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Produtos Caixa André Ottenbreit Maschio Rodrigues Dissertação apresentada ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Programa: Matemática Orientador: Prof a . Dr a . Lúcia Renato Junqueira Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu auxílio financeiro da CAPES e CNPq São Paulo, setembro de 2014

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Produtos Caixa

André Ottenbreit Maschio Rodrigues

Dissertação apresentadaao

Instituto de Matemática e Estatísticada

Universidade de São Paulopara

obtenção do títulode

Mestre em Ciências

Programa: MatemáticaOrientador: Profa. Dra. Lúcia Renato Junqueira

Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu auxíliofinanceiro da CAPES e CNPq

São Paulo, setembro de 2014

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Produtos Caixa

Esta versão da dissertação contém as correções e alterações sugeridaspela Comissão Julgadora durante a defesa da versão original do trabalho,realizada em 12/09/2014. Uma cópia da versão original está disponível no

Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo.

Comissão Julgadora:

• Profa. Dra. Lúcia Renato Junqueira (orientadora) - IME-USP

• Prof. Dr. Leandro Aurichi - ICMC-USP

• Prof. Dr. Samuel Gomes da Silva - UFBA

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais por todo o apoio ecompreensão, sempre me incentivando e me permitindo avançar em meusestudos.

Agradeço a minha orientadora, Profa Lúcia Renato Junqueira, pela paci-ência e todo o apoio e atenção.

Agradeço a todos os meus amigos e colegas do IME-USP por me acom-panharem por tantos momentos desde a graduação até o mestrado.

Agradeço aos meus companheiro de república, com quem eu compartilheium teto e tantas lembranças durante os últimos anos.

Agradeço a todos os professores do IME-USP que me ensinaram prati-camente tudo o que sei sobre Matemática, em especial à professora IrynaKashuba pelo apoio durante a iniciação científica.

Agradeço a todos os colegas e professores do Grupo de Topologia, tantoos do IME quanto os do ICMC em São Carlos e da UFBA em Salvador.

Agradeço à CAPES e à CNPq pelo apoio financeiro durante a produçãodeste trabalho.

Agradeço também a Profa Ofélia Teresa Alas e Gabriel Zanetti NunesFernandes pelas contribuições a este trabalho. Em especial a Santi Spadaropelo resultado do teorema 1.2.22.

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Resumo

RODRIGUES, A. O. M. Produtos Caixa. 2014. Dissertação (Mestrado) -Instituto de Matemática e Estatística, Universidade de São Paulo, São Paulo,2014.

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma coletânea de resultadossobre produtos caixa de espaços topológicos. Com o intuito de comparaçãocom o produto de Tychonoff, apresentamos propriedades do produto caixa re-lacionadas a espaços discretamente gerados e ao espaço C�(X). Em seguidaapresentamos alguns resultados relativos ao problema da paracompacidadede produtos caixa, o qual é a principal questão envolvendo este tipo de pro-duto. Por fim, utilizamos o produto caixa para construir dois exemplos depares espaços normais cujos produtos não são normais, a saber, um espaçode Dowker e e um par de espaços κ-metrizáveis.

Palavras-chave: produto caixa, paracompacidade, espaço de Dowker, es-paços C�-discretos, pequenos cardinais.

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Abstract

RODRIGUES, A. O. M. Box Products. 2010. 120 f. Dissertação (Mes-trado) - Instituto de Matemática e Estatística, Universidade de São Paulo,São Paulo, 2010.

The aim of this work is to present a selection of results about box productsof topological spaces. In order to compare this product with the Tychonoffproduct, we present properties of the box products related to discretely ge-nerated spaces and to the space C�(X). Then we present results on theproblem of paracompactness of the box products, wich is the main questionregarding this kind of product. At last, we use the box products to createexamples of normal spaces whose products are not norma: a Dowker Spaceand a pair of κ-metrizable spaces.

Keywords: box product, paracompactness, Dowker space, C�-discrete spa-ces, small cardinals.

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Sumário

Introdução 1

1 Preliminares 51.1 Teoria dos Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1.1.1 Filtros e Ultrafiltros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61.1.2 Ordens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.2 Topologia Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.2.1 Axiomas de separação . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.2.2 Espaços dispersos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.2.3 Funções cardinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.2.4 Paracompacidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201.2.5 Espaços κ-metrizáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2 Comparações com o produto de Tychonoff 252.1 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252.2 Propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272.3 Espaços discretamente gerados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 362.4 O espaço de funções contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

2.4.1 Cardinais mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

3 Paracompacidade de produtos caixa 553.1 O produto nabla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 563.2 Uma equivalência da Hipótese do Contínuo . . . . . . . . . . . 623.3 Pequenos cardinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 693.4 Produtos de ordinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 843.5 O caso não enumerável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 863.6 O problema dos produtos caixa nos dias de hoje . . . . . . . . 89

4 Aplicações 914.1 Espaço de Dowker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 914.2 Um produto não normal de espaços κ-metrizáveis . . . . . . . 100

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A Uniformidades e o produto caixa uniforme 106A.1 Uniformidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106A.2 Topologia induzida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109A.3 Produtos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

Referências Bibliográficas 123

Índice Remissivo 129

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Introdução

Em diversas áreas da matemática, como por exemplo a álgebra, costuma-se utilizar o conceito de produto cartesiano como ferramenta para criar novosobjetos a partir dos já construídos. Podemos citar as somas diretas e produ-tos diretos de anéis, módulos, corpos, espaços vetoriais, enfim, praticamentequalquer estrutura algébrica. Inclusive, tal conceito é generalizado na Teoriade Categorias pelo produto categorial.

Já na topologia, também utilizamos o produto cartesiano de maneirasemelhante. Dados dois espaços topológicos, podemos equipar o produtocartesiano desses espaços com a topologia gerada pelos produtos cartesianosdos abertos das topologias em questão. Usando a mesma ideia, estender essadefinição para um produto de uma quantidade finita de espaços topológi-cos. Tal definição satisfaz uma série de boas propriedades que permitem talconceito ser facilmente utilizado com diversos outros conceitos da topologia.Contudo, quando trabalhamos com um produto de uma quantidade infinitade espaços topológicos, surgem algumas dificuldades.

A maneira mais natural de se estender tal conceito de produto topológicopara infinitos fatores seria a de usar a mesma ideia de equipar o produtocartesiano dos espaços topológicos com a topologia gerada por todos os pro-dutos cartesianos de abertos de cada um dos espaços em questão. Temosassim o produto caixa. Tal nome se dá pelo fato de seus abertos básicospoderem ser interpretados como “retângulos” abertos. Contudo, no caso in-finito, esta topologia não satisfaz todas as mesmas propriedades que umatopologia definida do mesmo modo no caso finito satisfaria. Por isso, os to-pólogos passaram a usar o produto gerado pelas projeções, conhecido comoproduto de Tychonoff, como produto topológico usual, já que este ainda man-

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tinha todas essas propriedades. Inclusive, o produto de Tychonoff coincidecom o produto categorial na categoria dos espaços topológicos.

Apesar de não possuir as mesmas qualidades que o produto d Tychonoff,o produto caixa serve como ferramenta para construir contra-exemplos. Umdos principais exemplos desta funcionalidade dos produtos caixa é o Espaçode Dowker construído por M. E. Rudin (seção 4.1).

Em termos de axiomas de separação, o produto caixa se comporta damesma maneira que o produto de Tychonoff até a propriedade T3 1

2. No

entanto, a diferença entre tais produtos se evidencia quando estudamos aspropriedades de cobertura. Enquanto o produto de Tychonoff preserva acompacidade (Teorema de Tychonoff), o produto caixa não é compacto (ex-ceto pelos casos triviais). Porém, se observarmos a paracompacidade ao invésda compacidade, veremos que existem diversas condições sob as quais o pro-duto caixa são paracompactos. Tal problema se tornou o principal foco deestudos relacionados ao produto caixa.

Inicialmente, na década 1940, Tietze propôs a pergunta:“ �ω R é nor-mal?”. Já na década de 1950, Arthur Stone questionou se o produto caixaenumerável de espaços metrizáveis é normal. Em [Rud72], M. E. Rudin apre-sentou uma resposta positiva para a pergunta de Stone. Mais precisamente,ela demonstrou que tal produto era paracompacto. Este resultado motivouo estudo da paracompacidade dos produtos caixa.

Durante as décadas de 1970 e 1980, foram obtidos diversos resultados par-ciais para esta questão sob diferentes hipóteses, como por exemplo a Hipótesedo Contínuo e algumas hipóteses sobre pequenos cardinais. Em [Wil84], ScottWilliams propõe o uso do conceito de uniformidades como ferramenta paraestudar a paracompacidade dos produtos caixa. Isto levou, posteriormente, àcriação do produto caixa uniforme, o qual apresenta a mesma questão relativaà sua paracompacidade.

Além de [Wil84], podemos também citar [vD80] e [Roi11] como principaisreferências sobre a paracompacidade de produtos caixa, reunindo os princi-pais resultados obtidos em cada período.

O objetivo principal deste texto é apresentar um panorama sobre os prin-cipais resultados a respeito dos produtos caixa. O foco principal é o problema

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da paracompacidade, no entanto estudaremos outras propriedades deste pro-duto a fim de compará-lo com o produto de Tychonoff, além de apresentaralgumas aplicações.

A seguir detalhamos o modo como o presente trabalho está organizado.No primeiro capítulo apresentamos conceitos de Teoria dos Conjuntos e

Topologia Geral que utilizaremos ao longo do texto, além de fixar as notaçõesutilizadas.

O segundo capítulo reúne resultados sobre o produto caixa em perspec-tiva com o produto de Tychonoff. Estudamos propriedades básicas comoprojeções, axiomas de separação, peso e caráter, conexidade, compacidade,preservação do fecho e convergência de sequências.

Em seguida, ainda no segundo capítulo exploramos alguns resultados so-bre espaços discretamente gerados (propriedade introduzida por Dow, Tka-chenko, Tkachuk e Wilson em [DTTW02]). Este é um exemplo de proprie-dade que “se comporta bem” com o produto caixa, mas o mesmo não acontececom o produto de Tychonoff, ao contrário do que acontece com diversas ou-tras propriedades.

No final do capítulo, estudamos o espaço das funções contínuas de umespaço topológico X em R. Analogamente ao espaço Cp(X), podemos uti-lizar o produto caixa para definir o espaço C�(X), o qual foi introduzidopor Tamariz-Mascarúa e Villegas-Rodríguez em [TV02]. Diferentemente deCp(X), em diversos casos o espaço C�(X) pode ser discreto. Estudamos pro-priedades do espaço X que tornam o espaço C�(X) discreto. Tais proprieda-des estão relacionadas com o conceito de quase-ω-resolvibilidade. Estudamostambém um pouco de como essas propriedades se comportam em modelosde ZFC sem cardinais mensuráveis.

No terceiro capítulo apresentamos alguns resultados para o problema daparacompacidade do produto caixa. Apresentamos uma das principais ferra-mentas utilizadas para o estudo desta questão, o produto nabla. Tal produtonos permite estudar os produtos caixa a menos de um número finito de co-ordenadas. Utilizando esta ferramenta, apresentamos uma equivalência daHipótese do Contínuo envolvendo produtos caixa e o grau de Lindelöf. Estu-damos também resultados obtidos com outras hipóteses de consistência mais

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fracas, envolvendo os chamados pequenos cardinais. Apresentamos tambémum pouco do caso em que os fatores do produto caixa são ordinais. Porfim, mostramos um pouco dos resultados conhecidos para produtos de umaquantidade não enumerável de fatores, além de citar algumas questões aindaem aberto.

No quarto capítulo, apresentamos duas aplicações do produto caixa naquestão de espaços normais cujos produtos não são normais. Primeiramenteapresentamos o espaço de Dowker construído por M. E. Rudin em [Rud71].Este consiste de um espaço normal cujo produto com o intervalo real uni-tário não é normal. Em seguida, apresentamos um exemplo de dois espaçosκ-metrizáveis cujo produto não é normal, o qual foi construído por J. E.Vaughan em [Vau75].

Por fim, no apêndice A apresentamos as definições e alguns resultadosbásicos sobre uniformidades, a fim de ilustrar sua utilização como ferramentapara o produto caixa.

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Capítulo 1

Preliminares

Neste capítulo introduziremos os conceitos básicos, definições e notaçõesque utilizaremos por todo o texto. Trabalharemos sempre assumindo osaxiomas de ZFC.

Começamos introduzindo algumas notações e conceitos básicos.

Notação. Denotaremos por

• ω = ω0 o conjunto N dos números naturais;

• N∗ = N \ {0} o conjunto dos números naturais não nulos;

• ℵ0 a cardinalidade do conjunto dos números naturais ω;

• R o conjunto dos números reais, equipado com a topologia usual;

• R∗+ o conjunto dos números reais positivos;

• I o intervalo unitário real {x ∈ R : 0 ≤ x ≤ 1};

• c = 2ℵ0 = |R| a cardinalidade do conjunto dos números reais;

• Bd(x, r) = {m ∈M : d(x,m) < r} a bola aberta de centro x e raior ∈ R+ em um espaço métrico (M,d);

• Br(x) = Bd(x, r), quando a métrica d estiver subentendida;

• Ac o complementar de um conjunto A ⊂ X, ou seja, Ac = X \ A;

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• C o fecho de um conjunto C em um espaço topológico;

• dom(f) o domínio de uma função f ;

• P(X) = {S : S ⊂ X} o conjunto das partes de X;

• [X]κ = {S ∈ P(X) : |S| = κ} o conjunto das partes de tamanho κ.[X]<κ, [X]≤κ são definidos analogamente.

1.1 Teoria dos Conjuntos

A menos de noção contrária, todos os resultados e definições nesta seçãopodem ser encontrados em [Jec03] ou [Kun11].

1.1.1 Filtros e Ultrafiltros

Definição 1.1.1. Seja X um conjunto. Dizemos que F ⊂ P(X) é um filtrosobre X se F satisfaz as seguintes condições:

• ∅ 6∈ F

• A,B ∈ F⇒ A ∩B ∈ F

• A ∈ F, A ⊂ B ⇒ B ∈ F

Se, além disso, F for maximal (no sentido em que, dado um filtro F′ sobreX, se F ⊂ F′, então F = F′), chamamos F de ultrafiltro sobre X.

Do mesmo modo que com os espaços topológicos, podemos definir o con-ceito de base de filtro.

Definição 1.1.2. Um conjunto não vazio B ⊂ P(X) é denominado base defiltro se

• ∅ 6∈ B

• ∀A,B ∈ B,∃C ∈ B, C ⊂ A ∩B

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Dada uma base de filtro B, definimos o filtro gerado por B por

F = {C ∈ P(X) : ∃B ∈ B, B ⊂ C} .

Dado um filtro F, dizemos que B ⊂ F é uma base para F se B satisfazas condições acima e F é o filtro gerado por B.

Definição 1.1.3. Seja F um filtro sobre X, dizemos que F é um filtro prin-cipal se F é existe algum conjunto C ⊂ X tal que F é gerado por {C}. Casocontrário, dizemos que F é um filtro livre.

Um dos principais conceitos relacionados aos filtros são o ultrafiltros.

Definição 1.1.4. Seja X um conjunto, F um filtro sobre X e κ um cardinalinfinito. Dizemos que F é um filtro κ-completo se qualquer intersecção demenos que κ elementos de F é um elemento de F.

Proposição 1.1.5. Seja F um filtro sobre X. Então F é um ultrafiltro sobreX se e somente se para todo subconjunto A ⊂ X temos ou A ∈ U ou X \A ∈U .

Demonstração. Por um lado, suponha que para todo A ⊂ X vale que ou Aou seu complementar pertence a F. Seja F′ um filtro sobre X tal que F ⊂ F′,e suponha que exista C ∈ F′ tal que C 6∈ F. Então temos que X \ C ∈ F , eportanto X \ C ∈ F′, o que contradiz o fato de que F′ é um filtro. Portanto,F é um ultrafiltro.

Por outro lado, suponha que F é um ultrafiltro. Seja A ⊂ X tal queX \ A 6∈ F. Note que o conjunto B = F ∪ {A} é uma base de filtro. Defato, dado C ∈ F temos C ∩A = ∅, pois caso contrário teríamos C ⊂ X \Ae consequentemente X \ A ∈ F. Considere então F′ o filtro gerado por B.Temos que A ∈ F′ e que F ⊂ F′. Como F é um ultrafiltro, temos que F = F′

e , portanto, A ∈ F′, como gostaríamos.

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1.1.2 Ordens

Ainda referente a definições básicas e notações, trataremos nesta seçãode conceitos referentes a ordens.

Definição 1.1.6. Uma ordem1 em um conjunto X é uma relação bináriareflexiva, anti-simétrica e transitiva. Se, além disso, todo par de elementos doconjunto for comparável pela ordem, então chamaremos tal ordem de ordemlinear. Por fim, se todo subconjunto não vazio de X possuir mínimo, entãotemos uma boa ordem.

Notação. Seja X um conjunto equipado de uma ordem ≤. Denotaremos por< a ordem estrita induzida por ≤, ou seja, < é a relação definida bináriapor a < b⇔ a ≤ b e a 6= b.

Denotaremos intervalos abertos e fechados usando colchetes, como a se-guir:

• [a, b] = {x ∈ X : a ≤ x ≤ b}

• ]a, b[= {x ∈ X : a < x < b}

• ]−∞, b] = {x ∈ X : x ≤ b}

• ]a,∞[= {x ∈ X : a < x}

Definição 1.1.7. Dado um conjunto α, dizemos que α é um ordinal se α étransitivo (isto é, ∀x ∈ α, x ⊂ α) e bem ordenado pela relação de pertinência∈. Dados dois cardinais α e β, dizemos que α < β se e somente se α ∈ β.Dado um ordinal κ, dizemos que κ é um cardinal se para todo ordinal α < κ

não existe uma bijeção entre α e κ.

Quando nos referirmos a propriedades topológicas de ordinais, os consi-deramos com a topologia da ordem.

Definição 1.1.8. Seja X um conjunto munido de uma ordem linear ≤. Cha-mamos de topologia da ordem a topologia τ≤ sobre o conjunto X gerada pelabase

{]a,∞[ : a ∈ X} ∪ {]−∞, b[ : b ∈ X}1conhecido também por ordem parcial

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.

Além dos conjuntos bem ordenados, utilizaremos também o conceito deárvore.

Definição 1.1.9 (Árvores).

• Um conjunto parcialmente ordenado (T,≤) é chamado árvore se, paratodo t ∈ T , o conjunto t↓ = {y ∈ T : y ≤ t} é bem ordenado.

• Dado t ∈ T , definimos a altura de t por ht(t) = α, onde α é o únicoordinal tal que t↓ possui tipo de ordem α, isto é, existe uma bijeçãocrescente entre t↓ e α.

• Definimos a a altura de T por ht(T ) = minα : ∀t ∈ T, ht(t) 6= α.

• Dado α um ordinal, definimos o α-ésimo nível de T como o conjunto{t ∈ T : ht(t) = α}.

• Um ramo de uma árvore (T,≤) é uma cadeia maximal em T , isto é,subconjunto C ⊂ T tal que todo par de elementos de T é comparável epara qualquer t ∈ T \ C existe um elemento t′ ∈ C tal que t e t′ nãosão comparáveis.

Utilizaremos um resultado básico de combinatória no caso particular deárvores. Sua demonstração pode ser encontrada por exemplo em [Lév02].

Teorema 1.1.10 (Lema de König para árvores). Seja (T,≤) uma árvore dealtura ω tal que cada nível de T é finito. Então T possui um ramo infinito.

Demonstração. Para cada t ∈ T , denotaremos o conjunto {p ∈ T : p ≥ t}por t↑. Vamos construir um ramo {an : n ∈ ω} ⊂ T por indução em n, talque para cada n ∈ ω temos ht(an) = n e

∣∣an ↑∣∣ ≥ ℵ0. Primeiramente, noteque podemos escrever T =

⋃ht(t)=0 t

↑. Como T é infinito, temos que existealgum t ∈ T , com ht(t) = 0 tal que t↑ é infinito. Definimos a0 como tal t.

Suponhamos agora an construído para todo n ≤ k. Podemos agora escre-ver

an↑ = {an} ∪

(⋃{t↑ : ht(t) = n+ 1 e an ≤ t

})9

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Pela hipótese de indução, temos an↑ infinito. Portanto, podemos en-

contrar t′ ≥ an, com ht(t′) = n + 1 tal que t′↑ é infinito. Definimos assiman+1 = t′ e completamos a indução.

Para definições e resultados sobre ordinais e cardinais, consulte [HJ99]. Amenos de menção contrária, quando o texto se referir a ordinais como espaçotopológico está implícito se tratar da topologia da ordem. Outro conceitoimportante sobre ordem a ser utilizado é o de cofinalidade.

Definição 1.1.11. Seja X um conjunto equipado com uma ordem ≤. Dize-mos que um conjunto B ⊂ A é cofinal em A se ∀a ∈ A,∃b ∈ B, a ≤ b

Definição 1.1.12. Dado um conjunto C, definimos a cofinalidade de C por:

cf(C) = min {|B| : B ⊂ C é cofinal em C}

Definição 1.1.13. Um cardinal κ é dito regular se cf(κ) = κ. Se κ não éregular, dizemos que κ é singular.

Além de ℵ0, qualquer cardinal sucessor (isto é, da forma ℵα+1 para algumordinal α) é regular.

1.2 Topologia Geral

A menos de noção contrária, todos os resultados e definições nesta seçãopodem ser encontrados em [Eng89] ou [Kel75].

Definição 1.2.1. Seja C um subconjunto de um espaço topológico X. Dize-mos que C é

• Gδ se pode ser escrito como interseção enumerável de conjuntos abertos.

• Fσ se pode ser escrito como união enumerável de conjuntos fechados.

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1.2.1 Axiomas de separação

Definiremos nesta seção os axiomas de separação T0, T1, T2, T3, T3 12, T4.

Em todos os casos, teremos X um espaço topológico.

Definição 1.2.2. Dizemos que X satisfaz o axioma T0 ou que X é um espaçoT0 se para cada par não ordenado de pontos de X existe um aberto que contémum ponto e não contém o outro.

Definição 1.2.3. Dizemos que X satisfaz o axioma T1 ou que X é um espaçoT1 se, dados x, y ∈ X distintos, existe uma vizinhança de x que não contémy.

Definição 1.2.4. Dizemos que X satisfaz o axioma T2 ou que X é um espaçoT2 se, dados x, y ∈ X distintos, existem abertos U, V disjuntos tais que x ∈ Ue y ∈ V . Também chamamos um espaço T2 de espaço Hausdorff

Definição 1.2.5. Dizemos que X satisfaz o axioma T3 ou que X é um espaçoT3 se, dado um fechado F ⊂ X e um ponto x 6∈ F , temos abertos U, V ⊂ X

disjuntos tais que x ∈ U e F ⊂ V . Se X é um espaço T1 e T3, chamamos Xde espaço regular.

Proposição 1.2.6. Dado X um espaço topológico, são equivalentes:

1. X é T3;

2. para qualquer x ∈ X e qualquer vizinhança aberta W de x, existe umaberto U tal que x ∈ U ⊂ U ⊂ W .

Demonstração. Suponha X um espaço topológico T3. Fixemos x ∈ X e umavizinhança aberta W de x. Note que o conjunto F = X \W é um fechadoao qual x não pertence. Logo, como X é T3, existem abertos U e V taisque x ∈ U , F ⊂ V e U ∩ V = ∅. Note que U ∩ F = ∅, pois dado p ∈ F ,temos que V é uma vizinhança de p que não intersecciona U . Assim, temosx ∈ U ⊂ U ⊂ W , de modo que X satisfaz a condição 2.

Para a recíproca, suponhamos que X satisfaça a condição 2. Seja F ⊂ X

um fechado, e seja x ∈ X \ F . Por hipótese, existe um aberto U tal quex ∈ U ⊂ U ⊂ U ⊂ X \ F . Temos assim os abertos U e V = X \ U tais quex ∈ U , F ⊂ V e U ∩ V = ∅ e, portanto, X é T3 como queríamos.

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Utilizaremos uma aplicação da regularidade que envolve a seguinte defi-nição.

Definição 1.2.7.

• Um espaço topológico com a propriedade de que a interseção enumerávelde abertos é aberto é chamado de P-espaço.

• Um espaço topológico é dito zero dimensional se possui uma base for-mada por abertos-fechados.

Proposição 1.2.8. Se X é um P-espaço satisfazendo o axioma T3, então Xé zero-dimensional.

Demonstração. Dados x ∈ X e U ⊂ X aberto tal que x ∈ U , como X

é T3, existe aberto V0 tal que x ∈ V0 ⊂ V0 ⊂ U . Podemos então cons-truir uma sequência de abertos (Vn)n∈ω tal que para cada n ∈ ω temosx ∈ Vn+1 ⊂ Vn+1 ⊂ Vn. Assim, temos

⋂n∈ω Vn =

⋂n∈ω Vn. Tal conjunto

é um aberto-fechado, pois X é P-espaço. Assim, construímos uma base deabertos-fechados para X.

Definição 1.2.9. Dizemos que X satisfaz o axioma T3 12ou que X é um

espaço T3 12se, dado um fechado F ⊂ X e um ponto x 6∈ F , existe uma

função contínua f : X −→ I tal que f(x) = 0 e f(y) = 1 para qualquery ∈ F . Se X é simultaneamente T1 e T3 1

2, dizemos que X é de Tychonoff ou

completamente regular.

Definição 1.2.10. Dizemos que X satisfaz o axioma T4 ou que X é umespaço T4 se, dados dois fechados disjuntos F1 e F2, existem dois abertosdisjuntos U, V tais que F1 ⊂ U e F2 ⊂ V . Se X é um espaço T1 e T4,chamamos X de espaço normal.

Ao longo do texto, utilizaremos dois tipos mais fortes de normalidade: acoletiva e a monótona.

Definição 1.2.11. Sejam X um espaço topológico e A ⊂ P(X) uma famíliade subconjuntos de X. Dizemos que:

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• A é uma família discreta se todo ponto x ∈ X possui uma vizinhançaVx que intercepta no máximo 1 elemento de A.

• X é coletivamente normal se, dada uma família discreta de fechados{Fi ⊂ X : i ∈ I}, existe uma família de abertos dois a dois disjuntos{Ai ⊂ X : i ∈ I} tal que ∀i ∈ I, Fi ⊂ Ai.

Definição 1.2.12. Um espaço topológico T1 (X, τ) é dito monotonamentenormal se para todo par (x,A), com x ∈ A ∈ τ , existe um aberto µ(x,A)

satisfazendo:

1. x ∈ µ(x,A) ⊂ A

2. se µ(x,A) ∩ µ(y,B) 6= ∅, então x ∈ B ou y ∈ A

Diferentemente da normalidade, a propriedade 1.2.12 é hereditária, o queé facilmente verificável graças a sua caracterização essencialmente local.

Para justificar o nome desta propriedade, note que todo espaço mono-tonamente normal é, em particular, normal: dados dois fechados disjun-tos F,G ⊂ X, estes são separados pelos abertos U =

⋃p∈F µ(p,X \ G) e

V =⋃q∈G µ(q,X \ F ), respectivamente. A contrapositiva do item 2 da de-

finição garante que U e V são disjuntos. Além disso, se “aumentarmos” ofechado F e “diminuirmos” G, os abertos U e V também “crescem” e “dimi-nuem” (respectivamente) monotonamente. Isto é, dados fechados F ′ ⊃ F eG′ ⊂ G, podemos de maneira análoga construir a partir de µ abertos disjun-tos U ′ e V ′ tais que U ⊂ U ′, V ′ ⊂ V , F ′ ⊂ U ′ e G′ ⊂ V ′.

1.2.2 Espaços dispersos

Uma propriedade topológica dos conjuntos bem ordenados é que os mes-mos são dispersos. Por esta razão, utilizaremos o conceito de espaço dispersopara estudar o produto caixa de ordinais na seção 3.4.

Definição 1.2.13. Seja X um espaço topológico. Dizemos que X é dispersose para todo A ⊂ X, A 6= ∅, existe um ponto isolado no subespaço A.

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Note que todo conjunto bem ordenado equipado com a topologia da ordemé disperso. De fato, dado X conjunto bem ordenado e dado Y ⊂ X, temosque p = minY é ponto isolado de Y , visto que existe o intervalo aberto]0, p+ 1[ de extremos 0 = minX e o sucessor de p. Em particular, temos quetodo ordinal é disperso.

Podemos caracterizar a dispersão de um espaço topológico pela sequên-cia de Cantor-Bendixon. Dado um espaço topológico X qualquer, pode-mos definir a seguinte sequência de subespaços: Começamos com X(0) =

X. Supondo X(α) construído para algum ordinal α, definimos X(α+1) ={x ∈ X(α) : x não é isolado em X(α)

}. Se θ é um ordinal limite, definimos

X(θ) =⋂α<θX

(α). Por indução, dado qualquer ordinal α podemos ver queX(α) é fechado em X e que dado Y ⊂ X temos Y (α) ⊂ X(α).

Proposição 1.2.14. Um espaço topológico X é disperso se e somente seexiste algum ordinal α tal que X(α) = ∅.

Demonstração. Suponha X disperso. Para qualquer ordinal α temos X(α) ⊂X. Portanto, se X(α) 6= ∅, então o mesmo tem um ponto isolado, de ma-neira que α X(α+1) X(α). Assim, a cada iteração da sequência de Cantor-Bendixon, retira-se algum ponto, de maneira que X(κ) = ∅ para κ > |X|+.

Suponhamos agora que exista um ordinal α tal que X(α) = ∅. DadoY ⊂ X não vazio, temos que Y (α) ⊂ X(α) = ∅. Disso, concluímos que Ypossuí algum ponto isolado pois, caso o contrário, teríamos Y = Y (0) =

Y (1) = . . . = Y (α), o que é um absurdo.

Observação 1.2.15. Se além de disperso, X for também compacto, temosque o menor ordinal α é tal que X(α) = ∅ é um ordinal sucessor , isto é,α = β + 1. Além disso, temos que X(β) é finito. De fato, se α é ordinallimite, ou se X(β) fosse infinito, teríamos uma quantidade infinita de pontosisolados em algum subespaço fechado de X, o que é impossível. Denominamostal β por rank de X, e denotamos por β = rank(X).

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1.2.3 Funções cardinais

Chamamos de função cardinal uma “função” que a associa a cada espaçotopológico um cardinal, de maneira que espaços homeomorfos são levadosao mesmo cardinal. Tecnicamente, uma função cardinal não pode ser umafunção no sentido de teoria dos conjuntos, pois o seu domínio, caso existisse,seria equipotente ao conjunto de todos os conjuntos, o qual não existe. Poressa razão, trabalharemos com funções cardinais apenas como notação.

Seguem alguns exemplos clássicos de funções cardinais, os quais serãousados neste texto para facilitar a notação. Mais informações sobre essasfunções podem ser encontradas em [Hod84].

Definição 1.2.16. Seja X um espaço topológico. Denominamos por grau deLindelöf de X (e denotamos L(X)) o menor cardinal κ tal que toda coberturaaberta de X possui uma subcobertura de tamanho κ.

Definição 1.2.17. Seja X um espaço topológico. Definimos o peso de Xpor

w(X) = min {|B| : B é base de X}

Se w(X) = ℵ0, dizemos que X satisfaz o segundo axioma da enumerabili-dade, ou também que X é segundo enumerável.

Definição 1.2.18. Seja X um espaço topológico. Definimos a densidade deX por

d(X) = min {|D| : D é denso em X}

Se d(X) = ℵ0, dizemos que X satisfaz o terceiro axioma da enumerabilidade,ou também que X é separável.

Definição 1.2.19. Seja X um espaço topológico, e C ⊂ P(X). Dizemosque C é uma família celular se é composta por abertos dois a dois disjuntos.Definimos então c(X) = sup {|C| : C ⊂ P(X) é uma família celular} comoa celularidade de X. Se c(x) = ℵ0, dizemos que X satisfaz a condição decadeia enumerável (ccc)2.

2Do inglês, contable chain condition

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Definição 1.2.20. Seja X um espaço topológico, e seja x ∈ X. Definimos ocaráter do ponto x por χ(x,X) = min {|Bx| : Bx é uma base local para x}.Definimos então o caráter do espaço X por χ(X) = supx∈X χ(x,X). Seχ(X) = ℵ0, dizemos que X satisfaz o primeiro axioma da enumerabilidade,ou também que X é primeiro enumerável.

O caráter é o exemplo de uma função cardinal local, isto é, uma funçãoque é construída a partir de uma função definida em cada ponto do espaço.

Com o objetivo de majorar a cardinalidade de espaços Hausdorff, utiliza-remos o seguinte conhecido resultado de Arhangel’skii.

Teorema 1.2.21 (Arhangelskii). Seja X um espaço Hausdorff. Então

|X| ≤ 2L(X)χ(X).

Demonstração. Ao invés da demonstração original, utilizaremos a versão deR. Pol [Pol74].

Fixemos κ = L(X)χ(X). Para cada x ∈ X, fixemos Vx = {Vx,λ : λ < κ}uma base local para x. Vamos construir indutivamente uma sequência cres-cente (Fα)α<κ+ de fechados em X satisfazendo:

(1) ∀α < κ+, |Fα| ≤ 2κ;

(2) para 0 < α < κ+, dado qualquer U ∈[⋃{

Vx : x ∈⋃β<α Fβ

}]≤κ, temos

X \⋃U 6= ∅ =⇒ Fα \ U 6= ∅.

Começamos definindo F0 = {p} para algum p ∈ X qualquer. Fixadoα < κ+, suponhamos Fβ construído para cada β < α. Definimos então

V =⋃{

Vx : x ∈⋃β<α

}e V∗ =

{X \

⋃U : U ∈ [V ]≤κ

}.

Como |V| ≤ 2κ, temos |V∗| ≤= (2κ)κ = 2κ. Escolhemos então um ponto

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de cada elemento de V∗ e obtemos um conjunto E tal que |E| ≤ 2κ. Definimos

Fα = E ∪⋃β<α

Fβ.

Por construção, temos que Fα satisfaz (2). Vamos mostrar que Fα satisfaz(1). Para cada x ∈ Fα e cada λ < κ, escolhemos

ax,λ ∈ Vx,λ ∩

(E ∪

⋃β<α

)

qualquer. Note que a sequência (ax,λ)λ<κ converge para x. Definimos Φ :

Fα −→(E ∪

⋃β<α Fβ

)κa função que associa cada ponto x ∈ Fα à sequência

(ax,λ)λ<κ acima construída. Como X é Hausdorff, temos que cada sequênciade pontos de X converge para um único ponto, de modo que Φ é injetora.Portanto, |Fα| ≤ (2κ)κ, como gostaríamos.

Uma vez construída a sequência (Fα)α<κ+ , definimos F =⋃α<κ+ Fα.

Vamos mostrar que X = F . Primeiramente, vamos mostrar que F é fechado.Seja a ∈ F . Para cada λ < κ, fixemos um ponto aλ ∈ Va,λ∩F qualquer. Noteque a sequência (aλ)λ<κ converge para a. Como (Fα)α<κ+ é crescente e κ+ éum cardinal regular, podemos encontrar α < κ+ tal que {aλ : λ < κ} ⊂ Fα.Logo a ∈ Fα = Fα ⊂ F .

Suponhamos agora, por absurdo, que exista y ∈ X \ F . Para cadax ∈ F , podemos encontrar Vx ∈ Vx tal que y 6∈ Vx. Temos que a família{Vx : x ∈ F} cobre F . Como F é fechado, temos que L(F ) ≤ κ, e por-tanto, podemos encontrar F ′ ∈ [F ]≤κ tal que a família U = {Vx : x ∈ F ′}também cobre F . Novamente pelo fato de que κ é regular, temos que existe

algum γ < κ+ tal que F ′ ⊂ Fγ. Note que U ∈[⋃{

Vx : x ∈⋃β<γ Fβ

}]≤κe

y ∈ X \⋃U . Por 2, temos que Fγ \

⋃U 6= ∅, o que contradiz o fato de que

U cobre F . Logo, X = F , como queríamos.

Do mesmo modo que o teorema anterior pode ser também demonstradoutilizando técnicas de submodelos elementares, utilizaremos tais técnicas parademonstrar o próximo teorema. Trata-se de um resultado de Arhangel’skiinão publicado, porém citado por Kunen em [Kun78], o qual generaliza um

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caso específico do teorema 1.2.21. A presente demonstração foi formuladapor Santi Spadaro [hs].

Teorema 1.2.22. Sejam (X, τ) um espaço compacto Hausdorff e F umacobertura de X por fechados Gδ . Se F satisfaz

∀U ∈ F , |{V ∈ F : U ∩ V 6= ∅}| ≤ c,

então|F| ≤ c

.

Demonstração. Para esta demonstração, utilizaremos técnicas básicas de sub-modelos elementares. Para detalhes sobre submodelos elementares, sugeri-mos [Dow88] e [Dia08].

Seja θ um cardinal regular suficientemente grande, e M um submodeloelementar deH(θ) enumeravelmente fechado (isto é,Mω ⊂M) tal que |M | =c, c ⊂ M e {X, τ,F , c} ∈ M . O teorema de Löwenheim–Skolem garante aexistência de tal M . M tem a seguinte propriedade:

A ∈M e |A| ≤ c =⇒ A ⊂M

Nosso objetivo é mostrar que F ⊂ M , do que se conclui que |F| ≤ c,como gostaríamos.

Como X é compacto Hausdorff, temos que X é normal. Pela normali-dade de X, para cada F ∈ F existe uma sequência decrescente de abertos(Vn(F ))n∈ω tal que Vn+1 ⊂ Vn para cada n ∈ ω e F =

⋂n∈ω Vn(F ), uma vez

que F é Gδ. Se F ∈ F ∩M , podemos supor sem perda de generalidade que{Vn(F ) : n ∈ ω} ∈ M . Pela propriedade de M destacada anteriormente,temos que {Vn(F ) : n ∈ ω} ⊂M .

Note que para todo x ∈ X ∩M podemos encontrar G ∈ F ∩M tal quex ∈ G. De fato, fixemos x ∈ X ∩M e G ∈ F tal que x ∈ G. Vamos mostrarque G ∈M .

Para cada n ∈ ω, consideremos um ponto xn ∈ Vn(G)∩X ∩M qualquer.Note que a sequência (xn)n∈ω converge para G, no sentido que para qualquer

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aberto U ⊃ G existe n0 ∈ ω tal que para todo n > n0 temos xn ∈ U . Defato, dado um aberto U ⊃ G, temos que X \ U é compacto, logo existe umasubcobertura finita de {Vn(G) : n ∈ ω} sobre X \ U . Assim, existe n0 ∈ ωtal que Vn0(G) ⊂ U , de modo que xn ∈ U para todo n > n0.

Como M é enumeravelmente fechado, temos que para cada n ∈ ω temos{xi : i ≥ n} ∈M . Assim, temos que o conjunto

S = {F ∈ F : (xn)n∈ω converge para F}

é um elemento de M , pois todas as variáveis livres da fórmula que define Spertencem a M .

Note que, como X é normal, dado qualquer F ∈ S, temos G∩F 6= ∅. Defato, se isso não acontecesse, poderíamos separar G e F por abertos disjuntos,o que contradiria o fato de que (xn)n∈ω converge para G e para F . Assim,pela propriedade que F , temos que |S| ≤ c. Portanto temos S ⊂ M , logoG ∈M , como gostaríamos.

Para cada F ∈ F temos que {H ∈ F : H ∩ F 6= ∅} ∈ M , pois todasas variáveis livres da fórmula que define tal conjunto estão em M . Temosentão que {H ∈ F : H ∩ F 6= ∅} ⊂M , pois por hipótese G intersecciona nomáximo c elementos de F .

Vamos agora supor por absurdo que F 6⊂ M . Seja então K ∈ F \M .Temos que K não intersecciona nenhum elemento de F . Logo, para cadaF ∈ F podemos encontrar m ∈ ω tal que Vm(F ) ∩K = ∅, pois a cobertura{X \K} ∪ {X \ Vn(F ) : n ∈ ω} de X tem subcobertura finita.

Assim, para cada x ∈ X ∩M , podemos encontrar uma vizinhança Ux ∈M de x tal que Ux ∩K = ∅.

Considere agora U ={Ux : x ∈ X ∩M

}. Note que U ⊂M e que, como

X ∩M é compacto, existe U ′ ∈ [U ]<ℵ0 tal que X ∩M ⊂⋃U ′. Como todas

as variáveis livres em questão estão em M , temos que

M |= X ⊂⋃U ′

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e como M é submodelo elementar de H(θ), temos que

H(θ) |= X ⊂⋃U ′.

No entanto, isso contradiz K∩⋃U ′ = ∅. Logo, F ⊂M , como queríamos.

1.2.4 Paracompacidade

Definição 1.2.23. Sejam X um espaço topológico, U ,V ⊂ P(X) famílias desubconjuntos de X. Dizemos que:

• U é localmente finita se para todo x ∈ X existe uma vizinhança Ux

de x a qual é interceptada por no máximo uma quantidade finita deelementos de U (ou seja, o conjunto {U ∈ U : U ∩ Ux 6= ∅} é finito)

• U é σ-localmente finita se puder ser escrita como união enumerável defamílias localmente finitas.

• V refina U se⋃V =

⋃U e ∀V ∈ V ,∃UV ∈ U , V ⊂ UV .

Definição 1.2.24. Dizemos que X é paracompacto se toda cobertura abertaadmite um refinamento aberto localmente finito. Se toda cobertura abertaadmitir refinamento aberto dois-a-dois disjunto, dizemos que X é ultrapara-compacto

É um resultado básico em topologia o fato de que todo espaço compactoHausdorff é normal. De maneira parecida, podemos enfraquecer a hipótesede compacidade para paracompacidade e obter o mesmo resultado. Por estemotivo, os resultados sobre normalidade de produtos caixa estão muitas vezesrelacionados à paracompacidade.

Neste texto, trabalharemos na maioria das vezes com espaços regulares.Supondo que determinado espaço topológico é regular, obtemos várias equiva-lências para a paracompacidade de tal espaço. Algumas destas equivalênciasestão demonstradas, por exemplo, em Engelking [Eng89] e em Kelley [Kel75].Porém apenas utilizaremos a seguinte equivalência:

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Teorema 1.2.25 (Michael [Mic53]). Seja X um espaço topológico regular.Então são equivalentes as afirmações:

i X é paracompacto

ii Toda cobertura aberta de X admite refinamento aberto σ-localmente finito

Demonstração. É fácil ver que i⇒ii , pois toda família localmente finita é,em particular, σ-localmente finita. Para provar ii⇒ i , seja C uma coberturaaberta de X. Seja U =

⋃n∈ω Un um refinamento aberto de C tal que para

cada n ∈ ω , Un é uma família localmente finita em X. Para cada n ∈ ω,e cada x ∈

⋃Un usamos a regularidade de X para escolher dois abertos Ux

e Vx tais que x ∈ Vx ⊂ Vx ⊂ Ux ∈ Un. Definimos Vn = {Vx : x ∈⋃Un}.

Fixando m ∈ ω e y ∈⋃Um, definimos

Wm,y = Vy \⋃n<m

( ⋃V ∈Vn

V

)

Note que Vn é localmente finita, portanto⋃V ∈Vn V =

⋃Vn é fechado, e

assim Wm,y é aberto. Temos assim que W = {Wy : m ∈ ω, y ∈⋃Um} é um

refinamento aberto localmente finito de C, como queríamos.

Introduzimos agora uma ferramenta que usaremos diversas vezes paraconstatar que um espaço é paracompacto. Basicamente, tal resultado é umageneralização do resultado de que todo espaço regular Lindelöf é paracom-pacto. Para facilitar a notação, vamos introduzir a seguinte definição:

Definição 1.2.26. Seja κ um cardinal infinito. Dizemos que um espaçotopológico X é

• κ-Lindelöf se toda cobertura aberta de X admite uma subcobertura decardinalidade menor ou igual a κ.

• um Pκ-espaço se qualquer intersecção de uma quantidade menor do queκ de abertos é aberta. Alguns autores também utilizam a nomenclaturaκ-aberto.

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Observação 1.2.27. Dizer que X é κ-Lindelöf significa L(X) ≤ κ. Notetambém que por definição, todo espaço topológico é um Pℵ0-espaço, e que todoespaço κ-Lindelöf, com κ > ℵ0 é um P-espaço.

Lema 1.2.28. Seja X um espaço topológico regular. Se existe um cardinalinfinito κ tal que X é Pκ espaço κ-Lindelöf, então X é paracompacto.

Demonstração. Se κ = ℵ0, temos o resultado tradicional de que todo espaçode Lindelöf regular é paracompacto. Mais especificamente, ele é corolário doteorema 1.2.25: se X é regular Lindelöf, dada uma cobertura aberta, suasubcobertura enumerável é um refinamento σ-localmente finito, portanto Xé paracompacto.

Se κ > ℵ0 e X é um espaço nas condições do enunciado do teorema, entãoX é em particular um P-espaço. Pela proposição 1.2.8, temos que X é zerodimensional. Seja R uma cobertura aberta de X. Podemos então construirum refinamento U de R formado por conjuntos abertos fechados. Como Xé um espaço κ-Lindelöf, temos uma subcobertura U′ de U, de cardinalidadeκ. Considerando κ como um ordinal, podemos indexar U′ por κ, isto é, U′ ={Uα ∈ U : α < κ}. Temos R′ =

{Uα \

⋃β<α Uβ : α < κ

}um refinamento

dois a dois disjunto de R, o qual é aberto pois X é Pκ espaço. Portanto, Xé de fato paracompacto.

O lema a seguir servirá de ferramenta para a demonstração do teorema 3.1.5.Tal lema mostra que a paracompacidade é preservada por funções contínuasfechadas.

Lema 1.2.29. Seja F : X −→ Y uma função contínua fechada e sobrejetoraentre dois espaços topológicos regulares. Temos então:

1. Se X é paracompacto, então Y é também.

2. Se Y é paracompacto e a pré-imagem por F de cada ponto de Y forLindelöf , então X é paracompacto.

Demonstração. A demonstração do item 1 pode ser vista em [Mic56]. Parao segundo item, seja U uma cobertura aberta de X. Para cada y ∈ Y ,

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usando a hipótese de que F−1({y}) é Lindelöf, podemos obter uma famí-lia {Uy

n : n ∈ ω} ⊂ U tal que F−1 ({y}) ⊂⋃n∈ω U

yn . Para cada y ∈ Y ,

definimos:

V y =

{z ∈ Y : F−1 ({z}) ⊂

⋃n∈ω

Uyn

}Pela escolha dos Uy

n , temos que y ∈ V y. Notemos que o complementar deV y pode ser escrito como:

Y \ V y ={z ∈ Y : F−1 ({z}) 6⊂

⋃n∈ω U

yn

}=

{z ∈ Y : ∃p ∈ F−1 ({z}) , p 6∈

⋃n∈ω U

yn

}= F (X \ V y)

Assim, como F é fechada, podemos ver que V y é aberto. Usamos aparacompacidade de Y para obter um refinamento W = {W y : y ∈ Y } dacobertura aberta {V y : y ∈ Y } de tal forma que ∀y ∈ Y,W y ⊂ V y. Comisso, definimos para cada n ∈ ω a família

Rn ={Uyn ∩ F−1(W y) : y ∈ Y

}.

Note que Rn é uma família localmente finita: para cada x ∈⋃Rn , seja

Ox a vizinhança aberta de F (x) que testemunha que W é localmente finita(isto é, Ox intercepta apenas um número finito de elementos de W). Temosentão que UF (x)

n ∩F−1(Ox) é uma testemunha de que Rn é localmente finito.Concluímos que U tem um refinamento σ-localmente finito e portanto X éparacompacto (teorema 1.2.25).

1.2.5 Espaços κ-metrizáveis

Outra maneira de verificar que um espaço é paracompacto é o conceitode espaço κ-metrizável. Scott Williams define tal conceito no contexto uni-formidades em [Wil84]. No entanto, utilizaremos a definição encontrada, porexemplo, em [Roi11].

Definição 1.2.30. Seja κ um ordinal e X um espaço topológico. Dizemos

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que X é κ-metrizável se cada ponto x ∈ X possui uma base local Bx =

{ux,α : α < κ} tal que, dados dois pontos distintos x, y ∈ X e dois ordinaisα ≤ β < κ, temos:

1. y ∈ ux,α ⇒ uy,β ⊂ ux,α

2. y 6∈ ux,α ⇒ uy,β ∩ ux,α = ∅

Note que, como este conceito é definido localmente, temos que κ-metrizabilidadeé hereditária.

Teorema 1.2.31. Se X é um espaço κ-metrizável para algum κ, então X éhereditariamente ultraparacompacto.

Demonstração. Seja U uma cobertura aberta de um espaço κ-metrizável X.Fixado x ∈ X, seja Ux uma base local como na definição 1.2.30. Sejaαx = min {β ∈ κ : ∃u ∈ U , ux,β ⊂ u}. Definimos então ux = ux,αx , e vamosmostrar que U ′ = {ux : x ∈ X} é uma partição de X.

Sejam x, y ∈ X pontos distintos. Podemos supor αx ≤ αy. Vamos dividirem dois casos:

Se y 6∈ ux, pelo item 2 da definição 1.2.30, então ux ∩ uy = ∅, comogostaríamos.

Se y ∈ ux, pela contra-positiva do item 2, temos que x ∈ uy,αx . Logo, peloitem 1 , ux ⊂ uy,αx . Por outro lado, y ∈ ux e o item 1 também implicam queuy,αx ⊂ ux. Portanto, temos uy,αx = ux. De tal forma, pela definição de αy,concluímos que αy = αx, e portanto, ux = uy, também como gostaríamos.

Por fim, observe que a hereditariedade decorre de que a κ-metrizabilidadeé uma propriedade hereditária.

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Capítulo 2

Comparações com o produto deTychonoff

Neste capítulo, apresentamos resultados sobre o produto caixa com o pro-pósito de compará-lo com o produto de Tychonoff. Começamos apresentandoas definições de ambos os produtos, e verificando algumas propriedades bá-sicas.

Na seção seguinte, veremos como o produto caixa, diferentemente do pro-duto de Tychonoff, pode ser utilizado na construção de espaços discretamentegerados.

Por fim, estudaremos o conjunto C(X) das funções contínuas de X emR relativamente a dois espaços topológicos que este pode gerar: Cp(X) eC�(X), associados ao produto de Tychonoff e caixa, respectivamente. Namesma seção, veremos as relações entre o espaço C�(X) e espaços quase-ω-resolúveis, além de sua relação com cardinais mensuráveis.

2.1 Definições

Começamos apresentando as definições dos produtos que utilizaremosneste texto.

Definição 2.1.1. Sejam Xi espaços topológicos para cada i ∈ I, e seja∏i∈I Xi. Se A ⊂

∏i∈I Xi é da forma A =

∏i∈I Ai, como Ai ⊂ Xi para cada

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i ∈ I, chamamos de suporte de A o conjunto spt(A) = {i ∈ I : Ai 6= Xi}

Definição 2.1.2. Para cada i ∈ I, seja Xi um espaço topológico. Definimoso produto de Tychonoff da família {Xi : i ∈ I} como o espaço topológicoformado pelo produto cartesiano

∏i∈I Xi equipado com a topologia gerada

pela seguinte família:{∏i∈I

Vi : Vi é aberto em Xi e spt

(∏i∈I

Vi

)é finito

}

Nos referimos aos elementos desta família por abertos básicos. Denota-remos tal espaço topológico por Ti∈IXi, e a topologia em questão por τT . Nocaso em que existe um espaço X tal que ∀i ∈ I,Xi = X, denotamos TIX.

Definição 2.1.3. Para cada i ∈ I, seja Xi um espaço topológico. Definimoso produto de caixa da família {Xi : i ∈ I} como o espaço topológico formadopelo produto cartesiano

∏i∈I Xi equipado com a topologia gerada pela seguinte

família: {∏i∈I

Vi : Vi é aberto em Xi

}Nos referimos a um elemento de tal família por aberto básico como no

produto de Tychonoff, ou também por caixa aberta. Da mesma forma, de-nominamos caixa fechada um produto qualquer de conjuntos fechados.

Denotaremos tal espaço topológico por �i∈IXi, e a topologia em ques-tão por τ�. No caso em que existe um espaço X tal que ∀i ∈ I,Xi = X,denotamos �IX.

Note que todo aberto no produto de Tychonoff é em particular aberto noproduto caixa. Em outras palavras, dizemos que τ� é uma topologia maisfina do que a topologia τT .

Existe também um produto intermediário entre o de Tychonoff e o dacaixa, o κ-produto caixa.

Definição 2.1.4. Sejam I um conjunto infinito e Xi um espaço topológicopara cada i ∈ I. Seja κ um cardinal infinito. Definimos o κ-produto caixa

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da família {Xi : i ∈ I} como o espaço topológico formado pelo produto car-tesiano

∏i∈I Xi equipado com a topologia gerada pela seguinte família:{∏

i∈I

Vi : Vi é aberto em Xi e

∣∣∣∣∣spt(∏i∈I

Vi

)∣∣∣∣∣ < κ

}

Novamente podemos nos referir a um elemento desta família por abertobásico ou então por κ-caixa aberta.

Denotaremos tal espaço topológico por κ�i∈IXi, e a topologia em questãopor τκ�. No caso em que existe um espaço X tal que ∀i ∈ I,Xi = X,denotamos κ�IX.

Note que tanto o produto de Tychonoff quanto o produto caixa são casosparticulares do κ-produto caixa quando κ = ℵ0 e κ > |I|, respectivamente.

2.2 Propriedades básicas

O produto de Tychonoff e o produto caixa compartilham várias proprie-dades básicas. Expomos aqui algumas delas.

Projeções Uma delas é o fato de que em ambos os produtos as projeçõessão contínuas. Mais do que isso, o produto de Tychonoff é a topologia menosfina com tal propriedade. Por isso dizemos que a topologia de Tychonoff é atopologia em

∏i∈I Xi induzida pela família de funções {πi : i ∈ I}, e desse

fato decorrem algumas das boas propriedades que justificam a escolha doproduto de Tychonoff como produto usual.

Proposição 2.2.1. Sejam Xi espaços topológicos para cada i ∈ I, e considereo conjunto

∏i∈I Xi. A topologia em

∏i∈I Xi induzida pelas projeções πi :∏

i∈I Xi −→ Xi é precisamente a topologia do produto de Tychonoff. Logo,uma outra topologia em

∏i∈I Xi torna as projeções contínuas se e somente

se for mais fina do que τT .

Demonstração. Seja τ a topologia em∏

i∈I Xi gerada pelas projeções, e sejaτi a topologia de Xi para cada i ∈ I. Fixemos j ∈ I. Seja V um aberto em

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Xj. Note que π−1j (V ) =

∏i∈I Vi, onde Vj = V e Vi = Xi para i 6= j. Portanto,

para que πj seja contínua, precisamos que π−1j (V ) ∈ τ . Como queremos que

todas as projeções sejam contínuas ao mesmo tempo, precisamos que essainclusão valha para todo i ∈ I e para todo aberto de τi. Logo τ é gerado pelapré-base B =

{π−1i (V ) : i ∈ I, V ∈ τi

}, isto é, o conjunto B′ constituído de

todas as intersecções finitas de elementos de B é uma base para τ . Só queB′ nada mais é do que a base do produto de Tychonoff.

Uma consequência da proposição 2.2.1 é que, dada uma família {Ai ⊂Xi : i ∈ I}, o produto de Tychonoff

∏i∈I Ai coincide com a topologia de

subespaço de∏

i∈I Ai herdada de∏

i∈I Xi, pois a topologia de subespaçonada mais é do que a topologia induzida pela função inclusão. Tal resultadotambém vale para o produto caixa.

Axiomas de separação Outra característica em comum do produto caixae de Tychonoff é que ambos preservam a maioria dos axiomas de separação.Em ambos os produtos são preservados os axiomas T0, T1, T2, T3, T3 1

2, e a

demonstração para cada caso é semelhante. Como ambos os produtos sãocasos particulares do κ-produto caixa, demonstraremos para tal caso geral.

Proposição 2.2.2. Seja Xi um espaço topológico Tn para cada i ∈ I, comn = 0, 1, 2, 3, 31

2. Então κ�i∈IXi é um espaço topológico Tn para qualquer κ

infinito.

Demonstração. Para n = 0, 1, 2, 3, a demonstração é semelhante. Exibimosentão o caso n = 3, e para isto utilizaremos a equivalência de T3 apresentadana proposição 1.2.6. Seja x ∈

∏i∈I Xi , e seja também um aberto básico

V ⊂∏

i∈I Xi. Para cada i ∈ sptV , usamos o fato de Xi ser espaço topológicoT3 para encontrar um aberto Ui ⊂ Xi tal que xi ∈ Ui ⊂ Ui ⊂ Vi. Parai 6∈ sptV , definimos Ui = Xi. Assim, temos U =

∏i∈I Ui aberto em κ�i∈IXi.

Já o caso n = 312é mais complicado e técnico. Como neste texto tra-

balharemos na maioria dos casos com produtos enumeráveis, exibimos a de-monstração para o caso em que I = ω. Seja F ⊂ κ�i∈IXi um conjuntofechado, e seja x0 ∈ κ�i∈IXi \ F . Podemos escolher uma vizinhança básicaV =

∏i∈I Vi de x0 tal que V ∩ F = ∅. Para cada i ∈ I, como Xi é T3 1

2,

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construímos uma função contínua fi : Xi −→ I tal que fi(xi) = 0 e f(y) = 1

para todo y ∈ Xi \ Vi (caso este seja não vazio). Definimos então a funçãof : κ�i∈IXi −→ I definida por f(x) = 1

2

∑∞i=0

fi(xi)2i

para cada x ∈ κ�i∈IXi.Para cada x ∈ κ�i∈IXi, a série

∑∞i=0

fi(xi)2i

converge. Além disso, temos quef(x0) = 0, além do que para todo p ∈ F temos pi 6∈ Vi para cada i ∈ I,portanto f(p) = 1

2

∑∞i=0

12i

= 1. Logo κ�i∈IXi satisfaz T3 12.

Observação 2.2.3. Existe um truque [vD80] para o caso geral da preserva-ção de espaços completamente regulares. Pode-se verificar que um espaço écompletamente regular se e somente se o mesmo é homeomorfo a um subes-çao de um grupo topológico. A partir do produto direto de grupos podemosmostrar que o κ produto de grupos topológicos também é um grupo topológico.Outra opção para o mesmo truque seria utilizar uniformidades ao invés degrupos topológicos. Trata-se de uma consequência direta do teorema A.2.5 eda proposição A.3.4.

Notemos que, no entanto, a preservação não chega à normalidade, nemmesmo no caso finito, onde o produto caixa e o de Tychonoff coincidem. Oexemplo mais famoso deste fato é a reta de Sorgenfrey, a qual é um espaçonormal cujo quadrado não preserva a normalidade. Veremos outros exemplosde tal fato no capítulo 4. O problema da normalidade está relacionado como da paracompacidade, o qual será discutido no capítulo 3.

Fecho A última propriedade em comum entre os dois produtos que apre-sentaremos é o fato de que ambos preservam o fecho dos fatores. Além decaracterizar o fecho nos produtos, tal propriedade garante que o produtoqualquer de espaços fechados é fechado, o que justifica a nomenclatura caixafechada (definição 2.1.3).

Proposição 2.2.4. Sejam κ um cardinal infinito e Ai ⊂ Xi para cada i ∈ I.Temos então:

κ�i∈IAi = κ�i∈IAi

Demonstração. Para mostrar que κ�i∈IAi ⊂ κ�i∈IAi, vamos mostrar queκ�i∈IAi é fechado. Seja p ∈ κ�i∈IXi tal que p 6∈ κ�i∈IAi. Temos que existe

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algum j ∈ I tal que pj 6∈ Aj, para o qual podemos encontrar um aberto Vjtal que pj ∈ Vj ⊂ Xj \ Aj. Temos então que V =

∏i∈I Vi, onde Vi = Xi

para todo i 6= j é uma vizinhança aberta de p que não intersecciona κ�i∈IAi,como gostaríamos.

Vamos agora mostrar que κ�i∈IAi ⊃ κ�i∈IAi. Consideremos x ∈ κ�i∈IAi.Seja V =

∏i∈I Vi uma vizinhança aberta básica de x. Como xi ∈ Ai, pode-

mos encontrar yi ∈ Vi ∩ Ai. Assim, temos y = (yi)i∈I ∈ V ∩∏

i∈I Ai, logox ∈ κ�i∈IAi, como queríamos.

Note que, além de demonstrar que o produtos de fechado é fechado, taldemonstração também mostra que a recíproca de tal afirmação é verdadeira,isto é, que se um produto de subespaços é fechado, então todos os fatores sãofechados. Outro corolário da proposição é o seguinte:

Corolário 2.2.5. Seja Di um subespaço não vazio de Xi para cada i ∈ I.Então

∏i∈I Di é denso em κ�i∈IXi se e somente se para cada i ∈ I, Di for

denso em Di.

Note também que a proposição 2.2.4 junto com a definição de produtocaixa garante que o produto caixa preserva a zero dimensionalidade.

Veremos agora propriedades que distinguem os produtos.

Convergência de sequências Um argumento tradicional para se justificara escolha do produto de Tychonoff ao invés do produto caixa como produtousual de topologias é a convergência de sequências. Por exemplo, considereo produto cartesiano de ω cópias da reta real R. É um resultado básico eintuitivo de análise real que a sequência ( 1

n)n∈ω converge para 0 em R. Pode

se pensar que esse resultado seja preservado com o seu análogo em produtocaixa, o que não acontece, como mostra o próximo exemplo:

Definição 2.2.6. Dados dois conjuntos X e I definimos a função _ : X →XI por x = (x)i∈I para todo x ∈ X.

Exemplo 2.2.7. A sequência((

1n

))n∈ω

em �ω R não converge para 0.

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Este exemplo é um caso específico da próxima proposição, a qual mostraque o produto caixa é muito mais pobre em termos de sequências convergen-tes.

Proposição 2.2.8. Seja X um espaço topológico T1. Temos então que asúnicas sequências convergentes em �ωX são as eventualmente constantes(isto é, sequências para as quais existe n0 ∈ ω tal que ela é constante a partirde n0).

Demonstração. Sejam (an)n∈ω uma sequência em �ωX e a ∈ �ωX com acondição de que (an)n∈ω não é eventualmente constante igual a a, isto é, paracada n ∈ ω existe n0 > n tal que an0 6= a.

Como X é T1, para cada i ∈ ω tal que ai 6= a escolhemos Vi ⊂ X abertotal que a ∈ Vi e ai 6∈ Vi. Já para i ∈ ω tal que ai = a, fixamos Vi = X. Assim,temos que V =

∏i∈ω Vi é uma vizinhança de a tal que {n ∈ ω : an 6∈ V } é

infinito. Portanto, temos que (an)n∈ω não converge para a.

Note que o suporte do aberto V da demonstração anterior era infinito,portanto esse mesmo conjunto não seria aberto no produto de Tychonoff.

Bases As definições 2.1.2, 2.1.3 e 2.1.4 de produtos de espaços topoló-gicos podem ser reescritas equivalentemente considerando apenas produ-tos de abertos básicos, fixadas bases quaisquer para cada um dos fatoresenvolvidos. De tal forma, para qualquer cardinal infinito κ, temos quew(κ�i∈IXi) ≤

∏i∈I w(Xi). Podemos assim majorar o peso (e consequen-

temente a densidade e o grau de Lindelöff) de um produto através do pesodos fatores, o que normalmente não é uma boa majoração.

Mais do que isso, como o produto caixa compreende uma quantidadede abertos muito maior que o produto de Tychonoff, é natural que o pesotambém seja maior no produto caixa. Podemos observar tal aumento nosprodutos de espaços que satisfaçam o primeiro e o segundo axioma da enu-merabilidade (definições 1.2.17 e 1.2.20). Enquanto que o produto de Tycho-noff enumerável preserva ambos os axiomas [Eng89], produtos caixa infinitosnormalmente não os satisfazem.

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Proposição 2.2.9 (Rudin [Rud75]). Seja Xi um espaço Hausdorff não dis-creto para cada i ∈ ω. Então �i∈IXi não é primeiro enumerável.

Demonstração. Seja x ∈ �i∈ωXi um ponto tal que para todo i ∈ ω, xi não éponto isolado de Xi. Seja V uma base local de x, e suponha por absurdo V ={Vn =

∏i∈ω Vn,i : n ∈ ω

}, onde para todo (n, i) ∈ ω2 temos Vn,i ⊂ Xi. Para

cada i ∈ ω, podemos supor a sequência (Vn,i)n∈ω estritamente decrescentequanto à ordem ⊂. Temos então que V =

∏i∈ω Vi,i é uma vizinhança aberta

de x que não contém nenhum elemento de V , contrariando o fato de que V éuma base local de x. Logo |V| > ℵ0, como queríamos.

Como anteriormente, o motivo de tal demonstração não funcionar com oproduto de Tychonoff é que, em tal caso, o conjunto V não seria aberto, tãopouco vizinhança de x.

O seguinte corolário decorre do fato de que o caráter de um espaço sermenor que o seu peso, visto que uma base de um espaço contém bases locaispara todos os seus pontos.

Corolário 2.2.10. Seja Xi um espaço Hausdorff não discreto para cadai ∈ ω. Então �i∈IXi não é segundo enumerável.

Compacidade Uma das principais propriedades do produto de Tychonoffé o Teorema de Tychonoff, o qual é inclusive equivalente ao axioma da esco-lha. O Teorema diz que o produto Tychonoff qualquer de espaços compactosé compacto. Em contrapartida, tal resultado quase sempre é falso para pro-dutos caixa. Mais do que isso, os produtos caixa em geral não são compactos,o que é um dos grandes problemas para se trabalhar com eles.

Teorema 2.2.11 (Williams [Wil84]). Seja Xi um espaço Hausdorff e nãodiscreto para cada i ∈ I, |I| ≥ ℵ0 , então �i∈IXi não é localmente compacto.

Demonstração. Para cada i ∈ I, sejam pi um ponto não isolado de Xi eG =

∏i∈I Gi uma vizinhança básica de p = (pi)i∈I . Como pi não é isolado,

escolhemos xi ∈ Gi tal que xi 6= pi. Pela regularidade de Xi, podemosconstruir abertos disjuntos Ui, Vi tais que pi ∈ Ui e xi ∈ Vi. A partir disso,

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consideremos o conjunto A =∏

i∈I {pi, xi} ⊂ G. Consideremos então aseguinte cobertura aberta de A:

H =

{∏i∈I

Ki : ∀i ∈ I,Ki ∈ {Gi ∩ Ui, Gi ∩ Vi}

}

Note que |H| = 2|I| > ℵ0 , além de que H é dois a dois disjunta. Temosassim queH é uma cobertura aberta de A que não admite subcobertura finita.Então A não é compacto. Como A é fechado (proposição 2.2.4), G tambémnão é compacto. Concluímos que �i∈IXi não é localmente compacto.

Note que esta demonstração também garante que �i∈IXi não é separável.De fato, como a família H é dois a dois disjunta, temos que d (�i∈IXi) ≥c (�i∈IXi) ≥ |H| = 2|I| > ℵ0.

A falta da compacidade nos produtos caixa levou à investigação da pa-racompacidade em tais produtos. O estudo desta propriedade se tornou oprincipal tema relativos ao produto caixa, o qual veremos no capítulo 3.

Conexidade Inicialmente, mostraremos que o produto de Tychonoff secomporta muito bem quanto à preservação da conexidade. Para isso, usare-mos a demonstração por Engelking [Eng89]. Contudo, precisaremos antes dealguns resultados básicos sobre conexidade.

Lema 2.2.12. Seja C ⊂ P(X) uma família de subespaços conexos de umespaço topológico X. Se

⋂C 6= ∅, então

⋃C é conexo.

Demonstração. Sejam X e C como no enunciado. Suponha A,B abertos emX tais que

⋃C ⊂ A ∪ B e A ∩ B ∩ (

⋃C). Fixemos p ∈

⋂C. Suponhamos

que p ∈ A. Para cada C ∈ C, temos que p ∈ C ∩A. Como C é conexo, temosque C ⊂ A. Logo, temos que

⋃C ⊂ A e (

⋃C) ∩ B = ∅, e portanto

⋃C é

conexo.

Lema 2.2.13. Seja X um espaço topológico. Se qualquer par de pontos deX pode ser ligado por um conjunto conexo, isto é, dados x, y ∈ X existe umconjunto conexo C ⊂ X tal que x, y ∈ C, então X é conexo.

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Demonstração. Fixemos x ∈ X. Para cada y ∈ X, definimos Cy o conjuntoconexo que liga x e y, como no enunciado. Temos então que {x} =

⋂y∈X Cy

e X =⋃y∈X Cy, portanto pelo lema 2.2.12, X é conexo.

Lema 2.2.14. Dado um espaço topológico X, se X contém um conjuntodenso conexo, então X é conexo

Demonstração. SejaD ⊂ X um denso conexo, e sejam A,B ⊂ X abertos taisque A∪B = X e A∩B = ∅. Note que A∪B ⊃ D. Então, como D é conexo,podemos supor, sem perda de generalidade, que D ⊂ A e B ∩D = ∅. ComoD é denso, temos que a B ∩ D 6= ∅ a menos que B = ∅. Logo, concluímosque de fato B = ∅ e A = X. Portanto, X é conexo.

Teorema 2.2.15. O produto de Tychonoff de espaços conexos não vazios éconexo.

Demonstração. Primeiramente, vamos mostrar o caso finito. Sejam X e Yespaços conexos não vazios. Dados (x1, y1) e (x2, y2) pontos quaisquer emX × Y , este pode ser unido pelo conjunto (X × {y1})∪ ({x2} × Y ), o qual éconexo pelo lema 2.2.12. Portanto, X × Y é conexo pelos lema 2.2.13. Porindução, estendemos o resultado para qualquer produto finito.

Consideramos então o caso infinito. Seja Xi um espaço conexo não vaziopara cada i ∈ I, I infinito. Definimos J = [I]<ℵ0 o conjunto de todas aspartes finitas de I. Fixamos também um x ∈

∏i∈I Xi qualquer. Para cada

J ∈ J, definimos CJ =∏

i∈I Ci, onde Ci = Xi para i ∈ J , e Ci = {xi}para i ∈ I \ J . Do caso finito, temos que CJ é conexo, para todo J ∈ J.Como x ∈

⋂J∈JCJ 6= ∅, temos que

⋃J∈JCJ é conexo pelo lema 2.2.12. Além

disso, note que⋃J∈JCJ é denso em

∏i∈I Xi, logo

∏i∈I Xi é conexo pelo

lema 2.2.14, como queríamos.

Já no caso do produto caixa, dificilmente obtemos produtos conexos.Como tal produto possui muito mais conjuntos abertos do que o produtode Tychonoff, basta adicionar um axioma de separação aos fatores para queo produto seja desconexo.

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Teorema 2.2.16 (Rudin [Rud75]). Seja Xi um espaço regular para cada i ∈ω. Então dado x ∈ �i∈ωXi, o conjunto q(x) = {p ∈ �i∈IXi : |{i : xi 6= pi}| < ℵ0}é a componente conexa de �i∈ωXi à qual x pertence.

Demonstração. Seja p ∈ �i∈ωXi \ q(x). Para cada par (n, i) de númerosnaturais, escolhemos um aberto Un,i ⊂ Xi tal que xi ∈ Un,i, pi 6∈ Un,i casopi 6= xi, e Un,i ⊃ U(n+1),i (esta última condição é possível graças à regularidadedo espaço). Definimos então

Y = {y ∈ �i∈ωXi : ∃n, |{i : yi 6∈ Un,i}| ≥ ℵ0}

Por construção, temos claramente que p ∈ Y , porém x 6∈ Y . Notemosque Y é aberto. Fixado y ∈ Y , escolhemos algum n ∈ ω tal que S =

{i ∈ ω : yi 6∈ Un,i} seja infinito. Considere para cada i ∈ ω a vizinhançaaberta Vi de yi dada por Vi = Xi \ U(n+1),i para i ∈ S ou por Vi = Xi parai ∈ ω \S. Como S é infinito, temos que y ∈ V =

∏i∈ω Vi ⊂ Y , comprovando

que Y é de fato aberto.Além disso, temos que Y é também fechado. Considere z ∈ �i∈ωXi \ Y .

Pela definição de Y , podemos encontrar para cada n ∈ ω o menor naturalkn ∈ ω tal que para todo i ≥ kn tenhamos z ∈ Un,i. Como para cada i ∈ ωfixado escolhemos a sequência (Un,i)n∈ω de maneira decrescente, temos que asequência (kn)n∈ω é crescente.

A partir de tal sequência, podemos construir outra da seguinte maneira:para cada i ≤ k0, definimos ai = 0. Em seguida, para i ≥ k0, se ai + 1 <

kai+1, definimos ai+1 = ai. Caso contrário, definimos ai+1 = ai + 1. Ofato de (kn)n∈ω ser crescente garante que (ai)i∈ω também o é. Definimosentão Wi = Xi para i < k0, e Wi = Uai,i para i ≥ k0. Temos assim quez ∈ W =

∏i∈ωWi ⊂ �i∈ωXi \ Y . De fato, a sequência (kn)n∈ω garante que

z ∈∏

i∈ωWi. Além disso, o fato de a sequência (ai)i∈ω ser crescente garanteque Y ∩W = ∅, pois para cada n ∈ ω, podemos encontrar in ∈ ω tal queain > n, de maneira que Wi = Uai,i ⊂ Un,i para todo i > in. Portanto, Y éfechado.

Como Y é uma vizinhança aberto-fechada de p a qual não contém x, entãop pertence a uma componente conexa distinta da de x, então concluímos que

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a componente conexa à qual x pertence está contida em q(x).Para finalizar, basta mostrar que o conjunto q(x) é conexo. Notemos que

tal conjunto nada mais é do que o conjunto⋃J∈JCJ como construído na

demonstração do teorema 2.2.15, com x fixado. Como demonstrado em talteorema, temos que q(x) =

⋃J∈JCJ é conexo.

Note que usaremos esse conjunto q(x) no próximo capítulo para construiro produto nabla (definição 3.1.1). Inclusive, usaremos o mesmo argumento dediagonal que usamos para provar que o conjunto Y é fechado para mostrar queo produto nabla é um P-espaço (lema 3.1.4). Além disso, decorre também dademonstração que �i∈ωXi não é localmente conexo, pois qualquer vizinhançabásica de um ponto x contém um ponto y que não pertence a q(x).

Com este resultado, para que o produto caixa de espaços regulares sejanão conexo, basta que não seja um produto trivial, no sentido de que umaquantidade infinita de fatores tenha mais do que 1 ponto. Note que a de-monstração do teorema 2.2.15 não funciona para o produto caixa apenas pelofato de que o conjunto

⋃J∈JCJ não é denso em �i∈IXi.

2.3 Espaços discretamente gerados

Como vimos até agora, muitas das propriedades preservadas pelo pro-duto de Tychonoff não são preservadas pelo produto caixa. Veremos agoraum exemplo de espaço que se comporta de maneira inversa: os espaços dis-cretamente gerados, introduzidos por Dow, Tkachenko, Tkachuk e Wilsonem [DTTW02]. Enquanto que o produto de Tychonoff de tais espaços não énecessariamente discretamente gerado, podemos construir tais espaços utili-zando o produto caixa.

Definição 2.3.1. Dizemos que um espaço topológico X é discretamente ge-rado se dados A ⊂ X e x ∈ A, então existe um conjunto discreto D ⊂ A talque x ∈ D.

Proposição 2.3.2. Todo subespaço de um espaço discretamente gerado tam-bém é discretamente gerado.

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Demonstração. Seja X um espaço discretamente gerado, e seja S ⊂ X. SejaA ⊂ S, e seja p ∈ A

S. Note que p ∈ AX , portanto existe um discreto

D ⊂ A em X tal que p ∈ DX . Seja D′ = D ∩ S. Note que D′ ⊂ A

também é discreto e D′S = DX ∩ S, logo p ∈ D′S, do que se conclui que S é

discretamente gerado.

Para a demonstração do exemplo 2.3.5, precisaremos do conceito de espa-ços maximais e submaximais. Voltaremos a utilizar tal conceito na seção 2.4

Definição 2.3.3. Seja (X, τ) um espaço denso-em-si-mesmo (isto é, (X, τ)

não possui pontos isolados). X é dito:

• maximal quando τ é a maior topologia densa-em-si-mesma sobre X,ou seja, dada qualquer topologia τ ′ sobre X com τ ( τ ′, (X, τ ′) possuialgum ponto isolado.

• submaximal se todo subconjunto denso de X for aberto.

Apesar do nome, existem espaços topológicos maximais que não são sub-maximais. Considere um espaço topológico formado por 3 pontos distintos,e cujo único aberto não trivial consiste do conjunto formado por 2 destespontos. Aliás, é possível encontrar exemplos como esse de espaços maximaisnão submaximais de qualquer cardinalidade. Contudo, basta a hipótese doespaço ser T0 para que a maximalidade implique em submaximalidade (pro-posição 2.3.4). Tal hipótese faz sentido, uma vez que todo espaço submaximalé T1, pois o complementar de qualquer ponto não isolado é denso.

Proposição 2.3.4. Todo espaço maximal T0 é submaximal.

Demonstração. Seja (X, τ) um espaço maximal T0. Vejamos primeiro que(X, τ) é T1. Dado um ponto p ∈ X, suponhamos que X \ {p} 6∈ τ . Como(X, τ) é maximal, se adicionarmos X \{p} à topologia τ (ou seja, se conside-rarmos a topologia τ ′ gerada pela pré-base τ ∪{X \ {p}}), teremos um pontoisolado. Isto significa que existe algum ponto q ∈ X e um aberto U ∈ τ taisque (X \{p})∩U = {q}. Temos então que U ⊂ {p, q}, pois se existisse algumz ∈ U tal que z 6= p, q, então teríamos z ∈ (X \ {p}) ∩ U . Como (X, τ) não

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possui pontos isolados, concluímos que U = {p, q}. Como (X, τ) também éT0, temos que existe um aberto W que contém apenas um dos pontos p eq. Logo teríamos que |U ∩W | = 1, o que contraria o fato de que (X, τ) édenso-em-si-mesmo. Portanto (X, τ) é T1, como queríamos.

Seja D ⊂ X um subconjunto denso. Suponha que D 6∈ τ . Procedendocomo no argumento anterior, obtemos que existe um aberto V ∈ τ e umponto x ∈ X tal que D ∩ V = {x}. Porém, como (X, τ) é T1, {x} é fechado,logo V \ {x} é aberto. Temos assim que (V \ {x})∩D = ∅, o que contraria ahipótese de que D é denso. Logo (X, τ) é submaximal, como queríamos.

O exemplo a seguir mostra como o produto de Tychonoff não “conversabem” com espaços discretamente gerados.

Exemplo 2.3.5 (Dow, Tkachenko, Tkachuk, Wilson [DTTW02]). Consi-dere o espaço 2 = {0, 1} com a topologia discreta, e seja 2c com o produtoTychonoff. O espaço 2 é discretamente gerado, porém o espaço 2c não o é.

Demonstração. Vamos construir um subespaço de 2c o qual não é discreta-mente gerado, logo pela proposição 2.3.2, 2c também não o é. Van Douwenconstruiu em [vD93] um exemplo de um espaço Hausdorff maximal (defini-ção 2.3.3) de cardinalidade enumerável, utilizando o Lema de Zorn. Denomi-naremos tal espaço por V , e sua topologia, a qual é maximal, por τV . Sejax ∈ V um ponto qualquer, e seja A = V \{x}. Note que x não pode estar nofecho de nenhum subconjunto discreto de A, pois todo subespaço discreto deV é fechado. De fato, dado D ⊂ V discreto, temos que V \D é denso, poisse existisse um aberto não vazio U ⊂ D, este geraria algum ponto isolado,e portanto V \ D é aberto, pela proposição 2.3.4. Concluímos então que Vnão é discretamente gerado.

Podemos construir uma cópia homeomorfa a V em 2c. Para tal fim, note-mos primeiramente que V é zero dimensional. De fato, como V é enumerável,temos em particular que V é Lindelöf. Como V é Lindelöf e Hausdorff, temosque V é Tychonoff. Sendo assim, dado qualquer aberto U ⊂ V e qualquerponto p ∈ U , temos uma função contínua f : V −→ I tal que f(p) = 0 ef(y) = 1 para todo y ∈ V \ U . Porém , como V é enumerável, f não podeser sobrejetora. Podemos então escolher 0 < r < 1 tal que r não está na

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imagem da função f . Temos então que o conjunto W = f−1([0, r[) ⊂ U

é um aberto graças à continuidade de f . Além disso, temos também quef−1(]r, 1]) = V \W , portanto W é também fechado. O conjunto B formadopor todos os W assim construídos é uma base de V que testemunha a zerodimensionalidade de V .

A partir de tal base B de abertos-fechados, vamos construir o subespaçode 2c que procuramos. Como |P(V )| = c, existe uma bijeção ϕ : P(V ) −→ c.Construiremos então uma função ψ : V −→ 2c definida para cada p ∈ V ecada S ⊂ V por:

ψϕ(S)(p) =

{1 se p ∈ S ∈ B0 caso contrário

Note que o fato de que V é T1 garante a injetividade de ψ, pois para cadaponto p ∈ V , ψ(p) é o único ponto na imagem de ψ que assume o valor 0 nacoordenada ϕ(V \ {p}).

Vamos mostrar que ψ é contínua. Dado j ∈ I, seja Vj(1) =∏

i∈cAi,j,onde Ai,j = 2 = {0, 1} para i 6= j e Ai,j = {1} para i = j. Seja tambémVj(1) =

∏i∈cBi,j, onde Bi,j = 2 para i 6= j e Bi,j = {0}, para i = j.

Como estamos trabalhando com o produto de Tychonoff, temos que todos osabertos de 2c são intersecções de uma quantidade finita de abertos do tipoVj(n), com j ∈ c, n ∈ {0, 1}. Caso ϕ−1(j) 6∈ B, temos que ψ−1(Vj(0)) = V

e ψ−1(Vj(1)) = ∅, ambos abertos. Já no caso em que ϕ−1(j) ∈ B, temosque ψ−1(Vj(1)) = ϕ−1(j) e ψ−1(Vj(0)) = V \ ϕ−1(j), sendo que ambos sãoabertos, pois B é formada por abertos-fechados.

Por fim, vamos mostrar que ψ é aberta sobre a sua imagem. Dado umaberto A ⊂ V , pela definição de base, podemos encontrar B′ ⊂ B tal queA =

⋃B′. Temos então que

ψ(A) = ψ(⋃B′)

=⋃B∈B′

(ψ(B)) =⋃B∈B′

(ψ(V ) ∩ Vϕ(B)(1))

Logo ψ(A) é aberto em ψ(V ), como queríamosPela proposição 2.3.2, concluímos que 2c não é discretamente gerado.

Tal resultado ainda pode ser melhorado. Admitindo a existência de um

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L-espaço, foi demonstrado em [DTTW02] que mesmo sem a hipótese do con-tínuo o espaço 2ω1 não é discretamente gerado. Atualmente já temos umexemplo de um L-espaço em ZFC [Moo06], portanto um produto de Tycho-noff de ℵ1 espaços discretamente gerados já é o suficiente para se perder talpropriedade. Como vimos, tal propriedade é hereditária, logo dado um pro-duto de Tychonoff de uma quantidade não enumerável de espaços topológicosquaisquer, basta encontrarmos em cada fator uma cópia isomorfa de 2 paraque o produto não seja discretamente gerado.

Teorema 2.3.6 (Tkachuk, Wilson [TW12]). Para cada i ∈ I, seja Xi um es-paço topológico monotonamente normal (definição 1.2.12). Então o produtocaixa �i∈IXi é discretamente gerado.

Demonstração. Seja A ⊂ �i∈IXi, e seja z ∈ A. Para cada a ∈ A, vamos usara regularidade de cada Xi, com i ∈ I, para construir uma vizinhança abertaU(a) =

∏i∈I Ui(a) de a de maneira que, para todo i ∈ I tal que zi 6= ai,

temos zi 6∈ Ui(a). Sejam também κ = χ(z,�i∈IXi) e G = {Gα : α ∈ κ} umabase local para z.

Por indução, vamos construir as sequências de pontos a(α) ∈ A e deabertos básicos V (α) ⊂ �i∈IXi, ambas de comprimento menor ou igual aκ. Começamos escolhendo algum a(0) ∈ A ∩ G0, e então definimos V (0) =

U(a(0)). Fixemos então um α < κ e suponhamos a(β) e V (β) já construídos,para todo β < α, satisfazendo as seguintes condições:

1. a(β) ∈ A ∩Gβ

2. a(β) ∈ V (β) ⊂ U(aβ)

3. A família {Wb : β < α}, onde Wβ =∏

i∈I µ(ai(β), Vi(β)), é dois a doisdisjunta.

Para prosseguir, vamos precisar de uma consequência da condição 3. Noteque tal condição garante que o conjunto Dα = {a(β) : β < α} seja discreto.Temos então:

z ∈ Dα ⇐⇒ z ∈⋃β<α

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Para provar tal afirmação, suponhamos que z ∈⋃β<αWβ \ Dα. De z 6∈

Dα, obtemos uma vizinhança aberta H =∏

i∈I Hi de z tal que H ∩Dα = ∅.Por outro lado, definindo W =

∏i∈I µ(zi, Hi), z ∈

⋃β<αWβ garante que

W intersecciona⋃β<αWβ, logo existe algum β < α tal que W ∩Wβ 6= ∅.

Portanto, para todo i ∈ I, temos µ(zi, Hi)∩ µ(ai(β), Vi(β)) 6= ∅. Dado i ∈ I,se zi = ai(β), então ai(β) ∈ Hi. Se, ao invés disso, tivermos ai(β) 6= xi, porconstrução temos que zi 6∈ Ui(a(β)), logo z 6∈ Vi(β), pela condição 2. ComoXi é monotonicamente normal, temos neste caso também que ai(β) ∈ Hi.Logo a(β) ∈ H∩Dα, o que é um absurdo. Isto conclui um lado da afirmação,enquanto que o outro vem do fato de que Dα ⊂

⋃β<αWβ.

Se por um acaso tivermos z ∈ Dα, não é necessário prosseguir com aindução, pois o teorema já estaria provado. Suponhamos então que z 6∈ Dα.Pela afirmação demonstrada no parágrafo anterior, temos que z 6∈

⋃β<αWβ.

Portanto, existe algum aberto básico E tal que z ∈ E e E∩(⋃

β<αWβ

)= ∅.

Definimos então a(α) como um ponto qualquer de E ∩ Gα ∩ A e V (α) talque a(α) ∈ V (α) ⊂ E ∩ U(a(α)). Temos então que para todo β < α + 1, ascondições de 1 a 3 são satisfeitas, concluindo a indução.

Se para todo α < κ tivermos z 6∈ Dα, consideramos D = {aα : α < κ}.Novamente a condição 3 garante que D é discreto. Como {Gα : α < κ}é uma base local de z, a condição 1 garante que z ∈ D, completando ademonstração.

Corolário 2.3.7. O produto caixa de κ cópias da reta real R (ou seja, �κR)é discretamente gerada, para qualquer cardinal κ.

2.4 O espaço de funções contínuas

Dados X, Y espaços topológicos, denotamos por C(X, Y ) o conjunto dasfunções contínuas de X em Y . No caso em que Y = R, denotamos C(X,R)

por C(X).Habitualmente, ao espaço C(X) é atribuída a topologia da convergência

pontual, ou seja, a topologia na qual uma sequência de funções {fn : X −→R : n ∈ ω} converge para uma função f : X −→ R se e somente se para

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cada ponto x ∈ X, a sequência {fn(x) : n ∈ ω} converge para f(x). Taltopologia está associada ao produto de Tychonoff.

Se, ao invés do produto de Tychonoff, utilizarmos o produto caixa, obte-remos um outro espaço topológico completamente distinto. Distinto ao pontode que não precisamos de muitas hipóteses para que o espaço obtido de talmaneira seja discreto.

Definição 2.4.1. Seja X um espaço topológico, e seja RX o conjunto de todasas funções de X em R. Denotaremos C(X) =

{f ∈ RX : fé contínua

}.

• Se equiparmos o conjunto RX =∏X R com a topologia de Tychonoff e

consideramos o conjunto C(X) com a topologia de subespaço, denota-mos tal espaço topológico por Cp(X) (neste caso, p indica a convergên-cia pontual, pois nesta topologia, o conceito de convergência equivale àconvergência pontual de funções).

• Se, ao invés, equiparmos∏X R com a topologia da caixa, denotamos

por C�(X) o espaço topológico formado por C(X) com a topologia her-dada por �XR.

O espaço Cp(X) deu origem a toda uma área de estudos, a Cp teoria.Como referência no assunto, citamos [Tka11]. Já o espaço C�(X) diferedrasticamente de Cp(X), de maneira que o estudo sobre ele é muito menor,e com diferentes objetivos. A primeira grande diferença é que, enquanto oespaço Cp(X) costuma ser um subespaço denso de RX , o espaço C�(X) ésempre um subespaço fechado de RX .

Proposição 2.4.2. Seja X um espaço topológico completamente regular.Considerando RX com a topologia de Tychonoff, Cp(X) é denso em RX .

Demonstração. Seja U =∏

x∈X Ux 6= ∅ um aberto básico de RX . Va-mos construir uma função contínua f : X −→ R tal que f ∈ U . Comoestamos trabalhando com o produto de Tychonoff, existem finitos pontosx1, . . . , xn ∈ X tais que Ux = R para todo x ∈ X \ {xi : 1 ≤ i ≤ n}. ComoX é completamente regular, em particularX é Hausdorff. Portanto, podemosconstruir abertos V1, . . . , Vn disjuntos tais que xi ∈ Vi para cada 1 ≤ i ≤ n.

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Fixemos então 1 ≤ i ≤ n. Primeiramente, escolhemos ri ∈ Uxi qualquer. Emseguida, como X é completamente regular, podemos construir uma funçãocontínua fi : X −→ I tal que fi(xi) = 1 e fi(y) = 0 para cada y ∈ X \ Vi.Aplicando o mesmo procedimento para cada 1 ≤ i ≤ n, definimos a funçãof que procuramos por f(x) =

∑ni=1 rifi(x).

Proposição 2.4.3. Seja X um espaço topológico qualquer. Então C�(X) éum subconjunto fechado de �XR.

Demonstração. Considere f ∈ RX\C(X). Então, existe um ponto x0 ∈ X noqual f é descontínua. Por definição, existe então uma vizinhança U de f(x0)

tal que para cada vizinhança V de x0 existe um xV ∈ V tal que f(xV ) 6∈ U .Desta forma, para cada V podemos encontrar uma vizinhança aberta WV def(xV ) tal que WV ∩ U = ∅. Definimos então Ux0 = U , UxV = WV para cadavizinhança aberta V de x0, e Ux = R para os demais x ∈ X. Dessa forma,temos f ∈

∏x∈X Ux ⊂ RX \ C(X).

Mais do que apenas ser sempre fechado, a principal característica doespaço C�(X) é a sua propensão a ser discreto.

Definição 2.4.4. Dizemos que um espaço topológico X é C�-discreto se oespaço C�(X) for discreto.

Tal conceito foi introduzido por Tamariz-Mascarúa e Villegas-Rodríguezem [TV02], onde são investigadas as relações entre os espaços C�-discretos eos espaços quase-ω-resolúveis(definição 2.4.6, item 2.4.6). Além desta, pre-cisaremos de algumas outras definições.

Observação 2.4.5. A menos de menção contrária, todos os resultados edefinições até o final desta seção foram retirados de [TV02].

Definição 2.4.6.

• Seja κ um cardinal. Dizemos que um espaço topológico X é κ-resolúvelse X pode ser escrito como união disjunta de κ subconjuntos densos.Dizemos que X é resolúvel quando X for 2-resolúvel.

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• Dizemos que um espaço X é quase resolvível se X puder ser escritocomo união enumerável de conjuntos de interior vazio.

• Em particular, dizemos que X é quase-ω-resolúvel se X for quase re-solúvel e a família enumerável de conjuntos de interior vazio for cres-cente em relação à inclusão, isto é, X =

⋃n∈ω Yn, e para cada n ∈ ω,

Yn ⊂ Yn+1 e Yn tem interior vazio.

Proposição 2.4.7. Um espaço topológico X é quase-ω-resolúvel se e somentese existe uma partição P = {Xn : n ∈ ω} de X tal que cada aberto não vaziode X intersecciona infinitos elementos de P .

Demonstração. SuponhaX um espaço quase-ω-resolúvel, e sejaX =⋃n∈ω Yn,

como na definição 2.4.6. Então a partição que procuramos é P = {Y0} ∪{Yn+1 \

(⋃0≤i≤n Yi

): n ∈ ω

}. De fato, seja V 6= ∅ um aberto em X; se A

interceptasse uma quantidade finita de elementos de P , teríamos A ⊂ Xm,para algum m suficientemente grande, o que contraria o fato de que Xm teminterior vazio. Logo A intersecciona infinitos elementos de P , como gostaría-mos.

Por outro lado, seja P = {Xn : n ∈ ω} uma partição de X como noenunciado da proposição. Então podemos escrever X =

⋃n∈ω Yn com Yn =⋃

0≤i≤nXi, satisfazendo as condições da definição 2.4.6. De fato, fixadon ∈ ω, seja A ⊂ Yn um aberto. Supondo por absurdo A 6= ∅, então A

intersecciona infinitos elementos de P , o que contraria a hipótese de queA ⊂ Yn. Portanto Yn tem interior vazio, como queríamos.

O resultado mais imediato sobre espaços C�-discreto é que eles precisamao menos ser infinitos, como mostra a proposição a seguir.

Proposição 2.4.8. Um espaço finito não é C�-discreto.

Demonstração. Seja X espaço topológico com |X| = n < ω. Consideremosf : X −→ R a função constante igual a 0. Seja V uma vizinhança de f em�XR do tipo V =

∏i≤n Vi, com Vi =] − ai, ai[ para cada i ≤ n. Considere

g : X −→ R a função constante igual a mini≤n ai2

. Temos que g ∈ V ∩ C(X),portanto f não é ponto isolado de C�(X), como queríamos.

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Outra condição necessária básica para um espaço X ser C�-discreto éque, caso X seja T1, então X precisa ser denso-em-si-mesmo.

Proposição 2.4.9. Se X é um espaço topológico T1 e C�-discreto, então Xé denso-em-si-mesmo.

Demonstração. Seja X um espaço topológico T1 com infinitos pontos, e su-ponha que x ∈ X seja um ponto isolado. Como X é T1, o conjunto {x}é aberto fechado. Assim, podemos escrever X = {x} ⊕ (X \ {x}), onde ⊕indica a soma topológica1. Podemos escrever de tal forma pois, como {x}e X \ {x} são ambos abertos, em ambos os casos a topologia de subespaçocoincide com a restrição da topologia ao subconjunto.

Como X = {x} ⊕ (X \ {x}), então C�(X) = C�({x}) ⊕ C�(X \ {x}) =

R× C�(X), o qual não é discreto.

Por outro lado, uma condição suficiente para um espaço com infinitospontos ser C�-discreto é que as únicas funções contínuas de X em R sejamas funções constantes.

Proposição 2.4.10. Seja X um espaço topológico, |X| ≥ ℵ0. Se as únicasfunções contínuas de X em R forem as constantes, então X é C�-discreto.

Demonstração. Fixemos f ∈ C(X), e seja r ∈ R o único valor na imagem def . Como X possui infinitos pontos, podemos escolher uma sequência (xn)n∈ω

de pontos distintos de X. Para cada n ∈ ω, definimos Axn =]r−1/n, r+1/n[.Para os demais x ∈ X, definimos Ax = R. Dessa forma, temos que C(X) ∩∏

x∈X Ax = {f}, logo f é ponto isolado de C(X), como queríamos.

Observação 2.4.11. Note que na proposição 2.4.9, a hipótese do espaço serT1 não pode ser diminuída. Considere um conjunto X com infinitos pontos,e seja a ∈ X um ponto qualquer. Seja τ a topologia sobre X dada por{A ⊂ X : a ∈ A}. Temos então que (X, τ) é T0, possui um ponto isoladoporém é C�-discreto pela proposição 2.4.10.

1 União disjunta equipada com a topologia gerada pela união das topologias dos so-mandos.

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Omotivo para introduzirmos neste texto o conceito de quase-ω-resolvibilidadeé, como comentamos, sua íntima relação com o conceito de C�-discrição.Mais especificamente, o primeiro implica no segundo. Além disso, para es-paços T3 1

2, tais conceitos são equivalentes.

Teorema 2.4.12. Seja X um espaço quase-ω-resolúvel. Então X é C�-discreto.

Demonstração. Seja P = {Xn : n ∈ ω} uma partição de X como na pro-posição 2.4.7. Fixemos algum f ∈ C(X). Para cada n ∈ ω e para cadax ∈ Xn, definimos Gx =]f(x)−1/n, f(x)+1/n[. Temos então a caixa abertaG =

∏x∈X Gx. Pela construção, temos que f ∈ G. Vamos mostrar que

G∩C(X) = {f}. Seja g ∈ G∩C(X). Fixemos então x0 ∈ X e n0 ∈ ω. Comof e g são contínuas em x0, podemos encontrar V uma vizinhança aberta dex0 em X que satisfaça simultaneamente f(V ) ⊂]f(x0)− 1/n0, f(x0) + 1/n0[

e g(V ) ⊂]g(x0) − 1/n0, g(x0) + 1/n0[. Como todo aberto não vazio de Xintersecciona infinitos elementos de P , podemos escolher m0 > n0 tal queV ∩ Xm0 6= ∅. Seja então y ∈ V ∩ Xm0 , pela desigualdade triangular obte-mos:

d (f(x0), g(x0)) ≤ d (f(x0), f(y)) + d (f(y), g(x0))

≤ d (f(x0), f(y)) + d (f(y), g(y)) + d (g(y), g(x0))

≤ 1n0

+ 1m0

+ 1n0

≤ 3n0

Assim, variando n0 para cada x0 fixado, concluímos que f = g e, portanto,G ∩ C(X) = {f}, como queríamos.

Teorema 2.4.13. Seja X um espaço T3 12. Então X é quase-ω-resolúvel se

e somente se X é C�-discreto.

Demonstração. Seja X um espaço T3 12. Pelo teorema 2.4.12, falta apenas

mostrar que se X é C�-discreto, então X é quase-ω-resolúvel. Supondo XC�-discreto, podemos encontrar uma caixa aberta G =

∏x∈X Gx tal que

G∩C(X) = {f}, onde f é a função constante igual a zero. Definimos então

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uma função d : X −→ ω dada por d(x) = min {n ∈ ω : ]− 1/n, 1/n[⊂ Gx}para cada x ∈ X.

A partir de d, definimos Yn = {x ∈ X : d(x) ≤ n+ 1} para cada n ∈ ω.Pela construção de d, é fácil ver que Yn ⊂ Yn+1 para cada n ∈ ω. Portanto,para que X seja quase-ω-resolúvel, basta mostrar que, para todo n ∈ ω, Yntem interior vazio.

Suponha que para algum n0 > 0 exista um aberto não vazio A tal queA ⊂ Yn0 . Fixando x0 ∈ A, podemos construir uma função contínua g : X −→R tal que g(x0) = 1

2n0e g(y) = 0 para todo y ∈ X \A, pois X é T3 1

2. Temos

que g 6= f , e vamos mostrar que g ∈ G.Primeiramente, se x ∈ X\A, temos h(x) = 0 ∈ Gx. Caso contrário, temos

x ∈ A ⊂ Yn0 , logo pela definição de Yn0 , temos d(x) ≤ n0 + 1 e, portanto,]−1n0+1

, 1n0+1

[⊂ Gx. Já pela construção de g temos que g(x) ≤ 1

2n0≤ 1

n0+1,

do que concluímos que g(x) ∈ Gx, como queríamos.Temos então que g ∈ C(X)∩G, o que contraria a escolha de G. Logo Yn

tem conteúdo vazio para todo n ∈ ω, e portanto X é quase-ω-resolúvel.

Estabelecida a relação entre a quase-ω-resolubilidade e a C�-discrição, va-mos estudar algumas propriedades para determinar se um espaço é quase-ω-resolúvel. Assim, a próxima proposição apresenta condições suficientes parauma função sobrejetora f entre dois espaços topológicos refletir ou preservara quase-ω-resolubilidade.

Proposição 2.4.14. Sejam X, Y espaços topológicos e f : X −→ Y sobre-jetora.

1. Se Y for quase-ω-resolúvel e a imagem por f de todo aberto não vaziode X tiver interior não vazio, então X é quase-ω-resolúvel.

2. Se X for quase-ω-resolúvel e f for contínua e injetora, então Y é quase-ω-resolúvel.

A demonstração dos itens 1 e 2, consiste basicamente em verificar que apré-imagem e a imagem de uma partição quase-ω-resolúvel, sob as respectivashipóteses, também é uma partição quase-ω-resolúvel, o que pode ser feitodiretamente da definição.

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Definição 2.4.15. Um espaço topológico X é dito σ-discreto se X puder serescrito como união enumerável de subespaços discretos.

Proposição 2.4.16. Seja X um espaço denso-em-si-mesmo. Se X é T0 eσ-discreto, então X é quase-ω-resolúvel.

Demonstração. Seja X como na hipótese. Então podemos escrever X =⋃n∈ωXn, onde, para cada n ∈ ω, Xn é discreto e tais que Xn 6= Xm sempre

que n 6= m. Podemos supor isso, pois caso X fosse união finita de subespaçosdiscretos, como X é T0, poderíamos construir um ponto isolado em X.

Construímos então uma sequência Z = (Zn)n∈ω dada por Zn = Xn \⋃i<nXi para cada n ∈ ω. Temos assim que cada Zn é um subespaço discreto

de X. Além disso, temos que para cada n ∈ ω, existe um n0 > n tal queZn0 6= ∅, pois caso contrário, X seria escrito como união finita de subespaçosdiscretos. Dessa forma, excluindo os elementos vazios da sequência, obte-mos uma subsequência Z ′ ⊂ Z, a qual forma uma partição de X como naproposição 2.4.7. De fato, todo aberto não vazio de X intercepta infinitoselementos de Z. Suponha que um aberto A ⊂ X intercepte finitos elementosde Z. Como A é aberto, poderíamos escrever A como uma união finita desubespaços discretos em A. Como A herda T0 de X, concluiríamos que existeum ponto isolado de A. Porém como A é aberto, tal ponto também seriaponto isolado de X, o que seria um absurdo.

Vamos introduzir agora alguns conceitos relacionados aos pontos isolados.

Definição 2.4.17. Seja (X, τ) um espaço topológico. Definimos o caráterde dispersão de (X, τ) por ∆(X) = min {|U | : U ∈ τ \ {∅}}.

Note que esta função cardinal indica o quão longe um espaço está depossuir pontos isolados.

O próximo lema é um pedaço de um resultado em [AST+00].

Lema 2.4.18 ( [AST+00]). Suponha que exista um espaço submaximal Xo qual não é σ-discreto. Então existe Y um espaço topológico de Baire nãoresolúvel denso-em-si-mesmo.

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Demonstração. Seja X um espaço submaximal não σ-discreto. DefinimosS = {U ⊂ X : U é aberto não vazio e σ-discreto}, e consideramos Y =

⋃S.

Vamos mostrar que Y é σ-discreto. Para cada U ∈ S, podemos escreverU =

⋃n∈ω Un, com Un subespaço discreto de U para cada n ∈ ω. Como

cada U ∈ S é aberto, temos que Un é subespaço discreto também segundo atopologia de subespaço herdada de X, e da mesma forma de

⋃S. Definimos

então Sn =⋃{Un : U ∈ S} para cada n ∈ ω. Temos então que para todo

n ∈ ω, Sn é um subconjunto discreto de⋃S, e portanto

⋃S é σ-discreto.

Como X é submaximal, temos que qualquer conjunto de interior vazio édiscreto. De fato, seja F ⊂ X de interior vazio. Então para cada p ∈ F ,temos que (X \ F ) ∪ {p} é denso, e portanto aberto em X. Dessa forma,F é discreto. Como Y é aberto, sua fronteira ∂Y tem interior vazio, logodiscreta. Concluímos assim que Y é σ-discreto, como queríamos.

Definimos então Z = X \ Y . Temos que Z é aberto não vazio, e nãocontém nenhum subconjunto aberto σ-discreto. Como Z é aberto, Z herdade X a submaximalidade, sendo assim um espaço não resolúvel e sem pontosisolados.

Por fim, vamos mostrar que Z é de Baire. Seja (Un)n∈ω uma família deabertos densos em Z. Então para cada n ∈ ω, temos que Z \Un é um fechadodiscreto. Considere então o conjunto:

P = Z \

(⋂n∈ω

Un

)=⋃n∈ω

(Z \ Un)

P é então σ-discreto e, portanto, não pode conter nenhum aberto não vazio.Portanto,

⋂n∈ω Un é denso, como queríamos.

Lema 2.4.19. Se X é um espaço T0 maximal não quase-ω-resolúvel, entãoX é de Baire, não resolúvel e denso-em-si-mesmo.

Demonstração. SejaX um espaço T0 maximal que não seja quase-ω-resolúvel.Pela proposição 2.3.4, temos que X é submaximal. Temos então que X nãoé σ-discreto, pois caso o fosse, pela proposição 2.4.16, teríamos X quase-ω resolúvel. Logo, pelo lema 2.4.18, concluímos a existência de um espaçotopológico de Baire não resolúvel denso-em-si-mesmo.

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Incluímos também alguns resultados que serão usados como ferramentapara os resultados na próxima subseção.

Lema 2.4.20 (Hewitt [Hew43]). Todo espaço topológico denso-em-si-mesmopode ser escrito como a união disjunta de um subespaço resolúvel e um he-reditariamente não resolúvel.

Lema 2.4.21 (Foran, Liebnitz [FL91]). Se X é um espaço denso-em-si-mesmo, então são equivalentes:

1. X é quase resolúvel.

2. Podemos escrever X = X1 ∪X2, de forma que:

• se X1 6= ∅, então X1 é um fechado, resolúvel de interior vazio

• X2 é um aberto magro (ou seja, X2 =⋃n∈ω Sn, tal que para todo

n ∈ ω, temos int(Sn)

= ∅)

3. Existe uma função f : X −→ ω tal que f seja descontínua em todos ospontos de X.

A partir desses resultados, obtemos:

Corolário 2.4.22. Se X é um espaço de Baire não resolúvel denso-em-si-mesmo, então X não é quase resolúvel.

Demonstração. Se X é um espaço de Baire sem pontos isolados, então pelolema 2.4.20, X contém um subespaço Y aberto, não vazio e hereditariamentenão resolúvel. Note que Y é de Baire. Se X é quase resolúvel, então Y

também o é, porém isso implica, pelo lema 2.4.21 que Y é um conjuntomagro, o que é um absurdo.

2.4.1 Cardinais mensuráveis

Os espaços C�-discretos estão também associados à existência de cardi-nais mensuráveis. Se assumirmos a existência deles, podemos construir contraexemplos para a recíproca do teorema 2.4.12. Por outro lado, se trabalhar-mos em algum modelo de ZFC que não admita nenhum cardinal inacessível,

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então podemos construir um resultado que indicaria uma recíproca para aproposição 2.4.9.

Definição 2.4.23. Um cardinal não enumerável κ é dito mensurável se κadmite um ultrafiltro livre κ-completo (definição 1.1.4).

Observação 2.4.24. Existe uma outra definição equivalente para o conceitode cardinal mensurável envolvendo uma medida binária sobre o cardinal, oque justifica a nomenclatura. Contudo, tal definição é irrelevante para estecontexto.

É possível demonstrar que os cardinais mensuráveis são fortemente ina-cessíveis. Este e outros resultados sobre cardinais mensuráveis podem serencontrados em [Jec03].

Exemplo 2.4.25. Suponha a existência de um cardinal mensurável κ. En-tão, existe X um espaço topológico T0, Baire resolúvel, C�-discreto o qualnão é quase-ω-resolúvel e tal que ∆(X) = κ.

Demonstração. Seja κ um cardinal mensurável. Escolhemos então U ⊂P(κ) um ultrafiltro livre κ-completo, como na definição 2.4.23. Defini-mos X = κ ∪ {U}. Definimos também a topologia τ sobre X dada porτ = {A ∈ P(X) : U ∈ A e A ∩ κ ∈ U} ∪ {∅}.

Primeiramente, note que κ e {U} são densos disjuntos de X, o qual é,portanto, resolúvel. Além disso, temos que se C ∈ U , então |C| = κ. Defato, seja P ⊂ κ tal que |P | < κ. Como U é ultrafiltro, pela proposição1.1.5, para cada p ∈ P temos que ou {p} ∈ U ou κ \ {p} ∈ U , do quepodemos tirar que κ \ {p} ∈ U , pois U é livre. Note que podemos escreverκ \ P =

⋂p∈P (κ \ {p}). Como U é κ-completo, temos que κ \ P ∈ U , logo

P 6∈ U . A partir disso, concluímos que ∆(X) = κ.Vamos mostrar que X não é quase-ω-resolúvel. Sejam (Yn)n∈ω uma famí-

lia crescente de conjuntos de interior vazio tal que X =⋃n∈ω Yn. Escolhemos

então n0 ∈ ω tal que U ∈ Yn0 e n1 ∈ ω tal que Yn1 ∩ κ ∈ U . Podemos es-colher tal n1 pois, caso ele não existisse, teríamos que κ \ Yn ∈ U para todon ∈ ω, pois U é ultrafiltro. Isso implicaria que ∅ ∈ U , pois U é κ-completo.

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Escolhemos então algum k > n0, n1, e temos que Yk é aberto não vazio, logopossui interior não vazio.

Considere f ∈ C(X) e x ∈ X. Como todo aberto de X contém o pontoU , temos que f (U) ∈]f(x) − ε, f(x) + ε[ para todo ε > 0, do que se concluíque f(x) = f (U). Portanto, da mesma maneira que na observação 2.4.11,as únicas funções contínuas de X em R são as constantes, e portanto pelaproposição 2.4.10, X é C�-discreto.

Por fim, temos que X é espaço de Baire: seja (Dn)n∈ω uma sequênciade abertos densos em X. Para cada n ∈ ω, temos que U ∈ Dn, logo U ∈⋂n∈ωDn, e portanto

⋂n∈ωDn é denso em X.

Exemplo 2.4.26. Suponha a existência de um cardinal mensurável κ. En-tão, existe X um espaço topológico T0, Baire, submaximal, C�-discreto o qualnão é quase resolúvel e tal que ∆(X) = κ.

Demonstração. Seja κ um cardinal mensurável, e considereX como no exem-plo anterior (exemplo 2.4.25). Diferentemente do item anterior, consideresobre X a topologia θ = {A ∈ P(X) : A ∩ κ ∈ U} ∪ {∅}. Da mesma ma-neira que no item anterior, equipando X com tal topologia temos ∆(X) = κ.Além disso, ainda temos também que X é Baire: dada (Dn)n∈ω sequência deabertos densos em X, temos que Dn ∩ κ ∈ U para cada n ∈ ω. Como U éκ-completo, temos

⋂n∈ω (Dn ∩ κ) ∈ U . Como U é filtro, temos que

⋂n∈ωDn

é denso em X.

Vamos mostrar que X é C�-discreto pela proposição 2.4.10. Seja f :

X −→ R função contínua, e suponha que existam x, y ∈ X distintos taisque f(x) 6= f(y). Como a reta real é Hausdorff, podemos achar dois abertosdisjuntos Vx e Vy contendo respectivamente f(x) e f(y). Como f é contínua,temos que f−1(Vx)∩ κ, f−1(Vy)∩ κ ∈ U , o que é um absurdo, pois f−1(Vx)∩f−1(Vy) = ∅.

Também temos que X não é quase resolúvel. Escrevendo X =⋃n∈ω Un,

da mesma maneira que no item anterior, conseguimos um n0 ∈ ω tal queUn0 ∩ κ ∈ U . Logo Xn0 é aberto não vazio em X, e portanto possuí interiornão vazio.

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Por fim, temos que X é submaximal, pois, como U é ultrafiltro, D ⊂ X

é denso se e somente se D ∩ κ ∈ U , e portanto todo denso é aberto.

Agora nosso objetivo consiste de construir a “recíproca” da proposição 2.4.9.Para isso, vamos precisar de um resultado (lema 2.4.27) que estabelece con-sequências topológicas para a não existência de cardinais mensuráveis. O casoem cardinalidade regular de tal resultado foi provado por Kunen, Szymanskye Tall em [KST86], baseados em um artigo sobre cardinais mensuráveis eideais precipitados por Magidor [JMMP80].

Lema 2.4.27 (Kunen, Szymański, Tall [KST86]). Se V = L, então todoespaço denso-em-si-mesmo é quase resolúvel.

Demonstração. Como comentamos, o caso para espaços de cardinalidade re-gular deste teorema é a proposição 3.9 em [KST86]. Seja agora X um es-paço denso-em-si-mesmo tal que |X| = κ, onde κ é um cardinal singular.Seja κ+ o cardinal sucessor de κ, o qual é regular. Considere o espaçoZ = ⊕λ∈κ (X × {λ}). Note que |Z| = κ × κ+. Como X não possui pon-tos isolados, Z também não os possui, e portanto, assumindo V = L, temosque Z é quase resolúvel. Podemos então escrever Z =

⋃n∈ω Jn, com cada

Jn de interior vazio. A partir disso, podemos escrever X =⋃n∈ω Ln, onde

Ln = Jn∩(X × {0}). Desta forma, X é quase resolúvel, como queríamos.

Corolário 2.4.28. Se V = L, então todo espaço de Baire denso-em-si-mesmo é resolúvel.

Demonstração. Consequência do lema 2.4.27 e do corolário 2.4.22.

Teorema 2.4.29. Assumindo ZFC e V = L, então todo espaço T0 denso-em-si-mesmo é quase-ω-resolúvel (em particular, C�-discreto).

Demonstração. Supondo ZFC e V = L, temos que todo espaço topológico T0

maximal é quase-ω-resolúvel pelo corolário 2.4.28 e pela contra contrapositivado lema 2.4.19.

Considere então um espaço topológico (X, τ) denso-em-si-mesmo e T0.Podemos expandir τ para uma topologia τ ′ tal que τ ⊂ τ ′ e (X, τ ′) seja

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maximal. Sob as hipóteses, temos (X, τ ′) quase-ω-resolúvel. Considere entãoa função identidade Id : (X, τ ′) −→ (X, τ). Tal função é bijetora e contínua,logo pela proposição 2.4.14, temos que (X, τ) também é quase-ω-resolúvel,como queríamos.

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Capítulo 3

Paracompacidade de produtoscaixa

Como vimos no capítulo anterior, o produto caixa geralmente não é com-pacto (teorema 2.2.11). Sendo assim, uma pergunta natural seria: “podemosenfraquecer a compacidade a alguma outra propriedade que se comporte bemcom o produto caixa?” . Esta pergunta levou ao estudo da preservação da pa-racompacidade dos produtos caixa, o que levou a diversos resultados. Desdeentão, a pergunta anterior mudou para “Sob quais condições sobre seus fa-tores o produto caixa é paracompacto?” , a qual virou o objeto central noestudo dos produtos caixa.

Na seção 3.1 apresentamos o produto nabla, um produto auxiliar queutilizaremos como ferramenta. Na seção 3.2 estudamos um resultado soba hipótese do contínuo, enquanto na seção 3.3 estudamos resultados sobhipóteses menores. Em seguida, apresentamos alguns resultados relativos aprodutos de ordinais na seção 3.4. Por fim, apresentamos um panorama docaso em que o produto é não enumerável na seção 3.5 e dos problemas emaberto na área, na seção 3.6.

Como referências centrais neste tópico citamos [Wil84], [vD80] e [Roi11].

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3.1 O produto nabla

Introduziremos nesta seção uma ferramenta importante para se trabalharcom produtos caixa: o produto Nabla. Com ele, podemos trabalhar como produto caixa “a menos de um número finito de índices” , como veremosna definição a seguir. Uma de suas principais utilidades é o fato de queo produto nabla de uma quantidade enumerável de espaços é um P-espaço(lema 3.1.4). Tal propriedade é normalmente usada em conjunto com o Nablalemma (teorema 3.1.5), o qual demonstra, sob certas hipóteses, a equivalênciaentre a paracompacidade no produto caixa e no produto Nabla.

Definição 3.1.1 (Produto nabla). Seja I um conjunto de índices. Para cadai ∈ I, seja Xi um espaço topológico. Seja =∗ a relação de equivalência em�i∈IXi dada por:

x =∗ y ⇐⇒ {i ∈ I : xi 6= yi} é finito

Definimos então o produto nabla dos espaços (Xi)i∈I pelo espaço topoló-gico dado por

∇i∈IXi =�i∈IXi

=∗

equipado com a topologia quociente.No caso do produto de espaços iguais, ou seja, ∀i ∈ I,Xi = X para algum

espaço topológico X, denotamos ∇i∈IXi = ∇IX

Definimos também q : �i∈IXi −→ ∇i∈IXi a projeção usual.

Observação 3.1.2. O conceito de produto nabla pode ser generalizado paraum filtro qualquer da seguinte maneira: dados uma família de espaços topo-lógicos {Xi : i ∈ I} e um filtro F em I , podemos construir uma relação deequivalência ∼= definida por x ∼= y ⇔ {i ∈ I : xi = yi} ∈ F. Podemos entãodefinir o produto nabla como acima, apenas substituindo a relação =∗ pelarelação ∼=. No entanto, como neste texto trabalharemos com produtos de umaquantidade enumerável de espaços, o filtro que nos interessará é o filtro dosconjuntos cofinitos (isto é, cujo complementar é finito), por isso usaremosapenas a definição 3.1.1.

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Mostraremos agora algumas propriedades básicas do produto nabla.

Proposição 3.1.3. Seja (Xi)i∈ω uma família de espaços topológicos. Sejamtambém duas famílias {Ai : i ∈ I} e {Bi : i ∈ I} tais que ∀i ∈ I, Ai, Bi ⊂Xi. Então

1. q(∏

i∈I Ai)⊂ q

(∏i∈I Bi

)se e somente se {i ∈ I : Ai 6⊂ Bi} é finito .

2. se I = ω, então a projeção q : �i∈ωXi −→ ∇i∈IXi é aberta.

3. q(∏

i∈I Ai)é aberto (ou fechado) se e somente se o conjunto dos i ∈ I

tais que Ai não é aberto (ou fechado) é finito.

4. o produto nabla “comuta” com a topologia de subespaço, isto é, ∇i∈IAi

é homeomorfo a q(∏

i∈I Ai)com a topologia de subespaço de ∇i∈IXi,

e tal homeomorfismo comuta com a projeção q

Demonstração.

1. Suponhamos que {i ∈ I : Ai 6⊂ Bi} seja finito. Seja a ∈∏

i∈I Ai. Noteque {i ∈ I : ai 6∈ Bi} ⊂ {i ∈ I : Ai 6⊂ Bi}, o qual supomos finito. Te-mos assim que q(a) ∈ q

(∏i∈I Bi

), logo q

(∏i∈I Ai

)⊂ q

(∏i∈I Bi

).

Vamos agora demonstrar a contra-positiva da recíproca. Suponha-mos {i ∈ I : Ai 6⊂ Bi} infinito. Podemos escolher a ∈

∏i∈I Ai tal que

ai ∈ Ai \Bi sempre que Ai 6⊂ Bi. Temos então que {i ∈ I : ai 6∈ Bi}é infinito, de modo que q(a) 6∈ q

(∏i∈I Ai

), como gostaríamos.

2. Notemos que q−1(q(∏

i∈ω Ai))

=⋃J∈[ω]<ℵ0

∏i∈ω C(i, J), onde C(i, J)

= Xi caso i ∈ J e C(i, J) = Ai caso i 6∈ J . Seja∏

i∈I Ai abertoem �i∈IXi. Para cada i ∈ I, temos Ai aberto em Xi. Assim, cada∏

i∈ω C(i, J) é aberto em �i∈IXi, de modo que, pela definição de topo-logia quociente, q

(∏i∈ω Ai

)é aberto em ∇i∈IXi, como gostaríamos.

3. Suponhamos que o conjunto O = {i ∈ I : Ai não é aberto} seja finito.Seja q(a) ∈ q

(∏i∈I Ai

). Para cada i 6∈ O tal que ai ∈ Ai, escolhemos

Vi aberto tal que ai ∈ Vi ⊂ Ai. Para os demais, definimos Vi = Xi,e chamamos então V =

∏i∈I Vi. Pelo item anterior, temos que q(V )

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é uma vizinhança aberta de q(a). Pelo item 1, temos q(∏

i∈I Vi)⊂

q(∏

i∈I Ai), logo q

(∏i∈I Ai

)é aberto.

Da mesma maneira, suponhamos que o conjuntoC = {i ∈ I : Ai não é fechado} seja finito. Escolhemos um ponto p ∈�i∈IXi tal que q(p) 6∈ q

(∏i∈I Ai

). Temos que pi 6∈ Ai para infinitos i ∈

ω. Como C é finito, temos que H = ∩{i ∈ I : pi 6∈ Ai e Ai é fechado}é infinito. Para cada i ∈ H, podemos encontrar uma vizinhança abertaUi de pi tal que Ui ∩ Ai = ∅. Para i ∈ I \H, definimos Ui = Xi. As-sim, como H é infinito, temos que q

(∏i∈I Ai

)∩ q(∏

i∈I Ui)

= ∅, comogostaríamos.

Para a recíproca, suponhamos que O seja infinito. Então para cadai ∈ O, podemos encontrar ai ∈ Ai tal que ai não seja ponto interior deAi. Para os demais, podemos escolher ai ∈ Ai qualquer. Vamos mostrarque q(a), onde a = (ai)i∈I , não é um ponto interior de q

(∏i∈I Ai

).

Pelo item 2, é suficiente mostrar que qualquer vizinhança de q(a) daforma q

(∏i∈I Vi

), com Vi aberto em Xi para cada i ∈ I, contém um

ponto q(b) tal que q(b) 6∈ q(∏

i∈I Ai). Seja q(V ) uma tal vizinhança

de q(p). Temos que ai 6∈ Vi para apenas finitas coordenadas. Podemosentão achar infinitas coordenadas i ∈ ω tais que ai ∈ Vi e ai não sejaponto interior de Ai. Para tais coordenadas, escolhemos bi ∈ Vi \ Aiqualquer. Para as demais coordenadas, definimos bi = ai. Assim,definindo b = (bi)i∈ω, temos q(b) ∈ q(V ) \ q

(∏i∈ω Ai

), portanto q(b)

testemunha que q(a) não é ponto interior de q(∏

i∈ω Ai)e, portanto,

q(∏

i∈ω Ai)não é aberto. Para o caso em que C é infinito, procedemos

da mesma maneira para encontrar um ponto q(a) ∈ q(∏

i∈ω Ai)tal que

q(a) 6∈ q(∏

i∈ω Ai).

4. Vamos mostrar que a função identidade é um homeomorfismo consi-derando tais topologias. Seja V ⊂ ∇i∈IAi aberto. Temos um abertoV ′ ⊂ �i∈IAi tal que V = q(V ′). Por sua vez, existe um aberto U de�i∈IXi tal que V ′ = U ∩

∏i∈I Ai. Portanto V = q(U) ∩ q

(∏i∈I Ai

),

ou seja, V é aberto na topologia de subespaço. Por outro lado, sejaagora V um aberto de q

(∏i∈I Ai

)na topologia de subespaço. Então

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existe U aberto em ∇i∈IXi tal que V = U ∩ q(∏

i∈I Ai). Por sua

vez, U = q(U ′), para algum aberto U ′ ⊂ �i∈IXi. Temos então queV = q

(U ′ ∩

∏i∈I Ai

), completando a demonstração.

Note que uma aplicação importante do item 2 é que podemos obter umabase para o produto nabla a partir da projeção de uma base de abertos doproduto caixa.

O próximo lema é uma das principais propriedades do produto nabla, ecomo dissemos no começo da seção, será uma ferramenta importante paraestudar a paracompacidade dos produtos caixa. Note que a partir de agoratrabalharemos com produtos de uma quantidade enumerável de espaços.

Lema 3.1.4 (Rudin). Seja Xi um espaço topológico para cada i ∈ ω. Então∇i∈ωXi é um P-espaço.

Demonstração. Considere uma família {A(i, n) ⊂ Xi : i, n ∈ ω} de abertos.Vamos mostrar que

⋂n∈ω q

(∏i∈ω A(i, n)

)é aberto. Note que podemos supor

sem perda de generalidade que esta família é uma sequência “decrescente emcada coordenada i”, ou seja, uma sequência tal que vale ∀n ∈ ω,A(i, n +

1) ⊂ A(i, n) ⊂ Xi. Isto basta para provar o teorema, pois pelo item 2 daproposição 3.1.3, a projeção de produtos caixa de abertos forma uma baseem ∇i∈ωXi.

Dado p ∈ �i∈IXi tal que q(p) ∈⋂n∈ω q

(∏i∈ω A(i, n)

), vamos construir

uma função crescente fp : ω −→ ω tal que q(p) ∈ q(∏

i∈ω A(i, fp(i))). Esta

função funcionará como uma diagonal em um argumento de diagonalização.Notemos que para cada n ∈ ω, como q(p) ∈ q

(∏i∈ω A(i, n)

), existe um

kn ∈ ω tal que para todo j ≥ kn temos pj ∈ A(j, n). Como (A(i, n))n∈ω édecrescente, podemos supor (kn)n∈ω crescente. Vamos então construir fp porrecurção em i:

fp(i) =

0 se i = 0

fp(j) se i = j + 1 e i < kfp(j)+1

fp(j) + 1 se i = j + 1 e i ≥ kfp(j)+1

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Esta recursão garante que para todo i > 0 tenhamos kfp(i) ≤ i, de maneiraque pi ∈ A(i, fp(i)). Como (kn)n∈ω é crescente, temos também que f nãoé eventualmente constante. Assim, temos que q(p) ∈ q

(∏i∈ω A(i, fp(i))

),

como queríamos. Como cada A(i, n) é aberto, q(∏

i∈ω A(i, fp(i)))também o

é. Assim, basta então provarmos que

q

(∏i∈ω

A(i, fp(i))

)⊂⋂n∈ω

q

(∏i∈ω

A(i, n)

)

Precisamos mostrar que ∀n ∈ ω, q(∏

i∈ω A(i, fp(i)))⊂ q

(∏i∈ω A(i, n)

).

Note que, como a sequência é decrescente em cada coordenada, vale para cadan que fp(i) > n implica em A(i, fp(i)) ⊂ A(i, n). Assim, como fp é crescente,temos que {i : A(i, fp(i)) 6⊂ A(i, n)} é finito, e portanto pelo item 1 destelemma, temos a inclusão desejada, completando a demonstração.

Note que a existência de tal função fp está relacionado ao fato de quetoda família enumerável de funções de ω em ω é limitada (no sentido dadefinição 3.3.2). Veremos mais sobre isso na seção 3.3.

Apresentamos agora o Nabla Lemma, que será nossa principal ferramentapara utilizarmos este produto. Esta versão do teorema, está em [Kun78].

Teorema 3.1.5 (Nabla Lemma). Para cada i ∈ ω, seja Xi um espaço topo-lógico compacto. Temos então que �i∈ωXi é paracompacto se e somente se∇i∈ωXi é paracompacto.

Demonstração. Vamos demonstrar que a projeçãoq : �i∈ωXi −→ ∇i∈ωXi é uma função fechada para então utilizar o lema 1.2.29:

Seja F ⊂ �i∈ωXi fechado. Queremos mostrar que q(F ) é fechado em∇i∈ωXi, ou equivalentemente, mostrar que q−1(q(F )) é fechado em �i∈ωXi.Definindo a projeção π≥k : �i∈ωXi = �i<kXi×�k≥kXi −→ �k≥kXi, podemosescrever q−1(q(F )) =

⋃k∈ω π

−1≥k (π≥k (F )). Usando a hipótese de que para

todo i ∈ ω Xi é compacto, vemos que para cada k ∈ ω, π≥k(F ) é fechado.De fato, seja v ∈ (�k≥kXi \ π≥k(F )). Como F é fechado em �i∈ωXi,

podemos encontrar para cada u ∈ �i<kXi um aberto básico Uu × Vu, com

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Uu ⊂ �i<kXi e Vu ⊂ �k≥kXi, tal que (u, v) ∈ Uu × Vu e (Uu × Vu) ∩ F = ∅.Assim, temos que {Uu : u ∈ �i<kXi} é uma cobertura aberta de �i<kXi, oqual é compacto, pois o produto caixa de um número finito de termos coincidecom o produto de Tychonoff. Assim, temos um conjunto finito de pontosΘ ⊂ �i<kXi tais que �i<kXi =

⋃u∈Θ Uu. Temos então que V =

⋂u∈Θ Vu

é uma vizinhança aberta de v. Além disso, para cada b ∈ π≥k(F ), existea ∈ �i<kXi tal que (a, b) ∈ F , contudo existe u ∈ Θ tal que a ∈ Uu. Como(a, b) ∈ F , temos (a, b) 6∈ Uu × Vu. Logo b 6∈ V . Concluímos assim queπ≥k(F ) é fechado, como queríamos.

Com isso, vamos mostrar que o conjunto⋃k∈ω π

−1≥k (π≥k (F )) é fechado.

Note que, pelas leis de De Morgan, podemos escrever o seu complementar daseguinte maneira:

�i∈ωXi \⋃k∈ω

π−1≥k (π≥k (F )) =

⋂k∈ω

π−1≥k (�k≥kXi \ π≥k(F ))

Seja p ∈⋂k∈ω π

−1≥k (�k≥kXi \ π≥k(F )). Como mostramos que para cada

k ∈ ω, π≥k(F ) é fechado e π≥k é contínua, então fixado k ∈ ω podemos esco-lher uma vizinhança aberta V k =

∏i∈ω V

ki de p contida em π−1

≥k (�k≥kXi \ π≥k(F ))

com V ki aberto para todo i ≥ k e V k

i = Xi para todo i < k. DefinimosWi =

⋂k≤i V

ki . Note que

∏i∈ωWi =

⋂k∈ω(V k) e que tal aberto é uma

vizinhança de p que não intersepta⋃k∈ω π

−1≥k (π≥k (F )), o que conclui a de-

monstração de que q : �i∈ωXi −→ ∇i∈ωXi é fechada.

Assim, podemos aplicar o lema 1.2.29. O item 1 garante um sentido dademonstração, enquanto que o outro vem do item 2. Porém, para aplicaro item 2, precisamos demonstrar que para cada p ∈ ∇i∈ωXi, q−1({p}) éLindelöf:

Fixemos um representante z ∈ q−1({p}). Então q−1({p}) = {x ∈ �i∈ωXi :

x =∗ z} =⋃j∈ω Lj, onde Lj = {x ∈ �i∈ωXi : ∀i ≥ j, xi = zi}. Como por

hipótese temos todos os Xi’s compactos, temos que q−1({p}) é σ-compacto,portanto Lindelöf, como queríamos.

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3.2 Uma equivalência da Hipótese do Contínuo

Como mencionado anteriormente, o problema central relacionado aos pro-dutos caixa diz respeito a encontrar condições sob as quais o produto caixaenumerável de espaços topológicos preserva a paracompacidade. Assumindoa Hipótese do Contínuo, temos uma condição necessária e suficiente para aparacompacidade de produtos caixa enumeráveis de espaços compactos re-gulares envolvendo o grau de Lindelöf (definição 1.2.16). Tal condição seráapresentada no teorema 3.2.2. Em seguida, através do exemplo 3.2.3, mos-traremos que o resultado do teorema 3.2.2 não é apenas consequência daHipótese do Contínuo, e sim uma equivalência do mesmo.

Vamos precisar do seguinte lema por Kunen [Kun78]:

Lema 3.2.1. Seja X um espaço paracompacto regular e B uma base de X.Então qualquer cobertura aberta U de X possui um refinamento V tal que:

1. cada V ∈ V pode ser escrito na forma V =⋂n∈ω Bn, onde para cada

n ∈ ω temos Bn ∈ B e Bn ⊃ Bn+1;

2. ∀W ∈ V , |{V ∈ V : W ∩ V 6= ∅}| ≤ c.

Demonstração. Seja U uma cobertura aberta do espaço paracompacto X,com uma base B. Vamos construir uma sequência de coberturas abertas Vnde X satisfazendo, para cada n ∈ ω, as seguintes propriedades:

I Vn+1 é um refinamento aberto localmente finito de Vn

II Dado Vn+1 ∈ Vn+1, Vn+1 intersecciona no máximo uma quantidade finitade elementos de Vn

III ∀Vn+1 ∈ Vn+1,∃B ∈ B,∃Vn ∈ Vn, Vn+1 ⊂ B ⊂ B ⊂ Vn

Começamos usando a paracompacidade de X para construir V0 um refi-namento aberto localmente finito de U . Fixamos então n ∈ ω e supomos queVn foi construída satisfazendo as propriedades desejadas. Para cada x ∈ X,escolho Vx tal que x ∈ Vx ∈ Vn. Como X é regular, posso escolher Bx ∈ Btal que x ∈ Bx ⊂ Bx ⊂ Vx. Além disso, como Vn é localmente finita, existe

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Ox vizinhança aberta de x que intersecciona somente finitos elementos deVn. Definimos então a cobertura On = {Ox ∩Bx : x ∈ X}. A partir deOn usamos a paracompacidade de X para criar Vn+1 um refinamento abertolocalmente finito. Temos então que Vn+1 satisfaz as propriedades desejadas.

Terminada a construção das coberturas Vn, definimos :

V =

{⋂n∈ω

Vn : ∀n ∈ ω, Vn ∈ Vn e Vn ⊃ Vn+1

}Para cada elemento

⋂n∈ω Vn ∈ V , definimos Bn ∈ B para cada n ∈ ω

como o elemento de B no item III. Temos que⋂n∈ω Vn =

⋂Bn, e portanto V

satisfaz a condição 1 do enunciado do lema. O item II garante que V satisfazo item 2.

Para mostrar que V cobre todo X, vamos usar um pouco de combinatória.Fixado p ∈ X, vamos construir a seguinte árvore: dado n ∈ ω, um vérticeda árvore no nível n é um aberto Vn ∈ Vn tal que p ∈ Vn e para qualquernó Vn+1 no nível n + 1 adjacente a Vn existe um aberto Bn ∈ B tal queVn+1 ⊂ Bn ⊂ Bn ⊂ Vn. Tal árvore é infinita pois, graça à condição III,dado qualquer n ∈ ω e um Vn ∈ Vn tal que p ∈ Vn, existe uma sequênciafinita (Vi)i<n tal que (Vi)i≤k é um sub-ramo da árvore. Além disso, cadavértice da árvore possui finitas ramificações, pois as coberturas em questãosão localmente finitas. Assim, pelo Lema de König (Teorema 1.1.10), temosque tal árvore possui um ramo infinito, e a intersecção dos abertos de talramo vai ser um elemento de V que contém p, como gostaríamos.

Agora temos as ferramentas necessárias para provar o principal teoremadesta seção:

Teorema 3.2.2. Supondo a Hipótese do Contínuo (CH), se para cada i ∈ ω,Xi é um espaço topológico compacto Hausdorff, então �i∈ωXi é paracompactose e somente se L(�i∈ωXi) ≤ c.

Demonstração. Uma lado da equivalência na realidade não necessita da hi-pótese do contínuo. Suponha �i∈ωXi paracompacto. Suponha �i∈ωXi pa-racompacto. Dada U uma cobertura aberta de �i∈ωXi e B a base usual de

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�i∈ωXi, aplicamos o lema 3.2.1 para obter o refinamento aberto U ′. SejaZ =

∏i∈ωXi com o produto de Tychonoff. Note que os elementos de U ′ são

fechados Gδ em Z, e portanto se encaixam nas hipóteses do teorema 1.2.22.Assim, temos que |U ′| ≤ c. Como todo refinamento caracteriza trivialmenteuma subcobertura, temos que L(�i∈ωXi) ≤ c, como queríamos

Para provar a recíproca precisaremos da hipótese do contínuo. SuponhaL(�i∈ωXi) ≤ c. Note que L(�i∈ωXi) = L(∇i∈ωXi), pois como a projeçãoq : �i∈ωXi −→ ∇i∈ωXi é contínua e aberta, a cada cobertura aberta de�i∈ωXi podemos associar uma cobertura aberta de ∇i∈ωXi e vice-versa. As-sumindo a hipótese do contínuo, temos L(∇i∈ωXi) ≤ ℵ1. Pelo lema 3.1.4,temos que ∇i∈ωXi é um Pℵ1-espaço. Concluímos então, pelo lema 1.2.28, que∇i∈ωXi é paracompacto e portanto �i∈ωXi também o é, pelo Nabla Lemma(teorema 3.1.5).

A consequência de CH dada pelo teorema anterior é na realidade umaequivalência, como mostra o seguinte exemplo.

Exemplo 3.2.3. Existe um espaço compacto X tal que w(X) = ℵ2 e �ωX

não é normal.

A construção deste exemplo será independente da hipótese do contínuo.Para mostrar que esse exemplo garante que a Hipótese do Contínuo é equiva-lente ao teorema 3.2.2, construímos o espaço descrito no exemplo e supomosa negação da hipótese do contínuo (isto é, supomos válido ℵ2 ≤ c).

Temos assim:

L(�ωX) ≤ w(�ω) ≤ w(X)ℵ0 = ℵ2ℵ0 ≤ cℵ0 =

(2ℵ0)ℵ0

= 2ℵo×ℵ0 = 2ℵ0 = c

Assim, temos que X e �ωX se encaixam nas hipóteses do teorema 3.2.2.Todavia, �ωX é Haussdorf, mas não é normal. Portanto �ωX não é pa-racompacto, testemunhando a necessidade da Hipótese do Contínuo para oresultado do teorema.

Para construir esse exemplo, precisaremos de mais alguns conceitos:

Definição 3.2.4. Dado um espaço topológico X, denotamos por Xδ o espaçotopológico formado pelo mesmo conjunto de pontos de X com a topologia

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gerada por todos os conjuntos Gδ de X. Chamamos Xδ de Gδ-modificaçãode X, ou topologia Gδ de X.

Lema 3.2.5. Dado um espaço topológico Hausdorff X, temos que Xδ é ho-meomorfo a um subespaço fechado de �ωX. Da mesma forma, Xδ tambémé homeomorfo a um subespaço fechado de ∇ωX

Demonstração. Defino a função ϕ : Xδ −→ ∇ωX dada por ϕ(x) = q(x) (_como na definição 2.2.6). É fácil ver que ϕ é injetora, pois dados x, y ∈ Xδ

distintos, x e y são diferentes em todas as coordenadas.Consideremos a restrição de ϕ ao seu domínio (ou seja,

ϕ : Xδ −→ ϕ(Xδ) ⊂ ∇ωX ). Assim, temos ϕ bijetora.Vamos mostrar que ϕ é contínua. Note que ϕ nada mais é do que a

composição da função · : X → �ωX com a projeção q : �ωX → ∇ωX.Como por definição temos q contínua, então basta provar que _ : X → �ωX

é contínua. Seja A = q(∏

i∈ω Ai), onde para todo i ∈ ω temos Ai ⊂ X aberto.Note que a imagem inversa de A por x 7→ x é

⋂i∈ω Ai, o qual é um conjunto

Gδ em X e, portanto, é aberto em Xδ.Agora vamos mostrar que ϕ é uma função aberta. Seja V um aberto

em Xδ. Podemos supor V um aberto básico escrever V =⋂n∈ω Vn, com Vn

aberto em X para cada n ∈ ω. Definimos então Vn = (Vn)ω para cada n ∈ ω.Note que Vn é aberto em �ωX, logo q

(Vn

)é aberto em ∇ωX. Como

∇ωX é um P-espaço, temos que⋂n∈ω q

(Vn

)é aberto em ∇ωX. Note que

ϕ(V ) =(⋂

n∈ω q(Vn

))∩ ϕ(Xδ), logo ϕ é de fato um homeomorfismo.

Note também que ϕ(Xδ) é fechado em ∇ωX. Seja X = {x : x ∈ X} e fixep ∈ (�ωX) \ X. Existem n,m ∈ ω tais que pn 6= pm. Como X é Hausdorff,existem abertos disjuntos U, V tais que pn ∈ U e pm ∈ V . Considere então acaixa aberta W =

∏i∈ωWi definida por

Wi =

U se i = n

V se i = m

X caso contrário.

Note queW é uma vizinhança aberta de p que comprova que X é fechado

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em �ωX. Assim, temos que ϕ(X) = q(X)é fechado, pois q é uma função

fechada.

Por fim, para mostrar o mesmo resultado relativo a �ωX, vamos cons-truir um homeomorfismo ψ : ∇ωX → ψ(X) ⊂ �ωX. Para cada Z ∈ ∇ωX,ψ escolhe um representante da classe Z, com a restrição de que se existex ∈ X tal que x ∈ Z, então definimos ψ(Z) = x. A função ψ com talrestrição está bem definida pois como vimos na construção de ϕ, existe nomáximo um x ∈ X tal que x ∈ Z. Como as classes são disjuntas, temos queψ é injetora, logo bijetora. Note também que a inversa de ψ nada mais édo que q. Como q é contínua e aberta, temos que ψ é um homeomorfismo.Definimos então o homeomorfismo entre Xδ e um subespaço de �ωX comoa composição ψ ◦ ϕ. Note que ψ ◦ ϕ(X) = X, o qual já vimos é fechado em�ωX, completando a demonstração.

Demonstração do exemplo 3.2.3. Definimos X =∏ω2 [0, 1] equipado com a

topologia produto usual (produto de Tychonoff). Temos que X é compacto,e como [0, 1] possui base enumerável, temos que w(X) = ℵ2. Pelo lema 3.2.5,temos que Xδ é homeomorfo a um subespaço fechado de �ωX. Como anormalidade é preservada por subespaços fechados, basta provar que Xδ nãoé normal.

Como [0, 1]δ é discreto, segue que Xδ e (∏ω2 [0, 1]δ)δ tem a mesma topo-

logia.

Considere Z subespaço de [0, 1]δ tal que |Z| = ℵ1. Definimos Y =∏ω2 Z.

Como Yδ é subespaço fechado de Xδ, reduzimos novamente o problema aprovar que Yδ não é normal. Para tanto, vamos construir dois conjuntosfechados que não satisfazem a condição de normalidade:

Primeiramente, indexamos Z = {zα : α ∈ ω1}. Note que todo y ∈ Y éuma função y : ω2 −→ Z, e Z é equipotente a ω1. Pelo princípio da casa dospombos, existe um ordinal α ∈ ω1 tal que |y−1(zα)| > 1. Assim, podemosconstruir o conjunto C(0) dos y ∈ Y tais que |y−1(zα)| > 1 somente para

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α = 0, e da mesma forma construímos C(1). Em outras palavras,

C(0) ={y ∈ Y : ∀α ∈ ω1,

(∣∣y−1(zα)∣∣ > 1⇒ α = 0

)}C(1) =

{y ∈ Y : ∀α ∈ ω1,

(∣∣y−1(zα)∣∣ > 1⇒ α = 1

)}Note que as funções constantes z0 e z1 pertencem a C(0) e C(1) respec-

tivamente, logo C(0), C(1) 6= ∅. Também é fácil ver que C(0) ∩ C(1) = ∅,pois se existisse p ∈ C(0) ∩ C(1), teríamos que p é uma função injetora.Temos ainda que esses conjuntos são fechados: dado y ∈ Y \ C(0), temosβ1, β2 ∈ ω2 distintos tais que β1, β2 6= 0 e y(β1) = y(β2). Considere o abertoV =

∏λ∈ω2

Vλ dado por:

Vλ =

{y(β1)} se λ = β1

{y(β1)} se λ = β2

Z caso contrário.

O conjunto V testemunha que C(0) é fechado, e da mesma forma temosC(1) também o é.

Suponhamos que exista um aberto G tal que C(0) ⊂ G ⊂ G ⊂ Yδ \C(1).Para chegar ao absurdo, utilizaremos uma base U de Yδ tal que para todoU =

∏λ∈ω2∈ U e todo λ ∈ ω2 temos

• Uλ 6= Z ⇒ |Uλ| = 1;

• |spt(U)| = ℵ0 e ω1 ∩ spt(U) é um ordinal infinito.

De fato, para satisfazer a primeira condição, usamos que [0, 1]δ é discreto.Para a segunda, usamos que Yδ é P-espaço. Com U em mãos, para cadaα ∈ ω1, vamos construir recursivamente um aberto Uα ∈ U , um ordinalηα < ω1, uma função bijetora ϕα : ηα −→ spt(Uα) e um ponto uα ∈ C(0) quesatisfaçam as condições:

1. ω1 ∩ spt(Uα) = ηα

2. α < ηα < ω1

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3. β < α⇒ ηβ < ηα

4. β < α⇒ ϕβ = ϕα�β

5. uα ∈ Uα ⊂ G

6. ∀λ ∈ ω2, uα(λ) =

{zγ se ∃β < α, ∃γ ∈ ηα, ϕβ(γ) = λ

z0 caso contrário

Começamos construindo o caso α = 0. Definimos u0 como a constantez0. Escolhemos U0 ∈ U tal que u0 ∈ U0. Fixamos η0 = ω1 ∩ spt(U0) comono item 1. A segunda condição satisfeita pela base U garante que η0 sejaum ordinal e que exista uma bijeção ϕ0 : η0 −→ spt(U0), já que ambos osconjuntos possuem cardinalidade ℵ0.

Agora seja ν ∈ ω1 tal que para todo α < ν já estejam construídosUα, ηα, ϕα e uα. Definimos então Sν =

⋃α<ν spt(Uα), θν =

⋃α<ν ηα e ψν =⋃

α<ν ϕα. O item 4 garante que essa colagem é válida e que ψν : θ −→ Sν éuma função bijetora. Definimos também:

uν(λ) =

{zγ se ∃γ < θν , ψν(γ) = λ

z0 caso contrário

Note que como ψν é bijetora, temos que uν ∈ C(0). Temos então que uνfoi escolhido distinto dos uα anteriores, ou seja, uν 6∈ {uα : α < ν}. Usandoo fato de U ser base de Yδ, podemos escolher Uν ∈ U tal que uν ∈ Uν

e Sν ∪ (θν + ω) ⊂ spt(Uν). Tal inclusão é possível pois Sν ∪ (θν + ω) éenumerável, já que tanto Sν quanto θν são uniões enumeráveis de conjuntosenumeráveis. Assim, definimos ην = ω1 ∩ spt(Uν). Como spt(Uν) \ Sν éenumerável, podemos extender ψν a uma função ϕν : ην −→ spt(Uν). Temosentão as sequências construídas satisfazendo os itens de 1 a 6.

Com as sequências prontas, definimos S =⋃α∈ω1

spt(Uα) e Φ =⋃α∈ω1

ϕα.Os itens 2, 3 e 4 garantem que Φ é de fato uma função bijetora. Assim,podemos construir um ponto x ∈ Yδ dado por:

x(λ) =

{zγ se λ ∈ S e Φ(γ) = λ

z1 caso contrário

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O fato de Φ ser bijetora garante que x ∈ C(1). Pela nossa suposição,temos C(1) ∩ G = ∅, então existe V ∈ U tal que x ∈ V ⊂ Yδ \ G. Pelaconstrução de U , temos que S ∩ spt(V ) é um ordinal infinito enumerável,logo existe o menor ordinal α tal que S ∩ spt(V ) ⊂ ω1 ∩ spt(Uα). Pelos itens1 e 2, temos que ω1 ⊂ S, e portanto S ∩ spt(V ) ⊂ spt(Uα).

Para chegar à contradição, vamos mostrar que Uα ∩ V 6= ∅. DenotemosV =

∏λ∈ω2

Vλ. Note que

Uα ∩ V =∏λ∈ω2

(Vλ ∩ (Uα)λ)

Portanto, basta provar que para cada λ ∈ ω2 temos Vλ ∩ (Uα)λ 6= ∅. Seλ 6∈ spt(Uα), temos (Uα)λ = Z, portanto ∅ 6= Vλ ⊂ (Uα)λ. Da mesma forma,se λ 6∈ spt(V ), temos Vλ = Z, portanto ∅ 6= (Uα)λ ⊂ Vλ. Caso contrário,temos λ ∈ spt(Uα) ∩ spt(V ). Neste caso, temos

Vλ = (Uα)λ = {x(λ)} = {uα(λ)}

Assim, em cada um dos casos, temos Vλ ∩ (Uα)λ 6= ∅, como gostaríamos.

3.3 Pequenos cardinais

Vimos uma condição para a paracompacidade de produtos caixa enume-ráveis de espaços compactos sob a Hipótese do Contínuo. Agora veremosalgumas condições sob hipóteses mais fracas.

Podemos então trabalhar com cardais intermediários entre ℵ0 e c, os quaisse tornam trivialmente iguais a c sob a Hipótese do Contínuo. É comumreferir a tais cardinais por pequenos cardinais. Neste texto, trabalharemoscom dois desses cardinais.

Definição 3.3.1. Sejam f, g : ω −→ ω. Dizemos que:

• f ≤∗ g se {n ∈ ω : f(n) > g(n)} é finito;

• f <∗ g se f ≤∗ g e não for verdade que g ≤∗ f .

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Definição 3.3.2. Seja W ⊂ ωω uma família de funções de ω em ω. Dizemosque W é:

• ilimitada se ∀f ∈ ωω, ∃g ∈ W, g 6≤∗ f (caso contrário, W é dita limi-tada);

• dominante (sobre ωω) se ∀f ∈ ωω,∃g ∈ W, f ≤∗ g.

Com esses conceitos definimos dois cardinais:

• b = min {|W | : W é ilimitado} e

• d = min {|W | : W é dominante}

Outro conceito importante para a aritmética cardinal que usaremos é odas escalas.

Definição 3.3.3. Uma λ-escala é uma sequência {fα ∈ ωω : α < λ} domi-nante e estritamente crescente considerando a ordem ≤∗.

Apresentamos então algumas propriedades dos cardinais b e d:

Proposição 3.3.4.

1. ℵ1 ≤ b ≤ d ≤ c.

2. b é um cardinal regular.

3. b = d se e somente se existe uma b-escala.

Demonstração. 1. Como d representa uma cardinalidade de um subcon-junto de ωω, temos que d ≤ |ωω| = 2ℵ0 = c. Além disso, pela de-finição temos que toda família dominante é ilimitada, logo b ≤ d.Por fim, vamos mostrar que nenhuma família enumerável é ilimitada,e portanto ℵ1 ≤ b. Para isso, vamos usar o argumento da diago-nal. Seja {rn : n ∈ ω} ⊂ ωω. Definimos então s : ω −→ ω dadapor s(i) =

∑n<i rn(i). Assim, temos ∀n ∈ ω, rn ≤∗ s, e portanto

{rn : n ∈ ω} é uma família limitada, como queríamos.

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2. Seja {rα ∈ ωω : α < b} uma família ilimitada. Vamos construir recur-sivamente uma família {sα ∈ ωω : α < b} ilimitada bem ordenada pelaordem ≤∗ e de cumprimento b. Começamos com s0 = r0. Dado α < b,supomos rβ construído para todo β < α. Como a família (rβ + sβ)β<α

tem comprimento α < b, tal família é limitada, portanto podemos es-colher sα como a função que limita tal família. Concluída a construção,temos que o fato de (rα)α<b ser ilimitada garante que (sα)α<b também oseja. Qualquer subconjunto cofinal de S = {sα : α < b} também seráilimitado, portanto precisa ter cardinalidade b, logo cf(b) = cf(S) = b

3. Se existe uma b-escala, esta é uma família dominante de tamanho b,logo pelo item 1 temos b = d. Por outro lado, se b = d, então existe umafamília dominante de tamanho b, a partir da qual podemos construiruma b escala usando a recursão da demonstração do item 2.

Não trabalharemos com o Axioma de Martin (MA) neste texto, porém éum resultado conhecido que MA implica b = c (para este e outros resultadossobre MA, consultar [Jec03]). Note que a proposição 3.3.4 possui a seguinteconsequência direta: b = c implica que c é regular e que existe uma c-escala.Por sua vez, a hipótese de que existe uma c-escala e c é regular implica qued = c. No entanto a reciproca não é verdadeira, uma vez que d = c nãoimplica necessariamente a existência de alguma λ-escala, pois d = c juntocom a inexistência de uma c-escala é consistente com ZFC [Hec74].

Teorema 3.3.5. Se Xi é primeiro-enumerável para todo i ∈ ω, então ∇i∈ωXi

é um Pb-espaço.

Demonstração. Seja q(p) ∈ ∇i∈ωXi. Sejam κ < b um ordinal e Uα =

q(∏

i∈ω Uαi

)uma vizinhança aberta básica de q(p) para cada α < k. Va-

mos mostrar que⋂α<κ U

α é vizinhança de q(p).Fixemos para cada n ∈ ω uma base local

{V ji : j ∈ ω

}de pi ∈ Xi

tal que ∀j ∈ ω, V j+1i ⊂ V j

i . Para cada α < κ, podemos construir umafunção fα : ω −→ ω tal que para cada i ∈ ω temos V fα(i)

i ⊂ Uαi . Assim,

temos para cada α < κ que q(∏

i∈ω Vfα(i)i

)⊂ Uα. Com isso, definimos

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W = {fα : α < κ} ⊂ ωω . Como |W | = κ < b, temos que a família Wde funções não é dominante. Então existe uma função g : ω −→ ω tal que∀f ∈ W, f ≤∗ g. Assim, temos que q(p) ∈ q

(∏i∈ω V

g(i)i

)⊂⋂α<κ U

α, poispara cada α < κ, vale{

i : Vg(i)i 6⊂ Uα

i

}⊂ {i : fα(i) < g(i)} ,

o qual é finito, o que conclui a demonstração.

Corolário 3.3.6. Se b = c, Xi é compacto, Hausdorff e primeiro enumerávelpara todo i ∈ ω, então �i∈ωXi é paracompacto.

Demonstração. Como cada Xi é compacto Hausdorff e primeiro enumerável,pelo Teorema de Arhangelskii (Teorema 1.2.21), temos que w(Xi) ≤ |Xi| ≤2ℵ0 = c. Note que

L (∇i∈ωXi) ≤ w (∇i∈ωXi) = w (�i∈ωXi) ≤∏i∈ω

w(Xi) ≤ cω = c

Aplicando o teorema 3.3.5 junto com o lema 1.2.28, obtemos que ∇i∈ωXi éparacompacto. Concluímos aplicando o nabla lema (teorema 3.1.5).

Podemos reduzir a hipótese do resultado anterior para d = c. A demons-tração, por Judith Roitman [Roi79] utiliza a seguinte propriedade do cardinald (a versão que usaremos está em [Wil84], mas é equivalente à de Roitman):

Lema 3.3.7. Sejam W ⊂ ωω e A ⊂ [ω]ω tais que |A|+ |W | < d. Então paracada f ∈ W e cada A ∈ A, existe uma função g : ω −→ ω tal que o conjunto{n ∈ A : f(n) < g(n)} é infinito.

Demonstração. Para cada par (f, A) ∈ W ×A, definimos a função fA ∈ ωω

dada por fA(n) =∑kn

i=0 f(i) para cada n ∈ ω, onde kn = min {j ∈ A : n < j}.Definindo WA = {fA : f ∈ W,A ∈ A}, como |WA| < d, podemos en-

contrar uma g ∈ ωω crescente tal que g 6≤∗ fA para todo fA ∈ WA. Comopara cada n ∈ ω temos que n ≤ i ≤ kn e fA(n) < g(n) implicam quef(i) < g(n) < g(i), concluímos que g é de fato a função que procuramos.

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Teorema 3.3.8. Se d = c , Xi é Lindelöff, regular e primeiro-enumerávelpara todo i ∈ ω, então ∇i∈ωXi é ultraparacompacto.

Demonstração. Inicialmente, da mesma maneira que no corolário 3.3.6, te-mos que |Xi| ≤ c para cada i ∈ ω, do que concluímos que |∇i∈ωXi| ≤ c.Portanto podemos escrever ∇i∈ωXi = {xα : α < c}. Além disso, como cadaXi é primeiro enumerável, para cada xi ∈ Xi temos uma base local decres-cente {vxi,n : n ∈ ω}. Dada um ponto x = (xi)i∈ω ∈ �i∈ωXi e uma funçãof : ω −→ ω qualquer, denotaremos ux,f = ∇i∈ωvxi,f(i). Note que esta notaçãotem a seguinte propriedade: dados x, y ∈ ∇i∈ωXi e f, g : ω −→ ω, temos:

∣∣{i ∈ ω : vxi,f(i) ∩ vyi,g(i) = ∅}∣∣ ≥ ℵ0 ⇐⇒ ux,f ∩ uy,g = ∅

Seja U uma cobertura aberta de∇i∈ωXi. Vamos construir um refinamentoU′ = {Uα : α < c} de U dois-a-dois disjunto (a menos de repetição). Como∇i∈ωXi é regular e P-espaço, escolhendo V ∈ U tal que x0 ∈ V , podemosconstruir uma sequência estritamente crescente (pela ordem termo a termo,como definida na observação 4.1.4 {f0,n ∈ ωω : n ∈ ω} tal que

⋂n∈ω ux0,f0,n

seja um aberto fechado contido em V . Definimos U0 =⋂n∈ω ux0,f0,n .

Para algum α < c, suponhamos Uβ já construído para todo β < α. Sexα ∈

⋃β<α Uβ, definimos Uα = Uβ, para algum β < α tal que xα ∈ Uβ.

Suponhamos agora o contrário. Para cada β < α, como Uβ é fechado e∇i∈ωXi é regular, podemos encontrar uma função gβ : ω −→ ω tal queUβ∩uxα,gβ = ∅. Como a sequência (fβ,n)n∈ω é crescente para β < α, podemosencontrar um natural nβ tal que uxα,gβ ∩ uxβ ,fβ,nβ = ∅. Pela propriedade quecitamos da notação utilizada, temos que o conjunto

Aβ ={i ∈ ω : v(xα)i,gβ(i) ∩ v(xβ)i,fβ,nβ (i) = ∅

}seja infinito. Pelo lema 3.3.7 junto com a hipótese que d = c, podemosencontrar uma função h : ω −→ ω tal que para cada β < α o conjunto{j ∈ Aβ : gβ(j) < h(j)} é infinito. Pela notação utilizada, temos que uxα,h∩Uβ = ∅ para cada β < α. Escolhemos então V ∈ U tal que xα ∈ V econstruímos, da mesma maneira que anteriormente, uma sequência crescente

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de funções {hn ∈ ωω : n ∈ ω} tal que h0 = h e U =⋂n∈ω uxα,hn ⊂ V seja um

aberto-fechado. Definimos então Uα = U e assim concluímos a construçãopor indução.

Corolário 3.3.9. Se d = c , Xi é compacto, regular e primeiro-enumerávelpara todo i ∈ ω, então �i∈ωXi é paracompacto.

No caso intermediário b = d, o seguinte teorema de van Douwen [vD80]nos mostra que uma hipótese suficiente para obter a paracompacidade deprodutos caixa enumerável é a metrizabilidade e compacidade dos fatores.

Teorema 3.3.10. O produto caixa de uma quantidade enumerável de espaçosmetrizáveis compactos é paracompacto se b = d.

Este teorema é uma simples consequência do seguinte lema, demonstrado,por exemplo, por Roitman em [Roi11]:

Lema 3.3.11. Suponha b = d. Então o produto nabla enumerável de espaçosmetrizáveis compactos é b-metrizável.

Demonstração. Pelo item 3 da proposição 3.3.4, existe uma família {fα ∈ ωω : α < b}a qual é uma b-escala. Para cada q(x) ∈ ∇i∈ωXi e cada α < b, definimos

uq(x),α =⋂n∈ω

∇i∈ωBi

(xi,

1

2(n+fα(i))

)

onde Bi(xi, r) é a bola de centro xi e raio r em Xi. Temos então que Bq(x) ={uq(x),α : α < b

}é a base local de q(x) a qual testemunha que ∇i∈ωXi é um

espaço b-metrizável.

Continuando com os teoremas sobre a paracompacidade de produtos caixautilizando hipóteses sobre pequenos cardinais, apresentamos um teorema deScott Williams [Wil84], originalmente demonstrado através de uniformidades.No entanto, seguiremos a demonstração de Judith Roitman em [Roi11], aqual utiliza submodelos elementares. Ambas as demonstrações se baseiamem construir uma base para ∇i∈ωXi que testemunhe a ω1-metrizabilidade detal espaço.

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Teorema 3.3.12. Suponha d = ℵ1. Se Xi é um espaço compacto Hausdorffcom w(Xi) ≤ ℵ1 para cada i ∈ ω, então �i∈ωXi é paracompacto.

Demonstração. Vamos mostrar que ∇i∈ωXi é ω1-metrizável, de maneira queos teoremas 3.1.5 e 1.2.31 completam a demonstração.

Primeiramente, usamos a hipótese w(Xi) ≤ ℵ1 para selecionar uma baseCi enumerável para cada i ∈ ω. Vamos construir, para cada i ∈ ω, umasequência crescente (Ci,α)α<ω1 de subconjuntos enumeráveis de Ci. Construi-remos tal sequência de maneira que para cada α < ω1, Ci,α seja base de umsubespaço Xi,α ⊂ Xi, de maneira que Xi =

⋃α<ω1

Xi,α.Para construir (Ci,α)α<ω1 , vamos usar o conceito de submodelos elemen-

tares. Primeiramente, consideramos H(ω2) a coleção de todos os conjuntoscujo fecho transitivo possui cardinalidade menor que ω2. Pelo Teorema deLöwenheim–Skolem, podemos construir (Mα)α<ω1 uma sequência contínuacrescente de submodelos elementares enumeráveis de H(ω2), de maneira que∀i ∈ ω, Ci ∈

⋃α<ω1

Mα. Definimos então Ci,α = Ci ∩Mα.Para cada Ci,α, definimos Xi,α =

⋃Ci,α. Como (Ci,α)α<ω1 é uma sequência

crescente, (Xi,α)α<ω1 também o é. Ci ∈⋃α<ω1

Mα garante que⋃α<ω1

Xi,α = Xi.Como Ci,α é uma base enumerável para Xi,α, temos que Xi,α é metrizável,

pelo Teorema da metrização de Urysohn (veja, por exemplo, [Eng89]). Comosupomos d = b = ℵ1, pelo lema 3.3.11, temos que ∇i∈ωXi,α é ω1-metrizávelpara cada α ∈ ω1. Podemos então construir para cada ponto x ∈ ∇i∈ωXi,α

uma base Bα(x) = {U(x)γ,α : γ < ω1} satisfazendo as condições da defini-ção 1.2.30.

Para cada ponto x ∈ ∇i∈ωXi, podemos então definir a base local

B(x) =

{U(x)α =

⋂β,γ<α

U(x)γ,β : Uγ,β ∈ Bβ(x), α < ω1

}.

Como ∇i∈ωXi é P-espaço (lema 3.1.4), temos que os elementos de B(x) sãoabertos. As propriedades de cada Bα(x) garantem que B(x) testemunhe que∇i∈ωXi é ω1-metrizável, como queríamos.

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Os resultados anteriores possuem em comum a hipótese de os fatores se-rem paracompactos. O seguinte resultado, por Lawrence em [Law88], mostraque é possível obter resultados semelhantes sem precisar que os fatores sejamparacompactos.

Teorema 3.3.13 (Lawrence). Supondo b = d ou d = c, se Xi é um espaçometrizável enumerável, então �i∈ωXi é ultraparacompacto.

A ideia da prova deste teorema consiste em usar a hipótese para ordenaro produto nabla de maneira a formar uma árvore, a qual nos auxilie a refinaruma cobertura aberta do produto caixa. Para tanto, Lawrence formuloua Hipótese da Ordem (OH), a qual consiste na existência de tal ordenaçãodo produto nabla. Sua prova consistiu então em duas etapas: mostrar queb = d ou d = c implicam em OH, e mostrar que OH implica que �i∈ωXi

é ultraparacompacto. Utilizaremos, contudo, uma versão modificada destademonstração, feita por Roitman em [Roi11], a qual utiliza a mesma ideia.

Definição 3.3.14 (Hipótese da Ordem). Seja Xi um espaço métrico enume-rável para cada i ∈ ω. A Hipótese da Ordem (OH) é a seguinte afirmação:existe uma ordem parcial � sobre ∇i∈ωXi satisfazendo:

• (∇i∈ωXi,�) é uma árvore de altura ≤ d;

•⋃(

p↑)⊂ �i∈ωXi é aberto para cada p ∈ ∇i∈ωXi.

Como a OH e os teoremas que a envolvem não consideram a topologiado produto nabla ∇i∈ωXi, podemos utilizar ao invés um conjunto Y ⊂ X

=∗-transversal, isto é, constituído precisamente por 1 representante de cadaclasse de equivalência da relação =∗.

Lema 3.3.15. b = d implica OH.

Demonstração. Começaremos pelo caso b = d. Como cada Xi é enumerável,podemos ordenar Xi com a ordem de ω e �i∈ωXi com a ordem ≤∗. Pelaproposição 3.3.4(item 3), temos uma b-escala (hα)α<b em �i∈ωXi.

Para cada α < b, definimos a função γα : ω −→ R+ definida por

γα(n) = inf {dn(a, b) : a ≤ b ≤ hα(n) + 1} .

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A partir de cada γα, vamos construir, para cada α < b, uma espécie dequasi-métrica1 δα : (�i∈ωXi ×�i∈ωXi) −→ (R+)

ω definida por:

(δα(x, y))i = δα,i(xi, yi) =dn(xi, yi)

γα(i)

A partir dessa sequência, definimos para cada x ∈ �i∈ωXi e cada α < b

o conjunto

ux,α = {y ∈ �i∈ωXi : a sequência δα(x, y) converge para 0} .

Como (hα)α<b é uma b-escala, podemos definir αx para cada x ∈ �i∈ωXi

como o menor α < b tal que x ≤∗ hα. Definimos ux = ux,αx , e a partirde tais conjuntos, construiremos a ordem � sobre ∇i∈ωXi, de maneira queux =

⋃(q(x)↑

). Para tanto, definimos a ordem parcial � em ∇i∈ωXi por:

q(x) � q(y)⇐⇒ ux ⊃ uy

Para verificar que (∇i∈ωXi,�) satisfaz OH, mostraremos que esta cons-trução possui as seguintes propriedades:

I) se x, y ∈ �i∈ωXi são tais que x =∗ y, então para cada α < b temosux,α = uy,α (consequentemente q(x) ⊂ ux,α para todo α < b);

II) se αx, αy ≤ α e q(x) 6= q(y), então ux,α ∩ uy,α = ∅;

III) se αx < αy, então ou ux ⊃ uy ou ux ∩ uy = ∅.

Para verificar (I), dados x =∗ y, temos que existe n0 ∈ ω tal que xi = yi paratodo i > n0. Logo, dado z ∈ �i∈ωXi, temos que (δα(x, z))i = (δα(y, z))i paratodo i > n0.

Para verificar (II), sejam αx, αy ≤ α com q(x) 6= q(y). Para todon ∈ ω, temos xn, yn < hα(n). Portanto temos dn(xn, yn) ≥ γα(n), e assimδα(x, y)n ≥ 1. A desigualdade triangular garante que ux,α ∩ uy,α = ∅.

1isto é, uma métrica que não necessariamente satisfaz a simetria.

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Para verificar (III), note que fixado x ∈ �i∈ωXi, temos ux,α ⊃ ux,β sempreque α < β. O mesmo ocorre para y fixado. Portanto ou uy,αx = ux,αx ouuy,αx ∩ ux,αx = ∅.

Vamos agora verificar que (∇i∈ωXi,�) satisfaz a Hipótese da Ordem. Apropriedade (I) garante que a relação � está bem definida. As propriedadesreflexiva e transitiva são satisfeitas por � devido a ⊃ também satisfazê-las.Já a propriedade antissimétrica é consequência de (II). Juntos, os itens (II) e(III) mostram que (∇i∈ωXi,�) é uma árvore, e que αx é altura de q(x). Istogarante também que a altura de (∇i∈ωXi,�) é menor ou igual a b.

Por fim, basta verificar que para qualquer x ∈ �i∈ωXi, ux é aberto. Sejay ∈ ux. Para cada i ∈ ω, definimos εi = (δαx(x, y))i e Vi = Bδαx,i

(yi, εi).Vamos mostrar que V =

∏i∈ω Vi ⊂ ux. Seja z ∈ V . Para cada i ∈ ω, pela

desigualdade triangular, temos:

(δαx(x, z))i ≤ (δαx(x, y))i + (δαx(y, z))i ≤ 2εi

Como y ∈ ux, temos que a sequência (2εi)i∈ω converge para 0, e portantoz ∈ ux como gostaríamos.

Lema 3.3.16. A hipótese da ordem (OH) implica que o produto enumerávelde espaços metrizáveis enumeráveis é paracompacto.

Originalmente, Lawrence demonstrou tal resultado refinando cuidadosa-mente uma cobertura de �i∈ωXi em cada nível da árvore obtida por OH. Noentanto, posteriormente Wingers demonstra em [Win94] a seguinte generali-zação do teorema 3.3.13.

Teorema 3.3.17 (Wingers). Suponha d = c. Seja Xi um espaço σ-compacto,zero dimensional, primeiro enumerável com |Xi| ≤ c para cada i ∈ ω. Então�i∈ωXi é ultraparacompacto.

Além de cobrir o teorema 3.3.13 para o caso d = c, a demonstração deWingers nos fornece um método mais simples para demonstrar o lema 3.3.16.Contudo, precisaremos de alguns outros resultados de [Win94].

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Lema 3.3.18. Seja Xi um espaço primeiro enumerável para cada i ∈ ω.Dada uma família U = {Uα : α < β} de caixas fechadas de �i∈ωXi, comβ < d, temos que o conjunto

⋃{⋃q(U) : U ∈ U} é fechado.

Demonstração. Seja x ∈ �i∈ωXi \⋃{⋃q(U) : U ∈ U}. Fixamos α < β e

definimos Sα = {i ∈ ω : xi 6∈ (Uα)i}. Note que Sα é infinito. Construímosentão uma vizinhança aberta Vα =

∏i∈ω(Vα)i de x definida por (Vα)i =

Xi \ (Uα)i para i ∈ Sα e (Vα)i = (Uα)i caso contrário.Para cada i ∈ ω, seja {Bi,j : j ∈ ω} uma base local decrescente para x0.

Para cada α < β, definimos uma função fα : ω −→ ω dada por fα(i) =

min {j ∈ ω : Bi,j ⊂ (Vα)i}. Pelo lema 3.3.7, podemos construir uma funçãog : ω −→ ω tal que o conjunto {i ∈ Sα : fα(i) ≤ g(i)} seja infinito para cadaα < β. Definimos a vizinhança V =

∏i∈ω Bi,g(i) de x. Para cada α < β,

como o conjunto {i ∈ ω : Vi ∩ (Uα)i} é infinito, temos que V ∩⋃q(Uα) = ∅,

como gostaríamos.

Definição 3.3.19. Seja U ={Uα =

∏i∈ω Uα,i : ∀i ∈ ω, Uα,i ⊂ Xi e α < β

}uma família qualquer de caixas (não necessariamente abertas) de �i∈IXi.

• Definimos U(x, n) = {U ∈ U : ∀i ≥ n, xi ∈ Ui} e U(x) =⋃n∈ω U(x, n)

• Dizemos que U é uma família simples se para todo x ∈ �i∈ωXi e todon ∈ ω temos

U(x, n) é infinito =⇒ {y ∈ �i∈ωXi : ∀i ≥ n, yi = xi} ⊂⋃U

• Dizemos que U é uma família afunilada2 se β = ω e para todo j ∈ω,∀i ≥ j, Uj+1,i = Uj,i

• Dadas duas caixas U e V em �i∈ωXi, dizemos que U e V são forte-mente disjuntas se {i ∈ ω : Ui ∩ Vi = ∅} for infinito.

Lema 3.3.20. Seja U uma família simples de caixas fechadas em �i∈ωXi,onde Xi é primeiro enumerável para todo i ∈ ω. Se |U| < d, então

⋃U é

fechado.2Tapered family, no original.

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Demonstração. Seja x ∈ �i∈ωXi \⋃U . Vamos construir uma vizinhança V

de x satisfazendo as seguintes propriedades:

(i) ∀i ∈ ω,∀U ∈ U(x, i+ 1) \ U(x, i), Vi ∩ Ui = ∅

(ii) V é fortemente disjunto de cada elemento de U \ U(x).

Como U é simples, pela contra-positiva da definição de família simples,temos que U(x, i) é finito para todo i ∈ ω. Fixado i ∈ ω, podemos entãoescolher uma vizinhança aberta V ′i de xi tal que para cada U ∈ U(x, i+ 1) \U(x, i) tenhamos V ′i ∩ Ui = ∅, pois tais U são finitos e satisfazem xi 6∈ Ui.

Note que pela definição de U(x), temos x 6∈⋃{⋃q(U) : U ∈ U \ U(x)}.

Tal conjunto é fechado (lema 3.3.18), logo podemos escolher uma vizinhançabásica aberta V ′′ de x tal que V ′′ ∩

⋃{⋃q(U) : U ∈ U \ U(x)} = ∅. Temos

que V ′′ é fortemente disjunto de cada U ∈ U \ U(x). De fato, suponha queV ′′ não seja fortemente disjunto de algum U ∈ U \ U(x). Dado p ∈ V ′′ talque pi ∈ V ′′i ∩Ui para todo i > n, para algum n ∈ ω, temos que q(p) ∈ q(U),logo p ∈

⋃q(U), o que é um absurdo.

Temos então que V = V ′ ∩ V ′′ é uma vizinhança de x que satisfaz(i) e (ii). Como x 6∈

⋃U , temos U(x, 0) = ∅, de maneira que U(x) =⋃

i∈ω (U(x, i+ 1) \ U(x, i)). Por (i), temos que V ∩⋃U(x) = ∅, enquanto

que por (ii) temos que V ∩⋃

(U \ U(x)) = ∅. Assim, V ∩⋃U = ∅, como

gostaríamos.

Temos agora ferramentas suficientes para demonstrar o lema 3.3.16.

Demonstração do lema 3.3.16. Suponhamos OH. SejamXi enumerável e me-trizável para cada i ∈ ω,� a ordem sobre ∇i∈ωXi obtida por OH e up =

{q ∈ ∇i∈ωXi : p � q}. SejaW uma cobertura aberta de �i∈ωXi. Como cadaXi é metrizável e enumerável, temos em particular que Xi é regular e pri-meiro enumerável, e portanto zero dimensional (proposição 1.2.8). Portanto�i∈ωXi é zero dimensional. Podemos também escrever Xi = {mi,j : j ∈ ω}.

Vamos construir um refinamento {Vy,n,l : y ∈ ∇i∈ωXi, n ∈ ω, l < f(l)} deW por indução na altura da árvore (∇i∈ωXi,�). Para tanto, construiremos

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paralelamente uma função ilimitada ky : ω −→ ω para cada y ∈ ∇i∈ωXi.Definimos Vy,n =

⋃l<f(l) Vy,n,l e Vy = {Vy,n : n ∈ ω} e vamos escolher um

representante y ∈ y. Queremos que, para cada y ∈ ∇i∈ωXi, nossa construçãosatisfaça as seguintes propriedades:

A. Vy =⋃{Vz : z ≺ y} é uma família simples.

B. se Vy 6= ∅, então Vy é uma família simples e afunilada.

C. se⋃Vy 6= ∅, então y ⊂

⋃Vy

D. se Vy 6= ∅, então y ∈ Cy,n =(∏

i<n {mi,j : j ≤ ky(n)})×(∏

i≥n {mi,j})⊂

Vy,n ⊂⋃uy.

E. ∀n ∈ ω, ky(n) ≥ n.

F. Para quaisquer z ∈ ∇i∈ωXi e n ∈ ω tais que z � y e Vn,z ∩ Vn,y 6= ∅,temos kz(n) < ky(n).

G. se Vy 6= ∅, então y 6∈⋃Vy.

H. Se Vy 6= ∅, então ∀i ∈ ω,∀U ∈ Vy(y, i+ 1) \ Vy(y, i), (Vy,0)i ∩ Ui = ∅

I. Se Vy 6= ∅, então Vy,0 é fortemente disjunto dos elementos de Vy \ Vy(y).

Sejam n ∈ ω e y ∈ ∇i∈ωXi cuja altura é 0. Fixemos y ∈ �i∈ωXi umrepresentante da classe y. Definimos ky(n) = j(y, n) + n para cada n ∈ ω,onde j(x, l) é o número natural tal que xl = mj(x,l).

Vamos construir Vy,n satisfazendo D. Para n = 0, como temos Cy,0 = {y},podemos escolher um aberto fechado básico V ′ tal que y ∈ V ′ ⊂ W ∩

⋃uy

para algum W ∈ W . Definimos assim Vy,0 = V ′. Para n > 0, note que Cy,né finito. Então para cada c ∈ Cy,n, podemos escolher um aberto fechadobásico Vc tal que c ∈ Vc ⊂ Wc ∩

⋃uy para algum Wc ∈ W . Definimos então

Vy,n =(∏

i<n

⋃c∈Cy,n(Vc)i

)×(∏

i≥n V′i

).

Para cada n ∈ ω, como Cy,n é compacto, podemos escolher finitos pontoscl ∈ Cy,n, com l < f(n) para algum f(l) < ω, de maneira que Vy,n ⊂⋃l<f(n) Vcl . Definimos então Vy,n,l =

(∏i<n(Vc)i

)×(∏

i≥n(Vc)i ∩ V ′i). Assim,

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temos Vy,n,l ∈ Wcl ∈ W e Vy,n =⋃l<f(l) Vy,n,l. De fato, por um lado já temos

que Vy,n ⊃⋃l<f(n) Vy,n,l, uma vez que ∀i ∈ ω,∀l < f(l), (Vy,n,l)i ⊂ (Vy,n)i.

Por outro lado, seja x ∈ Vy,n. Como {Vcl : l < f(n)} cobre Vy,n, temos queexiste x ∈ Vcl para algum l < f(n). Como ∀i ≥ n, xi ∈ V ′, temos quex ∈ Vy,n,l, como gostaríamos.

Temos que a família Vy = {Vy,n : n ∈ ω} é afunilada e satisfaz y =⋃n∈ω Cy,n ⊂ Vy. Temos também que a mesma é simples. De fato, sejam

p ∈ �i∈ωXi e m ∈ ω, e suponha Vy(p,m) infinito. Seja q ∈ �i∈ωXi tal que∀i ≥ m, qi = pi. Definimos a = max {j(q, i) : i < m}. Como ky é ilimitado,podemos encontrar b ∈ ω tal que ky(b) > a. Em seguida, como supomosVy(p,m) infinito, existe algum c > b tal que Vy,c ∈ Vy(p,m). Temos queq ∈ C(y, c) ⊂

⋃Vy, e , portanto, Vy é de fato simples.

Agora fixemos y ∈ ∇i∈ωXi cuja altura é 0 < α < d. Suponha kz e Vzconstruídos para cada z ≺ y. O próximo passo na construção é puramentetécnico e não acrescenta muito conceitualmente, de modo que o omitiremos.Detalhes da construção passo a passo estão na demonstração do Lema 13em [Win94]. As condições G,H e I são utilizadas somente nesta afirmação.

Afirmação. Podemos construir uma função ky : ω −→ ω satisfazendo ascondições E e F.

Com ky construído, vamos escolher y. Se y ⊂⋃z≺y (

⋃Vy), podemos

definir f(n) = 1 e Vy,n,0 = ∅ para todo n ∈ ω e escolher y ∈ y um re-presentante qualquer. Caso contrário, escolhemos um representante y ∈ y

tal que y 6∈⋃z≺y (

⋃Vy). Podemos construir, portanto, do mesmo modo

que na demonstração do lema 3.3.20, um aberto fechado básico V tal quey ∈ V ⊂ W ∩

⋃(uy), para algum W ∈ W , de modo que V é forte-

mente disjunto de{U ∈

⋃z≺y Vy : ∀n ∈ ω,∃i ≥ n, xi 6∈ Ui

}. Definimos en-

tão Vy,0,0 = V e f(0) = 1, de maneira que Vy,0 = V . De tal forma, temossatisfeitas as condições H e I. Para n > 0, construímos Vy,n e Vy,n,l comoanteriormente.

Novamente temos as condições B até D satisfeitas. Vamos mostrar agoraque a propriedade F implica a propriedade A.

Seja p ∈ �i∈ωXi e n ∈ ω. Suponhamos Vy(p, n) infinito. Definimos

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J = {j ∈ ω : ∃z ≺ y, Vz,j ∈ Vy(p, n)}. Seja q ∈ �i∈ωXi tal que ∀i ≥ n, qi =

pi. Como anteriormente, definimos a = max {j(q, i) : i < m}. O objetivo éencontrar algum V ∈ Vy tal que q ∈ V . Dividimos então a demonstração em3 casos:

1. Suponha J infinito. Podemos encontrar j ∈ J tal que j > a. Seja z ≺ y

tal que Vz,j ∈ Vy(p, n). Pela condição E, temos que kz(j) ≥ j > a.Temos então que q ∈ Vz,j, como gostaríamos.

2. Suponha J finito. Como supomos Vy(p, n) infinito, pelo princípio dacasa dos pombos, existe algum j0 ∈ J para o qual existem infinitosz ≺ y tais que Vz,j0 ∈ Vy(p, n). Suponhamos j0 ≥ n. DenotemosZ = {z ≺ y : Vz,j0 ∈ Vy(p, n)}. Seja r ∈ �i∈ωXi dado por ri = mi,0

para i < n e ri = pi para i ≥ n. Note que, para todo z ∈ Z, temosr ∈ Cz,j0 ⊂ Vz,j0 , logo

⋂z∈Z Vz,j0 6= ∅. Pela condição F, temos que

a sequência (kz(j0))z∈Z ordenada por ≺ é crescente. Logo, podemosencontrar z ∈ Z tal que kz(j0) > a. Temos então que q ∈ Vz,j0 , comogostaríamos.

3. Suponhamos J finito e j0 < n. Pela condição B, para cada z ∈ Z, temosque Vz é afunilada. Portanto, temos que ∀i ≥ n, (Vz,n)i = (Vz,j0)i,de maneira que xi ∈ (Vz,n)i. Desta maneira, Vz,n ∈ Vy(p, n) parainfinitos z ≺ y. Assim, podemos proceder como no item anterior,apenas substituindo j0 por n, e encontrar z ≺ y tal que q ∈ Vz,n, comogostaríamos.

Vamos então construir um refinamento U aberto dois a dois disjunto deW . Definimos os elementos de U por

Uy,n,l = Vy,n,l \

(⋃Vy ∪

⋃i<n

Vy,i ∪⋃i<l

Vy,n,i

).

Como cada Vy cobre y, temos que tal refinamento de fato cobre �i∈ωXi.Note que a condição D garante que

⋃Vy ⊂

⋃uy, portanto y � q(x). Assim,

podemos bem ordenar Ax pela ordem lexicográfica, de maneira que o único

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elemento de U ao qual x pertence é VminAx . Por fim, o lema 3.3.20 garanteque cada Uy,n,l é aberto, completando a demonstração.

3.4 Produtos de ordinais

Uma das questões recorrentes sobre a paracompacidade dos produtoscaixa diz respeito ao produto caixa de ordinais. Sobre o assunto, podemoscitar [Rud74], [Wil77a], [YW87] e [Wil77b]. A principal questão trata deencontrar hipóteses que impliquem a paracompacidade de �ω (ω + 1). Talquestão motivou o estudo de produtos caixa de ordinais compactos.

Veremos um resultado introduzido por Kunen em [Kun78] que serve comoferramenta para estudar a paracompacidade de produtos de ordinais. Paraisto, utilizaremos o conceito de espaço disperso. Com este resultado, temosque CH é suficiente para que �ω (ω + 1) seja paracompacto.

Teorema 3.4.1 (Kunen). Se para cada i ∈ ω, Xi é um espaço compactoHausdorff e disperso, então �i∈ωXi é c-Lindelöf.

Demonstração. Seja U uma cobertura aberta de �i∈ωXi. Vamos construirum refinamento fechado de U de cardinalidade ≤ c. Para isso, vamos cons-truir por indução uma árvore de altura ω1 de subconjuntos fechados de�i∈ωXi.

Denotamos por T = c<ω1 =⋃α<ω1

cα. Dados α ∈ c e t ∈ T , definimos acomposição t^α ∈ T como a função parcial dada por dom(t^α) = dom(t)+1,tα�dom(t) = t e t^α(dom(t)) = α.

Para cada t ∈ T , vamos construir uma caixa fechada K(t) =∏

i∈ωKi(t)

satisfazendo:

1. K(t) =⋃α<cK(t^α)

2. se dom(t) for um ordinal limite, então K(t) =⋂β<dom(t) K

(t�β)

3. para cada α < c, K(t^α) satisfaz uma e somente uma das seguintescondições:

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(a) ∃U ∈ U , K(t^α) ⊂ U

(b) ∃n ∈ ω, rank(Kn(t^α)) < rank(Kn(t))

Começamos definindo K(0) = �i∈ωXi, onde 0 representa a função nula.Fixemos t ∈ T e suponhamos K(t) já construído. Para cada i ∈ ω, definimos

βi = rank(Ki(t)) e Yi = (Ki(t))(βi).

Pela observação 1.2.15, temos que Yi é finito e não vazio. Note que∣∣∏

i∈ω Yi∣∣ ≤

c. Como �i∈ωXi é regular, podemos encontrar para cada y ∈∏

i∈ω Yi umaberto V (y) =

∏i∈ω Vi(y) tal que y ∈ V (y) ⊂ V (y) ⊂ U , para algum U ∈ U .

Definimos então as famílias V de todos os V (y) para y ∈∏

i∈ω Yi e K detodas as caixas fechadas K =

∏i∈ωKi que satisfazem uma e somente uma

das seguintes condições:

(i) ∃V ∈ V , K = V ∩K(t)

(ii) ∃n ∈ ω,

{∃V ′ ∈ [V ]<ω, Yn ⊂

⋃V ∈V ′ Vn e Kn = Kn(t) \

⋃V ∈V ′ Vn

∀i 6= n,Ki = Ki(t)

Note que, como |V| ≤ |[V ]<ω| c, temos que |K| ≤ c. Podemos entãoescolher de maneira sobrejetiva um K(t^α) ∈ K para cada α ∈ c. Note queas caixas escolhidas na família K garantem a satisfação do item 3. De fato,se K ∈ K satisfizer a condição (i), então K(t^α) = K satisfaz a condição(a). Se K ′ satisfaz a condição (ii), então temos (K ′n)(βn) = ∅, e portantorank(K ′n) < βn, do que se conclui que K(t^α) = K ′ satisfaz a condição (b).

Por fim, para t ∈ T tal que dom(t) é um ordinal limite, definimos K(t)

como no item 2.Já mostramos que a árvore construída satisfaz a condição 3 e 2. Falta

mostrar que satisfaz a condição 1. Seja p ∈ K(t) para algum t ∈ T , e suponhaque p não pertença a nenhuma caixaK ∈ K satisfazendo a condição ii. Entãopara cada i ∈ ω, podemos encontrar qi ∈ Yi tal que para todo V ∈ V temosqi ∈ Vi ⇒ pi ∈ Vi, pois Vi é finito. Considere q = (qi)i∈ω ∈

∏i∈ω Yi. Logo

para todo V ∈ V , temos q ∈ V ⇒ p ∈ V , logo p ∈ V (q) ∩K(t) ∈ K, comogostaríamos.

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Construída a árvore como desejamos, vamos mostrar que para qualquerx ∈ �i∈ωXi, existe um t ∈ T e um aberto Ut ∈ U tal que p ∈ K(t) ⊂ Ut,os quais vão determinar a subcobertura desejada de U , dado que |T | ≤ c.Fixado tal x ∈ �i∈ωXi, as condições 1 e 2 nos permitem construir umafunção f : ω1 ←→ c tal que para cada γ ∈ ω1 temos x ∈ K(f�γ). Dadon ∈ ω, considere a sequência (βγ(n))γ∈ω1 dada por βγ(n) = rank(Kn(f�γ)).A condição 3 junto com a condição 2 garantem que (βγ(n))γ∈ω1 seja umasequência decrescente de ordinais e, portanto, eventualmente constante.

Para cada n ∈ ω, seja δn tal que (βγ(n))γ∈ω1 é constante para γ > δn.Como cf(ω1) > ℵ0, podemos encontrar δ = maxn∈ω δn. Fixamos t = f�δ.Como para todo n ∈ ω temos (βγ(n))γ∈ω1 constante para γ > δ, pela condi-ção 3 temos que existe Ut ∈ U tal que K(t) ⊂ Ut, como queríamos.

Como todo ordinal sucessor é compacto, junto com o lema 3.1.4 e o teo-rema 3.1.5, temos o seguinte corolário:

Corolário 3.4.2. Supondo CH, o produto enumerável de ordinais sucessoresé paracompacto.

Outras hipóteses mais fracas também implicam na paracompacidade de�ω (ω+ 1). Por exemplo, em [Wil77b], Williams demonstra que a existênciade uma λ escala é suficiente para o mesmo resultado.

3.5 O caso não enumerável

A maioria dos resultados conhecidos sobre a paracompacidade de pro-dutos caixa se referem a produtos de uma quantidade enumerável de espa-ços. Pouco se sabe sobre produtos de uma quantidade maior de fatores.Em [RW90], Judith Roitman e Scott Williams apresentam, como diz o títulodo artigo, alguns resultados sobre a paracompacidade de espaços relaciona-dos a produtos caixa não enumeráveis, como por exemplo seus respectivosprodutos nabla.

Lembrando da observação 3.1.2, podemos generalizar o produto nabla demaneira semelhante ao que se faz com o produto caixa ao se definir o κ-produto caixa. Ao invés de usar o filtro dos cofinitos, usaremos o filtro dos

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coenumeráveis. Podemos também, teoricamente, trabalhar com cardinalida-des ainda maiores, visto que para qualquer cardinal infinito κ, o conjuntoFκ = {J ∈ P(I) : |I \ J | < κ} é um filtro. Contudo, focaremos apenas nocaso dos coenumeráveis.

Definição 3.5.1. Seja Xi um espaço topológico para cada i ∈ I. Defini-mos a seguinte relação ∼ de equivalência em �i∈IXi: Dados x, y ∈ �i∈IXi,definimos:

x ∼ y ⇐⇒ {i ∈ I : xi 6= yi} é enumerável.

Definimos então

∇∗i∈IXi =�i∈IXi

∼equipado com a topologia quociente. Definimos também a projeção usualq∗ : �i∈IXi −→ ∇∗i∈IXi .

A seguinte proposição estabelece condições para a projeção de caixasfechadas serem fechadas. Tal proposição servirá de ferramenta para os demaisresultados.

Proposição 3.5.2. Seja λ um ordinal. Para cada α < λ, seja Kα =∏i∈I Kα,i uma caixa fechada em �i∈IXi. Então:

1. se λ ≤ ω, então⋃α<λ q (Kα) é fechado em ∇i∈IXi.

2. se λ ≤ ω1, então⋃α<λ q

∗ (Kα) é fechado em ∇∗i∈IXi.

Demonstração. Vamos provar ambos os itens simultaneamente. Seja K =⋃α<λ q (Kα) (respectivamente

⋃α<λ q

∗ (Kα)). Seja y ∈ �i∈IXi tal que q(y) 6∈K (respectivamente, q∗(y) 6∈ K). Para cada α ∈ λ, podemos encontrarIα ⊂ I tal que |Iα| = λ e para qualquer i ∈ Iα, yi 6∈ Kα,i. Podemos escolhertais Iα de maneira que sejam dois a dois disjuntos. Podemos então escolheruma vizinhança aberta V =

∏i∈I Vi de y tal que para cada α ∈ λ e cada

i ∈ Iα temos Vi ∩Kα,i = ∅.

Observação 3.5.3. Em [vD80], van Douwen usa uma demonstração similarpara demonstrar tal resultado para valores maiores de λ. Primeiramente, ele

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define o produto nabla de maneira mais geral, semelhante à definição 3.5.1,porém criando uma relação de equivalência que associa pontos que coincidemem menos que |I| coordenadas. Com tal definição, a proposição anterior éválida para qualquer λ ≤ |I|.

Diferentemente do lema 3.1.4, se |I| > ℵ0, não necessariamente temos que∇i∈IXi é um P-espaço. Contudo, supondo a normalidade dos fatores, temosque ∇i∈IXi e ∇∗i∈IXi são zero dimensionais.

Proposição 3.5.4. Sejam Xi espaços topológicos normais para cada i ∈ I.Então os espaços ∇i∈IXi e ∇∗i∈IXi são zero dimensionais.

Demonstração. Sejam x ∈ �i∈IXi e U =∏

i∈I Vi uma vizinhança abertabásica de x. Para cada i ∈ I, como Xi é normal, podemos construir umasequência (Vα,i)α∈ω de vizinhanças abertas de xi tal que, para cada α ∈ ω

temos:xi ∈ Vα,i ⊂ Vα,i ⊂ Vα+1,i ⊂ Ui

Definimos Vα =∏

i∈I Vα,i para cada α ∈ λ. Temos que Vα ⊂ Vα+1.Definimos então G =

⋃α∈ω q (Vα) e G∗ =

⋃α∈ω q

∗ (Vα). Temos então queq(x) ∈ G ⊂ q(U) e q∗(x) ∈ G∗ ⊂ q∗(U). G e G∗ são claramente abertos,enquanto que pela proposição 3.5.2, os mesmos também são fechados. Logo∇i∈IXi e ∇∗i∈IXi são zero dimensionais, como gostaríamos.

Com tais proposições, conseguimos o seguinte resultado:

Teorema 3.5.5. Assumindo 2ℵ1 = ℵ2, se Xi é um espaço topológico com|Xi| ≤ ℵ2 para cada i ∈ I, |I| = ω1, então ∇∗i∈IXi é ultraparacompacto.

Demonstração. Pela hipótese, temos que |�i∈IXi| ≤ ω2. Podemos então es-crever∇∗i∈IXi = {q∗(xα) : α ∈ ω2}. Seja U uma cobertura aberta de∇∗i∈IXi.Vamos construir um refinamento U ′ = {Uα : α ∈ ω2} de U dois a dois dis-junto, utilizando indução. Suponhamos que U ′α = {Uβ : β < α} tenha sidoconstruído satisfazendo:

1. todos os elementos de U ′α são abertos-fechados e dois a dois disjuntos.

2. todo elemento de U ′α está contido em algum elemento de U .

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3. U ′α cobre o conjunto {q∗(xβ) : β < α}.

Se q∗(xα) ∈⋃U ′α, escolhemos Uα = Uξ, com ξ < α qualquer. Caso

contrário, como |α| < ℵ2, pela proposição 3.5.2, temos que⋃U ′α é fechado.

Logo, pela proposição 3.5.4, podemos achar um aberto fechado que contémq∗(xα) e que não intersecciona

⋃U ′α. Definimos então Uα como tal aberto, o

que completa a indução.

Observação 3.5.6. Note que para os fatores Xi satisfazerem as hipóteses doteorema anterior, basta que sejam espaços de Lindelöff, Hausdorff e primeiroenumeráveis, pois pelo Teorema de Arhangelskii (teorema 1.2.21)teríamos|Xi| ≤ 2ω ≤ 2ω1

Observação 3.5.7. Novamente em [vD80], van Douwen generaliza este teo-rema para cardinalidades maiores. Utilizando sua definição de produto nabla(observação 3.5.3), e usando como hipótese 2κ = κ+, para κ = |I|, pode-segeneralizar o teorema 3.5.5. Mais do que isso, com tal hipótese van Douwengeneraliza inclusive o teorema 3.2.2.

3.6 O problema dos produtos caixa nos dias de

hoje

A maioria dos resultados neste tópico foram obtidos entre o fim dosanos 70 e começo dos anos 90. Depois disso, poucos resultados novos fo-ram obtidos. No entanto, recentemente o assunto está voltando à tona. Em[Roi07] e [Roi09], Roitman estuda subespaços paracompactos de �ω (ω + 1)

e ∇ω (ω + 1).Em [Roi11], Roitman cita as seguintes questões que ainda permanecem

abertas.

Problema 1. Sem hipóteses extra de consistência, é paracompacto o produto�i∈ωXi supondo

• Xi compacto e disperso para todo i ∈ ω?

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• Xi σ-compacto e primeiro enumerável para todo i ∈ ω?

• Xi compacto e primeiro enumerável para todo i ∈ ω?

• Xi compacto e metrizável para todo i ∈ ω?

• Xi = ω + 1 para todo i ∈ ω?

Problema 2. A paracompacidade implica a paracompacidade hereditária, nocaso dos produto nabla enumerável de espaços compactos primeiro enumerá-veis?

Devido à relação entre produtos caixa e uniformidades explorada em[Wil84], Williams introduziu nos simpósios de Praga de 2001 e 2006 o con-ceito de produto caixa uniforme. Tal produto, assim como o κ-produto caixa,é um intermediário entre o produto de Tychonoff e o produto caixa. A defi-nição de uniformidade e produto caixa uniforme podem ser encontradas noapêndice. A pergunta principal continua a mesma que com o produto caixa:sob quais hipóteses sobre X temos o produto caixa uniforme paracompacto?Bell estuda esta questão em [Bel11] e [Bel14].

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Capítulo 4

Aplicações

Como vimos no capítulo 2, o produto de dois espaços topológicos normaisnão necessariamente é normal. A partir de tal fato, surge a pergunta: “Sobquais condições o produto de espaços normais é ou não é normal?”. Talquestão gerou vários estudos em topologia, dos quais podemos citar [Prz84].

No âmbito de tal pergunta, através do produto caixa podemos construiralguns exemplos de espaços normais cujo produto não é normal. Neste capí-tulo, apresentamos dois desses exemplos. Na seção 4.1, estudaremos o espaçode Dowker construído por M. E. Rudin em [Rud71]. Na seção 4.2, apresen-tamos um exemplo construído por J. E. Vaughan [Vau75] de dois espaçosκ-metrizáveis cujo produto não é normal.

4.1 Espaço de Dowker

Definição 4.1.1. Um espaço topológico X é um espaço de Dowker se X énormal, porém X × I não é normal.

Segundo Mary Ellen Rudin em [Rud84], o interesse por tal espaço nasceude um teorema de extensão homotópica da topologia algébrica. Tal teorematinha como hipótese que um determinado espaço topológico X fosse tal queX×I fosse normal. Tal hipótese faz sentido em um teorema sobre homotopias,dado que uma homotopia em X é uma função contínua de X × I em X.Dessa maneira, é natural perguntar se isso significa mais do que dizer que

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X é normal. Então, Hugh Dowker provou em seu artigo [Dow51] que seX é normal, então X × I é normal se e somente se X é enumeravelmenteparacompacto (teorema 4.1.3).

Definição 4.1.2. Um espaço topológico X é dito enumeravelmente para-compacto se toda cobertura aberta enumerável de X possui um refinamentoaberto localmente finito.

Teorema 4.1.3 (Teorema de Dowker). Seja X um espaço normal. Entãosão equivalentes:

• X é enumeravelmente paracompacto.

• X × I é normal.

• Dada uma sequência decrescente de fechados (Fn)n∈ω em X com inter-seção vazia, existe uma sequência de abertos (An)n∈ω de abertos em X

com interseção vazia tal que Fn ⊂ An para cada n ∈ ω.

Portanto, um espaço é de Dowker se e somente se ele é normal e nãosatisfaz alguma (logo todas) das condições do teorema 4.1.3.

Em [Rud55], Rudin demonstra que a existência de uma reta de Souslinimplica a existência de um espaço de Dowker. Nos anos 60, Solovay e Ten-nenbaum [ST71] demonstraram que a existência de uma reta de Souslin éindependente de ZFC, do que se conclui o que a existência de um espaço deDowker é consistente com ZFC. Posteriormente, Rudin construiu em [Rud71]um espaço de Dowker em ZFC sem nenhuma hipótese adicional, utilizandoo produto caixa. Para este espaço, usaremos o produto caixa com a notaçãode ordem, como explicado na observação a seguir.

Observação 4.1.4. Para cada i ∈ I, seja Xi um conjunto equipado comuma ordem ≤i e sua topologia da ordem τ≤i.

As ordens ≤i induzem uma ordem sobre o produto∏

i∈I Xi definida por

x ≤ y ⇔ ∀i ∈ I, xi ≤ yi

para quaisquer x, y ∈∏

i∈I Xi.

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Da mesma maneira, também para quaisquer x, y ∈∏

i∈I Xi, definimos

x < y ⇔ ∀i ∈ I, xi < yi

Note que, neste caso, < não corresponde à versão estrita da ordem ≤.Notemos que, com tal ordem, a topologia da ordem τ≤ coincide com a

topologia da caixa τ�. De fato, dados dos pontos f, g ∈∏

i∈I Xi, o intervaloaberto ]f, g[ na ordem < nada mais é do que a caixa aberta

∏i∈I ]fi, gi[.

Exemplo 4.1.5 (O espaço de Dowker de M. E. Rudin). Seja F o espaçotopológico F = �i∈N∗ (ωi + 1). Considere o subespaço

X = {x ∈ F : ∃k ∈ N∗,∀i ∈ N∗, ω1 ≤ cf(xi) < ωk}

Com a topologia de subespaço herdada de F , o espaço X é um espaçode Dowker, como iremos demonstrar. X possui também outras propriedadesinteressantes, apresentadas por Hart em [Har81] e [Har82]. Por exemplo,Hart mostra que X é fortemente coletivamente normal e ortocompacto.

Mostraremos que o espaço X é coletivamente normal (definição 1.2.11),utilizando a demonstração original de M. E. Rudin. Para tal fim, necessita-mos do seguinte lema.

Lema 4.1.6. O espaço X do exemplo 4.1.5 é um P-espaço.

Demonstração. Seja (Vn)n∈ω uma sequência de abertos de X. Fixemos x ∈⋂n∈ω Vn. Para cada n ∈ ω, existe uma caixa aberta Bn tal que x ∈ Bn ⊂ Vn.

Como visto na observação 4.1.4, podemos escrever Bn =]gn, fn[∩X, comgn, fn ∈ F e considerando a ordem ≤ sobre F . Definimos então g ∈ F dadopor gi = supn∈ω(gn)i. Note que g ≤ x. Contudo, para cada i ∈ N∗, temoscf(xi) ≥ ω1, pois x ∈ X e cf(gi) ≤ ω, pois gi é limite de uma sequência decomprimento ω. Portanto, g < x. Desta forma, definindo x′ = (xi + 1)i∈N∗ ,temos que x ∈ (g, x′) ⊂

⋂n∈ω Vn. Logo,

⋂n∈ω Vn é de fato aberto.

Teorema 4.1.7. O espaço X do exemplo 4.1.5 é coletivamente normal. Emparticular, X é normal.

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Demonstração. Seja H = {Hj ⊂ X : j ∈ J} uma família discreta de fe-chados. Definimos H =

⋃j∈J Hj. Dado C ⊂ X, definimos uma função

s : P(F ) −→ F definida por s(C)i = supx∈C xi para cada i ∈ N∗. Note quese A ⊂ B, temos s(A) ≤ s(B).

Para cada ordinal α < ω1, vamos construir, por indução transfinita, umacobertura Jα de H por abertos disjuntos de X com a seguinte propriedade:dados β < α < ω, podemos escolher um Uβ ∈ Jβ para cada Uα ∈ Jα deforma que:

1. Uα ⊂ Uβ

2. |{j ∈ J : Uα ∩Hj 6= ∅}| ≥ 2 =⇒ s(Uα) 6= S(Uβ)

3. |{j ∈ J : Uβ ∩Hj 6= ∅}| < 2 =⇒ Uα = Uβ

Primeiramente, definimos J0 = {X}. Em seguida, fixamos α < ω1 esupomos Jβ construído para todo β < α. Vamos então construir Jα.

Começamos tratando do caso em que α é ordinal sucessor. Neste caso,fixemos β tal que α = β + 1. Fixando U ∈ Jβ, vamos construir uma famíliaPU ⊂ P(U) formada por abertos dois a dois disjuntos cobrindo U ∩ H demaneira que Jα =

⋃U∈Jβ PU satisfaça as condições 2 e 3 acima.

Se U intersecciona no máximo 1 elemento de H, temos que PU = {U}satisfaz as condições que queremos. Portanto, suponhamos agora que Uintersecciona 2 ou mais elementos de H. Vamos dividir tal caso em duassituações.

Primeiramente, suponhamos que ∃j ∈ N∗, cf(s(U)j) = ω. Notemos que,neste caso, não podemos ter cf(s(U)j) < ω, pois cf(fj) ≥ ω1 para todof ∈ U ⊂ X.

Seja (λn)n∈ω uma sequência crescente cofinal em s(U)j. A partir de talsequência, construímos uma sequência de abertos (Vn)n∈ω dada por V0 =

{x ∈ U : xj < λ0 + 1} e por Vn = {x ∈ U : λn−1 < xj < λn + 1} para n >0. Note que cada Vn é de fato aberto, pois Vn = U ∩

∏i∈N∗ Ai, onde Aj =

(λn−1, λn + 1) (ou Aj =]−∞, λ0 + 1[ no caso n = 0) e Ai = Fi = ωi + 1 parai 6= j. Note também que tais abertos são disjuntos e cobrem U . Além disso,

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do modo como foram construídos, para cada n ∈ N∗ temos s(Vn)i < s(U)i .Desta forma, PU = {Vn : n ∈ ω} satisfaz as condições que queremos.

Por fim, suponhamos a situação complementar, ou seja, suponhamos que∀n ∈ N∗, cf(s(U)n) > ω. Vamos dividir o aberto U em U =

⋃n∈N∗ Un,

definindo para cada n ∈ N∗:

Un = {x ∈ U : cf(xi) ≤ ωn}

Vamos supor que para cada n ∈ N∗, exista gn ∈ F com a seguinte pro-priedade:

gn < s(U) e o conjunto {x ∈ Un : gn < x} intersecciona no má-ximo 1 elemento de H.

Definimos então f ∈ F dado por fi = supn∈N∗(gn)i. Como estamostrabalhando com a situação em que ∀i ∈ N∗, cf(s(U)i) > ω, temos que f <s(U), pois toda coordenada de f é limite de uma sequência enumerável.

Com f assim construído, temos que o conjunto {x ∈ U : f < x} intersec-ciona no máximo 1 elemento deH. De fato, sejam h, k ∈ H∩{x ∈ U : f < x}.Note que (Un)n∈N∗ é uma sequência crescente temos que h, k ∈ Um para al-gumm ∈ N∗ suficientemente grande. Além disso, temos que gm < h, k. Logo,h, k ∈ {x ∈ Um : gm < x}. De tal forma, pela propriedade de gm, temos queh e k pertencem ao mesmo elemento de H.

A partir do f ∈ F construído no parágrafo anterior, para cada N ⊂ N∗

definimos:

VN = {x ∈ U : ∀n ∈ N, xn ≤ fn e ∀n ∈ N∗ \N, xn > fn}

Definimos assim PU = {VN : N ⊂ N∗}. Vamos mostrar que tal escolhade PU satisfaz as condições desejadas. Se para algum N ⊂ N∗ tivermoss(VN) = s(U), então N = ∅ e portanto, pela construção de f , temos queV∅ = {x ∈ U : f < x}, o qual intersecciona no máximo 1 elemento de H.Além disso, VN é aberto pois podemos escrever VN = U ∩

∏i∈N∗ Ni, onde

Ni =]− inf, fi + 1[ para i ∈ N e Ni =]fi, inf[ para i ∈ N∗ \N .

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Vamos agora demonstrar que existem gn ∈ F com tal propriedade. Fixe-mos n ∈ N∗. Vamos supor que tal gn não exista, isto é, suponhamos que:

[∗] Para todo f < s(U) existem h, k ∈ Un tais que f < h, k e h ek pertencem a elementos distintos de H.

Vamos particionar N∗ da seguinte maneira: para 1 < i ≤ n definimosMi = {j ∈ N∗ : cf(s(U)j) = ωi} e também M = {j ∈ N∗ : cf(s(U)j) > ωn}.A hipótese de que ∀n ∈ N∗, cf(s(U)n) > ω garante que N∗ =

⋃1<i≤nMi ∪M ,

sendo essa uma união disjunta. Com tal partição, para cada i ≤ n e paracada j ∈Mi, podemos escolher um conjunto {pj,σ : σ < ωi} ⊂ s(U)j cofinalcom (pj,σ)σ<ωi crescente.

Considere também R =∏

i≤n ωi. Temos que |R| = ωn. Portanto, existeuma bijeção f : ωn −→ ωn ×R. Fixemos então a sequência (rλ)λ∈ωn onde rλé a segunda coordenada de f(λ). Note que tal sequência possui a seguintepropriedade: fixados r ∈ R e δ ∈ ωn, existe δ < γ < ωn tal que rγ = r.De fato, escolha α ∈ ωn tal que para todo β ≤ δ não tenhamos α comoa primeira coordenada de f(β). Tal α existe pois, caso contrário, como f ébijetora, teríamos que a restrição à δ da projeção na primeira coordenada de fseria uma bijeção entre δ e ωn. Escolhemos então γ ∈ ω tal que f(γ) = (α, r).Tal γ existe pois f é bijetora. Além disso, γ > δ pela construção de α. Pordefinição, rγ = r, como queríamos.

Após escolher tais sequências, vamos construir indutivamente um trio(fλ, hλ, kλ) para cada λ ∈ ωn, com fλ ∈ F e hλ, kλ ∈ Un.

Primeiramente, definimos f0 dado por (f0)j = pj,(r0)i se j ∈ Mi (i ≤ n) e(f0)j = 0 se j ∈ M . Usamos então a hipótese [∗] para escolher h0, k0 ∈ Unpertencentes a elementos distintos de H e tais que f0 < h0, k0.

Então, seja λ ∈ ωn tal que hγ e kγ já foram construídos para cada γ < λ.Definimos (fλ)j = pj,(rλ)i para j ∈ Mi (i ≤ n) e (fλ)j =

sup{hj : h ∈

⋃γ<λ {hγ, kγ}

}para j ∈ M . Note que fλ foi construído de

maneira que fλ < s(U). Portanto, novamente pela hipótese [∗], podemosescolher hλ, kλ ∈ Un pertencentes cada um a elementos distintos de H taisque fλ < hλ, kλ.

Construída a sequência dos fλ, kλ, hλ, definimos g ∈ F dado por gj =

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s(U)j para j ∈ N∗ \M e gj = supλ<ωn(hλ)j para j ∈ M . Se j ∈ M , temoscf(gj) ≤ ωn. De fato, por construção, temos que (max {(hλ)j, (kλ)j})λ∈ωn éuma sequência cofinal em gj de cumprimento ωn. Além disso, se j ∈ N∗ \M ,então cf(gj) = cf(s(U)) > ω por hipótese. Portanto g ∈ X. Além disso,como ∀λ ∈ ωn, kλ ∈ Un ⊂ U , temos g ≤ s(U).

Lembrando que a família H é discreta, existe uma caixa aberta V =∏i∈N∗ Vi tal que g ∈ V e V intersecciona no máximo 1 elemento de H.

Podemos supor sem perda de generalidade que, para cada i ∈ N∗, Vi é umintervalo aberto ]ai, bi[ com ai, bi ∈ ωi. Definimos assim a = (ai)i∈N∗ . Comog ≤ s(U), temos a < s(U).

Para cada i ≤ n e j ∈ Mi, usamos o fato de que {pj,σ : σ ∈ ωi} écofinal em s(U)j para encontrar ωj tal que aj < pj,σj . Definimos µi =

supσj : j ∈Mi. Como Mi ⊂ N∗ é enumerável e cf(ωi) = ωi > ω, temosµi < ωi. Definimos então r ∈ R dado por ri = µi para cada i ≤ n. Já paraj ∈ M , como a < g, escolhemos σj tal que aj < (hσj)j. Definimos agoraσ = supσj : j ∈M .

Pela propriedade da sequência (rλ)λ∈ωn , podemos encontrar γ ∈]σ, ωn[ talque r = rγ. Assim, se j ∈ M , temos aj < (hγ)j < gj, portanto (hγ)j ∈ Vj.Por outro lado, se j ∈Mi (i ≤ n), então

aj < pj,ri = pj,(rγ)i < (hγ)j ≤ s(U)j = gj

e portanto (hγ)j ∈ Vj. Assim, temos que hγ ∈ V , e da mesma maneiramostramos que kγ ∈ V , o que é um absurdo, pois V intersecciona no máximo1 elemento de H. Provamos assim a existência dos pontos gn, concluindo aconstrução de PU .

Construído então PU , definimos Jα =⋃U∈Jβ PU

Para completar a construção de Jα, falta apenas o caso em que α é ordinallimite. Neste caso, para cada β < α e cada x ∈ H definimos Ux(β) como oúnico elemento de Jβ ao qual x pertence. Definimos então Ux =

⋂β<α Ux(β).

Como α é enumerável, temos que Ux é aberto pelo lema 4.1.6. O fato de Jβ

ser disjunto para cada β < α garante que Jα também o seja. Além disso, dadox ∈ H, se Ux intercepta 2 ou mais elementos de H, então Ux(β) e Ux(β + 1)

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também o fazem, para algum β < α. Então temos s(Ux(α)) ≤ s(Ux(β+1)) <

s(Ux(β)), portanto Jα satisfaz a condição 2. Da mesma forma, se Ux(β) paraalgum β < α, então Ux(β) = Ux(γ) para todo γ tal que α < β < γ, logoUx(α) = Ux, como queríamos.

Temos então construídas as famílias Jα para cada α < ω1. Vamos mostrar,por fim, que a existência de tais famílias implicam que X é coletivamentenormal.

Fixemos x ∈ H. Para cada α ∈ ω1, Jα cobre H com abertos disjun-tos. Logo, existe um único Uα ∈ Jα tal que x ∈ Uα. Pela propriedade (1)da construção de Jα, temos que se α < βω1, então Uβ < Uα e, portanto,s(Uβ) ≤ s(Uα). Pela propriedade (2) da definição de Jα, temos que se Uβintersecciona mais do que 1 elemento de H, então s(Uβ) < s(Uα). Neste caso,existe algum i ∈ ω tal que s(Uβ)i < s(Uα)i. Fixado tal n, note que podemos“diminuir” s(Uα) somente um número finito de vezes, pois toda sequênciadecrescente de ordinais é eventualmente constante, como vimos na demons-tração do teorema 3.4.1. Sendo assim, podemos encontrar um αx ∈ ω1 su-ficientemente grande tal que Uαx intersecciona no máximo 1 único elementode H. Pela propriedade (3), temos que Uβ = Uαx para todo αx ≤ β < ω1.

Definimos então Uj =⋃x∈Hj Uαx para cada j ∈ J . Vamos mostrar que

a família de abertos {Uj : j ∈ J} separa os elementos de H como na defini-ção 1.2.11: Sejam x, y pertencentes a elementos distintos de H. Seja α ∈ ω1

tal que α > max {αx, αy}, com αx, αy como definidos no parágrafo anterior(de tal modo que x ∈ Uαx e y ∈ Uαy). Temos então que Uαx , Uαy ∈ Jα, logosão disjuntos. Além disso, pela construção, temos que Uαx e Uαy só intersec-cionam cada um somente 1 único elemento de H, como queríamos.

Teorema 4.1.8. Seja X o espaço construído no exemplo 4.1.5. Temos queX × I não é normal.

Demonstração. Vamos mostrar queX satisfaz a condição 4.1.3 do teorema 4.1.3.Para cada n ∈ N∗, defino Fn = {x ∈ X : ∀i ≤ n, xi = ωi}. Vamos mostrarque

⋂n∈N∗ Fn = ∅. Suponha p ∈

⋂n∈N∗ Fn. Como p ∈ X, existe k ∈ N∗ tal

que para todo i ∈ N∗ temos ω1 ≤ cf(pi) < ωk. No entanto, como p ∈ Fk

temos que pk = ωk, o que contradiz p ∈ X, pois ωk é regular. Portanto,

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temos de fato⋂n∈N∗ Fn = ∅.

Vamos mostrar agora que que Fn é fechado para todo n ∈ N∗. Dadoy ∈ An

c, temos que existe j ≤ n tal que yj 6= ωj.Assim podemos considerara caixa aberta V =

∏i∈I(Vi) dada por Vj = [0, ωj) e Vi = ωi para i 6= j .

Temos então que y ∈ X ∩ V ⊂ Anc.

Seja (An)n∈N∗ uma sequência de abertos tal que Fn ⊂ An ⊂ X para todon ∈ N∗. Vamos mostrar que

⋂n∈N∗ An 6= ∅ e, portanto, pelo teorema 4.1.3,

X × I não pode ser normal.Suponhamos que existam para cada n ∈ N∗ um ponto fn ∈ X tal que

{h ∈ X : fn < h} ⊂ Un e (fn)i < ωi para cada i ∈ N∗. A partir de taispontos, vamos construir g ∈

⋂n∈N∗ An. Fixamos g1 = ω1. Para cada i > 1

encontramos um ordinal gi tal que (fn)i < gi < ωi para todo n > 1 etambém tenha cofinalidade cf(gi) = ω1. De fato existe um ordinal com taispropriedades, pois construir uma sequência crescente de comprimento ωi deordinais arbitrariamente grandes mesmo limitada por ωi, com i > 1. Temosentão que g = (gi)i∈N∗ ∈ X. Para cada n ∈ N∗, como fn < g, temos queg ∈ Un, como queríamos.

Agora vamos provar que tais pontos fn existem. Para facilitar a notação,definimos Cj = x ∈ Fj : ∀i > j, xi < ωi para cada j ∈ N∗. Seja kn ∈ Cn qual-quer. Note que como Fn ⊂ An e An é aberto, temos que {x ∈ Cn : kn < x} ⊂An. A partir de kn, vamos construir recursivamente uma família de pontos{kj ∈ Cj : 1 ≤ j ≤ n} tais que {x ∈ Cj : kj < x} ⊂ An. De tal forma, obte-remos o ponto fn que desejamos por fn = k1.

Vamos construir kj supondo kj+1 já construído. Definimos h0 ∈ X dadopor (h0)j = 0 e (h0)i = (kj)i para cada i 6= j. Usando o lema de Zorn, po-demos construir uma sequência bem ordenada maximal (hα)α<λ, para algumordinal λ, tal que para cada α < λ temos h < hα e hα ∈ Cj \ An. Se λ = 0,não há mais o que demonstrar, logo trabalharemos com λ > 0. Definimosh′ ∈ X dado por h′i = supα<λ(hα)i para cada i ∈ N∗.

Como a sequência é maximal, temos que λ ≤ ωj. Vamos mostrar queλ < ωj. Suponhamos que λ = ωj. Neste caso, teríamos h′ ∈ Cj+1 e kj+1 < h′

e portanto, como supomos kj+1 construída, h′ ∈ An. Como An é aberto,existe um ponto h∗ ∈ F , h∗ < h′, tal que o intervalo ]h∗, h′[⊂ An (veja a

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observação 4.1.4). Porém, como h∗ < h′, para cada i > j podemos encontrarum ordinal αi < λ tal que h∗ < (hαi)i. Definindo α = supi>n αi, temos queh∗ < hα < h′. Logo hα ∈ An, o que contradiz kα ∈ Cj \An. Portanto de fatotemos λ < ωj.

Por fim, definimos fj por (fj)i = h′i + ω1 para i > j e (fj)i = ωi parai ≤ j. Temos então fj ∈ Cj e a maximalidade da sequência (hα)α<λ garanteque {x ∈ Cj : fj < x} ⊂ Un, o que completa a demonstração.

Uma desvantagem de se trabalhar com produtos é que os espaços comeles construídos podem ter cardinalidades altas. Podemos, por exemplo, ve-rificar que o espaço X do exemplo 4.1.5 tem cardinalidade ℵω ℵ0 . Pode-se,no entanto, a partir de tal exemplo construir espaços de Dowker de menorcardinalidade. Shelah e Kojman em [KS98] aplicaram a teoria pcf para cons-truir um subespaço de X de cardinalidade ℵω+1, o qual também é de Dowker.Este resultado também é abordado em [Fer11]

4.2 Um produto não normal de espaços κ-metrizáveis

Em [Nyi75], Peter Nyikos levantou a seguinte questão: o produto de umespaço metrizável por um espaço κ-metrizável (definição 1.2.30), para algumκ infinito qualquer, é normal? Como a definição de espaço κ-metrizável élocal, temos que tais espaços são não apenas normais como hereditariamentenormais. A demonstração deste fato é basicamente a mesma de que todoespaço metrizável é normal.

J. E. Vaughan mostrou em [Vau75] que a resposta à pergunta de Nyikosé negativa, através do seguinte exemplo.

Exemplo 4.2.1. Seja D1 o espaço topológico formado por ω1 equipado coma topologia discreta, e definimos D1 = Dω

1 como produto de Tychonoff.Seja D∗1 = ω1 + 1 equipado com a topologia gerada pela seguinte base B =

{{α} : α < ω1} ∪ {]β, ω1] : β < ω1}. Definimos então B1 = �ωD∗1. Temosentão que D1 é metrizável, B1 é ω1-metrizável, porém D1×B1 não é normal.

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Além de responder a pergunta de Nyikos, o exemplo 4.2.1 também servede contra exemplo para uma conjectura, também de Vaughan. Em [Vau72],é introduzido o conceito de espaço linearmente estratificável, além da con-jectura de que o produto de dois espaços com tal propriedade seria para-compacto. Pela definição, pode-se ver que todo espaço ωµ-metrizável é emparticular ωµ-estratificável. Portanto o espaço B1 é ω1-estratificável. Alémdisso, sabe-se que todo espaço metrizável é estratificável, portanto D1 é es-tratificável. Como mostraremos que D1 × B1 não é normal, tal produto emparticular não é paracompacto, negando a conjectura.

Demonstração do exemplo 4.2.1. Primeiramente, como D1 é discreto, ad-mite a métrica discreta. Logo D1 é metrizável, por ser um produto enu-merável de espaços metrizáveis. Além disso, temos que B1 é ω1-metrizável, econstruiremos as bases locais que o caracterizam como tal.

Para facilitar as próximas construções, vamos definir bases locais paraD1 e B1. Dado um ponto x = (xi)i∈ω ∈ D1 e um natural n ∈ ω, definimosn(x) = {y ∈ D1 : ∀i ≤ n, yi = xi}. Assim, {n(x) : n ∈ ω} é uma base localpara x. Considere agora q ∈ B1 e um ordinal α ∈ ω1. Definimos entãoα(q) =

∏i∈ωQi, onde Qi = {qi} sempre que qi < ω1, e Qi =]α, ω1] para

todo i ∈ ω tal que qi = ω1. Da mesma maneira, {α(q) : α < ω1} é umabase local para q, a qual também testemunha a ω1-metrizabilidade de B1.Note que para que tal família seja base local de q precisamos do fato de quecf(ω1) 6= ω. De fato, se existisse uma sequência (γn)n∈ω cofinal em ω1, então∏

n∈ω]γn, ω1] seria uma vizinhança aberta do ponto qω1 = (ω1)n∈ω a qual nãocontém nenhuma vizinhança do tipo α(qω1).

Vamos mostrar que D1×B1 não é normal. Para isso, notemos que, comoconjuntos, temos D1 ⊂ B1, apesar de a topologia de D1 não coincidir com atopologia de subespaço de B1. Definimos então:

H = {(x, x) ∈ D1 ×B1 : x ∈ D1} e K = D1 × (B1 \D1)

Vamos mostrarH eK são fechados disjuntos que não podem ser separadospor abertos disjuntos. Primeiramente, K é claramente fechado. De fato, ocomplementar de K é o quadrado D1 × D1. Como H ⊂ D1 × D1, temos

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H ∩ K = ∅. Também é fácil de ver que H é fechado: seja (x, y) 6∈ H.Se y ∈ D1, então existe algum k ∈ ω tal que xk 6= yk. Neste caso, temosk(x)× {y} é uma vizinhança de (x, y) que não intersecciona H. No caso emque y 6∈ D1, existe algum n ∈ ω tal que yn = ω1. Se escolhermos algum α

tal que xn < α < ω1, temos que n(x) × α(y) também é uma vizinhança de(x, y) que não intercepta H, como queríamos.

Agora, seja V um aberto qualquer tal que K ⊂ V . Vamos construir umponto (x, x) em H cujas vizinhanças sempre interseccionam V . Construire-mos x = (xi)i∈ω coordenada a coordenada, por indução.

Começamos com os pontos p0 ∈ D1 e q0 ∈ B1\D1 dados por p0 = (0, 0, . . .)

e q0 = (ω1, ω1, . . .). Como (p0, q0) ∈ K ⊂ V , podemos achar (m0, q0) ∈ ω×ω1

tal que m0(p0)×α0(q0) ⊂ V , já que V é aberto. Escolhemos então x0 tal queα0 < x0 < ω1.

Agora fixemos k ∈ ω e suponhamos que xi foi construído para todo i ≤ k.Definimos pk+1 = (x0, x1, . . . , xk, 0, 0, . . .) e qk+1 = (x0, x1, . . . , xk, ω1, ω1, . . .).Temos que (pk+1, qk+1) ∈ K ⊂ V . Da mesma maneira, podemos escolher(mk+1, αk+1) ∈ ω × ω1 de maneira que mk+1(pk+1)× αk+1(qk+1) ⊂ V . Esco-lhemos então xk+1 tal que max {αk+1, xk} < xk+1 < ω1. Concluímos assim aconstrução de x.

Como a cada passo limitamos xn < ω1, temos que de fato (x, x) ∈ H.Seja k ∈ ω. Vamos mostrar que o ponto (pk+1, x) pertence à intersecção(k(x)× {x})∩ (nk+1(pk+1)× αk+1(qk+1)), logo qualquer vizinhança do ponto(x, x) intersecciona V e, portanto, qualquer aberto U ⊃ H intersecciona V ,concluindo o resultado.

Lembrando que pk+1 = (x0, x1, . . . , xk, 0, 0, . . .), temos pk+1 ∈ k(x). Alémdisso, construímos x de maneira que a sequência (xn)n∈ω fosse crescente, logotemos que para cada n > k, αk+1 < xn, o que garante que x ∈ αk+1(qk+1).

Corolário 4.2.2. Seja B1 o espaço construído no exemplo 4.2.1. Entãopara qualquer n ∈ ω temos que B1

n é homeomorfo a B1, porém o produto deTychonoff B1

ω não é normal.

Este corolário responde uma questão por E. Michael em [Mic71]. Em talartigo, Michael deu um exemplo de um espaço Y tal que para todo n ∈ ω, Y n

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é normal, porém Y ω não o é. Tal exemplo levou à pergunta sobre a existên-cia de um exemplo de espaço com a mesma propriedade, apenas substituindo“normal” por “hereditariamente normal” . Em [Mic71], Vaughan demonstraque todo espaço ω1-estratificável é hereditariamente paracompacto, e por-tanto, hereditariamente normal (resultado originalmente demonstrado paraespaços κ-metrizáveis por Juhász em [Juh65]). Portanto, o corolário 4.2.2mostra que o espaço B1 é um exemplo de solução para a pergunta de Mi-chael.

Demonstração. Primeiramente, notemos que na aritmética cardinal temosℵ0 × n = ℵ0 para qualquer n finito. Logo, temos uma bijeção natural en-tre B1 = �ωD∗1 e Bn

1 . Além disso, como tal bijeção constitui apenas umareordenação de índices, temos que tal bijeção é um homeomorfismo.

Vamos mostrar agora que Bω1 não é normal. Primeiramente, note que ω

é um subconjunto discreto fechado de D∗1. Portanto, temos um subespaçofechado discreto de cardinalidade 2ℵ0 em B. Dentro deste, podemos encon-trar um subconjunto, também fechado e discreto, de cardinalidade ℵ1. Emoutras palavras, podemos encontrar uma cópia homeomorfa de D1 em B1, aqual é fechada. Desta forma, obtemos uma cópia homeomorfa de D1 em Bω

1 ,fechada. Semelhantemente ao parágrafro anterior, temos que Bω

1 é homeo-morfo a Bω

1 ×B1. A partir de tal fato, encontramos uma cópia homeomorfade D1 × B1 fechada em Bω

1 × B1. Como já mostramos que D1 × B1 não énormal, concluímos que Bω

1 também não o é.

Note que na demonstração do exemplo 4.2.1, para construir a sequên-cia (xi)i∈ω precisamos do fato de que cf(ω1) 6= ω, porém o resultado podeser analogamente estendido para qualquer cardinalidade, como mostra o te-orema 4.2.3. Para tal fim, generalizamos a construção de D1 e B1 a seguir:

Seja ωµ o µ-ésimo cardinal. Definimos então Dµ por ωµ equipado coma topologia discreta. Chamaremos de Dµ o produto de Tychonoff Dµ

ω.Definimos também D∗µ = ωµ + 1 equipado com a topologia gerada pela baseB = {{α} : α < ωµ} ∪ {(β, ωµ] : β < ωµ}, e assim definimos Bµ = �ωD∗µ.

Teorema 4.2.3. O espaço Dµ ×Bµ não é normal.

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Demonstração. Nos casos em que cf(ωµ) > ω, a demonstração é exatamentea mesma que do exemplo 4.2.1. Nos demais casos, a demonstração é análogaao caso µ = 0, o qual foi demonstrado por Van Dowen em [vD75].

Vamos então mostrar que D0 × B0 não é normal. Como cf(ω) = ω, nãopodemos usar para os pontos de B0 as mesmas bases locais do exemplo 4.2.1,então construiremos outras da seguinte maneira. Para cada ponto y ∈ B0,dados f : ω −→ ω e i ∈ ω, definimos U(y, f, i) =

∏j≤n {yj}×

∏j>n(f(j), ω].

Assim, temos que {U(y, f, n) : f ∈ ωω} é uma base local para qualquer ytal que yi < ω para todo i ≤ n.

Como ferramenta para este resultado, vamos mostrar queD0, consideradocomo subconjunto de B0, não é Fσ. Para cada n ∈ ω, seja Fn ⊂ D0 umconjunto fechado em B0. Por indução nas coordenadas, vamos construir umponto x = (xn)n∈ω ∈ D0 tal que x 6∈

⋃n∈ω Fn, o que conclui que D0 não é

Fσ.

Começamos com x0 = 0. Fixamos então n ∈ ω e supomos xi cons-truído para cada i ≤ n de maneira de que para cada i < n exista umafunção fi : ω −→ ω tal que U(xi, fi, i) ∩ Fi = ∅. Note que o pontoyn = (x0, x1, . . . , xn, ω, ω, . . .) não pertence D0. Logo yn 6∈ Fn, de ondepodemos escolher uma função fn : ω −→ ω tal que U(yn, fn, n) ∩ Fn = ∅.Escolhemos então xn+1 ∈ ω tal que xn+1 > fi(n + 1) para todo i ≤ n, o quecompleta a indução.

Sejam H,K ⊂ D0 × B0 fechados disjuntos análogos aos construídos noexemplo 4.2.1. Suponhamos U, V abertos em D0 × B0 tais que H ⊂ U

e K ⊂ V . Para o próximo passo, vamos construir uma métrica d sobreB0. Note que essa métrica não pode ser compatível com B0, pois se fosse,teríamos D0 × B0 metrizável, logo normal. Tal métrica seria, na verdade,compatível com o espaço (D∗0)ω com o produto de Tychonoff, e portantosua restrição a D0 é compatível com o mesmo. Para cada D∗0, definimos adistância di : D∗0×D∗0 −→ R+ dada por di(x, y) =

∣∣∣ 1x− 1

y

∣∣∣ para cada x, y ∈ ω,onde definimos 1

ω= 0. Definimos então a métrica d : B0 × B0 −→ R+ dada

por d(x, y) =∑

i∈ω 2−idi(xi, yi).

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Usaremos d para dividir D0 em ω partes. Para cada n ∈ ω definimos

Pn =

{x ∈ D0 : S

(x,

1

n

)× {x} ⊂ U

}onde S(x, ε) = {y ∈ D0 : d(x, y) < ε} é a bola aberta da métrica d em D0.Temos que D0 =

⋃n∈ω Pn. Como demonstramos que D0 não pode ser Fσ,

então existe algum k ∈ ω tal que Pn não é fechado. Portanto, existe algumq ∈ Pk tal que q ∈ B0 \ D0. Note que como a topologia do produto caixaé mais fina do que a do de Tychonoff, então temos que q ∈ Pk com o fechorelativo a topologia de D0, com o produto de Tychonoff. Podemos entãoescolher p ∈ D0 tal que d(p, q) < 1

2k. Temos que (p, q) ∈ K ⊂ V , logo

podemos achar ε > 0 e uma vizinhança W de q tal que S(p, ε)×W ⊂ V .Como todo aberto no produto de Tychonoff é aberto no produto caixa,

temos queW∩S(q, 1/2k) é vizinhança de q. De tal forma, podemos encontrarr ∈ Pk tal que r ∈ W ∩ S(q, 1/2k). Desta forma, vamos mostrar que (p, r) ∈U ∩ V , o que completa o resultado de que D0 × B0 não é normal. Note que(r, r) ∈ H ⊂ U . Logo S(r, 1/k)× {r} ⊂ U , do que se concluí que (p, r) ∈ U ,visto que, pela desigualdade triangular, temos d(p, r) < d(p, q) + d(q, r) < 1

k.

Por outro lado, temos que (p, r) ∈ V , pois (p, r) ∈ S(p, ε)×W ⊂ V .

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Apêndice A

Uniformidades e o produto caixauniforme

Como citamos em diversas partes do texto, uma das principais ferramen-tas para se trabalhar com o problema da paracompacidade de produtos caixaé o conceito de uniformidade.

O objetivo deste apêndice é fornecer uma leve introdução ao conceito deuniformidades, apresentando definições e resultados básicos, além de ilustrara relação das uniformidades com produtos caixa e paracompacidade.

A.1 Uniformidades

O conceito de topologia tem origem nos espaços métricos, tendo inici-almente o objetivo de generalizar propriedades relacionadas ao conceito devizinhança, como por exemplo convergência de sequências e continuidade defunções. De maneira semelhante, o conceito de uniformidade também seoriginou nos espaços métricos, porém este expressa o conceito de proximi-dade por meio de relações, com as quais podemos generalizar a convergênciauniforme de sequência e as funções uniformemente contínuas.

Dado um espaço métrico (M,d), podemos descrever as bolas deste espaçoatravéz das relações Dε = {(x, y) ∈ M × M : d(x, y) < ε}, para cadaε ∈ R+. Assim, cada bola Bε(x0) em M corresponde à imagem do ponto x0

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pela relação Dε.

Notação. Seja X um conjunto e D,C ⊂ X ×X. Denotamos:

• a imagem de A ⊂ X pela relação D por

D[A] = {y ∈ X : ∃x ∈ A, (x, y) ∈ D} .

No caso em que A = {x}, escrevemos D[{x}] = D[x]

• a inversa de D por D−1 = {(y, x) ∈ X ×X : (x, y) ∈ D}

• a composta de C com D por

C ◦D = {(x, z) ∈ X ×X : ∃y ∈ X, (x, y) ∈ C, (y, z) ∈ D}

• a diagonal de X por ∆ = {(x, x) : x ∈ X}

Esta notação de composição segue o sentido inverso à composição usualde funções. No entanto, utilizaremos tal definição pois ela se comporta demaneira mais natural com os pares ordenados.

Introduzimos então a definição de uniformidade.

Definição A.1.1. Seja X um conjunto. Dizemos que D ⊂ P(X×X) é umauniformidade sobre X se satisfaz:

1. D é filtro sobre X ×X

2. ∆ ⊂⋂

D

3. ∀D ∈ D,∃C ∈ D, C ◦ C ⊂ D

4. ∀D ∈ D,∃C ∈ D, C−1 ⊂ D

Um conjunto munido de uma uniformidade é chamado de espaço uni-forme.

Definição A.1.2.

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• Uma base de filtro com as propriedades de 2 a 4 é chamado base uni-forme sobre X, uma vez que o filtro gerado por tal base é uma unifor-midade sobre X.

• Em ambos os casos, omitiremos o “sobre X” quando estiver subenten-dido o conjunto ao qual nos referimos.

Exemplo A.1.3. Assim como no caso das topologias, dado um conjunto Xtemos duas uniformidades triviais sobre X: A uniformidade discreta, dadapelo filtro gerado pela diagonal (ou seja, a família {D ∈ X ×X : ∆ ⊂ D}),a qual é a maior uniformidade em X; e a uniformidade caótica, dada apenaspor {X ×X}.

Exemplo A.1.4. Seja (M,d) um espaço métrico. A métrica d gera uma baseuniforme sobre M , dada por todos os conjuntos Dε = {(x, y) ∈ M ×M :

d(x, y) < ε} para cada ε > 0.

Exemplo A.1.5. Dado um grupo topológico (G, ∗, τ), existem 2 uniformi-dades compatíveis canônicas associadas a ele: uma “à direita” e outra “àesquerda”. A “à direita” é dada pelas relações do tipo

DN ={

(x, y) ∈ G : x ∗ y−1 ∈ G}

onde N é uma vizinhança do elemento neutro do grupo G. A “à esquerda” éconstruída analogamente, apenas invertendo a ordem da operação ∗.

O exemplo A.1.5 mostra a relação entre grupos topológicos e uniformida-des, sobre a qual já comentamos na observação 2.2.3.

A partir das uniformidades é possível também definir o conceito de con-tinuidade uniforme, o qual ajuda a justificar a nomenclatura.

Definição A.1.6. Sejam X e Y conjuntos munidos de uniformidades DX

e DY , respectivamente. Uma função f : X −→ Y é dita uniformementecontínua se

∀DY ∈ DY , {(a, b) ∈ X ×X : (f(a), f(b)) ∈ DY } ∈ DX

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Note que, se X e Y são espaços métricos e DX e DY as uniformidades doexemplo A.1.4, a definição acima coincide com o conceito de função uniforme-mente contínua em um espaço métrico. As funções uniformemente contínuasdesempenham para os espaços uniformes a mesma função que as funçõescontínuas exercem para os espaços topológicos. De fato, elas constituem osmorfismos da categoria dos espaços uniformes.

A.2 Topologia induzida

Vamos agora construir a topologia de um espaço uniforme:

Definição A.2.1. Dado um espaço uniforme, definimos

τ(D) = {G ⊂ X : ∀x ∈ G,∃D ∈ D, D[x] ⊂ G}

Note que, se fixarmos Dd como a uniformidade do exemplo A.1.4, temosque τ(Dd) nada mais é do que a topologia gerada pela métrica d. Da mesmaforma que em espaços métricos, temos que, dado um espaço uniforme (X,D),o conjunto τ(D) é uma topologia sobre X. Chamamos-lo então de topologiainduzida por D. No caso em que D é uma base uniforme, por topologiainduzida por D nos referimos à topologia induzida pela uniformidade geradapela base D.

A seguinte proposição, em [Kel75], caracteriza interior e fecho na topolo-gia induzida.

Proposição A.2.2 (Interior e fecho em uniformidades). Seja (X,D) umespaço uniforme equipado com a topologia induzida por D. Dado A ⊂ X,temos:

• o interior de A é {x ∈ A : ∃D ∈ D, D[x] ⊂ A}

• o fecho de A é⋂{D[A] : D ∈ D}

Demonstração.

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• Definimos B = {x ∈ A : ∃D ∈ D, D[x] ⊂ A}. Seja O ⊂ A abertoe p ∈ O. Como O é aberto, podemos encontrar um D ∈ D tal queD[x] ⊂ O ⊂ A, de modo que p ∈ B e, portanto, O ⊂ B. Assim,basta provar que B é aberto. Seja x ∈ B. Então existe D ∈ D tal queD[x] ⊂ A. Seja C ∈ D tal que C ◦ C ⊂ D. Dado y ∈ C[x], temosC[y] ⊂ (C ◦ C)[x] ⊂ D[x] ⊂ A. Assim, C[x] ⊂ B, logo B é de fatoaberto.

• Note que dado x ∈ X, {D[x] : D ∈ D} é um sistema fundamental devizinhanças de x. Então podemos dizer que x ∈ A se e somente separa todo D ∈ D , D[x] intercepta A. Note que D[x] intersepta A

se e somente se x ∈ D−1[A]. Contudo, para cada D ∈ D, temos queD−1 ∈ D. Então x ∈ A se e somente se para todo D ∈ D, x ∈ D[A],como queríamos.

Definição A.2.3.

• Seja (X, τ) um espaço topológico. Uma uniformidade (base uniforme)D sobre X é dita compatível com X se τ(D) = τ .

• Um espaço topológico X é dito uniformizável se existe uma uniformi-dade compatível com X.

Proposição A.2.4. Seja (X, τ) um espaço topológico e D uma uniformidadecompatível com X. São equivalentes:

1. X é Hausdorff

2.⋂

D = ∆

Neste caso, dizemos que D é Hausdorff.

Demonstração.

• (1) =⇒ (2): Para esta implicação, basta supor X espaço T1 (por sime-tria, pode-se diminuir a hipótese para T0, mas a escrita fica desnecessa-riamente carregada). Pela definição de uniformidade, temos que ∆ ⊂

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⋂D. Para completar a igualdade, suponha que exista (x, y) ∈

⋂D tal

que x 6= y. Como X é T1, escolhemos um aberto V tal que x ∈ V ey 6∈ V . Como D é compatível com X, existe uma relação D ∈ D talque D[x] ⊂ V . Temos assim que y 6∈ D[x]. Portanto (x, y) 6∈ D, o quecontraría a hipótese de que (x, y) ∈

⋂D. Logo,

⋂D = ∆

• (2) =⇒ (1): Seja x ∈ X. DefinoWx = {F ⊂ X : F é vizinhança fechadade x}. Note que, como o conjunto de todos os D[x], com D ∈ D, é umsistema fundamental de vizinhanças de x, temos que

⋂Wx =

⋂W ′x,

onde W ′x = {D[x] : D ∈ D}. Pela proposição A.2.2 temos que, dado

D ∈ D, D[x] =⋂{D′ [D [x]] : D′ ∈ D}. Seja y ∈

⋂W ′x , pela definição

e pelas propriedades já descritas, vale:

∀D,D′ ∈ D,∃z ∈ D[x], y ∈ D′[z]

ou seja,∀D,D′ ∈ D, (x, y) ∈ D ◦D′. (A.1)

Usemos agora a hipótese de que⋂

D = ∆. Suponhamos x 6= y. Temosque ∃D ∈ D tal que (x, y) 6∈ D. Pela definição de uniformidade, existeC ∈ D tal que C ◦ C ⊂ D. Logo (x, y) 6∈ C ◦ C, o que contraria (A.1),logo x = y. Portanto, temos

⋂Wx = {x}, para cada x ∈ X, o que é

equivalente a “X é Hausdorff”.

A maioria dos teoremas sobre produto caixa tem como hipótese que osespaços em questão sejam regulares. Portanto, é de se esperar que os espaçosuniformizáveis sejam T3. Mais do que isso, os espaços uniformizáveis são osexatamente os espaços T3 1

2, como mostra o próximo teorema. Utilizaremos a

demonstração em [Per64].

Teorema A.2.5. Um espaço topológico X é T3 12se e somente se for unifor-

mizável.

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Demonstração. Seja (X, τ) um espaço T3 12. Vamos mostrar que X é unifor-

mizável. Para cada φ : X −→ I contínua e cada ε > 0, definimos

uφ,ε = {(x, y) ∈ X ×X : |φ(x)− φ(y)| < ε} .

Seja B ={uφ,ε : ε ∈ R∗+, φ ∈ C(X, I)

}. Vamos mostrar que

U = {⋂B : ∅ 6= B ∈ [B]<ω} é uma base uniforme compatível com X. Como

∆ ⊂ uφ,ε, temos que ∅ 6∈ U e portanto U é base de filtro e satisfaz também acondição 2. Seja φ : X −→ I uma função contínua e ε > 0. Pela desigualdadetriangular para números reais, temos que uφ, ε

2◦uφ, ε

2⊂ uφ,ε, logo a condição 3

é satisfeita. Além disso, como u−1φ,ε = uφ,ε, a condição 4 também é satisfeita.

Verifiquemos que U é compatível com (X, τ). Seja A ∈ τ e a ∈ A. ComoX é T3 1

2, podemos construir uma função contínua f : X −→ I tal que f(a) =

0 e f(y) = 1 para todo y ∈ X \A. Temos então que uf,1[a] ⊂ A, e portanto,A ∈ τ(U). Seja agora B ∈ τ(U) e fixe b ∈ B. Podemos encontrar φ : X −→ Icontínua e ε > 0 tais que uφ,ε[b] ⊂ B. Como φ é contínua, podemos encontrarum aberto V ∈ τ tal que x ∈ V ⊂ φ−1(]φ(b) − ε, φ(b) + ε[) ⊂ uφ,ε[b] ⊂ B.Desta forma, temos que B é aberto em X. Concluímos assim que (X, τ) éuniformizável.

Vamos agora verificar a reciproca. Seja (X,D) um espaço uniforme. Va-mos mostrar que (X, τ(D)) é T3 1

2. Fixemos F ⊂ X fechado e z ∈ X \ F .

Podemos encontrar C ∈ D simétrico (isto é, C = C−1) tal que C[z]∩F = ∅.Definimos então por indução uma sequência (un)n∈ω tal que u0 = C e, paracada n ∈ ω, un é simétrico e temos un+1 ◦ un+1 ⊂ un.

Chamamos de racional diádico um número racional cuja transcrição embase binária possui comprimento finito. Descreveremos um racional diádicor ∈]0, 1] por r =

∑Kn=1 2−rn , onde (rn)0<n≤K é uma sequência finita crescente

de naturais. Para cada tal r, definimos

vr = un1 ◦ un2 ◦ · · · ◦ unK−1◦ unK

Note que no caso particular em que r = 0, temos v1 = u0. Definimosv0 = ∆. Vamos mostrar que vr ⊂ vr′ para quaisquer r, r′ racionais diádicos

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tais que 0 ≤ r ≤ r′ ≤ 1. Para tanto, vamos demonstrar a seguinte afirmação.

Afirmação. ∀n ∈ ω,∀m ≤ 2n−1, vm2−n ◦ un ⊂ v(m+1)2−n

Procedemos por indução em n. Para n = 0, temos v0 ◦ u0 = v0 ◦ ∆ =

v0 = v1. Suponha a afirmação válida para n = k − 1 > 0. Consideramosprimeiro o caso em que m é par. Seja m = 2p, com p ∈ ω. Temos assim,m2−n = (2p)2−n = p2−(n−1) e (m + 1)2−n = (2p + 1)2−n = p2−(n−1) + 2−n.Seguindo a definição, temos

v(m+1)2−n = vp2−(n−1)+2−n = vp2−(n−1) ◦ un = vm2−n ◦ un,

como gostaríamos.

Suponhamos agora que m seja um número ímpar. Seja m = 2p + 1.Temos assim m2−n = p2−(n+1) + 2−n e (m + 1)2−n = (p + 1)2−(n−1). Pelahipótese de indução, temos:

vp2−(n−1) ◦ un−1 ⊂ v(p+1)2−(n−1)

Usando o fato de que un ◦ un ⊂ un−1, temos:

vm2−n ◦ un = vp2−(n−1)+2−n ◦ un= vp2−(n−1) ◦ un ◦ un⊂ vp2−(n−1) ◦ un−1

⊂ v(p+1)2−(n−1) = v(m+1)2−n

como gostaríamos, completando assim a demonstração da afirmação.

Sejam r e r′ racionais diádicos tais que 0 ≤ r ≤ r′ ≤ 1, vamos mostrarque vr ⊂ vr′ . Podemos escrever tais frações em um denominador comum, demaneira que r = a2−k e r = b2−k. Como todo un contém a diagonal ∆, pelaafirmação temos:

vr ⊂ va2−k ◦ uk ⊂ v(a+1)2−k ◦ uk ⊂ . . . ⊂ vb2−k ◦ uk = vr′

Vamos agora construir uma função φ : X −→ I definida por φ(z) = 0 e

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porφ(x) = sup {r : x 6∈ ur[z]}

para x 6= z. Por construção, como u0[z] ⊂ X \ F , temos que, dado x ∈ F ,x 6∈ u0[z] = v1[z], e portanto φ(x) = 1. Resta apenas demonstrar queφ é contínua. Para isso, fixemos x ∈ X e ε > 0. Seja N ∈ ω tal que2N > 2

ε. Vamos mostrar que uN [x] é uma vizinhança de x a qual testemunha

a continuidade de φ, isto é, φ(un[x]) ⊂]φ(x)− ε, φ(x) + ε[.

Seja y ∈ uN [x]. Temos (x, y) ∈ uN e, pela simetria de uN , temostambém (y, x) ∈ uN . Suponhamos que φ(x), φ(y) < 1. Assim, pode-mos escolher naturais m,m′ > 0 tais que m2−N > φ(x) ≥ (m − 1)2N em′2−N > φ(y) ≥ (m′ − 1)2−N ( m2−N e m′2−N são aproximações à N -ésima “casa” da decomposição binária de φ(x) e φ(y), respectivamente). Peladefinição de φ, temos que x ∈ vm2−N [z] e y ∈ vm′2−N [z], de maneira que(z, x) ∈ vm2−N [z] e (z, y) ∈ vm′2−N [z]. Usando a composição e a afirmação jádemonstrada, temos:

(z, y) ∈ vm2−N ◦ uN ⊂ v(m+1)2−N e (z, x) ∈ vm′2−N ◦ uN ⊂ v(m′+1)2

−N .

Pela definição de φ, temos φ(y) < (m + 1)2−N e φ(x) < (m′ + 1)2−N .Desta maneira, temos

|φ(x)− φ(y)| ≤ 2(2−N) < 2( ε

2

)= ε.

No caso em que φ(x) = 1 ou φ(y) = 1, podemos encontrar r ∈]1 −2−(N+1), 1[ diádico tal que x ∈ vr[z] ou y ∈ vr[z], respectivamente. Utilizamosentão a mesma aproximação da decomposição binária para r e procedemosda mesma maneira.

Concluímos assim que φ(un[x]) ⊂]φ(x) − ε, φ(x) + ε[ e, portanto, φ écontínua, como gostaríamos.

Note que este resultado, junto com a proposição A.3.4, garante que oproduto caixa preserva a propriedade de Tychonoff (observação 2.2.3).

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O conceito de completude também pode ser expresso em termos de uni-formidades, através de filtros.

Definição A.2.6. Seja X um espaço topológico e D uma uniformidade com-patível sobre X.

1. Um filtro F em X é dito D-Cauchy se vale

∀D ∈ D,∃x ∈ X,D[x] ∈ F

2. D é dito completo se todo filtro D-Cauchy F converge em X (isto é,existe um x ∈ X tal que todas as vizinhanças de x pertencem a F).

3. Um espaço topológico é dito topologicamente completo se ele possuiuma uniformidade completa compatível.

Outro conceito que pode ser definido para uniformidades é a κ-metrizabilidade(definição 1.2.30).

Definição A.2.7. Seja κ um cardinal regular infinito. Um espaço X é ditoκ-metrizável se X possui uma base uniforme compatível D tal que (D,⊂)

tenha tipo de ordem κ.

Em [Wil84], Scott Williams demonstra o teorema 1.2.31 para esta defi-nição de κ-metrizabilidade. No mesmo artigo, novamente usando uniformi-dades, é apresentada uma versão mais completa do teorema 3.1.5, a qualdiminui a hipótese de compacidade para paracompacidade e compacidadelocal.

Teorema A.2.8 (Nabla Lemma). Sejam Xi espaços topológicos T3, para-compactos e localmente compactos para cada i ∈ I. Então, são equivalentes:

1. �i∈IXi é paracompacto.

2. ∇i∈IXi é paracompacto.

3. ∇i∈IKi é paracompacto, se para todo i ∈ I tivermos Ki subespaço com-pacto de Xi.

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Uma propriedade das uniformidades, a qual as tornam ferramentas parase estudar produtos caixa, é o fato de que podemos definir paracompacidadeatravés de uniformidades.

Definição A.2.9. Sejam X um espaço topológico, A,B ⊂ P(X) famíliasde subconjuntos de X e D ⊂ X × X uma relação em X. Dizemos que D

refina A se tivermos que a família {D[x] : x ∈ X} refina A, ou seja, se∀x ∈ X, ∃ax ∈ A,D[x] ⊂ ax.

Definição A.2.10. Dado um espaço topológico X e uma relação D ⊂ X×X,dizemos que D é uma entourage se D for uma vizinhança da diagonal ∆ ⊂X×X, ou seja, se existe um conjunto V ⊂ X×X aberto na topologia produtotal que ∆ ⊂ V ⊂ D.

Observação A.2.11. Dado um espaço uniforme (X,D), se equiparmos Xcom a topologia induzida por D, e em seguida munirmos X × X com atopologia produto, temos que todos os elementos de D são entourages de X.Por isso, muitos autores usam o termo entourage com o sentido de elementode uma uniformidade. A recíproca desta afirmação (ou seja, dado um espaçotopológico , o conjunto de todas as entourages forma uma uniformidade sobreX) necessita da hipótese de que o espaço é paracompacto. Tal recíproca serádemonstrada no lema A.2.15.

Definição A.2.12. Dado um espaço topológico X, dizemos que uma cober-tura aberta de X é impar se existe uma entourage que a refine.

Teorema A.2.13. Seja X um espaço topológico regular. Temos então:

X é paracompacto ⇐⇒ Toda cobertura aberta de X é impar.

Para provar essa equivalência, usaremos o seguinte conceito:

Definição A.2.14.

• Seja X um espaço topológico e A uma cobertura de X. Dado M ⊂ X,definimos o conjunto estrela de M por St(M,A) =⋃{A ∈ A : A ∩M 6= ∅}. No caso M = {x}, denotamos St({x},A) =

St(x,A).

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• Dada uma outra cobertura B de X, dizemos que B é refinamento bari-cêntrico de A se para cada x ∈ X existe um A ∈ A tal que St(x,B) ⊂A.

Demonstração do teorema A.2.13.

• [⇐] Seja V uma cobertura aberta de X. Seja D uma entourage querefina V . Para cada x ∈ X existe um aberto Wx tal que (x, x) ∈Wx × Wx ⊂ D. Vou mostrar que W = {Wx : x ∈ X} é um refina-mento baricêntrico de V . Como D refina V , então para cada x ∈ X

existe V ∈ V tal que D[x] ⊂ V Basta então mostrarmos que ∀x ∈X,St(x,W) ⊂ D[x]. Seja p ∈ St(x,W). Existe y ∈ X tal que{p, x} ⊂ Wy. Como Wy ×Wy ⊂ D, então (x, p) ∈ D. Logo, p ∈ D[x],como queríamos. Para concluir este lado da demonstração, observamosque se toda cobertura aberta de um espaço tiver um refinamento ba-ricêntrico então esse espaço é paracompacto (para este resultado, vejapor exemplo [Eng89] ou [Kel75]).

• [⇒] Suponha X paracompacto. Seja V cobertura aberta de X. ComoX é regular, podemos refinar V com uma cobertura aberta U cujosfechos de seus elementos estejam contidos em elementos de V . ComoX é paracompacto, podemos refinar U por uma cobertura localmentefinita. Note que os fechos desse refinamento formam um refinamentofechado localmente finito de V . Chamaremos tal refinamento de A.Para cada A ∈ A, existe um VA ∈ V tal que A ⊂ VA. Definimos:

WA = (VA × VA) ∪ ((X \ A)× (X \ A)).

Note que WA é aberto em X ×X e que ∆ ⊂ WA. Além disso, temosque se x ∈ A, então WA[x] = VA. Definimos então:

D =⋂{WA : A ∈ A}.

Vamos mostrar que D é o refinamento ímpar de V que queremos. Paracada x ∈ X, temos D[x] ⊂ WA[x] ⊂ VA ∈ V , logo D refina V . Falta

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mostrar que D é entourage. Como ∀A ∈ A,∆ ⊂ WA, então ∆ ⊂⋂A∈AWA . Agora, seja x ∈ X. Como A é localmente finita, existe Ox

vizinhança aberta de x que intercepta apenas uma quantidade finitade elementos de A. Se A ∈ A é tal que A ∩ Ox = ∅, então Ox ⊂X \ A, portanto Ox × Ox ⊂ WA. Assim, temos que (Ox × Ox) ∩D =

(Ox × Ox) ∩ (⋂{WA : A ∩Ox 6= ∅}) é uma interseção de abertos, logo

é uma vizinhança aberta de (x, x). Então D é de fato entourage, comoqueríamos.

Apresentamos agora uma aplicação interessante dessa equivalência:

Lema A.2.15. Se X é um espaço paracompacto Hausdorff, então o conjuntoN de todas as entourages de X é uma uniformidade completa compatível comX.

Demonstração. Pela definição de vizinhança, fica fácil ver que N é filtro emX ×X.

Seja D ∈ N . Para cada x ∈ X, podemos escolher Gx uma vizinhança dex tal que Gx × Gx ⊂ D. Como X é paracompacto, pelo teorema A.2.13 ,podemos refinar a cobertura {Gx : x ∈ X} de X por uma entourage E ∈ N .Definimos C = E ∩ E−1. Como E−1 ∈ N , então C ∈ N . Note que E ⊂ D,pois ∀x ∈ X,E[x] ⊂ Gx ⊂ D[x]. Como C é simétrico, temos que C−1 ⊂ D.Vamos mostrar agora que C ◦ C ⊂ D. Sejam (x, y), (y, z) ∈ C. Note quex, y ∈ C[y]. Existe um w ∈ X tal que C[y] ⊂ Gw, já que C ⊂ E. ComoGw ×Gw ⊂ D, então (x, z) ∈ D. Logo, N é de fato uma uniformidade.

Vamos mostrar que N é compatível com X. Dado x ∈ X e D ∈ N , existeum aberto V ⊂ X tal que (x, x) ∈ V ×V ⊂ D×D. Note que (V ×V )[x] = V ,o qual é aberto, portanto temos x ∈ V ⊂ D[x], ou seja, D[x] é vizinhança dex. Por outro lado, seja G ⊂ X uma vizinhança aberta de x. Definimos:

F = (G×G) ∪ ((X \ {x})× (X \ {x}))

assim, como X é Haussdorf, temos que {x} é fechado, logo F é aberto. Como

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∆ ⊂ F , temos que F ∈ N , e como F [x] ⊂ G, concluímos que N é compatívelcom X.

Por fim, para provar que todo filtro N -Cauchy converge em X, vamosdemonstrar a contrapositiva. Seja F um filtro não convergente em X. Então,para cada x ∈ X existe uma vizinhança aberta Gx tal que Gx 6∈ F . Como Xé paracompacto, pelo teorema A.2.13, existe D ∈ N que refina a cobertura{Gx : x ∈ X}. Temos então que ∀X ∈ X,D[x] 6∈ F , logo F não é N -Cauchy, como queríamos.

A.3 Produtos

A partir de uniformidades, podemos definir tanto o produto de Tychonoffquanto o produto caixa [Bel11].

Definição A.3.1. Para cada i ∈ I, seja Xi munido de uma uniformidadeDi. Para cada j ∈ I e cada D ∈ Dj, definimos:

D =

{(x, y) ∈

(∏i∈I

XI

(∏i∈I

XI

): (xj, yj) ∈ D

}

Seja P ={D : j ∈ I,D ∈ Dj

}. Definimos o produto de Tychonoff das

uniformidades (Di)i∈I por Ti∈IDi = {⋂P : P ∈ [P]<ω, P 6= ∅}

Proposição A.3.2. Para cada i ∈ I, seja Xi um espaço topológico munidode uma uniformidade compatível Di. Então Ti∈IDi é uma base uniformecompatível com o produto de Tychonoff

∏i∈I Xi

Demonstração. Inicialmente, vamos verificar que Ti∈IDi é uma base uni-forme sobre

∏i∈I Xi. Note que Ti∈IDi é uma base de filtro. Seja ∆ a diago-

nal de∏

i∈I Xi. Qualquer D ∈ P satisfaz ∆ ⊂ D, de modo que ∆ ⊂⋂P .

Portanto ∅ 6∈ Ti∈IDi. Por construção, temos que∏

i∈I Xi é fechado paraintersecções finitas.

Já mostramos que Ti∈IDi satisfaz a condição 2. Para verificar as condi-ções 3 e 4, fixemos A ∈ Ti∈IDi. Definimos P =

{Dn ∈ Din : 0 ≤ n < k

}∈

[P]<ω de maneira que A =⋂P . Para cada n < k, podemos encontrar

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Bn, Cn ∈ Din tais que Bn◦Bn ⊂ Dn e Cn−1 ⊂ Dn. Definindo B =⋂n<k Bn ∈

Ti∈IDi e C =⋂n<k Cn ∈ Ti∈IDi, temos B ◦B ⊂ A e C−1 ⊂ A, como gosta-

ríamos.Vamos mostrar que tal base uniforme é compatível com o produto de

Tychonoff∏

i∈I Xi

Seja V um aberto básico de∏

i∈I Xi tal que spt(V ) = 1. Vamos mostrarque V é aberto na topologia induzida por Ti∈IDi. Seja p ∈ V , e seja j ∈ Ital que Vj 6= Xj. Como Dj é compatível com Xj, podemos encontrar D ∈ Dj

tal que D[pj] ⊂ Vj. Temos então que D[p] ⊂ V , portanto V ∈ τ (Ti∈IDi),como queríamos.

Considere agora U ∈ τ (Ti∈IDi). Vamos mostrar que U é aberto noproduto de Tychonoff

∏i∈I Xi. Seja q ∈ U . Podemos encontrar então P ∈

[P]<ω tal que (⋂P ) [q] ⊂ U . Seja P =

{Dn ∈ Din : 0 ≤ n < k < ω

}. Para

cada n < k, temos que Dn[qin ] ⊂ Uin é uma vizinhança de qin . DefinindoWin = Dn[qin ] para cada n < k e Wi = Xi para os demais i ∈ I, temos queW ⊂ U é uma vizinhança de q, o que garante que U é aberto no produto deTychonoff

∏i∈I Xi.

Definição A.3.3. Para cada i ∈ I, seja Xi munido de uma uniformidadeDi. Para cada D ∈

∏i∈I Di definimos:

�D = �i∈IDi =

{(x, y) ∈

(∏i∈I

XI

(∏i∈I

XI

): ∀i ∈ I, (xi, yi) ∈ Di

}

Definimos então o produto caixa das uniformidades (Di)i∈I por �i∈IDi ={�D : D ∈

∏i∈I Di

}.

Proposição A.3.4. Seja Di uma uniformidade compatível com o espaçotopológico Xi para cada i ∈ I. Então �i∈IDi é uma base uniforme compatívelcom o produto caixa �i∈IXi.

Demonstração. Verifiquemos que �i∈IDi é uma base uniforme. Note que�i∈IDi é uma base de filtro. De fato, temos ∅ 6∈ �i∈IDi pois, caso contrário,teríamos ∅ ∈ Di para algum i ∈ I. Dados A,B ∈

∏i∈I Di, temos que

�A ∩�B = �i∈I(Ai ∩Bi) ∈ �i∈IDi.

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Vamos verificar que �i∈IDi satisfaz a condição 2. Sejam D ∈∏

i∈I Di ex ∈

∏i∈I Xi. Temos que (xi, xi) ∈ Di para todo i ∈ I, portanto (x, x) ∈ �D.

Para verificar a condição 3, fixemos �D ∈ �i∈IDi. Para cada i ∈ I,escolhemos Ci ∈ Di tal que Ci ◦ Ci ⊂ Di. Definindo C = (Ci)i∈I , temos que�C ◦ �C ⊂ �D. Da mesma forma, para verificar a condição 4, escolhemosCi ∈ Di para cada i ∈ I tal que Ci−1 ⊂ Di, e assim obtemos C = (Ci)i∈I

satisfazendo (�C)−1 ⊂ �D.Vamos então mostrar que �i∈IDi é compatível com �i∈IXi.Seja V aberto básico de �i∈IXi e fixemos p ∈ V . Como para cada i ∈ I

temos Di compatível com Xi, temos um Di ∈ Di tal que pi ∈ Di[pi]. Destamaneira, definindo D = (Di)i∈I , temos �D ∈ �i∈IDi, e também �D[p] ⊂ V ,logo V ∈ τ

(∏i∈I Di

).

Seja agora U ∈ τ(∏

i∈I Di

). Vamos mostrar que U é aberto em �i∈IXi.

Seja q ∈ U . Então existe D ∈∏

i∈I Di tal que �D[q] ⊂ U . Para cadai ∈ I, temos que Di temos Di[qi] uma vizinhança de qi, logo �i∈IDi[qi] =

�D[q] ⊂ U é uma vizinhança de q. Assim, U é aberto em �i∈IXi, comogostaríamos.

No caso específico do produto de ω fatores iguais, podemos através dasuniformidades construir um produto intermediário entre o produto de Ty-chonoff e o produto caixa. Tal produto é conhecido como produto caixauniforme.

Proposição A.3.5. Seja X um conjunto munido de uma uniformidade D.Para cada D ∈ D, seja:

D ={

(x, y) ∈(∏ω

X)×(∏ω

X)

: ∀i ∈ ω, (xi, yi) ∈ D}

Então o conjunto D ={D : D ∈ D

}é uma base uniforme sobre

∏ωX.

O conjunto D é chamado base uniforme constante. O conjunto∏ωX

equipado com a topologia induzida por D é chamado de produto caixa uni-forme.

Demonstração. Vamos mostrar que D é uma base de filtro. Temos que ∅ 6∈ D

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pois, caso contrário, teríamos ∅ ∈ D. Temos também que, dados D,E ∈ D,D ∩ E = D ∩ E ∈ D.

Demostramos agora que D é base uniforme. Sejam x ∈∏ωX e D ∈ D.

Como (xi, xi) ∈ D para cada i ∈ ω, então (x, x) ∈ D, e assim D satisfaz acondição 2.

Fixamos D ∈ D. Podemos escolher B,C ∈ D tais que B ◦ B ⊂ D eC−1 ⊂ D. Assim, temos B ◦B ⊂ D e C−1 ⊂ D, e portanto D satisfaz ascondições 3 e 4.

O produto caixa uniforme caracteriza um intermediário entre o produtocaixa e o produto de Tychonoff. Do mesmo modo que o produto caixa, aprincipal questão levantada pelo produto caixa uniforme diz respeito à suaparacompacidade. Bell estuda esta questão em [Bel14] e [Bel11].

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Índice Remissivo

1o axioma da enumerabilidade, 162o axioma da enumerabilidade, 153o axioma da enumerabilidade, 15=∗-transversal, 76C(X), 42C(X, Y ), C(X), 41Cp(X), 42Fσ, 10Gδ, 10, 18Gδ-modificação, 65Pκ-espaço, 22T0, 11T1, 11T2, 11T3, 11T4, 12T3 1

2, 12

C�(X), 42C�-discreto, 43κ-Lindelöf, 21κ-Produto Caixa, 26κ-caixa aberta, 27κ-metrizável, 24, 115κ-resolúvel, 43λ-escala, 70σ-discreto, 48árvore, 9

altura, 9

base de filtro, 6

caixa aberta, 26

caixa fechada, 26caráter, 16caráter de dispersão, 48cardinal, 8cardinal mensurável, 51cardinal regular, 10cardinal singular, 10celularidade, 15cofinalidade, 10coletivamente normal, 13completamente regular, 12conjunto cofinal, 10

densidade, 15denso-em-si-mesmo, 37, 45discretamente gerado, 36disperso, 13

enumeravelmente paracompacto, 92Espaço de Dowker, 91espaço de Tychonoff, 12espaço maximal, 37espaço submaximal, 37

família afunilada, 79família celular, 15família discreta, 13Família dominante, 70Família ilimitada, 70Família localmente finita, 20família simples, 79filtro, 6

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filtro κ-completo, 7filtro livre, 7filtro principal, 7fortemente disjuntas, 79função cardinal, 15função uniformemente contínua, 108

grau de Lindelöf, 15

Hausdorff, 11Hipótese da Ordem, 76

monotonamente normal, 13

Nabla Lema, 115Nabla Lemma, 60normal, 12

ordem, 8ordinal, 8

P-espaço, 12paracompacto, 20peso, 15primeiro enumerável, 16Produto Caixa, 26produto caixa de uniformidades, 120produto caixa uniforme, 121Produto de Tychonoff, 26produto de Tychonoff de uniformida-

des, 119produto nabla, 56

quase resolúvel, 44quase-ω-resolúvel, 44

rank, 14regular, 11resolúvel, 43

segundo enumerável, 15separável, 15sequência de Cantor-Bendixon, 14soma topológica, 45

spt, 26suporte, 26

ultrafiltro, 6ultraparacompacto, 20uniformizável, 110

zero dimensional, 12

130