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1 * Possui graduação em farmácia e é mestre em educação pela UFPR. Contato: [email protected] Harvey versus Marx sobre as Crises do Capitalismo Parte 3: Uma Tréplica Harvey Versus Marx On Capitalism’s Crises Part 3: A Rejoinder Andrew Kliman Publicado em 13 de maio de 2015 no New Left Project [http://www.newleftproject.org]. Direitos de reprodução: licenciado sob uma licença Creative Commons. Tradução do inglês: Marcelo José de Souza e Silva* A lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx representa com precisão uma característica real do capitalismo e ajuda a explicar a Grande Recessão de 2007-2009? O debate entre dois grandes marxistas contemporâneos continua. Quero começar agradecendo David Harvey por dispor seu tempo respondendo minha contra-crítica de seus criticismos (Harvey, 2014) da lei da queda tendencial da taxa de lucro (LQTTJ) de Marx, a teoria da crise econômica capitalista baseada nesta lei e a relevância da lei e teoria para um entendimento da Grande Recessão. A resposta dele aborda pouco do que escrevi; em particular, não aborda a evidência textual ou econômica que coloquei. Também interpreta erroneamente o que o texto aborda – minha analogia sobre o procedimento explicativo de Marx – ao retratá-lo como uma metáfora para a “natureza do capital”. Mas, pelo menos, sua resposta é um começo, uma abertura para uma discussão que pode ainda se prover frutífera. Para preparar o palco para o que segue, vou recapitular brevemente a acusação original de Harvey que a LQTTJ de Marx é mono-causal e minha analogia, que responde àquela acusação. Vou então esclarecer porque a analogia não é uma metáfora para a “natureza do capital”. As seções restantes dessa tréplica levam em conta a nova versão de Harvey da acusação de mono-causalidade, sua caracterização de falácia do espantalho da LQTTJ, sua injunção a priori implícita contra considerar a possibilidade de que a lei possa estar correta, e a necessidade dessa discussão, se ela for ser frutífera, em retornar a uma consideração da evidência. Acusação de mono-causalidade de Harvey (primeira versão) Harvey acusou que a lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx e a teoria da crise capitalista baseada na lei, são mono-causais 1 . Essa acusação é baseada na controvérsia de Harvey de que a lei depende crucialmente de um número de “suposições 1 Como observado na Parte 1 dessa contra-crítica, a lei de Marx diz que a taxa de lucro tende a cair por causa do progresso tecnológico poupador de trabalho sob o capitalismo. Ao diminuir os custos de produção, as inovações tecnológicas tendem a impedir o aumento dos preços dos produtos, e isso torna difícil aumentar o lucro das companhias tão rapidamente quanto a quantidade de capital que eles investiram para produzir seus produtos.

Andrew Kliman - Harvey Versus Marx Sobre as Crises Do Capitalismo Parte 3

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A lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx representa com precisão uma característica real do capitalismo e ajuda a explicar a Grande Recessão de 2007-2009? O debate entre dois grandes marxistas contemporâneos continua.

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    * Possui graduao em farmcia e mestre em educao pela UFPR. Contato: [email protected]

    Harvey versus Marx sobre as Crises do Capitalismo Parte 3: Uma Trplica

    Harvey Versus Marx On Capitalisms Crises Part 3: A Rejoinder Andrew Kliman

    Publicado em 13 de maio de 2015 no New Left Project [http://www.newleftproject.org].

    Direitos de reproduo: licenciado sob uma licena Creative Commons. Traduo do ingls: Marcelo Jos de Souza e Silva*

    A lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx representa com preciso uma caracterstica real do capitalismo e ajuda a explicar a Grande Recesso de 2007-2009? O debate entre dois grandes marxistas

    contemporneos continua.

    Quero comear agradecendo David Harvey por dispor seu tempo respondendo minha contra-crtica de seus criticismos (Harvey, 2014) da lei da queda tendencial da taxa de lucro (LQTTJ) de Marx, a teoria da crise econmica capitalista baseada nesta lei e a relevncia da lei e teoria para um entendimento da Grande Recesso. A resposta dele aborda pouco do que escrevi; em particular, no aborda a evidncia textual ou econmica que coloquei. Tambm interpreta erroneamente o que o texto aborda minha analogia sobre o procedimento explicativo de Marx ao retrat-lo como uma metfora para a natureza do capital. Mas, pelo menos, sua resposta um comeo, uma abertura para uma discusso que pode ainda se prover frutfera.

    Para preparar o palco para o que segue, vou recapitular brevemente a acusao original de Harvey que a LQTTJ de Marx mono-causal e minha analogia, que responde quela acusao. Vou ento esclarecer porque a analogia no uma metfora para a natureza do capital. As sees restantes dessa trplica levam em conta a nova verso de Harvey da acusao de mono-causalidade, sua caracterizao de falcia do espantalho da LQTTJ, sua injuno a priori implcita contra considerar a possibilidade de que a lei possa estar correta, e a necessidade dessa discusso, se ela for ser frutfera, em retornar a uma considerao da evidncia.

    Acusao de mono-causalidade de Harvey (primeira verso) Harvey acusou que a lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx e a teoria

    da crise capitalista baseada na lei, so mono-causais1. Essa acusao baseada na controvrsia de Harvey de que a lei depende crucialmente de um nmero de suposies

    1 Como observado na Parte 1 dessa contra-crtica, a lei de Marx diz que a taxa de lucro tende a cair por causa do progresso tecnolgico poupador de trabalho sob o capitalismo. Ao diminuir os custos de produo, as inovaes tecnolgicas tendem a impedir o aumento dos preos dos produtos, e isso torna difcil aumentar o lucro das companhias to rapidamente quanto a quantidade de capital que eles investiram para produzir seus produtos.

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    draconianas feitas por Marx. Por virtude dessas alegadas suposies, a LQTTJ supostamente exclui todas as causas potenciais da queda de lucratividade que no seja a mudana de tecnologia poupadora de trabalho, e todos os fatores que mantm a taxa de lucro de cair por compensar o efeito da mudana tecnolgica.

    Mesmo assim, inegvel que a Parte 3 do terceiro volume de O Capital, intitulada Lei: Tendncia a Cair da Taxa de Lucro, discute diversos fatores contrrios assim como causas adicionais da crise como o sistema financeiro. Harvey no discorda disso. Sua acusao de que a lei mono-causal se baseia, na verdade, sobre a estrutura do procedimento explicativo de Marx, i.e. a ordem na qual os vrios fatores causais aparecem no relato de Marx. Marx primeiro apresentou a lei como tal (das Gesetz als solches); somente depois ele incorporou fatores contrrios, e ento causas adicionais da crise, em sua explicao da LQTTJ.

    Essa forma de estruturar uma explicao irrepreensvel e bastante comum. Ainda assim, Harvey fez ela parecer ser uma explicao mono-causal ao reduzir a LQTTJ a lei enquanto tal. Os fatores contrrios e causas adicionais da crise no so parte da lei enquanto tal; portanto (para Harvey, a LQTTJ pressupe que eles no existem e no uma lei vlida se eles no existem. E, portanto (para Harvey), o fato de que Marx reconheceu a existncia de fatores contrrios e causas adicionais e os incorporou em sua explicao no o absolve da acusao de mono-causalidade. S significa que Marx estava exibindo sua vacilao e ambivalncia sobre a validade da LQTTJ e que ele no estava mais discutindo ela, mas estava, na verdade, discutindo o que acontece quando os pressupostos feitos ao derivar a lei so descartados.

    Em resposta, eu explique o que est errado com essa forma de interpretar o procedimento explicativo de Marx. Eu observei que O texto no precisa ser lido dessa forma. E desde que no precisa, no deveria; uma leitura maldizente no uma boa prtica interpretativa. Eu ento forneci o que chamei de uma analogia do procedimento de Marx:

    No preciso uma discusso metodolgica sofisticada para entender o que est errado com a acusao de mono-causalidade. A questo simples. Se eu apelo para a lei universal da gravitao a fim de explicar porque maas tm uma tendncia de cair das rvores, sem mencionar outros fatores que podem fazer elas carem, como o sopro do vento, ou fatores contraditrios, como a resistncia do ar, eu no estou assumindo que essas outras coisas no existem. Muito menos eu estou construindo um modo mono-causal que exclui eles e que , portanto, severamente restrito em aplicabilidade. Eu no o estou fazendo mesmo se eu explico que a lei da gravitao segue da segunda lei de movimento de Newton e evito introduzir outros fatores na equao quando mostro como ela segue. Se eu vou ento falar sobre a resistncia do ar e o sopro do vento, eu no estou exibindo minha ambivalncia, vacilando ou admitindo que a lei universal da gravitao opera somente no vcuo, mas falha em operar no mundo real (grifos no original).

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    Uma metfora para natureza do capital? A contribuio inicial de Harvey (2014) para essa discusso critica

    vigorosamente a LQTTJ de Marx, seu lugar dentro da teoria de Marx da crise econmica capitalista e sua relevncia para a Grande Recesso e a prolongada consequncia da recesso. Minha contra-crtica abordou cada um de seus muitos criticismos. A resposta de Harvey a mim dedicada exclusivamente para a discusso de duas sentenas de minha contra-crtica as terceira e quarta sentenas na passagem citada acima e ela seriamente ignora aquelas duas sentenas.

    De acordo com Harvey, as sentenas so uma metfora que Andrew Kliman usou para explicar porque sua viso da queda da taxa de lucro no monocausal e especialmente para conceptualizar e enquadrar [seu] entendimento da natureza do capital. A grande diferena entre Andrew e eu, eu diria, reside no enquadramento metafrico que cada um de ns tm da natureza do capital.

    Deveria ser claro a partir da seo precedente que existem trs erros cruciais aqui. Primeiro, minha analogia no sobre uma questo geral, abrangente como a natureza do capital; sobre um fenmeno especfico, nomeadamente, a tendncia da taxa de lucro em cair. Segundo, a analogia no sobre minha viso da queda da taxa de lucro ou meu entendimento da natureza do capital; sobre o procedimento explicativo de Marx e a lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx2. Terceiro, a analogia no sobre a natureza do capital; sobre o procedimento explicativo de Marx. Em outras palavras, no ontolgica (sobre o ser), mas epistemolgica (sobre saber).

    Eu no ofereci metfora, naquela passagem ou qualquer outro lugar, para conceptualizar ou enquadrar meu entendimento da natureza do capital, e eu no tenho tal metfora para oferecer. Eu no preciso de uma metfora para conceptualizar meu entendimento do capital, mesmo porque capital j uma conceptualizao dos fatos, no um prprio fato bruto. Eu no vejo como trocar a conceptualizao original (valor em processo (Marx, 2013, p. 231)) com uma metafrica poderia ajudar minha pesquisa terica ou emprica.

    Eu tenho suspeitas sobre a frase natureza do capital. Eu me preocupo mais sobre como e porque o capitalismo funciona e no funciona do que eu me preocupo com sua natureza. E eu particularmente tenho suspeitas sobre a frase natureza do capital quando usada como Harvey usou para me imputar a crena de que existe algum sentido no-trivial no qual o capital e o capitalismo so como o mundo natural, ou algum sentido no-trivial no qual a tendncia da taxa de lucro em cair como a fora gravitacional. No isso que acredito.

    2 As discordncias fundamentais de Harvey so com Marx. Sua contribuio inicial (Harvey, 2014) criticava Marx frequentemente e longamente, enquanto eu fui mencionado uma vez. Em contraste, a resposta de Harvey quase faz Marx desaparecer ele mencionado somente algumas vezes, basicamente em conexo com suas metforas, mas nem uma vez em relao LQTTJ e a teoria da crise baseada nela e isso retrata a disputa entre Harvey e Marx como uma disputa entre Harvey e Kliman. O que leva a essa mudana repentina? E o que leva ao fato de que Harvey abruptamente mudou de discutir a evidncia para discutir metforas? Poderia ser que uma coisa conceder que o suposto enquadramento metafrico de Kliman pode estar correto, mas outra bem diferente conceder que lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx pode estar correta e relevante para o entendimento de porque a Grande Recesso eclodiu?

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    Contrrio ao que os pargrafos quarto e quinto da resposta de Harvey a mim sugerem, minha poltica revolucionria marxista-humanista no deduzida de uma metfora (Da a concluso de Kliman); est baseada em evidncia e teoria. Estou disposto e posso defender minha poltica, mas somente depois de ler algum argumento que questione a evidncia e teoria na qual baseada um argumento honesto-a-bom, no uma comparao de metforas. A preferncia pessoal de algum para uma metfora ao invs de outra e a experincia subjetiva (como eu vejo e experiencio o capital) subjacente quela preferncia no pode ser debatida; ele prefere o que ele prefere e experincia o que ele experincia, e isso isso. Se a poltica associada com a metfora e a experincia subjetiva justificada, luz dos fatos reais, outra questo. Quando me for fornecido um argumento que objetiva prover tal justificativa, eu discutirei ele felizmente.

    Eu observei acima que minha analogia mas-caindo-das-rvores no sobre a natureza do capital, mas sobre o procedimento explicativo de Marx. Essa parece ser uma diviso bem elegante. O tipo de explicao que algum fornece no depende fortemente da natureza especfica dos fenmenos que est explicando? Assim, minha analogia no implica que eu estou queira ou no igualando a LQTTJ e a fora gravitacional? No, realmente no. No existe conexo necessria entre a natureza de um fenmeno e como se explica o fenmeno. Afinal, possvel fornecer uma anlise sbria da embriaguez3.

    Minha analogia mas-caindo-das-rvores no compara o capitalismo realidade fsica. Ela ilustra como uma explicao multi-causal que apela para um princpio geral ou lei de uma tendncia funciona, qualquer que possa ser a questo.

    Se eu apelo para

    a lei da gravitao a fim de explicar porque mas tm uma tendncia em cair de rvores, sem mencionar outros fatores que podem fazer elas carem, como o sopro do vento, ou fatores contrrios, como resistncia do ar; ou

    o princpio de que estudar aprimora o conhecimento a fim de explicar porque estudantes que estudam bastante tm uma tendncia em tirar boas notas, sem mencionar outros fatores que melhoram as notas, como dormir com o professor, ou fatores contrrios, como estupidez; ou

    a teoria da seleo natural a fim de explicar porque as girafas tm uma tendncia de ter pescoo comprido, sem mencionar outros fatores que podem produzir girafas de pescoo comprido, como um desastre que pode ter matado as girafas de pescoo pequeno, ou fatores contrrios, como mutaes que produzem prole com pescoo relativamente pequeno; ou

    o princpio de que afro-americanos encaram discriminao no mercado de trabalho a fim de explicar porque eles tm uma tendncia em sofrer de desproporcionalmente frequente desemprego, sem mencionar outros

    3 Aparentemente, a frase anlise sbria da embriaguez foi cunhada por Tadeusz Boy-eleski, que a usou para caracterizar o artigo de Michel de Montaigne Da Embriaguez.

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    fatores que podem aumentar a frequncia de desemprego, como incompatibilidade geogrficas entre os que procuram emprego e as vagas de emprego, ou fatores contrrios, como poltica de ao afirmativa; ou

    a lei da queda tendencial da taxa de lucro a fim de explicar porque a taxa de lucro tem uma tendncia em cair, sem mencionar outros fatores que podem fazer ele cair, como um aumento nos salrios, ou fatores contrrios, como o barateamento dos meios de produo; ...

    Eu no estou assumindo que os fatores causais adicionais e fatores contrrios

    no existem. Muito menos estou construindo um modelo mono-causal que os exclui e que , portanto, severamente restrito em aplicabilidade. Se ento eu continuo falando sobre fatores causais adicionais e os fatores contrrios, eu no estou exibindo minha ambivalncia, vacilando ou admitindo que os princpios explicativos gerais que eu recorri falharam para operar no mundo real.

    Considere os primeiros quatro pontos marcados. Eles so metforas que eu empreguei para enquadrar meu entendimento da natureza do capital? Eu penso que existe algo no-trivial que mas caindo, boas notas, girafas de pescoo comprido, desemprego desproporcionalmente frequente e lucratividade em queda, todos tm em comum? Eu penso que existe algo no-trivial que a lei universal da gravitao, a relao estudo-conhecimento, seleo natural, descriminao no mercado de trabalho e a LQTTJ, todos tm em comum? Dificilmente. Cada um dos fenmenos tm uma natureza muito diferente uns dos outros; cada princpio explicativo geral bastante diferente uns dos outros. Apesar disso, as cinco explicaes tm a mesma estrutura bsica, e dentre as coisas importantes, eles tm em comum o fato de que nenhum deles mono-causal.

    Acusao de mono-causalidade de Harvey (nova verso) Ainda assim, Harvey continua a tergiversar sobre essa concluso:

    Poderamos tergiversar sobre a semntica do que mono-causalidade significa aqui. Se no existisse lei universal da gravidade, quantidade alguma de sopro do vento levaria a ma ao cho e a quantidade de resistncia do ar seria irrelevante. Essas condicionalidades (ou foras contrrias) so relevantes somente em relao lei universal.

    O significado normal de mono-causal ter uma nica causa, e o que Harvey

    (2014) alegou era realmente que muito economistas marxistas gostam de afirmar uma teoria causal nica da formao da crise (grifo meu). Nessa analogia, entretanto, as causas do movimento da ma incluem no somente gravitao, mas tambm o sopro do vento e resistncia do ar. Existem trs fatores causais aqui, no um. A analogia, portanto, no pode ser lida propriamente como exemplificando a acusao de Harvey de que a LQTTJ de Marx e a teoria da crise baseada nela tem causa nica.

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    Ele est agora usando o termo mono-causal de maneira nova. A nova definio implcita dele de explicao mono-causal uma explicao na qual existe uma causa para a qual nenhuma das outras causas est totalmente no relacionada. Como observei na Parte 2 da minha contra-crtica,

    eu suspeito que a conversa da multi-causalidade est mascarando o desejo de Harvey por uma teoria da crise apousa-causal [uma na qual a LQTTJ no desempenha qualquer papel (apousa ausente em grego)]. Ele claramente no est feliz com a teoria especfica multi-causal da crise que surge, quando tudo que dito e feito desde o volume 3 de O Capital uma teoria na qual a LQTTJ permanece intacta e outros determinantes como o sistema financeiro esto vinculados a ela e mediados da forma na qual aparece (grifos no original).

    Eu no tenho objeo redefinio de Harvey de mono-causal, conquanto ele

    deixe claro que ele no est usando o termo da forma normal. Mas se ele est desacreditando explicaes dos fenmenos sociais e econmicos que so mono-causais no sentido novo que ele criou, ele est desacreditando seres humanos, no atividade humana, e no fenmenos sociais ou econmicos. Todos esses fenmenos so relevantes somente em relao ao carbono; eles podem ocorrer somente porque o carbono est presente na Terra.

    Contestando minha afirmao de que ele est em campanha por uma teoria da crise apousa-causal na qual a LQTTJ no desempenha papel algum, Harvey escreve, o todo orgnico constitudo pelo capital poderia ser derrubado pelo mecanismo apontando em direo aos lucros em queda que Andrew favorece e eu certamente no excluo essa possibilidade, apesar do que ele diz. Mas, eu nunca disse que ele nega que possa existir algum caso excepcional no qual a mudana tecnolgica poupadora de trabalho a causa da lucratividade em queda e a queda na lucratividade uma causa da crise. Eu disse e digo novamente que ele est tentando excluir da considerao a possibilidade de que a lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx uma lei genuna isto , um princpio geral que explica com sucesso porque a taxa de lucro tem uma tendncia a cair. Ele est tambm tentando excluir de considerao a possibilidade de que a teoria da crise econmica capitalista enraizada na lei pode explicar com sucesso o que est acontecendo conosco no aqui e agora ao invs de o que ir acontecer no futuro distante quando o sol ... eventualmente ficar sem gs4. As palavras de concluso da rplica dele rejeitam essas possibilidades explicitamente: minha metfora orgnica para entender a natureza do capital funciona muito melhor para o entendimento do que est acontecendo conosco no aqui e agora (grifos adicionados).

    4 Harvey parece ter emprestado esse sofisma de Rosa Luxemburgo, que escreveu, ainda vai passar algum tempo antes do capitalismo desmoronar por causa da taxa de lucro em queda, mais ou menos at o sol apagar. No parece existir evidncia de que Marx considerou que o capitalismo deve, ou vai, desmoronar por causa da taxa de lucro em queda. Pelo contrrio, ele argumentou que devem estar em jogo fatores adversos que estorvam e anulam o efeito da lei geral [queda tendencial da taxa de lucro (Marx, 2008a, p. 307), de que a LQTTJ tem de ser constantemente superada por meio de crises (Marx, 2008a, p. 338) e que crises permanentes no existem (Marx, 1989, p. 128, nota em estrela).

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    Uma LQTTJ da falcia do espantalho Embora a afirmao de Harvey que minha analogia mas-caindo-das-rvores

    uma metfora para a natureza do capital equivoca o que escrevi, tem o mrito de no ser uma mentira. O mesmo no pode ser dito da afirmao dele de que eu enquadro a natureza do capital em termos das

    certezas mecnicas daquele mundo newtoniano no qual se dava corda no relgio no incio atravs de extraes de absoluto mais-valor s para gradualmente perder a corda sob o mpeto competitivo para criar mais-valor relativo. Como a taxa de capital para trabalho empregado muda inelutavelmente em favor do primeiro, assim a taxa de lucro tende para baixo. Para mim, esse modelo mecnico parece muito determinstico, muito unidirecional e muito teleolgico para caber em como eu vejo e experiencio o capital evoluindo como um todo orgnico.

    Observe que esta afirmao, assim como a afirmao anterior dele de que

    Andrew Kliman tem sido muito estridente em sua afirmao de que a crise nada tem a ver com a financeirizao, no est acompanhada de qualquer evidncia ou citao de suporte. E igualmente falsa. Minha posio sobre essa questo, que deixei perfeitamente claro, o oposto da posio atribuda a mim:

    A destruio do valor do capital atravs das crises um fenmeno recorrente. A restaurao da lucratividade que essa destruio traz , portanto, tambm um fenmeno recorrente. Por causa disso, a taxa de lucro no possui uma tendncia secular determinada ao longo de toda a histria do capitalismo, e esforos em deduzir ou predizer tal tendncia so fteis (Kliman, 2012, p. 25).

    O seguinte um exemplo muito melhor do uso de metforas mecnicas

    retiradas da fsica newtoniana para enquadrar uma perspectiva determinstica:

    Da mesma forma que as leis dos fluidos dinmicos so invariantes em todo rio do mundo, tambm so as leis da circulao do capital consistentes de um supermercado para outro, de um mercado de trabalho para outro, de um sistema de produo de mercadoria para outro, de um pas para outro e de uma famlia para outra.

    Entretanto, eu no posso levar o crdito por essa metfora determinstica5. Ela

    aparece na pgina 343 de A Condio Ps-Moderna (Harvey, 1990). Harvey parece bastante relutante em abandonar suas verses de falcia do

    espantalho da LQTTJ e a teoria da crise baseada nela. Alm de atribuir a mim uma

    5 verdade que as equaes Navier-Stokes sobre as quais a mecnica de fluidos moderna baseada sugere que o fluir do fluido pode ser catico. Entretanto, catico possui um significado tcnico aqui que difere do significado do dia a dia. O comportamento de variveis em um sistema dinmico catico, embora imprevisvel na prtica, completamente determinstico.

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    concepo mecnica na qual uma nica fora motriz fora inelutavelmente para baixo a taxa de lucro, ele reverte de volta abruptamente para sua acusao de que a LQTTJ e a teoria da crise associada so mono-causais no sentido causa nica padro. Focar primariamente sobre [o mecanismo apontando em direo a lucros em queda] como dizer que devemos focar somente em ataques do corao como causas de morte humana (grifos meus). No, no desse jeito; primariamente no significa somente. De qualquer forma, eu no foco primariamente na queda da taxa de lucro como uma causa da crise (preciso repetir as doze causas da crise financeiro de 2007-8 que eu discuti no meu livro sobre a Grande Recesso e listei na Parte 1 da minha contra-crtica?); muito menos eu digo para os outros o que eles deveriam fazer.

    Quer uma causa potencial particular tenha sido realmente a primeira, ou a secundria, ou inoperante algo que no pode ser conhecido antecipadamente. por isso que devemos considerar a evidncia emprica (que o que Harvey e eu estvamos fazendo antes de ele desviar a discusso sobre sua metfora versus minha (no existente) metfora). Como observei em meu livro,

    Antes de analisar os dados, eu no possua crena anterior de que as verdadeiras taxas de lucro tinham falhado em se recuperar desde o comeo da dcada de 1980... Se eu posso agora dizer que um declnio persistente na lucratividade das corporaes dos EUA uma causa subjacente significante da Grande Recesso, e que a explicao de Marx de porque a taxa de lucro tende a cair, englobam os fatos consideravelmente bem, porque eu triturei e analisei os nmeros. Eu no poderia ter dito tais coisas alguns anos atrs (Kliman, 2012, pp. 8-9).

    No bloqueie o caminho da investigao A metfora de Harvey sobre ataque do corao problemtica porque colide

    com a primeira regra da razo colocada por Charles Sanders Peirce: No bloquei o caminho da investigao. Ele argumentou que

    no existe pecado positivo contra a lgica em tentar qualquer teoria que possa vir em nossas cabeas, contanto que seja adotada em um sentido que permita a investigao andar desimpedida e encorajada. Por outro lado, criar uma filosofia que bloqueia o caminho do posterior avano em direo verdade a ofensa imperdovel no raciocnio (grifos no original).

    A metfora ataque-do-corao uma injuno a priori explcita contra

    considerar at mesmo a possibilidade de que a tendncia da taxa de lucro em cair como um resultado da mudana tecnolgica poupadora de trabalho a causa primria da crise. um a priori porque essa possibilidade est excluda antecipadamente, antes de considerar a evidncia e sem levar em conta a evidncia, meramente porque a metfora que mais me impressiona, a que melhor encaixa como eu vejo e experiencio o capital,

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    aquela de um alegadamente todo orgnico que , contudo, criado de fatores desconectados operando independentemente uns dos outros6.

    Metforas so uma parte importante do processo de investigao quando elas revelam possibilidades adicionais que podem no ter sido reconhecidas antes. Mas, quando elas so usadas para excluir possibilidades antecipadamente, elas bloqueiam o caminho da investigao, impedem e desencorajam a investigao, e bloqueiam o caminho para posterior avano em direo a verdade.

    A metfora de Harvey sobre os ataques do corao esperta e sedutora, parcialmente porque ns j temos evidncia suficiente para rejeitar a posteriori a possibilidade de que ataques do corao so a nica causa de morte humana, e parcialmente por causa da substituio ilcita que ele faz entre primariamente e somente. Deixe-nos, portanto, restabelecer o termo primariamente e considerar outros casos. Deveria algum ter ordenado outros a excluir, antecipadamente s evidncias, a possibilidade de que fumar a causa primria de cncer de pulmo, ou de que queimar combustveis fsseis tem sido a causa primria da mudana climtica, ou que problemas financeiros so a causa primria do fracasso dos estudantes universitrios dos EUA em se graduar? Se a resposta no, ento porque orden-los a excluir, antecipadamente s evidncias, a hiptese de que as crises do capitalismo podem, realmente, ter uma causa primria?

    Eu entendo que algumas pessoas so indiferentes o bastante para no se importar se uma causa foi a primria ou no; e alguns podem ser to indiferentes que no se importam com as causas dos eventos e fenmenos que experienciam. Eu no tenho desejo de alterar as preferncias deles. Mas eu realmente peo que eles no deixem suas preferncias bloquearem o caminho das investigaes que outros de ns desejam se envolver.

    De volta evidncia? Deixe-me enfatizar novamente, entretanto, que eu no estou sugerindo que as

    crises do capitalismo possuem uma causa primria, ou at mesmo a crise aqui e agora a Grande Recesso e suas consequncias possui uma causa primria. O que eu argumento muito menos audacioso: que a queda de longo prazo na taxa de lucro das corporaes dos EUA possui uma causa subjacente significante da Grande Recesso, e que a explicao de Marx de porque a taxa de lucro tende a cair se encaixa nos fatos notavelmente bem nesse caso em particular. Nem a questo aqui se apropriado excluir essas hipteses antecipadamente evidncia. Eu j apresentei minha evidncia. Eu mostrei que minhas anlises e interpretaes da evidncia antecipada e tratada com

    6 As nicas entidades orgnicas que se encaixam nessa descrio so os famosos gavagai, as partes no destacadas de coelhos que o nativo imaginrio de W. V. O. Quine (1960, p. 52) percebe quando o resto de ns percebe coelhos inteiros. A frase fatores desconectados operando independentemente aparece em Harvey (2014) assim como em sua resposta recente. Ele est citando Marx (1971, p. 120); mas Marx usou a frase para caracterizar crises econmicas como uma fuso violenta de fatores operando independentemente e desconectados, enquanto Harvey usa para sugerir que as causas das crises esto desconectadas de, e operando independentemente de, uma da outra.

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    as diversas objees de Harvey evidncia da taxa-de-lucro-em-queda que outros apresentaram anteriormente. E eu mostrei que ele no forneceu uma contra-evidncia legtima: o crescimento esttico da fora de trabalho dele no evidncia de que a taxa de lucro cresceu ou que a LQTTJ tem estado inoperante.

    Assim, a questo aqui se apropriado ignorar a evidncia (legtima), e descartar minhas inferncias a partir da evidncia como algo irrelevante para o que est acontecendo conosco no aqui e agora, simplesmente porque meu (alegado, mas no existente) enquadramento metafrico no Metaforicamente Correto. Para que eu no seja acusado de deturpar aqui Harvey, para que no seja dito que ele simplesmente comparou e contrastou diferentes enquadramentos metafricos, porque fazendo isso til para os leitores, eu reitero que ele (1) concluiu sua resposta a mim declarando categoricamente que sua metfora orgnica para entender a natureza do capital funciona muito melhor para o entendimento do que est acontecendo conosco no aqui e agora, e (2) chega nessa concluso sem considerar a evidncia emprica. Ele no questiona minha evidncia nem apresenta qualquer contra-evidncia emprica legtima. Ele, em vez disso, apela para o que o impressiona e como eu vejo e experiencio o capital para decidir o que funciona muito melhor.

    Essa forma de decidir as questes certamente superior considerao cuidadosa de forte evidncia se o objetivo confirmar o que j se acredita, ou para dar uma justificao ex post para concluses que so, na verdade, baseadas em oportunismo poltico. Mas indescritivelmente inferior se o objetivo entender o que est realmente acontecendo conosco no aqui e agora. Como as pessoas veem e experienciam o que est acontecendo frequentemente diferente do que est realmente acontecendo e, at mesmo mais frequentemente, inadequado como mtodo de compreender o que est acontecendo7. Raciocnio e considerao cuidadosos de forte evidncia so necessrios antes da acurcia e adequao do que visto e experienciando possa ser confirmado ou descartado.

    Quando a experincia subjetiva fortemente influenciada por mal-entendidos, um guia especialmente falho para entender o que est acontecendo. Harvey (2014) sustenta que o crescimento do emprego , em e de si mesmo, importante evidncia de que a taxa de lucro tem crescido e que a LQTTJ no tem estado operante. Ele argumenta que a lei de Marx seria verdadeira somente se os preos das mercadorias igualassem seus valores. Ele questiona a legitimidade da evidncia contempornea da taxa-de-lucro-em-queda, aparentemente ignorando que suas muitas objees j foram antecipadas e tratadas. No surpreendente que a teoria da crise capitalista de Marx ser experienciada como inaplicvel para o aqui e agora quando a experincia subjetiva est colorida por tais mal-entendidos.

    Acho que terrivelmente importante, politicamente e eticamente, combater e tentar extirpar o dogmatismo. Um tipo de dogmatismo a insistncia teimosa de que seu oponente est errado. Harvey certamente no culpado disso. Ele escreve, Existe, entretanto, a possibilidade de que ambos Andrew e eu estejamos certos em nossos enquadramentos metafricos. Embora essa afirmao erroneamente atribua a mim

    7 Toda cincia seria suprflua se houvesse coincidncia imediata entre a aparncia e a essncia das coisas (Marx, 2008b, p. 1080); mas elas no coincidem, ento a cincia necessria.

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    uma metfora que eu no apresentei e eu no endosso, pelo menos admiravelmente no-dogmtica. Ainda assim, existe um segundo tipo de dogmatismo tambm: recusa teimosa em modificar suas crenas luz de forte evidncia e consideraes lgicas. Voc tem sua opinio e eu tenho a minha e Voc no veio de onde eu vim podem parecer ser a quintessncia da mente aberta e respeito mtuo, mas se essas coisas so ditas a fim de descartar evidncia e lgica, elas no so nada mais que uma recusa dogmtica para entreter a possibilidade de que se possa estar errado8.

    Eu no estou sugerindo que Harvey culpado do segundo tipo de dogmatismo. Ele no recusou reconsiderar o que ele pensa luz da evidncia emprica. Ele simplesmente ainda no se comprometeu com a evidncia. Ele ainda tem a oportunidade de faz-lo, e eu espero que ele vai se beneficiar disso. Fazendo isso pode no ser til para os leitores, mas ns intelectuais tambm temos outras responsabilidades. Uma delas separar o trigo do joio9: aqui que empiricamente correto e logicamente plausvel daquilo que no . Essa responsabilidade crucial, porque muitos, se no a maioria dos leitores, no possuem o conhecimento e o tempo necessrio para adquirir conhecimento suficiente para avaliar apropriadamente a evidncia e os argumentos por si mesmos. Eles precisam de alguma ajuda. nossa responsabilidade de ajuda-los.

    A falta de tempo e conhecimento dos leitores uma razo principal que alguns deles podem achar que comparao de metforas como sendo mais til do que evidncia e argumentos que eles no esto preparados para avaliar apropriadamente. Alguns deles podem ser encorajados pela sugesto til de que eles podem decidir o funciona muito melhor ao apelar para algo que eles conhecem nomeadamente, quais metforas eles gostam e quais no gostam. Mas, essa sugesto politicamente insensata. Se queremos mudar o mundo, no somente trocar um conjunto de personificaes do capital que por acaso esto no controle do mundo por diferentes personificaes do capital, ns podemos fazer efetivamente somente se temos conhecimento real conhecimento baseado em argumento e evidncia de como o mundo realmente funciona e no funciona. A sugesto til tambm antitica. Como W. K. Clifford argumentou convincentemente em A tica da Crena, errado sempre, todo lugar e para qualquer um, acreditar em qualquer coisa sobre evidncia insuficiente. Uma pessoa que no dispe de tempo precisa ser um competente juiz das questes caso no tenha tempo em acreditar.

    Referncias Harvey, David. 1990. The Condition of Postmodernity: An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Cambridge, MA and Oxford: Blackwell Publishers.

    8 Eu tenho total conscincia de incomensurabilidade, a teoria carregada de observao, e coisas desse tipo. Nenhum desses problemas so relevantes para o que estou discutindo nessa etapa. Eles so sobre casos nos quais a evidncia e razo so insuficientes para resolver disputas, no casos nos quais eles so suficientes, mas um dos lados da disputa dogmaticamente recusa a aceitar suas consequncias. 9 Eu me apresso a clarear que essa no uma metfora que compara a natureza do capital produo agrcola.

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    _______. 2014. Crisis Theory and the Falling Rate of Profit. Kliman, Andrew. 2012. The Failure of Capitalist Production: Underlying Causes of the Great Recession. London: Pluto Books. Marx, Karl. 1971. Theories of Surplus-Value, Part III. Moscow: Progress Publishers. _______. 1989. Economic Manuscrit of 1861-63. In: Karl Marx, Frederick Engels: Collected Works, Vol. 32. New York: International Publishers. _______. 2008a. O Capital: Crtica da Economia Poltica. Livro III: O Processo Global de Produo Capitalista, volume IV. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. _______. 2008b. O Capital: Crtica da Economia Poltica. Livro III: O Processo Global de Produo Capitalista, volume VI. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. _______. 2013. O Capital: Crtica da Economia Poltica. Livro I: O Processo de Produo do Capital. So Paulo: Boitempo. Quine, W. V. O. 1960. Word and Object, Cambridge, MA and London: MIT Press.