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Anais Seminário Direitos Autorais São Paulo

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Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da CulturaÍndice

Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor

Usuários finais das obras protegidas, os consumidores de bens e serviços culturais não têm merecido um lugar de destaque nas discussões a respeito da legislação autoral. Como toda produção tem por finalidade o consumo, nesta Mesa será discutido como integrar as normas de proteção aos consumidores e de promoção da cidadania com as normas definidoras do Direito Autoral.

Mediador: Laymert Garcia (Unicamp) Palestrantes: - Bruno Miragem (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON) - Estela Waksberg Guerrini (Instituto de Defesa do Consumidor - IDEC) - Helenara Avancini (Pontifícia Universidade Católica/RS)Mesa 2: Limitações e Exceções da lei O Direito Autoral, como todo direito, está sujeito a limites, entre os quais estão os direitos constitucionalmente definidos de acesso à cultura, à educação, à informação e ao conhecimento. Diferentemente da maior parte dos países do mundo, tais limites, em nossa Lei, são mais restritos. É necessário alterá-los?

Mediador: Giuseppe Cocco (UFRJ) Palestrantes: - Guilherme Carboni (Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP) - Marrey Luiz Peres Jr. (PG&A Consultoria e Serviços) - Pablo Ortellado (Universidade de São Paulo) Mesa 3: Medidas Tecnológicas de ProteçãoCom o surgimento da Internet, as medidas tecnológicas de proteção, conhecidas pelas siglas TPM, DRM ou ainda por “proteção anti-cópia” , alcançaram um forte impulso e são vistas como uma forma de combater usos ilícitos de obras protegidas no meio digital. Porém, as medidas têm prejudicado mais o cidadão comum do que os chamados “piratas”, que conseguem burlá-las. Ainda há alguma razão para as empresas insistirem no uso dessas medidas?

Mediador: João Brant (Intervozes) Palestrantes: - Marcelo Bechara (Ministério das Comunicações) - Pedro Rezende (Universidade de Brasília) - Pedro Paranaguá (Fundação Getúlio Vargas/RJ) - José Peña (EMI Music)Mesa 4: Usos Educacionais de Conteúdos ProtegidosAs tecnologias digitais e a Internet trouxeram novas e promissoras possibilidades para as práticas pedagógicas. Porém, os educadores e educandos encontram dificuldades das mais diversas ordens para explorar esse imenso potencial. Quais são os problemas encontrados mais comumente e como potencializar os usos educacionais preservando o respeito aos direitos dos criadores?

Mediadora: Flávia Rosa (ABEU, EdUFBA) Palestrantes: - Dalton Spencer Morato (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos - ABDR) - Ladislau Dowbor (Pontifícia Universidade Católica/SP) - Sueli Ferreira (Universidade de São Paulo) - Jorge Machado (GPOPAI-USP)

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Mesa 5: Patrimônio CulturalPreservar uma obra muitas vezes implica o ato de reprodução, que constitui um direito exclusivo do autor e que demanda autorização prévia. Sem condições de consultar todos os titulares de direitos sobre as obras, ou por desconhecimento, bibliotecas, museus de som e imagem, cinematecas e arquivos públicos ao buscarem preservar o patrimônio cultural brasileiro incorrem freqüentemente em atividades ilícitas. Como trazer essa atividade para a legalidade?

Mediador: Istvan Jancso (IEB/USP, Biblioteca Brasiliana) Palestrantes: - Mônica Rizzo Soares Pinto (Biblioteca Nacional) - Olga Futemma (CINEMATECA Brasileira) - Jaime Antunes da Silva (Arquivo Nacional)Mesa 6: Formas de LicenciamentoCabe ao autor decidir de que maneira uma obra de sua autoria pode ser utilizada ou explorada economicamente. No entanto, na maior parte das vezes, ele é compelido a transferir a uma pessoa jurídica essa prerrogativa. Além disso, a lei brasileira não tem nenhuma previsão de licença legal ou obrigatória, nem incentiva as chamadas “criações transformativas” de obras já existentes. Como estimular a difusão e a recriação cultural nessa perspectiva? E como proceder no caso de obras financiadas com dinheiro público?

Mediador: Túlio Vianna (Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, PUC/MG) Palestrantes: - Sérgio Amadeu (Fundação Cásper Líbero) - Vanisa Santiago (Advogada/ SGAE) - Amilson Godoy (Fórum Nacional de Música) - Flavio Roberto Mota (Associação Brasileira dos Ilustradores Profissionais – ABIPRO)Mesa 7: Domínio Público e Obras ÓrfãsA primeira limitação ao direito autoral é o fato de ele se exaurir após um prazo de tempo (70 anos, no caso do Brasil). Mas, para o cidadão comum, nem sempre é fácil acessar obras cuja proteção patrimonial já se esgotou: seja pelo desconhecimento se a obra está ou não em domínio público, seja pelo fato de a obra só ser acessível através de certas apropriações e domínios privados (traduções, interpretações ou execuções e fonogramas). No caso das obras órfãs, a omissão da lei desencoraja o uso e dificulta os seus acessos. Como difundir essas obras sem desrespeitar os possíveis direitos dos seus titulares?

Mediador: Imre Simon (USP) Palestrantes: - Eduardo Lycurgo (Advogado) - Dênis Barbosa (Advogado) - Marcos Wachowicz (Universidade Federal de Santa Catarina)

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APRESENTAÇÃOSeminário “Direitos Autorais e Acesso à Cultura”

O segundo seminário de 2008 do Fórum Nacional de Direito Autoral aconteceu em São Paulo, nos dias 27 e 28 de agosto de 2008 e foi intitulado “Direitos Autorais e Acesso à Cultura”. Objetivando debater com a sociedade os sistemas legal e institucional de direitos autorais do país, o seminário contou com a participação de cerca de 2000 pessoas, entre aqueles presentes no auditório da USP Leste e aqueles que acompanharam pela internet.

Este seminário enfatizou a importância do papel dos usuários das obras intelectuais, buscando superar a leitura do direito autoral como um ramo voltado exclusivamente para a proteção do autor. Nos estudos contemporâneos, consolida-se cada vez mais o direito autoral como ponto do ordenamento jurídico para onde convergem também os interesses de outros personagens, tão protagonistas desta história quanto os autores e demais titulares: os usuários das obras, entendidos aqui como o público em geral que consome e frui obras intelectuais protegidas. O direito autoral de hoje deve refletir o somatório destas três forças – os autores, os responsáveis pelos investimentos na criação e os usuários – sem preponderância hierárquica prévia de nenhuma delas. Afinal, se é preciso proteger os investimentos essenciais à circulação de bens intelectuais e se é correto dizer que sem autor não há obra, não é menos verdadeiro afirmar que é o usuário que dá sentido à existência da obra.

Na Mesa 1: O equilíbrio dos interesses público e privado no direito autoral na perspectiva do consumidor, buscou-se promover o diálogo entre a lei autoral a lei que rege as relações de consumo – não só porque ambos os ramos pertencem à mesma ordem constitucional, mas porque, de fato, as obras reproduzidas em massa pela indústria cultural objetivam, em última análise, sua absorção pelos consumidores. No vasto rol de medidas do Código de Defesa do Consumidor que visam emprestar maior equilíbrio nas relações entre consumidores e demais integrantes da cadeia de consumo, está uma longa lista de práticas abusivas. Além das regras específicas, no campo das normas mais gerais (e mais relevantes hierarquicamente) pode se destacar o mandamento, expresso no Código, de concretizar todos os princípios que regem a Política Nacional das Relações de Consumo. Há, sem dúvida, um grande potencial a ser explorado no que diz respeito à aplicação destas normas para relações hoje confinadas a outros diplomas.

Da mesma forma, apenas mais recentemente o direito brasileiro tem se dado conta de modo mais concreto quanto ao imenso potencial inexplorado que reside no estudo das limitações. Tradicionalmente vistas como pontuais exceções aos direitos do autor em nome de um vago interesse social, e submetidas pela doutrina a uma “interpretação restritiva”, as limitações ganham hoje no mundo status de verdadeiros direitos dos usuários, o que evidentemente reverbera no Brasil e no tratamento que elas receberam na Mesa 2: Limitações e exceções da lei.

A Lei nº 9.610 deu um tratamento a esta questão ainda mais acanhado do que aquele que as limitações gozavam na lei de 1973. É o caso, por exemplo, da limitação que trata da permissão para a chamada “cópia privada” – que, na interpretação literal do texto em vigor, passou a só contemplar “pequenos trechos” da obra. Outro exemplo da dificuldade que acomete o estudo das limitações no Brasil é a exegese do inc. VIII do art. 46 da Lei dos Direitos Autorais. Já se sustentou que este dispositivo poderia significar um meio para permitir os usos transformativos das obras intelectuais, mas geralmente sua interpretação acaba refém de uma visão extremamente restritiva. No caso, não ajuda muito a pouco hábil transposição, para o corpo daquele inciso, dos “Três Passos” previstos na Convenção de Berna. O desencontro nas discussões ilustra como ainda precisamos evoluir para construir um modelo brasileiro das limitações, que una o melhor de dois mundos – a maleabilidade do fair use norte-americano com a segurança do pormenorizado tratamento dado na Europa.

Além disso, vem se apontando, nos últimos anos, a proliferação de medidas tecnológicas de proteção como uma das grandes ameaças à atuação das limitações como “fiel da balança”, papel que a ela tem sido normalmente atribuído na dinâmica das relações entre autores e titulares, de um lado, e usuários

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de outro. O exemplo sempre lembrado é o dos mecanismos TPM (Technology Protection Measures), cuja principal função seria evitar cópias não-autorizadas de canções vendidas por meio de CD’s ou pela própria Internet. Tais medidas despertaram uma notável antipatia entre os consumidores e não se mostraram eficazes para atingir seu objetivo – na prática, prejudicaram o usuário comum e não atrapalharam a ação dos contrafatores. Mais grave, impediram os usuários de exercitar alguns dos poucos direitos que a lei reconhece sem maiores controvérsias, como o de reproduzir mesmo aqueles “pequenos trechos” para seu uso privado.

Há lugar, no cenário futuro, para a manutenção de tais medidas? Este é o grande questionamento que permeia a Mesa 3: Medidas Tecnológicas de Proteção. A discussão segue indispensável, pois, ainda que a indústria tenha arrefecido o recurso a estas medidas recentemente, mecanismos análogos aparecem em destacados foros da atualidade – como no caso do debate sobre o marco regulatório da televisão digital.

Outra questão que precisa ser aprofundada é até que ponto pode se permitir que, em última instância, a propriedade intelectual constitua um entrave para a difusão do aprendizado. As limitações expressamente previstas na nossa lei apenas tangenciam, de modo tímido, esta preocupação, que representa um duro obstáculo para que se efetive o direito social à educação previsto na Constituição. Ampliar o exame deste problema é o que pretendeu a Mesa 4: Usos educacionais de conteúdos protegidos.

Ainda que haja pontuais previsões, por exemplo, quanto à execução musical nos estabelecimentos de ensino, questão verdadeiramente fundamental é a da cópia privada – sobre a qual inexiste, hoje, na interpretação literal da lei autoral, uma distinção quanto à reprodução feita para fins educacionais. Onde deve ser traçada a linha que separa a cópia indevida da necessária? Como permitir que os alunos tenham acesso a materiais que desempenham papel fundamental em sua educação, compatibilizando este direito com os interesses legítimos dos titulares daquelas obras?

Já se discutiu, no Brasil, a idéia de viabilizar as cópias reprográficas por meio da estipulação de pequenas remunerações compensatórias que incidiriam sobre cada pagamento. Entre os projetos de lei recente levados ao Congresso, porém, encontram-se ainda textos que exemplificam o acirramento de ânimos que caracteriza nosso direito autoral – havendo desde quem sugira a permissão pura e simples de cópias no ambiente educacional até quem queira banir as máquinas de reprografia das universidades.

As discussões quanto ao impacto das leis autorais na educação não se restringem ao problema da reprografia, perpassando todo o uso de novas tecnologias, na sala de aula ou fora dela (seja como suporte ao ensino ministrado presencialmente, seja no incremento da educação à distância). Em sua característica falta de equilíbrio, a lei brasileira não faz distinção entre obras que se encontram no ápice das possibilidades comerciais e, por exemplo, o uso de livros já fora de catálogo há muitos anos, o que torna ainda mais discutível o recurso a medidas exacerbadas no contexto educacional.

Observe-se, porém, que a falta de tons intermediários de nossa lei não causa problemas apenas nos estabelecimentos de ensino. Todas as bibliotecas, bem como os museus (sobretudo os que mais lidam com som e imagem), as cinematecas e os arquivos públicos em geral sofrem com dificuldades muito semelhantes. O questionamento sobre como enfrentá-las perfaz a linha central da Mesa 5: Patrimônio Cultural.

O desenvolvimento agudo da tecnologia digital nos últimos anos fez surgir um sem-fim de novas possibilidades de armazenamento, sugerindo caminhos inovadores para as instituições que guardam nossa memória cultural. O largo conceito de reprodução contido na Lei de Direito Autoral, porém, representa uma das grandes barreiras à implementação de tais idéias. Torna-se impossível consultar todos os titulares de direitos para efetivar as cópias necessárias à perpetuação de nossa história. A lei chega a cogitar da reprodução de exemplar raro para o fim de preservação, mas apenas como direito moral do autor. Como fica o interesse social diante da mesma situação?

É preciso, sem dúvida, encontrar respostas para esta questão – ainda mais fundamental em uma época na qual as publicações científicas têm convergido para o ambiente digital, e os repositórios de textos técnicos disponíveis na Internet, muitos deles reconhecidos por sua seriedade e abrangência, têm ajudado

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a subverter a lógica do setor. Cresce a percepção de que, ao menos no que diz respeito à necessidade de viabilizar o acesso das gerações futuras ao patrimônio cultural, não se pode perpetuar uma dependência tão grande da vontade do autor.

Esta abordagem liga-se intimamente ao tema da Mesa 6: Formas de licenciamento. A cultura contemporânea é progressivamente marcada por um forte fluxo de referências e citações, e a arte do nosso tempo é cada vez mais identificada com o uso transformativo do manancial de obras já existentes. Como nosso direito se enquadra neste contexto?

No que diz respeito à exploração econômica da obra intelectual, a lei brasileira tem a vontade do autor como um verdadeiro dogma, mais que um paradigma. É ele, o autor, que define, em tese, quem pode usar a obra e em que condições isto será feito. Na prática, porém, a regra é a transferência tão integral quanto possível do controle sobre a sua obra para uma ou mais pessoas jurídicas, a quem passa a incumbir o exercício efetivo de tais faculdades. Uma vez verificada tal cessão, não raro as prerrogativas que a lei estipulou, originalmente, para o autor passam a ser colocadas em prática de maneira a dificultar o acesso da coletividade à sua obra – eventualmente contra a vontade do próprio autor.

De outro lado, esta glorificação da vontade faz com que nossa lei desconheça licenças obrigatórias, comuns em outros ordenamentos. Por meio destas licenças, os autores se veriam compelidos a, em determinadas ocasiões, conviver com a utilização de suas obras independentemente de sua manifestação (ressalvando-se, por evidente, casos patológicos que afrontassem seu direito moral). Ao mesmo tempo, o uso seria necessariamente remunerado, de modo justo.

Transparece de novo, na ausência deste instituto, a falta de equilíbrio de um sistema que privilegia soluções unilaterais. Outros países têm incentivado o recurso aos chamados “gravames” ou a estipulação de um “cânone digital” (na venda de equipamentos de reprodução de música em formato digital, por exemplo) como forma de remunerar os setores da economia que em tese mais sofreriam com a difusão das novas tecnologias. No Brasil, até o momento, segue o silêncio – assim como não se discute se deveria ou não haver um tratamento específico para as obras que foram viabilizadas em função de financiamento público. Tal auxílio deve ser indiferente, entronizando-se também neste caso apenas a vontade do autor?

Outra questão que a nossa lei não enfrenta diretamente é o problema das chamadas “obras órfãs”, que vêm sendo muito discutidas na atualidade e foram um dos objetos da Mesa 7: Domínio público e obras órfãs. A mais freqüente preocupação contemporânea com o domínio público diz respeito ao movimento de expansão dos prazos de proteção no cenário internacional, com os países signatários da Convenção de Berna progressivamente ampliando seus marcos internos e deixando os cinqüenta anos mínimos que ela exige muito para trás. Este alongamento dos prazos está longe de ser, porém, o único aspecto problemático envolvendo o domínio público.

Até mesmo o (teoricamente) simples fato de saber se uma obra está ou não em domínio público é dificultado, seja por eventualmente não se saber a data da morte do autor, seja pela existência de co-autores em obra indivisível (o que também acaba ampliando o prazo, já que a contagem tem início após a morte do último autor sobrevivente). Lembre-se ainda que a contagem do prazo, para as obras audiovisuais e fotográficas, depende da data da divulgação (distinção esta cuja necessidade já mereceria uma discussão mais detalhada por si só), dado que também nem sempre é fácil de se obter.

Também cheia de obstáculos, como já se aludiu, é a tentativa de se utilizar as chamadas “obras órfãs”. O direito autoral, como se sabe, caracteriza-se por sua informalidade, aceitando qualquer prova que possa ser reputada como válida para a determinação da autoria – até mesmo, mas nunca exclusivamente, o registro. Inexiste, além disso, qualquer consideração de mérito artístico ou intelectual para que incida a proteção legal, bastando o cumprimento do requisito mínimo da originalidade. Há ainda outro rol – de trabalhos sobre os quais, tendencialmente, nunca se poderá saber com segurança quando recairão no domínio público. Sua possível qualificação como a “obra anônima” de que trata a lei autoral não resolve necessariamente o problema, vez que normalmente não se saberá sequer a data de sua publicação (bem como não regulamenta, a lei, como determinar o anonimato no caso concreto, tampouco as conseqüências que diferenciariam o uso destas obras em relação às demais).

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Como se vê, o catálogo de questões intrincadas no direito autoral de hoje é quase inesgotável – e boa parte destas dificuldades está relacionada ao tema do acesso à cultura. Trazer (também) o usuário para o centro desta agenda é hoje um passo indispensável para legitimar o debate sobre o marco legal que rege o uso e a exploração das criações intelectuais. O maior desafio deste Seminário residiu, justamente, em avançar na busca de um equilíbrio que já era difícil quando se relegava o usuário (e, por extensão, a sociedade como um todo) ao posto de simples coadjuvante. A tarefa, agora é muito maior – e nunca foi tão necessária.

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MESA 1O EQUILÍBRIO DOS INTERESSES PÚBLICO E PRIVADO NO DIREITO AUTORAL NA

PERSPECTIVA DO CONSUMIDOR

TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE BRUNO MIRAGEM1

Meu bom-dia a todos. Em primeiro lugar, naturalmente, quero agradecer, em nome do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, Brasilcon, ao convite que foi formulado pelo Ministério da Cultura, por este Fórum Nacional do Direito Autoral, para tratar dessa interface, então, entre o direito do consumidor e o direito autoral.

Só o fato de os colegas, que têm feito essa profunda discussão sobre esse tema, trazerem o direito do consumidor como um protagonista dessa discussão, para nós, do Brasilcon, e certamente para todos aqueles que operam com o direito do consumidor, é razão de satisfação, de maneira que vimos aqui, para contribuir sensivelmente com a discussão com os colegas. Também aproveito para saudar o nosso mediador, doutor Laymert, e as minhas colegas, Professora Estela, Professora Helenara, com a qual eu tenho o prazer e a satisfação de dividir este painel.

Na verdade, a minha intervenção vem no sentido de contribuir com esses debates que têm sido feitos pelos colegas, sobretudo dentro de uma perspectiva. Sabemos nós que nem toda obra sobre a qual recaem direitos autorais estará, digamos assim, sob a égide do direito do consumidor ou sob as regras do direito do consumidor. Por quê? Porque, rigorosamente, o direito do consumidor se aplica sempre a produtos ou a serviços, portanto, a bens ou atividades que se coloquem dentro do mercado de consumo. Rigorosamente, nem toda obra cultural, [nem toda] obra de cultura está dentro do mercado de consumo. Agora, grande parte (eu tenho certeza, porque tive oportunidade de conversar com os colegas e mesmo por ter conhecimento prévio das discussões que aqui se estabelecem), grande parte das discussões (e, muitas vezes, o problema típico que se estabelece), justamente, é sobre as obras culturais, as obras intelectuais que estão no mercado de consumo, porque, aí, nós vamos estar falando não apenas dos direitos morais de autor, mas de um aspecto extremamente importante e, certamente, objeto de grandes discussões, que são os direitos patrimoniais de autor. Ao falarmos em direitos patrimoniais de autor, estamos falando em remuneração e estamos falando na colocação dessas obras no mercado de consumo.

Por que eu faço essa introdução? Porque o mercado de consumo é um dos critérios básicos para os quais nós nos centramos, no direito do consumidor, para a aplicação das regras do código. O que é o mercado de consumo, ao fim e ao cabo? Há toda uma discussão: se é um espaço institucional ou não institucional. Mas, para nós, simplificando o conceito, é o espaço onde se estabelecem trocas econômicas. Trocas econômicas essas, que se vão dar na satisfação de interesses das partes envolvidas.

Que partes são essas, no direito do consumidor? Notadamente, o consumidor e o fornecedor. Sabem os colegas que o consumidor, o Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, o direito do consumidor, se estabelecem, no direito do brasileiro, a partir de um fundamento constitucional (o direito do consumidor, assim como os direitos autorias). Os direitos do consumidor têm, no art. 5º da Constituição, a sua elevação, digamos (em Direito brasileiro), a direito fundamental. O art. 5º, inciso XXXII, estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Assim também, logo adiante, estabelece a defesa do consumidor como principio da Ordem Econômica constitucional, art. 170, inciso V. Logo mais, o art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina ao legislador que faça um Código de Defesa do Consumidor. Portanto, o constituinte, nessa visão, elegeu um sujeito a ser protegido, a ser defendido, que é o consumidor. Restou, naturalmente, ao legislador definir quem é o consumidor.

O nosso direito de consumidor tem inspirações de matriz européia, tem inspirações de matriz norte-americana, mas o nosso legislador optou por uma definição bastante prudente. Estabeleceu, no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, que “o consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

“Produto ou serviço”. Aqui, no que nos interessa em matéria de direitos autorais, nós falaremos de produtos. O código também estabeleceu uma definição na qual determinou que “produto é todo bem móvel ou imóvel, material ou imaterial colocado no mercado de consumo”. Nessa linha, consumidor seria o destinatário final desse produto. Essa visão de destinatário final comporta, no direito do consumidor, na jurisprudência brasileira, uma série de temperamentos de o que seria o destinatário final. Mas, numa visão, digamos, que hoje se pode dizer majoritária, destinatário final é aquilo que nós chamamos de destinatário final fático e econômico, ou seja, é aquele sujeito, pessoa física ou jurídica, que retira o produto do mercado.

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______________1 Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon

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Ele vai ao mercado, busca o produto e retira esse produto do mercado. Portanto, consumidor, nessa visão, que é uma visão mais restritiva, não vai ter uma finalidade econômica de reemprego daquele produto no mercado. Ele não vai buscar obter outros tipos de ganho desse produto no mercado. Então, é aquele que retira o produto do mercado, da cadeia de fornecimento, das relações econômicas, definitivamente.

Por que esse conceito é importante, quando a gente fala de direito autoral? Porque em um bem, em um objeto de direito autoral, em uma obra intelectual, dentro de todo espírito de acesso à cultura (no mais das vezes, naquele uso, digamos, de boa fé, naquele uso – como aqui foi colocado pelo nosso Secretário de Políticas Culturais – de acesso à informação, com finalidades educativas ou de satisfação de interesses próprios daquele que adquire a obra), rigorosamente, nós vamos ter a figura de um consumidor. Se ele foi ao mercado adquirir esse produto, ele é um consumidor. E, como consumidor, ele vai ter direitos.

É aqui que entra, digamos, a interface mais sensível das discussões relativas a direitos autorais. Quais são os direitos básicos do consumidor, em relação a produtos (portanto, em relação às obras intelectuais que ele vai adquirir no mercado)? Eu diria dois. Existe, claro, o art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que vai elencar, que vai relacionar uma série de direitos, mas deixemos esse direitos em espécie. Naquilo que nos interessa, ele vai ter dois grandes direitos. Um é o direito à segurança. Segurança, que é uma segurança física, de integridade física, mas também é uma segurança patrimonial, ou seja, ele não pode, naquele produto que ele adquire, portanto, naquela obra intelectual que ele adquire… Aquela obra ou aquela utilização que ele vai dar, de boa-fé, legítima, à obra não pode lhe causar prejuízo econômico.

Por outro lado, um direito do consumidor e, logo, um dever do fornecedor, é o direito de adequação do produto. É aqui que nós começamos, já, a conversar sobre direitos autorais. O que é o tal do direito de adequação de um produto? Direito de adequação de um produto é definido na legislação do consumidor, como, aliás, é muito próprio do Código de Defesa do Consumidor. Nisso, ele tem uma distinção, como comentávamos, há pouco, com um colega. Ele tem uma distinção muito característica, em relação à legislação de direitos autorais. A lei de defesa do consumidor, o Código de Defesa do Consumidor trabalha com definições abertas. Nesse sentido, direito à adequação do produto e, logo, dever de adequação do produto (dever esse, que é dos fornecedores, da cadeia de fornecimento) significa que aquele produto deve servir aos fins que, legitimamente, dele se esperam.

Quais são os fins que, legitimamente, dele se esperam? No caso de um produto qualquer de bem de consumo de massa, é fácil saber: se se compra uma geladeira, ela tem de refrigerar; se se compra um fogão, ele tem de ligar; e por aí adiante. Mas, se a gente começa a construir essa idéia a partir de uma obra intelectual, qual é o fim que, legitimamente, dela se espera (como produto e, logo, objeto de uma relação de consumo)? Certamente, será que a obra, primeiro, se apresente na sua inteireza. Não há duvida. Mas também pode ser (e aqui é o ponto da provocação primeira que deixo aos colegas) a possibilidade de este consumidor fruir desta obra intelectual em toda a sua potencialidade. Sob a visão do direito do consumidor, fruir desta obra intelectual em toda a sua potencialidade pode ser também (e aqui vem uma discussão conhecida dos colegas) um direito de realização da famosa cópia privada. Por que não? É o fim que, legitimamente, dela se espera, do ponto de vista do consumidor, que remunerou o fornecedor para a aquisição da obra? Eventualmente, pode ser considerado. O conceito é aberto. Mas, justamente porque é aberto, esse conceito de fim legítimo ou de interesse legítimo se interpreta no direito do consumidor… Sempre.

Porque é uma legislação protetiva de um sujeito vulnerável, dentro do mercado de consumo. Há uma presunção absoluta de vulnerabilidade. Logo, eventualmente, se ele tem o interesse legítimo de utilização da obra… Por exemplo, aqui se falou, na Mesa de abertura: a reprodução da obra. Eu sempre cito um exemplo, que não vou dizer que é meu, naturalmente, num fórum de direito autoral. Muitas vezes, um professor, ao dar aulas, não vai levar todos os seus livros para as aulas. Mas quem sabe ele não produza duas ou três cópias de cada página [de livros sobre tema que] ele vai tratar, para poder explanar com uma maior segurança o tema. Ou quem sabe ele não tenha adquirido uma obra, então, literária e não queira fazer uma cópia para, eventualmente, deixar, num segundo… Por exemplo, um professor de Direito tem o escritório, tem a casa, tem o terceiro lugar onde escreve, eventualmente. Será que isso não será um fim legítimo na sua perspectiva de direito do consumidor?

Se nós pensarmos que esses fins legítimos (e, aqui, sempre numa lógica do direito do consumidor) se estabelecem por determinados critérios, que são abertos, que são casuísticos, que são das circunstâncias do caso (dizemos nós), mas também se estabelecem sob a perspectiva de um equilíbrio (e essa noção de equilíbrio é uma noção extremamente importante), [veremos que] o direito do consumidor estabelece ao consumidor a titularidade de um direito ao equilíbrio. Esse equilíbrio (e, aí, somos nós que dizemos) é um

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equilíbrio que se divide em três: é um equilíbrio que, primeiro, é econômico. Naturalmente, na questão das obras intelectuais, o que é um equilíbrio econômico vai passar pelo que é uma justa remuneração do autor, vai passar pelo que são os custos de produção da obra etc. No equilíbrio econômico, há um equilíbrio de posições jurídicas: o consumidor, de um lado, que é vulnerável, que tem de ter equilíbrio e tem de, digamos, ser alçado a uma posição de maior vantagem, por instrumento do direito, ou seja, pela lei (a lei é que vai protegê-lo, para que ele se reiguale, se reequilibre, na sua posição jurídica em relação ao fornecedor)…

Há um terceiro equilíbrio, que é aquilo que nós chamamos de equilíbrio informacional ou eqüidade informacional. Na realização dos negócios de consumo, tem de haver uma eqüidade informacional. Supera-se a vulnerabilidade do consumidor pela informação, pelo dever do fornecedor de estabelecer mais informações. Informações que permitam o quê (que, ao fim e ao cabo, é a raiz do direito do consumidor)? Que o consumidor, que é vulnerável, possa ter uma decisão racional sobre adquirir ou não, realizar ou não um negócio de consumo. Então, nessa idéia de equilíbrio, que inspira a idéia de fins legítimos, poderá, sim, ser considerado… É claro que essa matéria não foi, ainda, desenvolvida sob a perspectiva do direito do consumidor, sobretudo na jurisprudência, mas também na doutrina (eu não tenho grande conhecimento). Mas um fim legítimo [a cópia privada] pode ser. Se eu remunerei o meu fornecedor, se eu remunerei a editora, se eu remunerei a empresa, enfim, que comercializa, no caso, que edita aquela determinada obra intelectual, em razão dessa remuneração, pode-se considerar, numa visão mais ampla, fim legítimo qualquer fim que não implique a recolocação desse produto no mercado, qualquer fim que implique a satisfação de interesses do consumidor que adquiriu aquela obra, dentro dessa perspectiva de proteção.

Um terceiro aspecto, que eu queria trazer aos colegas, diz respeito ao modo como se vai operar esse equilíbrio e ao modo como nós vamos ter esse direito do consumidor à adequação, em matéria de obras intelectuais, satisfeito. Vi no programa (e acompanho as discussões dos colegas, sobretudo nesse excelente site de internet que tem este fórum) que muito se dá o estabelecimento de restrições à utilização das obras intelectuais por intermédio, um, de disposições legais (disposições legais essas, que têm tido grandes dificuldades; os colegas são mais especialistas do que eu nisso, para aplicação em diversos meios, notadamente, nesse ambiente que hoje temos, de convergência de mídias). Mas, sobretudo, sob a perspectiva de uma informação ao consumidor dessas obras intelectuais, por intermédio ou de disposições contratuais. Essas disposições contratuais não implicam direito do consumidor ([não exigem] que seja assinado um contrato cada vez que se vai adquirir uma obra intelectual).

Sobre disposição contratual, aqui, bem entendido, no direito do consumidor, nós temos o art. 30 do Código de Defesa do Consumidor: “qualquer informação suficientemente precisa vincula o fornecedor”. Qualquer informação suficientemente precisa: pode ser o cartazete da livraria, o encarte do livro, a 15ª página do encarte do CD. Não há problema: “qualquer informação suficientemente precisa vincula o fornecedor”. Mas há a contraface disso.

O artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor diz o seguinte: “qualquer obrigação não informada ao consumidor não o vincula”. Aqui, a gente vai ter um embate interessante com a legislação de direito autoral, na medida em que os colegas têm toda uma idéia, toda uma principiologia, toda uma tese discutida, mas que existe, de uma interpretação restritiva, que trata de disposição de direitos autorais. Mas, no que se refere à disposição de direitos autorais que implique a colocação de obras no mercado de consumo, essa interpretação restritiva dos direitos autorais vai-se chocar com a interpretação mais favorável ao consumidor, estabelecida no artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor. O 46 diz: o que não informar não vale, o que não informar não constitui obrigação para o consumidor. E o 47 estabelece que, havendo dúvida sobre os termos da informação ou da disposição contratual ou o que seja, havendo dúvidas sobre os termos desse negócio, sobre os termos dessa relação, a interpretação é mais favorável ao consumidor. Então, colegas, estou a dizer para os colegas que, embora essa matéria ainda não tenha sido… Pelo menos, não, num grau, num número expressivo de casos que nos permitam apontar uma tendência jurisprudencial… Mas eu não tenho dúvida de que, se levadas às cortes brasileiras, se levadas aos tribunais brasileiros, sob a perspectiva do consumidor final e, portanto, sob a perspectiva do direito do consumidor, muitas dessas limitações vão ter um choque, necessário, com o Código de Defesa do Consumidor. Com um agravante: o Código de Defesa do Consumidor, por ser uma lei de proteção de um sujeito vulnerável, dentro de uma idéia de exercício de cidadania… Quer dizer, lá na origem do direito do consumidor, com o Presidente John Kennedy, nos Estados Unidos, dizia-se: “Todos somos consumidores. Portanto, o direito do consumidor é um direito de exercício de cidadania”. O que se estabelece? Ela [a lei de defesa do consumidor] se estabeleceu, no Direito brasileiro, no seu artigo 1º, como uma lei de ordem pública e interesse social. Está escrito. Está dito.

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É uma lei de ordem pública e interesse social. Interesse social, naturalmente, é um conceito de uma amplitude tal, que se vai dar ampla possibilidade de interpretações do que seja isso. Agora, “lei de ordem pública”, em termos de Direito (os colegas, aqui, conhecem melhor do que eu), no mínimo, nós estamos dizendo: tem uma aplicação preferencial, porque é protetiva e é preferencial. Então, se ela é lei de ordem pública ela prefere dar aplicação… Claro, do ponto de vista de direito internacional privado, não há duvida. Mas, do ponto de vista interno, com outras leis de mesmo grau, de mesmo nível (no caso, leis ordinárias), ela tem uma aplicação preferencial, na proteção do sujeito vulnerável. Então, naturalmente, nós temos aqui não apenas uma possibilidade, mas uma rigorosa necessidade de adequação. Que não seja uma adequação, quem sabe…

Eu vi a disposição de nosso Secretário de Políticas Culturais, aqui, no sentido de alteração da lei, mas, ainda que não seja de alteração da lei, necessariamente, de uma compatibilização de interpretações, porque, no momento em que isso, hoje, naturalmente, não tem ainda, como disse no início, uma dimensão jurisprudencial de massa… Pelo menos, não tem, em relação ao consumidor final, grande repercussão, do ponto de vista judicial. No momento que isso… Se [isso] tiver uma repercussão judicial, vocês podem ter certeza de que, do ponto de vista da proteção do consumidor, os direitos autorais sofrerão algumas limitações, em vista da proteção do consumidor vulnerável. Não digo nem do ponto de vista do direito de acesso à cultura, que é um direito fundamental, e é amplo. Não digo nem do ponto de vista do próprio direito à cultura, como acesso a bens culturais, que, digamos, por ser um direito fundamental, tem de ser precisado, tem de ser, digamos assim, especificado pela legislação infraconstitucional. Mas, sob a perspectiva do direito posto, do direito que nós já temos, da legislação posta do direito do consumidor, conflitos podem existir, que, pela lógica do sistema, possam redundar num entendimento favorável ao consumidor e, nessa medida, num entendimento limitativo de maiores limitações em relação aos direitos autorais.

Não trato aqui de outras questões. Eu vou deixar, porque meus colegas, certamente, vão pontuar. Mas, sobretudo, falei da questão de convergência de mídia. Aqueles dispositivos anticópias, ou coisa que os valha, do ponto de vista da legislação do consumidor, quando esse acesso for remunerado… Cito aqui um exemplo: quando nós tivermos a televisão digital, na sua inteireza, ou mesmo agora, na televisão a cabo, na medida em que é um serviço remunerado, sob a perspectiva do Código de Defesa do Consumidor, esses dispositivos anticópias podem sofrer as mesmas criticas, na perspectiva do direito do consumidor, no sentido de que, dentro da idéia de equilíbrio, há remuneração e, nesse sentido, essa remuneração permite fins legítimos. Não será um fim legítimo a possibilidade de copiar ou de gravar um determinado programa, um determinado espetáculo, para uma possibilidade de assisti-lo posteriormente? Será que isso não está sob a idéia de equilíbrio econômico da relação? Estou remunerando, e não posso assistir àquele serviço ou àquele objeto do serviço que eu, propriamente, estou contratando, contratei, remunero adequadamente (mensalmente, muitas vezes)? Então, essa idéia e essa interface me parecem extremamente importantes, mas, naturalmente, agradecendo a disposição dos colegas, e numa expectativa de ouvir também os meus colegas de painel, eu, por hora, me despeço. Muito obrigado.

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DIREITOS AUTORAIS E OS DIREITOS DOS CONSUMIDORES

Estela Waksberg Guerrini 2

Introdução

O intuito desta palestra não é criticar os direitos autorais, cuja existência é importante para proteger os autores e para estimular e valorizar a inovação e a criação. Entretanto, é importante discutir como essa proteção é conduzida atualmente e de que maneira ela poderia ser feita de modo a não comprometer o acesso ao conhecimento, à cultura e à informação por todos.

Hoje, a discussão se pauta em um suposto conflito entre os direitos do autor, do criador de uma obra; e o direito ao acesso a essa obra pelas outras pessoas.

A proposta de reflexão que fazemos é não encarar esses dois direitos como dois lados de uma balança, no sentido de serem eles antagônicos. Não. Eles devem caminhar conjuntamente, até porque um não existe sem o outro. Explico melhor:

O autor de uma obra só consegue criar uma obra porque está inserido em uma realidade de onde tira sua inspiração. A produção do conhecimento, nesse sentido, é coletiva, visto que ninguém vive sozinho no mundo e todos são influenciados, de alguma forma, em maior ou menor grau, pelas idéias existentes e já produzidas. Vivemos em um ciclo de interinfluências e inspirações mútuas. Cito aqui a clássica frase de Pierre Lèvy: “Todo mundo sabe alguma coisa. Ninguém sabe tudo. Todo conhecimento está contido na humanidade”.3

Não há dúvidas, no entanto, que cada autor possui algum talento particular que é acrescentado nesse ciclo permanente de produção e criação. E justamente por isso deve ter esse “talento” reconhecido.

As demais pessoas - além do fato de que, de alguma forma, contribuíram para a produção de uma obra de um determinado autor, simplesmente por existirem no mundo que serviu de inspiração ao autor - também são os destinatários finais da obra criada. Nesse sentido, elas são parte fundamental na relação, pois, sem a sua existência, o autor não se sentiria tão motivado para criar. Por isso, o conhecimento e a informação têm a inevitável meta de serem difundidos.

Por essas razões, autor e consumidor de conhecimento e informação devem ser tratados como partes fundamentais de uma relação, e seus direitos respectivos devem ser garantidos e tratados como um conjunto e não como circunstâncias antagônicas.

Normas excessivamente rígidas acabam por não permitir que o público tenha acesso a informações, cultura e conhecimento. Tendo isso em mente, o Idec entende que a cópia legal pode incentivar o acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, trazendo maior equilíbrio entre a justa e legítima remuneração dos autores e o interesse público de acesso às obras. Por isso, a discussão acerca da necessidade de flexibilização do direito de propriedade presente no direito autoral em determinadas situações, permitindo o cumprimento de uma função social dessa propriedade é muito importante e atual.

Quando o direito autoral recai sobre obras que têm como objetivo principal a difusão de educação, cultura, lazer, ele não pode sobrepor sua esfera econômica – aferição de lucro mediante o pagamento de royalties – ao direito de acesso ao conhecimento, entendendo-o em sua mais ampla forma, abarcando questões que envolvem acesso a livros, educação, artes, cultura, saúde, tecnologia e conhecimento em geral.

É patente a importância do conhecimento e da educação para o desenvolvimento de qualquer sociedade, o que denuncia o valor de materiais educativos impressos, como livros e jornais, para difusão do conhecimento.

Por isso, esse direito não pode ser restringido por questões econômicas, ainda mais num país tão desigual quanto o Brasil, em que o acesso à informação e ao conhecimento é um privilégio de poucos.

Outro aspecto é aquele trazido pela revolução digital, que abriu novas possibilidades de produção e disseminação de conhecimento por meio das tecnologias de informação e comunicação como internet, bibliotecas on-line e bases de dados, softwares educacionais multimídia, enciclopédia eletrônica Wikipédia etc. As oportunidades oferecidas em termos de disponibilização de materiais educativos são enormes, mas o acesso é negado em razão do alto custo de tais materiais. E isso precisa mudar.______________

2 Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec.3 A inteligência coletiva. Por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.

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E como funcionam os direitos autorais hoje?

Direitos autorais são concedidos por um determinado prazo, depois do qual a obra cai em domínio público. Esse é um mecanismo no sistema de direitos autorais que visa balancear os interesses do titular do direito autoral e o direito público de acesso à obra. Atualmente, a proteção internacional mínima para obras literárias e artísticas é de cinqüenta anos depois da realização da obra. A duração da proteção de obras cinematográficas é de cinqüenta anos após a obra ser disponibilizada ao público, ou cinqüenta anos depois da realização da obra. A duração da proteção de obra anônima é de cinqüenta anos contados da disponibilização ao público. Obras fotográficas e obras de arte têm proteção mínima de 25 anos. Vale lembrar que os instrumentos internacionais estabelecem os standards mínimos de proteção, podendo os países alargá-los.

Com o propósito de melhorar o acesso a materiais educacionais, os legisladores nacionais podem limitar o escopo da proteção autoral e manter a proteção desse direito no tempo mínimo necessário, e, além disso, podem assegurar que usarão todas as limitações e exceções aos direitos autorais disponíveis nos instrumentos internacionais.

No Brasil, os direitos autorais são protegidos de acordo com a Lei 9.610/98 – a conhecida Lei de Direitos Autorais, ou LDA. Quanto à duração da proteção autoral, o Brasil inclui-se entre os países que alargaram a proteção para além do mínimo determinado nos instrumentos internacionais. Os direitos patrimoniais dos autores perduram por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subseqüente ao seu falecimento. Em caso de obras anônimas ou pseudônimas, os mesmos setenta anos contam de 1º de janeiro do ano imediatamente posterior à publicação. Obras fotográficas e cinematográficas também são protegidas setenta anos contados da divulgação, mesmo os instrumentos internacionais estabelecendo como piso 25 anos para proteção de obras fotográficas.

É possível afirmar que a legislação brasileira de direitos autorais não promove o uso justo das obras intelectuais, havendo fortes restrições e lacunas que impactam diretamente no acesso ao conhecimento.

São diversos os exemplos de situações nas quais o acesso ao conhecimento é negado sob alegação de que se estão protegendo direitos autorais, a começar pelos altos preços de livros e pela interpretação restritiva que se tenta impor no Brasil com relação ao artigo 46, VIII, da Lei de Direitos Autorais, vedando-se a fotocópia ao máximo. Os mesmos problemas são encontrados no que diz respeito ao preço para acesso a programas de computadores: dificulta-se a inclusão digital e estimula-se a ilegalidade, não só por conta dos altos custos como também pela ainda baixa difusão de programas alternativos gratuitos.

Cópia de livros didáticosA cópia de pequenos trechos de obras literárias para uso próprio é direito reconhecido na própria lei

de direitos autorais. Todavia, são freqüentes as tentativas de restrição desse direito. O direito autoral recai sobre obras que têm como objetivo principal a difusão de educação, cultura

e lazer. Muitas vezes, por ser mais forte o viés econômico, chega-se a situações em que o acesso ao conhecimento é negado aos cidadãos. O que fica camuflado pelo viés econômico é que ao se falar sobre direito de acesso ao conhecimento está-se na verdade tratando de muitos direitos fundamentais - dentre outros, direito à educação, à cultura, ao lazer e à igualdade – na medida em que o acesso ao conhecimento é um dos meios para promover esses direitos fundamentais.

Não se pode admitir que direitos fundamentais sejam limitados por interesses que até mesmo desvirtuam o principal fim de todas as obras: a difusão do conhecimento, cultura e informação. Em tais situações não se está cumprindo a função social da propriedade e, portanto, essa propriedade pode até mesmo ser questionada. Para fins educacionais, deve-se sim, permitir a cópia de obras sobre as quais recai direito autoral.

A lei brasileira pode ser considerada uma das mais rígidas do mundo, trazendo proibições que não existem em muitos outros países.

Um exemplo disso é a proibição da cópia privada integral, mesmo que para fins exclusivamente didáticos, ou quando a obra está fora do mercado (não é mais comercializada). Países como EUA, Canadá, Filipinas, Austrália, Croácia, Noruega, entre tantos outros, permitem a cópia integral da obra em circunstâncias específicas, como para uso por pessoas com deficiência de percepção, para fins de estudo ou para fins de conservação da obra.

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Novas tecnologias

O direito autoral foi concebido em um momento em que as possibilidades tecnológicas não permitiam o compartilhamento, a recombinação e, principalmente, a reprodução das obras que o sistema buscava proteger. Entretanto, a permanente e acelerada inovação e a popularização de novas tecnologias permitem hoje, a qualquer pessoa, a realização de cópias de altíssima qualidade a um custo extremamente baixo. A partir daí caracteriza-se a mobilidade e a portabilidade da informação, com impactos evidentes nos hábitos da sociedade e, de forma particular, nos de consumo.

A informação que é transmitida ininterruptamente precisa ser exibida e, portanto, copiada, por diversas vezes. Na rede mundial de computadores, um dos principais meios hoje utilizados para a transmissão de informação, para que uma pessoa acesse a qualquer página, a informação deve ser recebida, copiada (ainda que temporariamente), decodificada e exibida em seu computador.

É necessário considerar as novas possibilidades abertas pelas inovações tecnológicas para contribuir para a educação e o acesso ao conhecimento e à cultura. Dessa forma deve-se questionar: como usufruir adequadamente das crescentes possibilidades de compartilhamento de conteúdo? Tais possibilidades devem ser encaradas como uma ameaça a direitos de artistas e autores, ou podem representar uma nova oportunidade de negócios para a indústria da cultura e do entretenimento?

O entendimento do Idec é o de que usos legítimos de produtos e serviços adquiridos legalmente pelo consumidor, como a gravação de programas de televisão para uso doméstico, não podem ser impedidos pelas restrições tecnológicas.

As restrições tecnológicas consistem na aplicação por parte da indústria de ferramentas que retiram do consumidor o direito de decidir o que fazer com os conteúdos digitais por ele adquiridos.

Os bens e serviços digitais afetados por restrições tecnológicas acabam gerando problemas de “interoperabilidade”, isto é, um bem ou serviço adquirido de um determinado estabelecimento ou empresa é compatível apenas com os vendidos por aquela mesma empresa ou estabelecimento. Essa situação gera preocupações importantes para o direito da concorrência, além de afetar a possibilidade de o consumidor ter acesso à maior diversidade possível de bens e serviços.

As restrições tecnológicas podem aparecer nos mais diferentes formatos. Por exemplo, elas são responsáveis pelo fato de um DVD legitimamente comprado fora do Brasil não poder ser exibido por muitos aparelhos de DVD fabricados no país. Da mesma forma, muitos CDs da música não são compatíveis com computadores, softwares e até determinados modelos de aparelhos de som.

As restrições estão também nas músicas compradas on-line, impedindo que elas possam ser executadas em diversos aparelhos tocadores de áudio ou mesmo em certos tipos de programas de computador. O consumidor muitas vezes não é informado adequadamente sobre o emprego das restrições tecnológicas e acaba pagando caro por elas, tanto pelo preço quanto pelos transtornos que enfrenta.

Conclusão

Por fim pergunta-se: o modelo baseado na restrição de todo e qualquer tipo de cópia de material protegido é justo? Atende às necessidades do Brasil como país ou contribui para a não-implementação de direitos fundamentais, como o direito à saúde e à educação?

O presente momento, no Brasil e no mundo todo, é oportuno para o debate, cabendo à sociedade avaliar se é mais interessante proteger os interesses econômicos em jogo ou, em contrapartida, priorizar direitos fundamentais como os de acesso à informação e ao conhecimento, equilibrando-os de maneira razoável com os direitos do autor.

É imprescindível a busca por esse equilíbrio entre a legítima remuneração dos criadores e a necessidade da democratização da tecnologia e do acesso ao conhecimento, elementos fundamentais para a inclusão na atual sociedade da informação. Não se justifica o abuso na utilização das restrições tecnológicas ou a rigidez na interpretação da LDA, sem o respeito aos interesses dos consumidores, à realidade tecnológica e até mesmo aos direitos de utilização concedidos à sociedade pela legislação de direito autoral.

O Idec não é contra o direito autoral, mas é contra normas excessivamente rígidas, que não permitem que o público tenha acesso à informação, à cultura e ao conhecimento. Dessa forma, o Idec entende que a cópia legal pode incentivar o acesso ao conhecimento, à educação e à cultura, trazendo maior equilíbrio entre a justa e legítima remuneração dos autores e o interesse público de acesso às obras. As normas de propriedade intelectual, assim, devem também ser subordinadas ao bem público e à função social.

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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE HELENARA BRAGA AVANCINI4

O meu bom-dia a todos. Quem fica por último sempre fica numa missão muito complicada, principalmente quando se participa de uma Mesa em que os colegas praticamente expuseram os pontos mais controvertidos do tema. Mas isso também acaba gerando um desafio e proporciona, justamente, ao público o questionamento, que é o objetivo deste fórum. Obviamente, eu não posso deixar de agradecer a Marcos Souza. E, agradecendo a ele pelo convite, parabenizo-o e toda a equipe. Não vou, obviamente, citar o nome de todos. Mas, realmente, o papel que o Ministério, no caso, a Coordenação, está exercendo, na propositura desses debates, é fundamental, até porque se ouvem opiniões a favor e contra, e isso é sempre muito profícuo para democracia em geral.

Eu vou, obviamente, pular alguns trechos da minha exposição e, obviamente, enfatizar alguns outros, que foram mencionados tanto pelo Bruno, quanto pela Estela. Vamos lá, então.

Eu, obviamente, parti de uma análise atual. O que nós verificamos? Nós estamos numa sociedade em que a complexidade é o norte. A sociedade, em si, já é complexa, mas, com o advento da situação informacional ou da era do conhecimento, as questões atinentes a problemas relacionados com direito autoral se tornaram muito maiores.

São os mesmos problemas. Só que a dimensão é muito maior. Por que isso ocorreu? Porque, obviamente, por intermédio da Internet, muitos produtos e serviços são oferecidos e muitos deles são protegidos por direito autoral, ou são ofertados serviços cujo direito autoral vai ser o seu grande negócio, o seu grande norte, como, por exemplo, a aquisição de produtos, DVDs, CDs, livros, músicas, filmes, jogos, programas de computadores (isso, só para citar alguns exemplos). Em serviços, nós temos provedores de internet, nós podemos contratar pessoas para fazer tradução on-line (apenas para citar, realmente, alguns exemplos). Produtos e serviços (o Bruno já havia mencionado) são palavras-chave, dentro do direito do consumidor. A relação de consumo vai se estabelecer, justamente, em torno desses produtos e serviços. E esses produtos e serviços podem estar protegidos, como bem mencionou também, pela direito autoral.

Qual é o problema? O problema envolve justamente uma situação muito paradoxal dessa sociedade de informação, dessa era do conhecimento, que vislumbrou e dimensionou um aspecto econômico muito grande, portanto, um negócio muito vital e muito importante para as empresas: o negociar as obras de direito autoral ou o objeto do direito autoral.

Quem é que tem o poder de fazer isso? É o titular do direito, que pode ser, eventualmente, o próprio autor, mas, normalmente, o autor, também, na prática, acaba cedendo esses direitos para um titular derivado, uma empresa. Depende do tipo de obra envolvida. Os titulares verificaram, então, que existe um interesse econômico. Obviamente, a Internet pode facilitar, extremamente, um ganho muito maior do que se ganhava quando não existia um mecanismo como Internet.

Qual a tendência natural disso? Manter os seus direitos e querer restringi-los mais ainda. Isso é natural. Não é uma posição equivocada, no sentido de intenção. Mas, do outro lado, com a possibilidade de ter acesso à informação, de ter acesso à cultura, surgiu, também, o interesse das pessoas (são os usuários) de quererem ter acesso a ele, dentro dos termos legais, e, em alguns casos, até fazer um uso transformativo dessas obras, que é algo extremamente natural. É um paradoxo. Eu diria que é um paradoxo que sempre existiu. E acredito que sempre existirá, enquanto tiver… Teremos a Internet. Sabe-se lá o que vai ocorrer no futuro. Evidentemente, esses dois pontos vão sempre acabar vindo à tona. O problema é justamente gerir o equilíbrio desse público e privado, o equilíbrio desses interesses.

Esse equilíbrio sempre é muito delicado. Por quê? Se a pessoa for totalmente favorável ao direito do autor, ao direito autoral, ao direito exclusivo que o titular do direito exerce, ele vai estar numa posição muito complicada, assim como vai estar numa posição muito complicada o usuário que quer ter acesso, também, sem pagar nada (vamos pegar os extremos), que são as posições extremas, que ocorrem. É necessário achar um meio termo. Nós temos várias legislações que possibilitaram esse meio termo, seja por meio de introdução de medidas como compensações eqüitativas para utilização de obras. Então, eu vou fazer uma copia privada. Eu posso fazer? Posso. Mas, em determinados casos, para não causar um prejuízo ao autor, ao titular, vai haver uma compensação eqüitativa. Há várias legislações, na Alemanha e em tantas outras. O Brasil não tem isso, assim como não tem situações de licenças compulsórias para utilização de obras.

Com essa situação, com esse quadro, o que começou a surgir? Começaram a surgir, obviamente, reações nítidas, decorrentes destes dois pólos: dos titulares do direito (que podem ser autores, também,

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______________4 Pontifícia Universidade Católica / Rio Grande do Sul – PUC/RS

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como eu repito) e dos usuários. Por parte dos titulares, há uma intenção muito clara de introduzir medidas tecnológicas de proteção, que, na própria legislação brasileira, estão previstas, embora de maneira meio sorrateira, como eu digo, porque não se teve, talvez, a coragem (desculpe a palavra) de dizer: “É permitido o uso”. Mas foi escamoteada. Lá nos artigos 107, 103 é mencionado isso, mas pode causar um entrave grave para os usuários. Obviamente, há a situação de remodelação das limitações que são impostas ao direito de autor. Notadamente, na União Européia, quando saiu a diretiva européia de harmonização de direitos autorais e direitos conexos, para os casos da sociedade de informação, ficou muito claro que, na verdade, a possibilidade do acesso gratuito, praticamente, morreu.

As pessoas não tinham como usar e acessar. Por quê? Aquelas medidas que não estavam sujeitas a uma compensação eqüitativa, portanto, a um pagamento, estavam sujeitas a uma medida tecnológica de proteção. Só aí, a gente já vê quão forte a restrição surgiu. Isso é o lado dos titulares. Obviamente, do outro lado, começaram a surgir outras reações, que não nasceram em países de direito continental, do qual o Brasil faz parte (nos Estados Unidos, doutrina anglo-saxã), e que acabam sendo interessantes, no sentido da reação, efetivamente, dos usuários.

Movimentos como Creative Commons, commons software livre são movimentos a que, até, geralmente, eu não sou muito simpática, não pela razão do surgimento deles, mas pelo fato de que, no Direito brasileiro, isso não era necessário surgir, porque o titular do direito do autor pode fazer o que ele bem entende com a sua obra (“que entende”, dentro de limites, dentro de limites legais, evidentemente). O autor pode licenciar, pode autorizar para fazer cópias, não fazer cópias. Ele tem um leque muito grande, para negociar o problema. É que o autor, principalmente, o autor (eu não estou falando tanto do titular do direito) não conhece, às vezes, suficientemente, esse poder que tem. Então, acabam sendo atrativos modelos como Creative Commons, software livre, que, repito para vocês, são modelos que eu acho interessante, no sentido de que impulsionaram as pessoas que não tinham conhecimento da possibilidade dos direitos que elas tinham em relação aos seus negócios.

Então, são reações muito interessantes: de um lado, os movimentos de Creative Commons, software livre, em que podem utilizar, as pessoas não precisam pagar para utilizar a obra, podem utilizar e transformar essa obra. Não há problema nenhum, não há violação, não tem de pagar royalties. Fantástico. De outro lado, aquela reação mais restritiva. Muito bem.

Obviamente, eu fiz essa introdução para nós falarmos da questão do direito do consumidor, que é uma questão complicada. Como bem mencionou o Bruno, depois, a Estela, é, realmente, uma temática pouco debatida, no Brasil. Pouquíssimo debatida. Eu mesma, pesquisando, encontrei algumas referências lá no Bruno, no Ascensão. O Carboni também acaba falando, ali, por causa das limitações extrínsecas. Mas é uma temática que acaba sendo um pouco descuidada. No entanto, é uma ferramenta extremamente importante, para uso do usuário, em especial. Claro que o fornecedor, que vai ser o titular do direito, vai ter a possibilidade de uso dessa ferramenta, também. Mas é uma temática importante.

Então, obviamente, a gente tem de partir da idéia do consumidor. Existe um autor, que é o Joseph (até botei para vocês, ali), que faz uma análise muito interessante do consumidor, no aspecto jurídico. Ele não vai para o texto legal. Ele faz uma coisa mais ampla. Ele entende que o consumidor pode ser entendido de forma passiva, ativa ou, até mesmo, consumidor como autor. Então, vamos verificar o que é cada um desses.

Um consumidor passivo, em poucas palavras, é aquele que, simplesmente, adquire uma obra, que é um produto, ou usa um serviço, simplesmente para fins privados. Ele não quer fazer nada com isso. Ele compra o CD só para escutar música. Ele não quer fazer cópia privada. Ele compra o livro que ele quer ler. Ele não quer fazer cópia. Ele quer, simplesmente, desfrutar essa obra. Esse é o consumidor passivo.

O consumidor como autor… É até uma nominação interessante, porque dificilmente a gente consegue vislumbrar a figura do autor como sendo consumidor, mas ele é consumidor como qualquer outro. Mas o consumidor como autor tem uma característica muito específica. Eu mesma (vamos pegar um exemplo): eu, aqui, quando preparei esta apresentação, acabei utilizando o próprio Joseph Liu. É um autor. Tem uma obra. Imaginem se as restrições fossem tamanhas, que eu não pudesse citá-lo. O autor quer fazer um uso transformativo de uma obra. E ele só vai fazer isso, se ele tiver acesso às obras. Se ele não tiver acesso às obras, vai ser impossível que isso se dê. Essa é a característica do consumidor como autor, especificamente.

O consumidor ativo é aquele que adquire uma obra, mas quer interagir com ela. Ele quer um pulo. Ele não quer só escutar. Ele quer fazer alguma coisa mais. Dentro desse aspecto, o consumidor ativo pode ser visto, dentro das relações que ele opera, em que ele quer interagir com a obra, de forma autônoma, de uma maneira relacionada a uma comunicação e, até, com caráter autocriativo.

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Vamos verificar cada uma delas, ali, para a gente ver. Então, o autor em relação à autonomia: é bem como eu coloquei para vocês. É quando o autor adquire ou utiliza um produto ou serviço de direito autoral com a possibilidade de poder dizer quando e como ele quer utilizar um bem. Aqui, eu aponto para vocês um significado extremamente importante, desse conceito, que não é meu (vamos fazer bem dentro dos direitos autorais: é do Joseph Liu). Aparentemente, isso não teria problema, mas por que é importante a capacidade que o consumidor ativo tem de dizer quando e como ele quer usufruir esse bem? Porque nós temos medidas tecnológicas de proteção. E algumas medidas tecnológicas, ou as DRMs (que são mais propícias para isso), podem impedir, quando compro um CD, por exemplo, de música, que eu possa usá-lo só naquele computador. Ele identifica que, naquele computador, vai ser rodado o meu CD de música. Se eu o levar para o carro, ele não vai funcionar, porque ele não identifica, ou ele cria algum tipo de mecanismo que impede. Eu fico até brincando: se as situações fossem assim, ou se não houvesse uma informação correta, daqui a pouco, a pessoa, para poder usufruir uma obra, teria de comprar uns três, quatro CDs ou uns quatro, cinco livros, para cada ambiente, mas tudo para uso privado. Então, vejam como é importante o aspecto de autonomia do consumidor: escolher quando e como. Aqui, neste caso, obviamente, ele não vai violar lei. Não se está pregando, obviamente, a violação, porque isso é horrível. Não tem como. Mas essa liberalidade tem de ser dada. É um princípio básico do consumidor, do usuário em geral.

O aspecto da comunicação: é quando eu quero, obviamente, interagir um pouquinho mais. Então, eu compro um CD, compro um DVD, compro um livro. É muito comum, por exemplo… Nossa, eu não sei se há muita gente do Direito, mas também de outros segmentos, ainda mais com a facilidade da Internet… De fazer aquelas listas de discussões. Acho que alguém já deve estar… Alguém, se não forem todos, já, brindados com convites, para participar de listas de discussões. Muito bem. O que se faz nessas listas de discussões? A gente, às vezes, apresenta casos, às vezes, quer-se discutir uma obra. Obviamente, se eu for entrar no aspecto autoral, eu só vou poder discutir pequeno trecho da obra; não a obra inteira. Ou então cada um vai ter de comprar. Então, um artigo: um artigo de oito páginas (vamos pegar um artigo pequeno). Será que eu poderia levar para essa lista de discussão? Se for para termos legais, a coisa fica complicada, em termos de direitos autorais. Mas não existe nada mais democrático, não existe nada mais criador do que você possibilitar a análise crítica de uma obra. Eu estou causando prejuízo para o autor? Não. Ao contrário.

Outro exemplo muito comum: a pessoa compra um CD de música. Ela tem vários CDs. Ela resolve mostrar. Leva para a casa de um amigo, para uma festinha pequena. Quer escutar aquela música. Ele pode fazer isso? Não pode. São situações muito comuns, muito do dia-a-dia, que podem gerar problemas de ordem autoral. O consumidor, quando compra a obra, quando adquire o produto, ele adquire, dentre outras coisas, para fazer isso também. Mas ele não quer que o coitado do autor fique à míngua. Obviamente, não. Mas ele quer compartilhar aquele conhecimento.

Há outra situação, que talvez seja a situação mais complicada, que é a situação do direito do consumidor ativo numa interação maior, numa autocriação. É o que nós, comumente, vemos: as pessoas quererem fazer, então, um CD próprio. Eu tenho uma coletânea de CDs, vários e vários CDs. Só que eu gosto de música de um, música de outro, e assim por diante. E aí eu quero fazer o quê? Um CD meu. Eu só quero escutar aquelas músicas. Eu não quero carregar os dez CDs. Eu só quero levar um, até porque é perigoso levar a cópia original, porque, se levam o carro, eu perco, inclusive, o meu original. Eu quero, simplesmente, fazer uma compilação, para uso privado. É um problema em termos de direito autoral. Mas o consumidor, quando vai adquirir esse produto, pensa isso. É nesse sentido que nós temos de analisar. Mas é uma dor de cabeça para o direito autoral.

Então, por que a análise desses conceitos de consumidor? Porque, em determinados casos, principalmente na postura do consumidor ativo, nós vamos verificar que, se nós formos identificar, fazer uma relação, como o Bruno disse, com normas de direitos autorais… Já gerou uma polêmica tremenda. Só a questão da cópia privada já arrasa, já dá uma dor de cabeça tremenda, ali, para esses consumidores, que, de boa-fé, compraram, legitimamente, mas que vão ser cerceados por dispositivos legais de não poder fruir plenamente aquele bem, como ele gostaria. Então, obviamente, o direito do consumidor traz essa possibilidade de apaziguar, de ponderar um pouco mais. É o que nós costumamos dizer, no Direito: que se trata de uma limitação extrínseca ao direito autoral.

Nós temos limitações, várias (do art. 46, e aí, 47, 48), que falam das limitações legais do direito autoral. Só que não bastam essas limitações extrínsecas, que estão previstas na lei. Eventualmente e mais comumente, nós andamos verificando a ocorrência de limitações de fora do direito autoral: direito de concorrência, direito de acesso, direito da informação, direito do consumidor. Porque, se eu adquiro um

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produto, e não me é informado, como falou a Estela, que aquele produto só vai rodar na Europa e, não, aqui na América do Sul, eu estou sendo prejudicada, porque eu comprei um destino final específico, de usufruir a obra. Eu paguei. Eu não estou burlando o direito autoral. O titular do direito, o autor, vai receber seus direitos autorais. Mas eu vou sair prejudicada. Sem pensar na situação de processo judicial daí, porque, se envolve exterior, a coisa fica muito mais complicada. Então, vejam vocês a importância disso.

Então, essas limitações extrínsecas são interessantes de serem analisadas, mas também são muito complicadas dentro do quadro atual. Por quê? O direito autoral já está sofrendo uma limitação muito severa, dentro da própria lei interna, dentro da lei autoral. Não bastassem essas limitações, ele ainda sofre outras limitações. Então, é quase a restrição da restrição.

É necessária, realmente, uma ponderação muito grande, na aplicação dessas regras. Uma ponderação que se passa, num primeiro momento, pela interpretação da norma, da lei. Obviamente, nós vamos depender das habilidades dos advogados, dos juízes, dos promotores. E eu digo: o advogado que milita na área tem de ser didático (nós temos de ajudar o julgador), porque é uma área em que ainda não há pleno domínio do conteúdo e das conseqüências que podem acontecer. A didática é muito bem-vinda. Sempre com uma postura educada se consegue chegar a um bom termo.

Então, a primeira situação: é necessária uma boa interpretação. A alteração legislativa, no caso do direito do consumidor, eu até fico pensando, às vezes, se seria tão necessária assim ou não, porque a lei de direito do consumidor eu acho tão boa. Eu digo assim: que bom que a lei autoral seguisse os moldes, a estrutura, em alguns aspectos, da lei de direito do consumidor, porque a lei de direito do consumidor, para situações que eu coloquei para vocês, tem um ferramental próprio para defesa. Só falta alguém que defenda. O consumidor brasileiro é muito acomodado. A gente não briga por 1 centavo ou 2 reais. Um centavo ou 2 reais, para uma pessoa, não é nada, mas quando soma 1 milhão, 2 milhões, a soma já fica um pouco diferenciada. Então, é importante a gente verificar isso.

Aqui, eu tinha colocado conceitos de o que é consumidor, produto, serviço, depois, o fornecedor mesmo. Só vou deixar bem claro que, obviamente, dentro do quadro da relação de consumo, o consumidor é usuário, é aquele a quem se destina a obra. “Nós queremos ter pessoas que consumam essas obras”, para gerar riqueza.

O fornecedor, obviamente, vai ser o titular de direito, o autor, é aquele que vai fornecer, produzir aquela obra, em especial. Como o Bruno também havia dito, e a Estela reforçou… Mas é um reforço que nós devemos fazer constantemente, porque nos esquecemos disto: o direito de autor, assim como o direito do consumidor, é um direito fundamental, e como tal ele deve ser tratado. Essa análise é extremamente importante para a solução dos casos que se apresentam. É vital.

Fora isso, o direito do consumidor ainda tem um aspecto, justamente, muito importante dentro da ordem econômica do País, que tem um dispositivo constitucional que também havia sido mencionado pelo Bruno. Então, é extremamente importante partir desse princípio, porque todas as soluções vão nascer, justamente, daí, sem esquecer que um é tão fundamental quanto o outro. Mas só no caso concreto é que a gente vai conseguir examinar.

Acredito, muito pessoalmente, que seja difícil criar uma regra que consiga solucionar um problema como esse, que envolve embate de direitos fundamentais. Nós podemos apresentar critérios específicos que facilitem essa interpretação, como, por exemplo, o problema de cópia privada. Meu deus do céu. Vamos resolver esse problema de uma vez. E outros mecanismos, em termos de limitações, que podem auxiliar o caráter do direito autoral, para não ocorrer o que o Bruno disse… Num caso de dúvida, havendo conflito entre direito autoral e direito do consumidor, pela regra, expressa (porque existe uma disposição expressa, mesmo, que é a do 47), vai prevalecer o direito do consumidor. Em alguns casos, vai ser muito favorável; em outros, pode ser que não. Então, essa observação é extremamente importante.

Aqui eu botei alguns casos para vocês, mais no sentido de uma análise. Esse conflito, que gera o direito do consumidor e o direito de autor, pode acabar gerando uma hipertrofia ou uma metamorfose, como dizem alguns autores, no próprio direito autoral, que é, na verdade, o que nós estamos vendo. Aliás, esse é um dos tópicos fundamentais, porque deve ser questionado e deve ser muito bem pensado. Qual é o direito autoral que nós queremos? Quem é a pessoa que deve ser defendida dentro do direito autoral? Parece tão óbvio, mas a gente escuta tanta coisa e lê tanta coisa, que às vezes esquece que, dentro do direito autoral, o autor é uma figura fundamental… O autor. O titular derivado é uma figura importante? É. Mas o autor é uma figura essencial. Sem autor, nós não temos obras. Então, algumas questões devem ser muito analisadas, até porque daqui a pouco nós vamos verificar que as obras vão acabar tendo um caráter também não tão fundamental assim.

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Aliás, nós já vemos alguns tipos de obras muito modernas. Acabou citando Wikipédia. São obras de caráter coletivo. Mas alguém vai ganhar dinheiro com isso. Será que vão ser os autores, os usuários? Quem vai ganhar dinheiro com isso? Quem a lei autoral quer proteger? Parece uma pergunta boba, mas ela é fundamental de ser feita e de ser reforçada, sempre quando houver uma interpretação. Ou mesmo, se houver uma situação de remodelação do direito autoral, isso se deve ter sempre como norte, em mente.

Muito bem. Existem alguns casos, famosos, que envolvem o direito do consumidor. Eu botei alguns deles, mas há tantos. Aqui mesmo, de certa forma, a USP já foi vítima. É. A questão da cópia privada. A gente lembra: “É direito de autor”. Sim, mas quem está tirando cópia é o consumidor. O consumidor é usuário. Usuário de obra. E o consumidor sofre muito, pelo fato de não ter acesso a obras.

Eu mesma vou dar um exemplo para vocês, que ficou até muito engraçado: agora, na época da elaboração da tese, eu consegui localizar um livro fantástico. E eu queria a cópia do livro. É evidente. “Poxa, eu, que defendo o direito autoral, não vou querer prejudicar o autor. Acredite em mim. De jeito nenhum”. Fui eu, ingenuamente, pedir, por meio de um sistema que têm as bibliotecas integradas: “Eu quero a cópia do livro. O livro é de 1960. Não foi reeditado. Quer dizer, não vou conseguir esperar uma nova edição”. Daí, responde-me a bibliotecária: “Conforme a Lei de Direito Autoral, não é possível dar a cópia integral”. Você nem consegue discutir com uma pessoa assim. Não tem como argumentar. Não tem como gerar um tipo de argumento. E eu fiquei… Ou eu compro uma passagem aérea, vou até o Canadá e pego o livro ou então fico sem ele. Vejam os absurdos que se criam. Por isso é importante o debate do domínio público também. Nesse caso, não estava em domínio público, mas a obra está esgotada. O homem até morreu. Quer dizer, não há nem chance. Agora vai começar a briga da herança. E aí? E o meu interesse de ter acesso a essa obra? Eu, consumidora.

Aqui, a questão da cópia privada. Foi um absurdo, mesmo, o que aconteceu. Até porque, eu costumo dizer, a intenção da associação foi muito positiva. Eu não sou contra a defesa do direito autoral. Agora, a forma como foi realizado é que é grave, até porque deveria haver muitas obras ali que já estavam em domínio público ou eram obras cujos autores ou titulares não faziam parte dessa associação. Portanto, não tinham nem legitimidade de fazer coisa do gênero. Então, é muito grave quando se verifica esse tipo de situação.

Nós vamos verificar que a doutrina e a jurisprudência européias e americanas, embora não se possa aplicar realmente no Brasil, acabam gerando alguns princípios interessantes. Quais são esses princípios? São os princípios, justamente, de dar acesso ao consumidor.

No caso Magill, foi um caso em que se queria fazer uma coletânea de informações de programas de televisão. Os canais desses programas de televisão não queriam fornecer essas informações. Quem saiu prejudicado? Os usuários, os consumidores. Assim, ocorreu por várias vezes.

Eu já recebi aqui um recadinho: que eu tenho pouco tempo. Então, eu vou só passar para alguns tópicos, rápidos, para vocês. Basicamente, o que mais incomoda e o que é mais conflituoso, realmente, dentro do direito autoral e do direito do consumidor, é, sem dúvida, a questão da cópia privada. Tanto, que eu coloquei uma expressão, que é de um autor holandês, do Bern Hugenholtz: ele fala que é um hot potato. Que a batata quente de quem estuda direito autoral é a cópia privada. Por quê? Por questões óbvias: se eu der a cópia privada, não há remuneração do titular. Como nós vamos solucionar isso, com aquela dicotomia toda que eu falei para vocês?

Houve um caso muito importante que envolve as medidas tecnológicas de proteção, as TPMs ou DRMs. Embora não se faça, existe uma diferença entre os termos: a TPM está relacionada, mais, à possibilidade de cópia. A DRM é um pouco mais complexa: não só cópia, mas também dimensões de outro caráter. Uma situação que ficou muito notória, aqui no Brasil, foi o caso que envolveu, felizmente ou infelizmente, a cantora Marisa Monte. Foi a EMI que propiciou toda essa situação, que foi a introdução de medidas tecnológicas que impediam a cópia privada. Eu sou consumidor.

Eu adquiri, legitimamente, aquele bem, como o Bruno disse. Eu quero usar, fruir dele. A cópia não era permitida. Isso afrontava, inclusive, a própria legislação atual, que já é extremamente restritiva, nos termos de hoje. Quer dizer, não se podia fazer nem uma cópia de um pequeno trecho de uma música dela. Era impossível fazer isso. Obviamente, isso foi revertido, mas é um caso que acaba sendo importante, bem importante de ser analisado.

Por que eu coloco ali a expressão: “fim ao ubercopyright”. Até o Bruno, também, utiliza essa expressão. O Bern Hugenholtz utiliza há muito tempo. Que é o risco de que essas medidas tecnológicas de proteção acabem gerando um superdireito autoral, que não vai favorecer nem o autor, nem o usuário. Esse é o problema.

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Nós temos cláusulas abusivas. Aqui, eu só vou falar de duas situações, realmente, que a cláusula… Quando nós adquirimos produtos, nós estamos fazendo contratos. E, quando nós estamos fazendo contratos, deve haver a informação, obrigatória, porque, se não houver informação, o usuário se favorece, o consumidor se favorece. Portanto, também, muitas situações ocorrem em cujo contrato constam cláusulas abusivas.

Vamos supor: a cláusula implícita do CD da Marisa Monte. Impedir de fazer uma cópia privada é abusivo. Vai contra a lei. Não tem noção nenhuma. Como nós vamos fazer isso? Nós temos ferramentas legais: o art. 51, incisos I e IV. Eu acho que o IV, até, está mais adequado, porque considera nulas as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade. Isso denota que o consumidor está em plenas condições de garantir os seus direitos.

Por último, é a questão da pirataria. A gente tem de falar um pouco da pirataria, envolvendo o direito do consumidor, porque, infelizmente, a pirataria existe. Só que a pirataria existe, e, muitas vezes, a existência dela acaba gerando um conflito muito maior entre os personagens, que já são conflituosos: autor, titular de direito e os próprios usuários. A necessidade de um equilíbrio desses direitos acaba sendo fundamental, porque, dentro de uma relação, na análise da pirataria, o que o titular do direito e o autor querem, naturalmente? Eles querem ganhar dinheiro. Esse é o foco principal. Evidente, com aquela ressalva: geralmente o autor acaba cedendo, e normalmente quem ganha dinheiro, mesmo, é o titular. O autor já está lá, ganhou.... Depende do tipo de autor, como eu costumo dizer.

O usuário quer ter acesso pleno, sem pagar quase nada. Às vezes, ele quer comprar legitimamente, mas o valor acaba sendo muito alto. E aí ele cai na pirataria. Não tem muita alternativa. E o pirata fica louco de faceiro, com toda essa situação. Ele nem quer, realmente, que esse problema do equilíbrio se resolva, porque, para ele não é vantajoso: “Eu, não. Quanto mais briga tiver entre autor e usuário, melhor para mim”.

Às vezes, eu acho que os titulares não se dão conta disso. Isso me preocupa tremendamente. Muitas vezes, as atitudes de querer ganhar mais acabam incentivando a pirataria. Não é só o crime organizado, que falam que está por trás. A atitude do titular do direito, às vezes, propicia a pirataria. Desculpem se eu falei muito forte, mas há que se falar.

É de fundamental importância a participação de associações de consumidores para a defesa dos seus interesses. Uma coisa mais importante ainda é a figura do Ministério Público. O Ministério Público é aquele que não só pode, mas deve garantir a tutela dos direitos difusos, como são os direitos dos usuários, dos consumidores de obras. A gente não vê essa movimentação, de forma forte. Então, eu daria uma mensagem. Acredito que, numa reflexão dessas, a figura do Ministério Público deveria ser muito destacada, porque o consumidor isolado às vezes não tem força. Mas o Ministério Público tem de estar preparado para agir, diretamente, nesses casos. Desculpem se me estendi muito, mas tive de cortar muitas coisas aqui, certo? Obrigada.

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MESA 2LIMITAÇÕES E EXCEÇÕES DA LEI

TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE GUILHERME CARBONI5

Gostaria de agradecer o convite que me foi feito pelo Ministério da Cultura e aos professores da USP Leste, para participar deste evento. Para mim, é uma grande honra. Saúdo, aqui, os componentes da Mesa.

O tema deste painel, a meu ver, é um dos temas mais críticos. É sempre o ponto nevrálgico do direito autoral, que é justamente a questão das limitações. As limitações são aquelas hipóteses, que são previstas pela lei, de livre utilização de uma obra, protegida, sem a necessidade de autorização do autor.

Eu gosto bastante de colocar a questão das limitações numa esfera um pouco mais ampla, que diz respeito à própria função social do direito de autor. Ou seja, para que serve o direito de autor? Qual é a sua finalidade? O que justifica a existência do direito de autor, sob a perspectiva de um interesse público ou de um interesse coletivo? Então, antes, até, de falar da questão das limitações, eu gostaria só de tecer algumas palavras a respeito dessa função social.

A função social do direito de autor, numa perspectiva de interesse público, seria a de promover o desenvolvimento cultural, econômico, tecnológico, mediante a concessão de um direito privado, que a gente chama de um direito exclusivo. Então, essa seria a função social do direito de autor, que não se confunde com as limitações. Até o tema da função social do direito de autor acabou sendo objeto de debate (acho que do penúltimo fórum de direitos autorais, do qual tive o prazer e a honra de participar também).

As limitações de propriedade atingem o seu exercício e, com as limitações de direitos autorais, não deixa de ser diferente. Ela atinge o exercício desse direito, ao passo que a função social é muito mais ampla, pois constitui a própria substancia do direito de autor ou, ainda, o seu fundamento, a sua justificação.

Então, é por essa razão que, simplesmente (até como foi muito bem colocado, no painel anterior), nós, aqui, discutirmos uma alteração de qual conceito que se deve dar à cópia privada ou a pequeno trecho, é uma parte do problema. Na verdade, com base nessa idéia de função social do direito de autor (ou seja, como sendo um instrumento que tenha de levar ao desenvolvimento cultural), a sua própria essência, a própria estrutura desse direito, teria de ser revista “de cabo a rabo”. Quer dizer, se qualquer ponto do direito autoral for contrário a essa idéia, a essa finalidade, que, em última instância, possui uma finalidade pública, ele teria de ser revisto. Então, as limitações, na verdade, são, simplesmente, uma parte dessa questão. Elas têm que ser examinadas nesse contexto.

E eu fico bastante contente, bastante feliz de ter aqui, nesta Mesa, pessoas de fora do âmbito jurídico, porque, como até foi bem colocado, no painel anterior, pelo Laymert Garcia dos Santos, nós vivemos hoje em um momento em que as discussões não podem ficar, somente, em torno das definições jurídicas. Isso porque tais questões envolvem as novas relações sociais, questões econômicas, sociais, etc. Até nos colocaria aqui uma limitação de, como juristas, tentar resolver o problema das limitações sem recorrer a outros campos do conhecimento. Nós, juristas, temos de nos debruçar sobre essas questões econômicas, sociais, porque senão, fica difícil entender a profundidade das questões envolvidas, por exemplo, no conceito de “pequeno trecho”. Então, a função social do direito de autor, nessa perspectiva mais ampla, abrange uma revisão da própria estrutura do direito. E as limitações compõem uma parte dessa estrutura.

As limitações, que nós vamos tratar neste painel, constituem uma das restrições ao direito de autor, que eu estou aqui chamando de restrições intrínsecas. O que são restrições intrínsecas? São restrições dentro do próprio sistema do direito de autor. Nessa perspectiva de função social do direito de autor, uma das restrições intrínsecas que teriam que ser revistas diz respeito ao próprio objeto da proteção.

Quer dizer, se hoje nós vivemos uma situação em que o direito autoral vem ampliando, cada vez mais, os seus braços, a ponto de virar a grande “mãezona”, como já disseram, pois, quando não se sabe como proteger uma criação, joga-se para o direito de autor... Todos sabemos a aberração que é proteger o software pelo direito de autor... O mesmo se pode dizer com relação à base de dados, direitos conexos de empresas de radiodifusão. Então, essa ampliação do objeto do direito de autor tem que ser revista. O mesmo se diga com relação ao prazo.

Existe uma limitação internacional, em matéria de tratados, até onde se pode chegar, mas o prazo que nós temos hoje é um prazo que levaria a um desenvolvimento cultural? Ele é um prazo muito longo? Ele é um prazo muito curto? As restrições extrínsecas, que já foram colocadas no painel anterior, envolvem os

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5 Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento

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conflitos do direito de autor com o direito do consumidor, o direito constitucional de acesso ao conhecimento e outros direitos constitucionais. Portanto, há outros direitos fundamentais que também seriam aplicados na interpretação do direito de autor.

Agora, então, eu passo à análise de alguns conceitos técnico-jurídicos, sobre como poderiam ser interpretados os dispositivos dos tratados internacionais e da nossa legislação de direitos autorais, em matéria de limitações. A Convenção de Berna, que é o grande tratado em matéria de proteção internacional de direitos autorais, traz a chamada “regra dos três passos”. Basicamente, diz o seguinte: “Fica reservada às legislações dos países da União, a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras”. E, então, nós temos os “três passos”, que teriam de ser atendidos. Não bastaria o atendimento de apenas um ou dois. Os três teriam que ser atendidos.

O primeiro deles, diz que a limitação cabe em certos casos especiais, desde que tal reprodução não prejudique a exploração normal da obra, nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor. Qual seria o sentido dessa frase, “certos casos especiais”? Como são princípios gerais, a interpretação permite muita coisa. Tradicionalmente, nós temos uma interpretação mais restritiva. Hoje, parte-se para uma interpretação mais aberta. Já existe uma certa movimentação nesse sentido. Eu vou até comentar, aqui, a respeito de um documento que vem sendo bastante discutido. Foi elaborado pelo Instituto Max Planck, de Munique, na Alemanha, que pretende fazer uma interpretação um pouco menos restritiva da “regra dos três passos”.

Por “certos casos especiais”, nós podemos entender que as hipóteses de limitação não podem ser amplas e genéricas, ou seja, elas teriam que ser definidas e limitadas, o que não significa (e isso é importante; esse ponto até já foi colocado no painel anterior) que não se possa regular limitações por meio de cláusulas gerais.

Falando de uma possível reforma da lei de direitos autorais, há que se verificar o melhor caminho para a regulamentação dessas limitações: se por meio de um rol taxativo ou se por meio de uma cláusula geral. E aí nós falamos, enfim, de forma de regulamentação. Na verdade, nós podemos ter até duas posições semelhantes, no sentido, por exemplo, de uma abertura dessas limitações, mas de pessoas que entendem que a maneira de regular isso deva ser diferente.

O “segundo passo” diz respeito a uma reprodução que não prejudique a exploração normal da obra. Aqui, nós cairíamos numa interpretação do que seria “normal”. O que é “normal”? Uma interpretação, vamos dizer assim, mais tradicional diria que exploração normal seria uma exclusividade de exploração que o autor espera, razoavelmente, poder realizar em condições normais, no momento de sua criação. E aí a idéia de “normal” como formas de exploração que tenham ou possam vir a ter considerável importância econômica ou prática. Dessa forma, não se poderia estabelecer uma limitação de fora que fosse injustificada a um mercado comercialmente relevante, exceto (aqui é importante frisar) se houver uma finalidade pública, quando, então, a limitação poderá ser imposta.

Foi instaurado um painel pela OMC, que foi constituído para analisar as limitações do Digital Millennium Copyright Act, dos Estados Unidos, que é uma lei norte-americana em matéria de direitos autorais em meios digitais. Qual foi o resultado desse painel? As principais conclusões foram as seguintes. Essa decisão surpreende, porque abre, dá uma certa abertura, que nós já vamos comentar, que está nesse último parágrafo, aqui, que está mencionado na apresentação. Basicamente, a decisão foi no seguinte sentido: que se deveria levar em consideração, não somente usos então existentes da obra, mas também seus usos potenciais. Todas as formas de exploração de uma obra, que tenham ou, provavelmente, venham a ter importância econômica ou prática considerável, deveriam ser reservadas ao autor. Mas, aqui, o ponto importante que está na decisão, diz o seguinte: “Nem todos os usos comerciais de uma obra necessariamente conflitam com sua exploração normal”. Isso resta evidente no caso da cópia privada. Por quê?

É possível defender que, em determinadas condições, a cópia privada não afeta a exploração normal da obra. Então, nós poderíamos dizer que, saber se uma utilização afeta ou não a exploração normal da obra significaria saber se tal utilização pode ser vista como substituta em relação à aquisição de um exemplar original. Então, a questão da cópia privada pode envolver uma série de situações (eu, aqui, elenquei algumas delas) em que não necessariamente nós poderíamos dizer que haja uma substituição à aquisição do exemplar original.

Para citar alguns exemplos: cópias feitas a partir de um exemplar original legitimamente adquirido pelo copista. Então, a pessoa que compra um CD e faz algumas cópias: uma, para deixar no carro; a outra, para deixar num outro lugar. Enfim, para não ter que transportar a obra original. Quer dizer, até que ponto isso substituiu a aquisição do original?

Um outro exemplo: a obra que não esteja sendo, efetivamente, explorada e que esteja esgotada. Ao se fazer uma cópia, é impossível adquirir o original, porque ele está esgotado. Reprodução para preservação

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do original, que é uma hipótese que, cada vez mais, vem crescendo, nesses projetos de digitalização de acervos, quando se digitaliza discos em vinil e a digitalização de acervos de maneira geral. Qual é o intuito aqui? O intuito é preservação. Por incrível que pareça, nossa lei de direitos autorais, no capítulo das limitações, não tem um inciso sequer falando da possibilidade de reprodução quando a finalidade é a preservação do suporte, muitas vezes porque ele vai se deteriorar.

Reprodução para utilização em outros formatos. Quem compra um CD e precisa fazer uma reprodução num outro formato, para que ele seja lido por um determinado aparelho. Então, em todas essas situações, não existe a substituição do original.

Desculpem. Eu pulei, aqui, o “terceiro passo”, que é o prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor. O que seria “prejuízo injustificado”? A justificativa, para uma reprodução, sempre teria de vir, de certa forma, de um interesse público. Se houver um interesse público, isso deixa de ser injustificado e passaria a ser justificado, o que nos leva, portanto, aqui, a uma questão que eu considero bastante importante, que é esse ponto do interesse público, que vai, de certa forma, sempre permear os “três passos” que nós vimos.

Até existe um guia interpretativo, da Convenção de Berna, que foi editado pela OMPI. Eu destacaria, aqui, um dos aspectos que foram abordados. É um guia interpretativo bastante restritivo. Tem um determinado ponto, que até está em destaque, que diz o seguinte: que não se deve, simplesmente, levar em consideração se o autor sofre ou não prejuízo qualquer, mas se o prejuízo é ou não injustificado. A justificativa, portanto, seria sempre uma questão de interesse público.

Comentando, aqui, rapidamente, aquele documento que eu disse que está sendo discutido, que foi elaborado por diversos professores da Europa e vem sendo divulgado pelo Instituto Max Planck… O que esse documento, na verdade, diz, que pode ser algo bastante importante, no sentido de uma ampliação maior, dentro da interpretação da “regra dos três passos”? Seria o seguinte: ele reconhece que os tribunais vêm aplicando essas regras, de forma bastante restrita; que a aplicação da regra dos três passos deveria atender à função social (isso foi mencionado expressamente pelo documento) do direito de autor; que a promoção do desenvolvimento cultural, ou seja, o interesse público à “regra dos três passos” não deveria ser um empecilho para que os países adotassem limitações com base em princípios gerais, desde que as hipóteses de incidência desses princípios possam ser razoavelmente previstas (e normalmente são), para a criação de novas limitações, desde que tivesse por base o interesse público. A “regra dos três passos” deveria ser interpretada de forma a não colidir com direitos fundamentais, como, por exemplo, direito à educação e outros que já foram aqui mencionados, e com a questão de interesse público, especialmente com relação ao desenvolvimento científico e cultural.

Eu passaria aqui, rapidamente (porque meu tempo já está se esgotando), para a questão da nossa lei. Nós não temos, aqui, tempo de entrar em detalhes de cada inciso das limitações na nossa lei de direitos autorais. O que eu acho relevante é o seguinte: essas hipóteses de limitação constituem um rol taxativo. São hipóteses que não deixam margem para interpretação. Não foram feitas na base de um princípio geral. Não existe, também, na nossa legislação um inciso que permita uma livre reprodução em casos envolvendo educação, pesquisa, ciência e qualquer coisa semelhante, da mesma forma como não existe um artigo que diga que o impacto econômico da reprodução deva ser levado em consideração.

Mas nós temos de lembrar que a “regra dos três passos”, da Convenção de Berna, foi “internalizada” pelo nosso sistema jurídico. Então, dessa forma, é possível fazer uma interpretação desse rol taxativo das limitações, com base na “regra dos três passos”. Quer dizer, a “regra dos três passos” tem de funcionar, também, como orientação, no momento da interpretação das limitações estabelecidas pela nossa legislação.

Existem algumas questões a respeito da cópia privada, que me parece o inciso mais polêmico da lei de direitos autorais. Eu vou falar aqui muito rapidamente. Algumas associações vêm interpretando a questão da cópia privada. [Vêm interpretando] o inciso, porque, na verdade, nós não temos a permissão da cópia privada, aqui no Brasil; na verdade, nós tínhamos isso na nossa lei anterior, que dava possibilidade de se fazer uma cópia integral de um único exemplar, sem intuito de lucro. Quando vem a lei de 1998, ela fala apenas de “pequenos trechos”, ou seja, da possibilidade de se fazer cópias apenas de “pequenos trechos”. Há toda uma polêmica, que já foi até levantada no painel anterior, de qual seria a extensão de “pequenos trechos”.

Há algumas tentativas de quantificação, inclusive projetos de lei trabalhando nessa linha da quantificação do “pequeno trecho”. Há outras tentativas de interpretar isso de forma bastante restrita, como, por exemplo, quando a lei fala que a cópia teria de ser feita pelo copista (uma interpretação bastante restritiva, no sentido de que só o copista é que poderia fazer essa cópia). Ou seja, num país como o Brasil,

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onde a cópia normalmente é feita por empresas, pequenas empresas, localizadas nas universidades, de xerox, isso não seria permitido, isso violaria, não estaria de acordo com esse inciso da lei de direitos autorais.

Contra essa questão, eu gostaria de mencionar que o IDCID, que é o Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento, do qual eu fiz parte… Nós tivemos um projeto, que, inclusive, foi financiado pela Fundação Ford, em que nós movemos uma ação civil pública contra uma dessas instituições, pelo abuso na interpretação, que levou a esta situação que nós temos hoje: de uma proibição total da cópia. Total. Nem de pequenos trechos. Nessa ação, o que se pedia era que a lei fosse respeitada e um pouco mais: com base nessa interpretação de que a “regra dos três passos” seria aplicada diretamente, aqui no país, juntamente com o rol taxativo das limitações, que a população considerada carente, do País, que representa mais de 60% (ou seja, nós estamos aqui falando de uma população que não teria condições de se alimentar e, ao mesmo tempo, comprar livros) ficasse liberada da reprodução integral, porque é uma parcela da população que está fora do mercado. Se um dos princípios da “regra dos três passos” é, justamente, a questão do impacto econômico, e reprodução integral, por parte dessa população, principalmente num país em desenvolvimento, como o Brasil, não representa um impacto econômico para os titulares de direitos autorais.

Existem alguns projetos de lei tratando de limitações. Um deles foi proposto pela ABPI, há alguns anos. O caminho que foi sugerido, naquele momento, era de princípios gerais. A intenção era aumentar as hipóteses de limitação, regulando-as por meio de princípios gerais. Trata-se de um projeto que foi bastante discutido. Existem outros projetos de lei. Um deles, tentando quantificar o pequeno trecho. Eu não lembro agora qual é o percentual. Não lembro se é 15% ou 20%. Existe, também, um projeto de lei, bastante avançado, do Deputado Júlio Lopes, que simplesmente proíbe qualquer tipo de cópia nas universidades.

Então, com isso, eu gostaria de encerrar esta apresentação, novamente chamando a atenção para essa questão do conteúdo das limitações, que é uma questão bastante importante. Também, com relação aos possíveis caminhos que poderiam ser seguidos, em termos de formas de regulamentação: se por meio de princípios gerais ou de um rol taxativo. Obrigado.

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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE MARREY LUIZ PERES JR.6

Boa tarde. Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer o convite que nos foi feito pelo Marcos Alves de Sousa, do Ministério da Cultura, para poder participar deste evento, e dizer que acho que eu vou ser um hiato, entre tantos advogados tão brilhantes, tantos causídicos, que nos trazem tanta informação nova, no sentido de colocar alguma coisa da vida prática, de quem tem familiar deficiente visual, e comentar uma das exceções da lei, que, justamente, eu acho que a gente não precisa nem de alteração de lei, nem de muita coisa, de muita discussão, para colocar em prática.

O que eu aprendi, desde que entrei em contato com o Ministério, no ano passado, quando encaminhei o primeiro estudo da gente, que, aliás, está na íntegra, nos anais do seminário (quem quiser, depois, pega), é que a lei é suficiente para a gente promover uma certa inclusão do deficiente visual no cenário cultural, pelo menos no que diz respeito a literatura. O que falta é uma regulamentação dessa lei, para que as editoras e os detentores dos direitos autorais, que nem sempre são o autor, mas os fiéis guardiões e depositários do direito autoral liberem essas peças para que o deficiente visual possa ter acesso a essa cultura.

Eu sou engenheiro, formado pela USP, mas, além disso, sou também militante ecologista, há muito tempo, e militante na área de deficientes. Então, eu vou começar com uma discussão que era muito presente, para nós, na época do Movimento Arte e Pensamento Ecológico, aquela coisa toda, que é o que a gente entende por uma política. A gente não vê condições de se fechar um assunto complexo, como é, por exemplo, o da inclusão social do deficiente visual, sem pensar globalmente, antes, para poder agir localmente, depois.

Por pensar globalmente a gente entende que… (Eu gostaria de saber se há algum deficiente visual na platéia. Não. Se houvesse, eu iria descrever as figuras.) ... mas a gente pensa o seguinte, com relação à definição de uma ação política global: a definição de uma ação política específica deve ser precedida de uma reflexão sobre como situar essa ação de forma global. Então, a gente não consegue, só falando com a editora, falando com o autor do livro ou com a escola ou com o Legislativo ou com o Ministério da Cultura, resolver a questão da inserção social do deficiente. Isso é algo que tem de ser pensado, num contexto mais global, do ponto de vista político. Sem pensar isso de forma global, a gente corre o risco de apontar para ações descoordenadas, cuja conseqüência se perca no varejo das nossas vidas e emoções diárias, sem promover o necessário conjunto de mudanças de atitude, com caráter duradouro e com potencial de mudança efetiva na vida das pessoas. Vamos exemplificar isso.

Vamos, primeiro, pensar globalmente, para, depois, propor uma ação local, muito específica. Vamos falar sobre assistencialismo versus promoção social, que são duas coisas completamente diferentes, obrigação versus motivação, sobre a característica multidisciplinar do fato cultural, principalmente quando a gente vai pensar nesse tipo de inserção social, e vamos falar, no fim, sobre a inclusão social do deficiente visual stricto sensu.

Começando a pensar globalmente, assistencialismo versus promoção social: o assistencialismo é aquilo que a gente faz quando existe um perigo de aquela população alvo perecer, por exemplo, morrer de fome. Você leva alimento para uma população que foi flagelada por um terremoto. Isso é um assistencialismo. Isso não pode ser, e muitas vezes é, tido, na política brasileira, como uma solução última. Isso nos traz uma série de resultados nefastos, como o clientelismo político e um monte de outras coisas que eu acho que a gente quer ver afastadas da prática política deste País.

Por outro lado, existem outras atitudes, nas quais você promove socialmente o seu usuário, a sua população alvo. No caso do deficiente visual, o que ele precisa não é de uma exceção de vez em quando, não. Ele precisa de uma oportunidade, de uma mudança cultural, ele precisa de autonomia e ele precisa de inserção social. Para isso, ele precisa trabalhar. E nós temos de ter a nossa atenção e a nossa ação para lhe tirar as barreiras de acesso, no meio do caminho.

Continuando, a gente tem duas formas de fazer um burrico subir uma montanha: ou você vai atrás, empurrando o burrico e levando coice, ou você dá uma cenoura para ele, lá embaixo, leva outra cenoura lá em cima, abana, e ele vem, sozinho.

Certo? Isso a gente acha que tem de ser, também, um dos preceitos políticos, quando se pensa a inserção do deficiente.

A gente pode tentar obrigar a sociedade e os deficientes visuais a estabelecerem um relacionamento com algum viés de inclusão social ou podemos motivar a sociedade a acolher esse cidadão de forma produtiva, bem como motivar os deficientes a participar da sociedade. Como? Estudando, trabalhando, consumindo produtos culturais e produzindo cultura. Ele só vai poder produzir cultura se ele tiver acesso a esse bem cultural.

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6 PG&A Consultoria e Serviços

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Outra coisa: existe uma característica multidisciplinar em tudo aquilo que a gente faz. Isso é inegável. Isso já apareceu aqui, na Mesa anterior, apareceu agora. Não dá para pensar cada coisa isoladamente. No Brasil, a gente ainda trata a cultura de forma departamentalizada, como se a gente conseguisse juntar, em algum lugar, “n” cátedras, somar aritmeticamente isso e construir um conhecimento integrado. A gente sabe que não é bem assim. No Brasil, a gente tem isso se refletindo até na própria estrutura de Governo.

Então, uma das coisas que a gente quer levantar é que é super louvável, a gente acha muito boa a iniciativa do Ministério da Cultura de promover esse debate, mas esse debate só tem conseqüência final se envolver o Ministério da Justiça, porque é uma questão de cidadania, e todos os outros Ministérios, da Educação, do Trabalho, do Planejamento etc. Então, é tudo aquilo que a gente precisa para tirar as barreiras de acesso. Uma das grandes barreiras de acesso à cultura que o deficiente visual tem não é privilégio dele. É a situação econômica, que impede não só o deficiente visual, mas uma boa parcela da população brasileira de ter acesso aos meios de cultura.

Terminando essa parte do pensar globalmente, vamos falar sobre a inserção social do deficiente visual. Uma coisa de que eu não sei se todo mundo já se deu conta (eu, há 21 anos e 11 meses, me dei conta disso): a maior parte da informação que circula na sociedade atual é de conteúdo visual. Assim sendo, da mesma forma que o maior problema a ser equacionado para a inclusão do deficiente físico que se utiliza da cadeira de rodas para a sua locomoção é o acesso às ruas, ao transporte e aos edifícios, a maior barreira (senão, uma das únicas) a ser equacionada para a inclusão social do deficiente visual é o acesso à informação, que, na sua maior parte, é escrita e visual. Portanto, ela é silenciosa. Ele não escuta. Ele não tem acesso a essa informação.

Devido à grande quantidade de informação visual que existe nas obras de produtos culturais, muitas vezes, vai ser necessário (isso é experiência nossa)… Se pegar um livro didático com um monte de figura no meio, para adaptar para um deficiente visual, você vai ter de descrever aquelas figuras, você vai ter de atuar como co-autor daquela obra, antes de passá-la para uma mídia que seja acessível àquele deficiente visual.

Vamos pensar agora como a gente faz para agir localmente. A literatura nem sempre exige um alto grau de adaptação. Ela demanda, geralmente, apenas que a sua reprodução seja disponibilizada (aí, abre aspas) “mediante o sistema braile ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários”. Isso está na lei. Isso não precisa ir para a lei. Faz parte da lei de direitos autorais. Assim sendo, para a gente poder colocar isso em prática, o que a gente precisa? A gente precisa ter acesso ao conteúdo, muitas vezes, eletrônico, dessa informação, para poder passá-lo para braile.

Ali, naquela figura, eu coloquei um livro, que um autor amigo nosso nos deu. Nós compramos um livro e conhecemos o autor da obra. Ele nos deu um CD com o texto do livro dele, que foi passado para braile, para a minha filha poder ler. Aquele livrinho ali deu origem àqueles três tomos; cada um deles, com cem folhas. Quer dizer, passar uma obra para braile não é trivial. Pelo amor de Deus, não vamos tentar, aqui, agora, chegar às editoras e pedir para elas disponibilizarem um exemplar de cada obra escrito em braile, porque a gente vai acabar com a Floresta Amazônica, e não vai conseguir imprimir tudo. Pior do que isso: não vai haver população de deficientes visuais para ler tudo isso.

O mais racional seria regulamentar esse dispositivo da lei, fazendo com que as editoras disponibilizassem para quem tiver interesse nisso, para o deficiente que se cadastrar ou que tiver o apoio de alguém que possa imprimir aquela obra para ele ou tiver acesso a um computador que leia aquela obra para ele, a mídia ótica ou um pendrive. Dentro de um pendrive cabem de dez a onze mil livros como aquele. Certo? Então, não precisa queimar a floresta inteira para fazer livro. O que a gente precisa é disponibilizar o arquivo. É um arquivo depenado, em formato texto (.txt), sem formatação nenhuma, que pode ser impresso por uma impressora como, por exemplo, a que nós temos em casa como, por exemplo, os CAPEs, que são os Centros de Apoio Pedagógico, que os Governos Estaduais têm, por aí, para auxiliar as escolas que possuem alunos especiais. Importante: o Ministério da Cultura já está trabalhando na regulamentação dessa parte do projeto à lei. Nós, população-usuária, aguardamos ansiosamente, porque o que a gente passa, o que a gente perde de tempo, brigando com editora que não quer ceder o arquivo do livro, para a gente poder printar em braile, é incomensurável. E é uma coisa que… A tecnologia já passou por cima disso. Se as editoras não nos derem, a gente vai escanear, reconhecer caractere e imprimir, do mesmo jeito. Então, eles só vão conseguir atrapalhar. Não vão conseguir impedir o acesso à cultura, pelo menos para uma diminuta parcela dos deficientes visuais, que tem condição de fazer isso sozinha, que tem autonomia para fazer isso.

Ainda como forma de propiciar a inclusão social desses usuários, se houver a cobrança do material entregue, que seja cobrado, mas que o preço seja, para o deficiente visual, em braile ou em formato digital,

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no máximo, o mesmo que é cobrado pelo produto no varejo. Ninguém está dizendo que precisa dar de graça para todo mundo, nem tutelar. Chega de assistencialismo. Mas vamos fazer com que ele tenha, mesmo que seja impresso em braile, daquele tamanho todo, de pagar 50 reais pelo livro, não 570, como já me pediram, para transcrever em braile. Se houver a necessidade de identificar usuário, pessoa física que pode solicitar esse tipo de material, pode ser criada uma identificação que seja nacional. Uma carteira de identidade do deficiente visual, como existe, por exemplo, no Canadá.

No Canadá, existe a carteirinha. O sujeito é legalmente cego, e ele tem determinados direitos preconizados e defendidos pela lei. Por que isso? Porque o deficiente visual também não é santo. A gente conhece um monte deles. É capaz de cair um livro na mão dele, ele piratear esse livro e vender para outras pessoas. Então, que seja dado a ele o direito de acesso à cultura e a responsabilidade inerente ao material que ele está recebendo.

Só finalizando, nós esperamos que o acesso à literatura e aos escritos, por meio não apenas da impressão das obras em braile, mas também por meio do fornecimento dos arquivos eletrônicos ou em mídia ótica, seja facilitado para essa população de cidadãos brasileiros. Certamente, a sociedade brasileira possui um longo caminho pela frente. Isso dá para ver, pelas nossas discussões aqui. Por favor, vamos regulamentar isso, antes de tentar mudar a lei como um todo, até fazer valer os direitos, que são direitos humanos, de inclusão dessas pessoas deficientes. Porém, como dizia o poeta, toda viagem, por maior que seja, começará sempre pelo primeiro passo que a gente conseguir dar. Obrigado.

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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE PABLO ORTELLADO7

Em primeiro lugar, queria agradecer o convite, dar boa tarde a todos. Eu fiquei muito tentado, aqui nessa seqüência de exposições, à qual o Guilherme ofereceu um panorama das limitações e exceções da Lei de Direito Autoral, com foco na regra dos três passos, definida pela Convenção de Berna. Depois, a gente teve explanações sobre limitações para deficiente visual. Eu fiquei tentado a falar um pouco das limitações relativas aos usos educacionais, que é um problema a que nos diz muito respeito, na universidade, que tem grandes implicações. Inclusive, o ponto para o qual o Guilherme chamou a atenção, o ponto nevrálgico, da parte do artigo sobre limitações e exceções à nossa lei. Ele é o centro das nossas discussões, aqui.

Apesar disso, como nós temos uma Mesa especificamente dedicada a esse tema, eu vou me conter, eu vou fazer uma abordagem mais geral a respeito do problema das exceções e das limitações, de uma perspectiva, evidentemente, não jurídica, até porque eu acho que, nesse assunto, é o caso. Então, o que eu pretendo fazer é o seguinte: em primeiro lugar fazer uma generalização histórica, de certa maneira abusiva, como toda generalização, sobre as diferentes funções e reinterpretações, nesse conjunto, complexo e um pouco heterogêneo, das leis de direito autoral, de tradição continental e da tradição anglo-saxã.

Apesar dessas diversidades, eu acho que dá para se pensar em três grandes etapas nas quais elas são interpretadas com algum nível de generalização, um pouco abusiva, mas nem tanto, mas defensável. Eu gostaria, primeiro, de resgatar como, no meu entender, essas leis de direito autoral foram vistas, desde a sua constituição, com as primeiras leis, na Inglaterra, 1710, nos Estados Unidos e, em seguida, na França, e vigoravam no século XIX. Em seguida, como elas passaram a ser lidas no século XX e como elas passam a ser relidas. Como isso é uma generalização, provavelmente essas são idéias tipos ideais que não se conformam se a gente for analisar caso a caso, mas que permitem a gente pensar uma evolução na forma como se vê o direito autoral.

Em seguida, eu queria chamar a atenção para o papel das limitações e exceções da Lei de Direito Autoral, a partir dessa evolução e do papel que ela desempenha no dia hoje, nos novos fatos, trazidos pelas circunstâncias tecnológicas, que a gente vê.

Então, começo pelo primeiro ponto, que é o seguinte: eu gostaria de argumentar que, no início da sua constituição até uma boa parte do século XIX, era claro que as leis de direito autoral, nessa sua diversidade geográfica e de tradição de direito continental anglo-saxão, tinham uma finalidade pública. Essa finalidade pública parece, se a gente prestar atenção, sistemática, sobre alguns pontos. Em primeiro lugar, na finalidade expressa nos preâmbulos das leis. Isso, mais especificamente, no caso anglo-saxão, em que se diz que as leis de direito autoral devem promover as ciências e as artes, por meio dos estímulos ao criador. Isso aparece na primeira lei, inglesa, aparece na Constituição americana, aparece menos no caso francês, que, na verdade, é mais excepcional, mesmo no caso do direito continental. E aparece noutros exemplos de leis européias continentais.

Em segundo lugar, nós temos uma finalidade pública no direito autoral. O direito autoral busca estimular o criador, concedendo um monopólio de exploração exclusiva, por um período delimitado, mas com a função de trazer mais riqueza cultural para a sociedade. Então, nós temos, aí, um elemento de estímulo privado, mas esse estímulo privado atende uma finalidade pública, que é aumentar a diversidade e a riqueza de bens culturais, científicos e artísticos disponíveis na sociedade.

O segundo elemento que a gente percebe… Isso é, evidentemente, na limitação do prazo de proteção, que era, originalmente, muito menor do que os prazos aos quais a gente está acostumado hoje em dia, que estão na casa dos 50 anos após a morte do autor ou 70, em alguns lugares, como aqui no Brasil. As primeiras leis de direito autoral protegiam… A primeiríssima, que é a inglesa, protegia por 14 anos. Depois, a americana importou esses prazos. Depois, a gente teve uma expansão, em particular, a partir do caso francês.

Mas a própria idéia de limitação impõe uma finalidade pública. A partir do momento em que o autor foi estimulado, já, a receber, digamos, ganhos, para atender a… Ele já foi estimulado, já produziu, já recebeu os ganhos, para compensar aquele estímulo.

A partir de então, a sociedade deve fruir, livremente, daquele bem, porque é essa a finalidade última do direito autoral.

Em terceiro lugar, essa função pública aparece, também, na idéia de que o sistema de direito autoral emancipa o discurso científico, literário, político, do sistema de patronato, no qual os criadores, antes desse sistema, submetiam a um grande patrono, ou seja, a um indivíduo muito rico ou mesmo o Estado. Dessa maneira, prestavam homenagem, por meio da sua obra. Nessa relação, ele submetia a sua liberdade,

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7 Grupo de Pesquisa de Políticas Públicas para o Acesso à Informação / USP

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artística, científica, política, a esse patrono. O direito autoral foi visto (isso, amplamente documentado; aparece muito nos textos do século XIX) como uma espécie de pulverização desse financiamento da atividade criadora, que emancipava o discurso desses patronos que controlavam o pensamento político, artístico, criativo, literário etc.

O quarto elemento, em que se vê essa função pública do direito, é exatamente uma distinção entre idéia e expressão. A distinção entre idéia e expressão, de que o direito autoral protege uma determinada expressão do pensamento. Mas a idéia pode circular livremente sob outras formas, foi claramente definida, para se garantir o debate público, de maneira que alguém que expressasse uma determinada idéia, sob uma determinada forma, não impedisse que essa mesma idéia, expressa com outras palavras, pudesse circular no debate público. Então, você tem aí, já, nessa distinção, uma garantia da esfera pública e o debate público.

Por fim, aparece no tema desta Mesa: são as exceções e limitações, que, acredito eu, não devem ser vistas como uma série de pequenos parênteses nas leis de direito autoral. Elas formam um todo coerente. Se vocês lerem o conjunto, que está na nossa lei, está na lei espanhola, na lei francesa, elas não são pequenos parênteses. Pega a própria Convenção de Berna: não são parênteses. Elas são casos que compõem um todo coerente. Elas dizem respeito, por exemplo, ao debate público: discursos proferidos publicamente não são protegidos; sentenças de tribunais não são protegidas; leis e normas não são protegidas; descrição de fatos correntes, em jornais, têm uma limitação.

E dizem, também, respeito ao que a gente pode chamar de instrução pública, para usar um termo geral, no sentido da formação educacional; do desenvolvimento científico; do desenvolvimento artístico, que estão nas limitações e exceções, que dizem respeito a cópias em bibliotecas; usos educativos de conteúdo; incorporação de trechos de obras ou, às vezes, obras inteiras, num processo criativo subseqüente; obras que são dispostas publicamente, no caso, por exemplo, de esculturas (então, você tem uma limitação para elas, também); e a própria limitação para citações, que garante o exercício da crítica.

Esses formam dois conjuntos, que eu chamei, talvez indevidamente, instrução pública, nesse sentido amplo, e outras que garantem o debate público. E esses conjuntos de exceções e limitações, articulados com a distinção entre idéia e expressão, a função emancipatória do direito autoral, limitação no prazo de proteção e as próprias finalidades, expressas nos preâmbulos, mostram que esse direito autoral foi pensado como uma função pública.

Em seguida, no entanto (eu estou trabalhando aqui com uma certa generalização), com o desenvolvimento da indústria cultural, essa visão do direito autoral acabou muito subordinada, corrompida ou substituída por novas interpretações. O direito autoral foi visto, basicamente, como forma de garantir retorno de investimentos. Então, ele era um monopólio dado ao detentor do direito, de maneira que ele investia na publicação de um livro e, mais tarde, numa obra fonográfica ou num filme. E aquele monopólio de exploração exclusiva garantia rendimento suficiente, de maneira que ele tivesse o retorno dos seus investimentos, porque, se ele competisse livremente no mercado, não justificaria o investimento que ele colocaria aí. Esse tipo de leitura está incorporado nas reformas que nós vemos, principalmente no final do XIX, mas mais no século XX, quando a gente tem a expansão do termo de proteção, que chega a esse prazo, a que eu já fiz menção, e a ampliação do escopo da proteção: ela incide sobre novos objetos.

Originalmente, o direito autoral foi pensado para regular o mercado de livros. Depois, expandiu-se para mapas. Depois de mapas, para partituras. Assim sucessivamente, até chegar a software, bases de dados e coisas do gênero. Ele foi ampliando os objetos que ele passa a proteger. Passou a se proteger obras derivadas, traduções, adaptações, direitos conexos, direito de difusão, de interpretação de uma obra.

Então, o direito autoral foi ampliando, digamos, o seu escopo e o seu prazo de duração. Isso estava articulado com uma nova função que lhe foi dada, dentro das indústrias culturais.

Por fim, nessa minha generalização (sempre lembrando), mais recentemente, com o fenômeno da Internet e o uso difundido de cópias, por meio da sociedade, que está trocando, principalmente música, vídeo e texto, livremente, começou a prevalecer uma interpretação do direito de troca, uma espécie de equilíbrio. Às vezes, remete-se isso ao século XIX, mas eu acredito que é uma interpretação bastante recente. Nessa interpretação mais emergente, pensa-se o direito autoral como um equilíbrio entre o interesse privado e o interesse público (o interesse privado, de garantir o direito de propriedade, e o interesse público, de garantir a liberdade de expressão, o direito à educação, o direito à cultura). Direitos igualmente fundamentais, no nosso regime constitucional.

Nós não estamos falando de um… Nós estamos falando de direitos igualmente fundamentais. Está lá o direito de propriedade assegurado, mas está também garantida a liberdade de expressão, o direito

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de educação, no art. 205, direito à cultura, art. 215, e assim por diante. Então, essa é uma leitura que está muito vinculada a um novo fato social, que é a livre troca de informação, sem fins comerciais, que a sociedade tem feito numa escala inimaginável vinte anos atrás e que o direito precisa acompanhar, precisa entender e precisa responder.

Para vocês terem uma idéia, eu produzi com o pessoal do nosso grupo um dado que, seguramente, vocês nunca… Eu nunca vi. Depois eu posso até contar como a gente fez, metodologicamente. É uma estimativa sobre a quantidade de arquivos trocados na internet, por meio de rede P2P, no Brasil. Esses dados não são públicos. São dados de tráfego. Os provedores de internet têm esses dados, e eles não compartilham. Mas existem outros dados, mundiais. A gente pegou um pouco dessas tendências mundiais e aplicou ao volume de tráfego no Brasil. A gente consegue ter uma estimativa, para vocês terem uma idéia, desse número de músicas, filmes e livros que são compartilhados na internet, no Brasil. Normalmente, esse tipo de dado é apresentado (vocês seguramente já viram) como impacto para a indústria, pirataria, violação.

Eu os convido a interpretar esses dados do ponto de vista do acesso à cultura. Imaginem a quantidade abismal de informação que está sendo disponibilizada ao público, na forma de música, na forma de filmes e na forma de livros. Eu já menciono aqui os direitos de propriedade. Mas pensem do ponto de vista do acesso à cultura, do acesso à informação, o que são 2 bilhões de faixas compartilhadas no ano de 2006, 87 milhões de filmes, 58 milhões de livros sendo compartilhados. Nós não estamos falando de pirataria, pequena indústria, ligada ou não ao crime organizado. Nós estamos falando de pessoas compartilhando, sem fins comerciais. Elas estão trocando arquivos, fora do mercado. Nós temos esses números expressivos. Esses 2 bilhões de faixas é alguma coisa como dez vezes (possivelmente, mais do que dez vezes; estou fazendo, aqui, as contas de cabeça) o número de CDs vendidos pela indústria. Esses são os dados de músicas, fornecidos pela ABPD, DVDs da União Brasileira de Vídeo e a Câmara Brasileira do Livro, para livros, nos anos, que vocês viram.

Então, nós temos um volume de informação enorme, ao qual as pessoas não têm acesso por outro meio, a que elas estão, finalmente, tendo acesso, por mecanismo de compartilhamento extramercantil. Obviamente, pode-se objetar que essa pequena troca está restrita a uma elite, a um pequeno grupo. É a população brasileira que tem acesso à internet. Acho que é uma objeção real.

Estes aqui são os dados que nós temos do levantamento do CGI sobre o acesso à internet, no Brasil. O gráfico de cima é o acesso à internet. O gráfico de baixo, acesso doméstico à internet, são pessoas que têm computador ligado à internet. O último, acesso com banda larga, doméstico. O que eu convido vocês, também, a pensar é projetar esses gráficos daqui a cinco anos, quando nós estaremos próximos a um processo de universalização do acesso à internet. Talvez, mais. Talvez, daqui a dez anos, quando os benefícios dessa livre troca extramercantil (vamos deixar de lado a preocupação com os interesses privados, dos quais eu já trato, em seguida) serão estendidos à maior parte da população brasileira. Nós teremos essa população tendo acesso, finalmente, a uma quantidade enorme de CDs, coleções inteiras de autores clássicos, de boa música, e de má música, também (infelizmente).

Agora, para concluir, falando um pouco dos prejuízos alegados, para os autores: vocês, provavelmente, já devem ter visto gráficos como este. Isso foi retirado do relatório da IIPA, International Intelectual Property Alliance, que é a coalizão de empresas de direito autoral dos Estados Unidos, que, por meio de um mecanismo espúrio, chamado Relatório Especial 301, faz uma política de punição, digamos, de comércio exterior, para países em desenvolvimento que não tratam a propriedade intelectual como os Estados Unidos acreditam que deveria ser tratada.

Pois bem, no relatório da IIPA de 2008, nós vimos um balanço da perda alegada como pirataria, no Brasil. Essa perda alegada é em milhões de dólares. São esses valores, da indústria fonográfica, audiovisual, software, jogos e livros. E o percentual ocupado pela pirataria. Como se chega a esses números? Como se estima? A pirataria é um fenômeno que, por sua própria natureza, não é transparente, não é pesquisável por meios metodológicos, as pessoas não respondem entrevistas nem questionários, e assim por diante. Como se chega a esses números de 334 milhões de dólares de perda? Chega-se, da seguinte maneira: eles têm um apêndice metodológico, ou supostamente metodológico, no qual eles descrevem a metodologia. Está aqui. Eu vou disponibilizar. Vocês lêem. Mas eu sintetizo como ela é feita, na prática. Ele está descrito em linguagem evasiva. Na prática, ela é feita da seguinte maneira: eles coletam a apreensão de mídias virgens. No caso de áudio e de vídeo, de CDs e de DVDs, por meio de relatórios de apreensão da Receita Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Civil, somam o número de mídias, por exemplo, de CDs virgens

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apreendidos, multiplicam pelo preço da média de mercado (por 20 reais) e chegam àquele valor que vocês vêem ali, 334 milhões de dólares.

Qual é o problema metodológico? Há um monte de problemas metodológicos. O primeiro problema metodológico é que não existe nenhuma relação entre o que é apreendido e o que existe, efetivamente, no mercado. Eu posso ter apreendido 10% do mercado, 100% do mercado, 90% do mercado. A apreensão policial e o que permanece no mercado não têm nenhuma relação. Nós não sabemos, daquelas mídias brancas apreendidas, o que foi tirado de circulação do mercado. Não existe uma relação direta. O pressuposto implícito é que aquilo é 50%, mas isso é um chute. Obviamente, multiplicar isso pelo preço de mercado, que é como eles fazem, eles consideram a elasticidade, por fenômeno de elasticidade. Obviamente que as pessoas compram 20 CDs a 5 reais porque eles são 5 reais. Se eles fossem a 30 reais, eles não compravam 20 CDs. Eles compravam 1 ou 2. Está escrito que não é feito, mas estar escrito que não é feito não torna essa opção metodológica válida. É um tipo de metodologia que jamais seria aceita, por exemplo, num ambiente acadêmico. Ela seria muito primária. Seria descartada como excessivamente primária.

De maneira que a verdade é que nós não sabemos qual é o impacto da pirataria. Ela causa danos ao direito de propriedade? Seguramente, ela causa danos aos detentores de direitos, à indústria. Em que medida? Nós não sabemos. Esses números, aqui, não servem para absolutamente nada. Eles são um palpite, muito pior que o meu. Aquele dado que eu pus aqui também é um palpite, mas é um palpite metodológico com muito melhor do que este apresentado. Se nós olharmos o faturamento global da indústria fonográfica, por exemplo (este aqui é um dado da IFPI), a gente vê que o faturamento da indústria fonográfica é decrescente, mas ele não é decrescente ao ponto de a indústria estar desaparecendo. Vocês podem ver por si mesmos. Verão números semelhantes no resto da indústria, digamos, de direitos autorais.

De maneira que [o fato para o qual] eu gostaria de chamar a atenção é que essa nova leitura é dada por um fato. Ela não é uma teoria de que se deve passar à livre troca de bens, fora do mercado. Isso é um fato estabelecido. É assim que a sociedade… As pessoas trocam. As pessoas têm, na sua casa, grandes coleções de CD, grandes coleções de vídeo. Isso é um fato social que não pode ser… Todas as tentativas repressivas têm falhado bastante, têm falhado clara, flagrante e sistematicamente.

Então, nós temos uma situação de haver grandes benefícios ao exercício dos direitos de acesso à educação, de acesso à cultura. E nós temos alguns prejuízos ao exercício do direito de propriedade, cujo tamanho, seguramente, não é o alegado, cujo tamanho efetivo nós não sabemos, mas, provavelmente, por outros indícios, eles não estão comprometendo a existência dessa indústria. Então, se nós pensarmos que nós estamos tratando com direitos igualmente fundamentais, que é o direito de acesso à cultura, acesso à educação, ao desenvolvimento científico, de um lado, e direito de propriedade (e nós pusermos esses direitos fundamentais na balança), nós temos um enorme benefício e um dano que, possivelmente, é pequeno. A bem da verdade, nós não sabemos quantificar exatamente.

Dessa maneira, nesse processo que se anuncia, de reforma da Lei de Direito Autoral, parece-me absolutamente oportuno (por isso, eu concluo com uma proposta) nós (não apenas na parte relativa a exceções e limitações da Lei de Direito Autoral) adequarmos a nossa lei a esse novo fato histórico, que já está consolidado, que é uma prática da sociedade. Não há meios de se voltar atrás. Isso pode, adicionalmente, ser atendido por meio de outros recursos: licenciamento compulsório, outros tipos de limitação do tempo. Nós podemos, por exemplo, retornar ao limite… A Berna os impõe um limite de proteção de 50 anos após a morte do autor. Por que nós estamos com 70? Por que nós não discutimos voltar para o prazo de 50? Não existe nenhum impedimento internacional que nós façamos… Isso é uma decisão da sociedade brasileira. Ela precisa ser colocada. Aliás, eu estou colocando, efetivamente. Eu acho que nós temos um conjunto de medidas que nós podemos tomar, nesse processo de reforma legislativa, de maneira a atender o interesse público e o interesse de acesso à educação, à cultura e ao desenvolvimento científico. Obrigado.

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MESA 3MEDIDAS TECNOLÓGICAS DE PROTEÇÃO

TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE MARCELO BECHARA8

Boa tarde a todos, é um grande prazer estar aqui em São Paulo, dentro da Universidade, discutindo um assunto de relevância na Academia, que eu acho que esse que é o lugar onde realmente os grandes debates acontecem e têm acontecido, não é só em grandes hotéis não, é dentro da academia. E gostaria de agradecer imensamente o convite do Ministério da Cultura, mais uma vez o Ministério da Cultura mostra que tem uma gestão efetivamente democrática, com participação e debate. Realmente é uma gestão que tem trazido ao debate não só aqui em São Paulo, mas em todo o Brasil, uma série de eventos que eu já participei, que eu acompanho, eu acho que isso é fazer democracia.

Bom, eu vou fazer uma apresentação a respeito do chamado DRM, ou Digital Rights Management, Gestão Digital dos Direitos Autorais. Antes de eu iniciar a minha apresentação, eu queria fazer um pedido a todos, inclusive a mim mesmo, de que a gente nos ativesse a alguns aspectos práticos e objetivos. Muitas discussões que envolvem principalmente o Direito Autoral, assim como já aconteceu no passado com o software livre, elas vêm trazidas com muitos princípios ideológicos, filosóficos, às vezes até levado para o lado religioso da coisa.

E eu queria tentar trazer isso para dentro de uma realidade mais prática, do direito, da Lei e das questões envolvendo mercado e usuário. O Direito Autoral, ele infelizmente é muito visto como um direito repressivo. A gente sempre quando liga um DVD tem até escrita lá aquela mensagem que eu vou ser preso, que vão invadir minha casa, que se você é pirata, etc. Então, o Direito Autoral ele é visto pela sociedade, até da forma como é divulgado de uma forma repressiva, é um direito repressivo, e na verdade não é, não deveria ser assim. Então, toda vez que se fala em proteção autoral, sempre está parecendo que se está tirando o direito individual, sempre está parecendo que se está tirando o direito de alguém de ter acesso a alguma coisa.

E eu queria fazer uma proposta para a gente, que a gente tentasse refletir como que a gente consegue equilibrar esses direitos, tentar usar o bom-senso. Eu tinha um professor de Direito que falava assim: “Marcelo, quando a Lei não ajudar, quando a jurisprudência não ajudar, quando o direito comparado não ajudar, usa o bom-senso”, está bom? Então vamos lá.

Passando aqui para o primeiro ponto, seria então o DRM o termo genérico em inglês para significar a gestão na prática da propriedade intelectual em meios digitais, eu acho que é um tema conhecido da maioria de vocês. E também o TPM, que muitas mulheres estão pensando que é uma outra coisa, mas na verdade é o Technological Protection Measures, que são os mecanismos e ferramentas tecnológicas de proteção. E finalmente eu gostaria só de mencionar que toda vez que se fala DRM, TPM, a primeira palavra sempre vem bloqueio, alguém vai me impedir de fazer alguma coisa.

Eu fui convidado aqui hoje por eu ser do Ministério das Comunicações certamente por uma questão específica, que eu vou me ater a ela, que eu acho que é isso que estão esperando da minha apresentação. Sistema Brasileiro de Televisão Digital, como que vai funcionar ou como que deveria funcionar essa situação na TV Digital, é para isso que eu vim e é isso que eu gostaria de trazer. Mas eu queria dizer o seguinte, o debate começou errado, o debate sobre a questão dos direitos autorais na TV Digital começou errado, por que? Porque passou a imagem de bloqueio, criptografia, sinal fechado, como se na verdade a rádio-difusão quisesse mudar o seu modelo de negócio. Rádio-difusão, conceito da UIT, TV aberta, aberta e gratuita para acesso público geral, e Direito Autoral nenhum vai mudar isso, ela vai ter que continuar, seja digital, seja analógica, até que mudem o serviço, mudem o conceito, mas ela é livre, aberta e gratuita, isso é uma coisa, para ser recebida.

A outra discussão é em relação após o recebimento, como é que fica a fixação daquele conteúdo e conseqüentemente a sua reprodução. Bom, aqui alguns conceitos técnicos que eu vou passar rapidamente, até porque eu sou engenheiro frustrado, eu sou advogado, na verdade queria ser engenheiro, mas eu não consegui, então eu resolvi fazer direito. Então, envio de sinal de gestão, controle de cópia interface do HDPV. Alguns pontos que eu gostaria de deixar bem claro, o que está se discutindo em relação à DRM e à introdução de uma tecnologia chamada HDCP é só para o conteúdo de alta-definição. É para alta definição. Ou seja, em conteúdos de standard definition, e aliás, eu não sei se vocês já tiveram a oportunidade de ver

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8 Ministério das Comunicações

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uma imagem de definição padrão com o sinal de televisão digital, aqui em São Paulo, evidentemente, que foi o primeiro lugar que começou trabalhar com isso, a qualidade é muito boa. Para esse tipo de conteúdo que não é em alta-definição, continua ou continuaria, porque isso não está definido, tem que falar bem claro, isso não foi resolvido dentro do governo de forma efetiva, tá? Continua do mesmo jeito que está. O que se discute é uma eventual proteção no conteúdo de alta-definição.

Por que no conteúdo de alta-definição? Porque no conteúdo de alta-definição aquele que copia na verdade não tem simplesmente uma reprodução, ele tem praticamente a matriz original, com a excelente qualidade. As olimpíadas terminaram recentemente, é, as olimpíadas de Pequim e efetivamente foram, certamente, as imagens mais belas produzidas pela alta-definição. Quem teve oportunidade de assistir por exemplo a abertura ou o encerramento e mesmo os jogos, as modalidades, em alta-definição, sabe o que eu estou falando, é realmente uma imagem maravilhosa. Quem vê TV Digital com alta-definição não quer mais ver no analógico, não quer ver mais com outra, porque esse é o padrão de qualidade agora. Bom, então é esse o conteúdo. Então, em relação à definição padrão, em relação à portabilidade, não se discute, pelo menos aqui, a questão de DRM, vamos falar de alta-definição, porque esse que é o ponto que está sendo tratado.

Bom, como é que funcionaria? Como é que funciona um sinal de gestão de direitos? Existe uma emissora, obviamente esse sinal é transmitido, e há efetivamente uma comunicação de algorítimos entre o transmissor e o receptor e ali aquelas informações são encaminhadas no sentido de dizer o que é que pode e o que é que não pode, o que poderia e o que não poderia. Na prática, vamos falar o português claro, só tem em média três modalidades, copiar tudo, copiar nada, copiar uma vez, ou seja, liberou geral, não pode copiar nada, absolutamente nada e a cópia once, que é aquela única cópia, inclusive em alta-definição. Então nós vamos tentar trabalhar dentro desses três modelos.

Bom, então quais são as possibilidades de recepção no sistema de televisão digital e efetivamente no Sistema Brasileiro de Televisão Digital? Tem a recepção em alta, que são as televisões com aquele que tinha gente conhecido no mercado como full HD, no HDTV, tem a recepção nos televisores convencionais através do conversor, que são essa caixinhas, algumas já sendo vendidas a 199, 299 reais, tem a recepção em imagem padrão, que é o standard definition, tem a recepção em baixa definição, para quê a baixa definição, Marcelo? Para portabilidade, para as telas pequenas, são celulares e alguns aparelhos aí que já estão inclusive disponíveis, e finalmente tem algumas recepções também que estão sendo feitas direto, que é o mesmo princípio da portabilidade, no próprio computador, alguns equipamentos semelhantes de pendrives que na verdade vêm com uma antena e você consegue receber do ar o sinal e isso ser transformado, essa imagem ser vista na tela do seu computador ou do seu notebook, enfim. Essas aqui são as possibilidades de recepção.

Bom, o que é que está se falando em DRM? Apenas onde tem alta-definição. Em todas as outras modalidades isso é livre, ou seja, poderia ser, em tese, fixado e copiado. Não haveria tecnicamente nenhum empecilho que isso acontecesse, é isso que eu gostaria de registrar aqui. Transmissões em definição padrão e portátil então, para ser bem objetivo, quaisquer programas estariam livres.

Agora, transmissões em alta-definição, obras em domínio público e jornalismo estão livres, a Lei de direitos autorais não foi revogada, até que seja proposta uma nova lei e ela seja votada, sancionada, a Lei 9610 é a que nós temos. Então lá já existe uma série de garantias aos usuários, inclusive o chamado direito copista, que eu vou falar daqui a pouco sobre isso e não vai ser nenhum DRM, nenhuma gestão de direitos autorais, muito menos alta-definição que vai mudar isso.

Então, simplesmente aquilo que está em domínio público e que for obviamente para fins educacionais, enfim, a lei tem uma série de possibilidades que permitem o acesso ao conteúdo, independente da qualidade dele, isso fica preservado, isso fica mantido e nem poderia ser mudado, exceto se alguém alterar a lei.

Outra coisa, eu não acredito que exista bloqueio técnico que não possa ser quebrado. Qualquer mecanismo técnico está aí para ser desafiado por aqueles que tentem rompê-lo. E isso é bom, tem que separar o hacker do cracker. O hacker é aquele que fuça, é aquele que vai tentando descobrir e isso não vai mudar, e não vai ser um DRM, não vai ser um HDCP que vai mudar isso. E eu acho que o título da nossa mesa aqui foi muito feliz nessa colocação. Agora, a minha dúvida é, será que isso prejudica muito mais o usuário do que os piratas? Bom, essa conclusão que eu gostaria de chegar com vocês até o final.

Alguns eventos, shows esportivos, filmes, teledramaturgia, quando forem em alta-definição, o que é que está acontecendo? Eu vou dar o exemplo mais uma vez das Olimpíadas e da última Copa. As próprias empresas responsáveis pela transmissão, pela geração dos sinais, têm imposto algumas cláusulas contratuais para as empresas de rádio-difusão que efetivamente em caso de transmissão em alta que

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tenha uma gestão em DRM. Isso está em alguns contratos e eu trouxe até uma cláusula de alguns deles para mostrar para vocês. Bom, então, qual que é a proposta que a gente tentou emplacar para tentar compatibilizar isso? Porque a Lei hoje garante, na Lei dos direitos autorais, ao rádiodifusor, o direito conexo e fala no artigo 95 da Lei dos direitos autorais, “é direito exclusivo da empresa de rádiodifusão autorizar ou proibir a transmissão, retransmissão, fixação, reprodução dos seus sinais, reservados, obviamente, de direitos do autor”. É por isso que toda vez que uma retransmissora de televisão vai ao Ministério e pede para ser retransmissora de um sinal, ela tem que juntar o documento da geradora cedente autorizando ela a retransmitir o sinal dela gerado. Então não é por outra razão que isso existe, e isso está na Lei, esse direito conexo existe.

Agora, como que nós vamos compatibilizar esse direito conexo do rádiodifusor com o direito do usuário de ter acesso ao conteúdo, inclusive dos pequenos trechos, que é uma coisa que é sempre vista no caso concreto, que os americanos gostam de colocar dentro do chamado faire use, aquele uso justo. O que seria um uso justo? Então, uma das possibilidades que está sendo muito bem estudada é a seguinte, pode fazer uma única cópia em alta-definição, para uso pessoal.

E aí esse usuário, já que se for um usuário de boa fé, ou seja, não vai usar daquela cópia para fazer reproduções e transformar aquilo na verdade num comércio, aquele ali que só quer ter acesso àquele conteúdo, ele quer assistir àquele conteúdo, então por que é que não permite a ele ter acesso a esse conteúdo em alta-definição para uso próprio? A tecnologia DRM permite isso, que é o chamado copy once, que eu mencionei agora a pouco e é essa proposta. Será permitido, no mínimo, uma cópia do HDTV e no caso do standard definition continuaria sem qualquer tipo de limitação.

Como é que isso está no mundo hoje? Bom, no Japão eles são até bem radicais em relação a isso, eles utilizam todos os mecanismos tecnológicos de proteção, inclusive lá os conversores vêm com cartão para ter controle sobre as cópias que são feitas. Eles estão revendo lá (não é voltar atrás em relação a isso, não, muito pelo contrário), eles estão revendo se eles vão aumentar o número de cópias permitidas, que lá é uma só. Estão pensando em aumentar para três, para quatro, mas isso está sendo discutido. Mas eles usam proteções com interfaces protegidas, o copy control e a criptografia de sinal. Por que é que nos Estados Unidos não está tendo a utilização do DRM na TV aberta? Por uma razão muito simples, porque a FCC regulamentou que os receptores poderiam vir com o DRM e aí o que é que aconteceu? Foram na justiça e a Suprema Corte falou: “não, FCC, você não tem competência para regular sobre equipamentos de recepção, você regula sobre serviços de comunicação”. Então na verdade não foi entrar no mérito da questão autoral, mas sim na questão procedimental em relação à FCC. Bom, no caso dos Estados Unidos tem que lembrar que lá a maioria não assiste TV aberta, assiste TV a cabo, na TV a cabo tem. Na Europa eles não focaram na alta-definição, eles focaram na definição padrão. Então não faz muito sentido isso enquanto não estiver efetivamente alta-definição na Europa. E no Brasil nós estamos ainda em definição como é que vai ser feito esse procedimento.

Bom, para cumprir meu tempo eu vou passar aqui essa parte e falar só um pouquinho de embasamento jurídico. Temos os tratados internacionais de Berna e Roma, que nós somos signatários, o TRIPS e a própria Constituição Federal, que traz uma série de dispositivos. Em relação à Lei autoral, o artigo 95 que eu citei: “cabe às empresas de rádiodifusão o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão, fixação e reprodução de suas transmissoras, bem como a comunicação pública (...)”. O artigo 107 da Lei de direitos autorais fala efetivamente de punição àqueles que tentem modificar e inutilizar de qualquer maneira dispositivos técnicos introduzidos nos equipamentos das obras e produções protegidas para evitar os riscos de sua cópia. Então, a Lei já tem um entendimento de que existem essas possibilidades técnicas para reprodução, mas existem exceções, esse direito conexo do rádiodifusor ele não é absoluto, jamais poderia ser absoluto, principalmente em relação ao direito do copista e ao direito autoral, efetivamente.

Com relação a essas exceções eu dou destaque para a questão do pequeno trecho, seja lá o que isso signifique. O Código Penal descriminaliza a cópia privada, para aquele que fizer uso pessoal. Então eu acho que isso já é um embasamento muito razoável para poder dizer, olha, aquele que estiver de boa fé, usuário, que quiser fazer uma cópia daquele conteúdo em alta-definição para uso próprio, perfeitamente. O que se tenta evitar são as reproduções múltiplas como eu falei, uma imagem de alta-definição de um conteúdo é como se tivesse a matriz do mesmo.

Para cumprir meu tempo eu encerro por aqui tentando esclarecer o seguinte, não há uma definição ainda, essa questão não foi definida, mas o que eu gostaria de trazer para vocês então são as informações e tentar desmistificar algumas questões, que saíram na imprensa falando que era violação ao direito de privacidade do consumidor, enfim, questões que têm que ser debatidas, mas eu acho que quando a lei não está muito clara, quando tiver a jurisprudência, eu acho que nada mais que o bom-senso. Muito obrigado.

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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE PEDRO REZENDE9

Eu agradeço imensamente a oportunidade de estar aqui com vocês, e o Ministério da Cultura pelo convite; e lamento informar ao meu amigo Marcelo Bechara que eu não vou poder seguir o que ele me pediu e me desviar das questões filosóficas ou ideológicas que o assunto (DRM) pede, talvez por um motivo curioso. O de que eu estou na situação inversa da dele: eu sou matemático frustrado, que gosta de filosofia e gostaria de ter sido advogado, ou de ter tido a oportunidade de ter sido advogado. O que apenas denota a riqueza do debate e a propriedade do Ministério da Cultura na escolha da mesa, na minha modesta opinião.

Bem, então eu vou começar com uma pergunta ingênua, já desviando do que pediu o Marcelo, para poder dar a oportunidade de introduzir da forma menos dolorosa possível a minha contribuição a esse debate àqueles que têm esse assunto como sensível no plano emocional. A pergunta é: O que é o virtual?

Seria o irreal? O virtual pode ser real? Na definição do filósofo GILLES DELEUZE, citado por Muniz Sodré, o irreal não é sinônimo de virtual. O virtual, segundo DELEUZE, é a indistinguibilidade entre o real e o irreal. O que para mim coloca, como um leigo do Direito, a próxima questão: o que isso tem a ver com a hermenêutica ou com a semiologia jurídica quando grandes interesses estão em jogo, não só para firmar jurisprudência, mas também para avançar no processo legislativo?

Muito bem, se eu tivesse mais tempo eu gostaria de iniciar a minha apresentação com um breve histórico sobre como evoluiu a informática e como chegamos a esse momento em que se fala desse assunto (DRM). Mas antes disso, eu quero apresentar-lhes o que seria o título da minha apresentação, com o qual eu não quis assustá-los ainda.

A pergunta que me leva à primeira transparência é: vocês, que já devem ter ouvido falar de uma das simplificações do conceito de DRM em termos de travas tecnológicas, poderiam me explicar como é que se parafusa ou se prende uma trava sobre símbolos?

Se a obra autoral está representada por zeros e uns, e só vai materializar-se em conteúdo que terá valor para algum interesse quando esses zeros e uns forem interpretados à luz de algum código ou linguagem, o que significa dizer então trava tecnológica como sinônimo de DRM? É apenas uma metáfora, mas será que seria uma metáfora feliz? Feliz no sentido de nos ajudar na compreensão, na hermenêutica e na semiologia do Direito relativo a esse assunto? Eu prefiro buscar uma metáfora alternativa.

Então, aí está a oportunidade de vocês perceberem o viés que eu gostaria de dar a essa apresentação, caso o tempo que está disponível para mim não me permita terminar a apresentação: [Título da apresentação: “DRM: Gerenciamento de Direitos ou Cibergrilagem?”] Eu não sabia quanto tempo eu iria ter, e portanto, como encaixar o material que eu gostaria de apresentar no tempo disponível, então prosseguiremos.

O que as tecnologias da informação propiciam é, além de novos meios para criar, para entendimento mútuo, também novos meios de dominação e exploração. Eu estava comentando aqui com o Pablo, que eu gostei muito da apresentação dele, porque ele, como eu, gosta de filosofia, e ele fez uma bela apresentação na mesa anterior, a qual me fez comentar que eu não me lembro de ter ouvido tanta polêmica e tanto ruído, tanto barulho quanto agora quando a indústria de máquinas datilográficas entrou em decomposição por conta da evolução dos computadores. Deve haver aqui, sim, uma questão ideológica e política em jogo, senão a gente não estaria vendo tanta emoção, tanto barulho na discussão desse tema. Como eu as vejo, seria a minha contribuição aqui hoje.

A única maneira de se colocar travas tecnológicas em bytes é colocando lógica na camada seguinte de bytes, na camada que vai interpretar a inteligência do programador com respeito a para que servem os bytes na camada de baixo. Ou seja, a única maneira de implementar essa idéia de gerência de direitos autorais ou de travas tecnológicas para se saber quando uma cópia é legítima ou não é colocando inteligência suficiente na camada de cima de bytes, aquela dos programas, para saber o que é que aquele que detém o equipamento onde os bytes estão circulando pretende com uma ou outra operação. Não há como fazer trava tecnológica no sentido de DRM a não ser colocando um viés lógico na camada de cima de software de monitorar, vigiar, bisbilhotar tudo o que está acontecendo naquele ambiente para se saber o que é que vai acontecer com os bytes de baixo no próximo passo, quando aquele que detém o controle do equipamento decidir qual seria a próxima operação a fazer com aqueles bytes.

Esse viés embute a lógica da escassez seletiva, que funcionou muito bem enquanto a informática dependia da evolução do hardware. Hoje o hardware é barato, e agregar valor à lógica condensada em código na forma de funcionalidade que dê diferentes aplicações ao hardware é onde está o grande poder

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9 UnB – Universidade de Brasília

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que a tecnologia da informação representa para quem controla esses processos. É por isso que se faz cada vez mais necessário para quem detém esse controle, ou quer continuar detendo esses controles, gerar escassez artificial seletiva dos bytes circulantes.

Ocorre que essa escassez artificial é cada vez mais custosa do ponto de vista semiológico. Enquanto ela era fácil de ser obtida com licença de uso que não permitia cópia mas que todos ou fingiam que nela acreditavam ou não se importavam que os outros fingiam que nela acreditavam, enquanto era esse o jogo a coisa progrediu de forma a popularizar o uso do computador e a tornar a informática um meio para as práticas sociais praticamente ubíquo. Alguns alunos gostam de me dizer: “professor, mas no Brasil só 10% têm acesso à informática, só 4% usa a internet”, sim, mas todos os processos que ditam o valor da moeda, ditam o que é eficiência econômica, ocorrem sobre bytes, hoje. Então, mesmo os que estejam afastados diretamente dessas práticas sociais intermediadas por bites estão, de uma forma ou de outra, atrelados às conseqüências de que os processos políticos de controle de produção hoje são todos intermediados por tecnologias da informação.

Então, a única maneira de se continuar com o regime de escassez artificial e seletiva de bytes, para manter a eficiência de certos modelos de negócio que tratam bens não rivais ou bens anti-rivais -- se tiver tempo de explicar o que são bens anti-rivais eu posso me deter, mas não sei se vale a pena: são como os softwares de uso geral, cujo valor de uso aumenta com a disseminação, essa é a lógica atrás do software livre --, os modelos de negócio que tratam bens não rivais ou anti-rivais como bens rivais para construir máquinas de fazer dinheiro, tem custo operacional cada vez maior, para manter a escassez artificial de certos bytes. E só há uma maneira de manter essa máquina de gerar escassez artificial funcionando: através de um processo de expansão ou de radicalização dos regimes de propriedade, para que atinjam cada vez mais bens imateriais, num processo que quando aí se torna ineficiente passa então a incidir sobre direitos patrimoniais relativos a códigos, formatos, protocolos, os quais permitem a diferentes dispositivos conversarem uns com os outros. É o que nós estamos observando hoje, com a radicalização do regime patentário.

Então isso pode ser interpretado como uma forma de abuso da parte de quem detém o poder de fornecer tecnologia intermediadora das práticas sociais que dela dependem para sua eficiência, algumas vezes de forma compulsória. Bem, como eu vejo então o DRM? Eu vejo o DRM como uma das facetas desse processo de radicalização, e vejo nele um processo perigoso do ponto de vista ideológico porque ele traz para mim não uma questão de inconveniência para o usuário ou uma questão de direito para o fornecedor de colocá-lo ali, mas antes uma questão de risco moral para a sociedade.

Se eu tiver tempo de chegar até esta questão eu estarei satisfeito de cumprir a meu papel nessa mesa. Se não, deixo a curiosidade dos senhores de buscarem como referência ao que eu estou dizendo textos que eu já escrevi a respeito, e que estão no portal anunciado na primeira transparência (http://www.cic.unb.br/~rezende/sd.php). Esse processo de radicalização normativa global produz na área tecnológica aquilo que eu chamo de cercamento digital. E como nele entra o DRM?

O DRM entra da seguinte maneira: se a única forma que um software tem de saber o que o usuário quer fazer com um arquivo que tem valor para quem o distribui, porque representa obra autoral sobre o qual incidem direitos patrimoniais, é saber o que é que está acontecendo naquele hardware onde o software vai rodar. Só há uma maneira do DRM ser eficiente, é com o bisbilhotar de tudo o que está acontecendo naquele hardware para decidir quando uma operação pode ou não pode ser feita, casado a decisões de interferência nessas operações. Caso contrário, ele seria ineficiente.

Ao pior, se o DRM está ali para ser ineficiente a única interpretação que eu tenho desse fato, ou a única justificativa que eu posso encontrar para ele estar ali, é que nós consumidores ou cidadãos que precisamos do computador para termos nossas ações intermediadas num mundo cada vez mais digitalizado cedamos o direito de decidir o que pode e o que não pode ser feito em nossa máquina a um fornecedor de conteúdo que vai agora interferir na lógica do que o meu equipamento vai fazer na rede em nosso nome, à guisa de proteger um patrimônio da obra que ele me distribuiu.

É como se eu concordasse em me tornar um inquilino da minha própria casa para receber dentro dela uma obra autoral, um quadro de Picasso ou Portinari ou um livro de Deleuze ou de Stiglitz. E com o agravante de que no virtual os riscos morais ganham um amplificador perigoso, justamente através dos caminhos hermenêuticos que as dificuldades que DELEUZE aponta no início traduzem. O escopo e os efeitos dos riscos morais no virtual, se os interpretarmos pela teoria da assimetria informacional do economista Joseph STIGLITZ, são muito mais devastadores do que no mundo físico.

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Por que aceitar DRM? Bem, induzidos somos pela necessidade de consumir quando não há alternativa. O que eu vejo como perigo nisso é que a aceitação do DRM corresponde a uma aceitação implícita de que um fornecedor da mídia tem direito de controlar a lógica de como opera o meu hardware. Isso talvez no setup box não tenha muitas conseqüências, mas estamos diante de um fenômeno de convergência. Daqui a pouco o setup Box vai ser o meu computador. Daqui a pouco a necessidade de que o sistema operacional é que embuta o DRM, para que ele tenha eficiência. Ou, que migre do setup Box para o sistema operacional, ou para o DRM que já existe no sistema operacional. Ou que migre do conteúdo para o sistema operacional, ou vice-versa. O que torna uma piada a aplicação de leis anti-trust no virtual, por que? Porque quando um processo judicial por prática monopolista predatória leva 5 anos para transitar em primeira estância, todo efeito maléfico que ele poderia produzir no mercado já teria sido monetizado, já teria gerado seus efeitos, e agora vamos discutir a pena, e a pena pode se transformar num prêmio, na forma de extensão dos direitos patrimoniais (como no caso da “guerra dos browsers”). Bem, esse é o tipo e perigo que eu vejo com o DRM, porque o DRM é um convite para os fornecedores formarem alianças onde o poder que a intermediação tecnológica exerce sobre aqueles que precisam dessa intermediação tende apenas a aumentar.

Eu fico por aqui porque o meu tempo encerrou, mas, para representar em uma imagem o que eu acredito ser esse perigo moral, o risco moral da convergência do cercamento virtual, o risco moral do cercamento virtual quando ele entra nesse processo de escalada que o DRM institui num ritmo mais acelerado, eu encerro com essa imagem aqui. Muito obrigado.

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TECNOLOGIA ANTICÓPIA: QUEM É O BENEFICIÁRIO?10

Pedro Paranaguá11

INTRODUÇÃO O presente texto tem por objetivo analisar o uso do sistema tecnológico anticópia (ou medidas tecnológicas de proteção) como forma de controle de obras protegida por direitos autorais. A análise aqui feita ocorre a partir da perspectiva do incentivo à criatividade, bem como do interesse público de acesso ao conhecimento. Nesse sentido, o texto analisa: (a) o impacto da tecnologia anticópia em face da lei de direitos autorais e das já restritas limitações e exceções ao direito autoral no Brasil; (b) as conseqüências da adoção de tal sistema para a sociedade; e, por fim, (c) a ineficácia do sistema de proteção tecnológica. O texto prioriza a análise referente à eventual adoção de medidas tecnológicas anticópia no sistema de televisão digital no Brasil.

1. - IMPACTO SOBRE A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS

1.1 – A REGRA GERAL DA PROTEÇÃO AUTORAL Filmes, músicas, pinturas, esculturas, vídeos em geral, arquitetura, programação de televisão,

fotografias, livros etc. são obras protegidas pela lei de direitos autorais e conexos que, no Brasil, são regulados pela Lei 9.610 de 1998 (“Lei de Direitos Autorais”, ou LDA). Como princípio geral, a LDA prevê que qualquer modalidade de utilização de obras protegidas por direitos autorais precisa de autorização prévia e expressa do autor ou do titular de seus direitos (art. 29).

1.2 – LIMITAÇÕES E EXCEÇÕES AO DIREITO AUTORAL No entanto, existem exceções à regra geral previstas pela própria LDA. O capítulo IV da referida lei se dedica a indicar as limitações e exceções aos direitos autorais. Dentre os quais, destaca-se:

a) a possibilidade de reprodução de pequenos trechos para uso privado (art. 46, II); b) a possibilidade de citação de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir (art. 46, III); c) a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida (art. 46, VIII).

Diante de tais exceções e limitações legais, é lícito aos usuários de obras intelectuais fazer uso de tais obras, nos limites da lei, independentemente de autorização dos autores ou dos titulares das obras. Dessa forma, qualquer pessoa pode, por exemplo, fazer cópia privada de pequenos trechos de obras protegidas por direitos autorais (filmes, músicas, livros), desde que para seu próprio uso e sem intuito de lucro. 1.3 – DOMÍNIO PÚBLICO E LICENÇAS PÚBLICAS GERAIS Além das limitações e exceções legais referentes a obras protegidas por direitos autorais, é importante explicitar o conceito de domínio público. A concepção dos direitos autorais surge com o propósito de conferir aos autores um direito exclusivo de exploração de sua obra por determinado período. Isso significa que pelo prazo previsto em lei, apenas o autor – e a seguir seus sucessores legais – e/ou titular poderão exercer os direitos autorais que legalmente lhes forem conferidos. Atualmente, o prazo de proteção autoral no Brasil é de 70 anos após a morte do autor (art. 41). Assim, uma obra é protegida pelos direitos autorais brasileiros por toda a vida do autor, mais setenta anos após sua morte. Expirado o prazo mencionado, a obra cai em domínio público, o que significa que a obra poderá ser utilizada por toda a sociedade independentemente de autorização por parte do autor, seus sucessores ou demais titulares de direitos. A obra se torna livre para ser usada por toda a coletividade.12 Este é o domínio público previsto em lei. Além do domínio público legal, existem as chamadas “licenças públicas gerais”. Através delas, autores e criadores intelectuais, ao mesmo tempo que mantêm os direitos autorais de suas obras, expressamente permitem a toda a coletividade determinados usos das mesmas. Os exemplos em que o

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______________10 O autor gostaria de agradecer a contribuição de Ronaldo Lemos, Sérgio Branco Jr. e Bruno Magrani.11 Professor em tempo integral da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV), coordenador do projeto A2K Brasil, do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da mesma Escola. Coordenador executivo-acadêmico dos cursos de Direito a distância do FGV Online. Mestre em Direito da Propriedade Intelectual pela Universidade de Londres. Professor convidado da UERJ, UFRJ, FAAP, ESA-OAB/SP, UCAM, INPI. Representante da FGV na OMPI. Pesquisador associado da IQsensato, Genebra. Palestrante no Brasil e no exterior, incluindo em eventos da OMPI, PNUD, UNESCO. Autor de artigos, capítulos de livros e livros sobre propriedade intelectual.12 <?> No caso de obras audiovisuais e fotográficas, o prazo é de 70 anos contados de primeiro de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação (art. 44).

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autor de determinada obra disponibiliza a mesma para determinados usos são diversos. Apenas no âmbito da utilização das licenças chamadas “Creative Commons”13, em 2006 existiam na Internet mais de 140 milhões de obras disponíveis através do sistema. Somente no site de fotos Flickr, desde o início de 2009, há mais de 100 milhões de fotos licenciadas sob uma das licenças Creative Commons.14 Exemplos de vídeos licenciados através de licenças públicas gerais incluem os arquivos da Radiobras (www.radiobras.gov.br), os vídeos da TV Escola (www.dominiopublico.gov.br), vídeos de acervos privados como Videolog.tv, acervos internacionais como o Archive.org, o Projeto Gutenberg, dentre outros. Diversos governos utilizam licenças Creative Commons para seus sites, tal como o site da Casa Branca, dos EUA. Por meio de tais licenças, os autores permitem à coletividade que, no mínimo, possam ser feitas cópia e distribuição na íntegra de sua obra independentemente de autorização. Assim, sobre obras licenciadas dessa forma não incidem as restrições impostas pela LDA, no que diz respeito, por exemplo, à possibilidade de se fazer cópia integral de obras alheias, pois esta é autorizada de antemão pelos autores. É uma forma de facilitar a circulação de obras autorais, de todos os tipos.

1.4 – FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS EXCEÇÕES E LIMITAÇÕES AOS DIREITOS AUTORAIS Com a aplicação de medidas tecnológicas anticópia, a efetividade de princípios constitucionais como os de liberdade de expressão, acesso à informação e função social da propriedade acaba prejudicada.

Como se sabe, as exceções e limitações aos direitos autorais são instrumento primordial para a educação e o acesso ao conhecimento. Tanto é assim que o direito de citação é considerado como regra fundamental dos tratados internacionais sobre o direito autoral. Esse e outros direitos são diretamente afetados pela implementação do sistema anticópia, na medida em que a programação da televisão é amplamente utilizada como recurso educacional, o que se encontra em consonância com a LDA e com princípios constitucionais mencionados.

1.5 – CONTRADIÇÃO ENTRE A LEI DE DIREITOS AUTORAIS E A ADOÇÃODO SISTEMA ANTICÓPIA A Lei de Direitos autorais expressamente prevê certas limitações e exceções aos direitos autorais, concedendo direitos de uso e cópia sobre obras protegidas para a coletividade. Além disso, a regra geral da lei é o domínio público. Além disso, dentro do sistema legal de direitos autorais, cresce o licenciamento de obras por meio de licenças públicas gerais, que expressamente autorizam suas cópia e distribuição. O uso de medidas tecnológicas de proteção impede o exercício legal dos direitos legítimos de uso. No tocante específico sobre o uso de restrições tecnológicas anticópia no sistema de TV digital do Brasil, a LDA, em seu art. 95, já estabelece tratamento legal privilegiado para as empresas de radiodifusão, atribuindo a estas os chamados direitos conexos, ainda que subordinados às exceções e limitações de direitos autorais. Esse privilégio legal já consiste em medida jurídica bastante e suficiente para coibir usos irregulares da programação da televisão digital. Permitir que esse tratamento já privilegiado possa ser ampliado pela implantação de medidas de proteção tecnológica, cujo impacto afeta diretamente as práticas cotidianas de milhões de brasileiros, extrapola os limites legais e constitucionais da proteção aos direitos autorais.

2. - INEFICÁCIA DAS MEDIDAS TECNOLÓGICAS ANTICÓPIA E A JUSTIFICATIVA PARA O BRASIL NÃO A ADOTAR NO SISTEMA DE TV DIGITAL

O sistema anticópia que se pretende adotar na televisão digital brasileira faz parte das chamadas “medidas tecnológicas de proteção” (do original em inglês “technological protection measures”, também chamadas em certos casos DRM ou “digital rights management”). Tais medidas consistem na utilização de chaves criptográficas para controlar os usos da programação. Em outras palavras, a televisão brasileira, que sempre foi aberta e acessível a todos, com a utilização de chaves criptográficas, passa a depender de autorizações específicas que, somente quando concedidas, permitem o acesso ao sinal. Ou seja, o sinal permanece “travado”, até que a autorização específica seja concedida ao espectador para utilizá-lo. O uso dessas chaves criptográficas está na raiz da tecnologia anticópia que retira do consumidor o direito de decidir como usar o sinal da televisão. Assim, impede ou limita práticas correntes, como a liberdade para: i) Gravar programas de TV para assisti-los em outro horário ou dia;

ii) Gravar vídeos para exibição em escolas, para amigos, e outras formas de utilização sem intuito de lucro;

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13 Cf. www.creativecommons.org.br14 Cf. http://www.lessig.org/blog/2009/03/cc_100m_c-c_11m_1_year.html

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iii) Transportar filmes, programas de TV etc. para assisti-los em outros aparelhos eletrônicos ou localidades;iv) Fazer cópia de salvaguarda (backup) de filmes, programas de TV ou músicas legalmente adquiridas através de sistemas “on demand” através da TV digital; v) Emprestar vídeos, música etc., licitamente adquiridos, a amigos ou família; vi) Executar um filme, programa de TV ou música em formato digital, licitamente adquiridos, em qualquer tocador de áudio e/ou vídeo digital, seja no Zune da Microsoft, ou no iPod da Apple, no Samsa da SanDisk dentre outros, independentemente do tipo de sistema anticópia utilizado. Isso condiciona o espectador a adquirir produtos sempre compatíveis com uma única tecnologia ou empresa;vii) Escutar uma música digital ou vídeo, licitamente adquiridos, em computadores que funcionem com outros sistemas operacionais (por exemplo, softwares livres GNU Linux, Apple), dentre vários outros exemplos.

Além disso, um impacto ainda mais grave da medida é condicionar o desenvolvimento da indústria brasileira aos padrões técnicos dos sistemas de proteção tecnológica. Em outras palavras, os fabricantes brasileiros ficarão impedidos de produzirem conversores de televisão digital que não estejam de acordo com os padrões técnicos impostos pelo sistema. Isso incentiva o surgimento de um mercado paralelo de produtos livres do sistema anticópia. Esse mercado paralelo terá a possibilidade de oferecer produtos mais atraentes para o consumidor (uma vez que oferecem as liberdades e flexibilidades que o produto oficial fica impedido de oferecer), alijando a indústria da possibilidade de concorrer com tais produtos. A segunda conseqüência é que a inovação fica inibida, no sentido de que o desenvolvimento de novos produtos e novas utilidades para os conversores da TV digital fica condicionado aos padrões impostos por essas tecnologias. Em outras palavras, a indústria fica impedida de desenvolver produtos que não estejam de acordo com a tecnologia adotada, reduzindo sua competitividade. A situação se faz mais grave na medida em que a lei de direitos autorais brasileira estabelece como ilícito civil qualquer atividade que possa contornar os sistemas anticópia ou medidas de proteção tecnológica. Em outras palavras, o espectador, mesmo agindo de boa-fé no exercício dos direitos de uso concedidos pela lei, ao contornar o sistema anticópia, cometerá um ilícito civil. Isso não bastasse, as medidas de proteção tecnológica são notoriamente ineficazes. A Internet está repleta de informações sobre como quebrar a codificação de restrições tecnológicas, sejam elas aplicadas a músicas, filmes, livros eletrônicos etc. Por exemplo, a tecnologia que se quer implementar no Brasil (HDCP) para a TV digital é objeto de estudo feito pelo professor da Universidade de Princeton, Edward Felten, que explica passo a passo como a tecnologia pode ser contornada15. A outra evidência é o estudo publicado pelos Professores Scott Crosby (Carnegie Mellon), Robert Johnson (Universidade de Berkley) sobre o sistema. A conclusão do artigo não é outra senão que o sistema possui uma falha fundamental, que faz com que ele seja facilmente contornado16. Dessa forma, o Brasil estará investindo recursos econômicos significativos e restringindo a inovação de seu parque industrial em nome da implantação de uma tecnologia que não funciona. O mesmo acontece com outras modalidades de sistemas tecnológicos anticópia, que se provam igualmente ineficazes. O sistema anticópia dos DVDs, por exemplo, apesar de resultado de investimentos vultuosos e anos de pesquisa, foi quebrado por um garoto de 16 anos17. Até mesmo as mais recentes restrições tecnológicas anticópia implementadas nos formatos Blu-Ray e HD DVD já foram quebradas.18

Desse modo, as restrições tecnológicas anticópia acabam por prejudicar apenas o consumidor comum, uma vez que aqueles que desejam obter conteúdos, protegidos por direitos autorais, de forma ilegal, através da quebra das restrições tecnológicas anticópia, continuam se enriquecendo às custas dos titulares de direitos autorais, com a venda de produtos contrafeitos e não serão impedidos pela adoção da tecnologia anticópia. Aliás, o uso de tais travas tecnológicas vai expressamente contra os objetivos do governo quando da criação do Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), já que o Decreto n. 4.901/2003, que instituiu o sistema de TV digital, clara e expressamente diz em seu art. 1º, inciso I, que o SBTVD “tem por finalidade (...) promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação” (grifamos). Em assim sendo, a finalidade primordial do SBTVD, que é a inclusão social, diversidade cultural e democratização do acesso a

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15 http://www.freedom-to-tinker.com/?p=1005;16 CROSBY, Scott (et. Alli), A Cryptanalysis of the High-bandwith Digital Conent Protection System, disponível em http://apache.dataloss.nl/~fred/www.nunce.org/hdcp/hdcp111901.htm. Conforme o trabalho: HDCP uses a linear system for generating the shared secret. The flaw is that any device whose public key is a linear combination of public keys of other devices will, when assigned a private key that’s a similar linear combination of the other devices private keys, successfully authenticate. This flaw is fundamental, and cannot be worked around;17 A notícia foi amplamente divulgada, cf. CNN: “Meet the Kid behind the DVD hack”; Disponível em http://archives.cnn.com/2000/TECH/computing/01/31/johansen.interview.idg/18 Vide http://linhadefensiva.uol.com.br/blog/2006/12/aacs-quebrado/ & http://info.abril.uol.com.br/aberto/infonews/042007/13042007-24.shl;

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conhecimento e informação, fica inevitavelmente frustrada. Mesmo nos EUA, berço da maior indústria audiovisual do mundo, tais restrições tecnológicas não foram adotadas na TV digital. Tais medidas foram consideradas ilegais e inconstitucionais. O argumento foi de que limitação como essa deve ser obrigatoriamente autorizada por lei, através do Congresso, e não simplesmente por norma técnica definida pelo poder executivo daquele país19. A mesma situação que agora se defronta no Brasil. E, curiosamente, o Japão, que serviu como base para a tecnologia da TV digital adotada no Brasil, anunciou recentemente que não utilizará travas anticópia em sua TV digital.20

Portanto, não se pode transmitir ao setor privado o direito de “legislar” através de restrições tecnológicas anticópia e a incumbência de definir o que é regido pelo interesse público nas transmissões de televisão.

2.1 – RESTRIÇÕES TECNOLÓGICAS NOS TRATADOS INTERNACIONAIS O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (Acordo TRIPs), que é parte integrante do acordo constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC), não obriga os Países Membros a adotarem tais restrições tecnológicas anticópia. Conforme estipulado pelo art. 1.1 do TRIPs, cada país tem liberdade de implementar o Acordo como melhor lhe convir, não havendo qualquer recomendação ou obrigação proveniente do Acordo para a adoção dessas restrições tecnológicas. No âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil não aderiu aos Tratados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) propostos em 1996. Um dos motivos pelos quais o Brasil não aderiu a estes tratados (Tratado sobre Direitos Autorais – WCT - e sobre Produtores de Fonogramas e Intérpretes - WPPT) foi que ambos prevêem a obrigatoriedade da adoção de medidas legais relativas às restrições tecnológicas anticópia. Além disso, as negociações para um Tratado de Radiodifusão no âmbito da OMPI (Broadcast Treaty), que ampliariam a proteção jurídica sobre os sinais de televisão, entraram em colapso em junho de 2007, justamente pelo entendimento da maioria dos países de que tal tratado ia contra os interesses nacionais de grande número de países, sobretudo países em desenvolvimento. Em última análise, a proposta de adoção em âmbito nacional das restrições tecnológicas anticópia no SBTVD contradiz a tendência atual de eliminação das restrições tecnológicas anticópia, tanto do ponto de vista jurídico quanto como prática privada21.

3. - IMPACTO NEGATIVO PARA CONSUMIDORES

3.1 – A PROTEÇÃO AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR Traço marcante das relações de consumo é o evidente desequilíbrio existente entre fornecedores de serviços ou produtos, de um lado, e consumidores, de outro, “em razão da forma de que dispõem as empresas, que usam seu poderio econômico no mundo negocial, gerando preocupações à luz da preservação dos interesses dos consumidores, ou seja, dos destinatários finais de seus produtos (como adquirentes ou usuários de bens ou serviços)”22. No caso da imposição do sistema anticópia, trata-se da adoção unilateral de uma medida sem a participação de consumidores e espectadores de todo o país. Em outras palavras, aos espectadores e consumidores da televisão digital simplesmente foram impostos padrões que reduzem a utilidade da mesma, sem qualquer contrapartida. No Brasil, os direitos do consumidor são protegidos pela lei federal nº 8.078 de 1990 (“Código de Defesa do Consumidor” ou “CDC”), tendo por base determinações constitucionais como a que prevê que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII) e a que promove o direito do consumidor a um dos princípios da ordem econômica do País (art. 170, V).

3.2 – PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR EM FACE DA TV DIGITAL O art. 6º do CDC prevê alguns dos princípios dos direitos dos consumidores, dos quais destacamos dois: (a) educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, assegurada a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações (art. 6º, II) e (b) a proteção contra a publicidade enganosa e

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19 Vide “Court Says FCC exceeded authority”, cf. http://www.usatoday.com/tech/news/2005-05-06-fcc-court-ruling_x.htm. “The U.S. Court of Appeals in Washington, D.C., said the FCC exceeded its authority in 2003 when it required new technology in electronics products to prevent digital broadcasts from being blasted over the Internet.”.20 Cf. http://a2kbrasil.org.br/Novo-artigo21 Cf. “Apple tira proteção de músicas no iTunes”, http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL44562-6174,00.html. “Amazon prepara loja de música sem proteção anticópia”, http://idgnow.uol.com.br/internet/2007/04/24/idgnoticia.2007-04-24.6841062413. “EMI lançará seu catálogo de músicas sem sistema anticópia”, http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u21898.shtml;22 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor – 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. P. 3;

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abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. (grifo nosso). É evidente que o serviço “TV digital” a ser oferecido aos consumidores precisa necessariamente estar em conformidade com os princípios previstos tanto na Constituição Federal quanto no CDC. No entanto, os mecanismos tecnológicos anticópia que retiram do consumidor a liberdade de escolha acerca de quais programas de televisão poderá gravar, bem como se poderá utilizar para os fins legítimos listados no item 2 acima, violam frontalmente tais princípios. Esta questão precisa ser analisada em conjunto com a questão dos direitos autorais. Em síntese, a LDA prevê que o usuário de obra protegida por direitos autorais poderá fazer cópia de pequenos trechos de obras protegidas, desde que para seu próprio uso e sem intuito de lucro. Além disso, prevê a mesma lei a possibilidade de citação, ou seja, a reprodução de pequenos trechos de obras alheiras para fins de crítica ou debate (atividade importante, por exemplo, no âmbito educacional). Diante do disposto na Constituição Federal, no CDC e na LDA, as medidas tecnológicas anticópia que se pretendem implantar na TV digital unilateralmente prejudicam direitos coletivos e difusos previstos em nosso ordenamento jurídico. Na medida em que passará a competir às emissoras de televisão determinar quais programas poderão ser gravados pelos consumidores, estes ficarão tolhidos em sua liberdade de escolha – que sempre existiu – quanto ao momento em que podem assistir aos programas em formato digital, prática largamente adotada desde a inserção do vídeo-cassete no cotidiano nacional, em meados da década de 80. Além disso, os consumidores serão submetidos a cláusulas e práticas abusivas, uma vez que lhes é retirada a possibilidade de uso de obra protegida por direito autoral nos limites previstos pela LDA. Nesse sentido, organizações de defesa do consumidor vêm se manifestando contrariamente à adoção de mecanismos anticópia pela TV digital no Brasil. Assim é que o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) manifestou entendimento em seu website (www.idec.org.br) a respeito de aspectos práticos da ineficácia de tais mecanismos23.

3.3 POR QUE A TECNOLOGIA HDCP PREJUDICA APENAS O CONSUMIDOR DE BOA-FÉ E NÃO O CONTRAFATOR? Como tratado neste texto, essas travas tecnológicas anticópia são facilmente quebradas por pessoas com conhecimento no assunto. Desde 2001, pesquisadores de criptografia vêm mostrando falhas irreversíveis na HDCP, tecnologia adotada no sistema de TV digital no Brasil.24 Tal fato é refletido no próprio contrato de licenciamento do produto, no qual o licenciante não garante que a HDCP seja eficaz. Nos itens 10.2 e 11.4 do contrato de licença da HDCP, referentes a limitações de garantia e indenizações, respectivamente, a licenciante diz que “não (...) garante que a HDCP seja imune a ‘hackeamento’, quebra de código, pirataria ou outras tentativas de burlar a HDCP.”25 Ou seja, apesar do investimento feito na adoção do sistema e todas as suas conseqüências negativas, seu impacto efetivo ocorre apenas com relação ao consumidor de boa-fé, que não intenciona distribuir conteúdo protegido por direito autoal em larga-escala. O contrafator poderá contornar facilmente a tecnologia HDCP, fazendo cópias ilegais com intuito comercial em prejuízo alheio.

Conclusões

a) O sistema anticópia impede o exercício dos direitos de uso permitidos pela lei de direitos autorais, através de suas limitações e exceções, transferindo o julgamento sobre quais são os usos permitidos ou não para as emissoras.b) Os sistemas anticópia são notoriamente ineficazes, sendo suas falhas documentadas e conhecidas. Ao mesmo tempo, tais sistemas implicam custos para os fabricantes, envio de royalties anuais e redução da competitividade da indústria nacional, em nome da implantação de uma tecnologia ineficaz. c) A adoção do sistema anticópia incentiva o surgimento de um mercado paralelo de conversores da televisão

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23 http://www.idec.org.br/emacao.asp?id=1316. Acessado em 09 de julho de 2007;24 Vide http://apache.dataloss.nl/~fred/www.nunce.org/hdcp/hdcp111901.htm. Acessado em 09.07.2007;25 Vide http://www.digital-cp.com/home/HDCP_License_Agreement_050907_updtd.pdf . Acessado em 09.07.2007;

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digital, mais atraentes para o consumidor, alijando a indústria nacional da possibilidade de inovar e oferecer produtos mais competitivos.d) O sistema anticópia retira do espectador a liberdade de decidir como usar a programação de televisão, decisão esta que passa a ser exercida pelas emissoras, impossibilitando para a televisão digital prática que sempre existiu com relação à televisão analógica. e) Os contratos que regulam os sistemas anticópia impõem diversas obrigações para a indústria nacional, dentre elas, o pagamento anual de royalties, que podem ser reajustados unilateralmente pelo fornecedor da tecnologia.f) O sistema anticópia prejudica diretamente a convergência tecnológica, que é um dos objetivos definidos pelo inciso IX do artigo 1º do Decreto 4.901 de 2003, na medida em que impede que o sinal da televisão digital seja recebido por outros aparelhos (computadores, celulares, gravadores de vídeo digital, dentre outros) que não estejam certificados pela tecnologia imposta.

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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE JOSÉ PEÑA19

Muito obrigado. Eu queria falar um pouquinho sobre experiência com música, comentando que eu não sou advogado, não sou matemático, sou publicitário e foram ditas várias coisas aqui, eu acho que essa questão do DRM foi um pouco desmistificada aqui, porque mesmo dentro das gravadoras, mesmo dentro de quem opera o negócio ligado à música, é uma literatura super nova e existem várias dúvidas com relação ao conceito, à aplicabilidade.

Até pouco tempo atrás eu ouvi dizer até que DRM era um vírus, de pessoas ligadas à questão toda de desenvolver e produzir e liberar a questão de tratar comercialmente a música. Se a gente pega uma literatura tão nova é natural que numa dúvida a gente se posicione do lado do não, sobretudo porque a gente quer ter uma experiência nova com música. Eu, ao contrário, trouxe 3 slides para essas três horas e meia que eu pretendo ficar falando aqui. O primeiro slide foi apresentado numa reunião da Companhia em fevereiro, que eu mudei três ou 4 palavras, que justamente são coincidentemente o foco das três palestras de hoje de manhã e agora também de tarde.

O segundo slide diz como é que a Companhia, como é que a indústria, como é que o mercado brasileiro, diante da necessidade de ter um resultado diferente, tem que agir de uma forma diferente, senão a gente vai fazer melhor amanhã o mesmo erro que a gente já faz muito bem hoje. O terceiro slide diz da experiência prática que a Companhia teve sobre como é a vida sem o DRM. Temos uma experiência, temos alguma coisa para mostrar, e é sempre muito comum experimentar fazendo. A EMI, só para dar um exemplo, e não estou falando em nome da indústria, mas da EMI, sempre foi uma das mais ferrenhas protetoras da música, proteção no sentido de que sejam cumpridos todos os direitos autorais e artísticos e tudo mais, e foi a primeira a abolir o DRM, uma experiência que está sendo seguida agora pelas demais companhias, eu digo companhias como a Universal, como a Warner, não estou dizendo dos independentes que sempre tiveram na ferramenta da distribuição e do marketing o grande gargalo para divulgar a sua música, o seu conteúdo. Com a internet chegando esse gargalo de distribuir o conteúdo e de fazer o marketing, sem fórmulas financeiramente muito complicadas, quem é artista independente sabe exatamente o que eu estou dizendo, tem na internet um grande canal de divulgação. A indústria está passando por um momento que ela está tendo uma experiência nova fazendo, aprendendo a fazer.

Falando um pouco também sobre isso, o primeiro slide diz exatamente da transformação do modelo de negócio, a pirâmide invertida justamente denota o consumidor, ou seja, quem é verdadeiramente o protagonista de tudo o que está acontecendo, verdadeiramente ele quer se divertir, verdadeiramente ele quer ter acesso a tudo, se possível ontem de manhã e se possível de graça. Eu acho que a gravadora, de novo, não estou falando em nome de todas as internacionais, mas a gravadora não é contra o conteúdo ser acessado grátis pelo consumidor, a questão é um pouco diferente quando a gente fala que o conteúdo precisa ser remunerado, porque a gente precisa remunerar o artista, nós precisamos remunerar os autores. Então existe uma diferença entre ter um conteúdo grátis e não remunerar ninguém.

No segundo slide, já na metade da apresentação, a gente vai falar um pouco de como são os novos modelos de negócio e como isso, de novo, é respeitado, Tem que ser criativo porque afinal de contas a gente tem que fazer melhor amanhã o que a gente está fazendo hoje certo, respeitando e com isso nós vamos ter cada vez mais oportunidades. No momento em que a música nunca foi tão falada no mundo, a indústria da música nunca ganhou tão pouco.

Quando a gente fala em um milhão de arquivos, um bilhão de arquivos, dois bilhões de músicas compartilhadas e imagina que isso não traz nenhum tipo de prejuízo, por menor que ele seja, é um exercício matemático um pouco difícil de compreender. Sobretudo porque, a exemplo do que ocorreu em outros mercados, a música hoje, como o vídeo, como o game, como o entretenimento, é muito buscada por empresas que cada vez mais precisam estender a sua marca para o consumidor. Esse mesmo consumidor protagonista de todo esse efeito é e representa hoje um grande lugar de destaque. Ele quer se divertir e ele tem poucas ou nenhuma regra. Então, de que forma o provedor de conteúdo, seja a gravadora, ou o artista, que ao contrário tem muitas regras e pouco tempo, conseguem reunir criatividade, rapidez, legalidade, respeito aos direitos autorais, direitos artísticos, para tratar e distribuir a sua música ao consumidor? É entendendo exatamente essa figura do consumidor e dando um tiro no próprio pé da indústria, que sempre fez o papel meio que ao contrário, criou a sua musica, distribuiu de uma forma sem estar muito envolvida com o consumidor, sem querer saber que lado da cama ele se deita, que lado da cama ele se levanta. A gente tem dois milhões de

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19 EMIMusic

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músicas digitalizadas e com certeza a gente tem música para quem levanta do lado direito da cama e para quem se deita do lado esquerdo da cama. Então o papel do distribuidor, que hoje junto com a indústria está rediscutindo o verdadeiro modelo de negócio que é: como a gente consegue seguir ganhando dinheiro, atendendo às vontades do consumidor? O modelo de negócio mudou, hoje nós somos reféns da vontade única do consumidor. Se ele gosta de uma música ele vai lá e compra, baixa, compartilha... Identificar exatamente essa vontade do consumidor para poder se antecipar a esse tipo de oportunidade comercial é hoje o grande papel, é hoje o grande desafio. Do lado da gravadora e das editoras, eu acho que elas nunca estiveram tão juntas. Eu trabalho há algumas décadas e sempre digo que nos últimos dois anos, que foi quando somei o desafio de começar a fazer os contratos digitais de distribuir a nossa música, eu nunca aprendi tanto com uma editora. Tem aqui duas figuras que são responsáveis por grande parte das edições musicais no Brasil, parceiros que já trabalharam comigo, quando as gravadoras eram em maior número, hoje elas são em menor. Eu nunca aprendi tanto. Hoje no Brasil você tem que ter antecipação, você tem que estar olhando o que você vai fazer com muita antecedência. Então, planejamento, organização, enfim, tudo isso que eram atividades que você pouco ou mal fazia, você hoje tem que ter muito mais tranqüilidade, muito mais empenho para conseguir isso. O DRM Free, ou o DRM nesse caso, ele, como foi dito hoje, desmistificando um pouco na palestra hoje de tarde, ele também é uma ferramenta, é uma forma de gerir o negócio. A gente vai falar um pouco sobre isso agora, porque eu tenho que apresentar o segundo slide, que é exatamente como que a indústria hoje no Brasil está. Esses são os tipos de negócio existentes na música digital do Brasil oficial, remunerando artista, remunerando editora. O amarelo claro e o amarelo um pouco mais escuro são a Internet, o mais claro a gente tem o download e o streaming, 6,4% do resultado da indústria até junho. Lembrando que o download ele é um terço disso, ou seja, é possível imaginar que 1,7% da receita digital de música de todas as gravadoras no Brasil, de todos os parceiros ele é proveniente da música baixada pela Internet. Os outros dois terços disso são vídeo-streaming, ou seja, a gente também tem um modelo de negócio para isso, aí tem a MTV, tem o My Space, tem uma série de outras histórias. O amarelo mais escuro são as assinaturas, ou seja, um modelo de negócio digital muito semelhante ao que o consumidor brasileiro sobretudo deseja, que é muita música, pagando pouco para ter acesso, além do seu horóscopo e da previsão do tempo, para ter música para você poder escutar sem baixar. Nesse momento o DRM aí é necessário, porque a partir do momento em que eu deixo de pagar uma assinatura no portal eu tenho que ser reconhecido que eu deixei de pagar, porque quem vai remunerar a música, os seus autores, os seus artistas é justamente o valor da assinatura. Então, o DRM como gestão, digamos, como uma ferramenta para poder identificar isso ele cumpre esse papel. À direita é o celular, ou seja, são aqueles trinta segundos que vocês têm aqueles toques digitais, ou seja, quase trinta por cento do negócio hoje de música se diz ao sucesso que efetivamente é baixado no seu celular. Eu posso estimar aqui pelo menos 25 a 30 por cento disso de músicas de sucesso. Ou seja, as pessoas pagam 4 a 5 reais para baixar e para ter um toque do celular, a “dança do créu”, o “beber, cair, levantar”, temas super populares. Pagam metade de um CD, pagam o preço de um CD pirata, por conta de ter sido remunerado o artista, ou seja, o consumidor que quer se divertir, quer ter uma boa experiência com a música. Os outros 70 por cento são exatamente o que eu digo que são as grandes empresas que querem estender a sua marca e identificam na música, no vídeo, no entretenimento, no game uma boa chance para se comunicar com a juventude. Aquela fatia de 16 a 34 anos que já não compra mais discos, então a gente tem dentro desses negócios a Nokia, que vende para a América Latina quase um Brasil de celulares. O Brasil tem 130 e poucos milhões de celulares. Então as empresas que podem pagar pela música para ter associada a sua marca e por extensão para se comunicar com o consumidor. O que é que eles estão procurando? Muito bem, procurando jovens de 15 a 25 anos que gostem de se socializar em festas, querendo fazer parte de determinadas tribos e que estão atentos à moda. Quem é editor musical, quem é autor, vamos procurar compositores com esse perfil, estudar, compartilhar. Tem também os maiores de 25 anos que gostam de tecnologia, buscam novos valores, inovações, soluções. Muito bom ter a minha marca associada com esse tipo de público. Então o DRM ele passeia por aí, ou seja, na parte da assinatura, o conteúdo não é baixado, mas você pode compartilhar, você precisa de um gerenciador para te dizer que hora eu esqueci de pagar a bendita conta. Então o DRM ele passeia por várias oportunidades por aí, mas ele efetivamente ele vai ser tirado das nossas faixas do Brasil a partir de mais dois meses. 1,6% do mercado, que é digital download, ou seja, é baixar música na Internet, nos portais de música, essa é toda a polemica, é toda a celeuma em relação a essa história. Mas, por que foi feito isso lá fora, por que tiraram o DRM de lá de fora também? Evidentemente porque representava mais do que isso

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O próximo slide vai dizer um pouco disso, da nossa experiência e de como essa medida foi tomada. Só voltando, hoje, em 2007, o mercado digital de música oficial, comparado ao mercado oficial CD e DVD, representou menos de 9%. É muito pouco porque tem muita produção, a gente precisa investir mais em música, a gente precisa ter o dinheiro voltando, o dinheiro que de uma certa maneira se perde em trocas de conteúdo, isso tem que voltar, a gente precisa pagar os autores que compuseram isso e os artistas que interpretaram, a gente não é contra ser tudo grátis, a gente é contra não ter condições de remunerar as pessoas. Existem formas de agregar novos serviços, vou dar um exemplo aqui do Cold Play, que lançou disco recentemente. Ele liberou a música no site, fantástico. Fez acordo com a editora, uma estratégia da gravadora, foi maravilhoso. Milhões de consumidores foram no site e tiveram acesso à música, só que deixaram seus dados, deixaram a idade, o que faziam, uma forma de comunicar, ou seja, deixaram um database fantástico que você podia utilizar de novo. Identificar o seu verdadeiro fã, respeitá-lo e brindá-lo. Nós temos uma experiência com DRM Free. Essa experiência que eu quero compartilhar com vocês. Podemos concluir que depois que se introduziu o DRM Free no ITunes a venda dos álbuns cresceu após 5 semanas e já representava 46% do total vendido. Então, funcionou? Funcionou. A venda aumentou. Isso álbuns. Com relação às faixas, houve um pequeno crescimento de 3,1%. Mas o que a gente notou é que o consumidor deixou de comprar com proteção e substituiu pelo arquivo sem proteção, mas a venda não aumentou. A participação do DRM Free também tanto no mercado americano, Japão, inglês e na Comunidade Européia não foi tão diferente, porque nos Estados Unidos as faixas avulsas, sem DRM, representaram 15%, mas a venda não aumentou. No Japão 40%, mas a venda também não aumentou muito. Na Inglaterra 28 e na Comunidade Européia 36. São números de um ano atrás. Os álbuns sim, nos álbuns as vendas aumentaram em torno de 50% nos Estados Unidos, 57 no Japão, perdão, os álbuns 49% é o que representa a venda de álbum no DRM Free, 57 no Japão, 40% na Inglaterra e 59 na Comunidade Européia. A gente vê claramente aí que o consumidor realmente quer ter mais acesso, quer ter mais liberdade, quer ter mais oportunidade, quer ter mais conteúdo, se possível pagando pouco. Para terminar, a venda de DRM Free e de digital download no mundo, ao contrário do Brasil, que é 1,6%, é 49%, ou seja, metade do que vende de música digital no mundo é através da Internet. Então eu acho que dá para ter uma idéia da importância de se ter cada vez mais uma experiência de saber de que forma vai ser a música e de que forma que a gente vai compartilhar novas experiências com todos, mas sempre em respeito a poder entrar dinheiro, conseguir identificar um bom talento, gravar, distribuir, remunerar, pagar os autores e os artistas. Eu estou muito feliz por estar aqui também, eu acho que essa conversa ela é muito oportuna, a gente está fazendo parte sempre do lado da solução e não do lado do problema. Eu acho que serviu para a gente estar conversando bastante. O Fórum é interessante para a gente discutir isso, boas idéias são sempre bem vindas e a indústria está também para desempenhar um papel mais adequado, ela sempre falou 100% e ouviu 0%. Agora precisa realmente ouvir 50% e falar 50%. Muito justo. Obrigado.

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MESA 4USOS EDUCACIONAIS DE CONTEÚDOS PROTEGIDOS

PALESTRA DE DALTON SPENCER MORATO FILHO 20

Dentre os possíveis usos de uma obra intelectual, a reprodução – física ou digital – do seu conteúdo merece destaque por ser a mais abrangente e comum. Nesse cenário, a reprodução de obras literárias por centros de cópias estabelecidos no interior e nos arredores dos campi de Instituições de Ensino Superior e, o seu respectivo comércio, ganha importância para o presente debate. A Constituição Federal Brasileira estabelece como garantia fundamental o direito exclusivo do autor utilizar, publicar ou reproduzir sua obra21. Regulamentando esse dispositivo constitucional a Lei Federal nº 9.610/98 (“Lei de Direitos Autorais”) atribuiu direitos morais e patrimoniais sobre a obra intelectual ao seu autor, e estabeleceu limites para o uso das obras protegidas. Enquanto a Lei de Direitos Autorais relacionou de forma taxativa22 os direitos morais de titularidade do autor, as formas de utilização das obras – os chamados direitos patrimoniais – foram listadas em rol exemplificativo23. Os limites estabelecidos para o uso das obras protegidas naturalmente aplicam-se para os direitos patrimoniais da obra intelectual, e disciplinam o seu uso independentemente de autorização do titular do direito autoral, por pressupor que a razoabilidade de tal uso não prejudica a exploração comercial da obra. Trata-se do chamado uso lícito da obra. O uso lícito das obras compreende as hipóteses legais de uso privado e de uso público. O uso privado ocorre no âmbito reservado do indivíduo, no qual inexiste o aproveitamento coletivo da obra, e se dá na cópia privada e na representação teatral e execução musical realizadas no recesso familiar24. Já o uso público trata das formas de utilização coletiva das obras, como a citação, a reprodução parcial de obras preexistentes em compilações, as paráfrases e paródias, a reprodução de obras situadas permanentemente em logradouros públicos25. Das modalidades de uso privado da obra, a cópia privada é mais lembrada. Sua definição está prevista no inciso II, do artigo 46, da Lei de Direitos Autorais que estabelece não constituir ofensa “a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”. Nesses termos, a cópia privada, no direito brasileiro, é a reprodução de pequenos trechos realizada em apenas um exemplar de cada obra, pelo próprio copista e para seu uso privado, sem intuito de lucro. Considerando ser regra legal26 e mandamento constitucional27 a proteção ao direito de autor, qualquer limitação a esse direito é tida como exceção, e assim há de ser interpretada. As exceções ao direito de autor são específicas e fechadas. Constituem numerus clausus e não podem, por isso mesmo, estender-se além daquilo que o texto legal fixou28. Seja na limitação do artigo 46, inciso II, da Lei de Direitos Autorais, sejam nas demais limitações previstas em outros dispositivos desse mesmo estatuto legal, prevalece a interpretação estrita, de sorte que sempre devem ser respeitados todos os requisitos expostos29. Assim, tal exceção deve ser considerada nos exatos termos da lei. Nesse sentido, o legislador brasileiro estabeleceu30 cinco critérios cumulativos para a cópia privada ser considerada lícita, a saber – (i) reprodução em um só exemplar; (ii) reprodução feita pelo próprio copista; (iii) reprodução de pequenos trechos; (iv) reprodução destinada ao uso privado do copista; e (v) reprodução sem intuito de lucro. Todos esses requisitos devem estar simultaneamente presentes, em outras palavras, se um requisito não estiver presente, a cópia deixa de ser lícita, e sujeita o copista às sanções civis previstas em lei e a perdas e danos31.

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20 Advogado graduado pela PUC/SP. Especialista em propriedade intelectual pela Fundação Getúlio Vargas. Mestrando em direitos internacionais pela PUC/SP. Conselheiro Suplente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria do Ministério da Justiça nos anos de 2005 e 2006. Diretor Conselheiro do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade. Membro do Tribunal de Ética da OAB/SP desde 2007. Consultor jurídico da ABDR.21 Constituição Federal, art. 5°, inciso XXVII.22 Art. 24, Lei de Direitos Autorais.23 Art. 29, Lei de Direitos Autorais. 24 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 59.25 SANTOS, Manoel J. Pereira dos. O Futuro do Uso Privado no Direito Autoral. Revista de Direito Autoral número II, p. 45. 26 Lei de Direitos Autorais, artigo 28.27 Constituição Federal, artigo 5º, XXVII.28 CABRAL, Plínio. A nova Lei de Direitos Autorais: comentários. São Paulo:Harbra, 2003, p. 70.29 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit. p. 71.30 Lei Federal 9.610/98, artigo 46, inciso II.31 Lei Federal 9.610/98, artigos 102 e 103, parágrafo único.

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Ao comentar os critérios cumulativos do artigo 46, inciso II, da Lei de Direitos Autorais, Plínio Cabral doutrina32:

1) é permitida a reprodução em um só exemplar. Não é permitido copiar trechos em vários exemplares – às vezes até milhares – para atender classes inteiras, ou, ainda, para colocá-las a disposição pública em grandes quantidades, recheando as vergonhosas ‘pastas dos professores’. A cópia é e deve ser de apenas um exemplar; 2) essa cópia deve ser apenas de pequenos trechos. Não se pode copiar o livro inteiro, nem a metade, nem sua parte substancial, onde estão, por exemplo, os exercícios básicos da matéria. O bom senso indica que ‘pequeno trecho’ é uma parcela mínima do objeto copiado; 3) para uso privado do copista: isto quer dizer que se trata de uma cópia para estudo ou guarda – a destinação é irrelevante – mas deve ser para uso do copista e jamais para estoque e venda; 4) a cópia deve ser feita pelo copista. A lei diz ‘desde que feita por este.’ Mesmo que se admita que o copista não irá, ele mesmo, manipular a máquina copiadora, este ato não poderá ser praticado em forma de compra e venda, num balcão de ofertas, às vezes até com estoque e encadernação pirata, sob pagamento. A transação comercial, nesses moldes, implica lucro, o que nos remete ao final desse item; 5) não pode haver intuito de lucro, o que exclui qualquer prática de comércio.

Assim sendo, nas reproduções de livros realizadas pelos centros de cópias existentes nos campi universitários não são observados os requisitos cumulativos estabelecidos no artigo 46, II, da Lei de Direitos Autorais, na medida em que: i) reproduzem trechos da mesma obra várias vezes; ii) reproduzem uma parcela da obra muito superior a pequenos trechos (como o livro inteiro, metade do livro, ou sua parte substancial); iii) reproduzem livros para estoque e venda, e não para o seu estudo ou guarda; e iv) reproduzem livros com finalidade lucrativa. Havendo a venda da reprodução da obra e a respectiva cobrança pelo material reproduzido, incluindo-se o lucro do proprietário do centro de cópias, revela-se a existência de vantagem econômica – o que afasta a aplicação do inciso II do artigo 46, da Lei de Direitos Autorais, independentemente da configuração dessa reprodução como pequeno trecho. No caso de centros de cópias reproduzirem obras literárias sob pagamento, esse pagamento configura uma mera contraprestação por um serviço de fotocópia, ou configura um lucro? Configura um lucro de forma inequívoca.Acerca desse tema Plínio Cabral33 leciona que “quem manda copiar um livro para seu uso, tem intuito de lucro. Mas o copista, que vende essa cópia, não está tendo lucro? Certamente que sim. É o seu comércio, a sua empresa. Razão tinha o Prof. Antônio Chaves quando, em 1997, dizia:

Mas já é chegado o momento de submeter a uma revisão, ou melhor, eliminar completamente essa absurda idéia do intuito de lucro, que jamais foi considerado na regulamentação de qualquer outra atividade humana a não ser a do autor. (Tese apresentada na Primeira Conferência de Direito Autoral – São Paulo, 8 de junho de 1997)

Prosseguindo em seu escólio Plínio Cabral afirma que não faz sentido algum ter ou não ter lucro. A ninguém é dado aproveitar-se do trabalho de outrem, seja a que título for. Além dessa vedação de aproveitamento do trabalho de outrem, Delia Lipszyc (1993) tratando do problema da cópia, e do copista, diz: “...implica que o exemplar produzido é para utilização exclusiva do copista, que este é uma pessoa física e que a cópia não sairá de seu âmbito pessoal, isto é, que não será utilizada em forma coletiva e nem será posta em circulação, com ou sem fim de lucro.”34 Para essa Autora a cópia feita por empresa (como os centros de cópias) é inconcebível.Ainda, acrescenta-se que a reprodução de obras realizada por centros de cópias representa a cópia feita por terceiro35, e assim não se beneficia da isenção legal, estando sujeita não só à prévia e expressa autorização como ao pagamento de direitos autorais.Assim, nos termos do disposto no artigo 46, II, da Lei de Direitos Autorais, a ilegalidade da atividade exercida pelos centros de cópias se dá pela cobrança das cópias de livros que realizam, e não pelo número de páginas de livros que reproduzem. Nesse mesmo sentido, Eduardo Vieira Manso36 analisando o tema reprografia nos termos da Lei Federal 5.988/73 (antiga Lei de Direitos Autorais) ensina:

Assim, enquanto o interessado na obtenção da cópia visa unicamente a utilizar a obra para fins meramente intelectuais, fazendo estrito uso privado da própria obra segundo a natureza desta, aquela pessoa (no geral uma pessoa jurídica) que possui a máquina copiadora estará tirando um proveito econômico da mesma obra mediante um preço que cobra pela cópia que fornece. Há, pois, em cena, dois interesses que se satisfazem com diferentes formas de usar a obra: um, tira-lhe o proveito natural, que é a sua utilização intelectual (para a qual se vale da cópia); outro, um proveito anormal, quando não devidamente autorizado para tal.

Abordando a questão da reprografia realizada em centros de cópias, Luiz Gonzaga Silva Adolfo37

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32 CABRAL, Plínio. Op. cit. p. 72.33 CABRAL, Plínio. Op. cit. p. 71.34 CABRAL, Plínio. Op. cit. p. 73.35 SIVEIRA, Newton. A Propriedade Intelectual e as Novas Leis Autorais. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 68.36 MANSO, Eduardo Vieira. Direito Autoral: exceções impostas aos direitos autorais. São Paulo: José Bushatsky, 1980, p. 90.37 ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. As Limitações ao Direito de Autor na Legislação Autoral Brasileira. Revis-ta de Direito Autoral número II, p. 25.

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doutrina – “Observe-se que um interessado que procura reprografia para fazer a fotocópia de um livro até não poderia ter intuito de lucro, mas não há dúvida de que o proprietário da empresa tem lucro, e fabuloso”. Aliás, a reprografia de obras literárias e o seu comércio por centros de cópias estabelecidos nos campi universitários e nos seus arredores, vêm sendo apontados como as principais causas da diminuição do setor editorial brasileiro. Explica-se. Em 1995, havia 1.760.000 alunos matriculados em Instituições de Ensino Superior, em 2003 – 3.887.00038. Em 1995, existiam 894 Instituições de Ensino Superior, em 2003 esse número saltou para 1.85939. Diante desses números seria natural supor que o número de exemplares de livros técnicos, científicos, e profissionais (também conhecidos como livros universitários) aumentaria em igual proporção. Ao contrário de suposições naturais, o número de exemplares de livros universitários no Brasil caiu, ou melhor despencou, de 30.636.000 exemplares, em 1995, para 16.875.000 em 200440, uma queda superior a 44%. Quase nesse mesmo período (de 1992 a 2003) a renda média do trabalhador brasileiro cresceu 16,3%41. A continuar essa queda, a atividade econômica voltada para o setor editorial de livros universitários tornar-se-á inviável economicamente e não será mais exercida. Atento a essa triste realidade o setor editorial brasileiro, de forma inédita e inovadora, capitaneado pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), criou e desenvolveu o portal Pasta do Professor (www.pastadoprofessor.com.br). Esse portal objetiva disponibilizar o conteúdo de obras literárias para aquisição de forma parcial e, assim, atender o interesse de estudantes de adquirir apenas partes dos livros tradicionalmente disponíveis nas livrarias, bem como partes dos livros indicados como bibliografia complementar dos cursos ao longo do ano letivo. O portal “pastadoprofessor.com.br” foi criado para atender a demanda dos alunos em adquirir conteúdo de suas bibliografias de forma fracionada. Sua criação levou em conta o respeito ao direito autoral e editorial, e visa assegurar a atratividade para os autores e editoras continuarem a investir na expansão do acervo de conteúdo em português para a crescente população de alunos brasileiros. O portal permite aos autores e editoras disponibilizar os conteúdos das obras literárias de forma fracionada, para acesso sob demanda, e que os professores/líderes de disciplinas criem “pastas do professor” virtuais, com a seleção de conteúdo de suas bibliografias. Os alunos e leitores podem adquirir os conteúdos que estão nestas pastas virtuais de acordo com a sua necessidade, bem como podem incluir outros conteúdos disponíveis na plataforma e que possivelmente não tenham sido pré-selecionados nas “pastas do professor” virtuais. Os conteúdos são comercializados pelos pontos de venda filiados e homologados. A iniciativa pretende filiar e homologar livrarias físicas, livrarias on-line e os centros de cópias. Todos os conteúdos poderão ser adquiridos em qualquer um dos pontos de venda, o que assegurará sempre a melhor relação custo/benefício para os alunos e leitores. Os valores pagos incluem os direitos autorais e editoriais e os custos de impressão da seleção de conteúdos.

Os conteúdos impressos incluem uma marca d’água que identifica o comprador e o parceiro de impressão, ressaltando o caráter pessoal e intransferível do que é alienado pela plataforma.

O portal “pastadoprofessor.com.br” representa a resposta do setor editorial brasileiro às demandas da sociedade, e é responsável pela criação das bases para novas formas de distribuição de conteúdo – sempre respeitando a criação intelectual. Além disso, representa uma oportunidade para as empresas de cópias desenvolverem sua atividade em conformidade com a Lei de Direitos Autorais e para os tradicionais canais de distribuição – as livrarias – reforçar a sua participação no mercado de conteúdo voltado para a educação. Caso esse portal não seja adotado em sua plenitude, a reprografia não autorizada de obras literárias e o seu comércio por empresas de cópias continuará a ocorrer. Diante desse cenário apresenta-se a seguinte questão para nossa reflexão – as empresas de cópias estabelecidas nos campi e nos arredores de Instituições de Ensino Superior que armazenam pastas com cópias parciais de livros, destinadas a alienação para qualquer interessado, revelam um uso razoável das obras literárias, que não prejudicaria a sua exploração? Os números acima comprovam que não.______________

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38 Fonte: MEC/Senso INEP.39 Fonte: MEC/Senso INEP.40 Fonte: Câmara Brasileira do Livro.41 Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio.

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A ECONOMIA DO CONHECIMENTO42

Ladislau Dowbor43

A mudança nas tecnologias da informação e da comunicação e a generalização de processos produtivos mais intensivos em conhecimento estão reduzindo o peso relativo dos insumos materiais que outrora constituiam o fator principal de produção. O conhecimento é um fator de produção? Como se desenvolve a teoria do que Castells chamou de “novo paradigma sócio-técnico”? Castells introduz a categoria interessante de fatores informativos de produção, que nos leva a uma questão básica: o conhecimento se regula de maneira adequada através dos mecanismos de mercado, como por exemplo os bens e serviços no quadro de uma economia industrial?44

O deslocamento do eixo principal de formação do valor das mercadorias do capital fixo para o conhecimento nos obriga a uma revisão em profundidade do próprio conceito de modo de produção. André Gorz coloca o dedo no ponto preciso ao considerar que “os meios de produção se tornaram apropriáveis e suscetíveis de serem partilhados. O computador aparece como o instrumento universal, universalmente acessível, por meio do qual todos os saberes e todas as atividades podem, em princípio, ser partilhados”.45

A economia do conhecimento está apenas nascendo. Lawrence Lessig nos traz uma análise sistemática e equilibrada deste desafio maior que hoje enfrentamos: a gestão da informação e do conhecimento. O livro de Lessig, focando de maneira precisa como se desenvolve a conectividade planetária, leva cada questão – a da apropriação dos meios físicos de transmissão, a do controle dos códigos de acesso, a do gerenciamento dos conteúdos – a um nível que permite uma avaliação realista e a formulação de propostas práticas. O livro anterior dele, Code, já marcou época. O The Future of Ideas é simplesmente brilhante em termos de riqueza de fontes, de simplicidade na exposição, de ordenamento dos argumentos em torno das questões chave.46 Andamos todos um tanto fracos na compreensão destas novas dinâmicas, oscilando entre visões tétricas do Grande Irmão, ou uma idílica visão da multiplicação das fontes e meios que levariam a uma democratização geral do conhecimento. A realidade, como em tantas questões, é que as simplificações não bastam, e que devemos fazer a lição de casa, estudar o que está acontecendo. Tomemos como ponto de partida o fato que hoje, quando pagamos um produto, 25% do que pagamos é para pagar o produto, e 75% para pagar a pesquisa, o design, as estratégias de marketing, a publicidade, os advogados, os contadores, as relações públicas, os chamados “intangíveis”, e que Gorz chama de ‘o imaterial’. É uma cifra vaga mas razoável, e não é a precisão que nos interessa aqui. Interessa-nos o fato do valor agregado de um produto residir cada vez mais no conhecimento incorporado. Ou seja, o conhecimento, a informação organizada, representam um fator de produção, um capital econômico de primeira linha. A lógica econômica do conhecimento, no entanto, é diferente da que rege a produção física. O produto físico entregue por uma pessoa deixa de lhe pertencer, enquanto um conhecimento passado a outra pessoa continua com ela, e pode estimular na outra pessoa visões que irão gerar mais conhecimentos e inovações. Em termos sociais, portanto, a sociedade do conhecimento acomoda-se mal da apropriação privada: envolve um produto que, quando socializado, se multiplica. Portanto, o valor agregado ao produto pelo conhecimento incorporado só se transforma em preço, e consequentemente em lucro maior, quando este conhecimento é impedido de se difundir. A batalha do século XX, centrada na propriedade dos meios de produção, evolui para a batalha da propriedade intelectual do século XXI. De certa maneira, temos aqui uma grande tensão, de uma sociedade que evolui para o conhecimento, mas regendo-se por leis da era industrial. O essencial aqui, é que o conhecimento é indefinidamente reproduzível, e portanto só se transforma em valor monetário quando apropriado por alguém, e quando quem dele se apropria coloca um pedágio, “direitos”, para se ter acesso. Para os que tentam controlar o acesso ao conhecimento, este só tem valor ao se criar artificialmente, por meio de leis e repressão e não por mecanismos econômicos, a escassez. Por simples natureza técnica do processo, a aplicação à era do conhecimento das leis da reprodução da era industrial trava o acesso. Curiosamente, impedir a livre circulação de idéias e de criação artística tornou-se um fator, por parte das corporações, de pedidos de maior intervenção do Estado. Os mesmos interesses que levaram a corporação a globalizar o território para facilitar a circulação de bens, levam-na a fragmentar e a dificultar a circulação do conhecimento.

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42 O presente texto é parte de uma pesquisa mais ampla disponível na publicação Democracia Econômica (Ed. Vozes, 2008 e http://dowbor.org).43 Pontifícia Universidade Católica/SP.44 M. Castells – The rise of the network society, vol. I, p. 75 – Castells considera que este novo fator de produção exige intervenção do Estado: “Deregulation and privatization may be elements of states’ development strategy, but their impact on economic growth will depend on the actual content of these measures and on their linkage to strategies of positive in-tervention, such as technological and educational policies to enhance the country’s endowment in informational production factors” (id., ibid., p. 90).45 André Gorz – O Imaterial: conhecimento, valor e capital – Ed. Annablume, São Paulo, 2005, p. 21. O original francés, L’immatériel, foi publicado em 2003.46 The Future of Ideas: the Fate of the Commons in a Connected World – Random House, New York, 2001, 340 p.

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A questão central de como produzimos, utilizamos e divulgamos o conhecimento envolve portanto um dilema: por um lado, é justo que quem se esforçou para desenvolver conhecimento novo seja remunerado pelo seu esforço. Por outro lado, apropriar-se de uma idéia como se fosse um produto material termina por matar o esforço de inovação. Lessig nos traz o exemplo de diretores de cinema nos Estados Unidos que hoje filmam com advogados na equipe: filmar uma cena de rua onde aparece por acaso um outdoor pode levar imediatamente a que a empresa de publicidade exija compensações; filmar o quarto de um adolescente exige uma longa análise jurídica, pois cada flâmula, poster ou quadro pode envolver uso indevido de imagem, gerando outras contestações. A propriedade intelectual não tem limites? Numa universidade americana, com a compra das revistas científicas por grandes grupos econômicos, um professor que distribuiu aos seus alunos cópias do seu próprio artigo foi considerado culpado de pirataria. Poderia quando muito exigir dos seus alunos que comprem a revista onde está o seu artigo. Todos conhecem o absurdo patente concedido à Amazon, proibindo outras empresas de utilizar o “one-click” para compras. Um raciocínio de bom senso é que se o “one-click” é bom, deve ter dado lucro à Amazon, que é a forma normal de uma empresa se ver retribuída por uma inovação, e não impedindo outras de utilizar um processo que já era de domínio público. Estamos na realidade travando a difusão do progresso, em vez de facilitá-la. Lessig parte da visão – explícita na Constituição americana – de que o esforço de desenvolvimento do conhecimento deve ser remunerado, mas o conhecimento em sí não constitui uma “propriedade” no sentido comum. Por exemplo, numerosos copyrights são propriedade de empresas que por alguma razão não têm interesse em utilizar ou desenvolver o conhecimento correspondente, ficando assim uma área congelada. Em outros países, prevalece o princípio de “use it or lose it”, de que uma pessoa ou empresa não pode paralisar, através de patentes ou de copyrights, uma área de conhecimento. O conhecimento tem uma função social. O meu carro não deixa de ser meu se eu o esqueço na garagem. Mas idéias são diferentes, não devem ser trancadas, o seu desenvolvimento por outros não deve ser impedido. Na base desta visão está o fato de que o conhecimento não nasce isolado. Toda inovação se apoia em milhares de avanços em outros períodos, em outros países, e com o crescente encalacramento jurídico multiplicam-se as áreas ou os casos em que realizar uma pesquisa envolve tantas complicações jurídicas que as pessoas simplesmente desistem, ou a deixam para mega-empresas com seus imensos departamentos jurídicos. A inovação, o trabalho criativo, não é só um “output”, é também um “input” que parte de inúmeros esforços de pessoas e empresas diferentes. Precisa de um ambiente aberto de colaboração. A inovação é um processo socialmente construido, e deve haver limites à sua apropriação individual. O problema se agrava drásticamente quando não só as idéias, como os veículos da sua transmissão, passam a ser controlados. Quando uma produtora de Hollywood controla não só a produção de conteúdos (o filme), mas também os diversos canais de distribuição e até salas de cinema, o resultado é que a liberdade de circulação de idéias se desequilibra radicalmente. Lessig constata que filmes estrangeiros nos Estados Unidos, que representavam há poucos anos 10% da bilheteria, hoje representam 0,5%, gerando uma cultura perigosamente isolada do mundo. O que está acontecendo, com o controle progressivo dos três níveis – infraestrutura física, códigos e conteúdos – é que a liberdade de circulação das idéias, inclusive na internet, está se restringindo rapidamente. Grandes empresas não param de vasculhar os nossos computadores, através dos “spiders” ou “bots”, para ver se por acaso não mencionamos sem as devidas autorizações o nome ou um grupo de idéias protegidas. Um texto de 1813 de Thomas Jefferson, citado no livro, é neste sentido muito eloquente: “Se há uma coisa que a natureza fez que é menos suscetível que todas as outras de propriedade exclusiva, esta coisa é a ação do poder de pensamento que chamamos de idéia....Que as idéias devam se expandir livremente de uma pessoa para outra, por todo o globo, para a instrução moral e mútua do homem, e o avanço de sua condição, parece ter sido particularmente e benevolmente desenhado pela natureza, quando ela as tornou, como o fogo, passíveis de expansão por todo o espaço, sem reduzir a sua densidade em nenhum ponto, e como o ar no qual respiramos, nos movemos e existimos fisicamente, incapazes de confinamento, ou de apropriação exclusiva. Invenções não podem, por natureza, ser objeto de propriedade.”47 Uma empresa que instala uma das infraestruturas importantes que é o cabo é proprietária deste cabo. Mas ela pode ditar quem pode ou quem não pode ter acesso para transmitir neste cabo? Uma empresa pode encontrar incentivo econômico em fazer acordos com outras empresas, garantindo exclusividade, um tipo de curral de comunicação. A Disney batalhou duramente, por exemplo, para ter este tipo de exclusividade. A crueza das batalhas empresariais neste plano abre pouco espaço para o fim último de todo o processo, tão bem expresso por Thomas Jefferson, que é a utilidade social da circulação das idéias. Um governo

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47 Lessig, op. cit p. 94, citando T. Jefferson : “If nature has made any one thing less susceptible than all others of exclusive property, it is the action of the thinking power called an idea…That ideas should freely spread from one to another over the globe, for the moral and mutual instruction of man, and improvement of his condition, seems to have been peculiarly and benevolently designed by nature, when she made them, like fire, expansible over all space, without lessening their density at any point, and like the air in which we breathe, move, and have our physical being, incapable of confinement, or exclusive appropriation. Inventions then cannot, in nature, be a subject of property”. (p.94)

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pode até privatizar a manutenção de uma estrada, e autorizar pedágio, mas assegura o seu caráter público, nenhuma administradora pode impedir o livre acesso de qualquer pessoa a esta estrada. E na infovia, como funciona? Em muitas cidades americanas, como Chicago, a prefeitura está instalando cabos públicos, para assegurar que os usuários possam receber e transmitir o que querem, reduzindo a pressão de empresas privadas para fazer acordos de acesso exclusivo para determinado tipo de clientes. No Canadá, o processo está se generalizando, em reação aos controles que as empresas estão instalando. Como as estradas, as infovias devem constituir os chamados commons, espaços comuns que permitem que os espaços privados comuniquem, interajam com liberdade. A análise detalhada do uso do espectro de ondas de rádio e TV é neste sentido muito significativa. Na prática, o governo americano concede faixas do espectro a gigantes da comunicação, como o fazemos no Brasil, eliminando virtualmente a possibilidade de cada comunidade ter os seus meios de comunicação, coisa hoje técnicamente perfeitamente possível e barata. O que nos repetem sempre, é que o espectro é limitado, e portanto deve ser atribuído a alguns, e estes alguns naturalmente monopolizam o acesso. O primeiro fato é que a emissão de curto alcance (low power radio service) é perfeitamente possível, e não deveria ser condenada como pirataria. O segundo, mais importante, é que a idéia do espectro ser limitado é defendida pelas empresas, mas é verdadeira apenas porque utilizam tecnologias que desperdiçam o espectro: como têm o monopólio, não se interessam por exemplo pelo compartilhamento de faixas (software defined radios) que permitem utilizar as ondas da mesma forma que em outros meios, aproveitando os “silêncios” e subutilizações de espectro para assegurar diversas comunicações simultâneas, como hoje acontece em qualquer linha telefônica. Lessig é duro com esse impressionante desperdicio de uma riqueza tão importante – e natural, não foi criada por ninguém, tanto assim que é concedida por licença pública – que é o espectro eletromagnético: “Poluição é precisamente a maneira como deveríamos considerar estas velhas formas de uso do espectro: torres grandes e estúpidas invadem o éter com emissões poderosas, tornando inviável o florecimento de usos em menor escala, menos barulhentos e mais eficientes…A televisão comercial, por exemplo, é um desperdiçador exraordinário de espectro; na maior parte dos contextos, o ideal seria transferi-la do ar para fios.”48 Lessig é um pragmático. No caso do espectro, por exemplo, propõe que se expanda em cada segmento do espectro uma faixa de livre acesso, equilibrando a apropriação privada. Nas várias áreas analisadas, busca soluções que permitam a todos sobreviver. Mas a sua preocupação é clara. Em livre tradução, “a tecnologia, com estas leis, nos promete agora um controle quase perfeito sobre o conteúdo e a sua distribuição. E é este controle perfeito que ameaça o potencial de inovação que a Internet promete”.49

Rifkin analisa o mesmo processo de outro ponto de vista, pondo em evidência em particular o fato da economia do conhecimento mudar a nossa relação com o processo econômico em geral. O argumento básico é que estamos passando de uma era em que havia produtores e compradores, para uma era em que há fornecedores e usuários. A mudança é profunda. Na prática, não compramos mais um telefone (ou a compra é simbólica). Mas pagamos todo mês pelo direito de usá-lo, de nos comunicarmos. Pagamos também para ter acesso a programas de televisão um pouco mais decentes. Já não pagamos uma consulta médica: pagamos mensalmente um plano para ter direito de acesso a serviços de saúde. A nossa impressora custa uma bagatela, o importante é nos prender na compra regular do “toner” exclusivo.50 Os exemplos são inúmeros. Rifkin define esta tendência como caracterizando “a era do acesso”. No nosso “A Reprodução Social” já analisamos esta tendência, que caracterizamos com o conceito de “capitalismo de pedágio”. Basta ver o montante de tarifas que pagamos para ter direito aos serviços de um banco, ou como os condomínios de praia fecham o acesso a um pedaço de mar, e nas publicidades nos “oferecem”, como se as tivessem criado, as suas maravilhosas ondas. O acesso gratuito ao mar não enche os bolsos de ninguém. Fechemos pois as praias. Assim o capitalismo gera escassez, pois a escassez eleva os preços. Nesta lógica do absurdo, quanto menos disponíveis os bens, mais ficam caros, e mais adquirem valor potencial para quem os controla. Nada como poluir os rios para nos obrigar a um “pesque-pague”, ou a nos induzir a comprar água “produzida”. Com isto, vão desaparecendo todos os espaços gratuitos, e ficamos cada vez mais presos na corrida pelo aumento da nossa renda mensal, sem a qual nos veremos privados de uma série de serviços essenciais, inclusive a participação na cultura que nos cerca. Viver deixa de ser um passeio, ou uma construção que nos pertence, para se transformar numa permanente corrida de pedágio em pedágio. Onde antes as pessoas tinham o prazer de tocar um instrumento, hoje pagam o direito de acessar a música. Onde antes jogavam

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48 Lessig, op. cit., p. p. 243.49 Idem p. 249 50 Jeremy Rifkin – The Age of Access – Penguin Books, New York, 2001; publicado no Brasil como A Era do Acesso, Makron Books, 2001 – Esta necessidade de pagar pedágio sobre tudo o que fazemos pode ser opressiva. Muitos investem as suas poupanças na casa própria, na segurança de um teto que não dependerá da capacidade oscilante de pagar o aluguel. Hoje, tudo passa a depender de inúmeros “aluguéis”, e não vemos no horizonte a perspectiva de vivermos mais tranquilos. Uma pessoa que por alguma razão perde a sua fonte de renda, se vê assim rigoro-samente excluída de um conjunto de serviços que exigem regularidade de pagamento. A situação particularmente dramática dos aposentados de baixa renda tem hoje também de ser vista nesta perspectiva, mas na realidade estamos todos nos sentindo cada vez mais acuados.

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uma pelada na rua, hoje assistem um espetáculo esportivo, enquanto mastigam salgadinhos no sofá, tudo graças ao “pay-per-view”. O deslocamento teórico é significativo. O proprietário de meios de produção tinha a chave da fábrica, bem físico que constituia uma propriedade concreta: hoje é dono de um processo, e cobra pela sua utilização. E como os processos tornam-se cada vez mais densos em informação e conhecimento, assume maior importância a propriedade intelectual, patentes e copyrights. Como o conhecimento constitui um bem que não deixa de pertencer a alguém quando o passa a outros, – e estamos na era da tecnologia da conectividade – a sua facilidade de disseminação torna-se imensa, e a apropriação privada gera entraves. Vemos assim todo o peso da constatação de Gorz vista acima, de que “os meios de produção se tornaram apropriáveis e suscetíveis de serem partilhados”. Não é à toa que a negociação TRIPs (Trade Related Intellectual Property) constitui o principal debate na Organização Mundial do Comércio, e está no centro das lutas por uma sociedade livre. “A inovação, escreve Stiglitz, está no coração do sucesso de uma economia moderna. A questão é de como melhor promovê-la. O mundo desenvolvido arquitetou cuidadosamente leis que dão aos inovadores um direito exclusivo às suas inovações e aos lucros que delas fluem. Mas a que prêço? Há uma sentimento crescente de que algo está errado com o sistema que governa a propriedade intelectual. O receio é que o foco nos lucros para as corporações ricas represente uma sentença de morte para os muito pobres no mundo em desenvolvimento.”51

Por exemplo, explica Stiglitz, “isto é particularmente verdadeiro quando patentes tomam o que era previamente de domínio público e o ‘privatizam” – o que os juristas da Propriedade Intelectual têm chamado de novo “enclosure movement”. Patentes sobre o arroz Basmati (que os indianos pensavam conhecer havia centenas de anos), ou sobre as propriedades curativas do turmeric (gengibre) constituem bons exemplos”. Segundo o autor, “os países em desenvolvimento são mais pobres não só porque têm menos recursos, mas porque há um hiato em conhecimento. Por isto o acesso ao conhecimento é tão importante. Mas ao reforçar o controle (stranglehold) sobre a propriedade intelectual, as regras de PI (chamadas TRIPS) do acordo de Uruguay reduziram o acesso ao conhecimento por parte dos países em desenvolvimento. O TRIPS impôs um sistema que não foi desenhado de maneira ótima para um país industrial avançado, mas o foi ainda menos adequado para um país pobre. Eu era membro do Conselho Econômico do presidente Clinton na época em que a negociação do Uruguay Round se completava. Nós e o Office of Science and Technology Policy nos opunhamos ao TRIPS. Achávamos que era ruim para a ciência americana, ruim para o mundo da ciência, ruim para os países em desenvolvimento”. É uma tomada de posição importante, nesta época em que é bom tom respeitar a propriedade intelectual, sem que as pessoas se dêm conta que estamos essencialmente respeitando a sua monopolização e controle por intermediários. Precisamos de regras mais flexíveis e mais inteligentes, e sobretudo reduzir os prazos absurdos de décadas que extrapolam radicalmente o tempo necessário para uma empresa recuperar os seus investimentos sobre novas tecnologias. Quanto a patentear bens naturais de países pobres para em seguir cobrar royalties sobre produções tradicionais, já é simplesmente extorsão. A pirataria, neste caso, vem de cima. Assim a economia do conhecimento desenha uma nova divisão internacional do trabalho, entre os países que se concentram nos intangíveis – pesquisa e desenvolvimento, design, advocacia, contabilidade, publicidade, sistemas de controle – e os que continuam com tarefas centradas na produção física. Onde antigamente tínhamos a produção de matérias primas num polo, e produtos industriais no outro, hoje passamos a ter uma divisão mais fortemente centrada na divisão entre produção material e produção imaterial. Uma leitura particularmente interessante sobre este tema é o livro de Chang, Chutando a Escada, que mostra como os países hoje desenvolvidos se apropriaram dos conhecimentos gerados em qualquer parte do mundo, por meio de cópia, roubo ou espionagem, sem se preocuparem na época com a propriedade intelectual. Utilizaram a escada para subir, e agora a chutaram para o lado, impedindo outros de seguirem o seu caminho. O que seria do Japão, ou da Coréia, se tivessem sido obrigados a fechar os olhos sobre as inovações no resto do mundo, ou a pagar todos os royalties? O livro de Chang é extremamente bem documentado, e mostra como antes dos asiáticos os Estados Unidos já adotaram as mesmas práticas, bem como a Inglaterra. O livre acesso dos paises pobres ao conhecimento, condição essencial do seu progresso e do reequilibramento planetário, é hoje sistematicamente travado, quando deveria ser favorecido e subvencionado, para reduzir as tragédias sociais e ambientais que se avolumam.52

Em outro nível, a mudança no conteúdo da produção gera novas relações de produção, e desloca a questão da remuneração do trabalho. Medir o trabalho por horas trabalhadas torna-se, nesta esfera de

51 Joseph Stiglitz - A Better Way to Crack it – New Scientist, 16 September 2006, p. 2052 Ha-Joon Chang – Kicking Away the Ladder:Development Strategy in Historical Perspective, Anthem Press, Lon-don, 2002; no Brasil, edição da Unesp, 2003; em outro livro, Globalization, Economic Development and theRrole of the State, Chang apresenta os resultados das diversas pesquisas realizadas sobre os impactos do protecionismo assim gerado pelos países desenvolvidos e conclui: “Demonstramos que não há base teórica nem empírica para apoiar o argumento de que uma forte proteção dos direitos privados de propriedade intelectual é necessária para o progresso tecnológico e portanto para o desenvolvimento econômico, particularmente para os países em desenvolvimento.” O “a quem aproveita” aqui é claro: 97% dos patentes do mundo pertencem aos países desenvolvidos. (p.293)

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atividades, cada vez menos significativo. A contribuição criativa com idéias inovadoras não vai depender do tempo que passamos sentados no escritório. Gorz cita um relatório do diretor de recursos humanos da Daimler-Chrysler: a contribuição dos “colaboradores”, como os chama gentilmente o diretor, “não será calculada pelo número de horas de presença, mas sobre a base dos objetivos atingidos e da qualidade dos resultados. Eles são empreendedores”.53 Os trabalhadores são assim promovidos a empreendedores, e porque não, segundo Gorz, a empresários: “No lugar daquele que depende do salário, deve estar o empresário da força de trabalho, que providencia sua própria formação, aperfeiçoamento, plano de saúde etc. ‘A pessoa é uma empresa’. No lugar da exploração entram a auto-exploração e a autocomercialização do ‘Eu S/A’, que rendem lucros às grandes empresas, que são os clientes do auto-empresário”.54

O que estamos tentando desenhar aqui, não é um conjunto de respostas, mas o leque de questões teóricas que nos desafia como economistas, e que resulta diretamente desta ampla tendência que chamamos de economia do conhecimento. O eixo de apropriação de mais-valia desloca-se do controle da fábrica para o controle da propriedade intelectual, mudam as relações de produção, altera-se o conteúdo e a remuneração nas trocas internacionais. São eixos de reflexão que exigem novos instrumentos de análise, e os autores citados acima estão abrindo espaços que vale a pena acompanhar. O Brasil neste plano enfrenta uma situação peculiar, pois ao internalizar a relação Norte-Sul, através da instalação do amplo polo transnacional na região Sudeste do país, enfrenta tanto as contradições mais avançadas geradas pela economia do conhecimento, como a precarização que o sistema gera através de terceirização, além das relações de produção extremamente atrasadas que constituem heranças de outros ciclos econômicos. O desafio da democratização da economia adquire aqui uma dimensão interessante, pois o acesso ao conhecimento, como novo fator de produção, pode tornar-se um vetor privilegiado de inclusão produtiva da massa de excluídos. Como vimos, uma vez produzido, o conhecimento pode ser divulgado e multiplicado com custos extremamente limitados. Contrariamente ao caso dos bens físicos, quem repassa o conhecimento não o perde. O direito de acesso ao conhecimento torna-se assim um eixo central da democratização econômica das nossas sociedades.55

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53 A. Gorz, O Imaterial, op. cit. p. 1754 A. Gorz, op. cit., p. 1055 Isto pode tomar dimensões eminentemente práticas. O Fundo de Universalização das Telecomunicações, por exemplo, poderia assegurar a generalização do acesso banda-larga a toda a população, na linha de um “Brasil Digi-tal”.

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USOS EDUCACIONAIS DE CONTEÚDOS PROTEGIDOS:em foco a produção brasileira publicada nas revistas científicas

Sueli Mara Soares Pinto Ferreira56

As tecnologias digitais e a Internet trouxeram a possibilidade de se ter e de se pensar formas distintas de disseminação e acesso à produção científica publicada nos diversos países e distintas áreas do conhecimento.

Desde o século XVII, a transferência de conhecimento produzido em pesquisas centra-se no modelo das revistas científicas as quais surgem no âmago das comunidades científicas, mais especificamente com o surgimento das associações de pesquisas,

a criação da Royal Society (Londres), em 1662, pode ser um marco da concepção cartesiana de mundo em oposição à concepção aristotélica e católica, expressando novo paradigma da ciência, no período das revoluções científicas. Trata-se de uma instituição que reúne as condições para institucionalizar os procedimentos seculares visando ao estabelecimento de um sistema de comunicação da ciência, segundo os moldes sugeridos nos trabalhos de Francis Bacon” (WEITZEL, 2005, p.166).

Surgem, por esta ocasião, as duas primeiras revistas científicas que se têm notícia – o Journal de Sçavans e o Philosophical Transactions, ambos em 1665, levando a uma mudança de paradigma, anteriormente centrado no livro para o atual centrado nas revistas. Este modelo; onde a comunidade científica é responsável por toda a produção, edição, publicação e disseminação do conhecimento cientifico veiculado nas revistas; perdura até após a 2a. Guerra Mundial quando distintas necessidades, exigências e tecnologias favorecem o surgimento de novas formas de distribuição do conhecimento e de uma indústria de informação que vai se estabelecendo de maneira avassaladora. A explosão bibliográfica devido a investimento em P&D (1940/1950), ocasiona o surgimento e fortalecimento de editores comerciais que visualizam a possibilidade de internacionalizar as revistas cientificas – elevando exponencialmente a quantidade de títulos, sua abrangência e alcance. Passamos de um número inferior a mil títulos para milhares como se tem hoje. Portanto, novas necessidades se impõem, levando ao surgimento da indústria de informação que passa a ser composta não mais somente pelas editoras comerciais das revistas (que assumem o papel de publicação e disseminação das revistas) mas também de dois tipos distintos de serviços: os index e/ou abstracts (sistemas de indexação ou resumo que auxiliam na localização, identificação e recuperação de artigos publicados em uma grande quantidade e diversidade de títulos de revistas) e os citation index (índice de citações que passam a gerar indicadores científicos – como o fator de impacto e hoje também o índice H utilizados para qualificar as respectivas revistas) (FERREIRA, 2008). Esses novos serviços agregam maior acessibilidade e visibilidade à produção científica internacional e, logo, passam a orientar e fornecer os parâmetros e os indicadores de qualidade vigentes e aceitos pela comunidade científica até hoje.

Nem todos os periódicos científicos nascem iguais. Novamente, a concorrência é a regra. Dentro do campo científico, a concorrência entre periódicos obedece a regras específicas.... Dentro de sua área de especialização e de seu alcance geográfico, os periódicos podem ser classificados de acordo com algum tipo de escala na qual estão envolvidos prestígio, autoridade e visibilidade. O que é importante notar aqui é que a escala é inerentemente contínua. O alcance e o prestígio de um periódico são variáveis e podem alterar continuamente. Quando dizemos que alguns periódicos atingem uma escala internacional ou mesmo mundial, enquanto outros permanecem mais estritamente nacionais, estamos falando sobre um gradiente, e não sobre categorias estanques. A passagem do nível nacional para o internacional ou mesmo para o global é uma transição importante em publicação científica, mas não deve ser interpretado como um limiar. O modo pelo qual a natureza gradual da classificação de periódicos foi substituída por um discurso baseado em uma divisão faz parte da transformação da natureza do poder científico. Devido à distinção entre nacional e internacional, a estrutura hierárquica dos periódicos científicos é uma hierarquia de dois níveis. No topo impera um único conjunto de periódicos; abaixo da divisão estão conjuntos de periódicos que desfrutam de diversos graus de visibilidade ou, devo dizer, invisibilidade, dentro de “silos” geográficos de tamanho variável. (GUEDON, 2009, no prelo).

A comunidade científica, as instituições de ensino e pesquisa e mesmo as agências governamentais e de fomento passam a estabelecer critérios de avaliação, qualificação, bonificação e reconhecimento com base neste modelo estabelecido. Modelo este, que carrega em seu bojo, pelo menos duas situações complexas: a prática da transferência dos direitos autorais dos pesquisadores para as editoras das revistas

56 Professora Doutora e Livre Docente da Universidade de São Paulo. Email: smferrei @usp.br

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(principalmente àquelas de maior fator de impacto), e paralelamente o crescente aumento dos preços de assinatura destas revistas. Deste modo, chegou-se a um estágio em que a visibilidade, acessibilidade e disseminação dos resultados de pesquisas visando progresso da ciência e benefícios sociais à humanidade ficaram alijados do processo, passando a ser quase que uma mera circunstância. Por outro lado, a questão dos silos e da invisibilidade mencionados por Guédon (2009) merece uma retomada por ser, ainda com maior agravante, peculiar aos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil que tem quase a totalidade de suas revistas alijadas no mainstream internacional. A produção científica desenvolvida em idioma que não o inglês foram, durante décadas, apartadas do modelo mencionado pois este sempre foi o critério inicial básico para uma revista ser indexada pelos serviços de resumos e índices de citação. Chega-se a um impasse internacional de re-adequação do modelo vigente decorrente tanto da insatisfação da comunidade acadêmica com do rumo dado e dos poderes instituídos ao/pelo modelo de negócio das revistas científicas, a dificuldade crescente de aquisição de periódicos por parte das instituições públicas e a intransigência percebida na aplicação e uso das métricas “fator de impacto” e “índice H” a todas as áreas do conhecimento (sem observar suas peculiaridades intrínsecas e, muitas vezes, sem a crítica necessária ao uso do modelo isoladamente).

... a medição da atividade científica propriamente dita, admitimos ser difícil sustentar o argumento de que tais indicadores refletem a forma em que, efetivamente, as atividades científicas acontecem. Mas, por outro lado, é vital aceitar que eles permitem, no mínimo, identificar alguns elementos. Sem dúvida, a geração de indicadores quantitativos e qualitativos para analisar as ações presentes na ciência não pode representar a dimensão exata de toda atividade científica, até porque há relações e procedimentos que não comportam avaliações por parâmetros matemáticos. Por exemplo, a utilização de indicadores quantitativos difere entre as várias comunidades científicas. Inclusive, de acordo com Licea de Arenas e Santillán-Rivero (2002), ao tempo em que se estimula seu uso, as críticas a respeito de sua utilização crescem, sob argumentos variados: não refletem a qualidade dos documentos; cada artigo contribui de maneira diferente para o progresso da ciência; e os estilos e as categorias se diversificam segundo as disciplinas. (Aguado-López, Rogel-Salazar e Becerril-García, 2009)

Frente a todos estes problemas e com o aperfeiçoamento das tecnologias de informação e comunicação, pesquisadores norte-americanos e europeus se aliam na proposição de dois novos movimentos: a Iniciativa dos Arquivos Abertos (OAI) e o Movimento do Acesso Aberto (OA). O primeiro movimento tem relação com o desenvolvimento de suporte tecnológico para a implementação de novos modelos de negócio para armazenamento, tratamento, recuperação e compartilhamento da produção científica; e o segundo – o Movimento do Acesso Aberto que não tem relação apenas com a acessibilidade à documentação científica, mas com a idéia de eliminar a obrigatoriedade de cessão do copyright dos artigos publicados, o que facilita ao autor seu depósito em arquivos e repositórios institucionais ou temáticos. Portanto, com base neste Movimento do Acesso Aberto surgem algumas propostas para a questão dos direitos autorais. Uma destas é a “proposta subversiva” de Steven Harnard que aponta dois caminhos: que as revistas passem a ser publicada em caráter totalmente aberto (caminho dourado) onde os autores continuam detentores de seus direitos autorais e garantem acesso gratuito à comunidade em geral, ou que os editores compartilhem os direitos autorais dos textos publicados em suas revistas (caminho verde), possibilitando que o autor possa auto-arquivar pelo menos uma cópia do seu trabalho em algum repositório de acesso livre. Esta é uma enorme batalha a ser travada não somente pela comunidade científica, mas por todos os stakeholders do processo da comunicação científica, isto é, agências de fomento, institutos de ensino e pesquisa, bibliotecas, editoras, editores, autores e usuários. É fundamental que cada um deles compreenda o mote central dos movimentos mencionados, suas peculiaridades e, principalmente, o papel e responsabilidade de cada um no conjunto, particularmente no Brasil. Das agências de governo é esperado que estabeleçam critérios e metas tanto quantitativas como qualitativas de avaliação da produção, observando-se as características e peculiaridades tanto do país como de cada uma das áreas. Não é possível que se adote um modelo internacional sem as necessárias adaptabilidades à realidade e contexto brasileiro, tampouco sem a construção de uma infra-estrutura tecnológica de sustentação e de informação e, finalmente, sem a preocupação de capacitação da comunidade científica para o novo modelo. Vale aqui trazer algumas reflexões sobre o atual modelo QUALIS de avaliação de Periódicos da CAPES : (1) é possível estabelecer um padrão único para todas as

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áreas do conhecimento? (2) é recomendado que este padrão seja exclusivamente pautado em métricas quantitativas, como o fator de impacto? (3) é salutar ter nossa qualidade medida a partir da avaliação que serviços de indexação e de citação mantidos por empresas estrangeiras? (4) qual(is) é(são) o(s) modelo(s) de direito autoral a ser(em) seguido(s) no país? (5) a existência de um programa de melhoria e inserção gradual da produção científica brasileira no universo científica, e não somente um programa de avaliação, não é necessário?Por outro lado, as agências de fomento devem fortalecer os pesquisadores e ao mesmo tempo exigir que resultados de suas pesquisas sejam divulgados amplamente em regime de acesso aberto. Mas isto nos leva a novos questionamentos: (1) em relação a rota dourada - como o país está se preparando para segui-la? Qual infra-estrutura e apoio aos editores de revistas vêm sendo oferecidos? Por que a metodologia SciElo – desenvolvida e mantida em grande parte por apoio da FAPESP, CNPq e FINEP – não é aberta e instituída nacionalmente como uma plataforma e uma alavanca para o fortalecimento e inserção do conteúdo brasileiro na internet? (2) e em relação à rota verde, como está a instalação de uma estrutura e redes de repositórios para o auto-arquivamento por parte da comunidade? em que fase se encontra a votação do decreto-lei Projeto de Lei PL 1120/2007 apresentado pelo Deputado Federal Rodrigo Rollemberg a Câmara dos Deputados? Da mesma forma, as instituições de ensino superior devem se preparar para apoiar sua comunidade, exigir seus direitos e cumprir o dever de garantir o acesso irrestrito e o retorno social de suas pesquisas. Para tanto, questões a serem discutidas: existe política institucional de informação nas IES brasileiras? E quanto a infra-estrutura tecnológica e básica para a criação dos repositórios? E quanto às bibliotecas universitárias, estão se equipando da maneira adequada tanto em termos de recursos de hardware, software como humanos e procedimentos de trabalho? Aos autores, pesquisadores em geral, lhes são exigidos conhecimento, acompanhamento e abstração de todo o fluxo da informação cientifica em seus vários entremeios, bem como do processo de comunicação cientifica e seu todo. Questões a serem discutidas: (1) a comunidade científica está acompanhando, sabendo, compreendendo e participando efetivamente da construção de métricas que correspondam as especificidades das distintas áreas do conhecimento? (2) existe conhecimento consolidado sobre tais contextos de modo a capacitar toda a comunidade científica para reflexões críticas sobre as métricas existentes e proposição de alternativas? (3) como lidar com a desinformação da comunidade em relação a temas como propriedade intelectual, direitos autorais e direitos de reprodução, impressão, cópia e distribuição?. Enfim, inúmeras questões ainda necessitam ser discutidas e resolvidas no que se refere ao uso e compartilhamento – tanto educacional como social – dos resultados de pesquisas nacionais e internacionais. Traçamos aqui apenas um pequeno esboço do contexto atual do mundo científico e seu foco específico nas revistas no sentido de iniciar discussões e reflexões na área.

REFERÊNCIAS

Aguado-López, E.; Rogel-Salazar, R.; Becerril-Garcia, A, (2008). Limites e potencialidades da avaliação científica: crítica epistemológica à cobertura de bases de dados e à construção de indicadores. In: FERREIRA, S.M.S.P.; TARGINO, M.G. Acessibilidade e visibilidade de revistas científicas. São Paulo: Senac/CENGAGE, 2009. (no prelo)

FERREIRA, S. M. S. P. Fator de impacto da produção científica da área de ciências da comunicação: um longo caminho a ser percorrido. In: PINHO, J.B. (org.). Comunicação Brasileira no Século XXI - Intercom: ação, reflexão. 1a ed. São Paulo: Intercom, 2007, v. 2, p. 125-154.

GUEDON, J.C. O Acesso Aberto e a divisão entre ciência “predominante” e “periférica”. In: FERREIRA, S.M.S.P., TARGINO, M.G. Acessibilidade e Visibilidade de revistas científicas. São Paulo: SENAC/CENGAGE, no prelo.

WEITZEL, S. E-prints: modelo da comunicação científica em transição. In: FERREIRA, S.M.S.P. Preparação de revistas científicas: teoria e prática. São Paulo: Reichman, 2005.

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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE JORGE MACHADO57

Bom dia. Quero agradecer ao MINC pela indicação, para que eu participasse desta Mesa. Vou fazer uma apresentação rápida para que não se cansem. A primeira pergunta que faço à audiência: onde é feita a ciência? Quem pensou nas universidades, os centros de pesquisa, nas instituições de ensino superior, acertou. Que custos estão envolvidos? Salários, laboratórios, pessoal técnico, bolsas, infra-estruturas. É tudo muito caro. Para se manter isto aqui [mostrando a infra-estrutura da USP] é necessário muito recurso. Para se ter uma idéia do investimento temos um dado – que não é atual, mas é o que pudemos trazer aqui nesta apresentação. Os recursos aplicados em ciência e tecnologia na pós-graduação pelas instituições de ensino superior: você tem recursos na ordem de bilhões – 1,26 bilhões de verbas federais, 1,9 bilhões de estaduais. E as instituições particulares também recebem financiamento para pesquisa, ainda que uma parte minoritária dos professores de instituições particulares faça pesquisa e participe de congressos, porque eles estão submetidos a uma carga horária muito grande em sala de aula. Mas eles também recebem verbas federais e têm todo o direito de pedir, como nós pedimos aqui. As pesquisas recebem financiamento público, os alunos recebem bolsas e etc. Quem paga isso? Você. É assim no mundo inteiro. Tem gente que fala: “Ah, mas nos Estados Unidos não é assim, porque há instituições privadas e o aluno paga a universidade...”. Espere aí! Segundo os dados da “National Science Foundation”, dos Estados Unidos, os gastos em pesquisa e desenvolvimento em universidades e faculdades por parte do setor público é da ordem de 43 bilhões de dólares. O setor privado investe pouco mais de 2 bilhões. Tem, claro, as doações privadas e filantropias, mas nos EUA se usa muito os benefícios fiscais para repassar tais recursos às instituições. Somando tudo, dá mais ou menos 97% de investimento público. Sabe quanto custa um artigo? Em geral, os dados que são muito gerais: toma-se o orçamento das universidades e se divide pela produção docente. Mas com isso se chega somente a cálculo muito grosseiro. O que realmente foi produzido? Quem produziu o quê? O que se conta como produção e o que não é produção? O que é uma apresentação num congresso científico que não virou publicação e o que é uma publicação efetiva? No Brasil, fizemos o cálculo. Para isso, somamos a carga horária do professor efetivamente dedicada à pesquisa, as verbas recebidas para pesquisa, os gastos com pessoal técnico, o laboratório, infra-estrutura – o que engloba o administrativo (água, luz, etc.) e a manutenção geral. Esse cálculo é inédito. São dados que ainda iremos publicar – por enquanto apresento apenas uma prévia aqui. Consideramos os gastos com custeio e as verbas de pesquisas recebidas pelas unidades e departamentos e via coordenação de programas de pós-graduação nos anos 2005-2006. Excluímos os custos relacionados a atividades de ensino e extensão, ou seja, da carga horária do professor, calculamos somente a parte relativa a trabalhos com pesquisa. Assim, calculamos a média salarial do professor e dividimos pela quantidade de horas e somamos com os outros custos. São dados oficiais, dados de custeio, as verbas que o departamento recebeu. Depois analisamos o currículo de cada professor, para sabermos o que ele publicou em 2005 e em 2006. O que é “publicação”? Artigos científicos e capítulos de livros ou livros completos. No caso do artigo científico, dividimos isso pela produção dos docentes. Aqui temos um artigo bem baratinho para que vocês tenham uma idéia – da Sociologia da USP: 45 mil reais. Por que é mais barato? Porque eles não usam laboratório. O que o professor de Sociologia precisa? Em geral ele precisa de uma mesa e de livros para se debruçar sobre aquilo. Tem mais coisas – bolsas, e alguma infra-estrutura. Outro mais caro: Microbiologia da UFMG – 105 mil reais. É uma área onde se usa laboratórios e equipamentos mais caros. Nessa conta não adicionamos os dados das verbas de pesquisa individuais, ou seja, ainda estamos recebendo os dados das fundações de apoio à pesquisa. É um pouco difícil, há certa burocracia para sabermos o quanto custou determinado projeto. E uma tese de doutorado, quanto custa? 155,3 mil. Como chegamos a este número? São verbas de custeio, dados oficiais da Universidade de São Paulo - a universidade publica um relatório anualmente sobre isso. Somamos o custo da bolsa de doutorado. São dados muito conservadores, pois não adicionamos outros valores que podem encarecer mais. Incluímos apenas dados oficiais existentes para que não haja muita polêmica. Sabem qual o investimento privado para se publicar? São 17,1 mil. É um dado oferecido na própria indústria do livro. Temos tudo aqui para que possamos responder as perguntas depois. Quem pagou os outros 128,2 mil? Você. O destino de bons artigos, de boas pesquisas é virar livro – todos sabem disso. Do ponto de vista privado o negócio é excepcional, por quê? Baixo investimento, direitos exclusivos e subsídios públicos.

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57 Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP (GPOPAI/USP)

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Por falar em subsidio, é importante que todos saibam desses dados. As editoras recebem subsídios na forma de imunidade tributária – não pagam ICMS, não pagam IPI, PIS, PASEP, imposto de importação, COFINS, ISS... Elas não pagam nada - como professor, mais de um terço do meu salário é para pagar impostos. Quanto somam esses subsídios todos? 978 milhões de reais. Como chegamos a esse dado? São projeções sobre dados da Câmara Brasileira do Livro sobre o faturamento da indústria no setor. Esse é um valor conservador. Havia dois dados e nós optamos pelo mais conservador. Mesmo assim equivale a cerca do dobro do orçamento executado pelo Ministério da Cultura em 2006. O que significa isso? Monopólio privado de direitos autorais com subsídio público – não tem outro nome. Por que o Governo faz isso? Para incentivar a leitura e facilitar o acesso ao livro – vamos destacar isso. Alguns dados de nossa pesquisa revelam que mais da metade dos livros de autores brasileiros é produzida por professores ligados a universidades públicas em regime de dedicação integral ao ensino e na pesquisa. O que significa isso? Que tipo de regime é esse? Há vários regimes. Escolhemos somente o regime de dedicação integral para demonstrar que mais da metade dos autores brasileiros está ligada a ele, que é o mais restrito de todos. É um regime que faz com que o professor se dedique exclusivamente à universidade, ele não pode ter outras atividades econômicas. E ele ganha mais para isso. Vocês podem até falar: “mas o professor não está ganhando muito bem!” Sabe quanto um professor ganha? 7 mil reais no começo de carreira. É pouco? Para a realidade brasileira não creio que seja. Mais para frente vamos comparar isso com o que ele arrecada com venda de livros. Há uma observação: como acessamos o currículo vitae dos autores, podemos vincular o ano de publicação do livro com a pesquisa que ele fazia na mesma época. Checamos se no período em o livro foi publicado o professor estava trabalhando com este tipo de regime. Os resultados apontaram que em algumas áreas, como é o caso da Biologia, 86% se enquadram em tal situação - é a média da UFMG, da UFRJ e da USP. Fizemos uma pesquisa diretamente com os editores filiados à ABEU (Associação Brasileira das Editoras Universitárias). Para 77% deles, o acesso a obras esgotadas deveria ser livre. 54% dos editores entendem que a lei deveria ser mais permissiva ou não impor restrições a cópias. Das editoras, 97% universitárias são subsidiados pelas universidades, segundo declararam, ou seja, não pagam aluguel, usam serviços da universidade, como funcionários, correios, máquinas, serviços postais e etc. Podemos falar: “mas as editoras universitárias são a parte pequena do mercado”. Mas é bem significativo – 10 ou 15% do mercado. Estamos falando também de editoras que são ligadas à indústria: como a editora da UNESP e da UNICAMP. Lembram-se de que as políticas do Governo são vinculadas ao acesso. E o preço dos livros? Por acaso, o Professor Pablo Ortellado [USP] me contou que há duas semanas foi usar em uma única aula, um texto de Tucídedes chamado “História da Guerra do Peloponeso”. O trecho do livro usado passava de 10%. Quanto custava o livro na Livraria Cultura? R$ 836,25! Vejam a relação entre o custo de aquisição de livros listados como bibliografia obrigatória e a renda familiar dos estudantes: esse é um levantamento que fizemos na USP. Tomamos o primeiro ano de faculdade e a bibliografia básica – somente a básica. Cruzamos com os dados da FUVEST. Verifique o que vale, em termos de porcentagem, a renda mensal do estudante [cerca de 85% em média]. Dá para comprar isso? Vejam a relação entre o custo de aquisição de livros listados como bibliografia obrigatória e a renda familiar dos estudantes: esse é um levantamento que fizemos na USP. Tomamos o primeiro ano de faculdade e a bibliografia básica – somente a básica. Cruzamos com os dados da FUVEST. Verifique o que vale, em termos de porcentagem, a renda mensal do estudante [cerca de 85% em média]. Dá para comprar isso? Você fala: “ah, mas o autor está ganhando dinheiro”. Ele ganha dinheiro com livro? Aqui temos dados da Câmara Brasileira do Livro: tiragem média de livros – 1822 exemplares. Preço médio: 38 reais. Façam a conta, multiplicando a tiragem e o preço médios – o total é 69 mil. Se você considera 10% disso como pagamento de direitos autorais e divide por 36 meses – vai dar 173 reais por mês. Na universidade, o editor paga em livros para nós. Distribuímos isso nas bibliotecas, trocamos com colegas, fazemos permuta. Você não vê a cor do dinheiro! Mesmo que pagassem os direitos autorais não são nada em relação ao salário. Vocês me desculpem, mas nós não vivemos de vender livros, vivemos de reputação, porque é através dela que construímos nossa carreira. Publicar é um meio não um fim. “Viver de vender livros”, não dá nem para se considerar este argumento. E estamos sendo prejudicados pela situação atual de bloqueio de acesso.

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Com relação a obras esgotadas: segundo nossa pesquisa, cerca de 30% dos livros adotados nos cursos superiores estavam esgotados ou fora de catálogo. Os dados de outro levantamento feito aqui na USP corroboram, a média de livros esgotados está na ordem de 30% também. Ou seja, não há onde comprar. Estamos falando de livros adotados nos cursos. Sobre livros gerais, que o aluno vai precisar para fazer trabalho de dada disciplina não temos tais dados, mas devem apontar para uma porcentagem muito maior. Outro problema é a criminalização de professores e alunos por “pirataria”, centros acadêmicos processados e universidades nas páginas policiais. No slide ao lado, o jornal “O Estado de São Paulo” noticia sobre dos professores submetidos a inquérito policial. Cita a Universidade de São Paulo, a PUC, a FGV e outras universidades. Na página policial, a reportagem é colocada ao lado da repressão dos camelôs. É assim que somos tratados. São ações da ABDR. Com todo o respeito ao colega da ABDR, foi muito bom ele ter vindo aqui. Há também conflitos de interpretação da lei sobre o entendimento do direito a cópias de trechos. A USP reagiu regulamentando isso com uma resolução interna que permitiu a cópia de obras esgotadas, em domínio público e indisponíveis no mercado editorial. É uma interpretação, já que a lei permite isso. Com isso, a USP foi denunciada no “Relatório 301” da IIPA, dos EUA, sobre “pirataria”. Em outros países o uso científico e educacional é permitido. Temos muitos exemplos na Europa. Falamos em países onde a sociedade civil é forte e organizada: Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul. Nesses países há dispositivos legais que permitem que livros técnico-científicos sejam tratados de outra forma. No Brasil isso não existe e a legislação é mais estritas do mundo. Cabe destacar que professores são autores: 25% dos títulos do mercado editorial são de professores. São também grandes consumidores. Portanto, não somos contra o direito autoral, pelo contrário, há que combater o plágio e os usos comerciais indevidos, por exemplo. Como conclusão, a universidade não está satisfeita com essa lei. O financiamento público deve ser equivaler a acesso público. Isso é evidente. Não cabe ao Estado subsidiar monopólios privados em detrimento do interesse público. Conforme demonstramos, o mercado de livros técnicos e científicos é, portanto, diferente, pois tem um alto financiamento público. É justo tratar isso de forma policial? Não! A ABDR não conhecia esses dados, mas está conhecendo agora. Por isso propomos a paz com a ABDR. Isto aqui está sendo gravado, temos testemunhas e muita gente importante na platéia. ABDR, paz! Chega de processos contra centros acadêmicos. Vamos sentar e conversar sobre isso como adultos, com moderação, pensando no interesse público. Sabemos que eles defendem os interesses das editoras. Vamos conversar sobre isso com calma, sem necessidade de polícia, está bem? Acho que temos de ter a cabeça fria e o bom senso nesta hora. Espero que o Dalton seja o mensageiro da paz. Que volte para a ABDR e diga: “vamos conversar com o pessoal, porque não está dando certo a nossa estratégia”. Vamos comprar briga se precisar. Se houver uma guerra, eu digo: eles vão perder essa guerra para nós. Obrigado.

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MESA 5PATRIMÔNIO CULTURAL

TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE MÔNICA RIZZO SOARES PINTO58

Preservar e permitir o acesso são os principais objetivos da Biblioteca Nacional. O Professor Muniz Sodré nosso Presidente, tem uma fala que eu acho divina e que é: a Biblioteca Nacional ratifica seu lugar de guardiã do patrimônio bibliográfico e documental do país, não como uma depositária estanque e imóvel, mas, como verdadeiro dispositivo cultural na acepção radical da palavra dispositivo: instrumentalizar e por à disposição. Ou seja, dar acervos só se justifica se for possível disponibilizá-los para o público de forma ampla. Essa é uma ilustração da nossa página, que é a Biblioteca Nacional Digital e que disponibiliza coleções do acervo da Biblioteca Nacional e que estão em domínio público e que estão digitalizadas ao longo dos últimos anos basicamente em projetos e, hoje estão solidificadas nessa página que é a Biblioteca Nacional Digital. É importante também informar que a Biblioteca Nacional está participando de um projeto capitaneado pela UNESCO que pretende reunir em um único portal acervos de bibliotecas nacionais de varias partes do mundo. Esse projeto vai ser inaugurado no ano que vem e foi lançado esse ano na Conferencia Geral da UNESCO. É importante salientar que a digitalização de acervos para preservação é uma atividade de custo elevado e de alta complexidade. Os arquivos digitais devem ser reparados segundo as melhores práticas conhecidas e sua manutenção periódica. Ocorre o risco da obsolescência tecnológica e conseqüente impossibilidade de acesso do documento digitalizado. Como já foi dito na mesa anterior, esse trabalho todo da Biblioteca Nacional é feito com o dinheiro público, com o dinheiro dos impostos. Por essa razão, é importante que esse acervo possa estar disponível da melhor forma possível. Ou seja, liberado para consulta em qualquer local. Eu faço aqui uma pequena amostragem de projetos que temos no Portal: Projeto Tráfico dos Escravos, Cartografia Histórica dos séculos XVI a XVIII, a Coleção Teresa Cristina Maria que são os álbuns fotográficos da coleção do Imperador D.Pedro II. Temos também um portal da Guerra do Paraguai e também a coleção do Viajante Alexandre Rodrigues Ferreira. Todas essas coleções estão em domínio público e são muito antigas. Já estão disponíveis na web. Além desse tipo de iniciativa, a Biblioteca Nacional está lançando um projeto que prevê a disponibilização de equipamentos que permitam aos portadores de necessidades especiais o acesso aos conteúdos do portal da BN. E também a disponibilização de obras de domínio público nos formatos que permitam a leitura e audição dos textos. Os equipamentos já estão funcionando na BN para portadores de deficiência motora e visual e a partir do mês de setembro o portal já vai estar acessível para portadores de deficiência visual. Aí entramos na polemica. A BN tem uma coleção muito rica e um projeto que foi cerca de dois anos atrás patrocinado pela Petrobrás e que foi apresentado pela PUC do Rio e, que digitalizou e restaurou e fez todo o tratamento biblioteconômico de coleções dos doze mil discos de dez polegadas que a BN possui de MPB. É uma coleção preciosa com música brasileira da década de 30 até a de 50 e como esse acervo ainda está sob a vigência da Lei de Direitos Autorais, a consulta só pode ser feita dentro da BN. Isso é uma pena porque se preservou o suporte e isso já é uma vitoria. Os discos agora não precisam ais ser manipulados. Já podemos consultar os arquivos digitais, mas, só podemos fazê-lo dentro da Biblioteca Nacional. Qual a prerrogativa de um arquivo digital? Ele poder ser visto em qualquer parte do mundo. E não estamos podendo cumprir com essa prerrogativa porque inclusive como órgão governamental de acordo coma lei de direitos autorais, responsável pelo registro das obras, nós temos que ser os primeiros a cumprir a legislação. Outro projeto que eu gostaria de apresentar a todos e inclusive convidar os interessados a entrar em contato conosco na Biblioteca Nacional e que tem interesse em participar, é o Projeto redes da memória Virtual Brasileira que foi inicialmente uma parceria com a FINEP e que digitalizou e disponibilizou acervos de varias bibliotecas, inclusive da Biblioteca Nacional. Ele hoje conta com mai de dez parceiros e além da visualização das coleções, nós temos textos inéditos, artigos escritos por especialistas nas áreas que abrangem esse projeto com cessão de direito para publicação na web. Então, os textos estão disponíveis para consulta e aqui eu mostro a vocês uma iniciativa belíssima da Fundação Oscar Niemayer que disponibilizou os desenhos do arquiteto e eles podem ser vistos. Eu trouxe essa tela parada, mas, esses arquivos são ampliáveis e ficam uma beleza.

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58 Biblioteca Nacional

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Ver os rascunhos dele, os projetos e é uma pessoa que está viva, ativa, mas, que permitiu que sua coleção pudesse ser vista mundialmente através do registro da memória virtual. Eu não quero me alongar para não deixar nosso moderador em má situação, e eu deixo aqui alguns pontos para reflexão. O primeiro já foi falado na mesa anterior, que é meu entendimento pessoal eu as publicações produzidas por todos os órgãos governamentais deveriam ser disponibilizadas na web ao menos para leitura. Porque é o dinheiro publico que paga essas publicações e se for feito uma publicação com custo de impressão, aí se justifica a cobrança. Mas, elas deveriam estar disponíveis para o acesso do público na web. A necessidade de flexibilização da gestão para atender as necessidades da Biblioteca Nacional. No estatuto da Biblioteca Nacional está escrito que e finalidade da Biblioteca Nacional é preservar e difundir os registros da memória bibliográfica documental nacional. Na adianta só preservar e guardá-los de acordo com as melhores práticas. É necessário também difundir. Ela como todas as bibliotecas têm o papel de difundir o conhecimento. E infelizmente por força da lei não podemos disponibilizar vários acervos e inclusive alguns projetos já foram abortados por conta de a lei dificultar a disponibilidade. Tivemos uma proposta da empresa que comprou os direitos do Pasquim de digitalizar toda a coleção do Pasquim da Biblioteca Nacional. É uma coleção completa e que seria postar na web para consulta livre. Só que a própria Biblioteca Nacional não concordou e participar desse projeto. Por quê? Apesar de eles teremos direitos do periódico, eles não têm os direitos autorais dos colaboradores. Ziraldo, Millôr, e todo mundo que escreveu no Pasquim e todo mundo que escreveu nesse glorioso período e, não podemos e não possível recolher direito autoral de todo mundo. É uma quantidade de anos muito grande de publicação e infelizmente esse projeto não foi elevado adiante. E como esse alguns outros acontecem. Eu entendo que a necessidade de flexibilização da lei é imperativa. Dar acesso às pessoas em vários lugares porque essa é a realidade hoje. Aquela realidade do pesquisador lá na Biblioteca Nacional durante meses e meses fazendo sua pesquisa para o mestrado ou Doutorado, é uma realidade que pode ser minimizada na medida em que alguma parte dessa pesquisa pode ser feita remotamente. É evidente que em algum momento há a necessidade de alguma consulta local, mas, essa pesquisa pode ser minimizada em termos de presença na Biblioteca Nacional. Vou finalizar com essa segunda sugestão que é a necessidade de preservação do patrimônio nascido digital. Que não é sobre isso que estávamos falando aqui agora. Estávamos falando de coleções que já existiam em outros formatos e que foram digitalizadas. Mas, é necessário e isso foi dito na mesa passada. A criação de depositórios para salvaguardadas criações que hoje só estão disponíveis em meio digital. Não foram e possivelmente nunca serão impressas. A Biblioteca Nacional também é depositária de toda a produção editorial brasileira por força da lei do depósito legal. Essa é uma lei recente de 2004 e ela está em processo de regulamentação no Congresso, mas, eu gostaria de deixar aqui o apelo para que as pessoas que tenham algum tipo de inserção nesses meios que colaborem com a Biblioteca Nacional na medida em que é preciso que a lei não só seja alterada, mas, que a Biblioteca Nacional tenha condições reais de ser esse repositório de produção digital brasileira. Isso implica verba, dinheiro para equipamento digital, para manutenção e preservação para o futuro. Porque se hoje os pesquisadores podem ler periódicos do século XIX na Biblioteca Nacional é porque foram preservados. Só que o digital tem uma peculiaridade. Ele precisa ser atualizado constantemente. É uma tecnologia grande envolvida nisso. a expectativa é que grande parte dessa produção em um futuro não tão remoto venha a estar perdido. Era isso, muito obrigada.

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TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE OLGA FUTEMMA59

Em nome da Cinemateca Brasileira, agradeço o convite para participar do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura. Apresento os cumprimentos de nosso Diretor-Executivo, Carlos Wendel de Magalhães. No código de ética da Fiaf – Federação Internacional de Arquivos de Filmes, que orienta as atividades dos arquivos afiliados, como a Cinemateca Brasileira, arquivos de filmes e arquivistas de filmes são os guardiães do patrimônio mundial de imagens em movimento. É sua responsabilidade proteger esse patrimônio e transmiti-lo à posteridade nas melhores condições possíveis e na forma a mais fiel possível da obra original. Os arquivos de filmes devem respeito aos materiais originais sob seus cuidados durante todo o tempo em que esses materiais permaneçam em condições viáveis. Quando circunstâncias tornem necessária a transferência de originais para novos suportes, os arquivos devem respeitar o formato dos originais. Os arquivos de filmes reconhecem que seu compromisso primordial é o de conservar os materiais sob seus cuidados e, desde que não haja riscos a esse compromisso, torná-los disponíveis para estudo, pesquisa e projeções públicas. Aos princípios gerais anunciados acima, acrescentam-se outros preceitos particulares, como o que se refere aos direitos das coleções: Os arquivos respeitarão e protegerão a integridade dos materiais sob seus cuidados, defendendo-os contra qualquer forma de manipulação, mutilação, falsificação e censura. Portanto, a ação de preservação e de acesso aos bens sob sua guarda implica, quando necessário, na transferência de originais para novos suportes respeitando-se o formato dos originais, em torná-los acessíveis à comunidade interessada e na proteção de sua integridade. Essas ações não se contradizem. Nas cinematecas, com vistas à preservação, o respeito ao formato original é meta constante nas ações de duplicação em outros suportes, quando se prevê o “retorno ao filme” após todas as etapas intermediárias digitais nos trabalhos de restauro que tomem partido desta evolução tecnológica que definitivamente adentrou os campos da preservação e da difusão cinematográficas. O que se discute com atenção é a pertinência do uso de mídias digitais, ferramentas úteis de estudo e pesquisa, com evidentes facilidades de acesso, dada a sua portabilidade e a ampliação do cumprimento de um dos itens que compõem o grande arco da missão institucional: a democratização da cultura cinematográfica. Como se sabe, em filmes, não se opera na película que apresenta problemas; não há como realizar intervenções em uma película danificada, descolorida, encolhida, cristalizada. É imperativo, para que aquele conteúdo permaneça disponível, que ele seja reproduzido em um novo suporte. Sabemos que os desastres ocasionados pelo fogo em acervos de filmes com base de nitrato de celulose foram e ainda são enormes e incalculáveis. Muito das coleções de várias cinematecas, produtoras e estúdios foi destruído sem deixar vestígios, reduzindo o acervo e, sobretudo, o conhecimento desse acervo a muito pouco – no caso do Brasil somente 7% da produção da era do cinema silencioso registrada em nitrato de celulose sobreviveram integral ou parcialmente. Em 1950, com a substituição definitiva da fabricação de películas com suporte em nitrato de celulose por diferentes acetatos de celulose – propianato, diacetato, triacetato – a indústria e o mercado cinematográficos acreditaram estar trabalhando com filmes de segurança – Safety Film – conforme apresentados, vendidos e consumidos para garantir a produção e preservação dos filmes. Contudo, sua segurança depende quase que exclusivamente do armazenamento correto. Foram incorporados retardantes e modificados os plastificantes das bases em nitrato de celulose para retardar o ponto de combustão, porém a partir da década de oitenta foi constatada a terrível realidade entre muitos arquivos de filmes. Tomou-se conhecimento da Síndrome do Vinagre, assim batizada devido ao cheiro de vinagre característico do ácido acético livre que exala dos filmes. Essa doença se manifesta nos filmes com base em acetato de celulose que, submetidos a condições adversas de umidade relativa do ar, associados à temperatura elevada por um determinado período de tempo, entram em decomposição, liberam ácido acético e tendem a chegar ao ponto auto-catalítico, onde a velocidade das reações aumenta em progressão geométrica e o filme atinge o estado de degradação total, destruidor e irreversível. Os arquivos tentam mobilizar forças antes que essa sinistra irreversibilidade se apresente. Se essa intervenção não estiver coberta por todas as autorizações prévias de todos os titulares, mas tendo a Cinemateca recurso público que financia grande parte de suas atividades, amparada pelo sentido da instituição que é, afinal, o uso social dos materiais, e buscando o máximo de garantia de que essas obras

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59 CINEMATECA Brasileira.______________

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cheguem às gerações futuras, pergunta-se que princípio moral não está contemplado quando a instituição decide pela duplicação dessa obra que segue para o desaparecimento – duplicação que é condição básica para a continuidade de sua existência. A explosão do digital obriga os arquivos de filmes a ampliar o conhecimento sobre a salvaguarda de materiais sob sua guarda e a reestruturar o movimento arquivístico em novas bases legais. A sociedade exige que protejamos nossa herança cultural, e que ampliemos a escala do acesso. Nós conservamos, preservamos, restauramos, organizamos informações sobre o acervo e sobre a história do cinema, promovemos exibições, pesquisamos, fazemos intercâmbio com outros arquivos, oferecemos programas educacionais. E procuramos realizar esse conjunto de ações – que não ultrapassam a fronteira do uso e exploração comerciais –, respeitando os direitos autorais e patrimoniais. Esta questão tem estado na pauta das discussões prioritárias nos Congressos anuais da Federação que nos congrega, e todas as reflexões espelham a convergência entre a missão das cinematecas e o que a sociedade espera delas. Esta dinâmica não tem sido acompanhada pela nossa legislação que, por exemplo, não prevê subconvenções que atentem para as especificidades de um arquivo de filmes. Este debate, no esforço de formulação de políticas públicas para a área, é de extrema importância, pois articulado às iniciativas dos arquivos de filmes do mundo todo e das instituições culturais dos vários campos do conhecimento, ele certamente fortalecerá o movimento de preservação e de acesso (que é um só) de nossa herança cultural, possibilitando o cumprimento mais pleno de nossa missão institucional, qual seja, a de intermediação da informação e do conhecimento, para os usuários do presente e aqueles do futuro. Muito obrigada.

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O PAPEL DOS ARQUIVOS NO PROCESSO DE DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES ARQUIVÍSTICAS A SERVIÇO DO ESTADO E DA CIDADANIA

Jaime Antunes da Silva60

Nesta mesa pretendo tratar das questões relativas à gestão, preservação e difusão do patrimônio documental arquivístico. Começo ressaltando que o Brasil, país federativo, possui uma ampla e complexa rede de arquivos, decorrentes do exercício da função executiva, legislativa e judiciária do Estado brasileiro, tanto a nível federal quanto estadual, do Distrito Federal e municipal, gerada a partir do processo de colonização do território brasileiro, chegando aos dias atuais. Este quadro se torna mais complexo já que nele devem ser incluídos os arquivos privados de interesse público e social, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas. Além disso, cabe destacar a existência de parcelas de acervos arquivísticos em bibliotecas, museus, instituições privadas e/ou centros de documentação ligados a diversas universidades que reúnem, além de arquivos privados, documentos provenientes de diversas instâncias do poder público. Meu foco de atenção aqui são os documentos arquivísticos públicos de natureza diversa e em variados suportes da informação. Qualquer órgão ou entidade pública produz registros documentais decorrentes do cumprimento de suas funções e atividades. E esse documentar é feito a partir de registros que essa própria instituição ou entidade produz e os que ela recebe: é no binômio produção e acumulação documental que se formam os arquivos. São os espólios informacionais por eles gerados que, após o competente processo de avaliação, seleção e eliminação dos registros destituídos de valor de prova e informação, são recolhidos aos arquivos públicos. Em cada órgão governamental é armazenado um valioso patrimônio público: seus documentos são primordiais para o planejamento, administração e controle das operações governamentais e, por isto, refletem a condução das funções públicas. Contêm informações sobre origem, desenvolvimento e execução de programas de governo; exibem a estrutura organizacional do Estado, seus modelos de procedimento e a forma como o governo utiliza os recursos públicos. Tal como outros importantes recursos do Estado, seus documentos e as informações neles contidas devem ser gerenciados para assegurar eficiência, economia, legalidade e transparência às ações governamentais. As condições climáticas adversas, a fragilidade dos materiais de arquivo e a não implementação de programas permanentes para a preservação e salvaguarda dos acervos tornam a situação dos arquivos preocupante. Não apenas os documentos textuais em papel ácido e quebradiço, mas, também, uma diversidade de suportes como fotografias, filmes, discos e registros magnéticos correm perigo. Nos locais onde a temperatura e a umidade relativa do ar são elevadas e sofrem oscilações bruscas, a durabilidade dos materiais que compõem os acervos diminui consideravelmente, uma vez que a velocidade de degradação química por hidrólise é duplicada a cada aumento de dez graus centígrados. Outros fatores associados à umidade, como a interação com poluentes e agentes biológicos se somam a esse processo degradativo. Diante da magnitude da questão, o Estado tem o dever de zelar pela preservação e pelo compartilhamento, através da divulgação, dos conjuntos documentais que se encontram sob a sua guarda. E procurar identificar o patrimônio documental que, apesar de produzido por ele, encontra-se desconhecido, perdido. No Brasil, o direito de acesso à informação e à proteção aos documentos é ratificado na Constituição Federal de 1988 em vários de seus Títulos, cabendo destacar os seguintes: Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos - art. 5º, incisos X, XIV, XXXIII, XXXIV, LX, LXXII, LXXIII; Título III - Da Organização do Estado, Capítulo II – Da União - art. 23, incisos III e IV; art. 24, inciso VII); Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo III, Da Educação, Da Cultura e Do Desporto - Seção II – art. 215 e art. 216, inciso IV e parágrafos 1º e 2º. A Lei nº 8.159 (Lei de Arquivos), de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados para o país, aborda o tema acesso à informação, contemplado em seu Capítulo V - “Do Acesso e do Sigilo dos Documentos Públicos”, bem como na Lei nº 9.507, de 12 de novembro de 1997, que regula o direito de acesso a informações e disciplina rito processual do habeas data. O reconhecimento pelo Estado do direito de acesso à informação leva, como um desaguadouro natural, à consagração do princípio da transparência administrativa. A disponibilização das informações produzidas e acumuladas pela Administração Pública se justifica:

• pelo interesse geral, em virtude dos princípios do controle democrático e da igualdade dos cidadãos em relação ao Poder Público;

Anais do Seminário Direitos Autorais e Acesso à Cultura, ago/2008 Fórum Nacional de Direito Autoral – Ministério da Cultura Mesa 5: Patrimônio Cultural

60 Diretor-Geral do Arquivo Nacional e Presidente do Conselho Nacional de Arquivos - CONARQ

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• porque a confidencialidade administrativa como regra carece de bases jurídicas. A garantia do sigilo é legítima, desde que não prejudique a administração nem o cidadão na defesa de seus direitos.

Com o advento das modernas tecnologias de controle e recuperação de dados, a visão de arquivo como instituição de guarda de documentos foi substituída por aquela que o situa enquanto gestor de um sistema de informação, integrado a outros sistemas, com o objetivo maior de garantir o acesso do usuário às informações demandadas. Ou seja, o eixo foi deslocado da questão da guarda para a do acesso. Nesse sentido, ganha importância o intercâmbio entre instituições, recuperando-se os documentos de interesse do usuário a partir de referências fornecidas pela instituição membro do sistema, que partilha com as demais o controle da informação existente. A partir da Lei de Arquivos, é criado o Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, instalado em 1994, órgão colegiado vinculado ao Arquivo Nacional, com a finalidade de definir a política nacional de arquivos, públicos e privados, do país e integrar ações por meio do Sistema Nacional de Arquivos - SINAR. Em razão das funções normativas atribuídas ao Conselho, tanto no que se refere aos arquivos públicos quanto aos privados, a sua representatividade está assegurada não apenas na esfera governamental como, também, entre diversos segmentos da sociedade civil. Presidido pelo Diretor-Geral do Arquivo Nacional, o CONARQ constitui-se de 17 membros Conselheiros, representantes do Poder Executivo Federal, do Poder Judiciário Federal, do Poder Legislativo Federal, do Arquivo Nacional, das Universidades mantenedoras de cursos de Arquivologia, dos Arquivos Públicos Estaduais e Municipais, de associações de arquivistas e de instituições que atuem nas áreas de ensino, pesquisa, preservação e/ou acesso a fontes documentais. O CONARQ tem sido responsável pela sanção presidencial e aprovação de um conjunto importante de decretos, resoluções e textos técnicos regulando matérias arquivísticas, dentre outras, sobre microfilmagem, classificação e acesso a documentos sigilosos, seleção, avaliação e eliminação de documentos. A consolidação do Sistema Nacional de Arquivos – SINAR, instrumento de difusão normativa e de informações arquivísticas do Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ, vinculado ao Arquivo Nacional, superará a visão setorizada sobre os acervos arquivísticos, transformando cada instituição de guarda em co-responsável pela garantia do acesso a parcelas do patrimônio documental brasileiro e sua preservação. A finalidade dos arquivos passa a ser, portanto, a preservação do documento enquanto fonte de informação que precisa ser disponibilizada, estando a questão da guarda vinculada diretamente às condições de tratamento técnico do acervo. Documento recolhido, guardado e não organizado, significa informação não disponibilizada, portanto, inexistente. A fim de garantir não apenas a guarda, mas a transformação dos documentos em efetivas fontes de informação é preciso integrá-los sistemicamente, possibilitando a constituição de uma Rede Nacional de Cooperação e Informações Arquivísticas, que os referencie e controle, de forma padronizada e coletiva, com dados sobre a formação e o conteúdo dos conjuntos mantidos pelas diversas instituições de arquivo, independente da esfera a que pertençam dentro do poder público, integrando ainda instituições privadas que também sejam responsáveis pela guarda e acesso de documentos de interesse público e social. Contudo, embora o acesso à informação pública seja um direito assegurado tanto na Constituição Federal como em textos legais complementares como a Lei de Arquivos, a existência de fundos documentais não organizados ou sem um adequado tratamento técnico, representa um grande empecilho ao exercício desse direito do cidadão. Os arquivos, bibliotecas, museus e centros de documentação, enquanto gestores de um sistema de informações a serem disponibilizadas ao público devem divulgar as suas bases de dados, o conteúdo de seus fundos documentais, inventários e catálogos, da maneira mais ampla possível. Esse universo de interesse tende a se expandir quando se envolve arquivos privados sob a guarda de particulares, institutos de pesquisa, universidades e agências de fomento, entre outros. Um dos meios mais eficazes para essa difusão é a utilização dos portais na Internet. Se levarmos em conta que o patrimônio documental remanescente do país foi constituído, muitas vezes, a partir da dispersão de registros e reunião de acervos de distintas proveniências, torna-se cada vez mais urgente envidar esforços para acelerar o processo de integração informacional desses acervos, usando instrumentais e meios operacionais com bases comuns. Dessa maneira, as informações coligidas podem ser disponibilizadas por meio de páginas do mundo WEB, com a vantagem de serem atualizadas progressiva e regularmente. E este é caminho que vem sendo estimulado pelo Arquivo Nacional ao empreender algumas ações de integração em rede, entre as quais destaco:

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• a implementação do Censo de Arquivos Brasileiros: Públicos e Privados. Financiado pelo Governo Espanhol foram já recenseadas 69 instituições, em 12 unidades da Federação, totalizando 2.088 fundos/coleções, cujas informações já estão disponíveis, em língua espanhola, no sítio Web do Ministério da Cultura da Espanha, no Censo Guía de Archivos de España e Iberoamerica – http://censoarchivos.mcu.es/CensoGuia/portada.htm • a criação da Norma Brasileira de Descrição – NOBRADE – modelo de requisitos para descrição de arquivos permanentes, que viabiliza o intercâmbio de dados, informações e imagens de registros documentais;• o desenvolvimento de banco de dados com base na NOBRADE para consolidação da Rede Nacional de Cooperação e Informações Arquivísticas – Memórias Reveladas. Neste momento 10 instituições já integram a Rede (Arquivo Nacional e os Arquivos Públicos do Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Pernambuco, Maranhão, Histórico do Rio Grande do Sul, Maranhão). Ao longo de 2009 devem integrá-la os Arquivos Públicos de Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe e Alagoas, e progressivamente outros arquivos e centros de documentação como AEL/Campinas, CEDEM/UNESP, CEDIC/PUC, CEPDOC/FGV, entre outros. A Rede poderá ser acessada por intermédio do Portal Memórias Reveladas:http://www.an.arquivonacional.gov.br/mr

No que se refere especificamente à questão da preservação, gostaria de lembrar que o papel utilizado para o registro documental a partir da segunda metade do século XIX está fadado, dependendo das condições de manuseio, de guarda e de conservação, a desaparecer com muito mais rapidez do que o “papel de trapo” com o qual foram produzidos os documentos nos séculos XVI, XVII e XVIII e parte do século XIX. Ao mesmo tempo assinalo que a indústria papeleira do Brasil não vem reagindo aos apelos dos conservadores no sentido de produzir papéis permanentes para a edição de livros ou de documentos arquivísticos. Portanto, nesse momento, milhares de livros e de registros de arquivos no mundo inteiro desaparecem pela acidez intrínseca do papel contemporâneo. Além disso, graças à rapidez com que evoluem as tecnologias do registro de informações, uma quantidade expressiva de documentos desaparece ou deixa de ser consultada pela inexistência dos sistemas operacionais de decodificação da informação em documentos digitais ou de equipamentos mediadores do acesso como é o caso de vídeos e de registros sonoros o que exige dos documentalistas e conservadores uma atenção rigorosa para uma boa gestão documental. A aplicação de tecnologias para salvaguardar a informação é, portanto, uma exigência, uma vez que os materiais que lhe dão suporte são frágeis e entram em obsolescência com alguma celeridade: graças a elas torna-se possível a migração de dados, a reformatação, a atualização de mídias e a emulação. Assim, os arquivos lidam permanentemente com desafios para fazer os investimentos necessários em tecnologia, tanto para manutenção dos registros em seus suportes originais como para a migração de suportes ou mídias tendo por opção a preservação da informação neles contidas. Outro dado que preocupa são os registros documentais que necessitam de mediação de equipamento para acesso. Para exame dos registros em papel são necessários requisitos básicos como o domínio razoável do idioma em que a informação está registrada, se manuscrito, e a prática de leitura paleográfica e luz natural ou artificial que possibilite ler e interpretar os dados. Os documentos sonoros, de imagem em movimento e os digitais exigem uma atenção especial já que para seu acesso são necessários equipamentos adequados à mídia, sistemas operacionais e máquinas compatíveis com o formato, softwares e linguagens que viabilizem o processamento e a decodificação da informação. Dentro deste quadro de integração em rede dos diversos documentos sob a guarda de instituições e entidades públicas e privadas, para viabilizar identificar onde está o que, devo retomar as questões legais que embasam a proposta de arquivos em rede. A nenhum país foi possível autorizar a investigação a todos os documentos sem exceção. Cada país é soberano para fixar as suas regras de acesso, cabendo aos organismos produtores determinarem a necessidade de que alguns dos documentos produzidos sejam classificados como sigilosos. A liberdade de informação, a proteção da segurança nacional e dos interesses do Estado e o respeito à vida privada e à privacidade são princípios norteadores, mesmo que contraditórios, na regulação do acesso à informação. Na legislação sobre arquivos e acesso à informação em todo o mundo há registro das categorias de documentos excluídas do livre acesso, havendo dispositivos rigorosos para a garantia da privacidade, da honra e da imagem das pessoas.

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No Brasil, a Constituição de 1988 e, por conseguinte, a Lei de Arquivos de 1991 tratam destes dispositivos. Portanto, temos que lidar na disponibilização da informação com um conjunto de leis. As cláusulas pétreas constitucionais em alguns dos incisos do artigo 5º garantem o direito do acesso à informação por qualquer cidadão. Neste mesmo artigo há incisos que definem que, para a acessibilidade da informação, tem que ser resguardado o direito à intimidade, à honra, à imagem e à vida privada das pessoas, assim como a segurança da sociedade e do Estado. Além disso, devemos colocar no circuito a questão do direito autoral. A estes dispositivos de aparente contradição temos de agregar aqueles contidos na Lei N° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais. Isso porque se os arquivos custodiam filmes, fotografias e cartas missivas, a questão do direito autoral, seja pecuniário ou moral, não pode ser menosprezada quando se dá acesso a determinados registros e se permite a reprodução dos mesmos. Nesse sentido pergunto: como trabalhar a questão do direito privado e do direito coletivo? Como disponibilizar informações que são produzidas e subsidiadas com dinheiro público? São questões que reforçam a relevância de um evento dessa natureza, uma vez que dentro dos arquivos e das bibliotecas encontramos documentos em diversos suportes, de proveniências distintas, de acumulação distinta, mas que por estarem custodiados por entidades com finalidades públicas têm que ser tratados e disponibilizados ao público de uma maneira ágil e eficiente. Você fala: “ah, mas o autor está ganhando dinheiro”. Ele ganha dinheiro com livro? Aqui temos dados da Câmara Brasileira do Livro: tiragem média de livros – 1822 exemplares. Preço médio: 38 reais. Façam a conta, multiplicando a tiragem e o preço médios – o total é 69 mil. Se você considera 10% disso como pagamento de direitos autorais e divide por 36 meses – vai dar 173 reais por mês. Na universidade, o editor paga em livros para nós. Distribuímos isso nas bibliotecas, trocamos com colegas, fazemos permuta. Você não vê a cor do dinheiro! Mesmo que pagassem os direitos autorais não são nada em relação ao salário. Vocês me desculpem, mas nós não vivemos de vender livros, vivemos de reputação, porque é através dela que construímos nossa carreira. Publicar é um meio não um fim. “Viver de vender livros”, não dá nem para se considerar este argumento. E estamos sendo prejudicados pela situação atual de bloqueio de acesso. Com relação a obras esgotadas: segundo nossa pesquisa, cerca de 30% dos livros adotados nos cursos superiores estavam esgotados ou fora de catálogo. Os dados de outro levantamento feito aqui na USP corroboram, a média de livros esgotados está na ordem de 30% também. Ou seja, não há onde comprar. Estamos falando de livros adotados nos cursos. Sobre livros gerais, que o aluno vai precisar para fazer trabalho de dada disciplina não temos tais dados, mas devem apontar para uma porcentagem muito maior. Outro problema é a criminalização de professores e alunos por “pirataria”, centros acadêmicos processados e universidades nas páginas policiais. No slide ao lado, o jornal “O Estado de São Paulo” noticia sobre dos professores submetidos a inquérito policial. Cita a Universidade de São Paulo, a PUC, a FGV e outras universidades. Na página policial, a reportagem é colocada ao lado da repressão dos camelôs. É assim que somos tratados. São ações da ABDR. Com todo o respeito ao colega da ABDR, foi muito bom ele ter vindo aqui. Há também conflitos de interpretação da lei sobre o entendimento do direito a cópias de trechos. A USP reagiu regulamentando isso com uma resolução interna que permitiu a cópia de obras esgotadas, em domínio público e indisponíveis no mercado editorial. É uma interpretação, já que a lei permite isso. Com isso, a USP foi denunciada no “Relatório 301” da IIPA, dos EUA, sobre “pirataria”. Em outros países o uso científico e educacional é permitido. Temos muitos exemplos na Europa. Falamos em países onde a sociedade civil é forte e organizada: Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul. Nesses países há dispositivos legais que permitem que livros técnico-científicos sejam tratados de outra forma. No Brasil isso não existe e a legislação é mais estritas do mundo. Cabe destacar que professores são autores: 25% dos títulos do mercado editorial são de professores. São também grandes consumidores. Portanto, não somos contra o direito autoral, pelo contrário, há que combater o plágio e os usos comerciais indevidos, por exemplo. Como conclusão, a universidade não está satisfeita com essa lei. O financiamento público deve ser equivaler a acesso público. Isso é evidente. Não cabe ao Estado subsidiar monopólios privados em detrimento do interesse público. Conforme demonstramos, o mercado de livros técnicos e científicos é, portanto, diferente, pois tem um alto financiamento público.

É justo tratar isso de forma policial? Não! A ABDR não conhecia esses dados, mas está conhecendo agora. Por isso propomos a paz com a ABDR. Isto aqui está sendo gravado, temos testemunhas e muita

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gente importante na platéia. ABDR, paz! Chega de processos contra centros acadêmicos. Vamos sentar e conversar sobre isso como adultos, com moderação, pensando no interesse público. Sabemos que eles defendem os interesses das editoras. Vamos conversar sobre isso com calma, sem necessidade de polícia, está bem? Acho que temos de ter a cabeça fria e o bom senso nesta hora. Espero que o Dalton seja o mensageiro da paz. Que volte para a ABDR e diga: “vamos conversar com o pessoal, porque não está dando certo a nossa estratégia”. Vamos comprar briga se precisar. Se houver uma guerra, eu digo: eles vão perder essa guerra para nós. Obrigado.

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MESA 6FORMAS DE LICENCIAMENTO

FORMAS DE LICENCIAMENTO, CRIATIVIDADE E DIVERSIDADE CULTURAL

Sergio Amadeu da Silveira61

Eu agradeço a oportunidade de expor algumas questões que considero de grande relevância para a análise da relação entre a Lei de Direitos Autorais, as formas de Licenciamento e sua importância e impacto sobre a criatividade e a diversidade cultural. Como tenho pouco tempo, irei direto ao ponto. A expansão das redes informacionais trouxe um novo cenário para a criação e distribuição de bens culturais. Elas trabalham com o digital e o digital é uma metalinguagem. A metalinguagem digital conseguiu traduzir absolutamente tudo em dígitos, em 0 e 1. A metalinguagem digital tornou viável o que tem sido chamado de convergência de conteúdos, de formatos e até de mídias. É uma inovação fundamental na história da humanidade. Ela libertou a criação dos seus suportes: a imagem da película, a musica do vinil, o texto do papel. Ou seja, afetou toda a indústria de intermediação, a denominada indústria cultural. Como essa indústria reagiu diante da nova conjuntura comunicacional? Parte dela seguiu atrás de novos modelos que acompanham os novos tempos. Mas, outra parte, reagiu como Elton John que em 1 de agosto de 2007 afirmou ser preciso fechar a internet por cinco anos. O erro de Elton John é não perceber que se ele perdeu audiência não é por que as pessoas estão copiando sua música, mas, sim, porque está existindo uma forte concorrência. Por exemplo, o Jamendo (www.jamendo.com) é um dos repositórios de músicas livres que já ultrapassou 12 mil álbuns disponíveis em licenças Creative Commons, a maioria deles são de excelente qualidade. O controle da indústria de intermediação sobre bens culturais que era necessário para distribui-los, perdeu sentido nas redes digitais. As barreiras de entradas para se atingir milhares de fãs estão sendo gradativamente reduzidas. O sucesso, portanto, depende mais da qualidade do que a capacidade de articular e gerenciar negócios artísticos. A reação de parte da indústria de intermediação e de suas associações foi a de criar peças publicitárias absurdas e equivocadas, tal como a que diz: “você não roubaria um carro, uma bolsa, você não roubaria uma televisão, copiar filmes piratas é roubo”. Este anúncio tem graves imprecisões econômicas. Poderia começar apontando o que Kenneth Arrow, Prêmio Nobel de Economia, já havia deixado evidente: bens imateriais não são a mesma coisa que bens materiais. Se alguém tomar a sua bolsa, você fica sem a mesma. Se eu fizer um download, ou seja, uma cópia de um MP3 ou de um vídeo, ele continuará lá, sem alteração do arquivo que foi copiado. Bens culturais são informacionais e não sofrem desgaste, nem escassez, características típicas dos bens materiais. Portanto, a propaganda acima é completamente deseducativa porque está baseada em um equívoco. Do ponto de vista econômico, o arquivo digital é um bem não-rival, pode ser reproduzido infinitamente sem que sua cópia prejudique o original. Copiar não é mesma coisa que roubar. A questão é outra. A rede despertou a participação dos fãs e de uma grande parte das pessoas. Vejamos qual era no dia 29/09/2008, as 10 maiores audiências na web. Em primeiro lugar, estão dois mecanismos de busca: Yahoo e Google. Em terceiro lugar: o Youtube que é um repositório de conteúdo. Quarto lugar: um mecanismo de busca. Quinto: Facebook, uma rede social, ou seja, um repositório de conteúdos. Depois vem o MSN – comunicador instantâneo, a Wikipédia e o Blogger, onde são hospedados milhares de blogs escritos por milhares de internautas. Reparem que entre as maiores audiências na internet estão os mecanismos de busca e os repositórios de conteúdos, ou seja, sites que dependem da participação ativa dos interagentes. A rede estimula a participação e o compartilhamento.

Repare a força das práticas colaborativas no quadro anterior. O site do Yahoo roda sobre FreeBSD, um software livre, desenvolvido colaborativamente. O site do Google, usa GNU/Linux, também software livre. O Youtube também utiliza Linux, já o Facebook, utiliza o software Apache, também software livre. Os sites da Wikipedia, Blogger, rodam sobre GNU/Linux. Estes softwares livres são desenvolvidos colaborativamente, são chamados de softwares não-proprietários, seu código fonte é aberto, sendo mantido em rede por diversas comunidades no planeta.

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61 Fundação Cásper Líbero

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Os exemplos de compartilhamento de softwares livres são possíveis por que eles podem ser desenvolvidos em rede, de modo desterritorializado, explorando as características do bem imaterial em que a cópia é ilimitada. Um código fonte com mais de sete milhões de linhas pode ser distribuído para os quase 150 mil colaboradores que ajudam a manter o GNU/Linux, sem nenhum impedimento. Essa é a vantagem do digital na rede. No mundo das redes digitais, colaborar é mais eficiente para contribuir. As redes digitais beneficiam as pessoas que querem participar ativamente de sua cultura. A rede despertou a interação, aproximou o artista do fã, democratizou a cultura e o conhecimento. Devolveu ao terreno comum o que havia sido separado gradativamente a partir do Renascimento. Nunca se escreveu tanto na história da humanidade. Nunca se produziu tanta música e nunca se distribuiu tanta música. As redes democratizaram o acesso à produção de bens culturais. Entretanto, nas redes o fluxo não é de bens materiais. É de bens imateriais. Os bens imateriais têm duas características que são percebidas pelos cientistas econômicos: a ausência de escassez e inexistência de desgaste no seu uso. Um bem cultural não é como um pneu de carro. Quanto mais se usa o conhecimento que é um bem imaterial, mais ele cresce, ao contrário de um pneu. As características, portanto, da apropriação das obras digitais são completamente distintas devido ao seu caráter imaterial. A propriedade privada de um bem imaterial só pode ser exercida pela capacidade que possui seu proprietário de controlar e negar acesso ao mesmo. Como a negação de acesso é incompatível com a comunicação da obra, surge o primeiro problema. Como controlar o acesso de um bem não-rival, ou seja, que todos podem usá-lo ao mesmo tempo? Nem todos podem usar o copo que encontra-se comigo ao mesmo tempo. Ele é material, ou está comigo ou está com outra pessoa. Mas, todos podem usar uma música ao mesmo tempo. Enfim, como controlar o acesso a um bem não rival que precisa ser comunicado? Só tem um jeito. Através da ação do Estado e da criação jurídica de monopólios temporários de exploração. Todo direito de patentes e copyright está baseado em monopólios temporários de exploração. Exatamente nesse ponto podemos perceber a natureza comum das obras intelectuais que a partir do Renascimento, o Romantismo e posteriormente a indústria cultural teve a necessidade de separar. Elas foram separadas artificialmente do ambiente comum e coletivo da cultura, dificilmente podem ser privatizadas. Existem fundamentos na negação de aceso a um bem cultural? Sim, existe. A legitimidade da negação de acesso nasce de dois argumentos: primeiro, por ser indispensável à criatividade. Ele asseguraria a remuneração do criador. É o argumento econômico. Segundo: por ser justo. Ou seja, tudo aquilo que o homem transforma com seu trabalho pode ser por ele apropriado. É o argumento de matriz lockeana (John Locke). No primeiro argumento os limites da propriedade podem ser economicamente realizados de modo legítimo. No segundo, limitar a extensão da propriedade seria ilegítimo. A partir desse primeiro argumento, de base econômica, é possível advogar que se as condições sociais de criação mudaram também é possível mudar o modo como se estrutura a remuneração do criador. Porque, nesse caso, o ideal é defender o criador. No segundo argumento isso não é possível. Uma obra intelectual não teria diferença de um bem material. A propriedade de um terreno, uma bolinha de gude ou de um carro seria igual à propriedade de uma música. Por exemplo, Jack Valenti, então Presidente da Motion Pictures Association Of América (MPAA), disse no Congresso americano: “Os donos da propriedade intelectual precisam ter os mesmos direitos e proteções de todos os demais proprietários de bens do país”. O argumento de segundo tipo confundem a propriedade de coisas com a de idéias. Ou seja, desses argumentos básicos nasce a concepção de autor e de licenças que a lei deve assegurar. Ora, os fundamentos do primeiro argumento nos levam a aceitar ou imaginar a possibilidade de mudança da condição de incentivo à criatividade. É a partir dele que você separa o autor do proprietário. Já no segundo argumento a obra já nasce como propriedade do autor. Autoria e propriedade seriam a mesma coisa. Todavia, o que está ocorrendo hoje? É nítido que as redes digitais alteraram as condições de criação, produção e distribuição de bens culturais. Como as atuais condições de criação mudaram é preciso mudar a lei. Todo mundo fala nisso. Podemos mudar a lei de duas formas: para salvar a indústria da intermediação ou para incentivar as várias formas de criação. Para qual lado devemos ir? Henry Jenkins, especialista em estudos mediáticos do MIT, disse: “se ...o nascimento moderno dos meios de comunicação de massas significou a morte das tradições vitais da cultura popular que prosperava na América do Norte do século XIX, o momento atual de mudança mediática está reafirmando o direito das pessoas comuns a contribuir com a sua cultura”. Ou seja, os consumidores de cultura, nos dizeres de Jenkins, estão pegando as rédeas dos meios de comunicação. Além disso, há uma cultura da convergência em curso. As redes digitais e a metalinguagem digital reforçam esta tendência.

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Até o surgimento da expansão das redes digitais quase ninguém se importava se as pessoas copiavam músicas em fitas K7 para os vizinhos ou se as fazia circular em algum fã-clube. Nos anos 70, não era comum ouvir a expressão “não pode copiar”. Ao contrário, a sua mãe dizia: “empresta isso para o seu primo”, “você está sendo egoísta”. Ou então, “me empresta esta fita para eu copiar essa música”. E todo mundo fazia isso. E a indústria da intermediação sabia disso. Mas, quando as redes digitais se expandiram essas práticas passaram a ser consideradas criminosas pela indústria de intermediação. As concepções de autoria diz o George Landow, professor de História da Arte da Universidade de Brown, as concepções de autoria guardam uma estreita relação com a forma de tecnologia da informação que prevalece o momento dado. É isto que alguns não querem aceitar. As relações mediadas pela tecnologia que estão sendo desenvolvidas por alguns grupos sociais mostram que, nas redes informacionais, compartilhar é mais eficiente e mais justo que bloquear acessos. Hoje a criatividade pode aproveita-se das redes para expandir-se. Nesse sentido a lei deveria assegurar: 1) a criatividade e um ambiente de liberdade que é vital para que ela ocorra. 2) deve acompanhar o avanço sócio-técnico. Ser contra as possibilidades de compartilhamento é prática obscurantista. 3) Licenças são contratos. Não é lei. São formas de negação de acesso. Nenhuma licença deve cercear manifestações típicas da cibercultura, que se baseia em 4 características: a participação ativa das audiências ou dos fã; na remixagem e nas práticas recombinantes; na reunificação das artes e das ciências que estavam separadas pela especialização típica do mundo industrial; e, nos baixos custos para se tornar um criador e disseminar uma obra. Assim como nenhum contrato ou licenciamento comercial deve estar acima do código de defesa do consumidor, nenhum contrato ou licença na nossa lei deveria violar o uso justo das obras cerceadas pelo copyright. Isso quer dizer que precisamos garantir na lei as manifestações recombinantes. Que precisamos resgatar a recombinação como uma das manifestações mais nobres da cultura. Nenhuma licença ou contrato deveria ter valor jurídico contra a cópia para uso justo, entendido como uso privado e não comercial. Nenhuma licença deveria ter validade jurídica contra a mudança e alteração de uma obra artística para fins pessoais, educacionais, comunitários e não comerciais. Desse modo, uma das atividades mais criativas dos fãs, hoje, os denominados fanfics teriam pleno e irrestrito apoio legal. No Brasil, temos milhares de adeptos da tradução de filmes e séries de TV, mangás e de animes, são os chamados fansubbers. Só em um dos sites mais populares de fanfics brasileiros, o Haytou, tinhamos 90.558 usuários registrados, em meados de 2008. Atividades de fanfics, fansubbers e machinimes, não deveriam poder ser consdideradas criminosas. Elas equivalem a brincadeiras que as crianças fazem com seus personagens favoritos. Recriar situações, histórias e personagens, bem como, traduzir bens culturais como diversão, hobby, brincadeira, para finalidades lúdicas e pessoais não deveria ser considerado crime. Assim como brincar de herói no quintal de sua casa não era considerado violação de copyright, abrir um site ou um blog na rede para recontar sua história preferida deveria ser considerado prática legal e normal. A lei de copyright não pode bloquear os direitos dos fãs ao lúdico e a recombinação por pura diversão. Um episódio da TV japonesa ou um anime é traduzido para o português no dia seguinte ao seu lançamento. Fãs fazem isto gratuitamente. Sua lógica é permitir que outros fãs tenham acesso. Alguns diriam que essas práticas estariam acabando com as séries japonesas, com os criadores e produtores japoneses. Isso é um engano. Isso é ideologia pura. As vendas globais dos produtos japoneses de animação atingiram a assombrosa cifra de 9 bilhões ienes e se multiplicaram por dez na última década. Isto em função dos fãs-clubes, dos fansubbers e dos fanfics, ou seja, em função da cópia, do compartilhamento e da disseminação de traduções. Os Estúdios Disney que perseguem jovens, processando-os por violação do copyright e impedem que creches pintem o Pato Donald em suas paredes, esqueceram apenas que a maioria das obras de Walt Disney são recriações, recombinações das obras dos Irmãos Grimm. E os Irmãos Grimm, na verdade, relataram em sua obra as tradições e contos populares de sua região. Assim, a base da criação é a liberdade, inclusive para recombinar obras de outros autores e culturas. Assim, a lei precisa garantir o uso justo, a cópia privada para fins não comerciais. Assim como, o autor necessita ter o reconhecimento de sua autoria e criação, mas, a lei não deve impedir as práticas recombinantes. É preciso garantir o equilíbrio entre a proteção dos interesses do autor com a defesa da criatividade e da diversidade cultural. Toda cultura é recombinante. Conter a recombinação e o remix, equivale a destruir boa parte das possibilidades criativas.

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O DIREITO DE REMUNERAÇÃO - UMA ALTERNATIVA A SER CONSIDERADA?Vanisa Santiago62

Os Fundamentos

O elemento essencial do Direito de Autor é o poder exclusivo que tem o criador sobre sua obra. Só a ele compete decidir seu destino, autorizar ou proibir seu uso por terceiros, cobrar o preço que lhe parece adequado por esse uso ou renunciar a essa cobrança. Em virtude da atribuição de faculdades de dupla natureza, classificadas como direitos morais e patrimoniais, ficam assegurados aos autores, por um lado, direitos personalíssimos como os de paternidade e integridade e, por outro, o direito exclusivo de exploração de um bem móvel que é a obra intelectual, seja qual for a modalidade de utilização, existente ou por existir. No entanto, ao lado dos direitos exclusivos outorgados pelas normas legais, existem as restrições que as leis e os tratados internacionais estabelecem e que formam dois grupos básicos: o das limitações e o das exceções aos direitos patrimoniais, consagradas em função de necessidades culturais e do interesse público. No grupo das limitações, encontramos as disposições que tratam do uso livre e gratuito das obras, ou seja, as que dispensam a autorização do autor e não exigem o pagamento de uma remuneração pela utilização realizada. Essas condições são estabelecidas frente a situações especiais, para satisfazer necessidades gerais da sociedade, tais como o acesso à informação, à educação e à cultura; às necessidades particulares de alguns segmentos da sociedade em causas humanitárias como a dos deficientes visuais; ou ainda em nome da liberdade de expressão, como no caso das paródias e paráfrases. As limitações também podem ser estabelecidas com relação a certas obras, como textos de normas legais, discursos proferidos em público, (consideradas pelo Convênio de Berna como “pequenas reservas”) que devem ser ordenadas nas leis nacionais por modalidade de utilização, como limitação ao direito de reprodução, ao direito de comunicação pública, etc. Às situações descritas anteriormente soma-se a limitação temporal, que faculta ao público o acesso livre e gratuito às obras após os prazos de proteção que a lei nacional determinar. O exercício dos direitos patrimoniais que a lei concede ao criador de obras intelectuais é portanto limitado também quanto à sua duração, passando do domínio privado do autor ao domínio do público, uma vez esgotado o prazo da proteção legal. Já no campo das exceções encontramos as restrições que, embora dispensem a autorização dos titulares para a utilização de uma obra, exigem do usuário o pagamento de uma compensação pelo uso realizado, dando origem ao que denominamos “direito a uma simples remuneração” ou apenas “direito de remuneração”. Como típicos exemplos desse segundo grupo de restrições ao direito absoluto dos autores, encontramos o caso da “cópia privada”, ausente de nossa legislação, e o do direito de seqüência (droit de suíte), este sim, presente no Artigo 38 da Lei 9619/98, embora a nosso ver de maneira equivocada e omissa quanto aos mecanismos necessários ao seu exercício. É importante pois, como ensina o jurista e professor espanhol Antonio Delgado, ter em mente que, quando nos referimos aos direitos do autor, incluímos os direitos consagrados como exclusivos e os direitos de simples remuneração, que merecem cada vez mais a atenção dos legisladores nacionais e que pertencem à categoria de “direitos de crédito”, vinculados a situações regulamentadas pela lei. Essa circunstância os distingue dos direitos de crédito de origem exclusivamente contratual, tornando-os exigíveis frente a qualquer pessoa que leve a efeito a exploração que constitui o fato gerador dos mesmos.63 O fundamento da remuneração compensatória não consiste, portanto, no sacrifício de um interesse particular em benefício de terceiros. Esse é um caso em que, compelida pela evidência, a lei reconhece e regula um novo âmbito de exercício do direito de reprodução, que embora não seja o do direito exclusivo do autor, respeita seu legítimo interesse.64 Também não se configura como uma oposição ao direito exclusivo nem como o reconhecimento de um direito do usuário e sim como a regulamentação das restrições que, justificadas, são incorporadas ao ordenamento jurídico sobre a matéria. Já em outra ordem de idéias, e com diferente motivação, o recurso ao direito de remuneração está permitido às legislações nacionais como uma solução alternativa em certas situações, que são as que decorrem dos Artigos 11.bis.2 e 13.1 do Convênio de Berna sob a forma de “licenças não voluntárias” (ou compulsórias), presentes em várias legislações sob a forma de “licenças obrigatórias” ou de “licenças

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62 Advogada/ SGAE.63 Antonio Delgado Porras - “Cláusula de reserva de Derechos de Remuneración a incluir en los Contratos de Producción de Obras Audiovisuais”- CISAC/ CJL - Sevilla, 1997.64 E. Palacios Caro - “La negociación como necesidad.” La Cópia Privada a Examen - Madrid, 1995 - M. de Cultura.

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legais”, que podem ser estabelecidas em dois casos: para as gravações de obras musicais e para o uso de obras pela radiodifusão - que não se confunde com a distribuição por cabo, à qual a licença não voluntária não se aplicaria. Por seu caráter excepcional, as licenças não voluntárias são cogitadas quando certas condições especiais se apresentam, justificando a imposição de uma regulamentação autoritária: em geral em situações em que o desenvolvimento da tecnologia criou novas formas de utilização para as quais o direito exclusivo ainda não estava claramente definido ou delimitado. Esse foi o caso, por exemplo, da licença compulsória admitida para o direito de radiodifusão tradicional, não interativa, criada pela revisão do Convênio de Berna de 1928, quando essa atividade estava em seus inícios, e detalhado pela revisão de Bruxelas de 1948, em virtude do aparecimento de técnicas mais complexas. O recurso às licenças compulsórias também tem sido usado quando há risco de abuso de posição dominante ou monopólica, de parte do Estado ou de organização privada, ou ainda quando se torna praticamente impossível o uso de métodos de autorização ou licenciamento individualizado para o uso das obras, embora a gestão coletiva seja sempre apontada pelos especialistas como a melhor alternativa em todas essas situações. Desnecessário dizer que a introdução de licenças não voluntárias na legislação nacional de um país depende de uma decisão interna e deve preservar intactos os direitos morais do autor. Além dos casos específicos das licenças clássicas a que nos referimos, existem outros em que o direito a uma simples remuneração, do ponto de vista de suas origens e de seu papel nas políticas de direito de autor, não é utilizado como uma contrapartida às exceções ao direito exclusivo e sim como uma relevante forma de defesa dos interesses dos autores. Referimo-nos especialmente a certos direitos remanescentes ou “residuais”, como os denomina Mihály Ficsor65, constituídos pelos direitos de aluguel e empréstimo público, previstos nos novos Tratados da OMPI e incorporados por diversas legislações nacionais, e ainda pelos direitos reservados aos autores das obras audiovisuais, considerados irrenunciáveis e de gestão coletiva obrigatória segundo a Diretriz 92/100 da Comunidade Européia. Também para a solução de alguns impasses - como os que são criados no caso das obras audiovisuais - que são obras feitas em colaboração e podem conter obras diversas, algumas delas pré-existentes, o estabelecimento do direito de remuneração irrenunciável e intransferível por atos intervivos pode ser a melhor alternativa se consideramos que, com efeito, o produtor necessita estar seguro de que conta com os todos os direitos envolvidos para poder comercializar e distribuir a obra final. Nos casos do “droit de suíte”, da cópia privada e do direito de aluguel, essa tem sido a fórmula encontrada pelos mecanismos internacionais de proteção à propriedade imaterial para equilibrar os interesses e chegar a uma composição eqüitativa das forças que atuam, e que são representadas pelo autor, pelas empresas que investem em cultura e pelo público em geral. As disposições contidas nos Artigos 86 a 90 da lei espanhola vigente são claros exemplos de uma regulamentação de direitos “residuais”, destinados a proteger os interesses de autores de obras audiovisuais, assim considerados os diretores realizadores, roteiristas, autores do argumento ou adaptação literários e aos compositores das obras especialmente elaboradas para a obra audiovisual (Art. 87), estabelecendo um direito de remuneração irrenunciável e intransferível subjacente às cessões legais ou voluntárias realizadas em favor de terceiros – em geral os produtores. No caso das obras audiovisuais a lei espanhola cria algumas presunções de cessão em favor do produtor, que se referem: às contribuições dos diferentes autores para a criação da obra audiovisual (Art. 88), com a finalidade de que o produtor possa reproduzir, distribuir e comunicar publicamente a obra, bem como promover sua tradução sob a forma de dublagem ou legendagem; às adaptações ou transformações de obras preexistentes (Art.89), que se presumem cedidas ao produtor com as mesmas finalidades mencionadas anteriormente; e a que se refere aos direitos de aluguel de suportes que contenham cópias da obra audiovisual (Art. 90.2). Para contrabalançar essas presunções a lei dispõe que a remuneração dos autores da obra audiovisual será estabelecida para cada modalidade de exploração, de forma a que seu direito irrenunciável seja sempre preservado. A remuneração será exigida de quem efetuar a operação de aluguel ao público e de quem exibir a obra audiovisual ao público, sendo facultado ao governo estabelecer mecanismos de controle para assegurar a aplicação da lei nesse sentido.

A aplicação da “regra dos três passos”

O Artigo 9.2 do Convênio de Berna, que contem a denominada “regra dos três passos”, impõe condições para que as leis nacionais estabeleçam expressamente as exceções possíveis no que se refere

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65 “La gestión colectiva del derecho de autor y de los derechos conexos” (OMPI, 2002).

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ao direito exclusivo de reprodução. São elas: que se trate de “casos especiais”; que a reprodução não atente contra a exploração normal da obra; e que não cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor, esclarecendo no parágrafo seguinte que, para tais efeitos, toda gravação sonora o visual deverá ser considerada como uma reprodução. Uma das limitações admitida pelo Convênio de Berna, e paralelamente pela Convenção de Roma com relação aos fonogramas, é a que restringe o direito do autor, e os dos titulares de direitos conexos, para permitir a reprodução de uma obra, ou de uma gravação sonora ou audiovisual de forma livre e gratuita, desde que essa cópia seja feita para uso pessoal do copista, em um exemplar único. Na medida em que surgiram os aparelhos de gravação simples e de fácil uso doméstico, possibilitando a fabricação de cópias idênticas aos originais, a repercussão da aplicação dessa regra passou a merecer atenção. Como destaca Patrick Masouyé66, a duplicação de uma obra não constitui em si mesma um ato prejudicial aos legítimos interesses do autor da obra reproduzida: é a reprodução repetida milhares de vezes, por milhares de pessoas que, globalmente, como uma soma de micro prejuízos, que prejudica a exploração normal da obra. Era necessário encontrar uma fórmula que reparasse essa situação. O sistema de remuneração pela cópia única para uso do copista foi criado, portanto, para compensar o fator acumulativo e multiplicador de uma exceção, que, com o avanço da tecnologia, se havia convertido em uma ofensa à “regra dos três passos”, e que funciona com a fixação de um cânon compensatório pago pelos fabricantes de suportes (fitas, cds virgens e similares) e de aparelhos de reprodução ao conjunto de criadores, através de suas associações de gestão coletiva, obrigatoriamente. Essa regra, introduzida na revisão da Convenção de Berna de 1967 em Estocolmo e adotada pela ata de Paris em 1971, relativa ao direito de reprodução, ganhou maior aplicação na medida em que foi estendida pelo Art. 13 do Acordo Trips a todas os demais direitos. Da mesma forma o âmbito da regra dos três passos foi ampliado pelo o Art. 10 do Tratado da OMPI sobre Direito de Autor (WCT) e o Art.16 do Tratado da OMPI sobre Interpretações e Fonogramas (WPPT).

A remuneração compensatória para gravações sonoras e audiovisuais – sua incorporação ao Direito Positivo

A remuneração pela cópia privada foi incorporada ao direito positivo pela primeira vez pela lei alemã em 1965, no artigo 53, confirmando a tendência do Tribunal de Federal de Justiça local que já havia acolhido favoravelmente a tese que lhe dava origem. De início, a remuneração afetava unicamente os aparelhos de gravação capazes de produzir cópias. Reformada em 1985, a regulamentação passou a prever um novo esquema, estabelecendo o gravame também sobre os suportes virgens destinados a fixar as cópias.67 Enquanto nos Estados Unidos e Japão a remuneração pela cópia privada foi regulamentada somente com relação às cópias produzidas por meio de tecnologias digitais, uma proteção mais extensa e uniforme foi sendo adotada nos países europeus, especialmente a partir da década de 80, com nuances que variavam em função da natureza das obras copiadas, do tipo de tecnologia utilizada para a obtenção das cópias, ou da destinação das somas arrecadadas por esse conceito. Em conseqüência da Diretriz 92/100, de 19 de novembro de 1992, os países membros da Comunidade Econômica Européia deram início a um processo de harmonização de suas respectivas leis internas considerando que, em virtude dos diferentes sistemas jurídicos e da reserva estabelecida pelo Convenio de Berna sobre os limites ao direito de reprodução, a ausência de uma proteção similar criaria um obstáculo à circulação de bens e serviços na comunidade. É importante assinalar que a atitude inicial da Comissão da Comunidade Européia era altamente cética com relação ao gravame, em virtude de sua aplicação prática.68 As considerações sobre a importância desse direito, não somente pelo crescimento do volume de cópias, como também pelo aumento de das possibilidades técnicas de reproduções de boa qualidade, foram determinantes para uma mudança de opinião e para a implantação de regras mínimas comuns, baseadas em alguns pontos: a aplicação combinada da remuneração sobre os aparelhos de reprodução e os suportes virgens; o respeito ao regime de tratamento nacional; e a determinação de um sistema de gestão coletiva obrigatório. Participam da distribuição da remuneração compensatória, no caso da cópia privada de gravações sonoras, os autores, editores, artistas intérpretes ou executantes e os produtores de fonogramas. A proporção da participação de cada tipo de titular depende da lei de cada país, mas em geral são atribuídos 50% do total da remuneração aos titulares de direitos de autor e 50% aos titulares de direitos conexos, em conjunto.

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66 Patrick Masouyé - “La Copie Privée: Un nouveau mode de explotation des oeuvres”- Le droit d’autuer, 1982.67 Kurt Kemper - “La Cópia Privada en el Derecho Comparado”- La Cópia Privada a Examen - Madrid, 1995 - Ministerio de Cultura.68 Jürgen Becker - Sistemas de remuneração da cópia privada sonora e audiovisual na Comunidade Européia - CISAC/ JL, 1992

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Algumas legislações reservam uma parte dos valores que resultam da aplicação do cânon compensatório a fins culturais ou sociais. Quanto à remuneração pela reprodução das gravações audiovisuais, seus beneficiários são também os autores, os artistas e os produtores, sempre com atenção para o fato de que os grupos de titulares no setor audiovisual variam; que estão freqüentemente reunidos em diferentes sociedades de gestão, segundo a natureza dos direitos de que se trate. Em geral, essas sociedades costumam reunir-se em organizações centralizadas para a percepção da remuneração, mediante a fixação das proporções dos valores atribuídos a cada uma delas. A obrigação do pagamento da remuneração recai sobre os fabricantes de equipamentos e de suportes aptos a produzir as cópias, e os que importam com objetivos comerciais. Estão isentos do cânon compensatório os suportes virgens adquiridos pelos produtores fonográficos, que os utilizam como matéria prima de seu produto e, em certas legislações, os que compram as mercadorias diretamente de atacadistas que mantenham contratos com as sociedades de gestão coletiva para pagamento do gravame. Com o aparecimento das tecnologias digitais e sua proliferação no âmbito doméstico, novas discussões levaram à aprovação da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu, relativa à harmonização de determinados aspectos dos direitos de autor e direitos conexos na sociedade da informação. Por essa diretiva foi decidido que, sempre que os Estados Membros optarem por incluir, em suas leis sobre propriedade intelectual, tal tipo de restrição ao direito exclusivo de reprodução, isso deverá ser acompanhado por um sistema para compensar aos autores e demais titulares de direitos de propriedade intelectual por essa autorização legal. No ordenamento espanhol o regime de cópia privada foi implantado há vinte anos e conta com um sistema que, aprovado recentemente pelo Poder Legislativo e completado pela Ordem PRE/1743/2008, de 18 de junho, se consolida como um mecanismo que concilia os interesses de todos, sejam titulares de direitos de propriedade intelectual, as industrias tecnológicas, ou o conjunto da sociedade que, graças a esse regime, pode realizar uma série de operações através do uso responsável que a própria tecnologia permite.69

É interessante observar como a reforma da lei de Propriedade Intelectual espanhola, aprovada pelo Real Decreto Legislativo 1/1996, de 12 de abril e levada a cabo pela Lei 23/2006 de 7 de julho, promoveu, entre outras coisas, a reforma do regime de compensação eqüitativa pela cópia privada, definindo um procedimento específico para a determinação da compensação eqüitativa aplicável aos equipamentos, aparelhos e suportes materiais digitais. Regulado essencialmente no parágrafo 6º do artigo 25 da Lei de Propriedade Intelectual, esse procedimento atribui ao Ministério da Cultura e ao Ministério de Industria, Turismo e Comercio, a competência para determinar, mediante ordem ministerial conjunta, a relação de equipamentos, aparelhos e suportes materiais sujeitos ao pagamento de compensação eqüitativa por cópia privada, assim como os valores aplicáveis a cada um deles e, se for o caso, sua distribuição entre as diferentes modalidades de reprodução. Para a aprovação da citada ordem, a Lei estabeleceu que as entidades de gestão de direitos de propriedade intelectual autorizadas a funcionar pelo Ministério da Cultura e as associações setoriais, identificadas pelo Ministério de Indústria, Turismo e Comércio, que representem majoritariamente os devedores da remuneração, teriam um prazo de quatro meses para apresentar, de comum acordo, uma proposta aos Ministérios citados, com a relação de equipamentos, aparelhos e suportes materiais que deveriam ficar sujeitos à compensação eqüitativa por cópia privada, assim como os valores aplicáveis a cada um deles. Iniciado o procedimento negociador com a publicação, em 24 de agosto de 2006, da Resolução conjunta da Secretaria Geral Técnica do Ministério da Cultura e da Direção Geral para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação do Ministério de Industria, Turismo e Comércio pela qual se tornou público, ao se esgotar o prazo as partes comunicaram não haver chegado a um acordo.

A incidência da cópia privada no mercado

Como no caso da remuneração pela cópia privada se trata de estabelecer uma compensação eqüitativa dos direitos que deixaram de ser recebidos em função das reproduções realizadas para uso privado, foi preciso estimar o dano que tais cópias estariam causando aos titulares direitos de propriedade intelectual, e para tanto, várias análises foram realizadas.

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69 Publicada no BOE nº 148 de 19 de junho de 2008.

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Segundo os estudos feitos em vários países na ocasião, foi demonstrado que 90% das cópias domésticas realizadas por meio de aparelhos de gravação sonora, haviam sido para a reprodução de obras protegidas. Nas pesquisas a que se refere Rodríguez Miglio70, que tem o subtítulo “o del largo camino que va de Gutemberg a Phillips o de Edison a Sony Corporation y al DAT” (1992), foi constatado que 63% das pessoas consultadas haviam efetuado gravações caseiras no ano anterior, utilizando uma média de 9,5 fitas virgens por pessoa, e que a maioria delas expressou sua opinião a favor do estabelecimento de uma compensação para ressarcir aos titulares de direitos pela perda de ingressos ocasionada por essas gravações. Analisada a repercussão que a restrição para a cópia privada tem na Espanha, por modalidade de reprodução, chegou-se a estimar recentemente que o prejuízo anual incidente sobre as obras divulgadas e reproduzidas sob a forma de livros e publicações assimiladas, estaria entre 34.800.000 € e 37.200.000 €; e que o correspondente à reprodução de fonogramas e outros suportes sonoros e de reprodução visual ou audiovisual, estaria entre 75.400.000 € y 80.600.000 €. Dentro destas faixas se situa a compensação eqüitativa que as entidades de gestão devem arrecadar efetivamente, conforme indica a Ordem PRE/1743/2008, já referida anteriormente. A compensação eqüitativa aplicável a cada um dos equipamentos se calculará mediante uma estimativa de vendas dos mesmos, que pode diferir, na prática da venda efetiva que se produza. Para garantir que a arrecadação se ajuste à quantificação do prejuízo estimado, o parágrafo 3ª da mencionada Ordem introduz limites a partir dos quais ela deverá ser revisada para corrigir os possíveis desvios, transcorrido o primeiro ano de aplicação. Igualmente foi levado em conta, quando necessário, as condições do mercado e o desenvolvimento da implantação da televisão digital, para que determinados equipamentos decodificadores de sinais de televisão digital com disco rígido integrado, fiquem sujeitos automaticamente ao pagamento da compensação eqüitativa uma vez transcorrido o primeiro ano de vigência desta Ordem. Durante sua tramitação, foram feitas as consultas que exigidas pela lei ao Conselho de Consumidores e Usuários e ao Ministério de Economia e Fazenda. A nova regulação espanhola estabelece a cobrança da remuneração eqüitativa e compensatória sobre aparelhos e suportes digitais que permitam a reprodução de livros e publicações assimiladas; sobre máquinas multifucionais a jato de tinta ou laser; scanners; aparelhos de reprodução de videogramas, fonogramas e gravadores de discos de vários tipos e formatos; suportes graváveis e regraváveis; memórias USB e outros cartões de memória não integrados em outros dispositivos e telefones celulares, excluindo em seu primeiro ano de vigência, os discos rígidos integrados em aparelhos decodificadores de sinais de TV digital. Estabelece também a proporções que correspondem aos diversos tipos de obras, segundo o tipo de suporte.

Conclusão

Desde a era da cópia xerox, em que qualquer cidadão passou a ser um editor71, e passando pelo aparecimento de aparelhos caseiros que permitiram a todos produzir suas próprias cópias de áudio e vídeo, chegamos à era da Internet, que é uma gigantesca máquina de reprodução e comunicação das obras, de distribuição de seus exemplares, que não conhece limites de quantidade, de lugar, de espaço ou de tempo, e que, mais ainda não tem um “dono”. Com a aceleração da evolução tecnológica os autores enfrentam duas realidades opostas. Por um lado, contam com a possibilidade de criar e difundir suas obras através de processos mais ágeis e baratos, alcançando um público jamais imaginado, sem barreiras nem fronteiras; por outro, correm o perigo que essas tecnologias se convertam em armas contra seu direito de dispor de sua criação, controlar a utilização de sua propriedade e receber os merecidos frutos econômicos de seu trabalho. O direito de remuneração compensatória, no caso em que ele é mais conhecido e está mais amplamente aplicado, que é o da cópia privada, tem demonstrado que constitui uma medida de caráter social que beneficia a todos: aos criadores, porque os compensa por seu trabalho; aos fabricantes, porque repercute positivamente na venda de aparelhos e suportes virgens; e ao consumidor, que pode obter sua cópia, sem violar as normas do direito de autor- sem contar com os recursos fiscais gerados por toda essa engrenagem. Em junho do corrente ano, em uma entrevista concedida nos Estados Unidos, o nosso Ministro Gilberto Gil se manifestou favorável à aplicação de um cânon digital, no Brasil, que incidisse sobre os

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70 Leandro Darío Rodríguez Miglio - “La Copia Privada” – Livro de Memorias - III Congresso Internacional sobre a Proteção dos Direitos Intelectuais”- Santiago,1992 - OMPI/ CISAC/ Ministério de Cultura da Espanha /IIDA.71 Marshall Mc Luhan/ Quentin Fiore - “The medium is the message: an inventory of effects”.

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dispositivos eletrônicos capazes de copiar discos e filmes. As declarações publicadas no sítio www.copia-privada-si.com informavam que “Gil, grande defensor das novas tecnologias, que permite ao público que assiste a seus concertos inclusive gravá-los em telefones celulares ou câmaras digitais, expressou seu apoio à medida já aplicada em alguns países e pela qual se aplica uma taxa a vários suportes digitais, como o CD e o DVD”, acrescentando a informação da Federação Internacional de Produtores de Fonogramas (IFPI) sobre o Brasil, de que aqui são baixadas anualmente 1.800 milhões de arquivos ilegais e que o mercado fonográfico caiu cerca de 50% no primeiro semestre de 2007. Comenta ainda a matéria que o Ministro brasileiro declarou haver sempre defendido o uso das novas tecnologias pelo caráter social que elas têm em seu “código genético” e porque, na história da humanidade, ela sempre promoveu o avanço do conhecimento: “Uma das maneiras de valorizar as tecnologias é fazer com elas a mais ampla experimentação que se possa, especialmente agora que são baratas, universais e acessíveis a cada vez mais pessoas em todo o mundo”. No mesmo sentido, Eduardo Bautista, Presidente do Conselho de Direção da SGAE, afirmou, em entrevista publicada em 6 de março no jornal “El País”, que a cópia privada é mais social que qualquer outra medida de prevenção, não devendo ser entendida, de forma alguma, como uma compensação pela pirataria, mas como um caso de lucro cessante e que os DRM são mecanismos obsoletos, que servem apenas para frear o mercado. Segundo ele, hoje em dia são vendidos na Espanha 500 milhões de CD-R e 225 milhões de DVD-R , usados principalmente para mudança de formato e que, assim como a média de leitores de um jornal é de três pessoas por exemplar, cada disco gera outros três. No Brasil, talvez por desconhecimento dos aspectos positivos que, em certos casos, um simples direito de remuneração pode trazer aos criadores e aos que nele investem esforços e recursos, a legislação sobre direitos de autor e conexos tem passado ao largo de sua aceitação – em verdade esse sistema sequer tem sido cogitado. Todos os interessados na proteção do regime de direitos autorais e conexos exigem direitos exclusivos, o que pode resultar em uma superposição de direitos de autorizar ou proibir que podem chegar a anular-se mutuamente, embora os autores brasileiros de obras musicais venham, desde longa data, sendo beneficiados pela distribuição da remuneração compensatória cobrada em outros países, através dos contratos de representação intersocietários que suas organizações brasileiras firmam com as congêneres de outros países. Sem abandonar ou marginalizar os conceitos tradicionais forjados ao longo de séculos sobre os direitos dos criadores sobre suas criações intelectuais, é preciso que os legisladores nacionais se debrucem sobre certos aspectos específicos da proteção e os analisem à luz dos efeitos da evolução tecnológica digital, para que essa proteção se mantenha intacta, eficiente e adequada aos novos tempos. É com essa ótica que países como França e Espanha vêm estudando o assunto e suas especificidades para poder adotar novas regras que, atendendo às necessidades básicas do público, permitam aos autores e outros titulares de direitos a mais justa compensação por seu trabalho criativo.

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PALESTRA PROFERIDA POR AMILSON GODOY72

Boa tarde a todos e a todas

Agradeço ao Ministério da Cultura o honroso convite e venho, uma vez mais, em nome do Fórum Nacional da Música representar o pensamento e vontade dos meus colegas de 17 estados do Brasil. A complexidade do tema da mesa de hoje, me reporta ao início da década de 70 quando a Lei 5988 estava sendo elaborada e surgia na época à primeira turma de formandos de Direto Autoral na Faculdade São Francisco, em São Paulo. Alunos de direito Autoral de curso pioneiro idealizado pelo ilustre professor Antonio Chaves que juntamente com o desembargador Dr. Milton Sebastião Barbosa concebeu a referida Lei Autoral. A Lei 5988. Lembro também que na ocasião grande parte de músicos representativos do Rio de Janeiro e São Paulo foi ouvido e a Lei promulgada em 1973 trouxe grandes esperanças para toda categoria musical, pois disciplinava o tão conturbado mundo autoral brasileiro. Muitos dos músicos começaram a se interessar pelo assunto, ter acesso à história autoral, seus tratados internacionais, práticas utilizadas em outros países e ler muito a respeito, para procurar entender o sistema instalado no Brasil, haja vista que o sujeito da questão éramos nós: Os criadores brasileiros. Afinal, a Lei surgia para atender uma reivindicação da categoria musical. Pudemos constatar também que as Leis Autorais no Brasil foram sendo aprimoradas e se sucedendo desde o final do século 19, antes mesmos das rádios, televisões, Internet e toda a maravilhosa evolução industrial e cultural que podemos detectar no mundo moderno. Do lado acadêmico, especialistas ilustres foram surgindo e que a cada dia que passa, aprendo a admirar e respeitar. Nem mesmo pela sabedoria que detêm sobre Leis, Tratados e Convenções, mas sim pela abnegação e felicidade que demonstram quando falam das artes. Parece que são mais próximos dela do que nós, que a fazemos. De suas definições e conceitos, saem poesias. Sinto que eles também foram seduzidos pela mesma magia que nos transformaram em músicos, que também foram picados pela mesma serpente do paraíso. Suas considerações são como música e é esta música, quando transformada em palavras, que muitas vezes fazem as Leis. Por isso entendo que nos músicos, temos um compromisso e responsabilidade com todos que optaram por esse caminho. Devemos oferecer o embasamento musical necessário, exatamente para que não cometam as mesmas falhas de entendimento, que muitos cometem. Afinal, trafegamos pela mesma estrada. Uma estrada, que sabemos, pode suportar todo o contingente que por ela transita, porém para que este tráfego possa fluir com liberdade e suportar toda a demanda dos diferentes interesses que por ela passa, será necessário que velhos costumes e entendimentos sejam substituídos por novas formas de relação.

Um maior provento pecuniário para o compositor/autor musical

Historicamente a cobrança do Direito Autoral teve seu início na Europa no final do século 18 e como sustentação a manifestação musical que chamamos música erudita, ou música clássica. Um século após o Direito Autoral estar instalado na Europa o Brasil deu os primeiros passos nessa direção, quando surgiu no final do século 19 a primeira Lei Autoral. O editor musical possuía um papel imprescindível neste contexto. A obra somente chegava ao conhecimento do público pelas partituras. Sem elas não existiriam divulgação, repertório, orquestras, pois nesta época, a manifestação musical ocorria apenas por execuções ao vivo. Há muito tempo não é mais assim. A música que hoje se faz, se divulga, arrecada e distribui Direitos Autorais, não é mais a mesma, porém o entendimento musical expressado pela doutrina autoral, é como se continuasse sendo, quando atribui ao Editor um papel que ele não exerce mais, ou seja: conceitua-se sobre a música erudita e Legisla-se sobre a música popular. A maior parte dos editores de hoje nem mesmo partituras imprime, porém dominam praticamente todo o mercado musical.

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72 Pianista, compositor, arranjador e regente. Maestro Titular do Grupo Sinfônico Arte Viva. Coordenador da Frente Parlamentar de Cultura do Município de São Paulo (FREPAC). É Membro do CNPC-Conselho Nacional de Política Cultural. Foi presidente da União Brasileira de Músicos; da Associação de Intérpretes e Músicos; e da Comissão de Música do Estado de São Paulo. Foi Maestro da Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo.

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Alguns legisladores se sensibilizaram com esta questão e procuraram através de Leis protegerem os criadores. Mecanismos de defesa, de proteção à exploração do poder econômico foram criados, muitos perduraram, outros sem nenhum motivo aparente foram simplesmente esquecidos, ou mesmo omitidos da última reforma da Lei. Por esse motivo é procedente a observação incrédula do texto de abertura dessa mesa:

1- “Cabe ao autor decidir de que maneira uma obra de sua autoria pode ser utilizada ou explorada economicamente. No entanto, na maior parte das vezes, ele é compelido a transferir a uma pessoa jurídica essa prerrogativa...”.

Isto acontece porque o compositor sempre foi refém de uma situação. Para gravar suas músicas é comum o mesmo fazer qualquer tipo de negócio, assinar qualquer papel que lhe coloquem a frente, o que faz mesmo sem ler e que custou há muitos colegas, em muitos momentos perda total de qualquer direito, ou mesmo de suas obras. É necessário que no mundo que hoje vivemos esta relação compositor-editor seja reavaliada. No que for pertinente, que se respeite o direito adquirido, porém que nos contratos futuros comecem a ser praticados outros indicadores pecuniários.

E o texto de abertura da nossa mesa de hoje continua:2- “... Além disso, a lei brasileira não tem nenhuma previsão de licença legal ou obrigatória, nem incentiva as chamadas “criações transformativas” de obras já existentes. Como estimular a difusão e a recriação cultural nessa perspectiva?”.

A “licença legal ou obrigatória” é uma questão exegética que prefiro transferir a discussão aos especialistas na matéria. Quanto às chamadas criações transformistas, estas são frutos da incompreensão musical demonstrada por alguns especialistas em Direito Autoral, que pelo simples fato de não serem criadores musicais, não possuem uma vivência prática do assunto cometendo naturalmente alguns equívocos conceituais. O arranjo musical é entendido na doutrina autoral como “obra derivada” por ser uma “criação transformista” e para tanto obedecem a normas próprias de utilização. Apesar de reconhecer como legítima a obra derivada, peca à doutrina autoral no entendimento musical, quando taxativamente atribui ao arranjo um trabalho como sendo o de “transformação musical”. Não é exclusivamente o fato de transformar ou modificar a obra original que a transforma em derivada, ou que se detecta outra criação autônoma. Na música popular que é o universo que na prática se arrecada e distribui Direito Autoral, em cada apresentação e em cada arranjo está presente uma nova criação. Cada músico, cada intérprete, cada arranjador, acrescenta à obra uma nova criação, sem que para isto necessite transformar ou modificar a obra original. Basta ter ouvidos para perceber. A criação musical não está resumida simplesmente em uma melodia, ou em uma letra. Este procedimento musical monódico, onde os conjuntos vocais, instrumentais ou mistos cantam e tocam em uníssono, teve seu fim no início da idade média. A partir daí a música começou a ser vista (ou ouvida) polifonicamente, portanto não podemos pensar simplesmente em uma melodia ou transformação da melodia, quando falamos em música. NOSSO ENTENDIMENTO: A OBRA É DERIVADA QUANDO ACRESCENTA À OBRA ORIGINAL UMA CRIAÇÃO AUTÔNOMA. Nós já provamos isso no passado. É esse o Direito que está implícito na música e na Lei, porém não é praticado. Em processo apreciado e julgado pelo extinto Conselho Nacional do Direito Autoral, em atendimento ao ofício No 098/76 – ECAD-SG, DE 27/11 1986 determinou o Conselho:

[...] Que o ECAD inclua em sua Tabela de preços a cobrança dos arranjadores, mais os dos orquestradores, somados aos direitos dos demais titulares (sem prejuízo dos direitos atualmente cobrados) após consulta aos arranjadores e orquestradores através de suas associações que fixarão novos valores exclusivamente para esse fim.

Por pressões externas sofridas, isso jamais aconteceu. Era um precedente que se criava no Brasil que o mundo editorial não admitiu. Esta é uma tarefa a ser executada pelos autoralistas que queiram buscar novas formas de expressão e possibilidades de utilização da criação. Entendo ser este o caminho. O embasamento

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musical, nós músicos poderemos oferecer. A conclusão doutrinária é dos senhores autoralistas, especialistas na matéria e desvinculados dos interesses intermediários. Nós músicos só queremos continuar a exercer o nosso ofício, porém queremos ter a segurança e certeza que nossos direitos estarão sendo respeitados. No momento em que mais uma vez o governo brasileiro atende os apelos da categoria e busca o aprimoramento do sistema autoral com a adoção de um novo “Marco legal para atender as especificidades sócio-econômicas brasileiras” que fique atento com a proteção dos criadores. Não permita que saiam prejudicados. Salvaguarde seus direitos. 3- E como proceder no caso de obras financiadas com dinheiro público? É A PRÓXIMA ARGÜIÇÃO. São duas as etapas neste segmento. A primeira se refere à produção do produto cultural. A segunda é quanto à fruição do mesmo, o que exigirá um exercício jurídico para qual transfiro parte da missão para os senhores autoralistas, haja vista que a nobreza jurídica se faz presente.

PRIMEIRA ETAPAAS PRODUÇÕES MUSICAIS CUSTEADAS POR INCENTIVOS FISCAIS

Entendendo que todo o processo de produção, divulgação, pagamentos de Direitos, será coberto pelo patrocínio advindo dos benefícios fiscais, propomos a criação pelo Governo Brasileiro do Apoio Cultural.

1- Cujo objetivo será o de contemplar os criadores musicais, caracterizando a parceria estabelecida no produto cultural entre: MINC, LEI DE INCENTIVO, PATROCINADOR, PRODUTOR E CRIADORES.

2- Pode o mesmo ser imediatamente adotado, pois não cria conflito legal que possa ser questionado por qualquer uma das partes envolvidas.

3- Corrige uma distorção praticada no mercado, dando ao incentivo fiscal um real direcionamento que atende sua finalidade também social, que é a de gerar empregos, com melhor distribuição de renda.

4- Reserva ao Produtor Cultural (gravadora-distribuidora) percentual suficiente para atingir seus propósitos, mesmo porque, este percentual incide sobre cada produção realizada com benefício fiscal chegando a alguns casos atender todo acervo da produtora.

5- Permite aos criadores uma participação justa e digna no negócio, uma vez que na maioria das vezes, eles, os criadores, terão oportunidade de se beneficiarem uma única vez, através de um CD ou mesmo uma única faixa de CD.

Distribuição de Royalty Por se tratar de utilização de verba pública proveniente de Incentivo Fiscal encaminhamos as seguintes sugestões na distribuição do Royalty correspondentes da comercialização de produtos culturais provenientes das aplicações desses recursos: 1- Deverão ser respeitados pelo produtor fonográfico os critérios de distribuição de royalty praticados pela ABEM nos percentuais referentes aos pagamentos a Compositores, Editores, Produtores Fonográficos e Intérpretes principais. 2- Será criado pelo Governo Brasileiro o “Apoio Cultural”, incentivo que se destina aos criadores participantes das faixas do Fonograma (compositores, intérpretes principais, arranjadores e músicos acompanhantes), quando se tratar de Gravação em qualquer suporte.

3- Como Apoio Cultural será constituída reserva pecuniária bruta de 30% do produto cultural a ser repartido na seguinte proporção entre os participantes:

Aos Compositores: Além dos Direitos já recebidos pelo contrato de praxe serão destinados como “apoio cultural” 1/3 (um terço) aos compositores, desvinculados dos editores. 1/3 (um terço) ao Intérprete principal (desvinculado da gravadora) e 1/3 (um terço) aos Músicos acompanhantes, arranjadores e regentes (que passarão pela primeira vez na historia a participar da venda do produto cultural).

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SEGUNDA ETAPA

É necessário ser cuidadoso quando nos referimos a utilização da verba pública para a cultura e destacar a diferença existente entre os servidores públicos e os beneficiados pelas Leis de Incentivo, pois são eles os remunerados com a tal verba pública. Todos são servidores públicos. As Leis de Incentivo não são um ato de benevolência praticado pelo poder público. Não é um favor que o estado brasileiro presta aos artistas do País. Esta foi à maneira que estes organismos encontraram para remunerar os profissionais das artes, porém com um agravante. O remunerado não tem direito a férias, 13º salário, garantia de emprego, renda mensal assegurada, ou mesmo a cobertura social e trabalhista, que qualquer trabalhador possui. O artista fica a mercê de um recebimento que depende unicamente do seu esforço e que acontece quando consegue convencer um patrocinador qualquer a prestigiar seu trabalho, e ai sim, ter seus ganhos assegurados, mesmo que este patrocinador seja o governo. É necessário ter em mente que mesmo os bens da natureza são comercializados. A sociedade paga pela água, pelo feijão, pelo arroz, pelo petróleo, pelas frutas... E da exploração do petróleo paga-se royalties. Que sejam profundamente avaliadas as propostas de flexibilização do acesso aos bens criativos. Por que a total liberalidade que alguns propõem? Qual a razão para socializar apenas o bem criativo, enquanto todo resto obedece às regras do mercado? Que o governo não permita que peçam ao criador que ele doe a única coisa que tem para vender, como já disse Cacilda Becker. Permita-me senhor mediador, mas vou fazer uma modificação no texto final do meu pronunciamento, pois hoje neste seminário tive conhecimento de um projeto de Lei que está tramitando que acredito mereça algumas considerações. Há alguns anos estavam reunidos o compositor Victor Simão, o desembargador Dr. Milton Sebastião Barbosa eu e o compositor Carlos Mendes, quando Vitor Simão entusiasmado falava sobre uma idéia que já na época procurava modernizar e corrigir as distorções na arrecadação do Direito Autoral. E hoje chegou a minhas mãos estas idéias em forma de projeto de Lei. Quero deixar claro que não conheço o projeto, mas me entusiasma o princípio, pois quando este caminho foi apontado na ocasião, como todas as idéias originais, parecia que estava antes de seu tempo. Hoje se adapta a evolução do mundo moderno. Creio que esta medida atenderia todas as necessidades de se encontrar mecanismos capazes de atender as demandas que estão sendo apontadas neste seminário, como a cópia privada, respeito à cobrança do Direito Autoral pela Internet, etc. Trata-se de uma medida extremamente simples, porém que daria cobertura a essas formas de utilização. É a cobrança do Direito Autoral ser incorporada naquele mecanismo que é a sustentação de toda a evolução do planeta: A Energia Elétrica. A cobrança do direito Autoral viria de uma taxa a ser incorporada a conta de luz, aí a cópia privada, utilização via internet e outras utilizações similares ficariam protegidas. Reitero que não conheço o projeto de lei em questão, mas aproveito a oportunidade e trago a mesa esta possibilidade. É uma idéia a ser discutida no aprimoramento da reforma do sistema autoral brasileiro.

Epílogo

Para concluir tenho há dizer que se não existe precedente no mundo que recompense os criadores da forma como aqui expusemos, que o Brasil, com coragem de esse exemplo e mostre a magnanimidade de nossos legisladores. Se pela música o nosso país é respeitado no exterior, vamos fazer com que também seja pelas leis que protegem seus criadores. Em nome do Fórum Nacional de Música

Muito obrigado.

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A REALIDADE DO MERCADO DE ILUSTRAÇÃOFlavio Roberto Mota 73

A ABIPRO – Associação Brasileira dos Ilustradores Profissionais

Site: http://www.abipro.org

Nossos Objetivos:

· Reconhecimento legal da atividade;· Elevar a qualidade na prestação e gerenciamento dos serviços no segmento;· Valorização do profissional ilustrador;· Orientar o profissional nas demandas de mercado;· Promover melhorias nos contratos de trabalho;· Promover a melhoria de vida de seus representados através de convênios;· Promover o aprimoramento e a melhor formação dos profissionais do segmento.

Focos de Atuação:- Normativa- Normatização e regulamentação da profissão.- Jurídica- Busca do reconhecimento legal da profissão de ilustrador como atividade profissional;- Representação do profissional filiado;- Estreitamento e fortalecimento das relações comerciais entre ilustrador e cliente, de maneira a garantir o cumprimento das leis, direitos (autoral/patrimonial) e normas vigentes.- Aprimoramento / Formação- Suporte através de palestras, workshops e convênios;- Busca por estabelecer a ilustração como matéria nos cursos superiores de comunicação social e afins;- Estímulo à inclusão da ilustração como matéria nos cursos superiores de comunicação social e afins, bem como a defesa da ampliação da oferta de cursos técnicos e superiores de ilustração.- Social- Valorização da profissão e do profissional junto à sociedade e ao mercado de trabalho;- Valorização da ilustração como solução sob medida e poderosa ferramenta de comunicação que agrega valor e diferencia as mídias onde estão inseridas.

O que é Ilustração? Ilustração é uma imagem produzida por qualquer meio artístico e técnicos - tinta, programas, modelagem, colagem, foto etc. - utilizada para acompanhar, explicar, acrescentar informação a algum outro meio de comunicação sob encomenda. Apesar de ter características artísticas deve se deixar bem claro que o ilustrador não deve ser confundido com “artista plástico”, já que ele trabalha sempre por encomenda e o “artista plástico” não. Ex: Michelangelo pintando a Capela Sistina agiu como um perfeito ilustrador!! Recebeu um briefing, teve rafes aprovados. Concluída a arte final, o cliente mexeu na arte.

Principais tipos de Ilustração:

1- Jornalística- Charge- Caricatura- Cartum- Mancha de caso policial

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73 Ilustrador desde 1990, tendo trabalhado para o mercado publicitário e editorial. Atuou em empresas como McCann Erickson; TV1.com; Terra, Manager Online; Carillo Pastore Euro RSCG. Já prestou serviços para em-presas como Senac, F/Nazca S&S, Loducca, Y&R, Editora Abril, Editora Escala e FTD. Atualmente integra a equipe do estúdio Tris e é presidente da ABIPRO - Associação Brasileira dos Ilustradores Profissionais.

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- Ilustração de matéria- Infográfico- Vinheta- Rodapé- Tira de jornal- Infantil- Infanto-juvenil- Adulta- Didática- História em quadrinhos

o Infantilo Juvenilo Adulta

- Ilustração científicao Botânicao Biológicao Astronômicao Paleontológicao Mecânicao Tecnológica

2- Publicitária

- Layouto Mancha de anúncioo Mancha de Storyboardo Layout/estudo para ilustração

- Arte Finalo Estilizadao Vetorialo 3Do Hiperrealo Autoralo Cômicao Infantil

- Vinheta- Logotipo- Personagem- Animação

o Clássica CômicaRealistaEstilizada

o 3DRealistaCômicaEstilizadaHiperreal

Seja qual o segmento que um ilustrador faça parte, existe um ponto em comum: TODOS trabalham com licenciamento de imagem, sendo completamente dependentes da Lei de Direitos Autorais.

Problemas inerentes ao mercado de Ilustração:Editoras obrigam ilustradores a assinar contratos pré estabelecidos aonde estes cedem seus

trabalhos. irrevogavelmente para sempre e para todo tipo de mídia, inclusive em mídias que virão a

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serem criadas.Embora a Lei de Direitos Autorais assegurem que um autor exerça a sua profissão como pessoa

física, nenhuma empresa, principalmente as mais expressivas no mercado aceitam trabalhar com pessoa física, obrigando o ilustrador a ser empresa.

Clientes Brasil afora obrigam ilustradores a deixarem seus originais de posse dos clientes.Concursos para ilustradores costumam ser feitos com regras absurdas aonde TODOS os participante

perdem em definitivo os direitos sobre os trabalhos enviados, não somente os participantes classificados ou vencedores.

A profissão de Ilustrador não é reconhecida pelo estado.Não existe um código CNAE próprio para abertura de empresa que presta serviços de ilustração.Não existe nenhum mecanismo que possibilite ao ilustrador um controle sobre a utilização do material

que este tenha desenvolvido.

Não existe uma formação técnica ou superior para ilustradores reconhecida pelo MEC

Utilidade e Importância Social e Econômica das Ilustrações para o Brasil.

É um forte aliado na educação alfabetização de crianças, jovens e adultos.Transmite informações divertindo.Serve para ensinar textos complexos, popularizar a literatura nacional e ensinar conceitos de

educação ambiental e cidadania em mídias como histórias em quadrinhos e desenhos animados e livros ricamente ilustrados.

Tendo como base o ensino de desenho nas escolas, juntamente com a música e os esportes, aumenta a capacidade de desenvolvimento das habilidades técnicas e intelectuais das crianças, gerando jovens com maior capacidade de serem plenamente preparadas para o mercado de trabalho e para a competição num mundo globalizado como o que vivemos atualmente.

Algumas das soluções que propomos:

Incluir nas regras do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) a obrigatoriedade imposta pelo governo de que todo livro para ser incluído no programa respeite a Lei de Direitos Autorais utilizando apenas imagens licenciadas por, no máximo cinco anos, como prevê a lei.

Criação de um RGI, um Registro Geral de Ilustração, que documente através de um número todas as ilustrações utilizadas no país contendo o Autor, o ano em que a imagem foi feita, e qual ou quais as mídias e tempo em que a ilustração foi ou está sendo licenciada.

A criação de alguma norma que torne obrigatória a aceitação ou inclusão de ilustradores como autores, ou seja pessoa física para trabalhos de ilustração no mercado, ou

A criação de um código CNAE específico, aonde a empresa possa atuar como autor, podendo prestar serviços de autor licenciando seu trabalho e tendo isenção de ISS, conforme reza as regras estabelecidas. Atualmente os profissionais que tem empresa aberta tem duas principais opções: abrir como empresa artes plásticas, que não licencia imagem - portanto não atende as nossas necessidades ou como agência de propaganda, que embora possa licenciar imagens arca com uma carga tributária altíssima, que pode ser absorvida por uma agência de propaganda por causa do alto volume de verba que elas dispões, o contrário do que acontece com os ilustradores, que trabalham com verbas bem mais modestas.

Conclusão

Investindo em meios de comunicação que se utilizam de ilustrações, é possível ampliar a eficácia de programas culturais e educacionais no país. Ignorar a importância das ilustrações para se tornar uma aliada na formação da cidadania de um povo, pode custar muito caro para o país a longo prazo, tirando dos ilustradores a possibilidade de desempenharem sua profissão a contento e fazendo com que o desenvolvimento do país seja mais lento do que o necessário.

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MESA 7 DOMÍNIO PÚBLICO E OBRAS ÓRFÃS

TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE EDUARDO LICURGO74

Boa tarde a todos. Eu vou tratar ou tentar tratar da questão das obras órfãs. E a partir de uma análise comparativa o que o Direito em outros países que têm leis estabelecendo obras órfãs diz e tentar apontar alguma solução para essa questão. Qual seria a melhor forma de tratá-las pelas pessoas que quisessem utilizar essas obras, como elas poderiam fazer sem violar os direitos autorais. A primeira coisa que a gente em que ter em mente é a questão de quem nós somos. Eu estava aqui assistindo às palestras de ontem e hoje e, ao mesmo tempo em que eu assistia às palestras, eu tentava adaptar meus slides para trazer algo que tivesse sido dito ou então para encurtar as minhas falas, simplificando por que alguém já tinha dito. Na verdade, a tecnologia nos coloca uma grande possibilidade que é a de sermos criadores e usuários ao mesmo tempo, todo o sistema que intermedia essa relação. Na verdade distribuidores, editores, usuários e criadores, tudo ao mesmo tempo. Criadores porque produzimos obras e eu não vou tratar das déias. Eu estou falando da expressão das idéias e não das idéias em si, até porque a grande dicotomia dos direitos autorais que seria a proteção das idéias ou da forma de expressão é clara em dizer que idéias não são protegidas. O que se protege é a forma de expressão dessas idéias. Como criadores, o que queremos é poder usufruir daquilo que criamos da melhor forma possível. E eventualmente obter algum lucro ou algum proveito. Como usuários, nós queremos usar o que os outros criaram sem pagar nada ou pagando o mínimo possível. E aí vem uma tensão e essa tensão se resolve pela lei de direitos autorais. O que temos é uma conexão entre criadores e usuários. A relação do criador que coloca sua obra, disponibiliza sua obra para que ela seja utilizada por quem quer que seja. E essa pessoa através de algum tipo de relação com o criador ela é estimulada ao uso e eventualmente há uma transformação produtiva dessa obra. Eu tomaria como exemplo um filme ou um livro em que alguém vai querer transformar em filme. E aí há uma transformação produtiva da obra e que nesse caso tem que ser autorizada. Ou então a criação de um mosaico feito a partir de vários trechos de desenhos e é aonde eu crio um desenho novo. A finalidade dessa relação existente entre criadores e usuários é a de ampliar a informação e conhecimento. Trazer cada vez mais conhecimento e gerar cada vez mais informação. Ou seja, eu trago, distribuo e permito acesso ao conhecimento e à informação de forma que toda a sociedade se beneficie. No início, de uma forma contratual, remunerada, limitada e, depois de determinado tempo, livremente. Dessa relação existente entre criadores e usuários e os senhores verão que parte das fotografias que estão nesses slides, todas elas são verdadeiras obras ou como eu diria, empréstimos que fiz em pequenos sites, páginas da internet. Essa imagem que está na tela é da Wikipédia. Mas, que traz a noção de multiplicação cultural. Esse é o resultado, o acesso à produção, globalização e multiplicação de cultura, de conhecimento, de saber, o que nos leva a melhoria da própria sociedade. O que ocorre quando a conexão existente entre os criadores e os usuários não existe? A gente vai ter um desestimulo ou uma limitação na produção cultural, no desenvolvimento, o que é prejudicial para toda a sociedade. O que se busca estimular com a lei autoral é a existência de conectores. A relação entre autores e usuários e uma permissão. Seja na forma de uma licença ou de uso livre. O fracasso das condições normais que eu chamo de fracasso das condições normais, a relação criadores e usuários fica impossibilitada e aí o usuário não pode usar a obra por ausência de autorização prévia expressa, s eja sob a forma de licença como já falei ou outra forma qualquer. O que leva a inibição da disseminação da cultura e do conhecimento ou a inibição do fluxo de informações, impossibilitando a utilização produtiva das obras, o acesso à obra criada e eventualmente impossibilitando o acesso à obra que também se pretendia criar, porque se eu crio uma música a partir de uma já criada essa nova música vai também ser disponibilizada para a sociedade. Eu costumo dar o exemplo daquela música de um grupo chamado As Meninas. E a Jovem Pan depois lançou uma musiquinha em homenagem ao Rubens Barrichello e que dizia ‘sempre atrás do alemão’ (paródia com a mesma melodia da música de As meninas). E por aí ia. A grande verdade é que em razão da lei autoral se permitiu uma transformação produtiva que uma paródia com certo senso de humor. E essa nova música também foi difundida. Temos vários outros exemplos e o fato é que essa ausência de conectores leva a essa inibição e aí ao fracasso da disseminação da cultura, do conhecimento,

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74 Advogado.

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das informações como um todo. Ao fracasso do anseio maior da sociedade e ao escopo ou finalidade da lei autoral. A lei autoral não quer só proteger o autor. Ela quer proteger o autor ao mesmo tempo em que possibilita meios para que a sociedade se beneficie dessas obras. E o que a gente tem por vezes é o fracasso causado pela má vontade do autor ou então pela impossibilidade dele ser localizado, nos casos em que temos autores ou titulares desconhecidos ou não localizados. Nesses casos, nós teríamos o que a gente chama de obras órfãs. Obras nas quais por conceito esses autores ou titulares, por um motivo qualquer ou pela falta de identificação no corpo da própria obra, ou mesmo a de localização, a relação titular-autor usuário é impossibilitada. O usuário que queira usar uma obra se vê impossibilitado por não localizar o autor ou titular e dele obter autorização de uso dessa obra. Isso tem acontecido muito na internet com a rede mundial de computadores porque muitas obras são postas, são disponibilizadas, as pessoas têm acesso e o autor não se revela. Se eu quero usar essas obras como fazer para solucionar esse pequeno problema. Como usar essas obras sem violar os direitos autorais. Os americanos, ao tratar não da lei, mas, da proposta de modificação da lei autoral estabeleceram que o usuário deve proceder a uma investigação razoável para saber quem é o autor ou titular. Só depois que tentar ou realizar essa investigação razoável, é que ele poderia se beneficiar dessa norma que estabeleceria as obras órfãs. O que seria a noção de razoável? Eu tenho para mim que razoável estaria baseado na conduta do homem médio. O que deveríamos esperar do homem médio em uma situação semelhante? Eu deveria contratar um investigador particular para sair atrás dessa pessoa? Localizar os parentes dos sócios de um eventual titular ou sócio de empresa? Parece-me um pouco exagerado. O que nós pensaríamos no ambiente digital, com as ferramentas postas na rede para buscar, investigar a identidade ou o endereço do autor. Eu já penso logo como primeiro momento de investigação seria ir à Biblioteca Nacional ou ao órgão competente pelo registro das obras intelectuais e ver se essa obra está registrada lá. Se estiver, ótimo. Vou pegar os dados da pessoa e vou fazer a busca; se não estiver, paciência. Temos aqui alguns exemplos de obras órfãs. São fotografias de um personagem. Esse personagem é caseiro. É um macaco que eu levo em todas as minhas viagens e por lá vou tirando fotos. Vamos imaginar que essas fotos estivessem na internet, sem nenhuma identificação. Vocês não sabem e vamos supor que eu não disse que sou o autor, o fotógrafo dessas fotos. E então? Como é que vocês descobrem? Se alguém quiser usar essas fotos para criar uma série, estabelecendo um personagem pelo mundo e tratando das diversas cidades, dos diversos locais? O uso seria transformativo, seria produtivo, seria interessante do ponto de vista pedagógico, talvez a figura do boneco, esse macaco simpático, trajando uma camisa rubro-negra, possa estimular algumas crianças, principalmente as torcedoras do flamengo, a aprenderem um pouco sobre determinadas cidades do mundo. Num ponto, essas imagens não têm nenhuma identificação de autoria, assim como não têm essas outras imagens. Ninguém sabe quem é o autor. Para não deixar sem autor, sou eu o autor dessas imagens. Se a gente se depara com imagens dessas na rede dificilmente conseguiremos localizar o autor. Vou à Biblioteca Nacional ou ao órgão competente pelo registro e não vou encontrar nenhum dado sobre imagem. Mas essa imagem é importante e eu quero utilizar para um estudo que estou fazendo. E agora? Eu estou impedido. Na proposta norte-americana, vamos ter uma divisão clara entre autores localizados e autores não localizados, ou desconhecidos. E o que a gente vai ter é que os autores que são localizados e identificados, com relação a eles, nós não temos as obras órfãs. Esses estão excluídos do âmbito das obras órfãs porque a pessoa pôde procurá-los e eles exerceram os seus direitos autorais de autorizar ou não o uso daquela obra. Então, autores identificados ou localizados estão fora do âmbito das obras órfãs. O que se vai ter são autores não localizados ou não identificados. E para esses autores a proposta valeria. Essa proposta não estabelece nenhum limite com relação ao tipo de obra. Pode ser uma obra literária, musical, fotográfica, qualquer uma. Inédita, estrangeira e o que importa é que tenha sido feita uma pesquisa razoavelmente diligente e que o usuário não tenha conseguido localizar o autor. Nesse ponto, o usuário ganha imunidade à sanção. Ele pode usar as obras e não sofreria nenhuma sanção, caso o autor viesse a reclamar. A partir do momento em que autor aparecesse e dissesse que é o autor, aí sim o usuário teria que pedir autorização. Mas, pelo uso anterior ele não poderia ser sancionado. Essa proposta foi calcada em algumas dificuldades que foram identificadas pelo escritório de direitos autorais norte americano, que está baseado na Biblioteca do Congresso e que é extremamente ativo. Talvez seja o órgão mais ativo dentro dos EUA em pensar a legislação americana e abrir para discussão. A proposta foi discutida em fóruns durante mais de um ano e meio. Só a proposta de criação de uma lei versando sobre obras órfãs. O relatório é extremamente denso, são 400 páginas de material com todas

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as discussões degravadas. Enfim, você consegue encontrar tudo lá. O que se tem são 4 dificuldades: a inadequação da informação acerca da obra propriamente dita; inadequação de informação acerca do titular dos direitos de autor em razão da transferência de direitos, esse é um problema sério que nós sofremos também; limitações com relação às fontes de informação sobre a autoria e titularidade de obras intelectuais; e dificuldades com relação à pesquisa de informações sobre direitos de autor. Todas elas são também encontradas no Brasil. Essas dificuldades existem também quando a gente tenta pesquisar uma obra no Brasil, porque simplesmente não há um autor identificado ou um titular localizável. Eu costumo comparar às obras raras, que são as obras que há muito não são publicadas, e eu quero utilizar e reproduzir ou reeditar uma obra dessa. Como fazer? Uma obra que foi editada ela última vez na década de 50 e eu vou procurar o nome do autor e não encontro nenhum dado sobre essa pessoa. Não sei se está viva, se faleceu e quando foi e olho para o editor e vejo que também não existe, ele já faliu há algum tempo. Como faço? Eu tenho uma limitação muito séria e não posso reproduzir essa obra integralmente porque a cópia privada, por ora, dentro do texto da lei autoral não é permitida, mas eu preciso reproduzir essa obra. Como faço? No caso dessa obra rara eu tenho esses 4 elementos, essas 4 grandes dificuldades e teria um grande problema aqui também. Qual o efeito que os americanos estão dando, ou quais são os efeitos com relação às obras órfãs, uma vez as obras órfãs restem caracterizadas nessa proposta, a conseqüência, os efeitos que essa caracterização trariam, seriam de duas ordens. Uma de ordem material e outra de ordem processual. Aquela pessoa que usou indevidamente a obra, ou a obra tida por órfã, ela teria uma reparação econômica igual a zero, ou quase isso, porque a reparação econômica que o titular teria direito a receber seria aquela reparação econômica estipulada com base na venda da obra no momento eu que ela foi utilizada. Como a obra não é explorada comercialmente isso seria equivalente a zero. Tem outro ponto interessante. Os americanos costumam condenar os violadores em valor baixo com relação à violação, mas um valor estratosféricos com relação ao que se chama de honorários advocatícios. No caso das obras órfãs, não haveria honorários advocatícios. Um belo desestímulo para que o autor mantenha sua identidade não revelada ou seu endereço desatualizado, porque se eu for racionar que com dano material eu recebo quase nada, eu poderia receber em honorários advocatícios, isso seria um desestímulo ao contra-fator, só que aqui não existe isso. Então tem esse outro viés. E a questão processual é que a norma estabelece uma série de restrições quanto à adoção, ao deferimento de medidas cautelares. Ou seja, medidas antecipatórias ou anteriores à decisão da causa, ao julgamento do processo. Medidas preventivas. A regra estabelece que essas medidas inexistem para o caso de obras órfãs. Seria aí um bom desestímulo para que os autores e titulares deixem suas obras caírem dentro desse conceito de obras órfãs. Uma questão é que os riscos que a norma norte-americana traz para os cidadãos não norte-americanos, para os estrangeiros. A norma norte-americana coloca dentro desse balaio das obras órfãs, as obras inéditas que por razões óbvias não são divulgadas e se alguém as divulga sem o nome do autor como vou saber que aquela pessoa é autora mesmo se eu faça uma pesquisa diligente. E as obras estrangeiras, ou seja, se eu coloco minhas fotos na internet e algum americano as utiliza, eu também estou sujeito às obras órfãs. Então, o risco é grande. E diante disso eu teria que analisar o teste dos três passos que aqui foi falado em quase todos os painéis. Que seriam: algumas limitações em determinados casos especiais; em que não houvesse conflito com a exploração normal da obra; e nem causado prejuízo injustificado aos legítimos interesses do titular, por conta do TRIPS que está em vigor desde 95. A norma norte-americana viola o teste dos três passos porque ela é extremamente ampla. Ela não trata de determinados casos especiais. Ele trata de qualquer obra, em qualquer situação e estabelece inclusive a questão do conflito de exploração normal da obra. Eu posso estar explorando minha obra no Brasil e está autorizando-a. Existem soluções alternativas? A resposta é sim. Eu preciso da regra, a princípio de uma regra para tratar as obras órfãs no Brasil? Eu acho que não porque temos a Biblioteca Nacional e a menção de autoria. Se eu fizer o registro da minha obra na Biblioteca Nacional não é possível que uma pessoa com um mínimo de diligência não vá à Biblioteca Nacional ou ao órgão competente pelo registro para saber quem sou eu e para ter as informações a meu respeito. E a questão da menção de autoria que é aquele “C” que vocês conhecem, ela também resolve o problema. Então, a gente teria essa foto por exemplo. É uma das fotos mais bonitas do Cristo que eu já vi. É uma das poucas que está reproduzida aí com autorização do fotógrafo. Aparentemente, essa é uma foto normal. Se olharmos um pouco mais de perto, a gente vai ver a indicação do autor e o ano da primeira publicação da fotografia. Essa foto já não é uma obra órfã.

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Como é que trata o Direito Comparado? O Canadá estabelece que os autores não localizados, ou seja, que se enquadrariam no conceito de obras órfãs, as obras estariam sujeitas a uma licença compulsória. Essa licença seria pedida ao Estado que analisaria o caso e licenciaria o uso. E na Inglaterra estabelece que essa disposição de obras órfãs só é aplicada a autores anônimos ou pseudônimos em que haja uma presunção do término da proteção, onde eu não consigo estabelecer quando que a pessoa faleceu para estabelecer o prazo de duração dos direitos autorais, ou seja, se eu tenho fortes indícios de que a obra está em domínio público, e o autor é anônimo ou pseudônimo, eu posso aplicar a questão das obras órfãs, ou as regras inerentes às obras órfãs. O fato é que as obras órfãs existem, vão existir sempre. Causam um desestímulo social, porque eu deixo de utilizá-las, mas eu posso resolver a questão de forma simples. Colocando na norma a possibilidade de estabelecer direitos em determinados casos, ou limitações em determinados casos, ou simplesmente reforçando o papel dos órgãos de registro. No caso do Brasil, da Biblioteca Nacional, Escola de Belas Artes e daí por diante. Não estou falando de registro obrigatório. O registro continua sendo facultativo, porém dentro da minha liberdade vou fazer efetuar esse registro. Se dermos forças para o órgão registrador, força no sentido não só de apoio como fornecimento de material humano, material de suporte tecnológico, e estimularmos o registro das obras intelectuais, ao que me parece não é muito caro, no máximo 50 reais, nós vamos permitir que aquelas pessoas que estão na sociedade ou que queiram utilizar a obra possam efetivamente ter acesso às informações dos autores. Caso isso não ocorra, aí eu acho sim que deveria haver na lei um dispositivo mais próximo ao dispositivo canadense ou inglês prevendo as obras órfãs, do que aquela sandice norte-americana que consegue violar todos os acordos internacionais e limitações. Era isso. Obrigado.

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PALESTRA PROFERIDA POR DENIS BORGES BARBOSA75

May 27 2008, 11:14 AM Post #2 …..certa vez eu e um amigo pretendíamos gravar umas peças de certo compositor, as quais estavam somente em manuscrito. A questão dis direitos surgiu quando tentamos localizá-lo de várias maneiras mas sem sucesso. Mais tarde, descobrimos que ele até já havia falecido. Nesse caso, quem poderia reclamar os valores correspondentes aos direitos autorais, no caso de execução pública, gravação e comercialização deste material? Apareceu até uma teoria de que poderia ser aberta uma conta em banco para depósitos de valores correspondentes aos direitos, para o caso de alguém um dia vir a reclamá-los. Se após decorrido certo tempo, esses valores poderiam ser resgatados... Isso procede? Obrigado. Fabio Maia…forum de violão

O problema foi me trazido pelo meu filho que - além de ser um advogado de patentes - também é violonista. Há um site que ele costuma freqüentar, onde há músicas à disposição dos colegas; quem quer usar tais recursos sem preocupações de violação de direitos não sabiam a quem pedir autorização. Em essência, nossa discussão se destila a este problema reduzido ao nível pessoal: eu quero utilizar essa música, quero explorá-la, quero fazê-la chegar ao público, mas não sei a quem pedir autorização. Na discussão das obras órfãs entra em primeiro lugar o direito humano que as pessoas são asseguradas de ter acesso à produção cultural. Tal direito, que se encontra no Artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, expressa uma tensão intrínseca entre os direitos humanos. A tensão resulta de se ter, de um lado, o direito de acesso aos bens culturais e, de outro lado, direito de o trabalhador- criador receber remuneração pelo seu trabalho, ou, como diz a Declaração, direito aos frutos morais e materiais do seu trabalho. Me valho aqui do recentísismo texto do Professor Peter Yu da Drake University, Reconceptualizing Intellectual Property Interests in a Human Rights Framework. In: UC Davis Law Review Symposium – Intellectual Property & Social Justice. Vol. 40. p. 1039-1149. 2006. p. 1052. É interessante como a questão da obras órfãs fica simples quando você analisa do ponto de vista dos direitos humanos. Peter Yu diz o seguinte: quando esses dois direitos humanos batem um contra o outro, a coisa se resolve pela justa remuneração. Eu já posso antecipar: o que vou dizer ao fim desta intervenção é isso. Quando esses dois direitos humanos se batem a coisa se resolve pela justa remuneração. Mas, há aí um comentário também de internet que o que se tem é um requisito de boa fé. É preciso que a gente se empenhe em procurar quem é o titular para quem a gente precisa pedir autorização segundo o artigo 29 da Lei Autoral. Passado esse requisito - que vamos ver ser genérico, de bom senso mais do que tudo, de boa fé mais do que de bom senso - a coisa vai se destilar na justa remuneração. O segundo problema se dá em relação a qualquer formulação que resolva este contraste de direitos humanos dentro de um panorama de direito estrito, sob a assombração do fantasma dos três passos de TRIPS, lendo Berna: o Artigo 13 de TRIPS76. Essa questão também me interessa muito, além do tema de direitos humanos: o problema de restrição ao direito. A economia das obras órfãs. Aqui não temos só um problema de domínio público, de apropriação e transformações da exploração econômica. A economia, tanto quanto a cultura necessita, por vezes, do uso de material expressivo para transformações, versões, atualizações, pró-ações, de cunho até intensamente comercial. Resguardar os interesses da economia não é um mal, a economia não atua só no estímulo ao uso comercial das obras, dar uso comercial às obras não causa câncer. O interesse dos titulares de obras órfãs é basicamente, mas não é só o interesse patrimonial. A análise econômica mostra que a obra órfã não é só um problema de acesso; é um problema de custo de transação; para viabilizar a economia de obras expressivas você tem que diminuir o custo de transação. Em outras palavras, diminuir a burocracia para que a gente possa investir mais no uso, na exploração, versões, fazer novelas - o que seja - dessas obras que estão com o titular inidentificável. Se o custo de descobrir quem é o titular dos direitos é tão grande que não permita a exploração da obra a ser derivada ou editada, há uma perda objetiva na economia, e uma restrição ao bem-estar social 77. Meu amigo David Vaver, professor de propriedade intelectual de Oxford, me escreveu faz pouco que - se tivéssemos tempos menores de proteção autoral – não seria preciso ter escrito o relatório de cem páginas publicado pelo Copyright Office americano para falar do problema das obras órfãs. As obras órfãs são um problema do século XX. Não havia obras órfãs no século XIX, porque os direitos autorais na Europa,

75 Advogado.76 Berna - Artigos 2.4 and 2.8, Art. 2-bis, Art. 9 (2), 10 and 10 bis, 11 bis (2), 13 (1) Mas TRIPs: ART.13 - Os Membros restringirão as limitações ou exceções aos direitos exclusivos a determinados casos especiais, que não conflitem com a exploração normal da obra e não prejudiquem injustificavelmente os interesses legítimos do titular do direito.77 “To counteract this trend, Molly Van Houweling proposes in a recent paper that policymakers should explore the pos-sibility of reducing the “cost” of safe harbors by conditioning the harbors’ applicability upon users’ engaging in some form of activity that promotes the goals of copyright–for example, by permitting them to use “orphan” works (even in cases that might not fall within the traditional contours of fair use) upon showing that they made a reasonably diligent search for the copyright owner, and properly attributed the work to that owner. In this manner, safe harbors could in theory be-come decoupled from their inherent conservative bias by providing copyright owners with something—in the example, an assurance of diligence and a guarantee of attribution—in return for a more expansive permission to use. Thomas F. Cotter, Fair Use and Copyright Overenforcement, http://ssrn.com/abstract=951839.

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no Reino Unido e nos Estados Unidos duravam 14 ou 28 anos, depois passou para 56 anos. Nesse tempo dificilmente havia obras órfãs. Em um prazo assim é muito mais fácil de se manter quem é o titular, a quem se tem que pedir a autorização estabelecida no artigo 29. Então, quando você estende a proteção no tempo recrudesce o problema das obras órfãs 78. Temos então 14 anos de proteção estabelecido pelo Estatuto da Rainha Ana, 28 anos depois, passou para 28 mais 28 até 1976 nos Estados Unidos. Pela Convenção de Berna o padrão é: vida do autor mais 50 anos, padrão conciliado em TRIPS 79. A Diretriz Européia de 1993, implantada em 1995, contribuiu extensamente para piorar o problema das obras órfãs ao criar uma proteção de 70 anos depois da morte do autor 80. Diz o analista australiano Anthony Robinson, em 1997, a respeito do assunto: “Extensões de direito autoral muito raramente são de interesse do público consumidor. Quanto maior o prazo maior o prognóstico de que as cópias vão custar mais caras” 81. Voltando ao tema das patentes, João da Gama Cerqueira (Tratado da Propriedade Industrial, V, II, tomo I, parte II, Rio de Janeiro: Forense 1952, p 249 a 251) diz a mesma coisa: “Esse negócio de extensão de patentes não combina com o interesse público. A coletividade está interessada não na prorrogação do privilégio, mas na sua extinção, na sua vulgarização das invenções, para que o uso e a exploração destas se tornem livres”. O que ele está dizendo de patentes vale a fortiori até, para o sistema de direito autoral82. Pegando um caso interessante que eu estive discutindo: Eça de Queiroz cedeu as suas obras, à Editora Lello, e isso se fez na primeira década do século XX. Às tantas dos anos 30 estenderam-se os prazos de proteção pela lei; e isso criou um problema: essa extensão de prazo resultou em benefício de quem? Do cessionário, do editor, do investidor ou do autor e de seus herdeiros? Essa é uma coisa muito interessante que ilumina um pé de página absolutamente cintilante nessa discussão. O Superior Tribunal de Justiça de Portugal, o STF de lá, disse que se se aumentarem os prazos, quem ganha são as pessoas e não os investidores. Acho uma posição muito interessante. Bom, o incrível relatório do Copyright Office (que tem bem mais páginas, são 228) que o professor Vaver se referia é o Report on Orphan Works: A Report of the Register of Copyright. Library of Congress: U.S Copyright Office, 2006) 83. As conclusões desse documento são de que há um real problema, pelo menos para eles, em relação às obras órfãs; e é complexo e de difícil descrição 84. Algumas das questões relativas às obras órfãs podem ser enfrentadas pela lei autoral; outras dessas questões necessitam que se mude a lei. As recomendações desse relatório são - em essência: que o interessado documente que fez uma busca razoável, de boa fé, pelo autor 85; que sempre se cumpram os requisitos de nominação e paternidade; que isso feito, deve-se limitar pelo menos que não exista sanção penal pelo uso; a tutela antecipada e as liminares são proibidas; o pagamento - se solicitado deve ser arbitrado razoavelmente, sem sanções, ou ficções jurídicas, do tipo dos 3000 exemplares da nossa lei autoral.______________

78 David Vaver, Sixth international publishers copyright symposium, Montreal, April 24-6 2006: Publishing & the public interest: “With shorter terms of protection, we wouldn’t need 100 page or more reports from the US copyright office dealing with the “problem” of “orphan works” – material we want to reuse but can’t because the copyright owner has disappeared. Orphan works are a 20th century problem. There were no orphan works through the mid 19th century while copyright lasted 14 or 28 years, or even when the term doubled into the 20th century. Orphan works are a problem because copyright now protects most written material for over a century. The older a work, the harder it is to trace its ownership. Shorten copyright duration, and suddenly every orphan work will find parents galore.79 Taken as a whole, it is highly unlikely that the economic benefits from copyright extension under the [Sonny Bono Act] outweigh the additional costs. Moreover, in the case of term extension for existing works, the sizable increase in cost is not balanced to any significant degree by an improvement in incentives for creating new works.Considering the criterion of consumer welfare instead of efficiency leads to the same conclusion, with the alteration that the [Sonny Bono Act’s] large transfer of resources from consumers to copyright holders is an additional factor that reduces consumer welfare.Intellectual Property and Competition Review Committee, 2000. “Copyright Term” in Review of Intellectual Property Le-gislation under the Competition Principles Agreement (September), pp. 80–84, at http://www.ipcr.gov.au/IPAustralia.pdf.80 Vide Denis Borges Barbosa, Counting Ten for TRIPs: Author Rights and Access to Information - A Cockroach’s View of Encroachment http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=842564.81 Extensions in the term of copyright are rarely in the interest of the consuming public: the longer the term, the longer the prospect of higher prices for copies of a work. Anthony Robinson, 1997. “The Life and Terms of UK Copyright in Ori-ginal Works,” Entertainment Law Review, volume 8, number 2, pp. 60–70.82 O interesse nacional, que constitui fundamento para a desapropriação da patente (Código, art. 64), não pode servir de fundamento para prorrogar o prazo do privilégio em benefício do seu concessionário, cujos interesses particulares se contrapõem aos nacionais. A coletividade, por sua vez, está interessada não na prorrogação do privilégio, mas na sua extinção e na vulgarização das invenções, para que o uso e a exploração destas se tornem livres (Constituição, art. 141, § 17). Portanto, se por interesses nacionais se entenderem os interesses da coletividade, o contra-senso da lei ainda é maior. CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, v. II tomo I, parte II. Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 249-251.83 United States Copyright Office, 2006. Report on Orphan Works: A Report of the Register of Copyrights. Library of Congress: U.S. Copyright Office. http://www.copyright.gov/orphan/.84 The orphan works problem is real.• The orphan works problem is elusive to quantify and describe comprehensively.• Some orphan works situations may be addressed by existing copyright law, but many are not.• Legislation is necessary to provide a meaningful solution to the orphan works problem as we know it today.85 “Mas se exige um esforço de boa fé. Auxiliares para isso são os cadastros das sociedades arrecadadoras, ECAD, ou entidades de classe. Lista telefônica, google, contatos, amigos conhecidos do autor, etc, também são bons caminhos. As últimas empresas na qual a obra do autor foi publicada/editada também são bons caminhos”. Guilherme Almeida, http://www.mail-archive.com/[email protected]/msg00532.html

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O que seria a compensação razoável? O próprio relatório cita o caso “David vs The Gap”, em que se estabeleceu que a compensação seria o valor que um comprador ou vendedor razoáveis, nas posições de detentores da obra e do usuário, estipulariam tendo em conta o tempo de uso da obra e etc.. Aplicam-se, mutatis mutandi, os critérios do transfer pricing da Receita Federal. É uma operação arm’s lenght entre partes desvinculadas. Isso é o razoável. É o parâmetro por acaso do artigo 57 da lei autoral: você não precisa inventar outro, está lá: quando não foi estipulado um preço no caso de edição o preço é o preço costumeiro no mercado relevante. É isso aí, a lei autoral já nos dá o parâmetro. Há uma proposta no Congresso Americano, “Public Domain Enhancement Act”, de 2003, que lá continua dormindo em sono eterno, mas que propõe algumas coisas como, por exemplo, que para se manter em vigor o direito autoral tinha que se pagar US$1 por cada decênio, mais ou menos como anuidade de patente. É uma proposta entre outras 86. Outro ponto, agora já mais importante talvez do que essa proposta isolada, é o acordo fechado entre a International Federation of Library Associations, a Federação Internacional das Associações de Bibliotecas e a International Publishers Association (IPA), que é a Associação dos Editores, dos publishers, que segue em essência aquilo que o Copyright Office propôs 87. Ou seja, primeiro o interessado tem que fazer a tal busca diligente e razoável. É preciso que se respeite o direito de atribuição, diga quem é o autor se você souber obviamente, diga qual é o autor; e terceiro se o sujeito reapareceu, o dono, eu não falo do autor, mas do titular, deve haver uma remuneração razoável e diz lá um termo que é sensível, o “appropriate restitution” que é um pouquinho diferente de remuneração. Se houver tutela antecipada, enfim, alguma medida processual antecipatória, se deve levar em conta o esforço criativo, o peso da derivação da obra que foi construída com base na obra órfã. E enfim, o uso da obra órfã é não exclusivo, para não criar um modelo derivado de direito autoral, monopólio secundário. A solução canadense é a solicitação de uma licença do departamento de direitos autorais 88. A situação legal brasileira é simples. Há dois problemas diversos.

Art. 40. Tratando-se de obra anônima ou pseudônima, caberá a quem publicá-la o exercício dos direitos patrimoniais do autor. Parágrafo único. O autor que se der a conhecer assumirá o exercício dos direitos patrimoniais, ressalvados os direitos adquiridos por terceiros.

Um deles é quando não se sabe quem é o autor; tem-se aí o artigo 40, que diz: tratando-se de obra anônima ou pseudônima caberá a quem publicar o exercício de direitos patrimoniais de autor. Se o autor aparecer, ele assumirá o exercício de direitos patrimoniais ressalvados os direitos adquiridos por terceiros. Quais são esses direitos? Isso é uma coisa interessante que merece uma melhor definição.

Então, enfrentando o artigo 40, no que trata sobre obra anônima e pseudônima, aqui é a obra que não se sabe o autor, desde que não seja objetivamente conhecido. Há um autor, pelo jeitão geral da coisa tem que haver um autor. Essa obra não nasceu de partenogênese da mãe terra, alguém é o autor disso, só não se sabe quem. Nesse casos, aplica-se o parâmetro do artigo 40. O autor a que se dá a conhecer assumirá o exercício.

Aqui há exatamente o problema do custo de transação. O autor emergente ou o titular - e aqui é o ponto interessante, não é só o autor, mas também o titular que é sucessor do autor - assumirá o bem. Quais são os “direitos adquiridos?” Deve-se entender que os atos do artigo 29 são consolidados e imunes, quer dizer, aquilo que eu já fiz até agora está livre e solto, fiz tudo que eu pude, mas não conseguiu aparecer o sujeito. O que acontece? Ou só aquilo que vier para adiante está sujeito ao patrimônio? Se for tudo para trás eu vou precisar de um seguro de guerra porque se eu vou aplicar a uma obra que eu não sou autor, eu estou sujeito a remunerar o sujeito, o autor emergente dos últimos quantos? 70, 90, 100 ou sei lá quantos anos.

86 Public Domain Enhancement Act 2003 (US) was introduced into U.S. Congress in June 2003. The legislation sou-ght to amend the Copyright Act 1976 (US) to allow abandoned copyrighted works enter the public domain after fifty years. It required the Register of Copyrights to charge a fee of $1 for maintaining in force the copyright in any published U.S. work. It required the fee to be due 50 years after the date of first publication or on December 31, 2004, whichever occurred later, and every ten years thereafter until the end of the copyright term. It terminated the copyright unless payment of the applicable maintenance fee was received in the Copyright Office on or before its due date or within a grace period of six months thereafter.87 Acordo IFLA/IPA International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) and the International Publi-shers’ Association (IPA) The statement sets out five principles to be followed by users of orphaned works: A reasona-bly diligent search should be undertaken to find the copyright owner. The user of an orphan work must provide a clear and adequate attribution to the copyright owner. If the copyright owner reappears, the owner should be reasonably remunerated or appropriate restitution should be made. If injunctive relief is available against the use of a previously orphaned work, the injunctive relief should take into account the creative efforts and investment made in good faith by the user of the work. The use of orphan works in non-exclusive.88 http://www.cb-cda.gc.ca/unlocatable/index-e.html.

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Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público:I - as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;II - as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.

Entenda-se: sucessores causa mortis ou não; os direitos patrimoniais de obra cedida ante mortem não caem em domínio público. Regra geral: a herança jacente pertence aos municípios. Regra especial: no caso de direitos autorais, a obra recai em domínio público. Quanto ao artigo 45, temos a questão do autor desconhecido ou objetivamente desconhecido. Eu não vou falar dos autores falecidos; ninguém, nem o nosso onisciente Ascenção, fala a respeito disso. O caso é uma exceção do princípio geral da herança jacente. Mas enfim, o autor desconhecido tipo 2 é objetivamente desconhecido. A observação sobre conhecimentos tradicionais – constante desse art. 45, é uma ressalva em face de uma norma de jure condendum. Quando essa lei aparecer. No momento não há. Mas esse é o ponto, e é o ponto que eu acho central. O problema não é tanto de “autor”, porque a existência de autor - de uma forma ou de outra - é regulada pelos artigos 40 e 45; muito mal regulado, do ponto de vista da economia, deficiente, mas tem-se lá uma regulação. O problema é: eu não sei quem é o titular. Eu sei perfeitamente quem é o autor, posso cumprir a nominação, posso cumprir o direito de identificar e dar a obra à pessoa, mas eu não posso conseguir a autorização exigida pelo artigo 29. Aí vão sugestões iniciais. Considerando em primeiro lugar que passei grande parte da minha vida redigindo lei, como procurador e como advogado público, então o vício é de redigir leis logo para tentar resolver o problema. Só que essa lei foi redigida das dez a meia-noite de ontem, então está ligeiramente falha.

Art. 45-A - O interessado na exploração de obra de que não se saiba o titular, após tentar, de boa fé e através dos meios razoavelmente disponíveis, determinar a quem cabe dar a autorização prevista no art. 29:I - solicitará ao órgão de registro designado na forma do art. 17 da Lei 5.998/73 que consigne seu interesse em assento específico, para efeitos de publicidade, procedendo-se conforme dispuser o regulamento;II – Após noventa dias da publicidade prevista no inciso anterior, poderá iniciar à exploração nos termos deste artigo.§ 1º. – A exploração da obra a que se refere o caput, efetuada pelo interessado que tiver notificado sua intenção de explorar, não configurará ilícito penal, nem fará incidir as sanções civis do Título VII desta Lei, enquanto se mantiver em boa fé.§ 2º. - Aplicar-se-á também o regime deste artigo aos casos previstos no art.40, e ao autor desconhecido referido no art.45, II, quando o interessado na exploração optar pela notificação de sua intenção de explorar. § 3º - A exploração efetuada na forma deste artigo, em relação a obra que deixou de ser inédita há mais de cinquenta anos, só será obstada por decisão judicial transitada em julgado. § 4º. – Ao titular que suscitar seus direitos em face de obra explorada na forma deste artigo será assegurada justa remuneração, nos termos do art. 57, por quem dela tenha feito uso comercial, ressalvados os direitos adquiridos por terceiros, inclusive o acesso do público às obras derivadas. § 5º. – O órgão a quem couber o assento, no caso de fundada dúvida quanto à satisfação dos requisitos do caput, poderá fazer as exigências previstas no regulamento, ou submeter a questão ao Juiz competente, aplicando-se o art. 156 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Primeira coisa, a criação do artigo 45-A: O interessado na exploração da obra que não se saiba o titular - “de que não se saiba o titular”, e aí se cria uma questão objetiva, não se sabe quem é -, após tentar de boa-fé e através de meios razoavelmente disponíveis, determinar a quem cabe dar autorização prevista no artigo 29. Solicitará ao órgão de registro designado na forma do artigo 17 do 5.998/73 - por exemplo, a Biblioteca Nacional - que consigne o seu interesse em assento específico (e aí cai no âmbito da Lei 6015,

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a Lei registral de registros públicos), assegurando-se (para efeito de publicidade a segurança) tal efeito conforme dispuser regulamento. A Biblioteca Nacional, ou o que seja, publica no diário oficial o que quiser desde que se garanta o requisito da publicidade ou forma que seja compatível com o devido processo legal. Isso não está incompatível nem com a figura do regulamento. Então, como fazer essa publicidade de uma forma eficaz definida por regulamento. Segundo: após 90 dias do ato de publicidade no inciso anterior poderá proceder à exploração nos termos deste artigo. Então qual é a exploração? Exploração da obra a que se refere o caput efetuado pelo interessado que tiver comunicado sua intenção de uso - tem uma redação melhor, a intenção de exploração, não de uso - não configurará ilícito penal, nem fará incidir as sanções civis do artigo VII dessa lei, enquanto mantiver a boa fé. Isso quer dizer o seguinte: o sujeito notifica e toca para adiante. Depois da notificação, se ela foi regular e etc., ele segue com um razoável risco, mas não um risco que lhe impeça de ir adiante, enquanto ele estiver de boa fé ele não está incidindo no artigo 184, não vai ter busca e apreensão, está lá quietinho indo. Aplicar-se-á também o regime desse artigo aos casos previstos no artigo 40 e o autor desconhecido referido no artigo 45, II, quando o interessado na exploração optar pela comunicação da sua intenção de exploração, não de uso, “de exploração” - enfim, já há outra versão que corrige isso. Também está no caso de não sei quem é o autor, esse sistema também optativamente funcionaria. Problema: liminares. O problema das medidas processuais de todo gênero, civis e penais, que possam atrapalhar no momento que o autor emerge ou o titular aparece. O que vai acontecer? Então há aqui um critério que cheira mais ou menos ao fantasma dos três passos para resolver um pouco o problema e, principalmente, o problema de obras de interesse cultural maior, como por exemplo, o do Estado Brasileiro querer republicar. Então, veja só como ficaria a lei: em relação à obra cuja primeira publicação - já mudei isso para “que tenha deixado de ser inédita” para resolver o problema de publicação ao público - ou seja, tenha deixado de ser inédita há mais de 50 anos, só será obstada por decisão judicial transitado em julgado. Isso é perfeitamente constitucional, há muitas normas que impedem a liminar e já foi declarado que isso é perfeitamente possível. E agora? Garantida a razoável segurança jurídica de exploração, garantido que não haverá liminar nas obras de maior conteúdo cultural, pelo menos, se presume assim, ao titular que está sugerindo que se faça a obra explorada será assegurada justa remuneração “por quem tenha feito uso comercial”. Se o Marcos do MINC quiser publicar ele estaria defendido por esse ponto. Ele teria que pagar daí por diante, teria que resolver o problema econômico futuro, mas a justa remuneração haveria uma escala, um escudo, justa remuneração com relação ao uso não comercial. Ressalvados os direitos adquiridos por terceiros inclusive o acesso do público as obras derivadas. Enfim, para aproveitar a chance da Biblioteca Nacional está fazendo consultas - consultas não, dúvidas registrais - à Justiça Federal do Rio de Janeiro, então se resolve o problema também daquele que é o picareta que faz a comunicação à Biblioteca Nacional tentando se apropriar de uma obra que não é exatamente órfã, mas que só está tresmalhada, da seguinte forma: o órgão a que couber o assento, no caso de fundada dúvida quanto à satisfação dos requisitos do caput, poderá fazer as exigências previstas no regulamento ou submeter à questão ao juiz competente aplicando o artigo 156 da lei registral (Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973). É um procedimento que já está previsto para várias coisas, o mais conhecido é o do registro imobiliário, mas a própria lei registral levanta a hipótese de suscitar dúvida no juiz. Então o que acontece? Chega lá a Biblioteca Nacional, a Escola de Música, o que for, e olha aquele negócio, o cheiro está mal, faz uma exigência: pede que prove que seja feita a busca. O cara não faz, continua resistindo. Suscita-se a dúvida judicial, manda-se para a primeira e a segunda turma especializada em propriedade intelectual e tira-se o problema dos ombros delas. É só isso. É uma proposta direta para tentar resolver, parte de algumas experiências que eu citei e tenta resolver um pouco o conjunto de problemas que tem sido suscitado. Essa apresentação está no meu site: http://denisbarbosa.addr.com/orfandade.pdf. Esse texto que está lá incorpora as modificações a que me referi e que não estão no texto. Muito obrigado.

Bibliografia

Eduardo Lycurgo Leite, Proposta Norte-Americana para as “Obras Órfãs” e as Regras Autorais Internacionais, in Estudos de Direitos Autorais em Homenagem a Otávio Afonso Thomas F. Cotter, Fair Use and Copyright Overenforcement, http://ssrn.com/abstract=951839

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A COMPLEXIDADE DO DOMÍNIO PÚBLICO RELATIVAMENTE AO SOFTWARE.

Marcos Wachowicz89

Resumo: O presente artigo analisa a complexidade dos direitos morais do criador do programa de computador numa análise sistêmica do software como elemento intrínseco à Revolução Tecnológica da Informação, para estabelecer as bases críticas da ampliação do prazo de duração dos direitos intelectuais imposta pela Organização Mundial do Comércio – OMC. A metodologia de abordagem é necessariamente transdisciplinar para fixar o conceito de revolução tecnológica e a partir deste construir todo o enquadramento teórico-conceitual do software. A questão da extensão dos direitos patrimoniais do software de 25 anos para 50 anos repercute sobremaneira sobre o setor tecnológico gerando assimetrias de proteção. Ademais a questão do domínio público ainda carece de uma solução legislativa mais clara e adequada para uma efetiva tutela no tocante ao software.

Palavras-chaves: DIREITOS MORAIS – DOMINIO PÚBLICO – PROGRAMA DE COMPUTADOR.

1. O AUMENTO DO PRAZO DOS DIREITOS AUTORAIS DO SOFTWARE

Em princípio, o prazo de duração dos direitos dos autores sobre o programa de computador, pela Lei n.º 7.646/87/87, era de exclusivos vinte e cinco anos, contados da data de lançamento, ou seja, data na qual o autor do programa o utiliza ou coloca à disposição de terceiros. Os resultados da Rodada do Uruguai e os acordos da OMC estabelecidos pelo TRIPs são expressivos no tocante ao prazo de duração dos direitos autorais sobre os programas de computador e copiladores de dados, em código fonte ou objeto. Com efeito, o artigo 12 do TRIPs ampliou o prazo de proteção para até cinqüenta anos, “contados a partir do ano civil da publicação autorizada da obra ou, na ausência dessa publicação autorizada, nos 50 anos subseqüentes à relização da obra, a 50 anos, contados a partir do fim do ano civil de sua realização”. Em decorrência direta do TRIPs no Brasil foi editado o Decreto n.º 1.263, de outubro de 1994, que ratificou adesão.

1.1. A Situação ambígua gerada pela ampliação do prazo.

No Brasil, instaurou-se uma situação ambígua entre a legislação interna e a imposição do TRIPs.Por um lado, a Lei de Software de 1987 continuava em vigor disciplinando o prazo de vinte e cinco anos de proteção, ao mesmo tempo em que o Decreto de adesão ao TRIPs elastecia o prazo por mais vinte e cinco anos. Esta situação perdurou até a publicação da Lei n.º 9.609/98 que, no parágrafo 2.º, do artigo2.º, assegurou a tutela dos direitos relativos a programas de computador “pelo prazo de cinqüenta anos contados a partir de 1.º de janeiro do ano subseqüente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação”. A construção jurídica empreendida no âmbito internacional, capitaneada pela OMC, pela própria amplitude e abrangência dos direitos intelectuais que engloba o acordo TRIPs, não percebe as especificidades intrínsecas do software, que o diferencia dos demais bens intelectuais protegidos pelo Direito Autoral ou Industrial. De tal sorte, vislumbra-o como parte isolada da Revolução Tecnológica, definindo-o sem considerar o todo em que está envolvido. É preciso analisar a proteção tecnológica da informática de maneira sistêmica e integrada entre os demais bens informáticos; a saber, a proteção patenteária do hardware e do firmware é vintenária. Quer-se com isso evidenciar 04 (quatro) pontos fundamentais que foram desconsiderados no tocante ao aumento do prazo de duração dos direitos autorais sobre os programas de computador, a saber:

a) A proteção ampliada é inócua Em primeiro lugar, considerando que todo avanço tecnológico é fruto de investimentos que devem ser recuperados com a proteção intelectual da inovação, e que, no setor informático, o tempo entre o lançamento da inovação e sua obsolescência é inferior a dois anos, a proteção ampliada agora para cinqüenta anos é inócua na prática para a maioria absoluta dos softwares existentes no mercado. b) A queda em domínio público da tecnologia

Em segundo lugar, deve-se considerar que os avanços tecnológicos na área de informática conjugam pesquisa e desenvolvimento tanto de hardwares como de softwares, isto é, softwares cada vez mais

89 Professor de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professor permanente no Curso de Pós-Graduação – programas de Mestrado e Doutorado em Direito CPGD/UFSC. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, Mestre em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa – Portugal. Autor da obra: Propriedade Intelectual do software e a Revolução da Tecnologia da Informação. E-mail: [email protected].

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elaborados requerem hardwares cada vez mais potentes, com capacidade para processá-los. A tecnologia de hardware, portanto, cairia em domínio público trinta anos antes daquela prevista para o software.

c) Disparidade da proteção industrial e autoral no firmware

Em terceiro lugar, considerando o firmware como um bem híbrido, parte software, parte hardware, os investimentos dispendidos para sua inovação tecnológica não podem ser dissociados; não há como justificar a existência da disparidade de proteção industrial e autoral se a tecnologia tem a mesma origem e funcionalidade.

d) A ampliação do prazo como criação de monopólio

Em quarto lugar, toda inovação tecnológica é fruto de investimentos que devem ser recuperados com a proteção do bem intelectual. A projeção de retorno dos investimentos de inovações de hardwares sendo de vinte anos faz com que o custo do produto seja projetado para um retorno até esse limite. De igual modo, a proteção do software que, de vinte e cinco, passou para cinqüenta anos, implicaria que aqueles custos de investimentos inicialmente previstos para vinte e cinco anos, já retornaram, o que justificaria o plus de mais vinte e cinco anos, a não ser a mantença ou criação de monopólio.

1.2. O termo inicial da contagem do prazo prescricional de direito autoral do software.

A falta desta percepção sistêmica do software como elemento indissociável da Revolução Tecnológica acarreta também a existência de imprecisões no seu tratamento ao tentar amoldar programa aos clássicos institutos de Direito Autoral, no caso de publicação de uma obra. É preciso ter claro que o software não é publicado. Daí, diante desta imprecisão de técnica legislativa, podem-se vislumbrar as dificuldades para a comprovação do termo inicial de contagem do prazo prescricional. Contudo, pode-se considerar o termo inicial a partir da divulgação do software operada por sua comercialização,90 o que pode ser comprovado por meio de nota fiscal ou contrato de desenvolvimento do software. Por outro lado, a comprovação de sua criação para termo inicial, sem que haja a comercialização, dependerá de comprovação, sendo então importante o registro do software junto ao INPI para aferir a data de sua criação.

2. OS DIREITOS AUTORAIS E O SOFTWARE

O Direito Autoral trata da propriedade literária, científica e artística, prote gendo o autor e seus sucessores em relação às obras criadas. O direito de autor foi objeto de várias convenções internacionais a partir da Convenção de Berna em 1886, e suas revisões foram incorporadas no ordenamento interno brasileiro.O Direito Autoral confere ao seu titular uma exclusividade de utilização da obra, entendida como o direito de utilizar, publicar, divulgar e reproduzir quantos exemplares forem necessários para atingir o público a que se destina a obra. Trata-se, pois, de direitos individuais, subjetivos, de caráter absoluto, que por um determinado tempo serão exercidos pelo autor91 e/ou seu titular.92 Os Direitos Autorais se categorizam em Direitos Morais, Direitos Patrimoniais e Direitos Conexos.

2.1 Os Direitos Morais do Autor.

A expressão Direitos Morais, no Direito Autoral, tem sua origem na doutrina francesa baseada na teoria dualista, que reconhecia no direito do autor elementos de duas ordens diferentes:

90 “De toda maneira, cumpre enfatizar que a nova lei manteve a tese já vigente de que a comercialização de software não se opera pela mera tradição, ou seja, com a transferência da propriedade, pois, como já visto, existe a vinculação permanente do produto com o seu titular dos direitos, seja qualquer for o mecanismo pelo qual o mesmo adquiriu tal prerrogativa. Assim, não há que se falar em compra e venda de software e sim, em licença de uso. Não há, portanto as figuras do vendedor e do comprador. A relação se ultima sempre entre o titular de direitos e o usuário final, ainda que a forma de apresentação do produto tenha se alterado para competir nesse novo mercado.” WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de Software no Brasil. Rio de Janeiro : Editora Forense, 2000, p. 35.91 Neste sentido ver: GUTIÉRREZ, José Antonio Valbuena. Las obras o creaciones intelectuales como objeto del dere-cho de autor. Granada : Editoral Gomares, 2000, p. 179.92 Neste sentido aponta Eduardo Viera MANSO: “Dada a natureza muito especial do bem que é objeto do Direito Au-toral, isto é, pelo fato de ser esse bem uma obra intelectual, cujo propósito é atender a uma necessidade cultural (esté-tica, técnica, didática, religiosa, de entretendimento, etc.), o seu autor é investido em direitos individuais, subjetivos, de caráter absoluto, temporário, geral, alienável e, como se viu, exclusivo”. MANSO, Eduardo Vieira. Violações aos direitos morais. in NAZO. Georgette N. (org.) A tutela jurídica do direito de autor. São Paulo : Savaiva, 1991, p. 3.

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(i) uma pautada na relação criativa entre o autor e sua obra e outra, (ii) no direito de utilização da obra economicamente (droit de suíte).93

Os Direitos Morais do autor seriam reconhecidos e introduzidos no direito internacional pela Convenção de Berna, a partir da Revisão de Berlim de 1908, por não possuírem qualquer categoria estética e serem direitos subjetivos do titular dos direitos autorais, de caráter personalíssimo.94

Contudo, na Rodada do Uruguai em 1994 a disposição final do TRIPs não obrigou aos Estados-membros a cumprir o disposto no artigo 6 bis da Convenção de Berna,95 que estabelece no seu ordenamento jurídico interno a tutela dos direitos morais do autor. Neste sentido, pode-se compreender melhor o atual estágio do direito de copyright e sua relação com os direitos morais. Isto porque, com a adesão dos Estados Unidos à Convenção de Berna no ano de 1988, esperava-se como conse qüência uma ampliação na legislação do país no conteúdo moral do copyright. Detecta-se, no entanto, uma repercussão limitada apenas às legislações estaduais dos estados da Califórnia, Massachusetts, Nova Iorque e Louisiana. Assim, o reconhe ci mento de direitos morais no sistema copyright está muito distante do sistema europeu continental e latino-americano.96

No Brasil os direitos morais do autor já estavam consagrados a teor do artigo 25 da Lei n.º 5.988/73. A nova Lei n.º 9.610/98 veio apenas ampliar os direitos morais em consonância à Convenção de Berna,

independentemente do TRIPs. A Lei brasileira97 indica distintas prerrogativas irrenunciáveis e inalienáveis que são atribuídas ao autor da obra, como os direitos:

(i) de personalidade ou pater ni dade, que liga definitivamente o autor como criador intelectual de sua obra; (ii) de denominar a obra, que é a atribuição exclusiva do autor de livremente nominar sua obra; (iii) de inédito, que consiste na possibilidade, a critério do autor, de não publicar ou divulgar sua obra; (iv) de modificação, em que só o autor poderá proceder a qualquer alteração, adaptação ou revisão da obra; (v) de retirada ou arrependimento, que compete exclusivamente ao autor; de repúdio de projeto; e (vi) de integridade da obra, a qual não poderá ser mutilada ou dividida sem prévia anuência do autor.

Contudo, tratamento diverso é dado ao software.

2.2 Os Direitos Morais mitigados relativamente ao software

A Lei n.º 9.609/98 é categórica ao prever, no parágrafo 1.o do artigo 2.o, que não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de opor-se à paternidade do programa de computador e de opor-se a alterações não-autorizadas, quando

93 “A nomenclatura usual é direito moral, que foi usada pela primeira vez por André Morillt, na França, em 1872, para indi-car as prerrogativas, que tem a personalidade do autor, sobre sua criação intelectual – a obra. O que fez no livro intitulado De la Personalité du Droit de Copie qui Appartient à um Auteur Vivant. Motillot entendia que: “o direito moral origina-se antes do direito natural que do direito positivo. Na sua opinião, o direito moral não tem necessidade de ser especialmente consagrado por nenhum texto.” PIMENTA. Eduardo. A jurisdição voluntária nos Direitos Autorais. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 2002, p. 71.94 “Tem, como aspecto moral do direito autoral esse fundamento original de se exigir para o criador intelectual o respeito no que tange à sua pessoa, seu espírito criativo e sua ligação com a obra, podendo, ao revés, combater tudo o quanto venha a prejudicar sua boa fama enquanto autor, ou a qualidade de sua criação.” ARAUJO, Edmir Netto de. Proteção Judicial do Direito de Autor. São Paulo : 1999, p. 33.95 Convenção de Berna em seu artigo 6.º bis: 1) Independentemente dos direitos patrimoniais de autor e, mesmo depois da cessão dos citados direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da obra e de se opor a toda defor-mação, mutilação ou outra modificação dessa obra, prejudiciais à sua honra ou à sua reputação. 2) Os direitos reconhe-cidos ao autor por força do parágrafo 1.º antecedente, mantêm-se, depois de sua morte, pelo menos até a extinção dos direitos patrimoniais e são exercidos pelas pessoas físicas ou jurídicas a que a citada legislação reconhece qualidade para isso.96 Neste sentido ver: ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2.a Ed. Rio de Janeiro : Renovar, 1997, p. 4; SAHM, Regina. O Direito Moral de Autor e o Fundamento do Direito à Intimidade. In BITTAR, Eduardo C.B. CHINELATO, Silmara Juny. Estudos de Direito de Autor, Direito da Personalidade, Direito do Consumidor e Danos Morais. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2002, p. 48.97 “A Lei 6.910/98 inovou em matéria de direito moral, criando em parte, restrição ao seu exercício, no que diz repeito à retirada de circulação ou de suspensão de utilização já autorizada. A restrição reside no fato de limitar o exercício de tal direito moral a hipótese em que a “circulação ou utilização implicarem afronta” a reputação ou à imagem do autor. É tema que, por certo, suscitará muita divergência, tanto no campo doutrinário quanto no próprio cumprimento da lei, não sendo difícil prever que daí advirão muitas demandas”. SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito Autoral. Brasília : Editora Brasília Jurídica, 1998, p. 25.

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estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis, significando que a autoria de um programa de computador não pode ser transferida para uma titularidade alheia. Os direitos morais são personalíssimos. Sua transferência somente ocorrerá por causa mortis do autor a seus sucessores, no exercício do direito, mas nunca na autoria dos mesmos. Isto nos termos do parágrafo primeiro do artigo 24 da Lei n.º 9.610/98. Aponta Luiz Fernando Gama PELLEGRINI:

O legislador foi bastante claro, ao determinar que por morte do autor os direitos morais previstos nos incisos I a IV do artigo 24, transmitem-se aos herdeiros. Qual o alcance deste parágrafo? Trata-se, em primeiro lugar, da aquisição do exercício de direitos, e não dos direitos morais, uma vez que o art. 27 determina expressamente serem os direitos morais inalienáveis e irrenunciáveis. Vale dizer, que ocorrendo a morte do autor, os herdeiros passam a ter o exercício dos direitos morais, adquiridos através sucessão causa mortis, que consiste na preservação da obra, manutenção da sua integridade.98

O autor de um software será sempre o seu criador, podendo a qualquer tempo reivindicar a paternidade, inclusive seus herdeiros.

3. A complexidade do domínio público relativamente ao software

Independentemente do exposto, a questão da extensão dos direitos morais e sua aplicabilidade no tocante ao software merece maior atenção de análise, pois os direitos morais do criador do software, de opor-se à paternidade do programa de computador e de opor-se a alterações não-autorizadas, persistirão após o prazo de proteção de cinqüenta anos, depois do qual o software cairá em domínio público, uma vez que tal direito se reveste de quatro características fundamentais: é um direito pessoal, perpétuo, inalienável e imprescritível.99

Da mesma forma pode-se indagar sobre a quem competirá a defesa da integridade de um software que eventualmente venha a cair em domínio público, o qual poderá ser livremente reproduzido. Neste caso, aplicar-se-á o disposto no parágrafo 2.º da Lei n.º 9.610/98, que atribui competência ao Estado na defesa da integridade e autoria da obra. A complexidade desta hipótese ainda é maior quando analisada a reciprocidade do princípio do Tratamento Nacional da Convenção de Berna e de Paris, em que estão asseguradas a cada nacional de todo Estado-membro as mesmas garantias que sejam asseguradas a um deles, incluindo-se as novas adesões; quer dizer:

(i) competirá ao Estado brasileiro, composto pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a competência comum para a proteção de programas de computador já de domínio público. (ii) ou, ainda, como hipotiza Hercoles Tecino SANCHES, quando alguma Organização Não-Governamental ou uma pessoa física pretender defender a autoria ou a integridade de obra de terceiros caída já no domínio público, deverá ela provocar a iniciativa do Estado.100

Portanto, as questões que revestem os direitos morais sobre o software e seus desdobramentos ainda estão por ocorrer, uma vez que tais direitos são imprescritíveis, inalienáveis e irrenunciáveis. A complexidade do domínio público no tocante ao software merece especial atenção, isto porque, estamos diante de um bem intelectual indissociável do seu ambiente tecnológico, não se pode imaginar – ou ainda, concordar – que o domínio público de um programa de computador somente se opere quando estes já perderam sua utilidade, quando não mais existir interesse econômico e social. A atual Lei de Software inobserva a finalidade do instituto do domínio público, pois é de se pressupor que, o software após 50 (cinqüenta) anos nenhuma utilidade mais se poderá extrair dele, não havendo o que justifique no campo tecnológico a mantença do direito de exclusivo por um período tão alargado sobre um bem intelectual (software) em total descompasso com a realidade do setor de informática. Vale dizer: o domínio público mitigado projetado pela legislação no tocante ao software é antes uma maximalização do direito de exclusivo que está rigorosamente carente e dependente de uma justificação.______________

98 PELLEGRINI, Luiz Fernando Gama. Direito Autoral do Artista Plástico. São Paulo : Editora Oliveira Mendes, 1998, p. 21.99 Neste sentido ver: WACHOWICZ, Marcos. Propriedade Intelectual do Software e Revolução da Tecnologia da In-formação. Curitiba: Juruá, p. 133.100 Neste sentido ver SANCHES, Hércoles Tecino. Legislação Autoral. São Paulo: LTr, 1999, p. 101.

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O alto nível de proteção do direito autoral nos programas de computador, mitigando os direitos morais e o domínio público, são parâmetros impostos pela OMC, numa via de sentido único, cuja proteção exacerbada tem sua medida rigorosamente demarcada pelos interesses econômicos tendentes inequivocamente para a perpetuidade. A que se ter claro que o domínio público de um bem intelectual não é exceção, nem pode ser visto, no caso do software, como aplicável apenas para aquele programa de computador que não tenha mais serventia ou que se encontra completamente obsoleto. O direito autoral não pode impedir a difusão e o acesso ao conhecimento e ao uso da tecnologia. Impõe-se uma cuidadosa e profunda reflexão sobre o instituto do domínio publico para rever os prazos de proteção excessivos.

REFERÊNCIASARAUJO, Edmir Netto de. Proteção Judicial do Direito de Autor. São Paulo: 1999.ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2.a Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

GUTIÉRREZ, José Antonio Valbuena. Las obras o creaciones intelectuales como objeto del derecho de autor. Granada: Editoral Gomares, 2000.

MANSO, Eduardo Vieira. Violações aos direitos morais. in NAZO. Georgette N. (org.) A tutela jurídica do direito de autor. São Paulo: Savaiva, 1991.PELLEGRINI, Luiz Fernando Gama. Direito Autoral do Artista Plástico. São Paulo : Editora Oliveira Mendes, 1998.PIMENTA. Eduardo. A jurisdição voluntária nos Direitos Autorais. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.

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Amilson Godoy (Fórum Nacional de Música) - Mesa 6Bruno Miragem (BRASILCON) – Mesa 1

Dalton Spencer Morato (ABDR) - Mesa 4

Dênis Barbosa (Dênis Barbosa Advogados) - Mesa 7

Eduardo Lycurgo (Eduardo Lycurgo Leite Advogados) - Mesa 7

Estela Waksberg Guerrini (IDEC) - Mesa 1

Flávia Rosa Bahia (ABEU, EDUFBA) – Mesa 4 (Mediadora)

Flávio Roberto Mota (ABIPRO) – Mesa 6

Giuseppe Cocco (UFRJ) – Mesa 2 (Mediador)

Guilherme Carboni (FAAP) - Mesa 2

Helenara Avancini (PUC/RS) - Mesa 1

Imre Simon (USP) – Mesa 7 (Mediador)

Istvan Jancso (IEB/USP, Biblioteca Brasiliana) – Mesa 5 (Mediador)

Jaime Antunes da Silva (Arquivo Nacional) - Mesa 5

João Brant – Mesa 3 (Mediador)

Jorge Machado (GPOPAI-USP) - Mesa 4

José Peña (EMIMusic) - Mesa 3

Ladislau Dowbor (PUC/SP) - Mesa 4

Laymert Garcia (Unicamp) – Mesa 1 (Mediador)

Marcelo Bechara (Ministério das Comunicações) - Mesa 3

Marcos Wachowicz (UFSC) - Mesa 7

Marrey Luiz Peres Jr. (PG&A Consultoria e Serviços SS Ltda) - Mesa 2

Mônica Rizzo Soares Pinto (Biblioteca Nacional) - Mesa 5

Olga Futemma (Cinemateca Brasileira) – Mesa 5

Pablo Ortellado (USP) - Mesa 2

Pedro Paranaguá (FGV/RJ) - Mesa 3

Pedro Rezende (UnB) - Mesa 3

Sérgio Amadeu (Cásper Líbero) - Mesa 6

Sueli Ferreira (USP) - Mesa 4

Túlio Vianna (Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, PUC/MG) – Mesa 6 (Mediador)

Vanisa Santiago (Vanisa Santiago Consultores Associados) - Mesa 6

Relação de palestrantes do Seminário “Direitos Autorais e Acesso à Cultura”