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Revista Contexturas, n° 24, p. 72 - 92, 2015. ISSN: 0104-7485 72 ANALISANDO A ABORDAGEM GRAMATICAL EM UM LIVRO DIDÁTICO DE INGLÊS 1 Jéssica FRANCESCHINI Sandra Mari KANEKO-MARQUES Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara RESUMO Este estudo analisa a abordagem gramatical adotada por um livro didático de inglês. Baseamos nossa interpretação nos modelos de ensino-aprendizagem de gramática propostos por Batstone (1994): ensino como produto, com foco na forma; ensino como processo, com foco na comunicação e o ensino como habilidade, ou comunicação aliada à estrutura. Palavras-chave: Gramática como habilidade; Livro didático; Ensino de língua inglesa. ABSTRACT This paper analyses the approach to grammar used by an English textbook. We have based our analysis on the teaching approaches discussed by Batstone (1994): about teaching grammar as product focusing on form, teaching grammar as process, focusing on communication, and teaching grammar as skill, focusing on form and communication. Keywords: Grammar as skill; Textbook; Teaching English as Second Language. 1 Este artigo é parte da monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) para a obtenção do título de Bacharel em Letras pela UNESP-FCLAr, orientado pela Profa. Dra. Sandra Mari Kaneko-Marques em 2014.

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ANALISANDO A ABORDAGEM GRAMATICAL EM UM LIVRO

DIDÁTICO DE INGLÊS1

Jéssica FRANCESCHINI

Sandra Mari KANEKO-MARQUES

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara

RESUMO

Este estudo analisa a abordagem gramatical adotada por um livro didático de inglês.

Baseamos nossa interpretação nos modelos de ensino-aprendizagem de gramática

propostos por Batstone (1994): ensino como produto, com foco na forma; ensino

como processo, com foco na comunicação e o ensino como habilidade, ou

comunicação aliada à estrutura.

Palavras-chave: Gramática como habilidade; Livro didático; Ensino de língua

inglesa.

ABSTRACT

This paper analyses the approach to grammar used by an English textbook. We have

based our analysis on the teaching approaches discussed by Batstone (1994): about

teaching grammar as product focusing on form, teaching grammar as process,

focusing on communication, and teaching grammar as skill, focusing on form and

communication.

Keywords: Grammar as skill; Textbook; Teaching English as Second Language.

1 Este artigo é parte da monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

para a obtenção do título de Bacharel em Letras pela UNESP-FCLAr, orientado pela Profa.

Dra. Sandra Mari Kaneko-Marques em 2014.

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Introdução

O ensino de gramática tem sido discutido antes mesmo do surgimento

das primeiras abordagens e métodos de ensino de línguas. No caso da língua

inglesa, nas abordagens estruturais, como o método da gramática e tradução,

privilegiava-se o ensino da forma, enquanto mais tarde, com o surgimento de

abordagens ditas comunicativas, o foco passou a ser a comunicação e a

produção de sentidos na língua.

Considerando essas discussões sobre o ensino de gramática com foco

explícito na forma ou na interação significativa, acreditamos que ela tem um

papel importante no processo de ensino e aprendizagem de uma língua

estrangeira e concordamos com o seu caráter tridimensional proposto por

Larsen-Freeman (2001).

Segundo a autora, para que o aluno adquira competência

comunicativa, ele deve não só conseguir fazer com que sua mensagem tenha

sentido ou que seja compreendida por outros em um determinado contexto de

uso, mas que também esteja em consonância com as estruturas gramaticais da

língua. Nesse sentido, é preciso pensar na forma, no sentido e no uso da

língua. Neste estudo, concordamos também com a abordagem de ensino de

gramática como habilidade, discutida por Batstone (1994). O autor trata de

três tipos de abordagens ao ensino de gramática: a gramática como produto,

que tem o foco na forma; a gramática como processo, com o foco no sentido e

na comunicação; e a gramática como habilidade, que é a combinação das

outras duas abordagens, ou seja, possui foco na forma, proporcionando ao

mesmo tempo, oportunidades de uso significativo da língua na comunicação.

Julgamos pertinente relacionar o ensino de gramática com o livro

didático, visto que os livros didáticos são responsáveis por apresentar grande

parte do conteúdo a ser ensinado em uma aula de língua estrangeira. Além

disso, a maioria dos alunos e professores vê o material didático como a

ferramenta mais importante no contexto de sala de aula, pois ele é tido como

um dos meios para a aprendizagem dos alunos. Desse modo, neste artigo,

analisaremos a abordagem gramatical em algumas atividades do livro didático

New in Tune 2 (2008), de acordo com os modelos de ensino de gramática

propostos por Bastone (1994).

O lugar da gramática nas abordagens e métodos de ensino

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De acordo com Thornbury (1999), durante o período de vigência e

força do método da gramática e tradução em meados dos anos 1940, o

importante era saber sobre a língua e não como utilizar a língua para a

comunicação. Desse modo, para os estudiosos da época e para os adeptos do

método em questão, aprender uma língua era simplesmente ter o

conhecimento de suas estruturas gramaticais. No caso do método da gramática

e tradução, as regras eram apresentadas pelo professor para que depois os

alunos aplicassem essas regras em exercícios dirigidos com foco na forma e

tradução. Esse tipo de apresentação didática é conhecido no ensino de línguas

de modo dedutivo.

O método que surge depois do método da gramática e tradução, já no

final do século XIX, é conhecido como método direto. Esse método se

intitulava “natural” por acreditar que os aprendizes adquiririam a gramática da

língua simplesmente por estarem em contato com a língua, assim como

acontece na aquisição da língua materna. Embora esse método utilizasse a

gramática em suas aulas, rejeitava o ensino explícito, característico do método

da gramática e tradução. De acordo com Finger e Vasques (2010 apud

KAWACHI-FURLAN, 2014), no ensino explícito, os aprendizes recebem

informações sobre como o insumo está organizado. Já no ensino implícito, os

alunos são expostos ao insumo e devem descobrir as regras por si próprios,

sendo guiados pelo professor por meio de perguntas ou atividades. No caso do

método direto, o ensino se dizia implícito simplesmente por não identificar

nem explicar as regras gramaticais aos alunos. O foco era fazer com que os

alunos internalizassem a gramática somente pelo fato de estarem expostos a

ela. Assim, acreditava-se que os alunos não precisariam descobrir as regras,

pois, iriam adquiri-las natural e intuitivamente.

Já no método seguinte, conhecido como audiolingual, o ensino de

gramática se assemelha ao método direto em alguns aspectos. Um desses

aspectos é a crença quanto à primazia da língua oral. O método audiolingual

visava à acuidade na língua-alvo, no entanto, rejeitava a noção de “ensinar”

gramática. Embora esse método consistisse na memorização de estruturas

gramaticais2, esse estudo não se dava de maneira explícita nem dedutiva. Os

linguistas e adeptos do método audiolingual acreditavam que deveria se

ensinar a língua e não sobre a língua. Dessa maneira, a gramática era

apresentada, principalmente, em diálogos contextualizados e em exercícios de

repetição (drills). O objetivo era fazer com que o aluno, a partir desses

2De acordo com Richards e Rodgers (2001), o objetivo do método audiolingual era fazer com

que o aprendiz dominasse a parte estrutural da língua aliada ao seu significado. Dessa forma, as

estruturas gramaticais, a morfologia, assim como os sons, a entonação, a fonologia, eram focos

das aulas.

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exemplos estruturais, internalizasse o sistema da língua. Acreditava-se que a

partir da repetição e memorização das estruturas, sem a prévia explicação da

gramática, os alunos seriam capazes de, por analogia, entender o

funcionamento do sistema da língua-alvo. A explicação das regras

gramaticais, portanto, não seria necessária, uma vez que os alunos já saberiam

como utilizar as estruturas da língua de acordo com o contexto.

Assim, podemos categorizar o papel da gramática no método

audiolingual e no método direto como implícito, uma vez que os alunos são

expostos ao insumo sem identificar regras gramaticais; e indutivo, no mesmo

sentido adquirido no método direto, ou seja, a internalização das estruturas

aconteceria de modo natural e intuitivo.

Já em meados dos anos 1970, com o surgimento da abordagem

comunicativa no ensino de línguas, a gramática adquire um papel diferente

nas aulas de língua estrangeira. De acordo com Thornbury (1999), o ensino

comunicativo rígido (deep-end CLT) era pautado na noção da competência

comunicativa a qual consistia não só no conhecimento das regras gramaticais,

mas também nos conhecimentos sociolinguístico, estratégico, e discursivo.

Portanto, o comunicativo rígido rejeitava o ensino tradicional de gramática,

como uma reação aos métodos de ensino anteriores. Ao invés de a aula ser

focada na forma, era focada no sentido da mensagem. Assim, a aula era

baseada em tarefas comunicativas (task-based learning) em que, segundo

Thornbury (1999:22), “completar uma tarefa de maneira bem sucedida – por

exemplo, seguir um mapa – era o objetivo da aula, ao invés da aplicação bem

sucedida de uma regra gramatical”3. Nesse tipo de ensino, a gramática era

praticamente inexistente, ou pelo menos não era abordada em sala de aula.

No entanto, o ensino comunicativo teve sua versão menos rígida

(shallow-end CLT), a qual não aboliu a gramática de suas aulas. Diferente dos

métodos direto e audiolingual, o ensino comunicativo menos rígido (shallow-

end CLT) propunha que os alunos estudassem os exemplos de cunho

gramatical e definissem as regras por si próprios. Acreditava-se que “a

aprendizagem de uma língua era facilitada tanto por atividades que

envolvessem aprendizagem indutiva ou descoberta de regras implícitas de uso

e organização linguísticos, como também de análise linguística e reflexão”4

(RICHARDS, 2006:22).

Dessa forma, o ensino comunicativo tinha como

3No original: “Successful completion of the task – for example, following a map – was the

lesson objective, rather than successful application of a rule of grammar” (THORNBURY,

1999:22). 4No original: “Language learning is facilitated both by activities that involve inductive or

discovery learning of underlying rules of language use and organization, as well as by those

involving language analysis and reflection” (RICHARDS, 2006:22).

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proposta a instrução da gramática de modo indutivo, podendo ter caráter

implícito ou explícito dependendo da situação.

Em suma, as abordagens e métodos de ensino de línguas foram

essencialmente gramaticais até meados dos anos 1970. No entanto, o modo

como a gramática era abordada nos materiais didáticos e nas aulas era

diferente em cada um dos métodos, como pudemos observar nessa breve

apresentação sobre a abordagem gramatical em diferentes métodos de ensino

e aprendizagem de línguas. A partir dos anos 1970, com a abordagem

comunicativa, o ensino de gramática toma um rumo diferenciado, chegando à

quase sua extinção em sua compreensão mais rígida.

Como podemos perceber, com o passar do tempo, o ensino de

gramática oscilou entre o foco na forma e o foco no sentido e na

comunicação. Desse modo, alguns estudiosos, como Batstone (1994),

começaram a notar falhas ao se pautar somente em um desses dois tipos de

ensino de gramática. Tomando como base tais questões, na seção seguinte,

discutiremos a visão de gramática de Batstone (1994).

A gramática segundo Rob Batstone (1994)

De acordo com Batstone (1994:117) “o que é gramática depende da

forma como se escolhe olhar para ela. Portanto, podemos defini-la como um

mecanismo formal, como um sistema funcional para sinalizar significados, ou

como um recurso dinâmico o qual tanto falantes quanto aprendizes utilizam

de maneiras diferentes e em diferentes momentos”5.

Definir gramática,

portanto, depende de sua visão acerca da língua e da linguagem humana.

Embora muitos relacionem a gramática à visão tradicional associada à

percepção estática da língua, com o uso mecânico de regras estruturais,

acreditamos que a gramática, assim como a língua, seja dinâmica, podendo

variar de acordo com o contexto de uso e seus falantes. Nessa compreensão,

cada situação requer um diferente uso da forma, com um significado

específico.

Partindo dessa concepção de gramática, entendemos que o ensino-

aprendizagem de língua estrangeira também deva ser considerado de maneira

tridimensional e dinâmica. Concordamos com Batstone (1994:117), quando

5No original: “What grammar is depends on how you choose to look at it, so that we can regard

it as a formal mechanism, as a functional system for signalling meanings, or as a dynamic

resource which both users and learners call on in different ways at different times”

(BATSTONE, 1994:117) .

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ele afirma que os alunos precisam “de alguma noção quanto à regularidade no

sistema linguístico, de algum entendimento sobre a relação entre formas e

funções, além de uma habilidade de agir nesse conhecimento no uso da

língua”6. A partir desse conceito de gramática, passaremos para a discussão

dos modelos de ensino-aprendizagem discutidos por Batstone (1994), o ensino

de gramática como produto (teaching grammar as product), como processo

(teaching grammar as process) e como habilidade (teaching grammar as

skill).

De acordo com o autor, o ensino de gramática como produto tem o

foco exclusivo na forma, enquanto o ensino como processo é focado no

sentido ou comunicação. Dessa maneira, o ensino como produto é

caracterizado pelo estudo de regras gramaticais e por exercícios estruturais.

Em cada aula, há o trabalho com determinado aspecto gramatical, podendo

ocorrer de modo dedutivo, como na maioria dos casos, assim como indutivo,

além de explícito ou implícito. Apesar de o ensino como produto ajudar os

alunos a notar (noticing) formas gramaticais e estruturar frases, esse tipo de

ensino não dá oportunidades para que os alunos utilizem a gramática em um

contexto real de comunicação. Nessa perspectiva, embora os alunos pudessem

ter o conhecimento da forma, na maioria das vezes, acabavam falhando em

atividades de conversação, já que não conseguiam colocar o conhecimento

gramatical em prática, aliado à situação e ao significado em tempo real.

O ensino de gramática como processo é caracterizado pela realização

de tarefas significativas (task-based approach), que incentivam o uso da

língua no discurso. Esse tipo de ensino é relevante para os aprendizes porque

os encoraja a lidar com o significado na linguagem, dá flexibilidade na

resolução de problemas em tarefas (tasks), faz com que utilizem várias

estratégias linguísticas, e reflitam sobre o uso da língua. No entanto, como

nenhum método por si só é suficiente para suprir as demandas do ensino-

aprendizagem de línguas, o ensino de gramática como processo também tem

suas falhas.

Esse ensino pode incentivar a realização das tarefas sem o cuidado

com a forma. Desse modo, o aluno pode ser capaz de manter uma conversa

significativa na língua-alvo, sem, no entanto, manter a acuidade da língua.

Isso se torna um problema, visto que, embora haja comunicação, não há a

possibilidade de desenvolvimento da interlíngua7 do aprendiz. Segundo

6No original: “[…] they require some sense of the regularity in the language system, they need

some understanding of the relationship between forms and functions, and they need an ability

to act on this knowledge in language use” (BATSTONE, 1994:117). 7Compreendemos interlíngua como um sistema pelo qual o aprendiz formula hipóteses sobre a

língua-alvo, sendo um processo sistemático e dinâmico, uma vez que evolui à medida que o

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Kawachi-Furlan (2014:50), “[…] como o objetivo dos aprendizes nesse

modelo é tentar transmitir a mensagem, eles podem focar no sentido e não

atentarem à forma, de modo que o aluno pode se comunicar apesar da

língua”.

Além desses métodos de ensino, há o ensino de gramática como

habilidade que surgiu como forma de suprir a lacuna existente entre o ensino

de gramática como produto e como processo. Para isso, Batstone (1994),

descreveu as características e falhas do ensino como produto e processo e

propôs aliar aspectos desses métodos para um novo tipo de ensino gramatical.

De acordo com o autor, os modelos de ensino de gramática como produto e

como processo têm funções complementares e devem ser combinados para

que o ensino-aprendizagem de língua estrangeira seja mais eficaz e

significativo. O terceiro modelo de ensino que supriria as lacunas deixadas

pelos outros dois modelos seria o ensino de gramática como habilidade.

Larsen-Freeman (2001:251), também acredita que o ensino de gramática não

está relacionado somente à forma ou ao uso, pois o ensino-aprendizagem de

língua estrangeira deve “encorajar um equilíbrio entre gramática e

comunicação”8. Assim, concordamos com os autores e compreendemos que o

ensino de gramática como habilidade se refere, portanto, a um modelo que

proporciona um foco em formas gramaticais em um contexto significativo de

uso. Desse modo, Batstone (1994:99) afirma que:

Por meio da combinação entre o ensino como

produto e como processo, professores podem dar

aos alunos um foco em formas gramaticais

específicas e oportunidades de utilizar essas formas

no uso da língua. Os dois métodos possuem funções

complementares. No ensino como produto, focamos

a atenção do aluno para as formas. No entanto,

estamos cientes de que parte desse conhecimento

pode se manter delicado e transitório a menos que o

aprendiz possa colocá-lo em prática em um contexto

aprendiz recebe mais insumo e testa suas hipóteses sobre a língua estrangeira, procurando

alcançar seus objetivos comunicativos (ALVAREZ, 2002). 8No original: “[…] encourage a balance between grammar and communication” (LARSEN-

FREEMAN, 2001:251).

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comunicativo significativo, o que nos remonta ao

ensino como processo9.

Defendemos, portanto, que para que os aprendizes possam utilizar as

estruturas da língua com acuidade em práticas significativas, os professores

devem guiá-los no processo de ensino-aprendizagem para que a forma seja

percebida e incorporada no uso de maneira apropriada. Para que isso ocorra,

os alunos devem passar por algumas fases do ensino de gramática como

habilidade, que serão brevemente discutidas no próximo item deste artigo.

Fases do ensino-aprendizagem de gramática como habilidade

De acordo com Batstone (1994), ensinar gramática como habilidade

prevê que o ensino-aprendizagem seja conduzido em algumas fases, para que

o insumo recebido nas aulas (input) seja transformado, de maneira eficaz, em

aquisição (intake) pelo aluno. Desse modo, as fases pelas quais os alunos

devem passar para conseguirem se comunicar de maneira significativa e com

acuidade na língua são: noticing, re-noticing, structuring, restructuring e

proceduralization.

Segundo Batstone (1994), atividades de noticing chamam a atenção

dos alunos para determinados aspectos gramaticais. O objetivo dessas

atividades é fazer com que o aluno perceba como a língua é estruturada. Tais

atividades podem ser caracterizadas pela participação ativa dos alunos para

notar estruturas da língua (noticing by the learner), e pelo fornecimento de

informações claras e precisas para os alunos sobre as estruturas (noticing for

the learner). No entanto, o autor afirma que fazer o aluno notar uma forma

gramatical, não necessariamente significa que ele saberá usar tal forma de

maneira significativa, visto que “uma atividade de noticing tem por objetivo

fazer certas formas salientes ao aprendiz, e não tem intenção de fazer nada

9No original: “Through a combination of product and process teaching, teachers can give their

learners both a focus on specific grammatical forms and opportunities to deploy these forms in

language use. The two approaches have complementary functions. In product teaching, we

focus the learner’s attention on forms. But, aware that much of this knowledge can remain

delicate and transitory unless the learner can put it to use in a meaning-focused context, we turn

to process teaching” (BATSTONE, 1994:99).

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mais que isso”10

(BATSTONE, 1994:54). Se as atividades de noticing não

forem acompanhadas de exercícios que estimulem os alunos a utilizarem as

estruturas vistas em um contexto comunicativo significativo, os aprendizes,

provavelmente, não conseguirão reproduzi-las no uso da língua, mesmo que

sejam capazes de identificá-las.

Por outro lado, há também o noticing as skill ou noticing como

habilidade que tem o objetivo de “guiar a atenção dos alunos para a gramática,

criando tarefas que nos ajudem a ensinar os alunos a habilidade de usar e se

atentar à gramática no uso da língua”11

(BATSTONE, 1994:99). Isso quer

dizer que, ao proporcionar o noticing como habilidade para os alunos, eles

deverão focar na estrutura gramatical, no uso da língua e no sentido para

completar o exercício. Segundo Kawachi-Furlan (2014:55), o ponto

diferencial no conceito de gramática como habilidade é a “necessidade de o

aprendiz refletir sobre a língua para completar a atividade”. Para a autora, esse

conceito está relacionado à reflexão sobre a língua por parte do aluno, sempre

ligada ao seu contexto de uso e ao seu significado.

Já que perceber aspectos gramaticais não é o suficiente para a efetiva

aprendizagem ou aquisição da gramática, Batstone (1994:59) sugere que “uma

vez que os aprendizes notaram algo sobre a gramática, eles devem agir sobre

isso, construindo seu conhecimento por meio de hipóteses sobre como a

gramática é estruturada. Eles fazem isso pelos processos de structuring e

restructuring”12

. De acordo com o autor, a fase do structuring pode ser

caracterizada pela manipulação mecânica das formas (structuring for the

learner), como ocorria no ensino de gramática como produto, e pelos

aprendizes tendo que fazer suas escolhas na língua para o uso significativo na

comunicação (structuring by the learner), como ocorre no ensino de

gramática como habilidade.

A partir do momento em que o aluno notou a gramática, o professor

deve, então, fornecer oportunidades para que ele use as estruturas vistas na

comunicação significativa. Assim, na fase de structuring no ensino de

gramática como habilidade, o aluno estará ativamente envolvido, pois deve

manipular a língua a sua maneira, utilizando as formas percebidas na fase de

10No original: “[…] a noticing activity aims to make a certain form salient to the learner, and is

intended to do no more than that” (BATSTONE, 1994:54). 11No original: “[…] guiding learner’s own attention to grammar, and designing tasks which

help us to teach learners the skill of using and attending to grammar in language use”

(BATSTONE, 1994:99). 12No original: “Once having noticed something about grammar, learners have to act on it,

building it into their working hypothesis about how grammar is structured. They do this,

through the processes of structuring and restructuring” (BATSTONE, 1994:59).

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noticing, de acordo com um determinado contexto de uso. Somente ao

manipular a língua no uso significativo, os alunos serão capazes de testar suas

hipóteses acerca das estruturas estudadas, sanar dúvidas e reorganizar seu

conhecimento sobre a gramática. Para que a reestruturação (restructuring) do

conhecimento sobre a língua ocorra, os alunos devem repensar estruturas

previamente estudadas, pois quanto mais aprendem sobre a língua, mais

chances eles terão de reorganizar e reestruturar seu conhecimento do sistema.

Desse modo, para que haja a reestruturação (restructuring) do sistema

linguístico dos aprendizes, deve haver o re-noticing, que ocorre quando o

aluno percebe formas que ainda não tinham se mostrado salientes para ele. A

partir dessa percepção, ele passa a incorporar a nova estrutura no uso da

língua. Batstone (1994) ainda afirma que, mesmo tendo passado pelas fases de

noticing e structuring, não significa que os alunos conseguirão colocar as

estruturas gramaticais em uso de maneira significativa. Para que o

conhecimento sobre a língua se torne internalizado, chegando ao ponto de

poder ser usado quase automaticamente na comunicação, o aprendiz precisa

passar pelo processo de proceduralization. Esse processo requer prática no

uso de gramática na negociação de significados na comunicação. Segundo o

autor, o foco em perceber aspectos gramaticais e manipulá-los de forma

mecânica, como ocorre no ensino de gramática como produto, “tem pouco

efeito no uso espontâneo da língua”13

(BATSTONE, 1994:73). Para Batstone

(1994), o ensino de gramática como habilidade supriu essa lacuna, já que é

caracterizado pelo processo de proceduralization, que visa à promoção do uso

da língua, motivado por uma necessidade comunicativa.

Em nossa compreensão, para que o aluno transforme o insumo (input)

em aquisição (intake), internalizando as formas da língua, ele deve notar as

estruturas gramaticais e perceber o seu funcionamento em um determinado

contexto de uso. Além disso, para que o conhecimento realmente seja

internalizado, o aluno deve aprender a manipular a gramática no uso

espontâneo da língua, negociando significados. Em outras palavras,

concordamos com Batstone (1994), pois entendemos que o conhecimento

linguístico só é adquirido e internalizado quando a gramática é ensinada como

habilidade, ou seja, quando o ensino-aprendizagem de gramática é pautado em

atividades que tenham foco na forma, no sentido e no uso da língua.

Análise das atividades do livro didático

13No original: […] product teaching has little effect on spontaneous language use

(BATSTONE, 1994:73).

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Pareceu-nos pertinente analisar a abordagem gramatical do livro

didático para alunos de nível intermediário, intitulado New in Tune 2 (2008)14

,

devido à crença de alguns dos aprendizes da aluna-pesquisadora quanto à

abordagem da gramática no material em questão. Alguns deles questionavam

a eficácia do livro, alegando que não aprenderiam inglês porque o livro não

apresentava “explicações gramaticais” em suas unidades. O material diz ser

pautado pela abordagem comunicativa de ensino de línguas, e, portanto,

espera-se que se tenha como principal objetivo dar oportunidades aos alunos

para que haja a comunicação em sala de aula, caracterizada mais pela

produção de significados da língua do que de sistemas gramaticais.

Todas as unidades do livro são compostas pelas seguintes seções:

Presentation, Listening Practice, Speaking Practice, Fluency Practice,

Reading Practice, Writing Practice e Game. A fim de organizarmos nossa

análise, decidimos selecionar atividades que representassem cada habilidade

no ensino-aprendizagem de inglês. Desse modo, analisaremos uma atividade

de produção oral, uma de compreensão escrita, uma de compreensão auditiva,

e outra de produção escrita. Além dessas atividades, analisaremos o painel

gramatical ou Grammar Booster que também é encontrado em todas as

unidades.

A terceira unidade de New in Tune 2 (2008), se inicia com o tópico

trágico do atentado ao World Trade Center em 11 de setembro de 2001.

Segundo a autora do livro, essa unidade tem por objetivo habilitar os alunos a

“falarem sobre ações que estavam em progresso no passado”15

(CUDER,

2008:32).

A primeira atividade da unidade (figura 1) é uma preparação do

insumo a ser apresentado em seguida. Há uma figura das duas torres em

chamas e os alunos devem discutir os tópicos descritos na Fluency Practice

sobre a figura. Como o próprio título da atividade indica, os alunos devem

praticar a habilidade oral e a fluência conversando com o colega. Nesta

atividade, podemos perceber duas características da abordagem comunicativa

– atividade em duplas ou grupos e foco na comunicação aliadas às situações

reais ou conhecidas do aluno. As perguntas estão no passado simples, tópico

que está relacionado com o passado contínuo, o qual será apresentado na

unidade. De acordo com os modelos de ensino de gramática de Batstone

14 CUDER, A. M. C. New in Tune 2: teacher’s pack. São Paulo: Editora CNA, 2008. 15No original: “Talk about actions which were in progress in the past” (CUDER, 2008:32).

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(1994), essa primeira atividade se enquadra no ensino como processo, visto

que tem foco na comunicação e no significado.

Na segunda atividade, os alunos devem ler um texto sobre o tema e

responder às questões de interpretação em duplas. Em nossa compreensão,

embora a estrutura de passado contínuo, que é o tópico da aula, esteja presente

nesses exercícios, não há o foco explícito nesse aspecto linguístico. Parece-

nos que as atividades direcionam o aluno, pelo contexto, a entender como esse

sistema funciona, sem nesse primeiro momento, chamar a atenção dos alunos

para a estrutura de passado contínuo. Desse modo, acreditamos que a

introdução ao conteúdo linguístico se dá de maneira indutiva.

No entanto, o ensino indutivo, nesse caso, não está relacionado à

gramática como habilidade, visto que o exercício não dá oportunidades ao

aluno de criar hipóteses e elaborar suas próprias regras para as estruturas em

questão, nem mesmo de utilizar essas hipóteses na comunicação significativa.

Chamamos a atividade de indutiva pelo simples fato de não apresentar

explicação de regras nem haver estudo da forma.

Assim, podemos concluir que essas atividades que introduzem a

unidade não fazem o aluno notar a estrutura gramatical em foco. Segundo

Batstone (1994), a fase de noticing proporciona ao aprendiz a percepção e

consciência da forma para a posterior manipulação desse sistema na

comunicação significativa. A primeira etapa que direciona o aluno à

aprendizagem da gramática é, portanto, o noticing. Observamos que, embora

as atividades 1 e 2 (figura 2) utilizem a estrutura de passado contínuo, não

pedem um exercício de noticing e reflexão dos alunos acerca dessas formas.

Na seção seguinte (figura 2), encontramos o Presentation, que tem o

objetivo de focar a atenção do aluno para os tópicos gramaticais a serem

estudados nas unidades. Essa questão, portanto, é um exercício de

compreensão auditiva que expõe o diálogo entre duas personagens sobre o

atentado às Torres em setembro de 2001. Como o foco da unidade é o passado

contínuo, a situação tratará das atividades que as personagens estavam

fazendo quando esse acidente ocorreu. De acordo com o livro do professor, os

alunos devem ouvir o áudio duas vezes, sem o apoio do texto verbal. Após

ouvir o diálogo, devem responder à pergunta “What were they doing on that

day?”.

Em nossa compreensão, a atividade trabalha com o conceito de

noticing como habilidade ou noticing as skill, discutido por Batstone (1994).

Consideramos esse exercício de noticing como habilidade porque o aluno terá

que notar a forma gramatical em questão, que nesse caso, é a estrutura de

passado contínuo, para responder à pergunta da atividade. O aluno não só terá

que perceber a pergunta, como também elaborar uma resposta utilizando a

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forma gramatical apresentada. Apesar de o exercício não partir de um estudo

metalinguístico16

da forma, induz o aluno a prestar atenção na estrutura, visto

que apresenta uma forma gramatical de maneira contextualizada e o convida a

demonstrar se notou a estrutura gramatical, ao pedir para que ele responda a

pergunta após ouvir o diálogo entre as personagens. Segundo Batstone (1994),

para que o aluno recorra à gramática e mostre que realmente notou o aspecto

gramatical em questão, devemos “construir tarefas que requerem do aluno

notar e processar a gramática para que possam completar o exercício com

sucesso”17

(BATSTONE, 1994:100).

De acordo com nossa interpretação, a atividade de compreensão

auditiva está em consonância com a definição dada pelo autor, já que faz com

que o aprendiz note a estrutura em questão de uma maneira indutiva18

, ou seja,

requer do aluno “estudar os exemplos [de língua] primeiro, e elaborar as

regras por si próprios”19

(THORNBURY,1999:22). Apesar de considerarmos

a atividade como noticing as skill, não podemos caracterizá-la como

gramática como habilidade, visto que os alunos só notaram as estruturas e não

tiveram oportunidade de utilizá-las em um contexto comunicativo. Como já

mencionado anteriormente, Batstone (1994) acredita que a fase de noticing

proporcionará ao aprendiz a percepção e consciência da forma para a posterior

manipulação desse sistema na comunicação significativa.

Como podemos observar na figura 3, a atividade 17 é uma proposta

de redação. No caso dessa prática escrita, especificamente, pede-se que os

alunos redijam uma resposta para o e-mail dado na questão. O e-mail exemplo

retrata a situação de um casal que não celebrou o aniversário de casamento

porque um dos parceiros estava ocupado. Quanto ao aspecto linguístico do

exercício, podemos afirmar que a estrutura de passado contínuo está presente

no corpo do e-mail. No entanto, embora tal estrutura gramatical esteja

presente, não há o foco explícito nesse aspecto linguístico. Desse modo, a

atividade não promove o noticing, pois não chama a atenção dos alunos para a

gramática, mas os induzem a redigir um texto utilizando o passado contínuo,

ao apresentar frases nesse tempo verbal ao longo do e-mail.

Podemos, portanto, caracterizar essa atividade como indutiva, pelo

fato de não haver foco na forma, nem o estudo prévio ou explicação de regras

16De acordo com Thornbury (1999), “metalinguagem” é o termo usado para falar sobre a

língua, ou seja, descrever a língua utilizando a terminologia gramatical. 17No original: “[...] to construct tasks which require them to notice and to process grammar in

order to complete the task successfully” (BATSTONE, 1994:100). 18Idem 27. 19No original: “[…] first to study examples and work the rules out for themselves”

(THORNBURY, 1999:22).

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gramaticais, mas por direcionar o aluno, pelo contexto, a fazer uso do aspecto

gramatical abordado na atividade. A partir de nossa interpretação acerca dos

modelos de ensino de gramática discutidos por Batstone (1994), acreditamos

que essa prática escrita seja um exercício de gramática como processo, pois

incentiva o aluno a fazer uso da língua no discurso, com o foco no significado

e no uso da língua. Embora o exercício apresente a estrutura de passado

contínuo, que é o tópico gramatical da unidade, e espere que o aluno faça uso

de tal estrutura, não há, no enunciado, nenhuma evidência que realmente

indique que os aprendizes devam utilizar esse tempo verbal. Assim, esse tipo

de modelo de ensino incentiva a realização das tarefas segundo seu repertório

gramatical e de acordo com sua interpretação da proposta da atividade. Em

outras palavras, o aprendiz pode utilizar a língua como quiser, sem

necessariamente incorporar a estrutura gramatical prevista pelo exercício.

Logo ao lado da atividade 3-Presentation, encontra-se o Grammar

Booster, ou painel gramatical (figura 4). Como já discutido, esses painéis têm

o objetivo de estimular os alunos a pensarem sobre o modo como a língua

funciona, além de explicar o conteúdo linguístico. Na seção sobre o lugar da

gramática nas abordagens e métodos de ensino de língua inglesa, explicamos

que a abordagem comunicativa não se caracterizava pelo estudo de estruturas

gramaticais. No entanto, o Grammar Booster nos mostra evidência contrária a

tal concepção. Como o tópico da unidade é passado contínuo, o painel traz

informações sobre como e quando usar essa estrutura.

Em nossa compreensão, o Grammar Booster serve como um material

para fixar o conteúdo que já vinha sendo apresentado de maneira indutiva,

utilizando o noticing as skill nas atividades anteriores. De acordo com nossa

interpretação dos conceitos de Batstone (1994), essa atividade pode ser

considerada como noticing for the learner, visto que chama a atenção do

aluno, com o uso do negrito, para como deve ser estruturada uma frase no

passado contínuo. Apesar de proporcionar o noticing, a atividade não

promove o structuring, ou manipulação da língua por parte do aluno, para que

o conhecimento se torne internalizado. Desse modo, os painéis não devem ser

considerados como um exercício de gramática como habilidade, visto que não

propõem uso significativo da língua a fim de fazer os alunos colocarem em

prática seus conhecimentos e suas hipóteses acerca da estrutura em questão.

Ao contrário, podem ser considerados como um exercício de gramática como

produto, por ter foco explícito na forma. Segundo Richards (2006), se os

aprendizes leem ou repetem as estruturas gramaticais desses tipos de quadros

informativos, estarão realizando uma “prática mecânica”.

Podemos retornar à questão de alguns alunos quanto à eficácia do

livro didático. Eles afirmavam que não aprenderiam gramática porque o

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material didático não trazia “explicações gramaticais” em suas unidades. A

partir da análise do painel em questão, concluímos que o livro apresenta

explicação teórica acerca de estruturas gramaticais. Além disso, podemos

afirmar que, embora New in Tune 2 (2008) seja pautado pela abordagem

comunicativa de ensino de línguas, isso não significa que a gramática seja

abolida do curso. Se relacionarmos a abordagem comunicativa com métodos

como o Audiolingualismo e o Método Direto, que eram caracterizados como

estruturais, podemos afirmar que “as explicações gramaticais são muito mais

fáceis de se notar”20

em livros em que a abordagem comunicativa é adotada

(THORNBURY,1999:23). Segundo o referido autor, ao contrário de rejeitar a

gramática, o ensino comunicativo menos rígido era caracterizado por mantê-la

como principal componente do curso. A diferença era que a gramática

aparecia nos livros didáticos com uma roupagem funcional: pedindo por

direções, falando sobre si mesmo, etc. Desse modo, “atenção explícita a

regras gramaticais também não era incompatível com a prática

comunicativa”21

, visto que as funções eram representadas por estruturas

gramaticais, o que confirmou que a língua era governada por regras

(THORNBURY, 1999:22).

Desse modo, podemos afirmar que, embora a gramática não seja o

foco principal da abordagem comunicativa, assim como era em métodos

estruturais, ela não deixou de ter seu papel nos livros didáticos pautados por

essa abordagem. A gramática esteve presente ao longo dos anos entre os

diferentes métodos de ensino. A diferença foi o modo como cada método ou

abordagem optou por utilizá-la.

No livro New in Tune 2 (2008), a autora trata a gramática como

language functions. Podemos concluir que os alunos estavam enganados

quando afirmaram que o livro não trazia “explicações gramaticais”. Os

exercícios do livro podem não ser focados explicitamente na forma, mas ainda

assim, há o momento de estudo gramatical com o Grammar Booster em todas

as unidades.

Considerações finais

20No original: “[…] that grammar explanations are much more conspicuous now than they

were, say, in the heyday of either the Direct Method or Audiolingualism” (THORNBURY,

1999:23). 21No original: “[…] Explicit attention to grammar rules was not incompatible with

communicative practice, either” (THORNBURY, 1999:22).

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O objetivo desta pesquisa foi analisar algumas atividades do livro

didático de inglês New in Tune 2 (2008) a fim de identificar a abordagem

gramatical adotada nesse material. A partir de nossa interpretação das

atividades da unidade 3 do livro didático22

, notamos que New in Tune 2

(2008), tem uma roupagem comunicativa em grande parte das atividades

propostas, pois lida com o ensino voltado para tarefas que simulam situações

reais, tem foco na comunicação e na fluência, e apresenta propostas de

exercícios em duplas ou pequenos grupos. Além disso, foi possível perceber

que o livro didático não fez uso da gramática como habilidade, discutida por

Batstone (1994), em nenhuma das atividades analisadas. Apesar de o conceito

de noticing como habilidade, ou noticing as skill, ter aparecido na atividade 3

de Presentation, acreditamos que o uso da forma aliada à comunicação

significativa, característico da gramática como habilidade, não seja o foco

desse livro. Pelo contrário, a maioria das atividades foi caracterizada pelo

modelo de ensino de gramática como produto, enquanto o restante das

atividades foi interpretado como ensino de gramática como processo.

Além dos modelos de ensino de gramática como produto e como

processo, percebemos o uso do noticing e do structuring, discutidos por

Batstone (1994), em algumas das atividades analisadas. No entanto, as

questões que encorajavam o noticing eram pautadas no noticing for the

learner, ou seja, havia uma explicitação de regras para o aluno, sem dar a

oportunidade de reflexão sobre a língua e a chegada a suas próprias

conclusões acerca de determinada estrutura gramatical, como no noticing by

the learner. Em nossa compreensão, as atividades não fizeram uso de todas as

fases do ensino-aprendizagem de gramática como habilidade23

previstas por

Batstone (1994). Isso nos leva a crer que o conhecimento linguístico pode não

ser incorporado, ou seja, os alunos não são estimulados a passar pelo processo

de proceduralization.

De acordo com nossa análise, o material em questão tem atividades

com o foco na forma - ensino como produto, ou seja, não exclui o ensino de

gramática. Há inclusive um momento em todas as unidades para o estudo de

22Como mencionamos anteriormente, este artigo resulta de um recorte da pesquisa realizada

como monografia de conclusão de curso. Neste texto, apresentamos apenas trechos das análises

feitas. 23Como já discutidas anteriormente neste trabalho, as fases do ensino-aprendizagem de

gramática como habilidade são: noticing, re-noticing, structuring, restructuring e

proceduralization.

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regras gramaticais explícitas, com o Grammar Booster. Desse modo, partindo

do questionamento motivador deste estudo feito por alguns alunos sobre não

aprender gramática, consideramos aprender como o processo de

proceduralization do conhecimento ou a internalização do conteúdo

linguístico, transformando o insumo em aquisição. A partir disso, acreditamos

que o fato de não aprender não está relacionado a não haver “explicações

gramaticais” no livro didático. Em nossa compreensão, o que dificulta o

processo de proceduralization pelos alunos é o foco em atividades de

gramática como produto e processo, e a exclusão do modelo de gramática

como habilidade.

Estamos cientes de que nossa interpretação pode sofrer limitações,

pois precisaríamos de um estudo mais aprofundado para concluir se, de fato,

nenhum dos alunos é capaz de internalizar o conhecimento linguístico a partir

das atividades analisadas nesse livro didático. No entanto, acreditamos que

nossas considerações possam incentivar pesquisas futuras que envolvam, mais

precisamente, a produção linguística de alunos que estudaram com New in

Tune 2 (2008), além de motivar professores a incorporar o ensino de

gramática como habilidade em suas aulas.

Recebido em: 27/04/15

Aceito em: 04/06/15

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Anexos

Figura 1. Atividades 1 e 2-Fluency practice e reading practice

Fonte: Cuder, 2008, p.26

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Figura 2. Atividade 3 - Presentation

Fonte: Cuder, 2008, p.27

Figura 3. Atividade 17 - Writing practice

Fonte: Cuder, 2008, p.34

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Figura 4. Painel gramatical - New in tune (2008)

Fonte: Cuder, 2008, p.27