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i UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE BIOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E BIOMONITORAMENTO Wellington Bittencourt dos Santos Análise de livros didáticos e validação de sequência didática sobre pluralismo de processos e evo-devo no contexto do ensino de Zoologia de Vertebrados. Salvador, Junho de 2011

Análise de Livros Didáticos e Validação de Sequência Didática Sobre Pluralismo de Zoologia 2011 UFBA DISSERTAÇÃO Wellington

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Educação

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    INSTITUTO DE BIOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECOLOGIA E

    BIOMONITORAMENTO

    Wellington Bittencourt dos Santos

    Anlise de livros didticos e validao de sequncia didtica sobre pluralismo de

    processos e evo-devo no contexto do ensino de Zoologia de Vertebrados.

    Salvador, Junho de 2011

  • ii

    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    INSTITUTO DE BIOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECOLOGIA E

    BIOMONITORAMENTO

    Wellington Bittencourt dos Santos

    Anlise de livros didticos e validao de sequncia didtica sobre pluralismo de

    processos e evo-devo no contexto do ensino de Zoologia de Vertebrados.

    Dissertao apresentada ao Instituto

    de Biologia da Universidade Federal

    da Bahia, para a obteno de Ttulo

    de Mestre em Ecologia e

    Biomonitoramento.

    Orientador: Prof. Dr. Charbel Nio

    El-Hani

    Salvador, Junho de 2011

  • iii

    Comisso Julgadora:

    Prof. Dr. Hilton Ferreira Japyass Prof(a). Dr(a). Maria Elice Prestes Brzezinski Instituto de Biologia/ UFBA Instituto de Biologia/ USP

    Prof. Dr. Charbel Nio El-Hani

    Orientador Instituto de Biologia/ UFBA

  • iv

    BITTENCOURT, Wellington Santos

    Anlise de livros didticos e validao de sequncia

    didtica sobre pluralismo de processos e evo-devo no

    contexto do ensino de Zoologia de Vertebrados., 506p.

    Dissertao (Mestrado) - Instituto de Biologia da

    Universidade Federal da Bahia.

    1. Pluralismo de processos 2. Evo-devo 3. Anlise de

    contedo 4. Livros didticos 5. Design research 6.

    Sequncia didtica.

    I. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Biologia.

  • v

    Agradecimentos

    Gostaria de agradecer imensamente a minha famlia, aos meus dois filhos que sempre

    trouxeram muito encanto e pureza para acalentar os momentos duro de trabalho, ao

    companheirismo e dedicao da esposa, aos meus pais por terem sempre torcido e acreditado em

    mim. Muito importante tambm ressaltar a cumplicidade e o grande apoio dos meus amigos,

    principalmente neste momento, aqueles que muito contriburam com a realizao do presente

    trabalho, em especial a Gustavo Cruso, mais ainda outros grandes parceiros como Juracy do Amor,

    e Lucas Viana.

    Agradeo tambm todo o suporte fornecido pela UFBA e FAPESB, ao programa de ps-

    graduao em ecologia e biomonitoramento pela excelncia de ensino e fundamentao que pude

    usufruir durante o desenvolvimento da pesquisa que realizei. Torna-se, contudo, mais do que

    necessrio agradecer e reverenciar o meu orientador, Charbel El-hani, pela incomensurvel

    dedicao e competncia com a qual conduziu os sucessos aqui alcanados. Por fim, mas no

    menos importante, ao professor Marcelo Napoli pelo engajamento e colaborao com o projeto de

    pesquisa proposto.

  • vi

    ndice

    Captulo 1 A abordagem do pluralismo de processos e da evo-devo em livros didticos de Biologia

    Evolutiva e Zoologia de Vertebrados .................................................................................................... 7

    Resumo ................................................................................................................................................ 7

    Abstract ............................................................................................................................................... 8

    1. Introduo.................................................................................................................................... 9

    2. Metodologia ...................................................................................................................................12

    2.1. A constituio do corpus de anlise ..............................................................................................12

    2.2. Anlise dos livros didticos ...........................................................................................................13

    3. Resultados e discusso ....................................................................................................................15

    4. Concluses ......................................................................................................................................19

    Referncias .........................................................................................................................................19

    Captulo 2 Validao de uma sequncia didtica que utilizou o Pluralismo de processos e Evo-devo

    em explicaes narrativas da conquista do ambiente terrestre ...........................................................22

    Resumo ...............................................................................................................................................22

    Abstract ..............................................................................................................................................23

    1. Introduo...................................................................................................................................24

    2. O uso de narrativas no ensino de evoluo ..................................................................................29

    3. Metodologia de construo, aplicao e validao da seqncia didtica ....................................30

    4. Resultados e Discusso ................................................................................................................34

    5. Consideraes finais ....................................................................................................................39

    Referncias .........................................................................................................................................40

    Anexo 1 - Questionrio de Avaliao dos estudantes ...........................................................................42

    Anexo 2 - Protocolo de entrevista dos estudantes ...............................................................................49

    Anexo 3 - Sequncia didtica sobre Conquista do meio terrestre ..........................................................50

    Anexo 4 - Transcrio de parte da entrevista com professor da disciplina ............................................53

    Anexo 5 - Ementas de zoologia - Portugus .........................................................................................55

    Anexo 6 -Ementa de zoologia - Ingls ..................................................................................................92

  • vii

    Anexo 7 - Ementa de zoologia - Espanhol ..........................................................................................107

    Anexo 8 - Ementa de evoluo - Portugus .......................................................................................136

    Anexo 9 - Ementa de evoluo - Ingls ..............................................................................................171

    Anexo 10 - Ementa de Evoluo Espanhol .........................................................................................206

    Anexo 11 - Livros de Evoluo ...........................................................................................................233

    FUTUYMA .........................................................................................................................................233

    RIDLEY ..............................................................................................................................................311

    STEANERS .........................................................................................................................................409

    Anexo 12 - Livros De Zoologia............................................................................................................468

    HICKMAN ..........................................................................................................................................468

    HILDEBRAND .....................................................................................................................................484

    POUGH .............................................................................................................................................492

    Anexo 13 Normas para submisso de trabalhos ao peridico cientfico: Cincia e Educao ...........499

    Anexo 14 Normas para submisso de trabalhos ao peridico cientfico: IENCI Investigao em

    Ensino de Cincias ...........................................................................................................................504

    ndice de Tabelas

    Tabela 1.1 - Livros didticos de Biologia Evolutiva mais mencionados em ementas de cursos de nvel

    superior localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol. ...13

    Tabela 1.2- Livros didticos de Zoologia de Vertebrados mais mencionados em ementas de cursos de nvel

    superior localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol. ...13

    Tabela 1.3 Distribuio das categorias nos livros didticos de Biologia Evolutiva. ...................................15

    Tabela 1.4 Distribuio das categorias nos livros didticos de Zoologia de Vertebrados. ...........................16

    Tabela 4. Categorizao das respostas dos estudantes. ............................................................................36

    ndice de Figuras

    Figura 1e 1 ................................................................................................................................... 26

  • 7

    Artigo submetido ao peridico cientfico: Cincia e Educao (normas no Anexo 13)

    Captulo 1 A abordagem do pluralismo de processos e da evo-devo em livros didticos de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados

    The treatment of process pluralism and evo-devo in higher education Evolution and Vertebrate

    Zoology textbooks

    Wellington Bittencourt dos Santos [[email protected]]

    Charbel Nio-El-Hani [[email protected]]

    Universidade Federal da Bahia

    Rua Baro de Jeremoabo, s/n, Ondina,

    Salvador- BA, Brasil. CEP: 40170-115

    Resumo

    Este artigo relata os resultados de uma anlise de contedo comparativa de trs livros didticos de

    biologia evolutiva e trs livros didticos de zoologia de vertebrados, muitos adotados em ementas

    de cursos de formao superior de biologia de diversas universidades de pases de lnguas latinas e

    anglo-saxnicas. Atravs de uma anlise documental quali-quantitativa dos livros didticos,

    realizada atravs de metodologia de anlise de contedo, empreendemos uma investigao sobre a

    abordagem e recontextualizao de contedos relativos biologia evolutiva do desenvolvimento

    (evo-devo) e ao pluralismo de processos presentes nos livros selecionados. Com base nesta

    investigao, buscamos responder seguinte pergunta: em que medida e de que maneira os

    referidos contedos, relacionados a avanos importantes que tiveram lugar na biologia evolutiva das

    ltimas duas dcadas, esto sendo recontextualizados em livros didticos de evoluo e nas

    discusses sobre evoluo presentes em livros didticos de zoologia de vertebrados? Os achados

    deste estudo indicam que os livros de evoluo se encontram ainda em uma fase inicial de

    recontextualizao dos contedos relativos ao pluralismo de processos e, assim, ao que tem sido

    denominada a sntese estendida no campo da biologia evolutiva. Contudo, eles se encontram em um

    estgio mais avanado de recontextualizao que os livros de zoologia de vertebrados analisados,

    nos quais foi observada uma diversidade substancialmente menor de mecanismos evolutivos, com

    uma grande nfase apenas sobre a seleo natural. Estes achados no so surpreendentes, uma vez

    que a idia de uma sntese estendida ainda no est bem estabelecida na prpria biologia evolutiva.

    No que diz respeito aos contedos relativos evo-devo, foi constatado um nvel mais significativo

    de recontextualizao nos livros didticos de ambos os campos de estudo, o que mostra que ao

    menos parte do contedo da chamada sntese estendida j alcanou o ensino superior de biologia.

    Palavras-chave: Pluralismo de processos. Sntese estendida. Evo-devo. Anlise de contedo.

    Livros didticos.

  • 8

    Abstract

    This article reports the results of a comparative content analysis of three evolutionary biology

    textbooks and three vertebrate zoology textbooks, significantly adopted in the biology higher

    education syllabuses in several universities of Latin and Anglo-Saxon countries. Through a

    documental quali-quantitative analysis of the textbooks, performed by using content analysis

    methodology, we undertook an investigation of the approach and recontextualization of contents

    related to evolutionary developmental biology (evo-devo) and process pluralism in the selected

    books. Based on this investigation, we sought to answer the following question: to what extent and

    in what manner those contents, related to important advances that took place in evolutionary

    biology in the last two decades, are recontextualized in evolution textbooks and in the discussions

    on evolution present in vertebrate zoology textbooks? The findings of this study show that

    evolution textbooks are still at an initial phase of recontextualization of the contents related to

    process pluralism and, thus, to what has been called the extended synthesis in the field of

    evolutionary biology. However, they are in a more advanced stage of recontextualization than the

    analyzed vertebrate zoology textbooks, in which a substantially smaller diversity of evolutionary

    mechanisms was observed, with a large emphasis only on natural selection. These findings are not

    surprising, since the idea of an extended synthesis is not well established yet in evolutionary

    biology itself. With regard to the evo-devo contents, a more significant level of recontextualization

    was observed in the textbooks of both fields, showing that at least part of the content of the so-

    called extended synthesis already reached biology higher education.

    Keywords: Process pluralism. Extended synthesis. Evo-devo. Content analysis. Textbooks.

  • 9

    1. Introduo

    A situao atual da biologia evolutiva marcada por debates em torno das competncias

    explanatrias e do potencial heurstico da teoria sinttica da evoluo, que tm mostrado limites

    importantes no que diz respeito compreenso de uma srie de fenmenos evolutivos. Estes limites

    tm sido postos em relevo, em particular, pela idia de que no exclusivamente a seleo natural,

    mas tambm diversos outros mecanismos evolutivos tm papel causal e explicativo na evoluo dos

    seres vivos, sendo importante ressaltar, contudo, que todos estes mecanismos esto situados dentro

    de um quadro naturalista (Sepulveda; El-Hani, 2008; Sepulveda; Meyer; El-Hani 2011). O

    pensamento evolutivo tem vivenciado, pois, um momento intenso de desenvolvimento e

    reformulaes, passando por novas concepes que tm buscado caracterizar esse novo cenrio na

    biologia evolutiva em termos de um pluralismo de processos (Pigliucci; Kaplan, 2000; Meyer; El-

    Hani, 2005). De um lado, no temos, em tal contexto histrico, uma revoluo kuhniana, na medida

    em que no h incomensurabilidade entre as novas idias em construo no cenrio contemporneo

    e a sntese moderna, construda entre as dcadas de 1920e 1950; de outro, tambm no se tratam de

    meros ornamentos, na medida em que idias centrais esto sendo acrescentadas sntese,

    estendendo-a desde uma abordagem focada em mudanas de freqncias gnicas em populaes como nos modelos da gentica de populaes para uma abordagem causal-mecanstica da origem da variao e da inovao fenotpica. Podemos falar, assim, numa sntese estendida ou expandida

    (e.g., Kutschera; Niklas, 2004; Mller, 2007; Pigliucci; Mller, 2010).

    Por pluralismo de processos, entende-se o reconhecimento da contribuio de mltiplos

    fatores evolutivos, que atuam de modo complementar no processo evolutivo, incluindo seleo

    natural, deriva gnica, plasticidade fenotpica, mecanismos epigenticos de herana, distintos

    modos de especiao, construo de nicho, restries ao processo evolutivo (sejam histricas ou

    desenvolvimentais), evolvabilidade, simbiognese, auto-organizao etc. Embora outros fatores

    evolutivos, complementares ao processo de seleo natural, tm sido propostos e apoiados

    empiricamente, assim como a sua relevncia para a diversificao das espcies tem sido cada vez

    mais reconhecida, importante ter clareza de quais, exatamente, so os pontos de debate. A

    proposta de uma sntese estendida, como deixa clara sua prpria denominao, no incorpora uma

    viso anti-selecionista, dado que o papel da seleo natural continua sendo considerado de

    fundamental importncia para a elucidao dos processos evolutivos, no obstante a efetiva perda

    de poder explicativo que a afeta, na exata medida em que o papel explicativo de outros fatores passa

    a ser reconhecido. Dizer que se trata de uma sntese estendida significa afirmar que esta uma

    teoria tambm darwinista, sendo aplicado o adjetivo darwinista, como prope Gould (2002), a teorias que mantm um reconhecido do papel da seleo natural no processo evolutivo, atribuindo,

    ademais, importncia a este papel. Contudo, abordar os fenmenos evolutivos dentro de uma

    perspectiva pluralista requer mais do que fornecer, como numa perspectiva adaptacionista

    (Sepulveda; El-Hani, 2008; Sepulveda; Meyer; El-Hani, 2011; Caponi, 2011), apenas uma

    explicao selecional para todas as modificaes observadas ao longo da histria evolutiva de um

    clado; torna-se necessrio buscar compreender a possvel influncia de outros mecanismos

    evolutivos que podem estar atuando de modo antagonstico ou sinergstico seleo.

    Dentro da construo da sntese estendida, um campo que tem merecido destaque a

    biologia evolutiva do desenvolvimento, em geral referida como evo-devo, que passou a ter, nas

    ltimas dcadas, um papel central na compreenso das dinmicas evolutivas (e.g. Arthur, 2002;

    Mller; Newman, 2003; Robert, 2004; Love, 2006; Mller, 2007; Laubichler; Maienschein, 2007;

    Carroll, 2008). O foco nesse caso recai sobre organismos multicelulares, nos quais a variao e

    inovao fenotpica decorrem de processos de desenvolvimento e, em particular, de morfognese,

    de modo que no se pode pr de lado a relao entre o desenvolvimento e a seleo natural, na

    medida em que esta atua sobre o repertrio de variantes possveis produzidas pelo desenvolvimento,

    a depender de vias desenvolvimentais herdadas na histria de um clado.

    Um importante avano para entender a relevncia dos estudos sobre o desenvolvimento se

    deve compreenso de que, a um mesmo passo em que atravs dele que inovaes morfolgicas

  • 10

    so produzidas e podem ser submetidas seleo natural, ele tambm restringe as possibilidades de

    modificaes que podem ser originadas. Ou seja, o desenvolvimento impe limites para as

    possibilidades de variao das caractersticas que uma populao pode expressar, na medida em que

    no infinitamente plstico. Os processos de gerao da forma no desenvolvimento resultam, pois,

    em restries desenvolvimentais, que enviesam a distribuio de variantes na populao, uma vez

    que propriedades entrincheiradas dos sistemas de desenvolvimento, ou seja, que no admitem muita

    variao, sob pena de o desenvolvimento ser interrompido, tornam certas formas de mudana mais

    provveis do que outras. Para usar uma analogia proposta por Goodwin (1986), isso significa que a

    seleo no pode escolher qualquer prato no restaurante das formas variantes de vida, mas apenas pratos disponveis no cardpio estabelecido pelo desenvolvimento, com seu espao de possibilidades e restries.

    Uma vez que a seleo natural atua sobre um repertrio limitado de possibilidades

    estabelecidas por restries decorrentes dos processos desenvolvimentais entre outras restries, como as restries fsicas, por exemplo a evoluo e o desenvolvimento se influenciam mutuamente, embora representem processos distintos que atuam em escalas temporais diferentes: o

    desenvolvimento ao longo da vida do organismo, no tempo ontogentico, e de uma maneira

    transformacional, e a evoluo ao longo das geraes que constituem uma linhagem, no tempo

    filogentico, e de uma maneira variacional. Compreender adequadamente a relao entre

    desenvolvimento e evoluo, por mais ntima, requer no perder de vista estas diferenas entre os

    dois processos, que trouxeram, por muito tempo, dificuldades para a formulao de uma teoria

    evolutiva consistente e empiricamente adequada (e.g., Bowler, 2003).

    No se pode perder de vista, ainda, que o desenvolvimento, como as demais caractersticas

    dos indivduos em uma populao, tambm alvo da seleo natural, da deriva e de outros

    processos, e se modifica no decorrer do processo evolutivo, canalizando caminhos possveis de

    serem percorridos na evoluo. Uma vez que o desenvolvimento depende, fundamentalmente, de

    vias desenvolvimentais herdadas de geraes anteriores e a seleo tem papel importante (mas no

    exclusivamente determinante) na distribuio destas vias que sero herdadas, a seleo influencia o

    desenvolvimento tanto quanto este a influencia. Os organismos recebem tambm um legado

    desenvolvimental por meio da herana, no somente gentica, mas tambm epigentica, desta

    maneira reproduzindo em parte os padres de desenvolvimento dos seus ancestrais (Jablonka &

    Lamb, 2006). Por conseguinte, esta herana de padres de desenvolvimento que determina os

    limites e as possibilidades das inovaes morfolgicas das futuras geraes. Consequentemente,

    devemos entender os estudos relativos restrio desenvolvimental como fundamentais para a

    elucidao da origem e transformao das estruturas morfolgicas, ao longo da histria filogentica

    dos grupos. Estas restries desenvolvimentais promovem um enviesamento na produo das

    variantes fenotpicas, dado que limitam a variabilidade em funo da estrutura, carter, composio

    ou dinmica do sistema desenvolvimental (Maynard Smith et al., 1985). Contudo, elas no

    cumprem apenas um papel negativo na evoluo, na medida em que podem tambm canalizar

    processos de mudana evolutiva, acelerando a transformao da forma orgnica nas linhagens e

    tambm estabelecendo direcionalidade no processo evolutivo (Gould, 2002).

    A biologia evolutiva do desenvolvimento tambm desempenha outro papel importante na

    reestruturao do pensamento evolutivo, na medida em que contribui para a superao do

    gradualismo estrito que caracterizou a sntese moderna, ao fornecer uma base causal-mecanstica

    que nos permite explicar mudanas na velocidade das taxas evolutivas, decorrentes de uma

    dinmica de profuso de inovaes morfolgicas que podem ser explicadas com base em alteraes

    regulatrias no desenvolvimento. A evo-devo explica como alteraes nos padres de expresso

    gnica, decorrentes de mudanas nas seqncias regulatrias de genes desenvolvimentais, podem

    conduzir a mudanas radicais na morfologia, canalizando o surgimento de novidades evolutivas

    (Wagner, 2000). Nestes casos, podem ser originadas grandes mudanas na morfologia dos

    organismos a partir de pequenas mudanas nas seqncias de DNA, com certas estruturas

    morfolgicas surgindo atravs de uma transformao discreta e completa, sem uma srie gradual de

    etapas intermedirias entre uma forma e outra, estendida ao longo de muitas geraes. Essas

  • 11

    mudanas hometicas contrastam com a nfase, na teoria sinttica da evoluo, assim como na

    teoria darwinista original, sobre o acmulo lento e gradual de pequenas modificaes ao longo de

    grandes escalas temporais, pela ao exclusiva do mecanismo de seleo natural. Hoje, possvel

    entender como mudanas no desenvolvimento podem rapidamente dar origem a indivduos muito

    diferentes das mdias morfolgicas das populaes s quais pertencem, por meio de mecanismos

    estudados pela evo-devo. Se, de um lado, estas mudanas morfolgicas so demasiadamente rpidas

    para serem explicadas apenas pelo poder cumulativo da seleo natural, de outro, no podemos

    perder de vista que elas, como quaisquer inovaes morfolgicas, so submetidas peneira da

    seleo. Portanto, se tiveram conseqncias evolutivas, porque foram preservadas em

    determinados regimes seletivos, que favoreceram morfologias muito distanciadas da mdia de uma

    populao, ou, alternativamente, em circunstncias ambientais em que a fora da seleo natural foi

    relaxada por exemplo, em circunstncias nas quais efeito fundador e deriva se tornam muito freqentes.

    Diante deste quadro de mudanas conceituais na biologia evolutiva, entendemos que

    emerge, na atualidade, uma necessidade de compreender a evoluo em termos de um

    conhecimento integrado, que d conta da interconectividade de mltiplos mecanismos evolutivos

    num contexto de condies histricas, desenvolvimentais e ecolgicas. Por conseguinte, ao

    buscarmos reconstituir as dinmicas evolutivas dos grupos viventes, devemos procurar, de modo

    complementar e dentro dos seus contextos ecolgicos especficos, fornecer tanto explicaes

    relativas a processos graduais, decorrentes da seleo natural, como explicaes relativas a

    alteraes morfolgicas substancialmente mais rpidas, decorrentes de alteraes na regulao do

    desenvolvimento para nos atermos a apenas um entre muitos aspectos da construo de uma sntese estendida.

    De uma perspectiva educacional, coloca-se a questo de como trabalhar com um

    conhecimento integrado e pluralista sobre o processo evolutivo na formao de bilogos, tanto

    aqueles que se direcionaro para a pesquisa acadmica e a atuao tcnica, quanto queles que sero

    professores de biologia. Temos investigado, assim, o conhecimento escolar de evoluo, nos nveis

    mdio e superior, tanto em termos de um diagnstico de sua situao corrente, quanto em termos da

    construo de inovaes pedaggicas que permitam no somente ensinar sobre idias fundamentais

    da biologia evolutiva de modo efetivo, mas tambm introduzir ao menos alguns elementos dos

    debates contemporneos que discutimos acima. O presente artigo est focado num objetivo de

    diagnstico e no contexto do ensino superior, dentro deste programa de pesquisa mais amplo. Trata-

    se de um estudo sobre se e como livros didticos de ensino superior das reas de Biologia Evolutiva

    e Zoologia de Vertebrados tm tratado de contedos relativos ao pluralismo de processos e evo-

    devo. Estamos interessados, assim, na recontextualizao pedaggica dos conhecimentos sobre evo-

    devo e pluralismo de processos no ensino superior de evoluo, uma vez que, caso tenha ocorrido,

    produz um marco de referncia para tal recontextualizao em outros campos da biologia, como o

    ensino de zoologia.

    O foco sobre os livros didticos se explica pelo papel que cumprem na construo da

    prtica pedaggica, tanto na educao bsica quanto no ensino superior, influenciando de modo

    substancial a formao de cientistas e professores de cincias. Livros didticos influencem

    fortemente a prtica da maioria dos professores e a aprendizagem dos estudantes, sendo

    frequentemente um dos principais determinantes do currculo em ao, dado seu papel na seleo e

    sequenciao de contedos, atividades de aprendizagem, abordagens de avaliao etc. (Ball and

    Feiman-Nemser 1988; Beltrn et al. 2003; Gayn and Garca 1997). Eles so, pois, mais do que um

    material de leitura; eles sao mediadores do conhecimento presente na cincia escolar e fontes

    estruturadoras das atividades em sala (DiGisi and Wilett 1995; Moody 2000). A relevncia de

    investigar livros didticos do ensino superior tambm decorre de sua influncia sobre os livros da

    educao bsica. Afinal, os primeiros desempenham um papel na formao dos prprios autores de

    livros didticos voltados para a educao bsica, tendo influncia significativa sobre a constituio

    dos discursos sobre evoluo presentes nas salas de aula de Biologia e Cincias.

  • 12

    2. Metodologia

    2.1. A constituio do corpus de anlise

    Os livros didticos submetidos anlise foram selecionados pela representatividade de seu

    uso em cursos de Evoluo e Zoologia de Vertebrados de universidades situadas em pases de

    lngua latina e anglo-saxnica. O corpus de anlise foi constitudo por trs livros didticos de

    Biologia Evolutiva e trs de Zoologia de Vertebrados. Para realizar tal seleo, fizemos um

    levantamento de ementas de tais cursos atravs da ferramenta de buscas Google, utilizando, em associao com a palavra-chave ementa, as seguintes palavras-chave: biologia evolutiva, teoria evolutiva, zoologia vertebrados e faculdade de biologia. Os resultados da busca foram

    examinados na ordem fornecida pelo Google, que atende ao critrio de ordenao decrescente com base no nmero de acessos efetivados pelos usurios da internet. As buscas foram realizadas

    em portugus, ingls e espanhol, a fim de aumentar a representatividade da amostra de obras

    utilizadas em programas de formao superior de bilogos em diversas universidades do mundo

    anglo-saxo e latino.

    Nos livros de Evoluo, nosso foco de anlise recaiu sobre o tratamento de diversos

    mecanismos evolutivos que so mencionados, no contexto contemporneo, como parte de um

    pluralismo de processos. No caso dos livros de Zoologia de Vertebrados, focamos nossa ateno

    sobre as narrativas evolutivas acerca da conquista do ambiente terrestre e da diversificao dos

    tetrpodes, que tm papel chave na evoluo dos vertebrados.

    Devido ao fato de muitas mudanas no pensamento evolutivo, assim como novas

    interpretaes e evidncias sobre a conquista do ambiente terrestre pelos tetrpodes, terem ocorrido

    na ltima dcada, foram includas obras que continham edies nos ltimos dez anos, a contar do

    ano em que foi feito o levantamento (2008). Afinal, tais mudanas, interpretaes e evidncias s

    poderiam estar presentes em edies mais recentes. Nossa inteno inicial era analisar 100 ementas

    em lngua portuguesa, 100 ementas em lngua inglesa e 50 ementas em lngua espanhola. A deciso

    de realizar maior amostragem nas lnguas inglesa e portuguesa foi decorrente dos seguintes pontos:

    (1) a lngua inglesa a mais utilizada pela comunidade cientfica, inclusive na literatura de cursos

    de formao superior em todo o mundo; (2) temos um interesse especfico pelos livros didticos

    usados na realidade brasileira, em cujo contexto a pesquisa est sendo desenvolvida. As ementas

    em espanhol foram analisadas com o intuito de verificar se o mesmo padro encontrado em ingls

    e portugus seria repetido num idioma tambm muito utilizado pela comunidade cientfica, assim

    como na literatura de cursos de formao superior, especialmente no contexto ibero-americano. O

    mesmo padro foi de fato encontrado nas ementas em lngua espanhola, reforando nossa

    confiana na seleo dos livros a serem analisados.

    Ao fim do nosso esforo amostral, obtivemos valores bastante prximos em relao s

    cotas pretendidas. Houve, contudo, um pequeno desequilbrio entre o nmero de ementas das

    disciplinas de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados. Foram obtidas, ao fim e ao cabo, 106

    ementas em lngua portuguesa, sendo 54 de Zoologia de Vertebrados e 52 de Evoluo; 94 ementas

    em lngua inglesa, sendo 37 de Zoologia de Vertebrados e 57 de Biologia Evolutiva; e 50 ementas

    em lngua espanhola, sendo 26 de Zoologia de Vertebrados e 24 de Evoluo. Com base no nmero

    de ocorrncias encontradas na busca realizada, as seguintes obras de Zoologia de Vertebrados

    foram identificadas como as trs mais freqentemente usadas: Pough et al. (2008), Hickman et al.

    (2007) e Hildebrand; Goslow (1998). Entre as trs obras de evoluo, por sua vez, temos: Ridley

    (2006), Futuyma (2009) e Stearns; Hoekstra (2005). Nas Tabelas 1 e 2, os resultados dos

    levantamentos de livros didticos so apresentados de modo sinttico, incluindo alguns outros

    livros mencionados numa srie de ementas. As tabelas completas, incluindo todos os livros

    encontrados na busca, as ementas integralmente transcritas e os endereos dos websites dos quais

    estas foram extradas, podem ser solicitadas aos autores do artigo.

  • 13

    Tabela 1.1 - Livros didticos de Biologia Evolutiva mais mencionados em ementas de cursos de nvel superior

    localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol.

    Biologia evolutiva Ingls Portugus Espanhol Total

    Futuyma (2009) 17 34 20 71

    Ridley (2006) 16 15 15 46

    Stearns & Hoekstra (2005) 15 7 11 33

    Freeman & Herron (2007) 14 5 9 28

    Dawkins (2009) 8 4 8 20

    Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)

    Tabela 2.2- Livros didticos de Zoologia de Vertebrados mais mencionados em ementas de cursos de nvel superior

    localizadas atravs de busca no Google, com palavras-chave em portugus, ingls e espanhol.

    Zoologia de Vertebrados Ingls Portugus Espanhol Total

    Pough et al. (2008) 12 45 5 62

    Hickman et al. (2007) 9 18 23 50

    Hildebrand & Goslow (1998) 0 31 4 35

    Kardong (2008) 2 2 0 4

    Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)

    2.2. Anlise dos livros didticos

    Uma vez selecionado o corpus da anlise, os livros foram submetidos a uma anlise de

    contedo (Bardin, 2000), um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes que utiliza

    procedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens. Atravs da busca

    de indicadores, os quais podem ser qualitativos e/ou quantitativos, este mtodo de anlise

    possibilita acessar tendncias presentes, muitas vezes de modo implcito, nas mensagens contidas

    nos textos. Alm disso, ele torna possvel realizar inferncias a respeito das condies de

    produo/recepo das mensagens encontradas nos livros analisados. Entre as tcnicas de anlise

    de contedo, utilizamos a anlise categorial, que envolve operaes de desagregao dos textos em

    unidades de anlise (ou registro), as categorias, construdas atravs de reagrupamentos analgicos.

    Bardin prope trs etapas no mtodo de anlise de contedo: (I) pr-anlise; (II) anlise;

    (III) categorizao. Durante a pr-anlise, foi realizada uma leitura flutuante do material, ou seja, uma primeira leitura, menos sistemtica, que permitiu uma familiarizao inicial com os livros e,

    ao mesmo tempo, o reconhecimento e identificao das unidades de registro buscadas. Os

    reagrupamentos feitos na tcnica de anlise categorial so obtidos pela busca de caractersticas

    compartilhadas por elementos do texto, o que, por sua vez, pode ser feita mediante critrios

    semnticos (i.e., busca da presena de um mesmo significado em um determinado contexto) ou

    sintticos (como a presena compartilhada de signos lingsticos precisos). Em nosso trabalho,

    utilizamos um recorte de ordem sinttica, com as unidades de registro sendo localizadas a partir de

    palavras-chave previamente definidas, que indicavam fatores evolutivos considerados numa viso

    pluralista da evoluo. Tal busca obedeceu aos critrios de exaustividade, segundo o qual se deve

    esgotar a totalidade da comunicao, no sendo permitidas incompletudes ou omisses; e de

    representatividade, segundo o qual a amostra deve representar o universo da anlise em sua

    totalidade. No caso especfico de nosso estudo, o universo analisado correspondeu aos seis livros

    selecionados em sua inteireza.

    Foram utilizados como indicadores de busca as seguintes palavras-chaves, as quais,

    quando encontradas nos textos, correspondem s nossas unidades de registro: seleo e seleo natural, para identificao do mecanismo de seleo natural; evo-devo, genes hox e desenvolvimento, para a biologia evolutiva do desenvolvimento; deriva e deriva gnica, para deriva gnica; mecanismos macroevolutivos e macroevoluo, para os mecanismos macroevolutivos; especiao, para identificar distintos modos de especiao; auto-organizao, simbiognese, restrio e construo de nicho, para os respectivos fatores evolutivos.

    Como algumas das unidades de registro definidas em nossa busca poderiam tambm estar

  • 14

    sendo utilizadas fora de um contexto evolutivo propriamente dito, realizamos interpretaes do

    contexto em que os respectivos termos foram encontrados e, deste modo, determinamos a excluso

    de casos em que o assunto tratado no era de fato de carter evolutivo, como no caso dos termos

    desenvolvimento ou seleo, que muitas vezes apareceram aplicados em sentido lato, escapando ao escopo de nossos interesses.

    Torna-se necessrio esclarecer e salientar que a coleta e interpretao de dados foram

    concebidos como parte de um processo dialgico estruturado pelas intenes e os procedimentos

    da pesquisa (Martins 2006). Portanto, nunca pensamos nas unidades de registro como "dados

    brutos", de onde se poderia obter categorias por meio de processo indutivo. As nossas categorias

    foram previamente estabelecidas mediante uma considerao de critrios de anlise estabelecidos a

    partir dos nossos objetivos: levar a cabo uma investigao sobre a abordagem e recontextualizao

    de contedos relativos a desenvolvimentos recentes da Biologia Evolutiva, em particular, o

    pluralismo de processos e a evo-devo em livros didticos de Evoluo e de Zoologia de

    Vertebrados. Consequentemente, adotamos palavras-chave relacionadas aos prprios mecanismos

    evolutivos e evo-devo para compor nossas categorias, visto que, para responder as questes de

    pesquisa do presente estudo, precisamos verificar nos livros a presena ou ausncia de explicaes

    relativas evoluo do desenvolvimento e suas relaes com a seleo natural, bem como de

    mltiplos mecanismos evolutivos. Utilizando tais categorias, foi possvel verificar at que ponto as

    contribuies recentes relativas evo-devo e ao pluralismo de processos so abordadas, em

    primeiro lugar, nos livros didticos de Biologia Evolutiva, nos quais assumimos ser mais provvel

    sua recontextualizao didtica, e, em segundo lugar, nos livros didticos de Zoologia de

    Vertebrados.

    A lista de mecanismos que utilizamos foi elaborada com base na literatura sobre evoluo

    utilizada na fundamentao terica deste projeto, tendo sido, ainda, complementada atravs da

    consulta a um pesquisador da rea de Biologia Evolutiva, Diogo Meyer (IB-USP). Considerando

    tambm a evo-devo, chegamos seguinte lista de categorias: Seleo natural, Deriva gnica, Efeito

    fundador, Mecanismos macroevolutivos, Simbiognese, Especiao, Construo de nicho,

    Restries, Auto-organizao e Evo-devo. Estas categorias foram utilizadas para examinar os

    ndices remissivos e realizar uma varredura geral de todas as obras visando identificar as unidades

    de registro.

    No caso dos livros de Zoologia de Vertebrados, foram examinados em detalhe contedos

    relativos diversificao dos tetrpodes durante a conquista do meio terrestre, os quais so

    contemplados em um capitulo especifico dedicado a esta transio. Este captulo foi analisado

    integralmente. Foi feita tambm uma busca de novas unidades de registro por meio dos ndices

    remissivos, utilizando-se as mesmas palavras-chaves acima. Foram localizados tais indicadores em

    todos os captulos do livro, alm do capitulo especfico sobre a conquista do meio terrestre. Deste

    modo, foi possvel identificar a presena de explicaes evolutivas abordadas pelo livro dentro e

    fora do contexto no qual so discutidos contedos especficos sobre a diversificao dos tetrpodes

    aps a conquista do ambiente terrestre, o caso escolhido para nossa anlise no caso da Zoologia de

    Vertebrados.

    Na fase de anlise, realizamos o processo de transcrio das unidades de contexto, sendo que estas correspondem aos trechos do texto nos quais esto contidas as unidades de registro

    encontradas. A partir das unidades de contexto, foi possvel analisar de modo mais preciso o

    significado atribudo ao termo ou conceito de interesse que estava sendo utilizado. Afinal, luz

    de determinado contexto que adquirem significado as unidades de registro.

    O uso das tcnicas de anlise categorial nos possibilitou uma visualizao de quais fatores

    evolutivos e explicaes advindas do pluralismo de processos e do campo da evo-devo estavam

    sendo contemplados ao longo dos livros, tanto de Biologia Evolutiva, quanto de Zoologia de

    Vertebrados. A quantificao das ocorrncias das unidades de registro enquadradas nas categorias

    foi utilizada para avaliar a concentrao e a nfase concedida pelos livros aos diversos contedos

    contemplados em nossa anlise. Os valores de ocorrncia das categorias serviram como orientao,

    ento, para uma anlise de carter qualitativo, a qual utilizou a regularidade com que as unidades

  • 15

    de registro apareceram como um parmetro de interpretao da significncia que foi concedida aos

    referidos contedos. Por esta razo, caracterizamos esse estudo como quali-quantitativo.

    Para Bardin, a eficincia de um processo de categorizao se deve manuteno de certas

    propriedades desejadas, por conseguinte, as categorias devem estar subordinadas a parmetros

    definidos de (1) excluso mtua: cada elemento s pode existir em nica categoria; (2)

    homogeneidade: os elementos agrupados em uma mesma categoria devem ser compreendidos

    enquanto entes comuns sob os critrios de anlise utilizados; (3) pertinncia: as categorias devem corresponder s intenes do investigador, de acordo com os objetivos definidos da

    pesquisa; (4) fidelidade objetiva: se as categorias forem claramente definidas e se indicadores de

    busca que determinam a entrada de um elemento numa categoria forem suficientemente explcitos

    e sem ambiguidades, no dever haver distores na interpretao do enquadramento das

    categorias decorrentes da subjetividade de diferentes analistas; (5) exclusividade de identificao:

    um elemento no pode ser passvel de ser classificado em mais de uma categoria; e (6)

    produtividade: as categorias sero ditas produtivas se os resultados forem passveis de gerar

    inferncias frteis, hipteses novas, assim como permitir segurana na interpretao dos dados. Na

    categorizao das unidades de registro obtidas pelas operaes de desmembramento dos textos dos

    livros de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados, foi possvel observar todos estes

    parmetros.

    3. Resultados e discusso

    Nas Tabelas 3 e 4, so apresentadas os nmeros de ocorrncia e as freqncias total e

    relativa de cada uma das categorias nos livros didticos de Biologia Evolutiva e de Zoologia de

    Vertebrados, respectivamente.

    Tabela 3.3 Distribuio das categorias nos livros didticos de Biologia Evolutiva.

    Livros Futuyma Ridley Stearns &

    Hoekstra

    Categorias

    Seleo Natural

    N. de ocorrncias Seleo 722 987 514

    Frequncia total: 722 987 514

    Frequncia relativa (%): 56,8% 51,4% 46,6%

    Evo-devo

    N. de ocorrncias

    Desenvolvimento* 162 182 239

    Gene Hox 28 55 29

    Evo-devo e EDB** 1 19 -

    Frequncia total: 191 256 268

    Frequncia relativa (%): 15% 13,3% 24,3%

    Especiao

    N. de ocorrncias 172 315 134

    Frequncia total: 172 315 134

    Frequncia relativa (%): 13,5% 16,4% 12,1%

    Deriva Gnica

    N. de ocorrncias Deriva Gnica - 47 53

    Deriva 133 214 61

    Frequncia total: 133 263 114

    Frequncia relativa (%): 10,4% 13,7% 10,3%

    Mecanismos

    Macroevolutivos

    N. de ocorrncias

    Mecanismos

    macroevolutivos

    - - -

    Macroevoluo 15 50 38

    Frequncia total: 14 50 38

    Frequncia relativa (%): 1,1% 2,6% 3,4%

  • 16

    Restrio

    N. de ocorrncias 33 43 29

    Frequncia total: 33 43 29

    Frequncia relativa (%): 2,6% 2,2% 2,6%

    Efeito Fundador

    N. de ocorrncias 7 5 6

    Frequncia total: 7 5 6

    Frequncia relativa (%): 0,6% 0,4% 0,5%

    Construo de

    Nicho

    N. de ocorrncias - - -

    Frequncia total: - - -

    Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%

    Auto-

    organizao

    N. de ocorrncias - - -

    Frequncia total: - - -

    Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%

    Simbiognese

    N. de ocorrncias - - -

    Frequncia total: - - -

    Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%

    Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)

    * S foram consideradas ocorrncias do termo desenvolvimento que tinham conexo com contedos evolutivos ** EDB (Evolutionary Developmental Biology) corresponde sigla utilizada no livro de Futuyma. Pode ser

    considerada equivalente Evo-devo.

    Tabela 4.4 Distribuio das categorias nos livros didticos de Zoologia de Vertebrados.

    Livros Pough et

    al.

    Hickman

    et al.

    Hildebrand

    & Goslow

    Categorias

    Seleo Natural

    N. de ocorrncias Seleo 31 110 25

    Frequncia total: 31 110 25

    Frequncia relativa (%): 47,7% 40,9% 34,7%

    Evo-devo

    N. de ocorrncias

    Desenvolvimento 14 73 22

    Gene Hox 15 - 21

    Evo-devo 5 - -

    Frequncia total: 34 73 43

    Frequncia relativa (%): 52,3% 27,1% 59,7%

    Restrio

    N. de ocorrncias 0 8 4

    Frequncia total: 0 8 4

    Frequncia relativa (%): 0% 3% 5,6%

    Especiao

    N. de ocorrncias - 49 -

    Frequncia total: - 49 -

    Frequncia relativa (%): 18,2% 0%

    Deriva Gnica

    N. de ocorrncias Deriva Gnica - 18 -

    Deriva - - -

    Frequncia total: - 18

    Frequncia relativa (%): 6,7%

    Mecanismos

    Macroevolutivos

    N. de ocorrncias

    Mecanismos

    Macroevolutivos

    - - -

    Macroevoluo - 11 -

    Frequncia total: - 11 -

    Frequncia relativa (%): 4,1%

    Efeito Fundador

    N. de ocorrncias - - -

    Frequncia total: - - -

    Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%

    Construo de

    Nicho

    N. de ocorrncias - - -

    Frequncia total: - - -

  • 17

    Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%

    Auto-

    organizao

    N. de ocorrncias - - -

    Frequncia total: - - -

    Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%

    Simbiognese

    N. de ocorrncias - - -

    Frequncia total: - - -

    Frequncia relativa (%): 0% 0% 0%

    Fonte: Bittencourt-dos-Santos. (2011)

    Como indicam os dados apresentados na Tabela 3, os livros de Biologia Evolutiva

    analisados j trazem em suas explicaes evolutivas uma abordagem de parte dos fatores

    considerados no pluralismo de processos que tem marcado a biologia evolutiva das duas ltimas

    dcadas. As contribuies da evo-devo, os mecanismos de especiao e a deriva gnica recebem

    ateno nos livros, com alguma ateno ainda que bastante limitada sendo dada tambm aos mecanismos macroevolutivos e s restries. O efeito fundador merece considerao ainda mais

    limitada, mas no devemos perder de vista suas relaes ntimas com a deriva. Outros mecanismos,

    como a simbiognese, a auto-organizao e a construo de nicho, no so levados em conta.

    Podemos concluir, assim, que os livros de Biologia Evolutiva j trazem uma perspectiva pluralista,

    apresentando mltiplos fatores evolutivos, assim como levam em conta os desenvolvimentos da

    evo-devo. A maior ateno ainda se dirige, de qualquer modo, seleo natural, que apareceu com

    alta freqncia relativa nos livros, quando comparada s freqncias relativas das demais

    categorias. Podemos afirmar, contudo, que j est em andamento, no campo da Biologia Evolutiva,

    uma recontextualizao pedaggica do pluralismo de processos, que tem marcado cada vez mais o

    conhecimento acadmico sobre evoluo. Contudo, esta recontextualizao ainda est se iniciando,

    como mostra a grande nfase dada seleo natural, em relao aos outros mecanismos, e o fato de

    que os demais mecanismos evolutivos ainda no so explorados de modo mais aprofundado. Isso

    fica claro quando se percebe que boa parte dos contedos relativos a mecanismos evolutivos que

    no sejam a seleo natural aparece em apndices, notas de rodap, leituras complementares, ou

    em captulos especficos, nos quais so abordados de maneira fragmentada, sem a devida

    integrao aos demais contedos abordados pelo livro.

    Entendemos, sob uma perspectiva de recontextualizao pedaggica dos contedos, que os

    conhecimentos cientficos produzidos na cincia naturalmente percorram uma trajetria de

    reconstruo at se fazerem presentes como parte do conhecimento cientfico escolar. esperado,

    assim, que se passe algum tempo at que determinados desenvolvimentos do conhecimento

    cientfico estejam representados na cincia escolar. Alm disso, esta recontextualizao depende de

    outros fatores, como a real contribuio que os novos conhecimentos trazem para o ensino em

    diferentes nveis educacionais. Estamos assumindo, pois, que os desenvolvimentos recentes que

    conduziram a biologia evolutiva rumo a uma viso mais pluralista so suficientemente importantes

    para a formao dos bilogos a ponto de deverem estar presentes nos livros didticos das

    disciplinas biolgicas analisadas. O que estamos detectando nos livros de biologia evolutiva ,

    pois, que o tempo transcorrido j foi suficiente para que boa parte dos mecanismos considerados

    numa viso pluralista do processo evolutivo esteja neles representada, com exceo de alguns

    mecanismos e com manuteno de uma predominncia da referncia seleo natural. Ainda resta

    por ser feita, contudo, uma explorao mais aprofundada de tais mecanismos, o que naturalmente

    colocar em nova perspectiva o tratamento dado seleo.

    Na Tabela 4, podemos ver que, com exceo da seleo natural, os demais fatores

    evolutivos esto quase sempre ausentes dos livros didticos de Zoologia de Vertebrados, sendo

    para a maioria das categorias impossvel a identificao de qualquer unidade de registro pertinente

    ao longo de toda a obra. Esta observao vale tanto para os captulos referentes conquista do

    ambiente terrestre, como para os captulos restantes. Contudo, houve grande freqncia de

    ocorrncias relacionadas evo-devo. Podemos concluir, assim, que os livros de Zoologia de

    Vertebrados no apresentam uma abordagem pluralista do processo evolutivo, com exceo da

  • 18

    ateno dada relao entre evoluo e desenvolvimento, nos marcos da evo-devo. A

    recontextualizao do pluralismo de processos parece ser ainda incipiente na Zoologia de

    Vertebrados.

    De um modo geral, foi possvel notar um maior avano da recontextualizao dos

    contedos relativos evo-devo, em relao a outros fatores considerados numa viso pluralista do

    processo evolutivo. Tal afirmao vlida tanto para os livros de Biologia Evolutiva como para os

    de Zoologia de Vertebrados. Em todos os seis livros, possvel identificar o tratamento de assuntos

    concernentes biologia evolutiva do desenvolvimento, sendo que, entre todas as categorias

    consideradas na anlise dos livros didticos de Biologia evolutiva, esta teve a segunda maior

    freqncia relativa, superada apenas pela categoria seleo natural. Entre os livros de Zoologia de Vertebrados, os mesmos resultados foram encontrados no livro de Hickman et al. (2007), que se

    diferenciou por apresentar uma viso mais pluralista. Nos outros dois livros, Pough et al. (2008) e

    Hildebrand e Goslow (1998), os contedos relativos evo-devo foram os mais freqentes, entre

    todas as categorias encontradas, superando, inclusive, seleo natural. Isso mostra a ateno dada

    compreenso da evoluo do desenvolvimento e de suas conseqncias para a evoluo dos

    grupos na Zoologia de Vertebrados, que um dos campos em que a pesquisa sobre evo-devo tem

    dado contribuies mais amplas e fundamentais. A evo-devo tem cumprido, por exemplo, papel

    central nos avanos dos ltimos 20 anos sobre a compreenso dos planos de organizao dos

    corpos de animais (ver, por exemplo, Minelli, 2003; Carroll et al, 2005; Davidson & Erwin, 2006;

    Swalla, 2006; Carroll, 2008; Kuratani, 2009). No espanta, assim, a ateno dada a esta nos livros

    de Zoologia analisados.

    No livro de Hickman et al. (2007), temos um padro diferenciado em relao aos outros

    dois livros de Zoologia de Vertebrados, com a presena de uma viso pluralista, contemplando,

    alm da evo-devo, modos de especiao, deriva gnica, mecanismos macroevolutivos e restrioes.

    Ainda que a freqncia de ocorrncias que tratam de evo-devo tenha sido menor neste livro do que

    nos de Pough et al. (2008) e Hildebrand & Goslow (1998), o destaque dado por Hickman e

    colaboradores a este campo fica claro na presena de um captulo exclusivamente direcionado ao

    tratamento das questes desenvolvimentais, intitulado Principles of development e trazendo um

    enfoque de carter propriamente evolutivo. A nfase dada pelo livro do Hickman et al. biologia

    evolutiva do desenvolvimento pode ser exemplificada no seguinte trecho: Durante as duas ltimas dcadas a combinao da gentica com modernas tcnicas da biologia molecular e celular produziu

    uma avalanche de informaes que resolveu muitas perguntas. As relaes causais entre o

    desenvolvimento e a evoluo se tornaram o grande foco de investigao (Hickman et al., 2007, p.157).

    A diversidade de mecanismos encontrada nos livros foi um dos parmetros importantes em

    nossa anlise. Para tanto, comparamos em cada livro os nmeros de categorias sem qualquer

    ocorrncia com o nmero de categorias consideradas. Desse modo, foi possvel avaliar em que

    medida os livros analisados contemplavam a pluralidade de processos que tem sido invocados na

    explicao do processo evolutivo. Mesmo num livro de Zoologia de Vertebrados mais pluralista,

    como o de Hickman et al., no houve qualquer ocorrncia em quatro categorias: auto-organizao,

    simbiognese, efeito fundador e construo de nicho. Nos outros dois livros de Zoologia de

    Vertebrados, por sua vez, sete das nove categorias consideradas no foram encontradas. No caso

    dos livros de Biologia Evolutiva, no foram observadas quaisquer ocorrncias de trs categorias,

    sendo as mesmas nos trs livros: auto-organizao, construo de nicho e simbiognese. De modo

    geral, que estes fatores no foram considerados em qualquer dos seis livros analisados.

    Entre os fatores que no esto ainda presentes nos livros, temos duas situaes que nos

    parecem distintas: de um lado, mais provvel que mecanismos como a construo de nicho

    venham a ser recontextualizados em futuro prximo, dada sua maior aceitao pela comunidade

    cientfica da rea. A necessidade de reconhecimento da construo de nicho como importante

    mecanismo evolutivo foi recentemente tema de um livro que teve grande impacto, Niche

    construction: the neglected process in evolution, de Odling-Smee, Laland e Feldman (2003). Em

    artigos das reas de Evoluo e Ecologia, a construo de nicho tambm tem merecido

  • 19

    significativa ateno (e.g., Hui; Yue, 2005; Wright et al.. 2004). De outro lado, fatores como a auto-

    organizao e a simbiognese j no tm recebido tanta ateno da comunidade cientfica, podendo

    no ser recontextualizados, por esta razo, para o conhecimento escolar de biologia evolutiva, nem

    mesmo na educao superior.

    4. Concluses

    Os achados do presente estudo mostram que livros didticos de Biologia Evolutiva

    atualmente em uso incluem em suas explicaes evolutivas parte dos fatores considerados em

    vises pluralistas na biologia evolutiva das duas ltimas dcadas: principalmente contribuies da

    evo-devo, mecanismos de especiao e deriva gnica e, com menor proeminncia, mecanismos

    macroevolutivos e restries. Portanto, uma recontextualizao pedaggica do pluralismo de

    processos j vem ocorrendo no conhecimento escolar de Biologia Evolutiva, no nvel superior de

    ensino. Trata-se, contudo, de uma recontextualizao ainda inicial, mantendo-se grande nfase

    sobre a seleo natural, em relao aos outros mecanismos, que no so abordados de modo

    aprofundado.

    Nos livros didticos de Zoologia de Vertebrados, por sua vez, seleo natural e

    contribuies da evo-devo so tratadas com destaque, enquanto os demais fatores evolutivos esto

    quase sempre ausentes. Portanto, estes livros no apresentam uma abordagem pluralista do

    processo evolutivo, com exceo da ateno dada relao entre evoluo e desenvolvimento. Em

    termos gerais, podemos perceber um maior avano da recontextualizao dos contedos relativos

    evo-devo, em relao a outros fatores includas no pluralismo de processos.

    Na medida em que a recontextualizao da viso pluralista do processo evolutivo se

    aprofunde nos livros didticos de Biologia Evolutiva, exercendo, assim, maior influncia sobre a

    formao de bilogos, possvel que esta viso se dissemine de modo mais amplo por diversos

    campos das Cincias Biolgicas, incluindo a Zoologia de Vertebrados. Como uma contribuio

    para esta incorporao do pluralismo de processos no conhecimento escolar de Biologia, no ensino

    superior, temos investigado inovaes educacionais tratando desta viso no contexto real de salas

    de aula de Zoologia, num curso superior de Cincias Biolgicas.1 O presente artigo relata os

    resultados de nossos primeiros passos nessa direo, que consistiram num estudo sobre se e como

    livros didticos de ensino superior das reas de Biologia Evolutiva e Zoologia de Vertebrados tm

    tratado de contedos relativos ao pluralismo de processos e evo-devo.

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  • 22

    Artigo para submisso ao peridico cientfico: IENCI Investigao em Ensino de Cincias

    (normas no Anexo 14)

    Captulo 2 Validao de uma sequncia didtica que utilizou o Pluralismo de

    processos e Evo-devo em explicaes narrativas da conquista do ambiente

    terrestre

    Validation of a teaching sequence that used the pluralism of processes and Evo-devo

    in narratives explanations of the conquest of the terrestrial environment

    Wellington Bittencourt dos Santos [[email protected]]

    Charbel Nio-El-Hani [[email protected]]

    Marcelo Filgueiras napoli [[email protected]]

    Thiago de S Serravalle [[email protected]]

    Universidade Federal da Bahia

    Rua Baro de Jeremoabo, s/n, Ondina,

    Salvador- BA, Brasil. CEP: 40170-115

    Resumo

    Este artigo relata os resultados de um estudo qualitativo realizado com uma turma de

    Zoologia de Vertebrados do curso de Cincias Biolgicas da Universidade Federal da Bahia, com

    base na construo, aplicao e validao de uma sequncia didtica. A sequncia didtica utiliza

    explicaes narrativas para realizar uma abordagem integrada de contedos de zoologia, de uma

    viso pluralista dos processos evolutivos, da biologia evolutiva do desenvolvimento (evo-devo) e da

    ecologia. Ela foi construda com base em um estudo de caso que teve como objeto a radiao dos

    tetrpodes durante a conquista do meio terrestre. O estudo buscou realizar uma validao interna da

    sequncia didtica, segundo a metodologia proposta por Mheut em seu desenho de pesquisa para o

    desenvolvimento e a validao de sequncias didticas no ensino de cincias. A sequncia foi

    testada na turma, mediante comparao entre os percursos de aprendizagem esperados, conforme os

    objetivos pretendidos na interveno pedaggica, e os percursos de aprendizagem efetivamente

    realizados pelos estudantes. Foram aplicados questionrios em trs diferentes etapas do processo,

    referindo-se a diferentes momentos sociais de mobilizao dos contedos pelos estudantes; e

    subsequentemente, ao fim do semestre foram gravadas entrevistas individuais com os estudantes.

    Uma anlise das variaes das respostas dos questionrios respondidos pelos estudantes serviu de

    informao para avaliar os avanos e a fixao dos contedos abordados. As declaraes dos

    estudantes, coletadas atravs das entrevistas gravadas, foram categorizadas com base nos estgios

    de apropriao do discurso cientfico escolar propostos por Mortimer e Scott, avaliando

    comparativamente os nveis de mobilizao (domnio) da linguagem social da cincia alcanado

    pelos estudantes da turma analisada. O estudo qualitativo que realizamos nos permitiu concluir que

    a interveno pedaggica proposta trouxe resultados satisfatrios, tendo influenciado a

    aprendizagem dos estudantes na direo pretendida.

  • 23

    Palavras-chave: Pluralismo de processos. Evo-devo. Estudo comparativo, Sequncia didtica

    Abstract

    This article reports the results of a qualitative study of one class of Vertebrate Zoology of the course

    of Biological Sciences, Federal University of Bahia, it was made based on the construction,

    application and validation of an teaching sequence. The teaching sequence uses narrative

    explanations for taking an integrated subject of zoology, of a pluralistic view of evolutionary

    processes in evolutionary developmental biology (evo-devo) and ecology. It was built by a

    development of a study of case that had as its object the radiation of tetrapods during the conquest

    of the terrestrial environment. The study tried to conduct an internal validation of the teaching

    sequence, according to the methodology proposed by Mheut in their research design for the

    development and validation of teaching sequences in science education. The sequence was tested

    one class by comparing the expected learning pathways, depending on the intended objectives in the

    educational intervention, and learning pathways effectively performed by the students.

    Questionnaires were applied on three different stages of the process, referring to different moments

    of social mobilization of required knowledge by students, and subsequently at the end of the

    semester have been recorded individuals interviews with the students. An analysis of variations of

    the responses from questionnaires answered by students was used like information to assess

    progress and setting the subjects covered. The statements of students, collected through taped

    interviews were categorized based on the stages of appropriation of scientific school discourse

    proposed by Mortimer and Scott, by that way make the comparative evaluations of the levels of

    mobilization (domain) of the social language of science reached by students from the analyzed

    class. The statements of students, collected through taped interviews were categorized based on the

    stages of appropriation of scientific discourse school proposed by Mortimer and Scott,

    benchmarking levels of mobilization (domain) of the social language of science made by students of

    the class analyzed. The qualitative study we conducted allowed us to conclude that the educational

    intervention proposed brought satisfactory results, influencing student learning in the intended

    direction.

    Keywords: Pluralism of process. Evo-devo. Teaching sequence. Comparative study

  • 24

    1. Introduo

    Para alguns historiadores da cincia, a revoluo darwiniana seria to relevante, no sentido de

    uma teoria cientfica simbolizar uma mudana na viso de mundo e nos valores culturais, quanto

    prpria revoluo copernicana (Bowler 2003). Ainda hoje, algumas das idias bsicas do

    pensamento darwinista so aceitas como elementos fundamentais na estrutura do pensamento

    evolutivo, tais como: (i) a idia de que todos os seres vivos so aparentados entre si, ou seja, de que

    todas as espcies so interconectadas filogeneticamente atravs de relaes de ancestralidade

    comum; (ii) que as espcies se transformam ao longo do tempo, pois os indivduo de uma

    populao ao se reproduzirem do origem a descendentes com modificaes; e (iii) o

    reconhecimento da importncia da seleo natural como mecanismo explicativo da mudana

    evolutiva ao longo das geraes.

    Contudo, desde que foi divulgada pela primeira vez, com a publicao dos textos de

    Darwin e Wallace em 1858 nos Proceedings of the Linnean Society, at os dias atuais, as teorias

    darwinistas percorreram uma trajetria de muitas mudanas e complementaes. De fato, a teoria da

    seleo natural nem sempre usufruiu do prestgio e da confiana conquistada desde os anos 1930.

    Tendo ultrapassado a sua maior fase de descrena, durante o chamado eclipse do darwinismo, como foi denominado por Julian Huxley (1942), o darwinismo se reergueu, revertendo o momento

    histrico de descrdito vivenciado durante o perodo que antecedeu sntese moderna.

    Por volta das dcadas de 1930 e 1940, como resultado de uma elaborao coletiva que contou

    a participao de grandes nomes da cincia da poca, como Theodosius Dobzhansky, J.B.S.

    Haldane, Sewall Wright, Julian Huxley, Ernst Mayr, George Gaylord Simpson, G. Ledyard Stebbins,

    entre outros, foi realizada a moderna sntese evolutiva. Durante a referida sntese, o darwinismo e a

    gentica (mendeliana e de populaes) foram conjuntamente incorporados na confeco de uma

    teoria amplificada, na qual as complementaes advindas destes campos iriam projetar as

    dimenses de um pensamento adaptacionista, o qual se fixou e se estendeu de forma dominante por

    quase todo o restante do sculo XX. Este modo adaptacionista de pensar admite a produo direta

    de adaptaes atravs da seleo natural como sendo a causa primria da maioria das caractersticas

    biolgicas relevantes (Sepulveda & El-Hani, 2008). Podemos entender, deste modo, que uma

    concepo adaptacionista admite que a presena de uma caracterstica orgnica possa ser sempre

    compreendida em termos do carter adaptativo que conferiu ao organismo que a possui; ou seja, o

    adaptacionismo admite que seja sempre possvel, atravs do entendimento da seleo natural,

    fornecer todas as explicaes que justifiquem o porqu de uma caracterstica especfica existir em

    uma determinada linhagem de organismos.

    Contudo, foi somente a partir da dcada de 1970 que novas questes, capazes de transpor o

    pensamento puramente adaptacionista e levar a uma melhor compreenso dos limites do papel da

    seleo natural, emergiram, se instauraram e passaram a se amplificar nos correntes debates

    travados na comunidade cientfica ligada ao estudo da evoluo. Ainda que muitas das idias

    bsicas do pensamento darwinista tenham sido mantidas com um papel central no pensamento

    evolutivo, muitos avanos importantes tiveram lugar, merecendo destaque no contexto

    contemporneo. A histria da evoluo dos seres vivos tem passado a ser compreendida, nas ltimas

    dcadas, no apenas como o resultado cumulativo dos efeitos da seleo natural. Hoje, sabemos que

    nem todas as caractersticas presentes nos seres vivos so adaptaes, ou seja, nem tudo que

    reconhecemos expresso em um organismo pode ser entendido como um produto da seleo natural.

    Entre os recentes avanos alcanados pela biologia evolutiva, podemos destacar a idia de que

    outros mecanismos evolutivos, alm da seleo natural, tm papel causal e explicativo na evoluo

    dos seres vivos.

    Torna-se necessrio, assim, investigar e compreender como e em que condies uma srie de

  • 25

    outros mecanismos evolutivos pode tambm estar atuando. Esta nova perspectiva de interpretao

    dos fenmenos evolutivos pode ser caracterizada como um pluralismo de processos (Pigliucci;

    Kaplan,2000, Meyer; El-Hani, 2000). Por pluralismo de processos, entende-se o reconhecimento da

    contribuio de mltiplos fatores que atuam de modo complementar nos processos evolutivos,

    incluindo seleo natural, deriva gnica, distintos modos de especiao, restries ao processo

    evolutivo (sejam histricas ou desenvolvimentais), construo de nicho, simbiognese, auto-

    organizao etc.

    Os estudos desenvolvidos pela biologia evolutiva do desenvolvimento (evo-devo) tm sido

    responsveis por uma parte relevante destes avanos relativos aos limites explicativos da teoria

    sinttica da evoluo, principalmente no que se refere elucidao dos processos de morfognese e

    produo de inovaes morfolgicas em organismos multicelulares. Estes estudos tm permitido a

    compreenso dos limites plsticos e da conservao dos padres corporais dos animais, com base

    no entendimento de que os organismos, ao longo do desenvolvimento, esto submetidos a

    restries, as quais determinam possibilidades de expresso das suas caractersticas e, assim, o

    repertrio de variantes sobre as quais atuar a seleo natural. Restries desenvolvimentais

    promovem um enviesamento na produo das variantes fenotpicas, ao mesmo passo em que

    limitam a variabilidade fenotpica em funo da estrutura, carter, composio ou dinmica do

    sistema desenvolvimental, Maynard Smith J, et al. (1985).

    A evo-devo, nas ltimas dcadas, passou a ter um papel central na compreenso da dinmica

    evolutiva, visto o reconhecimento de suas contribuies para a elucidao das dinmicas

    regulatrias dos processos desenvolvimentais que produzem as formas dos organismos

    multicelulares. O desenvolvimento est relacionado a uma gama de processos fundamentais, tais

    como a regulao gnica, a diferenciao celular e morfognese (origem das formas). Compreender

    os processos desenvolvimentais a base para que possamos entender a produo das inovaes

    morfolgicas. Estas mesmas inovaes, por sua vez, que iro enriquecer o repertrio de variantes

    possveis, sobre as quais a seleo subsequentemente ir atuar. O estudo dos processos

    desenvolvimentais que determinam tal repertrio de variantes possveis tem permitido uma

    compreenso mais aprimorada das possibilidades e dos limites da seleo natural.

    Um importante avano para entender a relevncia dos estudos sobre o desenvolvimento se

    deve compreenso de que, a um mesmo passo em que o desenvolvimento o processo que

    produz inovaes morfolgicas, ele tambm restringe as possibilidades de modificaes que

    podem ser originadas. Ou seja, o desenvolvimento impe limites para as possibilidades de

    variaes das caractersticas que uma populao pode expressar. Tal restrio se d devido ao fato

    de que o desenvolvimento no infinitamente plstico. A complexidade do desenvolvimento em

    seu ordenamento de etapas sequenciadas orienta os sentidos possveis para o surgimento de certas

    inovaes morfolgicas, enquanto outras mudanas so menos cabveis de serem originadas.

    A evoluo e o desenvolvimento se influenciam mutuamente, embora representem

    processos distintos e atuem em escalas temporais diferentes: o desenvolvimento ao longo da vida

    do organismo, de um modo transformacional, e a evoluo ao longo de vrias geraes numa linha,

    de um modo variacional. O desenvolvimento, assim como as demais caractersticas dos indivduos

    em uma populao, tambm alvo da seleo natural e se modifica no decorrer do processo

    evolutivo, canalizado certos caminhos mais provveis de serem percorridos pela evoluo. Por

    meio da herana, tanto gentica, quanto epigentica, os organismos recebem tambm um legado

    desenvolvimental, ou seja, reproduzem os padres de desenvolvimento dos seus ancestrais. Por

    conseguinte, esta herana dos padres de desenvolvimento que determina os limites e as

    possibilidades das inovaes morfolgicas das futuras descendncias. Por conseguinte, a biologia

    evolutiva do desenvolvimento tem nos permitido entender as restries como um fator evolutivo

    fundamental para a elucidao dos processos de origem e transformao das estruturas

    morfolgicas, ao longo da histria filogentica dos grupos.

  • 26

    Um interessante exemplo de restrio pode ser dado em relao ao ramo dos tetrpodes:

    neste grupo, podemos notar que no so encontradas, desde os organismos mais plesiomrficos aos

    mais derivados, uma variao que tenha permitido originar indivduos com seis ou oito, ou

    qualquer outro nmero diferente de quatro patas. Esta constatao de invarincia possivelmente

    poderia ser explicada com base na compreenso de um rigoroso sequenciamento progressivo das

    etapas durante o desenvolvimento dos tetrpodes, o qual foi herdado de seus ancestrais mais

    remotos. Tal condio de estabilidade de padro nos indica que o percurso descrito pelo padro

    desenvolvimental desses animais impossibilita uma variao em relao ao nmero de patas. Este

    exemplo dado pode nos ajuda a compreender como a seleo natural atua apenas sobre um

    repertrio limitado de possibilidades, as quais so estabelecidas por restries decorrentes dos

    processos desenvolvimentais. Entre os tetrpodes, possvel a observao de uma infinidade de

    formas de patas adaptadas s mais diversas condies, contudo sempre em nmero de quatro.

    A evo-devo tambm tem explicado como alteraes nos padres de expresso gnica,

    decorrentes de mudanas nas seqncias regulatrias de genes desenvolvimentais, podem conduzir

    a mudanas radicais na morfologia, influenciando o surgimento de novidades evolutivas (Wagner,

    2007). Essas mudanas no desenvolvimento podem rapidamente dar origem a indivduos muito

    diferentes das mdias morfolgicas das populaes s quais pertencem, sendo que este salto na

    morfologia, inclusive, pode se dar de uma gerao para outra. A evo-devo, neste sentido, tem

    desempenhado um papel importante na reestruturao do pensamento evolutivo, porque nos

    confere a possibilidade de realizar uma interpretao diferenciada em relao s taxas nas

    mudanas dos padres evolutivos. Estamos nos referindo aqui a uma interpretao diferenciada

    porque segundo o modelo do gradualismo filtico, que admitido pela teoria sinttica da evoluo,

    as taxas nas mudanas dos padres evolutivos ocorre sempre de modo lento e gradual, acumulando

    pequenas alteraes ao longo de grandes escalas temporais. Tal convico justificada pela teoria

    sinttica com base no entendimento de que a seleo natural no fornece explicaes para os

    rpidos saltos evolutivos e como esta admite a seleo natural como mecanismo exclusivo, a

    evoluo deveria, por conseguinte, ocorrer de modo gradualista.

    Essa controvrsia em relao s velocidades das taxas de mudana evolutiva deu origem a

    importantes polmicas em outro momento histrico da biologia evolutiva, no incio na dcada de

    1970, quando foi proposto o modelo de equilbrio pontuado, por Niles Eldredge e Stephen Jay

    Gould (1972). Este modelo foi desenvolvido de modo a se ajustar a padres evolutivos

    frequentemente encontrados nos registros paleoecolgicos, que incluem longos perodos de

    estabilidade, durantes os quais as espcies permaneceriam praticamente inalteradas (momentos de

    estase); estes, por sua vez, seriam intercalados por perodos comparativamente mais curtos nos

    quais ocorrem rpidas mudanas morfolgicas nos organismos, correspondendo aos perodos em

    que novas espcies tm origem (momentos de pontuao). Na Figura 1, podemos observar uma

    contraposio entre os padres filogenticos propostos pelo gradualismo filtico, caracterstico da

    teoria sinttica, e pela teoria do equilbrio pontuado.

    Figura 1 Padres filogenticos propostos pelo gradualismo filtico (esq) e pelo equilbrio pontuado (dir) (Ridley, 2005)

  • 27

    Nota-se que, no gradualismo filtico, a diversificao morfolgica das espcies, que explica

    os padres macroevolutivos, se origina por divergncia gradual de caractersticas ao longo do

    tempo, em linhagens separadas por processos de especiao, enquanto, no padro do equilbrio

    pontuado, a divergncia morfolgica ocorre no momento mesmo da especiao, sendo as

    caractersticas das espcies mantidas aps sua diversificao, provavelmente com o surgimento de

    adaptaes, via seleo natural, por ajuste mais fino das morfologias aos regimes seletivos.

    Gould e Eldredge buscaram explicar os momentos de pontuao com base em na teoria do

    efeito fundador, proposta por Ernst Mayr De acordo com esta teoria, novas espcies surgem

    frequentemente quanto pequenos conjuntos de indivduos so isolados do restante de uma

    populao. Estes pequenos grupos carregariam consigo combinaes de genes diferentes da

    populao original, de modo que estas devido a tal caracterstica poderiam se diferenciar

    rapidamente, enquanto a p populaes maiores permaneceriam estabilizadas por conta do fluxo

    gnico entre os indivduos que as manteria geneticamente coesas. Contudo, alm de estudos

    genticos comprovarem que a maior parte das diferenas encontradas entre indivduos de espcies

    distintas muito semelhante diferena encontrada entre indivduos de uma mesma espcie, ainda

    que ocorram em nmero maior; tambm a idia de que apenas este mecanismo seria suficiente para

    explicar a imensa diversidade de formas vivas, em contraposio idia de origem das diferenas

    entre espcies por lento acmulo de caractersticas por seleo natural, no se sustentou perante as

    muitas crticas da comunidade cientfica credibilidade das explicaes fornecias para o modelo.

    No obstante os processos propostos por Gould e Eldredge no terem sido aceitos, o padro do

    equilbrio pontuado lagamente aceito, sendo, exatamente por isso, necessrio explic-lo de modo

    mais consistente.

    Hoje, passadas algumas dcadas e em decorrncia dos progressos alcanados na biologia

    evolutiva, inclusive na evo-devo, talvez seja possvel fornecer explicaes mais plausveis em

    relao questo de como, ao longo da histria da vida, se do as rpidas mudanas nos padres

    evolutivos que correspondem s pontuaes. Estas explicaes tm sido marcadas por uma

    tendncia mais pluralista, envolvendo a contribuio coletiva de mltiplos mecanismos, tendo em

    vista que as mudanas observadas durante as pontuaes evolutivas so demasiadamente rpidas

    para que possam ser explicadas apenas do ponto de vista da seleo natural. O entendimento das

    rpidas mudanas morfolgicas decorrentes de alteraes dos processos de regulao gnica

    durante o desenvolvimento pode contribuir, decerto, para explicar em parte como ocorrem as

    explosivas diversificaes caractersticas dos momentos de pontuao evolutiva.

    No contexto atual da pesquisa, torna-se necessrio o desenvolvimento de um conhecimento

    integrado que possa, concomitantemente, buscar estabelecer relaes entre as condies

    ecolgicas, os possveis mecanismos que possam estar atuando paralelamente na evoluo e as

    mudanas nas taxas evolutivas. Um caminho interessante a seguir seria buscar estudar e

    compreender os regimes seletivos que operam durante as condies ecolgicas relativas aos

    fenmenos de explosiva diversificao morfolgica, com o surgimento de novas espcies, durante

    os momentos de pontuao na histria evolutiva. Para tal, ainda mantendo como base as questes

    referentes ao atual panorama de mudana conceitual e da necessidade de integrao destes novos

    contedos da biologia evolutiva e do pluralismo de processos aos estudos da ecologia, o presente

    trabalho procurou abordar tambm algumas questes relativas os modos atravs dos quais tais

    contedos podem ser trabalhados na formao de novos bilogos. Deste modo, em uma

    perspectiva educacional, o presente trabalho buscou desenvolver e validar uma sequncia didtica

    construda com base em um estudo de caso, o qual teve como objeto a pontuao evolutiva relativa

    radiao dos tetrpodes aps a conquista do meio terrestre. Esta sequncia buscou reconstituir um

    dos cenrios explicativos possveis para o regime paleoecolgico envolvido nesta mudana, o qual

    foi modelado sob uma perspectiva plura