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O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ Prof. EDUARDO MAHON Uma repreensão jurídico-constitucional às pretensões investigativas do Ministério Público

Uma repreensão jurídico-constitucional às pretensões ... · O Ministério Público de Robespierre _____ _____ Prof. EDUARDO MAHON

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Uma repreensão jurídico-constitucional às pretensões

investigativas do Ministério Público

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Aos queridos pais e amigos, Geraldo e Carla

À minha querida Lisa

À Vera.

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AGRADECIMENTOS

Edina Horta

viu no texto mais qualidades do que o próprio autor e, caso haja repreensão

técnica, comungará comigo o amargor das críticas, já que é a responsável por esta edição.

Simpática e amigável, persevera no ideal que melhor representa a polícia de todo o Brasil. Muito

obrigado.

Dr. Borges D Urso

se ninguém o lançou formalmente, serei eu: não há melhor nome para

Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Que assim seja e, se não for, perde não

só a Ordem, mas fica carente a preservação da Justiça;

Gilza S. Santos

quando, ainda no ensino fundamental, pagou a aposta de insistir na formação

literária de um jovem inquieto, ganhou os louros da eterna admiração pela perseverança. E arcará,

solidariamente, com os erros do vernáculo.

Ulysses Ribeiro e Raimar Bottega

das cadeiras da faculdade, os mais enfáticos professores

faziam com que jamais o medo servisse de ponderação para o exercício de um direito. Não é por

outra razão a petulância da obra, da qual também eles ver-se-ão co-responsáveis.

João Celestino Correa da Costa Neto

colega, amigo e parceiro. Mais do que advogado

brilhante, sabe o que nenhum livro ensina

cativar amizades. Mato Grosso precisa deste homem

na presidência da Ordem dos Advogados do Brasil.

Armando Martins de Oliveira

conquistar sua confiança e amizade é sempre uma honra. Dela,

tomo a convivência como vaidade pessoal dos afortunados que com ele partilham tristezas e

comemoram vitórias.

Ministro Marco Aurélio de Mello

jamais o conheci, nem o cumprimentei, nem com ele troquei

palavras, mas minha ótica é através de suas lentes. Pela inabalável convicção e resoluta fé na

liberdade e na Constituição, seu exemplo de inquietude e coragem me anima e admira. Mais do

que orgulhar-se pessoalmente de ser Ministro do STF, o Supremo Tribunal deve orgulhar-se deste

seu Ministro.

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UMA JUSTIFICATIVA BREVE E PLAUSÍVEL

O poder deixa-nos tal como

somos e apenas engradece

os grandes. Balzac

Um pais que troca parte da

liberdade, por mais

segurança, perderá a

liberdade e a segurança -

Lincoln

O certo é que sobrevive a

História ao historiador, mas

o mais certo é que só

lemos a História pela ótica

do historiador. Afinal, tal

qual a França do século

XIX, como enxergar

Robespierre? Para uns,

tratava-se de um líder

popular, com a intrepidez típica de um revolucionário que defendia com ardor a

causa da igualdade; para outros, um tirano de visões distorcidas pela

personalidade autoritária e vaidosa, onde o discurso vinha mascarado da mais

primitiva sede de poder. A quem dar razão? Não nos cabe aqui, mas o paralelo

com os desejos do Ministério Público pela presidência/condução de investigações,

é pertinente. O poder, nos dois casos, corrompeu a missão legítima de

Robespierre e quer seduzir a integridade de promotores, sequiosos de mais

atribuições.

Seduzidos pelas vaidades da mídia, das manchetes fácies, o Ministério Público

arroga-se no direito de conduzir investigações criminais, função típica de polícia.

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É, certamente, o primeiro passo para abrir mão de garantias constitucionais

sedimentadas por séculos de lutas populares, em nome do combate ao crime

organizado. Será que vale a pena sacrificar a garantia do promotor natural,

olvidando da vedação lógica em se limitar o poder ministerial, sujeitando e

subordinando órgãos policiais e colhendo provas de forma unilateral, sem o

contraditório? A voz do povo, embalada pela convicção de que o Ministério Público

é incorruptível, tal como Robespierre, faz coro com os promotores da procissão

por mais poder. A opinião pública que faz parceria com o Ministério Público na

divulgação de informações sigilosas, levanta uma eterna desconfiança de

advogados insubmissos com a temerária usurpação de funções da polícia.

Por que Robespierre perdeu a cabeça? Porque representava a ética e o povo,

mas não teve a habilidade política de equilibrar a revolução que, pessoalmente,

queria ver implementada para o povo e os meios concretos para viabilizar seus

projetos. Saiba o Ministério Público que não basta poder. E não basta mais poder.

Tanto promotores como procuradores devem fazer o melhor com as atribuições

que já têm, de forma discreta e eficiente. Não se deve subestimar a consciência

dos direitos individuais e coletivos, íntima do sistema democrático ocidental.

A História tem suas lições: quem quer barganhar com os direitos individuais pelo

poder, perde; e quem quer ser sempre popular, não será sempre íntegro. Eis aí o

cadafalso de Robespierre

a vaidade do poder. Consciente do perigo do Terror

em que desembocaram as mais legítimas pretensões populares, rejeitamos um

Ministério Público Jacobino , investigativo, inquisitivo. Preferimos um Ministério

Público Democrático.

Do poder, nasce a admiração fanática.

Do poder, nasce o medo e a opressão.

É preciso limitar o poder, seja de quem for.

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1. O Problema e Plano de Abordagem

Não há poder. Há um abuso do poder, nada mais. -

Henry De Montherlant

O Ministério Público ganhou novas e amplas dimensões com a Carta Magna de

1988. Consagrou a independência e a unicidade, as garantias que

instrumentalizam suas funções fiscalizatórias e concedeu a titularidade da ação

penal pública. Ante a escalada de poder ministerial, alçando até mesmo a

pretensão de um quarto poder republicano, pela não adequação tradicional na

tríade compreendida na ciência política convencional, a condução do inquérito

criminal não seria atribuição extraordinária, ainda mais aventando-se a aplicação

da teoria dos poderes implícitos

quem pode o mais (oferecer denúncia),

evidentemente pode o menos (presidir a investigação preliminar).

Dentre as novas atribuições constitucionais do Parquet figuram a possibilidade de

requisição de informações, expedição de notificações, condução de

procedimentos administrativos cíveis e o próprio exercício do controle externo do

aparelho repressivo policial. Esses e outros poderes que perpassam estreitamente

à presidência de procedimentos tendentes à apuração de irregularidades,

inexoravelmente conduzem forte corrente doutrinária a acreditar poder o promotor

de justiça e o procurador da República, presidirem feitos preliminares de

investigações criminais. Some-se o fato, indiscutível, de ser o inquérito policial

peça dispensável e nem sempre bem formulado na experiência brasileira.

Ocorre que não trata a Constituição, a olhos desarmados, sobre a possibilidade de

conduzir ou presidir diretamente inquéritos penais e sim cíveis, preparatórios de

ações cuja titularidade é do próprio órgão ministerial. Impõe-se eventual dilema

jurídico ao consagrar a titularidade do exercício à ação penal pública a um órgão

de tamanho vigor e independência, simultaneamente, furtando-lhe a condução do

Inquérito Policial propriamente dito. Exaltam-se os membros do Ministério Público:

de que adianta a titularidade da ação penal, se a colheita de provas e diligências

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investigatórias não poderão ser realizadas pelo detentor dessa prerrogativa

constitucional? Será um esvaziamento de um poder constitucional?

Trata-se aqui, neste pequeno trabalho, de determinar se pode ou não o Parquet

imiscuir-se no Inquérito Policial, questão tormentosa pelas vaidades entre

promotores e delegados, pela interpretação mais ou menos extensiva e liberal e,

ainda, pelo cunho ideológico que se reveste. Em verdade, a polêmica perpassa

por desvãos maiores que meramente o cerne da vaidade funcional: tangencia a

visão eminentemente política havida na organização do aparelhamento repressivo

brasileiro, em contraposição às garantias constitucionais acrescidas de vigor na

mesma Carta Cidadã de 1988.

Procuramos não nos eximir de opinião, ao mesmo tempo em que não buscamos

eclipsar as teses contrárias à escola jurídica da qual nos perfilhamos. Aliás, ao

contrário: aprofundamo-nos em todos os argumentos de uma corrente doutrinária

para poder refutá-la, ponto a ponto, posteriormente. Sendo assim, o leitor, esse

crítico infalível, poderá sorver ambas as orientações jurídicas e,

independentemente do esforço do autor, chegar ao porto seguro de suas próprias

conclusões.

Quanto ao plano de abordagem, parece-nos mais conveniente adotar as seguintes

questões, norteadoras do estudo desenvolvido:

a) Há, expressamente, previsão constitucional-legal da condução direta do

inquérito policial por membros do Ministério Público?

b) Haverá possibilidade de concatenar as normas constitucionais e

infraconstitucionais de modo a franquear a promotores a promoção de

investigações criminais?

c) No caso em estudo, é possível vislumbrar-se os princípio dos poderes

implícitos e da economia processual,, já que o controle externo da atividade

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policial pertence ao Ministério Público e o destinatário do Inquérito é

justamente o Parquet?

d) Em que medida aplica-se o princípio do promotor natural ao caso no qual

há, de fato, condução e/ou acompanhamento das investigações criminais e,

sendo assim, poderá o promotor que eventualmente acompanhou e/ou

conduziu o Inquérito ser considerado suspeito para a promoção da denúncia

e instrução processual?

e) Diante do crescente aparelhamento do crime, com o surgimento e

fortalecimento do chamado crime organizado , não seria o caso de

flexibilizar algumas diretivas, em nome do princípio da proporcionalidade?

Vejamos, ao final do trabalho, se estão satisfatoriamente respondidas e o

estudioso contentado. Adiantamos, porém, um afastamento um tanto proposital

com a metodologia cientifica rigorosa, sendo as fontes citadas, em sua maioria, no

corpo do texto, de modo a facilitar ao operador do Direito buscar, de imediato, as

referências e não amofiná-lo com um ensaio cintado pela norma metodológica. Os

julgados têm apontados os números para serem conferidos por meio da Internet,

recurso fundamental para o cruzamento de informações que pretendíamos ofertar

ao leitor. Preparemo-nos, portanto, para um ensaio livre.

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2. Introdução: as mais novas e polêmicas decisões sobre o poder

investigativo do Ministério Público e sua relação com o crime

organizado.

A tirania da opinião

e que opinião!

é tão burra nas

cidadezinhas da França quanto nos Estados Unidos da

América. (Stendhal)

Aqueles que concordam com uma opinião chamam-lhe

opinião; mas os que discordam chamam-lhe heresia.

(Hobbes)

A polêmica foi iniciada com a Constituição de 1988, desenvolveu-se com a

promulgação da Lei Orgânica do Ministério Público e se aprofundou com a edição

da Lei do Crime Organizado. Pode o Ministério Público presidir/conduzir inquéritos

policiais? Alertamos, preliminarmente, o leitor do cuidado que se deve tomar no

discernimento entre os dois termos: condução e presidência, uma vez que a sutil

diferença poderá levar a extremos doutrinários. À guiza de esclarecimento prévio:

dizem os partidários do poder inquisitivo ministerial, que os Grupos de Combate

ao Crime Organizado não pretendem propriamente presidir o inquérito e sim

conduzir, sendo a última expressão sinonímia de acompanhar...fecha-se o

parêntese, não nos parecendo da melhor lavra doutrinária a distinção, mais

retórica que prática.

Percebe-se estar a polêmica concentrada na apuração e desmonte de crimes

cometidos por organizações criminosas. Não se excede o dissenso deste ponto.

Em verdade, jamais quis o Ministério Público centrar seu trabalho nas

investigações diretas, todavia com a onde crescente de criminalidade

empresarial ou pelo menos com a divulgação transparente dos mecanismos de

corrupção que sempre corroíam o erário, entendeu o Parquet federal e estadual

empreender a caça dos criminosos, tomando de empréstimo, ora modelos

alienígenas de processo penal, ora flexibilizando a hermenêutica constitucional

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para, em nome do princípio da proporcionalidade e da teoria dos poderes

implícitos, arrogar-se mais uma atribuição que é a condução de procedimentos

investigatórios, preliminares ao oferecimento da ação penal. Diríamos, seguindo a

trilha dos promotores que comungam a tese aqui rebatida, que as investigações

diretas seriam exceção e não regra. O problema, entre parênteses, é quando e

como se definir o interesse ministerial e qual o mecanismo com o qual retiraria um

inquérito da polícia para conduzi-lo o promotor.

Justifica-se o esforço ministerial na estrutura diferenciada do crime denominado de

organizado. Diferencia-se da tradicional formação de quadrilha (art. 288, CP),

caracterizada pela reunião de mais de três pessoas com o fito de cometer crimes,

de forma estável e não eventual. O crime organizado, embora não definido

juridicamente pela Lei 9034/94, mantém os mesmos padrões de qualquer máfia,

cosa nostra ou yakusa...Assemelha-se a organizações empresariais, constituídas

de profissionais que agregam valor e inteligência à finalidade criminosa,

especializando ramos de ofícios internos, hierarquizando a sociedade e, após,

externando o resultado criminoso por meio da lavagem de dinheiro ou

branqueamento de capitais, conforme a denominação legislativa de cada país.

Basicamente, uma estrutura desse porte conta com:

1) braços políticos que dão cobertura às atividades ilícitas ou representam a

organização criminosa em seus interesses legislativos, tendo suas campanhas

financiadas direta ou indiretamente pelo crime. Retribuem com leis pretensamente

mais brandas, falhas legislativas ou ainda anistias e favores processuais;

2) penetração no Poder Judiciário, na medida em que desembocam as ações de

represália penal, onde os julgadores precisam estar devidamente enquadrados ,

a fim de que possam os processos se arrastar até a prescrição, ou a liberdade ser

angariada ou, ainda, ser alcançada a absolvição. Compras de sentenças e de

acórdãos é uma variável nos custos de manutenção do crime organizado. ;

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3) coordenação empresarial sólida e insuspeita, recebendo o dinheiro e limpando

de qualquer mácula original oriunda da atividade ilícita, recolhendo impostos

inclusive;

4) reconhecimento e visibilidade social, por meio de apadrinhamentos e

financiamentos de convenções, desfiles, colunas sociais, eventos dos mais

diversos, missas e homenagens;

5) sólido temor, infundido pelo gigantismo da organização, além do poder

coercitivo que exibe na extorsão e morte de qualquer cidadão que não se encaixe

no sistema ou que rompa as normas internas. Além do que, eventualmente, a

ostensividade coercitiva é delineada claramente aos parceiros comerciais, de

modo a inculcar a convicção de indulgência pública: a impunidade

cimento de

toda a construção criminosa de porte.

Diante deste novo quadro de criminalidade que, convenhamos, sempre houve no

país, ainda agravado pela tradição patrimonialista e personalista da sociedade

tupiniquim, mas definitivamente estruturado em novas bases profissionalizadas ,

exige novas respostas do aparato estatal. Como sempre, o Estado sempre menor,

mais lento e desinteligente, vislumbra reações imaturas para um problema cujo

caráter exige mais inteligência do que repressão.

Nos desvãos políticos pouco técnicos no cerne legislativo e ímpetos pela

publicidade desmedida, novas leis são elaboradas com o fito puro e simples de

conferir à sociedade um grau de segurança (aparente) que estabilize novamente

os medos e ansiedades. Foi então que o Ministério Público preferiu afastar-se dos

sofismas legislativos e ingressar, a própria instituição, no combate direto ao crime

organizado. Capitaneando um sólido patrimônio moral e ético e uma invejável

respeitabilidade, apostou o Ministério Público da União e os Parquet s Estaduais,

na estruturação dos famosos Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao

Crime Organizado), salvo denominação semelhante, variando de unidade

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federada. Foi uma aposta alta, em que se revelou uma faceta que procuraremos,

ao longo deste trabalho, desvendar em todos os ângulos.

De relance, podemos citar de cor as últimas inutilidades e futilidades legislativas,

como a impossibilidade de recurso em liberdade, gizando no bizantino Código de

Processo Penal e a possibilidade de apelação em liberdade, nos crimes

hediondos, sendo a liberdade provisória expressamente vedada nos mesmos

crimes. Ou ainda, a progressão de pena para o crime de tortura e sua expressa

vedação para o crime de falsificação de cosméticos que, venhamos e

convenhamos, guarda de hediondo só a desinteligência do legislador brasileiro.

Em outras palavras, respostas rápidas e carentes de assessoria jurídica

especializada fazem do ridículo uma constante nas academias que, ao contrário

de concentrar seus mestres na hermenêutica legislativa, são obrigadas a decifrar

anomalias do legislador que teve a mídia como objetivo único.

É bem verdade que a legislação constitucional e infraconstitucional não se

posiciona de forma a permitir ou proibir expressamente a possibilidade ou a

vedação ao Ministério Público em proceder investigações, permitindo conclusões

das mais diversas, temperadas por conveniências e políticas públicas

concorrentes. Delegados contra promotores, advogados contra ambos, juízes

impassíveis, ministros que se confrontam em seus entendimentos: eis o panorama

da discussão. Mas o que preocupa, na verdade, é a possibilidade de validação ou

anulação dos procedimentos preparatórios conduzidos pelo Ministério Público: eis

a verdadeira celeuma e receio dos Grupos de Atuação de Combate ao Crime

Organizado, daqui em diante simplesmente denominados de pela sigla mais

comum Gaeco . Processo anulado é o terror do zeloso promotor público que

aposta na legalidade e constitucionalidade; aposta o advogado que conseguirá

anular o feito. O resultado deste cabo-de-guerra poderá ser facilmente constatado

na jurisprudência brasileira, mais especificamente partindo a pesquisa dos anos

de 1994 e 1995: nela, perceberemos a hesitação dos Tribunais do país em

fulminar procedimentos deste gênero, não por concluí-los idôneos, mas por puro

temor de anulação processual superveniente.

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Ocorre que, em processo penal, um dos bens jurídicos mais relevantes do homem

que é a liberdade não pode se prestar a apostas. É, portanto, imprescindível que

seja esclarecida a sociedade brasileira das razões que levam cada gladiador a

empunhar suas armas com o ímpeto que se assiste. Acreditamos que não poderá

a discussão ter seus pilares fundados na credibilidade subjetiva de uma instituição

séria como a do Ministério Público e, de outro lado, na eterna e natural

desconfiança com a retórica advocatícia: a discussão sobre o poder do Ministério

Público importa no modelo jurídico-político de garantias públicas que queremos

ver efetivado no Brasil. Não será o discurso fácil e hipócrita de que a polícia é

sempre corrupta que irá descredenciá-la automaticamente e nem será a

honestidade ministerial capaz de, por si só, conferir o passe investigativo ao

Parquet: ambas as simplificações míopes não condizem com o rigor que a

discussão requer.

O Estado de Mato Grosso, por exemplo, feliz ou infelizmente, foi um dos pioneiros

na criação do Gaeco, primeiramente por meio de Portaria expedida pela

Procuradoria Geral de Justiça do Estado, declarada inconstitucional pela

unanimidade do Tribunal de Justiça do Estado, e depois por meio de legislação

estadual. Seria cômico, se não fosse trágico, conferir poder de investigação a uma

Instituição, autorizando-a a instaurar procedimentos investigativos criminais, por

meio de uma Portaria, baixada pelo chefe da própria Instituição: em outras

palavras, no Estado de Mato Grosso deu-se curiosa e emblemática inversão

de

tamanha empáfia, acreditou sinceramente o Ministério Público Estadual poder

legislar em benefício próprio, ao alvitre da Constituição e, ainda, por meio de uma

portaria administrativa.

Interessante é anotar, já nesta quadra, que alguns membros do Ministério Público

têm o desrespeito (para não dizer estupidez jurídica) de simplesmente

desconsiderar a importante decisão. Temos ouvido em palestras que a decisão

que baniu a sobredita portaria não poderá ser levada em consideração, por ter

partido do Egrégio Tribunal Estadual de Mato Grosso. Já nos adiantamos em

afirmar que qualquer julgado sobre o tema, seja favorável seja desfavorável à tese

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na qual nos perfilhamos, será considerada como essencial e digna de fé. Não

pode nenhum Tribunal brasileiro, como trincheiras jurídicas a resguardar o fiel

cumprimento das leis e da Carta Magna ser, de forma grossa e petulante,

desconsiderado por qualquer promotor público ou Procurador da República: a

questão afasta-se meramente da cortesia e elegância para ferir outra, desta vez

de caráter institucional.

Logo após a declaração de inconstitucionalidade e ainda no calor da discussão,

após fragorosa derrota, dois membros do Parquet, Drs. Marcos Machado e

Roberto Turim, fizeram publicar o artigo que vai transcrito no rodapé1, introduzindo

1 O e. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em sua composição plena, declarou, por maioria de votos, a

inconstitucionalidade da Resolução nº 009/99-PPJ, de 11.08.99, editada pelo Colégio de Procuradores de Justiça, órgão

superior do Ministério Público Estadual, que criou o GAECO

Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado -,

composto por Promotores de Justiça, com a atribuição para oficiar nas representações, inquéritos policiais, procedimentos

investigatórios, e processos destinados a identificar e reprimir as organizações criminosas , abrangendo a apuração e

repressão dos crimes que se tornem conhecidos no decorrer das investigações .

A decisão foi tomada em julgamento realizado no dia 18.10.01, acolhendo-se ação direta de inconstitucionalidade

promovida pela Associação dos Delegados de Polícia do Estado, e teve como relatora a i. Desa. Shelma Lombardi de Kato.

Seria mais uma decisão, entre inúmeras editadas pelo tribunal pleno, que poderia passar despercebida se não fosse o fato

de devolver, indistintamente, a todos os signatários da ordem e da paz o sentimento de impunidade oficializada , que

atende e beneficia apenas os intocáveis , grupos organizados de pessoas que encomendam, friamente, homicídios de

seus desafetos, sonegam tributos em alta escala, falsificam e fraudam o que for necessário para atingirem objetivos

mercenários, além praticarem atos, modelares e em série, de corrupção contra a Administração Pública.

A comentada decisão colegiada deverá enfrentar recursos extraordinário e especial a serem formulados, pela Procuradoria

Geral de Justiça, ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, por ofensa a normas

constitucionais e legais, precipuamente a Lei Orgânica do Ministério Público, porém levará o Colégio de Procuradores de

Justiça a editar nova Resolução, assim que publicado o v. acórdão, visando adequar a atuação do GAECO aos limites do

julgado, em virtude do efeito recursal, unicamente, devolutivo.

Sem subjulgar o entendimento dos e. Desembargadores que acompanharam o voto condutor, nem sugerir qualquer

defesa de classe, a decisão, por si só, merece ser levada à crítica popular. Isto porque, enquanto, em todos os

Estados, a política de segurança pública está voltada ao fortalecimento do Ministério Público para combater a

criminalidade difusa, em Mato Grosso, por interpretação judicial, o órgão que, constitucionalmente. possui, entre

suas funções, o controle externo da atividade policial, a titularidade, privativa, da ação penal, inclusive podendo

dispensar o Inquérito Policial, dependeria da Polícia Civil para investigar fatos que configuram crime, mesmo que

cometidos por policiais, delegados, praças e oficiais da Polícia Militar.

(...)

Conclui-se, portanto, que as polícias não têm exclusividade na realização de investigação criminal. O reconhecimento do

monopólio investigatório da polícia não se coaduna com o sistema constitucional vigente, que prevê o poder investigatório

das comissões parlamentares de inquérito (art.58, § 3º), o direito do povo de participar dos serviços de segurança pública

(art.144, caput), função na qual a investigação criminal se inclui (art. 144, § 1º, I e § 4º), o acesso ao judiciário (art. 5º,

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XXXV), o princípio da igualdade (art. 5º, caput e I), e sobretudo a incumbência do Ministério Público de instaurar a ação

penal, que tem como pressuposto válido a investigação criminal (art. 129, I, III e VI).

Por força do princípio e da universalização da investigação, que tem como base a democracia participativa, a

transparência dos atos administrativos, o acesso ao Judiciário, não há privatividade ou exclusividade para

investigar. No que toca à Polícia Civil, cuja função é a de apurar infrações penais (crimes e contravenções penais),

o Código de Processo Penal não exclui que autoridades administrativas, a quem a lei seja cometida a função de

investigar (CPP, art.4º, § único), possam, concomitantemente, desvendar fatos ilícitos.

Não é razoável que haja, no poder estatal de menor relevância, a investigação criminal, especialmente porque a fase de

investigação é facultativa para o exercício da ação penal e acesso ao Judiciário, se a acusação possuir elementos

suficientes da autoria e materialidade do crime para embasar a denúncia penal (CPP, arts.39, § 5º e 40). A Constituição

Federal não condiciona o exercício da ação penal à realização de investigação policial. Observe-se que ofende o óbvio a

proibição do Ministério Público investigar quanto se verifica que a Constituição Federal o incumbe, textualmente, de

promover privativamente a ação penal (art. 129, I), instaurar o inquérito civil e promover a ação civil pública (III), expedir

notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-

los (VI), requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (VIII), além de exercer outras funções que

lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (IX), dispositivos que evidenciam a possibilidade de

empreender todo o tipo de investigação (administrativa, civil ou criminal). A atuação do Ministério Público na investigação

ainda gera debates jurídicos e não está pacificada, mas no âmbito do e. Supremo Tribunal Federal sua e. 1ª Turma decidiu

.ser regular a participação do Ministério Público em fase investigatória , sinal da possibilidade de investigação criminal pelo

Ministério Público. Por seu turno, no e. Superior Tribunal de Justiça, é pacífico o entendimento de que o Ministério Público

pode atuar na fase investigatória, a ponto de a questão estar sumulada: Súmula 234, pela qual a participação de membro

do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da

denúncia.

Nos Tribunais Regionais Federais, principalmente da 4ª Região (RS), reconhece-se possibilidade de denúncia com base

em investigações precedidas pelo Ministério Público , que pode investigar fatos, poder que se inclui no mais amplo de

fiscalizar a correta execução da lei , de modo que tal poder do órgão Ministerial mais avulta quando os envolvidos na

infração penal são autoridades policiais, submetidas ao controle externo do Ministério Público (HC 97.04.26750-0/PR).

Nos Tribunais de Justiça, há julgados em São Paulo e no Rio Grande do Sul que permitem o acompanhamento, pelo

Ministério Público, dos atos de investigação ou realização direta de diligências relevantes que não se erigem em

impedimento à sua atuação (RT 660/288), bem como que autoriza o Ministério Público a colher provas para servir de base à

denúncia ou à ação penal (RT 651/313).

Na doutrina, a atuação investigatória do Ministério Público é defendida, de forma sistemática em normas positivas, por

Valter Foleto Santin, Frederico Marques, Hélio Bicudo, Julio Fabbrini Mirabete, Marcellus Polastri de Lima, Hugo Nigro

Mazzilli, entre outros. (...) Portanto, a decisão do e. Tribunal de Justiça de Mato Grosso, proferida na ADIN que impugna a

criação e o funcionamento, serve apenas para privilegiar um sentimento egoísta de classe,

sentimento esse que, com

certeza, não é unânime dentro dos quadros da Polícia Civil do Estado. No mais, a referida decisão beneficia apenas e tão

somente a um segmento da sociedade: o crime organizado, contribuindo para que a coletividade se sinta ainda mais

desprotegida e ameaçada e passe a confiar ainda menos nos órgãos públicos encarregados da segurança pública.

O GAECO é um órgão do Ministério Público, com estrutura material e pessoal, incumbido de atribuições específicas que

não restringem nem usurpam as funções da Polícia Civil. Pelo contrário, une instituições públicas que tem o dever de

velar, juntas, pela segurança pública.

Ao Ministério Público cabe investigar, de maneira independente e autônoma, todo e qualquer crime, principalmente

aqueles que porventura não tenham sido investigados ou solucionados pela autoridade policial. Nessas hipóteses, o

Ministério Público cumpre sua missão constitucional de defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

É óbvio que ninguém investiga a si mesmo e, sem que haja poder de investigação amplo e irrestrito, consagra-se mais uma

homenagem à impunidade.

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o presente estudo com uma apaixonada defesa do Ministério Público que, ao final,

julgaremos equivocada.

Como podemos sentir, calcado de argumentos técnico-jurídicos está o desabafo

dos promotores públicos. Todavia, ao se carregar nas tintas dos adjetivos, os

membros do Ministério Público fazem mais um desfavor à sociedade, ao informá-

la, na ótica exclusivamente de classe , diríamos corporativa . Em outras

palavras, ideologizam a discussão, buscando gerar uma cizânia entre a decisão

desfavorável dada por um Tribunal e o senso comum da sociedade leiga. No

mínimo, na qualidade de fiscal da lei, o integrante do Ministério Público, deveria ter

a etiqueta de expor à sociedade um quadro desapegado dos afrescos classistas

ou, no mínimo, não transbordar nas tintas dos adjetivos, sob pena de eterna

suspeição.

E não são quaisquer argumentos usados pelo Ministério Público, devemos

reconhecer: uma robusta e plausível corrente doutrinária e jurisprudencial quer, à

força da aplicação da norma e do preenchimento de lacunas, socorrer o

entendimento ministerial e instituir um sistema que até então nos é estranho. Não

sabemos se operações do tipo italiano mãos limpas ou a prática da tolerância

zero daria resultado no Brasil: sempre foi discutível a importação de modelos

alienígenas e sua adaptação aos padrões brasileiros. As sociedades são

diferentes, os panoramas distintos, as necessidades enormemente diversas. É

factível que soluções de além-mar possam indicar melhora no combate ao crime

organizado? Independentemente de como se responderá à pergunta, de acordo

com as experiências que sejam sentidas ao longo do tempo, o certo é não ser a

questão apegada à pessoas, suas histórias, seus créditos e reconhecimentos...

Aliás, não fugindo à discussão, é bom lembrar que operações internacionais como

a nova-iorquina tolerância zero apenas usava o rigor processual como o

sucedâneo de uma série de ações sociais que, infelizmente, não são pensadas no

Brasil. Assim, o que o público desconhece é o fato de que escolas ficavam abertas

as madrugadas promovendo atividades esportivas, jovens excluídos eram

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acompanhados e inseridos em atividades artísticas e recreativas, enfim...o Estado,

antes de punir, oferecia alternativas. O mesmo não se pode dizer da simplificação

tupiniquim que se sonha implantar.

Num vai e vem de interpretações, emaranhados de citações e intermináveis

opiniões, o meio jurídico recebe aqui e ali indicativos pela legitimidade ou

ilegitimidade do Ministério Público para investigar. O certo, novamente, é que não

há nenhuma lei federal específica que autorize, de forma explícita e insofismável,

a investigação criminal direta por parte de representantes do Parquet. Desta

forma, a discussão ganha foros doutrinários partidários que, por sua vez,

enclausuram a discussão conforme a função em que se encontra o debatedor.

Não é por outra razão considerarmos praxe expor com igualdade absoluta a visão

ministerial, refutando-a em todos os pontos, para então rematarmos com o

subtítulo do trabalho que repreende a postura da promotoria em arrogar-se

atribuição que nunca lhe foi conferida nem pensada. Todavia, por infelicidade dos

partidários do Parquet, constamos que os arautos do poder inquisitorial da

Instituição são os próprios promotores, em ensaios doutrinários, enquanto tantos

outros profissionais ligados ao Direito enveredam por caminhos diversos. Mesmo

em Tribunais, infelizmente julgadores oriundos das quotas ministeriais fazem o

possível por manter viva o pulso sobre as investigações.

A recente notícia2, veiculada pelos órgãos oficiais do Supremo Tribunal Federal,

causou comoção no meio jurídico nacional, mais precisamente junto ao

operadores jurídicos que atuam com o direito penal e processual penal.

2 Turma do STF discute poderes investigatórios do Ministério Público ao julgar recurso

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento hoje (6/5) ao Recurso em Habeas Corpus (RHC 81326)

interposto por um delegado de polícia do Distrito Federal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que validou

atos investigatórios promovidos pelo Ministério Público do Distrito Federal.

O delegado foi notificado por um representante do Ministério Público do DF para comparecer ao Núcleo de Investigação

Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, instituído pela Procuradoria local, a fim de ser ouvido em um

procedimento administrativo investigatório supletivo.

O procedimento, segundo o policial, tem por finalidade apurar fato que, em tese, poderia configurar crime. Contra a

notificação, ele impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que foi indeferido. E, insatisfeito,

impetrou novo recurso, desta vez no STJ, que também o indeferiu, sob o argumento de que têm-se como válidos os atos

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À bombástica unanimidade do entendimento do Pretório Supremo, seguiu-se o

notável esforço do Ministério Público em afirmar que não seria essa a última

palavra do Supremo Tribunal, uma vez que o Plenário ainda não se pronunciou

sobre o tema. A Corte Constitucional concluiu, enfim, pelo encerramento do

debate, determinando o trancamento de uma ação penal, instruída com a

investigação feita pelo próprio Ministério Público. Evidentemente, outras ações

(não vinculantes, diga-se) podem alterar este quadro, mas notícias como essas,

somadas às dissensões aqui e ali, fizeram que, depois de ser declarada

investigatórios registrados pelo MP, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente visando a introdução

dos seus procedimentos administrativos para fim de oferecimento de denúncia .

O delegado, por sua vez, interpôs recurso junto ao STF com o objetivo de modificar a decisão do STJ que reconheceu

validade à requisição expedida pelo MP.

Para o relator do recurso no STF, ministro Nelson Jobim, a falta de legitimidade do MP para realizar diretamente

investigações e diligências em procedimentos administrativos investigatórios a fim de apurar crime cometido por funcionário

público no caso o delegado de polícia não é controvérsia nova no meio jurídico.

Jobim fez uma regressão histórica e citou um caso de 1936, em que o, à época, ministro da Justiça, Vicente Rao, tentou

introduzir no sistema processual brasileiro o instituto dos Juizados de Instrução. A tese foi acolhida pela comissão

responsável pelo Anteprojeto de Código de Processo Penal, mas ela, entretanto, não vingou. Na Exposição de Motivos do

Código de Processo Penal, ponderou-se pela manutenção do inquérito policial, pois a criação dos Juizados de Instrução,

que importava limitar o poder do policial de prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas,

só é praticado sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fáceis e rapidamente

superáveis.

A polícia judiciária deverá ser exercida pelas autoridades policiais com o fim de apurar as infrações penais e sua autoria, e

o inquérito policial é o instrumento de investigação penal da polícia. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar

o MP na instauração da ação penal , destacou Jobim.

A legitimidade histórica para a condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias é de atribuição

exclusiva da polícia , lembrou Jobim. Citou como precedente o julgamento do HC 34.887, no qual ficou claro que o Código

de Processo Penal não autoriza, sob qualquer pretexto, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do MP

na investigação do crime.

O relator salientou ainda que o controle externo da polícia concedido ao MP pela Constituição foi regulamentado pela

Resolução 52/97 do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Esses diplomas, no entanto, não lhes deferiram

poderes para instaurar inquérito policial. A CF/88 dotou o MP de poder de requisitar diligências investigatórias e a

instauração do inquérito policial. A norma constitucional não completou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir

inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas

sim requisitar a diligência nesse sentido à autoridade competente. Assim decidiu a Segunda Turma no julgamento do RE

233.072 .

Na ementa do julgamento - leu Jobim - ficou decidido que o MP não tem competência para promover inquérito

administrativo em relação à conduta de servidores públicos, nem competência para produzir inquérito penal sob o

argumento de que tenha a possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos, e pode propor ação

penal sem inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Mas os elementos suficientes não podem ser

auto-produzidos pelo MP, instaurando ele inquérito policial .

O ministro Nelson Jobim deu provimento ao recurso e os outros ministros o acompanharam. A decisão foi unânime

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inconstitucional a Portaria da Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso,

animassem-se os legisladores do Estado por uma lei, pondo pedra sobre a

discussão, pelo menos em termos legislativos. A pressão foi enorme, a sessão foi

amplamente divulgada e a notícia de uma lei pioneira foi recebida com festa pela

mídia. Eis a norma estadual:

LEI COMPLEMENTAR Nº 119, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2002 -

D.O. 20.12.02.

Cria o Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado no

Estado de Mato Grosso, e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE MATO GROSSO, tendo em

vista o que dispõe o art. 45 da Constituição Estadual, sanciona a

seguinte lei complementar:

Art. 1º Fica criado, no âmbito do Poder Executivo e do Ministério

Público do Estado de Mato Grosso, o GAECO - Grupo de Atuação

Especial contra o Crime Organizado, com sede na Capital e

atribuições em todo o território do Estado de Mato Grosso.

Parágrafo único O GAECO atuará de forma integrada, funcionará

em instalações próprias e contará com equipamentos, mobiliário,

armamento e veículos necessários ao desempenho de suas

atribuições e da Política Estadual de Segurança Pública.

Art. 2º O GAECO será composto por representantes das seguintes

instituições:

I - Ministério Público;

II - Polícia Judiciária Civil;

III - Polícia Militar.

§ 1º O Ministério Público estará representado por Procuradores

e/ou Promotores de Justiça, designados pelo Procurador-Geral de

Justiça, ouvido o Conselho Superior do Ministério Público.

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§ 2º A Polícia Judiciária Civil estará representada por Delegados

de Polícia, Agentes Policiais e Escrivães de Polícia, solicitados

nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e designados pelo

Diretor-Geral de Polícia Civil, ouvido o Secretário de Estado de

Justiça e Segurança Pública.

§ 3º A Polícia Militar estará representada por Oficiais e Praças,

solicitados nominalmente pelo Procurador-Geral de Justiça e

designados pelo Comandante-Geral da Polícia Militar, ouvido o

Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública.

§ 4º Em caso de necessidade, o Coordenador do GAECO poderá,

nos termos do art. 23, VIII, da Lei Complementar nº 27, de 19 de

novembro de 1993, requisitar serviços temporários de servidores

civis ou policiais militares para realização das atividades de

combate às organizações criminosas.

Art. 3º O Coordenador do GAECO será um representante do

Ministério Público, nomeado pelo Procurador-Geral de Justiça.

Art. 4º São atribuições do GAECO:

I - realizar investigações e serviços de inteligência;

II - requisitar, instaurar e conduzir inquéritos policiais;

III - instaurar procedimentos administrativos de investigação;

IV - realizar outras atividades necessárias à identificação de autoria

e produção de provas;

V - formar e manter bancos de dados;

VI - requisitar diretamente de órgãos públicos serviços técnicos e

informações necessários à consecução de suas atividades;

VII - oferecer denúncia, acompanhando-a até seu recebimento,

requerer o arquivamento do inquérito policial ou procedimento

administrativo;

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VIII - promover medidas cautelares preparatórias necessárias à

persecução penal.

§ 1º Cada integrante do GAECO exercerá, respectivamente, suas

funções institucionais conforme previsão constitucional e legal.

§ 2º Durante a tramitação do procedimento administrativo e do

inquérito policial, o GAECO poderá atuar em conjunto com o

Promotor de Justiça que tenha prévia atribuição para o caso.

§ 3º A denúncia oferecida pelo GAECO, com base em

procedimento administrativo, inquérito policial ou outras peças de

informação, será distribuída perante o juízo competente, sendo

facultado ao Promotor de Justiça, que tenha prévia atribuição para

o caso, atuar em conjunto nos autos.

Art. 5º Os inquéritos policiais de atribuição do GAECO serão

presididos por Delegados de Polícia.

§ 1º O membro de Ministério Público e o Delegado de Polícia com

atribuições no GAECO zelarão para que a coleta de provas seja

orientada pelos princípios da utilidade, eficácia, probidade e

celeridade na conclusão das investigações.

§ 2º Qualquer autoridade que no exercício de suas funções

verificar a existência de indícios de atuação de organização

criminosa deverá enviar cópias de autos e peças de informação ao

GAECO para a tomada das providências cabíveis.

Art. 6º O GAECO terá dotação orçamentária específica, dentro da

proposta orçamentária do Ministério Público e destinação de

recursos pelo Poder Executivo.

Parágrafo único Os integrantes do GAECO receberão gratificação

adicional não incorporável, correspondente a 10% (dez por cento)

de seus respectivos vencimentos fixos, durante o período de

atuação no referido Grupo, observada a disponibilidade financeira

para despesa de pessoal.

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Art. 7º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua

publicação, revogadas as disposições em contrário.

Não se encerrou, no entanto, a polêmica. Continuam firmes e empedernidos os

defensores e opositores do novo Ministério Público Investigativo. Tanto que,

tramita nova ADIN a fim de fulminar a norma apontada. E não sabemos ao certo,

se a discussão findará no entendimento estadual, já que este é solenemente

desconsiderado e atacado de público pelo Parquet Estadual e Federal. No próprio

Supremo Tribunal Federal, uma série de remédios heróicos, como recursos

extraordinários, tangenciam o tema da investigação criminal direta pelo Ministério

Publico e alguns julgamentos pontuais emergem como bússolas do

contemporâneo entendimento pretoriano que, cremos, evoluiu desde 1988.

Contudo, assistimos pasmos declarações de promotores (os mais competentes)

de que decisões deste calibre não serão levadas em conta.

Em homenagem à síntese, os defensores da legitimidade constitucional do poder

investigativo do Ministério Público usam-se dos seguintes argumentos:

a) teoria dos poderes implícitos

argumentam os arautos do Gaeco que, em

respeito à máxima latina quem pode o mais, pode o menos , o Ministério Público

que é destinatário do inquérito policial para eventual oferecimento da denúncia,

poderia, o próprio órgão, investigar diretamente, até porque o Inquérito Policial é

dispensável, quando o Parquet reúna elementos suficientes ao oferecimento da

ação penal. Assim, como é o Ministério Público quem vai julgar a regularidade do

Inquérito Policial, requisitando até mesmo novas diligências ou arquivando,

poderia investigar ou partilhar a investigação, em respeito ao princípio da

oportunidade, da economia processual e da eficiência, todos adequados à

administração da Justiça. Teria assim, implicitamente, poder para apurar crimes,

uma vez que tem explicitamente poder para requerer em juízo a condenação pelas

mesmas infrações. Em outras palavras, argumentam que o destinatário direto do

inquérito policial (dispensável para o oferecimento da denúncia) é o Ministério

Público, efetivo fiscal do procedimento preliminar, sendo possível não só o

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acompanhamento das investigações como uma eventual condução. Resumindo

pura implicância de delegados e advogados criminalistas em teimar em

desconstituir um poder inerente à função da promoção da ação penal, já que a

mesma é sucedâneo do Inquérito, conjunturalmente chamado de policial;

b) analogia constitucional com o inquérito cível

como não trata a

Constituição da República de Inquérito Policial, entre as atribuições do Ministério

Público, em seu lido e relido artigo 129, poderíamos tomar por base os Inquéritos

Cíveis que tem por finalidade promover o levantamento fático de uma futura ação

civil pública, em que figura tanto na presidência das investigações como na

titularidade da ação, o próprio Ministério Público, não sendo nem por isso,

considerado suspeito ou tendo o seu entendimento viciado; e se é assim, lembram

também que o Inquérito, tomado como forma de apuração de fatos criminosos,

não é por si exclusividade da polícia judiciária, muito ao contrário, há as

Comissões Parlamentares de Inquérito, compostas por membros do Legislativo,

os Inquéritos Falimentares, os Inquéritos Cíveis, os Inquéritos Administrativos,

como ilustrações de que a investigação não pode e nem deve estar sob o

comando único e monopolizador de uma só instituição. O monopólio da

investigação criminal não seria, em termos objetivos, pertencente à polícia, já que

compete propriamente à CPI apurar crimes e remeter relatórios ao MP. Ora, se a

Carta Magna determina a condução do Inquérito Cível pelo promotor, outorgando-

lhe todos os princípios inerentes a inquisitividade da fase preliminar, não haveria

porque não usufruir o MP de uma analogia tão próxima;

c) não-vedação expressa

não é vedada expressamente a possibilidade de

atuação do Ministério Público na fase inquisitiva, nenhum dispositivo constitucional

ou de legislação infraconstitucional proíbe expressamente. Mesmo porque, o que

há na legislação é a possibilidade de acompanhar o Inquérito e os atos da

autoridade policial, dando parecer em seus requerimentos ao Judiciário, sugerindo

oitivas e outros atos administrativos. Veremos, ainda, o poder ministerial de

requisição pela abertura de procedimento investigativo, cantado e decantado em

toda a doutrina nacional, diferenciando a natureza jurídica do requerimento,

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formulado pelo ofendido. Se tem o MP inflexão de poder sobre a autoridade

policial, não haveria razão pela qual não pudesse também partilhar a presidência

da própria investigação determinada. Ora, nesta ótica, a determinar ao delegado

de polícia a instauração de inquérito, não podendo ser a ordem descumprida, seria

um contra-senso proibir-se ao promotor levar a cabo, ele mesmo, uma

investigação criminal;

d) fiscalização indiciária explícita

não seria por acaso que é o próprio

Ministério Público quem, não só oferece a denúncia, mas fiscaliza a Polícia.

Qualquer infração penal ou irregularidade procedimental é percebida e sanada

pela ação do Parquet na fase pré ou pós processual, tendo assim poder para, ele

mesmo, promover investigações onde julgue ter mais condições, mais

aparelhamento e mais conveniência sobretudo, do que a Polícia. Explicitamente,

delegados de polícia e agentes policiais, não estão subordinados ao Ministério

Público, mas são por ele acompanhados e fiscalizados. Veremos, no decorrer do

trabalho, que inúmeros julgados levam em conta a fiscalização externa da

atividade policial para estender o poder de investigação direta de atividades

criminosas, ligadas a policiais, ao Ministério Público.

Do que redunda, em conclusão, pela ótica das relevantes vozes ouvidas e outras

emprestadas em suas conclusões, que o Ministério Público teria legitimidade para

presidir ou compartilhar a investigação criminal. O coro cada dia avulta-se,

somando a ele um eco da sociedade vitimizada, carcomida pelo medo do poder

paralelo, que já sai das sombras com alguma tranqüilidade. A mídia pressiona

para que o legislador confira explicitamente esse poder, até então julgado

implícito, como se o Ministério Público fosse o último bastião da honestidade do

país. E o próprio Parquet incorpora o ímpeto salvacionista, em caricatas

personagens que querem exibir uma moral de Robespierre em atitudes

franciscanas. Ou seja, uma conjunção de fatores pressionam tanto o legislador

como o glosador entender que, atuando no combate direto ao crime organizado,

pode o Ministério Público contribuir para o desmonte do poder que reconhece

apenas a força. Essa figura jacobina, ou mal-comparada como puritana, assumida

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pelos membros do Parquet levam a opinião pública a não só franquear ao

Ministério Público o poder investigativo, como desconfiar de quem não o aprova.

Essa instituição promotora de justiça, também seria de justiciamento, outro anseio

popular; essa instituição garantiria a inflexibilidade da lei, a fiscalização de seu

cumprimento, a vedação de manobras oblíquas de advogados e, mesmo, as

tergiversações do Judiciário. Eis a visão simplista, tipicamente leiga. A verdade é

que o aparato jurídico-político usou a figura do Ministério Público como poder

autônomo e fiscalizador, mas não sentimos que resulta daí uma elasticidade

desmedida às atribuições não típicas ministeriais. Ao povo vitimizado, tantas

vezes Justiça é confundida com Justiciamento, o que torna-se compreensível, mas

não acietável.

Infelizmente, o tema é tratado com alto grau de maniqueísmo, beirando o

corporativismo, fazendo crer que se trate mais de uma pretensão por mais um

naco de poder, do que propriamente da interpretação constitucional adequada.

Isto porque quem levanta o pendão da investigação criminal direta pelo Ministério

Público são, quase sempre, promotores e procuradores, em seus artigos

científicos ou livros publicados. Não se nega a perícia, a altivez e a riqueza

argumentativa dos autores, mas ficamos a ler as defesas impedernidas de um

Ministério Público hipertrofiado, patrocinadas pelos próprios integrantes da

Instituição, como, dentre tantos outros Marcellus Polastri, em seu Curso de

Processo Penal, Ed. Lúmen Juris: ora, dispondo o art. 129, I, da CF, que compete

ao Ministério Público a exclusividade da promoção da ação penal pública, e

examinando-se os demais incisos do art. 129, mormente o VII que confere o

controle externo da atividade policial ao parquet, não há dúvida que

constitucionalmente foi adotado no Brasil o sistema acusatório puro, sendo

assegurada ao Ministério Público a função de controle da fase investigatória e de

parte da promoção da ação penal pública. Portanto, decorre do regime de

princípios adotados pelo CF a garantia do contraditório e da imparcialidade do

juízo, sendo dogma constitucional o sistema acusatório, reservando-se

expressamente, ao Ministério Público o controle e o diligenciamento na fase

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investigativa e a iniciativa da ação penal pública, bem como os conseqüentes atos

promocionais . E, noutra quadra: além de ratificar o poder da investigação direta e

da promoção privativa da ação penal, sendo expurgados os chamados

procedimentos de ofício , foi assegurada ao Ministério Público a função do

exercício do controle externo da atividade policial (...) .

Ou ainda, se quisermos citar o sempre lido e brilhante doutrinador que,

coincidentemente, é também promotor Rômulo de Andrade Moreira, em seu

Direito Processual Penal, Ed. Forense: diante de tudo quanto foi exposto pode e

deve

o membro do Ministério Público, quando isto lhe é faticamente possível,

investigar diretamente fatos criminosos, principalmente quando se tratar de abuso

de autoridade (...) . Outro ilustre representante do Ministério Público, Cristiano

Chaves de Faria, vai mais longe: não se pode deixar de reconhecer, pois, que ao

incumbir-se da apuração de infração penal, o Parquet este devidamente

legitimado, pela ordem jurídico-positiva vigeste, a praticar todos os atos e

diligências que afigurem-se necessárias para a formação de opinio delicti,

inclusive notificação de testemunhas (com requisição de condução coercitiva, se

preciso), realização de prova documental, promoção de prova pericial, através de

requisição aos órgãos técnicos etc . E, nesta introdução, poderíamos exemplificar

o coro de promotores estudiosos e partidários do tema com Valter Foleto Santin:

nada impede que o Ministério Público efetue investigações em procedimentos da

sua competência e utilize os dados para o exercício da ação penal, sem constituir

qualquer vicio ou nulidade, mesmo porque dispensável pelo Ministério Público o

caderno investigatório policial, se presentes elementos hábeis que corroborem a

denúncia criminal (art. 39, 5º, CPP) .

A defesa tão acalorada por uma corporação forte, da qual fazem parte os autores

já citados, conduz ao sofisma de ver uma ambigüidade constitucional como o

referendo expresso pelo poder investigativo ministerial. Não há, expressamente, o

condão de imiscuir-se o Parquet nas investigações criminais, restando do controle

externo da atividade policial (este sim, previsto na Carta), mera hipótese

hermenêutica derivada. Todavia, quer-nos parecer ter havido após a promulgação

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da Carta de 1988, e da Leio Orgânica do Ministério Público, uma enorme

frustração ministerial ao ver silentes os textos mencionados, quanto a atribuição

concorrente de conduzir investigações. Do que se extrai, em nossa pesquisa, a

coincidência de doutrinadores-promotores (ou promotores-doutrinadores?) que

defendem a tese, pela ótica meramente interpretativa. Ousamos desmistificar a

tese para classifica-la como defesa coorporativa, suspeita portanto.

Da mesma forma o Judiciário. Não se diga que nossos julgadores têm posição

firme sobre o tema

muito ao contrário

hesitam em bater-se pela

inconstitucionalidade da atribuição investigatória do Parquet. Alguns

julgadores geralmente dão por prejudicados elementos que enfrentem diretamente

o poder investigatório do Ministério Público, conforme se verá no corpo do texto

desta obra, ou ainda, nas íntegras dos julgados do anexo. Da jurisprudência

pesquisada, para que a questão de mérito tratada neste trabalho não seja

diretamente apreciada, geralmente o que se vê é o seguinte:

a) quando há investigação conjunta

da Polícia e do Ministério Público, não se

decreta a nulidade, por considerar a condução policial já suficiente para elidir tese

contrária à constitucionalidade da condução do inquérito pelo promotor. Talvez por

isso que a esmagadora quantidade de investigações ministeriais estejam

rubricadas por delegados que são, na prática, verdadeiros fantoches para que a

nulidade não seja nem mesmo apreciada pelo Judiciário. Ficamos a perquirir como

um profissional do Direito, delegado de polícia, ciente de suas atribuições legais e

constitucionais, pode se guiar no curso de investigações que não lhes pertence, tal

como títeres em teatros de bonecos. Contudo, têm emprestado a rubrica a

procedimentos inquisitoriais, conduzidos na verdade pelo promotor, alijando o

investigado do devido processo legal, mas elidindo a hipótese de nulidade do

levantamento probatório.

b) quando o promotor, mesmo tendo diligenciado na investigação de forma direta,

oferece denúncia calcado em outras provas, o conjunto investigatório não é

considerado nulo, havendo outras provas que não aquelas coletadas pelo próprio

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promotor. Consideram-se como inexistentes as provas coletadas diretamente pelo

Ministério Público, a fim de elidir a nulidade a ser apreciada, considerando-se o

suporte probatório da autoridade policial suficiente para o oferecimento de

denúncia, enquanto as demais provas são geralmente consideradas como

indícios, espécie de suporte de confirmação;

c) quando há investigações de crimes típicos de funcionários públicos contra a

Administração, mais precisamente de policiais, estende-se o controle externo da

Polícia para as mãos do Ministério Público, no sentido de empreender a

investigação criminal do ato funcional. Aqui está o ponto nevrálgico de tantas

discussões entre policiais investigados por suas respectivas corregedorias ou

equipes designadas e o Ministério Público que intima o mesmo policial a fim de

apurar os mesmos fatos, fazendo correr dois procedimentos paralelos.

d) quando há representações ministeriais para a aquisição de provas de ordem

cautelar, devidamente deferidas pelo Judiciário, mesmo não havendo investigação

preliminar, sustentando-se apenas nestes procedimentos (quebra de sigilo

bancário, fiscal, telefônico etc), não podem ser os mesmos considerados

investigações diretas típicas, sendo validadas pelo Judiciário. Aliás, bom que se

pontue, são nebulosas determinadas relações entre magistrados e promotores ou

procuradores, sendo que algumas vezes inquéritos policiais ficam estacionados

em gabinetes do Judiciário, aguardando requerimentos do Ministério Público.

Reitera-se, novamente, a máxima de Maquiavel: será que os fins justificam os

meios?

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3. Fundamentos Legais e Constitucionais sobre o tema: breve

apontamentos dos textos que tangenciam diretamente o assunto

vertido.

É o orgulho que leva a dizer não, e a fraqueza sim. A

modéstia pode dizer ambas as coisas sem paixão.

(Pierre Reverdy)

Sublinhamos, preliminar e objetivamente, o que sustentará os argumentos prós e

contra a investigação conduzida ou presidida pelo Ministério Público:

Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da

lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços

de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,

promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e

de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação

para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos

previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações

indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos

de sua competência, requisitando informações e documentos

para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma

da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de

inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas

manifestações processuais;

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IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que

compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação

judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da

ordem pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

i§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,

organizado e mantido pela União e estruturado em carreira,

destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em

detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas

entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras

infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou

internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em

lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação

fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de

competência; iiIII - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de

fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da

União. iii§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e

mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma

da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

iv§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado

e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na

forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.

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§ 4º - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de

carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as

funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,

exceto as militares.

§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a

preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares,

além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de

atividades de defesa civil.

§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças

auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com

as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito

Federal e dos Territórios.

§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos

órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir

a eficiência de suas atividades.

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais

destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações,

conforme dispuser a lei.

§ 9º - A remuneração dos servidores policiais integrantes dos

órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do

art. 39.

O texto da Lei 8625 de 12 de fevereiro de 1993 que constituiu a Lei Orgânica do

Ministério Público, relacionado direta ou indiretamente ao tema, dispõe:

Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não

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importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos;

VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;

Art. 26 - No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:

a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;

b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

c) promover inspeções e diligências investigatórias

junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;

II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;

III - requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;

IV - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los;

V - praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório;

Sem juízos de valor, por ora.

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4. Argumentos Pró-Gaeco: pela efetivação do poder

constitucional de promoção da ação penal pública e aplicação do

princípio da proporcionalidade frente ao crime organizado.

O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe

convém - William Shakespeare

O crime organizado ou poder paralelo, conforme a nomenclatura que se dê,

cresce e aparece. Sai das sombras para ameaçar a segurança da classe média

alta e os mais abastados. O direito criminal saiu da órbita das pequenas colunas

dos noticiários, onde se estampavam apenas nomes de incógnitos sociais para ser

manchete, emergindo fatos que toda a sociedade já sabia, mas apenas os mais

pobres sofriam. O crime em si penetrou na classe média alta e aterroriza os pais e

os formadores de opinião pública, omissos quando se tratava dos pequenos e

grandes delitos nos subúrbios, nas favelas. Ou seja, o direito penal que era o

direito do outro , do pivete, do batedor de carteira, do bêbado, do estuprador,

passou a ser o nosso direito quando a classe aburguesada, por tantas décadas

silente, passou a ser ameaçada em seus carros e prédios ainda vulneráveis.

Mas afirmar apenas que organismos como o Gaeco (Grupo Especial de Combate

ao Criem Organizado) surgem apenas do ressentimento pequeno-burguês é

extrapolar. Os Gaecos estaduais surgem de uma legítima preocupação da

vulnerabilidade da polícia ao se postar contra um poder tão enfronhado na

economia, sociedade e política. Surgiriam para firmar, reforçar e ordenar as

investigações de fatos que fogem à alçada de pontuais investigações policiais.

Trabalho de inteligência, forças-tarefa, coordenação de esforços são atraentes

justificativas para o anseio popular pelo fortalecimento dos Gaeco. Não é

desinteligente, ao contrário, cruzar informações fiscais, bancárias, telefônicas e

pessoais a fim de que, com inteligência, possa ser debelada o crime igualmente

inteligente. O que se quer pontuar, no presente trabalho, é questão simples de ser

respondida: é a polícia incapaz para faze-lo?

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Admitindo que os crimes dessas organizações são, em sua maioria, interestaduais

ou internacionais, aquela pequena delegacia de polícia é incapaz de chegar aos

cabeças das quadrilhas/empresas, prendendo apenas os criminosos de menor

hierarquia, geralmente executores de ordens, rapidamente substituídos por outros

tantos que vagam sem emprego no país. Isto é, enxerga pouco a polícia,

esmerando-se em exibir símbolos para as câmeras, por oportunidade de

pequenas apreensões. As organizações criminosas agradecem e pagam o preço

da atividade perigosa, perdendo poucos e desimportantes integrantes, como taxas

pelas atividades. São criminosos de menor calibre que nunca têm visão exata da

própria organização que integra...verdadeiro boi de piranha .

Assim, o Ministério Público, pressionado ele mesmo por respostas, soluções à

onda de criminalidade, interpretou o rebotalho de leis que guardamos amontoadas

umas sobre as outras, e algumas eclipsando a Constituição, e outras ainda

contradizendo as primeiras, de modo a concluir por sua legitimidade em segurar o

pendão da investigação criminal, direta, sem mediadores. Da demanda pela

repressão ao crime organizado, o Ministério Público tinha que tomar partido e,

contrariamente de se ladear na pressão por uma polícia mais aparelhada,

inteligente, ética e eficaz, preferiu tomar para si a missão investigatória.

A sociedade saudou com júbilo a iniciativa, predestinada a desmontar o crime que

se mostra às claras e em colunas sociais, num deboche e conluio com poder

público. Este, por meio do Executivo e Legislativo, viu uma saída cômoda para

recuperar o prestígio e dar resposta rápida à crescente criminalidade. Todos ficam

esperançosos. Os Gaeco s começam a funcionar e investigar o que era intocável,

como o Capone de Chicago. Cruzados, promotores de justiça intimam cidadãos,

tomam depoimentos, produzem provas, requisitam providências, tudo

acompanhado pela imprensa pressionando o Judiciário, o que não é

intrinsecamente negativo.

Integrantes do Gaeco escrevem e defendem a própria instituição com argumentos

fortes e coerentes, interpretados, todavia, ao sabor de cada linha doutrinária

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preferida. Infelizmente, como veremos no decurso da exposição do presente

trabalho, fazem mais: ideologizam o debate, infundindo no cidadão leigo o justo

receio que, uma vez cerceado o poder ministerial, a segurança pública estaria

ameaçada com o aprofundamento do crime organizado na estrutura de gestão

burocrática interna. É o que chamamos, guardadas as proporções, de Terror do

Ministério Público

quem não está conosco, está contra nós e deve ser

investigado por isso.

Todavia, em termos jurídicos, propriamente, temos a típica situação onde a carga

política (entendida lato sensu), prevalecerá para dirimir uma omissão na Carta de

1988 e na Lei Orgânica do Ministério Público que NÃO FOI OCASIONAL. Dizem

os legisladores da época (intérpretes reais) que foi intencional a omissão desta

polêmica atribuição investigativa do Parquet Federal e Estadual, e não uma lacuna

infeliz. Como devemos reconhecer não haver vedação expressa, ficamos à deriva

da certeza, ao sabor de entendimentos jurisprudenciais conflitantes, contraditórios

e da doutrina nitidamente partidária e, até certo ponto, interessada.

Em trechos de ensaio famoso, da lavra dos ilustrados Procuradores da República

do Rio de Janeiro, Aloísio Firmo G. da Silva, Maria Emilia M. de Araujo e Paulo

Fernando Corrêa, estes se insurgem contra a vedação ao Ministério Público poder

conduzir investigações criminais3.

3 3 Recentemente, dois acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (HC nº 96.02.35446-1,

2ª T., Rel. Des. Fed. Silvério Cabral, v.m., julg. em 11.12.96; HC nº 97.02.09315-5, 1ª T., Rel. Des. Fed. Nei Fonseca, v.u.,

julg. em 19.08.97, DJU de 09.10.97), encampando decisão isolada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (HC nº 615/96,

1ª CCrim., Rel. Juiz convocado Silvio Teixeira, DOERJ de 26.08.96), acolheram a inusitada tese de que o Ministério Público

não pode conduzir investigação de natureza criminal, sob o fundamento de que tal atribuição é exclusiva da Polícia

Judiciária (Polícias Civis dos Estados e Polícia Federal), somente sendo lícito ao órgão ministerial a condução de inquéritos

civis.

A tese sufragada pelos julgados supracitados é insustentável, revelando enorme imprecisão jurídica,

tanto que será facilmente rechaçada pelas considerações expostas no presente trabalho. Registre-se, desde já, que,

em sentido contrário, dando pela legitimidade da apuração direta de ilícitos penais pelo Ministério Público, em sede de

inquérito administrativo próprio, já se manifestaram o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal

Regional Federal da 4ª Região, respectivamente, conforme ementas abaixo colacionadas: "Regular participação do órgão

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do Ministério Público em fase investigatória e falta de oportuna argüição da suposta suspeição do magistrado. Pedido

indeferido" (STF, HC nº 75.769-3-MG, 1ª T., Rel. Min. Octavio Gallotti, v.u., julg. em 30.09.97, DJU de 28.11.97);

"PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. IMPEDIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. I - A atuação do Promotor na fase

investigatória - pré-processual - não o incompatibiliza para o exercício da correspondente ação penal. II - Não causa

nulidade o fato do Promotor, para formação da opinio delicti, colher preliminarmente as provas necessárias para ação penal.

III - Recurso improvido" (STJ, RHC nº 3.586-2-PA, 6ª T., Rel. Min. Pedro Acioli, v.u., julg. em 09.05.94, DJU de 30.05.94);

"HABEAS CORPUS. DENÚNCIA OFERECIDA COM BASE EM INVESTIGAÇÕES PROCEDIDAS PELO MINISTÉRIO

PÚBLICO. (...) 1. O inquérito policial é, em regra, atribuição da autoridade policial. 2. O parquet pode investigar fatos, poder

que se inclui no mais amplo de fiscalizar a correta execução da lei. 3. (...) 4. Tal poder do órgão ministerial mais avulta,

quando os envolvidos na infração penal são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do Ministério Público"

(TRF/4ª Reg., HC nº 97.04.26750-9-PR, Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, 1ª T., v.u., julg. em 24.06.97, DJU de

16.07.97).

As decisões do TRF/2ª Região vão de encontro a dispositivos constitucionais expressos (art. 129, I, VI e VIII),

bem como ao texto da Lei Complementar nº 75/93 (art. 8º, V e VII) - que disciplina especificamente os poderes e

prerrogativas institucionais conferidos ao Ministério Público da União -, de aplicação supletiva aos Ministérios Públicos

Estaduais (art. 80 da Lei nº 8.625/93), eis que tanto a Lex Mater como a Lei Complementar nº 75/93 são de uma clareza

solar em caracterizar a legalidade da atuação do Ministério Público, em se tratando de condução de investigação criminal

no bojo de procedimentos administrativos instaurados em seu âmbito interno.

Decorre, via de conseqüência, que é incorreto afirmar que ao Ministério Público somente é dado conduzir

investigações que se refiram a inquéritos civis. Tal ressalva, que em momento algum é feita pelos aludidos

dispositivos, só pode ter como objetivo obstaculizar a atuação do órgão ministerial, manietando a Instituição que

tem, por destinação constitucional, o poder-dever de zelar pela correta e fiel aplicação das leis em geral. Destarte,

incide, à espécie, o vetusto princípio de hermenêutica jurídica, consistente na vedação de o intérprete fazer distinção onde o

texto legal não fez, e nem foi sua intenção fazê-lo.

Dentro dessa linha de pensamento, com inteira razão HUGO NIGRO MAZZILLI, ao pontificar que "No inciso VI do

art. 129, cuida-se de procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público - e aqui também se incluem

investigações destinadas à coleta direta de elementos de convicção para a opinio delicti: se os procedimentos

administrativos de que cuida este inciso fossem apenas em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inc.

III... Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure na esfera cível, atingindo também a área destinada

a investigações criminais" (apud MARCELLUS POLASTRI LIMA, "Ministério Público e Persecução Criminal", ed. Lumem

Juris, 1997, pág. 89).

Outro argumento que vem corroborar o equívoco interpretativo perpetrado pelo TRF/2ª Região, exsurge da

análise da dicção constitucional constante do inciso VIII do art. 129: quisesse o legislador constituinte limitar a atuação

ministerial, no campo investigatório, tão-somente às suas intervenções em sede de inquérito policial, não teria,

nesse dispositivo, empregado a conjunção aditiva "e", e sim formulado expressão que condicionasse a requisição

de diligências no momento da instauração ou no curso do inquérito, motivo por que podemos obtemperar, com o

beneplácito do Tribunal de Alçada Criminal do Rio Grande do Sul, que "a CF, ao conferir ao MP a faculdade de

requisitar e de notificar, defere-lhe o poder de investigar, no qual aquelas funções se subsumem" (HC nº

291071702, CCrim. de Férias, Rel. Juiz Vladimir Giacomuzzi, julg. 25.7.91, Julgados do TARS nº 79/129).

Cabe refutar, ainda, o frágil fundamento de que a condução da investigação policial seria monopólio das Polícias

Civis, Estaduais e Federal, visto que a Constituição, em seu art. 144, na única alusão que faz ao termo "exclusividade"

(inciso IV do § 1º), visa afastar a superposição de atribuições entre a Polícia Federal e as Polícias Rodoviária e Ferroviária -

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Pululam ensaios contra e a favor do mesmo controverso tema. Outro artigo, não

menos relevante, da lavra do Dr. Cristiano Chaves de Faria, promotor de justiça no

Estado da Bahia, sustenta que além de ser legítimo para investigar, o promotor

que atuou em sede indiciária não teria o óbice da suspeição ou impedimento para

interpor ação penal correspondente. Vejamos os argumentos:

Inexistência de impedimento/suspeição para o oferecimento

de denúncia pelo MP investigante.

também vinculadas à União, mas que têm funções de simples patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais,

respectivamente -, bem como entre a Polícia Federal (propriamente dita) e as Polícias Civis dos Estados, impedindo que

haja a invasão das respectivas esferas de atuação.

Essa distinção foi feita pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao denegar liminar requerida pela ADEPOL

(Associação Nacional dos Delegados de Polícia) na ADIn nº 1517-UF (Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. em 30.4.97,

Informativo STF nº 69) - era questionada a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.034/95 (Lei de Combate ao Crime

Organizado), conferidor de poderes instrutórios ao juiz na fase investigatória -, tendo prevalecido o entendimento, vencido o

min. Sepúlveda Pertence, de que a investigação criminal não é monopólio da Polícia Judiciária, pois, como ressaltado pelo

relator, "a Constituição não veda o deferimento por lei de funções de investigações criminais a outros entes do Poder

Público, sejam agentes administrativos ou magistrados", o que, aliás, vem confirmar a indiscutível recepção da previsão

contida no parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal.

A conclusão inafastável que deflui da análise da decisão do Pretório Excelso é a de que, restando

legitimada a atuação do juiz em sede investigatória de coleta de provas - a qual poder-se-ia objetar que

comprometeria sua imparcialidade no ato de julgar (fundamento do voto vencido do Min. Sepúlveda Pertence) -,

com muito mais razão dever-se-á admitir a atuação do Ministério Público, órgão detentor da titularidade privativa

do exercício da ação penal pública e, portanto, destinatário imediato de qualquer investigação criminal, cuja

intervenção pré-processual autônoma terá por objetivo garantir a apuração, isenta e rigorosa, de quaisquer

violações às leis penais, evitando-se a ocorrência de um prejuízo potencial ao interesse público.

Por conseguinte, se incumbe ao Ministério Público, privativamente, o exercício da ação penal de iniciativa

pública, é forçoso concluir que estarão compreendidos entre seus poderes e prerrogativas institucionais o de

produzir provas e investigar a ocorrência de indícios que justifiquem sua atuação na persecução penal preliminar,

instaurando o procedimento administrativo pertinente (art. 129, VI, da Carta Política), devendo assim proceder

sempre que a atuação da Polícia Judiciária possa revelar-se insuficiente à satisfação do interesse público

consubstanciado na apuração da verdade real (p. ex., quando ocorrer falta de isenção para apurar determinada infração

penal, haja vista o envolvimento de outros policiais, hipótese verificada em uma das ações penais que foram trancadas pelo

TRF/2ª Região, em que existia inquérito policial conduzido de forma flagrantemente favorável aos interesses do organismo

policial, levando o Ministério Público Federal a engendrar novas diligências investigatórias em procedimento interno, que

redundaram no oferecimento de denúncia contra vários policiais federais).

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Imperativo, ademais, destacar que inexiste qualquer impedimento

ou suspeição para o oferecer denúncia, iniciando ação penal, no

fato de o membro do MP atuar ou intervir nas investigações

policiais ou mesmo promover investigações motu proprio (o que se

inclui no rol de suas atribuições conferidas pela CR e por lei).

Veja-se que não se vislumbra hipótese impeditiva ou de suspeição

no taxativo rol elencado nos Arts. 252 e 254 da Cártula Adjetiva

Penal - extensivo ao MP ex vi do disposto no Art. 258 do mesmo

Codex. Por conseguinte, impende reconhecer a inexistência de

causa de impedimento para o oferecimento de denúncia no fato de

o mesmo membro do MP, na fase preliminar (investigatória) ter

participado das diligências da Polícia Judiciária ou ter realizado

investigação autônoma e direta.

O elenco das causas de impedimento e suspeição é numerus

clausus e não comporta dilações!

Nesse diapasão, a jurisprudência vem pacificando:

"É de se rejeitar a exceção de suspeição se o excipiente não indica

alguma das causas configuradoras (...) elencadas no art. 254 do

CPP, cujo rol é taxativo, não comportando ampliação." (TJ/SP, in

RT 699:328)

Na mesma trilha: TJ/PR (RT 665:314), TJ/SP (RT 542:333) e

TJ/SC (RT 508:404).

Outrossim, destaque-se ser o Parquet (expressão francesa que

significa "assoalho", designando o local onde permaneciam os

representantes do antigo MP daquele país, de pé, ao lado dos

juízes, que ficavam sentados. Daí, inclusive, a origem da

denominação "magistratura de pé") o Destinatário Imediato das

investigações criminais, tendo interesse direto nelas, a fim de

formar a sua opinio delicti. Ora, se pode o mais - que é requisitar

tais diligências investigatórias - obviamente, poderá o menos,

realizá-las pessoalmente, tendo contato direto com os indícios e

provas colhidos, amadurecendo sua convicção.

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Aliás, o MP que atua, direta (e pessoalmente) ou

indiretamente, é o maior interessado no material indiciário

produzido, podendo, com o seu contato pessoal, formar um

juízo de valor muito mais seguro e firme.

Como se não bastassem tais argumentos, é de ser destacado

que o fato de participar ou presidir diligências investigatórias

justifica, ainda mais vigorosamente, a legitimidade do

representante ministerial para o ajuizamento da ação penal,

porque encontrar-se-á mais habilitado para tal, ciente

inteiramente dos acontecimentos.

Repita-se à saciedade: a atividade investigatória é

absolutamente intrínseca e inerente à condição de órgão

acusador, por ser necessária a existência de um suporte

probatório mínimo para o oferecimento de denúncia. Equivale

a dizer, a atividade de investigar e apurar os fatos delitivos in

these está atrelada à atividade de acusar em juízo, de deduzir

a pretensão punitiva estatal, sendo uma suporte da outra.

Ademais, se a função de invest igar é inerente e própria do múnus

ministerial, inexiste, via de conseqüência, impedimento para o

exercício da função de acusar em juízo, até mesmo por ser função

complementar àquela.

É o que sacramenta o escólio do preclaro Julio Fabbrini Mirabete:

"não constitui impedimento o fato de ter sido o representante do

Ministério Público designado para acompanhar o inquérito policial,

intervindo nas investigações, participando da coleta de provas,

requisitando diligências, etc., pois tais funções são próprias do

exercício do cargo." (cf. Código de Processo Penal Interpretado,

São Paulo, Atlas, 3ªed., 1996, p.305)

Outra não é a cátedra de Polastri Lima, para quem "nenhuma

contradição ou conflito existe em relação à colheita de provas e

posterior oferecimento de denúncia por parte do Ministério

Público." (op. cit., p.88)

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A ilação que se infere é a única aceitável para a hipótese sub

occulis, não sendo possível obstar o membro do MP que exerceu

suas funções naturais, previstas pela CF e pela lei, investigando

fato criminógeno, de oferecer a denúncia, sob pena de colocar em

xeque não somente sua dignidade pessoal e profissional

(admitindo-o como suspeito de parcialidade), como toda a

credibilidade da Instituição Ministerial - que não teria compromisso

com a Verdade e a Justiça, admitindo que não possuiria condições

de fazer, isentamente, um juízo de valor após promover

investigações.

Os tempos do Ministério Público perseguidor implacável já se

foram (e de há muito!) e, hodiernamente, não mais se admite a

figura do acusador sistemático!!! Os membros do MP, em verdade,

devem "ter o zelo pela justiça e não pela condenação", como

adverte com extrema sabedoria Hugo Nigro Mazzili. (cf. Regime

Jurídico do Ministério Público, São Paulo, Saraiva, 3ªed., 1996,

p.34)

Dando efetividade à tese ora esposada as nossas Cortes já têm

precedentes diversos, como, exempli gratia, os que ora transcreve-

se:

"Regular participação do órgão do Ministério Público em fase

investigatória e falta de oportuna argüição da suposta suspeição do

magistrado. Pedido indeferido de HC ." (STF, HC 75.769-3/MG,

Ac.unân. 1ªT., v.u., Rel. Min. Otávio Gallotti, j.30.9.97, publ. DJU

28.11.97)

"Não impede o Promotor para a denúncia, o fato de sua

designação para participar da coleta de provas informativos, nem a

iniciativa de diligências investigatórias do crime." (STJ, in JSTJ

22:247-8)

E mais esse acórdão do Eg. STJ, abordando exatamente a

questão em comento, lavrado, unanimemente, de modo magistral:

"Processual Penal. Denúncia. Impedimento. Ministério Público. I- A

atuação do Promotor na fase investigatória - pré-processual - não o

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incompatibiliza para o exercício da correspondente ação penal. II -

Não causa nulidade o fato do Promotor, para a formação da opinio

delicti , colher preliminarmente as provas necessárias para a ação

penal. III - Recurso improvido." (STJ, RHC 3586-2-/PA, Ac.unân.

6ªT., Rel. Min. Pedro Acioli, v.u., j.9.5.94, publ. DJU 30.5.94)

Mas não é só. Incontáveis decisões vêm sendo proferidas

proclamando este entendimento, como as que estão contidas em

Lex 58:66 (TACrim./SP) e 56:328 (STF); RTJ 107:98 e 119:120

(STF); RT 665:342 (STJ), 660:288 (TJ/SP); RJTJESP 120:589

(TJ/SP) e JTACRESP 36:63 (TACrim./SP).

Veja-se, inclusive, que no procedimento para apuração de ato

infracional (Lei nº8.069/90 - ECA), o membro do MP está

incumbido de promover as diligências investigatórias previamente,

para, a depender de seu juízo de valor, deflagrar ação sócio-

educativa por meio de representação em face do adolescente,

inexistindo qualquer impedimento. Igualmente, pode o particular

ofendido colher elementos probatórios para embasar a queixa-

crime a ser intentada, no caso de ação penal privada, sendo

enorme incongruência negar-se tal possibilidade ao Promotor de

Justiça ou Procurador da República que promoverem

investigações.

Resulta, então, fatal a conclusão de que se é facultado ao

Parquet oferecer denúncia prescindindo das peças

investigatórias policiais, quando disponha de elementos

outros (CPP, 39, §5º), com maior razão ainda poderá investigar

pessoalmente, através de procedimento administrativo

interno, os fatos delitivos descobertos ou noticiados, a fim de

garantir uma peça acusatória segura ou, noutra hipótese, o

arquivamento das peças de investigação, evitando vulnerar o

status dignitatis do cidadão. Calha bem à matéria a observação

do Prof. Sérgio Demoro, lastreado em Tourinho Filho, no sentido

de que a investigação policial é dispensável e que "seria uma

superfetação exigir-se o inquérito policial se o titular do jus

persequendi in judicio tive r em mãos os elementos que o habilitem

a ingressar em juízo." (op. cit., p.218)

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Nesta linha de intelecção, sobreleva firmar posição, com segurança

e firmeza, arrimado na communis opinio doctorum et consensus

omnium jurisprudencial alhures evidenciados, que inexiste

incompatibilidade para a deflagração de ação penal, com o

oferecimento de denúncia, por parte do representante do MP que

participou ou promoveu atividades investigatórias.

A fim de defender a segurança pública, da qual todos são responsáveis, a

incolumidade e eficiência da investigação criminal, o afastamento do crime

organizado e a independência com relação a ele, a efetividade da ação penal

pública, temos como legítimo o Ministério Público que investiga diretamente

crimes, pela ótica de seus defensores. Legítimo e querido Ministério Público...

Em remate, temos um dos mais ilustres catedráticos de Direito Processual Penal,

docente da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal,

atualmente Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, lecionando em

preciso artigo Investigação Preliminar: Significado e Implicações que:

a) a fim de evitar acusações despropositadas, tecnicamente consideradas

carecedoras de justa causa, a doutrina pressiona o Legislativo com o fito de

importar o modelo do Juízo de Instrução Preliminar, onde o magistrado participa

ativamente da colheita de provas, subordinando o aparelho policial, tendo o

Ministério Público e o indiciado como partes na relação;

b) esse modelo não se adapta às nossas necessidades, vez que não se coaduna

também com o Estado Democrático de Direito, onde o magistrado tem por

obrigação ser imparcial, sendo-lhe vedada qualquer juízo e instrução na fase

indiciária, sob pena de ver comprometida a sua independência e eqüidistância das

partes processuais;

c) cita constantemente o querido professor, outro seu colega Dr. Aury Celso Jr.,

que argumenta com propriedade sobre a grave inconveniência que representa o

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fato de uma mesma pessoa decidir sobre a necessidade de um ato de

investigação e valorar a sua legalidade; continua, afirmando que o processo penal

nestes termos, retornaria a observar valores próprios da Inquisição, criando uma

patologia judicial, uma vez que se o juiz é o investigador, quem atuará como

garante da relação? E, finalmente, remata a citação, transcrevendo ser uma

monstruosidade jurídica valorar na sentença elementos recolhidos em um

procedimento preliminar em que predomina o segredo e a ausência de

contraditório e defesa;

d) prossegue o prof. Fonteles questionando dever o Ministério Público atuar

decisivamente na investigação criminal, respondendo ele mesmo enfaticamente

que sim. De plano, como justificar-se que o titular exclusivo da ação penal pública

quem, portanto, elabora e apresenta a pretensão punitiva ao Juiz, fique divorciado,

alheio, ao trabalho de investigação preliminar? É completo non sense! Em outra

quadra de seu artigo: Não seria, como bem coloca o Prof. Aury Celso Jr, juiz de

instrução, mas juiz da instrução. Vale dizer, o Magistrado, em plenitude, exerce o

que lhe é próprio exercer: o controle jurisdicional dos atos investigatórios, pelos

procedimentos de provocação dos interessados. Assim: delibaria sobre o pleito

pelo trancamento da investigação preliminar; sobre a busca e apreensão; sobre a

escuta telefônica; sobre o excesso de prazo na conclusão da investigação; sobre a

liberdade provisória; sobre a concessão de fiança; enfim sobre todas as situações

que signifiquem o decidir sobre o que possa ser conflitivo entre investigador e

investigado. É óbvio que o Juiz, assim visto no que lhe é próprio ver, não tem

porque requisitar, iniciando investigação preliminar contra quem quer que seja,

tampouco ter a investigação preliminar tramitando entre si e a polícia. Isto é

verdadeiro descompasso! A tramitação da investigação preliminar deve acontecer

direta e desburocraticamente entre Ministério Público e Polícia de Investigação .

Não é por outra razão que o prof. Fonteles é tão respeitado no meio jurídico e,

mais particularmente, na Procuradoria da República. Enfático, apaixonado, acerta

e erra o catedrático com a mesma fé que se anima em persistir nas agruras da

profissão. Seus argumentos são sólidos, profundos e coerentes, mas são

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passíveis de questionamento, entretanto. Fundam-se em premissas

completamente verdadeiras, constatações da mais alta relevância e peca na

conclusão, apresentando um sofisma clássico. Senão, vejamos.

Na mesma esteira, Dra. Ela Wiecko V. de Castilho Subprocuradora-geral da

República e professora de Direito Penal e de Direito Processual Penal, em artigo

publicado no Correio Brasiliense (17/05/99):

No meu entender, polícia e MP são sempre partes imparciais, no

sentido de que devem atuar em função do interesse punitivo do

Estado, mas comprometidos com o respeito aos direitos humanos

e com a busca da verdade real. Um e outro devem atuar com

isenção de ânimo.

A tese de que o MP não pode participar da investigação criminal

presta um desserviço à sociedade brasileira e se distancia da

tendência mundial. A comparação entre os sistemas

procedimentais penais mostra que há três grandes grupos de

legislação, no tocante à investigação. O primeiro grupo, que dá à

polícia o monopólio, só existe na common law e os abusos

motivaram a introdução de uma instituição semelhante ao MP, a

Crown Prosecution Service. O segundo se caracteriza por uma

associação da polícia e do MP. O terceiro grupo prevê a

investigação pela polícia, pelo MP e pelos juizados de instrução.

Os juizados de instrução estão sendo abandonados pouco a pouco

e, na prática, o papel fundamental tem sido o do MP. Em diversos

países as investigações são conduzidas pelo MP com o auxílio da

polícia. O 8º Congresso das Nações Unidas sobre o Delito,

realizado em Havana, em 1990, aprovou a diretriz segundo a qual

os membros do MP desempenharão um papel ativo no

procedimento penal, incluída a iniciativa do procedimento e, nos

termos da lei ou da prática local, na investigação dos crimes, na

supervisão da legalidade dessas investigações, na supervisão da

execução das decisões judiciais e no exercício de outras funções

como representantes do interesse público.

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Realmente, o modelo de juízo preliminar propriamente não é adotado no Brasil,

nem era e acreditamos que não será, por um motivo bem simples: a nossa

tradição romano-germânica perpassada pelo ordenamento ibérico, é de distinção

entre as atribuições investigativas e julgadoras, afora as exceções histórias que só

confirmam a regra. Consolidada a tradição constitucional em amoldar a polícia

investigativa, sedimentada pela Carta de 1988, podemos sim pensar em uma fase

pré-processual onde o indiciado terá a oportunidade, junto ao juízo da causa, de

apresentar suas razões, defendendo-se e tentando provar ao magistrado que não

poderá nem mesmo ser processado, representando aquela denúncia verdadeiro

excesso.

Na verdade, a resposta preliminar já há em processo penal. A primeira experiência

foi com crimes de funcionários públicos (art. 514 do CPP) e a mais moderna

tentativa se deu com a Nova Lei de Tóxicos, Lei 10.409/02, onde em ambos os

casos, deve a defesa deduzir as razões pelas quais o juiz não deve receber a

inicial acusatória, ou recebê-la em parte, ou ainda rejeitá-la. Oportunidade para

apresentar ou requerer provas, arrolar testemunhas, enfim...exercer o direito de

defesa. Não nos parece despropositada a iniciativa, ao contrário, benfazeja.

Acreditamos que em todos os crimes punidos com reclusão, deveria haver a

defesa preliminar antes do recebimento da denúncia, de modo que o magistrado

tenha consigo neste ato decisório profundamente marcante em processo penal, a

denúncia e a defesa, em paridade, ensejando real igualdade entre as partes.

Em outras palavras, não temos no Brasil, juizado de instrução e é bom não

termos, acompanhando integralmente o entender do insigne prof. Dr. Cláudio

Fonteles. Ocorre, todavia, que o eminente Procurador Geral da República, avança

o tema, propondo outros caminhos, mais heterodoxos para a questão: partindo do

pressuposto de que não há juizado de instrução e que o Ministério Público detém

a exclusividade da ação penal pública, nada mais coerente que o Parquet também

participe da investigação, por meio de seus promotores e procuradores, colhendo

as provas que eles mesmos usarão para a ação penal da qual são titulares.

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Como afirmamos, premissas verdadeiras e conclusão falsa, digno dos maiores

sofistas gregos. Pelos mares tormentosos do tema em debate, não poderá singrar

o promotor de justiça na investigação inquisitiva. Por duas razões básicas: a

primeira consiste na atribuição constitucional do Ministério Público, expressa,

clara, inequívoca que é cuidar da fiscalização externa

da Polícia; e a segunda,

liga-se ao fato de ser o promotor parte na relação processual, tendo por isso a

obrigação de ser tratado como igual , da mesma forma e com as mesmas

prerrogativas que a defesa. Seria insólito pensar que pode, em processo civil, uma

parte ter o direito de produzir prova sigilosa contra a outra, e ainda por cima,

aproveitá-la em juízo. Ora, se é teratológico em processo civil, será mais em

processo penal.

Escudado na incompetência flagrante das investigações clássicas e na hipertrofia

do crime, tudo somado ao fato de ter o promotor garantias semelhantes às do

Judiciário, perguntam os procuradores e promotores, porque não podem eles

contribuir para desmantelar o poder paralelo que se organiza no país. Ora, querem

remediar o problema, mascarando suas causas. Se a Polícia não pode dar cabo

do crime de maior calibre, visualizando todos os seus tentáculos interestaduais e

internacionais, por que não pode? Se a polícia é incapaz de desmantelar a

organização criminosa que atua sem fronteiras, movimentando recursos oriundos

de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e armas e corrupção, por que não pode?

Onde estão os clamores por uma Polícia mais técnica, eficiente e interligada com

os novos paradigmas do crime?

Sobre a inoportuna lembrança que fizemos acima, conclui a ilustre

Desembargadora de Mato Grosso, Shelma Lombardi de Kato, ao julgar

inconstitucional portaria que permite e regula investigação direta pelo Ministério

Público: portanto, apurar infrações penais é competência da Polícia Judiciária,

através de inquérito presidido por Delegado de Polícia e disso ninguém tem

dúvidas. Já o MP, custos legis, dominus litis, além de parte nos processos em que

prevalece o interesse público, a par com elevá-lo a categoria de Poder,

outorgando-lhe autonomia funcional e administrativa, a vigente constituição

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conferiu-lhe titularidade para exercer o controle externo da atividade policial. Logo,

ao MP não cabe realizar diretamente investigações policiais, mas, tão-somente,

requisitá-las à autoridade policial competente, como consignado no voto do e.

Ministro Carlos Veloso no Recurso Extraordinário n. 205.473-9, STF .

E, finalmente, encerra a responsável e notável julgadora: preocupado com a

crescente onda de criminalidade no Estado, com infratores vinculados a

organizações criminosas atuantes em todo o país e até no exterior, o MP local, por

compromisso com a ordem jurídica e a defesa da sociedade, viu-se e vê-se

pressionado a contribuir para a extirpação ou diminuição da criminalidade no

chamado crime organizado. Vislumbrou a dificuldade da atuação isolada da polícia

por serem os agentes do delito, solapadores da ordem e da paz, figuras de rosto

oculto e de vários tentáculos com infiltração nos mais diversos segmentos do

organismos social. Movido por este nobre objetivo, o Colégio de Procuradores de

Justiça, sob a chefia do culto Procurador Dr. Guiomar Teodoro Borges, homem

sereno, de formação democrática e perfil humanitário, editou a resolução

invectivada. O objetivo é nobilitante. O fim é louvável. E o tempo tem

demonstrado a eficácia do trabalho conjunto da policia judiciária e do MP no

Estado de Mato Grosso. A inconstitucionalidade é porém manifesta nos

artigos verberados .

Não se diga nada mais. Menos, incorreríamos no pecado da omissão sobre o

tema. Mais, na verborragia inútil. Nenhuma colocação poderá ser mais precisa.

Todavia, não comunga dessa mesma opinião o distinto promotor de justiça que

atua em Mato Grosso, Roberto Aparecido Turim, membro do Gaeco mato-

grossense, um dos primeiros do país. Mais uma vez citado no presente ensaio,

reverbera o professor e membro do Ministério Público contra a decisão do Tribunal

de seu Estado4. Anote-se o destemor deste digno servidor público que pauta suas

4 Dizer que a Constituição Federal proíbe o Ministério Público de investigar de maneira independente e autônoma a autoria

e a materialidade de infrações penais é uma heresia jurídica, além de uma imensa demonstração de falta de capacidade de

leitura e interpretação das normas constitucionais.

De acordo com a norma constitucional, o Ministério Público é o titular da ação penal pública ( CF, art. 129, I ), ou seja, o

Ministério Público é o órgão estatal responsável pela persecução penal, portanto, cabe ao Ministério Público exercer, de

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maneira autônoma e independente, a ação penal, visando submeter a julgamento e, se for o caso, a condenação, as

pessoas a quem se imputa a prática de infrações penais; como é sabido por todos, dentro do nosso atual sistema jurídico, o

inquérito policial é mero e até mesmo dispensável procedimento administrativo, desprovido de força condenatória, com

natureza inquisitorial e que deve, necessariamente, ser submetido ao crivo do contraditório judicial, para adquirir força

probatória, portanto, o inquérito é a apenas uma ferramenta, um meio para o exercício da ação penal; assim sendo,

logicamente, Ministério Público que é o titular da ação penal, detentor do direito final, não pode ser impedido de buscar os

meios necessários para o exercício desse poder-dever que é a persecução penal.

Essa conclusão resulta de uma regra elementar de hermenêutica jurídica, traduzida de maneira popular pela expressão

"quem pode o mais, pode o menos", para os que preferem uma explicação mais sofisticada e dogmática, pode se dizer que

tal conclusão resulta da adoção, em matéria de interpretação das normas constitucionais, da "teoria dos poderes implícitos",

nascida na Suprema Corte norte-americana e de aplicação corrente em nossos Tribunais, posto que, segundo a regra dos

poderes implícitos, quando a Constituição concede a determinado órgão ou instituição uma função (atividade fim), como a

do privativo exercício da ação penal pública pelo Ministério Público, implicitamente, a Constituição também estará

concedendo-lhe os meios necessários ao cumprimento dessa função; portanto, se a Constituição incumbiu o Ministério

Público do exercício da ação penal pública; é obrigatório concluir e reconhecer que o Ministério Público também possuí

poderes para investigar, produzir provas, requisitar documentos perícias e quaisquer outros procedimentos que entenda

necessários para subsidiar a persecução penal. Ocorre que alguns setores conservadores e corporativos da Polícia

Judiciária se esquecem da real finalidade do inquérito policial, passam a tratar o inquérito como um fim em si mesmo.

Muitas vezes, em virtude dessa visão corporativa, sindicatos e confederações de Delegados de Polícia Judiciária partem

para a defesa de normas que prolongam e burocratizam o inquérito e também para a defesa do monopólio da investigação

criminal, achando que, com tal atitude, estariam valorizando a atividade policial, esquecem-se de que, na verdade, todo o

trabalho da Polícia Judiciária tem uma única finalidade, servir à formação da "opinio delicti" por parte do Ministério Público;

os equivocados entendimentos que defendem o monopólio e a exclusividade da Polícia Judiciária para a realização das

investigações criminais, são fruto, em primeiro lugar do corporativismo e em segundo lugar de uma interpretação literal e

não sistemática das normas constitucionais. A defesa do monopólio da investigação criminal não é juridicamente plausível

e, com certeza não ajuda no combate à criminalidade e não atende aos clamores e interesses da sociedade; o próprio

ordenamento jurídico e a Constituição concebem investigações realizadas de outras formas e por outros órgãos que não a

Polícia Judiciária, tais como as investigações parlamentares (comissões parlamentares de inquérito) e administrativas,

restando claro que o sistema jurídico adota o princípio da universalização das investigações, resultando daí a ampliação do

leque de órgãos legitimados a investigar o que, sem sombra de dúvidas, colabora para a maior transparência dos atos de

investigação e contribui para a melhoria do trabalho investigatório, sem que, de forma alguma, a Polícia Judiciária perca seu

especial poder/dever de investigar.

Quanto à possibilidade de realização de investigação criminal por parte do Ministério Público, resta dizer que, mesmo para

os que não aceitam o princípio da universalização das investigações e nem reconhecem a adoção da teoria dos poderes

implícitos, a norma Constitucional e o ordenamento jurídico atribuem, expressamente, ao Ministério Público o poder de

investigar. É o que se concluí da leitura e análise sistemática das disposições do art. 129, inciso VI, da Constituição Federal

(Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: inciso VI - expedir notificações nos procedimentos

administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar

respectiva) e também do disposto no art. 8º, incisos V e VII da Lei complementar nº 75/93 (Art. 8º - Para o exercício de suas

atribuições, o Ministério Público poderá, nos procedimentos de sua competência: inciso V - realizar inspeções e diligências

investigatórias; VII - expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar."; à luz da

Constituição e da Lei Complementar 075/93, resta evidente a possibilidade de investigação criminal realizada pelo

Ministério Público; afinal a persecução penal é de competência do Ministério Público, portanto, pode o Ministério Público

instaurar procedimento administrativo e proceder a requisições e notificações, buscando a coleta direta de elementos de

convicção para o oferecimento da denúncia.

É oportuno ressaltar que é leviana e infundada a afirmação constante do artigo elaborado pelo Sr. Delegado de Polícia,

Presidente do Sindicato Dos Delegados De Polícia de Mato Grosso; no sentido de que os Tribunais Superiores (STJ e STF)

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ações na convicção íntima da independência mais radical da Instituição a que é

filiado.

mantém entendimento pacífico e contrário à investigação criminal por parte do Ministério Público; na verdade, apesar de,

réus, indiciados e Associações de Delegados, agindo, estranha e ironicamente, com o mesmo objetivo, tenham impetrado

inúmeros recursos e ações diretas de inconstitucionalidade, questionando a atuação direta do Ministério Público na

investigação criminal, os mesmos não obtiveram êxito. É que nenhuma liminar foi concedida, sendo que tanto o STF quanto

o STJ, apesar de um ou outro entendimento divergente mantém na maioria de suas decisões, o entendimento de que o

Ministério Público pode instaurar procedimento próprio para a investigação criminal.

A esse respeito existe um minucioso estudo efetuado pelo Promotor de Justiça do Estado De São Paulo, Dr. VALTER

FOLETO SANTIN, em sua obra O MINISTÉRIO PÚBLICO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: " A E. Suprema corte Brasileira

não concedeu nenhuma liminar, mantendo eficazes as normas da Lei nº 6.825/1993 e Lei Complementar Federal nº

75/1993 (ADIn 1.142) e resoluções da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, referentes à Promotoria de

Investigação Penal (ADIn 1.138-3 RJ) e da Procuradoria- Geral de Justiça do Paraná, na instituição de Promotoria de

Investigação Criminal ( ADIn 1.336-PR). Na ADIn 1.142, Rel. Min. Carlos Velloso, proposta pela proposta pela Associação

dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL, foi indeferida a liminar em 14.2.1996, para a declaração de

inconstitucionalidade do art. 26, I, da Lei nº 6.825/1993, na parte em que confere ao Ministério Público, no exercícios de

suas funções, o poder de instaurar inquéritos e " outras medidas e procedimentos pertinentes" e dos arts. 10 e 18, II, "f", e

parágrafo único, da LC nº 75/1993, que estabelecem, sucessivamente, obrigatoriedade de comunicação imediata ao

Ministério Público competente da prisão de qualquer pessoa por parte de autoridade federal, do Distrito Federal ou dos

Territórios; o Tribunal entendeu que a tese sustentada pelo autor da ação não teria a densidade necessária para justificar a

suspensão cautelar dos dispositivos impugnados (Boletim Informativo do STF nº19, www.stf.gov.br). O relator negou

seguimento à ADIN (DJ 15.6.1998).

No tocante às resoluções da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro sobre a Promotoria de Investigação Penal, o

STF em 29.4.1998, por votação majoritária, não conheceu a ação direta, por ilegitimidade ativa ad causam da ADEPOL (

ADIn 1,138-3 RJ, m.v., Rel. Min. Ilmar Galvão). O STF concedeu inicialmente a liminar, em 8.3.1995, reconsiderou a

decisão e indeferiu a liminar, em 15.3.1995, e depois não conheceu da ação (www.stf.gov.br, (consulta às ações diretas de

inconstitucionalidade).

Relativamente à Resolução da Procuradoria-Geral de Justiça do Paraná, na instituição de Promotoria de Investigação

Criminal, na Comarca de Curitiba, com poderes para requisitar exames, documentos e informações de qualquer órgão,

repartição ou entidade pública ou privada, e requisitar a condução coercitiva, pela Polícia Civil ou Militar, de quem notificado

não comparecesse injustificadamente, na ADIn 1.336-PR, Rel. Min. Octávio Gallotti, em 11.10.1995, o Excelso Tribunal

considerou destituída de plausibilidade a alegação de contrariedade aos arts. 60, I, II e III, 129, VI e VII e 144, da

Constituição Federal ( Boletim Informativo do STF nº 9, www.stf.gov.br). A ADIN foi extinta por ilegitimidade ativa da

ADEPOL ( DJ 16.10 1998), mas interpostos embargos de declaração, em tramitação. Por substituição, a relatoria passou

para a Ministra Ellen Gracie. Vide www.stf.gov.br, acompanhamento processual." (SANTIN, Foleto Valter, O Ministério

Público na investigação criminal, editora Edipro, SP, 2001, páginas 243 e 244.)

Constata-se, portanto, que a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso é realmente uma decisão isolada e incoerente

e que deve ser modificada, pois a Constituição e o ordenamento jurídico não impedem o Ministério Público de investigar, ao

contrário permitem, fomentam e até mesmo determinam que o Ministério Público assim o faça; o monopólio da investigação

criminal por parte da Polícia Judiciária Civil é prejudicial ao interesse social na medida em que a universalização da

investigação facilita e melhora o combate à criminalidade e propicia maior, democracia, celeridade e segurança ao exercício

do poder punitivo do Estado; a participação direta do Ministério Público como legitimado a investigar infrações penais,

independente da atuação policial, com certeza contribuirá para maior celeridade na elucidação dos crimes e melhoria na

qualidade da investigação, facilitando a percepção dos fatos e fornecendo ao Ministério Público melhores condições para a

realização da persecução penal.

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Remata, portanto, o Dr. Turim por creditar ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso

uma decisão isolada contra a função investigativa do Ministério Público, o que não

é ser exato ou querer mesmo deixar de ver claramente, apegando-se, aí sim, a

decisões isoladas deste ou daquele pretório. Verdadeira e equilibrada a postura do

referido professor e promotor. O que nos preocupa, entretanto, são outras

opiniões bem mais ácidas (e impensadas, diríamos), desqualificando

simplesmente a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, por

desqualificar pessoalmente seus membros: em outras palavras

a agressão

pessoal àqueles que não comungam da pretensão ministerial por mais poder. Tal

acidez não é impensada

trata-se não só de desrespeito, como é sintomático em

personalidades egocêntricas.

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5. Um aprofundamento doutrinário e jurisprudencial: o que se

pensa no Brasil. Um escorço jurisprudencial acerca do tema.

É sem dúvida mais fácil enganar uma multidão do que um só homem - Heródoto

No dia 22 de janeiro de 2004 foi exarado um parecer da lavra de Luis Roberto

Barroso, solicitado por Nilmário Miranda, Secretário Especial dos Direitos

Humanos e Presidente do Conselho de Defesa da Pessoa Humana. Neste

documento de apoio à formação do convencimento do governo sobre a matéria

polêmica, o autor apontou diversos precedentes pró e contra a investigação

criminal direta capitaneada pelo Ministério Público. Dessa forma, podemos

reprisar, nesta quadra:

Precedentes do STF:

HC 75769-3 MG, Min Octávio Gallotti: não sofreu

censura as atividades investigatórias do Ministério

Público de Minas Gerais, muito embora não tenha sido

o foco em que gravitava o remédio heróico;

RE 205473-9 AL, Min. Carlos Mário Velloso:

inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII da CF, no fato

de a autoridade administrativa deixar de atender

requisição de membro do Ministério Público no sentido

da realização de investigações tendentes à apuração de

infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro

do Ministério Público realizar, diretamente, tais

investigações, mas requisitá-las à autoridade policial

competente para tal (CF, 144, Parágrafos 1º e 4º).

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Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo

investigados em instância superior .

RE 233072-4 RJ, Min. Nelson Jobim: caso em que o

Parquet Federal requisitou procedimento licitatório e

convocou testemunhas para, então, denunciar os

envolvidos, sendo que estes na condição de pacientes

impetraram e ganharam ordem de habeas corpus onde

o TRF 2ª Região conheceu e proveu o mandamus, a fim

de trancar a ação penal em curso por exorbitância de

atribuições ministeriais. Inconformado, a Procuradoria

da República volta à tona com Recurso Extraordinário,

sustentando a tese da adequação das investigações,

onde os Ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim não

conheciam do recurso, justificando não ter o Ministério

Público competência para promover inquérito

administrativo para apurar conduta de servidor público,

em contraposição aos Ministros Néri da Silveira e

Mauricio Corrêa que conheciam e davam provimento ao

recurso ministerial. Em seguida, o Ministro Carlos

Velloso percebera que o acórdão impugnado versava

sobre mais de um elemento e nem todos foram

guerreados pela recorrente Procuradoria da República,

fato pelo qual não conheceu do recurso extraordinário.

A Ementa do acórdão ficou cristalizada com o seguinte

teor: O Ministério Público não tem competência para

promover inquérito administrativo em relação à conduta

de servidores públicos; nem a competência para

produzir inquérito penal sob o argumento de que tem

possibilidade de expedir notificações nos procedimentos

administraivos; pode propor ação penal sem inquérito

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policial, desde que disponha de elementos suficientes.

Recurso não conhecido .

ROHC 81326-7 DF, Min Nelson Jobim: tratava-se de

investigação direta levada à cabo pelo Ministério

Público, onde delegado de policia deveria comparecer à

sede do Parquet, a fim de prestar depoimento em

procedimento administrativo supletivo (PAIS) como foi

chamado. Impetrou habeas corpus junto ao STJ, tendo

sido a pretensão indeferida, seguindo-se de Recurso

Ordinário para o STF. Ficou consignado a Ementa: A

CF dotou o Ministério Público do poder de requisitar

diligências investigatórias e a instauração de inquérito

policial (CF 129, III). A norma constitucional não

contemplou a possibilidade do parquet realizar e

presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus

membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de

autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido

à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é

delegado de polícia e, portanto, autoridade

administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos

hierárquicos, próprios da Cooporação, Chefia de

Polícia, Corregedoria. Recurso conhecido e provido .

Aponta, ainda, o parecerista Luis Roberto Barroso alguns elementos doutrinários

em que se firma o entendimento pela possibilidade da investigação direta

ministerial, donde aproveitamo-nos nós para aprofundar as questões ali

suscitadas:

a) O MP, na condição de titular da ação penal pública, não é um mero espectador

da investigação a cargo da autoridade policial, podendo, por isso, não só requisitar

diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrem necessárias.

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Mesmo porque, doutrina e jurisprudência entendem que o inquérito policial é um

instrumento facultativo e dispensável para o exercício do direito de ação.

Aprofundando: apóia-se na dispensabilidade do inquérito para deduzir-se que as

investigações criminais levadas à cabo pela polícia podem, da mesma forma, ser

dispensadas e/ou substituídas pela atuação direta do Ministério Público. O

raciocínio é o seguinte: como a ação penal não está atrelada a um procedimento

investigativo POLICIAL precedente, como dispõe o próprio Código de Processo

Penal, quando o titular da ação já contar com elementos suficientes para a sua

propositura, deve este também empenhar-se na investigação, inclusive poupando

tempo e recursos públicos. Ademais, ilustram os partidários da teoria que, fosse

procurado um representante do Ministério Público por um cidadão querendo

relatar um crime ou irregularidade administrativa, não poderia este atendê-lo e

deveria encaminhá-lo à polícia para que esta colhesse o depoimento para, só aí,

levar ao conhecimento do promotor. Aventada como absurda a hipótese, reforça a

tese da possibilidade das investigações criminais darem-se já no plano onde oficia

o Parquet.

b) A CF atribuiu ao Ministério Público o poder de expedir notificações nos

procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e

documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva. Essa

competência abrange tanto a esfera cível como a criminal. Aprofundando:

comumente, pode o Ministério Público requisitar (juridicamente, requerer de forma

imperiosa), documentos e informações para que elabore ajustamentos de conduta

ou mesmo verifique o bom andamento de direitos sociais indisponíveis que

possam redundar em uma ação civil pública, por exemplo. Em outras palavras,

havendo depoimentos, informações, juntada obrigatória de documentos, entre

outras tantas possíveis diligências, não fez outra coisa a Carta Magna que não

atribuir ao Ministério Público o poder direto de apuração de atos lesivos a valores

constitucionalmente protegidos. Sendo assim, forte corrente doutrinária entende

que não há diferença entre o procedimento investigativo preparatório de ações

cíveis e penais, o que embasaria a legitimidade do Parquet em conduzir e/ou

presidir um procedimento criminal.

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c) A CF atribuiu ao Ministério Público, de forma ampla, o controle externo da

atividade policial, além de dispor que cabe ao Parquet requisitar diligências

investigatórias e a instauração de inquérito policial. Aprofundando: pela pesquisa

na qual nos empenhamos, aqui está o cerne da crítica mais enfática em favor das

investigações ministeriais. Afirmam os partidários da doutrina que franquia ao

Ministério Público a condução de procedimentos investigativos, ser anacrônico (no

mínimo, não recomendável, pelo alto risco de corporativismo), investigação

criminal contra policiais, conduzida pela própria autoridade policial. Assim,

serviriam as Ouvidorias e Corregedorias de Polícia para apurar procedimentos

administrativos-disciplinares, enquanto a investigação criminal propriamente dita

restaria muito prejudicada, se conduzida pela própria policia que é, de forma direta

ou indireta, investigada. Por exemplo: um delegado da polícia federal, pelo crime

de concussão, especial portanto, deveria ser investigado por outro delegado de

polícia federal, especialmente designado para o caso? Qual o grau de

corporativismo que resultaria de tal procedimento? Se é verdade que o Ministério

Público não subordina a polícia, mas a supervisiona externamente, haveria de ser

natural a apuração do crime por promotores ou procuradores, afastando a

hipótese de leniência interna corporativa. Apenas para citar um exemplo isolado

de como este entendimento vem se sedimentando nos Tribunais, temos o caso da

Súmula 10, editada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal: o controle externo

da atividade policial é função institucional do Ministério Público, podendo este

requerer informações e documentos em delegacias de polícia para instrução de

procedimento administrativo, sendo ilegal a recusa em fornecê-los . Parece-nos

insofismável que tenha aquele egrégio pretório considerado não só constitucional

como recomendável a instalação de procedimentos investigativos contra policiais,

em sede ministerial, tudo devidamente fundamentado no poder de controle

externo. Este entendimento consolidou-se, mais especificamente, entre os anos

de 1998 e 1999, onde setores da polícia do Distrito Federal foram efetivamente

investigados por supostos delitos havidos contra a Administração Pública,

conforme acórdãos 115985, 115827, 115780, 115026, 105386, 104280, 103381,

90826, 90016, os dois últimos datados de 1996 e 1997.

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d) O sistema do art. 129 da CF visa fornecer ao MP autonomia para levar a cabo a

apuração dos fatos necessários ao oferecimento da denúncia, por meio inclusive

da expedição de notificações para a coleta de depoimentos. Aprofundando:

deveras, a análise sistemática do ordenamento constitucional brasileiro, leva a

crer que o Ministério Público ganhou do poder originário a titularidade exclusiva da

promoção da ação penal pública. Não recepcionou, desta forma, a instalação de

ofício de ação penal tendente à apuração de contravenções penais, e no nosso

particular entendimento, o art. 384 do CPP, em seu caput. Isto porque a

intervenção do Ministério Público na ação penal, sua tipificação, narrativa de

conduta e suas circunstâncias, pertence privativamente ao Parquet. Mas,

convenhamos, esta não é argumentação suficiente para, por meio da ótica da

teoria dos poderes implícitos, conferir aos membros do Ministério Público eventual

titularidade na condução de investigações criminais.

e) Não há conflito entre as normas constitucionais indicadas acima e o que dispõe

o art. 144 da Carta, tanto porque tais normas têm caráter principiológico, como

porque o art. 144 não conferiu exclusividade à Polícia no que diz respeito à

investigação de infrações penais. Aprofundando: argumentam os promotores que

não querem se arrogar nos poderes típicos de polícia, diferenciando o

INQUÉRITO POLICIAL, etimológica e umbilicalmente ligado às atividades policiais

e os PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS, capitaneados pelo Ministério Público.

Continuam os defensores da tese, afastando as naturezas jurídicas do inquérito

policial e do procedimento preparatório ministerial. Nos parece esdrúxulo o

argumento, porque qualquer manual ou compêndio de processo penal, por mais

simples que seja, define o inquérito policial como instrumento inquisitivo-oficial do

encadeamento de atos tendentes à apuração de um fato criminoso, a fim de

embasar o ajuizamento de uma ação penal, agregando a oficialidade,

inquisitividade, indisponibilidade como corolários da persecução penal

preparatória. Portanto, ainda que seja um dos elementos apontados pelo ilustre

parecerista, não nos parece a melhor técnica calcar-se na ausência de conflito

entre as diretivas do art. 129 e art. 144 da Constituição da República. Entretanto,

ousamos alterar o foco da discussão entre a compatibilidade constitucional dos

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dois dispositivos para outra quadra de discussão, melhor defensável pelos

doutrinadores que apregoam o poder investigativo do Parquet

sabemos nós que

o INQUÉRITO POLICIAL, com este epíteto mesmo, e com as características

propriamente investigatórias e preparatórias, não é exclusividade da Polícia

Judiciária, podendo ser apontados o inquérito judicial falimentar (art. 103 da Lei de

Falências), os inquéritos parlamentares (Lei 1579/53) e, ainda, os inquéritos

administrativos e militares, numa conjunção entre a Lei 4898/65 e o CPPM. Aí,

sim, parece-nos que a peroração sobre a declinação de atribuição está adequada

à tese. Trata-se, todavia, de saber se as exceções tratadas são de natureza

exemplificativas ou as hipóteses em comento são taxativas exceções legais para

conferir extraordinariamente a titularidade de procedimentos investigativos a

outros entes que não a polícia.

Deve-se anotar, por dever do rigor ético-científico, que o ilustre parecerista conclui

que, deveras, a Constituição da República não centrou as investigações criminais

em torno da figura do promotor de justiça ou procurador da República, como

previu tantas outras atividades de forma mais explícita. Parece-lhe que deverá

haver integração legislativa própria e específica, abrindo, no entanto, a

possibilidade da persecução penal preparatória para casos excepcionais, tais

como: grave violação aos direitos humanos, investigação de crimes cometidos por

policiais e desmantelamento do crime organizado.

Ainda, temos a lição do respeitável promotor de Justiça do Estado da Bahia,

Rômulo de Andrade Moreira que, em remate, conclui pela constitucionalidade do

poder investigativo do Ministério Público, chegando, entretanto, à curiosa

conclusão de não poder o membro do Parquet que colheu as informações em

procedimento preparatório oferecer, ele mesmo, a denúncia:

Diante de tudo quanto foi exposto, pode e deve o Promotor

de Justiça, quando isto lhe é faticamente possível, investigar

diretamente fatos criminosos, principalmente quando se tratar de

abuso de autoridade (a título de exemplo); é bom que se diga não

ter o Ministério Público, muitas das vezes, condições de, motu

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proprio, levar adiante uma investigação criminal, até por carência

de material, seja humano (investigadores, por exemplo), seja físico

(viaturas, espaço físico apropriado, etc); quando houver

dificuldades, nada nos impede, ao contrário, tudo indica, que

requisitemos a instauração de inquérito policial (ou termo

circunstanciado na forma da Lei nº. 9.099/95) à autoridade policial

respectiva, atentando-se para o fiel cumprimento da requisição e

adotando-se as medidas criminais em caso de não atendimento

(pode-se estar configurado, por exemplo, o delito de prevaricação),

além da possibilidade de se configurar ato de improbidade

administrativa (art. 11, II, da Lei nº. 8.429/92)

Apenas ressalte-se a impossibilidade de que o mesmo

Promotor de Justiça (ou os mesmos profissionais ou a mesma

equipe) que investigue possa, depois, valorando a prova por ele

próprio colhida, oferecer denúncia. Não cremos ser isso possível.

Em ensaio sobre o mesmo tema A Investigação Criminal Direta pelo MP (...) , da

lavra do incisivo promotor de justiça do Estado da Bahia, Dr. Cristiano Chaves de

Farias, valendo-se de Súmula 234 do STJ, não só admite a investigação direta

como refuta seu colega Rômulo de Andrade, acima já citado. Faz mais: estabelece

um paralelo com a apuração de ato infracional prevista no Estatuto da Criança e

do Adolescente, onde opera o promotor de justiça, não se ventilando qualquer

hipótese de futuro impedimento, conforme citado anteriormente.

Com idêntica posição, sobreleva-se o excelente ensaio de Arthur Pinto de Lemos

Júnior, igualmente promotor de justiça, desta vez do Estado de São Paulo. Em

pesada e substancial defesa das atividades persecutórias ministeriais, o professor

de Processo Penal da UNIP, verbera a ineficiência do aparelhamento tradicional

da polícia civil e militar no combate ao crime organizado, assentado em bases

muito mais amplas e complexas do que a criminalidade tradicional. Conclui pela

não formação de espécie monopolizadora do Ministério Público para atuar no

combate ao crime organizado e sim na integração de vários vetores repressivos,

nos moldes de forças-tarefas em que os promotores de justiça ou procuradores da

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República possam enfronhar-se a fim de instrumentalizar as investigações com

mecanismos constitucionais que apenas o Ministério Público pode contar.

Não é de se desmerecer o esforço intelectual dessa enorme corrente doutrinária,

capitaneada sobretudo por membros do Ministério Público. A jurisprudência

consubstancia em muito a visão constitucionalizadora da investigação direta pelo

Ministério Público. Eis alguns jugados representativos desse entendimento: STJ,

HC nº 7.445-RJ, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, julg. em 01.112.98, v.u., DJU de

01.02.99, p. 218, RHC 7.063-PR, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, julg. em 26.08.98,

v.u., DJU de 14.12.98, p. 302; TRF/4ª Região, HC nº 97.04.26750-9-PR, 1ª T., Rel.

Juiz Fábio B. da Rosa, 1ª T., v.u., julg. em 24.06.97, DJU de 16.07.97; TJDFT, HC

nº 1998.00.2.035-8, 1ª T., Rel. Des. Otavio Augusto, julg. em 12.03.98, v.u., DJ de

03.06.98, p. 38

Viajemos o Brasil, a fim de verificar como entendem os Pretórios Estaduais sobre

o tema em questão:

TRF 1ª REGIÃO: o posicionamento deste digno colegiado é, na maioria das

vezes, apoiar investigações ministeriais, com fulcro no princípio dos poderes

implícitos. Mas, ainda que arisco à inconstitucionalidade e a decorrente nulidade

probatória, temos colecionado exemplos de firmeza do citado TRF, em remar

contra a maré.

Classe: HC - HABEAS CORPUS 01000265724

Processo: 200201000265724 UF: DF Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA

Data da decisão: 13/05/2003 Documento: TRF100150176

HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES - INQUÉRITO PENAL -

LEGITIMIDADE: AUTORIDADE POLICIAL - ORDEM CONCEDIDA.

1. O Ministério Público, órgão essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido da defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127

da CF), tem suas funções institucionais definidas pelo art. 129 da CF.

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2. Cabe à Polícia Federal no âmbito federal e à Polícia Civil no estadual exercer, com

exclusividade, as funções de polícia judiciária, eis que órgãos permanentes, organizados e

estruturados em carreira (art. 144, § 1º, IV, da CF), para tal precípua finalidade.

3. O Ministério Público tem como atribuição a instauração de inquérito civil nos termos e

para os fins do art. 129, III, da CF, enquanto à Polícia Judiciária (Civil, Federal) cabe a

apuração das infrações penais. A Lei Complementar nº 75/93 não prevê, em nenhum de seus

artigos, como atribuição do Ministério Público, a condução ou presidência de

"procedimento administrativo penal", sem, pois, previsão de ritos, prazos e formalidades

essenciais e a dúplex supervisão e controle (pelo Ministério Público e pelo Poder

Judiciário), que informam o procedimento inquisitório criminal realizado pelo polícia.

4. Precedentes específicos do STF: (RE 233.072/RJ, RE 215.301/CE e RHC 81.326).

5. Habeas corpus concedido.

6. Autos recebidos em gabinete para lavratura do acórdão em 15/05/2003. Peças liberadas pelo

Relator em 16/05/2003 para publicação do acórdão.

TRF 5ª REGIÃO: refratário à inconstitucionalidade das investigações, o TRF da

5ª Região conclui que, tomando o inquérito como simples procedimento

administrativo como qualquer outro, o Ministério Público tem atribuição

concorrente à polícia para conduzi-lo e, ainda, não sendo a fase do contraditório,

não haveria nenhuma razão para rechaçar a participação ministerial na colheita de

provas que o próprio Parquet se serviria.

HABEAS CORPUS N. 01153/CE

Relator : JUIZ UBALDO ATAÍDE CAVALCANTE Turma: 01

Julgamento: 17/08/2000 Publicação: 08/09/2000 Fonte: DJ Pag:000742

Rip: 200005000291963

E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE PECULATO. ART. 312 DO CP.

INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PRESIDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEI COMPLEMENTAR

75/93. RESOLUÇÃO Nº 038/98. CONSTITUCIONALIDADE. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO

E AMPLA DEFESA INEXIGÍVEIS NO INQUÉRITO POLICIAL. PROCEDIMENTO

ADMINISTRATIVO DE NATUREZA INFORMATIVA. INEXISTÊNCIA DA FIGURA

CONSTITUCIONAL DO ACUSADO. DENÚNCIA RECEBIDA NÃO PODE MAIS SER REJEITADA.

JUSTA CAUSA. TIPICIDADE DOS FATOS. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE

DELITIVA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. A COMPETÊNCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA PARA

COLHEITA DE PROVAS PARA INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL, BEM COMO PARA PRESIDIR

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O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, NÃO EXCLUI A COMPETÊNCIA DE OUTRA

AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, A QUEM POR LEI SEJA COMETIDA A MESMA FUNÇÃO.

2. A LEI COMPLEMENTAR Nº 75/93, EM SEU ART. 8º E INCISOS, ESPECIFICA AS

ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES

CONSTITUCIONAIS NAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS POR ELE PRESIDIDA.

3. A RESOLUÇÃO Nº 038, DE 13 DE MARÇO DE 1998, QUE "REGULAMENTA O EXERCÍCIO

DA TITULARIDADE PLENA DA AÇÃO PENAL PÚBLICA", FOI CONSIDERADA

CONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANDO DO JULGAMENTO DA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2000-5.

4. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NÃO

SÃO EXIGIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL E NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PRESIDIDA

PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, POR SE TRATAR DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE

NATUREZA INQUISITÓRIA E INFORMATIVA, FORMADOR DA OPINIO DELICTI DO TITULAR

DA AÇÃO PENAL, NÃO CONSTITUINDO DESOBEDIÊNCIA AOS DIREITOS E GARANTIAS

FUNDAMENTAIS DO INDICIADO, SOB PENA DE RESPONDER CRIMINALMENTE AQUELAS

AUTORIDADES QUE AS DESRESPEITEM.

5. EXCEÇÃO À ESSA REGRA , ENCONTRAMOS NO INQUÉRITO JUDICIAL PARA A

APURAÇÃO DE CRIMES FALIMENTARES E O INSTAURADO A PEDIDO DO MINISTRO DA

JUSTIÇA, VISANDO À EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO (LEI Nº 6.815/1980), QUE EXIGE A

OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.

6. PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP E SENDO AS PROVAS OBTIDAS DE

ACORDO COM OS PRECEITOS LEGAIS, NÃO HÁ QUE SE DECLARAR A NULIDADE DA

DENÚNCIA E, CONSEQÜENTEMENTE, DA AÇÃO PENAL.

7. IN CASU, INCABÍVEL O TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL EM SEDE DE HABEAS CORPUS

SOB O ARGUMENTO DE FALTA DE JUSTA CAUSA, QUANDO OS FATOS NARRADOS NA

DENÚNCIA TRAZEM INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA, NA QUAL NÃO SE

EVIDÊNCIA DE IMEDIATO A ATIPICIDADE DA CONDUTA DO PACIENTE.

8. INSTAURADA A AÇÃO PENAL COM O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA NÃO PODE ESTA

SER MAIS REJEITADA. 9. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.

D E C I S Ã O UNÂNIME

QUESTÃO DE ORDEM EM NOTÍCIA CRIME N. 00497/CE

Relator : JUIZ CASTRO MEIRA Turma: PL

Julgamento: 24/05/2000 Publicação: 11/08/2000 Fonte: DJ Pag:000429 Rip: 200005000148807

E M E N T A

PENAL E PROCESSUAL PENAL. DELITO PRATICADO POR PREFEITO MUNICIPAL.

INVESTIGAÇÕES. ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO MINSTÉRIO PÚBLICO. - A JURISPRUDÊNCIA

VEM-SE ENCAMINHANDO PARA CONSAGRAR O ENTENDIMENTO DE QUE AS

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INVESTIGAÇÕES PARA A APURAÇÃO DE FATO CRIMINOSO ATRIBUÍDO A PREFEITO NÃO

DEVE FICAR A CARGO DO TRIBUNAL, MAS DO ÓRGÃO COMPETENTE PARA

OFERECIMENTO DA DENÚNCIA, VALE DIZER, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. - CUMPRE AO

MAGISTRADO O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE PROCESSAR E JULGAR. AO ATRIBUIR-

SE A FUNÇÃO INVESTIGATÓRIA, ADOTA ORIENTAÇÃO QUE NÃO SE HARMONIZA COM SEU

PAPEL, FORMAÇÃO E VOCAÇÃO, AO TEMPO EM QUE ADENTRA-SE EM ATRIBUIÇÃO DE

COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DOS ÓRGÃOS POLICIAIS, ALÉM DO QUE A

POSTURA ADOTADA PELO MAGISTRADO É INCOMPATÍVEL COM AS NECESSIDADES DE

UMA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, A EXIGIR O PLENO DOMÍNIO DE TÉCNICAS ESPECÍFICAS

NA COLHEITA DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS À PERSECUÇÃO PENAL. - NOS TERMOS

DA LC 75/93, ART. 18, PARÁGRAFO ÚNICO, E LEI N. 8.625/93, ART. 41, PARÁGRAFO ÚNICO,

AS INVESTIGAÇÕES FORAM COMETIDAS AO PROCURADOR-GERAL OU INSTITUIÇÃO POR

ELE DESIGNADA. NÃO COGITOU O LEGISLADOR DE COMETER TAL ATRIBUIÇÃO AO

TRIBUNAL COMPETENTE PARA JULGÁ-LO. - "COMPETE À JUSTIÇA FEDERAL PROCESSAR

E JULGAR PREFEITO MUNICIPAL POR DESVIO DE VERBA SUJEITA A PRESTAÇÃO DE

CONTAS PERANTE ÓRGÃO FEDERAL" (SÚMULA 208 DO STJ). - INDEFERIMENTO DO

PEDIDO DE REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA ESTADUAL DO CEARÁ. ENCAMINHAMENTO

DOS AUTOS AO MPF.

D E C I S Ã O UNÂNIME

TJSP: em certos julgados, o Tribunal de Justiça paulista tergiversa sobre o tema,

classificando como acompanhamento ministerial a requisição direta de provas,

no curso da investigação preliminar. Em outros momentos, franqueia

expressamente a condução do inquérito aos representantes do Parquet.

Ementa nº 262364

"HABEAS CORPUS - Ação Penal - Denúncia - Pretendida nulidade - Inocorrência - Hipótese em

que aviventada a ilegitimidade do Ministério Público para a condução de investigação de caráter

penal - Inadmissibilidade - Poder conferido pela Constituição da República e pelas Leis Orgânicas

do Ministério Público Federal e Estadual para apuração de investigação de atividades penalmente

ilícitas - Artigos 129, incisos I, II, VI, VII, VIII, e IX da Constituição da República, 27, I, da LOMP e

103, VI e XIII da LOMPE - Poderes de investigação que não se limitam ao inquérito civil -

Dever do ""parquet ""de zelar pela atribuição da titularidade da ação penal - Ordem

denegada. (Habeas Corpus n. 394.430-3 - Santo André - 3ª Câmara Criminal - Relator: Walter de

Almeida Guilherme - 05.11.02 - M.V.)"

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Ementa nº 36081

Código: 11095 Matéria: MINISTÉRIO PÚBLICO - CRIMINAL Recurso: HC 95852 3 Origem: SP

Orgão: CCRIM 6 Relator: NELSON FONSECA Data: 15/08/90 - MINISTÉRIO PÚBLICO -

CRIMINAL - ATUAÇÃO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIALOFERECIMENTO POSTERIOR DE

DENUNCIA - ADM - POSSIBILIDADE DE O PROMOTOR DE JUSTIÇA, DESIGNADO PARA A

FASE INVESTIGATÓRIA, PROMOVER A AÇÃO PENAL - ACOMPANHAMENTO DOS ATOS DE

INVESTIGAÇÃO OU REALIZAÇÃO DIRETA DE DILIGÊNCIAS RELEVANTES QUE NÃO SE

ERIGEM EM IMPEDIMENTO A SUA ATUAÇÃO. ORDEM DENEGADA - INTELIGÊNCIA DOS

ARTS 129, I, VII, VIII E IX DA CR E 15, I E III, LC/81 E ART 258 DO CPP.

Ementa nº 105224

MINISTÉRIO PÚBLICO - Impedimento - Inexistência - Promotor de justiça que, sem assumir a

função da autoridade policial, acompanhou atos de investigação, requerendo diretamente

diligências relevantes para futura acusação - Atuação nos limites permitidos pela lei, em perfeita

consonância com a posição do órgão de parte na área criminal - Fato que não o inibe de promover

a ação penal - Inteligência dos arts. 252, ll, e 258 do CPP (TJSP) RT 660/288

Ementa nº 220708

INQUÉRITO POLICIAL - Requisição do Ministério Público para realização de diligências

probatórias na fase do investigatório - Regular exercício de função institucional assegurada por lei -

Aplicação do artigo 129, VIII, da Constituição Federal e artigo 16 do Código de Processo Penal. A

requisição do Ministério Público consistente em diligências instrutórias no procedimento

administrativo-policial, afina-se em consonância com os interesses do "parquet", como parte na

área criminal, desde que contribua à "opinio delicti" e mostram-se imprescindíveis ao oferecimento

da denúncia. (Habeas Corpus n. 277.645-3 - São Paulo - 3ª Câmara Criminal - Relator: Gonçalves

Nogueira - 10.08.99 - V.U.).

TJRJ: diríamos, sem sombra de dúvida, que o Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, juntamente com o seu par mato-grossense, revelou-se precursor do

entendimento que esposamos neste trabalho. Não só é ilícita a condução

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ministerial do inquérito, como se configura verdadeira usurpação de função, além

de serem as provas imprestáveis para a promoção da ação penal conseqüente.

HABEAS CORPUS: 2003.059.04064

"Habeas Corpus". Ministério Publico. Poder de investigação criminal. Inquérito policial. Desvio de

poder. Funcao ministerial expressamente definida na Constituicao Federal (art. 129, VII e VIII; arts.

3. e 80 da Lei 8625 - Lei Organica do Ministerio Publico, aplicavel aos Estados). Funcao de

investigacao criminal atribuida expressamente a policia civil (art. 144, par. 4. da Constituicao

Federal). Controle externo assegurado ao Ministerio Publico (art. 129, VII e VIII da Constituicao

Federal, ja' referido). Paciente constrangido a submeter-se a investigacao criminal pelo Ministerio

Publico. Constrangimento ilegal. Concessao da ordem para impedir a investigacao, com

declaracao de nulidade de todos os atos praticados.

HABEAS CORPUS 2003.059.00896

HABEAS CORPUS - INVESTIGAÇÃO DE INFRAÇÃO PENAL PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA -

EXISTENCIA DE INQUÉRITO POLICIAL EM DELEGACIA ESPECIALIZADA, VISANDO A MESMA

APURAÇÀO AMEAÇA DE CONDUÇÃO DA TESTEMUNHA POR PARTE DO PROMOTOR -

NOTIFICAÇÃO ILEGALIDADE DO ATO. O Ministério Público não tem poderes para realizar

diretamente investigações, mas sim requisitá-las à autoridade policial competente, não lhe

cabendo, portanto, inquirir diretamente pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a

condução cio inquérito policial e a realização das diligências investigatórias são funções de

atribuição exclusiva da policia juduciária. Inteligência de julgado do Supremo Tribunal Federal.

Ordem concedida,

Partes: DR. MAOCYR MARTINS PEREIRA e OSWALDO OCTACILIO GOMES NETO

Ementário: 28/2001 - N. 11 - 12/09/2001

Tipo da Ação: HABEAS CORPUS

Número do Processo: 2001.059.00597

"Habeas Corpus". Investigacao criminal procedida por Promotor de Justica. Invasao de

atribuicaoda Policia Judiciaria. Denuncia ofertada pelo mesmo Promotor que exerceu

funcao de Delegado de Policia na investigacao. Impedimento legal.

Prova ilegitima para

escorar a instauracao da acao penal.Nulidade do processo "ab initio". Inteligencia dosartigos 144,

par. 4., da CRFB e 258 c/c 252, II,do CPP. Crime de responsabilidade de funcionariopublico.

Notificacao para resposta fixando prazode 5 dias e nao de 15 dias. Ato processual realizado fora

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da jurisdicao do Juiz processante. Faltade nomeacao de defensor para apresentacao da resposta

preliminar. Denuncia recebida. Cerceamentode defesa configurado. Nulidade. O Ministerio Publico

e' o guardiao da OrdemJuridica mas, separando a Constituicao Federal asfuncoes constitucionais e

entregando, expressamente, as de investigacao criminal e, em certas hipoteses, a outros orgaos

`a Policia Judiciaria, naotem o "parquet" legitimidade para proceder a investigacao preparatoria da

acao penal, ja' que aele tambem se confere o poder de requerer o arquivamento da documentacao

dos fatos, situacao que otornaria ao mesmo tempo o autor e o juiz da demanda, em verdadeiro

sistema inquisitorio vedado pelaCarta da Republica. Nao fosse a ilicitude da investigacao

criminaldesencadeada pelo Ministerio Publico, que invadiuatribuicao conferida pela Constituicao

Federal `aPolicia Judiciaria, outra afronta `a lei tambemimpede que a acao penal instaurada contra

o paciente tenha prosseguimento, eis que a denuncia naopoderia ter sido ofertada pelo mesmo

Promotor queatuou na investigacao como Delegado de Policia,inquirindo testemunhas na

clandestinidade de seugabinete. A lei processual exige do Promotor amesma imparcialidade

exigida dos Magistrados, tanto que no art. 258 estatui: "Os orgaos do Ministerio Publico nao

funcionarao nos processos em que oJuiz ou qualquer das partes for seu Conjuge, ouparente,

consanguineo ou afim, em linha reta oucolateral, ate' o terceiro grau, inclusive, e a eles se

estendem, no que lhe for aplicavel, asprescricoes relativas `a suspeicao e aos impedimentos dos

juizes". Ora, conjugando o aludidodispositivo legal com o artigo 252, II, do mesmoestatuto,

nenhuma duvida pode existir quanto aimpossibilidade do Promotor oferecer a denunciacontra o

paciente, eis que presidiu a coleta dedepoimentos dos advogados delatores, exercendo afuncao de

Delegado de Policia, sem pelo menos ouvi-lo ou mandar apurar a veracidade da acusacao atraves

de inquerito policial, deixando-se impulsionar por verdadeira histeria repressiva. Ordem concedida,

com a anulacao do processo apartir da denuncia, inclusive. (JRC)

Partes: JOAO MESTIERI E OUTROS

REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 52, pag 374 Ementário: 32/2001 - N. 12 - 10/10/2001

Tipo da Ação: HABEAS CORPUS

Número do Processo: 2000.059.02463

"Habeas Corpus". Investigacao criminal. Inquerito instaurado por Promotor de Justica, que

atuapessoalmente como Delegado de Policia. Invasao deatribuicao da policia judiciaria. Denuncia

ofertada pelo mesmo promotor que exerceu funcao de Delegado de Policia na investigacao.

Impedimento legal. Prova ilegitima para escorar a instauracao daacao penal. Nulidade do processo

"ab initio". Inteligencia dos artigos 144, par. 4., da CF e 258c/c 252, II, do CPP. O "inquerito

policial", que na Portaria de n.02/2000 foi rotulado pelo Promotor de "procedimento de

investigacao criminal", objetivou esclarecer e apurar o desvio de renda publica, em razaode

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nomeacao fraudulenta de servidor, feita pelaCasa Legislativa Municipal atraves de seu presidente,

o paciente, nada que fosse dificil ou complexo para ser investigado por quem tinha atribuicao para

tal mister, o Delegado de Policia, alias,como quer a Constituicao Federal, art. 144, par.4. (`As

policias civis, dirigidas por delegadosde policia de carreira, incumbem, ressalvada acompetencia da

Uniao, as funcoes de policia judiciaria e a apuracao de infracoes penais, exceto asmilitares),

porquanto, em materia de investigacaocriminal, a atuacao do Ministerio Publico esta'limitada no art.

129, inciso VIII, da Carta Magna(requisitar diligencias investigatorias e a instauracao de inquerito

policial, indicados os fundamentos juridicos de suas manifestacoes processuais), nao obstante

poder exercitar o controleexterno da atividade policial e promover inqueritocivil visando a protecao

do patrimonio publico esocial, do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos. Nao

fosse a ilicitude da investigacao criminaldesencadeada pelo Ministerio Publico, que

invadiuatribuicao conferida pela Constituicao Federal `apolicia judiciaria, outra afronta `a lei

tambemimpede que a acao penal instaurada contra o paciente tenha prosseguimento, eis que a

denuncia naopoderia ter sido ofertada pelo mesmo Promotor queatuou na investigacao como

Delegado de Policia,notificando e inquirindo testemunhas na clandestinidade de seu gabinete,

fazendo apreensoes de documentos na Camara Legislativa, pessoalmente, sempossibilidade da

participacao dos advogados dosenvolvidos, que sequer tiveram acesso aos autospara adocao das

medidas judiciais cabiveis, conforme reclamado na impetracao, com evidente violalacao ao

principio de igualdade assegurado `aspartes. A lei processual exige do Promotor a

mesmaimparcialidade exigida dos Magistrados, tanto queno art. 258 estatui: "Os orgaos do

Ministerio Publico nao funcionarao nos processos em que o Juizou qualquer das partes for seu

conjuge, ou parente, consanguineo ou afim, em linha reta ou colateral, ate' o terceiro grau,

inclusive, e a eles seestendem, no que lhe for aplicavel, as prescricoesrelativas `a suspeicao e aos

impedimentos dos juizes". Ora, conjugando o aludido dispositivo legalcom o artigo 252, II, do

mesmo estatuto, nenhumaduvida pode existir quanto a impossibilidade doPromotor oferecer a

denuncia contra o paciente,eis que presidiu o "inquerito" por ele mesmo instaurado mediante

portaria, exercendo a funcao deDelegado de Policia, selecionando provas de seuinteresse, com

unico objetivo de incrimina'-lo, edescartando outras talvez importantes `a corretaelucidacao dos

fatos. Ordem concedida, com a anulacao do processo apartir da denuncia, inclusive, estendendo-

se adecisao aos co-reus na forma do art. 580 do CPP.(CEL)

TJMG: a preocupação mineira com a apuração de delitos funcionais de policiais

e de crimes próprios de funcionários públicos contra a Administração, moveu o

Tribunal de Justiça daquele Estado a encampar a tese de que nenhum prejuízo

trará o Ministério Público, ao contribuir com a investigação direta, até porque é

função do Parquet a fiscalização do poder de polícia.

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Proc. 1.0000.00.304919-4/000(1)

PROCESSO PENAL - PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA - MINISTÉRIO

PÚBLICO - PROMOÇÃO DIRETA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - POSSIBILIDADE -

PREVISÃO CONSTITUCIONAL COMO TITULAR DA AÇÃO PENAL - ""V.v. IMPOSSIBILIDADE -

AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL - DENÚNCIA REJEITADA"" - PROMOTOR

NATURAL - ADMISSIBILIDADE DE PROCURADOR MEMBRO DE GRUPO DE ESPECIAL

SUBSCREVER DENÚNCIA - NULIDADE REJEITADA - INÉPCIA DA DENÚNCIA -

INOCORRÊNCIA - DENÚNCIA QUE ATENDE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP -

EXISTÊNCIA DE PROVAS PARA AUTORIZAR O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - DENÚNCIA

RECEBIDA. - O MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição da

República, tem o poder investigatório ínsito na titularidade da ação penal. ""V.v. - O MINISTÉRIO

PÚBLICO não tem competência para promover diretamente INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, ante a

ausência de expressa previsão constitucional, não lhe aproveitando a justificativa de poder expedir

notificações nos procedimentos administrativos de sua competência ou de poder exercer outras

funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade"". - A denúncia

subscrita por Procurador de Justiça que integra Comissão Especial de Grupo de Trabalho,

designado PELO Procurador-Geral de Justiça, está autorizada pela Lei Orgânica do MINISTÉRIO

PÚBLICO, afastada a eiva lançada quanto ao desrespeito à regra do Promotor Natural. - A

denúncia deve ser recebida se a conduta descrita se ajuste ao tipo e esteja amparada em provas

que, em tese, lhe dêem fundamento. - Denúncia recebida

REJEITARAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MP, VENCIDOS O RELATOR E OS DES.

CARREIRA MACHADO, BAÍA BORGES, LUCAS SÁVIO, JOSÉ FRANCISCO BUENO, CÉLIO

CÉSAR PADUANI, KILDARE CARVALHO, ANTÔNIO HÉLIO SILVA, NILSON REIS E ALMEIDA

MELO. À UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES DO PROMOTOR NATURAL E DE

INÉPCIA DA DENÚNCIA. NO MÉRITO, RECEBERAM A DENÚNCIA, À UNANIMIDADE, NOS

TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DEU-SE POR SUSPEITO O DES. HERCULANO

RODRIGUES.

Proc. 1.0000.03.402477-8/000(1)

HABEAS CORPUS - DENÚNCIA LASTREADA EM INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PROMOVIDA

PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 514 - APLICAÇÃO - CRIMES

FUNCIONAIS TÍPICOS - AÇÃO PENAL - JUSTA CAUSA - IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE DELITO

- RESPONSABILIDADE OBJETIVA - NÃO OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA - A apuração

de infração penal PELO próprio MINISTÉRIO PÚBLICO não constitui ilegalidade.- O

procedimento previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal, não se aplica a

outros crimes praticados por funcionários públicos que não aqueles previstos nos arts. 312

a 326 do Código Penal. - Não há que se falar em falta de justa causa para a ação penal se as

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condutas que são imputadas aos réus pela denúncia constituem ilícito penal. - Não cabe falar em

aplicação da responsabilidade objetiva se a acusação imputa aos acusados uma conduta ilícita

cuja prática somente redundará na condenação se ao final restarem cabalmente comprovadas a

autoria e a materialidade.

DENEGARAM A ORDEM

TJMT: trata-se do resultado da primeira ADIN em desfavor do Ministério Público

de Mato Grosso que, como já citado, em portaria administrativa, convencionou

criar o Gaeco Estadual. Como se percebe, a unanimidade dos desembargadores

posicionaram-se pela impossibilidade constitucional do Ministério Público levar a

cabo a investigação propriamente policial.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ASSOCIAÇÃO MATO-GROSSENSE DE

DELEGADOS DE POLÍCIA - RESOLUÇÃO DO ÓRGÃO DE CÚPULA MINISTERIAL DO ESTADO

DE MATO GROSSO INSTITUINDO O GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIALIZADO NO COMBATE

AO CRIME ORGANIZADO: GAECO - ATRIBUIÇÕES CONFERIDAS PELA CARTA POLÍTICA

ESTADUAL, NA ESTEIRA DA CRFB, AOS DELEGADOS DE POLÍCIA INVASIVAMENTE

COMETIDAS PELA RESOLUÇÃO A PROMOTORES DE JUSTIÇA - OBJETIVO NOBILITANTE

COM RESULTADOS POSITIVOS - INCONSTITUCIONALIDADE, CONTUDO, MANIFESTA DA

RESOLUÇÃO Nº 09/99 DA E. PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA - AÇÃO PROCEDENTE. À

luz do que dispõe a Carta Política do Estado de Mato Grosso, apurar infrações penais e sua

autoria, empreender diligências de investigação, através de inquéritos, é atribuição policial. Ao MP

cabe o controle externo da atividade policial, podendo requisitar à autoridade policial a competente

instauração de inquérito, a ser presidido por Delegado de Polícia, podendo acompanhá-lo e

produzir provas, jamais substituí-lo.

TJMS: o posicionamento do Estado vizinho é diametralmente oposto.

Percebemos que a colheita de provas por instituições tais quais o Gaeco, são

consideradas lícitas e insuspeitas.

Ementa: HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PODERES

INVESTIGATÓRIOS - INVESTIGAÇÕES DIRIGIDAS POR MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

ESTADUAL - ILEGALIDADE - AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NÃO-OCORRÊNCIA

- NOTITIA CRIMINIS BASEADA EM PEÇAS ENCAMINHADAS AO PARQUET ESTADUAL PELA

PROCURADORIA-GERAL

Relator: Des. João Carlos Brandes Garcia

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Publicação: 26/03/2004

Nº Diário: 773

CARTA TESTEMUNHÁVEL - DECISÃO QUE NEGOU ADMISSIBILIDADE AO RECURSO EM

SENTIDO ESTRITO POR SER INTEMPESTIVO - MINISTÉRIO PÚBLICO - PRINCÍPIO DO

PROMOTOR NATURAL - ATUAÇÃO EM CONJUNTO COM O GAECO - ATRIBUIÇÃO DO

PROMOTOR PARA OFICIAR JUNTO AO MEMBRO - ARTIGO 3º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA

RESOLUÇÃO Nº 013/2002/PGJ - INTIMAÇÃO DA DECISÃO - PROMOTOR QUE PERTENCIA AO

GAECO - INTERPOSIÇÃO FORA DO PRAZO - IMPROVIDO. Em homenagem ao princípio do

promotor natural, o representante ministerial titular da vara onde tramitam os autos atuará em

conjunto com os membros do GAECO, tudo conforme o disposto no parágrafo único do artigo 3º da

Resolução nº 013/2002/PGJ, de 8 de agosto de 2002, tendo, portanto, atribuição para oficiar nos

feitos do GAECO. Se a Portaria nº 807/2002/PGJ, de 02/09/2002, revogou a Portaria nº 746/2002-

PGJ, de 13.8.2002, designando o Doutor LUÍS ALBERTO SAFRAIDER, Promotor de Justiça da

Capital, para, sem prejuízo de suas funções, integrar o Grupo de Atuação Especial de Repressão

ao Crime Organizado - GAECO, isso significa que ele continua integrando o GAECO. Assim, se o

Promotor de Justiça tomou ciência da decisão proferida pelo magistrado a quo, deixando

transcorrer in albis o prazo para interposição do recurso em sentido estrito, dá-se por intempestivo.

HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO - AUSÊNCIA DE PODERES INVESTIGATÓRIOS -

INVESTIGAÇÕES DIRIGIDAS POR MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL -

ILEGALIDADE - AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NÃO-OCORRÊNCIA - NOTITIA

CRIMINIS BASEADA EM PEÇAS ENCAMINHADAS AO PARQUET ESTADUAL PELA

PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO. Não há falar em ausência de poderes investigatórios por

parte do Ministério Público, se resta evidente que a denúncia que foi ofertada teve como suporte

notitia criminis encaminhada ao Chefe do Parquet Estadual, pela Procuradoria-Geral do Estado e

não em investigações e diligências dirigidas com exclusividade por membros da Instituição.

INÉPCIA DA DENÚNCIA - GENERALIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS

CONDUTAS DE CADA UM DOS DENUNCIADOS - EMPRESAS COMERCIAIS DISTINTAS -

ALTERAÇÕES CONTRATUAIS - INGRESSO E RETIRADA DE SÓCIOS - CERCEAMENTO DE

DEFESA - NÃO-OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA. Nos denominados crimes societários

coletivos, em que os sócios são denunciados pela prática de crimes contra a ordem tributária,

lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e formação de quadrilha, não é razoável exigir-se

que a denúncia entre em detalhes acerca da participação de cada um dos denunciados, já que sua

precisa averiguação depende do exame de todo o material cognitivo, sendo suficientes os

elementos colhidos em procedimentos administrativos precedentes, evidenciada a ocorrência dos

ilícitos apontados.

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TJGO: infelizmente, o problema não foi esclarecido de frente, no Estado de

Goiás, já que fundamentaram-se os desembargadores pela validade da ação

penal, calcada em OUTRAS provas, além das coletadas diretamente pelo

Ministério Público.

ORIGEM...................: 2A CAMARA CRIMINAL

FONTE......................: DJ 13890 DE 22/10/2002

LIVRO......................: 187

ACÓRDÃO..............: 03/10/2002

RELATOR................: DRA. JURACI COSTA

RECURSO................: HABEAS-CORPUS - 20090-1/217

PROCESSO..............: 200201474853

COMARCA..............: GOIANIA

PARTES....................: PACIENTE: GEIME ALVES DA COSTA

IMPETRANTE: ASDRUBAL CARLOS MENDANHA

EMENTA : "HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA ACAO PENAL. INVESTIGACAO E

DENUNCIA PROMOVIDAS PELO MINISTERIO PUBLICO. CONFLITO DE COMPETENCIA.

CONCUSSAO. I. O TRANCAMENTO DA ACAO PENAL SOMENTE E CABIVEL QUANDO

INEXISTIR COMPROVACAO ACERCA DA AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO. II. A

ATUACAO DO PROMOTOR NA FASE DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NAO O

INCOMPATIBILIZA PARA EXERCER A ACAO PENAL, QUE ESTA EMBASADA, TAMBEM, EM

OUTROS ELEMENTOS FORMADORES DE SUA CONVICCAO. III. COMPETE AO JUIZO

ESTADUAL PROCESSAR E JULGAR CRIME DE CONCUSSAO PRATICADO POR MEDICO,

QUE RECEBEU QUANTIA INDEVIDA PELOS SERVICOS PRESTADOS ASSEGURADOS AO

USUARIO SEM QUALQUER ONUS PELO SUS, POSTO QUE, A LESAO ATINGIU APENAS

BENS PARTICULARES. ORDEM DENEGADA."

DECISÃO."ACORDAM OS COMPONENTES DA SEGUNDA CAMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL

DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, A UNANIMIDADE DE VOTOS, CONHECER DO PEDIDO E

DENEGAR A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA, ACOLHENDO O PARECER DA

PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA. OS DES. JAMIL PEREIRA DE MACEDO E ALUIZIO

ATAIDES DE SOUSA, ACOMPANHARAM A RELATORA COM RESSALVA. SEM CUSTAS."

TJRS: aqui, enfrentaram os desembargadores gaúchos a prática, cada vez mais

comum, de se ver o investigado intimado a comparecer à sede do Ministério

Público para prestar declarações , tendo direito a um advogado. Geralmente, o

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que ocorre em todo o país é a reprodução de habeas corpus a fim de que o

declarante (investigado, na verdade), possa se reservar ao silêncio.

HC 70007273691

EMENTA: HABEAS CORPUS. Pleito de trancamento de procedimento investigatório iniciado e

presidido pelo Ministério Público, para eventual oferecimento da ação penal. Denegação da ordem

no caso examinado à ausência de justa causa que a fundamente. A eventual, futura e alaeatória

instauração de inquérito policial sobre os mesmos fatos não constitui óbice ao procedimento

ministerial, mormente porque, ''de lege data'', a investigação criminal não é atribuição exclusiva dos

órgãos da Polícia Judiciária. Inexistência de provas do abuso de poder ou coação ilegal na

execução dos atos e diligências investigatórios, desenvolvidos em observância aos

princípios constitucionais aplicáveis à espécie, inclusive porque os notificados a

comparecer perante o órgão ministerial o foram mediante prévia cientificação da faculdade

de estarem acompanhados de advogado, tendo exercido os direitos subjetivos de que se

entendem titulares. Lisura no procedimento em desenvolvimento e falta de razoabilidade

determinativa do seu trancamento. ORDEM DENEGADA. (HABEAS CORPUS Nº 70007273691,

SEXTA CÂMARA CRIMINAL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: AYMORÉ ROQUE

POTTES DE MELLO, JULGADO EM 04/12/2003)

TJPR: pensam os desembargadores paranaenses que, podendo o órgão

ministerial requisitar a instauração de inquérito, poderia via de conseqüência

conduzir investigações pessoalmente. Ampara-se em precedentes da Suprema

Corte.

Proc. 145655900

DECISAO: ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA SEGUNDA CAMARA

CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA, POR MAIORIA DE VOTOS, EM RECEBER A

DENUNCIA, SEM AFASTAMENTO DO ACUSADO DO CARGO, NOS TERMOS DO VOTO DO

DESEMBARGADOR-RELATOR. VENCIDO O DESEMBARGADOR LEONARDO LUSTOSA, QUE

REJEITAVA A DENUNCIA. EMENTA: PREFEITO - DENUNCIA POR CRIME PREVISTO NO ART.

1., INCISO XIV (TRES VEZES), DO DECRETO-LEI N° 201/67, C/C ART. 69 DO CODIGO PENAL -

POSSIBILIDADE DE INVESTIGACAO CRIMINAL PELO MINISTERIO PUBLICO - PRELIMINAR

DE NULIDADE AFASTADA - ACUSACAO QUE ENCONTRA RESPALDO PROBATORIO -

DENUNCIA RECEBIDA, POR MAIORIA. 1. O MINISTERIO PUBLICO TEM LEGITIMIDADE PARA

INSTAURAR E BUSCAR ELEMENTOS DE CONVICCAO EM PROCEDIMENTO

ADMINISTRATIVO INVESTIGATORIO. 2. SE HA NECESSIDADE DE NOVAS PROVAS PARA

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DIRIMIR CONTROVERSIA QUANTO A EXISTENCIA DA ALEGADA INFRACAO PENAL, IMPOE-

SE O RECEBIMENTO DA DENUNCIA

Proc. 152871400

DECISAO: ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA

CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, A UNANIMIDADE DE

VOTOS, DENEGAR A ORDEM IMPETRADA. EMENTA: MINISTERIO PUBLICO - FASE PRE-

PROCESSUAL - INVESTIGACAO DIRETA - INSTAURACAO DE PROCEDIMENTO E COLHEITA

DE PROVAS PARA SERVIR DE BASE A DENUNCIA - ADMISSIBILIDADE - PROCEDIMENTO

AMPARADO NA LEI - INTELIGENCIA DO ART. 129, I, VI, VII E VIII, CF E ART. 4., PARAGRAFO

UNICO, CPP. E DA COMPETENCIA PRIVATIVA DO MINISTERIO PUBLICO, COMO FUNCAO

INSTITUCIONAL, PROMOVER A ACAO PENAL PUBLICA (CF, 129, I) E, PARA O EXERCICIO

DE SEU MISTER CONSTITUCIONAL, DEVE PRATICAR TODOS OS ATOS NECESSARIOS,

QUER SE UTILIZANDO DO AUXILIO DA POLICIA JUDICIARIA, QUER PROMOVENDO

DIRETAMENTE AS DILIGENCIAS INDISPENSAVEIS A VIABILIZAR A ACAO PENAL. EMBORA A

POLICIA JUDICIARIA TENHA A ATRIBUICAO DE APURAR AS INFRACOES PENAIS E SUA

AUTORIA (CPP, ART. 4°), ESSA ATRIBUICAO NAO LHE E EXCLUSIVA, CONSOANTE

DISPOSICAO DO PARAGRAFO UNICO DO MESMO ARTIGO 4°. CONQUANTO A REGRA

DETERMINE QUE A INVESTIGACAO DE CRIME, NA FASE PRE-PROCESSUAL, SEJA FEITA

POR MEIO DA ATIVIDADE DA POLICIA JUDICIARIA, ELA COMPORTA EXCECOES,

INCLUINDO-SE DENTRE ELAS A INVESTIGACAO DE CRIMES POR INICIATIVA MINISTERIAL

NAS INVESTIGACOES ADMINISTRATIVAS PRESIDIDAS POR ORGAO DO MINISTERIO

PUBLICO (CF, ART. 129, VI). SE NA FASE PRE-PROCESSUAL O ORGAO DO MINISTERIO

PUBLICO, TITULAR EXCLUSIVO DA ACAO PENAL PUBLICA, PODE, PARA APURACAO DE

INFRACOES PENAIS, REQUISITAR A INSTAURACAO DE INQUERITO POLICIAL OU

REQUISITAR DILIGENCIAS A AUTORIDADE POLICIAL (CF, ART. 129, VIII E CPP, ARTS. 5., II,

E 13, II), SERIA CONTRA-SENSO NAO PODER, ELE PROPRIO, QUANDO ENTENDER

NECESSARIO, REALIZAR PESSOALMENTE AS INVESTIGACOES. "HABEAS CORPUS" -

PRISAO PREVENTIVA - MOTIVOS QUE A AUTORIZAM - EXISTENCIA DE INDICIOS DE

ENVOLVIMENTO DO PACIENTE NO CRIME - ORDEM DENEGADA. 1. SE OS INDICIOS

REVELAM-SE SUFICIENTES PARA INSTAURACAO DE ACAO PENAL, SAO TAMBEM APTOS A

SERVIR COMO BASE PARA O DECRETO DE PRISAO PREVENTIVA. 2. A PRIMARIEDADE,

PROFISSAO DEFINIDA, FAMILIA CONSTITUIDA E RESIDENCIA FIXA, POR SI SOS NAO

AFASTAM A POSSIBILIDADE DE PRISAO PREVENTIVA, DESDE QUE DEMONSTRADA A

NECESSIDADE DA CUSTODIA. 3. CONTENDO OS AUTOS ELEMENTOS IDONEOS A SUPOR

QUE, SOLTO, O PACIENTE PORA EM RISCO A ORDEM PUBLICA LOCAL E COMPROMETERA

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A CORRETA APLICACAO DA LEI PENAL, HA MOTIVOS SUFICIENTES PARA MANUTENCAO

DO DECRETO DE PRISAO PREVENTIVA.

Proc. 133995700

ACORDAM OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL DO

TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, A UNANIMIDADE DE VOTOS, EM

REJEITAR AS PRELIMINARES ARGUIDAS, RECEBER A DENUNCIA E INDEFERIR O PEDIDO

DE AFASTAMENTO DA DENUNCIADA DO CARGO DE PREFEITA MUNICIPAL DE

WENCESLAU BRAS. EMENTA: DENUNCIA CRIME - PREFEITA MUNICIPAL - CO-AUTORIA -

DELITOS CAPITULADOS NO ART. 1., INCISOS I E V, DO DECRETO-LEI N.. 201/67, C.C COM

OS ARTS. 29 E 69, AMBOS DO CODIGO PENAL, E ART. 304, DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL

(1A E 3A SERIE DOS FATOS); E ART. 1., INCISO I, DO MENCIONADO DECRETO-LEI, C.C

COM OS ARTS. 14, INCISO II, 29, 69 E 304, DO ESTATUTO REPRESSIVO (2A SERIE DE

FATOS) - LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO EM PROCEDER ATOS DE

INVESTIGACAO CRIMINAL - NULIDADE REPELIDA - INEPCIA DA DENUNCIA - ALEGACAO

INCONSISTENTE - PECA ACUSATORIA FORMALMENTE PERFEITA - DESCRICAO DE FATOS

QUE CONSTITUEM CRIMES EM TESES - RECEBIMENTO - PEDIDO DE AFASTAMENTO DO

CARGO REQUERIDO PELO MINISTERIO PUBLICO - INDEFERIMENTO - INEXISTENCIA DE

MOTIVOS QUE JUSTIFIQUEM A PRISAO PREVENTIVA DOS DENUNCIADOS.

Proc. 144628800

DECISAO: ACORDAM OS DESEMBARGADORES DA SEGUNDA CAMARA CRIMINAL DO

TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, EM

DENEGAR A PRESENTE ORDEM DE HABEAS CORPUS. EMENTA: 1. HABEAS CORPUS

CRIME. PRISAO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA ORDEM PUBLICA, POR CONVENIENCIA

DA INSTRUCAO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICACAO DA LEI PENAL.

FUNDAMENTACAO IDONEA. ORDEM DENEGADA. - NAO E DE SE CONCEDER O PRESENTE

HABEAS CORPUS SE O MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU DECRETOU A PRISAO

PREVENTIVA DO PACIENTE COMO GARANTIA DA ORDEM PUBLICA, POR CONVENIENCIA

DA INSTRUCAO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICACAO DA LEI PENAL

APRESENTANDO FUNDAMENTACAO IDONEA COM BASE EM ELEMENTOS CONCRETOS

EXISTENTES NOS AUTOS. 2. HABEAS CORPUS. MINISTERIO PUBLICO. INVESTIGACAO

CRIMINAL. LEGITIMIDADE. NULIDADE. INEXISTENCIA. - O MINISTERIO PUBLICO, COMO

TITULAR DA ACAO PENAL PUBLICA, TEM LEGITIMIDADE PARA REALIZAR ATOS DE

INVESTIGACAO VISANDO OBTER ELEMENTOS PROBATORIOS PARA EVENTUAL

PROPOSITURA DE ACAO PENAL PUBLICA. PRECEDENTES DO PLENO DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICA E DESTE TRIBUNAL DE

JUSTICA.

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O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________

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Proc. 148061900

DECISAO: ACORDAM OS JULGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL

DO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, POR UNANIMIDADE DE

VOTOS, EM NEGAR A ORDEM, NOS TERMOS DO VOTO. EMENTA: "HABEAS CORPUS".

ACAO PENAL. TRANCAMENTO. ALEGADA ILICITUDE DA PROVA INDICIARIA COLHIDA EM

PREVIO PROCEDIMENTO INVESTIGATORIO PELO MINISTERIO PUBLICO. INOCORRENCIA

DE OFENSA AO PRINCIPIO DA LEGALIDADE. ADMISSIBILIDADE DA COLETA DE

ELEMENTOS PROBATORIOS PARA SUBSIDIAR DENUNCIA PELO "PARQUET".

PRECEDENTES. ATIPICIDADE DO FATO NA CONDUTA DE QUEM SERVIU COMO

TESTEMUNHA INSTRUMENTARIA. ANALISE DE QUESTIONAMENTO JURIDICO QUE

DEPENDE DO EXAME DAS CIRCUNSTANCIAS FATICAS A SEREM EXTRAIDAS DA

INSTRUCAO PROBATORIA. DENEGACAO DA ORDEM. 1. O INQUERITO POLICIAL NAO E

"CONDITIO SINE QUA NON", OU SEJA, REQUISITO OU PECA INDISPENSAVEL PARA A

PROPOSITURA DA ACAO PENAL, PODENDO O MINISTERIO PUBLICO, NA CONDICAO DE

TITULAR DA ACAO PENAL, AO TOMAR CONHECIMENTO DE POSSIVEL PRATICA DE FATO

QUE SE CONFIGURE COMO CRIME, PROCEDER A INVESTIGACOES E DILIGENCIAS

DESTINADAS A COLETA DIRETA DE ELEMENTOS DE CONVICCAO PARA FORMAR SUA

"OPINIO DELICTIS" E COM ELAS SUBSIDIAR O OFERECIMENTO DA DENUNCIA. 2. A

CONFIGURACAO DO FATO COMO PENALMENTE ATIPICO PARA AUTORIZAR O

TRANCAMENTO DA ACAO PENAL DEVE SER EVIDENTE, OU SEJA, PERCEPTIVEL DE

IMEDIATO E NAO RESISTIR AO PRIMEIRO OU MENOR EXAME, O QUE NAO OCORRE NA

HIPOTESE EM QUE O QUESTIONAMENTO JURIDICO QUANTO A NATUREZA DO

TESTEMUNHO PRESTADO E SUAS IMPLICACOES NA FORMACAO DO DOCUMENTO TIDO

COMO IDEOLOGICAMENTE FALSO DEPENDE DA ANALISE DAS CIRCUNSTANCIAS FATICAS

A SEREM DELINEADAS NA INSTRUCAO E EXTRAIDAS DO CONJUNTO PROBATORIO, SOB O

CRIVO DO CONTRADITORIO.

Proc. 144942300

DECISAO: ACORDAM, OS DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA PRIMEIRA CAMARA

CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, POR UNANIMIDADE DE

VOTOS, DENEGAR A ORDEM. EMENTA: "HABEAS CORPUS" - MINISTERIO PUBLICO - ATOS

INVESTIGATORIOS - POSSIBILIDADE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - INOCORRENCIA -

ORDEM DENEGADA. "CONSOANTE ENTENDIMENTO JA ADOTADO PELO SUPERIOR

TRIBUNAL DE JUSTICA, O MINISTERIO PUBLICO NAO ESTA ADSTRITO A REQUISITAR

DILIGENCIAS INVESTIGATORIAS. SENDO O TITULAR DA ACAO PENAL PUBLICA NAO ESTA

PROIBIDO DE PRATICAR ATOS TENDENTES A ELUCIDACAO DE EVENTUAL CONDUTA

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DELITIVA, MORMENTE QUANDO HA INDICIOS DO ENVOLVIMENTO NO DELITO DE

INTEGRANTES DA PROPRIA POLICIA" (PRECEDENTES DO STJ). ORDEM DENEGADA.

TJDF: reservamos, por último, verdadeira lição jurídica e política num Estado

Democrático de Direito. Entenderam os insignes julgadores que é próprio da

democracia a divisão de atribuições, sobretudo as que se referem à liberdade

individual. Comparando a pretensão ministerial às mais terríveis experiências

históricas, como a soviética e francesa, temos o brilho de um entendimento

jurisprudencial combativo e libertário.

Registro do Acordão Número : 130373

Ementa: PENAL - PROCESSO PENAL: APURAÇÃO DE INFRAÇÃO PENAL LEVADA A EFEITO

PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE AFASTADA

- O TRF SOMENTE JULGA OS MEMBROS DO MPDFT EM CRIMES COMUNS OU DE

RESPONSABILIDADE - OS ATOS POR ELES PRATICADOS SÃO DA ALÇADA DO TJDF, QUE

TAMBÉM É UM TRIBUNAL FEDERAL, MAS DE COMPETÊNCIA LOCAL - À POLÍCIA CIVIL

CABE A APURAÇÃO DAS INFRAÇÕES PENAIS - O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

ABERTO NO MP NÃO SUBSTITUI O INQUÉRITO POLICIAL - ORDEM CONCEDIDA, LIMINAR

CONSOLIDADA. A ILUSTRE PROCURADORA DE JUSTIÇA AGITA A PRELIMINAR DE

INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE PARA CONHECER DO PRESENTE WRIT OF HABEAS

CORPUS AO ARGUMENTO DE QUE NOS TERMOS DOS ARTS. 108, I, A, E 128, I, D, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 18, II, C, DA LEI COMPLEMENTAR N° 75/93, E ART. 8°, I E II,

DA LEI N° 8.185/91, O MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO SOMENTE PODE SER

JULGADO PELOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS, SALIENTANDO QUE A LOJDF NÃO

AUTORIZA EXPRESSAMENTE O TJDF A REALIZAR TAL JULGAMENTO. AFASTADA TAL

PRELIMINAR, POIS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL É CLARA AO DETERMINAR EM SEU ART.

108, I, A, QUE COMPETE AOS TRF'S PROCESSAR E JULGAR OS MEMBROS DO MINISTÉRIO

PÚBLICO DA UNIÃO, ORIGINARIAMENTE, SOMENTE NOS CRIMES COMUNS E DE

RESPONSABILIDADE, O QUE À TODA EVIDÊNCIA NÃO OCORRE NO CASO EM COMENTO,

ONDE O QUE ESTÁ SENDO APRECIADO É TÃO SOMENTE A LEGALIDADE DE UM ATO

PRATICADO POR UM ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO LOCAL, O QUE É COISA

TOTALMENTE DIFERENTE. O LEGISLADOR CONSTITUINTE AO CONCEDER DE FORMA

SÁBIA E POLITICAMENTE CORRETA AMPLOS PODERES INVESTIGATÓRIOS AO

MINISTÉRIO PÚBLICO, VISIVELMENTE NÃO ALTEROU A SISTEMÁTICA PROCESSUAL

CONSTITUCIONAL EXPLICITADA NO ART. 144, § 4°, DA CARTA MAGNA, QUE RESERVA À

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POLÍCIA CIVIL AS FUNÇÕES DE POLÍCIA JUDICIÁRIA E A APURAÇÃO DE INFRAÇÕES

PENAIS, RESSALVADA UNICAMENTE AS INFRAÇÕES MILITARES. TEM O MINISTÉRIO

PÚBLICO O MAIS AMPLO PODER INVESTIGATÓRIO POSSÍVEL, POIS AFINAL NOS TERMOS

DO ART. 127, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL É CONSIDERADO UMA " ( ... ) INSTITUIÇÃO

PERMANENTE, ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL DO ESTADO, INCUMBINDO-LHE A

DEFESA DA ORDEM PÚBLICA, DO REGIME DEMOCRÁTICO E DOS INTERESSES SOCIAIS E

INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS. ", E ATÉ MESMO O DE INVESTIGAR AQUELES QUE TÊM POR

MISSÃO A APURAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS - ART. 144, § 4°, DA CF, COMO SE VÊ

CLARAMENTE EXPLICITADO NO INCISO VII, DO ART. 129, DA CF. COMO NA ORDEM

DEMOCRÁTICA TUDO, INCLUSIVE TODAS ESSAS SUCESSIVAS INVESTIGAÇÕES

PREVISTAS NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEVE SER FEITO E DESENVOLVIDO

EM ATENÇÃO AO PRINCÍPIO MAIOR DO DUE PROCESS OF LAW, MARCADO DE FORMA

INDELÉVEL NOS INCISOS II, LIII E LIV, DA MAGNA CARTA, EM CASOS DE APURAÇÃO DE

INFRAÇÕES PENAIS A INVESTIGAÇÃO DEVE SER PROCEDIDA A QUEM TEM

COMPETÊNCIA PARA TAL, QUE É A POLÍCIA CIVIL. ISSO NÃO SIGNIFICA QUE O

MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO TENHA O DEVER DE PARTICIPAR DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL,

QUE AFINAL VAI LHE PROPICIAR OS ELEMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA

AÇÃO PENAL, DA QUAL É O VERDADEIRO E EXCLUSIVO DOMINUS LITIS, MAS DEVE FAZÊ-

LO NOS LIMITES ESTABELECIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL QUE EM SEU ART. 129,

VIII LHE DÁ PODERES PARA " ( ... ) REQUISITAR DILIGÊNCIAS INVESTIGATÓRIAS E A

INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL, INDICADOS OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DE

SUAS MANIFESTAÇÕES PROCESSUAIS. ". O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO A QUE SE

REFERE O INCISO VI, DO ART. 129, DA CF, NÃO PODE EM HIPÓTESE ALGUMA

SUBSTITUIR O INQUÉRITO POLICIAL, DATA VENIA DAQUELES QUE ASSIM PENSAM,

INCLUSIVE O MENCIONADO ILUSTRE MEMBRO DO PARQUET PAULISTA, POIS ENQUANTO

AQUELE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS PROCESSUAIS DO DISPOSTO NO INCISO III, DO MESMO

DISPOSITIVO LEGAL, E ATÉ MESMO PARA OS CASOS PREVISTOS NO INCISO VII, QUE É O

DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, ESTE É O MEIO PROCESSUAL

INQUISITÓRIO DESTINADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL PARA A APURAÇÃO DE

INFRAÇÕES PENAIS, EXCETO AS MILITARES - ART. 144, § 4°, DA CF. É BEM VERDADE QUE

O MINISTÉRIO PÚBLICO ASSUMIU COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 AMPLOS E

JUSTOS PODERES INVESTIGATÓRIOS, MAS NÃO SE PODE ESQUECER QUE FOI

JUSTAMENTE O EXCESSO DE PODERES CONCENTRADOS EM MÃOS DE ALGUNS

POUCOS REVOLUCIONÁRIOS - TODO O PODER AOS SOVIETS - QUE ACABOU COM O

SONHO SOCIALISTA DA REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917, E OS JACOBINOS UM POUCO

ANTES COM A REVOLUÇÃO FRANCESA. DEVE O MINISTÉRIO PÚBLICO CONTINUAR COM

SUA NOVEL MISSÃO CONSTITUCIONAL, EM SILÊNCIO E RECATO COMO MANDAM O BOM

SENSO E A BOA TÉCNICA INVESTIGATÓRIA, LONGE DOS FUGAZES E INEBRIANTES

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MOMENTOS DE FAMA, NÃO PROCURANDO SOBREPOR-SE AOS DEMAIS PODERES DO

ESTADO, NEM AOS FRÁGEIS MAS RELEVANTÍSSIMOS DIREITOS INDIVIDUAIS, POIS

AFINAL NOS TERMOS DO INCISO II, DO ART. 5°, DA CF " NINGUÉM SERÁ OBRIGADO A

FAZER OU DEIXAR DE FAZER ALGUMA COISA SENÃO EM VIRTUDE DE LEI. " ORDEM

CONCEDIDA, LIMINAR CONSOLIDADA.

Registro do Acordão Número : 189871: Ementa: HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DA AÇÃO

PENAL - FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL - ALEGAÇÃO DE

ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÕRIO PROMOVIDO PELO MINISTÉRIO

PÚBLICO E ILICITUDE DA PROVA. 1. A FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO

PENAL, POR INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS IDÔNEOS, SOMENTE PODE

SER RECONHECIDA NA ESTREITA VIA DO 'HABEAS CORPUS', SE A INAPTIDÃO DAS

PROVAS CONSTANTES DAS PEÇAS DE INFORMAÇÃO QUE LASTREARAM A IMPUTAÇÃO

PENAL DIRIGIDA CONTRA O PACIENTE RESTAR PATENTE, CLARA E INDUVIDOSA,

EVIDENCIANDO-SE A PARTIR DOS ELEMENTOS CONSTANTES DA INICIAL, SEM QUE HAJA

NECESSIDADE DE UM EXAME APROFUNDADO DA PROVA, ATRIBUIÇÃO ESTA DESTINADA

AO JUIZ DA CAUSA PENAL. 2. A POSSIBILIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESENVOLVER

ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA NA BUSCA DE COLHER ELEMENTOS DE PROVA QUE

SUBSIDIEM A INSTAURAÇÃO DE FUTURA AÇÃO PENAL DECORRE DAS PRÓPRIAS

FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 127 E 128) E

NA LEI COMPLEMENTAR N 75/93 (ARTS. 70, 1, 80, II, III, IX E 90, IV). O CONTROLE EXTERNO

DA ATIVIDADE POLICIAL É FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO (SÚMULA 10

DO TJDFT).

Decisão: DENEGAR A ORDEM, À UNANIMIDADE.

Registro do Acordão Número : 133272: Ementa: HABEAS CORPUS - IMPETRAÇÃO CONTRA A

INSTAURAÇÃO PELO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA

ATIVIDADE POLICIAL DE PROCEDIMENTO PARA INVESTIGAÇÃO DE CONDUTAS DE

POLICIAIS TIDAS, EM TESE, COMO CRIMINOSAS - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

PARA PROMOÇÃO DE ATOS PROCEDIMENTAIS INVESTIGATÓRIOS SEM QUE COM ISTO

IMPLIQUE INVASÃO DE ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA - IMPROCEDÊNCIA -

LEGALIDADE DO ATO ACOIMADO DE ILEGAL - DENEGAÇÃO DA ORDEM. AO MINISTÉRIO

PÚBLICO É RECONHECIDA A COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA EXERCER O

CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA, POSSUINDO, DE CONSEQÜÊNCIA, LEGITIMIDADE PARA

PROCEDER A INVESTIGAÇÃO DE CONDUTAS DE POLICIAIS TIDAS, EM TESE, COMO

CRIMINOSAS. EM SENDO ASSIM, NÃO SE AFLORAM EVIDENTE ILEGALIDADE OU ABUSO

DE PODER NA DESIGNAÇÃO DE ATOS PROCEDIMENTAIS INVESTIGATÓRIOS

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PROMOVIDOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NEM CONSTRANGIMENTO NO FATO DE A

PACIENTE COMPARECER À AUDIÊNCIA PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS.

Decisão: CONHECER E DENEGAR À UNANIMIDADE.

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6. Argumentos Contrários: rebatendo a possibilidade da

investigação criminal direta pelo Ministério Público.

Amai quem vos resiste e acreditai em quem vos

censura. - Casimir Delavigne

Ter escravos não é nada, mas o que se torna intolerável

é ter escravos chamando-lhes cidadãos - Denis Diderot

Inauguremos a polêmica citando orientação jurisprudencial lançada pelo Supremo

Tribunal Federal, em RE 233072-4, RJ: RE. MP. Inquérito Administrativo.

Inquérito Penal. Legitimidade. O Ministério Público não tem competência para

promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos;

nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem

possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode

propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos

suficientes. Recurso não conhecido .

O cerne da questão é que não temos um sistema de instrução prévia do processo

penal. Nesse sistema, temos um promotor sendo notificado imediatamente de uma

prisão em flagrante ou de um crime que a Polícia tomou conhecimento. A própria

polícia é um apêndice do Parquet que a controla, subordinando-a funcionalmente.

Adotam o sistema de instrução a França, a Itália, a Espanha, Portugal entre outros

países. A investigação criminal não poderá ser iniciada sem o placet ministerial ou

mesmo a condução direta por um promotor público.

Nesse sistema, temos institutos que igualmente não são comuns no Brasil:

acordos extrajudiciais isentando de processo, depoimentos homologados pelo

Ministério Público, gravações públicas de confissões ou delações etc. Não temos

o magistrado que julga a conveniência da ação penal, antes de ser julgado o seu

mérito, como procedimento prévio e bifásico. Assim, o processo penal brasileiro é

mais garantista, menos sujeito às conturbadas negociações que se fazem em

fases pré-processuais e que viciam o entendimento do promotor.

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Há que se analisar as diferenças entre tantos sistemas de persecução penal, não

pela ótica da exemplificação com outras nações, mas da compatibilização com o

atual modelo brasileiro e ver se há, de fato, possibilidade de daí resultar numa

proposta coerente. Não é pelo fato do Ministério Público controlar a polícia de um

país europeu (este, com índices de criminalidade substanciamente mais baixos

que os nacionais) que, automaticamente, deveremos importar este molde para,

em malabarismos interpretativos, aplicá-lo no Brasil, ainda mais contando o

regime jurídico-político com Carta Magna que prevê apenas o controle externo da

atividade policial. A simplificação do discurso sobre segurança pública num país

de dimensões continentais, com graves carências sociais e portador de uma

herança política quase achegando-se às castas, é irritante, sobretudo quando

encampada por juristas que deveriam ser mais cônsios de sua influência. O

discurso fácil da repressão truculenta seduz a população que vê, como última

esperança, a importação de modelos implacáveis de outros países que têm

realidades completamente diversas.

Neste ponto, os trabalhos de dois doutrinadores precisam ser apuradamente

estudados, porque não tentaram respostas simplistas. Mesmo navegando no

direito comparado, não se deixaram seduzir pelo canto da sereia de que a

segurança internacional é mais efetiva EM FUNÇÃO desta ou daquela solução

repressiva. O primeiro ícone das garantias constitucionais, já na investigação

criminal, é Fauzi Hassan Choukr.

Vejamos que visão lúcida: ainda que conceituada como preparação à ação penal,

inúmeras disputas estéreis

muitas das quais de sabor nitidamente corporativo

ganharam espaço desde a vigência do Código. Chegou-se a ponto de minimizar a

participação do Ministério Público na preparação da ação, procurando afastá-lo da

condução da investigação, situação esta que mereceu sólidas críticas por parte da

doutrina e que vem sendo reiteramente repudiada pela jurisprudência (...). A falta

de uma visão estrutural sobre a condução das investigações sempre desfoca a

crítica, que passa a importar-se como problemas burocráticos (...). Ainda que o

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tema seja de importância prática inquestionável, parece-nos mais relevante, ao

menos no primeiro momento, apreender com exatidão os papeis

constitucionalmente reservados para cada um dos protagonistas da Justiça

Criminal nesta fase . E, após empreender longa viagem por diversos países,

comparando a forma de relacionamento entre a Polícia e o Ministério Público,

conclui: no caso, a forma de controle será exercitada sobre aquela parcela da

polícia que empreenda as funções judiciárias, sobretudo por poderes requisitórios

e de orientação por parte do controlador, mas sem que chegue este último a impor

sanções punitivas em âmbito correicional àqueles servidores que exercitem as

funções anunciadas. Caberá, por certo, a possibilidade de requerer-se a adoção

dessas medidas ao órgão competente, mas sem o poder decisório, pois aí estaria

atuando um controle interno da atividade policial. Parece ser útil aqui a lição

espanhola, onde existe uma certa inamovibilidade do chefe das investigações

(...) . Em resumo, o ilustre doutrinador adverte para a distancia que guardamos

dos modelos onde a Polícia está sob o jugo ministerial, instaurando e encerrando

procedimentos investigatórios de acordo com a opinião do titular da ação penal.

No Brasil, não é assim.

Outra voz incomparável na hábil arte de comparar sistemas jurídicos sem, no

entanto, confundi-los é Marcos Alexandre Coelho Zilli, que tece comentários

imprescindíveis sobre a atividade instrutória do juiz no processo penal. Reputa

como inadequado o modelo nacional de tornar prevento o magistrado que atua

nas cautelares, inspirando-nos particularmente a aventar um modelo ideal:

a) o magistrado que analisa medidas de urgência na fase investigativa seria

especializado, afastado da função propriamente judicante, cabendo apenas

perquirir a necessidade, adequação e urgência de medidas cautelares,

eventualmente constritivas de liberdade, não se tornando prevento para o

julgamento da causa;

b) no oferecimento da denúncia, os arquivos do inquérito policial seriam colocados

à parte, mas à disposição da defesa, instruindo o promotor público sua denúncia

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com elementos pinçados das investigações, colocando à parte outros papéis que

não guardam relevância com a oferta da inicial;

c) o magistrado que analisa a admissibilidade da causa penal, da mesma forma

que aquel outro das medidas cautelares, seria especializado no estudo das

condições gerais da ação penal e nos pressupostos processuais, aprofundando-se

na justa causa e na adequada tipificação dada pelo Ministério Público, assim como

a remessa ou não de provas do Inquérito Policial, requeridas pelas partes. Este

juiz não tomaria peito do mérito da causa, mas poderia decidir sobre aditamento,

inclusão ou exclusão de réus, tipificação, admissibilidade de provas etc;

d) finalmente, o magistrado responsável pelo julgamento da ação penal, teria

filtrado de seu juízo de valor todos os fatos e incidentes que envolveram o

procedimento investigativo e a admissibilidade da mesma ação penal e teria tarefa

mais facilitada de julgar o feito com a certeza de que as provas foram devidamente

internadas nos autos de forma legal, as medidas de urgência foram todas

jurisdicionadas. Quanto ao promotor, ainda mais interessante seria a divisão de

atribuição entre aquele que ingressa com a ação penal e o outro que acompanha

o desfecho instrutório.

A se projetar para o processo penal contemporâneo as magníficas observações

consignadas acima, teríamos a jurisdicionalização da investigação criminal prévia,

onde jamais ter-se-ia críticas sobre a inviabilidade do inquérito policial brasileiro. O

Ministério Público tem suas razoes, ao afirmar que as provas coletadas no

procedimento preliminar são repetidas em juízo, de forma redundante. Mas a

crítica não poderá ser dirigida contra a polícia e sim contra o sistema processual

vigente, pela desídia intelectual de nossos legisladores.

Ao fragmentarmos as atribuições jurisdicionais em diversas fases, desde a

instauração do inquérito policial, não há que se cogitar a necessidade da

participação ministerial. Da mesma forma, está elidida a crítica da imprestabilidade

das provas, geralmente eivadas de nulidade. Em nosso entender, ajusta-se a

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doutrina apresentada com as necessidades de segurança jurídica exigidas na

atualidade com as garantias constitucionais do devido processo legal.

Nas mesmas fileiras, estão perfilhados inúmeros outros doutrinadores irresignados

com a possibilidade da usurpação constitucional do Ministério Público. Dentre

tantos, citamos recente artigo5 dos advogados pernambucanos Hélcio França e

João Vieira Neto, atualizados com os últimos julgados sobre o tema.

5 O Ministério Público, ultimamente, vem realizando verdadeiras investigações e inquéritos criminais camuflados, em muitas

das vezes, por procedimentos administrativos instaurados com o intuito de alcançarem provas e subsídios para servirem de base a uma peça acusatória mascarada e, via de conseqüência, ilícita. É bem verdade que o Ministério Público é o titular da ação penal pública, isto é legal e incontestável, pois assim resta assentado em dispositivo constitucional (art. 129, I1 , da CF), como é, também, cristalino e indiscutível que as investigações no âmbito penal são tarefa dos órgãos definidos no art. 144, § 1º, I, IV e § 4º da Carta Política em vigor2 , sendo assim, deve o Parquet requisitar às autoridades policiais a apuração dos ilícitos penais, com a instauração do competente inquérito, e não realizar investigações ao arrepio da lei. Não pode o Ministério Público, através de seus representantes, avocar-se de paladino da justiça, e buscar a todo custo a persecutio criminis sem as formalidades legais, ultrapassando e atropelando normas e princípios, pois assim estará ferindo o ordenamento jurídico, sobretudo, constitucional e a prova será ilegal por ser ilegítima. "A cláusula constitucional do due process of law - que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público - tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.

(Min. Celso de Mello, voto no acórdão da AP nº 307-3 - DF - Pleno do STF, j. 13.12.94, DJ 13.10.95, Rel. Min. ILMAR GALVÃO). "A prova ilícita contraria o processo, o inquérito policial, o processo administrativo e a sindicância. A legalidade pode e deve ser analisada a qualquer momento. (STJ - HC nº 6.008 - SC - DJU 23.06.97, Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO). O jurista Luiz Flávio Gomes3 , acerca do assunto, leciona que: (...)Sob o aspecto jurídico, as interpretações sistemática, lógica e, até mesmo, gramatical do art. 129 da Constituição

Federal não permitem extrair outra conclusão exceto aquela de que o Ministério Público não possui poderes de investigação criminal. O texto é claro e expresso em indicar, como função institucional ministerial, a promoção da ação penal pública, do inquérito civil e da ação civil pública. Quanto ao inquérito policial, limita-se a atribuir ao Ministério Público a requisição de sua instauração. Nesse particular, não tem lugar de hermenêutica dos poderes implícitos. In claris non fit interpretation.

Essa reação às atitudes que vem tomando o MP parte agora de vários âmbitos, tendo o Ministro da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, dias atrás, diante de fatos lastimáveis acontecidos no Estado de São Paulo, explanado que: Nós devemos nos debruçar sobre a gravidade desse acontecimento. Estamos vendo a Constituição ser violada diariamente por uma série de procedimentos ilegais do Ministério Público e de alguns órgãos de imprensa. Há uma violação persistente e permanente de direitos constitucionais por setores do Ministério Público e da imprensa. 4

O Supremo Tribunal Federal, em decisão no RHC 81.326-7, deixou claro e evidente a total impossibilidade do Ministério Público de realizar e presidir inquérito policial, consoante se observa da ementa e alguns trecho do referido decisium a seguir transcritos: (...) Entendimento esse que não é novo no âmbito do Supremo Tribunal Federal, posto que já existia quando do julgamento do Recurso Extraordinário de nº 233.072-4 RJ, tendo o Ministro Marco Aurélio, em seu voto, dito, textualmente, que: O Ministério Público não pode fazer investigação, porque ele será parte na ação penal a ser intentada pelo Estado e, também, não pode instaurar um inquérito no respectivo âmbito.

O próprio Ministério Público Federal, em parecer datado de 26.11.1998, perante o STJ, no RHC de nº 8106/DF, da lavra do Eminente Subprocurador da República Jair Brandão de Souza Meira, assim opinou, verbis: (...) Em princípio, pode o Ministério Público dispensar Inquérito Policial, quando lhe são encaminhadas peças de informação suficientes podendo ainda requisitar diligências necessárias, para o oferecimento da denúncia. Contudo, no caso sub judice, verifica-se um extrapolamento das funções institucionais do Ministério Público, ao substituir à Polícia Judiciária, formulando a investigação e a denúncia, (...). Em decisão recentíssima, datada de 18 de fevereiro de 2004, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do habeas corpus de nº 440.810-3/7-00, dissecando amplamente o assunto, concedeu a ordem determinando o trancamento de ação penal fundada em investigação criminal realizada pelo Ministério Público, tendo este órgão mascarado um verdadeiro inquérito policial, ou melhor ministerial, sob a denominação de procedimento administrativo. O Ministério Público, apesar do grande poder que a Constituição, promulgada em 1988, deu-lhe, não pode proceder com a realização de inquérito policial ou investigação criminal, seja com essa denominação específica, seja fantasiado de procedimento administrativo, oferecendo peça acusatória criminal, por ser plenamente ilegítimo para tanto, produzindo, com isso, um prova ilícita, por derivação, o que é inadmissível perante a novel Carta Maior, seja ela na sua forma ilícita propriamente dita ou ilegítima, tudo conforme insculpido no art. 5º, LVI: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; Valendo-se destacar, inclusive, que o Ministério Público é, por excelência, ou deveria ser, acima de tudo, fiscal da lei, e não um atropelador desta, pois como expressado pelo STF: A qualificação do Ministério Público como órgão interveniente defere-lhe posição de grande eminência no contexto da relação processual na medida em que lhe incumbe o

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No ideal, em tempo algum rascunha-se o controle ministerial da investigação:

muito ao contrário

seria mais garantia à sociedade se pudéssemos afastar o juiz

da causa e o promotor que patrocina a ação, da investigação, de modo a não

viciá-los na formação de juízos de valor preconceituosos. Mas como sabemos nós

que seria necessária uma enorme reforma estrutural, com aporte de recursos

substanciais, preferimos ficar apenas com a impossibilidade legal e constitucional

do Ministério Público investigar. Já aí, em nosso sentir, seria grande favor à

idoneidade não só das investigações, como do futuro processo penal.

Retornando ao tema específico, após breve digressão, temos a Constituição da

República que, é verdade, não concede privativamente à polícia o poder de

conduzir o inquérito policial, mas aponta para o exercício de diversas instituições,

das quais não figura o Ministério Público como legitimado constitucional, pela sua

total omissão no art. 144 da CF. Assim, é forçoso reconhecer que a omissão do

termo privativo/a, não impede esta interpretação, afastando a hipótese de

atribuição concerrente. Da mesma forma, não consta a pretendida atribuição nem

no art. 129 da CF, concernente às funções do Ministério Público, nem mesmo na

respectiva Lei Orgânica e ainda na legislação de combate ao crime organizado.

Ademais, podemos conjugar diversos artigos do Processo Penal clássico,

constantes do Codex, para concluir sem titubeios que não poderá o Ministério

Público conduzir a investigação. Vejamos a lei, e analisemos os trechos

destacados:

Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I - de ofício;

desempenho imparcial da atividade fiscalizadora pertinente à correta aplicação do direito objetivo

(STF-RTJ, 154:426). A persecutio criminis estatal deve reagir sempre contra todo e qualquer elemento probatório que se revista de ilegitimidade e ilicitude, para que assim não se cometam verdadeiras ilegalidades e injustiças irremediáveis. Estar-se-ia, dessa forma, diante da famosa teoria norte-americana da fruit of the poisonous tree, ou seja, a teoria dos frutos da árvore envenenada na avaliação da prova proibida, que consiste na extensão da regra da inadmissibilidade às provas lícitas, originadas por meio ilícito. Defensores da tese de que pode o MP realizar investigação criminal se fundam no dito popular de: quem pode o mais, pode o menos , referindo-se ao poder que tem o Parquet de requisitar a instauração de inquérito policial, podendo, em contrapartida, proceder com investigação criminal. Pasmem. No entanto, como acima explanado, impossibilitado e proibido está o Ministério Público de realizar investigação criminal, até prova, ou melhor, Constituição Federal em contrário.

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II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do

Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem

tiver qualidade para representá-lo.

Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa,

sempre que servir de base a uma ou outra.

Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do

inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências,

imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.

Art. 17. A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de

inquérito.

Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela

autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a

autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de

outras provas tiver notícia.

Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do

Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública,

fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e

indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de

apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito

policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de

considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do

inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este

oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público

para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só

então estará o juiz obrigado a atender.

Pela leitura atenta e desapaixonada do Diploma Processual, temos algumas

constatações muito simples:

a) diz a letra da lei que pode o Ministério Público requisitar a instauração do

inquérito, donde o delegado de polícia não poderá indeferir a solicitação, mas não

diz em momento algum que pode o próprio Parquet instaurar investigação. Se há

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a distinção e o distanciamento legal, há de ser observado pelos integrantes do

Ministério Público;

b) o inquérito policial não é imprescindível ao oferecimento da denúncia, tanto que

o art. 16 é bem claro afirmando que sempre que servir ; haverá casos em que

não irá servir ou não será indispensável;

c) as novas investigações, após o arquivamento do inquérito policial, poderão ser

feitas apenas pela autoridade policial, em conformidade com o art. 18 do CPP,

demonstrando, mais uma vez, a titularidade para conduzir o procedimento

investigatório penal;

d) o art. 27 que trata da provocação do Ministério Público quer versar de forma

cristalina sobre a possibilidade de apresentação de denúncia ou requisição de

instauração de inquérito e não condução da investigação;

e) ora, se o Ministério Público requerer e depois requisitar o arquivamento do

inquérito, por meio de seu promotor ou Procurador Geral, significa afirmar que não

pode ele mesmo arquivar, porque não tem atribuição para conduzi-lo.

Sem sofismas: é apenas a leitura do texto legal que se mostra claro e sem

brechas à gula processual ministerial.

Igualmente insofismável é o artigo de Luiz Flávio Gomes6, baluarte do Garantismo

Penal no Brasil, tende a confirmar entendimento contrário à legitimidade ministerial

6 O Colendo Supremo Tribunal Federal, em duas decisões mais ou menos recentes, tinha firmado o entendimento de que o

Ministério Público não pode realizar diretamente investigações criminais. No RE 205.473-9-AL, rel. Min. CARLOS

VELLOSO, j. de 15.12.98, com efeito, proclamou-se o seguinte:

(...)

A Constituição brasileira não acolheu o modelo da direção da investigação criminal pelo Ministério Público (cf. Ela Wiecko

V. de CASTILHO, Correio Braziliense

Direito & Justiça de 17.05.99, p. 4); aliás, ela jamais quis transferir para o

Ministério Público as funções investigatórias cometidas ao serviço policial (cf. Cláudio Fonteles, Correio Braziliense

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Direito & Justiça de 17.05.99, p. 7). Não palmilhou, assim, a concepção do direito europeu continental (Itália, Alemanha

etc.); está mais próxima do sistema inglês (cf. Procesos penales de Europa, dir. De Mireille DELMAS-MARTY, trad. de

Morenilla Allard, Zaragoza: Edijus, 2000, p. 475 e ss.; Antonio Evaristo de MORAIS FILHO, em RBCCrim n. 19, p. 105 e

ss.);

Por força do art. 144, § 1º e 4º, da CF, a função de investigar diretamente os fatos delituosos cabe à polícia federal, às

polícias civis e à polícia militar (nas infrações militares);

Apesar da clareza do texto constitucional, certo é, entretanto, que não existe monopólio ( reserva de mercado , sic) em

favor das Polícias para investigar fatos delituosos no nosso país. Em outras palavras: a investigação criminal não é

atividade exclusiva da polícia judiciária (CPP, art. 4º, parágrafo único).

Mas isso não significa que o Ministério Público (na atualidade) tenha poderes para tanto. Outras autoridades

podem investigar delitos, mas isso depende de lei expressa: A competência definida neste artigo não excluirá a de

autoridades administrativas a quem por lei seja cometida a mesma função (CPP, art. 4º, parágrafo único);

O que está faltando ao Ministério Público (neste momento) é justamente essa lei expressa que lhe autorize presidir

e promover diretamente a investigação criminal.

Não há dúvida, assim, que são admitidos, no direito pátrio, outros inquéritos investigativos: o inquérito judicial nos crimes

falimentares, as CPIs, IPMs etc. Na ADIn 1.517-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, reconheceu-se [muito discutivelmente]

inclusive a legitimidade dos juízes para atividades investigatórias (Lei n. 9.034/95, art. 3º); mas tudo deriva de expressa

previsão legal, que não existe em favor do Ministério Público.

Consoante a ordem jurídica vigente o Ministério Público conta com muitos poderes, mas especificamente para dirigir a

investigação criminal, excepcionando-se a investigação contra seus próprios membros, não há dispositivo autorizador.

Nada obsta, in thesi, que o Ministério Público venha a ter no sistema jurídico nacional poderes de investigação direta: mas

para tanto são necessárias reformas legislativas específicas; pelo direito vigente, como vem reconhecendo a Máxima Corte,

essa função está juridicamente vedada. É até aconselhável que o Ministério Público venha a assumir algumas tarefas

investigatórias (crime organizado, por exemplo), mas no momento não conta com poderes legais para isso.

Não cabe dúvida que o Ministério Público pode participar das investigações, pode acompanhá-las: LONMP, art. 26, IV; LC

75/93, art. 7º, inc. II; LONMP, art. 10, IX, e; HC 75.769, in DJU de 28.11.97. Mas presidir uma investigação é outra coisa.

Não cabe discutir que o Ministério Público é o titular privativo do direito de promover a ação penal pública (CF, art. 129, I).

E que nos crimes tributários não depende da representação da Fazenda Pública para atuar (cfr. ADIN 1571-DF, rel. Min.

Néri da Silveira).

Não se questiona que pode também requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os

fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (CF, art. 129, inc. VIII).

Não há como contestar que pode promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e

social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III). Está autorizado, ademais, a realizar

inquéritos administrativos (CF, art. 129, VI), particularmente quanto ao meio ambiente (Lei 7.347/85), podendo expedir

notificações e requisitar informações e documentos para instruí-los (CF, art. 129, inv. VI).

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para investigar, consubstanciando mais o presente ensaio. A transcrição do artigo

correspondente vale ser lida, na íntegra, em respeito a um dos doutrinadores mais

corajosos desta quadra.

O tema não só é tormentoso no presente ensaio, mas no quotidiano forense.

Advogados digladiam-se contra a sanha persecutória do Ministério Público e

mesmo no Supremo Tribunal Federal, antes do processo decisivo sobre o tema

que segue em anexo, temos já as primeiras linhas do entendimento que o Excelso

Pretório firmava sobre o tema.

Depoimentos tomados a portas fechados na sede do Ministério Público Federal ou

Estadual é odioso, próprio de regimes totalitários, onde o estatal não é público e

sim sigiloso e o aparelho do Big Brother quer sufocar as liberdades e o

contraditório. Aquele promotor que, sozinho, trancado com o depoente,

geralmente amedrontado diante do poder público que representa o Parquet, não é

mais do que a caricatura do Robespierre eterno, incorruptível, inflexível e isolado

da fermentação democrática. E não são os advogados ou os delegados que

apregoam a exorbitância do Ministério Público contemporâneo: os próprios

Cabe ainda ao Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial (CF, art. 129, VII).

Conta, de outro lado, com a faculdade de oferecer denúncia sem inquérito policial (CPP, arts. 27 e 39, § 5º; vid. ainda RTJ

76/741), com base em provas colhidas em inquérito civil seu ou inquéritos administrativos, presididos por outras

autoridades, autorizadas em lei. Não é correta, assim, a afirmação de que o Ministério Público somente pode promover a

ação penal quando a Polícia Judiciária investigou os fatos; mas tampouco é verdadeira a assertiva de que ele pode

diretamente promover a investigação criminal.

Alinhadas todas as atribuições do Ministério Público, impõe-se reconhecer, segundo o ius positum, de modo

peremptório, que nenhuma lei lhe confere a possibilidade de investigar diretamente o fato delituoso. Por isso é que

o Supremo Tribunal Federal, com precisão e firmeza, vem proclamando que não cabe ao membro do Ministério

Público realizar, diretamente, investigações criminais, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal

(cf. RE 205.473-9, rel. Min. CARLOS VELLOSO).

A única exceção a esse correto e irreparável entendimento reside no art. 40, parágrafo único, da LONMP, que autoriza a

investigação direta pelo Ministério Público quando envolvido algum membro da Instituição.

Aliás, nem sequer no tempo da LC 40/81 podia o Ministério Público assumir a direção da investigação criminal, salvo na

ausência de Delegado de Polícia (art. 15, III e V).

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Ministros do Supremo Tribunal já se preocupam com o grau maligno de

perseguição, vaidade e intolerância que soçobra aquela Instituição essencial à

Justiça.

Questão polêmica, propícia a debates acalorados, é reproduzida aqui pelo diálogo

até áspero entre os Ministros Nelson Jobim e Néri da Silveira. Vejamos o voto do

Min. Jobim no Recurso Extraordinário 233.072-4 RJ, já mencionado pelo Dr. Flávio

Gomes:

Min Jobim: observo que este tema

já participei de debate deste

tema em sede legislativa quando da elaboração da CF de 88, era

pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no

sentido de criarmos ou não, o processo de instrução, gerido pelo

MP. Isso foi objeto de longos debates da elaboração da

Constituição e foi rejeitado.

Mas, o tema voltou a ser discutido, quando, em 1993, votava-se no

Congresso Nacional a Lei Complementar relativa ao MINISTÉRIO

PÚBLICO DA UNIAO E AO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS

ESTADOS, em que havia esse discussão do processo de instrução

que pudesse ser gerido pelo MP.

A longa disputa entre o MP, a Polícia Civil e a Polícia Federal, em

relação a essa competência exclusiva da polícia em realizar os

inquéritos. Lembro-me que toda essa matéria foi rejeitada naquele

momento, no Legislativo estou explicitando de memória.

A Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do MP da União), no art.

6º refere-se à competência do MP da União, elencando vinte

incisos de competência do MP.

(...)

Dos eminentes juízes do Tribunal Regional, sobre a conduta do MP

em ministério àquilo que foi referido como dispensabilidade do

Inquérito Policial, acompanhados pelo eminente representante do

MP, Prof. Dr. Juarez Tavares, a quem conheço muito e prestou

extraordinários serviços ao Min. da Justiça quando por lá passei,

no sentido de acompanhar na elaboração dos projetos legislativos,

inclusive no Projeto sobre Lavagem de Dinheiro.

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Esses três eminentes magistrados já qualificaram as ações do MP,

às quais Vossa Excelência se referiu nos anexos e volumes,

referindo-se a isso como a realização, por parte do MP, do

Inquérito Penal.

(...)

Concordo plenamente com Vossa Excelência que a ação penal

pública independe do Inquérito Policial para ser apresentada,

agora, dispondo o MP para o oferecimento da denúncia.

(...)

Tem o MP competência para promover inquéritos

administrativos, em relação às condutas do Min. da Fazenda,

de funcionários públicos do Poder Executivo?

Não.

Os inquéritos administrativos são da competência do Min. da área.

Foi dito aqui pelo eminente sub-procurador da Republica que nos

assiste, não haver dúvida sobre isso ser um inquérito, tanto é que

diz que se continha dentro da titularidade da ação penal pública, e

quem pode o mais, pode o menos.

(...)

Inquérito Penal não é juízo de instrução.

Não temos esse tipo de procedimento no nosso ordenamento

jurídico.

Sua criação foi negada em dois momentos de voto no Parlamento.

Não será por exegese que vá se outorgar ao MP aquilo que não foi

dado.

(...)

Min. Néri da Silveira: estamos julgando uma denúncia que foi

apresentada, que define um quadro típico.

Min. Jobim: Não. Estamos examinando a regularidade da conduta

do MP.

Min. Néri da Silveira: o hábeas corpus foi concedido para trancar

o processo decorrente dessa denúncia.

Min. Jobim: porque o TRF entendeu relevante, se exorbitou o MP,

e a meu juízo, exorbitou das suas funções institucionais, pretensão

que já tem há muito tempo em detrimento dos interesses da

defesa.

Sei que ao trazer exemplos de casos vividos, corre-se o risco de se

trazer aquilo que se chama generalização empírica, mas ao

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exercer a advocacia penal durante 20 anos, sei como se conduz o

MP nesses atos unilaterais de produção de prova.

O MP exorbitou, no caso concreto, das suas funções. Não tem

ele competência alguma para produzir um inquérito penal, sob

o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações

em procedimentos administrativos.

Terá, isto sim, por força da LC competente, poder para o exercício

das suas atribuições, nos procedimentos de sua competência,

notificar testemunhas etc.

Quais são os procedimentos de sua competência?

O Inquérito Civil Público.

O que entendeu o órgão julgador do HC, no voto do relator em

relação à matéria? Entendeu, na linha sustentada pelo

representante do MP junto ao Tribunal, que ouve exorbitância.

Pergunto à Vossa Excelência: a prova que instruiu a denúncia foi

produzida de forma legítima? Se não tinha o MP competência para

introduzir aquilo que está assente?

Min. Néri da Silveira: uma prova documental baseada exatamente

no processo licitatório.

Min. Jobim: colhida de forma lícita ou ilícita? Tinha ou não

competência?

Min. Néri da Silveira: o MP tinha cópia do processo licitatório que

é processo de repartição qualquer. Sabemos que o MP pode

instaurar uma ação penal contra um funcionário com base no

processo administrativo, que lhe seja encaminhado, ou se tiver

provas nos autos.

Min. Jobim: concordo com V. EXcia, mas curiosamente, houve a

necessidade de notificação para ser ouvido no chamado inquérito

administrativo, que foi emitido num juízo no MP local, comum um

juízo de existência de Inquérito Penal.

É lícita a forma de colher-se essa prova?

Min. Néri da Silveira: Veja: apenas pela circunstância de o

indiciado não haver atendido à notificação, e assim esclarecido

mais ao MP, vamos coarctar a ação do MP?

Min. Jobim: não, instaure-se, previamente, o inquérito. Não

acompanho Vossa Excelência porque é necessário se coarctar

esse tipo de conduta.

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Concedido ou negado que seja, estará a Turma reconhecendo a

prática de um ato abusivo do MP. Isso ficará na mesma situação,

porque estamos perante a prática de um ato que exorbita das suas

funções e se viermos a negar o recurso, como pretendo, divergindo

de V. Excia, afirmo que nenhuma conseqüência terá o MP das

condutas tomadas, porque a sua Corregedoria não irá contra si

mesma, aliás este é um tema que temos que discutir com muita

clareza e com o dever social de prestar contas à sociedade

accountabily , dos americanos em relação às condutas deste

determinado setor público.

Senhor Presidente, quero que com todas as vênias e com o

respeito que V. Excia merece, como meu velho professor da

Faculdade de Direito do Rio Grande de Sul, possam a defesa e a

acusação estarem no mesmo nível, no campo da investigação. Ou

seja, com o mesmo status do MP.

Que não esteja a defesa sujeita à ações unilaterais da

acusação, no sentido de promover dentro do próprio prédio,

isolado, sem possibilidade alguma de qualquer tipo de

participação no Inquérito.

Faríamos a divergência perante o juízo.

Mas não teríamos a possibilidade de exercê-lo fora dele, porque

quando a polícia sabe-se o que fazer contra o MP pouca coisa tem-

se a fazer.

Senhor Presidente, ouso divergir e, pela nossa técnica, não

conheço do recurso.

Da excepcional e incomum polêmica no Pretório Excelso, temos o resultado no

qual está profundamente inspirando o nosso entendimento:

Ementa: recurso extraordinário. Ministério Público. Inquérito

Administrativo. Inquérito Penal. Legitimidade. O MP (1) não tem

competência para promover inquérito administrativo em

relação à conduta de servidores públicos; (2) nem

competência para produzir inquérito penal sob o argumento

de que tem possibilidade de expedir notificações em

procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem

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o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes.

Recurso não conhecido.

Acórdão: vistos, relatados e discutidos estes autos, acórdão os

Ministros do STF, em Segunda Turma, na conformidade da ata de

julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria, em não

conhecer do recurso extraordinário, vencidos o relator e o senhor

Min. Maurício Correa que dele conheciam e lhe davam provimento

para determinar o prosseguimento da ação penal.

Lembramos o fato de que o relator do voto que segue em anexo como exemplo do

mais moderno entendimento acerca do tema esposado é o mesmo Ministro

Nelson Jobim que é oriundo do meio advocatício, político e que sentiu, numa e

noutra atividade, o receio da democracia em permitir a uma única instituição tantos

poderes. Assim, não é demais falar que um carro veloz é oportuno, mas se lhe

faltarem os freios, é mais perigoso para o motorista e para a incolumidade pública

que aquele outro auto mais lento e seguro. Comparamos, outrossim, a democracia

a uma represa formada de pequenas pedras, onde a retirada de uma delas pode

fazer ruir toda a barragem.

O Ministério Público é fiscal, mas precisa ser fiscalizado; é acusador, mas precisa

ser freado em seu ímpeto. No novo ordenamento, não há mais espaço para o

promotor vaidoso de condenações, como se cada pena fosse uma condecoração

nos quadros da promotoria. Foi o tempo que o colecionador de ossos , aquele

empedernido promotor público, caçava os acusados e os colecionava como

troféus, usando condenações para galgar promoções funcionais.

O Parquet superou sua dependência do Poder Executivo, do Poder Judiciário, sua

subordinação administrativa e deve superar também a arrogância comum àqueles

que acusam e se comprazem em angariar fama acusando.

O curioso está no fato de que se usam contra o Gaeco as mesmas teses que, à

primeira vista, parecem-lhe favoráveis. As combativas doutrinas que buscam

demonstrar a legitimidade ministerial para a investigação criminal são assimiladas

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e contraditadas pela outra escola de processo penal que nos parece mais

democrática. Sob pena de vermos a democracia se curvar à necessidade de

segurança nacional, já usada tantas vezes por estados de exceção, deveremos

limitar a atuação do Ministério Público.

É falacioso o argumento que, dando poder a um órgão, a sociedade estará mais

segura, os crimes melhor apurados e a democracia defendida por um grupo ou um

aparelho incorruptível. E além de falacioso, é demagógico e discriminador. E,

ainda têm a coragem de afirmar alguns promotores de justiça que, afastar o MP do

Inquérito é mascarar a investigação, tornando-a ineficaz, lenta ou corrompida.

Como se, antes do Gaeco, não houvesse apuração de delitos; como se, antes do

Gaeco, não houvesse investigadores e delegados de polícia sérios e

determinados; e, finalmente, como se todos os promotores de justiça fosse, em

razão da função, incorruptíveis. Quer-se reinventar Elliot Ness e os intocáveis? No

país do norte, as estripulias contra a máfia da bebida e do jogo duraram enquanto

durou o moralismo da vedação ao consumo de álcool e jogo.

A corrupção de uma instituição não se cura extinguindo-a ou diminuindo-lhe o

poder, mas treinando, aparelhando e retribuindo o trabalho com a justa paga que

jamais a polícia viu concretiza-se. Por isso, trata-se de afastar a discussão mais

profunda, mais difícil e mais sensível para nos fazer engolir a pílula paliativa do

Gaeco, quando falta gasolina, papel, caneta e tecnologia à polícia. E, no mérito,

nem mesmo o Ministério Público tem pessoal, treinamento e tecnologia para atuar

no combate ao crime organizado, se reclama que tantos feitos administrativos não

podem ser respondidos ou apurados por absoluta falta de condições. E, mesmo

assim, quer a vaidade de conduzir inquéritos diretamente, presidindo, furtando

ainda mais promotores dos quadros da instituição. Certamente, daria mais

reconhecimento da opinião pública, mas não resolveria o problema pelo qual nem

mesmo os promotores que defendem o Gaeco são capazes de se mobilizar: o

aparelhamento da polícia e a criação de institutos de inteligência na investigação

criminal de vulto, na prevenção e repressão. Apurar grandes notícias querem, mas

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se esquecem que o crime que mata é o do vizinho assaltante, estuprador ou

assassino.

Vejamos, em conclusão, o porquê dessa aguerrida defesa pelo restabelecimento

do papel tradicional do Ministério Público, afastando-o das investigações:

a) teoria dos poderes implícitos?

nem sempre, em Direito, quem pode o

mais, pode o menos , tanto que o destinatário da ação, quem vai julgá-la

definitivamente é o Judiciário e, nem por isso, o magistrado pode investigar ele

mesmo, pessoal e diretamente. A teoria dos poderes implícitos continua validade

para cada órgão administrativo, obedecendo as atribuições conferidas por lei. E

isso não é por acaso: é assim em função de garantias que se quer trazer para o

acusado, sendo a maior delas a impessoalidade do acusador, conforme se lerá

adiante. Mais uma ilustração de que a máxima nem sempre é aplicável é o

procedimento especial do Júri, onde após as alegações finais, o magistrado tem

quatro possibilidades: pronunciar, impronunciar, absolver e desclassificar; ora, se

tem o poder de absolver, que é o mais, porque não julga o mérito de uma só vez,

que é o menos? Se tem o poder de desclassificar, afastando o processo penal da

competência do Júri, por que não reclassifica assim que pode, expedindo o mérito,

já que acompanhou todo o processo? Porque a lei entende que não pode ser o

mesmo magistrado, ainda que o processo perca muito de sua cognição, sendo

enviado a outro julgador.

Mas aquele, originário, passou a não ter mais competência para condenar um réu

que não cometera crime doloso contra a vida, mas tinha para absolver

sumariamente, duas decisões de mérito equivalentes. Nem sempre, portanto,

poder mais é poder menos, deve-se distinguir a qualidade, profundidade e

natureza de ambos os atos, assim com o Ministério Público que tem, deveras, o

poder de acusar, mas não de investigar. Sobre o tema, quem pode o mais, não

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O Ministério Público de Robespierre _________________________________________________________________________

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pode o menos, em processo penal , temos excelente ensaio7 do delegado federal

Célio Jacinto dos Santos;

7

As sucessivas transformações sofridas pela humanidade, com a descoberta e desenvolvimento de novas técnicas de conhecimento e produção, o surgimento do fenômeno da globalização, trouxeram a reboque a criminalidade organizada que avança sobre o erário público e as sociedades menos organizadas, em contrapartida, também acabou atraindo maior interesse acadêmico no estudo da polícia, devido à importância social que adquiriu, como instituição responsável pela repressão ao crime, alterando-se aquele quadro estudado por David H. Bayley, vaticinado e denunciado por Bismael Batista de Moraes e Luiz Fernando Camargo da Cunha Lima, onde se esquadrinhava a polícia como o patinho feio da persecução criminal. Nesse contexto o Ministério Público, assim como outras instituições, vêm tentando ampliar suas competências, além das lhes atribuídas constitucionalmente, mediante a busca da titularidade da investigação criminal, apesar do constituinte ter fixado a polícia judiciária como competente para tal, com eficácia de uma regra constitucional e gozando da proteção conferida às garantias institucionais. Muitos são os fundamentos levantados pelos integrantes do Ministério Público, para legitimar suas pretensões, baseados em verdadeiros contorcionismos hermenêuticos, cuja essência seria a parêmia In eo quod plus est semper inest et minus, literalmente, aquele a quem se permite o mais, não deve-se negar o menos, sintetizado pelo brocardo: quem pode o mais pode o menos. Outros fundamentos apresentados pelos defensores do promotor-investigador, em verdade são corolário deste estudado. Embora a formulação do brocardo é originária do latim, do direito romano, o viés empregado para legitimar a investigação ministerial é o direito norte-americano, através da Teoria dos Poderes Implícitos criada pela Suprema Corte, quando julgou o case MacCulloch vs. Marland, constituindo então, princípio jurídico dos mais comezinhos , ou, regra elementar da hermenêutica constitucional de aplicação corrente no direito constitucional pátrio, segundo a qual quando o constituinte concede a determinado órgão ou instituição uma função (atividade-fim), implicitamente estará concedendo-lhe os meios necessários ao atingimento do seu desiderato, sob pena de ser frustrado o exercício do múnus constitucional que lhe foi cometido . Paulo Rangel defende que se o Ministério Público tem a função de promover privativamente a ação penal pública, tal função tem, anterior e implicitamente, a investigação direta realizada por ele como antecedente lógico, se necessária for . Tal exegese integra o direito excepcional, anormal, exorbitante ou anômalo, onde uma hipótese parece adaptar a um artigo de uma norma jurídica, porém, a hipótese não se coaduna com o espírito, o fim, nem os motivos da norma, ela deve ser interpretada restritivamente, possui eficácia limitada, e se aplica aos poucos casos designados expressamente.A Teoria dos Poderes Implícitos (theory implied and inherent powers) também é adotada pelos norte-americanos para fundamentar a cláusula de poderes plenos, ou cláusula dos poderes de guerra, ainda, cláusula de ditadura, dentro do denominado direito de necessidade ou direito de exceção, onde são empregadas medidas excepcionais em casos de emergência e de crise, conforme o preclaro J. J. Canotilho. Na aplicação da teoria dos poderes implícitos devem ser observadas as seguintes regras, conforme ensinamentos de Carlos Maximiliano, que se baseou na doutrina Americana: a) Onde se mencionam os meios para o exercício de um poder outorgado, não será lícito implicitamente admitir novos ou diferentes meios, sob o pretexto de serem mais eficazes ou conveniente; b) Onde um poder é conferido em termos gerais, interpreta-se como estendendo-se de acordo com os mesmos termos, salvo se alguma clara restrição for deduzível do próprio contesto, por se achar ali expressa ou implícita. Por outra banda, o constituinte, em 1988, estruturou o Estado brasileiro atribuindo competências aos órgãos do Estado. Competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções[10] no caso da investigação preliminar foi criada a policia judiciária para executar a atividade de investigação criminal, cabendo a ela em regra, receber a notitia criminis e desenvolver toda atividade necessária para a elucidação do fato criminoso, suas circunstâncias e autores, buscando sempre atingir no final das investigações, o juízo de probabilidade, ou seja, predomínio das razões positivas da ocorrência do delito, ou até mesmo a inexistência do delito, tudo isso dentro do inquérito policial disciplinado pelo Código de Processo Penal. Em sede de competência estabelecida constitucionalmente, são aplicáveis os seguintes princípios: a) Princípio da indisponibilidade de competência: as competências constitucionalmente fixadas não podem ser transferidas para órgãos diferentes daqueles a quem a Constituição as atribui; b) Princípio da tipicidade de competências: as competências dos órgãos constitucionais sejam, em regra, apenas as expressamente enumeradas na Constituição. Se o jurista optar por recorrer à hermenêutica para justificar que quem pode o mais pode o menos , também restará esvaziada sua proposição, eis que outro princípioelencado por Canotilho, o princípio da conformidade funcional, a vedará: (......) a Constituição regula de determinada forma a competência e função dos órgãos, estes órgãos devem manter-se no

quadro de competências constitucionalmente definido, não devendo modificar, por via interpretativa (através do modo e resultado da interpretação), a repartição, a coordenação e equilíbrio de poderes, funções e tarefas inerentes ao referido quadro de competências. (grifei) Mesmo assim, o Ministério Público dispõe de vastos e poderosos instrumentos para influenciar na investigação preliminar, como medida de exceção, quando lhe é conferida a função de requisição de instauração de inquérito policial e de requisitar diligências investigatórias após relatado o inquérito, quando a autoridade passará a auxiliar o parquet e o juiz na instrução criminal, conforme preconiza o artigo 13 do Código de Processo Penal, portando, são ilegítimas e ilegais as requisições que não visem instruir um inquérito policial ou um processo criminal, tanto é que o constituinte exigiu que o órgão do Ministério Público indique os fundamentos jurídicos das requisições, ou seja, uma imputação inicial consubstanciada em um juízo possível, através da exposição do fato penal relevante em todas suas circunstâncias, e se possível a indicação do autor. Por analogia deverão estar presente os requisitos exigidos para requerimento de inquérito policial pelo ofendido ou seu representante, estabelecidos no artigo 5º do Código de Processo Penal, caso contrário, a autoridade policial estaria manietada em avaliar a legalidade da ordem, e conseqüentemente poderá dar azo a sua responsabilização criminal por

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Além do mais, o problema está completamente desfocado. Só se pode aventar a

aplicação da teoria dos poderes implícitos, ao se deparar com ATRIBUIÇÕES

CONGÊNERES, isto é, da mesma natureza jurídica. Investigar não teve e não tem

a mesma natureza jurídica de denunciar, sendo impossível a aplicação da

conglobação entre denunciar-investigar. Tanto não têm a mesma natureza jurídica

que, concluído o Inquérito Policial, poderá o promotor requerer novas diligências

ao magistrado, remetendo os autos novamente à polícia. Assim, a denúncia já

abuso ou desvio, além da civil e administrativa, pois como se sabe a ordem ministerial ou judicial deve ser obedecida, salvo se manifestamente ilegal. O Ministério Público dispõe ainda, da função de controle externo da atividade policial, exercitável através da requisição de procedimentos aos órgãos correcionais, seja administrativo ou criminal, além do poder-dever de requisição nos feitos policiais, visando à busca da adequada investigação criminal que permita a imputação objetiva e subjetiva, com grau de cognição limitado ao provável, pois a certeza será perseguida pela acusação na instrução criminal. Não podemos deslembrar também que o judiciário também exerce o controle externo da polícia judiciária, sem falarmos do controle interno exercido pelos escalões hierárquicos, além do controle informal exercido pela imprensa, pelo advogado, pelas entidades da sociedade organizada, bem como pelo próprio cidadão. Então, a regra é a polícia judiciária investigar e excepcionalmente o Ministério Público executar atividades de investigação criminal, através do poder de requisição e do controle externo. Nosso direito constitucional organizatório prestigia um sistema de freios e balanços, respeitando-se um núcleo essencial das funções atribuídas aos órgãos estatais, senão, o cidadão que é o destinatário final de toda atividade estatal, estaria inferiorizado perante a acusação que disporia dos meios próprios e da polícia para promover a acusação, tisnando o princípio da igualdade e da paridade de armas. Nota-se que em regime de exceção, também, a ação penal pode ser desenvolvida por terceiros: ação penal subsidiária da ação pública, ação penal privada, crime de responsabilidade, sem olvidarmos do instituto da assistência e da queixa oferecida pelo credor ou síndico na falência. Então, as exceções não podem ter tratamento de regras. Tal regramento visa apenas assegurar o direito a um procedimento justo, conformador aos direitos fundamentais, onde os órgãos do Estado têm suas funções delimitadas constitucionalmente: a polícia militar previne o crime através do policiamento ostensivo; a polícia judiciária investiga os crimes não evitados pelo sistema de repressão formal ou informal; o Ministério Público acusa o autor do ilícito criminal e produz toda prova necessária para confirmar a acusação, durante o processo criminal, diligenciando, participando das audiências, alegando suas razões e recorrendo, além das funções de fiscal da lei; cabendo ao Juiz presidir a instrução, julgar a acusação e apreciar as medidas cautelares com enfoque garantista, como Juiz das liberdades, devendo haver uma interação e integração em todas fases para proporcionar a efetivação da justiça e, por conseguinte a paz social e a segurança pública. Caso haja alteração constitucional conferindo ao Ministério Público o dominus do inquérito policial, como defendem alguns juristas ligados ao parquet, nos moldes do sistema português, também seria necessário um mecanismo de controle judicial da decisão tomada ao final do inquérito

decisão de acusação ou arquivamento -, executada pelo juiz criminal, sendo que em Portugal, o juiz de instrução é assistido pela polícia criminal nesta fase, então, se depreende que é fundamental a fiscalização da investigação preliminar, se for titularizada pela polícia o Ministério Público fiscalizará, se for titularizada pelo órgão do Ministério Público, o Juiz exercerá a fiscalização. Se se buscar modelos estabelecidos pelo sistema da comow law - considerado o mais democrático dos sistemas penais - como no tocante aos poderes implícitos, pode-se optar também pela adoção do sistema inglês onde a polícia investiga e acusa, onde há um sistema de controle incipiente com o Prosecution of Offences Act, criado em 1985, através do Crown Prosecutor Service, onde a decisão de arquivar a investigação é partilhada com a polícia, atraves do Chief Officer. Neste contexto, a investigação preliminar pela polícia judiciária é alçada a garantia institucional, com proteção especial insculpida constitucionalmente, vedando sua supressão ou tão somente, a afetação mínima daquilo que lhe perfaz a essência, o conjunto de seus traços essenciais integrativos, seu mínimo intangível, sua identidade, portando, impede-se sua modificação, erosão, dano, desnaturação, quebra, arranhão, restrição, esvaziamento e abuso, o que equivalerá a sua destruição completa e existencial A teoria dos poderes implícitos fundamenta o poder hierárquico, em Direito Administrativo, dele decorre as faculdades implícitas para o superior de dar ordens, fiscalizar o seu cumprimento, delegar e avocar atribuições, e a de rever os atos dos inferiores, isso no bojo de um órgão administrativo que pode integrar o Executivo, Legislativo ou Judiciário, sem olvidarmos que entre a autoridade policial, o magistrado e o órgão do Ministério Público não há hierarquia, mas concatenação para execução de uma atividade estatal. Arrematando trago a lume os ensinamentos de Sérgio Marcos Moraes Pitombo: Não se pode inventar atribuição nem competência, contrariando a Lei Magna. A atuação administrativa interna do Ministério Público, federal ou estadual, não há de fazer as vezes das polícias. Cada qual desempenhe sua especifica função, no processo penal, em conjugação com o Poder Judiciário, senão, não nos livraremos desta crise de legalidade uma crise do valor vinculativo associado às regras pelos titulares dos poderes públicos, que se exprime na ausência ou na ineficácia dos controles, e portanto na variada e espetacular fenomenologia da ilegalidade do poder. Tal crise revela uma crise constitucional, evidenciada pela progressiva erosão do valor das regras do jogo institucional e do conjunto dos limites e dos vínculos por elas impostos ao exercício do poder público , conforme preleciona o pai do garantismo Luigi Ferrajoli

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deve estar lastreada de indícios suficientemente fortes para que, já no juízo de

admissibilidade prévio, possa ver o magistrado o mínimo de justa causa. Assim, a

denúncia, quando recebida, imprime a existência de um processo-crime que grava

o denunciado de ameaça concreta de condenação, sendo atribuição exclusiva do

Ministério Público promover a ação penal. Mas, daí a suspeitar que possa o

promotor ou procurador, eles mesmos, conduzirem o procedimento investigativo,

fundamentando de que a denúncia CONSOME o inquérito é remar contra a lógica

legal vigente

isto porque se quisesse veicular uma única possibilidade

investigativa ao Ministério Público, teria dito o CPP: concluído o inquérito

policial, entendendo não haver o promotor elementos suficientes a embasar a

denúncia, poderá requerer novas diligências OU ELE MESMO PODERÁ SE

ENCARREGAR DE LEVANTAR OUTRAS PROVAS . Mas não conferiu essa

autorização o Código de Processo e nem nenhuma outra norma processual em

vigor. Ora, se poderá o promotor baixar os autos à polícia, entendendo haver

necessidade de aprofundar as investigações, está muito claro que:

I. o inquérito não pode ser parelhado à função ministerial de promoção de ação

penal e com ela não se confunde;

II. a atribuição policial de promover investigações não foi absorvida pelo Ministério

Público, mesmo depois de verificar o levantamento probatório indiciário, incluindo

o relatório finalizado. Se não pode o MP fazer mais do que DENÚNCIAR,

ARQUIVAR OU REQUERER NOVAS DILIGÊNCIAS, claro está que não pode

investigar ele mesmo!

b) o que significa requisição?

pela lição dos mestres em processo penal,

Frederico Marques, Eduardo Espínolla Filho, Hélio Tornaghi, Borges da Rosa,

entre tantos outros clássicos, requisição diferencia-se de requerimento sendo que

este é um pedido, uma solicitação passível de ser negada, enquanto a requisição

é uma determinação, juridicamente impermeável à negativas. O Ministério Público

pode, como o magistrado, requisitar a instauração de Inquérito Policial, sempre

que tiver conhecimento de um fato criminal que precise ser apurado, termos em

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que o delegado de polícia não poderá deixar de instaurar o Inquérito requisitado. A

requisição do Parquet é imperiosa, porque se pressupõe que um promotor público

sabe o texto da lei e tem condições técnicas superiores de verificar a existência de

um crime, mas como não tem todos os elementos para a sua convicção sobre o

modo de operação criminosa, quer ver um inquérito aberto, com o fito de apurar o

que ainda não sabe.

Ora, se é assim, a lei nos deu uma forte pista sobre o que queria para o Ministério

Público: se este pode determinar, sem possibilidade de esquivas, a inauguração

de procedimento investigativo, não pode o próprio Parquet investigar, porque

senão seria outra a dicção legal. Se o CPP prevê que, quando o Ministério Público

quer ver aberto um inquérito, precisa se socorrer de uma requisição, significa

que não prevê e até afasta a possibilidade de investigação criminal direta, pois

senão poderia o delegado negar a abertura de Inquérito e o próprio promotor

interessado conduzir as investigações, hipótese descartada em nosso

ordenamento. Uma vez negando o delegado a instauração do procedimento

inquisitivo requisitado, haveria a possibilidade do Ministério Público tomar a

dianteira da própria investigação e abrir procedimento de sindicância em desfavor

do delegado rebelde. MAS A LEI NÃO PREVÊ ESSA POSSIBILIDADE. Assim,

quando um delegado de polícia se nega a promover a instauração de um inquérito

ou sua condução, resta ao promotor denunciar a autoridade policial ou representa-

la administrativamente, mas nunca a norma previu a possibilidade do membro do

Parquet pura e simplesmente SUBSTITUIR O DELEGADO DE POLÍCIA.

c) onde está a imparcialidade?

no curso do processo, o Ministério Público é

parte e é fiscal. Situação única e bela em nosso ordenamento processual

brasileiro, temos uma instituição que não só é interessada na promoção da justiça,

como fiscaliza a regularidade do próprio processo: única, porque não temos

paralelo com outros pólos processuais que atuam em nome próprio ou de terceiros

em substituição processual, mas nunca defendendo a lisura do pleito requerido

pela própria parte. É isto que o Ministério Público faz

detém a titularidade da

ação penal, requerendo a condenação do acusado, mas pode a qualquer

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momento, convencer-se do contrário e requerer a absolvição, ou seja, o Parquet

tem uma missão tão nobre que eles mesmo é fiscal de seus atos e imputações.

Quando acreditar que mereça a liberdade, a redução de pena, a progressão em

sentenças demasiadamente severas, pode também o Ministério Público deduzir

suas razões em grau recursal por meio de uma apelação a favor do réu, que o

próprio órgão ministerial ajudou a condenar.

A Constituição reservou o panteão da legalidade ao Ministério Público, deixando à

ponderação de cada promotor de justiça a reserva ética de suas atitudes que têm

forte eco no ordenamento jurídico. Entretanto, não se pode negar que o Parquet,

processualmente falando, é parte e as partes devem guardar equivalência, pelo

princípio da isonomia processual. Não pode o advogado de defesa do investigado

apontar ao delegado o que e quando deve fazer, como deve diligenciar, quando

seria mais conveniente, quais os próximos passos da investigação, isto porque

adotamos um sistema misto, onde a fase do Inquérito é essencialmente inquisitiva

e não contraditória. Como, processualmente, o Ministério Público Acusador não

vale mais do que a Defesa, e além disso, tem mais o ônus de ser imparcial, deve

se afastar do Inquérito, de modo a que as forças mantenham-se equivalentes,

equilibradamente medidas, sem que nenhuma das partes tenha prerrogativas

sobre a outra. Em outras palavras, o Ministério Público é parte imparcial, se se

pode permitir o trocadilho;

d) princípio da legalidade?

interessante é a argumentação de que não há

nenhuma vedação expressa do legislador constitucional ao poder investigativo do

Ministério Público. Curioso porque, no funcionalismo público, inverte-se a primado

penal para outro mais severo que é o administrativo. Em direito penal, tudo é

permitido, quando não negado ou tipificado pela lei; em direito administrativo, pode

apenas o funcionário público agir em consonância com a lei e não ao seu alvitre,

quando não proibido. Só deve fazer o expressamente permitido, o que está

claramente apontado pela lei, não deve inovar em matéria legislativa que não

compete ao funcionário, não pode exceder-se, extravasar a sua atribuição, nem

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mesmo supondo que é para o bem social. Portanto, não estar proibido não é

argumento para o excesso ministerial, quando, ao contrário, é freio.

e) onde está o promotor natural?

é hilário o entendimento ministerial sobre

esse delicado tema jurídico. A Carta de 1988 silencia quanto à garantia do

promotor natural, ou seja, a previsibilidade do promotor da comarca, antes mesmo

do oferecimento da denúncia, evitando distribuições de inquéritos e de atribuições

ao sabor das vontades políticas do Procurador Geral. Cômica a situação porque a

grande maioria dos promotores público defende ardorosamente o mesmo princípio

democrático assemelhado ao juiz natural , típico de sistemas arejados de

participação social e equilíbrio que a garante. Todavia, ao se invectivar sobre o

tema, que conta com toda a nossa simpatia inclusive, contradiz-se o Ministério

Público ao determinar forças-tarefa para a assunção ao Gaeco, que resvala no

princípio do promotor natural. Em outras palavras: é casuísta e política a

nomeação de determinados promotores públicos para cargos ligados ao virtual

Gaeco.

Não há nos quadros funcionais do Ministério Público tal atribuição, até porque

jamais foi aventada a hipótese pela Constituição e respectiva Lei Orgânica. Assim

como a participação de promotores públicos (que deveriam observar a

Constituição e não o fazem) em Secretarias Municipais e Estaduais, confronta-se

não só com os ditames legais, mais mesmo morais do Procurador Chefe que, por

sua vez, foi indicado pelo Executivo. Pura e simples casuísmo político. Isto sim é

odioso para a democracia.

Em remate, a discussão alçou polêmica tamanha que vem sendo objeto de

estudos até mesmo por Revistas Especializadas. A capa da Revista CONSULEX, .

159, de 31 de Agosto de 2003, atualizando as discussões sobre o tema, traz três

opiniões divergentes, onde a tese do poder investigativo do Ministério Público

naufraga por dois comentaristas a um. Sérgio Habib, defensor público e mestre

em Direito, colaciona argumentos para as nossas próprias conclusões que se

seguirão: não se pode deixar de reconhecer que, no processo penal, o MP

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funciona como parte, pois, como bem adverte Pontes de Miranda, o MP `promove,

pede, impetra, litiga ou, como peleciona Frederico Marques, titular da pretensão

punitiva e do direito de acusar, é evidente que o MP tem a função e papel de parte

na relação processual que se instaura com a ação penal . Assim compreendido,

não se pode admitir que o MP, vale dizer, a parte, titular do jus acusationis e do

jus puniendi, possa, por si mesmo, investigar os fatos, inquirir testemunhas,

interrogar o suspeito de um determinado ilícito penal, em suma, construir provas e,

após tudo isso, apresentá-las em juízo lastreando a denúncia para que o juiz as

aprecie. Portanto, o papel de investigar não pode ser desempenhado pelo

Ministério Público, sob o risco de ter-se um procedimento pré-processual

estritamente acusatório e não inquisitório, como deve ser o inquérito policial,

sabendo-se, de antemão, que toda prova que se fizer não visará à descoberta de

verdade real, mas servirá a fundamentar uma suspeita, uma tese, uma formulação

que surgiu de uma determinada linha de atuação, fruto de uma elocubração

mental do representante do parquet . Partilha a mesma tese, na mesma Revista, a

prof. Dr. Eneida Orgabe de Brito Taquary.

Em verdade e em conclusão, quando a Constituição Republicana institui o

Ministério Público como um Poder, quis agregar garantias à democracia,

reformulando a tradicional divisão de poderes britânica e francesa. Mas,

determinando os limites de atuação do Parquet, foi peremptória a Carta de 1988

ao permitir o controle externo da atividade policial pelo MP. Não quis ver um dos

sujeitos processuais imiscuído-se, ele mesmo, na investigação. Isto porque o

promotor e o procurador são mais que partes, são fiscais. Devem, portanto,

permanecer eqüidistantes da investigação, a fim de que, ao findar dos trabalhos

policiais, possam opinar desapaixonadamente sobre o arquivamento, inclusive. Do

contrário, participando diretamente o promotor das investigações, como poderia

concluir que seu próprio trabalho deveria ser arquivado ou ainda, está incompleto.

É , no mínimo, esquizofrênico.

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Ademais, como já sustentamos alhures, quando tratávamos do artigo publicado

pelo Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, não há no Brasil o juízo

de instrução e sim juízo da instrução. Isto significa dizer que o magistrado não

controla a própria investigação, onde não há contraditório e ampla defesa, sendo

por isso, eminentemente inquisitiva. Mas, poderá muito bem fiscalizar a execução

da investigação externamente, imparcialmente, deferindo medidas acauteladores,

por exemplo, ou mesmo, julgando excessivo o próprio indiciamento ou os prazos

inobservados para a conclusão de inquérito. E é justamente por não haver juízo de

instrução que jamais uma das partes, sujeito legítimo do processo penal, adiantar-

se contra a outra. Jamais num Estado Democrático de Direito poderá o Ministério

Público saber mais, conhecer mais, poder mais, produzir provas, e ainda

aproveitá-las em juízo contra o denunciado, se preceitua a Constituição o que para

nós é dogma de fé: todos são iguais perante a lei e o processo pautar-se-á pelo

contraditório e ampla defesa.

Nem mesmo se sobrevier Lei que afirme poder o Ministério Público investigar

diretamente delitos, nos vergaremos à tese invectivada. Por respeito, antes, à

Constituição que, podendo, não o permitiu, e pela própria Lei Orgânica do MP que,

podendo novamente, preferiu não se exceder.

Não é por má-vontade ou pelo fato de sermos sempre Defesa no processo penal,

atuando como advogados, que elidimos a tese dos Gaeco estaduais e, queira

Deus, jamais tenhamos um federal. Não é desconsiderando os enormes esforços

do MP ou desprestigiando a Instituição ou mesmo desclassificando seus

membros, que o ensaio se fundamentará para concluir a impossibilidade do MP

Investigativo. Não e não: reafirmamos nossa crença na Instituição e em seus

membros, preocupados que estão pelo crescimento da marginalidade e pela

infiltração do crime nas esferas de maior prestígio social. Mas, não acreditamos

em salvacionismo, e é só.

Ainda sobre o salvacionismo ministerial, temos em nosso favor a colocação do Dr.

Alexandre Abraão Dias Teixeira, juiz carioca:

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O saudoso mestre Evaristo de Moraes Filho, na Tribuna do

Advogado publicada em novembro de 1996, fls. 10, destacou uma

destas infelizes experiências nos seguintes termos:

"Recentemente, em caso rumoroso, o Ministério Público Federal

intimou um cidadão, para ouvi-lo na sede da Procuradoria da

República, a respeito de fatos que já eram objeto de inquérito na

Polícia Federal, onde o mesmo figurava como indiciado. Seguindo

orientação de seu patrono, ele negou-se a atender à inusitada

intimação, esclarecendo, através de petição, cuja cópia remeteu a

Justiça Federal, os motivos legais de sua recusa. Apesar disto, um

dos fundamentos do pedido de prisão preventiva, formulado depois

do não comparecimento do indiciado para depor na Procuradoria

da República, foi exatamente esta pretensa rebeldia (...)".

A continuidade da narrativa atesta que a prisão foi decretada

pelo mesmo fundamento, tendo o TRF concedido liminar em

Habeas Corpus para restaurar a liberdade do paciente.

O objetivo da exposição tinha como lastro a moção

apresentada a VII Conferência Estadual da OAB/RJ durante a

exposição do painel: Poder Judiciário, Advocacia e Ministério

Público

A Reforma, onde o expositor sustentou a verdadeira

ilegitimidade dos "(...) inquéritos policiais instaurados e dirigidos,

diretamente, pelo Ministério Público (...)".

Encerrando a narrativa, o digníssimo Professor destaca a

abrilhantada visão do Desembargador Silvio Teixeira, que ao

relatar HC nº 615/96, da 1ª Câmara Criminal do TJRJ, decidiu: "A

função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais,

exceto as militares, são privativas das polícias civis. Ao Ministério

Público cabe o monopólio da ação penal pública, mas sua

atribuição não passa do poder de requisitar diligências

investigatórias e a instauração de inquérito policial e de

inquérito policial militar. Somente quando se cuidar de inquéritos

civis é que a função do Ministério Público abrange também a

instauração deles e de outras medidas e procedimentos

administrativos pertinentes, aqui incluídas das diligências

investigatórias." (grifos são nossos).

O artigo recebeu resposta, à época, do não menos brilhante

Promotor Coordenador das Centrais de Inquéritos do MP/RJ, Dr.

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Ricardo Martins, publicada na Tribuna do Advogado de fevereiro de

1997, onde a seguinte conclusão serve para resumir a linha de

pensamento do expositor: "O Ministério Público pode e deve

investigar sempre que isto se fizer necessário à apuração do

evento criminoso, não só para possibilitar a propositura da ação

penal, mas também para evitar injustiças e processos

precipitados."

O poder de investigação dado ao MP para promover a

investigação, afirma o autor e os que defendem a tese, é fruto da

"interpretação lógica" do art. 129, VI, da CF/88 e do art. 80 da lei

8625/93, bem como da análise do § 4º, do art. 144 da Carta Maior,

que segundo atesta "(...) não confere a polícia o monopólio da

investigação(...). portanto, conclui: "(...) soa absurdo o Ministério

Público poder requisitar diligências à autoridade policial e não

poder faze-lo por conta própria. Não há razão lógica para tal

vedação."

Apesar destes fortes argumentos em favor da presidência

das investigações por parte Ministério Público, ousaremos divergir

deste raciocínio para afirmar, assim como o fez o Desembargador

Silvio Teixeira, que a investigação é hoje ato privativo da Polícia

Judiciária, não importando com isso assumir, assim como alega o

digno Promotor, as vestes de quem pretende "Manietar o promotor

de justiça em sua atuação na área criminal(...)". Muito pelo

contrário, o anseio é reestruturar o sistema processual penal

brasileiro para: a) colocar cada operador do direito em seu devido

lugar (parece-nos óbvio que só o delegado de polícia e seus

agentes é que têm a habilidade profissional para promover a

investigação, já que foram treinados e preparados durante toda

uma vida para este tipo de trabalho; b) afastar toda e qualquer

possibilidade de usurpação das funções e c) repelir atos heróicos

isolados, os quais restaram exteriorizados em forma de chacota

recentemente pela mídia nacional.

Exteriorizada a decisão do Desembargador Silvio Teixeira,

apressaram-se cegamente aqueles que defendem as investigações

Ministeriais em rotulá-la de espantosa; quiçá teratológica. A

resposta veio em alto e bom tom já nos Embargos Declaratórios

interpostos perante a mesma 1ª Câm. Crim. do TJRJ, quando um

dos maiores processualistas deste Tribunal, o Desembargador

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Jorge Alberto Romeiro Jr., relator designado, afirmou: "Dessarte,

se insistir nesse procedimento não autorizado ope legis, correrá o

órgão fiscal da lei o risco de vê-lo sujeitado, inclusive, ao

vexame de uma formal declaração de invalidade, conforme lição

antiga de nossa Suprema Corte: "É nulo o inquérito policial

presidido por um promotor público, notadamente para autorizar a

prisão preventiva." (Ac. STF, Pleno, de 28.05.1951, publ. DJU de

25.04.1955, Apenso, pág. 1530)." (grifamos

Proc. nº

1996.059.00615, Embargos Declaratórios nº 615/96, 1ª Câm

Crim/TJRJ). Portanto, denota-se na lição dada que o espanto era

fruto do desconhecimento da posição da Suprema Corte nos

últimos quarenta anos de sua existência.

Analisando a decisão do STF, no HC nº 34.827, a qual foi

exaltada pelo Desembargado Romero Jr., e foi relatada por

ninguém menos que o Ministro Nelson Hungria, denontam-se os

seguintes alicerces: "Tenho para mim, Senhor Presidente, que,

embora permitida pelo art. 73, VIII, da Constituição de Alagoas, a

"Comissão Judiciária" a que se refere o recorrente, não é ela

compatível com o Código de Processo Penal, pois este não

autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da

competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela

judiciária e membro do M.P. na investigação do crime (...)" e mais

adiante concede a ordem "(...) reconhecendo a nulidade ex radice

do processo instaurado contra o paciente (...)". (HC nº: 31.827

Alagoas 31/01/1957).

Para os que analisaram a decisão, restaria ainda uma

possível argumentação em favor da investigação presidida pelo

MP: ora, esta decisão foi arquitetada sob a égide de Constituições

passadas, quando ainda não vigorava o art. 129 da atual Carta

Magna, o qual redimensionou significativamente o status do

Parquet! Não há dúvida que o Ministério Público, enquanto

Instituição saiu, para o bem geral da sociedade, por demais

fortalecida, entretanto, não há que se cogitar com menor clamor

que a função policial saiu igualmente robustecida e sedimentada

com a regra esculpida no § 4º, do art. 144 da mesma Carta.

Tal conclusão não é fruto de uma construção "lógica", mas

sim das reiteradas decisões da Corte Suprema, a qual reafirmou de

forma rígida e inflexível sua jurisprudência das últimas quatro

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décadas, quando, após a Constituição Cidadã de 1988, novamente

foi chamada a dirimir este litígio, assim como se vê na seguinte

ementa: "Constitucional. Processual Penal. Ministério Público:

atribuições. Inquérito. Requisição de investigações. Crime de

desobediência. CF, art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º. I-

Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade

administrativa deixar de atender requisição de membro do

Ministério Público no sentido da realização de investigações

tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não

cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente,

tais investigações, mas requisita-las à autoridade policial,

competente para tal (CF, art. 144, §§ 1º e 4º).". (in. R.T.J. nº

173/640 grifamos).

O voto do Min. Carlos Velloso, relator da decisão, fortalece a

linha de raciocínio ora adotada. Senão vejamos: "Não vislumbro

qualquer ato de desobediência, porque o Delegado da Receita

Federal está sujeito à hierarquia administrativa própria, na qual não

se insere o órgão do Ministério Público Federal. A requisição de

diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve

dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder

de investigação do Ministério Público fora da excepcional

previsão da ação civil pública

(art. 129, III, CF). De outro modo,

haveria uma polícia paralela, o que não combina com a regra

do art. 129, VIII, CF,

segundo a qual o MP deve exercer, conforme

lei complementar, o controle externo da atividade policial"

(grifamos).

Recentemente tivemos mais uma demonstração da visão

sólida do STF quanto à mantença deste entendimento; é que o

Ministro Marco Aurélio, Presidente daquela Excelsa Corte, ao ser

indagado sobre a função do MP na relação processual, de forma

rígida e inflexível disse: "O Ministério Público, em si, é parte e não

atua no campo da percepção criminal como fiscal da lei. E, sendo

parte, deve ser preservada a postura de parte. É inconcebível que

se chegue à conclusão de que o Ministério Público deva, ele

próprio, atuar como parte e, também, como órgão investigador

das circunstâncias de um possível crime. A Constituição

Federal só prevê a titularidade do Ministério Público para o

inquérito em uma hipótese, uma única hipótese (enfatiza). É

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quando se tem um inquérito civil e jamais um inquérito criminal".

(In. Informativo da Federação Nacional dos Delegados de Polícia

Federal, ano I, nº 003, set/2000 - grifamos).

Merece ainda destaque, nas derradeiras linhas desta

humilde contribuição, que o TJ/RJ está longe de mudar o

entendimento inaugurado pelo Des. Silvio Teixeira, pois

recentemente a Seção Criminal, ao apreciar o HC nº 2458/2000,

julg em 27/09/2000 e publicado no DOERJ de 01/08/2001, fls

319/320, o qual foi relatado pelo Des. Eduardo Mayr, manteve-se

fiel a linha jurisprudencial da Suprema Corte ao reafirmar: "Habeas

Corpus. Investigação Penal. Atribuição da Polícia Judiciária. Ordem

Concedida. A proteção constitucional abrange não apenas a

liberdade, mas também a validade do procedimento do qual possa

resultar alguma restrição a este direito. Ao Ministério Público cabe

com exclusividade a iniciativa de propor a ação penal pública, mas

sua atribuição, "in poenalibus", não ultrapassa o poder de requisitar

diligências investigatórias, e a instauração de inquéritos policiais e

penal militar. Somente quando se cuidar de inquéritos civis é que

além da sua instauração compete-lhe à efetivação de diligências

investigatórias, com as medidas e procedimentos pertinentes".

Só quem está totalmente fora da realidade prática pode

afirmar que as investigações promovidas pelo MP serão mais

eficientes do que as de hoje. Aliás, bem se vê que ditos defensores

desconhecem que o Estado sequer fornece filmes para os

fotógrafos registrarem os locais de crimes ou mesmo a total

precariedade que se encontra, pelo menos no Rio de Janeiro, o

Instituto Médico Legal. Estes sim, os fatores que tem criado

dificuldades, e isto temos visto em nosso cotidiano, a escorreita

apuração dos indícios de autoria e materialidade de um crime. Ou

será que o simples fato do MP existir, por existir, por si só já

supriria tais carências materiais? É lógico que não.

O que se precisa neste país é seriedade e profissionalismo,

não atos heróicos isolados. Não bastam Delegacias Modernas e

coloridas, nem tampouco carros iluminados em comboio desfilando

alegoricamente pelas ruas mais movimentadas da cidade, porque

estas fachadas cedem diante da necessidade de uma polícia

técnica estruturada e bem preparada, mas está, a sociedade não

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vê piscando pelas ruas com suas lâmpadas coloridas nem suas

cores esfuziantes!

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7. Aprofundamento doutrinário e jurisprudencial: o entendimento

dos Tribunais Superiores a respeito das investigações do

Ministério Público.

Quando me contrariam, despertam-me a atenção, não a

cólera: aproximo-me de quem me contradiz e instrui. -

Michel de Montaigne

Preliminarmente, deveremos reviver uma discussão sistêmica do processo penal

mundial: quem promove a investigação preliminar à ação penal e qual a razão da

interferência desse sujeito processual? E, ainda, haverá a possibilidade de

contraditório na fase preliminar e, não havendo, em que medida as provas

deverão ser reproduzidas em juízo? Com estes duas indagações básicas,

poderemos discernir a conveniência e a inconveniência e sistemas diametralmente

opostos que as democracias ocidentais vivem. De imediato, deveremos observar

que nenhum sistema é, axiologicamente, melhor que o outro, sendo frágil em suas

desvantagens, simplesmente porque o Estado atual não tem condições de estar

presente com o aparato que perseguimos como ideal.

Objetivamente, podem cuidar/dirigir da instrução preliminar, à qual chamamos de

investigação criminal:

a) a Polícia Civil

contando com uma capilaridade expressivamente maior do que

os outros dois sujeitos processuais, juiz e promotor, a Polícia convive com mais

proximidade da população e tem mais flexibilidade para cuidar de delitos de

pequeno ou médio porte, sem maiores aparatos tecnológicos, podendo ser

rapidamente mobilizada, deslocada e reorientada para investigações especiais ou

ainda desdobrando-se em grupos especializados de atuação repressiva. A Polícia

convive diretamente com a comunidade, identificando nela de forma rápida e

eficiente os focos da eventual crise delitiva.

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Como crítica, por outro lado, aponta o renomado Dr. Aury Celso Lopes Jr:

a) A polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle

da criminalidade, e, em regra, representa a first-line enforcer da

norma penal. Por isso, dispõe de uma "discricionariedade de fato"

para selecionar as condutas a serem perseguidas. Esse espaço de

atuação está muitas vezes na zona cinza, no sutil limite entre o

lícito e o ilícito. Em definitivo, não se deve atribuir à polícia ainda

mais poderes (como a titularidade da instrução), mas sim exercer

um maior controle por parte dos juízes, tribunais e membros do

MP. A polícia deve ser um órgão auxiliar e não o titular da instrução

preliminar, pois quanto maior é o controle real dos Tribunais e do

MP sobre a atividade policial, menor é essa discricionariedade, e o

inverso também é verdadeiro.

b) A eficácia da atuação policial está associada a grupos

diferenciais, isto é, mostra-se mais ativa quando atua contra

determinados escalões da sociedade (obviamente os

inferiores) e distribui impunidade em relação à classe mais

elevada. Também a subcultura policial possui seus próprios

modelos preconcebidos: estereótipo de criminosos potenciais e

prováveis; vítimas com maior ou menor verossimilitude; delitos que

"podem" ou não ser esclarecidos, etc. O tratamento do imputado é

diferenciado, e conforme ele se encaixe ou não no perfil prefixado,

o tratamento policial será mais brando e negligente ou mais

rigoroso. Essa última situação é constantemente noticiada, em que

a polícia, frente ao "perfil de autor ideal" daquela modalidade de

delito, atua com excessivo rigor e inclusive age ilicitamente, para

alcançar todos os meios de incriminação (muitas vezes

inexistentes). Assim são cometidas as maiores barbáries,

refletindo-se nas elevadas cifras da injustiça da atuação policial.

c) A polícia está muito mais suscetível de contaminação

política (especialmente os mandos e desmandos de quem

ocupa o governo) e de sofrer a pressão dos meios de

comunicação. Isso leva a dois graves inconvenientes: a

possibilidade de ser usada como instrumento de perseguição

política e as graves injustiças que comete no afã de resolver

rapidamente os casos com maior repercussão nos meios de

comunicação.

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d) O baixo nível cultural e econômico de seus agentes faz com

que a polícia seja um órgão facilmente pressionável pela

imprensa, por políticos e pelas camadas mais elevadas da

sociedade. Também é responsável pelo embrutecimento da

polícia e o completo desprezo dos direitos fundamentais do

suspeito, que de antemão já é considerado como culpado pela

subcultura policial. Por fim, a credibilidade de sua atuação é

constantemente colocada em dúvida pelas denúncias de corrupção

e de abuso de autoridade.

Toda essa gama de problemas que possui a instrução policial leva

ao necessário descrédito probatório do material recolhido e à

necessidade de completa repetição em juízo. Pior ainda, não

cumpre com sua função principal: aclarar em grau de probabilidade

a notícia-crime para fundamentar o processo ou o não-processo.

Em nosso sentir, não divergimos objetivamente das ponderações lançadas pelo

ilustre docente da Universidade Federal de Rio Grande, doutor em Direito

Processual pela madrilenha universidade. Entretanto, há que se perquirir se estes

problemas apontados pelo insigne professor podem ser sanados de alguma forma,

enfim...se são estruturais ou conjunturais. Fossem eles estruturais, a crise não

seria do inquérito policial, como fez notar em seu ensaio A crime do Inquérito

Policial: breve análise dos sistemas de investigação preliminar em processo

penal , seria da própria polícia, incapaz de superar estes dilemas apontados.

Vejamos: o grau de escolaridade dos policiais é, deveras, mais baixo do que

juízes e promotores, assim como a insuficiência técnica dos agentes é patente,

além da brutalidade e arbítrio notáveis em inúmeras pesquisas e nos folhetins

policiais.

É bem verdade que a permeabilidade da polícia à corrupção, ao tratar do crime

organizado que lida com patrimônios vultosos é, igualmente, maior, sendo

suscetível de pressões tanto do crime como da mídia, como até mesmo do poder

político a que, eventualmente, esteja a polícia submetida. Em remate, não

podemos deixar de concordar que esse conjunto sombrio e depreciativo do

trabalho policial redunda numa repetição dos atos investigativos perante o

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Judiciário. Todavia, pergunta-se: afinal de contas, temos aqui uma crise estrutural

ou conjuntural?

b) O Juiz Instrutor

munido de alta técnica processual, o magistrado portador de

todas as garantias institucionais, saberia exatamente onde buscar elementos

suficientes a embasar a acusação penal. Com a força da jurisdição, seria bastante

eficiente na colheita de provas para a instauração de denúncias, sobretudo em

desfavor de organizações criminosas. Teríamos com a figura do juiz instrutor o

aproveitamento de todas as provas coligidas na investigação preliminar, por uma

jurisdicionalização do inquérito. No entanto, críticas contundentes poderão ser

levantadas, como competentemente o faz o Prof. Dr. Aury Celso Lopes Jr:

a) É um modelo superado e intimamente relacionado à figura

histórica do juiz inquisidor, pois sua estrutura outorga a uma

mesma pessoa as tarefas de (ex officio) investigar, proceder à

imputação formal (o que representa uma acusação lato sensu) e

inclusive defender. Isso levou a uma crisis de la instrucción

preparatoria y del juez instructor, pois esse modelo é apontado

como o mais grave impedimento à plena consolidação do sistema

acusatório.

b) O grave inconveniente que representa o fato de uma mesma

pessoa decidir sobre a necessidade de um ato de investigação

e valorar a sua legalidade. Nesse sentido, a Exposição de

Motivos do Código Processual Modelo para Ibero-América aponta

que "não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se

transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em

um guardião zeloso da segurança individual; o bom inquisidor mata

o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor".

c) Transforma o processo penal (lato sensu) em uma luta

desigual entre o inquirido, o juiz-inquisidor, o promotor e a

polícia judiciária. Essa patologia judicial 13 acaba por criar uma

grave situação de desamparo, pois se o juiz é o investigador, quem

atuará como garante?

d) Por vício inerente ao sistema, a instrução judicial tende a se

transformar em plenária, comprometendo seriamente a celeridade

que deve nortear a fase pré-processual.

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e) Representa uma gravíssima contradição lógica, pois o juiz

investiga para o promotor acusar, e o pior, muitas vezes contra

ou em desacordo com as convicções do titular da futura ação

penal. Em definitivo, se a instrução preliminar é uma atividade

preparatória que deve servir, basicamente, para formar a opinio

delicti do acusador público, deve estar a cargo dele e não de um

juiz, que não pode e não deve acusar.

f) Gera uma confusão entre as funções de acusar e julgar, com

inegável prejuízo para o processo penal.

g) Por fim, outro grave problema da instrução judicial está no

fato de converter a instrução preliminar em uma fase geradora

de provas, algo absolutamente inaceitável frente ao seu caráter

inquisitivo. A maior credibilidade que normalmente geram os atos

do juiz instrutor pode levar a que a prova não seja produzida no

processo, mas meramente ratificada. O resultado final é a

monstruosidade jurídica de valorar na sentença elementos

recolhidos em um procedimento preliminar em que predomina o

segredo e a ausência de contraditório e defesa. Não se pode

olvidar que a instrução preliminar serve para aclarar o fato em grau

de probabilidade, e está dirigida a justificar o processo ou o não-

processo, jamais para amparar um juízo condenatório.

c) O Ministério Público

aparentemente, temos aqui a melhor forma de debelar,

de um lado, as críticas à ineficiência policial e, de outro, à parcialidade resultante

do juiz instrutor. O Parquet, independente orçamentária e funcionalmente e

destinatário do atual inquérito policial, poderia muito bem assumir ele mesmo o

encargo da investigação criminal, sobretudo dos crimes que envolvam

organizações políticas, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e armas, sonegação

fiscal e crimes contra a ordem financeira em geral. No entender daquele mestre já

citado com o qual tomamos a liberdade de dialogar, eis a conveniência estrutural

da investigação criminal direta a ser presidida pelo Ministério Público:

Como "principais vantagens" da instrução preliminar a cargo do

MP, destacamos:

a) Representa uma aproximação à estrutura dialética do processo,

apesar de algumas naturais limitações da publicidade e do

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contraditório (que seriam inerentes à própria natureza da instrução

preliminar).

b) Essa instrução preliminar do acusador é uma imposição do

sistema acusatório, pois mantém o juiz longe da investigação e

garante a sua imparcialidade (ao juiz cabe julgar e não investigar).

Com isso, cumpre-se com os postulados garantistas do nullum

iudicium sine accusatione e ne procedat iudex ex officio. Em última

análise, o sistema fortalece a figura do juiz, cuja atividade na

instrução fica reservada a julgar (decidindo sobre as medidas

restritivas e a admissão da própria acusação).

c) A imparcialidade do MP leva à crença de que a investigação

buscará aclarar o fato a partir de critérios de justiça, de modo que o

promotor agirá para esclarecer a notícia-crime resolvendo justa e

legalmente se deve acusar ou não. Inclusive deverá diligenciar

para obter também eventuais elementos de descargo, que

favoreçam a defesa. Na síntese de GUARNIERI, 18 o MP

constituye una figura que si bien tiene el cuerpo de parte, ofrece el

alma de juez.

d) A própria natureza da instrução preliminar, como atividade

preparatória ao exercício da ação penal, deve,

necessariamente, estar a cargo do titular da ação penal. Por

isso, deve ser uma atividade administrativa dirigida por e para o

MP, sendo ilógico que o juiz (ou a polícia em descompasso com o

MP) investigue para o promotor acusar. Em resumo, melhor acusa

quem por si mesmo investiga.

e) Como atividade destinada a formar um juízo sobre o

processo ou o não-processo, a instrução preliminar a cargo do

MP tende a ser, verdadeiramente, uma cognição sumária. Com

isso, também se evita que os atos de investigação sejam

considerados como atos de prova e, por conseqüência, valorados

na sentença.

f) A impossibilidade de que o MP adote medidas restritivas de

direitos fundamentais distribui melhor o poder (antes concentrado

nas mãos do juiz instrutor) e permite criar a figura do juiz garante

da instrução, como instância judicial de controle da legalidade dos

atos de investigação. Em suma, representa uma melhor

distribuição do poder, e com isso beneficia a situação jurídica do

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sujeito passivo e evita o autoritarismo típico da estrutura inquisitiva

do juiz instrutor.

Com a máxima vênia do distinto professor, quer-nos parecer que este adotou a

teoria do sofá : flagrando a mulher o traindo com outro, no sofá da sala, o marido

traído troca o sofá, ao contrário de separar-se da mulher. Ou ainda, num

atrevimento ainda mais sarcástico, diríamos que os doutrinadores que pensam

nessas bases de lógica ainda não perceberam que não é o rabo que balança o

cachorro e sim o contrário, isto é, a ótica sobre a problematização encontra-se

profundamente viciada pelo apego aos efeitos e não as causas.

Ora, se o policial não é preparado, não é tecnicamente suficiente, não empreende

um trabalho juridicamente aproveitável e à contento, está mais exposto à

corrupção do crime organizado, é óbvio que o problema não é propriamente da

Polícia, enquanto Instituição e sim do Estado, incapaz, incompetente, comandado

por agentes pervertidos (estes sim), que preferem não investir justamente nos

pontos que o notável doutrinador já enumerou. A crítica à Polícia geralmente parte

sempre daquele profissional que se enfurna nos gabinetes refrigerados, seja para

trabalhar, seja para estudar e não convive com o drama realista que o pauperismo

estatal impõe.

Os críticos da Polícia ineficiente jamais ficaram sem combustível, munição, coletes

blindados, carros com proteção especial, escolta própria, computadores e pessoal

de apoio. E mais: os críticos do aparato policial certamente são bancados pelo

Estado para cursos de especialização, com viagens e estadias pagas, ou

mestrados e doutorados no exterior, portando autorizações especiais para gastos,

tudo devidamente patrocinado pelos cofres públicos. Em outras palavras

a

crítica torna-se muito fácil, quando da imperfeição estamos longe.

Trata-se de problemas conjunturais, facilmente sanáveis, caso o Estado não

prefira trilhar pela miopia a que está acostumado a enxergar: ao contrário de

ignorar a Carta Magna, ao conferir a um promotor ou a um juiz, o poder de

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instrução preliminar, deveria o Poder Público mexer-se com o fito de capacitar um

órgão profundamente desprestigiado pela sociedade que é a Polícia. Havendo

cursos, concursos, contratações, investimentos e, sobretudo, OS MESMOS

SALÁRIOS QUE AUFEREM OS CRÍTICOS DA POLÍCIA, certamente os agentes

policiais teriam condições para refutar as críticas com um trabalho de maior

qualidade.

A bem da verdade, não julgamos impossível a hipótese do Ministério Público

investigar crimes, de forma direta. Mas, para que esta hipótese fosse aventada em

nosso sistema constitucional garantista, deveríamos realizar não só emenda

constitucional como instituir o magistrado garantidor, que cuidaria especificamente

do controle dos procedimentos preparatórios, impondo balizas as ações

ministeriais. O QUE NÃO SE PODE PERMITIR É QUE UM ÓRGÃO COM O

GRAU CONSTITUCIONAL DE INDEPENDÊNCIA COMO O MINISTÉRIO

PÚBLICO POSSA LEVAR À CABO UMA INVESTIGAÇÃO UNILATERAL, SEM

NENHUMA LIMITAÇÃO. É, em outras palavras, franquear o arbítrio, desta vez

não abrutalhado, não ignorante, não popularesco, mas pior: um abuso com

extremado requinte de sofisticação, grau de escolaridade e de profissionalismo.

Tanto que ao MP não interessa cuidar de crimes de pequena e média monta, mas

apenas daqueles em que a imprensa certamente irá dar ampla cobertura.

A pergunta é simples: mais preparada, nos vários matizes de ordem técnica,

funcional e remuneratória, por que não pode a Polícia fazer frente ao crime

organizado, como o Ministério Público quer fazer parecer, a fim de descredenciá-

la? Com o prof. Aury Lopes Jr, comungamos num ponto: havendo juiz instrutor em

nosso modelo processual penal, previamente habilitado a jurisdicionar sobre a

investigação, conduzida seja pelo MP, seja pela Polícia, seria de sua atribuição,

no entender daquele renomado doutrinador:

Em síntese e seguindo a DRAGONE, ao juiz garante da instrução

preliminar incumbe:

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a) Função de garantia da liberdade pessoal e da liberdade das

comunicações.

b) Controle da duração da instrução preliminar e dos requisitos

formais da ação penal exercida pelo MP (na fase intermediária

contraditória).

c) Garantia da formação antecipada da prova no respectivo

incidente probatório.

d) Função de decisão e controle do resultado da instrução

preliminar na audiência contraditória que forma a fase

intermediária.

De outro lado, muito mais objetivo e realista, situa-se Jader Marques, advogado

criminalista em seu ensaio8 Da ilegalidade da investigação preliminar promovida

8 Assim, tem-se que a atividade preliminar, representada pela investigação só pode ser presidida por delegado de polícia.

AURY LOPES JÚNIOR, 2 ao dissertar sobre o assunto, faz severas críticas ao modelo que legitima a investigação

preliminar presidida pelo MP: Como parte acusadora, não pode assumir a investigação preliminar, sob pena de transformá-

la numa atividade puramente voltada para a acusação, com gravíssimos inconvenientes para o sujeito passivo. Por

derradeiro, o modelo causa sérios prejuízos para a defesa e gera a desigualdade das partes no futuro processo. Atribuir ao

MP a direção da investigação preliminar significa dizer que a fase pré-processual não servirá para preparar o processo,

informando à acusação, à defesa e também ao juiz, senão que será uma via de mão única: serve somente para a

acusação .

RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA, 3 ao tecer comentários sobre o tema, cita decisão pertinente ao caso: Ministério

Público. Impedimento de seus Órgãos. Nulidade da Denúncia. O membro do MP que atua na fase inquisitorial, apurando

pessoalmente os fatos, torna-se impedido para oficiar como promotor da ação penal (inteligência dos arts. 252, I, e 258, do

CPP). Nula, portanto, é a denúncia ofertada se inobservado esse aspecto . (EJTJAP, v. 1, n. 1, p. 91)

MARCELO CAETANO GUAZZELLI PERUCHIN 4 faz uma percuciente avaliação do tema, em seu ensaio intitulado Da

ilegalidade da investigação criminal exercida, exclusivamente, pelo MP no Brasil, no qual principia questionando: Seria

constitucionalmente válida uma investigação criminal realizada exclusivamente pelo Ministério Público? Seria ou não

exclusiva a atribuição da Polícia Judiciária para realizar atos de investigação criminal? O exercício do controle externo da

atividade policial, pelo MP, autorizaria a substituição da autoridade policial pelo órgão do Parquet na presidência do IP?

Consoante é consabido, a CF/88, ao dispor sobre o MP, em seu Título IV, Capítulo IV, Seção I (arts. 127 a 130), mais

especificamente no art. 129, VII, estabeleceu como uma de suas funções institucionais o controle externo da atividade

policial, nos seguintes termos: exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada

no artigo anterior . A mencionada lei complementar surgiu em 1993, qual seja a LC 75/93, a qual a seguir examinaremos.

Porém, cortejando-se o dispositivo constitucional citado com o art. 144, § 1º, IV e § 4º da mesma CF já é possível alcançar

uma importante leitura da matéria em questão. No primeiro deles, ao regular a instituição da polícia federal, disciplina a

Carta Maior: A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em

carreira, destina-se: ... exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (art. 144, § 1º, IV, da CF grifo

nosso). Logo adiante, no art. 144, § 4º, da CF, consta a seguinte previsão: Às polícias civis, dirigidas por delegados de

polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de

infrações penais, exceto as militares (grifo nosso).

Portanto, é de clareza insofismável que a CF/88 previu a expressa exclusividade dos atos de investigação criminal à Polícia

Judiciária, não tendo feito qualquer ressalva no tocante à previsão de tal atribuição a nenhum outro órgão, nem mesmo ao

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pelo Ministério Público . Nele, reverbera contra o já conhecido salvacionismo

reacionário ministerial.

Passemos à análise da jurisprudência dos Pretórios Superiores. Nos julgados,

poderemos constatar tendência clara em se admitir diligência investigatória do

Ministério Público do Superior Tribunal de Justiça e outra forte reação em sentido

contrário, no Supremo Tribunal de Justiça. Deveremos nos abster de listar a

jurisprudência do STF, há que a transcrevemos em diversos momentos deste

trabalho, concentrando-nos na dicção do Superior Tribunal de Justiça:

RHC 15235 / RS ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0198812-4 HABEAS

CORPUS.

RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. TRANCAMENTO

DA AÇÃO PENAL. NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO DO MP. DENÚNCIA GENÉRICA.

ATIPICIDADE. MATÉRIA MERITÓRIA. PRETENSÃO À TRANSAÇÃO PENAL. CONDUTA CUJA

PENA ULTRAPASSA O LIMITE LEGAL. TESE INSUBSISTENTE.

A titularidade plena do Ministério Público ao exercício da ação penal, como preceitua o inciso I, do

artigo 129, da Constituição Federal, necessariamente legitima a sua atuação concreta na atividade

investigatória, bem como o material probatório produzido. Cuidando-se de crime societário, a

jurisprudência tem afrouxado o entendimento acerca dos termos do art. 41, do CPP, para permitir

uma descrição genérica dos fatos pela denúncia e submeter os detalhes da participação do

acusado à fase instrutória. O trancamento de ação penal exige a comprovação incontroversa do

direito do acusado e, do mesmo modo, em sede de habeas corpus não se acolhe discussão de

cunho eminentemente meritório, isto é, que necessita da incursão probatória e da via cognitiva

plena, mesmo que ao argumento da atipicidade. Segundo a nova roupagem dos crimes de menor

potencial ofensivo instituída pelo parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.259/01, o direito à

transação penal se dá quando diante de conduta cuja pena privativa máxima prevista não exceda

MP, a quem foi incumbida a promoção da ação penal pública (art. 129, I), e o aludido controle externo da atividade policial

(art. 129, VII), dentre outras funções.

Dito isso, impende demonstrar-se que o exercício do referido controle externo pelo Parquet não se traduz nem poderia ser

constitucionalmente confundido

com substituição da autoridade policial na presidência do inquérito policial, atribuição

exclusiva desta, repita-se. O que se quer sustentar é que o exercício do controle externo da atividade policial, pelo MP, não

afasta, em absoluto, a exclusividade dada pela CF à Polícia Judiciária, para a realização da investigação criminal, no curso

do procedimento inquisitorial denominado IP, dentro do qual os atos (administrativos) processuais de investigação são

desenvolvidos .

A Segunda Turma do STF 5 vem decidindo que o MP não pode efetuar investigação criminal diretamente, por ser esta uma

atribuição exclusiva da Polícia Judiciária, somente sendo lícito ao órgão ministerial a condução de inquéritos civis.

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dois anos, sendo indiferente a indicação de multa alternativa nos casos acima do patamar

reclusivo.

Recurso desprovido.

HC 30832 / PB ; HABEAS CORPUS 2003/0176205-2. HABEAS CORPUS. CRIME DE

RESPONSABILIDADE. PREFEITO. DL 201/67. ARGÜIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA E

OCORRÊNCIA DE NULIDADES. INOCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO.

IMPOSSIBILIDADE.

1. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de

expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º 75/93.

É consectário lógico da própria função do órgão ministerial titular exclusivo da ação penal pública

-, proceder a coleta de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os

indícios de autoria.

2. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas.

Inteligência do art. 4º, § único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ.

3. Não há diferenciação típica entre o crime definido no art. 1º, inc. I, do Decreto-lei n.º 201/67 e o

disposto no art. 312, do Código Penal, porquanto ambos cuidam de apropriação ou desvio de bens

públicos ou rendas públicas, em proveito do agente ou de terceiros.

4. Se a modificação na classificação do crime pelo despacho que recebeu a denúncia, foi feita a

requerimento do Ministério Público, não há nulidade a ser reconhecida.

5. Em se tratando de elementar do crime de peculato, é perfeitamente admissível, segundo o texto

do art. 30 do Código Penal, a comunicação da circunstância da função pública aos co-autores e

partícipes do crime, inclusive quanto àquele estranho ao serviço público.

6. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas

corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca,

a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias

essas, in casu, não evidenciadas.

7. Ordem denegada.

HC 32339 / PR ; HABEAS CORPUS. 2003/0224970-6

HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO E FUGA DE PRESO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.

INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRETENSÃO DE NULIDADE. INCOMPETÊNCIA

DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MÚNUS DA ATIVIDADE POLICIAL. INOCORRÊNCIA.

TITULARIDADE PLENA DO DOMINUS LITIS. ART. 129 DA CF.

A titularidade plena do Ministério Público ao exercício da ação penal, como preceitua o inciso I, do

artigo 129, da Constituição Federal, necessariamente legitima a sua atuação concreta na atividade

investigatória, bem como o material probatório produzido. A promoção investigatória do órgão

acusatório, nos termos do comando constitucional, reveste-se de legalidade, sobretudo porque lhe

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é conferida, a partir dela, a indicação necessária à formação da opinião sobre o delito. Por outro

lado, a concepção vinculativa da atividade investigatória na figura da polícia judiciária contraria as

próprias bases do nosso ordenamento jurídico, porquanto o modelo pátrio se vincula ao chamado

sistema processual, no qual o inquérito é precedente do contraditório, isto é, representa atividade

inquisitorial à parte da ação penal, e não se sujeita às nuanças formais da ampla defesa.

Ordem denegada

RHC 10947 / SP ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2001/0001504-2

RHC. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO INSTAURADO PELO MP. ACUSAÇÃO A AGENTE

DA AUTORIDADE POLICIAL. AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO.

1. Ao Ministério Público, em princípio, não compete a abertura e condução, com colheita de

provas, do inquérito policial, mas, apenas, a teor da norma constitucional do inc. VIII, do art. 129,

"requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os

fundamentos jurídicos de sua manifestação". Neste sentido, precedente do STF - RE 205.473-9.

2. Em se tratando, porém, de procedimento com o fito de apurar fatos reputados delituosos, cuja

autoria é atribuída a integrante da organização policial, cuja atividade é controlada externamente

pelo Ministério Público, in thesi, não existe nenhuma antinomia nesta atuação, cifrada na promoção

da investigação pela Promotoria de Justiça.

3. O objeto do controle externo da atividade policial é exercido, segundo prestigiosa corrente, entre

outras áreas, sobre a apuração de crimes em que são envolvidos os próprios policiais.

4. Compatível legalmente o procedimento investigatório, sua eventual irregularidade, por outro

lado, por invasão das atribuições da Polícia Judiciária pelo Ministério Público, em nada repercute

ou afeta a ação penal, mesmo porque o inquérito não é essencial ao oferecimento da denúncia,

dele podendo prescindir a acusação, caso, evidentemente, disponha de dados suficientes e

necessários à caracterização da materialidade e autoria da infração penal, segundo pacífico

entendimento pretoriano.

5. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.

Classe: RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

10947. Processo:

200100015042 UF: SP Órgão Julgador: SEXTA TURMA RHC. PROCEDIMENTO

INVESTIGATÓRIO INSTAURADO PELO MP. ACUSAÇÃO A

AGENTE DA AUTORIDADE POLICIAL. AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO.

1. Ao Ministério Público, em princípio, não compete a abertura e condução, com colheita de

provas, do inquérito policial, mas, apenas, a teor da norma constitucional do inc. VIII, do art. 129,

"requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os

fundamentos jurídicos de sua manifestação". Neste sentido, precedente do STF - RE 205.473-9.

2. Em se tratando, porém, de procedimento com o fito de apurar fatos reputados delituosos, cuja

autoria é atribuída a integrante da organização policial, cuja atividade é controlada externamente

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pelo Ministério Público, in thesi, não existe nenhuma antinomia nesta atuação, cifrada na promoção

da investigação pela Promotoria de Justiça.

3. O objeto do controle externo da atividade policial é exercido, segundo prestigiosa corrente, entre

outras áreas, sobre a apuração de crimes em que são envolvidos os próprios policiais.

4. Compatível legalmente o procedimento investigatório, sua eventual irregularidade, por outro

lado, por invasão das atribuições da Polícia Judiciária pelo Ministério Público, em nada repercute

ou afeta a ação penal, mesmo porque o inquérito não é essencial ao oferecimento da denúncia,

dele podendo prescindir a acusação, caso, evidentemente, disponha de dados suficientes e

necessários à

caracterização da materialidade e autoria da infração penal, segundo pacífico entendimento

pretoriano.

5. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.

RHC N.º 11670-RS

- PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DISPENSABILIDADE. PROPOSIÇÃO DE

AÇÃO PENAL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE.

DENÚNCIA. DESPACHO DE RECEBIMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO

OCORRÊNCIA. INÉPCIA. INEXISTÊNCIA. CRIME EM TESE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO.

IMPOSSIBILIDADE.

Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para

propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de

eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais,

submetidos ao controle externo do órgão ministerial. (...) . (RHC n.º 11670-RS, Rel. Min. Fernando

Gonçalves, DJ 04-02-02).

Classe: RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 4074

Processo: 199400333498 UF: PR Órgão Julgador: SEXTA TURMA

Data da decisão: 28/11/1994 Documento: STJ000081345

PROCESSUAL PENAL. IMPEDIMENTO MINISTERIO PUBLICO E JUIZ DE DIREITO.

I- A ATUAÇÃO DO PROMOTOR NA FASE INVESTIGATORIA - PRE-PROCESSUAL - NÃO O

INCOMPATIBILIZA PARA O EXERCICIO DA CORRESPONDENTE AÇÃO PENAL.

II - AS CAUSAS DE SUSPEIÇÃO E IMPEDIMENTO SÃO EXCLUSIVAMENTE AQUELAS

ELENCADAS "EXPRESSIS VERBIS" NOS ARTIGOS 252 E 254, DO PP. O ROL E TAXATIVO,

NÃO PODE SER AMPLIADO.

III - DESPICIENDAS AS ALEGAÇÕES DE IMPEDIMENTO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA E DO

JUIZ DE DIREITO, EIS QUE NÃO SE ENQUADRAM NAS PREVISÕES LEGAIS.

IV - PREJUIZO INDEMONSTRADO.

V - RECURSO IMPROVIDO.

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Classe: CA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES

22. Processo: 199100212628 UF: SP Órgão

Julgador: TERCEIRA SEÇÃO Data da decisão: 05/12/1991 Documento: STJ000018545.

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETENCIA.

I) CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE AUTORIDADE POLICIAL FEDERAL E

REPRESENTANTE DO MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INSTAURADO PORQUE O ULTIMO

ESTARIA TENTANDO USURPAR ATRIBUIÇÕES DO PRIMEIRO, AO SE IMISCUIR

INDEVIDAMENTE NA CONDUÇÃO DE INQUERITO POLICIAL.

II) LIMINAR CONCEDIDA EM CORREIÇÃO PARCIAL PELO JUIZ CORREGEDOR DO TRIBUNAL

REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO A PROCURADORIA DA REPUBLICA PARA ASSEGURAR-

LHE NÃO SOMENTE VISTA DOS AUTOS DO INQUERITO POLICIAL COMO TAMBEM

GARANTIR-LHE O PLENO EXERCICIO DE FUNÇÕES INSTITUCIONAIS E RESERVADOS AO

"PARQUET" NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL

E REQUISIÇÃO DE DILIGENCIAS INVESTIGATORIAS (ART. 129, VII E VIII), OBSTACULIZADO

PELO MM. JUIZ FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU.

III) DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO CORRECIONAL, PELO MM. JUIZ FEDERAL DE

PRIMEIRO GRAU, QUE SUGERIU A AUTORIDADE POLICIAL A ARGUIÇÃO DO CONFLITO.

INVIABILIDADE DO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES, POR NÃO FIGURAR EM QUALQUER DE

SEUS POLOS UMA AUTORIDADE JUDICIARIA, RESOLVENDO-SE A PENDENCIA NO AMBITO

DISCIPLINAR DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL.

IV) CONFLITO NÃO CONHECIDO.

STJ REsp 402.419 RO 6ª T. Rel. Min. Hamilton Carvalhido DJU 15.12.200312.15.2003

Desclassificação. Homicídio culposo. Estrito cumprimento do dever legal. Art. 284 do Código de

Processo Penal. Norma de exceção. Poder investigatório do MP. O art. 284 do CPP é norma de

exceção, enquanto permissiva de emprego de força contra preso, que não admite, por força de sua

natureza, interpretação extensiva, somente se permitindo, à luz do direito vigente, o emprego de

força, no caso de resistência à prisão ou de tentativa de fuga do preso, hipótese esta que em nada

se identifica com aqueloutra de quem, sem haver sido alcançado pela autoridade ou seu agente,

põe-se a fugir. Não há falar em estrito cumprimento do dever legal, precisamente porque a lei

proíbe à autoridade, aos seus agentes e a quem quer que seja desfechar tiros de revólver ou

pistola contra pessoas em fuga, mais ainda contra quem, devida ou indevidamente, sequer havia

sido preso efetivamente. O resultado morte, transcendendo embora o animus laedendi do agente,

era plenamente previsível, pela natureza da arma, pelo local do corpo da vítima alvejado e pelas

circunstâncias do fato, havendo o recorrido, em boa verdade, tangenciado o dolo eventual. Ao

direito penal se comete a função de preservar a existência mesma da sociedade, indispensável à

realização do homem como pessoa, seu valor supremo. Há de ser mínimo e subsidiário. O respeito

aos bens jurídicos protegidos pela norma penal é, primariamente, interesse de toda a coletividade,

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sendo manifesta a legitimidade do poder do Estado para a imposição da resposta penal, cuja

efetividade atende a uma necessidade social. Daí por que a ação penal é pública e atribuída ao

MP, como uma de suas causas de existência. Deve a autoridade policial agir de ofício. Qualquer

do povo pode prender em flagrante. É dever de toda e qualquer autoridade comunicar o crime de

que tenha ciência no exercício de suas funções. Dispõe significativamente o art. 144 da CR que A

segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio . Não é, portanto,

da índole do direito penal a feudalização da investigação criminal na polícia e a sua exclusão do

MP. Tal poder investigatório, independentemente de regra expressa específica, é manifestação da

própria natureza do direito penal, da qual não se pode dissociar a da instituição do MP, titular da

ação penal pública, a quem foi instrumentalmente ordenada a polícia na apuração das infrações

penais, ambos sob o controle externo do Poder Judiciário, em obséquio do interesse social e da

proteção dos direitos da pessoa humana. Em nossa compreensão, é esse o sistema de direito

vigente. Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra de seu art. 144, a

CR não fez da investigação criminal uma função exclusiva da polícia, restringindo-se, como se

restringiu, tão-somente a fazer exclusivo da Polícia Federal o exercício da função de polícia

judiciária da União (§ 1º, IV). Essa função de polícia judiciária

qual seja, a de auxiliar do Poder

Judiciário , não se identifica com a função investigatória, qual seja, a de apurar infrações penais,

bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre outras disposições, do preceituado

no § 4º do art. 144 da CF, verbis: § 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de

carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as militares . Tal norma constitucional, por fim, define, é

certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade. O

poder investigatório que, pelo exposto, se deve reconhecer, por igual, próprio do MP é, à luz

da disciplina constitucional, da espécie excecional, fundada na exigência absoluta de

demonstrado interesse público ou social. O exercício desse poder investigatório não é, por

óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal particular, no que

couber, analogicamente, ao CPP, sobretudo na perspectiva da proteção dos direitos

fundamentais e da satisfação do interesse social, que impedem a reprodução simultânea de

investigações, reclamam o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e determinam a

obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a observância das normas legais relativas ao

impedimento, à suspeição e à prova e sua produção. Em figurando autoridade policial ou seu

agente como sujeito ativo do delito, levado a cabo a pretexto de cumprimento de dever legal, é

óbvia a legitimidade do Ministério Público, na dupla perspectiva da proteção dos direitos

fundamentais e da satisfação do interesse social, que mais se potencializam à luz do seu dever-

poder de exercer o controle externo da atividade policial (CR, art. 129, VII). (STJ

REsp 402.419

RO 6ª T. Rel. Min. Hamilton Carvalhido DJU 15.12.200312.15.2003)

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Conscientes da responsabilidade em se tratar um tema tão polêmico, sobre estas

mesmas teses desenvolvidas no seio do STJ, temos um contraponto elaborado

pelo magistrado Alexandre Dias Teixeira que, competentemente, discorre como

voz divergente à jurisprudência reinante em sentido oposto:

Apesar destes fortes argumentos em favor da presidência

das investigações por parte Ministério Público, ousaremos divergir

deste raciocínio para afirmar, assim como o fez o Desembargador

Silvio Teixeira, que a investigação é hoje ato privativo da Polícia

Judiciária, não importando com isso assumir, assim como alega o

digno Promotor, as vestes de quem pretende "Manietar o promotor

de justiça em sua atuação na área criminal(...)". Muito pelo

contrário, o anseio é reestruturar o sistema processual penal

brasileiro para: a) colocar cada operador do direito em seu devido

lugar (parece-nos óbvio que só o delegado de polícia e seus

agentes é que têm a habilidade profissional para promover a

investigação, já que foram treinados e preparados durante toda

uma vida para este tipo de trabalho; b) afastar toda e qualquer

possibilidade de usurpação das funções e c) repelir atos heróicos

isolados, os quais restaram exteriorizados em forma de chacota

recentemente pela mídia nacional.

Exteriorizada a decisão do Desembargador Silvio Teixeira,

apressaram-se cegamente aqueles que defendem as investigações

Ministeriais em rotulá-la de espantosa; quiçá teratológica. A

resposta veio em alto e bom tom já nos Embargos Declaratórios

interpostos perante a mesma 1ª Câm. Crim. do TJRJ, quando um

dos maiores processualistas deste Tribunal, o Desembargador

Jorge Alberto Romeiro Jr., relator designado, afirmou: "Dessarte,

se insistir nesse procedimento não autorizado ope legis, correrá o

órgão fiscal da lei o risco de vê-lo sujeitado, inclusive, ao vexame

de uma formal declaração de invalidade, conforme lição antiga de

nossa Suprema Corte: "É nulo o inquérito policial presidido por um

promotor público, notadamente para autorizar a prisão preventiva."

(Ac. STF, Pleno, de 28.05.1951, publ. DJU de 25.04.1955, Apenso,

pág. 1530)." (grifamos

Proc. nº 1996.059.00615, Embargos

Declaratórios nº 615/96, 1ª Câm Crim/TJRJ). Portanto, denota-se

na lição dada que o espanto era fruto do desconhecimento da

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posição da Suprema Corte nos últimos quarenta anos de sua

existência.

Analisando a decisão do STF, no HC nº 34.827, a qual foi

exaltada pelo Desembargado Romero Jr., e foi relatada por

ninguém menos que o Ministro Nelson Hungria, denontam-se os

seguintes alicerces: "Tenho para mim, Senhor Presidente, que,

embora permitida pelo art. 73, VIII, da Constituição de Alagoas, a

"Comissão Judiciária" a que se refere o recorrente, não é ela

compatível com o Código de Processo Penal, pois este não

autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da

competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela

judiciária e membro do M.P. na investigação do crime (...)" e mais

adiante concede a ordem "(...) reconhecendo a nulidade ex radice

do processo instaurado contra o paciente (...)". (HC nº: 31.827

Alagoas 31/01/1957).

Para os que analisaram a decisão, restaria ainda uma

possível argumentação em favor da investigação presidida pelo

MP: ora, esta decisão foi arquitetada sob a égide de Constituições

passadas, quando ainda não vigorava o art. 129 da atual Carta

Magna, o qual redimensionou significativamente o status do

Parquet! Não há dúvida que o Ministério Público, enquanto

Instituição saiu, para o bem geral da sociedade, por demais

fortalecida, entretanto, não há que se cogitar com menor clamor

que a função policial saiu igualmente robustecida e sedimentada

com a regra esculpida no § 4º, do art. 144 da mesma Carta.

Só quem está totalmente fora da realidade prática pode

afirmar que as investigações promovidas pelo MP serão mais

eficientes do que as de hoje. Aliás, bem se vê que ditos defensores

desconhecem que o Estado sequer fornece filmes para os

fotógrafos registrarem os locais de crimes ou mesmo a total

precariedade que se encontra, pelo menos no Rio de Janeiro, o

Instituto Médico Legal. Estes sim, os fatores que tem criado

dificuldades, e isto temos visto em nosso cotidiano, a escorreita

apuração dos indícios de autoria e materialidade de um crime. Ou

será que o simples fato do MP existir, por existir, por si só já

supriria tais carências materiais? É lógico que não.

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8. Considerações sobre a imparcialidade do membro do

Ministério Público e sobre o Princípio do Promotor Natural como

elementos incompatíveis à investigação ministerial.

Não sendo possível fazer-se com que aquilo que é justo

seja forte, faz-se com que o que é forte seja justo -

Blaise Pascal

Garantia imanente do Estado Democrático de Direito, o princípio do Juiz Natural

encontra-se gizado na Constituição da República, dentre os direitos e garantias

individuais do acusado, na ótica processual penal. Por Juiz Natural podemos

entender como a previsibilidade constitucional do julgador, pré-determinada aos

fatos que sejam postos em causa, por oportunidade da lide. De forma que o

princípio áureo subdivide-se em três garantias:

a) o magistrado deve estar devidamente investido nas funções judicantes, por

meio de aprovação em concurso público de provas e títulos, portando jurisdição,

compreendida como um dos elementos que destacam a soberania nacional e ser

constitucionalmente competente para julgar a lide que se apresenta;

b) deve também dirigir e acompanhar toda a instrução probatória, de modo que

suas decisões sejam consentâneas com o que viu, ouviu e se convenceu no curso

processual, ou seja, o acusado tem o direito de ser sentenciado pelo juiz que

presidiu a instrução probatória;

c) por exclusão, não haverá tribunal ou juiz de exceção, isto é, nomeado de forma

casuísta para presidir uma determinada causa ou um conjunto de lides ocasional.

A estrutura judiciária não comporta a criação de órgãos superficiais e efêmeros,

ainda mais casuístas.

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Assim sendo, resguardamo-nos de quaisquer arbítrios judiciais por meio da

consolidação do Juiz Natural no panteão dos direitos individuais e coletivos,

acobertado, por sua vez, pelas cláusulas pétreas que não permitem que a

organização jurídico-política regrida. E o Promotor Natural? Como entendê-lo, não

estando presente a figura do acusador natural na Carta Magna? E em que medida

o eventual princípio do Promotor Natural poderá ser aplicado ao caso da vedação

constitucional da investigação criminal pelo Ministério Público?

É bem verdade que a Lei Maior tanto omitiu a possibilidade do promotor público

investigar diretamente crimes, como a garantia institucional do membro do Parquet

em se ver consolidado naquelas mesmas prerrogativas apontadas acima e

tomadas de empréstimo do Juiz Natural. Todavia, a omissão nunca foi óbice para

a interpretação sistêmica do conjunto constitucional, ao contrário, a faina da

hermenêutica consiste justamente no entrelaçamento entre dispositivos análogos

de modo a despir-se da dúvida omissiva para ingressar na solução interpretativa.

Nesse exercício lógico-comparativo, podemos apontar, inicialmente:

1) goza o promotor público (assim como todo o Ministério Público), com a

independência funcional, engastada no art. 127, Parágrafo 1º, imprescindível ao

deslinde de suas funções na defesa do ordenamento jurídico e outros patrimônios

públicos: não é por outra razão que a nomeação de um promotor a fim de

substituir pontualmente aquele outro, já instalado nas atribuições determinadas no

quadro funcional, nos parece inconstitucional;

2) da mesma forma que o magistrado, tem garantido o promotor a

inamovibilidade constitucional, cuja topologia remete ao art. 128, II, b, da CF,

onde está vedado a remoção casuísta do servidor público: no lotacionograma

institucional, não poderá o Procurador-Chefe dispor dos membros da instituição tal

qual títeres, movendo e removendo uns e outros ao sabor de suas conveniências;

3) as atribuições ministeriais devem estar previamente aventadas em lei

complementar, como de fato estão, pela dicção do art. 128, Parágrafo 5º, num

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claro sinal de que o princípio da legalidade estrita (art. 37 da CF) é ainda mais

notabilizado quanto os poderes do Ministério Público;

4) o art. 10, IX, g da Lei 8625/93 confere ao Procurador-Geral de Justiça, por ato

excepcional e fundamentado, exercer as funções processuais afetas a outro

membro da instituição, submetendo sua decisão ao Conselho Superior do

Ministério Público: ora, se está disposto que EXCEPCIONALMENTE, tem este

poder o Chefe do Parquet, devemos compreender que somente em casos em que

o promotor não observa o cumprimento de prazos, falta de empenho funcional,

favorecimento de uma das partes, entre outras graves e anormais situações, é que

poderá intervir o Procurador Geral. Sendo assim, acreditamos ser insofismável

que as atribuições de um promotor de justiça estão garantidas, consolidadas,

firmadas pela Constituição e pelas leis que gravitam o tema, não podendo de

forma casuísta, intervir o Procurador-Chefe nas tarefas do promotor público, até

porque a chefia do Ministério Público, em respeito à autonomia funcional, deverá

ser tomada apenas para efeitos administrativos;

Às evidências, os mais céticos apontam a existência dos arts. 419 e 448 do

Diploma Processual Penal, a afastar tese do Promotor Natural. Da mesma forma,

apontam a unicidade e autonomia do Ministério Público como claro signo de que

qualquer promotor responde pela opinião da Instituição, não se falando em

restrição prévia de atribuições ministeriais.

Art. 419. Se findar o prazo legal, sem que seja oferecido o libelo, o promotor incorrerá na multa de cinqüenta mil-réis, salvo se justificada a demora por motivo de força maior, caso em que será concedida prorrogação de 48 (quarenta e oito) horas. Esgotada a prorrogação, se não tiver sido apresentado o libelo, a multa será de duzentos mil-réis e o fato será comunicado ao procurador-geral. Neste caso, será o libelo oferecido pelo substituto legal, ou, se não houver, por um promotor ad hoc.

Art. 448. Se, por motivo de força maior, não comparecer o órgão do Ministério Público, o presidente adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, da mesma sessão periódica. Continuando o órgão do Ministério Público impossibilitado de

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comparecer, funcionará o substituto legal, se houver, ou promotor ad hoc.

Parágrafo único. Se o órgão do Ministério Público deixar de comparecer sem escusa legítima, será igualmente adiado o julgamento para o primeiro dia desimpedido, nomeando-se, porém, desde logo, promotor ad hoc, caso não haja substituto legal, comunicado o fato ao procurador-geral.

Os referidos artigos do CPP em absolutamente nada podem ser tomados como

refutação à tese do promotor natural. Percebemos, a olhos desarmados, que o

Procurador Geral de Justiça só poderá SUBSTITUIR o promotor encarregado, no

caso de desídia funcional, assumindo atribuições meramente administrativas em

substituição. Jamais a letra da lei aventa a possibilidade de avocação processual

pelo Chefe do Parquet, não podendo o Procurador Geral destituir o promotor

anteriormente lotado para atuar em determinada vara ou já designado para

especial função.

O Excelso Pretório começou a reconhecer a possibilidade da tese do Promotor

Natural, antes mesmo da Lei Orgânica a disciplinar as hipóteses deixadas para a

instrumentalização do MP, pela Constituição. Infelizmente, alguns Ministros

condicionaram a existência do Promotor Natural à dicção legal daquela Lei

Orgânica, na época, ainda não editada, conforme se depreende do HC 67759-2

RJ, julgado 06/08/92, cujo relator foi o ilustre Min. Celso de Mello:

HABEAS CORPUS

MINISTÉRIO PÚBLICO

SUA

DESTINAÇÃO CONSTITUCIONAL

A QUESTÃO DO PROMTOR

NATURAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

ALEGADO

EXCESSO NO EXERCÍCIO DO PODER DE DENUNCIAR

INOCORRÊNCIA

CONSTRANGIMENTO INJUSTO NÃO

CARACTERIZADO PEDIDO INDEFERIDO.

O postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao

sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de

designações casuística efetuadas pela Chefia da Instituição, a

figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma

garantia de ordem jurídica, destinado tanto a proteger o membro do

Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício

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pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria

coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em

quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique

a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em

lei.

A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas clausulas da

independência funcional e da inamovibilidade dos membros da

Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso

mesmo, o poder do Procurador-Chefe que, embora expressão

visível da unicidade institucional, não deve exercer a Chefia do

Ministério Público de modo hegemônico e inconstrastável.

Posição dos Ministros Celso de Mello, Sepúlveda Pertence, Marco

Aurélio e Carlos Velloso. Divergência apenas quanto à

aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural:

necessidade de interpositio legislatoris, para efeito de atuação do

princípio (Min. Celso de Mello), incidência do postulado,

independentemente de intermediação legislativa (Min. Sepúlveda

Pertence, Marco Aurélio e Carlos Veloso).

Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do

Promotor Natural mediante lei (Min. Sidney Sanches). Posição de

expressa rejeição à existência desse princípio consignada nos

votos dos Min. Paulo Brossard, Octávio Gallotti, Néri da Silveira e

Moreira Alves.

Mais recentemente, decidiu o STJ, em HC 11821-DF, cujo relator foi o Min. Gilson

Dipp:

CRIMINAL. HC. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. ESCOLHA SELETIVA

DE PROCURADOR PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA.

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL.

RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE,

PROVIDO.

(...)

II. Há violação ao princípio do promotor natural, se evidenciado que

o Procurador-Geral da República escolheu seletivamente um dos

membros daquela instituição para oferecer denúncia, sem observar

a critério objetivo de distribuição dos feitos na Procuradoria.

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III. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para

anular o processo desde o ato ilegal da designação do Procurador

Chefe da Procuradoria Geral da República do Distrito Federal, com

o conseqüente retorno dos autos àquele órgão, para a distribuição

aleatória.

Das lições de Estanislau Tallon Bózi, que magistralmente encampou trabalho

sobre o tema, lê-se decisão do poder judiciário capixaba, ainda em juízo

monocrático, como prova de que não só as Cortes Superiores já acolhem a tese,

mas ser o Promotor Natural íntimo do quotidiano judicial brasileiro. Vejamos:

...Somente o promotor legal, o constitucional ou o promotor natural

é quem pode conceber essa opinião e atuar no processo. E isso

não é uma garantia para o Promotor de Justiça, mas para o

cidadão, vez que diz respeito à garantia do devido processo legal

(...), pois a formação da opinio delicti, é direito do cidadão que seja

feita por aquele Promotor de Justiça, que ocupa um cargo previsto

em lei, nomeado dentro dos critérios legais e que esteja

exercendo-o legalmente, nos limites espaciais de suas atribuições

sob pena de ofensa à garantia do devido processo legal, inserto na

Constituição.

(...)

Pelo exposto, julgo procedente a exceção de ilegitimidade ad

processum (art. 95, IV, CPP), e de impedimento especial, do art.

49, V, da Lei Complementar Estadual 95/97 e da Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público (Lei 8625/93, art. 323, V), oferecida

pelo acusado (...) e anulo, nos termos do art. 564, II, do CPP, os

atos praticados pelo excepto...(Ação Penal 015/98, 4ª. Vara

Criminal da Comarca de Cariacica, ES, Juiz José Rodrigues

Pinheiro, em 12/02/1999)

Afinal de contas

em que se relaciona o promotor natural com a vedação ao

poder investigativo do Ministério Público? Ora, se não há na norma orgânica

correspondente atribuição especial para cuidar-se da CONDUÇÃO de inquéritos

policiais, jamais poderá o Procurador Geral de Justiça designar promotores para

funções casuais que não são nem constitucionais, nem licitas. O deslocamento

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casuísta de promotores a fim de que tomem a frente de investigações pontuais é

uma afronta à garantia do promotor natural e um desrespeito ao servidor já

designado e previsto como natural para aquela causa.

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9. Considerações Finais - A quem interessa o controle do

Ministério Público e a limitação de suas atribuições? Quem tem

medo do Ministério Público? Uma falácia.

Temer não humilha tanto como ser temido. - Antonio

Porchia

Finalmente, o ultimo bastião que deverá cair por terra, desmistificando a tendência

repressiva do processo penal contemporâneo: a falácia terrorista dos membos do

Ministério Público. É certo que o Parquet está incumbido do mais nobre patrocinio

dos interesses coletivos da sociedade brasileira contemporânea, e também é

verdade que a criminalidade cada vez mais ganha contornos sofisticados e

profissionais, ajustando-se como engrenagem do crime sem fronteiras.

A ameaça de vulto que impele a sociedade para uma reação, faz confundir o

direito à defesa técnica, assegurando a observância restrita do regramento

constitucional, com a impunidade. Tal sensanção que não advém propriamente do

exercício da defesa, mas do pauperismo estatal, leva a sociedade à reações cada

vez mais desproporcionais, repressivas e paliativas. A crônica da incompetência

estatal se encerra com o desrespeito constitucional pela divisão estrita de

atribuições, como é o caso versado na presente obra. Não é por coincidência que,

nesta esteira de reação, assuma o Ministério Público na condição de defensor dos

direitos difusos (e a segurança é um deles), a bandeira da investigação direta.

Devidamente rechaçada a tese, resta por fim, o pior: a falácia. Ao questionar os

defensores da divisão clara e precisa de atribuições investigativas e acusatória,

distanciam-se alguns promotores do foco propriamente jurídico para trilharem

outros caminhos, desta vez perigosos, de descredenciamento pessoal e

axiológico dos defensores da limitação ao Parquet. Quem tem medo do Ministério

Público? A quem interessaria um Ministério Público fraco e inerte? Não seria a

tese da limitação de atribuição meramente um recurso de criminosos que

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gostariam de se verem livres do aparelho investigativo, mais sofisticado,

controlado por promotores ou procuradores?

Evidentemente, tais argumentos de cunho meramente ideológico pressionam,

como de fato têm pressionado, a opinião pública que, sofrendo com a violência,

com o descaso, com a incompetência estatal, embarca no sofisma ministerial para

proclamar a turba amedrontada: todo poder ao Ministério Público . Ora, se o

grande traficante substituiu o poder público no gerenciamento de zonas urbanas

inteiras, poderá muito bem o Ministério Público substituir a polícia fraca e

desarticulada no combate ao crime organizado. Portanto, rei morto, rei posto.

É deveras sedutora a ideologia que mascara a discussão que tem um único e

claro objetivo aos menos míopes: instrumentalizar uma Instituição (e apenas isso,

mais uma instituição) de poder. O debate é essencialmente político, com cores

jurídicas. Lembre-se de tantos outros, ainda na República Romana, que em nome

da segurança do Estado, vitimou inúmeros partidários de um cônsul, um pretor,

um senador. Ainda em nome da segurança, assistimos impassíveis o avanço do

fascismo europeu que inadmitia o descontrole, buscando fortalecer corporações e

esquartejar o individualismo. Anote-se, por fim, que é praxe de regimes totalitários

o redobrar de prestígio à instituições persecutórias, conferindo-lhes atribuições

estranhas aos seus princípios. Remate-se que o casuísmo com que é tratado o

direito processual é o sintoma mais notório da mente fascista.

Compreendendo que o PROCESSO é instrumento do fraco, contra o Estado,

Compreendendo que o PROCESSO é manifestação política do oprimido,

Compreendendo que o PROCESSO deve existir, para limitar, abusos,

Sustentamos que a ingerência ministerial nas investigações criminais e tantos

outros mecanismos de usurpação constitucional não nos torna mais seguros. Com

o peito aberto, na convicção inabalável de que o processo não serve à força e

nem ao autoritarismo, deixamos aqui consignada a nossa irresignação pacífica,

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desmascarando a discussão travestida de argumentos jurídicos, para sustentar

claro posicionamento político em defesa da Constituição.

Medo de retaliação? Talvez. E é exatamente esse o problema: quando um

cidadão (mesmo o criminoso confesso) chega a ter medo do Ministério Público,

alguma coisa está profundamente errada. A quem serve o controle dos poderes,

incluindo os ministeriais

à sociedade democrática, é a mais elementar resposta.

Quem tem medo do Ministério Público? Os libertários que sempre temerão a

ditadura.

Deixo, à guiza de conclusão, o meu respeito pelo Parquet, tanto estadual como

federal, mas vai aqui uma repreensão jurídico-constitucional devidamente

rubricada, com o espírito desarmado. Ficar apócrito e anônimo num tema como

estes, seja para louvar a iniciativa investigativa ministerial, seja para criticá-la

ferrenhamente, seria sonegar o exercício democrático da expressão. À Carta de

1988, devemos o direito de irresignação e ousamos exercitá-lo na plenitude, em

defesa de uma ótica libertária que entendemos ser o espírito consentâneo do

ordenamento constitucional.

Repisamos: devemos limitar o poder. E não devemos, nem podemos deixar de

empunhar esta bandeira. Jamais trocaremos a liberdade, pela segurança.

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10. Conclusões: tese, antítese e síntese: opção política sobre uma

visão constitucional garantista.

A verdade deve impor-se sem violência - Tolstoi

I. Não há, no sistema processual pátrio, juízo de instrução, pelo qual o titular da

ação prepararia documentos, depoimentos e outras provas para apresentar a

denúncia num segundo momento. O sistema constitucional vigente é bifásico e

autônomo, diverso, portanto dos da França, Portugal, Espanha e Alemanha. A

preparação investigatória da ação penal compete, em regra, à polícia judiciária e

não ao Ministério Público: em nosso sistema, quanto mais fracionamentos entre a

fase de investigação, apresentação da ação, requisição de medidas cautelares e

instrução processual, mais saudável à garantia constitucional do devido processo

legal e imparcialidade do acusador e julgador;

II. Incumbe ao Ministério Público da União ou dos Estados, promover a ação penal

pública, baseada ou não em um Inquérito Policial, sendo este prescindível ou

dispensável, quando chegue a notícia ao órgão ministerial já munida de elementos

suficientes que justifiquem a ação penal. Quando o Ministério Público saiba da

ocorrência de um crime, não devidamente esclarecido, deverá requisitar a

instauração de um Inquérito Policial, sob pena de ver-se suspeito e interessado

diretamente no resultado do procedimento preliminar. Convém não deslembrar

que é puro sofisma a diferenciação entre Inquérito Policial e Procedimento

Administrativo Preparatório, sendo que ambos buscam colher o lastro probatório

adequado à justa causa para a admissibilidade de uma ação penal. O único

escopo da diversidade dos termos é uma tentativa frustrada de compatibilizar os

termos constitucionais com a suposta atribuição investigativa do Ministério

Público;

III. Não há, tanto na Constituição da República, como em nenhuma legislação

infraconstitucional, nem mesmo a Lei Orgânica do Ministério Público, hipótese

expressa de promoção concorrente ou privativa de diligências investigativas ou

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mesmo a formação de um Inquérito Policial completo. Em outras palavras e

recorrendo à história constitucional, o legislador fez uma opção jurídico-política

intencional e consciente em não conferir ao Parquet qualquer atribuição na

investigação criminal;

IV. Pela dicção expressa, clara e objetiva da Carta Magna, compete às polícias

presidir e conduzir um Inquérito Policial, inaugurado por meio de requerimento,

portaria, auto de prisão em flagrante ou mesmo de requisição de magistrado ou do

Ministério Público, que juridicamente não pode ser negada. O fato de não poder

ser negada e ser o inquérito indisponível quer demonstrar claramente que não

resta ao Ministério Público outra alternativa que não requisitar procedimento

investigatório que queira ver levado à cabo. O fato de poder o promotor baixar os

autos para novas diligências que, da mesma forma, não podem ser negadas, é

outro sinal claro e preciso de que não pode o próprio membro do Parquet conduzir

investigação criminal;

V. Não pode exorbitar o Ministério Público o que a lei não permitiu expressamente,

ainda que com objetivos notoriamente éticos e empenhados no combate ao crime

organizado. Por duas oportunidades consecutivas, o Parlamento Brasileiro negou

a hipótese de poder o Ministério Público ter mais uma atribuição que é

conduzir/presidir inquéritos penais. Jamais a sociedade deverá abdicar das

garantias constitucionais da liberdade, do devido processo, do promotor natural,

em nome ao combate ao crime organizado

o Estado deve ter a competência

para aparelhar a polícia de forma inteligente e eficiente, de modo a evitar a

exorbitância de outra Instituição, por mais séria e ética que seja ela, como é o

caso do Ministério Público;

VI. Constitui-se, portanto, crime de usurpação de função pública, ao conduzir o

promotor de justiça ou procurador de justiça, um inquérito penal, onde a atribuição

pública pela presidência é da autoridade policial, não exclusiva mas

privativamente, ainda que a expressão não venha consignada desta forma na

Carta Magna. Infelizmente, um promotor jamais denunciará um colega pela

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usurpação criminosa: justamente por esse tipo de postura corporativa e tantas

outras, oriundas de promotores desequilibrados e seduzidos pela fama de

noticiários policialescos, é que o Ministério Público, como qualquer outra

instituição, deve sofrer um controle externo. Ao ímpeto policial, à ânsia pela fama

e ao desejo pela perseguição, nada melhor do que o controle externo, alheio ao

corporativismo típico de instituições fechadas e anti-democráticas. Afinal, quem

tem medo do controle externo?;

VII. Convém ao Ministério Público, cioso da defesa da sociedade por meio do

incremento do aparelho preventivo e repressivo de combate ao crime, pressionar o

Poder Executivo e Legislativo a fim de aparelhar eficientemente a polícia civil para

prevenir e combater o crime organizado e não se arrogar de mais uma atribuição

que o legislador não quis lhe conferir; convém não usar do falacioso e puritano

argumento de que a polícia se corrompe mais facilmente, e que a instituição do

Parquet seria imune às tentativas de infiltração do crime organizado

não é

argumento válido por seu cunho discriminatório e míope, na medida em que um

delegado de polícia não tem os mesmos subsídios de um promotor de justiça ;

VIII. Quando atuar o promotor de justiça presidindo ou conduzindo o inquérito

concorrentemente, as provas produzidas serão inválidas a sustentar futura ação

penal, passível de habeas corpus para o seu trancamento, sendo constragimento

ilegal a perspectiva de punição viciada por provas colhidas pela própria parte no

processo penal, ainda em fase indiciária. As provas não são nulas por não terem

passado pelo crivo do contraditório, pois o inquérito é essencialmente inquisitivo,

mas são nulas por terem sido colhidas inobservando o devido processo legal, por

servidor público que não tinha nenhuma atribuição em conduzir/presidir tal

procedimento. Eventualmente, as provas poderão ser convalidadas, se

apresentadas por autoridade competente;

IX. Além de ser inválida a prova, o promotor de justiça que atuou diretamente no

inquérito policial está impedido de pleno direito, sendo nula a condução da ação

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penal conseqüente e as provas lastreadas por esse tipo ignominioso de

procedimento inquisitivo;

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ANEXO I INFORMATIVO 307 DO STF COM O VOTO DISCUTIDO - TRANSCRIÇÃO

RHC 81.326-DF*

RELATOR : MIN. NELSON JOBIM

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO. ILEGITIMIDADE.

1. PORTARIA. PUBLICIDADE

A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ.

Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.

2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE.

A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII).

A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial.

Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.

Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes.

O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa.

Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria.

Recurso conhecido e provido.

Relatório: O recorrente MARCO AURÉLIO VERGÍLIO DE SOUZA, Delegado de Polícia, foi notificado pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL, para comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, a fim de ser ouvido no Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo - PAIS, através do ofício 313/00 de 11 de abril de 2000 (fls. 03 e 57).

Este procedimento tem por finalidade apurar fato que, em tese, configura crime, não esclarecido.

Contra essa requisição, o recorrente impetrou HABEAS no TJ/DF (fls. 03).

O mesmo foi indeferido (fls. 56).

O recorrente impetrou HABEAS substitutivo de recurso ordinário no STJ (fls. 02/18).

O STJ indeferiu (fls. 95).

Está na ementa:

............................

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Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denúncia.

............................. (fls. 95).

Contra essa decisão, interpôs o presente recurso (fls. 98/115).

Nele, reproduz os argumentos deduzidos no HABEAS do STJ.

Está nas razões:

............................

No ofício notificação (Ofício nº 313/00-NICCEAP, do MPDF, de 11.04.2000, que veio desacompanhado de contrafé, e sem os requisitos do art. 352, do CPP, está evidentemente implícito, o crime de desobediência (art. 352, CPP) e a condução coercitiva (art. 218, CPP), posto que requisita a apresentação do corrente.

... a Portaria n. 799, de 21.11.96, do chefe do MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL, que criou e instalou o NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, não foi publicada no diário oficial, contrariando os seguintes dispositivos legais que preconizam o PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE: Art. 37, caput, CF; Art. 5º, I, h , LC 75/93; Art. 5º, V, b , LC 75/93; Art. 1º, LICC, DL 4657/42; Art. 6º, LICC, DL 4657/42.

.............................

... a nossa tese é no sentido de que o Parquet não pode realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial

... (fls. 100 e 105).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contra-razões (fls. 119/127).

Leio:

............................

... o acórdão impugnado não tratou, em momento algum, da legalidade ou ilegalidade da portaria do Ministério Público Federal e Territórios que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial. Tampouco mencionou a legalidade ou ilegalidade da notificação do Paciente para que comparecesse ao referido núcleo.

... deveria o Recorrente ter oferecido embargos declaratórios para que o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestasse sobre o tema. Não o tendo feito, a defesa deixou que a tal matéria precluísse, não podendo ser objeto de apreciação neste recurso.

.............................

A intenção da defesa, ao alegar a ausência de publicidade da portaria que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial, é anular a notificação feita pelo membro do Parquet para que o Paciente comparecesse à sede do MPDFT para ser ouvido.

... independentemente da legalidade ou ilegalidade da portaria em questão, a Lei Complementar nº 75/93 permite aos membros do Ministério Público da União expedir notificação e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar... (art. 8º, VII).

... amparado o ato notificatório em Lei Complementar, torna-se inócua a discussão a respeito da publicidade da portaria de criação do núcleo de controle da atividade policial.

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Com relação aos poderes investigatórios do Ministério Público, ressalta-se que o inquérito policial tem como destinatário o membro do Parquet, porquanto o Ministério Público é o titular da ação penal pública.

... pode o Parquet notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; requisitar informações e documentos a entidades privadas; realizar inspeções e diligências investigatórias, expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar (incisos I, II, IV, V, VI, VII, do art. 8º, da LC 75/93).

A Constituição Federal, art. 129, I, diz competir, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Esta atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor.

A obtenção destes elementos pode ser feita diretamente pelo Ministério Público, pela Polícia Judiciária ou por outros Órgãos que, em razão de suas atividades, possa colher elementos embasadores de uma ação penal.

Entender-se que a investigação dos fatos delituosos é atribuição exclusiva da polícia, na verdade, inverteria os papéis constitucionalmente definidos, tornando as polícias, civil e federal, no âmbito das suas atribuições, em verdadeiros titulares da ação penal, na medida em que o Ministério Público somente poderia denunciar aqueles fatos ilícitos que as polícias entendessem por bem investigar, cabendo-lhes decidir, em última análise, em quais casos, quando e como, o Ministério Público poderia agir.

............................. (fls. 120/122).

A PGR opinou no sentido do não provimento do recurso (fls. 142).

É o relatório.

Voto: O RECURSO tem por objetivo modificar a decisão do STJ que reconheceu validade à requisição expedida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO/DF.

Essa requisição pretendia fazer o RECORRENTE comparecer ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, a fim de ser ouvido em Procedimento Administrativo Investigatório Supletivo (PAIS).

Analiso os fundamentos.

FALTA DE PUBLICIDADE DA PORTARIA.

A falta de publicidade da Portaria nº 799, de 21 de novembro de 1996, que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do MINISTÉRIO PÚBLICO, embora suscitada perante o STJ, não foi examinada (fls. 03 e 24).

Leio, no parecer do MINISTÉRIO PÚBLICO:

............................

...o acórdão impugnado não tratou, em momento algum, da legalidade ou ilegalidade da portaria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que criou o Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial. Tampouco mencionou a legalidade ou ilegalidade da notificação do Paciente para que comparecesse ao referido núcleo.

... deveria o Recorrente ter oferecido embargos declaratórios, para que o Colendo Superior Tribunal de Justiça se manifestasse sobre o tema. Não o tendo feito, a defesa deixou que a tal matéria precluísse, não podendo ser objeto de apreciação neste recurso.

............................. (fls. 120).

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Confirmo no Voto do Relator, Ministro GILSON DIPP:

............................

Trata-se de habeas corpus contra decisão do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que denegou ordem impetrada em favor do paciente, visando ao trancamento do procedimento administrativo contra ele instaurado pelo Ministério Público local, para a apuração de crime que, em tese, o paciente teria cometido.

Em razões, reitera-se alegação de ausência de justa causa para constranger o paciente e comparecer ao Núcleo de Investigação a fim de depor. Sustenta-se, da mesma forma, que o procedimento instaurado pelo Ministério Público seria inconstitucional, afrontando ao Princípio do Devido Processo Legal, eis que a apuração do fato caberia à Polícia, por meio de inquérito policial.

............................. (fls. 85).

O RECORRENTE não lançou mão dos embargos para sanar a omissão.

Ressuscitar a matéria, agora, caracterizaria supressão de instância.

Precedentes: HC 66.825, CARLOS MADEIRA; HC 71.603, HC 73.390 e HC 70.734, CARLOS VELLOSO; HC 76.966, MAURÍCIO CORRÊA; HC 79.948, NELSON JOBIM e HC 81.458, SEPÚLVEDA PERTENCE.

Ocorreu a preclusão.

FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Quanto à falta de legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para realizar diretamente investigações e diligências em procedimento administrativo investigatório, com fim de apurar crime cometido por funcionário público, no caso DELEGADO DE POLÍCIA, a controvérsia não é nova.

Faço breve exposição sobre sua evolução histórica.

Em 1936, o Ministro da Justiça VICENTE RÁO, tentou introduzir, no sistema processual brasileiro, os juizados de instrução.

A Comissão da Segunda Secção do Congresso Nacional do Direito Judiciário, composta pelos Ministros BENTO DE FARIA, PLÍNIO CASADO e pelo Professor GAMA CERQUEIRA, acolheu a tese no anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal.

Ela, entretanto, não vingou.

Na exposição de motivos do Código de Processo Penal o Ministro FRANCISCO CAMPOS ponderou acerca da manutenção do inquérito policial.

Leio, em parte, a ponderação:

"............................

... O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. ...".

Prossigo.

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A POLÍCIA JUDICIÁRIA é exercida pelas autoridades policiais, com o fim de apurar as infrações penais e a sua autoria (CPP, art. 4º).

O inquérito policial é o instrumento de investigação penal da POLÍCIA JUDICIÁRIA.

É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o MINISTÉRIO PÚBLICO na instauração da ação penal.

A legitimidade histórica para condução do inquérito policial e realização das diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da polícia.

Nesse sentido, leio em ESPÍNOLA FILHO:

"... a investigação da existência do delito e o descobrimento de vários participantes de tais fatos, reunindo os elementos que podem dar a convicção da responsabilidade, ou irresponsabilidade dos mesmos, com a circunstância, ainda, de somente nessa fase se poderem efetivar algumas diligências de atribuição

exclusiva

da

polícia, ..." (grifei)

Com essa orientação, há precedente de NELSON HUNGRIA, neste Tribunal (RHC 34.827).

Leio, em seu Voto:

................................. o Código de Processo Penal ... não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do M.P. na investigação do crime ...

.............................. .

Até a promulgação da atual Constituição, o MINISTÉRIO PÚBLICO e a POLÍCIA JUDICIÁRIA tinham seus canais de comunicação na esfera infraconstitucional.

A harmonia funcional ocorria através do Código de Processo Penal e de leis extravagantes, como a Lei Complementar 40/81, que disciplinava a Carreira do MINISTÉRIO PÚBLICO.

Na Assembléia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questão do CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA CIVIL, o processo de instrução presidido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO voltou a ser debatido.

Ao final, manteve-se a tradição.

O Constituinte rejeitou as Emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513, que, de um modo geral, davam ao MINISTÉRIO PÚBLICO a supervisão, avocação e o acompanhamento da investigação criminal.

A Constituição Federal assegurou as funções de POLÍCIA JUDICIÁRIA e apuração de infrações penais à POLÍCIA CIVIL (CF, art. 144, § 4º).

Na esfera infraconstitucional, a Lei Complementar 75/93, cingiu-se aos termos da Constituição no que diz respeito às atribuições do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 7º e 8º).

Reservou-lhe o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração do inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII)

Ainda assim, a matéria estava longe de ser pacificada.

Leio:

.............................

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________________________________________________________________________________________ Prof. EDUARDO MAHON

... Proposta de Emenda Constitucional em trâmite no Congresso Nacional brasileiro, relacionada com a questão do controle externo da atividade policial, ... a de n. 109, também de 1995, de autoria do Deputado Federal Coriolano Sales, que se propõe a alterar a redação dos incs. I e VIII, do art. 129, da Constituição da República. A exemplo da anterior, em 03 de junho de 1997, esta também foi apensada à Proposta de Emenda Constitucional 059/95.

Com a alteração da redação do inc. I, do citado art. 129, da Constituição da República, a Proposta pretende incluir a instauração e direção do inquérito como uma das funções institucionais do Ministério Público.

..............................

Em março de 1999, o Senador Pedro Simon apresentou nova Proposta de Emenda Constitucional, sob o n. 21, acrescentando parágrafo único, ao art. 98, da Constituição da República, disciplinando que nas infrações penais de relevância social, a serem definidas em lei, a instrução será feita diretamente perante o Poder Judiciário, sendo precedida de investigações preliminares, sob a direção do Ministério Público, auxiliado pelos órgãos da polícia judiciária.

Prossigo eu.

O Tribunal enfrentou a matéria (RE 233.072, NÉRI DA SILVEIRA).

Na linha do Voto que proferiu na ADIn 1.571, o Relator entendia que o MINISTÉRIO PÚBLICO tinha legitimidade para desenvolver atos de investigação criminal.

Divergi.

Leio, em parte, o que sustentei em meu Voto.

.............................

... quando da elaboração da Constituição de 1988, era pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no sentido de criarmos, ou não, o processo de instrução, gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.

Isso foi objeto de longos debates na elaboração da Constituição e foi rejeitado.

... o tema voltou a ser discutido quando, em 1993, votava-se no Congresso Nacional a lei complementar relativa ao MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO e ao MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS, em que havia essa discussão do chamado processo de instrução que pudesse ser gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.

Há longa disputa entre o MINISTÉRIO PÚBLICO, a POLÍCIA CIVIL e a POLÍCIA FEDERAL em relação a essa competência exclusiva da polícia de realizar os inquéritos.

Lembro-me que toda essa matéria foi rejeitada, naquele momento, no Legislativo ...

.............................. .

Acompanharam-me os Ministros MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO, compondo a maioria.

Redigi o acórdão.

Está na ementa:

............................

O Ministério Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; (2) nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem

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possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não conhecido.

A polêmica continuou.

O CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA, concedido ao MINISTÉRIO PÚBLICO pela Constituição foi regulamentado pela Resolução nº 32/97, do CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

A Constituição Federal dotou o MINISTÉRIO PÚBLICO do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII).

A norma constitucional não contemplou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e presidir inquérito penal.

Nem a Resolução 32/97.

Não cabe, portanto, aos seus membros, inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.

Mas, requisitar diligência à autoridade policial.

Nesse sentido, decidiu a Segunda Turma (RECR 205.473, CARLOS VELLOSO).

Leio na ementa:

.............................

I. - Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.

..............................

Do Voto de VELLOSO destaco:

.............................

... não compete ao Procurador da República, na forma do disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade policial, dado que, tirante a hipótese inscrita no inciso III do art. 129 da Constituição Federal, não lhe compete assumir a direção de investigações tendentes à apuração de infrações penais (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º).

..............................

Prossigo.

O RECORRENTE é DELEGADO DE POLÍCIA.

Autoridade administrativa, portanto.

Seus atos administrativos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria etc.

DECISÃO.

Dou provimento ao RECURSO.

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Anulo a requisição expedida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, por faltar-lhe legitimidade.

Em conseqüência, anulo o próprio expediente investigatório criminal instaurado por ele, para ouvir o RECORRENTE.

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ANEXO II

JURISPRUDÊNCIA DO TRF-1 PELA POSSIBILIDADE INVESTIGATIVA

TRF 1ª R. HC 2002.01.00.030162-8 DF 4ª T. Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz DORJ. 19.11.2002 DELEGADO DE POLÍCIA

NOTIFICAÇÃO DE COMPARECIMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

HABEAS CORPUS

CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL

INCONSISTÊNCIA DA

POSTULAÇÃO 1. Não constitui constrangimento ilegal o ato de representante do MP que, no exercício da atribuição conferida pelo art. 129, VII da CF/1988, invocando os arts. 8º, I e 9º da LC 73/1993, e em consonância com as normas internas da repartição, requisita a notificação de delegado de polícia ao respectivo Superior hierárquico, sem impor cominação em caso de inatendimento. 2. Também não o constitui a instauração de procedimentos investigatórios, no âmbito interno da repartição, para tornar efetiva a competência outorgada pelo citado dispositivo da Lei maior, como função institucional do Ministério Público. 3. A Portaria nº 799, de 21.11.1996, que cria e instala o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e que não foi invocada como fundamento da notificação impugnada, é ato interno da repartição, independendo de publicidade em Diário Oficial, até porque não se destina a traçar normas de conduta para os administrados. 4. Ordem denegada.

TRF 1ª R. HC 2002.01.00.030162-8 DF 4ª T. Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz DORJ. 19.11.2002 ACÓRDÃO Decide a Turma, por maioria, denegar a ordem. 4ª Turma do TRF da 1ª Região 19.11.2002. Des. Fed. HILTON QUEIROZ Relator RELATÓRIO Des. Fed. HILTON QUEIROZ (Relator): Cuida-se de HC que o delegado de polícia Geraldo Luiz Nugoli Costa, matrícula 234265, lotado no DOE

Departamento de Operações Especiais da Polícia Civil/DF, através de advogado, impetra contra o representante do MPDF e Territórios.

Narra o impetrante que foi notificado pelo impetrado para comparecer, na data de 9 de abril de 2002, às 13 horas, no Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo de Atividade Policial, para ser ouvido nos autos do procedimento administrativo investigatório e supletivo, que tem como referência o Ofício nº 41/2002 núcleo (Ref. REQ 001892/01-1), do citado núcleo, que apura fato, em tese, configurado como infração penal. Aduz que o MP se baseia na Portaria nº 799, de 21.11.1996, do Chefe do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, que não foi publicada no Diário Oficial e, por falta de publicidade, não poderia servir de lastro para essa notificação. Afirma que o MP exerce o controle externo da atividade policial, mas que isso não o autoriza a promover inquéritos policiais, nem pode usurpar função de polícia; que, destarte, a atuação do MP fere o princípio do devido processo legal; que a notícia de possível crime deve ser encaminhada à autoridade competente, com requisição para instauração de inquérito policial; que não há falar em crime de desobediência, quando pairam dúvidas quanto à legalidade da ordem a ser cumprida; que a testemunha não está obrigada a depor sobre fatos que possam incriminá-la; que a atuação do MP substituindo a polícia, procedendo diretamente à investigação e formalizando a denúncia, com o afastamento da impessoalidade da acusação, caracteriza-se verdadeira acusação de exceção, com violação ao princípio do promotor natural. Postula a ordem, a fim de que seja suspensa a notificação para comparecer, à vista da ilegalidade do ato impugnado, trancando-se, conseqüentemente, o procedimento investigatório.

O pleito foi endereçado ao Desembargador Presidente do TJDF e Territórios, mas aquela Corte de Justiça declinou de sua competência para este Tribunal, a cuja jurisdição considerou que, no caso, está o impetrado submetido. Os respectivos autos foram-me distribuídos, e, considerando que neles indeferida a liminar, tinham sido prestadas as informações (fls. 160 verso e 19/58), determinei a oitiva da douta PRR/1ª Região, que se manifestou pela perda do objeto, à conta de haver passado o prazo da notificação (fls. 163/164). Todavia, uma vez que, além do não-comparecimento à presença do notificante, o impetrante postulara a nulidade do procedimento instaurado pelo MP, instei por novo pronunciamento da Procuradoria, que opinou, então, pela denegação da ordem (fls. 169/173). É o relatório.

VOTO Des. Fed. HILTON QUEIROZ (Relator):

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A Portaria nº 799, de 21.11.1996, que cria e instala o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do MPDF e Territórios, é ato interno da Repartição, independendo de publicidade em Diário Oficial, até porque não se destina a traçar normas de conduta para os administrados. A notificação questionada invoca, como fundamento, não a aludida portaria, mas os arts. 8º, I e 9º da LC 75, de 20.05.1993 (cf. fl. 13). Correto, pois, o opinativo ministerial da lavra do eminente Procurador Regional da República, Dr. MARINHO MENDES DOMENICI, que, no ponto, assim se manifestou:

5. A irresignação da impetrante quanto à ausência de publicação da Portaria nº 799/96 e de contrafé que acompanhasse a notificação ministerial não merece agasalho, vez que sedimentado o entendimento pretoriano no sentido de que desnecessárias. Tem-se abraçado a tese de que, pelo caráter meramente administrativo da mencionada portaria, sua publicação não é medida que se impõe, vez que não tem repercussão ou conseqüência jurídica externa.

6. Nesse sentido, transcreve-se a seguinte ementa do eg. TJDFT, a saber: Habeas corpus preventivo. Núcleo de investigação e controle externo da atividade policial do MPDF e Territórios. Instituição por portaria. Ausência de publicação. Ato investigatório. Notificação desacompanhada de contrafé. A Portaria nº 799/96 instituidora do núcleo de controle externo da atividade policial do MPDF e territórios tem repercussão interna corporis uma vez que atribuições conferidas ao MP decorrem da CF (art. 129, VII) e da LC 75 (art. 8º) e não da portaria que serviu apenas como instrumento de exteriorização das atividades do MPDFT razão pela qual a ausência da sua publicação não lhe subtrai a eficácia. Não há nulidade na notificação por ter sido efetivada desacompanhada de contrafé, uma vez que esse procedimento é exigido para o cumprimento de mandados de citação, sendo dispensado para notificações. Indeferir a ordem. Decisão por maioria. (TJDFT, HC 20000020019014/DF, Acórdão nº 127875, 2ª T. Cr., Relª Desª APARECIDA FERNANDES, DJ 16.08.2000, p. 34 até 31.12.1993 na Seção 2, a partir de 01.01.1994 na Seção 3) 7. Seguem essa orientação os Acórdãos nºs 115827 (HC 19990020013235), 118208 (HC 19990020013332) e 127655 (HC 20000020007730) do mesmo Tribunal. (fl. 171) Além disso, a referida notificação tem o seguinte teor: Requisito a Vossa Senhoria, nos termos dos arts. 8º, I, e 9º, da L C 75/93, sejam notificados o delegado de polícia Geraldo Luiz Nugoli Costa, lotado na DOE e o agente de polícia Ricardo Cardoso, lotado na DOA, para que compareçam neste Núcleo de Investigação, no dia 09.04.2002, às 13 horas e 30 minutos, respectivamente, a fim de prestar declarações acerca dos fatos objeto do expediente em epígrafe, na qualidade de suspeitos da prática de crime de abuso de autoridade. (fl.13) Da sua leitura, percebe-se não conter cominação de medidas coercitivas, em caso de inatendimento. Destarte, o seu destinatário poderia até omitir-se, se é que o não fez, caindo o ato no vazio, sem dano resultante. Saliente-se que o MP, por força de atribuição constitucional (art. 129, VII, CF/1988), exerce o controle externo da atividade policial, sendo lícito, portanto, que possa promover as investigações necessárias a tornar efetiva sua competência. Isto posto, denego a ordem, por não caracterizado constrangimento ilegal. É o voto.

VOTO-VOGAL (VENCIDO) Des. Fed. CARLOS OLAVO: Senhor Presidente, vou pedir vênia a Vossa Excelência para discordar. O delegado é uma autoridade policial. Está administrativamente sujeito a uma hierarquia. O Secretário da Segurança responde por seus atos e infrações administrativas perante o Corregedor-Geral de Polícia e, quando incorre em prática delituosa, submete-se ao inquérito instaurado pela Corregedoria-Geral de Polícia. Existe, na hierarquia policial, um órgão que apura e instaura o inquérito para a verificação da responsabilidade de uma autoridade policial ou de qualquer outro agente policial. Dessa forma, sob o aspecto, digamos assim, moral da instituição, de defesa do seu prestígio, afasto o dever, o direito ou a atribuição do MP de instaurar inquérito contra um delegado.

Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Permita-me Vossa Excelência, mas não se está instaurando um inquérito.

Des. Fed. CARLOS OLAVO: Não. Mas é uma autoridade policial que não pode ser. Não existe hierarquia.

Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Compete ao MP, nos termos do art. 129, VII, da CF, exercer o controle externo.

Des. Fed. CARLOS OLAVO: Sim, chegarei lá, Senhor Presidente.

Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Na forma da lei complementar mencionada.

Des. Fed. CARLOS OLAVO: Indago a V. Exa. o que é controle externo. Controle externo é a atribuição que tem o MP de verificar o comportamento policial na investigação. Então, há interferência.

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Des. Fed. HILTON QUEIROZ: Se estiver cometendo um abuso de autoridade, quem denuncia?

Des. Fed. CARLOS OLAVO: Instaurado o inquérito, pela própria polícia ou pelo corregedor, a denúncia é feita sempre pelo MP.

Des. Fed. HILTON QUEIROZ: E se a prova for pré-constituída e dispensar até o inquérito?

Des. Fed. CARLOS OLAVO: Não vem ao caso. Não vislumbro competência do MP para instaurar procedimento, seja administrativo ou outro nome que V. Exa. queira dar, para ouvir um delegado. Não há autoridade administrativa nem hierárquica. É um superior, e existe uma ação penal para que ele possa ser intimado. Ele só pode ser judicialmente intimado pelo juiz, no caso de um processo criminal.

Então, o promotor de justiça não é autoridade judiciária. O delegado está sujeito administrativamente e responde pelos seus atos perante o corregedor, pelos seus superiores hierárquicos. Parece-me que essa medida cria constrangimento, porque se trata de uma autoridade policial que, afinal de contas, sente-se diminuída em comparecer perante um promotor, a quem não deve obediência hierárquica nem satisfação, já que não tem que dizer nem a verdade, porque não está diante da autoridade judiciária.

Então, não vejo a mínima razão para que um promotor intime um delegado a fim de verificar se ele praticou crime de responsabilidade criminal. A L. 4.898, que trata de responsabilidade, tem o seu rito. A parte que sofreu uma violação, ou o próprio promotor, comunica à autoridade ou ao superior hierárquico do delegado ou do policial, para que ele seja afastado imediatamente de suas funções. A L. 4.898 foi criada nos primórdios do regime militar e foi promulgada em razão dos excessos que eram praticados nessa época; é a Lei Castelo Branco, que era o então Presidente da República. Há todo um rito para que o delegado responda aos seus excessos e às suas práticas delituosas em IP. Posteriormente, poderá ser até denunciado pelo MP, mas não vejo a mínima possibilidade de um delegado ser intimado por um promotor para prestar esclarecimento acerca da conduta que teve no exercício da função policial. Concedo a ordem.

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ANEXO III INFORMATIVO 307 DO STF COM O VOTO DISCUTIDO - TRANSCRIÇÃO

HABEAS CORPUS - Processo nº 440.810-3/7

1ª Câmara Criminal Extraordinária

Impte: LARA VANESSA MILLON

Pacte: MIGUEL VOIGT JÚNIOR

Voto nº 1791

Lara Vanessa Millon, Advogada, impetra ordem de Habeas Corpus , com pedido liminar, em favor MIGUEL VOIGT JÚNIOR, contra ato dos Representantes do Ministério Público da Comarca de Campinas

SP.

Argumenta a impetrante, em síntese, que o paciente vem sofrendo constrangimento ilegal em razão de ato praticado pelos Promotores de Justiça Carlos Eduardo Ayres de Farias, Fernando Vianna Neto e Márcia Cristina Martins, integrantes do GAERCO de Campinas, que ofereceram denúncia contra ele, embasada em procedimento administrativo criminal, realizado internamente pelo Ministério Público.

Sem liminar, foram prestadas as informações (fls. 124/141 e 400/401), tendo a Procuradoria Geral de Justiça opinado pela denegação da ordem (fls. 380/398).

A denúncia foi recebida pelo MM. Juiz da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campinas - SP (fls. 440/443), sendo designada data para o interrogatório.

É o relatório.

Tormentosa é a matéria em discussão, e que sustenta a impetração do presente.

Entretanto, não obstante essa realidade, A ORDEM MERECE SER CONCEDIDA.

O paciente foi denunciado pela prática, em tese, dos crimes previstos nos artigos 319, caput, 327, § 2º e 299, todos do Código Penal, c. c. o artigo 89, caput, da Lei 8.666/96 (Lei de Licitações) porque, em 28 de junho de 2002, na Delegacia Seccional de Polícia de Campinas, dispensou licitação fora das hipóteses legais permissivas para delegação dos serviços públicos de remoção, guinchamento e depósito dos veículos apreendidos pelo Estado, em favor da empresa Braspátio - Administração de Pátios.

Consta ainda que, no exercício do cargo de Delegado Seccional de Polícia, em 26 de julho de 2002, na cidade e comarca de Campinas, o paciente teria praticado ato contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse pessoal, consistente em autorizar a cobrança das despesas de remoção, guinchamento e estada de veículos apreendidos por motivo de furto ou roubo, o que é vedado pela Lei 6.575/78 e pela Portaria 1344/89 do DETRAN.

Por fim, consta que em co-participação com Marco Antonio Mardirosian e Newton Luiz Locchter Arraes, em data posterior a 05 de julho de 2002, inseriram em documento público declaração falsa, a fim de alterarem verdade sobre fato juridicamente relevante.

Pretende a impetrante, por via do presente Remédio Heróico , a concessão da Ordem, para que a Denúncia seja anulada, e não ser o paciente ilegalmente processado.

Fundamenta sua irresignação no fato de a inicial acusatória vir embasada por procedimento administrativo criminal, que pretendeu substituir adequado inquérito policial, realizado internamente por Grupo integrado

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por membros do Ministério Público Estadual, em total descompasso com os procedimentos legais e constitucionais em vigor.

Argumenta ainda que, o ilegal procedimento administrativo criminal ofende o princípio constitucional do devido processo legal, não existindo na Constituição Federal norma autorizadora para atuação do Ministério Público nesse mister; aponta também afronta ao princípio da igualdade, visto que o parquet é claramente identificado como parte e acaba por desequilibrar a relação processual, impedindo ao acusado os mesmos direitos exercidos, o que colocaria como dispensável o trabalho policial em procedimentos investigatórios.

Destaca, assim, a flagrante ocorrência de abuso de poder, o que caracteriza o constrangimento ilegal ora sustentado.

Observa-se dos autos questão que supera os limites fáticos sub judice, requerendo análise sobre as funções institucionais do Ministério Público e da Polícia Judiciária, sob pena de prestação jurisdicional insuficiente ou mesmo inadequada.

Assim, passo a análise da questão, no âmbito legal e constitucional.

1 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E DO CONTROLE DE LEGALIDADE

Inicialmente, cabe ressaltar que o procedimento administrativo impugnado no presente Habeas Corpus, criado nos moldes do Inquérito Policial, pretendendo legitimar atos de natureza investigatória do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizando diligências, naturais da Polícia Judiciária, para proporcionar a instauração de eventual Ação Penal, pretende encontrar guarida nos Atos Normativos 314-PGJ/CPJ, de 27 de junho de 2.003, e 324-PGJ/CGMP/CPJ, de 29 de agosto de 2.003, de autoria do Órgão Ministerial Estadual.

Portanto, deve ficar claro que os referidos Atos Normativos não têm força ou natureza de Lei Complementar, cuja iniciativa deve, necessariamente, ser do Procurador-Geral de Justiça, em se tratando de procedimentos de ordem administrativa, de competência do Ministério Público, no âmbito Estadual (1), e que não refogem a todo um procedimento legislativo de análise e promulgação.

De outro lado, não se pode negar que, a Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e requerer a instauração de inquéritos policiais:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VI

expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva

(...)

VIII

requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais .

Da mesma forma, atribuiu a Carta Magna ao Ministério Público, no mesmo artigo 129, a função de promoção de inquérito civil e ação civil pública, mas com fins e objetivos delimitados:

Art. 129 São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

III promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (grifo nosso).

Também é função do Ministério Público na realização do controle externo da atividade policial:

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Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VII

exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo

anterior .

Entretanto, tais atribuições constitucionais não são legitimadoras, ou mesmo legalizadoras, de um procedimento administrativo criminal, da natureza do ora impugnado, sucedâneo de inquérito policial.

A norma constitucional não contemplou ao órgão ministerial as funções de realização e presidência de inquéritos policiais, ainda que instaurados em face de uma necessária investigação de autoridade policial, como no caso em espécie.

Seu papel de defensor da ordem pública jurídico-social, não afasta a existência de limites, também de ordem constitucional e legal, no seu âmbito de atuação, quando busca alcançar o exercício do poder punitivo do Estado, através da prestação jurisdicional.

Caso contrário acreditaríamos que na independência de um órgão institucional, à luz de um ordenamento submetido ao Estado Democrático de Direito, permitiríamos a superação, quando não a violação dos direitos e garantias individuais.

Já escrevemos que:

O poder punitivo do Estado decorre do conjunto de poderes que lhe atribui a Constituição Federal para criar e aplicar o direito penal, sendo a criação das normas competência exclusiva do poder legislativo, enquanto sua aplicação é do poder judiciário. Entretanto, este conjunto de poderes não é limitado, mas seus limites e extensão são definidos através dos princípios que decorrem dos fundamentos apontados no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (grifo nosso) (2).

Assim, clara a Constituição Federal, quando trata de modo específico dos limites de atuação do Ministério Público no Inquérito Policial, indicando a este a possibilidade de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial" (3).

Aliás, a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 97, parágrafo único, em compasso com a Carta Magna, segue a mesma orientação, visto que quando trata do Ministério Público nem mesmo apresenta qualquer referência à questão do inquérito policial, tão somente restringindo suas previsões aos procedimentos administrativos, da competência do respectivo órgão:

Art. 97. (...)

Parágrafo único. Para promover o inquérito civil e os procedimentos administrativos de sua competência, o Ministério Público poderá, nos termos de sua lei complementar:

1 requisitar dos órgãos da administração direta ou indireta, os meios necessários a sua conclusão;

2

propor à autoridade administrativa competente a instauração de sindicância para apuração de falta disciplinar ou ilícito administrativo .

Também a Lei 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que regula de forma complementar as funções e o âmbito de atuação do órgão ministerial, em seu artigo 26, inciso I, de forma indiscutível, limita seus poderes à instauração de inquéritos civis e procedimentos administrativos. Quanto aos inquéritos policiais, possibilita, em seu inciso IV, apenas a requisição de sua instauração e de realização de diligências, em consonância com a previsão da Lei Maior:

Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:

I instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes (...)

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IV

requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e inquérito policial militar,

observado o disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, podendo acompanhá-los .

Não se pode, desta forma, seja constitucionalmente ou legalmente, afastar-se a falta de legitimidade do Ministério Público para realizar diretamente investigações e diligência através de procedimento administrativo de natureza criminal, de sua autoria, ainda que com a finalidade de apuração de eventuais condutas ilícitas, cometidas por autoridade policial, como no caso em espécie.

Mas não é só isso.

Temos que o Código de Processo Penal, diga-se, recepcionado pela ordem constitucional em vigor, categoricamente confirma o Inquérito Policial como instrumento de investigação penal da Polícia Judiciária, sendo procedimento administrativo destinado a subsidiar a instauração da ação penal, e neste particular, em especial, ao Ministério Público.

Lembramos CLÁUDIO JOSÉ PEREIRA (4), quanto ao respeito ao princípio da legalidade, nos termos como imposto pela Constituição Federal:

Todavia, o princípio da legalidade, como fonte basilar do Estado Democrático de Direito, exige sua realização fundada em preceitos de igualdade e justiça, visto que o exercício da função social da lei na comunidade aparece como pressuposto de validade, devendo esta emanar de órgãos de representação popular, sendo elaborada na forma do processo legislativo previsto constitucionalmente (grifos nossos).

Assim, para que a norma legal seja recepcionada no Estado Democrático de Direito deve respeitar determinados princípios orientadores, quando de sua criação, bem como da delimitação de seu conteúdo:

Daí porque a exigência de plena legitimidade, na condição de qualidade dada ao poder do qual emana a lei, respeitadas as condições necessárias à preservação da dignidade humana em um Estado de Direito (5).

Os direitos fundamentais, no Estado Democrático de Direito, conforme ensina o Professor ANTONIO LUIS CHAVES CAMARGO:

São o reflexo do seu fundamento que é a dignidade da pessoa humana, submetendo o poder punitivo do Estado, estabelecendo, de igual modo, os limites deste poder.

No Estado Democrático de Direito, o poder de punir do Estado está restrito pelo princípio básico da intervenção em ultima ratio na dignidade humana.

Desde a Ilustração, o princípio da legalidade, formulado por Feuerbach, na expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege, tem seu significado para a teoria da pena, entendida como coação psicológica, pois, há a exigência de descrição pela lei não só dos crimes, como das penas cominadas. (6)

A investigação criminal não pode, como anota WINFRIED HASSEMER, num Estado Democrático de Direito, ser a catapulta para a instauração da moda atual da não jurisdicionalização do processo penal, mas sim da sua aptidão para um efetivo combate à criminalidade". (7)

Apoiando-se no raciocínio do ilustre professor alemão, o mestre lusitano MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE defende:

Uma investigação criminal que não destrua a essência e o conteúdo dos direitos fundamentais

património da humanidade

pela troca da efémera e escassa eficácia, esta sim é inimiga de se investigar de modo que se localize, contacte e se apresente o culpado, pois apenas nos remeterá para um culpado. (8)

Ainda, e isto também é realmente importante, o Constituinte de 1988, rejeitou Emendas à Carta Magna, que pretendiam possibilitar a sujeição do inquérito policial à presidência do Ministério Público (9), além de assegurar as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais à Polícia Civil, deixando clara sua intenção de não proporcionar ao órgão ministerial tal condição, sob pena de violação de princípios constitucionais.

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Aliás, e por isso, dispõe o artigo 144, § 4.o, da Carta Magna:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

(...)

§ 4.o

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência

da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares . (grifos nossos).

Não resta dúvida, pois, que com o não acolhimento, quando da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, das pretensões de alguns parlamentares de ver um processo de investigação criminal gerido pelo Ministério Público, não pode este presidir ou realizar um inquérito policial, ou mesmo procedimento administrativo investigatório criminal de mesma natureza e finalidade, vedando-se, também, a inquirição, de forma direta, de pessoas investigadas ou suspeitas da autoria de delito, ficando limitado à requisição de tais providências à autoridade policial competente.

Posição esta adotada pela Suprema Corte Constitucional, em especial no brilhante voto do Ministro CARLOS VELLOSO, quando relator do Recurso de n.o 205.483:

Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, DIRETAMENTE, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144 §§ 1.o e 4.o ) (grifos e destaques nossos).

Seguindo esse raciocínio, mais que adequado ao presente caso, cabe considerar que existe uma estreita delimitação constitucional de funções institucionais, dentro do campo da persecução penal.

De um lado o Ministério Público, como titular do direito à interposição da ação penal, podendo requisitar diligências investigatórias, acompanhar o inquérito policial, bem como, e também, exercer o controle externo da Polícia Judiciária.

Em outro ponto, temos a Polícia Judiciária, no caso em espécie a Polícia Civil, que deve executar a persecução penal incorporadora de eventuais constrangimentos individuais, com possível restrição à liberdade de ir e vir do cidadão, buscando a apuração das infrações penais através de um isento procedimento investigatório de colheita de elementos de prova.

Subverter essa ordem, delimitada constitucionalmente, proporcionaria verdadeiro descompasso institucional.

Momento adequado para destacar o v. Acórdão lavrado nos autos do Habeas Corpus nº 99.018-3/2, julgado pela C. Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Em votação unânime, o julgamento realizado em 26 de fevereiro de 1991, o então Relator, eminente Desembargador WEISS DE ANDRADE ponderou:

A primeira questão que se põe nos autos leva a que se faça uma análise, embora rápida e sumária, da posição do representante do Ministério Público no inquérito policial .

Não se ignora que o art. 129 da Constituição Federal dispõe que dentre as funções institucionais do Ministério Público está a de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.

Mas, também não pode ser descartado que o diploma constitucional, em seu art. 144, par. 4o., estatui que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

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Indisputável, diante dos preceitos constitucionais, ser privativo da autoridade policial a presidência dos inquéritos policiais .

À frente traz o mencionado Voto verdadeira lição que, nas poucas palavras destacadas, resume a matéria:

"Nada a objetar quando o representante do Ministério Público acompanha o desenrolar das investigações policiais e isto porque é o Ministério Público o titular da ação pública, e ninguém melhor do que ele para acompanhar aquelas diligências policiais".

E prossegue:

Mas entre acompanhar diligências policiais e assumir, praticamente, a direção do inquérito policial, a distância é grande (grifo nosso).

2

DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS E DA IMPARCIALIDADE PRETENDIDA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Com o devido respeito, não podemos acolher considerações tais como - quem pode o mais pode o menos , ou seja, se compete ao órgão ministerial a interposição da ação penal pública, deveria ser entendida como pertinente a sua atuação no campo da persecução penal, pré-processual, de forma direta, através de sucedâneo de inquérito policial.

Além da responsabilidade constitucional de interposição da ação penal pública, sempre que existirem indícios de autoria e provas de materialidade de um delito, compete ao Ministério Público o exercício do controle externo da Polícia Judiciária, na forma de órgão fiscalizador de suas atividades.

Se admitíssemos o procedimento administrativo criminal, como legal e legítimo, estaríamos diante de uma superposição do Ministério Público em relação à Polícia Judiciária, em exercício de verdadeiro controle interno da Polícia, já que não estaria lhe sendo atribuído o poder de investigar, mas de controlar a atividade pré-processual de colheita de provas, incompatível com quem pretende o exercício fiscalizador destas atividades.

Aliás, se assim desejasse a Ordem Constitucional proceder, necessária seria uma Emenda à Carta Magna, como bem advertia o Professor SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO:

Desponta a necessidade de emendar a Constituição da República, posto que não deve o Ministério Público deter o controle interno e externo da polícia (art. 129, inc. VII). Tanto que perca o controle externo, fica o sério problema de a quem entregá-lo. Não guarda cabimento, nem lógica, afirmar-se que, dirigindo o Ministério Público a Polícia Judiciária, desnecessária seria a função de controle externo. Recordem-se os argumentos, que tangeram o legislador constituinte a estabelecer o controle externo da polícia (10).

A esse respeito o Ministro WILLIAN PATTERSON, quando do julgamento do Recurso Especial n.o 76.171/AL (11), marcou significativa posição no Superior Tribunal de Justiça:

A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública (art. 129, III, CF). De outro lado, haveria uma Polícia Judiciária paralela, o que não combina com a regra do art. 129, VIII, CF, segundo a qual o MP deve exercer, conforme lei complementar, o controle externo

da atividade policial .

Similar orientação é dada pelo Supremo Tribunal Federal, expressa em julgamento de Recurso Extraordinário, decorrente de impugnação a ato do Procurador Geral da República, que solicitou abertura de inquérito contra o então Presidente do Partido dos Trabalhadores, Deputado JOSÉ DIRCEU (Inquérito n.o 1.828-7):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO PENAL. LEGITIMIDADE. O Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode propor ação penal sem inquérito policial, desde que dispunha de elementos suficientes. Recurso não conhecido. (12)

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Merece, ainda, transcrição trecho do V. Acórdão proferido nesse julgamento, da lavra do brilhante Ministro NELSON JOBIM:

O Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo para apurar condutas tipificáveis como crimes de servidores públicos. No caso, não há dúvida de que o pedido de indiciamento do senhor Deputado Federal José Dirceu está assentado em Procedimento Investigativo com nítidas características de Inquérito Policial.

O Ministério Público se substituiu à Polícia Judiciária. Essa situação é repelida pelo STF .

Assim, o pensamento justificante dos defensores da permanência do inconstitucional e ilegal Procedimento Administrativo Criminal, no âmbito do Ministério Público, assentado na existência histórica de outras Unidades da Federação, onde cabe a este o controle da atividade policial judiciária, esbarra no fato dos referidos Estados serem de nascedouro político unitário, com uma dependência, quando não uma verdadeira interferência, quase que absoluta, do Poder Executivo tanto nas atividades do Ministério Público, como da Polícia Judiciária, ambos submetidos aos mesmos Ministérios do Interior de então.

Diferente realidade enfrenta a estrutura constitucionalmente conferida ao atual ESTADO FEDERAL BRASILEIRO, onde a autonomia de seus Estados Membros, com órgãos governamentais próprios e com competência exclusiva, proporcionam peculiaridades regionais, características das polícias, também a órgãos do Ministério Público, sejam estes da União ou dos Estados. (13)

Aliás, sobre o tema, apesar de sustentar que o Ministério Público deveria seguir a referida orientação de outros Estados, com a supervisão da investigação policial, o Professor ANTONIO SCARANCE FERNANDES não deixa de reconhecer que, como acima já sustentado, tal posicionamento do Ministério Público exigiria uma reformulação no ordenamento jurídico - constitucional:

Pela própria Constituição Federal, sem exclusividade, incumbiu-se aos delegados de carreira exercer a função de polícia judiciária (art. 144, § 4.o). Não foi a norma excepcionada por outro preceito constitucional. O que permitiu o art. 129, inc. VII, é acompanhamento do inquérito policial pelo promotor de justiça . (14)

Quanto, ainda, às temerárias conseqüências que podem advir do reconhecimento, na ordem legal vigente, do impugnado Procedimento Administrativo Criminal, de autoria do Ministério Público, destacamos observações do ilustre ANTONIO EVARISTO DE MORAES FILHO:

Ademais, sob o aspecto institucional esta faculdade de o Ministério Público produzir, diretamente, a prova da fase preliminar da persecutio implicaria outorgar-se a este órgão um poder incontrolável em matéria de arquivamento das peças de informação. Com efeito, basta imaginar-se que, num determinado caso o Ministério Público efetuasse, na fase preliminar, toda colheita da prova, dando-lhe, intencionalmente, ou não, um direcionamento favorável ao indiciado. Logo a seguir, na etapa processual subseqüente, em face da fragilidade ou insuficiência dos elementos que ele próprio coligira, pediria o arquivamento das peças, arquivamento que se tornaria obrigatório, mesmo em face da eventual discordância do juiz, caso o Procurador Geral ratificasse a opinio de seu subordinado (art. 28, CPP). Assim, em questão de arquivamento, estaria instalada uma verdadeira ditadura do Ministério Público, com sério comprometimento do princípio da obrigatoriedade da ação penal . (15)

A questão da necessária independência institucional, bem como do comprometimento jurídico de eventual ação que desvirtue o que pretendeu a Ordem Constitucional impor, no caso específico da ingerência do Ministério Público no estreito campo de atuação em discussão reservado constitucionalmente à Polícia Judiciária, reitero, em se reconhecendo esta como órgão e não como função, não é nova.

ESPINOLA FILHO já se pronunciara sobre o tema:

Na base dessa incompatibilidade de exercer a mesma pessoa funções diferentes, não somente são vedadas acumulações, que, sobre serem legalmente proibidas, de modo geral, trariam um chocante resultado de apresentar-se o órgão da justiça encarnando personagens, cujas atividades, no processo, se chocam, pela própria natureza e finalidade, também não podendo desenvolver-se livre e eficientemente, se oriundas de um único autor. Mas, ainda, não se tolera, tendo exercido uma determinada função a respeito de certo crime, venha a pessoa a atuar novamente, quando se devem examinar e dar valor aos atos, por ela próprio praticados anteriormente, às conclusões que chegou .(16)

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Esse perigoso comprometimento da pretendida imparcialidade do Ministério Público, na ordem jurídica constitucional, também foi lembrado, em momento outro, pelo saudoso Mestre SÉRGIO MARCOS DE MORAES PITOMBO:

A acusação formal, clara e fiel à prova, é garantia de defesa, em Juízo, do acusado. Espera-se, então, do acusador público imparcialidade. Tanto que se permite argüir-lhe a suspeição, impedimento, ou outra incompatibilidade com determinada causa penal. É o que se encontra na Lei do Processo. Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura orientada de prova, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com abandono, até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade viciada desatende à justiça . (17)

Portanto, atribuir aos Promotores de Justiça funções que não lhes são previstas, além de infringir a ordem jurídica no Estado Democrático de Direito, pode levar o Ministério Público a afastar-se de suas atribuições na titularidade da condução da ação penal pública, visto que deixaria de atuar com imparcialidade, não restando desvinculados dos atos pré-processuais que podem influenciar o seu livre convencimento, violando a isonomia no tratamento das partes, o devido processo legal, proporcionando a um Procurador de Justiça que se traveste de policial , adotar no início e na condução das investigações policiais um posicionamento

tendencioso, que se manterá durante todo o procedimento, afastando qualquer prova que proporcione alternativa outra que não a já pretendida busca de um fato delituoso, em razão do qual se possa postular a interposição de uma ação penal.(18)

Em recente entrevista à Revista ÉPOCA, o Professor MIGUEL REALE JÚNIOR, com a profundidade e acuidade que lhe é peculiar apontou que:

O erro do Ministério Público fazer investigações por conta própria é que muitas vezes ele não investiga para apurar o fato, mas para comprovar o que ele quer ver comprovado. Deturpam-se fatos para acomodar a prova à necessidade da acusação que se tem na cabeça. Isso é deformação do processo apuratório. (19)

Abordamos a questão relativa ao tratamento equilibrado, defendendo posicionamento há muito expressado, na obra Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito:(20)

O devido processo legal, como dito anteriormente, importa num amplo espectro de garantias que dele devem necessariamente decorrer para que se atenda a exigência do Estado Democrático de Direito. O tratamento das partes será sempre paritário, em razão do princípio da isonomia, pois, perante o Estado - jurisdição, não pode haver parte com destaque de importância. Autor e réu têm, enquanto partes, os mesmos direitos e deveres (grifo nosso).

Assim, o Ministério Público, como parte que é na ação penal, exercendo funções inquisitoriais, em procedimento administrativo próprio, criaria disparidade no tratamento jurídico legal das partes, implicando no afastamento de qualquer caráter impessoal da investigação, circunstância repulsiva ao Estado Democrático de Direito instituído no Brasil.

Também nos posicionamos dessa forma:

O contraditório impõe a conduta dialética do processo. Isso significa dizer que em todos os atos processuais às partes deve ser assegurado o direito de participar, em igualdade de condições, oferecendo alegações e provas, de sorte que se chegue à verdade processual como equilíbrio, evitando-se uma verdade produzida unilateralmente. É, portanto, componente essencial do due process of law, aplicando-se a todo e qualquer processo, entendido o termo como série de atos com a qual se pretende fundamentar uma decisão, seja judicial ou administrativa.

Exige o Estado Democrático de Direito que o contraditório, sobre que assenta a garantia do devido processo legal, revele-se como pleno e efetivo, e não apenas nominal ou formal.

Todos os meios necessários têm de ser empregados para que não se manifeste posição privilegiada em prol de um dos litigantes e em detrimento do outro, no rumo do êxito processual. Somente quando as forças do processo, de busca e revelação da verdade, são efetivamente distribuídas com irrestrita igualdade é que se pode falar em processo caracterizado pelo contraditório e ampla defesa. (21)

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Sobre o tema, também firmou posição a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

O art. 127 da CF cuida do Ministério Público, sendo que do art. 129, em nenhum de seus incisos e parágrafos, consta a função de investigação policial ou de polícia judiciária, que é exclusiva da Polícia Civil, como se vê do art. 144, § 4o.

(...)

Vê-se é o que parece

que as funções do Ministério Público, em termos de diligências investigatórias ou de inquérito policial, deve, limitar-se à sua requisição, não podendo ele passar da condição de seu acompanhante.

(...)

É necessário que as funções fiquem bem delineadas. Cada Poder, cada órgão ou membro do Poder com suas atribuições e competências bem definidas, sob pena de se descumprir a regra, também constitucional, do devido processo legal (grifo nosso) (22).

Então, reconhecer como legítima a atuação do Ministério Público, nesse ínterim, levaria à conclusão de que a isenção que se pretende estabelecer no procedimento investigatório policial, já comprometido pela ausência de contraditório e ampla defesa, estaria completamente afastada, desestabilizando-se o equilíbrio estabelecido pelo Estado Democrático de Direito, quando trata da acusação e da defesa. Perderíamos de vista um eventual pedido de arquivamento de inquérito policial, ante a ausência de elementos probatórios colhidos na fase inquisitorial, quiçá eventual pedido de absolvição ou mesmo recurso em favor do réu, promovidos pelo órgão ministerial. Ocorreria verdadeira contaminação na busca da verdade real .

No tocante a busca da verdade na área penal, o Mestre Espanhol FRANCISCO MUNHOZ CONDE adverte:

Em el proceso penal, la búsqueda de la verdad está limitada además por el respeto a unas garantías que tienen incluso el carácter de derechos humanos reconocidos como tales en todos los textos constitucionales y leyes procesales de todos los países de nuestra área de cultura.

Principios como el de proporcionalidade o el derecho a la intimidad impiden utilizar, de un modo absoluto o relativo, técnicas de averiguación de la verdade como la tortura, el empleo del llamado suervo de la verdad , el detector de emntiras o las grabaciones de conversaciones telefónicas sin autorización judicial.

Por todo ello, la afirmación de que el objeto del proceso penal es la búsqueda de la verdad material debe ser relativizada, y, desde luego, se puede decir entonces, sin temor a equivocarse, que en el Estado de Derecho en ningún caso se debe buscar la verdad a toda costa o a cualquier precio.

De todo lo dicho se deduce que el objeto del proceso penal es la obtención de la verdad sólo y en la medida en que se empleen para ello los medios legalmente reconocidos. Se habla así de una verdad forense que no siempre coincide con la verdad material propriamente dicha. Este es el precio que hay que pagar por un proceso penal respetuoso con todas las garantías y derechos humanos característicos del Estado social y democrático de Derecho. (23).

Bem lembrado foi, também, por MARREY NETO esse comprometimento com a imparcialidade na promoção da justiça:

Mais e melhor do que exercer a acusação, Ministério Público tem o dever de promover a consecução da justiça. Nesse sentido, observando-se que age e intervém como fiscal da lei, em função que se caracteriza de imprescindível imparcialidade, compreende-se que possa o parquet interpor recursos em favor do acusado (grifo nosso) (24).

A prevalência de sua condição de imparcialidade é reconhecida e sustentada pelos Tribunais, o que se pode observar nas considerações do eminente Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 4.769/PR (DJ, 06 de maio de 1996), reconhecendo que o Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, não pretende um enfrentamento com o réu, ou mesmo prejudicá-lo:

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Ao contrário, confluem interesses, a fim de evitar o erro judiciário. Busca a verdade real, a decisão justa. Em conseqüência, evidencia-se a legitimidade para recorrer em favor do réu".

E continua:

Ministério Público e Magistratura não podem estar comprometidos com o caso sub judice .

(...)

Se um, ou outro atua na coleta de prova que, por sua vez mais tarde, será a base do recebimento da denúncia, ou do sustentáculo da sentença, ambos perdem a imparcialidade, no sentido jurídico do termo (grifos nossos).

Não menos importante sua observação de que:

Além disso, é tradicional, não se confundem três agentes: investigador do fato (materialidade e autoria), órgão da imputação e agente do julgamento (grifos nossos).

Aliás, manifestação adequada ao momento, inclusive por despontar do próprio cerne do órgão ministerial, foi a do Sub-Procurador Geral da República JAIR BRANDÃO DE SOUZA MEIRA, entendendo em parecer ofertado no Habeas Corpus nº 8.106/DF, em 26 de novembro de 1998, reconhecendo como atividade própria dos Tribunais de Exceção a condução da investigação e posterior apresentação de denúncia nela sustentada, por parte do Ministério Público, substituindo-se à Polícia Judiciária e exacerbando os limites constitucionais de suas funções.

O respectivo pensamento indica um restabelecimento da posição de verdadeiro inquisidor ao Ministério Público que, no exercício da investigação e posterior apresentação da acusação, privilegiando o que quer investigar, selecionando as provas colhidas, exercendo verdadeiro poder sem controle ou fiscalização de outros órgãos institucionais, agiria de forma ilegal e inconstitucional, como já destacado.

O agente investigador do fato (materialidade e autoria) , no caso em espécie, a Polícia Civil, exerce funções que não condizem com a titularidade da ação penal. As diligências e investigações policiais, destinadas à instrução do inquérito policial, distanciam-se claramente das funções institucionais do Ministério Público, devendo reconhecer-se que cabem àqueles que tenham a titularidade de instauração do referido procedimento administrativo, no âmbito da ordem jurídica nacional; quem seja, a Autoridade Policial.

A própria Carta Constitucional, em seu artigo 144, § 4º, como já ressaltamos, já deixou clara a realidade de que a apuração de infrações penais é atribuição exclusiva da Polícia Civil.

Daí porque LUIZ ALBERTO MACHADO defendeu a inconstitucionalidade da absorção, pelo Ministério Público, da titularidade da investigação policial:

Isso porque a lei não pode cometer as funções de elaboração de inquérito policial e de investigações criminais a quem não revista expressamente de autoridade policial, segundo a Constituição Federal. A leitura que se deve fazer dessa atribuição administrativa constitucional é ser uma garantia individual, a garantia da imparcialidade e impessoalidade do Ministério Público, dominus litis e que, por isso, não deve, e não pode, investigar ou coligir informações para o exercício da ação processual criminal (25).

Inexiste possibilidade de legitimar o exercício dessa atribuição por parte de outro órgão institucional, seja por meio de ato administrativo ou outra medida legislativa infraconstitucional, sem afrontar preceitos constitucionais.

A possibilidade de invasão de competência, delimitada constitucionalmente, é abordada pelo constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA:

Isso quer dizer que a Constituição reservou à polícia civil estadual um campo de atividade exclusiva que não pode ser invadido por norma infraconstitucional e, menos ainda, por disposições de ato administrativo. Uma delas é a de realização do inquérito policial, que constitui o cerne da atividade de polícia judiciária, que não comporta o controle do Ministério Público, porque tal controle ainda pertence ao Poder Judiciário, como bem o

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lembrou a Dra. Andyr de Mendonça Rodrigues, Subprocuradora-Geral da República, no parecer supramencionado. A outra é que também à polícia civil, polícia judiciária, se reservou a função de apuração das infrações penais, o que vale dizer o poder investigatório, sendo, pois, de nítido desrespeito à Constituição normas que atribuam a órgão do Ministério Público a faculdade de promover diretamente investigações, como o fez o art. 26 do ato 98/96 . (26)

3

DO INQUÉRITO POLICIAL, DE SUA NATUREZA E DA IMPARCIALIDADE PARA A INVESTIGAÇÃO

CRIMINAL

Considerando tudo quanto já foi exposto, resta-nos apontar para a pacificação da matéria, a recente decisão, com votação unânime, proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, tendo como relator o insigne Ministro NELSON JOBIM:

Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Ministério Público. Inquérito Administrativo. Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial/DF. Portaria. Publicidade. Atos de investigação. Ilegitimidade.

1. Portaria. Publicidade

A portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ.

Enfrentara matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.

2. Inquirição de Autoridade Administrativa. Ilegitimidade.

A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII).

A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parquet realizar e presidir inquérito policial.

Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.

Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes.

O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria.

Recurso conhecido e provido .(27)

Ora, o próprio histórico do Inquérito Policial, por si só, já indica que, caso o legislador pátrio pretendesse oportunizar a outro órgão institucional que não àqueles representados pelos delegados de carreira, a presidência da investigação policial, já o teria feito de forma legal e legítima.

Sobre este tema, o ínclito LUIZ FLÁVIO BORGES D´URSO, Presidente da OAB/SP:

O inquérito policial, com tal denominação, surgiu em nossa legislação pela Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871. Para iniciar-se qualquer escrito sobre o inquérito policial, há que se verificar seu posicionamento legal, pois o inquérito está previsto no ar. 4º, do Código de Processo Penal, que estabelece exatamente o seguinte: A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e de sua autoria .

(...)

Fico a meditar sobre a origem do inquérito policial, sua utilidade e conveniência e, invariavelmente, concluo por sua indispensabilidade como supedâneo a enfeixar as provas que são produzidas durante esta importante fase, que é preliminar ao processo criminal; aliás a fase que justifique o próprio processo. Assim, o inquérito

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policial é uma peça de relevo e, sendo dirigida por uma autoridade policial, objetiva, principalmente, a apuração dos fatos com imparcialidade, porquanto o delegado de polícia que o preside, jamais acusa, como também não defende, pois busca-se uma autoridade imparcial . (28)

Assim, a função e o cargo do delegado de polícia, decorrente da Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, remonta à instituição de uma autoridade, hoje, de caráter centenário.

Daí porque, em sua independência e imparcialidade, já que totalmente desvinculado do Poder Judiciário (órgão julgador), do Ministério Público, bem como da Defesa, desponta o Delegado de Polícia como autoridade mais que ideal à assegurar a presidência de um procedimento investigatório, para delimitar e instruir uma eventual denúncia, sem vícios ou comprometimentos, buscando provas da existência de delitos e a indicação de seus prováveis autores, afastando o determinismo e os juízos errôneos, que o comprometimento do órgão ministerial para com a ação penal poderiam provocar.

Se a intervenção da Defesa é cerceada no inquérito policial, porque seria correto, em descompasso com a ordem constitucional, violando princípio da paridade de tratamento das partes, proporcionar ao Ministério Público (órgão que despontará para a acusação, no caso de eventual ação penal), a presidência da investigação policial, ocasionando um desequilíbrio desproporcional na relação processual que está por vir e que, nem mesmo o órgão jurisdicional, por mais imparcial que seja, poderá sanar.

Ademais, a atividade investigatória, como sabemos, é complexa exigindo conhecimentos técnicos específicos, com instrução capacitadora, por vezes, extenuante, da qual, ao momento parece não possuir o Ministério Público.

Quanto aos defensores da possibilidade da transferência da presidência das investigações policiais, a constituir caminho que está em consonância com a tendência mundial , ouso divergir desse posicionamento.

No Direito Português FERNANDO GONÇALVES e MANUEL JOÃO ALVES, da Universidade de Coimbra, anotam que:

O sistema acusatório, ao contrário do inquisiório, procura, como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, a igualdade de poderes de actuação processual entre acusação e defesa, ficando o julgador numa situação de independência, super partes , caracterizando-se, pois, essencialmente por uma disputa entre duas partes, uma espécie de duelo judiciário entre acusação e a defesa, disciplinado por um terceiro, o juiz ou o tribunal, que ocupa uma situação de supremacia e de independência relativamente ao acusador e ao acusado, não podendo promover o processo (ne procedat judex ex officio), nem condenar para além da acusação (sententia debet esse conformis libello). .(29)

A realidade social individuada de cada Nação há que ser parâmetro indispensável à colocação legal e mesmo jurídico-social de suas instituições, no desempenho, no caso específico do Brasil, das garantias e dos princípios orientadores do Estado Democrático de Direito, na forma como foi adotado pela nossa Constituição Federal.

FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO já anotava que esse posicionamento, centrado numa eventual tendência, merece cuidado.

Há entendimento respeitável no sentido de que devemos manter o Inquérito Policial sob a presidência do Ministério Público. Por que essa troca de chefia? Afinal de contas, ao contrário do que se dá nos Estados Unidos, França, Espanha e Portugal, por exemplo, o policial encarregado das investigações, entre nós, é um bacharel em Direito. Tem a mesma formação jurídica dos promotores e juízes. Então, por que essa transposição de chefia? Não se pode dizer, entre nós, o que se diz em Portugal, que há um contraste bem acentuado no que respeita à cultura e à concepção do Direito entre a Polícia e o Ministério Público. Se delegados e promotores são bacharéis em Direito, se possuem a mesma formação universitária, no momento em que o promotor passar a dirigir as investigações, ele se transmuda em delegado. E aí, qual seria a diferença? Daqui a alguns anos, procurar-se-ia outro órgão para desempenhar a função do promotor-investigador, dadas as suas pretensas atitudes atrabiliárias... . (30)

Assim, nem mesmo há como se perquirir de eventual incapacidade, ou mesmo inabilidade, para a condução das investigações criminais, por parte dos delegados de carreira, quando tratamos dos argumentos que poderiam sustentar a tese de transferência da presidência do inquérito policial para o Ministério Público,

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quanto mais se afastar a realidade de um esvaziamento das funções legalmente estabelecidas ao órgão ministerial, em se falando da propriedade da criação, instauração e condução de um procedimento administrativo criminal , arremedo de inquérito policial, como já afirmamos.

As observações tecidas, com toda a propriedade que nos empresta a doutrina e a jurisprudência colacionadas, são adequadas à solução pretendida no presente Habeas Corpus.

Não há como desconsiderar a forçosa posição de legalidade e legitimidade, que pretendeu impor o Ministério Público, quando ingressou com denúncia criminal contra o paciente, sustentada em procedimento administrativo criminal, realizado internamente.

Justificar a necessidade desse procedimento, em razão do paciente ser Delegado de Polícia, o que poderia comprometer um inquérito policial, ou investigação criminal, se preferirmos, no âmbito da Polícia Civil, seria menosprezar a Instituição; perfazer juízo de valor sobre sua integridade, bem como de todos os seus membros, questionar a capacidade jurídico-administrativa de apuração de eventuais irregularidades no seu corpo funcional, bem como desconsiderar a isonomia e a imparcialidade, características da presidência das investigações criminais conduzidas por Delegados de Polícia, seria atentar contra ditames constitucionais.

Até porque, como é característico de suas manifestações, com toda a propriedade e conhecimento jurídico, em consulta realizada sobre a legalidade e legitimidade dos Atos Normativos nº 314-PGJ/CPJ, de 27 de junho de 2.003, e 324-PGJ/CGMP-CPJ, de 29 de agosto de 2.003, editados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (31), os ilustres Professores MIGUEL REALE JÚNIOR e EDUARDO REALE FERRARI apontam:

Inquestionável o papel do Ministério Público no que tange ao controle externo da atividade policial, não significando, entretanto, que se legitime o ilegal procedimento administrativo criminal, devendo o Promotor, em caso de irregularidades praticadas por policiais, tomar imediatas providências, vez que como titular da futura ação penal poderá requisitar perante a Corregedoria de Polícia o pertinente procedimento investigatório, cabendo-lhe inclusive acompanhar os atos do Corregedor Geral de Polícia, caso assim entenda pertinente, não lhe atribuindo, todavia, o poder de investigar mas sim de controlar o mister policial .

E continuam, quando abordam as previsões constitucionais do artigo 129, sobre as funções institucionais do Ministério Público:

Diverso constitui o papel do Ministério Público nos casos de investigação por meio de inquérito policial.

A lei, de fato, não contém palavras inúteis. Se assim não fosse, não teriam sido diferenciados os poderes dos órgãos ministeriais em incisos diferentes para situações diferentes .

Por fim, merecem destaque, ainda que de forma reiterada, dois trechos do V. Acórdão proferido pela Segunda Turma da Suprema Corte Constitucional, no já mencionado julgamento em que foi relator o ilustre Ministro NELSON JOBIM, no Habeas Corpus nº 81.326-7/DF, julgado em 06 de maio de 2.003 e publicado no Diário da Justiça de 01 de outubro de 2.003:

A POLÍCIA JUDICIÁRIA é exercida pelas autoridades policiais, com o fim de apurar as infrações penais e a sua autoria (CPP, art. 4º).

O inquérito Policial é o instrumento de investigação penal da POLÍCIA JUDICIÁRIA.

É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o MINISTÉRIO PÚBLICO na instauração da ação penal.

A legitimidade histórica para condução do inquérito policial e realização das diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da polícia.

(...)

Até a promulgação da atual Constituição, o MINISTÉRIO PÚBLICO e a POLÍCIA JUDICIÁRIA tinham seus canais de comunicação na esfera infraconstitucional.

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A harmonia funcional ocorria através do Código de Processo Penal e de leis extravagantes, como a Lei Complementar 40/81, que disciplinava a Carreira do MINISTÉRIO PÚBLICO.

Na Assembléia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questão do CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA CIVIL, o processo de instrução presidido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO voltou a ser debatido.

Ao final, manteve-se a tradição.

O Constituinte rejeitou as Emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513, que, de um modo geral, davam ao MINISTÉRIO PÚBLICO a supervisão, avocação e o acompanhamento da investigação criminal.

A Constituição Federal assegurou as funções de POLÍCIA JUDICIÁRIA e apuração de infrações penais à POLÍCIA CIVIL (CF, art. 144, § 4º).

Na esfera infraconstitucional, a Lei Complementar 75/93, cingiu-se aos termos da constituição no que diz respeito às atribuições do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 7º e 8º).

Reservou-lhe o poder de requisitar diligências investigatórias e instauração do inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII) .

Portanto, não há como considerar válida a denúncia ora impugnada, diante de seu vício originário nas peças de informação, ilegal e ilegitimamente colhidas em procedimento administrativo criminal interno do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizado no âmbito do GAERCO de Campinas.

Ademais, em se tratando de Delegado de Polícia, seus atos administrativos devem, necessariamente, estar sujeitos à análise dos órgãos hierárquicos da própria corporação.

A Corregedoria de Polícia e a Delegacia Geral de Polícia detém competência legal e hierárquica para tanto.

Pelo exposto, CONCEDE-SE A ORDEM impetrada em prol de Miguel Voigt Júnior, para trancar a ação penal, extensivamente aos co-réus Marco Antonio Mardirosiam e Newton Luiz Lochter Arraes, determinando o arquivamento dos autos.

MARCO ANTONIO

Relator Designado

Notas de rodapé:

1) Artigo 94, inciso V, da Constituição do Estado de São Paulo.

2) SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 06.

3) Art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal.

4) PEREIRA, Cláudio José. Princípio da Oportunidade e Justiça Penal Negociada, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, pp. 05 e 06.

5) PEREIRA, Cláudio José. Princípio..., p. 06.

6) CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Sistemas de Penas, Dogmática Jurídico

Penal e Política Criminal.Cultural Paulista, São Paulo, 2.002, p. 29.

7) HASSEMER, Winfried. Histórias das Idéias Penais na Alemanha do Pós- Guerra, AAFDL, Lisboa, 1995, p. 70.

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8) VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Regime Jurídico da Investigação Criminal. Almedina, Coimbra, 2.003, p. 43.

9) O Ministro Nelson Jobim bem destaca esta situação em seu voto, quando relator do RHC 81.326/DF, apontando as Emendas Constitucionais de n.os 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513.

10) PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Breves notas sobre o anteprojeto de lei, que objetiva modificar o código de processo penal, no atinente à investigação policial. Revista CEJAP n. 2, Campinas, Millennium, 2000.

11) D.J., 13 de fevereiro de 1996.

12) STF RE - 233.072 - 4 / RJ D. J. 03 de maio de 2002.

13) PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Breves notas sobre o anteprojeto de lei, que objetiva modificar o código de processo penal, no atinente à investigação policial. Revista CEJAP n. 2, Campinas, Millennium, 2000.

14) FERNANDES. Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 244 e 245

15) MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. As funções do MP e o inquérito policial. São Paulo: Revista ADPESP, n.o 22, dezembro de 1996, p. 66-69.

16) ESPINOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, terceira edição, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1955, vol. II, p. 312.

17) PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Procedimento administrativo criminal, realizado pelo Ministério Público. In: Boletim Manoel Pedro Pimentel. São Paulo: Printing Press, jun-ago/2003, p.3.

18) FRAGOSO. José Carlos. São ilegais os Procedimentos Investigatórios realizados pelo Ministério Público Federal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.o 37, ano 10, jan/mar 2.002, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais , 2.002, p. 241 e ss.

19) REALE JÚNIOR, Miguel. "Juízes sob controle". In: Revista Época, nº 298, 02 de fevereiro de 2.004, Editora Globo, p. 27.

20) SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 17.

21) SILVA, Marco Antonio Marques da. Juizados Especiais Criminais, Saraiva, 1997, p.46-47

22) TJRJ, H.C. nº. 615/ 9 6, Rel. Des. Silvio Teixeira, j. 23.7.96, D.O.J. 26.08.96, Seção I, pág. 8.

23) CONDE, Francisco Munhoz. Búsqueda de la Verdad en el Processo Penal. Hammurabi, Argentina,2.000, p.101-102.

24) In: Revista dos Tribunais, volume 628, página 338.

25) MACHADO, Luiz Alberto. Conversa com a polícia judiciária (Estadual e Federal) . In: Revista ADPESP n. 22, dezembro de 1996, p. 62.

26) SILVA, José Afonso da. Parecer Controle externo da atividade policial como uma das funções institucionais do Ministério Público

entendimento do art. 129, VII, da Constituição Federal

conteúdo da Lei Complementar e seus limites constitucionais

Competências exclusivas das polícias . In: Revista ADPESP n.22, dezembro de 1996, p. 23.

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27) S.T.F., R.O.H.C. nº 81.326-7/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, j. 06 de maio de 2.003, D. J. 01 de outubro de 2.003.

28) D URSO, Luiz Flávio Borges. O Inquérito Policial e o Termo Circunstanciado. In: Revista Cejap

publicação oficial do Centro de Estudos Jurídicos para Assuntos Policiais, São Paulo: Editora Millenium, ano 4 n º 6, junho/2003, p.03.

29) GONÇALVES, Fernando; ALVES, Manuel João. A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coação, Almedina, Coimbra, 2.003, p.29.

30) TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.. Devemos manter o Inquérito Policial?. In: Revista Cejap

publicação oficial do Centro de Estudos Jurídicos para Assuntos Policiais, São Paulo: Editora Millenium, ano 2 n º 3, fevereiro/2001, pp. 04 e 05.

31) Consulta realizada pelo Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, apresentada em 21 de outubro de 2.003.

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ANEXO IV

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Habeas Corpus - N. 2004.001261-6 0000-00 - Campo Grande.

Relator-Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.

Impetrante-Ricardo Trad.

Impetrante-Ary Raghiant Neto.Impetrante-Ricardo Trad Filho.

Paciente-Neri Sucolotti.

Paciente-Neri Sucolotti Júnior.Paciente-Fábio Marcelo Sucolotti.Paciente-Elton José Secco.Paciente-Valcir Miotto.Impetrado-Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo

Grande.

RELATÓ

RIO

O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia

Cuida-se de habeas corpus que foi impetrado pelos advogados, Drs. Ricardo Trad, Ricardo Trad Filho e Ary Raghiant Neto, em favor de Neri Sucolotti, Neri Junior Sucolotti, Fabio Marcelo Sucolotti, Elton José Secco e Valdecir Miotto, apontando como autoridade coatora o Juiz da 3ª Vara Criminal de Campo Grande.

A impetração tem suporte em dois fundamentos: a) falta de justa causa para o desencadeamento da ação penal, por ausência de poderes investigatórios coleta e produção de provas por parte do Ministério Público para a proposição de ação penal; b) inépcia da denúncia, por acusação genérica em crimes societários, com violação do princípio constitucional da ampla defesa.

Em rápida síntese e relativamente ao primeiro dos fundamentos apontados, diz a inicial que em maio do ano p.passado, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul encaminhou noticia criminis, em desfavor dos pacientes, ao Sr. Procurador-Geral de Justiça, pela suposta prática de crimes contra a ordem tributária, objetivando com os documentos inclusos, a apuração de fatos para dar suporte ao oferecimento de denúncia contra o Sr. Néri Sucolotti, Valdir Miotto, Elton José Secco e Denizard da Silveira Campos Filho, na condição de sócios-gerentes de empresas ligadas ao ramo de combustíveis.

Decorreu daí que essas peças foram encaminhadas aos Promotores de Justiça integrantes do GAECO, os quais, durante 6 meses passaram a investigar os fatos, colhendo prova documental, requerendo buscas e apreensões de bens das empresas dos pacientes, realizando com isso, autêntica investigação criminal, acabando por resultar em pedido de prisão preventiva, e que tudo isso teria sido feito com ofensa ao artigo 144, § 4º da Constituição Federal, ante a inexistência de inquérito policial e, por fim, no oferecimento da denúncia pelos mesmos promotores que teriam conduzido o feito extrajudicial.

Discorre, a seguir, a respeito da impropriedade da prática denunciada e acaba por chegar à conclusão de que as polícias é que detêm o monopólio da investigação criminal, concluindo da seguinte forma o presente tópico:

Pelas razões expostas, neste ponto, a ordem deve ser concedida para o fim de determinar o trancamento da ação penal a que respondem os pacientes, há vista de que, de acordo com a determinação constitucional, o MP não tem a prerrogativa de promover a coleta de provas e sua produção, comportamento que configura ingerência indébita no exercício da atividade policial, além de causar desequilíbrio em desfavor do réu, no

decorrer do embate judicial. (f. 17-18).

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Já quanto ao segundo fundamento da impetração, como já assinalado, diz respeito à inépcia da denúncia, tida na conta de genérica, pelo fato de não ter tido o cuidado de individualizar as condutas de cada um dos denunciados, dificultando-lhes dessa forma o exercício do direito de defesa.

Alerta para o fato de que as peças encaminhadas pelo Sr. Procurador-Geral do Estado, noticiando o cometimento de crimes tributário e fiscal, não faziam qualquer referência aos também denunciados, igualmente pacientes, Fábio Marcelo Sucolotti e Néri Sucolotti Junior.

Acrescenta que a denúncia se refere a crimes praticados por três empresas legalmente constituídas, com quadros sociais diversos com inúmeras alterações contratuais, com ingresso e saída de sócios, conforme demonstram no mandamus.

A seguir e a propósito disso, chama a atenção para o fato de que com essas constantes mutações nos quadros sociais das empresas, indagando como ser possível individualizar o grau de responsabilidade de cada um dos pacientes, ainda mais que as autuações fiscais se deram em anos diferentes, cada uma delas fazendo referência a fatos pretéritos, sem a precisa definição das datas em que teriam ocorrido os pretensos crimes.

Por isso que a denúncia estaria revestida de flagrante ilegalidade por absoluta falta de incriminação concreta, em face dos elementos abstratos nela contidos, resultando dessa prática que os fatos tidos como criminosos imputados aos pacientes

genéricos como afirmado

não individualizam a suposta conduta delituosa de cada um deles, alertando para o fato de que a mera condição de sócio ou diretor da empresa não basta para viabilizar o oferecimento da denúncia.

Conclui, com fundamento em ambos os fundamentos acima referidos, que os pacientes sofrem manifesto constrangimento ilegal em suas liberdades de locomoção, razão pela qual entendem que a ordem deve ser concedida, a fim de trancar a ação penal.

Instruem a ordem com os documentos de f. 32 usque 1471, que formam os 8 volumes que integram o presente habeas corpus.

Sem pedido de liminar, vieram as informações de f. 1477-1549.

O parecer, da lavra do Dr. Carlos Bobadilha Garcia (f. 1554-1599), é pela denegação da ordem.

VOTO

O Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia (Relator)

A presente impetração, como já anotado no relatório, tem dois fundamentos.

O primeiro, deles, agita a tese a ausência de poderes investigatórios por parte do Ministério Público, com vistas à propositura de ação penal, prática que afrontaria o devido processo legal, visto que a apuração dos fatos noticiados na denúncia caberiam, com exclusividade, à polícia, por meio do inquérito policial.

Assinalam que, no caso, não existe inquérito policial, sendo que as investigações foram dirigidas por membros do Ministério Público Estadual, culminando com o oferecimento de denúncia que foi recebida pelo magistrado da 3ª Vara Criminal da Capital.

Invocam, para tanto, precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Habeas Corpus (RHC 81326). oriundo do Estado do Paraná, de relatoria do Min. Nelson Jobim, em maio do ano p.passado, onde, por maioria, decidiu-se que falta legitimidade ao Ministério Público para realizar diretamente investigações e diligências de natureza criminal, em procedimentos administrativos investigatórios.

Sem querer discutir essa decisão, como propõem os impetrantes, na bem elaborada peça inicial, devo dizer que, a meu juízo, o foco do debate em razão da situação por eles relatada deve ser outro, conforme passo a explicar em seguida.

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Na verdade, compulsando os volumes que compõem este habeas corpus, vê-se aqui, ao contrário do que se afirma, que o Ministério Público não cometeu nenhuma ilicitude que possa ser encartada dentro da tese que como disse, veio a ser agasalhada pelo Supremo Tribunal Federal, pois que, a meu sentir, neste caso em particular, diferentemente, a denúncia não foi ofertada com base em investigação criminal direta, em procedimento administrativo, independentemente de inquérito policial, conduzido pelo grupo de promotores que integram em nosso Estado, o denominado GAECO.

Na espécie, fica bem claro que a denúncia se escorou na noticia criminis que foi encaminhada pelo Sr. Procurador-Geral do Estado, conforme se vê do ofício de f. 104, endereçado ao Sr. Procurador-Geral da Justiça, ou seja, foram aquelas peças de informação, de caráter administrativo, que serviram de base para o início da ação penal, coletadas, no caso, em procedimentos fiscais levados a efeito em estabelecimentos comerciais onde atuavam ou atuaram os denunciados, na condição de sócios ou não. Tudo, aliás, sem qualquer agressão à sistemática processual penal, que, em casos que tais, dispensa o inquérito policial (arts. 4, § único, art. 12, 27 e 39, § 5º do CPP).

Não me parece totalmente correto, por outro lado, afirmar-se como posto na inicial, que depois de recebidas essas peças, os promotores integrantes do GAECO ...passaram por longos 06 meses investigando os fatos, colhendo prova documental, requerendo busca e apreensão de bens das empresas dos pacientes, enfim, realizando autêntica investigação criminal, até desembocar no pedido de prisão preventiva, em flagrante ofensa ao artigo 144, § 4º, da C.F., que reza: às polícias civis, dirigidas por delegados de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração das infrações penais, exceto as militares.

Na verdade, pelo que se observa, a partir das f. 1123 (vol.6), o que ocorreu foi que o Ministério Público, buscando apurar eventual crime contra a ordem tributária, indícios de adulteração, bem como contrabando de combustíveis, praticados pela empresa Ideal Comércio de Derivados de Petróleo Ltda. , colheu tão somente dois depoimentos (Valdir Miotto e Elton José Cecco, f. 1125-1128), funcionários de um dos Postos de Gasolina de uma das empresas investigadas pelo Fisco Estadual, passando, daí por diante, onde, diga-se de passagem, nada de relevante em termos de embasamento à denúncia foi obtido, a juntarem certidões das mais diversas (Detran, Previdência Social, Junta Comercial, Receita Federal, Procuradoria-Geral do Estado (cert. Dívida Ativa), cópias de processos criminais envolvendo os pacientes, matrículas de registro de imóveis etc., nada que não estivesse dentro dos seus poderes de requisição, expressamente concedidos pelo Código de Processo Penal, artigo 47, inclusive requerendo prisões preventivas, sem, portanto, qualquer invasão dos poderes de investigação criminal que estariam reservados, segundo alegam, com exclusividade, à autoridade policial.

Sendo assim, não vislumbrando nesse primeiro fundamento da impetração, a ocorrência de atos de investigação pelo Ministério Público, tal como posto na inicial, a ponto de chegar-se à nulidade pretendida, passo ao exame do fundamento seguinte.

Nesta parte, o habeas corpus igualmente improcede, no tanto em que assinalam os impetrantes que a denúncia seria inepta, por ausência de individualização das condutas de cada um dos denunciados, dificultando-lhes o direito de defesa.

Em primeiro lugar é de se trazer à linha de conta que a argumentação em torno da existência de mais de uma empresa, quadros sociais diversos, ingresso e retirada de sócios em decorrência de alterações contratuais, é matéria que refoge ao âmbito estreito desta medida, pois que dependerá de exame de provas a serem produzidas nesse sentido.

Já quanto ao caráter genérico da denúncia, por ausência de individualização das condutas, apontamento do grau de responsabilidade de cada um dos denunciados, é preciso lembrar que, em crimes dessa natureza

societários coletivos em que os pacientes são denunciados por crimes contra a ordem tributária, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e formação de quadrilha, reconhecidamente é difícil exigir que já na inicial a denúncia entre em detalhes acerca da participação de cada um dos denunciados.

Do exame que se faz da denúncia ofertada em desfavor dos pacientes, verifica-se estarem presentes os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, que, embora, como dito, sem entrar em detalhes a

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respeito da conduta de cada um, sem dúvida nenhuma sua leitura permitirá aos denunciados o exercício do direito de defesa, sem qualquer dificuldade, ainda mais com o contraditório assegurado.

A propósito desse questionamento, a par de decisões de tribunais inferiores, sobressai pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, verbis

Denuncia

Acusação dirigida a sócios de sociedade comercial

Desnecessidade de que a peça acusatória

individualize a conduta de cada acusado

Discriminação que será objeto de prova a ser realizada na ação penal.(STF, HC 80.611-2-RJ 0 2ª T. in RT 792 550)

Ainda em relação a esta parte, reporto-me aos pertinentes argumentos trazidos pela Procuradoria, no Parecer.

Em tais condições, denego a ordem, com o parecer.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

DENEGARAM A ORDEM, COM O PARECER. UNÂNIME.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Carlos Stephanini.

Relator, o Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores João Carlos Brandes Garcia, Carlos Stephanini e Rui Garcia Dias.

Campo Grande, 10 de março de 2004.

Habeas Corpus - N. 2004.001261-6 0000-00 - Campo Grande.

Relator-Exmo. Sr. Des. João Carlos Brandes Garcia.

Impetrante-Ricardo Trad.

Impetrante-Ary Raghiant Neto.Impetrante-Ricardo Trad Filho.

Paciente-Neri Sucolotti.

Paciente-Neri Sucolotti Júnior.Paciente-Fábio Marcelo Sucolotti.Paciente-Elton José Secco.Paciente-Valcir Miotto.Impetrado-Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Campo

Grande.

E M E N T A HABEAS CORPUS MINISTÉRIO PÚBLICO AUSÊNCIA DE PODERES INVESTIGATÓRIOS INVESTIGAÇÕES DIRIGIDAS POR MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ILEGALIDADE

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AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

NÃO-OCORRÊNCIA

NOTITIA CRIMINIS BASEADA EM

PEÇAS ENCAMINHADAS AO PARQUET ESTADUAL PELA PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO.

Não há falar em ausência de poderes investigatórios por parte do Ministério Público, se resta evidente que a denúncia que foi ofertada teve como suporte notitia criminis encaminhada ao Chefe do Parquet Estadual, pela Procuradoria-Geral do Estado e não em investigações e diligências dirigidas com exclusividade por membros da Instituição.

INÉPCIA DA DENÚNCIA

GENERALIZAÇÃO

AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DE CADA UM DOS DENUNCIADOS

EMPRESAS COMERCIAIS DISTINTAS

ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

INGRESSO E RETIRADA DE SÓCIOS

CERCEAMENTO DE DEFESA

NÃO-OCORRÊNCIA

ORDEM DENEGADA.

Nos denominados crimes societários coletivos, em que os sócios são denunciados pela prática de crimes contra a ordem tributária, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e formação de quadrilha, não é razoável exigir-se que a denúncia entre em detalhes acerca da participação de cada um dos denunciados, já que sua precisa averiguação depende do exame de todo o material cognitivo, sendo suficientes os elementos colhidos em procedimentos administrativos precedentes, evidenciada a ocorrência dos ilícitos apontados.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, denegar a ordem, com o parecer. Unânime.

Campo Grande, 10 de março de 2004.

Des. Carlos Stephanini -

Presidente

Des. João Carlos Brandes Garcia -

Relator

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Anexo V

SÉRIE DE JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

DENÚNCIA CRIME Nº 145.655--9, DE FOZ DO IGUAÇU.

DENUNCIANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

DENUNCIADO : CELSO SâMIS DA SILVA

RELATOR : DES. CARLOS HOFFMANN

PREFEITO DENÚNCIA POR CRIME PREVISTO NO ART. 1º, INCISO XIV (TRÊS VEZES), DO DECRETO-LEI N° 201/67, C/C ART. 69 DO CÓDIGO PENAL POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PRELIMINAR DE NULIDADE AFASTADA ACUSAÇÃO QUE ENCONTRA RESPALDO PROBATÓRIO DENÚNCIA RECEBIDA, POR MAIORIA.

1. O Ministério Público tem legitimidade para instaurar e buscar elementos de convicção em procedimento administrativo investigatório.

2. Se há necessidade de novas provas para dirimir controvérsia quanto à existência da alegada infração penal, impõe-se o recebimento da denúncia.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Denúncia Crime nº 145.655-9, de FOZ DO IGUAÇU, em que é denunciante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e denunciado CELSO SÂMIS DA SILVA.

1. Narra a denúncia que Celso Sâmis da Silva, Prefeito de Foz do Iguaçu, sancionou a Lei Municipal nº 2.694/2002, na qual constou a estimativa das receitas e despesas para o exercício financeiro de 2003 e que, todavia, deixou, sem justificativa, de repassar ao Poder Legislativo Municipal o valor integral dos duodécimos. Também nos dois anos anteriores (2001 e 2002) o Prefeito repassou à Casa Legislativa importâncias inferiores àquelas fixadas nas Leis Municipais nºs 2.349/2000 e 2.482/2001. Em razão disso, imputa-se a Celso Sâmis da Silva a prática do crime previsto no art. 1°, inc. XIV (três vezes), do Decreto-Lei 201/67, combinado com o art. 69 do Código Penal.

2. Em resposta preliminar, Celso Sâmis da Silva argúi, preliminarmente, constrangimento ilegal e falta de base para a ação penal, ao argumento de que a Constituição Federal não autoriza o Ministério Público a proceder a investigações criminais. Afirma, quanto ao mérito, que não houve qualquer ilícito penal, pois o objetivo do art. 29-A da CF foi evitar que o Prefeito Municipal pudesse impedir o funcionamento regular da Câmara Municipal através da sonegação dos recursos financeiros necessários e imprescindíveis ao desempenho das relevantes funções do Poder Legislativo Municipal, o que jamais poderia significar o esbanjamento do dinheiro público. Ressalta que nada estava a impedir que a lei orçamentária do município estabelecesse outro percentual inferior ao limite máximo (de 7% no caso), estabelecido pela Constituição, e que bastasse para atender as reais e imprescindíveis necessidades do Poder Legislativo Municipal; como, porém, dessa maneira seriam necessárias suplementações de verbas para cobrir eventuais despesas extraordinárias, Estabeleceu-se, então, por conveniência política-administrativa, num consenso entre o Executivo e o Legislativo Municipal de Foz do Iguaçu, a fixação na lei de meios do percentual no limite máximo permitido pela Constituição, observando, porém, o repasse dos valores estritamente condizentes com as despesas da Câmara. Destaca ainda que Foz do Iguaçu está entre os quatro maiores municípios do Paraná em arrecadação e que, assim, o percentual de 7% sobre essa receita é infinitamente superior aos 6% previstos para municípios menores... Afirma que o tipo previsto no inc. XIV do art. 1º do DL 201/67 não se configurou, pois foram repassados, todos os meses, recursos suficientes ao funcionamento regular da Câmara Municipal, tudo se fez, de comum acordo, com a Presidência da Câmara e os vereadores (fl. 289), e com proteção do interesse público. Destaca ainda lição do Procurador da República João Gualberto Garcez Ramos no sentido de que, diante da autonomia dos entes políticos, sequer haveria a quem o Prefeito justificar eventual negativa de execução a lei. Ressalta também que não houve dolo,

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elemento subjetivo do tipo, consistente na vontade deliberada de causar prejuízo ao erário, e que o Ministério Público aforou ação direta de inconstitucionalidade para que seja reduzido o número de vereadores de Foz do Iguaçu, para desonerar os cofres da municipalidade. Por tudo isso, pleiteia que a denúncia seja rejeitada, uma vez que as investigações foram feitas pelo Ministério Público, ou que a acusação seja desde logo julgada improcedente.

3. A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo recebimento da denúncia, não oferecendo o benefício da suspensão do processo.

É o relatório.

VOTO.

4. A defesa propugna pela nulidade absoluta do inquérito penal, vez que conduzido pelo próprio órgão de acusação. Argumenta que a Constituição Federal concedeu ao Ministério Público apenas atribuições para a condução de inquérito civil. Ao presidir verdadeiro inquérito penal, rotulado de Processo Administrativo Ministerial, estaria o Ministério Público a infringir o art. 129, inc. III, do diploma constitucional, extrapolando, assim, os poderes concedidos pelo legislador originário. Ora, na visão do STF, o inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é enquanto dominus litis o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária (HC n. 73.271-2/SP, 1a Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/10/96, pág. 37.100). Assim, legitimado para a propositura da ação penal pública, óbice algum há em que o Ministério Público conduza as investigações administrativas, já que tal procedimento lhe é destinado. No caso, a denúncia vem amparada em processo administrativo realizado pela Promotoria de Justiça Especializada de Defesa ao Patrimônio Público da Comarca de Foz do Iguaçu, instaurado com fundamento nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal e art. 26 da Lei Federal nº 8.625/93, mediante provocação da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu (ofício nº 13, de 03.02.03), que noticiou a violação do art. 29-A da Constituição Federal. E se dos fatos apurados em procedimento administrativo regularmente instaurado há notícia de crime, a propositura de ação penal com base nessas investigações é legítima, não se podendo falar em prova ilícita. Aliás, o e. STJ já decidiu que: Não há ilegalidade nos atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações e documentos a fim de instruir seus procedimentos administrativos, visando a eventual oferecimento de denúncia, havendo previsão constitucional e legal para tanto (RHC 11.888/116, rel. Min. Gilson Dipp, DJ 19.11.2001, p. 291). Esta Corte também já tem decidido que o Ministério Público tem legitimidade para proceder aos atos de investigação criminal (acórdão nº 15.633, rel. Des. Clotário Portugal, Ação Penal nº 133.594-0, de Foz do Iguaçu). No mesmo sentido o acórdão nº 3.287 do Grupo de Câmaras Criminais, proferido por ocasião do Mandado de Segurança nº 84.309-8 (Rel. Des. Tadeu Costa):

MINISTÉRIO PÚBLICO FASE PRÉ-PROCESSUAL INVESTIGAÇÃO DIRETA INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO E COLHEITA DE PROVAS PARA SERVIR DE BASE À DENÚNCIA ADMISSIBILIDADE PROCEDIMENTO AMPARADO NA LEI INTELIGËNCIAS DOS ARTS. 129, I, VI, VII E VIII, CF E ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, CPP. É da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra seja de que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II, e 13, II), seria contra- senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações.

E ainda: ... 2. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar, mesmo porque proceder à colheita de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, é um consectário lógico da própria função do órgão ministerial de promover, com

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exclusividade, a ação penal pública. 3. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas. Inteligência do art. 4º, § único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ... (HC 29.159/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ 19.12.2003, p. 259).

Quanto ao mérito, importa destacar que, embora haja entendimento no sentido de que, a despeito de a norma constitucional utilizar a expressão crime de responsabilidade, o atraso no repasse à Câmara ou o envio a menor ou a maior não seria, por si só, crime, mas infração político-administrativa (Hely Lopes Meirelles, in: Direito Municipal Brasileiro, 11ª edição, Malheiros, 2000, pág. 680), não se pode ignorar corrente em sentido oposto, à qual se filia, dentre outros, Tito Costa, renomado autor de Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores (4ª edição, RT, 2002), que trata do art. 29-A, § 2º, da CF na parte referente aos novos crimes de prefeitos.

Feita, portanto, essa consideração e não obstante as fundamentadas ponderações da resposta do denunciado, verifica-se que há indícios de desrespeito à norma constitucional, já que, durante três anos consecutivos, o Prefeito deixou de repassar à Câmara Municipal o valor integral dos duodécimos, fato não negado na resposta preliminar. Pondera a defesa, todavia, no sentido de que teria havido acordo entre o Executivo e o Legislativo para que fossem repassados à Câmara apenas os recursos imprescindíveis a seu regular funcionamento, ainda que inferiores às importâncias fixadas nas leis orçamentárias. Tal assertiva reveste-se de veracidade, em face da fotocópia do ofício datado de 27.08.03 pelo qual Ney Patrício, Presidente da Câmara em exercício, esclarece ao Prefeito que os valores que esse Executivo vem repassando a esta Câmara, na média de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) mensais, têm atendido às despesas básicas desta Casa... e ressalta que, eventualmente, quando tivemos outras despesas não comportadas no valor do repasse, fizemos solicitação a esse Executivo de determinada quantia a maior e sempre fomos prontamente atendidos... (fl. 300). Há ainda fotocópia (também não autenticada) de ofício datado de 16.04.02 pelo qual Dilto Vitorassi, Presidente da Câmara, indica ao Prefeito as dotações orçamentárias que poderão ser reduzidas, referente ao remanejamento de dotações desta Câmara, para o orçamento do poder Executivo, no valor de R$ 1.325.000,00 (um milhão, trezentos e vinte e cinco mil reais) fl. 307. Esses, porém, são os únicos documentos a corroborar a alegação da defesa e é evidente que, na fase em que se analisa a mera viabilidade da denúncia, esses dois ofícios são incapazes de elidir os fundamentos da acusação. É que a própria Câmara Municipal foi quem deu início à investigação reclamando dos repasses a menor, fato que, em princípio, coloca em dúvida a existência de um consenso entre os Poderes do Município para repasse de verbas a menor.

Ressalte-se ainda que, na hipótese de não ser verídico o alegado acordo entre o Prefeito e os Vereadores, não há que se falar que o acusado estaria protegendo o interesse público, pois o repasse é ato vinculado, e não discricionário. Se o Prefeito acredita que o cumprimento da Lei Orçamentária acarreta esbanjamento do dinheiro público, deveria socorrer-se dos meios legais de proteção do erário.

Impõe-se, desse modo, o recebimento da denúncia, para melhor apuração dos fatos e da análise da ocorrência, ou não, de dolo específico, elemento inerente aos crimes de responsabilidade previstos no DL 201/67.

Importa observar que não se faz necessário que o acusado seja afastado do cargo. Isso porque o afastamento é medida de exceção que só pode ser adotada quando presente, além do fumus boni iuris, o periculum in mora, este representado por comprovado embaraço que o réu esteja causando à produção de provas e à instrução do processo, o que não ocorre no presente caso. Nesse sentido: O afastamento do Prefeito Municipal acusado de crime de responsabilidade funcional do exercício de um cargo durante a instrução criminal é medida séria de conseqüências graves para a administração, com reflexos às vezes negativos na vida política local. Por isso, só deve ser determinado quando ocorrer gravidade excepcional que o justifique. (Acórdão nº 11.771, rel. Des. NUNES DO NASCIMENTO.)

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por maioria de votos, em receber a denúncia, sem afastamento do acusado do cargo, nos termos do voto do Desembargador-Relator. Vencido o Desembargador Leonardo Lustosa, que rejeitava a denúncia.

Acompanhou o voto do Relator o eminente Desembargador TELMO CHEREM.

Curitiba, 26 de fevereiro de 2004

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CARLOS HOFFMANN Presidente e Relator

LEONARDO LUSTOSA Vencido, com declaração de voto

HABEAS CORPUS Nº 152.871-4, DE CASCAVEL.

IMPETRANTE : NILTON RENEVILL (EM FAVOR PRÓPRIO).

RELATOR : DES. TADEU COSTA.

MINISTÉRIO PÚBLICO - Fase pré-processual - Investigação direta - Instauração de procedimento e colheita de provas para servir de base à denúncia - Admissibilidade - Procedimento amparado na lei - Inteligência do art. 129, I, VI, VII e VIII, CF e art. 4º, parágrafo único, CPP. da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra determine que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II, e 13, II), seria contra-senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações.

\HABEAS CORPUS - Prisão preventiva - Motivos que a autorizam - Existência de indícios de envolvimento do paciente no crime - Ordem denegada.

1. Se os indícios revelam-se suficientes para instauração de ação penal, são também aptos a servir como base para o decreto de prisão preventiva. 2. A primariedade, profissão definida, família constituída e residência fixa, por si sós não afastam a possibilidade de prisão preventiva, desde que demonstrada a necessidade da custódia. 3. Contendo os autos elementos idôneos a supor que, solto, o paciente porá em risco a ordem pública local e comprometerá a correta aplicação da lei penal, há motivos suficientes para manutenção do decreto de prisão preventiva.

VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos de habeas corpus nº 152.871-4, de Cascavel, em que é impetrante Nilton Renevill, em seu próprio favor, e impetrado o Dr. Juiz de Direito da 2a Vara Criminal da referida comarca.

1. Nilton Renevill, denunciado perante o Juízo da 2a Vara Criminal da comarca de Cascavel como incurso no art. 14, da Lei nº 6.368/76, art. 121, § 2º, I, IV e V (2 vezes), c.c. art. 29, ambos do Código Penal, e art. 344, do mesmo Código (2 vezes), observada a regra do art. 69, também do Código Penal, por sua advogada, impetra a presente ordem de habeas corpus, em seu próprio favor. Alega, em síntese, que se encontra preso desde a data de 13 de janeiro de 2004 em virtude de prisão preventiva que lhe foi decretada pelo MM. Juiz da 2a Vara Criminal da comarca de Cascavel, segundo consta para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal. Sustenta que a denúncia é nula pois se encontra alicerçada em depoimentos testemunhais eivados de nulidade porque colhidos em procedimento investigatório arbitrário e ilegal levado a cabo pelo Ministério Público, que não possui investidura legítima para atuar dentro das atividades institucionais da Polícia. Menciona que o depoimento prestado por Marcelo David de Siler perante o Ministério Público foi realizado sem assistência da defesa, sendo que, em Juízo, o mesmo co-réu desmentiu o que constara daquele depoimento e afirmou que o havia dado daquela forma porque estava sob pressão dos Promotores e de policiais presentes ao ato, sendo arbitrária e abusiva a atitude da Promotoria de Investigações Criminais de Cascavel. Argumenta que, embora provada a materialidade dos crimes de homicídio, é duvidosa a prova da autoria, assim como também é duvidosa a prova quanto à materialidade dos crimes de associação para o tráfico e favorecimento à prostituição. Prossegue o impetrante-paciente

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afirmando que não existem indícios de autoria que justifiquem a medida extrema, e, além disso, possui residência fixa na comarca de Cascavel há trinta anos, com profissão de fotógrafo há quinze anos, possuindo família (mulher e filhos), nunca tendo se ausentado da comarca durante o procedimento. Assevera que não se justifica a sua prisão preventiva, pois o clamor público reside no deslinde da causa e não em acusações infundadas de ameaças e intimidações, nada havendo, também, que indique probabilidade de o impetrante-paciente se retirar da comarca da culpa. Pede que lhe seja concedida ordem de habeas corpus, com conseqüente expedição de alvará de soltura. A impetração veio instruída com os documentos de fls. 19-714. Negada a liminar (fls. 722-723), e prestadas as informações de estilo, (fls. 730-741), colheu-se o pronunciamento da douta Procuradoria-Geral de Justiça que, em parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça Dr. Ricardo Maranhão (fls. 745-752), se manifestou pela denegação do writ. É, em síntese, a necessária exposição.

2. O paciente foi denunciado como incurso nas sanções do art. 14, da Lei nº 6.368/76, do art. 121, § 2º, I, IV e V (2 vezes), c.c. art. 29, ambos do Código Penal, e do art. 344 do Código Penal (2 vezes), observada a regra do art. 69, também do Código Penal, imputando-se-lhe as condutas de: a) em época anterior a setembro de 2002 ter se associado aos co-réus Eliseu José da Silva, Leandro Rodrigues e Roberto Aparecido Bonfant, para a prática de reiterados crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, como cocaína e crack, formando organização estável e duradoura com divisão de tarefas, valendo-se de armamento pesado como pistola ponto 40 e espingarda calibre 45, dentre outros, sendo que aos três primeiros incumbia a tarefa de coordenar a distribuição dos tóxicos, fornecendo-os, e ao último a de repassá-los a freqüentadores da Lanchonete Altas Horas, em que trabalhava como segurança; b) ter planejado juntamente com os citados co-réus, e executado, juntamente com os co-réus Eliseu José da Silva e Marcelo David de Siler, mediante recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, o assassinato das jovens Silvana Aparecida Novachoski e Jaqueline dos Santos, na madrugada de 23 de setembro de 2002, porque estas conheciam as atividades da organização criminosa, possuíam dívidas por aquisição de tóxicos e não lhes pagavam; c) ter praticado grave ameaça a Juliana Ribeiro e Leidimara Moreira da Silva com intuito de fazer com que estas se abstivessem de contar o que sabiam a respeito dos mencionados delitos. Oferecida a denúncia, o MM. Juiz, acolhendo requerimento do Ministério Público, decretou a prisão preventiva do paciente e dos co-réus Eliseu José da Silva, Roberto Aparecido Bonfante e Marcelo David de Siler, para a garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, em decisão suficientemente fundamentada no que diz respeito ao paciente (fls. 676-678/TJ).

2.1 Improcede a alegação de nulidade das investigações formulada pelo impetrante. É de se destacar que esta Câmara Criminal (HC nº 140.465-5; HC nº 140.137-6) e o Grupo de Câmaras Criminais deste Tribunal (MS nº 84.309-8; MS nº 84.434-6; MS nº 85.255-9; MS nº 140.644-6) tem reiteradamente decidido no sentido de que é da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I), sendo que, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra seja de que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II e 13, II), seria contra senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações. Nesse sentido também as decisões do Superior Tribunal de Justiça (RHC nº 8.025/PR; HC nº 7.445/RJ; MS nº 5.370/DF). Além disso, como bem salientou o doutor Procurador de Justiça em seu judicioso parecer de fls. 745-752:

Inobstante mediante parceria com o Ministério Público Estadual, a atuação da polícia judiciária se fez presente, união esta que levou ao sucesso das investigações efetuadas. O inquérito policial foi regularmente instaurado, inclusive em data anterior a procedimento investigatório (fl. 47), e como peça administrativa que é, tendo por objeto fornecer elementos ao titular da ação penal para que decida sobre a viabilidade ou não do oferecimento da inicial acusatória, não é sequer obrigatório. Isso porque, tais indícios podem ser obtidos por outros meios, que de igual maneira, indiquem a existência da infração penal e a respectiva autoria, com a finalidade de formar a' opinio delicti' do órgão acusador. Desta forma, como peça informativa, onde não vigem os princípios atinentes ao processo penal, dentre os quais destacam-se o contraditório, a ampla defesa, e o devido processo legal,

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eventual irregularidade ocorrida na fase indiciária, não afeta a ação penal a que deu origem. Ademais, como é cediço, nosso sistema de nulidades adotou como critério a não declaração de nulidade que não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa (artigo 563 do Código de Processo Penal), o que não foi demonstrado pelo impetrante. ....

2.2 Quanto aos indícios de autoria, há suficientes nos autos indicando a pessoa do paciente como um dos executores dos crimes de homicídio e como autor dos demais crimes que lhe são imputados, conforme se constata dos depoimentos de Marcelo David Siler (fls. 457-459/TJ e 477-483/TJ), Leidimara da Silva (fls. 595-600/TJ), Andréia Posser (fls. 601-608/TJ), Juliana Ribeiro (fls. 619-621/TJ), e de Eliete Torres da Silva (fls. 610-613/TJ), estando bem demonstrados na decisão que decretou a prisão preventiva do paciente (fls. 676-678/TJ). Da mesma forma, o decreto de prisão preventiva alude à prova da materialidade dos fatos delituosos imputados ao paciente, lembrando-se que os delitos de associação para o tráfico de entorpedentes e o de coação no curso do processo possuem natureza formal, sendo bastante os indícios de existência desses crimes, constantes dos autos e apontados pelo impetrado. Esses indícios de autoria e materialidade se revelam tão suficientes que serviram de suporte para a instauração da respectiva ação penal. Ora, se esses indícios foram suficientes para o recebimento da denúncia, da mesma forma o são para efeito de decretação da prisão preventiva. No que se refere aos demais requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, a decisão questionada afirma que, segundo os depoimentos constantes dos autos, o paciente seria o chefe da quadrilha criminosa e executor dos homicídios. Além disso, a denúncia imputa ao paciente o cometimento de crime de coação no curso do processo, ou seja, de usar de grave ameaça contra duas testemunhas para que não contassem a verdade sobre os fatos. E, como asseverou o doutor Procurador de Justiça:

Não bastassem tais fatos, observa-se ainda dos autos que o paciente ostenta péssimos antecedentes criminais, respondendo a outras ações penais no Juízo de origem, demonstrando ser contumaz descumpridor da lei penal. Portanto, assiste razão ao Juízo Monocrático em manter o segregamento do paciente, na medida em que, além de existir fundado receio de fuga, com o objetivo de frustrar a aplicação da lei penal, tendo em vista o desmantelamento da quadrilha criminosa da qual supostamente faz parte, sua libertação traria desconforto à comunidade, inclusive, gerando a imagem de impunidade e conseqüente mácula à credibilidade da justiça. Além disso, o paciente evadiu-se do distrito da culpa, visto que possui decreto de prisão em seu desfavor desde o mês de agosto de 2003, em processo que responde pela prática, em tese, de dois crimes de roubo qualificado, o que dificultou a investigação criminal da ação penal, ora em exame, criando obstáculos à administração da justiça, além de por em risco a aplicação da lei penal o que, por si só, justifica a necessidade de seu encarceramento.

Deste modo, mostra-se correta a decisão que decretou sua segregação cautelar, na medida em que, inobstante sustente ser pessoa trabalhadora e responsável, seus antecedentes demonstram exatamente o contrário, ou seja, que possui conduta social desregrada, estando de forma constante envolvido na prática de atos ilícitos.

E tais dados objetivos, constantes dos autos, levam a supor que, solto, o impetrante-paciente porá em risco a ordem pública local e comprometerá a correta aplicação da lei penal. Outras condições pessoais que possam ser favoráveis ao paciente, como primariedade, ter profissão definida, família constituída e residência fixa, por si sós não afastam a possibilidade de prisão preventiva, desde que demonstrada a necessidade da custódia, como se verifica in casu (RTJ 123/481; 123/509).

Daí, com acerto, a decisão proferida pelo impetrado, que decretou a prisão preventiva do paciente, a qual, embora sucinta, foi editada através de motivação adequada, concreta e vinculada a fatos concretos, conhecidos e comprovadamente existentes nos autos, que deram ensejo à instauração da ação penal. E estando fundada em elementos idôneos a supor que, solto, o paciente porá em risco a ordem pública local e comprometerá a correta aplicação da lei penal, há motivos suficientes para manutenção do decreto de sua prisão preventiva.

Ante o exposto:

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, denegar a ordem impetrada.

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Presidiu a sessão o Desembargador Relator e participaram do julgamento o Desembargador Clotário Portugal Neto e o Juiz Convocado Miguel Kfouri Neto.

Curitiba, 04 de março de 2004

DES. TADEU COSTA Relator

DENÚNCIA CRIME N.° 133.995-7, DE WENCESLAU BRAZ.

DENUNCIANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.

DENUNCIADOS : 1) CAROLINA BATISTÃO DE SOUZA;

2) ALTHAIR FERREIRA DOS SANTOS; e

3) MARCELO JOÃO DE SOUZA PINTO.

RELATOR : JUIZ CONVOCADO LAERTES FERREIRA GOMES.

DENÚNCIA CRIME - Prefeita Municipal - Co-autoria - Delitos capitulados no art. 1º, incisos I e V, do Decreto-lei n.º 201/67, c.c com os arts. 29 e 69, ambos do Código Penal, e art. 304, do referido diploma legal (1ª e 3ª série dos fatos); e art. 1º, inciso I, do mencionado decreto-lei, c.c com os arts. 14, inciso II, 29, 69 e 304, do estatuto repressivo (2ª série de fatos) - Legitimidade do Ministério Público em proceder atos de investigação criminal - Nulidade repelida - Inépcia da denúncia - Alegação inconsistente - Peça acusatória formalmente perfeita - Descrição de fatos que constituem crimes em teses - Recebimento - Pedido de afastamento do cargo requerido pelo Ministério Público - Indeferimento - Inexistência de motivos que justifiquem a prisão preventiva dos denunciados.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de denúncia crime n.º 133.995-7, de Wenceslau Braz, em que é denunciante o Ministério Público do Estado do Paraná e denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto.

1. O órgão do Ministério Público, com base nas inclusas peças informativas e com fulcro no art. 29, inciso X, da Constituição Federal e arts. 16, inciso VIII, e 101, inciso VII, letra a, ambos da Constituição Estadual, ofereceu denúncia contra Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, como incursos nas sanções do art. 1°, incisos I e V, do Decreto-lei n.° 201/67, c.c art. 29, art. 69 e art. 304 do Código Penal (1° e 3° série de fatos), e art. 1°, inciso I e c.c arts. 14, inciso II, 29, 60 e art. 304 do Código Penal (2° série de fatos) pela prática dos fatos delituosos assim narrados na exordial acusatória:

DOS ANTECEDENTES:

Após a realização de diversas diligências, incluindo escuta telefônica (fls. 3 a 262 - vol. 1 e 2), por policiais do GERCO (Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado) em conjunto com a Promotoria de Investigações Criminais na Comarca de Ribeirão do Pinhal - Pr., foi desarticulada uma quadrilha que agia na região do Norte Pioneiro do Estado do Paraná, e praticava entre outros delitos, a venda e fornecimento de notas fiscais falsas, emitidas indevidamente e nas quais figuravam como destinatárias Prefeituras da região. Tais documentos falsos eram utilizados para empenho e recebimento de verbas públicas municipais ilegalmente, já que as operações ali retratadas ou não existiam ou eram em valores bem menores. Citadas notas fiscais foram encontradas principalmente na residência de Valter Abras (ex-prefeito do Município de Jundiaí do Sul - 1997/2000) e na residência de Brasil Nicolau, originando a Denúncia oferecida ao Juízo de Direito da Comarca - fls. 291 a 310 - vol. 2), iniciando ação penal para persecução dos crimes ali perpetrados. Posteriormente, no mês de agosto de 2002, foi realizada inspeção local pelo Ministério Público na Prefeitura Municipal de Wenceslau Braz, cujo nome figurava em inúmeros documentos apreendidos, bem como teve secretários municipais citados nas gravações. Nas degravações telefônicas realizadas pela equipe da PIC/GERCO existem diversos trechos de conversas sobre negociações suspeitas que envolvem a Prefeitura de

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Wenceslau Braz, dirigida pela denunciada Carolina Batistão de Souza, de cujos diálogos participam ou são citadas as pessoas dos denunciados Althair Ferreira dos Santos (vulgo Taico), secretário municipal de administração, e Marcelo João de Souza Pinto, filho da Prefeita ora denunciada, que é secretário municipal de Governo e, interinamente, também secretário municipal de saúde.

1ª SÉRIE DE FATOS

A denunciada Carolina Batistão de Souza, exerce o cargo de prefeita do Município de Wenceslau Braz - PR desde o ano de 1997 (gestão 1997/2000), tendo sido reeleita para a gestão 2001/2004. Foi constatado que durante este período, mais especificamente nos anos de 2000 e 2001, a denunciada Carolina Batistão de Souza elaborou um plano em conjunto com os denunciados Althair Ferreira dos Santos (vulgo Taico), secretário municipal de administração, e Marcelo João de Souza Pinto, filho da Prefeita denunciada e secretário municipal de Governo respondendo, interinamente, também como secretário municipal de saúde, visando apropriarem-se de elevada soma de verbas públicas municipais, face a facilidade de manipulação e contabilização de documentos falsos ou adulterados na contabilidade da Prefeitura de Wenceslau Braz.

Para tanto, os denunciados obtiveram na Comarca de Ribeirão do Pinhal, notas fiscais falsas e outras adulteradas, nas quais constavam como destinatária a Prefeitura de Wenceslau Braz, cuja inidoneidade foi constatada pelo Fisco (relatório de fls. 102 - apenso 11 a 1.180 - apenso 16 da Inspetoria Geral de Fiscalização da Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná), e as utilizavam como comprovantes de despesas contabilizados junto à Municipalidade, na maioria dos casos com valores entre R$ 6.000,00 e R$ 7.900,00, muito próximos do limite de dispensa licitatória, e ainda, com faturamento sistemático mensal (uma única nota fiscal por mês/ empresa) ao longo de diversos meses seqüenciais, o que mostra um tipo de procedimento vicioso.

Entre as notas fiscais inidôneas utilizadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, para realizarem operações contábeis simuladas e apropriarem-se de verbas públicas municipais de Wenceslau Braz no valor de R$ 124.424,61 estão as seguintes:

ABBA TORNEARIA LTDA - localizada em Londrina -PR

NF. PREF.(1)COMPR. PGTO PREF.NF EMPRESA (2)

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.

3) constatação do Fisco Estadual.

Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fl. 114 - ap. 11) assinado pelo sócio-gerente da empresa em questão, Gilberto Daniel Rodrigues, na presença do Fisco, as nfs. n° 701 a 750 (anexas à fl. 97 - ap. 6) não pertencem a sua empresa, bem como desconhece operações comerciais nelas registradas.

CASA MÉDICA COMÉRCIO DE PRODUTOS HOSPITALARES LTDA - localizada em Londrina-PR.

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira).

(3) constatação do Fisco Estadual.

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(4) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 15 a 27 - ap. 2), mas pertence ao mesmo talonário, em função da proximidade numérica.

(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.

(6) no corpo deste consta anotação: pago 3.779,52 + 1.100,00; resta 2.412,48.

7) não constam entre as notas fiscais apreendidas (fls. 15 a 27 - ap. 2).

NOGARI & ROSA LTDA - medicamentos - Londrina-PR

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira).

(3) constatação do Fisco Estadual.

(4) a nf. 214 apreendida (fl. 42 - ap. 2), dada à proximidade numérica, deve pertencer ao mesmo talonário na nf. em tela ou a um outro dublê deste. O Fisco coletou uma via com este número, na empresa (fl. 550 - ap. 13), que apresenta dados do destinatário, discriminação de itens, valores unitários e total diferentes daqueles constantes na apreendida, razão pela qual considerou esta inidônea (fl. 107 - ap. 11).

(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.

Comentários: em 07/01/99, conforme 2ª alteração de contrato social, dado à mudança no quadro societário, a denominação comercial passou a ser Nogari & Ruiz Ltda (fls. 560 a 561 - ap. 13). De acordo com a 3ª alteração (fls. 562 a 563), em 03/07/02, ingressou na sociedade a pessoa de Donizete Aparecido de Carvalho, quando o nome comercial da empresa passou para Moreira & Carvalho Ltda, e com a 4ª alteração (fls. 564 a 565), datada de 15/10/01, o referido sócio tornou-se administrador da mesma, que recebeu o nome de D.M.C. - Comércio de Medicamentos Ltda. Tal pessoa aparece como denunciada na Ação proposta pela Promotoria de Justiça de Ribeirão do Pinhal (fls. 291 a 310 - vol. 2), na qual consta que a mesma possui a alcunha de Doni, tida como braço direito de Valter Abras, segundo relatório da PIC/GERCO (fl. 163 - vol. 1). O quadro anterior registra operações comerciais após o ingresso do referido sócio. Os agentes da SEFA, em diligência ao endereço constante em seu cadastro, receberam informação (fl. 547 - ap. 13) de que a empresa e os sócios encontravam-se em local ignorado, o que foi reiterado pelo contador, que encaminhou informação ao Fisco (fl. 548), no sentido, inclusive, de colocar a documentação da empresa à disposição do mesmo.

SUPERMERCADO BARRETO LTDA - localizado em Sto. Antônio da Platina - PR.

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.

(3) constatação do Fisco Estadual.

(4) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl. 100 - ap. 9), porém, os dados desta divergem daqueles registrados na empresa, o que reforça a tese de fraude me prejuízo do erário público municipal.

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(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.

Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fl. 797 - ap. 14) assinado pelo sócio-proprietário da empresa em questão, na presença do Fisco, as nfs. n.º 401 a 450 (apreendidas; consideradas inidôneas - fl. 109 - ap. 11) não pertencem a sua empresa, bem como desconhece as operações comerciais nela registradas. O registro de saídas (fls. 839 a 855 - ap. 14) contempla os dados das nfs. apresentadas pelo empresário (fls. 798 a 838).

TAMANN CHAMMA BARBAR - gêneros alimentícios - localizados em Jundiaí do Sul - PR

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.

(3) constatação do Fisco Estadual.

(4) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 60 a 71- ap. 5), mas pertence ao mesmo talonário numérico, em função da proximidade numérica.

Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fls. 857 - ap. 15) assinado pela titular da empresa em questão, na presença do Fisco, as nfs. apreendidas (consideradas inidôneas - fl. 109 - ap. 11) não pertencem a sua empresa, bem como desconhece as operações comerciais nelas registradas, cujas quantidades estão além das habitualmente mantidas em estoque; nunca realizou venda ao Município em tela. O Fisco coletou junto à empresa a 3ª via das nfs. n.º 6251 a 6339 (fls. 858 a 946 - ap. 15), cujo intervalo inclui as apreendidas. Assim, comprovou-se que as notas fiscais contabilizadas e pagas pela Prefeitura, acima relacionadas, consideradas somente aquelas que foram apreendidas na Comarca de Ribeirão do Pinhal, em poder de Valter Abras e Índio Brasil Nicolau ou possuem numeração próxima destas, cujos dados divergem das vias, ou registro de saídas originais coletados pelo Fisco - SEFA junto às empresas, totalizam R$ 124.424,61, valores estes apropriados pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, mediante o empenho de documentos inidôneos, referentes a operações não existentes e que resultaram a apropriação de dinheiro público decorrente da liquidação dos referidos empenhos. Observa-se que as notas originais possuem valores significativamente inferiores aos daquelas, de numeração correspondente, que serviram como comprovantes de despesas junto ao Tesouro Municipal. Existem outros casos de notas fiscais registradas como despesas na Municipalidade que, embora os agentes fiscais não tenham coletado subsídios relativos as mesmas junto às empresas, caracterizam indícios de apropriação indébita ou desvio criminoso de verbas públicas, pois a numeração destas aproxima-se (ou faz seqüência) das vias dos documentos fiscais apreendidos, entre outras peculiaridades demonstradas. A declaração de tesouraria do Município (fls. 698 e 699 - vol. 4), que informa a existência de pagamentos realizados exclusivamente em dinheiro, sacado possivelmente por meio de cheques da Municipalidade nominais à si própria (espelhos - fls. 700 a 707), configura prática que não é admitida na Administração Pública, pois os pagamentos devem ser efetivados somente com cheques ou ordens de pagamento bancárias nominais aos credores, segundo entendimento formado a partir do art. 65 da Lei n° 4.320/64, c/c o art. 74, §2°, do Decreto-lei n° 200/67, realizando assim também os denunciados despesas em desacordo com as normas financeiras pertinentes estabelecidas nas citadas leis.

2ª SÉRIE DE FATOS - TENTATIVA

Também foi apurado que em poder das pessoas de Valter Abras e Brasil Nicolau, que respondem a ação penal perante o Juízo de Direito da Comarca de Ribeirão do Pinhal - fls. 291 a 310 - vol. 2), foram apreendidas notas fiscais falsas no valor de R$ 238.837,61, encomendadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto as quais já estavam devidamente prontas para serem empenhadas na Prefeitura Municipal de Wenceslau Braz, cujo produto da operação ilegal seria dividido entre os denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, e que efetivamente, só não ocorreu a utilização dos documentos falsos e conseqüente apropriação de verbas públicas municipais pelos

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denunciados acima citados, nos mesmos moldes em que vinham operando, em razão de circunstâncias totalmente alheias a vontade dos mesmos, ou seja, porque houve a apreensão das referidas notas pela polícia na Comarca de Ribeirão do Pinhal, antes de serem utilizadas pelos denunciados para a apropriação de mais verbas públicas do erário municipal de Wenceslau Braz. Entre as notas fiscais falsas que seriam usadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto estão as seguintes:

As notas fiscais que não são da série consumidor e que, portanto, deveriam contemplar o destaque do ICMS em sua grande maioria, não atenderam tal exigência fiscal. Isso reforça a tese de que tais documentos foram emitidos, exclusivamente, com a intenção de viabilizar o desvio e/ou apropriação de recursos financeiros da Prefeitura de Wenceslau Braz, uma vez que, caso tivessem sido empregados para atender a operações comerciais legítimas, não apresentariam esse tipo de falha de preenchimento.

3ª SÉRIE DE FATOS

Também resultado da inspeção local na Prefeitura de Wenceslau Braz foram constatadas irregularidades em diversas notas fiscais empenhadas e pagas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, configurando prática que não é admitida na Administração Pública, pois os pagamentos devem ser efetivados somente com cheques ou ordens de pagamento bancárias nominais aos credores, segundo artigo 65 da Lei n° 4.320/64 c/c artigo 74, §2°, do Decreto-lei n° 200/67, realizando assim novamente os denunciados despesas em desacordo com as normas financeiras pertinentes estabelecidas nas citadas leis. Tais pagamentos, na forma como foram realizados deram margem a desvio de verbas do erário, no valor total de R$ 292.340,68, nos seguintes casos:

ANTONIO DIAS CATARINO - Gêneros alimentícios - localizada em Ribeirão do Pinhal - PR.

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura

(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira), na qual consta outro destinatário.

(3) constatação do Fisco Estadual.

(4) o intervalo numérico da autorização de impressão constante no rodapé não atinge essa numeração.

(5) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl. 97 - ap. 6), embora a numeração de uma ou alguma destas, dada à proximidade, provavelmente, deva pertencer ao mesmo talonário da nf. em tela ou a um outro dublê.

(6) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl. 97 - ap. 6).

Comentários: de acordo com o termo circunstanciado (fl. 181 - ap. 11), emitido em 15/05/02, o Fisco apresentou ao empresário o talonário de n.º 27951 a 28000, bem como citou algumas notas fiscais preenchidas em nome da Prefeitura em questão e outras duas, as quais não coincidem com as registradas no quadro anterior; o empresário, por sua vez, não reconheceu o referido bloco e mostrou os documentos originais da sua seqüência de n° 27951 a 27996. Quanto ao talonário de n.º 28516 a 28550 apresentado pelos agentes fiscais, o empresário informou que a nf. 28250 (fl. 183 - ap. 11) corresponde à última impressa pela sua empresa. Neste caso, devem ser classificadas como falsas as nfs. da milhar 28000 contabilizadas e pagas pela Prefeitura em tela. Ainda com base no referido termo, o empresário desconhece as operações registradas nas notas fiscais apresentadas pelo Fisco, bem como não lembra de ter realizado negócios com a Prefeitura em referência. Os agentes do fisco também juntaram documentos de cadastro fiscal e de natureza societária (fls. 184 a 201 ap. 11). Desta forma restou comprovado o uso de documentos inidôneos pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, para a apropriação de mais R$ 48.087,29.

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CATARINO & BRAZÃO LTDA - Materiais de construção - localizada em Ribeirão do Pinhal - PR.

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura

(2) o intervalo numérico da autorização de impressão constante no rodapé não atinge essa numeração.

(3) não consta entre as notas fiscais apreendidas (anexas à fl.97 - ap. 6).

Comentários: o intervalo da numeração autorizada para impressão constante no rodapé da citada nota fiscal não atinge o n.º da mesma, o que constitui indício da sua falsificação e conseqüente troca e apropriação do valor de R$ 7.900,00 pelos denunciados, observando-se ainda que o valor é próximo ao limite de dispensa para licitação.

DIVANI O. COSTA & CIA LTDA - autopeças - localizada em Curitiba - PR.

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 32 a 33 - ap. 2).

Comentários: De acordo com o termo circunstanciado (fl. 318 - ap. 12), firmado perante o Fisco, a empresária não reconheceu a autenticidade das nfs. 405 e 409 apreendidas, bem como as operações por elas expressas, quando apresentou as vias originais das mesmas (fls. 319 e 320), devidamente lançadas no livro Registro de Saídas (fl. 322), as quais possuem destinatários, objetos e valores, entre outros dados, divergentes daquelas, inclusive quanto ao padrão tipográfico e informou ainda que nunca vendeu para tal município (Wenceslau Braz). A SEFA juntou, ainda, o cadastro fiscal e o contrato social da empresa (fls. 323 a 325). Novamente os denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto utilizaram de notas inidôneas no valor de R$ 15.210,00, desviando em proveito próprio tal dinheiro.

ELGIN BRITO & CIA LTDA - gêneros alimentícios -localizada em Sto. Antônio da Platina - PR.

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) não consta entre as notas fiscais apreendidas (fls. 34 a 37 - ap. 2), embora a numeração de uma ou algumas destas, dada à proximidade, provavelmente deva pertencer ao mesmo talonário da nf. em tela ou a um outro dublê.

(3) não consta entre as notas fiscais apreendidas.

Comentários: as notas fiscais nº 928, 930 e 932 coletadas pelo Fisco (fls. 360 a 362 - ap.2), possuem numeração coincidente com as apreendidas (fls. 34 a 37 - ap. 2), entretanto, foram emitidas pela denominação social Tiago Brito & Cia Ltda, cujo CNPJ e inscr. est., entre outros dados, diferem dos associados ao nome em referência, no termo circunstanciado assinado pelo empresário (fl. 359 -ap. 12) que as notas em questão não são utilizadas por sua empresa e que desconhece vendas para o município em questão. Os agentes fiscais juntaram Registro de Saídas e mapa resumo de caixa (fls. 363 a 372 - ap. 12), ambos com o referido nome; somente no cadastro fiscal aparece a denominação sob enfoque (fl. 373). A contabilização de uma nota fiscal por mês, ao longo de diversos meses, com valores próximos entre si, também demonstra ter ocorrido a ilicitude em tela contra o erário municipal, culminando no desvio de R$ 44.225,00 em favor dos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto.

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J.B. COMÉRCIO DE PEÇAS LTDA - autopeças - localizada em Londrina - PR.

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) a nota fiscal 126 apreendida (anexa à fl. 99 - ap. 8) possui a mesma data de emissão, valor e destinatário, além de alguma similaridade em relação aos itens discriminados; desse modo, tal fato constitui uma coincidência um tanto suspeita. Além disso, a via da nota fiscal 126 coletada pelo Fisco junto à empresa, em 16/05/02, está em branco (fl. 513 - ap. 13), o que demonstra que a mesma ainda não tinha sido emitida ou havia sido cancelada, fato confirmado pelos fiscais, dado à ausência do número no Registro de Saídas (fl. 515).

Comentários: de acordo com o termo circunstanciado assinado pelo representante da empresa (fl. 512 - ap. 13), este não reconheceu a legitimidade da nota fiscal 126 apresentada pelo Fisco (apreendida; considerada inidônea - fl. 107 - ap. 11.), bem como a operação comercial descrita na mesma. O Fisco ainda encaminhou o cadastro fiscal e a 2ª alteração contratual (fl. 516 a 519 - ap. 13). Novamente demonstrado outro desvio de R$ 7.000,00 pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto.

NOGARI & ROSA LTDA - medicamentos - Londrina- PR

Observações:

(1) contabilizada pela Prefeitura.

(2) coletada pelo Fisco na empresa (tida como verdadeira).

(3) constatação do Fisco Estadual

(4) a nf. 214 apreendida (fl. 42 - ap. 2), dada à proximidade numérica, deve pertencer ao mesmo talonário da nf. em tela ou a um outro dublê deste. O Fisco coletou uma via com este número, na empresa (fl. 550 - ap. 13), que apresenta dados do destinatário, discriminação de itens, valores unitários e total diferentes daqueles constantes na apreendida, razão pela qual considerou esta inidônea (fl. 107 - ap. 11).

(5) dados extraídos do Registro de Saídas da empresa, uma vez que o Fisco não coletou as respectivas nfs.

(6) não houve apreensão com esta numeração.

Comentários: em 07/01/99, conforme 2ª alteração de contrato social, dado à mudança no quadro societário, a denominação comercial passou a ser Nogari & Ruiz Ltda (fls. 560 a 561 - ap. 13). De acordo com a 3ª alteração (fls. 562 a 563), em 03/07/01, ingressou na sociedade a pessoa de Donizete Aparecido de Carvalho, quando o nome comercial da empresa passou para Moreira & Carvalho Ltda, e com a 4ª alteração (fls. 564 a 565), datada de 15/10/01, o referido sócio tornou-se administrador da mesma, que recebeu o nome de D.M.C.- Comércio de Medicamentos Ltda. Tal pessoa aparece como denunciada na Ação Penal proposta pela Promotoria de Justiça de Ribeirão do Pinhal (fls. 291 a 310 - vol. 2), na qual consta que a mesma possui a alcunha de Doni, tida como braço direito de Valter Abras, segundo relatório da PIC/GERCO (fls. 163 -vol. 1). O quadro anterior registra operações comerciais após o ingresso do referido sócio. Os agentes da SEFA, em diligência ao endereço constante em seu cadastro, receberam informação (fl. 547 - ap. 13) de que a empresa e os sócios encontravam-se em local ignorado, o que foi reiterado pelo contador, que encaminhou informação ao Fisco (fl. 548), no sentido, inclusive, de colocar a documentação de empresa à disposição do mesmo. Dada a origem da notas conclui-se que as mesmas são inidôneas e portanto foram ilegalmente empenhadas e apropriadas pelos denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto, resultando novamente em prejuízo ao erário na ordem de R$ 169.918,43. Este enfim é o gravíssimo panorama da Prefeitura de Wenceslau Braz, aonde restou comprovado que os denunciados Carolina Batistão de Souza, Althair Ferreira dos Santos e Marcelo João de Souza Pinto,

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em conluio, desviaram em proveito próprio a quantia de R$ 416.765,29 sendo R$124.424,61 comprovado pela comparação das notas originais nas empresas envolvidas e 292.340,68 comprovados por dados apurados junto as empresas e outros documentos fiscais, e ainda tentaram desviar mais a importância de R$ 238.837,61, o que só não foi concluído devido a intervenção da polícia que prendeu os fornecedores das notas fiscais falsas, desarticulando a operação que era livremente praticada pelos denunciados.

Regularmente notificados, os acusados ofereceram resposta, através dos ilustres advogados René Dotti e Beno Brandão (instrumentos de mandado de fls. 861, 862 e 863), requerendo, preliminarmente, que o presente procedimento tramite em segredo de justiça, face à existência de documentos pessoais dos acusados (extratos bancários e recibos de declaração de imposto de renda). Pugnam, outrossim, pelo não recebimento da denúncia, alegando, para tanto, em síntese, os seguintes motivos, a saber: a) por vício no procedimento investigatório, diante da impossibilidade de o Ministério Público realizar investigações; b) por manifesta inépcia da denúncia, que não individualizou as condutas dos acusados; e c) pela completa inexistência de qualquer crime de responsabilidade. Por fim, sustentam que, na hipótese do recebimento da denúncia, a primeira acusada não deve ser afastada de seu cargo, tendo em vista que a pretensão formulada pelo Ministério Público é totalmente descabida, calcada em mera presunção de que a permanência no cargo poderia prejudicar a instrução criminal.

Com a resposta foram juntados os documentos de fls. 898/1186.

Em petição de fls. 1191, encaminhada através do protocolo judicial integrado, foi ofertada defesa prévia (sic) pelos acusados através do advogado Laércio A. dos Santos. Sustenta-se, em suma, a inépcia da inicial acusatória ao argumento de que, na hipótese induvidosamente, corporifica a peça vestibular de fls., inculpação ambígua, indefinida e ostensivamente deficiente, sem a presença portanto, dos essentialia, conforme exigência destacada, máxime considerando-se o aspecto do concurso de pessoas (art. 29/CPB), bem como do concurso material (art. 69/CPB), ..., não havendo explicitação quanto à dimensão da participação individual dos denunciados em relação aos delitos. Insurge-se, também, em relação ao pedido de afastamento da primeira acusada do cargo que ocupa. No tocante ao mérito, argúi a inexistência de dolo na conduta dos acusados.

Com a referida peça foram juntados os documentos de fls. 1233-1276.

Com vista dos autos, o órgão do Ministério Público, em pronunciamento de fls. 1288-1316, apresentou a documentação complementar (fls. 1317/1370) relacionada à 3ª série dos fatos articulados na peça acusatória, contestando no mais os argumentos expendidos nas defesas apresentadas e assentando que estão satisfeitos os aspectos formais, bem como presentes as condições genéricas da ação, razão pela qual pugnou pelo recebimento da denúncia.

Intimados, os denunciados manifestaram-se às fls. 1385-1389, ressaltando que os denunciados não possuem antecedentes criminais como aventou o órgão ministerial, bem como que os documentos juntados nada acrescenta, tento em vista que os cheques demonstram a forma como eram feitos os pagamentos aos credores e fornecedores, através de procedimento de Regime de Caixa, isto é, retirados em espécie, na boca do caixa do banco sacado, não havendo assim qualquer ilicitude, porque tais importâncias eram repassadas aos mesmos, em nada contrariando a Lei n.º 4.320/64 e o Decreto-lei n.º 200/67. Por fim, reiteraram o descabimento do afastamento temporário da denunciada Carolina Batistão de Souza, juntando, ainda, os documentos de fls. 1391-1496. Manifestaram-se, também, através da petição de fls. 1512-1534, subscrita pelo advogado Laércio Ademir dos Santos.

Instados os denunciados a declinarem qual o advogado os representa, compareceram os mesmos, através das petições de fls. 1672 e 1679, esclarecendo que deve prevalecer para Carolina Batistão de Souza e Marcelo João de Souza Pinto a defesa preliminar apresentada pelo escritório do Prof. René Dotti e, em relação a Althair Ferreira dos Santos a resposta apresentada por Laércio Ademir dos Santos.

Com nova vista dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça se pronunciou no sentido que as novas argumentações, bem como os documentos juntados não têm o condão de infirmar a peça acusatória.

É a necessária exposição.

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2. De início, cumpre ressaltar que o presente procedimento foi tumultuado face à existência de duas respostas preliminares apresentadas por advogados distintos, o que causou certa demora em sua tramitação. De outra sorte, após a adoção de medidas saneadoras, retomou seu curso normal. Para um melhor ordenamento das questões ventiladas pelos denunciados, passamos a apreciação das preliminares levantadas nas respostas respectivas.

2.1. A pretensão de que processo corra em segredo de justiça é totalmente descabida e inconsistente, porque no caso em tela não há qualquer imposição de ordem legal para a adoção de tal procedimento, pela natureza pública da persecução criminal. Assim, sem tecer maiores considerações a respeito, o pedido formulado não merece guarida, por falta de previsão legal.

2.2. Quanto a preliminar de nulidade do procedimento investigatório promovido pelo Ministério Público, esta é de ser rejeitada. O Ministério Público tem como função institucional promover a ação penal pública, podendo praticar todos os atos necessários para a sua efetivação. Tal questão já foi apreciada por esta Corte de Justiça, pelo eminente Des. Tadeu Costa, no julgamento do mandado de segurança n.º 140.644-6:

MINISTÉRIO PÚBLICO - Fase pré-processual - Investigação direta - Instauração de procedimento e colheita de provas para servir de base à denúncia - Admissibilidade - Procedimento amparado na lei - Inteligência do art. 129, I, VI, VII e VIII, CF e art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, art. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo art. 4°. Conquanto a regra determine que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5º, II, e 13, II), seria contra-senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações.

Inexistindo, assim, a nulidade apontada, eis que é legítimo ao Ministério Público proceder à investigação criminal.

2.3. No tocante à preliminar suscitada nas defesas, de inépcia da denúncia, por ausência de individualização da conduta de cada um dos acusados, data venia não merece acolhida.

Com efeito não se denota na espécie a omissão de qualquer dos requisitos insertos no art. 41 do CPP, de modo a reconhecer a inépcia da peça acusatória.

Dessume-se dos autos em tela, que os fatos descritos na denúncia não causaram maiores dificuldades ou prejuízo ao exercício de defesa dos acusados.

Como é cediço, quando se trata de crime de autoria conjunta ou coletiva, como no caso ora em exame, em virtude de dificuldades de apontar com exatidão a participação de cada um dos envolvidos na prática delituosa, não é necessário que conste da exordial acusatória a descrição pormenorizada de cada partícipe. A propósito, leciona Julio Fabbrini Mirabete, Evidentemente, caso não seja possível a individualização de cada um deles como acontece, por exemplo, nos crime societários, uma descrição geral de que concorreram para o ilícito é perfeitamente aceitável (Código de Processo Penal Interpretado, 5ª ed., pág. 94).

Assim, inconsistente a preliminar aventada, razão pela qual desmerece guarida.

3. A denúncia é de ser recebida. Com efeito a exordial acusatória encontra-se formalmente perfeita, descrevendo conduta típica, ao menos em tese, não contendo nenhuma das falhas apontadas pelo art. 43 do Código de Processo Penal, a ensejar a sua rejeição, quais sejam:

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I - O fato narrado não constituir crime;

II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;

III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

No caso em espécie, as respostas preliminares apresentadas pelos denunciados, não têm o condão de infirmar a denúncia, porque os fundamentos nelas deduzidos, não autorizam uma decisão prematura, de modo a impossibilitar que o Ministério Público possa produzir a prova da acusação.

O conjunto probatório mostra-se suficiente para a instauração da ação penal, e eventual conduta justificadora dos crimes em tese cometidos, serão objetos de apreciação durante a instrução criminal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Em resumo: não havendo motivos que justifiquem a rejeição da denúncia, seu recebimento é de rigor.

4. Passamos, nesse item, a análise do pleito ministerial, do afastamento do cargo da prefeita municipal. Em atenção ao contido no art. 2º, inciso II, última parte, do Decreto-lei n.º 201/67, ao contrário sustentado pelo Ministério Público, não há motivos a ensejar a medida extrema do afastamento da denunciada do cargo que ocupa durante a instrução criminal. Aqui, o pedido de afastamento não pode ser acolhido, uma vez que não restaram comprovados motivos concretos, suscetíveis para a decretação dessa medida excepcional, com graves conseqüências e repercussões na municipalidade. A decretação da medida, com base em meras considerações sobre a conduta moralmente xigida para o desempenho do cargo do Executivo Municipal, bem como para a preservação do erário municipal, sem indicar fato concreto evidenciando sua necessidade, não atende ao princípio do estado de inocência que impera em nosso ordenamento jurídico. Neste sentido:

"O afastamento do prefeito municipal acusado de crime de responsabilidade funcional do exercício de seu cargo durante a instrução criminal, é medida séria de conseqüências graves para a administração, com reflexos às vezes negativos na política local. Por isso, só deve ser determinado quando ocorrer gravidade excepcional que o justifique." (TJ/SP, Rec. Crim.60594-3, 5 Câmara Criminal, Rel. Des. Cunha Bueno, RT 629/321).

Na espécie, inexiste motivo plausível ao pretendido afastamento pelo órgão acusador.

5. Por fim, relativamente à prisão preventiva, impende gizar que, afetando a liberdade dos acusados, antes da decisão final do processo em que poderão ser absolvidos, constituindo-se tal medida em recurso marcadamente violento e de extremo rigor, somente justificável quando, indeclinavelmente necessário. Sob qualquer ângulo de qualquer doutrina ou ponto-de-vista, não se pode deixar de reconhecer que a prisão anterior ao julgamento é a medida mais grave que se possa tomar em nome da lei ou da defesa social em relação a um indivíduo.

Exatamente por isso, esta Câmara Criminal vem, reiteradamente, decidindo que, tratando-se de medida de exceção, a prisão preventiva só é cabível em situações especiais, ou seja, quando presente, de forma clara e inquestionável, uma das circunstâncias que autorizam a sua decretação. Fora dessa hipótese, deve ser evitada, máxime considerando que ela é sempre uma punição antecipada (Habeas Corpus n° 38.168-8, de Curitiba; Habeas Corpus n°68.084-6, de Antonina; Habeas Corpus n° 74.086-7, de São José dos Pinhais; Habeas Corpus n° 75.442-9, de Colombo; entre outros).

A propósito, assinala Damásio E. de Jesus:

O decreto de prisão preventiva deve ser convincentemente motivado. Não sendo suficientes meras conjecturas de que o réu poderá fugir ou impedir a ação da justiça. Assim, a fundamentação não pode se basear em proposições abstratas, como simples ato formal, mas resultar de fatos concretos (Código de Processo Penal Anotado, 8ª ed., Saraiva, págs. 194-195).

Pois bem. No caso em espécie, não se vislumbra motivo algum que justifique a decretação da medida constritiva cautelar. Na verdade, nada, absolutamente nada, há indicando que os denunciados dificultarão a instrução criminal, tampouco que pretendam subtraírem-se aos efeitos de eventual

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condenação. Logo, não existe, na hipótese em exame, necessidade do encarceramento por conveniência da instrução criminal e para garantir a aplicação da lei penal. Igualmente, não há fatos concretos que autorizem a decretação da custódia preventiva como garantia da ordem pública. Aliás, vale observar que, consoante a melhor jurisprudência, a gravidade abstrata do delito, a reprovabilidade do fato e o conseqüente clamor público não constituem motivos idôneos à prisão preventiva se falta demonstração, em concreto, do periculum libertatis do acusado.

Ante o exposto:

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em rejeitar as preliminares argüidas, receber a denúncia e indeferir o pedido de afastamento da denunciada do cargo de Prefeita Municipal de Wenceslau Brás.

Presidiu a sessão o Desembargador Tadeu Costa, sem voto, e participaram do julgamento o Desembargador Clotário Portugal Neto e o Juiz Convocado Miguel Kfouri Neto.

Curitiba, 18 de março de 2004

Juiz Conv. Laertes Ferreira Gomes Relator

HABEAS CORPUS CRIME Nº 144628-8, DE RIO BRANCO DO SUL VARA ÚNICA.

IMPETRANTE: ADOLFO LUIS DE SOUZA GOIS (Advogado).

PACIENTE: BENTO ILCEU CHIMELLI.

RELATOR: DES. JESUS SARRÃO.

1. HABEAS CORPUS CRIME. PRISÃO PREVENTIVA COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, POR CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DENEGADA.

- Não é de se conceder o presente Habeas Corpus se o magistrado de primeiro grau decretou a prisão preventiva do paciente como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal apresentando fundamentação idônea com base em elementos concretos existentes nos autos.

2. HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE. NULIDADE. INEXISTÊNCIA.

- O Ministério Público, como titular da ação penal pública, tem legitimidade para realizar atos de investigação visando obter elementos probatórios para eventual propositura de ação penal pública. Precedentes do Pleno do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal de Justiça.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus Crime nº 144628-8, de Rio Branco do Sul Vara Única, em que é impetrante Adolfo Luiz de Souza Góis (Advogado) e paciente Bento Ilceu Chimelli.

Trata-se de Habeas Corpus impetrado por Adolfo Luis de Sousa Góis, advogado, em favor de Bento Ilceu Chimelli, sob a alegação de estar o paciente a sofrer constrangimento ilegal, posto que a Drª Juíza que decretou a prisão preventiva não apreciou os argumentos de que: (a) os depoimentos de três testemunhas foram colhidos pelo Ministério Público, seis meses após o crime; (b) o paciente nas demais ações penais que responde jamais teve a sua prisão preventiva decretada; (c) independentemente da apresentação do paciente, este não se furtou à aplicação da lei; (d) não é

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possível a decretação da prisão preventiva pela presença do clamor público; e (e) a obtenção da suposta arma do crime, apreendida sem mandado judicial a respeito, foi ilícita.

Sustenta-se, também, que: (a) não se pode decretar a prisão preventiva com base no clamor público, com base em matéria jornalística, que sequer citou o nome do paciente, pois esta foi publicada sete meses antes do decreto de prisão e o clamor público não é causa legal para a decretação da prisão preventiva; (b) não há o fundamento da garantia da aplicação da lei penal, posto que não há nos autos qualquer indício de que o paciente foi chamado ao processo; (c) a prisão foi decretada também com base na apreensão de armas e munições ocorrida na residência do paciente em outro procedimento de natureza criminal, não se podendo embasar em fatos estranhos a lide; (d) o paciente está em falimentar estado de saúde, estando-se diante da excludente do estado de necessidade, onde se deve optar pela vida do paciente em detrimento do mandado de prisão, devendo ser deferido pelo menos o benefício da prisão domiciliar, e, (e) acarreta nulidade absoluta a colheita de prova, na fase pré-processual, pelo Ministério Público.

A Drª Juíza prestou informações dizendo que o paciente requereu a revogação da prisão preventiva, tendo sido apreciadas detidamente todas as alegações expostas na inicial, entendendo a magistrada que se encontram presentes os pressupostos da prisão cautelar (fls. 543/544).

O pedido de concessão de medida liminar foi indeferido pela decisão de fls. 546/550, por não se verificar, na fase de cognição sumária, própria dos provimentos liminares, estar o paciente a sofrer constrangimento ilegal.

Contra esta decisão, interpôs o impetrante agravo regimental, alegando que: (a) o relator, ao indeferir a medida liminar, decretou de ofício a prisão do paciente, pois o fundamento da conveniência da instrução criminal já tinha sido rechaçado pela Dra. Juíza; (b) levou-se em conta a culpabilidade do autor, ao se dizer que o paciente era propenso à prática de infrações penais, quando hoje, num estado de direito, deve-se ter em conta a culpabilidade pelo fato praticado; (c) atualmente, só há uma denúncia contra o paciente, que, após 11 (onze) meses do seu oferecimento, ainda não foi recebida; (d) jamais fora citado para a ação penal que originou a prisão preventiva, não se podendo, pois, se falar em fuga; (e) o precedente do Superior Tribunal de Justiça, utilizado na decisão agravada, referente à não concessão do benefício da prisão domiciliar, foi julgado há mais de 6 (seis) anos, sendo que há precedente, julgado há menos de 45 (quarenta e cinco) dias, onde foi concedido tal benefício, sendo que há atestados médicos a comprovar que o agravante encontra-se às vésperas duma síncope cardíaca; (f) a decisão agravada trouxe à baila, mais uma vez, um posicionamento arcaico, já rechaçado pelos Tribunais Superiores, deste (sic) feita a respeito da legitimidade do Ministério Público para presidir inquéritos policiais; (g) o relator deixou de apresentar fundamentação às teses lançadas na petição inicial; e, (h) é manifesta a ausência dos requisitos autorizadores para a prisão preventiva (fls. 559/570).

Pelo acórdão de nº 15737, desta 2ª Câmara Criminal (fls. 601/618), foi negado provimento ao recurso de agravo regimental.

O Ministério Público, pelo parecer de seu ilustre Procurador de Justiça, Dr. Luiz do Amaral, manifestou-se pela denegação do presente Habeas Corpus (fls. 630/641).

É o relatório.

Voto.

A questão posta no presente Habeas Corpus já foi devidamente solucionada pelo acórdão que julgou o agravo regimental interposto pelo impetrante contra a decisão que indeferiu o pedido de concessão de medida liminar, conforme se pode verificar dos seguintes fundamentos que sustentam a legalidade tanto da decisão da magistrada de primeiro grau, que decretou a prisão preventiva do paciente, quanto da decisão deste relator que indeferiu o pedido de liminar feito no presente Habeas Corpus.

Alega-se que a decisão liminar, ao usar o fundamento da conveniência da instrução criminal, decretou de ofício a prisão do paciente, pois tal motivo já tinha sido rechaçado pela Drª Juíza na decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva.

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A decisão que indeferiu o pedido de revogação da prisão preventiva, ao contrário do que quer fazer crer o agravante, não revogou o fundamento da conveniência da instrução criminal.

Ora, o só fato de a Drª Juíza nessa decisão ter dito que restam presentes ao menos dois desses fundamentos, garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal (f. 111), não significa que esta afastou implicitamente o fundamento da conveniência da instrução criminal, pois a revogação deve se calcar, e indicar com explicitude, no desaparecimento das razões que, originalmente, determinaram a custódia provisória. (RT 626/617)

Assim, só estaria afastado tal fundamento se a magistrada explicitamente dissesse que não mais persistiam suas razões, fundamentando sua decisão em elementos concretos, não se podendo falar, destarte, que a decisão agravada decretou de ofício nova segregação cautelar, sob fundamento não esposado nos autos, e que já havia sido devidamente apreciado pela Justiça Pública. (f. 561)

Sustenta-se, também, que a decisão agravada leva o dd. Relator aos porões envelhecidos da culpabilidade do autor, quando, hoje, num estado de direito, busca-se a consolidação, quando do julgamento do condenado, e de sua submissão à persecução penal, da culpabilidade de fato. (f. 562)

Ora, não se ignora que o direito penal moderno tem, cada vez mais, se tornado um direito penal de ato e não um direito penal de autor. E, realmente, no Estado Democrático de Direito, não se pode mais conceber que a pessoa seja punida pelo que é, mas sim pelo que faz, apesar de haver em nosso Código Penal, alguns resquícios de tal concepção, como, por exemplo, as circunstancias judiciais dos antecedentes, conduta social e personalidade do agente, previstas no art. 59 do Código Penal.

A pena com matriz exclusivamente preventivista, que tem em conta um direito penal de autor, apesar de trazer um discurso aparentemente democrático de ressocialização, pode levar a grandes injustiças, como a desproporcionalidade da pena, vez que esta não é dosada pela culpabilidade do ato, mas sim visa cessar a periculosidade do agente. Ademais, com base nesta matriz, poder-se-ia punir uma pessoa mesmo antes de cometer o crime, pois esta já carregaria o estigma da periculosidade e deveria, assim, primeiramente ser tratada para então poder viver em sociedade.

Claus Roxim, eminente professor alemão, assim explica e critica esta matriz de prevenção especial, preventivista, da pena, verbis:

A segunda solução, em relação à qual se deve dirigir a nossa crítica, é a teoria da chamada prevenção especial. Esta não pretende retribuir o facto passado, assentando a justificação da pena na prevenção de novos delitos do autor.

( )

A idéia de um direito penal preventivo de segurança e correção, seduz pela sua sobriedade e por uma característica tendência construtiva e social. Mas, assim como é clara nos seus fins, não fornece, em contrapartida, uma justificação das medidas estatais necessárias para a sua prossecução. Aqui reside a vulnerabilidade desta teoria, que resumirei em três objecções:

1. Tal como a teoria da retribuição, a teoria da prevenção especial não possibilita uma delimitação do poder punitivo do Estado quanto ao seu conteúdo. Não se trata apenas de sermos todos culpáveis, mas de todos necessitarmos de nos corrigir. É certo que, segundo esta concepção, o esforço terapêutico-social do Estado deve dirigir-se de antemão apenas contra os inadaptados à sociedade; mas o ponto de partida continua a ser suficientemente perigoso.

( )

A idéia de prevenção especial tão-pouco possibilita a delimitação temporal da intervenção estatal mediante penas fixas, na medida em que para ser conseqüente deveria prosseguir um tratamento até que se desse a sua definitiva correcção, mesmo que sua duração fosse indefinida.

( )

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2. Contra a concepção da prevenção especial alegou-se freqüentemente na segunda objecção, que, todavia, não foi ainda concludentemente rebatida. Consiste ela no facto de que, nos crimes mais graves, não teria de impor-se uma pena caso não existisse perigo de repetição.

( )

3. ( ) A prevenção especial não é idônea para fundamentar o direito penal, porque não pode delimitar os seus pressupostos e conseqüências, porque não explica a punibilidade de crimes sem perigo de repetição e porque a idéia de adaptação social coativa, mediante a pena, não se legitima por si própria, necessitando de uma legitimação jurídica que se baseia noutro tipo de considerações. (ROXIM, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal, Vega, págs. 21-23)

Diante do que foi exposto, pode se verificar que realmente não se pode mais conceber um direito penal que considera exclusivamente as condições do autor.

Todo este arcabouço teórico como se pode ver, porém, diz respeito à argumentação filosófica que visa justificar a pena. Nesse ponto é que se equivoca o impetrante, pois quer se valer de argumentos que tentam justificar a aplicação da pena (teoria da pena), para afastar prisão cautelar, como é a prisão preventiva. Uma diz respeito à matéria de direito penal, outra diz respeito à matéria de direito processual penal.

Ora, o que se discute, na espécie, é a necessidade ou não da prisão cautelar. Não se disse, em momento algum, que o paciente seria condenado e apenado pelo fato de ter sido apreendido em seu poder verdadeiro arsenal de armas e munição (fls. 102/109, equipamentos próprios de quem atua na criminalidade (f. 307) e de existir sérios indícios de propensão do paciente à prática de infrações penais.

Tal argumentação foi expendida tendo em conta que o legislador processual penal, no art. 312 do CPP, erigiu como um dos fundamentos para a prisão preventiva a garantia da ordem pública, ou seja, previu o legislador que aquele que fosse propenso à prática de crimes - conceito este aferível ante a análise de fatos concretos como antecedentes, reincidência, apreensão de armamentos, dentre outros - deveria aguardar o julgamento na prisão, como forma de acautelar o meio social, pois o acusado em liberdade poderia praticar novos crimes.

Nesse sentido é a lição de Júlio Fabbrini Mirabete, ao falar sobre a prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, verbis:

Refere-se a lei, em primeiro lugar, às providências de segurança necessárias para evitar que o delinqüente pratique novos crimes contra a vítima e seus familiares ou qualquer outra pessoa, quer porque é acentuadamente propenso às práticas delituosas, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida.

(Mirabete, Júlio Fabbrini. Processo Penal, Atlas, 2ª ed. p. 371)

Quanto à alegação de que só há uma denúncia contra o paciente, além do processo a que se refere o presente Habeas Corpus, também não afasta o fundamento da garantia da ordem pública, pois o agravante também está indiciado em inúmeros inquéritos policiais, que não foram arquivados, consoante comprovam as certidões de fls. 336/340 e está denunciado em outra ação penal, conforme certidão de f. 380, e existe ainda contra o paciente ação penal pela prática do crime do art. 337, CP e a queixa crime nº 05/97 (certidão de f. 371). Fatos estes que, somados ao arsenal de armas que foi apreendido na casa do paciente, são fundamentos idôneos à manutenção da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública.

A alegação de que não foi citado para a ação penal de onde provem este Habeas Corpus também não tem o condão de afastar a prisão preventiva, pois, conforme se vê da certidão do oficial de justiça (f. 351 vº), o paciente não foi citado pessoalmente porque já se encontrava foragido à época em que foi procurado para ser citado, ficando evidenciado o seu propósito de furtar-se à aplicação da lei penal, verbis:

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(...) tendo em vista que após várias indagações e como se é sabedor, o mesmo acha-se foragido, então diligenciei até a empresa pertencente ao mesmo, localizada em Tranqueira, Almirante Tamandaré, e ali estando, em contanto com sua filha Sr. Maria Aparecida Chimelli Zettel, a mesma disse não saber onde encontrar seu pai, mas que iria comunicar de tal audiência ao seu irmão o qual seria Procurador do pai, ora acusado, o que está para mim em lugar incerto e não sabido. (f. 351-vº)

Tais diligências do oficial de justiça foram realizadas em 19.02.2003, sendo que há nos autos atestado médico sobre as condições de saúde do paciente datado de 13.08.2003 (f. 115). Assim, não há dúvidas de que o paciente já tem conhecimento sobre o processo penal em que é acusado, pois, caso contrário, não entregaria tais atestados a seu advogado.

Ademais, não é pressuposto para a decretação da prisão preventiva a citação do acusado, pois, se assim fosse, não existiria a previsão do art. 366, que diz que se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado pode o juiz se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

Desse modo, se pretendesse o paciente submeter-se a eventual sentença condenatória, já teria se apresentado em juízo, existindo, assim, fundamento para a decretação da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal.

Quanto ao pedido de concessão do benefício da prisão domiciliar, alega o agravante que o precedente do Superior Tribunal de Justiça utilizado já é ultrapassado. Não é de se acolher, também, tal alegação, pois o citado precedente é perfeitamente aplicável ao caso, vez que realmente o só fato de o paciente estar acometido por doença, não gera o direito de ser beneficiado pela prisão domiciliar. Além do que não há previsão de prisão domiciliar em caso de prisão preventiva. O que se faz é uma aplicação analógica do art. 117, da Lei de Execuções Penais, que faculta ao juiz o recolhimento do condenado beneficiário de regime aberto em residência particular, nas hipóteses que enumera. No caso, não há que se falar em aplicação analógica do art. 117 da LEP, vez que a prisão preventiva também foi decretada como garantia da ordem pública e esta não ficaria preservada se permitido fosse ao ora agravante permanecer em prisão domiciliar.

Alega, ainda, que o precedente sobre a legitimidade do Ministério Público para proceder à investigação criminal é ultrapassado, trazendo precedente da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário.

Tal alegação, apesar do respeito devido ao precedente citado, não merece prosperar, vez que o Ministério Público, como titular da ação penal pública, tem também a prerrogativa de instaurar procedimentos administrativos visando amealhar suporte probatório mínimo para que possa exercer o seu poder-dever de dar início à ação penal pública.

Sendo o Ministério Público o titular da ação penal pública é de todo justificável que se lhe assegure o poder de realizar procedimento investigatório, destinado à coleta de prova que lhe permita formar a opinio delicti.

O pleno do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e esta Câmara já se posicionaram no sentido de o Ministério Público ter legitimidade para realizar procedimento investigatório, dado que este não é monopólio exclusivo da polícia judiciária, conforme se vê das seguintes ementas, verbis:

f) competindo ao Judiciário a tutela dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição, não há como imaginar-se ser-lhe vedado agir, direta ou indiretamente, em busca da verdade material mediante o desempenho das tarefas de investigação criminal, até porque estas não constituem monopólio do exercício das atividades de polícia judiciária. (grifou-se) (STF ADI nº 1517-6 Tribunal Pleno. Rel. Min. Maurício Corrêa DJU 22.11.2002)

Não cabe entender que a norma do art. 83, da Lei nº 9430/1996, coarcte a ação do Ministério Público Federal, tal como prevista no art. 129, I da Constituição, no que concerne à propositura da ação penal, pois tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo. (STF ADI nº 1571-1 Tribunal Pleno. Rel. Min. Néri da Silveira DJU 22.11.2002)

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A prática diretamente de atos investigatórios isolados por membro do Ministério Público, tais como a oitiva de testemunhas ou pedido de interceptação telefônica ao juízo, não gera, por si só, nulidade da ação penal. (STJ RHC nº 10974/SP 5ª T. Rel. Min. Felix Fischer DJU 18.03.2002 p. 00273)

Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do órgão ministerial. (STJ RHC Nº 11670/RJ º 6ª T. Rel. Min. Fernando Gonçalves DJU 13 11 2001 p. 00551)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ATOS INVESTIGATÓRIOS REALIZADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. VALIDADE. ORDEM DENEGADA.

I. São válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos, visando ao oferecimento de denúncia.

II. Ordem que se denega. (STJ HC Nº 7445/RJ 5ª T. - Min. Gilson Diip - DJU 01/12/1998)

HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. FUNÇÃO INSTI-TUCIONAL. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

- O Ministério Público tem legitimidade para proceder investigações criminais, vez que esta é uma de suas atribuições institucionais prevista na Constituição Federal e na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Paraná, não existindo assim qualquer nulidade no procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público, sem auxílio da Polícia Judiciária local, envolvendo escuta telefônica judicialmente autorizada, máxime se efetivada com o auxílio de Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado. (TJPR HC 121384-3, 2ª Câmara Criminal, Rel. Juiz Conv. Luiz Mateus de Lima, DJ 26.08.02)

Ressalte-se que no julgamento da ADI nº 1517-6, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, houve apenas um voto vencido, o do eminente Ministro Sepúlveda Pertence, porém sua divergência se deu tão-somente porque, na lei impugnada, as investigações são presididas pelo próprio magistrado, sendo que o Ministro vencido reconheceu a legitimidade do Ministério Público para proceder as investigações, conforme se lê do corpo do seu voto, ao responder indagação formulada pelo Ministro Moreira Alves, na sessão plenária, sobre a inconstitucionalidade de tais investigações, verbis:

De parte do investigador, que é a polícia judiciária, não; de parte do acusador, dono da ação penal, que é o Ministério Público, obviamente não. Mas de parte do Juiz, sim. (grifou-se)

Já do voto do Ministro Néri da Silveira, no julgamento da ADI nº 1571-1, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, é de se destacar a seguinte fundamentação, verbis:

É de se observar, ademais, que, para promover a ação penal pública, ut art. 129, I, da Lei Magna da República, pode o MP proceder às averiguações cabíveis, requisitando informações e documentos para instruir seus procedimentos administrativos preparatórios da ação penal (CF, art. 129, VI), requisitando também diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII), o que, à evidência, não se poderia obstar por norma legal, nem a isso conduz a inteligência da regra legis impugnada ao definir disciplina para os procedimentos da Administração Fazendária. (grifou-se)

Consta, ainda, do corpo do acórdão do RHC 10.974-SP, acima citado, do Superior Tribunal de Justiça, da lavra do eminente Ministro Felix Fischer, a seguinte passagem, verbis:

Não faria sentido, sendo essa instituição a responsável, exclusivamente, pela ação penal pública (art. 129, I da CF), que não pudesse praticar qualquer ato tendente à elucidação dos fatos. Se para o oferecimento da denúncia se exige um embasamento concreto quanto à materialidade e autoria do delito, isso significa que a atividade do órgão acusador depende diretamente de uma reconstituição bem feita do quadro fático. Sendo assim, não se pode negar sua competência para a prática de atos

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investigatórios, embora não lhe seja permitido instaurar, formalmente, inquérito policial, pois esta é atividade atribuída à polícia judiciária. Não por acaso, a Súmula 234/STJ dispõe que A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia..

In casu, busca-se o reconhecimento de nulidade em face do órgão ministerial, integrante do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, ter requerido ao juízo autorização para efetuar interceptação de comunicação telefônica, nos termos da Lei 9.296/96, a ser executada pela autoridade policial (fls. 39 e ss.), bem como ter ouvido alguns dos envolvidos diretamente na Promotoria (fls. 71, 74, 78, 85 e 89).

Tal atuação, no entanto, não é vedada ao Ministério Público. Como dominus litis, depende de um conhecimento aprofundado sobre os fatos para exercer suas funções constitucionais. Se teve notícia diretamente sobre a prática de determinada conduta ilícita, e constatando a necessidade de se efetuar interceptação de linha telefônica para melhor elucidação dos acontecimentos, mostra-se correto o procedimento de se dirigir à autoridade judiciária e requerer tal diligência, a ser efetuada pela autoridade policial.

Ademais, o próprio Código de Processo Penal prescreve que a investigação criminal não é função exclusiva da polícia judiciária, como se lê do parágrafo único do artigo 4º do Código de Processo Penal, verbis:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.

Sobre o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal, assim anota Júlio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado 7ª ed.:

Conforme deixa claro o parágrafo único, os atos de investigação criminal destinados à elucidação dos crimes não são exclusivos da polícia judiciária, ressalvando-se expressamente a atribuição concedida legalmente a outras autoridades administrativas. Tem o Ministério Público legitimidade para proceder a investigações e diligências conforme determinam as leis orgânicas estaduais.

Ressalte-se que o precedente do Supremo Tribunal Federal trazido pelo agravante, apesar de ser mais recente, é de sua egrégia 2ª Turma, enquanto que o pleno do Pretório Excelso já se manifestou por duas vezes em outro sentido.

s demais teses referentes a omissão do magistrado de primeiro grau são as seguintes: (a) os depoimentos de três testemunhas foram colhidos pelo Ministério Público, seis meses após o crime; (b) o paciente nas demais ações penais que responde jamais teve a sua prisão preventiva decretada; (c) independentemente da apresentação do paciente, este não se furtou à aplicação da lei; (d) não é possível a decretação da prisão preventiva pela presença do clamor público; (e) o hipotético clamor público fundamentou-se em uma única reportagem jornalística publicada sete meses antes do decreto de prisão e que sequer citou o nome do paciente; e (g) a obtenção da suposta arma do crime, apreendida sem mandado judicial, foi ilícita.

É de se ressaltar que, se queria o agravante suprir omissões na decisão da Juíza de primeiro grau, deveria ter oposto embargos de declaração (CPP, art. 3º, c/c, CPC, art. 535). Fato este que não impede, porém, sua análise, pois tais questões não estão preclusas. No entanto, como já dito na decisão que indeferiu a concessão da medida liminar, as alegações apresentadas não autorizam a revogação do decreto de prisão preventiva do paciente. (f. 549)

O fato de o Ministério Público ter colhido depoimento de testemunhas seis meses após a prática do crime, não causa qualquer nulidade, pois existe o dever de se investigar os crimes até que sobrevenha prescrição da pretensão punitiva estatal.

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A alegação de que não foi decretada a prisão preventiva do paciente em outros processos a que respondeu, também não impede a sua decretação no processo a que se refere o presente Habeas Corpus. Ademais, tal alegação não corresponde à realidade, pois, conforme se vê da certidão de fls. 431/433, já foi decretada a prisão preventiva do paciente em outro processo.

Prisão preventiva sob o fundamento do clamor público realmente não pode ser decretada, porém não foi esta a motivação que utilizou a Drª Juíza, pois esta fez alusão ao arsenal de armas e munições apreendidos em poder do paciente, revelando a necessidade da sua prisão preventiva para a garantia da ordem pública, sendo, pois, irrelevante que a reportagem jornalística citada no decreto de prisão tenha sido publicada sete meses após o crime.

A alegada ilicitude na apreensão das armas deve ser apreciada em primeiro grau, com larga instrução probatória, não se podendo analisá-la na via estreita do Habeas Corpus.

Por fim, não é manifesta a alegada ausência dos requisitos autorizadores para a prisão preventiva, pois, como visto, a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente encontra-se devidamente fundamentada: (a) na garantia da ordem pública, vez que o paciente responde inquéritos e ação penal e foi apreendida em seu poder grande quantidade de armas e munições; (b) na conveniência da instrução criminal, pois estaria o paciente a ameaçar as testemunhas cujos depoimentos estão às fls. 217/218-TJ, 222/224-TJ e 225/226-TJ; (c) na necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal, por estar o paciente até hoje foragido.

Desse modo, não estando o paciente a sofrer constrangimento ilegal, é de rigor que se denegue o presente Habeas Corpus.

Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a presente ordem de Habeas Corpus.

Participaram do julgamento, votando com o relator, os senhores Desembargadores Carlos Hoffmann (Presidente) e Telmo Cherem.

Curitiba, 05 de fevereiro de 2004.

Des. Jesus Sarrão

Relator

HABEAS CORPUS Nº 148.061-9, DA 9ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CURITIBA

IMPETRANTE: ALCIDES BITENCOURT PEREIRA

PACIENTE: DORALICE LOPES BERNARDONI

RELATOR: JUIZ SUBST. EM 2º GRAU, AUGUSTO CÔRTES

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. ALEGADA ILICITUDE DA PROVA INDICIÁRIA COLHIDA EM PRÉVIO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ADMISSIBILIDADE DA COLETA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA SUBSIDIAR DENÚNCIA PELO PARQUET. PRECEDENTES. ATIPICIDADE DO FATO NA CONDUTA DE QUEM SERVIU COMO TESTEMUNHA INSTRUMENTÁRIA. ANÁLISE DE QUESTIONAMENTO JURÍDICO QUE DEPENDE DO EXAME DAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS A SEREM EXTRAÍDAS DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

1. O inquérito policial não é conditio sine qua non, ou seja, requisito ou peça indispensável para a propositura da ação penal, podendo o Ministério Público, na condição de titular da ação penal, ao

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tomar conhecimento de possível prática de fato que se configure como crime, proceder a investigações e diligências destinadas à coleta direta de elementos de convicção para formar sua opinio delictis e com elas subsidiar o oferecimento da denúncia.

2. A configuração do fato como penalmente atípico para autorizar o trancamento da ação penal deve ser evidente, ou seja, perceptível de imediato e não resistir ao primeiro ou menor exame, o que não ocorre na hipótese em que o questionamento jurídico quanto a natureza do testemunho prestado e suas implicações na formação do documento tido como ideologicamente falso depende da análise das circunstâncias fáticas a serem delineadas na instrução e extraídas do conjunto probatório, sob o crivo do contraditório.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de HABEAS CORPUS nº 148.061-9, da 9ª Vara Criminal da Comarca de Curitiba, em que é paciente DORALICE LOPES BERNARDONI.

Trata-se de habeas corpus impetrado pelo Dr. Alcides Bitencourt Pereira em favor de DORALICE LOPES BERNARDONI, propugnando pelo trancamento da ação penal contra si instaurada perante a 9ª Vara Criminal, na qual foi denunciada juntamente com outras cinco pessoas, como incursa nas sanções do art. 299, caput, combinado com o art. 29, ambos do Código Penal.

Sustenta sua pretensão argumentando que no exercício de função pública estadual estava prestando serviços na Secretaria de Assuntos Estratégios, sendo subordinada ao Diretor Geral, Sr. Marcos Pessoa, quando Secretário de Estado o Sr. Alexandre Beltrão, ambos também denunciados, tendo tomado conhecimento de terem sido criadas duas OSCIPS - Organização Social de Interesse Público, a Associação Via Digital e a Sociedade Novo Museu, cujos processos passaram pelas suas mãos, tomando conhecimento de ter sido expressamente autorizado pelo Sr. Governador do Estado a celebração de parceria, inclusive mediante despacho publicado no Diário Oficial de 04 de outubro de 2002.

Aduz que diante do regular e transparente processamento foi chamada a assinar o termo de parceria na qualidade de testemunha instrumentária, ou seja, como testemunha do ato, sendo que em nenhum momento participou de qualquer decisão sobre a contratação ou não das duas OSCIPS.

Discorrendo sobre a natureza da testemunha instrumentária, diz da atipicidade penal argumentando que para a configuração do falso ideológico é indispensável que o acusado tenha consciência de estar praticando o delito, posto que sem o componente subjetivo não se elabora e completa o dolo.

Argumenta, ainda, ter a prova natureza ilícita posto que colhidos em procedimento administrativo investigatório pelo Ministério Público, o qual inexiste no ordenamento jurídico brasileiro, ferindo o princípio da legalidade, invocando entendimento neste sentido do STF no RE 233072/RJ, concluindo por afirmar que as provas colhidas pelo Ministério Público são nulas por falta de legitimidade.

Colheu-se a manifestação da douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 1910/1917), que se pronunciou pela denegação da ordem.

em síntese, o relatório.

Voto

A alegação de nulidade e ilicitude das provas porque colhidas em procedimento investigatório presidido pelo Ministério Público não resta configurada, posto que não falta a este legitimidade para proceder a diligências no sentido de instruir adequadamente denúncia-crime e propiciar a instauração de ação penal para apuração da prática de fatos delituosos que comportam ação pública incondicionada, em relação à qual o órgão age no exclusivo interesse público e coletivo, sem perder de vista sua condição de fiscal da lei.

Não age o órgão ministerial, portanto, como o particular no seu exclusivo interesse, nem perde a sua isenção de ânimo por ser o titular da ação penal posto que pode no curso do processo, diante do contraditório, concluir pela improcedência da própria acusação que fez e propugnar pela absolvição.

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O que não se pode admitir é que para o exercício de seu mister reste limitado a mero solicitador de diligências à polícia judiciária, não sendo demais lembrar que a instauração da ação penal não depende necessariamente de prévio inquérito policial. É certo que o tema não é pacífico encontrando-se o próprio STF dividido em seu entendimento quanto ao tema, consoante se pode ver de julgado mencionado pelo impetrante, que teve como relator o Ministro Nelson Jobim, no qual se discute sobre as atribuições do Ministério Público. Indiscutível que o inquérito policial é atribuição da polícia judiciária e consoante dispõe o art. 4º do CPP será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas jurisdições. Entretanto, o próprio parágrafo único do referido artigo observa que a competência definida neste dispositivo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. Portanto, a apuração de infrações penais, segundo essas disposições legais não é atividade exclusiva da polícia judiciária. Dir-se-á, entretanto, que tais atribuições não foram concedidas ao Ministério Público. Não é o entendimento firmado na doutrina.

Hugo Nigro Mazzilli, constantemente mencionado quando se discute o tema, assinala, referindo à Lei Orgânica do Ministério Público, que no inc. VI do art. 129, cuida-se de procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público - e aqui também se incluem investigações destinadas à coleta direta de elementos de convicção para a opinio delictis... (in Regime Jurídico do Ministério Público, 3ª ed., p. 239).

O próprio Min. Nelson Jobim observa em seu voto, no julgado referido que o inquérito policial é o instrumento de investigação penal da Polícia Judiciária. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o Ministério Público na instauração da ação penal.

Borges da Rosa em sua obra Comentários ao Código do Processo Penal, sobre o inquérito policial diz que não é, porém, uma conditio sine qua non, um requisito ou uma peça indispensável para a propositura da ação penal.

Continua o referido autor: O art. 12 do Código do Processo, declarando que o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra dá a entender simplesmente que sempre que a denúncia ou queixa necessite de ser apoiada no inquérito policial, ou, em outras palavras, sempre que a denúncia ou queixa somente possa ser instruída com o inquérito policial, deverá este acompanhar dita denúncia ou queixa.

E prossegue: Porém, desde que esta possa ser instruída com outro instrumento, que não o inquérito policial, cessa a exigência contida no art. 12. Isto melhor se compreende, por exemplo, tratando-se de crime de peculato, cuja ação penal pode ser instruída com o inquérito feito na própria repartição fiscal e por funcionários da mesma, independentemente de inquérito policial (ob. cit., RT, 3ª ed., 1982 p. 53).

Se assim é, não se pode imaginar que o Ministério Público como titular da ação penal que é, tendo notícia da prática de possível fato que possa configurar crime não possa requisitar informações e promover diligências para formar a opinio delictis e se as informações colhidas se mostrarem suficientes ao oferecimento da denúncia ser com elas instruída, dispensando-se a requisição do inquérito policial.

Não se trata aqui, como bem observa o ínclito Procurador de Justiça, de usurpação das funções policiais pelo Ministério Público, posto que, o que lhe é vedado presidir o inquérito policial.

Se divergências há a nível do STF onde o tema não se encontra pacificado, o mesmo não ocorre neste Egrégio Tribunal, onde tem se firmado entendimento uníssono no sentido de que pode Ministério Público promover diligências e requisitar informações e documentos para subsidiar eventual denúncia-crime, consoante de pode ver de julgados de suas Câmaras Criminais.

Pela 1ª Câmara Cível:

HABEAS CORPUS" - (...) MINISTÉRIO PÚBLICO - FASE PRÉ-PROCESSUAL - INVESTIGAÇÃO DIRETA - INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO E COLHEITA DE PROVAS PARA SERVIR DE BASE A DENÚNCIA - ADMISSIBILIDADE - PROCEDIMENTO AMPARADO NA LEI - INTELIGÊNCIA DO ART. 129, I, VI, VII E VIII, CF E ART. 4., PARÁGRAFO ÚNICO, CPP. É da competência privativa do Ministério Público, como função institucional, promover a ação penal pública (CF, 129, I) e, para o exercício de seu mister constitucional, deve praticar todos os atos necessários, quer se utilizando do auxílio da polícia

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judiciária, quer promovendo diretamente as diligências indispensáveis a viabilizar a ação penal. Embora a polícia judiciária tenha a atribuição de apurar as infrações penais e sua autoria (CPP, ART. 4°), essa atribuição não lhe é exclusiva, consoante disposição do parágrafo único do mesmo artigo 4°. Conquanto a regra determine que a investigação de crime, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade da polícia judiciária, ela comporta exceções, incluindo-se dentre elas a investigação de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do Ministério Público (CF, art. 129, VI). Se na fase pré-processual o órgão do Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, pode, para apuração de infrações penais, requisitar a instauração de inquérito policial ou requisitar diligências à autoridade policial (CF, art. 129, VIII e CPP, arts. 5., II, e 13, II), seria contra-senso não poder, ele próprio, quando entender necessário, realizar pessoalmente as investigações. (...) (1ª Câm. Criminal, Processo: 140465-5, Acor. nº 15603, rel. Des. Tadeu Costa, julg.: 07/08/2003)

2ª Câmara Criminal:

HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. LEGITIMIDADE. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. - O Ministério Público, como titular da ação penal pública, tem legitimidade para realizar atos de investigação visando obter elementos probatórios para eventual propositura de ação penal pública. Precedentes do Pleno do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal de Justiça.(2ª Câm. Criminal, Processo: 143037-3, Acor. nº 15718, rel. Des. Jesus Sarrão, j.: 25/09/2003)

Outro não é o entendimento firmado pelo Grupo de Câmaras Criminais, como se vê do julgamento do Processo nº 140644-6, acor.: nº 3571, j.: 17/09/2003.

E no mesmo sentido tem se pronunciado o STJ:

RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR DEPOIMENTO EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. LC N.º 75/93. LEGALIDADE.

1. A legitimidade do Ministério Público para conduzir diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional,oportunamente regulamentada pela Lei Complementar, mesmo porque proceder à colheita de elementos de convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria, é um consectário lógico da própria função do órgão ministerial de promover, com exclusividade, a ação penal pública.

2. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras autoridades administrativas. Inteligência do art. 4º, § único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ.

3. Recurso especial conhecido e provido para denegar a ordem. (STJ, 5ª Turma, RESP 331788/DF, rel. Min. Laurita Vaz, j.: 24/06/2003)

Ou ainda:

CRIMINAL. RHC. ABUSO DE AUTORIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. COLHEITA DE ELEMENTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. LIMINAR CASSADA. RECURSO DESPROVIDO.

Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória.

A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não incompatibiliza o Representante do Parquet para a proposição da ação penal.

A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação. Recurso desprovido, cassando-se a liminar deferida.(STJ, 5ª Turma, RHC 8106/DF, rel. Min. Gilson Dipp, j.: 03/04/2001)

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Quanto a alegação de atipicidade penal porque sua participação na formação do documento seria tão somente de testemunha instrumentária, ou seja, como testemunha do ato, não lhe podendo ser imputada a prática de falsidade ideológica já que sua atuação não teria influência quanto ao conteúdo do documento, tem-se que o questionamento trazido envolve típica matéria de defesa, não comportando exame no âmbito estreito do habeas corpus.

Com efeito, a configuração do fato como penalmente atípico para autorizar o trancamento da ação penal deve ser evidente, ou seja, perceptível de imediato e não resistir ao primeiro ou menor exame, o que não ocorre na hipótese em que o questionamento jurídico quanto a natureza do testemunho prestado e suas implicações na formação do documento tido como ideologicamente falso depende da análise das circunstâncias fáticas a serem delineadas na instrução e extraídas do conjunto probatório, sob o crivo do contraditório.

Neste sentido tem se pronunciado este Egrégio Tribunal:

"HABEAS CORPUS - DENÚNCIA PELOS DELITOS DESCRITOS NOS ARTIGOS 171, "CAPUT" E 299, AMBOS DO CÓDIGO PENAL - PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA E DESCRIÇÃO IMPRECISA, OMISSA, DOS FATOS - INOCORRÊNCIA - INCABÍVEL ANÁLISE PROFUNDA DE PROVA EM SEDE DE "HABEAS CORPUS" - ORDEM DENEGADA.

1.O trancamento da ação penal por falta de justa causa só se justifica quando, "prima facie", se evidencia que o fato imputado ao réu é atípico, que não há qualquer elemento indiciário que fundamente a acusação ou quando existem provas cristalinas e incontestáveis de que o imputado agiu amparado integralmente por uma excludente de ilicitude.

2. (...)

3.Em sede de "habeas corpus" é vedada a análise profunda do conjunto probatório, uma vez que neste rito, faz-se uma cognição sumária que prescinde do contraditório. A averiguação acerca da falta de elementos caracterizadores do ilícito penal enseja uma investigação e um cotejo analítico do conjunto probatório, práticas vedadas neste "writ". Ordem conhecida e denegada. (TJ, 1ª Câm. Criminal, HC 129440-8, rel. Des. Oto Luiz Sponholz, j.: 10/10/2002

Feitas essas considerações e não vislumbrando de imediato a atipicidade do fato a autorizar o afastamento da denúncia, ilicitude das provas indiciárias ou nulidade decorrente da circunstância do procedimento administrativo investigatório ter sido efetivado pelo Ministério Público a ensejar o trancamento da ação penal, voto no sentido de denegar a ordem.

Diante do exposto, ACORDAM os julgadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar a ordem, nos termos do voto.

Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador tadeu costa, sem voto, e os Desembargadores MOACIR GUMARÃES e clotário portugal neto.

Curitiba, 04 de dezembro de 2003.

AUGUSTO CÔRTES

Relator

HABEAS CORPUS Nº 144942-3 DA VARA CRIMINAL DE SÃO MATEUS DO SUL

IMPETRANTE: DANTON ILYUSHIN BASTOS

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PACIENTE: RENATO WASTHNER DE LIMA

RELATOR: JUIZ CONV. JORGE WAGIH MASSAD

HABEAS CORPUS MINISTÉRIO PÚBLICO ATOS INVESTIGATÓRIOS POSSIBILIDADE CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRÊNCIA ORDEM DENEGADA.

Consoante entendimento já adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público não está adstrito a requisitar diligências investigatórias. Sendo o titular da ação penal pública não está proibido de praticar atos tendentes à elucidação de eventual conduta delitiva, mormente quando há indícios do envolvimento no delito de integrantes da própria polícia (Precedentes do STJ). Ordem denegada.

I RELATÓRIO

O Bacharel Danton Ilyushin Bastos maneja a presente ordem de habeas corpus em favor do paciente Renato Wasthner de Lima, denunciado como incurso nas sanções dos artigos 351, § 4º e 317, § 1º, ambos do Código Penal, alegando constrangimento ilegal, ante ao fato de o Ministério Público estar apurando os fatos descritos na denúncia, sendo para tanto incompetente. Argúi ainda, que o inquérito policial é instrumento de investigação penal da polícia judiciária. Finalmente, requer a concessão da ordem para que seja determinado o trancamento da ação penal.

O pedido liminar foi indeferido às fls. 46. A digna autoridade apontada como coatora prestou suas informações às fls. 52/54. A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se às fls. 58/63, contrariamente à concessão da ordem. Em suma, é o relatório.

II VOTO

Em que pese a informação da autoridade dita coatora de que no ano de 2001, o paciente teria ingressado com habeas corpus idêntico, ao verificar a íntegra do acórdão, constato que o objetivo dos pedidos é o mesmo, qual seja, o trancamento da ação penal, porém a causa de pedir é diversa.

No pedido de 2001, o argumento era a inépcia da denúncia e neste, a incompetência do Ministério Público em produzir inquérito policial. Deste modo, conheço do pedido, porém, no mérito, denego a ordem.

Depreende-se da inicial que o paciente era Delegado de Polícia no município de São Mateus do Sul e, em tese, teria cometido os delitos previstos nos artigos 351, § 4º e 317, § 1º, ambos do Código Penal.

Com o advento da Constituição Federal de 1998, o órgão do Ministério Público passou a ter maiores poderes, dentre eles o de investigação, podendo para tanto efetuar diligências, colher depoimentos e investigar fatos, buscando a verdade dos acontecimentos. Neste sentido:

Para a propositura da ação penal pública, o Ministério Público pode efetuar diligencias, colher depoimentos e investigar os fatos, para o fim de poder oferecer denúncia pelo verdadeiramente ocorrido. (STJ RHC 8025/PR 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 18.12.98, p. 416)

Ainda, como no caso, pelo fato de tratar-se de denunciado integrante da própria polícia, tem o Superior Tribunal de Justiça entendido que o Ministério Público, como titular da ação penal pública, pode realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia.

Neste diapasão, necessária citação destes julgados:

PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DISPENSABILIDADE. PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA. DESPACHO DE RECEBIMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA. INEXISTÊNCIA. CRIME EM TESE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

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1 Esta Corte tem entendimento pacificado no sentido da dispensabilidade do inquérito policial para a propositura de ação penal pública, podendo o Parquet realizar atos investigatórios para fins de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando os envolvidos são autoridades policiais, submetidos ao controle externo do órgão ministerial. (ROHC 11670/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 13/11/01)

HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E EVASÃO DE DIVISAS. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. RÉU FORAGIDO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PROCEDENTES DO STJ.

- Consoante entendimento já adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público não está adstrito a requisitar diligências investigatórias. Sendo o titular da ação penal pública não está proibido de praticar atos tendentes à elucidação de eventual conduta delitiva, mormente quando há indícios do envolvimento no delito de integrantes da própria polícia. (HC 29160/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 09/09/03)

Diante do exposto, inexiste constrangimento ilegal a ser amparado pela via do 'habeas corpus', motivo pelo qual deve a ordem ser denegada.

É o voto que proponho.

III - DECISÃO

ACORDAM, os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, denegar a ordem. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Tadeu Costa, Presidente, com voto e Moacir Guimarães.

Curitiba, 30 de outubro de 2003.

JORGE WAGIH MASSAD

Relator Convocado

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Anexo VI

SÉRIE DE JULGADOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Processo N. 1.0000.00.304919-4/000(1)

EMENTA: PROCESSO PENAL - PROCESSO-CRIME DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA - MINISTÉRIO PÚBLICO - PROMOÇÃO DIRETA DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL - POSSIBILIDADE - PREVISÃO CONSTITUCIONAL COMO TITULAR DA AÇÃO PENAL - "V.v. IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONSTITUCIONAL - DENÚNCIA REJEITADA" - PROMOTOR NATURAL - ADMISSIBILIDADE DE PROCURADOR MEMBRO DE GRUPO DE ESPECIAL SUBSCREVER DENÚNCIA - NULIDADE REJEITADA - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - DENÚNCIA QUE ATENDE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP - EXISTÊNCIA DE PROVAS PARA AUTORIZAR O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - DENÚNCIA RECEBIDA. - O MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos do art. 129, inciso I, da Constituição da República, tem o poder investigatório ínsito na titularidade da ação penal. "V.v. - O MINISTÉRIO PÚBLICO não tem competência para promover diretamente INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, ante a ausência de expressa previsão constitucional, não lhe aproveitando a justificativa de poder expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência ou de poder exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade". - A denúncia subscrita por Procurador de Justiça que integra Comissão Especial de Grupo de Trabalho, designado PELO Procurador- Geral de Justiça, está autorizada pela Lei Orgânica do MINISTÉRIO PÚBLICO, afastada a eiva lançada quanto ao desrespeito à regra do Promotor Natural. - A denúncia deve ser recebida se a conduta descrita se ajuste ao tipo e esteja amparada em provas que, em tese, lhe dêem fundamento. - Denúncia recebida.

PROCESSO CRIME COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA Nº 1.0000.00.304919-4/000 - COMARCA DE ÁGUAS FORMOSAS - DENUNCIANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS - PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA - DENUNCIADO(S): MÁRCIO ALMEIDA PASSOS - DEPUTADO ESTADUAL - RELATOR: EXMO. SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda a CORTE SUPERIOR do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MP, VENCIDOS O RELATOR E OS DES. CARREIRA MACHADO, JOSÉ ANTONINO BAIA BORGES, LUCAS SÁVIO V. GOMES, JOSÉ FRANCISCO BUENO, CÉLIO CÉSAR PADUANI, KILDARE CARVALHO, ANTÔNIO HÉLIO SILVA, NILSON REIS E ALMEIDA MELO. À UNANIMIDADE, REJEITAR AS PRELIMINARES DO PROMOTOR NATURAL E DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NO MÉRITO, RECEBER A DENÚNCIA, À UNANIMIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DEU-SE POR SUSPEITO O DES. HERCULANO RODRIGUES.

Belo Horizonte, 11 de fevereiro de 2004.

DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS

Apregoadas as partes, proferiram sustentação oral, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, a Srª. Procuradora de Justiça, Drª. Maria Odete Souto Pereira, e pelos denunciados, Márcio Almeida Passos, José Henrique Brito e Silvério Dornelas Cerqueira, respectivamente, os Drs. José Rubens Costa, Bernardo Ribeiro Câmara e Luís Carlos Parreira Abritta.

Assistiram ao julgamento, pelos Denunciados, os Drs. Arlindo Batista dos Santos, João Augusto Fernandes Sobrinho, Edilberto Castro Araújo e Luiz Gonzaga Medeiros, respectivamente.

O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:

Sr. Presidente.

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A matéria é realmente palpitante, porque diz respeito às posições tomadas ultimamente, PELO Supremo Tribunal Federal e que estão sendo acompanhadas PELO Superior Tribunal de Justiça e, quero por justiça, salientar que o Professor José Rubens Costa, não só na Tribuna, mas sobretudo nos trabalhos que tem...

O SR. PRESIDENTE (DES. CORRÊA DE MARINS):

Des. Reynaldo Ximenes Carneiro, permita-me interrompê-lo. É que a Procuradora de Justiça tinha me dito no início da sessão, que ia simplesmente pedir para ratificar a denúncia, e mandei constar em ata. Entretanto, ela agora quer fazer um pronunciamento, mas V. Exª. já havia começado a sua manifestação. Se V. Exª. me permite, vou dar a palavra à Procuradora de Justiça, embora ela devesse ter-se manifestado antes da defesa.

Com a palavra a Drª. Procuradora de Justiça.

O SR. DES. ALMEIDA MELO:

Sr. Presidente, pela ordem.

A parte pode argüir nulidade.

O SR. PRESIDENTE (DES. CORRÊA DE MARINS):

A parte poderá alegá-la posteriormente. A palavra já está concedida.

O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:

Sr. Presidente, pela ordem.

Data venia, entendo que não há possibilidade de se argüir depois a nulidade, porque PELO que me consta, PELO que foi dito da Tribuna e pelas peças que recebi, a Procuradora de Justiça foi surpreendida com esta preliminar levantada da Tribuna, primeiramente PELO Dr. José Rubens Costa. Faço esta colocação com base nas peças que recebi.

O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:

Data venia, não houve surpresa, porque foi matéria fundamental da defesa.

O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:

Recebemos algumas peças e, de antemão eu, já sabia desta preliminar, porque recebi memorial, nesse sentido, sobre a ilegitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO, mas pensei que a Procuradora de Justiça tivesse sido surpreendida. Portanto, retiro o que disse.

O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:

Parece-me, inclusive, que depois das defesas, dei vista à Procuradoria de Justiça, que está bem ciente da matéria e, ainda que não soubesse, nós temos conhecimento, só não digo o que é repetitivo, porque é muito bom ler os trabalhos do Professor José Rubens Costa, mas durante todas as alegações de defesa, ele faz referência a essa questão.

O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:

Des. Reynaldo Ximenes Carneiro, eu me manifestei apenas porque não estava ciente disso, pois para mim é novidade.

O SR. DES. PRESIDENTE:

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Essa discussão é desnecessária.

A Procuradora de Justiça é quem vai saber se tem ou não condição de refutar a preliminar, por isso, dou-lhe a palavra.

A SRª. PROCURADORA DE JUSTIÇA (DRª. MARIA ODETE SOUTO PEREIRA):

Exmo. Sr. Presidente desta egrégia Corte, Senhores Desembargadores, Senhores brilhantes Advogados, Senhores Magistrados aqui presentes.

Realmente, o que eu tenho a dizer é que a denúncia é uma peça de fôlego, que foi apurada PELO MINISTÉRIO PÚBLICO com a maior seriedade e que este tem toda a propriedade para fazê-lo em virtude de ser autorizado pela lei. O trabalho de fôlego de nossos dois Colegas, Dr. Leonardo Castelo Branco e Dr. Eduardo Nepomuceno de Sousa, descreve na peça acusatória a ação delituosa de cada um dos denunciados, fazendo-o com riqueza de detalhes, incursando-os nos artigos penais cabíveis.

Ora, o que me cabe fazer é só ratificar o pronunciamento do Procurador de Justiça, às págs. 1902 e 1918. A ação, mais uma vez repito, a ação delituosa de cada um dos denunciados está descrita e muito bem caracterizada na denúncia, observados os requisitos de ordem formal e material da acusação, o que enseja o juízo positivo de sua admissibilidade, pugna, então, o MINISTÉRIO PÚBLICO PELO prosseguimento do feito, nos termos do que dispõe o art. 6º, caput da Lei nº 8.038/90, e solicita a V. Exªs. que recebam a denúncia por ser uma medida de justiça.

O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:

Sr. Presidente.

Estava salientando que a matéria se tornou polêmica no Tribunal de Justiça, mas hoje é matéria tranqüila nos Tribunais Superiores. Quero ressaltar que hoje, fizeram sustentação oral, três grandes Advogados, o Professor José Rubens Costa, o Dr. e Professor Bernardo Ribeiro Câmara, e o Dr. Luís Carlos Parreira Abritta e todos eles voltaram a repisar essa matéria a respeito da competência. Compreendo que o MINISTÉRIO PÚBLICO Estadual, afinado com o MINISTÉRIO PÚBLICO Federal, está pretendendo derrubar essa orientação do Supremo Tribunal Federal. Mas, cheguei à conclusão que muito pior do que começar tudo novamente, é haver uma anulação depois de uma sentença, uma decisão condenatória, e, quando fosse julgado corretamente, ocorrer a prescrição. Assim, a partir de agora, quando a matéria, por si só, não permitir que se embase a denúncia, vale dizer, quando a questão que está entranhada no procedimento administrativo não foi produzida extra MINISTÉRIO PÚBLICO, vou adotar a posição que o Supremo já consagrou.

Estou trazendo, aqui, as decisões que foram, alguma delas, mencionadas nos trabalhos dos Advogados, mas reconheço que existem denúncia e informações sérias de possíveis desvios de recursos, por isso, ao rejeitar a denúncia, determino que se remetam os autos à Secretaria de Segurança Pública, a fim de que se procedam as investigações, dentro do prazo legal, para o inquérito policial.

Estou acolhendo a preliminar argüida pelos fundamentos constantes do voto que passo a ler:

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra MÁRCIO ALMEIDA PASSOS, Deputado Estadual, SILVÉRIO DORNELAS CERQUEIRA, CHARLES CASTRO LUZ, MAURÍCIO PAES ALVARENGA MASSOTE, ABERLARDO PEREIRA DA SILVA JÚNIOR, ARLINDO BATISTA DOS SANTOS, Prefeito Municipal da cidade de Bertópolis, JOÃO AUGUSTO FERNANDES SOBRINHO e JOSÉ HENRIQUE DE BRITO, este último, Prefeito Municipal de Águas Formosas, sob o fundamento de que os sete primeiros denunciados teriam fraudado procedimento licitatório, praticando, por conseguinte, o crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93 e, ainda, o crime do art. 288 do CP, por se tratar de quadrilha organizada para aquele fim e, o oitavo denunciado, PELO fato de ter desviado, em proveito próprio, valores pertencentes ao Município de Águas Formosas, praticando o crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67.

Após devidamente notificados, todos os oito denunciados apresentaram defesa preliminar, respectivamente às fls. 580, 857, 1048, 1170, 1183, 1345, 1625, 1677 e 1858, peças estas acompanhadas de respectiva documentação.

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Todos os acusados sustentaram, de forma unânime, a incompetência do MINISTÉRIO PÚBLICO para a promoção de INVESTIGAÇÃO CRIMINAL e conseqüente oferecimento de denúncia com base nos elementos nela colhidos, o que necessariamente esvaziaria a existência de indícios para a instauração da competente ação penal e, ainda, que a denúncia não teria narrado o fato criminoso e todas as suas circunstâncias de forma precisa, pleiteando, por conseguinte, fosse a denúncia rejeitada.

A seu turno, a d. Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, pronunciou-se PELO recebimento da denúncia (fls. 1902/1918-TJ).

Com efeito, tormentosa questão se nos apresenta neste feito, relativa à possibilidade de o MINISTÉRIO PÚBLICO coletar pessoalmente elementos necessários à formação da opinio delicti, ou se tal função competiria, com exclusividade, à Polícia Judiciária, incumbida de promover a segurança pública, em que uma das facetas se revela justamente na apuração das infrações penais e da sua autoria, conforme estatui o art. 144 da CF e art. 4º do CPP.

De fato, não se pode olvidar da relevância institucional do MINISTÉRIO PÚBLICO, a quem se conferiu constitucionalmente a promoção da ação penal pública, segundo se vê do art. 129, I, da CF.

Todavia, não se pode descurar que a referida Carta Magna não lhe atribuiu de forma taxativa competência para a colheita direta e pessoal dos elementos necessários à formação da opinio delicti, conquanto lhe tenha autorizado, de forma ilimitada, a promoção do inquérito civil, para fins de ajuizamento de ação civil pública (art. 129, III, CF).

Assim, de forma alguma poderá prescindir o MINISTÉRIO PÚBLICO de se valer dos poderes investigatórios exclusivos das autoridades policiais, no que toca à instauração de procedimentos de caráter CRIMINAL, a não ser que já detenha elementos suficientes para a instauração da ação penal, sem que seja necessário proceder- se a qualquer outra INVESTIGAÇÃO, sob pena de usurpação de competência, a qual enveredará necessariamente para a formação de prova ilícita.

Ressalte-se, por oportuno, que o Parquetdiuturnamente justifica a instauração, de forma direta, de procedimentos administrativos para a apuração de infrações penais, utilizando-se do argumento de que é competente para expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência (art. 129, VI, CF) e, ainda, pela brecha constante do inciso IX do mencionado art. 129 da CF, que permite aos membros do MINISTÉRIO PÚBLICO exercerem outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua finalidade, pretendendo aí se incluir, segundo argumentação engajada por seus membros, a possibilidade de também realizar diligências investigatórias de cunho CRIMINAL.

Entendo, contudo, que tal posicionamento não merece acolhida a ponto de autorizar a realização de procedimentos inquisitivos criminais pela referida instituição, em face da expressa dualidade de tratamento dada matéria pela Carta da República, muito bem assinalada PELO Ministro Marco Aurélio, em voto recentemente proferido no Habeas Corpus nº 83.157-5, em que reconheceu competir ao MINISTÉRIO PÚBLICO a promoção do inquérito civil, mas, relativamente à base para a ação penal, pontificou a necessidade de que requeresse o Parquet a realização de diligências, bem como provocasse a instauração do inquérito policial.

Calha a transcrição, por oportuno, de trecho do referido voto:

"...Não haveria razão para se ter o tratamento diferenciado da matéria, admitida a possibilidade de o próprio titular da ação penal investigar. Uma coisa é o MINISTÉRIO PÚBLICO receber a notícia de um crime - a notícia, mediante uma missiva, um postado. Algo diverso é fazer, como eu disse em meu voto, uma audiência para ouvir testemunhas e ter-se como de conteúdo maior, eficácia maior, o próprio depoimento colhido, sob a Presidência não da autoridade do Judiciário, mas da parte do MINISTÉRIO PÚBLICO, que o é também na ação penal." (STF - Tribunal Pleno - HC 83.157/MT - Rel. Min. Marco Aurélio, j. 1º/07/2003).

Acrescente-se, neste ponto, que não fosse a impossibilidade formal de que o MINISTÉRIO PÚBLICO realizasse investigações de caráter penal, para o fim de instrução de futura ação penal, conclusão esta que facilmente se extrai em interpretação que se faz ao art. 129 e seus incisos da Constituição Federal, é de se anotar ser de fato estranho que o órgão que arregimente elementos de prova para o oferecimento da denúncia, protagonize futuramente o seu ajuizamento, na condição de parte.

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Sobre a matéria, traz-se a lume a ementa do julgado exarado pela 2ª Turma do STF, que teve como Relator para o acórdão o eminente Ministro Nelson Jobim, o qual fora amplamente citado pela defesa de todos os acusados:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MINISTÉRIO PÚBLICO - INQUÉRITO ADMINISTRATIVO - INQUÉRITO PENAL - LEGITIMIDADE.

O MINISTÉRIO PÚBLICO não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos; nem competência para produzir inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos; pode propor ação penal sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Recurso não-conhecido." (STF - 2ª Turma - RE 233.072/RJ, j. 18/05/1999, DJ 03/05/02).

Mutatis mutandis, o seguinte julgado, também do Excelso Pretório:

"CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL PENAL - MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES - INQUÉRITO - REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES - CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - C.F., ART. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º.

- I. Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do MINISTÉRIO PÚBLICO no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do MINISTÉRIO PÚBLICO realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.

- II. R.E. não conhecido." (STF - 2ª Turma - RE 205.473-AL - Rel. Min. Carlos Velloso).

Assim, uma vez que toda a prova constante dos presentes autos se forma exclusivamente de documentos e depoimentos colhidos PELO próprio MINISTÉRIO PÚBLICO, através do que se intitulou "procedimento administrativo", o qual fora instaurado através de portaria (fls. 21/22 - vol. 1), torna-se, pois, inviável, por ora, o recebimento da denúncia, ante a própria ilicitude da prova.

Todavia, não se pode olvidar, em face principalmente da ampla divulgação dada pela imprensa jornalística acerca dos supostos crimes cometidos pelos denunciados, o que se infere até mesmo das cópias de jornais juntadas aos presentes autos, que se afigura necessária a requisição de imediata instauração de inquérito policial, a teor do que estatui o art. 5º, II, do CPP, a fim de que, em sendo o caso, seja regularizada a prova dos autos, de molde a se permitir, se assim entender o MINISTÉRIO PÚBLICO, seja oferecida nova denúncia.

Em face do exposto, REJEITO A DENÚNCIA, requisitando, todavia, a imediata instauração de inquérito policial para a apuração da prática, pelos denunciados, dos crimes capitulados na denúncia, devendo os presentes autos, por conseguinte, ser remetidos à Secretaria de Segurança Pública a fim de que se proceda às necessárias investigações.

O SR. DES. HERCULANO RODRIGUES:

Sr. Presidente.

Dou-me por suspeito de participar do julgamento deste feito.

O SR. DES. CARREIRA MACHADO:

De acordo com o Relator.

O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:

De acordo com o Relator.

O SR. DES. LUCAS SÁVIO V. GOMES:

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De acordo com o Relator.

O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:

De acordo com o Relator.

O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:

Sr. Presidente.

Tive acesso às peças que me foram encaminhadas, portanto tenho condições de votar e o faço nos seguintes termos: o Promotor de Justiça não tem legitimidade para presidir inquérito policial. O Código de Processo Penal não o autoriza fazê-lo.

Sendo assim, acompanho o Relator e rejeito a denúncia ofertada.

O SR. DES. KILDARE CARVALHO:

De acordo com o Relator.

O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:

Sr. Presidente.

Acompanho, data venia, o parecer ministerial e sou PELO prosseguimento da ação penal.

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. GUDESTEU BIBER:

Sr. Presidente.

Entendo que no dia em que o Poder Judiciário reconhecer a exclusividade da polícia para qualquer INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, para apurar qualquer tipo de fato, abre-se um portal gigantesco por onde haverão de escorregar todos os detentores eventuais do poder, mesmo porque os delegados de polícia podem ser retirados do local onde estão, removidos para outra comarca quando bem entender o Chefe do Executivo. Os detentores do poder, então, passarão a ser os detentores da ação penal, detentores do inquérito que é a única base para oferecimento da denúncia.

No dia em que se coactar a ação do MINISTÉRIO PÚBLICO para fazer INVESTIGAÇÃO, este País voltará a ser pior do que era na ditadura de 1964.

Rejeito a preliminar e recebo a denúncia, deixando ao MINISTÉRIO PÚBLICO aditá-la caso tenha sido omissa em algum ponto.

O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:

Sr. Presidente.

Todos sabemos que a Lei Processual Penal vigente não considera indispensável à propositura da denúncia o inquérito policial, podendo o órgão do MINISTÉRIO PÚBLICO buscar elementos fora de um inquérito policial para oferecimento da denúncia. Se a lei lhe concede esse poder, é evidente que ele pode escolher esses elementos. Entretanto, se esses elementos escolhidos PELO MINISTÉRIO PÚBLICO não forem confirmados no contraditório, advirá a absolvição do denunciado. Não se condena ninguém na denúncia, que não é sentença final.

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Não vejo prejuízo nenhum, aliás, prejuízo haverá para a sociedade, se a denúncia nesse caso for rejeitada apenas sob esse argumento, ou seja, se uma preliminar dessa natureza for acolhida para se rejeitar a denúncia.

Data venia do em. Relator, rejeito a preliminar de ilegitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO.

Julgado este aspecto, haver-se-á de examinar os outros elementos para recebimento ou não da denúncia.

O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:

Rejeito a preliminar, data venia.

O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:

Acompanho o em. Relator, data venia.

O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:

Sr. Presidente.

Tenho ponto de vista firmado a respeito da matéria. Já o defendi perante a Terceira Câmara CRIMINAL e vou fazer a exposição do meu voto, cujos fundamentos manifestei, inclusive, na sessão de ontem em que se julgava matéria semelhante.

Não entro em outros detalhes, o meu voto é apenas pela rejeição da preliminar, porque há outros aspectos da denúncia que o eminente Relator não chegou a apreciar, inclusive se ela preenche os requisitos necessários constantes do art. 41.

VOTO

Não concordo, "data venia", com posicionamento do ilustre Relator. Para mim a realização da INVESTIGAÇÃO pré- processual PELO MINISTÉRIO PÚBLICO é legal.

A Carta Magna vigente assegurou àquele órgão a titularidade, exclusiva, da ação penal pública (art. 129, inc. I), que tem como decorrência lógica o poder investigatório; do contrário, tal mister nem sempre poderia ser cumprido. A função de INVESTIGAÇÃO não é precípua, mas é inerente às atividades fins do MINISTÉRIO PÚBLICO, uma vez que se a lei incumbe a um Poder ou órgão do Estado competência para fazer alguma coisa, implicitamente lhe confere o uso dos meios idôneos. Seria um evidente contra-senso que o responsável exclusivo pela opinio delicti não pudesse, em determinados casos, conduzir a INVESTIGAÇÃO antecedente à fase processual.

Além do mais, não se compreende que, para propor ação penal de sua exclusiva iniciativa, deva o MINISTÉRIO PÚBLICO ficar subordinado e dependente de prévia INVESTIGAÇÃO da autoridade policial, a quem pode requisitar a abertura de inquérito policial e a realização de diligências investigatórias (art. 129, VIII, CF/88). Seria uma verdadeira inversão de valores e aplicação ao contrário do comezinho princípio de quem pode o mais pode o menos.

E a própria Constituição, ao prever a possibilidade do MINISTÉRIO PÚBLICO expedir notificações em procedimento administrativo de sua competência (art. 129, VI), assegurou-lhe a possibilidade para a reunião de elementos de convicção necessários à opinio delicti, não havendo, "data venia", que se falar que o referido instrumento destina-se unicamente à instrução de ação civil pública.

Como ensina Hugo Nigro Mazzilli, "se os procedimentos administrativos a que se refere este inciso fossem em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de que cuida o inc. III. O inquérito civil nada mais é que uma espécie de procedimento administrativo de atribuição ministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligências não se exaure na esfera cível; atinge também a área destinada a investigações criminais. O poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los (art. 129, inc. VI); requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito

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policial (art. 129, inc. VIII); e exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX)".

Por outro lado, nos termos do que dispõe o § único do art. 4º do CPP, não é só à polícia a quem incumbe a tarefa de realizar procedimentos de INVESTIGAÇÃO.

Tal dispositivo, é bom que se diga, não conflita com o § 4º, inc. IV, do art. 144, da Lei Maior, que, apesar de estabelecer como funções precípuas da polícia civil, as atribuições de polícia judiciária e apuração de infrações penais, não lhe conferiu a exclusividade.

E nem se diga que o poder de investigar do MINISTÉRIO PÚBLICO fere o princípio da igualdade entre as partes, porquanto o procedimento investigatório tem caráter inquisitivo e não contraditório, não havendo, portanto, obrigatoriedade de observância dos princípios do art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Importante lembrar que o inquérito policial não é indispensável para a propositura da ação penal. Nos termos do art. 39, § 5º, "o órgão do MINISTÉRIO PÚBLICO dispensará inquérito policial, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 dias."

Segundo Tourinho Filho, "...desde que o titular da ação penal (MINISTÉRIO PÚBLICO ou ofendido) tenha em mãos informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente dispensável" (Processo Penal, 12ª ed., Saraiva, vol. I, p. 181).

Estabelecido que o MINISTÉRIO PÚBLICO pode denunciar com base em peças de informações, suponhamos a seguinte e comum situação: um Promotor de Justiça realiza um inquérito civil destinado a instruir uma ação civil pública. No curso do procedimento colhe elementos que também o habilitem a oferecer a denúncia e deflagrar a ação penal.

Neste caso, deverá ele, então, obrigatoriamente, requisitar a abertura de inquérito policial para que a autoridade policial lhe apresente elementos indiciários dos quais já tinha conhecimento? Penso que não, PELO evidente absurdo que encerra esta situação.

Cumpre observar, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula nº 234, consagrou o seguinte entendimento:

"A participação de membro do MINISTÉRIO PÚBLICO na fase investigatória CRIMINAL não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia."

Com estas considerações, pedindo vênia ao ilustre Relator e aos eminentes 1º e 2º Vogais, afasto a preliminar, e dou pela legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para propositura da presente ação penal.

O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:

Sr. Presidente.

Rejeito a preliminar, subscrevendo os votos nesse sentido.

O SR. DES. PINHEIRO LAGO:

Sr. Presidente.

Estando afastado do estudo do Direito Penal, confesso que, num primeiro momento, estava disposto a acompanhar o voto do eminente Relator. No entanto, depois de ouvir os votos proferidos em sentido contrário, especialmente o que acaba de ser proferido PELO eminente Des. Kelsen Carneiro, acabei por me convencer pela legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para proceder a inquérito policial, ou melhor, inquérito administrativo, para apurar matéria penal.

Assim, pedindo vênia ao eminente Des. Relator, também rejeito a preliminar.

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O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:

Sr. Presidente.

Além de peça meramente informativa, o inquérito policial é peça também facultativa. Se existente, nele pode basear-se o denunciante para oferta da denúncia. Se ele inexistir, mas outros elementos documentais ensejarem oferta de denúncia sem um inquérito, ela se torna possível. Ora, se é possível ofertar a denúncia, ainda que não haja inquérito, o que não se dirá da denúncia que é ofertada com base em um inquérito, ainda que presidido PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. Pior do que a rejeição da denúncia por esse motivo é a consagração da impunidade.

Há que se fortalecer a atuação do MINISTÉRIO PÚBLICO, porque sem ela muitos dos delitos administrativos que hoje se apuram, certamente, estariam relegados ao oblívio.

Se o inquérito é necessário e se o inquérito existe e se nele existem elementos para oferta da denúncia, não vejo por que, data venia, admitir esta preliminar.

Rejeito-a, portanto, com respeitosa vênia.

O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:

Sr. Presidente.

Também, o eminente Des. Pinheiro Lago estava inclinado a rejeitar a denúncia, mas verifico que o reconhecimento da denúncia em si não impede que depois, à vista de documentos, haja um desdobramento de absolvição ou de condenação. Então, o simples recebimento de denúncia não enseja maior prejuízo, apenas permite apuração dos fatos e a verificação da documentação apresentada PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, se ela encerra ou não a verdade.

Assim, rejeito a preliminar.

O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. NILSON REIS:

Sr. Presidente.

Ouvi com atenção as palavras dos ilustrados Advogados e como o eminente Des. Relator, também, entendo que o MINISTÉRIO PÚBLICO, notável instituição, essencial à atividade jurisdicional, não tem competência para promover INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, produzir inquérito penal, mas poderá requisitar diligências investigatórias e instalação de inquérito policial na forma do art. 129, inciso VIII da Constituição da República.

Com redobrada vênia aos eminentes Desembargadores que votaram em contrário, acompanho o eminente Relator.

O SR. DES. ALMEIDA MELO:

Sr. Presidente, pela ordem. Gostaria de proferir o meu voto.

No Recurso Ordinário em HC nº 81.326, julgado em 06 de maio de 2003, do Distrito Federal, sendo Relator o Ministro Nelson Jobim, o Supremo Tribuno Federal considerou que a norma constitucional não contempla a possibilidade de o Parquet presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas requisitar diligências nesse sentido à autoridade policial. Não é nova esta matéria, porque, como cita o Ministro Nelson Jobim, há um precedente clássico no Ministro Nelson Hungria quando o Tribunal julgou o Recurso de HC nº 34.827 e o Ministro Nelson Hungria

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sustentou que o Código de Processo Penal não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocamento da competência, ou seja, substituição da autoridade policial por membro do MINISTÉRIO PÚBLICO na INVESTIGAÇÃO do crime.

Em verdade, o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal permite que autoridades outras, que não as policiais, possam elaborar inquéritos, como as sanitárias, nos delitos contra saúde pública; as administrativas, nos delitos contra a Administração Pública; os inquéritos das Comissões Parlamentares e, até mesmo, inquérito judicial, no caso de falência.

Entretanto, quanto ao MINISTÉRIO PÚBLICO, a Constituição da República é clara, a de 1988 mais clara ainda, no sentido de admitir que o papel do MINISTÉRIO PÚBLICO, em matéria de apuração CRIMINAL, seja limitado a interferir no inquérito conduzido pela autoridade policial, a fim de requisitar providências e elucidar os crimes.

É atribuição dos membros do MINISTÉRIO PÚBLICO, por norma da Lei Complementar nº 40, que dispõe sobre a Organização do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 15, III), acompanhar atos investigatórios junto a organismos policiais e administrativos, quando assim considerarem conveniente a apuração de infrações penais.

A única hipótese de discutível possibilidade de o MINISTÉRIO PÚBLICO assumir a direção de inquérito policial é aquela em que não exista delegado de polícia de carreira. Isso, por expressa previsão da Lei Orgânica (art. 15, V, da Lei Complementar nº 40, de 14-12-1981).

O fato de o inquérito policial ser dispensável, ser facultativo, não altera a competência. Ou seja, quando não há inquérito policial, o MINISTÉRIO PÚBLICO não o fará em lugar do delegado de polícia. Mas, quando há inquérito, deve ser feito PELO delegado de polícia. Não é possível ao MINISTÉRIO PÚBLICO fazê-lo.

E a razão de ser desta norma é clara para mim. Porque existe uma impressão, desde os meus tempos da juventude, errônea na cabeça dos estudantes, de que o Promotor de Justiça é um promotor de acusação, enquanto a própria palavra, palavra elevada - Promotor de Justiça - indica que ele vai promover o direito, a justiça social e não apenas acusar. Ele poderá até pedir, como nós sabemos, a rejeição da queixa, ou da denúncia, conforme o caso. Pode pedir, inclusive, a absolvição, como lembra-me o eminente Desembargador Lucas Sávio Gomes.

Ora, no momento em que o MINISTÉRIO PÚBLICO assume uma posição de autoria do inquérito, do tipo policial, ele se compromete, psicologicamente, com aquela autoria dele e perde a necessária tranqüilidade, o equilíbrio emocional, o teor de justiça inerente à sua função institucional, para apresentar a denúncia, a queixa, ou em outro sentido, pedir, se for o caso, a absolvição. A atribuição do MINISTÉRIO PÚBLICO é de controle da Polícia (Constituição, art. 129, VII) e, não, de co-gestão.

Nestes termos, com a devida vênia, acolho a preliminar.

O SR. DES. PRESIDENTE:

Foram dez votos acolhendo e dez desacolhendo a preliminar.

Desempato a votação, acompanhando o voto do Des. Gudesteu Biber, para desacolher a preliminar. Retorno a palavra ao Des. Relator.

O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:

Sr. Presidente.

Há outra preliminar que se refere à questão do Promotor Natural. O entendimento da defesa é no sentido de que o Procurador-Geral de Justiça é quem deve oficiar em casos de processo-crime originário, porque indelegável as atribuições dele.

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Data venia, o entendimento da maioria das Câmaras Criminais deste Tribunal e da Corte Superior é de que a denúncia é nula quando assinada somente PELO Promotor.

A denúncia assinada por Procurador é válida e é eficaz, mas a Lei Orgânica do MINISTÉRIO PÚBLICO só permite que o Promotor atue no Tribunal, quando convocado eventualmente para substituição.

Assim, data venia, rejeito a preliminar quanto ao Promotor Natural.

O SR. DES. CARREIRA MACHADO:

De acordo.

O SR. DES. ALMEIDA MELO:

Também rejeito a preliminar.

O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. LUCAS SÁVIO DE V. GOMES:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. KILDARE CARVALHO:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. GUDESTEU BIBER:

Sr. Presidente.

A tese do Promotor Natural teve alguma prevalência nos idos de 88/89, quando do advento da nova Constituição. Entretanto, tantos foram os julgamentos dos tribunais e até mesmo do Supremo Tribunal Federal a respeito que essa tese é hoje totalmente desmoralizada.

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:

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Rejeito a preliminar.

O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. PINHEIRO LAGO:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. NILSON REIS:

Rejeito a preliminar.

O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:

Sr. Presidente.

Há outra preliminar ressaltada da Tribuna, ratificada PELO ilustre Advogado Dr. Luís Carlos Parreira Abritta quanto à inépcia da denúncia.

Data venia, também estou rejeitando a preliminar porque a denúncia é minudente na descrição das condutas dos respectivos denunciados.

O SR. DES. CARREIRA MACHADO:

De acordo.

O SR. DES. ALMEIDA MELO:

De acordo.

O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:

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De acordo.

O SR. DES. LUCAS SÁVIO DE V. GOMES:

De acordo.

O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:

De acordo.

O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:

De acordo.

O SR. DES. KILDARE CARVALHO:

De acordo.

O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:

De acordo.

O SR. DES. GUDESTEU BIBER:

De acordo.

O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:

De acordo.

O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:

De acordo.

O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:

De acordo.

O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:

De acordo.

O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:

De acordo.

O SR. DES. PINHEIRO LAGO:

De acordo.

O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:

De acordo.

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O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:

De acordo.

O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:

De acordo.

O SR. DES. NILSON REIS:

De acordo.

O SR. DES. REYNALDO XIMENES CARNEIRO:

Sr. Presidente.

Tendo em vista que fiquei vencido quanto a validade do procedimento administrativo para embasar a denúncia, quanto ao mérito recebo a denúncia, retificando o meu voto proferido anteriormente, porque reconheço que os autos oferecem elementos que comprovam em tese o fato delituoso descrito na denúncia.

Isso é o bastante.

O SR. DES. CARREIRA MACHADO:

De acordo com o Relator.

O SR. DES. ALMEIDA MELO:

Também ratificando que mantenho entendimento na preliminar, no mérito, estou de acordo.

O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:

Recebo a denúncia.

O SR. DES. LUCAS SÁVIO DE V. GOMES:

Recebo a denúncia.

O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:

Recebo a denúncia.

O SR. DES. CÉLIO CÉSAR PADUANI:

Sr. Presidente.

Vencido quanto a primeira preliminar suscitada, no que pertine ao mérito outra alternativa não me resta senão receber a denúncia.

O SR. DES. KILDARE CARVALHO:

De acordo com o Relator.

O SR. DES. FRANCISCO FIGUEIREDO:

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Recebo a denúncia.

O SR. DES. GUDESTEU BIBER:

Sr. Presidente.

Estou recebendo a denúncia. O juízo provisório tem como finalidade exclusiva deixar ao MINISTÉRIO PÚBLICO a possibilidade de comprovar as alegações contidas na peça investigatória, e a defesa, evidentemente, provar o contrário. Não possui nenhuma força a não ser alguns reflexos na Justiça Eleitoral.

Por isso, pedindo vênia e com toda cautela, recebo a denúncia, muito embora deva salientar que ela é muito frágil na descrição dos fatos com relação a algum dos denunciados.

O SR. DES. EDELBERTO SANTIAGO:

Com o Relator.

O SR. DES. ORLANDO CARVALHO:

Com o Relator.

O SR. DES. ANTÔNIO HÉLIO SILVA:

Com o Relator.

O SR. DES. KELSEN CARNEIRO:

Recebo a denúncia.

O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:

Recebo a denúncia.

O SR. DES. PINHEIRO LAGO:

Com o Relator.

O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:

Com o Relator.

O SR. DES. SCHALCHER VENTURA:

Também recebo a denúncia.

O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:

Sr. Presidente.

Também recebo a denúncia, com a ressalva de que quanto a situação de algum dos denunciados a descrição dos fatos realmente é frágil.

O SR. DES. NILSON REIS:

Recebo a denúncia.

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SÚMULA : REJEITARAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO MP, VENCIDOS O RELATOR E OS DES. CARREIRA MACHADO, BAÍA BORGES, LUCAS SÁVIO, JOSÉ FRANCISCO BUENO, CÉLIO CÉSAR PADUANI, KILDARE CARVALHO, ANTÔNIO HÉLIO SILVA, NILSON REIS E ALMEIDA MELO. À UNANIMIDADE, REJEITARAM AS PRELIMINARES DO PROMOTOR NATURAL E DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. NO MÉRITO, RECEBERAM A DENÚNCIA, À UNANIMIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. DEU-SE POR SUSPEITO O DES. HERCULANO RODRIGUES.

Processo N. 1.0000.03.402477-8/000(1)

EMENTA: HABEAS CORPUS - DENÚNCIA LASTREADA EM INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 514 - APLICAÇÃO - CRIMES FUNCIONAIS TÍPICOS - AÇÃO PENAL - JUSTA CAUSA - IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DE DELITO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - NÃO OCORRÊNCIA - ORDEM DENEGADA - A apuração de infração penal PELO próprio MINISTÉRIO PÚBLICO não constitui ilegalidade.- O procedimento previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal, não se aplica a outros crimes praticados por funcionários públicos que não aqueles previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal. - Não há que se falar em falta de justa causa para a ação penal se as condutas que são imputadas aos réus pela denúncia constituem ilícito penal. - Não cabe falar em aplicação da responsabilidade objetiva se a acusação imputa aos acusados uma conduta ilícita cuja prática somente redundará na condenação se ao final restarem cabalmente comprovadas a autoria e a materialidade. HABEAS CORPUS (C. CRIMINAIS ISOLADAS) Nº 1.0000.03.402477-8/000 - COMARCA DE BARBACENA - PACIENTE(S): WALTER BORGES DE MEDEIROS, MÁRIO CÉSAR TAVARES LADEIRA, JOSÉ FRANCISCO VIDIGAL SILVEIRA, HONÓRIO JOSÉ FRANCO - COATOR(ES): JD 1 V CR COMARCA BARBACENA - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DENEGAR A ORDEM.

Belo Horizonte, 12 de fevereiro de 2004.

DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES:

VOTO

O Dr. Luiz Fernando Valladão Nogueira impetra a presente ordem de habeas corpus em favor de Walter Borges de Medeiros, Mário César Tavares Ladeira, José Francisco Vidigal Silveira e Honório José Franco, que se encontram denunciados pela prática do delito do art. 89, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93.

Alega o impetrante que os pacientes estão sofrendo constrangimento ilegal, uma vez que a denúncia foi recebida, sem que esteja lastreada em inquérito policial, mas em procedimento administrativo conduzido pelos próprios Promotores de Justiça; que não foi observada a formalidade do art. 514 do CPP, necessária, no caso, porquanto é funcional o crime que é imputado aos réus; que falta justa causa para a ação penal, uma vez que as condutas que lhes são imputadas pela denúncia não constituem ilícito penal; e, por fim, que o MP está aplicando a responsabilidade objetiva.

Pede o trancamento da ação penal.

Concedi a liminar (fl. 59).

Vieram aos autos as informações da autoridade coatora (fls.).

A d. Procuradoria opinou pela denegação da ordem (fls. 83/100).

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Decido.

Primeiramente, alega o impetrante, como visto, que os pacientes estão sofrendo constrangimento ilegal, vez que a denúncia foi recebida sem que esteja lastreada em inquérito policial, mas apenas em procedimento administrativo conduzido pelos próprios Promotores de Justiça.

A questão é extremamente tormentosa.

Com efeito, existem respeitáveis argumentos no sentido de que não é admissível que o MINISTÉRIO PÚBLICO instaure inquérito penal, procedendo à apuração de infrações penais, vez que tal procedimento não é de sua competência, e sim da autoridade policial (CF, art. 144, §§ 1º e 4º).

Nesse sentido, já entendeu o Supremo Tribunal Federal (RE 233.072/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 18/05/1999, DJ 03/05/2002, p. 22, e Recurso Extraordinário nº 205.473/AL, Rel. Min. Carlos Velloso, votação unânime, j. 15/12/1998, DJ de 19/03/99, p. 00019).

Nesse mesmo diapasão é o magistério de Guilherme de Souza Nucci (cf. Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 64).

Todavia, existem, também, judiciosos argumentos em sentido contrário, ou seja, no sentido de que a Constituição da República não vedou ao MINISTÉRIO PÚBLICO a possibilidade de instaurar inquérito para apuração de infrações criminais.

É o que leciona Hugo Nigro Mazzilli quando sustenta que deve-se compreender "que as investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado constituem uma exceção ao princípio da apuração das infrações penais pela polícia judiciária (CR, art. 144, §§ 1º, IV, e 4º) - o que, de resto, é de todo necessário para as hipóteses em que a polícia tenha dificuldades ou desinteresse de conduzir as investigações (v. exemplo clássico dos crimes do ¿Esquadrão da Morte' e os problemas surgidos quando da sua apuração, com a persistente atuação ministerial). Igualmente, a iniciativa investigatória do MINISTÉRIO PÚBLICO também tem cabida quando não tenha a polícia condições adequadas para conduzir as investigações, dada sua condição de órgão subordinado ao governo e à administração, muitas vezes envolvida na própria apuração delitiva. Aliás, tais conclusões também são consectário lógico do próprio controle externo que a Constituição da República exigiu impusesse o MINISTÉRIO PÚBLICO sobre a atividade policial.

Na verdade, a Constituição cometeu à polícia federal, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União(art. 144, § 1º, IV). Entretanto, em que pese ser a função investigatória auxiliar da justiça uma das metas da polícia judiciária, a Constituição de 1988 desmembrou da atividade de polícia judiciária aquela da apuração de infrações penais, para a qual não tem a polícia exclusividade da apuração (art. 144, §§ 1º, I e IV, e 4º)." (in "Manual do Promotor de Justiça", Editora Saraiva, 2ª ed., 1991, p. 122/123).

É, ainda, Hugo Nigro Mazzilli quem sustenta que "a regra é a de que a INVESTIGAÇÃO de crimes, na fase pré-processual, seja feita por meio da atividade de polícia judiciária. Por certo se inclui, entre as exceções à regra, a INVESTIGAÇÃO de crimes por iniciativa ministerial nas investigações administrativas presididas por órgão do MINISTÉRIO PÚBLICO (art. 129, VI)..." (ob. cit., p. 178/179). E conclui que a norma do art. 144, § 4º, da CF, que prevê que as polícias civis são "dirigidas por delegados de polícia de carreira", diz respeito apenas à proibição de que sejam designados delegados ad hoc ou de que se cometa a presidência de inquéritos policiais a outros órgãos que não aqueles.

Mas isso não implica dizer que "nenhuma outra autoridade possa investigar infrações penais", uma vez que a própria Constituição "não conferiu exclusividade à polícia, na apuração de infrações penais", o que se verifica diante da existência de diversos dispositivos seus que "fazem ver a possibilidade de INVESTIGAÇÃO de crimes por outros meios que não o inquérito policial (arts. 58, § 3º,71, 74, § 2º, 129, I, VI a VIII e, também, a norma residual do inc. IX do art. 129)." (ob. cit., p. 179).

Parece, portanto, que a norma do inc. IX do art. 129 da Constituição Federal realmente estaria a deixar aberta a possibilidade de o MINISTÉRIO PÚBLICO não apenas acompanhar o desenrolar do inquérito policial, mas de instaurar procedimento administrativo para apurar infrações penais, o que, à parte a questão jurídica, se mostra, muitas das vezes, absolutamente necessário, tendo em vista diversas situações práticas em que a apuração dos fatos pela polícia se revela muito mais difícil de ser realizada, sobretudo porque os membros do

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MP possuem total independência e segurança no exercício de suas atribuições, o que não ocorre com as autoridades policiais.

Entretanto, em que pese isso, tormentosa como se mostra a questão, ainda que se possa, parece-me que não se deve, em sede de HC, resolver se o notório impasse que o tema tem provocado para o fim de se trancar a ação penal.

Razão também não assiste ao impetrante quando alega que não foi observada a formalidade do art. 514 do CPP, necessária, no caso, porquanto é funcional o crime que é imputado aos réus.

Ocorre que os artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal - dentre os quais se inclui, por óbvio, o citado art. 514 - cuidam do procedimento CRIMINAL relativo à apuração dos delitos funcionais típicos.

Nesse sentido, o magistério de Damásio de Jesus:

"O rito processual estabelecido nos arts. 513 a 518 é aplicável aos crimes funcionais típicos apenados com reclusão ou detenção" (in Código de Processo Penal Anotado, Editora Saraiva, 9ª ed., 1991, p. 333).

Tal rito, portanto, aplica-se aos crimes previstos nos artigos 312 a 326 do Código Penal, que são os delitos praticados por funcionário PÚBLICO contra a Administração em geral.

Nesse diapasão, a lição de Guilherme de Souza Nucci, quando, ao tratar do art. 514 do CPP, preleciona que ele se refere apenas aos crimes funcionais, que estão "previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal" (cf. Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 770).

Outro não é o entendimento de Mirabete:

"Ao mencionar os ¿crimes de responsabilidade dos funcionários públicos', o Código está se referindo aos delitos próprios e impróprios previstos sob o título de ¿Crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em Geral" (arts. 312 a 326 do CP)..." (cf. Código de Processo Penal Interpretado, Editora Atlas, 8ª ed., 2001, p. 1104).

Essa é também a lição de Tourinho Filho:

"Há crimes de responsabilidade, também denominados funcionais, apenados com reclusão ou detenção (vejam-se os arts. 312 a 326 do CP), cujo processo e julgamento ficam afetos ao Juiz de Direito. É desses delitos que os arts. 513 a 518 do CPP cuidam" (in Processo Penal, 4º Volume, Editora Saraiva, 13ª ed., 1992, p.145) - grifei.

A jurisprudência não discrepa desse entendimento:

"Crimes de responsabilidade - Arts. 513 e seguintes do CPP - Aplicação exclusiva - Entendimento.

As providências determinadas nos arts. 513 e seguintes do CPP somente se aplicam aos crimes funcionais típicos, quais sejam, os cometidos por funcionário PÚBLICO contra a administração em geral (arts. 312 a 326 do CP), e não na hipótese de outros crimes" (TACRIM-SP, Rel. Juiz Lourenço Filho, in Código de Processo Penal e Sua Interpretação Jurisprudencial, Volume 2, Alberto Silva Franco e outros, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 2325).

Portanto, o procedimento previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal, não se aplica a outros crimes praticados por funcionários públicos que não aqueles previstos nos arts. 312 a 326 do Código Penal.

Como no caso dos autos o crime imputado aos pacientes não se inclui entre não se inclui entre estes, não se aplica à espécie o disposto no art. 514 do CPP.

Mais uma vez a razão não assiste ao impetrante quando sustenta que falta justa causa para a ação penal, uma vez que as condutas que são imputadas aos pacientes pela denúncia não constituem ilícito penal.

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Com a devida vênia, a conduta imputada aos pacientes está prevista no art. 89 da Lei nº 8.666/93 como infração penal.

Cabe, aqui, o registro de que o dolo é presumido, cabendo à defesa, no curso da instrução CRIMINAL, demonstrar, se o caso, a sua inexistência, bem como a ressalva de que há indícios de que as compras levadas a efeito sem licitação tenham assim sido realmente efetivadas sem que fosse o caso de dispensa da licitação (cf. denúncia à fl. 21), o que, de qualquer forma, deverá ser objeto de apuração, durante a instrução.

Por fim, sem razão o impetrante quando afirma que o MP está aplicando a responsabilidade objetiva.

Afinal, a acusação imputa aos pacientes uma conduta ilícita cuja prática somente redundará na condenação se ao final restarem cabalmente comprovadas a autoria e a materialidade e se não demonstrada a inexistência do dolo.

Por força de todas essas razões, denego a ordem e casso a liminar.

Comunicar.

O SR. DES. SÉRGIO RESENDE:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. LUIZ CARLOS BIASUTTI:

VOTO

De acordo.

SÚMULA : DENEGARAM A ORDEM

ANEXO VII

ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Habeas Corpus n. 2003.019054-6, da comarca de Blumenau.

Relator: Des. Torres Marques.

HABEAS CORPUS - ARGÜIÇÃO DE NULIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL POR TER SIDO REALIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - NÃO OCORRÊNCIA - COMPETÊNCIA MINISTERIAL GARANTIDA PELA CF/88 - PROCESSO COM INSTRUÇÃO CONCLUÍDA - SUPOSTA ILEGALIDADE SUPERADA - ORDEM DENEGADA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 03.019054-6, da comarca de Blumenau (2ª Vara Criminal), em que é impetrante Daisy Cristine Neitzke Heuer e paciente Rodrigo Messias do Nascimento:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, denegar a ordem.

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Custas na forma da lei.

I - RELATÓRIO: Trata-se de habeas corpus interposto pela advogada Daisy Cristine Neitzke Heuer em favor de Rodrigo Messias do Nascimento visando trancar a Ação Penal n. 008.02.022776-8, em trâmite perante a 2ª Vara Criminal da comarca de Blumenau, sustentando para tanto haver nulidade insanável na investigação criminal, por ter sido realizada diretamente pelo Ministério Público, sem a prévia instauração de inquérito policial.

Prestadas as informações pela autoridade apontada como coatora (fls. 83/85), os autos foram remetidos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, que se pronunciou pela denegação da ordem.

II - VOTO: A Carta Magna, em seu art. 129, consagrou as funções institucionais do Ministério Público, incluindo dentre estas a promoção, com exclusividade, da ação penal pública, assim como a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquéritos policiais.

Em relação à competência do Ministério Público para promover procedimento investigatório criminal, traz-se à colação excerto do parecer lavrado pelo Dr. Moacyr de Moraes Lima Filho, que exemplarmente analisou a matéria:

"É questão incontroversa que, com o advento da Constituição da República de 1988, o Ministério Público, tornou-se instituição legitimada para promover, com exclusividade, a ação penal pública, expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, podendo, inclusive, requisitar informações, documentos e diligências para melhor instruí-los, bem como instaurar inquérito policial".

E mais adiante continua:

"[...] Faz-se necessário ressaltar que as diligências e os atos investigatórios promovidos pelo Ministério Público são, em verdade, de seu próprio interesse e destinam-se à coleta de elementos de convicção para o exercício da opinio delicti, pelo que se mostra desarrazoado criar embaraços a essa atividade.

"Assim sendo, em casos excepcionais, ou seja, em hipóteses de grave repercussão pública ou em casos em que a atuação da Polícia Judiciária possa sofrer influência política impõe-se a participação direta do Ministério Público nas investigações criminais, podendo utilizar-se de toda e qualquer providência que vise à apuração do fato criminoso.

"Neste sentido, afirma Hugo Nigro Mazzilli:

"'Tanto na área cível como criminal, admitem-se investigações diretas do órgão titular da ação penal pública do Estado. Para fazê-las, não raro se valerá de notificações e requisições' [...] (Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 239).

"Importante acrescentar que tanto o inquérito policial quanto as próprias investigações policiais não são imprescindíveis à propositura da ação penal, uma vez que disposição expressa na legislação processual penal autoriza o Ministério Público a agir, dispensando tais procedimentos quando dispuser de elementos suficientes que o habilitem a promover a ação penal" (fls. 88/91).

Ademais, conforme se depreende das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora (fls. 83/85), a instrução foi concluída, estando aguardando apenas a apresentação das alegações finais por parte do co-réu Evaldo.

III - DECISÃO: Pelo exposto, denega-se a ordem.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Des. Jorge Schaefer Martins, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Dr. Moacyr de Moraes Lima Filho.

Florianópolis, 09 de setembro de 2003.

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Sérgio Paladino

PRESIDENTE COM VOTO

Torres Marques

RELATOR

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ANEXO VII

ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

Nr. Processo: 200133640

Tramitacao

Nr. Acórdao.: 2184/2001 (na íntegra)

EMENTA

HABEAS CORPUS - MINISTÉRIO PÚBLICO - ATOS INVESTIGATÓRIOS - REALIZAÇÃO DIRETA - VIABILIDADE LEGAL. NULIDADE INOCORRENTE E CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA. Válidos são os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar informações, esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos para fins de oferecimento de denúncia. Ordem denegada. Decisão unânime

CONCLUSÃO

Acordam os membros da Câmara Criminal deste E. Tribunal, por unanimidade, DENEGAR a ordem impetrada.

RELATÓRIO

O pedido de Habeas Corpus, fundamentado nos termos do artigos 647 e 648 e seu inciso VI, todos do Código de Processo Penal e artigo 5.º, inciso LXVII , da Lei Maior, impetrado pelo Bel. RICARDO CERQUEIRA e BEL. CARLOS BOTELHO em favor dos pacientes GENILSON GALINDO CHAVES e GENIVALDO CHAVES GALINDO JÚNIOR, ambos brasileiros, casados, autônomos, residentes nesta capital e filhos de Genivaldo Galindo da Silva e Francisca Cilene Chaves Galindo, faz-se sob a alegação de estarem sendo vítimas de constrangimento ilegal por parte do MM. Juízo de Direito da Comarca de Canindé do São Francisco, neste Estado, indigitada autoridade coatora. Narra o pleito de "habeas corpus" que "em 28 de junho de 2001, membros do Ministério Público, especialmente designados para a Comarca de Canindé do São Francisco, representaram acerca da prisão preventiva dos pacientes, alegando, sem a existência de um fato real e objetivo, a presença dos motivos que justificariam a segregação provisória , elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal. O magistrado em exercício na Comarca de Canindé do São Francisco, Dr. Diógenes Barreto, acolheu a representação e decretou a prisão preventiva dos pacientes que, no momento, encontram-se presos. Ocorre, entretanto, que tanto a representação quanto a decisão que decretou a medida de exceção estão respaldadas em procedimento investigatório, instaurado no âmbito ministerial e presidido aleatoriamente por promotores de justiça na indevassável privacidade de seus gabinetes. Aduz ainda que "a ilicitude da investigação penal a cargo de membros do Ministério Público, que constitui inominável abuso de poder, não pode sustentar um decreto de prisão preventiva e , tão pouco servir de base para a instauração da ação penal, uma vez que caracteriza violação do devido processo penal e da ampla defesa. Acrescente-se , ainda, que os ilustres membros do Parquet, sem legitimidade para proceder a investigação preparatória da ação penal, continuam exercendo tal atividade, promovendo oitivas de testemunhas, em alguns casos ouvindo a mesma testemunha mais de uma vez , e realizando diligências. " Requereram a concessão da medida liminar para ser revogado o decreto de prisão preventiva dos pacientes e procedida a imediata liberação dos mesmos. No despacho de fls. 125, verso, da lavra do eminente Juiz Doutor Cláudio Dinart Déda Chagas, em substituição à Desembargador e na condição de Membro da Câmara Especial de Férias, apenas solicitou informações à autoridade coatora. O MM. Juiz de Direito da Comarca prestou informações apresentando todos os permenores relativos à respectiva tramitação processual e colacionou peças relevantes à confrontação informativa. A Procuradoria de Justiça, instada a se manifestar, opinou pela denegação do writ. É o relatório.

VOTO (Vencedor)

Cuida-se de pleito de "habeas corpus" assentado na alegada existência de constrangimento ilegal por parte da autoridade processante, o MM. Juiz de Direito da Comarca de Canindé do São Francisco, argumentando para tanto que o processo deve ser anulado ab initio, revogando-se inclusive a prisão preventiva dos

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pacientes, porque houve ilicitude na investigação penal a cargo dos membros do Ministério Público, o que constitui inominável abuso de poder, não podendo sustentar um decreto de prisão preventiva e, tão pouco servir de base para a instauração de uma ação penal. Esquadrinhado está portanto o ponto fulcral da irresignação impetrante da, ou seja, a argumentação, em suma, de que os Promotores de Justiça oficiantes na ação penal promovida contra os pacientes, estariam usurpando a função atribuída exclusivamente a delegados de polícia, porque passaram a proceder aos atos investigativos, oitiva testemunhal, entre outras atitudes do mesmo jaez, e que não sendo esta conduta permitida , todos os atos processuais deveriam ser anulados. Eis portanto o objeto resquestado e trazido à apreciação e julgamento desta E. Câmara Criminal. Causou-me estranheza a arguição nos moldes fixados pela impetração, porque é de conhecimento elementar a viabilidade legal de apuração direta de infrações penais pelo Promotor de Justiça, investigando notícias de crimes e contravenções penais, buscando provas e indícios quanto aos aspectos de materialidade e autoria criminógena; exatamente no âmbito dos procedimentos narrados pelos impetrantes, mormente empós a vigência da Constituição Federal de 1988, que cometeu esse direito ao Parquet, com clareza inquestionável, como corolário lógico do princípio da exclusividade da promoção da ação penal pública. Ao exame dos dispositivos legais indigitados e cotejados pelos impetrantes, não concordo de forma alguma com a assertiva de que o artigo 144, § 4.º da Constituição Federal vigente atribui apenas à polícia civil a incumbência de exercer as funções de polícia judiciária e de proceder à apuração de infrações penais, salvo as militares; e de que o artigo 129 da Lei Maior, que define as funções institucionais do Ministério Público, em nenhum momento confere a essa instituição poderes de avocar para si a investigação criminal, mas sim o de promover a ação penal pública na forma da lei, onde apenas poderá requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. É de se observar que essas atribuições de fato estão previstas nos artigos epigrafados, mas todo o cerne da questão está centrado no aspecto da AUSÊNCIA DE EXCLUSIVIDADE para o exercício de tais atribuições, onde basta se observar do teor do próprio artigo 144 da Lex Major , para se constatar claramente que apenas a polícia federal possui essa EXCLUSIVIDADE, assim mesmo quando exercendo funções de polícia judiciária da União, conforme regra ínsita no § 1.º, inciso IV, desta mesma norma, que diz : "exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União" ; porque já com relação às apurações penais previstas no inciso I do mesmo dispositivo, essa exclusividade não mais existe. E quanto às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, como trata o caso dos autos, divergentemente das polícias federais, nem mesmo quando funcionarem como polícia judiciária desfrutam dessa EXCLUSIVIDADE, quanto mais quando estiverem no exercício de apurações penais. Essa é a regra insculpida no próprio artigo 144 da CF/88, no seu § 4.º, que diz textualmente, in verbis : "Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União , as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais , exceto as militares." Como se constata, NÃO EXISTE EXCLUSIVIDADE às polícias civis para o exercício dessas funções, embora não se olvide que a elas se exige a compulsoriedade de tal mister porque são de dever absoluto, sob pena , em princípio de delito de prevaricação; mas o que não obsta ao Ministério Público o poder de presidir apurações penais , notadamente quando entender existir hipóteses de dificuldades ou desinteresse na condução das diligências por parte da Polícia Judiciária competente, ou até mesmo quando houver um certo envolvimento ou interesse da própria Instituição Policial ou até pessoal da autoridade que investiga no objeto da apuração, em face da titularidade constitucional para a postulação da ação penal pública, portanto, faculta-lhe colher , diretamente, elementos necessários à formação da sua opinio delictis , pois que preparatórios à promoção da aludida ação a que é legitimado para agir na defesa dos interesses indisponíveis da coletividade, sem que isso venha a macular ou a "estabelecer um desequilíbrio entre acusação e defesa", como, desavisadamente , sugestiona os termos da impetração. Ressalte-se por oportuno que o Ministério Público pode requisitar informações ou apurá-las diretamente, como também pode prescindir destas e do inquérito policial , e mediante outros elementos que entenda suficientes, promover a ação penal pública, denunciando com respaldo legal os agentes e seus delitos. Esse meu entendimento é uníssono com julgados ressaídos do Superior Tribunal de Justiça, que assim decidiram: "CRIMINAL. RHC. ABUSO DE AUTORIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. COLHEITA DE ELEMENTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. LIMINAR CASSADA. RECURSO DESPROVIDO. Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público ,que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. A simples participação na fase investigatória , coletando elementos para o oferecimento da denúncia , não incompatibiliza o Representante do Parquet para a promoção da ação penal. A atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação." (RHC 8106/DF - Recurso Ordinário em Habeas Corpus - em 04/06/2001 - Ministro GILSON DIPP do STJ). (GRIFEI) "...O princípio do contraditório não prevalece no curso das investigações preparatórias encetadas pelo Ministério Público . Não constitui ilegalidade ou abuso de poder, provimento judicial aparelhando o MP da coleta de urgentes informações para apuração de ilícitos civis e penais." ( ROMS 8617/GO em 25/03/1998 - Ministro MILTON LUIZ PEREIRA." E ainda : "CRIMINAL . HC. DETERMINAÇÃO DE COMPARECIMENTO AO NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEPOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA. Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público , que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à

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instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento de denúncia. Ordem denegada. " (HC 13368/DF Habeas Corpus - em 04/06/2001 - Ministro GILSON DIPP. - STJ) E o voto deste mesmo Acórdão, da lavra relatorial do proficiente Ministro GILSON DIPP, é tão esclarecedor, que merece ao menos parcial transcrição, na demonstração coincidente com o meu entendimento. "Nos termos dos precedentes desta Corte, tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode diligenciar, requisitando informações e documentos, a fim de instruir os seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. Com efeito, deve ser ressaltado que a atuação do Órgão Ministerial não é vinculada à existência de procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da ação penal. Da mesma forma, não há óbice a que o membro do Parquet requisite esclarecimentos à autoridade competente ou diligencie diretamente - hipótese verificada in casu - visando à formação de sua convicção e com o intuito de aperfeiçoar a persecução penal. Assim, tomando conhecimento de uma infração penal, pode o Ministério Público instaurar procedimento para a apuração do fato, não estando obrigado a requisitar inquérito policial. E o procedimento assim instaurado não afronta o texto constitucional , nem viola direitos do investigado. Ao contrário, a Constituição Federal respalda a atuação do Parquet , permitindo-lhe apurar diretamente as infrações penais , instaurando procedimentos, requisitando informações e documentos de entidades públicas e privadas, além de autorizar a expedição das notificações que se fizerem necessárias. Não há na hipótese, afronta ao princípio do devido processo legal. O procedimento instaurado pelo Ministério Público tem por finalidade a coleta dos elementos necessários à subsidiar eventual ação penal contra o réu. Os que se mostram contrários à investigação pelo Ministério Púvlico geralmente invocam o artigo 144, § 1.º, IV, da Constituição Federal, dizendo competir à polícia judiciária , com exclusividade, a apuração das infrações penais . O mencionado dispositivo constitucional , no entanto, não tem esse sentido que se lhe quer atribuir. A Constituição Federal , art. 129, I, diz competir, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública . Esta atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. A obtenção destes elementos pode ser feita diretamente pelo Ministério Público, pela Polícia Judiciária ou por outros Órgãos que, em razão de suas atividades, possa colher elementos embasadores de uma ação penal. Entender-se que a investigação dos fatos delituosos è atribuíção exclusiva da polícia, na verdade, inverteria os papéis constitucionalmente definidos, tornando as polícias, civil e federal, no âmbito das suas atribuições, em verdadeiros titulares da ação penal, na medida em que o Ministério Público somente poderia denunciar aqueles fatos ilícitos que as polícias entendessem por bem investigar, cabendo-lhes decidir , em última análise, em quais casos, quando e como, o Ministério Público poderia agir. A nossa vida forense está repleta de ações penais em que a investigação e a coleta dos elementos de prova não partiram da polícia, mas do Ministério Público e de outros Órgãos da Administração, sem que com isto se vislumbre qualquer nulidade na ação penal. " A clareza, o discernimento e a acepção legal contidos no voto epigrafado, dispensam maiores circunlóquios sobre o assunto. E não fosse essa viabilidade legal ressaída da própria Lex Fundamentalis, surpreende mais uma vez a fundamentação inconsistente na tese dos impetrantes, quando está sobejamente provado nos autos que as investigações e informações que culminaram com as segregações preventivas dos pacientes e promoção de denúncias em face dos mesmos, partiram da instauração de 03 (três) INQUÉRITOS CIVIS PÚBLICOS da iniciativa Ministerial, conforme diz a autoridade coatora no decreto preventivo (fls. 88 destes autos ), assertiva confirmada pela oportuna juntada das cópias dos instrumentos de instaurações dos mesmos, procedida pela douta Procuradoria de Justiça, quando da emissão do laborioso parecer do eminente Procurador Doutor Eduardo de Cabral Menezes, e cuja possibilidade de tais procedimentos é referendado pela própria exordial mandamental , que disse : "É apenas em relação aos inquéritos civis que o Parquet tem a atribuição da instauração e da efetivação das medidas e procedimentos administrativos cabíveis, inclusive das investigações". E a jurisprudência pátria assim ementou : "O órgão do Parquet pode proceder a investigações e diligências conforme determinado nas leis orgânicas estaduais, sendo que tal atribuição fica ainda mais evidente se houve a determinação de abertura de inquérito civil público, através do qual foram colhidos os elementos ensejadores da acusação." (HC 10725, em 08/03/2000 - STJ) Inconteste portanto a legitimidade para o procedimento inquisitorial civil, reconhecido pelos próprios impetrantes e utilizado pelos membros da Promotoria da Comarca de Canindé do São Francisco, para viabilizar, como de fato fez ensejar a ação penal contra os acusados e a referendar a legalidade prisional preventiva, na forma da lei. Desse modo, as argumentações da impetração não têm, efetivamente, como prosperar. Assim sendo, ante os fundamentos expendidos, denego o pedido de ""habeas corpus" .

DES. GILSON GOIS SOARES

Relator

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