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7/21/2019 Andrs David Ballesteros Ardila
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA EXPERIMENTAL
Escolha de Ferramentas na Quebra de cocos por macacos-prego (Sapajus spp.): Efeitosda forma das ferramentas
SO PAULO-SP
2014
7/21/2019 Andrs David Ballesteros Ardila
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ANDRS DAVID BALLESTEROS ARDILA
Escolha de Ferramentas na Quebra de cocos por macacos-prego (Sapajus spp.): Efeitos
da forma das ferramentas
(Verso Corrigida)
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de So Paulo, como parte dos
requisitos necessrios para obteno do grau deMestre em Psicologia.
rea de Concentrao: Psicologia Experimental
Orientadora: Profa. Dra. Briseida Dgo de Resende
So Paulo
2014
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AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTETRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO,PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogao na publicao
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo
Ardila, Andrs David Ballesteros.
Escolha de Ferramentas na Quebra de cocos por macacos-prego(Sapajus spp.): Efeitos da forma das ferramentas / Andrs DavidBallesteros Ardila; orientadora Briseida Dgo de Resende. -- SoPaulo, 2014.
104 f.
Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao emPsicologia. rea de Concentrao: Psicologia Experimental) Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo.
1. Macacos-prego 2. Utilizao de ferramentas 3. Cognio 4.Comportamento animal I. Ttulo.
QL737.P925
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Dissertao financiada pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
com bolsa de Mestrado concedida a Andrs David Ballesteros Ardila (Processo No.
13/11158-4). A pesquisa foi desenvolvida no Parque Ecolgico do Tiet, na cidade de
So Paulo no Estado de So Paulo.
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Nome: Ballesteros Ardila, Andrs David.
Ttulo: Escolha de Ferramentas na Quebra de cocos por macacos-prego (Sapajus spp.):
Efeitos da forma das ferramentas
Dissertao apresentada ao Instituto de Psicologia da
Universidade de So Paulo, como parte dos
requisitos necessrios para obteno do grau de
Mestre em Psicologia.
Aprovado em: / /
Banca Examinadora
Prof(a). Dr(a).___________________________________________________________
Instituio: ________________________________ Assinatura: ___________________
Prof(a). Dr(a).___________________________________________________________
Instituio: ________________________________ Assinatura: ___________________
Prof(a). Dr(a).___________________________________________________________
Instituio: ________________________________ Assinatura: ___________________
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A mi hermosa famlia.
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Agradecimentos
Em primeiro lugar aos meus pais, que sempre me motivaram e, com grande
sacrifcio, tm me apoiado a seguir o caminho que escolhi. Sem vocs seria impossvel
qualquer conquista. A dvida ser eterna. Amo muito vocs.
s minhas irms e aos meus sobrinhos que apesar da distncia tm me
acompanhado, atenuando a imensa saudade de casa.
Marce, pela companhia, apoio, sacrifcio, amor, cuidado, cumplicidade e
principalmente pela pacincia!!! Sei que me aguentar no fcil, mas voc tem sido um
anjo. Eu te amo muito.
Bri, guiando, aconselhando, apoiando e trabalhando muito nos nossos
projetos. Agradeo a confiana e a oportunidade concedida para trabalhar sob sua
superviso. Alm de ser uma orientadora fantstica, sempre presente, agradeo muito
pela amizade, o incentivo para continuar, o apoio em todo momento e situao e pela
enorme sensibilidade na frente de eventuais dificuldades. Tentarei corresponder sempre
com o maior compromisso possvel para manter uma parceria produtiva e,
principalmente, para manter e alimentar a amizade.
Profa. Patricia Izar e seu grupo de pesquisa, por terem me aberto um espao e
permitido fazer uso do Observer para registro das filmagens.
Carine, que forneceu grande apoio no processo de anlise dos dados.
s professoras Miriam Garcia e Elisabetta Visalberghi, pelas importantes
sugestes, criticas e contribuies no exame de qualificao.
Bruna, por ter me apresentado os macacos-prego da ilha PET, e ao Carlos, porme apresentar os macacos-prego do grupo semi-livre.
Ao pessoal do PET, por ter me permitido desenvolver a pesquisa no seu espao,
mesmo atrapalhando o ritmo normal de trabalho do C.R.A.S.
Agradeo Ivone e Kelly, da oficina de rplicas do Instituto de Geocincias da
USP, por terem fornecido o apoio na manufatura das pedras artificiais e por terem tido
imensa pacincia comigo, suportando o meu portunhol e as sempre pequenas, masimportantes, exigncias no processo.
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Aos amigos, tambm psiclogos ciganos nesta aventura por amor cincia:
Adriana, Arturo, Catalina, Diana, Paulo e William. Nossas conversas, discusses sem
fim, comidas e viradas de cervejinha tm constitudo uma das melhores terapias em
grupo para continuar esta ousadia de ser forasteiro em So Paulo.
Aos amigos de moradia, compartilhar com vocs a odisseia de morar em trs
metros quadrados sem direito a janela me permitiu fazer umas das melhores descobertas
que fiz no Brasil: sua amizade. Em especial Bruna e Nilo, que me acolheram
inicialmente e me guiaram na travessia de sobreviver em So Paulo; Eveline, Joo,
Lorena, Renan e Tbita, que fizeram da minha vida uma festa (literalmente) e trouxeram
grande alegria em todo momento.
Aos amigos e colegas da etologia: Ana K, Irene, Jos Gustavo, Lucas, Luiza,
Marcelo, Maria Alice, Michele, Noemi e Rachel; sempre dispostos a conversar sobre
primatas e muito mais.
FAPESP, pela bolsa concedida sem a qual a realizao deste estudo no teria
sido possvel.
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Resumo
Ballesteros-Ardila, A. D. (2014). Escolha de Ferramentas na Quebra de cocos por
macacos-prego: Efeitos da forma das ferramentas. Dissertao de Mestrado,
Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo, So Paulo.
Existe ampla evidncia do nvel de seletividade exibido por macacos-prego (Sapajus sp) em
situaes de escolha de ferramentas para a quebra de frutos encapsulados; indicando que as
caractersticas dos martelos (material, peso e distncia de transporte), assim como as
caractersticas fsicas prprias dos indivduos, afetam a eficincia do na quebra e determinam o
processo individual de tomada de decises no uso de ferramentas. Considerando a predio de
que tambm provvel que a eficincia na quebra seja dependente do controle do macaco sobre
a pedra e do ngulo de impacto; o presente trabalho teve como objetivo avaliarexperimentalmente se a forma das ferramentas afeta a eficincia na quebra e levada em
considerao pelos macacos-prego, na hora de escolher as ferramentas a serem usadas. Para tal,
testamos a escolha de pedras por cinco macacos-prego semilivres usurios de ferramentas -
fazendo uso de pedras artificiais e realizando tentativas discretas de escolha com participao
livre dos indivduos - atravs de um delineamento fatorial de medidas repetidas com oito
condies experimentais, correspondentes s possveis combinaes de trs variveis
independentes em dois nveis: forma dos martelos (possibilidades de pegada e superfcie
potencial de contato), peso (leve e pesado) e distncia de transporte exigida (perto e longe dasbigornas). Avaliamos a seletividade exibida, os comportamentos manipulativos exploratrios e
a proficincia natural de quebra de cada sujeito, visando elucidar os fatores determinantes do
processo de escolha de ferramentas para a quebra de frutos. Os resultados apontam preferncia
dos macacos-prego pelos martelos que fornecem maior eficincia, pedras com maior
possibilidade de pegada e maior superfcie potencial de contato no golpe, aumentando os
benefcios e diminuindo os custos do uso. No encontramos um efeito evidente das variveis de
custo (peso e distncia de transporte) sobre a preferncia pelas caractersticas da forma, nem foi
encontrada uma relao entre a preferncia exibida em condies experimentais com o
engajamento e proficincia natural dos indivduos na quebra de cocos. Finalmente, verificamos
que os macacos-prego baseiam suas escolhas principalmente a partir das dicas visuais, no
obstante exibirem comportamentos manipulativos exploratrios que possivelmente permitem
ganhar informao adicional sobre as propriedades da forma das ferramentas para realizar a
escolha.
Palavras chave: Uso de ferramentas, quebra de cocos, escolha de ferramentas, forma da pedra,
macaco-prego.
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Abstract
Ballesteros-Ardila, A. D. (2014). Tool selection for nut cracking by capuchin monkeys
(Sapajus spp.): tool's shape effects. Master Thesis, Institute of Psychology,
University of So Paulo, So Paulo.
Evidences point out that capuchin monkeys select stone tools for nut cracking based on the
physical characteristics of tools (material, weight, transporting distance) in relation to their own
physical characteristics (size, weight), and that selectivity seems to affect the efficiency of nut
cracking, determining individual decision making in tool use. Considering the prediction that
nut crack efficiency is affected by individual control, the stone and the impact angle; this study
aimed to evaluate experimentally if the tools shape affect nut crack efficiency, and if this is
considered in individual tool selection. We tested the choices of five semi-free individuals usingartificial designed tools in eight different experimental conditions, manipulating hammers
weight, shape and distance to the anvil, to determine the factors involved in tool selection
process for nut cracking. The results shows the monkeys prefer hammers that increase cracking
nut efficiency, with more holding possibility, and higher potential contact surface in the bites.
There was no evidence for effect of variables related with costs (hammer weight and
transporting distance) on the shape preference, and there was no relation between preferences in
experimental conditions and engage or efficiency in baseline. We found that the capuchin
monkeys based their tool choices in visual characteristics and exhibit manipulative exploratorybehaviors that allow them to gain information about the tools shape to make choices.
Keywords:tool use, nut-cracking, tool choice, tool shape, capuchin monkeys.
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Sumrio
Introduo..................................................................................................................... 16
Uso de Ferramentas em animais No-Humanos................................................. 17
O estudo do uso de ferramentas a compreenso de causalidade: a tradicionaldicotomia entre a abordagem representacional e comportamental..................... 19
Testando a compreenso de causalidade no uso de ferramentas........................ 24
Uma abordagem ecolgica ao desenvolvimento do uso de ferramentas............ 32
Funo adaptativa da seletividade no uso de ferramentas.................................. 36
Seletividade no uso de ferramentas num comportamento natural: a quebra de
cocos nos macacos-prego.................................................................................... 38
Escolha das bigornas................................................................................... 39
Escolha dos frutos........................................................................................ 40
Escolha dos martelos................................................................................... 40
Problema de pesquisa.......................................................................................... 43
Material e Mtodos....................................................................................................... 46
Local e Sujeitos................................................................................................... 46Stios experimentais............................................................................................ 47
Pedras artificiais.................................................................................................. 48
Delineamento Experimental............................................................................... 50
Procedimento...................................................................................................... 51
Coleta, registro e anlise de dados...................................................................... 52
Resultados...................................................................................................................... 56
Resultados condies experimentais.................................................................. 56
Posio Escolha.................................................................................................. 57
Escolha por forma............................................................................................... 59
Mudanas de Escolha.......................................................................................... 63
Escolha por Forma e Proximidade...................................................................... 64
Interao forma-peso-distncia na escolha......................................................... 65
Eficincia das pedras.......................................................................................... 67
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Eficincia e escolha............................................................................................ 72
Relao entre proficincia e engajamento natural com a preferncia e eficinciaexperimental........................................................................................................ 74
Escolha da pedra e manipulao pr-escolha..................................................... 79
Discusso........................................................................................................................ 80
Referncias.................................................................................................................... 92
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Figuras
Figura 1. Um dos stios experimentais onde foi realizado o experimento..................... 47
Figura 2. Exemplo da disposio dos objetos no sitio de quebra................................... 48
Figura 3. Modificaes da forma das pedras em relao possibilidade de pegada quepode realizar o macaco................................................................................................... 49
Figura 4. Modificaes da forma das pedras em relao superfcie potencial de contatocom o coco no golpe....................................................................................................... 50
Figura 5. Porcentagem mdia e erro padro de escolha da pedra Proxima eNo_Proxima para cada condio analisada............................................................... 58
Figura 6. Porcentagem mdia e erro padro de escolha da pedra Proxima eNo_Proxima para todas as condies incluidas na anlise....................................... 58
Figura 7. Frequncia de escolha dos martelos de acordo com a forma pelos indivduosna condio Pegada_Leve_Perto.................................................................................... 59
Figura 8. Frequncia de escolha dos martelos de acordo com a forma pelos indivduosna condio Pegada_Leve_Longe.................................................................................. 60
Figura 9. Frequncia de escolha dos martelos de acordo com a forma pelos indivduosna condio Pegada_Pesada_Perto................................................................................. 60
Figura 10. Frequncia de escolha dos martelos de acordo com a forma pelos indivduosna condio Pegada_Pesada_Longe............................................................................... 61
Figura 11. Frequncia de escolha dos martelos de acordo com a forma pelos indivduosna condio Superfcie_Pesada_Perto............................................................................ 62
Figura 12. Frequncia de escolha dos martelos de acordo com a forma pelos indivduosna condio Superfcie_Pesada_Longe.......................................................................... 62
Figura 13. Porcentagem de escolha para cada pedra em cada condio quando a formamanipulada foi a possibilidade de pegada............................................................................ 66
Figura 14. Porcentagem de escolha da pedra para cada pedra em cada condio quando a formamanipulada foi superfcie potencial de contato com o coco................................................... 66
Figura 15. Nmero de cocos quebrados por cada 100 golpes para cada pedra quando aforma manipulada foi a possibilidade de pegada........................................................... 68
Figura 16. Nmero de ocorrncias de fly-off por cada 100 golpes para cada pedraquando a forma manipulada foi a possibilidade de pegada............................................ 68
Figura 17. Nmero de cocos quebrados por cada 100 golpes pra cada pedra quando aforma manipulada foi a superfcie potencial de contato................................................. 70
Figura 18. Nmero de ocorrncias de fly-off por cada 100 golpes para cada pedraquando a forma manipulada foi a superfcie potencial de contato................................. 70
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Figura 19. Figura de disperso para o nmero de cocos quebrados por 100 golpes e aporcentagem de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da possibilidade depegada do martelo............................................................................................................... 72
Figura 20. Figura de disperso para o numero ocorrncias de fly-off por 100 golpes e aporcentagem de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da possibilidade depegada do martelo............................................................................................................... 72
Figura 21. Figura de disperso para o nmero de cocos quebrados por 100 golpes e aporcentagem de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da superfciepotencial de contato com o coco..................................................................................... 73
Figura 22. Figura de disperso para o nmero de ocorrncias de fly-off por 100 golpes ea porcentagem de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da superfciepotencial de contato com o coco..................................................................................... 74
Figura 23. Figura de disperso para a taxa de atividade na linha de base e a porcentagem
de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da possibilidade de pegada domartelo............................................................................................................................ 75
Figura 24. Figura de disperso para a taxa de atividade na linha de base e a cadaporcentagem de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da superfciepotencial de contato........................................................................................................ 76
Figura 25. Figura de disperso para a proficincia de quebra na linha de base e aporcentagem de escolha de casa pedra nas condies de manipulao da possibilidadede pegada do martelo...................................................................................................... 77
Figura 26. Figura de disperso para a taxa de fly-off na linha de base e a porcentagem
de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da possibilidade de pegada domartelo............................................................................................................................ 77
Figura 27. Figura de disperso para a proficincia de quebra na linha de base e aporcentagem de escolha de cada pedra nas condies de manipulao da Superfciepotencial de contato........................................................................................................ 78
Figura 28. Figura de disperso para a taxa de fly-off na linha de base e a porcentagemde escolha de cada pedra nas condies de manipulao da Superfcie potencial decontato............................................................................................................................ 78
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Tabelas
Tabela 1. Indivduos que desenvolveram o comportamento de quebra adequada decocos............................................................................................................................... 46
Tabela 2. Condies experimentais possveis para um delineamento experimental demedidas repetidas com trs fatores: 2x2x2 e distribuio do nmero de sessescoletadas para cada condio.......................................................................................... 50
Tabela 3. Catlogo comportamental para registro.......................................................... 53
Tabela 4. Dados obtidos na linha de base........................................................................56
Tabela 5. Distribuio das tentativas de escolha para cada indivduo por condio...... 57
Tabela 6. Distribuio das frequncias de mudana de escolha nas condies de
manipulao da possibilidade de pegada do martelo...................................................... 63
Tabela 7. Distribuio das frequncias de mudana de escolha nas condies demanipulao da superfcie potencial de contato............................................................. 63
Tabela 8. Distribuio das frequncias de escolha por proximidade para cada tipo depedra............................................................................................................................... 64
Tabela 9. Distribuio das frequncias dos episdios de escolha com a manipulaoprvia escolha para cada tipo de pedra........................................................................ 79
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Introduo
Nesta pesquisa investigamos o papel das caractersticas da forma dos martelos sobre a
seleo das ferramentas por macacos-prego (Sapajus spp) e a possvel influncia das
variveis de custo da tarefa (peso e distncia de transporte dos martelos) sobre a
seletividade. Consideramos que os nveis de proficincia e engajamento na quebra
cotidiana, exibidos por cada indivduo, podem ser preditores do nvel de seletividade
por eles exibido.
A partir das evidncias que demonstram que: 1) Macacos-prego so usurios
comuns de ferramentas de percusso para quebra de frutos encapsulados (e.g. Fragaszy
et al., 2004; Ottoni & Izar, 2008; Ottoni & Mannu, 2001), 2) reconhecem as affordances
dos objetos em tarefas experimentais envolvendo a forma das ferramentas (e.g.
Cummins-Sebree & Fragaszy, 2005; Fujita, Sato & Kuroshima, 2011), 3) exibem uma
alta seletividade na escolha dos itens envolvidos na quebra de frutos, em funo de
diversas propriedades dos itens e das caractersticas fsicas prprias dos indivduos (cf.
Visaberghi & Addessi, 2013) e 4) considerando a previso de Liu et al. (2009) de que a
forma das pedras pode afetar a eficincia da quebra de frutos, fornecendo maior
capacidade de pegada, permitindo levantar a pedra to alto quanto necessrio sem correr
o risco de soltar a pedra e ferir-se; ento, consideramos que a deteco e relao das
potencialidades fornecidas pela forma dos martelos poderia permitir, aos macacos-
prego, a otimizao do comportamento de uso de ferramentas, de tal modo que, por
meio da seleo adequada daquelas ferramentas com as propriedades da forma que
forneam melhor relao custo/beneficio para cada indivduo, sejam aumentados os
benefcios e diminudos os custos do uso da ferramenta.
Assim, a formulao do problema de pesquisa parte da reviso da literatura
referente s descobertas do uso de ferramentas em animais no-humanos e a relevnciaque teve o estudo do uso de ferramentas como estratgia para determinar at que ponto
os usurios de ferramentas exibem o que tem sido denominado tradicionalmente na
literatura como compreenso de causalidade das propriedades das ferramentas,
esboando a tradicional dicotomia entre a abordagens representacional e
comportamental, revisando as evidncias que tentaram elucidar a disputa. Em seguida
ser apresentada a abordagem ecolgica do desenvolvimento como alternativa mais
adequada. Partimos da Teoria da percepo/ao, que considera que o ambiente essencial para o desenvolvimento das habilidades envolvidas na seletividade da escolha
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de objetos para uso na quebra de cocos, buscamos um vnculo com a Teoria do
forrageamento timo, para explicar o valor funcional da seletividade. Finalmente, sobre
essa base terica so apresentadas as evidncias do nvel de seletividade exibido por
macacos-prego em funo de diversas propriedades dos itens envolvidos na quebra e
das caractersticas fsicas dos indivduos, como antecedentes empricos que permitem o
posicionamento da nossa proposta de pesquisa.
Uso de Ferramentas em Animais No-Humanos
O uso e a fabricao de ferramentas foram por algum tempo considerados como
uma habilidade de domnio exclusivo dos seres humanos que exige alto nvel de
complexidade cognitiva, constituindo um aspecto fundamental da nossa identidade
como espcie. No entanto, Jane Goodall (1964; 1986) relatou o uso de ferramentas por
chimpanzs em Gombe, e atualmente sabido da existncia de vrias tcnicas de uso de
ferramentas amplamente distribudas em todo o reino animal. Segundo a reviso de
Bentley-Condit e Smith (2010), o uso e fabricao de ferramentas so exibidos atravs
de trs filos e sete classes do reino animal; e em uma reviso mais recente de Shumaker,
Walkup e Beck (2011) reportam quatro filos (Echinodermata, Arthropoda, Mollusca e
Chordata) e nove classes (ourios do mar, insetos, aranhas, caranguejos, caracis,
polvos, peixes, aves e mamferos) contendo espcies usurias de ferramentas. Dessa
maneira, as pesquisas recentes tm mostrado que o uso de ferramentas no to raro
entre espcies animais no-humanas como alguma vez se pensou1. Apesar das
semelhanas e sobreposio nas categorias de uso de ferramentas entre espcies, os
mecanismos subjacentes ao comportamento podem envolver diferenas filogenticas,
ontogenticas, ecolgicas, fisiolgicas, sociais e cognitivas (e.g Biro, Haslam & Rutz,
2013; Hunt, Gray & Taylor, 2013; Kacelnik, Chappell, Weir & Kenward, 2006;
McGrew, 2013; Meulman, Seed & Mann, 2013; Sanz & Morgan, 2013; Nahallage eHuffman, 2008; Seed, Emery & Clayton, 2009; Teschke et al., 2013; van Schaik,
Deaner & Merrill, 1999).
A tecnologia empregada pelo chimpanz recebeu inicialmente maior ateno do
que aquela utilizada por outros animais, e, por esse motivo, o chimpanz foi
considerado tradicionalmente como a espcie no-humana que exibe o mais completo e
1 Para uma reviso das definies do uso de ferramentas, consultar Beck (1980); Hansell e Ruxton(2008); Shumaker et al (2011) e St. Amant e Horton ( 2008).
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flexvel comportamento de uso de ferramentas (McGrew, 2013). Inicialmente, foram
relatadas diversas modalidades do uso de ferramentas nos chimpanzs em vida livre
(Boesch & Tomasello, 1998). Uma das categorias melhor descritas do uso de
ferramentas de percusso nos primatas no humanos tem sido a quebra de frutos nos
chimpanzs selvagens (McGrew, 2004). Os chimpanzs usam como martelo (i.e
percutor) uma pedra ou tronco de madeira numa posio sentada para quebrar frutos que
so colocados em uma bigorna, tambm de pedra ou madeira. O movimento de batida
do martelo sobre o fruto pode ser realizado de forma uni-manual, ou menos
frequentemente, uma forma bi-manual em funo das propriedades dos frutos e os
materiais disponveis para o uso como martelos e bigornas (Boesch & Boesch, 1983).
Alm de usar ferramentas de pedra para abrir furtos encapsulados, tambm usam
habitualmente varetas fortes para cavar e extrair tubrculos, insetos e mel, e usam folhas
para captar gua, apresentando variabilidade entre populaes no conjunto de
ferramentas usadas (McGrew, 2010; Whiten & Boesch, 2001; Whiten et al., 1999,
2001). Adicionalmente, o uso de ferramentas exibido em uma ampla variedade de
contextos alm do forrageamento, por exemplo, durante a brincadeira social, com fins
de higiene, defesa e comunicao (Boesch & Boesch, 1990). Essa flexibilidade exibida
pelos chimpanzs os converteu em modelo referencial das pesquisas sobre a evoluo
humana e as caractersticas do uso de ferramentas dos homindeos (Tooby & DeVore,
1987).
Contudo, essa posio privilegiada do chimpanz foi contestada em virtude da
ocorrncia em outras espcies e taxaque tambm possuem indivduos que so usurios
habituais de ferramentas (McGrew, 2013): vrios primatas (orangotangos, macacos-
prego e macacos de cauda longa), mamferos aquticos (golfinhos e lontras-marinhas) e
aves (tentilhes pica pau, corvos da Nova Calednia e as garas greenbacked) (Biro,
Haslam & Rutz, 2013; Meulman, Seed & Mann, 2013).
Deste modo, tm sido reportados eventos de usos de ferramentas por
orangotangos (Meulman & van Schaik, 2013; van Schaik et al., 2003), por exemplo,
usando gua como ferramenta para atingir uma recompensa alimentar do fundo de um
tubo (Mendes, Hanus & Call, 2007). De forma similar, gralhas em laboratrio
adicionam pedras elevando o nvel da gua at alcanar a recompensa com seus bicos
(Bird & Emery, 2009). Tentilhes pica-pau usam galhos ou espinhos de cactos pararecuperar insetos e aranhas de buracos de rvores (Tebbich & Teschke, 2013). Um dos
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casos mais surpreendentes e que tem gerado amplo interesse de pesquisadores tem sido
o uso e fabricao de ferramentas por corvos na Nova Calednia (Corvus moneduliodes)
(Hunt, 1996, Hunt & Gray, 2002; Rutz & St. Clair, 2012) usando ferramentas feitas com
varetas ou folhas para pescar larvas de besouro em troncos de rvore em decomposio
no seu contexto ecolgico (Bluff, Troscianko, Weir, Kacelnik & Rutz, 2010). Alguns
animais aquticos tambm exibem comportamentos de uso habitual de ferramentas
(Mann & Patterson, 2013), por exemplo, golfinhos carregam esponjas sobre seus rostos
enquanto forrageiam no fundo do oceano, talvez com a finalidade de proteger seus
rostos sensveis ao forrageamento em partes abrasivas do fundo do mar (Mann et al.,
2008; Sargeant & Mann, 2009). Macacos de cauda longa foram observados usando
pedras como machados para processar alimentos resistentes como ostras, gastrpodes,
bivalvias e caranguejos (Gumert & Malaivijitnond, 2012; Malaivijitnond et al., 2007).
Finalmente, outro exemplo notvel de descoberta do uso de ferramentas de percusso
em vida livre o caso dos macacos-prego (Sapajus) (Fragaszy et al., 2004; Ottoni &
Izar, 2008; Ottoni & Mannu, 2001), como tambm o uso de varetas para pegar mel e
extrair razes (Mannu & Ottoni, 2009).
O estudo do uso de ferramentas a compreenso de causalidade: a tradicional
dicotomia entre a abordagem representacional e comportamental
Diante dessas evidncias de uso de ferramentas em alguns animais no-
humanos, os cientistas foram cativados pelas habilidades de algumas espcies, que
parecem indicar capacidades de planejamento e raciocnio tipicamente atribudas aos
humanos, o que levou a pesquisa na rea para a identificao dos mecanismos
cognitivos subjacentes relacionados com a flexibilidade e eficincia do uso de
ferramentas (Resende & Izar, 2011).
Por exemplo, Seed e Byrne (2010) apontam que possvel encontrar ampla
evidncia de que o uso e fabricao de ferramentas principalmente de chimpanzs,
macacos-prego e os corvos da Nova Calednia mostram as caractersticas principais do
comportamento dirigido para uma meta: seletividade, escolhendo ou adaptando o
instrumento de acordo com o objetivo especfico, e flexibilidade, como a utilizao de
diversos meios para alcanar o mesmo fim; caractersticas que atraram a ateno dos
cientistas visando responder algumas perguntas fundamentais: 1) Ser que o animal
sabe como funciona a ferramenta? e 2) O animal considera previamente a necessidade
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de usar uma ferramenta para atingir um objetivo? Estas questes esto, respectivamente,
relacionadas ao nvel de compreenso de causalidade envolvido no uso da ferramenta e
ao planejamento do uso da ferramenta. Dessa forma, o comportamento de uso de
ferramentas tem sido considerado uma janela poderosa para o estudo da cognio
animal, alm de nos ajudar a determinar que capacidades compartilhamos com eles e
o que poderia ter mudado para permitir os nveis indiscutivelmente nicos de tecnologia
apresentados por seres humanos modernos.
Em relao primeira pergunta, tradicionalmente tem sido considerado que um
aspecto importante no uso de ferramentas humano o conhecimento do tipo de
ferramenta necessria para resolver um problema especfico. De forma que o uso
cotidiano de ferramentas, como usar uma colher ou um martelo, geralmentedeterminado pela utilidade da ferramenta em relao a um determinado fim (i.e funo),
por exemplo, tomar uma sopa e bater um prego respectivamente, para o qual
necessrio o reconhecimento das propriedades fsicas pertinentes funcionalidade dos
objetos envolvidos e os princpios mecnicos causais bsicos conectando essas
propriedades. Fujita, Kuroshima e Asai (2003) afirmam que o uso de ferramentas
envolve dois aspectos: a tcnica de manusear a ferramenta e a cognio causal em
vrios nveis para entender por que o uso de ferramentas permite alcanar um objetivoinatingvel de outra forma, evidenciando o posicionamento tradicional do aspecto da
compreenso de causalidade como um dos componentes cognitivos fundamentais para o
sucesso do uso de ferramentas (Ruiz & Santos, 2013). Portanto, nas discusses da
evoluo da cognio, o uso de ferramentas tem sido tratado como um caso especial de
manipulao de objetos, por envolver dois aspectos: complexidade cognitiva e
significncia adaptativa (Tomasello & Call, 1997), partindo da hiptese de que o uso de
ferramentas evoluiu em conjunto com um aumento da capacidade cognitiva de
compreenso de causalidade fsica (ver Teschke et al., 2013 para evidncias contrarias a
esta hiptese) e conduzindo para a afirmao de que apenas os grandes primatas so
conhecidos por mostrar compreenso da relao fsica entre ferramentas e outros
objetos no ambiente no uso da ferramenta (e.g. Shaik et al, 1999).
O uso de ferramentas tem constitudo um marco ideal para examinar os
mecanismos de compreenso causal das interaes dinmicas entre aes e objetos em
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relao a metas, num fenmeno que do tipo hands-on2. Assim que com o estudo do
uso de ferramentas em animais no-humanos alguns pesquisadores pretenderam
determinar at que ponto e em que sentidos, os usurios de ferramentas tambm
precisam ser sensveis, ou envolver-se em raciocnio causal, sobre essas propriedades e
princpios. Mas, existe uma grande discusso a partir de vrias perspectivas que diferem
amplamente na viso do tipo de compreenso de causalidade envolvida, e como
adquirida (cf. McCormack, Hoerl & Butterfill, 2011).
Por uma parte, a perspectiva representacional supe que o uso de ferramentas
envolve raciocnio simblico sobre as caractersticas dos objetos e suas relaes,
considerando que esse raciocnio no precisa do engajamento do organismo num longo
processo evidente de aprendizagem por tentativa-e-erro, para conseguir fazer infernciasa respeito da funcionalidade das ferramentas.
Para se aproximar pergunta sobre a compreenso de causalidade envolvida,
esta perspectiva tradicional, vinculada com uma abordagem computacional da cognio,
assume que o uso de uma ferramenta requer a extrao de informaes sensoriais sobre
as propriedades do objeto (e.g peso e rigidez), que so traduzidas em sadas motoras
apropriadas (e.g levantar e bater), considerando que o uso flexvel de ferramentas
destaca-se porque parece depender mais de processos cognitivos superiores envolvendo
insight, entendimento da causalidade fsica, planejamento e representao mental para
atingir um objetivo, sugerindo que a conquista cognitiva subjacente ao uso de
ferramentas envolve um avano cognitivo a nvel representacional (e.g. Call, 2013;
Dickinson, 2001; Khler, 1927; Tomasello, 1998; Tomasello & Call, 1997).
Resumidamente, esta perspectiva representacional tradicional entende a
cognio envolvida no uso humano de ferramentas como uma capacidade de representar
mentalmente e aplicar regras abstratas sobre as interaes fsicas dos objetos no
ambiente para produzir uma soluo adequada para problemas especficos atravs do
uso de ferramentas, atribuindo um papel secundrio experincia prvia dos indivduos.
Partindo da afirmao de que o uso humano de ferramentas marcado por estas
2 Assim, na maioria dos casos uma ferramenta tem sido definida como uma extenso do corpo que
expande o alcance funcional de um membro, fornecendo apoio para essa ideia, Maravita e Iriki (2004) eMaravita, Spence, Kennett e Driver (2002) demonstraram que em seres humanos e macacos, essa
capacidade motora estendida seguida por alteraes em redes neurais especficas que possuem um mapaatualizado da forma do corpo e a postura (i.e esquema corporal).
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habilidades cognitivas, os pesquisadores tm tentado determinar qual o nvel de
compreenso de causalidade exibido por outras espcies visando determinar o processo
evolutivo da inteligncia ou dos processos cognitivos complexos, sugerindo que
alguns primatas e aves tm uma compreenso de alguns princpios causais, sem
extensas experincias de aprendizagem em tarefas especificas, revelando o
compartilhamento de um kit de ferramentas cognitivas lgico-causais envolvendo
raciocnio causal, flexibilidade, imaginao, prospeco e representao mental, embora
no completamente na medida dos humanos (cf. Call, 2007; Emery & Clayton, 2004;
Seed & Tomasello, 2010; Visalberghi & Tomasello, 1998).
Em contraposio perspectiva cognitiva representacional, uma perspectiva
comportamental que afirma que os comportamentos complexos, como o uso deferramentas, so produto de combinaes e recombinaes de comportamentos mais
simples aprendidos por via direta (Delage, 2006, 2011; Delage & Galvo, 2010),
enfatizando o papel da experincia prvia dos indivduos. Esta perspectiva enquadrada
dentro da Anlise Experimental do Comportamento tem em Robert Epstein um dos
autores principais. Esses pesquisadores desenvolvem estudos visando demonstrar o
papel que certas histrias ambientais prvias tm na emergncia dos comportamentos de
resoluo de problemas por meio da interconexo de repertrios comportamentais, emcontraposio ideia de raciocnio simblico (Epstein, 1982).
No estudo principal de Epstein, os autores replicaram com pombos o clssico
problema da caixa e a banana ao que foram confrontados os chimpanzs de Khler
(1927)3, assumindo que para resolver o problema os indivduos devem ter adquirido
dois comportamentos: empurrar objetos para alcanar um alvo e subir em objetos para
alcanar outros objetos (Epstein, Kirshnit, Lanza & Rubins, 1984). Assim, treinaram
quatro pombos para empurrar direcionado e simultaneamente os treinaram para subirna caixa e bicar a banana suspendida no ar, extinguindo comportamentos de fora
bruta, como voar em direo da banana. Posteriormente realizaram teste com a banana
suspendida fora do alcance do pombo e com a caixa afastada da posio da banana. Os
pesquisadores observaram um desempenho similar de trs pombos: um perodo inicial
3 Khler colocou uma banana, fora do alcance dos chimpanzs em uma esquina de uma sala, e umapequena caixa de madeira no cho, afastada cerca de 2,5m da posio da banana. Aps uma srie detentativas infrutferas dos chimpanzs por atingir a banana pulando, um deles caminhou por alguns
minutos, em seguida, de repente, empurrou a caixa perto da posio da banana e pulou atingindo abanana. Soluo sbita que tradicionalmente conhecida como insight.
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de confuso, seguido da sbita resposta de empurrar a caixa em direo da banana e
subindo na caixa para bicar a banana. O quarto sujeito resolveu o problema
transcorridos 24 minutos da sesso teste. Posteriormente realizaram quatro variaes do
treinamento com sete pombos distribudos em quatro condies, em cada uma das
condies uma das etapas de treinamento era omitida (por exemplo, numa condio dois
pombos no foram treinados para empurrar a caixa). Unicamente na condio em que
foram treinados os repertrios de empurrar, subir na caixa e bicar a banana, mas sem
extinguir os comportamentos de fora bruta, o sujeito atingiu sucesso. Nas outras
condies sem treinamento explcito de algum dos repertrios, os sujeitos no exibiram
a soluo sbita, o tradicional insigh (ver crticas em Call, 2013; Emery, 2013).
Os resultados do Epstein et al (1984) recebem apoio de estudos similares comratos (Delage, 2006) e macacos-prego (Delage & Galvo, 2010; Delage, 2011) baseando
as explicaes dos resultados sobre processos comportamentais no representacionais e
responsveis pela transferncia da aprendizagem prvia para novas situaes:
generalizao de estmulos, induo, generalizao funcional, irradiao, ressurgncia,
encadeamento automtico, transferncia da eficincia e learning set(ver Delage, 2011
em detalhe), sugerindo que a histria de aprendizagem dos indivduos o aspecto
fundamental para compreender o fenmeno de resoluo de problemas e uso deferramentas, e principalmente questionando a ideia de que o sucesso no uso de
ferramentas envolve algum nvel de raciocnio e compreenso abstrato sobre as
propriedades fsicas da ferramenta e sua funo.
A tradicional dicotomia entre processos representacionais e comportamentais
explicitada recentemente por Call (2013) afirmando que existem duas rotas para se
tornar um usurio de ferramentas: aprendizagem e raciocnio. Enquanto a primeira rota
implica a aprendizagem combinada de experincias contguas atravs da seleo porconsequncias (i.e reforo), a rota do raciocnio implica a aquisio de informao na
ausncia de reforo e a partir da capacidade de conceber objetos e eventos em diferentes
nveis de representao, facilitando a combinao de experincias separadas (ver
tambm Dickinson, 2001). De um extremo da dicotomia, os comportamentalistas
argumentaram que o que tem sido denominado como cognio causal pode ser reduzido
a processos de transferncia de aprendizagem baseadas em contingncias seletivas (cf.
Epstein, 1996); do outro lado, cognitivistas representacionais afirmam que certamentehumanos so capazes de raciocinar sobre as relaes causais, por meio de processos de
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raciocnio inferencial lgico e representao mental, capacidade que compartilhada
em alguns nveis por espcies animais no-humanas (cf. Call, 2004; Seed & Tomasello,
2010).
De maneira geral, alguns autores tm proposto que para resolver problemasfazendo uso de ferramentas necessrio que o indivduo tenha certo nvel de
compreenso causal do efeito do prprio corpo sobre os objetos, assim como das aes
de objetos sobre outros objetos (cf. McCormack et al, 2011). Por exemplo, a partir das
descobertas em pesquisa sobre os efeitos de danos cerebrais no uso de ferramentas
humano, Goldenberg (2011) faz uma distino fundamental entre o uso de ferramentas
que pode ser sustentado por conhecimento manipulativo, baseado em um tipo de
memria que especifica rotinas comportamentais sobre como uma ferramenta particular usada; ou no raciocnio mecnico, envolvendo a soluo de problemas em que o
usurio descobre como deve ser usada uma ferramenta sob determinadas condies
mecnicas. E aqui onde resultam de vital importncia os estudos de uso de
ferramentas nos quais os sujeitos so confrontados com uma gama de ferramentas
desconhecidas, onde eles devem escolher a ferramenta mais adequada para atingir o
objetivo, porque mediante estes estudos possvel determinar se os sujeitos conseguem
selecionar a ferramenta correta antes de us-la. Fornecendo desta forma uma avaliaovlida para definir at que ponto o uso de ferramentas exibidas por cada espcie vai
alm de simplesmente executar rotinas comportamentais que poderiam ter sido
aperfeioadas atravs de um processo de tentativa-e-erro. Segundo Goldenberg (2011)
poder-se-ia hipotetizar que s nos casos de uso de ferramentas suportado por raciocnio
mecnico estaria envolvido um mecanismo genuno de inferncia causal.
Testando a compreenso de causalidade no uso de ferramentas
Provavelmente por causa da percepo historicamente enraizada do uso de
ferramentas como uma caracterstica marcante da inteligncia humana, as descobertas
do uso e fabricao de ferramentas em outras espcies animais no-humanas
direcionaram as pesquisas em torno de uma abordagem antropocntrica em que a
pergunta a ser respondida se as habilidades cognitivas humanas so compartilhadas
pelos animais constituindo um continuum evolutivo, inspirada fundamentalmente no
desejo de compreender a origem da cognio humana e no dos prprios animais. De
modo tal que os estudos foram dirigidos para discernir se o comportamento dos
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indivduos baseado em processos de raciocnio inferencial ou processos
comportamentais.
Com esse objetivo, o paradigma principal desses estudos submeter aos
indivduos a situaes problema o mais novas possvel, ou seja, tentando controlar a
varivel da experincia de aprendizagem direta com as ferramentas de teste. Assumindo
a seleo sem experincia prvia como um desafio cognitivo atravs do qual pode ser
determinado o nvel de compreenso de causalidade de cada indivduo (Boesch, 2013).
De forma que se os indivduos possuem compreenso abstrata de causalidade sobre
como as ferramentas funcionam, seria esperado que os indivduos selecionassem e
usassem as ferramentas eficientes mais do que ineficientes para a obteno de um
objetivo (recompensa) nas primeiras tentativas; em contrapartida, se o comportamento
dos indivduos determinado por uma histria de reforo por tentativa-e-erro (seleo
por consequncias) seria esperado que os indivduos no atingissem sucesso nas
primeiras tentativas e, talvez, melhorarem o desempenho com o passo das tentativas
(Bluff et al, 2007).
Povinelli (2000, apud Penn & Povinelli, 2007) reporta uma srie de
experimentos com chimpanzs no paradigma de recuperao de alimentos com
rodinhos, encontrando que indivduos treinados em recuperar o alimento com estaferramenta, numa situao de teste no eram capazes de diferenciar entre ferramentas
funcionais (com os dentes rgidos) e no funcionais (com os dentes de borracha frgil).
Por outra parte, em outra situao em que os indivduos tinham que escolher entre puxar
um rodinho numa superfcie contendo uma armadilha onde cairia a comida e outro em
que o alimento seria recuperado com sucesso, os chimpanzs no conseguiram exibir
seleo adequada da ferramenta na situao de no-armadilha. Finalmente, numa
situao de teste em que a posio dos dentes do rodinho era a dimenso funcional,
dentes invertidos para cima constituem a ferramenta no funcional impedindo a
recuperao do alimento, os chimpanzs no exibiram compreenso de causalidade das
propriedades do rodinho para atingir sucesso na recuperao do alimento. A concluso
geral desses experimentos que os chimpanzs consistentemente no compreendiam os
mecanismos causais em jogo.
Estudos em cativeiro com macacos-prego j vinham procurando analisar
experimentalmente o uso e modificao de ferramentas, a fim de entender como essesanimais manipulam os objetos e compreendem a causalidade fsica. Podemos citar o uso
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de varetas como sondas para extrair mel, o uso de esponjas de papel para beber gua
(Westergaard & Fragaszy, 1987).
Assim, Visalberghi e Trinca (1989) e Visalberghi e Limongelli (1994) testaram
experimentalmente a habilidade dos macacos-prego para recuperar um alimento de umtubo com armadilha no meio tubo, fazendo uso de varetas, a comida foi aleatoriamente
colocada num dos extremos do tubo, assim dependendo do lado em que o indivduo
introduzisse a vareta a comida seria recuperada ou perdida na armadilha. Encontrando
que apesar do sucesso na tarefa de recuperao do alimento numa condio em que a
armadilha era irrelevante (colocada acima do tubo sem impedir a recuperao do
alimento) os sujeitos no exibiam compreenso de causalidade o que levou os
pesquisadores a afirmar que os macacos-prego no sabem como e por que suas aescausam certos efeitos e, quando bem sucedidos, eles adotam uma estratgia
comportamental aprendida por tentativa-e-erro.
Com o mesmo paradigma do tubo-armadilha, Limongelli, Boysen e Visalberghi
(1995) testaram cinco chimpanzs. Encontrando que s dois chimpanzs selecionavam
o lado correto evitando a armadilha, mas os outros indivduos no. No entanto, a partir
do controle da posio da armadilha (mantendo sempre o alimento no centro do tubo) os
autores afirmaram que, ao contrrio dos macacos-prego, os chimpanzs compreenderam
a natureza causal entre a ao, o uso da ferramenta e o resultado. Porm, numa rplica
posterior do experimento de Visalberghi e Limongelli (1994) com sete chimpanzs,
Povinelli (2000 apud Penn & Povinelli, 2007) reportou que s um dos sete indivduos
atingiu sucesso acima do acaso e quando testado na condio de armadilha irrelevante o
chimpanz no exibiu compreenso de causalidade. Porm, Seed, Call, Emery e Clayton
(2009) realizaram outra pesquisa com o problema tubo-armadilha com chimpanzs,
testando a hiptese de que a incluso da ferramenta (vareta para empurrar o alimento)afeta a capacidade dos chimpanzs em resolver o problema e exibir compreenso de
causalidade. Confirmando sua hiptese, os chimpanzs que foram testados sem
ferramenta atingiram maior sucesso do que aqueles com ferramentas, e resolveram o
problema mesmo quando as dicas visuais foram confundidas ou alteradas, o que implica
para os autores que os chimpanzs tinham codificado informaes sobre as propriedades
funcionais.
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Em um estudo comparativo, testando o desempenho de indivduos de trs
espcies de primatas: seis macacos-prego, cinco chimpanzs, quatro bonobos e um
orangotango, em uma tarefa de recuperao de alimento de um tubo a travs de varetas;
Visalberghi, Fragaszy e Savage-Rumbaugh (1995) forneceram varetas em diferentes
condies: individuais, empacotadas e deformadas. Como resultado, encontraram que
todos os sujeitos usaram as varetas individuais com sucesso para recuperar o alimento,
mas s os grandes smios desembrulharam o pacote de varetas agrupadas e modificaram
as deformadas para atingir sucesso, enquanto macacos-prego tentaram repetidamente
inserir o pacote de varetas inteiro ou a vareta deformada. Resultados que levaram os
autores a concluir que apesar de todos os indivduos terem sucesso na resoluo da
tarefa, s o desempenho dos grandes smios consistente com uma compreenso das
relaes causais da tarefa. Quando comparados esses resultados com o desempenho de
crianas de trs anos de idade, as crianas resolveram com sucesso a tarefa do tubo-
armadilha em apenas algumas tentativas (Limongelli, 1995, apud Visalberghi &
Tomasello, 1998).
Em outro estudo, ao comparar macacos-prego com chimpanzs, numa tarefa de
seleo de varetas para recuperao de alimento de um tubo (sem armadilha), sobre a
base de caractersticas funcionais (comprimento da vareta) e no funcionais, Sabbatiniet al (2012) demonstraram que as duas espcies so hbeis para atender s propriedades
funcionais das ferramentas, no entanto, os chimpanzs so mais rpidos na aquisio da
regra relacional subjacente, neste caso o comprimento da vareta para recuperar a
comida. Finalmente, descobriram um resultado surpreendente: ao comparar o
desempenho dos macacos e chimpanzs na mesma tarefa, mas sem acesso visual ao
comprimento dos tubos, as duas espcies foram igualmente eficientes na recuperao da
comida do que quando tinham acesso visual ao cumprimento do tubo, o que permitiria
supor que o sucesso na escolha produto da experincia direta do sujeito escolhendo
sob a regra sempre selecionar a mais longa.
Por outra parte, em contextos de uso de ferramenta natural, a flexibilidade
comportamental na quebra de frutos, que permite aos chimpanzs selvagens realizar
uma seleo deliberada dos materiais especficos para utiliz-los como ferramentas, foi
inferida inicialmente (Boesch & Boesch, 1982) atravs da comparao das
caractersticas de martelos e bigornas usados para quebrar frutos de diferenteresistncia, numa populao de chimpanzs. As ferramentas empregadas na quebra do
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fruto de alta resistncia (Panda oleosa) eram de pedra de granito, mais fortes e
resistentes do que as empregadas para quebrar o fruto mais leves (Coula edulis), que
eram de madeira. Portanto, os chimpanzs parecem levar em conta a resistncia dos
frutos, no uso de ferramentas de percusso. Subsequentes observaes diretas
confirmaram este padro de utilizao da ferramenta (Boesch & Boesch, 1990), essa
seletividade na escolha das ferramentas num contexto de quebra tambm tem sido
amplamente documentada nos chimpanzs (Byrne, 2004), o que permitiu afirmar que
eles so capazes de reconhecer as funes dos objetos, e qual pedra ou combinao de
ferramentas funciona melhor (Bril, et al, 2009).
Esses resultados inspiraram uma srie de estudos realizados com o intuito de
determinar se essa seletividade em contextos de quebra natural baseada unicamente nafamiliaridade com os materiais das ferramentas ou em um tipo de conhecimento sobre
as propriedades das ferramentas e, adicionalmente, questionando o papel da
manipulao das ferramentas antes da seleo. No primeiro estudo, Manrique, Gross e
Call (2010) investigaram se chimpanzs, bonobos, orangotangos e gorilas selecionavam
as ferramentas sobre a base da rigidez em uma tarefa de escolha entre trs ferramentas
tipo varetas para alcanar uma recompensa alimentar, manipulando as caractersticas
das ferramentas (cor, dimetro, material e rigidez). Encontraram que todos os indivduosescolheram a ferramenta rgida desde o primeiro teste e que os sujeitos selecionaram
igualmente bem mesmo quando no podiam manipular a ferramenta antes de escolher.
Finalmente, quando mudaram as propriedades da recompensa (mudando de uma
recompensa slida para uma lquida), os indivduos passaram a selecionar ferramentas
flexveis e no as rgidas, o que permite complementar as descobertas em ambiente
natural sobre conhecimento da funcionalidade das propriedades das ferramentas.
No segundo estudo, e inspirados nas mesmas observaes de seletividade emcontextos naturais de quebra com macacos-prego (Visalberghi et al, 2009a. V. adiante),
Manrique, Sabbatini, Call e Visalberghi (2011), com o mesmo paradigma de escolha de
varetas em funo da rigidez, encontraram que os macacos-prego tambm exibem uma
boa apreciao das relaes das ferramentas e as exigncias da tarefa, resultado que
sugere que a escolha das ferramentas produto de uma avaliao ativa dos sujeitos das
propriedades da ferramenta em relao s exigncias da tarefa.
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Uma srie de estudos posteriores sobre o entendimento causal envolvido no uso
de ferramentas nos macacos-prego, fazendo uso de outro paradigma experimental numa
tarefa de recuperao de alimento com varetas tipo cana de pesca em que os
indivduos depararam-se numa situao de escolha entre duas varetas como ferramentas
para recuperar o alimento, uma delas era adequada e outra no, em termos da disposio
espacial em relao ao alimento. Inicialmente Fujita, Kuroshima & Asai (2003)
encontraram que todos os sujeitos aprenderam recuperar o alimento usando a ferramenta
da forma e posio adequada, exibindo uma apreciao espacial entre a ferramenta e a
comida. Posteriormente alteraram algumas propriedades relevantes e irrelevantes das
varetas (forma, posio, cor, tamanho e textura) e os macacos mostraram que no
treinamento tinham aprendido algo mais do que uma resposta especfica, eles
conseguiram ter sucesso ainda com ferramentas de formas, cores e posies que no
tinham experimentado. Porm, os macacos no conseguiram resolver a tarefa quando
alm de envolvar a ferramenta e o alimento, a tarefa exigia a escolha da ferramenta em
funo de um terceiro objeto, um obstculo ou armadilha que impedia a recuperao do
alimento.
A partir dessa falha no desempenho e compreenso causal em tarefas de trs
itens (ferramenta, alimento e ambiente), Fujita, Sato & Kuroshima (2011) avaliaramnovamente o desempenho dos macacos na tarefa de recuperao do alimento com trs
itens alterando levemente o procedimento, demonstrando que a falha na pesquisa
anterior no foi devida a uma limitao cognitiva dos macacos-prego, mas sim a um
requisito da tarefa com trs itens. Concluram nesta segunda pesquisa que os macacos
tm uma compreenso rudimentar da causalidade no uso da ferramenta entre os trs
itens (alimentos, ferramentas e ambiente). Isso consistente com o comportamento de
quebra de cocos relatado por Fragaszy et al (2004) e Moura e Lee (2004), que tambm
envolve uma relao espacial de trs itens: um fruto, um martelo e uma bigorna.
Finalmente, Cummins-Sebree e Fragaszy (2005) testaram o desempenho de
macacos-prego na tarefa de escolha entre varetas tipo cana. Encontrando que os
macacos-prego tiveram sucesso na recuperao da comida com as varetas. Recuperando
a comida numa condio em que a vareta devia ser reposicionada, inclusive em
condies em que a ela tinha sido disposta de um jeito previamente adequado no
experimento anterior. A escolha dos macacos-prego no foi sensvel s mudanas daspropriedades irrelevantes (cor, tamanho, forma ou textura) das varetas. Sugerindo que
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eles conseguem distinguir entre propriedades relevantes e irrelevantes das ferramentas e
essa distino esta baseada na funcionalidade da ferramenta.
Evidncia testando a capacidade de compreenso de causalidade em animais
no-humanos no limitada aos primatas, outra srie de experimentos realizados comaves tm sido realizada. Ao avaliar gralhas em um paradigma de tubo com duas
armadilhas (Seed, Tebbich, Emery & Clayton, 2006; Tebbich, Seed, Emery & Clayton,
2007) encontraram que os indivduos aprendem a recuperar o alimento do tubo,
mostrando que a capacidade de resolver o problema no restrita a espcies animais
usurias de ferramentas, porm no obtiveram evidncia favorvel na resoluo da
tarefa atravs da compreenso das propriedades causais quando testadas em situaes
novas.
Tambm, trabalhos de laboratrio visando determinar se corvos da Nova
Calednia podem escolher ferramentas de dimenses apropriadas para problemas novos
foram conduzidos. Assim, Chappell e Kacelnik (2002) demonstraram que corvos
(Corvus moneduloides) selecionam ferramentas de comprimentos apropriados para
recuperar comida localizada em um tubo transparente horizontal. Um dos corvos exibiu
um bom desempenho, mesmo quando as ferramentas estavam localizadas longe do tubo.
Posteriormente, em uma tarefa similar, Chappell e Kacelnik (2004) testaram a seleo e
fabricao de varetas por corvos, mas em esta ocasio a propriedade funcional era a
largura das ferramentas. Encontrando que os indivduos so capazes de selecionar e
fabricar ferramentas de largura adequada de acordo com as necessidades da tarefa.
Resultados que na perspectiva do Kacelnick (2009) levantam a intrigante possibilidade
de que os animais representam as propriedades fsicas e as foras envolvidas no uso de
ferramentas de um modo abstrato, conceitual: em termos de propriedades dos objetos e
as relaes entre eles.
Em resumo, encontramos uma ampla srie de evidncias controversas, embora
algumas observaes paream impressionantes demonstrando seletividade e
flexibilidade no uso de ferramentas em tarefas novas, no permitem provar que os
indivduos compreendem a causalidade fsica envolvida no uso de ferramentas,
impedindo excluir explicaes baseadas em aprendizagem e processos de transferncia
da aprendizagem. O que levou alguns pesquisadores argumentar que tanto espcies
usurias quanto no-usurias de ferramentas so incapazes de compreender a teia de
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possibilidades que liga causas e efeitos, no exibindo processos representacionais de
inferncia causal a diferena dos seres humanos (Bluff et al, 2007; Penn, Holyoak &
Povinelli, 2008; Visalberghi & Tomasello, 1998). Assim, em ltima instncia como
afirmam Penn e Povinelli (2007), apesar de existirem algumas evidncias que podem
ser atribudas a uma capacidade de raciocnio sobre as relaes causais, na maioria se
no em todos os casos, uma explicao comportamental parece ser suficiente.
No entanto, outros pesquisadores so menos cticos na ausncia de evidncias
claras de conhecimento causal na resoluo de tarefas com o uso de ferramentas,
alegando que alguns fatores metodolgicos podem ter contribudo para mascarar o
conhecimento que os indivduos podem ter sobre a tarefa (e.g Call, 2004; Mulcahy &
Call, 2006; Seed et al, 2009; Seed & Tomasello, 2010) argumentando ainda que quandoremovidos alguns componentes metodolgicos (e.g requisitos de uso da ferramenta,
restries da tarefa e estratgias problemticas de controles) os indivduos exibem
claramente uma compreenso de pelo menos alguns princpios causais abstratos,
formando representaes mentais das propriedades funcionais sem extensas
experincias de aprendizagem em tarefas especificas.
A respeito dessa resistncia, dois argumentos de Call (2013) valem a pena ser
revisados: de um lado, afirma que a aprendizagem pode lidar razoavelmente bem com
desvios nas dimenses de estmulo, como a cor ou a frequncia do som. Por exemplo,
pombos treinados a bicar em um disco azul mostram alguma generalizao de estmulo
aos discos azul-verde. No entanto, em alguns casos, os novos estmulos no
compartilham caractersticas perceptuais com os familiares, em vez disso compartilham
caractersticas funcionais. Por exemplo, apesar de que uma abertura em uma plataforma
e uma barreira sobre uma plataforma impeam o deslocamento de um objeto desde o
ponto A para o ponto B na superfcie da plataforma, eles tm caractersticas perceptuaisdiferentes. menos claro que a generalizao de estmulo, originalmente desenvolvido
para lidar com variaes dentro de dimenses de estmulos, tambm seja responsvel
por classificar o buraco e a barreira como equivalente do ponto de vista funcional (p.
7). Aqui, Call (2013) no est reconhecendo que uma perspectiva da aprendizagem
comportamental como a do Epstein entende que a generalizao funcional, em
oposio generalizao baseada em caractersticas fsicas comuns (Epstein, 1996.
p81). Portanto, justamente a caracterstica funcional de impedir o deslocamento doobjeto sobre a plataforma a caracterstica definidora que permite a formulao do
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processo de generalizao funcional. Porm, torna-se relevante questionar o modo em
que a generalizao permite que dois ou mais estmulos com caractersticas estruturais
totalmente diferentes (um buraco e uma barreira) terminem constituindo uma classe
funcional, problema para o qual uma perspectiva representacional prope o conceito de
representao mental que permitiria ao indivduo produzir um sistema de classificao,
aumentando a capacidade de conectar e unir peas diferentes e separadas de informao
(e.g. Dickinson, 2001).
Por outro lado, Call (2013) argumenta que se tudo o que h na resoluo de
problemas tentativa e erro, aprendizagem a travs de reforo (seleo por
consequncias), encadeamento automtico e/ou ressurgncia, ainda tem que ser
explicado por que algumas espcies atingem o sucesso na resoluo de problemas eoutras no. Comparando os experimentos de Khler (1927) com chimpanzs com os
experimentos de Epstein et al (1984) com pombos, Call afirma que apesar do sucesso na
resoluo sbita tanto de pombos quanto de chimpanzs para a obteno da banana ao
empurrar a caixa (o denominado insight), um aspecto fundamental que no exibido
pelos pombos a espontaneidade, ou seja, os pombos no produzem a soluo
adequada quando um dos componentes no treinado diretamente (Grupo 2 e 3 do
Epstein et al, 1984) (Ver Emery, 2013 para outra crtica interpretao do insight doEpstein). Aqui o questionamento de Call torna-se fundamental na introduo de um
aspecto decisivo do surgimento do uso de ferramentas em ambiente natural: a
explorao espontnea que acontece em outros contextos no relacionados ao problema
a ser resolvido (e.g brincadeira ou explorao manipulativa de objetos) e que
proporciona um tipo de experincia crucial para a posterior resoluo de problemas (e.g.
Resende, Ottoni & Fragaszy, 2008).
Uma abordagem ecolgica ao desenvolvimento do uso de ferramentas
A evidncia controversa demonstra que tem havido um foco desproporcionado
na busca de mecanismos cognitivos complexos, tradicionalmente atribudos aos
humanos4, em espcies no-humanas, como a compreenso causal que pode estar
4 Apesar da suposio tradicional de que a capacidade de compreenso de causalidade certamentepossuda por humanos, algumas pesquisas parecem indicar que as limitaes na compreenso decausalidade no so apenas encontradas em animais no-humanos. Afirmando que mesmo primatas
humanos possuem uma compreenso extraordinariamente limitada das propriedades e foras causais quedeterminam o funcionamento de uma ferramenta (cf. Emery, 2013; Ruiz & Santos, 2013).
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envolvida no uso de ferramentas. Autores vm questionando a utilidade da dicotomia
tradicional entre explicaes comportamentais e inferenciais da compreenso causal em
animais no-humanos (Boesch, 2013; Chappell, 2006; Tebbich et al, 2013). Sugerindo
uma mudana de enfoque dos estudos comparativos da cognio para uma abordagem
muito mais centrada no animal e dirigida para uma anlise detalhada dos problemas que
enfrentam as espcies em seu contexto natural, evitando suposies antropocntricas e
olhando para os fatores ontogenticos, ecolgicos e morfolgicos que afetam e
determinam o uso de ferramentas (Gibson & Pick, 2000; Lockman, 2000; Resende,
2010).
Sob esta perspectiva ganha fora a ideia de que o desenvolvimento, inclusive o
manipulativo e a aquisio do uso de ferramentas, ocorre por meio de ciclos que
envolvem a percepo do mundo e a ao que se faz nele. Por meio da ao o mundo
percebido, alterado e depois percebido de outra forma distinta (Gibson & Pick, 2000).
A respeito, e questionando a afirmao de Goldenberg (2011) sobre que s nos
casos de uso de ferramentas suportado por raciocnio mecnico, estaria envolvido um
mecanismo genuno de inferncia causal, Greif e Needham (2011) apontam que no
existe s uma nica via de progresso entre o desenvolvimento da aprendizagem de
rotinas de ao e o raciocnio mecnico, pois essa viso unidirecional no captura aforma na que a aprendizagem de aes especficas das ferramentas, e o entendimento
sustentado em raciocnio mecnico interagem na aquisio do uso da ferramenta. Eles
retratam a aquisio do uso de ferramentas como envolvendo uma interao entre
padres de ao, o conhecimento sobre como a ferramenta normalmente usada e o
conhecimento conceitual sobre as propriedades dos objetos que poderiam ser usados
para raciocinar sobre as ferramentas. Assim, eles argumentam que atravs de
experincia prtica de ao repetida com as ferramentas, que os sujeitos podem
realmente gerar dados adequados para a aquisio de tal conhecimento conceitual,
tornando-se sensveis s propriedades fsicas particulares que permitem o sucesso no
uso de ferramentas5.
Perspectivas como a do Greif e Needham (2011) e outras derivadas da proposta
de Gibson (1979), como a de Lockman (2000), posicionam a questo do
5Uma proposta terica similar oferecida por Osiurak, Jarry e Le Gall (2010), baseada na ideia de que
percepo de potencialidades (affordances) e raciocnio atuam em conjunto de forma dialtica para darconta do surgimento espontneo de uso de ferramentas em humanos.
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desenvolvimento do uso de ferramentas na cena, e o interessante sobre esta noo que
eles sugerem que o uso de ferramentas est baseado nas habilidades motoras pr-
existentes do animal, seguindo assim uma abordagem ecolgica do problema em
contraposio s vises representacionais (cf. Cummins-Sebree & Fragaszy, 2005).
Destacando o importante papel da explorao visual-manual no incio do
desenvolvimento do conhecimento da ferramenta, vendo-o como um processo interativo
em que o conhecimento um produto da aprendizagem e da experincia que os sujeitos
adquirem ao interagir com objetos e observar outros sujeitos fazendo uso das
ferramentas. Assim, o conhecimento sobre ferramentas um produto das interaes dos
sujeitos com os objetos, mas no est presente antes destas experincias interativas.
Seguindo especificamente uma perspectiva terica derivada da abordagemecolgica, Lockman (2000) props a teoria da percepo-ao, sugerindo que durante o
desenvolvimento o conhecimento perceptual adquirido atravs da ao suporta o
comportamento flexvel posterior, e que o repertorio de ao tpico da espcie limita e
dirige o que o sujeito aprende em relao s affordances (potencialidades) do mundo
(cf. Gibson & Pick, 2000), uma affordance um tipo particular de disposio, aquela
cujo complemento uma propriedade disposicional do organismo6(Turvey, 1992 Apud
Osiurak et al, 2010). De forma que Gibson (1979), em favor de um conceito ecolgicoda realidade, sugere que os indivduos no percebem as propriedades dos objetos, mas
sim suas propriedades em relao a si mesmos, ou seja, o que eles
proporcionam/potencializam (afford). Portanto, as affordances so propriedades auto-
referenciais.
A partir desta perspectiva o desenvolvimento do uso de ferramentas formulado
como um problema duplo: 1) A deteco de potencialidades; 2) A relao de
potencialidades. A deteco de potencialidades surge a partir das tentativasinstrumentais dos indivduos para relacionar objetos com outros objetos e superfcies
sendo, portanto, baseada na informao que diretamente perceptvel. O uso de
ferramentas envolve detectar potencialidades no s dos objetos individuais, tambm
6 O termo affordance como substantivo foi cunhado por Gibson (1979), explicitamente: "The verb toafford is found in the dictionary, but the noun affordance is not. I have made it up. I mean by it somethingthat refers to the complementarity of the animal and the environment" (p127), adicionalmente:
"Affordances are properties taken with reference to the observer. They are neither physical norphenomenal" (p143).
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das relaes que possam existir entre os objetos ou partes deles. Ento, para fazer uma
anlise do problema, esta perspectiva sugere que necessrio que haja experincia com
os objetos, que trar oportunidades de aprendizagem perceptual referentes s suas
propriedades, e o sujeito deve ser capaz de detectar de que maneira os objetos e suas
superfcies podem ser alinhados e combinados, gerando o uso de ferramentas (Resende
et al., 2008).
Sendo a quebra de frutos uma sequncia especfica, que no tem sucesso sem ter
ocorridos passos precedentes, surge da aprendizagem das relaes espaciais durante a
manipulao espontnea de objetos que acontece na infncia, que permite desenvolver
as relaes espaciais entre eles e as superfcies (Fragaszy & Cummins-Sebree, 2005). A
teoria prev que as aes diretas com um objeto ou superfcie viro antes que as aesque combinam um objeto com uma superfcie (Fragaszy, 2007). Conforme previso,
macacos-prego batem espontaneamente diferentes objetos contra diferentes substratos
de uma forma ldica antes de executar a ao, dirigida para algum alvo, de usar um
objeto para quebrar um fruto (Resende et al., 2008).
A fim de detectar as potencialidades de um objeto, o indivduo deve agir sobre
ele quando a percepo visual no fornece informaes suficientes. Ao fsica,
explorao ttil e feedback, so todos importantes para a organizao das aes com
ferramentas. Assumindo que a cognio envolvida na deteco das potencialidades
uma cognio incorporada que modelada pelo corpo e as aes corporais (Liu et al.,
2011). Portanto, as diferenas individuais na ao e habilidade so provveis, e, sob a
perspectiva ecolgica, esta variabilidade uma rica fonte potencial de informao e no
apenas rudo emprico e metodolgico.
Indo alm das vises tradicionais do uso de ferramentas como um problema
cognitivo que exige insight e amplamente dependente de uma capacidade de
processamento ou raciocnio causal. A implicao chave desta perspectiva que o uso
de ferramentas no uma conquista do desenvolvimento descontnuo que requer um
novo nvel de pensamento representativo, como considerado tradicionalmente na
literatura (Lockman, 2000). Essa nfase no desenvolvimento e nos fatores ecolgicos e
morfolgicos dos indivduos certamente inspirada em mudanas de perspectiva
recentes no seio da psicologia cognitiva e da cognio comparada (e.g. Shettleworth,
2010; Barrett, 2011, de Waal & Ferrari, 2010).
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Alguns representantes da perspectiva tradicional representacional, mesmo sem
abandonar algumas suposies tradicionais (e.g. a representao mental), tm
incorporado o conceitos de ciclos de percepo-ao e a importncia fundamental do
desenvolvimento num contexto ecolgico. Por exemplo, Call (2013) sugere que
possvel reconhecer trs ingredientes necessrios para se tornar um usurio de
ferramentas: 1) A busca e acumulao de informaes, considerando que a
aprendizagem baseada em reforo pode ser uma fonte importante de conhecimento,
reconhecendo que a informao tambm pode ser adquirida na ausncia de reforo; 2)
Recombinao ou reestruturao da informao; e, 3) Propenso para manipulao de
objetos. Por outro lado, Seed e Boogert (2013) realizaram uma reviso de algumas
evidncias que permitem apoiar uma mudana da abordagem tradicional do insight
suportando-o no feedback perceptivo-motor. Inspirados no experimento de Taylor,
Knaebe e Gray (2012), em que testaram corvos e humanos numa tarefa de escolher uma
corda conectada ou no recompensa para recuperar uma recompensa (dinheiro e carne
respectivamente), salientam que cada passo na soluo traz a recompensa visivelmente
mais prxima, e esta aproximao pode ser gratificante em si, de forma que a soluo de
puxar a corda pode ser resolvida a partir de um circuito de feedback perceptivo-motor
mediado por condicionamento operante e no em processos de simulao mental ou
planejamento. Como afirmam Osiurak et al (2010) tendo demonstrado que os animais
no compreendem as propriedades no observveis dos objetos, uma explicao
plausvel que o comportamento de uso de ferramentas de animais no-humanos pode
ser suportado pela percepo de affordances, associada com um processo de tentativa-e-
erro7.
Funo adaptativa da seletividade no uso de ferramentas
Cada animal se depara com desafios prprios do seu nicho ecolgico especfico,alguns desses desafios podem ser resolvidos de forma mais eficiente com a ajuda de
ferramentas. De forma que importante entender a seletividade e flexibilidade no uso
de ferramentas dentro de uma estrutura de otimizao do comportamento. A teoria do
forrageamento timo (Stephens & Krebs, 1986) prev que os indivduos compensem os
7 Osiurak et al (2010) afirmam que nos seres humanos, esta hiptese no pode ser apoiada, por tantofornecem uma proposta terica baseada na ideia de que a percepo de potencialidades (affordances) e
raciocnio atuam em conjunto de forma dialtica para dar conta do surgimento espontneo de uso deferramentas em humanos.
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custos necessrios para explorar as opes alternativas e seus benefcios em termos da
eficincia no forrageamento. E a abordagem da percepo-ao nos permite examinar os
processos que contribuem para a seletividade no comportamento dos animais, incluindo
a seleo de objetos para um alvo especfico, que permitam obter o maior ganho
possvel do seu comportamento. Independentemente do uso de ferramentas seja ou no
suportado por algum tipo de cognio avanada, do ponto de vista de custo-benefcio
esperada a obteno de vantagens adaptativas se os animais so capazes de selecionar
objetos apropriados como ferramentas, modificar objetos de forma a melhorar a sua
eficincia, e usar esses objetos na forma adequada, em funo dos alvos adequados
(Biro et al., 2013).
Uma vez que uma boa nutrio essencial para a sobrevivncia e sucesso
reprodutivo de um animal, a seleo natural tende a favorecer comportamentos que
aumentem a eficincia alimentar (Stephens & Krebs, 1986). Cada comportamento de
forrageamento um compromisso entre o benefcio nutricional e o custo de obteno do
alimento e, assim, a seleo natural deve favorecer aqueles comportamentos que
reduzem ao mnimo os custos e maximizam os benefcios (Campbell, & Reece, 2005).
Este enquadramento terico nos permite entender por que os indivduos, atravs da
experincia, adquirem o conhecimento das potencialidades dos objetos e as relacionam
entre si. O mecanismo de aprendizado perceptual oferece uma vantagem evolutiva:
maior eficincia na manipulao dos objetos dirigidos para um alvo e, portanto,
obteno de maior benefcio ao menor custo.
Por exemplo, a quebra de frutos como prtica rotineira dos macacos-prego um
exemplo notvel de um comportamento plstico, em que os custos e benefcios variam
enormemente entre os indivduos e a eficincia requer anos para ser atingida (Resende
et al., 2008). Portanto, esse comportamento levanta muitas perguntas interessantes
respeito dos custos e benefcios do uso de ferramentas no forrageamento em animais
no humanos (Fragaszy et al., 2010a).
O benefcio da quebra de frutos encapsulados tem sido enfocado para ser uma
fonte de recursos especial para os macacos durante os perodos de escassez de
alimentos. Em contraste, pouca ateno tem sido dedicada aos custos do uso de
ferramentas. A quebra de frutos uma atividade de forrageamento custosa em termos de
tempo, energia, despesas e riscos. Fragaszy et al. (2010a) assumem o golpe comounidade bsica de atividade que pode ser afetada pelo custo dos eventos de uso de
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ferramentas, e assumem que os fatores que afetam o nmero de golpes necessrio para
quebrar um fruto afetam os custos da atividade a curto prazo, mostrando que macacos-
prego do mesmo grupo, sob as mesmas condies ambientais, variam na sua eficincia
ao longo de um intervalo entre 1 e 15 frutos abertos por cada 100 golpes. Assim, este
comportamento proporciona uma oportunidade para avaliar os custos e benefcios da
utilizao de uma ferramenta no forrageamento atravs de uma larga escala de variao
individual. As caractersticas do fruto, da bigorna, do martelo e do macaco-prego afetam
a eficincia na quebra de cocos. Portanto, determinar se um alimento potencial
rentvel, se pode ser obtido com uma ferramenta antes de tentar bat-lo e selecionar
uma ferramenta adequada antes do uso, seria maximizar os benefcios da ferramenta
(Fragaszy et al., 2010b). Assim, Liu, Simpson, Izar, Ottoni, Visalberghi & Fragaszy
(2009) examinaram minuciosamente a cinemtica e os aspectos energticos do
comportamento de quebra do cocoAttalea spnos macacos-prego (Sapajus libidinosus)
do grupo livre da Fazenda Boa Vista, PI, e verificaram que eles exibem estratgias
relacionadas, por exemplo, ao peso das pedras, a dureza dos frutos e sua capacidade
corporal, que maximizam as vantagens mecnicas e minimizam o risco de ferimentos.
Seletividade no uso de ferramentas num comportamento natural: a quebra de
cocos nos macacos-prego
Alguns dos trabalhos experimentais acima citados (Chappell & Kacelnick,
2002,2004; Manrique et al, 2010, 2011; Sabbatini et al, 2012) demonstraram que
indivduos de vrias espcies so capazes de selecionar de forma confivel entre as
ferramentas que podem e no podem ser utilizados para obter a comida, reconhecendo
as affordances fsicas dos objetos para serem uma boa ferramenta. Outros trabalhos
relataram essa capacidade em animais usurios de ferramentas em vida livre.
A flexibilidade comportamental na quebra de frutos, que permite aoschimpanzs selvagens realizar uma seleo deliberada dos materiais especficos para
utiliz-los como ferramentas, foi inferida atravs da comparao das caractersticas de
martelos e bigornas usados para quebrar frutos de diferente resistncia. Boesch e
Boesch (1982) inferiram, numa populao de chimpanzs, desta forma que as
ferramentas empregadas na quebra do fruto de alta resistncia (Panda oleosa)eram de
pedra de granito, mais fortes e resistentes do que as empregadas para quebrar o fruto
mais leves (Coula edulis)que eram de madeira. O que levou os pesquisadores a pensarque os chimpanzs levam em conta a resistncia dos frutos, no uso de ferramentas de
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percusso. Subsequentes observaes diretas (Boesch & Boesch, 1990) e experimentais
(Schrauf, Call, Fuwa & Hirata, 2012) confirmaram este padro de utilizao da
ferramenta, essa seletividade na escolha das ferramentas num contexto de quebra tem
sido amplamente documentada nos chimpanzs (Byrne, 2004), o que permitiu afirmar
que eles so capazes de reconhecer as funes dos objetos, e qual pedra ou combinao
de ferramentas funciona melhor (Bril et al, 2009). Adicionalmente, tambm em
chimpanzs, Sanz, Schning e Morgan (2010) relataram o uso de dois conjuntos de
ferramentas diferentes na forma e funo para predar formigas, um para perfurar o
formigueiro e outro para coletar as formigas, sendo estes conjuntos tambm diferentes
de outras ferramentas empregadas para predar cupins ou extrair mel.
Evidncias similares so encontradas em outras espcies, Gumert eMalaivijitnond (2013) conduziram um estudo observacional para determinar se os
macacos de cauda longa selecionam ferramentas de pedra de acordo com o tipo de
alimento a ser processado, fornecendo conjuntos de pedras com diferentes pesos,
encontraram que os macacos selecionaram as pedras para serem usadas em funo do
tipo de alimentos a serem processados. Por outro lado, St. Clair e Rutz (2013)
conduziram um estudo experimental com corvos da nova Calednia usurios de varetas
no ambiente natural para forrageamento extrativo, encontrando que os corvos prestamateno s caractersticas funcionais das ferramentas.
Para tentar compreender como os macacos-prego determinam as propriedades
relevantes dos objetos, orientam a seleo para us-los como uma ferramenta e como
eles so sensveis s propriedades particulares, tem havido um acmulo de pesquisas
visando aprofundar a compreenso das dimenses relevantes dos frutos e ferramentas
envolvidos na seleo feita pelos macacos (cf. Visaberghi & Addessi, 2013 para uma
reviso abrangente). Explicitamente, as potencialidades do fruto podem-se centrar nafacilidade para ser quebrado e a quantidade de benefcio alimentar que constitui ao ser
quebrado; as potencialidades do martelo baseiam-se na aptido para golpear e quebrar o
fruto, permitindo testar quais das suas propriedades fornecem essa aptido; e as
potencialidades da bigorna esto baseadas na sua qualidade como uma plataforma para
posicionar o coco e resistir ao golpe do martelo.
Escolha das bigornas
Uma bigorna adequada deve (1) fornecer alta fora reativa (isto , transmitir afora do impacto para o fruto) de modo que o fruto quebre em menos golpes do que em
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uma bigorna com baixa fora reativa, (2) manter o fruto no lugar depois do golpe e (3)
fornecer uma fcil acessibilidade para os macacos e boa estabilidade (Liu et. al, 2011).
Assim, os macacos-prego desenvolvem com a e