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Análise qualitativa das práticas de cooperação em uma associação agrícola de produtos orgânicos na percepção dos associados Qualitative analysis of the cooperation practical in an association of agricultural organics producers in the perception of members CORREIA, Ana Maria Magalhães Correia 1 ; SILVA, Armistrong Martins da 2 ; LUCENA, André Duarte 3 ; GOMES, Maria de Lourdes Barreto 4 ; THIOLLENT, Michel Jean-Marie 5 1Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP), João Pessoa/PB - Brasil, [email protected]; 2 Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP), João Pessoa/PB - Brasil, [email protected]; 3 Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP), João Pessoa/PB - Brasil, [email protected]; 4 Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP), João Pessoa/PB - Brasil, [email protected]; 5 Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ/ Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE), Rio de Janeiro/RJ -Brasil, [email protected] RESUMO: As práticas de cooperação têm recebido cada vez mais atenção por parte daqueles que deixam de atuar de forma isolada e, em vez disso, se unem com o intuito de produzir resultados melhores para o bem-estar da coletividade, nos quais os aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais são condições necessárias para se alcançar estes resultados. Este artigo aborda as práticas de cooperação, na percepção dos associados em uma associação agrícola de produtos orgânicos. Os resultados deste estudo têm um caráter qualitativo e a metodologia aplicada foi fundamentada nas pesquisas descritiva e exploratória, cujo método usado foi um estudo de caso, através do qual foi possível levantar informações sobre o tema em questão. A conclusão indica que, o desempenho da associação agrícola é satisfatório, e que há o desenvolvimento de práticas de cooperação entre seus membros, que vão desde a cooperação na produção coletiva, até a construção de espaços de ajuda mútua, de trocas, compartilhamento de esforços, informações e recursos. PALAVRAS-CHAVE: Práticas de cooperação, Associação agrícola, Produtos orgânicos. ABSTRACT: The practices of cooperation have received increasing attention from those who fail to act in isolation, and instead, join in order to produce better results for the welfare of the community, in which the economic, social, cultural and environmental aspects are conditions necessary to achieve these results. This article shows the collaborative practices, in the perception of the producers of an association of organic agricultural. The results of this study has a qualitative character and the methodology applied was based on descriptive and exploratory researches, whose method used was a case study, in which was possible to get information about the subject focused. The conclusion indicates that the performance of the agricultural association is satisfactory, and which there is the development of collective production, based on the principles of cooperation among its members. Besides, there are the construction of spaces for mutual aid, exchange and sharing of efforts, information and resources. KEY WORDS: Practices of cooperation; Agricultural association; Organics products. Revista Brasileira de Agroecologia Rev. Bras. de Agroecologia. 6(1) : 147-162 (2011) ISSN: 1980-9735 Correspondências para: [email protected] Aceito para publicação em 12/04/2011

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Análise qualitativa das práticas de cooperação em uma associaçãoagrícola de produtos orgânicos na percepção dos associadosQualitative analysis of the cooperation practical in an association of agricultural organicsproducers in the perception of members

CORREIA, Ana Maria Magalhães Correia1; SILVA, Armistrong Martins da 2; LUCENA, André Duarte 3 ;GOMES, Maria de Lourdes Barreto 4 ; THIOLLENT, Michel Jean-Marie 5

1Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção(PPGEP), João Pessoa/PB - Brasil, [email protected]; 2 Universidade Federal daParaíba – UFPB, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP), João Pessoa/PB- Brasil, [email protected]; 3 Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Programa dePós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP), João Pessoa/PB - Brasil,[email protected]; 4 Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Programa de Pós-Graduação emEngenharia de Produção (PPGEP), João Pessoa/PB - Brasil, [email protected]; 5 Universidade Federaldo Rio de Janeiro – UFRJ/ Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia(COPPE), Rio de Janeiro/RJ -Brasil, [email protected]

RESUMO: As práticas de cooperação têm recebido cada vez mais atenção por parte daqueles que deixamde atuar de forma isolada e, em vez disso, se unem com o intuito de produzir resultados melhores para obem-estar da coletividade, nos quais os aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais sãocondições necessárias para se alcançar estes resultados. Este artigo aborda as práticas de cooperação,na percepção dos associados em uma associação agrícola de produtos orgânicos. Os resultados desteestudo têm um caráter qualitativo e a metodologia aplicada foi fundamentada nas pesquisas descritiva eexploratória, cujo método usado foi um estudo de caso, através do qual foi possível levantar informaçõessobre o tema em questão. A conclusão indica que, o desempenho da associação agrícola é satisfatório, eque há o desenvolvimento de práticas de cooperação entre seus membros, que vão desde a cooperaçãona produção coletiva, até a construção de espaços de ajuda mútua, de trocas, compartilhamento deesforços, informações e recursos.PALAVRAS-CHAVE: Práticas de cooperação, Associação agrícola, Produtos orgânicos.

ABSTRACT: The practices of cooperation have received increasing attention from those who fail to act inisolation, and instead, join in order to produce better results for the welfare of the community, in which theeconomic, social, cultural and environmental aspects are conditions necessary to achieve these results.This article shows the collaborative practices, in the perception of the producers of an association oforganic agricultural. The results of this study has a qualitative character and the methodology applied wasbased on descriptive and exploratory researches, whose method used was a case study, in which waspossible to get information about the subject focused. The conclusion indicates that the performance ofthe agricultural association is satisfactory, and which there is the development of collective production,based on the principles of cooperation among its members. Besides, there are the construction of spacesfor mutual aid, exchange and sharing of efforts, information and resources.KEY WORDS: Practices of cooperation; Agricultural association; Organics products.

Revista Brasileira de AgroecologiaRev. Bras. de Agroecologia. 6(1) : 147-162 (2011)ISSN: 1980-9735

Correspondências para: [email protected] para publicação em 12/04/2011

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IntroduçãoNum ambiente de recorrentes mudanças e de

flutuações no mercado, intensifica-se anecessidade da reorganização dos fatoresprodutivos, de novos modos de organização dotrabalho e a necessidade das pessoas atuarem deforma conjunta e associada. É nesse cenário queemergem novas formas de produção baseados naassociação, na complementaridade, nocompartilhamento, na troca, na colaboração e naajuda mútua.

Lévy (1999) afirma que a riqueza das naçõesdepende hoje da capacidade de pesquisa, deinovação, de aprendizado rápido e de cooperaçãoética entre suas populações. Ou seja, além danecessidade de desenvolvimento, surge umanecessidade de cooperação dos indivíduos atravésde suas inter-relações dinâmicas e variadas entreelementos internos e externos, presentes nosdiferentes espaços de atividades humanas.

Sob esta ótica, a cooperação é uma forma deorganização do trabalho existente e que pode serencontrada em todos os contextos sociais. O termocooperação tem o significado semântico do ato decooperar, ou operar simultaneamente, trabalhar emcomum, colaborar, sempre em oposição àperspectiva individualista, sinalizando um sentidode movimento coletivo (JESUS E TIRIBA, 2003).

A cooperação culmina nas atividades quesubstituem o progresso individual pelo bem-estardo coletivo total. O indivíduo atua assim para ogrupo, prioriza o empreendimento coletivo sobre osinteresses individuais, empenhando suas melhoresqualidades, contribuindo nesta interação para seupróprio aperfeiçoamento. Acentua-se, por isto, quea cooperação importa em um ato social, que seexprime em interestimulação nos níveis maiselevados (MARIANI, 2006).

Lisboa (2001) afirma que a ação ou aorganização coletiva não deve ser entendidaapenas como um fenômeno natural, mas comouma construção social, na qual seus atores(produtores, trabalhadores e/ou moradores rurais)

estão ligados entre si por uma rede ou um sistemade relações sociais, que são permeadas pelacooperação, pelos conflitos e pelas contradições.

Neste quadro, encontra-se uma forma deorganização do trabalho - baseada nas práticas decooperação - voltadas às ações conscientes ecombinadas entre seus membros com vista a umdeterminado fim, o qual vem apresentando umpapel cada vez mais significativo na sociedade.Bergmüller et al. (2007) complementam que, acooperação é definida como uma interação quegera um benefício para ambas as partes, a partirde um determinado ato cooperativo.

Diante disso, este artigo aborda as práticas decooperação na percepção dos associados, emuma associação agrícola de produtos orgânicos,abrangendo questões relacionadas à participaçãoe cooperação de seus membros em prol dassoluções para os problemas comuns, diante deuma cultura participativa e de ações coletivas.

Logo, este artigo está constituído de trêspartes, além desta introdução e das consideraçõesfinais. A primeira trata da temática das práticas decooperação, a segunda explora a questão daassociação agrícola, e por fim, a última parteanalisa qualitativamente as práticas decooperação em uma associação de produtosorgânicos, na percepção dos associados,descrevendo os métodos e os procedimentosrealizados.

Eixo temático do trabalhoCooperação: definições e teoriasA cooperação e os processos cooperativos

envolvem diferentes tipos de organização, equipes,ou outras entidades caracterizadas por sistemassociais informais, que interagem coletivamente,estimulando ações que promoveminterdependências, facilitando a transferência deconhecimentos, e, consequentemente, permitindoque os mecanismos sociais sejam mais eficazes

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na obtenção de seus objetivos.Sob essa perspectiva, se faz necessário

compreender o que é cooperação. O termocooperar deriva da palavra latina cooperari,formada por cum (com) e operari (trabalhar).Monteiro (2002) afirma que a cooperação é comoum processo psicossocial na interação daspessoas ou grupos que se dispõem a cooperar,sob formas de ajuda mútua, trocas oucompartilhamento de esforços, informações ourecursos.

Cooperação na concepção de Bruni (2005) é aação social articulada, alinhavada por objetivoscomuns para solucionar problemas concretos que,por sua vez, é aqui entendida em dois sentidos (a)como ação-padrão, racionalmente construída à luzde um código e desenvolvida no interior decooperativas por sujeitos inseridos numa certadivisão social do trabalho, os quais têm objetivoscomuns e compartilham benefícios ou prejuízos deforma equitativa; e (b) como ação espontâneainerente a determinados grupos e derivada desuas tradições e costumes, pré-existente àsinstituições, fundamentada na reciprocidadeadiada – a retribuição é feita quando for possívelou conveniente – ou instantânea – a retribuição éimediata.

A cooperação entre indivíduos é um requisitoimportante para a manutenção das relaçõessociais (ALENCAR, SIQUEIRA E YAMAMOTO,2008) e sempre foi alvo de estudos científicos, poisestá presente entre os humanos desde erasremotas. Nesse contexto, Craig (1993) apresentaalgumas teorias existentes sobre a natureza dacooperação, as quais buscam explicá-la em funçãode fundamentos biológicos, comportamentais ecognitivos, conforme explicitada no Quadro 1.

Apesar de existirem várias teorias sobre acooperação entre os indivíduos, é verdade que acooperação não é unicausal. Vários fatorespromovem motivações às atitudes e

comportamentos cooperativos e colaborativos. Ofato é que, antes de considerar-se a cooperaçãono contexto organizacional, a cooperação entreindivíduos já era evidenciada de forma naturalentre pessoas e grupos. Assim, a cooperaçãofigura em interesses e necessidades que precisamser definidas e discriminadas numa categorizaçãocapaz de promover a compreensão do processode cooperação como um todo através docompartilhamento e colaboração entre osenvolvidos.

Para Frantz, (2002, 2006), cooperação é aatuação consciente de unidades econômicas(pessoas naturais ou jurídicas) em direção a umfim comum pela qual as atividades dosparticipantes são coordenadas, através denegociações e acordo. Ou seja, a cooperação éum processo de ação recíproca social entreindivíduos, com objetivos em comum, onde asações são compartilhadas e os benefícios sãodistribuídos para todos.

Neste segmento, Gray e Wood definemcooperação e sua ocorrência da seguinte forma:

“Cooperação é um processo através doqual, diferentes partes, vendo diferentesaspectos de um problema podem,construtivamente explorar suas diferenças e,procurar limitadas visões. Colaboração ocorrequando um grupo de “autonomousstakeholders” com domínio de um problema, seenvolvem em um processo interativo, usandodivisão de papéis, normas e estruturas, paraagir ou decidir questões relacionados aoproblema” (GRAY E WOOD, 1991 p. 53)

Do ponto de vista de Costa e Ferreira, (2000) acooperação é como uma estratégia concorrencialdirecionada para conquistar e desenvolvermercados, aproveitando oportunidades, gerandosinergias e explorando complementaridades, sem,

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Quadro 1: Teorias sobre a natureza da cooperação

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contudo, perder a autonomia e a originalidade, ouseja, independência jurídica e econômica.

De acordo com Piaget (1973), cooperação éum método construído na reciprocidade entre osindivíduos e ocorre pela descentração intelectual,havendo a construção não apenas de normasmorais, mas também racionais, tendo a razãocomo produto coletivo. Segundo o autorsupracitado, para que exista a cooperação se faznecessário que existam a reciprocidade e orespeito mútuo.

Montangero e Maurice-Naville (1998), afirmamque o conceito de cooperação de Piaget funda-sena equidade, como uma forma ideal de relaçõesentre indivíduos; implica o respeito mútuo, oprincípio de reciprocidade e a liberdade ou aautonomia de pessoas em interação. Acooperação é uma forma de equilíbrio, na qual otodo e as partes conservam-se mutuamente. Éideal no sentido de limite para cuja direção tendemas relações humanas livres de toda pressãoexterior. Para Galego (2006),

“a cooperação conduz à solidariedade, àautonomia e à idéia de justiça; no planointelectual, permite o acesso à lógica. Oindivíduo atinge a construção de normas porum ajustamento das interações”.

Em contrapartida, Thiollent (2008) afirma queos atores que se dispõem a cooperar podem fazê-

lo por interesse (conciliação de interesses paraobter um resultado mutuamente vantajoso) ou porideologia (empenho voluntário para uma causa,solidariedade, busca do bem comum, etc). Logo, aanálise sociológica deve estar em condição demostrar se a cooperação é baseada em interessespróprios, na vontade espontânea dos atores, ouse, ao contrário, existe indução ou manipulaçãopor parte de alguns em detrimento aos outros.

Neste sentido, Bauman (2003) afirma quemesmo a cooperação sendo definida como umentendimento compartilhado por todos os seusmembros, tal entendimento precederia qualqueracordo e desacordo (portanto, a própria interação),funcionando não como uma linha de chegada daunião, mas como um ponto de partida. Ou seja, acooperação embora faça parte de um processo deação recíproca social entre indivíduos, comobjetivos em comum, ainda assim é um processoque envolve pessoas com opiniõesessencialmente diferentes, com a possibilidade denegociações difíceis com base em interesses enecessidades individuais que irão se opor aosobjetivos do coletivo.

Sob essa lógica, mesmo que racionalmentedesejem a maximização de seu bem-estar social,os indivíduos de um grupo não agem em prol deseu objetivo comum, a menos que haja algumacoerção que os force a tanto (MANCUR, 1965).Neste sentido, o autor traz ainda a ideia de queuma vez parte de um grupo, indivíduos agem

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Fonte: Craig (1993).

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voluntariamente visando alcançar seus interessescomuns, assim como também o fazem em relaçãoa seus interesses particulares.

De acordo com Piaget (1973), a cooperaçãocaracteriza-se então, pela coordenação de pontosde vista diferentes, pelas operações decorrespondência, reciprocidade oucomplementaridade, e pela existência de regrasautônomas de condutas fundamentadas derespeito mútuo. Dessa forma, o equilíbrio atingidopelas trocas cooperativas toma forma de umsistema de operações recíprocas. Assim, para quehaja uma cooperação real, são necessários asseguintes condições: existência de uma escalacomum de valores, conservação dessa escala ereciprocidade na interação. Essas três condiçõesde equilíbrio só acontecem em certos tipos detroca, ou seja, na cooperação.

Diante do exposto, é possível verificar que nãohá antagonismo entre interesses individuais einteresses coletivos, ao contrário, o que existe éque quase sempre ocorrem de maneiracomplementar. Entretanto, o objetivo destetrabalho, é mostrar que a cooperação, pode sesobrepor aos interesses, intenções e necessidadesdos seus membros de forma individual, e refletir naconstrução da interação social, em que osobjetivos sejam comuns, as ações sejamcompartilhadas e os benefícos sejam distribuídoscom mais equilíbrio para todos os associados,mesmo que tudo isso ocorra com moderadasrestrições. É nesse contexto que, analisaremos deforma qualitativa as práticas de cooperaçãoexistentes numa associação agrícola de produtosorgânicos na percepção dos associados, objetodeste estudo.

MetodologiaEsse trabalho é de natureza descritiva e

exploratória. A metodologia utilizada foifundamentada a partir da pesquisa bibliográfica. Adiscussão principal foi baseada em um estudo de

caso, onde foram levantadas informações sobre oassunto em pauta dentro do contexto de umaassociação agrícola de produtos orgânicos. Taisinformações serviram de objeto de análise desteartigo.

O instrumento utilizado na coleta de dados foium questionário, que após sua aplicação, seusdados foram categorizados, quantificados eagrupados de acordo com as seguintesdimensões: compartilhamento e colaboração entreos membros da associação, conflitos,relacionamentos interpessoais, liderança eequidade interorganizacional.

Foi utilizado como universo deste estudo osprodutores associados que têm participado dafeira de produtos orgânicos da associação emquestão, totalizando 33 (trinta e três) pessoas, dasquais, 30 (trinta) aceitaram participar da pesquisa.Os associados são provenientes de diferentesassentamentos distribuídos da seguinte forma:treze famílias (43%) do assentamento Padre Gino,doze famílias (40%) do assentamento DonaHelena, duas famílias (7%) do assentamentoRainha dos Anjos; e em cada um dosassentamentos João Pedro Teixeira, Dona Antôniae Ponta de Gramame, uma família (3,3%).

O modelo de escala adotado foi a “Escala deLikert” na qual os pesquisados responderam acada quesito por intermédio de vários graus deconcordância. O nível de concordância dosquestionários em relação aos fatores investigadosfoi enumerado através de uma escala formada porcinco pontos equidistantes, sendo 1° e 2° pontoscorrespondentes à discordância ou insatisfação, o3° correspondente à neutralidade ou indiferença, oque se pode considerar como um ponto imparcialou negativo, e o 4° e 5° pontos correspondentesao nível de concordância ou satisfação.

A escala adotada contribuiu para codificar asdeclarações, qualificadas e revertê-las, porintermédio da técnica de análise de conteúdo, emdados qualitativos para posteriormente, receberem

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o tratamento estatístico adequado.O questionário elaborado e aplicado possui 26

questões, distribuídas em 5 dimensões comomostra a Quadro 2.

Além do questionário, também houve aoportunidade por parte dos pesquisadores,participarem como ouvintes de assembléiasordinárias da associação, como também deentrevistar outros pesquisadores que realizaramanteriormente trabalhos de maior duração com amesma associação. Também foram feitasobservações in loco na feira de comercializaçãodos produtores quanto às práticas de venda.

Caracterização e contextualização daassociação agrícola de produtos orgânicos

Contextualização da associação estudadaO consumo de produtos orgânicos tem crescido

devido a vários fatores, dentre eles: a busca pormais qualidade de vida por parte dosconsumidores, o crescimento da produçãoorgânica como alternativa de diferenciação deprodutos no segmento de alimentos frescos, tantopelos grandes produtores como por produtores deagricultura familiar, e a tendência de tomada deconsciência ecológica relacionada àsustentabilidade.

No Brasil, a produção de orgânicos temmostrado algumas características comuns emvárias regiões, como por exemplo, o uso da mão-de-obra familiar, o associativismo dos pequenosprodutores e o escoamento da produção através

de feiras específicas de produtos orgânicos.Tacconi Neto (2006) afirma que, no mercadobrasileiro de hortaliças orgânicas, acomercialização de grande parte dos produtores érealizada através da venda direta ou em feiras, queem geral, tem como clientes-consumidores, osmais informados sobre a qualidade do produto emquestão.

Na Paraíba, não é diferente: os orgânicos temseguido a tendência nacional de crescimento egrande parte da produção no Estado também éescoada através das feiras orgânicas organizadaspelos próprios produtores. As feiras no Estado daParaíba estão em vários municípios, dentre eles:João Pessoa com 6 (seis) feiras, Campina Grandecom 3 (três) feiras, Alhandra, Pedras de Fogo,Jacaraú, Alagoa Nova, Esperança, Lagoa Seca,Solânea, Remígio, Soledade, Aparecida eCajazeiras, todas com 1 (uma) feira cada, segundoinformações de técnicos que trabalham comprodutos orgânicos no Estado.

Boa parte dessas feiras é promovida porpequenos agricultores familiares associados, quebuscaram na produção orgânica, a diferenciação eagregação de valor aos seus produtos. O processoorganizativo de boa parte dessas feiras é baseadoem princípios de economia solidária e de práticasde cooperação, sobre os quais são construídas asestratégias da produção e comercialização coletivados produtos.

Nesse contexto, surgiu formalmente emnovembro de 2001 a associação objeto desse

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Quadro 2: Plano de dimensões utilizadas no questionário

Fonte: Elaboração dos autores

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estudo de caso, sendo uma das primeirasexperiências com produtos orgânicos nessesmoldes no Estado da Paraíba. A identificação daassociação nesse trabalho foi omitida a pedido damesma.

Breve histórico da associaçãoDesde 1997, um grupo de camponeses

assentados passou a buscar alternativas para asperdas provenientes da venda de seus produtos aatravessadores nos assentamentos rurais. Essegrupo, obteve apoio da Comissão Pastoral daTerra, da Igreja Católica Romana do Estado daParaíba e de técnicos agrícolas vinculados aogabinete de um deputado estadual, passando adiscutir em reuniões mensais, problemas sobre aorganização, produção e comercialização de seusprodutos.

Por volta do fim do ano 2000 e início de 2001,com o objetivo de viabilizar a comercializaçãodireta da produção oriunda dos assentamentosrurais da várzea do Paraíba, foi planejado oestabelecimento de um local para a venda dosprodutos dos assentamentos daquela região, nafeira livre do município de Sapé-PB, devido à suacentralidade. Buscou-se apoio da prefeituradaquele município, mas esta se negou a apoiar ainiciativa. Além disso, o fato provocou tensão entreos novos e os antigos comerciantes.

Nesse mesmo período, um técnicoagropecuário que havia realizado uma visita deintercâmbio ao município de Santa Maria - RS eteve a oportunidade de conhecer uma feira deprodutos orgânicos naquele município, contagiou ogrupo com entusiasmo. Além da vivência, o técnicotrouxe consigo uma cópia do regimento interno daassociação visitada e suas impressões, que foramcolocadas em discussão com os assentadosparaibanos para a possível replicação daexperiência no contexto local.

Então, no início do ano de 2001, aquelescamponeses buscaram oficinas de comercialização

para incorporar alguns princípios de economiasolidária, abandonando o uso de qualquer tipo deagrotóxico no processo de produção, e assim,decidiram aumentar a produção de hortaliças e deoutros tipos de produtos como mel, ervasmedicinais e frutas. Nesse momento a produçãode produtos orgânicos começou a fazer parte davida desses agricultores. Desde 2002 então,semanalmente, a associação instala sua feiranuma área do município de João Pessoa.

Perfil da associaçãoA associação estudada é definida em seu

regimento como um espaço de bancas decomércio de produtos primários e agroindustriais,oriundos das áreas de reforma agrária da regiãoda várzea paraibana, constituindo-se como umespaço educativo integrador. Dessa forma, elabusca ser um meio de viabilizar de formaintegrada e sinérgica a produção e o escoamentodos produtos dos associados através da promoçãoda feira de produtos orgânicos dessa associação,e da promoção de outras atividades comotransporte, treinamentos, entre outros.

A associação é composta por agricultores eagricultoras que trabalham com três princípiosbásicos: a produção proveniente deassentamentos da reforma agrária, venda direta aoconsumidor e produtos orgânicos. Contabiliza-se,atualmente 33 associados ativos, sendo 21 (vintee um) (63,6%) do sexo masculino e 12 (doze)(36,4%) do sexo feminino, em sua maioria adultos,com uma média em torno de 41,5 anos de idade.

Apesar de, na maioria dos casos, apenas ummembro da família ser associado, os demaiscomponentes do núcleo familiar participam dasassembléias ativamente, opinando e interagindocom o grupo, pois a feira promovida pelaassociação é uma das principais fontes de renda ede atividade das famílias envolvidas.

A maioria das famílias (73%) declarou ter comoprincipal fonte de renda, a comercialização de

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seus produtos através da feira de produtosorgânicos promovida pela associação, ou seja, amaioria dos agricultores dependemfinanceiramente desse empreendimento. Os outros(27%) das famílias possui um pensionista ouaposentado, sendo que dessas, duas famíliasrecebem por motivo de doença de um dosmembros da família, sendo essa a principal fontede renda familiar. Além disso, todas as famílias quetêm crianças na idade respectiva (47%) recebem obenefício da bolsa família do Governo Federal.

Vale salientar que existem laços familiares entreboa parte dos associados, apresentando comoparticipantes casais, irmãos, pais e filhos de umamesma família, e pais e filhos representandonúcleos familiares diferentes quando estes últimosjá são chefes de suas próprias famílias.

Quanto às habilidades dos agricultores, agrande maioria nunca teve outra atividade senão aprópria agricultura. Mas os poucos que tiveramoutras ocupações, atuaram como motorista,pedreiro, cortador de cana e funcionário das usinasque circundam as áreas dos assentamentos. Issoporque, a maioria dos associados é proveniente deáreas que circundam os assentamentos dos quaisfazem parte.

Aspectos organizacionais e funcionais daassociação

Além da ajuda inicial de diversas instituições, aassociação recebe auxílio técnico de váriasentidades. Apesar desses apoios e influências, aassociação apresenta-se com certa autonomia aoponto de não depender dessas organizações paradesenvolver suas atividades e tomar suas própriasdecisões. Além disso, mesmo recebendo de bomgrado o apoio de tais instituições, a associaçãonão permite que elas venham a intervirsobrepondo-se, seja em relação à produção comoem relação à comercialização.

A estrutura organizacional formal da associaçãoé composta pela coordenação executiva,coordenação ampliada e pela assembléia dos

associados, sendo esta última a representaçãomáxima da entidade composta por todos osassociados.

A associação conta também com umacomissão de ética, composta por cincoassociados, que se responsabiliza por controlar apontualidade dos participantes; fiscalizar o tipo eapresentação dos produtos; definir a disposiçãodas barracas no local da feira e toda aorganização do local; zelar pela higiene,manutenção da limpeza local, materiais eprocessos utilizados para embalagens, demaisetapas relacionadas ao processo decomercialização; zelar pelos princípios das normasestabelecidas e respeito interpessoal.

A assembléia, sendo o órgão máximo daassociação, se reúne periodicamente em doismomentos regulares: mensalmente, na primeirasemana do mês e semanalmente, ao final de cadafeira. Em suas sessões, são discutidos pontos,propostas e tomadas de decisões. Nesse âmbito,os conflitos de ordem organizacional são alvos desoluções. Conflitos interpessoais e de outrasordens, enquanto não atingirem as atividades daassociação, continuam sendo tratados comointerpessoais. No segundo caso, a comissão deética intervem e, se necessário leva a questão àassembléia.

Quanto às finanças, a associação recebe umapercentagem de cada associado de acordo comsua declaração de arrecadação semanal. Apesardisso, cada feirante é responsável por produzir evender seus produtos, tendo total autonomia,independência e individualidade em relação aosvalores arrecadados pela venda de seus produtos,não passando tais valores em momento algumpela associação. Assim, a associação só recebe apercentagem para manter-se e quitar seus débitosrelacionados às suas atividades.

Os preços dos produtos são padronizados emtoda a feira, não sendo permitida a alteraçãodesses valores sem autorização prévia da

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comissão de ética. Quando isso acontece é deforma generalizada, alterando o preço para toda afeira em relação ao produto específico, como formade promover justiça entre os feirantes, evitandoassim possíveis conflitos. Um aspecto curioso daassociação é que os preços dos produtos,geralmente, estão abaixo dos valores dos produtosda agricultura convencional comercializados nosgrandes supermercados da cidade, por umentendimento dos associados de que o valorcolocado por eles é suficiente para si e justo paraseus clientes.

Delineamento das práticas de cooperação naassociação

A partir da metodologia apresentada, aassociação expõe os seguintes resultados napercepção dos associados, referente aodelineamento das práticas de cooperação atravésdas 5 dimensões utilizadas:

Compartilhamento/colaboração entre osmembros:

A dimensão compartilhamento/colaboraçãoentre os membros abordou questões relacionadasà percepção dos membros quanto à existência decolaboração, compartilhamento de conhecimentos,técnicas, máquinas, mão-de-obra, insumos, espaçofisico. A maioria dos entrevistados concorda que os

itens dessa dimensão são uma realidade naassociação, representados por (42,86%) dosparticipantes e (19,84%) concordam totalmente,conforme mostra o Gráfico 1:

Tal realidade pode ser justificadapositivamente, demonstrando que cerca de (62%)dos entrevistados entende que há um ambiente depráticas de colaboração e cooperação entre eles.Além disso, o compartilhamento/colaboração podeser verificado pela existência de umrelacionamento que estimula o encontro entre aspessoas e a existência do espírito de equipe,propiciando assim a facilidade de acesso àsinformações, a existência de oportunidades decrescimento e a interação entre seus membrospara um melhor desenvolvimento das atividadesda associação.

Vale salientar que, esse resultado condiz comFrantz (2002, 2006), onde este afirma que acooperação faz parte de um processo de açãorecíproca social entre indivíduos, com objetivos emcomum, onde as ações são compartilhadas e osbenefícios são distribuídos para todos,representando dessa forma, ocompartilhamento/colaboração entre os membrosda associação, como também, intercâmbio deidéias e experiências, melhor organização dotrabalho, dentre outros, têm sido acreditados ebem valorizados na associação estudada.

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Gráfico 01: Distribuição percentual quanto ao compartilhamento/colaboraçãoFonte: Pesquisa direta na associação (2009)

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Conflitos:A dimensão conflitos tratou de temas

relacionados à competição, desconfiança eexistência de facções egoístas na associação. Amaioria dos entrevistados (43,52%) discordamtotalmente e (10,19%) discordam quanto àexistência de conflitos destacando a descrença naexistência de competição grupal e na existência defacções dentro da associação conforme Gráfico 2,ou seja, segundo os associados (53,71%), nãoexiste conflitos na associação, o que nos remete aconcordância de que essa dimensão complementaa dimensão anterior, referente aocompartilhamento/colaboração entre (62%) dosassociados.

Apesar dessa afirmação dos associados, deque não existe conflitos grupais, existe umacompetição natural entre os agricultores a partir domomento em que vários deles oferecemconstantemente os mesmos produtos aos mesmosclientes, o que os faz criar estratégias decomercialização, conquista e fidelização declientes, o que, consequentemente gera adesconfiança do descumprimento de regras comoa padronização de preços, por exemplo. Entretanto,segundo os entrevistados, essa competição énatural e não interfere no desenvolvimento das

atividades grupais da associação.A esse respeito Bauman (2003) explica que, a

cooperação embora faça parte de um processo deação recíproca social entre indivíduos, comobjetivos em comum, ainda assim é um processoque envolve pessoas com opiniõesessencialmente diferentes, com a possibilidade denegociações difíceis com base em interesses enecessidades individuais. Todavia, o processoorganizativo dessa associação é baseado emprincípios de economia solidária e de práticas decooperação, sobre as quais são construídas asestratégias da produção e comercialização coletivade todos os produtos, conforme visto no resultadoda maioria (62%) da dimensãocompartilhamento/colaboração entre os membrose da maioria de discordância de conflitos(53,71%).

Liderança:A dimensão liderança abordou a acessibilidade

dos associados à coordenação da associação e oincentivo por parte da liderança quanto às práticascooperativas e colaborativas entre os associados.Tais ações devem estar focadas na promoção doestabelecimento dos objetivos do grupo, melhoriada qualidade de interação entre os membros, na

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Gráfico 02: Distribuição percentual quanto aos conflitosFonte: Pesquisa direta na associação (2009)

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coesão do grupo e no compartilhamento dosrecursos disponíveis.

A grande maioria dos entrevistados (54,81%)concordam que há incentivo de práticascolaborativas e cooperativas por parte da liderançae (20,37%) concordam plenamente nesse incentivo,como demonstra o Gráfico 3. Por tais motivos,pode-se inferir que os entrevistados apóiam eacreditam na liderança da associação, ondeafirmam que consideram os responsáveis capazesde se expressar plenamente a fim de obter acooperação e o apoio de todos os membros, econsideram essencial e de extrema importância asua presença para a realização de quaisqueratividades.

Nesse sentido, conforme mencionado nacaracterização da associação, sua liderança estácomposta pela estrutura organizacional formal daassociação, contendo uma coordenação executiva,uma coordenação ampliada e pela assembléia dosassociados, que tem como finalidade ser um guia efacilitador do desenvolvimentos das ações daassociação, sendo esta última, a representaçãomáxima da entidade composta por todos osassociados (líderes e membros).

A associação conta também com uma comissão

de ética, composta por cinco associados, que seresponsabiliza por controlar a pontualidade dosparticipantes; fiscalizar o tipo e apresentação dosprodutos; definir a disposição das barracas no localda feira e toda a organização do local; zelar pelahigiene, manutenção da limpeza local, materiais eprocessos utilizados para embalagens, demaisetapas relacionadas ao processo decomercialização; zelar pelos princípios das normasestabelecidas e respeito interpessoal.

Nesse sentido, para atender aos associados econtribuir para uma melhor cooperação ecolaboração, a assembléia, sendo o órgão máximoda associação, se reúne periodicamente em doismomentos regulares: mensalmente, na primeirasemana do mês e semanalmente, ao final de cadafeira. Em suas sessões, são discutidos pontos,propostas e tomadas de decisões que irãocontribuir para o desenvolvimento da associação,refletindo a credibilidade e confiabilidade doslíderes e satisfação dos membros associados.

Relacionamentos interpessoais:Esta dimensão abordou, além dos

relacionamentos em si, questões relacionadas aaltruísmo, egoísmo, aceitação, inclusão e exclusão,

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Gráfico 03: Distribuição percentual quanto à liderançaFonte: Pesquisa direta na associação (2009)

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bem-estar quanto à própria participação naassociação, e sentimento de ameaça de perda deespaço. A maioria dos entrevistados (56,35%)concordaram e (23,81%) concordaram totalmenteque as relações inter-pessoais são muito positivas,ou seja, a maioria se sente bem por participar daassociação, se considera altruísta e consideraseus relacionamentos tranquilos, totalizando umpercentual de (80,16%) de concordância quanto àquestão de bons relacionamentos entre osassociados, como visualiza-se na Gráfico 4.

Esse resultado positivo complementa àdimensão anterior referente aocompartilhamento/colaboração entre os membros,quando demonstra uma relação altruísta, decortesia, pacifismo, amizade e espírito de equipeem virtude de uma boa relação de cooperação ecolaboração entre eles. No entanto, seja amistoso,afetivo ou profissional, qualquer relacionamentoenvolve expectativas, responsabilidades,decepções, vantagens, enfim, apenas o fato deenvolver ao menos duas pessoas já faz desseenvolvimento algo excepcional.

Vale salientar ainda que, foram verificados trêstipos de relacionamentos que retratam aspectosrelevantes para a compreensão da associaçãoestudada: os relacionamentos familiares, os

relacionamentos com a comunidade e osrelacionamentos na associação. Historicamente, orelacionamento familiar é à base das relaçõesinterpessoais na associação, apresentando comoparticipantes: casais, irmãos, pais e filhos de umamesma família, e pais e filhos representandonúcleos familiares diferentes quando estes últimosjá são chefes de suas próprias famílias.

As relações com a comunidade sãopromovidas pelos pequenos agricultores familiaresassociados na feira de produtos orgânicos, quebuscam nessa produção, a diferenciação eagregação de valor aos seus produtos. E osrelacionamentos na associação conforme visto,baseia-se em compartilhamento/colaboração entreos membros e em relações interpessoaisbastantes positivas.

Dessa forma, conforme afirmam os associadosnessa relação colaborativa, ambos osrelacionamentos são satisfatórios, e de acordocom Piaget (1973), a cooperação caracteriza-seentão, pela coordenação de pontos de vistadiferentes, pelas operações de correspondência,reciprocidade ou complementaridade, e pelaexistência de regras autônomas de condutasfundamentadas de respeito mútuo. Dessa forma, oequilíbrio atingido pelas trocas cooperativas toma

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Gráfico 04: Distribuição percentual quanto aos relacionamentos interpessoaisFonte: Pesquisa direta na associação (2009)

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forma de um sistema de operações recíprocas.Assim, para que haja uma cooperação real, sãonecessários as seguintes condições: existência deuma escala comum de valores, conservação dessaescala e reciprocidade na interação. Essas trêscondições de equilíbrio só acontecem em certostipos de troca, ou seja, na cooperação.

Equidade interorganizacional:Quanto à equidade na associação, buscou-se

identificar percepções de benefícios e privilégiospara parte do grupo, ou situações de prejuízo paraalguns em detrimento do benefício da maioria.Assim, (74,07%) discordam totalmente,manifestando-se por não acreditar em privilégiospara parte do grupo ou indivíduos, sendoentendido pela maioria dos membros que aassociação se baseia em valores cooperativos deajuda mútua, equidade e solidariedade na buscade um melhor desenvolvimento da associação,como pode-se perceber pelo Gráfico 5. Mesmo quehajam aspectos negativos reais, a percepção damaioria dos associados não os considera,refletindo assim, não a realidade concreta, mas arealidade percebida, que transforma os possíveisdesvios das convenções sociais locais em algoreconsiderável.

Segundo o que foi visto na literatura,

Montangero e Maurice-Naville (1998), afirmam queo conceito de cooperação de Piaget funda-se naequidade, como uma forma ideal de relações entreindivíduos; implica o respeito mútuo, o princípio dereciprocidade e a liberdade ou a autonomia depessoas em interação. A cooperação é uma formade equilíbrio, na qual o todo e as partesconservam-se mutuamente. É ideal no sentido delimite para cuja direção tendem as relaçõeshumanas livres de toda pressão exterior. ParaGalego (2006), “a cooperação conduz àsolidariedade, à autonomia e à idéia de justiça; noplano intelectual, permite o acesso à lógica. Oindivíduo atinge a construção de normas por umajustamento das interações”.

Nesse sentido, pode-se perceber que, oresultado dessa dimensão relaciona-se com asoutras dimensões citadas no que se refere a ummelhor compartilhamento/colaboração entre osmembros, inexistência de conflitos, um papeldecisivo por parte da liderança da associaçãoquanto às práticas de cooperação, bonsrelacionamentos interpessoais entre os gruposnuma ampla equidade interorganizacionalembasada em valores de ajuda mútua, recíprocaresponsabilidade e igualdade. Todas estasdimensões analisadas de forma geral, visammotivar a participação e cooperação dos

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Gráfico 05: Distribuição percentual quanto à equidade interorganizacionalFonte: Pesquisa direta na associação (2009)

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associados, ao mesmo tempo em que possibilitamcriar condições reais para um melhordesenvolvimento da associação estudada.

Considerações finaisAs práticas de cooperação têm sido uma forma

de colaboração pertinente na nossa sociedade.Apesar das várias teorias sobre a origem e asmotivações das práticas de cooperação, elas nãopodem ser vistas como algo unicausais, demotivações simples e isoladas, mas como sendofruto de um conjunto de elementos situacionais.

Nesse contexto, é possível perceber que naassociação estudada, há o desenvolvimento depráticas de cooperação entre seus membros, quevão da cooperação na produção coletiva, até aconstrução de espaços de ajuda mútua e de trocase compartilhamento de esforços, informações erecursos. Portanto, o objetivo de mostrar aspráticas de cooperação desenvolvidas pelosmembros da associação foi alcançado, na medidaque a cooperação pela grande maioria, é vistacomo algo que se sobrepõem aos interesses,intenções e necessidades dos seus membros deforma individual, e reflete na construção dainteração social, com objetivos comuns e açõescompartilhadas, reafirmando o pensamento dePiaget (1973), que afirma que a cooperaçãocaracteriza-se então, pela coordenação de pontosde vista diferentes, pelas operações decorrespondência, reciprocidade oucomplementaridade, e pela existência de regrasautônomas de condutas fundamentadas derespeito mútuo.

Detalhando os resultados obtidos na pesquisade campo, pode-se concluir um resultadosatisfatório quanto às práticas de cooperação, jáque a grande parte dos entrevistados demonstrou,dentro de suas percepções, que concorda que aspráticas de cooperação são bem desenvolvidas naassociação. Mesmo na dimensão de conflitos,

evidenciou-se que é possível a convivênciasimultânea de cooperação e competição em suasdiversas manifestações. Com relação à dimensãoliderança, verificou-se que há uma aceitaçãopositiva por parte da maioria dos associados, emrelação aos líderes, afirmando assim que osmesmos são facilitadores de um ambientecooperativo. E por fim, as relações interpessoaistambém se manifestaram boas destacando trêstipos de relacionamentos: o familiar, o com acomunidade e com a associação, e as relações deequidade foram manifestadas como sendo justas,sendo entendido pela maioria dos membros que aassociação se baseia em valores cooperativos deajuda mútua, equidade e solidariedade na buscade um melhor desenvolvimento da associação.

Portanto, os resultados fortalecem o fato de queo desempenho da associação agrícola ésatisfatório e que seus membros demonstram àimportância da associação no apoio aodesenvolvimento de sua produção agrícola,baseando-se em práticas de cooperação quecontribuem para tornar mais eficiente os esforçosdo grupo. E a idéia de cooperação ocupa um lugartão importante quanto à produção orgânica, sendocomo um diretriz e método do processoorganizativo como um todo.

Neste sentido, num contexto geral, as práticasde cooperação têm sido vistas, como uma saídapara enfrentar e superar os problemas edificuldades que os produtores atualmenteenfrentam, contribuindo assim para ocompartilhamento e colaboração de todos rumo aum objetivo em comum. Entretanto, vale salientarque os aspectos negativos reais existem, mas quesão irrelevantes para o desenvolvimento daspráticas de cooperação na associação, refletindoassim, na realidade percebida pelos associados.

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