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ISBN 978-85-5722-001-0

Anais do I Seminário

sobre direitos

fundamentais e

democracia: migrações

1º edição

Ficha catalográfica elaborada por Even3 – Sistema de Gestão de Eventos

AN532 Anais do I Seminário sobre direitos fundamentais e democracia. Tema: Migrações, uma visão comparada entre Brasil e Espanha. Coordenação de Eduardo Biacchi

Gomes, Maria Cecília Amorim e Edileny Tomé da Mata. 16 a 18 de Março de 2016 em Curitiba, PR.

Disponível em <http://www.even3.com.br/anais/migracoes> ISBN: 978-85-5722-001-0 1. Ciência Sociais. 2. Direito. 3. Geografia e História UNIBRASIL CDD - 300

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I SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA: MIGRAÇÕES, UMA VISÃO COMPARADA ENTRE

BRASIL E ESPANHA

LUIZ RENATO DE SOUSA MELO1 (AUTOR)

LUCIANA DUARTE CARDOSO2 (CO-AUTORA)

A CONDIÇÃO JURÍDICA DO “REFUGIADO” HAITIANO NO BRASIL

RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar uma grave questão com que a

comunidade internacional se defronta, qual seja, o problema dos movimentos migratórios

e seus sujeitos – os refugiados e as pessoas internamente deslocadas, enfrentado o

direito humano fundamental da liberdade de circulação e a possibilidade de resistência do

Estado na proteção de suas fronteiras para conter o fluxo migratório. Demonstra que este

imigrante não pode ser discriminado, pelo fato de se encaixar perfeitamente na norma

posta acerca dos refugiados, devendo ter seus direitos humanos fundamentais

reconhecidos. Para tanto, se examinará, a qualidade do sujeito refugiado a partir

da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e da Convenção das Nações

Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, bem como a partir da Lei pátria de nº

9.474/97, no intuito de verificar a aplicabilidade de tais normas aos haitianos que já foram

recepcionados no Brasil. Busca-se analisar, ainda, o respeito por parte do Estado

Brasileiro ao núcleo mínimo de Direitos Humanos, galgados em princípios e normas

internacionais, no que tange à questão dos refugiados, salvaguardando a dignidade

humana daquelas pessoas que abandonam os seus países de origem, pois tal atributo é

um dos pilares do Estado Democrático de Direito, conforme vaticinado na Constituição de

1988 (art. 1º, III), estendida e garantida aos nacionais e estrangeiros (art. 5º) – os

haitianos, para que estes possam “viver como gente” – e não sobreviver, gozando de

garantias fundamentais à vida, à liberdade, à segurança, etc., bem como outros direitos

sociais, econômicos e culturais.

Palavras-chaves: Movimentos migratórios. Refugiados. Direitos Humanos. Direitos

Fundamentais.

1 Advogado. Professor Universitário na Faculdade Maurício de Nassau - FMN e Faculdade Integrada

Brasil Amazônia – FIBRA em Belém/Pará - Brasil. Especialista em direito material e processual do

trabalho pela Universidade da Amazônia – UNAMA. Mestrando em Direitos Fundamentais pela

Universidade da Amazônia – PPGDF/UNAMA. E-mail: [email protected] .

2 Graduada Faculdade Integrada Brasil Amazônia – FIBRA em Belém/Pará – Brasil. Técnica Judiciária no

Tribunal Regional da 8a Região. E-mail: [email protected] .

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THE CONDITION OF LEGAL "REFUGEE" HAITIAN IN BRAZIL

ABSTRACT: This article aims to analyze a serious issue that the international community

faces, namely the problem of migration, and its subjects - refugees and internally

displaced persons faced the fundamental human right of freedom of movement and the

possibility State strength in protecting its borders to contain the migratory flow. It shows

that this immigrant can not be discriminated against, in that fit perfectly in the standard set

about refugees should have their fundamental human rights recognized. Therefore, it will

examine the quality of the refugee subject from the Universal Declaration of Human Rights

of 1948 and the United Nations Convention on the Status of Refugees of 1951 and from

the Law homeland No. 9.474 / 97, the order to verify the applicability of these rules to

Haitians who have been welcomed in Brazil. Seeks to examine also the respect by the

Brazilian state to a minimum core of Human Rights, successive level on international

principles and standards regarding the issue of refugees, safeguarding human dignity of

those people who leave their countries of origin, as this attribute is one of the pillars of the

rule of democratic state, as predicted in the 1988 Constitution (Article 1, III.), extended and

guaranteed to domestic and foreign (article 5.) - Haitians so that they can "live like people

"- and not survive, enjoying fundamental guarantees of life, liberty, security, etc., as well as

other social, economic and cultural rights.

keywords: migratory movements. Refugees. Human rights. Fundamental rights.

INTRODUÇÃO O ano de 2015 foi marcado por notícias que demonstram o caos social vivido em

todo o mundo. Crise financeira, corrupção, violação à direitos fundamentais, violência,

guerras, desastres naturais, deslocamento humano e terrorismo estão lado a lado com a

população no café da manhã, almoço e jantar, causando indignação e perplexidade com

os valores – ou falta deles – a justificar tantos desastres/desgraças.

O presente trabalho propõe-se a discutir a mobilidade humana daqueles que

migram “forçadamente” para “terras alheias”, tais como os deslocados internos, os

apátridas, os asilados, bem como os refugiados – objeto/sujeito do presente estudo.

Entretanto, tal artigo partirá sob uma ótica muito mais próxima do que nos parece nos

noticiários internacionais que, hodiernamente, estão voltados todos para a Europa.

A circulação de pessoas através dos territórios não nos é novidade, muito pelo

contrário, a história destas movimentações migratórias confunde-se com a própria história

humana, pois o homem sempre buscou explorar novas terras com o objetivo de melhorar

suas inquietações sociais, culturais, econômicas.

Os tais estrangeiros/”forasteiros” circulando por “terras alheias” já são

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mencionados desde a Bíblia, em que pese tal fenômeno seja muito anterior a estes

escritos. A primeira em Êxodo, capítulo 22, versículo 21, aduz: “Não molestarás nem

afligirás o estrangeiro, porque também vós fostes estrangeiro na terra do Egito”.

Em uma segunda passagem em Levítico, capítulo 19, versículo 33:

Se algum estrangeiro habitar na vossa terra, e morar entre vós, não o impropereis; mas esteja entre vós como um natural; amai-o como a vós mesmo, porque também vós fostes estrangeiro na terra do Egito.

Também em Genesis, capítulo 4, versículo 14, quando Caim é castigado por pelo

assassinato de Abel: “Hoje me lanças da face da terra, e da tua presença me esconderei;

serei fugitivo e errante pela terra...”

Ou ainda em Mateus, capítulo 25, versículo 35: “Eu era estrangeiro e você me

acolheu”.

Os deslocamentos humanos sempre apresentaram causas de ordem natural,

econômica e/ou social, como desastres naturais, fome, guerras, perseguições políticas

e/ou religiosas, dentre outros.

Hodiernamente, algumas movimentações migratórias vêm despertando grande

preocupação internacional, eis que talvez não fosse visto tão grande deslocamento de

pessoas desde a segunda grande guerra mundial.

Talvez este novo-velho tema tenha ganho grande contorno de comoção

internacional, em setembro/2015, com uma imagem que chocou o mundo – e não era

para menos, principalmente para quem tem filho -, o pequeno Aylan Shenu, de 3 anos de

idade, tendo seu corpo inerte lançado às areias da praia de Bodrum (Turquia), pelas

ondas do Mar Mediterrâneo, após a fracassada tentativa de sua família em atravessar o

mar para fugir da guerra civil que destrói seu país de origem, a Síria. A foto daquela

pequena criança tornou-se uma imagem ícone da referida crise/tragédia humanitária.

O pequeno Aylan Shenu “alertou” a comunidade internacional para um problema

crônico que sempre existiu e sempre foi e ainda é ladeado pelo cenário político – os

milhares de refugiados que tentam ingressar pelas fronteiras dos diversos países no

mundo em uma clara fuga, buscando um “lugar seguro” para viver, o que, de acordo com

os números divulgados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

(Acnur), só na Europa já seria um total de 438 mil pessoas que pediram “asilo/refúgio” em

países do bloco entre 2014 e o fim de junho/2015.

Uma das grandes inquietações no que tange à circulação internacional de

pessoas é a possível antinomia existente entre o reconhecimento do direito humano

fundamental de ir e vir e a soberania estatal para o controle de suas fronteiras, eis que a

saída em massa de pessoas de sua região de origem pode causar o despovoamento da

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área saída e inchaço da área de destino, interferindo no equilíbrio econômico e político, o

que seria um aspecto desfavorável da migração.

Os imigrantes fogem da Nigéria, Eritréia e Líbia para cruzar o Mar Mediterrâneo,

passando pela ilha de Lampedusa e chegar à Itália; outra rota parte do Oriente Médio da

Síria, Paquistão e Afeganistão em direção à Grécia e Macedônia, na tentativa de

chegarem aos países mais ricos como Alemanha, França e Inglaterra.

No continente americano, o grande fluxo migratório vem da América Central, mais

precisamente do Haiti, atravessando Equador e Peru, até cruzar a fronteira do Brasil, pela

cidade de Brasileia, no Acre e/ou Tabatinga, no Amazonas.

Sim, Brasil mesmo, eis que nosso país tem se tornado um grande acolhedor de

“refugiados” angolanos, sírios, haitianos dentre outras nacionalidades.

É inconteste que se vive uma crise humanitária quanto à questão da proteção aos

“refugiados” e a (falta de) efetivação dos direitos fundamentais sociais supostamente

conferidos àquela classe de deslocados aquando de sua recepção/acolhimento, eis que o

cenário é de uma guerra não declarada oficialmente, pois os refugiados, espalhados por

toda a terra, padecem de fome, frio, incertezas quanto ao futuro e, o que é mais grave, o

descaso da comunidade internacional.

Embora estejam circulando/fugindo por motivos diversos, tendo em vista que nos

dois primeiros casos se dão pela pobreza, fome, guerra, terrorismo e violência do país

que deixam para trás, o que ocorre no Brasil é o resultado da tentativa desesperada de

fugir do país considerado o mais pobre da América e que fora arrasado por catástrofes

naturais (terremoto de janeiro/2010 e furacão Sandy em novembro/2012).

A questão não é tão simplória como parece e como vem sendo tratado pelas

autoridades nacionais, o simples acolhimento pelo país que recebe os imigrantes em face

ao direito humano fundamental de ir e vir não é suficiente para aqueles “refugiados” já

torturados pela vida em sua terra natal, pois além de um pedaço de terra, um porto

seguro, necessário se faz um olhar mais atento para as condições de vida que

enfrentarão e, no presente caso, tal discussão voltar-se-á única e exclusivamente ao

Brasil, mais precisamente ao “refugiados” haitianos, a fim de observarmos à garantia aos

direitos mínimos previstos na Constituição da República de 1988.

O artigo 1º, inciso III, da Constituição da República, assinala a dignidade da

pessoa humana como pilar do Estado Democrático de Direito e é nessa norma

constitucional que se assenta a unidade do ordenamento jurídico brasileiro.

Dignidade da pessoa humana, direito humano fundamental este garantido aos

nacionais e aos estrangeiros que aqui residem (caso dos haitianos que aqui estão)

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indistintamente pelo art. 5º, caput, da CF/88:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Partindo da premissa da dignidade da pessoa humana como direito fundamental

mínimo e essencial para que qualquer pessoa nacional ou não, possa “viver como gente”

– frisa-se viver e não sobreviver – não seria necessária Lei infraconstitucional ou qualquer

outro mecanismo (intervenção judicial) para assegurar sua observância, visto que seria

inerente à condição de ser humano e todos seriam titulares.

Mínimo existencial que não se limitaria a aspectos humanitários na recepção em

nosso território, mas que se refletiria em assegurar as garantias fundamentais à vida,

liberdade, segurança, etc., bem como nos direitos sociais, econômicos e culturais,

previstos na Constituição Federal, estes os mais básicos, essenciais e vitais como o

trabalho, alimentação, educação, saúde, moradia, dentre outros, ou seja, a busca pela

condição humana plena, o direito de ter direitos.

Mais que isso, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é

“promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

outras formas de discriminação”, consoante o vaticinado pelo art. 3º da Carta Magna de

1988.

Não se pode olvidar que a convivência entre o nacional e o estrangeiro sempre foi

uma realidade no Brasil, eis que o imigrante teve, tem e sempre terá papel importante na

construção da sociedade brasileira, eis que a história do país foi construída a partir do

suor de várias nacionalidades, pelo que a dignidade de tais pessoas, além de ser

respeitada, deve ser protegida pelo Estado.

Assim, o presente artigo faz uma análise do deslocamento dos haitianos e seu

acolhimento no Brasil com base nas normas internacionais, mais precisamente na

Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e Estatuto dos Refugiados (1951),

bem como na legislação pátria através das Leis nºs 9.474/97 e 11.961/2009, para que se

possa verificar a possibilidade da concessão de “refúgio” (visto humanitário) nos moldes

como vem sendo praticado ou mesmo a necessidade de a sociedade brasileira repensar a

tutela jurídica oferecida pela atual legislação nacional à nova espécie de “refugiados: os

ambientais”, eis que a norma vigente teve como ponto de partida um fato social que não

mais se adequa ao momento atual.

2. ASPECTOS TEÓRICOS DA MIGRAÇÃO

Entende-se por migração o movimento de pessoas entre regiões, ou seja, entre

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locais que podem estar situados dentro de um mesmo país, ou, ainda, em países distintos.

Migração é vocábulo utilizado como gênero, do qual decorrem duas espécies de

deslocamento, a imigração e a emigração.

A emigração é o deslocamento de saída do território. Imigração é o deslocamento

de entrada no território. Tanto a emigração como a imigração, tratando-se de espécies de

migração, também pode ocorrer dentro do mesmo país ou corresponder a um

deslocamento envolvendo países diferentes.

Um exame mais detalhado das causas que levam um ser humano a migrar, deixar

suas origens, permite-nos ver que, basicamente, migra na busca de uma vida digna para

si e sua família, sendo um fenômeno que interessa aos mais diversos campos das

ciências sociais, como a sociologia, economia, geografia e, atualmente, despertando

inúmeros debates jurídicos face ao caos instalado no mundo e a intensa movimentação de

pessoas.

São causas da migração: a) fatores de ordem natural, como inundações, erupções;

b) fatores de ordem econômica, como fome e perspectiva de encontrar uma vida mais

abastada; c) por fim, fatores de ordem social, como perseguições políticas e religiosas.

Ravenstein3 relacionou em 1885 as seguintes leis dos deslocamentos humanos:

[...] “(1) A maioria dos migrantes apenas percorre uma curta distância, e as «correntes de migração» dirigem-se para os centros de comércio [e da indústria]. (2) O processo de atracção para uma cidade em rápido crescimento começa pelas suas zonas circundantes, e gradualmente estende-se para lugares mais remotos. (3) O processo de dispersão é o inverso do de atracção. (4) Cada corrente principal de migração produz uma contra-corrente compensadora. (5) Os migrantes provenientes de longas distâncias preferem os grandes centros de comércio [e da indústria]. (6) Os nativos das cidades são menos migratórios do que os das zonas rurais do país. (7) As mulheres são mais migratórias do que os homens”[...]. (RAVENSTEIN, 1885, citado por PEIXOTO, 2004, p. 4)

A migração pode ser explicada através de dois eixos teóricos, um de abordagem

micro-sociológica e o outro de abordagem macro-sociológica. As do tipo micro englobam

teorias que consideram que a decisão de migrar é uma atitude racional da pessoa,

enquanto as teorias do eixo macro-sociológico apontam como causa para a migração

fatores externos à pessoa, que influenciam seu poder de decisão.

2.1 MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS E O BRASIL.

O Brasil sempre foi considerado um país receptor de imigrantes e apesar de sua

3 Peixoto (2004) explica que, no final do século XIX, entre 1885 e 1889, um inglês chamado Ravenstein produziu as

primeiras explicações teóricas acerca da migração, a partir das análises do contexto britânico e posteriormente, de

modo mais amplo, do europeu e do norte-americano. Segundo Peixoto, Ravenstein é o autor clássico do tema e

principal fonte a partir da qual nasceram todas as atuais teorias sobre fluxos humanos.

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história ter sido construída a partir da mistura de várias culturas, atualmente não há um

movimento que predomine. Hoje é país que tanto recebe como apresenta um percentual

significativo de brasileiros que buscam viver no exterior.

Até o final do século XIX e início do século XX, o país se apresentou aberto à

migração. Assim conseguia mão-de-obra para trabalhar no campo e resolvia o problema

do baixo índice populacional nacional.

Ainda como colônia de Portugal, o país recebeu o negro africano, na condição de

escravo, e o português, como colonizador e que explorava o território a partir do trabalho

do negro escravizado. Em proporção menor recebeu outras tantas nacionalidades, como

espanhóis, italianos, holandeses, ingleses, irlandeses e alemães, etc.

A vinda da família real, em 1808, representou o marco oficial de início da imigração

no Brasil, embora já ocorresse desde o início da colonização. Com a abertura dos portos

para o comércio e navegação, o ingresso do estrangeiro no país foi facilitado e, entre 1850

a 1890, as leis do país estimularam a imigração.

O fim da escravidão em 1888 e a passagem da Monarquia para a República

provocaram a substituição do regime de trabalho escravo pelo regime de trabalho livre e o

governo passou a doar terras ao estrangeiro. A doação de terras era uma estratégia para

atrair o estrangeiro, a fim de vir trabalhar no campo, nas fazendas de café ou nas colônias

agrícolas, e, também, para povoar o território.

Com a Constituição Republicana de 1891, o país promoveu a naturalização de

todos os estrangeiros que aqui se encontravam na data de 15.11.1889 e que não

declararam oposição à Constituição até seis meses do início de sua vigência.

Em 19 de abril de 1907, o Brasil editou o Decreto nº 6.455, que instituiu o Serviço

de Povoamento do Solo Nacional e, com ele, foi definida a nova política nacional de

imigração. Pretendeu-se estimular a ocupação do território e, ao mesmo tempo, o

desenvolvimento interno a partir do trabalho na terra. Por esta política, a União Federal

entregava terras ao imigrante e dava a eles outros auxílios, caso quisessem se fixar na

terra para trabalhar.

Assim, até a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), entraram milhares de imigrantes no

Brasil. Permitia-se a entrada no país de qualquer indivíduo que quisesse vir para o país,

não necessariamente como mão de obra qualificada.

Após a 2ª Guerra Mundial até a década de 1970, os fluxos migratórios reduziram. A

postura simpática à imigração mudou.

As Constituições Federais de 1934 e de 1937 e a Consolidação das Leis do

Trabalho – CLT anunciaram uma nova conduta ao refletirem uma tendência xenófoba.

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A explicação à mudança de conduta decorreu do fato de a presença dos

estrangeiros no país ter contribuído para a disseminação de ideias anarquistas e

comunistas, que, por sua vez, influenciaram movimentos sociais e contribuíram para o

surgimento de um movimento operário nacional. Isso explica a razão de, durante a

República Velha, violências terem sido praticadas contra estrangeiros, tais como torturas e

deportações, sob a justificativa de serem indesejáveis, causadores de desemprego, de

desordem econômica e social.

Em continuidade à postura fechada para a imigração, a Constituição Federal de

1946 permitiu a entrada de estrangeiros condicionada às conveniências do país, mas no

final da década de 1960, o Brasil se mostrou favorável à imigração dirigida, com a edição

do Decreto-Lei nº 941 de 1969.

Este Decreto correspondia ao Estatuto do Estrangeiro na época. Anunciava que o

Brasil não proibia o ingresso no país de estrangeiro que pudesse vir por conta própria, ao

qual era concedido o visto comum. Também previa auxílio ao estrangeiro que não tivesse

condição de imigrar para o país, mas que desejasse fazê-lo, ao qual era concedido visto

em regime especial, desde que viesse desempenhar atividade certa ou para se instalar em

região também previamente estabelecida.

Com o Decreto-Lei nº 941/1969, o país deixou de dar terras ao estrangeiro,

diferente da política do Serviço de Povoamento do Solo Nacional de 1907. Nesse

momento, o imigrante, ao invés de se tornar proprietário de terra, ingressava no país para

ser mão-de-obra de uma propriedade rural existente. Tratava-se de uma imigração dirigida

porque tinha em vista atender um objetivo específico.

Na década de 1970, o Brasil adotou uma política de desenvolvimento interno da

economia, baseada na busca por novas tecnologias, como combate à dependência

internacional.

Pretendia, assim, assimilar novas tecnologias e ao mesmo tempo proteger a

indústria e os meios de produção nacionais. Nessa década, a imigração passou a ser

considerada uma forma tanto de transferência como de assimilação de tecnologia, por

isso, restringi-la era uma maneira de cuidar para que a transferência de tecnologia

ocorresse somente quando fosse adequado aos objetivos de desenvolvimento da indústria

nacional.

Nos anos de 1970, o Brasil viveu intensa migração interna. A população rural

diminuiu bastante e na mesma proporção as taxas de urbanização cresceram,

estabelecendo-se no cenário nacional cidades que passaram à condição de megalópoles,

como São Paulo e Rio de Janeiro.

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Ainda na década de 70, começou a ser criada uma nova legislação sobre

imigração, sob a concepção de proteção da indústria nacional, e em 19 de agosto de 1980

foi promulgada a Lei 6.815, o Estatuto do Estrangeiro, vigente até hoje, revogando o

Decreto-Lei nº 941/1969.

O Estatuto do Estrangeiro de 1980 estabeleceu que o acesso do imigrante ao país,

para fixação definitiva, é concedido em apenas duas situações, visto comum e visto

especial, dificultando o ingresso dos estrangeiros no país.

3. MOBILIDADE HUMANA E O DIREITO DE REFÚGIO

A circulação internacional de refugiados relaciona-se com o direito de ir e vir e com

a violação aos direitos humanos fundamentais daqueles que estão “fugindo”. Mas, para

que possamos entender o estudo acerca dos refugiados, necessário se faz uma análise da

importância da palavra refúgio.

Segundo o Dicionário Aurélio, refúgio (do lat. refugiu) é 1. o local para onde alguém

foge a fim de estar em segurança; asilo; abrigo; 2. apoio, amparo, proteção, socorro.

Refúgio é o mesmo que esconderijo, local onde nos ocultamos de outros para não

sermos vistos ou descobertos. Buscamos refúgio ou esconderijo quando sentimos medo.

Medo é causa. Refúgio é consequência.

Observa-se, portanto, que as pessoas que buscam tal instituto jurídico fogem não

por causas naturais propriamente ditas (vontade única e exclusivamente), mas sim como

consequência de um contra-ataque da natureza à ambição humana no processo de

acumulação de capital desenfreado, bem como na busca excessiva pela dominação

(poder).

Partindo da noção de refúgio, agora precisaremos identificar quem são os

refugiados.

Para Celso D. de Albuquerque Mello4 são denominados de refugiados as pessoas

que gozam de asilo territorial.

O homem (ser humano) é um eterno refugiado, eis que o medo sempre esteve e

sempre estará presente na história da humanidade, desde os medos mais inocentes que

levam uma criança a buscar refúgio nos braços de seus pais, como as fugas de locais

infestados por doenças epidêmicas ou mesmo, nos tempos modernos, em busca de

refúgio em seu lar doce lar cada vez mais vigiado, trancafiado e enjaulado em face da

violência que assola o nosso país.

4 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 12ª ed. rev. e aum. – Rio de Janeiro:

Renovar, 2000, p. 1019.

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Não há um consenso doutrinário acerca da definição de refugiado, para tanto,

utilizaremos como ponto de partida a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de

1951 que em seu art. 1º, aduz:

Para os fins da presente Convenção, o termo "refugiado" se aplicará a qualquer pessoa que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

A referida Convenção foi um instrumento legal internacional criado para estabelecer

padrões básicos para o tratamento de refugiados, sem qualquer discriminação por raça,

religião, sexo e país de origem.

A evolução do tempo, o fanatismo religioso, além de novas situações geradoras de

conflitos e perseguições, fez com que novos fluxos de migrantes precisassem estar sob o

manto de proteção da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, pelo que se

criou o Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados de 1967.

Embora o Protocolo esteja relacionado à Convenção de 1951, é um instrumento

independente cuja ratificação não é restrita aos Estados signatários da referida

Convenção, formando, os dois documentos, os principais instrumentos internacionais

relacionados à proteção dos refugiados.

Em novembro de 2007, o número total de Estados signatários da Convenção era de

144 – o mesmo número de signatários do Protocolo de 1967. O número de Estados

signatários de ambos os documentos é de 141. O número de Estados signatários de um

ou outro documento é de 147. Entre os Estados signatários apenas da Convenção de

1951 estão Madagascar, Mônaco e São Cristóvão e Névis; e entre os Estados signatários

apenas do Protocolo de 1967 estão Cabo verde, Estados Unidos da América e Venezuela.

5

Portanto, considerando os termos da Convenção sobre Refugiados de 1951 e o

Protocolo de 1967, na definição de refugiado deve haver a existência de fundado medo de

perseguição em virtude de motivos éticos, religiosos ou políticos, o que foi motivo de

inúmeras críticas, eis que tais normas internacionais não abrangiam os deslocamentos

maciços de população que precisavam abandonar seu países sem que houvesse qualquer

tipo de perseguição, pelo que se fazia necessário o alargamento do conceito de

5 Dados apresentados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados em seu site www.acnur.org.

Acessado em 07 de setembro de 2015.

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refugiados.

Assim, em que pese o avanço da proteção trazida pelo Estatuto dos Refugiados de

1951 e do Protocolo de 1967, a definição de refugiado que mais passou a ser adotada foi

a da pela Organização de Unidade Africana – OUA, na Convenção de 1969, eis que além

de abranger os casos já previstos pela ONU, também passou a considerar como

refugiados:

2 - O termo refugiado aplica-se também a qualquer pessoa que, devido a uma agressão, ocupação externa, dominação estrangeira ou a acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública numa parte ou na totalidade do seu país de origem ou do país de que tem nacionalidade, seja obrigada a deixar o lugar da residência habitual para procurar refúgio noutro lugar fora do seu país de origem ou de nacionalidade.

A partir de tal conceito mais elastecido, no mesmo sentido, em 1984, sob à égide da

ACNUR, foi aprovada a declaração de Cartagena da Índias, com a conclusão para que se

fosse adotado na América Central, no que tange à figura dos refugiados, não só os

conceitos trazidos pelo Estatuto de 1951 e seu Protocolo de 1967, mas também a

ampliação dada pela OUA na Convenção de 1969:

Terceira - Reiterar que, face à experiência adquirida pela afluência em massa de refugiados na América Central, se toma necessário encarar a extensão do conceito de refugiado tendo em conta, no que é pertinente, e de acordo com as características da situação existente na região, o previsto na Convenção da OUA (artigo 1., parágrafo 2) e a doutrina utilizada nos relatórios da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. Deste modo, a definição ou o conceito de refugiado recomendável para sua utilização na região é o que, além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.

O cenário atual aponta para três tipos de refugiados: os por motivos políticos, que

enquadram perfeitamente na definição das Nações Unidas; os por motivos ambientais,

são os que recebem menor atenção dos organismos internacionais; e os por motivos

econômicos, que possuem a maior dificuldade para definição, chegando, inclusive, a

serem confundidos com os migrantes.

No Brasil, a Convenção sobre o Estatuto do Refugiado de 1951 foi implementada

definitivamente ao nosso ordenamento jurídico em 22 de julho de 1997, através da Lei nº

9.474/97. Diz-se que foi em 1997, pois, embora o país tenha ratificado e promulgado a

Convenção de 1951 no ano de 1961 (Dec. 50.215), somente no final da década de 90

criou-se critérios próprios para a concessão do Estatuto do Refugiado, criando-se também

o Comitê Nacional para Refugiados – CONARE, responsável pela elaboração de políticas

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públicas para tal contingente.

Segundo o art. 1º da Lei 9.474/97, considera-se refugiado:

Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

O que se pode observar da análise do Estatuto dos Refugiados de 1951, do

Protocolo de 1967 e da Lei 9.474/97 é que tais diplomas legais se preocupam tão somente

com as migrações forçadas tradicionais decorrentes de perseguições de natureza político-

ideológica, sem dar maior importância à nova classe de refugiado que surgiu: os

ambientais ou climáticos.

Tanto assim é que segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para

Refugiados – ACNUR6, o Brasil, até outubro/2014 possuía 7.289 refugiados em território

nacional, além de 8.302 outras solicitações de refúgios, dados este que não contemplam

os nacionais do Haiti, por estes não se enquadrarem na classificação tradicional de

refugiado, tendo em vista que a circulação de pessoas não se dá por questões políticas,

mas sim por questões ambientais/climáticas.

O refugiado ambiental não saiu voluntariamente de seu país, na verdade ele é um

fugitivo com medo da extinção territorial de seu habitat em decorrência de circunstâncias

climáticas que o forçaram a buscar outro local para viver ou, no mínimo, sobreviver.

3.1 O PRINCÍPIO DE NON-REFOULEMENT E O DIREITO DE IR E VIR

Além do conceito de refugiado – tratado no item acima, o Estatuto dos Refugiados

trouxe o princípio de non-refoulement (“não-devolução”), previsto em seu art. 33, pelo qual

nenhum país pode refouler (“expulsar/devolver”) um refugiado, contra a vontade do

mesmo, para um território onde sofra perseguição:

Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas.

6 Dados apresentados no site: www.acnur.org (Estatística – Refúgio no Brasil 2010/2014) Acessado em 10 de

setembro de 2015.

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Mesma proteção trazida pela Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos

Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 10 de dezembro de 1984, que, em seu art.3º,

dispõe: “nenhum Estado Parte expulsará, devolverá ou extraditará uma pessoa para outro

Estado quando houver fundados motivos para se acreditar que, nele, ela poderá ser

torturada”.

O princípio de non-refoulement consiste no princípio da proibição de expulsão ou

de rechaço pelo qual “não se admite que o refugiado seja enviado de volta ao Estado de

onde proveio e em que corre risco de perseguição ou de vida, ou seja, é a proibição de

rechaço desse estrangeiro”7.

Com uma circulação de pessoas não vista desde a Segunda Guerra Mundial, cada

vez mais pessoas estão sendo forçadas a se deslocarem no mundo – o que diariamente

vem sendo noticiado, principalmente na “travessia da morte” realizada em embarcações

precárias pelo Mediterrâneo que assusta a Europa –, o princípio do non-refoulement pode

representar uma porta de entrada para os estrangeiros “não convidados”, mas que

necessitam de proteção internacional

Ao falarmos em movimentos migratórios, não há como fechar os olhos para o

desconforto que tal assunto provoca na comunidade internacional, principalmente para

com os países mais desenvolvidos e às políticas anti-imigratórias por eles estabelecidas

com o claro intuito de impedir ao máximo a entrada de tais estrangeiros em seus

territórios, deixando bem claro que os refugiados não são bem-vindos em seus países.

Celso D. de Albuquerque Mello8, citando Lowis Henkin, reconhece que um dos

grandes problemas quanto ao tema em tela é que os Estados se recusam a aceitar que o

refugiado tem um direito de ser admitido no seu território.

Como exemplo de tais políticas anti-imigratórias pode-se citar o Primeiro- Ministro

da Hungria, Sr. Viktor Orbán, que discursou pedindo que os refugiados não viessem a seu

país e que ficassem onde estivessem, pois tal fluxo de imigrantes poderia enfraquecer as

raízes cristãs na Europa, editando, inclusive, Lei possibilitando a prisão dos imigrantes. 9

Como se já não fosse suficiente, o governo húngaro está construindo um muro de

4 metros de altura e 175 quilômetros de extensão para fechar suas fronteiras com a Síria.

Tão certo quanto o direito que os Estados possuem para programarem e

efetivarem suas políticas públicas e planos de governo, para desenvolvem seus territórios

7 DELL´OLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 269. 8 MELLO, op. cit., p. 1023. 9 Cf. g1.globo.com/mundo/noticia/2015/09/viktor-orban-o-primeiro-ministro-hungaro-vilao-da-crise migratoria.

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e população, também é inconteste o direito humano mais fundamental, a vida, que deve

ser respeitada, não só a dos cidadãos pertencentes aquele território/país, mas como

também daqueles imigrantes que buscam o mínimo de dignidade, pois em seus países de

origem a simples sobrevivência já não lhe seria garantida.

Assim, na questão migratória, devemos visualizar também o outro lado da moeda,

aqueles seres humanos (homens, mulheres, mas principalmente crianças e bebês) que

largam tudo – o que já não é quase nada – em seus países de origem, em uma fuga

desesperada em busca de um mínimo de vida digna, exercendo o direito de ir e vir, a

liberdade de ficar ou não no seu país ou ir para um de sua preferência.

Pois bem, a questão da circulação internacional de pessoas acaba por trazer à

baila um confronto entre a política adotada pelo Estado soberano ao controlar o

movimento migratório em seu território e o direito internacional que tutela o direito da

pessoa humana de ir e vir e seus desdobramentos. Qual deve prevalecer?

O estudo do direito de ir e vir deve realizado com a conciliação de duas

concepções aparentemente antagônicas entre si:

1. A concepção de que o indivíduo dispõe de sua própria pessoa, ou seja, é possuidor do direito à autodeterminação pessoal; 2. A concepção de que o Estado deve controlar as migrações dentro de suas fronteiras, seja para impedir o despovoamento, seja para impedir a entrada de elementos perigosos ou desestabilizadores da paz interior da ordem interna desse Estado.

A conciliação das ideias supostamente contraditórias acerca do direito de ir e vir

perpassa pela atuação de diversos juristas europeus (como Hugo Grotius, Samuel

Pufendorf, Emer de Vattel, dentre outros) ao longo dos séculos XVI a XVIII que já

defendiam a liberdade de locomoção, admitindo limitações pelo Estado.

Assim como os teóricos enfrentavam as nuances do direito de ir e vir e suas

implicações, os Estados começaram a positivar o direito de cada um de sair de qualquer

país, inclusive o seu, e de a ele retornar, o que pode ser visto a partir da Constituição

Francesa de 1791, Assembleia Geral de Frankfurt de 1948 e Ato do Congresso dos

Estados Unidos em 1868.

A partir de então começa a surgir a ideia de um mundo sem fronteiras, tendo

todos os estados europeus e americanos, excetuados a Rússia, reconhecido o direito de

emigrar como básico e alienável.

Observa-se, portanto, que a discussão acerca do direito de ir e vir deixa de ser

restrito aos ordenamentos jurídicos dos países individualmente considerados, passando a

ter um tratamento global para além das fronteiras nacionais, tendo o Instituto de Direito

Internacional recomendado, em 1892, que a livre entrada de estrangeiros não deveria ser

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restringida, salvo no interesse do bem comum.

Pacífico estava, então, salvo diminutas restrições, a liberdade para a circulação

internacional de pessoas, em decorrência do direito à autodeterminação pessoal.

Entretanto, todo o direito reconhecido quanto a tal questão fora esvaziado com a Primeira

(1914-1918) e Segunda Guerra Mundial (1939-1945), em que pese no período entre

guerras alguns acordos bilaterais entre Estados tenham sido realizados, mas sem a força

de antes.

Assim, com o fim da Segunda Guerra Mundial, o espirito de liberdade voltou a

fazer parte do mundo e, consequentemente, os anseios de protegê-lo, o que inclusive

resultou na internacionalização de tais discussões, bem como na criação de organismos

internacionais voltados à proteção à paz, ao desenvolvimento mundial e aos direitos

humanos, como foi o caso da Organização das Nações Unidas – ONU (1945).

Inobstante a existência de inúmeras normas internacionais versando acerca da

livre circulação internacional de pessoas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

de 10 de dezembro de 1948, foi a responsável pela readmissão pelos Estados do

princípio da liberdade de circulação internacional do indivíduo, reconhecendo-o como

regra jurídica a ser respeitada, que em seu art. 13. Estatuiu:

1.Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado. 2.Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.

Não há dúvidas de que a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)

reconhece a liberdade de circulação internacional, mas também não há dúvidas de que

não é de forma absoluta, pois em seu próprio art. 29 prevê a possibilidade de limitação a

tal direito:

1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. 3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas.

Após a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), outro documento

internacional é de suma importância ao estudo do direito de ir e vir, talvez o mais

importante, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de

1966, pois se preocupa em detalhar as limitações ao direito de ir e vir, consoante

vaticinado em seu art. 12:

1. Todo o indivíduo legalmente no território de um Estado tem o direito de

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circular livremente e de aí escolher livremente a sua residência. 2. Todas as pessoas são livres de deixar qualquer país, incluindo o seu. 3. Os direitos mencionados acima não podem ser objecto de restrições, a não ser que estas estejam previstas na lei e sejam necessárias para proteger a segurança nacional, a ordem pública, a saúde ou a moralidade públicas ou os direitos e liberdades de outrem e sejam compatíveis com os outros direitos reconhecidos pelo presente Pacto. 4. Ninguém pode ser arbitrariamente privado do direito de entrar no seu próprio país.

Segundo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos o direito de ir e vir

não poderá ser restringido, salvo as hipóteses previstas no §3º do art. 12, desde que

observem o binômio de estar previsto em lei e, ao mesmo tempo, sejam para a proteção

da segurança nacional, ordem, saúde, moral pública, ou direitos de liberdade dos outros.

Assim, resta claro que nenhuma das duas concepções, que tivemos com ponto de

partida (autodeterminação pessoal e soberania estatal), é rígida, muito pelo contrário, são

maleáveis a ponto de permitir uma coexistência, nem tão pacifica quanto se gostaria, mas

possível de evolução.

Parece claro que tanto a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948),

quanto o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) visam à proteção a

liberdade do indivíduo para ir e vir de seu país, ou seja, põe a disposição o direito de

ponderar se quer permanecer, sair e/ou regressar para seu país de origem, o que jamais

pode ser confundido com o livre direito de entrar e permanecer em território estrangeiro.

Portanto, o Estado tem o direito de limitar a entrada de estrangeiros imigrantes,

vez que apesar do direito de migração decorrer de uma liberdade individual a todos,

indistintamente, a soberania nacional continua a ser um dos pilares da ordem

internacional.

Entretanto, tal parcela de soberania já não é absoluta, eis que com a alteração do

papel do indivíduo no cenário internacional, sendo este titular de direitos humanos

considerados como padrões jurídicos mínimos a serem respeitados, compete, então aos

Estados garantirem o gozo desse conjunto de direitos consagrados internacionalmente,

sob o olhar atento dos organismos internacionais.

Em que pese o Estado não tenha a obrigação jurídica de admitir estrangeiros,

vive-se em um mundo cada vez mais globalizado, em que a comunidade internacional

busca uma cooperação entre os países, principalmente os considerados de 1º mundo,

para a redução ou minimização das desigualdades entre os povos e, principalmente, em

clara busca ao respeito e reconhecimento aos direitos humanos fundamentais, pelo que

se impõe, no mínimo, certa obrigação moral para com aqueles que nada têm e fogem de

realidades cruéis como a guerra, fome, miséria, desastres, etc.

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O direito humano fundamental de ir e vir não se traduz no direito de ficar em

território estrangeiro, entretanto, no mínimo, reconhece ao deslocado a proteção para não

ser devolvido ao local/país de origem para que não seja submetido à violação geradora da

sua fuga, tornando-se um dos elementos fundamentais do regime internacional de

proteção aos refugiados.

Assim, o espírito internacional de cooperação entre os povos clama por um

mundo menos indiferente às crises humanitárias daqueles que abandonam suas casas e

fogem de seus países em busca de um novo começo para as suas histórias: os

refugiados.

Apesar de tais nacionais solicitarem o reconhecimento da condição de refugiados

ao entrarem no território nacional, como sua situação não se amolda ao conceito clássico,

as solicitações de “refúgio” são encaminhadas ao Conselho Nacional de Imigração (CNIG)

que vem emitindo vistos de residência permanente por razões humanitárias em

detrimento das normas internacionais e infraconstitucionais em proteção aos refugiados.

Independentemente dos fundamentos que levam à concessão dos vistos

humanitários, é incontroverso o acolhimento dos haitianos no Brasil, pelo que, segundo o

Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR e Policia Federal, entre

2010 e setembro/2014, foram concedidos mais de 39.000 mil vistos nessa modalidade.

3.2 OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS DOS “REFUGIADOS”

Um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito no Brasil é a

ideia de respeito aos direitos fundamentais, dentre eles, o da dignidade da pessoa

humana, previsto no art. 1º, III da CF/88, a ser observado tanto aos nacionais como aos

estrangeiros, em face de igualdade guindada também pelo art. 5º constitucional.

Como se já não fosse suficiente, ainda temos como um dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção dos bem de todos, sem

qualquer forma de discriminação, nos termos do art. 3º da Carta Magna.

Pois bem. A norma constitucional traz um núcleo mínimo de direitos sociais

necessários para a existência com dignidade, os quais devem ser estendidos a todos,

indistintamente.

Mínimo existencial este - tal como denominado na doutrina nacional – ou mínimo

social – como prefere John Rawls – faz parte do conceito de direitos fundamentais.

Ricardo Lobo Torres10 defende que o mínimo existencial seria um direito de dupla

10 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios da natureza orçamentária. In:

SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais, orçamento e a “reserva do possível”. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 315.

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face, eis que de um lado compreenderia os direitos fundamentais originários ou da

liberdade (previstos no art. 5º da CF/88 e diplomas internacionais) e os direitos

fundamentais sociais, ambos em uma dimensão mínima e irredutível, sendo o núcleo

intocável e irrestringível dos direitos fundamentais.

Entre os direitos mais básicos a uma existência digna, podemos pensar na saúde,

educação, moradia, dentre outros que devem ser concretizados pelo Estado de maneira

universal através de políticas públicas a estes “refugiados humanitários” acolhidos em

nosso país.

Para os refugiados, tal núcleo mínimo também vem em decorrência do Direito

Internacional dos Direitos Humanos – DIDH que assegura um regime global de direitos

fundamentais, ou seja, salvaguardar a dignidade humana (direitos mínimos) às pessoas

que abandonam os seus países de origem.

Na prática, alguns direitos mínimos são titularizados como a proteção e a não

devolução, sendo o primeiro implícito no Estatuto dos Refugiados de 1951 e o segundo

expresso no art. 33 do referido diploma.

Afora estes, outros direitos humanos fundamentais universalmente reconhecidos

também são aplicáveis a esta classe de deslocados como à vida, à saúde, à segurança, a

proteção contra a tortura e os maus tratos, o direito à liberdade de circulação, dentre

outros.

Em publicação realizada em 10 de setembro de 2015, no jornal Folha de São

Paulo, por nossa Chefe de Estado maior, o artigo “Os refugiados e a esperança”11

conclama que o país está de braço abertos para os refugiados:

“ [...] O Brasil, mesmo neste momento de superação de dificuldades, tem os braços abertos para acolher refugiados. Reitero a disposição do governo brasileiro de receber aqueles que, expulsos de suas pátrias, para o Brasil queiram vir, viver, trabalhar e contribuir para a prosperidade e para a paz. Queremos oferecer-lhes essa esperança.

É louvável a postura adotada pelo Governo brasileiro em recepcionar os

estrangeiros, entretanto como este pesquisador gostaria que a realidade vivida fosse

condizente com a nota publicada por nossa Chefe de Estado, que o cotidiano fosse tão

esperançoso como o título do referido artigo.

Pois bem, o que vem se observando no dia a dia de tais “refugiados” é que o

Estado preocupa-se tão simplesmente com a concessão do visto humanitário, fazendo

pouco caso no que tange à efetivação de tais direitos sociais, eis que erige como entrave

11 http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11231:folha-de-s-paulo-os-

refugiados-e-a-esperanca-artigo-dilma-rousseff&catid=196&lang=pt-BR&Itemid=447. Acesso em: 10 de fev.2016.

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a concretização dos direitos básicos, principalmente, o clássico argumento da reserva do

possível e a impossibilidade de custear o mínimo necessário face às limitações

orçamentárias, o que já é vivido/sofrido pelos nacionais, atingindo também os

estrangeiros.

Abrigos existentes na cidade de Brasiléia e mesmo na capital Rio Branco com

capacidade para receber 200 refugiados, estavam com aproximadamente 1.000

estrangeiros. A igreja Nossa Senhora da Paz, no centro de São Paulo, improvisou abrigo

para acolher 110 haitianos, mas atualmente está com mais de 300. Portanto, em face de

grande demanda e a precariedade dos alojamentos, estes haitianos se amontoam no

chão, tendo como colchão, um lençol sobre o piso e como travesseiros seus pertences.

Como se já não fosse suficiente, realizam suas refeições ao relento, fazem suas

necessidades em banheiros sem qualquer higiene ou privacidade, pois imagine um único

banheiro para atender a mais de 100 pessoas.

A assistência médica é inexistente, salvo quando médicos voluntários realizam

mutirões para prestar um serviço que seria o mais básico a ser garantido pelo Estado, já

resultando inclusive no óbito de uma haitiana com diagnóstico de pneumonia em Rio

Branco/AC.

Ora, se ainda que por questões humanitárias o Brasil “adota” os estrangeiros

haitianos, não seria o mínimo, também por questões humanitárias, garantir-lhes uma

possibilidade de recomeçar com o respeito aos direitos mais básicos como saúde,

educação e moradia? Até mesmo porque não se pode esquecer que tal população

abandonou suas raízes (seu país) justamente pelo caos social em que viviam e que não

está muito diferente do vivido em nosso país.

Tais direitos clamados pelos “refugiados haitianos” não são benesses, favores ou

caridade a serem discricionariamente concedidos a essa população de deslocados

ambientais, muito pelo contrário, constam das mais diversas normas internacionais de

direitos humanos de observância obrigatória pelos Estados, como o Estatuto dos

Refugiados, a título exemplificativo:

Art. 22 - Educação pública 1. Os Estados Contratantes darão aos refugiados o mesmo tratamento que aos nacionais no que concerne ao ensino primário. 2. Os Estados Contratantes darão aos refugiados um tratamento tão favorável quanto possível, e em todo caso não menos favorável do que o que é dado aos estrangeiros em geral, nas mesmas circunstâncias, quanto aos graus de ensino além do primário e notadamente no que concerne ao acesso aos estudos, ao reconhecimento de certificados de estudos, de diplomas e títulos universitários estrangeiros, à isenção de direitos e taxas e à concessão de bolsas de estudo.

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Art. 23 - Assistência pública Os Estados Contratantes darão aos refugiados que residam regularmente no seu território o mesmo tratamento em matéria de assistência e de socorros públicos que é dado aos seus nacionais.

Se aceitamos um “hóspede” em nossas casas, como anfitriões não devemos

assegurar-lhe o mínimo de bem-estar?

É papel do Estado assegurar aqueles direitos mínimos, fundamentais para que as

pessoas possam viver – e não sobreviver – com dignidade neste país que agora também

é destes haitianos aqui acolhidos, até porque é cediço que maior parte dos problemas

estruturais do estado brasileiro se dá pela corrupção e má-gestão do dinheiro público.

Se as políticas públicas não são realizadas a contento ou sequer são realizadas,

respeitada a real inexistência de recursos financeiros para a concretização dos

mandamentos constitucionais, caberia ao Poder Judiciário intervir.

É cediço que o estabelecimento das políticas públicas está a cargo dos Poderes

Legislativo e Executivo, entretanto, ao Poder Judiciário, em caráter excepcional, em face

da omissão do Estado e da grave violação aos direitos mais básicos que deveriam ser

dados aos haitianos aqui acolhidos em razão da concessão de vistos humanitários,

caberia impor a adoção de um comportamento positivo pelo Poder Público, a fim de

conferir real efetividade aos direitos fundamentais de caráter social, operando uma

genuína intervenção concretizadora.

Os direitos fundamentais não se repelem, muito pelo contrário, estão se

correlacionando e interagindo, e a escolha de um ou de outro a prevalecer em caso de

colisão entre eles em determinado caso concreto não importa na exclusão do outro, como

se faz na antinomia das normas, mas sim observará um critério de ponderação.

Direitos básicos/mínimos como direito à saúde, à moradia e à vida, além de

outros que possam permitir que estes haitianos “em fuga” possam ter o mínimo de

dignidade para viver, já que largaram seu país face a tais violações, devem prevalecer e

ser garantidos pelo Estado, em patamares satisfatórios, se não através das políticas

públicas, através da concretização pelo Poder Judiciário.

E nesse sentido, em decisão emblemática, o Ministro Celso de Mello12

reconheceu a possibilidade de controle de políticas públicas com vistas à implementação

da garantia do mínimo existencial:

12 ADPF 45 MC / DF - DISTRITO FEDERALMEDIDA CAUTELAR EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE

PRECEITO FUNDAMENTAL. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 29/04/2004. Publicação DJ 04/05/2004 PP-00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191

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ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A

QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA

INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA

HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA

DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À

EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS.

CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO

LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA

“RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM

FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE

DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”.

VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO

NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS

(DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).

... [...] a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

A limitação de recursos é uma realidade em nosso país que não se pode ignorar,

assim como não se pode ignorar também que esta escassez financeira se dá em muito

pela má administração dos recursos recebidos, corrupção, obras superfaturadas, dentre

outros, o que acaba por macular exatamente a concretização dos fundamentais previstos

em nossa Carta Magna, maculando o ideário de uma vida digna a ser garantida aos que

em nosso território estão (nacionais e estrangeiros).

Urge a necessidade da garantia/respeito aos direitos fundamentais (inclusive os

sociais, o que sustentado por Ingo W. Sarlet13 também são fundamentais eis que estão

reconhecidos e assegurados em uma Constituição) dos haitianos que se encontram em

situação degradante e desumana em nosso país, uma vez que tais direitos gozam (ou

deveriam gozar) de máxima eficácia e efetividade, além de aplicação imediata, nos

termos do proclamado pelo art. 5º, § 1º da CF/88.

Ora, tendo como parâmetro o princípio da dignidade da pessoa humana, o

simples acolhimento do estrangeiro em nosso país de origem, ou seja a liberdade para o

refugiado ingressar no território, não é capaz de contemplá-lo, fazendo-se necessário um

mínimo de segurança social, sob pena de comprometer a referida dignidade.

É indubitável que os direitos fundamentais e o mínimo existencial, consoante

leciona Ricardo Lobo14, nos países em desenvolvimento, tem uma maior extensão do que

13 SARLET, op. cit., p. 18.

14 TORRES, op. cit., p. 333.

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nas nações ricas, pela necessidade da proteção estatal aos bens essenciais à

sobrevivência das populações miseráveis. Logo, há um maior “custo” (financeiro) a ser

suportado por estes Estados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É cediço que, com base no Estatuto dos Refugiados de 1951 (norma

internacional) e na Lei nº 9.474/97 (norma interna), os mais de 39.000,00 haitianos que

foram recebidos no Brasil não ostentam, pelo menos sob a ótica tradicional, a qualidade

de refugiados, tendo em vista que a sua mobilidade se deu em decorrência de desastres

ambientais (terremoto em 2010 e furação em 2012) e não por perseguições por raça,

religião, nacionalidade, etc., como instituídos pelas normas.

Entretanto, tais conceitos precisam ser borrados, alargados, flexibilizados, a fim

de permitirem que essa nova modalidade de refugiados, os climáticos ou ambientais,

possam ser amparados pelas normas internacionais vigentes para não dependerem única

e exclusivamente de ajuda humanitária, como é caso de seu ingresso no Brasil.

E mais, assim como os demais refugiados tradicionais, os haitianos não estão em

busca apenas de um território (terra) seguro, livre de desastres naturais, mas sim estão

em busca de recomeçar suas vidas com o mínimo de dignidade, o que já não possuíam

no Haiti face ao caos que devastou o país.

A “acolhida/entrada” no território nacional é garantida, mas a realidade é a falta de

espaço para abrigar tantas pessoas, não há comida suficiente, emprego muito menos,

saúde nem se fale, ou seja, não se garante o mínimo essencial a viver com dignidade

àquele povo já demasiadamente sofrido.

Estes “refugiados ambientais” buscam um mínimo de educação, saúde, moradia,

emprego, e direitos sociais estes previstos em nossa Constituição Federal de 1988, aos

nacionais e estrangeiros residentes no País (art. 5º), o que, entretanto, vem-lhes sendo

negado.

Estando o Estado brasileiro em falta com tais direitos prestacionais, deve-se buscar

o Poder Judiciário, através de sua intervenção concretizadora, a fim de conferir real

efetividade aos direitos fundamentais, uma vez que estes também são titulares de tais

direitos, mesmo sendo considerados como “forasteiros”.

REFERÊNCIAS

ACNUR (UNHCR). Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf?view=1 > acesso em: 13 fev.2016.

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TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

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Comunicado de pesquisa: “A igualdade de direitos trabalhistas aos

trabalhadores migrantes ilegais a partir do direito humano e fundamental

ao trabalho”

Leonardo Vieira Wandelli1

Deborah Maria Zanchi2

A situação de vulnerabilidade dos trabalhadores migrantes em geral e,

especificamente, dos trabalhadores migrantes ilegais viola os direitos humanos

e fundamentais. Diante disso, a pesquisa pretende compreender a igualdade

de oportunidade de acesso às condições da relação de trabalho dos

trabalhadores migrantes ilegais por meio do direito humano e fundamental ao

trabalho abrangendo os princípios da igualdade de tratamento e da não

discriminação. Consoante Leonardo Vieira Wandelli, o direito humano e

fundamental ao trabalho apresenta diversos aspectos, dentre os quais o direito

à igualdade de tratamento nas oportunidades de trabalho entendido como a

vinculação estatal aos deveres das políticas públicas de pleno emprego e a

demanda do capital por trabalho. Segundo o relatório sobre direito ao trabalho

do Conselho de Direitos Humanos da ONU na 31ª sessão da Assembleia Geral

das Nações Unidas, o direito a proteção do trabalhador migrante ilegal face ao

trabalho forçado, a exploração e a discriminação na fruição dos direitos

humanos caracteriza-se em razão da relação de trabalho. Do mesmo modo, a

opinião consultiva n. 18 da Corte Interamericana de Direitos Humanos

reconhece aos trabalhadores migrantes ilegais a igualdade de direitos

trabalhistas com os trabalhadores nacionais como decorrência somente da

condição de trabalhador, independentemente dos resultados das políticas

migratórias. Isso consiste em uma obrigação do Estado e dos particulares na

consecução do princípio da igualdade e não discriminação dos direitos

humanos. Desse modo, o descumprimento desses deveres implica na

responsabilização do Estado ou do empregador no plano interno e

internacional.

1 Possui doutorado em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Federal do

Paraná (2009), Diploma de Estudios Avanzados en Derechos Humanos y Desarrollo pela Universidad Pablo de Olavide de Sevilla (2006), mestrado em Direito das relações sociais pela Universidade Federal do Paraná (2003), graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1992). Atualmente é professor pesquisador III e coordenador de curso de especialização nas Faculdades Integradas do Brasil - UNIBRASIL, instrutor colaborador - SEDH/Presidência da República, membro do Conselho consultivo do CONEMATRA - Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho, Juiz do Trabalho Titular e membro da Comissão Permanente de Saúde - Tribunal Regional do Trabalho 9ª Região (PR). Membro fundador da Academia Paranaense de Direito do Trabalho. Consultant Contractor do OHCHR Office of the High Commissioner for Human Rights - UN. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direitos Humanos, Direitos Fundamentais, Direito do Trabalho. [email protected]

2 Mestranda em Direito pelo Programa de Mestrado em Direitos fundamentais e Democracia do UniBrasil, integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho e Regulação no Estado Constitucional — GPTREC. [email protected]

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Palavras-chave: direito humano e fundamental ao trabalho; princípios da

igualdade de tratamento e não discriminação; trabalhadores migrantes ilegais;

relatório sobre direito ao trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU;

opinião consultiva n. 18 da CIDH.

Referências Bibliográficas

Corte Interamericana de Derechos Humanos. Opinión consultiva OC-18/03 de

setiembre de 2003, solicitada por los Estados Unidos Mexicanos. Condición jurídica y

derechos de los migrantes indocumentados. Disponível em:

<http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_18_esp.pdf > Acesso em 4 fev. 2016.

WANDELLI, Leonardo Vieira. O direito humano e fundamental ao trabalho: fundamentação e exigibilidade. São Paulo: Ltr, 2012.

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A IMPORTÂNCIA DO PODER JUDICIÁRIO NA EFETIVAÇÃO DO

BENEFÍCIO DA PRESTAÇÃO CONTINUADA PARA O REFUGIADO

THE IMPORTANCE OF THE JUDICIARY BRANCH IN BRINGING

EFFECTIVENESS TO THE BENEFIT OF CONTINUOUS PROVISIONS

FOR REFUGEES

Laise Sindra Ribeiro1

Gabriela Castilhos2

RESUMO: O presente trabalho trata da negativa do Instituto Nacional do Seguro

Social - INSS em conceder para o refugiado, considerado estrangeiro residente no

Brasil, o Benefício de Prestação Continuada destinado ao Idoso e ao deficiente,

previsto no art. 203, V da Carta Magna. Por conseguinte, trata da importância de o

Poder Judiciário ser resposta a essa demanda, a fim de manifestar justiça no caso

concreto, nos parâmetros do Ordenamento Jurídico Brasileiro, consoante uma

jurisdição constitucionalmente adequada ao paradigma do Estado Democrático de

Direito. Ressalta-se que o tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal no

Recurso Extraordinário n. 587.970, com o reconhecimento de repercussão geral da

matéria constitucional suscitada desde 26 de junho de 2009.

ABSTRACT: This paper deals with the refusal of the National Institute of Social

Security - INSS to grant to the refugee, a foreign resident in Brazil, the continuous

cash benefit for the elderly and disabled, provided in art. 203, V of the Brazilian

1 Pós-graduanda em Direito Internacional lato sensu em Estado Constitucional e Liberdade Religiosa da

Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, Brasil), em cooperação com o Ius Gentium Conimbrigae –

Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal) e com o Oxford

Centre for Christianity and Culture – Regent’s Park College da University of Oxford (Reino Unido), organizado

administrativamente pela ANAJURE. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo –

UFES; Formação Missionária em Jovens Com Uma Missão de Almirante Tamandaré/PR – JOCUM e no Centro

de Treinamento da Missão em Apoio à Igreja Sofredora – MAIS. Atualmente é advogada em tempo integral no

Projeto de Acolhimento de Refugiados vítimas de Perseguição Religiosa da MAIS. E-mail:

[email protected] - Tel.: (27) 992983843 - Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/0173145753480503.

A MAIS é uma Associação Civil sem fins lucrativos, com CNPJ 12.492.298/0001-83, localizada em Colombo,

Paraná: www.maisnomundo.org. 2Mestre em Direito Internacional e Comparado pela Indiana University – Robert H. McKinney School of Law.

Graduada em Direito pelas Faculdades Integradas Espírito Santenses – FAESA. Advogada em tempo integral no

Projeto de Acolhimento de Refugiados vítimas de Perseguição Religiosa da MAIS - Associação Civil sem fins

lucrativos, com CNPJ 12.492.298/0001-83, localizada em Colombo, Paraná: www.maisnomundo.org.

Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7160672525913396.

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Constitution. Therefore, it highlights the importance of the judiciary brand in

responding to this demand, in order to bring justice in these cases, within the

parameters of the Brazilian legal system, as a democratic state of law. It is noteworthy

that the issue is under discussion in the Supreme Court in Extraordinary Appeal n.

587,970, with the recognition of general repercussion, since June 26, 2009.

PALAVRAS-CHAVE: refugiados; Benefício de Prestação Continuada; Poder

Judiciário; Jurisdição Constitucional.

KEYWORDS: refugees; inclusion; social security; judiciary branch; constitutional

jurisdiction.

1. INTRODUÇÃO:

O artigo em apreço surgiu a partir do dilema jurídico enfrentado pelas autoras

enquanto advogadas voluntárias de refugiados junto à Organização Não-

Governamental Missão em Apoio à Igreja Sofredora – ONG MAIS3.

O programa da MAIS, denominado RENOVARE, tem como objetivo oferecer

acolhimento totalmente gratuito para refugiados, para que possam ter condições

mínimas de vida, mormente na fase de adaptação inicial ao Brasil. Em resumo, a

organização oferece moradia, alimentação, assistência (médica, odontológica,

psicológica), aulas de português e apoio para retirada da documentação (CPF e

Carteira de Trabalho)4.

A MAIS objetiva o desenvolvimento integral do refugiado, incluindo a

assistência inicial até que o refugiado alcance autonomia na sociedade brasileira. Além

do acolhimento, promove ações de Litígio Estratégico, Advocacy e Comunicação,

visando à transformação da realidade do refugiado no Brasil.

3 Sobre o trabalho desenvolvido pela ONG no caso dos refugiados sírios: www.maisnomundo.org> e

<http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/11/noticias/cidades/1469046-espirito-santo-pode-receber-

aproximadamente-30-pessoas-refugiadas-da-siria.html,

http://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/2013/11/trinta-refugiados-sirios-podem-vir-ao-espirito-santo-nos-

proximos-dias.html>. Acesso em: 8 dez. 2013. O endereço da ONG é na Rua Henrique Moscoso, nº 1980,

Centro, Vila Velha, Espírito Santo. Para maiores informações: <http://maisnomundo.org/>. Acesso em: 8 dez.

2013. 4 Depoimento de 2 refugiados que estiveram conosco: http://www.youtube.com/watch?v=ZASp7u_qQdc

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Entre o dia 20 de novembro de 2013 e o início de 2016, a MAIS atendeu 130

refugiados, sendo eles crianças, jovens, adultos e seniores, conforme divulgado pela

mídia nacional5. A legislação brasileira, o Comitê Nacional de Refúgio - CONARE e o

Alto Comissariado das Nações Unidas-ACNUR/ONU garantem a proteção a partir da

comprovação das situações que ensejam o refúgio.

No trabalho da MAIS de Advocacy pela equiparação dos direitos entre os

refugiados e os brasileiros, avaliou-se a possibilidade de concessão do Benefício de

Prestação Continuada – BPC para dois refugiados idosos recebidos pela ONG.

Todavia, constatou-se a negativa do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em

estender para o refugiado o BPC ao idoso e ao deficiente físico, previsto na Lei

Orgânica de Assistência Social - LOAS6, tema que será desenvolvido neste artigo.

A despeito de a legislação infraconstitucional restringir o BPC aos nacionais, a

normativa pátria atinente ao direitos dos refugiados, inspirada pelo sistema axiológico

da Carta Magna e pelos tradados de Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário,

autoriza a aplicação do BPC ao refugiado.

5Principais notícias sobre o trabalho da ONG MAIS, disponível em:

<http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2014/04/noticias/cidades/1481115-refugiados-da-guerra-civil-sirios-

buscam-refugio-no-espirito-santo.html> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2014/04/cbn_vitoria/reportagens/1481117-refugiados-da-guerra-civil-

sirios-buscam-refugio-no-espirito-santo.html> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://www.participa.br/comigrar/destaques/ong-mais-promove-conferencia-livre-de-refugiados-da-siria-no-

brasil> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/03/es-acolhe-10-dos-refugiados-sirios-no-brasil-diz-policia-

federal.html> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/03/casal-sirio-tem-bebe-no-es-e-planeja-recomeco-longe-da-

guerra.html> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/03/na-memoria-so-ficou-o-barulho-das-bombas-diz-refugiado-

sirio-no-es.html> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://www.oabes.org.br/noticias/555662/> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://www.participa.br/comigrar/destaques?npage=3> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://agazeta.redegazeta.com.br/_conteudo/2013/12/noticias/cidades/1473460-apos-tres-anos-sirios-

refugiados-no-estado-passam-natal-de-paz.html> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2013/11/noticias/cidades/1469046-espirito-santo-pode-receber-

aproximadamente-30-pessoas-refugiadas-da-siria.html> Acesso em: 8 dez. 2013.

<http://preview.folhavitoria.com.br/geral/noticia/2013/11/trinta-refugiados-sirios-podem-vir-ao-espirito-santo-

nos-proximos-dias.html> Acesso em: 8 dez. 2013. 6 Previsto no art. 203, inciso V da Constituição Federal e art. 20 da Lei nº 8.742/93, no valor de 1 (um) salário

mínimo mensal.

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Neste sentido, o Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública,

pugnando pela possibilidade de concessão do BPC para três palestinos refugiados no

Brasil7. A ação foi extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI,

do Código de Processo Civil, ante o entendimento de ilegitimidade do Ministério

Público para defesa de interesses individuais em discussão.

Ressalta-se que o tema é atual e de extrema importância, inclusive encontra-se

em discussão no Supremo Tribunal Federal na condição de Recurso Extraordinário

com repercussão geral.

2. O DIREITO DOS REFUGIADOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO:

O Brasil ratificou os principais instrumentos internacionais de proteção aos

refugiados adotados pela comunidade internacional, além de ser considerado pelo Alto

Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR como um país de

destaque quanto ao acolhimento de refugiados em seu território grande parte por conta

das liberdades asseguradas dentro de nossa jurisdição.

Trata-se de um país onde existe liberdade de expressão e liberdade religiosa,

instituiçòes democráticas e garantia do devido processo legal.

O solicitante de refúgio no Brasil tem direito a ingressar com pedido de

reconhecimento do seu status de forma gratuita, sem o auxílio de advogados e recebe a

documentação provisória, inclusive de identificação para o trabalho.

No contexto regional, o Brasil foi o primeiro país a regulamentar a proteção aos

refugiados na América do Sul, por meio da promulgação do Estatuto Jurídico do

Refugiado (Lei 9474/1997)8,

7 Para maiores informações, acompanhe a íntegra da ação civil pública nº 0023528-28.2010.4.03.6100,

distribuída à 10ª Vara Federal Cível da Capital. Disponível em < http://%20/prdc/sala-de-imprensa/pdfs-das-

noticias/ACP_Palestinos.pdf/view> Acesso em: 25 fev. 2016. 8 Art. 1º da Lei 9474/1997: Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores

de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora

de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

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Os avanços consolidados na letra da lei maior brasileira, a Constituição de

1988, no que diz respeito ao extenso rol de direitos humanos categorizados nos seus

diversos artigos, permitiram ao governo brasileiro tratar de forma ainda mais sensível

as questões concernentes aos refugiados.9

Por exemplo, a Constituição Federal10, bem como a Convenção Americana

sobre Direitos Humanos11, também ratificada pelo Brasil, proíbem distinções entre

brasileiros e estrangeiros. Portanto estes devem receber o mesmo tratamento que os

nacionais. Senão vejamos:

“...à exceção dos direitos políticos, os refugiados contam legalmente com os

mesmos direitos e deveres dos cidadãos brasileiros, podendo acessar os benefícios

existentes desde que cumpram os requisitos dos programas específicos, em pé de

igualde com os nacionais. A legislação brasileira acerca do refúgio é bastante

generosa e, ao garantir aos refugiados tal igualdade perante os nacionais, afasta

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não

queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade

para buscar refúgio em outro país. 9 HAYDU, Marcelo. A integração de refugiados no Brasil. In: RAMOS, André de Carvalho; Rodrigues,

Gilberto; ALMEIDA, Guilherme Assis de (orgs.). 60 anos de ACNUR: perspectivas de futuro. São Paulo:

Editora CL-A Cultural, 2011. p. 132-135.

Além disso, o Brasil assinou recentemente a Declaração de Princípios do Mercosul sobre Proteção Internacional

dos Refugiados, na qual ficou estabelecido o fomento a mecanismos de cooperação entre as instituições que

tratam do tema do refúgio em cada país, nos seguintes termos: “(...) serão desenvolvidos mecanismos de

coordenação e cooperação entre os organismos competentes em matéria de proteção de refugiados”. A

Declaração foi assinada em 23 de novembro de 2012 pelos Estados Membros do Mercosul (Argentina, Brasil,

Uruguai e Venezuela) e por dois Estados Associados (Bolívia, Chile). Os países signatários da Declaração

reconheceram a necessidade de enfrentar de forma coletiva os desafios para melhorar a proteção aos refugiados

que chegam na região em busca de segurança. Disponível

em:<http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Declarac

ao_de_Principios_do_MERCOSUL_sobre_Protecao_Internacional_dos_Refugiados> e

<http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/mercosul-ampliado-se-compromete-a-fortalecer-espaco-

humanitario-de-protecao-a-refugiados/>. Acesso em: 8 dez. 2013. 10 A CF assegura a igualdade entre brasileiros e estrangeiros residentes no País:Art. 5º - Todos são iguais perante

a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 11 Convenção Americana de Direitos Humanos -1969 (Pacto de San José da Costa Rica)

Artigo 1º – Obrigação de respeitar os direitos

1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a

garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma,

por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional

ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Artigo 2º – Dever de adotar disposições de direito interno

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições

legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas

constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem

necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. Disponível em: <

http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/c.Convencao_Americana.htm> Acesso em: 25 fev. 2016.

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qualquer diferenciação que lhes confira menos ou mais direitos, sem prejuízos ou

privilégios por conta de sua condição.” 12

Apesar das liberdades oferecidas em solo brasileiro e da proteção legal, o

refugiado continua em situação de vulnerabilidade e enfrenta barreiras como a cultura,

falta de informação, despreparo dos órgãos brasileiros e, principalmente, a língua. Ou

seja, encontra os mais diversos entraves para acessar os serviços básicos que lhes

foram assegurados no “papel”.

Além disso, grande parte da sociedade brasileira ainda possui uma concepção

equivocada sobre o refugiado, acreditando ser este um criminoso fugindo de seu país

de origem, e temendo, principalmente, que a sua admissão no Brasil afetará

negativamente o preenchimento das vagas de trabalho pelos cidadãos. Com isso,

perde-se a oportunidade de aproveitar a riqueza cultural que o refugiado pode oferecer

e a contribuição para o crescimento econômico do País, sendo de extrema importância

desenvolver políticas de sensibilização sobre a questão na sociedade.

É preciso, primeiramente, fomentar avanços e mudanças no campo dos direitos

civis, políticos, econômicos, sociais e culturais em benefício aos refugiados,

assegurando o princípio segundo o qual os desiguais devem ser tratados

desigualmente, na medida em que se desigualam13.

3. O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA E A APARENTE

RESTRIÇÃO DE APLICABILIDADE AOS REFUGIADOS:

A integração do refugiado no País é um processo complexo e gradual,

envolvendo o sistema jurídico, económico e as dimensões sócio-culturais. É cediço

que o indivíduo não perde seus direitos inerentes à dignidade em razão do refúgio.

12 Declaração do CONARE em Ação Civil Pública proposta pelo MPF/SP. 13 Esta definição de igualdade que predomina em toda doutrina nacional decorre de discurso escrito por Rui

Barbosa para paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em

São Paulo, intitulado Oração aos Moços, onde se lê: "A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar

desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à

desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou

da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não

igualdade real". Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_igualdade> Acesso em: 29

fev. 2016.

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Nessa esteira, é de suma importância a defesa da concessão do BPC ao refugiado,

tendo em vista as obrigações erga omnes de proteção do ser humano.

A Carta Magna estabelece a garantia de um salário mínimo mensal para o idoso

e para o deficiente no art. 203, V. O objetivo é assegurar a assistência social a quem

dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, in verbis:

Art. 203. A assistencia social sera prestada a quem dela necessitar,

independentemente de contribuicao a seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

V - a garantia de um salario minimo de beneficio mensal a pessoa portadora de

deficiencia e ao idoso que comprovem nao possuir meios de prover a propria

manutencao ou de te-la provida por sua familia, conforme dispuser a lei.

A garantia foi regulamentada pela Lei n. 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência

Social – LOAS), que instituiu o Benefício Assistencial de Prestação Continuada –

BPC. É concedido o pagamento de um salário mínimo ao idoso ou à pessoa com

deficiência que não tem condições de se manter ou de ser mantido por sua família,

objetivando proporcionar um mínimo de dignidade aos beneficiários.

Nos termos do art. 20 da Lei nº 8.742/93, tem direito ao benefício o idoso maior

de 65 (sessenta e cinco) anos e a pessoa portadora de deficiência, desde que

comprovem a incapacidade para vida independente e para o trabalho, que se

encontrem em estado de miserabilidade, correspondente à renda familiar per capita de

até 1/4 do salário-mínimo, nos seguintes termos:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo

mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais

que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la

provida por sua família.

§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou

idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do

salário-mínimo.

Diante disso, no contexto atual brasileiro, em que se verifica o aumento do

ingresso de refugiados, que encontram escassos benefícios sociais específicos, é de se

indagar acerca da possibilidade de extensão do Benefício de Prestação Continuada da

Assistência Social em favor dos mesmos.

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É certo que a Constituição Federal Lei não traz expressamente a aplicabilidade

dos Direitos Sociais, tratados no art. 6º aos estrangeiros, in verbis:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a

moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.

Todavia, não há dispositivo na Carta Magna que restrinja o amparo da

Assistência Social apenas aos brasileiros. A despeito disso, parte da doutrina defende

que houve uma restrição da assistência social aos nacionais, por causa do art. 1º da Lei

nº 8.742/93, que preconiza que se trata de "direito do cidadão", nos seguintes termos:

"Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de

Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através

de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir

o atendimento às necessidades básicas".

4. O PODER JUDICIÁRIO E A PROTEÇÃO DO DIREITO DO REFUGIADO:

A eficiência na proteção do refugiado exige o engajamento de governos,

organizações internacionais e da população14. Apesar de o diálogo internacional

brasileiro sobre a proteção dos refugiados ser eminentemente político, mediado pelo

Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE15, o aumento de indivíduos atingidos

14 No cenário Internacional, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR é o órgão

subsidiário da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável pela proteção dos refugiados. Este tem como

principal missão a proteção e repatriamento dos refugiados, bem como a assistência. Ocorre que, muitas vezes, o

ACNUR não encontra o apoio financeiro e político dos Estados, o que reflete o triunfo do egoísmo nas relações

internacionais na atualidade. Muitos Estados recusam-se a aceitar refugiados, utilizando-se frequentemente de

argumentos tais como crises socioeconômicas e desemprego. In DELGADO, Ana Paula Teixeira. A proteção

jurídica dos refugiados no atual contexto das relações internacionais. p. 4-5. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/22325-22327-1-PB.pdf> Acesso em: 8 dez. 2013. 15 Apesar de o Brasil possuir entraves no tratamento dos refugiados, vale destacar que foi o primeiro país a

regulamentar a proteção aos refugiados na América do Sul, por meio do Estatuto Jurídico do Refugiado (Lei

9474/1997), ratificando seus principais instrumentos internacionais de proteção, além de ser destaque quanto ao

acolhimento de refugiados em seu território. Os avanços estabelecidos pela Constituição de 1988 quanto aos

Direitos Humanos permitiram o governo brasileiro tratar de forma mais sensível as questões concernentes aos

refugiados. In HAYDU, Marcelo. A integração de refugiados no Brasil. In: RAMOS, André de Carvalho;

Rodrigues, Gilberto; ALMEIDA, Guilherme Assis de (orgs.). 60 anos de ACNUR: perspectivas de futuro. São

Paulo: Editora CL-A Cultural, 2011. p. 132-135.

Para maiores informações sobre o CONARE: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={7605B707-F8BE-4027-

A288-6CCA2D6CC1EC}&BrowserType=IE&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7B5246DEB0-F8CB-

4C1A-8B9B-54B473B697A4%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-

A26F70F4CB26%7D>. Acesso em: 8 dez. 2013.

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por problemas locais decorrentes de situações plurilocalizadas impôs aos operadores

jurídicos nova compreensão do Direito Internacional Privado16.

O Direito Internacional Privado deve se apresentar como ramo do direito

responsável pela promoção de valores sociais, comprometido com a realização dos

direitos humanos e com o respeito à Constituição. Assim, é necessário incorporar em

sua aplicação o caráter valorativo da ordem pública, tendo como referencial a

dignidade da pessoa humana, conforme proposto por Nadia de Araujo17.

O legislador é o “homem do futuro”, cria normas gerais e abstratas, de modo

que não é possível prever todas as situações com as quais o juiz pode se deparar, sendo

as regras insuficientes para regular inúmeros casos18. Atualmente, os problemas

contemporâneos relativos a refugiados seguem cada vez mais complexos e as normas

de proteção apresentam-se insuficientes para dirimi-los19.

O Poder Judiciário está autorizado a realizar a interpretação constitucional e

realizar a justiça no caso concreto, dirimindo as deficiências da legislação

infraconstitucional. Ainda, está inserido no quadro de “organismos competentes em

matéria de proteção de refugiados”, nos termos da declaração, porque o Brasil possui

uma Lei específica sobre refúgio (Lei 9.474/1997) que deve ser assegurada em função

do artigo 5º, XXXV da Carta Magna20. Além disso, os Direitos Humanos estabelecidos

pela Carta Magna também devem ser aplicados em benefício aos refugiados.

16 ARAUJO, Nadia. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 5.ed., Rio de Janeiro: Renovar

2011. p. 21. 17 Conforme a autora, as normas de conflito fundamentadas na lógica formal são insuficientes para resolver os

problemas contemporâneos, cada vez mais complexos. In ARAUJO, Nadia. Direito Internacional Privado:

teoria e prática brasileira. 5.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 207 18 COURA, Alexandre de Castro. Por uma jurisdição constitucionalmente adequada ao paradigma do estado

democrático de direito – reflexões acerca da legitimidade das decisões judiciais e da efetivação dos direitos e

garantias fundamentais.p. 01-17. 19 Essa questão não deve ser tratada à luz da soberania estatal, mas como problema de dimensão global, tendo em

conta a regra erga omnes de proteção. In TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Aproximaciones y

Convergencias Revisitadas: Diez Años de Interacción entre el Derecho Internacional de los Derechos Humanos,

el Derecho Internacional de los Refugiados y el Derecho Internacional Humanitario. In: TRINDADE, Antônio

Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 312. 20 Art. 5º, XXXV, CF: - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

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É preciso firmar a ideia de que o direito dos refugiados insere-se no contexto do

“Direito Internacional dos Direitos Humanos”21. Portanto, ao se pensar em uma

interpretação evolutiva, que preconiza a força normativa constitucional dos tratados de

direitos humanos22, confere-se ainda maior efetividade aos direitos fundamentais dos

refugiados, pois esses alçariam patamar constitucional, além dos avanços da Lei nº

9.474/1997, que é o Estatuto Jurídico do Refugiado regulamentado pelo Brasili.

Deve-se adotar a Interpretação Constitucional na aplicação da normativa

atinente ao Direito dos Refugiados para que a Lei Maior filtre a interpretação das

normas infraconstitucionais, enquanto a aplicação dessas normas configura

instrumento para a efetivação da Constituição23.”

Atualmente verifica-se “um aumento da preocupação dos juízes e tribunais para

com as ‘questões de justiça’”, em detrimento da “estrita aplicação da lei”24. Contudo,

a atuação do Poder Judiciário na defesa dos direitos dos refugiados ainda é muito

limitada. Prova disso é que a jurisprudência pátria sobre proteção dos refugiados é

escassa, não apresenta uniformidade e, reiteradamente, contém decisões que se

limitam a transferir os casos para o Poder Executivo decidir25.

A possibilidade de o BPC ser estendido aos refugiados é um tema muito

importante no tocante à dignidade humana. Prova disso é que rompeu os entraves para

a judicialização do tema ao ser alvo de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério

Público Federal.

21 Trata-se do Direito do pós-guerra, nascido como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos pelo

nazismo. Fundamenta-se na ideia de que todo indivíduo deve ter direitos, os quais todos os Estados devem

respeitar e proteger. Assim, a observância dos direitos humanos é “matéria de interesse internacional e objeto

próprio de regulação de Direito Internacional”. Apud HENKIN, Louis et al. International law: cases and

materials. 3 ed. Minnesota: West Publishing, 1993, p. 375-376). In “Perspectivas constitucionais

contemporâneas”/ Sidney Guerra & Lilian Balmant Emerique, organizadores. – Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2010. In Flávia Piovesan: Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos: Jurisprudência do STF. p.

131-155.

23 COURA, Alexandre de Castro. Por uma jurisdição constitucionalmente adequada ao paradigma do estado

democrático de direito – reflexões acerca da legitimidade das decisões judiciais e da efetivação dos direitos e

garantias fundamentais.p. 01-17.

25JUBILUT, Liliana Lyra. A Judicialização do Refúgio. In RAMOS, André de Carvalho; Rodrigues, Gilberto;

ALMEIDA, Guilherme Assis de (orgs.). 60 anos de ACNUR: perspectivas de futuro. São Paulo: Editora CL-A

Cultural, 2011. p. 175-176.

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Contrariamente à legislação infraconstitucional restritiva de direitos, o

Ministério Público Federal – MPF ajuizou Ação Civil Pública para garantir benefício

de um salário mínimo a três refugiados palestinos idosos26. O procurador Regional dos

Direitos do Cidadão argumentou que “somente a distribuição de uma renda mensal

vitalícia aos refugiados palestinos maiores de 65 anos e sem condições de se sustentar

permitiria alcançar a igualdade entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil,

preconizada e garantida na Constituição Federal”.

Ainda, o direito de refugiado receber o BPC foi reconhecido e, posteriormente,

tornou-se Recurso Extraordinário sob o n. 587.970, com Repercussão Geral

reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em 26 de junho de 2009, por conta da

relevância da matéria constitucional suscitada.

5. A APLICABILIDADE DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

AO REFUGIADO:

Além da dificuldade com a nova cultura, idioma e costumes, os refugiados

chegam ao País estrangeiro em situação de pobreza, emocionalmente abalados,

doentes e sem perspectiva de reestruturar-se. Ainda, sofrem com práticas

discriminatórias, motivadas por fatores econômicos, raciais ou étnicos27.

A Constituição Federal assegura a igualdade entre brasileiros e estrangeiros

residentes no País, por meio do princípio da isonomia, nos seguintes termos:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes: (...)

26 Para maiores informações, acompanhe a íntegra da ação civil pública nº 0023528-28.2010.4.03.6100,

distribuída à 10ª Vara Federal Cível da Capital. Disponível em < http://%20/prdc/sala-de-imprensa/pdfs-das-

noticias/ACP_Palestinos.pdf/view> Acesso em: Acesso em: 29 fev. 2016. 27 MILESI. Rosita; CARLET, Flavia SILVA. Refugiados e Políticas Públicas. In Cesar Augusto S. da (Org.).

Direitos humanos e refugiados. Dourados : Ed. UFGD, 2012. p. 86-87.

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Ademais, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos28, de 22 de

novembro de 1969, ratificada pelo Brasil em 1922, em seu art. 1º, proíbe

expressamente distinções entre brasileiros e estrangeiros, in verbis:

Artigo 1º – Obrigação de respeitar os direitos

Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e

liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa

que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça,

cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem

nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição

social.

2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Destaque-se que o art. 95 da Lei nº 6.815/1980 trata da igualdade entre

estrangeiros residentes e os nacionais brasileiros:

Art. 95. O estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos

brasileiros, nos termos da Constituicao e das leis.

Ainda, a Assistência Social é um Direito Fundamental, e os direitos sociais

devem ser aplicados aos estrangeiros residentes no Brasil, especificadamente o art. 6º

da Carta Magna, senão vejamos:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à

infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

É válido pontuar também, a existência de valores da cosmovisão cristã, que

permeiam e inspiram o Ordenamento Jurídico pátrio. Tais valores preceituam o

acolhimento dos estrangeiros e o amor ao próximo.

A Bíblia como um todo revela o caráter de Deus fundado em bondade, amor,

fidelidade e sabedoria29. E, consoante uma visão de mundo do reino de Deus30

28 Ainda, conforme a Convenção Americana de Direitos Humanos -1969 (Pacto de San José da Costa Rica):

Artigo 2º – Dever de adotar disposições de direito interno

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições

legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas

constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem

necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. Disponível em: <

http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/c.Convencao_Americana.htm> Acesso em: 29 fev. 2016. 29 Idem, op. cit., p. 95. 30 A vida de Jesus pode ser definida como uma vida de entrega aos pobres. A Bíblia está repleta de exemplos de

Jesus chamando os cristãos para servir os pobres, os necessitados e os marginalizados. Esta e a vocação que é, ou

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estabelece: “Administrem a verdadeira justiça, mostrem misericórdia e compaixão uns

para com os outros”31. Assim, todo indivíduo tem o direito de ser e existir e de acessar

os direitos que sustentam a vida digna 32, sem qualquer distinção entre nacionais ou

estrangeiros de uma nação.

A cosmovisão cristã para o tratamento dos estrangeiros e refugiados pode ser

encontrada nas seguintes passagens bíblicas:

“Não maltratem os estrangeiros que moram no meio de vocês. Vocês sabem como

eles sofrem por serem estrangeiros, pois vocês foram estrangeiros no Egito.”33

“Não maltratem, nem persigam um estrangeiro que estiver morando na terra de

vocês. Lembrem que vocês foram estrangeiros no Egito.”34

“Eles devem ser tratados como se fossem israelitas; amem os estrangeiros, pois

vocês foram estrangeiros no Egito e devem amá-los como vocês amam a vocês

mesmos. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês.” 35

“Se um israelita que mora perto de você ficar pobre e não puder sustentar-se, então

você tem o dever de tomar conta dele. Ajude-o como se ele fosse um estrangeiro

que mora no meio do povo, a fim de que ele continue a morar perto de você.” 36

Amem esses estrangeiros, pois vocês foram estrangeiros no Egito.”37

“Maldito seja aquele que não respeitar os direitos dos estrangeiros, dos órfãos e das

viúvas!” E o povo responderá: “Amém!””38

“Parem de explorar os estrangeiros, os órfãos e as viúvas. Não matem mais pessoas

inocentes neste lugar. E parem de adorar outros deuses, pois isso vai acabar com

vocês.”39

“Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: “Venham, vocês que são

abençoados pelo meu Pai! Venham e recebam o Reino que o meu Pai preparou para

vocês desde a criação do mundo. Pois eu estava com fome, e vocês me deram

comida; estava com sede, e me deram água. Era estrangeiro, e me receberam na sua

casa. Estava sem roupa, e me vestiram; estava doente, e cuidaram de mim. Estava na

cadeia, e foram me visitar.”40

Dessa forma, é possível afirmar com fundamento no sistema axiológico pátrio,

que a Assistência Social é um dever do estado que não deve ser limitada aos nacionais,

pois o indivíduo não perde seus direitos inerentes à dignidade em razão de estar fora

do País de origem como refugiado. A interpretação ampliada autoriza que, uma vez

deveria ser a marca do cristão. In MILLER L., Darrow. Vocação. Curitiba: Instituto e Publicações Transforma

em parceria com o DNA Brasil, 2012. p. 107 e 334.

31 Zacarias 7:9, Nova Versão Internacional - NVI. 32 Mensagem do Pr. Ed René Kivitz, do dia 27/10/2013. Fonte:

<http://ibab.com.br/mensagens/mensagem/justica-se-faz-com-amor>. Acessado em: 31/07/2014. 33 Êxodo 23:9. Bíblia Sagrada: Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH). Barueri/SP: Sociedade Bíblica

do Brasil, 2000. 34 Êxodo 22:21. Idem op. cit.. 35 Levítico 19:34. Idem op. cit.. 36 Levítico 25:35. Idem op. cit. 37 Deuteronômio 10:19. Idem op. cit. 38 Deuteronômio 27:19. Idem op. cit. 39 Jeremias 37:6. Idem op. cit. 40 Mateus 25:31-35 - Idem op. cit.

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preenchidos os requisitos do art. 20 da Lei nº 8.742/93, os refugiados tenham direito ao

Benefício de Prestação Continuada.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A concessão do Benefício de Prestação Continuada aos refugiados precisa ser

assegurada em razão da eminente vulnerabilidade destes e da necessidade de proteção

integral do ser humano41, nos seguintes termos:

“A proteção integral pode ser concretizada por inúmeras frentes de ação: a busca do

comprometimento de Estados com os tratados internacionais, o desenvolvimento de

normativas internas de proteção, a conscientização da sociedade que acolhe a essas

pessoas, a tentativa de eliminar as causas que impelem as migrações forçadas e a

busca de efetivação dos direitos das pessoas nestas condições” 42.

Além disso, diferentemente da realidade de outros países, o Brasil ainda está no

caminho para iniciar um programa econômico específico para refugiados, sendo a

concessão do BPC algo essencial para dirimir as deficiências pátrias na proteção aos

refugiados.

Apesar do benefício ser de valor mínimo, representa ajuda relevante para o

refugiado, conforme ensina Madre Teresa, “não podemos fazer grandes coisas; apenas

pequenas coisas com grande amor”43. O desamparo à população que se enquadra nos

critérios de recebimento do benefício, pode levar à consequencias graves como a

41 Atualmente, mesmo após o término da Guerra Fria, observa-se uma intensificação dos conflitos étnico-raciais

e religiosos e um aumento da população refugiada mundial. In HAYDU, Marcelo. A integração de refugiados no

Brasil. In: RAMOS, André de Carvalho; Rodrigues, Gilberto; ALMEIDA, Guilherme Assis de (orgs.). 60 anos

de ACNUR: perspectivas de futuro. São Paulo: Editora CL-A Cultural, 2011. p. 132. O avanço na proteção

internacional da pessoa humana pode ser analisado sob a ótica de três grandes vertentes: o direito internacional

humanitário, o direito internacional dos direitos humanos e o direito dos refugiados, visto que possuem o

propósito comum de buscar a salvaguarda do ser humano. In PRONER, Carol; GUERRA, Sidney. Direito

Internacional Humanitário e a Proteção Internacional do Indivíduo. Safe: 2008. p. 76. Nessa linha, Antônio

Augusto Cançado Trindade defende a superação da visão compartimentada do passado para a interação entre

essas três vertentes, em benefício do ser humano protegido. In TRINDADE, Antônio Augusto Cançado.

Aproximaciones y Convergencias Revisitadas: Diez Años de Interacción entre el Derecho Internacional de los

Derechos Humanos, el Derecho Internacional de los Refugiados y el Derecho Internacional Humanitario. In:

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey,

2006. p. 283,299. 42 JUBILUT, Liliana Lyra. A Judicialização do Refúgio. In RAMOS, André de Carvalho; Rodrigues, Gilberto;

ALMEIDA, Guilherme Assis de (orgs.). 60 anos de ACNUR: perspectivas de futuro. São Paulo: Editora CL-A

Cultural, 2011. p. 163. A proteção concedida aos refugiados pode ser abordada sob vários prismas, como o

religioso, sociológico, econômico, político, humanitário ou jurídico. In ANDRADE. José H. Fischel de. Direito

Internacional dos Refugiados: evolução histórica (1921-1952). Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1996. p. 4. 43 Madre Teresa . In MILLER L., Darrow. Discipulando Nações. Curitiba: FatoÉ Publicações, 2003. p. 256.

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mendicância, a busca por meios ilícitos de percepçào de recursos e, sobretudo, ao

completo desrespeito à vida humana.

Entendemos que diante de todo o arcabouço legal já descrito anteriormente, o

BPC deve ser extendido aos refugiados no Brasil, e que, em caso de negativa, cabe aos

aplicadores do direito (advogados, defensores públicos, magistrados,

desembargadores) garantir a concessão pelos meios jurídicos disponíveis no sistema

legal brasileiro.

7. REFERÊNCIAS

ANDRADE. José H. Fischel de. Direito Internacional dos Refugiados: evolução histórica

(1921-1952). Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1996.

ARAUJO, Nadia. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 5.ed. Rio de

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

A NECESSIDADE DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR MIGRANTE

COMO MEDIDA DE HUMANIDADE

Autoras:

Msc. Aline Ferreira Montenegro - Mestre em Direitos Fundamentais e

Democracia - UniBrasil e Advogada.

Email: [email protected]

Msc. Andréa Arruda Vaz – Professora na FACEAR – Faculdade Educacional

Araucária, Faculdade Dom Bosco e Escola de Direito do Centro Europeu,

advogada, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia - UniBrasil.

Email: [email protected]

COMUNICADO

A migração é um fenômeno que sempre acompanhou o homem, crescendo a cada

dia. A ONU estima que haja mais de 200 milhões de migrantes no mundo,

aproximadamente 3% da população mundial, e 26 milhões de deslocados

internos. A migração vai além da transferência de uma comunidade política para

outra, pois envolve processo de inclusão e aceitação em outro território e em

diferente comunidade política, que nem sempre está disposta a aceitar novos

membros em sua economia, política, sociedade e cultura. Embora a migração

seja uma característica humana, verifica-se ausência de legislação internacional

ampla que regulamente a conduta dos Estados, em detrimento de variáveis

existentes na migração. A insuficiência de normas para solucionar as lacunas

entre as poucas regulamentações existentes, faz do imigrante um cidadão de

segunda categoria, infelizmente. Os imigrantes somente são tolerados quando do

balanço favorável entre custos e lucros, vantagens e desvantagens, razão pela

qual a imigração deve apresentar vantagens, principalmente econômicas

enquanto que as desvantagens (custo social), devem ser evitadas. O trabalho

desenvolvido pelo imigrante é sempre bem visto, principalmente quando este

trabalho é precarizado, frente uma suposta expansão econômica. Ante a ausência

de regulamentação específica e diante da necessidade de se proteger este ser

humano, a OIT adotou a Convenção sobre a Proteção dos Trabalhadores

Migrantes e seus Familiares que estabelece garantias mínimas e o direito à

reunificação familiar, eis que a primeira necessidade do migrante é a busca por

um trabalho que sustente sua família dignamente, ou pelo menos lutar por uma

vida digna.

Palavras-chave: Imigração, Direito Internacional; OIT, Direito do Trabalho.

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

Título: A politica externa dos Estados e a correlação na escolha de aquisição de

cidadania nos fluxos migratórios

Expositor: Wallace Rodrigues Johnson

Estudante da décima fase de Direito do Complexo de Ensino Superior de Santa

Catarina – CESUSC

Na história da humanidade, a cidadania e a imigração, sempre foram um tema muito

importante, marcada tanto por avanços e conquistas como por dificuldades e recuos.

Desde os tempos da Grécia e Roma antigas, aproximadamente no século III a.C., até os

dias de hoje, a cidadania sofreu várias mudanças, principalmente a partir da Segunda

Guerra Mundial. A imigração, por sua vez, sempre existiu, desde a época dos

colonizadores até no momento. No Brasil, a imigração era intensa, vindo imigrantes de

vários Estados Internacionais em busca de uma melhor condição de vida. Em 1824, a

constituição Política do Imperio do Brasil de governo monárquico hereditário,

constitucional e representativo foi a que estabeleceu a adoção do sistema territorial do

ius soli para a determinação da nacionalidade. O império enfrentava o sério problema

da unidade nacional, que ainda deveria ser construída, e, o viu como solução às suas

necessidades de povoamento e como forma lógica de facilitar a inserção dos recém-

chegados nas estruturas jurídicas. Com isso, todos os imigrantes que chegavam

adquiriam a nacionalidade. Ao contrário do Brasil, países como Itália e Alemanha,

mantiveram a relação com o Estado e continuaram a reconhecer sua idoneidade e

transmitir a cidadania jus sanguinis, ou seja, pelo vinculo de sangue. Hipótese: Com

o presente trabalho, pretende-se fazer um análise histórico da imigração e dos desafios

que se colocam ao exercício de cidadania, fazendo um paralelo entre a escolha do

modelo de aquisição da nacionalidade pelos Estados e a tendência em ser um pais de

imigração ou emigração.

Bibliografia: ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de Direito

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

ACESSO À INFORMAÇÃO COMO FERRAMENTA PARA UMA EFETIVA TUTELA DOS DIREITOS DOS REFUGIADOS

BITTENCOURT, Rui Carlos Sloboda1 PIRES, Joyce Finato2

Em fevereiro de 2016, o website Wikileaks vaza um documento relativo à

Operação EUNAVFOR MED, rebatizada de Operação Sophia em referência ao

nascimento de um bebê em um dos navios que participava da ação. O

vazamento de informações endereçadas ao Comitê Militar da União Europeia e

o Comitê Político e de Segurança da União Europeia, torna púbicos relatórios

sobre o fluxo migratório dos refugiados, detalhamento acerca das fases da

ação (Fase 1, 2A, 2B e 3), as rotas utilizadas pelos migrantes e pelo

contrabando de seres humanos, o futuro e os próximos desafios relacionados

às fases da operação e o “convite” às forças militares da União Europeia a

atuarem dentro de suas Águas Territoriais (Fase 2B) e, posteriormente, em

terra firme (Fase 3). De uma forma geral, tais documentos apresentam os

refugiados como problema do país hospedeiro. Tentam se proteger da

discriminação e perseguição, enquanto as fronteiras são fortificadas. Partindo

deste fato — informações sigilosas tornadas públicas contra a vontade dos

governos que as produziram — pretende-se demonstrar neste trabalho as

formas pelas quais o direito humano fundamental à informação (direito de

buscar informação, de informar e de receber informação), pode contribuir para

uma tutela efetiva de outros direitos humanos fundamentais dos refugiados.

Assim, o manejo adequado e transparente das informações relativas às

migrações forçadas facilitaria a compreensão dos fenômenos migratórios ao

colocar em uma perspectiva mais ampla a situação global dos refugiados, ao

invés de servir como ferramenta de segregação, como vem sendo feito de

forma sistemática, conforme demonstrado através os documentos tornados

púbicos pelo WikiLeaks. Complementarmente, há que se falar, também, no

direito à informação dos próprios refugiados, que auxiliaria sobremaneira em

sua adaptação à sociedade na qual buscam uma nova vida.

Palavras-chave: Acesso à informação; Democracia; Direitos Fundamentais; Migrações; Operação Sophia.

1 Mestre em Direito. Professor no curso de Graduação em Direito do UniBrasil, Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito Civil e Constituição (UniBrasil), do Grupo PÁTRIAS (UniBrasil) e do GEDAI (UFPR), Coordenador do Grupo de Estudos Informação e Poder (UniBrasil). E-mail: [email protected] 2 Acadêmica de Direito do UniBrasil. Membro do Grupo de Estudos Informação e Poder (UniBrasil), pesquisadora do Grupo PÁTRIAS (UniBrasil). E-mail: [email protected]

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

Lucas Oliveira de Camargo cursa o 6° período de Relações Internacionais, no

Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) e é membro do grupo de Iniciação

Científica: Mobilidade Humana Internacional e Direitos Humanos, do

Unicuritiba.

Email: [email protected]

Apatridia e o Direito à Nacionalidade

A definição internacional legal sobre ser apátrida está disposta no Artigo I

da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas de 1954, na qual um apátrida é

caracterizado como “uma pessoa que não é considerada como nacional por

nenhum Estado, conforme sua legislação.” 1 Ou seja, apátrida é toda pessoa que

não possui nacionalidade de nenhum país.

Um dos motivos que levam à apatridia consiste em lacunas, brechas nas

legislações sobre nacionalidade dos países. Pode ainda ser derivada de

sucessão de Estados; privação de nacionalidade a certos grupos de indivíduo,

devido discriminação étnica, religiosa ou cultural; barreiras administrativas e

financeiras ao acesso à documentação. Além disso, a condição de apatridia é

hereditária.2

A condição de apatridia representa aos indivíduos uma realidade repleta

de privação de direitos e vulnerabilidade a abusos. De acordo com uma

publicação do ACNUR, apátridas podem não ter acesso a trabalho, educação,

tratamento médico, além da impossibilidade de casar e registrar os filhos. Uma

pessoa sem nacionalidade não usufrui de proteção legal, não tendo ainda, um

senso de identidade e pertencimento, em um mundo onde a cidadania é o

elemento chave de participação na sociedade.3

A estimativa quanto ao número total de apátridas no mundo varia devido

ao desafio de identificar e classificar pessoas como tal. Entretanto, uma coisa é

certa. Apatridia é uma anomalia que precisa ser combatida.

Palavras-chave: nacionalidade; apatridia; direito internacional; direitos

humanos.

REFERÊNCIAS

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Disponível em:

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

APATRIDIA: A AUSÊNCIA DE NACIONALIDADE E A CONSTRUÇÃO DE

UMA POLÍTICA BRASILEIRA DE HOSPITALIDADE

Autor: Prof. Me. THIAGO ASSUNÇÃO

Instituição de Origem: Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA

Doutorando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito do Largo São

Francisco da Universidade de São Paulo - USP, é Mestre em Educação para a Paz:

Direitos Humanos, Cooperação Internacional e Políticas da União Europeia pela

Universidade de Roma III, e bacharel em Direito pelo Unicuritiba. Professor na

graduação e pós-graduação dos Cursos de Relações Internacionais e Direito do

Unicuritiba. E-mail: [email protected]

Mais de 12 milhões de pessoas no mundo hoje não possuem o reconhecimento

da nacionalidade por parte de nenhum Estado. Sem o vínculo da nacionalidade essas

pessoas não possuem cidadania, e sem cidadania não é possível exercer os direitos

humanos. A busca deste trabalho de pesquisa é compreender o fenômeno jurídico da

apatridia, a partir da análise dos intrincados fenômenos sociais, políticos e culturais

que levam seres humanos a ficarem absolutamente descobertos da relação jurídico-

política fundamental com um Estado nacional, ficando impossibilitados de exercer os

seus direitos e por consequência totalmente fragilizados onde quer que se encontrem.

Existem instrumentos internacionais que tratam da apatridia, dos quais o Brasil faz

parte, bem como organismos internacionais e não governamentais que se ocupam da

problemática. A pesquisa pretende aprofundar para verificar não apenas o estatuto

jurídico, mas também a origem e a situação atual dos apátridas no mundo, bem como

estudar as possibilidades da construção de uma política pública para a apatridia no

Brasil, o que pode fazer com que o país venha a ser referência nas Américas na

proteção dos indivíduos que se encontrem nessa situação.

Palavras-chave: Apátridas, Apatridia, Nacionalidade.

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

AS SOLICITAÇOES DE REFUGIO BASEADAS NA ORIENTAÇAO SEXUAL:

O FUNDADO TEMOR DE PERSEGUIÇAO E A CONCESSÃO DE REFUGIO

PARA A POPULACAO LGBTI

Larissa Tomazoni1

[email protected]

Unibrasil

Bethânia Godinho2

[email protected]

CASLA

Em várias partes do mundo, pessoas enfrentam perseguição e graves abusos contra os

direitos humanos, devido à sua orientação sexual e identidade de gênero real ou

percebida por terceiros. O trabalho analisa a possibilidade da concessão de refúgio

para a população LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais), que

enfrenta perseguição em seu país de origem. Apesar de não ser um fato recente, em

alguns países de acolhida já existe um consenso de que os indivíduos que fogem de

uma perseguição em razão da sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, se

enquadram no conceito de refugiado, tipificado pela Convenção de 1951. Alguns

países, em especial na África e Oriente Médio, possuem leis criminais severas contra

relações entre pessoas do mesmo sexo, muitas das quais impõem punições como

prisão perpétua, pena de morte e castigos corporais, o que coloca em questionamento a

capacidade das autoridades locais em proteger os indivíduos de futuras perseguições,

ocasionando à impunidade dos agressores. Na América do Sul, em 2014, a Argentina

concedeu o status de refugiado a um nacional russo, vítima de violência física e moral,

após reconhecer a perseguição sofrida pelo jovem e a falta de proteção que as minorias

LGBTI possuem na Rússia. Essa decisão abriu um precedente para que outros países

da região, adotem a mesma postura. Segundo dados do ACNUR, no Brasil, já existem

casos de concessão de refúgio baseado na orientação sexual, para nacionais do Irã,

Paquistão e Nigéria.

Palavras chave: LGBTI; Refúgio; Gênero; Perseguição.

1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil, pesquisadora do Grupo

Patrias (Plataforma de Análises Acadêmicas e Técnica de Relações Internacionais da América do Sul). 2 Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e advogada voluntária na CASLA- Casa

Latino Americana.

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

Crescimento do Fluxo Migratório e ações parceiras do Governo Brasileiro

Priscila Andreoti Ferreira

Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia UNIBRASIL (2015).

Especialista em Teoría Crítica de los Derechos Humanos pela Universidad

Pablo de Olavide, UPO, Sevilla, Espanha (2013). Atualmente é Assessora no

Gabinete da Vice-prefeita de Curitiba-PR, e Conselheira da Comissão

Municipal de Direitos Humanos. ([email protected])

Palavras-chave: Fluxo Migratório; Reconhecimento dos Refugiados; Lei

9.474/97.

O aumento do fluxo migratório no mundo tem sido significativo. Após a

Segunda Guerra Mundial, pensava-se que este fosse um fenômeno passageiro

motivado por conflitos armados. Porém, a questão acabou se tornando

contínua e indeterminada. Dados levantados pelo Alto Comissariado das

Nações Unidas para Refugiados demonstram que no ano de 2015 o número de

Deslocados foi o maior desde a Segunda Guerra Mundial, alcançando 59,5

milhões de pessoas. Dos 59,5 milhões de pessoas deslocadas forçadamente

até 31 de dezembro de 2014, 19,5 milhões eram refugiados. Esse Número no

Brasil também foi recorde, nos últimos quatro anos dobrou, alcançando no ano

de 2015 em torno de 9 mil pessoas reconhecidas. Diante da maior crise

humanitária, o Brasil tem articulado algumas ações parceiras em face da

proteção dos refugiados e migrantes que entram no país em busca de uma

nova vida.

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

AUTORA: ANA CAROLINA ZONTA 1

CO-AUTORA: PÂMELA ROCHA FRANCISCO 2

Vínculo Institucional: Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil

1 – Acadêmica do 5º Período do Curso de Direito. Estagiária do Fórum Descentralizado

de Santa Felicidade – Curitiba – Paraná.

E-mail: [email protected]

2 - Acadêmica do 5º Período do Curso de Direito. Estagiária da Procuradoria Fiscal do

Município de Curitiba (PGF – 1).

E–mail: [email protected]

DIREITO DOS REFUGIADOS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS

HUMANOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CASO WONG HO WONG VS PERU

RIGHT OF REFUGEES AND INTERNATIONAL LAW OF HUMAN RIGHTS: AN

ANALYSIS OF THE CASE OF WONG HO WONG VS PERU

RESUMO

A partir das barbáries cometidas pelos Estados, principalmente pelos nazistas

durante a II Guerra Mundial um conceito começou se destacar, os Direitos Humanos. Os

sistemas internacionais de Direitos Humanos nessa época, a partir de então, com o

conceito em pauta, começou a discussão fora dos territórios nacionais, e trouxe a

temática para além das fronteiras, ultrapassando as barreiras da soberania. O marco

dessa discussão teve início com a Declaração Universal dos Direitos do Homem 1948.

Essa Carta tem como propósito reafirmar o objetivo da ONU em proteger os Direitos

Humanos. Em maio de 1948 em Bogotá, foram aprovadas a Carta da Organização dos

Estados Americanos (OEA) que proclamou o dever dos Estados-membros em respeitar os

direitos humanos, e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem que

enumerou quais os direitos fundamentais que deveriam ser observados e garantidos

pelos Estados da América. Para que progressivamente esses direitos na América fossem

garantidos e respeitados, foi aprovada em 1959 a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos, tendo os Estados a obrigação de responder aos seus pedidos de informação, e

cumprir as suas recomendações. O relatório de 2015 da Comissão trouxe a violação

praticada pelo Peru em face do chinês Wong Ho Wing, onde é acusado de contrabando e

fraude aduaneira na China, e este requer sua extradição, todavia nesse país o crime é

punido com pena de morte, sanção essa proibida em países signatários da Comissão

Interamericana. Até a presente data o caso não foi solucionado.

Palavras-chave: Corte Interamericana – Direitos Humanos – Princípio da não

devolução.

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

ABSTRACT From barbarism committed by States, mainly by the Nazis during the II World War a

concept began to be highlighted, Human Rights. The International Human Rights Systems

at that time, since then, with the concept in the agenda, started a discussion outside the

national territories, and brought the theme beyond the borders, overcoming the barriers of

sovereignty. The milestone in this discussion began with the Universal Declaration of

Human Rights of 1948. This Charter has as it’s purpose to reaffirm the goal of the UN in

protecting human rights. In May 1948 in Bogota, the Charter of the Organization of

American States (OAS) was approved that proclaimed the duty of the Member State in

respect human rights and the American Declaration of the Rights and Duties of Man which

listed the fundamental rights that should be observed and guaranteed by the States of

America. For that these rights in America were guaranteed and respected progressively,

was approved in 1959, the Inter-American Commission on Human Rights, the States had

the obligation to respond to information requests, and fulfill their recommendations. The

2015 report of the Commission brought the infringement committed by Peru in the face of

Chinese Wong Ho Wing, which is accused of smuggling and customs fraud in China, and

this requires his extradition, however in that country the crime is punished with the death

penalty, a sanction that is prohibited in countries signatory to the Inter-American

Commission. To date the case has not been solved.

Keywords: Inter-American Court - Human Rights - the principle of no return.

1 INTRODUÇÃO

No último século vivenciamos o advento da migração, em virtude dos conflitos

globais, tais como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Famílias deixavam seus

países de origem, em busca de maior segurança em outra Nação. Todavia, os países que

receberam estas pessoas não estavam preparados em relação ao grande número de

refugiados, fato este, que propiciou conflitos internos, bem como situações de pobreza e

miséria, deflagrando extrema violação aos direitos humanos.

Para a proteção dos Direitos Humanos, houve a necessidade de discutir o assunto

no âmbito internacional, a fim de adotar medidas uniformes em relação a estes direitos

em diferentes Nações, tendo em vista um tratamento igualitário a todas as pessoas.

Com o intuito de garantir os Direitos Humanos os Sistemas Internacionais de

Proteção aos Direitos Humanos determinam diretrizes, bem como mecanismos que visam

a proteção destes direitos, padronizando as ações, e garantindo que os assuntos

pactuados sejam cumpridos pelos países signatários.

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Todavia, a situação das pessoas refugiadas começou a se modificar a partir da 1º

Convenção de 1951, referente ao Estatuto dos Refugiados, o qual definiu o status de

refugiados. Contudo, não bastava apenas definir quem era refugiado, ademais havia a

necessidade de garantir-lhes a permanência no país em que escolheram viver.

A fim de garantir a permanência em uma determinada Nação, o princípio da non –

refoulement, ou não devolução, ganha força e passa ser aplicado no âmbito do Direito

Internacional com maior freqüência, mesmo já sendo observado em meados do século

XIX. Referido princípio garante que um Estado não deve obrigar uma pessoa a retornar

para o seu país de origem, onde possa estar correndo risco de perseguição. A Convenção

de 1951, em seu artigo 33 faz referência ao princípio do non-refoulement, trazendo em

sua redação que nenhum Estados Membros expulsará ou rechaçará, de nenhuma

maneira um refugiado para territórios em que encontre perigo.

No âmbito do Direito Internacional o princípio da não devolução é considerado

norma jus congens, ou seja, deverá ser aplicado mesmo em países não signatários,

sendo, portanto, pedra angular da proteção dos refugiados.

Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo relatar a evolução dos Sistemas

Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos, bem como, levantar algumas

considerações em relação ao princípio da não – devolução e sua aplicabilidade no âmbito

do Direito Internacional.

2 SISTEMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

A partir das barbáries cometidas pelos Estados, principalmente pelos nazistas

durante a II Guerra Mundial um conceito começou se destacar, e principalmente começou

a ser discutido, Direito Humanos.

A construção desse conceito consiste em permear todos os direitos inerentes aos

seres humanos, dentre eles o direito à vida e à liberdade, ao trabalho, educação,

liberdade de expressão e muitos outros que são direitos indispensáveis para à vida digna.

Que segundo Norberto Bobbio em seu livro “A Era dos Direitos”, o filósofo italiano discorre

acerca da teoria dos direitos humanos, a partir da construção daquilo que cunhou de

gerações de direitos. “desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases”, a

primeira geração envolve o direito à liberdade, a segunda geração que envolvem os

direitos sociais, culturais e econômicos e a terceira geração que são os direitos sociais1.

A partir de então, com o conceito em pauta, começou a discussão fora dos

territórios nacionais, e trouxe a temática para além das fronteiras, ultrapassando as

1 Instituto Norberto Bobbio. Bobbio e a era do Direito. Disponível em: https://norbertobobbio.wordpress.com/2009/12/10/bobbio-e-a-era-dos-direitos/. Acesso em: 30 jan 2016

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barreiras da soberania. O marco dessa discussão teve início com a Carta Internacional

dos Direitos do Homem de junho de 1946, é constituída pela Declaração Universal dos

Direitos do Homem 1948, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais

e Culturais 1966, e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seu

Protocolo Facultativo 1966. Essa Carta tem como objetivo reafirmar o objetivo da ONU

(Organização das Nações Unidas) em proteger os Direitos Humanos.

Desde a criação desses dois pactos, a ONU vem estimulando a adoção de outros

tratados que fazem parte do sistema global de direitos humanos, com o Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais; Convenção Suplementar sobre a Abolição das Escravatura, do Tráfico

de Escravos e das Instituições e Práticas e das Instituições e Práticas Análogas à

Escravatura; Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio;

Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados e Protocolo sobre o Estatuto dos

Refugiados; Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial;

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Forma de Discriminação contra a Mulher e

respectivo Protocolo Facultativo; Convenção contra a Tortura e Outro Tratamentos ou

Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e Protocolo Opcional; Convenção sobre os

Direitos da Criança. 2

I. o indicativo do respeito à dignidade humana e igualdade entre os seres humanos;

II. o reconhecimento de direitos fundado na própria existência humana;

III. o reconhecimento da superioridade normativa mesmo em face do Poder do

Estado, e finalmente,

IV. o reconhecimento de direitos voltados ao mínimo existencial.

No panorama internacional, a proteção dos direitos acima citados recai em três

sub-ramos do Direito Internacional, mas não necessariamente são aplicados

separadamente, é elucidado assim para didaticamente facilitar os trabalhos e mais

facilmente definir os objetivos, são eles: Direito Internacional dos Direitos Humanos

(DIDH) incumbe a proteção do ser humano em todos os aspectos civis, políticos e sociais,

o Direito Internacional Humanitário (DIH) que foca especificamente em conflitos armados

e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR) que seria o amparo do indivíduo desde a

saída até a entrada em outro país e a concessão de refúgio. 3

Paralelamente ao sistema global surgem os sistemas regionais de proteção, na

2 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. Atual e ampl – São Paulo –

Saraiva, 2015. P.32

3 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. Atual e ampl – São Paulo – Saraiva, 2015.

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Europa, na África e na América. Todos esses sistemas são inspirados na Declaração

Universal de Direitos Humanos.

Segundo Flavia Piovesan, o sistema internacional de proteção dos direitos

humanos envolve quatro dimensões:4

a celebração de um consenso internacional sobre a necessidade de adotar

parâmetros mínimos de proteção dos direitos humanos;

a relação entre a gramática de direitos e a gramática de deveres; ou seja, os

direitos internacionais impõem deveres jurídicos aos Estados (prestações

positivas ou negativas);

a criação de órgãos de proteção (ex: Comitês, Comissões e Relatorias da

ONU, destacando-se, como exemplo, a atuação do Comitê contra a Tortura;

do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial, da Comissão de

Direitos Humanos da ONU, das Relatorias especiais temáticas – Relatoria

especial da ONU para o tema da tortura; relatoria para o tema da execução

extrajudicial, sumária e arbitrária; relatoria para o tema da violência contra a

mulher; relatoria para o tema da moradia; da pobreza extrema,…) e Cortes

internacionais (ex: Corte Interamericana de Direitos Humanos, Tribunal

Penal Internacional,…);

e a criação de mecanismos de monitoramento voltados à implementação

dos direitos internacionalmente assegurados (ex: a sistemática dos relatórios

e das petições).

2.1 SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Os Estados da América adotaram, antes mesmo da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, instrumentos para garantir direitos aos homens da América.

Em maio de 1948 em Bogotá, foram aprovadas a Carta da Organização dos

Estados Americanos (OEA) que proclamou o dever dos Estados-membro em respeitar os

direitos humanos, e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem que

enumerou quais os direitos fundamentais que deveriam ser observados e garantidos

pelos Estados.5

A Carta da OEA no seu preâmbulo estabelece o verdadeiro sentido da

solidariedade americana e da boa vizinhança pautado em liberdade individual e de justiça

social, como direitos essenciais do homem, inerentes e independentes da nacionalidade.

4 PIOVESAN, Flavia Cristina. Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos. Texto

produzido para o I Colóquio Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Brasil, 2001. 5 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. Atual e ampl – São Paulo –

Saraiva, 2015. P. 247.

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Para que progressivamente esses direitos na América fossem garantidos e

respeitados, foi aprovada em 1959 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que

a partir de 1970 passou ser o Órgão principal da OEA, tendo os Estados a obrigação de

responder aos seus pedidos de informação, e cumprir as suas recomendações. A

Comissão é formada por sete comissários de caráter ilibado, esses são indicados pelos

Estados-membros.

A Comissão é responsável pela responsabilização dos Estados que descumprem

os direitos civis e políticos expressos na Carta da OEA, e o Conselho Interamericano de

Desenvolvimento Integral que observa o cumprimento dos direitos econômicos, sociais e

culturais.

Função da Comissão é realizar visitas aos países, atividades ou iniciativas

temáticas e preparação de relatórios sobre a situação de direitos humanos num

determinado país, adota medidas cautelares que está disposto no art. 25 do regulamento

da CIDH ou solicita à mesma que aplique medidas provisórias.

Um marco importante do sistema Interamericano foi a aprovação em 1969 em São

José na Costa Rica da Convenção Americana de Direitos Humanos, que é composto por

82 artigos divididos em 3 partes:

I. Deveres dos Estados e Direitos Protegidos: respeitar os direitos e garanti-los,

adotando medidas protetivas de direito interno;

II. Sobre os meios de proteção: criação da Corte Interamericana de Direitos

Humanos;

III. Disposições Gerais e Transitórias.

No artigo 29 da Convenção Americana, faz referência a interpretação das normas,

vedando que Estado, grupo ou indivíduo que interprete a norma de forma que suprima o

direito ou a liberdade e garantias que são inerentes ao ser humano; não podem limitar ou

excluir efeitos que possam produzir. A norma sempre será favorável ao indivíduo.

Um dos pontos principais da Convenção foi a criação da Corte Interamericana de

Direitos Humanos, como segundo órgão de supervisão. O art. 1 do Estatuto da Corte

aponta seu objetivo: “A Corte Interamericana de Direitos humanos é uma instituição

judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção

Americana sobre Direitos Humanos”, além de determinar se um Estado violou ou não o

direito de um cidadão.

Para a Corte atuar é necessário que os Estados ratifiquem a Convenção e

reconheça a jurisdição obrigatória da Corte. Somente os Estados partes e a Comissão

podem submeter casos à Corte, pessoas não podem recorrer diretamente, devendo

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apresentar sua petição à Comissão e completar os passos previstos perante a esta. 6

No Capítulo VIII artigos 52 a 69, determina a função e os procedimentos que serão

adotados pela corte, como as provas, dados e fatos dos casos que chegam a sua

jurisdição através das vítimas ou seus representantes e pelos representantes dos

Estados, constata os cumprimentos dos prazos outorgados, além de orientar como devem

proceder nos casos. Em alguns casos é convocado os representantes das vítimas a uma

audiência para verificar como está ocorrendo o cumprimento das decisões.

A Convenção tem mais dois protocolos adicionais. O primeiro é o Protocolo

Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais ou “Protocolo de San Salvador”, adotado em 17 de

novembro de 1988. Em seu preâmbulo ressalta-se a conexão existente entre os direitos

econômicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos, é impossível promover a

dignidade humana se dissolver ou desproteger alguns desses itens, composto por 22

artigos que dispõem sobre as obrigações dos Estados, restrições permitidas e proibidas e

meios de proteção.

O segundo é o Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos

referente à Abolição da Pena de Morte, subscrito em 08 de junho de 1990, composto

apenas por 4 artigos, fica estabelecido que os Estados Partes não podem aplicar em seu

território a pena de morte e nenhuma pessoa submetida a sua jurisdição, mas levanta a

possibilidade de pena de morte em tempo de guerras, sumariamente grave, e fica

facultativo ao Estado se ratifica ou não esse artigo, estabelece que países que aboliram a

pena de morte não pode restabelecer a punição.

O Estado pode ser responsável pela violação por ação como consequência dos

atos que praticou ou seus agentes; aquiescência como resultado do consentimento tácito

do próprio Estado ou de seus agentes; omissão quando o Estado ou seus agentes não

atuaram quando deveriam atuar. 7

Para um indivíduo ter acesso a todas essas formas de proteção aos seus direitos, é

necessário cumprir alguns requisitos que estão dispostos no art. 28 da CIDH. Primeiro o

indivíduo ou seu representante apresentam a petição com todos os requisitos básicos,

que estão contidos na legislação, após é verificado esses requisitos é admitido e discutido

o mérito da suposta violação, e então vem uma parte importante que até o momento do

6 Sistema de Petições e Casos – Folheto Informativo. Comissão Interamericana de Direitos Humanos

– 2010 Ed. Organização dos Estados Americanos 7 Sistema de Petições e Casos – Folheto Informativo. Comissão Interamericana de Direitos Humanos

– 2010 Ed. Organização dos Estados Americanos.

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protocolo da petição, a suposta vítima precisa esgotar todas as tentativas de resolver

internamente o problema, até a última instância no Poder Judiciário, para então a

Comissão precisa se certificar desse detalhe, e começará a correr o prazo de 6 meses a

partir da certeza de que os recursos foram esgotados, do contrário o prazo será maior. É

importante que não haja litispendência internacional, que o caso seja submetido somente

em um mecanismo internacional de resolução de conflitos na área de Direitos Humanos.

Após, concluído a análise há duas formas de o Estado receber uma sanção, ou

será pela Comissão ou será pela Corte Interamericana.

A partir da decisão da Comissão, se o Estado for considerado responsável por

alguma violação, segundo REINSBERG o Estado deverá seguir algumas recomendações

como:8

Adotar legislação específica e mudanças em políticas públicas;

Reparar de forma total as vítimas, incluindo prejuízos pecuniários;

Conduzir investigações completas, imparciais e efetivas sobre homicídios e

execuções extrajudiciais;

Aplicar políticas públicas de forma que não se perpetuem estereótipos e

discriminações;

Treinar as forças policiais e o Judiciário;

Revisar a adequação das leis domésticas às obrigações de direitos humanos

do Estado;

Permitisse à vítima um novo julgamento ou audiência.

Caso o Estado não cumpra com as recomendações a Comissão pode publicar o

caso ou submeter o caso à Corte. Precisa encaminhar o caso para a CIDH, com todos os

dados e informações e detalha o status do caso, e principalmente com os motivos que

levaram a Comissão direcionar o caso a Corte. O Estado, os representantes e as vítimas

são comunicados sobre o encaminhamento, e o Estado tem o direito de indicar um “juiz

ad hoc”, e se caso a vítima não possuir um representante a Corte indica.

Depois de analisar o caso a Corte emitirá um parecer com as reparações, que

normalmente são mais extensas e específicas que as recomendações da Comissão, são

elas:

Assistência médica e psicológica para as vítimas;

Um pedido público de desculpas feito pelo Estado;

8 REINSBERG, Lisa J. Atuação perante o Sistema Interamericano - Manual para Advogados e

Ativistas Prevenindo e Reparando Violações de Direitos Humanos através do Sistema Internacional – 2° ed. - 2014.

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Treinamento de funcionários públicos;

Pagamento de danos pecuniários e morais;

Reforma Legislativa;

Anulação das condições penais;

Bolsas de estudo ou ajuda de custo para a educação das vítimas;

Construção de monumentos e outras formas de reconhecimento.

Após a decisão da Corte, as vítimas reportam se foram cumpridas ou não as

recomendações, ou através de audiências que a Corte realiza para acompanhar o caso.

Mas não obrigatoriamente o caso precisa chegar as recomendações para ter uma

resolução, as partes – Estado e vítima - podem chegar a um acordo amistoso e informar

a Corte.

Anualmente a Corte produz relatórios de casos de violações de Direitos Humanos,

que são recebidos e analisados pelos membros, e no ano de 2015 o relatório trouxe o

caso do chinês Wong Ho Wing versus Estado do Peru.

O caso relata a possibilidade de extradição para a República Popular da China o

Sr. Wong Ho Wing que, e neste país há pena de morte, tortura e tratamento cruel, e a

discussão permeia justamente esse ponto, pois o Estado do Peru ratificou a Declaração

de Direitos Humanos, consequentemente não deve permitir que se extradite qualquer ser

humano que possa ser submetido a tratamentos que vão de encontro ao Tratado que foi

assinado.

O Relatório está dividido em 13 capítulos, de início é apresentado a causa e objeto

da controvérsia, os procedimentos da Corte, e posteriormente é tratado os direitos a vida,

a integridade e o princípio de não devolução como garantia de dos direitos do Sr. Wong

Ho Wing. Nesse relatório também são apresentadas as provas e as contestações feitas

pelo Peru.

3 CASO WONG HO WING

No presente capítulo as informações foram retiradas e traduzidas do Relatório da

Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2015 e traz o caso do chinês Wong Ho

Wing que foi preso no Peru em 2008 no Aeroporto Internacional Jorge Chávez, em Lima,

pelo crime de contrabando e fraude aduaneira cometida em Hong Kong entre 1996 e

1998, e a partir da data da prisão o caso não foi finalizado. A China requer a extradição do

Sr. Wong, mas no país esse tipo de crime a pena pode chegar a condenação à morte ou

prisão perpétua.

Todavia, o Peru é signatário da Organização dos Estados Americanos – canal de

diálogo e analise de políticas e também é signatário da Corte Interamericana de Direitos

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Humanos, CIDH é um órgão principal e autônomo da OEA encarregado da promoção e

proteção dos direitos humanos no continente americano, e um dos artigos do regimento é

não penalizar um cidadão americano com torturas, castigos físicos e a morte, então sob

essa condição o Peru também não pode extraditar para países que possuem essas

sistemática de condenação. Ressalta-se que o sistema de Direitos Humanos busca

proteção do indivíduo, independentemente de sua nacionalidade e local onde o crime foi

cometido, em caso de violação de direitos humanos praticado por determinado país

pertencente à OEA.

A CIDH recebeu o caso e analisa as possíveis alternativas para o chinês, que além

de tentar solucionar o impasse da extradição recebeu a denúncia de violações jurídicas e

de liberdade que o Estado do Peru vem aplicando ao Sr. Wong, a prisão durou mais

tempo que o legalmente caberia nessa situação, além da negativa da prisão domiciliar, e

das diversas impetrações de habeas corpus que foi requerido pelo representante do Sr.

Wong. Até a presente data o chinês continua privado de liberdade e direitos básicos

dentro do território do Peru e o caso está tão moroso que em 2011 a República Popular

da China aboliu a pena de morte para 13 crimes, conforme reportagem da revista Veja de

25/02/2001, entre eles está incluído o crime de contrabando, mas ainda se pune com

prisão perpétua.

4 RELATÓRIO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

O Caso Wong Ho Wing, da República Popular da China, contra a República do

Peru, alega uma sequência de violações de direitos praticadas ao Sr. Wong desde o

momento de sua detenção em 27 de outubro de 2008 e o longo processo de extradição

que continua vigente até a presente data.

Segundo a Comissão de Direitos Humanos o Sr. Wong Ho Wing foi e continua

sendo submetido a uma alegada privação arbitrária e excessiva de liberdade que não se

encontra por fins processuais. Desde 24 de maio de 2011 o Tribunal Constitucional do

Peru ordenou o Poder Executivo abster-se de extraditar o Sr. Wong, mas as autoridades

do Estado alegaram a violação de uma sentença judicial, na qual seria incompatível com

o direito de proteção judicial.

E o representante do Sr. Wong ressaltou que é necessário saber se realmente foi

esgotado os recursos jurisdicionais internos existentes, pois no momento da

admissibilidade já se sabia da extradição, inclusive seu representante solicitou que

incluísse a esposa, as filhas e irmão do Sr. Wong como presumidas vítimas dos atos do

presente caso.

Diante do fato que envolve o cidadão chinês o processo perante a Comissão

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ocorreu da seguinte forma: Petição em 27 de março de 2009 apresentado pelo Sr. Wong,

o informe de admissibilidade em 01 de novembro de 2010 de n° 151/10, que diz: a vítima

levantou violações nos requisitos legais e constitucionais e apontou irregularidades no

processo de consulta e avaliação das garantias do Governo da República Popular da

China sobre a aplicação da pena de morte, além disso a vítima interpôs um recurso de

habeas corpus de caráter preventivo contra o Presidente Constitucional da República e o

Conselho de Ministros, da qual se encontra pendente desde 14 de julho de 2010.

Em 18 de julho de 2013 no Informe de Fondo, a Comissão chegou a algumas

conclusões como a responsabilidade do Estado do Peru por violar os direitos a liberdade

pessoal, vida, integridade física, garantias judiciais e proteção judicial, conforme a

Convenção Americana propõe, causando assim prejuízos ao Sr. Wong. Após sugeriu

recomendações de revisar a situação do chinês e reconsiderar a situação jurídica no

processo de extradição, recomendou a reparar o Sr. Wong Ho Wing pelas violações

estabelecidas no Informe e dispôs de um prazo razoável para o cumprimento de

procedimentos estabelecidos no Código Processual Penal e salvaguardar garantias

estabelecidas no Informe de Fondo. E nesse mesmo Informe notificou o Estado em 30 de

julho de 2013, outorgando um prazo de 2 meses para informar sobre o cumprimento das

recomendações, além de autorizar a inclusão dos parentes como vítimas no caso, pois

são potenciais também.

Em 30 de outubro de 2013 a Comissão submeteu o caso a Corte devido “a

necessidade de obter justiça para a vítima”, a Corte designou um delegado e 3 secretários

para cuidar do caso, com essa equipe montada a Comissão concluiu e declarou a Corte

no Informe do Fondo sobre a responsabilidade do Peru pelas violações cometidas além

de ordens dadas ao Estado como medidas de reparação e recomendações.

Devido ao presente caso relatado foi outorgado medidas provisórias, nas

conformidades com a Comissão, para que o Estado se abstenha de extraditar o Sr. Wong

Ho Wing até que os órgãos de Direitos Humanos examinem e se pronunciem

definitivamente sobre o caso.

Conforme Ramos:

“O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direito Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte foi adotado em Assunção, em 8 de junho de 1990, na esteira da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que já restringira a aplicação da pena de morte. Entrou em vigor internacional em 28 de agosto de

1991.” 9

Como no Brasil, o Peru mantém a pena de morte em casos excepcionais, somente

9 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. Atual e ampl – São Paulo –

Saraiva, 2015.

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em crimes de guerra. O que não é o caso da China que mantém a pena de morte,

inclusive em grande número, segundo a jornalista Marsílea Gombata que entrevistou um

ativista chinês o Sr. Teng Biao e publicou a reportagem na Revista Carta Capital em

19/10/2013. Segundo o ativista, a China é responsável por 90% das execuções no mundo

perpetradas por Estados.10

Em 27 de março de 2009 o Estado apresentou argumentos a Corte sob uma

petição declarando que o “processo de extradição se encontra em trâmite” e alegou que

não existe uma decisão do Poder Executivo, inclusive garantiu que esgotou de todos os

recursos internos para solucionar o presente caso, o que a Corte discorda novamente. A

Corte constatou que há um conjunto de irregularidades que violam o devido processo, que

é necessário que se esgote todos os recursos perante a jurisdição interna, conforme os

princípios do Direito Internacional.

O Estado do Peru justificou que os recursos internos se esgotaram após a

apresentação da petição inicial, mas a Corte adverte no art. 46 da Convenção Americana

que o esgotamento deve ocorrer no momento representação da admissibilidade e da

petição inicial.

Todas as provas que envolvem as partes estão a partir do sétimo capítulo, são

prova documental, testemunhal e pericial, que conforme art. 57,2 do regimento devem ser

autênticos e estar de acordo com o caso, obedecendo prazos.

A China em 8 notas diplomáticas enviadas ao Peru garantiu que o Sr. Wong não

será penalizado com pena de morte nem prisão perpétua, e que consultando seus

acórdãos verificou que em média para o mesmo crime o Estado penalizou em no máximo

15 anos de reclusão outros indivíduos, e ressaltou que há um tratado de extradição entre

os países, requerendo assim, a extradição do chinês sob comprometimento da China em

não aplicar penas cruéis.

Mesmo com as notas diplomáticas, a Corte em seu relatório na Convenção

Interamericana de Direitos Humanos determinou a aplicação do art. 63 recorre a uma

norma consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do Direito

Internacional contemporâneo sobre responsabilidade de um Estado. A reparação deve

sempre que possível reestabelecer a situação anterior que o indivíduo se encontrava.

Sobre a detenção provisória em que o Sr. Wong se encontrava o representante

solicitou a imediata liberdade. Perante a solicitação, a Corte ordena que o Estado do Peru

revise a privação de liberdade, e levar em conta o tempo em que está preso e atual

1 0 Carta Capital, Entrevista "China é responsável por 90% das execuções mundiais"

http://www.cartacapital.com.br/internacional/201cchina-e-responsavel-por-cerca-de-90-das-execucoes-em-todo-mundo201d-alerta-ativista-8593.html. Acesso em: 21 jan 2016.

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situação de saúde.

Referente a publicação e difusão da sentença, o representante requer a publicação

no diário oficial, um jornal de grande circulação e disponibilizar integralmente a sentença

por um ano, a Corte acatou em sua totalidade, somente estipulou prazos para a

publicação.

Como indenização compensatória o representante requer a indenização no valor

de U$$ 3.212.713,55 referentes ao tempo privado de liberdade e por consequência como

o Sr. Wong não conseguiu administrar seus negócios que possui nos Estados Unidos,

requer U$$ 10.000,00 mensais pelo exercício de sua atividade empresarial. Além de U$$

28.00,00 relativas a custos e gastos que o representante do Sr. Wong e seus familiares

tiveram com o caso. A Corte delimitou o valor de U$$ 30.000,00 com data do depósito a

ser definida.

E por último e objeto dessa controvérsia a Corte determinou que o Estado resolva

mais brevemente o processo de extradição e em conformidade com o Código de

Processo Penal do Peru, e que nenhuma autoridade peruana ative mecanismos que

dificultem o cumprimento da sentença. O representante solicitou que “sob nenhuma

circunstância o Sr. Wong seja extraditado para a República Popular da China, onde corre

perigo de vida e integridade física, consequentemente, o total colapso do núcleo familiar”.

Concluindo, o relatório da CIDH decretou, a partir de sistema de votação, que o

Estado do Peru violou o direito a integridade física do Sr. Wong devido a vasto tempo em

que privou sua liberdade sem justificativa legal, além de que, concluiu que a China,

apesar das tentativas por notas diplomáticas, não oferece garantias concretas de que o

Sr. Wong não sofrerá violações a seus direitos, porém espera que o Peru, mais

brevemente possível sentencie o futuro do chinês.

5 O PRINCÍPIO DA NÃO DEVOLUÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL O princípio da não devolução ou NON REFOULEMENT, começou a ser aceito no

âmbito do Direito Internacional após a Primeira Guerra Mundial, todavia, já em meados do

século XIX o conceito de refúgio e da não extradição de ofensores políticos começou a se

concretizar, no qual o Estado poderia ou deveria concedê-lo.11

Segundo Fonseca e Ferrapontof12, em virtude dos aumentos dos conflitos entre

países houve a necessidade de assegurar às pessoas que fugiam das zonas de guerra e

1 1 PAULA, Bruna Vieira de. O Princípio do non - refoulement, sua natureza jus congens e a

proteção internacional dos refugiados. p. 51 a 67: disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28151.pdf. Acesso em: 13 jan 2016. 1 2 FERRAPONTOF, Piettra da Fonseca e. A extradição e o princípio da não devolução do

Direito Internacional dos Refugiados. Disponível em:http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2014_2/pietra_ferrapoutof.pd

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que buscavam auxílio em outras nações, garantir-lhes que não retornariam aos seus

países de origem compulsoriamente, concedendo-os deste modo segurança humanitária.

Trata-se, portanto de um princípio que garantirá que determinado Estado não deve obrigar

uma pessoa a retornar a um território onde possa estar exposta à perseguição.132

Para Quintas o princípio da não devolução fora consagrado pela Convenção de

Genebra de 1951, e garantiu aos refugiados proteção através da proibição de expulsão

para algum Estado no qual possam vir a sofrer ameaças contra seus direitos, devido aos

mais variados fatores, tais como religião, raça, sexo entre outros. Destarte, considerado

em verdadeiro jus ceongns, o princípio da não devolução obriga os Estados, mesmo

aqueles que não ratificaram a Convenção de Genebra a observá-la.14

A Convenção de Viena traz em seu artigo 53 o seguinte entendimento:

“É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.”

Portanto, o jus congens é constituído apenas por normas de direito internacional de

caráter universal, pois exprimem valores éticos que só podem ser impostas por meio de

força imperativa, se forem absolutos e universais.15

Este fato propiciou a ampliação do princípio do Non-Refoulement, especialmente a

partir da década de 80, o qual passou a ser aplicado não apenas para refugiados, mas

também para estrangeiros em geral, ou seja, “para todo e qualquer indivíduo que possa

estar em risco de ser submetido à tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante,

em casos de extradição, devolução ou deportação.16

6 FONTES NORMATIVAS DO PRINCÍPIO DA NÃO DEVOLUÇÃO

f. Acesso em: 13 jan 2016. 1 3 PAULA, Bruna Vieira de. O Princípio do non - refoulement, sua natureza jus congens e a

proteção internacional dos refugiados. p. 51 a 67: disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28151.pdf. Acesso em: 13 jan 2016. 1 4 QUINTAS, Ana Isabel Soares, O Equilíbrio entre o Princípio do Non-Refoulement e as

Cláusulas de Exclusão do Estatuto de Refugiado: análise jurisprudencial.209 f. Dissertação de Mestrado em Direitos Humanos. Universidade do Minho, 2012. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/28417/1/Ana%20Isabel%20Soares%20Quintas.pdf. Acesso em: 14 jan 2016 1 5 MIRANDA, Felipe Arady. A universalidade das normas internacionais sobre direitos

humanos. Ano 1 (2012), nº 2, 979-1012. Disponível em: http://www.idb-fdul.com. Acesso em: 11 jan. de 2016.

1 6 PAULA, Bruna Vieira de. O Princípio do non - refoulement, sua natureza jus congens e a

proteção internacional dos refugiados. p. 51 a 67: disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/r28151.pdf. Acesso em: 13 jan 2016.

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Antes mesmo da Convenção de Genebra em 1951, alguns acordos internacionais

já faziam menção à proteção dos Refugiados, entre eles a Convention Relating To The

International Status of Refugees of 1933, em seu artigo 3º, o Provisional Arrangement

Concerning The Status of Refugees Comingo From Germany of 1938, artigo 4º e a

Convention Concerning The Satus of Refugees Coming From Germany of 1938. Os

referidos acordos já definiam quem era refugiado e quais as garantias teria.

Contudo, foi através da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados que fora

concluída em Genebra em 1951 que o conceito de Refugiado foi ampliado e consagrou o

princípio do non–refoulement, garantindo que o refugiado não pode ser expulso para

países em que sua vida ou liberdade estejam ameaçadas.17

Em 1969, a Convenção sobre Refugiados da OUA (Organização da Unidade

Africana), trata especificamente dos problemas relacionados aos refugiados do continente

africano no período de descolonização.18

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto

de São José da Costa Rica, novamente expressa, em seu artigo 22, que nenhum

estrangeiro pode ser expulso a outro país que lhe ofereça risco, bem como é proibida a

expulsão coletiva de estrangeiros.

O artigo 3º da Convenção contra Tortura e Outros tratamentos ou Penas Cruéis,

Desumanos ou Degradantes, de 1984, veda a expulsão, devolução ou extradição de uma

pessoa para outro Estado quando houver razões substanciais para crer que ela corre

perigo de ali ser submetida a tortura, reforçando assim o princípio do non–refoulement.19

Referida Convenção foi adotada pela ONU em 1984, e entrou em vigor

internacionalmente em 1987, tendo sido ratificada pelo Brasil em 1989, e promulgada pelo

Decreto 40 de 15 de fevereiro de 1991.20

Outrossim, em outros tratados que não tratam especificamente do non-

refoulement, a interpretação de determinados artigos, tais como o artigo 5º da carta de

Banjul ou Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, artigo 7º do Pacto

1 7 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 2. ed. rev. Atual e ampl – São Paulo – Saraiva, 2015.

1 8 I Simpósio em Relações Internacionais do Programa de Pós graduação e m Relações

Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp E Puc-Sp), 2007 MOREIRA, Julia Bertino. A CONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA DEFINIÇÃO DE REFUGIADO. Disponível em http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br/br/simp/artigos/moreira2.pdf. Acesso em: 07 jan. 2016. 1 9 I Simpósio em Relações Internacionais do Programa de Pós graduação e m Relações

Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp E Puc-Sp), 2007 MOREIRA, Julia Bertino. A CONSTRUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA DEFINIÇÃO DE REFUGIADO. Disponível em http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br/br/simp/artigos/moreira2.pdf. Acesso em: 07 jan. 2016. 2 0 OLIVEIRA, Erival da Silva. Convenção relativa ao estatuto dos refugiados. In OLIVEIRA,

Erival da Silva. Direito Constitucional, Direitos Humanos. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 72-76.

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Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), entre outros, permitem a sua

aplicação.

7 A INTERPRETAÇÃO DO NON-REFOULEMENT PELOS ÓRGÃOS COMPETENTES

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 é considerado o

parâmetro norteador para a adequada interpretação dos tratados. Ou seja, determinado

tratado deverá ser interpretado considerando o seu contexto, bem com sua finalidade.

Esta diretriz fortaleceu ainda mais o princípio do non-refoulement.

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, considera que o princípio

adquiriu status de Direito costumeiro e jus congens. Decisões da Corte Interamericana

têm considerado o princípio do non-refoulement como “pedra angular da proteção dos

refugiados”, aplica-se, apesar de que não tenham sido estes admitidos legalmente no

Estado receptor, e independentemente de ter chegado individual ou massivamente.20

Em consulta solicitada pela República Argentina, República Federativa do Brasil,

República do Paraguai e República Oriental do Uruguai, em relação aos Direitos e

Garantias de Crianças no Contexto da Migração e/ou em necessidade de proteção

internacional, a corte estabeleceu o conteúdo do princípio de não devolução, bem como,

limitou o alcance deste princípio em casos em que possam acarretar na recondução de

uma criança a um determinado Estado ou para algum outro que assim solicite.

Determinou que a proteção concedida por este princípio se aplica a todos aqueles que

possuem ou não status de refugiado perante as autoridades, com base no artigo 1º da

Convenção de 1951 e seu protocolo de 1967 ou da legislação Nacional, estendendo-se

aos solicitantes de asilo que ainda não tem condição definida.

No caso Família Pacheco Tineo vs. Bolívia, a Corte Declarou que Bolívia violou,

entre outros o direito de não ser expulso ou entregue a outro país, qualquer este que seja,

onde possa sofrer violações de seus direitos. A inobservância do princípio acarretou na

condenação da Bolívia a indenizar a família pelos danos causados, bem como capacitar

permanentemente os funcionários da comissão de refugiados e qualquer outro que tenha

contato com imigrantes, refugiados e pessoas que pedem asilo. Foi condenada ainda a

informar a corte Interamericana de Diretor Humanos todas as medidas que foram

tomadas para o cumprimento da sentença.

No Brasil, através da Lei 9474/1997 permitiu que o país definitivamente positivasse

em seu ordenamento definições do status de refugiados, bem como, garante por meio do

artigo 37, que o refugiado não será expulso para país onde sua vida, liberdade ou

2 0 CARVALHO, Victor Nunes. O caso família Pacheco Tineo versus Bolivia e o princípio do

non refoulement. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51707&seo=1>. Acesso em:06 jan. 2016.

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integridade física possam correr risco, aplicando desta maneira o princípio do non –

refoulement.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa se propôs, como objetivo geral, elaborar um panorama dos

Sistemas Internacionais de Direitos Humanos e exemplificar de como acontece a atuação

desses órgãos internacionais na aplicabilidade dos acordos firmados entre os países.

O relatório de 2015 da CIDH órgão importante do Sistema Interamericano de

Direitos Humanos demonstra claramente que o fato de um país americano ratificar os

tratados internacionais, não garante o cumprimento destes. O exemplo que trouxemos do

caso do chinês Sr. Wong Ho Wing vs Peru é emblemático e muito ilustrativo de violações

que ocorrem nos países e reforça a importância de ampliar as ações dos Órgãos de

Direitos Humanos.

O Peru violou de diversas formas os direitos do Sr. Wong Ho Wing, o mantendo

privado de liberdade por muito anos e negando sem justificativa os habeas corpus, não

decide sua extradição para a República Popular da China, país este que prevê penas

cruéis, além de do Peru não cumprir o próprio Código Penal vigente. O Peru é signatário

da CIDH e consequentemente está ciente sobre o princípio da não devolução para países

que possuem penas cruéis, penas essas contrárias aos tratados de Direitos Humanos.

Para um caso ser remetido aos Sistemas Internacionais, se faz necessário que se

esgote todas as tentativas jurídicas internas do país que violas os direitos, para então um

representante ou o próprio cidadão vítima submeter o caso aos Órgãos Internacionais

competentes.

Até a presente data o Peru não concluiu o caso e o Sr. Wong Ho Wing continua na

esperança de solução da sua situação.

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IDENTIDADE E INCLUSÃO: CONTEXTOS DA IMIGRAÇÃO HAITIANA NO SUL DO BRASIL1

IDENTITY AND INCLUSION: CONTEXT OF HAITIAN IMMIGRATION IN SOUTHERN BRAZIL

WENCZENOVICZ, Thaís Janaina2

SIQUEIRA, Rodrigo Espiúca dos Anjos3

RESUMO: O devido artigo trata da integração dos Imigrantes Haitianos junto à sociedade

brasileira – mais especificamente na região norte do Rio Grande do Sul (Brasil) - tendo em vista sua relação junto às dimensões materiais e concepções das diretrizes inclusivas educacionais. Nesse sentido, pretende-se demonstrar os fatores que impulsionaram o deslocamento desses imigrantes e o processo de adaptação no Sul do Brasil, bem como em que medida as políticas de imigração ameaçam a manutenção dos Direitos Humanos de indivíduos provenientes de países com histórico de dependência e intransigência aos Direitos Fundamentais Civis e Sociais em seu país de origem. Tal condição corrobora na análise entre as políticas de integração e negação aos Direitos Humanos. Ao longo dos últimos vinte anos, o Brasil adotou uma série de novas políticas voltadas à gestão dos movimentos transfronteiriços e aos imigrantes no Brasil, políticas estas que respondem não somente ao ativismo dos migrantes e seus aliados, mas também à estratégia da política externa brasileira. Como procedimento metodológico, o devido trabalho utiliza-se da pesquisa bibliográfica acompanhado da descrição e interpretação da realidade dos sujeitos na compreensão da temática abordada tendo utilizado a técnica de Grupo focal. Para representar os dados a partir de uma perspectiva mais próxima do sujeito, foram utilizados fragmentos das entrevistas e análise de discurso.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos; Educação; Imigrantes Haitianos; Inclusão.

ABSTRACT: This paper deals with the integration of Haitian immigrants along the Brazilian

society - specifically the northern region of Rio Grande do Sul - in view of their relationships with the material dimensions and concepts of educational inclusive guidelines. In this sense, we intend to demonstrate the factors that boosted the displacement of these immigrants and the process of adaptation in southern Brazil, as well as the extent to which immigration policies threaten the guarantee of human rights of individuals from countries with dependence on historical and intransigence on Civil and Social Fundamental Rights in their country of origin. This condition supports the analysis of the integration policies and denial of Human Rights. Over the last twenty years, Brazil has adopted a number of new policies for the management of trans-boundary movements and immigrants in Brazil, these policies that respond not only to the activism of migrants and their allies, but also to the Brazilian foreign policy strategy. As methodological procedure, this work utilizes the literature, alongside with of the description and interpretation of the reality of the subjects in understanding the theme discussed having used the technique of focal group. To represent the data from a closer perspective of the subject, were used some fragments of interviews and discourse analysis.

KEYWORDS: Human Rights, Education, Haitian Immigrants; Inclusion.

INTRODUÇÃO

1 Parte da pesquisa realizada pelos autores foi apresentada na forma de Comunicação Oral no XXIV Encontro Nacional do CONPEDI/UFS - Aracaju/SE/Brasil: "DIREITO, CONSTITUIÇÃO E CIDADANIA: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do Milênio." O devido trabalho contou com a leitura externa de Lurdes Denise Crispim Moreira (UERGS). 2 Docente Adjunta na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Email: [email protected] 3 Advogado, Mestre em Direitos Fundamentais pela Universidade do Oeste de Santa Catarina, Especialista em Direitos Humanos pela Universidade Católica de Brasília, professor dos cursos de Graduação e Pós-Graduação das Faculdades Anglicanas de Erechim e de Tapejara/Brasil. Email:[email protected]

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Desde os primórdios da Humanidade o homem tem migrado por razões

diversas, impulsionados por motivos endógenos e exógenos. Migra-se por

questões culturais, econômicas, políticas e sociorreligiosas ou desastres

ambientais e climáticos a exemplo do grupo em estudo.4 A imigração haitiana

ao Brasil é um fenômeno migratório que ganhou grande proporção após o

terremoto que abalou o país caribenho em 12 de janeiro de 2010 e provocou a

morte de mais de milhares de pessoas e deixou outras tantas na condição de

deslocados internos.

Há que se dizer persistentemente que os níveis de afetação em

desastres ditos naturais têm correspondências evidentes com a estrutura de

classes, que no Haiti, conforme as estatísticas oficiais revelam, têm

correspondências sociais historicamente produzidas. Os que sofrem menos

dispõem de narrativas incompletas sobre as insuficiências operativas do

Estado. Os que morrem, estes sim, são os que melhor dispõem do testemunho

da indiferença, incapacidade, equívocos e má vontade contidos nas

providências de coordenação do cenário arrasado. Como os mortos se veem,

por definição, impossibilitados de autoexpressão no tema, salvam-se

circunstancialmente as aparências de cumprimento do dever.

Embora isso, o silêncio providencial dos mortos também gera uma

narrativa, acessível aos que têm olhos de ver: se expressa na quantidade de

vítimas fatais havidas numa localidade esquecida, desde há muito, pelas

providências do ente público, revele-se nos corpos que permanecem por tempo

prolongado insepultos, pelos que são facilmente dados como desaparecidos,

os que são localizados com significativas mutilações e traumas, os que são

ignorados sem que haja preocupação em resgatá-los.

A presença de haitianos no Brasil era inexpressiva antes da instabilidade

política que afetou o país em 2003-2004. Desde então, com a presença dos

militares da força de paz da ONU (em sua maioria brasileiros), os haitianos

4 O clima haitiano caracteriza-se como tropical e é influenciado pela maritimidade, acrescido da condição de estar situado no Circuito de Furacões, resultando frequentemente na incidência de tempestades tropicais e furacões no período de junho a outubro. A temperatura média mínima é de 20°C e a máxima de 34°C. A estação das chuvas ocorre duas vezes por ano de abril a junho e entre outubro e novembro. Estas características contribuem para o histórico de frequentes alagamentos e desastres ambientais. (AGENCIA OFICIAL DO CLIMA, HAITI, 2015)

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passaram a ver no Brasil um ponto de referência. Após o terremoto de 2010,

que desencadeou um grande impulso ao deslocamento de grupos de médio e

grande porte, o Brasil passou a ser um dos destinos preferenciais dos

migrantes. Segundo dados divulgados pela Pastoral do Imigrante (2015),

atualmente cerca de 50 a 100 haitianos entram por dia no Brasil ilegalmente,

pelo estado do Acre e outros Estados. Desse ingresso – oficial ou ilegal –

deflagram-se relações e contatos diversos e consolidam-se zonas de contatos

sociais entre nacionais e estrangeiros.

Para Boaventura de Sousa Santos (2003, p.43), as zonas de contato são

campos sociais em que diferentes mundos da vida normativa se encontram e

defrontam. Para o autor, é nesses espaços que diferentes culturas jurídicas se

defrontam de modos altamente assimétricos, quer dizer, em embates que

mobilizam trocas de poder muito desiguais. As zonas de contato são, portanto,

zonas em que ideias, saberes, formas de poder, universos simbólicos e

agências normativas e rivais se encontram em condições desiguais e

mutuamente se repelem, rejeitam, assimilam, imitam e subvertem, de modo a

dar origem a constelações político-jurídicas de natureza híbrida em que é

possível detectar o rasto da desigualdade das trocas.

Em resultado das interações que ocorrem na zona de contato, tanto a

natureza dos diferentes poderes envolvidos como as diferenças de poder

existentes entre eles são afetadas. A compreensão deste conceito é

fundamental para este trabalho, uma vez que a integração – sendo o Brasil um

país multiétnico – é um dos tantos exemplos atuais de grupos sociais que se

envolvem e têm se envolvido em conflitos assimétricos com culturas nacionais

dominantes.

Partimos da percepção de que o Brasil sempre foi considerado um país de

fácil convivência entre os diferentes, inclusive no campo da integração.

Entretanto, nos últimos anos, à medida que a sociedade se torna cada vez

mais plural em termos socioculturais e religiosos, paradoxalmente temos

assistido a manifestações públicas de estigma, intolerância, preconceito e

xenofobia.

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Para a ONU, com base em seu Relatório para a Migração Internacional

e Desenvolvimento, de 2013, as migrações continuam a aumentar em

complexidade e impacto global. As transições demográficas, o crescimento

econômico e as crises financeiras internacionais tendem a remodelar a faceta

das migrações. (ONU. International Migration and Development. 2013. p.4.)

Acrescente-se a esta constatação que as novas tecnologias relativas

aos meios de transporte habilitam milhares de pessoas a migrarem com maior

frequência mesmo para distâncias antes impensáveis. Isso gera uma grande

mobilidade humana, transformando-se em um serviço acessível como opção

para a maioria dos cidadãos do mundo a imigração circular, a imigração de

retorno, a mobilidade de curto prazo, que vem se consolidando como

complementares de longo prazo por famílias inteiras, com vistas a resolver

seus problemas econômicos. (ONU: International Migration and Development,

2013)

Multiplicam-se os deslocamentos forçados (não desejados) e as

situações de refúgio em razão de conflitos armados, regimes ditatoriais5 e

mudanças climáticas. Nas questões relativas ao direito internacional dos

refugiados ainda na década de 1990, o Brasil adaptou-se a partir da Lei n°

9.474 de 22 de julho de 1997. Todavia, a confusão entre situações de refúgio e

de migração converte a ajuda humanitária em política migratória, com graves

consequências para os migrantes, mas também para o Estado brasileiro,

reduzindo a cidadania à mera assistência. Igualmente, ainda persistem, apesar

dos esforços internacionais e nacionais, os casos de apátridas. (CAVALCANTI;

OLIVEIRA; TONHATI, 2014. p. 18.)

O presente artigo divide-se em seis partes. A primeira aborda um breve

panorama do cenário imigracional no Brasil e suas inter-relações com os

Direitos Humanos. A segunda parte apresenta um relato acerca da trajetória

histórica do Haiti – país de origem do grupo analisado nesse estudo. A terceira

5 A título de exemplo pode-se citar a chegada de sírios ao Brasil. Entre janeiro de 2010 e outubro de 2014, 1.524 refugiados adentraram no pais, o que faz dos sírios o maior grupo a buscar asilo político no Brasil, segundo dados divulgados pelo Acnur, Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados. Esse aumento pode ser explicado pela leitura da conjuntura internacional de conflitos, já deixou mais de 200 mil mortos desde 2011 na Síria. Esse conflito tem motivação política: grupos rebeldes tentam tirar o presidente Bashar al-Assad, da minoria étnico-religiosa alauíta, do poder.

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parte traça um sucinto panorama dos haitianos no Brasil Meridional e as três

outras partes discorrem sobre elementos de integração e a compreensão das

dimensões materiais dos Direitos Humanos e integração através da Educação.

1) Breve escorço dos Imigrantes no Brasil: convergências e reflexões

à luz dos Direitos Humanos

Na atualidade, pode-se apontar que entre 800 mil e 1,2 milhão de

estrangeiros vivem no Brasil.6 O número é considerado reduzido se levarmos

em conta a dimensão total da população brasileira (200 milhões de habitantes),

porém, a concentração de alguns grupos em cidades específicas vem

contribuindo para uma maior visibilidade do tema migração na sociedade

brasileira. (IBGE, 2015)

As comunidades de bolivianos e chineses na cidade de São Paulo e os

libaneses em Foz do Iguaçu – Estado do Paraná – são alguns casos

emblemáticos. A "lei de estrangeiros" que regula a entrada e permanência de

imigrantes no Brasil foi criada em 1980, ainda na vigência do regime ditatorial

no Brasil e se insere na lógica da "segurança nacional" do período. A

elaboração dessa lei se deu em um momento em que o regime militar estava

particularmente descontente com a "interferência" de religiosos estrangeiros

em assuntos considerados de foro interno e buscava um mecanismo que

facilitasse a expulsão de estrangeiros envolvidos em atividades políticas no

país. De fato, a Igreja Católica no Brasil foi desde o início do período

republicano (1889) uma das principais críticas da legislação brasileira para

estrangeiros, e segue hoje sendo a base para muitas das organizações de

defesa dos interesses e dos direitos dos estrangeiros no Brasil. (REIS, 2011)

A principal crítica das organizações que defendem os interesses dos

imigrantes no Brasil diz respeito ao fato de que muitas das normas presentes

na lei de 1980 estão em descompasso com as disposições relativas ao

6 De 2010 a 2013, o número total de pedidos de refúgio aumentou mais de 930%, passando de

566 para 5.882. O índice faz do Brasil o país que mais recebe refugiados na América Latina e Caribe. Até outubro de 2014, já foram contabilizadas outras 8.302 solicitações. A maioria dos solicitantes de refúgio vem da África, Ásia - inclusive Oriente Médio - e de países da própria América do Sul. (ACNUR, 2015)

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reconhecimento aos Direitos Humanos presentes na Constituição de 1988

(ACNUR et al., 2007). A inconsistência da legislação de 1980 é apontada como

uma fragilidade das demandas do Estado brasileiro para tratar a questão dos

imigrantes em negociações e fóruns bilaterais e multilaterais.

Ao longo dos anos, os movimentos sociais, as organizações não

governamentais e pesquisadores do Brasil ao longo dos anos buscaram não

apenas sensibilizar o Estado brasileiro para as demandas dos emigrantes

estrangeiros, como também construir um consenso sobre a importância das

mudanças na lei de imigração nacional e sua conexão com as necessidades

dos brasileiros no exterior.

Em termos institucionais, a movimentação de pessoas nas das fronteiras

do Brasil envolve um conjunto variado de Ministérios e autarquias tais como: o

Ministério das Relações Exteriores, o Ministério do Trabalho, o Ministério da

Justiça, a Polícia Federal, entre outros. Em princípio, o órgão que coordena as

ações dessas diversas instituições em relação à entrada de estrangeiros no

Brasil é o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), criado pela lei de 19 de

agosto de 1980 e vinculado ao Ministério do Trabalho, e que tem por objetivo,

entre outros, "formular a política de imigração", "coordenar e orientar as

atividades de imigração", fazer um levantamento das necessidades do mercado

de trabalho no Brasil, realizar estudos, coletar informações e "opinar sobre

alteração de legislação relativa à imigração quando proposta por qualquer

órgão do governo executivo" (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA , 1993).

O debate sobre a necessidade de transformar a legislação de estrangeiros

caracteriza-se pela baixa repercussão no cenário variado dos interesses

políticos. Em 2009, o governo encaminhou para o Congresso a proposta do

Novo Estatuto dos Estrangeiros (PL 5.655/2009). Entre outras mudanças, a lei

prevê a transformação do CNIg em Conselho Nacional de Migrações,

estendendo formalmente sua competência a questões que dizem respeito à

emigração de brasileiros.

Nessa assertiva, é importante destacar que três anistias foram realizadas

no Brasil: a primeira em 1988, depois em 1998 e finalmente em 2009. Nesta

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última, 43 mil estrangeiros foram regularizados, entre os quais 17 mil

bolivianos7 e mais de 4 mil paraguaios. Se, por um lado, as anistias

demonstram a "boa vontade" oficial para lidar com a questão dos

indocumentados, por outro lado revelam a persistência do problema ao longo

dos anos e a necessidade de uma política mais abrangente. Idealmente, com a

implementação dos acordos de livre circulação e a nova legislação de

estrangeiros, o número de indocumentados no país deve cair. (REIS, 2011)

2) Haiti: elementos históricos e culturais

Tradicionalmente costuma-se apontar o ano de 1804 como marco de

fundação do Haiti, quando da declaração de sua independência do Império

Francês.8 A história do primeiro país latino-americano independente retrata um

caminho instável em sua trajetória política, econômica e social até os dias

atuais. Revoltas, golpes e repressões marcaram o povo haitiano que sobrevive

à inúmeras violações dos direitos humanos.

Hoje, a "Pérola do Caribe" tornou-se uma das nações mais pobres da

América Latina e atrai atenção da comunidade internacional desde 1991,

devido a presença em seu território de diversas missões da Organização dos

Estados Americanos (OEA) e das Nações Unidas (ONU) impulsionadas pelo

quadro interno de violência e miséria instalado no país, acrescido dos

desastres ambientais vivenciados após o ano de 2010.

7 Segundo dados do IBGE (2013), a imigração boliviana no Brasil é um movimento

migratório ocorrido a partir do último quarto do século XX. É uma das maiores populações do

0,5% da população brasileira que é proveniente dos países da América do Sul, estando sua

maioria localizada nos Estados de Mato Grosso do Sul e São Paulo. É o quinto maior grupo de

imigrantes que vivem no Brasil, superados por americanos, japoneses, paraguaios e

portugueses.

8 Em 1492, Cristóvão Colombo, sob a bandeira do Reino da Espanha chega à ilha recém descoberta batizada de Hispaniola. Inicialmente, os espanhóis estabeleceram fortes no litoral; depois da segunda viagem do almirante ao Caribe, a colonização foi estendida para toda a ilha, ocorrendo numa primeira etapa a escravização dos indígenas para o trabalho na agricultura e cerâmica. A partir de 1520 a colonização espanhola na região teve sua decadência. Nesse período, praticamente toda a população nativa, composta em sua maioria por índios aruaques e caraíbas, havia sido exterminada pelos Espanhóis. Depois da decadência espanhola, a partir de 1625, a ilha teve grande influência francesa. Em 1697 a Espanha e a França assinaram o Tratado de Ryswick, que determina a passagem do controle do terço ocidental de Hispanhola (Haiti) para a França. (C. L. R. James, 2000)

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O Haiti ocupa uma parte ocidental da ilha Hispaniola e é banhado pelo

Oceano Atlântico; ao sul pelo Mar do Caribe (ou Mar das Antilhas); a oeste pela

Baía de Gonaïves, Passagem de Windward e Estreito da Jamaica; e a leste,

compartilha a ilha Hispaniola com a República Dominicana, única fronteira

terrestre com cerca de 360 Km de extensão. Esta característica insular de sua

área lhe confere uma estrutura física predominantemente individual e lhe

conferiu um caráter de território facilitador à projeção de rotas aéreas e

marítimas para a Europa e África. (C. L. R. James, 2000)

Sua economia centra-se na agropecuária – responsável por 28% do PIB,

a indústria (20%) e o setor de serviços com 52%. Na agricultura os principais

produtos são café, cana-de-açúcar, manga, milho, sorgo e arroz. A pecuária é

incipiente, mas desenvolve-se com pequenos rebanhos de equinos, bovinos,

caprinos e aves. Devido a sua característica geográfica, é possível apontar o

pescado como um dos elementos que também colaboram com a economia

local. (MINISTÉRIO GERAL DO HAITI, 2014)

Os demais setores, como a atividade mineradora que extrai mármore,

argila e calcário, têm volume quase inexpressivo e a frágil indústria se

concentra nas áreas alimentícia (farinha e açúcar), têxtil, e de cimento.

Conforme dados econômicos de 2009, é factível indicar que a balança

comercial do Haiti é deficitária e assim se constitui: exportações de US$ 558,7

milhões e importações de US$ 2,048 bilhões, tendo como principais parceiros

comerciais os Estados Unidos – 33,11%, a República Dominicana – 23,53%, as

Antilhas Holandesas – 10,75% e a China – 5,36%. (MINISTÉRIO DAS

RELAÇÕES INTERNACIONAIS, HAITI, 2013)

Enquanto condição social, a população haitiana apresenta dados

elevados de analfabetismo, desemprego, enfermidades e epidemias, acrescido

da violência. Dessa forma, o Haiti possui a titularidade de país que possui 70%

da população total classificada como pobre ou vulnerável e propensa a voltar à

pobreza toda vez que um desastre natural ou uma doença se abater sobre

eles. (USAID, 2015)

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Já a ONU e a UNESCO, assinalam que de um total de um milhão e meio

de acampamentos criados em 2010 para abrigar temporariamente as famílias

desalojadas pelo terremoto, ainda existem 123 e vivem ali mais de 85.000

pessoas que, em sua maioria, não têm acesso à água potável, coleta de lixo ou

energia elétrica, ou estão em risco de sucumbir ao próximo desastre natural.

Em suma, o país mais pobre e desigual do hemisfério, e sua frágil democracia,

continuam tentando sobreviver e nessa assertiva arriscam-se em viagens para

tentar a vida em um país seguro e que os ofereça uma vida digna.

Sendo assim, pode-se resumir que os milhares de pessoas que saíram

do Haiti rumo ao Brasil são produto não de uma imaginada e pretensa cultura

de migração, mas por alguns elementos decisivos: a falta de trabalho com

remuneração adequada, doenças, fome e exclusões diversas colocando o todo

tempo em prova a dignidade da pessoa humana. Os problemas econômicos e

sociais, somado ao desastre ambiental de 2010 e aos dilemas da herança

colonial resultaram na desestruturação das organizações tradicionais, assim

como no neocolonialismo de perfil econômico e financeiro que estão

submetidas especificamente as cidades de Porto Príncipe, Carrefour e Delmas.

3) Processo Migratório e os Haitianos no Sul do Brasil

Como já apontado o Acre figura dentre os Estados que primeiramente

receberam os imigrantes haitianos no Brasil. Segundo dados da Polícia Federal

(2014), aportaram no Acre – desde dezembro de 2010, cerca de 130 mil

haitianos utilizando-se da fronteira do Peru com o Estado e se instalaram de

forma precária ainda nos estados do Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do

Sul e do Pará. Calcula-se que entre janeiro e setembro do ano de 2011, foram

6 mil e, em 2012, foram 2.318 haitianos que entraram ilegalmente no Brasil.

Posterior o fluxo migratória também inseriu os Estados do Sudeste e Sul do

Brasil – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Enquanto questão legal, sabe-se que a grande maioria dos haitianos que

solicitou refúgio no Brasil, não se enquadra como refugiado nos termos da

legislação específica. No entanto, o Governo Brasileiro, por meio do Conselho

Nacional de Imigração (CNIg), decidiu autorizar a permanência por razões

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humanitárias aos haitianos que ingressaram por via terrestre até 13/01/2012.

Neste caso, após o CNIg conceder a residência no Brasil e de posse da

publicação dessa decisão no Diário Oficial da União, os haitianos foram

recomendados a se dirigir a uma unidade da Polícia Federal para registrarem-

se e fazer o pedido de Carteira de Identidade de Estrangeiro.

Após o registro na Polícia Federal, o imigrante estará apto a prorrogar o

prazo de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), nas agências

credenciadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ressalta-se

também que mesmo estando o imigrante com o protocolo de pedido de refúgio

e aguardando a concessão de sua residência pelo CNIg, ele poderá retirar sua

CTPS e trabalhar em qualquer entidade usufruindo da legislação trabalhista do

país de acolhimento.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho (RAIS, 2014), é possível

apontar que dentre os imigrantes haitianos – categoria – Estrangeiros com

vínculo formal de trabalho, segundo principais nacionalidades de um total de

14.579 ingressos no Brasil em 2013, 12.518 eram do sexo masculino e 2.061

feminino. Observamos que ao se fazer a análise considerando a variável sexo,

no período de três anos (2011, 2012 e 2013) e levando em conta todas as

nacionalidades, se obtém uma média de 72% de homens estrangeiros e 28%

de mulheres estrangeiras. (MTE/RAIS, 2014)

Levando em conta os motivos que fizeram com que os imigrantes

haitianos se deslocassem ao Brasil pode-se dizer que no Rio Grande do Sul os

espaços de recepção foram as cidades de Rio Grande e Porto Alegre.

Contudo, impulsionados pelo seu objetivo maior – o trabalho9 – fixaram morada

em cidades de outras regiões como: Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Erechim,

Marau e Passo Fundo.

Na cidade de Erechim (norte do Estado do Rio Grande do Sul), além dos

haitianos é possível identificar senegaleses, um pequeno grupo de Gana e,

9 Entre os anos 2011 e 2013, o total de estrangeiros com vínculo formal de trabalho no Brasil

aumentou registrando-se uma variação de 19% em 2012 se comparado a 2011, e de 27% em 2013 quando comparado a 2012. No acumulado de 2011 a 2013, o número de estrangeiros cresceu 50,9%. (Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)/MTE, 2014)

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alguns angolanos que se apresentam como opção de mão-de-obra a

construção civil esporadicamente. A partir de 2012, o grupo de haitianos que

residiam em Erechim totalizava em torno de 50 pessoas, sendo a maioria

homens, na faixa etária de 18 a 45 anos, apresentando-se majoritariamente

como mão-de-obra para a indústria metal-mecânica e construção civil. (SMED:

Coordenação Pedagógica – NEJA, 2013)

Segundo Tedesco (2012), em termos econômicos, os haitianos a modo

dos senegaleses também apresentam um comportamento empreendedor,

assumindo riscos, comercializando bijuterias e aceitando empregos

temporários para formar fundos e realizar projetos de vida ("constituir meu

próprio empreendimento no Senegal", "sustentar família no Senegal"). O fluxo

de remessas financeiras e o desenvolvimento de competências dos que

passaram por Erechim e Passo Fundo (RS) confirmam essa perspectiva.

Dentre suas inserções na comunidade local e regional já virou rotina vê-

los perambulando pelas ruas da cidade. Enquanto inserção social e cidadã há

algumas ações já efetivadas no quesito Educação e Saúde com o respaldo de

órgãos governamentais. Os haitianos frequentam aulas no turno da noite junto

ao Programa de Alfabetização Municipal como uma forma de garantir melhor

integração a sociedade nacional e regional10.

A possibilidade de alfabetizar-se em língua portuguesa também se

estende para outros benefícios, como a acessibilidade e permanência ao direito

à Educação.11 Nesse espaço os haitianos também recebem alimentação no

período entreaulas, vale-transporte e material didático. Essa ação, como

apontado é o resultado de um protocolo de intenções assinado pela Faculdade

Anglicana de Erechim e o Poder Público Municipal – Secretaria de Educação –

o que possibilitou que outras demandas sociais fossem atendidas como o

10 Em setembro de 2013 a Secretaria Municipal de Educação do município de Erechim e a Faculdade Anglicana de Erechim disponibilizaram estrutura física e pedagógica a estudantes vindos do Senegal para trabalhar no município na categoria Ceja – com ênfase no processo de alfabetização em língua portuguesa. O grupo iniciou com 13 alunos adultos. Passados 6 meses adentraram ao grupo os primeiros haitianos e posterior os Imigrantes provenientes de Gana. 11 Os haitianos são diglóssicos (para designar a situação linguística em que, numa sociedade,

duas línguas ou registos linguísticos funcionalmente diferenciados coexistem, sendo que o uso de um ou de outro depende da situação comunicativa), porque a maioria da população fala o crioulo haitiano, mas compreende o francês.

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acesso a saúde e o acompanhamento junto ao processo de legalização-

documental.

A circulação dos imigrantes nas novas comunidades além-mar provoca

algumas situações novas, interesses e dúvidas em razão de suas presenças,

pois instituem redes informais de (entre)ajuda e consolidam uma dinâmica que

integra e identifica a migração de senegaleses no Brasil. Vários entrevistados

informaram que acabam chamando a atenção de moradores locais pelas suas

vestimentas, pela movimentação nas ruas e praças, por comercializarem nas

ruas de grande fluxo e nas áreas de concentração de comércio formal, bem

como pelo estranhamento ao ouvir a língua usada pela maioria – o crioulo,12

com pouco domínio da língua portuguesa e há concentrações em alguns

espaços específicos da cidade para desenvolverem algumas atividades de

lazer e passeios.

Também é possível constatar que alguns adentraram ao ecletismo

religioso tão bem propalado no Brasil: tornaram-se adeptos de Igrejas

neopentecostais. Em nossa pesquisa, os depoentes declararam que

frequentam as seguintes Igrejas: Assembleia de Deus – do ramo do

pentecostalismo histórico – e as neopentecostais Igreja Universal do Reino de

Deus e Igreja Internacional da Graça de Deus.

Em relação aos aspectos culturais, os haitianos conservam os hábitos

religiosos, alimentares e de convivência compatíveis ao grupo. Entre eles, além

12 O crioulo haitiano, também conhecida como créole, é uma língua falada por quase toda a

população do Haiti (8,5 milhões), havendo ainda cerca de 3,5 milhões de imigrantes que falam

o crioulo haitiano em outros países, tais como Canadá, Estados Unidos, França, República

Dominicana, Cuba, Bahamas. Apresenta dois dialetos distintos: o fablas e o plateau. Muitos

haitianos falam quatro línguas: crioulo, francês, espanhol e inglês. A outra língua oficial do Haiti

é o francês, idioma no qual o crioulo do Haiti se baseia, sendo que 90% do seu vocabulário

vêm dessa língua. Outros idiomas também influenciaram o crioulo haitiano, dentre os quais o

taino (nativo da ilha), algumas línguas do oeste da África (ioruba, fon, ewé). Desde 1961, por

esforços de Félix Morisseau-Leroy e outros, o crioulo haitiano foi reconhecido com língua oficial

ao lado do francês, que fora até então único como idioma literário desde a independência

dessa nação em 1804. Desde o escritor Morrisseau-Leroy, seu uso literário vem crescendo

embora ainda seja pequeno. Desde a década de 1980, ativistas, dentre os quais educadores e

escritores, vêm enfatizando o orgulho da literatura crioula, havendo neste século XXI muitos

jornais, programas de televisão e de rádio no idioma.

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da cordialidade e espontaneidade, é conservada a hierarquia familiar. Nesse

aspecto, é possível sinalizar que os imigrantes aderem à integração junto à

comunidade regional fora do âmbito pragmático do trabalho. Sentem, sim, o

estranhamento mesclado com curiosidade pelos que os cercam e os veem.

No aspecto cultural é possível perceber que, praticamente, se utilizam

dos espaços vagos dos dias e ou dos finais de semana - em momentos que

não estão trabalhando – para telefonarem para amigos e familiares no Haiti e

no Brasil, assistirem televisão e escutarem música. Alguns declaram que já

frequentam clubes que oferecem atividades de dança.

Sabe-se que a ausência de contato com a comunidade produz

distanciamento, indiferença e ausência de fatores integrativos e de

sociabilidade. Beccegato (1995) e Sayad (2008) apontam que não basta

simplesmente adquirir algumas informações sobre usos, costumes ou aprender

línguas estrangeiras para se fazer intercultura; deve-se adentrar, sim, para as

problemáticas cognitivas, afetivas, sociais, desenvolver um pensamento aberto,

flexível, inclusivo, que valorize os comportamentos reconhecidos no diálogo e

no encontro. As identidades e identificações produzidas no interior das

sociedades hospedeiras se (re)constroem pelos autóctones e estrangeiros

também a partir de referenciais simbólicos (MEIHY; BELLINO, 2008).

4) Haitianos no Norte do Rio Grande do Sul: algumas questões

metodológicas

Como já sinalizado, o devido estudo realizou contato direto com um

grupo de 30 estudantes devidamente matriculados na rede municipal de ensino

na região norte do Rio Grande do Sul, mais especificamente na cidade de

Erechim. Do total de 30 alunos, 15 são haitianos e tiveram contato direto com

os proponentes do estudo. Foram realizadas cinco visitas no turno da noite

junto às dependências da Faculdade Anglicana de Erechim – parceira da

atividade educacional junto com a Secretaria Municipal de Educação/Erechim.

Dentre as atividades foram realizadas entrevistas, troca de ideias e

saberes, bem como momentos de diálogos coletivos para discutir os fatores

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que impulsionaram a saída de seu país de origem, viagem, adaptação e visões

iniciais da situação de imigrante. O estudo adotou abordagem qualitativa e o

tipo de pesquisa utilizado foi a pesquisa-ação. O universo foi representado por

15 estudantes – nível de alfabetização e uma educadora.

A técnica de coleta foi realizada através de Grupos Focais, tendo como

função reunir informações detalhadas sobre o processo de deslocamento,

recepção, negações e identidades construídas no país receptor.

Os encontros foram realizados durante dez (10) dias com duas (02)

horas de duração, acompanhados da professora titular. Após obter os dados

coletados do roteiro de entrevista, foi realizada a transcrição e compilação dos

dados. Já a análise e interpretação dos dados foram organizadas na forma

tema x percentual.

Feita a estruturação, os dados obtidos foram comparados entre si a fim

de traçar minimamente características comuns entre eles. Dessa análise foi

possível concluir: 14 entrevistados são do sexo masculino e uma do sexo

feminino; 75% possuía relação civil estável ao deixar o país de origem, sendo

que a maioria mantém contato semanal com a família por meio das redes

sociais. O uso da tecnologia foi assinalado por todos os entrevistados e esses

apontaram que as redes mais usadas para efetivar a comunicação são o

Badoo, Facebook, WhatsApp, e Viber13 – todos com acesso livre de encargos.

Sobre o uso das tecnologias, observou-se que em 100% dos

entrevistados houve afirmação de uso diário. Utilizam-se primeiramente para

entretenimento e obter contato com os familiares. A aquisição de um aparelho

de comunicação móvel está dentre os objetos mais cobiçados após o

recebimento do primeiro salário.

No tópico que solicitava informações acerca da viagem, 55% afirmou ter

passado por países da América Central como Colômbia, Peru e Venezuela e

um depoente afirmou ter tentado a vida na Espanha antes de se deslocar ao

Brasil. Como meios de transporte apontaram automóvel (pequenos 13 Os devidos canais são lugares para se conversar, para adicionar fotos e vídeos, e divulgar aspectos da vida privada, bem como acessar uma tecnologia de forma ágil e com baixo custo.

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deslocamentos), transporte coletivo (ônibus e trem) e avião. A média de

investimentos dispensados desde a saída do Haiti até o Brasil ficou em torno

de 10.000,00 a 15.000,00. Este montante em muitas entrevistas foi sinalizado

que se obteve por meio de empréstimos – com familiares ou agiotas.

Segundo os dados são da Agência Brasileira de Inteligência (Abin, 2015)

pelo menos 38 mil haitianos que já atravessaram, sem visto, a fronteira do

Brasil pelo Acre,14 acrescida da informação que a rede de coiotes já faturou

US$ 60 milhões – o equivalente a mais de R$ 185 milhões – nos últimos quatro

anos. Sobre esse fato houve por parte dos depoentes uma certa resistência em

se pronunciarem sobre o assunto.

É importante assinalar que, pela resolução do CNIg (Conselho Nacional

de Imigração), de 2012, a vigência da concessão de vistos humanitários para

os haitianos se encerra em outubro de 2015, aumentando a pressão para o

ingresso. Entretanto, há a possibilidade de o prazo ser adiado para até o final

de 2015, porém a movimentação de estrangeiros na fronteira não deverá

diminuir ou se encerrar.

Outra determinação do Conare (Conselho Nacional para Refugiados) do

ano passado flexibiliza o acesso ao país de quem se declara nessa condição

perante a Polícia Federal. Isso também explica o grande número de imigrantes

africanos e até asiáticos que estão entrando no país pelo Acre.

Também foi analisado o ponto a qual questionava a relação estabelecida

nos espaços de trabalho. Dentre as observações mais usadas estão a

expressões: aqui trabalho muito, mas tenho salário; os patrões no Brasil não

são ruins, mas trocam os funcionários de função com frequência, e as

dificuldades de adaptarem-se as normas de segurança de trabalho. Muitos

depoimentos afirmam que os treinamentos dados com vistas a proteção do

trabalhador não são bem assimilados pela dificuldade imposta pela língua.

5) Educação e Inclusão: Imigrantes Haitianos no Sul do Brasil

14 Em 2011, o número de pedidos de refúgio no Brasil, feito junto à Polícia Federal, foram de 3.501. Em 2013, chegaram a 17.927. Em meados de 2014, as solicitações de abrigo no país estavam em 17.903.

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Como já apontado, homens e mulheres de idade variada circulam nas

mais diversas regiões do Brasil com o objetivo de integrarem-se a ‘Pátria

Laboral’. Dentre as inúmeras dificuldades de adaptação e inclusão está o

domínio da língua portuguesa. O aprendizado linguístico tem sido a maior

dificuldade dos imigrantes e são observáveis algumas ações desenvolvidas por

conta de organismos não governamentais.

A Igreja Católica por meio de sua pastoral local teve a iniciativa de

começar um curso de português básico em (Porto Velho/RO), ministrado por

um haitiano que já aprendeu a língua portuguesa (Brasil). A partir deste

aprendizado inicial, criou-se um projeto de extensão na Universidade Federal

de Rondônia, denominado Migração haitiana na Amazônia brasileira:

linguagem e inserção social de haitianos em Porto Velho, objetivando de

imediato o ensino da língua portuguesa, noções de história e geografia do

Brasil e da Amazônia, noções de direitos humanos e trabalhistas, visando sua

inserção social. (COTINGUIBA; PIMENTEL. 2012. p. 101.)

Em contrapartida por iniciativa independente do Governo e com o intuito

de auxiliar e ensinar, foi elaborado o método de ensino de português para

Haitianos, implantado pela Marília Pimentel e o Geraldo Cotinguiba, de

Rondônia, no qual oportunizaram um curso em Santa Catarina e outro em

Porto Alegre no ano de 2014.

Nessa assertiva, também pode-se citar a experiência desenvolvida no

norte do Rio Grande do Sul, mas especificamente no município de Erechim

junto a Congregação Anglicana. Essa valorização da cidadania e promoção da

inserção social de um cidadão consciente e de atuação relevante se revela

contínua ao longo da história da Igreja Anglicana no Brasil. Guedes (2010)

assevera que a relevância da educação para a Igreja sempre se deu, também,

no contexto do exercício da cidadania e na busca da democracia plenamente

exercida na vida do país.

Também nos dizeres de Drey, verifica-se uma imbrincada relação da

atuação da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil para a construção de uma

sociedade democrática e para a capacitação de indivíduos capazes de exercer

cidadania plena pelo estabelecimento de entidades educacionais:

Um ponto extremamente relevante para o empreendimento dessas missões no campo educativo, sobretudo de formação das instituições de ensino, era a preocupação com a inserção de novos sujeitos

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ativos na sociedade, que pudessem exercer plenamente sua cidadania e assim contribuir para a consolidação da República brasileira, que dava seus passos nas primeiras décadas do Século XX. (DREY, 2013, p. 38)

A principal motivação da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil para a

manutenção de escolas e missões é a emancipação do sujeito. Com a

educação, a Igreja propagava seus ideais de fraternidade, justiça e igualdade.

Essa atividade educacional proporcionava aos fiéis, e àqueles que noutra

banda não encontrariam guarida, oportunidade de crescimento pessoal, e,

consequentemente, social.

Assim, a Igreja Anglicana manteve postura historicamente vinculada à

propagação dos ideais da cidadania plena e prestação de serviços

educacionais a parcelas vulneráveis da sociedade ou excluídos socialmente,

conforme se verifica nas afirmações de Drey:

A oferta de ensino das instituições anglicanas, ao que consta dos documentos, era destinada a dois públicos distintos: membros da elite não católica, que procurava uma alternativa de ensino frente às instituições católicas romanas; e alguns sujeitos históricos provenientes de camadas sociais menos favorecidas, que encontravam nas instituições anglicanas, a possibilidade do acesso às letras e ao conhecimento. (DREY, 2013, p. 84)

E foi por meio dessas atividades que a Igreja Episcopal Anglicana do

Brasil revelou sua valorização da cidadania e da educação como ferramenta

libertadora e emancipadora, conduta que perdura até hoje como postura de

acolhida e garantia dos direitos dos migrantes, seja através do oferecimento de

oportunidades de formação e aprendizado da língua portuguesa – como forma

de inserção social e exercício da cidadania – seja por intermédio da prestação

de serviços básicos no seio das missões aos marinheiros mercantes, conforme

se verificará mais adiante.

Como meio de consecução de seus fins, a Igreja Anglicana, em várias

localidades do globo terrestre, tem historicamente desenvolvido projetos no

campo da educação, evidenciando sua preocupação com a difusão do

conhecimento a todos quanto possíveis. Em 1907, já se revelava essa

preocupação, conforme o 9º Concílio da Igreja Episcopal Brasileira (como era

denominada a Igreja à época).

As escolas do Governo são lamentavelmente ineficientes. A falta de disciplina intelectual e moral é tão evidente que nem o clero, nem o leigo pode apoiar as escolas ao seu redor. O problema se tornou urgente e as oportunidades proporcionam à Igreja a possibilidade de aprofundar sua influência na vida daqueles que lhes foram confiados

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(ACTAS DO 9º CONCÍLIO DA IGREJA EPISCOPAL BRASILEIRA, 1907, p. 25)

Para Guedes (2010), a importância que a igreja atribuía à educação

tinha também caráter político, ou seja, o exercício da cidadania para a plena

consecução da democracia na vida nacional.

Assim, verifica-se a grande relevância atribuída pela Igreja Anglicana à

educação como ferramenta de inserção social e de desenvolvimento da

cidadania que tem eco, ainda hoje, nas diversas ações desenvolvidas para a

promoção da educação.

A parceria entre Prefeitura Municipal de Erechim e Faculdade Anglicana

de Erechim, tem como objetivo o ensino da língua portuguesa e é desenvolvida

pelas duas entidades, estabelecendo-se a responsabilidade do ente político na

concessão do vale-transporte, alimentação e profissional docente especializada

na alfabetização de jovens e adultos; e da instituição de ensino superior no

fornecimento da infraestrutura de sala de aula.

Este convênio já gera novas oportunidades de inserção e integração aos

haitianos, uma vez que alguns alunos que frequentam o curso de língua

portuguesa há mais tempo, e dominam melhor o vernáculo, iniciaram os

estudos no curso técnico em Segurança do Trabalho no Instituto Anglicano

Barão do Rio Branco (escola de educação básica mantida pela Igreja Episcopal

Anglicana do Brasil em Erechim), desta forma ampliando sua formação técnica

e aumentando suas chances de inserção no mercado de trabalho.

Ainda no âmbito da acolhida e garantia de direitos aos migrantes,

também a Igreja Anglicana tem envidado seus esforços. Cite-se como exemplo

as iniciativas desenvolvidas pela The Episcopal Church15 por meio da missão

aos marinheiros mercantes denominada The Seamen´s Church Institute of New

York and New Jersey (Instituto Igreja dos Marinheiros), com sede em Nova

Iorque e bases de atendimento em Port Newark, em Nova Jersey, e mesmo no

Brasil (no Espírito Santo). Esta missão desenvolve atividades de garantia dos

direitos dos marinheiros mercantes, com ações de conscientização e

fiscalização das condições das embarcações por intermédio do seu Center for

Seafarer´s Rights (Centro para os Direitos dos Marítimos) que conta com

15 The Episcopal Church (A Igreja Episcopal) é a nomenclatura oficial da Igreja Anglicana

adotada nos Estados Unidos da América que caracteriza sua forma de governo através dos Bispos, bem como sua origem histórico-teológica na Reforma Protestante da Europa.

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advogados e acadêmicos do curso de direito designados para fornecer

aconselhamento jurídico aos marítimos e, em caso de necessidade, recorrer ao

judiciário para garantia e proteção às normas laborais, de segurança do

trabalho e de direito internacional marítimo. Uma das atividades mais

desenvolvidas naquela missão é a intermediação com as autoridades

portuárias norte-americanas para que seja concedida a chamada shore-leave16,

muito cobiçada pelos marítimos quando ancorados nos portos estadunidenses.

Outra iniciativa que merece destaque, ainda na mesma seara da

proteção aos direitos dos marítimos, é a The Mission to Seafarers (A Missão

para os Marítimos) da Church of England17, cuja missão é a garantia e proteção

dos direitos dos marítimos nos portos ao redor do mundo. A Missão para os

Marítimos tem instalações em vários portos, inclusive Belém, no Pará, e

Pernambuco (mais especificamente, no Porto de Suape-PE). As atividades

desenvolvidas pela missão vão desde o fornecimento de aconselhamento

espiritual até o auxílio diante das dificuldades com acesso às instalações da

missão ou facilidades instaladas no setor portuário.

No Brasil, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (nomenclatura oficial da

Igreja Anglicana no país), tem desenvolvido, além das parcerias com a The

Seamen´s Church Institute e com a The Mission to Seafarers acima

mencionadas, o atendimento às necessidades dos migrantes por intermédio do

mencionado convênio celebrado entre a Prefeitura Municipal de Erechim-RS e

a Faculdade Anglicana de Erechim-RS onde são oferecidas aulas de

português, gratuitamente, à comunidade de imigrantes da região.

6) Integração e Socialidade: uma experiência coletiva - Fae e Poder

Público Municipal

É possível perceber que a escola, para os imigrantes haitianos, atua

como referência para um novo status, já que em sua maioria, os haitianos

16

Shore-leave é a permissão concedida aos marítimos para desembarcar em território norte-americano, ainda que por poucas horas, para que possam usufruir das instalações da missão – que possui desde capela, salão de jogos, sala de televisão, lanchonete, computadores com internet, cabines telefônicas e um bar com acesso a bebidas alcoólicas – ou possam frequentar um shopping center próximo.

17 Church of England é a denominação oficial da Igreja Anglicana, ou Igreja da Inglaterra, de forma mais escorreita. Esta denominação faz referência ao caráter nacional e estatal da Igreja da Inglaterra, determinando sua condição de igreja oficial do Estado e vínculo com a Coroa Britânica.

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vestem as suas melhores roupas para frequentar as aulas e tem na figura do

professor a representação da autoridade máxima. No contexto da observação

ao grupo foi possível presenciar atitudes e gestos de amabilidade e cooperação

com a educadora e gestão diretiva.

Acrescente-se ainda que o espaço disponibilizado pela Igreja Anglicana

para as aulas termina por ser um ponto de encontros. Concretamente, estes

encontros passam a criar uma rede de sociabilidade que se fortalece, um local

em que as informações são compartilhadas, reuniões para emprego são

realizadas e também se assiste à construção de laços de amizade e à

manifestação das relações de parentesco.

Nesse processo de fortalecimento da cidadania, pela consolidação de

ferramentas de interação social, integração cultural e inserção no mercado de

trabalho, verifica-se que, para os imigrantes haitianos no norte do Rio Grande

do Sul, as possibilidades de alcançar os objetivos pessoais e coletivos de uma

vida melhor são maiores. A condição de expressar-se e ser entendido, assim

como, entender com clareza o que lhe é dito, proporciona melhores condições

de compreensão do mundo ao redor e também possibilidades de maior tempo

de permanência no emprego.

Essa compreensão potencializada também permite aos imigrantes um

melhor entendimento nas normas e regras relativas à saúde e segurança do

trabalhador e culmina por minimizar os riscos no ambiente de trabalho. Não

somente permite ao trabalhador imigrante melhor compreensão das normas de

segurança, bem como, uma maior apropriação dos direitos laborais garantidos

ao operário no Brasil e a possibilidade de denunciar, com clareza, os abusos

sofridos e eventual desrespeito infligido ao seu patrimônio jurídico-laboral.

CONCLUSÃO

O presente trabalho visou discutir elementos da relação existente entre a

chegada dos imigrantes haitianos no Sul do Brasil e seu processo de

integração por intermédio da Educação.

Em relação à fuga das condições de vida miseráveis, como, por

exemplo, tentar escapar dos desastres ambientais e, mais especificamente

quando isso ocorre com o grupo de haitianos, observou-se que as centenas de

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homens provenientes dos países de economia periférica buscam refúgio nos

países de economia central, mas na maioria das vezes não conseguem livrar-

se do estigma da miséria. Trata-se de uma nova era de colonização, mas,

dessa feita, uma colonização feita pelo (e em benefício do) capital.

A revolução tecnológica acarretou consequências no mercado de

trabalho, o que gerou reflexos nas massas migratórias de trabalhadores, que

partiram em busca de colocação profissional. Essa transformação da

tecnologia facilita o trânsito de informações e de pessoas no mundo, o que

também influi nas migrações em geral.

O contato com o grupo de haitianos permitiu concluir que quando o

imigrante é identificado apenas por suas características étnicas e pelo nicho do

mercado de trabalho em que consegue se inserir, o que ocorre com certa

constância, existe uma identificação negativa e como consequência é negado

ao indivíduo o reconhecimento como um ser humano completo. Sua

identificação como trabalhador imigrante diante da sociedade acaba servindo

de empecilho para que possa conseguir melhor colocação de trabalho, ainda

que se trate de um trabalhador qualificado, frustrando suas esperanças de, ao

atravessar fronteiras, obter acesso a um mundo melhor.

Verificou-se, nas entrevistas, que algumas necessidades básicas de

trabalho são desrespeitadas em virtude da condição de imigrantes dos

trabalhadores haitianos como: dificuldade linguística, adjetivações histórico-

culturais e dificuldade em adaptar-se as múltiplas tarefas exigidas pelo

empregador. Sem sombra de dúvidas, o domínio da língua nacional e sua

alfabetização e ampliação da escolaridade os torna cidadãos inclusos.

Através da preocupação com a formação de indivíduos conscientes dos

seus deveres cívicos e com capacidade crítica para valorizar a convivência

democrática, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil promoveu a instituição de

entidades educacionais com vistas à consolidação dos ideais democráticos no

Brasil, desde o século XIX.

Esta postura revela a importância atribuída à educação como ferramenta

de transformação social e pessoal, na medida que fornece ao indivíduo

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condições de protagonismo pessoal e social, assim como, uma sólida e crítica

inserção social.

Aos trabalhadores migrantes a Igreja Anglicana busca fornecer as

mesmas ferramentas dedicadas à formação do cidadão – a educação e o

conhecimento dos seus direitos – como medida de garantia de direitos e

promoção de seus objetivos e do bem-estar social. As iniciativas relatadas no

presente artigo são evidência concreta disso.

No caso dos imigrantes haitianos em Erechim, norte do Rio Grande do

Sul, as oportunidades de solidificação dos conhecimentos a respeito da língua

portuguesa tornam-se em imprescindível ferramenta para compreensão da

sociedade que os cerca, ao mesmo tempo que possibilitam uma maior e mais

concreta segurança pessoal através do entendimento das normas de

segurança do trabalho e regras laborais específicas. Não se olvide, também, da

melhor compreensão obtida dos direitos laborais específicos e inespecíficos,

que possibilita melhor defesa e luta pela garantia de tais direitos, muitas vezes

negados ante a postura injusta e antijurídica dos empregadores.

Assim, os imigrantes aqui estudados passam a integrar-se à sociedade

circundante, com maior segurança, compreensão e mais chances de realizar-

se como cidadãos e indivíduos, e, principalmente, protagonistas da própria

história.

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IMPACTOS SOCIAIS E ECONÔMICOS DA IMIGRAÇÃO NA

EUROPA DO SÉCULO XXI

AUTOR: Brenda Aline Saches Bolonha¹

ORIENTADOR: Professora Michele A. Hastreiter

O presente trabalho pretende analisar os diversos cenários globais que têm

contribuído para o aumento significativo nos fluxos de pessoas entre fronteiras, bem

como buscar compreender quais são os impactos sociais e econômicos causados pelo

grande número de imigrantes e refugiados que tem buscado no continente europeu

melhores condições de vida. Além disso pretendesse entender qual é o real cenário

econômico e demográfico na Europa pós crise do euro e desta forma visualizar os

possíveis desdobramentos do cenário atual de imigração para as políticas migratórias

europeias.

Palavras-chave:

Imigração, impactos socioeconômicos, crise do euro, políticas migratórias.

¹ Graduanda do 7º Período de Relações Internacionais do Centro Universitário

Curitiba- UNICURITIBA.

² Mestre em Direito Econômico e Socioambiental – PUCPR e Professora no Centro

Universitário Curitiba – UNICURITIBA

MEDIAÇÃO SÓCIOCULTURAL – uma maneira coesa de inserir imigrantes e

refugiados na sociedade

MEDIATION SOCIAL-CULTURAL – a better way to integrate immigrants and

refugees into the society

RESUMO:

A integração de imigrantes e refugiados, é premissa básica para se estabelecer

novos padrões na sociedade global. Porém, se torna um dos fatores de maior

dificuldade, tanto para a população deslocada, quanto para a sociedade local,

instituições de auxílio e órgãos públicos, devido à dificuldade que os atores

envolvidos têm, em se adaptar a este novo contexto em que estão inseridos.

Visto isso, surge o mediador sociocultural, como um interlocutor cultural e social,

uma ponte de ligação entre diferentes povos, afim de se criar um ambiente

voltado para a tolerância e o respeito mútuo, promovendo o desenvolvimento.

O presente trabalho tem o intuito de viabilizar a figura do mediador sociocultural

como uma alternativa importante para a inserção das minorias étnicas na

sociedade.

A partir do exemplo da posição do mediador sociocultural na Europa, mais

especificamente em Portugal, deseja-se ampliar o conceito do mediador para a

área de integração de imigrantes e refugiados, buscando uma maior

compreensão nas áreas de direitos individuais, culturais e sociais.

ABSTRACT:

The integration of immigrants and refugees is a basic premise to set new

standards in the global society. However, becomes one of the factors of greatest

difficulty, both for the displaced population, as for the local society, aid institutions

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and public bodies, due to the difficulty that the actors involved have to adapt to

the new context in which they are insert.

Seeing this, the cultural mediator, as a cultural and social interlocutor, a bridge

linking different peoples, in order to create an environment focused on tolerance

and mutual respect, promoting development.

This work is intend to make the figure of the cultural mediator as an important

alternative to the integration of ethnic minorities in society.

From the example of the cultural mediator in Europe, more specifically in

Portugal, one wishes to broaden the concept of mediator for the area of

integration of immigrants and refugees, seeking a greater understanding in the

areas of individual, cultural and social rights

PALAVRAS CHAVE:

Imigração, Refugiados, Mediação, Integração e Educação.

KEYWORDS:

Immigration, Refugees, Mediation, Integration e Education.

INTRODUÇÃO:

A proposta desse artigo é viabilizar o papel do mediador sociocultural como uma

opção facilitadora de integração de imigrantes e refugiados na sociedade

brasileira.

Mediação sociocultural é uma atividade bastante recorrente no contexto

educacional. e tem como objetivo auxiliar pais e alunos na coesão social e na

sistematização dos seus modelos sociais e das metodologias de aplicação

existentes.

Já no contexto de migrações, a mediação surge como uma ferramenta de luta,

contra o preconceito e a intolerância, e o mediador, atua como uma ponte entre

margens opostas, um elo de ligação entre contextos diferenciados e realidades

econômicas distintas.

É imprescindível abrir novos campos de intervenção numa perspectiva de

inclusão social, onde a mediação possa ser entendida como uma estratégia

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inclusiva, numa dimensão relacional e de combate à exclusão onde se

aproximam diferentes visões do mundo.

Também se destaca a importância de haver um mediador que saiba balizar os

interesses de todas as classes envolvidas no processo de integração, tornando

o processo de inclusão de minorias étnicas e religiosas mais consistente e

natural, sem forçar ou impor nenhuma situação traumática, inclusive para os

membros da sociedade que os acolhem.

Percebe-se que a inserção do imigrante no mercado de trabalho acontece de

forma mais amena e consciente, quando o estrangeiro já está mais familiarizado

com a língua, os costumes e leis do país de destino. Analisando o outro lado,

conclui-se também que a aceitação da inserção do estrangeiro, seja no mercado

de trabalho, ou em outros ambientes da sociedade, se dá de maneira mais coesa

a partir do momento em que sua cultura, história, religião e costumes são

contextualizados, e assim, mais facilmente entendidos e respeitados pela

sociedade local.

Partindo dessa premissa, a proposta se dá tendo o trabalho de mediação

sociocultural como um recurso para evitar a exclusão social de imigrantes e

refugiados, inseridos em um contexto de mundo globalizado, agravado pela crise

imigratória e humanitária da atualidade.

DESENVOLVIMENTO:

A figura de mediador sociocultural está melhor desenvolvida nos países

europeus, principalmente em Portugal. Abaixo segue a regulamentação

profissional pela lei portuguesa.

Mediador Sociocultural

Aquele que, tendo ou não vínculo laboral à entidade beneficiária, tem por função

designadamente, intervir nas ações dirigidas à promoção da integração de

imigrantes e minorias étnicas, na perspectiva do reforço do diálogo intercultural

e da coesão social, bem como outros que intervenham nas áreas da igualdade

de género e violência de género.

Fonte: Artigo 15.º do Despacho Normativo n.º 4-A/2008, de 24 de janeiro, na sua atual redação.

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O papel do mediador sociocultural ainda é pouco explorado e conhecido. Essa

atividade é mais difundida na Europa, e está inserida no contexto educacional e

cultural da sociedade. Percebemos que se trata da necessidade de incluir

minorias étnicas no sistema de ensino nacional e assim, proporcionar maior

integração de classes desfavorecidas na sociedade.

No contexto europeu, portanto, os estudos e propostas de educação multicultural

e intercultural têm sido elaborados em estreita relação com a presença de

imigrantes que, em quantidade cada vez mais maciça desde os últimos

cinquenta anos, buscam inserir-se no mercado de trabalho e na vida social de

vários países. Pela própria natureza de sua origem, a educação intercultural tem

como finalidade, promover a integração entre culturas, a superação de velhos e

novos racismos, o acolhimento dos estrangeiros, principalmente das novas

gerações de imigrantes.

Já no âmbito intercultural, os mediadores tendem a designar o conjunto de

intermediários pelos quais culturas e costumes de alguma minoria poderiam se

tornar conhecidos, compreendidos e respeitados.

O termo mediação, busca trazer de forma explícita a noção de acessibilidade,

sendo que, para haver uma mediação, é importante que se tenha alguma

questão a ser apresentada e algum público para receber. Se levarmos em

consideração a função do mediador social, percebemos que se trata de um

facilitador de inclusão de minorias étnicas, que busca minimizar os conflitos

existentes entre diferenças culturais, proporcionando conhecimento e

informação aos atores sociais.

[...] deve existir um diálogo entre as diferentes culturas para encontrarem uma maneira mais

abrangente de aplicar os Direitos Humanos universais, respeitando a diversidade de cada região, porém escolhendo uma versão mais flexível que sustente a inclusão de diferentes

axiomas na aplicação dos Direitos Universais. ” Santos, Boaventura de Souza. "For a

multicultural conception of human rights." Lua Nova: Revista de Cultura e Política 39 (1997): 105-124.

Pode-se afirmar, que a política dos Direitos Humanos é uma política cultural e

social, sendo assim enfrenta barreiras físicas, de fronteiras e países. Para

garantir maior aplicabilidade dos direitos individuais, deve-se assegurar também

direito à cultura, direito coletivo e ambiental.

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Alguns autores defendem a ideia de que, enquanto os Direitos Humanos forem

tratados como universais, dificilmente irá abranger as necessidades de toda a

população do mundo globalizado.

[...] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais em abstrato, os Direitos Humanos tenderão a operar como um localismo globalizado, e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica. (Santos, 2006, p. 441-442)

Segundo Boaventura, o localismo globalizado é a hegemonia da civilização,

influenciada pelos costumes europeus, e definida a partir de seus costumes e

crenças. Na visão do autor, seria impossível cobrir toda a população mundial

com direitos criados a partir de uma cultura imposta e generalizada.

Na atual conjuntura internacional, onde a migração está ocorrendo a passos

largos e as diferenças culturais estão ficando cada vez mais evidentes, o

discurso de Boaventura se mostra eficiente e bastante atual, pois só

conseguiremos garantir os direitos universais se respeitarmos os direitos

individuais e culturais de cada um. E é a partir desse paradigma, que o mediador

sociocultural se mostra necessário dentro desta sociedade miscigenada.

Não podemos ignorar a situação de atritos culturais que o Brasil também está

inserido. A constituição étnica do Brasil decorre de grandes fluxos migratórios,

que ocorreram a partir do início da colonização e se estendem até hoje.

Primeiro, no processo de colonização, em que a implantação do modo de

produção capitalista na América Latina se deu com base na exploração da mão-

de-obra escrava. As populações indígenas, dada sua resistência à submissão

escravista, foram dizimadas ou expulsas para o interior do território e, em seu

lugar, foram trazidos à força grandes contingentes de população de origem

africana. Os preconceitos racistas que discriminam os negros e excluem os

índios no Brasil, têm suas raízes neste contexto histórico-social da sociedade

colonial escravocrata.

O segundo fluxo migratório ocorreu em meados do século XIX e XX, com a vinda

de milhares de imigrantes da Europa, Ásia e Médio Oriente, que viviam em

condições desfavoráveis nos países industrializados, para sustentarem, como

mão-de-obra mais qualificada, o desenvolvimento econômico capitalista nos

países periféricos. Os diferentes grupos de novos imigrantes passaram a viver

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processos de conflito, assimilação e integração, tanto entre si quanto em relação

aos grupos étnicos descendentes de indígenas, portugueses e africanos.

Atualmente não podemos afirmar que o Brasil esteja sofrendo mais um fluxo

migratório, porém o aumento de imigrantes nos últimos cinco anos é visivelmente

perceptível. Imigrantes de países africanos, haitianos e sírios, trazem à tona

fenômenos de racismos, de discriminação étnica, social e religiosa, de

fechamento ao diferente e de conflitos culturais recorrentes em uma nação criada

a partir da miscigenação e mistura dos povos.

Com o aumento da imigração, algumas minorias étnicas vão se formando e a

exclusão social se torna uma ameaça real. A dificuldade com a língua, a falta de

convívio com familiares, a dificuldade de entrar no mercado de trabalho e a

ausência do convívio social, torna a integração dos imigrantes muito difícil,

demorada e em alguns casos, impossível aos olhos do deslocado, que já se

encontra em uma situação de completa angústia e isolamento.

[...]. Nesta perspectiva, os agentes – institucionais ou não – podem encontrar na dimensão intercultural instrumentos indispensáveis para promover a formação da autoconsciência – e, portanto, de presença e ação – em sujeitos que vivem em ambientes marginalizados (rurais e

urbanos). [...] (FLEURI, R. M.2003, p., 121-136)

No caso das minorias étnicas, a mediação sociocultural surge como um

instrumento fundamental, que aparece ao mesmo tempo como consequência da

desagregação de laços sociais, e resposta adaptada à reconstrução de uma

nova forma de coesão social.

Partimos da hipótese ampla de que, a mediação é um processo socialmente

construído, detentor de um papel de catalisador, o que implica considerar que o

papel do mediador não é de juiz, de conselheiro, árbitro ou terapeuta, mas sim

de alguém que procura a reinserção dos indivíduos na vida em sociedade. Isto

é, procura reconstruir as interações entre os indivíduos marginalizados e a

sociedade, de modo a que se possa dar a socialização, dignidade e

independência econômica.

Para que a mediação sociocultural seja possível e eficaz no campo das

migrações, propõem-se algumas ações relativas a atividade.

•. Identificar e aprofundar o conhecimento sobre a mediação sociocultural;

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•. Contribuir para a concepção de cursos educacionais que contribuam na

formação de mediadores;

•. Buscar parcerias nas diversas instituições que desenvolvam o apoio aos

imigrantes em Curitiba e região, despertando a importância da figura do

mediador no processo de integração.

É visível que o trabalho de mediação sociocultural já esteja sendo realizado no

Brasil e na região de Curitiba por diversos atores institucionais, que atuam na

área de migrações e integração em nossa região.

O que esse presente estudo vislumbra conseguir de novo nesse contexto, é a

possibilidade de tornar a atividade do mediador sociocultural mais acessível em

diversos setores da sociedade, como escolas, empresas, instituições de ensino,

universidades, instituições religiosas, organizações não governamentais e na

mídia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A crise migratória que se desenrola em todo o mundo está longe do fim. O conflito

armado na Síria, é a principal causa do aumento exponencial de pedidos de

refúgio no mundo, porém, não o único. Casos no sudeste asiático, como

Bangladesh e Mianmar, em diversos países da África, como Sudão do Sul e a

República Democrática do Congo, são casos que evidenciam a urgência da

situação e a enorme barreira que o mundo desenvolvido precisa enfrentar para

auxiliar estas pessoas.

Tirá-los das zonas de conflito, é apenas o primeiro passo desta jornada

humanitária e desenvolvimentista. Dar condições de sustento, devolver a

autoestima e a dignidade dos imigrantes e refugiados, é condição essencial para

torná-los cidadãos ativos, responsáveis e atuantes nos lugares em que

reconstruirão suas vidas.

Criar condições para este resgate da individualidade e da independência, é

contribuir com as economias locais, fomentar a discussão acerca do tema e a

difusão de novas culturas e de uma educação voltada para a paz e a tolerância.

Mas principalmente, resguardar as novas gerações, nascidas em meio aos

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conflitos, e faze-las deslumbrar a possibilidade de terem vidas felizes e dignas

nos próximos anos de suas vidas.

Contribuir para este resgate, é a principal função do mediador sociocultural, pois

assim, se torna uma ponte em que ligará dois mundos opostos, a um objetivo

em comum.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS –

Oliveira, Ana, Carla Galego, and Laura Goudinho. A mediação sócio-cultural: um puzzle em

construção. Vol. 14. ACIDI, IP, 2005.

www.cult.ufba.br/enecult2009/19356.pd

Santos, Boaventura de Souza. "For a multicultural conception of human rights." Lua Nova:

Revista de Cultura e Política 39 (1997)

Candau, Vera Maria. "Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre

igualdade e diferença." Revista Brasileira de Educação 13.37 (2008)

FLEURI, R. M. Educação intercultural, gênero e movimentos sociais no Brasil. Ed. Educar,

Curitiba, Especial, p. 121-136, 2003. Editora UFPR

Dantas, Sylvia Duarte (org.). Diálogos Interculturais: Reflexões Interdisciplinares e Intervenções

Psicossociais, São Paulo, Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo,2012.

ISBN: 978-85-63007-03-2

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MICHEL EHRLICH

Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil

Graduando em História – Licenciatura e Bacharelado

Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET – SESu) – História UFPR

Mediador de visitas no Museu do Holocausto de Curitiba

[email protected]

MEMÓRIAS DE EMIGRAÇÃO FORÇADA TRANSMITIDAS ÀS GERAÇÕES

SEGUINTES – O CASO DE IMIGRANTES JUDEUS E SEUS FILHOS EM

CURITIBA ATRAVÉS DA REVISTA DE CIRCULAÇÃO INTERNA “O

MACABEU” ( 1954-1970)

FORCED EMIGRATION MEMORIES TRANSMITTED TO THE FOLLOWING

GENERATIONS – THE CASE OF JEWISH IMMIGRANTS AND THEIR CHILDREN

IN CURITIBA THROUGH THE INTERNAL CIRCULATION MAGAZINE “O

MACABEU” (1954-1970)

RESUMO

Do final do século XIX à primeira metade do século XX aportou no Brasil um número

significativo de judeus. Uma das características singulares desse grupo, é que, em sua

maioria, vieram da Europa fugindo de perseguições antissemitas, desde pogroms no

Leste Europeu até o Holocausto. Procurando melhores condições de vida e serem

aceitos como judeus, muitos se adaptaram bem ao Brasil, apesar de ainda sofrerem por

vezes com o antissemitismo. A memória das perseguições sofridas na Europa, no

entanto, impactou o cotidiano de muitos desses sujeitos, que também transmitiram

essas memórias às gerações seguintes. Isso é observável em “O Macabeu”, revista de

circulação interna da comunidade judaica de Curitiba, editada nas década de 1950 e

1960 por jovens da coletividade, a maioria filhos de imigrantes. Apesar de

relativamente inseridos na sociedade, pairava sobre esses jovens ainda uma atmosfera

de insegurança. Na revista é refletido um constante temor de que o bom momento

fosse passageiro e o antissemitismo pudesse retornar com mais força a qualquer

momento. Por isso, o permanente estado de alerta, a necessidade de evitar divergências

internas, o combate à assimilação, o vínculo com o Estado de Israel e a preservação da

memória de perseguições sofridas em um passado recente e também distante ocupam

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espaço de destaque na revista. O resultado desse impacto varia do fechamento interno

ao combate a todas as formas de preconceito, mas de todo modo a memória coletiva

construída sobre as perseguições que forçaram a emigração da Europa é parte da

identidade desses indivíduos.

Palavras-chaves: imigração judaica, antissemitismo, memória coletiva, imprensa,

Curitiba

ABSTRACT

From the late XIX century to the first half of the XX century arrived in Brazil a

significant number of Jews. One of the unique characteristics of this group, is that they

mostly came from Europe fleeing anti-Semitic persecution, from pogroms in Eastern

Europe until the Holocaust. Looking for better living conditions and to be accepted as

Jews, many have adapted well to Brazil, although still suffering sometimes with anti-

Semitism. The memory of persecutions in Europe, however, impacted the daily lives

of many of these individuals, who also transmitted those memories to future

generations. This is observable in "O Macabeu", internal circulation magazine of the

Jewish community in Curitiba, published in the 1950s and 1960s by young people of

the community, mostly children of immigrants. Although relatively integrated into

society, hung over these young people still an atmosphere of insecurity. The magazine

reflected a constant fear that the good times were fleeting and anti-Semitism could

return stronger at any time. Therefore, the permanent state of alert, the need to avoid

internal differences, the fight against assimilation, the link with the State of Israel and

the preservation of persecution memory suffered in the recent and also far past far

occupy a prominent space in the magazine. The result of this impact varies from

internal lock to the combat of all forms of prejudice, but in any case the collective

memory built on the persecution that forced emigration of Europe is part of the

identity of these individuals.

Key-Words: Jewish immigration, anti-Semitism, collective memory, press, Curitiba

INTRODUÇÃO

Apesar de crescentes, os estudos sobre judeus no Brasil ainda não são muito

frequentes. Segundo Jeffrey Lesser, um dos motivos para isso é que essas pesquisas se

encontram na interseção de dois campos que pouco travam contato entre si: Historia da

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América Latina (ou especificamente do Brasil) e História Judaica.

“os historiadores latino-americanos tenderam, ao menos até recentemente, a encarar

o estudo sobre os judeus como sendo, na realidade, uma parte da história judaica,

relegando-os implicitamente a um espaço onde não eram considerados verdadeiros

latino-americanos. Ao mesmo tempo, os historiadores judaicos tenderam a

classificar, de forma generalizante, todas as comunidades que não apresentassem

grande proporção numérica na categoria “Outros” e, portanto não merecedoras de

um estudo cuidadoso.” 1

Contudo, as relações entre a sociedade e o Estado brasileiro e os judeus que

para lá imigraram e até hoje habitam pode contribuir para os estudos sobre questões de

imigração, raça, etnia e religião no Brasil.

Neste trabalho, procuraremos analisar os efeitos da experiência da imigração

forçada (já que a grande maioria dos judeus chegados ao Brasil vieram, como

detalharemos mais a frente, fugindo de perseguições) não somente sobre os próprios

imigrantes, mas também sobre a geração seguinte de membros da comunidade judaica

de Curitiba. Para tal, tomaremos como principal fonte, uma revista de circulação

interna da coletividade judaica de título O Macabeu, publicada entre 1954 e 1970.

Esta apresentação faz parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida como

pesquisa individual que realizo como membro do PET-História da UFPR sob a

orientação da professora Marion Brepohl de Magalhães do departamento de História

da UFPR.

DESENVOLVIMENTO

Antes de adentramos na análise central, faz-se necessário abordar brevemente

alguns tópicos importantes para nossa análise.

A presença judaica no Brasil pode ser remontada ao século XVI com a chegada

de cristãos-novos fugindo da inquisição e de judeus acompanhando a passagem

holandesa pelo Nordeste brasileiro. No entanto, o primeiro grupo se assimilou

praticamente que por completo, diluindo-se na sociedade maior, enquanto o segundo

contingente deixou o Brasil juntamente com os demais holandeses. Mais tarde, haveria

um fluxo migratório de judeus vindos do Norte da África, em especial do Marrocos,

atraídos pela exploração da borracha na região amazônica. Entretanto, esses judeus

pouco contato tiveram com o Centro-Sul brasileiro. Nas regiões Sul e Sudeste do

1 LESSER, Jeffrey. O Brasil e a Questão Judaica. Tradução Marisa Sanematsu. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995, p. 9

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Brasil, as comunidades formar-se-iam a partir do final do século XIX, com judeus

vindos principalmente do leste europeu e mais tarde da Europa central e ocidental.

Concentrando-se nessas comunidades do Centro-Sul, observa-se como

particularidade que a maioria dos imigrantes (seja vindo em condições legais ou não,

com ou sem status de refugiados) deixou a Europa fugindo de perseguições, desde

pogroms (ataques em massa, espontâneos ou coordenados direcionados principalmente

a judeus, mas também a outras minorias, principalmente no final do século XIX e

início do XX) no leste europeu até a Shoah (termo utilizado para designar o

Holocausto Judeu). Portanto, o antissemitismo enfrentado na Europa marcou

profundamente a identidade desses indivíduos e o modo como orientaram suas

relações com a sociedade não-judaica a sua volta, tanto na geração migrante, como nas

seguintes. Assim, discutiremos a seguir as especificidades desse antissemitismo que

levou essas pessoas a cruzarem o oceano Atlântico procurando melhores condições de

vida como judeus, tomando como principal referência o pensamento de Hannah

Arendt.

ANTISSEMITISMO

No primeiro capítulo de Nem Rotschild nem Trotsky: o pensamento anti-semita

de Gustavo Barroso2, Marcos Chor Maio discute duas grandes correntes de análise

sobre o fenômeno do antissemitismo. Essencialmente, uma vê o antissemitismo em

termos de continuidade e a outra como uma sucessão de rupturas.

A primeira corrente, adotada inclusive por intelectuais como Norman Cohn e

Jean-Paul Sartre e de modo geral pelas comunidades judaicas no pós-guerra, defende

que o antissemitismo seria um fenômeno cíclico, imutável e atemporal, variando

apenas na aparência ou na forma de se justificar ao longo da história. Seria, assim, uma

constante e tratado praticamente como uma característica inata da sociedade cristã,

quiçá mundial. Por isso, Maio criticamente define essa corrente como “uma concepção

apriorística da relação judeu/não-judeu”3. O antissemitismo estaria, nessa concepção,

além da história.

2 MAIO, Marcos Chor. Nem Rostschild nem Trosky: O pensamento anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1992. 3 MAIO, Marcos Chor. Nem Rostschild nem Trosky: O pensamento anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1992, p. 42

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Hannah Arendt se apresenta como o grande contraponto a essa visão, propondo

uma análise dialética do antissemitismo, no qual não somente as ações e ideologias dos

antissemitas são objeto de estudo, mas também a reação da vítima, no caso os judeus,

que mutuamente se influenciam e se modificam entre si. Nessa concepção, em que as

rupturas se sobrepõem às continuidades, o antissemitismo, mesmo que dotado de

mesmo nome e compartilhando características ao longo do tempo, não se configuraria

como um fenômeno único e constante ao longo da história. Ao tomarmos esse ponto

de vista, inserimos o antissemitismo na história. No contexto de sua divulgação, nas

primeiras décadas após a segunda guerra mundial, a tese de Arendt foi recebida com

muitas controvérsias, por supostamente culpabilizar as vítimas do antissemitismo.

Porém, o que Arendt faz é, pelo contrário, contrariar a visão de passividade dos judeus

vítimas de antissemitismo e atribuindo para eles um protagonismo na história.

Esse ponto de vista é esclarecido por Arendt ainda no prefácio da parte I-

Antissemitismo de Origens do Totalitarismo:

“Entre o antissemitismo como ideologia leiga do século XIX [...] e o antissemitismo

como ódio religioso aos judeus, inspirado no antagonismo de duas crenças em

conflito, obviamente há profunda diferença. Pode-se discutir até que ponto o

primeiro deve ao segundo seus argumentos e a sua atração emocional. A noção de

que foram ininterruptamente contínuas [...], frequentemente conjugada com a ideia

de que o antissemitismo moderno nada mais é senão uma versão secularizada de

populares superstições medievais, não é menos preconceituosa [...] que a noção

antissemita de uma secreta sociedade judaica, que dominou ou procurou dominar o

mundo desde a Antiguidade.” 4 Hannah Arendt procura traçar as origens do antissemitismo racial moderno

(diferente do ódio religioso), notando a ausência de meios institucionais próprios de

defesa para os judeus, dependendo da proteção de poderosos não-judeus, dos quais se

aproximavam prestando serviços (com destaque para o crédito) em troca de proteção.

Porém, ao contrário do pregado pelo mito antissemita, essa ligação econômica com o

poder não se configurava como uma ligação política para além da segurança. No

entanto, essa relação com o poder (inicialmente com nobres, mais tarde como o Estado

como instituição) fazia com que cada grupo social que se voltasse contra o Estado

acabasse direcionando sua ira contra os judeus, por crerem, erroneamente, que estes

dominavam o poder, em processo crescente até o antissemitismo político se tornar uma

ideologia supranacional por volta da década de 1870. Isso pois é em torno dessa época

4 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo; tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 17

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que os judeus deixam de ser necessários como financiadores do Estado, pois a

burguesia ascendente, até então desinteressada nos negócios estatais, se dispõe a

financia-lo com a expansão imperialista (sem no entanto apagar a imagem do judeu

ligado ao Estado). Canalizando o ódio dos diversos grupos sociais que se voltam

contra o Estado e já não sendo necessários para este, os judeus, aos olhos da sociedade

europeia, poderiam e deveriam ser eliminados.

Muitos judeus, especialmente na Europa central – com destaque para a

Alemanha – procuraram, ao longo da segunda metade do século XIX e início do XX

assimilar-se a sociedade maior. Ainda que pudessem ter sucesso a nível individual (e

ainda assim, Arendt destaca que frequentemente justamente pelo aspecto “exótico” da

sua origem judaica), como grupo e mais ainda como identidade caso a reivindicassem,

os judeus, ainda que de uma forma diferente (e potencialmente muito mais destrutuiva

como ocorrerá durante o nazismo) do isolamento medieval religioso, continuavam

como párias de uma sociedade que não os desejava e não mais os necessitava.

Diante dessa condição, muitos judeus procuraram na emigração a saída. Um

movimento importante foi o deslocamento de regiões da Europa Oriental, onde o

antissemitismo se manifestava de forma mais violenta na segunda metade do século

XIX – e também provocava marginalização econômica -, para a Europa Central e

Ocidental, onde, apesar do antissemitismo social, em termos das instituições de Estado

acreditavam haver um aparente movimento de diminuição do antissemitismo, uma

igualdade jurídica oficial e casos de antissemitismo de Estado parecerem esporádicos

(apesar de casos como o do capitão Dreyfus). É nesse contexto que surge também o

movimento sionista, apregoando como saída a emigração para a região da Palestina e

fundação lá, de um Estado nacional próprio para os judeus, de modo a não necessitar

mais da proteção de nenhum outro povo, ideia a qual um número inicialmente pequeno

de judeus, mas que cresceu rapidamente, aderiu. Outros vislumbraram possibilidades

do outro lado do Oceano Atlântico, procurando espaço principalmente nos EUA e

Argentina, países que muitas vezes dificultaram a entrada de estrangeiros e

especialmente de judeus a partir das primeiras décadas do século XX. Assim, um

contingente começou a se dirigir também para o Brasil.

JUDEUS NO BRASIL

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A presença judaica no Brasil foi formalmente aceita na constituição de 1824

que instituiu a liberdade religiosa no país. Porém, foram as leis restritivas a imigração

nos EUA e Argentina que fizeram com que o fluxo de imigrantes judeus para o Brasil

se tornasse mais significativo a partir da década de 1920, vindos principalmente do

Império Russo, dos Balcãs e de países da Europa Oriental como Polônia, Hungria e

Romênia. Segundo o já citado Jeffey Lesser, a imagem do Brasil como país tolerante e

de economia crescente também serviram de motivação na escolha de muitas dessas

pessoas:

“À medida que os judeus prosperavam em pequenas e grandes cidades espalhadas

pelos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, eles

enviavam uma nova mensagem para a Europa. O Brasil não era mais a land fun di

mahlpes (terra dos macacos), mas uma terra de prosperidade e poucos conflitos

religiosos. O substancial crescimento econômico e industrial ocorrido após a

Primeira Guerra Mundial gerava empregos e, para os judeus que encontravam

restrições econômicas no Leste europeu, a economia brasileira em desenvolvimento

funcionava como um imã.” 5

René Decol6, citando vários estudos demográficos estima o número de judeus

chegados ao Brasil entre 1920 e o início da segunda guerra mundial (após a qual

chegaria uma nova onda expressiva de imigrantes sobreviventes da Shoah) em 50.000

pessoas. O número de judeus no Brasil em 1940 seria em torno de 56.000 pessoas,

aumentando para 70.000 em 1950 e 90.000 em 1980. De acordo com o censo de

20107, haveria 107.329 brasileiros auto-declarados judeus, concentrados

principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. O número pode parecer pequeno

quando comparados a outros grupos imigrantes como alemães ou italianos, mas

apresenta traços muito peculiares que os tornam de grande interesse, como o fato de

virem diretamente para os grandes centros urbanos e principalmente de terem deixado

a Europa não fugindo de condições de vida adversas em termos de subsistências

econômica, mas de perseguições por serem judeus.

O Estado e a sociedade brasileira adotaram posturas bastante ambíguas em

relação aos judeus que procuravam imigrar para o Brasil e àqueles já estabelecidos.

Ainda em 1921 foi criada uma lei restritiva, impondo ao imigrante provas de que teria

5 LESSER, Jeffrey. O Brasil e a Questão Judaica. Tradução Marisa Sanematsu. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995, p. 61 6 DECOL, René Daniel. Judeus no Brasil: explorando os dados censitários. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v. 16, n. 46, p. 147-160, 2001. 7 IBGE. Censo Demográfico 2010 : Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro, 2010.

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condições de sobreviver financeiramente. Essa lei, contudo, bem mais branda do que

de outros países era facilmente contornada. Em meio à sociedade, por outro lado, um

sentimento antissemita começou a se fortalecer, trazendo muitos elementos

“importados” da Europa. Algumas das justificativas antissemitas citadas por Lesser

são: culpabilização por conflitos sociais; a suposta associação dos judeus ao

comunismo; a existência, ainda que em baixíssimo número, de judias prostitutas (as

chamadas polacas).

Com a ascensão de Getulio Vargas ao poder em 1930, o Estado brasileiro adota

uma postura mais ativa contra a imigração, em especial de elementos tidos como

incapazes de se assimilarem a uma suposta “brasilidade”. A esse respeito

“... os imigrantes judeus que chegavam ao Brasil raramente provinham de áreas

rurais e, não sendo lavradores, não contavam com o apoio dos grandes proprietários

de terra. Os nativistas urbanos, em geral em desacordo com os fazendeiros acerca da

política de imigração, também encaravam os judeus de forma negativa,

considerando-os uma pérfida raça não-branca cujas diferenças raciais eram

perigosamente indistinguíveis. A rejeição aos judeus tornou-se uma das poucas áreas

de consenso entre os políticos urbanos e rurais.” 8

Essa política anti-imigração, que já contava com um aumento na rigidez de

critérios de entrada, teve seu apogeu em junho de 1937 com a emissão da Circular

Secreta 1127 do Ministério das Relações Exteriores, proibindo a concessão de vistos

para pessoas de “origem semítica”

Baseados principalmente nessa legislação antissemita, muitos pesquisadores

concluíram ser o período Vargas (e em especial o Estado Novo), momento de intenso

antissemitismo no Brasil, com destaque para o livro Antissemitismo na era Vargas, de

Maria Luiza Tucci Carneiro9. Bernardo Sorj10, por outro lado, considera que esse

conjunto de leis em específico pouco refletia a prática da sociedade, na qual o judeu

seria, segundo Sorj, considerado branco e bem visto como elemento modernizador.

Recorrendo novamente a Jeffrey Lesser, parece haver uma explicação mais completa e

complexa. Sem dúvida a legislação, especialmente a circular secreta era explicitamente

antissemita e impediu a entrada de muitos judeus no Brasil em um momento em que a 8 LESSER, Jeffrey. O Brasil e a Questão Judaica. Tradução Marisa Sanematsu. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995, p. 99 9 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Anti - Semitismo na Era Vargas: fantasmas de uma geração (1930-1945). São Paulo: Brasiliense, 1988 10 SORJ, Bernardo. Sociabilidade brasileira e identidade judaica: as origens de uma cultura não anti-semita. In: Sorj, Bila (org): Identidades judaicas no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Biblioteca virtual de ciências humanas do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008.

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situação na Europa se tornava especialmente desesperadora com o fortalecimento do

nazismo, refletindo a influencia de elementos antissemitas e próximos do fascismo no

governo Vargas e na sociedade. Por outro lado, há de fato dados apontando em outra

direção também. Se em 1938 o número de judeus que entraram no Brasil caiu

significativamente, as fontes levantadas por Lesser indicam 1939 como o ano de maior

entrada de judeus no Brasil em toda a década, com mais de 4000 pessoas. A

explicação de Lesser é que a imagem do judeu era um objeto em disputa que envolvia

diversos fatores. A gestão Oswaldo Aranha no ministério de relações exteriores

procurava aproximar-se do EUA e via um alívio à restrição de entrada de judeus como

uma ferramenta para esse propósito (os EUA, que também limitavam a imigração,

desejavam que o Brasil absorvesse maior número de judeus). Além disso, a chegada de

maior número de judeus vindos da Alemanha após 1933, ano da chegada do partido

nazista ao poder naquele país, modificou um pouco a imagem dos judeus no Brasil.

Em média mais ricos e considerados mais cultos, os judeus alemães fizeram com que,

dentro da sociedade brasileira e inclusive do governo, alguns dos mitos antissemitas

como sua suposta riqueza e influência política, passassem a ser usados como

argumentos a favor da sua integração. Lesser ressalta o paradoxo de que, ao mesmo

tempo em que era proibida a entrada de judeus estrangeiros, considerados indesejáveis

– ainda que a ordem fosse frequentemente burlada para aqueles considerados

aceitáveis ou desejáveis – aqueles judeus já estabelecidos no Brasil encontravam

poucas barreiras para sua integração (salvo quando se envolvessem em atividades

políticas, neste caso os mitos antissemitas retornavam com força – como o célebre

caso de Olga Benário). Assim, Lesser resume que

“...os judeus que viviam no Brasil eram aceitos como “não-negros”, representando

assim um componente privilegiado da hierarquia social, ao mesmo tempo que os

judeus que desejavam imigrar eram considerados “não-brancos” e, portanto, um

perigo social.”11

Durante a segunda guerra mundial – principalmente a partir de 1941, o conflito

e fechamento da maior parte dos portos europeus resultaram em grande diminuição na

entrada de judeus no Brasil. Com o fim da guerra e o gradual alívio nas medidas

11 LESSER, Jeffrey. O Brasil e a Questão Judaica. Tradução Marisa Sanematsu. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995, p. 27

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restritivas à imigração, sobreviventes da Shoah começaram a aportar no Brasil (muitas

vezes tendo outros países como locais de passagem).

Em relação às instituições judaicas formadas no Brasil, “o judaísmo recriado

pelos imigrantes foi quase uma réplica do judaísmo que tinham conhecido em seus

lugares de origem, e que tentaram reconstruir no novo destino”12. Na Europa, em ritmo

mais adiantado nas partes centrais e ocidentais e mais lentamente na porção oriental,

ocorria o processo de emancipação dos judeus. Concedida a cidadania plena em

termos jurídicos (como visto, em termos práticos muitos direitos ainda lhes eram

negados), muitos judeus procuraram se integrar às sociedades europeias. Isso também

levou a uma modificação nos costumes internos das comunidades, que se

secularizaram, surgindo instituições culturais, esportivas e políticas – estas tanto

voltadas para a sociedade como um todo quanto voltadas para as questões específicas

dos judeus, com destaque para o movimento sionista, que pregava como resposta ao

antissemitismo a ida para a Palestina (até a primeira guerra mundial sob domínio

otomano, depois mandato britânico) e fundação de um lar nacional judaico lá. Por isso,

também no Brasil, a partir da década de 1920, as atividades que atribuíam prestígio

dentro das comunidades judaicas deixaram de ser do âmbito exclusivamente religioso,

abrindo espaço para atuação em clubes, organizações de assistência social (voltada

para necessitados internos ou externos), movimentos juvenis e instituições educativas.

Acentuadamente a partir da década de 1950 as referências identitárias passam a

girar em torno de dois grandes eixos (ambos laicos): a memória da Shoah e o

relacionamento com o recém-criado Estado de Israel.

JUDEUS EM CURITIBA

De acordo com a dissertação de mestrado de Regina Rotenberg Gouvea,

“Os primeiros judeus a se instalarem no Paraná, em 1889, vieram da Galicia

Austriaca numa leva de imigrantes não-judeus daquela região. Eram os cinco

homens e as três mulheres da família Flaks e os dois irmãos Rosenmann, que se

estabeleceram na recém-criada colônia agrícola polonesa de Tomás Coelho, atual

Barigüi”.13

Nos anos seguintes, um pequeno número de judeus se instalou na cidade. Em

geral se dedicavam ao comércio – especialmente de tecidos -, utilizando as redes de

12 TOPEL, Marta Francisca. Judaísmo(s) brasileiro(s): uma incursão antropológica. Revista USP. n. 67, p. 186-197, 2005. 13 GOUVEA, Regina Rotenberg. Comunidade Judaica em Curitiba (1889-1970). 185p. Dissertação (mestrado em História). UFPR, Curitiba, PR. 1980, p. 44

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solidariedade interna para se financiarem e prosperarem. Sem capital inicial,

costumavam começar como mascates, adquirindo lojas físicas mais tarde.

Conforme afirma a já citada dissertação, a primeira instituição judaica fundada

em Curitiba foi a União Israelita do Paraná, em 1913, contando neste momento com 12

famílias e 17 homens solteiros. Em 1917 é fundada a Sholem Sion, ligada ao até então

minoritário movimento sionista. Essas e outras instituições fundadas a seguir se unem

em 1920 para fundar o Centro Israelita do Paraná (CIP).

É no período entreguerras que a coletividade efetivamente se forma, com a

chegada de mais pessoas e a construção de um cemitério em 1926 e de uma escola

primária no ano seguinte. Segundo estimativas de Regina Gouvea, a comunidade teria

914 membros em 1930, crescendo para 1567 em 1965. Atualmente, de acordo com o

Censo de 201014, haveria 4122 judeus no estado do Paraná, a grande maioria

concentrada em Curitiba.15

A geração migrante praticamente somente convivia socialmente entre si.

Feldman16 destaca que a segunda geração (ou seja, aqueles já nascidos ou crescidos no

Brasil), a partir da década de 1930, é que expande seu círculo social, muitas vezes

através da inserção em profissões universitárias. No entanto, o círculo mais íntimo de

amizades e principalmente os casamentos continuavam ocorrendo praticamente

exclusivamente dentro da comunidade. Esse panorama só começaria a se modificar a

partir dos netos de imigrantes, e ainda assim enfrentando resistências de lideranças

comunitárias temerosas de uma integração excessiva, simbolizada principalmente pela

diminuição de casamentos endogâmicos.

Assim como já observado nas comunidades judaicas no Brasil de modo geral,

dois são os novos eixos centrais em torno dos quais passam a girar a vida comunitária.

O primeiro é a memória do antissemitismo. A imensa maioria dos judeus que

chegaram ao Brasil vieram fugindo desse fenômeno, e mesmo que em outras

14 IBGE. Censo Demográfico 2010: Religião – Amostra – Paraná. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=pr&tema=censodemog2010_relig Acesso em: 02/01/2016 15 O crescimento nos últimos 40 anos pode não ser tão real quanto sugerem os números, pois, vindo de fontes diferentes, foram elaborados por metodologias diferentes. O estudo de Gouvea sugere que a comunidade teria crescido em ritmo razoavelmente acelerado até a década de 1960, estabilizando (ou até com leve decréscimo) a partir de então 16 FELDMAN, Sergio Alberto. Identidade e Assimilação: a travessia do Atlântico ou o Êxodo do século XX. Os dilemas da identidade judaica: um estudo de caso. Latinidade (Rio de Janeiro), v. 2, p. 145-158, 2010.

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proporções voltaram a vivencia-lo também em seu novo país. O horror da Shoah

reforça essa memória como um pilar da identidade desses sujeitos. O outro eixo, que

como veremos não deixa de se relacionar ao primeiro, é o sionismo e a ligação com o

Estado de Israel – ainda que este movimento não deva ser entendido como monolítico,

compreendendo diversas matizes políticas até antagônicas, da esquerda a direita, e do

laicismo à ortodoxia religiosa17. Surgido como movimento minoritário, uma dentre

outras respostas ao antissemitismo, o sionismo se consolida após a Shoah como a

resposta de grande parte dos judeus do mundo às perseguições. A criação do Estado de

Israel em 1948 não somente simbolizou uma vitória para o sionismo, mas para muitos

judeus uma espécie de redenção após a Shoah. Não somente um porto seguro, mas um

renascimento como povo. Essa breve explanação é importante para compreendermos

que, para esses indivíduos – mesmo aqueles sem nenhum plano de emigrar para Israel

– o sionismo, a despeito dos conflitos políticos até hoje não resolvidos nos quais se

envolveu, não é entendido como uma doutrina política, mas sim como uma parte de

sua identidade.

Como já notado, esses dois eixos não pertencem ao universo religioso (o

sionismo religioso não é a vertente predominante). Assim, Sergio Feldman, em estudo

sobre a coletividade judaica curitibana, elenca algumas práticas definidoras dessa nova

identidade judaica:

a) freqüentar o CIP (kehilá), mesmo que seja a sede social e recreativa; b) colocar os

filhos na escola israelita; c) idem para o movimento juvenil judaico; d) visitar Israel

uma ou mais vezes na vida; e) freqüentar a sinagoga nas Grandes Festas (Ano Novo

Judaico), em maioridades religiosas, casamento e algumas datas; f) celebrar em

família a Páscoa judaica (Pessach); g) manter o ciclo da vida judaica na sua família

(circuncidar seus filhos; celebrar sua maioridade religiosa=Bar e Bat mitzvá;

casamento religioso; sepultamento judaico).18

A REVISTA O MACABEU

Assim como em outras comunidades de imigrantes com relativa instrução

formal, surgiram dentro das coletividades judaicas veículos de imprensa, geralmente

voltados somente ao público interno. Discorrendo a esse respeito para uma

comunidade alemã na região Sul do Brasil, Brepohl de Magalhães afirma:

“...se dedicavam a discorrer sobre um universo restrito regionalmente, com uma

17 AVINERI, Shlomo. La Idea Sionista: Notas sobre el pensamiento nacional judio. Jerusalém: La Semana Publicaciones Ltda, 1983. 18 FELDMAN, Sergio Alberto. Identidade e Assimilação: a travessia do Atlântico ou o Êxodo do século XX. Os dilemas da identidade judaica: um estudo de caso. Latinidade (Rio de Janeiro), v. 2, p. 145-158, 2010.

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temática que não ultrapassava os limites da própria comunidade local. Eram

pequenas tiragens, que variavam de região para região, e, se houve alguma

circulação desses conteúdos, isto se deveu muito mais ao público leitor, em seus

contatos com amigos e parentes de outras localidades, do que à intenção de seus

autores. Tratava-se de um conjunto de textos de caráter diletante, patrocinados por

associações recreativas e de caráter religioso, ou de noticiosos com informações

práticas para os colonos. Segundo Kuder (1937) tratava-se de uma literatura

mercenária e de baixa qualidade, fabricada como um pequeno negócio semi-

artesanal.

Detecta-se nela um certo patriotismo citadino, que se nutria da história

comemorativa local. [...] seus autores eram filhos e netos de imigrantes, que

reproduziam as memórias e relatos de seus ascendentes, vistos como desbravadores

deste novo mundo, pioneiros que exerciam sobre o passado uma autoridade

inquestionável.” 19

Essa imprensa cumpria, para esta mesma autora, uma dupla e paradoxal função.

Por um lado, ela devia auxiliar seus leitores na integração ao novo lar. Ao mesmo

tempo, porém, devia preservar a coesão interna e proteger o grupo da assimilação à

cultura de seu novo entorno.

Nas comunidades judaicas no Brasil os primeiros jornais ou revistas internos

das comunidades surgiram na década de 1910, como descreve o já citado Lesser. Nas

coletividades maiores, como São Paulo e Rio de Janeiro, diversos veículos chegaram a

concorrer entre si, cada qual representando muitas vezes uma vertente política

diferente (esquerdistas, direitistas, não-sionistas, sionistas, e neste caso podendo ser

filiado a uma ou outra vertente). Algumas dessa mídias também procuram se colocar

como apolíticas, seja procurando um consenso interno ou para tentar mostrar às

autoridades a falsidade da visão dos judeus como subversivos políticos.

Em uma comunidade pequena como Curitiba não houve tamanha pluralidade de

impressos. Há indícios de informativos comunitários na primeira metade do século

XX, mas nenhum deles parece ter tido muita regularidade ou circulação expressiva, até

a criação da revista O Macabeu em 1954.

O Macabeu foi uma revista criada pelo Grêmio Esportivo do Centro Israelita do

Paraná (uma entidade formada por jovens da comunidade) em 1954 como um veiculo

de distribuição interna ampla e gratuita (era financiado por patrocinadores que

anunciavam nas páginas da própria revista). Inicialmente mensal, sua publicação se

tornou mais intermitente até 1970, totalizando ao longo dos 16 anos 70 edições em

formato de papel A5, variando entre 45 e 80 páginas cada, aproximadamente.

19 BREPOHL DE MAGALHÃES, Marion Dias. Pangermanismo e nazismo: a trajetória alemã rumo ao Brasil. Curitiba: SAMP, 2014, p. 83-84

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Algumas características são importantes de serem notadas. Publicada por jovens

na década de 1950, seus redatores eram, portanto, em sua maioria, membros da

primeira geração nascida no Brasil (ou então tendo chegados como crianças), filhos

dos imigrantes que vieram fugindo da Europa. Estavam, assim, já razoavelmente

integrados na sociedade brasileira, familiarizados com seus costumes, mas seu círculo

social mais íntimo continuava sendo interno a comunidade. Outra característica

importante da revista é que esta se defina como apolítica. Evidentemente podemos e

devemos problematizar esse caráter, mas é imprescindível notar que eles pretendiam

adotar esse tom neutro. Disso conclui-se que as opiniões (inclusive àquelas aos nossos

olhos políticas) expressas na revista não eram encaradas como tais para eles. O que era

publicado na Macabeu era em geral aquilo considerado consenso (ainda que não

unanimidade) dentro da coletividade.

A análise da revista permite realizar diversos recortes. Focaremo-nos aqui em

um específico. Como a memória das perseguições na Europa, ou seja, aquilo que

forçou sua imigração, é retratada na revista por pessoas que em sua maioria não as

sofreram diretamente, pois já nasceram ou cresceram no Brasil, ou seja, de que forma

essas memórias individuais atravessam um processo social e se tornaram uma

memória coletiva, nos termos de Maurice Halbwachs20. Pretendemos aqui refletir

sobre como essa memória é interpretada e influencia o comportamento de uma geração

seguinte.

Inicialmente, tomando os 70 números da revista publicados, foi realizada uma

classificação de cada artigo em função de seu tema principal. Evidentemente, essa

classificação não deve ser encarada de forma rígida, afinal um texto pode contemplar

mais de um tema ou ter menções valiosas a um assunto que não o principal. Ainda

assim, é válido para organizar a análise. Contabilizamos um total de 1358 artigos, além

de uma capa e um editorial por edição.

Em um primeiro momento, observando somente os dados quantitativos, poder-

se-ia concluir que o tema do antissemitismo e da memória das perseguições não é

muito relevante na Macabeu. Do total de artigos, somente 43, ou seja, 3,17% tem a

temática do antissemitismo ou da Shoah como tema central, ficando bem atrás de

20 HALBWACHS, , Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

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questões internas da comunidade, Israel e sionismo, cultura judaica e até mesmo

artigos nos quais o Brasil e a sociedade brasileira são o foco. Porém, os números nem

sempre revelam o quadro completo, como será visto adiante.

Ainda no que diz respeito à análise quantitativa, é possível observar um

fenômeno interessante. Esses 43 artigos não estão uniformemente distribuídos ao

longo de tempo. Nos primeiros números a parcela de artigos dedicados ao tema é ainda

menor, mas cresce ao longo da década de 1960. Isso demonstra que, de certa forma, o

afastamento temporal das perseguições (especialmente a maior delas, a Shoah) não

diminui a importância da memória de tais eventos, mas pelo contrário, a aumenta.

Apesar de curioso, o fenômeno não é totalmente surpreendente. Em especial no que

tange aos sobreviventes da Shoah, nos primeiros anos após a chegada ao Brasil, a

maioria deles preferia o silêncio, desejando ao máximo passarem desapercebidos,

misturar-se a multidão21. Soma-se a isso, que o sionismo, que se tornava hegemônico

entre as comunidades judaicas, nutria certo desprezo pela narrativa de sofrimento dos

sobreviventes e das vítimas da Shoah. O sobrevivente da Shoah era visto como um ser

passivo que aceitou a morte e por acaso sobreviveu, em contraposição ao novo judeu,

o israelense sionista, independente e que se defende pelas próprias forças – além do

sionista, na sua própria narrativa, ser aquele que teria percebido antes os perigos da

permanência na Europa, enquanto o sobrevivente, teimoso e arrogante, representaria

todos os vícios da diáspora22. Por isso, praticamente o único evento relacionado à

Shoah que merecia ser rememorado na década de 1950 era a resistência armada,

especialmente o levante do gueto de Varsóvia em 1943.

Outro fator que colabora para essa relativamente pouca importância dada ao

tema é o maravilhamento de muitos dos imigrantes com o Brasil. Conforme já

demonstrado, o Brasil estava longe de estar livre do mal do antissemitismo. Porém,

para alguém que escapara de pogroms no Leste Europeu ou da perseguição nazista, a

imagem do Brasil, neste primeiro momento, seria inevitavelmente a de um país aberto

e livre de preconceitos. O otimismo geral provocado pelo rápido crescimento

econômico – ainda que profundamente desigual – da década de 1950 também

21 LECOMTE, Jean-Michel. Ensinar o Holocausto no Século XXI; trad. Margarida Pardal. Lisboa: Via Occidentalis, 2007 22 GHERMAN, Michel. Entrevista com Avraham Milgram. Revista Eletrônica do NIEJ/UFRJ. Ano II, n. 4, 2011

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colaborava para que a maioria desses indivíduos não visse no antissemitismo um

grande motivo de preocupação.

Esse cenário começa a se modificar na década de 1960. Um evento de extrema

importância para esse momento de inflexão é o julgamento do oficial nazista Adolf

Eichmann, em Jerusalém, em 1961. Eichmann não foi o primeiro, nem o último, nem o

mais importante oficial nazista julgado. Porém, seu controverso julgamento em Israel

teve grande impacto na memória coletiva dos judeus, pois marcou a conciliação da

narrativa sionista com a memória da Shoah. Como descreve Norbert Elias

“De um modo geral, as vítimas da história, os grupos menos poderosos que foram

derrotados, têm tido apenas uma pequena oportunidade de serem recordados. O principal

quadro de referência do que é recordado como história continua sendo até hoje um Estado,

e os livros de história ainda são, sobretudo, crônicas de Estados. O que temos aqui é um

exemplo vivo. A lembrança dos judeus assassinados foi reacendida graças ao novo Estado

judaico e a seus recursos de potência.” 23

Portanto, a tomada dessa memória por um Estado facilita a transformação dessa

memória individual e reprimida em memória coletiva de um povo, inclusive daqueles

que não presenciaram os horrores da Shoah (por morarem em outras regiões, ou então,

o que mais nos interessa aqui, por terem nascido somente depois). Sendo o sionismo e

a ligação com o Estado de Israel já um marco identitário central para a maioria desses

judeus, era imprescindível para essa transformação que o Estado de Israel inserisse

essa memória na sua narrativa oficial.

Analisando os artigos da Macabeu, percebe-se que o julgamento de 1961

representa não só um marco de aumento quantitativo de escritos sobre o tema, mas

uma abertura qualitativa na abrangência de mensagens transmitidas neles. Na década

de 1950, a abordagem mais frequente era, como esperado, a heroificação da resistência

armada24. Esta abordagem continua muito presente na década de 1960 (ainda é a mais

comum), mas passa a dividir espaço com outras formas de encarar a memória da

Shoah, como o sofrimento nos campos de concentração25 ou o extermínio das crianças

judias26, além de expandir o conceito de resistência para além do movimento armado,

destacando casos como o do orfanato de Janusz Korszak27 28. Outro aspecto novo é que

23 ELIAS, Norbert. Os Alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 269-270 24 Macabeu 12 , Abril-Maio 1955, p. 11 e Macabeu 47, abril-julho de 1960, p. 12 25 Macabeu 50, julho-agosto 1961, p. 15 26 Macabeu 49, março-abril 1961, p. 51 27 Macabeu 58, março-abril 1963, p. 56

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aos poucos, a memória da Shoah começa a ser divulgada como uma mensagem

universal, de combate a todas as formas de preconceito29.

Em relação a casos de antissemitismo em geral, há algumas, não muito comuns,

denúncias de agressões antissemitas mundo a fora. O caso mais próximo foi a

depredação do cemitério israelita do Água Verde, em Curitiba, em 196130. Em

movimento análogo ao da memória da Shoah, esse tipo de denúncia torna-se mais

frequente a partir da década de 1960. Casos como o do atentado ao cemitério são

agressões reais e servem de alerta de que o antissemitismo é um problema real no

Brasil também. Porém, nada indica que esse tipo de evento não ocorresse também

antes. O que interessa mais a essa pesquisa é que houve uma mudança na sensibilidade

em relação ao antissemitismo. Ocorrências que antes eram minimizadas ou até

ignoradas por uma geração maravilhada com o Brasil e envergonhada de sua memória

da Shoah são agora denunciadas abertamente por uma geração menos otimista que não

vivenciou as perseguições na Europa e que tem a memória da Shoah como um pilar

identitário. Portanto, a memória das perseguições e a consequente sensibilidade ao

antissemitismo não somente é transmitida para a geração já nascida ou crescida no

Brasil, como é por esta reforçada e legitimada por outras circunstâncias, com destaque

para a conciliação da narrativa sionista com a memória da Shoah.

No entanto, não somente em artigos cujo tema principal eram o antissemitismo

e a Shoah, esse assunto vem a tona (o que aumentaria consideravelmente os 3% de

artigos dedicados ao tema).

Conforme já discutido, a adesão ao sionismo e a ligação com o Estado de Israel

são, para a maioria desses judeus, não uma mera opção política, mas uma parte de sua

identidade. E esse processo tem íntima relação com a memória das perseguições

antissemitas e especialmente da Shoah. Israel é retratado na revista Macabeu como um

porto seguro para um possível aumento do antissemitismo. Além disso,

compreendendo a ligação com o Estado de Israel como um marco da identidade,

28Janusz Korczak, pseudônimo de Henryk Goldszmit, foi um médico e pedagogo judeu polonês. Já sendo diretor de um orfanato em Varsóvia, reabriu-o para crianças judias quando foi enviado para o gueto. Tendo recusado oportunidades para escapar para permanecer dirigindo seu orfanato, acabou deportado e morto no campo de extermínio de Treblinka, em 1942. 29 Macabeu 58, março-abril 1963, p. 72 e Macabeu 68, maio-junho 1968, p. 11 30 Macabeu 51, janeiro-fevereiro 1962, p. 16

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entendemos porque, em algumas ocasiões, críticas mais profundas as políticas de

Israel, especialmente após a guerra dos seis dias em 1967, são encaradas por vezes

como agressões antissemitas também31.

Outro tema no qual há menções frequentes ao antissemitismo é em textos sobre

festividades judaicas. Conforme já analisado, o vínculo que esses indivíduos

estabeleciam com o judaísmo não era necessariamente religioso. Até por isso, datas

que a princípio seriam feriados religiosos judaicos, são muitas vezes abordadas com

uma mensagem ressignificada às demandas daquelas pessoas. Por isso, é muito

comum textos sobre essa festas que as relacionam a Israel, mas também muitas vezes

ao antissemitismo. De modo geral, a história judaica é descrita nesses artigos como

uma sucessão de perseguições antissemitas32 – retomando a noção de continuidade

criticada por Marcos Chor Maio – e que os judeus deveriam manter-se em constante

estado de alerta. Portanto, mesmo quando não parecia haver preocupação concreta

com perseguições, a memória do antissemitismo permanece viva na mente desses

indivíduos, inclusive daqueles que nunca o vivenciaram em grandes proporções, e

molda um comportamento de alerta.

Outro tema constantemente relacionado ao antissemitismo é o combate a

assimilação. Como já analisado, a inserção na sociedade brasileira foi, de modo geral,

bastante bem sucedida para os judeus que chegaram ao Brasil, e muitos prosperaram

social e economicamente. Ainda assim, são muito frequentes na Macabeu artigos

alertando contra o perigo da assimilação excessiva à cultura e sociedade brasileiras,

efetivada principalmente pela não-matrícula das crianças na escola israelita, o

afastamento das atividades comunitárias, os casamentos com pessoas não-judias e a

não transmissão do judaísmo aos filhos. A revista reflete algumas tentativas de tentar

frear esse processo, as vezes com tom agressivo contra por exemplo, pais que não

matriculam seus filhos na escola israelita33, outras vezes conciliando a cultura

brasileira com a judaica, como por exemplo, na realização de um baile de São João nas

dependências do CIP34. Esse combate à assimilação, uma vez que geralmente não é

31 Macabeu 66, maio-junho 1967, p. 58 32 Macabeu 21, março de 1956, p. 32 e Macabeu 40, abril de 1959, p. 24 33 Macabeu 28, maio 1957, p. 27 34 Macabeu 14, julho-agosto 1955, p. 33

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motivado com argumentos religioso, reflete também um medo da perda de coesão

interna. Diante de um possível recrudescimento do antissemitismo, a coesão interna da

comunidade seria importante no combate às perseguições. Nesse sentido, a perda de

alguns integrantes da coletividade a fragilizaria.

Esse temor da perda de coesão interna é manifestado também em outro aspecto

da revista. Conforme já explicitado, a revista caracterizava-se como apolítica, evitando

assuntos que pudessem ser considerados polêmicos. Essa necessidade de buscar

sempre consensos e evitar divergências reflete certa insegurança. Mesmo com a

imagem do Brasil sendo em geral positiva para essas pessoas e com os casos de

antissemitismo existindo, mas sem comparação com o que enfrentaram na Europa, o

temor permanece. Tanto é que no caso em que ocorreram cisões internas na

comunidade, estas foram duramente criticadas na revista Macabeu. Entre 1954 e 1964

existiu, paralelo ao CIP, uma outra entidade judaica em Curitiba, a sociedade cultural

israelita brasileira do Paraná (SOCIB), de orientação esquerdista e não-sionista. Essa

entidade não é mencionada diretamente nem sequer uma vez nas revistas (até como

um modo de não reconhecer sua legitimidade), mas há algumas menções indiretas,

criticando duramente não suas ideias, mas sua existência em si, ou seja, não a

divergência de ideias, mas o fato de terem provocado uma cisão na comunidade35. Um

dos motivos principais da alegada nocividade de cisões é justamente o

enfraquecimento que provocam caso houvesse a necessidade de combater uma ameaça

mais grave de antissemitismo. A comunidade, de acordo como os redatores da

Macabeu, deveria deixar de lado suas divergências internas e unir-se no combate ao

antissemitismo e na defesa dos interesses supostamente comuns36.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o final do século XIX, e especialmente entre as décadas de 1920 e 1950

aportou um número significativo de judeus no Brasil. A principal particularidade desse

grupo é que o que motivou sua saída da Europa não foi – ou não somente – as

condições de vida econômicas, mas as perseguições antissemitas, que vieram a

culminar na Shoah perpetrada pelo regime nazista.

35 Macabeu 5, setembro 1954, p. 40 36 Macabeu 55, novembro-dezembro de 1962, p. 11

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As lembranças trazidas das perseguições impactou profundamente esses

indivíduos. O presente trabalho procurou investigar como essa memória influenciou o

comportamento perante a sociedade, não somente dos próprios imigrantes, mas

principalmente da geração seguinte, em geral já nascidos e adaptados ao Brasil. Para

isso utilizamos uma revista de circulação interna da comunidade judaica publicada

entre 1954 e 1970 e redigida por uma entidade de jovens, portanto em sua maioria

justamente dessa geração de filhos de imigrantes.

A partir disso, concluímos que o impacto dessa imigração forçada, mais

precisamente a memória das perseguições sofridas, não somente foi transmitido para a

geração seguinte, mas, utilizando-se de novas circunstâncias, inclusive se fortaleceu,

ou ao menos se tornou mais visível.

Os artigos publicados na revista Macabeu demonstram que a adaptação ao

Brasil ocorreu de maneira bastante satisfatória, principalmente a partir justamente da

primeira geração nascida no Brasil, que ascendeu social e economicamente, teve em

muitos casos acesso à instrução universitária, passou a habitar bairros de classe média

(e não mais os bairros étnicos), utilizar o idioma português em seu dia a dia e, apesar

de ocorrências mais isoladas, não convivia em uma atmosfera ostensivamente

antissemita como seus antepassados na Europa. Ainda assim, diversos artigos revelam

se não medo, um constante estado de alerta. Para esses indivíduos, apesar de suas boas

condições momentâneas, o antissemitismo era um mal que poderia a qualquer

momento retornar. Por isso deveriam ficar atentos. A distribuição quantitativa dos

artigos cujos temas principais eram antissemitismo ou Shoah revela que esse estado de

alerta inclusive cresceu na década de 1960 comparada com a anterior, à medida que

essa nova geração ia cada vez mais ocupando os espaços de seus pais imigrantes. Esse

fenômeno parece estar intimamente relacionado ao julgamento de Eichmann e a

inclusão da memória da Shoah na narrativa sionista, que, como visto, era muito

influente na coletividade.

O antissemitismo também era um elemento em diversos artigos cujos assuntos

principais eram outros. Isso é um indício de como o combate e estado de alerta contra

o antissemitismo havia se tornado, para além de uma postura prática, um elemento

identitário que permeava outros assuntos de interesse do grupo. O exemplo mais claro

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é a ligação com o Estado de Israel, frequentemente retratado como um porto seguro

para os judeus caso o antissemitismo voltasse a se manifestar com mais força. Israel

era além de um refúgio prático, uma fonte de orgulho e espécie de redenção para

muitos desses judeus. Após séculos de perseguições que culminaram nos horrores dos

campos de concentração nazista, a criação do Estado de Israel representou para muitos

desses sujeitos uma volta de sua autoestima. Outro assunto central para a revista era o

combate à assimilação. Porém, um dos motivos para isso era justamente o risco desse

fenômeno enfraquecer a comunidade judaica perante agressões antissemitas. Assim,

era necessário permanecerem unidos. A própria política oficial da revista de evitar

divergências e polêmicas é alimentada por essa insegurança.

Portanto, é inegável que a memória das perseguições, memória esta não

somente individual (afinal os redatores da revista, em sua maioria, não as

vivenciaram), mas coletiva, impactou os comportamentos e os processos de decisão

social também da geração seguinte à imigração de judeus (e tudo indica que nas

seguintes o processo continua). As análises acerca dos judeus pelo mundo, aqui no

Brasil – e neste caso específico em Curitiba – serão sempre incompletas se não

levarem em conta a influencia desse temor constante de perseguições antissemitas

trazidas de sua memória, mesmo que estejam vivendo em ambientes com

relativamente pouco antissemitismo – a própria investigação aqui demonstrou que o

Brasil teve casos bastante graves de antissemitismo, e que este continua se

manifestando até a atualidade, porém, ao menos desde o fim do Estado Novo, não

parece possível falar de uma Questão Judaica no Brasil sequer comparável a da Europa

da primeira metade do século XX.

De que maneira essa memória impacta no cotidiano dessas pessoas dependerá

de outras condições, inclusive individuais. Conforme visto, em muitos casos a

consequência foi um fechamento interno na comunidade e o silenciamento de

divergências internas e do debate. Em outros casos, contudo, a memória da Shoah, por

exemplo, serviu para a irradiação de uma mensagem universal que levou essas pessoas

a se engajarem em lutas contra o racismo ou outras formas de preconceitos, pois essa

memória coletiva fez com que, mesmo não sendo afetadas diretamente, sentissem a

responsabilidade de militar por essas causas.

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Independente da direção na qual esse impacto aponta em cada caso, de todo

modo nos parece correto afirmar que a memória construída a partir das perseguições e

da consequente emigração forçada persiste para além das condições materiais que as

geraram, sendo transmitida através das gerações e ao mesmo tempo ressignificada para

atender à novas inquietações surgidas diante desses filhos de imigrantes.

Diante disso, podemos concluir que o processo de inclusão de imigrantes a um

novo lar não pode ser estruturado pensando somente nas condições do presente. A

memória trazida de suas vidas no local de origem e dos eventos que motivaram o

processo de migração impacta diretamente no comportamento desses sujeitos. A

presente pesquisa demonstra que esse impacto – seja ele positivo ou negativo -

inclusive é capaz de atravessar gerações e influenciar indivíduos que já não são mais

eles próprios imigrantes, mas que carregam consigo tais memórias.

FONTES

Revista “O Macabeu” – Anos I a XVI: no 1 (maio 1954) a no 70 (março-abril 1970).

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Curitiba/PR - UNIBRASIL - 16 a 18 de março de 2016

Migração Qualificada no Brasil sob o Ponto de Vista da Legislação

Brasileira

OLIVEIRA, Laís Gonzales de. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito

de Ribeirão Preto/USP. Advogada. E-mail institucional: [email protected].

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2911988650430808.

ZAPOLLA, Letícia Ferrão. Mestranda em Direito e Desenvolvimento pela

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto/USP. Advogada. Graduada em Direito

pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto/USP. E-mail institucional:

[email protected]. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4923648487201055.

O migrante passou a ser peça chave no desenvolvimento. Contudo, as

políticas migratórias visam, em sua maioria, restringir a entrada de indivíduos

pelas fronteiras nacionais, estimulando tipos específicos de migrantes, quais

sejam: “a) aqueles que representam recursos humanos altamente qualificados, b)

aqueles que empreendem a migração com capital, c) a migração laboral, d)

migração para colonização1”. No contexto brasileiro, o estímulo à migração

qualificada é efetuado basicamente pela Lei nº 6.815/90 (Estatuto do

Estrangeiro), como se pode verificar em seus artigos 13, 16 e 113. No mesmo

sentido, Resoluções Normativas do Ministério do Trabalho e Emprego, como a

nº 1 de 1997, nº 62 de 2004 e nº 101, de 2013. O caráter restritivo da legislação

brasileira com relação ao estrangeiro de uma forma geral não se configura em

relação à entrada e permanência do imigrante profissionalmente qualificado,

demonstrando sua inclinação discriminatória.

Palavras-chave: “migração qualificada”, “legislação brasileira”, “discriminação”.

1PADILLA, Beatriz. ALGUNAS REFLEXIONES SOBRE LA MIGRACIÓN ALTAMENTE

CUALIFICADA: POLÍTICAS, MERCADOS LABORALES Y RESTRICCIONES. Obets. Revista de

CienciasSociales, Alicante, v. 5, n. 2, p.269-291, 10 dez. 2010. Disponível em:

<http://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3796254.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2016.

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MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA E REFÚGIO

TOMAZONI, Larissa (PATRIAS/ Unibrasil)

GODINHO, Bethânia (PATRIAS/ Unibrasil)

GOMES, Eduardo Biacchi (PATRIAS/ Unibrasil)

Resumo: O trabalho analisa a possibilidade da concessão de refúgio para as mulheres e meninas que são vítimas da prática da mutilação genital feminina. O artigo divide-se em duas partes: na primeira abordará a questão da mutilação genital e a sua relação com a violação dos direitos humanos das mulheres e os documentos internacionais que proíbem tal prática. Na segunda parte será tratado sobre a possibilidade de concessão de refúgio para estes casos a partir da análise dos dispositivos da Convenção de 1951 sobre a perseguição baseada no gênero.

Palavras –chave: Mutilação Genital Feminina; Refúgio; Gênero; Mulheres.

Introdução

A mutilação genital feminina (MGF) é uma prática cultural que inclui todas as

intervenções que envolvam a lesão ou remoção total ou parcial dos órgãos genitais

femininos externos por razões não médicas. É realizada em meninas de 0 a 15 anos

de idade e registrada em 28 países africanos e alguns da Ásia e Oriente Médio e em

alguns grupos étnicos da América Central e do Sul. As meninas podem desejar ser

submetidas à intervenção por conta da pressão social a que estão sujeitas e pelo

medo da estigmatização e rejeição da comunidade da qual fazem parte. Nas

culturas onde é praticada de forma generalizada, tornou-se uma parte importante da

identidade cultural dessas mulheres, transmitindo a elas um sentimento de

maturidade e integração na comunidade.

O Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas (ACNUR) considera

a mutilação genital como uma forma de violência de gênero que causa severos

danos físicos e mentais, e ocasiona a perseguição das mulheres que se recusam a

participar do procedimento. Todas as formas de mutilação genital violam uma série

de direitos humanos, entre eles, o direito a não-discriminação, à saúde, proteção

contra a violência física e mental e, nos casos mais extremos, o direito à vida.

Ademais, existem inúmeros tratados internacionais que proíbem essa prática, como

o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de

Discriminação contra a Mulher, o Protocolo Facultativo à Carta Africana dos Direitos

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Humanos e dos Povos, sobre os direitos da Mulher e a Convenção Contra a Tortura

e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

A prática constitui tortura, que é um tratamento desumano e degradante,

como muitas vezes afirmado pela doutrina e jurisprudência, incluindo muitos tratados

das Nações Unidas dentro da Corte Europeia de Direitos Humanos e do Conselho

de Direitos Humanos das Nações Unidas. Desde os anos 90, um crescente número

de jurisdições vem reconhecendo a mutilação genital como uma forma de

perseguição, nas decisões concernentes ao pedido de refúgio, como por exemplo, a

França, o Canadá e os Estados Unidos.

No Reino Unido, o primeiro status de refúgio, concernente ao fundado temor

de perseguição, foi concedido no ano 2000. A maioria dos países onde a mutilação

ocorre, tipificou a prática como criminosa. Contudo, uma proibição formal não é

suficiente para concluir que o Estado fornece a proteção necessária. Assim, o status

de refugiado deve ser garantido, onde o Estado falhou em impor sanções contra os

perpetradores e onde não se conseguiu garantir direitos humanos básicos.

Portanto, o trabalho pauta-se pelas seguintes questões: o que é a mutilação

genital feminina e qual é a sua relação com os direitos humanos das mulheres? Há

possibilidade de aplicação do fundado temor de perseguição disposto na Convenção

de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados para os casos de mutilação genital

feminina? Como se deu os casos de países que optaram pela concessão do

refúgio? Qual é a posição do ACNUR sobre essa questão?

Mutilação Genital Feminina

A mutilação genital feminina inclui todas as intervenções que envolvam a

lesão ou remoção total ou parcial dos órgãos genitais femininos externos por razões

não médicas. A OMS classifica a MGF em quatro categorias:

Tipo I: clitoridectomia, é a remoção parcial ou total do clitóris Tipo II: remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios, com ou sem excisão dos grandes lábios (excisão) Tipo III: estreitamento do orifício vaginal com a criação de uma membrana selante através do corte e aposição dos pequenos e/ou grandes lábios, com ou sem excisão do clitóris (infibulação)

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Tipo IV: todas as outras intervenções nos genitais femininos por razões não médicas (punção, incisão, escarificação, cauterização)1 O procedimento é realizado em meninas entre 2 a 15 anos de idade,

dependendo da região, a prevalência e o tipo de procedimento tem como fator

determinante o enquadramento étnico. Em alguns países a MGF tem predominância

de 90%, mas, Fatou SOW afirma que estas práticas podem acontecer em qualquer

idade e cada vez mais em bebês, sob o pretexto de que são insensíveis à dor, além

disso, na Europa e nos Estados Unidos, filhas de imigrantes são excisadas lá

mesmo ou levadas a seus países de origem, durante férias, para sê-lo.2

O procedimento é comum em 28 países africanos, com costumes diferentes

de uma região para outra. No oeste da África, a ablação do clitóris a mais praticada.

A infibulação é mais comum em países como a Somália, Sudão, Etiópia, Egito,

Benin, Burkina Faso, Camarões, Central African Republic, Chade, Congo, Cote

d’Ivoire, Djibouti, Eritrea, Gambia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Quênia, Libéria, Mali,

Mauritânia, Niger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanzania, Togo,

Uganda, e Iemen. Outros países como o Iêmen, a Indonésia, a Malásia, e outros, do

subcontinente indiano têm igualmente estas práticas.

Devido aos fluxos de imigração, existem registros de mutilação genital em

alguns países da Europa, da América do Norte e da Austrália. A prática da mutilação

é considerada crime nos países da União Européia. No Reino Unido, a prática é

criminalizada desde 1985, o que não fui suficiente para evitar, aproximadamente,

137.000 mulheres residentes no país tenham sido submetidas ao procedimento. Em

muitos casos, as mulheres são enviadas aos seus países de origem para realizarem

o procedimento, o que somente se tornou ilegal no Reino Unido em 2003. 3

No Estados Unidos, tanto a mutilação genital quanto ato de retirar a mulher

do país para realização do procedimento, são considerados crimes. Ambas as

condutas estão expressamente previstas na seção 116 do “Illegal Immigration

1Eliminação da Mutilação Genital Feminina: Declaração Conjunta OHCHR, ONUSIDA, PNUD, UNECA, UNESCO, UNFPA, ACNUR, UNICEF, UNIFEM, OMS. Disponível em: < http://www.who.int/eportuguese/publications/mutilacao.pdf> Acesso em: 07 jul. 2015.p.7. 2SOW, Fatou. As mutilações genitais femininas : estado atual na África. Disponível em: < http://www.labrys.net.br/labrys5/textoscondensados/sowbr.htm> Acesso em: 15 abr. 2015.p.4 3The Economist. The cruellest cut. Disponível em: http://www.economist.com/news/britain/21643149-

overall-crime-continues-drop-attention-turns-fgm-cruellest-cut. Acesso em: 09.11.2015.

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Reform and Immigrant Responsability Act of 1996”, sendo declarada sua ilegalidade

em 16 estados americanos.4

Devido ao aspecto tradicional do procedimento, algumas organizações,

como a Anistia Internacional, defendem a sua substituição por uma cerimônia

simbólica. Em vez de ignorar a tradição que faz parte da prática, isso ajudaria a

redefinir o rito para uma cerimônia que promova os valores tradicionais positivos

removendo os perigos de dano físico e psicológico que são atrelados à prática. 5

A expressão “mutilação genital feminina” ganhou força no final da década de

1970 e estabelece uma distinção linguística da circuncisão masculina e enfatiza a

gravidade do ato e reforça o fato da de a prática constituir uma grave violação aos

direitos humanos das meninas e mulheres, além de ser um termo de nível politico e

pode ser usado de forma não valorativa para o trabalho com as comunidades

praticantes.6 Nesse sentido, Fatou SOW afirma que:

hoje, a maioria das ativistas africanas recusa o conceito de “circuncisão feminina”, em nome do respeito da integridade de seus corpos, de sua sexualidade e de sua fecundidade, pelo homens e pela comunidade. Para refutar os argumentos étnicos e identitários, colocam a ênfase, por um lado, que o controle do corpos das mulheres existe em todas as culturas, inclusive as ocidentais e que, por outro, as mutilações não são específicas à África – elas são praticadas no Iêmen, Indonésia , Malásia e mais raramente na Índia e Paquistão.7

Segundo a OMS, cerca de 100 a 140 milhões de mulheres e meninas foram

submetidas à MGF, e cerca de 3 milhões estão em risco todos os anos, além disso,

uma resolução adotada pelo Parlamento Europeu afirma que cerca de 500.000

mulheres e meninas que vivem na Europa foram submetidas ao procedimento. A

prática é comum em grande parte da África, em alguns países do Médio Oriente e

em algumas partes da Ásia e América Latina, também é habitual na União Europeia

entre certas comunidades de imigrantes originários de países onde se pratica a

MGF.8

Via de regra, as sociedades que praticam a mutilação genital feminina são

patriarcais. Sendo a mutilação uma manifestação de desigualdades de gênero que

4 Feminist Majority Foundation. Violence against women: Female Genital Mutilation. Disponível em: http://www.feminist.org/global/fgm.html. Acesso em 09.11.2015. 5 Idem. 6 Eliminação da Mutilação Genital Feminina.Op.cit.,p.27. 7SOW, Fatou.Op.cit.,p.7-8. 8 Fim à Mutilação Genital Feminina: uma estratégia para as instituições da União Europeia. Disponível em: < http://www.endfgm.eu/content/assets/ENDFGM_summary_PORTUGUESE.pdf > Acesso em: 07 jul. 2015. p.4-6.

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esta profundamente enraizada em estruturas de ordem politica, econômica e social.

Dessa forma a prática representa uma forma de controle social sobre a mulher além

de perpetuar papeis de gênero que são prejudiciais às mulheres.9 Cabe ressaltar

que:

a analise dos dados internacionais de saúde expõe a relação próxima entre a capacidade das mulheres exercerem controlo sobre as suas vidas e a convicção de que a mutilação genital feminina deve ser extinta. Nos locais onde a mutilação genital feminina é praticada de forma generalizada, é apoiada tanto por homens quanto por mulheres, geralmente de forma acrítica, e os seus opositores podem estar sujeitos à condenação e desonra, à perseguição e ao ostracismo. Como tal, a mutilação genital feminina é uma convenção social acompanhada por recompensas e punições que constituem uma poderosa força motriz para a continuação da prática.10 Face a natureza convencional da pratica torna-se muito difícil para as

famílias abandonar a prática sem suporte da comunidade pois mesmo havendo a

consciência do dano causado às meninas entende-se que os supostos ganhos

sociais são mais elevados que as desvantagens.11

Em algumas culturas a MGF esta associada a um ritual de passagem, é

considerada necessária na correta educação de uma menina e na preparação para

o casamento e para que as jovens se tornem adultas e membros responsáveis da

sociedade. Considera-se também que a MGF mantém as jovens “limpas” e belas

pois a remoção das partes genitais é entendida como a eliminação das partes

“masculinas” como o clitóris, ainda, existe a crença de que a prática assegura e

preserva a virgindade das meninas e mulheres, ainda, pode reprimir o desejo sexual

garantindo fidelidade e prevenindo o comportamento sexual considerado desviante

e imoral.

Outro motivo ocasionalmente apontado por mulheres para justificar a

realização do procedimento, é de que a mutilação aumenta o prazer sexual

masculino.12 Algumas das justificativas apresentadas para a mutilação genital

feminina esta associada as competências casadoiras das meninas e consiste como

um requisito necessário à uma esposa “adequada”, pois há uma expectativa que os

homens casem apenas com mulheres que tenham sido submetidas à prática.13 “O

desejo de um casamento segundo os trâmites instituídos, frequentemente um fator

9 Eliminação da Mutilação Genital Feminina. Op.cit.,p.7. 10 Idem. 11Ibidem,p.8. 12 Idem. 13 Idem.

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essencial na segurança económica e social, bem como na satisfação de ideais de

ser mulher e feminilidade, poderá ser responsável pela persistência da prática”. 14

A MGF é sustentada por uma série de crenças que a fomentam supostos

benefícios de saúde e higiene, além de motivos religiosos, de tradição ou

relacionados com o gênero. “Em certas culturas, como na Mauritânia, as mulheres

não excisadas não podem ser enterradas com os rituais tradicionais. Seu clitóris é

cortado por ocasião da lavagem do corpo. Em todo caso, o importante é ser como as

outras escapar à “impureza”.15 As meninas podem desejar ser submetidas a

intervenção por conta da pressão social a que estão sujeitas e pelo medo da

estigmatização e rejeição da comunidade da qual fazem parte. Nas culturas onde é

praticada de forma generalizada, tornou-se uma parte importante da identidade

cultural dessas mulheres, transmitindo à elas um sentimento de maturidade e

integração na comunidade.16

A fim de ilustrar melhor a questão da mutilação genital feminina, utiliza-se

aqui o depoimento da autora senegalesa Khady Koita, que se encontra no seu livro

“Mutilada”. Khady foi submetida a pratica quando tinha sete anos e hoje luta pela

abolição dessa prática na presidência da Euronet- FGM, que é a rede europeia de

prevenção às mutilações genitais femininas:

duas mulheres me agarraram e arrastaram para o quarto. Uma me segura a cabeça e seus joelhos esmagam meus ombros com todo o peso deles para que eu não me mexa; a outra me segura os joelhos, com as pernas afastadas. A imobilização depende da idade da menina e, sobretudo de sua precocidade. Se ela se mexe muito, porque é alta e forte, serão necessárias mais mulheres para dominá-la. Se a criança é pequena e magricela, elas são menos numerosas. A mulher encarregada da operação dispõe de uma lâmina de barbear por menina, que as mães compraram para a ocasião. Ela puxa com os dedos, o mais possível, o minúsculo pedaço de carne e corta como se cortasse um pedaço de carne de zebu. Infelizmente, é impossível para ela fazê-lo com um único gesto. Ela é obrigada a serrar. (...) Com os olhos fechados, não quero ver, não posso ver o que esta mulher está mutilando. O sangue esguichou no rosto dela. É uma dor inexplicável, que não se parece com nenhuma outra. Como se me amarrassem as tripas. Como se houvesse um martelo no interior da minha cabeça. Em poucos minutos, não sinto mais a dor num lugar preciso, mas em todo o corpo, de repente habitado por um rato esfaimado, ou um exército de formigas. A dor está inteira da cabeça aos pés, passando pela barriga. Eu ia desmaiar quando uma das mulheres me aspergiu água fria para lavar o sangue que havia espirrado no meu rosto, e me impediu de perder a consciência. Nesse exato momento, eu pensei que ia morrer, que já estava morta. Não sentia mais realmente meu corpo, apenas aquela pavorosa crispação de todos os nervos dentro de mim e minha cabeça que ia explodir. Durante uns bons cinco minutos, essa mulher cortou, aparou, puxou e recomeçou para ter certeza de que retirara mesmo tudo, e eu escuto, como uma ladainha

14 Idem. 15 SOW, Fatou.Op.cit.,p.5. 16 Eliminação da Mutilação Genital Feminina.Op.cit.,p.8.

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longínqua: — Acalme-se, está quase acabando, você é uma menina corajosa... Acalme-se... Não se mexa! Quanto mais você se mexer, mais vai doer... Depois que acabou de aparar, ela enxugou o sangue que corria em abundância com um pedaço de pano mergulhado em água morna. Disseram-me mais tarde que ela acrescentava um produto de sua fabricação; desinfetante, eu suponho. Em seguida, aplicou manteiga de karité misturada com fuligem preta, para evitar as infecções, mas durante a operação ela não explicou nada. Quando acabou: — Levante-se agora! Elas me ajudam, pois eu sinto que, a partir dos rins até o final das pernas, há um vazio e eu não consigo me manter de pé. Consciente da dor na minha cabeça, onde o martelo bate furiosamente, e mais nada nas pernas. Meu corpo foi cortado em dois.17

A decisão de mutilar as meninas, na sua maioria, é tomada pelos seus pais

ou outros membros da família. A opção de não mutilar é muitas vezes recebida com

forte oposição da comunidade, pois a MGF é uma tradição profundamente enraizada

nas estruturas sociais, econômicas e políticas. Dessa forma, o fim da prática exige

uma escolha coletiva de dentro para fora da comunidade, para que as meninas que

permanecem não mutiladas e as suas famílias, não sejam envergonhadas e

alienadas.18 Contudo, Fatou SOW afirma que:

milhões de casos de excisão são decididos contra a vontade de mãe ou dos pais, por um dos cônjuges, pela avó, pela tia paterna ou qualquer autoridade moral na família ou do grupo. A prática também atinge as adultas, sob a pressão social. Mulheres, que dela haviam escapado mais cedo, ou por ser estranha à cultura do marido, deixam-se excisar um pouco antes do casamento, às vezes na noite de núpcias ou ainda no momento do parto.19

Na maioria dos casos “os principais perpetradores são pais, mães ou outros

familiares próximos, que solicitam a excisadoras (mulheres que de acordo com a

tradição executam a MGF) ou profissionais médicos a realização da MGF”. 20 É

necessário reconhecer a pressão social para agir em conformidade com a tradição,

inclui esta prática.21

A falta de informação e formação entre profissionais de saúde sobre a

Mutilação genital feminina pode conduzir a cesarianas de emergência que acarretam

um risco desnecessário, importa também a realização de todos os exames

ginecológicos, e uma sensibilização para a MGF, pois estes exames podem ser

muito dolorosos e estigmatizantes para as mulheres que sofreram a mutilação. “Os

protocolos de saúde para reinfibulação (re-suturação da vagina) são necessários

17 KOITA, Khady. Mutilada. Disponível em: < https://topicosorientemedio.files.wordpress.com/2011/05/khady-mutilada-pdfrev.pdf> Acesso em: 30 out. 2015.p.90. 18 Fim à Mutilação Genital Feminina. Op.cit.,p.5. 19 SOW, Fatou. Op.cit.,p.4. 20 Fim à Mutilação Genital Feminina. Op.cit.,p.10. 21 Idem.

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pois há evidências que profissionais em países europeus praticam a reinfibulação

em após o parto, provavelmente, devido à falta de procedimentos e orientações

padrão, como Protocolos e Linhas Orientadoras”.22 Ifrah Ahmed, ativista da

Campanha Europeia pelo fim à MGF, conta que:

ir ao médico é um teste para mim e outras raparigas que tenham passado por MGF. A primeira reação dos médicos é de choque e incredulidade. Perguntam o que aconteceu, pensando que se trata de um ferimento ou acidente. Cada vez que consulto um novo médico, tenho que lhe dar informação sobre MGF. Sei de outras raparigas que evitam ir ao médico porque sentem vergonha em ter que explicar o que aconteceu todas as vezes.23

Estudos desenvolvidos pela OMS através do Grupo de Estudo sobre a

Mutilação Genital Feminina e Prognóstico Obstetrício comprovaram, a partir do

estudo realizado com 28 mil mulheres que aquelas que sofreram mutilação genital

tem os riscos e complicações durante o parto aumentado significativamente,

registrou-se um maior numero de cesarianas e hemorragias pós parto. Além disso,

concluiu-se que a mutilação das mães tem efeitos negativos nos recém nascidos,

sendo a taxa de mortalidade dos bebês durante ou após o parto mais elevada: 15%

mais elevada para as mães com mutilação do tipo I, 32% para o tipo II e 55% para o

tipo III.24

A alteração dos tecidos genitais saudáveis sem a necessidade médica

podem trazer graves consequências na saúde física e mental da mulher, a gravidade

dos riscos psicológicos e psicossociais pode variar com extensão física da remoção

do tecido com a idade e condição social.25 Quase todas as meninas e mulheres

submetidas a mutilação genital sofre com dores e hemorragias como consequência

do ato. O próprio procedimento é traumático e frequentemente após a infibulação

elas tem suas pernas atadas durante vários dias para facilitar a cicatrização. Os

riscos e complicações são significativamente mais graves e persistentes quanto mais

extensa é a intervenção.26

Alguns riscos imediatos e complicações de saúde decorrentes dos tipos I,II

e III podem ser listados, tal qual a dor intensa, pois o corte de terminações nervosas

e do tecido delicado causam dor extremamente forte, ademais, raramente são

usadas anestesias adequadas, e quando o são, normalmente são ineficazes e o

22 Ibidem,p.8. 23 Idem. 24 Eliminação da Mutilação Genital Feminina. Op.cit.,p.13. 25 Ibidem, p.28. 26 Ibidem, p.13.

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período de recuperação também é doloroso. O tipo III é o mais invasivo, chega a

demorara até 20 minutos, por consequência, a dor e o período de recuperação são

maiores. Também o choque hipovolêmico que é causado pela dor intensa e pela

perda de grandes quantidades de sangue (hemorragia, sangramento excessivo)

além do choque séptico que é uma infecção generalizada em decorrência de fungos,

vírus ou bactérias que entrem na corrente sanguínea, as infecções podem ocorrer

pelo uso de utensílios contaminados. O vírus HIV pode ser transmitido pelo uso dos

mesmos utensílios sem a devida esterilização aumenta o risco de transmissão.

Dificuldades na eliminação de urina ou fezes por conta de dor, edema ou

inchaço e ainda da menstruação pela decorrência do quase fechamento do canal

vaginal, aderência não intencional dos lábios vaginais o que pode causar a

mutilação genital repetida, devido a má cicatrização.

Sobre os riscos imediatos a longo prazo decorrentes dos tipos I,II e III

ressalta-se as dores e infecções, queloides, infertilidade. A remoção ou lesão do

tecido genital pode afetar a sensibilidade sexual e conduzir a problemas de foro

sexual , como a diminuição do prazer e dor durante as relações sexuais e ainda

memorias traumáticas associadas à intervenção podem interferir. Sequelas de nível

psicológico também podem ocorrer, como o medo das relações sexuais, síndrome

de estresse pós traumático, depressão, ansiedade e perda da memória. Podem

ocorrer complicações no parto como o risco de dilaceração, demora e obstrução,

além dos riscos para o recém nascido, que nesses casos tem maiores chances de

vir a óbito.27

Na Conferência de Beijing, em 1995, há um consenso real entre as

representantes das associações de mulheres do Sul e do Norte, internacional

pela abolição das MGF. Pela primeira vez, o reconhecimento dos direitos sexuais

como direitos humanos é oficialmente reivindicado e para as africanas, os direitos

sexuais significam realidades básicas, como o direito de não ser discriminadas em

função de seu sexo, o direito de não ser casada e não ter gravidez precoce, de

não ser violada, não herdar a metade do que herda seu irmão, ou de ser objeto de

herança por ocasião da morte do esposo. 28

27 Ibidem,p.38-40. 28 SOW, Fatou. Op.cit.,p.6.

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O direito de dispor de seu corpo, de controlar sua sexualidade deve se

estender à todo indivíduo, mulher ou homem. “Esta continua a ser um valor

determinante em uma África em transformação. A procriação dá acesso ao status de

adulto, tanto para o homem quanto para a mulher, mas o status de chefe de família é

reconhecido por todos os códigos de família, como pertencendo ao homem, e coloca

a mulher africana sob a dominação masculina”.29

Estratégias, planos de ação e programas foram elaborados durante as conferencias maiores da Década das Nações Unidas para a Mulher, entre 75 e 1985 no México, Copenhague, Nairobi e Beijing, em 1995. Suas resoluções puderam ser aceitas, contestadas, negociadas, retocadas, postas entre aspas para expressar reservas, mas permanecem referencias incontornáveis, quando se fala de direitos das mulheres no mundo e na África. A última vitória neste nível foi a adoção, pela nova União Africana, em julho de 2003, de um Protocolo à Carta Africana de direitos do homem e dos povos, relativo aos direitos das

mulheres. 30

O artigo 5° do Protocolo à Carta Africana de direitos do homem e dos povos

dispõe que todo o indivíduo tem direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa

humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica. Todas as formas de

exploração e de aviltamento do homem, nomeadamente a escravatura, o tráfico de

pessoas, a tortura física ou moral e as penas ou os tratamentos cruéis, desumanos

ou degradantes são interditas.

O Sudão proibiu em 1946 a infibulação mas continua a autorizar a excisão

como prática cultural. As duas intervenções são ainda praticadas. O Gana tem uma

lei, desde 1994, o Djibuti desde 1999. No Egito a ablação do clitóris é aceita com o

consentimento da mulher e a medicalização do ato, a supressão da prática foi

decretada em 1997, por decisão da justiça. O Burkina Faso votou sua abolição e

desde 1990, um comitê nacional de luta contra a prática da excisão criou estratégias

de sensibilização, financiadas por instituições internacionais e várias ong’s.

Atualmente , 14 países africanos, entre os quais o Senegal (1999), Benin (2003),

Costa do Marfim e o Togo (1998) adotaram uma legislação para proibir as MGF,

estabelecendo penas para seus autores. Não há ainda uma lei no Camarões, na

Mauritânia, no Mali e em outros países.31

Refúgio baseado no gênero e o “fundado temor de perseguição” na

Convenção de 1951

29 Ibidem,p.7. 30 Ibidem,p.8. 31 Ibidem,p.9-10.

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A perseguição a uma pessoa caracteriza grave violação aos direitos

humanos. Portanto, cada solicitante de refúgio ou asilo é consequência de um

padrão de violação a esses direitos. Assim necessário que as pessoas que sofrem

com estas violações possam ser acolhidas em um lugar seguro, recebendo proteção

efetiva contra a devolução forçosa ao país em que a perseguição ocorre. Também é

necessário garantir que esses refugiados tenham ao menos um nível mínimo de

dignidade.32

O instituto do refúgio é mais recente no Direito Internacional, e atualmente,

com abrangência maior e tipificada, dessa forma, não se trata de um ato

discricionário do Estado concessor, pois o reconhecimento do status de refugiado

está vinculado a diplomas legais bem definidos.33 A Convenção Relativa ao Estatuto

dos Refugiados de 1951 dispõe que refugiado, é a pessoa que:

temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

Impende ressaltar que, “refugiada é a pessoa que não só não é respeitada

pelo Estado ao qual pertence, como também é esse Estado quem a persegue, ou não

pode protegê-la quando ela estiver sendo perseguida”.34 Essa é a situação que dá

origem ao refúgio, sendo essa a principal diferença do solicitante de refúgio e do

estrangeiro normal.35

A denominação inglesa da Convenção de 1951 é Convention on the Status

of Refugees. O termo status visa designar uma posição pessoal, uma condição.

Sendo assim, vem a ser a posição de uma pessoa em face da lei, que determina

seus direitos e deveres em contextos particulares. O status, portanto, pode ser

alterado caso o contexto do qual aquele decorre seja modificado, mesmo que a lei

que a regule permaneça igual.36

32 PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. In: ._____.Temas de direitos humanos. 5.ed. São Paulo: Saraiva,2012.p.177.

33JUBILUT, Liliana Lyra. O direito internacional dos refugiados e sua explicação no ordenamento jurídico brasileiro. São Paulo: Método, 2007. p.42. 34 PIOVESAN, Flávia. Op. cit.,p.177. 35 Idem. 36 JUBILUT, Liliana Lyra. Op. cit.,p.43.

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Com a Convenção de 1951 e com o Protocolo de 1967, o status de refugiado é reconhecido a qualquer pessoa que sofra perseguição em seu Estado de origem e/ou residência habitual, por força de sua raça, nacionalidade, religião, opinião política ou pertencimento a determinado grupo social, enquanto o asilo tem sua prática limitada à perseguição política.37

No entanto, a efetivação dessa proteção ocorre no âmbito interno de cada

Estado, que tem a faculdade de aumentar ou não este rol.38 São elementos

essenciais da definição de refúgio a perseguição, o bem fundado temor, ou justo

temor, e a extraterritorialidade. A perseguição, não é definida nos diplomas

internacionais sobre a matéria, o que pode vir a trazer problemas para a

interpretação e aplicação do instituto.39 Segundo o ACNUR, não existe um

significado jurídico próprio do termo “perseguição baseada no gênero”.40

Historicamente, a definição de refugiado tem sido interpretada em um

contexto de experiências masculinas, o que levou ao não reconhecimento de muitas

solicitações de mulheres e homossexuais. Contudo, na última década, a análise e a

compreensão do sexo e do gênero no contexto do refúgio tem avançado

consideravelmente na jurisprudência e nas práticas dos Estados.41

Ainda que não se faça menção específica ao gênero na definição de

refugiado, entende-se que o gênero pode influenciar, ou determinar, o tipo de

perseguição sofrida. Dessa forma, se interpretada de maneira adequada, a

Convenção abrange solicitações baseadas no gênero.42

O gênero é um fator importante para a análise da condição de refugiado.

Para compreender a natureza da perseguição baseada no gênero é necessário

diferenciar os termos “gênero” e “sexo”. O sexo é biológico, já o gênero se refere às

relações baseada em identidades definidas ou construídas social ou culturalmente,

portanto, não é algo estático mas é algo que vai sendo construído ao longo do

tempo.43A ONU entende que :

os esforços especiais dos Estados para a incorporação de perspectivas de gênero nas políticas de refúgio, regulações e práticas; encorajou os Estados, o ACNUR e outros atores interessados a promover uma aceitação mais ampla, e inclusão nos seus critérios de

37 Ibidem,p.44. 38 Ibidem,p.45. 39 Idem. 40 MANUAL de procedimentos e critérios para a determinação da condição de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. ACNUR, 2011. p.79. 41 Ibidem, p.81. 42 Idem. 43 Ibidem, p.79.

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proteção a noção de que a perseguição pode ser relacionada ao gênero ou realizada por meio de violência sexual; além disso encorajou o ACNUR e outros atores interessados a desenvolver, promover e implementar diretrizes, códigos de conduta e programas de treinamento relativos à questões de gênero no refúgio, visando apoiar a integração de uma perspectiva de gênero e aprimorar a fiscalização da implementação de políticas de gênero”.44 Outro elemento essencial da definição de refúgio é o fundado temor de

perseguição. Em função da impossibilidade de tratamento equitativo a todos os

solicitantes de refúgio, se passou a utilizar o temor objetivo como meio de

verificação da condição de refugiado.45

Assim, adotou-se a posição de que o temor subjetivo deve ser presumido (no sentido de que todos os solicitantes gozam dele a priori somente por terem solicitado refúgio) e que se deve proceder à verificação das condições objetivas do Estado do qual provém o solicitante em relação a ele para se chegar à conclusão de que esse temor é fundado (no sentido de comprovar que o temor subjetivo daquele indivíduo deve realmente existir). Desse modo, as informações sobre a situação objetiva do Estado de proveniência do solicitante de refúgio e a relação dessas com cada indivíduo passam a caracterizar o elemento essencial do refúgio.46

A determinação do que é um fundado temor de perseguição vai depender

das circunstâncias específicas de cada caso concreto.47 A questão da perseguição

traz, ainda, o problema da interpretação. Para alguns Estados, especialmente os

europeus, o único agente de perseguição possível é o Estado, aplicando assim, uma

interpretação restritiva sobre refúgio, pois não tem o entendimento de que

perseguição pode ser efetivada por agentes não estatais (guerrilhas, guerra civil,

conflitos armados). Essa restrição impede que os refugiados gozem de proteção

nesses Estados, sendo, na prática, uma restrição indevida dos dispositivos dos

documentos internacionais.48

As mulheres solicitantes poderem sofrer perseguições específicas devido ao

seu sexo. Não há dúvidas de que estupro e outras formas de violência baseadas no

gênero, a exemplo da mutilação genital feminina, são atos que infligem dores e

sofrimentos mentais e físicos graves e que podem ser utilizados como formas de

perseguição, seja pelo Estado ou por atores privados.49

44 Idem. 45 JUBILUT, Liliana Lyra. Op. cit., p.47. 46 Idem. 47 MANUAL de procedimentos e critérios para a determinação da condição de refugiado. Op. cit., p.82. 48 JUBILUT, Liliana Lyra. Op. cit., p.46. 49 MANUAL de procedimentos e critérios para a determinação da condição de refugiado. Op. cit., p.82.

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Pode-se afirmar que “há perseguição quando houver uma falha sistemática e

duradoura na proteção de direitos do núcleo duro de direitos humanos, violação de

direitos essenciais sem ameaça à vida do Estado”. 50

Solicitações baseadas no gênero podem ser apresentadas tanto por mulheres quanto por homens, ainda que, em razão de determinadas formas de perseguição, elas sejam mais comumente apresentadas por mulheres. Em alguns casos, o sexo do solicitante pode estar relacionado à solicitação de maneira significativa e o tomador de decisão deve estar atento a isso. No entanto, em outros casos a solicitação de refúgio apresentada por uma mulher pode não estar relacionada com o sexo dela. Ainda que não se limitem a isso, as solicitações baseadas no gênero costumam envolver atos de violência sexual, violência doméstica/familiar, planejamento familiar forçado, mutilação genital feminina, punição em razão de uma transgressão dos costumes sociais, e discriminação contra homossexuais.51 A MGF é uma forma de violência com base no gênero que inflige graves

danos físicos e mentais e que constitui uma forma de perseguição. De acordo com

a Nota de Orientação do Alto Comissariado das Nações Unidas para Pedidos de

Refugiados relacionados com a MGF, a esta constitui, tanto perseguição com base

no gênero como perseguição específica às crianças. As reclamantes são, via de

regra, as mulheres ou jovens que receiam ser sujeitas à prática ou ainda os

genitores das jovens que receiam ser perseguidos por se oporem a esta norma

social. “Em princípio, estes também estão protegidos pela Convenção de Genebra

de 1951 de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

(ACNUR) uma vez que a sua oposição a uma norma social discriminatória em

relação às mulheres gera receio de perseguição”.52

A mutilação genital feminina esta reconhecida como descriminação com base no sexo porque se fundamenta em desigualdades de gênero e desequilíbrios de poder entre homens e mulheres e inibe as mulheres do exercício completo e igual usufruto dos direitos humanos. É uma forma de violência sobre meninas e mulheres com consequências físicas e psicológicas. A Mutilação genital feminina privas as meninas e mulheres de tomarem uma decisão independente e informada sobre uma intervenção que tem efeito prolongado nos seus corpos e que afeta a autonomia e controle individual sobre as suas vidas. 53

O direito à participação cultural e liberdade religiosa são protegidos por

legislação internacional, contudo, essa manifestação pode estar sujeita a limitações

para proteger os direitos humanos , sendo assim, razões de ordem social e cultural

não podem ser evocadas em defesa da mutilação genital feminina.54

50 JUBILUT, Liliana Lyra. Op. cit., p.46. 51 MANUAL de procedimentos e critérios para a determinação da condição de refugiado. Op. cit., p.79. 52 Fim à Mutilação Genital Feminina. Op. cit., p.12. 53 Eliminação da Mutilação Genital Feminina. Op. cit.,p.12. 54 Idem.

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O reconhecimento da mutilação genital como uma forma de perseguição

encontra respaldo, em primeira instância, em elementos do direito internacional e do

direito internacional dos direitos humanos. Todas as formas de mutilação genital

violam direitos como o da não discriminação, proteção contra violência física e

mental e nos casos mais extremos, o direito à vida. A mutilação genital também

constitui tortura e tratamento desumano e degradante, como afirma a doutrina e

jurisprudência internacional, como a Corte Europeia de Direitos Humanos. 55

De acordo com o relatório Too much pain elaborado pela ONU em 2013, em

2013 mais de 25.000 mulheres e crianças, oriundas de países onde a mutilação

genital é praticada, buscaram asilo. A maioria dessas mulheres e crianças é

originária de países como a Somália, Eritréia, Iraque, Guiné, Mali e Costa do Marfim.

Em 2013, a maioria dessas mulheres e crianças solicitaram asilo na Alemanha,

Suécia, Holanda, Reino Unido e Bélgica. Em 2013, a maioria das aplicantes na

Alemanha eram originárias do Egito, enquanto a maioria das mulheres da Eritréia

foram para a Suécia e as somalis para a Holanda. 56

O primeiro caso de concessão de refúgio a mulheres fundado temor de

perseguição relativo à mutilação genital, foi registrado em 1994, no Canadá, quando

o Canadian Immigration and Refugee Board (IRB) garantiu o status de refugiada à

Khadra Hassan Farah, da Somália, e sua filha, baseado no pedido de que a criança

seria vítima do ritual de mutilação genital, se ela retornasse à Somália. A genitora

alegou que seu ex-marido assumiria a custódia da criança e ela não teria poderes

para impedir a realização do procedimento. Apesar de a França ser a primeira nação

ocidental que estabeleceu a mutilação genital como uma forma de perseguição, a

decisão canadense é a primeira que garantiu o status de refugiado como parte do

procedimento de concessão de refúgio. 57

Existe uma discussão sobre quando a mutilação genital deve ensejar o pedido

de refúgio: no caso de a mulher já ter passado pelo procedimento ou se o pedido

55 UNHCR. Guidance note on refugee claims relating to female genital mutilation. Disponível em: http://www.refworld.org/pdfid/4a0c28492.pdf. Acesso em: 09 nov. 2015. 56 United nations High Commissioner for Refugees. Too much pain. 2013. Disponível em: http://www.unhcr.org/531880249.html. Acesso em 09 nov. 2015. 57 Moussette, Kris Anne Basler. Female Genital Mutilation and Refugee Status in the United States – a Step in the Right Direction. Disponível em: http://lawdigitalcommons.bc.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1284&context=iclr. Acesso em 09. nov. 2015.

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pode ser fundamentado no caso de a mulher estar fugindo de uma ameaça de ser

submetida ao procedimento. Isso se aplica, especificamente aos tipos I e II de

mutilação genital, tendo em vista que os tipos III e IV são considerado contínuos, o

que significa afirmar que a mulher é defibulada e reinfibulada a cada relação sexual

ou procedimento de parto. Esther, da Serra Leoa, que fugiu para o Reino Unido e foi

reconhecida como refugiada, relata que:

eu vivi em Freetown na Serra Leoa. Tive uma infância feliz. A única coisa difícil que tive que enfrentar foi o facto de as minhas tias, que costumavam vir à vila visitar o meu pai, dizerem-lhe que estava na altura de eu me juntar a uma sociedade secreta. Isso significava que estava na altura de eu ser cortada, circuncisada. O meu pai... não queria que eu fosse, dizia ele, era cruel... Ele protegeu-me e disse-me que eu não tinha que o fazer. Mas depois veio a guerra, e eu perdi o meu pai, a minha mãe e os meus irmãos. Fui levada por um soldado para o mato, para ser sua parceira sexual. Ele violava-me quando queria. Estes soldados eram terríveis. Eu vi muita coisa que ninguém deveria ter que ver. Depois, o meu tio veio da América, tentando saber o que nos tinha acontecido. Eu era a única que restava da minha família em Freetown. Não podia ficar em Freetown porque todas as pessoas sabiam que eu tinha sido levada para o mato pelo Timboy mas também não podia regressar à vila, porque não queria ser circuncisada. Sabia que não o queria fazer porque já tinha ouvido contar como era feito –nem sequer esterilizam a faca e as raparigas sangram muito e, por vezes, morrem. O governo já tinha tentado impedir isto, eu sei, mas teve que recuar porque toda a gente protestou. Portanto, se um membro da família o quiser fazer, não há como impedir. Então, o meu tio ajudou-me a ir para Inglaterra... Tenho 18 anos agora e vou para a

universidade. Quero ser assistente social para ajudar outras pessoas.58

O ACNUR defende que os pedidos de refúgio fundamentados em mutilação

genital não envolvem, somente aplicantes que estejam com ameaça iminente de

serem mutiladas mas também mulheres que tenham passado pelo procedimento.

Em geral, como a pessoa que passou pelo fundado temor de perseguição assume o

risco de vir a ser perseguida novamente, várias decisões foram proferidas no sentido

de contestar que a mutilação genital não poderá vir a ser realizada mais de uma vez

na mesma mulher. A natureza permanente e irreversível da mutilação genital

comporta uma visão de que a mulher vitimada poderá a vir sofrê-lo novamente,

devido a determinadas práticas estipuladas em algumas comunidades. Ainda,

mesmo que a mutilação já tenha sido realizada, ainda podem haver razões que

atreladas a perseguição sofrida no passado, ensejem o pedido de refúgio. O

procedimento de mutilação genital, em regra é praticado por pessoas físicas, o que

não exime o fundado temor de perseguição seja estabelecido quando as

autoridades se mostrem incapazes de proteger as mulheres e crianças da prática.59

58 Fim à Mutilação Genital Feminina. Op. cit.,p.13. 59 UNHCR. Guidance note on refugee claims relating to female genital mutilation. Disponível em: http://www.refworld.org/pdfid/4a0c28492.pdf. Acesso em 09. nov. 2015.

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As consequências da mutilação genital não encerram com a realização do

procedimento. A mulher ou criança fica permanentemente mutilada e pode sofrer

outras consequências físicas e mentais à longo prazo. Uma mulher ou criança que

foi mutilada de forma branda pode, posteriormente, ser submetida a um

procedimento mais severo de mutilação. As mulheres que sobrevivem ao processo

de mutilação genital também tem maiores riscos de complicações durante o parto,

inclusive a possibilidade de perder o bebê imediatamente após o parto. Estudos

indicam que esse risco é potencializado nas modalidades mais severas de

mutilação.

Considerações Finais

No decorrer deste trabalho, foi possível perceber que a mutilação genital

feminina viola uma série de direitos humanos, como o direito à saúde, à autonomia

do próprio corpo, os direitos reprodutivos, a auto afirmação, à liberdade e à vida.

Ademais, é uma questão que afeta particularmente às mulheres, pois somente elas

são submetidas à pratica, por razões culturais e religiosas, mas sempre com o fim de

controlar o corpo e a sexualidade feminina.

As mulheres que se recusam a ser mutiladas, sofrem perseguição pois este

é um aspecto profundamente enraizado na cultura e nas tradições de algumas

localidades. Essa insurgência, portanto, não é vista com bom olhos pela

comunidade, além disso, as mulheres não mutiladas não conseguem se inserir no

contexto social em que vivem e são condenadas muitas vezes ao ostracismo, ou, na

pior das hipóteses, sofrem perseguição por parte do grupo ao qual pertencem.

Tal perseguição é em função da quebra do seu papel social de mulher.

Aliada à negação de direitos básicos como a saúde e o direito ao próprio corpo,

anteriormente mencionados, tem-se os requisitos para a concessão de refúgio,

conforme dispõe a Convenção de 1951. Tendo em vista, que a mutilação genital

feminina é uma perseguição baseada no gênero, há possibilidade de interpretar o

“fundado temor de perseguição” como um dos elementos para que as mulheres

sujeitas a prática tenham os seus pedidos de refúgio concedidos pelos Estados ao

qual se solicita. Países como a França, Suécia e Reino Unido já interpretam o

dispositivo no sentido de ampliar à proteção a essas mulheres e meninas.

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É possível afirmar que na África, continente mais afetado pela prática,

ocorreram alguns avanços que são fundamentais para a conscientização da

população. Guiné-Bissau criminalizou a MGF em 2011. Em 2015, foi a vez da

Nigéria coibir a prática. No mesmo ano, Somália apresentou uma redução

significativa no número de mulheres mutiladas. Contudo, somente a tipificação legal

é incapaz de abolir a prática e uma mudança cultural sistematizada é fundamental

para a obtenção de resultados significativos. Considerando que a Nigéria, país mais

populoso do continente africano e um dos países mais relevantes no espectro

cultural e econômico, espera-se que outras nações sigam o exemplo e produzam

instrumentos jurídicos capazes de coibir a prática.

Cabe ressaltar que a prática de mutilação genital é um problema

humanitário, sendo que a criminalização e erradicação do procedimento é de

responsabilidade de todos os Estados da comunidade internacional, que são

signatários de tratados de direitos humanos, não podendo então ser reduzido

somente a jurisdição interna dos países onde existem registros de realização da

MGF.

O ACNUR incentiva a toda comunidade internacional a receber esses

pedidos de refúgio, sendo que Brasil, desde 2012, já foram registrados diversos

casos de solicitantes de refúgio que fundamentaram o pedido na negativa de sofrer

mutilação genital.

O Brasil no seu papel de líder regional, apoiador do regime internacional

para refugiados, desde a universalização do instituto com a ratificação da

Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, e signatário de inúmeros instrumentos

de proteção aos direitos humanos, deve desempenhar um papel proativo no

acolhimento das mulheres vítimas de mutilação genital, servindo de exemplo para

outros países da América do Sul.

O refúgio é um instrumento importante para a emancipação e

empoderamento dessas mulheres, vítimas de uma pratica que deixa cicatrizes

permanentes e com efeitos a longo prazo e irreversíveis. O refúgio é então, a

possibilidade de reconstrução das suas vidas e da sua auto afirmação, além de ser a

positivação do compromisso internacional com os direitos humanos, e em especial

com os direitos humanos das mulheres e meninas, direitos esses que são

indivisíveis, e que foram várias vezes afirmados nos tratados internacionais.

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Referências

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Feminist Majority Foundation. Violence against women: Female Genital Mutilation. Disponível em: http://www.feminist.org/global/fgm.html. Acesso em 09.11.2015. Fim à Mutilação Genital Feminina: uma estratégia para as instituições da União Europeia. Disponível em: < http://www.endfgm.eu/content/assets/ENDFGM_summary_PORTUGUESE.pdf > Acesso em: 07 jul. 2015.

JUBILUT, Liliana Lyra. O direito internacional dos refugiados e sua explicação

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KOITA, Khady. Mutilada. Disponível em: < https://topicosorientemedio.files.wordpress.com/2011/05/khady-mutilada-pdfrev.pdf> Acesso em: 30 out. 2015.

MANUAL de procedimentos e critérios para a determinação da condição de refugiado: de acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. ACNUR, 2011.

Moussette, Kris Anne Basler. Female Genital Mutilation and Refugee Status in the United States – a Step in the Right Direction. Disponível em: http://lawdigitalcommons.bc.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1284&context=iclr. Acesso em 09. nov. 2015. PIOVESAN, Flávia. O direito de asilo e a proteção internacional dos refugiados. In:

._____.Temas de direitos humanos. 5.ed. São Paulo: Saraiva,2012.

SOW, Fatou. As mutilações genitais femininas : estado atual na África. Disponível em: < http://www.labrys.net.br/labrys5/textoscondensados/sowbr.htm> Acesso em: 15 abr. 2015.

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O conceito de refugiados ambientais é a melhor maneira de proteger as pessoas afetadas por desastres ambientais?

Dailynne Wisentainer1

Grupo de Trabalho III: Direito humanos, migrações e políticas públicas.

Nos últimos anos tornaram-se mais frequentes notícias relacionadas a fenômenos ambientais que geraram impactos nas populações das áreas atingidas, resultando muitas vezes em um deslocamento forçado das pessoas desses lugares, sendo estas enquadradas na categoria de refugiados ambientais. Mesmo diante da quantidade de desastres ambientais ocorridos tanto em âmbito nacional quanto internacional, ainda são raras as pesquisas que conseguem estipular um número sobre a quantidade de refugiados ambientais existentes no mundo. A falta de dados sobres essas pessoas tornou-se mais uma das dificuldades para criar-se uma nova categoria para estes indivíduos, visto que hoje eles não têm proteção no regime internacional, pois, não se enquadram no conceito relativo a refugiados, em razão de seu deslocamento não ser causado por temor de perseguição, nem como deslocados internos, visto que muitas dessas pessoas são obrigadas a se deslocar entre países. Busca-se com a pesquisa científica estudar se o conceito que vem sendo criado de refugiados ambientais é a melhor forma de proteger essas pessoas afetadas por desastres ambientais e caso a resposta seja afirmativa, qual a melhor concepção de refugiados ambientais, quais seriam os critérios adotados para enquadrar as pessoas neste conceito.

Palavras chave: Refugiados Ambientais – Princípios – Direito Internacional Público.

1 Graduanda em direito pelo Centro Universitário Curitiba Participa do grupo de Pesquisa Mobilidade Humana e Direitos Humanos [email protected]

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E

DEMOCRACIA: MIGRAÇÕES, UMA VISÃO COMPARADA ENTRE BRASIL

E ESPANHA

José Maria Ramos

Economista, Bacharel em Direito, Mestre em Análise Regional, doutorando do

Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Pontifícia Católica do Paraná

(PUCPR). Professor na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, (UNIOESTE),

campus de Francisco Beltrão-PR. E-mail: [email protected]

Marcelo Rodrigues

Advogado, Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela PUCPR,

Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia na UniBrasil-Curitiba-PR. E-mail:

[email protected]

O DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO E O FENÔMENO DA

MIGRAÇÃO: DIREITOS E INCLUSÃO DOS TRABALHADORES

IMIGRANTES NO BRASIL

INTERNATIONAL LAW OF LABOUR AND THE PHENOMENON OF

MIGRATION: RIGHTS AND INCLUSION OF WORKERS IMMIGRANTS IN

BRAZIL

RESUMO: A migração é um fenômeno da própria natureza humana em busca de novas

oportunidades e melhores condições de vida, que pode ocorrer por motivos diversos,

mas que trazem efeitos para o campo do mercado de trabalho e relações com o direito

internacional do trabalho. Nessa perspectiva, o objetivo do artigo é analisar o perfil sócio

demográfico da imigração internacional, considerando as características da demanda de

mão de obra no mercado de trabalho brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional do Trabalho. Mercado de trabalho.

Migração internacional

ABSTRACT: Migration is a phenomenon of human nature in search of new

opportunities and better living conditions, which can occur for various reasons, but they

bring effects for the labor market field and relationships with international labor law.

From this perspective, the objective of this article is to analyze the socio-demographic

profile of international immigration, considering the hand demand characteristics of

work in the Brazilian labor market.

KEY WORDS: International Labor Law. Job market. International migration.

1 INTRODUÇÃO

A migração é um fenômeno da própria natureza humana em busca de novas

oportunidades e melhores condições de vida. Contudo, a decisão de migrar pode estar

relacionada a diferentes razões, que vão desde motivos particulares e pessoais

caracterizada pela vontade própria ou decorrentes de problemas de ordens política,

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econômica, religiosa ou ainda de catástrofes naturais, entre outras, que forçam as

pessoas a romperem fronteiras para recomeçar ou melhorar suas condições de vida1. A

busca de novas oportunidades significa o enfrentamento de muitos desafios aos

imigrantes em um novo país, para adaptar-se a novos costumes e culturas, o aprendizado

da língua, bem como a inserção no mercado de trabalho.

A globalização das atividades econômicas se amplia cada vez mais, afetando não

apenas questões de interesse de política internacional, ou seus interesses econômicos,

mas principalmente o mercado de trabalho, que com o deslocamento de fluxos

migratórios amplia o contingente de pessoas que passam a prestar serviços em um país

que não é de sua nacionalidade.

No Brasil, as imigrações internacionais tiveram importante papel no processo de

colonização e de desenvolvimento do país. O primeiro contingente de imigrantes no

Brasil se deu com a vinda dos portugueses, cujo objetivo era a exploração das riquezas

naturais e ocupação do território para atender aos interesses da Corte. O segundo fluxo

de migrantes foram os escravos africanos que foram forçados ao deslocamento

migratório para o Brasil para atuar nas atividades econômicas, especialmente ligadas à

economia açucareira. O terceiro fluxo é representado pelos contingentes de europeus e

de japoneses que vieram para o país substituir a mão de obra escrava na agricultura,

principalmente na cafeicultura e na incipiente indústria, ainda no século XIX2. Os fluxos

migratórios internacionais contribuíram expressivamente para o crescimento

populacional e bem como da dinâmica econômica do país, mas a partir de meados do

século XX essa participação reduz de forma significativa, praticamente fechando à

migração internacional.

A crise econômica da década de 1980 ou da chamada “década perdida”,

decorrente de altas taxas de desemprego, inflação elevada e com a consequente perda

do valor real do salário, e a queda da atividade econômica, fez com que muitos

1 Conceitos relacionados à migração: emigração se refere às pessoas que se deslocam (saída) de um país para

residir em outros países, por um determinado período (temporária) ou permanente; imigração se refere à entrada

de pessoas em determinado país. As migrações também podem ser internas, dentro do próprio país. 2 Neste contexto o Brasil recebeu mais de 800.000 imigrantes italianos e 200.000 japoneses, além de pessoas de

outras nacionalidades. Estima-se que entre 1875 e 1930, o Brasil tenha recebido cerca de 4,4 milhões de pessoas

provenientes principalmente de Portugal, Espanha, Itália, Japão e Alemanha. Ver: OIM - Organização

Internacional para as Migrações. Perfil Migratório do Brasil 2009. Disponível em:

<http://publications.iom.int/bookstore/free/Brazil_Profile2009.pdf>. Acesso em: 09 out. 2015.

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brasileiros - cerca de 1,5 milhões - deixassem o país em busca de oportunidades em

outros países, como Estados Unidos, Paraguai, Japão e Itália. Para Ana Cristina Braga

MARTES3, outros fatores como a baixa mobilidade social, desencantos com a política

nacional e questões de ordem cultural também foram fatores que estimularam a

emigração de brasileiros.

Na década de 1990, o fluxo de imigração internacional com destino ao Brasil

aumentou de 66 mil em 1991 para 143,6 mil em 2000, mas desse total 47% e 61%

respectivamente representam brasileiros natos que retornaram ao país. Entre o período

de 1986-1991 e 1995-2000, o número de estrangeiros que imigraram para o Brasil

aumentou em 57% e o de retornados cresceu em 181%, oriundos, principalmente do

Japão, Paraguai e Estados Unidos4.

Segundo dados do censo demográfico do IBGE de 2010, no período entre 2005

e 2010, o número de imigrantes que chegaram ao Brasil foi de 268,4 mil, um aumento

de 86,9% quando comparado ao período 1995-2000. Desse contingente de imigrantes,

65,5% são brasileiros natos que regressaram. Em 2010, dos 51.933 imigrantes

provenientes dos Estados Unidos, 84,2% eram brasileiros. Entre os 41.417 imigrantes

provenientes do Japão, 89,1% eram brasileiros. Já entre os 15.753 imigrantes

provenientes da Bolívia, apenas 25% eram brasileiros, reflexo da melhora da condição

econômica no país5.

A primeira década do século XXI é marcada pelas crises econômica e financeira,

que tiveram início em 2007, nos Estados Unidos, afetando praticamente todos os países

do mundo, mas de forma mais expressiva países da Europa e do Japão, os quais ainda

não se encontram plenamente recuperados das crises. No Brasil, os impactos foram

sentidos mais tarde, a partir de 2014, em função da política econômica anticíclica

3 MARTES, Ana Cristina Braga. Emigração Brasileira: Formação de Mercados de Consumo de Produtos

Brasileiros no Exterior. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 41, no 1, jan-mar, 2001. Disponível

em: <http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/10.1590_S0034-75902001000100012.pdf>. Acesso em: 09 out.

2015. 4 OIM - Organização Internacional para as Migrações. Perfil Migratório do Brasil 2009. Ministério do Trabalho

e Emprego. Disponível em: <http://publications.iom.int/system/files/pdf/brazil_profile2009.pdf>. Acesso em: 09

out. 2015. 5 Desta forma, os imigrantes estrangeiros vindos dos Estados Unidos são 8.212, do Japão 4.514 e da Bolívia foram

11.814, que chegaram ao Brasil no período de 2005-2010. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Censo Demográfico 2010 Resultados gerais da amostra. Rio de Janeiro, 2012. Disponível

em:<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000008473104122012315727483985.p

df>. Acesso em: 12 nov. 2015

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(redução das taxas de juros e redução de impostos para setores selecionados), adotada

pelo governo. Assim, o bom momento que a economia brasileira teve entre 2003 e 2013

reposicionaram o país no cenário internacional, atraindo trabalhadores imigrantes,

alterando o comportamento do fluxo de migração internacional para Brasil.

Mais recentemente, a partir de 2010, o Brasil tem recebido novos fluxos

migratórios na condição de refugiados, como os haitianos, que por razões humanitárias,

em função dos abalos econômico e social decorrentes do terremoto que assolou o Haiti

em 2010, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), decidiu emitir vistos de residência

permanente6, segundo dados da Polícia Federal, mais de 39 mil haitianos entraram no

Brasil de 2010 até setembro de 2014. Além dos haitianos, o Brasil tem recebido fluxos

de imigrantes de diversos outros países, como Colômbia, Bangladesh, Senegal, Síria.

Destarte o Brasil estar a receber imigrantes de diversas nacionalidades não há

uma política referencial para amparo dos migrantes internacionais que aqui chegam,

pois, a referência é o anacrônico Estatuto do Estrangeiro, Lei No 6.815, de 19 de agosto

de 1980, que dispõe sobre a entrada, a permanência e a saída de estrangeiros do país,

com a finalidade de controle do fluxo de pessoas, construído sob a doutrina da Segurança

Nacional no período da ditadura militar.

Apesar de não haver uma política direcionada para atrair trabalhadores

imigrantes, mesmo assim muitos trabalhadores estrangeiros vêm buscar oportunidades

de trabalho no Brasil. Considerando as colocações arroladas, o artigo tem como objetivo

analisar o perfil do sócio demográfico da imigração internacional no mercado de

trabalho brasileiro. Para atingir o objetivo proposto, o artigo foi dividido em quatro

seções além desta introdução. Na segunda seção se fez um levantamento do perfil sócio

demográfico dos trabalhadores estrangeiros no Brasil a partir das informações da RAIS

para os anos de 2012, 2013 e 2014, e dos dados do Ministério do Trabalho e Emprego

para o período de 2011 a 2015. Na terceira seção é apresentado uma síntese do conjunto

de direitos aos trabalhadores imigrantes, encontradas nas Declarações da ONU

6 Conforme disposição do Art. 1o da Resolução normativa nº 97, de 12 de janeiro de 2012 do Conselho Nacional

de Imigração, que dispõe que “Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art. 16

da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos, nos

termos do art. 18 da mesma Lei, circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro.

Parágrafo único. Consideram-se razões humanitárias, para efeito desta Resolução Normativa, aquelas resultantes

do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país

em 12 de janeiro de 2010.

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(Organização das Nações Unidas) e da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e

da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL. E, na quarta seção são abordadas as

limitações e a dualidade da demanda de trabalhadores imigrantes no mercado de

trabalho brasileiro e, por fim, as considerações finais.

2 ASPECTOS SÓCIO DEMOGRÁFICOS DA IMIGRAÇÃO INTERNACIONAL

DE TRABALHADORES NO BRASIL

Atualmente, o ingresso de estrangeiros no Brasil é controlado pelos Ministérios

das Relações Exteriores (MRE), da Justiça (MJ) e do Trabalho e Previdência Social

(MTPS)7. As funções do Ministério das Relações Exteriores estão direcionadas ao

controle e à emissão de vistos em suas diferentes modalidades. O Ministério da Justiça

é responsável pelos procedimentos de documentação e regularização da situação

migratória dos estrangeiros no Brasil, e por sua vez, ao Ministério do Trabalho e

Previdência Social cabe a emissão das autorizações de trabalho para estrangeiros, que

desejam exercer alguma atividade laboral no Brasil8.

Para além das funções de cada Ministério, a gestão das questões migratórias

também é desempenhada pelo Conselho Nacional de Imigração – CNIg9, órgão

vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, que por meio do Decreto No

840, de 22 de junho de 1993, tem a competência para formulação e para coordenação de

políticas públicas relacionadas aos imigrantes, com apoio administrativo da

Coordenação Geral de Imigração (CGIg), cuja principal atribuição é conceder

autorizações de trabalho para estrangeiros e executar as deliberações das Resoluções

Normativas (RNs) do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) que dizem respeito ao

tema de trabalho10.

7 Com a reforma administrativa do Governo federal os Ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e da Previdência

Social (MPS) foram unificados, passando a receber a denominação de “Ministério do Trabalho e da Previdência

Social (MTPS)”, conforme Medida Provisória no 696, de 2 de outubro de 2015. 8 Conforme disposição do Estatuto do Estrangeiro, Lei No 6.815, de 19 de agosto de 1980. 9 A composição do CNIg é constituída por: a) um representante de cada Ministério (1-Trabalho e Previdência

Social, que o presidirá; 2- Justiça; 3- Relações Exteriores; 4- Agricultura e Abastecimento; 5- Ciência e

Tecnologia; 6- Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; 7- Saúde; 8- Educação); b) cinco representantes

dos Trabalhadores, c) cinco representantes dos empregadores e d) um representante da comunidade científica e

tecnológica. 10 OBMigra. Autorizações de trabalho concedidas a estrangeiros. Observatório das Migrações Internacionais;

Ministério do Trabalho e Emprego/ Coordenação Geral de Imigração. Relatório Trimestral (abril a junho), Brasília,

DF: OBMigra, 2015.

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A Coordenação Geral de Imigração (CGIg) emitiu 264.156 autorizações de

trabalho, no período compreendido entre 2011 até o primeiro semestre de 2015, a

maioria das autorizações apresentam duas características principais: são concedidas para

homens, 89,95% e são temporárias, 95,22%. Os dados da tabela 01, demonstram que

houve uma queda de 47,59% nas autorizações de trabalho na comparação dos dados de

2011 e 2014.

Tabela 01 – Autorizações de trabalho concedidas a estrangeiros de 2011 a 2015, segundo

o gênero e categoria.

Gênero/

Categoria

2011 2012 2013 2014 2015* Total

Masculino 62.087 60.807 55.728 42.065 16.074 236.761

Feminino 6.990 6.413 6.659 5.194 2.139 27.395

Temporário 66.391 64.282 59.428 44.420 17.026 251.547

Permanente 2.686 2.938 2.959 2.839 1.187 12.609

Total 69.077 67.220 62.387 47.259 18.213 264.156

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e Coordenação Geral de Imigração -

CGIg 2015.

* Informações até junho de 2015.

As reduções de autorizações de trabalho, segundo a CGIg podem estar

relacionadas às mudanças nas resoluções11 e na gestão das autorizações temporárias,

principalmente, ou ainda das flutuações normais de demanda de mão de obra.

Entre as principais nacionalidades dos trabalhadores imigrantes temporários os

destaques são os Estados Unidos, Filipinas e Reino Unido. Em 2014, foram concedidas

5.841 autorizações de trabalho temporário para cidadãos norte-americanos

desenvolverem atividades laborativas no Brasil e no primeiro semestre de 2015 já foram

concedidas 2.539 autorizações. Em seguida, na segunda posição, com 4.542

autorizações de trabalho aparece, as Filipinas, conforme demonstram os dados da tabela

02.

Tabela 02 – Autorizações de trabalho temporárias concedidas a estrangeiros de 2011 a

2015, segundo a nacionalidade.

País 2011 2012 2013 2014 2015*

Estados Unidos 9.936 8.955 8.809 5.742 2.496

11 Duas Resoluções Normativas sofreram alterações, a RN 61, que trata da assistência técnica e transferência de

tecnologia por prazo até 90 dias, sem vínculo empregatício, que alterou o art. 6º permitindo, a partir de abril de

2013, que as autorizações sejam concedidas diretamente, em Repartição Consular Brasileira no exterior, e a RN

71, que trata sobre o trabalho do marítimo estrangeiro empregado a bordo de embarcação de turismo estrangeira

que opere em águas brasileiras, que ampliou o prazo da autorização de seis meses para dois anos, não precisando

de renovações constantes como nos anos anteriores.

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Filipinas 7.797 5.176 5.117 4.542 1.564

Reino Unido 4.861 4.304 4.024 3.249 1.212

Índia 4.243 4.221 3.727 3.249 799

Itália 2.111 2.610 2.244 2.102 691

Outros 37.443 39.016 35.507 25.536 10.264

Total 66.391 64.282 59.428 44.420 17.026

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e Coordenação Geral de Imigração -

CGIg 2015.

* Informações até junho de 2015.

As principais áreas de atuação dos trabalhadores imigrantes temporários que

atuam no Brasil estão relacionadas às seguintes atividades: trabalho a bordo de

embarcação ou plataforma estrangeira, na prestação de serviços de assistência técnica,

tecnologia e petróleo12, que em 2014 teve 15.117 autorizações. Na sequência, com 9.899

autorizações está o estrangeiro na condição de artista ou desportista, que participa de

eventos certos e determinados, sem vínculo empregatício com pessoa física ou jurídica

sediada no País 13.

Em relação à escolaridade dos trabalhadores estrangeiros que vieram ao Brasil,

em 2014, para exercer atividades temporárias, 54,57% tinham ensino superior completo

e 39,68% tinham ensino médio completo, com mestrado ou doutorado foram 3,43%14.

As unidades da federação que mais receberam trabalhadores temporários estrangeiros

em 2014, foram: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo.

Em relação às autorizações permanentes, entre os anos de 2013 e 2014 os dados

se mantiveram estáveis, 2.959 e 2.839 respectivamente. As principais formas de ingresso

permanente, em 2014, ocorreram por meio das modalidades, investidor pessoa física em

atividade produtiva no Brasil (35,78%), nos termos da Resolução Normativa 8415, e de

administradores, diretores, gerentes e executivos com poderes de gestão (60,86%), nos

termos da Resolução Normativa 62; outras formas corresponderam a 3,36%.

Em termos de nacionalidade das autorizações permanentes concedidas, segundo

a CGIg, a Itália liderou o número de autorizações em 2014 com 456; seguida por Japão,

12 Atividade regulamentada pela Resolução Normativa - RN 72, de 10 de outubro de 2006, que disciplina a

chamada de profissionais estrangeiros para trabalho a bordo de embarcação ou plataforma estrangeira. 13 Regulamentada pela Resolução Normativa – RN 69, de 07 de março de 2006, que trata da concessão de

autorização de trabalho a estrangeiros na condição de artista ou desportista, sem vínculo empregatício. 14 Em números absolutos, os trabalhadores com autorização temporária foram 24.243 com ensino superior

completo, 17.628 com ensino médio completo, 1.525 com doutorado ou mestrado e 1.024 outros. 15 De acordo com a Resolução Normativa 84 é necessário investimento mínimo de R$ 150.000,00 em empresa

nova ou já existente.

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404, e depois Portugal com 319. No primeiro semestre de 2015, não houve alterações

nas primeiras posições dos países em número de autorizações permanentes, a Itália

manteve a liderança com 189; Japão, 173 e Portugal, 130. Em 2014, aproximadamente

70% das autorizações permanentes concedidas aos italianos foram na modalidade de

investidor estrangeiro; enquanto, para os trabalhadores japoneses que obtiveram

concessões, 82,17% foi para desenvolver funções de direção de empresas no Brasil,

tendo como principal destino, em ambas modalidades, São Paulo.

O número de estrangeiros trabalhando no Brasil de forma regular, com registro

em carteira em 2014 foi de 119.312 trabalhadores, segundo os dados consolidados da

RAIS - Relação Anual de Informações Sociais (Tabela 03), indica que houve um

aumento de 58,75% quando comparado ao ano de 2012. As principais nacionalidades

de trabalhadores estrangeiros formais no Brasil são Portugueses, Argentinos e

Bolivianos. Entretanto, houve significativas mudanças na primeira metade da década de

2010, que decorreu essencialmente da imigração de haitianos, após a catástrofe natural

que atingiu esse país em 201016, o número de trabalhadores imigrantes haitianos,

formalmente trabalhando, aumentou expressivamente de 3.033 em 2012 para 23.933 em

2014, ou seja, 691%, a essa situação soma-se os novos fluxos migratórios, oriundos de

Bangladesh, Senegal e Síria.

Tabela 03 – Trabalhadores estrangeiros formais no Brasil no período de 2012 a 2014,

segundo a nacionalidade.

Nacionalidade 2014 % 2013 % 2012 %

Haitiano 23.993 20,11 11.360 12,02 3.033 4,04

Portuguesa 10.770 9,03 10.547 11,16 9.900 13,17

Argentina 7.832 6,56 7.061 7,47 6.412 8,53

Boliviana 7.243 6,07 7.136 7,55 5.702 7,59

Paraguaia 7.119 5,97 5.595 5,92 4.730 6,29

Chilena 4.494 3,77 4.553 4,82 4.509 6,00

Uruguaia 4.203 3,52 3.976 4,21 3.807 5,07

Bengalesa 3.504 2,94 - - - -

Italiana 3.116 2,61 2.192 2,32 2.699 3,59

16 A situação social, política e econômica do Haiti apresenta-se como uma das mais graves das Américas, resultante

da crise política em que vive o país há mais de 20 anos, das intempéries climáticas e da gravidade do terremoto

que matou mais de 250.000 pessoas e deixando mais de um milhão de desabrigados. A presença do Brasil no Haiti,

no comando da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti – MINUSTAH, iniciada em 2004,

contribuiu na inserção do Brasil como um dos destinos procurados pelos haitianos que buscavam fugir da miséria

e da desordem social, conforme Durval Fernandes. FERNANADES, Durval. O Brasil e a migração internacional

no século XXI – notas introdutórias. In: PRADO, Erlan José Peixoto; COELHO, Renata (org.) Migrações e

trabalho. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2015, p. 19-39.

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Espanhol 3.093 2,59 3.065 3,24 2.516 3,35

Outros 43.945 36,83 39.000 41,28 31.846 42,37

Total 119.312 100 94.485 100 75.154 100

Fonte: Rais 2014, 2013 e 2012. Organização dos autores.

No Paraná, segundo dados da RAIS de 2012 a 2014, apresentados na tabela 04,

os registros formais de trabalhadores estrangeiros tinham como principais

nacionalidades, paraguaios e argentinos, contudo com o fluxo migratório dos haitianos,

associada a uma demanda por mão de obra em setores como construção civil e na

indústria de proteína animal, com destaque no setor de abate de animais, alterou a

composição da participação de estrangeiros no estado

Tabela 04 – Trabalhadores estrangeiros formais no Paraná, segundo a nacionalidade, de

2012 a 2014.

Nacionalidad

e 2014 % 2013 % 2012 %

Haitiano 5.220 36,81 2.516 25,86 630 10,51

Paraguaia 3.012 21,24 2.350 24,15 1.689 28,17

Argentina 708 4,99 603 6,20 537 8,96

Portuguesa 470 3,31 463 4,76 410 6,84

Chilena 284 2,00 280 2,88 252 4,20

Bengalesa 265 1,87 - 0,00 - 0,00

Japonesa 205 1,45 187 1,92 159 2,65

Peruano 183 1,29 140 1,44 103 1,72

Italiana 164 1,16 147 1,51 143 2,39

Uruguaia 157 1,11 163 1,68 163 2,72

Outros 3.513 24,77 2.882 29,62 1.909 31,84

Total 14.181 100,00 9.731 100,00 5.995 100,00

Fonte: Rais 2014, 2013 e 2012. Organização dos autores.

Conforme dados da RAIS para o período de 2012 a 2014, os haitianos que em

2012 representavam proporcionalmente a quantia de 10,51% dos trabalhadores

estrangeiros no Paraná, saltou para 36,81% em 2014. Dos haitianos empregados

formalmente, praticamente um terço desempenhavam atividades no setor de abate e

fabricação de produtos de carne, principalmente nas cidades de Cascavel, Maringá e

Pato Branco. Já os paraguaios, que ocupam a segunda posição em número de

trabalhadores no Paraná, estão concentrados em Foz do Iguaçu, Cascavel e Medianeira,

e trabalham nos setores de alimentos e bebidas e no comércio varejista, principalmente.

A maior presença e participação de trabalhadores imigrantes no mercado de

trabalho brasileiro, quer seja decorrente de uma maior abertura econômica ou para

atender situações de demandas de refugiados, implica necessariamente na observância

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dos direitos dos trabalhadores imigrantes expressos nas resoluções da ONU, da

Organização Internacional, dos acordos regionais, bem como da própria Constituição.

3 PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES IMIGRANTES

A economia globalizada reduziu as fronteiras nacionais estabelecidas e trouxe

novas complexidades nas migrações bem como no campo do Direito do Trabalho. Mas,

independentemente dos motivos que levam a migração, do fenômeno da globalização

ou da transnacionalização do capital, os trabalhadores imigrantes detêm a titularidade

de direitos trabalhistas, que devem ser observados e praticados, pois o Direito do

Trabalho está alçado à condição de Direitos Humanos, sendo, portanto, universal.

A Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e proclamada pela

Resolução 217 A (III), da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de

1948, deixou previsto nos artigos 13 e 23 normas direcionadas aos trabalhadores

imigrantes, garantindo a liberdade de locomoção, independente das fronteiras nacionais,

e acesso ao mercado de trabalho sem distinções.

Artigo XIII

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das

fronteiras de cada Estado.

2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a

este regressar.

(...)

Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições

justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por

igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória,

que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a

dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de

proteção social.

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para

proteção de seus interesses17.

As normas internacionais específicas sobre a proteção do trabalhador imigrante

são: a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores

Migrantes e dos Membros de suas Famílias, da ONU e as Convenções No 97 e No 143,

da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os

Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias, foi adotada pela Assembleia

17 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível

em: <http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf>. Acesso em: 21 out. 2015.

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Geral da ONU, por meio da Resolução 45/158, de 18 de dezembro de 1990, entretanto

passou a vigorar somente a partir de 1o de julho de 2003. Essa Convenção, reconhece os

problemas e a extensão do fenômeno da migração no âmbito mundial e considerando a

situação de vulnerabilidade dos trabalhadores migrantes e dos membros de sua família,

visa harmonizar as condutas dos Estados, na proteção dos direitos dos migrantes em

situação migratória, inclusive irregular.

Após a conceituar trabalhador migrante18, a Convenção estabelece a não

discriminação de direitos por parte dos Estados e requer o compromisso dos Estados de

respeitar e garantir os direitos previstos na referida Convenção, independentemente de

qualquer condição de raça, cor, sexo, religião, opinião política ou de qualquer outra

situação. Aos trabalhadores migrantes o tratamento nas atividades laborais não pode ser

“menos favorável que aquele que é concedido aos nacionais do Estado de emprego em

matéria de retribuição”, com direito à associação e participação em sindicatos.

Embora a Convenção estabeleça um conjunto de direitos e de deveres aos

trabalhadores migrantes e seus familiares, o artigo 35 deixa expresso que não significa

uma regularização da situação dos migrantes e familiares indocumentados ou em estado

irregular, portanto, não há o direito pleno do imigrante de ver sua situação regularizada.

Após 25 anos da adoção pela ONU e 12 anos de vigência, a Convenção tem baixo

índice de adesão, atualmente são 47 Estados partes, o Brasil ainda não ratificou sua

adesão. Para Laís Maranhão Santos MENDONÇA19 a pequena participação dos Estados

é explicada, em partes, pelo fato de suas normas serem muito avançadas, especialmente

aos trabalhadores em situação irregular.

18 ORGANIZAÇAO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Internacional sobre a Protecção dos

Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. A expressão "trabalhador

migrante" designa a pessoa que vai exercer, exerce ou exerceu uma atividade remunerada num Estado de que não

é nacional. Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos

Membros de suas Famílias, artigo 2, item 1. Disponível em:

<http://www.oas.org/dil/port/1990%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20Internacional%20sobre%20a%20Protec

%C3%A7%C3%A3o%20dos%20Direitos%20de%20Todos%20os%20Trabalhadores%20Migrantes%20e%20su

as%20Fam%C3%ADlias,%20a%20resolu%C3%A7%C3%A3o%2045-

158%20de%2018%20de%20dezembro%20de%201990.pdf>. Acesso em: 21 out. 2015. 19 MENDONÇA, Laís Maranhão Santos. Imigração e trabalho: luta por reconhecimento dos imigrantes no Brasil-

análise da participação social dos imigrantes na 1ª Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes de São

Paulo. Dissertação de mestrado. UNB - Universidade Nacional de Brasília. Brasília, 2014. Disponível em; <

http://repositorio.unb.br/handle/10482/16441>. Acesso em 22 out. 2015.

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Em relação às Convenções da Organização Internacional do Trabalho sobre o

trabalho do migrante, a Convenção sobre Trabalhadores Migrantes No 97, de 1949, uma

revisão da Convenção de 1939, passou a ter vigência no plano internacional em janeiro

de 1952. No Brasil esta Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo No 20, de

1965 e promulgada pelo Decreto No 58.819, de 1966.

As Convenções da OIT são instrumentos jurídicos vinculantes, quando

ratificadas pelo Estado Membro, e as Recomendações são instrumentos de orientação.

Nesse sentido, a Convenção No 97 estipula no artigo 6o a obrigatoriedade dos Estados

Membros de aplicarem aos trabalhadores “imigrantes que se encontrem legalmente nos

limites do seu território um tratamento que não seja menos favorável que aquele que é

aplicado aos seus próprios nacionais”, sem qualquer forma discriminação, nas seguintes

matérias:

a) sempre que estes pontos estejam regulamentados pela legislação ou

dependem de autoridades administrativas:

I) a remuneração, compreendidos os abonos familiares quando estes fizerem

parte da mesma, a duração de trabalho, as horas extraordinárias, férias

remuneradas, restrições do trabalho a domicílio, idade de admissão no

emprego, aprendizagem e formação profissional, trabalho das mulheres e dos

menores;

II) a filiação a organizações sindicais e o gozo das vantagens que oferecem as

convenções coletivas do trabalho;

III) a habitação;

b) a seguridade social (isto é, as disposições legais relativas aos acidentes de

trabalho, enfermidades profissionais, maternidade, doença, velhice e morte,

desemprego, e encargos de família, assim como a qualquer outro risco que, de

acordo com a legislação nacional esteja coberto por um regime de seguridade

social), sob reserva:

I) de acordos adequados visando à manutenção dos direitos adquiridos e dos

direitos em curso de aquisição;

II) de disposições especiais estabelecidas pela legislação nacional do país de

imigração sobre auxílios ou frações de auxílio pagos exclusivamente pelos

fundos públicos e sobre subsídios pagos às pessoas que não reúnam as

condições de contribuição exigidas para a percepção de um benefício normal;

c) os impostos, taxas e contribuições, concernentes ao trabalho, percebidas em

relação à pessoa empregada;

d) as ações judiciais relativas às questões mencionadas na presente

convenção20.

A Convenção No 97 da OIT foi motivada segundo Martin RUHS apud Nadia

Demoliner LACERDA21 para “facilitar a migração de um excedente de trabalhadores

20 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 97. Disponível em:

<http://www.oit.org.br/node/523>. Acesso em: 22 out. 2015. 21 LACERDA, Nadia Demoliner. Migração internacional a trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p.37.

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da Europa para outros países do mundo, encorajando os Estados a assinarem tratados

bilaterais de recrutamento de força de trabalho”. A busca de oportunidades de emprego

aos europeus pode ser observada no artigo 11, anexo II da Convenção No 97, quando

estipula que se um trabalhador migrante em condições legais estiver em excesso em um

emprego qualquer, as autoridades do país receptor devem “fazer todo o possível para

permitir-lhe a obtenção de um emprego conveniente que não prejudique os trabalhadores

nacionais, e deverá adotar disposições que garantam sua manutenção, enquanto aguarda

colocação em emprego conveniente ou a sua fixação noutro local22”. Constitui-se,

portanto, num instrumento de novos mercados de trabalho aos imigrantes e que visa

preservar a igualdade de tratamentos e de oportunidades perante os trabalhadores

nacionais.

A Convenção No 143 da OIT, aprovada em 1975, com vigência a partir de 1978

trata das migrações em condições abusivas e promoção da igualdade de oportunidades

e de tratamento dos trabalhadores migrantes, diferentemente da Convenção No 97,

estabelece a necessidade de respeito aos direitos fundamentais do homem e de todos os

trabalhadores migrantes, é um nível mínimo de proteção independentemente da

condição do migrante, regular ou não.

Cabe aos Estados partes da Convenção No 143 da OIT a adoção de medidas para

“suprimir as migrações clandestinas e o emprego ilegal de migrantes” e atuar “contra as

organizações que promovem movimentos ilícitos ou clandestinos de migrantes com fins

de emprego”, e acionar judicialmente autores de tráfico de mão de obra, bem como

empregadores, de modo a evitar migrações e trabalhadores em condições abusivas23.

A partir dos princípios contidos na Convenção No 111, de 1959, que trata da

igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissões, a

Convenção No 143, em seu artigo 10 estipula que os Estados parte devem formular e

aplicar políticas com vistas à igualdade de oportunidades e de tratamento, “em matéria

de emprego e de profissão, de segurança social, de direitos sindicais e culturais e de

22 Ibidem, OIT. Convenção No 97, anexo II, art. 11. 23 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 143. Convenção sobre as imigrações

efetuadas em condições abusivas e sobre a promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento dos

trabalhadores migrantes. Disponível em: <http://www.oit.org.br/content/conven%C3%A7%C3%A3o-sobre-

imigra%C3%A7%C3%B5es-efectuadas-em-condi%C3%A7%C3%B5es-abusivas-e-sobre-

promo%C3%A7%C3%A3o-da-igualdade-de>. Acesso em: 22 out. 2015.

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liberdades individuais e coletivas para aqueles que se encontram legalmente nos seus

territórios na qualidade de emigrantes ou de familiares destes”, e reconhece que o

exercício da profissão poderá ser submetida à aprovação das organizações

representativas dos empregadores e trabalhadores, em relação as qualidades

profissionais, inclusive sobre certificados e diplomas obtidos no estrangeiro24. Contudo,

ainda não foi ratificada pelo Brasil.

No âmbito do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, instituído por meio do

Tratado de Assunção, de 1991, Brasil e os Estados-Partes (Argentina, Paraguai, Uruguai

e depois a Venezuela), com vistas à criação de um mercado comum e maior integração,

também foram estabelecidos acordos que tratam sobre a questão da migração, como a

Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, de 1998, que estabelece direitos individuais

como a garantia de não-discriminação em razão da origem nacional e a proteção aos

trabalhadores migrantes ou fronteiriços; e direitos coletivos, garantindo aos

trabalhadores a liberdade de associação e filiação sindical.25

Considerando o caráter dinâmico e o avanço do processo de integração sub-

regional, a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL de 1998 foi revisada, cuja

aprovação ocorreu em 17 de julho de 2015, com a inclusão, entre os direitos individuais,

a igualdade de oportunidades de tratamento entre homens e mulheres e para os

trabalhadores portadores de deficiências, artigos 4o e 6o respectivamente26. Nesse

sentido, as questões sociais da migração laboral passam a ter uma maior relevância no

âmbito do Mercosul e não apenas as temáticas da dinâmica econômica do bloco.

Com a finalidade de fortalecer e aprofundar o processo de integração do

MERCOSUL e dos Países Associados ao bloco econômico foi estabelecido o Acordo

Sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL, Bolívia e Chile,

em 2002. Contudo, esse Acordo somente promulgado em 07 de outubro de 2009, pelo

Decreto No 6.975. O objetivo do Acordo é solucionar a situação migratória dos nacionais

dos Estados Parte e dos Países Associados, concedendo autorização para residência

temporária ou permanente, conforme documentação a ser apresentada. Com a

24 Ibidem. OIT. Convenção nº 143, artigos 10 e 14. 25 MERCOSUL. Declaração sociolaboral do Mercosul. Disponível em:

<http://www.mercosur.int/innovaportal/file/4506/1/es_declaracion-sociolaboral.pdf >. Acesso em 23 out. 2015. 26 MERCOSUL. Declaração sociolaboral do Mercosul. Disponível em:

<http://www.mercosur.int/innovaportal/file/4677/1/pt_declaracao-sociolaboral.pdf>. Acesso em 23 out. 2015.

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regularização os imigrantes e os membros de suas famílias passam a ter igualdades nos

direitos civis, direito de reunião familiar, direito de transferir recursos, diretos aos filhos

de imigrantes de acesso à escola em igualdade de condições e os Estados firmam o

compromisso de reciprocidade em matéria previdenciária.27

Em relação a Constituição brasileira de 1988, a questão dos imigrantes é tratada

à luz dos artigos 3o, IV, que entre os objetivos fundamentais se insere a promoção do

bem de todos sem preconceito ou discriminação; 4o, IX, as relações internacionais são

pautadas, entre outros, no princípio da “cooperação entre os povos para o progresso da

humanidade” e, no parágrafo único do respectivo artigo, busca-se a integração regional

nas relações econômicas, sociais e culturais no âmbito da América Latina; e 5o, pautado

sob os princípios dos direitos fundamentais, veda práticas discriminatórias e garante aos

estrangeiros residentes no País os direitos de igualdade, na mesma forma que aos

brasileiros, no que tange a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade28.

Entretanto, há exceções expressas na Constituição de 1988 ao princípio da

igualdade em relação aos imigrantes, como a proibição de alistamento e direito a voto,

previsita no artigo 14, § 2º; acesso a cargos públicos especiais (Presidente e Vice-

Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado

Federal, Ministro do Supremo Tribunal Federal, carreira diplomática, oficial das Forças

Armadas e Ministro de Estado e da Defesa), artigo 14, § 3o. Tramita no Congresso

Nacional a Proposta de Emenda Constitucional No 347, de 2013, que visa alterar a

redação artigo 14, § 2o, possibilitando o alistamento e direito a voto aos imigrantes

residentes em território brasileiro por mais de quatro anos e legalmente regularizados29.

Apesar do conjunto de medidas de caráter internacional, regional ou nacional que

visam a proteção dos direitos dos trabalhadores imigrantes ainda há violações, como

discriminação, não registro dos trabalhadores, exploração dos trabalhadores em

27 MERCOSUR. Acordo sobre residência para nacionais dos Estados partes do Mercosul, Bolívia e Chile.

Disponível em: <http://www.mercosur.int/innovaportal/file/5838/1/56-acuerdoresidenciamsur-

boliviaychile.pdf>. Acesso em 29 out. 2015. 28 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 23 out 2015. 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda Constitucional No 347. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=599448>. Acesso em 03 nov.

2015.

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condições análogas à escravidão entre outros problemas que devem ser mitigados, com

política migratória que facilite a forma de entrada no país de modo a evitar as situações

de irregularidade que colocam em risco os direitos dos imigrantes.

4 DESIGUALDADES E PRECONCEITOS AO TRABALHADOR IMIGRANTE

A população estrangeira que vive no Brasil é de aproximadamente 1,7 milhões,

número baixo se considerar a dimensão total da população brasileira, cabe aqui destacar

que os dados sobre imigração internacional são subestimados, pois uma parcela

significativa de imigrantes vivendo no Brasil se encontram de forma clandestina, não

havendo informações precisas sobre os imigrantes ilegais, embora se saiba que a maioria

é de latino-americanos, como paraguaios, bolivianos30.

A partir do perfil dos trabalhadores imigrantes no Brasil, constata-se uma

diversidade de nacionalidades e uma dualidade em relação a qualificação da mão de

obra, com trabalhadores mais qualificados oriundos, principalmente de países

desenvolvidos e trabalhadores com baixa qualificação, geralmente de países vizinhos,

que atravessam a fronteira e chegam com facilidade aos grandes centros da economia

brasileira em busca de oportunidades e trabalho.

As autorizações concedidas, pelo CCIg no período entre 2011 e 2014, quer seja

de forma temporária ou definitiva demonstram que o mercado brasileiro vem

demandando por mão de obra qualificada, pois, em média, 55% dos trabalhadores que

ingressaram no País tinham nível de escolaridade superior e desempenham atividades

laborativas, especialmente em embarcação ou plataforma estrangeira e assistência

técnica, cooperação técnica e transferência de tecnologia, notadamente nos setores de:

petróleo, gás e energia; tecnologia da informação; logística; construção civil;

infraestrutura; análise de sistemas; finanças; serviços públicos de saúde e educação31.

A preferência pela mão de obra qualificada que possa contribuir com o

desenvolvimento econômico, social, cultural, científico e tecnológico do país está

presente na proposta de alteração do Estatuto do Estrangeiro, Projeto de Lei No

30 VILELA, Elaine Meire. Desigualdade e discriminação de imigrantes internacionais no mercado de trabalho

brasileiro. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 54, no 1, p. 89 – 128, 2011. 31 VILLEN, Patricia. Qualificação da imigração no Brasil um novo capítulo das políticas imigratórias? RURIS,

Revista do Centro de Estudos Rurais – UNICAMP, Campinas, v. 6, no 1, p. 107 – 126, mar. 2012.

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5.655/2009, estabelece na política imigratória prioridades para admissão de mão de obra

qualificada, observada a proteção ao trabalhador nacional.

Art. 4o A política imigratória objetivará, primordialmente, a admissão de mão-

de-obra especializada adequada aos vários setores da economia nacional, ao

desenvolvimento econômico, social, cultural, científico e tecnológico do

Brasil, à captação de recursos e geração de emprego e renda, observada a

proteção ao trabalhador nacional32.

O ingresso de trabalhadores imigrantes pode ser uma alternativa importante para

contribuir com o país receptor, pois além da mão de obra qualificada, os imigrantes

podem contribuir com injeção de recursos financeiros e estimular atividades econômicas

e fortalecer laços culturais.

Contudo, a chegada de migrantes e a busca de postos de trabalho geralmente

geram conflitos no âmbito do mercado de trabalho, além de problemas relacionados a

preconceitos. O Programa Mais Médicos criado por meio da Medida Provisória No 621,

de 8 de julho de 2013 e regulamentada pela Lei No 12.871, de 22 de outubro mesmo

ano, pode ser um exemplo de conflito com a chegada de mão obra qualificada. Embora

de acordo com dados do Ministério da Saúde, há “um déficit de 160 mil médicos, que

será suprimido apenas em 2035 se mantida a presente situação”. Assim sendo, faz-se

necessária a contratação desses profissionais no mercado internacional para atender as

demandas sociais, mas as “entidades médicas no Brasil têm opinião contrária e criticam

duramente a ideia de flexibilizar a entrada dos diplomados internacionais”33 e ocupar

espaços de médicos brasileiros.

Além da mão obra qualificada demandada, o crescimento econômico brasileiro

entre 2003 a 2013 passou a necessitar de imigrantes para atividades que exigem pouca

qualificação, como setores da construção civil e produção de bens industriais, com

destaque para abatedouros de carne, cuja maior demanda ocorreu na região sul, como se

observou da análise sócio demográfica dos imigrantes no Paraná.

O perfil do mercado de trabalho brasileiro indica uma necessidade de

trabalhadores imigrantes tanto no topo, quanto na base, essa característica provoca

32 CAMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei No 5.655/2009. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=674695&filename=PL+5655/2009>.

Acesso em 26 out. 2015. 33 FOREQUE, Flávia; NUBLAT, Johanna. Governo planeja importar médico para rede pública. Folha de São

Paulo, 1o mar. 2013, Cotidiano. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/96341-governo-

planeja-importar-medico-para-a-rede-publica.shtml>. Acesso em: 03 dez. 2015.

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inconsistência de status aos imigrantes de formação média, pois há pouca demanda para

os trabalhadores com essa formação. Para Leonardo CAVALCANTI, o modelo de

inserção dos imigrantes no Brasil segue um modelo dos países com tradição de recepção

de fluxos migratórios, no qual “os imigrantes se inserem no mercado de trabalho em

uma posição inferior em relação ao seu grau de especialização, sua formação acadêmica

e a sua experiência laboral prévia”34.

A situação se torna mais complexa e complicada para os migrantes que ingressam

na condição de refugiados ou ilegais, pois geralmente encontram dificuldades para

conseguir um emprego diante de problemas na obtenção de documentos, falta de

qualificação para o mercado de trabalho e entre outros, a questão de preconceitos. Essas

dificuldades podem colocar os imigrantes, principalmente os ilegais, em situação de

vulnerabilidade econômica e social, facilitando a ação de aliciadores que colocam esses

trabalhadores em condições degradantes ou análogas à escravidão. Como destaca Daniel

SANTINI35

Muitos [migrantes] têm o rumo definido, seguindo o caminho já tomado por

familiares e amigos. Outros parecem abertos a qualquer possibilidade, sem

muita noção do que é o Brasil e do que encontrarão pela frente, uma situação

de vulnerabilidade que tem atraído aliciadores. Valendo-se de falsas

promessas ou fraudes, estes estabelecem redes de tráfico de pessoas para

exploração de trabalho escravo ou exploração sexual.

Em operações de fiscalização do Ministério Público do Trabalho – MPT e ou das

Superintendências Regionais do Trabalho tem sido encontrado trabalhadores imigrantes

que estavam na condição de refugiados ou ilegais em condições análogas à escravidão,

como foi noticiado em 22 de agosto de 2014 pelo Jornal Valor Econômico36, “Haitianos

são resgatados de condições análogas à escravidão em SP”, quando catorze pessoas (12

haitianos e 2 bolivianos) foram resgatadas em uma oficina de costura no Brás, região

central da capital.

34 CAVALCANTI, Leonardo. Imigração e mercado de trabalho no Brasil: Características e tendências. Cadernos

OBMigra - Revista Migrações Internacionais, Brasília, v. 1, no 2, p. 35 - 47, 2015. 35 SANTINI, Daniel. A realidade dos imigrantes haitianos e senegaleses no Brasil. Repórter Brasil. Disponível

em: https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-

8#q=Sistema+Nacional+de+Empregos+n%C3%A3o+funciona+e+refugiados+ficam+sujeitos+a+aliciadores>.

Acessol em 04 nov. 2015. 36 MOTTA, Camila Veras. Haitianos são resgatados de condições análogas à escravidão em SP. Jornal Valor

Econômico, 22 de agosto de 2014. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/3664942/haitianos-sao-

resgatados-em-condicoes-analogas-escravidao-em-sp>. Acesso em 04 nov. 2015.

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Embora a legislação brasileira e as convenções internacionais nas quais Brasil é

signatário garantam o direito ao trabalho e mobilidade no território nacional aos

imigrantes refugiados, há dificuldades para alocar os trabalhadores no mercado de

trabalho, por problemas de estrutura operacional, por exemplo, o Sistema Nacional de

Empregos (SINE) não é integrando nacionalmente e carece de estrutura de recursos

humanos e materiais para atender a demanda e identificar oportunidades aos migrantes

no cenário nacional. E a situação de crise econômica que o Brasil enfrenta desde 2014,

com a consequente elevação nos índices de desemprego podem se constituir em maiores

obstáculos aos trabalhadores imigrantes em busca de oportunidades de emprego.

Em que pese ainda ocorram problemas relativos aos trabalhadores imigrantes, o

Brasil vem adotando medidas para mitigar tais problemas como a Lei No 11.961/200937,

a qual permitiu que milhares de imigrantes que estavam em condição irregular fossem

incluídos socialmente, assegurando direitos e deveres previstos constitucionalmente.

Com essa medida, segundo Vanessa Oliveira Batista BERNER, o Brasil demonstra que

um novo paradigma migratório é possível para a política migratória.

Em outra frente, segundo a autora está a mudança no estatuto do estrangeiro, que

a partir da contribuição de entidades públicas e sociais, o anteprojeto traz uma

adequação com os tratados internacionais de Direitos Humanos vigentes, muda o

paradigma da legislação migratório brasileira: abandona a proposta de segurança

nacional ou de controle documental e mercado de trabalho para a perspectiva dos

Direitos Humanos, acaba com a fragmentação da matéria sobre migração e prepara o

País para o novo momento de fluxos migratórios estimulado pelo processo de

globalização ou mesmo de conflitos sociais ou problemas ambientais38.

Em ação desencadeada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), órgão

vinculado Ministério do Trabalho e Previdência Social e Ministério da Justiça, autorizou

37 A Lei No 11.961/2009 permite que estrangeiros que tenham ingressado e permanecido em território nacional de

forma irregular (clandestino, prazo de estada vencido ou que não tenha obtido a condição de residente permanente)

até 1o de fevereiro de 2009, poderá requerer o registro de residência provisório permanecer no país em caráter

temporário por até 2 anos e, em até 90 dias antes do término deste período, poderá requerer a transformação da

autorização temporária em permanente, desde que comprove o exercício de profissão ou o emprego lícito, a

inexistência de débitos fiscais e de antecedentes criminais, e não ter se ausentado do país por prazo superior a 90

dias consecutivos. 38 BERNER, Vanessa Oliveira Batista. Migrações internacionais no contexto da proteção dos direitos humanos.

In: RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Scheila Tatiana (coord.). Coleção de direito internacional multifacetado:

aspectos econômicos, políticos e sociais. Curitiba: Juruá, 2015, p. 287-299.

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a possibilidade de residência permanente para 43.781 haitianos que se encontram em

situação irregular39. Com a regularização, esses imigrantes terão acesso aos serviços

públicos como saúde e educação e inserção no mercado de trabalho, ou seja, uma melhor

estabilidade aos imigrantes em sintonia com as perspectivas dos Direitos Humanos e

não apenas um controle de entrada ou saída de pessoas. Para Leonardo

CAVALCANTI40

As políticas de imigração deveriam ir na via de tratar as migrações na sua

complexidade, multidimensionalidade e incluí-la de forma transversal nas

diversas políticas públicas. A junção entre políticas que possam acomodar os

imigrantes no mercado de trabalho formal, com a perspectiva dos direitos

humanos, contribuirá de forma decisiva a consolidar a imigração como um

ativo para o desenvolvimento do país, não somente do ponto de vista

econômico, mas também cultural, social e político.

Os direitos dos trabalhadores imigrantes e a política de imigração devem

contemplar os ideais dos Direitos Humanos das Declarações da ONU e das Convenções

da OIT e assegurar de forma holística a proteção do trabalhador e sua família.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As imigrações internacionais no Brasil passaram por diversos momentos e

trouxeram contribuições significativas ao desenvolvimento econômico, social, cultural

e tecnológico desde o processo de colonização, com expressiva demanda de braços

estrangeiros para ocupar e desenvolver o país ao período que muitos brasileiros

buscavam oportunidades no mercado de trabalho internacional.

A política sobre migração internacional brasileira ainda é definida pela Estatuto

do Estrangeiro que é uma legislação anacrônica e sua finalidade é pautada no controle

de fluxo de pessoas para garantir a segurança nacional, não tratando a questão dos

imigrantes pela lógica da proteção dos direitos humanos.

Os instrumentos de proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores

migrantes são baseados essencialmente nos princípios da igualdade, da não

discriminação e da proteção, prescritos nas Convenções No 97 e No 143 da OIT. Embora

Brasil não tenha ratificado a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de

Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias, da ONU e também

39 PORTAL BRASIL. Brasil autoriza residência permanente a 43,8 mil haitianos. Disponível em:<

http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/11/brasil-autoriza-visto-de-residencia-permanente-para-43-8-

mil-haitianos>. Acesso em: 22 nov. 2015 40 CAVALCANTI, Leonardo. Imigração e mercado de trabalho no Brasil: Características e tendências. Cadernos

OBMigra - Revista Migrações Internacionais, Brasília, v. 1, no 2, p. 35 - 47, 2015.

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a Convenção No 143 da OIT, os direitos trabalhistas ou sociais (saúde e educação) dos

trabalhadores imigrantes podem ser requeridos com fundamentos em outras convenções

internacionais que o país é signatário ou da própria constituição brasileira.

Assim, a questão do trabalhador imigrante não pode ser pautada tão somente por

rivalidades institucionais e preconceitos históricos, deve-se enxergar os migrantes como

“parte imprescindível da cultura e do desenvolvimento econômico de nosso país”41,

contribuição esta que já foi experimentada desde o período colonial e que trouxe maior

amplitude de diversidade cultural, religiosa, tecnológica e avanços sociais e econômicos

ao Brasil.

6 REFERÊNCIAS

BERNER, Vanessa Oliveira Batista. Migrações internacionais no contexto da proteção

dos direitos humanos. In: RAMINA, Larissa; FRIEDRICH, Scheila Tatiana (coord.).

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41 BERNER, Vanessa Oliveira Batista. Migrações internacionais no contexto da proteção dos direitos humanos.

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CARLA PANZA BRETAS

Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário

Autônomo do Brasil – Unibrasil, Curitiba – PR, Brasil. Pós-graduada em Direito

Público pela Universidade Veiga de Almeida. Analista Judiciário no Tribunal

Regional Eleitoral do Paraná.

E-mail: [email protected].

O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO E A LUTA PELA

PARTICIPAÇAO POLÍTICA DO IMIGRANTE NO BRASIL /

STATE CONSTITUTIONAL COOPERATIVE AND THE STRUGGLE FOR

PARTICIPATION IMMIGRANT POLICY IN BRAZIL

Resumo: O direito a participação política do imigrante constitui o objeto do

presente artigo. Com o auxílio do conceito de Estado Constitucional

Cooperativo objetiva-se demonstrar que o argumento dos direitos humanos é

um importante instrumento para a implementação do direito do imigrante opinar

e influir nas questões eleitorais do Estado onde vive. Um Estado que se diz

democrático não é compatível com a ideia de tapar os ouvidos para um grupo

de indivíduos.

PALAVRAS-CHAVE: IMIGRANTE; PARTICIPAÇÃO POLÍTICA; ELEIÇÕES; VOTO;

ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO; DEMOCRACIA; DIREITOS

HUMANOS.

Abstract: The right to immigrant political participation is the subject of this article. With

the help of the Cooperative Constitutional State concept to demonstrate that the

argument of human rights is an important tool for the implementation of immigrant

rights opinion and influence the electoral issues of the state where you live. A state

that calls it self democratic is not compatible with the idea of covering their ears for a

group of individuals.

WEYWORDS: IMMIGRANT; POLITICAL PARTICIPATION; ELECTIONS; VOTE;

STATE CONSTITUTIONAL COOPERATIVE; DEMOCRACY; HUMAN RIGHTS.

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1) INTRODUÇÃO

Desde o fim da segunda guerra mundial a política de esquerda não confiava no

argumento dos direitos humanos como um guardião emancipatório. Preferiram a

linguagem da revolução e do socialismo. No entanto, com o fim da guerra fria,

percebeu-se que os ideais socialistas não lograram êxito nessa luta e aquela mesma

esquerda que antes desdenhava a politica de direitos humanos como alternativa

emancipatória agora se socorre desse discurso para preencher o vazio deixado pelo

socialismo1.

Assim, a par das criticas quanto a questão da universalidade dos direitos humanos,

a necessidade de compatibilização dos mesmos de acordo com a dimensão

multicultural de cada Estado é uma tarefa que necessita ser encarada o quanto antes.

As discussões quanto a participação política2 dos imigrantes está dentro desse

contexto.

Pode-se argumentar que a participação política do imigrante coloca em risco a

soberania nacional e sujeita o Estado receptor a descaracterização de sua cultura.

Mas não é bem assim. Sabemos que a imigração não ocorre por esporte. Não é algo

que ocorre simplesmente para alastrar a dominação de uma cultura sobre a outra. A

realidade mundial é muito mais delicada. Catástrofes climáticas, problemas

econômicos, perseguição política e guerras são as maiores causas para o fluxo

migratório no mundo. Essas pessoas passam a residir em outro país, longe de sua

cultura e de sua família como alternativa para a sua própria subsistência. Passam a

habitar em um novo Estado, contribuir para a atividade econômica e recolher

impostos. Em um país que se diz democrático, cerrar os ouvidos para essas pessoas

vulneráveis é algo incompatível.

Outrossim, muito embora a participação política siga sendo entrelaçada com o

conceito de cidadania, no atual contexto mundial esse pensamento precisa ser

1 SANTOS, Boaventura de Souza. "Uma concepção multicultural de direitos humanos." Lua nova 39 (1997): 105-124

2 No presente trabalho, o conceito de participação política é utilizado de forma ampla, para

compreender a capacidade eleitoral ativa (direito de votar), capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado), bem como a possibilidade de pertencer e constituir partido político.

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remodelado. Os imigrantes não podem ser tratados como pessoas de segunda classe

que devem ter o seu futuro traçado por um paternalismo de Estado, sem opção de

participar e ser ouvido nas decisões que lhes irão influenciar na vida. Daí surgem

alguns movimentos sociais que reclamam a participação cidadã fundada no local de

residência frente a uma cidadania meramente territorial3.

Por isso, a assimilação do diferente dentro de um mesmo território traz um novo

desafio para o Direito Constitucional, que agora sobre a roupagem cooperativa, deve

estar preocupado com a diversidade cultural e social dentro do seu próprio território,

através do pluralismo jurídico. Nesse cenário, a realização dos direitos humanos não

gera consequência somente no campo internacional, mas também no âmbito interno

dos Estados, que devem implementar meios para a efetivação de direitos

fundamentais em prol não só do seu cidadão, mas também dos estrangeiros. Com

base nessas ideias, pretende-se demonstrar nas linhas seguintes: (i) de que modo o

Estado Constitucional Cooperativo contribui para a política de direitos humanos no

plano interno dos Estados; (ii) como o direito a participação politica do estrangeiro

relaciona-se a luta por direitos humanos; (iii) de que modo a Constituição brasileira de

1988 abordar a participação política do estrangeiro.

2) O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO

O “Estado Constitucional Cooperativo” é uma proposta hermenêutica estudada

inicialmente por Peter Haberle e desenvolvida a partir da verificação da forte ligação

entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional ocorrida após a segunda metade

do século XX4.

Segundo Peter Haberle, o “Estado Constitucional Cooperativo” é um tipo de

Estado que sem abandonar as características do Estado Constitucional torna-se um

Estado aberto para “outros mundos” e preocupado não só com as suas questões

3 DA MATA, Edileny Tomé. "Participación de los ciudadanos de la Unión Europea en las elecciones al Parlamento Europeo y elecciones locales en España." RIPS: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas 14.1 (2015). No Brasil há um movimento social conhecido com “Aqui vivo, aqui voto” que reivindica a participação eleitoral do imigrante no país.

4 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007).

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internas, mas com o desenvolvimento dos outros Estados, paz no mundo, direitos

humanos e justiça social5.

Nesse aspecto, Marcos Augusto Maliska, um dos mais importantes estudiosos de

Peter Haberle no Brasil e co-responsável pela tradução para o português da obra cujo

título é “Estado Constitucional Cooperativo”, bem sintetiza a ideia desse novo tipo de

Estado quando diz que “o Estado Constitucional Cooperativo substitui o conceito

tradicional de Estado Constitucional Nacional, entendido como Estado Constitucional

democrático internamente, mas não cooperante e amigo no plano internacional. O

Estado Constitucional Cooperativo não deixa de ser um Estado Nacional, mas ele

agrega a essa estrutura elementos de abertura, cooperação e integração que

descaracterizam o Estado Nacional como unidade fechada, centrada na soberania

nacional”6.

Certo disso, Peter Haberle entende que o “Estado Constitucional Cooperativo” faz

perder força a teoria dualista do direito internacional para emergir um “Direito comum

de cooperação”, que não conhece a primazia do Direito Internacional sobre o Direito

Constitucional interno ou vice-versa. O que há, segundo o autor alemão, é o

reconhecimento da existência de uma “Constituição paralela”, que torna-se parte

integrante da Constituição do Estado, que não fica apenas “ao lado” dela7.

Peter Haberle nota que desde a criação da Liga das Nações (1919) já se falava

em “cooperação entre as nações”, que, ao lado da “garantia da paz internacional e da

segurança internacional”, era considerada como um dos objetivos daquela instituição.

Na Carta das Nações Unidas (1945), tempos depois, a cooperação entre os povos

alcançou novo status, pois não foi mais vista como simples objetivo a ser alcançado,

mas sim como meio “para resolver problemas internacionais de natureza social,

5 Nas palavras de Peter Haberle, o Estado Constitucional Cooperativo “encontra sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da solidariedade”. HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 4.

6 MALISKA, Marcos Augusto. "A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA OS DIREITOS HUMANOS ENTRE O DIREITO CONSTITUCIONAL E O DIREITO INTERNACIONAL. DESAFIOS AO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO." IN: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense 391 (2007), p. 7020

7 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 12.

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cultura e humanitária, e para fomentar e sedimentar o respeito aos direitos humanos

e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”

(art. 1º al. 3)8.

Além disso, o artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos deixa claro

que a realização dos direitos humanos depende de condições econômicas, sociais e

culturais a serem alcançadas “graças ao esforço nacional e à cooperação

internacional, de acordo com a organização e os recursos de cada país”. Assim, Peter

Heberle entende que os países industrializados da ONU, ainda que tenham

apresentado reservas à Carta da ONU, assumem o dever de cooperação internacional

e vinculam-se aos seus princípios e ao compromisso de realização dos direitos

humanos de toda a população mundial9.

No entanto, Peter Haberle adverte que a ‘sociedade aberta’ somente assume esse

predicado quando além de ser aberta no campo internacional, também está aberta

internamente, ou seja, para os “seus” cidadãos e para os outros, os “estrangeiros”10.

É isso o que Marcos Augusto Maliska denomina de abertura “para dentro”, ou seja, “a

ordem constitucional se abre para dentro, para a sua própria sociedade, no sentido de

que, além de garantir o pluralismo, a ordem constitucional se abre para ele”11.

3) A ABERTURA “PARA DENTRO” E A LUTA PELOS OS DIREITOS

POLÍTICOS DO IMIGRANTE

As mudanças econômicas e políticas mundiais ocorridas a partir do fim da

Segunda Guerra Mundial provocaram um novo fluxo migratório de pessoas além das

fronteiras geográficas de seus países de origem. A onda da globalização econômica

mundial, as empresas e instituições transnacionais transformaram as relações entre

os Estados, que embora mantenham suas fronteiras físicas, marcadas por suas

Histórias de luta e sangue, não mais representam o limite de interação com os outros

8 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 25.

9 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 43

10 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 19

11MALISKA, Marcos Augusto. “Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação, integração”. Curitiba: Juruá, 2013, p. 36.

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Estados. Ao contrário, configuram apenas mais um dos meios de interligação com

outras culturas e fluxo de pessoas. Aliado a isso, crises climáticas e o ódio religioso

foram outros fatores que impulsionaram tornar cada vez mais premente a necessidade

de assimilação do estrangeiro no seio do Estado acolhedor.

Nesse contexto de globalização, traz-se a baila a discussão quanto a necessidade

de repensas as ideias de Estado-nação e os conceitos de soberania e cidadania.

Quanto ao Estado-nação, Boaventura de Souza Santos observa uma tensão entre

este e o que designamos de globalização por colocar em xeque saber como

compatibilizar a política de direitos humanos, que basicamente é uma política cultural,

com uma dimensão global12. Ademais, “até pouco tempo atrás, não se questionava

o predomínio do Estado-nação nas atividades econômicas e políticas. Atualmente,

contudo, a noção de Estado-nação se faz menos óbvia em uma economia cada vez

mais globalizada. Tanto na esfera política quanto na econômica, a existência de

instituições supranacionais, como a União Europeia, exige repensar os alcances da

soberania contemporânea. Assim, o Estado-nação e a soberania, enquanto princípio

que outorga o poder supremo aos Estados, estão sendo questionados em sua forma

tradicional. É neste marco que o caráter exclusivamente nacional dos direitos políticos

por meio da cidadania está sendo repensado”13.

Desta forma, diante das mudanças conjunturais na ordem mundial ocorridas a

partir da segunda metade do século XX, não se sustenta mais a segregação política

dos imigrantes sob o simples argumento de origem do local de nascimento. Se essas

pessoas servem para encorpara as forças produtivas do Estado receptor e pagar

impostos, também lhes deve ser garantido o direito de participar da vida política do

local ondem vivem. Um Estado que se diz democrático precisa ouvir as suas minorias.

Daí a importância dos direitos humanos como processo de luta e legitimação da

demanda por acesso aos direitos políticos dos imigrantes. Somente através dos

direitos políticos é que o homem consegue emancipar-se e obter acesso aos outros

12 SANTOS, Boaventura de Souza. "Uma concepção multicultural de direitos humanos." Lua nova 39

(1997): 105-124

13 CHELIUS, Leticia Calderón. "O que há por trás do direito ao voto dos emigrantes internacionais? Teoria, história e cidadania demandante." Contexto Internacional 33.1 (2011): 231

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direitos14. Por isso, a importância do pensamento crítico dos direitos humanos, para

confrontar e denunciar a estrutura tradicional dos direitos, impregnada de interesses

hegemônicos e derrubar as condições de subordinação do homem15.

O argumento de soberania nacional não é mais forte que os direitos dos indivíduos.

A atual roupagem do Estado-nação, que ainda que mantenha o controle sobre suas

fronteiras, deve estar compatível com o Estado do século XXI, o “Estado Nacional

Cooperativo”, preocupado com o outro, com os direitos humanos e com a necessidade

de implantar formas capazes de desenvolver o espírito de pertencimento, onde a

participação política do imigrante configura importante instrumento. A exclusão

política dos imigrantes não é compatível com o multiculturalismo e a democracia

pluralista.

Por isso, desde o fim da segunda guerra mundial, diversos países começaram a

implantar políticas para outorgar direitos políticos para seus imigrantes, ainda que de

forma parcial ou limitada ao voto para as eleições locais de onde vivem. Muito embora

nesses casos a participação política não seja experimentada de forma plena, já

demonstra ser um avanço para a assimilação de uma sociedade verdadeiramente

multicultural e pluralista.

O curioso é que desde o grande fluxo migratório ocorrido após a Segunda Guerra

Mundial, os países recebedores não puderam negar a esses imigrantes direitos

sociais mínimos que já haviam sido alcançados por grande parte de seus nacionais.

Entretanto, a mesma abertura não foi concedida no campo dos direitos políticos,

enrijecendo o potencial emancipatório desses atores que sem os direitos políticos não

podem ser ouvidos na luta por outros direitos. A propósito, vejamos no tópico seguinte

o comportamento da Constituição de 1988 frente esse ideal de “abertura para dentro”

e outorga de direitos aos dos estrangeiros.

14 Essa perspectiva crítica sobre os direitos humanos tem como o seu principal expoente Joaquím

Herrera Flores. Desde sua bibliografia, diversos outros estudiosos mantiveram a mesma linha. Por todos: CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. "Repensando los derechos humanos desde las luchas" Revista Culturas Jurídicas 1.2 (2015). 15 CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. "Repensando los derechos humanos desde las

luchas" Revista Culturas Jurídicas 1.2 (2015).

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4) O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO NA CONSTITUIÇÃO

BRASILEIRA DE 1988

A Constituição de 1988 abraçou o Estado brasileiro com a roupa de um “Estado

Constitucional Cooperativo”, aberto para os direitos humanos e para a cooperação

internacional entre os povos16. No entanto, como bem adverte Marcos Augusto

Maliska, essa opção traz consigo a necessidade de um Direito Constitucional que dê

conta disso. Ou seja, faz-se necessário pensar mecanismos jurídicos que, sem

afrontar a ordem constitucional estabelecida, também sejam aptos a garantir e

concretizar os direitos humanos tanto externamente quanto dentro de suas fronteiras.

Nesse aspecto, como já explanado linhas acima, a garantia de direitos sociais para

os imigrantes foi o primeiro passo no processo de assimilação dessas pessoas em

novos territórios. No Brasil não foi diferente17.

Por outro lado, como já visto, em se tratando de direitos políticos o tratamento

constitucional é diferente ao excluir expressamente a possibilidade de alistamento

eleitoral para os estrangeiros (art. 14, § 2º), alijando o estrangeiro do processo político

e de uma luta por sua emancipação de direitos.

Na União Europeia a questão é tratada de forma mais avançada. Em linhas gerais,

desde o Tratado de Maastricht de 1992, reconhece-se o direito ao sufrágio ativo e

passivo aos cidadãos de Estados membros que sejam residentes em outros Estados

Europeus, introduzindo o conceito de cidadania europeia. Já na Carta dos Direitos

Fundamentais da União Europeia (Carta de Niza), o direito a participação política foi

ainda mais ampliado ao estabelece o direito ao sufrágio ativo e passivo dos cidadãos

europeus tanto nas eleições ao Parlamento Europeu como nas eleições municipais

dos países membros onde residam e nas mesmas condições que os nacionais do

16 O que decorre de diversos dispositivos constitucionais, como por exemplo: art. 4º, II; art. 1º, III; art. 1º, V; art. 3º, IV); art. 4º, IX; art. 5º, §2 e art. 4º, parágrafo único.

17 Quando a Constituição de 1988 trata dos direitos sociais não faz qualquer ressalva ao estrangeiro, seja ele residente ou não (art. 6º), sendo possível, a partir daí, reivindicar garantias mínimas sociais para uma vida digna em prol dessas pessoas.

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Estado onde residem18. A Bélgica foi ainda mais a frente, pois concede o direito ao

voto aos estrangeiros extracomunitários nas eleições municipais19

Na América Latina, segundo levantamento realizado em 2014, países como a

Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, República Cooperativa da Guiana,

Uruguai e Venezuela admitem o direito de voto do estrangeiro20. O Brasil, a despeito

da previsão constitucional de busca pela integração econômica, política, social e

cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-

americana de nações (art. 4º, parágrafo único), caminha em direção oposta proibindo

o alistamento eleitoral e o voto do estrangeiro (art. 14, §2º)21.

Para compreender um pouco as razões que levaram a essa opção constitucional,

os Anais da Assembleia Nacional Constituinte documentam que as discussões sobre

os direitos políticos dos estrangeiros, travadas na Comissão da Soberania e dos

Direitos e Garantias do Homem e da Mulher e nas suas subcomissões, foram

acaloradas. Argumentos como identidade e sentimento nacional foram utilizados para

encurtar o rol daqueles que poderiam ser considerados com nacionalidade brasileira

e serem aptos a votar22.

Como resultado disso, as exigências constitucionais para o pleno exercício dos

direitos políticos ficou restrita à condição de brasileiro nato, pois o estrangeiro, ainda

que naturalizado não poderá exercer o cargo de Presidente e Vice-Presidente da

República; Presidente da Câmara dos Deputados; Presidente do Senado Federal;

18 DA MATA, Edileny Tomé. "Participación de los ciudadanos de la Unión Europea en las elecciones al Parlamento Europeo y elecciones locales en España." RIPS: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas 14.1 (2015)

19 CORELLA, Angels Solanes. "A integração dos imigrantes na união européia: o exemplo da

Espanha." Prima Facie-Direito, História e Política 3.5 (2004): 26-38.

20 CLETO, Juliana. "Implicações do direito ao voto aos imigrantes: ameaça à soberania nacional ou efetivação de um direito fundamental?" Revista Brasileira de Políticas Públicas/(Brazilian Journal of Public Policy) 5.3 (2016)

21 Outros países da America Latina onde não é permitido o voto do estrangeiro: Costa Rica, Cuba,

Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e Peru,

22 Anais da Assembléia Nacional Constituinte disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/publicacoes/anais-da-assembleia-nacional-constituinte

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Ministro do Supremo Tribunal Federal; carreira diplomática; oficial das Forças

Armadas ou Ministro de Estado da Defesa (art. 12, § 3º). Ou seja, a participação

política do imigrante foi prevista como algo excepcional, bastante limitada e desde que

atendidos rigorosos pressupostos constitucionais e legais.

Outrossim, um dos temas mais debatidos sobre o exercício de direitos políticos

pelo estrangeiro repousa no tempo de residência exigido para a naturalização.

Conforme o art. 12, II, da CF, com exceção dos naturais de países de língua

portuguesa, a naturalização somente pode ser adquirida caso o estrangeiro comprove

residência no Brasil há mais de 15 anos ininterruptos23. Aos originários dos países de

língua portuguesa a Constituição conferiu a benesse de exigência de apenas um ano

ininterrupto, enquanto para os portugueses com residência permanente no Brasil, se

houver acordo de reciprocidade em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direitos

inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos na própria Constituição, como por

exemplo os citados cargos restritos aos brasileiros natos.

Se fossem somente estes os obstáculos para a luta em prol da participação política

dos imigrantes já estava de bom tamanho para provocar a necessidade de ampliação

dos debates por uma reforma Constitucional. Mas não é só. Ao exigir a naturalização

para que o estrangeiro de alguma forma tenha acesso ao debate político do pais onde

vive, mais uma vez o Brasil trata essas pessoas como pessoas de segunda classe.

Explico. Caso um brasileiro esteja vivendo no exterior, a legislação eleitoral lhe

garante o direito ao voto no estrangeiro, mantendo vivo os laços políticos com o Brasil

e respeitando o seu direito a participação. Por outro lado, o estrangeiro que aqui vive,

por estar amarrado em uma teia de dispositivos legais que servem para afastá-lo do

contexto político e negar-lhe a sua condição de pessoa, para adentrar no processo

democrático precisa atender a rígidos critérios para a naturalização.

Não queremos dizer que o Brasil deve ignoras as suas circunstâncias e dinâmica

cultural interna para simplesmente “importar” soluções já aplicadas por outros

23 Cabe ressaltar que esse tempo, que antes era de 30 anos e foi reduzido por força da Emenda Constitucional de Revisão nº 3 de 1994. Ademais, a legislação que regulamenta o tema, Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815) possibilita algumas formas de redução do tempo de residência para a concessão da naturalização.

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Estados. Ao contrário, sabemos da dinâmica distinta de cada Estado e da

necessidade de compatibilização de suas políticas paulatinamente com o tempo,

mediante uma recepção criativa, que permita uma adequada apropriação, criando o

seu discurso próprio24. Daí a necessidade de fomentar o debate25.

5) CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exclusão política do imigrante coloca-o em uma condição marginal na sociedade

onde vive. Ao não participar da vida política, os imigrantes são relegados a um

segundo plano no contexto político e econômico, sujeitando-se a um paternalismo

desnecessário que o reprime26.

Por isso a importância do argumento dos direitos humanos como instrumento de

luta para garantir aos imigrantes a possibilidade de participar plenamente do processo

eleitoral onde vivem, seja através do direito de voto, candidatura ou participação em

partidos políticos. Entretanto, para isso se faz necessário repensar o Estado-nacional,

a soberania e o conceito de cidadania a luz da ideia de dignidade da pessoa humana,

pluralismo e tolerância ao diferente. A desigualdade como produto da sorte quando

ao local de nascimento não é mais tolerável. Ainda que esteja um pouco distante esse

discurso dentro de um contexto brasileiro, não pode ser tratado como algo que não

existe.

6) BIBLIOGRAFIA

24 CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. "Repensando los derechos humanos desde las

luchas" Revista Culturas Jurídicas 1.2 (2015).

25 Na União Européia, o debate quanto a participação política do imigrante está muito mais avançada.

Uma vez já tendo sido alcançado o direito de voto do imigrante integrante da comunidade europeia nas eleições locais e para o parlamento europeu, agora as discussões estão mais além, para pleitear a possibilidade de voto nas eleições gerais e participação em partidos políticos. Nesse sentido: DA MATA, Edileny Tomé. "Participación de los ciudadanos de la Unión Europea en las elecciones al Parlamento Europeo y elecciones locales en España." RIPS: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas 14.1 (2015); CORELLA, Angels Solanes. "A integração dos imigrantes na união européia: o exemplo da Espanha." Prima Facie-Direito, História e Política 3.5 (2004): 26-38. 26 CORELLA, Angels Solanes. "A integração dos imigrantes na união européia: o exemplo da Espanha." Prima Facie-Direito, História e Política 3.5 (2004): 26-38.

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CARLA PANZA BRETAS

Mestranda em Direitos Fundamentais e Democracia pelo Centro Universitário

Autônomo do Brasil – Unibrasil, Curitiba – PR, Brasil. Pós-graduada em Direito

Público pela Universidade Veiga de Almeida. Analista Judiciário no Tribunal

Regional Eleitoral do Paraná.

E-mail: [email protected].

O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO E A LUTA PELA

PARTICIPAÇAO POLÍTICA DO IMIGRANTE NO BRASIL /

STATE CONSTITUTIONAL COOPERATIVE AND THE STRUGGLE FOR

PARTICIPATION IMMIGRANT POLICY IN BRAZIL

Resumo: O direito a participação política do imigrante constitui o objeto do

presente artigo. Com o auxílio do conceito de Estado Constitucional

Cooperativo objetiva-se demonstrar que o argumento dos direitos humanos é

um importante instrumento para a implementação do direito do imigrante opinar

e influir nas questões eleitorais do Estado onde vive. Um Estado que se diz

democrático não é compatível com a ideia de tapar os ouvidos para um grupo

de indivíduos.

PALAVRAS-CHAVE: IMIGRANTE; PARTICIPAÇÃO POLÍTICA; ELEIÇÕES; VOTO;

ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO; DEMOCRACIA; DIREITOS

HUMANOS.

Abstract: The right to immigrant political participation is the subject of this article. With

the help of the Cooperative Constitutional State concept to demonstrate that the

argument of human rights is an important tool for the implementation of immigrant

rights opinion and influence the electoral issues of the state where you live. A state

that calls it self democratic is not compatible with the idea of covering their ears for a

group of individuals.

WEYWORDS: IMMIGRANT; POLITICAL PARTICIPATION; ELECTIONS; VOTE;

STATE CONSTITUTIONAL COOPERATIVE; DEMOCRACY; HUMAN RIGHTS.

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1) INTRODUÇÃO

Desde o fim da segunda guerra mundial a política de esquerda não confiava no

argumento dos direitos humanos como um guardião emancipatório. Preferiram a

linguagem da revolução e do socialismo. No entanto, com o fim da guerra fria,

percebeu-se que os ideais socialistas não lograram êxito nessa luta e aquela mesma

esquerda que antes desdenhava a politica de direitos humanos como alternativa

emancipatória agora se socorre desse discurso para preencher o vazio deixado pelo

socialismo1.

Assim, a par das criticas quanto a questão da universalidade dos direitos humanos,

a necessidade de compatibilização dos mesmos de acordo com a dimensão

multicultural de cada Estado é uma tarefa que necessita ser encarada o quanto antes.

As discussões quanto a participação política2 dos imigrantes está dentro desse

contexto.

Pode-se argumentar que a participação política do imigrante coloca em risco a

soberania nacional e sujeita o Estado receptor a descaracterização de sua cultura.

Mas não é bem assim. Sabemos que a imigração não ocorre por esporte. Não é algo

que ocorre simplesmente para alastrar a dominação de uma cultura sobre a outra. A

realidade mundial é muito mais delicada. Catástrofes climáticas, problemas

econômicos, perseguição política e guerras são as maiores causas para o fluxo

migratório no mundo. Essas pessoas passam a residir em outro país, longe de sua

cultura e de sua família como alternativa para a sua própria subsistência. Passam a

habitar em um novo Estado, contribuir para a atividade econômica e recolher

impostos. Em um país que se diz democrático, cerrar os ouvidos para essas pessoas

vulneráveis é algo incompatível.

Outrossim, muito embora a participação política siga sendo entrelaçada com o

conceito de cidadania, no atual contexto mundial esse pensamento precisa ser

1 SANTOS, Boaventura de Souza. "Uma concepção multicultural de direitos humanos." Lua nova 39 (1997): 105-124

2 No presente trabalho, o conceito de participação política é utilizado de forma ampla, para

compreender a capacidade eleitoral ativa (direito de votar), capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado), bem como a possibilidade de pertencer e constituir partido político.

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remodelado. Os imigrantes não podem ser tratados como pessoas de segunda classe

que devem ter o seu futuro traçado por um paternalismo de Estado, sem opção de

participar e ser ouvido nas decisões que lhes irão influenciar na vida. Daí surgem

alguns movimentos sociais que reclamam a participação cidadã fundada no local de

residência frente a uma cidadania meramente territorial3.

Por isso, a assimilação do diferente dentro de um mesmo território traz um novo

desafio para o Direito Constitucional, que agora sobre a roupagem cooperativa, deve

estar preocupado com a diversidade cultural e social dentro do seu próprio território,

através do pluralismo jurídico. Nesse cenário, a realização dos direitos humanos não

gera consequência somente no campo internacional, mas também no âmbito interno

dos Estados, que devem implementar meios para a efetivação de direitos

fundamentais em prol não só do seu cidadão, mas também dos estrangeiros. Com

base nessas ideias, pretende-se demonstrar nas linhas seguintes: (i) de que modo o

Estado Constitucional Cooperativo contribui para a política de direitos humanos no

plano interno dos Estados; (ii) como o direito a participação politica do estrangeiro

relaciona-se a luta por direitos humanos; (iii) de que modo a Constituição brasileira de

1988 abordar a participação política do estrangeiro.

2) O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO

O “Estado Constitucional Cooperativo” é uma proposta hermenêutica estudada

inicialmente por Peter Haberle e desenvolvida a partir da verificação da forte ligação

entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional ocorrida após a segunda metade

do século XX4.

Segundo Peter Haberle, o “Estado Constitucional Cooperativo” é um tipo de

Estado que sem abandonar as características do Estado Constitucional torna-se um

Estado aberto para “outros mundos” e preocupado não só com as suas questões

3 DA MATA, Edileny Tomé. "Participación de los ciudadanos de la Unión Europea en las elecciones al Parlamento Europeo y elecciones locales en España." RIPS: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas 14.1 (2015). No Brasil há um movimento social conhecido com “Aqui vivo, aqui voto” que reivindica a participação eleitoral do imigrante no país.

4 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007).

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internas, mas com o desenvolvimento dos outros Estados, paz no mundo, direitos

humanos e justiça social5.

Nesse aspecto, Marcos Augusto Maliska, um dos mais importantes estudiosos de

Peter Haberle no Brasil e co-responsável pela tradução para o português da obra cujo

título é “Estado Constitucional Cooperativo”, bem sintetiza a ideia desse novo tipo de

Estado quando diz que “o Estado Constitucional Cooperativo substitui o conceito

tradicional de Estado Constitucional Nacional, entendido como Estado Constitucional

democrático internamente, mas não cooperante e amigo no plano internacional. O

Estado Constitucional Cooperativo não deixa de ser um Estado Nacional, mas ele

agrega a essa estrutura elementos de abertura, cooperação e integração que

descaracterizam o Estado Nacional como unidade fechada, centrada na soberania

nacional”6.

Certo disso, Peter Haberle entende que o “Estado Constitucional Cooperativo” faz

perder força a teoria dualista do direito internacional para emergir um “Direito comum

de cooperação”, que não conhece a primazia do Direito Internacional sobre o Direito

Constitucional interno ou vice-versa. O que há, segundo o autor alemão, é o

reconhecimento da existência de uma “Constituição paralela”, que torna-se parte

integrante da Constituição do Estado, que não fica apenas “ao lado” dela7.

Peter Haberle nota que desde a criação da Liga das Nações (1919) já se falava

em “cooperação entre as nações”, que, ao lado da “garantia da paz internacional e da

segurança internacional”, era considerada como um dos objetivos daquela instituição.

Na Carta das Nações Unidas (1945), tempos depois, a cooperação entre os povos

alcançou novo status, pois não foi mais vista como simples objetivo a ser alcançado,

mas sim como meio “para resolver problemas internacionais de natureza social,

5 Nas palavras de Peter Haberle, o Estado Constitucional Cooperativo “encontra sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da solidariedade”. HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 4.

6 MALISKA, Marcos Augusto. "A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA OS DIREITOS HUMANOS ENTRE O DIREITO CONSTITUCIONAL E O DIREITO INTERNACIONAL. DESAFIOS AO ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO." IN: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense 391 (2007), p. 7020

7 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 12.

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cultura e humanitária, e para fomentar e sedimentar o respeito aos direitos humanos

e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”

(art. 1º al. 3)8.

Além disso, o artigo 22 da Declaração Universal dos Direitos Humanos deixa claro

que a realização dos direitos humanos depende de condições econômicas, sociais e

culturais a serem alcançadas “graças ao esforço nacional e à cooperação

internacional, de acordo com a organização e os recursos de cada país”. Assim, Peter

Heberle entende que os países industrializados da ONU, ainda que tenham

apresentado reservas à Carta da ONU, assumem o dever de cooperação internacional

e vinculam-se aos seus princípios e ao compromisso de realização dos direitos

humanos de toda a população mundial9.

No entanto, Peter Haberle adverte que a ‘sociedade aberta’ somente assume esse

predicado quando além de ser aberta no campo internacional, também está aberta

internamente, ou seja, para os “seus” cidadãos e para os outros, os “estrangeiros”10.

É isso o que Marcos Augusto Maliska denomina de abertura “para dentro”, ou seja, “a

ordem constitucional se abre para dentro, para a sua própria sociedade, no sentido de

que, além de garantir o pluralismo, a ordem constitucional se abre para ele”11.

3) A ABERTURA “PARA DENTRO” E A LUTA PELOS OS DIREITOS

POLÍTICOS DO IMIGRANTE

As mudanças econômicas e políticas mundiais ocorridas a partir do fim da

Segunda Guerra Mundial provocaram um novo fluxo migratório de pessoas além das

fronteiras geográficas de seus países de origem. A onda da globalização econômica

mundial, as empresas e instituições transnacionais transformaram as relações entre

os Estados, que embora mantenham suas fronteiras físicas, marcadas por suas

Histórias de luta e sangue, não mais representam o limite de interação com os outros

8 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 25.

9 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 43

10 HABERLE, Peter. “Estado constitucional cooperativo”. Rio de Janeiro: Renovar (2007), p. 19

11MALISKA, Marcos Augusto. “Fundamentos da Constituição: abertura, cooperação, integração”. Curitiba: Juruá, 2013, p. 36.

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Estados. Ao contrário, configuram apenas mais um dos meios de interligação com

outras culturas e fluxo de pessoas. Aliado a isso, crises climáticas e o ódio religioso

foram outros fatores que impulsionaram tornar cada vez mais premente a necessidade

de assimilação do estrangeiro no seio do Estado acolhedor.

Nesse contexto de globalização, traz-se a baila a discussão quanto a necessidade

de repensas as ideias de Estado-nação e os conceitos de soberania e cidadania.

Quanto ao Estado-nação, Boaventura de Souza Santos observa uma tensão entre

este e o que designamos de globalização por colocar em xeque saber como

compatibilizar a política de direitos humanos, que basicamente é uma política cultural,

com uma dimensão global12. Ademais, “até pouco tempo atrás, não se questionava

o predomínio do Estado-nação nas atividades econômicas e políticas. Atualmente,

contudo, a noção de Estado-nação se faz menos óbvia em uma economia cada vez

mais globalizada. Tanto na esfera política quanto na econômica, a existência de

instituições supranacionais, como a União Europeia, exige repensar os alcances da

soberania contemporânea. Assim, o Estado-nação e a soberania, enquanto princípio

que outorga o poder supremo aos Estados, estão sendo questionados em sua forma

tradicional. É neste marco que o caráter exclusivamente nacional dos direitos políticos

por meio da cidadania está sendo repensado”13.

Desta forma, diante das mudanças conjunturais na ordem mundial ocorridas a

partir da segunda metade do século XX, não se sustenta mais a segregação política

dos imigrantes sob o simples argumento de origem do local de nascimento. Se essas

pessoas servem para encorpara as forças produtivas do Estado receptor e pagar

impostos, também lhes deve ser garantido o direito de participar da vida política do

local ondem vivem. Um Estado que se diz democrático precisa ouvir as suas minorias.

Daí a importância dos direitos humanos como processo de luta e legitimação da

demanda por acesso aos direitos políticos dos imigrantes. Somente através dos

direitos políticos é que o homem consegue emancipar-se e obter acesso aos outros

12 SANTOS, Boaventura de Souza. "Uma concepção multicultural de direitos humanos." Lua nova 39

(1997): 105-124

13 CHELIUS, Leticia Calderón. "O que há por trás do direito ao voto dos emigrantes internacionais? Teoria, história e cidadania demandante." Contexto Internacional 33.1 (2011): 231

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direitos14. Por isso, a importância do pensamento crítico dos direitos humanos, para

confrontar e denunciar a estrutura tradicional dos direitos, impregnada de interesses

hegemônicos e derrubar as condições de subordinação do homem15.

O argumento de soberania nacional não é mais forte que os direitos dos indivíduos.

A atual roupagem do Estado-nação, que ainda que mantenha o controle sobre suas

fronteiras, deve estar compatível com o Estado do século XXI, o “Estado Nacional

Cooperativo”, preocupado com o outro, com os direitos humanos e com a necessidade

de implantar formas capazes de desenvolver o espírito de pertencimento, onde a

participação política do imigrante configura importante instrumento. A exclusão

política dos imigrantes não é compatível com o multiculturalismo e a democracia

pluralista.

Por isso, desde o fim da segunda guerra mundial, diversos países começaram a

implantar políticas para outorgar direitos políticos para seus imigrantes, ainda que de

forma parcial ou limitada ao voto para as eleições locais de onde vivem. Muito embora

nesses casos a participação política não seja experimentada de forma plena, já

demonstra ser um avanço para a assimilação de uma sociedade verdadeiramente

multicultural e pluralista.

O curioso é que desde o grande fluxo migratório ocorrido após a Segunda Guerra

Mundial, os países recebedores não puderam negar a esses imigrantes direitos

sociais mínimos que já haviam sido alcançados por grande parte de seus nacionais.

Entretanto, a mesma abertura não foi concedida no campo dos direitos políticos,

enrijecendo o potencial emancipatório desses atores que sem os direitos políticos não

podem ser ouvidos na luta por outros direitos. A propósito, vejamos no tópico seguinte

o comportamento da Constituição de 1988 frente esse ideal de “abertura para dentro”

e outorga de direitos aos dos estrangeiros.

14 Essa perspectiva crítica sobre os direitos humanos tem como o seu principal expoente Joaquím

Herrera Flores. Desde sua bibliografia, diversos outros estudiosos mantiveram a mesma linha. Por todos: CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. "Repensando los derechos humanos desde las luchas" Revista Culturas Jurídicas 1.2 (2015). 15 CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. "Repensando los derechos humanos desde las

luchas" Revista Culturas Jurídicas 1.2 (2015).

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4) O ESTADO CONSTITUCIONAL COOPERATIVO NA CONSTITUIÇÃO

BRASILEIRA DE 1988

A Constituição de 1988 abraçou o Estado brasileiro com a roupa de um “Estado

Constitucional Cooperativo”, aberto para os direitos humanos e para a cooperação

internacional entre os povos16. No entanto, como bem adverte Marcos Augusto

Maliska, essa opção traz consigo a necessidade de um Direito Constitucional que dê

conta disso. Ou seja, faz-se necessário pensar mecanismos jurídicos que, sem

afrontar a ordem constitucional estabelecida, também sejam aptos a garantir e

concretizar os direitos humanos tanto externamente quanto dentro de suas fronteiras.

Nesse aspecto, como já explanado linhas acima, a garantia de direitos sociais para

os imigrantes foi o primeiro passo no processo de assimilação dessas pessoas em

novos territórios. No Brasil não foi diferente17.

Por outro lado, como já visto, em se tratando de direitos políticos o tratamento

constitucional é diferente ao excluir expressamente a possibilidade de alistamento

eleitoral para os estrangeiros (art. 14, § 2º), alijando o estrangeiro do processo político

e de uma luta por sua emancipação de direitos.

Na União Europeia a questão é tratada de forma mais avançada. Em linhas gerais,

desde o Tratado de Maastricht de 1992, reconhece-se o direito ao sufrágio ativo e

passivo aos cidadãos de Estados membros que sejam residentes em outros Estados

Europeus, introduzindo o conceito de cidadania europeia. Já na Carta dos Direitos

Fundamentais da União Europeia (Carta de Niza), o direito a participação política foi

ainda mais ampliado ao estabelece o direito ao sufrágio ativo e passivo dos cidadãos

europeus tanto nas eleições ao Parlamento Europeu como nas eleições municipais

dos países membros onde residam e nas mesmas condições que os nacionais do

16 O que decorre de diversos dispositivos constitucionais, como por exemplo: art. 4º, II; art. 1º, III; art. 1º, V; art. 3º, IV); art. 4º, IX; art. 5º, §2 e art. 4º, parágrafo único.

17 Quando a Constituição de 1988 trata dos direitos sociais não faz qualquer ressalva ao estrangeiro, seja ele residente ou não (art. 6º), sendo possível, a partir daí, reivindicar garantias mínimas sociais para uma vida digna em prol dessas pessoas.

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Estado onde residem18. A Bélgica foi ainda mais a frente, pois concede o direito ao

voto aos estrangeiros extracomunitários nas eleições municipais19

Na América Latina, segundo levantamento realizado em 2014, países como a

Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, República Cooperativa da Guiana,

Uruguai e Venezuela admitem o direito de voto do estrangeiro20. O Brasil, a despeito

da previsão constitucional de busca pela integração econômica, política, social e

cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-

americana de nações (art. 4º, parágrafo único), caminha em direção oposta proibindo

o alistamento eleitoral e o voto do estrangeiro (art. 14, §2º)21.

Para compreender um pouco as razões que levaram a essa opção constitucional,

os Anais da Assembleia Nacional Constituinte documentam que as discussões sobre

os direitos políticos dos estrangeiros, travadas na Comissão da Soberania e dos

Direitos e Garantias do Homem e da Mulher e nas suas subcomissões, foram

acaloradas. Argumentos como identidade e sentimento nacional foram utilizados para

encurtar o rol daqueles que poderiam ser considerados com nacionalidade brasileira

e serem aptos a votar22.

Como resultado disso, as exigências constitucionais para o pleno exercício dos

direitos políticos ficou restrita à condição de brasileiro nato, pois o estrangeiro, ainda

que naturalizado não poderá exercer o cargo de Presidente e Vice-Presidente da

República; Presidente da Câmara dos Deputados; Presidente do Senado Federal;

18 DA MATA, Edileny Tomé. "Participación de los ciudadanos de la Unión Europea en las elecciones al Parlamento Europeo y elecciones locales en España." RIPS: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas 14.1 (2015)

19 CORELLA, Angels Solanes. "A integração dos imigrantes na união européia: o exemplo da

Espanha." Prima Facie-Direito, História e Política 3.5 (2004): 26-38.

20 CLETO, Juliana. "Implicações do direito ao voto aos imigrantes: ameaça à soberania nacional ou efetivação de um direito fundamental?" Revista Brasileira de Políticas Públicas/(Brazilian Journal of Public Policy) 5.3 (2016)

21 Outros países da America Latina onde não é permitido o voto do estrangeiro: Costa Rica, Cuba,

Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e Peru,

22 Anais da Assembléia Nacional Constituinte disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/publicacoes/anais-da-assembleia-nacional-constituinte

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Ministro do Supremo Tribunal Federal; carreira diplomática; oficial das Forças

Armadas ou Ministro de Estado da Defesa (art. 12, § 3º). Ou seja, a participação

política do imigrante foi prevista como algo excepcional, bastante limitada e desde que

atendidos rigorosos pressupostos constitucionais e legais.

Outrossim, um dos temas mais debatidos sobre o exercício de direitos políticos

pelo estrangeiro repousa no tempo de residência exigido para a naturalização.

Conforme o art. 12, II, da CF, com exceção dos naturais de países de língua

portuguesa, a naturalização somente pode ser adquirida caso o estrangeiro comprove

residência no Brasil há mais de 15 anos ininterruptos23. Aos originários dos países de

língua portuguesa a Constituição conferiu a benesse de exigência de apenas um ano

ininterrupto, enquanto para os portugueses com residência permanente no Brasil, se

houver acordo de reciprocidade em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direitos

inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos na própria Constituição, como por

exemplo os citados cargos restritos aos brasileiros natos.

Se fossem somente estes os obstáculos para a luta em prol da participação política

dos imigrantes já estava de bom tamanho para provocar a necessidade de ampliação

dos debates por uma reforma Constitucional. Mas não é só. Ao exigir a naturalização

para que o estrangeiro de alguma forma tenha acesso ao debate político do pais onde

vive, mais uma vez o Brasil trata essas pessoas como pessoas de segunda classe.

Explico. Caso um brasileiro esteja vivendo no exterior, a legislação eleitoral lhe

garante o direito ao voto no estrangeiro, mantendo vivo os laços políticos com o Brasil

e respeitando o seu direito a participação. Por outro lado, o estrangeiro que aqui vive,

por estar amarrado em uma teia de dispositivos legais que servem para afastá-lo do

contexto político e negar-lhe a sua condição de pessoa, para adentrar no processo

democrático precisa atender a rígidos critérios para a naturalização.

Não queremos dizer que o Brasil deve ignoras as suas circunstâncias e dinâmica

cultural interna para simplesmente “importar” soluções já aplicadas por outros

23 Cabe ressaltar que esse tempo, que antes era de 30 anos e foi reduzido por força da Emenda Constitucional de Revisão nº 3 de 1994. Ademais, a legislação que regulamenta o tema, Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815) possibilita algumas formas de redução do tempo de residência para a concessão da naturalização.

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Estados. Ao contrário, sabemos da dinâmica distinta de cada Estado e da

necessidade de compatibilização de suas políticas paulatinamente com o tempo,

mediante uma recepção criativa, que permita uma adequada apropriação, criando o

seu discurso próprio24. Daí a necessidade de fomentar o debate25.

5) CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exclusão política do imigrante coloca-o em uma condição marginal na sociedade

onde vive. Ao não participar da vida política, os imigrantes são relegados a um

segundo plano no contexto político e econômico, sujeitando-se a um paternalismo

desnecessário que o reprime26.

Por isso a importância do argumento dos direitos humanos como instrumento de

luta para garantir aos imigrantes a possibilidade de participar plenamente do processo

eleitoral onde vivem, seja através do direito de voto, candidatura ou participação em

partidos políticos. Entretanto, para isso se faz necessário repensar o Estado-nacional,

a soberania e o conceito de cidadania a luz da ideia de dignidade da pessoa humana,

pluralismo e tolerância ao diferente. A desigualdade como produto da sorte quando

ao local de nascimento não é mais tolerável. Ainda que esteja um pouco distante esse

discurso dentro de um contexto brasileiro, não pode ser tratado como algo que não

existe.

6) BIBLIOGRAFIA

24 CARBALLIDO, Manuel Eugenio Gándara. "Repensando los derechos humanos desde las

luchas" Revista Culturas Jurídicas 1.2 (2015).

25 Na União Européia, o debate quanto a participação política do imigrante está muito mais avançada.

Uma vez já tendo sido alcançado o direito de voto do imigrante integrante da comunidade europeia nas eleições locais e para o parlamento europeu, agora as discussões estão mais além, para pleitear a possibilidade de voto nas eleições gerais e participação em partidos políticos. Nesse sentido: DA MATA, Edileny Tomé. "Participación de los ciudadanos de la Unión Europea en las elecciones al Parlamento Europeo y elecciones locales en España." RIPS: Revista de Investigaciones Políticas y Sociológicas 14.1 (2015); CORELLA, Angels Solanes. "A integração dos imigrantes na união européia: o exemplo da Espanha." Prima Facie-Direito, História e Política 3.5 (2004): 26-38. 26 CORELLA, Angels Solanes. "A integração dos imigrantes na união européia: o exemplo da Espanha." Prima Facie-Direito, História e Política 3.5 (2004): 26-38.

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE HUMANIDADES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS, PROJETOS E

PROGRAMAS SOCIAIS

JESSICA DE SOUZA BENVENUTTI-HOURIEZ

O NACIONALISMO COMO IMPEDIMENTO Á APLICAÇÃO DAS NORMAS DE

PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS

CURITIBA

2016

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JESSICA DE SOUZA BENVENUTTI-HOURIEZ

O NACIONALISMO COMO IMPEDIMENTO À APLICAÇÃO DAS NORMAS DE

PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-graduação em Gestão de Políticas, Projetos e Programas Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientador: Prof. Rodrigo Alvarenga

CURITIBA

2016

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JESSICA DE SOUZA BENVENUTTI-HOURIEZ

O NACIONALISMO COMO IMPEDIMENTO À APLICAÇÃO DAS NORMAS DE

PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós-graduação em Gestão de Políticas, Projetos e Programas Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Professor 1(Titulação e nome completo)

Instituição 1

_____________________________________

Professor 2 (Titulação e nome completo)

Instituição 2

_____________________________________

Professor 3 (Titulação e nome completo)

Instituição 3

Curitiba, 22 de janeiro de 2016.

O NACIONALISMO COMO IMPEDIMENTO À APLICAÇÃO DAS NORMAS DE

PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS

NATIONALISM AS AN IMPEDIMENT TO THE APLICATION OF THE

PROTECTION RULES IN THE HUMAN RIGHTS FOR REFUGEES

Autor: Jessica de Souza Benvenutti-Houriez1 Orientador: Prof. Rodrigo Alvarenga2

RESUMO

O presente artigo traz singelas considerações históricas acerca da migração no Brasil e a construção dos fundamentos dos direitos humanos sob a ótica da universalização e internacionalização dos direitos humanos dos refugiados. Levanta

_______________ 1 Advogada atuante na área do direito previdenciário, graduada em Direito pela Uniguaçu - faculdades

Integradas do Vale do Iguaçu, pós-graduada em direitos humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pós-graduanda no Curso de Gestão de Poíticas, Projetos e Programas Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

2 Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina, com estágio na Université

Paris I Panthéon-Sorbonne, mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, professor do departamento de filosofia e membro da coordenação colegiada do Núcleo de Direitos Humanos da mesma instituição.

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a problemática atual dos refugiados e o nacionalismo como fator impeditivo para uma resposta às questões fáticas de acordo com a legislação. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa e bibliográfica. Palavras-chave: Refugiados. Nacionalismo. Direitos Humanos. ABSTRACT: This article brings some historical considerations about migration in Brazil and the construction of the basics of human rights followed by the optics of the universlisation and internationalisation of the human rights for refugees. Althought expose the present problematic of refuge and the nationalism as a blocking factor to manage the due action acording to those legislations. This research is qualitative and bilbiographic. Key-words: Refugees, Nacionalism, Human Rights

“Or il ne faut jamais craindre qu’il y ait trop de sujets, trop de citoyens : vu qu’il n’y a richesse, ni force que d’hommes : et qui plus est la multitude des citoyens (plus ils sont) empêche toujours les séditions et factions: d’autant qu’il y en a plusieurs qui sont moyens entre les pauvres et les riches, les bons et les méchants, les sages et les fous : et il n’y a rien de plus dangereux que les sujets soient divisés en deux parties sans moyens : ce qui advient às Républiques ordinairement où il y a peu de citoyens.” (Jean Bodin, les Six Livres de la République - livre V, chapitre II) “Pois não se deve temer que haja demasiados sujeitos, demasiados cidadãos: vê-se que não há riqueza, nem força senão pelos homens: e quanto maior é a multidão de cidadãos (quanto mais eles são) impede sempre as sedições e facções: especialmente porque existem vários que são médios, entre os pobres e os ricos, os bons e os maus, os sábios e os insanos: e não há nada mais perigoso que os sujeitos sejam divididos em duas partes, sem meios: o que ocorre geralmente nas Repúblicas onde há poucos cidadãos”.

(Jean Bodin, os Seis livros da República – livro V, capítulo, II) - tradução livre

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a questão da proteção dos direitos

humanos dos refugiados em face aos preceitos nacionalistas adotados pelas

sociedades modernas. A questão da migração e do refúgio está diretamente

relacionada às guerras no plano internacional e conflitos internos que assumem

diversos motivos, como religiosos, étnicos, políticos, econômicos e ambiental. Essas

situações impulsionam os indivíduos a deixarem seus países de origem, buscando

preservar sua integridade física e psíquica, migrando para outros Estados à espera

de proteção e garantia dos direitos fundamentais.

Pretende-se com este artigo estabelecer uma sucinta análise histórica

acerca dos eventos migratórios no Brasil e um estudo sobre a internacionalização

dos direitos humanos com enfoque no direito internacional dos refugiados. Além

disso, intenta demonstrar a crise de proteção internacional e a necessidade de uma

adequação comportamental inibindo o sentimento nacionalista presente nos Estados

e nos indivíduos, com o fim de assegurar os direitos dos refugiados, promovendo a

integração com base na condição humana, descrita pela filósofa Hannah Arendt.

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O objetivo é questionar ineficácia das normas de proteção internacional

enquanto mecanismos de garantia de direitos humanos aos imigrantes e refugiados;

a dificuldade de integração dessas pessoas no país de acolhida; e a incessante

dúvida do por que de condutas discriminatórias e excludentes por parte da

sociedade, dos indivíduos e do próprio Estado.

2 BRASIL, TERRA DE REFÚGIO

Nada levaria a pensar que o Brasil poderia se tornar uma terra de refúgio.

Em 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou nessa terra desconhecida, os

povoados que ocupavam os litorais eram esporádicos, pouco numerosos devido a

grande hostilidade da natureza. Os Tupi-Guaranis, Macros-Te-Tapuias, Aruaques,

Caraibas3 etnias essas que os exploradores portugueses, franceses e holandeses

encontravam, eram, segundo eles, “sem fé, sem lei, sem rei”4. O impreciso censo

daquela época conta aproximadamente 4 milhões de nativos no Brasil5, enquanto na

Europa podia se contar aproximadamente 50 milhões de pessoas.

Até encontrar ouro nas regiões de Minas Gerais, o Brasil era tudo, menos

um local de refúgio. As doenças do velho continente se combinavam com as

doenças tropicais, a natureza luxuriante que se encontrava bela e colorida nas

pinturas de Jean-Baptiste Debret, era também ninho para insetos e animais

venenosos.

Foi sob a influência do homem que se formou esta terra, e ela revelou-se

fértil e cheia de riquezas: a pérola das colônias portuguesas.

Mesmo essas riquezas e potenciais oportunidades ainda não

despertavam movimento maciço migratório que não fosse forçado. O duro labor, a

insolação e os perigos eram determinantes para que os europeus ficassem em seus

respectivos países.

Naquele momento, quem vinha para o Brasil, eram aferrados ou

desesperados buscando uma oportunidade de sobrevivência.

As raras tentativas de incursão no Brasil pelos franceses, espanhóis e

holandeses, eram muito mais uma questão de conquista territorial por prestígio que

_______________ 3 THEVET, André. Le Brésil d’André Thevet: Les singularité de la France Antarctique (1557) - Édition

integrale établie, présentée & anotée par Frank Lestringant. Paris, Chandeigne, p. 161 a 177. 4 THEVET, André. Le Brésil d’André Thevet: Les singularité de la France Antarctique (1557) - Édition

integrale établie, présentée & anotée par Frank Lestringant. Paris, Chandeigne. 5 GALEANO, Eduardo H. As veias abertas da América Latina; tradução de Sergio Faraco. Porto

Alegre: Editora L&PM, 2015.

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por necessidade. Fato verídico é que o primeiro refugiado do Brasil foi quem veio

trazer desenvolvimento político e demográfico à colônia. O Rei de Portugal, Dom

João VI cumpriria os requisitos do Estatuto dos Refugiados da Convenção de 1951,

a qual define o refugiado como indivíduo perseguido devido sua nacionalidade e

opinião política. Época em que o Imperador francês ensanguentava a Europa para

instaurar seu domínio e Portugal era o último país costeiro a não se alinhar com as

ideias do conquistador devido às antigas relações entre as coroas britânicas e

portuguesas. Dom João VI se confrontou com uma difícil escolha.

De um lado, guerrear contra Napoleão para defender sua liberdade de

comércio com o aliado inglês, que levaria a uma derrota certa; de outro lado (e o que

realmente ocorreu), ficar fiel a seu aliado, salvar sua própria vida e seu povo, mas

ter que fugir refutando o ato de guerra.

Dom João VI nos coloca perante a escolha corneliana que se apresenta a

todas as pessoas em situação de refúgio: lutar e morrer ou fugir e viver.

Esse foi um grande marcador na história do Brasil, considerando a obra

de 1808 de Laurentino Gomes6. Primeiro porque a vinda da corte iniciou o

desenvolvimento, político, econômico e demográfico do país. Em segundo lugar,

porque marcou o país como um lugar no qual poderia se encontrar refúgio e paz.

Tanto que Dom João VI, obrigado a voltar para Portugal, deixou seu filho, que se

tornava Imperador e proclamava a independência da colônia.

Politicamente, o Brasil ainda dirigido pela casa de Bragança, pesava no

concerto das nações, como comprova o casamento de Dom Pedro I com Maria

Leopoldina de Áustria, da família de Habsburgo, uma das maiores potências

europeias da época.

Economicamente, o potencial do Brasil era enorme. No início, o pau-

brasil, depois café, açúcar e o ouro. Esse país de dimensão continental não possuía

mão-de-obra suficiente para revelar seu potencial e assim rivalizar com os países

europeus que viviam a primeira revolução industrial. A mão-de-obra escrava foi um

meio de resolver a falta de trabalhadores. Sem autonomia, estes eram submetidos

ao poder dos coronéis, que utilizavam os escravos para o próprio enriquecimento.

_______________ 6 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

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A imperatriz Leopoldina iniciara as ondas migratórias patrocinadas a partir

da Áustria e da Alemanha, via Georg Anton Von Schaffer7: trazer europeus para

povoar o país. Os germânicos estavam em guerra quase permanente pela difícil

união das principalidades (concluída em 1871) e as relações belicosas com os

vizinhos franceses, russos e poloneses. O sul do país era a destinação dos

imigrantes germânicos porque Leopoldina tinha a intenção de criar um exército para

assegurar as fronteiras disputadas com as colônias espanholas e também por ser

uma região pouco povoada. Na primeira missão do Schaffer, ele era pago por cada

pessoa que trazia. Posteriormente, Santa Catarina foi vendida para sociedades de

colonização alemãs pela Dona Francisca (filha de Leopoldina). Essas companhias

simplificavam o financiamento das passagens e a aquisição de terras de lavoura,

cobrando mensalidades, chegando a criar cidades. É o caso da cidade de

Blumenau, que levou o nome de um dos donos dessas empresas colonizadoras ou a

colônia Dona Francisca, hoje chamada Joinville.

A situação na qual se encontrava a Itália era parecida com a da

Alemanha, a unificação tardia (1870) e a transição do feudalismo a uma economia

liberalista deixou muitos jovens italianos sem emprego. A massa de trabalhadores

rurais não encontravam nas cidades industrializadas postos suficientes para que

todos pudessem trabalhar. Vários intermediadores percorriam o país para convencer

os italianos de viajar, por meio de promessas extravagantes. Passagens gratuitas, El

dorado garantido, terras de graça, todos os argumentos possíveis para convencer

esses desempregados a cruzar o Atlântico em direção a América. Se construiu um

mito que perdura até hoje.

A realidade japonesa era levemente diferente. O país se encontrava em

uma situação de autarquia quase total, superpovoado, quando no fim do século XIX,

a emigração se tornou então necessária, a fim de assegurar a perenidade do país. O

Brasil se tornou o maior acolhedor de japoneses quando a Austrália e os Estados

Unidos, mais próximos, já estabeleciam quotas para regular o fluxo migratório.

Ao chegar, esses humildes imigrantes trabalhavam para fazendeiros que

não diferenciavam muito o colono do escravo. Os colonos se revoltaram e isso gerou

consequências políticas, tais como fragilidades nas relações diplomáticas e

_______________ 7 WIKIPÉDIA. Georg Anton von Schäffer. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Anton_von_Sch%C3%A4ffer>. Acesso em: 22 fev. 2016.

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proibição de emigrar para o Brasil. Consequências pesadas para um país ávido de

mão-de-obra, servindo para alertar os latifundiários sobre a nova realidade brasileira

sem mão-de-obra escrava.

Exceto essas crises laborais, a convivência entre todas as etnias e

nacionalidades era plácida. O autor austríaco Stefan Sweig8 escreveu até sobre um

milagre de integração e coexistência pacífica. Milagre esse, infelizmente, utópico.

Membros de parlamentos locais e intelectuais promoveram o branqueamento da

população brasileira, favorecendo brancos católicos. Durante a segunda guerra

mundial esse sentimento racista e nacionalista se exacerbou e os mitos como

“perigo amarelo”9 e “perigo alemão”10 justificaram arestos e deportações de

japoneses e alemães, potenciais espiões Nikkei ou nazistas. Demagogia usada por

brasileiros há somente duas ou três gerações; populismo e nacionalismo usados

para disfarçar as incertas escolhas do ditador Vargas.

Após as ignomínias da segunda guerra mundial, o Brasil continuou a

receber imigrantes, integrando às instâncias supranacionais e aderindo às

respectivas normas a esse favor. Em 1951 foi criado o Estatuto dos Refugiados,

através da Convenção de Genebra, qual foi posteriormente reconhecido e adotado

pelo Brasil, criando mecanismos de aplicação em sua legislação interna. Em 1958, o

país integrou o comitê executivo do ACNUR e em 1972 ratificou o protocolo de 1967

que especifica e amplia o conceito de refugiado do estatuto. O Estatuto dos

Refugiados se encontra desde 1997 na lei ordinária de n. 9.474, criando o CONARE

(Comitê Nacional para os Refugiados) e desde 1999 o Brasil iniciou o programa de

Reassentamento de Refugiados, com objetivo de envolver refugiados que se

integraram nos primeiros países de refúgio.

Apesar das resistências ao longo de sua historia, seria difícil negar que o

sentimento de acolhimento é intrínseco ao Brasil, sendo ele um país

tradicionalmente receptor de estrangeiros. Os períodos de crescimento e evolução

_______________ 8 ZWEIG, Stefan. Le Brésil, terre d’avenir. Paris, Le Livre de Poche, 2001.

9 WIKIPÉDIA. Imigração japonesa no Brasil. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_japonesa_no_Brasil>. Acesso em: 23 fev. 2016. 10 WIKIPÉDIA. Imigração alemã no Brasil. Disponível em:

<https://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_alem%C3%A3_no_Brasil>. Acesso em: 23 fev. 2016.

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se confundem com os períodos de acolhimento. A receptividade trouxe organização

politica, experiências laborais e riqueza cultural, demonstrando uma característica

única em um mundo que faz do país ator crucial da resolução de conflitos e crises

humanitárias.

3 DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS – CONSTRUÇÃO DE SEUS

FUNDAMENTOS

A proteção ao refugiado foi abrigada, inicialmente, pela Declaração

Universal dos Direitos Humanos, em 1948, estabelecendo, mais especificamente, o

pedido de asilo. Nesse sentido, 134 países comprometeram-se com a causa no

momento da assinatura da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e

do Protocolo de 1967.

A Convenção estabeleceu a definição clássica de refugiado como

qualquer pessoa que:

(...) em consequência de acontecimentos acorridos antes de 1o. de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. 11

O Direito Internacional dos Refugiados vem se ampliando ao longo da

história, entretanto, a incapacidade de responder às questões fáticas de acordo com

a legislação impede a garantia dos direitos humanos dos indivíduos que se

encontram em situação de migração ou refúgio. Criado em contexto de guerra, estes

conceitos tem como fundamentos a perseguição.12

A primeira iniciativa de ampliação encontra-se na Convenção da

Organização da Unidade Africana, aprovada em 1969, entrando em vigor em 1974.

Estabelece, em seu artigo 1, inciso 2:

2. O termo “refugiado” aplicar-se-á também a toda pessoa que, por causa de uma agressão exterior, uma ocupação ou uma dominação estrangeira ou de acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública em uma parte ou na totalidade de seu país de origem, ou do país de sua nacionalidade, está obrigada a abandonar sua residência habitual para

_______________ 11 Convenção relativa ao Estatuto do Refugiado. Resolução n. 429, realizada na Assembleia Geral

das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1950, em New York. Digit. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/. Acesso em: 09.set.2015.

12 Há de se destacar que a concepção clássica de refúgio concebida no descrito contexto, caracteriza-se como subjetiva e individual, tendo como base a ideia de perseguição.

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buscar refúgio em outro lugar for do seu país de origem ou do país de sua nacionalidade.13

A ampliação do conceito também teve palco no continente americano,

com objetivo de adaptação à realidade regional, por ocasião da Declaração de

Cartagena de 1984. Em sua terceira conclusão, estabelece que:

(...) faz-se necessário encarar a extensão do conceito de refugiado, tendo-se em conta, no pertinente, e dentro das características da situação existente na região, o precedente da Convenção da OUA (artigo 1, parágrafo 2) e a doutrina utilizada nos informes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Desse modo, a definição ou conceito de refugiado recomendável para sua utilização na região é aquela que além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.14

Tanto a concepção africana quanto a americana demonstram como a

realidade conduziu à necessidade de adequação da Convenção de 1951. Percebe-

se uma clara objetivação do conceito de refúgio, o qual deixa de ter a ideia de

perseguição como fundamental, sendo considerada também a hipótese de violação

de direitos humanos como motivação para a migração. De acordo com Cançado

Trindade:

vem-se passando gradualmente de um critério subjetivo de qualificação de indivíduos, segundo as razões que os teriam levado a abandonar seus lares, a um critério objetivo concentrado antes nas necessidades de proteção.15

A interpretação da Convenção de 1951 desvinculada da ideia de direitos

humanos não se sustenta diante da história e do contexto em que o regime

internacional dos refugiados contemporâneo foi formulado. Nesse sentido, observa-

se que o reconhecimento como refugiado visa, sempre, corrigir uma situação de

violação de direitos humanos, abandonando a não-ampliação do conceito de

refugiado, aquela materializada em forma de perseguição. Tais conclusões, ao

demonstrarem que a ideia de proteção internacional vigente na atualidade se

fundamenta em considerações de direitos humanos, implicam à compreensão de

que negligenciando esse vínculo não é possível sequer compreender o instituto do

_______________ 13 Convenção da Organização da Unidade Africana, 1969. Disponível em:

http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/publicacoes/. Acesso em 08/09/2015 14 Declaração de Cartagena. Conclusões e Recomentações. Disponível em:

http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumentos_Internacionais/Declaracao_de_Cartagena.pdf?view=1>. Acesso em: 22 fev 2016.

15 CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto. Tratado de direito internacional de direitos humanos. Vol. I. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. pp. 270-284.

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refúgio. Por conseguinte, é válido trazer à discussão a postura da sociedade em

relação ao refúgio como direito humano, a partir de uma perspectiva também

filosófica, como aborda Gustavo de Lima Pereira ao falar na necessidade de

rediscussão16 dos fundamentos de direitos humanos e de falar em dignidade de

forma consistente, com ponto de partida em uma concretude de alteridade17.

A situação inegável perante a qual se encontram muitos seres

humanos – situação de refúgio – levou as instituições nacionais e supranacionais a

legislar sobre o assunto. No Brasil, a Lei 9.474/97 possibilita aplicabilidade da

Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e define

no seu artigo primeiro:

Art.1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.18

A legislação está em iminência de ser reformada pelo Projeto de Lei n.

288 de 201319, qual objetiva reforçar os preceitos de integração do refugiado no

Brasil. A abertura do Brasil para refúgio não é isolada. O país é membro de

instituições supra-nacionais como o Mercosul e signatário de tratados internacionais,

como a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e a Declaração

_______________ 16 “Não estou aqui querendo neutralizar as fundamentações que se baseiam na ideia de dignidade

humana nem questionar a sua imensa contribuição na construção da cultura ocidental, mas sim demonstrar a sua infertilidade e até a sua indecência no panorama de rediscussão da fundamentação dos direitos humanos que entendo ser de suma importância. Pois, na maioria dos casos, como afirmou Agamben, é indecente falar em “dignidade” e “decência” aos protagonistas que formam os “restos da história". Oliveira de Lima Pereira, Gustavo. Apátridas e Refugiados. Os direitos humanos a partir da ética da alteridade. Disponível em: < http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4627&secao=401>. Acesso em: 22 fev 2016.

17 Deve-se reestruturar este fundamento para que se possa voltar a falar em dignidade de forma consistente, ou seja, uma dignidade humana ancorada na ideia de paz, que adentre de fato na crise de sentido que a humanidade atravessa, pois só adentrando na crise é que se pode sair dela e transformá-la em crítica, remontando as palavras de Ricardo Timm de Souza. Uma dignidade que comporte o não-ser, o nada, o impuro, o sem pátria... o diferente - e um pensamento dos direitos humanos que tenha como ponto de partida a concretude da alteridade; antes mesmo da abstração comum atribuída a ideia de dignidade humana. Ibid.

18 Lei 9474/97 e Coletânea de Instrumentos de Proteção Internacional dos Refugiados. O Direito Internacional dos Refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Brasília: ACNUR Brasil, 2010.

19 BRASIL, Projeto de Lei do Senado n. 288 de 2013. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/113700. Acesso em 08/09/2015

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Americana dos direitos e deveres do Homem (1948). A introdução do conteúdo e

garantias dessas convenções na legislação doméstica, adaptadas às realidades

regionais, permite a aproximação da teoria legal para sua aplicação concreta.

Demonstra a efetividade do intuito de cooperação dos atores internacionais.

A existência de tratados internacionais e suas ratificações por um grande

número de países, diante da multipolaridade politica, é de extrema importância para

a cooperação internacional e a aceitação das medidas no âmbito interno. A resposta

solidária ou de responsabilização de um bloco econômico ou entidade supranacional

trará menos impactos para cada um dos países componentes no momento da

internalização das medidas de proteção.

Nesse sentido, os países latino-americanos, na busca de uma efetiva

aplicação de medidas de proteção assumidas internacionalmente, redigiram o

protocolo adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos, em matéria de

direitos econômicos, sociais e culturais (protocolo de San Salvador, 1988), que

dispõe em seu artigo 4o :

“não se poderá restringir ou limitar qualquer dos direitos reconhecidos ou vigentes num Estado em virtude de sua legislação interna ou de convenções internacionais, sob pretexto de que este Protocolo não os reconhece ou os reconhece em menor grau.”20

A justiça local está em primeira linha para atender, julgar e efetivar as

garantias dispostas no estatuto do refugiado e invocar a supremacia dos tratados

internacionais impõe a obrigatoriedade da concessão do refúgio. A legislação local

que limita as garantias, ou mesmo sua aplicação de forma restritiva ou contrária, é um

símbolo de retrocesso, qual deriva do nacionalismo em sua perversidade no

tratamento de “problemas” relacionados à política externa de cunho humanitário.

Sendo defeso à conduta interna do Estado de se sobrepor aos tratados de direitos

humanos firmados, é possibilitada uma uniformização solidária, reduzindo o risco de

não efetividade das garantias estabelecidas comumente.

Nesse contexto, vimos que o Brasil, a América Latina e o mundo, se

dotaram de legislações de caráter supranacional com o fim de respeitar e garantir os

direitos humanos das pessoas em situação de refúgio.

_______________

20 OEA.[1969]. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: <

https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.Convencao_Americana.htm>. Acesso em: 22 fev 2016.

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Apesar de a questão do refúgio ainda ter uma escala de representação

mínima no Brasil, este possui uma instituição permanente, Comitê Nacional para os

refugiados - Conare, ligada ao Ministério da Justiça, que está em carga dos processos

concernentes aos pedidos de refúgio. A ONU ainda é a única a ter criado um

comissariado internacional de caráter humanitário, Alto Comissariado das Naçoes

Unidas para Refugiados – ACNUR, dedicado à causa.

“One of the most importante of the United Nation humanitária agencies is the UNHCR (ACNUR) . In 1998 the total number of refugees , displaced and other war affected persons was estimated to be more than 22 milion. UNHCR has a mandate to provide international protection to the refugees and to seek durable solutions.In it’s effort to fulfils this daunting mandate the agecy has adopted a three-pronged strategy: prevention, emergency response and solutions. UNHCR as long recognized human right to be the key part of it’s mission. HR are the prime source of refugee principales and structures. In addition, human right violations are a major cause of refugee flows (...)”21

Os países que se encontram perante um fluxo desproporcionado de

refugiados se socorrem ao ACNUR, recebendo apoio especializado com o objetivo de

assegurar os direitos fundamentais desses indivíduos.

A difícil transparência da gestão humana acrescentada ao ceticismo da

sociedade, que manifesta seu nacionalismo, representa um impedimento da plena

concessão do refúgio ou ainda, da integração do imigrante no âmbito nacional. As

noções de nacionalismo são completamente contrárias às garantias de direitos

humanos quando vistas como requisito para sua fruição. Corrobora E.J. Hobsbawm

com seu livro Nações e Nacionalismo quando diz :

“não é impossível que o nacionalismo irá declinar com o declínio do estado-nação, sem que o “ser” inglês ou irlandês, ou judeu, ou uma combinação desses todos é somente um dos modos pelos quais as pessoas descrevem suas identidades entre muitas outras que elas usam para tal objetivo, como demandas ocasionais”.22

As resistências expressadas pela opinião pública quanto ao acolhimento de

refugiados, se funda em um nacionalismo que perdeu a relevância para a

determinação do indivíduo como sujeito de direitos sob a ótica dos Direitos Humanos.

_______________ 21 “Uma das mais importantes agências humanitárias das Nações Unidas é a UNHCR (ACNUR). Em

1998 o numero total de refugiados, deportados ou pessoas afetadas por guerra era estimado a mais de 22 milhões. ACNUR tem a função de fornecer proteção internacional para os refugiados e encontrar soluções duráveis. Neste esforço de desempenhar esses complexos requisitos a agencia adotou uma estratégia em três pontos consecutivos: prevenção, pronta-intervenção, soluções. ACNUR reconhece há muito tempo os Direitos Humanos com pedra angular da sua missão. Direitos Humanos é a primeira fonte de direito e estrutura para os refugiados. Alem disso a violação dos Direitos Humanos é o maior gerador de fluxos de refugiados.” (tradução livre). HANSKI, Raija; SUKSI, Markku. An Introduction to the International Protection of Human Rights. Finland: Institute for Human Rights, 2004, p.163.

22 HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Saraiva, 2011, p. 208.

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A unificação de nossas culturas, a multiplicação dos meios de comunicação, a

delegação de poderes a atores supranacionais relativizam a legitimidade nacionalista.

Os bens de consumo, concebidos em um determinado país, fabricados em outro, e

vendidos no Brasil se beneficiam de iguais tratados.

Deixarei o pragmatismo de uma resposta política prática para a filósofa

Hanna Arendt, que fala no livro Origens do Totalitarismo:

O segundo choque que o mundo europeu sofreu com surgimento dos refugiados decorria da dupla constatação de que era impossível desfazer-se deles e era impossível transformá-los em cidadãos do país de refúgio, principalmente porque todos concordavam que só havia duas maneiras de resolver o problema: repatriação ou naturalização.23

O pragmatismo extremo da filósofa alemã, que viveu pessoalmente a

situação de refúgio, acaba por ser simplista perante a complexa situação de cada

refugiado, encarando a involuntária fusão das sociedades. As permeáveis fronteiras

das informações instantâneas, das invasões belicosas, do movimento dos capitais

financeiros, criaram uma interdependência econômica e humanitária.

No dizer de Hannah Arendt, citada por Flávia Piovesan em seu artigo

“Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos”:

os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução24

a preocupação com a internacionalização dos direitos humanos sempre

foi diminuir a precariedade da situação dos não nacionais e garantir o mínimo em

direitos.

Alguns instrumentos internacionais fixam e definem normas elementares

ao tratamento dos refugiados. O mais importante documento concernente ao status

de refugiado é a Convenção das Nações Unidas de 1951 e seu protocolo em 1967.

A ACNUR é a agência das Nações Unidas nomeada para fornecer proteção

internacional aos refugiados e para supervisionar a convenção de 1951, o protocolo

de 1967 bem como outros instrumentos relativos aos refugiados.

A Convenção relativa ao status dos refugiados (1951) é o documento

jurídico que define quem é um refugiado, quais são seus direitos e as obrigações

jurídicas dos Estados signatários. Estabelece o status jurídico dos refugiados e fixa

_______________ 23 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São

Paulo: Companhia das Letras, 2013 24 ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. In: PIOVESAN, Flávia. Sistema Internacional de

Proteção dos Direitos Humanos. Disponível em:< http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/textos/a_pdf/piovesan_sip.pdf>. Acesso em: 22 fev 2016.

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as normas de tratamento mínimas ao referenciar seus direitos fundamentais. Prevê

a facilitação para naturalização, acesso à justiça, educação, seguridade social,

habitação e liberdade de circulação. Ela impede a expulsão ou retorno forçado do

refugiado ao país de origem, salvo em circunstância excepcional e claramente

definida. Indica o termo perseguição como a situação na qual a pessoa, temendo ser

perseguida, cruza a fronteira nacional buscando proteção.

É pacífico na doutrina e documentos internacionais que se deve adotar o

conceito amplo de refugiado, já que a expressão “perseguição” não define

exaustivamente as situações de ameaça que podem levar uma pessoa a fugir de

seu país de origem.

No intuito de pacificação do tema, a Acnur (Alto Comissariado das

Nações Unidas para a proteção dos refugiados) reeditou o “manual sobre

procedimentos e critérios para determinação do status de refugiado” em 1992,

sustentando que, segundo o artigo 33 da Convenção, é possível considerar que uma

ameaça à vida ou à liberdade devido à raça, religião, nacionalidade, opinião política

ou pertencimento a grupo social é sempre perseguição; e que, outras violações de

direitos humanos pelas mesmas razões também podem constituir perseguição.25

Para os fins da presente Convenção, o termo "refugiado" se aplicará a

qualquer pessoa:

(…) que, temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. (…)26

A Convenção de 1951 foi redigida após a 2a Guerra Mundial com a

definição de refugiado centrada nas pessoas que se encontravam fora de seus

países de origem e nas pessoas em situação de refúgio, provenientes desse triste

evento.

_______________ 25 ACNUR - Agência da ONU para Refugiados. Manual de Procedimentos e critérios para a

determinação da condição de refugiado. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2013/Manual_de_procedimentos_e_criterios_para_a_determinacao_da_condicao_de_refugiado.pdf?view=1> Acesso em: 26 fev. 2016.

26 Convenção relativa ao Estatuto do Refugiado. Resolução n. 429, realizada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1950, em New York. Digit. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/. Acesso em: 09.set.2015.

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Após a edição da Convenção e seu protocolo, em 1967, surgiram novas

crises de refugiados, e juntamente com elas a necessidade de elastecer o campo

temporal e geográfico, bem como adequar a definição de refugiado às demais

situações de violações que provocam que cidadãos deixem seu país de origem.

Em 1984, a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados permitiu uma

interpretação do conceito de refugiado sob a ótica dos direitos humanos, ampliando

sua definição em virtude da grave e generalizada violação dos direitos humanos,

adotando como conclusão:

Reiterar que, face à experiência adquirida pela afluência em massa de refugiados na América Central, se toma necessário encarar a extensão do conceito de refugiado tendo em conta, no que é pertinente, e de acordo com as características da situação existente na região, o previsto na Convenção da OUA (artigo 1., parágrafo 2) e a doutrina utilizada nos relatórios da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos. Deste modo, a definição ou o conceito de refugiado recomendável para sua utilização na região é o que, além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.27

O espírito de Cartagena28, adotado pelo Brasil desde a Promulgação da

Constituição de 1988, além de incorporar os preceitos tanto da Convenção de 1951

e do Protocolo de 1967, também possibilitou, com a edição a Lei nº 9.474/97,

agregar como definição de refugiado, toda aquela pessoa que “devido a grave e

generalizada violação de direitos humanos, é obrigada a deixar seu país de

nacionalidade para buscar refúgio em outro país”29. O conceito de grave e

generalizada violação de direitos humanos nasceu a partir de realidade específica

do continente africano e foi incorporado na normativa da América Latina a partir da

Declaração de Cartagena de 1984. Trata-se de documento fruto da Reunião de

Representantes Governamentais e de especialistas de 10 países latino-americanos,

que consideraram, na ocasião, em Cartagena das Índias, Colômbia, a situação dos

refugiados da América Central.

_______________ 27 Declaração de Cartagena. Conclusões e Recomentações. Disponível em:

http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Instrumentos_Internacionais/Declaracao_de_Cartagena.pdf?view=1>. Acesso em: 22 fev 2016.

28 Expressão utilizada para definir o espírito humanitário, de solidariedade e cooperação, pelos quais se baseia a Declaração de Cartagena.

29 Lei 9474/97 e Coletânea de Instrumentos de Proteção Internacional dos Refugiados, artigo 1º, inciso III. O Direito Internacional dos Refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Brasília: ACNUR Brasil, 2010.

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Quando trata dos objetivos fundamentais do Brasil, no artigo terceiro,

destaca o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”30. Além disso, no artigo

quarto, quando a Carta Magna trata dos princípios que regem o Brasil em suas

relações internacionais, afirma: “II – prevalência dos direitos humanos; III –

autodeterminação dos povos; IX – cooperação entre os povos para o progresso da

humanidade; X – concessão de asilo político”.

Ressalta-se, ainda, a importância dos incisos elencados no artigo quinto:

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”31. Ainda nesse artigo,

sublinha-se a magnitude do inciso LXXVII, parágrafo segundo, que afirma: “Os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do

regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte”.32

O Brasil ratifica a maioria dos tratados internacionais de direitos humanos,

de maneira que esses passam a fazer parte de nosso âmbito constitucional.

Participa, de maneira incondicional, do regime de direitos humanos, tanto da

Organização das Nações Unidas quanto da Organização dos Estados Americanos,

devendo, pois, observar seus princípios e normas. A afirmação da dignidade

humana é realidade na legislação interna brasileira.

3.1 INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DOS

REFUGIADOS

Mesmo estando em cargo do Estado a proteção aos direitos básicos, nem

sempre existiu ou existe a referida garantia. O próprio Estado, muitas vezes, passa

de negligente a violador dos direitos humanos. Em virtude disso e motivado por

acontecimentos marcantes de violações de direitos humanos pelo próprio Estado,

como a segunda guerra mundial, foi estabelecida uma cooperação internacional

visando resolver os problemas de caráter econômico, social, cultural ou humanitário.

_______________ 30 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 22 fev 2016. 31 Ibid. 32 Ibid.

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Cumpre remarcar que o Estado sempre foi senhor dos seus cidadãos, e

que há tempos possui o direito de exigir respeito de seus direitos perante a

comunidade internacional, como nas relações entre Estados e nos casos de

cidadãos com proteção diplomática enviados para outros países, que nunca

estiveram inteiramente sob os critérios do Estado acolhedor.

A internacionalização dos direitos humanos não é uma categoria como o

direito interno ou o direito internacional, mas sim um movimento que transforma um

e outro, um pelo outro, criando uma tensão entre o relativo e o universal. Diante dos

fracassos da tentativa de “universalismo” que ocorrem no mercado, nos direitos

humanos, no meio ambiente, no direito penal, etc.; a tentação tem sido retroceder às

concepções tradicionais do direito interno. Entretanto, face à globalização (fluxos

financeiros e de informação), face aos riscos (ecológicos, sanitários, tecnológicos) e

aos crimes (da corrupção ao terrorismo), aos conflitos existentes, que cada vez mais

obrigam os cidadãos a deixarem seu país de origem, a resposta não pode se limitar

ao direito interno. Passou a se exigir uma interpretação pluralista que não renuncie à

diversidade e particularidade de cada sistema, que aprenda a ordená-los em torno

de um princípio comum.

A questão da garantia dos direitos do homem, parte, progressivamente,

da carga depositada ao direito interno e, ao mesmo tempo, compartilhada com a

ordem internacional no que diz respeito à vigilância, interpelação e sanção (de

acordo com as especificidades das normas pertinentes).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela

Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, na seguida do

término da segunda guerra mundial. Nesse momento, os Estados acordaram sobre

um ideal comum a todos os povos e nações. É ao jurista francês, René Cassin, que

devemos a qualificação de “Universal” atribuída ao texto que carregava apenas a

expressão “internacional”.

Desejava ele sublinhar que os direitos afirmados não diziam respeito

somente aos cidadãos ou às autoridades diplomáticas no exterior, mas a todos os

indivíduos pertencentes a um mesmo grupo. A ideia era o homem estar ao centro de

uma Declaração que promovesse uma concepção única: a da condição humana.

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No preâmbulo da Declaração33, os Estados-membros das Naçoes Unidas

se comprometeram a cooperar com a ONU para o respeito universal e efetivo dos

direitos humanos e das liberdades fundamentais.

A Declaração foi o ponto de partida de uma série de convenções e pactos

internacionais.

A fim de conferir mais força à Declaração Universal de Direitos Humanos,

a Assembleia Geral da ONU adotou, em 16 de dezembro de 1966, dois pactos, um

relativo aos direitos civis e políticos e outro relativo aos direitos econômicos, sociais

e culturais, que reafirmam os direitos enunciados em 1948.

Algumas convenções internacionais vieram para beneficiar determinadas

categorias de sujeitos; como crianças, trabalhadores, mulheres, prisioneiros e

pessoas civis em casos de conflito armado, migrantes, apátridas e refugiados.

Constamos que esse solene acordo não está globalmente ratificado. Os

Estados Unidos, autointitulado “leader do mundo livre”, ainda não ratificou o Pacto

Internacional relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais de 1966. A China,

país mais populoso do mundo, ainda não ratificou o Pacto Internacional relativo aos

direitos civis e políticos.

Vemos pouco entusiasmo das potências mundiais quanto às

condenações dos presumidos crimes contra a humanidade; observamos também a

reticência no reconhecimento da corte penal internacional, aquela qual sua criação

foi de extrema importância para o avanço da defesa dos direitos humanos.

Isso se explica pelo fato de a DUDH ser uma resolução das Nações

Unidas, sem força vinculativa e sem efetivas sanções. Daí a expressão do advogado

e ativista Robert Badinter: “L’horizont moral de notre temps”.

Indo ao encontro do que diz Amartya Sen:

_______________

33 Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades. Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, agora portanto a Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

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Como de fato conciliar a afirmação da dignidade humana com a constatação desoladora que um bilhão e trezentos milhões de seres humanos tentam sobreviver com menos de um dólar por dia (...)”. “Como aceitar que cinquenta milhões de refugiados sejam privados de gozar dos direitos fundamentais (...)34

afirma Badinter quanto à necessidade de um novo modelo econômico:

la lutte pour le respect des droits de l'homme est indissociable de la lutte pour un nouvel ordre international fondé sur le droit des nations à un juste développement économique et à une répartition moins inégalitaire de la richesse du monde. 35

As desigualdades da condição humana constatadas pela ONU e

denunciadas por Badinter e Sen, são um impedimento ao compromisso de cada

Estado perente a universalidade dos Direitos Humanos. Os direitos não criam as

condições para os homens, a economia cria; os direitos dão o norte, o caminho a

seguir e se ecnontram com maior flexibilidade e adaptabilidade. O sistema

democrático em expansão permite o acesso da maioria às decisões legais, processo

que fará a economia assumir sua responsabilidade social.

No processo de internacionalização dos direitos humanos temos a

precursora Liga das Nações e o Direito Humanitário, cada qual tendo contribuído

para esse processo e se afinando no sentido de proteção do indivíduo, encerrando a

exclusiva competência de regular as relações entre Estados. Esse processo permitiu

que passassem a existir garantias mínimas aos direitos essenciais ao homem, com

base na igualdade, independentemente de sua origem cultural ou nacional. Proteção

aos direitos que todos possuímos pelo simples fatos sermos humanos.

Hannah Arendt, ao dizer que:

os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um fato e um meio, mas sim como um princípio, pois a privação da cidadania afeta substantivamente a condição humana, uma vez que o ser humano privado de suas qualidades – o seu estatuto politico – vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substância, perde sua qualidade substancial, que é de ser tratado pelos outros como um semelhante 36

permite considerar que não há lógica para que a cidadania seja um

pressuposto para o exercício de direitos, os quais apesar de institucionalizados, não

_______________ 34 SEN, Amartya Kumar. La pauvreté, une fatalité? Paris, Karthala, 2015, p. 49. 35 “a luta pelo respeito aos direitos humanos é indissociável à luta por uma nova ordem internacional

fundada sobre o direito das nações à um justo desenvolvimento econômico e a uma repartição mais igualitária da riqueza do mundo”. (tradução livre). BADINTER, Robert. L’horizont moral de notre temps. Le Monde. Disponível em: <http://www.lemonde.fr/acces-restreint/archives/article/1998/12/05/6c6b6a99686568c595686765639b71_3683500_1819218.html?_reload=1456248982171>. Acesso em: 8 jan. 2016.

36 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

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podem preceder ao ser humano. Sob a ótica da internacionalização dos direitos

humanos, invoca-se a manutenção das garantias mínimas pela comunidade

internacional tendo em vista seu papel no alargamento da proteção, ainda que

ocorra uma desinstituicionalização dos direitos, como quando, por exemplo, ocorre

violação por parte do próprio Estado.

A filósofa chama a atenção para a necessidade de prevalência da

condição humana sobre a construção estatal no tocante a proteção dos direitos

humanos, visto que o Estado é criação do homem e deve servir como instrumento

dessas garantias.

Nesse sentido, o individuo não pode ser detentor dos direitos inerentes à

pessoa humana somente dentro do seu Estado, mas deve ter a possibilidade de

reinvindicação desses direitos mínimos perante a ordem nacional ou internacional,

com tutela especifica supraestatal.

Com a internacionalização dos direitos humanos dos refugiados, os

Estados assumiram o compromisso de respeitá-los e garantí-los sob o princípio da

solidariedade, ligado à eficácia das medidas de proteção, que, diante dos fluxos

massivos de seres humanos, possa existir de maneira apropriada uma repartição

justa e equânime da carga exigida para o acolhimento. A comunidade internacional37

deve agir de forma solidária, pois não se trata de uma responsabilidade isolada do

país de acolhida, pois o que está em jogo é a proteção da pessoa e de sua

dignidade na problemática dos refugiados.

A internacionalização estabelece a preservação da dignidade da pessoa

humana diante da cooperação dos Estados, não apenas como um dever moral, mas

saindo da esfera do dever-ser para a esfera do ser, através do princípio da

solidariedade, da cooperação necessária diante das inter-relações e passa a

incumbir à comunidade internacional a sua proteção. A solução depende da vontade

e capacidade dos Estados envolvidos, a partir de um espírito de humanismo e

solidariedade internacional. Mesmo diante de divergências normativas internas e

certa falta de consenso, que comprometem a eficácia da proteção, existe a

consciência da relevância do bem maior tutelado pela proteção internacional: o ser

humano.

_______________ 37 Estados e Organismos Internacionais encarregados de garantir a proteção dos direitos humanos

aos refugiados.

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4 NACIONALISMO

Neste capítulo levantamos a questão do nacionalismo, tanto para definí-lo

quanto para entender suas origens, sociais e políticas; com o objetivo de justificar a

incompatibilidade deste instituto com o refúgio, seja na hora de conceder o refúgio

quanto para a integração desses não-nacionais.

Os conflitos criam grande fluxo de refugiados, despertando a ânsia

nacionalista nos países de acolhimento. Esse relexo de encolhimento identitário não

se deve somente ao fluxo de refugiados, mas também aos fluxos contemporâneos

que desmascaram uma fúria acompanhada de xenofobia e racismo. Sentimentos

esses que se sonhava erradicados após a segunda guerra mundial com a criação

das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos; criação de

blocos econômicos e políticos supranacionais; progressos tecnológicos de

transporte e comunicação. Veremos adiante que a uniformização cultural devida à

globalização e a transição para uma sociedade moderna ou pós-moderna não deram

conta de fazer do sentimento nacionalista apenas uma lembrança.

4.1 NAÇÃO ?

Ainda é bastante comum nos discursos políticos inúmeras referências aos

valores nacionalistas para ganho da opinião pública, através da identificação de

valores comuns e excludentes. A nação, coração do nacionalismo, é somente uma

das formas que o homem encontrou para organizar a sociedade enquanto objeto de

organização em perpétua mutação, que conhece numerosas formas.

“Les formes de societé humaine sont des plus variés. Les grandes aglomerations d’hommes à la façon de la Chine, de l’Egypte, de la plus ancienne Babylonie. La tribue à la façon des árabes et des hébreux. La cité d’Athène et de Spart; les réunions des pays divers à la manière de l’Empire Achéménide, de l’Empire Roman, de l’Empire Carlovingien, les communautés sans patrie, maintenue par les liens religieux comme sont celles des Israelites et des Parsis. Les nations comme la France et l’Angleterre et la plupart des modernes autonomies européenes. Les confèderations à la façon de la Suisse, de l’Amerique; des branches comme celle que la race, ou plutôt la langue établit entre les Germains, les Slaves; voilà des mode de regroupement qui tous existante ou bien ont existé et qu’on ne saurait confondre (...) On confond la race et la nation...”. 38

_______________ 38 “As formas de sociedade humana são as mais variadas. As grandes aglomerações de homens,

como a China, o Egito, o velha Babilônia. Tribo, como os árabes e os hebreus. A cidade, como Atenas e Esparta; as reuniões de países diversos da maneira do Império Aquemênida, Império Romano, Império Carolíngio, as comunidades sem pátria, mantidas pelas ligações religiosas como aquelas dos Israelitas e Paris. As nações como a França, a Inglaterra e a maior parte das modernas autonomias europeias. As confederações como a Suíça, América; as ramificações como a raça, ou

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Renan dá-nos aqui uma lista exaustiva, porém incompleta, das organizações

sociais humanas. Tendo se pronunciado dez anos após a derrota francesa contra a

Prussia, que cedeu as regiões da Alsace e Lorraine ao vencedor germânico, em

uma nova tentativa de definição de Nação, nos leva a compreender que existe a

procura de legitimação para que as regiões perdidas fossem consideradas mais

francesas que prussianas. Renan faz (repetidas) referencias à raça, muito comuns

no século XIX, mas que hoje tem seu legado apenas para a fundamentação de

ideias racistas, já desqualificadas pela genética. A relevância desta citação é

demonstrar a multiplicidade de formas das organizações da sociedade – o que

dificulta o anseio universalista dos direitos humanos.

“Estamos tentando ajustar entidades historicamente novas, emergentes,

mutáveis e ainda hoje longe de serem universais a um quadro de referência dotado

de permanência e universalidade”39.

A difícil definição de nação não impede um nacionalismo crescente, um

sentimento de vangloria por sua nação, essa ideologização pela organização social.

É a imposição do seu modelo nacional que provoca a violação de direitos. Uma

definição estática e não exaustiva de nação serve somente ao interesse populista

usado para fins políticos. O exemplo mais relevante deste uso político da definição

de nação é a do Josef Stalin, que liderou a União Soviética por décadas e que

escreveu antes mesmo de chegar ao poder:

“Uma nação é uma comunidade desenvolvida e estável com linguagem,

território, vida econômica e caracterização psicológica manifestos em uma

comunidade cultural”.40

Considerando essa definição, podemos enxergar o abismo entre a

conceitualização teórica e a aplicação política. Marx separava os homens em duas

categorias - burguês e proletário – independentemente de nacionalidade e língua.

No final de seu Manifesto do Partido Comunista, ele fala “proletários de todos os

países”, sublinhando uma ideia supranacional reforçada pelas tentativas de

mesmo a língua estabelecida entre os alemães, eslavos; são esses os modos de reagrupamento existentes ou que existiram e não podem ser confundidos (...) Nós confundimos a raça e a nação...” (tradução livre) RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation?. Paris, Pierre Bordas et fils, Éditeur, 1991, p. 12 a 48.

39 HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Saraiva, 2011.

40 STALIN,Joseph. O Marxismo e o Problema Nacional. São Paulo:Livraria Ciências Humanas,1979.

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internacionalização dos movimentos operários com a internacional socialista e a

internacional dos trabalhadores, por exemplo.

Para a aplicação política do conceito de nação, Stalin cria sua definição

exatamente nos moldes que seria, posteriormente, a União Soviética. Utilizar o

termo “desenvolvido” é de grande subjetividade, porque o padrão marxista ou

stalinista de desenvolvimento é radicalmente oposto à visão capitalista (moderna e

pós-moderna), o que explica muito bem o teórico Ernest Gallner, que veremos

adiante. A “estabilidade” empregada por Stalin, também pode ser considerada

incorreta, pois uma nação não necessariamente deixa de existir por causa de uma

guerra, crise econômica ou mudança de regime político. O Brasil não teria

sobrevivido aos anos 80 e à crise inflacionária, ou ainda, para utilizar o exemplo de

Hannah Arendt sobre a revolução francesa, a França sem rei, sem organização

política estável, com dissidência interna e sofrendo ataques às suas fronteiras e

ainda assim aguentou firme a longa, instável e duvidosa transição política. A menção

à “linguagem” é igualmente passível de desconstrução, primeiramente porque

remete à praga bíblica da torre de babel, segundo porque os países que possuem

duas ou mais línguas oficiais são numerosos41, e enfim encontramos aqui a primeira

das premissas políticas que Stalin empregara com a proposta de russificação da

União Soviética. A unidade linguística é sim um fato de coesão social, mas não uma

característica de nação.

O “território” é igualmente uma noção inválida na descrição de nação, prova

que Stalin não se interessou em Renan para sua definição, mas somente à sua

própria conceitualização a fim de servir seus interesses políticos. Renan,

predecessor de Stalin nesse estudo, enunciou no mesmo discurso (anteriormente

iniciado):

“Prenez une ville comme Salonique ou Smyrne vous y trouverez cinq ou six communautés dont chacune a ses souvenirs et qui n’ont entre elles rien en commun. Or l’essence d’une nation est que tout les individues aient beaucoup de choses en commun”.42

_______________ 41 WIKIPÉDIA. Liste des régions officiellement multilingues. Disponível em: <

https://fr.wikipedia.org/wiki/Liste_des_r%C3%A9gions_officiellement_multilingues>. Acesso em: 22 fev. 2016.

42 “Pegue uma cidade como Salônica ou Esmirna e encontrará cinco ou seis comunidades nas quais

cada uma tem suas lembranças e não tem nada em comum entre elas. Porém essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum.” (tradução livre) RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation?. Paris, Pierre Bordas et fils, Éditeur, 1991, p. 12 a 48.

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Para concluir acerca do uso político, falemos da “caracterização psicológica”,

que inaugura a chegada do espírito dócil e dedicado ao partido. A cada cinco anos

os líderes do partido comunista da União Soviética editavam os objetivos de

produção e quotas de trabalho. Para que os trabalhadores soviéticos dessem seu

melhor, foi criado o mito do trabalhador perfeito, qual tinha todas as características

psicológicas para ser o herói da classe operária soviética, um modelo a ser seguido.

Para encarnar este herói da propaganda soviética, foi escolhido o minerador Alexei

Stakhanov, que extraiu o equivalente a quatorze vezes a quota de um minerador,

sendo então, a partir disso, determinado como a melhor característica psicológia a

se ter na época e quem não se adequava a esse perfil, sofria graves consequências.

O Stakhanovismo43 como forma de resiliência ao modo comunista.

Impossível então concluir com a arrogância da certeza o que é uma nação.

Segundo Hobsbawn, é uma entidade muito recente e qualquer um que dê uma

definição como Stalin, essa será tingida de sua subjetividade, servindo seus próprios

interesses. Mas a definição exata de nação não é primordial para continuar esse

estudo.

4.2 NACIONALISMO E MODERNIDADE

A elucidação do nacionalismo reside na definição do sufixo “ismo”, e da sua

extensão “ista”.

“ismo: sufixo, do grego ismos, formador de nome de ação de verbos, do latin

ismos (...) em forma mais recente o sufixo ismo foi primeiramente usado na medicina

para designar uma intoxicação de um agente obviamente tóxico: absintismo,

alcoolismo, ergotismo, eternismo, hidrargirismo, iodismo. No curso ainda do século

XIX e no século XX seu uso se disseminou para designar movimentos sociais,

ideológicos, políticos, opinativos, religiosos e presonativos através dos nomes

próprios representativos ou dos nomes locativos, de origens e se chegou ao fato

concreto de que potencialmente há para cada nome próprio o eu derivado em –ismo.

A isso se acrescenta que o sufixo grego-istes, em português – ista, masculino e

feminino, como em grego foi associado a ele para designar o adepto, aderente,

seguidor, partidário.”44

_______________ 43 WIKIPÉDIA. Stakhanovismo. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Stakhanovismo>. Acesso

em: 22 fev. 2016. 44 HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 1ª edição,

2001.

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O sufixo concebeu até um nome próprio:

“ismo; s.m; doutrina, sistema, teoria, tendência corrente (...) mais frequentemente no plural com sentido pejorativo <o professor consciente contextualiza as ideias evitando ater-se simplesmente aos ismos>.”45

É o movimento social que prega a nação existente ou em construção. O

sufixo ter sido usado, primeiramente, para designar intoxicação leva a entender a

interpretação pejorativa ou até dogmática da sua aplicação a nomes ou ideias. A

criação de uma nova palavra confirma a intensificação da utilização do termo. O

derivado em “ista” personifica o termo (no nosso caso, nacionalismo) ideológico e

associa-o ao ser humano, com suas imperfeições, emoções e abusos; e a definição

do ser humano por suas ideias leva a inevitáveis conflitos.

Se confunde então a utilização gramatical popularizada do sufixo com os

eventos históricos numerosos. Os séculos XIX e XX registraram mudanças políticas,

tecnológicas e econômicas. As revoluções capitalistas e comunistas; as revoluções

industriais; o desenho das fronteiras no mundo; revoluções essas que nos fizeram

adentrar a idade moderna, teorizada, no tocante à economia e socidade,

respectivamente, por Adam Smith e Émile Durkheim. A partir desses autores, pais

da sociedade moderna, podemos notar as profundas raízes nacionalistas,

corroborando o aludido por Ernest Gellner:

“De fato o nacionalismo parece-me explicável pelo menos, ex-post, como corolário inevitável ou pelo menos natural de certos traços muito salientes e distintos de sociedades modernas ou em processo de modernização. Deixem-me enumerar esses traços: 1) A sociedade moderna é politicamente centralizada, existe nela pouca ou nenhuma chance de vingança pessoal, de auto-auxilio da manutenção da ordem”46

Viver em sociedade é delegar o poder belicoso. Significa submeter-se às

decisões, por exemplo, de justiça, mesmo não concordando ou aderindo a seus

preceitos. Isso faz parte do contrato tácito que temos com a sociedade. Ademais, as

sociedades modernas há muito abandonaram a lei de talião como forma legítima de

resolução de conflito, condenando o uso pessoal da violência e fazendo do Estado

detentor dessa prerrogativa. Entretanto, as imperfeições da sociedade podem criar

um sentimento de injustiça, que segundo Gallner, leva ao sentimento nacionalista ou

certo encolhimento, negando o contrato social.

“2) a sociedade moderna é altamente especializada quanto a economia.”47

_______________ 45 Ibid.

46 GELLNER, Ernest. Nações e Nacionalismo. Lisboa: Gradiva, 1993.

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O pai da economia moderna de mercado é o economista Adam Smith. O

escocês acredita na autoregulação do mercado48, é também o primeiro a falar da

divisão do trabalho com o exemplo da fábrica de prego: se cada um executa uma

terefa específica no processo de fabricação – tarefa simples e repetitiva – a

produção será otimizada e os benefícios maximizados.

Um de seus discípulos, David Ricardo, aplicou este mesmo modelo na escala

dos países, modelo que ele chamou de vantagem comparativa49. Ricardo é britânico,

de origem portuguesa, e exemplifica seu modelo a situação de ambos os países: Se

Portugal produz o melhor vinho e a Grã-Bretanha o melhor tecido, qual seria o

interesse de Portugal de produzir tecido e a Grã-Bretanha vinho? Cada nação deve

se especializar naquilo que faz de melhor e trocar com as outras por aquilo que não

produz. Essa interdependência é o modelo de produção das sociedades modernas e

qualquer critério de preferência nacional, que seja protecionismo ou patriotismo

econômico é expressão de nacionalismo que vai de encontro ao mercado adotado

pelas sociedades modernas.

“3) a sociedade industrial é também móvel no que diz respeito ao trabalho”50

Como única e exclusiva preocupação de maximizar os benefícios, a

mobilidade é uma necessidade para a sociedade que procura onde o trabalho é o

mais barato. O nacionalismo impediria essa conduta. O trabalho, nesse caso, é uma

extensão do capital que conhece pouca ou nenhuma fronteira.

4) de diversas maneiras, uma boa parte dessas especialidades requerem alto nível técnico e um genuíno treino prolongado; 5) a sociedade industrial não é móvel apenas de geração em geração mas também ao longo de vidas de indivíduos e carreiras. Ademais, enquanto a especialização é intensa também é a cooperação entre especialista e, portanto, há a necessidade de poder comunicar, tal interação é extensa, complexa e imprevisível51

Há no progresso científico uma universalidade que traz a cada descoberta um

benefício mútuo para as sociedades modernas. A transição do saber e a

interdependência econômica provoca um inevitável contato entre culturas, línguas,

realidades diferentes. Em um mercado aberto, como se quer o livre mercado, e com

a tecnologia de transporte e comunicação, os indivíduos se encontram em contato

47 Ibid. 48 SMITH, Adam. La richesse des nations. Paris: Flammarion, 1991. 49 RICARDO, David. Des príncipes de l’economie politique et de l’impôt. Paris: Flammarion, 1992. 50 Ibid. 51 Ibid.

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mais frequente com o “diferente”. O nacionalismo decorre de resistências individuais

relativas às dificuldades de lidar com o Outro.

“6) As sociedades modernas podem correr ao longo de toda a escala do

socialismo moderado ao socialismo extremo. O liberalismo econômico simplesmente

não é uma opção”52

A centralização dos meios de produção e a burocracia do Estado no

socialismo justificam e fortalecem o nacionalismo. O Estado centralizador delimita

claras fronteiras para efetuar sua repartição, seja do trabalho ou dos bens. O

liberalismo econômico prega a interdependência (vista no item n. 2), o que acaba

sendo incompatível com o nacionalismo pela necessidade de troca.

“7) segue-se das varias considerações expostas no número anterior que nem

o tribalismo, nem o quietismo – por – princípio são opções disponíveis”53

O tribalismo é uma forma de organização social estruturada em tribos na qual

se pratica a solidariedade, no sentido de Durkhein, mecânica. Em outras palavras, a

sociedade tribal compreende somente os semelhantes. O quietismo é a

acomodação sem busca do seu interesse econômico ou politico.

“8) a sociedade moderna apresenta uma tendência de chegar a uma razoável

igualdade de estilo de vida”54

O que existe é uma uniformização dos estilos de vida e de comportamento,

porém, se referir à igualdade nas sociedades modernas é um equivoco, pois o

conceito de igualdade é a base da teoria comunista de Karl Marx, no Capital. Ele

denuncia um sistema desigual que desfavorece maior parte da população.

Entretanto, a implementação desse sistema teve seu fim marcado pela derrota na

guerra fria.

Gellner se refere aos países modernos como um bloco só, sugerindo que

todos os países que seguem o processo de desregulamentação da economia

abraçam outro aspecto das sociedades modernas: a democracia. Países modernos,

no sentido de Gallner, ainda emitem reservas ao “Laissez faire, laissez passer” e

se descermos porém ao mundo real, verificamos que nem todos os povos sao independentes, apesar de diversos deles constituírem unidades nacionais e feições bem definidas, verificamos também entre os estados politicamente independentes que há algum com mais independência que outro, porque enquanto certos dentre eles são Estados industrialmente

_______________ 52 Ibid. 53 Ibid. 54 Ibid.

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adiantados e economicamente poderosos, outros são estados industrialmente atrasados e economicamente fracos.55

A fim de alcançar a igualdade no estilo de vida, do oitavo item do Gellner, e

considerando as disparidades evidenciadas por Schwartzman, os Estado-nações

somam-se em blocos econômicos e políticos, assinam tratados de livre comércio,

ratificam leis supranacionais de proteção aos Direitos Humanos, o que já comprova

uma universalização de valores.

4.3 O SONHO SUPRANACIONAL

No fim da guerra fria, o bloco ocidental venceu, impondo seu modelo

econômico como “único viável” e seu modelo cultural. Os países se alinharam

progressivamente passando de um mundo ideologicamente bipolarizado a uma

relativa uniformização global. Essa uniformização encontrou mais fácil realização no

plano econômico; por testemunho: a livre circulação de capitais financeiros, a OMC,

o FMI e o banco mundial. Legalmente se uniram nas Nações Unidas, assinaram a

declaração dos Direitos Humanos e planejaram a redação dos Direitos da

Humanidade. Mas politicamente a tarefa parece ter sido mais árdua. A União

Européia é um dos exemplos de maior avanço em termos de integração política,

agregando 28 países. Na América Latina, o Mercosul e a Aliança Del Pacífico; na

África, a União Africana tem importância crescente na manutenção da paz e no

desenvolvimento econômico; a ASEAN no sudeste asiático e a Comunidade do

Pacífico na Oceania. Essas uniões, principalmente econômicas, são organizações

sociais e políticas, não advinda do tribalismo, mas sim de um interesse superior de

prosperidade e de paz em um processo de abandono gradativo da soberania

nacional por uma soberania universal.

“An important effort to this series to re-examine the contradictory meanings and applications which are given to such terms as Democracy, Freedom, Justice, Love, Peace, Brotherhood and God. The purpose to such inquiries is to clear the way for the foundation of a genuine World History, not in terms os nation or race or culture, but in term of man in relation to god himself, his fellow man and the universe that reach beyond immediate self interest.”56

_______________ 55 SCHWARTZMAN, Simon. O pensamento nacionalista e os “cadernos de nosso tempo”. Brasília:

Editora Universidade de Brasília, 1981. 56 “Um esforço importante desta série é reexaminar os significados e aplicações contraditórias que

são dadas a termos como democracia, liberdade, justiça, amor, paz, fraternidade e Deus. O objetivo de tais investigações é limpar o caminho para a fundação de uma verdadeira história do mundo, não em termos de nação, ou raça, ou cultura, mas em termos do homem em relação ao seu próprio deus, seu companheiro e do universo, que vão além do imediato interesse próprio.” (tradução livre) ANSHEN, Ruth Nanda. Prefácio . In: FROMM, Eric. To have or to be?. New York: Continuum, 2008, xiii.

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O projeto “World Persperctive”57 publica ensaios científicos levando o Homem

a desenvolver uma nova consciência para não permanecer refém de padrões morais

tingidos de medo, ignorância e isolação, considerando a humanidade como

indivisível. Nesta mesma linha filosófica, o produtor Yann Arthus Bertran difundiu um

documentário chamado Human, no qual ao redor do mundo ele interroga pessoas

sobre temas universais como amor, agricultura, homossexualidade, entre outros,

com o genuíno objetivo de sublinhar o que nos aproxima.

Os céticos podem considerar um caminho demasiado longo ou até utópico,

quando Ernest Renan apresenta uma perspectiva histórica da nação como

provedora de paz, progresso e estabilidade de maneira similar a criação das Uniões

supranacionais almejando essa universalidade pregada pelo “World Perspective”:

L’idée d’une difference de race, si evidente chez Gregoire de Tours, ne se presente à aucun degrés chez les écrivains et poètes français posterieurs à Hugues Capet. La difference du noble et du vilain est aussi accentuée que possible mais la difference de courage, d’habitude et d’éducation, transmise hereditairement, l’idée que l’origine de tout cela soit une conquète ne vient à personne.58

Gregoire de Tours (539-594) foi historiador e bispo da cidade de Tours, no

leste francês. Sua obra principal é a composição dos dez livros da história dos

francos na qual ele conta a origens dos povos francos desde o Gênesis. Nestes

livros ele demarca uma clara separação entre os numerosos povoados “bárbaros”

que se instalaram nos territórios hoje conhecidos como França.

Hugues Capet (941-996) era rei da França, iniciou a dinastia Capetienne que

reinara na França até a revolução. A análise de Renan na perspectiva da história

mostra que a França de Hugues Capet e de seus sucessores encontrou a

estabilidade necessária para o desenvolvimento politico e econômico e as diferenças

étnicas se apagaram. O que foi cumprido ao longo da historia é um processo pelo

qual nos empenhamos hoje, para fazer das fronteiras (como as muralhas medievais)

fabricadas para se proteger dos não-nacionais, supérfluas. Falaremos da Inglaterra

e da França como falávamos dos povos bárbaros da antiguidade; que espaço terá o

nacionalismo na lente da historia contemporânea e moderna?

_______________ 57 LIBRARY THING. Series: Worl Perspectives, Works. Disponível em:

<https://www.librarything.com/series/World+Perspectives>. Acesso em: 22 fev. 2016. 58 “A ideia de uma raça diferente, tão evidente para Gregoire de Tours, não se apresenta em nenhum grau para os escritores e poetas franceses posteriores a Hugues Capet. A diferença do nobre e do vilão é também tanto quanto acentuada, mas a diferença de coragem, de hábito e educação, transmitida hereditariamente, a ideia que a origem de tudo seria uma conquista, não vem à ninguém.” (tradução livre). RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation?. Paris, Pierre Bordas et fils, Éditeur, 1991, p. 12 a 48.

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O historiador Benedict Anderson vê nas contruções nacionais um progresso:

“In an age when it is so common for progressive cosmopolitan intelectual (particularly in Europe?) to insist on the near-pathological character of nationalism, it’s roots in fear, hatred of the other and it’s afinities with racism, it is useful to remind ourselves that nations inspire love and often proudly, self sacrificing love. The cultural product of nationalism, poetry, prose fiction, music, plastic art, show this love very clearly in thousands of diferente forms and styles”.59

Anderson vai contra essa ideia de que o nacionalismo é sinônimo de ódio ou

rejeição, nao considerando a violência, mas sim amor no produto do orgulho da

nação e às produções culturais oriundas. Ainda, ele advoga sua opinião pela

rejeição e categorização desses europeus que associam nacionalismo ao racismo.

Os pesquisadores são todos reféns da própria subjetividade, de seus países de

origem e dos campos de estudo; por exemplo, Hannah Arendt se foca sobre

Alemanha, Russia e Áustria, Benedict Anderson, nascido na Ásia, se foca sobre a

Indonésia, Eric Hobsbawn sobre a Irlanda, José Augusto Lindgren Alves sobre os

balcãs. Cada região apresenta suas características históricas e filosóficas o que

pode levar um autor a discordar do outro, visto a diversidade ser tão grande, às

vezes contraditória e potencialmente conflitante. Se esses grandes intelectuais e

pesquisadores discordam, com a sabedoria e a excelência que possuem, é então

compreensível a dificuldade de alinhamento das nações entre elas.

4.4 NACIONALISMO - GERADOR DE CONFLITO

Benedict Anderson, na sua lista de exemplos, não aborda a organização

política, que igualmente é uma realização humana, ao mesmo título que as outras

artes por ele citadas. Para Gellner, a política é a base de conflito nacionalista.

Alguns povos se tornaram tão orgulhosos de suas criações políticas e

organizacionais que quiseram impor seu modelo, sua cultura, forçando os

dominados ir até se sacrificarem por eles.

Os franceses, em contraste com os britânicos e todas as outras nações da europa chegaram a tentar ainda antes da segunda guerra mundial uma combinação de ius com imperium para fundar um império no velho sentido romano. Procuraram transformar a estrutura politica da nação numa

_______________ 59 “Em uma epoca onde é comum para os progressitas, os intelectuais cosmopolitas (na Europa em

particular?) insistirem sobre a caraterização quase-patológica do nacionalismo, suas raízes no medo e no ódio do outro, suas afinidades com o racismo; parece-me útil lembrar-nos que a Nação inspira amor, e com orgulho, um amor sacrificial. O produto cultural do nacionalismo, a poesia, a prosa de ficção,a música, as artes plásticas, demonstra muito claramente este amor em milhares de formas e estilos diferentes.” (tradução livre) ANDERSON, Benedict. Imagined Communities. NYC: Verso, 1983.

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estrutura politica imperial e acreditavam que nação francesa estivesse marchando para disseminar os benefícios da civilização francesa. 60

A civilização francesa colonialista foi imposta em outros continentes através

da violência. Cruzando com a declaração cínica de Anderson, o cosmopolitanismo é

fruto do parto dolorido do tempo (resolvido?) da colonização. Anos de espoliações e

guerras buscando domínio em um lado e a independência no outro. Nos Caribes, a

Ilha de Haiti é um dos países mais pobre do mundo, na África, países como Mali ou

República Centro-Africana em conflito armado até hoje. A Argélia não se cura das

sequelas da anexação como departamento francês e da guerra de independência. A

Indochina que levou à guerra do Vietnã e seus horrores. Este nacionalismo

desestabilizou a frágil ordem mundial gerando conflitos por onde foi. Tanto no

nacionalismo do colonizador quanto no do liberador, há violências e vítimas, danos

colaterais, perdas e martírios pela “causa nacional”; é somente uma questão de

semântica, mas todos alimentam o conflito que lhe mantem refém, Abyssum

Abyssum invocat61.

“La souffrance en commun unit plus que la joie, en fait des souvenirs

nationaux des devoirs, ils commandent l’effort commun.”62

Que seja contra um opressor, que seja para liberar-se da dependência de

outro país, que seja para firmar seu poder individual ou que seja para ganhar pontos

em pesquisa de opinião, há no nacionalismo uma fuga fácil para o líder derrotado.

Recurso dos políticos deseperados ou ambiciosos, a guerra ou ameaça de guerra sao as tentações nacionais. Nada mais seguro para fortalecer a coesão nacional do que excitar o temor ao inimigo, o sentimento da dignidade nacional ferida da vingança, da honra nacional, o exercito, as armas, as proclamações belicosas sao símbolos eficientes da união nacional contra as nações vizinhas. 63

Em 2008 o mundo sofreu uma grande crise econômica. Os países viram suas

economias se contraírem, as sociedades modernas, no sentido de Gellner, tiveram

que repatriar seus investimentos que se encontravam fora do país a fim de

assegurar sua economia do colapso iminente. As menores economias sofreram mais

desta reação em cadeia e, para citar somente países europeus, Portugal, Espanha e

a Grécia estavam no olho do furacão. Esta fuga de capitais não é nada mais do que

_______________ 60 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São

Paulo: Companhia das Letras, 2013 61 Em latim: O abismo chama o abismo. 62 “O sofrimento em comum une mais que a alegria, de fato memórias de deveres nacionais

comandam o esforço comum”. (tradução livre) RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation?. Paris, Pierre Bordas et fils, Éditeur, 1991, p. 12 a 48.

63 COMBLIN, Jose. Nação e Nacionalismo. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1965.

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a ação de alguns (quantos) indivíduos que, diante de uma crise de confiança, pedem

seu dinheiro devolta por medo de perdê-lo.

Em muitos pontos a semelhança entre o comportamento dos capitais e o

comportamento dos povos é evidente. Por exemplo, em 1929 os Estados Unidos da

América repatriaram todos os seus investimentos feitos na Europa após a primeira

guerra, principalmente da Alemanha, que mergulhou em um marasmo econômico. A

dívida de guerra era tão grande que os investimentos norte-americanos eram vitais.

A falta de comida, de emprego, de dignidade alimentou o ódio com a ascensão do

nazismo. Poucos anos depois, a nação alemã e a raça ariana prevaleciam sobre

qualquer coisa. O bouc émissaire: Os judeus; a violência: A guerra mundial.

Layek Kolakowski64, filósofo e historiador tinha doze anos quando o exército

nazista invadiu seu país, a Polônia. Zygmund Bauman o cita em seu livro

modernidade líquida:

Enquanto o nacionalista quer afirmar a existência tribal pela agressão e ódio aos outros, acredita que todos os infortúnios da sua própria nação são resultados de conspiração estrangeira e se ressente contra todas as outras nações por não admirarem apropriadamente nem darem o merecido crédito à sua própria tribo, o patriota destaca-se pela benevolente tolerância em relação à variedade cultural e especialmente às minorias religiosas e étnicas.65

Não é somente o nacionalismo provocador de conflitos, eles tem raízes

diversas (situações econômicas e politicas), constituindo uma espécie de

escapatória. Em vez de enfrentar os problemas da nação, a guerra é vista como

solução política. A essência do nacionalismo é provocá-los para que a rivalidade

seja o motor do desenvolvimento e que haja vantagem na destruição do outro.

Esses embates impedem a sociedade moderna de funcionar da forma que foi

teorizada. As hostilidades criam numerosas vítimas quais não tem todas a sorte de

morrer e se encontram na necessidade buscar refúgio. Esses refugiados se

confrontam ao nacionalismo e são apontados como gerador de instabilidade assim

que se acoitam nas nações vizinhas. Os nacionais culpam os não-nacionais

presentes no território de todos os males, envenenados pelos populistas e simplistas

discursos políticos, a serpente morde o rabo.

_______________ 64 Especialista do Marxismo e autor da obra “As principais correntes do Marxismo”.WIKIPÉDIA. Leszek Kolakowski. Disponível em: < https://en.wikipedia.org/wiki/Leszek_Ko%C5%82akowski>. Acesso em: 22 fev. 2016. 65 KOLAKOWSKI, Layek. In: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. São Paulo: Editora Zahar, 2001.

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Dividindo a humanidade em religião, tribo, raça, menosprezando outras

nações, esquecendo muitas vezes as necessidades da sua própria; optando pelo

caminho fácil da negação, quando, deveria-se, buscar a melhor forma de integração

desses não-nacionais, almejando o respeito aos direitos humanos; um mais longo

caminho, mas proveitoso para todas as partes e já ratificado pelas nações.

Adapatar-nos às novas realidades oferecendo um caminho que vá ao encontro da

fatalidade profetizada. Apesar de haver resistências internas, esses tratados

supranacionais, esses compromissos legais, ja foram, há décadas, ratificados pela

maioria das nações. Eles tem força de lei, e ir contra lei, é violar a essência da sua

própria nação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A refugee used to be a person driven to seek refuge because of some act committed or some political opinion held. Well, it is true we have had to seek refuge; but we commited no acts and most of us never dreamt of having any radical opinion. With us the meaning of the term “refugee” has changed. Now “refugees” are those of us who have been so unfortunate as to arrive in a new country, without means and have to be helped by Refugee Committees (Hannah Arendt – We refugees)66

Com a internacionalização dos direitos humanos nos aproximamos ao

objetivo último de uma aplicação universal das garantias e promoção efetiva dos

direitos humanos, preconizada por René Cassin e firmada pela comunidade

internacional. Por participarem do concerto das nações, cada uma se comprometeu,

ao assinar a Convenção de 1951 e ratificar o protocolo de 1960, ambos dando

enfoque sobre os refugiados, a assegurar os direitos das pessoas em situação de

refúgio.

O compromisso internacional preencheria a lacuna para a proteção dos

direitos humanos, intrínsecos ao ser humano, portanto, inalienáveis. E esse foi o

início do longo caminho para uma plena integração, uma sintonia universal.

As nações viveram várias mudanças políticas desde esse período; explosão

do bloco soviético, expansão da democracia, primavera dos povos; não havendo em

nenhum momento retrocesso significativo ou abandono da construção das relações

supranacionais. Entretanto, razões políticas explicam a lentidão e reticência de

certos países de se unirem com outros.

_______________ 66 ARENDT, Hannah. We Refugees. In: ROBINSON, Marc. Altogether Elsewhere: Writers on Exile.

Disponívelem:<http://www.leland.stanford.edu/dept/DLCL/files/pdf/hannah_arendt_we_refugees.pdf>Acesso em: 22 fev 2016.

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De fato necessitam-se esforços comuns significativos para que o desafio que

representa a massa de refugiados seja repartido de maneira equitavel entre as

nações acordantes, considerando a situação econômica e de desenvolvimento de

cada nação, principalmente as fronteiriças.

O objetivo é fazer dos direitos humanos nosso valor universal e que todas as

nações o fizessem valer, trazendo o dispondo para suas próprias constituições.

Como Amartya Sen argumenta em “Democracia”, tanto a cultura ocidental como a

oriental elegeram a tolerância a e a liberdade - pedra angular dos direitos humanos -

como fundamento de suas nações, apesar das divergências.

A garantia dos direitos humanos não vem de uma instância hierarquicamente

dominante, impondo seus requisitos às nações submissas, mas sim de um profundo

entendimento global de que a única maneira de perenizar a vida humana se

encontra na aplicação rigorosa dos direitos humanos (rigor confucionista). Contudo,

essa conscientização nao é unânime. A opinião pública é manipulada pelo

nacionalismo, na incessante procura por um bouc émissaire.

“Em nome da vontade do povo, o Estado foi forçado a reconhecer como cidadãos somente os “nacionais”, a conceder completos direitos civis e políticos àqueles que perteciam à comunidade nacional por direito de origem e fato de nascimento. Isso significa que o Estado já foi parcialmente transformado de instrumento da lei em instrumento da nação”. (Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo).

O que era verdade na época de Hannah Arendt é igualmente hoje, mas com

fatores agravantes, pois os indivíduos encontram uma enorme facilidade em difundir

ideias xenofóbicas e racistas, nos trazendo uma séria preocupações diante de tantas

digressões em relação à proteção aos direitos humanos. As premissas

discriminatórias da população e das instituições acabam, muitas vezes, por se

legitimar.

Diz Platão em “República” que a política não é uma questão de opinião, mas

uma questão de sabedoria.

A cidadania é um processo que responde à lei e não à direção na qual a

opinião pública faz soprar o vento, consciente da volatilidade e da curta memória

desta. Quando a Europa, por exemplo, resiste em acolher refugiados, ela se

esquece dos milhares que fugiram na segunda guerra mundial; esquece a

responsabilidade que tem o colonialismo e o neo-colonialismo na criação dos

conflitos. Ela revela um traço de seu caráter que tinha sido supostamente superado

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pelo trauma das câmaras de gás e corpos raquíticos de Aushwitz-Bierkenau; ela

revela seu nacionalismo sanguinário.

“O segundo choque que o mundo europeu sofreu com o surgimento dos refugiados decorria da dupla constatação que era impossível transformá-los em cidadãos do país de refúgio, principalmente porque todos concordavam que so havia duas maneiras de resolver o problema: repatriação ou naturalização.” (Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo)

Abraçamos o debate que afeta muitos países e divide a Europa de hoje.

Estávamos acostumados a uma polarização direita-esquerda que hoje não teria

mais fundamento. Zizek, filósofo e cientista social, em sua obra “vivendo no fim dos

tempos”, pauta a aproximação das ideologias inicialmente opostas, acreditando que

esquerda e direita podem dividir essa vontade humanista, nos levando a defender

que será possível um consenso pela “naturalização”. A revista The Economist,

ultraliberal, clamou no início da crise dos refugiados: “let them in and let them

earn”67, enxergando o interesse maior em deixá-los entrar para serem integrados e

se transformarem rapidamente em contribuintes na desprovida União Européia. Do

lado esquerdista, pretendido herdeiro da responsabilidade social, também há

manifestações pelo recolhimento de refugiados, é o caso da social-democrata

Merkel na Alemanha e de todos os humanistas comovidos pelo destino sinistro de

milhares de pessoas em situação de refúgio e determinados a agir.

Esse mencionado raciocínio é oposto à ideia de “repatriação”, mencionada

por Hannah Arendt; o que chamamos hoje de deportação – ato realizado pelos

nacionalistas da Europa e do mundo. O candidato americano à presidência, Donald

Trump, é a representação dessa mutação ideológica sustentada por Zizek. Trump

não possui um posicionamento ideológico tradicional compatível com os partidos em

questão, com ideais manifestamente nacionalistas, quando visa construir uma

parede a fronteira sul dos EUA, e descriminador quando quer impedir a entrada de

muçulmanos. É o fim da política de ideologia quando o candidato favorito da opinião

é desaprovado pelos Republicanos e pelos Democratas.

Na Europa, direita e esquerda tradicionais estão confrontadas novamente ao

nacionalismo, base ideológica de partidos como o NPD alemão; o FPÖ na Áustria, o

Vlaanms Belong e o Front National de Bélgique que além de patrocinar a ideia de

deportação, ambicionam a divisão do próprio país. O Front National na França; o

_______________ 67 LET THEM IN AND LET THEM EARN. The Economist, NYC. Disponível em:

<http://www.economist.com/news/leaders/21662547-bigger-welcome-mat-would-be-europes-own-interest-let-them-and-let-them-earn >. Acesso em: 23 jan. 2016.

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Peruss na Finlândia; o Xryshaygh (alvorada dourada) grego, assumidamente

neonazista; Jobbik na Hungria que elegeu o atual presidente do país; a liga de morte

do italiano Berlusconi, que assim como movimento no sul do Brasil, defende uma

temática separatista; o FRP na Noruega; o Pvv na Hollanda; o Ukip na Grã-

Bretanha, que acredita firmemente que seu país se desenvolveria melhor se

retirando da União Europeia; e muitos outros exemplos ostensivos de partidos

veementes nacionalistas, defendendo a não entrada dos refugiados em seus

respectivos países; esses são os porta-vozes do sentimento nacionalista, que criam

tensões e dificultam o acolhimento e a intgração dos refugiados.

A opinião pública é levada por esses partidos para o caminho da intolerância

e impede uma resposta unida e eficaz face à crise que se apresenta, traindo de

forma significativa o engajamento internacionalmente estabelecido.

Diante de um sistema normativo consistente de proteção, de um considerável

agravamento de conflitos e números elevados de pessoas buscando refúgio, quem

assumiria o custo da manutenção da dignidade humana dos refugiados? Os

contribuintes, com o risco de falência do Estado? Vale se remeter ao pensamento de

Hannah Arendt68, que evidencia o quanto utópico poderia ser a aplicação de uma

proteção supranacional. O exemplo da Grécia foi bastante revelador; mesmo

altamente implicada em um contexto de interdependência, hesitou quanto ao

cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente diante do fluxo

massivo de refugiados. A resposta da Grécia aos eventos migratórios, contando com

apoio da União Europeia e das Nações Unidas, apesar de ser expressiva não é

suficiente nem adequada para uma real manutenção da dignidade humana.

Para concluir, testemunhamos deplorando as contradições entre os tratados

jurídico-legais internacionais e suas aplicações com os refugiados fugindo da Siria e

chegando vivos na ilha de Lesbos, por exemplo; estes, condenados a serem

apátridas até a justiça grega conceder-lhes o estatuto de refugiado. Muitos chegam

ilegalmente porque as fronteiras se encontram fechadas, ficando reféns do Estado e

de sua disposição de registrá-los, quando é o caso, deixando-os à própria sorte.

Como apátridas, não podem trabalhar, receber educação, ou serem encaminhados

_______________ 68 “Os direitos do homem, afinal, haviam sido definidos como inalienáveis porque se supunha serem

independentes de todos os governos; mas sucedia que no momento em que seres humanos deixavam de ter governo próprio não restava nenhuma autoridade para protegê-los e nenhuma instituição disposta a garanti-los”.

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para outro país acolhedor. Após uma grave crise financeira, a Grécia está em

primeira linha, sozinha, sem recurso para qualquer forma de gestão do fluxo

desproporcionado de refugiados e sem infraestutura adequada para que esses

refugiados não permaneçam em situação contínua de violação de direitos.

A boa vontade dos governos em tempo de paz quanto a acordos inclusivos e

econômicos se confronta às realidades do terreno. A União Europeia se firmou,

efetivamente, após a segunda guerra mundial com objetivo de paz e

propesperidade, a sua tradição humanista sempre foi acolhedora e inclusiva, porém

a atual crise de refugiados revelou os limites dessa integração. Gestão de crise

passiva, sem proatividade nem visão pan-europeia, o que fez com que as opiniões

se encolhessem e deslizassem para a extrema direita. Cada país em sua vez traiu a

filosofia humanista excluindo os refugiados, dificultando a entrada e impossibilitando

a integração. A Dinamarca decidiu confiscar os bens dos refugiados que adentraram

suas fronteiras69; a Hungria fortaleceu e fechou sua fronteira oriental70; na Grécia, a

guarda costeira afunda barcos precários daqueles que enfrentavam o mar71. Os

acordos de Schengen que prevêem a livre circulação dentro da União Europeia é

devalido pelos países que fecham suas fronteiras, um após outro72.

Há contradições quando se divulga quota de refugiados que cada país

voluntariamente recebe. Existem mais de 4 milhões de refugiados vindo da Síria e a

União Europeia se dispõe a receber 120 mil73. A bipolaridade (tratados assinado x

medidas tomadas) revela-se problemática na hora de enfrentar a pior crise de

refúgio da história. Isso não quer dizer que nossa época seja mais violenta, pelo

_______________

69 DINAMARCA APROVA LEI QUE PERMITE CONFISCO DE BENS DE REFUGIADOS. Jornal Nacional, G1, São Paulo. Janeiro 2016.Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/01/dinamarca-aprova-lei-que-permite-confisco-de-bens-de-refugiados.html>. Acesso em: 8 jan. 2016. 70 REFUGIADOS: HUNGRIA PREPARA-SE PARA ENCERRAR FRONTEIRA COM A CROÁCIA. Euronews, London. Outubro 2015. Disponível em: < http://pt.euronews.com/2015/10/03/refugiados-hungria-prepara-se-para-encerrar-fronteira-com-a-croacia/>. Acesso em: 8 jan. 2016. 71 VIDEO MOSTRA GUARDA-COSTEIRA AFUNDANDO DE PROPÓSITO BARCO COM DEZENAS

DE IMIGRANTES. Rfi, As vozes do mundo, Agosto 2015. Disponível em: < http://br.rfi.fr/europa/20150814-video-mostra-guarda-costeira-afundando-de-proposito-barco-com-dezenas-de-imigrantes>. Acesso em: 22 fev. 2016.

72 HARO SUR SCHENGEN. Le Monde Diplomatique, Paris. Janeiro 2016. Disponível em: <http://www.monde-diplomatique.fr/2016/01/BREVILLE/54470 >. Acesso em: 8 jan. 2016. 73 OS PAISES QUE MAIS RECEBEM REFUGIADOS SIRIOS. BBC Brasil, setembro 2015. Disponível em: < http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150910_vizinhos_refugiados_lk>. Acesso em: 09 set 2015.

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contrário, mas sustenta a Europa os paradoxos hipócritas por ter cinco dos dez

maiores países exportadores de armas, e para sublinhar a ironia, de 2001 a 2008 a

Síria era o oitavo maior comprador de armas do mundo74.

Após seis anos de conflito na Síria, o uso de armas químicas; os atentados de

Paris, Beirut, Istanbul, Ankara; a morte de milhares de migrantes tentando cruzar o

mediterrânio; a foto chocante e representativa de Aylam, menino sírio de quatro

anos, sem vida, face na areia, na capa das revistas do mundo; a destruição das

instalação dos Médicos Sem Fronteiras; centenas de milhares de civis mortos em

fogo cruzado; estes eventos não criaram a indignação necessária para comprometer

os Estados a buscar um acordo de paz. São com essas constatações que se revela

a indispensabilidade dos Direitos Humanos e da UNHCR (The UN Refugee Agency)

porque estabelecem e colocam em prática a assistencia mínima devida aos

refugiados.

Quando explode um conflito, são os países vizinhos que terão de fornecer o

primeiro e mais significante suporte. Nenhum texto compromete a comunidade

internacional na participação financeira de apoio a esses países fronteiriços. A

Jordânia gasta ¼ do seu orçamento anual para atender às necessidades de

acolhimento dos refugiados sírios. O orçamento de acolhimento, proteção e

integração para os refugiados, deveria ser calculado e dividido pela a comunidade

internacional, pois com refugiados sírios e muitos mais vindos do Iraque,

Afeganistão, Eritréia, Sudão do Sul, Haiti, Nigéria, não há igualdade na repartição

dos refugiados, ¼ da população libanesa é refugiada, o Canadá aceita 25 mil

refugiados, e o Brasil, cerca de dois mil refugiados provenientes da Síria75, efetivo

seria encontrar um indicador padrão, inspirado nos indicadores econômicos

essenciais, um índice por país, que representasse a capacidade de acolhimento de

refugiados, considerando a superfície, população, o PIB e um índice de

compatibilidade cultural (religião, língua, sistema político) a fim de aliviar os paises

fronteiriços mais requeridos; repartir equitavelmente os refugiados, lhes concedendo

condições dignas; para assim impedir instabilidade nos países vizinhos assegurando

uma resolução rápida do conflito. Não há idealismo algum, essas propostas

_______________ 74 WIKIPÉDIA. Industrie de l’armement. Disponível em: < https://fr.wikipedia.org/wiki/Industrie_de_l%27armement >. Acesso em: 22 fev. 2016. 75 Apesar de ter facilitado o processo para regularização e concessão de vistos, não possui

programas consistentes de integração.

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inclusivas e igualitárias penarão a fazerem-se consensuais na comunidade

internacional; o Brasil tem a capacidade de destacar-se na defesa da dignidade dos

refugiados; como notório país pacífico e acolhedor sua credibilidade é plena para

ecoar e assegurar o compromisso da comunidade internacional. Se apoiando sobre

mudanças internas para propagar um ideal inclusivo e tolerante ao resto da

comunidade internacional.

REFERÊNCIAS

ACNUR Agência da ONU para Refugiados. Manual de Procedimentos e critérios para a determinação da condição de refugiado. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2013/Manual_de_procedimentos_e_criterios_para_a_determinacao_da_condicao_de_refugiado.pdf?view=1> Acesso em: 26 fev. 2016.

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Adriane Ribas Vieira

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) – Paraná/ Brasil - 2015

Pós-Graduada em Gestão Pública, com ênfase no Sistema Único da Assistência

Social, pela UEPG. Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do

Paraná, 2013. Residente técnica na Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e

Direitos Humanos do Paraná, no Departamento de Direitos Humanos e Cidadania

(2013-2015). Atualmente atua como voluntária no Núcleo de Psicologia para

Migrações, vinculado ao Conselho Regional de Psicologia.

E-mail: [email protected]

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OS DESAFIOS DA PSICOLOGIA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DA

MIGRAÇÃO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESTADO DO PARANÁ

THE PSYCHOLOGY´S CHALLENGES IN CONTEMPORARY MIGRATION

CONTEXT AND PUBLIC POLICY IN THE STATE OF PARANÁ

Adriane Ribas Vieira

RESUMO

A migração se caracteriza como um acontecimento histórico, social, político, que envolve a vida do ser humano e comunidade em sua totalidade. O ser humano, como um ser biopsicossocial, sofre consequências abrangentes e multifacetárias em sua dinâmica intra e interpessoal, quando por motivos diversos, é impelido a romper com seus laços pessoais, familiares e históricos. Na criação de políticas para migrantes, não se pode negligenciar as consequências psíquicas e emocionais da migração. O presente artigo visa discutir as políticas públicas no Estado do Paraná, diante do fenômeno migratório e suas consequências psicológicas, através da revisão bibliográfica e do estudo do Plano Estadual de Políticas Públicas para a Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados Migrantes e Apátridas do Paraná. Palavras-chave: Migrações. Psicologia. Políticas Públicas.

ABSTRACT

The migration is characterized as a historical, social, political event, which involves human life and community in its entirety. The human being, as a biopsychosocial being, undergoes comprehensive and multifaceted consequences in their intra and interpersonal dynamics, when for many reasons, is forced to break with their personal, family and historical ties. In the creation of policies for migrants, the psychological and emotional consequences of migration can not be neglected. Given this reality the present article aims to discuss public policy in the State of Paraná, on the migration phenomenon and its psychological consequences, through bibliographic review and study of the State Plan for Public Policy for the Promotion and Defense of the Rights of Migrants Refugees and Stateless People of Paraná. Keywords: Migrations. Psychology. Public policy.

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1. INTRODUÇÃO

A migração alarga o conceito de Pátria para além das

fronteiras geográficas e políticas, fazendo do mundo a

Pátria de todos.

J.B. Scalabrini - 1889

Migrar é o ato de se deslocar de um local para outro, de uma região para

outra. Migrações são movimentos de pessoas, dentro do próprio país (migração

interna) ou para outro país (migração externa). Ao falarmos sobre a migração, nos

referimos a um acontecimento social, histórico, político, sociológico, emocional, com

múltiplas consequências1. Segundo Silva e Cremasco2, a migração se constitui

como uma situação inerente a condição humana. Ao longo da história, pode-se

observar ciclos migratórios de grande expansão e de grande magnitude.

Segundo o Departamento de Direitos Humanos e Cidadania, da Secretaria de

Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná3, a migração é um

fenômeno antigo, mas que se repete com frequência e intensidade ao longo da

história. Os grandes movimentos migratórios tiveram seu avanço devido à fome,

guerras, invasões, êxodos, superpopulações e entre outros.

Segundo a Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos4, o

termo migrante é designado a toda pessoa que se transfere de seu lugar de origem,

para outro lugar, região ou país. Este termo é usado para definir as migrações de

modo geral, tanto de entrada (imigração) quanto de saída de um país, região ou

lugar (emigração).

Já o termo refugiados, segundo a Convenção de Genebra, se refere a todo

indivíduo que se encontra fora do seu país de nacionalidade, devido ao temor de

perseguição por raça, religião, opinião política e que por isso busca a proteção em

outro país5.

1 DIAS, M.I.S.. Uma viagem Psicológica pela Migração. Disponível em: http://www.psilogos.com/Revista/Vol2N2/Indice4_ficheiros/Dias.pdf Acesso em: 30 ago. 2015 2 SILVA, M.B.D; CREMASCO, M.V.F.. Migrações e Refúgio, contribuições da Psicologia. Disponível em: http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/migracaorefugiopsicologia.pdf Acesso em: set. 2015. (a) 3 PARANÁ. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Departamento de Direitos Humanos e Cidadania. Disponível em: www.dedihc.pr.gov.br. Acesso em: Setembro de 2015(a). 4 Ibid. 5 Ibid.

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Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas6, o número de

pessoas deslocadas por motivo de guerra, chegou a 59,5 milhões, em 18 de junho

de 2015, em todo o mundo. O Brasil, até outubro de 2014 possuía mais de 7 mil

refugiados e mais de 8 mil solicitações de refúgio. Silva e Cremasco7 destacam

dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), os quais revelam que o

Brasil possui atualmente cerca de 81 nacionalidades diferentes em seu país.

Ao analisarmos estes dados, estamos frente a milhares de pessoas que

encontraram na migração, uma perspectiva de viver uma vida melhor. Fugindo da

guerra, perseguição, fome, pobreza e deixando para traz a casa, família, sonhos,

dignidade, visando um futuro melhor. Chueiri e Câmara8 resumem que

“independentemente do que motiva a migração, sempre há fatores graves o

suficiente para tornar o deslocamento a melhor opção, ou ao menos a única

possível. ”

Silva e Cremasco9 destacam que o migrante, em um contexto transcultural

experimentará com frequência muita tensão. Terá de aprender uma nova língua,

cultura, regras verbais e não verbais. Este individuo está exposto a experimentar um

choque cultural, causado por estresse múltiplo, em seu físico, intelecto, e no seu

emocional. Além de ter que elaborar todas as suas perdas e lutos sobre a vida que

ficou no país de origem.

Dentro deste contexto e com vistas a migração no Estado do Paraná, Silva e

Cremasco10, destacam:

O Paraná tem sido alvo de migrantes na busca de oportunidades para recomeçar a vida, na procura por melhores empregos, estudos ou até mesmo acolhimento por parte dos grupos étnicos que aqui se encontram. Um desafio enquanto Estado e sociedade civil. Questões de empregabilidade, saúde pública e educação são pontos importantes de discussão neste momento de acolhimento.

Considerando o acima exposto, este artigo busca, através da revisão

bibliográfica de diversos autores e do estudo do Plano Estadual de Políticas Públicas

para a Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas do

6 ACNUR. Dados sobre refúgio no Brasil. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugu es/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/. Acesso em: 27 ago. 2015. (a). 7 SILVA; CREMASCO, 2015. (a) 8 CHUEIRI, V. K.; CÂMARA, H.F.. Direitos humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade. Disponível em: http://www.jur.pucrio.br/revistades/index.php/revistades/article/view /210/190 . Acesso em: 01 out. 2015. p 70. 9 SILVA, CREMASCO, 2015,(a) p. 02. 10 Ibid., p 01.

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Paraná 2014-2016, refletir sobre as políticas públicas no Estado do Paraná, diante

do fenômeno migratório e suas consequências psicológicas.

A pesquisa bibliográfica, segundo Marconi e Lakatos11 se caracteriza pelo

estudo dos principais trabalhos, artigos, revistas, com materiais importantes sobre o

tema, que podem dar subsídio com dados e informações atuais sobre o que se

pretende estudar. Este estudo proporciona um aprofundamento na temática

proposta e permite novas indagações. Neste artigo, optou-se pelo levantamento

bibliográfico de autores nacionais e referenciais internacionais. Através de dados

fornecidos pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados foi possível

vislumbrar de forma quantitativa o grande volume de refugiados em deslocamento

no mundo.

Além destes materiais de pesquisa, o Plano Estadual de Políticas Públicas

para a Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas do

Paraná 2014-2016, foi utilizado como norte nas discussões sobre as políticas

públicas no estado do Paraná e o olhar sobre este indivíduo em sofrimento.

2. CONTEXTO HISTÓRICO DAS MIGRAÇÕES

A migração é um fenômeno cultural que se repete em todas as civilizações ao

longo da história. Nas narrativas bíblicas pode-se encontrar vários cenários de

migrações. Abraão saiu de sua terra e de sua parentela para uma nova terra, afim

de formar uma grande nação. Moisés libertou o povo hebreu da escravidão no Egito

e migraram por quarenta anos em busca de uma terra que manava leite e mel. José

e Maria se refugiaram com Jesus no Egito devido à perseguição de Herodes12.

Os relatos de êxodo migratório continuam ao longo da história. Segundo a

coletânea Políticas Públicas para as Migrações Internacionais13, nos séculos XIX e

XX, observou-se o deslocamento de milhões de pessoas da antiga Europa, povoada

e pobre, para regiões da América, despovoadas e a procura de mais mão de obra.

Nesta época, milhões de pessoas se deslocaram para outras regiões, em busca de

novas possibilidades e sonhos. No início, este fenômeno foi visto de forma positiva,

pois através destes migrantes foi possível povoar terras não povoadas e importar

11 MARCONI, M.A; LAKATOES, E.M. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 12 BÍBLIA, Português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição revisada e atualizada no Brasil. Brasília: Sociedade Bíblia do Brasil, 1988. 13 ACNUR; IMDH; CDHM. Políticas Públicas para as Migrações Internacionais: Migrantes e Refugiados. 2. ed. Brasília, 2007.

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trabalhadores. Porém, na segunda metade do século XX, com o fenômeno da

globalização e a abertura de fronteira para a circulação de mercadorias, inibiu-se a

mobilidade humana. As fronteiras permitiam então a saída das pessoas, mas

protegiam do ingresso de migrantes indesejados.

Após a Guerra Fria e sua cortina de ferro, levantaram-se novas cortinas de

tijolos, tecnologia, militares e arame farpado, para proteger os nacionais dos

estrangeiros, os estranhos desta terra. Os migrantes que chegavam, anteriormente

vistos como recursos humanos, passaram a ser os ameaçadores, destruidores de

ordem pública, destruidores da identidade nacional, indesejados14.

Apesar desta política migratória, o número de migrantes tem crescido

exponencialmente. Segundo Silva e Cremasco15, através de dados do relatório da

ONU de 2013, há atualmente mais de 232 milhões de migrantes internacionais, ou

seja, cerca de 3,2% da população mundial vive fora de seu país de origem.

No Brasil não foi diferente, as migrações começaram por volta de 1.500, com

a chegada de colonos portugueses no país, em seguida os africanos foram trazidos

como escravos para trabalharem em terras brasileiras e posteriormente à abolição

da escravatura a chegada de colonos europeus, como italianos, alemães, japoneses

e poloneses. Em meados do século XIX o Brasil modificou o sentido das imigrações,

privilegiando a vinda de trabalhadores agrícolas, com ênfase nos japoneses. O

estado do Paraná recebeu muitos imigrantes neste período, por volta dos anos 1870

a 1914 o estado recebeu uma média de 40 mil imigrantes poloneses16.

Segundo o Governo do Estado do Paraná17, em seu Plano Estadual de

Políticas Públicas para Promoção e Defesa de Refugiados, Migrantes e Apátridas,

nos últimos vinte anos, o Brasil vivenciou uma melhoria na qualidade de vida de sua

14 ACNUR, 2007. 15 SILVA, M.B.D, CREMASCO.M.V.F. O Sofrimento do Sujeito em Condição de estrangeiro: A constituição do Sujeito e sua estranheza. Disponível em: http://www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/vi_congresso/Simposios/S%201.1.pdf Acesso em: Setembro de 2015.(b). 16 OLIVEIRA, M. Origens do Brasil Meridional: dimensões da imigração polonesa no Paraná, 1871- 1914. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01031862009000 100012&lang=pt. Acessado: 12 out. 2015. 17 PARANÁ. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Departamento de Direitos Humanos e Cidadania. Plano Estadual de Políticas Públicas para Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná 2014-2016. Disponível em: http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/PlanoEstadualMigranteRefugiadoParana.pdf. Acesso em: ago. 2015(b).

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população. Isto se confirma nos indicadores que medem o aumento da expectativa

de vida, desenvolvimento da educação e da renda dos cidadãos que aqui residem.

Paralelamente a isto, observaram-se crises humanitárias em todo o mundo,

como: guerras, catástrofes ambientais, perseguições e pobreza. Frente a estas

realidades pode surgir o sentimento de necessidade de deslocamento do seu país,

em busca de novas oportunidades. Neste contexto, o Brasil tem sido o receptor de

diversas nacionalidades como haitianos, sírios, senegaleses, entre outros, que

encontraram no país um refúgio e novas possibilidades de vida.

Apesar de ser um tema histórico, as políticas públicas brasileiras ainda estão

em processo de formulação e elaboração, a legislação existente ainda não supre as

necessidades atuais. O Brasil sancionou então Leis de amparo e de abertura de

fronteiras para os Migrantes. A Lei 6.815/198018, em seu Art 1º define que “Em

tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei,

entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais. ”

Em seu Art. 16, o Brasil concede visto permanente ao estrangeiro que pretenda

fixar-se no país, desde que satisfaça aos requisitos previstos pelo Conselho

Nacional de Imigração.

Em 1951, em Genebra, houve a Convenção das Nações Unidas sobre o

Estatuto de Refugiados. Segundo ACNUR19 a Convenção de 1951 consolidou

instrumentos legais internacionais para os refugiados e forneceu codificações dos

direitos de refugiados a nível internacional. Foi elaborado então, devido a novos

fluxos migratórios, o Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados e submetido à

Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966. Ambos os documentos constituem-

se os principais instrumentos internacionais estabelecidos para proteção de

refugiados.

O Brasil é signatário do Estatuto dos Refugiados (Decreto n° 50.215, de 28 de

janeiro de 1961)20 e do Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados de 1967

18 BRASIL. Lei nº 6.815 de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. 19 ACNUR. O que é a Convenção de 1951? Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/o-que-e-a-convencao-de-1951/. Acesso em: set. 2015(b). 20 BRASIL. Decreto nº 50.215, de 28 de janeiro de 1961. Promulga a Convenção relativa ao Estatuto

dos Refugiados, concluída em Genebra, em 28 de julho de 1951.

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(Decreto n°. 70.946, de 08 de agosto de 1971). A Lei n° 9.474/199721 define

mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e

determina outras providências. Segundo ACNUR22, a lei brasileira de refúgio criou o

Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), um órgão interministerial presidido

pelo Ministério da Justiça e que lida principalmente com a formulação de políticas

para refugiados no país. Esta lei prevê a garantia de documentos básicos aos

refugiados, incluindo documento de identificação e de trabalho, além da liberdade de

movimento no território nacional e de outros direitos civis.

Em virtude dos terremotos no Haiti em 2010, grande número de haitianos

encontrou no Brasil uma nova possibilidade de vida. Através da Resolução nº.

97/2012 do Conselho Nacional de imigração (CNIg), o Ministério das Relações

Exteriores estendeu visto permanente para os nacionais haitianos por razões

humanitárias. O Conselho Nacional de imigração (CNIg) publicou as Resoluções

Normativas nº.106/2013 e nº.113/2014, prorrogando o prazo de vigência da

Resolução nº. 97/2012 até 30 de outubro de 2015 para que os nacionais do Haiti

solicitem residência permanente no Brasil. Tal Resolução teve sua renovação no

ano de 2015.

Em decorrência destas legislações, o Brasil vem recebendo um grande

número de migrantes e refugiados. Até 2015, no Haiti, mais de 26 mil vistos

humanitários já foram concedidos para haitianos, ou seja, são cerca de 2 mil vistos

por mês, segundo informações do Ministério da Justiça23. De acordo com dados do

CONARE, disponíveis nas estatísticas da ACNUR24, o Brasil possuía até outubro de

2014, 7.289 refugiados reconhecidos, de 81 nacionalidades distintas, sendo 25%

mulheres. As principais nacionalidades presentes são oriundas da Síria, Colômbia,

Angola e República Democrática do Congo. Segundo estes dados, o número total de

pedidos de refúgio aumentou mais de 930% entre 2010 - 2013 (de 566 para 5.882

pedidos).

21 BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. 22 ACNUR, 2015(b). 23 BRASIL. Concessão de visto humanitário para haitianos é prorrogada. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/08/concessao-de-visto-humanitario-para-haitianos-e-prorrogada. Acesso em: set. 2015. 24ACNUR. Dados sobre refúgio no Brasil. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/. Acesso em: ago. 2015(a).

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O que observa-se é que o Brasil abriu suas as fronteiras, pactos foram

assinados, leis criadas, porém sem dar continuidade a uma política pública de

atenção aos migrantes e refugiados. Ao chegar no Brasil, o migrante e/ou refugiado

tem a possibilidade de regulamentar sua documentação, mas encontra poucas

políticas públicas de acolhimento, empregabilidade, saúde pública, educação,

amparo e encaminhamento. Dentre estas políticas, poucas são voltadas para o

atendimento e encaminhamento psicológico e emocional ao migrante recém-

chegado. Este assunto será discutido no próximo tópico.

3. AS CONSEQUENCIAS BIOPSICOSSOCIAIS DA MIGRAÇÃO

Segundo Bock e Gonçalvez25, o indivíduo ao se inserir em um universo

sociocultural e através de suas relações e experiências que ali mantêm,

desenvolverá seu mundo psicológico. O indivíduo ao estar inserido em um contexto,

afeta o meio e é afetado por ele. O sujeito é resultado das formas de relação que

estabelece, e deve ser compreendido através delas. Ou seja, é através das

atividades externas que se criam as possibilidades de construções internas, sendo

assim, destaca-se que a atividade de um indivíduo se dá a partir da forma como a

sociedade se organiza e como ele se organiza a partir dela.

Diante desta realidade que a psicologia sócio histórica revela, quais serão as

atividades, respostas do indivíduo diante de uma nova sociedade, nova cultura,

linguagem e a migração involuntária? Ou quais suas ações e atitudes diante de uma

sociedade perseguidora, instável pela guerra e pobreza? Estas são, de fato,

perguntas difíceis de serem respondidas, mas podemos nos aproximar de algumas

respostas.

Um indivíduo que migra entrará em contato com uma nova cultura e precisa abrir mão de tudo que lhe é conhecido e mergulhar em um mundo que requer novas representações. Isso significa vivenciar uma experiência de luto e desamparo na qual a não compreensão deste ambiente afeta o bem estar psicológico e dificulta o seu ajustamento transcultural. Viver no exterior, especialmente em um meio cultural muito diferente, é uma experiência que mergulha o indivíduo na confusão. A experiência de inserção em outra cultura obriga o sujeito a passar por certa desestruturação psíquica causada pela experiência intercultural, a qual se torna a primeira causa das dificuldades enfrentadas no estrangeiro, já que atinge o sujeito nos seus próprios fundamentos.26

25 BOCK, A.M.B; GONÇALVES, M.G.M; FURTADO, O. Psicologia Sócio-Histórica: Uma perspectiva critica em Psicologia. São Paulo: Cortez, 2002. 26 SILVA; CREMASCO, 2015 (b), p 02.

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Para Franken, Coutinho e Ramos27, quanto mais se procura entender o

complexo universo da migração, mais se evidencia as questões relacionadas a

saúde, seja ela física ou mental. Segundo a Organização Mundial de Saúde28, saúde

mental é o estado de bem-estar no qual o indivíduo percebe suas habilidades, pode

lidar com estresses normais da vida, é capaz de trabalhar e está apto para contribuir

com a comunidade, ou seja, saúde mental é mais que a ausência de doença mental.

Diante de todo o estresse vivenciado pela migração, como está a saúde mental

deste migrante?

Segundo Pasqua e Molin29, migrar se caracteriza como um processo tão

estressante, a ponto de superar as capacidades do ser humano de se adaptar. O

autor relata que o estresse gerado pelo fenômeno migratório pode gerar uma série

de problemas psicopatológicos e um conjunto de sintomas psíquicos e somáticos.

As angustias presentes são do tipo de perseguição, confusão e depressão. Além de

um sentimento de perda de identidade e pertença.

Franken, Coutinho e Ramos30 relatam a existência de associação entre o

fenômeno da migração e o desenvolvimento de problemas psicopatológicos. O

estresse advindo da aculturação, ou seja, processo de modificação cultural

vivenciado pelo indivíduo, pode ter um impacto negativo na saúde mental do

indivíduo. Segundo as autoras, os migrantes apresentam maior risco de desenvolver

algum tipo de doença mental, como os transtornos mentais comuns (TMC). Esta

expressão foi criada por Goldberg e Huxley31 e está relacionada a sintomas como

insônia, fadiga, irritabilidade, dificuldades de concentração, queixas somáticas,

sofrimento mental. Além disso, pacientes que apresentam estes sintomas, tendem a

apresentar taxas de mortalidade mais elevadas e prejuízos nas funções físicas e

sociais.

Importante ressaltar também que, ao falarmos em migração, refúgio, fuga,

mudanças de local de origem, nos referimos a uma série de perdas de diferentes

27 FRANKEN, I.; COUTINHO, M.P.L; RAMOS, M.N.P. Representações sociais, saúde mental e imigração internacional. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S 1414-98932012000100015 Acesso em: set. 2015. 28 Ibid. 29 PASQUA, L.D.; MOLIN, F.D. Algumas considerações sobre as consequências sociais e psicológicas do processo migratório. Disponível em: http://www.leonardodellapasqua.com.br /site/wp-content/uploads/2011/05/Algumas-considera%C3%A7%C3%B5es-sob re-as-consequencias-sociais-e-psicologicas-do-processo-migratorio_Leonardo-Della-Pasqua.pdf. Acesso em: ago. 2015. 30 FRANKEN; COUTINHO; RAMOS, op. cit. 31GOLDBERG; HUXLEY, 1992, apud FRANKEN; COUTINHO; RAMOS, 2015.

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magnitudes. O que se perdeu quando as fronteiras foram passadas? A passagem de

fronteiras tem efeitos psíquicos de perda de cultura, laços sociais, lugar social e é

precedida de uma série de lutos e estranhamentos. Pasqua e Molin32 destacam sete

lutos no processo migratório, são eles: O luto da família e amigos, da sua língua, da

cultura, da terra, do seu status social, do contato com o grupo de pertencimento, dos

possíveis riscos para a integridade física. Ou seja, o luto pela perda da família e

amigos que ficaram no país de origem, a língua e cultura que não terão mais acesso

e nem poderão ter a liberdade de expressar tão facilmente e habitualmente, a perda

do seu lugar na sua sociedade e a perda de segurança. Estes lutos geram no

migrante uma alta vulnerabilidade para desenvolver transtornos psíquicos, o

indivíduo ultrapassa suas próprias fronteiras.

Pussetti33 destaca que o migrante é alguém sem colocação, ou seja, seu

senso de pertencimento fica abalado, já não se pertence a um local: nem ao que

ficou para trás, nem se pertence a esta nova terra que chegou. Além do sentimento

de não pertencimento, as políticas migratórias atuais não favorecem a integração

deste migrante, pelo contrário, contribuem para alimentar estereótipos.

O corpo dos deslocados fica marcado justamente pela falta de identidade e reconhecimento. Fala-se em uma doença que acomete migrantes – tanto regulares quanto irregulares – que é designada como Síndrome de Ulisses. O nome foi dado em referência ao personagem de Homero que no livro Odisseia, depois da guerra, atravessa o mundo por anos na esperança de voltar ao lar. Atravessa as maiores provações para finalmente conseguir voltar e encontrar os seus. Embora na Odisseia todas as aflições sirvam para confirmar o caráter heroico de Ulisses – e também de Penélope, sua esposa, que inventa estratagemas para enganar seus pretendentes e assim poder esperá-lo; na modernidade talvez não haja espaço para o mito do herói, mas somente para pessoas comuns que ao se verem privadas de suas referências – sua terra, língua e rotina conhecidas – adoecem e sofrem no desencanto de perceber que o retorno já não é mais possível, tanto quanto não é o seu pertencimento àquela comunidade à qual se deslocou, pois, em resumo, somos sempre estrangeiros.34

Dias35 destaca que no percurso individual da migração estão presentes vários

aspectos, como a mudança do ambiente físico e tudo que modifica com ele

(geografia, clima, ambiente), aventuras e perigos (sujeição a conflitos,

acontecimentos, ao desconhecido), novos hábitos e códigos (sujeição a uma nova

comida, cultura, língua, moeda). Cada indivíduo vai reagir ao ato de migrar de uma

32 PASQUA; MOLIN, 2015. 33 PUSSETTI, C. (coord). Migrantes e Saúde Mental: A construção da competência cultural. Disponivel em: http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Estudos_OI/OI_33.pdf Acesso em: Setembro de 2015. 34 CHUEIRI; CÂMARA, 2015, p 161. 35 DIAS, 2015.

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forma diferente, pois migrar, é se arriscar, conviver com diferenças e pôr a prova sua

capacidade de adaptação e sua flexibilidade.

Dias36 relata que ao mudar todas as circunstâncias de vida de uma pessoa,

como sua casa, família, amigos, posição social e sua própria segurança, o indivíduo

fica descontextualizado. O migrante passa a alterar seu sistema de codificações

culturais, sensações, percepções, representações. Pode-se então, relatar a

migração como um ato complexo, que pode gerar dimensões de traumas

migratórios, nem sempre patológicos, mas que geram sofrimento no migrante.

Segundo Pussetti37, a fragilidade deste grupo não está somente na questão

da migração, de seu deslocamento, mas ligada também à sua situação

socioeconômica mais precária, à marginalização, à ilegalidade e a falta de apoio

social adequado, gerando no indivíduo grande pressão psicológica. A não

colocação deste migrante no âmbito social, o olhar de diferente, a exclusão social, o

torna “bode expiatório” de qualquer problema social.

Abdelmalek Sayad, refletindo sobre a relação entre doença, sofrimento psíquico e migração, questiona se os “problemas” dos imigrantes serão verdadeiramente problemas “dos” imigrantes ou, antes, problemas da sociedade e das instituições “em relação aos” imigrantes, problemas por outras palavras de origem sociopolítica. 38

Além disso, Franken, Coutinho e Ramos39 destacam que esta falta de amparo

gera grandes prejuízos para o migrante. Conforme destacado anteriormente, o

estresse da aculturação, a solidão, luta por sobrevivência, alimentação, trabalho,

moradia, falta de oportunidades, tornam o migrante vulnerável diante de sua saúde

física e mental, sendo um problema de saúde emergente aos países de acolhimento,

como o Brasil.

Desta forma, os desafios da Psicologia diante das migrações são inúmeros.

Ao Psicólogo cabe este olhar diferenciado perante o migrante, olhar que vá além de

sua documentação. Franken, Coutinho e Ramos40 destacam que ao se pensar nos

fatores de risco e na proteção para a saúde mental, deve-se observar os significados

de tais fatores nos contextos culturais específicos de cada indivíduo. Os fatores de

risco para a proteção da saúde mental, não podem ser vistos como universais, mas

36 Ibid. 37 PUSSETTI, 2015. 38 SAYAD, 1999 apud PUSSETTI, 2015, p. 30. 39 FRANKEN; COUTINHO; RAMOS, 2015.

40 FRANKEN; COUTINHO; RAMOS, 2015.

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como emergentes na vida cotidiana coletiva e individual e das representações

sociais dos atores sociais, de acordo com cada cultura e cosmovisão.

Nesta perspectiva, Silva e Cremasco41 apontam a necessidade e o desafio de

estudar a migração como um processo especifico de cada indivíduo. Para as autoras

“a psicologia tem muito a contribuir por se apropriar da singularidade e por oferecer

uma escuta ao seu sofrimento. Um desafio iminente com a realidade e conjecturas

atuais.”42

Ressaltamos, finalmente, que os processos migratórios, cada vez mais comuns do mundo globalizado, apresentam não só demandas diplomáticas, políticas e econômicas, sendo também possíveis desencadeadores de problemas de saúde mental e objeto urgente da clínica psicológica. 43

Segundo Santos44, a Psicologia e os Direitos Humanos convergem entre si a

medida que ambos trabalham com o ser humanos e suas diversas condições,

situações e contextos. O objetivo de trabalho de ambos se aplica no ser humano. A

dignidade humana, é eixo norteador dos Direitos Humanos e meta importante da

Psicologia.

Os Direitos Humanos não seriam uma questão externa à Psicologia, mas algo que se coloca diariamente em nossa prática profissional e acadêmica. Nossa prática, nossa ciência tem a ver diretamente com a construção dos Direitos Humanos. 45

Santos46 expressa que a intervenção do psicólogo pode contribuir de forma

direta com a efetivação dos Direitos Humanos, pois pode tanto garantir o direito,

como prevenir, identificar e tratar violações de Direitos Humanos.

O ato de deixar uma região ou um país, sua terra, os torna sujeitos sem terra. A sua maneira, refugiados e migrantes ficam privados da terra, da sua terra, de suas raízes e de seus direitos humanos. Assim, tornam-se sem– terra (ou sem território), desenraizados e sem direitos. 47

A pessoa humana, ainda que em situação irregular em um país, quanto a sua

situação migratória ou documental, não pode ser vista e nem classificada como

ilegal, trata-la dessa forma gera preconceito e viola os Direitos Humanos. Conforme

exposto anteriormente, a migração traz consigo uma série de sofrimentos e

adoecimentos, devido a violação de Direitos Humanos, diante dos quais, o psicólogo

pode intervir.

41 SILVA; CREMASCO, 2015. (a) 42 Ibid., p 04. 43 PASQUA; MOLIN, 2015, p. 16. 44 SANTOS, C.C.H.. Sistemas de proteção e garantia dos Direitos Humanos. Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2014. 45 CAMINO apud SANTOS, 2014, p. 69. 46 SANTOS, 2014. 47 CHUEIRI; CÂMARA, 2015, p. 161.

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Santos48 relata que o diálogo constante entre a Psicologia e os Direitos

Humanos podem proporcionar a construção de uma sociedade mais justa, visando o

respeito da dignidade humana.

Pensar nos direitos além e independentemente das fronteiras não é nada além de pensar em nossos próprios direitos, como pessoas e como coletividade. Olhar para o outro e pensar sua inclusão é também o modo de nos incluirmos, de pensar a superação de nossas próprias dificuldades e fragilidades. Mais do que nunca, para nos aproximarmos de um projeto de país mais justo, sustentável e inclusivo, teremos que falar e nos encontrar com o Brasil que está espalhado em cada parte do mundo onde há uma brasileira, um brasileiro, e com o mundo que todos os dias cruza nossas fronteiras. 49

4. POLÍTICAS PÚBLICAS E O ESTADO DO PARANÁ

O Estado do Paraná tem sido um grande receptor de migrantes e refugiados.

Segundo dados do Ministério da Justiça, disponibilizados no Plano Estadual de

Políticas Públicas para a Promoção e Defesa dos Direitos de Migrantes, Refugiados

e Apátridas do Paraná, no estado, até 2014, se encontravam mais de 5 mil

migrantes haitianos, sendo que 2,5 mil estão fixados em Curitiba. Além de haitianos,

o Paraná recebe migrantes de outras nacionalidades, oriundos de países como a

República Dominicana do Congo, Guiné-Bissau, Senegal, Guiné Conacri, Síria,

países da América do Sul, Nigéria, Paquistão, Moçambique, Angola, além de vários

países europeus. Cidades paranaenses como Maringá, Guarapuava, Pato Branco,

Ponta Grossa e Paranavaí tem recebido grande parte destes migrantes. 50

Devido a este grande número de migrantes chegando ao estado, em 2012 o

Paraná criou por meio do Decreto Estadual nº 4289 o Comitê Estadual para

Refugiados e Migrantes (CERM). As principais metas deste Comitê são de

orientação aos agentes públicos e manter Políticas Públicas aptas a assistir, orientar

e proteger os direitos dos migrantes. O aumento exponencial de migrações para o

Paraná exigiu também a adequação de políticas que garantissem o acesso dos

migrantes e refugiados aos direitos fundamentais e inibir a violação dos direitos

humanos. 51

Nesta perspectiva, em março de 2014 houve a I Conferência Estadual sobre

Migrações e Refugio do Paraná (CEMIGRAR), com a participação de

aproximadamente cem pessoas, representantes governamentais e da sociedade

48 SANTOS, op. cit. 49 BRASIL. Texto Base – COMIGRAR. 1ª Conferência Nacional sobre migrações e refúgio. Maio -2014. Ministério da Justiça, Brasília, 2014, p.10. 50 PARANÁ, 2015(b). 51 Ibid.

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civil. Neste evento foram levantadas propostas destinadas a igualdade de

tratamento e acesso a serviços e direitos, inserção social, econômica e produtiva,

cidadania e cultura, violação de direitos. Além da Conferência Estadual, houveram

conferências livres em Londrina, Curitiba e São José dos Pinhais.52 As propostas

destas conferências foram encaminhadas para a Conferência Nacional sobre

Migração e Refugio (COMIGRAR), que teve por objetivo promover um espaço de

diálogo e subsidiar a construção da Política Nacional sobre Migração e Refúgio,

baseados nos Direitos Humanos.53

Advindo do empenho da sociedade civil organizada, órgãos de governo e das

propostas levantadas nas conferências, o CERM, organizou e elaborou o Plano

Estadual de Políticas Públicas para a Promoção e Defesa dos Direitos de

Refugiados, Migrantes e Apátridas 2014-2016. O Plano Estadual se caracteriza

como um meio de efetivar os direitos de migrantes, refugiados e apátridas e reflete o

dever institucional do estado do Paraná em promover e garantir os direitos desta

população. 54

O Plano Estadual de Políticas Públicas para a Promoção e Defesa dos

Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas 2014-2016 55, lançado pela Secretaria

de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, em abril de 2015, na Reitoria

da Universidade Federal do Paraná, tem como objetivo proporcionar meios para a

construção e implementação de políticas públicas voltadas a promoção e proteção

dos direitos de migrantes, refugiados e apátridas no Paraná. Ele é norteado por

cinco eixos, sendo eles: Educação, Família e Desenvolvimento Social, Saúde,

Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Segurança Pública e Trabalho.

O Plano Estadual elenca 21 ações voltadas para migrantes refugiados e

apátridas. Estas ações estão sistematizadas em metas, indicadores, parcerias,

prazos e orçamentos, afim de clarificar e evidenciar o cumprimento destas ações.

No Eixo da Educação, estão propostas ações vinculadas ao ensino da língua

portuguesa; o ensino de línguas estrangeiras para funcionários de órgãos públicos

que atendem comunidades de migrantes; a garantia do acesso dos migrantes,

52 Ibid. 53 SILVA; CREMASCO, 2015. (a) 54 PARANÁ, 2015(b). 55 Ibid.

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refugiados e apátridas à educação em todos os níveis e modalidades e articular a

inserção da temática nos espaços educativos e de formação.

No Eixo referente a Família e Desenvolvimento Social as ações estão

direcionadas ao levantamento junto aos municípios sobre o acesso e benefícios

socioassistenciais aos migrantes, refugiados e apátridas; ampliar os serviços

existentes de acolhimento e incluir este público nos mesmos serviços; programas,

projetos e benefícios socioassistenciais dos brasileiros.

Dentro do Eixo de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, as ações dizem

respeito a ampliação do conhecimento para a população em geral sobre migrantes,

refugiados e apátridas; sensibilizar servidores da Justiça sobre este público; criação

de banco de dados; criação do Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados,

Migrantes e Apátridas; além de encaminhar consultas aos órgãos federais sobre

procedimentos regulatórios de revalidação de diplomas.

As ações vinculadas ao Eixo da Segurança Pública estão voltadas a

ampliação de conhecimento sobre a temática da migração; formulação de banco de

dados e a sensibilização de órgãos de segurança sobre os direitos dos migrantes,

refugiados e apátridas.

O Eixo do Trabalho levanta 6 (seis) ações a fim de possibilitar a inclusão

destes migrantes no mercado de trabalho. As ações estão ligadas a inclusão de

migrantes nos mesmos direitos dos nacionais, através do Programa de

Intermediação de Mão de Obra e Seguro Desemprego; oferecer oportunidade de

cursos de qualificação profissional ofertados pelo PRONATEC e ONG’S; capacitar

os funcionários das agências dos trabalhadores para o atendimento deste público e

oferecer palestras informativas sobre o mercado de trabalho para migrantes.

Dentre as ações elencadas no Plano Estadual, há uma ação vinculada a

políticas públicas de saúde do migrante. Esta ação se destina a divulgar e orientar

os serviços de saúde do Estado do Paraná e Municípios para garantir o acesso e

cuidados dos principais agravos físicos e psicossociais, bem como agravos

específicos (alimentação e hábitos), que acometem a população de Migrantes,

Refugiados e Apátridas.56

5. CONCLUSÃO

56 PARANÁ, 2015.

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O fenômeno migratório tem crescido em grande escala. Em todo o mundo

pessoas tem se deslocado de suas casas, devido a guerras, desastres naturais,

perseguições políticas, religiosas, ideológicas, raciais e entre outras. Neste contexto,

o Brasil tem se posicionado como receptor destas demandas, abrindo as fronteiras

para estes migrantes entrarem no país. O Paraná tem sido o destino de muitos

destes migrantes e vem desenvolvendo políticas de amparo a este público.

Muito há de se caminhar para o entendimento do fenômeno migratório, tanto

naquilo que se refere ao impacto do próprio indivíduo, como na sociedade em que

vai se inserir.

Os espaços de escuta desta população como a CEMIGRAR e COMIGRAR

buscam propiciar um novo lugar para este migrante, um lugar de escuta, de

acolhimento, de pertencimento e permitem que a partir daí possam ser elaboradas

políticas públicas que vão ao encontro as suas demandas diversas.

Cabe ao Estado elaborar um conjunto de ações que possam garantir o melhor

acolhimento ao migrante. O Paraná ao sistematizar as demandas trazidas nas

Conferências e em outros espaços e, no desenvolvimento de políticas públicas

adequadas pode propiciar ao migrante uma base mais sólida e ampla para este se

estruturar em seu novo ambiente e consequentemente ter menores níveis de

estresse nesta mudança. Ao incluí-lo na sociedade de forma mais harmônica o

estado pode propiciar uma adequação mais saudável sobre todos os pontos de

vista, tanto ao migrante como a sociedade que o acolhe.

Ao analisarmos o Plano Estadual de Políticas Públicas para a Promoção e

Defesa dos Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas 2014-2016, percebemos a

importância destas ações. O Estado do Paraná dá um passo à frente na construção

de políticas públicas que olham, acolham e atendam a este público. A inclusão

social, a criação de políticas públicas específicas, permite um novo olhar perante o

migrante e assim, uma resposta diferenciada diante da migração.

A psicologia entra neste contexto com o desafio de compreender e buscar

atuar diante do fenômeno migratório, promovendo um olhar mais aprofundado nas

demandas do indivíduo, possibilitando que este seja acolhido em sua totalidade.

Percebe-se a necessidade crescente de mais ações integradas, que atendam a

subjetividade deste individuo em sua essência, ações que olhem para o migrante

não apenas como um indivíduo necessitado de documentos e trabalho, mas como

um ser humano em sofrimento, que precisa ser ouvido, acolhido e sustentado. A

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saúde mental do indivíduo está intimamente ligada a harmonização dele com o

contexto sociocultural em que vai se inserir.

No âmbito da sociedade civil, pode-se verificar algumas ações de

acolhimento, integração, escuta e apoio aos migrantes no Estado do Paraná. A

psicologia está presente em diversas instituições, com este olhar sobre o migrante.

No dia 26 de agosto de 2015, no Conselho Regional de Psicologia do Paraná –

CRP/PR, houve o lançamento do Núcleo de Psicologia e Migrações - NUPSIM. O

NUPSIM é vinculado a Comissão de Direitos Humanos do CRP/PR e se constitui

como um Núcleo que agrega várias instituições que trabalham com migrantes na

perspectiva da psicologia no estado do Paraná. O Núcleo tem por objetivo fomentar

a discussão da temática nas universidades e entre os profissionais, além de propor e

proporcionar um trabalho articulado e mais forte da psicologia nas migrações,

constituindo-se uma ação importante, tendo em vista os desafios a serem

trabalhados diante das migrações.

Os grandes desafios da psicologia estão em compreender a complexidade do

fenômeno migratório e em conjunto com outros agentes da saúde e estado, propiciar

o acolhimento de forma abrangente, do qual todos serão beneficiários, o migrante e

a sociedade que o recebe. Além dos desafios destacados acima, cabe a psicologia

fomentar na sociedade a construção de políticas públicas que atendam estas

múltiplas demandas e que olhem os desafios deste ser humano em sua totalidade.

REFERÊNCIAS

ACNUR. Dados sobre refúgio no Brasil. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/. Acesso em: 27 ago. 2015(a). ACNUR. O que é a Convenção de 1951? Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/o-que-e-a-convencao-de-1951/. Acesso em: set. 2015(b). ACNUR; IMDH; CDHM. Políticas Públicas para as Migrações Internacionais: Migrantes e Refugiados. 2. ed. Brasília, 2007. BÍBLIA, Português. A Bíblia Sagrada: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição revisada e atualizada no Brasil. Brasília: Sociedade Bíblia do Brasil, 1988. BOCK, A. M. B.; GONÇALVES, M. G. M.; FURTADO,O.. Psicologia Sócio-Histórica: Uma perspectiva critica em Psicologia. São Paulo: Cortez, 2002. BRASIL. Decreto nº 50.215, de 28 de janeiro de 1961. Promulga a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra, em 28 de julho de 1951. BRASIL. Concessão de visto humanitário para haitianos é prorrogada. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/08/concessao-de-visto-humanitario-para-haitianos-e-prorrogada. Acesso em: set. 2015.

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BRASIL. Lei nº 6.815 de 19 de agosto de 1980. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração. BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. BRASIL. Texto Base – COMIGRAR. 1ª Conferência Nacional sobre migrações e refúgio. Maio -2014. Ministério da Justiça, Brasília, 2014. CHUEIRI, V. K.; CÂMARA, H. F.. Direitos humanos em movimento: migração, refúgio, saudade e hospitalidade. Disponível em: http://www.jur.puc-rio.br/revistades/index.php/revistades/article/view/210/190. Acesso em: 01 out. 2015. DIAS, M. I. S.. Uma viagem Psicológica pela Migração. Disponível em: http://www.psilogos.com/Revista/Vol2N2/Indice4_ficheiros/Dias.pdf Acesso em: 30 ago. 2015. FRANKEN, I.; COUTINHO, M. P. L.; RAMOS, M. N. P. Representações sociais, saúde mental e imigração internacional. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932012000100015 Acesso em: set. 2015. MARCONI, M. A.; LAKATOES, E. M.. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. OLIVEIRA, M.. Origens do Brasil meridional: dimensões da imigração polonesa no Paraná, 1871- 1914. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-1862009000100012&la ng=pt. Acessado: 12 out. 2015. PARANÁ. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Departamento de Direitos Humanos e Cidadania. Disponível em: www.dedihc.pr.gov.br. Acesso em: set. 2015(a). PARANÁ. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. Departamento de Direitos Humanos e Cidadania. Plano Estadual de Políticas Públicas para Promoção e Defesa dos Direitos de Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná 2014-2016. Disponível em: http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/PlanoEstadualMigranteRefugiadoParana.pdf Acesso em: ago. 2015(b). PASQUA, L. D.; MOLIN, F. D.. Algumas considerações sobre as consequências sociais e psicológicas do processo migratório. Disponível em: http://www.leonardodellapasqua.com.br/site/wp-content/uploads/2011/05/Algumas-considera%C3%A7%C3%B5es-sobre-as-consequencias-sociais-e-psicologicas-do-processo-migratorio_Leonardo-Della-Pasqua.pdf . Acesso em: ago. 2015. PUSSETTI, C. (coord). Migrantes e Saúde Mental: A construção da competência cultural. Disponível em: http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Estudos_OI/OI_33.pdf Acesso em: set. 2015. SANTOS, C. C. H.. Sistemas de proteção e garantia dos Direitos Humanos. Ponta Grossa: UEPG/NUTEAD, 2014. SILVA, M. B. D.; CREMASCO, M. V. F.. Migrações e Refúgio, contribuições da Psicologia. Disponível em: http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/2015/migracaorefugiopsicologia.pdf. Acesso em: set. 2015. (a) SILVA, M. B .D.; CREMASCO, M. V. F.. O Sofrimento do Sujeito em Condição de estrangeiro: A constituição do Sujeito e sua estranheza. Disponível em: http://www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/vi_congresso/Simposios/S%201.1.pdf Acesso em: set. 2015. (b)

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POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE REFÚGIO PELO ESTADO

BRASILEIRO PARA OS CASOS DE MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA

Larissa Tomazoni1

[email protected]

Unibrasil

Bethânia Godinho2

[email protected]

CASLA

Eduardo Gomes3

[email protected]

Unibrasil

O trabalho analisa a possibilidade de concessão de refúgio para as mulheres e meninas

que são vítimas da prática da mutilação genital feminina, que inclui todas as

intervenções que envolvam a lesão ou remoção total ou parcial dos órgãos genitais

femininos externos por razões não médicas. É registrada em países africanos, Ásia,

Oriente Médio e América do Sul. O ACNUR considera a mutilação genital como uma

forma de violência de gênero que causa severos danos físicos e mentais, e ocasiona a

perseguição, estigmatização e rejeição por parte da comunidade contra as mulheres

que se recusam a participar do procedimento. Desde os anos 90, um crescente número

de jurisdições, a exemplo da França, Canadá e Estados Unidos, vem reconhecendo a

mutilação genital como uma forma de perseguição nas decisões relativas ao pedido de

refúgio, sendo o Reino Unido o precursor no que diz respeito ao tema, tendo

concedido refúgio com base na mutilação no ano 2000. O Brasil já registra casos de

mulheres oriundas de países como Serra Leoa, Congo e outros do continente africano

que estão refugiadas em nosso território em virtude da recusa em submeter-se à

prática. Acolher os refugiados e divulgar informações sobre as leis brasileiras que

protegem as mulheres serve para desconstruir as relações de violência criadas em seus

países de origem. O tema é abordado a partir da análise dos dispositivos da Convenção

de 1951, além de fazer uso da doutrina, dados e documentos internacionais que versam

sobre o tema.

Palavras-chave: Mutilação Genital Feminina, Refúgio, Gênero, Mulheres.

1 Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil – Unibrasil, pesquisadora do Grupo

Patrias (Plataforma de Análises Acadêmicas e Técnica de Relações Internacionais da América do Sul) e

voluntária na CASLA- Casa Latino Americana. 2 Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e advogada voluntária na CASLA- Casa

Latino Americana. 3 Doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná e professor do mestrado no Unibrasil.

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Trabalho como Direito Fundamental e a condição de refugiado no Brasil.

Autora: Bethânia Godinho Pereira da Silva – especialista em Relações Internacionais pela

Universidade de Brasília. Bacharel em Direito pela PUC-PR

Palavras chave: Direito do trabalho – refugiados- direitos fundamentais - Brasil

.

'O Brasil, historicamente, sempre teve um papel de liderança em respeito ao

acolhimento de migrantes e refugiados – do início do século XX e do pós guerra (1917 a

1945) às recentes ondas de migração de países africanos, por conta das guerras e da busca

de proteção contra a perseguição política, miséria, fome e de efeitos de fenômenos naturais

adversos, como, por exemplo, o caso do Haiti, na América Central.

Ao ingressar em território nacional e dar entrada no pedido de refúgio, os refugiados

tem direito a emissão da carteira de trabalho para garantirem em seu sustento, enquanto o

governo brasileiro não profere uma decisão sobre o acolhimento do pedido. Assim, se

deparam com os desafios de recomeçar a vida em um país estrangeiro: a barreira da língua,

o desconhecimento das leis do Estado de acolhida, o preconceito, grande parte gerado pelo

desconhecimento do status de refúgio, da população local e a sua inserção no mercado de

trabalho.

Dentro desse contexto, surge um debate acerca dos direitos sociais do refugiado no

país de acolhida. Ao entrar com o pedido de refúgio, o postulante já tem direito a emitir uma

carteira de trabalho provisória, o que possibilita o migrante ingresso imediato no mercado

de trabalho. O presente trabalho se propõe a examinar a situação do refugiado no

ordenamento jurídico pátrio, com enfoque no direito do trabalho.

O objetivo deste trabalho é analisar os refugiados na legislação trabalhista brasileira

e demonstrar que o direito ao trabalho, além de um direito fundamental, é uma forma de

inserir o refugiado na sociedade e, também, uma maneira de restituir-lhe a sua dignidade

humana que lhe foi, em parte, retirada. Ainda, o estudo impende em demonstrar que o país

possui capacidade de ampliar o atual contingente dessas pessoas.

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Violência sexual e de gênero na questão dos refugiados

Fernanda Azevedo Cherini Estudante de graduação do curso de Relações Internacionais no Centro Universitário Curitiba, atualmente no quarto período do curso. Membro do Grupo de Iniciação Científica Mobilidade Humana Internacional e Direitos Humanos. E-mail para contato: [email protected]

A situação dos refugiados é, por si só, extremamente delicada e, recentemente, tornou-se amplamente discutida em face ao agravamento de conflitos armados que geram o deslocamento forçado de pessoas. Contudo, a maioria das discussões acerca desse tema pouco falam a respeito de grupos ainda mais vulneráveis que se enquadram no status de refugiados, como mulheres e crianças. Os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos têm focado bastante nas questões de tortura, escravidão e segurança. Todavia, apesar de a violência sexual e de gênero ser considerada uma das maiores violações de direitos humanos, elas só têm aumentado, ao ponto de atingir níveis epidêmicos. Não é possível se falar em soluções duradouras para a situação dos refugiados, como o ACNUR propõe, se metade da população atingida não possui sua segurança e dignidade protegidas, como ocorre ao ignorarem a violência sexual e de gênero. Devemos criticar a ineficácia do sistema de proteção às mulheres refugiadas, bem como por fim à impunidade dos violadores, principalmente dos afiliados às organizações internacionais. Dessarte, é imprescindível a necessidade de criar uma maior exposição dessas situações de vulnerabilidade, e também gerar mais debates e discussões acerca do tema, a fim de propor soluções a esses problemas. Palavras-chave: violência, sexual, gênero, refugiados, mulher.