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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ANIÚSKA MANSUÊTA CARVALHO BARROS
ANÁLISE DO FILME “OBRIGADO POR FUMAR” E A REPRESENTAÇÃO DO GERENCIAMENTO
DE CRISES DE IMAGEM EM SEU ENREDO
SÃO PAULO 2013
ANIÚSKA MANSUÊTA CARVALHO BARROS
ANÁLISE DO FILME “OBRIGADO POR FUMAR” E A REPRESENTAÇÃO DO GERENCIAMENTO
DE CRISES DE IMAGEM EM SEU ENREDO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Rogério Ferraraz.
SÃO PAULO 2013
ANIÚSKA MANSUÊTA CARVALHO BARROS
ANÁLISE DO FILME “OBRIGADO POR FUMAR” E A REPRESENTAÇÃO DO GERENCIAMENTO DE
CRISES DE IMAGEM EM SEU ENREDO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Rogério Ferraraz.
Aprovada em:
_______________________________
Prof. Dr. Rogério Ferraraz (Universidade Anhembi Morumbi)
_______________________________
Prof. Dr. Vander Casaqui (Escola Superior de Propaganda e Marketing)
_______________________________
Profa. Dra. Maria Ignês Carlos Magno (Universidade Anhembi Morumbi)
Dedico este estudo ao meu marido
Gustavo, a quem agradeço o
companheirismo e o amor; e ao meu
amado filho Antônio, que vivenciou, ainda
em meu ventre, parte dessa minha
trajetória pelo mestrado e que enche
nossas vidas de felicidade.
AGRADECIMENTOS
É difícil agradecer a todas as pessoas que, de algum modo, nos momentos serenos
ou naqueles difíceis fizeram parte da minha trajetória pelo mestrado. Primeiramente,
gostaria de agradecer a toda minha família.
Agradeço aos meus muitos amigos do mestrado, não citarei nomes uma vez que
percorri diversas turmas, pela compreensão, carinho, risadas, apoio, ensinamentos.
Meu sincero e especial agradecimento aos meus professores/mestres Luiz Antônio
Vadico, Maria Ignês Carlos Magno, Sheila Schvarzman, Maria Bernadette Cunha de Lyra
que, com dedicação e carinho, ministraram aulas que transformaram a minha visão sobre o
cinema e a arte de forma geral.
Com muito carinho e imensa admiração, agradeço ao meu orientador e professor
Rogério Ferraraz que, com toda paciência, atenção e gentileza, conseguiu me direcionar
nessa pesquisa, principalment nos momentos em que eu já imaginava ter de desistir de
finalizar esse projeto.
Agradeço à assistente do Mestrado Alessandra Marota, que atenciosamente me
atendeu e, literalmente, me salvou nos momentos de tensão.
Também agradeço à Universidade Anhembi Morumbi por ter me dado a oportunidade
de fazer esse curso como aluna bolsista e por abrir suas portas para que eu pudesse
começar uma nova carreira como professora. Em um País em que a Educação não é
prioridade, sempre tive como lema que o conhecimento é fonte de transformações pessoais
e sociais. E nessa Universidade, esse meu lema tomou nova dimensão, principalmente por
mais essa conquista.
Se fôssemos traçar uma linha reta da trajetória de uma crise de imagem, o
ponto zero seria o sucesso. E, como ponto final, a execração. Em qualquer nível em
que esse sucesso se expresse.
MÁRIO ROSA
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo analisar o filme “Obrigado por Fumar” (Thank you for
smoking. REITMAN, J. & BUCKLEY, C. Fox Seach Pictures. EUA. 2005. Cor. 92 min.),
longa-metragem de estreia de Jason Reitman como diretor, baseado no livro de mesmo
nome de 1994 de Christopher Buckley. Busca-se, aqui, investigar a representação e o
processo de midiatização do gerenciamento de crises de imagem organizacionais pelo
cinema americano a partir da década de 1990, através da análise de uma obra específica. O
interesse desta pesquisa é mostrar a representação midiática da cultura organizacional no
que tange o gerenciamento de crises de imagem e como o cinema americano se apropria do
tema para demonstrar o que as empresas, de forma geral, costumam fazer para defender
seus interesses. A estética e a narrativa, neste contexto, são importantes para alavancar
personagens e caracterizá-los em face do que acontece no mundo corporativo. Esta
pesquisa é considerada de fundo analítico, sendo que para descrever o processo de
midiatização foi feito um levantamento de documentos e registros sobre o tema realizados
por pesquisadores do setor. E, para realizar o estudo fílmico, foram utilizados estudos
anteriores sobre análise fílmica e processos de representação no cinema americano. Esta
dissertação traça um paralelo entre o mundo corporativo e sua representação em momentos
de gerenciamento de crises de imagem. Em “Obrigado por Fumar”, esta representação
corporativa ganha ares de sátira, mas o tema é, literalmente, esmiuçado em suas pequenas
nuances. A perspicácia do enredo, a precisão do roteiro, no desenvolvimento dos
personagens, dos diálogos e das ações, a escolha do elenco, entre outros elementos,
contribuem para se estabelecer uma sólida argumentação sobre o tema.
Palavras-chave: cinema americano, gerenciamento de crises, representação, análise de
filmes, “Obrigado por Fumar”.
ABSTRACT
This thesis aims to analyze the feature film "Thank You for Smoking" (Thank you for smoking. Reitman, J. & BUCKLEY, C. Fox Seach Pictures. U.S. 2005. Colors, 92 min. The first film of Jason Reitman as director, based on the book of the same name by Christopher Buckley 1994. One aim here to investigate the representation and process of mediatization of the crisis management of organizational image by American cinema from the 1990 ’s. the interest of this research is to show the media representation of the organizational culture regarding crisis management and image as the American film appropriates the theme to demonstrate that companies, in general, usually do to defend their interests . The aesthetic and narrative in this context are important to leverage characters and characterize them in light of what happens in the corporate world. This research is considered analytical background because to describe the process of mediatization was a survey of documents and records on the subject conducted by researchers from industry. And, to make the filmic study, previous studies on film analysis and processes of representation in American cinema were used. This paper draws a parallel between the corporate world and its representation in moments of crisis management picture, portrayed from the decade 1990 by the American cinema. In "Thank You for Smoking" this corporate representation wins airs of satire, but the theme is literally scrutinized in their little nuances. The insight of the plot and the casting contribute to establishing a solid argument about the theme.
Keywords: American cinema, crisis management, representation, film analysis, "Thank You
for Smoking".
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - O Senador Ortolan K. Finistirre, papel de William H. Macy, e um cartaz de seu projeto antitabagista 74
Figura 2 - Nick Naylor e a jornalista Heather Holloway em um de seus encontros, nos quais ele confessou a ela todas as suas artimanhas 81
Figura 3 - Luz e sombra ajudam a projetar a atmosfera de suspense e reforçam no filme as questões de ética e retórica versus persuasão 83
Figura 4 - Nick Naylor faz apologia ao tabaco até mesmo durante apresentação na escola do filho Joey (Cameron Bright) 84
Figura 5 - Nick Naylor em um dos momentos com seu filho, que o faz repensar seu trabalho e a forma de usar seu poder de persuasão 87
Figura 6 - Nick Naylor analisa sua performance em encontro informal com seus colegas lobistas em uma das cenas de “Obrigado por fumar” 87
Figura 7 - Naylor aprende, com seu filho, já na terceira fase da trama a trabalhar de forma mais crível, mais embasada em valores e não somente em astúcias 89
Figura 8 - Ao lado do Filho Joey Naylor, Nick Naylor demonstra que é possível trabalhar como lobista com ética 90
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ............................................................................... 11
CAPÍTULO – 2 – GERENCIAMENTO DE CRISES INSTITUCIONAIS ................. 20
2.1 Definição de Imagem, Valor de Marca e Crise ................................................. 20
2.2 Perdas e Ganhos em uma Crise Empresarial .................................................. 27
2.3 Tipos de Crises Empresariais ........................................................................... 31
2.4 Classificação das Crises Empresariais ............................................................. 35
2.5 A escolha do porta-voz ..................................................................................... 41
2.6 Planejamento ou Sorte?.................................................................................... 43
2.7 Jornalistas ......................................................................................................... 47
2.8 Midiatização do Gerenciamento de Crises ....................................................... 51
CAPÍTULO – 3 – A REPRESENTAÇÃO DO GERENCIAMENTO DE CRISES
DE IMAGEM EM “OBRIGADO POR FUMAR” ....................................................... 57
3.1 O Cinema Midiatizou a Forma de Viver ............................................................ 67
3.2 Controle Social .................................................................................................. 70
3.3 Questão de Retórica, Regras e Midiatização ................................................... 71
3.4 Quando a Verdade é Inconveniente ................................................................. 77
3.5 Elenco, Enredo e Personagens ........................................................................ 79
3.6 Contexto ............................................................................................................ 85
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 94
Sites pesquisados ................................................................................................... 96
ANEXOS.................................................................................................................. 97
11
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO
A construção de um planejamento de comunicação para a formação de
imagem1/reputação2 empresarial parece ser um dos pontos de partida para o
estabelecimento de uma organização social ou de mercado da contemporaneidade.
Baseados em pilares construídos pela comunicação organizacional tais planejamentos
difundem lemas, valores e missões de milhares e milhares de organizações mundo afora,
especialmente para tentar fazer com que estas mesmas companhias estabeleçam com seus
públicos e com o mercado de forma geral um conceito de perenidade, de sustentabilidade.
Mas, quando o cenário da sustentabilidade esbarra em alguma farpa, o que fazer? Esta é a
indagação desta pesquisa que busca traçar um paralelo entre momentos extremos de
comunicação, como os que ocorrem em ocasiões de gerenciamento de crises de imagem, e
a sua representação3 midiática4 feita pelo cinema americano a partir da década de 1990.
1 Imagem institucional ou corporativa é um diferencial decisivo em relação à concorrência. Para que um produto desperte a atenção do consumidor, é preciso promover um amplo e complexo processo de comunicação que se inicia – e se sustenta – na imagem institucional da empresa que o produz. Por meio dessa imagem é possível saber que por trás do design, do desempenho tecnológico e da modernidade de um produto ou serviço está o compromisso da empresa com a qualidade e o respeito aos seus acionistas, colaboradores e consumidores. Artigo a Força da Imagem, Site Aberje, acessado em 05.11.2013, em http://www.aberje.com.br/antigo/revista/n22/artigo4b.htm
2 A reputação é o juízo de valor que a empresa sofre quando se compara a sua imagem a um modelo ideal aos olhos de quem a vê. Pode ser entendida como recurso fonte de valor ou de vantagem competitiva para as organizações, sendo um dos recursos que contribuem positiva ou negativamente para o seu desempenho. A reputação é o mais importante ativo de uma organização. Problemas na esfera da reputação influenciam poderosamente as relações com os públicos de interesse e podem arruinar negócios, derrubar governos e destruir relacionamentos e esforços moldados e consolidados ao longo de décadas. Curso do professor, Renato Manzano, para a Aberje, acessado em 05.11.2013,
em http://www.aberje.com.br/servicos_cursos_nao_detalhes.asp?id=164
3 O conceito de representação coletiva nasceu na sociologia, nos estudos de Émile Durkheim. O
sociólogo argumentou que esses fenômenos coletivos não podem ser explicados em termos de indivíduo, pois ele não pode inventar uma língua ou uma religião. Esses fenômenos são produto de uma comunidade, ou de um povo. Acessado em 05.11.2013, em http://www.scielo.br/pdf/ln/n61/a08n61.pdf 4 A comunicação midiática é formadora de representações e, como tal, interfere diretamente na conduta dos indivíduos, conforme a dinâmica das interações realizadas entre sujeito e objeto, articuladas no âmbito do meio comunicacional. Artigo Teoria Social e Comunicação: Representações Sociais, Produção de Sentidos e Construção dos Imaginários Midiáticos, acessado em 05.11.2013 –
endereço eletrônico http://compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/viewFile/9/10
12
Procurou-se entender como o cinema americano, mais especificamente o longa-
metragem “Obrigado por Fumar”, utilizou a relação de midiatização audiovisual para retratar
o gerenciamento de crises de imagem e suas várias formas, que, na verdade, são pré-
requisitos para se tentar manter a ordem. Esta dissertação tem como objetivo analisar o
longa-metragem “Obrigado por Fumar” (Thank you for smoking. REITMAN, J. & BUCKLEY,
C. Fox Seach Pictures. EUA. 2005. Cor. 92 min. Longa de estreia de Jason Reitman como
diretor, baseado no livro de mesmo nome de 1994 de Christopher Buckley. Busca-se, aqui,
investigar a representação e o processo de midiatização do gerenciamento de crises de
imagem organizacionais pelo cinema americano a partir da década de 1990, por meio da
análise dessa obra em particular.
Esta pesquisa tem o intuito de mostrar a representação midiática da cultura
organizacional no que tange o gerenciamento de crises de imagem e como o cinema
americano se apropria do tema para demonstrar o que as empresas, de forma geral,
costumam fazer para defender seus interesses. Avaliar a estética e a narrativa do longa-
metragem é importante para averiguar como personagens foram caracterizados a fim
representarem o que acontece no mundo corporativo.
Os fenômenos da midiatização do gerenciamento de crises de imagem são o alvo
deste estudo. Procura-se entender como o cinema americano da década de 1990 em diante,
mais especificamente o filme “Obrigado por fumar”, utiliza a relação de midiatização
audiovisual e os processos nos quais a cultura audiovisual se estabelece para retratar o
gerenciamento de crises de imagem e suas repercussões. Busca-se, mais especificamente
avaliar como os processos históricos/culturais estabelecidos sob modelos pré-concebidos de
administração organizacional interferem na concepção e, também, no próprio gerenciamento
de crises.
Baseado nos autores estudados, (MITROFF, 2000; IRVINE, 1996; GASCHEN, 2003;
SUSSKING e FIELD, 1997; WAKEFIELD, 1999; NEVES, 2002; MELO, 2004; ROSA, 2001;
VIANA, 2001) este estudo buscou referências sobre Comunicação, Gerenciamento de
13
Crises, Imagem, Organizações. Pode-se aferir, com base nas teorias destes estudiosos, que
poucas são as empresas que estão preparadas para vivenciar um momento de crise de
imagem ou que tenham elaborado um plano de contingência5 para o seu gerenciamento.
Nota-se, no Brasil principalmente, um despreparo muito grande por parte das empresas para
tratar as contingências a que elas mesmas se impõem. Concluí-se que não é dada a devida
atenção aos problemas que têm o potencial de arranhar suas imagens ou reputações. É
plausível afirmar que, na verdade, as próprias lideranças das companhias não se preparam
porque, no íntimo, não acreditam que um dia poderão ser vítimas de tal experiência.
Quem já vivenciou momentos de crises de imagem corporativa, no entanto, sabe muito
bem que uma situação como esta deixa sérias consequências. Desta forma, cabe ressaltar
que não se preparar para tais eventos reflete a pouca preocupação que as empresas dão a
tais questões. Ter um evento que afete a imagem de uma corporação e não estar preparado
pra gerenciá-lo é, no mínimo, uma falta de visão corporativa de médio prazo.
Informações de 1996 do Institute for Crisis Management (ICM)6, instituição americana
responsável por pesquisas e planejamentos organizacionais no que se refere à
gerenciamento de crises de imagem, revelam que apenas 35% das crises são repentinas ou
inesperadas; contra 79,96% latentes. Previstas ou não, anunciadas antecipadamente ou
não, as crises de imagem institucional ocorrem no mundo inteiro, cada vez com maior
repercussão na mídia e com maiores danos para a empresa e para a sociedade.
5 Um plano de contingência é um tipo de plano preventivo, preditivo e reativo. Este tipo de plano propõe uma série de procedimentos alternativos ao funcionamento normal de uma organização, sempre que alguma das suas funções usuais se vê prejudicada por um problema interno ou externo.
6 Institute for Crisis Management (ICM) é uma empresa de consultoria americana que atua com base
em pesquisas oferecendo serviços de administração e comunicação para empresas, organizações sem fins lucrativos e órgãos governamentais. O ICM foi fundado em 1989 e dedica-se à pesquisa e consultoria à empresas e personalidades auxiliando na elaboração do plano de contingência e de estratégias de comunicação em situações de crise. Site oficial – http://crisisconsultant.com
14
Grosso modo, buscou-se nesse estudo apontar as diversas tramas que uma crise de
imagem corporativa estabelece. O objetivo desta averiguação do que se faz num momento
de crise e do que, realmente, pode-se denominar crise de imagem corporativa/institucional é
demonstrar o que as empresas, de forma geral, costumam fazer para defender seus
interesses e sua reputação em situações limite. Tais situações, em geral, envolvem
questões pertinentes à imagem, o que é muito difícil de se estabelecer e mais ainda de
recuperar. Avaliar como essas situações foram retratadas pelo cinema, em especial no
longa-metragem adotado como base dessa pesquisa, é o foco deste trabalho.
Analisar o longa-metragem “Obrigado por Fumar” e a representação do gerenciamento
de crises de imagem em seu enredo trouxe para esse estudo a possibilidade de abordagem
do tema e a dificuldade de se encontrar literatura que intermediasse os dois universos:
cinema americano versus gerenciamento de crises institucionais. Há pouca fortuna crítica7
sobre o filme e é ainda menor a literatura que envolve o tema gerenciamento de crises de
imagem e sua representação pelo cinema americano.
A escolha de “Obrigado por Fumar” para abordar tal assunto se deu por sua
peculiaridade e por sua representatividade no quesito representação midiática. Em
“Obrigado por Fumar”, o tema gerenciamento de crises de imagem é tratado de forma
caricatural. Mas, por detrás da pretensa ironia do enredo, é possível perceber a importância
do assunto e traçar um paralelo sobe como se preparar para sua abordagem no dia-a-dia
empresarial. E, principalmente, se preparar para as contingências que cercam esse tipo de
evento.
No filme, o enredo é uma tentativa de proteger a indústria do tabaco do que pode se
tornar o seu colapso. Toda a trama articula-se sobre tal blindagem. Não se pode negar,
contudo, que não há mais uma ordem pré-estabelecida que perdure para sempre. Nem
mesmo no mundo que parecia ideal das grandes companhias de cigarro. As mudanças
sociais, de conduta, de postura, obrigam as empresas a estarem sempre em mudança.
7 Acervo de críticas sobre obra publicada.
15
Principalmente quando estas empresas estão no limiar do que é politicamente correto, como
é o caso do tabaco, das armas de fogo, da bebida. Todas estas indústrias tem
representatividade em “Obrigado por Fumar”.
O filme de Jason Reitman pode ser dividido em três partes distintas. É possível
configurar a trama como um desenrolar de uma tese, síntese e antítese. Na primeira parte
do filme, Nick Naylor (Aaron Eckhart) é um contumaz vice-presidente/porta-voz8/lobista9 da
indústria do tabaco e defende seu posicionamento em função de suas despesas pessoais,
em especial do pagamento da hipoteca.
Já num segundo momento, ainda no começo da trama, a personagem se defronta com
os próprios valores (influenciado pela postura crítica sobre moral de seu filho pré-
adolescente Joey Naylor – interpretado pelo ator Cameron Bright). Neste momento, Nick
Naylor recua e até pensa em deixar o posto de porta-voz da indústria do tabaco em função
da força de argumentação do filho. Esta abordagem ganha um grande espaço na trama. O
personagem principal demora algum tempo até decidir-se por qual caminho continuar.
Num terceiro momento, já no final da trama, Nick Naylor discorre que existe uma linha
tênue entre uma postura com ética, moral e de credibilidade, mesmo que seja em defesa de
um produto que pode ser tão prejudicial. Ele continua seu trabalho de lobista, desta vez na
indústria de telecomunicações. Setor que também é bastante criticado. Mas, consegue o
apoio do filho para esta sua nova forma de agir e trabalhar. É tênue a linha que separa a
personagem do limiar da ética, dos valores. Principalmente, quando o assunto é tratado
quase de forma fronteiriça no enredo.
8 Porta-voz é uma pessoa que fala em nome de outrem, mas que não se constitui, necessariamente, como parte de outrem (isto é, não precisa ser um empregado do representado).
9 Lobby é o nome que se dá à atividade de pressão, ostensiva ou velada, de um grupo organizado
com o objetivo de interferir diretamente nas decisões do poder público, em favor de causas ou objetivos defendidos pelo grupo. Lobista, em português, é o nome que se dá ao profissional que faz tal atividade. Illustrated Oxford Dictionary, 2000 p. 478
16
Em “Obrigado por Fumar” é possível analisar cada preâmbulo do gerenciamento de
crises de imagem, desde o fato que a acarreta até os pontos negativos de quem as
gerencia, passando pelos atos falhos, improvisações etc. Ao contrário do que se possa
antever, “Obrigado por Fumar” representa quase todas as facetas do processo de
gerenciamento de crises. O enredo pode-se dizer, é uma verdadeira aula sobre o assunto.
Em especial do que não fazer e de como a ética e a moral podem ser maleáveis, quando
não tem o rigor de um planejamento.
É preciso ter em mente, no entanto, que o mundo vive em plena crise, seja de ordem
social, econômica ou moral. Gilles Deleuze (1992), um dos principais autores estudados
para o embasamento teórico deste trabalho argumenta que o mundo está numa crise
generalizada de todos os meios de confinamento. Desta forma, faz-se necessário estar
preparado para esse novo mundo. É quase uma questão de sobrevivência criar mecanismos
para enfrentar adversidades, situações fora do controle, emergências.
Para a definição da nomenclatura e definições em relação ao gerenciamento de crises
utilizadas nesta dissertação foram adotadas as classificações feitas por MITROFF (2000);
IRVINE (1996); GASCHEN (2003); SUSSKING e FIELD (1997); WAKEFIELD (1999);
NEVES (2002); MELO (2004); ROSA (2001); VIANA (2001); OLIVEIRA (1996); BIRCH
(1993).
Os autores VANOYE e GALIOT-ÉTÉ (1994); AUMONT (1997) e JULLIER e MARIE
(2009) foram pesquisados a fim de se estabelecer parâmetros para a análise fílmica. Assim,
para os dois pilares desta pesquisa buscou-se estabelecer parâmetros de denominações,
definições sobre comunicação, gerenciamento de crises, cinema, representação e
midiatização. Embora, como já citado, haja pouca referência em relação à interligação das
duas áreas.
Os pesquisadores DELEUZE (1992); KELLNER (2001); RUBIM (1992); SODRÉ (2002);
MOSCOVIVI (2003); WEBER (1993); CUNHA (2012); SCHVARZMAN (2008); BOURDIEU
17
(1997) também foram retratados por este estudo para embasar os conceitos de
midiatização, história do cinema e representação.
Considera-se esse estudo como pesquisa de investigação documental e de fundo
analítico, uma vez que, para se descrever o processo de gerenciamento de crises,
representação, midiatização, história do cinema foi realizado um levantamento de
documentos e registros sobre o tema por pesquisadores da área. E, para realizar o estudo
fílmico, foram utilizados estudos anteriores sobre análise fílmica e processos de
representação, espetacularização, no cinema americano a partir da década de 1990.
Quanto aos fins tem-se que a pesquisa é do tipo descritiva e analítica, uma vez que
foram retratadas as características do fenômeno abordado, por meio de estudos prévios
sobre o tema. Nesse estudo, por meio de metodologia de análise comparativa, foram
observados e avaliados os pontos de vista dos estudiosos sobre o tema
contingência/gerenciamento de crises de imagem institucionais e a representação do
gerenciamento de crises de imagem no cinema, mais especificamente em “Obrigado por
fumar”.
Em relação aos meios de investigação, foi utilizada a análise fílmica sobre o tema
central da pesquisa que é o gerenciamento de crises de imagem e sua representação e
midiatização pelo cinema americano desde a década de 1990.
Neste estudo, pretende-se elucidar como o cinema americano pode ser representativo
quando retrata a midiatização de determinada ação ou fato. Busca-se analisar, nos três
capítulos que fazem parte deste trabalho, a representação midiatizada pelo cinema
americano do gerenciamento de crise de imagem.
No primeiro capítulo, foi feita uma breve apresentação do estudo, em forma de
Introdução sobre o que se debruçava a pesquisa. Metodologia, objetivos e autores
estudados foram mencionados nesse primeiro capítulo, a fim de esboçar o que se pretendia
avaliar com o estudo fílmico propriamente dito.
18
Já no segundo capítulo, foi abordado o papel do gerenciamento de crises e suas
características, nomenclaturas, diretrizes. Estudiosos da área foram pesquisados a fim de se
entender como eles categorizam, pressupõem, organizam e definem tais fenômenos. Falar
em gerenciamento de crises de imagem é, também, abordar alguns pontos de vista: como o
mundo corporativo as vê, como os estudiosos as entendem e classificam, como geralmente
acontecem e como tratá-las. Os desdobramentos também são importantes, quando se toca
neste assunto. Em especial, quando o tema é utilizado para alavancar recursos, valores,
ideias, marcas, produtos, que poderiam ser destruídos por este fenômeno.
No terceiro e último capítulo desse estudo, buscou-se tratar o tema representação
midiática do gerenciamento de crises de imagem tendo como instrumento de análise o
longa-metragem “Obrigado por fumar”. Utilizando-se o longa-metragem de 2005, do diretor
Jason Reitman, com Aaron Eckhart, Robert Duvall, Maria Bello, Kate Holmes entre outros,
foi possível fazer um paralelo sobre como o mercado e os estudiosos encaram o assunto,
bem como observar o processo de midiatização e representação que o cinema americano, a
partir da década de 1990, adotou. O filme analisado é um balizador dinâmico do que é
factual e do que pode ser um aspecto midiatizado do fenômeno gerenciamento de crises de
imagem. Enredo, personagens e narração são analisados a fim de se entender como esse
processo pode ser representado na grande tela do cinema.
Para traçar um paralelo entre o que ocorre em “Obrigado por Fumar” e outro exemplo
de filme com o mesmo tipo de temática, fez-se uma breve análise de “O Informante” – The
Insider – filme americano de 1999, gênero drama, dirigido por Michael Mann10. O roteiro é
10 Considerado um dos diretores mais inovadores e respeitados em atividade. O americano Michael
Mann possui um estilo bastante característico de filmar, muito focado no apuro visual e no tom documental. A maior parte de sua obra baseia-se no gênero policial e geralmente tem personagens obsessivos. Costuma operar ele próprio a câmera na fotografia de seus filmes e nos mais recentes optou pelo uso do formato digital. Informações do Site IMDB – acessado em 05.11.2013, endereço
eletrônico http://www.imdb.com/name/nm0000520/
19
uma adaptação do artigo The Man Who Knew Too Much, de Marie Brenner. “O Informante”
tem Al Pacino e Russell Crowe como atores principais.
20
CAPÍTULO – 2 – GERENCIAMENTO DE CRISES INSTITUCIONAIS
Se você é dono de uma pequena, média ou de uma grande empresa, se for um empregado ou um executivo de alto nível ou
um profissional liberal bem-sucedido, enfim, seja qual for a sua posição no mercado de trabalho, as crises de imagem podem
um dia atingir você. Direta ou indiretamente.
MÁRIO ROSA
2.1 Definição de Imagem, Valor de Marca e Crise
Para iniciar este estudo, torna-se imprescindível compreender o significado da palavra
crise e seu desdobramento dentro do contexto de gerenciamento de comunicação de crises
de imagem corporativa. É preciso também ter em mente o valor de uma marca, a fim de se
estabelecer o quão grave pode ser um arranhão em uma imagem corporativa.
A importância monetária das empresas corresponde não só a valor de seus bens
tangíveis, mas, principalmente, de seus ativos intangíveis, incluindo a construção de uma
imagem (é o que a empresa parece aos olhos de quem a vê) ou marca que leva anos para
ser consolidada no mercado. Desde o século XX, a marca representa alavancagem
econômica e impõe sua força nas negociações. As pessoas depositam enorme confiança e
fidelidade à marca, pois creem que os valores de empresa estão expressos nos seus
produtos / serviços.
Uma marca não representa só um nome, são promessas, são valores, são mensagens
que a empresa transmite ao cliente e que estes transmitem entre si. Terão mais sucesso,
aquelas marcas que cumprirem o que prometem ou que tenham sua imagem colada à sua
reputação (juízo de valor que a empresa sofre quando se compara a sua imagem a um
modelo ideal aos olhos de quem a vê). Não só as que criarem no consumidor o sonho, mas
21
que permitirem realmente a sua vivência. De acordo com David Aaker (2002), o valor da
marca tem o mesmo impacto sobre os dividendos para os acionistas que os lucros.
Crise, grosso modo, pode ser caracterizada como uma situação grave em que os
acontecimentos da vida social rompem com os padrões tradicionais ou perturbam a
organização. Vários autores foram pesquisados na tentativa de se estabelecer um
parâmetro nesta pesquisa sobre o que realmente entendem determinar a palavra crise.
Mas então, num primeiro plano, o que os teóricos estudados entendem por crises
organizacionais? Ian Mitroff (2000) conceitua crise como sendo algo que não pode ser
completamente contido dentro das paredes de uma organização. Apesar desta definição
abrangente, é pertinente considerarmos que nem todos os problemas organizacionais se
caracterizam como crise.
De acordo com o estudioso Robert Irvine (1996), crise é uma palavra bastante ampla e
pode ser, em termos de administração empresarial, uma ruptura que estimula uma grande
cobertura por parte da mídia/imprensa. Segundo Irvine (1996), “o resultado do exame
minucioso feito pelo público afetará as operações normais da organização podendo ter um
impacto político, legal, financeiro ou governamental nos negócios” (IRVINE, 1996, p. 45).
Por outro lado, Mateus Furlanetto Oliveira (1996), ao citar Lerbinger, diz que crise é
“um evento que traz ou tem potencial para trazer à organização uma futura ruptura em sua
lucratividade, seu crescimento e, possivelmente, sua própria existência".
Aprofundando um pouco mais o estudo sobre o que a palavra crise representa, John
Birch (1993) distingue crise de problema. Segundo este autor,
a crise é um evento imprevisível que, potencialmente, provoca prejuízos significativos a uma organização ou empresa e, logicamente, a seus empregados, produtos, condições financeiras, serviços e à sua reputação. (BIRCH,1993 p.10)
22
Um outro significado para a palavra crise existe, segundo Mário Rosa (2001), E vai
além da ideia de previsibilidade ou não. Segundo Rosa, as crises de imagem são as que
configuram maiores problemas e são as mais difíceis de serem debeladas. O conceito de
crise, neste caso, se estende para aquelas chamadas crises de imagem, que constituem um
conjunto de eventos que podem atingir o patrimônio mais importante de qualquer entidade
ou personalidade que mantenha laços estreitos com o público: a credibilidade, a confiança, a
reputação. Como mencionado no início deste capítulo, a imagem e, consequentemente, a
reputação de uma empresa tem valores monetários associados maiores do que os seus
bens tangíveis, ainda mais para aquelas companhias que tenham ações em bolsas e suas
atuações em âmbito internacional.
Por outro ângulo, Roberto de Castro Neves (2002) define crise empresarial como uma
situação que surge quando algo feito ou não pela organização afeta, afetou ou poderá afetar
interesses de públicos relacionados à empresa. Ainda segundo este autor, caracteriza crise
os acontecimentos que tenham repercussão negativa junto à opinião pública. Ao contrário
das crises empresarias que fazem parte da rotina da empresa, as crises com a opinião
pública extrapolam os muros da organização. Desta forma, Neves (2002) corrobora com
Rosa (2001), ao frisar que estas são as verdadeiras crises. Mais uma vez outro autor afirma
que as crises de imagem são as mais temidas e perigosas para uma organização.
O ICM (2009) refere-se às crises organizacionais como uma perturbação significativa
na organização que provoca uma extensa cobertura da mídia. O escrutínio público sobre o
ocorrido pode afetar as operações normais da organização e, também, ter um impacto
político, jurídico, financeiro e governamental sobre o negócio. Configura-se, mais uma vez,
uma situação de crise de imagem que afeta a reputação empresarial.
É, a partir desta evolução contextual que se compreendem os diversos conceitos da
palavra crise, como sendo "toda e qualquer ação interna ou externa que pode impactar
direta ou indiretamente a harmonia ou os interesses de uma organização com os seus
públicos" (MELO, 2004, p. 4). Corroborando com essa discussão, Melo (2004) define que
23
uma crise de imagem se constitui em um conjunto de eventos que podem atingir o
patrimônio mais importante de qualquer entidade ou personalidade: a credibilidade, a
confiabilidade e a reputação. Melo é mais um autor que defende a ideia de que a imagem e
a reputação são os bens mais preciosos de uma companhia quando o assunto é crise. É
preciso ter cuidado ao gerenciar tais eventos considerados crises, para que não haja mais
impactos negativos sobre estes pilares tão importantes às empresas.
As crises organizacionais, como vistos por intermédio dos conceitos dos autores até
aqui estudados, configuram-se como importantes eventos que extrapolam as paredes da
organização e que provocam impactos junto aos públicos podendo trazer prejuízos para a
corporação como um todo e provocando uma ampla cobertura midiática. Por outro ângulo,
Dan P. Millar e Robert L. Heath (2004) avaliam que as crises devem ser definidas como
eventos previsíveis, mas sem hora para acontecer e que tem reais ou potenciais
consequências para os interesses dos públicos, assim como para a reputação da
organização que passa por esse momento. Vista por esta avaliação, a crise de imagem
somente consolida-se se tanto a reputação quanto os interesses dos diversos públicos
ligados à organização forem afetados.
Francisco Viana (2001) também destaca a existência do elemento surpresa quando se
fala em crise. Segundo sua argumentação, o elemento surpresa ainda é o ponto crítico na
eclosão de uma crise. Para Viana (2001), neste momento, a competência da comunicação
organizacional será medida.
Em situações de crises as ações de comunicação precisam demonstrar coerência entre
o discurso e a prática. Além disso, a ética deve ser o balizador dos trabalhos de
comunicação ou da empresa ao lidar com os diversos públicos envolvidos. Viana (2001)
corrobora com esta ideia ao dizer que: “a diretriz básica para vencer as crises encontra-se
no teor do relacionamento que foi consolidado antes dos momentos de dificuldades”.
(VIANA, 2001, p. 384)
24
Já o autor Paul Argenti (2006) acredita que crise deve ser conceituada como uma
catástrofe séria que pode ocorrer como resultado ou erro humano. Este autor faz uma das
conceituações mais amplas sobre crise. Para ele, crise deve ser encarada como intervenção
ou mesmo intenção criminosa. Argenti frisa que as consequências de uma crise empresarial
são mensuradas pela devastação que causam. Para este autor, esta devastação é tangível,
como vidas, e, também, intangível, como a perda de credibilidade ou outros danos à
reputação.
Mais do que discorrer sobre os diferentes conceitos para a palavra crise, faz-se
oportuno perceber, a partir dos significados propostos pelos diversos autores, a evolução
dessa terminologia ao longo do tempo. Há pouco tempo, a sociedade vivia em guetos de
classe, cultura, religião e, até mesmo, territórios. A cobertura da imprensa também era
bastante regionalizada, o que permitia que um fato ocorrido em uma determinada área não
fosse de conhecimento em outras partes do mundo e, até mesmo, do país. Mas, a partir do
processo de globalização, houve uma grande mudança nestes parâmetros.
A partir do processo de globalização e, consequentemente, da evolução da
comunicação, a palavra crise ganhou nova conotação. A globalização tornou o mundo
pequeno do ponto de vista do acesso à informação. Não existe mais fronteiras para o
acesso ao conhecimento, à informação. O mundo do conhecimento, da informação, da
globalização provocou transformações significativas e fez surgir uma nova cultura
empresarial. Atualmente, as empresas podem até continuar agindo e trabalhando em termos
locais, mas seu alcance e penetração tem aspectos globais que afetam o relacionamento
com fornecedores, clientes, governo, imprensa, empregados e comunidade.
O estudioso Waltemir Melo (2004) acredita que nunca no mundo se produziu tanta
informação de caráter público como na atualidade. O mundo tornou-se, literalmente, plano
do ponto de vista do acesso à informação. "Hoje, a notícia pode chegar ao público, inclusive
como pauta para os veículos, de qualquer local a qualquer hora. A tecnologia ampliou a
vulnerabilidade das organizações e da própria sociedade." (MELO, 2004, p. 3)
25
A transformação ocorrida na mídia, a partir da introdução da tecnologia em suas rotinas
produtivas, cobre fatos e acontecimentos em tempo real e âmbito global. Esta transformação
também mudou a forma de trabalho no âmbito empresarial. A mídia com características de
instantaneidade, simultaneidade e globalidade, também transforma os modos de visibilidade
dos fatos no mundo.
A mídia, em situações de crise, transforma-se em palco da legitimação. Permite tanto a
fluência de discursos quanto de posições críticas e de protestos. A mídia condicionada a
interesses de mercado impõe suas regras quanto a captura e seleção de assuntos ou
ângulos de abordagem dos fatos a partir de crenças e pressupostos compartilhados pelos
produtores da notícia. Assim, a escolha de temas ou focos considerados relevantes
obedecem a orientações prévias da empresa jornalística, de tal sorte que os produtores
consideram o que será interessante e bem aceito por seus públicos. Há quase uma
homogeneização do que é informação, de qual a melhor imagem, melhor ângulo.
E, sobre este ponto o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1997), em estudo sobre as
características da televisão, alerta para um problema oriundo da cultura midiática em geral.
Esta, com suas tendências homogeneizantes e de banalização voltadas para a esfera do
dramático e da espetacularização, retira da audiência a capacidade de propor, de forma
autônoma o que quer ver e ouvir sobre os fatos. Dessa forma, a mídia detém o poder de
fabricar o gosto, impondo padrões de comportamentos e de agendamento de assuntos da
atualidade.
A mídia passa a ser responsável, desta forma, pelos processos de interação social,
principalmente pelo seu poder de influência a partir de seus meios e mensagens. A
cobertura da mídia em situações de crise dá ênfase a discursos e imagens com forte apelo
psicológico, transformando a vida de pessoas comuns em espetáculo e formas de
entretenimento. Percebe-se que em sociedades na qual impera a cultura da mídia, até
26
mesmo as narrativas produzidas sobre uma crise, têm como objetivo principal a satisfação
dos espectadores ou receptores.
Pode-se compreender que, a partir da transformação do papel da mídia na sociedade
de consumo, a comunicação organizacional necessita adaptar-se a esta configuração e
articular mídias tradicionais e novas mídias. Esta articulação parece destinada a
transcodificar, segundo o termo de Douglas Kellner (2001), discursos da política dominante
da mídia massiva, buscando fazer eclodir vozes de outros atores e de outros meios de
comunicação.
É plausível aferir, a partir de todos estes conceitos, que as empresas podem ser
afetadas por crises e sofrerem graves consequências. Desestruturação de suas operações,
diminuição de suas vendas e lucros, intervenções do governo, geração de despesas
operacionais, desmotivação dos empregados e queda da moral da equipe, obrigação de
pagamento de indenizações, diminuição da capacidade competitiva da empresa são
algumas destas possíveis consequências. Enfim, prejuízos à organização de diversos
modos e que não podem ser mensurados de forma generalizada. Tudo isso, terá reflexo na
percepção dos stakeholders11 sobre a empresa e, consequentemente, abalará sua imagem,
por conseguinte sua reputação e a credibilidade de sua marca no mercado. É, basicamente,
uma cascata de acontecimentos, que se bem gerenciados ou pré-concebidos, podem ser
amenizados.
11 Público estratégico. São os acionistas, clientes, fornecedores, colaboradores, parceiros, bancos,
instituições financeiras, órgãos reguladores, comunidades, enfim todos os públicos ligados direta ou indiretamente a empresa. Site Business Dictionary, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico
http://www.businessdictionary.com/definition/stakeholder.html
27
2.2 Perdas e Ganhos em uma Crise Empresarial
A ocorrência de crises de imagem tem marcado presença na história de muitas
organizações mundo a fora. A literatura consultada sobre o assunto é unânime em dizer que
normalmente as organizações não estão preparadas para enfrentar tais ocasiões, ou ainda,
denunciam que há aqueles gestores crédulos de que tal descontrole nunca se sucederá em
suas empresas. Para falar sobre os problemas a serem enfrentados por uma organização no
momento de uma crise de imagem com a opinião pública, é preciso, de antemão, mostrar as
consequências que tal evento pode acarretar.
Fica a pergunta: o que uma empresa tem a perder? Por que se afirma ser tão
importante ter um Plano de Gerenciamento de Crises (PGC)12 elaborado com antecedência?
Há algum ganho em uma crise de imagem? Como tirar vantagem em uma crise de
imagem/reputação?
Experiências deixam claro que, ao viver uma crise de imagem, as organizações podem
sofrer graves consequências. Perder clientes, apresentar queda no faturamento, ser
forçadas a demitir empregados, perder market share13, receber multas altíssimas, ter de
fechar suas portas, perder a credibilidade dentre várias outras perdas que levam tempo para
serem recuperadas são algumas destas repercussões atribuídas às crises. Mas, muito mais
do que isso, qualquer experiência de crise com a opinião pública significa um grande
prejuízo para a reputação corporativa.
12 Plano de Gerenciamento de Crise – PGC – segundo Rosa (2004, p. 71), sob a ótica da comunicação, é um conjunto de medidas, posturas e consensos capazes de fazer com que o sucesso de uma ação no lugar onde ocorreu uma situação adversa possa ser captado como tal. 13 Quantifica, em porcentagem, a quantidade do mercado dominado por uma empresa. Divide-se o
número total de unidades que a empresa vendeu pelo total de unidades vendidas no segmento em que a empresa atua. O valor pode ser obtido ainda da divisão do valor total em vendas da empresa pelo valor total em vendas do segmento. Site Business Dictionary, acessado em 05.11.2013, endereço
eletrônico http://www.businessdictionary.com/definition/market-share.html
28
A despeito das grandes crises de imagem, pode-se afirmar que elas são capazes de
incinerar uma reputação não em questões de anos, nem em questão de meses, mas em
apenas alguns poucos dias. A principal diferença é que uma crise de imagem tem o poder
de destruir o patrimônio de uma organização, até mesmo de um líder, colocando em xeque a
capacidade dos outros de acreditarem nela, em sua confiança. Vale ressaltar que crises de
imagem têm sempre um ponto em comum: o sucesso, uma imagem pública reconhecida,
uma reputação.
Rosa (2001) acredita que uma crise atinge aqueles que têm muito a perder, aqueles
que alcançam o sucesso ou o destaque em seu mundo particular, em seu segmento, em sua
profissão ou atividade. O autor sugere analisar qualquer caso recente para perceber que o
protocolo é quase sempre o mesmo: uma empresa de grande visibilidade, um empresário de
sucesso, um cirurgião bem-sucedido, um magistrado respeitado, um político em ascensão,
uma construtora exuberante – são vencedores como esses que acabam triturados pelos
processos de crise. Em qualquer nível em que esse sucesso se expresse.
É preciso reafirmar que uma boa imagem/reputação corporativa junto aos seus
diferentes públicos representa ganhos, também financeiros, para a empresa. As
organizações deveriam entender que uma imagem ou identidade inapropriada, ultrapassada
ou arranhada por meio de uma crise, pode ser tão danosa quanto uma performance
financeira fraca. Aaker (2002) é categórico ao afirmar que a imagem, muitas vezes, é mais
valiosa do que a performance financeira ou tão importante quanto esta para a empresa.
Não precisar trabalhar para recuperar ou defender uma reputação corporativa é o ideal.
Defender uma reputação, às vezes, é tarefa essencial e entender como e quando fazê-lo é
imperativo para uma administração bem-sucedida da identidade corporativa. Existem
inúmeras pesquisas sobre como a comunicação e o marketing podem contribuir de forma
significativa para o fortalecimento da interação entre empresa e seus consumidores ou
stakeholders e os trazer para mais perto do que sejam seus reais valores, objetivos e metas.
29
Desta forma, a atuação da área de Comunicação e Marketing, em uma empresa, passa
a visar os consumidores por meio de seus corações, mentes e espíritos. E isso, pode ser
cruzado, em uma matriz, com a Missão, Visão e Valores de uma organização e transformar
um momento de crise em um momento de ganho. Segundo Philip Kotler (2010), sempre há
uma história atrás de uma boa missão de Marketing e esta pode alavancar a empresa,
mesmo em momentos de crise.
Portanto, difundir a missão junto aos consumidores envolve uma história que emociona as pessoas. Uma ideia incomum embutida em uma missão teria de ser adotada pelo mercado mainstream14 para causar impacto significativo. Em outras palavras, a concretização da visão requer a participação do consumidor. Assim, o empowerment15 do consumidor é fundamental. (KOTLER, 2010, p. 60)
O ICM, ao analisar a cobertura da mídia no ano de 2008, mostra a ocorrência de
10.386 casos de crises organizacionais que estamparam as manchetes da imprensa dos
EUA. Outra questão apontada pelo relatório é o fato de que os executivos e gestores são
responsáveis por mais da metade de todas as crises, enquanto aos funcionários é creditado
31%, e às forças externas os restantes 18%.
Embora esses dados façam referência à realidade americana, quando observada a
realidade brasileira as estatísticas não são diferentes. E, quando se fala sobre crises
institucionais a situação mais comum é presenciarmos práticas reativas, nas quais os
desafios a serem superados serão muito maiores. Um exemplo desta situação foi a crise
14 Termo inglês que designa o pensamento ou gosto corrente da maioria da população. O termo inclui tudo que diz respeito a cultura popular e é disseminado principalmente pelos meios de comunicação em massa. Muitas vezes é também usado como termo pejorativo para algo que "está na moda". O contrário do mainstream seria chamado de Underground ou o que não está ao alcance do grande
público, sendo restrito a cenas locais ou públicos restritos. Illustrated Oxford Dictionary, 200, p. 493 15 Parte da ideia de dar às pessoas o poder, a liberdade e a informação que lhes permitem tomar decisões e participar ativamente da organização. Illustrated Oxford Dictionary, 200, p. 267
30
enfrentada pela TAM16 com a queda do Fokker 100 em 1996. Tanto no caso da TAM,
quanto no da GOL17, para ficarmos somente no campo da aviação civil, percebe-se que tão
importante quanto o próprio planejamento estratégico da organização, é, também, o plano
para a gestão de crises.
Pode-se observar que as definições sobre crises acompanharam e aprimoraram-se de
acordo com as diversas crises já ocorridas nas organizações, como: a adulteração do
medicamento Tylenol18, em 1982, o vazamento de óleo da Exxon Valdez19, em 1989, ou o
caso das pílulas anticoncepcionais de farinha da Schering20, em 1998, entre vários outros
exemplos.
16
No final de 1996, um avião da TAM caiu logo depois da decolagem sobre um bairro próximo do
aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com 99 pessoas abordo. Naquela época, a empresa não possuía um plano de gestão de crise bem estruturado, o então presidente da companhia, Comandante Rolim Amaro, precisou retornar de uma viagem para encabeçar a tomada de decisões. Informações do site www.g1.com, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico
http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,AA1331514-5605-676,00.html
17
Em 26.09.2006, um avião da Companhia GOL colidiu em pleno voo com um Jato Legacy, caindo na
altura da Serra do Cachimbo, em Mato Grosso. 154 pessoas morreram. Na ocasião, a empresa já tinha um Plano de Gerenciamento de Crises e o porta-voz foi o seu presidente, Constantino de Oliveira Junior. A prioridade foi o atendimento aos familiares das vítimas. Informações do site www.uol.com.br,
acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://noticias.uol.com.br/album/2013/09/28/relembre-o-
acidente-com-aviao-da-gol-que-completa-7-anos.htm#fotoNav=3
18 Em 1982, um indivíduo colocou cianeto em vários comprimidos do produto Tylenol, da Johnson &
Johnson, ocasionando a morte de sete pessoas. Na época, o produto tinha 40% de market share e em alguns dias as suas vendas caíram cerca de 90%. A Johnson & Johnson quando gerenciou a crise não tinha um plano estabelecido. Informações do site www.nytimes.com, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://www.nytimes.com/2002/03/23/your-money/23iht-mjj_ed3_.html 19 Em 24.03.1989, o navio de petróleo Exxon Valdez (atualmente chamado Dong Fang Ocean) lançou
cerca de 257 mil barris do petróleo que transportava no mar, na Costa do Alasca. Houve um grande desastre ambiental. De acordo com estimativas, morreram 250 mil pássaros marinhos, cerca de 3 mil lontras, 250 águias e 22 orcas, além da perda de bilhões de ovos de salmão. Foi o segundo maior derramamento de petróleo da história dos Estados unidos. Na época, o navio pertencia à ExxonMobil. Informações do site www.ig.com.br, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/meioambiente/vazamento+do+exxon+valdez+faz+21+anos/n1237587272742.html
20 Em 1998, o anticoncepcional Microvlar, em decorrência de teste na fabricação teve seu material
trocado por uma máquina embaladora, usando-se farinha e não o medicamento. Essas pílulas acabaram chegando ao mercado e foram consumidas. Algumas mulheres engravidaram por não
31
2.3 Tipos de Crises Empresariais
Catalogar as várias possibilidades de crise corporativa, de acordo com a literatura, é
um trabalho árduo. Existem vários autores que tratam o assunto, mas cada um deles
defende linhas que, às vezes, se contrapõem. Crises de Imagem, crises institucionais, crises
de governança corporativa, crises financeiras. São várias as ocorrências de crises que
podem afetar uma instituição.
Para Robert Wakefield (1999), existem dois tipos fundamentais de estudos sobre crises
que afetam o mundo corporativo: as naturais e as administrativas. Outros autores, como é o
caso de Irvine (1996), classificam as crises empresarias de acordo com a natureza do fato
em si. Existe, ainda, pesquisadores que buscam nos stakeholders a base da diferenciação,
como é o caso de Neves (2002), que tem nos diferentes públicos a referência de sua
classificação dos tipos de crise. Segundo Neves (2002), as crises podem ser classificadas
em cinco dimensões de públicos com os quais as empresas atuam: com consumidores,
clientes e usuários; com o público interno; com investidores; com a comunidade e crises
relacionadas ao poder público.
De acordo com a classificação das cinco crises de Neves (2002), elas se
desmembrariam da seguinte forma:
1. Crises com consumidores, clientes e usuários − relacionadas a produtos
fabricados, comercializados ou a serviço prestado. As mais comuns têm como
fatos geradores: produtos/serviços; violações contratuais; violações à lei de
defesa do consumidor; problemas de relacionamento com tais públicos (na
maioria dos casos o que impacta é a qualidade de atendimento).
estarem devidamente protegidas. Informações do site www.portal-rp.com.br, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/relacoespublicas/administracaodecrises/0120.htm
32
2. Crises com o público interno – relacionadas, de forma geral, aos interesses
dos empregados e de seus familiares/dependentes. Grande parte das vezes, os
empregados são vítimas, mas também podem ser agentes de crises, como: em
acidentes de trabalho; em demissões em massa; em violações da legislação
trabalhista; nos casos de discriminação; em assédios de qualquer natureza,
sendo o assedio sexual o mais comum; nos casos de violação de direitos
humanos; em casos de morte ou afastamento inesperado de altos executivos;
em escândalos de qualquer natureza (crimes de colarinho branco, fraudes
internas, envolvimento em corrupção etc).
3. Crises com investidores − relacionadas aos interesses dos acionistas da
instituição. Geralmente estes interesses estão associados ao valor da ação e à
remuneração do investimento (dividendos) dos investidores. São comuns nestes
casos de crise: resultado abaixo da expectativa; fusões e aquisições; tomada
hostil de controle; problemas de relacionamento com esses públicos, como
brigas de poder; perda de clientes; perdas patrimoniais significativas por roubo,
furto, desapropriação, má administração, fraudes, perda de ações judiciais,
multas e indenizações; fraudes contábeis; morte ou saída inesperada de altos
executivos; envolvimento da empresa em corrupção, crimes do colarinho branco,
sonegação fiscal, crimes ambientais; solicitação de concordatas ou pedidos de
falência.
4. Crises com a comunidade − relacionadas aos interesses de comunidades
específicas (aquelas ligadas fisicamente à empresa) ou da comunidade em
geral. Os problemas mais comuns deste tipo de crise são: relacionados ao meio
ambiente (vazamentos, destruição da camada de ozônio, contaminações,
tratamento inadequado do lixo, poluição sonora e visual, desmatamentos, desvio
de rios, alagamentos, aterros, caça e pesca predadoras, agressão ao patrimônio
histórico); conflitos com a comunidade/segmentos (mídia, minorias, mulheres,
33
religiões, nacionais/etnias, partidos políticos, comunidades geográficas,
comunidades acadêmicas e científicas, sindicatos e ONGs).
5. Crises relacionadas ao poder público − relacionadas com a ordem jurídica
e, também, institucional. São comuns neste tipo de crise: violação de leis e de
regulamentos, posturas municipais que podem comprometer/impedir o trabalho
da empresa (legislação fiscal, lei de defesa do consumidor, leis ambientais,
corrupção, crimes de colarinho branco, concorrência desleal, publicidade
abusiva, encerramentos de operações, fechamento de fábricas, descontinuação
de serviços ou de produtos).
Seguindo o exemplo de Neves (2002), Lerbinger apud Oliveira (1996) também faz um
estudo aprofundado sobre as crises empresariais. Mas, para este autor, as crises se dividem
em sete tipos diferentes, dentro de três categorias. As categorias são exemplificadas por
Lerbinger apud Oliveira (1996) como: crises do mundo físico; crises de clima humano e
crises de falha administrativa. Estas categorias se desdobram em sete, quais sejam:
1 - Crises do mundo físico
▪ Crises naturais – Aceitas como uma fatalidade. Como, por exemplo, furacão,
tornado, terremoto, inundações etc.
▪ Crises tecnológicas – Causadas pelo homem, pois são resultado da manipulação
dos recursos. Os avanços tecnológicos são bastante controversos e causam muitas
discussões, já que podem representar riscos que não existiam, como as usinas
nucleares, os implantes de silicone etc. Um exame de custo-benefício é necessário
neste tipo de atuação. Geralmente, as empresas são consideradas culpadas neste
tipo de crise.
2 - Crises de clima humano
▪ Crises de confronto – Envolvem a atuação de grupos civis, organizações não
governamentais, movimentos ambientalistas e de consumidores, enfim, grupos
34
organizados que se reúnem para lutar pelos interesses que defendem. Estes grupos,
grosso modo, aproveitam as oportunidades de espaço na imprensa para se
promoverem.
▪ Crises de malevolência – Grupos, indivíduos e, até mesmo, concorrentes usam de
atividades ilícitas ou de pura maldade para causar danos à imagem de uma empresa.
Terrorismo, atentado, falsificação, boatos, mentiras e rumores são alguns tipos de
ataques nesse tipo de crise.
▪ Crises de distorção de valores administrativos – Neste caso de crise, a empresa
se preocupa com o interesse de um de seus públicos em detrimento dos demais.
Muitas vezes este tipo de crise ocorre por um posicionamento da própria empresa. A
administração satisfaz a vontade de um dos públicos, causa grande insatisfação a
outro e, com isso, gera uma crise interna que pode ganhar repercussão externa.
3 - Crises de falha administrativa
▪ Crises de decepção – Ocorre quando há uma diferença entre o produto ou serviço
anunciado e a realidade do mesmo produto ou serviço.
▪ Crises de má administração – Caracterizadas pelos atos ilegais ou imorais
cometidos pelos administradores da empresa e estes tem seus nomes envolvidos em
fraudes, subornos, roubos etc.
Além de todas estas definições de crises e como elas se dão, existe mais um bastante
comum: os fatos corriqueiros que acontecem diariamente no ambiente empresarial. São
eles, muitas vezes de pequena ou nenhuma importância, os causadores de tais crises. Não
se costuma dar importância a pequenas intercorrências que afetam a vida da empresa, mas
não a paralisam ou prejudicam seu processos. Mas, ao não darem importância a estes
pequenos soluços administrativos, as organizações muitas vezes deixam suas crises se
proliferarem e crescerem sob seus pés.
Irvine (1996) define as crises empresariais em duas categorias: Repentina e Latente.
São exemplos de crises Repentinas a explosão de uma fábrica, a contaminação em
35
produtos alimentícios etc. Elas representam 35% das crises empresariais. No caso das
crises Latentes, há uma configuração interna na empresa que as propiciam. Elas são
gestadas e tem data de início previamente conhecida pela própria gestão da empresa.
Grande parte das ocorrências destas crises se dá pela atuação empresa e seus líderes.
Representam 65% das crises institucionais.
De acordo com Neves (2002), 90% das causas que vão gerar as crises empresariais
no futuro são de conhecimento da própria gestão e configuram crises latentes. O autor
argumenta que os fatos geradores de tais crises já existem dentro das empresas e são
conhecidas ou estão em processo de gestação e crescimento. Somente os outros 10% das
causas das futuras crises, que configuram as repentinas, não há como prever.
Ainda de acordo com o pesquisador, metade de suas causas de crises latentes é
conhecida pelo corpo gerencial. Neves (2002) afirma que tais causas não são tratadas por
inércia, medo ou conveniência. Ainda segundo este autor, a outra metade das crises
latentes não é notada pelo corpo gerencial. Neves (2002) assegura que nesta segunda
possibilidade de crises latentes, que configuram a metade das ocorrências, cerca 90% de
suas causas poderia ser descoberta se a empresa usasse processos de investigação sobre
gerenciamento de crises. Isso significa que se houver planejamento e vontade empresarial,
a empresa pode administrar 85% das possibilidades de crises empresariais.
2.4 Classificação das Crises Empresariais
Explanar sobre o gerenciamento de crise institucional demanda mais do que uma breve
pesquisa. É preciso saber distinguir as classes nas quais elas estão subdivididas, ter noção
de administração empresarial ou governança corporativa, ter noção de planos de
contingência. As classificações de crises ajudam a ter uma noção de como evitá-las ou
contorná-las.
36
Vários autores configuram as fases das crises como agudas, crônicas e de
recuperação. Na fase aguda, a crise é caracterizada pela pressão dos veículos de
comunicação e de espetacularização21 da informação. Esta fase oscila entre horas e
semanas. Tudo depende da repercussão que a mídia lhe confere. Na fase crônica, a
empresa enfrenta consequências jurídicas, administrativas e, mesmo, corporativas
provocadas pelo conflito. Já na fase de recuperação, a empresa consegue restabelecer seu
equilíbrio e dar continuidade a seus processos de produção/serviço.
Para Rosa (2001), há uma analogia que facilita a definição dos estágios de uma crise.
Segundo ele, a Teoria da Vidraça é perfeita para ter uma noção do que uma crise
empresarial pode revelar. Arranhão, pedrada, estilhaço, conserto, normalidade e referência
são os seis patamares desta analogia. Rosa (2001) acredita que uma crise pode apenas
arranhar uma imagem de uma empresa forte e reconhecida por seus públicos por sua
postura/reputação.
Por outro lado, o autor afirma que algo bombástico, que se assemelharia a uma
pedrada, pode configurar uma crise sem precedentes a uma instituição. Este tipo de estágio
de crise chama a atenção de um grande público e causa interesse sobre o assunto. Na
etapa do estilhaço, o barulho atribuído à crise é seguido por um grande ruído e leva o
público a ter noção do ocorrido. Em seguida a esta etapa, a empresa normalmente começa
sua recuperação. Neste momento, configura-se a etapa do conserto, que nada mais é do
que um grande empenho por parte da liderança da empresa a fim de recobrar sua imagem.
No estágio da normalidade, a empresa assume uma postura de sobrevida e toma a
experiência da crise como uma herança, embora desgastante, útil para que os fatores que a
fizeram acontecer não se repitam e não causem futuros abalos à imagem corporativa. Já no
estágio de referência, a organização, depois de algum tempo transcorrida a crise, não deixa
21 Transformar algo rotineiro em espetáculo, show. Superdimensionar a informação com o intuito de
atrair, reter o espectador/leitor. Informações do site www.observatoriodaimprensa.com.br, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/as_raizes_da_espetacularizacao_da_noticia
37
de lembrá-la. Tendo o fato como histórico, a imagem da organização ou de quem foi atingido
por ele sempre será lembrada. Apenas o tempo, o trabalho de recuperação e a ausência de
novos erros farão com que esqueçam o ocorrido.
Diante desse panorama traçado tanto por Rosa (2001) quanto por Neves (2002), Irvine
(1996) e demais autores sobre o tema gerenciamento de crises de imagem, observa-se a
necessidade básica de todas as empresas desenvolverem um PCG e possuírem
profissionais qualificados e treinados para o colocarem em prática, caso seja necessário.
Depender apenas do talento individual de um profissional é um risco que não merece ser
corrido. Para a atualidade, ter processos de administração de crise é uma responsabilidade
social e, também, uma política de proteção financeira e sustentabilidade.
Nos EUA, o assunto é tão sério que não dispor de um planejamento de gerenciamento
de crise é considerado crime. Esse tipo de iniciativa ocorre porque crises de imagem
acontecem rotineiramente. Julgá-las distante, que só abate alguns poucos empresários e/ou
empresas, pode até parecer correto, mas não deve ser frequente. Os noticiários diários de
rádios, tevês e jornais revelam com uma frequência cada vez maior que pessoas e
organizações estão passando por situações de crise com a opinião pública.
Com ou sem precisão, Rosa (2003) e alguns dos estudiosos apontados neste estudo
acreditam que é possível prever os desdobramentos de uma crise e fazer um planejamento
para situações extremas. Foi essa a lógica que começou a definir os contornos do
gerenciamento de crise: as crises têm um padrão. Alicerçado sobre este ponto de vista,
Rosa (2003) argumenta que é possível se antecipar aos desdobramentos de uma possível
ameaça.
Se existe um padrão, logo há determinados impasses e dilemas que se repetem de uma forma regular e, consequentemente, o melhor momento para encontrar as formas mais adequadas de lidar com essas dificuldades é antes que elas eclodam. (ROSA, 2003, p. 70)
38
De acordo com tudo o que foi explanado até aqui, há um consenso, nesse sentido, de
que o melhor caminho para o gerenciamento das crises de imagem empresariais é a
prevenção. Adotar atitudes preventivas não significa anular tais eventos, mas mapear as
dificuldades que poderão surgir e definir os melhores e mais adequados caminhos e
soluções a serem tomadas. "Resumindo: hora de crise é hora de reagir – e não de planejar."
(ROSA, 2003, p. 70)
Por meio de um diagnóstico organizacional, Irvine (1996) fundamenta uma questão
importante e que merece reflexão em relação ao gerenciamento de crises. De acordo com o
autor, este diagnóstico possibilitou uma análise que qualifica a maioria destas situações
como previsíveis e, portanto, evitáveis. Aquelas que não podem ser evitadas, segundo ele,
podem ser minimizadas. Irvine (1996) sugere ainda, apoiado em tal diagnóstico, que graves
problemas empresariais não se transformam em crises até que o público descubra via
imprensa e que quanto mais demoradas as crises, maiores os danos sobre as vendas,
ganhos, preços e posição competitiva da organização. Segundo ele, a recusa da
administração em admitir a realidade é o maior obstáculo para o efetivo gerenciamento de
uma crise.
A crise não deve, entretanto, ser vista apenas como momentos de prejuízos. No interior
de toda crise, pode estar presente uma grande oportunidade. Melo (2004), vislumbrando
esse ponto positivo de uma crise, acrescenta que uma crise bem gerenciada pode e deve
trazer significativas vantagens para a empresa como difundir os propósitos sociais e
empresariais como a missão e visão; disseminar valores e mensagens institucionais;
alcançar o comprometimento e conquistar a adesão verdadeira dos públicos envolvidos.
Melo (2004) argumenta também que, durante uma crise, é possível aprimorar o
relacionamento com os stakeholders, já que será preciso se aproximar deles durante e,
principalmente, depois do ocorrido para reconquistar a confiança e alcançar a sinergia entre
áreas e pessoas da empresa, uma vez elas se unem para se solidarizar com a empresa. "O
importante é ter em mente que a crise apresenta enorme possibilidade de desgaste, mas
oferece oportunidade para a demonstração cabal de competência." (ROSA, 2003, p. 176)
39
Preparo, esta é a palavra de ordem em uma situação de crise. Não basta à empresa
possuir um PGC e não saber colocá-lo em prática ou, por outro lado, estabelecer processos
burocráticos na tomada de decisões durante o processo de crise. Melo (2004) lembra que
muitas empresas apresentam uma enorme dificuldade na tomada de decisões porque não
estão preparadas e treinadas. Em momentos como este, as possibilidades de escolha são
muito amplas, o que atrasa a tomada de decisões. Em crises, as ações devem ser
assertivas e rápidas. Para piorar a situação, Melo (2004) enfatiza que, quando tomadas sob
pressão, as escolhas em sua maioria são feitas de forma incorreta.
Variados são os posicionamentos de articulação e comunicação possíveis a serem
tomados por uma empresa no momento de uma crise. Mas, para que esses
posicionamentos sejam realmente os mais adequados, a empresa deverá tê-los
experimentado e ter ciência dos resultados obtidos com cada uma das propostas de
posicionamentos em um PCG.
Wilcox apud Sandra Klinke (2000) apresenta uma lista de estratégias de comunicação
que podem variar em três aspectos, mas que bem gerenciadas podem trazer grandes
benefícios para as empresas que as utilizam. Segundo a autora, as estratégias dividem-se
em ações de duração, ações defensivas (ataque ao acusador, negação, desculpa,
justificativa) e as ações de acomodação (agrado, ação corretiva, pedido completo de
desculpas).
Wilcox apud Klinke (2000) defende que o uso de estratégias de comunicação
ancoradas por uma proposta de acomodação ou de defesa pode ser útil e efetivo
dependendo da natureza da crise que está afetando a organização. Elas não se propõem a
toda e qualquer situação de crise de imagem. Ainda de acordo com Wilcox apud Klinke
(2000), estratégias de comunicação que sugerem a acomodação dão ênfase ao reparo da
imagem. Este tipo de estratégia é necessário quando os danos à imagem pioram. No caso
40
do uso das estratégias defensivas, como negar ou minimizar o fato, elas se tornam menos
efetivas quando a organização é vista como responsável pela crise.
Para Wilcox apud Klinke (2000), a postura defensiva se caracteriza por quatro
posicionamentos básicos: atacar o acusador, negar, dar uma desculpa e justificar. Nas três
formas de posicionamento existem uma série de artifícios que as empresas utilizam. Ao
atacar o acusador, para minimizar uma crise, a empresa usa artifícios que confrontam a
lógica e contestam fatos. Ao negar a existência de um fato gerador de crise, a própria
empresa se coloca numa situação de confronto com a realidade aprontada.
E na terceira forma de posicionamento, conforme estudo de Wilcox apud Klinke (2000),
ao dar uma desculpa a organização diminui sua responsabilidade pela crise. Qualquer
intenção em se provocar o dano é negada e a organização afirma que não teve controle
sobre os acontecimentos. Tal estratégia é normalmente utilizada quando há um desastre
natural ou falha mecânica. Na última forma de estratégia, de acordo com a autora, ao
justificar minimiza-se a crise com uma declaração de que não houve danos ou ferimentos.
Algumas vezes, a culpa é transferida para as vítimas. Isso, frequentemente, ocorre quando
há mau uso do produto pelo consumidor ou acidente industrial.
Já a postura de acomodação, de acordo com a autora, é caracterizada pelos seguintes
posicionamentos: agradar, tomar ações corretivas e pedir desculpas por completo. No
primeiro caso, ao tentar agradar as ações são tomadas para acalmar o público envolvido. Os
consumidores que reclamam recebem cupons ou a organização faz uma doação para uma
entidade beneficente. Ao tomar ações corretivas as empresas, na maioria das vezes,
articulam algumas etapas e as seguem para se reparar o dano causado pela crise e se
prevenirem em relação à uma possível repetição do fato. No terceiro tipo de posicionamento,
a empresa ao pedir desculpas por completo assume toda a responsabilidade. Algumas
recompensas em dinheiro ou em assistência são normalmente incluídas neste processo.
Pesquisas anteriores indicam que as organizações que usaram estratégias de acomodação
tiveram mais sucesso do que aqueles que preferiram as defensivas.
41
Em seu estudo Klinke (2001), revela que as estratégias relatadas por Wilcox podem ser
úteis para analisar como a maioria das empresas lidaram com as crises. A autora explica
que grande parte das empresas afetadas por uma crise de imagem utilizam suas
experiências para criar novas guidelines22, o que também ajuda outras instituições a
evitarem os mesmos erros.
2.5 A escolha do porta-voz
A partir de todas estas constatações, é conveniente frisar que a construção de um PGC
varia de autor para autor. Existe, entretanto, vários elementos que se assemelham em todas
as propostas de criação de um planejamento dessa modalidade. Uma compilação dos
diversos autores estudados para este trabalho identificou os pontos em comum elucidados
sobre a construção de um PGC. Segundo os estudiosos do gerenciamento de crises de
imagem, um PGC deve conter, pelo menos, os seguintes elementos: avaliação das crises
mais prováveis; o comando das situações de crise e comitê da crise; a doutrina da crise; a
base de dados; identificação dos stakeholders e processos de comunicação e, por último,
mas não menos importante a definição do porta-voz. Não cabe a esse estudo avaliar cada
um destes elementos, mas sim entender como age ou deveria agir, o porta-voz em uma
situação de crises.
Deve-se pensar que a organização leva anos para a consolidação de sua imagem,
marca e reputação. Nas horas de crise é extremamente importante saber proteger tal
patrimônio. Uma vez que ele pode ruir em segundos e, até mesmo por descuido. E proteger
tais ativos passa pela escolha de um porta-voz bem preparado. A escolha do porta-voz pé
tão importante quanto a escolha dos procedimentos que deverão ser adotados e seguidos.
22 Guidelines ou diretriz é uma declaração usada para se determinar um curso de ação. A orientação tem como objetivo agilizar os processos específicos de acordo com uma rotina definida ou uma prática. Por definição, seguir a orientação nunca é obrigatório. Illustrated Oxford Dictionary, 2000 p.362
42
De acordo com Rosa (2003), há sete princípios básicos para o porta-voz. Estes
princípios, segundo o autor, têm sido chamados de Doutrina Ui. Um bom porta-voz: não fala
em tese (Não faz especulações. O porta-voz comenta fatos); não pode mentir; não pode
permitir privilégios (Suas falas são necessariamente públicas e, por isso mesmo, o conteúdo
deve ser igualmente acessível para todos); deve ter vocação ou ser treinado para
desempenhar a função (Deve ter o dom de transmitir suas mensagens sem ruído e com
conteúdo em cada fala); precisa ter credibilidade e respaldo da voz que ele porta, seja uma
empresa, uma instituição ou um líder; precisa ter domínio técnico e informação em
profundidade para esclarecer determinadas questões, especialmente as mais técnicas e,
finalmente, não pode perder o equilíbrio (Por ser a face de uma organização, sua imagem
não lhe pertence. Qualquer exagero – sinais de ironia, desprezo, irritabilidade, mal humor,
rancor, impaciência – será necessariamente associado a voz que ele representa).
Rosa (2003) faz uma observação importante a respeito das empresas que optam por
indicar advogados para o papel do porta-voz no momento da crise. Ele acredita que essa
providência pode ser adequada, pois a responsabilidade fica nas mãos de um profissional
teoricamente frio e racional, porém, ele destaca que são poucos os profissionais no Brasil
com treinamentos adequados principalmente para as entrevistas na TV. Como há falha
neste quesito, os porta-vozes não treinados em suas aparições televisivas, inúmeras vezes
fazem “declarações juridicamente perfeitas, mas herméticas ou inadequadas do ponto de
vista da comunicação em massa, resultando em prejuízo para a imagem da empresa"
(ROSA, 2003, p. 147). Muito autores defendem a tese de que, dependendo da gravidade do
problema, é o presidente que tem que vir a público explicar a situação, como ocorreu nos
dois exemplos citados das companhias aéreas brasileiras.
Rosa (2002) apresenta as três regras que devem nortear a atuação de um profissional
nessa situação de porta-voz de uma empresa. Estas três regras foram criadas por Larry
Speakes, porta-voz da Casa Branca no governo de Ronald Reagan. São elas: diga tudo o
que puder, o mais rápido possível (O importante é tomar a iniciativa em casos que envolvem
a opinião pública. O vácuo da informação abre espaço para especulações e
43
desinformação.); fale com uma única voz, sendo absolutamente fundamental a unificação
do discurso (As menores diferenças entre diferentes porta-vozes adquirem distorções
desproporcionais); nada substitui a honestidade (Mentiras ou tentativas de minimizar
costumam induzir a uma caçada a fatos ou dados que destruam a versão oficial. Isso
significa que, por pior que seja a informação a se dar, torná-la pública o quanto antes
desmonta, na origem, pesquisas controversas).
Um porta-voz não fala apenas por meio das palavras. O representante institucional
também transmite a mensagem pelo tom de sua fala, das pausas e respiração. Mais do que
isso sua expressão, roupa, olhar e estado de espírito; tudo isso tem significados importantes
e também refletem a imagem da empresa que defendem publicamente. Elementar arma da
comunicação, principalmente em situações de crise, a mensagem verbal ou não-verbal deve
ser tratada minuciosamente em casos de gerenciamento de crises de imagem. É preciso
levar em conta dois pontos principais: aquilo que você fala e aquele que você quer alcançar,
ou seja, o público.
2.6 Planejamento ou Sorte?
“Na crise, a sorte conta pouco; o preparo, muito”, adverte Rosa (2001). Uma crise não
necessita de um fato. Pode se iniciar com um simples boato e causar danos irreversíveis à
instituições, pessoas, localidades e até países. No primeiro estágio da crise, geralmente,
acontece uma tentativa de simplificação. No segundo estágio, ocorre o exagero. No terceiro,
a opinião pública interpreta o ocorrido de acordo com seus valores e visão de mundo. Se até
esse momento não se gerenciou a crise, os efeitos podem ser incontroláveis.
Gilles Deleuze (1992) pondera que estamos em plena crise generalizada de todos os
meios de confinamento e que se estabelece uma nova ordem mundial de relacionamentos,
confinamentos. É preciso atentar-se para tais mudanças e redesenhar atitudes, visões,
modus operandi, em especial, os organizacionais.
44
Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. A família é um “interior” em crise como qualquer outro interior, escolar, profissional etc... Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. (DELEUZE, 1992, p. 56)
Sabe-se que na atualidade, a ocorrência de uma crise rapidamente ganha projeção em
escala mundial principalmente por meio das tecnologias da comunicação e da informação.
Tecnologias, essas, que segundo Muniz Sodré (2002) transformam a sociedade atual e
apontam para uma virtualização da vida. Até alguns anos atrás o conhecimento sobre a
ocorrência de acidentes ou crises limitavam-se ao âmbito de determinada comunidade, ou
seja, para tomar conhecimento sobre a sucessão de algum fato era necessário compartilhar
do mesmo território geográfico.
Neste contexto, passa a mídia a ser responsável pelos processos de interação social.
O seu poder simbólico de influência exercido pela mídia a partir de seus meios e mensagens
reforça uma potencial crise. A cobertura da mídia em situações de crise pode ser crucial,
uma vez que esta prioriza discursos e imagens com forte apelo psicológico, transformando a
vida de pessoas em espetáculo e, até mesmo, em entretenimento. Nas sociedades nas
quais a cultura da mídia é dominante, as narrativas produzidas sobre uma crise têm como
objetivo principal a satisfação dos receptores ou, simplesmente, a audiência. Os fatos em si
são relegados a um segundo plano da cobertura.
Pode-se compreender que, a partir da transformação do papel da mídia na sociedade
de consumo, a comunicação organizacional necessita adaptar-se a essa configuração e
articular mídias tradicionais e novas mídias. Essa articulação parece destinada a
transcodificar, segundo o termo de Douglas Kellner (2001), discursos da política dominante
da mídia massiva, buscando fazer eclodir vozes de outros atores e de outros meios de
comunicação. A busca de espaços em uma sociedade pluralista e democrática reflete-se em
um diferente posicionamento da organização frente às crises, já que hoje a mesma tem a
45
possibilidade de comunicar-se com seus públicos por meio de ações comunicativas em que
deixam de ser anunciantes para se tornarem produtoras de conteúdo informativo.
As organizações tornam-se mídias, transformando-se em seus próprios veículos de
comunicação direcionados aos públicos de interesse, quando inseridas em um ambiente
marcado pela convergência tecnológica, globalização, fragmentação e interações mais
fluidas. De patrocinadoras de eventos, as instituições passam a ser o próprio evento. Da
mesma forma que a mídia, enquanto organização, também articula suas diversas
ferramentas tecnológicas, inaugurando uma nova forma de estar no mundo e de se
relacionar com os outros, uma tecnocultura conforme os dizeres de Sodré (2002) na qual ou
sob a qual as relações humanas tendem a ser mais virtuais.
Em termos de vantagens trazidas pelo advento da tecnologia, é possível manter uma
gestão telemática23 das crises. Utilizando os artifícios da rede, as organizações podem
disponibilizar informações sobre o desenvolvimento dos acontecimentos em escala mundial
e, assim, estabelece-se uma capacidade de distribuir informação de forma imediata, concisa
e direcionada aos públicos de interesse. Sem contar o alcance global.
Presencia-se no gerenciamento de crises de imagem uma imediaticidade e uma
urgência. A cobertura midiática dos fatos, cada vez mais ampla e dinâmica, articula diversos
atores e ferramentas. É premissa da mídia ocupar-se da apuração do inusitado, do diferente,
do conflito. Desta forma, as crises organizacionais imediatamente ganham espaço nas
pautas midiáticas. São, em geral, fatos que fogem ao controle, ao dinamismo real dos
acontecimentos, à simetria do cotidiano. Depoimentos contraditórios, a busca por culpados,
a espetacularização do ocorrido, boatos, fatos antigos que são suscitados na busca por uma
23 Telemática é o conjunto de tecnologias de transmissão de dados resultante da junção entre os
recursos das telecomunicações (telefonia, satélite, cabo, fibras ópticas etc.) e da informática (computadores, periféricos, softwares e sistemas de redes), que possibilitou o processamento, a compressão, o armazenamento e a comunicação de grandes quantidades de dados (nos formatos texto, imagem e som), em curto prazo de tempo, entre usuários localizados em qualquer ponto do planeta. Informações do site www.uol.com.br – acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico
http://aulete.uol.com.br/nossoaulete/telem%C3%A1tica
46
explicação sobre a crise recém deflagrada servem de alicerce para a construção midiática.
Forma-se um clima de apreensão, incerteza e comoção, no qual a sociedade demanda por
respostas e manifestações dos envolvidos. Torna-se o fato partícula a todos os sujeitos.
E, nesse contexto, em que o surgimento de novas mídias ampliam o fluxo de
informações, entende-se ser a própria mídia um público que demanda uma atenção
especial. O caráter amplificador dos fatos perante a opinião pública já é um ponto que torna
a mídia um dos principais articuladores do processo de publicização da crise. Da mesma
forma, outros públicos precisam ser acionados em épocas de crise, a fim de que os atributos
da empresa como produtos e valores para a sociedade sejam transformados em escudos na
preservação da imagem da instituição. Buscar aliados neste momento é crucial.
Articuladores sociais, representantes de classes, membros de institutos de pesquisa não
associados à empresa, mas que tenham força de opinião e que possam dar depoimentos
favoráveis à instituição são bem vindos neste momento. Muitas vezes, são eles que abrem
portas para que a empresa articule-se com seus públicos e consiga expressar o que,
realmente, está acontecendo.
De acordo com Rosa (2001), a administração de crise não é uma fórmula de ação. É
uma forma de pensar. O autor enfatiza que
embora o aspecto humano das crises seja preponderante na repercussão que atingem, parece mais abrangente colocar a crise de imagem sob outra perspectiva. A melhor definição é de que a crise de imagem constitui um conjunto de eventos que pode atingir o patrimônio mais importante de qualquer entidade ou personalidade que mantenha laços estreitos com o público: a credibilidade, a confiabilidade, a reputação. (ROSA, 2001, p. 38)
Outro efeito da globalização e da comunicação da era digital é a uniformização dos
padrões éticos e das expectativas e direitos dos consumidores. Não só o pensamento, mas
também a atuação e expectativas humanas tornaram-se planas. Além dos diversos órgãos
de defesa do consumidor, as milhares de Organizações Não-governamentais (ONGs) em
contato com seus parceiros no exterior também auxiliam na divulgação e na fiscalização das
47
melhores práticas de atendimento aos consumidores. Um acidente ou uma prática não-ética
na filial de uma cidade longínqua no interior de qualquer estado brasileiro pode e
seguramente vai, se não for bem administrada, causar danos aos acionistas em Wall Street.
Haja vista as turbulências causadas pela quebra de empresas ou as falas de políticos sobre
pagamento ou não de dívidas.
2.7 Jornalistas
Seguindo por este mesmo caminho do poder de articulação da mídia, pode-se avaliar o
poder dos jornalistas. São eles que dão o tom, reforçam mensagens, apuram os fatos.
Dependendo do que for alavancado por um jornalista em uma determinada cobertura, o
restante dos veículos de comunicação podem e, muitas vezes o fazem, dar continuidade ou
mesmo seguir o mesmo ponto de vista e comprar a ideia da ocorrência de um determinado
fato. A distorção, por negligência ou não, pode comprometer de forma séria um processo de
gerenciamento de crises. A informação precisa ser discutida cada vez mais e não só
consumida.
Em 1994, um fato parou o Brasil: as denúncias de maus tratos a crianças na Escola de
Base, em São Paulo. Os proprietários forma acusados de abusos sexuais contra crianças de
quatro anos. E a mídia encabeçou uma verdadeira força-tarefa de acusações contra os
donos da instituição. Passados 35 anos, o repórter Valmir Salaro não hesita ao afirmar que o
Caso Escola Base foi o que mais marcou sua carreira. Em entrevista à jornalista Nathália
Carvalho (2013) para o site Observatório da Imprensa, Salaro conta que entrevistou as
pessoas que foram acusadas e elas negavam que tinham feito aquilo e realmente não o
tinham. “Até hoje, é uma história que me marcou e me marca muito. Sofri muito com isso.
Não tanto quanto eles, mas sofri”, argumenta o jornalista.
É uma ferida aberta, que no meu caso já virou cicatriz, mas que está presente. Quando tem esses debates, jornalistas e colegas que estão começando me procuram para falar justamente sobre esse tema. Tenho o dever de falar. Muitos colegas na redação
48
lembram que o erro não foi só meu, mas sempre digo: “cometi um erro. Eu tenho o dever de assumir”. (SALARO, 2013)
Outro aspecto que merece destaque é que as notícias também geram dividendos para
as empresas de comunicação. E os ganhos não são apenas financeiros para estas
empresas. Crises empresariais significam investigação, furos jornalísticos e, muitas vezes,
destaque profissional. São, para o repórter, um trabalho mais instigante, longe da rotina
diária. De acordo com Rosa (2003), os jornalistas são movidos pela ambição, querem
crescer profissionalmente para ganhar mais e ter mais influência, como em qualquer outra
atividade.
A figura do jornalista enquanto mediador entre a realidade e os receptores é
extremamente importante para se entender os processos de gerenciamento de crise de
imagem/reputação. A seleção de uma entre várias realidades, com a finalidade de a
transformar em notícia, e a seleção dos fragmentos representativos da realidade são os
momentos nucleares desta mediação.
Ao procurar comunicar desde a melhor perspectiva, o jornalista vê-se obrigado a
selecionar, destacar e reordenar alguns aspectos. Isso ocorre muito em função da linha
editorial ou mesmo por pressão do tempo que se tem para apurar e formatar uma
informação. No caso da TV, o tempo é outro imperativo que dificulta a melhor articulação
dos fatos. A mediação pode assumir assim, em função de todas estas perspectivas,
contornos de manipulação. Não se pode, no entanto, ignorar que parte desta manipulação
nasce da necessidade de apresentar a informação com clareza, perceptibilidade e de forma
quase que instantânea. Não há muito tempo para se discutir a informação.
Independentemente das exigências da mediação, existe um conjunto de critérios de
seleção de acontecimentos. Os jornalistas são treinados para avaliar, de acordo com uma
escala de valores, o grau de possibilidade de um acontecimento se transformar em notícia.
Selecionar implica reconhecer que um caso é um acontecimento e não uma casual
sucessão de coisas. Se o homem morde o cachorro, a máxima jornalista de valor de notícia
49
se estabelece. Assim, o que sai da normalidade, vira notícia. E quanto mais fora da média
ou do esperado diante das normas e condutas sociais um fato se estabelece, mais interesse
e comoção causa.
Desta forma, independentemente do papel do jornalista e das características do meio,
existe um conjunto de critérios de noticiabilidade. Este critério permite aplicar uma prática de
seleção estável, o que favorece a estandardização do processo produtivo. Esses critérios de
noticiabilidade assentam num conjunto de valores/notícia que atuam combinados e que
permitem distinguir o que é notícia do que é apenas acontecimento corriqueiro.
Neves (2002) apresenta alguns aspectos a serem levados em consideração para
melhor entender a relação empresa e mídia. De acordo com o autor, há naturalmente uma
competição entre os jornalistas pelo furo jornalístico, pela notícia. Dar a notícia na frente e
com exclusividade é a glória do repórter, sua obsessão. Outro ponto a ser levado em conta
quando se pensa no trabalho da mídia é o sentido de urgência da imprensa, que é diferente
do sentido de urgência empresarial.
Neves (2002) fala que há naturalmente um preconceito por parte dos jornalistas com a
atividade empresarial, partindo do princípio de que os empresários estão sempre
escondendo alguma coisa da opinião pública. E este costuma ser um dos principais pontos
de dificuldade na relação entre imprensa e líderes empresariais. Há sempre um receio por
parte dos líderes ao dar entrevistas do que virá de questionamento por parte dos jornalistas
ou até onde a relação é saudável. Outro grande paradigma a ser enfrentado é o de que
jornalistas não sabem a respeito de tudo, por isso, não conhecem todos os negócios e
atividades que estão cobrindo. A melhor hora de explicar o core business não é no momento
da crise, mas antes de ela acontecer, quando se tem tempo de conquistar a confiança dos
stakeholders.
Neves (2002) também frisa que, algumas vezes, jornalistas trocam números,
confundem milhões com bilhões. O melhor é falar com cuidado e checar a compreensão ao
50
dar entrevistas, falar sobre números. Outra preocupação que deve nortear a relação com a
imprensa é compreender que, no negócio de comunicação, existem diferentes profissionais,
como repórteres, editores, subeditores, editores especializados, colunistas, fotógrafos,
âncoras, comentaristas, repórteres de rádio, donos de empresas. Compreender as
diferenças profissionais significa uma abordagem específica para cada um deles e,
consequentemente, uma comunicação eficaz. Outra preocupação apontada pelo autor é
sobre a imparcialidade da imprensa. Segundo ele, “a tese de que jornalista é isento é
ensinada nas faculdades de comunicação, mas, na prática, não é bem assim. Cada ser
humano tem suas próprias convicções”. (NEVES, 2002, p. 137)
Rosa (2003) também faz uma análise que identifica muitos dos códigos associados à
imagem dos jornalistas a partir de uma leitura cinematográfica do profissional, visando traçar
um perfil da profissão. Este perfil, de acordo com Rosa (2003) pode ser chamado de
arquétipo dos jornalistas. Fazendo, desta forma, uma analogia com os arquétipos
configurados por Carl Jung24.
Segundo Rosa (2003), o jornalista mais famoso do mundo é Clark Kent. O personagem
que encarnava o Super-homem à paisana, enviado a terra por seus pais, juntamente com
cristais com toda a história de seu planeta de origem, suas tradições e saber. Assim, se
informação é poder, toda a informação é superpoder. E esse é o primeiro componente de
Clark Kent, válido também para a mídia.
O Super-homem é alguém plenamente engajado na defesa dos interesses de sua comunidade, assim como se pretende o jornalismo, combatendo sem tréguas os vilões e os agentes do mal, assim como o jornalismo idealmente também de entende. (ROSA, 2003, p. 269)
24 Médico e pensador suíço, considerado o pai da psicologia analítica. Jung estudou o inconsciente humano e influenciou várias áreas do conhecimento com suas pesquisas. Informações do site www.uol.com.br – acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://educacao.uol.com.br/biografias/carl-gustav-
jung.jhtm
51
Os jornalistas, assim como o Super-Homem, acreditam que exercem uma função de
caráter público e coletivo. Sentem-se no exercício de uma missão social, combatendo e
corrigindo vícios, distorções, ações contra o status quo. Rosa (2003) afirma, no entanto, que
ter um superpoder também tem um lado perigoso já que, em certas situações, pode ocorrer
uma falta de percepção da realidade, ou da intensidade desse poder, desconhecendo o
tamanho e, principalmente, as consequências de sua força.
É importante perceber como um viés destacado pela da imprensa pode provocar a
destruição de uma marca, de um líder ou de uma empresa. Os jornalistas, no entanto, atuam
numa faixa de poder tão especial que tendem a achar que o estrago que podem causar não
é tão devastador assim. O que importa, no fim do dia, é manter a ordem. Salvar o planeta.
2.8 Midiatização do Gerenciamento de Crises
A midiatização da questão do gerenciamento de crises institucional coloca uma lente
de aumento no que é lícito ou não fazer num momento tão singular. A representação desse
fenômeno o torna ainda mais singular. A maioria das empresas já trata o assunto de forma
séria. Mas, ainda existem organizações que não têm controle sobre sua imagem e, mesmo,
que não levam a sério a necessidade de se ter um bom gerenciamento de crise e se utilizam
de artimanhas da própria comunicação ou de seu processo para tentar obter benefícios.
Essa nova modalidade de comunicação, a chamada midiatização, iniciou-se no século
XIX, mas somente se expandiu no século XX, adquiriu características diferentes da
comunicação interpessoal. De acordo com Antônio Albino Canelas Rubim (1992), a
comunicação midiática estabelece uma nova ordem. Ainda, segundo Rubim (1992), no
mundo contemporâneo, há uma “revolução das comunicações”, que cria uma “nova
comunicação”, que é um ser todo poderoso, que “constitui e aproxima o mundo através da
imagem”. O autor frisa, ainda, que a “sociabilidade modifica-se eletronicamente”.
52
Em lugar de se constituir como compartilhamento (tornar comum, portanto) através do intercâmbio de mensagens e dos lugares do falante e do ouvinte, como realiza a comunicação interpessoal, essa nova comunicação compartilha (torna comum) sem que configure nenhuma troca ou intercâmbio. As mensagens tornam-se públicas sem qualquer procedimento dialógico, apresentando-se como produtos completados. Os “lugares” do falante e do ouvinte também não são intercambiáveis no processo comunicativo mas, em sentido inverso, são aprisionados e fixados sócio-tecnologicamente. (RUBIM, 1992, p. 148)
O exercício das tradicionais funções de circulação de ideias e opiniões não satisfaz
totalmente a comunicação midiática. De mera intermediária, ela se transforma em meio de
produção de bens simbólicos, tornando-se o lugar no qual os discursos sociais são
reproduzidos, com formas, valores e simbologias próprias. Alimentada por aparatos
tecnológicos cada vez mais avançados, com estratégias de enunciação sofisticadas e de
caráter centralizador, a comunicação midiática parece tornar o ato de publicizar (tornar as
coisas públicas) um momento autônomo, segmentado da realidade social, com grande
poder de penetração e mobilização da sociedade.
A comunicação midiática deixa transparecer, de imediato, sua mutação fundante: de mera intermediária (como acontece sob a modalidade da comunicação dita interpessoal), a comunicação, agora conformada como mediática ou media, plasma-se como produção (e divulgação, é óbvio) de bens simbólicos; como “falante/fala” acerca da sociedade; como “intermediação” ativa, ou enfim, como fabricadora de intermediações, onde e quando os discursos sociais são reproduzidos, Ito é, produzidos novamente, na incorporação de suas regras e de seu olhar, e difundidos, agora fantasticamente, potencializados. (RUBIM, 1992, p. 148)
A comunicação midiática une lugares longínquos e temporalidades distintas, relativiza a
noção que temos de tempo e espaço. Os limites impostos pelo experiência vivida parecem
desaparecer com o desenvolvimento sociotecnológico das telecomunicações. “A
possibilidade de viver tempos e lugares distantes inscreve-se como marca emblemática da
contemporaneidade.” (RUBIM, 1992, p. 05)
53
A instantaneidade propiciada pela comunicação midiática ultrapassa os espaços sócio-
geográficos. O transporte instantâneo e simultâneo da imagem, do som e de todos os signos
que compõem uma trama cinematográfica permitem, temporariamente, a integração
imaginária do homem com o mundo que o cerca. Essa mediação é entendida como um
mecanismo que permite estabelecer laços, vínculos entre atores e estruturas alheias da vida
de cada um, como intervenção deliberada num certo espaço vazio.
No passado, a comunicação, em conjunto e através da diversidade das instituições
sociais, solidariamente tornava as coisas públicas, transformando-as em comuns e
compartilhadas socialmente. Hoje, as imagens geradas pela media, mais do que nunca,
nutrem-se dos elementos que formam o imaginário coletivo. O domínio do imaginário e do
simbólico, portanto, torna-se uma importante estratégia para o exercício do poder, em
especial na dimensão pública da sociedade. E o acesso a esta dimensão pressupõe, de
certa forma, submeter-se ao caráter sociotecnológico da comunicação mediática e ter certa
intimidade com uma linguagem que se traduz essencialmente através da mídia.
... a dimensão pública aparece como espaço social habitado por imagens. Nela, os itens sociais só transitam com naturalidade sob a forma composta, por ser constituída simbolicamente de imagens e não como seres (primários) de carne, contradições e ossos. (RUBIM, 1992, p. 92)
Nenhuma relação social e nenhuma instituição política são possíveis sem que o
homem prolongue a existência de ambas por meio de imagens que tem de si próprio. Ao
produzir esse sistema de representações, que a um só tempo traduz e legitima a sua ordem,
a sociedade instala um controle, ao duplicar e reforçar no indivíduo laços identificatórios com
seu imaginário e universo simbólico.
O crescimento quantitativo da população, as mudanças qualitativas das necessidades
humanas, as alterações espaço-temporais decorrentes das modernas revoluções dos
transportes e das comunicações, bem como a produção de bens culturais realizam e
reafirmam o destaque da comunicação midiática nessa nova complexidade social. Agindo de
54
acordo com o que lhes é mediatizado25, os grupos formarão mensagens ou, de modo mais
abrangente, em discursos sociais, pois um discurso sempre fundamenta outros.
A sociedade deve necessariamente buscar modos de colocar os media sob o seu controle, portanto, de submetê-los à atividade política, pensada enquanto modalidade de gestão da sociedade. A subordinação mediática e de seus poderes aos interesses da sociedade e por consequência sua democratização aparece como essencial para a existência e aprofundamento da democracia na contemporaneidade. (RUBIM, 1992, p. 78)
A institucionalização da comunicação midiática ocasiona, em termos sociotecnológicos,
o deslocamento e a fixação do emissor e do receptor do processo comunicativo, antes
momentos de intercambiáveis como pólos independentes e “petrificados”, subvertendo o
próprio conceito de comunicação transformada em processo unidimensional.
A compatibilidade de interesses entre política, sociedade e os sistemas de
comunicação é relativizada pela escolha, pela opção da mídia, enquanto empresa ou
enquanto linguagem. Há um ocultamento de dados relevantes à formação do senso crítico e
exaltação de outros, segundo interesses específicos. Os fatos parecem não ter causa nem
consequência na própria realidade da qual são extraídos. Os fatos são, assim, reordenados,
não permitindo uma delimitação do que seja causa ou consequência. A influência dos
massmedia26 é admitida sem discussão, na medida em que ajudam a estruturar a imagem
da realidade social, a organizar novos elementos, a formar crenças novas.
A partir da década de 80, os estudos realizados sobre os efeitos da mídia sobre o
público apontam para uma alteração. Deixam-se de observar as mudanças de atitudes e de
opinião, numa perspectiva de curto prazo, para se passar aos estudos de efeito a longo
25 Divulgar através dos meios de comunicação; disseminar ou divulgar; midiatizar. 26 O termo massmedia é formado pela palavra latina media (meios), plural medium (meio), e pela
palavra inglesa mass (massa). Em sentido literal, os massmedia seriam os meios de comunicação de
massa (TV, rádio, imprensa etc). Illustrated Oxford Dictionary, 2000 p. 503
55
prazo, ou seja, a preocupação é com o processo pelo qual o indivíduo modifica sua própria
representação da realidade social. Os valores, comportamentos e opiniões dos destinatários
processos do processo comunicativo não são mais objeto principal dos estudos. A atenção
desvia-se para os efeitos nos sistemas de conhecimento do indivíduo, provocados, no caso,
pelas mensagens veiculadas, cotidianamente, nos meios de comunicação.
Esse redirecionamento de perspectivas no estudo da comunicação midiática se deve à
ascensão da sociologia do conhecimento, ciência que vê o valor dos processos simbólicos
como indispensáveis à sociabilidade. Falar de representações sociais implica
necessariamente falar de comunicação, pois é no processo comunicacional que as
representações sociais são geradas e expressas. Como mostra Serge Moscovici (2003),
uma condiciona a outra, porque nós não podemos comunicar sem que partilhemos determinadas representações e uma representação é compartilhada e entra na nossa herança social quando ela se torna um objeto de interesse e de comunicação. (MOSCOVICI, 2003 p.371)
Moscovici (1978) propõe a discussão sobre o papel da comunicação na formação das
representações sociais a partir de três enfoques: dos fenômenos cognitivos, da criação de
um universo consensual e dos fenômenos de influência e de pertença sociais. Em relação a
esse último, o teórico mostra a influência dos meios de comunicação de massa na formação
das representações sociais e sua relação com a conduta humana.
A percepção pública, de acordo com estudos de Moscovici (1978), é construída com
base nas informações transmitidas pela mídia. Estas informações, veiculadas sob as mais
diversas formas, são apropriadas e reconstruídas pelos indivíduos ou grupos. Dando, assim,
origem a condutas pertinentes aos sentidos atribuídos nessa reorganização.
A mídia tem o poder de construir determinada imagem na medida em que revela o
mundo ao público e intermedia a relação entre esse e os acontecimentos, diminuindo a
distância entre ambos (ou aumentando-a). Ela circunscreve campos simbólicos, desenha
56
uma nova territorialidade, propaga ideologias. É preciso observar a existência de uma
mecânica complexa entre a comunicação e o feito. Essa “mecânica” seria a diversidade dos
efeitos, às vezes previsíveis e reguláveis e, às vezes, vagos. Há também a possibilidade de
que se opere o “efeito bumerangue”, quando o resultado obtido se mostra o oposto do
intencionado, como nos esclarece Weber (1993).
A mídia fabrica. O indivíduo é alvo e resultado. Ela revela o mundo, amplia horizontes, agencia uma multiplicidade de eventos atomizados, costura e adensa um conhecimento da realidade, distribuindo poderes e contrapoderes, norteando a governabilidade e a cidadania. (WEBER, 1993, p. 03)
Por outro lado, quem não utiliza ou não tem acesso às variadas fontes de informação,
tende a tomar como sua a versão fornecida pela mídia, conforme esclarece Weber (1993).
Não que a mídia invente os acontecimentos (se bem que também o faça), mas os detecta,
dramatiza, potencializa e produz. E, como em qualquer indústria, é necessário assegurar o
ritmo da produção, controlar a oferta e a demanda e manter uma boa reserva de matéria-
prima.
Por meio de uma exposição periódica, as mensagens veiculadas pela mídia, uma
imagem vai se formando na cabeça do espectador. As informações vão se acumulando e se
organizando enquanto a memória se encarrega de solidificar esse processo de formação de
conhecimento.
57
CAPÍTULO – 3 – A REPRESENTAÇÃO DO GERENCIAMENTO DE CRISES DE IMAGEM EM “OBRIGADO POR FUMAR”
Este capítulo tem como objetivo fazer a análise fílmica do longa-metragem “Obrigado
por fumar”, sob a ótica da representação midiática do gerenciamento de crises de imagem
pelo cinema americano. O interesse é mostrar a representação midiática da cultura
organizacional e o que as organizações, de forma geral, costumam fazer para defender seus
interesses quando algum fato pode arranhar a forma como são vistas publicamente tendo
como ponto de vista o cinema americano, em especial as obras criadas a partir da década
de 1990. Procura-se, nessa dissertação, entender como o cinema americano, mais
especificamente o filme “Obrigado por fumar”, utiliza a relação de midiatização audiovisual e
os processos nos quais a cultura audiovisual se estabelece para retratar o gerenciamento de
crises de imagem e suas peculiaridades. Não pretende-se neste estudo estabelecer regras
ou questionar o que é certo ou errado fazer em momentos tão cruciais.
O longa-metragem “Obrigado por Fumar” (Thank you for smoking. REITMAN, J. &
BUCKLEY, C. Fox Seach Pictures. EUA. 2005. Cor. 92 min), filme de estreia de Jason
Reitman como diretor, baseado no livro de mesmo nome de 1994 de Christopher Buckley,
foi escolhido para embasar esta análise por suas peculiaridades no que diz respeito ao
processo de representação midiática do gerenciamento de crises de imagem. Busca-se,
neste capítulo investigar a representação e o processo de midiatização mais
especificamente a partir da década de 1990 em função das transformações que os estúdios
americanos sofreram naquela época.
Crise, obviamente, é um termo relativo. Como já foi estudado no capítulo anterior,
existem vários autores que estudam esse fenômeno e cada um deles defende pontos de
vista e argumentos para definirem o que seria uma crise organizacional. Para alguns
autores, um concorrente agressivo que se muda para as proximidades constitui uma crise.
Para outros, pode ser um escândalo, um indiciamento ou, no mínimo, uma inferência de
58
alguma maldade que se torna pública antes que uma situação de crise pareça existir. Se ou
quando a má notícia chegar, seja uma insinuação desagradável, um boato, um artigo na
imprensa ou a história de um grande desastre, a resposta corporativa correta é e deveria
ser: qual é a extensão do dano, a curto e longo prazos, tanto para a companhia como para a
clientela. E como o cinema traduziu este tipo de fato para as telas?
De acordo com Paulo Roberto Ferreira da Cunha (2012), a relação entre o cinema e os
espectadores sofreu grandes transformações no século XX, advindas de fatores
econômicos, novas tecnologias e, também, de processos mercadológicos. Mais
profundamente, esta transformação se deveu ao novo tipo de relação que a sociedade
americana passou a ter com produtos midiáticos.
Cunha (2012) enfatiza que a indústria cinematográfica vivia um momento delicado,
após o fim do sistema de estúdios. Por volta da década de 80, havia, segundo o autor, um
movimento para buscar alternativas que garantissem mais espectadores e boas bilheterias.
Cunha conta que Mascarello, identifica tal movimentação como uma “reconfiguração de seu
estado de ser, ou ainda, como uma resposta ao novo cenário gerada, por exemplo, pela
televisão que se colocava como uma alternativa real de consumo midiático e pelo
crescimento do interesse pelo público mais jovem”. (MASCARELLO apud CUNHA, 2012, p.
55)
Pode-se dizer que existem perguntas e respostas para as diversas crises de imagem
institucionais e os fenômenos contemporâneos ligados ao universo propriamente fílmico,
como o fato fílmico, como questões narrativas, de gênero, de uso do espaço e de todo o
arcabouço técnico, poético e narrativo que compõem o cinema. Segundo Jacques Aumont
(1995),
... nos primeiros tempos de sua existência, o cinema não se destinava a se tornar maciçamente narrativo. Poderia ser apenas um instrumento de investigação científica, um instrumento de reportagem ou de documentário, um prolongamento da pintura e até um simples divertimento efêmero de feira. Fora concebido
59
como um meio de registro, que não tinha a vocação de contar histórias por procedimentos específicos. (AUMONT, 1995, p. 89)
Assim, é possível trazer para o mundo corporativo uma análise fílmica e vice-versa. Em
“Obrigado por Fumar” o tema gerenciamento de crises de imagem é tratado de forma
caricatural, quase fora da realidade, mas por detrás da ironia é possível perceber a
importância do tema e como se preparar para sua abordagem no dia-a-dia empresarial. Por
esse ângulo, configura-se a representação feita pelo cinema.
Segundo Aumont (1995), o cinema promove a representação da representação, uma
vez que, à imagem figurativa em movimento, oferece uma outra imagem já reconhecida por
certo número de convenções.
A imagem de um revólver não é apenas o equivalente do termo “revólver”, mas veicula implicitamente um enunciado do tipo “eis um revólver” ou “isto é um revólver”, que deixa transparecer a ostentação e a vontade de fazer com que o objeto signifique algo além de sua simples representação.(...)Desse modo, qualquer figuração, qualquer representação chama a narração, mesmo embrionária, pelo peso do sistema social ao qual o representado pertence e por sua ostensão27. Para perceber isso, basta contemplar os primeiros retratos fotográficos, que instantaneamente se tornam, para nós, pequenas narrativas. (AUMONT, 1995, p. 90)
Em “Obrigado por Fumar” a missão da personagem principal é das mais ingratas: dar
a cara a tapa para defender o hábito de fumar, que é a fonte de riquezas para seus patrões
e, consequentemente, de onde vem o seu salário. Além de todas essas atribuições, cabe à
personagem a narração da trama. Esta pode-se dizer é a diegese28 que dá o tom à
narrativa.
27 Ato ou efeito de mostrar, de gabar-se acerca de seus próprios feitos ou de algo seu. 28 Conceito de narratologia, estudos literários, dramatúrgicos e de cinema que diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa. O tempo diegético, o espaço diegético são, assim, o tempo e o espaço que decorrem ou existem dentro da trama, com suas particularidades, limites e coerências determinadas pelo autor. No cinema e em outros produtos audiovisuais, diz-se que algo é diegético
60
Para Aumont (1995), narrar consiste em relatar um evento real ou imaginário. Ainda
segundo o autor, pelo menos no plano de consumo, hoje em dia, predomina o cinema
narrativo. “No plano da produção, não se deve esquecer o lugar importante dos filmes nos
campos industrial, médico ou militar.” (AUMONT, 1995, p. 90)
Aumont (1995) ressalta ainda a importância da representação social feita pelo cinema,
quando esse é “concebido como o veículo das representações que uma sociedade dá de si
mesma”.
...o cinema tem capacidade para reproduzir sistemas de representação ou articulação sociais que foi possível dizer que ele substituía as grandes narrativas míticas. A tipologia de um personagem ou de uma série de personagens pode ser considerada representativa não apenas de um período do cinema como também um período da sociedade. (AUMONT, 1995, p. 98)
O primeiro longa-metragem de Reitman como diretor pode ser considerado um
sucesso de representação social/industrial. O filme arrecadou mais de 39 milhões de dólares
em todo o mundo e foi indicado a dois Prêmios Globo de Ouro (Golden Globe Awards)29.
Reitman é diretor, roteirista e ator canadense, responsável por alguns elogiados por público
e crítica: Obrigado por Fumar (2005), Juno (2007), Nova York eu te amo (2008), Amor sem
Escalas (2009), Jovens Adultos (2012) e Labor Day (2013). Reitman foi indicado quatro
quando ocorre dentro da ação narrativa ficcional do próprio filme. Informações do site www.uol.com.br, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://aulete.uol.com.br/diegese
29 Prêmios entregues anualmente aos melhores profissionais do cinema e da televisão americana.
Estes prêmios são entregues desde 1944 nos estúdios 20th Century Fox, pela Associação de
Correspondentes de Hollywood. São uma das maiores honrarias que um ator ou atriz, diretores e
demais profissionais que trabalham na indústria cinematográfica e na TV pode receber. O Globo de
Ouro é entregue no começo de cada ano, baseando-se nos votos de 96 jornalistas que vivem em
Hollywood. Informações do site www.goldenglobes.org, acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico
http://www.goldenglobes.org/
61
vezes ao Oscar30 até o momento por Juno e Amor sem Escalas (Melhor Diretor, Melhor
Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original). Uma curiosidade sobre os bastidores de
“Obrigado por Fumar” é que, em face do sucesso com a crítica e o público, o filme foi
comprado pela Fox Searchlight por US$ 7 milhões, depois de uma disputa com a
Paramount, que perdeu os direitos sobre ele por não ter tido o cuidado de formalizar o
acordo verbal que havia feito com os produtores.
“Obrigado por Fumar” enquadra-se na definição de Aumont (1995) sobre filme de
ficção. De acordo com este autor, a representação fílmica é mais realista pela riqueza
perceptiva, pela ‘fidelidade’ dos detalhes do que os outros tipos de representação (pintura,
teatro). O autor argumenta, ainda, que qualquer filme é um espetáculo e apresenta sempre
um caráter um pouco fantástico de uma realidade que não poderia atingir seu espectador
em face da posição de isenção que esse assume diante dos dispositivos cinematográficos.
Enquanto filme, “Obrigado por Fumar” enquadra-se no que Laurent Jullier e Michel
Marie (2009) denominam filmes modernos dos anos 1960 em diante, que apresentam com
frequência heróis desorientados que não sabem o que fazer e vagueiam ao acaso sem
reagir diretamente ao seu ambiente por não ter objetivo na vida. Em “Obrigado por Fumar”
está claro o elemento de confrontação estabelecido por esses autores. Segundo Jullier e
Marie (2009), alguns cineastas adoram colocar o pingos nos “is”. Nesse filme, a ética e falta
de pudor sobre como tratar assuntos institucionais são confrontados em seu limite.
30 Prêmio entregue anualmente pela Academia Americana de Artes e Ciências Cinematográficas. A
Academia foi fundada em 1927. Seus prêmios são entregues em reconhecimento à excelência
profissional na indústria cinematográfica. São condecorados diretores, atores e roteiristas. A cerimônia
formal na qual os prêmios são entregues é uma das mais importantes do mundo. É também a mais
antiga cerimônia de premiação da mídia em todo o mundo. A primeira entrega de prêmios da
Academia aconteceu em 1929. Informações acessadas em 05.11.2013, endereço eletrônico
http://oscar.go.com/
62
Eles (os cineastas) colocam o espectador diante da evidência, obrigam-no a olhar o que às vezes ele teria preferido deixar fora do seu campo de visão. Ele deve guardar em sua companhia tanto rostos em lágrimas como cabeças cortadas – dane-se o pudor, a intimidade e o não dito! (JULLIER e MARIE, 2009, p. 64)
A despeito do gênero, Jullier e Marie (2009) enfatizam que não existe nenhuma regra
para saber se um filme pertence a determinada categoria/classe ou outra. Segundo esses
autores,
o melhor é compará-lo a um protótipo, ou seja, a um filme do qual todo mundo concorde em dizer que constitui um modelo indiscutível do gênero e buscar em que medida o filme em questão se parece com ele. Toda regra é tão inconcebível quanto os gêneros são etiquetas de uso e não de essência, rótulos que flutuam ao sabor das épocas, dos países e das tribos de cinéfilos. (JULLIER e MARIE, 2009, p. 65)
Jullier e Marie (2009) também discorrem sobre o jogo que o cinema faz com o
espectador. Segundo eles, todos os filmes modelam um “espectador ideal”, que coopera no
máximo de suas possibilidades, que treme e que ri diante de boas passagens, sem jamais
se lamentar de ter comprado suas entradas. De acordo com esses autores, existem quatro
pequenos jogos de posicionamento nos quais o espectador é, literalmente, lançado: a
participação, a transgressão, a cumplicidade e a vertigem. Em “O brigado por fumar”, o
diretor utiliza claramente três desses jogos: a participação, a transgressão e a cumplicidade
para trazer o espectador para o mais próximo possível da trama.
Na participação ou identificação, de acordo com Jullier e Marie (2009), o espectador
participa da cena graças a sua capacidade mental de imaginar – de modo a poder agir em
consequência disso – o que as pessoas que ele olha sentem e em que elas pensam,
baseado no que ele próprio sente e pensa.
63
O cinema bem-sucedido baseia-se neste princípio: o filme leva o espectador a se unir ao grupo, mas o coloca em uma posição de convidado, em que modelará as sensações e os pensamentos do outro sem ter de agir de verdade, nem se preocupar com a segurança do seu corpo real – um pouco como nos simuladores de vôo usados para treinamento dos pilotos. (JULLIER e MARIE, 2009, p. 68)
Na transgressão, o filme sacia o desejo de não fazer o que nos parece bom – mas
‘desfrutar livremente’- quando se está cansado da sociedade e das regras estabelecidas ‘por
causa dos outros’. “Obrigado por Fumar” representa a transgressão ao abordar um tema que
não é politicamente correto31, que não deveria estar na pauta do cinema.
“A cumplicidade varia segundo a competência do espectador”, definem Jullier e Marie
(2009). Em “Obrigado por fumar”, quando a personagem principal narra a história e, às
vezes, olha diretamente para a câmera chama para perto de si o espectador e o torna
cúmplice de suas artimanhas. “...a cumplicidade adquiriu importância nos últimos anos, e o
cinema pós-moderno faz grande uso de piscadelas cúmplices e de alusões explícitas”,
argumentam Jullier e Marie (2009, p. 70).
O filme de Jason Reitman pode ser dividido em três partes distintas. Na primeira, Nick
Naylor (Aaron Eckhart) é um contumaz defensor/porta-voz da indústria do tabaco e defende
seu posicionamento em função de suas despesas pessoais, em especial do pagamento da
hipoteca. A personagem surge como o anti-herói. É quase uma desconstrução do que
deveria ser o profissional real. Aliás, esta desconstrução inicia-se no título do filme e é
transportada para as cenas de abertura e letreiros/ficha técnica que traz os nomes do
elenco.
Na segunda parte da trama, a personagem se defronta com os próprios valores
(influenciado pela postura de seu filho pré-adolescente Joey Naylor – interpretado pelo ator
31 Refere-se a uma suposta política que consiste em tornar a linguagem neutra em termos de discriminação e evitar que possa ser ofensiva para certas pessoas ou grupos sociais, como a linguagem e ou imaginário racista ou sexista. Informações do site www.uol.com.br – acessado em 05.11.2013, endereço eletrônico http://aulete.uol.com.br/correto
64
Cameron Bright). Neste momento da trama, Nick Naylor recua e até pensa em deixar o
posto de porta-voz da indústria do tabaco. A personagem passa por um verdadeiro encontro
consigo mesma e com todas as suas polaridades. É quase uma transformação pessoal
proporcionada por um elemento externo.
Num terceiro momento do longa-metragem, já no final da trama, Nick Naylor discorre
que existe uma linha tênue entre defender uma postura com ética, moral e de credibilidade,
mesmo que seja em defesa de um produto que pode ser tão prejudicial. Ele passa por um
verdadeiro momento de redenção. Se transforma, se redime dos próprios erros e continua
sua trajetória de uma forma mais suave, menos contraditória aos seus valores e nem tão
arrogante em relação a estabelecer um novo patamar de convivência.
Logo no início do filme, os créditos que o apresentam é possível perceber o tom
irônico e satírico que predominará durante todo o filme. Os nomes dos produtores, atores,
atrizes, elenco e responsáveis pela produção são apresentados em embalagens e maços de
cigarros, colocados em meio a frases que remetam à qualificação do fumo, comuns às
marcas famosas e mundialmente conhecidas de cigarros.
O longa-metragem é narrado em primeira pessoa pelo protagonista Nick Naylor, vice-
presidente/porta-voz/lobista da Academia Americana de Estudos sobre Tabaco. Empresa
criada pelos principais lobistas da indústria de cigarros no governo dos Estados Unidos para
dar embasamento científico às suas defesas em Washington.
O fato de Nick Naylor narrar o filme atribui ao filme um tom pessoal e permite que ele
próprio apresente suas impressões sobre os fatos, em especial sobre sua atuação e a
indústria que defende. Como dito anteriormente, esta é a diegese do longa-metragem de
Reitman. Tanto a atuação de Naylor quanto sua transformação em frente às câmeras dão ao
espectador a fundamentação da narrativa.
65
De acordo com Francis Vanoye e Anne Galiot-Été (1994), esse tipo de narrador é
dotado de voz encarregada de acompanhar a história narrada.
É a ‘voz-eu’ de Miche Chion retomada por Christian Metz, qualificada pelo último de ‘justa-diegética’. O personagem é diegético, mas a voz, como voz, não é completamente, pois não se mostra o narrador no ato de contar. [...] Essa voz [...] permite que o personagem da diegeses dela saia ao mesmo tempo que nela permanece. (VANOYE e GALIOT-ÉTÉ, 1994, p. 47)
Ainda segundo esses estudiosos, entretanto,
em um filme, qualquer que seja seu projeto (descrever, distrair, criticar, denunciar, militar), a sociedade não é propriamente mostrada, é encenada. (...) Reflexo ou recusa, o filme constitui um ponto de vista sobre esse ou aquele aspecto do mundo que lhe é contemporâneo. Estrutura a representação da sociedade em espetáculo, em drama (no sentido geral do termo). (VANOYE e GALIOT-ÉTÉ, 1994, p. 56)
A primeira cena de “Obrigado por Fumar” acontece em um programa de auditório com
vários participantes. Como enfatizam Vanoye e Galiot-Été (1994), esta é uma cena que
representa o contemporâneo nesse longa-metragem, uma vez que os programas de
auditório são extremamente populares e comuns nas TVs em todo o mundo. O debate,
transmitido em rede nacional por uma das maiores emissoras de televisão dos EUA, tem
como tema central os malefícios do cigarro para a saúde humana. Entre os convidados a
participar desse encontro estão: três representantes de ONGs (Organizações Não-
governamentais) antitabagistas, um garoto de 15 anos que tem câncer no pulmão provocado
pelo uso de cigarros e o representante de um instituto de estudos sobre o fumo bancado
pelas empresas fabricantes de cigarros.
O último a ser apresentado ao espectador é, justamente, o representante dos
interesses da indústria tabagista. Mediante clara evidência de que ele era o único ali
presente que tentaria defender ou justificar a venda de cigarros no país, acabou sendo alvo
de uma grande vaia coletiva. Praticamente todos os espectadores externaram sua rejeição,
66
enquanto amostragem da população, a péssima reputação do produto perante a maioria dos
habitantes do país. O que não impediu Nick Naylor de roubar, em seguida, literalmente, a
cena. Naylor no final da primeira sequência do filme sai como vitorioso de um debate de TV
no qual arriscou toda sua reputação e da indústria que representa.
Ao ser apresentado e vaiado pelos espectadores presentes no estúdio, Nick Naylor
olha diretamente para a câmera e é, neste momento, que se congela a imagem e ao fundo
ouve-se a voz deste personagem a dizer que aparentemente está em uma das mais
complicadas situações nas quais esteve envolvido e que, provavelmente, seria muito difícil
sair da mesma sem arranhões.
Nesse momento do filme, Nick Naylor reforça a teoria de Vanoye, segundo a qual, é
possível “que um personagem da diegese dela saia ao mesmo tempo que nela permanece”.
(VANOYE e GALIOT-ÉTÉ, 1994, p. 47) De acordo com VANOYE e GALIOT-ÉTÉ, “quando
um filme é narrativo, tudo nele se torna narrativo”. (VANOYE e GALIOT-ÉTÉ, 1994, p. 45)
Para Aumont, esse tipo de narrativa configura-se como “fictícia” ou aquela que é
interna à história e é explicitamente assumida por um ou vários personagens. “A narrativa é
atribuída, desde as primeiras imagens, ao herói que anuncia de imediato que vai nos contar
uma história na qual foi envolvido.” (AUMONT, 1995, p. 112)
O que se vê, a partir desse momento, é a reversão total das piores perspectivas do
lobista da indústria do fumo. Voltando à trama, ele consegue literalmente “virar o jogo” e sair
da emissora de televisão como o grande vencedor de um debate no qual, de antemão, já era
considerado perdedor. Não é para menos, uma vez que ao se apresentar, Nick Naylor
dispara e fala tal qual uma metralhadora. Ele se auto-intitula como persuasivo ao extremo
para alcançar seus objetivos.
Segundo Adilson Citelli (2002), persuadir não é sinônimo imediato de coerção ou
mentira. “Pode ser apenas a representação do desejo de se prescrever a adoção de alguns
67
comportamentos, cujos resultados finais apresentam saldos socialmente positivos.”
(CITELLI, 2002, p. 67)
Nick Naylor embarca numa ofensiva manipulando informações e diminuindo os riscos
do uso do cigarro em programas de entrevistas de TV depois de ser desafiado pelos
vigilantes da saúde que querem banir o consumo de cigarros e por um senador oportunista
(William H. Macy), que deseja colocar rótulos de veneno nas embalagens de cigarros. A
partir deste momento, Nick busca alternativas na tentativa de salvar a indústria do tabaco.
Ele pensa numa alternativa de retomar o uso do cigarro no cinema, em especial nos filmes
que tenham um grande potencial de público e de midiatização. A personagem faz uma
estratégia de para dar visibilidade ao cigarro, buscando a ajuda de um agente de Hollywood
(Jeff Megall – Rob Lowe) para promover o fumo nos filmes. Os dois tramam um plano para
levar às produções mais caras do cinema cenas de atores com cigarros em punho a fim de
inserirem mensagens de cunho subliminar nos espectadores que lhes levariam ao desejo de
fumar. Os dois planejam cenas nas quais os atores mais cobiçados de Hollywood estejam
envolvidos e fumem após cenas de sexo, tendo como pano de fundo o universo.
Assim, pode-se dizer que o filme tem seus créditos ao deixar que o personagem
principal Nick Naylor trace verdadeiros labirintos para engendrar planos mirabolantes que
garantam à indústria do tabaco sua sobrevida aos ataques de diversos setores sociais.
3.1 O Cinema Midiatizou a Forma de Viver
Antes de prosseguir falando das crises e observando em detalhes sua representação
no filme “Obrigado por Fumar”, é preciso lançar luz sobre o pressuposto desta discussão:
afinal de contas, por que a crises de imagem fazem parte do nosso dia-a-dia? Por que
parecem tão inevitáveis? Efetivamente o são? E como estudar o gerenciamento de crises a
partir da ótica do cinema, em especial do cinema americano da década de 1990? Para tanto,
é preciso fazer um breve mergulho na história do cinema e como os filmes saíram das telas
68
e alcançaram o nosso dia-a-dia e, ao contrário, como o cinema midiatizou a forma de viver,
de pensar, de agir do mundo corporativo, pessoal e social.
E, de acordo com Sheila Schvarzman (2008), somente nos idos de 1960 é que o
cinema foi alçado à categoria de “cultura”, quando entrou para a universidade. Antes disso,
segundo a autora, o cinema era visto somente como mero divertimento. Então, como
estudar os processos midiáticos que o cinema aborda numa relação tão peculiar quanto a
organizacional e o seu gerenciamento de imagem?
A própria pesquisadora revela ainda:
a absorção acadêmica do cinema tem relação também com as mudanças no âmbito da cultura: ocorrem no mesmo momento em que surgem os estudos sobre cultura popular, sobre os grupos sem voz como mulheres, negros etc. (SCHVARZMAN, 2008, p.15)
Desta forma, pode-se assegurar hoje em dia que o cinema consegue contrapor e,
mesmo, retratar a realidade e o faz com veracidade e com propriedade acadêmica e não só
meramente como arte ou entretenimento.
Pode-se afirmar, ainda, que ao definir a história do cinema são muitas as suas
vertentes ou possibilidades. O cinema, de acordo com Schvarzman (2008), é capaz de
realizar o filme, a atividade cinematográfica em si, a estética, a tecnologia, a economia ou os
aspectos sociológicos. Esses dois últimos são o alicerce do objeto de interesse desse
estudo.
A ideia do mundo como representação posta por Roger Chartier dá ao cinema e a toda atividade social a ele ligada, assim como sua projeção seja na concretude da economia, seja na imaginação, um papel fundamental como forma de conhecimento. (SCHVARZMAN, 2008, p. 16)
69
A pesquisadora também afirma ainda que, a partir dessas diferentes abordagens, os
autores propõem o recorte dos estudos da história do cinema e do filme como documento
cultural. Nesse estudo, fez-se a análise do filme como possibilidade de abordagem
sociocultural e retratação de valores institucionais.
Desta forma, encontramos hoje trabalhos no âmbito da economia, da arquitetura, da frequentação, das salas de cinema, da crítica, da música, da análise da recepção, o papel do cinema na urbanização e na projeção da ideia do urbano na modernidade. (SCHVARZMAN, 2008, p. 16)
Voltando ao tema dessa análise, existem perguntas e respostas para as diversas
crises institucionais, pessoais e sociais e os fenômenos contemporâneos e em sua maioria
ligados ao universo propriamente fílmico, como o fato fílmico, como questões narrativas, de
gênero, de uso do espaço e de todo o arcabouço técnico, poético e narrativo que compõe o
cinema. Todos estes elementos do filme podem ser alvo de estudo sobre a abordagem
institucional do gerenciamento de crises e a sua transposição para as telas docinema.
Com historiadores e outros especialistas, o foco sai da tela para a sala, o espectador, as significações simbólicas do cinema, a frequentação e as práticas sociais. Isso agregou rigor aos estudos de cinema, ampliou o foco, e tornou mais ricas as abordagens. Ou seja, o cinema é um foco privilegiado de observação de algo que é mais ampliado – o cotidiano, a vida na fábrica ou na cidade. (SCHVARZMAN, 2008, p. 17)
Assim, é possível levar elementos ou problemas do mundo corporativo, pessoal e
social para uma análise fílmica e vice-versa. Como dito anteriormente, em “Obrigado por
Fumar”, o tema gerenciamento de crises é tratado de formar caricatural. Mas, em quase
todos os filmes de Jason Reitman os elementos fronteiriços podem ser encontrados. O
diretor, nesta trama, faz uso da ironia para mostrar a importância do tema e, também, para
alertar para o que pode acontecer tanto com instituições sejam elas pequenas, médias ou
grandes ou até mesmo com pessoas normais em seus dias mais corriqeiros.
70
Voltando à teoria de Deleuze (1992), é possível averiguar uma possível crise
generalizada de todos os meios de confinamento. O autor afirma que tal crise configura-se
numa nova ordem mundial de relacionamentos, confinamentos. Por este ponto de vista, é
preciso atentar-se para tais mudanças e redesenhar atitudes, visões, modus operandi, em
especial, os organizacionais.
3.2 Controle Social
Os modelos de gerenciamento de crise de imagem não estariam, mais uma vez,
assegurando os modelos de sociedade de controle descritos por Foucault? Segundo
Deleuze (1992), ao retratar a obra de Foucault,
a fábrica constituía os indivíduos em um só corpo, para a dupla vantagem do patronato que vigiava cada elemento da massa, e dos sindicatos que mobilizavam uma massa de resistência, mas a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo. (DELEUZE, 1992, p. 60)
Mas, até que ponto as convicções pessoais ou organizacionais podem ser sacrificadas
em troca de se manter a estabilidade profissional, a reputação em si? E, or outro ângulo,
como o estabelecimento da ordem corporativa pode determinar a ordem social. Seria
praticamente uma inversão de valores ou voltar à velha máxima de quem nasceu primeiro: o
ovo ou a galinha?
Essa indagação da falta de limites da vida corporativa e de sua influência ou inversão
de papéis em relação ao que é lícito ou não fazer persegue a personagem principal do filme
“Obrigada por Fumar”, Nick Naylor, uma vez que ele lida com dois lados de uma mesma
moeda o tempo todo.
71
Para completar a falta de noção do que é certo ou errado retratada pelo filme, Nick
Naylor ainda é amigo de Poll (Maria Bello) e Lorne (Sam Elliott), que representam outras
duas controversas realidades: ela está a serviço da indústria de bebidas, enquanto ele
representa uma importante indústria de armas. O teor satírico do filme é reforçado por esta
tríade, já que cada uma das personagens demonstra entender e aceitar como correta a
situação da outra, que é estar sempre na corda bamba. Quase no fim do filme, antes de Nick
Naylor fazer seu processo de transformação, há uma cena na qual os três discutem qual
deles tem o emprego mais perigoso e cada um apresenta seus interessantes argumentos
para afirmar-se como merecedor do título. Sob suas falas, está embutida uma crítica feroz a
alguns valores distorcidos que a sociedade aprendeu a aceitar como válidos. O que se vê
nesta cena, é que em qualquer lugar do mundo, levar vantagem e ganhar dinheiro de forma
fácil tem seus adeptos.
3.3 Questão de Retórica, Regras e Midiatização
E, se a crise empresarial ou social é tida e vista como um fato, é preciso ou vital que se
conheça ou se caracterize a cultura ou premissas das crises. Isso pressupõe adotar, de
antemão, políticas de planejamentos preventivos, as quais fornecem ferramentas
necessárias e capazes de lidar com os momentos críticos. Para gerenciar uma crise, a
empresa, a pessoa ou a sociedade movimenta uma série de atividades internas
responsáveis por trabalhar em prol dela mesma, buscando controlar e sanar o problema. A
comunicação é uma destas ferramentas/atividades. A área de Comunicação Empresarial,
por exemplo, é o setor institucional que se comunica com todos os stakeholders da
organização, seja antes, durante e após a crise, por meio, inclusive, das chamadas
assessorias de imprensa.
No caso de “Obrigado por fumar”, o personagem principal Nick Naylor (Aaron Eckhart),
é o próprio departamento de comunicação ambulante. Se assim pode-se denominar. Ele
monta estratégias, as coloca em prática e, ainda, as discute num pós-venda com seus
colegas de profissão.
72
Pode-se, no entanto, auferir à personagem a alcunha de retórico. A personagem é
retratada no filme de forma exagerada e, às vezes, ganha cunho de herói, de forma crítica e
bem humorada. Mas, a fotografia e o jogo de luz em cada quadro reforçam o clima de
heroísmo e de poder de articulador do personagem central. Embora outros personagens,
como o Senador Ortolan K. Finistirre, papel de William H. Macy, também ganhem, em certos
frames, ares de personagens centrais, que poderiam roubar a atenção do espectador. Isso
aconteceria se a retórica distorcida de Naylor não fosse tão bem articulada e feroz ao ponto
de prender a atenção do espectador do início ao fim da trama.
De acordo com Citelli (2002), falar em persuasão implica retornar ao discurso clássico.
Segundo o autor, na Grécia Clássica havia uma grande preocupação com a estruturação do
discurso. “O problema não era apenas o de falar, mas fazê-lo de forma convincente e
elegante, unindo arte e espírito, bem ao gosto da Cultura Clássica.” (CITELLI, 2002, p. 7)
Citelli (2002) ainda frisa que o estudo da retórica mostra uma primeira reflexão acerca da
linguagem no mundo ocidental. Cabe à retórica, neste sentido, mostrar o modo de construir
as palavras visando a convencer o receptor sobre dada verdade.
A retórica foi, porém, transformando-se em mero sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ganhando até certo tom pejorativo. O desenvolvimento da retórica pode ser visto no século XVII e XIX, onde isso já não era mais um método compositivo, mas sim de buscar o melhor enfeite, a palavra mais bela, a figura inusual, a expressão inusitada, à moda dos ideais estéticos dos parnasianos. (CITELLI, 2002, p. 7)
Citelli (2002) mostra que existem graus de persuasão, sendo alguns menos visíveis,
outros mais ou menos mascarados, isto indica que um leitor pode ser mais ou menos
persuadido dependendo do texto lido. E citando Aristóteles, Citelli (2002) afirma que a
retórica é a faculdade de ver teoricamente o que pode ser capaz de gerar persuasão.
Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir; por exemplo, a medicina, sobre o que interessa à saúde e à doença; a geometria, sobre as variações das grandezas;
73
a aritmética sobre o número, e o mesmo acontece com as outras artes e ciências. Mas a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir. (ARISTÓTELES apud CITELLI, 2002, p. 10)
Embasado por estes argumentos de Arisóteles, Citelli (2002) diz que é possível deduzir
que a
retórica não é persuasão, mas pode revelar como se faz persuasão; a retorça é analítica (descobrir o que é próprio para persuadir); a retórica é uma espécie de código dos códigos, está acima do compromisso estritamente persuasivo (ela não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado), pois abarca todas as formas discursivas. (CITELLI, 2002, p. 10)
Desta forma, Citelli (2002) diz que é possível entender que a retórica não é uma ética,
pois ela não entra no mérito daquilo que está sendo dito, mas, sim como está sendo dito de
modo eficiente. “Eficácia implica, nesse caso, domínio de processo, de formas, instâncias,
modos de argumentar.” (CITELLI, 2002, p. 11)
Mas, mesmo com todo este poder de articulação que a sua retórica lhe aufere, Naylor
não está imune à sua própria crise pessoal. A personagem passa por uma crise de
identidade, de valores e, também, por uma crise de imagem. Esta crise pessoal da
personagem central de “Obrigado por Fumar” pode ser considerada uma forma de acentuar
o tempo diegético da trama ou mesmo de lhe dar a oportunidade de se redimir diante da
própria incoerência. É quase um momento de redenção32 da personagem, de sua
purificação. A coincidência perfeita entre o desenvolvimento cronológico da trama e a
sucessão, no discurso, dos acontecimentos, demonstram um desencontro na narrativa. Aos
desencontros entre a ordem dos acontecimentos no plano da diegese e a ordem porque
aparecem narrados no discurso, dá-se a designação de anacronia. Esta anacronia da
32 livramento de algum mal por meio do pagamento de um preço. Conceito encontrado em 05.11.2013, no endereço eletrônico http://www.recantodasletras.com.br/mensagensreligiosas/2509038
74
personagem pressupõe que a crise está próxima de qualquer cidadão que atue ou se
predisponha a estar em sociedade.
Figura 1
Figura 1 - O Senador Ortolan K. Finistirre, papel de William H. Macy, e um cartaz de seu projeto antitabagista
De acordo com Deleuze (1992), ao retratar a obra de Foucault33, nos séculos VIII e
XIX os modelos de sociedades disciplinares se estabelecem. Mas, ainda segundo o autor, é
no início do século XX que elas atingem seu apogeu. Ainda em citação de Deleuze (1992),
as sociedades disciplinares também conheceriam sua crise, em favor de novas forças que
se instalavam lentamente e se precipitariam depois da Segunda Guerra Mundial.
“Sociedades disciplinares é o que não éramos mais, o que deixávamos de ser.” (DELEUZE,
1992, p. 62)
33 Importante filósofo e professor. Seu trabalho foi desenvolvido sobre o saber filosófico, experiência
literária e análise de discurso. Foucault também estudou a relação entre poder e governabilidade e as
práticas de subjetivação. Informações encontradas em 05.11.2013, no endereço eletrônico
http://www.infoescola.com/psicologia/michel-foucault/
75
As várias formas de gerenciamento de crise corporativa, na verdade, são pré-
requisitos para se tentar manter a ordem estabelecida. No filme “Obrigado por Fumar” tenta-
se proteger a indústria do tabaco do que pode se tornar o seu colapso. Não se pode negar,
contudo, que não há mais uma ordem pré-estabelecida que perdure para sempre. As
mudanças sociais, de conduta, de postura, obrigam as empresas e os indivíduos, em
consequência, a estarem sempre em mudança.
Normalmente, não se está preparado para gerenciar a crise, pois quase nunca
acredita-se que uma situação dessas irá vir a tona. Hoje, não só as empresas têm cuidados
com sua imagem/reputação. Todos os indivíduos, grosso modo, estão cada dia mais
expostos no espaço midiático. Não há mais como se esconder. E, como não há mais
esconderijos seguros, é preciso ter em mãos um modelo de gerenciamento de crises de
imagem, de reputação. Seja ele corporativo ou individual. Esses modelos de gerenciamento
de crises estariam, mais uma vez, assegurando os modelos de sociedade de controle
descritos por Foucault.
Ainda segundo Deleuze (1992), é preciso ter em mente que as empresas têm alma. O
que é uma notícia aterrorizadora. De acordo com o autor,
o marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raça imprudente dos nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. (DELEUZE, 1992, p. 63)
Pressuposto por Rosa (2001), na crise, a sorte conta pouco, o preparo, muito.
Se você é dono de uma pequena, média ou de uma grande empresa, se for um empregado ou um executivo de alto nível ou um profissional liberal bem-sucedido, enfim, seja qual for a sua posição no mercado de trabalho, as crises de imagem podem um dia atingir você. Direta ou indiretamente. (ROSA, 2001, p. 40)
76
Rosa (2001) enfatiza que a administração de crise não é uma fórmula de ação. É uma
forma de pensar. Para o autor,
embora o aspecto humano das crises seja preponderante na repercussão que atingem, parece mai abrangente colocar a crise de imagem sob outra perspectiva. A melhor definição é de que a crise de imagem constitui um conjunto de eventos que pode atingir o patrimônio mais importante de qualquer entidade ou personalidade que mantenha laços estreitos com o público: a credibilidade, a confiabilidade, a reputação. (ROSA, 2001, p. 57)
Na midiatização, pode-se, portanto, estabelecer o que é correto ou não fazer. Conhecer
o que está por trás do jogo do mundo corporativo. Estabelecer uma nova visão sobre o
tema. E é exatamente isso que a trama de Jason Reitman nos possibilita. Sair da frente da
tela com uma visão mais clara do jogo no qual todo o mundo está envolvido. O processo de
midiatização é latente e utilizado mundialmente pela mídia. Reitman utiliza o longa-
metragem como uma abordagem fronteiriça, mas que deixa a cargo do espectador avaliar o
que é certo ou errado no jogo da informação. As pílulas de informação utilizadas na trama
servem tanto de conhecimento de um fato quanto de articulação narrativa e não tem a força
necessária de moldar discussões ou novas ordens sociais. É possível afirmar que a
narrativa perpassa o tema quase que somente pela controvérsia que causa e não para
moldar novas políticas ou posturas. É mais um produto da midiatização tão somente.
O cinema já abordou o tema em outros filmes. Um deles – “O Informante”, de Michael
Mann – desenvolveu a trama sobre a história real de Jeffrey Wigand, um químico demitido
da Brown & Williamson, porque se recusou a continuar cooperando em pesquisas para
aumentar a eficácia dos efeitos da nicotina nos cigarros fabricados pela companhia. Assim,
como outros do gênero, “O Informante” tem um viés altamente dramático e perpassa os
meandros da própria indústria da informação. O que não acontece com o trabalho de
Reitman, uma trama leve, de diálogos curtos, inteligentes e com muitas cenas engraçadas
que quebram a rigidez do tema central do enredo.
77
Assim como “Todos os Homens do Presidente” (que narra a investigação do caso
Watergate por dois jornalistas e que levou à renúncia do presidente americano Richard
Nixon, em 1974), “O Informante” mergulha nos bastidores da mídia e mostra os caminhos
percorridos pela notícia desde sua fonte até o momento de sua veiculação, revelando todos
os bastidores cercado de interesses tanto das empresas quanto dos próprios veículos de
comunicação em dar o seu tom/interesse à informação.
Embora não figure entre filmes de questionamento, “Obrigado por Fumar” não é
apenas uma história engraçada sem maiores consequências. Ao contrário, é inovador,
criativo, pode sim levar à reflexão e, acima de tudo, propiciar debates sobre um assunto
polêmico e cada vez mais presente nas organizações e na sociedade como um todo que é a
utilização do tabaco e, também, a representação midiática e suas consequências. Mesmo
não tendo a pretensão de tornar-se um marco da discussão acerca da representação
midiática, como é o caso de “O Informante”, a trama de Reitman possibilita tal reflexão.
3.4 Quando a Verdade é Inconveniente
Existe uma relação tênue entre o jornalismo televisivo e o cinema. Ambos, são partes
fundamentais dos meios de comunicação de massa que informam e entretêm. Há, no
entanto, alguns pontos relevantes que os distinguem. A diferença entre ambos está,
principalmente, na maneira como chegam ao público. O jornalismo tem como característica
informar e propagar os fatos da realidade, o cinema existe para entreter. O que muitas
pessoas não sabem ou não param para pensar, é que jornalismo televisivo e cinema, não
raramente, mesclam-se de forma tão tênue, que acabam um tomando o lugar do outro ou
cumprindo ambos os papéis.
78
É o que acontece em “O Informante”, dirigido por Michael Mann. O longa-metragem
que narra a história de Lowell Bergman, produtor do famoso programa 60 Minutes34, que em
1995 convenceu o cientista Jeffrey Wigand, ex-pesquisador de uma grande empresa de
tabaco dos Estados Unidos, a revelar a verdade sobre a manipulação de nicotina nos
cigarros fabricados pela indústria do fumo, que não hesitava em acrescentar carcinógenos
em seus produtos para aumentar a dependência. Essa produção é, quem sabe, a que mais
mostra as faces do jornalismo quando a verdade não é conveniente para a própria
imprensa.
“O Informante” mostra caminhos da notícia desde sua fonte até o momento de sua
veiculação, revelando todos os percalços encontrados no trajeto, incluindo até mesmo os
interesses da própria emissora. O roteiro é extremamente habilidoso ao procurar cobrir a
maior quantidade possível de fatos envolvidos nesse polêmico caso, que na época acabou
despertando a atenção do mundo não só pelas revelações envolvendo as empresas de
tabaco, mas principalmente por descortinar o intrincado jogo de interesses existente por trás
da própria divulgação das informações - levando-nos a diversas perguntas, como: “Quem
são os donos das notícias?”
O cinema, no caso do filme “O Informante”, mostrou o que ocorre em off nas empresas
jornalísticas. Não se pode nem estimar quantas dessas situações já aconteceram em cada
redação no mundo todo. A verdade inconveniente, muitas vezes, não se dita pelo jornalista.
Apenas fragmentos dela estão nas páginas dos jornais, nos noticiários da TV ou nas ondas
do rádio. E muitos fatos importantes estão de fora. Esse é um de muitos casos, em que o
cinema, além de sua função de entreter, tomou para si o papel de informar, o papel que
seria da própria imprensa.
34 60 Minutos é um premiado programa jornalístico da TV americana, apresentado na CBS News desde 1968. Foi criado por Don Hewitt e classificado entre os programas top-TV durante grande parte de sua existência. Ganhou inúmeros prêmios ao longo dos anos. Informações do http://www.cbsnews.com/60-minutes/, pesquisadas em 05.11.2013.
79
Como dito anteriormente, ao fazer uma breve análise de sua filmografia, pode-se
afirmar que todos os filmes de Reitman trabalham temas limites ou fronteiriços. Por um lado,
o diretor coloca o espectador para pensar, usando limites/fronteiras temáticas, críticas. Mas,
ao mesmo tempo o diretor não faz desta sua característica uma força a fim de lutar por
limites éticos. Ele perpassa estas discussões e as deixa, de certa forma, a cargo do
espectador. Para ele decidir até onde a ética se estabelece e o que é ou não ético. É o que,
claramente, ocorre em “Obrigado por Fumar” desde os letreiros, que fazem alusão a maços
de cigarros até a cena final, quando Nick Naylor decide permanecer lobista.
Será que ao sair de uma sessão, um usuário não se sentiria ainda mais tentando a
fumar? Ou o contrário também pode ocorrer com quem já tinha uma postura contrária ao
uso do tabaco? Não cabe a esse estudo responder tais questões. Mas elas são bastante
elucidativas do ponto de vista desta análise fílmica. Desta forma, não se pode rotular
“Obrigado por Fumar” por um viés apenas. A trama é tanto engraçada quanto informativa.
O julgamento moral das personagens nos filmes de Reitman sempre fica a cargo do
espectador, que opta por condená-los ou não. Nick Naylor, assim como qualquer outro
personagem de sua filmografia, não é nem um coitadinho, nem um canalha. Apenas vive de
acordo com as circunstâncias que se lhe impõem. Reitman, por intermédio de seu discurso
fílmico, também não parece preocupado em defender uma verdade única nem um ponto de
vista absoluto.
3.5 Elenco, Enredo e Personagens
Nick Naylor (Aaron Eckhart) é o centro da ação e narrador do longa-metragem,
baseado em livro homônimo e best seller nos EUA escrito por Christopher Buckley. A
personagem ganha a vida sendo lobista defendendo publicamente o cigarro. Ele trabalha
para uma associação que investiga os efeitos do tabaco na saúde dos fumantes. O detalhe
é que seu maior argumento é que não há provas concretas em relação aos males do hábito
80
de se fumar. Nick Naylor é muito bem pago para falar e consegue argumentar muito bem. É
articulado e persuasivo.
A personagem é um homem de, aproximadamente, 40 anos, separado da mulher e
muito ligado ao seu filho Joey, de 12 anos. O garoto é bastante influenciado pelo pai, que
precisa se esforçar para se tornar um bom exemplo. Mas, é a personagem Joey quem faz
com que Nick Naylor repense sua forma de agir e seus valores.
As coisas não são fáceis para Nick Naylor ao longo da trama. No início do longa-
metragem, a personagem parece ter recriado para si um mundo de novos valores, tudo em
prol do salário que ganha. Até subornos, para melhorar a imagem de sua empresa na guerra
pela qual passa a indústria do tabaco, são feitos por Naylor sem nenhum constrangimento.
Para reafirmar seu discurso, Nick Naylor conta com a cumplicidade de Polly (Maria Bello),
uma lobista da área de bebidas e, também, com Bobby Jay (David Koechner), defensor dos
interesses da indústria armamentista, com quem se encontra sempre para “trocarem
figurinhas” sobre o seu trabalho. Os três lobistas tentam articular seus discursos em tais
reuniões como se estes fossem corretos. Um novo mundo se configura para as três
personagens, que vivem à margem dos valores sociais. Elas recriam valores, a fim de
alicerçar suas condutas.
De imediato, o longa-metragem propicia uma reflexão e um interessante debate sobre
a situação/posição de gerentes e empregados que trabalham em organizações como a
retratada. Além disso, aborda temas relacionados com alianças, ética corporativa, fidelidade
à empresa, liberalidade, meio ambiente, mentoring35, modelos mentais, negociação,
paradigmas, raciocínio lateral, relacionamento entre pais e filhos, responsabilidade social e
valores. Os mundos paralelos criados pela personagem Nik Naylor encontram-se e se
degladiam, a partir das proposições éticas propostas pela personagem Joey.
35 É uma ferramenta de desenvolvimento profissional e consiste em uma pessoa experiente ajudar
outra menos experiente. O mentor é um guia, um mestre, conselheiro, alguém que tem vasta experiência profissional no campo de trabalho da pessoa que está sendo ajudada. Illustrated Oxford Dictionary, 2000 p. 511
81
William Macy interpreta um senador progressista de Vermont, Ortolan Finistirre. Esta
personagem é um ferrenho anti tabagista, envolvido numa campanha feroz para que seja
colocado em cada maço de cigarro o desenho de uma caveira. Esta seria uma tentativa
midiática de mostrar os malefícios do cigarro, além de outras alternativas propostas pelo
senador para diminuir o uso do tabaco ou ao menos informar seus malefícios. Na defesa dos
interesses de seu patrão, Nick Naylor contesta o senador com base na teoria universal do
ser liberal. Diz que só fuma quem quer, que todo mundo sabe que cigarro mata (inclusive
todo fumante), e que os fumantes não querem a imagem de uma caveira lhes encarando a
toda hora. É a liberdade de escolher, sempre argumenta o lobista.
Já Robert Duvall interpreta a personagem conhecida por O Capitão, que chefia uma
academia de estudos a favor do tabaco. Completam o excelente elenco Sam Elliott, Rob
Lowe e Katie Holmes, que vive uma repórter ambiciosa e de ética duvidosa. É a
personagem interpretada por Holmes quem coloca, literalmente, Nick Naylor na berlinda ao
fazer uma reportagem na qual conta os deslizes ou falcatruas praticados por ele para
proteger a indústria do tabaco.
Figura 2 - Nick Naylor e a jornalista Heather Holloway em um de seus encontros, nos quais ele confessou a ela todas as suas artimanhas
82
Nick Naylor também conta com a ajuda de Jeff Megall (Rob Lowe), um poderoso
agente de Hollywood, para fazer com que o cigarro seja promovido nos novos filmes.
Embora esta alternativa não seja concretizada na trama.
O grande atrativo do filme são os conflitos pessoais de um profissional defendendo
sua empresa perante denúncias contra a indústria do tabaco. Os diálogos são marcados por
crises morais entre Nick Naylor e seu filho Joey que, em principio, não aceita a profissão do
pai.
Em um dos diálogos entre Nick Naylor e Joey, a personagem principal chega a
afirmar para o filho os malefícios do cigarro. Mas, relativiza que, com uma boa
argumentação, é capaz de convencer as pessoas de que o cigarro não é tão prejudicial
assim. Com isso, Nick Naylor passa a ser massacrado pelos vigilantes da saúde que o
questionam sobre o futuro do seu filho e se ele gostaria de ver o filho fumando.
O ponto em questão é defender os princípios e a cultura da empresa à qual está
representando e deixar, de forma transparente, os familiares alinhados quanto à sua postura
e opinião. A resposta de Nick Naylor sobre a questão foi, contudo, objetiva: “meu filho sabe
de todos os males do cigarro, mas, caso ele opte por fumar, comprarei seu primeiro maço!”.
Outro ponto em questão é a discrição/sigilo que envolvem os assuntos do ambiente
corporativo. Nick Naylor deixou-se envolver com Heather, a jornalista investigativa, e, com
isso, comprometeu toda a indústria do tabaco e, também, seus colegas lobistas de outros
ramos de negócios delicados como o de bebidas e o de armas. Ele foi demitido devido a
estas inconfidências. A personagem jamais deveria revelar informações confidenciais para
nenhuma pessoa do ciclo pessoal, ainda mais para uma repórter. Apesar de todo
desconforto, ele reverteu a situação quando declarou aos jornalistas seu erro e abriu o jogo
sobre o seu envolvimento com Heather, divulgando os métodos nada éticos da jornalista
para fazer sua reportagem. Nick Naylor, com esta atitude, volta a ter credibilidade e coloca a
repórter em situação difícil em relação aos seus colegas e ao jornal para o qual trabalhava.
83
Fazer lobby - representar os interesses de uma entidade e influenciar outras - é uma
profissão legalizada nos Estados Unidos. Não que ela seja bem vista, pelo contrário. O caso
de Nick Naylor é, basicamente, cômico. Ele personifica publicamente a indústria do tabaco
ao tentar convencer pessoas e instituições de que o cigarro não é ruim. Falando diretamente
ao espectador, em narração em off, Nick Naylor é como a voz, o alter ego36, do diretor Jason
Reitman. Nick Naylor é, indiscutivelmente, bom no que faz – tão bom que não é difícil para o
espectador corroborar com seus pontos de vista.
Figura 3 - Luz e sombra ajudam a projetar a atmosfera de suspense e reforçam no filme as questões de ética e retórica versus persuasão
Mas a briga é desleal: o tempo todo Nick Naylor exercita sua persuasão. Paga
milhões para que o velho Homem de Marlboro, hoje canceroso, pare de reclamar na mídia.
Numa clara menção a suborno. Procura um produtor de Hollywood para ver se consegue
reemplacar o cigarro na telona, como nos filmes charmosos de antigamente. O produtor,
interpretado por Rob Lowe, não apenas concorda como oferece, quem sabe, Brad Pitt e
Catherine Zeta-Jones fumando um cigarro depois de transarem no espaço sideral. Não há,
36 É uma outra personalidade de uma mesma pessoa, podendo ser um amigo ou alguém próximo em
que se deposita total confiança. Na Literatura, o alter ego significa a identidade oculta de uma personagem, que pode ser também uma estratégia usada pelo autor do livro para se revelar indiretamente aos leitores. Conceito encontrado em 05.11.2013, no site
http://www.infoescola.com/literatura/alter-ego/
84
realmente, mensagem subliminar37 mais poderosa. Que liberdade de escolha é essa,
quando vivemos soterrados num consumismo cada vez mais dissimulado e num processo
de representação?
Há um diálogo primoroso na metade do filme que ilustra um pouco a situação. Nick
Naylor repete ao seu filho, Joey (Cameron Bright), nos momentos em que a mãe deixa o
garoto ficar junto do pai, que o importante é argumentar. Nick Naylor diz:
Suponhamos que você defenda o sorvete de chocolate; eu, o de baunilha. Você dirá que o seu é a melhor coisa do mundo. Eu direi que a melhor coisa do mundo é poder escolher entre chocolate e baunilha. Mas com isso você não me convenceu de que baunilha é melhor, reclama Joey. Mas eu não quero te convencer, quero só provar que estou certo e você errado, retruca o pai.
Figura 4 - Nick Naylor faz apologia ao tabaco até mesmo durante apresentação na escola do filho Joey (Cameron Bright)
37 Mensagem subliminar é a definição usada para o tipo de mensagem que não pode ser captada
diretamente pela porção do processamento dos sentidos humanos que está em estado de alerta. Subliminar é tudo aquilo que está abaixo do limiar, a menor sensação detectável conscientemente. Conceito encontrado em 05.11.2013, no endereço eletrônico
http://www.brasilescola.com/curiosidades/mensagem-subliminar.htm
85
É de se condenar essa moral maleável? Há momentos em que Jason Reitman vende
a ideia de que liberdade de escolha existe, sim - e o seu lobista chega perto de se heroificar.
E há essa evidência gritante de que o livre mercado é a mentira perfeita do capitalista-
golpista, vendendo baunilha aos baldes para quem sequer gosta de sorvete. O mais
interessante de “Obrigado por Fumar” é que fica difícil saber no que o personagem/diretor
acredita de verdade.
3.6 Contexto
Unir humor e inteligência em um filme que se propõe retratar o mundo corporativo e
uma de suas mais difíceis faces (a das crises institucionais) é, no mínimo, um contrassenso,
uma vez que esta é uma das mais delicadas e cheias de artimanhas esferas da cultura
organizacional. Mas, em “Obrigado por Fumar” o humor serve de base para um saber mais
consolidado e praticado por grandes representantes organizacionais: a retórica. Não se trata
apenas de saber usar as palavras. No enredo, é preciso contextualizá-las, retratá-las e lhes
dar ênfase quando se faz necessário. Ás vezes, de forma sutil; às vezes, de forma
escancarada. E a fotografia é bastante utilizada em “Obrigado por Fumar” para trazer tais
efeitos à tona e os reforçar. Ângulos em primeiro e primeiríssimos planos, recortes de partes
do rosto das personagens, luz, sombra. Tudo serve de moldura para o discurso.
De acordo com Citelli (2002), falar em persuasão implica, de algum modo, retomar
uma certa tradição do discurso clássico. Citelli argumenta, no entanto, que
a retórica foi, porém, transformando-se em mero sinônimo de recursos embelezadores do discurso, ganhando até um certo tom pejorativo. Um pouco desta postura se deve a certas visões da retórica, como as desenvolvidas no século XVIII e XIX, para quem já não se tratava mais de uma questão de método compositivo, mas sim de buscar o melhor enfeite, a palavra mais bela, a figura inusual. (CITELLI, 2002, p. 8)
86
Reitman demonstra um domínio narrativo muito atraente nesse filme. Pode-se dizer
que se trata dos bastidores da indústria do cigarro, de como esses setores, de certa forma,
ainda manipulam a mídia, de como faturam milhões espalhando a morte entre a população
mundial. “Obrigado por Fumar”, portanto, é sobre o poder da retórica. Esse jei to de dizer
uma coisa com tanta certeza e convicção que consegue convencer todo mundo de que se
está certo. Quando a veemência toma conta do discurso e o transforma em verdade
absoluta, inquestionável.
O título do filme, traduzido ao pé da letra do original em inglês, pode nos levar a
pensar que se trata de uma produção que tem o propósito de defender os interesses das
grandes corporações que produzem e vendem esse produto pelo mundo afora. É, na
verdade, mais uma das ironias finas contidas nesse filme que surpreende a todos que o
assistem e que, principalmente, enseja a uma mais do que necessária reflexão sobre a
temática. Por outro lado, para os fumantes é quase impossível não sair da frente da tela com
um desejo ainda maior de fumar mais um cigarro, depois de ser bombardeado, literalmente,
por tanta fumaça.
O foco das indústrias tabagistas, retratado pela trama de “Obrigado por Fumar” não é
a manutenção de seus clientes já estabelecidos, mas o estímulo ao uso do produto por
novas gerações de consumidores. Nesse sentido, sua ação acaba sendo direcionada aos
jovens e atinge, como efeito colateral, também aos adolescentes e até mesmo crianças.
87
Figura 5 - Nick Naylor em um dos momentos com seu filho, que o faz repensar seu trabalho e a forma de usar seu poder de persuasão
Droga legalizada como o álcool, que movimenta grandes somas de dinheiro, gera
empregos, produz dividendos e lucros para seus acionistas e ainda garante arrecadação
fiscal substantiva para o governo (já que é sobretaxada) – dificilmente será impedida de ser
fabricada ou terá proibida sua venda.
Em determinados momentos da produção de “Obrigado por Fumar”, estão reunidos
ao redor de uma mesa, num restaurante, os representantes das indústrias do álcool, das
armas de fogo e do tabaco. São amigos e se sentem muito próximos pelo fato de fazerem
lobby por produtos que são fortemente rechaçados através da mídia ou pela pressão de
ONGs. Sentem-se, em determinados momentos, ainda mais próximos, pois ao encarnarem
os advogados de defesa desses produtos acabam se tornando o alvo da hostilidade pública
contra as indústrias que representam.
Figura 6 - Nick Naylor analisa sua performance em encontro informal com seus colegas lobistas em uma das cenas de “Obrigado por fumar”
88
Entre as conversas que têm, acabam até com certo orgulho comparando os índices
de mortalidade nos Estados Unidos auferidos para os produtos que representam. Cada qual
deles munido das mais recentes estatísticas, parecem querer mostrar mais poder de fogo.
Até o momento em que percebem o rumo que a discussão tomou e o quanto o que estão
afirmando atenta contra os interesses que representam ou, ainda pior, contra eles mesmos
uma vez que eles dependem de seus trabalhos para sobreviverem.
Essa sequência emblemática da reunião entre os três lobistas é apenas uma amostra
do senso de humor que permeia a produção do filme de Jason Reitman e que,
propositalmente, nos direciona a refletir sobre a indústria tabagista e os seus rumos no
mundo em que vivemos.
Há várias outras oportunidades em que podemos conferir o quanto o trabalho de
lobistas muito bem preparados, como a personagem principal Nick Naylor, acaba sendo
decisivo para que uma droga legalizada, de sérias e graves consequências para a saúde
pública, não apenas mantém seus já fiéis consumidores como ainda tem fôlego para
conquistar novas legiões de adeptos apesar das restrições legais e batalhas jurídicas nas
quais está envolvida mundialmente.
Mas, ao repensar sua própria postura, a personagem abre brechas para um olhar que
contempla um universo mais sustentável, mais alicerçado em valores éticos e morais. Em
conversa consigo mesmo e driblando seus próprios fantasmas, Nick Naylor estabelece uma
nova conexão com o mundo externo. A personagem muda o foco, nesse segundo momento
do filme, e tenta buscar alternativas para o seu trabalho. É, nesse momento, que ele se
distancia da proposta de ganhar a qualquer custo, pois tem a hipoteca para pagar e passa a
pensar no futuro, em especial o do seu filho. A personagem, nesse momento, passa por um
processo de redenção.
Uma análise um pouco mais profunda remete à avaliação do filme em seu papel
social contra problemas igualitários e não apenas à indústria tabagista. Ele relata esquemas
89
imorais e acordos antiéticos, como, por exemplo, a ideia de subornar agentes de Hollywood
para incluir cenas com cigarros em seus filmes (o que não acontece em face da crise que
Nick Naylor passa a enfrentar). Ainda nesse contexto, o filme faz acusações também a
outras indústrias que podem ser consideradas nocivas, como a armamentista e a do álcool.
Daí, pode-se dizer que o filme serve também como ponto de partida para outras discussões,
como a legalização de outras drogas que ainda são consideradas ilícitas.
Para avaliar o filme “Obrigado por Fumar”, é preciso ter em mente que há uma
reverberação e uma lente de aumento enorme sobre a esfera do gerenciamento de crise
institucional que caracteriza a trama. Assim, pode-se dizer que o filme tem seus créditos ao
deixar que o protagonista trace verdadeiros labirintos para engendrar planos mirabolantes
que garantam à indústria do tabaco sua sobrevida aos ataques de diversos setores sociais.
A fama de Nick Naylor como porta-voz e lobista atrai a atenção do chefão das
indústrias de cigarro (Robert Duvall) e uma repórter de um influente jornal de Washington
que deseja investigá-lo (Katie Holmes). Nick Naylor diz que só trabalha para pagar as
contas, mas a atenção cada vez maior que filho pequeno Joey, (Cameron Bright) presta em
seu trabalho e uma ameaça de morte bastante real fazem com que ele mude de opinião.
Figura 7 - Naylor aprende, com seu filho, já na terceira fase da trama a trabalhar de forma mais crível, mais embasada em valores e não somente em astúcias
90
Figura 8 - Ao lado do Filho Joey Naylor, Nick Naylor demonstra que é possível trabalhar como lobista com ética
Pode-se, por outro ângulo, falar ainda sobre a força do discurso. Em níveis diferentes,
a retórica ganha força quando Nick Naylor afirma ao seu filho que ao “argumentar
corretamente, nunca se está errado”. Nesse aspecto, o filme é um forte exemplo de como
técnicas de argumentação podem influenciar pessoas ao se utilizar diferentes tipos de
discurso. Por esse ponto de vista, é possível afirmar que o filme demonstra como o discurso
pode ser utilizado para influenciar pessoas e como esse tipo de técnica é empregada em
propagandas, filmes e por profissionais de diversas áreas em função de suas atividades.
91
CONCLUSÃO
O estudo proposto por essa dissertação não objetiva fornecer fórmulas prontas ou
estratégias para o gerenciamento de crises de imagem organizacionais. Fomentou-se aqui a
reflexão acerca da representação midiatizada sobre o gerenciamento de crises institucionais
que o cinema americano promoveu a partir da década de 1990. Nesse estudo, pretendeu-se
elucidar como o cinema americano pode ser representativo quando retrata de forma
midiatizada determinada ação ou fato.
Entender como o cinema americano, mais especificamente o longa-metragem
“Obrigado por Fumar” (EUA, 2005), utilizou a relação de representação midiática e os
processos nos quais a cultura audiovisual se estabelece para retratar o gerenciamento de
crises de imagem e suas repercussões a partir de processos históricos/culturais tomou
forma a partir dessa análise.
A estética e a narrativa, nesse contexto, foram primordiais para alavancar
personagens e caracterizá-los em face do que acontece no mundo corporativo. Nuances do
enredo que, quase passam despercebidas pelo espectador comum que vê na trama apenas
uma sátira sem maiores pretensões, foram trazidas à tona nessa dissertação.
Retratou-se, nos três capítulos desse trabalho, como e porque falar em
gerenciamento de crise de imagem é importante e como o cinema americano se apropriou
do tema para nos fazer rir, pensar sobre ética, questionar valores. Já no primeiro capítulo,
buscou-se enfatizar quais seriam os passos dessa pesquisa e quais os autores embasariam
esse estudo.
No segundo capítulo, foi abordado o gerenciamento de crises de imagem e suas
características. Estudiosos da área foram pesquisados para balizar o que se pretendia
antever em “Obrigado por fumar”, longa-metragem analisado no terceiro capítulo. Como tais
92
pesquisadores categorizam, pressupõem, organizam e definem os processos de crises de
imagem tornou-se o pilar de concepção dessa análise.
No terceiro capítulo, foi realizada uma análise fílmica do longa-metragem “Obrigado
por Fumar” a fim de se estabelecer um paralelo entre a teoria e o que cinema americano, a
partir da década de 1990, tentou representar midiaticamente. Ao se fazer uma leitura mais
crítica desse longa-metragem, foi possível estabelecer um paralelo sobre como o mercado e
os estudiosos encaram o assunto gerenciamento de crises de imagem, bem como observar
o processo de representação midiática do qual o cinema americano se apropria para
recontar histórias que acontecem em todo o mundo com milhares e milhares de empresas.
O filme analisado é um balizador do que é factual e do que pode ser um aspecto midiatizado
do fenômeno aqui estudado. Enredo, personagens e narração foram analisados a fim de se
entender como esse processo pode ser representado na grande tela do cinema. Em
paralelo, fez-se breve análise do longa-metragem “O Informante” para averiguar uma
possível analogia entre as duas obras.
Em “Obrigado por Fumar” o gerenciamento de crises de imagem é levado ao extremo
da falta de ética e valores e mostra uma ruptura com o que, geralmente, se pratica em
planejamento de comunicação institucional em tais circunstâncias. A midiatização do tema
exarceba o que é lícito ou não fazer. A maioria dos setores sociais e, em especial as
empresas, já trata o assunto de forma séria, com Plano de Gerenciamento de Crises (PGC)
e porta-vozes estabelecidos e treinados. Mas, ainda existem organizações e pessoas que
não têm controle sobre sua imagem e reputação e, até, que não levam a sério a
necessidade de se ter/saber o bom passo a passo sobre gerenciamento de crises.
Se enxergarmos as crises organizacionais metaforicamente como batalhas, que
envolvem a participação de diversos atores em uma sociedade midiatizada, a decisão de se
estabelecer uma boa comunicação, embasada por um planejamento de discurso e
aderência deste ao que a companhia pratica, pode ser feita com maior tranquilidade e
benefício para todos os envolvidos e tornar-se a melhor estratégia a ser adotada.
93
Pode-se dizer que “Obrigado por Fumar” é uma peça de contrapropaganda e de
reverberação da representação factual de um assunto pela sua midiatização. O longa-
metragem é, num primeiro momento, literalmente, uma aula do que não se deve fazer em
termos de gerenciamento de crises de imagem. Mas, apesar disso, “Obrigado por Fumar”
consegue transportar para a tela, a partir de sua segunda parte, o que acontece no mundo
real das organizações corporativas. Não cabe aqui fazer uma conclusão do que é correto ou
não fazer em uma situação similar. É preciso lembrar que esse estudo é apenas teórico e
não tem a intenção de trazer solução para tais acontecimentos.
No processo de midiatização, no entanto, pode-se estabelecer o que é lícito ou não
fazer. Tanto pelo lado das instituições quanto pelo dos meios de comunicação de massa,
estabelece-se padrões, formas, canais para se falar o que, quando e como se quer, se
deseja, de acordo com o que é mais vantajoso ou menos prejudicial para quem pauta os
meios de comunicação ou médias. Conhecer o que está por trás do jogo do mundo
corporativo. Estabelecer uma nova visão sobre o tema é plausível a partir de estudos
fílmicos como este.
É exatamente isto que possibilita a trama de Jason Reitman. Sair da frente da tela
com uma visão mais clara do jogo no qual se está envolvido. Na democracia do consumo,
afinal, pressupõem-se que ninguém força ninguém a comprar nada, apesar de todas as
mensagens subliminares e campanhas de marketing às quais se está exposto diariamente.
Mas, até onde vão as corporações para recriar suas imagens ou reputações?
94
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97
ANEXOS
Quem é quem no enredo
Este anexo tem como objetivo detalhar quem foram os atores que compuseram as
personagens de “Obrigado por Fumar”. Tem, ainda, como pressuposto resgatar a sinopse
do longa-metragem, a fim de elucidar quando, como e quanto custou a obra. Esta sinopse
foi encontrada no site IMDb, considerado a mais popular site de pesquisas sobre filmes, TV
e celebridades em todo o mundo ( endereço eletrônico http://www.imdb.com/).
Esta sinopse encontra-se em inglês, conforme abaixo, no site, endereço eletrônico
http://www.imdb.com/title/tt0427944/?ref_=fn_al_tt_1, pesquisado em 30 de setembro de
2013. Não foram encontradas outras sinopses ou traduções em português. Desta forma,
optou-se, aqui, por trazer a mesma em inglês, para elucidar algumas curiosidades sobre o
filme.
Obrigado por Fumar (2005) "Thank You for Smoking" (original title)
92 min - Comedy | Drama
Satirical comedy follows the machinations of Big Tobacco's chief spokesman, Nick Naylor, who spins
on behalf of cigarettes while trying to remain a role model for his twelve-year-old son.
Director: Jason Reitman
Writers: Jason Reitman (screenplay), Christopher Buckley (novel)
Stars: Aaron Eckhart, Cameron Bright, Maria Bello
Storyline
The chief spokesperson and lobbyist Nick Naylor is the Vice-President of the Academy of Tobacco
Studies. He is talented in speaking and spins argument to defend the cigarette industry in the most
difficult situations. His best friends are Polly Bailey that works in the Moderation Council in alcohol
business, and Bobby Jay Bliss of the gun business own advisory group SAFETY. They frequently
98
meet each other in a bar and they self-entitle the Mod Squad a.k.a. Merchants of Death, disputing
which industry has killed more people. Nick's greatest enemy is Vermont's Senator Ortolan Finistirre,
who defends in the Senate the use a skull and crossed bones in the cigarette packs. Nick's son Joey
Naylor lives with his mother, and has the chance to know his father in a business trip. When the
ambitious reporter Heather Holloway betrays Nick disclosing confidences he had in bed with her, his
life turns upside-down. But Nick is good in what he does for the mortgage.
Written by Claudio Carvalho, Rio de Janeiro, Brazil
Plot Keywords: business | tobacco | reporter | lobbyist | health |
Taglines: Tobacco lobbyist Nick Naylor is trying to SAVE YOU!
Genres: Comedy | Drama
Details
Country: USA
Language: English
Release Date: 18 August 2006 (Brazil)
Also Known As: Obrigado por Fumar
Filming Locations: The Prince - 3198 W. Seventh Street, Koreatown, Los Angeles, California, USA
Box Office
99
Budget: $6.500.000 (estimated)
Opening Weekend: $19.447 (Chile) (22 September 2006)
Gross: $35.206 (Chile) (29 September 2006)
Company Credits
Production Co: Room 9 Entertainment, TYFS Productions LLC, ContentFilm
Show detailed company contact information on IMDbPro »
Atores e Personagens
Nesta abordagem, tentou-se resgatar a história dos atores que compuseram a trama de
“Obrigado por Fumar”, com o intuito de demonstrar que o elenco contribuiu para que o longa-
metragem alcançasse diversos públicos. Veja abaixo os principais atores e seus personagens na
trama. A Internet foi a base dessa pesquisa sobre autores/personagens.
Aaron Edward Eckhart - é um ator estadunidense de cinema e teatro. Nascido na Califórnia, mudou-se
para a Inglaterra aos treze anos, acompanhando sua família.
Personagem: Nick Naylor – Lobista da indústria do tabaco americana.
100
Maria Elaine Bello – Começou sua carreira com peças de teatro, mas foi em 1997 que se tornou conhecida do
grande público, ao participar dos três últimos episódios da terceira temporada da série
médica televisão ER como a Dra. Anna Del Amico. A personagem foi muito bem-recebida pelo público e pelos
produtores da série, e a atriz foi contratada como parte do elenco regular da série, do qual fez parte durante
toda a quarta temporada.
Personagem: Polly Bailey – Lobista da indústria de armas e amiga de Nick Nalor.
Katie Noelle Holmes – atriz americana. Katherine Noelle Holmes nasceu e foi criada em Toledo, Ohio. Ainda
em sua cidade natal, começou atuando em peças do ginásio e participou de concursos de beleza.
Personagem: Heather Holloway – Jornalista que denuncia Nick Naylor.
101
Cameron Bright – Bright nasceu Cameron Douglas Crigger, na Colúmbia Britânica, Canadá. Seu primeiro
trabalho como ator foi em um comercial da Telus, seguido de uma pequena aparição na série de
televisão Higher Ground.1 Ele apareceu posteriormente em vários papéis menores em filmes feitos para
televisão, e foi creditado como "Cameron Crigger" em seus primeiros papéis.
Depois de um papel de apoio no filme The Butterfly Effect, seu primeiro papel maior foi em Godsend, um filme
de terror lançado em abril de 2004, co-estrelando Robert De Niro.4No filme seguinte, Birth, ele interpretou um
garoto de dez anos que afirmava ser a reencarnação do marido falecido de uma mulher (Nicole Kidman). Ele
foi escolhido para fazer parte do filme New Moon, sequência de Twilight, onde interpretou Alec, irmão gêmeo
de Jane, vivida por Dakota Fanning.
Personagem: Joey Naylor – Filho pré-adolescente de Nick Naylor.
William Hall Macy, Jr – ator americano ganhador do Emmy Award e nomeado ao Óscar, mais
conhecido pelo papel de Jerry Lundegaard no filme Fargo.
Personagem: Senator Ortolan Finistirre – principal inimigo de Nick Naylor na trama.
102
Jonathan Kimble "J. K." Simmons – é um ator americano, conhecido pelo seu papel na série Oz, da
HBO, como o neonazista Vernon Schillinger.
Personagem: Budd "BR" Rohrabacher – Diretor de Nick Naylor na trama.
David Koechner – ator, comediante e cantor americano.
Personagem: Bobby Jay Bliss – lobista amigo de Nick Naylor.
Rob Lowe – Começou a fazer filmes na adolescência. Nos anos 80 faz parte do Brat Pack, um grupo de
atores e atrizes jovens. Em 1984 foi indicado ao Globo de Ouro pela atuação em Thursday's Child, um filme
para a televisão. Em 1988 foi novamente indicado ao mesmo prêmio pela atuação em Square Dance. Em
2000 e 2001 voltou a ser indicado ao Globo de Ouro pelo papel no seriado The West Wing. Em 2001 foi
103
indicado ao Emmy pela atuação no mesmo seriado. Trabalhou no seriado Brothers & Sisters como o
senador da Califórnia Robert McCallister até a quarta temporada. Atualmente está fazendo o seriado Parks
and Recreation.
Personagem: Jeff Megall – Produtor de Hollywood.
Robert Selden Duvall – ator, produtor e cineasta americano. Duvall já venceu um Oscar, quatro Globos de
Ouro, dois Prêmios Emmy, um BAFTA e um SAG Awards, ao longo da sua carreira. Começou a sua carreira
no início dos anos 60 em séries de televisão e apenas em 1962 fez o seu primeiro filme, To Kill a
Mockingbird (O Sol é Para Todos). Duvall é mais conhecido pelas atuações em clássicos, como The
Godfather (O Poderoso Chefão), The Godfather Part II (O Poderoso Chefão: Parte II) e Apocalypse Now.
Ganhou o Oscar de Melhor Ator em 1984, com o filme Tender Mercies (A Força do Carinho). Foi indicado
como Melhor Ator outras duas vezes, e mais três como Coadjuvante. Dirigiu e escreveu duas obras: The
Apostle (O Apóstolo), de 1997, e Assassination Tango (O Tango e o Assassino), de 2002.
Personagem: Doak "Capitão" Boykin
Adam Jared Brody – ator americano mais conhecido por interpretar Seth Cohenna extinta série The O.C.
Personagem: Jack