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Semiologia Anamnese Ferramentas para uma boa coleta de informações

Anamnese - jaleko-files.s3-sa-east-1.amazonaws.com...mento para intoxicação por cocaína até que uma mulher de meia idade, alegando ser mãe do jovem adentra o serviço médico

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Semiologia

Anamnese Ferramentas para uma

boa coleta de informações

Ferramentas para uma boa coleta de informações • Caso clínico

Jovem, 23 anos, procura assistência médica na virada do ano novo em ambulân-cia na praia de Copacabana devido à alucinações audiovisuais e palpitação. O médico suspeita de intoxicação por substâncias psicoativas e indaga direta-mente sobre seu uso inadvertido (“Você bebeu, não foi, meu filho?”, sendo todas elas negativas. O médico suspeita da veracidade das respostas e inicia o trata-mento para intoxicação por cocaína até que uma mulher de meia idade, alegando ser mãe do jovem adentra o serviço médico e afirma que o paciente é portador de Esquizofrenia. Nesse momento são prescritos antipsicóticos e o jovem é en-caminhado para tratamento ambulatorial. Como o médico poderia ter conse-guido a informação da doença psiquiátrica sem que fosse necessário o auxílio de um familiar?

• Introdução

O artigo de J. R. Hampton publicado em 1975 concluiu que 80% dos diagnósti-cos são realizados durante a anamnese, uma parte essencial da entrevista mé-dica. Outros 5 a 10% são conseguidos após a realização do exame físico deta-lhado, sendo os diagnósticos restantes fechados com o auxílio de exames com-

plementares.

Na realidade, esse estudo fomenta o ímpeto que o pai da medicina moderna – sir William Osler – tinha durante as suas aulas. Osler fundamentalmente alterou o processo de aprendizagem médica ao realocar os alunos de aulas teóricas para as enfermarias. Foi uma manobra radical considerando que, o comum na época, era que os médicos aprendessem medicina através de longas horas em

bibliotecas. Para os incrédulos de sua conduta, Osler lhes dizia calmamente por cima dos ombros, enquanto prosseguiam com a entrevista médica: “Apenas es-

cute o seu paciente, ele está te contando o diagnóstico.”

Vale lembrar que entrevista médica não é sinônimo de anamnese. Esta é a parte da entrevista na qual trazemos à memória (ana-mnesis) fatos anteriores de modo a orientar-nos para um diagnóstico topográfico, sindrômico e enfim clínico-etio-lógico. Entrevista médica, por sua vez, é composta por todo o conjunto de inte-rações nas quais participam paciente e profissional de saúde. Dela derivam os seguintes produtos: anamnese, relação médico paciente, planejamento terapêu-tico entre outros.

Nesse contexto, discutiremos aqui, as principais ferramentas para alcançar os tão almejados 80% de diagnósticos apenas com a anamnese.

• Semiotécnica

Cumprimento: Apresentar-se e explicar o seu papel é uma parte essencial da consulta médica. Fale com o paciente através de seu nome completo, usando o título mais formal e depois pergunte como ele gostaria de ser chamado (nome social). Cumprimentar adequadamente o paciente, coloca-o em uma situação mais confortável, porém frequentemente é esquecido devido à pressa em realizar um exame físico ou a prosseguir com a investigação clínica. Além disso, lembre-se de se dirigir a todos os acompanhantes e entender o papel de cada um visto

que provavelmente eles são peça fundamental no cuidado do doente.

Cuidado centrado na pessoa: Nós temos a impressão de que a busca de aten-dimento médico é oriunda de uma doença que acomete o paciente. Mas muitas

das vezes, nenhuma doença propriamente dita pode ser encontrada ou classifi-cada na hora da entrevista. Na realidade, a busca de atendimento é sempre ad-vinda de uma questão que acomete o paciente. Essa questão pode ser sim uma doença, mas também pode ser uma preocupação, uma dúvida, um incômodo en-tre outros... Nesse contexto, Helman Folk propôs a teoria de que disease é a en-fermidade em si (pneumonia, apendicíte), enquanto illness seria a forma que aquela doença se manifesta no paciente sob sua perspectiva, com suas crenças e impressões. Para que possamos, então, efetivamente tratar o doente e não a doença deve-se ter alguns cuidados: cumprimente o paciente adequadamente, mantenha contato visual parando para escrever somente anotações pontuais, escute ativamente, estimule a participação do paciente, demonstre interesse pelo doente como pessoa, permita que ele termine suas sentenças, descubra as per-cepções e preocupações dele com sua doença, explique a natureza do problema através de explicações simples e sem jargões técnicos, estimule perguntas e che-que se não há desentendimentos, estimule que o paciente participe das decisões diagnósticas-terapêuticas, descubra os objetivos, ideias e decisões do paciente, expresse simpatia e principalmente empatia.

Empatia: É definida como a capacidade de entender e compartilhar as emoções de outra pessoa, sentindo o que ele sente, desejando o que ele deseja, apren-dendo da maneira como ele aprende. Estudos demonstraram que uma comuni-cação empática aumenta a satisfação do paciente, melhora seu estado de saúde, bem como reduz a probabilidade de erros médicos. Expressar empatia, portanto, é fundamental na prática de qualquer médico e baseia-se em identificar emo-ções, responder à elas, evitar julgamento e tomar perspectiva. Empatia demons-tra ao paciente: Eu te vejo, eu te escuto, eu entendo sua perspectiva.

Sentenças que facilitam a empatia podem ser encontradas a seguir:

PERGUNTAS

1. Você poderia me contar um pouco mais sobre isso? 2. Como isso tem sido para você? 3. Há mais alguma coisa? 4. Você se sente bem com isso?

ESCLARECIMENTO

1. Deixe-me ver se entendi... 2. Quero ter certeza de que entendi o que você está me dizendo... 3. Não quero ir adiante antes de eu entender exatamente o que está

acontecendo... 4. Vou repetir o que você me disse. Se houver algo errado, você me corrige,

ok?

REPOSTAS

1. Isso parece... 2. Que bom! Aposto que você está se sentindo muito bem agora! 3. Eu posso imaginar como você está se sentindo... 4. Qualquer um em sua situação se sentiria assim... 5. Eu posso ver que você está...

Ferramentas para coletar informações: Um estudo de 2001 demonstrou que os pacientes falam ininterruptamente durante uma média de somente 12 segundos.

Para obter uma história clínica completa são necessárias ambas estratégias ver-bais e não-verbais adequadas. Entre as não verbais se encontram aquelas que

demonstram interesse, empatia e confiança no paciente: manter contato visual, colocar-se preferencialmente no mesmo nível (sentar-se ao lado ao invés de per-manecer em pé enquanto o paciente está deitado no leito, por exemplo), inter-pretar emoções com musculatura facial entre outros. Das estratégias verbais, a mais importante é iniciar toda anamnese/colheta de histórias com uma pergunta

aberta:

1. Conte-me como aconteceu isso 2. Explique-me mais sobre seu sintoma 3. Você pode me falar mais sobre isso? 4. O que mais você notou?

Isso permite que o paciente fale livremente e que o examinador assuma uma atitude passiva e avalie-o de forma global. Esse tipo de pergunta é especialmente importante para avaliar aspectos menos estruturados da história, bem como os fatores psicosociais do problema do indivíduo, facilitando nossa abordagem cen-trada na pessoa. Enquanto permitimos a fala livre, usamos de facilitadores míni-

mos, reafirmado nosso interesse pela história:

1. “Uhum...” 2. “Sim...” 3. “Entendo...” 4. Sorrir ou concordar com a cabeça 5. Espelhar movimentos do paciente como coçar o nariz ou a cabeça,

repousar as mãos nas pernas ou a mesa, etc...

Contudo, perguntas abertas, na maioria das vezes, apenas esboçam o contexto, sem detalhar precisamente os sinais e sintomas. Por isso, sugere-se o uso de

perguntas direcionadoras (onde, o que, quando, como, porque, quem) para me-lhor entender algum aspecto importante da história clínica:

1. Onde exatamente no seu corpo? ou Mostre-se onde é exatamente. 2. O que acontece quando você tosse? ou Diga-me o que acontece quando

tosses. 3. Quando isso começou? Quando isso ocorre? 4. Como isso é alterado pela estação do ano, horário do dia, sono, dieta,

exercício, posição... 5. Porque você acha que isso ocorre? 6. Quem é afetado por esse problema? (consequências para o paciente e

outras pessoas)

Alguns pacientes, no entanto, terão dificuldade em esclarecer os detalhes da sua história ou de encontrar palavras para descrever seus sintomas. Nesses casos, podemos usar as perguntas em lista, que exemplificam e facilitam a resposta do doente como se fosse uma questão múltipla escolha:

1. Como você descreveria essa dor – pontada, queimação, aperto, cólica ou fisgada?

2. Quanto tempo, aproximadamente, a dor durou – poucos segundos, um minuto ou 10 minutos?

Lembre-se apenas de que esse tipo de pergunta exclui outras descrições possí-veis e somente deve ser utilizada quando a as perguntas abertas e direcionado-ras tiverem falhado.

Um último grande grupo de perguntas são as do tipo fechadas, que são a base para a revisão de sistemas mas também podem ser úteis na história da doença

atual. Elas indagam diretamente sobre algum sinal ou sintoma que possa ser es-quecido pelo paciente mas que possui real importância no raciocínio clínico.

1. Os seus pais ainda são vivos? 2. Você vomitou sangue? 3. Você já fez alguma transfusão? 4. Essa dor piora ao deixar os pés pendentes? 5. Você já acordou alguma vez com falta de ar?

Tipos de perguntas a se evitar:

1. Perguntas orientadoras: o erro mais comun. São aquelas que encorajem certas respostas do paciente para que se enquadrem com a hipótese do entrevistador como “Essa dor não vai para o lado esquerdo do peito, né?” ou “A falta de ar melhorou, certo?”

2. Perguntas com jargão técnico: aquelas que contêm linguagem geralmente conhecida apenas por um professional de saúde “O senhor sente vertigem?” Ou “Como está a cafaleia?”

Perguntas múltiplas e rápidas: são aquelas que são disparadas em sequência e não dão oportunidade ao paciente de pensar e respondê-las com parcimônia. “Você tem algum problema com o sono e em relação a urina?” São mais comuns do que se imagina pois costumam simplesmente escorregar da nossa boca na pressa de se prosseguir com o exame.

• Achados e correlações clínicas

Ao se utilizar das ferramentas apresentadas anteriormente, espera-se que o en-trevistador esteja munido de uma série de informações sobre aquele paciente. Contudo, muitas vezes, ocorrem obstáculos nesse caminho. Abaixo estarão as principais situações e tipos de pacientes no que se refere ao relato de sua história e como o entrevistador deve agir em cada situação para tirar o maior proveito dela.

1. “Perfeito” O paciente “perfeito” é aquele que conta a sua história com a precisão de um antigo relógio mas ao mesmo tempo não divaga sobre acontecimentos aparentemente supérfulos para a história clínica. É aquele tipo de doente que a partir de uma pergunta aberta descreve de forma cronológica, didática e coesa todos os acontecimentos e evolução de sua doença. São dificilmente encontrados e mais comuns em pacientes jovens, letrados e com enfermedades extremamente enfadonhas socialmente como a Doença de Chron.

2. Prolixo É o típico contador de histórias. Nesse caso, a partir de uma pergunta aberta, o paciente sente a liberdade de relatar diversos causos. Alguns deles relevantes na história clínica, outros nem tanto. Contudo, da mesma forma que um gráfico da Ibovespa possui uma volatilidade alta, subindo e descendo diversos pontos no mesmo dia, esse paciente entra e sai dos seus sinais e sintomas mais importantes em questão de segundos. Nesses casos, devemos manter a calma e aguardar pacientemente para que ele volte a história clínica pertinente. Muitas vezes uma informação que a primeira vista pode parecer irrelevante, ao final de um contexto se torna inestimável para o cuidado centrado na pessoa. Caso a história esteja se encompridando demasiadamente, pode-se sutilmente, quando houver

uma brecha, solicitar ao doente que volte a caracterização de um sintoma ou sinal específico: “Desculpe, senhor(a)! Mas o senhor poderia explicar melhor essa sua dor? Só para a gente não perder muito o foco, ok?”. Outra estratégia comumente usada nesses casos é a preferência por perguntas fechadas ou em lista. Apesar de possuírem uma eficácia reduzida, às vezes são necessárias para se conseguir completar a história no tempo disposto.

3. Na emergência Nos serviços de emergência ou em qualquer outro em que o tempo determinado para o atendimento médico é bem curto a abordagem frequentemente deve ser manejada para melhor se adequar ao contexto. Nessas situações, deve-se sim iniciar com uma pergunta aberta (“Em que posso ajudá-lo?”) porém o limiar para se interromper (sempre com sutileza) a entrevista ou para se usar uma pergunta fechada ou em lista deve ser menor. No caso da emergência, as perguntas fechadas devem indagar sobre sinais de gravidade ou alarme, por exemplo.

4. Indisposição Algumas vezes, mais frequentemente nos doentes internados por longos períodos de tempo, o paciente pode não se sentir muito inclinado a lhe contar com todos os detalhes sua história. Por estresse, incômodo, irritabilidade, impaciência ou simplesmente mau humor. Independente do motivo da indisposição, o método mais eficaz de contornar essa situação é demonstrar a sua preocupação com o ser humano, com o bem estar daquele indivíduo, se afastando da imagem de um mero prestador de serviço à sua saúde. E isso se consegue através de um maior cuidado com o cumprimento, cuidado centrado na pessoa, empatia... Enfim, todos os parâmetros indispensáveis para uma boa relação médico paciente.

5. Esquecimento Existem aqueles pacientes que podem até possuir um certo conhecimento sobre a sua história mas têm muita dificuldade em relacionar

temporalmente alguns eventos. Seja a duração de um sinal ou sintoma, seja a cronologia dos acontecimentos. Neste tipo de doente, sugere-se que a entrevista seja entremeada de datas seguramente conhecidas pelo indivíduo (aniversário próprio e de familiares, datas festivas como natal, ano novo, carnaval, páscoa, feriados importantes) de modo que ele correlacione a temporalidade de seus sintomas com essas datas. “Os vômitos começaram antes ou depois do natal?” ou “No seu aniversário o senhor já estava doente?”. Outra estratégia muito utilizada é o direcionamento da entrevista para uma terceira pessoa, o familiar ou o cuidador. Contudo, vale lembrar que essa estratégia deve ser reservada para informações estritamente impossíveis de serem adquiridas via paciente após tentativas sucessivas.

6. Baixa escolaridade Uma das informações contidas na identificação, porém constantemente ignorada é a escolaridade. Esta é uma das características que mais influencia na capacidade do indivíduo em entender conceitos complexos ou palavras mais rebuscadas. Isto é, quando atender um paciente com baixa escolaridade, o cuidado com o tipo de linguagem ministrado pelo entrevistador deve ser redobrado. Não há deselegância alguma em usar termos xulos ou vulgares caso esta seja a realidade vivenciada pelo doente. Caso esta seja a forma que o indivíduo vá lhe entender. Reserve os termos médicos sofisticados para se comunicar entre os colegas de trabalho.

7. Desacordado Naqueles pacientes com o nível de consciência reduzido de modo a impossibilitar a entrevista direta a melhor estratégia é conduzir as perguntas aos familiares e cuidadores. Nesse caso, como nenhuma informação pode ser advinda diretamente do doente, sugere-se fazer a mesma pergunta de maneiras distintas a pessoas diferentes. Assim, consegue-se avaliar melhor o grau de certeza dos diversos aspectos da história clínica. Lembre-se de que a sua conduta, e portanto as

informações colhidas através de terceiros, poderá influenciar drasticamente na vida do seu paciente.

• Desfecho do caso clínico

Percebe-se, após a leitura deste capítulo que o médico iniciou sua abordagem com uma pergunta fechada, muito provavelmente enviesado pela sua hipótese diagnóstica. O uso de uma pergunta aberta poderia ter dado a oportunidade do paciente contar sua história a partir de seu ponto de vista e liberar alguma infor-mação que remetesse ao diagnóstico da doença psiquiátrica. Alguns exemplos de falas que poderiam entremear a fala do doente, nesse caso, são: “...não estou tomando meus remédios...” ou “...já não é a primeira vez que ouço essas vozes,

doutor...”.