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Educação
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i
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE BIOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECOLOGIA E
BIOMONITORAMENTO
Wellington Bittencourt dos Santos
Anlise de livros didticos e validao de sequncia didtica sobre pluralismo de
processos e evo-devo no contexto do ensino de Zoologia de Vertebrados.
Salvador, Junho de 2011
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE BIOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECOLOGIA E
BIOMONITORAMENTO
Wellington Bittencourt dos Santos
Anlise de livros didticos e validao de sequncia didtica sobre pluralismo de
processos e evo-devo no contexto do ensino de Zoologia de Vertebrados.
Dissertao apresentada ao Instituto
de Biologia da Universidade Federal
da Bahia, para a obteno de Ttulo
de Mestre em Ecologia e
Biomonitoramento.
Orientador: Prof. Dr. Charbel Nio
El-Hani
Salvador, Junho de 2011
iii
Comisso Julgadora:
Prof. Dr. Hilton Ferreira Japyass Prof(a). Dr(a). Maria Elice Prestes Brzezinski Instituto de Biologia/ UFBA Instituto de Biologia/ USP
Prof. Dr. Charbel Nio El-Hani
Orientador Instituto de Biologia/ UFBA
iv
BITTENCOURT, Wellington Santos
Anlise de livros didticos e validao de sequncia
didtica sobre pluralismo de processos e evo-devo no
contexto do ensino de Zoologia de Vertebrados., 506p.
Dissertao (Mestrado) - Instituto de Biologia da
Universidade Federal da Bahia.
1. Pluralismo de processos 2. Evo-devo 3. Anlise de
contedo 4. Livros didticos 5. Design research 6.
Sequncia didtica.
I. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Biologia.
v
Agradecimentos
Gostaria de agradecer imensamente a minha famlia, aos meus dois filhos que sempre
trouxeram muito encanto e pureza para acalentar os momentos duro de trabalho, ao
companheirismo e dedicao da esposa, aos meus pais por terem sempre torcido e acreditado em
mim. Muito importante tambm ressaltar a cumplicidade e o grande apoio dos meus amigos,
principalmente neste momento, aqueles que muito contriburam com a realizao do presente
trabalho, em especial a Gustavo Cruso, mais ainda outros grandes parceiros como Juracy do Amor,
e Lucas Viana.
Agradeo tambm todo o suporte fornecido pela UFBA e FAPESB, ao programa de ps-
graduao em ecologia e biomonitoramento pela excelncia de ensino e fundamentao que pude
usufruir durante o desenvolvimento da pesquisa que realizei. Torna-se, contudo, mais do que
necessrio agradecer e reverenciar o meu orientador, Charbel El-hani, pela incomensurvel
dedicao e competncia com a qual conduziu os sucessos aqui alcanados. Por fim, mas no
menos importante, ao professor Marcelo Napoli pelo engajamento e colaborao com o projeto de
pesquisa proposto.
vi
ndice
Captulo 1 A abordagem do pluralismo de processos e da evo-devo em livros didticos de Biologia
Evolutiva e Zoologia de Vertebrados .................................................................................................... 7
Resumo ................................................................................................................................................ 7
Abstract ............................................................................................................................................... 8
1. Introduo.................................................................................................................................... 9
2. Metodologia ...................................................................................................................................12
2.1. A constituio do corpus de anlise ..............................................................................................12
2.2. Anlise dos livros didticos ...........................................................................................................13
3. Resultados e discusso ....................................................................................................................15
4. Concluses ......................................................................................................................................19
Referncias .........................................................................................................................................19
Captulo 2 Validao de uma sequncia didtica que utilizou o Pluralismo de processos e Evo-devo
em explicaes narrativas da conquista do ambiente terrestre ...........................................................22
Resumo ...............................................................................................................................................22
Abstract ..............................................................................................................................................23
1. Introduo...................................................................................................................................24
2. O uso de narrativas no ensino de evoluo ..................................................................................29
3. Metodologia de construo, aplicao e validao da seqncia didtica ....................................30
4. Resultados e Discusso ................................................................................................................34
5. Consideraes finais ....................................................................................................................39
Referncias .........................................................................................................................................40
Anexo 1 - Questionrio de Avaliao dos estudantes ...........................................................................42
Anexo 2 - Protocolo de entrevista dos estudantes ...............................................................................49
Anexo 3 - Sequncia didtica sobre Conquista do meio terrestre ..........................................................50
Anexo 4 - Transcrio de parte da entrevista com professor da disciplina ............................................53
Anexo 5 - Ementas de zoologia - Portugus .........................................................................................55
Anexo 6 -Ementa de zoologia - Ingls ..................................................................................................92
vii
Anexo 7 - Ementa de zoologia - Espanhol ..........................................................................................107
Anexo 8 - Ementa de evoluo - Portugus .......................................................................................136
Anexo 9 - Ementa de evoluo - Ingls ..............................................................................................171
Anexo 10 - Ementa de Evoluo Espanhol .........................................................................................206
Anexo 11 - Livros de Evoluo ...........................................................................................................233
FUTUYMA .........................................................................................................................................233
RIDLEY ..............................................................................................................................................311
STEANERS .........................................................................................................................................409
Anexo 12 - Livros De Zoologia............................................................................................................468
HICKMAN ..........................................................................................................................................468
HILDEBRAND .....................................................................................................................................484
POUGH .............................................................................................................................................492
Anexo 13 Normas para submisso de trabalhos ao peridico cientfico: Cincia e Educao ...........499
Anexo 14 Normas para submisso de trabalhos ao peridico cientfico: IENCI Investigao em
Ensino de Cincias ...........................................................................................................................504
ndice de Tabelas
Tabela 1.1 - Livros didticos de Biologia Evolutiva mais mencionados em ementas de cursos de nvel
superior localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol. ...13
Tabela 1.2- Livros didticos de Zoologia de Vertebrados mais mencionados em ementas de cursos de nvel
superior localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol. ...13
Tabela 1.3 Distribuio das categorias nos livros didticos de Biologia Evolutiva. ...................................15
Tabela 1.4 Distribuio das categorias nos livros didticos de Zoologia de Vertebrados. ...........................16
Tabela 4. Categorizao das respostas dos estudantes. ............................................................................36
ndice de Figuras
Figura 1e 1 ................................................................................................................................... 26
7
Artigo submetido ao peridico cientfico: Cincia e Educao (normas no Anexo 13)
Captulo 1 A abordagem do pluralismo de processos e da evo-devo em livros didticos de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados
The treatment of process pluralism and evo-devo in higher education Evolution and Vertebrate
Zoology textbooks
Wellington Bittencourt dos Santos [[email protected]]
Charbel Nio-El-Hani [[email protected]]
Universidade Federal da Bahia
Rua Baro de Jeremoabo, s/n, Ondina,
Salvador- BA, Brasil. CEP: 40170-115
Resumo
Este artigo relata os resultados de uma anlise de contedo comparativa de trs livros didticos de
biologia evolutiva e trs livros didticos de zoologia de vertebrados, muitos adotados em ementas
de cursos de formao superior de biologia de diversas universidades de pases de lnguas latinas e
anglo-saxnicas. Atravs de uma anlise documental quali-quantitativa dos livros didticos,
realizada atravs de metodologia de anlise de contedo, empreendemos uma investigao sobre a
abordagem e recontextualizao de contedos relativos biologia evolutiva do desenvolvimento
(evo-devo) e ao pluralismo de processos presentes nos livros selecionados. Com base nesta
investigao, buscamos responder seguinte pergunta: em que medida e de que maneira os
referidos contedos, relacionados a avanos importantes que tiveram lugar na biologia evolutiva das
ltimas duas dcadas, esto sendo recontextualizados em livros didticos de evoluo e nas
discusses sobre evoluo presentes em livros didticos de zoologia de vertebrados? Os achados
deste estudo indicam que os livros de evoluo se encontram ainda em uma fase inicial de
recontextualizao dos contedos relativos ao pluralismo de processos e, assim, ao que tem sido
denominada a sntese estendida no campo da biologia evolutiva. Contudo, eles se encontram em um
estgio mais avanado de recontextualizao que os livros de zoologia de vertebrados analisados,
nos quais foi observada uma diversidade substancialmente menor de mecanismos evolutivos, com
uma grande nfase apenas sobre a seleo natural. Estes achados no so surpreendentes, uma vez
que a idia de uma sntese estendida ainda no est bem estabelecida na prpria biologia evolutiva.
No que diz respeito aos contedos relativos evo-devo, foi constatado um nvel mais significativo
de recontextualizao nos livros didticos de ambos os campos de estudo, o que mostra que ao
menos parte do contedo da chamada sntese estendida j alcanou o ensino superior de biologia.
Palavras-chave: Pluralismo de processos. Sntese estendida. Evo-devo. Anlise de contedo.
Livros didticos.
8
Abstract
This article reports the results of a comparative content analysis of three evolutionary biology
textbooks and three vertebrate zoology textbooks, significantly adopted in the biology higher
education syllabuses in several universities of Latin and Anglo-Saxon countries. Through a
documental quali-quantitative analysis of the textbooks, performed by using content analysis
methodology, we undertook an investigation of the approach and recontextualization of contents
related to evolutionary developmental biology (evo-devo) and process pluralism in the selected
books. Based on this investigation, we sought to answer the following question: to what extent and
in what manner those contents, related to important advances that took place in evolutionary
biology in the last two decades, are recontextualized in evolution textbooks and in the discussions
on evolution present in vertebrate zoology textbooks? The findings of this study show that
evolution textbooks are still at an initial phase of recontextualization of the contents related to
process pluralism and, thus, to what has been called the extended synthesis in the field of
evolutionary biology. However, they are in a more advanced stage of recontextualization than the
analyzed vertebrate zoology textbooks, in which a substantially smaller diversity of evolutionary
mechanisms was observed, with a large emphasis only on natural selection. These findings are not
surprising, since the idea of an extended synthesis is not well established yet in evolutionary
biology itself. With regard to the evo-devo contents, a more significant level of recontextualization
was observed in the textbooks of both fields, showing that at least part of the content of the so-
called extended synthesis already reached biology higher education.
Keywords: Process pluralism. Extended synthesis. Evo-devo. Content analysis. Textbooks.
9
1. Introduo
A situao atual da biologia evolutiva marcada por debates em torno das competncias
explanatrias e do potencial heurstico da teoria sinttica da evoluo, que tm mostrado limites
importantes no que diz respeito compreenso de uma srie de fenmenos evolutivos. Estes limites
tm sido postos em relevo, em particular, pela idia de que no exclusivamente a seleo natural,
mas tambm diversos outros mecanismos evolutivos tm papel causal e explicativo na evoluo dos
seres vivos, sendo importante ressaltar, contudo, que todos estes mecanismos esto situados dentro
de um quadro naturalista (Sepulveda; El-Hani, 2008; Sepulveda; Meyer; El-Hani 2011). O
pensamento evolutivo tem vivenciado, pois, um momento intenso de desenvolvimento e
reformulaes, passando por novas concepes que tm buscado caracterizar esse novo cenrio na
biologia evolutiva em termos de um pluralismo de processos (Pigliucci; Kaplan, 2000; Meyer; El-
Hani, 2005). De um lado, no temos, em tal contexto histrico, uma revoluo kuhniana, na medida
em que no h incomensurabilidade entre as novas idias em construo no cenrio contemporneo
e a sntese moderna, construda entre as dcadas de 1920e 1950; de outro, tambm no se tratam de
meros ornamentos, na medida em que idias centrais esto sendo acrescentadas sntese,
estendendo-a desde uma abordagem focada em mudanas de freqncias gnicas em populaes como nos modelos da gentica de populaes para uma abordagem causal-mecanstica da origem da variao e da inovao fenotpica. Podemos falar, assim, numa sntese estendida ou expandida
(e.g., Kutschera; Niklas, 2004; Mller, 2007; Pigliucci; Mller, 2010).
Por pluralismo de processos, entende-se o reconhecimento da contribuio de mltiplos
fatores evolutivos, que atuam de modo complementar no processo evolutivo, incluindo seleo
natural, deriva gnica, plasticidade fenotpica, mecanismos epigenticos de herana, distintos
modos de especiao, construo de nicho, restries ao processo evolutivo (sejam histricas ou
desenvolvimentais), evolvabilidade, simbiognese, auto-organizao etc. Embora outros fatores
evolutivos, complementares ao processo de seleo natural, tm sido propostos e apoiados
empiricamente, assim como a sua relevncia para a diversificao das espcies tem sido cada vez
mais reconhecida, importante ter clareza de quais, exatamente, so os pontos de debate. A
proposta de uma sntese estendida, como deixa clara sua prpria denominao, no incorpora uma
viso anti-selecionista, dado que o papel da seleo natural continua sendo considerado de
fundamental importncia para a elucidao dos processos evolutivos, no obstante a efetiva perda
de poder explicativo que a afeta, na exata medida em que o papel explicativo de outros fatores passa
a ser reconhecido. Dizer que se trata de uma sntese estendida significa afirmar que esta uma
teoria tambm darwinista, sendo aplicado o adjetivo darwinista, como prope Gould (2002), a teorias que mantm um reconhecido do papel da seleo natural no processo evolutivo, atribuindo,
ademais, importncia a este papel. Contudo, abordar os fenmenos evolutivos dentro de uma
perspectiva pluralista requer mais do que fornecer, como numa perspectiva adaptacionista
(Sepulveda; El-Hani, 2008; Sepulveda; Meyer; El-Hani, 2011; Caponi, 2011), apenas uma
explicao selecional para todas as modificaes observadas ao longo da histria evolutiva de um
clado; torna-se necessrio buscar compreender a possvel influncia de outros mecanismos
evolutivos que podem estar atuando de modo antagonstico ou sinergstico seleo.
Dentro da construo da sntese estendida, um campo que tem merecido destaque a
biologia evolutiva do desenvolvimento, em geral referida como evo-devo, que passou a ter, nas
ltimas dcadas, um papel central na compreenso das dinmicas evolutivas (e.g. Arthur, 2002;
Mller; Newman, 2003; Robert, 2004; Love, 2006; Mller, 2007; Laubichler; Maienschein, 2007;
Carroll, 2008). O foco nesse caso recai sobre organismos multicelulares, nos quais a variao e
inovao fenotpica decorrem de processos de desenvolvimento e, em particular, de morfognese,
de modo que no se pode pr de lado a relao entre o desenvolvimento e a seleo natural, na
medida em que esta atua sobre o repertrio de variantes possveis produzidas pelo desenvolvimento,
a depender de vias desenvolvimentais herdadas na histria de um clado.
Um importante avano para entender a relevncia dos estudos sobre o desenvolvimento se
deve compreenso de que, a um mesmo passo em que atravs dele que inovaes morfolgicas
10
so produzidas e podem ser submetidas seleo natural, ele tambm restringe as possibilidades de
modificaes que podem ser originadas. Ou seja, o desenvolvimento impe limites para as
possibilidades de variao das caractersticas que uma populao pode expressar, na medida em que
no infinitamente plstico. Os processos de gerao da forma no desenvolvimento resultam, pois,
em restries desenvolvimentais, que enviesam a distribuio de variantes na populao, uma vez
que propriedades entrincheiradas dos sistemas de desenvolvimento, ou seja, que no admitem muita
variao, sob pena de o desenvolvimento ser interrompido, tornam certas formas de mudana mais
provveis do que outras. Para usar uma analogia proposta por Goodwin (1986), isso significa que a
seleo no pode escolher qualquer prato no restaurante das formas variantes de vida, mas apenas pratos disponveis no cardpio estabelecido pelo desenvolvimento, com seu espao de possibilidades e restries.
Uma vez que a seleo natural atua sobre um repertrio limitado de possibilidades
estabelecidas por restries decorrentes dos processos desenvolvimentais entre outras restries, como as restries fsicas, por exemplo a evoluo e o desenvolvimento se influenciam mutuamente, embora representem processos distintos que atuam em escalas temporais diferentes: o
desenvolvimento ao longo da vida do organismo, no tempo ontogentico, e de uma maneira
transformacional, e a evoluo ao longo das geraes que constituem uma linhagem, no tempo
filogentico, e de uma maneira variacional. Compreender adequadamente a relao entre
desenvolvimento e evoluo, por mais ntima, requer no perder de vista estas diferenas entre os
dois processos, que trouxeram, por muito tempo, dificuldades para a formulao de uma teoria
evolutiva consistente e empiricamente adequada (e.g., Bowler, 2003).
No se pode perder de vista, ainda, que o desenvolvimento, como as demais caractersticas
dos indivduos em uma populao, tambm alvo da seleo natural, da deriva e de outros
processos, e se modifica no decorrer do processo evolutivo, canalizando caminhos possveis de
serem percorridos na evoluo. Uma vez que o desenvolvimento depende, fundamentalmente, de
vias desenvolvimentais herdadas de geraes anteriores e a seleo tem papel importante (mas no
exclusivamente determinante) na distribuio destas vias que sero herdadas, a seleo influencia o
desenvolvimento tanto quanto este a influencia. Os organismos recebem tambm um legado
desenvolvimental por meio da herana, no somente gentica, mas tambm epigentica, desta
maneira reproduzindo em parte os padres de desenvolvimento dos seus ancestrais (Jablonka &
Lamb, 2006). Por conseguinte, esta herana de padres de desenvolvimento que determina os
limites e as possibilidades das inovaes morfolgicas das futuras geraes. Consequentemente,
devemos entender os estudos relativos restrio desenvolvimental como fundamentais para a
elucidao da origem e transformao das estruturas morfolgicas, ao longo da histria filogentica
dos grupos. Estas restries desenvolvimentais promovem um enviesamento na produo das
variantes fenotpicas, dado que limitam a variabilidade em funo da estrutura, carter, composio
ou dinmica do sistema desenvolvimental (Maynard Smith et al., 1985). Contudo, elas no
cumprem apenas um papel negativo na evoluo, na medida em que podem tambm canalizar
processos de mudana evolutiva, acelerando a transformao da forma orgnica nas linhagens e
tambm estabelecendo direcionalidade no processo evolutivo (Gould, 2002).
A biologia evolutiva do desenvolvimento tambm desempenha outro papel importante na
reestruturao do pensamento evolutivo, na medida em que contribui para a superao do
gradualismo estrito que caracterizou a sntese moderna, ao fornecer uma base causal-mecanstica
que nos permite explicar mudanas na velocidade das taxas evolutivas, decorrentes de uma
dinmica de profuso de inovaes morfolgicas que podem ser explicadas com base em alteraes
regulatrias no desenvolvimento. A evo-devo explica como alteraes nos padres de expresso
gnica, decorrentes de mudanas nas seqncias regulatrias de genes desenvolvimentais, podem
conduzir a mudanas radicais na morfologia, canalizando o surgimento de novidades evolutivas
(Wagner, 2000). Nestes casos, podem ser originadas grandes mudanas na morfologia dos
organismos a partir de pequenas mudanas nas seqncias de DNA, com certas estruturas
morfolgicas surgindo atravs de uma transformao discreta e completa, sem uma srie gradual de
etapas intermedirias entre uma forma e outra, estendida ao longo de muitas geraes. Essas
11
mudanas hometicas contrastam com a nfase, na teoria sinttica da evoluo, assim como na
teoria darwinista original, sobre o acmulo lento e gradual de pequenas modificaes ao longo de
grandes escalas temporais, pela ao exclusiva do mecanismo de seleo natural. Hoje, possvel
entender como mudanas no desenvolvimento podem rapidamente dar origem a indivduos muito
diferentes das mdias morfolgicas das populaes s quais pertencem, por meio de mecanismos
estudados pela evo-devo. Se, de um lado, estas mudanas morfolgicas so demasiadamente rpidas
para serem explicadas apenas pelo poder cumulativo da seleo natural, de outro, no podemos
perder de vista que elas, como quaisquer inovaes morfolgicas, so submetidas peneira da
seleo. Portanto, se tiveram conseqncias evolutivas, porque foram preservadas em
determinados regimes seletivos, que favoreceram morfologias muito distanciadas da mdia de uma
populao, ou, alternativamente, em circunstncias ambientais em que a fora da seleo natural foi
relaxada por exemplo, em circunstncias nas quais efeito fundador e deriva se tornam muito freqentes.
Diante deste quadro de mudanas conceituais na biologia evolutiva, entendemos que
emerge, na atualidade, uma necessidade de compreender a evoluo em termos de um
conhecimento integrado, que d conta da interconectividade de mltiplos mecanismos evolutivos
num contexto de condies histricas, desenvolvimentais e ecolgicas. Por conseguinte, ao
buscarmos reconstituir as dinmicas evolutivas dos grupos viventes, devemos procurar, de modo
complementar e dentro dos seus contextos ecolgicos especficos, fornecer tanto explicaes
relativas a processos graduais, decorrentes da seleo natural, como explicaes relativas a
alteraes morfolgicas substancialmente mais rpidas, decorrentes de alteraes na regulao do
desenvolvimento para nos atermos a apenas um entre muitos aspectos da construo de uma sntese estendida.
De uma perspectiva educacional, coloca-se a questo de como trabalhar com um
conhecimento integrado e pluralista sobre o processo evolutivo na formao de bilogos, tanto
aqueles que se direcionaro para a pesquisa acadmica e a atuao tcnica, quanto queles que sero
professores de biologia. Temos investigado, assim, o conhecimento escolar de evoluo, nos nveis
mdio e superior, tanto em termos de um diagnstico de sua situao corrente, quanto em termos da
construo de inovaes pedaggicas que permitam no somente ensinar sobre idias fundamentais
da biologia evolutiva de modo efetivo, mas tambm introduzir ao menos alguns elementos dos
debates contemporneos que discutimos acima. O presente artigo est focado num objetivo de
diagnstico e no contexto do ensino superior, dentro deste programa de pesquisa mais amplo. Trata-
se de um estudo sobre se e como livros didticos de ensino superior das reas de Biologia Evolutiva
e Zoologia de Vertebrados tm tratado de contedos relativos ao pluralismo de processos e evo-
devo. Estamos interessados, assim, na recontextualizao pedaggica dos conhecimentos sobre evo-
devo e pluralismo de processos no ensino superior de evoluo, uma vez que, caso tenha ocorrido,
produz um marco de referncia para tal recontextualizao em outros campos da biologia, como o
ensino de zoologia.
O foco sobre os livros didticos se explica pelo papel que cumprem na construo da
prtica pedaggica, tanto na educao bsica quanto no ensino superior, influenciando de modo
substancial a formao de cientistas e professores de cincias. Livros didticos influencem
fortemente a prtica da maioria dos professores e a aprendizagem dos estudantes, sendo
frequentemente um dos principais determinantes do currculo em ao, dado seu papel na seleo e
sequenciao de contedos, atividades de aprendizagem, abordagens de avaliao etc. (Ball and
Feiman-Nemser 1988; Beltrn et al. 2003; Gayn and Garca 1997). Eles so, pois, mais do que um
material de leitura; eles sao mediadores do conhecimento presente na cincia escolar e fontes
estruturadoras das atividades em sala (DiGisi and Wilett 1995; Moody 2000). A relevncia de
investigar livros didticos do ensino superior tambm decorre de sua influncia sobre os livros da
educao bsica. Afinal, os primeiros desempenham um papel na formao dos prprios autores de
livros didticos voltados para a educao bsica, tendo influncia significativa sobre a constituio
dos discursos sobre evoluo presentes nas salas de aula de Biologia e Cincias.
12
2. Metodologia
2.1. A constituio do corpus de anlise
Os livros didticos submetidos anlise foram selecionados pela representatividade de seu
uso em cursos de Evoluo e Zoologia de Vertebrados de universidades situadas em pases de
lngua latina e anglo-saxnica. O corpus de anlise foi constitudo por trs livros didticos de
Biologia Evolutiva e trs de Zoologia de Vertebrados. Para realizar tal seleo, fizemos um
levantamento de ementas de tais cursos atravs da ferramenta de buscas Google, utilizando, em associao com a palavra-chave ementa, as seguintes palavras-chave: biologia evolutiva, teoria evolutiva, zoologia vertebrados e faculdade de biologia. Os resultados da busca foram
examinados na ordem fornecida pelo Google, que atende ao critrio de ordenao decrescente com base no nmero de acessos efetivados pelos usurios da internet. As buscas foram realizadas
em portugus, ingls e espanhol, a fim de aumentar a representatividade da amostra de obras
utilizadas em programas de formao superior de bilogos em diversas universidades do mundo
anglo-saxo e latino.
Nos livros de Evoluo, nosso foco de anlise recaiu sobre o tratamento de diversos
mecanismos evolutivos que so mencionados, no contexto contemporneo, como parte de um
pluralismo de processos. No caso dos livros de Zoologia de Vertebrados, focamos nossa ateno
sobre as narrativas evolutivas acerca da conquista do ambiente terrestre e da diversificao dos
tetrpodes, que tm papel chave na evoluo dos vertebrados.
Devido ao fato de muitas mudanas no pensamento evolutivo, assim como novas
interpretaes e evidncias sobre a conquista do ambiente terrestre pelos tetrpodes, terem ocorrido
na ltima dcada, foram includas obras que continham edies nos ltimos dez anos, a contar do
ano em que foi feito o levantamento (2008). Afinal, tais mudanas, interpretaes e evidncias s
poderiam estar presentes em edies mais recentes. Nossa inteno inicial era analisar 100 ementas
em lngua portuguesa, 100 ementas em lngua inglesa e 50 ementas em lngua espanhola. A deciso
de realizar maior amostragem nas lnguas inglesa e portuguesa foi decorrente dos seguintes pontos:
(1) a lngua inglesa a mais utilizada pela comunidade cientfica, inclusive na literatura de cursos
de formao superior em todo o mundo; (2) temos um interesse especfico pelos livros didticos
usados na realidade brasileira, em cujo contexto a pesquisa est sendo desenvolvida. As ementas
em espanhol foram analisadas com o intuito de verificar se o mesmo padro encontrado em ingls
e portugus seria repetido num idioma tambm muito utilizado pela comunidade cientfica, assim
como na literatura de cursos de formao superior, especialmente no contexto ibero-americano. O
mesmo padro foi de fato encontrado nas ementas em lngua espanhola, reforando nossa
confiana na seleo dos livros a serem analisados.
Ao fim do nosso esforo amostral, obtivemos valores bastante prximos em relao s
cotas pretendidas. Houve, contudo, um pequeno desequilbrio entre o nmero de ementas das
disciplinas de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados. Foram obtidas, ao fim e ao cabo, 106
ementas em lngua portuguesa, sendo 54 de Zoologia de Vertebrados e 52 de Evoluo; 94 ementas
em lngua inglesa, sendo 37 de Zoologia de Vertebrados e 57 de Biologia Evolutiva; e 50 ementas
em lngua espanhola, sendo 26 de Zoologia de Vertebrados e 24 de Evoluo. Com base no nmero
de ocorrncias encontradas na busca realizada, as seguintes obras de Zoologia de Vertebrados
foram identificadas como as trs mais freqentemente usadas: Pough et al. (2008), Hickman et al.
(2007) e Hildebrand; Goslow (1998). Entre as trs obras de evoluo, por sua vez, temos: Ridley
(2006), Futuyma (2009) e Stearns; Hoekstra (2005). Nas Tabelas 1 e 2, os resultados dos
levantamentos de livros didticos so apresentados de modo sinttico, incluindo alguns outros
livros mencionados numa srie de ementas. As tabelas completas, incluindo todos os livros
encontrados na busca, as ementas integralmente transcritas e os endereos dos websites dos quais
estas foram extradas, podem ser solicitadas aos autores do artigo.
13
Tabela 1.1 - Livros didticos de Biologia Evolutiva mais mencionados em ementas de cursos de nvel superior
localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol.
Biologia evolutiva Ingls Portugus Espanhol Total
Futuyma (2009) 17 34 20 71
Ridley (2006) 16 15 15 46
Stearns & Hoekstra (2005) 15 7 11 33
Freeman & Herron (2007) 14 5 9 28
Dawkins (2009) 8 4 8 20
Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)
Tabela 2.2- Livros didticos de Zoologia de Vertebrados mais mencionados em ementas de cursos de nvel superior
localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol.
Zoologia de Vertebrados Ingls Portugus Espanhol Total
Pough et al. (2008) 12 45 5 62
Hickman et al. (2007) 9 18 23 50
Hildebrand & Goslow (1998) 0 31 4 35
Kardong (2008) 2 2 0 4
Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)
2.2. Anlise dos livros didticos
Uma vez selecionado o corpus da anlise, os livros foram submetidos a uma anlise de
contedo (Bardin, 2000), um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes que utiliza
procedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens. Atravs da busca
de indicadores, os quais podem ser qualitativos e/ou quantitativos, este mtodo de anlise
possibilita acessar tendncias presentes, muitas vezes de modo implcito, nas mensagens contidas
nos textos. Alm disso, ele torna possvel realizar inferncias a respeito das condies de
produo/recepo das mensagens encontradas nos livros analisados. Entre as tcnicas de anlise
de contedo, utilizamos a anlise categorial, que envolve operaes de desagregao dos textos em
unidades de anlise (ou registro), as categorias, construdas atravs de reagrupamentos analgicos.
Bardin prope trs etapas no mtodo de anlise de contedo: (I) pr-anlise; (II) anlise;
(III) categorizao. Durante a pr-anlise, foi realizada uma leitura flutuante do material, ou seja, uma primeira leitura, menos sistemtica, que permitiu uma familiarizao inicial com os livros e,
ao mesmo tempo, o reconhecimento e identificao das unidades de registro buscadas. Os
reagrupamentos feitos na tcnica de anlise categorial so obtidos pela busca de caractersticas
compartilhadas por elementos do texto, o que, por sua vez, pode ser feita mediante critrios
semnticos (i.e., busca da presena de um mesmo significado em um determinado contexto) ou
sintticos (como a presena compartilhada de signos lingsticos precisos). Em nosso trabalho,
utilizamos um recorte de ordem sinttica, com as unidades de registro sendo localizadas a partir de
palavras-chave previamente definidas, que indicavam fatores evolutivos considerados numa viso
pluralista da evoluo. Tal busca obedeceu aos critrios de exaustividade, segundo o qual se deve
esgotar a totalidade da comunicao, no sendo permitidas incompletudes ou omisses; e de
representatividade, segundo o qual a amostra deve representar o universo da anlise em sua
totalidade. No caso especfico de nosso estudo, o universo analisado correspondeu aos seis livros
selecionados em sua inteireza.
Foram utilizados como indicadores de busca as seguintes palavras-chaves, as quais,
quando encontradas nos textos, correspondem s nossas unidades de registro: seleo e seleo natural, para identificao do mecanismo de seleo natural; evo-devo, genes hox e desenvolvimento, para a biologia evolutiva do desenvolvimento; deriva e deriva gnica, para deriva gnica; mecanismos macroevolutivos e macroevoluo, para os mecanismos macroevolutivos; especiao, para identificar distintos modos de especiao; auto-organizao, simbiognese, restrio e construo de nicho, para os respectivos fatores evolutivos.
Como algumas das unidades de registro definidas em nossa busca poderiam tambm estar
14
sendo utilizadas fora de um contexto evolutivo propriamente dito, realizamos interpretaes do
contexto em que os respectivos termos foram encontrados e, deste modo, determinamos a excluso
de casos em que o assunto tratado no era de fato de carter evolutivo, como no caso dos termos
desenvolvimento ou seleo, que muitas vezes apareceram aplicados em sentido lato, escapando ao escopo de nossos interesses.
Torna-se necessrio esclarecer e salientar que a coleta e interpretao de dados foram
concebidos como parte de um processo dialgico estruturado pelas intenes e os procedimentos
da pesquisa (Martins 2006). Portanto, nunca pensamos nas unidades de registro como "dados
brutos", de onde se poderia obter categorias por meio de processo indutivo. As nossas categorias
foram previamente estabelecidas mediante uma considerao de critrios de anlise estabelecidos a
partir dos nossos objetivos: levar a cabo uma investigao sobre a abordagem e recontextualizao
de contedos relativos a desenvolvimentos recentes da Biologia Evolutiva, em particular, o
pluralismo de processos e a evo-devo em livros didticos de Evoluo e de Zoologia de
Vertebrados. Consequentemente, adotamos palavras-chave relacionadas aos prprios mecanismos
evolutivos e evo-devo para compor nossas categorias, visto que, para responder as questes de
pesquisa do presente estudo, precisamos verificar nos livros a presena ou ausncia de explicaes
relativas evoluo do desenvolvimento e suas relaes com a seleo natural, bem como de
mltiplos mecanismos evolutivos. Utilizando tais categorias, foi possvel verificar at que ponto as
contribuies recentes relativas evo-devo e ao pluralismo de processos so abordadas, em
primeiro lugar, nos livros didticos de Biologia Evolutiva, nos quais assumimos ser mais provvel
sua recontextualizao didtica, e, em segundo lugar, nos livros didticos de Zoologia de
Vertebrados.
A lista de mecanismos que utilizamos foi elaborada com base na literatura sobre evoluo
utilizada na fundamentao terica deste projeto, tendo sido, ainda, complementada atravs da
consulta a um pesquisador da rea de Biologia Evolutiva, Diogo Meyer (IB-USP). Considerando
tambm a evo-devo, chegamos seguinte lista de categorias: Seleo natural, Deriva gnica, Efeito
fundador, Mecanismos macroevolutivos, Simbiognese, Especiao, Construo de nicho,
Restries, Auto-organizao e Evo-devo. Estas categorias foram utilizadas para examinar os
ndices remissivos e realizar uma varredura geral de todas as obras visando identificar as unidades
de registro.
No caso dos livros de Zoologia de Vertebrados, foram examinados em detalhe contedos
relativos diversificao dos tetrpodes durante a conquista do meio terrestre, os quais so
contemplados em um capitulo especifico dedicado a esta transio. Este captulo foi analisado
integralmente. Foi feita tambm uma busca de novas unidades de registro por meio dos ndices
remissivos, utilizando-se as mesmas palavras-chaves acima. Foram localizados tais indicadores em
todos os captulos do livro, alm do capitulo especfico sobre a conquista do meio terrestre. Deste
modo, foi possvel identificar a presena de explicaes evolutivas abordadas pelo livro dentro e
fora do contexto no qual so discutidos contedos especficos sobre a diversificao dos tetrpodes
aps a conquista do ambiente terrestre, o caso escolhido para nossa anlise no caso da Zoologia de
Vertebrados.
Na fase de anlise, realizamos o processo de transcrio das unidades de contexto, sendo que estas correspondem aos trechos do texto nos quais esto contidas as unidades de registro
encontradas. A partir das unidades de contexto, foi possvel analisar de modo mais preciso o
significado atribudo ao termo ou conceito de interesse que estava sendo utilizado. Afinal, luz
de determinado contexto que adquirem significado as unidades de registro.
O uso das tcnicas de anlise categorial nos possibilitou uma visualizao de quais fatores
evolutivos e explicaes advindas do pluralismo de processos e do campo da evo-devo estavam
sendo contemplados ao longo dos livros, tanto de Biologia Evolutiva, quanto de Zoologia de
Vertebrados. A quantificao das ocorrncias das unidades de registro enquadradas nas categorias
foi utilizada para avaliar a concentrao e a nfase concedida pelos livros aos diversos contedos
contemplados em nossa anlise. Os valores de ocorrncia das categorias serviram como orientao,
ento, para uma anlise de carter qualitativo, a qual utilizou a regularidade com que as unidades
15
de registro apareceram como um parmetro de interpretao da significncia que foi concedida aos
referidos contedos. Por esta razo, caracterizamos esse estudo como quali-quantitativo.
Para Bardin, a eficincia de um processo de categorizao se deve manuteno de certas
propriedades desejadas, por conseguinte, as categorias devem estar subordinadas a parmetros
definidos de (1) excluso mtua: cada elemento s pode existir em nica categoria; (2)
homogeneidade: os elementos agrupados em uma mesma categoria devem ser compreendidos
enquanto entes comuns sob os critrios de anlise utilizados; (3) pertinncia: as categorias devem corresponder s intenes do investigador, de acordo com os objetivos definidos da
pesquisa; (4) fidelidade objetiva: se as categorias forem claramente definidas e se indicadores de
busca que determinam a entrada de um elemento numa categoria forem suficientemente explcitos
e sem ambiguidades, no dever haver distores na interpretao do enquadramento das
categorias decorrentes da subjetividade de diferentes analistas; (5) exclusividade de identificao:
um elemento no pode ser passvel de ser classificado em mais de uma categoria; e (6)
produtividade: as categorias sero ditas produtivas se os resultados forem passveis de gerar
inferncias frteis, hipteses novas, assim como permitir segurana na interpretao dos dados. Na
categorizao das unidades de registro obtidas pelas operaes de desmembramento dos textos dos
livros de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados, foi possvel observar todos estes
parmetros.
3. Resultados e discusso
Nas Tabelas 3 e 4, so apresentadas os nmeros de ocorrncia e as freqncias total e
relativa de cada uma das categorias nos livros didticos de Biologia Evolutiva e de Zoologia de
Vertebrados, respectivamente.
Tabela 3.3 Distribuio das categorias nos livros didticos de Biologia Evolutiva.
Livros Futuyma Ridley Stearns &
Hoekstra
Categorias
Seleo Natural
N. de ocorrncias Seleo 722 987 514
Frequncia total: 722 987 514
Frequncia relativa (%): 56,8% 51,4% 46,6%
Evo-devo
N. de ocorrncias
Desenvolvimento* 162 182 239
Gene Hox 28 55 29
Evo-devo e EDB** 1 19 -
Frequncia total: 191 256 268
Frequncia relativa (%): 15% 13,3% 24,3%
Especiao
N. de ocorrncias 172 315 134
Frequncia total: 172 315 134
Frequncia relativa (%): 13,5% 16,4% 12,1%
Deriva Gnica
N. de ocorrncias Deriva Gnica - 47 53
Deriva 133 214 61
Frequncia total: 133 263 114
Frequncia relativa (%): 10,4% 13,7% 10,3%
Mecanismos
Macroevolutivos
N. de ocorrncias
Mecanismos
macroevolutivos
- - -
Macroevoluo 15 50 38
Frequncia total: 14 50 38
Frequncia relativa (%): 1,1% 2,6% 3,4%
16
Restrio
N. de ocorrncias 33 43 29
Frequncia total: 33 43 29
Frequncia relativa (%): 2,6% 2,2% 2,6%
Efeito Fundador
N. de ocorrncias 7 5 6
Frequncia total: 7 5 6
Frequncia relativa (%): 0,6% 0,4% 0,5%
Construo de
Nicho
N. de ocorrncias - - -
Frequncia total: - - -
Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%
Auto-
organizao
N. de ocorrncias - - -
Frequncia total: - - -
Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%
Simbiognese
N. de ocorrncias - - -
Frequncia total: - - -
Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%
Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)
* S foram consideradas ocorrncias do termo desenvolvimento que tinham conexo com contedos evolutivos ** EDB (Evolutionary Developmental Biology) corresponde sigla utilizada no livro de Futuyma. Pode ser
considerada equivalente Evo-devo.
Tabela 4.4 Distribuio das categorias nos livros didticos de Zoologia de Vertebrados.
Livros Pough et
al.
Hickman
et al.
Hildebrand
& Goslow
Categorias
Seleo Natural
N. de ocorrncias Seleo 31 110 25
Frequncia total: 31 110 25
Frequncia relativa (%): 47,7% 40,9% 34,7%
Evo-devo
N. de ocorrncias
Desenvolvimento 14 73 22
Gene Hox 15 - 21
Evo-devo 5 - -
Frequncia total: 34 73 43
Frequncia relativa (%): 52,3% 27,1% 59,7%
Restrio
N. de ocorrncias 0 8 4
Frequncia total: 0 8 4
Frequncia relativa (%): 0% 3% 5,6%
Especiao
N. de ocorrncias - 49 -
Frequncia total: - 49 -
Frequncia relativa (%): 18,2% 0%
Deriva Gnica
N. de ocorrncias Deriva Gnica - 18 -
Deriva - - -
Frequncia total: - 18
Frequncia relativa (%): 6,7%
Mecanismos
Macroevolutivos
N. de ocorrncias
Mecanismos
Macroevolutivos
- - -
Macroevoluo - 11 -
Frequncia total: - 11 -
Frequncia relativa (%): 4,1%
Efeito Fundador
N. de ocorrncias - - -
Frequncia total: - - -
Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%
Construo de
Nicho
N. de ocorrncias - - -
Frequncia total: - - -
17
Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%
Auto-
organizao
N. de ocorrncias - - -
Frequncia total: - - -
Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%
Simbiognese
N. de ocorrncias - - -
Frequncia total: - - -
Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%
Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)
Como indicam os dados apresentados na Tabela 3, os livros de Biologia Evolutiva
analisados j trazem em suas explicaes evolutivas uma abordagem de parte dos fatores
considerados no pluralismo de processos que tem marcado a biologia evolutiva das duas ltimas
dcadas. As contribuies da evo-devo, os mecanismos de especiao e a deriva gnica recebem
ateno nos livros, com alguma ateno ainda que bastante limitada sendo dada tambm aos mecanismos macroevolutivos e s restries. O efeito fundador merece considerao ainda mais
limitada, mas no devemos perder de vista suas relaes ntimas com a deriva. Outros mecanismos,
como a simbiognese, a auto-organizao e a construo de nicho, no so levados em conta.
Podemos concluir, assim, que os livros de Biologia Evolutiva j trazem uma perspectiva pluralista,
apresentando mltiplos fatores evolutivos, assim como levam em conta os desenvolvimentos da
evo-devo. A maior ateno ainda se dirige, de qualquer modo, seleo natural, que apareceu com
alta freqncia relativa nos livros, quando comparada s freqncias relativas das demais
categorias. Podemos afirmar, contudo, que j est em andamento, no campo da Biologia Evolutiva,
uma recontextualizao pedaggica do pluralismo de processos, que tem marcado cada vez mais o
conhecimento acadmico sobre evoluo. Contudo, esta recontextualizao ainda est se iniciando,
como mostra a grande nfase dada seleo natural, em relao aos outros mecanismos, e o fato de
que os demais mecanismos evolutivos ainda no so explorados de modo mais aprofundado. Isso
fica claro quando se percebe que boa parte dos contedos relativos a mecanismos evolutivos que
no sejam a seleo natural aparece em apndices, notas de rodap, leituras complementares, ou
em captulos especficos, nos quais so abordados de maneira fragmentada, sem a devida
integrao aos demais contedos abordados pelo livro.
Entendemos, sob uma perspectiva de recontextualizao pedaggica dos contedos, que os
conhecimentos cientficos produzidos na cincia naturalmente percorram uma trajetria de
reconstruo at se fazerem presentes como parte do conhecimento cientfico escolar. esperado,
assim, que se passe algum tempo at que determinados desenvolvimentos do conhecimento
cientfico estejam representados na cincia escolar. Alm disso, esta recontextualizao depende de
outros fatores, como a real contribuio que os novos conhecimentos trazem para o ensino em
diferentes nveis educacionais. Estamos assumindo, pois, que os desenvolvimentos recentes que
conduziram a biologia evolutiva rumo a uma viso mais pluralista so suficientemente importantes
para a formao dos bilogos a ponto de deverem estar presentes nos livros didticos das
disciplinas biolgicas analisadas. O que estamos detectando nos livros de biologia evolutiva ,
pois, que o tempo transcorrido j foi suficiente para que boa parte dos mecanismos considerados
numa viso pluralista do processo evolutivo esteja neles representada, com exceo de alguns
mecanismos e com manuteno de uma predominncia da referncia seleo natural. Ainda resta
por ser feita, contudo, uma explorao mais aprofundada de tais mecanismos, o que naturalmente
colocar em nova perspectiva o tratamento dado seleo.
Na Tabela 4, podemos ver que, com exceo da seleo natural, os demais fatores
evolutivos esto quase sempre ausentes dos livros didticos de Zoologia de Vertebrados, sendo
para a maioria das categorias impossvel a identificao de qualquer unidade de registro pertinente
ao longo de toda a obra. Esta observao vale tanto para os captulos referentes conquista do
ambiente terrestre, como para os captulos restantes. Contudo, houve grande freqncia de
ocorrncias relacionadas evo-devo. Podemos concluir, assim, que os livros de Zoologia de
Vertebrados no apresentam uma abordagem pluralista do processo evolutivo, com exceo da
18
ateno dada relao entre evoluo e desenvolvimento, nos marcos da evo-devo. A
recontextualizao do pluralismo de processos parece ser ainda incipiente na Zoologia de
Vertebrados.
De um modo geral, foi possvel notar um maior avano da recontextualizao dos
contedos relativos evo-devo, em relao a outros fatores considerados numa viso pluralista do
processo evolutivo. Tal afirmao vlida tanto para os livros de Biologia Evolutiva como para os
de Zoologia de Vertebrados. Em todos os seis livros, possvel identificar o tratamento de assuntos
concernentes biologia evolutiva do desenvolvimento, sendo que, entre todas as categorias
consideradas na anlise dos livros didticos de Biologia evolutiva, esta teve a segunda maior
freqncia relativa, superada apenas pela categoria seleo natural. Entre os livros de Zoologia de Vertebrados, os mesmos resultados foram encontrados no livro de Hickman et al. (2007), que se
diferenciou por apresentar uma viso mais pluralista. Nos outros dois livros, Pough et al. (2008) e
Hildebrand e Goslow (1998), os contedos relativos evo-devo foram os mais freqentes, entre
todas as categorias encontradas, superando, inclusive, seleo natural. Isso mostra a ateno dada
compreenso da evoluo do desenvolvimento e de suas conseqncias para a evoluo dos
grupos na Zoologia de Vertebrados, que um dos campos em que a pesquisa sobre evo-devo tem
dado contribuies mais amplas e fundamentais. A evo-devo tem cumprido, por exemplo, papel
central nos avanos dos ltimos 20 anos sobre a compreenso dos planos de organizao dos
corpos de animais (ver, por exemplo, Minelli, 2003; Carroll et al, 2005; Davidson & Erwin, 2006;
Swalla, 2006; Carroll, 2008; Kuratani, 2009). No espanta, assim, a ateno dada a esta nos livros
de Zoologia analisados.
No livro de Hickman et al. (2007), temos um padro diferenciado em relao aos outros
dois livros de Zoologia de Vertebrados, com a presena de uma viso pluralista, contemplando,
alm da evo-devo, modos de especiao, deriva gnica, mecanismos macroevolutivos e restrioes.
Ainda que a freqncia de ocorrncias que tratam de evo-devo tenha sido menor neste livro do que
nos de Pough et al. (2008) e Hildebrand & Goslow (1998), o destaque dado por Hickman e
colaboradores a este campo fica claro na presena de um captulo exclusivamente direcionado ao
tratamento das questes desenvolvimentais, intitulado Principles of development e trazendo um
enfoque de carter propriamente evolutivo. A nfase dada pelo livro do Hickman et al. biologia
evolutiva do desenvolvimento pode ser exemplificada no seguinte trecho: Durante as duas ltimas dcadas a combinao da gentica com modernas tcnicas da biologia molecular e celular produziu
uma avalanche de informaes que resolveu muitas perguntas. As relaes causais entre o
desenvolvimento e a evoluo se tornaram o grande foco de investigao (Hickman et al., 2007, p.157).
A diversidade de mecanismos encontrada nos livros foi um dos parmetros importantes em
nossa anlise. Para tanto, comparamos em cada livro os nmeros de categorias sem qualquer
ocorrncia com o nmero de categorias consideradas. Desse modo, foi possvel avaliar em que
medida os livros analisados contemplavam a pluralidade de processos que tem sido invocados na
explicao do processo evolutivo. Mesmo num livro de Zoologia de Vertebrados mais pluralista,
como o de Hickman et al., no houve qualquer ocorrncia em quatro categorias: auto-organizao,
simbiognese, efeito fundador e construo de nicho. Nos outros dois livros de Zoologia de
Vertebrados, por sua vez, sete das nove categorias consideradas no foram encontradas. No caso
dos livros de Biologia Evolutiva, no foram observadas quaisquer ocorrncias de trs categorias,
sendo as mesmas nos trs livros: auto-organizao, construo de nicho e simbiognese. De modo
geral, que estes fatores no foram considerados em qualquer dos seis livros analisados.
Entre os fatores que no esto ainda presentes nos livros, temos duas situaes que nos
parecem distintas: de um lado, mais provvel que mecanismos como a construo de nicho
venham a ser recontextualizados em futuro prximo, dada sua maior aceitao pela comunidade
cientfica da rea. A necessidade de reconhecimento da construo de nicho como importante
mecanismo evolutivo foi recentemente tema de um livro que teve grande impacto, Niche
construction: the neglected process in evolution, de Odling-Smee, Laland e Feldman (2003). Em
artigos das reas de Evoluo e Ecologia, a construo de nicho tambm tem merecido
19
significativa ateno (e.g., Hui; Yue, 2005; Wright et al.. 2004). De outro lado, fatores como a auto-
organizao e a simbiognese j no tm recebido tanta ateno da comunidade cientfica, podendo
no ser recontextualizados, por esta razo, para o conhecimento escolar de biologia evolutiva, nem
mesmo na educao superior.
4. Concluses
Os achados do presente estudo mostram que livros didticos de Biologia Evolutiva
atualmente em uso incluem em suas explicaes evolutivas parte dos fatores considerados em
vises pluralistas na biologia evolutiva das duas ltimas dcadas: principalmente contribuies da
evo-devo, mecanismos de especiao e deriva gnica e, com menor proeminncia, mecanismos
macroevolutivos e restries. Portanto, uma recontextualizao pedaggica do pluralismo de
processos j vem ocorrendo no conhecimento escolar de Biologia Evolutiva, no nvel superior de
ensino. Trata-se, contudo, de uma recontextualizao ainda inicial, mantendo-se grande nfase
sobre a seleo natural, em relao aos outros mecanismos, que no so abordados de modo
aprofundado.
Nos livros didticos de Zoologia de Vertebrados, por sua vez, seleo natural e
contribuies da evo-devo so tratadas com destaque, enquanto os demais fatores evolutivos esto
quase sempre ausentes. Portanto, estes livros no apresentam uma abordagem pluralista do
processo evolutivo, com exceo da ateno dada relao entre evoluo e desenvolvimento. Em
termos gerais, podemos perceber um maior avano da recontextualizao dos contedos relativos
evo-devo, em relao a outros fatores includas no pluralismo de processos.
Na medida em que a recontextualizao da viso pluralista do processo evolutivo se
aprofunde nos livros didticos de Biologia Evolutiva, exercendo, assim, maior influncia sobre a
formao de bilogos, possvel que esta viso se dissemine de modo mais amplo por diversos
campos das Cincias Biolgicas, incluindo a Zoologia de Vertebrados. Como uma contribuio
para esta incorporao do pluralismo de processos no conhecimento escolar de Biologia, no ensino
superior, temos investigado inovaes educacionais tratando desta viso no contexto real de salas
de aula de Zoologia, num curso superior de Cincias Biolgicas.1 O presente artigo relata os
resultados de nossos primeiros passos nessa direo, que consistiram num estudo sobre se e como
livros didticos de ensino superior das reas de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados tm
tratado de contedos relativos ao pluralismo de processos e evo-devo.
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22
Artigo para submisso ao peridico cientfico: IENCI Investigao em Ensino de Cincias
(normas no Anexo 14)
Captulo 2 Validao de uma sequncia didtica que utilizou o Pluralismo de
processos e Evo-devo em explicaes narrativas da conquista do ambiente
terrestre
Validation of a teaching sequence that used the pluralism of processes and Evo-devo
in narratives explanations of the conquest of the terrestrial environment
Wellington Bittencourt dos Santos [[email protected]]
Charbel Nio-El-Hani [[email protected]]
Marcelo Filgueiras napoli [[email protected]]
Thiago de S Serravalle [[email protected]]
Universidade Federal da Bahia
Rua Baro de Jeremoabo, s/n, Ondina,
Salvador- BA, Brasil. CEP: 40170-115
Resumo
Este artigo relata os resultados de um estudo qualitativo realizado com uma turma de
Zoologia de Vertebrados do curso de Cincias Biolgicas da Universidade Federal da Bahia, com
base na construo, aplicao e validao de uma sequncia didtica. A sequncia didtica utiliza
explicaes narrativas para realizar uma abordagem integrada de contedos de zoologia, de uma
viso pluralista dos processos evolutivos, da biologia evolutiva do desenvolvimento (evo-devo) e da
ecologia. Ela foi construda com base em um estudo de caso que teve como objeto a radiao dos
tetrpodes durante a conquista do meio terrestre. O estudo buscou realizar uma validao interna da
sequncia didtica, segundo a metodologia proposta por Mheut em seu desenho de pesquisa para o
desenvolvimento e a validao de sequncias didticas no ensino de cincias. A sequncia foi
testada na turma, mediante comparao entre os percursos de aprendizagem esperados, conforme os
objetivos pretendidos na interveno pedaggica, e os percursos de aprendizagem efetivamente
realizados pelos estudantes. Foram aplicados questionrios em trs diferentes etapas do processo,
referindo-se a diferentes momentos sociais de mobilizao dos contedos pelos estudantes; e
subsequentemente, ao fim do semestre foram gravadas entrevistas individuais com os estudantes.
Uma anlise das variaes das respostas dos questionrios respondidos pelos estudantes serviu de
informao para avaliar os avanos e a fixao dos contedos abordados. As declaraes dos
estudantes, coletadas atravs das entrevistas gravadas, foram categorizadas com base nos estgios
de apropriao do discurso cientfico escolar propostos por Mortimer e Scott, avaliando
comparativamente os nveis de mobilizao (domnio) da linguagem social da cincia alcanado
pelos estudantes da turma analisada. O estudo qualitativo que realizamos nos permitiu concluir que
a interveno pedaggica proposta trouxe resultados satisfatrios, tendo influenciado a
aprendizagem dos estudantes na direo pretendida.
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Palavras-chave: Pluralismo de processos. Evo-devo. Estudo comparativo, Sequncia didtica
Abstract
This article reports the results of a qualitative study of one class of Vertebrate Zoology of the course
of Biological Sciences, Federal University of Bahia, it was made based on the construction,
application and validation of an teaching sequence. The teaching sequence uses narrative
explanations for taking an integrated subject of zoology, of a pluralistic view of evolutionary
processes in evolutionary developmental biology (evo-devo) and ecology. It was built by a
development of a study of case that had as its object the radiation of tetrapods during the conquest
of the terrestrial environment. The study tried to conduct an internal validation of the teaching
sequence, according to the methodology proposed by Mheut in their research design for the
development and validation of teaching sequences in science education. The sequence was tested
one class by comparing the expected learning pathways, depending on the intended objectives in the
educational intervention, and learning pathways effectively performed by the students.
Questionnaires were applied on three different stages of the process, referring to different moments
of social mobilization of required knowledge by students, and subsequently at the end of the
semester have been recorded individuals interviews with the students. An analysis of variations of
the responses from questionnaires answered by students was used like information to assess
progress and setting the subjects covered. The statements of students, collected through taped
interviews were categorized based on the stages of appropriation of scientific school discourse
proposed by Mortimer and Scott, by that way make the comparative evaluations of the levels of
mobilization (domain) of the social language of science reached by students from the analyzed
class. The statements of students, collected through taped interviews were categorized based on the
stages of appropriation of scientific discourse school proposed by Mortimer and Scott,
benchmarking levels of mobilization (domain) of the social language of science made by students of
the class analyzed. The qualitative study we conducted allowed us to conclude that the educational
intervention proposed brought satisfactory results, influencing student learning in the intended
direction.
Keywords: Pluralism of process. Evo-devo. Teaching sequence. Comparative study
24
1. Introduo
Para alguns historiadores da cincia, a revoluo darwiniana seria to relevante, no sentido de
uma teoria cientfica simbolizar uma mudana na viso de mundo e nos valores culturais, quanto
prpria revoluo copernicana (Bowler 2003). Ainda hoje, algumas das idias bsicas do
pensamento darwinista so aceitas como elementos fundamentais na estrutura do pensamento
evolutivo, tais como: (i) a idia de que todos os seres vivos so aparentados entre si, ou seja, de que
todas as espcies so interconectadas filogeneticamente atravs de relaes de ancestralidade
comum; (ii) que as espcies se transformam ao longo do tempo, pois os indivduo de uma
populao ao se reproduzirem do origem a descendentes com modificaes; e (iii) o
reconhecimento da importncia da seleo natural como mecanismo explicativo da mudana
evolutiva ao longo das geraes.
Contudo, desde que foi divulgada pela primeira vez, com a publicao dos textos de
Darwin e Wallace em 1858 nos Proceedings of the Linnean Society, at os dias atuais, as teorias
darwinistas percorreram uma trajetria de muitas mudanas e complementaes. De fato, a teoria da
seleo natural nem sempre usufruiu do prestgio e da confiana conquistada desde os anos 1930.
Tendo ultrapassado a sua maior fase de descrena, durante o chamado eclipse do darwinismo, como foi denominado por Julian Huxley (1942), o darwinismo se reergueu, revertendo o momento
histrico de descrdito vivenciado durante o perodo que antecedeu sntese moderna.
Por volta das dcadas de 1930 e 1940, como resultado de uma elaborao coletiva que contou
a participao de grandes nomes da cincia da poca, como Theodosius Dobzhansky, J.B.S.
Haldane, Sewall Wright, Julian Huxley, Ernst Mayr, George Gaylord Simpson, G. Ledyard Stebbins,
entre outros, foi realizada a moderna sntese evolutiva. Durante a referida sntese, o darwinismo e a
gentica (mendeliana e de populaes) foram conjuntamente incorporados na confeco de uma
teoria amplificada, na qual as complementaes advindas destes campos iriam projetar as
dimenses de um pensamento adaptacionista, o qual se fixou e se estendeu de forma dominante por
quase todo o restante do sculo XX. Este modo adaptacionista de pensar admite a produo direta
de adaptaes atravs da seleo natural como sendo a causa primria da maioria das caractersticas
biolgicas relevantes (Sepulveda & El-Hani, 2008). Podemos entender, deste modo, que uma
concepo adaptacionista admite que a presena de uma caracterstica orgnica possa ser sempre
compreendida em termos do carter adaptativo que conferiu ao organismo que a possui; ou seja, o
adaptacionismo admite que seja sempre possvel, atravs do entendimento da seleo natural,
fornecer todas as explicaes que justifiquem o porqu de uma caracterstica especfica existir em
uma determinada linhagem de organismos.
Contudo, foi somente a partir da dcada de 1970 que novas questes, capazes de transpor o
pensamento puramente adaptacionista e levar a uma melhor compreenso dos limites do papel da
seleo natural, emergiram, se instauraram e passaram a se amplificar nos correntes debates
travados na comunidade cientfica ligada ao estudo da evoluo. Ainda que muitas das idias
bsicas do pensamento darwinista tenham sido mantidas com um papel central no pensamento
evolutivo, muitos avanos importantes tiveram lugar, merecendo destaque no contexto
contemporneo. A histria da evoluo dos seres vivos tem passado a ser compreendida, nas ltimas
dcadas, no apenas como o resultado cumulativo dos efeitos da seleo natural. Hoje, sabemos que
nem todas as caractersticas presentes nos seres vivos so adaptaes, ou seja, nem tudo que
reconhecemos expresso em um organismo pode ser entendido como um produto da seleo natural.
Entre os recentes avanos alcanados pela biologia evolutiva, podemos destacar a idia de que
outros mecanismos evolutivos, alm da seleo natural, tm papel causal e explicativo na evoluo
dos seres vivos.
Torna-se necessrio, assim, investigar e compreender como e em que condies uma srie de
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outros mecanismos evolutivos pode tambm estar atuando. Esta nova perspectiva de interpretao
dos fenmenos evolutivos pode ser caracterizada como um pluralismo de processos (Pigliucci;
Kaplan,2000, Meyer; El-Hani, 2000). Por pluralismo de processos, entende-se o reconhecimento da
contribuio de mltiplos fatores que atuam de modo complementar nos processos evolutivos,
incluindo seleo natural, deriva gnica, distintos modos de especiao, restries ao processo
evolutivo (sejam histricas ou desenvolvimentais), construo de nicho, simbiognese, auto-
organizao etc.
Os estudos desenvolvidos pela biologia evolutiva do desenvolvimento (evo-devo) tm sido
responsveis por uma parte relevante destes avanos relativos aos limites explicativos da teoria
sinttica da evoluo, principalmente no que se refere elucidao dos processos de morfognese e
produo de inovaes morfolgicas em organismos multicelulares. Estes estudos tm permitido a
compreenso dos limites plsticos e da conservao dos padres corporais dos animais, com base
no entendimento de que os organismos, ao longo do desenvolvimento, esto submetidos a
restries, as quais determinam possibilidades de expresso das suas caractersticas e, assim, o
repertrio de variantes sobre as quais atuar a seleo natural. Restries desenvolvimentais
promovem um enviesamento na produo das variantes fenotpicas, ao mesmo passo em que
limitam a variabilidade fenotpica em funo da estrutura, carter, composio ou dinmica do
sistema desenvolvimental, Maynard Smith J, et al. (1985).
A evo-devo, nas ltimas dcadas, passou a ter um papel central na compreenso da dinmica
evolutiva, visto o reconhecimento de suas contribuies para a elucidao das dinmicas
regulatrias dos processos desenvolvimentais que produzem as formas dos organismos
multicelulares. O desenvolvimento est relacionado a uma gama de processos fundamentais, tais
como a regulao gnica, a diferenciao celular e morfognese (origem das formas). Compreender
os processos desenvolvimentais a base para que possamos entender a produo das inovaes
morfolgicas. Estas mesmas inovaes, por sua vez, que iro enriquecer o repertrio de variantes
possveis, sobre as quais a seleo subsequentemente ir atuar. O estudo dos processos
desenvolvimentais que determinam tal repertrio de variantes possveis tem permitido uma
compreenso mais aprimorada das possibilidades e dos limites da seleo natural.
Um importante avano para entender a relevncia dos estudos sobre o desenvolvimento se
deve compreenso de que, a um mesmo passo em que o desenvolvimento o processo que
produz inovaes morfolgicas, ele tambm restringe as possibilidades de modificaes que
podem ser originadas. Ou seja, o desenvolvimento impe limites para as possibilidades de
variaes das caractersticas que uma populao pode expressar. Tal restrio se d devido ao fato
de que o desenvolvimento no infinitamente plstico. A complexidade do desenvolvimento em
seu ordenamento de etapas sequenciadas orienta os sentidos possveis para o surgimento de certas
inovaes morfolgicas, enquanto outras mudanas so menos cabveis de serem originadas.
A evoluo e o desenvolvimento se influenciam mutuamente, embora representem
processos distintos e atuem em escalas temporais diferentes: o desenvolvimento ao longo da vida
do organismo, de um modo transformacional, e a evoluo ao longo de vrias geraes numa linha,
de um modo variacional. O desenvolvimento, assim como as demais caractersticas dos indivduos
em uma populao, tambm alvo da seleo natural e se modifica no decorrer do processo
evolutivo, canalizado certos caminhos mais provveis de serem percorridos pela evoluo. Por
meio da herana, tanto gentica, quanto epigentica, os organismos recebem tambm um legado
desenvolvimental, ou seja, reproduzem os padres de desenvolvimento dos seus ancestrais. Por
conseguinte, esta herana dos padres de desenvolvimento que determina os limites e as
possibilidades das inovaes morfolgicas das futuras descendncias. Por conseguinte, a biologia
evolutiva do desenvolvimento tem nos permitido entender as restries como um fator evolutivo
fundamental para a elucidao dos processos de origem e transformao das estruturas
morfolgicas, ao longo da histria filogentica dos grupos.
26
Um interessante exemplo de restrio pode ser dado em relao ao ramo dos tetrpodes:
neste grupo, podemos notar que no so encontradas, desde os organismos mais plesiomrficos aos
mais derivados, uma variao que tenha permitido originar indivduos com seis ou oito, ou
qualquer outro nmero diferente de quatro patas. Esta constatao de invarincia possivelmente
poderia ser explicada com base na compreenso de um rigoroso sequenciamento progressivo das
etapas durante o desenvolvimento dos tetrpodes, o qual foi herdado de seus ancestrais mais
remotos. Tal condio de estabilidade de padro nos indica que o percurso descrito pelo padro
desenvolvimental desses animais impossibilita uma variao em relao ao nmero de patas. Este
exemplo dado pode nos ajuda a compreender como a seleo natural atua apenas sobre um
repertrio limitado de possibilidades, as quais so estabelecidas por restries decorrentes dos
processos desenvolvimentais. Entre os tetrpodes, possvel a observao de uma infinidade de
formas de patas adaptadas s mais diversas condies, contudo sempre em nmero de quatro.
A evo-devo tambm tem explicado como alteraes nos padres de expresso gnica,
decorrentes de mudanas nas seqncias regulatrias de genes desenvolvimentais, podem conduzir
a mudanas radicais na morfologia, influenciando o surgimento de novidades evolutivas (Wagner,
2007). Essas mudanas no desenvolvimento podem rapidamente dar origem a indivduos muito
diferentes das mdias morfolgicas das populaes s quais pertencem, sendo que este salto na
morfologia, inclusive, pode se dar de uma gerao para outra. A evo-devo, neste sentido, tem
desempenhado um papel importante na reestruturao do pensamento evolutivo, porque nos
confere a possibilidade de realizar uma interpretao diferenciada em relao s taxas nas
mudanas dos padres evolutivos. Estamos nos referindo aqui a uma interpretao diferenciada
porque segundo o modelo do gradualismo filtico, que admitido pela teoria sinttica da evoluo,
as taxas nas mudanas dos padres evolutivos ocorre sempre de modo lento e gradual, acumulando
pequenas alteraes ao longo de grandes escalas temporais. Tal convico justificada pela teoria
sinttica com base no entendimento de que a seleo natural no fornece explicaes para os
rpidos saltos evolutivos e como esta admite a seleo natural como mecanismo exclusivo, a
evoluo deveria, por conseguinte, ocorrer de modo gradualista.
Essa controvrsia em relao s velocidades das taxas de mudana evolutiva deu origem a
importantes polmicas em outro momento histrico da biologia evolutiva, no incio na dcada de
1970, quando foi proposto o modelo de equilbrio pontuado, por Niles Eldredge e Stephen Jay
Gould (1972). Este modelo foi desenvolvido de modo a se ajustar a padres evolutivos
frequentemente encontrados nos registros paleoecolgicos, que incluem longos perodos de
estabilidade, durantes os quais as espcies permaneceriam praticamente inalteradas (momentos de
estase); estes, por sua vez, seriam intercalados por perodos comparativamente mais curtos nos
quais ocorrem rpidas mudanas morfolgicas nos organismos, correspondendo aos perodos em
que novas espcies tm origem (momentos de pontuao). Na Figura 1, podemos observar uma
contraposio entre os padres filogenticos propostos pelo gradualismo filtico, caracterstico da
teoria sinttica, e pela teoria do equilbrio pontuado.
Figura 1 Padres filogenticos propostos pelo gradualismo filtico (esq) e pelo equilbrio pontuado (dir) (Ridley, 2005)
27
Nota-se que, no gradualismo filtico, a diversificao morfolgica das espcies, que explica
os padres macroevolutivos, se origina por divergncia gradual de caractersticas ao longo do
tempo, em linhagens separadas por processos de especiao, enquanto, no padro do equilbrio
pontuado, a divergncia morfolgica ocorre no momento mesmo da especiao, sendo as
caractersticas das espcies mantidas aps sua diversificao, provavelmente com o surgimento de
adaptaes, via seleo natural, por ajuste mais fino das morfologias aos regimes seletivos.
Gould e Eldredge buscaram explicar os momentos de pontuao com base em na teoria do
efeito fundador, proposta por Ernst Mayr De acordo com esta teoria, novas espcies surgem
frequentemente quanto pequenos conjuntos de indivduos so isolados do restante de uma
populao. Estes pequenos grupos carregariam consigo combinaes de genes diferentes da
populao original, de modo que estas devido a tal caracterstica poderiam se diferenciar
rapidamente, enquanto a p populaes maiores permaneceriam estabilizadas por conta do fluxo
gnico entre os indivduos que as manteria geneticamente coesas. Contudo, alm de estudos
genticos comprovarem que a maior parte das diferenas encontradas entre indivduos de espcies
distintas muito semelhante diferena encontrada entre indivduos de uma mesma espcie, ainda
que ocorram em nmero maior; tambm a idia de que apenas este mecanismo seria suficiente para
explicar a imensa diversidade de formas vivas, em contraposio idia de origem das diferenas
entre espcies por lento acmulo de caractersticas por seleo natural, no se sustentou perante as
muitas crticas da comunidade cientfica credibilidade das explicaes fornecias para o modelo.
No obstante os processos propostos por Gould e Eldredge no terem sido aceitos, o padro do
equilbrio pontuado lagamente aceito, sendo, exatamente por isso, necessrio explic-lo de modo
mais consistente.
Hoje, passadas algumas dcadas e em decorrncia dos progressos alcanados na biologia
evolutiva, inclusive na evo-devo, talvez seja possvel fornecer explicaes mais plausveis em
relao questo de como, ao longo da histria da vida, se do as rpidas mudanas nos padres
evolutivos que correspondem s pontuaes. Estas explicaes tm sido marcadas por uma
tendncia mais pluralista, envolvendo a contribuio coletiva de mltiplos mecanismos, tendo em
vista que as mudanas observadas durante as pontuaes evolutivas so demasiadamente rpidas
para que possam ser explicadas apenas do ponto de vista da seleo natural. O entendimento das
rpidas mudanas morfolgicas decorrentes de alteraes dos processos de regulao gnica
durante o desenvolvimento pode contribuir, decerto, para explicar em parte como ocorrem as
explosivas diversificaes caractersticas dos momentos de pontuao evolutiva.
No contexto atual da pesquisa, torna-se necessrio o desenvolvimento de um conhecimento
integrado que possa, concomitantemente, buscar estabelecer relaes entre as condies
ecolgicas, os possveis mecanismos que possam estar atuando paralelamente na evoluo e as
mudanas nas taxas evolutivas. Um caminho interessante a seguir seria buscar estudar e
compreender os regimes seletivos que operam durante as condies ecolgicas relativas aos
fenmenos de explosiva diversificao morfolgica, com o surgimento de novas espcies, durante
os momentos de pontuao na histria evolutiva. Para tal, ainda mantendo como base as questes
referentes ao atual panorama de mudana conceitual e da necessidade de integrao destes novos
contedos da biologia evolutiva e do pluralismo de processos aos estudos da ecologia, o presente
trabalho procurou abordar tambm algumas questes relativas os modos atravs dos quais tais
contedos podem ser trabalhados na formao de novos bilogos. Deste modo, em uma
perspectiva educacional, o presente trabalho buscou desenvolver e validar uma sequncia didtica
construda com base em um estudo de caso, o qual teve como objeto a pontuao evolutiva relativa
radiao dos tetrpodes aps a conquista do meio terrestre. Esta sequncia buscou reconstituir um
dos cenrios explicativos possveis para o regime paleoecolgico envolvido nesta mudana, o qual
foi modelado sob uma perspectiva plura