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André Felipe Klassen A introdução da guitarra na música popular brasileira Curitiba 2004

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André Felipe Klassen

A introdução da guitarra na música popular brasileira

Curitiba 2004

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André Felipe Klassen

A introdução da guitarra na música popular brasileira Monografia de conclusão do Curso de

História, Setor de Ciências Humanas, Letras

e Artes da UFPR.

Orientador: Prof. José Roberto B. Portella.

Curitiba 2004

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Sumário Pgs. Introdução ----------------------------------------------------------------------------------- 4 Capítulo 1 – Panorama Musical Brasileiro -------------------------------------------- 7 Capítulo 2 – A inclusão da guitarra elétrica na MPB -------------------------------- 24 Conclusão ---------------------------------------------------------------------------------- 44 Bibliografia -------------------------------------------------------------------------------- 49 Anexos -------------------------------------------------------------------------------------- 51

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Introdução

A guitarra sempre foi um objeto místico para quem gosta de música. Qualquer

adolescente já sentiu algo diferente ao ver seu ídolo empunhar uma guitarra em um palco,

diante de uma platéia lotada. A guitarra representa mais do que um instrumento, é um

símbolo de liberdade, de força, de rebeldia. E este símbolo tem um poder de atração muito

forte sobre jovens adolescentes com grandes sonhos.

Envolvido por esta mística, comecei a tocar violão. Algum tempo depois, consegui

uma guitarra. O símbolo de juventude e força estava em minhas mãos agora. Só precisava

compreender os seus significados. Comecei a estudar o instrumento, suas técnicas, música

em geral. Tornei-me músico e professor. E, a medida que fui me aprofundando, descobria

que a simbologia da guitarra era muito maior do que um adolescente poderia imaginar.

Busquei a história de seu surgimento, os modelos, os músicos que a usaram, e encontrei

muito mais do que isso: encontrei um símbolo em constante mutação.

A princípio, procurei os primeiros sinais do surgimento da guitarra na música

brasileira. História positivista, da qual me afastei logo a seguir. A guitarra já estava aqui

antes mesmo de se popularizar pelo mundo. Depois, com o surgimento do rock´n roll, ela já

era presença constante nos palcos brasileiros, junto com a Jovem Guarda. E, com os

cabeludos do Iê- Iê- Iê, ela já assumia ares simbólicos. Encontrei, além da guitarra no

cenário musical brasileiro, o símbolo que ela representava: a priori, a alienação. A dúvida

gerada era: como que a guitarra, hoje um símbolo de liberdade, pode ter sido algum dia ter

sido considerada instrumento de alienação. E, se ela era uma presença constante, porque

tinha tanta importância, a ponto de ter, em sua homenagem, uma passeata intitulada

“Passeata contra as guitarras elétricas”, em 1967. Busquei o contexto.

O primeiro capítulo desta monografia busca entender exatamente este contexto da

inserção da guitarra no cenário musical brasileiro. É um estudo da própria música

brasileira, de sua urbanização, dos processos que a envolveram. O primeiro processo é a

migração da música brasileiro do campo folclórico para o campo urbano. É um longo

desenvolvimento dentro da história da música brasileira.É a partir da criação dos meios de

comunicação de massa que a música, e a cultura, acabam assumindo um papel diferente, de

homogeneização, de fonte de um imaginário coletivo e de paixões. O samba, o xote e o

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baião, gêneros com raízes tradicionais, são lentamente substituídos pelo samba passional,

denominado samba-canção, essencialmente urbano.

Um momento de ruptura surge a partir de 1959, quando João Gilberto funda a

Bossa Nova. Funda também uma nova instituição nacional, a MPB, que, ao longo do

processo que segue nos anos posteriores, politiza-se, engaja-se e cria paradigmas que

devam ser copiados e continuamente repetidos. Esta nova instituição “luta” contra a

imperialismo, contra a alienação, representada pela Jovem Guarda e sua juventude

transviada, com longos cabelos e guitarras elétricas, típicas do american way of life.

Com o Golpe de 1964, cataliza-se a polarização da Bossa Nova. De um lado, a

Bossa jazzística. De outro, a MPB, que torna-se rota de escape para aqueles que querem

protestar contra o regime. É um grito no silêncio que se fez na sociedade. Este grito é

amplificado por cada televisor que sintoniza os festivais de canção, que são o auge da

música brasileira. É nos festivais que quase todas as lutas dentro do cenário musical

brasileiro estão sintezidadas: MPB vs Jovem Guarda, Juventude Engajada vs Regime,

Caetano Veloso e Gilberto Gil vs Todos. E é, em meio a essa festa, que surgem dois

baianos que resolvem retomar a “linha evolutiva” iniciada com João Gilberto, romper os

paradigmas e fazer música.

E é aqui, neste ponto, que a guitarra passa a assumir uma carga simbólica

totalmente diferente. É com a luta de Caetano Veloso de Gilberto Gil pela inserção da

guitarra na MPB que a simbologia da guitarra muda: outrora um instrumento de alienação,

agora um dos baluartes da liberdade. É para compreender esta transição, as raízes da

mudança, que foi escrito o segundo capítulo desta monografia. Busca nas influências dos

baianos – através de suas entrevistas, dos manifestos e obras de arte que os influenciaram –

compreender como Caetano Veloso e Gilberto Gil puderam transformar o símbolo de

alienação em símbolo de liberdade. O segundo capítulo aprofunda o debate ideológico da

música brasileira, o pensamento cultural e artístico da década de 1960. Busca compreender

como, dentro deste processo, a guitarra se torna um símbolo de renovação, da liberdade que

representa até hoje. Encontrei então os momentos de ruptura em Alegria, Alegria e

Domingo no Parque, músicas de Caetano e Gilberto, pioneira na inclusão de instrumentos

elétricos em músicas da MPB. É a inserção da guitarra em uma redoma cultuada, em uma

instituição que defendia valores nacionais, paradigmas estético-musicais. É a ruptura. É a

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liberdade. É a quebra de paradigmas. É a guitarra assumindo o seu papel dentro da

sociedade.

Encontrei então, muito mais do que a história da guitarra - com o seu surgimento,

com as suas primeiras aparições – encontrei um processo que se instaura dentro da música

brasileira. É a busca pela liberdade artística, pela quebra de paradigmas, pelo

cosmopolitismo brasileiro. O jovem adolescente sonhador agora tem muito mais do que a

guitarra em suas mãos, tem o conhecimento do que ela representa, de ser uma arma – e seu

formato realmente lembra uma metralhadora – contra a alienação, em prol da liberdade.

Esta conclusão apresenta-se na parte final deste trabalho.

.

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Capítulo 1 – Panorama Musical Brasileiro

A música brasileira vive, ao mesmo tempo, durante a década de 1960 um período

de extrema fertilidade e de profunda crise. A crise tem problemas estruturais, que nascem

junto com a própria Bossa Nova. Para compreender estes é necessário voltar à um período

ligeiramente anterior, pois é impossível fazer tábula rasa da música brasileira, achando que

a Bossa Nova inaugurou a MPB.1

Dentro da história da MPB pode-se demarcar dois processos diferentes: a criação

da MPB e a sua institucionalização (NAPOLITANO, 1999, 26) A transformação da MPB

em instituição é um processo que se inicia com o surgimento da Bossa Nova. Trata-se da

transformação do gênero musical em uma instituição social, com paradigmas e objetivos

dentro do panorama da sociedade brasileira da década de 1960. O nascimento da própria

MPB remete a um período anterior, com o surgimento da Era do Rádio, nas décadas de

1940/50.2

1.1. As linhas musicais.

Segundo o maestro Júlio Medaglia, em Balanço da Bossa Nova (MEDAGLIA,

1966, 67) a música universal segue 3 linhas diferentes: em primeiro lugar, encontra-se a

música folclórica, cujas raízes estão delimitadas por situações sociológicas, históricas e

geográficas. Assim, a música com raiz folclórica congrega, em sua estrutura, os elementos

característicos de uma época, de uma determinada região, enfim, de um determinado modo

de vida. Por esse fato, a música folclórica tem características mais estáticas, e uma de suas

principais qualidades é denominada por Medaglia de “pureza”, ou seja, a música folclórica

está praticamente livre de elementos estrangeiros ou estranhos à própria cultura na qual esta

está inserida.

Uma segunda linha dentro da música universal é a música popular, cuja origem

está no próprio povo, urbano, com a produção veiculada através do rádio, televisão e afins.

1 É necessário dizer também que a MPB sempre relacionou-se com elementos extra musicais. É

impossível desvincular sua história dos meios de comunicação de massa, do imaginário popular. A criação de um gênero musical não é algo alienado de seu mundo social ou de seu contexto político.

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A música popular urbana é fruto de um imaginário coletivo, de um modo de vida urbano e

tem na indústria da comunicação somente a sua divulgação. Medaglia cita o chorinho como

exemplo de uma música popular urbana, cuja posse é do próprio povo.

A terceira linha confunde se com a segunda, mas tem características fundamentais:

é uma música popular que tem suas origens não no povo, mas na indústria em si. O maestro

cita como exemplo enfático o “iê-iê-iê” (a música da Jovem Guarda) como exemplo de uma

música que nasce das necessidades da indústria, não tem suas origens no povo mas no

mercado e no consumo. É a chamada Indústria Cultural.

1.1.1. A música folclórica do Brasil.

José Ramos Tinhorão3, no prefácio (preliminar) de seu livro Pequena História da

Música Popular, diz que a principal característica da música folclórica é a ausência de

autores, assim como a oralidade, passando-se as canções de geração à geração

(TINHORÃO, 1974, 5) O primeiro gênero musical brasileiro4, segundo o autor, é a

modinha de viola, um tipo de música criado no Brasil no ano de 1775 e levado à Lisboa por

Domingos Caldas Barbosa. Tratava-se de um trovadorismo do século XVIII, mas que

assumia, segundo Tinhorão, as menores restrições morais da colônia, tendo um discurso

mais direto, malicioso em seus versos e estribilhos. A malícia é para Tinhorão a

transformação da canção portuguesa em uma primeira manifestação nacional.

Domingos Caldas Barbosa é também responsável por uma segunda manifestação

da música folclórica brasileira: o Lundu. Esta é uma dança derivada das rodas de batuque

dos negros africanos. Assim, o lundu é a inserção de elementos negros nas modinhas de

viola. As cantigas assumem uma roupagem negra, assumindo as especificidades da cultura

africana, tanto na temática quanto no linguajar.

2 Ainda que música brasileira tenha raízes mais antigas, como logo adiante será demonstrado, a MPB, ou seja, música brasileira urbana, popular, nasce com a urbanização do samba e sua popularização através da denominada Era do Rádio. 3 Tinhorão é um dos maiores defensores da música folclórica “pura”, e tem, desde os tempos do surgimento da Bossa Nova, defendido a música de raiz brasileira (TINHORÃO, 1974, 5) . Segundo Caetano Veloso, em uma entrevista à Revista da Civilização Brasileira, o que Tinhorão realmente defende é o analfabetismo musical (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 1979, 35). 4 Os gêneros musicais anteriores são derivados ou da música eclesiástica, que não é nacional, ou indígena. O autor afirma que este seja o primeiro gênero legitimamente brasileiro pois, pela primeira vez, era fruto da nacionalidade e das características e especificidades locais.

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Uma das primeiras manifestações de música urbana, mas ainda com tom

folclórico, no Brasil, é o maxixe, que consiste na adaptação de gêneros musicais da década

de 1870, como a polca, adaptados à dança das camadas populares do Rio de Janeiro. Para

Tinhorão, o maxixe é a nacionalização da polca, e representa a afirmação de camadas

populares dentro do cenário musical brasileiro. O autor aponta o pianista Ernesto Nazareth

como um dos primeiros músicos a adaptar o gênero dançante europeu para os requebrados

brasileiros. O maxixe assumiu algumas variantes, como o tango brasileiro. Esta variante

teve uma vida curta no cenário musical.

É também a partir de 1870 que a música folclórica brasileira começa a assumir

características de música popular, urbanizada. O próprio maxixe já pode ser considerado

uma arte urbana, mas é o surgimento de um gênero musical novo que vem a cristalizar a

transformação da música nacional: o choro. Este surge, em primeira instância, não como

gênero, mas como forma de tocar. Se juntava um pequeno grupo de instrumentos,

normalmente ao ar livre – longe dos salões e boates que normalmente eram os locais de

apresentação - tocando de maneira abrasileirada as polcas internacionais. O conjunto

englobava, normalmente, violões e cavaquinhos, dos quais se sobressaía a flauta no

momento dos solos. Assim, o choro era uma “orquestra popular” com um solista

sobressalente. Chiquinha Gonzaga, uma jovem pianista, vem a ser apontada por Tinhorão

como uma das catalizadoras do movimento do choro. O que era, a priori, um estilo de

tocar, torna-se um gênero musical. Essa passagem torna-se importante ao analisarmos as

linhas musicais indicadas por Júlio Medaglia. Representa a passagem da música folclórica

para a cidade, a criação de uma música popular urbana.

A partir do momento em que o choro torna-se a base da música urbana, envolve-se

com outras manifestações musicais da época, desenvolvendo o grande mosaico da música

urbana brasileira. A música de carnaval, composta inicialmente somente para os dias de

folia, torna-se também uniforme, com a criação do samba. A união da batida do samba com

a forma do choro cria o samba-choro, que tem importantes nomes como Noel Rosa, por

exemplo. O próprio samba assume roupagens diferentes, como o samba-canção, que é

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criação de autores semi-eruditos5 (TINHORÃO, 1974, 149), o samba-enredo, próprio de

escolas de carnaval.

O importante é que, com a cristalização do choro como gênero musical urbano, a

própria música popular começa a surgir dentro do cenário brasileiro, a partir de 1870, mas

alcançando seu período de maior efervescência durante as décadas de 1920, 1930 e 1940,

quando há um mosaico de vertentes diferentes de música urbana6. É durante a década de

1940, com a popularização do rádio, que outros gêneros musicais também surgem dentro

do cenário musical brasileiro, como o frevo, a marcha, a marcha-rancho, e o baião. Este

último tem, segundo Gilberto Gil e Caetano Veloso(CAMPOS, 2003, 202), um estigma de

ser marginal e excluído, ao mesmo tempo em que procura incorporar à música brasileira

elementos novos e nordestinos. Luiz Gonzaga, um dos criadores/difusores do baião, é

citado por Gilberto Gil como uma de suas maiores influências musicais (CAMPOS, 2003,

190)

Assim, a música brasileira, surgida das adaptações às especificidades nacionais de

gêneros estrangeiros, que passou da música estritamente folclórica para um gênero urbano,

difundido pelas rádios e meios de comunicação, com a criação do choro e do samba, criou

algo legitimamente brasileiro. Mas, segundo a visão de Oswald de Andrade, endossada

novamente por Caetano Veloso, tratava-se ainda de “macumba para turistas”, ou seja, era

um gênero exótico, com qualidades específicas mas com características particulares demais

para se tornar um gênero internacional (CAMPOS, 2003, 156).7

1.1.2. A politização das artes: um projeto de unificação e urbanização.

Com a ascensão do Estado Novo no Brasil, tem-se a utilização da cultura para fins

políticos. É o que Walter Benjamin8 define como estetização do Estado, este utilizando

5 A semi-erudição não assume aqui um sentido pejorativo. Pelo contrário, quer dizer que há arranjos orquestrais, marcas de erudição, no samba. Eleva-se o acompanhamento de uma rodinha de samba para uma orquestra. 6 O estudo de cada gênero musical específico, cada qual com as suas características particulares, não cabe no presente trabalho. O objetivo aqui é apresentar um panorama geral da música brasileira, e não um estudo de cada caso particular. 7 Essas características só virão a ser quebradas anos mais tarde, com o surgimento da Bossa Nova. 8 Walter Benjamin, nascido em Berlim, em 1892, alemão de ascendência judaica. Escreveu importantes trabalhos como A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução, Alguns Temas Baudelairianos, O Narrador, Homens Alemães. Sua mais importante obra, A obra de arte na época... trata, além do caráter de arte a partir do fortalecimento de técnicas de reprodução, também da relação entre o estado (política) e arte

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meios culturais para atingir metas políticas. O Estado Novo utilizou a música brasileira para

atingir fins políticos: a criação de uma identidade nacional.

Então, a partir da ascensão do Estado Novo, até 1945, a música brasileira fazia

parte de um projeto de unificação. A política cultural do Estado Novo buscava a

simplicidade, excluíndo a pluralidade e realizando grandiosas manifestações artísticas,

tanto literárias, musicais e teatrais, alicerçadas no folclore brasileiro e na erudição européia.

(LINHARES, 1990: 290) A intervenção do Estado na cultura era patente, de forma a

unificar o povo em torno de uma única cultura. Era a negação da diversidade em favor da

criação do único, o brasileiro. As temáticas deveriam estar, necessariamente, ligadas às

questões cívicas e serem apologéticas à ordem e o trabalho. O projeto cultural do Estado

estava apropriando-se do nacional para veicular o popular, negando a pluralidade e

exaltando a brasilidade única.

A partir da segunda metade da década de 1940, o Brasil experimentava uma

intensa urbanização, fruto de uma política nacional-populista de Getúlio Vargas, que

buscava livrar o país do subdesenvolvimento. (MEDONÇA, 1990, 292) Com a migração e

a industrialização, criava-se, dentro das capitais brasileiras, uma grande camada popular,

cuja principal fonte de informação, lazer, sociabilidade e cultura era o rádio.

(NAPOLITANO, 2001, 13) Assim, o rádio constituía-se no principal veículo de informação

do povo, alimentando paixões e o imaginário coletivo. Com a sua popularização,

inaugurava-se a Era do Rádio. As estrelas do rádio tinham forte apelo popular, exercendo

papel fundamental dentro da sociedade brasileira.

Os principais sucessos do rádio eram os melodramas (radionovelas) e as canções

populares. A veiculação de músicas populares agradava aos dois lados envolvidos nesta

equação radiofônica: tanto o povo quanto os empresários por trás dos meios de

comunicação estavam satisfeitos com a música popular sendo tocada nos rádios. Os

principais gêneros musicais veiculados eram o samba, considerado desde os anos 1930 a

música brasileira típica, e ritmos mais dançantes, sendo o baião e o xote seus principais

expoentes.

(cultura), postulando dois princípios básicos: a estetização do estado ou a politização das artes. Faleceu na fronteira entre Espanha e França, suicidando-se.

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Nascia aqui um dos primeiros exemplos de indústria cultural no Brasil, onde a

cultura era manipulada pela indústria visando o mercado (NAPOLITANO, 2001, 15)

Porém, a veiculação de músicas populares não agradava a todos, especialmente uma

camada bipolarizada, que achava que o rádio deveria, por um lado, ser veículo de um

refinamento cultural, propagando uma cultura européia, ou estimulando o folclore

brasileiro, tido, por muitos, como um produto legitimamente nacional. Ainda assim, o

cosmopolitismo começava a, lentamente, entrar no mundo cultural brasileiro. O Brasil

atualizava-se e o “sonho americano” entrava também no jogo que envolvia o rádio

brasileiro. (LINHARES, 1990: 293)

Além do rádio, outros elementos importantes são trabalhados tanto pela cultura

americana quanto pela cultura brasileira para que haja uma mútua troca de influências (não

necessariamente recíproca e igual). Assim, há a incorporação de elementos brasileiros

dentro da cultura americana, como, por exemplo, o caso emblemático de Carmem Miranda,

ou da criação de um personagem da Disney, Zé Carioca, buscando integrar ambas as

culturas. É importante dizer que ainda aqui se faz a exportação do exótico, a cultura

brasileira é vista, usando-se o termo de Oswald de Andrade, como “macumba para

turistas”. É o Brasil do exótico, das belezas naturais, do samba, que oferecia parte de sua

cultura em troca do american way of life.

A partir da década de 1950, algumas mudanças aconteceram na estrutura musical

brasileira. Influenciado pelo bolero latino-americano, especialmente o mexicano, o samba

brasileiro foi trocando a sua temática e sua interpretação. Deixava de lado a seca e o sertão

entrava no terreno amoroso, na solidão, no romantismo exagerado. Aqui, a urbanização

crescente deixa a sua marca dentro da temática musical. O sertão e a seca deixam de ser

problemas imediatos para aqueles que cantam o samba abolerado. O deslocamento dos

problemas “nacionais”, ou, folclóricos, para o campo dos sentimentos denota a mutação de

uma estilo musical ainda preso às suas raízes para uma arte urbana por excelência. O campo

dos sentimentos, com o amor e romantismo exagerado, tornava-se fértil para a produção de

letras mais condizentes com a realidade dos ouvintes. Assim, exageradas eram também as

performances dos chamados “vozeirões”, que imperaram durante toda a década de 1950,

auge do samba abolerado, denominado samba-canção.

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Grande parte desta mudança musical se dava à busca pela modernização no Brasil,

fruto da euforia modernizante simbolizada pelo Plano de Metas. Os estudos do ISEB

(Instituto Superior de Estudos Brasileiros), e da CEPAL (Comissão Econômica para a

América Latina) buscavam planos para o desenvolvimento brasileiro. Junto com a vontade

de modernizar-se, na busca por técnicas novas em favor do desenvolvimento, a própria

cultura buscava também valorizar os procedimentos técnicos e internacionalizar a sua

produção.(LINHARES, 1990: 293) A política estava intrinsecamente ligada à cultura,

refletindo sua idéias dentro do campo musical. O apelo popular, tão em voga, era

extravasado pela cultura. O povo estava contido na cultura e por ela se via.

Assim, segundo Napolitano, “o popular irrompia sob as mais diversas formas,

tanto na política como na cultura, sem necessariamente caracterizar uma relação de

“reflexo” da primeira sobre a segunda”. Ou seja, a cultura popular brasileira adaptava-se ao

seu contexto, transformava-se de acordo com as mudanças da sociedade, mas ela, a cultura,

era uma lente através da qual a sociedade se representava, e não um espelho na qual estava

refletida. (NAPOLITANO, 2001, 16) Sintetizando, a arte era a representação do povo sob

um ponto de vista diferente, jamais fax símile, mas sob uma ótica importante para o

entendimento da sociedade da época.

A fuga do subdesenvolvimento acabou estimulando a busca pela modernidade na

cultura brasileira, como a I Bienal de São Paulo, que representou um salto qualitativo

dentro da arte brasileira, ou os significativos avanços perpetrados no teatro e no cinema. Na

MPB, esta busca pela modernidade surgiu através de um sussurro manso, na voz de João

Gilberto, que, em 1959, mudou toda a cara da Música Popular Brasileira.

É também, a partir desta época, que começa a nascer a busca pelo engajamento nas

artes brasileiras. A criação de um Centro Popular de Cultura (CPC) em 1959, era reflexo de

que a euforia desenvolvimentista dava sinais de esgotamento. E, à medida que este boom de

crescimento parecia chegar ao seu fim, a busca por uma arte engajada, capaz de

conscientizar a sociedade era demanda de uma fatia especial da população. (LINHARES,

1990, 294) Para esta vanguarda, e que mais tarde se tornará o centro da chamada instituição

MPB, a arte tinha função pedagógica e missão de conscientização revolucionária.9

9 A instituição MPB perpetrou esse discurso ao longo de toda a década de 1960, mas nasceu sob aos auspícios da década anterior, de uma forma descomprometida e intimista: nascia no banquinho e no violão de João Gilberto e seu samba moderno. Influenciado por vertentes diferentes, como o samba legitimamente brasileiro,

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Walter Garcia, em seu livro Bim Bom (GARCIA, 1999), busca demonstrar como

cada um dos elementos musicais que influenciaram João Gilberto a criar uma batida tão

característica que se tornou a primeira grande ruptura no cenário musical brasileiro. Para

Garcia, o princípio da regularidade e da não-regularidade do samba, representados pelo

surdo e pelo tamborim, respectivamente, são incorporados e distorcidos pela batida de João

Gilberto, que incorpora a regularidade do surdo, mas retira dele o elemento dançante.

Incorpora também a não-regularidade do tamborim, emoldurando-o com acordes agudos

tocados no violão. E, acima de tudo, incorpora a irregularidade do jazz, criando uma

batida irregular, mas não aleatória, impressionista, com balanço previsível do samba-

canção, como baixo previsível e os acordes imprevisíveis, com requintes harmônicos mas

com arranjos simples. É, a partir deste processo musical complicado, que Garcia tenta

explicar a contradição sem conflitos de João Gilberto10 (GARCIA, 1999, 47)

É importante salientar que a Bossa Nova não é um marco zero da cultura musical

brasileira, mas traz consigo uma bagagem cultural rica. Durante os efervescentes anos que

antecedem a eclosão da Bossa Nova, diversos elementos, como uma performance

impressionista ou uma poética diferente, com seu olhar voltado para a Zona Sul carioca, e

não para o povo ou o morro, aparecem no cenário musical brasileiro. Porém, é a Bossa

Nova que agrega estes elementos e os potencializa, com a batida característica de João

Gilberto, criando um gênero novo a partir de elementos já existentes. É ele que canaliza

todas as mudanças, agregando-as em torno de seu banquinho e violão, e lança o novo no

mercado fonográfico. O que demarca a Bossa Nova como um elemento de ruptura aos

paradigmas estético-musicais é a incorporação de problemas da modernidade e do

progresso. (NAPOLITANO, 2001, 26) João Gilberto e seu samba moderno conseguem

sintetizar a tradição musical brasileira e a modernidade em um só gênero.

Para alguns, a busca por uma sonoridade moderna, tecnicamente evoluída por

parte da Bossa Nova acabava diluindo a “brasilidade” com maneirismos jazzísticos. Isso

o samba-canção, e, principalmente, uma interpretação jazzística, o LP (longplay) Chega de Saudade, lançado por João Gilberto no início de 1959, inaugurava uma nova fase na MPB. Estava fundando a Bossa Nova. 10 A contradição consiste em João Gilberto transformar o samba em Bossa, fazendo com que a Bossa seja samba mas não o seja. A contradição entre Bossa é samba é tenue, uma hora ela é samba, outra hora ela não o é. Conseguir sintetizar a tradição e a modernidade, transitando entre ambos sem amarras é o grande exito modernizante de JG, e faz com que ele seja o membro fundador do seleto clube que fez a música brasileira evoluir, seguindo o conceito de linha evolutiva de Caetano Veloso. É o fato de de ele juntar, em sua batida,

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rendeu à Bossa muitas críticas, especialmente por parte daqueles que buscavam afirmar que

a verdadeira música nacional era a música folclórica, regional.11

Criava-se então uma dicotomia perante a Bossa Nova. Ao mesmo tempo que se

criava um produto nacional digno de exportação, que fugia dos padrões da excentricidade, a

Bossa Nova era criticada por estar matando a música “legitimamente” popular, feita pelo

povo brasileiro, com seus maneirismos regionais. As principais críticas feitas à Bossa eram

devidas a elementos como a sua elitização, ao seu olhar para a Zona Sul carioca, temática

nada popular, sentimental e impressionista, a ausência de diversos elementos populares,

além da sua influência americana, que lhe rendia críticas de imperialista.

Mas, com o crescimento de classe média brasileira, o gênero musical criado por

João Gilberto abria espaço no mercado fonográfico, ainda dominado pelo samba e samba-

canção. A própria consolidação do longplay como principal veículo fonográfico acabaria

por delimitar a formação de um público mais específico, fugindo da camada popular e

entrando na classe média. Passava-se de uma camada popular para uma camada média,

autônoma e autêntica, fugindo da população passiva perante a veiculação cultural. Ou seja,

a Bossa Nova conseguia sintetizar as mudanças do mercado, demonstrando como houve a

mudança de um público popular para uma classe média mais informada, onde o gosto se

refinava e a atitude perante a música também mudava. Não é a toa que é desta fatia social

que sairá a demanda por uma arte engajada. (NAPOLITANO, 2001, 29)

Os novos consumidores musicais, voltados para a Bossa Nova, viam com ressalvas

o seu olhar Zona Sul, que falava do “amor, do sorriso, da flor”. Viam também na Bossa

uma importante arma ideológica, capaz de penetrar nas diversas camadas sociais. Ou seja,

logo após a criação da Bossa Nova, nos anos imediatamente que seguem ao seu

nascimento, o samba moderno se divide em dois: a bossa nova “jazzística”, e uma bossa

nova “nacionalista”, que buscava virar os olhos da Bossa Nova para os problemas

“nacionais”. Uma das primeiras músicas a já assumir essa roupagem é Zelão, de Sérgio

Ricardo: “Todo morro entendeu quando Zelão chorou / ninguém riu nem brincou / e era

carnaval”. Sua temática estava voltada ao morro, e era para lá, segundo os nacionalistas,

toda a cultura brasileira e a ânsia pela modernidade cosmopolita que lhe rende o subtítulo de Walter Garcia: “contradição sem conflito”. 11 Este embate, modernidade x regionalismo servirá de mote para futuras discussões, a partir das formulações de Caetano Veloso sobre uma “linha evolutiva” dentro da música brasileira.

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que os olhos da Bossa Nova engajada deveriam olhar. O morro e o sertão deveriam ser os

principais motes da criação poética da Bossa Nova. Esta, munida de uma sofisticação

técnico-musical, com uma letra engajada, tornaria se a arma perfeita nas mãos dos

ideólogos de plantão.

Assim, logo após a sua criação, a Bossa Nova já vivia um período de crise, em

1962, onde já havia a nítida diferença entre “nacionalistas” e “vanguarda”, correntes estas

que desenvolverão outros debates durante os anos seguintes, nos festivais televisionados de

música. O sucesso no exterior da Bossa Nova jazzística lhe dava ares de ser imperialista, e

minava os objetivos dos nacionalistas, que buscavam uma conscientização ideológica e a

elevação do gosto popular através da samba moderno.

Em meio a esta crise, outros movimentos musicais assumem importantes papéis

dentro da panorama musical brasileiro. O primeiro deles é a Jovem Guarda, ainda nascente,

mas que já tinha raízes anteriores a 1959, quando o rock’n roll americano entrava em

território nacional. O Iê-Iê-Iê, como era denominado pejorativamente, assumia o seu papel

como importante movimento de massas, tomando para si uma grande fatia do mercado

fonográfico. Era, porém, ideologicamente criticado, por ser considerado “entreguista,

imperialista e alienante”.12

Além do Iê-Iê-Iê, outro movimento importante lançava seu manifesto em 1963: a

Música Nova. Assinado por músicos e compositores de Música Contemporânea, o

Manifesto, originalmente lançado na revista Invenção. No. 3, Ano II, de junho de 196313,

afirmava o seu “compromisso total com o mundo contemporâneo”, assim como a ida ao

mercado na sua definição de “música: arte coletiva por excelência, já na produção, já no

consumo”. Dentre os signatários do Manifesto, encontram-se Rogério Duprat e Júlio

Medaglia, dois importantes arranjadores que figurariam durante o período dos festivais e do

Tropicalismo, levando suas idéias de Música Contemporânea para a música popular.14

Tem-se então, no ano de 1963, uma conjuntura de crise dentro do cenário

brasileiro. A crise política e econômica vivida pelo Brasil - com a crise do abastecimento,

uma inflação crescente e a crise no projeto de industrialização - tinha seus reflexos dentro

12 O embate entre a Jovem Guarda e a Bossa Nova nacionalista será comentado mais adiante. 13In: Arte em Revista, no. 1, 1979. 14 Uma importante noção que a Música Nova trará ao cenário musical é a utilização do mercado e da indústria cultural em prol da divulgação de seus meios. Mais sobre a relação entre a Música Nova e a MPB será tratado adiante.

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panorama musical. Instaurava-se uma crise também no cenário musical, com a

bipolarização da Bossa Nova. De um lado encontrava se a Bossa Nova jazzística. Suas

principais características, como o pioneirismo, o requite e o sucesso no exterior, lhe

rendiam acusações de imperialista por uma outra Bossa Nova. Esta era oriunda da primeira,

mas com características nacionalistas. Buscava voltar o olhar da Bossa Nova de João

Gilberto para os problemas nacionais, para o povo brasileiro. Buscava inserir o sertão e o

morro à Bossa Nova.

Correndo pela margem estavam a Jovem Guarda e a Música Nova. Os garotos

cabeludos do Iê- Iê- Iê faziam enorme sucesso de público e era imensamente criticados por

seu caráter alienado.15 A Música Nova, manifesto de músicos eruditos, conseguia enxergar

os embates entre bossanovistas por um ângulo privilegiado, ao mesmo tempo que buscava

afirmar, em seu manifesto, a compatibilidade entre o mercado e a música autêntica.

A partir de 1964, com o golpe militar, grandes mudanças ocorreram no cenário

cultural brasileiro. Nas palavras de Marcos Napolitano: “O golpe militar de 1º de Abril de

1964 causou uma enorme perplexidade na esquerda e nos nacionalistas, que, de uma

maneira geral, acreditavam na irreversibilidade histórica das reformas propostas pelo

governo João Goulart. A queda rápida e sem resistência do governo eleito passou a ser um

grande enigma político a ser decifrado. Um novo impasse se colocou para os criadores

culturais, identificados com a esquerda nacionalista, acompanhado por uma crise de

consciência”. (NAPOLITANO, 2001, 57). 1964 trazia novas perguntas para aqueles que se

consideravam nacionalistas, e queriam perpetrar um projeto ideológico através da canção

engajada. Todos os parâmetros de criação e recepção das obras precisavam ser repensados.

O fechamento dos principais canais de relação entre os artistas e o povo, o CPC da UNE,

dava aos músicos e compositores uma saída diferente para chegar ao povo: o mercado. É

aqui que a ligação entre a indústria cultural e a arte engajada se unem, onde o músico

enxerga de maneira instrumental o mercado, como um meio de se alcançar todo o povo.

(NAPOLITANO, 2001, 67) O golpe de 64 acelerou um processo que parecia ser iminente,

a ida da arte engajada ao mercado como forma de ver sua arte ser propagada.16

A mais importante de todas as mudanças foi o surgimento da Televisão como

elemento da indústria cultural determinante no cenário musical brasileiro. A bossa nova

15 A “alienação” da Jovem Guarda será discutida a seguir.

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“nacionalista” encontrava espaço para a divulgação de seus paradigmas através da criação

do programa O fino da Bossa, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues. Apresentado

pela Tv Record, o programa iniciou um caminho que consagraria a Bossa Nova nacionalista

como o fenômeno de massa (NAPOLITANO, 2001, 87) A TV vinha corroborar o projeto

dos nacionalistas, exercendo papel semelhante ao rádio nas décadas anteriores, criando um

canal direto com o povo, que tinha um linguagem específica e buscava conciliar uma

performance televisiva com a veiculação ideológica. O programa torna-se um estrondoso

sucesso, o que abria espaço para novos programas que seguiriam o mesmo formato

musical.

Porém, um novo programa da própria TV Record veio a criar um impasse

antológico entre duas correntes distintas dentro do cenário musical brasileiro: Jovem

Guarda versus MPB. Com o surgimento do programa Jovem Guarda, em setembro de 1965,

o movimento do Iê-Iê-Iê17 consolidava-se como um dos maiores fenômenos de consumo de

massa de todos os tempos (NAPOLITANO, 2001, 95) Os temas cantados por Roberto

Carlos e companhia seguiam a lema da “juventude transviada”, alternando temas

românticos e agressivos e sintetizando uma cultura extremamente influenciada pelo

american way of life. A indústria cultural estava extremamente presente na criação de uma

verdadeira marca de consumo, que compreendia relações com todos os ramos industriais

ligados à moda e ao comportamento tido como jovem.

A ideologia da Jovem Guarda estava intimamente ligada à indústria cultural em

um dos sentidos mais específicos da formulação de Adorno: a estandartização da obra18. A

Jovem Guarda buscava uma padronização de sua músicas, tanto nas letras quanto nos

arranjos e timbres. Buscava um padrão composicional que fosse facilmente identificável,

16 Por conta disso, houve um rearranjo do cenário musical brasileiro. 17 Na verdade este nome vinha de um refrão dos Beatles, primeiro grupo de rock a fazer um sucesso estrondoso e que influenciou todas as bandas posteriores. 18 Esta dominação se dá, segundo Adorno, através da padronização e da massificação. Ao apresentar para o público consumidor obras de artes padronizadas, criam no público a anestesia da crítica. A semelhança das obras de arte fazem com que o público perca a sua capacidade de distinguir, criam padrões, fórmulas de sucesso que devem ser repetidas para serem assimiladas. A padronização exclue, automaticamente, o novo dentro do campo das Artes. Tal fenômeno pode ser observado dentro do contexto musical brasileiro, tanto no surgimento da Bossa Nova quanto na quebra de seus paradigmas, com a explosão da Tropicália. A estandartização das obras, experimentada ao longo da institucionalização da MPB, pode ser encarada com um elemento típico da indústria cultural, tal qual Adorno enxerga. A produção em massa de determinadas fórmulas de sucesso aniquilam a consciência crítica, alienando ao invés de conscientizar.

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para que, tanto a produção do bem cultural quanto o seu consumo fossem facilmente

assimiláveis. Dessa forma, a indústria cultural arregimentava os padrões criacionais dos

músicos, que já tinham as formas delimitadas de sua composição, assim como, o próprio

público já sabia o que esperar da Jovem Guarda. E, quando sua espera se concretizava,

satisfazia-se19. Tanto o consumo quanto o comportamento eram categorias importantes

dentro da ideologia do Iê-Iê-Iê.(NAPOLITANO, 2001, 98) A criação de um programa de

Televisão que vinculava e veiculava estas idéias, tanto o comportamento ianque quanto a

própria estandartização das músicas tocava profundamente nas bases da Bossa Nova.

Para esta, porém, é essa atitude alienada da Jovem Guarda que era exatamente seu

alvo de crítica. A Bossa Nova buscava o novo, buscava o nacional, buscava inovar,

seguindo a tradição de João Gilberto. Contudo, temos aqui um problema muito claro: a

medida que o samba moderno - a partir da catalização do processo de modernização

deflagrado pelo golpe de 1964 - buscava chegar ao povo, uma relação de influência muito

forte se estabelecia. Esta busca pela popularização encontrava força através do mercado, da

indústria cultural. E, é impossível recorrer à indústria cultural sem cair em seus conceitos

básicos, aos quais seguiam também a própria Jovem Guarda.

Ou seja, enquanto a Bossa lutava contra uma ideologia alienada do iê-iê-iê, ela

própria tornava-se alvo da estandartização, da criação de paradigmas estéticos que

delimitavam a atuação da Bossa e seus próprios conceitos. A própria definição da banda

típica de acompanhamento dos membros de O fino da Bossa, composta de piano, baixo e

bateria, era a criação de um paradigma musical que possibilitava a fácil identificação do

que era MPB. Um dos processos mais importantes dentro da história da música brasileira

estava sendo claramente demarcado aqui. A institucionalização da MPB, que, nasceu com a

criação da Bossa Nova, com a sua politização, com a criação dos paradigmas, chega perto

do conceito emprestado por Marcos Napolitano de Pierre Bordieu: “Acumulação nas coisas

e nos corpos de um conjunto de conquistas históricas que trazem as marcas de suas

19 A espera e a satisfação são dois importantes conceitos de Adorno, expressados em seu texto O fetiche da música e a regressão da audição (ADORNO, 1975) O felicidade, para Adorno, está na previsibilidade da arte. O “consumidor”, ao apreciar uma obra de arte, tem uma série de códigos que espera ver dentro da obra de arte. Quando esta lhe apresenta estes códigos, estes clichês, a felicidade se encontra, pois o consumidor assimila a obra de arte. Satisfaz-se com a obra de arte ao encontrar aquilo que esperava. Este fetiche faz parte da estandartização das obras de arte.

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condições de produção e tendem a gerar as condições de sua reprodução.” (BORDIEU,

1990, 100)

Ou seja, decorrido o tempo desde o seu nascimento, a MPB, durante o embate

entre a Jovem Guarda e ao longo deste processo, trazia, em si, marcas características,

paradigmas estético musicais que delimitavam o que era MPB, qual o seu alcance e

influência dentro da sociedade. O processo de instituição estava alcançando um ápice, com

a reprodução de paradigmas dentro de um contexto industrializado.

Esta contradição na essência da Bossa demonstra que o antagonismo entre a

“juventude transviada” e a “arte engajada” fosse, talvez, superdimensionada. Segundo

Marcos Napolitano, esta contraposição era devida à reestruturação do mercado fonográfico,

e do estabelecimento de um novo gosto musical. A luta entre a Jovem Guarda e MPB se

dava pelas fatias do mercado, das quais ambas eram dependentes, talvez por razões

diferentes, mas que eram, em sua essência, a base de sua produção. Não era somente o

embate ideológico o motor das desavenças entre ambas correntes, ainda que este seja forte

o suficiente para o ser, mas a luta pela audiência e pela venda de discos. Ainda para

Napolitano, a ameaça da Jovem Guarda não parece ter sido tão assustadora assim para a

MPB, mas foi aumentada tanto pela memória coletiva quanto pela própria TV Record, que

veiculava ambos programas.

Um fator determinante para o embate é a vinculação dos programas de televisão O

fino da Bossa, e Jovem Guarda, ambos iam ao ar pela TV Record. O primeiro é um dos

bastiões da MPB, determinou os paradigmas da mesma e lançou ao estrelato dois dos

maiores nomes entre a constelação da MPB: Elis Regina e Jair Rodrigues. De seu sucesso

absoluto de audiência, nascia o rival, a Jovem Guarda, apresentada pelos maiores nomes do

Iê-Iê-Iê, dos quais o rei era Roberto Carlos. Porém, devido à estandartização, a força dos

programas foi se diluindo, acentuando certos maneirismos nas performances que acabavam

por apontar uma “demagogia” entre o bossanovistas e a sinceridade do rock ‘n roll. De

certa forma, a busca pela inovação para sobrepor se à “ameaça” da Jovem Guarda era

constante dentro do samba moderno, a MPB esbarrava em seus próprios paradigmas,

enquanto as amarras que prendiam a juventude transviada tinham uma folga maior. Vale a

citação de Júlio Medaglia:

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Enquanto a turma de O fino da Bossa entrava em pânico, motivado pela queda de prestígio, os meninos da jovem guarda apresentavam-se cada vez mais à vontade, sem lançar mão de nenhuma peripécia volca (...) se formos realmente coerentes, chegaremos facilmente à conclusão de que as interpretações de Roberto Carlos são muito mais despojadas, mais “enxutas”, e, por incrível que pareça, aproximam-se mais das interpretações de João Gilberto do que os gorjeios dos que se pretendem sucessores do “bossanovismo” (in Campos, 1993: 120)

De acordo com o maestro da Música Nova, a luta pela inovação dos bossanovistas

dava a eles um caráter demagógico, no qual eles buscavam demonstrar algo que não

conseguiam alcançar. Para ele, era a Jovem Guarda, com a sua alienação consciente e com

a entandartização de suas obras que tornavam-os mais despojados, rompendo um

determinado status quo, trazendo consigo o legado de João Gilberto.

Aqui, um problema paradoxal se apresenta: como que um grupo que,

ideologicamente, aceita o mercado - padroniza suas obras – é aplaudido como inovador.

Para compreender melhor, é importante remeter ao conceito de “linha evolutiva”, uma das

linhas mestras dos debates musicais ao longo da segunda metade dos anos 1960.

A linha evolutiva para Julio Medaglia: este maestro via a Bossa Nova, em sua

raiz, como uma música essencialmente brasileira, pois estava ancorada em uma tradição de

música nacional, e não na cópia de elementos estrangeiros. Enxerga na música de João

Gilberto o despojamento aliado ao avanço técnico musical. Ou seja, era possível soar

moderno, requintado e despojado. A partir da dicotomização entre o intimista (jazzístico) e

o exagerado (nacional), começa o artificialismo na MPB. As atuações da MPB engajada

assumem a passionalidade anterior, vinda do bolero. O apelo emocional fazem a MPB

retroagir, enquanto a Jovem Guarda mantém uma postura de despojamento, que remete ao

legado da Bossa Nova. Porém, para Medaglia, é Caetano Veloso que melhor sintetiza esse

despojamento, aliando o frescor e o avanço técnico dentro da música brasileira.

(NAPOLITANO, 2001: 136)

A linha evolutiva para Augusto de Campos: para este poeta concretista, a linha

evolutiva, também inaugurada pela Bossa Nova, estava sendo interrompida pela

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apresentações dos atuais bossanovistas. Estes, em sua vontade de popularizar-se, tomavam

atitudes retrógradas e voltavam a um comportamento musical anterior mesmo à João

Gilberto. A Jovem Guarda, porém, mantinha uma postura “moderna e funcional”, que os

faziam ter forte apelo diante do público jovem. (NAPOLITANO, 2001: 135)

A linha evolutiva para Caetano Veloso: este buscava um procedimento crítico

seletivo, no qual o músico analisava, filtrava e incorporava o que de melhor e mais

avançado havia na música internacional e trazia para dentro do cenário musical brasileiro,

adequando o novo aos problemas nacionais. Para Caetano, João Gilberto trouxe o jazz e o

adequou ao Brasil. Foi Gilberto um vórtex de tradição acumulada, nacional, adaptação do

internacional, criando o novo e abrindo espaço para o mesmo. Para evoluir, deveria-se

adaptar os avanços internacionais à problemática brasileira, incorporando o estrangeiro à

cultura nacional. (NAPOLITANO, 2001: 136)

Com o aumento do número de televisores, a força dos programas de televisão

aumentava gradativamente. Inversamente, diminuía a força dos programas chefes que

alavancaram o cenário musical brasileiro. Tanto O Fino da Bossa quanto a Jovem Guarda já

demonstravam claros sinais de esgotamento, tanto que o programa bossanovista estava

ameaçado de ser tirado do ar. Em 17 de julho de 1967, foi organizada uma passeata,

organizada pela Frente Única, (movimento organizado em 1967 para a defesa da música

nacional) que buscava, entre outras coisas, defender o modelo do programa que O fino

seguia. Em defesa ao regional, na luta contra o americanismo, ao Iê-Iê-Iê, esta passeata

assumiu um nome simbólico de “Passeata contra as guitarras elétricas”. Para Napolitano,

esta passeata simbolizava a inserção da linguagem política dentro da indústria de bens

culturais. Simbolizava vestir, enfaticamente, a MPB com a roupagem política nacionalista,

para que seus produtos se tornassem facilmente identificáveis com esta corrente

ideológica(NAPOLITANO, 2001: 184). Assim, a luta promovida pela passeata era contra o

fim do programa. Lutava pela busca da nacionalidade. A vociferação contra as guitarras era

importante, pois a guitarra assumia papel de destaque dentro dos movimentos culturais. Era

um símbolo da alienação dos adversários, do imperialismo americano. A guitarra tornara-se

o símbolo de toda juventude transviada, alienada e corrompida pelos ianques, em

detrimento dos estudantes engajados e comprometidos com a mudança da ordem social.

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Porém, programas que seguiam o modelo anterior perdiam cada vez mais espaço

para os programas de auditório, os famosos festivais de canção. Diversos programas de

televisão - entre os quais Esta noite se improvisa, Frete Ampla, Jovem Guarda e O Fino da

Bossa – tornavam-se repetitivos. Perdiam força junto à audiência, perdiam seu apelo ao

mercado. Eram, então, substituídos por programas novos, que foram o auge da MPB, de sua

empatia com o público, de suas paixões acaloradas e de debates estéticos-ideológicos

intensos.

Começava a Era dos Festivais. Esta tem suas raízes fincadas já no fim do ano de

1965, quando foi organizado o Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, pela Tv

Excelcior. Neste mesmo ano foi organizado o III Festival da MPB, da Tv Record. Ambos

festivais, mas predominantemente o da Tv Record, lançaram ao estrelato nomes

importantes dentro do contexto musical brasileiro, como Chico Buarque e Geraldo Vandré.

Também foi nos palcos dos Festivais que a disputa entre Jovem Guarda e MPB se acirrou.

Na verdade, a Bossa planejava utilizar todo o apelo que um palco televisionado tinha para

consolidar-se como canção matriz do povo brasileiro. Acabou funcionando. A efetivação da

MPB, durante a Era do Festivais, era aplaudida pela oposição ao regime militar, o que a

caracterizava como arte engajada, cuja roupagem ideológica era vista e assimilada pela

multidão que lotava os estúdio, e, principalmente, assistia aos programas. Os festivais dão à

Bossa um novo fôlego, a colocam novamente no pedestal da música mais importante,

“derrotam” a Jovem Guarda e demonstram que a MPB é mais versátil e duradoura. Os

festivais deram sangue novo àqueles que só repetiam paradigmas e clichês.

É durante a era dos festivais também que nasce um dos maiores movimentos de

vanguarda brasileiro: O Tropicalismo. No III Festival de MPB, organizado em 1967,

Caetano Veloso e Gilberto Gil assumem suas idéias de ruptura estética incluindo guitarras

elétricas em arranjos tipicamente bossanovistas, feitos por Rogério Duprat, arranjador

ligado à Música Nova. É neste festival que a guitarra acaba entrando, debaixo de muitas

vaias e críticas, na MPB.20

20 A importância deste fato, assim como a própria Era dos Festivais, será retomada no capítulo seguinte.

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Capítulo 2 - A inclusão da guitarra elétrica na MPB

A inclusão da guitarra na MPB é muito mais do que a mera inclusão de um

instrumento elétrico entre os demais. Trata-se de uma mudança com forte carga

simbólica. Este trecho, retirado de um artigo de Augusto de Campos, poeta do

movimento da Poesia Concreta, denominado “A explosão de Alegria, Alegria”, que está

contido em sua coletânea chamada Balanço da Bossa e outras bossas (CAMPOS, 1967),

nos dá informações importantes a serem trabalhadas neste capítulo.

“Os adversários do “som universal” de Caetano e Gil têm

colocado mal o problema da inovação nestas composições. Não se trata meramente de adicionar guitarras elétricas à música popular brasileira, como um adorno exterior. O deslocamento dos instrumentos da área musical definida da jovem guarda para o da MPB já tem, em si mesmo, um “significado” que é “informação nova” e tão perturbadora que houve muita gente que se confundiu auditivamente ao ponto de não perceber em que ritmo estava sendo tocada Alegria, Alegria. As sonoridades eletrônicas ampliam o horizonte acústico para um universo musical onde são comuns a dissonância e o ruído. Por outro lado, embora simples, Alegria, Alegria não deixa de fazer uso dos largos e inusitados intervalos musicais que são uma característica inovadora das músicas de Caetano (Boa Palavra, Um dia). Já Domingo no Parque joga com uma complexidade maior no arranjo musical: na gravação definitiva, a composição é um verdadeiro assemblage de fragmentos documentais (ruídos do parque), instrumentos “clássicos”, ritmo marcadamente regional (capoeira), com o berimbau se associando à maravilha aos instrumentos elétricos, e a vocalização típica de Gil, contraponteando com o acompanhamento coral da “música jovem” – montagem de ruídos, palavras, sons e gritos.”

(Augusto de Campos, 1967)

A primeira informação é o surgimento da guitarra dentro da denominada MPB, e

não dentro do cenário brasileiro, no qual ela está presente desde a sua criação, e ainda mais

presente desde a popularização da Jovem Guarda. A diferença existente é o deslocamento

da guitarra de sua área marginal, ou seja, tocada somente por uma juventude transviada,

para a área central da MPB, uma instituição respeitada e dona de paradigmas sérios a

respeito da música nacional. É nessa passagem, no rompimento da barreira que envolve a

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“bolha musical” denominada MPB que está o enfoque desta análise. Como diz Augusto de

Campos, não se trata meramente de adicionar guitarras elétricas á música brasileira, mas

sim buscar o significado desta atitude, o que representa, dentro de um universo simbólico,

justapor instrumentos elétricos deliberadamente distorcidos à elementos de música

nacional. E é a isso que este capítulo se destina, não a buscar, de maneira positivista, as

primeira aparições da guitarra dentro da música brasileira, de qualquer estilo ou gênero.

Mas sim buscar compreender como, com o advento de duas músicas de festival, Alegria,

Alegria, de Caetano Veloso, e Domingo no Parque, de Gilberto Gil, a guitarra conseguiu

quebrar paradigmas musicais importantes, e simbolizou uma atitude nova frente à cultura

brasileira. Ambas foram apresentadas em 1967, e trouxeram à tona problemas importantes

dentro da MPB, já postulados antes e que denotavam a crise que a Bossa Nova vivia.

2.1. Breve história da guitarra

Primeiramente, é necessário definir o que vem a ser a guitarra elétrica, já que,

etimologicamente, a raiz guitar pode ser aplicada a diversos instrumentos de cordas

existentes desde a Idade Média. Neste trabalho, o termo guitarra se aplica à guitarra

elétrica, nas suas duas mais importantes variantes. A guitarra elétrica tem dois momentos

de criação. O primeiro nasce da necessidade dos músicos de jazz americanos de competir

com as enormes bandas nas quais tocavam, com instrumentos que produziam um nível

sonoro muito maior do que a guitarra acústica. Para resolver este problema, foi colocado

um captador21 na corpo da guitarra, criando a primeira guitarra eletroacústica, a pioneira

das guitarras elétricas e um modelo largamente utilizado por músicos de diversos estilos

musicais.22

Porém, a guitarra semi-acústica, ou eletroacústica, produzia um incômodo ruído,

denominado feedback23, quando tocada em volumes muito altos. Para resolver esse

problema, inaugura-se o segundo momento de criação da guitarra elétrica: a guitarra de

corpo sólido, que, diferentemente do violão e da guitarra eletroacústica, não possui caixa de

ressonância, eliminando o risco de feedback e podendo ser tocada a volumes muito maiores

21 Artefato que através de imãs, transformava o som acústico em sinal elétrico, enviando este sinal para um amplificador, que devolvia ao sinal elétrico o som acústico, em nível sonoro maior. 22 Diversos músicos da década de 1960 utilizavam o modelo semi-acústico, inclusive Sérgio Dias, guitarrista dos Mutantes, que acompanhou Gilberto Gil em Domingo no Parque. 23 Realimentação de uma fonte de captação sonora, que gera a microfonia.

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que de sua antecessora. Les Paul (Lester William Polfus), Leo Fender e Adolph

Rickenbacker são os criadores das guitarras de modelo sólido, que representaram a

fundação da guitarra elétrica mundial.

Em território brasileiro, Dodô e Osmar, criadores do trio elétrico, criaram, antes

mesmo das experiências de Les Paul, Fender e Rickenbacker se concretizarem e se

tornarem populares, a guitarra baiana, criação brasileira para resolver os problemas de

feedback. Este fato merece ser citado por representar que a guitarra elétrica, antes de sua

popularização mundial, já estava integrada à música brasileira, desde 1942.24

A guitarra elétrica, tanto a de corpo sólido quanto a eletroacústica, tem

fundamental importância, e por causa disso merece esse breve histórico, devido a questão

de sua simbologia. Desde a sua criação, a guitarra está ligada à uma simbologia rebelde,

altamente sexualizada e ligada, intimamente, com um gênero musical crescente nos Estado

Unidos e que depois se populariza de tal forma que vem a tornar-se um estilo de vida: o

Rock n´ Roll. Desde a popularização dos ídolos do Rock, como Chuck Berry e Elvis

Presley, a guitarra está ligada a elementos como rebeldia e sexualidade. É este estigma que

a guitarra traz para dentro do contexto brasileiro, trazido juntamente com o próprio estilo

musical, que faz nascer aqui, em terras brasileiras, a Jovem Guarda e sua juventude

transviada.

Ou seja, o advento do Iê- Iê- Iê reforça a guitarra como símbolo de cabeludos e

alienados dos “reais problemas da sociedade”, e com o surgimento da Bossa Nova

engajada, a rebeldia sem causa da juventude transviada torna a guitarra também um

símbolo da alienação.

Assim, mesmo que a guitarra estivesse presente em território nacional desde a sua

criação, mesmo que exista uma guitarra legitimamente brasileira, a guitarra baiana, ela foi

caracterizada como símbolo de rebeldia e alienação. A sua associação com o rock, com a

Jovem Guarda, com cabeludos e rebeldes a tornou um símbolo a ser evitado dentro da

instituição MPB, e é a partir disso que Augusto de Campos diz que a incorporação da

guitarra à MPB é “informação nova”, é a transformação de um símbolo da alienação e da

rebeldia sem causa em uma quebra de paradigma institucional, a incorporação do

24 Para ver mais sobre a criação da guitarra elétrica, ver o artigo de Neigmar de Souza, Guitarra Elétrica: um ícone na cultura pop do século XX, in Revista Vernáculo, nº 5, 2002.

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cosmopolita para retomar uma atitude perdida dentro da MPB, dentro da Bossa Nova: a

espontaneidade e a originalidade.

Para tanto, é necessário compreender um conceito importante já mencionado

anteriormente, a linha evolutiva, conceito básico de Caetano Veloso expresso em sua

entrevista para a Revista Civilização Brasileira, em 1965.

Na entrevista para a Revista Civilização Brasileira, encontram-se José Ramos

Tinhorão, já mencionado neste trabalho e defensor/militante árduo da música brasileira

folclórica, Caetano Veloso, então um jovem compositor, Flávio E. M. Soares Régis e

Nélson Lins e Barros.

A fala de Tinhorão torna se emblemática pois ele critica acidamente a Bossa Nova,

desde o seu momento de criação, por incorporar elementos estrangeiros à música nacional,

perdendo o seu caráter de brasileiro. Ainda que, segundo a visão de Tinhorão, o choro já

havia feito isso com a valsa e a polca, pegando ritmos estrangeiros e os transformando em

música nacional, dando lhes um acento brasileiro, a Bossa Nova não o conseguia fazer, por

buscar, tanto no ritmo quanto na harmônia do jazz, a sua fonte de inspiração. Ao fazer isso,

mesmo que a temática seja nacional, o sotaque é americano, e, sendo assim, para Tinhorão,

a música nacional jazzificada torna-se um pastiche universal “que não converte ninguém”.

(TINHORÃO, 1965, 39) A defesa de José Ramos Tinhorão não é somente de uma temática

brasileira dentro da música, mas a não-universalidade dela, ou seja, a defesa de uma música

nacional, sobretudo, folclórica, que deve se manter pura face ao desenvolvimento

internacional. Ou seja, deve ser uma música que não busca nos avanços internacionais

inspiração, mas sim mantém-se fiel às raízes para manter-se nacional, tanto na

temática/letras quanto na harmonia, no ritmo, enfim, na expressividade musical em si.

Para Caetano Veloso, isso trata-se de defender “a preservação do analfabetismo

como única salvação da música popular brasileira. Por outro lado se resiste a esse

‘tradicionalismo’ – ligado ao analfabetismo defendido por Tinhorão – com uma

modernidade de idéia ou forma imposta como melhoramento qualitativo.” (VELOSO,

1965, p.40) Para Caetano Veloso, a discussão ideológica sobre fidelidade às raízes

brasileiras para se fazer música brasileira é inútil, porque “a música brasileira se moderniza

e continua brasileira”. Ele diz que não se deve buscar as raízes brasileiras para se manter

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fiel à elas, mas sim, entender o que foi a música brasileira até agora, e criar algo novo e

coerente com ela.

Para Caetano Veloso, a música brasileira transcende os limites do nacionalismo

imposto por pessoas - a princípio - como Tinhorão, que buscavam a “pureza folclórica”.

Mais tarde, os músicos ligados à Bossa Nova engajada, buscavam a fidelidade aos

paradigmas criados por eles mesmos, na determinação do que quer que fosse a Bossa Nova.

A música brasileira pode incorporar elementos estrangeiros sem perder a sua característica

nacional. É necessário seguir então a linha evolutiva, conceito pelo qual a música brasileira

tem se modernizado, evoluído, acrescentando elementos novos, como instrumentos,

dissonâncias, ritmos e temáticas, sem perder a sua identidade. É só seguindo essa linha que

a música nacional pode se manter coesa e coerente com a inovação e com a criação de um

elemento cultural bem acabado.

Para tanto, cita Caetano o seu exemplo maior - João Gilberto - que representa a

“informação da modernidade musical utilizada na recriação, na renovação, no dar um passo

à frente da música popular brasileira” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 40). O

exemplo de João Gilberto é fundamental dentro da conceituação de linha evolutiva de

Caetano Veloso. Trata-se de entender como João Gilberto pôde, ao incorporar elementos do

jazz, criar um gênero brasileiro bem acabado, não-exótico, no sentido de não ser “macumba

para turistas”, e capaz de se transformar de influenciado para elemento influenciador do

jazz americano.

Em entrevista a Luis Carlos Maciel, já em 1971, (MACIEL, 1982, 164) Caetano

Veloso diz que, ainda que existam outros compositores e músicos envolvidos dentro da

criação da Bossa Nova, como Antonio Carlos Jobim, (Tom Jobim) ou Nara Leão, é na

figura de João Gilberto (e os outros músicos concordam com Caetano) que se centra o foco

da criação. Pois foi João Gilberto que pôde criar uma forma satisfatória tanto para fazer jus

ao passado da música brasileira quanto ao futuro dentro do cenário internacional. João

Gilberto, segundo Caetano Veloso, foi a “grande coisa dentro da música brasileira”, e era

seu papel, dentro da denominada linha evolutiva, chamar a atenção para as grandes coisas

que aconteceram na história musical brasileira.

È necessário compreender dois processos fundamentais para entender a linha

evolutiva de Caetano, e como ela vai desaguar no happening, ou seja, na inclusão

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bombástica de guitarras elétricas à MPB. O primeiro processo é o próprio papel de João

Gilberto e de sua criação dentro da Bossa Nova, que precisa ser esmiuçado para ser

compreendido. Outro processo é a “perda de direção da MPB”, expressão utilizada por

Gilberto Mendes para denotar o processo de sua institucionalização.

2.2 João Gilberto e a Bossa Nova

A Bossa Nova não surgiu somente da influência do jazz sobre João Gilberto. Não

há um vazio cultural no Brasil que abra tamanho espaço para que a bossa seja influenciada

somente por elementos externos. O jazz é sim uma das matrizes influenciadoras da bossa,

mas contribuíram para a sua criação o ambiente cultural no qual João Gilberto estava

imerso. Brasil Rocha Brito25 procura estabelecer quais são as raízes da Bossa Nova e qual a

importância do papel de João Gilberto dentro de cenário musical do início da década de

1960.

Primeiramente, o jazz, assim como qualquer grande gênero musical, divide-se em

diferentes vertentes. Da matriz jazzística, surgem ramos como o be-bop, que desde 1949

vem influenciando os músicos brasileiros, na sua concepção de ser um jazz voltado para a

apreciação, e não para a dança. A integração do be-bop à música brasileira não cria, por si

só, uma nova música nacional. Os elementos novos não conseguem ser diluídos, criando

um novo gênero musical. Pelo contrário, aglutinam à música brasileira elementos

estrangeiros, sem criar algo novo. (BRITO, 1960, 19)

Além do be-bop, surge também o cool jazz, antagônico ao hot jazz. O cool jazz

procurava dar às composições jazzísticas uma rigidez mais erudita, não dispensando as

improvisações características do estilo.26 Os músicos de cool jazz tinham uma formação,

tanto técnica quanto teórica, mais rica, buscando a riqueza erudita adaptada ao jazz. É essa

vertente que influencia os músicos da boemia brasileira, como conjunto vocal Os Cariocas,

e outros nomes que buscavam nos elementos do cool jazz uma nova direção para a música

brasileira. Johnny Alf, músico, pianista e compositor, já conseguia incorporar em seus

25 Em um texto de 1960, denominado Bossa Nova, compreendido também entre os artigos de Balanço da Bossa e outras bossas, de Augusto de Campos. (CAMPOS, 1967) 26 Estas improvisações dentro do jazz são alvos de inúmeras críticas daqueles que defendem uma música mais “elevada”, como Adorno, que faz pesadas críticas ao jazz desde o seu surgimento, dizendo que o improviso do músico de jazz não passa da repetição de clichês, os quais ele estudou por horas a fio, o que desvirtua o

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samba-canções diversos elementos das duas vertentes do jazz que vieram a influenciar a

música brasileira, tanto o be-bop quanto o cool jazz.

A grande riqueza de João Gilberto, que ele conseguiu condensar eu seu LP Chega

de Saudade, é a incorporação de elementos de cool jazz, que por si só já compreende a

riqueza erudita com a espontaneidade do jazz, com elementos brasileiros. As principais

características inovadoras dentro do legado da Bossa Nova são a instrospecção anti-

operística, ou seja, o abandono do exagero anti-funcional, de cacoetes musicais que

transformavam a voz do intérprete em instrumento virtuosístico e passional. Um dos

maiores avanços de João, segundo Caetano Veloso, Júlio Medaglia ou Augusto de Campos,

é o fato de que a sua interpretação se torna espontânea, não teatral, usando a sua voz de

maneira funcional, introspectiva. Além de todas as inovações da batida, já comentadas

anteriormente, a principal característica da Bossa, e que vem a ser usada depois para criticar

aqueles que se dizem sucessores da Bossa Nova, é a introspecção contida, um elemento

novo, que conseguiu juntar, em um mesmo caldeirão, o erudito, o jazz, o brasileiro e a

funcionalidade.

O que mais intrigava a todos era o fato de que João Gilberto conseguia aliar a

riqueza harmônica, rítmica, a introspecção, cultura brasileira e a novidade, conseguia criar

um gênero musical novo, bem acabado, não-exótico, capaz de ser exportado sem perder a

sua nacionalidade. Assim, dentro ainda do conceito de linha evolutiva do Caetano, o

principal fundamento de João Gilberto era o fato de ele ter conseguido condensar o novo

internacional com a raiz brasileira, incorporando os avanços técnicos existentes no cenário

internacional sem medo da novidade.

Inaugurava então um novo período dentro da música brasileira, inaugurando a

Bossa Nova, postando o marco zero da linha evolutiva. A base era João Gilberto por ele ter

conseguido desenvolver a música nacional sem medo do cosmopolitismo, sem defender o

analfabetismo e sem medo de ser novo. Segundo Gilberto Mendes, o maior avanço da

Bossa Nova foi a troca de influências, a integração do samba no panorama da arte

mundial.(MENDES, 1968, 138) Somente ao ser avaliada, comparada com outras formas de

arte, que a Bossa Nova pôde ser considerada arte importante, e João Gilberto consegue

fazer isso ao incorporar à sua invenção artística experiências internacionais. Consegue dar à

caráter de improviso em mera repetição. O cool jazz tenta dar ao jazz a rigidez da forma erudita, sem

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rigidez da arte internacional o balanço brasileiro, produzindo algo que nenhum outro artista,

a não ser o brasileiro, possa reproduzir, sem o sotaque característico.

2.3. A intitucionalização da MPB e a perda da espontaneidade

A partir do momento em que Caetano Veloso fala que é necessário retomar a linha

evolutiva (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 40) entende-se que o processo,

iniciado com João Gilberto, em um determinado momento, parou. Como visto no capítulo

anterior, o processo de institucionalização da MPB engloba diversos fatores, como a busca

pela politização de uma Bossa, a princípio, alienada no olhar Zona Sul, até à criação de

paradigmas musicais, como a determinação de instrumentos musicais que pertencem ao

gênero Bossa e como à temática a ser trabalhada.

Críticos contemporâneos ao processo enxergam problemas estruturais dentro da

Bossa Nova, problemas estes que fazem com que a procura pela Bossa diminua. Além da

perda de público, o caráter da Bossa passa a ser desvirtuado27. Caetano Veloso procura

demonstrar, já em sua entrevista de 1965, as falhas contidas dentro da Bossa. Júlio

Medaglia e Gilberto Mendes, procuram entender como que a perda da espontaneidade da

Bossa Nova alavanca processos novos, talvez qualitativamente inferiores, sob parâmetros

musicais da época, como a Jovem Guarda.

Júlio Medaglia, em seu Balanço da Bossa, de 1966, procura demonstrar como, sob

a figura de Elis Regina, e de seu programa televisivo, O Fino da Bossa, a Bossa Nova foi

perdendo a sua característica de vanguarda, perdendo o seu caráter progressista para ser

uma apanhado de hits para alavancar a audiência. Denota-se aqui dois processos

importantes dentro da música brasileira. A vinculação da música pela televisão torna-a

dependente do mercado. Ou seja, incorpora-a dentro da indústria cultural, dependente da

propaganda, dos níveis de audiência, do consumo. Transforma, segundo Medaglia, a

música popular brasileira em música industrial, dependente da indústria cultural.28 O

dispensar a espontaneidade advinda do improviso, ainda que este seja a repetição nada improvisada. 27 Esta talvez seja a principal discussão existente dentro do cenário musical brasileiro na década de 1960, a perda do caráter de originalidade da Bossa Nova. A medida que o processo de institucionalização toma conta da Bossa Nova, ela se torna, cada vez mais, dona de paradigmas. Estes lhe tiram a espontaneidade, gerando uma perda e público e audiência, parcelas importantes perdidas para a Jovem Guarda. 28 Aqui, a Bossa passa a depender da estandartização das obras, experimentada ao longo da institucionalização da MPB, que pode ser encarada com um elemento típico da indústria cultural, tal qual Adorno enxerga. A produção em massa de determinadas fórmulas de sucesso aniquilam a consciência crítica,

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processo de industrialização, ao mesmo tempo que populariza a Bossa levando-a para

grande parte do território nacional através das telas, a torna dependente, e, em sua

dependência, aniquila a sua espontaneidade. Assim, para manter os níveis de audiência, o

impressionismo funcional característico de João Gilberto vai transformando-se em um

expressionismo teatral, o samba-canção, abolerado e passional, que parecia definitivamente

enterrado pelo Lp Chega de Saudade, renasce para manter o público, os níveis de

audiência, tanto do programa quanto dos festivais. A rivalidade (superdimensionada e até

propagadeada para aumentar os níveis de audiência) com o programa Jovem Guarda

colocava o pessoal de O Fino em xeque, e, cada vez mais, buscavam uma interpretação

carregada, contrária ao postulado bossanovista. Aqui, por mais paradoxal que possa

parecer, Júlio Medaglia afirma que a Jovem Guarda, com a sua espontaneidade e

despojamento, estava mais perto da atitude intimista de João Gilberto do que aqueles que

apregoavam ser seus sucessores. A Bossa Nova havia perdido seu rumo, de acordo com

Gilberto Mendes.

Augusto de Campos, ao escrever da Jovem Guarda a João Gilberto (CAMPOS,

1966, 55) busca entender o súbito processo de desinteresse pela Bossa Nova, e a ascensão

da Jovem Guarda. Não se trata somente de culpar a indústria cultural e a propaganda, ainda

que esta seja a arma mais fundamental da indústria segundo Adorno.29 Augusto de Campos

endossa o maestro Medaglia, ao afirmar que o estilo teatral de Elis Regina, o ecletismo de

seu programa e a perda da espontaneidade tem matado o interesse do público em relação à

Bossa, e, dentro de uma vazio cultural, ascendido o interesse pelo Iê- Iê- Iê. Não se trata

somente de voltar às raízes, trata-se de dar uma passo atrás, voltando a exagerar no make-

up teatral e aniquilar, neste processo, aquilo que João Gilberto havia conseguido.

alienando ao invés de conscientizar. Assim, a Bossa, que procurava criar em seus ouvintes um elemento crítico perante a realidade nacional, tornava se instrumento de alienação, criando um paradigma musical que esperava ser ouvido, e qualquer elemento novo incorporado soaria estranho e seria rejeitado. 29 Sem esta, a indústria cultural não sobreviveria. Adorno diz que a sociedade poderia viver sem a indústria cultural (ADORNO, 2004, p. 66), mas é a propaganda que gera as necessidades recorrentes nos indivíduos, que, por conseqüência, gera a apatia. A propaganda é a essência da indústria cultural, sua engrenagem mais eficiente. É através da propaganda que um determinado produto cultural encontra mercado consumidor, se torna necessário e reconhecível. O caso da Jovem Guarda é emblemático, que tornou-se um ícone da indústria cultural brasileira, penetrando na vida cotidiana das pessoas através da propaganda. A influência propagandística demarca a influência econômica dentro da cultura. A arma é usada em prol da venda de determinados produtos. Não basta somente ter os meios de produção, é através dos meios de comunicação que a dominação se torna efetiva.

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Assim, devido à crise, busca se criar parâmetros musicais, fórmulas de sucesso que

procuraram enquadrar aquilo que seja música de qualidade e aquilo que vem a ser

pejorativamente denominado Iê- Iê- Iê. É a crise, o passo atrás, que transforma os

envolvidos com a Bossa em guardiões da nacionalidade, usando da arma do nacional para

alavancar sua audiência. A desqualificação do novo, do alienado, ou do internacional, busca

mascarar os problemas estruturais dentro da própria Bossa, problemas estes enxergados por

Augusto de Campos, Júlio Medaglia, Caetano Veloso e Gilberto Mendes. A falha, dentro

dos argumentos da Bossa, é a repetição de um discurso desqualificante do qual a própria

Bossa foi vítima: aquilo que vem do estrangeiro não pode ser incorporado à música

nacional por agredir a sua pureza. A falha consiste em defender a pureza de algo que é

cosmopolita em sua essência, usar de argumentos que remetes às raízes folclóricas

(anteriormente usados por Tinhorão para defender a arte regional) para defender uma arte

urbana, que já havia sido de vanguarda, influenciada pelo jazz e influenciadora dentro do

cenário mundial.

Gilberto Mendes dá a volta da Bossa Nova às raízes, para ele, semi-esgotadas,

tonalidades mais dramáticas, ao afirmar que aqueles compositores, engajados contra o

subdesenvolvimento, “ganhavam um nota sentida com a exploração de um gosto popular

subdesenvolvido, subestimando as possibilidades que o povo tem de apreciar trabalhos

mais elaborados. Mesmo a pesquisa folclórica feita em Disparada foi efetuada num campo

já esgotado.” (MENDES, 1968, 134) Assumir que o novo é elemento estranho e portanto

incompreensível30 dá à Bossa Nova de Elis Regina o rótulo de música industrial. Se o gosto

da sociedade foi sedimentado, e não pode ser contrariado, a música popular urbana, ou seja,

aquela quem vem surgindo do choro e do samba, se emancipa com a Bossa Nova, torna se

dependente, não somente do folclorismo defendido por Tinhorão, mas da Indústria e do

mercado. Assim, novamente, a Bossa perde a sua característica original, perde-se dentro da

linha evolutiva defendida por Caetano, perde-se buscando identificar a si mesma.

E, é neste sentido que Caetano Veloso postula a sua linha evolutiva, e busca a sua

retomada. A linha que começou com João Gilberto, com o seu cosmopolitismo de

30 Segundo Adorno,o novo é incompreensível. À medida que a Indústria Cultural determina o consumo, e o novo, ou seja, a inserção de algo que ainda não é necessário, é anti-consumo, exclui qualquer novidade não necessária dentro do esquema da Indústria Cultural (ADORNO, 2004, p. 27)

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qualidade, e que se perdeu na perda de rumos da Bossa Nova. Ainda em sua entrevista à

Revista Civilização Brasileira, Caetano diz que a alienação é um dado real dentro da

sociedade brasileira. Esta alienação não é só fruto do Iê- Iê- Iê, da juventude rebelde,

transviada que empunha as suas guitarras elétricas. A alienação é também fruto da

estandartização, do gosto anestesiado. Fruto ainda de um obra de arte que buscava libertar

os jovens dos agruras do regime. A relação entre Caetano Veloso e Adorno impressiona.

Por exemplo, quando Caetano diz que “não tenho dúvida de que muitos dos grandes

sucessos se servem dela (da alienação), servindo-a.” faz coro aos postulados de Adorno,

expressados em seu capítulo sobre a Indústria Cultural. Para Adorno, o uso da razão como

instrumento de dominação, (daí o termo dialética do esclarecimento) engloba a cultura, que,

ao padronizar as obras de arte, oferece o sempre-igual como cultura, anestesia a crítica.

Cria a alienação, por tratar o público como um mercado consumidor acrítico, incapaz de

poder julgar as obras, por falta de senso e de noção de arte. Usando a alienação como base,

perpetua-se na constante oferta de mercadorias culturais iguais. Se serve da alienação,

servindo-a, perpetuando-a.

A resposta de Caetano à Indústria pode parecer complexa. É se integrar à indústria

cultural, às necessidades da juventude brasileira para poder lutar contra a própria

indústria.31 Ou seja, assumir as regras do jogo industrial para poder vencer em seu próprio

campo. Partir da necessidade, do consumo, para criar uma contracultura capaz de mostrar

uma face da realidade brasileira. É a estratégia do choque, mas também do cosmopolitismo,

de integrar-se e ainda ser brasileiro. Segundo Caetano, é o que fez a Bossa Nova, é o que

faz o Cinema Novo.

2.4. A Era dos Festivais como catalisador

Com o advento da Era dos Festivais, o processo de bipolarização se acentua

dentro do cenário musical brasileiro. A “nova Bossa Nova”, que procurava ser engajada,

politizada, tentava alcançar o sucesso através do retrocesso, através das raízes musicais

brasileiras, mesclando a Bossa Nova com os estilos anteriores à mesma. Os Festivais, com

a medição do sucesso imediato, eram um termômetro ideal para a indústria cultural, que

tinha, já no ato da apresentação, a repercussão ideal das músicas apresentadas.

31 O exemplo disso já se encontra no manifesto da Música Nova, de 1963, que será estudado mais adiante.

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Assim, a Era dos Festivais acentuou as características industriais da Bossa Nova,

acirrou a defesa da “pureza”, do antagonismo à Jovem Guarda (cujos membros eram

recebidos com vaias). Mas, ao mesmo tempo, abriu espaço para a incorporação do novo, do

choque, do “desbunde” como arma contra a institucionalização. Durante o 3º Festival de

Música Popular Brasileira, que aconteceu no ano de 1967, em São Paulo, que Caetano

Veloso colocou em prática a retomada da linha evolutiva. Gilberto Gil o acompanhou,

também reestabelecendo a linha evolutiva. Esta havia sido postulada por Caetano já em

196532 e defendida tanto por maestros como Júlio Medaglia, quanto por artistas e poetas,

como Augusto de Campos.

Ao escrever Festival de Viola e Violência, artigo publicado logo após a ocorrência

do festival, em 1967, Augusto de Campos procura enfatizar alguns detalhes acontecidos

durante esse evento, que se tornou emblemático. O primeiro, é o fato de que somente 1%

das canções inscritas participam efetivamente do festival. Coincidentemente, aqueles que

participam do festival já são nomes consagrados, ou seja, o festival só vem a corroborar o

cenário contemporâneo, criando nomes efetivos e criando um torneio entre os melhores

nomes da música brasileira (CAMPOS, 2003, 126) Outro ponto importante é o fato de

haver uma fórmula para ganhar festival, fórmula esta seguida por autores consagrados,

como Chico Buarque de Hollanda, ou Geraldo Vandré. Esta fórmula leva em conta o

público presente, que, segundo Augusto de Campos, tem uma minoria conhecedora de

música e uma maioria esmagadora que segue a doutrina emanada pela televisão, pela mídia

e pela propaganda. E, esta mesma maioria tem na vaia a sua arma fundamental. Esta arma

está, freqüentemente, apontada para os membros da Jovem Guarda, símbolos da juventude

alienada. Ou seja, a maioria influenciada pela televisão não é, de fato, seguidora da

propaganda vigente, que, pela lógica, seria devota da juventude alienada. São universitários

de classe média que procuram na Bossa Nova os símbolos da nação, da luta contra a

ditadura, mas alienados pelos mecanismos da indústria cultura.

Para Augusto de Campos: “Inovação mesmo, e corajosa, no sentido de

desprovincianizar a música brasileira, tal como já o fizera um grande baiano, João Gilberto,

é essa que os novos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil apresentaram no Festival, com

Alegria, Alegria, e Domingo no Parque, lutando contra as barreiras e preconceitos do

32 Toda a concepção de linha evolutiva e suas implicações serão trabalhados mais adiante.

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público, do júri, dos companheiros de música popular, e superando-se a si próprios. Mas

este é um assunto que pede um exame mais demorado...” (CAMPOS, 1967, 131)

Foi no 3º Festival que a busca pela sonoridade universal de Caetano Veloso e

Gilberto Gil se cristalizou. Foi neste festival que, segundo as postulações de Caetano, que a

linha evolutiva começou a ser retomada, na apresentação de suas músicas emblemáticas,

que mesclavam a sonoridade brasileira com elementos cosmopolitas, buscando estabelecer

um conceito mais amplo de arte, que envolvia poesia de vanguarda, elementos de música

erudita, de música pop internacional, instrumentos eletrificados e o choque como arma. Foi

neste festival que a guitarra elétrica, símbolo de rebeldia alienada, de juventude transviada,

tornou-se arma ideológica contra a alienação, contra a indústria cultural33, e contra os

paradigmas vigentes. A guitarra conseguia, durante o 3º Festival, entrar na instituição MPB,

arrombando a porta de entrada com a introdução distorcida de Alegria, Alegria, e juntando

se ao berimbau legitimamente brasileiro em Domingo no Parque. Como disse Gilberto

Mendes, em De como a MPB perdeu a direção e continuou na Vanguarda, a era dos

festivais trouxe consigo indícios do “som universal” de Caetano Veloso e Gilberto Gil,

matando a saudade daqueles que buscavam pela Bossa Nova. (MENDES, 1968, 139)

2.5. Raízes do “Som Universal”

É necessário entender dois elementos importantes antes de se analisar

efetivamente Alegria, Alegria e Domingo no Parque. O primeiro elemento é a própria

concepção de arte, tanto para Caetano Veloso quanto para Gilberto Gil. Outro elemento

fundamental é buscar nas raízes de ambos as suas influências, e como elas se tornam em

fatos concretos dentro de sua música.

Caetano Veloso, na entrevista já citada à Revista da Civilização Brasileira, mostra

saber que a arte que ele fez naquele período, 1965, não pertencia necessariamente ao povo.

Sabia ainda que a Arte, como conceito mais amplo, não “salva nada nem ninguém”. Isto é,

Caetano não acreditava em um messianismo de sua arte, de sua música, nem que o

engajamento da Bossa pudesse transformar a sua realidade. Mas poderia mudar, não ser

33 Embora pareça ser um paradoxo lutar contra a indústria cultural utilizando ela própria como arma, trata-se de um dos pontos de vista do Tropicalismo, e da Música Nova. O único jeito de lutar contra a indústria cultural (e o próprio pessimismo de Adorno quanto a indústria cultural e todos os seus braços já o comprovava, dizendo que é impossível fugir da indústria) é utilizar as suas próprias armas. Utilizar a indústria e seus meios para lutar contra a própria indústria.

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revolucionária, mas fazer a diferença dentro do cenário vigente. Sob qual meio? Sob a

incorporação de diversos elementos da cultura brasileira, tanto no sentido teórico como

prático. Flavio Macedo Soares, participante da entrevista junto com Caetano, diz que a arte

deste, como de Gilberto Gil, assume características de vanguarda por ter “visão de cultura

não como manifestação isolada, mas como parte de um todo uno, no qual a música popular,

a poesia, a literatura, o cinema e o teatro estão entrosados” (REVISTA CIVILIZAÇÃO

BRASILEIRA, 39).

É a busca pela universidade brasileira34 como forma de impedir que a arte

alienada, e fragmentária, possa tomar parte em uma nova arte. Neste caso, ainda que a

música brasileira esteja sendo passiva, ou seja, frente aos avanços internacionais

permanecendo estática ou retrógrada, é a arte de Caetano e Gilberto, com seus embriões

renovadores, que tem se tornado importante dentro do cenário musical vigente.

A partir da concepção de um todo artístico, vê-se que a mistura que envolve as

músicas de Caetano Veloso e Gilberto Gil vai muito além das influências musicais das

raízes brasileiras. Um dos primeiros elementos importantes dentro da concepção artística é

a poesia concreta. Como diz Celso Favaretto, em tropicália, alegoria alegria, “O

tropicalismo efetuou a síntese de música e poesia, que vinha se fazendo desde o

modernismo, embora raramente conseguida”. (FAVARETTO, 200, 32) A influência da

Poesia Concreta se nota tanto na ideologia artística,35 quanto na concepção das letras. A

poesia concreta influência também a própria concepção da música, fragmentária.

A relação entre poetas concretistas com músicos de vanguarda vai além do

oportunismo ou da relação de artistas de vanguarda sem saída. Trata-se de um contato

mútuo, de apoio “pedagógico” por parte dos concretistas, que vem a fornecer subsídios

teóricos para os compositores baianos para que estes possam se situar frente às demais

manifestações artísticas do momento (HOLLANDA, 1980, 67)

A raiz comum de ambos os movimentos, tanto do começo do tropicalismo, quanto

da poesia concreta, está na transgressão, no choque, na marginalidade. É o que vem a ligar

34 Aqui o termo universidade é empregado não no sentido acadêmico, mas como um sentido diferente de universalidade. A universidade é a junção dos elementos nacionais em torno de um mesmo eixo, ou seja, é a busca pelos elementos comuns e aglutiná-los em um mesmo conjunto, a música de Caetano e Gilberto. 35 Basta lembrar que um dos maiores colaboradores de Caetano Veloso e Gilberto Gil, ideólogo e articulista é Augusto dos Campos, membro importante do movimento concretista, cujos artigos e compêndios são usados extensivamente neste trabalho.

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os membros da Poesia Concreta aos compositores da vanguarda da música popular

brasileira. Assim, Augusto de Campos e seu irmão, Haroldo, identificam-se nas concepções

de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e fornecem-lhes subsídios teóricos para fundamentar as

suas idéias.

Outro apoio neste sentido, quase pedagógico, e talvez muito mais concreto e

efetivo, vem dos músicos de vanguarda relacionados com a Música Nova. Esta vem a ser

um movimento/manifesto de músicos de vanguarda altamente influenciados pela música

erudita de ponta, ou seja, desde o dodecafonismo de Arnold Schoenberg até o

experimentalismo de John Cage. O manifesto Música Nova, lançado em 1963, postula

importantes concepções musicais que vem a ser influenciadoras dentro do contexto no qual

Alegria, Alegria, e Domingo no Parque, vem a serem confeccionadas. Esta influência é

direta, pois dentre os signatários do manifesto estão Rogério Duprat e Júlio Medaglia,

arranjadores das músicas citadas e participantes do movimento depois conhecido como

Tropicália. A influência não está somente no arranjo, mas também, de uma maneira ainda

mais direta, nos instrumentistas arranjados para que o arranjo pudesse ser tocado. Tanto

Rogério Duprat alistou os Beat Boys para tocarem junto com Caetano quanto Júlio

Medaglia apresentou Os Mutantes para Gilberto Gil.

Dentro da concepção conceitual, é necessário recorrer ao manifesto editado por

ambos. Assim, quando se lê já a primeira concepção, “compromisso total com o mundo

contemporâneo”, vê-se que nada é excluído dentro da concepção musical da Música Nova.

Nem dentro do campo estritamente musical, como a incorporação de elementos eletrônicos,

atonais, dodecafônicos, regionais, cosmopolitas, tudo pode ser incorporado pela Música

Nova em sua concepção. Outra visão deste conceito engloba a conceito de indústria

cultural. O compromisso total com o mundo contemporâneo não exclui, de forma nenhuma,

a incorporação de elementos da indústria cultural dentro da concepção de suas músicas. Ou

seja, a Música Nova pode partir do consumo, partir das necessidades vigentes para produzir

suas músicas. A Música Nova não procura se desvincular dos meios de comunicação de

massa, mas utilizar estes meios para se promover.

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O próprio conceito de alienação36 mostra que a música nova busca nos meios

industriais a solução para acabar com a alienação.

Mas, talvez o elemento conceitual mais importante postulado pela Música Nova, e

incorporado pelos baianos, esteja na “cultura brasileira: tradição de atualização

internacionalista (p. ex., atual estado das artes plásticas, da arquitetura, da poesia), apesar

do subdesenvolvimento econômico, estrutura agrária retrógrada e condição de subordinação

semi-colonial, participar significa libertar a cultura destes entraves (infra-estruturais) e das

super-estruturas ideológico-culturais que cristalizaram um passado cultural imediato alheio

à realidade global (logo, provinciano) e insensível ao domínio da natureza atingido pelo

homem.” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 34) Vê se aqui dados importantes

efetuados depois tanto por Caetano quanto por Gilberto: apesar do subdesenvolvimento

brasileiro, apesar de estar preso a uma estrutura ultrapassada, a arte brasileira pode e deve

ser livre, internacionalizar-se e transformar a cultura a partir de suas concepções.

A forma de choque através da estética é a influência incorporada pelo movimento

depois denominado de Tropicalismo. A quebra da alienação não se dá só através de letras

ou ideologia nacionalista. A forma, a estética tem também importante conceito dentro da

arte revolucionária. “sem forma revolucionária não há arte revolucionária” (MAIACÓVSKI,

citado no manifesto da Música Nova)

Assim, além da influência direta dos maestros e arranjadores da Música Nova37, a

ideologia cosmopolita - e de certa forma revolucionária - quanto à incorporação de todos os

elementos possíveis na forma, é assimilada por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Não deve

haver limites técnicos ou estéticos para a arte, para a música.

Porém, não se pode pensar somente em influência direta, pensando na música

erudita como algo superior que emana influências sobre as artes menores. Não, trata-se de

identificação de pontos comum, como deixa claro Gilberto Gil em entrevista à Augusto de

Campos, dizendo que a posição de Rogério Duprat, assim como de Júlio Medaglia, em

relação à música erudita era muito semelhante àquela que ele e Caetano tinham em relação

à música popular. Esta posição é de insatisfação ante os valores impostos(CAMPOS, 2003,

36 “alienação está na contradição entre o estágio do homem total e seu próprio conhecimento do mundo, música não pode abandonar suas próprias conquistas para se colocar ao nível dessa alienação que deve ser resolvida, mas é um problema psico-social-político-cultural” (REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 34) 37 Júlio Medaglia e Rogério Duprat, signatários do manifesto Música Nova, estavam diretamente envolvidos com os arranjos das músicas Alegria, Alegria e Domingo no Parque.

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195). Ou seja, a partir do momento em que se identificam pontos de intersecção na

ideologia musical da música erudita de vanguarda, e no descontentamento com os rumos da

Bossa Nova por parte de ambos músicos baianos, há um aproximamento de ambas

correntes, que, literalmente, sentam e discutem os arranjos a serem feitos em suas músicas,

culminando no desbunde de Alegria, Alegria, e Domingo no Parque.38

Dentro do universo musical, as influências são diversas. A influência musical

direta sobre o som de Caetano Veloso e Gilberto Gil tem a sua raiz em João Gilberto, como

já foi explicitado antes, por todas as razões de requintes harmônicos, melódicos, rítmicos e

ideológicos de João Gilberto e sua batida diferente. Dentro ainda do universo musical

brasileiro, Gilberto Gil cita ainda a influência fundamental de Luiz Gonzaga e seu baião

amaldiçoado (CAMPOS, 2003, 192). O papel que Luiz Gonzaga tem é fundamental para

Gilberto Gil, à medida em que ele é visto como um dos primeiros artistas de massa do

Brasil, fazendo a transposição entre música folclórica para música popular, de propaganda,

alcançando níveis de sucesso antes inimagináveis.

Foi Luiz Gonzaga, segundo Gilberto, que deu o primeiro passo, ainda no começo

da década de 50, em transformar música folclórica em um produto bem acabado, sendo

predecessor até do João Gilberto e seu samba novo.

Porém, assim como a Bossa Nova, ou mesmo os movimentos de vanguarda

realizados por Caetano e Gilberto, o baião de Luiz Gonzaga era visto como algo marginal,

sujo, tendo, segundo Caetano e Gilberto, a mesma maldição que a Jovem Guarda carregava

na década de 60. Essa maldição vinha a partir do exercício de liberdade de Luiz Gonzaga,

da introdução do novo.39

Essa influência do novo vem a se juntar com um sentimento ainda maior de

cosmopolitismo a partir da influência dos Beatles na música de Caetano e Gilberto.

Caetano, em entrevista à Augusto de Campos, diz que os Beatles deram uma virada dentro

do cenário musical internacional, mudaram os rumos de tal maneira que a sua direção é

ainda incerta, assim como as suas conseqüências. (CAMPOS, 2003, 200) É importante

38 Na troca de influências exercida pela Música Nova e pela música popular dos baianos, a primeira oferece o requinte e o conhecimento musical teórico, a segunda oferece um vasto campo onde a ideologia pode se concretizar (MENDES, 1968, 136)

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reconhecer o papel fundamental que os Beatles tiveram sobre a música, tanto de Caetano

quanto de Gilberto, pois o exercício de liberdade que já havia sido identificado em Luiz

Gonzaga, que havia sido manifestado pela Música Nova, estava sendo posto em prática

pela música dos Beatles. Gilberto Gil afirma que:

“Isso, (a influência da música pop internacional sobre ele) principalmente, pelo exercício de liberdade nova que eles propuseram à música popular do mundo inteiro, o que é uma coisa flagrante, e pelo sentido de descompromisso que eles impuseram com respeito ao que já tinha sido feito antes, mesmo com a música clássica, erudita. Os Beatles quase que puseram em liquidação todos os valores sedimentados da cultura musical internacional anterior. Eles procuraram colocar tudo no mesmo nível – o primitivismo dos ritmos latino-americanos ou africanos em relação ao grande desenvolvimento musical de um Beethoven, por exemplo (...) Eles pegam essas coisas todas e colocam numa bandeja só, num único plano de discussão. Esses três – Luiz Gonzaga, João Gilberto e os Beatles – foram os marcos de minha formação musical, num sentido profundo.” (CAMPOS, 2003, 193)

Aqui, Gilberto Gil, além de demonstrar o trio que fundamenta as suas influências,

vem a corroborar o papel fundamental no exercício que existia nos Beatles, no exercício de

incorporar os mais diversos sons existentes, da música dita como “primitiva”, exótica, à

música erudita ou de vanguarda. O que é interessante notar é que, quando os Beatles

exercem esse tipo de nivelamento cultural, podendo aproveitar de todos os estilos musicais

dentro de um mesmo gênero, o pop, exercem um tipo de liberdade, em nível prático, que

antes era só imaginado por grandes teóricos musicais. A influência, fundamental dos

Beatles, está em não se prender a estilos, ou a paradigmas, mas quebrá-los dentro da música

pop, fazendo com que o som, outrora básico e simples demais, tornasse-se um caldo rico de

influências diversas, que englobasse tanto o música erudita quanto influências orientais ou

africanas. O salto qualitativo dado pelos Beatles vem a provar que é possível fazer pop de

39 Assim, a influência de Luiz Gonzaga é, além da clara influência musical, com seu ritmo marcante ou seus intervalos musicais característicos, influência ideológica, da novidade, da espontaneidade(CAMPOS, 2003, 202).

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qualidade, vem provar que a música espontânea feita pela Jovem Guarda e pelos conjuntos

de Iê- Iê- Iê pode ser sim complexa, rica e ainda fazer sucesso.

Caetano Veloso, em entrevista à Luiz Carlos Maciel, diz que, o papel mais

importante que os Beatles exerceram sobre a sua música, foi o fato de poder quebrar o

cerco de “bom gosto” vigente (MACIEL, 1971, 168) Ou seja, quebrar os paradigmas

musicais que ditam as regras do que vem a ser bom ou ruim, qualitativamente falando. É, a

partir dos Beatles, que se pode transformar em música de boa qualidade aquilo que era

anteriormente pejorativamente desqualificado. Os Beatles dão aos baianos a noção de que é

possível quebrar os paradigmas, em fazer uma música voltada para a alegria, para o

desbunde, sem necessariamente ser extremamente passional, ou operística, e ainda assim

fazer música de qualidade.

Esse exercício de liberdade dos Beatles foi levado às últimas conseqüências por

outra influência fundamental, Jimi Hendrix. Para Caetano, a música de Hendrix é muito

mais rica, nova e difícil de ser assimilada do que a dos Beatles (MACIEL, 1971, 168). A

sua originalidade não se atém ao seu virtuosismo guitarrístico, ou à forma totalmente nova

de encarar a maneira de tocar guitarra. Mas sim no fato de a base de sua expressividade

encontrar-se na eletricidade. Ou seja, no papel fundamental que a guitarra elétrica tem, nas

mãos de Hendrix, de quebrar os paradigmas, quebrar padrões culturais. Caetano até diz que

é necessário mudar seus padrões auditivos para poder entender Hendrix (MACIEL, 1973,

137), e que, segundo Luiz Carlos Maciel, são os hippies que melhor se adaptaram para

poder entender essa contracultura.

O importante a ser ressaltado dentro da influência de Hendrix é de que ele explora

ao limite o exercício da liberdade já feito pelos Beatles, mas com um diferencial, calcado

em sua guitarra elétrica. Ou seja, partindo da influência dos Beatles e de Hendrix, já era

possível, para Caetano Veloso e Gilberto Gil, incorporassem elementos novos dentro da

música brasileira, como as experimentações dos Beatles e a liberdade elétrica de Hendrix.

O problema ainda reside no fato de que a guitarra carrega em si o estigma da rebeldia, de

sua associação com a Jovem Guarda, com a alienação, não é um signo da liberdade, como o

parece ser nas mãos de Jimi Hendrix, mas da dominação imperialista ianque.

É dentro desta ótica que se encontra uma problemática interessante. Para a Bossa

Nova engajada, a MPB havia feito avanços incalculáveis com a criação do samba novo de

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João Gilberto, mas, para conservar esses avanços, era necessário manter a Bossa pura, livre

de instrumentos de alienação, livre da influência estrangeira. O problema reside no fato de

que, ao tentar preservar a Bossa engajada da alienação, aliena-se, criando paradigmas

musicais que cauterizam o gosto popular, excluíndo o novo, excluíndo da própria Bossa os

avanços conseguidos por João Gilberto. É uma das marcas do pessimismo de Adorno

expressas na realidade musical brasileira.40 Assim, quando a Bossa se fecha a diversos

signos de novidade, entre os quais a guitarra elétrica está inclusa, torna-se uma instituição

paradigmática, controladora. Tenta voltar às suas raízes, esquecendo-se da lição de João

Gilberto, do cosmopolitismo com raízes brasileiras. É a defesa da instituição Bossa sem de

fato conhecer, para os críticos deste movimento, a sua real raiz.

Assim, a guitarra é vista como instrumento de alienação, símbolo da rebeldia, da

juventude transviada, e de fato o parecia ser nas mãos dos jovens do Iê- Iê- Iê. Porém, nada

é imutável, e um fato novo muda o significado do símbolo. As experiências dos Beatles e

de Jimi Hendrix vem provar que a guitarra elétrica, no caso de Hendrix, e o

experimentalismo, no caso dos Beatles, é um signo da liberdade. A Bossa, ao fechar-se para

influências estrangeiras, não enxerga a passagem do significado, mas, sob o foco do

conservadorismo, está míope às mudanças existentes dentro do panorama internacional.

É o cosmopolitismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que, a exemplo do

pioneirismo de João Gilberto, que proporciona esta nova incursão dentro do cenário

musical brasileiro. Da passagem da guitarra de um instrumento típico do Iê- Iê- Iê para um

instrumento elétrico que simboliza a liberdade, a informação é nova. É a isso que Augusto

de Campos se refere no texto usado como abertura deste capítulo, que não se trata somente

de incluir guitarras elétricas dentro do contexto musical brasileiro, mas sim de entender que

a Bossa havia se fechado ao seu cosmopolitismo embrionário, enquanto os baianos,

influenciados tanto pelas raízes brasileiras, quanto pela arte de vanguarda, e pelo pop

internacional, estavam abertos a novas experiências.

40 O pessimismo de Adorno em relação à indústria cultural pode ser notado pela inevitabilidade de pertencer à ela. A indústria cultural estende seu poder de dominação de forma tal, que, para Adorno, não há como escapar. Mesmo que se busque negar a vinculação com a indústria cultural, a própria negação, para Adorno, já demonstra a sua profunda relação com a indústria. O fato da Bossa Nova tentar escapar da alienação cerceando lhe a liberdade aliena-a e ao seu público, por limitar a inclusão de novidades, limitando o gosto e a experiência estética plena.

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Conclusão

Analisado isso, pode-se entender a explosão que simboliza Alegria, Alegria, assim

como Domingo no Parque. A diferença existente entre a apresentação de ambas as músicas

para as demais é sintomática. Tanto a música de Caetano Veloso quanto a de Gilberto Gil

tornam-se importantes por não se adequarem à estilos pré-definidos. Não podem ser

consideradas Iê- Iê- Iê, mesmo tento conjuntos de rock´n roll acompanhando as bandas41.

Mas também não se enquadram dentro das raízes emepebistas vigentes, ainda que Alegria,

Alegria seja uma marchinha com intervalos típicos brasileiros, e que haja a presença de um

berimbau, e um forte sotaque nordestino, em Domingo no Parque. O que resta entender é

como ambas as músicas foram concebidas por seus autores, e qual o significado delas

dentro da Era dos Festivais, da crise da Bossa e na definição de novos rumos da vanguarda

musical brasileira.

Alegria, Alegria – Augusto de Campos vê, em seu artigo A explosão de Alegria,

Alegria, de 1967, importância semelhante à de Desafinado, músico emblemática de João

Gilberto, no sentido da definição de um rumo crítico face à música popular brasileira,

defendendo um comportamento “anti-musical muito musical”. (CAMPOS, 2003, 151) A

importância de Alegria, Alegria se deve à retomada da chamada linha evolutiva, assumindo

um comportamento semelhante ao do baiano do samba novo, procurando fazer um neo-

antropofagismo dentro da música brasileira. (CAMPOS, 2003, 152) Talvez a exaltação de

Augusto de Campos seja superdimensionada, mas é inegável que a intenção de Caetano

Veloso, ao subir no palco do 3º Festival com uma banda de Iê- Iê- Iê e tocar uma marchinha

brasileira com instrumentos elétricos evoca, tanto ao movimento de 1922, quanto o criador

da Bossa Nova.

A proposta de Caetano é exposta em entrevistas feitas, tanto à Augusto de Campos

como para Luiz Carlos Maciel, já na década de 1970. Na primeira entrevista, Caetano

explicita um conceito necessário para compreender a explosão que significa Alegria,

Alegria: a necessidade do novo. Caetano acredita que no processo de criação dos novos

meios de comunicação, do rádio ao disco, culminando na televisão, a própria música inova-

se, adaptando-se aos meios. A avanço da comunicação de massa muda a própria

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característica da música para as massas. A diferença básica reside no fato de o pessoal da

Bossa Nova engajada achar que este processo já esteja esgotada, buscando em raízes - que

para Gilberto Gil estão mais esgotadas ainda - fonte de inspiração. Caetano acha que o

processo deva continuar. (CAMPOS, 2003, 200) O esgotamento existe em âmbito nacional

pois a Bossa, ao tentar assumir uma aura de “seriedade”, fechou-se para os avanços, que

continuam no mercado internacional. Assim, Caetano acha que “a novidade passou a ser

um dado de exigência do mercado... ... e isso possibilita que o novo aconteça como

música”.42 (CAMPOS, 2003, 201) Assim, Caetano parte do princípio de que é necessário

inserir elemento novo na música, pois o mercado demanda, ainda que não esteja preparado

para receber.43

A concepção de novidade parte na abertura da música, um movimento forte de

guitarras distorcidas, e na letra fragmentária. Para Augusto de Campos, a letra de Alegria,

Alegria é uma “letra-câmera-na-mão” (CAMPOS, 2003, 153) Aqui, mistura se ao caldo da

poesia concretista, fragmentária, a influência do Cinema Novo sobre Caetano Veloso. A

letra de Alegria, Alegria é um “mosaico informativo”, a captação da realidade urbana

brasileira, múltipla e fragmentária.(vide anexo I) (CAMPOS, 2003, 153) Para Heloísa

Buarque de Hollanda, a letra simboliza “a crítica à intelligentzia de esquerda (“por entre

fotos e nomes/ sem livros e sem o fuzil/ sem fome, sem telefone/ no coração do Brasil”) e o

namoro com os canais de massa (“ela nem sabe, até pensei/ em cantar na televisão”)”

(HOLLANDA, 1980, 55) Simboliza essencialmente duas coisas: o não conformismo com

os paradigmas vigentes, utilizando técnicas de vanguarda (texto fragmentário, alegórico,

influência da poesia concretista) e a atualização das artes.

A busca da importância da letra de Alegria, Alegria vai provar aquilo que já está

expresso ao longo de todo esse trabalho. As influências da vanguarda e a busca pelo novo.

O importante é salientar que a luta expressa por Alegria, Alegria não é por um futuro

revolucionário e utópico, mas a luta pelo presente, pelos problemas que podem ser captados

41Os Beat Boys, que acompanharam Caetano, e Os Mutantes, que tocaram junto com Gilberto Gil, são, originariamente, grupos ligados à música jovem, ao Iê- Iê- Iê. 42 Frase cunhada tanto por Gilberto Gil, a quem pertence a primeira parte, “a novidade...” quanto por Caetano Veloso, que complemente com “... e isso possibilita...” 43 Aqui talvez seja necessário explicar melhor o conceito de novo e do uso. Para Décio Pignatari, “o belo é significado, o significado é uso, e o uso é comunicação”. Ou seja, ainda que o mercado demanda o novo, não está pronto para assimilá-lo, pois somente o uso recorrente, através dos meios do comunicação vai acabar transformando o novo, elemento estranho, em elemento belo e palatável.

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na contemporaneidade, na sociedade fragmentária, ao não aceitar as utopias, lutando pelo

aqui e agora (HOLLANDA, 1980, 61) Assim, Caetano busca, na letra e na música, a tática

de choque, choque pelo novo, pelo inesperado, mas necessário. É através da tática de

choque que se busca romper com os paradigmas. “O excesso parece ser a única arma contra

a hostilidade cruel do Ser” diz Luiz Carlos Maciel sobre Jimi HENDRIX. (MACIEL, 1973,

140) É através do excesso, do novo, do choque, que a música de Caetano busca romper

com a letargia existente dentro da Bossa Nova.

Para tanto, usa-se de suas influências, do cosmopolitismo, das guitarras elétricas

para romper as barreiras impostas pela Bossa Nova. Ao incluir guitarras elétricas em seu

arranjo, Caetano conseguiu não só voltar as bases da Bossa Nova - seguindo a tradição de

João Gilberto - mas conseguiu mudar a simbologia do instrumento, que continuava a ser

símbolo da rebeldia, mas agora não mais alienada, mas consciente, buscando romper os

paradigmas da seriedade imposta pela Bossa engajada. Tal avanço é significativo dentro do

universo musical brasileiro. O refrão da música, “Por que não?” mostra-se, segundo

Augusto de Campos, como um desabafo-desafio. (CAMPOS, 2003, 152) Por que não

incorporar o novo dentro da música brasileira? Por que não deixar que as guitarras soassem

sobre o palco? Por que se fechar e voltar àquilo de que nos livramos, enquanto o mundo

experimenta a liberdade de criação? A resposta de Caetano já havia sido dada antes mesmo

que a pergunta soasse. A guitarra de Alegria, Alegria já mostrava os novos rumos pelos

quais a música popular de vanguarda de Caetano Veloso buscava seguir. E estes rumos

fundamentavam-se em João Gilberto e em seu cosmopolitismo.

Domingo no Parque – a música de Gilberto Gil vem a ser, segundo Augusto de

Campos, a face complementar da atitude de Alegria, Alegria, na postura reacionária ao

“sistema fechado” existente por parte dos nacionalista (CAMPOS, 2003, 152) Algumas

considerações sobre Domingo no Parque se tornam interessantes. Por exemplo, a letra da

música (vide anexo II) procura um ponto de vista mais expressionista. Não é fragmentária

como Alegria, Alegria, mas alegórica e fílmica.

Talvez o ponto mais importante a ser considerado sobre Domingo no Parque

resida no fato de Gilberto Gil assumir o antropofagismo em sua música, ao juntar o

berimbau e a guitarra elétrica, intervalos nordestinos com Iê- Iê- Iê. O principal objetivo de

Gilberto, expresso em sua entrevista à Augusto de Campos, está na quebra dos códigos pré-

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estabelecidos. Isto é, não se ater à preconceitos, à estilos ou gênero, mas exercer, dentro de

sua música, a liberdade alcançada dentro do panorama musical.

Essa liberdade pode também ser expressa pela inserção, por Rogério Duprat, de

diversos elementos da Música Nova dentro da música Domingo no Parque, como ruídos de

fundo, ruídos de parque. É a liberdade exposta em Domingo no Parque que dá à ela a força

de um movimento revolucionário.

Normalmente, o foco, ao analisar-se Alegria, Alegria, e Domingo no Parque, tem

caído sobre a primeira. Principalmente pelo fato de ser Caetano o expoente das formulações

básicas do movimento que depois vem a culminar no Tropicalismo, como a linha evolutiva.

Não se exclui, de forma alguma a importância de Domingo no Parque. Como Augusto de

Campos mesmo disse, ambas são faces complementares de um mesmo movimento. A

maior diferença consiste no fato de que Alegria, Alegria possui os elementos mais enfáticos

que caracterizam o rompimento com os paradigmas, enquanto estes se encontram mais

diluídos dentro de Domingo no Parque. Tal fato pode ser notado pela própria classificação

de ambas as músicas dentro do 3º Festival. Enquanto Alegria, Alegria ficou em quarto

lugar, devido aos seus elementos de choque, Domingo no Parque figura em segundo, dada

a diluição dos mecanismo de choque entre elementos tidos como legitimamente brasileiros.

A melhor classificação de Domingo no Parque se deve ao fato de ela ter chocado

menos o público. Ainda que assumisse, junto com a música de Caetano Veloso, as mesmas

posições ideológicas, conseguiu fazer com que o caldo se tornasse menos amargo ao

público. A própria brasilidade patente da música – vide a vocalização de Gilberto Gil, ou o

berimbau marcando o ritmo – fizeram com que o público encontrasse um referêncial

brasileiro maior dentro de Domingo no Parque. Isso não a isenta de buscar elementos de

choque dentro da música.

Ao chamar um grupo de Iê- Iê- Iê para acompanhar Gilberto Gil44, Rogério Duprat

assumia, juntamente com Gilberto, a tática de choque. Incluir um grupo com influências de

44 Os Mutantes não eram a primeira opção de Gilberto Gil para acompanhá-lo. Os primeiros a serem chamados foram os integrantes do Quarteto Novo, importante grupo da década de 1960, que incluía Airto Moreira e Hermeto Pascoal, dois dos maiores instrumentistas nacionais. Heraldo do Monte e Theo de Barros também faziam parte deste grupo. Ao conversar com Airto Moreira, o líder do Quarteto, sobre o arranjo, Gilberto Gil mencionou os Beatles como influência. Este fato enfureceu Airto, que era totalmente contra a inserção de elementos pop ou estrangeiros dentro da música brasileira. A solução, encontrada pelo arranjador de Domingo no Parque, foi chamar os Mutantes, banda popular de Iê- Iê- Iê que tocava num bar local. (MELLO, 2003)

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Jovem Guarda nos arranjos de um importante compositor da MPB era assumir a guitarra

como legítimo dentro da MPB. Era a mistura, tão expressa dentro de Domingo no Parque.

A união entre elementos pop com elementos regionais, com uma mistura coesa e

bem amarrada, é talvez a maior virtude de Domingo no Parque. É o elemento de choque

incorporado, é a ideologia não mascarada, mas incluída, arraigada nos arranjos. É a guitarra

elétrica fazendo parte da música brasileira, não a tornando alienada, mas livre. Alegria,

Alegria inclui eu seus arranjos a guitarra, e, como já citado, o foco de análise caiu sobre a

guitarra, e menos sobre a música. O grande ponto a favor de Domingo no Parque é a

possibilidade de se fazer uso dos mesmos elementos de Alegria, Alegria, mas de tal forma

incorporados pela música que se tornam parte da mesma, indistintamente.

Se, por um lado, a música de Caetano chocou, e por isso chamou a atenção, a

música de Gilberto provou ser possível fazer música brasileira, sem perder a sua

caracterísica e nacionalidade, com instrumentos elétricos. É o despertar em Caetano, pelo

choque. É a consciência em Gilberto pela mistura. Ambas tornam-se elementos

complementares, provando ser possível incluir a guitarra elétrica na música brasileira como

exercício de liberdade, de cosmopolitismo brasileiro, sem de fato perder o vínculo com o

regional, com o nacional.

É o passo à frente dentro da música brasileira – dentro da retomada da linha

evolutiva – que Caetano Veloso e Gilberto Gil tomaram. O primeiro pelo choque, o

segundo pela possibilidade de se fazer o nacional, independentemente dos instrumentos

usados. Ambos representam, acima de tudo, a busca pela liberdade de expressão, seja

através da guitarra ou de qualquer outro meio usado dentro da música brasileira. É a

liberdade de ser brasileiro e fazer música brasileira, em um meio onde ambos eram

cercados de limites impostos.

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in: Revista Vernáculo, no. 5, Curitiba, S/E 2002 • REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, in: Arte em Revista, no. 1, São

Paulo, 2ª Edição Editora Kairos 1979.

• REVISTA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, in: Arte em Revista, no. 5, São Paulo, 2ª Edição Editora Kairos 1981.

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Anexo I - Alegria, Alegria Caetano Veloso

caminhando contra o vento

sem lenço sem documento

no sol de quase dezembro

eu vou

o sol se parte em crimes

espaçonaves guerrilhas

em cardinales bonitas

eu vou

em caras de presidentes

em grandes beijos de amor

em dentes pernas bandeiras

bomba ou brigitte bardot

o sol nas bancas de revista

me enche de alegria e preguiça

quem lê tanta notícia

eu vou

por entre fatos e nomes

os olhos cheios de cores

o peito cheio de amores

vãos

eu vou

por que não? por que não?

ela pensa em casamento e eu nunca mais fui à escola

sem lenço sem documento

eu vou

eu tomo uma coca-cola

ela pensa em casamento

uma canção me consola

eu vou

por entre fotos e nomes

sem livros e sem fuzil

sem fome sem telefone

no coração do brasil

ela nem sabe até pensei

em cantar na televisão

o sol é tão bonito

eu vou

sem lenço sem documento

nada no bolso ou nas mãos

eu quero seguir vivendo

amor

eu vou

por que não? por que não?

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Anexo II – Domingo no Parque Gilberto Gil

o rei da brincadeira – ê josé

o rei da confusão – ê joão

um trabalhava na feira – ê josé

outro na construção – ê joão

a semana passada no fim da semana

joão resolveu não brigar

no domingo de tarde saiu apressado

e não foi pra ribeira jogar

capoeira

não foi lá pra ribeira

foi namorar

o josé como sempre no fim da semana

guardou a barraca e sumiu

foi fazer no domingo um passeio

no parque

lá perto da boca do rio

foi no parque que ele avistou

juliana

foi que ele viu

juliana na roda com joão

uma rosa e um sorvete na mão

juliana seu sonho uma ilusão

juliana e o amigo joão

o espinho da rosa feriu zé

e o sorvete gelou seu coração

o sorvete e a rosa – ê josé

a rosa e o sorvete – ê josé

oi dançando no peito – ê josé

do josé brincalhão – ê josé

o sorvete e a rosa – ê josé

a rosa e o sorvete – ê josé

oi girando na mente – ê josé

do josé brincalhão – ê josé

juliana girando – ôi girando

ôi na roda gigante – ôi girando

ôi na roda gigante – ôi girando

o amigo joão – joão

o sorvete é morango – é vermelho

ôi girando e a rosa – é vermelha

ôi girando girando – olha a faca

olha o sangue na mão – ê josé

juliana no chão – ê josé

outro corpo caído – ê josé

seu amigo joão – ê joão

amanhã não tem feira – ê josé

não tem mais construção – ê joão

não tem mais brincadeira – ê josé

não tem mais confusão – ê joão

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