situações de uso, saber adequá-la a cada contexto e interlocutor, reconhecer as intenções implícitas nos discursos do cotidiano e propiciar a possibilidade de um posicionamento diante deles; desenvolver o uso da língua escrita em situações discursivas por meio de práticas sociais que considerem os interlocutores, seus objetivos, o assunto tratado, além do contexto de produção; analisar os textos produzidos, lidos e/ou ouvidos, possibilitando que o aluno amplie seus conhecimentos linguístico-discursivos etc (PARANÁ, 2008, p. 54).

Por meio da leitura, produção textual e análise linguística de

forma interligada, considerando que, quanto maior for o contato do aluno com

variedades de linguagens, melhores serão suas possibilidades de entender e

interpretar o texto, seus sentidos, suas intenções e visões de mundo. Parte dos

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pressupostos de Bakhtin, que privilegia “(i) a concepção dialógica da linguagem;

(ii) os textos enquanto enunciados concretos, pertencentes a diferentes gêneros

[...] (iii) os aspectos dialógicos presentes nos enunciados [... ]” (NANTES, 2014,

p. 70).

Também prioriza o estudo além da gramática com enfoque no

uso social da linguagem (ANTUNES, 2007; 2010) contemplando a oralidade,

produção textual e análise linguística contextualizada, que além de melhorar

aspectos do ensino da Língua Portuguesa busca valorizar o maior patrimônio

sociocultural brasileiro, sua História. Os PCN (BRASIL, 1998) afirmam que o

gênero causo posssibilita o trabalho com a leitura e a escrita entendendo a fala

como representação fônica da língua e a escrita como a representação gráfica

da mesma.

Contradições permearam, e ainda permeiam a história da

humanidade tomada em seus diferentes aspectos. No Brasil, o viés da educação

formal, inicialmente de caráter elitista e privado, é contemplado na Constituição

Federal de 1998 – Capítulo III, Seção I, nos artigos 205 e 206. Tais prescrições

ganharam legitimidade nas Leis de Diretrizes e Bases Educacionais até então

formuladas, bem como na atual, a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, mas

infelizmente o cumprimento dela tem sido um desafio para muitos, e ignorado

por outros.

Sinteticamente, na redação do capítulo III lê-se que a educação

é direito de todos, um dever do Estado e da família, tendo em vista o

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e

qualificação para o trabalho. O texto destaca ainda os princípios da igualdade de

condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender,

ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de

ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e

privadas de ensino.

Se por um lado o texto legal define um modelo adequado,

mecanismos de avaliação do ensino apontam para a fragilidade da educação

institucionalizada, tanto na rede pública, quanto privada, isso porque Avaliações

Institucionais para o Ensino Fundamental – Séries Finais no Ensino da Língua

Portuguesa – como a Prova Brasil e Sistema de Avaliação da Educação Básica

do Paraná (SAEP), revelam baixo índice de acerto nas questões que envolveram

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domínios básicos de Língua Portuguesa.

Estas avaliações dão destaque à interpretação e produção

textual, evidenciando a permanência de um ensino nem sempre articulado e

contextualizado, que prioriza o texto em sua vertente sociodiscursiva, ou seja, o

texto tomado em sua totalidade, produzido por um autor com uma intenção, que

traz vozes sociais e lacunas a serem preenchidas e pontuadas, bem como

silêncios a serem analisados e compreendidos e, por fim, e não menos

importante, um destinatário, ou seja, um leitor.

PROBLEMÁTICA

É visível, hoje, a necessidade de formação de leitores que

tenham competência para, a partir da leitura crítica, produzir conhecimento

relevante para atuar na sociedade e especificamente no campo educacional,

seja o indivíduo, estudante ou professor e, mediado por ela, melhorar a prática

da escrita.

De acordo com os dados da pesquisa “Retratos da Leitura no

Brasil (2015)”, 44% da população brasileira não é leitora. A leitura é uma

habilidade adquirida, treinada e aperfeiçoada para que possa ser praticada com

autonomia e prazer quando a pessoa possui competência para tal.

A problemática está relacionada à alfabetização e à falta de

mediação entre o “leitor” experiente e o “leitor” leigo. É necessária, além do

contato com a linguagem escrita, a propiciação de outras possibilidades, como

a fantasia, por exemplo (VIOTTO, 2016).

Nas palavras de Nóvoa (1995) as condições precárias da escola

em suas instalações, recursos, formas de atendimento ao aluno, persistem dado

o caráter autoritário e centralizador da organização técnica-administrativa e

acentuada omissão nas questões pedagógicas.

Acrescente-se ainda as atividades docentes desqualificadas

com consequências na motivação, satisfação e produtividade no trabalho

confirmando os altos índices de analfabetismo no Brasil que ainda se mostra

bem perverso (NÓVOA, 1995), sem deixar de considerar que todo este quadro

perpassa pelas políticas públicas.

Diante do exposto, em busca de alternativas positivas, o

presente projeto se propõe pela revisão bibliográfica, à luz das obras de Koch e

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Elias (2006; 2015) e Marcuschi (2008), entre outros, abordar sobre o gênero

textual ‘causo’ primeiramente na sua forma oral, na sequência realizar a análise

linguística11 textual deste gênero com alunos de 5º ano do Ensino Fundamental

I, valorizando o texto oral e escrito em seus aspectos formais e enunciativos,

apontando novas possibilidades de ressignificação dos cuidados que a prática

da escrita exige.

OBJETIVOS

Gerais

1)Contribuir para o ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa;

2)Valorizar os aspectos da cultura dos alunos a fim de favorecer a produção

escrita mais aprimorada.

Específicos

1)Promover a análise linguística textual de ‘causos orais’ com ênfase nos seus

aspectos formais e enunciativos;

2)Favorecer a prática da escrita pela utilização de tecnologias da informação e

comunicação acessíveis aos alunos.

CATEGORIZAÇÃO DO GÊNERO

Dentro da esfera literária, o “causo” aparece vinculado a outros

gêneros indicados para o trabalho com a linguagem oral, sendo referidos como:

gênero cordel, causos e similares; textos dramáticos e canção (BRASIL, 1998).

O produto define-se como sequência de atividades, tendo como

suporte a Sequência Didática de Gêneros (SDG) calcada em J-P Bronckart, J.

Dolz e B. Schneuwly, que descende do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD),

enquadrado na categoria 1 de acordo com as normas da CAPES.

REFERENCIAL TEÓRICO

O causo é um gênero da esfera literária que privilegia a cultura

popular, de origem oral (primário); após ser transferido para modalidade escrita

11 Inclui tanto o trabalho das questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto, como: coesão e coerência; análise de recursos expressivos; organização e inclusão de informações etc (GERALDI, 1984, NANTES, 2014).

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(texto) toma corpo de gênero secundário com certo “apagamento” das marcas

da oralidade. É entendido por Perroni (1992) como um texto aproximado às

narrativas infantis – manifestação popular de estórias extraordinárias, não raro

de assombração, porém o “causo” tem toda uma aparência de verdade que

contém invariavelmente elementos do sobrenatural desligado do compromisso

com o real.

Alguns brasileiros contadores de causos: Cornélio Pires,

Geraldinho, Rolando Boldrin e Chico Lorota. Na figura abaixo, as informações

que subjazem à enunciação de um texto visto como enunciado concreto do

gênero causo retextualizado, que o diferencia do conto ou lenda:

Figura 1

Fonte: Nantes (2014).

A estrutura dos causos orais mostra-se eficaz como

instrumentos de análise uma vez que, segundo Oliveira (2008), constitui um

gênero próprio, com características temático/discursivas definidas e estruturas

semiolinguísticas específicas e suficientes para a constituição de quatro

categorias: lúdica que explora o riso; crítica, que se sustenta na ironia; revide,

que evidencia a vingança; e aterrorizante, que desperta o medo. Trata-se de

uma forma particular de se contar um tipo de história, forma de falar o já dito, de

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recriar o mundo em histórias.

Nas palavras de Pimenta (1999) partindo da teoria dos gêneros,

é produtivo o trabalho com o causo o cotidiano, como referência ao vivo e ao

vivido, ao que está, por assim dizer, fora dos muros da escola. Esse tema permite

ao aluno ressignificar sua visão sobre suas atividades corriqueiras, porque o leva

a adotar uma “atitude responsiva ativa” frente a suas ações diárias, tornando co-

autor de narrativas.

Em outras palavras, otimiza-se a capacidade leitora, e escritora

desse aluno, o que contribui para o desenvolvimento de seus letramentos

escolar, social, político, cultural, apoiando-se, como já apresentado, na

mediação dos recursos tecnológicos a que tem acesso.

O ensino da Língua Portuguesa no Brasil, em seu início foi

permeado pelos ideais jesuíticos, postulando que a escrita era a reprodução da

fala “[...] pensava-se, segundo uma concepção filosófica intelectualista, que a

linguagem se constituía no interior da mente e sua materialização fônica revelava

o pensamento” (PARANÁ, 2008, p. 39).

Posteriormente, em 1971, a disciplina de Língua Portuguesa se pautou

“[...] na concepção de linguagem como meio de comunicação (cujo objeto é a

língua vista como código), com um viés mais pragmático e utilitário em

detrimento do aprimoramento das capacidades linguísticas do falante”

(PARANÁ, 2008, p. 44).

A partir dos anos 80, várias foram as críticas quanto ao ensino normativo,

desencadeando um esforço de revisão dessas práticas, na direção da

ressignificação da noção de erro, e admissão das variedades linguísticas

próprias dos alunos. [...] “um projeto educativo comprometido com a

democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade

de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos

necessários para o exercício da cidadania” (PCN, 1998, p. 19). Após vários

debates, hoje as DCEs priorizam:

[...] a proposta que dá ênfase à língua viva, dialógica, em constante movimentação, permanentemente reflexiva e produtiva. Tal ênfase traduz-se na adoção das práticas de linguagem como ponto central do trabalho pedagógico [...] (p. 48).

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No entanto, ainda hoje,o trabalho com a palavra escrita na escola tem se

utilizado de uma metodologia ultrapassada, uma vez que prevalece a

valorização de um trabalho conceitual baseado na tipologia textual clássica, qual

sejam, narração, descrição e dissertação.

No entanto, nos últimos dois séculos, as novas tecnologias, em especial

as ligadas à área da comunicação, propiciaram o surgimento de uma variedade

de gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias que

originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas

interferências nas atividades comunicativas diárias (MARCUSCHI, 2008).

Assim, continua Marcuschi (2008), os grandes suportes tecnológicos da

comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, por

terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades

comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez

propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos. Daí surgem

formas discursivas novas, no entanto não há como desconsiderar outros gêneros

de igual valor histórico-social que pemanecem no cotidiano de muitos, cujo

acesso à tecnologia ainda é ínfimo.

A simples exposição aos meios de comunicação não é o suficiente para

construir saberes, se assim fosse, pela gama de informações disponíveis nos

meios de comunicação, e o contato direto das pessoas com essa, a produção

escrita escolar seria proficiente. Aí entra o grande papel da escola (e dos

professores) na mediação entre a sociedade da informação e os alunos, no

sentido de possibilitar-lhes, por meio da reflexão, adquirirem a sabedoria

necessária à permanente construção do humano, no caso desta pesquisa, a

formação de leitores e produtores de texto.

Corroborando com a ideia de que, conhecer não se reduz a informar,

Pimenta (1999) e Morin (1993) evidenciam que a informação é o primeiro estágio

do conhecimento, o segundo seria a análise profícua dessa no âmbito da

contextualização, e o terceiro estágio “tem a ver com a inteligência, a consciência

ou a sabedoria [...] arte de vincular conhecimento de maneira útil e pertinente

[...]” (p. 20/21). Confirma-se aqui a importância da reestruturação de textos à luz

da análise linguística, como caminho possível.

Marcuschi (2008, p. 51) postula que são variadas as formas de se

trabalhar texto na intenção de explorar problemas linguísticos, tais como: as

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relações entre as diversas variantes linguísticas, as relações entre fala e escrita

no uso real da língua, o funcionamento e a definição de categorias gramaticais.

Oralidade e escrita são funções distintas da língua, por isso a dificuldade

da criança em “passar para o papel” aquilo que pronuncia, empregando em suas

produções os recursos da língua falada. É papel do professor, intervir contínua

e pacientemente na direção de construir o texto escrito (KOCH e ELIAS, 2015).

As DCEs (PARANÁ, 2008) apresentam, de forma sistematizada,

sugestões de gêneros para serem trabalhados, a partir de um agrupamento por

esferas sociais: cotidiana, literária/artística, científica, escolar, imprensa,

publicitária, política, jurídica, produção de consumo e midiática e por isso

deveriam estar sempre à mão de profissionais atentos.

Assim sendo, o gênero discursivo da esfera literária, o “causo”, pode ser

inserido no ensino, principalmente por tratar-se de enunciados concretos que

expressam a cultura de um povo, manifestando em suas narrativas, um dos

maiores patrimônios da humanidade – sua História (NANTES, 2014; CÂNDIDO,

1981).

Este trabalho ganha importância à medida que contribui para a melhora

da produção escrita mediada pela leitura e pela oralidade com trabalho

colaborativo entre o estudante, o professor e a pesquisadora, no esforço de

chegarem à construção do conhecimento linguístico e textual, utilizando como

fonte de motivação na análise de textos, aparato tecnológico acessível a estes

protagonistas.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A presente proposta inscreve-se na área da linguística aplicada, de

caráter qualitativo/interpretativo, definido por Cruz (2010) como aquela que

busca entender um fenômeno específico em profundidade, a partir de

descrições, interpretações e atribuição de significados.

Pode ser realizada por meio de análise de informações, fatos ou

ocorrências que normalmente não são expressas por números (MARTINS;

THEÓPHILO, 2007; CRUZ, 2010); e de cunho etnográfico, porque surge da

preocupação com o uso da linguagem nas esferas sociais distintas (NANTES,

2014).

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A figura abaixo mostra a visão pluri/multi/interdisciplinar de Celani (1998)

adaptada por Nantes (2014).

Figura 2: Visão pluri/multi/interdisciplinar (integração)

A proposta terá um viés aproximado da Pedagogia Histórico-

crítica de Demerval Saviani (2008): a) prática social inicial – o que os alunos

sabem sobre o tema; b) problematização – reflexão junto aos alunos de como

será conduzido o trabalho; c) instrumentalização – ações didático-pedagógicas;

d) catarse – novas formas de “enxergar” o tema; e) prática social final – proposta

de ação/intervenção a partir do conteúdo sistematizado.

A partir da aplicação de uma sequência de atividades com o

gênero “causo escrito” da esfera literária, captados junto aos familiares de alunos

–– de modo a favorecer a produção textual e análise linguística, no sentido de

criar condições para que os alunos percebam os diferentes gêneros como

práticas sociais, acatadas e aceitas, mas com características particulares.

Inicialmente será pedido aos alunos que investiguem em suas

famílias ‘causos reais ou do imaginário’ e que sejam gravados em imagem e/ou

áudio. Estes causos serão transcritos ou reproduzidos e, na totalidade ou

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fragmentados, serão analisados apontando para as marcas discursivas,

enunciativas e linguísticas para que percebam as peculiaridades do texto oral e

do escrito.

A análise linguística será baseada no estudo de Antunes (2007),

Nantes (2014) e seus colaboradores de forma a superar o modelo superficial do

ensino de gramática, considerando-se: as marcas linguísticas do (gênero) e

enunciativas (do autor), a temática, o arranjo composicional e o contexto de

produção, por meio de leitura e produção/refacção textual, levando em conta a

dimensão social do gênero discursivo.

Após o processo de captação, transcrição, reprodução, análise

linguística, ilustração, os mesmos serão digitados e organizados em um caderno

(livro) a ser disponibilizado na forma impressa, em meio eletrônico.

Paralelamente serão apresentados, com os devidos cuidados de

exposição de material disponibilizados em redes sociais, pequenos textos, ou

apenas fragmentos, que mostrem características de textos orais, mas que são

‘inadequadas’ na escrita, apenas com o intuito de aproximar os gêneros,

priorizando o trabalho com a escrita.

POSSÍVEIS LIMITAÇÕES

Para melhor entender as limitações de trabalhar o “causo” na

escola de hoje, lançamos um olhar sobre a geração Z: formada pelos nativos

digitais, nascidos entre 1992 e 2010, no contexto da democratização da

comunicação impulsionada pela internet e redes sociais, que são fortes

instrumentos mediadores formadores de opinião, bem como atrativos para o

jovem de hoje.

O trabalho teria uma maior aceitação se fosse realizado há duas

ou três décadas atrás, quando as famílias ainda se reuníam para conversar e

contar histórias. Vê-se assim um “apagamento” dessa prática social. Sob a ótica

da atualidade o gênero causo estaria ultrapassado nas relações sociais, por

outro lado o estudo surge como um possível resgate da cultura e de valores.

POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES

Melhora da produção escrita mediada pela leitura e pela

oralidade com trabalho colaborativo entre o estudante e o professor, no esforço

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de chegarem à construção do conhecimento linguístico e textual, utilizando como

fonte de motivação na análise de textos e aparato tecnológico acessível aos

participantes da pesquisa/ação.

Espera-se que os estudantes sintam-se atraídos pela proposta

de forma que enriqueçam seu estudo sobre os variados aspectos da linguagem,

sejam eles a oralidade, escrita, produção e refacção textual no intuito de

melhorar a aprendizagem de Língua Portuguesa tomando como suporte

textos/enunciados concretos que retratam o maior patrimônio cultural brasileiro:

sua História.

Em consonância a isso resgata a cultura oral mostrando

aspectos regionais e históricos. Até 1970 a maioria do povo brasileiro residia nas

zonas rurais e apresentavam com maior frequência o “dialeto caipira”, após essa

data, com o êxodo rural essa forma cultural de fala foi sendo aos poucos

suprimida pela “fala padrão” da norma culta.

Pois pensou-se que o dialeto caipira era erro de linguagem;

posteriormente estudos mostraram que não se trata de erro de linguagem, mas

sim de variante linguística, sendo que só pode ser considerada como errada

quando a fala compromete o entendimento da mensagem.

Como consta Barzotto (2004), respeitar as características da

regionalidade já se tornou aspecto legal amparado pela CF de 1988:

Título I – Dos princípios Fundamentais, Art. 3º.Parágrafo IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, é preciso fazer soar óbvia a necessidade de respeitar o outro (p. 94).

A utilização deste material por outros profissionais da área que

tiverem interesse também poderá ser uma contribuição para o campo

educacional.

POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

Por apresentar aracterísticas aproximadas, pode desdobrar-se

para lenda e conto, conforme algumas características apontadas:

Causo: história que passa de geração a geração (de boca a

boca), apontando a marca da oralidade, uso informal da língua e retrata a história

do antepassado, passa a ser considerada como verdade, por ser afirmada com

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frequência por pessoas idôneas (NANTES, 2014).

Lenda: utiliza fantasia ou ficção, faz parte da tradição oral e

cultural, fornece explicações aos fatos que não são explicáveis pela ciência ou

pela lógica, conforme apontado por Araújo:

São narrativas transmitidas oralmente pelas pessoas com o objetivo de explicar acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais. Para isso há uma mistura de fatos reais com imaginários. Misturam a história e a fantasia. As lendas vão sendo contadas ao longo do tempo e modificadas através da imaginação do povo. Ao se tornarem conhecidas, são registradas na linguagem escrita [...] histórias que falam sobre a tradição de um povo e que fazem parte de sua cultura (INFOESCOLA, 2018, p. 01).

Conto: remonta aos tempos antigos, representado pelas

narrativas orais dos antigos povos nas noites de luar. É categorizado conforme

o gênero, como: conto maravilhoso, policial, de amor, ficção científica, fantástico,

de terror, mistério, dentre outras classificações, apresentados de forma

condensada centrada em um único conflito. Nas palavras de Duarte, o conto é:

[...] um texto narrativo centrado em um relato referente a um fato ou determinado acontecimento. Sendo que este pode ser real, como é o caso de uma notícia jornalística, um evento esportivo, dentre outros. Podendo também ser fictício, ou seja, algo resultante de uma invenção (BRASILESCOLA, 2018, p. 01).

Diante do exposto, percebe-se que os três tipos de texto

apresentam proximidades consideráveis que possibilitam o trabalho interligado

entre ambos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando, acredita-se que esta proposta terá pertinência na

ampliação da aprendizagem da Língua Portuguesa. E o professor que estará

aplicando a proposta irá perceber a utilidade da mesma bem como a

necessidade de adaptação conforme nível acadêmico e aceitação por parte de

sua comunidade de estudantes, considerando que o professor é aquele que

aprende enquanto ensina.

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Uma perspectiva sociolinguística sobre identidade e esteriótipo no discurso

humorístico stand up comedy

A sociolinguistic perspective about identity and stereotype in the humoristic

discourse of stand up comedy

Angélica Prestes Rosas (UENP – G)

Beatriz dos Santos da Silva (UENP – G)

Naraiane Taís da Silva (UENP – G)

Bruna Carolini Barbosa (UENP – PQ)

RESUMO: Levando em consideração os pressupostos sociolinguísticos (GÖRSKI et al, 2010; COELHO, 2015; CASSELLA, 2016), entende-se que a variação linguística é um traço natural e constitutivo de qualquer falante, devido às questões sociais e aos aspectos internos da própria língua. Não há, portanto, homogeneidade: toda língua é essencialmente heterogênea - pertinentemente provida a partir de um relacionamento social que determina a identidade de cada falante (HALL, 2006). Partindo dessas considerações iniciais, este trabalho tem como objeto de análise o gênero oral Stand-up Comedy. O corpus desta pesquisa é composto pelo vídeo “Sotaque” do humorista brasileiro Fernando Caruso, publicado em 2011, disponível na plataforma de vídeos do Youtube. Objetivamos demonstrar que certos discursos acabam criando formas estereotipadas de determinadas comunidades de fala, conferindo, assim, uma identidade distante do real cultural e linguístico que de fato constituem esses grupos. Portanto, os resultados revelam que parte do discurso do humorista reproduzem e reforçam esses traços estereotipados sobre as variantes linguísticas e seus falantes, e que grande parte da audiência corrobora com a discriminação de sotaques ou dialetos que compõem o tecido linguístico brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística. Variação linguística. Preconceito linguístico. Stand-up Comedy.

INTRODUÇÃO

Apesar dos gêneros do humor não serem comumente estudados pelos

acadêmicos, eles possuem grande visibilidade em nossa sociedade devido a sua

abrangência, pois os discursos humorísticos são disseminados pelos mais

diversos meio de comunicação, principalmente, a internet.

Tendo em vista a concepção de Soares (2014), de que o humor adaptou-

se ao ciberespaço e compreendo que os gêneros humorísticos por intermédio

de seu discurso acabam atraindo os mais diversos tipos de públicos, esse

estudioso, então, estabelece as sete formas de humor que possuem mais

evidência na internet brasileira que no caso são: os blogs de humor, o humor no

estilo stand up comedy, os vlogs, a rede social de microblogs Tumblr (lê-se

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“tâmbler”), os provocadores, são aqueles que normalmente criam perfis falsos

nas redes sociais para criticar pessoas e opiniões, o humor nerd e os memes,

concepções que se disseminam rapidamente, tornando-se um viral.

Portanto, conclui-se com essa afirmação de Soares (2014), que um dos

gêneros do humor que ganharam força na internet é Stand Up Comedy. Com

isso, pretendemos analisar esse gênero oral que possui inúmeros seguidores

nas redes sociais, o que propícia a propagação de sua ideologia para a

população, criando, dessa forma, valores e crenças.

Assim, incialmente, discorreremos a respeito de alguns conceitos da

sociolinguística, além de trazermos algumas percepções sobre as variações

linguísticas e as relações entre identidade e estereótipo que acabam

ocasionando o preconceito linguístico e a exclusão social. E, por fim,

analisaremos o Stand Up do humorista Fernando Caruso, coletado da página

eletrônica do Youtube, denominado “Fernando Caruso – Sotaque”.

SOCIOLINGUÍSTICA

A sociolinguística surge na década de 60 como uma reação ao

estruturalismo e ao gerativismo, visto que essas abordagens não consideravam

os fatores sociais e externos (história, sociais, ideológicos) da língua (GÖRSKI

et al, 2010). Desse modo, compreende-se que essa é uma área da linguística

que objetiva analisar a relação entre a língua e a sociedade, visando explicar

como a língua pode modificar-se dentro de determinado contexto social, inserido

em uma comunidade. Por conseguinte, a concepção de língua apresentada por

esse método de estudo, compreende-a com uma forma capaz de modificar-se

com o tempo e espaço, ou seja, ela está suscetível a variação e a mudança

linguística (COELHO, 2015).

Ademais, a sociolinguística visa analisar a fala de um indivíduo ou de um

grupo social, denominado de comunidade de fala (doravante CF). Diante disso,

cada CF possui traços linguísticos característicos, possuindo duas funções:

Fornece, em primeiro lugar, uma base fundamentada para explicar a distribuição social de semelhanças e diferenças linguísticas, a razão porque certos grupos de falantes compartilham traços linguísticos que os distinguem de outros grupos de falantes. Em segundo lugar, a noção de comunidade de fala fornece uma justificativa teórica para unir os idioletos de falantes individuais (que são os únicos objetos linguísticos cuja existência se pode realmente observar), em objetos maiores, as

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línguas (que são, na verdade, construções abstratas). (GUY, 2000, p. 18)

Assim, para os sociolinguistas, em toda CF são constantes as formas

linguísticas em variação e “a essas formas em variação dá-se o nome de

variantes. Variantes linguísticas são diversas maneiras de se dizer a mesma

coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto

de variantes dá-se o nome de variável linguística” (TARALLO, 1997).

Além disso, a sociolinguística considera a heterogeneidade da língua,

pois, de acordo com a perspectiva de Labov (apud GÖRSKI et al, 2010), não

existe CF homogênea, já que “existe variação inerente à comunidade fala - não

há dois falantes que se expressam do mesmo modo, nem mesmo um falante

que se expresse da mesma maneira em diferentes situações de comunicação”.

Assim, conclui-se que a língua é constituída por um conjunto de variedades,

sendo possível defini-las segundo as mudanças linguísticas que ocorrem por

diversos fatores, como, por exemplo, escolaridade, idade, gênero, entre outros

aspectos.

No entanto, essa heterogeneidade da língua é estruturada, possuindo

regras variáveis, que são permitidas em certos contextos linguísticos e sociais,

ou seja, em determinados lugares falamos de uma forma e, em outras situações,

nos comunicamos de outro modo.

[...] O aparato teórico e metodológico da sociolinguística surgiu, e até hoje vem sendo construído para que, com cada vez mais precisão, essa realidade até então posta de lado nos estudos linguísticos seja compreendida, levando-se em conta a influência não só dos elementos internos da língua, mas dos elementos externos a ela [...]. (GÖRSKI et

al, 2010, p.24)

Por fim, embora cada CF possua traços linguísticos característico e

regras variáveis, isso não impossibilita que indivíduos de CF diferentes possam

comunicar-se, pois a língua é um sistema organizado, fazendo com que os

falantes de determinadas regiões compreendam-se mesmo que haja a

diversidade linguística.

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Para os propósitos de análise neste artigo, compreendeu-se como

necessário determinar os tipos de variação linguística, focalizando,

exclusivamente, os fatores extralinguísticos. Ainda, salientamos que estes

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recortes serão realizados para efeito de estudo científico, visto que “a variação

não atinge somente um nível da língua e nem se dá a partir de um só aspecto,

externo ou interno” (CASSELLA, 2016).

Deste modo, é possível afirmar, com um bom grau de acerto, que a variação se manifesta no nível fonético-fonológico, no morfológico, no sintático, no semântico, no lexical e no pragmático. Podemos estudar a variação em cada um destes níveis isoladamente, mas ela não ocorre assim. Os fenômenos de variação podem ocorrer – e efetivamente ocorrem – atingindo dois, três ou vários níveis ao mesmo tempo. É o que acontece, por exemplo, com a marcação do plural somente no primeiro item de um sintagma, como em “as casaØ bonitaØ” por “as casas bonitas”, em que há variação sintática na concordância e variação morfológica na ausência do morfema {-s}. (CASSELLA, 2016, p.88)

Já as variações externas da língua são catalogadas como regional ou

diatópica; social ou diastrática; estilística ou diafásica; na fala ou na escrita ou

diamésica, portanto, iremos dividi-las e classificá-las, visando a concepção

proposta por Görski et al (2010) no livro Sociolinguística.

A variação regional ou diatópica permiti-nos identificar, às vezes com

precisão, a origem de um sujeito por meio de seu modo de falar, por exemplo,

saber quando um falante é gaúcho, mineiro ou nordestino. Logo, esse tipo de

análise pode ocorrer entre unidades espaciais diferentes, já que pode acontecer

variação regional entre Brasil e Portugal, entre Paraná e Santa Catarina, etc.

Assim, para exemplificarmos melhor esse tipo de variação apontamos a

pronúncia de vogais /e/ e /o/ pré-tônicas, como nas palavras ‘peteca’ e ‘moderno’,

que no dialeto nordestino são pronunciadas abertas (p[ℇ]teca – m[ɔ]derno, já no

dialeto do sudeste são pronunciadas fechadas (m[o]derno e p[e]teca). (GÖRSKI

et al, 2010).

Já em relação a variação social ou diastrática, considera-se que as

diferentes características sociais do falante refletem na sua maneira de

comunicar-se. Desse modo, os principais fatores que interferem nesse processo

são o grau de escolaridade, o nível socioeconômico, o sexo/gênero, a faixa etária

e a profissão. Diante disso, falantes que possuem maior nível de escolaridade

costumam marcar o plural nos elementos de um sintagma nominal como ‘as

meninas bonitas’, assinalando o plural em todos os elementos, diferentemente

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de uma comunidade menos letrada que marcaria o plural somente em um

sintagma ‘as menina bonita’, por exemplo.

A variação estilística ou diafásica corresponde as diferentes formas

linguísticas utilizadas por um falante em determinado contexto, tendo como

exemplo a maneira como falamos em casa não é o mesmo modo de falar que

empregamos no nosso emprego. Por conseguinte, “o que está em jogo aí são

os diferentes “domínios sociais”: na escola, na igreja, no trabalho, em casa, como

os amigos etc. Os papéis sociais que desempenhamos vão se alternando em

conformidade com as situações comunicativas [...]” (GÖRSKI et al, 2010).

Em sequência, temos a variação na fala e na escrita ou diamésica, que

segundo Casella (2016), é a comparação entre a língua falada e a língua escrita

e ao grau de monitoramento do falante, ou seja, no proferimento de uma palestra,

o texto falado é uma atividade espontânea, “improvisada e suscetível a variação

nos mais diversos níveis” (GÖRSKI et al, 2010). Em compensação, a escrita

estabelece-se como artificial, ensaiada, já que existe nela a possibilidade de

planejamento, revisões e reformulações, sendo um pouco menos variável, pois

“está vinculada à produção de gêneros sobre os quais há mais regras e maior

monitoramento” (GÖRSKI et al 2010).

Apesar de Görski et al (2010) não apresentar a variação diacrônica,

julgamos necessário discorrer sobre ela, já que a sociolinguística compreende

que as mudanças linguísticas ocorrem durante o tempo e o contexto social. Logo,

essa abordagem entende que a língua é afetada conforme a passagem do

tempo, por exemplo, ‘vossa mercê’ transformou-se atualmente em ‘você

(CASELLA, 2016).

UMA PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA SOBRE A IDENTIDADE

A identidade desenvolve-se de diferentes formas, dando-se de modo

complexo, já que nesse processo interferem diversos fatores: sociológicos,

psicológicos, cognitivos e culturais (SEVERO, 2007). Assim, a formação da

identidade acontece ao longo do tempo por meio de processos inconscientes e

não imediatos, que são permeados desde o nascimento.

Desse modo, durante a formação identitária a língua desenvolve um

papel primordial, já que os indivíduos são formados na e pela linguagem.

Ademais, Scherre (2005 apud OLIVEIRA; BARONA, 2011) salienta que “um

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povo se individualiza, se afirma e é identificado em função de sua língua”, além

de ser necessário a interação com outro, pois é por intermédio da fala que “o

sujeito se compõe, estabelecendo as diversas relações sociais e retratando o

conhecimento de si próprio e do mundo, ou seja, seus valores ideológicos e

visões de mundo”.

Para a sociolinguística certas construções linguísticas determinam a

identidade do falante, possibilitando, assim, constatar os diversos fatores como

o profissional, o pessoal e até mesmo as regiões de cada país (SEVERO, 2007).

Além disso, quando utilizamos a língua para produzirmos significados, traremos

à tona nossos posicionamos de acordo com as regras linguística, levando em

consideração a nossa cultura, pois a língua é um sistema social e não um

sistema unitário (HALL, 2006).

Ao recortarmos o termo “identidade”, carregamos, ainda assim, o “cultural”. Podemos, aqui, fazer um paralelo com a sociolinguística laboviana: assim como na perspectiva sociolinguística, o termo identidade traz consigo a ideia de social, na perspectiva sociológica acima descrita, o termo identidade traz a ideia de cultural. Dessa forma, em ambas as perspectivas os termos ‘social’ e ‘cultural’ carregam o mesmo teor de transposição da identidade do sujeito. (LACERDA, 2013, p.43)

Assim, entende-se que a língua, em práticas sociais e culturais, é

empregada, muitas vezes, como um modo de expressão da identidade. Por

conseguinte, observamos que a língua parece estar “intrinsecamente”

relacionada a cultura de um povo, nacional e regionalmente, tendo a língua como

meio para um povo representar suas ideologias, sua existência social e sua

percepção de nação (LACERDA, 2013).

[...] o falante “somente” se apresenta como “real” no momento em que se estabelece no seu meio social. É a partir dessa socialização que o indivíduo passa a ter uma estreita relação com sua comunidade de fala. Inserido em sua comunidade, agora ele é um dos elementos da interação e do processo social da existência. Pensando nisso, é importante lembrar que o contexto tem uma participação muito importante na construção da identidade linguística, pois muitas vezes ele vai ditar o que é e o que não é dito. Essa concepção de contexto atravessa diversas práticas linguísticas do falante, não apenas fixa sua identidade como usuário de uma língua, mas também marca a identidade, a depender do contexto, do seu interlocutor. Nessa perspectiva, a mensagem poderá ter seu significado determinado e, assim, refletir a identidade dos indivíduos envolvidos. (RAJAGOPALAN, 1998 apud LACERDA, 2013)

Tendo como base a concepção de Rajagoplan (1998 apud LACERDA,

2013), salienta-se que as formações discursivas são modeladas conforme a fala

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do sujeito em ação, pois as palavras são ditas conforme o uso do discurso, já

que é por intermédio dos gêneros do discurso que nos comunicamos, devendo

tê-los, então, como uma forma de interação, “um meio de produção de

enunciados específicos”. Portanto, é a partir do enunciado que podemos

perceber as diversas significações trazidas durante o discurso, como: o

posicionamento do sujeito, seus conhecimentos, sentimentos, etc (MACHADO;

OLIVEIRA, 2013).

Além disso, devemos considerar que um discurso formula-se por meio

da existência de interlocutores e enunciadores, além de ocorrer por meio de uma

interação em um contexto linguístico específico. Diante dessa afirmação,

compreende-se que “o indivíduo é determinado pela socialização, é também

determinado pelas memórias que agrega e altera no decorrer de seu convívio

social” (LOPEZ; DITTRICH, 2005, apud LACERDA, 2013).

Diante desse convívio social, ao qual estamos expostos, e por meio

dessas interações ocorridas em comunidade, que as memorais individuais

acabam sofrendo alterações, produzindo “mudanças nas crenças e nos valores

identitários do indivíduo. Essas possibilidades nos mostram que o falante não é

apenas um mero observador, ele é, também, um agente social de sua identidade

(LACERDA, 2013).

Partindo dessa perspectiva, existem alguns discursos, em nossa

sociedade, que são propagados pelas mídias tradicionais (TV, jornais, rádios) ou

pelo ciberespaço (internet) que acabam fomentando alguns tipos de julgamentos

errôneos sobre determinados assuntos, alimentando a concepção de que certos

valores ou crenças são melhores que a de um grupo ou classe social ou criando

tipos de estereótipo.

Desse modo, baseando-nos no conceito de Labov (apud GÖRSKI et al,

2010), o qual aponta que no nível de consciência, que o falante possui sobre

determinada variável, podemos distinguir três traços distintivos: os estereótipos,

os marcadores e os indicadores.

Os Estereótipos são traços conscientes que conduzem as mudanças

linguísticas rápidas e a extinção das formas censuradas, podendo ser

consideradas positivas ou negativas, como, por exemplo, o fonema /e/ átono final

pronunciado como [i], como em ‘leite quente’ ou o fonema /l/ de encontro

consonantais pronunciados /r/ como em ‘craro’, ‘Craúdia’. Ainda, segundo Görski

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et al (2010) os Estereótipos são usados, normalmente, de forma exagerada, “na

composição de personagens de programas humorísticos, em piadas, e mesmo

em novelas e em filmes”.

Dessa maneira, torna-se preciso distinguir identidade de estereótipo.

Segundo Carvalho (2011, p. 47):

[...] a identidade é considerada social, imaginária e representada, assumida pelo grupo que a construiu, mas isto não significa que ela não tenha origem em uma realidade. O estereótipo também é tido como social, imaginário e construído, e normalmente está associado a uma imagem negativa. Assim, o estereótipo utilizaria de uma representação que um determinado grupo, a princípio, não assume, mas que lhe é atribuída pelo outro. Portanto, percebe-se que a identidade é assumida pelo grupo que a criou, já o estereótipo não.

Em contrapartida, os Marcadores são usados, muitas vezes, de maneira

inconsciente, apesar de muitos falantes diagnosticarem esse ato de linguagem

como "feio" ou "errado", fazendo uso deles sem perceber. Por exemplo, o

emprego do ‘tu’ (utilizado para referir-se a um interlocutor íntimo) e ‘você’

(quando o interlocutor é desconhecido ou mais velho). Embora esses usos não

sejam estigmatizados, eles são correlacionados as variáveis estilísticas (grau de

intimidade) e sociais (como a faixa etária dos falantes) (GÖRSKI et al, 2010).

Os Indicadores são traços linguísticos que apresentam uma divisão

organizada em grupos socioeconômicos, étnicos, etários, “utilizados por cada

indivíduo mais ou menos do mesmo modo em qualquer contexto; são traços

socialmente estratificados, mas não sujeitos à variação estilística, com pouca

força avaliativa e com julgamentos sociais inconscientes” (LACERDA, 2013). Para exemplificar, podemos citar a monotongação dos ditongos /ey/ e /ow/ em

palavras como peixe/pexe, feijão/fejão, couve/cove, couro/coro. Essas variáveis

são ferramentas relevantes para os sociolinguistas, auxiliando-os a compreender

o processo das mudanças linguísticas. Com isso, os estudos e as pesquisas

sociolinguísticas, ajudam a compreender melhor o preconceito linguístico.

Assim, uma das maiores contribuições da sociolinguística está

direcionada para o combate da disseminação das ideias que propagam a

existência de uma língua superior a outras, procurando combater o preconceito

linguístico na sociedade, já que muitas pessoas sofrem constrangimentos ou até

mesmo são humilhadas, quando são considerados falantes linguisticamente

inferiores, pois não utilizam a norma padrão da língua (FARACO, 2005).

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Portanto, de acordo com Görski et al (2010), muitos estudiosos e

gramáticos, até membros da comunidade mais letrada da sociedade,

argumentam que existe, em uma língua, “construções corretas e incorretas,

melhores e piores, e que os falantes que “erram” em suas escolhas ao falar ao

escrever são consequentemente imperfeitos [...]”, considerando-os, além disso,

inferiores cognitivamente.

Para solucionar esse problema social que envolve o preconceito

linguístico, Bagno (2004, p. 115) propõe:

[...] a primeira campanha a ser feita, por todos na sociedade, é a favor da mudança de atitude. Cada um de nós, professor ou não, precisa elevar o grau da própria autoestima linguística: recusar com veemência os velhos argumentos que visem menosprezar o saber linguístico individual de cada um de nós. Temos de nos impor como falantes competentes de nossa língua materna. Parar de acreditar que “brasileiro não sabe português”, que “português é muito difícil”, que os habitantes da zona rural ou das classes sociais mais baixas “falam tudo errado”. Acionar nosso senso crítico toda vez que nos depararmos com um comando paragramatical e saber filtrar as informações realmente úteis, deixando de lado (e denunciando, de preferência) as informações preconceituosas, autoritárias e intolerantes. (BAGNO, 2004, p. 115).

Embora muitos livros de gramática e estudiosos perpetuarem vários

mitos (o português é muito difícil; as pessoas sem instrução falam errado; a

língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente; o

certo é falar assim porque se escreve assim; é preciso saber gramática para falar

e escrever bem etc), eles são facilmente desmitificados, como foi realizado no

livro Preconceito linguístico: o que é, como se faz do estudioso Bagno (2004).

Ademais, nessa obra, o autor critica a valorização da língua escrita sobre a

língua falada, argumentando que “infelizmente, existe uma tendência (mais um

preconceito!) muito forte no ensino da língua de querer obrigar o aluno a

pronunciar “do jeito que se escreve”, como se essa fosse a única maneira “certa”

de falar português”.

Em suma, o preconceito linguístico auxilia a discriminação de classes

mais baixas que não possuem acesso à norma padrão da língua, disseminando

uma ideologia que prega a exclusão social, portanto, torna-se necessário trazer

esse problema para superfície para que possa ser combatido com práticas de

inclusão (PELINSON; SILVA; RIBEIRO, 2014).

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STAND UP COMEDY: UM GÊNERO ORAL Andrade (2017) salienta que para um gênero ser considerado oral é

preciso possuir como suporte a voz humana, além de ser elaborado visando ter

uma realização oral. Assim, somente são vistos como gêneros orais aqueles que

foram redigidos com a finalidade de ser oralizado, como: “conferências; peças

teatrais; novelas e filmes; notícias faladas em telejornais e no rádio etc”

(TRAVAGLIA et al, 2013). Portanto, se o gênero foi realizado para ser efetuado

oralmente, mesmo possuindo uma versão escrita, ele será considerado oral.

Segundo a perspectiva de Travaglia et al (2013), para caracterizar um

gênero como oral somente pela sua realização falada é uma tarefa complexa,

pois, como o romance, o conto, o artigo científico, podem ser lidos, porém não

foram efetuados para serem oralizados. Entretanto, os filmes, as novelas, os

esquetes humorísticos, o Stand Up Comedy (doravante SUC), foram produzidos

para serem proferidos oralmente e, por essa razão, são concebidos como

gêneros orais. Além disso, há outros gêneros que são originariamente orais e

“são transcritos como os casos/causos, as piadas, e outros que são sempre orais

e se mantêm assim, ou seja, não possuem versão escrita como os leilões”

(ANDRADE, 2017).

Ademais, Dolz e Schneuwly (2004) conceitua “o termo oral” como “tudo que

concerne à boca ou a tudo aquilo que se transmite pela boca. Em oposição ao

escrito, o oral reporta-se à linguagem falada, realizada graças ao aparelho fonador

humano [...]”, além dos autores caracterizarem duas práticas que são pertencentes

aos gêneros orais: o oral espontâneo e a escrita oralizada. O primeiro, oral

espontâneo, é a fala improvisada em um contexto de comunicação, sendo

considerada fragmentada, descontínua, porém possui uma estabilidade. Já o

segundo, escrita oralizada, está relacionado aos trabalhos orais, naturais da escrita,

sendo referido as produções lidas ou recitadas.

Embora o SUC seja produzido originalmente na escrita, não podemos

considerá-lo como um gênero oral previsível, pois “a apresentação é feita com base

no improviso, de forma que a plateia só toma conhecimento do conteúdo durante a

apresentação. Os textos devem ser inéditos; é “proibida”, conforme as regras do

stand up, a apresentação de, por exemplo, piadas prontas” (ANDRADE, 2017).

Desse modo, o SUC aborda em seus shows assuntos polêmicos, como:

o aborto, religião, sexualidade etc, fazendo com que o esse material linguístico

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evidencie ideologias e, consequentemente, impasses e discordâncias, por

exemplo. Assuntos relacionados a substituição de termos considerados

preconceituosos são, frequentemente, pauta de discussão entre os que adotam

uma perspectiva politicamente correta do humor e os que acreditam que o humor

é um campo discursivo em que não há limites.

Portanto, objetivamos analisar o discurso humorístico Stand Up

Comedy, utilizando os conceitos encontrados na variação linguística diatópica,

para mostrarmos que determinadas CF ganharam uma caracterização da fala

estereotipada devido ao modo como ela é perpetuada pela mídia, criando um

tipo de identidade para essas CF. Além disso, o discurso usado pelo comediante

acaba disseminando a concepção de que existem línguas superiores e, portanto,

ocasionando o preconceito linguístico.

ANÁLISE E DISCUSSÃO

Para fins de análise, optamos por um corpus coletado da página

eletrônica do Youtube, denominado “Fernando Caruso – Sotaque”, sendo esse

vídeo um fragmento retirado do DVD da companhia de Humor, Comédia em pé,

gravado em 2008 e postado, posteriormente, em 2011, nessa rede social. Assim,

nesse SUC, o humorista discorre sobre os diferentes modos de falar de cada

região, criando uma identidade estereotipada. Segue de exemplo, o seguinte

excerto:

Quando eu fui para Curitiba fazer show, em Curitiba fazer apresentação lá de humor. É verdade os boatos que existem em Curitiba. Eu sempre ouvi isso e é verdade que tem muita gente bonita. Todo mundo é bonito em Curitiba. Mulher é bonita, homem é bonito, cachorro é bonito, todo mundo é bonito (plateia ri). Eu estava me sentindo muito deslocado (Plateia ri alto). As pessoas me perguntavam: “Você não é daqui não, né?”. Eu falava: “não, como você sabe? Sotaque?” _ “Sotaque não! É outra parada, deixa quieto” (Plateia ri/ Humorista vira-se representando sentir-se envergonhado).

O comediante caracteriza os curitibanos, de forma geral, construindo

uma identidade, pois considera que os indivíduos daquela região possuem uma

beleza estética privilegiada (Todo mundo é bonito em Curitiba). Conferindo um

senso que baseado no comum, já que afirma: “é verdade os boatos que existem

em Curitiba. Eu sempre ouvi isso e é verdade que tem muita gente bonita”.

No entanto, quando o humorista refere-se ao sotaque carioca, percebe-

se uma certa aversão:

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O carioca ele é meio que por definição meio marrento. Não tem como a gente fugir. Você vai pedir, por exemplo, uma informação para um carioca “Onde é que fica a rua Aristides Spínola?” e o carioca responde: _ “Porra, brother! Sei não!” (imitando o sotaque carioca) (plateia ri alto). Sabe... parece que a rua é escrota. (plateia continua rindo). “Nada a ver aí!” (sotaque carioca). (CARUSO, 2008)

Caruso caracteriza o sotaque carioca como marrento, dando a

impressão de não ser um povo acolhedor devido ao seu modo de falar e isso

causa certa aversão ao humorista, pois afirma que a maneira como esse falante

comunica-se parece-lhe “escroto”. Com isso, percebemos a concepção do

comediante em relação a região em que mora, expondo seu posicionamento e

sentimento. Assim, nota-se que quando o profissional do humor utiliza essa

percepção sobre os cariocas, obtemos um ponto de vista estereotipado sobre

essa CF, colocando todos os indivíduos como “marrentos”, conferindo-lhes uma

identidade. Em seguida, o humorista volta-se para o sotaque mineiro:

Uma vez a gente fez uma apresentação em minas também e veio uma senhora toda simpática, toda solista. Falando como uma câmera na mão (gesticula fazendo que está com uma câmera na mão). “O senhor dá licença?” [pausa] (Sotaque mineiro/plateia ri). “Será que o senhor se incomoda?” (plateia ri baixo) [pausa] _ “De eu tirar uma fotinha com o senhor?” (plateia ri). Vou fazer o quê? Vai se foder velha escrota? (plateia ri alto). Não tem como, eu sou trouxa pelo sotaque mineiro, sério, eu sou... Sei lá, eu caio no sotaque mineiro. Eu acho se aquela senhorinha me pedisse qualquer coisa eu... que eu ia sei lá... “o Senhor me dá licença?” (sotaque mineiro). “Será que o senhor se incomoda?” (sotaque mineiro) (plateia ri baixo). _ “De eu enfiar o dedo no cú do Senhor?” (sotaque mineiro) (Plateia ri alto) “Só um dedinho só?” (sotaque mineiro/gesticula o dedo mindinho/risos e aplausos). [pausa]. Imagina, que isso, minha senhora, para que fazer cerimônia? (vira a bunda para a plateia). (humorista ri). “Senhor da licença?” (sotaque mineiro). (plateia ri). “Será que o senhor se incomoda de eu cerrar sua perna com a serra elétrica?” (sotaque mineiro/ plateia ri). (CARUSO, 2008)

Percebe-se nesse excerto que o comediante concebe o povo mineiro

como solícito, pois deixa transparecer essa característica com seu modo de falar,

compreendendo que a identidade que o humorista cria dessa CF é baseada em

uma perspectiva estereotipada. Como afirma Guida e Evangelista (2005), os

mineiros possuem a característica comumente associada a um “bom sujeito”. No

entanto, muitas vezes, possuem uma personalidade opostas, “como o desconfiado

e o astuto, o tímido e acolhedor. Essa construção discursiva pauta-se na harmonia

coletiva e no consenso de que tais características são típicas desse povo.” (GUIDA;

EVANGELISTA, 2005, p. 1).

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Além disso, nota-se que a forma relatada pelo humorista sobre o sotaque

utilizado pelos falantes do Rio de Janeiro traz consigo o preconceito linguístico, já

que o profissional do humor critica o modo de falar dessa região. Os traços

socialmente estereotipados pelos falantes, que estão sujeitos a variação linguística,

recebem julgamentos de cunho avaliativo que também são acarretados pelo nosso

sistema inconsciente (LACERDA, 2013). E, isso ocorre quando o comediante retrata

os falantes do Rio de Janeiro: “Onde é que fica a rua Aristides Spínola?” e o

carioca responde: _ “Porra, brother! Sei não!” (imitando o sotaque carioca)

(plateia ri alto). Sabe... parece que a rua é escrota. (plateia continua rindo). “Nada

a ver aí!” (sotaque carioca). [...]” (CARUSO, 2008).

De fato, as pessoas com diferentes estilos de linguagem são acometidas

com diversos tipos de discriminações, além de serem humilhadas e rotuladas como

seres inferiores em relação a linguagem (FARACO, 2005). Para a sociolinguística,

esses diferentes estados de linguagem são providos pela variação linguística

diatópica que é ocasionada pelas regiões encontradas em determinado país ou

região. Isto é, as regiões nordestinas ou regiões do sudoeste do Brasil, por exemplo,

possibilitam os diferentes sotaques, já que a mudança linguística é permeada por

fatores internos e externos e com isso grande parte dos sotaques surgem como

estratégia de comunicação (CASELLA, 2016).

Por essa razão, é incorreto afirmar que os diversos tipos de variações

linguísticas são um erro linguístico. A variação ocorre por vários fatores como faixa

etária e escolaridade, principalmente quando se trata das regiões brasileiras que

são subdesenvolvidas. Nesse quesito, a sociolinguística entende que deve haver

um sistema de inclusão quanto aos diferentes falantes de uma língua padrão

(PELINSON; SILVA; RIBEIRO, 2014).

Ademais, a aceitação do público em relação ao humorista, deixa claro a

posição dos presentes, já que seus ouvintes concordam com a visão do locutor

sobre as diferenças linguísticas, o que acarreta a exclusão social de um determinado

grupo de falantes regionais e isso torna-se visível devido a reação da plateia que

ocorrem de forma gradativa:

Diferente por exemplo do sotaque mineiro, por que o sotaque mineiro ao contrário do carioca ele é absolutamente solícito. Não tem como se você para para pensar, você fica puto com o mineiro (plateia ri baixo). “Cê” imagina o mineiro virando para você falando “aaou”._Por que você não vai se fodê uai?! (sotaque mineiro) (Plateia ri alto) [pausa]. Ué, tá bom! (plateia aplaude). (CARUSO, 2008).

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Embora a fala do locutor possa ser compreendida pelo receptor, ali existiu

uma quebra linguística quanto a norma padrão da língua, visto que o humorista

utiliza uma linguagem coloquial que o aproxima de seu público. Portanto, independe

do sotaque apresentado pelo humorista, a comunicação ocorreu de forma efetiva.

Assim, apesar das diversas formas variacionais ocorrerem ou não, elas cumprem

funções essenciais para a interação, logo, a variação não se torna subalterna as

demais línguas padrões (CAMACHO, 2010).

Dessa forma, conclui-se que é por meio de discursos como este que criam-

se identidades baseadas em conceitos estereotipados em relação ao sotaque, além

de acarretar o preconceito linguístico. Inclusive, nota-se que a concepção de

sotaque do comediante é baseada em uma visão disseminada pelos meios de

comunicação, pois representa o mineiro com o sotaque similar ao “caipira” e isso

ocorre devido a representação que a mídia, mais necessariamente, as novelas

propagam.

A mídia é formadora de opiniões, e ditadora de modelos a serem seguidos. Portanto, os conteúdos veiculados podem vir a resultar em uma estereotipagem de massa. [...] o mundo que vemos na televisão, por exemplo, é aquele filtrado e ressignificado pelos meios de comunicação. Há uma interação entre as crenças e valores dos indivíduos com os conteúdos e estrutura dos programas televisivos, como as novelas. (STEINBERG, 1972 apud PELINSON; SILVA; RIBEIRO, 2014, p.4),

No entanto, os diversos usos da linguagem têm sido aceito pelos meios

de comunicação, incorporando, nas mais diversas variações linguísticas, os

registros linguísticos informais e as diferentes classes sociais. Por conseguinte,

é possível notar esse fenômeno pelo modo de falar dos apresentadores que

“constroem um estilo para que o telespectador/ouvinte se identifique. Também

nas novelas, que buscam dar verossimilhança às personagens fazendo-as

aparentar naturalidade” (PELINSON; SILVA; RIBEIRO, 2014).

Em compensação, de acordo com Pelinson, Silva e Ribeiro (2014), há

veículos que ainda mantém uma postura que defende o português falado

conforme a norma padrão, baseado nas gramaticas tradicionais, o que

demonstra o preconceito com as variedades regionais e/ou populares. Embora

utilizem as formas coloquiais em determinados contextos, ainda, percebe-se a

tendência de priorizar a ideologia normativista e a existência de um português

“correto” e “incorreto”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como base nos apontamento feitos sobre sociolinguística e

compreendendo que a língua é heterogênea devido as variações linguísticas,

observamos, então, que as mudanças ocorridas na língua prevalecem por diversos

elementos quando regem o âmbito social, pois sua transformação é ditada pelo

contexto em que o indivíduo é inserido, ou seja, dentro de uma comunidade de fala.

Diante dessa concepção, conclui-se que as variantes funcionam como uma

estratégia linguística entre os falantes de uma determinada localidade e certos

estereótipos são criados, pois alguns meios de comunicação e, inclusive, o discurso

humorístico com seu exagero ao representar a fala de algumas regiões, tendo como

objetivo de provocar o riso, baseiam-se em identidades que não condizem com a

realidade, o que acaba fomentando o preconceito linguístico e a exclusão social

dessas pessoas.

Levando isso em consideração, o humorista Fernando Caruso, em seu

Stand Up Comedy, enfatizou alguns tipos de variações regionais e essas foram

baseadas em um senso comum, advindo, principalmente, de uma concepção

generalizada sobre as localidades retratadas em seu show de humor, conferindo

uma identidade que não condiz com o verdadeiro sotaque mineiro, carioca e

curitibano.

Por conseguinte, percebe-se que a forma como essas CF foram retratadas

pelo comediante são provenientes do mito que é perpetuado por alguns falantes e

estudiosos que acreditam na existência de uma variante superior as outras. De fato,

isso corrobora com a falsa idealização de uma língua pura que por sinal não é

vivenciada nas camadas sociais. E, o não apreço constado pelo humorista em

relação ao sotaque carioca, nos faz induzir que há uma superioridade identitária e

linguística, pois o profissional do humor considera que o curitibano e o mineiro se

sobressaem sobre essa CF.

Dessa forma, a sociolinguística intensifica que essas construções

ideológicas sobre a língua devem ser estudadas como meio de diminuir o

preconceito e a exclusão social que é disseminada pelos meios de comunicação,

por certos humoristas e alguns estudiosos e adeptos da gramática normativa. Além

disso, essa ideia de “certo” e “errado” que são perpetuados ainda em nossa

sociedade, advém de um modo de dominação estabelecido, tendo como objetivo

fazer com que as minorias de nossa sociedade, que não possuem um grau de

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escolaridade ou nível econômico privilegiado, sintam-se inferiores e sejam

submetidos as ideologias que são propostas pelas elites da população.

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