ANDRADE_A Cidade Do Preconceito

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ANDRADE

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    OlimpadasRio

    2016,moradores

    daVila

    Autdromoreclamam

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    FernandoFrazo

    [AgnciaBrasil]

    vitruvius | minhacidade 181.04 Rio de Janeiro vitruvius.com.br

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    ANDRADE, Luiz Renato. A cidade do preconceito. A construo do Parque Olmpico e erradicao dospobres no Rio de Janeiro. , So Paulo, ano 16, n. 181.04, Vitruvius, ago. 2015Minha Cidade.

    Ns pensamos que se os padres fossem reduzidos, estaramos tirando o que a cidade, a cidade nova,poderia representar no cenrio mundial como uma cidade da elite, de bom gosto. Ilha Pura no poderiaarranhar esse destino que tem sido dado regio. Por esta razo, ela precisava ser moradia de nobre,no moradia de pobreCarlos Carvalho, incorporador imobilirio, em declarao ao (1)The Guardian

    Ambas as reportagens publicadas pelo e reconhecem que o Rio estThe Guardian BBC Brasildesenvolvendo esta rea para um mercado de alto padro. Sentado em frente a um busto de Napoleo eao lado de um mapa enorme da Barra, o incorporador Carlos Carvalho afirma que, se os padres deconstruo fossem rebaixados, a nova cidade ficaria comprometida, deixando de representar no cenrioglobal uma cidade da elite, uma cidade de bom gosto. A Barra, segundo o incorporador, precisa deempreendimentos residenciais nobres, no habitao para os pobres.

    Esta viso parece expressar a opinio no declarada de muitos. Sabemos que questes fundiriasinviabilizaram o acesso ao solo urbano aos mais pobres no passado, uma dificuldade impressadramaticamente na paisagem do Rio de Janeiro. Tal viso para o Rio de Janeiro e a Barra emparticular lembra ainda as reformas urbansticas e as prticas higienistas iniciadas no final do 19,como a eliminao dos cortios. O reporta corretamente que parte desta rea ocupadaGuardianpela Vila Autdromo, uma comunidade com um rico e diverso tecido social que, embora tenham apropriedade legal de sua terra, esto sendo expulsos sob a ordem de justificao das Olimpadas. importante destacar que, em 2014, um plano de urbanizao desenvolvido por um grupo deprofessores da UFF e UFRJ com os moradores da Vila Autdromo foi agraciado com o prmiointernacional Urban Age, organizado pela prestigiada London School of Economics (LSE).

    Temos acompanhado os diversos tipos de violncia (simblica, policial, econmica) perpetradas em nomeda construo da cidade olmpica. Surpreendente nas reportagens citadas a forma como revelada aarticulao entre os interesses imobilirios e a administrao pblica municipal, uma expresso do novoprojeto de cidade (de exceo) que vem se tornando exemplo emblemtico para diversas administraesmundo afora, mostrando o impressionante poder poltico de promotores imobilirios e sua coalizo com aesfera do planejamento municipal.

    A ordem para as remoes, dada pelo prefeito Eduardo Paes no comeo do ano, teria ajudado oincorporador, como ele admite. Seguem informaes sobre as alteraes no Plano Diretor da regioexecutadas nos 3 primeiros meses do segundo mandato de Paes, alterando a altura mxima permitida de12 para 18 andares tendo como contrapartida a doao por parte da empresa Carvalho Hosken de reae diviso de custos dos 480 milhes de dlares dos centros de mdia dos Jogos. Em entrevista anterior, de25 de junho de 2015, publicada em , Carlos Carvalho confirma esses benefcios: Realmente fuiO Globomuito ajudado pela vinda dos Jogos para a cidade, pois isso combateu um dos problemas mais srios daregio, que era a falta de infraestrutura de servios, em setores como gua, energia e esgoto, alm dotransporte. O incorporador complementa: Estamos fazendo algo elitizado (2). Ele argumenta que a

    populao mais pobre teria de ser removida para habitaes do seu nvel fora das reas nobres da

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    OlimpadasRio

    2016,obras

    deconstruo

    doParque

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    FernandoFrazo

    [AgnciaBrasil]

    Moradoresimpedemdemolio

    decasas

    navila

    autdromoFoto

    FernandoFrazo

    [AgnciaBrasil]

    populao mais pobre teria de ser removida para habitaes do seu nvel fora das reas nobres dacidade, na periferia, enquanto a elite deve permanecer nas reas centrais.

    O arranjo e a naturalidade do discurso nada tem de novo, mas surpreende o modo como explicitadauma forma de construir a cidade: o natural lugar das classes sociais no espao urbano. VilaAutdromo? No uma questo de urbanizao de um assentamento informal nas margens de umalagoa. Seus moradores esto, na viso do promotor imobilirio, obviamente fora do lugar: aquele no o lugar deles. Tudo isso dito de forma objetiva Carvalho no usa subterfgios ou meias palavraspara dizer o que pensa. Em nosso pas, onde as falas no costumam corresponder s aes, asentrevistas so fascinantes: raro ter acesso vises to claras do que est em jogo na construodo espao urbano. O fato de Carvalho ter exposto uma viso no assumida mas praticada permite queoutros atores sociais se referenciem e reajam alimentando um debate pblico, e muito necessrio,

    sobre que sociedade e que cidade temos e desejamos ter.

    Gostaramos de contribuir para esse debate falando das srias implicaes dessa viso exposta toexplicitamente. Na cidade da elite, h uma ordem desejada, uma diviso social e urbana. Essamanifestao preconceituosa reflete e naturaliza perigosamente uma leitura cada vez mais comum epblica no Brasil: a diferena entre ricos e pobres, desejados e indesejados, claramente demarcadosespacialmente. Esse discurso ecoa as distines e discriminaes entre etnias e a definio totalitria deseus territrios nas cidades. Ao estabelecer a priori o lugar das pessoas, essa viso estabelece umarejeio franca do direito cidade aos benefcios como a acessibilidade e proximidade, e seus impactoscomprovadamente positivos sobre renda e produtividade das pessoas. Rejeita ainda o sentido histrico dacidade como lugar do convvio de pessoas diferentes entre si, e a importncia desse convvio parapromover um entendimento da sociedade como complexa, incluindo aqueles diferentes de ns. A opoda cidade da elite tem sido a de afastar essas diferenas em nome da gerao de um ncleo desociedade ideal mas distante do desenvolvimento de uma sociedade democrtica, porque rejeita anoo plena de urbanidade como convvio dos diferentes.

    A viso da cidade da elite ignora algo que sociedades apreciadas pela elite brasileira (como aamericana) j sabem: h evidncias crescentes de que cidades com mais mistura social e tnicatendem a ser mais criativas e inovadoras, em funo da proximidade de pessoas com diferentesvises e culturas. Mais gravemente, ignora os custos sociais e urbanos a curto, mdio e longo prazo,como o fato da arquitetura produzida emblematicamente na Barra da Tijuca, com suas ilhascondominiais, seus muros, as grandes distncias entre seus edifcios e a baixa diversidade de suasatividades, tm impactos negativos: inibem o uso pedestre das ruas e estimulam visivelmente adependncia do veculo. A cidade elitista no s tem menos pedestres: ela polui mais, gera maisengarrafamentos e tende a aumentar a insegurana no espao pblico.

    Nossa elite parece firme em sua iluso de que a segregao espacial vai levar a uma sociedadepacificada e segura (ao menos para si). Perguntamos queles que querem criar essa "cidade da elite" noRio de Janeiro: at quando a elite brasileira vai imaginar que pode se reproduzir em cativeiro?

    notas

    NA O presente texto foi redigido coletivamente pelos professores da Escola de Arquitetura e Urbanismoda Universidade Federal Fluminense EAU UFF, motivados pelas declaraes sobre os preparativos dacidade olmpica dadas pelo incorporador Carlos Carvalho, que repercutiram nacional e internacionalmenteatravs das seguintes reportagens: WATTS, Jonathan. The Rio property developer hoping for a $1bnOlympic legacy of his own. , 4 ago. 2015

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    Olympic legacy of his own. , 4 ago. 2015 ; PUFF, Jefferson. Como que voc vai botar o pobre ali?, diz bilionrio dono da Barra da Tijuca. BBC

    , Rio de Janeiro, 10 ago. 2015 .www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150809_construtora_olimpiada_jp

    1Citao a partir da verso em portugus do artigo, originalmente publicado em ingls: WATTS, Jonathan.O empresrio carioca na esperana de um legado olmpico prprio de bilhes. , 4 ago. 2015The Guardian.

    2BATISTA, Henrique Gomes. Com as Olimpadas, a Barra da Tijuca avanar 30 anos, afirma dono daCarvalho Hosken. O Globo, Rio de Janeiro, 25 jun. 2015 .

    sobre os autores

    Luiz Renato Andrade professor e atual diretor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UniversidadeFederal Fluminense, Niteri RJ. O texto contou com a participao direta dos professores da escola,portanto trata-se de uma manifestao coletiva.