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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO CURSO DE JORNALISMO JORGE ROBESPIERRE TOMÁS JAPUR ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DE UMA EMISSORA FRONTEIRIÇA: ESTUDO DE CASO DA RÁDIO QUARAÍ AM Santa Maria 2009

Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

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As práticas midiáticas de um veículo de comunicação fronteiriço estão submetidas a uma lealdade cruzada que, de um lado, põe em relevo a conjuntura local e, por outro, as determinações do Estado-nação ao qual pertence. Estar subordinado a essa ordem faz com que esses veículos trabalhem com uma riqueza cultural típica de uma cultura híbrida como é a fronteiriça. Por outro lado, acarreta dificuldades políticas e econômicas que podem influir inclusive na sua subsistência. Como caracterizar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM? Este estudo de caso tenta resolver esse problema para compreender como uma emissora de rádio de uma cidade limítrofe participa desse fenômeno. A partir dessa compreensão é possível especular sobre algo que parece estar se tornando uma tendência nas Terras de Fronteira do Rio Grande do Sul: o fechamento de pequenas emissoras de rádio ou a inevitável venda dos seus canais por dificuldades, dentre outras, financeiras; originadas, em parte, pelas mesmas instâncias que elas representam. Em um primeiro momento, exploram-se questões relacionadas à fronteira e ao conceito de rádio local. Logo após, analisa-se a atividade midiática da emissora. Dentre os resultados encontrados, destaca-se a compreensão de como o contexto fronteiriço interfere no processo de subsistência de uma pequena emissora de rádio da fronteira com o Uruguai, a partir do detalhamento de práticas existentes nessa região.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

CURSO DE JORNALISMO

JORGE ROBESPIERRE TOMÁS JAPUR

ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DE UMA EMISSORA

FRONTEIRIÇA:

ESTUDO DE CASO DA RÁDIO QUARAÍ AM

Santa Maria

2009

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JORGE ROBESPIERRE TOMÁS JAPUR

ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DE UMA EMISSORA FRONTEIRIÇA:

ESTUDO DE CASO DA RÁDIO QUARAÍ AM

Monografia apresentada ao Curso de

Comunicação Social – Hab. Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do

grau de Bacharel em Comunicação Social – Hab. Jornalismo.

Orientador(a): Profª. Drª. Ada Cristina Machado Silveira

Santa Maria

2009

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Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Ciências Sociais e Humanas

Cursos de Comunicação Social

Habilitação em Jornalismo

A Comissão Examinadora, abaixo assinada,

aprova o Trabalho de Conclusão de Curso

ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DE UMA EMISSORA

FRONTEIRIÇA: ESTUDO DE CASO DA RÁDIO QUARAÍ AM

elaborada por

Jorge Robespierre Tomás Japur

como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Comunicação Social – Hab. Jornalismo

COMISSÃO EXAMINADORA:

Profª. Drª. Ada Cristina Machado Silveira (UFSM)

(Presidenta/Orientadora)

Prof. Esp. Paulo Roberto de Oliveira Araujo (UFSM)

Prof. Bel. Leandro Stevens (UFSM)

Santa Maria, 07 de janeiro de 2010.

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Dedico este trabalho a todos aqueles que, assim como meu

pai, lutam por um jornalismo sério e responsável mesmo com inúmeras adversidades.

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Antes de tudo agradeço aos meus pais – Jorge Alberto Lamb

Japur e Lilian Teresa Tomás Japur – pelo apoio incondicional que me

deram durante todo o meu percurso, privando-se, às vezes, de confortos

para que eu pudesse seguir com meus estudos.

Agradeço ao meu avô (in memoriam), por ter materializado em

vida o seu sonho de menino; e à minha avó, Izar, por ter mostrado o

quão grandioso isso foi.

Agradeço à minha família uruguaia, a todos os meus tios, à

abuela Julia, pelo carinho e pela torcida que sempre me ofereceram.

Agradeço à professora Ada, pela sábia orientação e

principalmente pela liberdade proporcionada durante o

desenvolvimento deste trabalho.

Agradeço à minha irmã, Aline Vanessa Tomás Japur, cuja

atenta leitura evitou erros de digitação que passaram despercebidos

por mim.

E, finalmente, aos bons amigos feitos durante a faculdade, cuja

amizade carregarei com carinho por toda a vida.

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Velha milonga Argentina, Uruguaia e Brasileira,

Contrabandeaste a Fronteira na alma dos pajadores,

Sempre a falar dos amores, na tua rima baguala

Se diferente na fala, no cantar de cada um...

Tens essa pátria comum, no Pampa todos iguala...

(trecho de Milonga do Contrabando, de Luiz Menezes)

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RESUMO

As práticas midiáticas de um veículo de comunicação fronteiriço estão submetidas a

uma lealdade cruzada que, de um lado, põe em relevo a conjuntura local e, por outro, as determinações do Estado-nação ao qual pertence. Estar subordinado a essa ordem faz com que

esses veículos trabalhem com uma riqueza cultural típica de uma cultura híbrida como é a fronteiriça. Por outro lado, acarreta dificuldades políticas e econômicas que podem influir inclusive na sua subsistência. Como caracterizar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM?

Este estudo de caso tenta resolver esse problema para compreender como uma emissora de rádio de uma cidade limítrofe participa desse fenômeno. A partir dessa compreensão é

possível especular sobre algo que parece estar se tornando uma tendência nas Terras de Fronteira do Rio Grande do Sul: o fechamento de pequenas emissoras de rádio ou a inevitável venda dos seus canais por dificuldades, dentre outras, financeiras; originadas, em parte, pelas

mesmas instâncias que elas representam. Em um primeiro momento, exploram-se questões relacionadas à fronteira e ao conceito de rádio local. Logo após, analisa-se a atividade

midiática da emissora. Dentre os resultados encontrados, destaca-se a compreensão de como o contexto fronteiriço interfere no processo de subsistência de uma pequena emissora de rádio da fronteira com o Uruguai, a partir do detalhamento de práticas existentes nessa região.

Palavras-chave:

Rádio – Fronteira – Comunicação - Atividade Midiática – Local.

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RESUMEN

Las prácticas mediáticas de un vehículo de comunicación fronterizo están sometidas a

una lealtad cruzada que, de un lado, pone en relevo la coyuntura local y, por otro, las determinaciones del Estado-nación al cual pertenece. Estar subordinado a esa orden hace con

que esos vehículos trabajen con una riqueza cultural típica de una cultura hibrida como es la fronteriza. Por otro lado, trae dificultades políticas y económicas que pueden influir incluso en su subsistencia. ¿Cómo caracterizar la actividad mediática de la Rádio Quaraí AM? Este

estudio de caso intenta resolver ese problema para comprender como una emisora de radio de una ciudad limítrofe participa de ese fenómeno. A partir de esa comprensión es posible

especular sobre algo que parece estar tornándose una tendencia en las Tierras de Frontera del Rio Grande del Sur: el cerramiento de pequeñas emisoras de radio o la inevitable venta de sus canales por dificultades, así como otras, financieras; originadas, en parte, por las mismas

instancias que ellas representan. En un primer momento, explorase cuestiones relacionadas a la frontera y al concepto de radio local. Después, analizase la actividad mediática de la

emisora. Entre los resultados obtenidos, destacase la comprensión de cómo el contexto fronterizo interfiere en el proceso de subsistencia de una pequeña emisora de radio de la frontera con el Uruguay, a partir del detallamiento de prácticas existentes en esa región.

Palabras-clave:

Radio – Frontera – Comunicación – Actividad Mediática – Local.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 09

METODOLOGIA ..................................................................................................................... 13

1 A QUESTÃO FRONTEIRIÇA ............................................................................................ 17

1.1 EXPLORANDO O CONCEITO DE FRONTEIRA ....................................................... 17

1.1.1 Fronteira e Hibridismo Cultural .................................................................................... 18

1.1.2 Estabelecendo o local em uma Rádio de Fronteira....................................................... 21

1.1.3 A Malha de Comunicação local-internacional e a Ordem Heterônoma..................... 23

1.2 A FRONTEIRA DA CONCÓRDIA: QUARAÍ (BRA)-ARIGAS (URU)...................... 24

2 ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DA RÁDIO QUARAÍ AM ........................... 27

2.1 A CIDADE SE DIVERTE: A CONSTRUÇÃO/FIXAÇÃO DE

CANAIS HÍBRIDOS ATRAVÉS DA RÁDIO QUARAÍ...................................................... 27

2.2 LENDAS, MISCIGENAÇÃO E PROSPERIDADE: A EMISSORA

FRONTEIRIÇA E OS SEUS VÍNCULOS ............................................................................. 39

2.3 RÁDIO QUARAÍ E FRONTEIRA: A EMISSORA E O FUTURO .............................. 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 71

OBRAS CONSULTADAS ....................................................................................................... 75

ANEXOS.................................................................................................................................... 79

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INTRODUÇÃO

Quem viaja pelas estradas em direção à fronteira oeste do Rio Grande do Sul costuma

reclamar da viagem por conta das longas retas que ligam as cidades fronteiriças. Durante o

percurso, a única coisa que se vê em todas as direções é o pampa: milhares de quilômetros

quadrados de campo rasteiro que se perdem no horizonte, tendo acima apenas o céu azul. Ao

entardecer, mas principalmente à noite, essa paisagem costuma produzir no espírito dos

viajantes um sentimento de nostalgia.

Esse percurso - que parece desolado - em certos trechos oferece uma única companhia

ao viajante: o rádio AM. Atuando como um verdadeiro marco nas fronteiras brasileiras, as

emissoras de rádio AM são as únicas que atingem quase 100% do território fronteiriço,

cobrindo lugares em que a televisão, a telefonia celular, e outras tecnologias não chegam.

Tais emissoras, por estarem localizadas nas fronteiras do Estado Brasileiro, trabalham

com uma riqueza cultural típica de uma zona híbrida como a fronteiriça. Nas suas

programações, elas contam com a participação de brasileiros, uruguaios e argentinos desde os

seus primórdios. E como não poderia deixar de ser, atendem aos anseios de quem necessita

dos seus serviços, sem se preocupar com a nacionalidade do ouvinte. É claro que essas

emissoras não esquecem, contudo, do Estado-nação ao qual pertencem, já que elas

representam-no naquele que é um dos extremos do Brasil.

O caso estudado por este trabalho, a Rádio Quaraí AM, fundada em 17 de março de

1957, traz desde essa época algo que parece ser uma lição para o mundo contemporâneo, pois

desde sempre trabalhou com aquilo que é diferente, representando ao mesmo tempo a

realidade local da fronteira Quaraí (BRA)-Artigas (URU) e os desígnios do Brasil frente ao

país vizinho, o Uruguai.

A lealdade cruzada1 com que a emissora lida há mais de meio século proporcionou-lhe

uma história rica em informações que auxiliam na compreensão de como é a vivência na

fronteira do Brasil com o Uruguai. Além disso, oferece-nos informações sobre como uma

emissora fronteiriça de pequeno porte passou pelos diferentes períodos da história nacional do

rádio (ou não, considerando que a emissora ficou alheia a algumas dessas transformações). A

Rádio Quaraí AM vivenciou a época do rádio espetáculo, com os seus programas de auditório

e radionovelas próprias; reagiu com certo atraso às transformações sofridas pelo rádio

nacional nas décadas de 70 e 80, quase fechando as suas portas no início da década de 90; e

hoje se mantém como a única emissora AM de Quaraí, com as atuais incertezas sobre o

1 SILVEIRA, 2002-b.

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destino do rádio AM no Brasil e a chegada do sistema digital de rádio. Durante todo esse

período, a emissora ainda amadureceu os seus laços com o país vizinho, incorporando tanto

os benefícios desse contato quanto as dificuldades.

Dessa forma, estudar a Rádio Quaraí AM é um modo de levantar dados importantes

sobre emissoras de pequeno porte do Brasil, para que as futuras políticas voltadas ao rádio

possam usufruir dessas informações para tentar representá- las de forma justa. O que se tem

hoje são políticas verticais: decide-se o destino do rádio em uma instância superior, tomando-

se por base o exemplo das grandes emissoras do país. As pequenas emissoras devem

acompanhar as mudanças, sendo que esse processo normalmente é dispendioso para as

emissoras de pequeno porte. Dessa forma, tais políticas eventualmente acabam, em vez de

auxiliarem no desenvolvimento das pequenas emissoras, implicando ainda mais dificuldades

por não considerarem as suas especificidades.

Acreditamos que conhecer a realidade das pequenas emissoras de rádio do país é uma

das únicas formas, talvez, de evitar algo que parece estar se tornando uma tendência nas

Terras de Fronteira do RS (e quiçá de outras regiões do país): o fechamento de pequenas

emissoras de rádio ou a sua venda para grandes conglomerados de comunicação, igrejas ou

ainda para políticos. Evitar que isso aconteça é uma das poucas formas de garantir, na

radiodifusão, a tão sonhada pluralidade de vozes necessária para o amadurecimento de um

regime democrático.

Isso não quer dizer, obviamente, que não haja pesquisas que tentem conhecer as

pequenas emissoras de rádio do país. O que este trabalho propõe é um estudo de caso que

contribua com informações mais aprofundadas sobre a realidade dessas emissoras, para que

elas sirvam de alguma forma no complemento dessas pesquisas. Isso graças à escolha de um

caso que, pela sua condição fronteiriça, por ser a única rádio AM da sua cidade, e ainda por

ter acompanhado as principais transformações do rádio no país é um registro vivo das glórias

e das dificuldades do rádio brasileiro.

A pesquisa tenta resolver o seguinte problema: como caracterizar a atividade midiática

da Rádio Quaraí AM? O problema foi formulado considerando bibliografia especializada em

estudos sobre fronteiras e também sobre o rádio na fronteira. Acredita-se que resolvendo essa

questão, será possível compreender detalhes sobre a realidade de emissoras de pequeno porte

que trabalham em condições semelhantes à Rádio Quaraí AM.

Para o autor da pesquisa, que tem relações tanto com o contexto fronteiriço quanto

com o objeto analisado, estudar a Rádio Quaraí AM é uma forma de atentar para algumas

dificuldades que são presenciadas desde a sua infância. Filho de pai brasileiro e mãe

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uruguaia, um doble chapa, como se diz na fronteira, é possível que essa experiência ajude a

recriar o contexto fronteiriço com detalhes que possivelmente passariam despercebidos por

outros pesquisadores.

O autor da pesquisa possui vínculos de consangüinidade com os sócios que compõem

a direção da emissora, tendo sido ambientando desde os seus primórdios com a rádio e o seu

funcionamento. Na juventude passou a auxiliar na técnica e também na produção de

comerciais, jingles, vinhetas e outros materiais radiofônicos. Esse exercício construiu uma

memória de materiais que puderam ser utilizados nesta pesquisa. Tais elementos, que não

seguem uma linha cronológica regular, provavelmente ficariam de fora da pesquisa caso outro

pesquisador selecionasse uma amostra fixa e limitada.

Tem-se consciência, no entanto, das dificuldades metodológicas que tal aproximação

acarreta. Uma crítica que pode ser levantada é sobre a legitimidade e isenção frente aos dados

apresentados.

Segundo trabalhos que investigam tema, não há como não admitir que valores estejam

imbricados nas pesquisas sociais2. Isso se reflete na própria escolha do tema. No entanto, é

possível analisar um determinado problema a partir de uma bibliografia especializada.

No caso desta pesquisa, o fenômeno é visto a partir da bibliografia selecionada, e não

a partir das experiências do pesquisador. Acredita-se que a experiência prévia do pesquisador

auxilia, no entanto, na seleção de materiais que podem enriquecer a pesquisa, seja por ter

conhecimento de jingles, vinhetas, entrevistas e comerciais que provavelmente não seriam

abarcados em outras condições. Além disso, a experimentação prévia do lugar pode permitir

uma construção mais acurada do contexto analisado.

Sabe-se que apenas parte da história da Rádio Quaraí AM foi registrada neste escrito.

Prova disso são as pilhas de documentos que infelizmente não foram acessadas a tempo, e

também das pessoas que não se pôde entrevistar (há muitos personagens já falecidos; outros

vivem em localidades de difícil acesso). A bibliografia que deu suporte à pesquisa forneceu

os subsídios necessários para a seleção dos materiais que poderiam contribuir de forma mais

imediata para este escrito.

Cabe ressaltar outra dificuldade que é possível verificar na leitura do trabalho. Tentou-

se analisar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM atendendo hermeticamente a cada uma

das categorias escolhidas que lhe enquadram no ramo da comunicação. No entanto, a análise

dos materiais recolhidos demonstra que essas categorias não estão dissociadas. Sendo assim, é

2 GIL, 1999.

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importante destacar que nos capítulos de análise não há uma divisão fidedigna que atenda a

cada uma das três categorias rigorosamente em separado. Mesmo dividindo-se a atividade

midiática da emissora, é possível perceber que em certos momentos as categorias se misturam

na sua análise. Isso não atrapalha, no entanto, o desenvolvimento da pesquisa.

Outra ressalva consiste no fato de que, além dos documentos acessados –

fragmentados e normalmente não atendendo a uma ordem cronológica – serviram de base

para este trabalho diversas entrevistas. Ou seja, parte significativa da história da Rádio Quaraí

AM foi reconstruída a partir de fontes orais, já que a emissora nunca pôs em prática ações

com o intuito de registrar a sua história para as gerações posteriores.

Uma crítica que pode ser levantada sobre essa questão pode ser formulada da seguinte

maneira: até que ponto os relatos não distorcem a realidade tal como ela é? A pergunta de

cunho metodológico é de difícil solução. No entanto, de acordo com trabalhos que falam

sobre o método da história oral3, um dos problemas está relacionado ao fato de que o método

normalmente é utilizado para preencher carências geradas pela falta de documentos sobre

determinado tema. Se isso é legítimo ou não, não é o propósito desta pesquisa discutir. No

entanto, cabe ressaltar que o método tem sido considerado válido por si mesmo quando o

objetivo é a reconstrução de histórias4.

Nesta pesquisa, simplesmente não há uma história documental sobre a Rádio Quaraí

AM. E por isso, antes de entender as fontes orais como complemento para registros

documentais, elas são o eixo que permitem a reconstrução da história da emissora. Os

escassos documentos existentes servem para corroborar (ou não) as informações recolhidas

nas entrevistas5.

A análise desta pesquisa está dividida em três subcapítulos que não estão dissociados.

Espera-se com este trabalho que as informações sobre a Rádio Quaraí AM, que se

assemelham em muitos aspectos a outras emissoras de pequeno porte localizadas nas

fronteiras brasileiras, sirvam para aprofundar a realidade em que elas atuam.

3 MEIHY, 2000.

4 “Alguns autores têm insistido na validade de se considerar a história oral por si mesma. Ela é relevante também

para facilitar o entendimento de aspectos subjetivos de casos que, normalmente, são filt rados por racionalis mos,

objetividades e neutralidades, esfriados pelas versões oficiais ou dificultados pela lógica da documentação

escrita que encerra um código diverso do oral” (MEIHY, 2000, p. 28). O autor fala também sobre a distinção

entre história oral e fonte oral. A primeira depende de um projeto, como é o caso desta pesquisa, a segunda se

realiza em uma gravação qualquer. 5 Ponte (2000) estudou as radionovelas produzidas pela Rádio Quaraí AM no final da década de 50. No entanto,

da mes ma forma como esta pesquisa, a autora se serviu de entrevistas para reconstruir a história que até então

estava guardada apenas na memória dos entrevistados.

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METODOLOGIA

Sodré (2002) situa o campo comunicação dentro de um espectro de ações e práticas, a

saber: veiculação, vinculação e cognição. Esse aporte teórico é importante porque é ele que

oferece os subsídios teóricos necessários para enquadrar a atividade midiática da Rádio

Quaraí AM no campo da Comunicação.

Segundo o autor, veiculação designa “antropotécnicas eticistas ou práticas de natureza

empresarial [...] voltadas para a relação ou o contato entre os sujeitos sociais por meio das

tecnologias da informação, como imprensa escrita, rádio, televisão, publicidade, etc.” (2002,

p. 234). Nesse campo enquadra-se a produção midiática que vai ao ar pelo veículo de

radiodifusão6. Comerciais, jingles, vinhetas, reportagens, entrevistas, transmissões esportivas,

enfim, todo e qualquer produto radiofônico que relaciona os sujeitos sociais através da

emissora faz parte desta categoria.

No entanto, o contexto fronteiriço possui algumas peculiaridades que tornam especial

a produção radiofônica da Rádio Quaraí AM (assim como a de outras emissoras fronteiriças).

O porquê disso pode ser entendido a partir dos vínculos sociais estabelecidos por essas

emissoras decorrentes do contexto ao qual pertencem. Sodré (2002) define vinculação como:

[...] práticas estratégicas de promoção ou manutenção do vínculo social,

empreendidas por ações comunitaristas ou coletivas, animação cultural, ativ idade

sindical, diálogos, etc. Diferentemente da pura relação produzida pela míd ia

autonomizada, a vinculação pauta-se por formas diversas de reciprocidade

comunicacional (afetiva e dialógica) entre os indivíduos. As ações vinculantes, que

têm natureza basicamente societável, deixam claro que comunicação não se confina

à atividade midiática (SODRÉ, 2002, p.234)

No caso da Rádio Quaraí AM, as características que mais sobressaem a respeito dessa

categoria dizem respeito ao seu enquadramento nas Terras de Fronteira e à sujeição à ordem

heterônoma (SILVEIRA, 2003).

O conceito originalmente utilizado por Kant da heteronomia designa uma relação de

subordinação a forças externas. No caso das sociedades fronteiriças, de uma ordem

constituída por uma lealdade cruzada7 que põe em relevo a conjuntura local e as

determinações do Estado. Observam-se pelo menos dois tipos de vínculos: (1°) político com o

Estado-nação brasileiro; (2°) cultural com o espaço Platino.

6 O conceito de rádio utilizado nesta pesquisa foi extraído de FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a

história e a técnica. Porto Alegre: Dora Luzzatto, 2007. p. 21-3. 7 SILVEIRA, 2002-b.

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O vínculo com o Estado-nação brasileiro pode ser constatado a partir da própria

adequação da emissora à sua estrutura burocrática, já que a rádio atua segundo as políticas

internacionais vigentes frente ao Estado-nação vizinho. Esse vínculo também pode ser

percebido a partir das parcerias que a Rádio Quaraí AM tem com rádios e agências de notícias

de outros lugares do país, que a contemplam com materiais – desde informativos até

transmissões esportivas - de cunho nacional, realçando o pertencimento dessa localidade ao

Estado brasileiro.

Por outro lado, o vínculo cultural com o espaço platino pode ser identificado pelas

práticas consolidadas não só na atualidade, mas também na história da emissora. Atualmente

é feita, por exemplo, consulta diária à meteorologia e ao câmbio de Artigas, bem como

campanhas das mais variadas ordens nos dois lados da fronteira. Há também a participação na

programação de ouvintes das duas nacionalidades (mas que compartilham um vínculo comum

– a cultura do gauchismo). Tais vínculos são construídos e reforçados desde a fundação da

emissora em março de 1957, ocasião em que – durante a parte do dia que não havia energia

elétrica em Quaraí – a rádio, com auxílio de um gerador, fazia a sua transmissão em espanhol

para a cidade de Artigas (PONTE, 2000, p. 33).

O vínculo cultural é reforçado/construído porque a Rádio Quaraí AM desempenha, de

certa forma, uma comunicação de proximidade.

Pedro Coelho, socorrendo-se das palavras de Moragas Spá [...] define os

meios de comunicação de proximidade como todos os que se “dirigem a uma

comunidade humana de tamanho médio ou pequeno, delimitada territorialmente,

com conteúdos relativos à sua experiência quotidiana, às suas preocupações e aos

seus problemas, ao seu patrimônio lingüístico, art ístico, cultural e à sua memória

histórica”. Os meios de comunicação de proximidade serão, portanto, “os que

produzem e emitem conteúdos de proximidade e que respeitam, por isso, o pacto de

proximidade” (RIBEIRO, 2007, p .453)

Sodré estabelece ainda uma terceira categoria chamada cognição. Esse conceito

significa:

Práticas teóricas relat ivas à posição de observação e sistematização das

práticas de veiculação e das estratégias de vinculação. Aqui, a Comunicação emerge

não como uma disciplina no sentido rigoroso do termo, mas como uma maneira de

pôr em perspectiva o saber tradicional sobre a sociedade, po rtanto, como um

constructum hipertextual (interface de saberes oriundos de diversos campos

científicos) a partir de posições interpretativas. A “ciência” da comunicação impõe -

se, a exemplo da filosofia concebida por Wittgenstein, como uma atividade crítica,

só que voltada para a sociabilidade, a eticidade e as práticas de socialização pela

cultura, uma espécie de „filosofia pública‟. (SODRÉ, 2002, p.235)

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A programação da Rádio Quaraí AM e a sua adequação ao contexto fronteiriço são

objetos teorizáveis segundo essa categoria. A observação e análise desses tópicos, através de

depoimentos, fotografias, gravações e entrevistas que ilustrem a tentativa de “observação e

sistematização das práticas de veiculação e das estratégias de vinculação” (SODRÉ, 2002, p.

235) são objetos de análise da pesquisa.

Estando a atividade midiática da Rádio Quaraí AM devidamente enquadrada segundo

os pressupostos Sodré (2002), estabelecem-se assim os três ramos a seguir pela pesquisa:

1) Analisar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM em face da sua condição de

veículo de comunicação, através da análise da sua produção radiofônica (programas, vinhetas,

comerciais, jingles, músicas, notícias, narrações de programas esportivos e sociais,

entrevistas, programas humorísticos);

2) Analisar a atividade midiática da Rádio Quaraí AM em face da sua condição de

vínculo social, tendo basicamente como objetos a legislação que regulamenta o

funcionamento da emissora e as suas parcerias (vínculo com o Estado-nação brasileiro), bem

como exemplos – atuais e presentes na sua história - que ilustrem a comunicação de

proximidade desempenhada pela emissora (vínculo cultural com o espaço platino e vínculo

social com a comunidade).

3) Analisar o discurso cognitivo da Rádio Quaraí AM proposto em sua atividade

midiática. A programação da emissora e a sua adequação ao contexto fronteiriço são os

objetos a serem analisados, através de depoimentos, fotografias, gravações, entrevistas e

outros elementos da cultura midiática.

Cabe ressaltar que essas três categorias não são isoladas. De certa maneira elas são

interligadas, como demonstrou o estudo do material coletado.

Para a coleta e o tratamento dos dados optou-se pelo estudo de caso, por ter sido o

método que melhor se adequou ao tipo de objeto analisado. A justificativa disso deve-se ao

seguinte: (1º) do objeto analisado: para tentar caracterizar a atividade midiática da Rádio

Quaraí AM, não bastou analisar apenas a sua produção radiofônica. Foi necessário, além

disso, entender os vínculos estabelecidos pela emissora com o contexto ao qual pertence.

Dependendo do tipo de vínculo tratado, não há um objeto palpável que prove a sua existência.

Além disso, o estudo toma como pressuposto que a emissora pertence ao contexto fronteiriço

(ou seja, está submetido à ordem heterônoma). Isso é significativo para entender que não se

pretende simplesmente entender como a Rádio Quaraí AM atua na fronteira; significa, isto

sim, tentar compreender como a Rádio Quaraí AM atua na fronteira por estar na fronteira.

As condições de cientificidade necessárias para esse tipo de estudo são contempladas pelo

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estudo de caso. (2º) do método escolhido: as diretrizes do método estabelecem que um caso

só é significativo se “um observador puder referenciá- lo em uma categoria analítica ou teórica

[...] Se desejarmos falar sobre um caso, precisamos dos meios de interpretá- lo ou

contextualizá- lo em uma realidade” (DUARTE, 2005, p. 218). A autora ainda comenta que o

método “se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descrit ivos, tem um plano

aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (2005, p. 218) 8.

Ao lado da descrição, outras características do método são importantes para este estudo, a

saber:

1) particu larismo: o estudo se centra em uma situação, acontecimento,

programa ou fenômeno particular, proporcionando assim uma excelente via de

análise prática de problemas da vida real; 2) descrição: o resultado final consiste na

descrição detalhada de um assunto submetido à indagação; 3) explicação: o estudo

de caso ajuda a compreender aquilo que submete à análise, fo rmando parte de seus

objetivos a obtenção de novas interpretações e perspectivas, assim como o

descobrimento de novos significados e visões antes despercebidas; 4) indução: a

maioria dos estudos de caso utiliza o raciocín io indutivo, segundo o qual os

princípios e generalizações emergem a partir da análise dos dados particulares. Em

muitas ocasiões, mais que verificar hipóteses formuladas, o estudo de caso pretende

descobrir novas relações entre elementos. (DUARTE, 2005, p. 217-8)

De acordo com Duarte, os objetos/procedimentos passíveis de análise segundo as

características descritas na citação anterior podem ser “documentos, registros em arquivo,

entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos” (2005, p. 229).

Mesmo com defasagens e lacunas nos seus arquivos, a Rádio Quaraí AM ofereceu o material

necessário para o estudo.

O critério utilizado para selecionar quais desses materiais mais convinham ao estudo é

o de adequação ao referencial teórico utilizado. Segundo Duarte, o pesquisador deve ter uma

estratégia analítica geral, que consiste em selecionar – segundo o nível de prioridade – o que

será estudado e por quê. A literatura empregada na pesquisa forneceu os parâmetros teóricos

para a seleção dos objetos analisados.

8 Para satisfazer essa condição, recorreu-se aos parâmetros existentes em Sodré (2002) no intento de enquadrar a

atividade midiát ica da Rádio Quaraí AM no campo da Comunicação. E para situar a emissora ao contexto

fronteiriço, recorreu-se, dentre outros, aos estudos de Silveira (2003, 2006, 2007 e 2008).

Page 18: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

17

1 A QUESTÃO FRONTEIRIÇA

1.1 EXPLORANDO O CONCEITO DE FRONTEIRA

A construção do marco teórico da pesquisa teve como critério de seleção a

possibilidade de operacionalizar o problema. Como a literatura sobre Fronteiras é vasta, a

pesquisa explorou os modos como o termo é utilizado em diferentes trabalhos sobre o tópico.

Em pesquisas sobre fronteiras, os autores possuem alguns pontos concordantes e outros

díspares. Um primeiro ponto de discordância diz respeito à localização geográfica ao

empregar o termo.

Coloquialmente percebe-se que o termo fronteira é usado para demarcar o limite entre

dois Estados, para designar municípios limítrofes. No entanto, cidades de fronteira pode se

referir a municípios limítrofes e também não limítrofes, desde que estejam dentro da faixa de

fronteira. A Lei n° 6.634, de 02.05.79, que dispõe sobre a faixa de fronteira, considera “área

indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 km (cento e cinqüenta quilômetros)

de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional”9. Cabe ressaltar que o

Brasil, ao lado de Peru e Bolívia, são os únicos países da América do Sul que possuem faixa

de fronteira10. Nesse aspecto, faixa de fronteira ou zona de fronteira compreende todas

aquelas cidades que estão dentro desse raio, e não só as cidades limítrofes de um país.

Em alguns trabalhos sobre rádios de fronteira, tais como Raddatz (2007) e Zamin

(2006), verifica-se que os autores utilizam expressões tais como fronteira e cidades de

fronteira para se referirem a municípios limítrofes. Raddatz (2007), apesar de parecer

considerar tais elementos ao estudar o Rádio FM de Fronteira, toma por objeto de estudo as

emissoras de rádio de cidades limítrofes. Zamin (2006), de forma semelhante, recorre à

expressão cidades de fronteira para se referir aos municípios de Santana do Livramento e

Uruguaiana (formam divisa com Rivera-URU e Paso de los Libres-ARG, respectivamente). A

9 BRASIL. lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979. Dispõe sobre a faixa de fronteira. DNPM – Departamento

Nacional de Produção Mineral, Brasília, DF, 3 mai. 1979. Disponível em:

<http://www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=67&IDPagina=84&IDLegislacao=9> Acesso em: 10 abr.

2009. Estão em tramitação no Senado duas propostas de emenda à Constituição (PEC) no intento de diminuir a

área da faixa de fronteira. A primeira, do senador gaúcho Sérgio Zambiasi (PTB), pretende encurtar a faixa de

fronteira para 50 km. A segunda, de Osmar Dias (PDT-PR), quer reduzir o espaço para 15 km. 10

Silveira (2004, p. 18) apresenta mais in formações sobre a questão: “Verificando-se o contexto fronteiriço de

outras nações da América do Sul, Rebeca Steiman (2002) reuniu e analisou a legislação básica e os projetos

especiais, tendo constatado que parte dele foi construído em dissonância com normas anteriores e sem o

conhecimento, muitas vezes, das normas entre países limítro fes. A autora consta tou que apenas cinco países

possuem legislação específica sobre o tema promulgada na década de 90, sendo que Bolív ia e Peru designam os

50 Km internos para tal, enquanto Colômbia, Equador e Venezuela não especificam a sua largura” .

Page 19: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

18

autora, no entanto, toma o cuidado de usar a expressão município limítrofe para especificar as

localidades onde será aplicada sua pesquisa.

O conceito de Terras de Fronteira apresenta mais detalhes sobre a questão geográfica:

Terras de Fronteira como parte em parte formada pela atual fa ixa de

fronteira, além dos territórios geograficamente pertencentes à micro -reg ião da

Campanha (ou fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul), ademais das micro -regiões

das Missões e Depressão Central (também a divisão do estado em zonas turísticas

toma em consideração esta nossa noção, ao relacionar aspectos geográficos e

culturais), totalizando, assim, 182 municíp ios (SILVEIRA, 2002-a, p.4)

Esse conceito, ao abordar aspectos geográficos, instiga também outro tópico relevante

no estudo sobre a fronteira: a questão cultural. Ele sugere que o termo fronteira não se refere

só à localização geográfica, mas a todo um complexo intercultural que caracteriza tais

localidades.

A preocupação dada à nomenclatura é legitimada por um ponto levantado por todos os

autores pesquisados, a saber, que o sujeito fronteiriço11 - pelo tipo de experiência que vivencia

– é culturalmente híbrido. Nesse aspecto, supõe-se que quanto mais freqüente é o contato com

quem pertence a outro país, mais características híbridas refletem-se na forma de ser de quem

vive na fronteira. E aqui surge a questão que justifica tal preocupação: afinal, será que as

experiências de um sujeito de uma cidade limítrofe como Quaraí, Uruguaiana ou Santana do

Livramento são semelhantes às de sujeitos de cidades não limítrofes, mas que fazem parte da

faixa de fronteira?

Na seção destinada à análise da atividade midiática da Rádio Quaraí AM surgem

indícios de que a prática da emissora é, em alguns aspectos, facilitada e às vezes dificultada

por causa do contato diário com o país vizinho. A preocupação destinada à nomenclatura é

para evitar possíveis equívocos em relação ao uso de expressões como fronteira, faixa de

fronteira, ou cidade limítrofe neste trabalho. Neste caso, sempre que se fizer menção à

fronteira, estar-se-á tratando especificamente de uma cidade limítrofe (por mais que se tenha

em mente que outras cidades pertencentes à faixa de fronteira também sejam híbridas e

apresentem dificuldades semelhantes).

1.1.1 Fronteira e Hibridismo Cultural

11

Ou seja, o sujeito que pertence às localidades constituintes da faixa de fronteira.

Page 20: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

19

Para os autores pesquisados, o conceito de fronteira relaciona-se com a questão da

cultura. Para efeitos pragmáticos, cultura será entendida aqui como o conjunto de normas que

torna possível o funcionamento de um grupo social (PENTEADO, 2008). Para Raddatz:

Essa nova fronteira, a que nos referíamos antes, tem uma relação umbilical

com a questão da cultura. A linha imaginária e invisível concebe-se como um espaço

de convivência entre culturas que, às vezes, nem imaginávamos existir.

(RADDATZ, 2007, p.96-7)

Podemos dizer que a fronteira, nesse aspecto, é um espaço multicultural12, constituído

por dois povos diferentes. Esse conceito, apesar de ajudar no intento de analisar o conceito de

fronteira, não é suficiente para esgotá- lo, pois concebe as diferentes comunidades culturais

como sendo homogêneas e imutáveis mesmo após a sua interação. Dessa forma, estabelecer

um conceito de local para estudar o rádio na fronteira segundo essa perspectiva não seria

suficiente para explorar a riqueza da localidade, já que aparentemente as relações

estabelecidas entre os sujeitos dessas comunidades constroem novas identidades.

Foi dito no parágrafo anterior que a fronteira é um espaço onde há interações. Sendo

assim, a fronteira também é um espaço intercultural. A interculturalidade é entendida como

um processo comunicativo responsável pela interação entre culturas. Essa interação vai

promovendo as representações, as negociações e os conflitos entre os povos (RODRIGO,

1999).

As idéias de Bhabha (1998) auxiliam a entender o que acontece a partir dessa

interação:

O afastamento das singularidades de „classe‟ ou „gênero‟ como categorias

conceituais e organizacionais básicas resultou em uma consciência das posições do

sujeito – de raça, gênero, geração, local institucional, localidade geopolít ica,

orientação sexual – que habitam qualquer pretensão à identidade no mundo

moderno. O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de

passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar

aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças

culturais. Esses “entre-lugares” fornecem o terreno para a elaboração de estratégias

de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de identidade

e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia

de sociedade [...] É na emergência dos interstícios - a sobreposição e o deslocamento

de domín ios da diferença - que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação,

o interesse comunitário ou o valor cultural são negociados (BHABHA, 1998, p. 19-

20)

12

Segundo Hall (2003, p. 52): “Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os

problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferent es comunidades culturais

convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade

„orig inal‟. (...) é , por definição, p lural” .

Page 21: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

20

O autor não fala de uma simples interação entre dois grupos diferentes que se mantêm

“iguais” após esse contato. A partir dessa articulação de diferenças culturais, esses “entre-

lugares”, ou seja, “o espaço entre o nós e os outros, que não é nem nosso, nem dos outros,

pode ser um espaço instigante para cultivarmos o inter, o espaço privilegiado da negociação

cultural” (BHABHA apud BACKES, 2003, p. 64). Utilizando o termo de Bhabha (1998), é a

partir do interstício cultural que acontece uma hibridização dos sujeitos a partir da cultura.

Cabe ressaltar que esse espaço não consiste simplesmente em um momento de troca

de figurinhas entre membros de grupos culturais distintos. Seria, antes, um espaço

intermediário entre a minha cultura e a cultura do outro, onde alguém poderia conhecer a sua

própria cultura a partir da comparação com outra. Esse jogo de significações amplia o

conhecimento da cultura local, pois o indivíduo de um determinado grupo aprende a ver a si

mesmo pela perspectiva do outro. Ele adquire novos elementos que podem ser utilizados na

avaliação da própria cultura.

No caso das fronteiras, as malhas de interação criadas, seja por via de miscigenação

familiar, cultural, econômica, acabam construindo uma identidade que, mesmo contendo

elementos proporcionados pelas suas culturas, diferencia-se delas, formando no final uma

terceira, que contém elementos das culturas originais, mas que, de certa forma, diferencia-se

delas (BHABHA, 1998).

O trecho da fronteira gaúcha que corresponde à região campanha e à fronteira oeste,

por exemplo, foi marcada por conflitos históricos até a segunda metade do século XIX

(SILVEIRA, 2002-a). Esses séculos de conflitos, primeiro entre as coroas ibéricas, e depois

entre o Império do Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata estabeleceram uma

miscigenação que se estende a vários campos: sanguíneo, econômico, cultural. Tais interações

construíram/constroem formas de agir que fazem com que o sujeito ali residente adquira um

modo de viver próprio. “[...] os habitantes dos territórios de fronteira, ao mesmo tempo em

que são membros de instituições políticas, constroem redes de relações informais que

competem com o Estado (SILVEIRA, 2007, p.2)”.

O processo de construção das redes de relações informais em partes do território sul-

rio-grandense, como já exposto, é de tempos remotos. Nos estudos de Antropologia da

Civilização é possível identificar alguns indícios do por que tais práticas tornaram-se tão

enraizadas nas zonas fronteiriças com os países do Prata, através das relações construídas

pelos habitantes da região nos primórdios dos seus Estados-nação. Dois deles se fazem mais

Page 22: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

21

presentes: 1) a enorme distância do centro do Império do Brasil; 2) as décadas de conflito que

fizeram móvel a fronteira rio-grandense. Darcy Ribeiro explica:

Os caudilhos sulinos, brasileiros porque especialmente não castelhanos e

opostos a estes por suas antigas disputas, mas opostos também ao Império longínquo

– sem olhos e sensibilidade para seus problemas -, configuram uma etnia ainda não

inteiramente identificada com uma brasilidade remota que apenas desabrochava.

Seus conflitos fronteiriços e a sua independência frente ao Império mantêm toda a

campanha em pé de guerra, ao longo de décadas. É conflagrada pelas lutas entre os

caudilhos, nas célebres califórnias, em que disputavam campos e rebanhos; dos

caudilhos com os lavradores e comerciantes de origem açoriana, assentados no

litoral, apegados à autoridade central e almejando impor ordem à campanha; e de

parcelas de uns e outros contra o domínio imperial, pela república ou por qualquer

forma de governo que atendesse melhor às suas aspirações (RIBEIRO, 1995, p. 421)

O contrabando, por exemplo, é uma das atividades ilícitas edificadas nessa época. Ele

perdura até os dias de hoje13. A literatura regional de hoje ilustra tais especificidades:

O homem da fronteira não é que ele queira ser diferente. É sua natureza que

o faz d istinto. Existem características muito específicas da gente que lá nasce. Uma

delas é que todo fronteiriço é contrabandista de nascença. Traz impregnado em seus

genes o sentimento de que fazer compras do outro lado da fronteira é normal. Nem

lhe passa pela cabeça sentir culpa por introduzir no país algo que não é importado

por vias legais. Para ele, limites geográficos não são os mesmos dos mapas

cartográficos. Sua fronteira é delimitada pelo coração. E tudo isso dependendo da

ocasião e o motivo. As grandes divergências, como um exemplo, são o futebol. Mas

são poucas as diferenças. Outra coisa maravilhosa é a mistura, o entrevero de

palavras e os ditos populares. Eles costumam ter uma identidade própria, e já tem

estudiosos que dizem que lá se fala o "portunhol". Nas famílias misturadas, como é

gostoso sentir culturas diferentes. Lembrar das coisas de criança, e depois de adulto,

ver que tudo o que aconteceu foi uma aula de humanidade (PROENÇA, 2003, p.78)

Sendo uma zona limítrofe (como a fronteira Quaraí-Artigas) um lugar onde

identidades nacionais e costumes híbridos convivem, compartilhando semelhanças e

diferenças a ponto de se estabelecer uma identidade local, coloca-se uma dificuldade

conceitual que deve ser abordada se o pretendido é pesquisar rádios fronteiriças: como definir

o local em uma rádio de fronteira?

1.1.2 Estabelecendo o local em uma Rádio de Fronteira

Por causa da facilidade de acesso, e também para evitar dificuldades teóricas a respeito

de possíveis diferenças entre fronteiriços de cidades limítrofes e não- limítrofes, optou-se em

observar somente as características da atividade radiofônica em uma cidade limítrofe, Quaraí -

13

O filme El Baño del Papa, produzido em 2006, d irigido por Enrique Fernández e Cesar Charlone, ilustra

algumas dessas práticas em uma cidade de fronteira. Trailer disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=kH40Hdvncks&feature=related>. Acesso em: 28. nov. 2008.

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22

RS, mesmo tendo-se em conta que o conceito de fronteira abrange outras localidades que não

somente a analisada.

Um problema conceitual que surge nesses locais pode ser enunciado da seguinte

forma: como definir o local em rádios de cidades limítrofes? A pesquisa bibliográfica revelou

que, diferente do que é comumente definido como rádio local, as rádios de fronteira, como

nos mostra Zamin (2006), devem lidar constantemente com elementos de aproximação e

repulsão, semelhanças e diferenças, interesses comuns e interesses específicos. Entretanto,

não são apenas dualidades que as rádios fronteiriças consideram (ou deveriam considerar) em

suas programações. Raddatz (2007) diz que na programação de rádios de fronteira a questão

das práticas culturais pode ser percebida através de materiais que, apesar de serem veiculados

para dois países diferentes, expressam uma identidade compartilhada pelos dois povos. Isso

sugere que esse espaço intercultural permite a construção de uma identidade que, mesmo

contendo elementos proporcionados pelas suas culturas, diferencia-se delas, formando ao

final uma terceira, que contém elementos das culturas originais, mas que, de certa forma,

diferencia-se delas.

A partir das características levantadas pelas autoras surgem indícios sobre quais

elementos se devem levar em conta para definir o local em uma rádio de fronteira. Segundo

Vasques (2005), ser local significa ter uma linguagem que mantenha as características de seus

apresentadores, locutores e repórteres, sendo tais especificidades referentes à forma de falar,

ao sotaque e aos termos locais. De modo semelhante, Zamin (2006, p.5) diz que o “local pode

ser entendido como espaço delimitado no qual se desenrola a vida de determinado grupo ou

conjunto de grupos”.

Essas definições, apesar de fazerem menção a características das rádios de fronteira,

não parecem englobar de forma satisfatória a complexidade das mesmas, por serem genéricas

a ponto de não aludirem ao processo de hibridização dos sujeitos e dos costumes aí presentes.

As rádios de cidades limítrofes lidam com populações mescladas, que pertencem a dois países

distintos, mas constituídos por uma mesma raiz cultural, a do gauchismo. Essa condição

paradoxal manifesta-se em algumas práticas alternativas existentes nesse contexto, que ora

competem com as leis do estado por darem mais importância à realidade local, ora acusam as

mesmas práticas alternativas em prol do seu país de origem. O modo como isso se dá está em

constante elaboração14.

14

O processo de construção da identidade a partir do interstício cultural (BHABHA, 1998) não é algo já

finalizado ou em vias de finalização. A identidade compartilhada por essas populações está em constante

construção/reconstrução.

Page 24: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

23

Considerando o levantado até o momento, pode-se sugerir que rádio de fronteira lida

com “entre- lugares”, espaços híbridos de construção identitária. Sendo esse processo

contínuo, a emissora influencia e ao mesmo tempo é influenciada por ele. Isso se dá, dentre

outras coisas, pelo tipo de programação dessas emissoras, que veiculam conteúdos que se

estendem aos dois lados da fronteira. São dois povos ao representarem os seus respectivos

Estados-nação, mas é um único povo ao que se refere à identidade local.

1.1.3 A Malha de Comunicação Local-internacional e a Ordem Heterônoma

A articulação da comunicação em terras de fronteira, tendo-se em conta o vínculo

duplo das rádios fronteiriças, é abordada pelo conceito de malha de comunicação local-

internacional. Silveira a define da seguinte forma:

[...] uma membrana que separa, recebe e transmite vibrações. Ela pretende

expressar a auto-compreensão de uma sociedade mediada por sua relação a um

Estado-nação e polarizada por uma lealdade cruzada claramente em dois níveis: o

político, responsável por sua vinculação ao Brasil, e o cultural, compreendido pelo

pertencimento histórico à conformação do espaço platino. Sua condição fronteiriça

lhe determina uma cotidianidade permeada pelas relações de poder das nações

circunvizinhas e guiada por sua pertença irrecusável a uma delas. Trata-se de um

circuito composto de canais e/ou agentes interligados segundo o princípio unificador

de atividades midiáticas que, de outra forma, estariam d ispersas em centenas de

práticas atuantes no nível local - o território fronteiriço-, com sentidas repercussões

no nível internacional, a saber, o espaço colindante dos Estados -nação do Cone Sul.

Assim compreendida, a malha envolve a estrutura permanente de canais e/ou

agentes variados e os processos comunicacionais deles decorrentes (SILVEIRA,

2008, p.3-4).

Esse conceito afirma que as sociedades fronteiriças estão sujeitas a uma lealdade

cruzada em pelo menos dois âmbitos: “o político, responsável por sua vinculação ao Brasil, e

o cultural, compreendido pelo pertencimento histórico à conformação do espaço platino”

(SILVEIRA, 2008). Através da sua atividade midiática os meios de comunicação auxiliam na

construção/fixação desses canais por onde acontece a hibridização fronteiriça, mas são, ao

mesmo tempo, responsáveis por divulgar materiais que reafirmam o seu pertencimento ao

Estado-nação ao qual fazem parte. Os meios de comunicação da fronteira, dentre os quais se

incluem as rádios de fronteira, estão submetidos a essa ordem heterônoma.

No âmbito político, essa dialética se caracteriza pela marginalidade das Terras de

Fronteira frente ao Estado-nação, cabendo a essas cidades a manutenção dos interesses do

Estado brasileiro, através da adequação a uma rígida estrutura burocrática que atende às

políticas internacionais vigentes frente ao Estado-nação vizinho; no meio cultural, elas

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24

usufruem de uma cultura híbrida construída a partir de séculos de aproximação com as

culturas platinas15, que resultou em uma “malha de comunicação heterogênea [...],

desconhecida e por vezes irreconhecível ou indiscernível por outras sociedades” (SILVEIRA,

2008, p. 9).

1.2 A FRONTEIRA DA CONCÓRDIA: QUARAÍ (BRA)-ARTIGAS (URU)

Localizada na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, entre as cidades de

Santana do Livramento e Uruguaiana, essa fronteira foi primitivamente habitada por diversos

grupos indígenas, tais como Jaros, Guaicurus e Charruas. Foi também parte integrante do

território das Missões Orientais do Uruguai. Suas terras foram motivo de grandes disputas

entre Portugal e Espanha que se alternavam em sua posse. Foi reduto de tropas artiguistas,

bem como mais tarde palco de lutas como resultante de sua incorporação ao grupo

republicano durante a Revolução Farroupilha.

Até então esse território alternava seu domínio entre o Império do Brasil e os países do

Prata. As primeiras ações que fizeram com que a fronteira adquirisse a configuração atual

ocorreram anos mais tarde, durante a Guerra Civil que se deu no Urugua i entre blancos e

colorados.

Ao final da Guerra Grande, em troca da ajuda do Brasil para derrotar a Rosas,

Andrés Lamas, Embaixador Uruguaio, no Rio de Janeiro firma 5 (cinco) Tratados. O

Tratado de Limites estabelece como divisa o Quaraí e o Jaguarão. (CHEGUHEM,

1991-b, p. 11)

A cidade de Quaraí, assim, nasceu de uma decorrência política de necessidade de

fixação brasileira frente ao Uruguai. Em 1852, o governo uruguaio fundou San Eugenio del

15

“Os gaúchos brasileiros têm uma formação histórica comum à dos demais gaúchos platinos. Surgem da

transfiguração étnica das populações mestiças de varões espanhóis e lusitanos com mulheres Guaran i.

Especializam-se na exploração do gado, alçado e selvagem, que se mult iplicava prodigiosamente nas pradarias

naturais das duas margens do rio da Prata” (RIBEIRO, 1995, p. 408). Segundo o autor, a princípio os gaúchos

não se identificavam nem com os espanhóis e nem com os portugueses, eram nômades mestiços não atrelados a

quaisquer instâncias. Tal proximidade iniciou aproximadamente no primórdio dos estados nacionais da região do

Prata, graças a uma complexa rede de vínculos construída durante o processo de ocupação da campanha, e dos

ulteriores anos de conflito. Interessante também é a e xpressão usada pelo autor ao tratar sobre o Brasil Su lino.

Darcy Ribeiro utiliza “os representantes atuais dos antigos gaúchos” (1995, p. 409). Essa expressão sugere que,

apesar da tentativa atual do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) de construir e legitimar uma identidade a

partir da figura do gaúcho nômade e mestiço (vítima no processo civilizatório, segundo o antropólogo; herói

destemido e orgulhoso, para os tradicionalistas), predomina em alguns gaúchos de hoje a influência herdada dos

europeus, que muito dista dos primeiros. Para mais informações sobre o processo de marginalização do gaúcho

original, cf. RIBEIRO, 1995, p. 408-44. Cf. também RIBEIRO, 1977, p. 477-84. Neste último o autor fala em

processo de extermínio do gaúcho. Na literatura, essa figura é ilustrada pela Trilogia do Gaúcho a Pé, de Cyro

Martins. A trilogia é composta por Sem Rumo (1937), Porteira Fechada (1944) e Estrada Nova (1954).

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25

Cuareim, atual departamento de Artigas16, à margem esquerda do Rio Quaraí. O governo

Imperial fortificou a margem direita, destacando uma guarnição militar comandada pelo

Coronel Simeão Francisco Pereira. Tal guarnição, em 1859, veio a se transformar na

Freguesia de São João Batista de Quarahyn (CHEGUHEM, 1991-a, p. 18). A criação dos dois

povoados foi o primeiro passo para essa fronteira adquirir a configuração atual, já que até

então os caudilhos que tinham posse de terras nessa localidade viviam em pé de guerra.

Atualmente a população do município de Quaraí, entre a sede e a sua zona rural, conta

com aproximadamente 22.883 habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE)17. A área do município é de 3.147 km². Artigas, cidade sede do

departamento de mesmo nome, localizada no extremo norte da República Oriental do

Uruguai, herda o nome do prócer de seu país, o caudilho José Gervasio Artigas 18. O

departamento tem 11.928 km², com população aproximada de 75.066 habitantes, residindo

40.249 desses na cidade sede19. A importância de se conhecer tais dados reside no fato de que

a Rádio Quaraí AM tem parte da sua programação voltada para a população rural dos dois

municípios.

As duas cidades têm forte tradição agropecuarista, tendo na produção primária a sua

principal fonte de renda. No início do século XX, Quaraí possuía duas grandes charqueadas: a

16

Departamento no Uruguai equivale a Estado no Brasil. 17

IBGE. Es timativas da população para 1° de julho de 2009. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009_DOU.pdf >.

Acesso em: 16 ago. 2009. 18

Interessante é a trajetória do general José Gervasio Artigas. Após as decisivas participações na guerra de

emancipação dos países do Prata contra a coroa ibérica, procedeu com a criação da Liga Federal, que

contemplava territórios da atual Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul. O seu programa previa uma reforma

agrária nas terras da bacia do Prata, transformando o gaúcho simples em proprietário de terra em uma república

liv re. Seus ideais libertários, republicanos e reformistas - que na posteridade o fizeram prócer do povo uruguaio

sob os títulos de Jefe de Los Orientales e Protector de Los Pueblos Libres - fez com que na época o general

fosse perseguido tanto pelo Império do Brasil quanto pelos caudilhos platinos. Ao seu lado, leais, ficaram apenas

os negros, gaúchos e indígenas que desde os primórdios do caudilho fo ram os seus companheiros na vida do

campo. Tais personagens eram considerados pela alta sociedade montevideana e portenha a parte marg inalizada

da sociedade. Assim descrevia o comerciante britânico John Parish Robertson o acampamento que viria a se

tornar por pouco tempo a capital da Liga Federal, chamada Purificación: “Tenía alrededor de 1.500 seguidores

andrajosos en su campamento que actuaban en la doble capacidad de infantes y jinetes. Eran indios

principalmente sacados de los decaídos establecimientos jesuíticos, admirables jinetes y endurecidos en toda

clase de privaciones y fatigas. Las lomas y fértiles llanuras de la Banda Oriental y Entre Ríos suministraban

abundante pasto para sus caballos, y numerosos ganados para alimentarse. Poco más necesitaban . Chaquetilla

y un poncho ceñido en la cintura a modo de kilt escocés, mientras otro colgaba de sus hombros, completaban

con el gorro de fajina y un par de botas de potro, grandes espuelas, sable, trabuco y cuchillo, el atavío

artigueño. Su campamento lo formaban filas de toldos de cuero y ranchos de barro; y éstos, con una media

docena de casuchas de mejor aspecto, constituían lo que se llamaba Villa de la Purificación ”. Extraído de EL 23

DE SETIEMBRE DE 2000: JOSÉ ARTIGAS A 150 AÑOS DE SU MUERTE. In : URUGUAYTotal.com.

Disponível em: <http://www.uruguaytotal.com/especiales/artigas2.htm>. Acesso em: 12. ago. 2009. Cf.

RIBEIRO, 1997, p. 468. Cf. ainda GALEANO, 1979, p. 128-33. 19

Informações extraídas do sítio da Intendência de Artigas. Disponível em:

<http://www.artigas.gub.uy/WebArtigas/>. Acesso em: 02. set 2009.

Page 27: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

26

de Novo Quaraí e a de São Carlos. Os saladeiros, como são conhecidos na região, tiveram o

seu ápice no período compreendido entre os anos de 1894-1923. Apesar da sua grande

importância histórica, o interesse nelas, para esta pesquisa, reside no fato da sua história

corroborar laços alternativos criados com os uruguaios a partir das dificuldades de acesso a

outros locais do Estado e também do país. O empreendimento, segundo Cheguhem (1991, p.

142): “era destinado a suprir os Portos do Litoral Brasileiro, mas não havia estradas

transitáveis que ligassem Quaraí ao Centro do País”. Por proximidade política de algumas

personalidades da época frente a autoridades uruguaias, conseguiu-se uma concessão especial

para transportar os produtos para o litoral brasileiro através do porto de Montevidéu.

Este fato incentivou a cobiça de exportadores uruguaios que se aproveitavam

de nossa concessão para juntar suas mercadorias ao nosso charque. Isto originou o

contrabando em alta escala do qual ficou ciente o governo brasileiro que em 1928

resolveu decretar uma Lei Federal (Lei da Desnacionalização do Charque) na qual

proibia a entrada do Charque em território brasileiro, tendo, por esta razão,

fracassado a comercialização do nosso Charque. Essa Lei que vedava o trânsito do

Charque que era levado aos nossos portos do litoral através dos portos do território

uruguaio sem as taxas de exportação e respectiva importação, oneraria tanto o

produto que o colocou fora do mercado nacional, seu maior consumidor.

(CHEGUHEM, 1991-a, p. 143)

Os estrangeiros que imigraram para a região (dentre eles árabes e italianos), por sua

vez, fortaleceram outra prática que é forte entre as duas cidades: o comércio. Ele fo i facilitado

após a inauguração da Ponte Internacional da Concórdia em 1968 20. Nos dias de hoje é

possível verificar a forte dependência que as duas cidades têm entre si nesse segmento, já que

durante o dia a Ponte da Concórdia é tomada por uruguaios e bras ileiros que buscam

mercadorias nos dois lados da fronteira.

Pela sua localização geográfica as cidades de Quaraí e Artigas constituem uma das

principais portas de escoamento de mercadorias do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL),

já que ficam a uma distância semelhante de capitais como Porto Alegre, Buenos Aires,

Montevidéu e Assunção. A cidade de Quaraí possui duas emissoras de rádio e dois jornais

impressos. Artigas, por sua vez, possui sete emissoras de rádio homologadas, outras tantas

não homologadas e uma emissora de TV independente.

Constituída dessa forma, a fronteira Quaraí-Artigas aprendeu a conviver cordialmente

com as diferenças, miscigenando-se entre si, de tal forma que aos olhos do fronteiriço essa

experiência, como sugere Proença (2003, p.78), é uma “aula de humanidade”.

20

Até a década de 60 o transporte de passageiros pelo Rio Quaraí era feito em botes. A prática dos boteiros é

ilustrada no romance Sem Rumo, de Cyro Mart ins. Atualmente é possível observar carroceiros transportando

mercadorias pelo rio nos dois sentidos.

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27

2 ANÁLISE DA ATIVIDADE MIDIÁTICA DA RÁDIO QUARAÍ AM

2.1 A CIDADE SE DIVERTE: A CONSTRUÇÃO/FIXAÇÃO DE CANAIS HÍBRIDOS

ATRAVÉS DA RÁDIO QUARAÍ AM

No final da década de 50, quando o rádio no Brasil já começava a perder parte do seu

romantismo inicial graças ao advento da televisão, surge a Rádio Quaraí AM na fronteira

Quaraí-Artigas. Nessa fronteira, considerando que a população não possuía ainda nem energia

elétrica em tempo integral (pelo menos em Quaraí), o advento da sua primeira emissora de

rádio causou grande expectativa frente ao que iria proceder a partir de então. Apesar de já se

captar emissoras de rádio de cidades vizinhas (as pessoas que tinham receptores ouviam as

emissoras de Uruguaiana, Alegrete, bem como emissoras argentinas e uruguaias), o fato de se

ter uma programação voltada para o local - trabalhando com elementos híbridos já

estabelecidos da cultura, e outros em processo de elaboração - era uma novidade.

ZYU 56, ZYH 335 e atualmente ZYK 282, esses são os prefixos que marcam a

trajetória da Rádio Quaraí AM. Fundada em 17 de março de 1957, a emissora, localizada na

fronteira oeste do Rio Grande do Sul, na cidade fronteiriça de Quaraí, desde os seus

primórdios trabalhou com elementos híbridos da comunidade local. Isso graças aos programas

de auditório que um dia produziu, bem como às radionovelas próprias que chegaram a ser

adaptadas para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, ou ainda com os incontáveis programas

que até hoje são voltados ao gauchismo, que constitui um elo entre brasileiros e uruguaios

residentes nesse local. A emissora, no entanto, nunca deixou de realçar o seu pertencimento

ao Estado-nação ao qual pertence. A vinheta a seguir, que atualmente é utilizada nos os blocos

comerciais da emissora, é um exemplo disso:

Operando em 1540 kHz, desde a República Federativa do Brasil, estado do

Rio Grande do Sul, cidade de Quaraí: ZYK 282, Rádio Quaraí, há mais de meio

século unindo povos de Brasil, Uruguai e Argentina.

Analisando a vinheta percebe-se que mesmo emblemática no sentido de situá-la como

pertencente ao Estado Brasileiro na região, servindo de porta-voz dos seus interesses frente ao

Uruguai e à Argentina, ela também representa a população híbrida que constitui a fronteira:

há mais de meio século unindo povos de Brasil, Uruguai e Argentina. Dentre outras coisas,

pode-se dizer que isso se dá graças à sua programação, que é voltada à cidade e ao campo, já

que o município de Quaraí e o departamento de Artigas possuem uma vasta extensão rural.

Esta outra vinheta realça essa característica:

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28

[música Gauchinha Bem Querer, dos Três Xirus, ao fundo] - Por estarmos

situados na região da campanha gaúcha, direcionamos 50% da nossa programação

ao folclore e ao nativismo. Rádio Quaraí, há quase meio século integrando cidade,

interior, e fronteiras Brasil, Uruguai e Argentina.

Essas vinhetas, no entanto, só sustentam com convicção a sua atuação como

representante do nível local por causa dos vínculos construídos pela emissora com a sociedade

fronteiriça desde os seus primórdios. Nesse aspecto, os seus microfones desde sempre

serviram como elo entre o habitante da fronteira e o mundo, seja divertindo os ouvintes com

músicas gauchescas, brasileiras e internacionais, ou ainda com programas que instigam à

participação dos ouvintes; informando, com notícias locais, nacionais e internacionais;

auxiliando quando necessário, através das suas campanhas sociais; ou ainda oferecendo

espaço para as manifestações de quem vê nela a maneira mais eficaz de expor os seus anseios

e/ou insatisfações.

O material acessado por esta pesquisa, apesar de fragmentado e por vezes com grandes

lacunas temporais, ressalta os modos como se deu processo de construção dos laços da

emissora com a sociedade fronteiriça ao longo de mais de meio século de existência.

No início das suas atividades, a emissora adotou o padrão do Rádio Espetáculo.

Segundo Ferraretto (2007, p. 112), as emissoras dessa época eram caracterizadas por “uma

programação voltada ao entretenimento, predominando programas de auditório, radionovelas

e humorísticos”. Além desses, as coberturas esportivas também compunham a programação

das emissoras de então.

Desse período, A Cidade se Diverte foi um dos primeiros programas veiculados pela

Rádio Quaraí AM depois da sua inauguração. O programa de auditório acontecia no cinema

que havia na cidade, o cine-teatro Carlos Gomes. Segundo Ponte (2000, p. 21): “as pessoas

lotavam o cinema da cidade do qual era transmitido, e participavam de diversas brincadeiras,

sorteios e assistiam a um show de calouros”. Os participantes, pessoas da comunidade, eram

brasileiros e uruguaios que estavam experimentando a grande novidade da fronteira: uma

emissora de rádio. “Qualquer um podia participar”, diz em entrevista uma das sócias da

emissora e viúva de Jorge Japur, Izar Teixeira Lamb21. “Era só ter coragem de subir ao

21

Jorge Japur, nascido em 14 de junho de 1926, foi o fundador da Rádio Quaraí AM. Segundo a edição de 11 de

junho de 2003 do jornal Zero Hora, um d ia após o seu falecimento, “Japur era considerado um ícone do

radialis mo”, por ter atuado mais de 50 anos no ramo. Filho de imigrantes libaneses, desde pequeno despertou o

gosto pela eletrônica e era fascinado pelo cinema e pelo rád io. Ao lado de familiares, como o seu irmão Nadir

Japur, e de amigos como o uruguaio Basílio Borgato, pôs em prática o sonho de criar uma emissora na cidade de

Quaraí. Autodidata, construiu um transmissor artesanal que serviu para pôr em funcionamento a emissora antes

de ela ser legalizada, em 1957. Fo i um dos sócios fundadores da Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e

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29

palco... Nós ríamos muito”, complementa dona Izar. Os uruguaios, por sua vez, atravessavam

o Rio Quaraí em botes para poderem participar, já que ainda não existia nessa época a Ponte

da Concórdia. O programa foi um sucesso na fronteira ao lado das radionovelas produzidas

pela emissora.

Estas possuem uma especificidade: a mescla do talento da escritora e radioatriz carioca

Hedy Maia, consagrada na Rádio Nacional do Rio de Janeiro nas décadas de 40 e 50, com a

utilização de um elenco amador composto por brasileiros e uruguaios que experimentavam o

rádio pela primeira vez. “Quem poderia imaginar que uma emissora localizada em um dos

extremos do país teria radionovelas próprias escritas por tão prestigiada personalidade?”22,

comenta Izar Teixeira Lamb.

As páginas amareladas dos scripts das quatro radionovelas produzidas pela Rádio

Quaraí AM durante a estada de Hedy Maia em Quaraí, guardadas hoje em um dos escritórios

da emissora, é um valioso registro de como a questão fronteiriça foi tratada na era de ouro do

rádio. A emissora produziu quatro radionovelas, a saber: A Canção da Vingança, A Loura de

Vermelho (que posteriormente ficou conhecida como La Rubia de Rojo), Os mortos não falam

e Sorriso do Cadáver.

Ao descrever o contexto em que eram feitas tais produções, Ponte (2000) comenta:

Uma época em que as pessoas não cobravam nada para servir de

entretenimento. Pois, conforme dona Izar, nem os atores, nem a própria Hedy Maia,

recebiam cachê para fazer o rad ioteatro. Era tudo feito apenas pelo prazer de

interpretar e criar enredos e personagens inalcançáveis. Uma época de ingenuidade

Televisão (AGERT). Casado três vezes, teve três filhos: Vânia Japur e Harvey Japur do p rimeiro casamento, e

Jorge Alberto Lamb Japur, jornalista responsável e atual diretor executivo da Rádio Quaraí AM, fruto do seu

matrimônio com Izar Teixeira Lamb, que atualmente é uma das sócias da emissora. Sempre irreverente Japur foi

locutor dos programas Ponto de Encontro e do Informativo do meio-dia. No primeiro, falava dos problemas da

comunidade e fazia campanhas para famílias carentes. No informativo do meio-dia repassava recados, muitas

vezes cômicos, aos moradores da zona rural dos municípios de Quaraí e Art igas. No dia do seu falecimento, 10

de junho de 2003, a emissora não fechou, atendendo a um pedido feito pelo próprio Japur em vida: “Quando eu

morrer, a rádio tem que ficar aberta para que todos saibam que eu morri”, brincava Japur. Nem fo i preciso, já

que no dia do seu enterro a cidade parou. O prefeito de então decretou três dias de luto oficial. A emissora

veiculou durante todo o dia um CD que continha músicas em que Japur cantava serestas e boleros. Nesse

período, brasileiros e uruguaios tristes vinham deixar as suas últimas homenagens através dos microfones da

Rádio Quaraí AM. Para o autor desta monografia, neto de Jorge Japur, um dos depoimentos mais emblemáticos

foi feito por um uruguaio que disse o seguinte aos prantos: “Japur no fue alguien importante solamente para

Quaraí... Artigas también llora, por todo que él hizo y nos enseño… La comunidad de Artigas reconoce todo que

la radio hizo por nuestra gente… Si, la frontera tiene una deuda contigo… hoy es un día triste” . 22

Hedy Maia foi uma importante autora de radionovelas na década de 40 e 50. Na década de 60 escreveu

novelas também para a telev isão. Segundo Ponte (2000, p. 35): “Hedy Maia já havia trabalhado na Rádio

Nacional do Rio de Janeiro como radioatriz, além de ter sido escritora de algumas das novelas, na metade da

década de 40 e início dos anos 50. Ela vivenciou o auge desse gênero, introduzido pelos cubanos na América

Latina”. A escritora é também autora de prestigiadas novelas veiculadas pela TV Globo, como A Grande

Mentira (1968) e Cabana do Pai Tomás (1969). Casada com militar, esteve em Quaraí no final da década de 50,

durante o período em que seu marido serviu no 5° Regimento de Cavalaria Mecanizado (5° RCMec).

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tanto na forma de se fazer rádio, quanto na maneira de se ganhar a vida, o dinheiro

com esse veículo (PONTE, 2000, p.46-7)

Compunha o elenco das radionovelas o proprietário da Rádio Quaraí, Jorge Japur, os

seus irmãos, Nadir Japur e Olga Japur (primeira locutora da Rádio Quaraí), o uruguaio Basílio

Borgato23, bem como parentes e amigos. Segundo dona Izar, essa foi uma das fases mais

promissoras da Rádio Quaraí AM. Isso tanto nas reminiscências de quem atuou nas

radionovelas quanto na de ouvintes dos dois lados da fronteira, seja pelo fascínio causado por

ter uma emissora local produzindo material de qualidade equiparável ao da Rádio Nacional –

graças ao talento de Hedy Maia e dos seus artistas improvisados – seja pelos causos que

ficaram na memória de quem, hoje, rememora o passado com carinho:

La primera emisora que tuvo la frontera fue la Radio Quaraí, de la vecina

ciudad brasileña del mismo nombre. Allí, el propietario de la misma, el Turco J...

[Jorge Japur], intentó hacer un radioteatro local, donde su esposa hacía de estrella

femenina. No recuerdo el nombre del personaje que ella interpretaba, pero

pongámosle "María". Borgato también participaba. Su personaje se llamaba

"Montenegro". En determinado momento Montenegro y María debían protagonizar

una fogosa escena de amor. El diálogo se produjo de la siguiente forma: la mujer

decía el nombre del personaje de Borgato, y éste respondía con el nombre de la

heroína, siempre en tono meloso:

"Montenegro"..."María"..."Montenegro"..."María". Así hasta que Montenegro se

excedió en la composición del personaje, y la protagonista solo pudo exclamar:

“Me solta, Borgato!”24

Segundo Ponte (2000): “antes mesmo do Brasil questionar quem matou Salomão

Ayala [...], na pequena Quaraí, no fim da década de 50, a população queria descobrir quem

havia matado a personagem Jandira” (PONTE, 2000, p. 44). Foi feito um concurso na cidade

sobre o destino da personagem, que fazia parte da radionovela Os Mortos não Falam. A

participação da população de Quaraí e Artigas foi maciça, segundo Izar Teixeira Lamb. É

provável que o primeiro contato dos uruguaios com as novelas brasileiras tenha se dado nessa

região pela Rádio Quaraí AM, já que a televisão não havia chegado nesse local.

As lembranças das pessoas que conviveram com as radionovelas são carregadas de

emoções. Carinho, risadas e algumas gafes, enfim, essas histórias corroboram o impacto que

as radionovelas produzidas pela emissora tiveram na sociedade fronteiriça de então. No seu

23

Basílio Borgato sempre fo i um dos grandes amigos de Jorge Japur. Compartilhava com este o gosto pelo

cinema e o fascínio pelo rád io. Ajudou Jorge Japur na criação da Rádio Quaraí, e trabalhava nela como locutor

durante o período do dia em que não havia energia elétrica em Quaraí, fazendo uma programação em espa nhol

voltada a Artigas. Fundou em 1963 a Radio Frontera, e lá ficou conhecido pelo modo irreverente como fazia

propaganda para os seus anunciantes. Durante o processo de legalização da Rádio Quaraí, período em que Jorge

Japur fugiu para o Uruguai com medo de represálias, Borgato hospedou Japur em sua casa. Mais informações na

seção 2.2. 24

Comentário de internauta extraído de ALLÁ LEJOS Y HACE TIEMPO... In : TODO.com.uy. Disponível em:

<http://memorias.todouy.com/mempdartigas.htm>. Acesso em: 19 out. 2009.

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estudo, Ponte (2000) atenta ainda para o modo como a escritora dividia os papéis entre os

radioatores.

Basílio Borgato, por ter uma voz grave, enfática, com certo grau de ironia,

normalmente era convocado por Hedy Maia para fazer o papel de “descendente de índio ou de

o castelhano peleador, justamente pelo seu perfil meio machista” (PONTE, 2000, p. 41). É

por causa da sua participação, inclusive, que a novela A Loura de Vermelho ficou conhecida

como La Rubia de Rojo. A escritora escolhia os papéis de acordo com o perfil de cada um dos

atores. Segundo Ponte, Jorge Japur interpretava o galã:

Ele afirma que era por ser diretor que a escritora o colocava como

personagem principal. No entanto, ela talvez o escolhesse pelo seu timbre de voz

diferente e, principalmente, pelo seu jeito de conquistador. Izar Teixeira Lamb era

normalmente escolhida como a mocinha das tramas , provavelmente pelo seu aspecto

frágil (2000, p. 41)

Hedy Maia reservou ainda para Milton Souza, um dos primeiros locutores da Rádio

Quaraí, o papel do capataz Mariano em Os mortos não falam, radionovela inspirada na

história de Quaraí25. Segundo Ponte (2000, p. 42): “Ele se revelou como o melhor ator do

casting na opinião de dona Izar, e quiçá de Hedy Maia, de quem recebeu muitos elogios”.

Ponte menciona ainda uma curiosidade: o teor de uma carta enviada por Hedy Maia à

sua amiga Izar Teixeira Lamb no final da década de 60, período em que estava adaptando para

o português A Cabana do Pai Tomás, novela transmitida pela Rede Globo em 1969. Segundo

a autora:

Na carta, além de noticiar o falecimento de seu marido, conta que adaptou

para a Rádio Nacional a novela Os Mortos não Falam com o nome de Terra sem

Alma, fazendo o maior sucesso. – Naquela época, tinha um radioator, o Cícero

Acaiaba, que era famoso e fez o papel do Milton Souza, e ela mandou dizer que:

“por incrível que pareça o Cícero Acaiaba não conseguiu superar o Milton Souza

no papel do Mariano” (PONTE, 2000, p. 48-9)

Pode-se dizer que as radionovelas produzidas pela Rádio Quaraí AM foram uma

experiência in loco de como um gênero consolidado no centro do país funcionou em um dos

seus extremos, não simplesmente reproduzindo produções prontas, mas utilizando o talento de

alguém de lá para criar histórias que incorporavam o modo de ser da fronteira ao seu enredo.

Ainda durante esse período pode-se citar as transmissões esportivas da Rádio Quaraí

AM. Narrações de competições esportivas entre brasileiros e uruguaios, entre os times de

25

Milton Souza, já falecido, foi um dos primeiros locutores da Rádio Quaraí AM. Talentoso, após trabalhar

alguns anos na emissora foi contratado pela Rádio São Miguel AM, de Uruguaiana. Foi idealizador e um dos

fundadores de um dos principais festivais nativistas do estado, a Califórnia da Canção Nativa, de Uruguaiana.

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Quaraí, transmissões bilíngües, dentre outros, ajudaram a aproximar a comunidade dos dois

lados da fronteira. “Ficaram famosas as transmissões dos jogos de futebol entre Quaraí

Futebol Clube e o Brasil Futebol Clube” (PONTE, 2000, p. 22).

A respeito do futebol, nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1994, a emissora

realizou uma transmissão bilíngüe durante as partidas realizadas entre Brasil e Uruguai. “A

emissora levou dois locutores, um brasileiro da própria rádio, Cléber de Oliveira, e o outro,

radialista cedido pela Radio Frontera de Artigas” (PONTE, 2000, p. 24). Quando o Brasil

estava com a posse de bola, o radialista brasileiro fazia a locução; quando a posse era da

seleção uruguaia, o outro locutor narrava em espanhol.

Até o ano de 2009, a emissora, que possui equipe esportiva própria, realizava a

cobertura dos jogos dos principais times do Rio Grande do Sul, Internacional e Grêmio, nos

principais campeonatos do país. As transmissões eventualmente contavam co m a participação

de torcedores e comentaristas uruguaios. Por conta dos custos elevados, a rádio teve que

finalizar as transmissões e hoje retransmite os jogos pela Rádio Bandeirantes AM de Porto

Alegre.

Os avisos, notas e comunicados da emissora, principalmente os veiculados no

Informativo do meio-dia, também são importantes no sentido de integrar a população de

Quaraí e Artigas. “Atenção no interior do município, atenção no interior do município...”,

alertava Jorge Japur, que desde os princípios da emissora – até 2003 - foi o responsável pelo

Informativo. “Fulano, avisam aqui da cidade que cicrano está doente... é importante que tu

venhas pra cá já”. A verdade, no entanto, é que a pessoa adoentada havia falecido no hospital

de Quaraí, e estava posta a questão de como avisar os familiares do mesmo – moradores do

interior do município - sobre isso. Eis então que foram veiculadas as palavras que, dentre

outras, eternizaram-se na memória de brasileiros e uruguaios da fronteira como mais uma das

passagens que, ainda hoje, ouvintes recordam com carinho: “por via das dúvidas, vem de

luto!”.

Jorge Japur recorria ao humor também na hora de fazer anúncios comerciais,

provavelmente por acreditar que isso auxiliava na fixação de uma marca ou promoção.

“Vendem-se camas para bebês de ferro”, “vendem-se botas para homens de borracha”, ou

ainda “vendem-se gaiolas para papagaios de ferro”, essas eram algumas das brincadeiras que

o radialista fazia durante O Ponto de Encontro ou o Informativo do meio-dia. Além disso,

Jorge Japur, filho de libaneses, costumava implicar nos seus discursos com a comunidade

palestina que vive na cidade. Certa vez, ao fazer referência aos conflitos israelo-palestinos,

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disse: “Eu sou a favor de Israel e dos Estados Unidos, tem que matar toda essa gentalha

palestina!”.

Os funcionários da emissora, atônitos, diziam-lhe para ter cuidado com as afirmações.

“E não é que ele sai pela cidade depois, indo às lojas dos palestinos para discutir com eles

sobre as bobagens que tinha falado?”, comenta Jorge Alberto Lamb Japur. “Todo mundo

achava uma farra, a ponto de rirem de questões sérias como o conflito sem problema algum”,

acrescenta Jorge Alberto. O que é ainda mais incrível para o diretor é o fato de serem esses

palestinos que riam das afirmações os mesmos que imigraram para o Brasil fugindo dos

conflitos no Oriente Médio. É provável que em outros contextos esse tipo de afirmação

pudesse gerar conseqüências graves. Jorge Japur, no entanto, não fazia esse mesmo tipo de

comentário a respeito dos uruguaios, provavelmente porque, para ele, não havia diferenças

entre quem vivia em Quaraí ou Artigas, já que eram simplesmente fronteiriços.

Em estudos sobre comunicação em faixa de fronteira é comum verificar ênfase à

importância dos comunicados para o interior realizados pelas emissoras dos municípios da

fronteira. Silveira e Adamczuk (2004, p.123) afirmam: “o alto grau de importância deste

serviço se verifica na medida em que o rádio constituía-se no único meio de comunicação

entre a área urbana e rural”. Pessoas com parentes no interior, latifundiários com avisos para

os seus trabalhadores rurais, comunicados dos órgãos municipais, dentre outros, constituem o

tipo de conteúdo que até hoje é veiculado por esses avisos26.

Hoje em dia esse tipo de serviço é mais restrito, já que o desenvolvimento tecnológico

permitiu que outras formas de comunicação fossem estabelecidas entre a área urbana e a área

rural do município. Radiotransmissores que normalmente utilizam antenas colocadas no

telhado de casas e posteriormente a telefonia móvel diminuíram a necessidade da emissora

para esse tipo de tarefa27. O que não quer dizer, no entanto, que o serviço não seja mais usual

ou menos importante, já que essas tecnologias não cobrem parte dos municípios de Artigas e

Quaraí. O rádio AM continua sendo o único capaz de cobrir praticamente 100% desses

territórios. De acordo com o atual diretor da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, é comum de

se ouvir na Rádio Quaraí AM avisos como, por exemplo: “Atenção fulano no interior do

município, cicrano avisa que precisa falar urgente contigo, mas o teu celular não está

pegando”. Além desses, outros avisos para o interior também são comuns, como este

26

Segundo Ponte (2000, p. 40): “os hilários avisos do meio -dia tinham, em sua maior parte, graves erros de

concordância e gramática. Eles, no entanto, não podiam ser modificados, porque as pessoas que os redigiam não

aceitavam que fossem corrigidos. Alguns alegavam que atrapalharia a compreensão de quem iria receber a

mensagem”. 27

A cidade de Artigas possui na atualidade uma in fin idade de radiotransmissores desse tipo, reflexo da grande

quantidade de produtores primários. Cf. anexo.

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veiculado no dia 03.11.2009 no Informativo do meio-dia: “Desapareceu entre quinta e sexta-

feira uma porca branca de rabo curto (Pitoca), do estabelecimento de fulano de tal, no Quaraí–

Mirim. Se alguém souber do seu paradeiro avise no telefone xxx-xxxx. Será gratificado”28.

O cômico caso descrito no aviso acima ilustra o forte vínculo que a população da

fronteira tem com a vida do campo, o que explica o porquê da programação da emissora ser

em grande parte voltada para ela. Nesse aspecto, informações culturais sobre tradicionalismo,

músicas gauchescas, e quaisquer outras manifestações desse gênero encontram público nos

dois lados da fronteira, pois tanto o gaúcho brasileiro quando o gaucho uruguaio

compartilham em parte uma mesma raiz cultural. Segundo o apresentador do Informativo

Rural, e também do programa matutino Cambona e Cordeona, Miguel Castro: “É o deus

deles o gaúcho da fronteira. Os uruguaios participam todos os dias”.

O apresentador, que é ligado ao tradicionalismo e participa de eventos relacionados ao

tema, comenta que não há diferenças significativas entre o gaúcho brasileiro e o gaucho

uruguaio. Em eventos sobre o tema, a única diferença explícita é, segundo ele, a língua. “No

más, é tudo igual”, conclui.

No caso da Rádio Quaraí AM, é comum observar a participação de gaúchos

brasileiros e uruguaios na programação. Em alguns dos seus programas nativistas e

gauchescos, a emissora recebe participações por telefone de pessoas dos dois lados da

fronteira. Parte desse público possui parentes espalhados pelo departamento de Artigas e pelo

município de Quaraí que interagem oferecendo músicas e homenagens através dos programas

musicais da rádio.

Outro programa da emissora, o Canto Nativo, divulga informações sobre a história da

região, falando sobre personagens históricos e datas importantes dos dois países. Durante esse

programa, músicas de festivais nativistas são veiculadas a pedido de ouvintes dos dois lados

da fronteira29.

Sobre esse aspecto a emissora sempre participou dos festivais nativistas surgidos a

partir dos anos 70. “Califórnia, em Uruguaiana, Salamanca da Canção Nativa, em Quaraí, e a

Tertúlia de Santa Maria” (PONTE, 2000, p. 23). E quando a emissora não tinha condições de

enviar uma equipe própria para outros locais do estado, como tem acontecido nos últimos

28

O Quaraí-Mirim faz parte da zona rural do municíp io de Quaraí, fica a nordeste da cidade sede. É também

nome de um riacho que deságua no Rio Quaraí. 29

Música nativista é um gênero musical brasileiro típico do Rio Grande do Sul. Normalmente são músicas com

letras elaboradas que tratam de temas como os costumes do gaúcho, a sua história e a sua realidade atual.

Diferem, de certa forma, das músicas tradicionalistas, tanto pelo ritmo quanto pelas letras mais elaboradas. No

Rio Grande do Sul existem os Festivais de Música Nativista, em que freqüentemente é possível verificar a

presença de uruguaios e argentinos

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35

anos por falta de patrocínio, ela divulga tais eventos através dos discos que compra30. Ponte

(2000) registra um fato curioso ocorrido durante a transmissão de um desses eventos, através

das palavras do fundador da emissora, Jorge Japur:

Uma vez nós estávamos transmitindo a primeira Tertúlia e todas as rádios já

estavam inovando com maletas transistorizadas, automáticas, bonitas... e eu mandei

o Nadir daqui junto com o Abela. O Abela transmit ia de lá, porque já morava em

Santa Maria e era do Fórum. Então o Nadir mandou uma maleta, mas a da Quaraí

era a única do tempo da maleta à luz e de ferro, enquanto que todas as outras rádios

com as transistorizadas. Deu a causalidade que antes de começar as transmissões

ouve um temporal lá, de raios, e de faíscas. Todas as mesas que estavam ligadas

queimaram, então o nadir que estava lá não teve problema, e disse para o pessoal,

“esta aqui não queima, porque é de luz, então eu vou dar o som daqui, e vocês

mandam até trocarem”. Assim todas as rádios ficaram ligadas na maleta. A energia

dela era suficiente para até quinze estações (PONTE, 2000, p. 23)

Uma lembrança da esposa do atual diretor da emissora, Lilian Teresa Tomás Japur,

ajuda a ilustrar a expectativa que os festivais nativistas criavam na população da fronteira:

“Acuérdome de la abuela de Jorginho [Jorge Alberto Lamb Japur] sentada al lado del radio

haciendo crochet... Ella decía con gran expectativa: „vai ganhar Orelhano, tenho certeza‟”. A

música citada, do compositor quaraiense Mário Eleú Silva, que em 1984 competiu na 5ª

Tertúlia Musical Nativista de Santa Maria, não venceu na ocasião. No entanto, ela traz na sua

letra a idéia de que o gaúcho pertence a mais de um país, tanto pelos seus costumes quanto

pela sua origem comum31. A Rádio Quaraí AM, por sua vez, trabalha com esses elementos

híbridos da realidade local através da sua programação.

No entanto, não é apenas nos programas voltados ao gauchismo que há participação de

brasileiros e uruguaios. Em programas musicais de gênero variado, em que são veiculadas

canções brasileiras e internacionais, também há participação do público dos dois lados da

fronteira. Isso indica que a emissora, ao mesmo tempo em que trabalha com elementos da

cultura local, também serve como vitrine para produtos da indústria cultural – tanto brasileira

quanto internacional.

Nos sábados à tarde vai ao ar o programa Sábado Show, apresentado por Cléber de

Oliveira, locutor que está na emissora desde 1966. O programa apresenta músicas variadas, e

30

Durante a década de 70 e de 80 os festivais nativistas no Rio Grande do Sul reuniam milhares de pessoas em

muitas cidades gaúchas. Saber qual música venceria a Califórnia, por exemplo, atraía tanto quanto o desfecho de

uma telenovela veiculada em rede nacional. Hoje, alguns desses festivais ainda perdu ram, sendo que outros

deixaram de existir, como a própria Tertúlia Musical Nativista, de Santa Maria, e também a Salamanca da

Canção Nativa, de Quaraí. 31

Uma das estrofes da música: “Orelhano, brasileiro, argentino... Castelhano campesino, gaúcho de nascimento.

São tranças de um mesmo tempo, sustentando um ideal, sem sentir a marca quente, nem o peso do buçal”.

Orelhano refere-se ao gado livre, não marcado nas orelhas. O termo designa, dessa forma, o gaúcho andarilho

sem destino fixo . Buçal, por sua vez, é uma espécie de cabresto forte com focinheira.

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conta com a participação do ouvinte na escolha de quem será o artista homenageado na

próxima semana. Depois de selecionado o artista, o apresentador pesquisa sobre a vida e obra

do homenageado para o programa seguinte. De acordo com Cléber de Oliveira: “esses dias

ligou um uruguaio pedindo para que tocássemos Vicente Celestino32. Nem os brasileiros

sabem quem foi Vicente Celestino”.

A emissora também retransmite programas da Rádio Nacional de Brasília, como o

Saudade Nacional e o Eu de Cá, você de lá. Este, apresentado por Luiz Alberto, oferece

músicas, notícias e conta com a participação de ouvintes de todo o Brasil. Eventualmente

algum ouvinte de Quaraí e Artigas entra em contato com a Rádio Nacional, o que aproxima,

em parte, Quaraí ao país ao qual pertence; os uruguaios, por sua vez, sentem-se fascinados

por conhecerem mais do país vizinho. Analisando trechos desse programa retransmitido pela

Rádio Quaraí, encontrou-se um registro de participação de uma ouvinte da cidade. O

apresentador atendeu a chamada da seguinte maneira:

- Alô, quem fala!? – É fulana, de Quaraí! – Guaraí? Onde fica? – Não, não,

Lu iz, é Quaraí, no Rio Grande do Sul! – Ahh, como? Guaraí? Guaraí no Rio

Grande do Sul! Fica em que parte do estado, fulana? – É na fronteira com Art igas,

no Uruguai. – Veja só! Que bom contar com a sua participação, fulana! O que vai

pedir? – Eu gostaria de mandar uma música do Roberto Carlos para o cicrano e

beltrano que estão agora em Artigas nos ouvindo33

.

Cantores, conjuntos e compositores brasileiros são amplamente conhecidos no

Uruguai, - primeiro pela atuação das rádios fronteiriças, e posteriormente pelo advento da

televisão34. Por outro lado, as rádios brasileiras próximas à fronteira veiculam freqüentemente

ritmos musicais como cumbias e reggaetons, gêneros musicais bastante difundidos em quase

todos os países de língua espanhola da América Latina, sendo que no Uruguai e Argentina há

numerosos conjuntos que exploram esses ritmos.

32

Vicente Celestino, falecido em 1964, fo i um dos mais importantes cantores brasileiros do século XX. Ficou

conhecido por composições como O Ébrio (1936), Coração Materno (1937) e Mia Gioconda (1946). 33

A Rádio Quaraí AM retransmite a Rádio Nacional de Brasília em alguns horários do fim de semana. Alguns

programas, como o Eu de Cá, Você de Lá, apresentado por Luiz Alberto, até pouco tempo retransmitido durante

a semana no período em que a Rádio Quaraí AM não possuía programa local após A Voz do Brasil, é

emblemático no sentido de permitir que pessoas do país inteiro conheçam o Brasil e as suas dimensões

continentais, porque conta com a part icipação de ouvintes de todo o país. Em 2004, logo após a série de tsunamis

que assolou a Ásia, Luiz Alberto recebe a seguinte participação no seu programa: “ - Alô! Quem fala? – Oi, Luiz

Alberto! É fulano, da Tailândia! – Tailândia, fulano? Ora, vejam só, temos a participação de um brasileiro que

nos ouve pela internet nesse país sofrido, que está passando por inúmeras dificuldades neste momento... uma

tristeza... – Nããão, Luiz Alberto, estou falando da Tailândia do Pará”. O apresentador, em meio a risos,

comentou: “Ahhh, mas Tailândia não é o país lá da Ásia?”, ao que o ouvinte respondeu: “Não, não, Luiz

Alberto, Tailândia fica no Pará”. 34

Algumas emissoras de televisão brasileiras cobrem todo o norte do Uruguai.

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37

Tratando-se do radiojornalismo35, apesar das dificuldades estruturais da emissora, tem-

se nessa prática a veiculação de informações voltadas aos dois lados da fronteira. São

veiculadas pela rádio informações sobre o câmbio do dia, condições climáticas na fronteira

(em Artigas há um centro meteorológico), ocorrências liberadas pela polícia para a

divulgação, informações preventivas dos bombeiros, bem como entrevistas com brasileiros e

uruguaios que tratam de temas comuns. Uma entrevista que ilustra a questão de como o

conceito de local em uma emissora fronteiriça abarca bem mais do que o seu município de

origem ocorreu em 20.09.2009, ocasião em que foi entrevistado o deputado uruguaio Lolo

Caram. Durante sua entrevista, realizada por conta das campanhas presidenciais de 2009 no

Uruguai, o deputado pediu apoio aos uruguaios residentes dos dois lados da fronteira36. Além

disso, falou da importância para que se reflita sobre as especificidades de ssa região, como

mostra o trecho a seguir:

Hay brasileños que tienen empresas en Uruguay y que no tienen derecho a

tener un auto. [...] Hay cosas que son incomprensibles… No hemos podido hacer

que las autoridades nacionales entendieran como es el modo de vida de la frontera.

Esa vivencia solo los sabemos nosotros… tenemos que convencer las autoridades

nacionales de los dos países de cómo es.

Uma das especificidades da fronteira é o modo como se dá o comércio entre

brasileiros, uruguaios e argentinos. A fala do deputado uruguaio, embora não aprofunde o

tema, levanta uma das problemáticas que dificulta a subsistência de inúmeras emissoras de

pequeno porte da fronteira (tanto do lado brasileiro quanto do uruguaio), a saber: a

informalidade do comércio que, do modo como é feito, não reconhece na propaganda um

instrumento necessário para a prosperidade de empreendimentos. “Alguns acham que um

alto-falante pendurado em um poste é suficiente”, comenta o atual diretor da emissora, Jorge

Alberto Lamb Japur. Além dessa questão a região convive com o problema das rádios

clandestinas que cobram valores irrisórios pelos seus serviços37. Dessa forma, a emissora

tenta superar as dificuldades provenientes dessa ordem explorando a sua credibilidade,

mostrando que a propaganda é, antes de tudo, um investimento:

35

Os conceitos sobre radiojornalismo utilizados nesta pesquisa foram extraídos de Ferraretto (2007), Prado

(1989) e Vasques (2005). Para mais informações sobre radiojornalis mo na fronteira, ver as discussões entre as

páginas 48-51 e também 58-9 deste trabalho. 36

Segundo o deputado, é possível que aproximadamente 3.000 uruguaios vivam dispersos do lado brasileiro da

fronteira. Desses, 2.000 estariam em condições de votar no Uruguai. 37

Aprofundamos a discussão sobre o comércio na fronteira e também sobre as rádios clandestinas nos capítulos

seguintes. Para mais informações, Cf. p. 56-64.

Page 39: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

38

Se você quer mesmo vender o seu produto, anuncie na Rádio Quaraí, o

primeiro shopping da cidade. A melhor vitrine para os seus negócios e serviços.

Quaraí, quase meio século de existência, a rádio de sua confiança.

Até aqui se pode dizer que a Rádio Quaraí AM atua em duas direções: (1°) realçando

os laços locais entre brasileiros e uruguaios, através do entretenimento que explora o

gauchismo, dos programas de utilidade pública voltados para a sociedade fronteiriça, bem

como informações (nem sempre organizadas jornalisticamente) que contribuem para destacar

os acontecimentos da região; (2°) serve como instrumento do Estado brasileiro no momento

em que atua segundo as políticas vigentes frente ao Estado-nação vizinho. Além disso, veicula

produtos da indústria cultural brasileira e internacional, bem como notícias de cunho nacional

e internacional graças às suas parcerias com agências de notícias do país 38.

Para esta pesquisa seria impossível analisar toda a programação da emissora,

considerando que ela tem mais de meio século de existência. Além disso, percebe-se que

independente do conteúdo que vai ao ar (seja musical ou informativo), corrobora-se a

dialética que define a emissora. De um lado, atende ao contexto local; de outro, ao Estado-

nação ao qual pertence. Algumas histórias que viriam a enriquecer este trabalho forçosamente

tiveram que ficar de fora. Exploraram-se, dessa forma, trechos relacionados à sua produção

midiática que ilustram a lealdade cruzada descrita por Silveira (2002).

A emissora atende, em parte, às especificidades da realidade local, da mesma forma

que atenta também para os desígnios outorgados pela legislação que regulamenta o seu

funcionamento e a sua postura frente ao país vizinho. No entanto, analisando a programação

da emissora percebe-se que ora ela incorpora algumas características da fronteira, e ora tenta

distanciar-se delas.

É possível que a rádio auxilie na manutenção dos vínculos já estabelecidos na

fronteira, ou ainda na quebra de alguns deles. Os trechos da programação analisados sugerem

que a rádio trabalha considerando esse modo próprio de ser da fronteira. Isso tanto no

momento em que lida com a sua riqueza cultural híbrida (como no caso do personagem da

radionovela que era contrabandista e falava portunhol, ou ainda nas transmissões esportivas

bilíngües), quanto na tentativa de superar problemas específicos da fronteira que afetam

diretamente as emissoras de rádio (como o comércio informal e as emissoras clandestinas).

Esse contexto, que neste capítulo não foi detalhado, será analisado com detalhes na

seqüência deste trabalho.

38

Para mais informações, cf. p. 64.

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39

2.2 LENDAS, MISCIGENAÇÃO E PROSPERIDADE: A EMISSORA FRONTEIRIÇA

E OS SEUS VÍNCULOS

Após passar pelas sete provas e as sete tentações, Blau Nunes, gaúcho pobre e simples,

ficou encantado com a beleza da Teiniaguá39. “Pelas sete provas que passaste sete escolhas

lhe darei”, anunciou a Teiniaguá40. O gaúcho poderia ter escolhido desde nunca perder no

jogo, ou ainda amarrar nas cordas da sua viola o coração da mulher que desejasse, até ser o

mandão no seu distrito de modo que todos obedecessem sem resmungar. No entanto, a única

coisa que o rústico dizia com convicção era “não!”. A princesa moura, trancada no corpo da

Teiniaguá, disse então: “nada te darei, porque do prometido nada quiseste. Vai-te!”. Blau nem

se moveu,

e carpindo dentro de si a própria rudeza, pensou no que queria dizer e não podia e

que era assim: Teiniaguá encantada eu te queria a ti porque és tudo. És tudo o que eu

não sei o que é, porque atino que existe fora de mim, em volta de mim e superior a

mim. Eu te queria a t i, Teiniaguá encantada!

Observando a fronteira a partir da fala do personagem Blau Nunes é possível, de certa

forma, suscitar algumas características sobre o modo simples do fronteiriço e a sua

incapacidade de explicar o que acontece na fronteira. Diferente da lenda, isso não se deve ao

fato do fronteiriço ser tão rústico a ponto de não conseguir externar o que vê, mas talvez

porque essas práticas estão tão enraizadas no seu modo de ser que às vezes só conhecendo

outras realidades é possível atentar para aquilo que é seu e não de outro. Nela estão fixadas e

ainda estão em construção práticas híbridas proporcionadas pela mescla que se

procedeu/procede pelo convívio diário. Estes são laços de amizade e de consangüinidade, a

língua entreverada, as práticas clandestinas que competem com as leis do Estado – como o

contrabando – que na prática está longe de parecer ao fronteiriço algo ilegal. A própria lenda

da Salamanca do Jarau, orgulho da terra Sentinela do Jarau (denominação dada à cidade de

Quaraí), através de seus personagens ilustra as várias vertentes culturais que estão

incorporadas à identidade fronteiriça41.

A Rádio Quaraí AM foi fundada em 17 de março de 1957, e desde então auxilia na

elaboração/legitimação dos laços construídos/reconstruídos pelo contato entre os dois povos.

Isso acontece seja aproximando os fronteiriços da fronteira oeste do Rio Grande do Sul

39

. Trechos da lenda da Salamanca do Jarau, documentada e adaptada por João Simões Lopes Neto, extraídos de

LOPES NETO, J. Simões. Contos Gauchescos e lendas do Sul. São Paulo : Globo, 1996. 40

“lagartixa”, em tupi-guarani 41

Cf. PONT, 1986.

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40

através da sua programação, seja através dos vínculos criados durante a sua atuação em mais

de meio século de existência; atuação essa que coincidiu cronologicamente com importantes

transformações no desenvolvimento da fronteira Quaraí–Artigas.

A emissora - que no início operava com o prefixo ZYU 56 -, ocupava uma casa na

praça central da cidade. Dela, hoje, só resta um pilar com uma placa de bronze fazendo

referência ao fato. No início de suas operações o seu equipamento era alimentado por

geradores próprios, já que a cidade, no fim da década de 50, não possuía energia elétrica em

tempo integral42.

Na mentalidade da fronteira oeste do Rio Grande do Sul de então pairavam resquícios

de uma forte influência positivista. Nela, a idéia de progresso e desenvolvimento

transformava-se em póstumo orgulho e grande apego àquilo que era concebido nesse

território. Isso se deve, dentre outros, a três fatores: (1°) A grande distância do centro do

Brasil, já que os meios de comunicação – apesar de estarem funcionando a pleno vapor no

centro do país, - na fronteira Quaraí-Artigas eram incipientes (tratando-se de emissoras de

rádio e televisão). Dessa forma, havia um sentimento de fascínio por ter perto de si algo que

só se conhecia à distância (emissoras brasileiras de outros locais, uruguaias e argentinas). (2°)

O isolamento e a dificuldade de acesso a outras localidades – principalmente por questões

técnicas, que retardou o desenvolvimento dessa região, bem como o fim de empreendimentos

que, a seu tempo, tiveram relevância econômica e social não só para Quaraí e o Rio Grande

do Sul, mas para o Brasil43; (3°) A história do município possui exemplos de

empreendimentos desmantelados cujas ruínas ainda hoje servem para corroborar o dito

popular que sustenta: Quaraí é a terra do já teve. Dentre esses exemplos, podemos citar a

antiga viação férrea, o antigo campo de pouso do aeroporto de Quaraí (que outrora recebeu

importantes personagens do cenário nacional), as ruínas do saladeiro, ou ainda o antigo centro

desportivo municipal. Apesar de menos numerosos na época, tais exemplos já existiam antes

da inauguração da emissora em Quaraí, o que tornou o vínculo da população com novos

empreendimentos, como a Rádio Quaraí AM, ainda mais acentuado.

42

PONTE, 2000, p. 21. 43

Ilustram esse sentimento de perda e de isolamento as reminiscências de Bernardino A. Machado, que viveu em

Quaraí durante a primeira metade do século XX. Segundo Machado (apud CHEGU HEM, 1991-a, p. 52): “os

filhos de Quaraí devem ter remorsos porque não tomaram iniciativa de qualquer espécie no sentido de evitar que

os dois estabelecimentos de industrialização dos produtos pecuários [charqueadas de Novo Quaraí e de São

Carlos], que é até hoje a sua maior fortuna, fossem completamente desmantelad os, restando apenas escombros,

para dizer aos pósteros – aqui, em princípios do século – havia civilização. Os jovens que não conheceram ou

nunca souberam que Quaraí tinha indústria quando em visita a esses lugares poderão perguntar para si mesmos

por aqui passou alguma tempestade ou esses escombros são obra dalgum terremoto?”. Na literatura da região

também é possível encontrar referências a esse sentimento de que no passado era melhor (cf. a Triologia do

Gaúcho a Pé, de Cyro Mart ins). Se realmente era melhor ou não - o que parece improvável - é outra discussão.

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41

Um evento que ilustra esse sentimento do forte vínculo que a emissora viria a ter com

a comunidade encontra-se já nos seus primórdios. Entrevistados por Ponte (2000), o ex-

diretor e um dos sócio-fundadores da emissora, Jorge Japur, hoje falecido, e também a

historiadora quaraiense Diva Simões relatam um evento que ocorreu antes mesmo da

inauguração da emissora. Ao decidir-se por criar a rádio, Jorge Japur e seu irmão, Nadir

Japur, autodidatas em eletrônica, construíram um transmissor artesanal. Eles receberam da

prefeitura de Quaraí uma casa situada no centro da principal praça da cidade (até então, única

praça), e lá começaram a montar a primeira emissora das duas cidades.

Essa rádio, criada unicamente pelo sonho de se ter uma emissora na cidade – mas sem

amparo legal – mesmo com forte apoio da comunidade local viria a ser denunciada ao antigo

Ministér io da Viação e Obras Publicas , segundo a alegação de que funcionava sem

autorização do mesmo44. O transmissor artesanal, mesmo funcional, não estava no padrão

permitido pelo governo de então. Além desse problema, havia a suspeita de que Jorge Japur

possuía dupla nacionalidade, já que, segundo seus parentes, ele era registrado tanto no

Uruguai quanto no Brasil. Isso, já na época, impossibilitaria que ele adquirisse controle de

uma empresa jornalística.

Segundo Jambeiro, uma preocupação explícita na Constituição de 1934 era o controle

de empresas jornalísticas por estrangeiros. Segundo o autor, em uma postura que pode ser

entendida tanto como reserva de mercado para a mão-de-obra nacional, quanto uma precaução

contra influências colonialistas, “os constituintes impuseram que o controle destas empresas e

a sua administração estejam nas mãos de brasileiros natos e com residência no país” (2002, p.

10).

Isso não impediu, no entanto, que a população local – com o apoio do governo

municipal – apoiasse Jorge Japur no momento em que o fiscal do governo chegou à cidade

para lacrar a emissora clandestina.

No dia em que chegou o oficial de justiça com a ordem para lacrar a porta da

rádio clandestina, o pároco da cidade – padre Orlando – teve a idéia de chamá-lo

para tomar um cafezinho. Assim poderia dar tempo para o locutor Milton Souza

avisar o proprietário que se encontrava trabalhando no cinema. Nesse meio tempo, a

44

Segundo Simis (2006, p. 5): ”conforme o decreto 21.111/32, a concessão de um canal de radiodifusão

precisava ser requerida junto ao Departamento dos Correios e Telégrafos, mediante uma vistoria t écnica e o

pagamento de uma taxa de licenciamento anual, enquanto o Ministério da Educação e Saúde Pública ficava

responsável pelas orientações necessárias para atender aos objetivos do serviço no que se refere a conteúdo e

como entidade e o Ministério de Viação e Obras Públicas pela fiscalização nas questões técnicas de engenharia,

sinais e transmissões”. Ponte (2000, p.31) d iz que o Min istério de Viação e Obras Públicas “tinha uma espécie de

convênio com a Philips, empresa que fornecia os equipamentos para as radioemissoras”. E de fato, o primeiro

transmissor que a Rádio Quaraí AM teve depois de regularizada foi um Philips holandês.

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42

primeira dama da época, Diamantina Giudice, liderou uma parte da população para

que entrasse na rádio e levasse tudo o que existia lá dentro, como forma de evitar

que a casa fosse lacrada e depois não se pudesse mais reco lher os objetos e o

radioamador. Foi um alvoroço na cidade. A população estava indignada com a

irremediável perda do que poderia ser seu principal entretenimento. Mas, no ano

seguinte, depois dos devidos tramites, o Ministério de Obras Públicas concedeu a

licença para o funcionamento, bem como para a instalação da torre. A população

devolveu todo o equipamento e os objetos que existiam na rádio. – Até o crucifixo

que ficava pendurado na parede, eles devolveram..., diz Diva Simões (PONTE,

2000, p.32)

Segundo a viúva de Jorge Japur, Izar Teixeira Lamb, na época a denúncia foi feita por

um correligionário do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que, mesmo conhecido de Jorge

Japur e das pessoas que desejavam a emissora na cidade (independente dela ser ilegal ou não),

recorreu aos órgãos competentes e realizou a denúncia. Esse ato é, provavelmente, reflexo da

influência das políticas nacionalistas instituídas por Vargas que tinham, em forma de lei,

rígido controle sobre os meios de comunicação ainda na década de 50.

Nesse aspecto, Silveira e Adamczuk (2004) destacam a Campanha de Nacionalização

(1937) que instituía, dentre outras coisas, a adoção e o uso exclusivo da língua portuguesa em

emissoras de rádio. Jambeiro (2002, p. 10), por sua vez, destaca o Art. 136 da Constituição de

1934 que determina que o controle de empresas jornalísticas fosse de brasileiros natos com

residência no país. Dessa forma, Jorge Japur, acusado de dupla nacionalidade, não poderia ter

vínculo com uma empresa jornalística.

Esse fato ilustra também o que Silveira e Adamczuk (2004) assinalaram sobre a

fronteira ser detentora de um testemunho histórico sobre a convivência com distintos estados-

nação, bem como mostrar-se especialmente vulnerável à política de fronteiras nacional,

refletindo em suas experiências particulares as contradições que lhe são inerentes. No

exemplo assinalado, a contradição se dá no momento em que grande parte da população local

e órgãos oficiais da cidade endossam a emissora ilegal que estava se constituindo – a tal ponto

que a Prefeitura Municipal forneceu um local para que ela funcionasse.

Após o fechamento da emissora clandestina Jorge Japur exilou-se em Artigas na

residência do seu amigo e colaborador uruguaio, Basílio Borgato, receoso das punições que

poderia receber por conta do ocorrido. Segundo a sua viúva, Izar Teixeira Lamb, durante esse

tempo “senhores com influência política nos auxiliaram na regularização da emissora e da

condição do Jorge”.

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43

Dentre essas pessoas, dona Izar destaca o advogado Luiz Pacheco Prates 45. Dr. Prates,

como é chamado pelos nossos entrevistados, foi uma Ilustre personagem da cidade de Quaraí

durante a metade do século XX. Segundo o advogado Marcello Gomes46, entusiasta da

cultura local, o jurista possuía laços de parentesco com Getúlio Vargas47. Além disso, “o

estadista brasileiro e o advogado freqüentavam assiduamente a Cabanha Azul”, diz

Marcello48. Após o fechamento da emissora clandestina, Dr. Prates se inseriu como sócio da

emissora para forçar a abertura da mesma. Gozando de prestígio político e simpatizando com

Jorge Japur, foi o seu auxílio que permitiu a regularização da emissora e a liberação da

concessão para a cidade de Quaraí.

Cabe ressaltar que a denúncia contra a emissora clandestina partiu de um

correligionário do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Por sua vez, Luiz Pacheco Prates, que

gozava de prestígio junto a Vargas, possuía um grau de influência maior frente ao governo de

então, e assim conseguiu a regularização da emissora ao se tornar um dos seus sócios.

Segundo Jorge Alberto Lamb Japur, atual diretor da emissora, filho de Jorge Japur e

Izar Teixeira Lamb, Dr. Prates foi um dos sócios da emissora até o seu falecimento na década

de 70. Durante esse período, “nunca interferiu na programação dizendo o que poderia ou não

ser veiculado. Quando ele precisava da rádio, pedia um espaço e falava da mesma forma

como qualquer outro”, diz Jorge Alberto. Ou seja, a sua influência política garantiu a

regularização da emissora e a liberação da concessão. No seu uso, servia-se dela como

qualquer cidadão, sem nunca interferir, segundo os entrevistados, na programação. No seu

testamento, destacou que se os seus herdeiros não quisessem continuar como sócios da

emissora, só poderiam vender as partes herdadas para Jorge Japur. Segundo Jorge Alberto, foi

o que aconteceu.

Após regularizar sua situação, Jorge Japur optou pela nacionalidade brasileira. Mesmo

assim ele continuou com medo de cruzar o rio Quaraí para regressar ao Brasil. Segundo sua

45

Lu iz Pacheco Prates foi um influente jurista durante o período dos acontecimentos descritos. Segundo Izar

Teixeira Lamb, a sua influência, por conta dos seus contatos, era de nível nacional. Em Quaraí, há

estabelecimentos que o homenageiam carregando consigo o seu nome. Existe uma lenda de que recusou um

convite de Vargas ao governo do Estado por preferir a ju risprudência. Em outubro de 2009 ocorreu na cidade a

inauguração do prédio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na ocasião, estiveram presentes descendentes

de Luiz Pacheco Prates, também advogados. 46

Marcello Gomes é filho de Juarez Custódio Gomes, importante personagem da história de Quaraí que ocupou

a prefeitura em duas oportunidades: primeiro como interventor designado pelo governo militar para suceder

Heraclides Santa Helena, entre os anos de 1979-1985; depois entre os anos de 1989-1992, no incip iente regime

democrático que começava a florescer. 47

Cf. anexo . 48

A Cabanha Azul é uma das mais prestigiadas estâncias da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Tornou -se

referência nacional por seu pioneiris mo no uso de alta tecnologia aplicada à pecuária. Em 23 de jun ho de 2005, a

Rede Brasil Su l (RBS) veiculou um capítulo do especial Fazendas & Estâncias sobre ela.

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44

viúva, Izar Teixeira Lamb, “ele tinha um medo danado de voltar”, tendo que ir o seu pai,

Pachá Lamb, perguntar ao subcomandante do exército em Quaraí se Jorge Japur não seria

preso caso retornasse. “Quando o avisamos que ele estava livre para retornar, mesmo assim

ele se manteve com medo, tendo que ir o papai e o subcomandante até Artigas para convencê-

lo”, diz dona Izar.

O exemplo descrito até aqui traz pelo menos dois dados que devem ser observados:

(1°) O tipo de práticas alternativas que tornam a fronteira um local único. Essas práticas

trazem à tona um modus operandi criado por laços construídos/reconstruídos durante os

séculos de proximidade entre os indivíduos dos dois lados da fronteira. Aos olhos de quem

não pertence a tal ordem, essas práticas podem parecer atos de má fé, como o contrabando,

que normalmente é representado por periódicos de circulação nacional como uma ameaça. O

contrabando, assim como outras práticas alternativas, possui uma complexidade tal que é

difícil investigar até que ponto ele é benéfico ou nocivo (tanto para o fronteiriço quanto para o

país ao qual ele pertence)49; (2°) Em relação à Rádio Quaraí nos seus primórdios cabe

ressaltar o grau de informalidade que fazia parte das relações entre a emissora e a sociedade

da época. Um aspecto positivo disso foi a facilidade com que se deu a aceitação e a

participação do público na emissora. Foi durante esse período de descobertas que tanto a

Rádio Quaraí AM quanto a fronteira Quaraí-Artigas cresceram em parceria.

Foi com esse clima que os moradores da fronteiram - que contavam até então com

cinemas (cine Artigas e cine Aída em Artigas, e cine-teatro Carlos Gomes em Quaraí) -,

passaram a contar também com uma emissora de rádio. O fascínio por essas novas

tecnologias constituiu solo fértil para a promoção de uma prática que mesmo nos dias de hoje

perdura, e que no início foi um dos modos como a emissora criou os primeiros vínculos com a

sociedade fronteiriça: as campanhas sociais.

A análise da história da emissora oferece diversos exemplos nesse sentido. No início

da década de 60 a Rádio Quaraí, com o seu fundador, Jorge Japur, e o seu amigo e

colaborador uruguaio, Basílio Borgato, através dos seus microfones auxiliou na construção do

primeiro Banco de Sangue e Plasma da fronteira, localizado em Artigas. Nessa cidade a Rádio

Quaraí liderou também o movimento para a instalação do Corpo de Bombeiros, que sempre

49

Existem, na prática, diferentes tipos de contrabando. O tipo mais comum que se pode observar na fronteira é o

de pessoas simples carregando víveres, normalmente por ser o p roduto em questão (alimentício, têxtil) mais

barato do outro lado (diversos fatores influem para isso, principalmente o câmbio). É dessa prática que subsistem

essas pessoas. Por não ofertarem perigo à soberania nacional, as polícias aduaneiras dos dois países fazem vista

grossa a esse tipo de prática. Eventualmente a fronteira serve como porta de entrada de mercadorias ilegais como

armas e entorpecentes, e sobre essas sim se tenta manter um rígido controle. Acabar com o contrabando ou nã o?

Uma resposta simples a essa questão desconsideraria a complexidade de tal prática, e conseqüentemente refletir-

se-ia em políticas ineficazes para a fronteira.

Page 46: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

45

desempenhou importantes serviços na fronteira Quaraí-Artigas50. Segundo o atual diretor

executivo da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, além disso, a rádio fazia campanhas

esporádicas que auxiliavam os bombeiros a suprirem algumas necessidades mais emergentes

do destacamento, como peças para a manutenção dos veículos, combustível, etc. Em outubro

de 2009, a Rádio Quaraí recebeu convite para participar dos festejos do dia do bombeiro no

Uruguai, como acontece todo o ano. Apesar dos festejos terem sido alterados por conta da

campanha presidencial no Uruguai, a emissora homenageou os bombeiros da cidade vizinha

em sua programação. O destacamento brasileiro, por sua vez, foi recentemente criado. Na

ocasião, a Rádio Quaraí endossou as campanhas que apoiavam a instalação do Corpo de

Bombeiros em Quaraí.

Além desses trabalhos, “vieram as campanhas comunitárias para o hospital de Artigas,

suas escolas da cidade e do interior”51. Campanhas de vacinação, com palestras e textos,

campanhas cívicas, etc. Observa-se que a maioria das campanhas logrou sucesso porque, no

início, além da própria necessidade de melhoramentos – seja da cidade ou do campo -

participar de tais campanhas era também uma forma de se sentir parte da novidade que se

colocou na fronteira. Na sua pesquisa, Ponte descreve o sentimento da população nesse

período, ao falar das radionovelas que foram produzidas pela emissora no fim da década de

50:

As pessoas se aglomeravam aos empurrões para disputar um lugarzinho,

porque queriam enxergar e tentar descobrir quem fazia o quê na história, e o curioso

é que faziam isso sem escutar praticamente nada (PONTE, 2000, p. 37)

Outro fator que favoreceu o sucesso dessas campanhas, e que tornou a emissora ainda

mais importante no contexto fronteiriço, foi a necessidade de se incrementar as relações entre

os dois povos graças ao próprio desenvolvimento natural da fronteira (favorecido pela

chegada de novas tecnologias à região, pelo melhoramento técnico que facilitava a locomoção

para outras cidades, pelos recentes imigrantes). Ponte relata que a professora Diva Simões, ao

ser entrevistada, conta que a emissora surgiu em uma época na qual houve incremento no

comércio entre as duas cidades:

Foi aquela época em que o peso uruguaio teve uma supervalorização. O

comércio foi muito valorizado. Nesse aspecto, Quaraí recebeu pela primeira vez

uma primeira leva de patrícios. Recebeu um tipo de comércio nunca visto na cidade

que é a confecção. A compra dos uruguaios foi muito acelerada, então isso

50

É prática comum na fronteira bombeiros do destacamento uruguaio cruzar a Ponte Internacion al da Concórdia

para auxiliar a cidade de Quaraí quando necessário, e vice-versa. 51

TRINTA e três anos. Folha de Quaraí, Quaraí, 17 mar. 1990. In : CHEGUHEM, 1991-a, p. 126.

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46

fomentou um meio de comunicação entre Quaraí e Artigas, através da Quaraí.

(PONTE, 2000, p. 33)

Cabe ressaltar que mesmo com as leis da era Vargas ainda vigorando a respeito da

exclusividade da língua portuguesa nas transmissões radiofônicas, a emissora, agora

funcionando legalmente depois da sua inauguração em 17 de março de 1957, continuou

realizando transmissões bilíngües. Durante o período em que havia energia elétrica em

Quaraí, em português; no restante do tempo a programação era voltada para Artigas, em

espanhol. E fazem parte desse conjunto bilíngüe as campanhas sociais realizadas por Jorge

Japur e Basílio Borgato, bem como programas de auditório, como o Cidade se Diverte, ou

ainda as radionovelas produzidas pela emissora.

Pelo menos duas hipóteses podem explicar a vista grossa das autoridades (as mesmas

que, anteriormente, fecharam a rádio clandestina) frente a esse fato : 1ª) Influência política de

personagens da época, como o advogado Luiz Pacheco Prates. A atuação do Dr. Prates, na

prática, pode ser descrita como uma herança caudilhista cujos resquícios até hoje podem ser

percebidos na fronteira. Nessa ordem, quem tem mais força, manda52; 2ª) O apego da

comunidade ao novo empreendimento de maneira a não interessar de se tratar de uma prática

ilegal para as leis da época. Isso é algo que, assim como o contrabando, ilustra a lealdade

cruzada do fronteiriço descrita por Silveira (2002-b).

Até aqui se discorreu sobre como a emissora estabeleceu os primeiros vínculos com a

sociedade da fronteira Quaraí-Artigas. Até esse momento pode-se dizer que a Rádio Quaraí,

com brasileiros e uruguaios com programas variados, com eventuais transmissões bilíngües,

com as campanhas sociais voltadas para os dois lados da fronteira, não realçava a dicotomia

Brasil-Uruguai pelos seus microfones. Um dos seus diversos slogans representa bem a

emissora nesse período: Rádio Quaraí, fator de progresso na comunidade, sendo que o uso

do termo comunidade não distinguia quem era brasileiro ou uruguaio.

Segundo os antropólogos Thomas M. Wilson e Hastings Donnan (apud SILVEIRA e

ADAMCZUK, 2004, p. 17): “as fronteiras são registros espácio temporais das relações entre

comunidades locais e entre estados”. No caso da fronteira Quaraí-Artigas, trabalhava-se

prioritariamente com o nível local durante os primeiros anos de funcionamento da Rádio

Quaraí AM. Foi apenas nos anos seguintes que a dicotomia Brasil-Uruguai - Comunidade

Local se realçou. Poder-se- ia colocar como primeiro fator dessa dicotomia o momento em que

apareceram as primeiras emissoras de rádio na cidade de Artigas. Basílio Borgato, um dos

52

O próprio tratamento dado a Luiz Pacheco Prates pelos nossos entrevistados, que se referem a ele como Dr.

Prates, é um exemplo do tipo de reverência que personagens com influência possuíam (ou possuem) nesse

contexto.

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47

principais colaboradores da Rádio Quaraí AM, bem como grande amigo de Jorge Japur,

fundou em 1963 com a ajuda deste a Radio Frontera AM. Em conjunto as duas emissoras

continuaram com o mesmo tipo de trabalho realizado até então, seja no setor do

entretenimento, seja ainda nas campanhas sociais que visavam o aprimoramento da fronteira

Quaraí-Artigas. Toti Borgato, filha de Basílio, rememora o espírito assistencialista de Basílio

Borgato e Jorge Japur com fatos da sua infância:

Ellos querían solucionar los problemas del mundo! Fíjate que yo entraba en

casa y a veces perdía mis zapatos, y entonces yo preguntaba: „¡¿papá, y mis

zapatos?!‟, al que él decía: „regalé, cómprate otro ahora‟.

O fato de serem as duas primeiras emissoras da fronteira Quaraí-Artigas não

estabeleceu, no entanto, qualquer espécie de concorrência entre elas. Ao contrário, realçou

ainda mais o modo especial com que se dava a relação de Jorge Japur e Basílio Borgato com a

comunicação, e, principalmente, com quem necessitava dela. De acordo com Toti Borgato:

“lo que ellos hacían era arte. Era una relación de respeto, porque ya en aquella época veían

la comunicación con fines útiles, y no para hacer dinero”. De acordo com a entrevistada,

além da questão social trabalhada principalmente nas campanhas assistenciais, eles

manuseavam elementos da cultura local, e por isso os dois personagens possuem um valor

inestimável para a fronteira:

Ellos trabajaron con elementos que traían desde ideas de cómo se entendía

la sociedad de la época hasta leyes de Estado, y trabajaron eso en un contexto

donde no había nada. Ellos entran con el comercio, la publicidad – pero no es una

publicidad de marketing – es algo cultural, accesible, agradable... Usaron una

parte cómica del individuo, la diversión del juego, que es algo que se ha olvidado

por las actuales competencias53

. Nunca hubo competencia. Usaron mucho la

sociabilidad, o sea, la sociabilidad en ayuda mutua, para aquel que esta triste,

alegre, para aquel que necesita algo por ser la radio un medio de transparencia .

As propagandas citadas pela entrevistada são avisos e notas cômicas que tanto Jorge

Japur quanto Basílio Borgato costumavam apresentar. São passagens que até hoje fazem parte

da memória da população da fronteira54.

A criação da Radio Frontera e posteriormente das outras que foram abertas em

Artigas não diminui a proximidade da Rádio Quaraí com as duas cidades. Segundo Lilian

Teresa Tomás Japur, esposa do atual diretor da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, o seu

53

Em espanhol a palavra competencia, além de significar “competente” ou “apto para realizar algo”, significa

também “concorrência”. E é com este sentido que a palavra é utilizada pela entrevistada. 54

Cf. seção 2.1, p. 32-3.

Page 49: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

48

pai, Robespierre Tomás Fernández, costumava intercalar o período em que ouvia a Rádio

Quaraí e as emissoras uruguaias:

Acuérdome que papá escuchaba el informativo de las radios uruguayas, pero

después, a las 18h, cambiaba para la Rádio Quaraí. Le gustaba escuchar un

programa con músicas del cantante Teixeirinha. Ahí se quedaba la radio, porque a

las 20h le gustaba las radionovelas que pasaban en la Rádio Quaraí. Eso fue cerca

de 1969, un año antes de papá morir.

Cabe ressaltar que as radionovelas citadas pela entrevistada não se referem mais as

mesmas feitas pela Rádio Quaraí no início de suas operações. Perto da década de 70 a

emissora reproduzia radionovelas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que chegavam a ela

em fitas de rolo. Esse foi o período em que a emissora começou a veicular com mais

freqüência materiais vindos do centro do país, o que fortaleceu a sua atuação como

representante dos interesses do Estado brasileiro na região.

Durante esse período o Brasil vivia sobre as políticas impostas pela ditadura militar.

Ferraretto (2007) afirma que durante esse período ocorreram diversos casos de censura e

perseguição às rádios brasileiras. O fechamento da rádio carioca Mayrink Veiga, bem como a

demissão de 36 profissionais da Rádio Nacional em 1964, ilustram para o autor o tipo de

tratamento recebido por alguns veículos de comunicação durante o período. O panorama fica

ainda pior com a instituição do Ato Institucional N°5 (AI- 5)

A censura já existente torna-se, com base no AI-5, uma prática comum e

ganha amparo com o Decreto-lei n° 898, de 29 de setembro de 1969, que define, no

seu artigo terceiro, o conceito de segurança nacional como prevenção e repressão à

guerra psicológica adversa e à guerra revolucionária e subversiva (FERRARETTO,

2007, p. 153)

A partir disso, os meios de comunicação do país começam a servir de instrumento do

regime militar no intento de propagar a sua rígida doutrina nacionalista. Quem não se

adequava ou não aceitava as ordens sofria punições, que consistiam na cassação de

concessões, na mudança – à força – dos diretores do veículo, dentre outros.

De acordo com o autor um dos reflexos dessa política do medo instituída pelo regime

militar foi a autocensura praticada por alguns proprietários de veículos de comunicação:

A ameaça da perda da concessão incentiva esta prática. A publicidade

governamental constitui-se em outra arma nas mãos dos militares. Em muitas

emissoras, especialmente as de pequeno porte, as empresas e bancos estatais

representavam parcela significat iva do faturamento comercial. A possibilidade de

perder estas verbas publicitárias fez com que muitos rádios omitissem fatos que

poderiam ofender aos donos do poder. O Brasil vive os anos de chumbo da ditadura

Page 50: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

49

entre 1969 e 1974, quando o general Emílio Garrastazu Médici preside o país

(FERRARETTO, 2007, p. 154)

Em Quaraí, um dado curioso ao se conversar com pessoas da cidade que

acompanharam essa época é a tendência de alguns em dizer que o período regido pelos

militares foi um dos mais promissores da história brasileira. Essa generalização se dá,

provavelmente, pelas inovações ocorridas no município durante o período. Dentre elas, a

chegada da energia elétrica em tempo integral à cidade55, a construção da BR-293 - primeira

estrada asfaltada desde a criação Quaraí -, a revitalização da zona urbana da cidade, a criação

de novas vilas, bem como a construção e a inauguração da Ponte Internacional da Concórdia.

Nesse período a Rádio Quaraí AM, pela postura política do seu diretor de então, Jorge Japur,

era alinhada com o governo militar. Aparentemente não por coerção, como sugere Ferraretto

(2007), mas por Jorge Japur simpatizar com o regime (ou pelo menos com os representantes

do regime na cidade, seus amigos)56. Nas campanhas sociais, como lembra Jorge Alberto

Lamb Japur, seu filho, a Rádio Quaraí não deixava de utilizar seus microfones para reclamar,

por exemplo, da má condição das estradas do interior ou da falta de estrutura do hospital de

caridade. No entanto, não havia manifestações contrárias ao regime em si.

Uma das possíveis explicações para essa visão positiva do regime é a de que essas

inovações na cidade, bem como a sua própria incorporação à Área de Segurança Nacional,

diminuíram em parte o sentimento de cidade esquecida que vigorava até então, trazendo uma

nova maneira de se portar frente aos estrangeiros. E a porta-voz dessa nova maneira de se

perceber era a única emissora de rádio da cidade de Quaraí, a Rádio Quaraí AM.

Os interesses do Estado brasileiro eram divulgados na época principalmente pela Hora

do Brasil. Segundo Silveira e Adamczuk (2004), era durante esse espaço que o governo

divulgava as suas ações políticas e obras realizadas. Segundo Jorge Alberto Lamb Japur, na

época a emissora transmitia a Hora do Brasil tentando sintonizar alguma emissora próxima

em um pequeno receptor de rádio. Colocando-o na frente do microfone, era assim que a

emissora veiculava o programa até a última década. A Hora do Brasil, que em 1971 passou a

55

Nesse período era prefeito de Quaraí Heraclides Santa Helena. Ele foi um dos interventores designados pelo

governo militar para governar a cidade. Durante o seu governo aconteceram importantes avanços estruturais na

cidade, como a chegada da energia elétrica ao municíp io em tempo integral a partir de 1965, bem como a

inauguração da Ponte Internacional da Concórdia, em 1968. Tendo ocupado por 12 anos o governo da cidade,

nos seus contos regionalistas, alguns dos quais aparentemente de caráter autobiográfico, apresenta -nos

interessantes pensamentos acerca da política: “há muita ingratidão, muita canseira e nela muito se perde, nada se

ganha e, de repente, tudo se transforma”. Trecho extraído de SANTA HELENA, Heraclides. Onze Braças de

Campo e Algumas Sobras. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1982, p. 61. 56

Uma curiosidade ao entrar na discoteca da emissora é encontrar alguns discos de vinil com faixas riscadas.

Segundo os funcionários da emissora, isso acontecia por ordem de Jorge Japur.

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50

se chamar a Voz do Brasil por determinação do presidente Emílio Garrastazu Médici57, foi

aparentemente a primeira prática que vinculava a emissora localizada em um dos extremos do

país ao seu Estado-nação de fato.

Ferraretto rememora ainda o Projeto Minerva, que nos anos 70 foi uma tentativa do

governo militar de utilizar os meios de comunicação com fins educacionais.

O uso educacional dos meios de comunicação insere-se em uma visão

tecnicista da ditadura em que pontificam expressões como tecnologias de ensino,

instrução programada, máquina de ensinar, educação via satélite e teleensino.

Neste contexto de um processo pedagógico voltado apenas a instrumentalizar o

indivíduo para o trabalho, sem refletir crit icamente sobre a realidade, o governo

determina horários obrigatórios para a transmissão de programas educativos.

(FERRARETTO, 2007, p. 162)

Jorge Alberto Lamb Japur recorda que os programas do Projeto Minerva chegavam à

Rádio Quaraí em fitas gravadas, e eram veiculados na emissora depois da Voz do Brasil.

Apesar do objetivo do projeto ser diferente e o seu conteúdo não possuir o mesmo caráter da

Voz do Brasil, ele foi mais um dos projetos outorgados pelos militares que realçava a pertença

da emissora ao Estado-brasileiro.

O entrevistado recorda também de outro serviço que desde antes de 1964 já existia,

que era o ZZP-2. O Centro de Controle de Emissões Radiofônicas e Radielétricas de São

Paulo, prefixo ZZP-2, era um órgão ligado aos Correios e Telégrafos que tinha por fim

fiscalizar as emissoras do país com o objetivo de verificar se elas operavam na freqüência

correta. De acordo com o entrevistado, chegava um telegrama à emissora alguns dias antes da

aferição. O telegrama avisava o dia e o horário em que o ZZP-2 entraria em contato pelo ar.

Normalmente isso ocorria de madrugada. Nesse período algum locutor da emissora deveria

ficar no estúdio para responder aos chamados do ZZP-258.

Do lado uruguaio as políticas nacionalistas também ganharam consistência depois que

o presidente Juan María Bordaberry apoiou os militares em um golpe de estado em 1973, sob

a alegação de que a crise econômica e social pela qual o Uruguai passava era causada por

grupos armados que atuavam no país. Assim que o regime militar foi instituído no país,

Barrios y Pugliese (2004) afirmam que se iniciou também uma campanha contra o uso do

português nas fronteiras (e de quaisquer dialetos originados pela mescla deste com o

espanhol, como o portunhol).

57

SANTARNECCHI, 2004. 58

Escassa é a bibliografia sobre o tema. As poucas informações disponíveis para complementar as lembranças

dos nossos entrevistados estão em sites dedicados ao rádio no Brasil. Cf. CAROS OUVINTES. Instituto Caros

Ouvintes de Estudo e Pesquisa de Mídia. Florianópolis, 2005. Disponível em:

<http://www.carosouvintes.org.br/blog/>. Acesso em: 14 nov. 2009.

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51

No seu trabalho as autoras pesquisaram diversos periódicos do Uruguai com o

objetivo de explicar qual era a política lingüística do país durante o regime militar. Segundo

elas, o discurso xenófobo atacou de um modo geral qualquer forma estrangeira, mas foi mais

centrada no português, como demonstra este trecho extraído do diário El País, de 03.07.1979:

[…] la falta de pureza del idioma español (¿o castellano?) en los puntos

linderos con el Brasil, alimentada por el vasto material disponible en las

mencionadas zonas que incluyen televisión, radio, revistas y periódicos, han

determinado una reacción de nuestra parte a favor de la lengua que hablamos y que

es la oficialmente nuestra (BARRIOS Y PUGLIESE, 2004)

Segundo as autoras esse projeto de purificação do espanhol não obteve o sucesso

esperado nas zonas fronteiriças:

Esta política lingüística demostró ser particularmente eficaz en el caso de

las lenguas migratorias (ya en franco retroceso), pero tortuosamente

instrumentable en las localidades fronterizas. Aunque el español ha avanzado en

esa región, el portugués sigue vital en su variedad dialectal de “portuñol”

(BARRIOS Y PUGLIESE, 2004)

Toti Borgato, professora no Uruguai, recria o contexto descrito com suas lembranças :

“en esa época había niños que hablaban las dos lenguas, y sabéis que la tendencia es hablar

como vos escribís”. A entrevistada comenta que há diversas palavras no português e no

espanhol que possuem o mesmo significado com pronúncia parecida. “Pero cuando

necesitaba escribirlas, yo cambiaba la „i‟ por la „e‟, por ejemplo”, comenta Toti. De acordo

com a entrevistada, no Uruguai proibiu-se o uso do português nas escolas durante parte da

ditadura militar uruguaia. Barrios y Pugliese (2004) comentam que em 1979 o governo

uruguaio realizou um curso de aperfeiçoamento docente para professores do idio ma espanhol

nos departamentos limítrofes com o Brasil. Supõe-se com isso que até os professores das

escolas fronteiriças, por estarem em um contexto misto, possuíam costumes híbridos que se

refletiam na própria fala.

Segundo a sua pesquisa, as autoras descobriram ainda que os grandes vilões do

problema fronteiriço – para o governo uruguaio e para alguns usuários comuns da língua –

eram os veículos de comunicação da fronteira (não só brasileiros, mas também uruguaios pelo

costume de admitir brasileiros em sua programação), como nos mostra esta carta do leitor

presente no diário El País de 27.11.79:

Quiere decir que a cambio de dineros por pago de publicidad [en portugués]

se realiza el atropello contra el idioma y las buenas costumbres. Habría que poner

Page 53: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

52

coto a eso simplemente prohibiendo la difusión de propaganda escrita en un idioma

no nacional (BARRIOS y PUGLIESE, 2004)

Para as políticas ufanistas dos regimes militares de Brasil e Uruguai, esse tipo de

disfunção lingüística era considerada uma deturpação dos seus idiomas oficiais. Como se

sabe, longe de ser uma disfunção ou uma deturpação do idioma, trata-se antes do processo de

hibridização que séculos de convivência outorgaram à região. Esse processo vai, inclusive,

muito além da língua, refletindo-se no próprio modo de ser do fronteiriço, no modus operandi

da fronteira. Os meios de comunicação, por sua vez, contribuem na manutenção desse

processo.

De acordo com Jorge Alberto Lamb Japur, “nunca deixaram de participar uruguaios

na rádio”, mesmo durante o período ditatorial em que havia restrições quanto à participação

de estrangeiros nos veículos de comunicação nacionais. “Eles não podiam trabalhar aqui, mas

nada impedia que viessem como convidados, ou que pedissem músicas, ou avisos”, explica

Jorge Alberto. De forma semelhante atuaram as rádios uruguaias. Além disso, brasileiros e

uruguaios da fronteira compartilham uma mesma raiz cultural, que é a do gauchismo. Nesse

aspecto, qualquer emissora que trabalhasse com elementos dessa cultura atrairia quaisquer

fronteiriços, independente da nacionalidade. A programação da Rádio Quaraí já era nessa

época boa parte voltada a essa cultura, o que ocasionou, provavelmente, o fracasso das

políticas instituídas na fronteira de resguardo da nacionalidade de origem. “Para nós esse tipo

de proibição não fazia sentido”, explica Jorge Alberto.

A análise da atuação da emissora durante esse período serve como base para que se

possa especular sobre a necessidade de se conhecer a realidade de populações híbridas antes

de se instituírem leis ou programas arbitrários nessas localidades, como no caso das fronteiras

nacionais. Caso isso não aconteça, corre-se o risco do modus operandi fronteiriço tornar as

políticas voltadas a essa região inviáveis e/ou inoperantes. Além disso, o exemplo realça a

importância das cidades limítrofes para o Estado-nação ao qual fazem parte. Silveira e

Adamczuk (2004, p. 19) já haviam pesquisado sobre essa questão, quando descreveram o

modo como o rádio de fronteira era visto na era Vargas, como uma “cortina sonora de

proteção e alerta contra uma possível invasão cultural e de resguardo à cultura nacional”.

O curioso é que o fracasso dessas ações não se dá por ser a fronteira uma zona onde

florescem ilegalidades, como habitualmente a mídia dos grandes centros a representa59. É

59

Durante o segundo semestre de 2009 o autor desta monografia trabalhou como bolsista CNPq do projeto

“Brasil, mostra a tua cara. A ambivalência de fronteiras e favelas na cobertura jornalística sobre as periferias”. O

projeto em andamento, coordenado pela Profª. Drª. Ada Cristina Machado Silveira, do Departamento de Ciências

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53

possível que apenas não se esteja atentando para as suas especificidades sócio-culturais.

Independente da resposta, o fracasso de políticas voltadas a essas regiões trazem à tona um

problema ainda maior, a saber: a dificuldade do povo brasileiro em lidar com as suas

diferenças internas, reflexo de um problemático processo de integração nacional60.

Este capítulo analisou alguns dos vínculos estabelecidos pela Rádio Quaraí AM com

a comunidade local e também com as políticas estabelecidas pelo Estado-nação ao qual faz

parte. Cabe ressaltar, no entanto, que foram analisados até aqui dados recolhidos de

documentos e depoimentos relacionados à história da emissora, ou seja, de informações cujas

influências não sofrem mais o fluxo dos acontecimentos (a não ser, é claro, do tempo, já que

ele atua na memória das pessoas que forneceram importantes informações para esta pesquisa).

No próximo capítulo investigar-se-á a emissora do presente, bem como as suas expectativas

para o futuro.

2.3 RÁDIO QUARAÍ AM E FRONTEIRA: A EMISSORA E O FUTURO

Antes de se falar sobre a Rádio Quaraí AM segundo o rumo que o título deste capítulo

propõe, é razoável que se faça uma breve explanação a respeito de algumas transformações

pelas quais o rádio brasileiro passou nas últimas décadas. Isso porque se supõe que rádios de

pequeno porte, como a emissora estudada nesta pesquisa, também são influenciadas, de certo

modo, por essas mudanças (se a influência é positiva ou negativa, tratar-se-á dessa questão até

o final do capítulo).

Ferraretto (2007) denomina como decadente o período compreendido entre os anos de

1955 a 1970 em relação ao rádio nacional. Segundo o autor, diversos fatores foram

preponderantes para que o rádio sofresse transformações, como o surgimento da televisão e a

conseqüente perda de publicidade para ela, a euforia em relação a novas tecnologias no ramo

da comunicação, as turbulências políticas que revolucionaram o país, dentre outros. Esses

eventos retiraram do rádio a aura romântica que fazia, outrora, parte das suas atividades.

No fim dos anos 70 o Brasil entra em um processo de abertura política. “A

efervescência política chama a atenção do público e a informação ganha destaque na

da Comunicação da UFSM, recolheu matérias jornalísticas dos periódicos de circulação nacional Isto É e Época

relacionadas às periferias nacionais, entre o período compreendido de janeiro de 2006 a dezembro de 2007.

Apesar de o projeto estar na fase inicial e não haver ainda conclusões definitivas, dados preliminares sugerem

que há generalizações nocivas na cobertura jornalística dessas periferias. 60

Cf. SILVA, 2009.

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54

programação das rádios”61. Essas mudanças contextuais, aliadas às inovações tecnológicas

que vão ao mesmo tempo acontecendo no ramo da comunicação levam a uma reestruturação

do rádio no Brasil – sendo o fortalecimento do processo de segmentação, bem como a

disseminação das redes via satélite conseqüências dessas inovações.

A segmentação significa, segundo Ferraretto (2007, p. 52): “oferecer um serviço com

destinatário definido, buscando também anunciantes adequados a estes ouvintes específicos”.

É exemplo desse processo o aparecimento de emissoras com programação exclusivamente

jornalística, de rádios voltadas para o público jovem, ou ainda de emissoras comunitárias. O

que aconteceu com as rádios AM a partir da consolidação das emissoras FM no país também

é exemplo desse processo:

No final da década de 70, com a consolidação comercial da freqüência

modulada, começa um processo crescente de divisão entre as emissoras musicais

que exploravam a qualidade de som da FM e as rádios AM cuja programação girava

em torno do jornalismo, do esporte ou do serviço (FERRARETTO, 2007, p. 168)

O aparecimento das redes via satélite na década de 80, por sua vez, também ocasionou

transformações ao rádio, principalmente relacionadas à estrutura organizacional das

emissoras. Essas redes começam a unir as grandes emissoras das capitais às pequenas

emissoras do interior (sendo o modo como isso se dá nem sempre harmonioso). As primeiras,

ampliando a sua cobertura com o auxílio das pequenas emissoras (aumentando, em tese, o seu

faturamento); as rádios do interior, por sua vez, sem muitas perspectivas e muitas vezes

alheias a esse processo de reestruturação começam a depender cada vez mais dessas redes,

seja tentando aumentar o seu faturamento, seja com o objetivo de taparem buracos nas suas

programações. Essa estrutura, cada vez mais complexa, exige uma organização não menos

complexa que a gerencie, e também administre os recursos produzidos por ela.

Essa estrutura complexa modifica a maneira como se dá a relação dos meios de

comunicação com a sociedade, bem como a relação da sociedade com os meios de

comunicação62. Motta (2005) diz que o paradigma sociocêntrico representa de maneira

61

FERRARETTO, 2007, p. 165. 62

A mudança na relação da sociedade com os meios de comunicação é um fenômeno mais recente, pelo menos

em algumas pesquisas em comunicação. O professor da Universidade de São Paulo (USP), prof. Dr. Manuel

Carlos Chaparro, chama a atenção para o poder que a fonte possui nos dias de hoje em comparação às últimas

décadas. A Revolução das Fontes, expressão usada pelo professor, teve como uma das suas causas as inovações

tecnológicas do meio comunicacional. De acordo com o prof. Chaparro: “Apesa r de desprezadas pela cultura

arrogante dos manuais de redação, as fontes se organizaram, adquiriram competência, poder e querer,

transformando o jornalismo no espaço público das suas ações discursivas” CHAPARRO, C. M. Quarta

revolução, a das fontes. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/comentarios_mural8.htm>

Acesso em: 25 nov. 2009.

Page 56: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

55

menos ingênua essa perspectiva. Na relação entre os meios de comunicação e a sociedade, o

jornalismo passa a ser “um espaço de disputa onde prevalecem os interesses dos grupos

hegemônicos (como não poderia deixar de ser), mas é um espaço passível de conquistas, que

cede e negocia continuamente” (2005, p. 11). O autor completa:

Nesse paradigma a sociedade é formada por classes, frações de classe, grupos

organizados, movimentos sociais com graus de organização, de enfrentamento e de

articulação diversos, capazes de romper as barreiras políticas e de tornar visíveis

suas bandeiras no interior do jornalismo conservador. O paradigma é inteiramente

outro, menos ingênuo, mais realista, capaz de captar as nuances da cultura política

(2005, p. 11-2)

Segundo o paradigma sociocêntrico de Motta, os meios de comunicação passam a ser

entendidos pelo viés empresarial. Longe de eles serem um aparato ideológico

homogeneizador da cultura e do pensamento, eles são vistos como grupos organizados no

meio de tantos outros constituintes de uma sociedade civil. Como tal, possuem interesses que

são negociados na relação com outros grupos. As emissoras de rádio do país seguiram a

tendência e também se estruturaram/estão se estruturando como podem a essa nova ordem,

sendo que normalmente essas mudanças começam nas grandes zonas metropolitanas do país,

e gradativamente vão atingindo o interior, até, por fim, chegar às suas periferias.

Em nível de curiosidade, cabe ressaltar que ao entender os veículos de comunicação

desse modo aumentou-se a descrença na possibilidade de um jornalismo genuinamente

imparcial e livre de interesses, pelo menos por parte de comunicólogos e alguns jornalistas. A

resultante da dicotomia interesses comerciais–práticas comunicacionais passa a representar

as escolhas tomadas pelos veículos de comunicação na atualidade63.

Ainda tratando-se das idéias de Motta, cabe ressaltar que apesar do autor se referir ao

jornalismo especificamente, parece razoável que qualquer produção realizada por um veículo

de comunicação possa servir como moeda de troca na sua relação com a sociedade. Isso

porque uma das hipóteses a respeito da origem da credibilidade de um veículo de

comunicação é a capacidade de ele exercer uma comunicação de proximidade eficaz, pelo

menos no caso das emissoras locais. Segundo Vasques (2005, p. 9): “essa forma de abordar o

rádio comercial local tem como sua pedra fundamental o conceito da proximidade entre a

rádio e o seu ouvinte”. Apoiando-se em diversos pesquisadores, a autora comenta que para se

chegar ao conceito de proximidade, duas categorias devem ser observadas: a geográfica e a

63

O jargão do jornalismo imparcial que tem como único interesse o bem da comunidade passou a ser trabalhado

pelos veículos de comunicação como estratégia para dar credibilidade à sua produção, e conseqüentemente atrair

mais consumidores. É claro que isso não significa que não existe mais jornalis mo responsável.

Page 57: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

56

cultural. É na presença das duas categorias, ou pelo menos de uma delas, que se pode falar do

rádio como próximo ao seu ouvinte.

A idéia básica é a de que se uma emissora local consegue desempenhar de forma

eficaz uma comunicação de proximidade, terá credibilidade, independente de se o material

produzido por ela for jornalístico ou não. Isso não quer dizer, no entanto, que o jornalismo

não seja um dos principais elementos para que se possa desempenhar de forma eficaz uma

comunicação de proximidade.

A força do jornalismo numa emissora de rádio local é o instrumento que dá a

ela a sensação de ser verdadeiramente local. Estações de rádio locais que querem

atingir grande audiência e ignoram o jornalis mo correm riscos. Num mercado cada

vez mais disputado, o jornalismo é uma das poucas coisas que distinguem as

emissoras locais de todas as outras. Afinal, notícias obtidas na esquina são tão ou

mais importantes do que as recebidas de outras partes do mundo (CHANTLER apud

VASQUES, 2005, p. 9)

A discussão a respeito de até que ponto a credibilidade de uma emissora local depende

do jornalismo que ela pratica reside no seguinte questionamento: até que ponto uma emissora

da fronteira oeste do Rio Grande do Sul consegue fazer jornalismo de fato? Seguindo o

exemplo do nosso caso estudado, bem como a análise de outras pesquisas que tem o rádio de

fronteira como objetos de estudo, é possível fazer algumas observações.

A própria análise do caso estudado por esta pesquisa sustenta a idéia de que é possível

uma rádio local ter credibilidade sem desempenhar jornalismo strictu sensu64. Segundo

pesquisa feita através de telemarketing ativo no estado do RS realizada pelo Instituto

Brasileiro de Pesquisa e Opinião Pública (INBRAP), a Rádio Quaraí AM atingiu, em 2005, a

marca de 98% de reconhecimento da sua marca. Segundo o diretor da emissora, Jorge Alberto

Lamb Japur, essa marca pode ter sido atingida por diversos fatores, como a prestação de

serviço, que desde a sua fundação é uma das suas características, ou ainda pelas informações

locais veiculadas – nem sempre organizadas jornalisticamente, ou também pelos diversos

programas de gêneros variados que compõem a sua grade de programação.

Vasques (2005, p. 6) destaca: “Em tese, as emissoras de rádio organizadas possuem

seu departamento de jornalismo organizado”. Isso pressupõe uma estrutura física mínima e

64

Tem-se consciência que os estudos sobre comunicação divergem a respeito dos valores que constituem a

prática jornalística. A este escrito não cabe discorrer sobre essas questões, já que esse não é o objetivo do

trabalho. Cabe ressaltar, no entanto, que se adotaram as concepções de Traquina (2004) sobre a distinção entre

informação e opinião na prática jornalística atual, bem como as noções de objetividade e imparcialidade

discutidas em Tuchman (1999). Acredita-se que tais valores estão impregnados na prática jornalística nacional, e

por isso o conceito de jornalismo usado neste trabalho contempla esses valores. Se eles são bons ou ruins, se

estão certos ou errados, não cabe a este escrito julgar. No caso específico do radiojornalismo, adotamos

orientações presentes em Ferretto (2007) e Prado (1989).

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principalmente uma equipe qualificada. Ao falar sobre os recursos humanos que uma

emissora organizada deve dispor para fazer jornalismo, Vasques enumera: “há a necessidade

de uma equipe constituída por profissionais como, jornalista responsável, redator, repórter,

locutor noticiarista, que dominem a linguagem jornalística” (2005, p. 6). A esse respeito,

Jorge Alberto, que é graduado em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria

(UFSM), comenta: “eu me sinto de certa forma frustrado por não poder aplicar direito aquilo

que aprendi na faculdade”, fazendo referência à falta de recursos físicos e humanos que

caracterizam o seu contexto. Ele ainda completa:

Temos ótimos comunicadores, sem dúvida, mas são poucos em número e não

temos condições financeiras de contratar mais. Além disso, mais da metade desses

que estão conosco não é qualificada para tratar as informações que chegam a eles

com a responsabilidade que a atividade jornalística exige. Para a rádio que abre às

6h e fecha à meia-noite, temos um repórter policial, um repórter geral e um

apresentador. Além desses temos um apresentador para o informat ivo rural que vai

ao ar aos sábados. E só. Mas isso não quer dizer que não tenhamos credibilidade.

Prova disso é que há 52 anos estamos no ar.

Apesar deste escrito não pretender analisar especificamente a prática do jornalismo em

rádios da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, vale a pena destacar sucintamente o modo

como pesquisas sobre o tema costumam representá- la. Habitualmente elas buscam elementos

jornalísticos nas suas práticas primárias (para não dizer rudimentares). Zamin (2008), ao

analisar a prática jornalística de emissoras comunitárias das cidades de Uruguaiana e Santana

do Livramento (fronteira com Paso de Los Libres-ARG e Rivera-URU, respectivamente),

constata que as pessoas responsáveis pelos programas jornalísticos analisados carregam, por

vezes, a função de pauteiro- locutor-apresentador-entrevistador-operador-comentarista. Um

“faz tudo”, segundo Zamin (2008, p. 95). As informações jornalísticas locais veiculadas

nesses casos, em que se embaralham fatos com comentários pessoais carregados de achismos

imprecisos, é um retrato pungente de como as emissoras dessas localidades trabalham em más

condições (por mais que esses funcionários possam não acreditar nisso, achando que o fato de

acumular funções é prova da sua capacidade individual65). Esse contexto ilustra pelo menos

duas coisas: (1°) graves problemas estruturais cujas causas deveriam ser pesquisadas no caso

de se desejar melhorar esse quadro; (2°) falta de preparo dos profissionais que atuam no meio,

já que os municípios dessas localidades não captam a mão de obra formada nos principais

65

Segundo um dos repórteres da Rádio Quaraí AM, “nem em rád io grande conseguem fazer isso!”.

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centros de ensino do estado66. Por sua vez, os que ficam herdam a maneira informal de agir

comentada na seção 2.2.

Voltando à questão das transformações contextuais sofridas pelo rádio nacional nas

últimas décadas, esse processo foi imbuído de incertezas a respeito de quais mudanças seriam

mais benéficas ou nocivas nesse percurso (na atualidade existem outras incertezas, como as

discussões sobre o rádio digital e também sobre o futuro das emissoras AM). Emissoras

outrora importantes passam por dificuldades na nova ordem, e outras ganham importância67.

Outras ainda ficaram alheias a essas a essas mudanças até o final da década de 90, sendo que

as rádios do interior do Rio Grande do Sul estão, em parte, nessa categoria.

Além disso, pesquisas acadêmicas sugerem que a legislação que regula os o

funcionamento dos meios de comunicação não acompanhou os avanços organizacionais e

tecnológicos experimentados por eles. Tais estudos apontam para o fato de que ela possui

brechas que permitem uma série de abusos, como o coronelismo eletrônico, por exemplo. A

expressão, utilizada por Lima (2008), refere-se à posse de veículos de comunicação por parte

de políticos, principalmente de emissoras de rádio. Segundo o autor,

O coronelismo eletrônico é uma prática antidemocrática com profundas

raízes históricas na política brasileira que perpassa diferentes governos e partidos

políticos. Através dela se reforçam os vínculos históricos que sempre existiram entre

as emissoras de rádio e televisão e as oligarquias políticas locais e regionais, e

aumentam as possibilidades de que um número cada vez maior de concessionários

de radiodifusão e/ou seus representantes diretos se elejam para cargos políticos,

especialmente como deputados e/ou senadores. [...] O Congresso é a última instância

de poder onde são outorgadas e renovadas as concessões desse serviço público e,

mais que isso, aprovadas as leis que regem o setor. Por isso mesmo, a continuidade

do coronelismo eletrônico se constitui num dos principais obstáculos à efetiva

democratização das comunicações no país . (LIMA apud PINTO, 2009, p. 8)

Cozer (2009) alerta para o fato de que não são apenas políticos que usufruem de

brechas na legislação para obter concessões. Ao estudar o oligopólio no sistema de

radiodifusão de Santa Catarina, a autora atenta para o fato de quatro famílias possuírem

emissoras de rádio em mais de 40% dos municípios do estado. Segundo ela, “se brechas

legais permitem que políticos sejam donos de meios de radiodifusão, há também fatores que

66

Como Quaraí não possui centros de ensino superior, a tendência é a de que jovens com o secundário completo

saiam da cidade para estudar em centros de ensino superior de outras cidades do estado. Rara é a volta desses

jovens a Quaraí depois que os seus estudos estão completos. Semelhante é o destino dos jovens das outras

cidades da fronteira do Rio Grande do Sul. Em longo prazo, é possível que esse quadro seja alterado pelo

aparecimento de novas instituições de ensino superior nos últimos anos na região. 67

Ferretto (2007) exemplifica esse período no Rio Grande do Sul comentando a redução da influência da

Empresa Jornalística Caldas Júnior e a amp liação da Rede Brasil Su l (RBS).

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favorecem a formação das chamadas empresas familiares no Brasil” 68. Na seqüência é

explicado o modo como isso é possível:

A não obrigatoriedade de divulgação dos verdadeiros concessionários, que

contraria uma necessária transparência no setor, é um deles. O decreto -lei 236 de

1967 permite a concessão de apenas duas TVs por estado para cada pessoa física.

No entanto, há uma estratégia que possibilita às famílias aumentar seu poder, ao

distribuir as concessões entre parentes – desta maneira, quanto maior a família,

maior poderá ser o patrimônio dela. Cada um dos acionistas permanece dentro da

lei, mes mo quando o veículo de comunicação não seja dirigido, de fato, por eles.

(COZER, 2009, p. 8)

Christofoletti (2008) diz que a acumulação e a concentração de recursos no setor da

comunicação aconteceram (e ainda acontecem) não só pelo número de fusões e aquisições

ocorridas, “mas também pelas condições pré-existentes no país que facilitavam o crescimento

de grupos já estabelecidos”69. Segundo o autor, há na legislação que regulamenta os veículos

de comunicação brasileiros lacunas e ambigüidades que não estabelecem limites claros à

propriedade cruzada, e também “um sistema promíscuo de distribuição de concessões de rádio

e TV – aproximando (e confundindo) perigosamente as figuras de legisladores e

proprietários” (2008, p. 3).

Ferraretto (2007) acrescenta outro fenômeno ocorrido a partir da década de 80, que é a

busca de emissoras de rádio por seitas e igrejas que vêem nelas um instrumento para difundir

seu projeto espiritual. Segundo o autor, um exemplo da presença de seitas e igrejas na

radiodifusão é a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1977:

No mes mo ano, com o dinheiro doado por uma devota, são alugados dez

minutos diários na Rádio Metropolitana, do Rio de Janeiro. No final da década de

70, a pregação eletrônica já se estende por duas horas. Na mesma época, outro

programa similar começa a ser transmit ido na Rádio Cacique, de Santo André (SP).

Em 1982, a Igreja passa a alugar espaço em rádios baianas, acabando por arrendar

uma emissora em Salvador. Dois anos depois, a Universal compra a sua primeira

rádio, a Copacabana, no Rio. Desde então, os investimentos em comunicação não

param (FERRARETTO, 2007, p. 183)

Para o autor um dado preocupante sobre o avanço das igrejas no setor das

telecomunicações é o perigo de que se perca o caráter aberto e pluralista da mídia,

especialmente do rádio. Segundo ele, uma de cada sete emissoras de rádio do país está

vinculada a uma igreja. No caso da Rádio Quaraí AM, atualmente elas contribuem com o

orçamento da emissora na medida em que alugam espaços para reproduzirem programas

próprios. Segundo o diretor da emissora, Jorge Alberto Lamb Japur, hoje em dia elas ocupam

68

COZER, 2009, p. 8 69

CHRISTOFOLETTI, 2008, p. 2.

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60

principalmente horários do domingo, já que são igrejas locais de pequeno porte, e o horário

nesse dia é mais barato.

A cidade de Artigas é vista pelas igrejas de Quaraí como um nicho em potencial para

as suas atividades, já que os convites de fé para a participação em cultos e em eventos

estendem-se aos dois lados da fronteira, às vezes em portunhol, às vezes em português70. Essa

condição fronteiriça, que aparentemente poderia atrair mais os olhares cobiçosos de grupos

religiosos com condições de adquirir pequenas emissoras de rádio não parece realmente atraí-

las. Segundo Jorge Alberto Lamb Japur,

Pelas experiências anteriores que tivemos em relação às igrejas de grande

porte, consolidadas, dá para perceber que elas não querem pequenas emissoras como

a nossa, de 1 kW. No máximo colocam algum programa por algum tempo para

sondar a receptividade que elas têm no local. Além disso, pela sua estrutura elas

podem cruzar as fronteiras do país sem necessitar do nosso auxílio, como é o caso da

Igreja Universal, que já atua no Uruguai. A não ser, é claro, se elas descobrem que

há alguma emissora ruim das pernas a ponto de se fundir, o que não é difícil de

achar. Aí o assunto muda. No entanto, quem realmente já nos procurou tentando

comprar a emissora por valores irrisórios foram políticos. Esses sim estão sempre à

espreita.

Após as sucintas considerações feitas a respeito das transformações ocorridas com o

rádio nas últimas décadas, passa-se agora a tratar especificamente da Rádio Quaraí AM.

Localizada em uma periferia nacional, especificamente na fronteira Quaraí-Artigas, mesmo

com as transformações contextuais descritas a emissora continuou atuando até a década de 90

sob aquela informalidade que fazia parte das suas relações na década de 50 e 60. Sobre a

questão, Ponte, ao entrevistar o hoje falecido fundador da emissora, Jorge Japur, afirma:

Quanto ao caráter comercial da emissora, ela não tinha uma estrutura

publicitária. Tudo era feito de maneira o mais informal possível. O patrocinador

pagava uma taxa não muito alta e ainda tinha a vantagem de saldá-la quando

quisesse, como afirma o ex-d iretor da rádio Jorge Japur. Os anos que se seguiram

continuaram da mes ma forma (2000, p.22)

O contexto descrito na seção 2.2, relativo ao período de fundação da emissora e dos

seus primeiros anos de atividade, era propício para que ela trabalhasse de maneira informal,

afinal, além de o rádio ser uma novidade naquele local, a própria fronteira e o modo de ser do

fronteiriço contribuíam para isso. Fundada nesse contexto ela desfrutava, além disso, de

prestígio por ser a única emissora da fronteira. Após a criação das primeiras emissoras de

rádio em Artigas, continuou sendo a única emissora de Quaraí71. Segundo a viúva de Jorge

70

Uma das igrejas que anuncia na emissora já possui atividades consolidadas em boa parte do norte do Uruguai,

com templos em pelo menos dois departamentos. 71

Ainda hoje é a única emissora AM de Quaraí.

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61

Japur, Izar Teixeira Lamb, o retorno financeiro era algo natural na época da fundação da

emissora: “não havia preocupação com o dinheiro... o Jorge fazia o que gostava e o retorno

vinha ao natural”, comenta dona Izar.

Com o passar dos anos, no entanto, o modo informal de ser acarretou, dentre outras

coisas, dificuldades de transição aos moldes de rádio moderno/rádio empresa que o passar

dos anos, bem como o exemplo das grandes emissoras do centro do país, outorgou ao rádio.

Além disso, mudanças locais também alteraram a forma como a comunidade percebia a

emissora.

Sobre esse aspecto, podem-se destacar as seguintes características a partir dos

depoimentos recolhidos e pelos documentos acessados por esta pesquisa : (1°) O fascínio

existente na época de descobrimento do rádio na fronteira passou. Ou seja, a facilidade com

que o retorno financeiro era atingido, como disse Izar Teixeira Lamb, acabou; (2°) Apesar de

o contexto ter mudado, o modo como a emissora trabalhava não foi alterado. Jorge Alberto

Lamb Japur explica que apesar de popular e líder de audiência antes de 1996 (ano em que

assumiu a direção), a rádio sofria com a falta de profissionalismo da direção e dos

empregados. Segundo ele, “a emissora era tratada como objeto de poder e vaidades pessoais”.

Feita sem jornalismo qualificado e se limitando à radioescuta das emissoras do centro do país,

bem como à programação musical; (3°) Os avanços tecnológicos na área da comunicação, e

principalmente a facilidade de acesso a pequenos transmissores gerou na fronteira um boom

de emissoras clandestinas que competem com as emissoras homologadas vendendo

propagandas por preços irrisórios. Isso principalmente no lado uruguaio onde o combate às

emissoras clandestinas não é tão eficaz como no Brasil; (4°) O fato de não haverem políticas

no meio radiofônico que considerem as dificuldades do meio fronteiriço e a alta carga

tributária que não contempla as especificidades de emissoras de rádio de pequeno porte como

a Rádio Quaraí AM.

Ponte, ao analisar as radionovelas produzidas pela Rádio Quaraí AM, fez um pequeno

levantamento histórico sobre a emissora. Nele a autora já atentava para mudanças

operacionais a partir de 1996:

Está quase toda informat izada. A inserção de informes comerciais e

noticiosos (da Rádio Nacional) e a gravação de alguns programas em computador

fizeram com que ela perdesse um pouco daquele caráter informal (2000, p. 24)

Em entrevista concedida a Ponte, o ex-diretor Jorge Japur, hoje falecido, diz que

“desapareceu da rádio o trabalho comunitário” (2000, p. 24). No mesmo trabalho, a

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62

historiadora local Diva Simões comenta que “ela [a emissora] perdeu a sua função na cidade,

já que não se integra mais com ela”72. Nota-se que tais colocações referem-se à

impossibilidade de se manter o caráter informal nas relações da emissora com a sociedade

cujos reflexos se mantiveram até o fim da década de 90. Nessa visão, não se integrar com a

comunidade significaria, antes, não ser informal no trato, ou em outras palavras, não se

deixar levar pelo coração. De certa forma, isso lembra aspectos do conceito de homem

cordial descrito por Holanda (1995), que descreve alguém que não vê distinção entre o

privado e o público, que transplanta para a vida pública os valores compartilhados pela

família, porque se guia antes pela emoção do que pela a razão73.

O atraso em relação às modificações contextuais do rádio no Brasil, bem como a

manutenção das relações informais da emissora (inclusive do seu setor comercial) – destino

provavelmente compartilhado por inúmeras emissoras de pequeno porte do país que até hoje

temem pelo seu futuro – quase levou a emissora a fechar as suas portas. Segundo Jorge

Alberto Lamb Japur, a emissora estava fadada ao encerramento das atividades pela falta de

recursos e a falta de seriedade nas relações sócio-econômicas com a população de Quaraí e

Artigas74.

Ao atuar informalmente, a emissora, cuja rentabilidade depende do mercado

publicitário, foi, talvez, em parte responsável por propagar a idéia que se tem na fronteira de

que propaganda não é fator decisivo na legitimação de uma marca, sendo colocada em

segundo plano, por donos de empresas, como um fator de prosperidade de um

empreendimento comercial. Segundo Jorge Alberto, “o modo como se dá o comércio na

fronteira, mas principalmente o contrabando é responsável por isso”. O diretor não descarta,

no entanto, que atuando informalmente por muitos anos a emissora também contribuiu para a

construção e a manutenção dessa mentalidade.

72

Idem, p. 25. 73

“No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de

funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível

acompanhar, ao longo da nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu

ambiente próprio em círcu los fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi

sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos

efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos

chamados “contratos primários”, dos laços de sangue e de coração – está em que as relações que se criam na vida

doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo

onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade

em normas antiparticularistas” (HOLANDA, 1995, p. 146) 74

Ainda segundo Jorge Alberto, foi principalmente nesse período de dificuldades que políticos sondaram a

emissora com propostas de compra.

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63

Segundo o entrevistado, as diferenças cambiais fazem com que uma série de produtos

seja mais barato no Brasil, assim como outros sejam mais baratos no Uruguai75. “O comércio

daqui sabe que os uruguaios naturalmente vêm a Quaraí, e vice-versa, e esse é um dos

motivos pelos quais temos dificuldades”, afirma Jorge Alberto. Ele se refere ao fato de que as

empresas de Quaraí e Artigas – e de outros locais da fronteira – acreditam que a propaganda

não é um fator decisivo na efetivação da sua marca, por conta do modo como se dá o

comércio na fronteira. Qualquer tipo de publicidade serve para eles, segundo o diretor. “É

uma mentalidade atrasada... A gente compete até com carro de som e alto- falante”, diz Jorge

Alberto. Para o entrevistado isso é reflexo do modus operandi do fronteiriço.

Na impressão do diretor, desde 2003 o quadro está ligeiramente se modificado nesse

quesito, por conta de migrantes que estão chegando à cidade com o intuito de explorar as

pedras semipreciosas que são abundantes na região, como a ametista (a exploração ainda está

nas fases iniciais); empresários novos que estão tendo a oportunidade de avançar além do

curso secundário e ter idéia da importância de investir em sua marca; cursos de qualificação

promovidos por instituições que atuam na capacitação de pessoas que atuam na indústria e no

comércio (endossadas pela emissora), dentre outros. Está previsto para 2014 a inda a chegada

de um Parque Eólico no município, evento que provavelmente contribuirá para que essas

modificações continuem.

Se um dia a Rádio Quaraí AM auxiliou na manutenção de uma mentalidade atrasada

em relação à importância da propaganda na fronteia, hoje em dia as rádios clandestinas no

Uruguai tornaram-se as responsáveis por isso. Elas, que em Artigas contabilizam mais de

dezessete emissoras, fazem propagandas até de graça para estabelecimentos comerciais de

Quaraí e Artigas. Segundo um comerciante uruguaio entrevistado que anuncia em uma delas,

“yo pagaba U$ 50 [cinqüenta pesos uruguaios] por semana para tener propaganda de mi

almacén en la Sol FM todos los días”. A quantia, que no câmbio atual corresponde a

aproximadamente R$ 4,50, é um exemplo dos tipos de absurdos com que rádios da fronteira

devem lidar.

A problemática é complexa. Em um primeiro momento podemos citar o fato de que

enquanto uma emissora legal necessita manter uma tabela de preços mínima para honrar os

seus impostos, bem como a manutenção dos seus equipamentos, os custos com os seus

75

A Ponte Internacional da Concórdia está diariamente repleta de brasileiros e uruguaios que atravessam a

fronteira em busca de produtos. Os uruguaios costumam ir ao Brasil em busca de artigos têxteis, assim como

alguns tipos de alimentos, gás, e outros produtos do gênero. Os brasileiros, por sua vez, procuram alguns g êneros

alimentícios, como laticínios e carne. Nos free shop uruguaios eles vão a busca de bebidas e equipamentos

eletrônicos. Essas, no entanto, são apenas pequenas impressões sobre uma complexa rede de comércio

estabelecida na fronteira.

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64

funcionários, dentre outros, uma emissora clandestina não possui quaisquer compromissos.

Sendo assim, o valor que elas cobram não chegam muitas vezes a um sexto do valor de um

comercial em uma emissora legal.

Em matéria sobre o tema, o jornal A Platéia de Santana do Livramento mostra que a

proliferação de rádios clandestinas é comum em toda extensão da fronteira com o Uruguai. O

texto ajuda a compreender o problema que também está presente na fronteira Quaraí-Artigas:

A propaganda em rádio, na fronteira, é algo completamente incompreensível

para quem não vive nas duas cidades irmãs. Para alinhar ao tema da pirataria nas

ondas do rádio, pode ser definida em uma guerra de canhões surdos, com as naus

legais quebrando ondas de um mar revolto chamado mercado publicitário. Para o

cliente, a questão preço é determinante e raras são as medições de pesquisa de

audiência - as quais, obviamente, não contemplam as rádios piratas, pois a lógica

indica que sua não formalidade pressupõe inexistência oficial. Na prática, no

entanto, não é assim. Por vezes, o cliente anuncia em determinada emissora pirata, a

qual é estimulado a ouvir - “sintoniza, ouve, me diz se gostou e depois a gente

conversa” ou “eu vou colocar em tal dia no ar e aí veja se gostou, depois voltamos a

falar” - sem saber que se trata de uma rádio não legalizada. A emissora clandestina

não tem qualquer obrigação de recolher qualquer tipo de tributo, não tem obrigações

trabalhistas, não faz pagamentos, não utiliza áudio legalizado, preferindo músicas

pirateadas - e não poderia ser diferente pela sua condição - ao mesmo tempo em que

seu sistema, geralmente, é também - como virou moda, na atualidade - cópia não

autorizada de programas de computador para “gerenciar” a programação que coloca

no ar. Claro que Bill Gates nem fica sabendo, assim como os clientes que, por vezes

convencidos pela argúcia dos vendedores anunciam, mas o Windows pirata deve

rodar muito bem nos sistemas das emissoras não legalizadas76

.

Para ilustrar a questão, ponha-se o seguinte exemplo: imagine-se o valor relatado pelo

comerciante uruguaio que gasta o seu dinheiro em rádios clandestinas. O valor

correspondente a U$ 50 (cinqüenta pesos uruguaios), aproximadamente R$ 4,30, lhe dá

direito a várias inserções diárias77. Como a cobrança é semanal, se gasta ao final de um mês

R$ 17,20. A tabela de preços da Rádio Quaraí AM coloca que uma inserção diária, de

segunda-feira a sábado, exige um investimento de R$ 180 mensais. O valor cobrado pela

emissora clandestina é mais de dez vezes inferior ao valor cobrado pela emissora

homologada.

Segundo a responsável pelo setor financeiro da emissora, Lilian Teresa Tomás Japur

(esposa de Jorge Alberto), é difícil para a emissora manter uma tabela de preços considerando

a concorrência desleal. Jorge Alberto Lamb Japur cita um exemplo: “pagamos mensalmente

76

PIRATARIA... nas ondas do rádio. A Platéia. Santana do Livramento, 21 e 22 out. 2007. Disponível em:

<http://srv3.v-expressa.com.br/edicoes/2007/outubro/211007/a2.pdf> Acesso em: 17 nov. 2009. 77

Para o exemplo utilizou-se a cotação do dia 04 dez. 2009 em que 1R$ equivalia U$11,62. Para fazer a

conversão recorreu-se ao conversor de moedas disponível no site do Banco Central. Disponível em:

<http://www.bcb.gov.br/> Acesso em: 04 dez. 2009.

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de ECAD78 R$ 496 – isso com o desconto. Ainda temos sorte que Quaraí possui

aproximadamente 24mil habitantes declarados, daí é mais barato”. O entrevistado comenta

que os impostos pagos pela emissora, reunidos, consomem aproximadamente 40% do seu

faturamento bruto. Somando despesas com funcionários, manutenção e outras contas, como

água, luz e telefone, 80% do faturamento da emissora são consumidos. “É complicado manter

a rádio com uma concorrência desleal dessas”, afirma Jorge Alberto.

No Brasil, a lei não define o que é uma emissora clandestina. O que ela faz é

estabelecer o que é uma emissora legalizada. Toda emissora que não possui amparo legal para

funcionar é caracterizada como clandestina, sendo que a competência legal para o combate à

clandestinidade é exclusiva da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) 79. O uso

de radiofreqüência sem autorização é tratado pelo Art. 163 da Lei Geral de Telecomunicações

(LGT)80, e as sanções estão previstas no Art. 173 da mesma lei.

Criou-se, no ano de 2008, uma emissora clandestina na cidade de Quaraí, sob a

alcunha de Rádio Concórdia. A emissora veiculava o seu material através de link com o

transmissor de uma emissora uruguaia homologada, sendo que o seu dono, uruguaio, tinha

recebido de Brasília autorização para fazer apenas reportagens externas na cidade de Quaraí.

Após denúncia recebida pela ANATEL, a emissora clandestina foi fechada em ação da Polícia

Federal, tendo todos os seus equipamentos recolhidos, conforme outorga a lei. No caso das

rádios clandestinas que estão do lado uruguaio (sendo que algumas delas têm proprietários

brasileiros), a única coisa que a ANATEL pode fazer é informar a situação ao Ministério das

Relações Exteriores, para que o Itamaraty repasse as informações à administração do país

vizinho, para que ele tome as providências necessárias com base em sua legislação.

No Uruguai, o órgão responsável pela fiscalização das emissoras clandestinas é a

Unidad Reguladora de Servicios de Comunicaciones (URSEC). A questão sobre as rádios

clandestinas ficou em suspenso enquanto o país reformulava a sua legislação no intento de

regulamentar a radiodifusão comunitária. Uma brecha na legislação permitia que muitas

78

Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é o órgão responsável pela a arrecadação e

distribuição dos direitos autorais das obras musicais. O órgão, que no Art. 1° do seu Estatuto afirma não ter fins

lucrativos, cobra mensalmente de emissoras de rádio e TV imposto para que estas possam executar músicas

nacionais e estrangeiras. No site do ECAD é possível simular os valores cobrados às emissoras. Disponível em:

http://www.ecad.org.br/. Acesso em: 04 dez. 2009 79

Tornamos públicos os nossos agradecimentos ao engenheiro da ANATEL, Jairo Karnas, que gentilmente nos

orientou a respeito da legislação que serve de base no combate a emissoras clandestinas no Brasil. 80

BRASIL. lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a

criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda

Constitucional n° 8, de 1995. Ministério das Comunicações, Brasília, DF, 10 dez. 1996. Disponível em:

<http://www.wisetel.com.br/acoes_de_governo/leis_e_decretos_lei/lei_9472.htm#LGT > Acesso em: 04 dez.

2009.

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66

emissoras clandestinas se defendessem argumentando que eram emissoras comunitárias, e não

piratas.

Como o país não disponibilizava uma legislação específica para o setor, diversas

emissoras se organizaram em associações para forçar o debate, como a Asociación Mundial

de Radios Comunitarias Uruguay (AMARC Uruguay). Outras emissoras, no entanto,

aproveitaram as brechas da legislação uruguaia para explorarem o serviço de radiodifusão em

benefício próprio, causando interferência em emissoras comerciais uruguaias e também em

estações brasileiras localizadas na faixa de fronteira81.

Em 22 de dezembro de 2007 foi aprovada pelo Uruguai a Ley de Radiodifusión

Comunitaria, Ley N° 18.232. Desde então o governo está realizando um mapeamento das

emissoras que se classificam nessa categoria para regulamentá-las. Até a questão ser

concluída, a problemática das rádios piratas está, em parte, em suspenso, pois não é possível

saber quais emissoras são comunitárias ou quais operam de maneira ilegal. Além disso,

mesmo aprovada há dois anos, a Lei, que tomou como exemplo a legislação brasileira ao ser

redigida, tem apresentado algumas inconsistências na prática. Para sanar esses problemas a

URSEC realizou em 2009 uma consulta pública sobre a regulamentação da lei de radiodifusão

comunitária. É provável que as emissoras clandestinas continuem a se proliferar até que essa

problemática seja resolvida pelo país vizinho.

Nos quadros a seguir estão destacadas as emissoras homologadas e as clandestinas

existentes na fronteira Quaraí-Artigas82:

Quadro 1: Rádios Homologadas na Fronteira Quaraí (BRA) – Artigas (URU)

Emissora Cidade Freqüência

Rádio Quaraí AM Quaraí 1540 kHz

Radio Cuareim AM Artigas 1270 kHz

La Voz de Artigas AM Artigas 1180 kHz

Frontera(1) AM Artigas 900 kHz

Salamanca FM Quaraí 101.3 MHz

Amatista FM Artigas 90.7 MHz

Frontera FM Artigas 88.3 MHz

Viva FM Artigas 89.5 MHz

Acuarius(2) FM Artigas 94.7 MHz (1) Emissora fora do ar por d ificuldades financeiras; (2) Perdeu a concessão, está fora do ar.

81

Segundo mapeamento realizado pela URSEC, havia em 2007 vinte e seis emissoras clandestinas no

departamento de Artigas. Nosso mapeamento encontrou 17 só na cidade sede. 82

Mapeamento realizado no dia 15 ago. 2009. Infelizmente não foi possível obter o nome de todas emissoras

clandestinas. Algumas dessas rádios não veiculam vinhetas e também não possuem locutores. Equipamento

utilizado: Ph ilips CEM220 CD-PLAYER/TUNER 4x50W.

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Quadro 2: Rádios Clandestinas na Fronteira Quaraí (BRA) – Artigas (URU)

Emissora Cidade Freqüência

Horizonte(1) FM Artigas 91.3 MHz

Amanecer FM Artigas 92.7 MHz

Sol FM Artigas 95.1 MHz

N.i. (2) FM Artigas 97.1 MHz

Don Quijote FM Artigas 98.1 MHz

N.i. FM Artigas 98.5 MHz

N.i. FM Artigas 99.1 MHz

Cosmos(3) FM Artigas 100.3 MHz

Aries FM Artigas 101.9 MHz

N.i. FM Artigas 102.3 MHz

N.i. FM Artigas 102.7 MHz

Alternativa(4) FM Artigas 103.1 MHz

N.i. FM Artigas 104.3 MHz

N.i. (5) FM Artigas 105.7 MHz

N.i. FM Artigas 106.1 MHz

N.i. FM Artigas 106.9 MHz

N.i. FM Artigas 107.9 MHz (1) Algumas das emissoras nomeadas estão tentando a sua regularização.

(2) Não identificada.

(3) Emissora fora do ar no dia do mapeamento.

(4) Emissora clandestina localizada no Uruguai com proprietário brasileiro.

(5) Emissora fora do ar no dia do mapeamento. Segundo a URSEC, é comum tais emissoras mudarem a sua

freqüência com medo de rastreamentos. No entanto, algumas delas estampam em muros da cidade o nome de

suas emissoras. Cf. anexo.

Enquanto isso a Rádio Quaraí AM tenta garantir o seu espaço (e a sua subsistência)

investindo na sua credibilidade. Em relação às práticas das rádios clandestinas, Jorge Alberto

Lamb Japur diz: “É algo amador, artesanal, eles não têm idéia de público alvo, de como se

constrói uma mensagem considerando as potencialidades do meio...”. A emissora, por estar

desde 1957 no ar, por ser a única AM da cidade de Quaraí, e também pelas incontáveis

campanhas sociais, bem como por ter tido consigo diversos personagens importantes que já

passaram pelos seus microfones, possui audiência garantida em quase toda a região da

fronteira oeste do Rio Grande do Sul. “Os clientes até chegam a colocar propaganda nessas

clandestinas, mas depois de um tempo eles vêem que não tem retorno e recorrem a nós.

Depois de um tempo, eles desistem de gastar dinheiro nelas”, diz Jorge Alberto.

A emissora mantém o vínculo com a cultura do gauchismo tendo pelo menos 50% da

sua programação voltada para o tradicionalismo e o nativismo. Músicas, homenagens e

informações culturais são veiculadas para os habitantes dos dois lados da fronteira e conta

com a participação de brasileiros e uruguaios. Além disso, as campanhas sociais e o

desenvolvimento de informações locais (nem sempre organizadas jornalisticamente, pelas

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dificuldades estruturais) contribuem para a manutenção dos vínculos da emissora com a esfera

local. Além disso, há uma parceria informal entre emissoras de rádio da região que se

auxiliam trocando notícias relacionadas às suas cidades. “Com o propósito de servir à

comunidade a emissora foi fundada. E mesmo com as transformações que ocorreram, a idéia

segue o mesma...”, explica Jorge Alberto.

As diversas parcerias da emissora, por sua vez, mantém ao mesmo tempo ela ligada ao

seu Estado-nação, servindo como porta voz do estado brasileiro na região. Atualmente a

Rádio Quaraí AM tem como parceiras a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Rádio

Nacional, O Grupo Bandeirantes de Comunicação nos esportes83, Rádio Agência Senado,

Rádio Agência Câmara, Central de Radiojornalismo do Paraná e BBC Brasil, sendo que todas

elas fornecem matérias jornalísticas de cunho nacional e/ou regional. Além dessas, a emissora

também possui uma parceria internacional com a Rádio Netherlands. A emissora holandesa

costuma enviar reportagens em português sobre o Brasil. Além disso, encaminha

periodicamente por correio produções próprias que divulgam diferentes culturas ao redor do

mundo.

Segundo Jorge Alberto Lamb Japur e Izar Teixeira Lamb, promessa de

desenvolvimento é a expressão que definia a emissora nos seus primórdios. A fronteira

Quaraí-Artigas experimentou nas décadas passadas, contando com o auxílio da Rádio Quaraí

AM, avanços em diversos setores, que vão desde estruturais até humanísticos. A integração

entre brasileiros e uruguaios foi intensificada, de modo que falar espanhol, português, ou

ainda portunhol, era só um detalhe para aqueles homens que, vivendo em conjunto e falando

línguas entreveradas, eram iguais no momento em que experimentavam o mesmo sentimento

de fascínio frente ao microfone que a partir de então passou a representá-los. Nesse aspecto,

as experiências da Rádio Quaraí AM e dos personagens que estiveram envolvidos com ela

constituem uma lição para o mundo atual, globalizado, já que a emissora é um exemplo de

empreendimento que desde as suas raízes soube encontrar e também explorar características

comuns de sujeitos que se diziam diferentes.

Mesmo com as transformações contextuais que quase a levaram à falência no início da

década de 90, a Rádio Quaraí AM conseguiu manter-se. Isso graças aos investimentos que fez

83

Até o fim do primeiro semestre de 2009 a Rádio Quaraí AM retransmit ia os jogos dos times gaúchos de mais

prestígio do Estado, Internacional e Grêmio, com equipe esportiva própria. Era comum quaraienses residentes

em outras partes do país – que ouviam as jornadas esportivas da emissora pela internet - telefonarem durante os

jogos para mandarem um alô para parentes em Quaraí. Compunha a equipe esportiva da emissora nomes como

Cléber de Oliveira e Jaldemiro Mazzuí, importantes locutores da região que já passaram por emissoras

consagradas como a Rádio Guaíba. Por não conseguir na cidade patrocínio suficiente para cobrir os elevados

custos das transmissões, a emissora optou pela parceria com a Rádio Bandeirantes AM 640 kHz, de Porto

Alegre.

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no intuito de realçar o que, para Jorge Alberto, é o que descreve a emissora no presente: a sua

credibilidade. Em um contexto de práticas e costumes híbridos, e muitas vezes alternativos (o

que não quer dizer necessariamente ilegais ou de má fé), a emissora continua com o seu

trabalho comunitário, informativo e diversional, e graças ao sucesso que tem em trabalhar

essas questões na fronteira consegue atrair investidores da cidade local que desejam ter a sua

marca associada a essa credibilidade. Isso não significa, no entanto, que o contexto seja

favorável. Jorge Alberto comenta:

Temos que trabalhar sozinhos... Além das emissoras clandestinas, nós,

emissoras de pequeno porte, não temos representatividade em órgãos como a

AGERT84

. Eles dizem nos representar, mas na verdade nos usam apenas como

massa de manobra para representar a eles próprios e às grandes emissoras do estado.

Nunca recebemos nenhum tipo de auxílio deles. Eu já desfiliei a rádio de lá, e até

hoje eles usam o nosso nome no site deles. O que é mais triste é que o pai [Jorge

Japur] foi um dos seus sócios fundadores. A ABERT85

, bem, mes mo que possam

representar as pequenas emissoras, está muito distante de nós. Só somos filiados ao

SindiRádio86

, que nos proporciona descontos no ECAD. Além d isso, somos

explorados por agências de publicidade da capital [Porto Alegre] que dizem nos

representar. Certa vez nos ligaram de Porto Alegre, era o gerente de uma rede de

farmácias do RS solicitando um comprovante de irradiação, já que, segundo ele,

fazíamos propaganda deles aqui na rádio. Nunca recebemos nenhum contato para

que isso fosse feito. Ele disse que há três anos pagavam relig iosamente a agência de

publicidade que nos representava. A agência embolsava tudo usando o nosso nome.

Até o momento o presente da Rádio Quaraí é positivo, já que ela subsiste, mesmo com

as dificuldades geradas pelo contexto descrito. É provável, no entanto, que essa sorte não seja

compartilhada por outras emissoras da faixa de fronteira do Rio Grande do Sul. Segundo o

diretor, percebe-se isso no momento em que uma emissora de pequeno porte das redondezas é

comprada por políticos, por igrejas, ou ainda por grandes conglomerados do ramo da

comunicação.

O futuro, nesse aspecto, é uma incógnita. As discussões a respeito do Rádio Digital,

bem como as incertezas sobre o porvir das emissoras AM no país causam a impressão de que

cada vez mais tais emissoras estão por sua conta e risco. O diretor da emissora diz que o

futuro da Rádio Quaraí AM será promissor, porque mesmo com todas as adversidades ela

consegue subsistir e manter a sua credibilidade na região. Ressalta, no entanto, que os órgãos

competentes pelas decisões no setor de radiodifusão do país não têm ciência das dificuldades

das emissoras de pequeno porte. Para Jorge Alberto, um exemplo disso foi o questionário de

uma pesquisa enviada para a emissora em 2009:

84

Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Telev isão. Jorge Japur, fundador da Rádio Quaraí AM, foi um

dos sócios fundadores da AGERT. 85

Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. 86

Sind icato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado do Rio Grande do Sul.

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70

Em uma das perguntas eles questionaram qual era o orçamento mín imo que a

emissora disporia caso necessitasse adotar o padrão digital de rádio. O valor mais

baixo da questão era R$ 300.000,00. Nosso orçamento bruto anual não chega nem

na metade disso! Havia ainda alternativa que falava em milhões. Rádio de pequeno

porte só ouve falar de valores altos como esses quando está devendo na justiça,

prestes a fechar as portas.

Mesmo com as incertezas sobre o futuro do rádio no Brasil, uma coisa parece razoável

considerando as informações levantadas até aqui: conhecer a realidade de pequenas

emissoras, como a Rádio Quaraí AM, é, talvez, uma das poucas maneiras de evitar que elas

fechem as portas, ou ainda sejam vendidas para grupos que possam comprá- las. Essa é,

provavelmente, uma das poucas maneiras de garantir a tão sonhada pluralidade de vozes que é

requisito básico para o amadurecimento de um regime democrático.

Page 72: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

71

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na medida em que a pesquisa avançava – seja na coleta dos dados, ou ainda no seu

tratamento; mas principalmente na leitura de fontes que cada vez mais tornavam menos

ingênuo o modo de ver a fronteira – percebeu-se que o universo onde está situada a emissora é

de uma complexidade tal que seria uma ousadia sem tamanho afirmar que este estudo

explorou todas as suas nuances.

Os registros históricos sobre as fronteiras sul-riograndenses, bem como os estudos de

antropologia acessados, permitiram vislumbrar o que está contido nos trabalhos teóricos que

versam sobre o processo de construção de identidades híbridas. A partir disso, tendo-se

enquadrado a atividade midiática da Rádio Quaraí AM no campo da comunicação, pôde-se

confirmar a hipótese de pesquisa deste trabalho, ou seja, de que a emissora contribui para a

manutenção desse processo híbrido. Cabe ressaltar que a análise não conseguiu, no entanto,

estudar a atividade midiática da emissora separando-a hermeticamente em cada uma das três

categorias propostas por Sodré (2002), já que elas não estão dissociadas. Tentou-se, na

medida do possível, analisar a emissora segundo a sua produção que é veiculada, segundo os

seus vínculos sociais e como ela se vê no seu contexto (cognição).

A partir dessa constatação algumas características gerais sobre a fronteira e a emissora

tornaram-se evidentes. A primeira delas diz respeito ao fato de que o modo como as zonas de

fronteira normalmente são representadas pelos veículos de comunicação - como uma zona

marginal, porta de entrada de entorpecentes, armamentos e mercadorias ilegais – não passa de

uma generalização apressada. Essa visão, ao ser incorporada no discurso oficial com o auxílio

da grande mídia, dificulta na exploração das potencialidades que a região fronteiriça tem (seja

de cunho cultural, social ou econômico).

Outra constatação realizada, que não propriamente tem a ver com o trabalho, mas com

a forma de analisar os dados, versa sobre a facilidade de lidar com informações de épocas

passadas. Ao recorrer à história da emissora e da fronte ira oeste, a grande dificuldade para

trazer tais dados foi, sem dúvida, a falta de registros (sejam escritos ou orais) que pudessem

complementar algumas lacunas da pesquisa. Nesse caso, trabalhou-se sem conjeturas que não

pudessem ser verificadas, por mais que se tenha em mente que há diversos fatores relevantes

nesse contexto que poderiam, inclusive, alterar o rumo das investigações, e se baseou apenas

em dados concretos que foram alcançados.

Page 73: Análise da Atividade Midiática de uma Emissora Fronteiriça: Estudo de Caso da Rádio Quaraí AM (Jorge Robespierre Tomás Japur)

72

Esse material, no entanto, além de ser revestido por uma aura romântica87, não traz

consigo algo que pareceu ser uma complicação ao analisar os dados atuais sobre a emissora: o

fato de estes estarem aí, sofrendo intervenção do fluxo dos acontecimentos sociais, políticos e

culturais do meio. Afinal, por mais que possa ser uma afirmação polêmica, poder-se- ia

parafrasear um dos grandes aforismos dos manuais de comunicação que afirmam “a

comunicação é uma relação de ser a ser que quer, que passa uma mensagem a outro”88, para

dizer que esta pesquisa tem uma intenção, como qualquer ato de comunicar. E de fato ela tem,

e isso fica subjacente à própria escolha do tema de qualquer trabalho. Mas isso certamente é

diferente de a pesquisa é partidária. Para evitar que se incorresse nessa possibilidade, fez-se o

necessário para tratar de hipóteses que respondessem à bibliografia que serviu de parâmetro

para a análise do material acessado, segundo o método proposto.

Outro dado encontrado, que pela bibliografia utilizada não parece ser uma

especificidade só da fronteira Quaraí-Artigas, é o fato da história desses locais ser contada de

forma vertical. Ou seja, os registros históricos existentes pertencem a uma elite composta por

famílias importantes de outrora. Não é raro perceber nesses escritos a dicotomia famílias

importantes, cultas – população rústica, iletrada. Diz-se isso com base em algumas

passagens extraídas tanto na bibliografia sobre Quaraí e Artigas que serviu de base a este

trabalho quanto em algumas entrevistas coletadas, bem como em trabalhos de outros autores

sobre Quaraí89.

Essa mentalidade, presente no início da emissora (e muito antes dela, coisa que

sabemos graças à literatura da região), nunca atrapalhou no pleno envolvimento da emissora

com a população das duas cidades. Embaraçou, talvez, a modernização da emisso ra na

medida em que o contexto social e tecnológico ia se modificando com o passar dos anos.

Assim como ressaltamos a lealdade cruzada com que a emissora trabalha, constituída

por elementos do contexto local e também pelas relações de subordinação frente ao seu

Estado-nação, percebe-se que as dificuldades provêm dos mesmos locais que ela representa.

De um lado, há problemas relacionados ao descaso para com as emissoras de pequeno porte

no Brasil, seja no momento em que não há políticas específicas para elas, ou ainda no

87

Isso corrobora uma das características do povo da fronteira oeste do RS, a saber, o fato de ret irar os defeitos

daquilo que já passou, por mais que em algum momento ele não tenha sido tão bom assim. 88

PERUZZOLO, 2004, p. 21 89

Esta passagem registrada em uma entrevista por Ponte (2000, p. 24) é ilustrativa: “programas de maior

profundidade como os de entrevistas, noticiosos com comentários [...] não têm muita aceitação. Para ela, esses

gêneros em uma cidade como Quaraí, em que grande parte da população é iletrada, não atendem aos interesses e

necessidades das pessoas, o que é uma lástima”. A entrevistada, no caso, acompanhou a emissora desde antes da

sua fundação.

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73

momento em que associações voltadas ao rádio no Brasil não parecem representá- las (pelo

menos as emissoras de pequeno porte). Por outro lado, aparecem as práticas alternativas

existentes na fronteira que geram dificuldades para as pequenas emissoras fronteiriças.

Acreditamos que estudar a Rádio Quaraí AM é importante porque, pelo seu tempo de

existência - mais de meio século - ela presenciou as principais transformações do rádio

brasileiro. Por estar na fronteira, a transformação foi lenta e tortuosa, gerando- lhe dificuldades

de subsistência, e por isso pode-se dizer que o seu caso ilustra as dificuldades de uma

emissora de pequeno porte no Brasil.

Ao ser fundada a Rádio Quaraí AM experimentou o glamour do Rádio Espetáculo,

acumulando histórias e riquezas; nas décadas de 70 e 80, viu de longe as inovações do rádio e

passou a experimentar dificuldades nunca dantes experimentadas, a ponto de quase ter as suas

portas fechadas na década de 90; hoje em dia, mesmo com o contexto adverso e com as

incertezas sobre o rádio AM no Brasil, ela mantém-se como a única emissora AM de Quaraí,

mesmo com as dezenas de emissoras clandestinas no Uruguai e com as despesas que lhe são

outorgadas pelo estado que consomem quase todo o seu faturamento.

E o futuro? Foi no intento de oferecer dados que ajudem na reflexão sobre o futuro que

se colocou este estudo de caso. As pequenas emissoras de rádio do interior, e principalmente

as fronteiriças, são, como disse um dos nossos entrevistados, verdadeiros marcos das

fronteiras do Brasil com os países vizinhos. Não só pela sua atuação como representante do

Brasil na região, mas simplesmente pelo rádio AM continuar sendo o único a conseguir cobrir

praticamente 100% desse território.

Nem todas emissoras fronteiriças compartilham da mesma sorte que a Rádio Quaraí

AM tem na atualidade, que é a de subsistir. E é por isso que o conhecimento da realidade

dessas emissoras torna-se importante: para evitar que elas deixem de funcionar (como já

acontece em Artigas mesmo, com a saudosa Radio Frontera AM, de Basílio Borgato. Apesar

de ser no Uruguai, a emissora sofre com as mesmas dificuldades provenientes da sua condição

fronteiriça, como a Rádio Quaraí).

As transformações pelas quais o rádio brasileiro passará nos anos seguintes,

independente de quais forem, devem levar em conta as dificuldades e especificidades das

pequenas rádios do interior. A mudança não pode ser vertical, ou seja, simplesmente ser

determinada considerando-se a realidade das principais emissoras do país e se outorgar:

Rádios do Brasil: adaptem-se. Refletir sobre o modo como isso se dará é, antes de tudo, uma

questão de respeito para com essas emissoras que, dentre outras coisas, alcançam os lugares

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mais remotos do país, guardando consigo histórias de um Brasil que nem se imagina que

exista.

Além disso, evitar que tais emissoras fechem as portas é também impedir que o nosso

recente sistema democrático seja ameaçado com a ampliação de grandes conglomerados

comunicacionais, de igrejas, ou ainda do abuso cometido por políticos que, antes de

legislarem a favor de um país melhor, aproveitam-se de brechas na legislação para explorar

indevidamente os serviços da radiodifusão.

Enquanto isso, a Rádio Quaraí AM, ZYK 282, operando na freqüência de 1540 kHz,

desde a República Federativa do Brasil, estado do Rio Grande do Sul, cidade de Quaraí,

fundada em 17 de março de 1957 por um sonhador, segue cumprindo o seu papel. Resta-nos

esperar que as suas condições de existência tornem-se menos ásperas no futuro. Até lá, a

emissora deve seguir o exemplo do personagem Blau Nunes da lenda: “Alma forte, coração

sereno”. Isso para evitar que a sua história se perca na vastidão dos pampas que ela tanto ama

representar.

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75

OBRAS CONSULTADAS

BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998.

BACKES, José Licínio. A compreensão da diferença cultural numa dimensão intercultural: a

contribuição de Homi Bhabha. II Seminário Internacional: Educação Intercultural,

Gênero e Movimentos Sociais. UFSC, 2003.

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ANEXOS

ANEXO A – Vista da cidade de Artigas e suas inúmeras antenas

Data da imagem: 15 ago. 2009

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ANEXO A1 – Antena de rádio clandestina

Data da imagem: 15 ago. 2009

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ANEXO A2 – Emissora clandestina não identificada

Data da imagem: 15 ago. 2009

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ANEXO A3 – Emissora clandestina com inscrição no muro ao lado do seu estúdio

Data da imagem: 15 ago. 2009

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ANEXO A4 – Emissora clandestina que se autodenomina comunitária

Data da imagem: 15 ago. 2009

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ANEXO B – Pacheco Prates (ao fundo de traje branco) e Getúlio Vargas na inauguração da

Ponte Internacional Uruguaiana-Paso de los Libres

Fonte: Arquivo pessoal da família Custódio Gomes

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ANEXO C – Transmissão de jogo de futebol com Basílio Borgato (segurando o microfone) e

Jorge Japur (à direita)

Fonte: Arquivos da Rádio Quaraí AM

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ANEXO C1 – Programa A Cidade se Diverte

Fonte: Arquivos da Rádio Quaraí AM

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ANEXO D - Cópia do script original do 8° capítulo da radionovela

“A Loura de Vermelho”

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ANEXO D1 - Cópia do script original do 11° capítulo da radionovela

“A Canção da Vingança”

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ANEXO D2 - Cópia do script original do 12° capítulo da radionovela

“Os Mortos Não Falam”

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