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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ANDERSON ALVES DA ROCHA O BRASIL DE DESENHO Uma análise de personagens brasileiros nas animações de Hollywood Maringá - PR 2014

ANDERSON ALVES DA ROCHA · O personagem da primeira animação, Zé Carioca, nasceu nos Estados Unidos, criado pelos estúdios Walt Disney, e se apresentou pela primeira vez na animação

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Page 1: ANDERSON ALVES DA ROCHA · O personagem da primeira animação, Zé Carioca, nasceu nos Estados Unidos, criado pelos estúdios Walt Disney, e se apresentou pela primeira vez na animação

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ANDERSON ALVES DA ROCHA

O BRASIL DE DESENHO

Uma análise de personagens brasileiros nas animações de Hollywood

Maringá - PR

2014

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ANDERSON ALVES DA ROCHA

O BRASIL DE DESENHO Uma análise de personagens brasileiros nas animações de Hollywood

Trabalho apresentado como pré-requisito para a obtenção

da título de Mestre em Ciências Sociais no Programa de

Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade

Estadual de Maringá, na área de concentração: Sociedade

e Políticas Públicas, e na linha: Sociedade e Práticas

Culturais do Departamento de Ciências Sociais.

Prof.ª Dr.ª Zuleika de Paula Bueno

Maringá - PR

2014

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Biblioteca Central - UEM, Maringá, PR, Brasil)

Rocha, Anderson Alves da R672b O Brasil de desenho: uma análise de personagens

brasileiros nas animações de Hollywood / Anderson Alves da Rocha. -- Maringá, 2014.

171 f.: il. color. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Zuleika de Paula Bueno. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual

de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e

Artes, Departamento de Ciências Sociais,

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,

2014. 1. Animação (Cinematografia). 2. Identidades -

Construção. 3. Identidade cultural. 4. Zé

Carioca (Pensonagem de cinema). 5. Blu

Pensonagem de cinema). 6. Hollywood (Los

Angeles, EUA). I. Bueno, Zuleika de Paula,

orient. II. Universidade Estadual de Maringá.

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Departamento de Ciências Sociais. Programa de

Pós-Graduação em Ciências Sociais. III. Título.

CDD 21.ed. 791.433

GVS-001891

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ANDERSON ALVES DA ROCHA

O BRASIL DE DESENHO

Uma análise de personagens brasileiros nas animações de Hollywood

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na área de

concentração de Sociedade e Políticas Públicas na linha de Sociedade e Práticas Culturais do

Departamento de Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da

Universidade Estadual de Maringá, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre

pela Comissão Julgadora composta pelos membros:

COMISSÃO JULGADORA

Aprovada em: 28 de maio de 2014.

Local de defesa: Bloco H-12, sala 14, campus da Universidade Estadual de Maringá.

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Dedicatória

À minha esposa e amiga, Priscila,

pela paciência, apoio e dedicação.

Te amo!

Aos meus pais Vera Lucia e Genésio Rocha,

pelo incentivo nos estudos e guia na vida.

À minha irmã Dayane,

Pela amizade e carinho.

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AGRADECIMENTOS

Ao fim de mais de dois anos de trabalho, estudo, dedicação e alguma irritação, pra mim é fácil

saber a quem agradecer pela conclusão deste trabalho. Eu agradeço primeiramente, a minha

companheira para a vida toda. Priscila, você é foi mais do que minha esposa nessa jornada, foi

minha professora, quem me colocava no caminho sempre que eu me achava perdido e minha

amiga quando eu precisava descansar e me divertir. Obrigado por tudo.

Sou grato também a minha orientadora, profª. Dra. Zuleika de Paula Bueno. Obrigado pela

orientação nesse processo, por conseguir me ensinar a aprender, me guiando e me

equilibrando durante esse trabalho. Você é mais do que minha orientadora, você é uma grande

amiga.

Agradeço a minha família, meus pais Genésio e Vera e a minha irmã, Dayane. Vocês são base

para tudo que eu sou. Obrigado pelo apoio constante. E sou grato também a minha “nova

família”. Os pais da minha esposa, Celso e Ivonete, e os irmãos Miriam e André. Vocês me

receberam e me aceitaram como se eu fosse nascido entre vocês, obrigado.

Por fim, agradeço a todos professores Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da

Universidade Estadual de Maringá, a prof. Dra. Wania Rezende, grande incentivadora, e aos

professores participantes da banca, profª. Dr. José Henrique Rollo Gonçalves, profª. Drª.

Simone Pereira da Costa Dourado e profª Dra. Andrea Cristina Versuti pelo tempo e

dedicação despendidos para as correções e orientações propostas.

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O Brasil de Desenho: Uma análise de personagens brasileiros nas animações de

Hollywood

RESUMO

Este trabalho tem como principal finalidade investigar a relação entre a produção fílmica

americana, especialmente relacionada ao cinema de animação, com a caracterização de

personagens e cenários tipicamente brasileiros nos filmes “Aquarela do Brasil” de 1943 e

“Rio” de 2011. Neste sentido, a revisão bibliográfica direcionou a pesquisa para a

compreensão do cinema como agente criador de realidades, tradições e símbolos, que

doravante se disseminam por meio da comunicação de massa. Na análise fílmica, o intuito é

determinar quais os principais pontos de aproximação e de distanciamento entre as duas

obras, do ponto de vista estético e cinematográfico. Para tanto, são apresentadas

características marcantes da produção de cinema de Hollywood durante os períodos

contemporâneos às obras, a Época de Ouro e a Nova Hollywood, respectivamente. O trabalho

se propõe, ainda, discutir os mecanismos de criação de identidades, tendo como base os meios

de comunicação de massa, sobretudo com apoio nas reflexões propostas pelos Estudos

Culturais. A pesquisa também apresenta uma descrição das duas obras analisadas, tais como a

transcrição minuciosa das animações, informações técnicas e conceituais acerca da produção,

bem como o histórico e a repercussão dos filmes. Mediante a análise, é possível perceber que

os filmes exerceram papel proeminente na distribuição de informações e na caracterização do

Brasil no imaginário do público dentro e fora do país, por meio dos meios de comunicação de

massa. Do ponto de vista cinematográfico, é visível a relação clara entre as duas obras, nas

cores, trilhas sonoras e cenários.

Palavras-chave: Cinema de animação. Criação de identidades. Zé Carioca. Blu. Hollywood.

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The Brazil Cartoon: An analysis of Brazilian characters in Hollywood

animation movies

ABSTRACT

This work has as main purpose investigating the relationship between American film

production, especially related to the animated film, with the portrayal of characters and

typically Brazilian scenarios in the films "Watercolor of Brazil" of 1943 and "Rio" of 2011.

To that effect, the literature review research directed to the understanding of cinema as a

creative agent of realities, traditions and symbols, which now spread through the mass media.

In film analysis, the aim is to determine which the main points approximation and distancing

between the two works, from an aesthetic and cinematic view. To do so, remarkable features

of the production of Hollywood during the relative period the works are presented, the Golden

Age and the New Hollywood, respectively. The paper proposes also discuss the mechanisms

of identities creation, based on the mass communication, especially with the support from the

Cultural Studies. The research also provides a description of the two works analyzed, such as

the detailed transcript of animations, technical and conceptual information about the

production as well as the history and impact of the movies. Through the analysis, it can be

seen that the films have had a prominent role in the distribution of information and the

characterization of Brazil in the imagination of the public inside and outside the country

through the mass communication. From cinematographic point of view, is visible the clear

relationship between the two works, on the colors, soundtracks and scenes.

Keywords: Animation movie. Identities Creation. Zé Carioca. Blu. Hollywood.

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SUMÁRIO

1- Introdução ........................................................................................................................ 10

2 - Zé Carioca, a cultura do cinema americano e a criação da identidade........................ 18

2.1 – Hollywood e seu modo de produção ......................................................................... 18

2.2 – Fora do sistema: o Estúdio Disney ........................................................................... 32

2.3 – A Animação “Saludos Amigos!” ............................................................................... 43

2.5 – O Brasileiro de Hollywood ........................................................................................ 51

2.5.1 – Nasce Zé Carioca ................................................................................................. 54

2.6 – Criação da identidade nacional na América Latina ............................................... 71

2.7 – Construção da identidade por meio da imagem em movimento ........................... 76

3 – “Rio”, o Brasil no cinema de animação 70 anos depois ............................................ 84

3.1 – A transição entre a Era de Ouro e o novo cinema de Hollywood .......................... 84

3.2 – Negócios além do cinema na Nova Hollywood ........................................................ 91

3.3 – A Nova Disney e a animação digital ......................................................................... 98

3.4 – Hollywood recria o Rio ............................................................................................ 102

3.4.1 – Rio: a mesma cidade, 68 anos depois .................................................................. 107

3.4.2 - A animação “Rio” ................................................................................................ 109

4 – De Zé a Blu: os dois Rio de Janeiro .............................................................................. 150

4.1 – Considerações finais ................................................................................................ 168

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 170

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1- INTRODUÇÃO

Samba, mulata, carnaval, futebol e cachaça. Esses são elementos facilmente

reconhecidos como parte do cotidiano brasileiro em produtos de comunicação que tentam

representar o país. Somado a estes componentes, nas produções de Hollywood, o Brasil

ganhou mais um item que simboliza o país no cinema: o papagaio. Representante nativo,

carrega as cores da bandeira nacional em sua plumagem. A sua figura não é nova nas

produções cinematográficas animadas que retrataram o Brasil. Uma vez na década de 1940 e

novamente, quase 70 anos depois, o pássaro destacou-se ao apresentar o Brasil nas salas de

cinema do mundo. Os protagonistas, Zé Carioca e Blu, se mostram ao mundo como

portadores de uma identidade brasileira em duas produções separadas por sete décadas, porém

com traços muito semelhantes.

O personagem da primeira animação, Zé Carioca, nasceu nos Estados

Unidos, criado pelos estúdios Walt Disney, e se apresentou pela primeira vez na animação

“Saludos Amigos!”1 (Alô, Amigos - 1943), onde os famosos personagens criados por Disney

“descobriam” a América do Sul (Brasil, Argentina, Chile e Peru). A animação fez parte da

campanha dos EUA no combate ao nazi-fascismo, com o propósito de difundir a cultura dos

EUA pela América (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 10).

O trecho que faz referência direta ao Brasil é nomeado “Watercolors of

Brazil” (“Aquarela do Brasil”), com duração aproximada de 8 minutos. No curta-metragem, o

famoso Pato Donald e o nativo Zé Carioca passeiam por lugares turísticos do Rio de Janeiro.

Em 2011, outro pássaro foi lançado nas telas de cinema, com a missão de

reapresentar o Rio de Janeiro e o Brasil. No longa-metragem da 20th Century-Fox, intitulado

“Rio”2, o protagonista é uma Arara Azul chamada Blu. No enredo, apesar de ser nativo do

Brasil, o protagonista Blu foi criado no Estados Unidos. No entanto, no decorrer da trama, ele

retorna ao país de origem, mais especificamente à cidade do Rio de Janeiro, onde passa a ter

contato com as tradições brasileiras, numa aventura proposta pelo enredo, acompanhado por

outros animais do cenário local.

Tendo em vista essas duas obras, o trabalho se propõe a entender o cinema

como agente criador de representações, de símbolos e de tradições. A ideia é investigar por

1 Distribuido por Walt Disney Productions e produzido pela RKO Radio Pictures 2 Animação foi distribuída pela 20th Century Fox, megacorporação do cinema nos EUA e detentora de franquias

como “Star Wars”, “Alien” e “Simpsons”. Ela tem como subsidiária a Blu Sky Studios, empresa que produziu

“Rio”.

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quais motivos esses personagens, enredos e cenários são criados, e como eles se transformam

em representações da brasilidade, por meio do cinema. E também compreender como, em

duas peças separadas por quase sete décadas, essa representação se mantém quase imutável.

Por fim, quais são os distanciamentos entre as duas obras. Essas questões pretendem ser

debatidas por meio do entendimento do processo de criação de Hollywood. Os dois filmes

apresentam semelhanças, sobretudo na tentativa do cinema em caracterizar uma identidade

brasileira. O cinema, nesse caso, funciona com um dos agentes que podem ser usados para

construir essa representação, e este olhar cinematográfico, muitas vezes, é transferido à visão

de mundo.

A tentativa de ilustrar o Brasil por meio do cinema não é recente. Esse

processo começou no filme “The Girl from Rio”3(1927), quando a cidade do Rio de Janeiro

foi pela primeira vez retratada em Hollywood (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 8). Daí em

diante, impulsionado por interesses comerciais e ideológicos de se aproximar da América

Latina, o cinema americano passou a desenvolver obras tendo o Brasil (na maioria dos casos

representados pelo Rio de Janeiro) como pano de fundo para as produções.

Nessa escalada da relação entre os EUA e o Brasil, deve-se destacar como

perpetuadora da identidade brasileira fora do país, na década de 1930, a cantora e atriz

portuguesa Carmen Miranda4. A exclamação “sim, nós temos bananas” associou a imagem do

país à festividade, à música alegre, às roupas ousadas e coloridas e à simplória fruta que

passou a simbolizar o país. A “Brazilian Bombshell5, como passaria a ser conhecida, explodia

na cena americana com suas canções de letras indecifráveis, com seu exotismo e seu excesso”

(FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 18). Foi ela quem divulgou o “brasileiro” fora do país. Nos

anos 1940, na sequência do sucesso da atriz e cantora, os estúdios Walt Disney apresentaram

o filme “Saludos Amigos!” e com ele o pássaro “José (Joe) Carioca”, como mais um

personagem representativo da identidade brasileira.

É importante ressaltar que o cinema é fonte de prazer e significados para

grande parte da população em nossa cultura. Na perspectiva de Turner, “o cinema é revelado

não tanto quanto uma disciplina separada, mas como um conjunto de práticas sociais distintas,

um conjunto de linguagens e uma indústria” (1997, p. 49). Assim, os modos de produção de

Hollywood e o cinema, podem ser percebidos como criador de realidades, e portanto um dos

divulgadores da “identidade brasileira”. Tendo em vista a proposta a qual esse trabalho se

3 RKO Radio Pictures, direção de Herbert Brenon. 4 Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu em Porto, Portugal em 1909, e morreu em Los Angeles, EUA em

1955. Apesar de Portuguesa foi marcada nos EUA como “Baiana”, portanto brasileira. 5 A mulher sensual do Brasil, tradução livre.

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dedica, pode afirmar que o cinema ressignifica a realidade, uma representação da identidade

brasileira, baseado em estereótipos, personagens e fantasias e distribui ao mundo esse

brasileiro cinematográfico.

A representação do Brasil por meio das telas do cinema, em duas produções

feitas fora do país, que unem elementos comuns e representativos da identidade brasileira,

encoraja a realização desse estudo, especialmente na tentativa de entender de que maneira o

cinema funciona como formulador de uma identidade; e, ainda, analisar por intermédio de

ferramentas metodológicas como essa apresentação do Brasil aconteceu, quais os mecanismos

e os interesses na sua criação, e como essa identidade brasileira cinematográfica se modificou

durante esses 70 anos entre uma produção e outra.

Para isso é importante a revisão da bibliográfica acerca do modo de

produção do cinema nos Estados Unidos nos dois períodos que são contemporâneos às duas

obras, já que a produção fílmica americana é um dos principais disseminadores de cultura do

mundo, por isso propõem-se a compreensão da sua maneira de produzir realidades;

A revisão de literatura do trabalho se pautará também nos estudos que

discutem as formas de criação das identidades por meio dos processos que envolvem os meios

de comunicação de massa.

É relevante entender que esses traços identitários, ou identidade brasileira,

passou a ser explorada no cinema, dando base para criar um perfil pop do que é o Brasil, para

o mundo. Independentemente dessas representações se relacionarem com um perfil do

brasileiro, eles se deslocaram através do mundo, por meio do cinema, criando uma visão e

uma ressignificação de o que é o Brasil. Quando falamos de formação de identidade cultural,

estamos nos referindo a uma identidade que não é natural, ela se cria num contexto,

influenciada por diversos fatores.

No mundo moderno, o Estado articula valores nacionais e populares para

integra-los a uma realidade mais ampla. A memória, os símbolos e ritos são agregados em

uma única expressão do que simboliza o nacional, como forma de compor um elemento

nacionalizante, parte dos projetos que constituem. Segundo Ortiz (1998, p. 139) é através de

uma relação política que se constitui a identidade. Nesse sentido, é possível buscar a

discussão de Eric Hobsbawm (1997), para acrescentar que as identidades não são elementos

naturais, mas essas tradições são inventadas, por meio de um conjunto de elementos, no qual

podemos incluir, como pretende esse trabalho, o cinema.

Ainda para Ortiz (1998, p. 138), “a identidade nacional é uma entidade

abstrata e como tal não pode ser apreendida em sua essência. Ela não se situa junto à

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concretude do presente, mas se desvenda enquanto virtualidade, isto é, como projeto que se

vincula às formas sociais que a sustentam”. As identidades nacionais, para Hall (1999) são

formadas e transformadas no interior da representação. A brasilidade, como efeito dessa

identidade, é o que reflete “ser brasileiro”

Esse processo, de busca pela identidade nacional, se deu durante as décadas

de 1920 e 1930, na América Latina de forma geral, segundo Martin-Barbero (2009), como

forma de criar o Estado Moderno, utilizando-se da premissa de Nação. Segundo Hall (1999, p.

51) “as culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais

podemos nos identificar, constroem identidades”.

Hall (1999) ainda nos dá pista de como essa identidade nacional é

distribuída. Por meio das histórias, literatura e das mídias, no qual é possível incluir o cinema,

a narrativa de nação fornece uma série de histórias, personagens, imagens, cenários e eventos

“que simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os trunfos e os

desastres que dão sentido à nação”. São essas referências que ao serem divididas criam uma

identidade compartilhada. Mesmo que essas referências sejam inventadas, que não

representem uma tradição distante no tempo ou arrigada no comportamento daquela

comunidade. As tradições inventadas significam um conjunto de práticas “de natureza ritual

ou simbólica, que buscam inculcar certos valores e normas de comportamento através da

repetição” (HALL, 1999, p. 54) Ainda sobre esse pensamento, é possível afirmar: “quando se

trata de nação, há sempre algo de invenção” (BALDAN e SEGATTO, 1999, p. 16).

Podemos entender o cinema americano como um produtor de “realidades”,

distribuindo por meio da comunicação de massa, um conjunto de bens simbólicos, baseados

em recursos culturais, utilizada para atingir um fim especifico. O cinema de Hollywood é um

construtor de culturas ao redor do mundo e a sua ação é importante para a fabricação da

identidade nacional brasileira, por isso entender a lógica de criação industrial de Hollywood

ajuda a compreender a construção dessa identidade nacional, a qual é moldada pela própria

fabricação fílmica.

Para Baldan e Segatto (1999, p. 15) “são também muitas e notáveis as

narrativas literárias na quais manifesta-se a preocupação aberta ou implícita, consciente ou

inconsciente pela questão nacional.” Destacando-se na argumentação dos autores diversos

escritores consagrados na literatura mundial, como Shakespeare, Balzac, Tolstoi, Cervantes,

José de Alencar, entre outros. Para os autores, em alguma medida a produção ficcional

contribui, e soma-se a outras produções – como a científica, por exemplo – para a produção

dessa ideia generalista.

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Tanto Baldan e Segatto (1999) quanto Gonçalves (2009), entendem a

produção cultural fictícia como instrumento importante no reforço da ideia de nação.

Entendendo o discurso literário “como grande responsável pela construção das ‘identidades’

que vão possibilitar a consolidação das comunidades imaginadas enquanto nações”

(Gonçalves, 2009. P. 27).

Importante ressaltar que a ideia de nação é construída com apoio de um

aparato de ficções culturais, transmitidas pela literatura, e podemos acrescentar pelo cinema.

“O cinema, como local da construção de um discurso audiovisual, não

escapa dessa realidade. Construindo e ‘representando’ seus quadros da

realidade por meio dos códigos que emprega, de suas convenções e

dos mitos e ideologias da cultura em que está inserido, o cinema é

capaz de apresentar discursos da identidade nacional que tem na

ideologia as raízes de sua relação com a cultura que os originam e

sobre o qual se debruçam” (GONÇALVES, 2009, p. 28)

Vale lembrar, que no sentido apresentado por Canclini (2013), entre

elementos que definem a modernidade, estão a procura por estender a circulação e o consumo

de bens e a busca por um aperfeiçoamento tecnológico e inovações incessantes. Portanto, sob

essa premissa, o cinema é efeito da modernidade. Para Gonçalves, o cinema é “signo

inequívoco das transformações tecnológicas trazidas pela revolução industrial” (2009, p. 32)

Mantida a lógica industrial ao cinema, sua capacidade criadora dissemina

informações e conteúdo, ajudando a construir essa identidade nacional, a qual é moldada

industrialmente pela própria fabricação fílmica. O discurso cinematográfico, por meio de sua

linguagem de movimento e som, é capaz de assumir esse papel de construção identitária que

se liga ao período em que está inserido. “Ele é capaz de chegar às massas e refletir-lhes o

rosto, construindo um discurso sobre a sociedade e a nacionalidade brasileiras, indicando

caminhos, e projetos de nação, para o processo de formação de nossa identidade”

(GONÇALVES, 2009, p. 32).

Nesse sentido, cabe aqui ressaltar os recursos metodológicos que serão

aplicados nesse trabalho. Tendo como base uma pesquisa realizada por meio de revisões,

interpretações, descrições e análise, esse trabalho se apropriará da pesquisa qualitativa, cuja

preocupação é analisar e interpretar aspectos mais profundos de um fenômeno (MARCONI e

LAKATOS, 2010). Como a proposta é investigar os elementos representativos da cultura

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nacional, mediante análise das animações supracitadas, a pesquisa qualitativa apresenta-se

como indicada para tal6.

Entre os tipos de pesquisa qualitativa, afirma Triviños (2008, p. 133),

destaca-se o estudo de caso, que é “uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que

se analisa profundamente”. Seguindo essa metodologia proposta, cabe ressaltar que esta

pesquisa trata-se de um estudo de caso, tendo como objetos definidos as duas animações de

cinema já mencionadas. Embora nessa pesquisa os objetos de estudo sejam duas animações –

buscando investigar como o cinema se torna um dos construtores das representações da

cultura brasileira -, sua tipologia aproxima-se de um Estudo de Caso, ou como apresenta

Triviños (2008, p. 136), “Estudos Multicasos”, os quais exigem a mesma dedicação e

profundidade daquele.

A complexidade do Estudo de Caso7, afirma Triviños (2008, p. 134), “está

determinada pelos suportes teóricos que servem de orientação, em seu trabalho, ao

investigador [...]. A complexidade do exame aumenta à medida que se aprofunda o assunto”.

A análise dos desenhos animados selecionados serão “cercados” por pontos de vista distintos

a fim de buscar prováveis respostas a problemática central da pesquisa. Deste modo,

referenciais bibliográficos serão fundamentais.

A proposta do estudo de caso é destacar a rotina da produção fílmica e

separá-la em seus momentos distintos, por meio das duas peças. Além disso, a ideia é

apresentar uma análise fílmica das animações, por meio de seus elementos de enredo,

montagem, fotografia e trilhas sonoras, aproximando e distanciando, por meio da análise, as

duas peças.

É relevante destacar que os “olhares” estarão voltados exaustivamente às

animações escolhidas, não, necessariamente, generalizando para outras obras. Para Yin (2005,

p. 193), “o caso completo é aquele em que os limites do caso – isto é, a distinção entre

fenômeno que está sendo estudado e seu contexto – recebem um atenção explícita”.

6 Lazarsfeld (1969 apud Haguette, 2007, p. 64) identifica três situações onde se presta atenção particular a

indicadores qualitativos: a) situações nas quais a evidência qualitativa substitui a simples informação estatística

relacionada a épocas passadas; b) situações nas quais a evidência qualitativa é usada para captar dados

psicológicos que são reprimidos ou não facilmente articulados como atitudes; c) situações nas quais [...]

observações qualitativas são usadas como indicadores do funcionamento complexo de estruturas e organizações

complexas que são difíceis de submeter à observação direta.

7 Conforme Ludke e André (1986), algumas características são fundamentais no Estudo de Caso, a saber:

a) visar a descoberta; b) enfatizar a interpretação do contexto; c) retratar a realidade de forma ampla; d) valer-se

de fontes diversas de informações; e) permitir substituições; f) representar diferentes pontos de vista em dada

situação; g) usar linguagem simples.

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No caso dessa pesquisa, destacam-se: a interpretação do contexto, isto é,

aspectos socioculturais que perpassam às animações a buscar por diversas fontes de

informação e diversos pontos de vista, tais como já tratados nesse texto.

A pesquisadora Goldenberg (2007, p. 33) acredita que “estudo de caso não é

uma técnica específica, mas uma análise holística, a mais completa possível, que considera a

unidade social estudada como um todo [...] com objetivo de compreendê-los em seus próprios

termos”. Na sequência, a autora enfatiza que “o estudo de caso possibilita a penetração na

realidade social, não conseguida pela análise estatística” (p. 34).

Somando-se ao estudo de caso, este trabalho apresentará como técnica

fundamental para o desenvolvimento de todo o estudo a pesquisa em referências

bibliográficas, imprescindível no estudo de caso, haja vista sua finalidade contributiva no que

diz respeito à análise dos objetos. Segundo Pádua (2004, p. 55), a pesquisa bibliográfica tem

por finalidade “colocar o pesquisador em contato com o que já produziu e registrou a respeito

do seu tema de pesquisa”. Rampazzo (2005) nos orienta que “qualquer espécie de pesquisa,

em qualquer área, supõe e exige uma pesquisa bibliográfica prévia, quer para o levantamento

da situação da questão, quer para fundamentação teórica, ou ainda para justificar os limites e

contribuições da própria pesquisa” (p. 53).

É importante salientar que nesta pesquisa buscar-se-á mesclar a pesquisa

bibliográfica à análise de cada uma das peças, haja vista a intenção de não enrijecer os

capítulos teóricos e analíticos. Neste sentido, será dedicada uma seção ao filme Alô Amigos e

outra ao “Rio”, sendo que o referencial teórico e a análise fílmica serão contextualizados

historicamente.

Quanto aos objetivos do estudo, esta pesquisa caracteriza-se como

descritiva. Segundo Triviños (2008, p. 128), mediante este tipo de pesquisa, “a interpretação

dos resultados surge como a totalidade de uma especulação que tem como base a percepção

de um fenômeno. Por isso, não é vazia, mas coerente, lógica, consistente”. Adiante, o autor

revela que na descrição não intenta-se tão somente captar a aparência do fenômeno, mais que

isso, busca apresentar a essência.

Na situação em que as animações serão decompostas, a descrição somada à

interpretação analítica permitirão uma descrição minuciosa dos aspectos que pretende-se

problematizar. Tento em vista os métodos, a metodologia e os objetivos da pesquisa, é

necessário apresentar outra técnica que será utilizada para a realização deste estudo: a análise

fílmica.

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O trabalho se baseará em indicações existentes para esse tipo de estudo, tal

como Jullier e Marie (2009, p. 15), que entendem o cinema e suas peças como objetos de

reflexão. Além disso, os autores apresentam as principais ferramentas para análise fílmica, a

saber: no nível do plano, o qual busca analisar profundidade de campo, luz, movimentos da

câmera; no nível da sequência, sobretudo aspectos ligados à montagem e cenografia; e no

nível do filme, fundamentalmente a intriga, o gênero e o dispositivo. Os autores ainda serão

utilizados como forma de instruir a transcrição do filme para o papel, como forma de facilitar

o entendimento do leitor acerca da película.

Com a finalidade de identificar elementos historicamente construídos sobre

a cultura brasileira nas animações já citadas, em primeiro lugar será feita a transcrição das

animações, fase esta fundamental para selecionar cenas-chave para discussão proposta.

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2 - ZÉ CARIOCA, A CULTURA DO CINEMA AMERICANO E A CRIAÇÃO DA

IDENTIDADE

Este capítulo tem como objetivo estabelecer as relações entre diversos itens,

cuja finalidade é possibilitar a identificação de como se formou no cinema de Hollywood o

personagem Zé Carioca. É importante ressaltar que o recorte temporal desta seção está

delimitado entre a primeira década do século XX até os anos de 1950, período brevemente

posterior ao lançamento do filme “Saludos Amigo”, e data final da primeira fase dos estúdios

de Hollywood.

Para isso, será apresentada uma breve história da formação do cinema

hollywoodiano, e em conjunto, um debate sobre o seu modo de produção. O objetivo é

esclarecer como era o sistema que geriu durante a primeira metade do século passado a

produção fílmica nos Estados Unidos, em quais bases esse sistema operava, e quais seus

interesses e motivações.

Posteriormente, serão destacados os principais pontos da trajetória de Walt

Disney, e de seu estúdio, criador do personagem objeto desta pesquisa. Os estúdios de Disney

representam um marco na história da animação, e entender seus métodos e interesses são

fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa. Em sequência, será apresentado o

personagem Zé Carioca: sua criação, sua história, e a transcrição da peça que analisada.

Ainda, serão discutidas as ideias acerca da formação das identidades

nacionais na América Latina, e como a comunicação de massa participou ativamente desse

processo. Além disso, será apresentada discussão sobre o cinema como criador de identidades.

2.1 – Hollywood e seu modo de produção

O cinema americano, representado pelos complexos de estúdios de

Hollywood, se consolidou como hegemônico nos mercados e na produção cinematográfica

mundial no período posterior a Primeira Guerra Mundial. Na década de 1920 até 1940, a

Época de Ouro de Hollywood, o cinema representava a linha de frente da cultura americana

pelo mundo. Para alcançar seu sucesso, o seu modo de produção foi fixado no mesmo formato

das demais indústrias americanas. “Produção consumadamente industrial, inserida no

processo de linha de montagem como já eram a fabricação de automóveis, eletrodomésticos e

alimentos enlatados”, conforme afirma Maurício Gonçalves (2011, p. 76)

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Segundo Gonçalves (2011), o sucesso desse modo de produção foi fincado

em um tripé, no qual cada uma das pernas são: o modo de produção para a feitura dos filmes,

o sistemas de estúdios; um sistema de mitificação de atores e atrizes; e um código regulador

de mensagens veiculadas nas produções, o “Código Hays”, que manteve a boa relação entre a

indústria cinematográfica as “instituições guardiãs da moral da sociedade norte-americana”

(2011, p. 76).

O sistema de produção de estúdio representou a troca das produções

independentes, de diretores que produziam, arcavam com as despesas e exibiam em salas

terceirizadas suas próprias obras, por um novo modelo de produção, distribuição e exibição,

em que cada estúdio controlava inteiramente o processo produtivo em todos os elos de sua

cadeia. A lógica de distribuição e exibição que estava amarrada aos cineastas independentes

no início, logo foi substituída pela produção própria das películas. O sistema de estúdios

representava o controle total da produção, distribuição e exibição dos filmes.

O sistema de estúdio propiciava a adequação do processo de realização de

filmes a uma perspectiva capitalista de produção, onde a racionalidade e o

planejamento eram empregados para que o produto final, o filme,

satisfizesse o objetivo de seus produtores [...] qual seja, a obtenção de lucro.

(GONÇALVES, 2011, p. 76).

Essa racionalização nasceu junto com a própria Hollywood, como polo de

produção cinematográfica. O sistema organizado de “montagem” de filmes partia da mesma

premissa de qualquer outro item produzido em escala industrial, com especializações em

diversos níveis, departamentos, técnicos de diversas áreas e tecnologia empregada para um

resultado satisfatório. Segundo Thomas Schatz, (1991), “assim como outras indústrias

modernas, que precisavam produzir e vender em grande escala, o cinema desenvolveu sua

própria versão do sistema de linha de montagem, com adequada divisão e subdivisão de

trabalho” (p. 36)

Para compreender o sistema de estúdios, é interessante entender o seu

nascimento, intrinsicamente ligado à história de seus criadores. A Hollywood, criadora de

uma pujante indústria do entretenimento, não nasceu ao acaso, mas fez parte de uma trajetória

que estava diretamente ligada ao seu próprio modo de produção.

Ao descrever a trajetória dos fundadores dos grandes estúdios de

Hollywood, Edward J. Epstein (2008) destaca o nascimento do sistema de estúdio, como

sendo responsabilidade de pobres imigrantes judeus, fundadores dos maiores estúdios que

duraram toda a Época de Ouro de Hollywood.

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Carl Laemmle, que começou a vida nos Estados Unidos como mensageiro,

inaugurou a Universal Pictures em 1912. William Fox, que começou como

mascate de rua, fundou a Fox em 1915. A Warner Bros. foi criada oito anos

mais tarde por Jack e Harry Warner, ex-açougueiros. Louis B. Mayer,

outrora trapeiro, organizou a Metro-Goldwyn-Mayer em 1924. No mesmo

ano, Harry Cohn, antes vendedor de partituras musicais, fundou a Columbia

Pictures. (EPSTEIN, 2008, p. 37).

Além deles, Adolph Zukor, fundou em 1916, a Paramount Pictures. Foram

esses os imigrantes que deram início aos complexos de produção cinematográfica em

Hollywood.

Segundo Epstein (2008), os negócios que se relacionavam ao

entretenimento, por meio da imagem em movimento, ganhavam força no começo do século

XX, na costa leste americana. A exibição das imagens sequenciais em uma máquina movida a

manivela que passava a sensação de animação, e se tornou popular em Nova York no início

do século XX. Na visão de Sklar, esse tipo de negócio se tornou comum e atraiu muitos

desses imigrantes.

Aqui e ali, empresários imigrantes deram com a ideia das penny arcades

(centro de diversões onde cada dispositivo de entretenimento custava um

pêni), providas de caça-níqueis e outros jogos, visores de cartão de

mutoscópio e talvez um filme por cinco centavos num canto separado por

uma cortina, nos fundos do armazém. Os filmes revelaram-se populares. Os

níqueis (moedas de cinco centavos) davam mais lucro do que os pennies. De

modo que os mesmos homens de negócios empreendedores transformaram

armazéns vazios em cinema. Chamavam-se nicolets em uma cidade,

nickeldromes em outras, nicklodeons com mais frequência nas demais. E

assim nasceu um vasto público novo de cinema. (SKLAR, 1975, p. 25-26).

Percebendo o potencial de ganho dessa diversão, um dos pioneiros da

indústria cinematográfica americana, Adolph Zukor, tornou-se proprietário de um

nickelodeon: salas de exibições de imagens em movimento, comuns e atrativas ao público

pobre no início daquele período. Era um entretenimento barato (cobrava apenas 5 centavos,

ou níquel, daí o nome), e rendiam um bom faturamento aos proprietários.

Na expectativa de manter seu público fiel ao produto, as exibições eram

trocadas toda semana. Assim, para atender a própria demanda, Zukor passou a produzir os

próprios filmes. “Ao perceberem que não conseguiriam obter filmes suficientes e com

regularidade dos cineastas independentes, esses novos distribuidores deram um passo à frente

e começaram a realizar os próprios filmes” (EPSTEIN, 2008, p. 14).

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Um entrave à expansão desse negócio era a Motion Picture Patents

Company de Thomas Edison. A empresa detinha a patente das câmeras e projetores e

estabeleceu um vínculo contratual com a Eastman Kodak Company, fabricante das películas

utilizadas nas produções. Segundo Sklar (1975) “Edison desejava domínio total no campo da

cinematografia. Mas em lugar de tirar os competidores do negócio, tentou força-los a usar

suas câmeras e a vender e ou alugar filmes apenas aos exibidores que anuíssem em usar com

exclusividade produtos licenciados” (p. 49).

Além disso, a empresa de Edison se associou à American Mutoscope, que

patenteara máquinas similares, formando um monopólio. “Quando os produtores

independentes de Nova York, Boston e outros centros importantes tentaram comprar filmes e

câmeras em outros lugares, a Trust, amparados pela cooperação da polícia, ameaçou-os

agressivamente com litígio, afim de criar-lhes obstáculos e até mesmo proibi-los

definitivamente” (EPSTEIN, 2008, p. 36).

Os problemas entre os produtores e a empresa extrapolavam as questões

legais, como afirma Epstein.

A batalha também envolvia questões ‘culturais, filosóficas [e] religiosas’. Os

homens que dirigiam a Trust eram principalmente americanos de origem

anglo-saxônica e protestantes, bem situados no establishment empresarial

tradicional. Já os produtores independentes, dentre os quais Zukor era um

dos mais importantes, eram forasteiros imigrantes e judeus. (2008, p. 37).

Impedidos de trabalhar, mas com um potencial negócio lucrativo nas mãos,

a solução foi cruzar o continente e encontrar o Oceano Pacífico. Do outro lado dos Estados

Unidos, no Estado da Califórnia, longe de pressões, advogados, processos e questões legais,

Zukor encontrou terras baratas, no munícipio de Hollywood. Na costa Oeste dos Estados

Unidos ele e outros empresários encontraram terreno fértil e barato para desenvolver seus

negócios. Assim, com histórias semelhantes, nasceram todos os grandes estúdios desse

período.

Mas não é só na origem de seus criadores que reside o sistema de estúdio. A

ideia era controle total sobre o produto. Entendia-se que cada etapa deveria ser supervisionada

de maneira muito próxima, e sob a fiscalização constante da direção-geral do estúdio.

Segundo Schatz, “o produtor era elemento crucial nesse processo” (1996, p. 36). Era ele quem

comandava a criação das peças, e se subordinava à direção-geral.

Embora os diretores tivessem liberdade na filmagem, eles estavam

sintonizados com o sistema e com o estúdio. Schatz (1996) ressalta que roteiros, cronogramas

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e orçamentos eram sempre assistidos por produtores-executivos do estúdio. Mesmo com

algumas liberdades, a produção era centralizada.

Para exemplificar, é possível explorar a descrição feita por Schatz da

passagem de Irving Thalberg8 na Metro-Gold-Mayer, como produtor. “Thalberg

supervisionava pessoalmente cerca de um terço das produções, e seus supervisores se

encarregavam das restantes” (1996, p. 60). Ainda sobre Thalberg, o autor destaca: “A palavra

‘controle’ caracterizava claramente a forma de operação do sistema de Thalberg” (1996, p.

60). Ele, a exemplo de outros produtores, representava a caracterização breve do sistema de

estúdio.

Apesar das evidentes diferenças existentes na produção de um filme, que

certamente existiam entre um estúdio e outro, no final o sistema de estúdio pode ser entendido

como esse controle dos produtores e executivos sobre a obra, em toda a sua fabricação.

Mesmo com as mudanças dentro do próprio sistema, variando de um estúdio para o outro, o

controle centralizado sempre se apresentou como marca principal, e com o tempo – dos

primórdios de Hollywood ao avançar dos anos –, houve modificações no formato e nas regras,

mas não no conceito.

Nos primeiros anos de vida dos estúdios, o sistema girava em torno do

produtor central – grandes executivos como Thalberg, Zanuck e Lasky. Em

sintonia com o diretor-geral do estúdio, o produtor central trabalhava no

levantamento de recursos, supervisionava pessoalmente todas produção e

ainda moldava as políticas, os procedimentos da casa. Porém, no início dos

anos 30, como cada estúdio já havia definido seu estilo de produção e suas

estratégias de mercado, a figura do produtor central deixara de ser tão

importante. […] Assim, os estúdios passaram a esvaziar gradualmente a

função do produtor central, desenvolvendo sistemas administrativos com

hierarquia de autoridade mais demarcada e maior dispersão de poderes sobre

a criação. (SCHATZ, 1996, p. 170-171).

Além da produção, a distribuição e a exibição ficavam quase totalmente

restritas aos próprios estúdios. Eles tinham controle de praticamente todos os cinemas. Cada

um tinha suas próprias salas de exibição ou controlavam redes independentes. As salas

independentes e de bairro ficavam presas a contratos de exibição, pacotes fechados para

conseguir exibir algum dos filmes. Se não aceitassem o pacote, não poderiam exibir nenhum

filme do estúdio.

8 Irving Thalberg (1899 – 1936) foi um produtor dos estudos da Universal e MGM. Chegou a Hollywood,

contratado por Carl Laemmle, com 21 anos e trabalhou como produtor até morrer, com 36. Seus métodos de

trabalho renderam o apelido de “Garoto Maravilha”.

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As principais salas dos Estados Unidos e Canadá, onde aconteciam os

lançamentos, pertenciam as empresas. “Como proprietários dos cinemas, os estúdios

determinavam onde, quando e por quanto tempo seus filmes ficariam em cartaz como

lançamento” (EPSTEIN, 2008, p. 16).

Seguindo a ideia proposta por Gonçalves (2011) para explicar a hegemonia

do cinema americano na primeira metade do século passado, “o segundo componente desse

tripé de sustentação, o star system, está presente na experiência cinematográfica

hollywoodiana desde a década de 1910” (p. 77).

As estrelas e os astros do cinema compunham um papel importantíssimo no

modo de produção dos estúdios. Eram eles quem divulgavam as obras, inspiravam o público,

traziam para as salas a audiência. Eles assumiam, na concepção de Edgar Morin (2011) o

papel dos deuses mitológicos.

Para Hollywood a relação com as estrelas era amplamente benéfica. “Os

estúdios também tinham sob controle todos os astros e estrelas que atraíam as audiências para

os cinemas, num arranjo contratual fechado, denominado sistema de estrelato.” (EPSTEIN,

2008, p. 17). Esses contratos, geralmente de sete anos e com opções de renovação, prendiam

os atores aos estúdios impedindo-os de trabalhar em uma concorrente. Havia controle sobre

sua imagem com o objetivo de promover campanhas de divulgação. E o estúdio detinha o

direito de “emprestar” a estrela a um concorrente, por um salário maior, ficando para o

estúdio a diferença do ganho. Além de poder exigir a mudança de aparência, cabelo, detalhes

biográficos e até o nome.

Em contrapartida, os atores eram beneficiados com salários, que não eram

aumentados durante o contrato, mesmo que os artistas se tornassem mais populares; papéis

constantes em produções para o cinema e possibilidade de trabalhar em campanhas

publicitárias na mídia (desde que pertencentes aos mesmos donos). “No entanto, por maior

que fossem as vantagens publicitárias obtidas pelos artistas, seus salários eram relativamente

baixos se comparados com a receita adicional que geravam nas bilheterias” (EPSTEIN, 2008,

p. 18). Com esse sistema, os estúdios conseguiam se beneficiar do controle de custos das

produções, gerando grandes lucros.

Mas a cooperação entre as empresas de cinema, durante essa época, deixava

pouca mobilidade para os atores na tentativa de negociar melhores ganhos ou outros

benefícios. Aqueles que se recusassem cumprir seus contratos não seriam empregados em

outro estúdio.

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Apesar disso, Schatz (1996) argumenta que para os estúdios, os astros e as

estrelas representavam uma mercadoria valorizada. “Eram empregados cujo talento não podia

ser facilmente definido e cultivado, nem tampouco podiam ser treinados e controlados como

outros especialistas e técnicos” (p. 55). Para o autor, mesmo sob essas restrições e regras, as

estrelas e astros eram o coração do negócio, e tudo girava ao redor deles.

Por fim, o terceiro componente citado por Gonçalves (2011) veio para

apaziguar as relações entre a indústria de cinema americana e as instituições e grupos que

representavam a moral americana: o Código Hays.

A história que envolve a criação do Código de Autocensura de Hollywood

começa pela criação da MPAA. “Em 1922, preocupados com a ameaça de censura federal, os

estúdios do cinema mudo criaram, a pedido de Louis B. Mayer, a Motion Pictures Association

of America9 (MPAA)” (EPSTEIN, 2008, p. 101), como uma associação comercial. A MPAA

era utilizada pelos estúdios para negociar contratos e “influenciar os políticos a aprovarem leis

favoráveis a eles” (2008, p. 101). Além disso, a ideia era que a Associação padronizasse as

produções em diversos aspectos, entre eles, criando um código que deveria ser seguido em

toda Hollywood.

A MPAA servia para uniformizar as produções. O Código criado pela

associação padronizava todas as cenas polêmicas. “Como cenas de viciados em drogas,

divórcio, planejamento familiar e casamento inter-racial. Chegava a exigir que mesmo os

casais casados aparecessem na tela dormindo em camas separadas.” (EPSTEIN, 2008, p. 102).

Mas, além de evitar o desgaste com os setores tradicionais da sociedade americana, era

também uma espécie de censura ao material estrangeiro, que poderia ser descartado sob

alegação de não se adequar as regras.

Em 1924, para atender aos padrões de “decência” aceitos pela sociedade

americana, os estúdios aceitaram diminuir sua autoridade sobre a produções. O acordo

comum era submeter a um censor os filmes. Esse “código de produção” foi negociado em

nome dos estúdios por William Hays10, ex-diretor geral dos correios. “Hays foi encarregado

de negociar com todas as autoridades civis, religiosas e governamentais relevantes uma

fórmula satisfatória, [...] que os estúdios então aplicariam a todos os filmes a serem exibidos

nos cinemas americanos” (EPSTEIN, 2008, p. 316). Segundo Schatz (1996, p. 177), William

Hays, como forma de controlar e zelar por princípios morais, encomendou o Código de

9 Pode ser traduzido como Associação Americana de Cinema, criada em 1922. 10 William Harrison Hays (1879 – 1954), foi coordenador da campanha presidencial Warren G. Harding. Após a

eleição de Harding, Hays foi indicado para Direção do Serviço de Correio dos EUA. Em 1992 ele deixou seu

cargo no governo e assumiu a presidência da MPAA.

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Produção de um padre jesuíta e um editor católico.

Em 1927, o código governava todos os aspectos da produção e da montagem

e circulava entre os executivos dos estúdios na forma de uma lista sobre o

que não fazer e o que observar. A lista de proibições inicial incluía

“desrespeito pelas forças armadas, aviltamento do clero, uso impróprio da

bandeira, sedição, licenciosidade, insinuação de nudez, crueldade com

crianças ou animais, tráfico de drogas ilegais, prostituição, perversão sexual,

profanação, estupro, miscigenação, homem e mulher na cama, higiene

íntima, partos, instituição do casamento, simpatia com criminosos e excesso

de beijos. (EPSTEIN, 2008, p. 317)

No ponto máximo de seu poder sobre as produções, o Código exigia que

nenhuma história deixasse escapar da justiça um criminoso, e qualquer forma de alusão ao

divórcio levasse a um desfecho trágico.

Quando o cinema mudo foi substituído pelo som das falas e dos efeitos

sonoros e trilhas, a censura do código ficou ainda mais profunda. Por causa da nova

tecnologia, era mais complexo se modificar as obras depois de finalizadas, então a censura

começou a acontecer nos roteiros.

Durante a década de 1930, após a Grande Depressão, o olhar do sistema se

voltou para as histórias que tratassem problemas sociais. Em consequência disso as salas

passam a oferecer um cardápio variado de comédias pastelão, exibindo “tipos excêntricos”

para o público.

Além disso, segundo Gonçalves (2011), após a Grande Depressão,

Hollywood sentiu refletir na bilheteria a falta de procura do público por suas produções.

Assim, na década de 1930, os estúdios reduziram sua autocensura, passando a exibir diálogos

e cenas com mais conteúdo erótico.

Não demorou para que uma forte reação de grupos religiosos encabeçados

pela igreja católica forçasse os estúdios a voltarem atrás e a submeterem-se

ao Código de Produção – ou Código Hays – finalmente adotado a partir de

1934, e que colocava Hollywood em sintonia com os novos ares trazidos

pelo New Deal11 de Roosevelt, fazendo da indústria cinematográfica um dos

baluartes dos princípios morais, sociais e econômicos básicos da cultura

norte-americana (GONÇALVES, 2011, p. 78).

Na visão de Tânia da Costa Garcia (2004), além disso, o código ajudou a

criar uma visão idealizada da vida americana, transportada para os Estados Unidos e para o

11 New Deal, ou Novo Acordo, foi a política implantada nos Estados Unidos pelo presidente Franklin Roosevelt

(1882 – 1945), como forma de auxiliar a recuperação da economia após os eventos que seguiram o Quebra da

Bolsa de 1929. Entre as medidas tomadas no New Deal estavam: o investimento maciço em obras pública, o

controle sobre os preços e a produção, a diminuição da jornada de trabalho.

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mundo pelo cinema. “Assim, ao mesmo tempo em que se limitavam os excessos, criava-se

uma imagem idealizada da sociedade yankee, tornando o cinema o meio mais eficiente para

narrar e propagar a história da nação” (2004, p. 146.).

Esse três pilares sustentavam a produção cinematográfica hollywoodiana, se

tonando a principal via de propagação do American way of life, “toda uma ideologia, enfim,

fundamental para a sustentação da sociedade capitalista desenvolvida naquela nação e adotada

em tantas outras, mundo afora, dentre elas, o Brasil” (GONÇALVES, 2011, p. 79).

Entre esses pontos criados dentro dessa “filosofia”, propagadas pelas

produções de Hollywood na década de 1930 e 1940, podemos destacar: a exaltação do

trabalho, como atividade produtiva em detrimento do tempo ocioso; individualismo, como o

esforço pessoal proporcionando os desejos do self made man; valorização do sucesso material,

como condição para integração e reponsabilidade social e “finalmente, talvez o mais

importante de todos, o consumismo – atitude fundamental para a sustentação do sistema

capitalista que norteia a sociedade norte-americana” (GONÇALVES, 2011, p. 79).

Essas características representavam diretamente o “mito” formado em torno

dos próprios homens que criaram e desenvolveram a indústria de filmes nos Estados Unidos.

Segundo Epstein (2008), esses imigrantes judeus, que chegaram na América com poucos

centavos, trabalharam em empregos subalternos, e por meio de sua própria dedicação

transformaram o munícipio de Hollywood numa fábrica milionária, repassavam em suas obras

elementos de sua própria vida pregressa. “Não levou uma geração para que esses empresários

passassem literalmente do lixo ao luxo. Na década de 1940, os dirigentes de estúdios estavam

entre os executivos mais bem pagos do mundo” (EPSTEIN, 2008, pg. 15). Existe uma relação

óbvia entre essa “filosofia” e a “mitificação” dos donos dos grandes estúdios.

A década de 1940 foi extremamente gentil com os estúdios. A Guerra

estourou na Europa, e mesmo com a perda de mercados, as bilheterias nunca estiveram tão

cheias. “O mercado doméstico, porém, jamais estivera tão forte, e Hollywood tinha uma

atuação importante ao conferir um caráter patriótico ao esforço de guerra dos Estados Unidos”

(SCHATZ, 1996, p. 303), e de maneira mais ou menos participativa, todos os estúdios

colheram benefícios desse momento.

Durante a II Guerra Mundial, o racionamento e os desabastecimentos

generalizados por todo os Estados Unidos deixaram Hollywood como uma das poucas opções

para gastar dinheiro. A importância econômica de Hollywood na década de 1940 era tamanha,

que a indústria de filmes ocupava agora o terceiro lugar nos negócios de varejo nos EUA. Em

1948, o cinema de Hollywood havia se tornado o principal meio de entretenimento pago pela

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maioria dos americanos. “Em 1947, 90 milhões de americanos, de uma população total de

apenas 151 milhões, iam ao cinema semanalmente” (EPSTEIN, 2008, p. 13).

Essa quantidade exorbitante de audiência era atraída por uma diversidade de

produtos oferecidos nas salas de exibição. Os cinemas ofereciam muito mais que as ficções de

longa-metragem. Cinejornais, seriados de humor e aventura e curtas-metragens de animação

completavam a experiência de visita às salas de exibição.

É preciso ter em mente que nesse período a economia do cinema vivia das

salas de cinema. Eram só os produtos exibidos pelos projetores que geravam lucros para os

estúdios. As bilheterias eram a forma primordial de arrecadação. Por isso, a produção era

constante.

“Os estúdios produziram cerca de quinhentos filmes em 1947, entre longas-

metragens e filmes B12” (EPSTEIN, 2008, p. 15). Na década de 1940, o mercado de

licenciamentos não era aliado às produções. Não havia nenhum tipo de merchandising como

brinquedos, roupas, acessórios ou filmes para a televisão. A principal fonte de dinheiro eram

as bilheterias nos EUA, já que os mercados internacionais também não ofereciam grandes

ganhos. No total, no ano de 1947, “95% da receita dos seis principais estúdios era decorrente

de sua participação na venda de ingressos. [...] Isso equivalia a 1,1 bilhão de dólares, o que

fazia do cinema o terceiro maior negócios de varejo dos Estados Unidos” (EPSTEIN, 2008, p.

15). Nessa época, os estúdios eram proprietários de quase todas as salas de cinema. Havia

controle mesmo sobre as salas independentes, de maneira mais ou menos direta.

É preciso entender que essa renda tinha pouca dedução de custos. A

distribuição e marketing consumiam pouco orçamento naquele período. Até os cartazes de

filmes apresentados em grandes salas eram reutilizados quando seguiam para cidades e salas

menores. Não havia campanhas de grande escala de divulgação, que geralmente ocorria em

rádios e jornais locais, sem custo e os salários para os atores representavam uma pequena fatia

no orçamento. Toda essa facilidade na distribuição e publicidade deixava uma margem alta de

lucro. “Em 1947, ela totalizava, aproximadamente, 950 milhões de dólares.” (EPSTEIN,

2008, p. 17).

Essa quantidade de lucro requeria um aparato técnico e tecnológico que

transformava a produção fílmica de Hollywood numa “fábrica de filmes, com equipes e

equipamentos que operavam, muitas vezes, 24 horas por dia” (EPSTEIN, 2008, p. 17). Esse

12 Eram os filmes apresentados para complementar o programa das salas de exibição. Tinham menor orçamento e

usavam locações mais baratas e atores menos conhecidos do grande público.

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ritmo de produção exigia um rigoroso controle de qualidade de produtos. Existiam pessoas

contratadas para avaliarem a produção e se reportarem ao estúdio.

Havia também em Hollywood, além do lucro, uma busca por algum tipo de

respeito, algo que reforçasse a admiração pelas obras criadas nas fábricas de filmes. Em 1927

a necessidade de reconhecimento e respeito foi admitida na criação de uma premiação

específica do cinema: o Oscar13.

Em 1927, em um jantar no Ambassador Hotel, quando Louis Mayer propôs a

35 executivos de outros estúdios importantes que eles instituíssem uma

maneira de homenagear os feitos de Hollywood (ou seja, os seus). Assim

nasceu a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e seu rito anual de

prestar tributos por meio de premiações (2008, p. 19).

O interesse em garantir qualidade e reconhecimento existia também entre os

consumidores de mercados externos. A Hollywood que se criara e desenvolvera como marco

da cultura americana, tinha olhos voltados para o resto do mundo.

Na década de 1930, os estúdios se espalhavam para o mundo. A despeito de

dificuldades de distribuição e concorrência na Europa, o mercado da América do Sul já era

um alvo espreitado por Hollywood.

O interesse do cinema americano nos mercados ao sul e em contrapartida o

interesse do público por seus produtos parecia ter aumentado. Segundo Gonçalves (2011), “no

decorrer da década de 1930, o Brasil transferiu-se definitivamente da esfera de influência

europeia (francesa sob o ponto de vista cultura e inglesa sob o ponto de vista econômico e

político) para a norte-americana.” (p. 93). Nesse mesmo período, para reforçar essa ideia,

pode-se lembrar que as importações brasileiras, vindas dos Estados Unidos, subiram mais de

100%. (GONÇALVES, 2011)

A interação do cinema dos EUA com a cultura da classe média no país

ficava evidente por meio das manifestações da mídia. A revista O Cruzeiro14, principal

publicação semanal do Brasil nesse período, comprovava nas capas a sedução das produções

americanas sobre o país.

13 É o prêmio concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anualmente a produções fílmicas

do mundo todo. A 1ª Entrega do Prêmio da Academia aconteceu em 16 de maio de 1929, no Hotel Roosevelt em

Hollywood, para honrar as realizações cinematográficas mais proeminentes de 1927 e 1928 14 Revista semanal, criada em 1929 e distribuída até 1975. Durante os anos de 30, 40 e 50 foi a principal revista

do país. Tratava de assuntos variados como cinema, esporte, política e saúde.

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A moda produzida para os filmes hollywoodianos também ocupava as

páginas da imprensa brasileiro. Fotos dos trajes utilizados nos filmes eram

publicadas antes das estreias, os grandes estúdios promoviam desfiles dos

figurinos que precediam a exibição dos filmes, e seus figurinistas assinavam

artigos nos quais davam conselhos sobre moda, descreviam seu processo de

criação ou apresentavam modelos de sua autoria. Títulos como “A Moda nos

Manequins de Hollywood”, “Quando Hollywood vai para as Praias”, “A

Moda no Cinema” e “Shirley Temple Lança Modas” eram constantes nas

páginas de O Cruzeiro naquela época. (GONÇALVES, 2011, p. 96).

Moda, comida, ideal de homem e mulher, moradia, produtos de consumo

dos mais variados se apresentavam de Hollywood para o mercado brasileiro e latino-

americano de um modo geral.

A relação e o interesse representavam o empenho dos Estados Unidos no

mercado latino-americano como possível parceiro e consumidor dos seus produtos. A política

de boa-vizinhança tinha como mediador o cinema. “Em 1933, quando teve início a Política de

Boa Vizinhança a RKO, da qual era sócio Nelson Rockfeller, produzia o filme ‘Flying Down

to Rio’ (Voando para o Rio). Intencionando agradar ao público latino-americano e expandir o

mercado na região” (GARCIA, 2004, p. 143).

Apesar de desse filme não ser a primeira produção de Hollywood a destacar

o Brasil como cenário, esse é a primeira obra a ganhar destaque graças ao cuidado na

produção e orçamento. “Tanto nos EUA quanto no Brasil, ‘Voando para o Rio’ foi um grande

sucesso, torando-se um dos filmes mais rentáveis para a rede RKO no ano de 1933”

(FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 17)

Porém, o que vai alavancar o estreitamento das relações entre a América do

Norte e os latino-americanos é o início da Guerra, em 1939. “Antes da Segunda Grande

Guerra, embora houvesse produção de filmes que objetivavam cativar o público latino-

americano, nada se compara aos investimentos do setor na região, após os incentivos

proporcionados pelo Birô Internacional.” (GARCIA, 2004, p. 143)

Segundo a autora, logo no fim da Primeira Guerra Mundial, investimentos

da Europa em países da América do Sul passaram a incomodar o governo americano. A

solução sugerida foi ocupar esse território antes que outros o fizessem, e com a Segunda

Guerra Mundial, essa medida se tornou ainda mais urgente. “Nesse contexto, Nelson

Rockfeller, pertencente à família Rockfeller – norte-americanos que há década vinham

expandindo seus investimentos na América Latina – ofereceu um amplo plano de ação ao

governo Roosevelt” (2004, p. 144). Esse plano tinha como uma das etapas a criação de uma

agência voltada para as boas relações entre os interesses americanos e os países da América

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Latina. Essa mesma agência seria uma das responsáveis pela visita de Walt Disney ao Brasil,

para a produção do filme “Alô, Amigos!”.

Segundo Lisa Cartwright e Brian Goldfarb (1994), em 1939 Rockfeller

havia feito uma viagem à Argentina e escreveu ao presidente Roosevelt expressando

“profunda preocupação sobre a influência e penetração nazista na América Latina” (p. 172,

tradução nossa).

“No dia 16 de agosto de 1940 era oficializada a criação de uma

superagência para assuntos estratégicos, subordinada diretamente ao Conselho de Defesa

Nacional dos Estados Unidos, o Office of Coordinator of Interamerican Affairs (CIAA),

chefiada pelo jovem Rockfeller” (GARCIA, 2004, p. 144). A atuação dessa agência operava

nas seguintes frentes: comunicações, relações culturais, saúde, comercial e financeira.

Na visão de Moura (apud GARCIA, 2004, p. 144), “o conjunto de

atividades do Birô era, [...] considerado um front da guerra: o front comercial, político e

psicológico. Nesse front, o objetivo era obter apoio decidido dos governos e sociedades

latino-americanas para a causa dos Estados Unidos”.

A justificativa para as atividades da agência se pautavam no pan-

americanismo. A cooperação entre o norte e sul da América, em busca de liberdade,

democracia, dignidade e soberania.

Essa cooperação e interação que se refletiram no cinema, apresentavam uma

América Latina atrasada em relação à modernidade da civilização ao norte do continente. O

que existia aqui de belo ou admirável era a exuberância das riquezas naturais e as paisagens

sempre encantadoras. A visão de Hollywood sobre os países ao sul dos EUA “[...] era clara:

embora tivéssemos algo a oferecer ao norte civilizado – não exatamente uma alternativa ao

capitalismo (como propunha a contracultura) mas o resgate de uma natureza humana mais

livre, menos ‘adestrada pelo sistema’” (GARCIA, 2004, p. 145). Assim, como avanço para

nossa sociedade, deveríamos mirar nos exemplo do norte e seguir ao american way of life.

No entanto, essa não era a única agência a se relacionar com as produções

de Hollywood. Existiam também atenções no mercado interno durante os esforços de guerra.

Havia o Office of War Information (Escritório de Informação de Guerra, tradução nossa). O

objetivo era regular alguns dos aspectos das produções dos estúdios de cinema. Existiam

assuntos prioritários para a produção. “Seis assuntos: o inimigo, os aliados, as Forças

Armadas, a frente de combate, a vida dos civis durante a guerra e o serviço de

aprovisionamento militar” (SCHATZ, apud GARCIA, 2004, p. 146).

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Além disso, também a MPAA fazia parte de um esforço de Hollywood para

quebrar a barreira das relações com o mercado exterior. “Ela atingia seus objetivos atuando

como distribuidora exclusiva dos estúdios americanos na Alemanha Ocidental, França. Grã-

Bretanha, Itália, Espanha, Japão e outros mercados além-mar” (EPSTEIN, 2008, p. 103).

A MPAA tinha controle total de todos os filmes de Hollywood nesses e

outros mercados. Era ela quem definia as datas de exibição (e sempre fazia de maneira

alternada, de modo a maximizar os lucros) e forçava uma contratação de filmes por pacote. Se

uma sala de exibições se recusasse a executar um filme, podia ficar sem as outras produções.

“Como outros cartéis típicos, a MPAA repassava os lucros a seus membros,

os estúdios, seguindo uma formula. A participação de cada estúdio no lucro total era

determinada por sua participação nas receitas de bilheteria nos Estados Unidos” (2008, p.

103)

Hollywood não se desvinculava das intenções expansionistas dos EUA,

fosse para o mercado e público interno, fosse para interesses fora do país. As narrativas e

criações da indústria de cinema americana sempre apresentaram um quadro favorável às

questões da nação norte-americana. “Daí, durante a Segunda Guerra, o governo dos Estados

Unidos reconhecer a esfera cinematográfica como a mais competente área do setor de

comunicações para difundir um imaginário favorável à nação” (GARCIA, 2004, p. 146).

O cinema serviu como o principal meio de divulgação dos interesses, da

cultura, dos jeitos e maneiras dos Estados Unidos para o mundo. Do mesmo modo que a

literatura em épocas anteriores serviu como divulgação de interesses e ideologias de países na

expansão de seus territórios e mercados, coube ao cinema no século XX, esse papel,

sobretudo na relação dos estúdios de Hollywood e os interesses dos Estados Unidos.

Porém, sobre essa visão do cinema americano Garcia ressalta que

Não deve ser encarado meramente como máquina de fabricar ideologias, e

sim como parte de uma dada experiência histórica. Produzido por indivíduos

pertencentes a uma determinada sociedade, um filme, ao mesmo tempo que

sofre interferência do meio, termina também por interferir nesse meio ao

criar uma narrativa sobre ele. (2004, p. 147).

Assim, o filme serve como documento histórico, registrando a maneira de

ser e fazer de um determinado período em um determinado contexto. Retrata uma realidade

que pode ser entendida por meio da análise da peça e de seus mecanismos de criação, aparado

por um aporte teórico e outros dados levantados sobre o tema. O sistema de estúdios

representou, segundo Epstein (2008), o início da maior forma de diversão comercial que o

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mundo já viu. Objeto de muitos estudos, inspiração para escritores e para os próprios

cineastas, o sistema representou um fenômeno comercial e cultural inquestionável no mundo

todo. Hollywood, desde o seu nascimento e durante sua Época de Ouro representou mais que

uma indústria do entretenimento, mas suas amarrações e articulações no campo político,

financeiro e administrativo representaram um modelo inabalável por décadas.

Porém, na década de 1950, tanto para o mercado externo, como dentro do

próprio Estados Unidos, o modo de produção fílmica e a política do cinema americano

passariam por mudanças, que transformariam Hollywood e seu sistema.

Nesse período, o sistema de estúdios enfrentou dois grandes inimigos. A Lei

Sherman Antitruste questionava o sistema de criação, produção e distribuição dos estúdios de

Hollywood. “Para solucionar o caso, o governo exigira que os estúdios acabassem com a

contratação de filmes em pacote e abrissem mão das subsidiárias de distribuição e das redes

de cinema” (EPSTEIN, 2008, p. 21). A medida colocou fim ao controle que era vital para a

manutenção do sistema.

“No entanto, a nuvem mais negra do horizonte era o advento de um meio de

entretenimento alternativo: a televisão”, ressalta Epstein (2008, p. 21). Os estúdios de

Hollywood temiam que a nova diversão, sem custos para a audiência15, esvaziasse as salas. É

preciso ter em mente, que nesse período, nada além das bilheterias das salas de exibição

geravam lucro para os estúdios.

Com o fim de sistemas de estúdios na década de 1950, a MPAA também

teve que se modificar. Sua atuação deixou de ser tão direta, para se torna um “ministérios do

exterior”. A associação passou a agir para criar elos de relação entre a Nova Hollywood e seus

interesses com o governo de diversos países.

2.2 – Fora do sistema: o Estúdio Disney

Walt Disney usava uma estratégia diferente dos demais estúdios. Não tinha

astros famosos contratados, não possuía um cinema próprio e dependia de parcerias para a

exibição de suas criações. Disney ganhava dinheiro onde os demais ainda não procuravam.

Tinha licença de seus personagens em brinquedos e livros. No final da década de 1940,

Mickey Mouse era um personagem conhecido em todo o mundo e um ícone nos EUA.

15 A maioria das despesas da televisão, diferentemente do que acontecia no cinema, eram pagas pelos anúncios

publicitários.

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Epstein define Walter Disney como “o principal arquiteto do novo sistema

de estúdio” (2008, p. 38). A chamada Nova Hollywood, que nasceu após o fim do antigo

sistema de estúdios, no final da década de 1950, teve como um dos empreiteiros Walt Disney.

Na Hollywood tradicional onde os estúdios controlavam todas as etapas da produção do filme,

Disney não fazia parte dos controladores do sistema. Seu estúdio próprio não possuía meios

de distribuição e exibição, e ficava somente com a produção de animações.

Walter Elias Disney nasceu em 5 dezembro de 1901. Filho de uma família

protestante de classe média em Chicago nos Estados Unidos. Segundo o biografo Neal Gabler

(2009), sua família mudou-se para uma fazenda em Marceline, no Estado do Missouri (EUA),

quando ele tinha quatro anos. A ideia da família era fugir da violência crescente na grande

cidade. Disney viveu na fazenda até mudarem-se novamente, aos nove anos para Kansas

City16. Segundo Gabler, “Walt Disney se lembraria de Marceline, Missouri. Ele se lembraria

dela mais vividamente que qualquer outra coisa de sua infância, talvez mais que qualquer

outro lugar em toda sua vida” (p. 26).

O clima bucólico marcou a vida de Disney. Mas, em especial, criou uma das

principais marcas de suas animações. “[Disney] ficou especialmente fascinado pelos animais

e afirmou que esse período na fazenda o imbuiu de um sentimento especial em relação a eles

que nunca perderia” (GABLER, 2009, p. 27)

Na adolescência, quando tinha 16 anos, os Estados Unidos declararam

guerra à Alemanha, e como muitos jovens de seu país sentiu o desejo de se alistar. Seu irmão

mais velho, Roy Disney17, parceiro e co-fundador do Estúdio Disney, embarcou rumo ao

conflito, para servir na marinha. O irmão mais jovem também tentou seguir o mesmo

caminho, mas estava abaixo da idade limite. Persistindo na ideia de servir na guerra, alistou-se

no para a Cruz Vermelha, que tinha a idade mínima de 17 anos. Walt chegou a adulterar sua

identidade para poder servir na guerra, mas o serviço exigia também a assinatura dos pais. Foi

só com a autorização da mãe (sob ameaças de fuga do filho, caso tivesse o pedido negado)

que Disney falsificou sua data de nascimento e partiu para o conflito.

Durante um ano foi motorista de ambulância da Cruz Vermelha na França.

Gabler (2009) descreve que para Walt Disney, “a guerra parecia uma aventura” (p. 57).

Quando tinha folga de suas ocupações, Walt passava o tempo desenhando.

16 Cidade Mais populosa do Estado do Missouri. 17 Roy Oliver Disney (1893 – 1971), foi administrador das empresas Disney e co-fundador da Walt Disney

Company. Na biografia de Walt Disney, Roy é retratado como o administrador, enquanto seu irmão mais jovem

o criativo.

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Desenhava – cenas cômicas para o cardápio da cantina, apresentando um

personagem que havia inventado, um soldado de infantaria, cartazes

anunciando chocolate quente e chuveiro para os soldados, desenho nas

janelas de lona das ambulâncias, caricatura de seus colegas voluntários para

que enviassem para as suas garotas e famílias, pelas quais Walt cobrava,

caricaturas para os editoriais da McKinley Voice e para os amigos nos

Estados Unidos com sentimentos ásperos, como, por exemplo, uma em que

um soldado da Força Expedicionária Americana empurrava o kaiser alemão

de um penhasco e dizia: “Caia fora e fique longe”, e até tiras de quadrinhos.

(2009, p. 60)

Depois do serviço na I Guerra Mundial, Disney retornou para Kansas City

onde arrumou emprego em uma agência de publicidade. “Ele era, aos 17, um artista

profissional e sentia que estava ‘fazendo um grande sucesso’, como diria mais tarde. O

trabalho era ilustrar anúncios e catálogos” (GABLER, 2009, p. 65). A animação de Disney

com o novo emprego durou pouco, e depois do Natal daquele ano, foi dispensado. O pouco

tempo na agência qualificou Walt Disney para sonhar mais alto, e naquele momento já

pensava em abrir sua própria empresa. O empurrão veio da visita de um ex-colega, também

demitido, Ubbe Iweerks18. Segundo Epstein (2008), Iwwerks era um “extraordinário

animador”, e juntos iniciaram uma empresa de produção de curtas-metragens cômicos para o

cinema: o Laugh-O-Grams Studio. “Como nenhum deles, porém, tinha muito interesse pelo

lado comercial da coisa, a empresa ficou logo sem dinheiro” (EPSTEIN, 2008, p. 38).

Mas e exercício proposto pelo seu empreendimento mal sucedido inspirou

Walt Disney para sua futura carreira: animações para o cinema. E com esse intuito ele partiu

para a Hollywood, ao encontro do irmão Roy. No ano de 1923, com pouco dinheiro, mas

algum conhecimento sobre as animações, abriu sua empresa, em sociedade com o irmão. O

capital inicial provinha de empréstimos familiares, e com esses recursos Disney alugou uma

pequena sala comercial, pagando 10 dólares por mês. A empresa chamava-se, Disney Bros.

Ele comprou uma câmera usada, construiu uma mesa de animação com

madeira usada e inaugurou oficialmente o seu negócio, fazendo curtas que

misturavam ação ao vivo (live action19) com animação. Disney sozinho

cuidava de toda a operação. Escrevia os roteiros. Fazia os desenhos.

Fotografava-os, um a um, e editava os resultados. (EPSTEIN, 2008, p. 38-

39)

18 Ubbe Ert Iwwerks (1901 - 1971), mais conhecido como Ub Iwerks, além de sócio de Walt Disney na sua

primeira empresa, foi o animador responsável por criar o personagem Mickey Mouse. 19 É um termo utilizado para definir, em peças audiovisuais, a participaçõa e atuação de pessoas reais, em

oposição as animações.

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Após trabalhar durante quase um ano em sua primeira animação, “Alice´s

day at sea” 20(algo como: O dia de Alice no mar) – que contava a história de uma menina que

sonhava com uma aventura no mar – Disney consegui vender o filme de 11 minutos para um

pequena distribuidora por 1 mil e quinhentos dólares.

No ano seguinte, ele já havia produzido mais quatro aventuras de Alice, e

seu negócio parecia prosperar. Foi nessa época que Disney convidou seu antigo parceiro Ubbe

Iwwerks (que havia mudado o nome para algo mais simples: Ub Iwerks) para abandonar a

empresa onde trabalhava em Nova York e se juntar a ele na Califórnia. A inclusão de Iwerks

nos trabalhos do estúdio reforçou a manifesta vocação para a inovação.

Em 1927, uma das principais criações dos estúdios foi um trabalho realizado

por Iwerks. Numa negociação com a Universal Studio, a equipe foi contratada para executar

uma série de animações e criar um novo personagem. Iwerks e Disney criaram o personagem

Oswald the Lucky Rabbit (Oswald, o Coelho Sortudo). O coelho da Disney foi envolvido

numa disputa entre o estúdio e a Universal, que por contrato, tomou controle do personagem,

deixando Walt Disney e Iwerks sem controle e ganhos sobre sua criação. Até mesmo parte da

equipe de Disney deixou seu estúdio, e Walt ainda se viu obrigado a terminar animações

previstas no contrato depois de já ter perdido o personagem.

A perda de Oswald foi trágica para a empresa e para o próprio Walt Disney.

Seus melhores animadores tinham deixado seu estúdio, e tinha perdido o controle sobre sua

principal criação. “No início ele estava furioso. ‘Ele parecia um leão enfurecido no trem de

volta para casa’, recordaria Lilian21. ‘Só ficava repetindo que nunca mais trabalharia para

ninguém enquanto vivesse; seria seu próprio patrão’” (GABLER, 2009, p. 136)

Assim, em 1928, com os traços claramente inspirados em Oswald, Iwerks

criou um novo personagem. Mickey Mouse, o rato da Walt Disney Studio (nessa época o

nome da empresa já havia sido mudado, deixando somente o nome de Walt), ganhou

rapidamente a simpatia do público, e iniciou sua jornada que faria história.

A criação de Mickey Mouse não foi tão simples. Enquanto trabalhavam para

terminar três animações contratadas de Oswald, os rascunhos do rato eram esboçados por

Iwerks e Disney. “Mickey Mouse foi produto de desespero e do cálculo – o desespero nascido

da necessidade de Walt recriar um santuário da imaginação e o cálculo do que o mercado

aceitaria” (GABLER, 2009, p. 140).

20 Alice era interpretada por uma atriz e os peixes e parte do cenários eram animações. 21 Lillian Marie Bounds Disney (1899 - 1997), foi esposa de Walt Disney entre 1925 até 1966, ano da morte do

cineasta.

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Escondendo o projeto dos antigo funcionários que ainda exerciam funções

no estúdio, o primeiro Mickey foi finalizado por 12 pessoas, numa garagem após o

expediente. A primeira animação apresentando o novo astro foi “Plane Crazy” (1929).

Neal Gabler (2009), define essa primeira animação estrelando Mickey como

uma obra grosseira e mal acabada.

O desenho de Mickey era rústico, com linha, em lugar de braços e pernas,

saindo espetadas de seu torso circular, o cenário, igualmente rústico,

ligeiramente adaptado dos desenhos animados de Oswald, como Trolley

Troubles, só que, em Plane Crazy, era um avião, mal desenhado a partir da

imagem tosca de um automóvel e voando fora de controle. Quanto à

personalidade de Mickey, suas principais características são a criatividade

não refinada e a determinação sádica; ele arranca as penas do rabo de um

peru para colocar na cauda do avião e, mais tarde, se agarra ao úbere de uma

vaca para se içar de volta à cabine do piloto. De mono menos marcante,

também se mostra agressivo, lúbrico e chauvinista, puxando a namorada,

Minnie [...] para que o beijasse e forçando-a a saltar do avião para escapar de

seus avanços e após isso, o avião desce em espiral e se espatifa no chão. Sem

se abalar quando a vê flutuar até o solo usando ceroulas amarradas ao

tornozelo como paraquedas, Mickey ri das ceroulas de Minnie e recebe seu

castigo quando atira uma ferradura que ela lhe dera e a ferradura volta e o

acerta na cabeça. (GABLER, 2009, p. 142).

Apesar de pouco inspirado, Disney conseguiu exibir, com relativo sucesso,

o filme nos cinemas. Sem planos alternativos, a ideia era continuar investindo no personagem.

Mas naquele ano uma nova tecnologia modificaria a animação e o cinema. Estava sendo

exibida naquela mesma época uma animação sincronizando som e imagem, um filme sonoro

(antes disso, as exibições eram acompanhadas por execuções ao vivo de instrumentos ou

orquestras). Numa reunião, onde a ideia foi proposta a Disney, segundo Gabler (2009), ele

percebeu a saída. “‘É isso aí. É isso aí’, Walt teria dito. ‘Parece realista, será realista. Isso é o

que temos de fazer agora. Parar com todos esses desenhos mudos’” (p. 143)

A nova empreitada começou para transformar Mickey Mouse num

personagem que emitia sons próprios. Nessa jornada, Disney e sua equipe tinham detectado

dois problemas que deveriam ser superados. Primeiramente, desenhos não falam. Havia uma

barreira psicológica a ser superada para ver um animal, ou qualquer animação falando.

Poderia parecer absurdo ver um personagem desses articulando palavras. Por isso existia a

preocupação constate com o realismo. O som deveria realmente parecer estar vindo daquela

ação ou daquele diálogo.

Isso levantava o segundo problema: a dificuldade técnica de sincronizar som

e vídeo. Essa era uma área nova, sem que ninguém a conhecesse a fundo. Porém, segundo

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Gabler, “Walt, claramente, amava a combinação de desenho e tecnologia” (2009, p. 70), e se

embrenhou no novo desafio.

As semanas que se seguiram colocaram o estúdio numa empreitada. A

necessidade de adquirir conhecimento, criar tecnologia e testar o que estava sendo produzido

surtiram o efeito esperado. Disney e sua equipe agora dominavam a técnica. Sua empolgação

foi tanta que mandou reimprimir os cartões de visita com a frase, “desenhos animados

sonorizados” (GABLER, 2009, p. 146). Apenas alguns meses após perder seu personagem e

parte de sua equipe, Walt Disney reinventava sua empresa e sua própria maneira de ver o

desenho animado. Mickey Mouse agora falava.

Para estabelecer seu novo herói, ele tirou o máximo de proveito da nova

tecnologia sonora. Naquela época, era mais fácil sincronizar a animação com

o som do que a ação ao vivo, e os resultados eram menos artificiais. Assim,

os novos cartuns eram particularmente impressionantes, e os cinemas

estavam ansiosos para aluga-los e exibir a nova tecnologia. Em um ano, as

“falas” do Mickey Mouse se faziam ouvir em milhares de cinemas pelos país

e se tornariam um imenso sucesso. (EPSTEIN, 2008, p. 39).

Com o dinheiro vindo das bilheteria, Disney tinha nessa época todo o

necessário para seguir o mesmo caminho dos outros donos de estúdio. Ele tinha uma boa

receita, acesso à profissionais e a equipamentos, porém, ele optou por não fazer parte do

sistema de estúdios da MPAA.

Existia um entrave cultural entre Walt Disney e os donos dos grandes

estúdios. Disney era um protestante do centro-oeste americano, e se referia aos outros

proprietários como “aqueles judeus” (EPSTEIN, 2008, p. 39). Mas não eram somente

questões étnicas que separava Disney dos outros donos de estúdio. A sua forma de criação era

em todos os pontos diferente. Os Estúdios Disney produziam no início somente curtas-

metragens de animação. Além disso, Walt mantinha um controle pessoal ainda mais intenso

do que os outros sobre as suas criações e tinha uma dificuldade para os negócios, que tornava

impossível a criação no estilo “linha de montagem” dos demais estúdios. Embora não

soubesse, ao se excluir do sistema de estúdios de Hollywood, ele escolheu um caminho que

anos mais tarde substituiria por completo o próprio sistema de estúdios.

Ao escolher outra rota, Disney descobriu a possibilidade de lucrar além das

exibições de seus personagens. “Já em 1932, ele licenciou o Mickey Mouse para fabricantes

de relógios [...] e, em seguida, para editores de livros e fabricantes de vestuários e de

brinquedos” (EPSTEIN, 2008, p. 40).

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Mickey cruzou as fronteiras dos Estados Unidos, seus produtos poderiam

ser vendidos em qualquer língua, sem a necessidade de tradução. Rapidamente ele se tornou

Miki Kuchi no Japão, Michel Souris na França, Topolino na Itália e Miguel Ratoncito na

Espanha.

Diferentemente dos grandes estúdios, na década de 1930, Disney retirava

grande parte de seu lucro das licenças de seus personagens. Ele estava a caminho de criar

direitos de propriedade universais, sem barreiras culturais ou nacionalidade. Seus produtos

poderiam ser licenciados a qualquer empresa voltada para o público infantil. “Em 1935, no

auge da Grande Depressão, os royalties que Disney recebia por seus personagens rendiam

lucros muito mais consideráveis que os filmes que eles estrelavam” (EPSTEIN, 2008, p. 40).

A sua série chamada “Silly Symphony” (“Sinfonia Boba”, tradução nossa)

se apresentava como um verdadeiro sucesso neste período. Elas eram animações curtas

sonorizada, quase sempre sem apresentar nenhum personagem específico (o Pato Donald e

Pluto surgiram nessas séries) e com uma trilha sonora orquestrada, sincronizando a ação e a

música. Inicialmente em preto e branco, mas posteriormente utilizando o Technicolor

(tecnologia que permitia colorir as animações), mais um avanço do estúdio. Segundo Douglas

Gomery (1994), “com Flowers and Trees. Uma apresentação da série Silly Symphony,

Disney venceu o primeiro Oscar já dado para um curta de animação, por causa da técnica

utilizada de Tecnicolor” (p. 73, tradução nossa). De 1929 até 1939 foram 75 curtas dentro da

série, a maior parte colorida pela técnica.

Em 1933, os Estúdios Disney colhiam os frutos do sucesso da animação The

Three Little Pigs (Os três porquinhos), e Walt Disney tinha reconhecimento o suficiente para

se lançar atrás de um novo desafio. Gabler (2009), destaca que Disney precisava de uma nova

aventura. A resposta parecia quase uma insanidade naquele momento: produzir uma animação

em longa-metragem.

Várias possibilidades de roteiro surgiram no início da produção. A escolha

foi uma história simples e conhecida, uma das narrativas dos Irmãos Grimm, Branca de Neve.

“Um longa-metragem de animação que os dirigentes dos estúdios convencionais de

Hollywood classificaram zombeteiramente de ‘A loucura de Disney’: Branca de Neve e os

Sete Anões” (EPSTEIN, 2008, p. 22).

Aquele conto tinha tudo que uma narrativa precisava: romance, uma

heroína, uma vilã, um príncipe e os simpáticos anões. Porém, a história precisava ser um

pouco mais bem elaborada, e novos elementos adicionados. “Ele precisava de uma versão

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adaptável para a tela. O original, tal como contado pelos Irmãos Grimm, era rudimentar

demais; os anões eram sequem identificados pelo nome” (GABLER, 2009, p. 255).

Mesmo com a história escolhida, muitos acreditavam que o projeto parecia

mais uma extravagância de Walt Disney. Um longa-metragem de animação poderia ser mal

recebida pelo público, já que as animações eram pequenas exibições, um aperitivo antes do

produto principal nas salas de exibição.

Surpreendentemente, a “loucura” se transformou no primeiro longa-

metragem de animação de Hollywood. Lançado oficialmente em 1937, o filme de 83 minutos

mudou o paradigma das produções cinematográficas, até então voltadas exclusivamente para

os adultos. “Mas um conceito diferente norteava o trabalho de Disney: ele acreditava que as

crianças, com os adultos a reboque, podiam ser a força motriz da indústria do

entretenimento.” (2008, pg. 23)

O filme que tinha um orçamento inicial três vezes maior que a média de

custo de uma película da época foi o primeiro na história a arrecadar mais de 100 milhões de

dólares. Mas além do lucro, e do público, a animação gerou outras transformações. Ela foi o

primeiro filme com uma trilha sonora, Someday my prince will come22, sucesso musical da

história do cinema. Ademais, o filme teve diversos personagens licenciados.

Com a Branca de Neve e os sete anões, Disney fez mais que definir um novo

público para o cinema; ele indicou o rumo futuro da indústria do

entretenimento em geral. E nele, os lucros reais viriam não de enxugar

custos da produção de filmes, mas da criação de direitos de propriedade

intelectual que pudessem ser adquiridos, mediante licença, por outras mídias,

durante longos períodos. (EPSTEIN, 2008, p. 23)

A partir do sucesso de “Branca de Neve e os Sete Anões”, só na década de

1940, a Disney emplacou outras diversas animações em longa-metragem, todas com êxito:

“Pinocchio” de 1940 (considerado pelo Instituto Americano de Filmes [AFI] a segunda

melhor animação do cinema de Hollywood), “Fantasia” de 1940 (vencedor de dois Oscar

honorários), “Dumbo” de 1941 (vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora e indicado ao

prêmio de Melhor Canção), Bambi de 1942 (terceiro na lista da AFI de 10 melhores

animações), “Saludos Amigos!” de 1943 (indicado aos prêmios do Oscar de Melhor Trilha

Sonora e Melhor Canção), entre outros filmes, lançados entre as décadas de 1940 e 50.

22 Escrita por Larry Morey e musicada por Frank Churchill, foi executada no filme por Adriana Caselotti (a voz

de Branca de Neve). Numa lista do American Film Institut de 2004 apareceu como número 19 do total de 100

memoráveis canções do cinema

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Apesar dos lançamento e do aparente sucesso do estúdio, Disney enfrentou

problemas durante no ano de 1941. Gomery (1994) ressalta que problemas com jovens

animadores, e com o sindicato da categoria resultaram numa greve, naquele ano. A greve se

tornou um marco na trajetória de Walt Disney, e ele se sentiu pessoalmente ofendido. “Walt

Disney sentia que estava dando a milhares de empregado uma oportunidade que não havia em

mais nenhum lugar de Hollywood; eles sentiam que não recebiam o crédito total, em termos

de notoriedade ou dinheiro” (p. 74, tradução nossa). Segundo Gabler (2009) Walt Disney

estava furioso com o encaminhamento e as negociações e que a greve “destruíra o espirito do

estúdio” (p. 425)

A greve resultou no atraso do lançamento de Bambi, e a mudança de foco no

olhar de Walt Disney para a guerra. A década de 1940, sob as tensões decorrentes da II

Guerra Mundial, o estúdio e o próprio Walt Disney, apesar da continuidade da produção de

longas de animação, teve seu foco voltado para o conflito. O estúdio passou a produzir

animações que fariam parte do esforço de guerra, como parte do programa de treinamento de

soldados e de conscientização para os esforços contra o Eixo. “De 1942 até 1946 o Estúdio

Disney produziu diversos filmes para treinamento e instrução. Disney serviu ao departamento

de Agricultura, ao Tesouro, e ao de Estado, e também à Marinha e ao Exército” (GOMERY,

1994, p. 74, tradução nossa). Além disso, o Governo Americano precisava de um embaixador,

alguém que apresentasse um rosto simpático americano no mundo. Disney foi essa figura.

Segundo Gomery, “era estimado que um a cada três habitantes do planeta tinham visto uma

animação da Disney” (1994, p. 74, tradução nossa)

Aproveitando-se dessa fama e reconhecimento, o governo americano

delegou a Disney a missão de aproximar, por meio de seus personagens, a América Latina e

os Estados Unidos. A ideia era que Walt Disney se tornasse um representante da Agência de

Assuntos Interamericanos, criada pelo presidente americano Roosevelt e Nelson Rockfeller.

Segundo Cartwright e Goldfarb (1994, p. 173) O cinema era um dos componentes essenciais

do Escritório de Assuntos Interamericanos (CIAA, sigla em inglês), segundo eles, “filmes

representavam um dos melhores meios para promover compreensão a maior relação de

amizade entre pessoas”.

A medida tomada pela agência, que envolveria Disney, começou com uma

viagem em direção a América Latina. “A ideia inicial era absorver a atmosfera local para os

filmes que o estúdio pretendia fazer sobre o folclore e os costumes da América do Sul”

(GABLER, 2009, p. 427).

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A intenção de Disney e Rockfeller era oferecer um produto que combinasse

entretenimento e valores educativos, ao mesmo tempo em que era veiculada

uma imagem do Brasil favorável ao Estado Novo. Apesar de Zé Carioca

celebrar o malandro, sempre disposto a abrir mão do trabalho para gandaiar,

o filme como um todo foi visto pelo governo brasileiro como um retrato

positivo do país, apesar (ou por causa) da ausência de atores negros em

papéis proeminentes. (FREIRE-MEDEIROS, 2005, P. 22).

Não necessariamente a viagem de Disney a América Latina representava

somente os interesses da agência. Segundo Gabler (2009) o estúdio também esperava se

beneficiar de uma presença mais forte na região. A viagem serviu para Walt Disney se

distanciar das batalhas legais pelas quais estava passando durante a greve que acontecia nos

seus estúdios nos Estados Unidos.

No dia 12 de agosto de 1941, Walt Disney e sua equipe desembarcaram no

Brasil, em Belém. De Belém voaram para o Rio de Janeiro, onde ficaram por 10 dias. Do Rio,

partiram para Buenos Aires, a estadia durou 1 mês, e foi onde começou o desenvolvimento do

filme, os primeiros rascunho e storyboads. Por fim, visitaram o Chile. “Após uma semana no

Chile, Walt e a equipe foram para o norte, tomando um barco para uma viagem sem rumo

certo pela costa de Peru, Equador e Colômbia, onde embarcaram numa lancha e entraram 30

milhas pela selva” (GABLER, 2009, p. 428).

Depois da estreia do filme, a viagem para à América Latina parecia ter sido

um sucesso. No seu lançamento a recepção pública na América Latina só não foi maior que os

elogios recebidos por Rockfeller. O filme havia ido ao encontro dos interesses da CIAA. No

entanto para a crítica de cinema, o filme foi passivo de poucos elogios. Os últimos trabalhos

do estúdio no cinema – “Fantasia” e “Bambi” – não haviam agradado como havia sido

costumeiro na década de 1930. Para alguns Disney tinha perdido o encanto.

Mas o filme não fora feito para os críticos, e o único conforto de Walt foi

que seus patrões no escritório do Coordenador haviam gostado enormemente

de Saludos e que o vice-presidente dissera a Nelson Rockfeller que o filme

era ‘uma destacada realização no desenvolvimento da solidariedade

hemisférica’. Mais importante, os sul-americanos gostaram também.

(GABLER, 2009, p. 459).

A recepção favorável veio também do governo brasileiro, que considerou

elogiosa a imagem pintada na animação. Assim, os interesses do estúdio com a recepção

favorável e a entrada no mercado, foram alcançados ao lado empenho da CIAA e de

Rockfeller com a aproximação dos Estados Unidos e Brasil.

De acordo com Gabler (2009), alguns cinemas aumentaram o número

convencional de exibição de filmes para mostrar “Alô, Amigos!” com mais frequência. O

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único problema do filme foi com os países que não estavam retratados na película. A ponto de

haver vazamentos de informação que Disney preparava uma sequência para abarcar os que

ficaram de fora.

Dentro dos estúdios Disney, o período de produção e lançamento do filme

coincidiram com o momento em que os Estados Unidos entraram definitivamente na Guerra,

após o ataque japonês a Pearl Harbor. Disney foi amplamente utilizado pelo governo e forças

armadas americanas. Suas animações e personagens foram aproveitados nos treinamentos e

também como propaganda durante o conflito. No ano de 1943 o Estúdio Disney havia se

tornado uma “fabrica” dos interesse políticos-militares dos EUA. Se no ano de 1942 a

produção de Walt Disney era 75% destinada ao esforço de guerra, no ano seguinte, segundo a

sua biografia, 94% das produções eram voltadas para o governo.

Esse período transformou Disney “menos num produtor de filmes que um

vendedor e embaixador da boa vontade, atraindo trabalho do governo para o estúdio porque

era Walt Disney, uma das celebridades favoritas da américa” (GABLER, 2009, p. 463).

Assim, a relação entre ele e o Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos

continuava. Havia planos para produções educacionais na América Latina que a ambiciosa

proposta de encontrar maneiras de erradicar o analfabetismo. Nesse período o México se

tornou parada frequente para o cineasta. Cartwright e Goldfarb (1994) atestam que o sucesso

das animações nos países sul-americanos se davam em grande parte pelo cuidado de produção

que era dispendido aos produtos, atendando-se ao máximo à especificidades culturais.

Porém, as produções não ficaram contidas aos longas-metragens, como

“Saludos Amigos!” e “The Three Caballeros”23 (“Você Já Foi a Bahia?” - 1944), além disso

Disney produziu, como parte da parceria com o Coordenador de Assuntos Interamericanos,

exatos 15 curtas-metragens educacionais, em português e espanhol, voltados exclusivamente

para o público latino-americano, abordando temas como saneamento básico e saúde

(CARTWRIGHT e GOLDFARB, 1996, p.169)

Walt Disney foi uma figura fundamental em qualquer narrativa que pretenda

contar a história do cinema americano. A sua participação na sistemas de estúdio e sua

antecipação do que se tornou a Nova Hollywood são marcos da produção fílmica nos Estados

Unidos.

23 Foi a sequência de “Saludos Amigos”, intitulada “The Three Caballeros” por seus três protagonistas de

desenho animado: Pato Dolnald, um papagaio chamado Zé Carioca, e um galo mexicano que levava um

revolver na cintura e usava um sombreiro chamado Panchito. (GABLER, 2009)

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Na década de 1930 as produções de Hollywood não tinham como potenciais

consumidores as crianças. Os bilhetes para o público infantil custavam cerca de um terço da

entrada cobrada para os adultos e as produções não investiam nesses consumidores. Não havia

nada produzido diretamente para as crianças.

“Mas Disney, anteviu os benefícios representados pelas crianças: elas não só

veriam os filmes repetidas vezes (com seus pais a tiracolo), como seriam ávidas consumidoras

dos produtos inspirados nos personagens que excitavam sua imaginação no cinema”

(EPSTEIN, 2008, p. 346). Esse novo alvo estaria diretamente ligado aos interesses de outros

setores da indústria americana. Os produtos decorrentes dessa parceria poderiam gerar frutos

riquíssimos para os dois lados. Essa estratégia foi inaugurada no filme Branca de Neve e os

Sete Anões (1937).

Vale ressaltar que ao lado do tradicional sistema de estúdios, com sua

máquina inabalável de produções de filme, existiam outros que se aventuraram na tentativa de

conquistar de alguma forma, com suas produções cinematográficas, o público. “Desde filmes

de arte e documentários sociais a filmes pornográficos exibidos em reuniões masculinas,

fraternidades universitárias e clubes privados.” (EPSTEIN, 2008, p. 340). Essas

possibilidades de ganho potencial foram ignoradas pelos estúdios. Entre essas produções que

não se enquadravam no sistema estavam os filmes direcionados ao público infantil. Em 1932

o negócio de animações voltada para as crianças era dominada pela: a Walt Disney Animation

Studio.

No fim da década de 1950 o sistema de estúdios e Hollywood se renovou,

transformou seu modo de produção fílmica e sua plataforma de negócios, em um novo

sistema, uma Nova Hollywood.

2.3 – A Animação “Saludos Amigos!”

Fixando-se somente na animação “Saludos Amigos!”, é preciso perceber

que o filme, apesar de longa-metragem (42 minutos), é uma sequência de curtas, costurados

por locuções off24 e trechos em live action. A narração mostra um grupo de artistas (dos

estúdios Disney) que embarcam de Hollywood rumo à América Latina, misturando animação

com imagens de gravações reais. Em cada parada é contada uma história, envolvendo algo da

cultura local e um famoso personagem Disney.

24 Termo para designar a locução narrada de alguém que não faz parte do cenário. Uma voz avulsa que conta a

história.

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O filme começa com a apresentação dos artistas dos Estúdios Disney,

embarcando em direção à América do Sul 1 (1:15). Na sequência, é anunciada a viagem, e a

locução dá adeus aos Estados Unidos: “Adíos Hollywood” e “Saludos, Amigos”. Enquanto a

comissária fecha a porta da aeronave 2 (1:25), a imagem corta para uma animação. 3 (1:36) O

mapa mostra o Oceano Atlântico e parte do território brasileiro. É possível perceber destacado

a cidade em que a equipe fez seu primeiro pouso, Belém A; e logo abaixo o lugar da segunda

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parada, B o Rio de Janeiro. 4 (1:49) A viagem em animação do avião que carrega a equipe

segue na mesma ordem cronológica em que aconteceu a viagem da equipe, passando por

Buenos Aires e seguindo para o Peru 5 (2:06), onde o quadro mostra a Cordilheira dos Andes

A, a Capital do Chile, Santiago B e o último país na ordem da viagem de avião, mas o

primeiro a ser apresentado na película, o Peru representado pelo Lago Titicaca C. Em seguida

o filme retorna para uma cena em live action 256 (2:12), mostrando o pouso do avião.

É possível perceber nessa sequência, como na restante onde são

apresentadas imagens reais da viagem, em live action, uma tentativa de tratar estes espaços na

película como um documentário. Como um retrato mais formal – jornalístico – da viagem,

apresentando a América do Sul aos norte-americanos.

Na continuação, a primeira sequência mostra o Pato Donald no Lago

Titicaca, no Peru. Sua passagem inclui a representação deste ponto turístico na animação e

sua interação com personagens locais, utilizando sua indumentária típica, apresentando alguns

costumes e atividades cotidianas, além da Lhama, animal característico da região.

25 Termo do cinema ou televisão usado para designar trabalhos realizador por atores reais, em contraposição às

animações.

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Nos trechos em live action, são mostrados o Lago Titicaca 1 (2:28) e parte

da cultura local, observada, sobretudo, pelos costumes regionais e vestimentas. As roupas

coloridas e os chapéus 2 (2:58) chamam a atenção do locutor durante a narração. Na

sequência, são mostradas artes inspiradas na observação do local 3 (3:15). Depois de uma

breve explanação sobre os costumes e algumas tradições, a imagem é cortada para uma

animação do personagem Pato Donald, admirando o Lago Titicaca 4 (4:37).

Donald é apresentado como turista, fotografando as costumes e práticas

cotidianas da população local 5 (6:47) e, no final do curta, tem uma aventura acompanhado

por uma lhama 6 (8:54).

Do Peru, a viagem segue em direção ao Chile, intercalando as animações

pela imagem de artistas dentro do avião, criando esboços para o filme. A próxima animação

começa em um “pequeno aeroporto de Santiago”. Esse curta-metragem não conta com

imagens no local em live action. Também não há personagens famosos da Disney, tampouco

há uma interação com a cultura local. A história foi elaborada durante a viagem, a locução

anuncia que a inspiração para a equipe de artistas veio quando sobrevoavam os Andes. O

enredo foi inspirado em narrativas sobre aviões de correio que percorriam o caminho entre o

Chile e a Argentina, enfrentando uma perigosa jornada sobre a cordilheira. O curta narra a

história de uma família de aviões, dando destaque ao pequeno avião de entregas, Pedro.

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O quadro inicial mostra um aeroporto no qual reside uma família de aviões

de correios, em Santiago 1 (12:13). Os hangares mostram os três aviões da família, o “papai”

A a “mamãe” B e o menor, que serve de abrigo ao pequeno avião, chamado Pedro. C. A

animação prossegue com as atividades comuns da vida de Pedro, como ir à escola de aviões 2

(13:01), cena marcada pela presença da bandeira do Chile A. A história se torna uma aventura

quando o “papai avião” fica doente e não pode realizar uma entrega. Pedro é convocado a

assumir a responsabilidade de cruzar os Andes e enfrentar o vilão, representado pelo monte

Aconcágua26 3 (16:45). Pedro enfrenta a neve, a chuva 4 (17:07) e a montanha para ir e

retornar de seu destino, encerrando a aventura do pequeno avião.

Ao encerrar a história de Pedro, o narrador anuncia a próxima parada:

Buenos Aires, na Argentina. A cidade é apresentada como uma bela e moderna metrópole. Na

sequência, em live action, que dura mais de 3 minutos, são mostradas tomadas da cidade e

suas principais construções: a Praça de Maio, o Teatro Cólon e o Congresso. Além disso, a

equipe de animadores e Walt Disney aparecem sendo apresentados aos costumes gaúchos:

26 É o ponto mais alto das Américas, e de todo hemisfério sul fora da Ásia. Tem 6.960,71 metros de altitude e fica localizado

nos Andes argentinos, a cerca de 112 quilômetros da cidade de Mendonza.

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churrasco, danças, o mate e o vinho argentino e exercícios de montaria. O próprio Disney é

exibido com trajes gaúchos. Depois disso, a animação apresenta o personagem Pateta sendo

transportado do Texas, onde estava caracterizado como cowboy, e sendo enviado aos Pampas,

para viver como gaúcho. A sequência mostra o personagem diferenciando os costumes do

vaqueiro americano e do gaúcho argentino.

Imagens em sequência mostram pontos turísticos da capital argentina, como

a Praça de Maio 1 (20:25). Na continuação 2 (20:55) são apresentados esboços de Molina

Campos27 A, com traços que enfatizam a cultura, vestimenta e cenários argentinos, na

imagem o artista é mostrado ao lado de Walt Disney B. Ao continuar, o trecho em live action

3 (21:27) mostra um cenário típico dos pampas argentinos, e tradições da cultura local são

apresentados, Disney A aparece trajado com roupas típicas de gaúcho. A dança, o mate e o

churrasco 4 (21:53) também tem destaque nesta parte do filme.

27 Florencio Molina Campos (1891 –1959) foi um ilustrador e desenhista conhecido por retratar a cultura e o

canário dos pampas argentinos.

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Ao iniciar o curta-metragem animado, o personagem Pateta aparece vestido

como cowboy, no Texas (EUA), e é transportado para à Argentina, com o intuito de viver

com seu “correspondente” sul-americano, o gaúcho. Assim, ele é trajado como um típico

morador dos pampas 5 (24:46). Na sequência, o personagem, é apresentado a rotina do

gaúcho, como a montaria e o laço 6 (25:05), o churrasco 7 (26:16) e a dança 8 (29:34). No

final ele retorna extenuado de sua aventura aos Estados Unidos.

Por fim, o último trecho do filme é no Brasil. A narração apresenta a

chegada dos artistas a uma terra completa de belezas naturais, com imagens do Pão de Açúcar

e a Praia de Copacabana e descreve esses elementos como inspiradores para a criação.

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A animação que faz menção ao Brasil é a última, seguindo uma cronologia

inversa à viagem de Disney e seu grupo. O trecho que apresenta o país começa com cenários

típicos da sua então capital, Rio de Janeiro. O pão de Açúcar é a primeira imagem mostrada,

seguida da praia de Copacabana 1 (31:21), enquanto a locução não poupa adjetivos para

caracterizar as paisagens, como: “deslumbrante” “cidade maravilhosa” “beleza incrível”. A

próxima imagem 2 (31:27) apresenta o Corcovado com a estátua do Cristo Redentor que:

“testemunha as cenas de uma cidade agitada”, mostradas por meio de cenário dos “cafés ao ar

livre” da orla fluminense repletos de pessoas. As calçadas em mosaicos português 3 (31:48)

são narradas como “artísticas” e motivo de grande curiosidade para a equipe de artistas. Na

sequência são mostradas imagens de esboços 4 (32:12) com cenários do Rio e aves típicas do

país.

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Um papagaio é apresentado como um promissor protagonista; em seguida, o

assunto muda para o samba 5 (32:25). A música tipicamente brasileira é apresentada como o

ritmo que a invade a cidade toda durante os dias de carnaval 6 (33:39). Para finalizar o trecho

live action, que dura por volta de 2 minutos e 30 segundos, o narrador apresenta o samba de

Ary Barroso, como um dos exemplo de samba de carnaval, “uma pintura musical” chamada

“Aquarela do Brasil”28.

2.5 – O Brasileiro de Hollywood

O Brasil e o brasileiro têm seus ícones de representação facilmente

visualizados na cultura pop dentro e fora do país. As expressões, costumes e características

que marcam essa brasilidade estão visíveis no cotidiano, e congelam no imaginário a figura

simbólica do brasileiro por meios de alguns de seus representantes. Em reproduções

estereotipadas, o Brasil aparece sempre representado pelas mesmas imagens: a mulata, a

baiana e o malandro se tornaram os arquétipos deste país.

No caso do cinema de Hollywood, na sua Época de Ouro, existiram diversas

películas que desenharam dentro das salas de cinema um perfil, muitas vezes ilustradas por

um único personagem. Diversos filmes tentaram retratar o Brasil, na maioria das vezes tendo

como cenário o Rio de Janeiro, sua então capital. No início, essas tentativas tiveram pouco

sucesso. O filme “The Girl from Rio” (“A garota do Rio”, tradução nossa), de 1927, é um

exemplo. “As personagens cariocas tinham nomes hispânicos e o Rio era apresentado como

uma vila esquálida. Alguns anos mais tarde, o governo brasileiro pediria a retirada de

circulação de uma outra produção de Hollywood, “Rio’s Road to Hell” (1931), mas a

28 Composta por Ary Barroso em 1939

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solicitação foi negada” (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 8). Esse período é marcado por uma

visão preconceituosa e de pouco interesse do cinema americano para com os países latinos.

Segundo Freire-Medeiros, essa relação se modificou a partir da Grande Depressão.

“Flying Down to Rio” foi a primeira grande produção que apresentou um

Brasil diferente. O filme bem produzido gerou grande expectativa e foi bem recebido no país.

Foi indicado também ao Oscar em 1934 por Melhor Canção Original, “The Carioca”. A

música era tocada em uma cena protagonizada pela atriz Dolores Del Rio 29e pelo dançarino

Fred Asteire30.

O filme musical tinha um ar elogioso ao Brasil. Na cena de abertura, a

tomada de avião apresentava as paisagens do Rio.

É possível acompanhar um desfile de imagens de cartão-postal que começa

na Baía de Guanabara, passa pelo centro da cidade (onde figuras elegantes

disputam, com os velozes carros da época, o espaço em frente à Confeitaria

Colombo), vai ao Alto da Boa Vista, visita o moderno Jockey Club, dá a

volta no Pão de Açúcar e se encerra no Jardim Botânico. (FREIRE-

MEDEIROS, 2005, p. 12)

O filme foi um sucesso tanto no Brasil como nos Estados Unidos, se

tornando um dos mais rentáveis para a RKO no ano de 1933. O interesse do público nos EUA

aumentou com relação ao Brasil, e ao vislumbre daquela terra que mostrava uma mistura

equilibrada de exuberância natural, e modernidade. As revistas e a imprensa brasileira ficaram

fascinadas por se ver nas telas de cinema, de uma maneira tão bem produzida, contando com a

participação do ator brasileiro Raul Roulien31 entre os protagonistas da trama. A única

reclamação foi a música vencedora do Oscar. “ ‘The Carioca’ (apesar de altamente apreciado

pelo público americano, a ponto de ganhar o Oscar de melhor canção, o número foi criticado

pelos brasileiros que reconheciam ali um maxixe e não um samba” (FREIRE-MEDEIROS,

2005, p. 14)

Apesar do sucesso do filme, é somente com a deflagração da II Guerra

Mundial que o interesse dos Estados Unidos para América Latina vai ganhar força. Esse é um

período de fortes ligações do Brasil e dos demais países da América Latina com os Estados

Unidos.

29 Dolores Ansunsolo (1904 – 1983) foi uma atriz e dançarina mexicana. 30 Frederick Austerlitz (1899 -1987) foi um ator e dançarino americano, vencedor de um Oscar honorário em

1950 pelo conjunto de sua obra. 31 Raul Pepe Acolti Gil (1905 – 2000), foi um ator e diretor brasileiro de cinema e teatro. Um dos primeiros

brasileiros a atuar em um filme de Hollywood.

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Essa relação teve como um dos mais fortes ícones a “baiana” Carmen

Miranda. Ela foi o primeiro ícone brasileiro no cinema dos EUA. Mesmo tendo nascido em

Portugal e não no Brasil, Miranda criou a imagem no cinema da baiana brasileira. A

“Brazilian Bombshell” se tornou o símbolo de um país que anunciava ao mundo uma

ininterrupção de festividades, músicas alegres, sensualidade e beleza.

O primeiro filme estrelado pela artista nos Estados Unidos foi Down

Argentine Way (Serenata tropical – 1940), uma produção da 20th Century-

Fox, antes de Carmen ser contratada pelo Estúdio. [...] Trajando sua baiana

estilizada, aparece em duas cenas – uma logo no início e depois no meio do

enredo – cantando numa casa noturna de Buenos Aires duas canções em

português – a marcha Mamãe eu quero, a embolada Bambu bambu – e uma

composição norte-americana, South American Way32, interpretada em inglês

e em espanhol. (GOMES, 2004, p. 148, grifo do autor)

Apesar do investimento pesado do estúdio, o filme foi proibido de circular na

Argentina e sofreu pesadas críticas no Brasil. “A críticas não foram, contudo, suficientes para

abalar a fama ascendente de Carmen, que iria se tornar, em tempo recorde, a atriz mais bem

paga do mundo” (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 18), e ainda em 1940 ela iniciou seu

segundo filme, “That Night in Rio” (“Uma noite no Rio” – 1941), primeira película com falas

da atriz. O filme pode ser visto como um marco na relação de Hollywood e suas produções

com o público e gostos da América Latina, em especial, neste caso, com o Brasil.

Depois do fiasco de Serenata tropical na América Latina, a preocupação da

Fox em agradar tanto aos americanos do Sul quanto aos do Norte levou o

estúdio a submeter o script de uma noite no Rio – baseado no roteiro original

intitulado Folies Bergères – à Embaixada Brasileira, que, de fato, censurou

várias cenas consideradas “pouco convincentes”. A Fox também requisitou,

junto ao Departamento de Informação e Propaganda do governo Vargas,

fotografias do Rio para assegurar uma (re)criação filem dos sets. (FREIRE-

MEDEIROS, 2005, p. 18-19).

Apesar das imagens onde apareciam muitas palmeiras e samambaias, não era o

cenário que criava a representação do Brasil, mas sim a própria Carmen Miranda. Ela

dançava, sorria e se comunicava de uma maneira que se tornaria a representação constante do

brasileiro no cinema de Hollywood. O Rio de Janeiro e o Brasil refletiam uma terra de

harmonias e alegrias. “Trata-se de uma cidade que deve ser celebrada não como terra de

negros, brancos ou índios (sempre invisíveis nas representações do Rio oferecidas por

32 A canção escrita por Jimmy Mac Hugh e Al Dubin para a revista Streets of Paris foi adaptada pelo Bando da

Lua para o ritmo brasileiro. Aloysio de Oliveira escreveu os versos em português. Bambo-bambu – embolada de

Donga e Patrício Teixeira de 1926. Mamãe eu quero – marcha de Vicente de Paiva e Jararaca, 1937. (GOMES,

2004, p. 148)

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Hollywood), mas como locus da democracia racial, como paraíso da hibridez que Carmen tão

profundamente encarnava” (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 19-20).

Carmen Miranda iniciou essa representação do Brasil fora do país, e transferiu ao

mundo essa figura do brasileiro mediado pelo cinema. É nesse mesmo período em que a atriz

fazia sucesso representando o Brasil, que os estúdios Walt Disney produziram e lançaram o

filme “Saludos Amigos!” apresentando o personagem “José Carioca”, como mais um

brasileiro do cinema americano.

Foi em meio ao conflito da II Guerra Mundial que nasceu nos Estados

Unidos da América, produzido pelos estúdios Walt Disney Company, o personagem de

cinema, televisão e quadrinhos “José Carioca”. Um papagaio, vestido esteriotipadamente

como o “malandro do Rio de Janeiro”. O personagem foi apresentado no desenho “Saludos

Amigos!”, no qual os famosos animais antropomorfizados da Walt Disney – Donald e Pateta,

passeavam pela América do Sul (Brasil, Argentina, Chile e Peru). A animação fazia parte da

campanha de “boa vizinhança” dos EUA durante a Guerra. O antigo comportamento

abertamente preconceituoso dos Estados Unidos para com a América Latina, que

aparentemente havia se modificado durante a grande depressão, se intensificou no período da

Guerra. “A velha fórmula da política da boa vizinhança foi retomada em todos os jornais, as

duas estações de rádio existentes à época, e obviamente Hollywood, foram conclamados a

participar da luta contra o nazi-fascismo” (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 10). O propósito

era disseminar a cultura dos EUA pela América e encorajar a opinião pública em favor dos

interesses americanos em meio à Guerra.

Durante o conflito, o governo dos Estados Unidos aliou-se a produção

fílmica de Hollywood. Todos os estúdios tinham sua parte nos esforços de guerra, e foram

beneficiados por essa parceria. De maneira semelhante os estúdios Disney não ficaram de fora

desse momento. Por isso, a criação do personagem Zé Carioca e a produção do filme não

aconteceram ao “acaso”. Existia um cenário repleto de interesses para que essas criações

acontecessem.

2.5.1 – Nasce Zé Carioca

A criação de Zé Carioca está diretamente ligada a essa passagem de Disney

e sua equipe pelo Rio de Janeiro. A recontar a criação do personagem, Pegoraro (2012), conta

que Walt Disney e os artistas foram recebidos em um evento, no Hotel Glória, e lá foram

“oferecidos” diversos possíveis protagonistas para a animações, todo tirados da fauna

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brasileira. “Disney descobriu a importância do papagaio no imaginário do país” (p. 7). Os

traços e roupas do papagaio, segundo Pegoraro, teriam sido influenciados por uma visita de

Walt Disney à Escola de Samba Unidos da Portela e por um de seus passistas, Paulo Portela.

Embora o visual seja igualmente adequado à diversos tipos boêmios do Rio de Janeiro da

década de 1940.

A voz que deu vida ao papagaio animado, curiosamente, não pertencia a um

carioca. Ele foi dublado na animação por um paulista de Jundiaí, José do Patrocínio

Oliveira.33

Ele era músico e, por influência de Carmen Miranda, foi selecionado

para dublar o papagaio. Segundo o amigo José Bonifácio de Oliveira

Sobrinho, o Boni, ex-diretor da Rede Globo, Zezinho não interpretava

um personagem... “Era a voz dele mesmo!” Disney dizia que ele tinha

até “nariz de papagaio” (PEGORARO, 2012, p. 8)

Uma das cenas que são consideradas um exemplo do contraste da

brasilidade com o modo americano no trato pessoal, quando Donald estende a mão para

cumprimentar Zé Carioca, e recebe um abraço, “um quebra-costelas, um bem carioca, bem

amigo!”, foi inspirado quando um dos animadores viu de sua janela dois homens se

cumprimentarem.

O trecho da animação que se refere ao Brasil foi nomeado “Watercolors of

Brazil” (“Aquarela do Brasil”), dura pouco mais de 8 minutos, e mostra o personagem Pato

Donald sendo apresentado ao Rio de Janeiro pelo nativo Zé Carioca. O desenho tem abertura

com o samba “Aquarela do Brasil”. A tentativa era retratar a atmosfera festiva e musical.

“‘Alô, Amigos’, exaltava precisamente um país de coqueiros e mães-pretas, ‘o país do samba

e do pandeiro’” (FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 21). Durante a passagem de Donald ele tem

a oportunidade de conhecer cenários do Rio de Janeiro e experimentar a cachaça brasileira.

Acompanhado de uma trilha sonora com o famoso chorinho Tico-Tico no Fubá34.

No início do curta-metragem o que procura se representar é parte da

musicalidade, cores e diversidade de fauna e flora do país. O curta-metragem tem no seu

primeiro quadro mostrado no nome que foi dado à obra 1 (33:54), “Aquarela do Brasil”

aparece em português, como a capa de uma obra, desenhada se misturando a outras capas de

obra espalhadas pelo fundo da imagem. Nesse mesmo instante tem início a música “Aquarela

33 José do Patrocínio Oliveira (1904–1987), conhecido como Zezinho, foi um músico de dublador brasileiro, dublou o

personagem Zé Carioca nas animações “Saludos Amigos” e “The Three Caballeros”. 34 Composto por Zequinha de Abreu em 1917.

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do Brasil”. Na sequência, a capa se abre e em cada página uma partitura musical 2 (34:11),

em cada página da partitura, os créditos inicial do curta vão se sucedendo.

Ao final dos crédito, uma tela em branco, pregada a um suporte, aparece em

fade in 3 (34:23). Um close up deixa aparecer somente a folha em branco; e no exato instante

em que a execução da música ganha a vocalização da letra, uma mão segurando um pincel é

mostrada, preenchendo a tela com um cenário brasileiro em um tom de marrom 4 (34:34).

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Um corte na imagem para um detalhe; ainda do ponto de vista do pintor

dono da mão com o pincel, a trilha sonora que acompanha a sequência acelera, assim como o

desenho 5 (34:45). No instante em que a música ganha ritmo de samba, o desenho ganha

cores 6 (34:50). Do mesmo ponto de vista, o pincel desenha na tela imagens típicas do cenário

litoral brasileiro com árvores e montanhas 7 (34:53), seguido pela imagem de flores 8 (35:05),

ainda representando a diversidade natural.

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Ainda sob trilha sonora de “Aquarela do Brasil” o pincel, mostrado no

mesmo ponto de vista, retrata elementos da fauna, como os flamingos 9 (35:18); a câmera se

desloca para a direita, e o pincel volta a desenhar flores coloridas com pequenas boca 10

(35:27), que acompanham a música em backing vocal35: “Brasil, Brasil”. A figura de um

coqueiro esconde um pássaro 11 (35:43); logo em seguida a copa da árvore se transforma na

cauda. A aquarela continuar a retratar elementos naturais do país, o artista desenha um cacho

de bananas em uma árvore 12 (35:51), que ao ser gotejado com tinta preta se transforma em

vários tucanos 13 14 (35:58).

Já com a trilha sonora sendo encerrada, uma flor colorida é demoradamente

desenhada pelo artista com o pincel 15 (36:15), e uma abelha segue em direção a ela.

Repentinamente a planta engole a abelha que luta para livrar 16 (36:18).

35 Função de grupos musicais ou bandas, onde a voz do cantor tenha a função de acompanhar como pano de

fundo uma outra voz, de um cantor principal. Em algumas músicas é utilizada para dar harmonia à

instrumentalização e dar melodia.

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A agitação da flor, faz as cores se misturarem, e começarem a dar forma ao

personagem da Disney Pato Donald 17 (36:23); em seguida a flor se transforma

completamente em Donald, que libera a abelha pelo bico 18 (36:25), dando final a sequência

inicial do curta-metragem, que tem por volta de 2 minutos e 30 segundo. Nesse trecho inicial,

a intenção de criar uma aquarela cinematográfica fica evidente; a mistura da música, combina

com o ritmo do curta-metragem, a composição de cores é sempre relacionada ao andamento

da música. Conforme dito anteriormente, o retrato inicial do pais tem uma ligação direta com

a natureza colorida e exuberante, com os pássaros, e com a musicalidade.

Nesta segunda parte do curta-metragem é onde acontece o encontro entre

Donald e Zé Carioca. Apesar de não haver qualquer corte na animação, que segue

initerruptamente, a divisão em trecho visa facilitar a percepção e entendimento dos quadros.

No início, Donald acorda ainda confuso 19 (36-28), e se pergunta: “What’s happens? Where

am I?” (O que está acontecendo? Onde eu estou?). A câmera e o personagem se deslocam

para direita, onde o pincel continua a desenhar, desta vez, dando forma ao outro protagonista

20 (36:34), enquanto, ainda em inglês, o pato questiona: “What is going on?” (O que está

acontecendo?).

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Donald aproveita a tinta preta fresca da imagem que está sendo desenhada

para rebiscar na parede uma figura 21 (36:38). O personagem Zé Carioca continua a ser

desenhado, ganhando cores e forma 22 (36:48).

Ao ser terminado, o papagaio ganha vida, e se move em direção de Donald

23 (37:00), se apresentando com um cartão de negócios 24 (37:03); a música que era tocada

como background se encerra na fala: “cavalheiro, aqui está o meu cartão”, diz Zé Carioca. O

personagem brasileiro fala sempre em português. Donald olha confuso para o papel 25

(37:07) e o lê com dificuldade 26 (37:08).

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Em seguida Pato Donald é questionado pelo papagaio por um cartão de

apresentação; Donald procura um, e o entrega: “Donald Duck – Hollywood” 27 (37-36). Zé

Carioca, ao perceber que está frente ao famoso personagem muda de atitude, passando a ficar

entusiasmado 28 (37:39): “Pato Donald? O Pato Donald?”; e imita o gesto de briga,

característico de Donald 29 (37:42). Para cumprimentar o brasileiro, Donald estica a mão 30

(37:44), mas Zé responde com um abraço 31 (37:46): “venha e me dê um abraço, um mesmo

daqueles”, na continuação 32 (37:48): “um quebra costelas, um bem carioca, bem amigo. Seja

bem-vindo, meu caro”.

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Zé Carioca oferece à Donald um passeio pelo Rio de Janeiro, 33(37:59) e

começa a listar diversos pontos turísticos da cidade, 34 (38:09) falando rápido e em

português. Confuso, o pato folheia diversos dicionários para entender o brasileiro 35 (38:11).

Para se fazer entender, o papagaio resume o convite em inglês: “Or, as you american say,

‘lets go see the town’” (Ou como vocês americanos dizem, ‘vamos ver a cidade’), e saindo de

braços dados, Zé Carioca oferece um passeio pela terra do samba. “Donald, I will show you

the land of the samba” (Donald, eu vou lhe mostrar a terra do samba) 36 (38:16).

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O confronto entre a língua portuguesa e a inglesa, é marcante, bem como a

rápida mudança da formalidade de um cartão para se apresentar, substituído por um efusivo

abraço do papagaio brasileiro no personagem americano. Na parte final, depois de já

apresentados, Zé Carioca levará o Pato Donald pelo Rio de Janeiro, para o samba e pontos da

capital fluminense.

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Donald confuso com a proposta de conhecer o samba 37 (38:28), indaga

“What is samba?” (O que é samba?). Zé Carioca responde: “Ah, the samba) (Ah, o samba) 38

(38:36), e um ritmo tocado pelo som de um reco-reco se inicia, com o papagaio

acompanhando a música batucando com seu guarda-chuva contra a própria cabeça. 39 (38:49)

e a seguir o compasso com os pés. O som da cuíca é adicionada à melodia logo em seguida, a

flauta também, o que faz o personagem usar o guarda-chuva imitando o instrumento 40

(38:59). A música fica clara na junções de todos os instrumentos. A trilha sonora é “Tico-tico

no fubá”.

Zé Carioca usa o chapéu de Donald para imitar um instrumento 41 (39:06).

Neste momento o curta-metragem é marcado pela musicalidade e dança do papagaio

brasileiro. Donald tenta acompanhar o personagem brasileiro, usando o guarda-chuva como

instrumento 42 (29:17).

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Sob a mesma trilha sonora, somente instrumental, os dois começam a

caminhar em direção à uma tela em branco, à direita, e personagem com o pincel volta a agir,

desenhando o caminho à frente dos personagens 43 (39:32). O caminho que estava sendo

pintado se encontra com uma calçada em mosaico, lembrando o Calçadão de Copacabana 44

(39:37).

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O personagem brasileiro caminha pela calçada, que vai sendo desenhada a

frente dele, dançando no ritmo da música 45 (39:38), já Donald 46 (39:44) tenta seguir os

passos, mas tem dificuldade. O pato percebe seu quadril mexer no compasso da música 47

(39:47), e a partir daí ele se junta a Zé Carioca, seguindo o calçadão dançando 48 (39:53).

O caminho termina num bar a música se encerra no instante em que os

personagens sentam-se, o pincel escreve na fachada do estabelecimento “Cachaça” e desenha

sobre a mesa uma garrafa e duas taças 49 (39:59). Donald ao ver a garrafa exclama: “Ah, soda

pop” (Ah, refrigerante), e o brasileiro responde 50 (40:09): “Não, cachaça! Que tal uma

cachacinha agora, hein?”.

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O pato e o papagaio brasileiro brindam e bebem 51 (40:12), em seguida,

numa cena característica de animações, Donald sente os efeitos da forte bebida 52 (40:19) e

com a chama Zé ascende seu charuto 53 (40:20). Donald está embriago pela bebida 54

(40:28), e começa a soluçar 55 (40:36); no mesmo instante um ritmo musical volta a fazer

parte da animação, com o compasso acompanhando os soluços de Donald. Zé Carioca

acompanha a música batucando em uma caixa de fósforos e diz ao companheiro: “Now you

have de spirit of the samba” (Agora você tem o espírito do samba).

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O pato soluça no ritmo dos instrumentos 56 (40:37), e o pincel enxuga o

conteúdo da garrafa 57 (40:41) para pintar 58 (40:48), em um fundo rosado, vários

personagens e instrumentos musicais que começam a tocar, ao mesmo instante em que o

instrumento equivalente aparece na música.

Na mesma tela, no quadro surge a sombra da cantora Carmen Miranda

dançando 59 (41:00). Após o corte da imagem, na próxima cena, Carmen Miranda aparece

dançando ao lado de Donald, ambos como sombras projetadas no que parece seu uma janela

60 (41:03).

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A imagem é cortada para a faixada de um prédio, e no letreiro pode ser lido

“Copacabana” 61 (41:09). A sombra da cantora surge 62 (41:11) seguida pela de Donald 63

(41:15) ambos dançando, de modo semelhante aos quadros anteriores; Donald exclama: “Oh,

boy. Oh, boy. Oh boy! Samba!”. A faixada de outro prédio “Atlântico” 64 (41:20) faz a

mesma sugestão feita anteriormente.

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Novamente, os dois aparecem dançado, mas desta vez, juntos 65 (41:22). A

imagem corta para fora e no edifício pode-se ler “Urca”, com a imagem se afastando até que

todo o prédio possa ser visto. 66 (41:35). A imagem se afasta até enquadrar a Baia de

Guanabara, cartão postal da cidade 67 (41:36). Na cena final a imagem é cortada para mostrar

a cidade do Rio de Janeiro por um ângulo superior, afastando o ponto de vista, até ser

mostrado uma tela pintada, onde estava a imagem 68 (41:46). Nessa parte de animação

característica especificas das cidade são apresentadas, assim como a boemia, que foi

conhecida pela equipe de Disney durante a viagem. A artista Carmen Miranda é mostrada

como uma marca do país e da cidade.

Além do filme “Saludos Amigos!”, o personagem foi protagonista com

Donald (e com um novo personagem, que participou dos outros filmes também: o pássaro

Aracuã) de mais duas produções: “The Three Caballeros” e “Blame It on the Samba” (“A

culpa é do Samba” – 1948) um curta-metragem inserido no longa “Melody Time” (“Tempo de

Melodia”).

Zé Carioca também faz aparições no programa de televisão dos Estados

Unidos “Disneyland”, nos seriados “Mickey Mouse Works” e “Disney's House of Mouse” e

uma breve aparição no filme “Who Framed Roger Rabbit” (“Uma Cilada para Roger Rabbit”

– 1988).

Mas, além do cinema e da televisão, o personagem tem uma grande

trajetória nas tiras de jornais e revistas de histórias em quadrinhos. Segundo Alencar (2012),

Zé Carioca fez sua primeira aparição nos Estados Unidos em 11 de outubro de 1942, nas tiras

de jornal. A história intitulada “como almoçar de graça” tinha argumentos de de Hubie Karp,

desenhos de Bob Grant e Paul Murry. “As tiras chegaram ao Brasil em 1945 por meio do

Globo Juvenil” afirma Alencar (2012, p. 10). Em julho de 1950, no nº 1 da revista do Pato

Donald que é lançada pela recém criada Editora Abril, Zé Carioca faz aparição na capa ao

lado do de Donald. Em 1961, Zé Carioca ganha uma edição própria.

No início de sua publicação, não existia conteúdo suficiente para a produção

das histórias de Zé Carioca, e a Abril passou a adaptar o personagem no lugar de enredos já

existentes que apresentavam outras figuras da Disney, como Mickey ou Donald. Nessa época

ele interagia com cenários diferentes da proposta colocada para o personagem e contracenava

com outros personagens Disney como Pateta, Mickey e Donald. Os sobrinhos de Zé Carioca,

Zico e Zeca, foram criados para substituir os sobrinhos de Donald (Huginho, Zezinho e

Luizinho). Só em 1972 a Abril conseguiu estruturar um estúdio que mantivesse uma produção

constante do personagem, e enredos sempre originais.

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Vale destacar alguns elementos sobre os personagens das histórias em

quadrinhos: a personagem papagaio Rosinha, rica namorada de Zé; um malandro menos “bem

sucedido”, amigo de Zé Carioca, o urubu Nestor; Rocha Vaz, o milionário pai de Rosinha,

que condena a relação da filha com o “malandro”; os sobrinhos Zica e Zeca; e o rival Zé Galo.

Além disso, o cenário que muitas vezes foi alterado pelas adaptações com os enredos

americanos, alternava o Rio com Patópolis36. Mas, por fim, foi criada a Vila Xurupita, bairro

fictício, instalado no Morro do Papagaio, onde mora Zé Carioca. As aventuras contam com

um time de futebol: “Vila Xurupita Futebol Clube”; e uma escola de Samba: “Unidos da Vila

Xurupita”.

Esses elementos do personagem de cinema, que depois se transpôs a outras

mídias, compuseram as referência da cultura de massa nos Estados Unidos e no Brasil da

figura do brasileiro. Zé Carioca se tornou um símbolo da brasilidade; e essas menção ao estilo

brasileiro contidas nele, parece estar de pleno acordo com senso comum, com os estudiosos

do período e com os interesses políticos, de formação de uma identidade nacional, daquela

época. Zé Carioca é um resumo do brasileiro naquele momento. Conforme afirmou a

pesquisadora Lilia Schwarcz, Zé Carioca era “[...] uma espécie de síntese local, ou ao menos uma

boa imagem a ser exportada. (1995, p. 3)

Segundo Simone de Sá (apud FREIRE-MEDEIROS, 2005, p. 22) “esses

produtos artísticos nunca eram questionados internamente; ao contrário, eles passaram a ser

conhecidos como ‘expressões autênticas’ da ‘alma brasileira’”. Assim, é possível visualizar

essa relação das representações da identidade por meio do cinema reproduzindo para o mundo

e para o Brasil essa “alma”. Além disso, essa imagem do brasileiro Zé Carioca, além de

exportada, tinha o interesse de ser internalizada.

2.6 – Criação da identidade nacional na América Latina

Na década de 1920, a maioria dos países da América Latina iniciou um

processo de “modernização” no âmbito econômico/industrial, por meio de uma reorganização

de suas bases e suas relações econômicas. A modernização estendeu-se ao campo cultural,

modificando o modo de vida da população, trazendo novos hábitos, ritos e costumes. Essa

ação foi impulsionada por fatores como a migração, os meios de comunicação de massa, os

36 Cidade fictícia criada pelos estúdios Disney para comportar alguns de seus personagens, como Donald e Tio

Patinhas entre os mais famosos. Na versão brasileira ela se confunde com “Ratópolis”, outra cidade fictícia onde

vivem Mickey e Pateta.

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intelectuais “europeizados”, acesso urbano, entre outros fatores. Esses itens, com semelhanças

e poucas diferenças foram comuns aos países latino-americanos, entre eles o Brasil.

Sobre a modernização dos Estados Latino Americanos, Canclini (2013)

propõe a reflexão da contrariedade presente em países como o Brasil, onde as tradições

antimodernas tentavam operar ao mesmo tempo que a modernidade. “Quando se pretendia

criar um Estado Burguês moderno sem romper com as relações clientelistas” (p. 76). Essa foi

a tônica do desenvolvimento de modernização em países como o Brasil, e fez parte das

discussões do pensamento social brasileiro do início do século passado.

Esse processo passou a refletir na cultura desses países, com a formação de

projetos de identificação nacional, como forma de reforçar a ideia de Estado Moderno. A

modernização da América-Latina nesse período teve como eixo a ideia de Nação. Essa ideia

se encontra o com pensamento de Eric Hobsbawm, ao afirmar que esses elementos

formadores de uma tradição são inventados. Para o autor, são facilmente reconhecidas as

tradições inventadas no momento de formação dos Estados Modernos. “Elas são altamente

aplicáveis no caso de uma inovação histórica comparativamente recente, a ‘nação’, e seus

fenômenos associados: o nacionalismo, o Estado nacional, os símbolos nacionais, as

interpretações históricas, e daí por diante” (1984, p. 22).

Dentro das premissas econômicas da modernização, esse sentimento de

união e direcionamento centralizado se encaminhava para a necessidade de uma unificação

das diferenças que compunham os estados latino-americanos, entre eles o Brasil.

A partir dos anos 1920 e 1930 a tentativa de condensar essa cultura num

formato nacional teve início. “Nesse processo é importante a convergência do populismo

político com a indústria cultural” (CANCLINI, 2013, p. 265)

No Brasil, a produção editorial, por exemplo, pode ser percebida como um

dos marcos dessa ação. “Em todos os países, migrantes com experiência na área e produtores

nacionais emergentes vão gerando uma indústria da cultura com redes de comercialização nos

centros urbanos” (CANCLINI, 2013, p. 84). A produção cultural desse momento pode ser

percebida como fato importante dentro da dinâmica da criação dessa cultura nacional.

“Surge assim um novo nacionalismo, baseado na ideia de uma cultura

nacional, que seria a síntese da particularidade cultural e da generalidade política, da qual

diferentes culturas étnicas ou regionais seriam expressões” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p.

221). Esse ideal de nação incorpora as diferenças voltando-as em um único sentido,

canalizando as diversas particularidades para uma direção comum.

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Como forma de organizar os Estados, nesse momento, a América Latina,

segundo Martin-Barbero (2009), criou funções para a diversidade de sua população (cultural e

ética).

Onde a diferença cultural é grande e incontornável, a originalidade é

deslocada e projetada sobre o conjunto da Nação. Onde a diferença

não é tão “grande” a ponto de constituir-se como patrimônio nacional,

ela será folclorizada, oferecida como curiosidade aos estrangeiros.

(MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 222)

A necessidade de centralizar as decisões e planejar as ações causou

destacado protagonismo do Estado – segundo o autor, muitas vezes em forma de populismo.

Assim, quem passou a ditar os elementos que compuseram essa cultura de identificação

nacional foi o Estado. E sua ação para deliberar os itens da cultura nacional acabou por

provocar um distanciamento entre ela e a “cultural real”.

Embora com diferenças perceptíveis entre as tentativas de modernização nos

países latino-americanos, a essência se repetiu de maneira semelhante em todos eles. O padrão

moderno europeu foi “importado” e adaptado às realidades individuais, fazendo cumprir a

função de alavanca para iniciar o movimento de modernização.

Assim, havia na década de 1930, uma necessidade, baseada em projetos

políticos de países como o Brasil, reforçados pela conjuntura acadêmica – representada pelos

interesses acadêmicos dos intelectuais e estudiosos do começo do século XX – de se propagar

uma herança cultural unificadora, identificando em ícones a relação “identidade e

identificação” entre esse projeto e a população. Esse processo juntava valores históricos, de

pertencimento e de aceitação para criar uma espécie de termo geral da identidade brasileira.

Baseado no que explica Canclini (2013),

a reformulação do patrimônio em termos de capital cultural tem a vantagem

de não representa-lo como um conjunto de bens estáveis e neutros, com

valores e sentidos fixados de uma vez para sempre, mas como um processo

social que, como o outro capital, acumula-se, reestrutura-se, produz

rendimentos e é apropriado de maneira desigual por diversos setores (p. 195,

grifo do autor).

É importante ressaltar que esse é um projeto de identificação encontra

legitimidade nas massas. “Mesmo o então nacional não será somente o que recorta e faz

emergir como tal o Estado, mas sim o modo pelo qual as massas sentem a legitimação social

de suas aspirações” (MARTIN-BARBEIRO, 2009, p. 224). Importante salientar que essa

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cultura nacional não teria êxito caso não houvesse uma identificação do povo; era necessário

que a massa se reconhecesse naquela imagem apresentada. Canclini reforça essa noção ao

afirmar que “ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade ou um

bairro [...]” (2013, p. 190).

O Estado dispunha de um dispositivo de grande potencial para a realização

dessa necessidade: os meios de comunicação de massa. Assim, a dispersão massiva desse

pensamento está diretamente ligada aos veículos de comunicação massivos, que ascenderam

no início do século passado.

Canclini (2013) complementa afirmando que os dispositivos de transmissão

de cultura, quando não massivos, não são eficazes ao realizar essa tarefa, e a difusão desses

conteúdos se torna restrita.

Desta forma, é possível entender os meios de comunicação de massa como

ferramenta fundamental nesse período, já que apresentavam enorme capacidade de carregar a

mensagem de difusão desse projeto de cultura nacional. A funções dos meios massivos era a

de mediar.

Em outras palavras, o papel decisivo que os meios de comunicação de

massa desempenham nesse período residiu em sua capacidade de se

apresentarem como porta-vozes da interpelação que a partir do

populismo convertia as massas em povo e o povo em Nação.

Interpelação que vinha do Estado, mas que só foi eficaz na medida em

que as massas reconheceram nela algumas de suas demandas mais

básicas e a presença de seus modos de expressão. (MARTIN-

BARBERO, 2009, p. 233)

Segundo Canclini (2013), é a partir da década de 1930 que começou a se

organizar um sistema de produção cultural nos países latino-americanos. Nesse período, vale

ressaltar que em quase todos eles o rádio foi a ferramenta de promoção desse pensamento, em

alguns, como no caso do Brasil, o cinema também auxiliou nesse processo. O cinema entre

outras forma de expressão da comunicação de massa ganhou destaque, segundo o autor,

juntamente com rádio, por atingirem sem barreiras o público não-letrado.

Para Martin-Barbero (2009, p. 235), o cinema foi o meio de comunicação

que estruturou a cultura de massa até a década de 1950. Sua importância na criação dessa

cultura nacional foi essencial, dada sua capacidade de disseminação e convencimento. O

cinema e seu encantamento tinham uma força potencial que iam ao encontro desse projeto.

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“[...]No cinema esse publicou viu a possibilidade de experimentar, adotar

novos hábitos e ver reiterados (e dramatizados com vozes que gostaria de ter e ouvir) códigos

de costumes. Não se ia ao cinema para sonhar; ia-se para aprender” (MONSIVÁIS apud

MARTIN-BARBERO, 2009, p. 235). As estratégias do cinema cooptam as experiências,

necessidades e expectativas do seu público e essa relação faz solidificar o seu potencial papel

de agente divulgador das identidades nacionais. O cinema funciona como um espelho, onde

seus expectadores procuram se ver refletidos. Ao enxergar nos personagens essa imagem

adotam-na, possibilitando a criação de uma figura universalizada.

O cinema media a relação de identificação da população com seus símbolos.

Pode ser entendido como o rito nacional, descrito por Canclini (2013), a celebração dos

valores comuns. “O cinema leva à cena a linguagem e os mitemas do povo que quase nunca a

pintura, a narrativa nem a música dominantes incorporavam” (p. 259).

Essa relação entre o cinema e seu público, entre as décadas de 1930 e 1950

em países da América Latina – entre eles o Brasil, é explicativa para demonstrar mecanismos

de criação de identidade nacional mediados pela cultura de massa.

As pessoas vão ao cinema para se ver, numa sequência de imagens

que mais do que argumentos lhes entrega gestos, rostos modos de falar

e caminhar, paisagens, cores. Ao permitir que o povo se veja, o

cinema o nacionaliza. Não lhe outorga uma nacionalidade, mas sim os

modos de senti-la. (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 236)

Para Martin-Barbero (2009), o cinema opera com três dispositivos para

realizar esse “re-sentimento” nacionalista. A teatralização demonstra e legitima nas imagens,

dentro da encenação, os gestos, as particularidades da língua, das cores, da vestimenta, das

paisagens, dos sentimento. É uma demonstração ao expectador de como ser um representante

daquela nação. A degradação opera aproximando a população de um modelo próximo. “Para

que o povo possa ser ver, é preciso pôr a nacionalidade a seu alcance, quer dizer, bem mais

embaixo” (MARTIN-BARBERO, 2009, p. 236), é o representante mais conhecido, no caso

da película da Disney, o malandro. E a modernização, representada pelas mensagens de

atualização: a proposta de novos mitos, costumes e moralidades. A subversão das tradições e

adição de novos elementos.

Entretanto, as chaves para o sucesso de sedução e convencimento do cinema

estão no melodrama e nas estrelas. As tramas e histórias propostas nos filmes convencem e

atraem, “interpelando o popular a partir do ‘entendimento familiar da realidade’, que é o que

permite a esse cinema enlaçar a épica nacional com o drama íntimo” (MARTIN-BARBERO,

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2009, p. 237). Além disso, há a necessidade, neste período, da formação das identidades

nacionais, dentro dos países da América Latina, onde a produção cinematográfica, como a

película “Saludos Amigos!”, tem a potencialidade para cumprir essa função. “As pessoas de

alguma forma projetam e recriam ao se verem a partir de um cinema que as rebaixa e ufana,

que catalisa suas carências e sua busca de novos sinais de identidade” (MARTIN-BARBERO,

2009, p. 238)

Canclini (2013) reforça essa ideia da reelaboração e transmissão cultural.

Para o autor, a organização desses itens de identificação não teriam o objetivo da

retransmissão “pura” de todos os seus aspectos culturais.

Nessa perspectiva, a investigação, a restauração e a difusão do patrimônio

não teriam por finalidade centrar almejar a autenticidade ou restabelecê-la,

mas reconstruir a verossimilhança histórica e estabelecer bases comuns para

uma reelaboração de acordo com as necessidades do presente. (CANCLINI,

2013, p. 202).

Sob essa visão, a ideia é que a apropriação serviria para a promoção de um

patrimônio cultural comum. Uma ideia comum à Canclini e Martín-Barbero, é possível

afirmar que os projetos nacionais de identificação cultural são fortemente favorecidos pelo

encontro entre Estado e as massas, possível pelo desenvolvimento das tecnologias da

comunicação e por seus veículos.

Para que cada país deixe de ser “um país de países” foi decisivo que o rádio

retomasse de forma solidária as culturais orais de diversas regiões e

incorporasse as “vulgaridades” proliferantes nos centros urbanos. Como o

cinema e como e em parte a televisão fez em seguida, traduziu-se “a ideia de

nação em sentimento e cotidianidade” (CANCLINI, 2013, p. 256)

Nesse processo de identificação, diferentemente das tradições populares que

anteriormente eram transmitidas por meios como o folclore – “uma visão metafísica do povo

como força criadora originária” (CANCLINI, 2013, p. 264) – essas processos modernos se

apropriam de um acúmulo cultural, selecionando elementos que se compatibilizam com “o

desenvolvimento contemporâneo” (CANCLINI, 2013, p. 264).

2.7 – Construção da identidade por meio da imagem em movimento

Inicialmente vale ressaltar, como já discutido, que a identidade é dada como

certa, ela responde como sequência de um processo de criação, onde diversos aparatos são

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utilizados para formá-la. Podemos entender a formação das identidades dentro do contexto

das tradições inventadas, que segundo Hobsbawn são:

um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou

abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam

inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o

que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado.

(1984, p. 9)

As identidades culturais são construídas socialmente. São processos de

construção da realidade. Essas identidades podem ser ditas inventadas, como parte de

processos de criação, que envolve diversos agentes. Tais construções são objetivas,

envolvendo instituições e materialidades, mas também são subjetivas, envolvendo

imaginações, reconhecimentos e afetos.

É sob essa perspectiva que os filmes são abordados nesse estudo. O cinema

é reconhecido como um dos agentes construtores de uma suposta identidade cultural

brasileira. Ele produz uma espécie de conhecimento sobre essa identidade. Ao produzir

conhecimento, cria também a própria realidade. É um determinado Brasil se dá a conhecer

pelos filmes e é esse Brasil que se solidifica na imaginação dos espectadores, sejam eles

brasileiros ou não. Não é objetivo desse estudo discutir se tal identidade construída no cinema

corresponde a alguma forma de distorção ou não do Brasil e do brasileiro. O que se pretende é

um estudo sistemático das condições sociais de produção dessa identidade.

O cinema americano, pode ser entendido como uma indústria de produção

cultural. Nessa perspectiva, podemos entender o Hollywood como um produtor de

“realidades”, distribuindo por meio da comunicação de massa, um conjunto de bens

simbólicos, baseados em recursos culturais, assumindo-se a proposta de Yúdice (2004).

Na visão do autor, a cultura se tornou um recurso, à medida que é utilizada

para finalidades diversas, como promoção econômica, política, ou desenvolvimento da

cidadania. Para Yúdice, a cultura é utilizada para fortalecer o tecido social. A cultura como

recurso é sua utilização para um fim especifico.

“A maior distribuição de bens simbólicos no comércio mundial

(filmes, programas de televisão, música, turismo etc.) deram à esfera

cultural um protagonismo maior do que em qualquer outro momento

da história da modernidade” (YÚDICE, 2004, p. 26).

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A produção fílmica é essencial para a formação, entre outros agentes, da

identidade cultural. Tão importante para essa formação, que existe a discussão se a

distribuição de filmes, programas de televisão, música e outros bens culturais não deveriam

estar sujeitos a mesma lógica de mercado que outros diversos produtos.

É importante ter em vista, que quando falamos de formação de identidade

cultural, estamos nos referindo a uma identidade que não é herdade ou natural. Essa

identidade se forma no contexto daquela cultura. Stuart Hall (1999, p. 50) define que a

“cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza

tanto nossas ações, quanto a concepção que temos de nós mesmos”. Dessa forma, é

descartado a aclamação de uma tradição pura, que responda eternamente à uma situação ou

um povo. Essas identidades são inventadas, confrontando e abastecendo-se em práticas

antigas, para criar novas continuidades.

Essa noção dá margem a interpretações de como as identidades culturais,

como um modelo mutável e construído por diversas influências, interesses e práticas alheias a

ela própria, passa a ser também transformada pela produção cultural do cinema. “Isso

significa fazer uma aliança entre a cultura enquanto práticas vernáculas, noções de

comunidade e desenvolvimento econômico” (YÚDICE, 2004, p. 40).

A cultura como recurso explica a criação de estratégias para criar produtos

culturais, que constroem, promovem e propagam a identidade cultural, por meio da

divulgação de aspectos da cultura nativa e dos patrimônios nacionais. “Seria realmente cínico

qualificar políticas de identidade como uma aberração quando a conveniência da cultura é

uma característica óbvia da vida contemporânea” (YÚDICE, 2004, p. 47).

Assim, o cinema lança mão desse recurso, como matéria para o

desenvolvimento de seus produtos, que ligados à interesses de consumo e políticos ajudam a

criar essa representação da identidade cultural brasileira por meio da comunicação de massa.

Como agente construtor da realidade e da identidade, o cinema pode ser

visto como um "intelectual", ou usando o pensamento de Martin-Barbero, como um mediador

nesse processo de construção da realidade. Não é possível ignorar, porém, que no caso das

animações estudadas esse mediador é um agente que vê o Brasil de fora do Brasil (o cinema

norte-americano), e as explicações que associam esse processo a imperialismo não são

suficientes para dar conta dessa discussão.

Assim, vale ressaltar que o filme fala diretamente sobre a identidade

brasileira fabricada, já que, essa identidade é uma construção realizada por diversos meios,

entre eles o cinema, como visto anteriormente. Segundo Martin-Barbero (2009), na América-

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Latina de forma geral, essa identidade foi “forçada” pelo Estado, como um dos itens para a

entrada na modernidade, utilizando-se também dos meio de comunicação massivos, como o

rádio e o cinema.

Desta forma, é possível entender que os aspectos de produção

hollywoodianos são passiveis de propagar uma cultura em outro território, que não os Estados

Unidos. Como argumentos principais pode-se argumentar a defesa da globalização, como

processo tecnológico, econômico, político que transformou a cultura e suas formas de

disseminação. A globalização permitiu a troca rápida, o acesso fácil entre atores globais,

como os produtores da cultura e por sua vez das identidades. O que durante algum período foi

visto como imperialismo (uma disseminação forçada dos modos culturais de países ditos

desenvolvidos sobre o subdesenvolvidos) não pode ser levado em conta por completo, a partir

do momento em que se entende que não há uma cultura nacional autêntica, que reflete uma

nação. “As nações modernas são, todas, híbridos culturais” (HALL, 1999, p. 62).

Os sistemas culturais, e por sua vez as identidades nacionais são construções

realizadas por diversos agentes, dentre eles o cinema. É possível perceber na visão de Bhabha

(2001), que “as reivindicações hierárquicas de originalidade ou “pureza” inerentes às culturas

são insustentáveis, mesmo antes de recorrermos a instâncias históricas empíricas que

demonstram seu hibridismo” (p. 67)

Na visão de Canclini (2013), também é preciso refletir sobre as noções de

tradições ou culturas “puras” ou “essenciais”, já que toda formação cultural pode ser

entendida como uma hibridação. Ao analisarmos o filme “Aquarela do Brasil” esse conceito

pode servir para entendermos a produção de Hollywood construindo a identidade brasileira.

As fronteiras da cultura não são as mesmas demarcadas pelos territórios, o acesso fácil pela

informação e o deslocamento, consequência da globalização, são explicações pertinentes para

entender como se dá esse processo de criação da identidade nacional pelo filme americano.

Se retornamos para o pensamento de Yúdice (2004), e refletirmos sobre a

cultura como um recurso, essa lógica se reforça tanto quanto qualquer outro produto

beneficiado fora do país, que influência, cria gostos, ritos e se associa a identidade nacional.

O cinema, a imagem em movimento acompanhada por música e efeitos

sonoros, além de uma indústria de entretenimento, pode ser entendido como uma prática

social, formadora de identidades. O cinema se constitui em uma força, capaz de criar

submergir a imaginação em um mundo novo. Segundo Edgar Morin, “abarca o real, o irreal,

o presente, o vivido, a recordação e o sonho, a um nível mental comum” (MORIN, 1970, p.

242).

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Sendo assim, vale a pena ressaltar que os movimentos no processo de

criação de uma identidade nacional, programados por interesses políticos e pela necessidade

de uma unificação em prol da “modernidade”, estão intimamente ligados à ascensão dos

meios de comunicação massivos, como o cinema. Não pela existência ou criação dos meios

em si, mas pelo seu uso como ferramenta abrangente de fácil circulação e inserção. Segundo

Morin (1970) a linguagem do cinema e a sua arte são universais.

Pelas suas características primordiais, os meios de massa disponibilizaram

os mecanismos para criar as representações massificadas necessárias e cumpriram seu papel

na formação da identidade nacional. Para isso, é preciso entender o que o cinema representa.

Ele se une a outros criadores para disponibilizar um conteúdo, como no caso da identidade

nacional.

Esses conteúdos, como vistos anteriormente, são parte de um momento

histórico tenso e conflitante. Essa construção da identidade nacional, presente na ideia de

nação, é uma entidade histórica, que está sempre em processo de mudança e redefinições.

“[...] A identidade nacional, que alimenta e formata a nação. Subjuga-se à temporalidade,

adotando características de cada momento histórico em que se processa” (GONÇALVES,

2011, p. 26).

A consciência nacional se define como representantes de uma consciência

cultural coletiva (GONÇALVES, 2011). Essa identidade não nasce com o indivíduo, mas,

como afirma o autor, é formada e transformada “[...] no interior da representação, não sendo

apenas uma entidade política ‘mas algo que produz sentidos – um sistema de representação

cultural’” (GONÇALVES, 2011, p. 24, grifo do autor).

Essa identidade nacional, criada e mutável, pode ser disponibilizada ao

público por meio do exercício do cinema. “Não importa se escrito, musical, visual ou

audiovisual, um texto contém em si o potencial de contribuir para a construção identitária de

uma nação” (GONÇALVES, 2011, p. 28).

É importante ressaltar que as descrições do Brasil, desta “figura brasileira”

(representada pelo personagem “Zé Carioca”), não estão presentes na animação

cinematográfica da Disney por força da coincidência. Vale lembrar que a empresa fez uma

extensa pesquisa nos países que comporiam as animações, descobrindo elementos da sua

cultura para apresentá-los no cinema. A equipe que participou da produção fez uma longa

viagem por toda a América Latina, ficando no Brasil em duas cidades, Belém e Rio de

Janeiro. Na capital carioca os desenhistas, roteiristas, produtores e músicos permaneceram por

mais de três semanas. Segundo Rosa, “a equipe de Disney fez, antes da viagem, uma ampla

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pesquisa sobre aspectos culturais dos países a serem visitados, de modo a tentar esboçar ideias

para o filme” (2010, p. 4).

Reforçando essa ideia, podemos nos apropriar da discussão realizada por

Renato Ortiz, ao refletir sobre a cultura e a identidade nacional. Esse processo de

disponibilizar essa identidade nacional para uma esfera popular e plural passa pela figura de

um mediador. Na sua análise, ele propõem o intelectual como o agente desta mediação. “Se os

intelectuais podem ser definidos como mediadores simbólicos é porque eles confeccionam

uma ligação entre o particular e o universal, o singular e o global” (ORTIZ, 1998, p. 139).

A identidade, que é estabelecida por meio de momentos históricos, lutas,

interesses e relações, é construída e apresentada utilizando-se desta mediação. Assim, o

cinema pode ser entendido como difusor deste conteúdo apresentado, onde caminham as

informações que construíram essa visão. É importante ressaltar que o cinema é fonte de prazer

e significados para grande parte da população.

Segundo Graemer Turner (1997), o cinema se apresenta como representação

do real e se apropria de diversos elementos que dizem respeito à cultura daquele local,

proporcionando a disseminação de ideologias próprias daquele ambiente. Neste sentido, o

consumo de filmes proporciona ao indivíduo um conhecimento de novos rituais e hábitos

contribuindo para a hibridação cultural, fator comum na contemporaneidade. Na perspectiva

de Turner, “o cinema é revelado não tanto quanto uma disciplina separada, mas como um

conjunto de práticas sociais distintas, um conjunto de linguagens e uma indústria” (1997, p.

49)

Na visão de Gonçalves (2011) os filmes americanos da década de 1930, por

exemplo, carregavam uma ampla bagagem de mensagens sobre o modo de vida americano.

Nos enquadramentos, comportamentos dos personagens, falas e cenários, nos itens técnicos e

de drama, as peças cinematográficas continham mensagens que se reproduziram por meio do

cinema.

Em sua análise sobre o filme e o personagem Zé Carioca, Lilia Schwarcz

argumenta que “[...] é esse o período da criação do famoso Zé Carioca, que representava de

forma mimética a simpática malandragem carioca, na recusa ao trabalho regular e na prática

de expedientes temporários que garantiam uma boa sobrevivência” (SCHWARCZ, 1995).

Essa caracterização do brasileiro é carregada também pelas mensagens

difundidas pelo cinema, cristalizando-se nos sentidos do senso comum. A identidade nacional,

esse jeito, essa brasilidade se reproduz, ganha força e segue em frente por meio deste produto

midiático. Essa cara do Brasil ganha força através do filme, e por ele se legitima na cultura.

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Turner reforça essa ideia, afirmando que “o cinema desempenha uma função cultural, por

meio de suas narrativas, que vai além do prazer da história” (1997, p. 69)

O cinema não é o retrato da realidade, ele participa na construção da

realidade, discute e dramatiza o mundo, a partir de uma perspectiva para um público que o

consome, mediado por suas crenças, ideologias, interesses. Nesse ponto de vista, há sempre

um ressignificar, do conteúdo assimilado.

Apropriando-se brevemente das análises de Marshall Mcluhan (2011) sobre

o impacto das comunicações de massa na cultura, pode-se acrescentar um novo argumento à

discussão: as tecnologias de comunicação e distribuição massivas modificaram de vez as

formas e canais de distribuição do conhecimento, da informação e da cultura.

A reunião de imagem e som apresenta uma nova dinâmica aos sistemas de

comunicação formal e, por sua vez, à disseminação cultural. Discussões semelhantes se

apresentam em cada modificação no meio de transporte do conhecimento, da cultura e da

informação. Para Mcluhan, a partir do existência dos meios eletrônicos de comunicação de

massa, todo o processo de produção cultural fica, de alguma forma, alterado, já que a

disseminação de conhecimento ou informação, de formas de pensar e de ideias são

amplificados. Dessa maneira, é possível compreender os meios de comunicação de massa

como ferramentas de disseminação rápida e simples de uma ideia, como a identidade

nacional.

Apropriando-se da proposta de Mcluhan, e associando-a aos conceitos

discutidos por Maurício Gonçalves (2011), podemos afirmar que os esforços intelectuais de

escritores e historiadores cooperaram para a “fabricação das identidades nacionais que foram

difundidas pelos meios de comunicação de massa consolidando a ideia de uma nação

unificada em bases culturais” (p. 27). E que um produto de cinema, como o objeto de nossa

análise, pode ser considerado esse catalizador para a divulgação e absorção dessa identidade.

Reforça essa tese o pensamento de Morin (1970), no qual o cinema é

apresentado como um objeto de inserção do “mundo no homem”. Por meio de suas imagens e

sons a sala de projeção põe ao alcance do espectador um mundo desconhecido. O cinema

precede, cria tendências, explora o que ainda não foi explorado e disponibiliza novos

conteúdos. A imagem do cinema se confunde com os conhecimentos acadêmicos e com as

“verdades” cientificas. “Através, pois, de qualquer filme, e mediante uma verdadeira

‘elasticidade do sentido visual’, opera-se uma ‘decifração documental do mundo visível’”

(MORIN, 1970, p. 246).

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Por meio de sua ação, a imagem em movimento reflete a troca mental entre

o público e o mundo. Uma assimilação intelectual de conhecimento, informação e

consciência.

Tudo, efetivamente, penetra em nós, se conserva se antevê e comunica por

meio duma série de imagens impregnadas de imaginário. Este complexo

imaginário, que assegura e ao mesmo tempo perturba as participações,

produz uma secreção placentária, que nos envolve e nos alimenta. Mesmo

em estado de vigília, e mesmo fora do espetáculo, o homem caminha,

solitário, envolto por uma nuvem de imagens, pelas suas “fantasias”

(MORIN, 1970, p. 247)

O “homem real” não pode ser separado do imaginário. Essa matéria prima

fornecida pelo cinema funciona como base para a construção deste homem. As imagens

refletidas na tela constroem no público sua própria realidade. “É o verdadeiro alicerce de

projeções-identificações, a partir do qual o homem, ao mesmo tempo que se mascara, se

conhece e se constrói” (p. 250).

Timothy Brennan (apud GONÇALVES 2011) reforça que o conceito de

nação e identidade nacional depende de “um aparato de ficções culturais nas quais a literatura

imaginativa tem um papel decisivo”, como foi apresentado neste trabalho, com base nas

referências do brasileiro apresentado pelos estudos da sociologia do início do século passado.

Essa ideias vão ao encontro deste pensamento, de que o cinema congrui com

as propostas para o processo de modernização do país. Essa soma de necessidade de criação

de uma identidade unificadora liga-se com as possibilidade das tecnologias da comunicação,

como o cinema. Por meio das luzes e sons, as imagens fabricadas industrialmente, segundo

Morin (1970), são coletivamente partilhadas.

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3 – “RIO”, O BRASIL NO CINEMA DE ANIMAÇÃO 70 ANOS DEPOIS

Este capítulo tem como objetivo apresentar o modo de produção de

Hollywood e a sua história, com base nas transformações ocorridas depois da década de 1950,

período conhecido como a Nova Hollywood. A proposta será apresentar o novo modo de

produção da indústria de cinema americano, sua relação com os novos meios de comunicação

de massa e as mudanças na forma de integrar o público.

A ideia é debater a transição entre os modos de produção iniciais da era dos

estúdios e as mudanças e como elas afetaram o cinema americano e seus produtos, as novas

fontes de receita por meio dos licenciamentos, e a transformação dos estúdios em

megacorporações financeiras, com ramificações por todo mundo. Ainda será debatido a

transformação na relação entre as estrelas de cinema e a indústria e a mudança nas ações da

MPAA.

Além disso, será apresentada a realidade da produção fílmica focada nas

animações infantis, por meio de sua história e das empresas, e como a animação digital

ganhou espaço e substituiu as animações tradicionais que ganharam grande repercussão com

Walt Disney.

Por fim, será apresentada a segunda animação, selecionada para este

trabalho, a retratar o Brasil e o Rio de Janeiro, o filme “Rio”. O estúdio financiador da peça e

o produtor, além da direção e dos atores serão apresentados, bem como a discussão sobre a

criação da animação. No final deste capítulo estará disponível a transcrição do filme.

3.1 – A transição entre a Era de Ouro e o novo cinema de Hollywood

Após o término da Era de Ouro do cinema americano, no fim da década de

1940, o sistema de produção de Hollywood se transformou por completo, modificando-se na

sua estrutura mais fundamental: o sistema de estúdio. O controle completo da cadeia de

produção ruiu diante de imposições legais. Além disso, um novo veículo de comunicação de

massa ganhou um espaço imenso no cotidiano dos Estados Unidos. A televisão se tornava

naquele período cada vez mais popular, ganhando o espaço que era exclusivo do cinema.

Esses são os dois principais fatores que decretaram o fim da Era de Ouro e o nascimento da

Nova Hollywood.

Entre os anos de 1910 e 1940 o sistema de estúdio monopolizava a produção

fílmica em Hollywood. Um processo centralizado e verticalizado que geria todas as etapas

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(produção, distribuição e exibição), com contratos de longo prazo firmados com atores e

técnicos, geridos pelos produtores, que representavam fielmente a mentalidade do estúdio e

executavam as obras defendendo integralmente os acordos instituídos entre os donos dos

estúdios e a MPAA (por meio do Código Hays). “De certa forma, todos trabalhavam numa

linha de montagem, pois o cinema era antes de mais nada uma indústria” (MARTEL, 2012, p.

87).

A grande mudança nesse sistema aconteceu quando a Suprema Corte dos

Estados Unidos proibiu o monopólio dos estúdios sobre a distribuição de cinema, em 1948.

Havia mais de 10 anos que o Departamento de Justiça pressionava as empresas, sob a

alegação de que o controle completo sobre a produção, distribuição e exibição das películas

feria a Lei Sherman Antitruste37. “Para solucionar o caso, o governo exigira que os estúdios

acabassem com a contratação de filmes em pacote e abrissem mão das subsidiárias de

distribuição e das redes de cinemas” (EPSTEIN, 2008, p. 21). Ambas as propostas atingiram o

centro do sistema de estúdio, levando à perda do controle completo sobre as produções.

[...] Sustentaram os juízes que a distribuição da indústria

cinematográfica infringia a Lei Sherman, mas não ordenaram aos

estúdios que se desfizessem dos cinemas. No seu entender, algumas

medidas – que proibiam o aluguel em bloco, a fixação dos preços de

ingresso, as liberações “despropositadas”, e vários acordos de isenções

e privilégios entre distribuidoras e grandes cadeias exibidoras, suas ou

alheias – eliminariam o monopólio. Daí por diante, declararam eles,

todo filme seria oferecido a todos os interessados em exibi-lo através

de uma licitação competitiva. (SKLAR, 1975, p. 317)

Essa seria a decisão final contra as companhias. Os tribunais inferiores

haviam decidido a favor do Departamento de Justiça, e os estúdios já estavam esgotando as

medidas de apelação. O departamento de Justiça dos Estados Unidos e as cortes federais

tinham como objetivo acabar com esses acordos que eram considerados ilegais. “Tal atitude

fazia parte de um esforço global para acabar com a integração da indústria cinematográfica,

com o objetivo último de que os filmes fossem produzidos e vendidos isoladamente”

(SCHATZ, 1991, p. 411).

Essas medidas iniciaram o processo que colocou fim no sistema de estúdio,

já que isso representava a perda do controle sobre a exibição dos filmes, o que era vital para a

37 Truste, pode ser entendido como a fusão de várias empresas de modo a formar um monopólio, em inglês. A

Lei, criada em 1890, intentava que nenhuma empresa se tornasse tão grande, que sozinha pudesse determinar as

regras do próprio mercado. Foi proposta pelo político e senador americano John Sherman (1823 – 1900). Em

inglês é conhecida como Sherman Act.

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existência do sistema. Porém, “a ameaça mais séria para a indústria cinematográfica veio, é

claro, da televisão comercial” (SCHATZ, 1991, p. 412)

Após uma aparente onda de confiança para a indústria cinematográfica, com

o fim da Guerra e o aumento nas bilheterias – em 1946, primeiro ano de paz, o cinema teve

seus mais altos índices de atração de sua história (SKLAR, 1975) – o novo veículo causaria o

impacto de sua chegada no já no fim daquela mesma década. “Em 1953, quando se calculava

que 46,2% das famílias norte-americanas possuíam televisores, a assistência dos cinemas

caíra para quase exatamente a metade do nível mais alto de 1946” (SKLAR, 1975, p. 316).

A nova ferramenta de diversão, ainda que rudimentar naquele momento,

poderia oferecer ao espectador uma programação tão variada e divertida quanto no cinema, e

sem custo algum para o consumidor. “Pois eram os anunciantes, e não o público, que

pagavam as emissoras” (EPSTEIN, 2008, p. 21).

O cinema reagiu ao novo veículo, tentando impedir que seus filmes fossem

exibidos e evitando que as instalações dos estúdios fossem disponibilizadas para a gravação

de programas, mas as emissoras encontraram produtos para agradar sua audiência:

transmissões esportivas, noticiários, programas de jogos e filmes independente ganhavam o

gosto do telespectador do novo meio (EPSTEIN, 2008). A feitura de filme para a televisão

tinha relação direta com a aplicação da Lei Antitruste. Com o fim da contratação de filmes em

bloco, a demanda de longas-metragens de baixo orçamento, atrações sempre vinculadas à

exibição principal, diminuiu e “as rede de televisão se aproveitaram da reserva de talentos de

Hollywood e os que faziam filmes de classe ‘B’ passaram a fazer filmes semanais de gênero,

comédia, mistérios e bangue-bangues para a televisão” (SKLAR, 1975, p. 328)

Apesar de existir apenas 1 milhão de aparelhos de televisão nos Estados

Unidos em 1947, a projeção dos fabricantes era que esse número quadruplicasse em dois

anos, o que poderia significar uma perda grande para os estúdios. Uma vez que toda sua

receita era baseada nas bilheterias, qualquer diminuição significaria menor lucro ou prejuízo.

A televisão com sua distribuição gratuita e os anunciantes das emissoras poderiam representar

um desastre financeiro para os grandes estúdios de Hollywood. A televisão, assim como o

rádio, “era um negócio sem prejuízo, de lucro garantido, ao passo que a cinematografia se

parecia muito mais com a edição de livros: nem sempre se poderia ter a certeza de que

determinado produto daria prejuízo ou lucro” (SKLAR, 1975, p. 324)

Ainda, para Schatz (1991), “a televisão foi uma faca de dois gumes para

Hollywood. Ela revitalizou a produção sediada no estúdio mas também pôs fim ao sistema de

estúdio” (p. 481). A Warner, por exemplo, no ano de 1955, “transferiu o modo controlado de

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operação para séries de televisão, e tornara-se uma companhia de produção cinematográfica

apenas em sentido periférico” (SCHATZ, 1991, p. 438)

Uma grande contribuição da televisão para a derrubada do sistema de

estúdios estava na liberdade proporcionada aos astros, diretores, produtores e até técnicos. A

gestão das carreiras de um ator ou atriz ficou fora das mãos dos grandes estúdios. As ações

dos produtores e diretores não estavam mais tão intimamente ligadas aos estúdios, como nos

anos anteriores, e a produção independente ou semi-independente (como Alfred Hitchcock38,

que já havia trabalhado na Era de Ouro em parceria com os estúdios, mas ainda era

considerado um free lancer, não tendo contrato com nenhuma empresa) ganhava espaço

naquela nova realidade. Muitos produtores e diretores optaram por trabalhar à serviço das

grandes companhias, mas operando em pequenos estúdios próprios. Algumas empresas, como

a Universal, atravessaram de maneira mais tranquila para a Nova Hollywood. Isso porque,

essa prática já era exercida no estúdio. “A Universal já tinha contratos com diretores

independentes [...], que arrendavam espaço do estúdio e faziam a distribuição pela

companhia” (SCHATZ, 1991, p. 463).

Como a partir da década de 1950 as bilheterias se esvaziaram, e a busca

constante por maneiras de agradar ao público e atraí-lo de volta as salas de exibição tomou

conta de Hollywood, a relação entre os estúdios e os atores se modificou. A necessidade de

grandes filmes que atraíssem a audiência dava mais força aos atores dessas produções. A

balança pendeu para o lado dos astros e estrelas, o que reforçou a modificação na relação

histórica entre atores e as companhias.

Assim, a partir do ano de 1948, o método de sucesso de fabricação de filmes

da indústria de Hollywood foi desaparecendo aos pouco. Algumas companhias relutaram mais

a desistir das velhas fórmulas, outras de maneira mais depressa aceitaram as novidades e se

adaptaram. De maneira geral, a indústria cinematográfica dos Estados Unidos ainda tentou

encontrar fórmulas para manter seu público. Pesquisas indicavam os tipos de filmes preferidos

pelo público e produções musicais como “Singin’ in the Rain”39 (“Cantando na Chuva”) e

“The Bandwagon”40(“A Roda da Fortuna”, no Brasil) foram respostas de Hollywood à análise

do interesse da audiência. Independentemente do gênero, a resposta para reaver sua audiência

38 Alfred Joseph Hitchcock (1899 – 1980) foi um cineasta inglês de destaque nop cinema americano.

Considerado um dos grandes nomes dos filmes de suspense foi responsável por obras reconhecidas como

"Foreign Correspondent" ("Correspondente Estrangeiro" – 1940), "Rear Window" ("Janela Indiscreta" – 1956) e

“Psyco” (“Psicose” – 1960) 39 Dirigido e estrelado pelo consagrado dançarino, cantor e ator americano Gene Kelly (1912 – 1996), o filme foi

lançado em 1952. Aparece em 5º na lista de 100 melhores filmes do cinema da AFI. 40 Lançado em 1953, o filme é uma comédia musical adptada da Broadway estrelado por Frad Asteire.

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parecia ser a concentração de esforços em produções de melhor qualidade, mais caras e de

maior apelo.

Mesmo com filmes que atendiam a expectativa do público, o cinema não

parecia ter força para recuperar o folego na década de 1950. A televisão era a novidade do

momento, e a indústria cinematográfica procurava algum tipo de inovação tecnológica para

fazer frente, algo surpreendente como a produção em cores ou os filmes sonoros. Durantes os

anos 50 a estratégia de tecnologias 3-D começou a ganhar espaço, na busca por essa inovação.

Diversas fórmulas foram testadas, todas com algum tipo de brilho passageiro. “Com tanta

novidade aparecendo ao mesmo tempo nos cinema, as receitas de bilheteria aumentaram em

1953 pela primeira vez desde 1946. Era, contudo, uma remissão temporária” (SKLAR, 1975,

p. 330). Apesar de alguns momentos de melhora na renda da bilheteria, a tendência geral nos

fins dos anos 1940 e na década de 1950 era de queda.

No início da década de 1960 uma análise das atitudes do público para

com a televisão pediu aos entrevistados que nomeassem o produto ou

serviço com o qual estivessem “pessoalmente mais satisfeitos” entre

automóveis, programas de TV, música popular, cinema e modas

femininas. Só 2% falaram no cinema, a menor expressão de

preferência entre as cinco opções. Quando os pesquisadores

procuraram comparar a televisão com outros “meios importantes... de

disseminação da informação e do entretenimento”, os entrevistados

falaram em rádio, revista e jornais, e não se deram sequer ao trabalho

de mencionar o cinema. (SKLAR, 1975, p. 332)

Esse era o retrato de Hollywood após o fim do sistema de estúdios. O

controle completo sobre a produção não era mais possível. A cadeia de

criação/produção/distribuição havia sido quebrada. Muito da produção fílmica dependia de

acordos, onde produtores independentes se associavam às grandes empresas; e essa nova

práticas se tornou mais comum. “Esses acordos reduziam a autoridade do estúdio,

fragmentavam a estrutura geral de poder da indústria cinematográfica e representavam os

mais claros sinais da florescente Nova Hollywood, livre do controle absoluto das grandes

companhias” (SCHATZ, 1991, p. 468).

Talvez a mais simbólica mudança para a Nova Hollywood foi a de estrutura

de poder nos grandes estúdios. Os velhos fundadores estavam perdendo espaço em suas

empresas, e uma nova geração de líderes jovens tomavam conta dos negócios. William Fox,

Louis B. Mayer e Adoph Zukor, entre outros, foram tirados de seus cargos, o que representava

uma mudança simbólica e prática na estrutura das empresas. Primeiramente era uma exigência

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de acionistas, que não aceitavam os balanços apresentados, onde eram mostrados que os

donos pagavam a si mesmos os maiores salários do país, sem devolver equivalente lucro a

empresa. Em segundo lugar existia um certo rancor da indústria para com os criadores. “O

processo contra os magnatas que se avelhantavam foi construído de inúmeros agravos e

ressentimentos individuais.” (SKALAR, 1975, p. 336). Havia também uma necessidade de

mudança na maneira de pensar. Os estúdios dependiam agora de produções em menor

quantidade, mas mais distintas e de maior orçamento, buscando o impacto da qualidade,

pensamento que não combinava com a maneira antiga. “Hollywood nunca abandonaria seu

apego a velhas fórmulas banais, nunca daria aos seus trabalhadores criativos a oportunidade

de fazer filmes de qualidade, enquanto dirigentes não fossem destronados” (SKLAR, 1975, p.

336).

“A ascensão da televisão trouxe novas oportunidades de diversificação”

(SCHATZ, 1991, p. 471), e essa demanda foi prontamente atendida por estúdios menores e

produtores independentes, já que as grandes empresas também foram impedidas pela Suprema

Corte de participarem dos negócios da televisão. Assim, surgiu em Hollywood a produção de

materiais exclusivamente direcionada para a transmissão de TV. Seriados, shows de

entretenimento e telefilmes eram criados para atender a demanda do novo veículo.

Em 1950, sem poder depender mais dos estúdios para distribuir suas obras,

Disney fundou a Buena Vista International, e passou a distribuir por meio de subsidiária suas

animações e longa-metragens.

Disney, que já tinha alcançado novas receitas além da exibição de seus

filmes, diferentemente dos demais estúdios, não viu a criação da televisão como uma ameaça

aos seus negócios. “Disney reconhecia uma oportunidade de ouro: a televisão poderia colocar

os produtos de seus licenciados diretamente nos lares das pessoas” (EPSTEIN, 2008, p. 41).

Gabler (2009) reforça essa ideia, afirmando que Disney “era fascinado pela

televisão” (p. 568), e ele sabia que o dinheiro necessário para financiar seu planos futuros

poderiam ser conseguidos no novo veículo.

Nessa época, ao invés de seguir a tendência de Hollywood e tentar boicotar

a nova mídia, Walt Disney comercializava produtos para a televisão. A primeira ideia surgiu

rapidamente. Em março de 1950, ele e Roy decidiram laçar um programa próprio com velhos

curtas da Disney (GABLER, 2009). Logo essa relação com o novo veículo se tornou um

sucesso, como, por exemplo, no programa The Mickey Mouse Club41. Essa afinidade de

41 Clube do Mickey no Brasil, foi um programa desenvolvido pela Walt Disney Productions e exibido rede de

televisão ABC no ano de 1955.

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Disney com a televisão gerou uma nova e fácil fonte de renda, já que as emissoras de tv

contratavam os serviços e as marcas de anunciantes pagavam os custos. Restava a Disney

disponibilizar os produtos – muitas vezes filmes já apresentados no cinema –, e além disso,

ele expunha gratuitamente seus personagens licenciados, como em um merchandising.

Na verdade, além da promoção de seus filmes e da renda para os estúdios, o

que Disney pretendia, segundo Gabler (2009), era uma parceria com uma rede de televisão.

Alguém disposto a investir no seu novo sonho: um parque e diversões. “Ele estava, na

verdade, tentando vender seus filmes antigos e o valor de sua reputação para financiar seu

parque” (p. 571)

E essa parceria Walt Disney com a televisão se tornou concreta em 1954,

quando ele negociou com a rede recém-criada ABC, para que o ajudasse a financiar o

empreendimento em Anaheim na Califórnia, a Disneylândia.

Essa era uma forma de entretenimento que ultrapassava os limites

bidimensionais do cinema, da televisão e das histórias em quadrinhos,

e permitia às crianças interagir com simulacros tridimensionais do

Mickey Mouse, Pato Donald, do Dumbo e de outros personagens

Disney. (EPSTEIN, 2008, p. 42)

A rede ABC contribuiu com 500 mil dólares e emprestou mais 4,5 milhões

para a criação do parque. Além disso, Disney produzia programas para a rede que eram

apresentados no horário nobre de domingo, funcionando basicamente como publicidade

semanal para o parque. Disney expandiu sua participação na indústria do entretenimento de

maneira díspar dos outros estúdios de Hollywood, procurando novos mercados e apostando

em seus produtos para além das imagens projetadas nas salas de cinema.

Para as outras companhias, o que chamou a atenção foi a estreia de

Disneylândia em 1955. A atração é considerado marco para a transformação da visão dos

estúdios com relação a produção de televisão. “A série da Disney foi uma espécie de

catalisador” (SCHATZ, 1991, p. 476). O estúdio Disney estava capitalizando demais com a

produção do programa o que levou a três grandes estúdios a começarem planejar suas próprias

séries do gênero.

O esforço de Disney para se integrar com o novo veículo mostrava mais

uma vez sua capacidade de se adiantar ao que parecia ser o futuro para os negócios de

entretenimento nos Estados Unidos. Dizia ele: “Integração é a palavra-chave aqui”

(EPSTEIN, 2008, p. 43). Foi a partir dessa visão que Hollywood – e Wall Street também –

percebeu qual seria a nova maneira de fazer negócios.

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3.2 – Negócios além do cinema na Nova Hollywood

Hoje, as faixadas em Hollywood podem parecer semelhante àquela dos anos

dourados da produção fílmica americana. Os grandes barracões com os estúdios ainda

permanecem nos mesmos endereços, e os nomes da maior parte das empresas continua igual,

porém, agora os estúdios são “impérios corporativos internacionais” (EPSTEIN, 2008, p. 24).

A Columbia Pictures agora faz parte da Sony Corporation, um

conglomerado japonês que fabrica eletrônicos, desde computadores, televisões até

videogames; a Warner Bros. pertence a Time Warner, uma corporação gigantesca que

engloba diversas outras empresas no ramo de comunicações, como a HBO e a American

Online; a Fox é propriedade da News Corporation, uma empresa australiana cujas atividades

principais incluem jornais, revistas e rede de televisão aberta e a cabo nos Estados Unidos e

Europa; a Universal pertence a General Eletric, a maior companhia industrial dos Estados

Unidos; e a Paramount é propriedade da Viacom Internacional, empresa proprietária de

diversas redes de televisão e rádio. Desde a década de 1990, em Hollywood, “os filmes eram

apenas mais um de seus muitos negócios” (EPSTEIN, 2008, p. 24).

O fim do sistema centralizado, onde todo o processo de criação fílmica

estava na mão dos estúdios, deu vez a um novo formato, a chamada Nova Hollywood. No

novo sistema, todo mundo é independente. O fim da possibilidade de controle total (forçado

pela Suprema Corte) deu início a uma proposta completamente oposta. Nessa nova ideia, um

filme é financiado por um grande estúdio, que não o faz mais. A execução em todas as suas

etapas está entregue a empresas independentes que desempenham suas funções sobre a

gerência do estúdio financiador.

O produto é entregue, sob permanente controle de agências de talentos

remuneradas com um percentual sobre todas as transações, a milhares

de produtoras, start-ups técnicas, pequenas e médias empresas

especializadas em escolha de elenco, pós produção, efeitos especiais e

criação de “trailers” promocionais. O filme é terceirizado a empresas

especializadas na Ásia, artesãos de Los Angeles, agências de

comunicação globalizadas e companhias especializadas na

distribuição de filmes em determinados países. Todos são

independentes, mas ligados por um contrato, num sistema

infinitamente mais complexo do que os estúdios de outros tempos.

(MARTEL, 2012, p. 88)

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A produção de cada filme é dividida em diversas que são, por sua vez,

repassadas a empresas independentes do próprio estúdio. Assim, como cada filme por si só é

um produto independente do outro. Para cada peça, geralmente, é criada uma produtora,

entidade jurídica, dirigida por um produtor contratado pelo estúdio só para a produção

daquele filme, num processo de contratação conhecido como “work for hire” (WFH). Esse

contrato estabelece que o contratado não é um assalariado, mas tem um vínculo para este

único trabalho. Ao mesmo tempo esse mesmo acordo estipula a cessão dos direitos autorais e

comerciais da obra ao estúdio.

A produtora, por sua vez, assina acordos WFH com diretores, atores e

empresas que prestarão serviços, que também cedem os copyrights ao estúdio, que então

abastecem a conta da produtora com dinheiro, para financiar o filme. “A nova Hollywood

onde todo mundo é independente é o oposto da velha Hollywood, onde todo mundo era

dependente” (MARTEL, 2012, p. 88)

Na visão de Martel (2012), os estúdios da Nova Hollywood se assemelham

muito a um banco. A função deles é gerir os interesses dos investidores, criar formas de

financiamento e angariar fundos para as produções. Eles negociam os direitos de exibição na

televisão, as cópias de disco para venda, os direitos de videogame e os acertos com empresas

com parceria comercial.

Epstein (2008) concorda com a visão dos estúdios como bancos, e

acrescenta que se tratam de “empresas de serviços, mais um banco de propriedade de direitos”

(2008, p. 114). Direitos sobre os livros, jogos eletrônicos, séries e toda a gama de lucros que

os filmes podem gerar. “Como bancos de direitos, são entidades muito diferentes de seus

predecessores” (EPSTEIN, 2008, p. 114)

Além disso, faz parte das funções gerenciar aporte financeiro de indivíduos

ricos que pagam para se associar aos filme. “Filantropos americanos, bilionários indianos ou

ricos príncipes árabes, atuam na comissão de economia e finanças do filme, menos para

investir do que para se misturar um pouco no glamour hollywoodiano” (MARTEL, 2012,

p.89). Segundo Epstein, esses financiadores se tornaram importantes na lógica administrativa

de Hollywood. A lógica de “vender” o prestígio do estúdio a financiadores “civis” facilitou a

entrada de dinheiro e o risco de prejuízos, tanto que a Paramount, na década de 1990, exigiu

“que todos os filmes do estúdio recebessem pelo menos 25% de seu financiamento de

investidores externos” (EPSTEIN, 2009, p. 120-121).

Além dos serviços financeiros e do controle do copyright, é função do

estúdio cuidar das regulamentações, negociando, por exemplo, com a MPAA uma

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classificação que não seja desfavorável ao filme. Além disso, a coordenação de distribuição

dentro e fora dos Estados Unidos fica a cargo do estúdio. “A principal tarefa dos estúdios hoje

em dia é cobrar remuneração pelo uso das propriedades intelectuais que eles controlam”

(EPSTEIN, 2008, p. 114).

Muitos parceiros comerciais costumam adiantar pagamentos pelo

licenciamento de personagens para itens diversos, como videogames e brinquedos. Esse

dinheiro costuma gerar uma receita muitas vezes superior a outras parcerias comerciais, como

o merchandising42, por exemplo.

A venda dos discos para casa, como DVD e Blu Disc também fazem parte

das novas formas de arrecadação dos estúdios. “Quando se considera as fonte de receita

isoladamente, a maior entrada de dinheiro provém das vendas de DVD” (EPSTEIN, 2008,

p.123). Na sequência de arrecadação está o licenciamento para a televisão, que dependendo

do filme pode se estender por 10 anos.

Além disso o dinheiro do lançamento fora dos cinemas, que inclui a

exibição no interior de aviões, pay-per-view e a apresentação em bases militares dos Estados

Unidos são consideradas boas fontes de renda. “Os filmes podem obter rendas substanciais

desses mercados” (EPSTEIN, 2008, p.123)

Essa lógica de buscar novas fontes de lucros, onde quer que possam estar,

apesar de muito antiga, não foi rapidamente aceita. Os grandes estúdios do novo sistema

seguiram os passos trilhados por Disney nas décadas de 1930 e 1940, mesmo que resistentes

com o novo formato. A MGM, por exemplo, só aceitou licenciar o personagem Pantera Cor-

de-Rosa em 1964, para descobrir depois que os produtos licenciados davam mais lucro do que

o próprio filme. Mesmo assim, ainda na década de 1970, muitos estúdios só usavam os

produtos para promover as produções. O lançamento do filme “Star Wars”43 (“Guerra nas

Estrelas”), em 1977, além do marco para a produções fílmica, deixou um legado sobre o

potencial de lucro dos licenciamentos. Como estratégia de marketing, a 20th Century-Fox

cedeu os direitos de licenciamento aos anunciantes. A escolha se mostrou completamente

errônea após o lançamento do filme.

Foram vendidos mais de 4 bilhões em produtos relacionados com o filme, o

que, a um royalty de 6% sobre o preço no atacado, teria gerado 120 milhões

42 Inserção de uma marca ou produto dentro de uma cena do filme. 43 Considerado um marco no cinema, idealizado, escrito e dirigido por George Lucas, o primeiro filme da série

“A new Hope” compõe um total de seis produções para o cinema, divididas em duas trilogias. A série de filmes

já rendeu mais de 150 jogos de videogame, shows de televisão e inúmeros brinquedos. O primeiro filme ganhou

7 Oscars e foi indicado a outros 4.

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em taxas de licenciamento. Depois do sucesso de merchandising de Guerra

nas Estrela, os principais estúdios aprenderam a lição e mudaram de

estratégia, visando tirar o máximo proveito do potencial dos filmes de

venderem brinquedos, camisetas e outros produtos. (EPSTEIN, 2008, p.

229).

Essa parte do negócio é tão grande, que segundo Epstein (2008), no ano

2000 a venda de personagens inspirados em filmes rederam U$ 40 bilhões em licenciamentos.

Videogames, brinquedos, trilhas sonoras, gêneros alimentícios entre outros, são base de

ganhos para Hollywood. Hoje a venda de produtos associados aos filmes é o que mais rende

dinheiro aos estúdios. Ideia iniciada por Walt Disney, antecipando o modo de arrecadação do

cinema nos Estados Unidos.

Além das fontes de renda, existem outras diferenças na nova forma de

produções que em nada se assemelham com a Era de Ouro. A relação entre as estrelas e os

estúdios se alterou completamente após o fim da década de 1940. A primeira mudança foi a

remuneração, que subiu astronomicamente, transformando-a nos maiores salários em todo

processo de produção. O fim dos longos contratos de exclusividade, colocaram os astros no

meio de uma guerra de ofertas salariais entre estúdios, o que só fazia aumentar seus ganhos.

Normalmente, além da remuneração mínima pelo trabalho, grande parte ainda fica com uma

parcela da renda do filme. Corrigindo a inflação, um astro nos anos 2000 ganhou em média 30

vezes o que ganhava uma estrela de mesma grandeza na década de 1940.

Muitos atores, impulsionados pelos enormes ganhos, passaram a ser donos

de suas produtores, que executavam seus próprios filmes. Assim, tem facilmente atendidos os

seus desejos, como a escolha do restante do elenco, diretores, maquiadores, dublês e outros.

“Não raro, amigos, esposas e parentes são incluídos na folha de pagamento da empresa como

produtores, escritores e consultores” (EPSTEIN, 2008, p. 261). Outros, ao invés disso,

emprestam prestígio a produções independentes, fazendo pequenas aparições ou participando

como co-produtores, promovendo ascensão a diretores e atores menores.

É claro que a fama, o respeito e o altos ganhos são adquiridos em troca de

uma contrapartida,

esses atores alcançaram o estrelato na comunidade não somente por

causa da facilidade de encarnar seus personagens – a qualquer hora é

possível encontrar em Hollywood uma infinidade de atores e modelos

capazes de se adequar a estereótipos semelhantes –, mas também por

adotarem prontamente valores da comunidade. (EPSTEIN, 2008, p.

263).

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Entre esses valores, destaca-se a ética de que “o show deve continuar”. A

maioria dessas estrelas são consideradas extremamente disciplinadas. Se um ator ou atriz não

aparecer em uma gravação, abandonar o set de filmagem ou atrasar o encerramento de um

filme, existe um contrato com uma empresa seguradora, que irá ressarcir os prejuízos. Esses

contratos são firmados entre a seguradora e os astros somente depois de uma bateria de

exames físicos e psicológicos, para atestar a disponibilidade para o trabalho. “Se a produção

não consegue obter seguro para os astros, também não consegue a garantia de conclusão do

projeto exigida pelos bancos e financiadores externos” (EPSTEIN, 2008, p. 364).

Mesmo se uma produção não depende de financiamento externo, os estúdios

costumam dar preferência para atores que demonstrem maior comprometimento com a

realização do filme. Cada dia extra de filmagem, de uma grande produção que atrase, aumenta

o orçamento entre 100 mil e 250 mil dólares diários. Assim, os produtores evitam astros que

são conhecidos por causar atrasos ou ter temperamento inconstante. “Com a ajuda tácita das

agências de talentos, os estúdios eliminam, logo de início, as pessoas que não compartilham

com a ética profissional da comunidade” (EPSTEIN, 2008, p. 266)

E por fim, outra característica dos astros, na Nova Hollywood, é permanecer

no personagem. Isso significa manter uma coerência entre o que é apresentado na tela e fora

dela, como em eventos ou entrevistas. Se costumam ter performances de papais românticos,

devem manter a mesma postura fora do filme, mencionar relações (mesmo que não tenham

acontecido) e sustentar uma postura semelhante aos personagens fictícios. Essa relação é vital

para a aceitação do público. Segundo Epstein (2008), quando a atriz Winona Ryder foi presa

furtando uma loja em 2002, foi gerado um conflito com a sua “personagem”, tornando difícil

escalá-la para papeis inocentes, que ela vinha desempenhando até então.

Os atores que alcançam as posições mais altas no estrelato, portanto,

tem qualidades que vão além de sua habilidade de representação e de

sua aparência física, entre as quais se destaca a capacidade de se

identificar com os valores da comunidade de Hollywood. Essa virtude

é descrita, nas solenidades de premiação da Academia e em outras

ocasiões cerimoniais, como “profissionalismo”. (EPSTEIN, 2008, p.

267)

Essa relação existe independentemente do filme real action ou de animação,

já que mesmo com a facilidade da computação gráfica, dando vida a personagens fantasiosos,

são os atores que dublam e emprestam as expressões faciais e até os movimentos do corpo aos

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personagens44. Além do destaque atribuído aos astros, comuns em todas as obras de

Hollywood, ser o mesmo em uma animação.

Além da relação entre astros e estúdios, outra transformação na mudança a

Nova Hollywood também pela reformulou as ações da MPAA. A associação se transformou

com as novas práticas adotadas depois do fim do sistema de estúdio. A MPAA também se

reformulou “tornando-se um elo com os governos estrangeiros ou, como ela agora se

descrevia, um ‘ministério do Exterior’ de Hollywood.” (EPSTEIN, 2008, p. 104). Além disso,

ela negocia com sindicatos de atores e diretores e regulava as regras de exibição classificando

os filmes em faixas etárias.

A MPAA também exerce a função de lobista dos estúdios junto a

congressistas americanos. Os interesses de Hollywood ficavam nas mãos da Associação,

como parte capaz de intervir junto à órgãos do governo por favores e na aprovação de leis que

ajudassem nos negócios. Essa função, junta todos os estúdios em cooperação como forma de

fortificar a MPAA como sua representação. “A célebre Motion Picture Association of

America é o lobby e o braço direito dos estúdios hollywoodianos.” (MARTEL, 2012, p. 25)

A MPAA – MPA (Motion Pictures Association) fora dos Estados Unidos,

para ficar menos americanizado – é o braço direito dos estúdios de Hollywood e faz lobby

junto ao governo americano e do mundo em nome dos estúdios. Fica sediado em Washington

e foi presidida, de 1966 a 2004, por Jack Valenti45, um dos homens considerados responsáveis

pela transição da era dos estúdios para a Nova Hollywood. “Hoje, a MPAA é dirigida por um

conselho administrativo composto por três representantes de cada um dos seis principais

estúdios (Disney, Sony-Columbia, Universal, Warner Bros., Paramount e 20th Century Fox).”

(MARTEL, 2012, p. 27)

O lobby, relatado por Martel (2012), sugere ações como a construção de

uma sala de cinema “ultramoderna” montada na Casa Branca, sob a presidência de Ronald

Reagan46 na década de 80, com direito a pedidos presidenciais para os últimos filmes

produzidos por Hollywood, alguns deles ainda sem serem lançados, mas que eram

44 Vale destacar o ator britânico Andy Serkis (Andrew Clement Serkis [1964 – ]), que ganhou notoriedade por

interpretar personagens digitais no cinema, como na trilogia de “Senhor dos Anéis” (representando Gollum), em

“King Kong” de Peter Jackson (interpretando King Kong) e em “O Planeta dos Macacos a Origem” (dando vida

a César). 45 Jack Joseph Valenti (1921 –2007), foi um conhecido lobista do cinema americano e presidente da MPAA por

38 anos. Antes da carreira no cinema foi assessor do presidente Americano Lyndon Johnson. 46 Ronald Wilson Reagan (1911 – 2004) foi o 40º presidente dos Estados Unidos da América, de 1981 até 1989.

“Foi no governo de Reagan que os estúdios foram autorizados a adquirir rede de televisão e até, apesar de uma

proibição decidida pela Suprema Corte em 1948, a possuir salas de cinema” (MARTEL, 2012, p. 34)

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encaminhados para as sessões de cinema presidencial; ou a arrecadação de fundos para

possíveis candidatos com tendências simpáticas aos interesses hollywoodianos.

Uma preocupação constante para um estúdio que financiou um filme e o

está distribuindo é a classificação indicativa que este terá. Além dos estúdios, as próprias salas

de apresentação tem que observar a audiência de cada filme, já que as implicações legais são

responsabilidade do cinema. Essa classificação indicativa é outra função da MPAA. A

atuação de Jack Valenti como teve como destaque a criação do “rating system” ou o sistema

de classificação etárias, um novo código para substituir o Código Hays. Ao ser nomeado para

a MPAA em 1966 Valenti surgiu com a ideia deste sistema como forma de permitir ao cinema

um autocontrole de suas produções. Segundo Martel (2012), Valenti propôs que o próprio

cinema decidisse sobre suas produções, classificando ele mesmo os conteúdos, e evitando a

censura. “Eu quis que fosse Hollywood a se regulamentar: a própria indústria o decidiu, e não

o governo ou o Congresso”. (2012, p. 30)

Segundo Epstein (2008, p. 203), “por isso, antes de aprovar um lançamento,

os executivos dos estúdios consultam o comitê de classificação. Por meio de negociações às

vezes longas e árduas, eles determinam quais palavras, imagens ou menos cenas inteiras

devem ser eliminadas”, isso visando alcançar a adequação na classificação indicativa

desejada. Na verdade, a classificação indicativa que é concedida pela MPAA não é tão

diferente de sua função anterior, quando se tratava de zelar pelos bons costumes e modos

americanos por meio do Código Hays.

O lobby se estende aos mercados internacionais. Com ajuda do

Departamento de Comércio Exterior, Departamento de Estado e das embaixadas americanas

“pressiona os governos para liberar mercados, suprimir cotas de exibição e direitos

alfandegários e temperar a censura” (MARTEL, 2012, p. 29)

As estratégias do mercado internacional se diversificam. Por exemplo,

montar distribuidoras locais e incentivar as coproduções. Estratégias que funcionam bem na

Europa e América Latina. Essa era uma reação a mudança da antiga forma para os novos dias

do cinema americano. Na década de 1950, “as locações no exterior e o investimento norte-

americano na produção estrangeira se haviam tornado elementos essenciais à sobrevivência

financeira de Hollywood” (SKLAR, 1975, p. 321)

No Brasil, segundo Martel (2012), o “homem-forte” da MPA é Steve

Solot47, que promove os filmes de Hollywood no país. O cinema americano ocupa cerca de

47 Economista formado pela Universidade de Boston, nasceu em 1952, na cidade de Tucson no estado do

Arizona. Chegou ao Brasil em 1981 como representante para a América Latina da Motion Pictures Association.

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80% das bilheterias no Brasil. O restante é preenchido com coproduções brasileiras/

americanas e algumas produções independentes do cinema nacional.

A relação de Hollywood com os países da América Latina não é diferente.

Os interesses são tratados por meio de lobby. Durante diversos anos o representante desses

interesses foi Harry Stone48. Com acesso fácil as principais lideranças do Brasil, Argentina,

México e até Venezuela, Stone cativava a elite e políticos desses países com festas suntuosas

e exibição de grande lançamentos do cinema americano. Segundo Jack Valenti, em entrevista

a Martel. “Quem quer que fosse o presidente do Brasil, Harry era seu amigo. [...] Ele conhecia

todos os presidentes da América do Sul.” (2012, p. 36). Essa influência resultava em ações

práticas para a proteção da indústria de cinema americano.

“Quando o México tentou estabelecer cotas para proteger sua indústria,

Steve Solot instalou-se na Cidade do México para coordenar uma estratégia de

contraofensiva. Com o apoio de Jack Valenti e do Congresso americano, em Washington, a

MPA conseguiu derrubar o projeto de lei mexicano e anular as cotas” (MARTEL, 2012, p.

35)

A ação da MPA ajuda na facilitação da distribuição de filmes americanos,

na eliminação da taxação e de impostos e em melhores taxas de câmbio para remessa de

receitas. E a Associação trabalha cooperando para todos os estúdios. Há uma união e não uma

concorrência nos mercados latino-americanos. Alguns dos grandes estúdios administram

cinemas e operações em comum, já que as regulações estabelecidas na década de 1940 nos

Estados Unidos não tem valor fora do país.

Outro ponto importante nas ações da Associação fora dos Estados Unidos e

principalmente em mercados como o latino-americano e a China é a ação contra a pirataria.

Martel (2012) afirma que atualmente essa se tornou a prioridade mundial da MPA.

Vale ressaltar que a função da MPAA ainda é atender os interesses

hollywoodianos em Washington e reforçar as ações de lobby das grandes empresas.

3.3 – A Nova Disney e a animação digital

As empresas Disney seguiram a lógica de produção e criação que foram

marca de Walt Disney, antecipando em muitos anos o sistema de produção de Hollywood: a

indústria fílmica é só o primeiro elo de uma corrente de eventos que vai desembocar em

48 (1939 – 2013), era formado pela escola para diplomatas de Georgetown, Stone chegou ao Brasil na década de

50. Trabalhava fazendo lobby pra a indústria de cinema americano em toda América Latina.

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discos, filmes caseiros, shows de televisão, brinquedos e uma diversidade de outros produtos

licenciados; além de produções para os parques temáticos.

As franquias estão no cerne do modelo. Os filmes da Disney seguem

uma lógica praticamente imutável: primeiro os desfiles, ou paradas,

nos quais os novos personagens são apresentados e integrados ao

público, depois a comédia musical e finalmente o show para os navios

de cruzeiro. (MARTEL, 2012, p. 64)

Na Nova Hollywood o estúdio de animação Walt Disney se transformaram

em The Walt Disney Company, uma empresa que representa a diversificação adotada pelos

demais estúdios. Ela é uma megacorporação que engloba uma série de grandes empresas,

como a rede de televisão ABC (a primeira parceira da então Disney Productions em 1955,

para a produção de programas de televisão), diversos canais de TV a Cabo – entre eles o canal

esportivo ESPN –, os estúdios Touchstone, Miramax e Pixar, a editora de quadrinhos Marvel

Entertainment e parques temáticos ao redor do mundo. “Com isso, a Disney se transformou

em um verdadeiro emblema da cultura mainstream globalizada” (MARTEL, 2012, p. 66).

A companhia além de dona de redes de televisão, tv a cabo, redes de rádio,

parques temáticos e navios de cruzeiro, A Walt Disney Company se transformou numa

“verdadeira e completa empresa de entretenimento no vasto firmamento das indústrias do

setor”, declarou Micheal Eisner49, certa vez (EPSTEIN, 2008, p. 25).

E o grande marco na transformação do estúdio de animações para essa

corporação pode ser percebido na contratação de Michael Eisner como presidente, em 1984.

Ele foi o responsável por tirar o estúdio de uma acomodação e voltar a produção de grandes

animações. A ideia dele se pautava em privilegiar a história e os personagens. “Para Einser, os

projetos de filmes devem ser orientados sobretudo por uma história solidamente construída”

(MARTEL, 2012, p. 67). O foco das produções estava em personagens cativantes, evitando

atores conhecidos que cobravam altos cachês e parte das bilheterias, histórias simples e com

“happy end” certeiro.

Outra estratégia foi a internacionalização da empresa. As produções

ganharam contornos globalizados, com a contratação de artistas de diversas partes, em

diversas funções. Numa apresentação de um dos parques, um ator asiático interpreta o

personagem Aladim, “pois a Disney tem uma política de recrutamento deliberadamente

voltada para a diversidade” (MARTEL, 2012, p. 65).

49 Michael Dammann Eisner (1942 – ), é um empresário americano, e foi presidente das organizações Disney

entre os 1984 e 2005.

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Por fim, a estratégia de verticalização de todos os departamentos e filiais da

corporação. A ideia é que todos os “conteúdos culturais devem ser produzidos pelo grupo

detentor do copyright, para em seguida serem reproduzidos ao infinito em todos os formatos”

(MARTEL, 2012, p. 68). No cinema, em parques temáticos, da televisão ou em home vídeos

(DVD e Blu Disc), livros e toda a gama de licenciados. A empresa opera no que Eisner

definiu como sinergia no consumo de seus produtos. Para Epstein (2008), Eisner ainda

mantinha o mesmo objetivo fundamental de Walt Disney: “desenvolver fortes franquias de

marcas e personagens” (p. 43).

Apesar da renovação da marca, Eisner passou ao largo de questões políticas

durante os anos de 1980 e 1990. A proibição do Gay Day dentro da Disneylândia e só

tardiamente a liberação para casais homossexuais nas festas em parques da empresa

representavam a tentativa de manter a marca sob um véu de inocência. O próprio Micheal

Eisner “revisou o roteiro do filme Garota Veneno (The hot chick50), de 2002, assinando vinte

piadas que ele considerava incompatíveis com a imagem da Disney” (EPSTEIN, 2008, p.

160). A empresa jamais se arriscou em ter um filme censurado para menores de 13 anos, e

para tal público disponibilizava suas criações por outros estúdios, como o Miramax e

Touchstone.

A passagem de Michael Eisner pela Disney foi marcada por um episódio

trágico, do ponto de vista empresarial. Em 1985, a empresa de animações digital foi Pixar foi

“oferecida” a Disney. A empresa que era parte de George Lucas foi apresentada à Roy

Disney. “[Roy Disney] visita as instalações e fica encantado com a capacidade de reinvenção

do cinema de animação através do digital e do 3D, ao passo que a Disney continua realizando

seus desenhos animados à mão” (MARTEL, 2012, p. 71) O co-criador dos estúdios de

animação pareceu interessado no negócio, “mas Eisner recusa categoricamente: ‘nós não

somos uma empresa de R&D’, teria declarado Eisner, querem do dizer que a experimentação,

a pesquisa e desenvolvimento não eram seu objetivo” (MARTEL, 2012, p. 71). A Disney

adquiriu a Pixar em 2006, por um valor 74 vezes maior do que a proposta de 1985.

A história muito reconhecida na indústria do cinema e da cultura pop, além

de marcar a passagem de Michael Eisner no comando da Disney, apresentou uma realidade

que estava pronta para se chocar com o processo de produção da tradicional empresa de

animação. A criação digital de personagens, cenários e histórias estava prestes a integrar de

50 É uma comédia de 2002, produzido pela Touchstone Pictures, Walt Disney Pictures e Happy Madison e

distribuído por Touchstone Pictures e Buena Vista International. Estrelado por Rob Schneider e Rachel

McAdams.

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vez a vida da produção fílmica de Hollywood. Roy tinha percebido que a animação estava

perdendo força e as tecnologias de criação digital poderiam representar o futuro.

A reunião entre as duas empresas aconteceu em 1995, na primeira criação

de destaque da Pixar. A parceria foi firmada no mesmo modelo que operava comumente em

Hollywood. A Disney entrou com o financiamento do filme e com a distribuição, a Pixar se

encarregava da produção. Apesar de ter uma história já consolidada na criação digital e 3D,

principalmente na produção de curta-metragens, a parceria com a Disney é que deu destaque a

empresa. A proposta era a criação de uma história onde brinquedos ganhassem vida. O

resultado foi a animação digital “Toy Story”, lançada em 1995, arrecadando U$ 191 milhões

nos Estados Unidos e U$ 356 milhões no restante do mundo, batendo diversos recordes de

bilheteria na semana do lançamento. Além disso, o filme recebeu 3 indicações ao Oscar em

1996, mas a maior premiação estavam nas inovações que ele propunha. “Com Toy Story, o

cinema de animação torna-se não só um dos setores mais rentáveis de Hollywood, mas

também um dos mais criativos” (MARTEL, 2012, p. 73).

Depois de “Toy Story”, a Disney fechou um contrato para a produção de

sete longas-metragens51, podendo exigir o controle completo sobre o produto, e garantindo o

financiamento e a distribuição das obras. “Não demora, e a parte da Pixar nas rendas do

estúdio de animação da Disney chega a 97%, graças a esse contrato” (MARTEL, 2012, p. 74).

Segundo Epstein (2008) o estúdio de animação digital, com os longa-metragem produzidos

para a Disney, entre 1995 e 1999, representaram mais de 50% de toda renda da sua divisão de

filmes.

A parceria entre as duas empresas passou por altos e baixos durante o

período de 1995 até 2006, quando a Walt Disney Company comprou a Pixar por U$ 7,4

bilhões. Porém, em 1986 o empresário Steve Jobs52 havia pagado U$ 10 milhões pela Pixar,

proposta que Michael Eisner havia recusado, apesar da insistência de Roy Disney.

Além dos números da negociação, o importante é ressaltar que a Pixar, e

também sua parceria com a Disney, mudou o cinema de animação, promovendo mais uma

inovação na forma de Hollywood de contar histórias, tão significativas – do ponto de vista

tecnológico – como as que Walt Disney promovia nas décadas de 1920 e 1930. Nesse sentido,

apesar da animação “Rio” não ser produzida pela Disney/Pixar, entender a história e relação

51 “Vida de Inseto” (1998), “Toy Story 2” (1999), “Monstros S.A”. (2001), “Procurando Nemo” (2003), “Os

Incríveis” (2004), “Carros” (2006) e” Ratatouille” (2007)

52 Steven Paul Jobs (1955 – 2011) foi um inventor e empresário e americano no setor da informática. Ficou

conhecido por fundar, junto com Steve Wozniak, em 1976 a empresa de computadores e periféricos Apple Inc.

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entre as duas empresas é importante para se conhecer e compreender as animações digitais de

Hollywood.

3.4 – Hollywood recria o Rio

Seguindo a mesma lógica de produção da Nova Hollywood, o

financiamento e distribuição da obra foi feita pela 20th Century-Fox. A empresa fundada em

1915 por William Fox, teve o início semelhante aos demais estúdios de Hollywood e seguiu o

mesmo curso dos demais na modernização e transformação em megacorporações.

William Fox, fundou a Fox Film Corporation e se tornou um dos grandes

estúdios de Hollywood, produzindo e distribuindo filmes e suas próprias salas de cinema,

como os demais estúdios durante a Época de Ouro. Em 1927 tentou a compra da MGM, que

pertencia ao recém-falecido Marcus Loew53. O negócio foi questionado por Louis B. Mayer e

denunciado pela lei antitruste. Em 1929, o empresário foi à bancarrota, por dificuldades na

fusão das empresas, somado a um acidente de carro que o debilitou. E “ao tentar subornar um

juiz do processo de falência, fora preso” (EPSTEIN, 2008, p. 20). Sem recursos, o império de

Fox só encontrou uma solução. Em 1935 os bancos proprietários do estúdio Fox Film

começaram a negociar uma fusão com 20th Century Pictures.

Em 1981, a empresa ainda era um dos grandes estúdios de Hollywood, dono

de franquias como “Star Wars” e estúdio de filmes de sucessos desde os anos 1930, porém,

naquele momento o estúdio passava por dificuldades. Com a crise do fim de sistema de

estúdio a empresa teve problemas de se recuperar e tinha vendido parte de suas propriedades à

incorporadoras como forma de financiar filmes épicos na década de 70. “Apesar de três

décadas de esforço heroico, o estúdio estava agora incapaz de competir com o entretenimento

doméstico e havia se colocado à venda” (EPSTEIN, 2008, p.70).

Assim, dois empresários do ramo de petróleo, Marvin Davis54 e Marc

Rich55, juntaram forças para comprar a Fox por U$703 milhões. Logo após, Rich passou a ser

investigado pelo governo americano, num caso de sonegação de impostos, e deixou o páis,

dando a Rupert Murdoch 56a chance que ele esperava.

53 Marcus Loew (1870 – 1927). 54 Marvin H. Davis (1925 – 2004) foi investidor e empresário do setor de perfuração de gás e petróleo.

Presidente da Davis Petroleum. 55 Marcell David Reich (1934 – 2013) foi um negociador internacional de commodities. 56 Keith Rupert Murdoch, (1931 – ) é um empresário australo-americano da área de mídia. De acordo com a

revista Forbes de 2013, Murdoch é a 91ª pessoa mais rica do mundo, e a 33ª nos EUA. Com uma fortuna de 13,4

bilhões de dólares.

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Murdoch veio de uma família abastada da Austrália. Seu pai, Sir Keith

Murdoch, possuía uma cadeia de jornais, e inaugurou a primeira emissora de rádio do país.

Ele morreu em 1952 deixando como herança para o filho um pequeno jornal australiano, o

Adelaide News. Começando com esse negócio, o empresário prosperou rapidamente. “No

final da década de 1960, Murdoch se tornara o mais poderoso homem de mídia da Austrália”

(EPSTEIN, 2008, p. 66). Em 1969 ele começou a expandir seus negócios para a Inglaterra.

Inicialmente o News of the World, posteriormente o The Sun. Dois tabloides de produção

barata e pouca repercussão. Em seguida ele comprou dois jornais representativos, Sunday

Times o diário Times, o mais antigo e respeitado jornal da comunidade britânica. A aquisição

de meios de comunicação na Europa continuou com a compra de ações de redes de televisão

aberta e paga.

Na década de 1970, Murdoch voltou seu olhar para a comunicação nos

Estados Unidos. A sua primeira tentativa foi com a compra da Warner. Sendo impedido, por

questões legais57. A sua próxima tentativa foi a Fox. “Em 1985, ele adquiriu as ações de Rich,

e, dois anos depois, comprou a parte de Davis” (EPSTEIN, 2008, p. 70), se tornando assim o

único dono do estúdio. Em seguida ele adquiriu a Metromedia, empresa que possuía um grupo

formado por dez emissoras de televisão, para isso ele teve que abrir mão da cidadania

australiana e se tornar americano.

As aquisições do empresário transformaram a Metromidia na quarta rede de

televisão criada nos Estados Unidos, depois da CBS, NBC e ABC. Por meio de várias

aquisições ele adicionou a Fox uma série de canais de tv a cabo com programação infantil,

familiar e esportiva específica. Hoje a News Corporation é dona de uma redes de tv a cabo,

empresas de satélites e uma diversidade de canais de tv paga na Grâ-Bretenha, Austrália, Ásia

e América Latina, além dos EUA. Dentro esse império, 20th Century-Fox representa a

produção fílmica e é responsável e detendora dos direitos de franquias como “Star Wars”,

“X-Men”, “Planet of the Apes”, “Alien” e “Predator”, e é o estúdio responsável pelo filme

“Rio”.

Já a produção da animação ficou a cargo da Blue Sky Studios58, fundada por

Chris Wedge59, em 1987. A empresa americana foi criada como produtora de efeitos especiais

e animações de publicidade e trabalhou em curtas-metragens e em filmes conhecidos do

57 É proibido cidadãos estrangeiros possuírem redes de telecomunicações nos Estados Unidos. 58 Site oficial: blueskystudios.com. 59 John Christian Wedge (1957 – ), é animador, diretor de cinema e produtor de filmes de animação. Vencedor

do Oscar de 1998 na categoria curta de animação)

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grande público, como Titanic (James Cameron, 1997), Armageddon (Micheal Bay, 1998) e

Alien: Ressurreição (Jean-Pierre Jeunet, 2000) entre outros. A empresa pertence ao grupo

20th Century-Fox desde 1997, e em 1998 ganhou o Oscar na categoria curta-metragem de

animação pelo filme “Bunny”60. A empresa também é responsável pelas animações da série

“A Era do Gelo”61 e “Robôs” (2005), sob a direção ou produção do animador e diretor de

cinema brasileiro Carlos Saldanha.

Os dois primeiros longas-metragens de animação da Fox, “Anastásia”

(FOX, 1997) e “Titan” (FOX, 2000), produzidos através do método

tradicional, não tiveram o mesmo sucesso de bilheteria alcançado com

“A Era do Gelo”, codirigido pelo animador brasileiro Carlos

Saldanha. “A era do gelo” (FOX; BLUE SKY, 2002) permitiu a

visualização de importantes avanços na computação gráfica.

Caracterizada pela terceira investida do estúdio junto aos longas-

metragens animados. (FOSSATTI, 2009, p. 16)

O longa-metragem de animação “Rio” foi dirigido pelo brasileiro Carlos

Saldanha e estreou nos cinemas em 08 de abril de 2011, sendo até aquele momento o maior

lançamento da história do Brasil com 1.024 salas exibindo o filme. Além disso, a estreia no

país contou com a presença dos dubladores originais no Rio de Janeiro: Anne Hathaway62,

Jesse Eisenberg63, Jamie Foxx64 e Will.i.am65.

Carlos Saldanha, o diretor do filme, é brasileiro, nascido no Rio de Janeiro.

Saldanha estudou e se formou em Ciências da Computação e foi para os Estados Unidos se

especializar, onde estudou na Escola de Artes Visuais de Manhattan, em Nova York. O diretor

concluiu o mestrado em “Computer Art” nesta escola em 1993. Durante os estudos, foi aluno

de um dos criadores da Blue Sky, Chris Wedge, que o convidou para integrar ao time da

produtora66.

60 O curta foi dirigido por Chris Wedge, e estava presente na versão de DVD da animações A Era do Gelo em

2002. 61 Série conta com os filmes: “A Era do Gelo” (2002), “A Era do Gelo 2” (2006), “A Era do Gelo 3” (2009) e “A

Era do Gelo 4” (2012). 62 Vencedora do Oscar de Atriz Coadjuvante de 2012, por sua atuação em “Les Misérables”. 63 Mais conhecido por seu papel no filme “A Rede Social” (2010), onde interpretava o bilionário criador da

página Facebook, Mark Zuckerberg. O papel lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Ator. 64 Indicado ao Oscar de melhor ator Coadjuvante em 2004 pela atuação no filme “Colateral”. Vencedor do Oscar

de Melhor Ator em 2004 por seu papel no filme “Ray”. 65 Músico da banda americana The Black Eyed Peas. Além disso, atuou em outros sete filmes entre animações e

live action. 66 Disponível no link: http://vejasp.abril.com.br/materia/carlos-saldanha-a-producao-brasileira-pouco-conhecida-

la-fora, acessado no dia 18/12/2013, às 15:00.

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Na Blue Sky, antes de “Rio”, atuou como supervisor de criação da animação

“A Simple Wish” (1997) e animador no premiado “Bunny” (1998). Trabalhou também nos

efeitos visuais do filme “Fight Club” (1999), além de dirigir curtas animados. Em 2002 teve

seu trabalho de maior destaque como co-diretor, ao lado de Chris Wedge, na animação “Ice

Age”. Em 2005, também foi co-diretor de “Robots”. Em 2006 e 2009 assumiu sozinho a

direção de “Ice Age: The Meltdown” e “Ice Age: Dawn of the Dinosaurs”. No quarto filme

da série, “Ice Age: Continental Drift”, foi Produtor Executivo. Na animação “Rio”, Saldanha

participou como diretor e um dos roteiristas, ao lado de Earl Richey Jones e Todd Jones.

O longa-metragem tem ao todo 96 minutos, custou U$ 90 milhões para ser

feito. Seu elenco original contou, como é comum nas animações recentes de Hollywood, com

estrelas do cinema para dar voz aos personagens. O protagonista da história, Blu, foi dublado

por Jesse Eisenberg; o par romântico do protagonista, a arara azul Jade, foi dublada por Anne

Hathaway; a voz do tucano Rafael foi dada por George Lopez; A cacatua Nigel, vilão das

animações tem a voz Jemaine Clement; Jamie Foxx dublou o personagem Nico, um canário

amarelo; Pedro, um pássaro Galo-da-Campina, é dublado pelo músico Will.i.am; Linda, a

personagem dona de Blu, tem a voz de Leslie Mann e Rodrigo Santoro é o dublador de Túlio,

um humano, pesquisador de aves.

A dublagem brasileira do filme não contou com atores conhecidos, além de

Rodrigo Santoro, que dublou novamente o mesmo personagem. Os dubladores no Brasil

foram: Gustavo Pereira (Blu), Adriana Torres (Jade), Guilherme Briggs (Nigel), Alexandre

Moreno (Nico), Mauro Ramos (Pedro), Júlio Chaves (Luiz) e Luiz Carlos Persy (Rafael)

Uma das músicas que compõem a trilha sonora do filme, “Real in Rio”, foi

escrita e musicada pelos artistas brasileiros Sérgio Mendes, Carlinhos Brown, e pelo músico

americano Siedah Garrett. A canção foi indicada ao Oscar da Academia de 2012, na categoria

Melhor Canção Original, mas perdeu o prêmio para a música “Man or Muppet”, do filme The

Muppets.67

Segundo informações do jornal Folha de S. Paulo68, na época do

lançamento do filme, a animação “Rio” se tornou o primeiro filme da 20th Century-Fox

International a arrecadar mais de U$ 1 bilhão no ano de 2011. O desenho animado teve

repercussão positiva no mercado internacional e também dentro do país. Segundo dados do

67 “The Muppets” de 2011 é uma comédia musical, produzida pela Walt Disney Pictures e dirigida por James

Bobin. 68 Disponível no site: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/913494-com-rio-fox-e-a-primeira-a-arrecadar-us-1-

bilhao-em-2011.shtml. Acessado em 17/12/2013, às 17:00

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site especializado em cinema Filmeb69, a animação ultrapassou a bilheteria do filme Tropa de

Elite70, e se tornou a maior arrecadação do ano no Brasil, um faturamento de

aproximadamente U$ 42 milhões. O faturamento total com bilheterias foi US$ 48471 milhões

no mundo todo. No mesmo ano de seu lançamento, mais dois filmes de Hollywood tinham

como pano de fundo o Brasil e o Rio de Janeiro. O quinto filme da série “Velozes e

Furiosos”72 e o final da saga “Crepúsculo: Amanhecer: Parte 1”73, usavam como cenário o

país.

A repercussão positiva da animação nos mercados do mundo todo foi

acompanhada de produtos relacionados ao filme. O longa-metragem rendeu franquias para

videogames e dispositivos móveis. O jogo baseado no filme, “Rio: Multiplayer Party

Game”74, foi lançado em 12 de abril de 2011 para os consoles Nintendo Wii, Nintendo

DS, PlayStation 3 e Xbox 360. Outro jogo, “Angry Birds Rio”, foi lançado para dispositivos

móveis em março daquele mesmo ano, como um complemento para a série de jogos “Angry

Birds”75.

Além dos jogos, foram lançados livros voltados para o público em geral e

para o público infantil. No Brasil, o único a ser lançado foi “Rio”, pela editora Agir. O livro

conta exatamente a mesma história que se passa no filme. Publicado nos Estados Unidos pela

editora HarperCollins Childrens, o livro possui em sua versão original 144 páginas. Além da

versão que chegou ao Brasil, a editora lançou mais cinco publicações: “Rio: Birds of a

Feather”, “Rio: Greetings from Rio!”, “Rio: Learning to Fly” e “Rio: Blu and Friends”.

Com exceção do livro que conta a história do filme, os demais são sugeridos para a idade

entre quatro e oito anos.

69 Site http://www.filmeb.com.br, acessado em 18/12/2013, às 14:00. 70 Filme brasileiro, dirigido por José Padilha, estreou em 12 de outubro de 2007 e foi baseado no livro Elite da

Tropa, escrito pelos ex-oficiais do BOPE André Batista e Rodrigo Pimentel, em parceria com o antropólogo Luiz

Eduardo Soares. O filme foi vencedor do Urso de Ouro em Berlin no ano de 2008, como melhor filme. 71 Dados do site Box Office. Disponível no link: http://www.boxofficemojo.com/movies/?id=rio.htm/, acessado

no dia 25/02/2014, às 10:00. 72 É uma franquia de filme iniciada em 2001, com o primeiro longa da série. A história está ligada a crimes,

investigação policial e carros modificados para corridas ilegais de rua. O quinto filme da franquia Fast Five

(Velozes e Furiosos 5: Operação Rio) de 2011 é ambientado no Rio de Janeiro. 73 O filme teve cenas gravadas no Rio de Janeiro. No enredo, dois personagens estão na cidade para passar a lua-

de-mel. 74 Desenvolvido e distribuído pela THQ. 75 Angry Birds é uma série de jogos, inicialmente criada para dispositivos móveis, desenvolvidos pela empresa

finlandesa Rovio Entertainment. O primeiro jogo foi lançado para Apple iOS em Dezembro de 2009. Já foram

baixados, entre todas as versões do jogo, 1.7 bilhões de cópias. As versões incluem uma paródias da séries Star

Wars.

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O filme também conta com um site tipo web wiki76 próprio, com

informações e dados fornecidos e editados pelos fãs da animações. Atualmente, o site conta

com 197 artigos, todos criados e editados por admiradores das animações. Isso contando

somente com produtos midiáticos, ainda existem incontáveis licenciamentos de brinquedos,

produtos escolares, e uma infinidade de produtos com os personagens ou tema do filme. É

relevante destacar que o filme conta com uma continuação, lançada em março de 2014,

intitulado “Rio 2”77. O longa-metragem continua sob a direção do brasileiro Carlos Saldanha.

3.4.1 – Rio: a mesma cidade, 68 anos depois

Walt Disney viajou dos Estados Unidos para o Brasil nos anos 1940 com

sua equipe de animadores e pesquisadores para relatar no seu filme a América Latina. Nos

ano de 2009, uma missão semelhante foi iniciada por outro conjunto de artistas com um

objetivo mais específico: um filme que retratasse o Brasil, mais particularmente a cidade do

Rio de Janeiro. Agora, quase sete décadas depois, quem comandava essa equipe não era um

americano e sim o brasileiro Carlos Saldanha. (BERNARDO E OLIVEIRA, 2012, p. 674).

O pessoal sentiu o que era o Rio de Janeiro, tiraram fotos, viram como

eram as calçadas, os carros, o taxi, o mobiliário urbano, eles

começaram a olhar as montanhas, a vegetações. A gente fez uma

pesquisa minuciosa de como seria construir o Rio de Janeiro no

computador. (SALDANHA78, 2011)

Na visita, a equipe e o próprio Carlos Saldanha desfilaram na Escola de

Samba Mangueira79, no carnaval, como parte da experiência e da pesquisa para o filme. Ele

afirma que apesar de carioca, jamais havia frequentado o sambódromo.

Naquele instante, a cidade parecia o lugar certo para a realização de uma

história, nos moldes das animações de Hollywood. As atenções estavam voltavas para o Rio

de Janeiro, já quem em 2007 o Brasil tinha sido eleito a sede da Copa do Mundo Fifa80 de

76 O endereço do Wiki do filme Rio: http://rio.wikia.com/wiki/Rio_Wiki 77 O filme “Rio 2” não será discutido neste trabalho. 78 Entrevista concedida ao canal de cinema Tele Cine em 03/03/2011. Disponível no link:

http://www.youtube.com/watch?v=E7lbyEMXgJY. Acessado em 21/12/2013, às 14:00. 79 Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira é uma das mais tradicionais escolas de

samba do Rio de Janeiro, foi criada em 1928 e venceu 17 vezes o desfile de escolas de samba do grupo especial

da cidade. 80 Do original em francês significa Fédération Internationale de Football Association, é a entidade máxima do

Futebol no mundo.

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2014 e em 2009 ganhou do COI81 o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016, após duas

tentativas fracassadas anteriormente.

Tendo o país como cenário plausível para as animações, a história foi

idealizada por Carlos Saldanha – que também é um dos roteiristas – e tinha como pano de

fundo a discussão ambiental. Segundo ele, a ideia inicial era a realização de um filme, cujo

protagonista fosse um pinguim que chegava perdido a uma praia do Rio de Janeiro (fato

comumente visto nas praias do Brasil). Essa primeira proposta foi descartada, pois haviam

sido lançadas recentemente duas animações que tinham como personagens principais

pinguins82: “Happy Feet” (11/2006) e “Surf's Up” ou “Tá Dando Onda” no Brasil (06/2007).

Então, ainda acreditando na proposta inicial do protagonista como um pássaro, a história foi

modificada. A temática básica do filme começou a ser criada por volta de 2005, na transição

entre as animações “A Era do Gelo 2” e “A Era do Gelo 3”. Por fim, “o roteiro foi proposto

em 2009, por Saldanha e baseia-se no drama verídico de araras-azuis brasileiras que quase

foram extintas devido ao intenso tráfico de animais” (BERNARDO e OLIVEIRA, 2012, p.

676). Nas duas sugestões, com a arara ou com o pinguim, Saldanha pretendia que o pássaro

protagonista viesse de fora do Brasil – no caso de Blu, a arara do filme -, que retorna, pois

saiu capturada pelo tráfico ilegal de animais, ainda filhote.

Segundo Saldanha, a história foi criada sob a perspectiva do personagem. A

ideia era mostrar a (re) descoberta do país pela arara Blu. “Eu criei a história baseada no meu

personagem. [...] Eu fiz uma coisa muito específica para o personagem e não alguma coisa

generalizada. Eu quis dar um toque pessoal na trajetória do personagem.” (SALDANHA,

201183). A ideia era apresentar elementos da cidade baseados na visão do protagonista.

Em entrevista à Rede Tele Cine, Carlos Saldanha relatou que foi exigido por

ele uma grande fidelidade ao digitalizar os ícones da cidade, como pontos naturais e

monumentos. A ideia era transmitir essa “aura” carioca que impacta os visitantes de fora do

Brasil. “Rio é um filme que vem exaltar características de um povo alegre e um país mágico

cuja função é atrair o olhar estrangeiro para suas belezas naturais e culturais.” (BERNARDO

E OLIVEIRA, 2012, p. 676).

81 Comitê Olímpico Internacional é a entidade gestora dos Jogos Olímpicos e Jogos Olímpicos de Inverno.

Diversas entidades controladoras de vários esportes são filiados ao COI, como a Fifa, por exemplo. 82 Entrevista em áudio concedida à Folhaonline, disponível no link:

http://guia.folha.uol.com.br/cinema/ult10044u898468.shtml. Acessado em 20/12/2013, às 14:00 83 Entrevista em áudio concedida à Folhaonline, disponível no link

http://guia.folha.uol.com.br/cinema/ult10044u898468.shtml. Acessado em 20/12/2013, às 15:45:00

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3.4.2 - A animação “Rio”

É importante ressaltar que a transcrição das cenas tem como objetivo

auxiliar em alguns aspectos, para entendimento mais fácil de toda a história e dos elementos

gráficos do filme. Mas é trabalho impraticável tentar traduzir uma obra cinematográfica em

texto e imagens estáticas. Por isso, essa transcrição não representa toda a obra, e sim

elementos que resumem concisamente a narrativa e imagens importantes para a compreensão

do trabalho. Assim, algumas cenas serão detalhadas com um maior número de imagens,

enquantro outras cenas serão mostrada com menos detalhes visuais. Foram selecionados

trechos da animação em que a cidade do Rio de Janeiro e seus costumes estão representadas,

para a análise em contraposição à animação “Aquarela do Brasil”.

O filme começa com uma imagem panorâmica 1 (00:41), mostrando a

imagem computadorizada que reproduz o “Pão de Açúcar” e a “Bahia de Guanabara”, é

preciso ressaltar que neste filme, diferentemente de “Saludos Amigos!”, o formato de imagem

é 16:9, facilitando a panorâmica. A imagem se afasta revelando a floresta tropical atlântica,

limitando a cidade entre o mar. O nome da animação surge juntamente com cantos de

pássaros 2 (00:52). Em seguida 3 (00:57), uma pequena ave começa com um assovio a música

que abre a sequência inicial da animação. O pássaro decola 4 (00:58) e a animação mostra em

travelling84 e num plano lateral, o voo 5 (01:01).

84 É o movimento de câmera, no cinema, onde a imagem acompanha seguindo com o olhar a cena.

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Um samba que se iniciou no assovio do pequeno pássaro vai ganhando o

acréscimo de outros instrumentos – um agogô, um cuíca e percussão são adicionados à

melodia, à medida que a ave avança– durante o trajeto do pássaro o seu voo e a música vão

apresentando novas aves, que são colocadas em cena 6 7 8 9 (entre 01:10 – 01:21).

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Acompanhando o ritmo musical as aves imitam a coreografia de passistas

10 a(01:22). No instante seguinte 11 a(01:25) um pássaro vermelho aparece cantando (de

maneira semelhante à sambista em um desfile de escola de samba) “Ela batuca! Ela batuca!

Ela batuca!”, a letra é acompanhada por outras aves que fazem o coro da música 12 13. A

cena ganha um clima completo de desfile de carnaval, pássaros representam o som de

percussão batendo contra o peito 14 a(01:33), e a música ganha voz, cantada em coro pelos

pássaros dançando coreografadamente 15 16 17 (entre 01:36 e 01:53). A música executada é

uma composição original para o filme, “Real in Rio” (na versão em dublada em português do

filme, a letra da música não corresponde à tradução do original inglês).

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O voo de araras vermelhas é acompanhando pelo olhar do enquadramento, e

leva a visão de um buraco no tronco de uma árvores 18 (01:54), onde ao aproximar-se o olhar,

pode se ver um filhote de arara azul, o protagonista do filme 19 (01:58), o seu corpo começa a

se mexer seguindo o ritmo musical e o despertando 20 (02:05), ao sair da toca, embalado pela

música e pela coreografia das outras aves 21 (02:12), ele se prepara para tentar voar 22

(02:37), porém a música e o ambiente eufórico são bruscamente interrompido.

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Gaiolas e armadilhas aparecem repentinamente interrompendo a festa e

capturando as aves 23 (02:40), assustando a pequena arara azul 24 (02:41). Várias são

capturadas 25 (02:43) 26 (02:45), outras fogem amedrontadas. A comoção acaba fazendo Blu

cair da toca no chão 27 (02:50), onde fica assustado e perdido, vulnerável à captura 28

(02:59). O protagonista também termina numa gaiola 29 (03:04). A próxima cena mostra

diversas gaiolas dentro de um avião, em uma pista no meio da floresta 30 (03:06), na imagem

seguinte, duas sombras retratam um pagamento pelas aves capturadas 31 (03:07), e o avião

decola.

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O filme continua após um corte, apresentando um cenário frio e neve, uma

mesagem na tela avisa “not in Rio”, e um caminhão (com um anuncio de “aves exóticas”)

atravessa uma placa que anuncia o lugar: “Welcome to Moose Lake – Minnessota85”. O

veículo que carrega a gaiola de Blu a deixar cair na rua 32 (04:05), onde é achada por uma

menina 33 (04:34). Uma passagem de tempo é apresentada por uma sequência de fotografias,

85 Estado no norte dos Estados Unidos, Minnessota é conhecido por seu rigoroso inverno, onde a média de

temperatura é de -11ºC.

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que mostram o crescimento da garota e da ave, até o último retrato apresentar os dois adultos

34 (05:05).

A próxima sequencia mostra Blu e Linda num cotidiano, acordando,

fazendo higiene e tomando café juntos, para em seguida abrirem a loja de livros que fica no

piso inferior da casa 35 (05:05). Os dois parecem levar uma vida convencional, apesar da

arara ser provocada por pássaros silvestres, já que Blu é uma anima de estimação 36 (07:26).

Enquanto a arara se prepara para uma refeição, passa na frente da loja o ornitólogo brasileiro

Tulio Monteiro. Ele se interessa por Blu, e se apresenta como doutor em ornitologia do

Centro de Conservação do Rio de Janeiro 37 (08:14). Ele explica que estava procurando por

Blu, que pode ser o último macho da espécie e propõe leva-lo ao Brasil 38 (09:15), para

conhecer uma fêmea e reproduzir. A ideia é negada por Linda, que não gosta da ideia de

expor seu animal a viagem e outros possíveis desconfortos. Tulio percebe que a ave está

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muito domesticada e perdeu parte de suas aptidões naturais. Blu não sabe voar. Ao ter o

pedido negado, o cientista apela antes de partir, lembrando que toda a espécie poderá ser

extinta, caso ela não concorde.

Na cena seguinte, Blu tentar provar que não perdeu sua capacidade para

voar, e vai tentar executar um voo 39 40 (entre 10:55 e 11:20). No final ele não consegue e

termina enrolado na luzes que estavam sendo usadas como demarcação, imitando uma pista

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de aeroporto 40 (11:30). A tentativa frustrada da ave faz Linda perceber que aceitar a proposta

de Tulio pode ser boa para Blu, e ela decide partir para o Rio de Janeiro.

Após um corte, uma nova cena começa apresentando um cenário

completamente diferente. Um avião pousa em um aeroporto com o céu azul 43 (12:20), e uma

cidade ao fundo, rodeada por áreas verdes. Uma música, trilha sonora original do filme “Let

Me Take You to Rio”86, ao mesmo tempo que imagens da cidade são apresentadas,

86 Música resultado da parceria entre a cantora americana Ester Dean e do músico Carlinhos Brown.

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começando pela vista área da Bahia de Guanabara 44 (12:24) e os aquedutos conhecidos

como Arcos da Lapa 45 (12:26). Tulio leva Linda e Blu 46 (12:30), enquanto a Arara observa

admirada cenários da cidade 47 (12:57), como o calçadão de Copacabana e as pessoas na

praia jogando futevôlei e outros sentados ao redor dos quiosques.

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Num sinaleiro, o carro para e a viagem é interrompida por pessoas

fantasiadas para o carnaval, que assustam Linda 47 (13:03). Tulio explica à visitante que é

comum ver as pessoas fantasiadas, com pouca roupa, e dançando. “É a maior festa do

mundo”. Ao ver uma mulher dançando com biquíni e enfeites Linda questiona: “Nossa, ela é

dançarina profissional?” Mas Tulio reconhece a moça: “Não, ela é minha dentista!” 49

(13:25). Ainda parados no sinal vermelho, Blu conhece outros dois personagens: o canário

Nico e o galo-da-campina Pedro. A arara tem que usar um dicionário para cumprimentá-los

50 (13:45), e eles percebem que Blu é um turista, apesar de Nico afirmar que ele parece ser

brasileiro.

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O final da viagem é o Centro de Conservação Ambiental 51 (14:57), onde

Blu conhecerá a sua parceira, com quem poderá se acasalar e continuar a espécie. Dentro das

instalações, Tulio mostra a Linda diversas aves que estão sendo tratadas depois de terem sido

recuperadas de contrabandistas de animais. Entre as aves, está uma cacatua 52 (15:54), Nigel,

que será o vilão da história.

Dentro do centro de conservação Blu é colocado em um quarto – com um

aspecto que tenta imitar uma floresta – para conhecer Jade, porém a arara azul fêmea é

selvagem e tem um plano para fugir do cativeiro, e não parece interessada no protagonista 53

(17:30). Linda e Tulio deixam a sala de observação de onde podiam monitorar os pássaros

para deixá-los a sós. Eles saem para jantar e a segurança das araras fica sob responsabilidade

de um funcionário do laboratório. Silvio 54 (17:30), acaba distraído pelo desfile de carnaval

no rádio, e é enganado pela cacatua Nigel, que o deixa inconsciente, e abre as portas do

complexo para a entrada de um ladrão 55 (20:26).

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Enquanto Jade tenta executar seu plano de fuga, os dois pássaros são

capturados pelo ladrão de animais. A cena muda para Linda e Tulio jantando, uma situação

chama a atenção quando um homem animadamente oferece ao casal: “Picanha!” 56 (22:15).

O ornitólogo atende uma ligação e a cena é mudada para a frente do centro de preservação,

onde a polícia entrevista o segurança Silvio, e Linda e Tulio discutem sobre o furto dos

animais.

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Na cena seguinte, Jade e Blu estão sendo levados em uma gaiola coberta 57

(23:48). Os dois são entregues pelo ladrão – um menino magro e moreno, com uma camisa

regata amarela e com o número “10” –, chamado Fernando 58 (24:38), aos traficantes de

animais. Após uma tentativa de fuga frustrada das araras, elas são algemadas uma a outra e

colocadas em uma gaiola, numa sala cheia de outras aves presas. A prisão dos pássaros fica

em uma favela 59 (27:48), onde o menino Fernando mora sozinho (ele se declara sem pais ou

irmãos).

Os bandidos que ficam para guardar o cativeiro estão distraídos assistindo à

uma partida de futebol entre Brasil e Argentina, e Jade consegue uma forma de escapar do

barraco. A fuga é complicada, pois Blu não sabe voar, e os dois pássaros atravessam vielas e

ruas correndo a é dos bandidos e de Nigel. Vale notar que em diversas vezes durante a cena,

onde existem moradores, eles estão assistindo ao jogo na televisão 60 (32:41). No final da

sequência de ação, a dupla consegue fugir, deixando para trás os sequestradores e a cacatua.

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As araras acabam numa floresta. Os dois discutem sobre a falta de afinidade

de Blu com a vida selvagem e sua incapacidade de voar, enquanto ele se defende,

argumentando sobre as benesses da vida ao lado de um ser humano 61 (34:46). Os dois

dormem empoleirados num coreto, com uma visão da cidade do Rio de Janeiro62 (36:31). Na

manhã seguinte, Linda e Tulio procuram pelas aves, espalhando cartazes e distribuindo

panfletos. Ao voltarem para a instituição encontram Fernando que diz saber onde estão os

animais roubados. Linda pretende seguir o garoto, enquanto Tulio acha suspeita a atitude 63

(37:44). Na cena seguinte, os traficantes de animais alertam ao seu chefe que as araras

fugiram. Ele tem um comprador para os animais, mas deve entrega-los até a noite. Assim ele

comanda que Nigel ache Blu e Jade.

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De volta à Blu e Jade, os pássaros tentam separar a algema que os liga, e no

meio da floresta encontram o tucano Rafael. Cercado por 17 filhotes ele se os indega se os

dois estão indo para o carnaval. O tucano se propõem a ajudar: “Rafael conhece geral”, ele

afirma. A sua esposa, a tucana Eva, entra em cena 64 (41:42); desconfiada, ela acredita que o

tucano está arrumando uma desculpa para deixa-la e ir com os amigos curtir o carnaval. Ele

usa o charme para convence-la, lembrando que os dois se conheceram durante os festejos, e

termina cantando “Garota de Ipanema” para ela. Depois de convencer Eva a deixa-lo ir, ele

parece aliviado por conseguir escapar dos 17 filhos.

Mais um cenário carioca é ilustrado, uma imagem que mostra o Bondinho

do Pão de Açucar 65 (43:19). O movimento panorâmico da câmera continua, até mostra ao

fundo o Cristo Redentor, em um plano aberto, que apresenta quase toda a cidade. A câmera

mostra a estação do bondinho no Pão de Açucar, e apresenta um mico 66 (43:32). Os animais

são abundantes ali, e enquando os turistas fotografam e admiram os pequenos macacos 67

(43:48), outros animais do bando aproveitam para furtar os turistas desavisados 68 (43:52).

Depois dos furtos bem sucedidos, os animais aparecem ostentando os produtos numa espécie

de baile 69 (44:21). No final da cena, Nigel interrompe a festa, e ameaça os micos, fazendo

que eles se comprometam a procurar a dupla de araras.

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Enquanto isso Rafael, Blu e Jade estão sendo levados para retirar as

algemas, mas o caminho tem que ser feito voando, então é necessário ensinar Blu a voar. Os

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personagens estão numa pista de voo de asas-deltas 70 (45:56), e o tucano passa instruções de

como voar: “Quando sentir o ritmo de seu coração, vai que nem samba!”, afirma Rafael 71

(47:21). As duas araras ainda presas uma a outra tentam iniciar o voo, mas excitante, Blu cai

da rocha ao invés de voar. Os dois acabam se chocando contra uma asa-delta, e pegam carona

no veículo. A partir daí, uma trilha sonora é iniciada, executando uma versão da música “Mas

Que Nada”. Os pássaros desfrutando de uma visão aera do Rio de Janeiro 72 (48:14). A

câmera dá a volta no Cristo redentor, para mostra-los de todos os lados 73 (48:28). Ao olhar

para a Baía de Guanabara Blu exclama: “é a coisa mais linda que eu já vi na minha vida!” 74

(48:38). Ao se empolgar com o passeio, Blu faz mais uma tentativa de voar, e as duas araras

acabam caindo em outra asa-delta, que com o susto ao se chocar com as aves cai sobre a praia

lotadas de banhistas e guarda-sóis 75 (49:34).

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Ao cair na praia, eles acabam se chocando contra uma rede, de um vendedor

de bolas-de-praia, e saem grudados contra uma bola. São chutados por garotos que brincavam

na areia, batem contra uma rede de futevôlei 76 (49:47), ricocheteiam contra o quadril de uma

mulher 77 (49:48), um homem dá uma chute “bicicleta” na bola 78 (49:49), e eles acabam

batendo contra uma prancha encostada numa árvore. Dali, eles seguem Rafael, para encontrar

com seu amigo Luiz, de carona em um carro cheio de cocos-verdes 79 (50:20).

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Enquanto isso, Linda e Tulio estão com Fernando 80 (50:38), se

encaminhando para o lugar onde o menino entregou o casal de araras. No caminho, as

avenidas que beiram a praia, e outros cenários como a favela, estão interrompidas por causa

do carnaval, nas ruas pessoas aparecem vestidas a caráter para a festa 81 (50:45). O transito e

a população impedem que eles continuem o caminho de carro. Fernando se propõem a “dar

um jeito”. Na próxima cenas eles seguem de moto, em alta velocidade entre ruas e becos, os

três no veículo pilotado pelo garoto 82 (51:07).

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Blu, Jade e Rafael chegam numa feira de rua para encontrar Luiz, mas lá

estão Nico e Pedro 83 (51:42). Os dois avisam que Luiz acabou de sair e voltou para sua

oficina. Além disso, eles reconhecem Blue o convidam para uma festa. O intuito é de fazer se

soltar o turista tímido: “Vocês estão no Rio, tem que curtir” avisa Rafael. A cena mostra ao

fundo um grupo de micos espionando a ação do grupo, e enviando as informações para o líder

do bando 84 (52:55).

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Os cinco pássaros chegam a festa 85 (53:23). Nico sobe ao palco e anuncia a

todos que ali tem convidados de fora da cidade. O canário avisa: “Festa em Ipanema, meu

amor!”, e tem início uma música – trilha original do filme: Hot Wings (I wanna party) – que é

cantada por Nico e Pedro 86 (53:50). Durante a canção, Blu parece familiarizado com o clima

festivo, e flashbacks são mostrados, lembrando o início do filme, com o protagonista

iniciando passos de dança. Ele começa a se soltar e acompanhar as outras aves, seguindo a

música 87 (54:26). Blu e Jade – que parece mais familiarizada com o clima de festa – dançam

no meio das outras aves 88 (55:06). O casal que não parecia ter se dado bem até aquele

momento muda de atitude.

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A cena muda para Fernando, Linda e Tulio que chegam de moto até o

barraco, que agora está vazio 93 (57:57). Fernando confessa que foi ele o ladrão, e que tinha

entregado os pássaros ali. Os três são surpreendidos por dois bandidos que entram. Linda e

Tulio se escondem, e Fernando finge estar procurando por outra serviço. Os contrabandistas

revelam o plano de transportar as aves em um carro alegórico e levam o garoto junto 94

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(58:38). Linda e Tulio deixam a favela, na tentativa de evitar que os pássaros sejam

transportados de avião para fora do país.

A cena prossegue com Linda e tulio deixando a favela de moto 95 (59:39),

para resgatar os pássaros. Enquanto isso na feira, onde aconteceu a festa e a luta contra os

micos, Nigel chega e pressiona um dos pássaros 96 (1:00:33) a entregar o destino de Blu e

seus amigos.

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De volta aos pássaros, eles seguem no bonde, buscando por Luiz. A cena

mostra uma imagem calma, com o mar ao fundo 97 (1:00:51). O cenário é arborizado e

florido, cercado de casas de estilo colonial. Pedro, Nico e Rafael tentam incentivar Blu a se

aproximar de Jade, mas o protagonista não parece seguro. Pedro tentar “armar um clima” para

o casal, e começa a rimar um funk 98 (1:01:46), mas Nico o interrompe e começa a cantar

num ritmo de Bossa Nova 99 (1:02:01), a música é “Fly Love” e faz parte da trilha original

do filme. Com o clima armado, Blu tenta se declarar para Jade 100 (1:03:10), mas acaba

engasgando numa pétala de flor, deixando a fêmea e os companheiros desapontados.

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O bonde passa em frente a oficina e todos descem 101 (1:03:53). O casal de

araras conversa sobre o fim da aventura, e parecem decepcionados pois ali terão que se

separar. Enquanto os pássaros procuram por Luiz na oficina vazia, são surpreendidos por um

cachorro, um buldogue inglês, que ataca as araras 102 (1:04:35). Porém, o cão era Luiz, quem

os dois procuravam. O buldogue, que baba sem parar, se prontifica a ajudar a soltar as araras

das correntes 103 (1:05:20).

Os dois pássaros são colocados de frente a uma serra pelo cão, que avisa não

ouvir bem ou “enxergar nada” usando o capacete 104 (1:06:01). Luiz empurra Blu e Jade

contra a máquina. O cachorro acaba escorregando na própria baba e empurra Blu contra as

lâminas. Jade voa, e Blu pendurado pelo pé é arrastado, passando próximo da serra 105

(1:06:18). Os dois se balançam pelo ar, tentando escapar do corte, no fim acabam atirados

contra Luiz, que segura a corrente pela boca. No fim da cena de ação, a saliva do cão escorre

até as algemas e lubrificam as patas das duas araras que acabam soltas 106 (1:06:36).

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Enquanto Blu parece desapontado por não estar mais preso a Jade 107

(1:06:56), ela comemora a liberdade voando pela oficina. Empolgada, convida Pedro e Nico e

Rafael a se juntarem a ela. Eles celebram o fato de ser noite de carnaval 108 (1:07:02), e

empolgado seguem a arara. Blu fica no chão, vendo os pássaros voarem. Triste ele é

consolado por Luiz 109 (1:07:17).

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Jade percebe Blu triste aos vê-los voar, e pousa para conversar. Os dois

discutem sobre o futuro 110 (1:08:34). Blu não se mostra disposto a abandonar sua dona e

seguir Jade na vida selvagem. Ela critica o protagonista por não saber voar. O clima fica ruim,

o tucano Rafael tenta intermediar a conversa, mas Blu acaba se irritando com Jade e com os

amigos, afirma que não queria ter viajado para o Brasil e termina dizendo que odeia o samba

111 (1:09:01). O casal se desentende e se separam ali. Jade segue voando e Blu desce a rua na

direção contrária. Rafael pede a Nico e a Pedro que sigam a fêmea enquanto ele tenta

conversar com Blu. Por fim, Luiz sem saber o que acontecia, sai da oficina pronto para

festejar o carnaval vestido com adereços que lembram Carmen Miranda 112 (1:09:44).

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Jade, triste pelo desentendimento com Blu, voa e é seguida por Pedro e Nico

113 (1:09:55), a câmera faz um movimento panorâmico para mostrar ao fundo uma imagem

do Rio de Janeiro iluminado por luzes noturnas. O voo é interrompido por Nigel, que agarra

Jade 114 (1:10:15) e diz que pretende leva-la ao desfile. Nico e Pedro fogem gritando por

socorro. Blu e Rafael tem a conversa interrompida pelas duas aves que chegam para avisar o

que aconteceu com Jade 115 (1:11:14). Blu resolve partir para o desfile, e os pássaros seguem

para salvar Jade. Blu é carregado por Luiz 116 (1:11:38).

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No desfile os traficantes de animais chegam com um carro alogórico em

formato de galinha 117 (1:12:18). Enquanto isso Tulio e Linda procuram pelo casal de araras

no entorno do desfile. Eles percebem um segurança barrando a entrada de quem não pertence-

se a escola de samba e estivesse fantasiado. Os dois conseguem fantasias de araras-azuis para

entrarem no sambódromo. Uma trilha sonora cria um clima de romance quando eles se veem

vestidos com o disfarce 118 (1:13:33), mas o clima é quebrado com a chamada para o desfile.

Eles enganam o segurança e entram. No sambódromo eles se separam procurando pelos

pássaros, mas Linda é confundida com um integrante de escola de samba e é puxada por

alguém da organização 119 (1:14:21). Ao mesmo tempo, Tulio é arrastado por outros foliões

em direção ao desfile 120 (1:14:37).

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A cena volta para Linda, que está presa em um pequeno espaço e começa a

ser erguida por um elevador 121 (1:14:44). Ao mesmo tempo um som de cavaquinho, típico

de início de desfile de escolas de samba pode ser ouvido, misturando-se ao som da multidão.

O elevador que erguia a moça chega ao seu ponto máximo, revelando que ela está num carro

alegórico, no meio de um desfile 122 (1:14:49). A câmera se afasta rapidamente de Linda para

mostra todo o sambódromo 123 (1:14:52). Além do carro onde desfila Linda, no desfile

também está o carro alegórico dos bandidos e dentro dele diversas gaiolas com pássaros,

inclusive Jade.

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Nigel ameaça Jade dentro do carro alegórico dos bandidos 124 (1:15:25),

enquanto Blu e os outros chegam ao desfile. Eles cruzam as alas e carros alegóricos

procurando pela arara. São mostradas a bateria e a ala das baianas. Rafael parte para procurar

de cima por ela, e a câmera o segue, mostrando em travelling uma imagem do desfile 125

(1:16:00). Numa tomada área as imagens reproduzem fielmente um desfile de escolas de

samba no carnaval do Rio de Janeiro, com as cores, as alegorias e o público 126 (1:16:02).

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Linda continua como destaque em um carro alegórico. Constrangida com a

situação, é repreendida por membros da organização e outras pessoas que estão no desfile,

que pedem para que a moça rebole. Tulio, a encontra e pede para que ela “mexa o “bumbum”.

Enquanto isso, Blu, carregado por Luiz, segue avançando entre as alas do desfile 127

(1:16:36), e é avistado por Linda. Ela tenta descer do carro, mas acaba caindo sobre alguns

homens que também estavam no carro. A cena mostra a garota “sambando” ao tentar se

equilibrar e descer para encontrar sua arara 128 (1:17:09), no final o público se empolga com

Linda dançando. Nesse mesmo instante, Blu vê sua dona o chamando, e seus amigos avisam

que sabem onde está Jade. Ele tem que decidir entre as duas, e opta por salvar a outra arara

129 (1:17:17).

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Após atravessar diversas alas do desfile, o protagonista chega ao carro onde

Jade está presa 130 (1:18:16). Ele entra sozinho no carro, e a encontra presa. Ao tentar

resgatá-la, acaba sendo pego por Nigel, e termina encarcerado em uma gaiola. Pedro, Nico e

Rafael também já estavam presos em uma outra gaiola 131 (1:18:44). Com os pássaros

capturados, os bandidos fogem do desfile em direção ao aeroporto.

Linda e Tulio, que perseguiam Blu, vem o carro sair do desfile. Em cima do

carro, Fernando percebe que o casal os seguirá e começa a deixar um rastro de pedaços para

os dois. A cena corta e Linda vê um carro alegórico no final do desfile, já vazio 132 (1:19:25).

Na próxima sequencia Linda aparece dirigindo o carro. Tulio se junta a moça e os dois

seguem perseguindo os contrabandistas.

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É mostrado um aeroporto abandonado, no meio da mata 133 (1:19:44), onde

os bandidos carregam o avião com diversos pássaros 134 (1:19:52). O garoto Fernando tenta

ajudar o casal de araras, mas é flagrado, e tem que fugir. Enquanto isso, Linda e Tulio chegam

seguindo os rastros deixados pelo menino, e veem o avião na pista, preste a decolar. A garota

acelera o carro alegórico contra a aeronave 135 (1:20:43). Apesar do choque, o avião

consegue decolar.

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Dentro do avião, Blu consegue se soltar da gaiola 136 (1:21:47) e ele e Jade

ajudam a libertar as outras a aves. Enquanto isso, os contrabandistas estão presos na cabine,

pois a porta está emperrada pelas gaiolas jogadas no chão. A porta traseira da aeronave é

aberta, e todas as aves deixam o veículo 137 (1:22:32), menos Blu, que ainda não sabe voar.

Jade fica para encorajá-lo, mas Nigel aparece e a ataca, no final da luta ela termina com a asa

quebrada e Blu é detido pela cacatua 138 (1:23:07).

Mas Blu consegue prender Nigel à um extintor, e acionar o equipamento,

lançando o pássaro para fora do avião pelo vidro da cabine 139 (1:23:18). Na sequência da

cena o vilão acaba se chocando contra uma hélice do avião, o que faz a aeronave começar a

cair. Os três bandidos saltam usando um único paraquedas. Blu e Jade ainda estão no veículo,

mas no descontrole do avião em queda, ela é arremessada para fora. Sem conseguir voar Jade

cai em queda livre. Blu tem um flashback de quando era um pássaro livre na mata,

aprendendo a voar (cena do início) e salta para tentar resgatá-la 140 (1:24:00). Os dois

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pássaros se abraçam e trocam carinhos em queda livre. Blu estica as asas e subitamente

apreende a voar 141 (1:24:26).

Voando, Blu segura Jade e os dois atravessam cenário do Rio de Janeiro 142

(1:24:53). Numa cena curta, os bandidos aparecem caindo, os três seguros por um paraquedas.

Ainda no aeroporto, Linda, Tulio e Fernando parecem desolados por não terem impedido a

fuga dos criminosos, até o garoto apontar as araras retornando 143 (1:25:14). Uma cena

mostra Linda se reencontrando com Blu, e Tulio pegando Jade e prometendo cuidar da sua

asa ferida. Imediatamente após essa sequência, há uma passagem de tempo, e a nova cena

apresenta Jade sendo solta por Tulio, já recuperada da fratura 144 (1:25:56). Blu cumprimenta

Linda e se prepara para voar junto com Jade 145 (1:26:07), no fundo é possível ver uma placa

com os dizeres: “Blu Bird Sanctuary – Rio de Janeiro”, ilustrado com a imagem da arara ao

centro. No final, Blu voa e Linda, Tulio e Fernando terminam juntos 146 (1:26:29),

observando os pássaros. A tela indica o fim do filme com as duas araras voando num fundo

azul 147 (1:27:00).

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Os créditos mostram uma cena semelhante a sequência de abertura. A

música “Real in Rio” é novamente apresentada, numa versão mais completa, e todos os

personagens cantam parte de letra, ao mesmo tempo que são mostrados os créditos dos

dubladores. O mesmo clima festivo, e carnavalesco se repete. No fim da canção, Nigel

aparece, caído na floresta, abatido e sem penas. Uma nova trilha é iniciada, o crédito para os

dubladores que não interpretam as vozes de animais são mostradas junto a fotografias de

personagens. Nelas aparecem Fernando, Tulio e Linda inaugurando uma livraria no Rio de

Janeiro. Os bandidos são mostrados presos, além de outra imagens cômicas com personagens,

que acompanham os créditos técnicos.

Esses são elementos que representam, por meio do filme, o Brasil para o

mundo. É necessário ter em mente que esta animação é produto de seu tempo, e de seu modo

de produção. “Rio” é um filme fruto da Nova Hollywood, de sua relação com o mercado, de

sua maneira de tratar com os astros do cinema, de sua aparentemente paradoxal tentativa de

globalização e direcionamento ao mesmo tempo.

Por isso, foram discutidas as diferenças entre a maneira inicial como a

fabricação fílmica de Hollywood procedia e a sua transformações para a Hollywood atual.

Assim, conhecidos as duas animações, seu momento durante o período de produção, as

características da indústria fílmica contemporânea a cada peça, os negócios e sua maneira de

lucrar e seus interesses, vale agora a análise de cada uma das animações.

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4 – DE ZÉ A BLU: OS DOIS RIO DE JANEIRO

Segundo Martel (2012), o cinema é antes de tudo uma indústria. E como tal,

a sua produção está intimamente ligada à sua situação política, econômica e temporal. Os dois

filmes são produtos dessa indústria e, deste modo, se prendem a essa lógica. Para analisar as

peças, é preciso ter em mente essa realidade, elas são resultados da indústria de cinema de

Hollywood, cada uma em seu período distinto.

Além disso, as animações podem ser descritas como produtos que criam

linguagens e tentam formatar um Brasil e um brasileiro como personagens de cinema. Nesse

sentido, também será proposto um detalhamento de como esses elementos são apresentados,

dada a linguagem cinematográfica, e como se mantiveram ou se modificaram com o passar do

tempo entre os dois filmes.

A animação “Aquarela do Brasil” pertence a uma Hollywood muito

diferente da atual. A necessidade de afirmação dos Estados Unidos pós grande recessão e

Primeira Guerra e os esforços políticos e ideológicos desse período devem ser lembrados para

a compreensão dessa peça.

A animação da Disney se insere em um momento de expansionismo

americano e da presença dos Estados Unidos na américa latina, tentando criar laços de

proximidade com os países vizinhos ao sul. A propagação do american way of life, as

preocupações com a expansão nazi-facista, a política de boa vizinhança e os interesses

comerciais de magnatas americanos, como Nelson Rockfeller, descreviam os interesses na

realização do filme. Vale lembrar que na criação do Escritório de Coordenação de Assuntos

Interamericanos (em 1940), a agência era considerada um “front de guerra”, que atuava nas

relações culturais, comunicacionais e comerciais. O Birô Interamericano “elegeu o cinema

como um dos meios mais eficazes para promover uma aproximação favorável aos interesses

estadunidense na américa latina” (GARCIA, 2004, p. 14). A relação das instituições

americanas com o cinema é até hoje relevante, porém, naquele instante esse relacionamento

montava as bases ideológicas da indústria cinematográfica (não diferente de outras indústrias)

e de seus produtos.

A ideia das tradições inventadas, já discutida anteriormente, insere-se nessa

discussão, haja vista que naquele instante era necessária para a produção fílmica formatar

dentro de seus próprios interesses, baseadas em seus próprios estudos, uma representação de

cinema do Brasil e do brasileiro. Não por outro motivo, a passagem de Disney pela américa

latina tem características de documentário, sobretudo porque tenta apresentar uma veracidade

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de cunho jornalístico aos aspectos culturais e ao perfil da população local. Essas práticas e

símbolos difundidos por Hollywood acabam criando uma regra informal, uma fonte para as

criações posteriores referentes ao país, na qual o filme “Rio” também vai se alimentar,

utilizando-se da mesma proposta anterior, como um recurso, e adaptando-o a sua realidade

contemporânea. É importante ressaltar que, utilizando-se da ideia de Yúdice (2004), podemos

caracterizar a criação do personagem Zé Carioca como um recurso. Vale lembrar que para

Martin-Barbero (2009, p. 235), o cinema foi o meio de comunicação de massa que permitiu a

estruturação de uma cultura massificada até a década de 1950, sendo utilizado na implantação

de culturas nacionais, tendo em vista sua potencialidade de convencimento e rápida

disseminação. Os filmes ensinaram novos hábitos, disseminaram ideias que por meio de uma

seleção (as vezes inconsciente) se agregou aos valores cotidianos.

O filme de 2011, entretanto, se insere em outra realidade, em que

Hollywood se enxerga como um negócio global de vendas de produtos. Seus filmes não são

diferentes das marca de refrigerantes ou carros americanas, e buscam novos mercados e

consumidores como qualquer outra empresa. A venda de assentos de cinema não é mais

importante do que a venda de produtos agregados ao filme. Essa é a Hollywood do

merchandising.

Nessa perspectiva, a China, Índia e o Brasil têm destaque. Além de

mercados chamados emergentes, o potencial no número de consumidores é incrivelmente

interessante. Na China, por exemplo, a cada dia um multiplex87 é construído (MARTEL,

2012).

Para a entrada e a manutenção desses mercados, a fábrica de filmes de

Hollywood teve que usar uma tática semelhante de conquista mostrada na viagem à américa

latina em “Saludos Amigo!”, porém com o formatos novos. Ganhar mercados como o chinês,

por exemplo, exige ampla performance política dos estúdios e seus produtores. Conhecer a

cultura do país, aceitar regras e normas pertinentes a cada nação, e uma incrível e detalhada

pesquisa é o mínimo para que cada peça saia agradando a cultura da história narrada e tenha

convencimento e empatia em nível global.

Nesse novo cenário, as produções não são mais trazidas prontas dos estúdios

americanos, mas são parte de um processo de logística globalizada e integrada. Se na década

de 1940 Walt Disney viajou a convite de uma agência americana à américa latina para criar

meios de estreitar as relações entre norte e sul, agora a dinâmica de produção é outra. Os

87 Complexos cinematográficos contendo entre 6 e 10 salas de cinema.

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estúdios tem escritórios e funcionários em cada canto do mundo. Seu dinheiro e sua expertise

não só produzem obras americanas, mas também promovem a produção de filmes nacionais

em cada país. E mesmo a produção americana conta com profissionais vindos dos mercados-

alvo. Na animação “Rio”, Rodrigo Santoro tem papel importante, mesmo na dublagem feita

para os Estados unidos. Além disso, o diretor do filme é um brasileiro de destaque nas

animações de Hollywood.

Na busca por consolidar ou ganhar esse público, a estratégia ficou bem

definida ao propor contar histórias típicas da cultura local, além de auxiliar nas produções

locais e na distribuição. Talvez o marco dessa entrada nos mercados emergentes esteja

representado no filme de 2000, “O Tigre e o Dragão”88, do diretor Ang Lee. Esse filme

auxiliou a estratégia da Sony para o mercado chinês, dado seu enorme sucesso (vencedor de

quatro prêmios no Oscar).

No campo das animações, a China também foi “premiada” com seu longa-

metragem, que pretendia contar parte das histórias e tradições locais: “Kung-Fu Panda”89

(2008). Semelhantemente ao que aconteceria depois com a animação “Rio”, o filme contava

com a participação de astros de Hollywood como: Jack Black, Dustin Hoffman, Angelina

Jolie, entre outros; misturados a atores de ascendência chinesa como Lucy Liu e o astro do

cinema chinês Jackie Chan dublando e dando vida aos personagens típicos da China. O filme

contava com um enredo que se apropriava de um elemento tradicional e, mais importante,

mundialmente conhecido como representação do país, o kung fu90.

Não diferente disso, a animação “Rio” é produzida sobre as mesmas

fundações, utilizando-se das mesmas características. Do kung fu ao carnaval, os elementos

que permeiam a produção muitas vezes se repetem. É preciso lembrar que Hollywood é uma

indústria, e como tal a fabricação de seus produtos é baseada em formatos padronizados e

repetidos. Os moldes são sempre semelhantes, embora adaptados culturalmente. A produção

não pode ser afastada do seu modo de fazer naquele momento.

Separando a produção dos dois filmes, e, portanto, seus resultados, é

importante entender que a primeira animação de Hollywood (ao se referir ao Brasil) é feita

sob a égide do sistema de estúdio. O controle detalhado e completo na produção da peça é

88 Originalmente nomeado como “Wo hu cang long” e traduzido para o inglês como “Crouching Tiger, Hidden

Dragon”, o longa-metragem é baseada num romance do escritor chinês Wang Du Lu, e foi dirigido pelo cineasta

de Taiwan Ang Lee (1954 – ). Na disputa do Oscar, venceu nas categorias de melhor filme estrangeiro, melhor

fotografia, melhor direção de arte e melhor trilha sonora e foi indicado em mais seis categorias. 89 Animação digital lançada em 2008, produzido pelos estúdios DreamWorks Animation e distribuído pelos

estúdios Paramount. O filme foi dirigido por Mark Osborne (1970 – ) e John Stevenson (1958 – ). 90 Kung Fu pode ser usado para representar todos os tipos de arte marciais que se desenvolveram na China.

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bem identificado com a presença de Walt Disney na viagem de sua equipe a América do Sul.

A figura dele, como produtor, mostra como seu estúdio estava adequado no tempo àquela

maneira de fazer cinema. É claro que Walt Disney e sua empresa se diferenciaram das demais

em diversos aspectos, mas a produção do filme ainda era um processo centralizado e

controlado.

Na película “Rio”, no modo de produção atual de Hollywood, o comando

financeiro pertence ao estúdio, mas o controle criativo está centrado nas produtoras. Nesse

instante, a produção fílmica americana abre espaço para o desenvolvimento de ideia e da

diversificação das ações em busca do público. Se antes a proposta racional e linear da linha de

produção controlava cada etapa da ação, agora os estúdios financiam as peças e aguardam o

retorno do lucro, deixando espaço para o desenvolvimento de novidades. O estúdio controla

os direitos e a venda de mídias e produtos associados ao filme, extremamente lucrativos, mas

a criação segue quase independente.

Relacionando-se à produção, animações e outros longas-metragens não mais

se apropriam de astros para se promover, mas, ao contrário, buscam os atores para isso. No

modo atual de produção, um nome de peso encampando um filme representa um

reconhecimento a mais. Ele teve que ser convencido a participar e quis estar naquela obra.

Vale lembrar que na produção da Disney, na década de 1940, por mais que tenha sido bem

feito e bem estudado, o personagem Zé Carioca é dublado por um artista de Jundiaí, cidade

distante da capital do Rio de Janeiro e com costumes e principalmente sotaque completamente

diferentes. Ao contrário, em 2011, em “Rio”, a estrela brasileira que empresta voz ao filme é

Rodrigo Santoro91, ator brasileiro de destaque recente em Hollywood; isso além do ator

americano Jesse Eisenberg92, que em 2010 havia sido indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro

na categoria melhor ator.

A mudança na atuação da MPAA também está perceptível nos produtos da

Nova Hollywood. Se antes a Associação servia para regulamentar e disciplinar as produções e

manter a linha dura dos padrões americanamente aceitos, agora os filmes tem mais liberdade,

a ponto de “zombar” o próprio Estados Unidos. Na animação “Rio”, o contraste entre cenário

é da cinzenta e enevoada Minnesota com a colorida e ensolarada cidade do Rio de Janeiro.

Não há mais problemas desafiar os padrões morais ou estéticos dos Estados Unidos, e os

interesses deixaram de ser majoritariamente ideológicos e se transformaram em comerciais.

91 Rodrigo Junqueira Reis Santoro (1975 – ) é um ator brasileiro, de sucesso no cinema e na televisão do Brasil.

Vencedor de 16 premios nacionais e internacionais. Teve notoriedade por atuar em diversos filmes de

Hollywood. 92 Jesse Adam Eisenberg (1983 – ).

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Em 1950, com a crise de Hollywood, os mercados internacionais se

tornaram ainda mais atraentes, elementos essenciais à sobrevivência financeira de Hollywood

(SKLAR, 1975, p. 321), e essa condição só continuou a se expandir desde então. E

aparentemente se voltou aos mercados emergentes nas duas últimas décadas.

Também vale atentar-se ao fato de que as animações digitais,

principalmente a partir de “Toy Story”, deixaram de ser uma linha a parte, e ganharam força

de mercado para se estabelecerem como grandes produções. Se nas décadas de 1930 e 1940 a

Disney já se esforçava para tornar o filme animação uma diversão familiar completa, e não só

uma atração menor voltada para o público infantil, a Pixar nos anos 1990 repete o trabalho

com suas animações. A grandeza e importância de “Toy Story” estão além de sua qualidade

técnica, de seus astros premiados (como Tom Hanks93 e Tim Allen94), mas no que representou

para a produção de filmes de animação. A Pixar, por meio de “Toy Story”, modificou o

cinema de animação de maneira só semelhante a Disney e “Branca de Neve” na década de

1930. A partir de então, o cinema de animação era quase estritamente digital. A título de

exemplo, a Academia Americana de Cinema – que criou a partir de 2001 a categoria de

melhor filme de animação –, só premiou um ganhador de longa animado não digital até o ano

de 2014.

Além das argumentações citadas acima, existe também a discussão acerca

das imagens apresentadas nos dois filmes, e de como as duas películas divergem e convergem

ao apresentar dois contos que tem como foco o Brasil, a cidade do Rio de Janeiro e

personagens brasileiros. O que seguirá é uma apresentação de como os elementos que

compõem esses dois filmes estão caracterizados de formas semelhantes ou discrepantes,

mesmo que suas produções estejam separadas quase 70 anos e pertençam a duas formatações

diferentes do cinema americano.

Para isso, serão apresentados quadros com imagens dos dois filmes, para a

comparação entre as peças – vale acrescentar que o formato original de vídeo de cada uma

delas resultará no formato diferente dos quadros. É importante esclarecer que os quadros

apresentados à esquerda na ordem de leitura pertencem à animação “Aquarela do Brasil”, já

as imagens à direita foram retiradas do filme “Rio”.

Pode-se ressaltar, inicialmente, que os dois filmes parecem convergir em

dados momentos, tanto em cenários e enredo, quanto em critérios de cinematografia. É

93 Thomas Jeffrey Hanks (1956 – ) é um destacado roteirista, produtor e ator de Hollywood. Recebeu duas vezes

a estatueta do Oscar e foi indicado outras três vezes. 94 Timothy Allen Dick (1953 – ) é um ator e comediante americano.

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possível notar também que há um sensível número de referências no filme “Rio”, que levam o

espectador às imagens de “Aquarela do Brasil”. Como já foi debatido, pode-se assumir que a

primeira animação serviu como recurso, que foi prontamente reutilizado na concepção do

Brasil em Hollywood, inclusive na animação “Rio”.

Logo de início, a animação “Rio” parece retomar o ponto em que “Aquarela

do Brasil” termina. A cena final do filme mais antigo exibe uma imagem aberta em plano

geral, com o ponto de vista se afastando lentamente de modo a tornar visível a Baia de

Guanabara, cartão postal da cidade. Enquanto isso, “Rio” começa com uma imagem muito

semelhante, mostrando o mesmo cenário, em um mesmo enquadramento, mas de um ângulo

diferente. O filme parece querer continuar de onde a película anterior se encerrou. A primeira

animação termina à noite, já Rio começa com o amanhecer. Essa ideia é reforçada pela

concepção de metáforas audiovisuais, ferramenta comum nos roteiros de Hollywood, na

tentativa dos diretores reforçarem, por meio de simbolismos, elementos mais profundos à

história. Defendida por Jullier e Marie (2009), desde a Época de Ouro do cinema americano

“as metáforas participavam da concepção artesanal do cinema” (p. 56).

O protagonista pode ser entendido da mesma forma, dentro da ideia de

recurso. O pássaro se tornou símbolo brasileiro, construído por meio do cinema e anexado à

prática cotidiana. A concepção do pássaro no desenho da Disney parece ter congelado no

imaginário da cultura pop esse símbolo da representação do Brasil. Apesar de nas duas

películas as aves não se repetirem em espécie, os animais, além de características físicas

semelhantes, pertencem à mesma família95 – na classificação biológica, ou taxonomia. A

95 Psittacidae é uma família, da ordem dos Psittaciformes, nos quais se incluem papagaios, periquitos e araras.

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imagem da ave se fixou, por meio do cinema, no imaginário como uma representação do país,

da mesma forma que a águia-careca como símbolo dos Estados Unidos.

É interessante lembrar que uma ave – o sábia laranjeira (Turdus Rufiventris)

–, foi escolhida o animal símbolo do Brasil, segundo o decreto96 da Presidência de 03 de

outubro de 2002, assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

De maneira geral, as aves parecem ser o retrato fílmico da diversidade

natural, das cores, da alegria e da animação do Brasil. Em enquadramentos muito

semelhantes, centralizando os animais, utilizando-se das mesmas cores e iluminação, numa

situação análoga (neste caso na água), os pássaros são apresentados ao expectador na

sequência inicial dos dois filmes.

Vale reforçar que na escolha das cores, e na representação delas, repetem-se

os mesmos elementos. Além da fauna, quase estritamente reproduzida pelo desenho de aves, a

flora também aparece. Sempre em tons coloridos, as flores fazem parte constante do cenário

96 Disponível no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dnn/2002/Dnn9675.htm, acessado no dia

18/02/2014, às 15:00.

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(principalmente das cenas de abertura nos dois filmes). Além disso, as árvores e a água

fecham o retrato de representação da natureza nos dois filmes.

Certas imagens parecem se repetir em “Rio”, quase exatamente como as do

primeiro filme. A repetição mais marcante é a cena onde um cacho de bananas pendurado se

transforma em um grupo de tucanos. Além da referência óbvia da primeira produção, as frutas

fazem alusão à Carmen Miranda e a popularização da banana como símbolo brasileiro, tanto

quanto as aves. Essa mistura dos elementos naturais, marcados pela trilha sonora festiva,

reforçados pela fotografia semelhante de cores quentes e oposição do verde e amarelo,

expressa uma sensação de alegria e comemoração que dá tom aos dois filmes. Vale ressaltar

que quando falamos de leitura cinematográfica a temperatura de cores, a direção da luz, as

sombras e a iluminação geral servem para indicar aspectos ou enriquecer um retrato

psicológico da cena ou do filme todo.

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Destacam-se nas imagens das duas animações, algo que reflete o momento

histórico e os interesses na produção das peças. Como já citado anteriormente, na peça da

década de 1940, a América Latina era um terreno a ser explorado, conhecido pelo expectador

americano. O filme era uma peça de apresentação, diferente da animação mais recente. Essa

característica de produção fica clara no enredo e no desenvolvimento dos dois filmes. Se

inicialmente o Rio de Janeiro era uma aquarela, que pintava um quadro em branco,

apresentando a ideia de descobrimento e de uma construção daquele cenário; em “Rio”, a

cidade é mostrada como uma grande metrópole, que comporta as estruturas de um espaço

moderno em harmonia com as belezas naturais, a fauna e a flora das matas que circundam a

cidade e o mar. Porém, mais do que isso, do ponto de vista cinematográfico o Rio de Janeiro é

sempre mostrado com ângulos abertos, criando imagens que apresentam toda a cidade. As

panorâmicas somadas aos planos abertos de vídeo valorizam as paisagens da cidade, que

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aparecem o tempo todo no filme, apresentando cenários conhecidos ou proporcionando belas

imagens do Rio de Janeiro. Novamente, pode-se aplicar o conceito de metáforas audiovisuais.

Os cenários típicos cariocas estão presentes nos dois filmes, marcando a

diferença de época de cada animação. Se na passagem de Walt Disney e sua equipe pelo Rio

de Janeiro o que chamava a atenção eram os bares da orla, hoje a imagem referência é a praia.

Na composição da imagem, a calçada de Ipanema com os mosaicos continua sendo lembrada

como símbolo da cidade, porém, agora, foi agregado ao cenário os típicos quiosques, os

guarda-sóis e o vôlei de praia. Do ponto de vista da fotografia, as cores quentes são base para

os dois filmes, nas cenas que apresentam o Brasil.

Como um elemento marcantemente brasileiro, o carnaval aparece nos dois

filmes. Em “Aquarela do Brasil”, ele é mostrado como parte das tradições da cidade “três

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noites de alegria”, anuncia o locutor, mas a imagem na tela é muito diferente do carnaval

apresentado no filme “Rio”. Na década de 1940, a festividade era mostrada na animação ao

som de uma marchinha de carnaval, retirada da cantiga de roda “Escravos de Jó”, e revelava

um festa de salão, com os foliões fantasiados. Apesar de existir naquela época o desfile de

escolas de samba, elas não eram tão organizadas e midiáticas e tampouco eram competitivas.

Foi a partir da década de 1960, com uma organização maior dos grupos, com a

competitividade e, por fim, com as transmissões de televisão que o espetáculo se transformou

tal como é hoje. Na mudança de um filme para outro, é possível perceber claramente a

alteração da representação fílmica do carnaval carioca. No filme “Rio”, são focados os

desfiles televisivos no Sambódromo, as fantasias elaboradas, os grandes carros alegóricos e a

multidão que participa da festa.

A cantora e atriz Carmen Miranda é uma menção clara nos dois filmes. Ela

também parece ter cristalizado no imaginário da cultura pop a referência de símbolo

brasileiro. Em “Aquarela do Brasil”, ela aparece dançando, como uma sombra e no filme

“Rio” a baiana está representada nos trajes do buldogue Luiz, fantasiado com o chapéus de

frutas e o cacho de bananas. Assim como as aves – araras e papagaios –, Carmen Miranda

também criou uma fonte emblemática da figura do brasileiro, para ser explorada ou ao menos

lembrada no cinema de Hollywood.

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Chama a atenção como a aparente universalidade do inglês não parece

solucionar os problemas de Donald e Blu ao chegar no Brasil. Nas duas cenas, os pássaros

recorrem ao dicionário para traduzir a fala dos habitantes locais. Além da referência de um

filme no outro, pode-se dizer que há um elemento de enredo comum, que pretende marcar as

diferenças da língua nativa e até entre o inglês e o espanhol, mais comum no cotidiano dos

Estados Unidos.

Ponto comum nas duas obras é a musicalidade constantemente presente. As

canções fecham o quadro que está sendo pintado de cores, verão e festa. A música brasileira,

desde o samba até a bossa nova, já representa no imaginário da cultura pop o clima quente

latino, a festividade e o calor. Elementos que somados ao R&B no filme “Rio”, ficam ainda

mais reforçados, já que o estilo musical americano parte de características comuns. “Os

gêneros musicais conotam imagens” (JULLIER e MARIE, 2009, p. 40), auxiliando a criar um

ambiente, um cenário. A familiaridade com a música permite acesso aos sentidos, que são

trabalhados para ambientar a obra. A exposição aos sons permite uma “experimentação quase

física” (JULLIER e MARIE, 2009, p. 41).

No filme de Zé Carioca, a trilha sonora é contemporânea à película. A

composição da música “Aquarela do Brasil” era recente, 1939, e Tico-Tico no Fubá fazia

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sucesso interpretada por Carmen Miranda. Além disso, a Bossa-Nova, outro ritmo

considerado autenticamente brasileiro, ainda não existia, restando à trilha sonora do filme o

Samba como música característica do Brasil. É possível observar que a animação transcorre

basicamente como um videoclipe, em que poucos diálogos eram trocados entre uma música e

outra. A pintura do país, como propõe o filme, é feita sob a execução musical mais

tipicamente brasileira. Já em “Rio”, a música ganha novos traços, ao se misturar com

harmonias americanas. O filme mostra o mesmo clima festivo, porém numa embalagem mais

globalizada, já que o filme buscava reforçar aspectos culturais próprios do Brasil, mas mesmo

assim a produção mostra que pretende enquadrar a peça numa esfera mais mundializada,

seguindo padrões do cinema contemporâneo. Desde a canção mais próxima de um samba-

enredo, até a Bossa-Nova, as canções dispõem de um tratamento eletrônico ou de efeitos que

não são originários da música do país.

No final, os dois filmes apresentam a mesma intenção na escolha das trilhas

sonoras e na sua montagem. A ambientação de festividade e o clima criado são claros e

repetidos nas duas películas. O Brasil é claramente um país musical, como propõem logo de

início as partituras da introdução de “Aquarela do Brasil”, ou na cena inicial de “Rio”, com

um grande musical.

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No primeiro filme, ao começar a soluçar com um grande gole de cachaça,

Donald, entre soluções e batidas na cadeira, inicia um ritmo musical. O personagem Zé

Carioca, pegando uma caixa de fósforos e já batucando avisa: “Now you have de spirit of the

samba”. Já em “Rio”, ao tentar um voo, Blu é instruído por Rafael, mas o protagonista parece

cético com os ensinamentos, e acaba repreendido pelo Tucano: “Você pensa demais. O voo

não deve sair daqui (apontando para cabeça de Blu), deve ser sentido aqui (apontando para o

peito). Quando você sentir o ritmo de seu coração, vai que nem samba”.

As duas situações, por mais diferentes que sejam, evocam a mesma ideia,

que os dois filmes se esforçam em promover. O samba não é somente uma música, mas sim

um traço de personalidade, que promove alegria e bom humor. O samba é sensação de calor e

de festa, que parece estruturar as duas animações, além da música, o ritmo é também um

sentimento.

Nos próximos quadros ainda é possível fazer uma breve reflexão de

elementos fílmicos, técnicos e de enredos que se destacam no filme “Rio”, que pretendem

apresentar, naturalizar e caracterizar o Brasil.

Podemos dizer, que do ponto de vista da fotografia, é marcante a tentativa

da direção do filme em registrar o quão diferentes são os cenários apresentados. Moose

Lake97, a cidade submersa em neve mostra cores frias, que representam cinematograficamente

a sensação de calma, mas também de tristeza. O cenário é montado para apresentar o frio

contrastante com o imaginário de clima que se tem do Brasil. Contraste que fica prontamente

perceptível na primeira tomada que apresenta o Rio de Janeiro. A trilha sonora compõe a

cena, numa música que entusiasma e ambienta a mudança de cenário – a música “Let Me

Take You to Rio”, uma mistura de R&B98 e Bossa Nova –, além da composição com a trilha, a

linguagem fotográfica se modifica. Inicialmente, os ângulos fechados e as cores frias mudam

para grandes panorâmicas, que apresentam a cidade ao espectador, ao mesmo tempo que a

apresentam ao personagem Blu, além das cores quentes, que inspiram uma sensação de

vivacidade, e denotam claramente o clima de verão.

97 Localizada no estado americano de Minnesota, no Condado de Carlton. A cidade tem uma população de 2.751

habitantes, segundo o censo de 2010. 98 Também conhecido como Rhythm and blues, se refere estilos musicais que se desenvolveram a partir do blues,

bem como o gospel e a soul music. Atualmente o termo R&B é utilizado principalmente para se referir a um

subgênero ligado a música negra americana, com influencias de soul e funk.

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Importante também ressaltar a caracterização marcante do monumento do

Cristo Redentor como símbolo nacional. Em vários momentos da animação, cenas onde a

caracterização daquele espaço deveria ser rapidamente entendido como território brasileiro, a

imagem do Cristo era usada como um recurso (neste caso pode ser entendido tanto do ponto

de vista audiovisual, como cultural). Não diferente do que acontece com os Estados Unidos e

a Estátua da Liberdade.

Além disso, duas características do roteiro chamam a atenção, pois

apresentam uma mudança sensível ao apresentar o Brasil de forma diferente do que

usualmente acontece. Ao se apresentar para Linda, o ornitólogo Túlio formaliza, por meio do

seu cartão de visita, sua titulação. Ele é descrito no filme como um pesquisador, doutor em

ornitologia – apesar do viés excêntrico do personagem –, essa descrição dá pistas de uma

nova visão da produção fílmica sobre o cotidiano brasileiro. Essa visão divergente da de um

país sem estrutura ou formação, outrora apresentada, também pode ser percebida em outra

cena. A dentista que atende Túlio aparece sambando, durante os festejos de carnaval. Apesar

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de compartilhar o ritual popular do carnaval, ao sambar fantasiada durante o dia na beira da

praia, ela também faz parte de um grupo profissional que exige alto grau de formação.

Por fim, uma imagem de destaque na produção é o cenário da favela e a

criminalidade. Os dois itens, presentes no enredo, não são inerentemente associados. É

perceptível que o crime do sequestro de Blu e Jade tem desfecho num barraco na favela,

porém, o cenário não é apresentado como um lugar de violência urbana. Nas cenas em que é

mostrada, é mais perceptível o “vai-e-vem” do dia-a-dia, momentos de socialização em um

bar enquanto assistem a uma partida de futebol, as famílias em frente ao televisor e as

características arquitetônicas marcantes de suas construções. A violência urbana acaba

representada pelos personagens dos “micos bandidos”, que agem em um ponto turístico, sem

vincular a vida na comunidade ao problema urbano da criminalidade.

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As duas obras, “Aquarela do Brasil” e “Rio”, são filmes que, por meio de

uma narrativa cinematográfica, se propuseram a apresentar cenários e personagens brasileiros.

Os dois filmes além de separados décadas no tempo, e em seu modo de produção, são também

diferentes enquanto peças de cinema. “Aquarela do Brasil” é um curta-metragem, quase um

clipe musical, de narrativa simples, com poucas falas, em que a comunicação está muito mais

perceptível no acompanhamento sonoro e nas cores apresentadas. Só dois personagens

compõem o simples enredo, que mal apresenta uma estrutura de começo, meio e fim. Ele se

apresenta como uma obra maior, somando-se a mais três curtas animados, além dos

documentários que preenchem o filme todo. Já “Rio” é um filme completo, onde todos os

elemento participam da formatação de produção fílmica comum a maioria das obras de

Hollywood. Tem enredo complexo, uma gama de personagens, cenários e trilhas sonoras. É

uma obra do cinema americano tão semelhante a outras lançadas contemporaneamente.

O filme da Disney, foi construído em um contexto político / ideológico

efervescente. A aproximação dos Estados Unidos da América Latina era resultado de uma

política interna, que tinha interesses comerciais, de manutenção de uma ideologia, e até

bélicos, sobretudo em função da guerra. Mesmo antes disso o Brasil havia transferido sua

esfera de influência da Europa para a América do Norte. “Os Estados Unidos eram detentores

de 35% da dívida externa brasileira e de 1933 a 1938, as importações brasileiras de produtos

norte-americanos cresceram mais de 100%” (GONÇALVES, 2009, 93). Essa relação fez

surgir daqui mais um produto de exportação do cinema americano, e uma boa imagem a ser

exportada como definiu Schwarcz (1995). Imagem que definia, sob o olhar do cinema

americano, a caricatura do brasileiro, que personificava o samba, a cachaça e a malandragem.

Personagem que serviu de recurso para as criações posteriores, que deu cenário e enredo para

o imaginário midiático, reafirmando invenções anteriores sobre o Brasil, e deixando suspenso

um clima agradável e uma atmosfera musical que se tornou sinônimo do país.

Já o cinema contemporâneo ao filme “Rio” se expandiu, criou novos

negócios e novas fontes de receita, concomitantemente, criou no novas maneiras de inventar

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realidades e identificações. Na animação de 2011, o olhar de Hollywood não está mais

somente voltado para a produção das telas, mas tem o desejo de obter vantagens

mercadológicas por meio de diversos tipos de produtos, mediante licenciamentos de suas

marcas e busca por público e audiência em mercados ao redor de todo o mundo.

Como obra cinematográfica “Rio” foi um destaque nos lançamento de 2011.

Seus números alcançaram patamares significativos, mesmo se comparados a outras obras

daquele ano. A película foi o 10º filme mais assistido no mundo em 2011; nos Estados Unidos

teve uma arrecadação de U$S 143 milhões (39 milhões só no primeiro fim de semana) e uma

arrecadação no restante do mundo de U$341 milhões. Um saldo considerável, se comparado

ao valor gasto divulgado pela 20th Century Fox, de U$ 90 milhões. Para noção de

comparação, o filme mais assistido naquele ano “Harry Potter and the Deathly Hallows Part

2” (que está entre as quatro maiores bilheterias da história do cinema) teve uma arrecadação

de US$ 1,3 bilhão. Como outros exemplo de filmes lançados em 2011, a animação “Kung Fu

Panda 2”, e o filme “Fast Five” (“Velozes e Furiosos 5: Operação Rio” – filme que também

tem o Rio de Janeiro como cenário) tiveram arrecadação de U$660 milhões e U$620 milhões

respectivamente99.

Mas o mercado de Hollywood se abastece também de produtos licenciados e

merchandising. E nesse setor os números também são consideráveis. Para se ter uma

referência a Disney é a marca com maior renda em termos de licenciamento de produtos no

mundo. Em 2011 foram U$S 28.6 bilhões. Só de produtos relacionados ao filme “Toy Story

3” (2010) foram US$ 2.4 bilhões naquele mesmo ano100. A 20th Century-Fox, estúdio de

“Rio”, reportou naquele ano um lucro de US$ 2 bilhões com licenciamento.

No Brasil, o filme que faturou U$ 42 milhões só de bilheteria, ainda

conseguiu arrecadar de modo considerável para o estúdio por intermédio de uma variedade de

itens de licenciamento. A Fox contou com 84 parcerias para os produtos do filme, marcas de

empresas como Néstle, TAM, Peugeot, Grendene, Renner e Grow, para itens que vão desde

marcas de cereal, calçados, brinquedos, caderno, e produtos de banho e cama; até a

distribuidora de frutas Chiquita101 que colocou o selo do filme em abacaxis e bananas nos

99 Dados do site Box Office. Disponível no link: http://www.boxofficemojo.com/, acessado no dia 01/04/2014,

às 10:00. 100 Revista License! Global, Vol. 14, nº 2, 05/2011. Disponível no link:

http://www.rankingthebrands.com/PDF/Top%20125%20Global%20Licensors%202011,%20License%20Global.

pdf, acessado dia 01/04/2014, às 14:00. 101 Site oficial da empresa: http://www.chiquita.com/Home.aspx

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Estados Unidos102. No Brasil os personagens estampam artigos para o público infantil e

adulto, em um mercado que já se acostumou com esse tipo de produto. A Credeal (marca de

cadernos) e a Lepper (segmento de roupa de cama e banho) alegam retorno de seus

investimentos e lucro rápido com o licenciamento dos personagens do filme103. Esses são

resultados dos estúdios na distribuição de seus produtos para além dos números de bilheterias

das salas de cinema.

4.1 – Considerações finais

Cada filme, em seu tempo, marcou de maneira distinta, com seus

personagens e cenários criaram uma representação cinematográfica do Brasil. O mais

interessante na comparação é perceber como os simples elementos fílmicos apresentados na

primeira animação se repetem em grande escala no filme de 2011. É possível perceber como

Zé Carioca serve de recurso para a criação desse brasileiro de desenho animado, proposto nas

duas obras. Essa remete à discussão de Hobsbawm, sobre a utilização de elementos antigos na

elaboração de novas tradições inventadas para fins bastante originais “Sempre se pode

encontrar, no passado de qualquer sociedade, um amplo repertório destes elementos; e sempre

há uma linguagem elaborada, composta de práticas e comunicações simbólicas”. (1984, p. 14)

Apesar das diferenças no tempo das obras, os dois filmes afirmam e

reafirmam, consecutivamente, um personagem, produto do cinema, que identifica

rapidamente o Brasil. E não só o personagem, mas também os cenários, as cores, as sensações

musicais – por meio das trilhas sonoras –, os rituais, e até elementos intangíveis, como nos

dois filmes, o samba. “Às vezes, as novas tradições podiam ser prontamente enxertadas nas

velhas; outras vezes, podiam ser inventadas com empréstimos fornecidos pelos depósitos bem

supridos do ritual, simbolismo e princípios morais oficiais” (HOBSBAWM, 1984, p. 14).

Assim, esse trabalho se propôs a entender os modos de produção de

Hollywood, e como o cinema pode ser percebido como criador de realidades, tradições e

identidades, um porta voz que fixa na cultura elementos que se reproduzem por anos. Para

isso, foram examinados os processos de criação do cinema de Hollywood e seu modo de

102 Informações acessadas no site da Folha de S. Paulo, disponível no link:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me0504201117.htm, acessado dia 03/04/2014, às 14:00 103 Matéria da Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, disponível no link: http://revistapegn.globo.com/Revista/Common/0,,EMI232766-17180,00-

LICENCIAMENTO+DE+PERSONAGENS+ENGROSSA+FATURAMENTO+DE+EMPRESAS+DE+DIVERSOS+

S.html, acessado no dia 01/04/2014, às 11:00.

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produção contemporâneo a cada filme. Partindo dessa ideia, a pesquisa buscou entender como

a criação da identidade está relacionada a produção fílmica, tendo o cinema como um agente

divulgador. A indústria dos meios de comunicação de massa se apresenta como uma

construtora de realidades, se apropriando de elementos, recursos e disponibilizando produtos

culturais, que hibridizam o conhecimento já estabelecido, criando novas culturas.

Estudar o cinema, tendo como viés os personagens brasileiros

desenvolvidos das produções de Hollywood, é um dos itens fundamentais para entender a

fabricação, os reforços e rupturas da chamada identidade brasileira, já que é também por meio

do cinema que essa identidade se cria e recria. Hollywood, assim, exerceu papel fundamental

na veiculação de informações sobre o Brasil e caracterização e identificação da cultura, dos

cenários, dos tipos, dos gostos, dos afetos e dos personagens do país. É por meio dos meios de

comunicação de massa, que as identidades culturais foram difundidas na modernidade, como

antes também foram pela literatura, construindo por meio de representações da realidade e

realimentando o mundo real.

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