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ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA PROMOÇÃO DA ENERGIA RENOVÁVEL NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

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ANÁLISE DAMATRIZ ENERGÉTICAE DA PROMOÇÃODA ENERGIA RENOVÁVEL NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

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ANÁLISE DAMATRIZ ENERGÉTICAE DA PROMOÇÃODA ENERGIA RENOVÁVEL NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

NOVEMBRO | 2016

DIRETOR DO NPII E COORDENADOR DO PROJETO

Renato Galvão Flôres Junior

COORDENADOR DA EQUIPE TÉCNICA

Ruderico Pimentel

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

MG2 Soluçõeswww.mg2solucoes.com.br

REALIZAÇÃO APOIO

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RENATO GALVÃO FLÔRES JUNIORDiretor do FGV/NPII

APRESENTAÇÃO

A Energia é cada vez mais motivo de atenção,

preocupação e discussão no âmbito das políti-

cas públicas e no delineamento de uma trajetó-

ria de desenvolvimento sustentável. A Alema-

nha, junto com suas diversas fundações e think

tanks, é país pioneiro nesse tema, estimulando

e financiando um leque variado de iniciativas,

tanto com foco doméstico como externo.

O escritório brasileiro da Fundação Konrad

Adenauer, KAS/Brasil, não foge a essa regra,

vindo já há algum tempo manifestando cres-

cente dedicação ao assunto e seus diversos

desdobramentos.

O trabalho que ora apresentamos é parte de

um ambicioso projeto há muito negociado

com a KAS/Brasil.

Nas páginas a seguir, traça-se um perfil acura-

do da matriz energética brasileira -suas boas

práticas e também deficiências-, com vistas a

permitir comparações internacionais. O con-

teúdo é fiel ao espírito do Núcleo de Pros-

pecção e Inteligência Internacional, FGV/NPII,

unidade da Presidência da FGV que se ocupa,

sempre sob uma visão estratégica de médio a

longo prazo, de questões internacionais com

forte interação e influência no desenvolvi-

mento e bem estar dos brasileiros. Foi redigi-

do sob a orientação do Dr. Ruderico Pimentel,

membro do FGV/NPII e uma das autoridades

incontestes do setor no Brasil.

Os passos seguintes incluem várias possibili-

dades. No caso das comparações, o propósi-

to será sempre o de identificar lições e ideias

interessantes para ambos os países, enrique-

cendo a compreensão e o aprimoramento de

suas trajetórias energéticas.

O texto, entretanto, possui valor em si, sendo

útil a todos os que procuram uma visão ampla

e estratégica do quadro energético brasileiro;

séria e completa, mas sem entrar em maiores

minúcias técnicas, que seriam inegavelmente

relevantes aos engenheiros e operadores di-

retos do sistema, mas secundárias a um deba-

te político-social.

Ao destacar a estrutura e seus módulos fun-

damentais, prepara-se o terreno para discus-

sões que envolvam os fundamentais aspectos

sociais, ambientais e de sustentabilidade em

general; problemas comuns ao Brasil e diver-

sos países em desenvolvimento e desenvolvi-

dos, como a própria Alemanha.

O trabalho se insere também em linha de in-

vestigação maior do FGV/NPII, que com-

preende a situação das fontes renováveis e a

possibilidade de iniciativas internacionais co-

muns, no caso, no âmbito da América do Sul.

É, pois, com enorme prazer que o FGV/NPII,

graças ao apoio indispensável da KAS/Brasil,

oferece esse documento ao público.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO 04

FONTES RENOVÁVEIS NO SETOR ELÉTRICO 09

O Setor Elétrico e os Gases do Efeito Estufa (GHG) 09

A Energia Eólica 13

A Energia Solar 15

Mecanismos de Promoção de Renováveis 20

A MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA 23

Introdução 23

Oferta primária e consumo de energia no Brasil 24

Evolução Histórica das Principais Formas Renováveis Comerciais 29

Planejamento Oficial, Perspectivas e Questões 31

EVOLUÇÃO RECENTE E PANORAMA ATUAL DO MODELO INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO 41

Transformações nas Últimas Décadas 41

Construção do Modelo Institucional Atual 48

Mudanças Regulatórias Recentes no Setor Elétrico e Questões 54

A PROMOÇÃO DAS NOVAS FORMAS DE ENERGIA RENOVÁVEL NO BRASIL 61

Antecedentes 61

O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa 64

Leilões de Fontes Alternativas para a Promoção de Fontes Alternativas – Concorrência, Interdependência e Critérios de Seleção 67

Leilões para Contratação das Novas Formas Renováveis – Período 2005-2014 79

CONCLUSÕES 84

ANEXOS 90

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4

INTRODUÇÃO

Relatório do Intergovernmental Panel on Cli-

mate Change (IPCC)1 confirma que o plane-

ta está convivendo desde a segunda metade

do Século passado com níveis sem prece-

dentes de aquecimento com fortes conse-

quências para a vida, incluindo visíveis de-

gelos e aumento dos níveis dos oceanos. A

utilização crescente dos combustíveis fós-

seis que caracterizou a Revolução Indus-

trial levou a que a concentração na atmos-

fera de dióxido de carbono e outros gases,

chamados gases efeito estufa (Greenhouse

Gases – GHG), alcançasse níveis elevadíssi-

mos, sendo essa considerada como a extre-

mamente provável principal causa do aque-

cimento identificado. Na ausência de novas

ações significativas de mitigação a tempera-

tura da terra tenderá a apresentar aumentos

médios superiores a 2°C no final do sécu-

1 Fifth Assessment Report, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 1st November 2014.

lo 21 em relação às temperaturas pré-indus-

triais, com riscos de impactos irreversíveis.

Não obstante às posições críticas que apon-

tam a existência de alguma incerteza quanto ao

papel do homem nas causas efetivas das mu-

danças climáticas, o risco de ignorar esta pro-

babilidade e não agir a tempo pode levar à con-

sequências desastrosas para a vida na terra.

As ações de mitigação necessárias propugna-

das pelo IPCC envolvem entre outras o aban-

dono do uso dos combustíveis fósseis e a sua

substituição, sempre que possível, por fontes

de energia renováveis. Esse processo gera de-

safios de toda ordem a serem superados e en-

tre eles saltos tecnológicos que possam ser

capazes de tornar administráveis os custos

das mudanças desejadas.

Um dos principais setores econômicos mais

diretamente alcançados por essa necessida-

de de transformação é o setor elétrico, sendo

que a geração de eletricidade e calor no mun-

do representa algo como 25% das emissões

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totais de GHG em 20142. Conforme claramen-

te explicitado no relatório do IPCC não se con-

seguirá deter o processo de aquecimento glo-

bal com apenas um tipo de medida, mas sim

com um amplo conjunto de ações e, entre es-

sas medidas, a redução radical das emissões

de GHG no setor elétrico até o ano 2100 tem

importância capital.

O presente trabalho analisa as transformações

que têm sido implementadas no setor elétrico

brasileiro, e mais especificamente relativas à

penetração de fontes renováveis em substitui-

ção dos combustíveis fósseis no Brasil.

Ele pretende ainda em uma fase posterior ser-

vir de base para uma comparação desses es-

forços com os realizados na Alemanha. Brasil

e Alemanha são dois países paradigmáticos,

ambos com matrizes elétricas onde as fon-

tes renováveis tem papel relevante, seja em

função de sua evolução histórica, como é o

caso do Brasil, seja face ao enorme desafio

de penetração de novas tecnologias, comum

aos dois países, e marcadamente já assumido

pela Alemanha. Tanto o Brasil quanto a Ale-

manha são nações que buscam viabilizar um

modelo de desenvolvimento sustentável. Am-

bas buscam atingir uma situação que compa-

tibilize o crescimento econômico e o bem es-

tar de suas populações com a preservação do

meio ambiente e com a redução das pegadas

de carbono.

A Alemanha, consciente da importância da

mitigação das alterações climáticas no mun-

do e diante do repúdio de sua sociedade à

geração elétrica de origem nuclear, decidiu

ampliar sua parcela de energia renovável pro-

2 A participação da produção de calor e de eletricidade na emissão dos gases GHG é estimada em 17%, ou 24% ou 30%, dependendo da métrica usada conforme indicado pelo IPCC, em “Climate Change 2014, Synthesis Report”; já a participação da produção e uso global de energia em todos os setores na emissão dos gases GHG está estimada em cerca de 65% do total, conforme, por exemplo, o relatório “Energy and Climate Change”, International Energy Agency (IEA), 2015.

3 A geração solar e eólica teve um pico de produção às 14:00 do dia 15 de maio de 2016, e foi responsável pela geração de 45,5 GW quando a demanda total era de 45,8 GW conforme informações do Agora Energiewende e divulgadas pela Bloomberg, enquanto a Alemanha exportava parte de sua geração térmica que não poderia ter sido desligada naquele horário.

curando reduzir o uso dos combustíveis fós-

seis, inclusive do carvão (embora este seja um

recurso amplamente disponível no país), as-

sim como da energia nuclear (esta sendo le-

vada a zero), não obstante ter o completo do-

mínio desta tecnologia. Ou seja, mesmo com

forte dependência de combustíveis importa-

dos, em particular do gás natural da Rússia, e

dispondo de soluções domésticas imediatas

(linhito) para ampliar seu suprimento, esco-

lheu apostar no futuro e na expansão de no-

vas tecnologias de suprimento energético a

partir de fontes renováveis, mesmo que ainda

mais caras e com novos desafios tecnológicos

a serem superados.

Com essa transição, o país assumiu posição

de vanguarda nas novas formas de energia re-

novável de acordo com as diretrizes expres-

sas na Política de Transição Energética Alemã

(Energiewende). A expansão da energia reno-

vável alemã promovida por esse programa foi

tão bem sucedida que em 15 de maio de 20163,

chegou-se em um dado momento do dia a ter

quase toda a demanda doméstica de eletrici-

dade suprida por fontes renováveis, principal-

mente eólica e solar. Nesse processo, todavia

os desafios para a Alemanha ainda são mui-

tos, tais como a integração dessa nova gera-

ção intermitente no seu sistema elétrico, assim

como a necessidade de novas redes de trans-

missão de energia elétrica da costa, onde se

dispõe de maiores recursos eólicos e hídricos

e onde se busca expandir a geração eólica off-

-shore, para o interior do país. No entanto, aci-

ma de qualquer outro desafio está o custo fi-

nanceiro trazido pelas mudanças no perfil do

suprimento energético e o encarecimento da

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energia para sua população e a redução da

competitividade de seus segmentos produti-

vos mais intensivo em eletricidade.

Por sua parte, o Brasil tem a vantagem de ter

historicamente investido em um parque hi-

drelétrico que é responsável pela maior par-

te da produção de eletricidade no país. Hoje

todavia, com os novos projetos hidrelétricos

mais distantes da carga e com fortes resistên-

cias locais a seu desenvolvimento pleno e à

construção de grandes reservatórios para po-

der manter limpa a sua matriz elétrica o país

terá que ampliar fortemente a participação

das demais fontes renováveis com ênfase não

apenas nas eólicas (hoje já competitivas com

as fontes tradicionais em pelo menos alguns

casos), mas também na energia solar, assim

como ampliar o aproveitamento da biomas-

sa e desenvolver outras alternativas ainda em

evolução como a energia das marés.

A energia eólica já se consolidou como indús-

tria, o que é atraente para investidores e já

há mais de 399 usinas eólicas (incluindo mini

geradoras) em funcionamento no Brasil com

uma capacidade instalada total de cerca de

10,0 GW4. No setor solar essa opção energé-

tica está se tornando cada vez mais compe-

titiva, até bem pouco tempo comercialmente

viável apenas no atendimento a sistemas iso-

lados e hoje apresentando quedas constantes

em seus custos. O desenvolvimento tecnoló-

gico e um melhor posicionamento nas cadeias

de produção dos equipamentos necessários a

essa expansão, tanto eólica como solar, são

desafios cruciais a serem enfrentados.

Como na Alemanha, esse processo no Bra-

sil implicou também, pelo menos em um pri-

meiro momento, em aumentos de custos da

energia para a população, sendo que aqui

se terá que conviver com o desafio paralelo

4 Em setembro de 2016, segundo informação da ABEEÓLICA – Associação Brasileira de Energia Eólica.

e maior de elevar o padrão de vida dos seg-

mentos mais carentes ainda muito expressi-

vos no país. Ou seja, o avanço tecnológico e

industrial precisará, o mais rapidamente pos-

sível, ainda que acompanhado por fortes me-

didas de aumento da eficiência, conter e logo

que possível reduzir os custos de produção

de energia. Geração de empregos na indústria

da energia, englobando também atividades

tecnologicamente mais elaboradas no apro-

veitamento e exploração dos diversos recur-

sos naturais disponíveis, é também objetivo

paralelo essencial a ser alcançado nesse pro-

cesso de construção do futuro. Nos dois paí-

ses, a evolução tecnológica e a redução dos

custos industriais permanecem como um dos

mais importantes passos a serem alcançados

para que o movimento de ampliação da par-

ticipação das novas fontes renováveis se con-

cretize de forma significativa.

Em termos comparativos, ao enfrentarem o

desafio da ampliação dos renováveis em suas

matrizes energéticas, pode-se dizer que a Ale-

manha tem como principais vantagens suas

instituições, elevado nível educacional, sofis-

ticada base tecnológica e um parque indus-

trial bem estruturado e competitivo em termos

mundiais (ou seja com maiores probabilidades

de liderar os avanços tecnológicos necessá-

rios) e o Brasil tem ampla disponibilidade de

recursos naturais renováveis, e uma experiên-

cia particular na sua integração em seu siste-

ma elétrico (cuja maior interdependência afeta

fortemente toda a forma de operar e comer-

cializar energia) que poucos países têm, com-

plementada por um abrangente sistema de

transmissão de energia. A base hidrelétrica

ainda traz uma facilidade adicional já que a ex-

pansão das demais renováveis, diante de sua

intermitência, requer complementação e que

pode ser feita pelas usinas hidrelétricas devido

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à sua capacidade de armazenamento5 e pos-

sibilidade de variar sua geração acompanhan-

do a carga.

Dadas suas características inovadoras e cus-

tos iniciais mais elevados, o desenvolvimen-

to de programas de transição, como almejado

pelos dois países, impõe que políticas públi-

cas eficazes sejam direcionadas para o seu

apoio, promovendo o uso de fontes limpas e

impulsionando uma rápida evolução tecnoló-

gica e dando suporte ao fortalecimento de um

sistema de produção de bens e serviços com-

petitivo. Diferentes mecanismos de incentivos

têm sido usados no mundo, para fazer fren-

te às alterações climáticas e ao aumento de

temperatura da terra, seja via simples proi-

bições até medidas econômicas como taxas,

subsídios e mecanismos que procuram inter-

nalizar nos custos de mercado as externalida-

des negativas geradas pelas atividades eco-

nômicas poluidoras.

Uma análise das duas situações e desafios

pode fornecer uma perspectiva mais abran-

gente para o entendimento das alternativas

estratégicas disponíveis para diversos países,

em suas diferentes realidades, enfrentarem

os problemas trazidos pela emissão dos ga-

ses do efeito estufa e do aquecimento global.

Adicionalmente, o aspecto crucial tecnológi-

co e de participação na cadeia de valor que

deverá suprir essas novas tecnologias, requer

esforços intensos de colaboração, interação e

trocas em diversos níveis, abrindo oportuni-

dades importantes para novas parcerias dos

setores industriais brasileiros e alemães.

Nesse primeiro projeto, o foco está todo no

Brasil, mas pretende-se que ele vá servir de

base para em uma segunda etapa gerar uma

visão comparada da situação e das perspec-

5 Alternativamente a geração renovável pode ser complementada pela geração a gás natural que acompanha com facilidade as variações na demanda, mas que também libera gases causadores do efeito estufa, ainda que em menor proporção que outros combustíveis fósseis.

tivas de uma transição energética na direção

das fontes renováveis dos dois países – Brasil

e Alemanha, objetivo final dessa investigação

Deve-se assinalar que aqui não são desenvol-

vidos novos dados e estudos, mas trabalha-se

a partir de uma pluralidade de informações

disponíveis, procurando-se extrair conclusões

que possam ser úteis para as políticas de am-

pliação da participação de fontes renováveis

nas matrizes elétricas em geral. Embora o uso

das novas fontes renováveis e em particular

da energia solar tenha também encontrado

espaço para sua expansão na micro-geração

diretamente nas unidades consumidoras, o

foco principal deste trabalho está nas unida-

des maiores que fornecem usualmente para

o mercado regulado e que concorrem assim

mais diretamente com a geração térmica fós-

sil, principal responsável pela emissão dos ga-

ses do efeito estufa no setor elétrico.

Este trabalho está organizado da seguinte for-

ma. Na Seção 2, tendo em vista a necessidade

de redução das emissões de gases do efeito

estufa, faz-se um breve resumo do panorama

mundial do uso de renováveis no setor elétri-

co e das expectativas de penetração na matriz

elétrica mundial das novas formas de energia

renovável, em particular da energia eólica e da

energia solar, assim como, discute-se resumi-

damente os principais mecanismos regulató-

rios adotados para a sua promoção.

A Seção 3 se volta para a análise da Matriz

Energética brasileira atual com destaque para

a situação das hidrelétricas e a questão das

novas fontes renováveis (álcool, bagaço e bio-

massa, eólicas e solar, entre outras). Comen-

ta-se ainda os planos governamentais para o

setor energético brasileiro desenvolvidos pela

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8

Empresa de Planejamento Energético (EPE).

Procura-se ainda indicar algumas das necessi-

dades industriais e tecnológicas.

A seguir, dada a centralidade dos aspectos

institucionais nesse trabalho, a Seção 4 con-

centra-se na descrição da evolução recente e

na situação atual do modelo que rege o setor

elétrico brasileiro e particularmente nos as-

pectos mais relacionados à promoção e sele-

ção das novas formas renováveis.

Mais especificamente, como foco principal do

presente relatório, a Seção 5 detalha as expe-

riências brasileiras de estímulo às renováveis

no setor elétrico nos anos recentes desde o

programa inicial – Proinfa que estimulou a en-

trada das novas fontes renováveis e das pe-

quenas centrais elétricas na produção de ele-

tricidade no país – até as demais políticas de

promoção de fontes renováveis no setor elé-

trico hoje vigentes.

Na Seção 6 são finalmente alinhadas algumas

conclusões extraídas dessas análises.

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FONTES RENOVÁVEISNO SETOR ELÉTRICO6

O SETOR ELÉTRICO E OS GASES DO EFEITO ESTUFA (GHG)

O relatório da International Energy Agency

(IEA)7 de 2013, indicava que a temperatura da

terra já havia subido até 2011 cerca de 0,8°C

em relação ao período pré-industrial e que a

manutenção desse aumento limitado a 2°C,

meta estabelecida pelos governos8 no âmbi-

to das Nações Unidas, embora considerada

possível requererá mudanças muito expressi-

vas, já que a rota atual sem alterações apon-

ta para aumentos na faixa de 2,8°C a 4,5°C.

Posteriormente, essa meta das Nações Uni-

6 Existem algumas pequenas discrepâncias entre os dados utilizados nesse item, já que provenientes de estudos e fontes diversas; todavia são de pequena monta e acredita-se que não afetam os pontos aqui levantados.

7 Redrawing the Energy-Climate Matrix, World Energy Outlook Special Report, International Energy Agency (IEA), 10 June 2013.

8 Meta estabelecida pelos governos dos diversos países participantes na “United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) Conference of the Parties” (COP-16), em Cancun, Mexico, 2010.

9 Energy and Climate Change, Work Energy Outlook Special Report, International Energy Agency (IEA), 2015.

das foi tornada ainda mais ambiciosa em de-

zembro de 2015 na 21a Conferencia em Paris, a

chamada COP21, que mantendo o objetivo de

se ter um aumento máximo de 2°C, solicitou

aos países participantes esforços ainda maio-

res para que esse aumento não venha a ultra-

passar 1,5°C.

Para conter esse processo de aquecimento e

evitar suas consequências muitas delas irre-

versíveis, a IEA propõe hoje o abandono dos

combustíveis fósseis até 2100, o que implica-

rá possivelmente em uma mudança radical no

modelo de sociedade construído pela revolu-

ção industrial. Examinando-se a situação em

seus componentes9, constata-se que a produ-

ção e o uso da energia pela sociedade é atual-

mente responsável por cerca de dois terços

de todas as emissões mundiais antropogêni-

cas dos gases do efeito estufa.

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10

Em 2013, ainda segundo o IEA10, a produção

mais especificamente de eletricidade e de ca-

lor respondeu por cerca de 42% da emissão

mundial de CO2, correspondendo a cerca de

13,5 Gt de CO2 em um total de 32,2 Gt emiti-

dos globalmente, o que coloca a produção de

energia como o maior emissor individual de

CO2 (responsável por mais de 75% do GHG)

naquele ano.

Dados globais para o ano de 201311 indicam

que 68% da geração de eletricidade no mun-

do era proveniente de combustíveis fósseis

(41% de carvão, 22% de gás natural e 5% de

derivados de petróleo), 11% nuclear, e apenas

21% de fontes renováveis (sendo 16% hidroele-

tricidade e 6% outras fontes). A IEA indica que

o grande responsável pela emissão de CO2 no

setor elétrico é a geração a carvão, que libe-

rou para a atmosfera em 2013 cerca de 9,8 Gt.

Cabe ainda assinalar que 60% da geração a

carvão em 2013 estava concentrada em dois

países: China (43%) e Estados Unidos (18%),

o que revela a centralidade dos mesmos nas

necessárias ações de mitigação. Não obstante

o peso relativo desses dois países, o abando-

no dos combustíveis fósseis é uma tarefa co-

letiva e necessita ser enfrentada por todas as

nações do planeta se, de fato, se pretende al-

cançar as metas preconizadas pelas Nações

Unidas. Para isso, a ampliação do uso de fon-

tes renováveis no setor elétrico é um dos mais

importantes instrumentos disponíveis.

Ao se procurar conceber uma civilização com

reduzido uso de combustíveis fósseis, como a

gasolina e o óleo diesel, pode-se pensar em

novos modelos de transporte e mesmo de

ocupação espacial e necessidades de des-

locamento capazes de minimizar o hoje ex-

tensivo uso desses produtos naquele setor.

10 Idem.

11 Idem.

Todavia é muito pouco provável que tal so-

ciedade vá prescindir também do uso da ele-

tricidade, forma de energia cada vez mais es-

sencial em um mundo informatizado. Para

atender a essa necessidade sem deixar pe-

gadas de carbono será necessário construir

uma matriz elétrica bastante modificada em

relação à atual e na qual as fontes renováveis

terão que desempenhar papel relevante.

É verdade que o impacto do desenvolvimen-

to recente nos Estados Unidos da produção

de petróleo e gás através do fraturamento hi-

dráulico de rochas reduziu os custos da pro-

dução marginal desses combustíveis e em

conjunto com um enfraquecimento global das

atividades econômicas baixou os preços mé-

dios do barril de petróleo da faixa dos 100 dó-

lares para cerca de 50 dólares tornando ain-

da mais difícil sua substituição do ponto de

vista econômico. Mas, acredita-se que com a

ampliação da consciência mundial quanto aos

danos ambientais associados aos sistemas de

produção e uso da energia atualmente vigen-

tes essa seja apenas uma situação temporá-

ria e que, embora retardando o processo de

transformação, coloca ainda mais pressão na

necessidade da redução dos custos das novas

fontes e de ações institucionais (não merca-

do) que suportem esses desenvolvimentos.

Hoje as fontes renováveis alternativas ainda

têm participação reduzida na matriz energé-

tica mundial, mas seu uso na geração de ele-

tricidade está crescendo e terá que se am-

pliar ainda muito mais para que efetivamente

se consiga reduzir o uso de combustíveis fós-

seis naquele setor, ainda que contando com o

apoio de novas medidas de conservação e de

aumento de eficiência dos sistemas elétricos.

Outras opções como a energia nuclear e a

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captura do carbono emitido por combustíveis

fósseis, também têm sido consideradas e po-

derão contribuir, mas dificilmente terão papel

dominante. A energia nuclear dados os riscos

envolvidos enfrenta ampla resistência em inú-

meros países que limitam muito suas possibi-

lidades de crescimento e as experiências com

a captura do carbono emitido na geração ain-

da são bastante incipientes, caras e localiza-

das. Um dos casos mais promissores na cap-

tura de carbono, mas ainda assim com custos

muito elevados refere-se ao uso do CO2 na re-

cuperação de poços de petróleo12.

O uso de energia renovável para gerar eletri-

cidade não é novo já que tradicionalmente a

energia hidrelétrica sempre foi amplamente

utilizada para esse fim, e cuja história13 acom-

panhou a evolução dos sistemas elétricos com

a adoção da corrente alternada e das linhas

de transmissão a longa distância. Comple-

mentarmente, é também tradicional o uso de

diversos tipos de biomassa, incluindo a lenha

e diversos resíduos agrícolas como o bagaço

de cana em centrais elétricas autoprodutoras,

principalmente em processos de co-geração

de eletricidade e calor, embora sua expansão

em maior escala seja fenômeno mais recente.

O caráter renovável de diversas formas de

geração de energia significa que seu uso não

afeta sua disponibilidade já que os recursos

utilizados são repostos por processos natu-

rais. Em geral não envolvem combustão e li-

beração de GHG, a menos das biomassas aci-

ma assinaladas. Estas últimas todavia tem

12 O primeiro projeto de geração a carvão com recuperação de carbono nos Estados Unidos, o “Kemper County Energy Facility”, está em construção pela Mississippi Power e sua operação comercial estava prevista para 31 de Agosto de 2016, com 582 MW de potência e custo estimado de US$ 6,6 bilhões (em relação a um orçamento inicial de US$ 2,2 bilhões em 2004), onde cerca de 65% do CO2 produzido deverá ser transportado, aproveitando gasoduto existente, por 62 milhas para re-injeção em poços de petróleo para recuperação secundária. Do investimento total US$ 2,8 bilhões foram aceitos pelo Mississippi Public Service Commission (MPSC) para serem recuperados por via tarifária. Com custos que elevarão as tarifas locais, o projeto se beneficia ainda, para se viabilizar, da sua proximidade de minas de carvão e dos poços de petróleo, além de recursos públicos e créditos tributários (fontes: MPSC, jornais diversos – Washington Post, 17 de Maio de 2014, e The Guardian de 12 de Março de 2014; revista on-line Power em 05 de Abril de 2016, publicada pela Electric Power).

13 Por exemplo, em 1896 foi inaugurada a usina hidrelétrica de Niagara Falls nos Estados Unidos com 75 MW, uma das primeiras usinas de maior porte na época e cuja energia passou a ser transmitida para Buffalo a 32 km de distância com o uso da corrente alternada.

caráter renovável desde que sejam fruto de

produtos agrícolas e resíduos (renováveis)

que em seu desenvolvimento fixaram carbo-

no e que é liberado posteriormente pela com-

bustão, resultando em uma situação de soma

zero quanto ao mesmo.

Em relação à hidroeletricidade, potenciais ex-

pressivos ainda estão disponíveis para uso

com viabilidade ambiental, principalmente na

África, América Latina e Ásia e deverão ter

que ser necessariamente desenvolvidos para

que se consiga reduzir as emissões de GHG

conforme almejado. Soluções de compromis-

so terão que ser encontradas para lidar com

as resistências usuais das comunidades atingi-

das pelos projetos; como em geral as oportu-

nidades ainda disponíveis para a concretiza-

ção dos novos projetos se situam em regiões

afastadas dos grandes centros, grande par-

te das dificuldades para se chegar a entendi-

mentos compensatórios refletem muito mais

a ausência do Estado e a carência das locali-

dades e das populações atingidas. Os impac-

tos ambientais desses projetos têm que ser

mitigados e no limite contrapostos aos im-

pactos inevitáveis das demais formas de ge-

ração competitivas com os mesmos.

O uso de biomassa, principalmente dos resí-

duos da produção agrícola industrial e do lixo

urbano, ainda tem espaços significativos de

crescimento. Aqui também investimentos em

pesquisa e desenvolvimento e apoio institucio-

nal precisam ser ampliados e sustentados. Um

exemplo é o do uso do bagaço de cana na ge-

Page 13: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

12

ração elétrica no Brasil que devidamente esti-

mulado tem acompanhado a produção de eta-

nol da cana de açúcar, mas cuja manutenção e

expansão tem estado em risco em função dos

preço baixos da gasolina automotiva e que

sem apoio institucional podem se definhar.

Ambas as formas já tradicionais - hidreletrici-

dade e biomassas - certamente terão que ser

apoiadas e exploradas de maneira ampla, mas

dado os seus limites de disponibilidade, dificil-

mente poderão isoladamente atender às novas

e expressivas necessidades de transformação.

Pesquisadas e com utilizações pontuais ao

longo do século XX, apenas a partir das duas

últimas décadas do século passado outras

fontes renováveis além da hidrelétrica pas-

saram a ter sua utilização multiplicada, cami-

nhando para ter um papel significativo na ex-

pansão dos sistemas elétricos, com destaque

principalmente para a energia eólica hoje já

competitiva em muitas regiões e para a ener-

gia solar em rápido processo de redução de

custos. Outras fontes alternativas ou têm ape-

nas impacto localizado, como é o caso da

geotermia, ou estão ainda em fase de pesqui-

sa e desenvolvimento e poderão vir a assumir

maior importância em um futuro um pouco

mais remoto, entre elas a energia das ondas e

das marés, cuja rota de desenvolvimento ain-

da é bastante incerta.

Inicialmente promovidas com o apoio de polí-

ticas de subsídios e tarifas especiais essas no-

vas renováveis - eólica e solar - antes conside-

radas apenas como fontes alternativas estão

gradualmente ganhando espaço nas matrizes

elétricas dos diversos países do mundo. Em

um primeiro momento sua promoção respon-

dia aos choques do petróleo dos anos 197014

14 Como é tipicamente o caso da legislação norte americana da época; o “Public Utilities Regulatory Policies Act - PURPA” de 1978 que requeria que as distribuidoras comprassem energia de origem renovável.

15 Enerdata Yearbook, 2014; Enerdata - Global Energy Intelligence.

e posteriormente, já no presente século, está

refletindo um grande crescimento da cons-

ciência ambiental na busca de soluções para

os problemas do aquecimento global.

A participação das fontes renováveis como um

todo na geração elétrica no mundo, incluindo

as mais tradicionais como a hidreletricidade,

depois de uma fase de relativa estagnação en-

tre 1980 e 2005, sofreu uma aceleração e pas-

sou a apresentar um crescimento expressivo

nos últimos anos, principalmente em função

da maior competitividade da energia eólica.

Dados disponibilizados pela firma de consul-

toria Enerdata15 indicam que esse percentual

que era de 19,9% em 1990, caiu para 18,6% em

2005, mas recuperou-se de forma expressiva

chegando a 22,1% em 2013. Infelizmente, esse

esforço de descarbonização não foi suficiente

no setor elétrico e também não se repetiu em

outros setores econômicos, sendo que de um

modo geral a emissão global de CO2 cresceu

continuamente em todo o período, saindo de

cerca de 19,9 Gt em 1980, passando a 26,4 Gt

em 2005 e a 32,2 Gt em 2013, ou seja, no seu

conjunto, a utilização de combustíveis fósseis

continuou aumentando.

No caso específico do setor elétrico, dados

do Banco Mundial mostram que em uma vi-

são global a expansão das fontes renováveis

acompanhou a expansão do uso do gás natu-

ral no setor e em seu conjunto ambas as fon-

tes ocuparam espaços da geração nuclear e

da geração à derivados de petróleo. Todavia,

o maior emissor de CO2, o carvão, vem man-

tendo sua participação nas matrizes elétricas

de muitos países. E, pelo contrário, ela subiu

um pouco do final do século passado para

os dias atuais, passando de cerca de 38% em

2000 para 41% em 2013. Se não se conseguir

Page 14: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

13

ANO PETRÓLEO CARVÃO GÁS NUCLEAR HIDRO OUTRAS GERAÇÃO (TWh)

1980 17 37 10 10 25 0 6901

1985 10 39 9 17 24 1 8216

1990 10 38 19 21 21 1 10121

1995 8 37 16 20 18 1 12494

2000 7 38 18 17 18 2 14445

2005 6 40 20 15 17 2 17110

2010 4 40 22 13 17 4 20013

2013 4 41 22 11 16 5 23354

TABELA 2.1 – ESTRUTURA DA GERAÇÃO DE ELETRICIDADE POR FONTE NO MUNDO (%)

Fonte: Banco Mundial (World Development Indicators)

reduzir radicalmente essas emissões oriun-

das da queima de carvão as metas ambien-

tais globais certamente se frustrarão, o que é

um problema particularmente sério no caso

alemão. A Tabela a seguir apresenta a evolu-

ção dos perfis da matriz elétrica mundial nas

últimas décadas.

Com o desenvolvimento mais recente da ener-

gia eólica e da energia solar, pode-se espe-

rar um forte crescimento de ambas nos anos

vindouros. Todavia fazer com que esse cresci-

mento, somado à expansão hidrelétrica e da

biomassa econômica e ambientalmente viá-

vel remanescente, permita em condições de

competitividade substituir a geração de ele-

tricidade a partir do carvão é claramente o

grande desafio que se coloca para o setor elé-

trico mundial, quando se pensa na redução de

suas pegadas de carbono.

Considerando os estímulos governamentais e

as reduções de custos trazidas pela evolução

tecnológica e pelos ganhos de escala, pode-

-se constatar que principalmente a energia

eólica e em sequência a energia solar, vêm

ganhando espaço de forma acelerada na ge-

ração de energia elétrica no mundo, e é ne-

16 “Technology Roadmap – Wind Energy – 2013 Edition, International Energy Agency (IEA)”.

cessário torná-las ainda mais competitivas

com novos desenvolvimentos tecnológicos e

ganhos de escala.

A ENERGIA EÓLICA

Estudo16 da IEA sobre a situação da energia

eólica indicou que em 2012 ela correspondia a

cerca de apenas 2,5% da geração elétrica mun-

dial com cerca de 292 GW instalados, sendo

75GW na China, 59 GW nos Estados Unidos

e 31 GW na Alemanha. Apenas uma peque-

na parcela dessas usinas se situava off-shore

(cerca de 5,4 GW), neste caso com maior pre-

sença no Reino Unido e na Dinamarca e ain-

da em estágio menos avançado de desenvol-

vimento e com custos mais elevados. Naquela

época a fabricação de turbinas se dava prin-

cipalmente em seis países - Dinamarca, Ale-

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14

manha e Espanha, na Europa, e nos Estados

Unidos, China e Índia, sendo a Dinamarca, país

pioneiro nessa indústria; nos últimos anos, to-

davia, têm-se observado um crescimento ace-

lerado das industrias chinesas e que hoje já

dominam o segmento industrial.

Nos últimos anos o crescimento da geração

eólica no mundo foi explosivo. Em 2015 mais

de 63 GW foram acrescentados naquele ano,

chegando-se ao final de 2015 com cerca de

433 GW instalados e continuando a crescer.

Neste último ano a capacidade instalada de

plantas eólicas foi a forma de geração que

mais cresceu na Europa e nos Estados Unidos,

sendo que na China ficou em segundo lugar

(embora individualmente tenha sido o pais

que mais instalou unidades eólicas em 2015,

totalizando cerca de 31 GW)17. Além destes

dois países, também a Alemanha, o Brasil e a

Índia têm estado entre os dez países que mais

expandiram esse tipo de geração.

Em 2015 o maior fabricante mundial de aero-

geradores passou a ser a Goldwind chinesa,

que ultrapassou a Vestas, dinamarquesa. Em

terceiro lugar ficou a GE que absorveu naque-

le ano a unidade de produtos eólicos da Als-

ton. Outras empresas nos “top ten” foram as

alemãs Enercon e Siemens, a Gamesa espa-

nhola (que em 2016 está em processo de fu-

são com a Siemens) e as chinesas United Po-

wer, Ming Yang, Envision e CSIC Haizhuang.

Estas dez empresas representaram em 2015

cerca de 69% do mercado mundial.

Em 2012 os preços médios da energia eólica

ainda estavam em geral elevados na faixa de

US$ 60-130/MWh, podendo em alguns casos

ser competitivos dependendo de sua localiza-

ção e condições de vento, mas em sua maior

parte exigindo ainda algum apoio institucio-

nal e subsídios para sua absorção nos siste-

17 ‘Renewables 2016 – Global Status Report”, REN21 network.

mas elétricos. Todavia, o processo de redução

de custos da geração eólica em curso reduziu

muito esses preços que alcançam hoje valo-

res inferiores aos US$ 50/MWh. De um modo

geral, essa redução tem acompanhado o au-

mento da potência das unidades geradoras

e do diâmetro dos rotores. Assim, têm sido

também observado nos países pioneiros o re-

-potenciamento de muitas usinas mais anti-

gas, com a substituição de unidades tipica-

mente de 0,5 GW com rotores de diâmetro de

40m por unidades de 2,0 GW e diâmetro de

80 m, muito mais produtivas. As tendências

de evolução apontam para o aumento das di-

mensões das unidades, das alturas das torres

e dos comprimentos das lâminas, com uma

continua redução dos custos unitários.

Considerando a meta do IEA de se ter uma

participação global de 18% na geração de ele-

tricidade, compatível com os objetivos de re-

dução dos GHG, em termos de curto prazo

a capacidade instalada dessa fonte terá que

chegar a cerca de pelo menos 500 GW em

2018 (cenários do IEA) o que hoje não pare-

ce difícil. Espera-se que esse nível possa ser

alcançado com a expansão na China, nos Es-

tados Unidos e na Alemanha. Do total a ser

instalado, 28 GW devem ser em geração off-

-shore cujos custos hoje ainda estão em faixas

mais elevadas que os custos em terra, varian-

do em função de sua proximidade da cos-

ta e dos custos de instalação e operação, e

para os quais se trabalha com cenários de re-

dução de custos da ordem de 45% até 2050,

enquanto que para a geração eólica em ter-

ra essa redução esperada é da ordem de 25%.

Embora conseguir manter uma continuada

queda de custos com a evolução tecnológi-

ca e com ganhos de escala seja fundamental

para a concretização desses objetivos, sérios

Page 16: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

15

problemas de integração da geração eólica

no sistema também precisam ser superados e

a modelagem institucional adequada ser de-

senvolvida. Aqui repete-se uma situação já vi-

vida com a energia hidrelétrica, embora um

pouco mais complexa. No caso da utilização

de recursos renováveis em primeiro lugar, ao

contrário da instalação de usinas térmicas,

tem-se limitada escolha em seu posiciona-

mento geográfico e a oferta está comumen-

te longe da carga, exigindo extensos sistemas

de transmissão a longa distância. Mais ainda,

enquanto que a variabilidade das fontes hi-

drelétrica é suavizada pela possibilidade de

armazenamento nos reservatórios das usinas,

no caso das eólicas a intermitência da dispo-

nibilidade requer a existência de back-up no

sistema suficiente para cobrir os períodos de

indisponibilidade de ventos. Em alguns casos

a sua complementação quando dependente

de usinas térmicas exige contraditoriamente

a instalação de novas usinas a combustíveis

fósseis, mesmo que para permanecerem ocio-

sas parte do tempo.

Cabe assinalar que com a geração renovável,

a localização da oferta não respeita frontei-

ras geográficas e políticas e costuma ser um

fator em favor da integração energética en-

tre países, já que a existência nos mesmos de

diferentes perfis de matrizes elétricas, muitas

vezes complementares, podem permitir sig-

nificativos ganhos com a integração de seus

sistemas energéticos.

A ENERGIA SOLAR

Além das eólicas, como dito acima, a ou-

tra forma de geração renovável com presen-

ça mundial e com possibilidade de desempe-

nhar hoje papel relevante na substituição dos

18 Para as tecnologias de geração solar térmica ver: “Technology Roadmap – Solar Thermal Electricity, 2014 Edition, IEA”; e para a geração solar fotovoltaica: “Technology Roadmap – Solar Photovoltaic Energy, 2014 Edition, IEA”.

combustíveis fósseis é a geração baseada na

energia solar. Nese caso, dois tipos principais

de tecnologias18 estão em desenvolvimento: a

geração fotovoltaica (PV) e a geração térmica

solar (STE), esta usualmente baseada na con-

centração da energia solar (CSP).

Atualmente, a geração fotovoltaica está

mais desenvolvida e competitiva que a ge-

ração térmica solar, mas esta última poderá

ter seus custos reduzidos no tempo, poden-

do ser pensada mesmo como complementar

à PV já que ela tem a vantagem importante

de poder ser implementada com alguma ca-

pacidade de armazenamento.

No caso das STE, diferentes tecnologias es-

tão competindo, mas de maneira geral envol-

vem a chamada “Concentrating Solar Power

(CSP)”, onde coletores concentram a energia

solar que desviada para ponto focal aquecem

um líquido cujo vapor move as turbinas si-

milarmente às térmicas convencionais. Essas

unidades, tem sido desenvolvidas com capa-

cidade de armazenamento devido à indispo-

nibilidade de energia solar à noite; nesse caso,

a energia solar incidente nas horas de sol é

usada para aquecer sais fundidos que de-

volvem essa energia nas horas de indisponi-

bilidade de incidência. Esse armazenamento

é usualmente medido em “horas” de funcio-

namento adicional que essas usinas ganham

com esse sistema. Desse modo as unidades

STE desempenham papel diferenciado em re-

lação às PV, e mesmo mais caras tem seu es-

paço nas matrizes que se pretende alcançar

com geração renovável.

A primeira unidade comercial CSP construí-

da foi na Califórnia nos anos 80. Nos anos re-

centes os maiores esforços se deram na Es-

panha que em fins de 2014 já contava com

Page 17: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

16

cerca de 2,3 GW dos 4,5 GW globais de STE

instalados, sendo a maior parte das unidades

comerciais com cerca de 50MW de potência

instalada cada. Considerando apenas a Espa-

nha e os Estados Unidos, países pioneiros na

geração CSP, essa capacidade instalada glo-

bal passou de cerca de 0,6 GW em 2009 para

3,9 GW no final de 201419. Desenvolvimen-

tos previstos nos Estados Unidos20, Norte da

África, África do Sul, Chile e Oriente Médio

deverão aumentar no médio prazo essa ca-

pacidade. Assinale-se ainda que alguns pro-

jetos implantados e em desenvolvimento tem

características hibridas usando energia solar

e complementarmente combustíveis fósseis,

como o gás natural, para manter a unidade

em funcionamento pleno.

Espera-se, nos cenários estudados pelo IEA

com uma maior penetração de renováveis,

chegar a cerca de 11% da matriz mundial em

2050 com geração STE, que deverá ser acom-

panhada por cerca de 16% com geração PV,

levando a contribuição solar total a 27% da

matriz elétrica mundial.

Os custos de instalação de uma unidade de

CSP são elevados estando na faixa de US$

4000 a 9000 por kW instalado; nos cenários

do IEA espera-se que eles caiam da ordem de

10% a cada duplicação do sistema existente;

em 2050 é possível que uma unidade com 6

horas de armazenamento esteja custando da

ordem de US$ 2800 a 4100 por kW instalado,

com 4500 horas ano de geração (ou seja com

um fator de capacidade de cerca de 52%, si-

milar aos das hidrelétricas, embora com pa-

drão de disponibilidade distinto). Os custos

médios de geração não são facilmente esti-

máveis, mas as tarifas especiais oferecidas

19 “On the Path to SunShot: Advancing Concentrating Solar Power Technology, Performance and Dispatchability”, SunShot – US Dep. Of Energy, Sandia, NREL, May 2016.

20 Em fevereiro de 2014 entrou em operação no Estado da Califórnia nos Estados Unidos a “Ivanpah Solar Electric Generation System”, no deserto de Mojave, uma unidade tipo CSP/STE com 392 MW, a maior planta desse tipo no mundo naquela data, desenvolvida através de uma parceria publico-privada.

(“Feed-in-Tariffs”, FiT) podem dar uma indica-

ção e tem estado na ordem de US$ 400/MWh

na Espanha para unidades com 7 horas de ar-

mazenamento. Em países com muito sol es-

ses custos tendem a ser menores. Contratos

de longo prazo no Marrocos estão pagando

US$ 190/MWh para uma unidade de 160 MW

com 3 horas de armazenamento. Nos Esta-

dos Unidos tem-se o exemplo de unidade im-

plementada com tarifa de US$ 135/MWh, mas

para tanto recebendo subsídios. Nos cenários

de longo prazo do IEA trabalha-se com cus-

tos médios da ordem de US$ 71/MWh, sen-

do que cenários do Departamento de Energia

dos EUA são ainda mais otimistas estiman-

do custos da ordem de US$ 60/MWh a longo

prazo (em 2020).

Na América Latina, algumas plantas tipo CSP

de grande porte estão sendo instaladas no Chi-

le onde as condições de insolação são extre-

mamente favoráveis, como é o caso das plan-

tas Atacama 1 e Atacama 2 com 110 MW cada,

da Abengoa (embora com seu desenvolvimen-

to retardado devido aos problemas financeiros

enfrentados pela Abengoa) e da planta Pedro

de Valdivia de 360 MW, da Ibereolica.

De concreto, em termos atuais, a tecnolo-

gia parece estar tendo seus custos mais rapi-

damente se aproximando de valores comer-

cialmente competitivos em amplas regiões

do planeta, todavia é a geração fotovoltaica

(PV), embora sem as possibilidades de arma-

zenamento direto como a STE, mas que pode-

rão ser complementadas por baterias conven-

cionais a medida que estas também venham

a alcançar custos sensivelmente menores que

os atuais.

Page 18: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

17

A geração fotovoltaica se aproveita de pro-

priedades de materiais semicondutores para

gerar eletricidade (corrente continua) direta-

mente a partir da energia solar incidente. As

células de material semicondutor são junta-

das em módulos que montados em painéis,

são complementados por estruturas e equi-

pamentos diversos em seu conjunto conhe-

cidos como “Balance of the System (BoS)”

que incluem conversores de corrente contínua

em alternada para a integração desses siste-

mas na rede elétrica. Embora existam algumas

possibilidades alternativas, as células fotovol-

taicas hoje são predominantemente produzi-

das a partir de compostos de silício purificado.

A PV apresenta também a importante carac-

terística diferenciada de poder ser usada de

maneira adequada alternativamente tanto em

unidades de porte para o atendimento da rede

elétrica tradicional, como em pequenas unida-

des de uso residencial, comercial ou industrial,

diretamente instaladas nas unidades consumi-

doras. Assim enquanto que as maiores unida-

des costumam compartilhar com a maioria das

demais fontes renováveis o fato de terem sua

localização afetada por fatores de disponibili-

dade e assim em geral dependentes de longas

linhas de transmissão para sua integração no

sistema, as pequenas unidades, pelo contrário,

viabilizam o que se costuma denominar de ge-

ração distribuída, situando-se diretamente nos

pontos de consumo e que se não fosse pelo

problema da intermitência e da necessidade

de back-up, poderiam vir a dispensar a neces-

sidade da rede elétrica21.

As duas situações têm lógica econômica e ne-

cessidades regulatórias diferentes. No caso das

grandes unidades, elas competem em termos

econômicos com as fontes mais tradicionais e

21 Curiosamente, embora possivelmente com papel apenas localizado, esse tipo de opção descontrói o modelo se negócios criado por Edison e que substituía exatamente os geradores individuais e que governou a histórica implantação mundial dos sistemas elétricos.

suas principais dificuldades são similares às en-

frentadas pela geração eólica e se relacionam à

sua variabilidade, e sua otimização tem que ser

pensada em termos sistêmicos já que reque-

rem algum tipo de back-up que funcione quan-

do a energia solar estiver indisponível.

Principalmente no caso das pequenas uni-

dades, localizadas junto aos consumidores,

a questão de variabilidade pode vir a ser re-

solvida com a agregação de baterias caso os

preços dessas caiam, ou por back-up forne-

cido pela própria rede, e que em ambos os

casos necessitam ser adequadamente precifi-

cados para a análise de sua efetiva viabilida-

de. Como vantagem para sua competitivida-

de econômica, seu uso direto prescinde das

redes de distribuição e de transmissão. Sua

viabilidade comercial é função da compara-

ção direta de seus custos, acrescida dos cus-

tos de armazenamento ou back-up, com as

tarifas delas cobradas pelas empresas distri-

buidoras. Usualmente se fala nesses casos em

se alcançar paridade com a rede (grid parity)

para se estabelecer sua viabilidade comercial.

A geração PV tipo “rooftop”, descentraliza-

da, em pequenas unidades residenciais, co-

merciais e industriais, acredita-se representar

cerca de 60% do mercado dessa tecnologia.

Entre as soluções regulatórias iniciais usadas

para lidar e estimular a geração tipo “rooftop”,

propõem-se que a energia que essas micro-u-

nidades devolvem à rede deveria ser contabi-

lizada pelo mesmo valor da energia forneci-

da pela empresa distribuidora local, no que se

chamou de “net metering”. Ou seja, a unidade

consumidora-geradora seria cobrada apenas

da diferença entre os kWh a ela fornecidos e

os devolvidos por ela à rede (o que costuma

ser em horários bastante diferentes).

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18

Esse sistema dá claramente uma enorme van-

tagem à micro geração, versus os forneci-

mentos pela distribuidora que não são ape-

nas gerados em algum local, mas transmitidos

e distribuídos até a unidade consumidora, in-

correndo em todos os custos necessários do

sistema. Com isso, grandes debates tem se

dado nos USA e diversos estados norte-ame-

ricanos tem alterado sua legislação (vide por

exemplo Brown e Bulyan22 sobre o assunto);

como essas unidades não são normalmente

auto-suficientes e, mesmo se fossem, necessi-

tam da disponibilização de fornecimentos de

back-up pelo sistema, como compatibilizar

essas necessidades e dividir seus custos har-

moniosamente entre os diversos usuários é

uma questão em amadurecimento, e que po-

derá crescer em importância se esse tipo de

geração distribuída se generalizar.

Nos anos recentes tem-se observado um for-

te crescimento na instalação de PV, de ambos

os tipos, inicialmente apoiado em incentivos

e subsídios, mas com seus custos em proces-

so de forte redução, se aproximando nas me-

lhores situações da economicidade direta. Se-

gundo os dados coletados pelo IEA23, no final

de 2013, o total de geração PV instalada no

mundo era superior a 135 GW e estava em

franco crescimento tanto em pequenas uni-

dades como em unidades maiores para venda

às distribuidoras, com a indústria se deslocan-

do da Europa (Alemanha e Itália) para a China

que hoje lidera o mercado mundial de PV se-

guida pelos Estados Unidos. Em pouco tempo

esses números foram amplamente superados

e ao final de 201424 já se tinha 229 MW insta-

lados em plantas solares PV.

22 Brown, A e J. Bulyan, “Valuation of Distributed Solar: A Qualitative View ”, The Electricity Journal, December 2014, Vol. 27, Issue 10.

23 “Technology Roadmap – Solar Photovoltaic Energy, 2014 Edition, IEA”.

24 Dados apesentados em “Energia Solar no Brasil e no Mundo – Ano de Referência 2015”, SPE/MME, Julho 2016.

25 “Recent Facts about Photovoltaics in Germany”, compilados por Dr. Harry Wirth, Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE, Abril de 2016.

Em alguns países a PV já marca sua presen-

ça na matriz elétrica. Na Alemanha, suporta-

da pela política do Energiewende, segundo o

IEA em 2013 cerca de 1,3 milhões de unidades

geraram 30 TWh representando 5,3% da ofer-

ta de eletricidade do país naquele ano. Da-

dos25 coletados pelo Fraunhofer Institute indi-

cam que em 2015 apenas a Alemanha instalou

cerca de 1,3 GW de nova capacidade em PV,

cerca de 2% de todas as unidades instaladas

no mundo naquele ano e que no final de 2015

a Alemanha tinha cerca de 40 GW instalados

de PV em cerca de 1,5 milhão de unidades ge-

radoras, subindo para 6,4% da geração bruta

do país em 2015.

Diferenças expressivas de rendimento entre

regiões mais e menos ensolaradas, tem favo-

recido um movimento de expansão e concen-

tração dessas usinas nas regiões mais favo-

ráveis. Estimativas de fatores de capacidade

apontam valores bem diferenciados de 11,6% e

de 24,3% para, respectivamente, regiões com

níveis de incidência solar variando de 1.200

kWh/m2 (média europeia) e regiões com inci-

dências de 2.500 kWh/m2, utilizada a mesma

tecnologia. De uma maneira geral, geração so-

lar, seja STE ou PV, costuma ser mais favoreci-

da em regiões quentes e áridas, o que é ainda

mais significativo no caso da PV que sem pos-

sibilidade de armazenamento direto tem seu

percentual de disponibilidade muito depen-

dente dos períodos e horários de insolação.

As expectativas de crescimento da geração

PV solar no mundo são elevadas, embora os

cenário difiram muito entre si, indicando ele-

vado grau de incerteza. Por exemplo nos ce-

Page 20: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

19

nários preparados pelo “World Energy Coun-

cil”26 em 2013, a participação da energia solar

na geração de eletricidade mundial em 2050

varia entre 5,5% (Cenário Jazz) a 16,2% (Cená-

rio Synphony) com uma capacidade instala-

da de respectivamente 1.654 GW e 4.439 GW

nestes dois cenários. Também alguns cenários

do IEA apresentam diferenças semelhantes.

No cenário da IEA de expansão de geração

renovável muito otimista (“hi-ren scenario”)27

desenvolvido em um “Road Map” para a gera-

ção PV em 2014, espera-se que esse tipo de

geração alcance cerca de 400 GW de capaci-

dade instalada em 2020 (110 GW na China, 50

GW na Alemanha e no Japão, 40 GW nos Es-

tados Unidos), 1.700 GW em 2030 (com 630

GW na China) e 4.760 GW em 2050 corres-

pondendo a 16% da geração global de eletri-

cidade. Já em análises mais recentes do IEA

(“World Energy Outlook 2016”) até 2040 o

seu caso base prevê um crescimento da ener-

gia solar PV mais moderado, embora seja ain-

da a fonte de geração elétrica que mais cres-

ce no período a uma taxa de cerca de 8,3% ao

ano entre 2012-2040, alcançando em 2040

cerca de 10% da geração renovável, ou cerca

de 3,1 % da geração global naquele ano.

Correspondendo a esses cenários, espera-se

que os custos de PV continuem a apresentar

fortes quedas. Nos últimos anos os custos das

células combustíveis e das placas caíram mui-

to, sendo hoje cerca de um quinto do que eram

alguns anos atrás. Com isso a parcela de BoS,

que não se reduziu no mesmo ritmo, represen-

ta hoje, embora variando muito de região para

região, grande parte dos custos finais da ener-

gia produzida. Os custos médios das placas,

em 2014, na China se situaram na faixa de US$

26 “World Energy Scenarios: Coposing energy futures to 2050”, World Energy Council 2013.

27 “Technology Roadmap – Solar Photovoltaic Energy, 2014 Edition, IEA”.

28 E ainda, em Setembro de 2016, em Abu Dhabi, a chinêsa JinkoSolar em parceria com a japonesa Marubeni apresentaram uma proposta à Abu Dhabi Water & Energy Authority de suprir eletricidade a partir de uma unidade solar PV a um preço recorde de US$ 24,2 /MWh.

0,59 a 0,60/W, enquanto que nos demais paí-

ses de US$ 0,67 a 0,79/W. Já os custos totais

(incluindo os custos de BoS) médios de ins-

talação da PV descentralizada (rooftop), bas-

tante variáveis por país e por local, estavam

em 2014 em torno de US$ 1,5/W na China, US$

2,4/W no Japão e de US$ 4,9/W nos Estados

Unidos, para unidades residenciais.

Em 2013, segundo o IEA, o valor presente (le-

velized) médio anual dos custos de energia

fotovoltaica de maneira geral estava na fai-

xa de US$ 119-318/MWh, e nos cenários com

forte penetração de renováveis espera-se que

ele se reduza para os intervalos US$ 56-239/

MWh em 2030 e US$ 40-97/MWh em 2050.

No caso das unidades descentralizadas, um

pouco mais caras, essas mesmas faixas de

custos do MWh, seriam de US$ 135-539/MWh

em 2013, de US$ 80-301/MWh em 2025 e de

US$ 45-159/ MWh em 2050.

Recentemente e surpreendentemente, em di-

versos leilões na América Latina alguns proje-

tos de PV conseguiram contratos com tarifas

muito baixas, abaixo de US$ 50 / MWh. É o

caso de algumas licitações recentes: no Méxi-

co, onde a Canadian Solar vai vender energia

a US$ 47,95 / MWh de seu projeto de 63 MW

em Aquascalientes; também no Peru, a Enel

Green Power ganhou contratos a US$ 47,98 /

MWh para o projeto Rubi de 144 MW, e a US$

48,50 /MWh para o projeto Moquegua de 40

MW. Mas, ainda mais surpreendente, foi o re-

sultado de leilão em Agosto no Chile onde a

Solarpack ganhou um contrato de venda de

energia de sua planta solar PV de 120 MW a

US$ 29,10 /MWh28. Não está claro ainda se es-

ses são fenômenos isolados, aproveitando ca-

Page 21: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

20

racterísticas e condições excepcionais, ou se

estão indicando uma queda efetiva de preços

mais geral. Algumas considerações prelimina-

res indicam que esses preços baixos. Pelo me-

nos em parte, podem ser fruto de um dese-

quilíbrio global entre oferta de demanda de

painéis solares no mundo, como é apontado

pelo World Energy Outlook 2016 da IEA, já que

em 2016 a capacidade de produção global de

painéis estaria em 60,5 GW/ano enquanto que

a produção estava em 39,9 GW/ano.

Ao se considerar esses números, não obstante

sua importância para indicar as possibilidades

de desenvolvimento dessa forma de energia,

cabe sempre ressalvar que no caso da ener-

gia solar, principalmente fotovoltaica, assim

como no caso da energia eólica, ambas sem

possibilidade de armazenamento e com for-

necimento variável em função de sua disponi-

bilidade, as comparações de seus preços com

os das energias firmes convencionais, não se

restringem ao valor esperado da energia, mas

precisam levar em consideração também suas

necessidades de complementação e seu per-

fil de oferta em relação à curva de carga a ser

atendida. A análise mais completa das alter-

nativas de expansão dessas novas formas de

energia renovável requer uma visão integrada

dos sistemas elétricos nos quais elas irão par-

ticipar. Para os reguladores desses sistemas o

desafio é estabelecer regras claras que identi-

fiquem de maneira correta os custos e os be-

nefícios de responsabilidade de cada agente,

ajustando adequadamente suas possibilida-

des de remuneração.

29 Entre eles: Azuela, G.; Barroso, L, “Promoting renewable energy through auctions”, Live Wire Knowledge note series; no. 2014/12, Washington, DC World Bank Group, disponível em http://documents.worldbank.org/ curated/en/2014/06/19670591/promoting-renewable-energy-through-auctions; e Meier, P., M. Vagliasindi e M. Imram; “ The Design and Sustainability of Renewable Energy Incentives – An Economic Analysis”, World Bank Group, Novembro de 2014, disponível em http://dx.doi.org/10.1596/978-1-4648-0314-7.

MECANISMOS DE PROMOÇÃO DE RENOVÁVEIS

Deixadas exclusivamente às forças de merca-

do, dificilmente as unidades geradoras com

base nas novas renováveis teriam sido inicial-

mente implantadas a menos de algumas situa-

ções pontuais como é o caso do atendimento

a localidades isoladas e, possivelmente, demo-

rariam ainda muitos anos para que a participa-

ção dessas formas de energia chegasse a ga-

nhar alguma escala e alcançar os percentuais

hoje praticados, ainda que modestos. Diante

porém das significativas externalidades envol-

vidas e das pressões temporais impostas pelo

aumento do aquecimento global, sua promo-

ção inicial tem sido assumida pelos governos

de inúmeros países usando para isso diversos

tipos de incentivos.

Nesse sentido, ações governamentais mais ge-

rais tais como impostos, subsídios, financia-

mentos favorecidos e garantias tem sido em-

pregados, incluindo mecanismos de apoio

direto aos empreendimentos e a concessão de

direitos de comercialização do uso de carbono

(carbon taxes). Todavia, além destas e das ne-

cessárias políticas de apoio e subsídios para as

inovações tecnológicas e para a criação de no-

vas empresas, um conjunto significativo de me-

didas e regulamentações específicas tem sido

implementadas em inúmeros países para via-

bilizar a expansão dessas novas tecnologias.

Análises detalhadas dessas alternativas podem

ser encontradas em diversos artigos recentes,

particularmente em trabalhos abrangentes e

aprofundados produzidos e editados no âmbi-

to do Banco Mundial29.

De maneira simplificada, pode-se dizer que as

principais políticas específicas usadas histo-

Page 22: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

21

ricamente para promover a expansão inicial

da participação das novas renováveis no se-

tor elétrico no atendimento ao mercado regu-

lado podem ser agrupadas em dois tipos prin-

cipais: medidas diretamente orientadas para

a quantidade de energia a ser instalada e me-

didas orientadas para os preços a serem pra-

ticados por essas usinas.

Nas regulamentações orientadas aos preços

estes são fixados e deixa-se ao mercado a es-

colha da quantidade de energia a ser produ-

zida. Esses preços pré-estabelecidos podem

ser definidos a partir dos custos de produção

previstos, são as chamadas “Feed-in-Tariffs

(FIT)”, associadas a contratos de longo prazo

com regras de correção em função da infla-

ção. Outras opções para a definição dos pre-

ços nesse tipo de regulamentação incluem o

uso do custo evitado, ou de preços com “prê-

mios” acima dos preços do mercado ataca-

dista, ou mesmo acima dos preços no varejo.

As FIT podem ser tanto gerais para todos os

tipos de renováveis, como, mais comumente,

estabelecidas separadamente para cada tipo

de tecnologia em consideração.

Diversos estudos globais publicados têm mos-

trado que os FIT, amplamente usados na Eu-

ropa e em outras regiões, se mostraram como

mecanismos eficientes na promoção da ex-

pansão de renováveis, embora correndo o ris-

co de gerarem rendas econômicas expressivas

para os geradores. Em alguns casos foram ofe-

recidos acompanhados de algum sistema de

redução da tarifa no tempo, procurando redu-

zir seu impacto futuro sobre os preços finais

da energia elétrica. Na verdade, não existe um

modelo único e diferenças expressivas nos de-

senhos dos FIT podem ser encontradas de país

para país, já que podem haver diversas varia-

ções em sua implementação, envolvendo, por

30 De acordo com a US Energy Information Administration (EIA), em Março de 2014 mais de 30 estados norte-americanos adotavam alguma forma de RPS.

exemplo, os prazos dos contratos, a forma de

estabelecimento do valor das tarifas, sua evo-

lução no tempo, a existência ou não de limites

superiores para a nova geração contratada etc.

Já no caso das regulamentações orientadas

às quantidades, define-se inicialmente a quan-

tidade (ou percentual) de energia renovável

que se deseja alcançar e deixa-se o mercado

estabelecer os preços a serem pagos por essa

energia. É o caso das chamadas “Renewable

Portfolio Standards (RPS)”, onde os distribui-

dores de energia são obrigados pelos regula-

dores a incluírem em seu mix de suprimento

uma certa quantidade ou um certo percentual

de energia proveniente de fontes renováveis.

Em muitos casos esses distribuidores podem

atender a essas obrigações comprando cer-

tificados de produtores renováveis qualifica-

dos, independentemente de sua localização

geográfica e da entrega física da energia ao

comprador do certificado, o que aumenta as

possibilidades de concorrência.

Nos Estados Unidos, um grande número de Es-

tados já adotou alguma forma de RPS30. Cabe

observar que os RPS podem ser e são usados

nos EUA tanto em mercados regulados pelo

custo do serviço como em mercados compe-

titivos. Embora menos empregados como for-

ma de impulso inicial para a geração renová-

vel que os FIT, eles costumam permitir alguma

concorrência entre as fontes renováveis redu-

zindo assim seu impacto global sobre os pre-

ços finais no varejo. Para permitir que alguma

nova fonte menos econômica se estabeleça os

RPS podem usar pesos diferentes para quanti-

ficar a quantidade de cada uma das fontes no

atendimento aos requisitos impostos.

Outros sistemas de incentivos que estão hoje

em uso cada vez mais amplo podem se enqua-

Page 23: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

22

drar em ambas as linhas citadas (por quantida-

de ou por preço) e se baseiam no uso de leilões

(“tenders”) de contratos obrigatórios de com-

pra de energia por prazos definidos, tipicamen-

te 20 ou 30 anos, que são oferecidos aos gera-

dores renováveis, ou mesmo ainda em leilões de

subsídios a serem dados a esses geradores. Es-

ses leilões de contratos de venda de energia tan-

to podem ser realizados a partir de quantidades

pré-estabelecidas como a partir de preços máxi-

mos que serão pagos aos geradores, ou mesmo

podem envolver um misto dos dois com limites

superiores para as quantidades a serem comer-

cializadas como para as tarifas de compra e ven-

da. A natureza e as características desses leilões

variam e dependem principalmente do modelo

setorial vigente em cada país que os promove.

Os FIT e os RPS foram os dois mecanismos

dominantes para a inicialização da geração

renovável no mundo, mas nos últimos anos

tem se observado um crescimento do uso dos

leilões como forma de expansão da participa-

ção de fontes renováveis nas matizes elétricas.

Com as indústrias de equipamentos eólicos e

solar se consolidando em termos mundiais,

os FIT tendem a ser substituídos pelos leilões

que procuram agora explorar as possibilida-

des de concorrência e estimular preços mais

competitivos para essas unidades geradoras.

No Brasil após uma etapa inicial de utilização

dos FIT, o mecanismo dos leilões passou a ser

adotado a partir de 2005 com sucesso. Na

Alemanha também está agora prevista a in-

trodução dos leilões em substituição aos FIT.

Cabe notar que no caso dos RPS o uso de lei-

lões já é naturalmente uma da opções conside-

radas em sua instrumentação, sendo que de-

pendendo do grau de desregulamentação do

sistema elétrico a escolha dos supridores pode

ser também mais ou menos regulada. Quando

a concorrência se dá ao nível do varejo, as em-

presas distribuidoras por si mesmas tem um

forte estímulo para buscarem as fontes de su-

primento mais econômicas, limitadas apenas

pelas exigências impostas pelos RPS, e nesse

caso podem usar alguma forma de leilão ou al-

ternativamente negociações diretas com os ge-

radores. Já em ambientes mais regulados onde

não houve introdução de concorrência, ou

mesmo, esta se limita a se dar no atacado, o re-

gulador necessita impor regras que estimulem

que as compras de energia pelas distribuido-

ras sejam feitas ao menor custo possível. Nes-

ses últimos casos a imposição de leilões é uma

das soluções mais naturais para manter o aten-

dimento das RPS o mais econômico possível.

Assim, progressivamente os leilões têm ocupa-

do papel cada vez mais significativo como me-

canismo de promoção das novas fontes alter-

nativas no setor elétrico. As formas que podem

ser assumidas por eles dependem diretamente

das características específicas do modelo insti-

tucional do setor elétrico de cada país. Apenas

para ilustrar algumas dessas diferenças, esses

leilões podem ser desenhados tanto para a con-

tratação de energia já existente ou para a con-

tratação de novos projetos; podem ser focados

em alguma tecnologia, ou como no caso dos

leilões para atendimento dos RPS abertos para

diversas tecnologias competindo entre si; po-

dem ter foco geográfico ou não, podendo até

mesmo estar voltados para um empreendimen-

to específico. Em seu desenho os comprado-

res tanto podem ser empresas de distribuição

como entidades governamentais que depois

repassam os contratos. Os prazos desses con-

tratos podem variar; a evolução dos preços ao

longo dos contratos podem ser governados por

diferentes regras, embora usualmente indexa-

dos por algum índice inflacionário.

Algumas dessas diversas possibilidades serão

exploradas mais adiante na análise do caso

brasileiro e futuramente em suas compara-

ções com o modelo alemão.

Page 24: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

23

A MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA

INTRODUÇÃO

No Brasil, historicamente, a oferta de energia

sempre foi marcada por uma grande presen-

ça de fontes renováveis, embora nem sempre

em bases que hoje seriam consideradas am-

bientalmente recomendáveis. Basta retornar-

mos a 1950 e observarmos que naquela épo-

ca cerca de 78,1% da oferta total de energia

primária era proveniente da lenha e do car-

vão vegetal, fruto principalmente de desma-

tamento, época em que cerca de 64% da po-

pulação do país vivia em áreas rurais.

Com o processo de industrialização e urbani-

zação do país na segunda metade do sécu-

lo XX cresceram tanto a eletrificação como o

papel do petróleo, este principalmente no se-

31 De acordo com os dados apresentados no Balanço Energético Nacional (BEN) do Ministério de Minas e Energia (MME) relativos ao ano de 2015.

tor de transportes, com a redução concomi-

tante do uso da lenha em seus diversos usos.

Mas, mesmo nessa transição para uma socie-

dade urbanizada, uma participação relevan-

te de fontes renováveis foi preservada graças,

principalmente, a uma continua expansão da

hidreletricidade e em menor escala à utiliza-

ção do álcool combustível.

Hoje com cerca de 85% da população do país

vivendo em áreas urbanas, o consumo de le-

nha e carvão vegetal31 representa apenas cerca

de 8,1 % de sua oferta primária interna, enquan-

to que a hidroeletricidade cerca de 11,3%. Tota-

lizando-se as fontes renováveis (41,2%) e o urâ-

nio (1,3%) chega-se um percentual de 42,5% da

oferta, o que em termos mundiais é um valor

bastante elevado, versus 57,5% de fontes fós-

seis (carvão, gás natural e petróleo).

Para o futuro próximo, o planejamento oficial

desenvolvido pelo Ministério de Minas e Ener-

gia (MME), com o apoio da Empresa de Pes-

quisa Energética (EPE), expresso pelo Plano

Page 25: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

24

2030 e complementado pelo Plano Decenal

de Energia 2015-24, estabelece como meta

alcançar a participação de 46,6% de fontes

renováveis na oferta de energia no ano de

203032. Embora esse objetivo local ainda es-

teja muito aquém das necessidades de redu-

ção mundial do uso de combustíveis fósseis

a longo prazo, a meta de 46,6% não é uma

meta fácil de ser atingida e o caminho para

lá envolverá dificuldades que precisarão ser

enfrentadas com clareza, até mesmo porque

a hidreletricidade, um dos grandes responsá-

veis pela relativa limpeza da matriz brasileira,

começa a enfrentar limites à sua expansão.

32 Segundo o mais recente PDE 2015-2024 a meta para 2024 é de uma participação de 45,2% de fontes renováveis na oferta de energia no país.

OFERTA PRIMÁRIA E CONSUMO DE ENERGIA NO BRASIL

A evolução histórica da oferta primária bru-

ta da energia no país, conforme dados do Ba-

lanço Energético Nacional, pode ser acom-

panhada a partir dos dados apresentados na

Tabela 3.1 abaixo e onde pode-se ver que a

quantidade de energia ofertada no Brasil se

multiplicou na segunda metade do século XX,

acompanhando as profundas transformações

do país que de uma economia basicamente

agrícola, fortemente dependente da produ-

ção de café, diversificou-se e expandiu suas

atividades industriais.

ANOS

PETRÓLEO, GÁS

NATURAL E DERIVAD.

CARVÃO MINERAL E DERIVAD.

HIDRO E IMPORT. ELETRIC.

LENHA E CARVÃO VEGETAL

PRODUTOS DA CANA OUTRAS1 TOTAL TAXA (%)

a.a.

1940 1.522 1.520 352 19.795 563 0 23.752

1950 4.280 1.583 536 25.987 892 0 33.278 3,4

1960 12.668 1.412 1.580 31.431 2.131 0 49.222 4,0

1970 25.420 2.437 3.420 31.852 3.593 223 66.946 3,1

1980 56.485 5.902 11.063 31.083 9.129 1.010 114.673 5,5

1990 62.085 9.598 20.051 28.537 18.988 2.724 141.983 2,2

2000 96.999 12.999 29.980 23.060 20.761 6.244 190.043 3,0

2010 129.250 14.462 37.663 25.998 47.102 14.321 268.796 3,5

2015 152.597 17.675 33.897 24.519 50.648 19.876 299.211 2,2

TABELA 3.1 – EVOLUÇÃO DA OFERTA BRUTA DE ENERGIA NO BRASIL (MIL TEP)

Fonte: Balanço Energético Nacional (BEN) N3E/MME; 1 Inclui Outras Fontes Primárias Renováveis e Urânio

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25

ANOSPETRÓLEO, GÁS

NATURAL E DERIVAD.

CARVÃO MINERAL E DERIVAD.

HIDRÁULICA E ELETRICIDADE

LENHA E CARVÃO VEGETAL

PRODUTOS DA CANA OUTRAS1

1940 6,4 6,4 1,5 83,3 2,4 0,0

1950 12,9 4,8 1,6 78,1 f2,7 0,0

1960 25,7 2,9 3,2 63,9 4,3 0,0

1970 38,0 3,6 5,1 47,6 5,4 0,3

1980 49,3 5,1 9,6 27,1 8,0 0,9

1990 43,7 6,8 14,1 20,1 13,4 1,9

2000 51,0 6,8 15,8 12,1 10,9 3,3

2010 48,1 5,4 14,0 9,7 17,5 5,3

2015 51,0 5,9 11,3 8,2 16,9 6,6

TABELA 3.2 – EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DA OFERTA BRUTA DE ENERGIA NO BRASIL (%)

Fonte: Balanço Energético Nacional (BEN) N3E/MME; 1 Inclui Outras Fontes Primárias Renováveis e Urânio

Como indicado, em valores absolutos, a ofer-

ta interna bruta global em 2015 foi de 299,2

milhões de tep (toneladas equivalentes de

petróleo) correspondendo a um crescimento

médio de 3,4% ao ano desde 1940, enquanto

sua população no mesmo período cresceu a

uma taxa média de 2,2%. Com um Produto In-

terno Bruto de US$ 2.944 bilhões em 2015 e

uma população de 205 milhões, esse consu-

mo de energia corresponde a uma oferta de

1,458 tep per capita, quase triplicando o seu

valor que em 1940 era de cerca de 0,580 tep.

A Tabela 3.2 apresenta essa mesma evolução

da oferta interna no país, expressa em termos

percentuais para melhor explicitar a mudança

de papel das diversas fontes de energia. De-

ve-se observar que para a construção de am-

bas as tabelas as diversas formas de energia

foram contabilizadas em uma mesma unida-

de – a tonelada equivalente de petróleo (tep)

– para o que foram utilizados coeficientes de

conversão universalmente adotados nas aná-

lises do setor de energia, mas que inevitavel-

mente introduzem algumas distorções. Em

particular, para uma melhor compreensão do

papel da hidreletricidade face às distorções

introduzidas, vide as considerações metodo-

lógicas no Box 3.1.

Page 27: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

26

No período 1940-2015, com as mudanças na

sociedade brasileira e a substituição da lenha,

os combustíveis fósseis (petróleo + gás + car-

vão mineral) cresceram a uma taxa de 5,7%,

enquanto que a hidreletricidade cresceu 6,4%

ao ano. A penetração do uso do petróleo, ao

lado da eletrificação, foram as principais ino-

vações no setor associadas ao processo de

modernização do país. O período de maior

crescimento do consumo de energia, entre

1970 e 1980, é também a época em que o pe-

tróleo mais amplia o seu uso no país. Já a hi-

dreletricidade cresce principalmente nos últi-

mos 30 anos do século XX, alcançando o pico

de sua participação percentual no ano 2000.

Cabe assinalar que nos anos de 2014-2015 te-

ve-se uma situação anômala no setor elétri-

co, o que explica uma participação abaixo

do esperado para a fonte hidráulica na ma-

BOX 3.1 – CRITÉRIOS DE CONVERSÃO PARA TEP E A ENERGIA HIDRELÉTRICA

Em relação à participação percentual da

hidreletricidade na matriz brasileira, cabe

uma observação que é particularmente

relevante quando se fazem comparações

internacionais entre países, já que o Bra-

sil é um dos poucos com participação hi-

drelétrica tão expressiva.

Ao se calcular os números globais, incluin-

do diversas formas de energia, alguns cri-

térios de conversão são usados para que

se possa trabalhar com essas formas nas

mesmas unidades, usualmente em tonela-

das equivalentes de petróleo (tep).

Para isso, utiliza-se como principal re-

ferência o poder calorífico das diversas

fontes em relação ao do petróleo. Com

combustíveis essa aproximação funcio-

na razoavelmente sem grandes distor-

ções, mas no caso de algumas fontes

não combustíveis como a hidroeletrici-

dade uma possível solução seria medir o

equivalente em petróleo para produzir a

mesma eletricidade.

Essa última opção foi usada no Brasil, no

passado, para a hidreletricidade, mas foi

abandonada e substituída pelo uso do po-

der calorífico da eletricidade por ela gera-

da, já que esse é o critério mais universal-

mente adotado e com isso comparando

a hidreletricidade diretamente aos com-

bustíveis fósseis primários. Com isso, po-

rém, passou-se a subestimar, por um fator

de cerca de 3, o papel da hidreletricidade,

ao medi-la já em uma foram secundária,

mais nobre, desconsiderando as “perdas”

nas transformações que são inevitáveis

no processo de geração elétrica térmica a

partir de outras formas primárias.

Deve-se também observar que, no caso

brasileiro, o aumento do consumo global

da energia efetivamente utilizada no sé-

culo XX é até mesmo subestimado quan-

do medido por tep e contabilizado atra-

vés do consumo de energia primária, não

apenas por conta do peso da hidreletri-

cidade sub-avaliada, como pelo fato de

que a substituição da lenha, cuja utiliza-

ção energética era muito ineficiente, por

formas comerciais, por si só teria provo-

cado uma redução nos números globais,

mas que foram amplamente compensa-

dos pelos aumentos efetivos do uso de

energia no país.

Page 28: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

27

triz naqueles dois anos. Com as hidrelétricas

afetadas por uma forte seca e com as usinas

térmicas gerando continuamente na base, am-

pliou-se muito a participação dos combustí-

veis fósseis em relação às hidrelétricas na ge-

ração de eletricidade naqueles anos afetando

a estrutura da oferta de energia no país, si-

tuação essa que poderá ser progressivamen-

te revertida nos anos seguintes, embora a ex-

pansão das grandes usinas hidrelétricas esteja

sofrendo fortes questionamentos por parte

dos movimentos ambientalistas.

A redução do uso da lenha e do carvão vege-

tal se deu principalmente na parcela oriunda

do desmatamento. O carvão vegetal remanes-

cente é usado em parte para fins siderúrgicos

e oriundo de florestas plantadas para essa fi-

nalidade, e absorveu cerca de 30% da produ-

ção de lenha em 2015. Outros 2% da lenha fo-

ram para a geração de energia elétrica, indo

o restante para o consumo final, sendo que

quase metade desse consumo (outros 30% da

produção total de lenha) foi feito pelo setor

industrial, em sua maior parte também com

lenha oriunda de florestas plantadas.

Entre os combustíveis fósseis as maiores al-

terações nesse período se referem à penetra-

ção do gás natural, iniciada no século XX, mas

tendo seu crescimento mais significativo já no

século atual. De uma produção anual de cer-

ca de 3 bilhões de metros cúbicos em 1970,

ela cresceu para cerca de 13 bilhões em 2000,

ano em que também as importações de gás

iniciadas em 1999 começam a ter papel im-

portante, chegando em 2015 a uma produção

anual de cerca de 35 bilhões de m3, à qual se

somou uma importação de 18 bilhões de m3,

dos quais 18 bilhões foram usados na geração

de eletricidade e 11 bilhões consumidos nas

indústrias, seus dois usos mais importantes,

33 Os dados sobre energia no Brasil tem sido cuidadosamente contabilizados pela equipe N3E/SPE do MME responsável pela edição do Balanço Energético Nacional já por muitas décadas em um trabalho que merece registro.

além do uso residencial e comercial nos gran-

des centros nas regiões com acesso às redes

de gasodutos.

Nesse processo de mudanças estruturais, ao

longo do tempo os derivados de petróleo

passaram a ocupar papel chave em diversos

setores da vida econômica, como o do GLP

no uso residencial, da gasolina e o diesel nos

transportes, do diesel na agricultura e do óleo

combustível na indústria (mais recentemente

substituído pelo gás natural), passando assim

o petróleo a ser um produto essencial para a

realização da maioria das atividades no país.

Estes produtos tiveram papel secundário ape-

nas na geração de eletricidade diante do uso

crescente da energia hidrelétrica.

Quanto aos segmentos consumidores de

energia no Brasil, dados continuam sendo or-

ganizadamente coletados pelo MME33 desde

1970 e refletem a predominância dos seto-

res industrial e de transportes como princi-

pais destinos dos produtos energéticos, e

ainda mostram uma contínua redução relati-

va do peso do setor residencial no período,

neste caso, reflexo da substituição do consu-

mo de lenha pelo GLP e pelo gás natural para

cocção e dos ganhos em eficiência nos eletro-

domésticos. Em 2015, a estrutura de consumo

de energia final por setor no Brasil foi de 6,0%

para usos não energéticos, 10,7% para consu-

mo interno do próprio setor energético, 9,6%

para o setor residencial, 3,3% para o comer-

cial, 1,5% para o setor público, 4,4% para o se-

tor agropecuário, 32,2% para o setor de trans-

portes e 32,5% para o setor industrial.

Enquanto que nessa evolução no século XX as

questões de disponibilidade e custos jogavam

os papéis principais nas opções energéticas

assumidas, principais responsáveis pela estru-

Page 29: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

28

tura de produção e uso de energia hoje vigen-

te, com a virada do século, as questões am-

bientais34 vieram aos poucos tomando mais

força e embora o país disponha de uma ma-

triz excepcionalmente limpa em termos com-

parativos mundiais, passaram a desempenhar

papel chave no processo decisório. Estes fa-

tores explicam em parte tanto, contraditoria-

mente, a redução no crescimento da energia

hidrelétrica, como a penetração mais recente

das novas renováveis no setor elétrico.

Em termos comparativos, ainda segundo da-

dos disponibilizados pelo BEN, o percentual da

oferta interna de energia renovável na matriz

34 A realização da conferência Rio 2000 é marco simbólico dessa mudança.

35 “Resenha Energética Brasileira”, Exercício de 2015, Edição de Maio de 2016, N3E, MME.

brasileira, 41,2%, mesmo com a hidreletricidade

contabilizada de maneira subavaliada, é muito

superior à média mundial que é de 13,8% as-

sim como muito superior à média dos países da

OCDE que é de 9,8%.

Dados apresentados em documento produ-

zido pelo BEN/MME35 para 2015, com uma

agregação ligeiramente diferente da utiliza-

da na Tabela anterior, permite uma compara-

ção da situação atual do país com o quadro

mundial, este separado em países participan-

tes da OCDE e os demais, conforme indicado

na Tabela 3.3 abaixo.

FONTES BRASIL OCDE NÃO OCDE MUNDO

Petróleo 37,3 35,8 24,1 30,8

Gás Natural 13,7 25,2 20,2 21,4

Carvão e Outras Não-Renováveis 6,5 19,5 36,8 28,7

Urânio 1,3 10,0 1,8 4,9

Hidro 11,3 2,3 2,6 2,6

Outras Renováveis 29,9 7,2 14,4 11,6

Participação Renováveis (%) 41,2 9,4 17,1 14,3

Oferta Total (milhões de tep) 299 5.185 7.814 13.653

TABELA 3.3 – OFERTA INTERNA BRUTA DE ENERGIA NO BRASIL E NO MUNDO EM 2015 (%)

Fonte: N3E/ MME

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29

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PRINCIPAIS FORMAS RENOVÁVEIS COMERCIAIS

O processo de transformação da sociedade

brasileira ao longo do século XX envolveu,

como acima apontado, a substituição do uso

predatório da lenha por formas de energia

comerciais, mas mantendo ainda uma grande

presença de fontes renováveis.

A observação da Tabela 3.3 deixa bem clara as

singularidades do quadro energético do Bra-

sil quando comparado com o resto do mundo,

mesmo considerando diferentes grupos de paí-

ses em diferentes estágios de desenvolvimento,

como é o caso das diferenças entre os países

da OECD e os demais. Caracteriza a matriz bra-

sileira a reduzida utilização de carvão mineral36

que é compensada: (1) pelo uso intensivo de

energia hidrelétrica e (2) pelo papel das outras

renováveis, onde, no caso, destaca-se a partici-

pação percentual já apontada anteriormente de

16,9% de produtos da cana (etanol e bagaço).

36 Recurso disponível no Brasil apenas na região Sul e com teor de cinzas muito elevado.

37 Em 1901 a Light inaugurou a Usina de Parnaíba (hoje Edgar de Souza) no Rio Tiete inicialmente com 1 MW e depois ampliada para 12 MW para atender os serviços de iluminação e suas linhas de bondes elétricos de São Paulo e em 1907 a Usina de Fontes no Ribeirão das Lajes de 12 MW e depois de 24 MW, na época a maior do país, para atender o Rio de Janeiro.

Desde às suas origens, no final do século XIX,

a geração de eletricidade brasileira se baseou

fortemente nas usinas hidrelétricas. Comple-

mentarmente, já nas últimas décadas do sé-

culo passado, o programa do álcool substituiu

parte do consumo de gasolina. Desse modo, o

país, como poucos no mundo, conseguiu pre-

servar uma significativa participação de fon-

tes renováveis em seu suprimento energético.

No que se refere à hidreletricidade pode-se di-

zer que seu uso começou no país junto com o

uso da eletricidade. Experiências pioneiras da-

tam ainda do século XIX; posteriormente quan-

do a eletricidade começa a penetrar nas gran-

des cidades para iluminação e para transporte

urbano, a Light, empresa canadense com capital

norte-americano que dominou as concessões

no Rio de Janeiro e em São Paulo, desenvolveu

as primeiras usinas37 consideradas na época de

porte. Em 1950 a capacidade instalada total no

pais era de 1.882 MW dos quais 1.334 MW em

usinas hidrelétricas; dessa capacidade cerca de

980 MW pertenciam ao grupo Light.

ANOS HIDRO TÉRMICAS NUCLEAR EÓLICA SOLAR TOTAL

1950 1.536 347 1.883

1960 3.642 1.158 4.800

1970 8.828 2.405 11.233

1980 27.649 5.823 33.472

1990 45.558 6.835 657 53.050

2000 61.063 10.481 1.966 19 73.671

2010 80.703 28.762 2.007 928 1 112.400

2015 91.650 39.564 1.990 7.633 31 140.868

TABELA 3.4 – EVOLUÇÃO DA CAPACIDADE INSTALADA NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO (MW)

Fonte: Balanço Energético Nacional N3E/MME; e “Panorama do setor de energia elétrica no Brasil”, Memória da Eletricidade.

Page 31: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

30

Mais tarde, com a formação das geradoras es-

tatais essa expansão hidrelétrica se multiplicou.

A primeira empresa federal criada foi a Chesf

para atuação na região Nordeste38 em 1945, e

depois Furnas em 1957. Posteriormente com a

criação da Eletrobras em 1962 as empresas fe-

derais foram reunidas em um conglomerado

único. Com a Eletrobras e com as empresas es-

tatais estaduais maiores, como Cemig (Minas

Gerais), Copel (Paraná) e Cesp (São Paulo), im-

pulsionou-se a construção das hidrelétricas, as-

sim como do sistema de transmissão integran-

do o sistema elétrico brasileiro. O predomínio

hidrelétrico nessa expansão pode ser clara-

mente observado na Tabela 3.4 acima.

A geração térmica de uma maneira geral foi

desenvolvida com três objetivos principais: (1)

complementar a geração hidrelétrica nos pe-

ríodos secos, com isso permitindo um melhor

aproveitamento dos recursos hídricos e “fir-

mando” a chamada energia secundária hidrelé-

trica não disponível em períodos mais secos;

(2) atender as localidades isoladas, que não se-

riam viáveis de se alcançar através da rede de

transmissão integrada; e (3) aproveitar os re-

síduos industriais e agrícolas, mais comumen-

te em processo de co-geração de eletricidade

e calor. Cabe assinalar que entre os exemplos

desse terceiro caso, cerca de um terço da gera-

ção térmica no Brasil utiliza como combustíveis

a biomassa e, principalmente, bagaço de cana.

Em 2015 a capacidade instalada de geração a

biomassa era de 13.336 MW sendo 10.532 MW

de térmicas a bagaço de cana.

A geração nuclear se desenvolveu em dois mo-

mentos. Em uma primeira etapa uma usina de

640 MW foi construída com tecnologia da Wes-

tinghouse que teve sua construção iniciada em

1972. Em 1974 os Estados Unidos suspenderam

a colaboração nuclear com o Brasil e a constru-

38 Em 1954 a Chesf concluiu a Usina de Paulo Afonso I no Rio São Francisco, então com 180 MW, e que duplicou a capacidade de atendimento da região Nordeste.

ção da usina teve vários atrasos e só entrou em

operação comercial em 1985. Em 1975, assinou-

-se um ambicioso acordo nuclear com a Alema-

nha, em cujo âmbito construiu-se uma usina de

1350 MW, Angra II (que entrou em operação em

2001), como parte de um programa que previa

ainda outras 7 unidades, mas que se restringiu

a apenas mais uma, Angra III, de 1405 MW, que

está ainda em construção com término previs-

to para 2018. Como em inúmeros outros países,

os acidentes nucleares e a percepção de seus

riscos pela sociedade não permitiram a conti-

nuidade desses investimentos. Recentemente,

planos para construção de outras unidades na

região Nordeste não tiveram andamento após

os eventos em Fukushima.

A outra fonte de energia renovável que cres-

ceu nas últimas décadas e que ocupa hoje pa-

pel expressivo na matriz energética brasileira

é a cana de açúcar, fonte de etanol e de baga-

ço de cana, resultado de uma política gover-

namental agressiva de substituição de deriva-

dos de petróleo nos transportes.

Na década de 1970, com uma produção do-

méstica bastante reduzida, as importações de

petróleo tinham peso importante na balança

comercial brasileira. Os dois choques de pre-

ços daquele período, principalmente o de 1979,

exigiram respostas urgentes na política ener-

gética do país para fazer frente às grandes ele-

vações de preço. Duas linhas de ação princi-

pais acabaram por ser bem sucedidas. Por um

lado, um forte esforço de pesquisa, exploração

e produção de petróleo no país que identificou

reservas expressivas off-shore, principalmen-

te em águas profundas na Bacia de Campos,

e que hoje deixam o Brasil próximo à autossu-

ficiência, com eventuais perspectivas de até

mesmo converter o país em um exportador lí-

quido de petróleo e derivados. Por outro lado,

Page 32: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

31

um ambicioso programa de ampliação da pro-

dução de etanol da cana de açúcar e de subs-

tituição parcial do uso da gasolina automoti-

va está hoje consolidado e passou a ocupar

parte desse mercado. Complementarmente, o

bagaço de cana passou a ser utilizado em co-

geração, com uma produção excedente de ele-

tricidade hoje oferecida ao mercado.

Não obstante as características acima apon-

tadas que deixaram o setor energético bra-

sileiro em posição privilegiada em relação à

emissão de gases do efeito estufa em termos

comparativos com a situação mundial, em

2015, o petróleo, conforme apontado, desem-

penhou papel crucial e caso se pretenda atin-

gir metas ambientais ambiciosas como uma

redução radical do uso dos combustíveis fós-

seis até o final do século, grandes desafios te-

rão que ser enfrentados.

Em 2015, o GLP é responsável por cerca de

26,2% da energia usada pelo setor residencial,

que tem ainda 25,4% de um uso remanescente

de lenha. Naquele ano, no setor de transpor-

tes, a participação da gasolina era de 27,7%

versus 18,4% de etanol; mais crítico ainda nes-

te último segmento é a forte dependência do

diesel nos transportes com uma participação

de 46,7%, ainda que acompanhada de 2,4%

de biodiesel, promovido de forma mandatória

para mistura no diesel de petróleo. O diesel

tem ainda importância central no setor agro-

pecuário, com uma participação de 55,1% no

seu consumo de energia. Entre os derivados

pesados, o uso de óleo combustível na indús-

tria não é expressivo, correspondendo a ape-

nas 2,6% do consumo de energia desse setor,

diante de um uso de 11,8% de gás natural, que

embora fóssil é menos poluente que o óleo.

Com um sistema de transportes de cargas

centrado principalmente no modo rodoviário,

39 Setembro de 2016.

qualquer redução adicional do papel do petró-

leo passa claramente pelo uso do diesel para

os transportes. Mudanças mais radicais no con-

sumo de diesel irão possivelmente envolver

mudanças não apenas de combustível, mas

possivelmente de modal de transporte e, mais

ainda, até mesmo dos modelos de organização

da produção e da forma de vida urbana.

No setor elétrico, embora se tenha chegado

a 2015 em uma situação bastante confortável

em termos de uso de energia renovável, isso

não quer dizer que essa situação irá perdu-

rar automaticamente diante de limitações que

têm sido colocadas à expansão hidrelétrica e

novas alternativas terão que ser desenvolvidas

para que a situação não regrida, contexto no

qual as novas formas renováveis podem vir a

desempenhar papéis centrais, mesmo que ain-

da não esteja claramente sinalizado nos plane-

jamentos energéticos oficiais de longo prazo.

PLANEJAMENTO OFICIAL, PERSPECTIVAS E QUESTÕES

O último documento de planejamento a lon-

go prazo emitido pelo Ministério de Minas e

Energia (MME) e elaborado com o apoio da

Empresa de Pesquisa Energética (EPE) foi o

Plano Nacional de Energia 2030, publicado

em 2008. Uma nova versão o Pano 2050 está

sendo elaborada mas ainda não foi concluída.

Até o presente momento39 em que esse tex-

to está sendo escrito foram publicadas duas

notas técnicas pela EPE que deverão prelimi-

narmente formar os dois primeiros capítulos

desse plano e se referem aos cenários e parâ-

metros macroeconômicos e às projeções de

demanda de energia correspondentes.

Com um horizonte apenas de médio prazo,

planos decenais costumam também ser re-

gularmente elaborados pelo MME e o últi-

Page 33: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

32

mo disponível é o Plano Decenal de Energia –

PDE 2024, divulgado em 2015 para o período

2015-24. Nas considerações abaixo se utiliza-

rá o Plano 2030 como referência geral inicial,

mas ajustando suas hipóteses, diante das pro-

jeções mais recentes do PDE 2024.

Em sua visão de futuro, como já assinalado,

o MME propunha que se alcançasse em 2030

uma participação de cerca de 46,6% de fon-

tes renováveis no abastecimento energéti-

co do país e de 3% da energia nuclear. Nes-

se sentido, trabalhou-se com um aumento

expressivo de participação dos produtos da

cana e das novas renováveis que compensas-

sem uma pequena redução na participação

da hidreletricidade e uma forte redução da le-

nha e do carvão vegetal. Acompanhando es-

sas mudanças, supunha-se ainda uma forte

expansão do gás natural.

A Tabela 3.5 apresenta a estrutura percentual

da oferta preconizada pelo Plano para o ano

40 Indicado no Plano 2030 como Cenário B1; o crescimento médio anual do consumo de energia, entre 2005 e 2030, nos quatro cenários esboçados no Plano foram 4,3% (Cenário A), 3,6% (Cenário B1), 3,1% (Cenário B2) e 2,5% (Cenário C) correspondentes a diferentes hipóteses macroeconômicas.

41 Nos estudos preliminares divulgados para o Plano 2050, a EPE já trabalha com hipóteses inferiores às do plano 2030 para o crescimento do PIB no período inicial, assim de 2015 a 2021 os cenários deverão considerar a faixa de 1,8% a 2,3% ao ano para 2015-2020, todavia para 2021-2030 o crescimento já subiria para a faixa de 3,6% a 4,0%, e para os períodos seguintes, fora do horizonte do Plano 2030, de 3,3% a 3,8% em 2031-2049 e 3,1% a 3,6% em 2041-2050.

de 2030, a partir de 2005, ano base usado

como referência; no cenário básico40 traba-

lhou-se com uma expectativa de crescimen-

to do PIB de 4,1% ao ano e um corresponden-

te crescimento da oferta de energia a 3,6%

ao ano. Com essas expectativas se chegaria a

2030 com uma oferta per capita de 2,33 tep e

de 0,262 tep/ mil US$ de PIB.

No que se refere à energia renovável, o Pla-

no 2030 se caracteriza por uma expressiva

expectativa de aumento tanto da produção

de biodiesel como da produção de álcool da

cana de açúcar. No caso do bagaço da cana,

o Plano previa não apenas sua utilização para

queima na geração de calor e de eletricidade,

mas também uma progressiva transformação

de parcelas do mesmo em etanol através de

novas tecnologias em desenvolvimento.41

FORMA DE ENERGIA 2005 2030

Lenha e Carvão Vegetal 13,0 5,5

Hidreletricidade 14,8 13,5

Produtos da Cana 13,8 18,5

Outras Renováveis 2,9 9,1

Urânio 1,2 3,0

Carvão Mineral 6,3 6,9

Gás Natural41 9,4 15,5

Petróleo e Derivados 38,7 28,0

Total (milhões de tep) 220,6 555,7

TABELA 3.5 – ESTRUTURA DA OFERTA DE ENERGIA NO BRASIL - CENÁRIO BASE (B1) DO PLANO 2030 (%)

Fonte: “Plano 2030”

Page 34: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

33

A estrutura de abastecimento almejada pelo

Plano 2030 teria assim petróleo e derivados

com 28,0%, e gás natural com 15,5%. Na soma,

43,5%, um pouco menos que os 48,1% de

2005, ano base do plano, e bem menos que os

52,9% constatados em 2014. Completando os

combustíveis fósseis, o plano trabalhou com o

carvão mineral alcançando um percentual de

6,9%, ligeiramente maior que os 6,3% do ano

base e que os 5,7% constatados em 2014. A

participação total de combustíveis fósseis se-

ria assim de 50,4% no ano 2030

Entre os combustíveis fósseis, a mudança es-

trutural mais expressiva prevista para o pe-

ríodo 2005-30 seria a forte ampliação da

participação do gás natural, com uma dispo-

nibilização para o mercado consumidor em

2030 de 257 milhões de m3 (sendo 72 mi-

lhões importados) bastante acima dos 51 mi-

lhões de m3 utilizados em 2014. No caso da

importação, o plano trabalhou com um au-

mento da compra de gás natural liquefeito

(GNL). Na produção interna, esperava-se um

forte crescimento que exigiria uma expansão

de 12% ao ano entre os 32 milhões disponibili-

zados internamente em 2014 e os 195 milhões

desejados em 2030.

Quanto à produção de eletricidade, o Plano

2030 trabalhou com a hipótese de se alcan-

çar 2030 com uma estrutura ainda predo-

minantemente hidrelétrica, embora mais di-

versificada que a dos dias atuais. Com uma

menor expansão da capacidade instalada hi-

drelétrica no período, o país deveria incluir

em sua matriz elétrica uma ampliação da

participação de diversas outras fontes de

42 Um exemplo claro dessas dificuldades pode ser visto no caso do projeto da usina São Luiz do Tapajós, talvez o maior projeto em exame no país, que teria uma capacidade de 8.040 MW mas afetaria a aldeia de Sawré Muybu onde vivem cerca de 260 índios do grupo Munduruku, e cuja licença ambiental foi negada.

43 Apenas para referência, em 2015, segundo dados do Balanço Energético Nacional 2016, foram instalados cerca de 6,9 GW adicionais de capacidade no país, dos quais 2,7 em eólicas e apenas 2,3 em usinas hidrelétricas.

44 A adição dos óleos vegetais ao diesel, incialmente autorizada por medida provisória em 2004 e convertida em lei em 2005, passou a ser mandatória em 2008, inicialmente na proporção de 2% na mistura, depois de 5% e a partir de novembro de 2014 em 7%.

geração, como o gás natural, a energia nu-

clear e o bagaço de cana, e até mesmo do

carvão mineral e ainda um pequeno aumen-

to das eólicas.

Ainda assim, nessa hipótese, a participa-

ção da hidreletricidade passaria de 14,8% de

2005, ano base do plano para cerca de 13,5%

em 2030. Cabe lembrar que, conforme ante-

riormente assinalado, os 11,5% verificados em

2014 para a energia hidrelétrica foi fruto de

uma situação atípica, valor que por si mes-

mo não traz impactos sobre essa projeção.

As maiores dúvidas quanto à viabilidade des-

sa meta se referem mais às dificuldades que

têm sido criadas pelos movimentos ambien-

talistas e órgão judiciários para a construção

das novas usinas42. Partindo-se de hoje, para

alcançá-la, considerando os 86 GW já insta-

lados em 2015, seria necessário a implanta-

ção da ordem de mais 70 MW em novas usi-

nas até 203043.

Para a energia renovável, alterações relevan-

tes eram esperadas no uso do biodiesel; pelo

Plano 2030 os 2% iniciais (atualmente44 já são

7% e mandatórios) de biodiesel na mistura

passariam com o tempo para 12%; além disso,

por uma outra rota tecnológica, algumas refi-

narias deveriam se utilizar do chamado H-Bio,

ou seja, do uso de até 10% de óleos vegetais

misturados diretamente nas refinarias na pro-

dução de diesel, em unidades de hidrotrata-

mento, medidas essas que amenizariam a for-

te dependência de diesel do petróleo no país

e as pressões que essa situação provoca so-

bre a estrutura de refino.

Page 35: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

34

Examinando-se agora o nível do consumo de

energia final, a estrutura de consumo conside-

rando as diversas formas de energia evoluiria

45 A versão preliminar dos estudos de demanda do Plano 2050 já publicados indicam uma diferente estrutura de consumo prevista para o ano de 2030: 41,8% derivados de petróleo; 19,8% eletricidade, 16,2% produtos da cana, 8,0% gás natural, 5,1% carvão mineral, 5,7% lenha e carvão vegetal, 19,8% de outras fontes primárias.

entre 2005 e 2030, no cenário de referência

B1, conforme a Tabela 3.6 abaixo45.

Como costuma acontecer com todo plane-

jamento a longo prazo, o futuro tende a tra-

zer surpresas que alteram o panorama pre-

visto, particularmente naqueles aspectos

diretamente dependentes dos preços inter-

nacionais, como o do petróleo, e/ou da evo-

lução tecnológica, que costuma atingir as

novas formas renováveis de energia. Decorri-

dos quase dez anos da elaboração do Plano

2030, diversos desenvolvimentos ocorridos

nesse meio tempo afetaram as expectativas

iniciais do plano e cujas correções têm sido

incorporadas nos planos decenais, embora

com um horizonte de planejamento menor.

46 A principal fonte de biodiesel no Brasil tem sido a soja, secundada pelo sebo de gado; outras oleaginosas têm sido também usadas, mas em proporção muito menor.

No caso do biodiesel46, a regulamentação edi-

tada posteriormente não incluiu como man-

datória a rota do H-bio, o que, desse modo,

não foi implementada. Embora existindo refi-

narias habilitadas para esse tratamento, com

a queda dos preços do petróleo, o litro do

óleo vegetal ficou mais caro que o do diesel,

tornando a adoção do H-bio antieconômica.

Também na época da elaboração do Plano

2030, os custos da geração eólica e da gera-

ção solar não pareciam justificar uma grande

ampliação em seu uso. Todavia, já em 2014,

a energia eólica se mostrou competitiva e a

energia solar sinalizou possíveis reduções fu-

FORMA DE ENERGIA 2005 2030

Derivados de Petróleo 40,5 36,0

Eletricidade 18,9 21,6

Produtos da Cana 12,2 15,0

Gás Natural 5,7 8,1

Carvão Mineral 6,0 6,5

Lenha e Carvão Vegetal 14,2 6,3

Biodiesel - 3,8

Outros 3,2 3,2

Total (milhões de tep) 165,1 402,8

TABELA 3.6 – ESTRUTURA D0 CONSUMO FINAL DE ENERGIA NO BRASIL - CENÁRIO BASE (B1) DO PLANO 2030 (%)

Fonte: “Plano 2030”

Page 36: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

35

turas de custo. Assim, no Plano Decenal 2024,

essas expectativas foram revistas e, embora

com hipóteses possivelmente ainda um pou-

co conservadoras, incorporou-se no planeja-

mento para o setor elétrico uma participação

bem mais expressiva das mesmas.

Desse modo, embora no PDE 2024 as proje-

ções globais para a estrutura da matriz ener-

gética tenham se mantido similares às do Pla-

no 2030 para os grandes agregados, elas se

diferenciaram principalmente nas expectati-

vas quanto às novas formas renováveis. Traba-

lhando em um horizonte menor, as hipóteses

do PDE 2024, para a oferta interna de ener-

gia, conduziram assim a estrutura da oferta

de energia apontada na Tabela 3.7 em compa-

ração com os valores já constatados em 2014.

FORMA DE ENERGIA 2015 2024

Lenha e Carvão Vegetal 7,5 6,9

Hidreletricidade 13,5 13,3

Produtos da Cana 16,8 16,9

Outras Renováveis 4,8 8,1

Urânio 1,3 1,7

Carvão Mineral 6,0 5,8

Gás Natural 11,3 11,8

Petróleo e Derivados 38,2 34,9

Outras Não Renováveis 0,6 0,7

TOTAL (mil tep) 306.198 412.162

TABELA 3.7 – ESTRUTURA DA OFERTA INTERNA DE ENERGIA PREVISTA NO PDE 2024 (%)

Fonte: PDE 2023

Enquanto que no planejamento de longo pra-

zo se previa para as “Outras Renováveis” uma

participação de cerca de 9,1 % em 2030, na qual

teriam um papel expressivo na adoção de bio-

diesel ao diesel de petróleo, assim como a ado-

ção da rota tecnológica do H-bio, agora para

um horizonte mais curto, 2024, a expectativa

para esse conjunto de fontes é ainda similar, de

cerca de 8,1%, mas onde apenas 1% correspon-

de ao uso do biodiesel. Nos novos cenários as

novas formas limpas de geração elétrica, eólica

e solar, vieram a compensar um pouco a redu-

ção dos valores anteriormente planejados para

o biodiesel, quanto à presença da energia reno-

vável na matriz.

Page 37: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

36

FORMA DE ENERGIADEZ 2014 DEZ 2024

(MW) (%) (MW) (%)

Hidreletricidade1 89.789 67,6 116.972 56,7

PCH 5.480 4,1 7.445 3,6

Eólica 5.000 3,8 24.000 11,6

Solar - - 7.000 3,4

Biomassa 11.000 8,3 18.000 8,7

Urânio 1.990 1,5 3.395 1,6

Carvão Mineral 3.064 2,3 3.404 1,7

Gás Natural 11.043 8,3 21.219 10,3

Derivados de Petróleo 4.825 3,6 4.325 2,1

Gás de Processo 687 0,5 687 0,3

TOTAL 132.878 100,0 206.447 100,0

TABELA 3.8 – PROJEÇÃO DA EXPANSÃO DA CAPACIDADE INSTALADA NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

Fonte: Plano Decenal de Energia 2015-2024 (EPE/MME)1 De maneira simplificada o PDE incluiu nesse números a parcela paraguaia de Itaipu.

O PDE 2024 incorporou assim a perspectiva

de um rápido crescimento da geração eóli-

ca e um modesto, mas inicial crescimento da

geração solar, trabalhando com uma possível

capacidade instalada em 2024 de cerca de

47 Cabe assinalar que no plano decenal anterior, no PDE 2023, a expectativa era de se chegar a 2023 com cerca de 3.500 MW instalados de energia solar e que nesse novo documento já se trabalha com 7.000 MW em 2024, refletindo as enormes e rápidas mudanças que vêm ocorrendo no que se refere a essa fonte.

24 GW em usinas eólicas e de 7 GW em uni-

dades solares fotovoltaicas47, conforme pode

ser visto na Tabela 3.8 que apresenta as pro-

jeções do mesmo para a expansão do setor

elétrico brasileiro.

No período 2015-24, embora a participação

da hidreletricidade venha a cair, ainda assim

está prevista a instalação de cerca de 28 GW

em novos grandes projetos, além de mais 2

GW em pequenas usinas (PCH), sendo que

mais de 20 GW em projetos hidrelétricos de

maior porte já estão contratados nos leilões

anteriormente realizados, incluindo a UHE

Belo Monte (11 GW) que iniciou suas opera-

ções em 2016. Entre os novos projetos a se-

rem contratados estavam previstas as gran-

des usinas no Rio Tapajós, a UHE S. Luiz do

Tapajós com 8 GW e a UHE Jatobá com 2,3

GW, que deveriam iniciar suas operações nos

últimos anos do período (mas hoje são objeto

de contestação inclusive judicial).

A expansão hidrelétrica deveria também com-

pensar uma redução na oferta interna oriunda

da UHE Itaipu em função do aumento do con-

Page 38: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

37

sumo no Paraguai no período, o que deverá

causar uma redução de cerca de 1,5 GW das

importações do Paraguai. São ainda aponta-

dos no PDE 2024, possibilidades outras de

importação de eletricidade a partir de outros

países da América do Sul, mas nenhuma delas

foi efetivamente contabilizada. Entre as alter-

nativas indicadas estão a construção de usi-

nas binacionais com a Argentina e com a Bo-

lívia, além de possíveis projetos hidrelétricos

na Bolívia, Peru e nas Guianas, que poderiam

redundar em novas importações para o país.

Cabe ainda comentar que o Tratado de Itai-

pu entre Brasil e Paraguai vence no ano 2023,

no final do corrente PDE, e cuja renovação in-

troduz alguns elementos de incerteza a serem

enfrentados, e que não foram discutidos no

plano; apenas como referência no documento

anterior, PDE 2023, dos 7.000 MW de capaci-

dade da parcela paraguaia, imaginava-se que

estariam sendo ainda importados para o Bra-

sil cerca de 4.700 em 2023.

O PDE 2024 inclui ainda em seu planejamen-

to da expansão no período a adição líquida de

cerca de 10,0 GW de usinas termelétricas, re-

sultado de 10,1 GW de novas usinas a gás natu-

ral (com a observação de que dependendo das

condições de suprimento poderiam ser subs-

tituídas por outras térmicas, inclusive por uni-

dades a carvão mineral), e de 0,4 GW de car-

vão mineral e pela redução de cerca de 0,5 GW

em unidades a óleo diesel e óleo combustível.

Também, uma nova usina nuclear, Angra III de

1.405 MW está prevista para o ano de 2018.

No esforço de preservação da participação

de renováveis, o PDE 2024, trabalhou com a

hipótese da entrada no setor elétrico de cer-

ca de 35,0 GW das fontes renováveis conside-

radas alternativas (incluindo as PCH). Nesse

sentido o plano trabalha com um aumento de

cerca de 2,0 GW em PCHs, 7,0 GW de ener-

gia solar fotovoltaica, 7,0 GW em Biomassa e

19,0 GW de usinas eólicas, sendo essas últi-

mas, claramente, a maior novidade no pano-

rama energético do país no período.

A introdução em escala dessas novas formas

no setor elétrico, além de preservar o nível

de geração renovável, traz ainda impactos

positivos de caráter industrial e tecnológico.

O crescimento da geração eólica propiciou

um importante desenvolvimento industrial

de tal modo que o Brasil tornou-se inclusive

em um hub industrial na área para o resto da

América Latina. É possível que, com a ener-

gia solar, algo similar venha a se desenvolver.

Ainda assim, o desenvolvimento tecnológico

conexo ainda é um desafio importante a ser

enfrentado e impulsionado.

Essas questões todavia não foram abordadas

no planejamento, assim como não foi discuti-

do como essas unidades geradoras de caráter

intermitentes serão incorporadas ao sistema e

balanceadas. A medida que sua participação

aumenta, cuidados especiais se tornam ne-

cessários não apenas de caráter técnico ope-

racional, mas também em relação à estrutu-

ra do parque gerador e o papel das diversas

fontes. Em princípio a presença de usinas hi-

drelétricas deverá ajudar já que estas têm ca-

pacidade não só de armazenamento como de

variar a geração no atendimento à carga. Fa-

cilidade de acompanhar a carga costuma ser

característica também das usinas termelétri-

cas a gás natural, mas dependendo se seus

contratos de compra de gás assim o permi-

tirem. Uma situação dessas parece favorecer

o uso de mais geração nuclear e térmica na

base, enquanto que as usinas hidrelétricas re-

forçam o atendimento nas horas de ponta e

nos horários em que as usinas eólicas e sola-

res não puderem gerar.

Complicando ainda essa discussão está o fato

de que a capacidade de armazenamento das

Page 39: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

38

usinas hidrelétricas no Brasil está se redu-

zindo em termos relativos; o documento de

planejamento anterior, o PDE 2023, já avisa-

va que para um crescimento de cerca de 29%

da capacidade hidrelétrica instalada espera-

va-se um aumento de apenas 2% na capaci-

dade global de armazenamento do sistema.

Isto porque, por pressões dos movimentos

ambientalistas, as novas usinas que se situam,

principalmente, na região amazônica estão

sendo construídas quase sem reservatórios,

como usinas “a fio d’água”, para evitar o ala-

gamento das regiões em seu entorno.

Uma possível alternativa complementar, para

compensar a intermitência de algumas fontes

e a redução geral da capacidade de armaze-

namento das hidrelétricas, que está começan-

do a ser estudada e ainda não se tem clareza

quanto a sua viabilidade e escala, é a constru-

ção de usinas reversíveis com pequenos re-

servatórios que possam bombear água para

esses reservatórios nos horários de baixo con-

sumo, para gerar energia depois, em outros

horários, quando necessário.

Embora os custos sistêmicos provocados pe-

las usinas renováveis quando em disputa com

a geração térmica nos leilões, tenham sido le-

vados parcialmente em conta através de in-

dicadores custo-benefício (como é discutido

em detalhe no Capitulo 5), esses indicadores

ainda precisam ser aprimorados e o debate

sobre a composição do parque gerador preci-

sa se aprofundar.

Também no PDE 2024, como no Plano 2030,

as questões sobre a produção local de gás na-

tural ainda envolvem um grau elevado de in-

certezas. Como grande parte da produção de

gás no país está prevista para se efetuar na re-

gião do pre-sal, ainda não está claro quais po-

dem ser seus custos e competitividade quan-

do trazidos para a costa. Essa questão se casa

com a da composição do parque gerador elé-

trico e necessitará também ser melhor escla-

recida. O plano trabalha ainda com um cres-

cimento expressivo das importações de GNL.

Para concluir, cabem alguns comentários fi-

nais sobre o PDE 2024 em relação ao docu-

mento anterior, PDE 2023, e a forte mudança

nos cenários, agora já em 2016 com a van-

tagem do “olhar para trás”, no que tange às

expectativas anteriores de crescimento hoje

bastante afetadas pela crise político-econô-

mica que o país vem atravessando.

Enquanto que o PDE 2023 havia sido elabora-

do com base em uma hipótese de crescimen-

to do consumo de energia no período, a uma

taxa média anual de 3,7%, o PDE 2024 reduziu

essa hipótese para uma taxa média anual de

2,9%, acompanhando as hipótese de cresci-

mento do PIB adotadas em cada caso confor-

me a Tabela 3.9 a seguir. Para o consumo de

energia elétrica manteve-se taxas decenais

bastante similares em ambos os planejamen-

tos, mesmo tendo se reduzindo a expectati-

va de crescimento do PIB do PDE 2023 para

o PDE 2024.

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PDE 2024

(% a.a.) 2014-2019 2019-2024 2014-2024

PIB 1,8 4,5 3,2

Oferta Interna de Energia 1,9 3,6 2,7

Oferta Interna de Eletricidade 3,4 4,9 4,2

PDE 2023

(%a.a.) 2013-2018 2018-2023 2013-2023

PIB 4,1 4,5 4,3

Oferta Interna de Energia 4,3 3,1 3,7

Oferta Interna de Eletricidade 4,9 3,8 4,4

TABELA 3.9 – CENÁRIOS DE CRESCIMENTO DO PIB E DO CONSUMO DE ENERGIA

Fonte: PDE 2024 e PDE 2023

Com a visão de hoje, sabe-se que o crescimen-

to do PIB em 2014 foi de apenas 0,1%, em 2015,

negativo de -3,8%, que em 2016 espera-se

nova queda de -3,2% e apenas em 2017 alguma

recuperação com um crescimento de 1,3%48, e

o quinquênio 2015-2019 poderá ter como taxa

média de crescimento econômico anual um

valor inferior a 1%, ou mesmo negativo.

Como o crescimento energético tem alguma

resiliência em relação às oscilações da econo-

mia, o crescimento observado da oferta em

2014 foi ainda de cerca de 3,1% e o de ener-

gia elétrica 3,2%; já em 2015 ambas as taxas

caíram, tendo a oferta de energia no país va-

riado cerca de -2,1% e o consumo de ener-

48 Previsões do mercado segundo “Focus – Relatório de Mercado” de Setembro de 2016, Banco Central do Brasil.

49 Balanço Mensal de Energia – junho de 2016, N3E/SPE/MME.

gia elétrica em -1,8%. Em 2016, esses valo-

res continuam negativos, segundo dados do

MME49, sendo que, até junho de 2016, em re-

lação a igual período do ano anterior, a ofer-

ta de energia e o consumo de eletricidade, va-

riaram a taxas, respectivamente, de -2,8% e

de -1,9%, prevendo-se que o consumo de ele-

tricidade do ano de 2016 fique em uma taxa

de cerca de -1,8%. É curioso assinalar que en-

quanto o consumo de energia elétrica conti-

nuou caindo, a carga do sistema no mesmo

período (até junho) cresceu cerca de 0,6%, in-

dicando um aumento significativo das perdas

comerciais, fruto provável das dificuldades

trazidas pela crise econômica.

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Com essas mudanças de cenário, mesmo que

elas não afetem diretamente a estrutura futu-

ra da oferta de energia e a entrada das novas

energias renováveis, elas estão afeando o ritmo

da entrada dessas novas usinas e pode-se infe-

rir que os valores projetados pelo Plano 2024

e aqui apresentados deverão no mínimo so-

frer um significativo adiamento, exigindo, des-

sa forma, alguns cuidados em sua observação.

Comunicação recente da EPE avisa que, da-

das às mudanças recentes nos patamares de

consumo, o Plano 2025 que estava em elabo-

ração foi abandonado e apenas em 2017 será

apresentado o novo plano decenal.

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41

EVOLUÇÃO RECENTE E PANORAMA ATUAL DO MODELO INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

TRANSFORMAÇÕES NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

Introdução e Antecedentes

O modelo institucional do setor elétrico bra-

sileiro passou por profundas mudanças desde

o final do século passado e continua ainda em

um processo de transformações. As caracte-

rísticas particulares desse setor no país, prin-

cipalmente o predomínio da hidroeletricidade,

o diferenciam da maioria dos sistemas encon-

trados no mundo, onde a presença de energia

renovável é percentualmente menor, com me-

nor interdependência entre as usinas e menos

influenciado por fatores climáticos em sua ca-

pacidade de suprimento.

Alguns dos problemas institucionais que ne-

cessitam hoje ser enfrentados por países que

procuram reduzir o uso de combustíveis fós-

seis e, para isso, ampliar de forma significativa

a presença de fontes renováveis em suas matri-

zes elétricas, encontram similaridades em mui-

tas das dificuldades encontradas no desenvol-

vimento dos desenhos regulatórios no Brasil,

o que torna o caso brasileiro paradigmático e

seus erros e acertos oferecem lições importan-

tes sobre como lidar com a predominância de

fontes renováveis em uma matriz elétrica.

Antes de se discutir em detalhes (o que é feito

no Capitulo seguinte) o processo adotado no

Brasil para a promoção das novas renováveis

cabe observar resumidamente o enquadra-

mento setorial vigente no país e sua evolução

recente, historicamente voltado para a promo-

ção da geração hidrelétrica.

Deve-se assinalar que nas duas últimas déca-

das do século XX mudanças em geral na for-

ma de organização do setor elétrico se disse-

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minaram no mundo, a partir de experiências

pioneiras no Chile e no Reino Unido, que al-

cançaram também o Brasil alterando radical-

mente sua estrutura institucional e onde cujas

respostas tiveram que lidar com o desafio de

compatibilizar essas mudanças com um siste-

ma de geração hidrelétrico.

Estas alterações tiveram em comum a bus-

ca da introdução de elementos de concorrên-

cia em setores antes totalmente regulados e,

quando estatizado, a transferência total ou

parcial da propriedade das empresas do Es-

tado para o setor privado.

No mundo, os preços da energia em geral sofre-

ram fortes impactos com as crises do petróleo

dos anos 1970. Assim, nos países desenvolvi-

dos, elevados preços da eletricidade, motiva-

ram diversos grupos de interesse dos consumi-

dores a pressionarem por uma maior eficiência,

o que estimulou e facilitou a realização de refor-

mas setoriais naqueles países, mesmo com al-

guma resistência das empresas instaladas.

No Brasil, todavia, não obstante os fortíssimos

impactos dos aumentos dos preços do petró-

leo, vivia-se no setor elétrico uma situação di-

versa, já que seus preços eram artificialmente

contidos por uma política que priorizava o con-

trole da inflação a qualquer custo e as empre-

sas, em sua maioria estatais, não tinham muita

margem de manobra. A geração e a transmis-

são estavam majoritariamente sob controle do

governo federal através da Eletrobras50, acom-

panhada por umas poucas empresas estaduais

verticalizadas fortes. A maior parte das em-

50 Empresa holding estatal federal, controladora de empresas de geração regionais, distribuidoras estaduais e da geradora nuclear além de 50% da usina binacional Itaipu.

51 Como indicava o processo do “Revise – Revisão Institucional do Setor Elétrico”, vide Comitê Executivo do Revise (1989).

52 Pela edição da Lei 8631/93, conhecida como Lei Eliseu Resende, que alterou a legislação tarifária e promoveu o equilíbrio econômico-financeiro do setor, logo seguida pelos primeiros trabalhos de preparação de processo de privatização, conduzidos pelo BNDES.

53 Sobre a evolução histórica do setor elétrico brasileiro vide J. L. Lima, “Políticas de Governo e Desenvolvimento do Setor de Energia Elétrica do Código de Águas à Crise dos Anos 80 (1934-1984)”, Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1995 e R. A. Medeiros, “O Capital Privado na Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro”, Tese de Mestrado, COPPE, UFRJ, Rio de Janeiro, 1993.

presas de distribuição eram estatais estaduais.

Com a compressão tarifaria imposta pelo go-

verno federal, as empresas estaduais, sem re-

cursos, não pagavam os custos da geração à

Eletrobras que, também sem recursos, não pa-

gava seus impostos e recorria ao Tesouro Na-

cional para fechar suas contas.

Nesse contexto de inadimplências e mesmo

sem pressões diretas dos consumidores, o an-

seio por mudanças no país vinha de dentro do

próprio setor51, diante da situação de desorga-

nização financeira dos anos 80.

Somando-se a uma tendência mimética a re-

produzir aqui aquilo que vai acontecendo nos

centros mais desenvolvidos, as maiores forças

motivadoras das transformações setoriais lo-

cais foram então a necessidade de reformu-

lação do papel do Estado e de obtenção de

uma maior eficiência alocativa e gerencial no

setor elétrico, e do alcance e preservação de

seu equilíbrio econômico-financeiro.

Processo Inicial de Transformações Setoriais

Em um processo que pode-se marcar como

tendo início no ano de 199352, o quadro insti-

tucional então vigente, hierárquico, predomi-

nantemente estatal e regulado nominalmen-

te pelo custo do serviço, começou a mudar53.

As “regras do jogo” do setor no país come-

çaram a ser modificadas, ao mesmo tempo

em que novos atores privados vieram a as-

sumir o controle de parcela significativa das

empresas de energia elétrica, alterando-se, si-

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43

multaneamente, a natureza dos agentes em-

presariais pelo processo de privatização e de

retirada (temporária) do Estado dos investi-

mentos na expansão e o desenho do quadro

regulador com crescimento do papel da com-

petição e do mercado.

O modelo histórico de regulamentação de

preços no Brasil e que havia sido adotado

na maior parte do século XX, reproduzindo

o padrão dos princípios gerais no mundo na

época, era o de regulamentação pelo custo-

-do-serviço, pelo qual somando-se todos os

custos incorridos em todos os segmentos da

geração à comercialização final, desde que

fossem considerados justos, e utilizando-se

uma remuneração predeterminada para o ca-

pital, chegava-se à tarifa final a ser fixada.

Na verdade, esse processo estabelecia, na

pratica, na melhor das hipóteses, quando

não discricionariamente aplicado, um padrão

de discussão entre o regulador e a empresa

para que se conseguisse chegar a algum va-

lor próximo da remuneração requerida diante

dos custos reais da empresa. Com um regula-

dor precariamente estruturado e abrigado di-

retamente na burocracia do governo federal,

diante da inevitável assimetria de informações

entre regulador e empresas, e considerando

ainda que o preço que se procurava estabele-

cer valeria para um período futuro que embo-

ra próximo estava eivado de incertezas, não

se tinha como se ter resultados precisos.

Apesar da falta de estímulos econômicos que

promovessem a eficiência e ganhos de produ-

tividade, o sistema tinha a vantagem de ga-

rantir que os novos investimentos na expan-

são do setor seriam incluídos na base usada

para cálculo tarifário e, portanto remunerados

a contento, funcionando como estímulo à ex-

pansão (no limite, como estímulo à formação

de capacidade ociosa excedente).

Teoricamente, apesar de seus problemas o

método funcionou por algum tempo e poderia

ter continuado a funcionar por um longo pe-

ríodo. Na prática, porém, foi progressivamen-

te desrespeitado, com a tarifa historicamente

usada como instrumento (de curto prazo) de

combate à inflação, criando problemas graves

quanto à expansão do setor a longo prazo,

só não agravados por que a natureza estatal

das empresas fazia com que as mesmas con-

tinuassem a investir, mesmo com uma rentabi-

lidade duvidosa e grandes riscos regulatórios.

As pré-condições para a reforma institucional

do setor elétrico brasileiro foram estabeleci-

das em 1933 pela Lei 8.631/93, que, além de

promover o equilíbrio financeiro setorial, indi-

vidualizou as tarifas anteriormente equaliza-

das em todo o país e introduziu fórmula pa-

ramétrica para regular o processo de reajuste

tarifário. São também desta fase inicial os pri-

meiros esforços para a montagem de projetos

conjuntos de geração entre empresas estatais

e a iniciativa privada, que envolveram a cons-

trução das usinas hidrelétricas de Itá, pela Ele-

trosul e de Serra da Mesa, por Furnas, mesmo

com todas as limitações do quadro regulador

então vigente.

É ainda daquele ano a primeira tentativa de

viabilização do conceito do livre acesso às

redes de transmissão, através do Decreto

1.009/93 que abriu o acesso ao sistema de

transmissão do Sistema Eletrobrás à auto-

produtores e concessionárias em geral, sem

grandes consequências práticas pela falta de

um quadro regulador mais amplo.

O processo de mudanças vai, todavia, ter seu

marco radical de ruptura estabelecido pela le-

gislação mais geral representada pelas cha-

madas Leis das Concessões que regulavam

dispositivos da Constituição de 1988, de modo

a colocá-los em vigor. Com a primeira delas, a

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44

Lei 8.987/95, a obrigatoriedade da realização

de licitações, basicamente pelo menor pre-

ço de venda de energia ou pelo maior valor

pago à União, para a outorga de concessões

de serviços públicos, introduziu uma dimen-

são competitiva nesta outorga.

Por aquela primeira lei, a tarifa dos serviços

públicos concedidos passava a ser regida pelo

preço fixado na proposta vencedora da licita-

ção e suas regras de revisão deveriam ser de-

terminadas pela legislação, pelo edital e pelo

contrato de concessão do qual, junto com o

preço, eram cláusula essencial. Desse modo,

toda a legislação anterior baseada no custo do

serviço não mais tinha que ser obedecida para

qualquer tipo de concessão nova licitada.

Na segunda Lei das Concessões, a Lei 9.074/95,

explicitou-se que também o aproveitamento

energético dos cursos de água (concessões

de bens públicos) estava sujeito às licitações

para sua concessão, nos termos de ambas as

leis, alterando de vez a antiga forma de dis-

tribuição das mesmas entre as empresas esta-

tais. Também esta lei formalizou a situação dos

produtores independentes de energia com re-

gras operacionais e comerciais próprias, cujos

preços de venda ficavam sujeitos a critérios

gerais a serem fixados pelo poder concedente.

Ainda a Lei 9.074/95, separava a rede de

transmissão considerada como rede básica,

sujeita a concessões específicas, com pre-

ços próprios, dos demais elementos de rede,

englobados ou nas concessões de geração

ou nas de distribuição e remunerados junto

com as mesmas.

Note-se que esta legislação, embora acompa-

nhada com ansiedade pelas empresas do se-

tor, não teve sua aprovação envolvida em uma

discussão aberta e completa do novo marco

regulador, mesmo que baseadas em dispositi-

vo constitucional. Apesar de suas consequên-

cias terem sido bastante profundas, seu de-

bate ficou restrito apenas aos seus impactos

mais imediatos, sem uma visão mais abran-

gente de longo prazo e nem todo os pon-

tos relevantes foram amplamente explorados.

Por exemplo, a adoção de concessões tem-

porais no setor elétrico, com prazos preesta-

belecidos, não é uma solução universalmen-

te adotada para todos os seus segmentos e

não passou por questionamentos específi-

cos na época da aprovação dessa legislação.

Também, em muitos países, uma empresa dis-

tribuidora só tem sua concessão cassada em

caso de mal atendimento, outrossim ela con-

tinua servindo sem prazos definidos.

Além dessas mudanças estruturais, como o

processo de concessão de novas licitações

que passou a ser aberto e disputado pelos

agentes privados, o governo optou ainda por

afastar suas empresas da expansão e pode-

-se dizer que, com elas, além da introdução

da competição, a expansão da geração foi de-

legada indiretamente ao setor privado.

Ainda em 1995, iniciou-se o processo de pri-

vatização das empresas federais pelas distri-

buidoras, com a venda da Escelsa no Estado

do Espírito Santo, seguida, mais tarde, pela

venda da Light no Estado do Rio de Janeiro.

Na falta de definições legais para as regras do

setor, os editais e contratos de concessão ti-

veram que servir de instrumentos para balizar

esse processo.

Com as duas Leis das Concessões, caiu em

grande parte toda a sistemática de regula-

mentação pelo custo do serviço, gerando um

vácuo legal e regulatório cuja necessidade

de rápido preenchimento se fazia sentir, tor-

nando ainda mais indispensável uma reorga-

nização institucional, espaço que, em projeto

contratado pela Secretaria de Energia do Mi-

nistério de Minas e Energia (SE/MME), a Coo-

pers & Lybrand (C&L) procurou parcialmente

Page 46: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

45

ocupar, ajudando a desenhar as linhas mes-

tras da mudança que já havia sido iniciada.

Mesmo que a proposta da C&L não tenha

passado, como deveria, por um necessário

processo amplo e efetivo de debates, nego-

ciação e ajustes entre os agentes setoriais54,

ela teve o mérito de fornecer uma diretriz

para as iniciativas do novo agente regulador

que havia sido simultaneamente criado55, a

ANEEL, e para a Lei 9.648/9856 que criou

as condições mínimas para a operacionali-

zação desse novo modelo, dando origem à

formação do Operador Nacional do Sistema

(ONS), governando a operação do sistema

e do Mercado Atacadista de Energia (MAE),

contabilizando e liquidando os fluxos finan-

ceiros entre as empresas.

A característica fortemente hidrelétrica do

sistema brasileiro e com um potencial dispo-

nível para expansão desta fonte, de pelo me-

nos, da mesma ordem de grandeza da capa-

cidade já instalada, fez com que a montagem

desse modelo obedecesse características

próprias, bastante diferenciadas dos modelos

internacionais, tanto por razões operacionais

como pelas necessidades de expansão.

A nível operacional, esta situação específica

brasileira foi plenamente considerada com a

criação e papel central definido para o ONS já

que um parque hidrotérmico exige uma ope-

ração integrada, com uma significativa inter-

venção de um agente coordenador, capaz de

gerenciar todas as externalidades inerentes

ao processo, incluindo suas consequências em

termos de preço da energia hidrelétrica.

54 A elaboração da proposta pela C&L foi de fato acompanhada por um grande grupo de técnicos do setor que foram reunidos diversas vezes no MME, mas que não se envolveram de fato no processo decisório, além do que as direções das empresas e instituições do setor não foram formal e regulamente consultadas.

55 Pela lei 9.427/96, cuja elaboração também antecedeu a conclusão do próprio estudo da Coopers&Lybrand.

56 Pode-se dizer que o projeto da C&L mesmo sem ter sido formalmente invocado como base desta nova lei, era a única referência detalhada disponível na época e cujas discussões haviam sido acompanhadas por grande parte do quadro técnico do setor na época envolvido na discussão de sua legislação.

Desse modo, cada usina individualmente rece-

beu um direito de geração firme (energia asse-

gurada) que ela pode comercializar, conforme

sua contribuição para o sistema como um todo,

identificada por modelos analíticos. E para que

se fizesse possível se manter a operação otimi-

zada em seu conjunto e não em função do inte-

resse individual das usinas, criou-se ainda o Me-

canismo de Relocação de Energia (MRE), pelo

qual a energia gerada pelas usinas que geraram

mais é redistribuída contabilmente para as de-

mais que geraram menos em função das de-

cisões centralizadas, contra apenas um paga-

mento por parte destas últimas de uma tarifa

de otimização capaz de cobrir os custos opera-

cionais das primeiras.

Infelizmente, enquanto que a operação inte-

grada foi preservada nesse processo, o siste-

ma de planejamento a médio e longo prazos

colegiado anterior e coordenado pela Eletro-

bras foi desmontado sem substituição, mes-

mo tendo sido assinada pelo projeto da C&L

a necessidade de um planejamento energé-

tico global e cujo vazio institucional só viria

a ser reformulado anos depois. Também na

época, grande parte dos quadros com expe-

riência nessa atividade se dispersou pelas di-

versas empresas, perdendo-se parte do co-

nhecimento acumulado na área até então.

Primeira Etapa do Novo Modelo - O Serviço pelo Preço e a Concorrência

Com a Lei 9.648/98, detalhada pelo Decreto

2.655/98, completou-se a liberação dos pre-

ços da geração no atacado, não apenas para

os produtores independentes, mas para todas

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46

as operações de compra e venda de energia

elétrica entre concessionários ou autorizados,

sendo que a sistemática proposta pela C&L,

orientou estes diplomas legais, assim como

as regras subsequentemente validadas pelo

MAE. Com essa legislação foram também li-

berados os grandes consumidores para com-

prarem diretamente, se assim o quisessem, no

mercado atacadista, sendo os chamados con-

sumidores livres, ampliando, desse modo, as

possibilidades de concorrência no atacado.

Esta foi uma primeira fase do modelo setorial

brasileiro que vigorou até 2004, quando ele

foi revisto e modificado. Nesse primeiro pe-

ríodo, toda a energia comercializada no siste-

ma interligado deveria ser no âmbito do MAE,

sendo que, se a parcela não tivesse sido con-

tratada bilateralmente, tinha sua regra de de-

terminação de preços expressa em um acor-

do a ser acordado entre os participantes e

homologado pela ANEEL.

Por aquele sistema, os preços dos contratos

para venda de energia ficaram liberados, a me-

nos dos chamados contratos iniciais para as

usinas existentes, com preço regulado em pe-

ríodo de transição que se encerraria comple-

tamente em 2006, a partir de quando a Lei

previa a completa liberação dos preços da ge-

ração a serem todos estabelecidos nas nego-

ciações contratuais bilaterais entre os agentes.

A formação dos preços das novas unidades

geradoras, passou a ser governada então pelo

mercado através dos contratos bilaterais livre-

mente pactuados entre geradores e distribuido-

res, sendo que as novas concessões passaram a

ser licitadas sob o regime de “maior valor pago

à União” para não amarrar antecipadamente os

preços finais do produto, e que deveria servir

57 “Energia Assegurada” de acordo com uma determinada probabilidade de déficit pré-estabelecida; o sistema brasileiro, vinha tendo seu planejamento referido à aceitação de um risco máximo de 5%; antes da adoção de critérios probabilísticos, o critério de garantia era que o sistema devia atender ao mercado com a “energia firme” que poderia ser produzida no chamado “período crítico” hidrológico de 1953-56.

também para capturar eventuais rendas econô-

micas associadas aos projetos hidrelétricos.

Para a energia não contratada e comerciali-

zada no curto-prazo, os preços passavam a

ser definidos pela entidade responsável pelo

mercado, em função dos valores marginais in-

dicados pelo algoritmo de otimização do des-

pacho e calculados por regras devidamente

aprovadas pelo regulador.

Nesta modelagem manteve-se a filosofia de

separação físico-financeira da comercializa-

ção na geração hidrelétrica, já previsto ante-

riormente pela Lei 9648/98, que havia estabe-

lecido o mecanismo de relocação de energia

para mitigação de risco hidrológico, parte es-

sencial para a implantação desta separação, o

acima citado MRE. O Decreto 2.655/98, por

sua vez, além de melhor caracterizar o meca-

nismo de relocação, assegurou que cada usina

teria o direito de comercializar uma dada fra-

ção da energia assegurada57 (conceito proba-

bilístico alternativo ao de energia firme histori-

camente utilizado e que indicava a energia que

poderia ser produzida no pior período hidroló-

gico registrado) do sistema a ela alocada.

Como a competição pela geração estava limi-

tada aos grandes consumidores, sem alcançar

o varejo, ficava pendente a questão dos cus-

tos de geração para os consumidores cativos,

sem acesso direto ao mercado. Nesse sentido,

essa Lei estabeleceu, ainda, que a ANEEL de-

via fixar critérios para limitar os repasses dos

custos de compra de energia por parte das

distribuidoras aos seus consumidores cativos.

Foram os chamados valores normativos que

limitavam para cada tipo de geração os cus-

tos máximos que as distribuidoras poderiam

repassar em suas tarifas finais.

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47

Com a criação e atuação da ANEEL, o sistema

de tarifação ficou um pouco mais claro, em-

bora ainda bastante incompleto, ficando esta-

belecido o regime de serviço pelo preço, com

tarifas fixadas por contratos resultantes de li-

citação ou renovação de concessões e/ou do

processo de privatização, ou por ato especí-

fico da ANEEL, em caso de revisão ou reajus-

te. Este regime passou a ser válido para quais-

quer concessões, sejam elas de geração (se

ainda reguladas), transmissão ou distribuição.

Com essas licitações, introduziu-se uma di-

mensão competitiva na fixação inicial desses

preços, já que, pelo menos no primeiro mo-

mento, todos eles deveriam resultar de uma

operação de mercado (tanto nas novas con-

cessões, como na relicitação das antigas), em-

bora nas etapas seguintes as concessões de

distribuição recaíssem em preços regulados.

No caso dos preços regulados, como esses

são dinâmicos e têm que ser revistos pe-

riodicamente, os editais e contratos, tanto

de privatização como de concessão de dis-

tribuição, após 1995, embora não expres-

so formalmente em Lei, passaram a adotar

como regra um sistema de “price cap”, pos-

teriormente assumido e regulamentado pela

Aneel, estando hoje as tarifas de distribui-

ção submetidas a um sistema de revisões

periódicas a cada quatro anos e a reajustes

anuais nos demais períodos.

Quanto aos preços da transmissão, a Lei

9.648/98 previu que os mesmos fossem regu-

lados pela ANEEL, sendo a contratação e ad-

ministração desses serviços, assim como de

suas condições de acesso e serviços ancilares,

de responsabilidade de ONS, a serem cobra-

dos meio a meio da geração e da carga, con-

forme preconizado no projeto da Coopers &

Lybrand. As condições gerais de contratação

de acesso e uso das instalações de transmis-

são da rede básica foram, complementarmen-

te, regulamentadas pela ANEEL. Os segmen-

tos de linhas fora da rede básica passaram a

ter sua remuneração como parte da conces-

são de geração ou de distribuição em que ela

se conecta.

O pagamento dos novos agentes de transmis-

são tem assim por base o serviço pelo preço,

referido à licitação que lhes outorgou a conces-

são. Esses valores são corrigidos por regras de

reajuste previstas em cada contrato de conces-

são. São ainda previstas multas (redução da re-

muneração) em caso de falhas de desempenho

causada por manutenção insuficiente.

Conforme historiado acima, o modelo então

implantado seguiu uma diretriz de segmenta-

ção da atividade de geração, com seus preços

apoiados em contratos de longo prazo, livre-

mente estabelecidos entre as partes e bali-

zados, no curto prazo, por preços regulados,

que deveriam refletir o custo marginal (deter-

minado por modelo matemático), para as par-

celas não contratadas.

Através destas mudanças as novas regras tari-

fárias vieram sendo construídas, desde a rup-

tura criada pela Lei das Concessões. Embora

esse sistema não tenha reduzido os custos de

monitoramento, ele trouxe estímulos econô-

micos para ganhos de eficiência, o que foi cer-

tamente um grande avanço. Os maiores ques-

tionamentos em relação ao mesmo, todavia,

se relacionavam a sua capacidade de estimu-

lar novos investimentos, principalmente nos

grades projetos hidroelétricos altamente in-

tensivos em capital e de longa maturação.

A Crise de 2001

No período de transição institucional brasilei-

ro acima descrito, três mudanças significati-

vas se deram em simultâneo, todas com con-

sequências que, pelo menos no curto prazo,

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dificultavam a realização de novos investi-

mentos, o que requeria um esforço significa-

tivo do governo, direto e/ou indireto, para ga-

rantir a continuidade da expansão, o que não

aconteceu, pelo menos de forma compatível

com as necessidades.

Conforme apontado, os três principais eixos

de mudança incluíram: (1) a substituição de

investidores estatais por privados, com sua

mudança de lógica econômica, (2) a mudança

de modelo, com todo um conjunto de regras

novas ainda sendo definidas passo a passo, e

(3) a mudança nos modelos de montagem fi-

nanceira e na natureza dos empreendimentos,

agora cada vez mais executados através de

empresas de propósito específico.

Não é de se estranhar que, nesse contexto, te-

nham surgido dificuldades significativas para

a concretização de novas obras. Esperava-se

que houvesse uma expansão das termelétri-

cas a gás natural. Enquanto que as hidrelé-

tricas são altamente capital intensivas, envol-

vendo cada vez mais complexas negociações

ambientais, as térmicas a gás deveriam mais

facilmente atrair investidores privados. En-

tretanto, isso não se deu, sendo que o gover-

no lançou, apenas tardiamente, em feverei-

ro de 2000, o chamado Plano Prioritário de

Termeletricidade (PPT) com maiores incenti-

vos para a construção de usinas termelétricas,

mas já era tarde demais para evitar uma crise

no abastecimento.

Assim, não poderia ter sido “mais anunciada”

a crise que eclodiu em junho de 2001, onde um

período de condições hidrológicas desfavorá-

veis no Sudeste e no Nordeste se juntou à fal-

ta de investimentos e a oferta da energia não

foi mais suficiente para atender ao crescimen-

58 Segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002).

59 O racionamento foi mantido até fevereiro de 2002.

60 Lei nº 11.943, de 28 de maio de 2009, e Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004.

to do consumo, o que exigiu a implantação de

um racionamento, com grandes desgastes po-

líticos para o governo federal da época58, com

uma necessidade de corte de cerca de 20%

do consumo59 do país, exceto na Região Sul

onde a situação era normal, mas de onde não

se tinha transmissão suficiente para importar

o adicional de energia necessário.

CONSTRUÇÃO DO MODELO INSTITUCIONAL ATUAL

A Reformulação em 2004

A crise de 2001-2002 deixou claras algumas

insuficiências do modelo então vigente, prin-

cipalmente no que se referia à atração de no-

vos investimentos. Em 2004, foram então

reformuladas as regras setoriais em vigor, es-

tabelecendo-se um novo marco institucional60

para o sistema integrado nacional que, com-

plementado por alterações e ajustes posterio-

res, é o responsável pela regulação do setor

no país nos dias atuais.

O novo governo, em 2004, de viés mais esta-

tizante que o anterior, manteve grande parte

da modelagem vigente, mas reformulou com

sucesso as regras relacionadas à expansão do

sistema gerador e formalizou a retirada das

empresas geradoras controladas pela Eletro-

brás do Programa Nacional de Desestatiza-

ção (PND). Foram mantidos da modelagem

anterior conceitos e regras como a licitação

das novas concessões, a operação integrada,

o modelo de gestão da transmissão, o siste-

ma de contabilização e liquidação do mercado

atacadista no curto prazo, a presença de con-

sumidores livres no atacado, e os agentes co-

mercializadores atuando como intermediários.

Page 50: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

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Foram ainda adotadas mudanças nas relações

entre os agentes governamentais. Reforçou-

-se o papel de formulador e gestor da política

energética do Ministério de Minas e Energia,

criou-se a Empresa de Pesquisa Energética

(EPE), uma entidade para a realização de es-

tudos de planejamento, extinguiu-se o MAE,

transferindo suas responsabilidades reformu-

ladas para a Câmara de Comercialização de

Energia Elétrica (CCEE) e foi constituído um

comitê governamental para monitorar a segu-

rança do suprimento elétrico.

Entre os principais aspectos modificados em

relação à modelagem então vigente, desta-

ca-se a retomada do planejamento pelo Es-

tado, que havia se enfraquecido na fase de

mudanças, e da coordenação do ajuste en-

tre a oferta e a demanda por meio de leilões

integrados de mercado e de novas conces-

sões. Tornou-se obrigatório para as distri-

buidoras, a partir de 2004, preverem em um

horizonte de pelo menos cinco anos e con-

tratarem, em conjunto, suprimento adequa-

do para essa sua demanda, através de leilões

em separado para energia existente e para

novos projetos. Estes últimos, selecionados

pelo governo, passaram a ter suas conces-

sões oferecidas pela menor tarifa, já dispon-

do de licença ambiental prévia.

Dois movimentos essenciais foram feitos para

impulsionar a expansão hidrelétrica. Um ape-

nas com uma mudança de orientação: as es-

tatais foram novamente estimuladas a in-

vestirem em novos projetos, principalmente

através de parcerias com os agentes privados,

procurando reduzir os riscos desses e facilitar

o encaminhamento das negociações ambien-

tais com os grupos afetados pelos grandes

projetos e com os organismos de licencia-

mento. O outro, efetivamente através da mu-

dança nas regras do jogo, com o casamento

das novas concessões dos projetos com os

contratos firmes de compra de energia, ago-

ra fracionados e distribuídos entre todas as

empresas distribuidoras que declarem neces-

sidade de energia futura no horizonte do pro-

jeto em questão.

Com essas alterações, deu-se prioridade ao

mercado de contratos de longo prazo como

principal mecanismo de formação dos pre-

ços da geração no atacado, em consonância

com os requisitos do sistema brasileiro, pre-

dominantemente hidrelétrico. A opção pe-

los leilões das novas concessões pela menor

tarifa, por sua vez, alterou a forma de apro-

priação de possíveis rendas econômicas pas-

sando indiretamente as mesmas para os con-

sumidores através da redução resultante nas

tarifas. Como desvantagem, o pagamento por

essa geração, variável caso a caso dependen-

do das características físicas da usina, poderia

ficar muito abaixo do valor marginal da ener-

gia, deixando de sinalizar para os consumido-

res o valor econômico da mesma.

Ao lado do mercado regulado, mantiveram-se

as compras dos consumidores livres, através de

contratos, fora dos mecanismos de leilões, em-

bora contabilizados e liquidados também pela

câmara de comercialização CCEE. É o chama-

do Ambiente de Contratação Livre (ACL) em

contraste com o sistema de compra no ataca-

do das distribuidoras, o chamado Ambiente de

Contratação Regulada (ACR).

Manteve-se também no modelo a possibilida-

de de atuação dos agentes comercializadores,

intermediando contratos de compra e de ven-

da de energia, tanto no ACL como no ACR,

nesse último ambiente limitados à negociação

de apenas energia de usinas existentes.

O modelo, embora tenha reduzido os espa-

ços de livre negociação, trouxe alguns estí-

mulos à eficiência e novos mecanismos pro-

curando garantir o abastecimento. Com ele,

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veio a obrigação das distribuidoras de contra-

tarem geração para cobrir 100% de seu mer-

cado, acompanhada por regras de repasse de

preço que penalizam as empresas que não o

fizerem, procurado conduzir a um aumento

no nível de garantia do sistema.

Ao lado da nova regulamentação para a ex-

pansão da geração, também se manteve a

sistemática anterior de leilões para a promo-

ção dos investimentos em linhas de transmis-

são constituintes da rede básica. As demais

linhas, de menor porte, são objeto de autori-

zações e estão associadas às concessões de

geração ou de distribuição.

Mercados Regulado (ACR) e Livre (ACL)

No mercado regulado são registrados os con-

tratos resultantes dos leilões regulados e nele

podem atuar os geradores, as distribuidoras,

e ainda os comercializadores, estes últimos,

como assinalado acima, apenas nos leilões

de energia existente. Também nesse mercado

são registrados os contratos regulados relati-

vos à energia de Itaipu e do Proinfa (progra-

ma de incentivo ao uso das fontes alternati-

vas, que foi lançado em 2002, já encerrado e

que será discutido no Capitulo seguinte).

São também registrados no mercado regula-

do contratos entre as distribuidoras e geração

distribuída local, contratada por chamada pú-

blica feita diretamente pela distribuidora, mas

limitada a 10% de sua carga total.

No mercado livre são realizadas negociações di-

retas entre compradores e vendedores, ficando

todavia os primeiros sujeitos ainda ao pagamen-

to de todos os encargos e taxas cobrados dos

consumidores cativos regulados. Podem atuar

nesse mercado geradores, comercializadoras,

importadores, exportadores (importadores e

exportadores são tratados como comercializa-

doras) e os consumidores livres e especiais.

Um consumidor livre é aquele que opta por

essa condição e apresenta uma demanda de

potência superior a 3 MW. Também consumi-

dores que demandam acima de 500 kW, po-

dem optar pela condição de consumidor livre,

desde que contratem diretamente com pro-

dutores de fontes alternativas incentivadas,

PCHs (com potencia inferior a 30 MW), eóli-

cas, biomassas, solar e outras; são os chama-

dos consumidores especiais.

Um consumidor pode ser parcialmente livre,

ou seja, contratar apenas parte de sua ener-

gia no ACL e a outra parte no ACR. Consumi-

dores livres que desejem retornar ao mercado

regulado só podem fazer após terem notifica-

do a empresa distribuidoras cinco anos antes,

a menos que esta aceite prazo menor. Simi-

larmente, os consumidores especiais obede-

cem à mesma regra, apenas com prazo me-

nor de 180 dias.

Garantias Físicas das Usinas (Energia Assegurada)

Dadas as características integradas do siste-

ma, a energia a ele adicionada por cada usi-

na envolve uma análise global da operação

do sistema para um todo, sendo então de-

finido, para um dado critério de garantia de

suprimento (igualando os custos marginais

de operação e de expansão) a “garantia físi-

ca” (GF) global que é a máxima energia que

o sistema pode suprir em condições de lon-

go prazo, calculada por meio de simulações

da operação, considerando séries sintéticas

de energia afluente por metodologia definida

pela ANEEL. Posteriormente, essa GF global é

rateada inicialmente nos blocos hidrelétricos

e não hidrelétricos e a seguir rateada em valo-

res individualizados (exceto para as usinas de

menor porte que não são passíveis de trata-

mento individual pelos modelos do sistema)

entre todas as unidades geradoras proporcio-

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nalmente à energia firme de cada uma e sazo-

nalidade conforme sua variação mensal.

A GF de cada usina indica a quantidade de

energia (assegurada) que ela pode vender em

seus contratos. Esses valores podem ser revi-

sados ordinariamente a cada 5 anos, podendo

ser reduzidos no máximo em 5%, sendo que no

conjunto de revisões desde à outorga de sua

concessão as reduções podem ser no máximo

de 10%. Revisões extraordinárias podem ser

feitas diante da ocorrência de fatos relevan-

tes. A GF das usinas hidrelétricas é calculada

em relação ao que ele acrescenta ao sistema

na data de sua entrada prevista e é calculada

com base nesse cenário. Tanto para as usinas

hidrelétricas como para as termelétricas as ga-

rantias físicas determinadas com o apoio dos

modelos é determinada na barra de saída do

gerador, sem considerar o abatimento do con-

sumo da usina e as perdas na rede básica.

Já as usinas menores tem sua GF calculada

em separado e definida como a máxima quan-

tidade de energia que a usina pode vender no

sistema. Para as pequenas usinas hidrelétricas

(PCHs) sua GF é calculada pela sua produção

média esperada, assim como as usinas eólicas

e solares. Para as usinas eólicas utiliza-se a

chamada P90, ou seja, considerando o histó-

rico de medidas de ventos, considera-se uma

produção possível de ser excedida em pelo

menos 90% das situações, para um período de

variabilidade futura de 20 anos. A GF de uma

eólica equivale á P90 descontado seu con-

sumo interno e as expectativas de manuten-

ções programadas e paradas forçadas. Para as

usinas solares PV a GF é calculada com base

na disponibilidade de energia declarada pela

usina, descontando também seu consumo e

paradas para manutenção e forçadas, assim

como para as usinas termelétricas movidas à

biomassa cana de açúcar e similares cujo cus-

to variável unitário de operação é nulo.

Ou seja, para todas essas usinas alterativas,

sua GF é individualizada sem se levar em con-

ta o impacto das mesmas no sistema como

um todo, como é feito para as hidrelétricas.

Essas considerações aparecem apenas na for-

ma de calculo do índice benefício custo des-

sas usinas quando usado para fins de ordena-

mento, onde os custos marginais do sistema

como um todo entram nos cálculos, e assim,

indiretamente, a situação do sistema como

um todo é refletida na análise individualizada

dessas unidades, mas sem que o impacto de-

las sobre o sistema seja efetivamente incorpo-

rado na modelagem.

Contratos por Quantidade ou por Disponibilidade

Os contratos a serem realizados em função

dos resultados dos leilões no ACR, são os

chamados Contratos de Comercialização de

Energia no Ambiente Regulado (CCEAR) ou

ainda, no caso dos leilões de energia de reser-

va (que serão vistos mais adiante) Contratos

de Energia de Reserva (CER).

Os CCEAR podem ser realizados em dois ti-

pos de modalidades diferentes, dependendo

da alocação dos riscos hidrológicos: contra-

tos por quantidade, em que os riscos hidro-

lógicos ficam com os geradores, e contratos

por disponibilidade, em que esses riscos ficam

com os compradores, com direito de repasse

aos consumidores finais. Em geral os contra-

tos por quantidade se destinam a geradores

hidrelétricos e fixam o preço e as quantidades

(determinadas pelas garantias físicas das usi-

nas) a serem comercializadas, sendo que ex-

cedentes ou faltas devem ser acertados atra-

vés do mercado de curto prazo.

No caso dos contratos por disponibilida-

de esses são usualmente destinados a ge-

radores termelétricos e costumam também

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52

ser oferecidos aos geradores que usam fon-

tes alternativas. Eles preveem uma remune-

ração fixa, para cobertura dos custos fixos

do gerador que tem direito adicionalmente

a uma remuneração variável quando essas

usinas são despachadas pelo ONS e que de-

vem cobrir os custos variáveis, incluindo os

de combustíveis. Os CER utilizados nos lei-

lões de reserva em alguns casos são feitos

nessa última modalidade.

Leilões no Ambiente Regulado

Todo ano (ano A) as distribuidoras e os con-

sumidores livres devem declarar à Aneel suas

projeções de mercado para os anos (A, A+5).

Para a determinação do mercado líquido a

ser licitado, são subtraídos: os contratos vi-

gentes, a compra (compulsória) da energia de

Itaipu, contratos com geração distribuída (pe-

quenas hidrelétricas e térmicas a biomassa e

a resíduos de processos, limitados a 10% da

carga), e os contratos com usinas que se utili-

zam das novas fontes renováveis e que foram

desenvolvidas no âmbito de um programa ini-

cial de promoção das mesmas (Proinfa).

Os processos licitatórios para o atendimento

dessa demanda distinguem usinas existentes e

novas, assim, como por lei, é prevista a possibi-

lidade de realização de leilões exclusivos para

fontes alternativas. As concessões das novas

usinas a serem oferecidas para o atendimen-

to da demanda prevista em cada leilão são ho-

mologadas pelo MME a partir de propostas da

EPE e podem considerar também propostas

de agentes interessados. As licitações de usi-

nas no ACR, devem ser realizadas pela ANEEL,

diretamente ou por intermédio da CCEE.

No ambiente regulado, os vendedores são as

geradoras e comercializadoras, e os compra-

61 Originalmente esse limite, dado pelo Decreto 5163/1004, era de apenas 1%, com a crise mais recente e procurando reduzir a exposição das distribuidoras aos elevados preços no mercado de curto prazo, o Decreto 8379/2014 elevou esse percentual para os 5% hoje praticados.

dores são as distribuidoras. A programação

do suprimento das necessidades de energia

identificadas é realizada com base em leilões

para compra de energia existente descontra-

tada ou compra de energia futura de novas usi-

nas cujas concessões serão simultaneamente

outorgadas e que terão direitos a contratos de

fornecimento de energia para entrega a partir

do ano A. Esses leilões podem ser de diversos

tipos: (i) para novas usinas realizado em A-5,

(ii) para novas usinas realizado em A-3, (iii)

para usinas existentes realizado em A ou em

A-1, (iv) para usinas existentes em A de ajustes

entre as distribuidoras, (v) para novas usinas

para formação de energia de reserva, (vi) para

novas usinas gerando especificamente a partir

de fontes alternativas e (vii) para usinas espe-

cíficas consideradas estruturantes.

Pela legislação, as geradoras que vencerem

os leilões em A-1, A-3 e A-5, têm que fazer

contratos bi-laterais com todas as distribui-

doras do sistema que demandaram energia

com prazos de vigência entre 15 e 30 anos

para novas usinas, entre 1 e 15 anos para usi-

nas existentes e entre 10 e 30 anos para fon-

tes alternativas.

Os leilões de ajuste procuram corrigir pe-

quenos desvios entre as previsões feitas pe-

las empresas e o comportamento do merca-

do e envolvem contratos individuais entre as

partes envolvidas, com prazos máximos de vi-

gência entre três meses e 2 anos e com a en-

trega da energia começando, no máximo, até

4 meses após o leilão. Nesses leilões cada dis-

tribuidora pode comprar no máximo61 5% da

sua carga contratada, a critério do MME.

Os leilões de reserva formam uma nova ca-

tegoria instituída em 2008 e visam criar uma

margem de segurança para garantir o abaste-

Page 54: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

53

cimento. De fato eles revelam implicitamen-

te a insegurança das autoridades setoriais em

relação aos valores vigentes das “garantias fí-

sicas” que foram definidas para as usinas hi-

drelétricas e que a prática tem mostrado esta-

rem superestimadas. A energia gerada pelas

usinas contratadas nesses leilões são contabi-

lizadas e liquidadas no mercado de curto pra-

zo revertendo esses valores para uma conta

operada pela CCEE, que recebe também os

encargos de energia de reserva (EER), pagos

por todos os consumidores do país, conside-

rados como usuários das energias de reserva,

para a partir de cuja conta se puder pagar aos

geradores as receitas contratadas nos leilões.

Os leilões específicos para as fontes alternati-

vas foram instituídos desde a revisão do mo-

delo em 2004 e formam uma categoria a parte

onde competem apenas as fontes de caráter

renovável, tais como as usinas eólicas, a bio-

massa, solar e pequenas centrais hidrelétricas.

Completando o modelo de comercialização,

ele prevê ainda a possibilidade de algumas

transferências de sobras e de déficits entre

as distribuidoras. Completado este processo,

quaisquer vendas e compras adicionais se dão

obrigatoriamente no mercado de curto prazo

com preços determinados por modelagem ma-

temática e definidos pela CCEE para cada sub-

-mercado, com valores máximos e mínimos es-

tabelecidos pela ANEEL, e que devem refletir

os valores marginais de curto prazo - é o cha-

mado preço de liquidação de diferenças (PLD).

Regras de Repasses de Preços aos Consumidores Finais pelas Distribuidoras

Algumas regras de repasse de preços na co-

mercialização no ACR visam estimular uma

maior garantia de suprimento no sistema, já

que permitem a sobre-contratação chegar a

3% da carga sem penalização. Também é fa-

cultado aos agentes de distribuição reduzi-

rem os valores contratados nos CCEAR em

até 4% no ano A para valer a partir de A+2; e

podem ainda reduzir contratos para compen-

sar saídas de consumidores livres.

Estimulam também a contratação nos leilões

em A-5, em relação aos em A-3, limitando o

preço da energia nova a ser repassado, pela

média ponderada dos preços de compra no

dois tipos de leilões que serão realizados du-

rante os três primeiros anos a partir do ano

A e penalizando os repasses das compras em

A-3 que envolverem quantidades maiores que

2% da carga total da distribuidora medida no

ano A-5.

Dão ainda prioridade às compras de reposi-

ção da energia existente descontratada, pe-

nalizando o repasse dos custos de energia

nova se a contratação em A-1 for muito baixa.

Transferem para os consumidores eventuais

ganhos obtidos no mercado de curto prazo

por distribuidoras subcontratadas. Impedem

repasses de compras no mercado de curto

prazo a valores muito elevados por distribui-

doras subcontratadas, a menos se tal subcon-

tratação tiver sido involuntária por falta de

oferta. Neste último caso, protegem as distri-

buidoras, repassando integralmente os custos

de compras no mercado de curto prazo para

os consumidores.

Distribuição de Riscos entre os Agentes

Em função da nova modelagem adotada,

nova divisão de riscos ficou estabelecida en-

tre os agentes setoriais, em diversos casos.

Os riscos hidrológicos: (i) Para contratos por

“disponibilidade de energia”, os riscos são

das distribuidoras, mas a exposição ao mer-

cado de curto prazo, se involuntária, pode ser

Page 55: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

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repassada aos consumidores finais, (ii) Para

contratos por “quantidade de energia” os ris-

cos são das geradoras62.

Os riscos de mercado: (iii) As distribuidoras

podem sobre contatar até 3% de sua carga

e repassar na tarifa. Além disso, após a com-

pensação de sobras e déficits entre as distri-

buidoras, estas podem reduzir os contratos

de compras de energia existente, feitos com

as geradoras, unilateralmente, repassando

os riscos se o mercado cair até 4%, caso os

consumidores potencialmente livres mudem

para outros fornecedores (isso leva a um au-

mento no nível de garantia do sistema, mas

a redução unilateral dos contratos penaliza

as geradoras).

Riscos de racionamento: (iv) Em caso de ra-

cionamento, todos os contratos por quanti-

dade de energia no ACR devem ter seus vo-

lumes ajustados na mesma proporção da

redução de consumo verificado (os vende-

dores não ficam expostos aos preços do

mercado de curto prazo, mas tem redução

de receita, o que não acontece com os con-

tratos por disponibilidade).

MUDANÇAS REGULATÓRIAS RECENTES NO SETOR ELÉTRICO E QUESTÕES

O quadro do setor elétrico no inicio do ano

2015 era de uma situação de crise em gran-

de parte provocada por um período acentua-

do de secas, mas também consequência de

decisões intempestivas e de problemas na

modelagem, cujo enfrentamento vem exigin-

do constates remendos e ajustes no modelo

institucional, sem que ainda se tenha conse-

guido realizar uma reformulação mais profun-

62 Legislação recente permite que geradores hidrelétricos contratem com o sistema proteção contra parte desses riscos pagando prêmios a uma conta centralizadora.

63 “Um modelo com defeitos genéticos – Artigo que tenta explicar a crise”, Roberto Pereira d’Araújo, Instituto Ilumina, 10 de janeiro de 2015, disponível em http://ilumina.org.br/da-superficie-para-as-entranhas-um-modelo-com-defeitos-geneticos/.

da que parece ser necessária mas difícil de

ser concretizada porque certamente terá que

afetar direitos e contratos vigentes.

Atualmente, pode-se simplificadamente des-

tacar alguns problemas principais de nature-

za estrutural que precisam ser enfrentados,

tanto alguns relativos a situação de curto pra-

zo do setor quanto outros ligados às perspec-

tivas de longo prazo.

Os fluxos hidrológicos que alimentam as usi-

nas brasileiras nos últimos anos têm se mos-

trado desde 2012 abaixo da média de longo

prazo, reduzindo progressivamente no pe-

ríodo a capacidade de geração hidrelétri-

ca. Agravando esse quadro as últimas usi-

nas construídas tem tido reservatórios cada

vez menores por causa das pressões geradas

pelos questionamentos ambientais contra o

alagamento de florestas, reduzindo a capa-

cidade de armazenamento do sistema. Com-

pondo-se esse processo com o fato de que,

desde 2010, foram adicionadas muitas usinas

termelétricas, a relação entre capacidade de

armazenamento global e o mercado tem caí-

do significativamente e continua se reduzin-

do. Cálculos63 feitos pelo Instituto Ilumina in-

dicam que entre 2004 e 2014 a capacidade

de armazenamento do sistema caiu de cerca

de 6 para 5 meses de consumo do país e cada

vez os reservatórios se esvaziam mais rapida-

mente, aumentando a sua vulnerabilidade a

situações de secas prolongadas.

Complicando a situação hidrológica desfavorá-

vel, os critérios de definição da “garantia física”

das hidrelétricas foram claramente superesti-

mados e com isso os modelos de planejamen-

to e operação do sistema demoraram para in-

dicar a necessidade de novos leilões a tempo,

Page 56: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

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atrasando ainda a contratação de novo supri-

mento, cuja necessidade não se mostrava apa-

rente quando examinada pelos modelos.

Cabe assinalar que desde 2008 o governo já

estava realizando leilões da chamada ener-

gia de reserva, voltados para fontes renová-

veis alternativas. Estes serviam para aumen-

tar a capacidade de atendimento global e

refletiam implicitamente as dúvidas existen-

tes quanto à precisão das garantias físicas

que haviam sido definidas para as usinas hi-

drelétricas. Não obstante ao sucesso desses

certames para a promoção de novas fontes, a

capacidade instalada no país ainda ficou bas-

tante aquém daquela que se faria necessária

em 2014-15 para fazer frente aos problemas

que vinham se avolumando.

Nesse contexto, concessões de inúmeras

usinas existentes estavam chegando próxi-

mo ao fim de seu período de validade, quan-

do, pela lei em vigor, deveriam ser nova-

mente licitadas. O governo, no final de 2012,

visando reduzir as tarifas finais, propôs atra-

vés de uma alteração da legislação64 reno-

var antecipadamente essas concessões para

seus detentores que assim o desejassem,

mas com tarifas extremamente baixas, teori-

camente calculadas para cobrir os custos de

manutenção e operação.

Diante de um cenário de curto prazo em que

já se percebia difícil, com os custos margi-

nais formadores dos PLD crescendo, apenas

a Eletrobras “aceitou” a proposta do gover-

no federal reduzindo significativamente suas

receitas e comprometendo sua situação fi-

nanceira, sendo que as demais geradoras em

64 Através da Medida Provisória 579 de setembro de 2012, depois transformada na Lei 12.783/13.

65 Situação em que os custos podem ser repassados aos consumidores finais, embora isso normalmente só aconteça nos próximos reajustes tarifários anuais.

66 Arcando com significativos prejuízos com um conjunto de empresas de distribuição deficitárias por ela controladas a partir do processo de restruturação setorial, a perda de receita resultante da MP 579 provocou uma forte redução no EBITDA da Eletrobras, comprometendo fortemente a sua capacidade de captação de novos recursos.

situação similar recusaram e deixaram a ener-

gia das suas usinas em questão para serem

comercializadas no curto prazo nos últimos

anos de concessão que ainda restavam. Com

isso, involuntariamente, as distribuidoras en-

frentaram maiores dificuldades no ACR e não

conseguiram contratar nos leilões seguintes

de energia existente a totalidade da deman-

da por elas requerida, aumentando sua expo-

sição, embora involuntária65, ao mercado de

curto prazo.

O resultado dessa medida é que a redução ta-

rifaria conseguida sinalizou erroneamente na

direção de um maior consumo em um mo-

mento em que já se deveria estar buscando

racionalizá-lo e deixou as distribuidoras com

parcelas elevadas de demanda sem cobertu-

ra contratual. Além disso, a Eletrobras66 ficou

em uma situação financeira muito difícil, ten-

do tido sua geração interna de caixa forte-

mente reduzida e com ela a sua capacidade

para bancar seu programa de investimentos.

O curioso é que, logo após a edição des-

sa medida, o operador do sistema finalmen-

te decidiu tardiamente colocar em operação

as usinas térmicas, deixando de lado a cha-

mada ordem de mérito do sistema fruto de

uma falsa otimização, já que era apoiada em

premissas sobre a capacidade de geração hi-

drelétrica que não se apoiavam na realidade.

Com isso, naturalmente, os custos de geração

que se esperava reduzir com as reduções im-

postas aos preços da geração amortizada da

Eletrobras começaram a subir levando consi-

go também os preços calculados pela mode-

lagem para o mercado de curto prazo.

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Se somarmos a esse quadro os atrasos de inú-

meras obras previstas, principalmente face as

dificuldades e demora nos licenciamentos am-

bientais, foi nessa situação que o sistema elé-

trico chegou a 2014 com uma das piores hi-

drologias da história registrada no país, quase

igual à do chamado período crítico67 de 1953-

1956. Não obstante os sinais de crise, em 2012

havia-se demorado a acionar as usinas ter-

melétricas e, em 2014, já com todas as térmi-

cas ligadas, como era um ano eleitoral não fo-

ram tomadas medidas adicionais preventivas

para promover a poupança de energia pelo

lado do consumo, chegando-se a 2015 com ní-

veis extremamente baixos de armazenamen-

to, inferiores aos da crise de 2001 e a situação

só não foi pior porque o sistema contava na-

quela época com um percentual mais elevado

de usinas térmicas que na crise anterior.

As térmicas, tardiamente acionadas, acaba-

ram por funcionar quase continuamente, in-

clusive as menos eficientes de maior custo. A

maioria destas usinas haviam sido construí-

das para operar como uma espécie de “segu-

ro”, apenas por períodos curtos e para tanto

foram projetadas. Usinas térmicas previstas

para operação contínua “na base” com contra-

tos firmes de compra de combustíveis, devem

ter custos unitários menores que as planeja-

das para operação apenas eventual. Nova-

mente, conforme a análise citada de Araujo

do Instituto Ilumina, um exercício de caráter

apenas ilustrativo estima que se as térmicas

mais baratas tivessem sido acionadas mais

cedo ao longo do período 2008-2012 a ener-

gia hidrelétrica a mais que poderia estar “ar-

mazenada” nos reservatórios em fins de 2012

67 O período 1953-1956, conhecido como período crítico, costumava ser usado para definir a situação limite a ser enfrentada pelos modelos de planejamento no passado antes da adoção de critérios probabilísticos.

68 Reduzido apenas a partir do início de janeiro de 2015 para R$ 388,38/MW, novo limite máximo para o PLD estabelecido pela Aneel, através de sua Resolução Homologatória nº 1.832 de 25 de novembro de 2014, em função de mudança metodológica em sua determinação.

69 Em janeiro de 2015 estimava-se que a energia armazenada nos reservatórios das hidrelétricas seria capaz de atender apenas 0,8 mês da demanda do país.

deixaria uma folga de cerca de 20% naque-

la data, o que teria reduzido e muito os riscos

enfrentados posteriormente.

A conta financeira dessa situação no bolso

dos consumidores cresceu. Em vez da redu-

ção tarifária almejada inicialmente pelo gover-

no em 2012 ela levou a um enorme aumento

de custos da energia no país, agregando duas

parcelas adicionais: os custos de geração tér-

mica e os custos das compras “involuntárias”

das distribuidoras no mercados de curto pra-

zo a valores extremamente elevados do Pre-

ço de Liquidação de Diferença (PLD) que al-

cançaram seu limite superior68 de R$ 780,03/

MWh em 2013 e de R$ 822,83/MWh em 2014.

As empresas distribuidoras descontrata-

das tentaram, com reduzido sucesso, contra-

tar suprimento a preços menores nos anos

de 2013 e 2014 nos leilões de curto prazo de

energia existente. Em 2012, esse tipo de leilão

não havia sido promovido, exceto no caso dos

leilões de ajustes onde apenas parcelas redu-

zidas de energia podiam ser comercializadas.

Desse modo, somaram-se em 2014 aos custos

de uma quase contínua e cara geração térmi-

ca, uma parcela expressiva de compras invo-

luntárias no mercado de curto prazo contabi-

lizadas por elevados valores de PLD.

O sistema chegou assim a 2015 em condições

hidrológicas continuamente desfavoráveis69,

com reduzido armazenamento nos reservató-

rios das usinas hidrelétricas, com tarifas eleva-

das a serem repassadas aos consumidores e,

na ausência de ações mitigadoras tempestivas,

com riscos de racionamento e mesmo de um

colapso no abastecimento.

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A situação só não se agravou porque a for-

te crise econômica conteve o crescimento da

demanda, que pelo contrário começou a cair

fortemente, aliviando as pressões sobre o sis-

tema elétrico. Em 2015, o consumo de eletri-

cidade no Brasil caiu cerca de 1,8% em rela-

ção ao ano anterior e, em 2016, estima-se que

essa queda deverá se situar em uma taxa pró-

xima a 2%. Não obstante, as necessidades de

mudança estruturais são flagrantes e apon-

tam para problemas a serem resolvidos em

dois níveis, conforme inicialmente assinalado:

problemas resultantes da situação imediata

de curto prazo, e problemas associados às di-

ficuldades potenciais a longo prazo.

A curto prazo, a crise apontou para a necessi-

dade imediata de ajustes na modelagem insti-

tucional. As regras usadas para definição das

garantias firmes das usinas hidrelétricas ne-

cessitavam ser revistas, assim como as que

regiam a distribuição dos riscos hidrológicos.

Diante dos enormes pagamentos que as gera-

doras teriam que arcar pelas regras do mode-

lo com o esvaziamento dos reservatórios em

2014-2015, pelo menos estas última regras co-

meçaram a ser alteradas. O principio básico

de distribuição de riscos que é o de “aloca-los

àqueles agentes que têm maior possibilidade

de gerenciá-los” não havia sido respeitado na

construção das regras então vigentes. A ca-

pacidade do conjunto das usinas hidrelétri-

cas de gerarem sua garantia física global (de-

pois redistribuída individualmente pelo MRE)

é função das regras de operação que ficam

fora da atuação gerencial dos proprietários

daquelas usinas. Os proprietários das usinas

hidrelétricas deviam assim incorrer nos custos

da falta de suprimento mas sem ter nenhuma

ingerência nem sobre a operação nem sobre

a expansão do sistema e, portanto, nada po-

dendo individualmente fazer para enfrentar

as situações hidrológicas desfavoráveis.

Na situação recente vivida pelo sistema elé-

trico brasileiro em 2012, quando a geração

térmica não foi acionada, mesmo quando te-

ria sido necessária, os reservatórios das usi-

nas hidrelétricas passaram a ser esvaziados

de forma arriscada, o que se por um lado per-

mitia que energia “barata” continuasse a ser

gerada, atendendo a conveniências políticas,

por outro, comprometia a capacidade de su-

primento do sistema e fez com que as usinas

hidrelétricas em seu conjunto ficassem peri-

gosamente com maiores dificuldades de ge-

rar a sua “garantia física”, dependente sem-

pre da disponibilidade de água armazenada

no sistema.

Diante dessa situação critica, soluções de

compromisso foram então elaboradas de

modo que os geradores passassem a ser res-

ponsabilizados apenas parcialmente pela im-

possibilidade de gerarem as garantias físi-

cas que foram determinadas para suas usinas.

Para não inviabilizar totalmente esses gera-

dores hidrelétricos que contestavam a sua

obrigação de comprar energia no mercado

de curto prazo a preços muito elevados para

compensar sua insuficiência de geração em

2014-2015, a solução adotada foi então ofere-

cer a estes a oportunidade de , mesmo que re-

troativamente, pagando um prêmio de risco,

se protegerem dessa obrigação, transferindo

a conta para um encargo a ser incorporado

nas tarifas de todos os consumidores, através

da Medida Provisória 688 de 2015, converti-

da posteriormente na Lei 13.203 de 8/12/2015.

Uma possível opção de mudança mais defi-

nitiva que poderia ter sido considerada mas

não foi, dada a natureza do sistema hidro-

térmico e considerando que os investidores

não têm como gerenciar os riscos sistêmi-

cos, seria retirar definitivamente esses riscos

dos mesmos, passando todos os contratos

CCEAR para a modalidade de disponibilida-

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de, deixando sobras e déficits a serem ratea-

dos nas tarifas para todos os consumidores.

Um outro problema na modelagem corren-

te que precisa ser discutido refere-se ao uso

do valor marginal para referência do mercado

de curto prazo. A solução atualmente adota-

da para governar a operação do sistema de-

fine o despacho das usinas não por regras de

mercado mas sim buscando a otimização do

conjunto70, com base em modelos matemáti-

cos, o que parece ser bastante sensato dada a

natureza do sistema brasileiro. Todavia, desse

modo, na falta de um mercado de curto prazo

efetivo, o valor marginal obtido a partir dos

modelos passa a ser a referência possível para

a definição dos preços de curto prazo.

Na metodologia atual, os preços diários para

o mercado permanecem regulados seguindo

uma proxy do que seria alcançado por um

mercado concorrencial ideal. Como o siste-

ma tem a possibilidade de armazenar “ener-

gia” potencial sob a forma de água, suas de-

cisões de operação têm que levar em conta

um horizonte de vários anos, vinculando for-

temente as ações em diversos períodos, ao

contrário do que acontece em um sistema

de base térmica. O uso dos resultados de um

modelo como uma “proxy” para os preços de

curto prazo, tem como maior defeito o fato

de necessitar, como pré-requisito, de uma

definição dos cenários da evolução da ofer-

ta e da demanda para alimentar o algoritmo,

além de uma estimativa do “custo do déficit”

para os consumidores.

Quando é o mercado que estabelece esses

preços, ele reflete o conjunto de expectativas

dos diversos agentes e em relação às quais

eles aplicam efetivamente seus recursos. É

característica dos preços de mercado refle-

70 Cabe assinalar que a eficiência dessa otimização é hoje contestada por alguns autores, como por exemplo pelo Prof. Adilson de Oliveira – vide: “Um análise da nota técnica Aneel 238/2015”de 13/11/2015 disponível em ilumina.org.br/uma-analise-da-nota-tecnica-aneel-2382015/ onde ele aponta algumas das falhas na determinação dos valores das Garantias Físicas, mas também contesta os resultados otimizantes da modelagem usada para governar a operação dos sistemas elétricos pelo ONS.

tir as expectativas dos agentes e “economizar

informações” em relação às alocações de re-

cursos realizadas dentro de hierarquias.

Mais ainda, como qualquer modelo, por mais

elaborado que seja, é sempre uma aproxima-

ção da realidade e os valores marginais re-

sultantes estão sempre sujeitos a algumas

distorções. Essas distorções ficam mais fla-

grantes quando o sistema vive situações ex-

tremas. Atualmente, diante dos valores eleva-

díssimos que estavam sendo assinalados para

os preços de curto prazo, as regras para sua

definição foram revisadas e limites superiores

passaram a ser adotados.

Talvez não seja possível encontrar solução me-

lhor que a atual, mas cabe estudar com mais

profundidade a possibilidade da compatibi-

lização de alguma sinalização de um efetivo

mercado, de alguma maneira, talvez estabe-

lecendo faixas limites, com a otimização física

da operação, mesmo com alguma perda des-

ta última. O fato é que, no mundo real, o PLD

gera pagamentos e receitas que não deveriam

se afastar muito das realidades do mercado.

Além das necessidades de revisão a curto pra-

zo da modelagem, é necessário pensar também

sobre a estruturação do campo institucional do

setor e suas consequências a longo prazo. Nes-

sa perspectiva, a questão mais séria que se co-

loca refere-se à necessidade de investimentos

e a atração de investidores que se disponham

a realizá-los. Com a reformulação institucional

iniciada em 1995, ampliou-se fortemente a par-

ticipação privada na expansão, facilitada por

um ambiente mais ordenado na área de distri-

buição com preços realistas e empresas mais

saudáveis, focadas no negócio energia elétrica.

Nesse contexto, os grandes projetos hidrelétri-

cos têm sido alavancados por parcerias entre

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empresas estatais e privadas. Considerando-se

os custos elevados de capital no país, os lon-

gos horizontes de maturação dos projetos, as

delicadas questões ambientais envolvidas em

sua concretização e as incertezas envolvidas,

essa participação estatal tem se mostrado, na

prática, uma garantia para o atendimento às

necessidades energéticas do país.

Com a MP 579/12, todavia, reduziu-se for-

temente a capacidade de investimentos da

Centrais Elétricas Brasileiras – Eletrobras, que

historicamente sempre foi uma espécie de

“investidor de última instância” e, mesmo em

ambientes incertos, que em projetos de baixa

rentabilidade, com tarifas comprimidas, sem-

pre se dispôs a investir. Alguns grandes pro-

jetos, como os do Rio Madeira e a Usina de

Belo Monte, estão em andamento e cobrirão

muitas necessidades de expansão. Mas e de-

pois disso? Particularmente, cabe perguntar

se a expansão dos grandes projetos hidrelé-

tricos ainda por serem concretizados, como

os do Rio Tapajós, hoje contestados pelo ór-

gãos ambientais diante da presença de indí-

genas em sua área de influência, poderá ser

feita apenas com investidores privados, em

ambiente geral pouco favorável.

Às tarifas elevadas em 2015 e às incertezas

setoriais, junta-se um cenário difícil de ajustes

fiscais necessários e encarecimento dos cus-

tos de capital, que podem dificultar a atração

de investidores, principalmente nos grandes

projetos. Nesse sentido, a expansão de novas

fontes renováveis, mais pulverizadas, deverá

ajudar, mas dificilmente cobrirá as necessida-

des de energia do país, mesmo que com cres-

cimento moderado. Além do que, a expan-

são de projetos maiores de energia renovável,

cuja localização pode estar afastada das car-

gas, tem que ser coordenada com as necessi-

dades de expansão das linhas de transmissão,

o que nem sempre tem acontecido na prática.

Adicionalmente, caso essa expansão de fon-

tes intermitentes continue surpreendendo

positivamente com uma continua redução

de custos e revolucionando os desenhos de

expansão do sistema, novos tipos de com-

plementação e possivelmente de formas de

armazenamento serão necessárias, como o

desenvolvimento hoje em estudo de usinas

hidrelétricas reversíveis, e exigirão significa-

tivo esforço de coordenação, tanto através

de regras de mercado eficientes e de pre-

ços que reflitam essas necessidades, como

de atuação governamental.

Novamente, como no passado, usinas a gás

natural podem também ser apontadas como

parte das soluções para a expansão e para

a integração de fontes renováveis, mas fal-

ta uma política clara que garanta o abasteci-

mento desse produto a preços competitivos,

além do que, nesse caso, implicarão em um

aumento da participação dos combustíveis

fósseis na geração elétrica, andando no senti-

do inverso das necessidades de redução das

emissões de gases do efeito estufa.

Naturalmente, as incertezas vigentes ultra-

passam os limites do setor elétrico. No passa-

do, a atuação estatal sempre foi fator relevan-

te na manutenção de investimentos futuros,

principalmente levando-se em conta os lon-

gos intervalos entre as decisões e seus efei-

tos, e os longos prazos para que novos pro-

jetos sejam estruturados e implementados.

A lógica econômica dos agentes privados é

diferente, mais avessa ao risco. É da nature-

za desses agentes que uma empresa privada

procure investir em ambientes mais estáveis,

e um agente estatal aceite correr maiores ris-

cos, já que o custo de um eventual déficit no

suprimento, embora não alcance diretamen-

te a empresa investidora, para a qual é uma

externalidade, deva ser levado em conta por

seus controladores estatais.

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Como foi dito, a solução que vinha sendo

adotada na prática para os grandes projetos,

acompanhando os novos modelos de finan-

ciamento, era a realização de parcerias entre

empresas estatais e privadas concretizadas

através se empresas de propósito específico.

A manutenção desse modelo nos dias atuais,

facilitando ainda a concretização dos gran-

des projetos estruturantes, irá requerer uma

difícil recuperação da Eletrobras, além de um

maior envolvimento das grandes empresas

estatais estaduais como a Cemig e a Copel.

Caso se decida concretizar a reestruturação

da Eletrobras, barreiras e oposições significa-

tivas terão que ser ultrapassadas. Os limites

políticos impostos à empresa sempre dificul-

taram sua gestão, fazendo-a assumir novos

encargos sem rentabilidade. Em particular, a

impediram de vender um conjunto de empre-

sas distribuidoras que não haviam sido alcan-

çadas pelo processo de privatização por ser-

virem regiões mais carentes, mas cuja venda

seria ainda possível, e que nas mãos do Esta-

do pressionadas por necessidades locais que

ultrapassam o setor elétrico, produzem pre-

juízos hoje que alcançam cerca de dois bi-

lhões de reais por ano. Também, um mode-

lo organizacional multidivisional construído

com subsidiarias de raízes regionais profun-

das teria que ser repensado de modo a redu-

zir as duplicações de custos e promover ga-

nhos de eficiência, o que nunca se mostrou

até hoje politicamente viável.

Com ou sem significativo envolvimento das

empresas estatais e, na ausência de recur-

sos públicos abundantes (que hoje não exis-

tem...), para que os investidores privados efe-

tivamente assumam papel expressivo nos

projetos de geração e transmissão de eletri-

cidade, é necessário todo um trabalho institu-

cional, capaz de atuar na correção das falhas

da modelagem e na recuperação das condi-

ções de confiança no setor, para que crises de

abastecimento, independentemente até da si-

tuação hidrológica, não se tornem realidade

cotidiana no futuro mais distante.

Talvez, um dos maiores desafios seja conse-

guir estabelecer um sistema de preços capaz

de refletir o efetivo valor da energia consu-

mida, considerando sua localização, sazonali-

dade e hora de consumo e que desse modo

valorize também a necessidade de armazena-

mento e back-up proporcionada não apenas

pelas unidades geradoras, mas também pe-

las redes de transmissão e distribuição. Essas

questões irão certamente se agravar e acom-

panhar a ampliação da participação das novas

formas de energia renovável aqui discutidas

no sistema e, mais ainda, o provável cresci-

mento da geração distribuída que tende a ser

alavancada pela continua redução dos custos

da geração solar fotovoltaica.

Page 62: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

61

A PROMOÇÃO DAS NOVAS FORMAS DE ENERGIA RENOVÁVEL NO BRASIL

ANTECEDENTES

O uso de fontes renováveis no Brasil acompa-

nha a história da evolução do setor elétrico no

país, predominantemente hidrelétrico, incluin-

do as hoje consideradas pequenas usinas hi-

drelétricas (PCH) com menos de 30MW de po-

tência instalada que fazem parte da história do

setor e, se hoje costumam ser incluídas entre

as chamadas fontes alternativas, não era assim

nos primeiros anos do século XX onde desem-

penharam papel significativo na geração de

eletricidade, sendo que apenas gradualmente,

com o desenvolvimento e expansão do siste-

ma integrado nacional e das usinas hidrelétri-

cas de médio e grande porte, foram passando

a ter papel secundário.

Embora com menos expressão observa-se

também ao longo de toda a expansão do se-

tor elétrico brasileiro, um histórico de utili-

zações pontuais de diversas formas de bio-

massa oriunda de diversas fontes tais como: a

lenha e os resíduos das indústrias da madeira

e da celulose, incluindo a lixivia negra produ-

zida nessa última; o bagaço de cana e outros

resíduos agrícolas como as cascas de arroz; e

ainda o biogás gerado a partir de rejeitos só-

lidos rurais e urbanos. Em grande parte essa

produção de eletricidade complementar se

desenvolveu associada à produção de calor

em processos de cogeração visando atender

as necessidades do próprio produtor sendo o

excedente de energia quando disponível en-

tão vendido para a rede.

Considerando apenas as fontes renováveis al-

ternativas (ou seja, excluindo a hidreletrici-

dade de maior porte) e sem levar em conta

as PCHs, pode-se dizer que a utilização des-

sas novas fontes na geração de eletricidade

no país de forma mais significativa só começa

a se esboçar no final do século passado com

Page 63: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

62

uma maior expansão da produção e do uso

energético do bagaço de cana.

O primeiro movimento mais importante veio

assim nas últimas décadas do século XX provo-

cado pela expansão da produção do álcool au-

tomotivo promovida pelo chamado Programa

do Álcool (Proálcool)71, lançado em resposta

aos grandes aumentos nos preços internacio-

nais do petróleo. Esse programa, provocando

a produção de grandes quantidades de baga-

ço residual criou oportunidades para o incre-

mento da cogeração de eletricidade e calor

requeridas pelas usinas e para a produção de

quantidades expressivas de eletricidade exce-

dente para venda. Esse processo foi ainda fa-

cilitado pelas mudanças institucionais por que

passou o setor elétrico na mesma época, com

a regulamentação da figura do produtor inde-

pendente de energia e com a estabilização do

mercado de eletricidade.

Por muitas décadas, as ações governamen-

tais na área da produção de álcool estiveram

voltadas à busca da estabilização do setor

diante das flutuações do mercado internacio-

nal do açúcar. Esta situação, todavia se alte-

rou com o primeiro choque de preços do pe-

tróleo promovido em 1973 pela OPEP e em

1975 o Proálcool foi criado ainda sob o impac-

to daquele choque como uma forma de rea-

ção ao mesmo dada à extrema dependência

do país na época do petróleo importado. Em

sua primeira fase procurou impulsionar a pro-

dução de álcool anidro para mistura na gaso-

lina, reduzindo assim o consumo desta última.

Em consequência das ações governamentais

promovidas no âmbito do programa, a produ-

ção de álcool subiu de cerca de 600 milhões

71 O Proálcool foi criado pelo Decreto No. 76.593 de 14 de Novembro de 1975.

72 Balanço Energético Nacional BEN, Núcleo de Estudos Estratégicos de Energia, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético – SPE, Ministério de Minas e Energia – MME, diversos anos.

73 Vide “Agricultura e produção de energia: um modelo de programação linear para avaliação econômica do Proálcool”, O. A. F. Tourinho, L. R. Ferreira e R. F. Pimentel, Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, Vol 17, No 1, Abril 1987.

de litros na safra 1975/76 para 3,7 bilhões em

1980 (conforme o Balanço Energético Nacio-

nal - BEN72).

Com o segundo choque de preços do petró-

leo em 1979, a situação energética do país se

agravou ainda mais e o programa entrou em

sua segunda fase, bastante mais desafiadora,

onde a prioridade passou a ser a introdução

do carro à álcool e da expansão da produção

do álcool hidratado para ser usado como com-

bustível desses novos carros, tendo em vista

agora alcançar a substituição plena da gasoli-

na, mobilizando, para isso, além do setor agrí-

cola, a indústria automobilística e o sistema de

distribuição e comercialização de álcool.

Impulsionado por benefícios fiscais, facilida-

des de créditos e outros estímulos esta fase

foi muito bem sucedida levando a produção

global de álcool em 1990 para 11,6 bilhões de

litros. Em 1987 cerca de 90% dos carros novos

vendidos no país já eram a álcool, trazendo na

época inclusive inúmeros questionamentos

sobre seu eventual impacto sobre a produção

de alimentos. Todavia, estudos73 conduzidos

pelo Instituto de Planejamento Econômico e

Social (IPEA), na época, indicaram que ele

não deveria afetar significativamente as de-

mais culturas, como de fato se veio a consta-

tar mais tarde. A economicidade do uso com-

bustível do álcool entretanto sofria oscilações

em função das alterações do preço do petró-

leo, o que atingia principalmente o álcool hi-

dratado e os carros à álcool. O álcool anidro

era menos atingido já que apresentava algu-

mas vantagens sobre o hidratado já que em

sua mistura com a gasolina se tornava ener-

geticamente mais eficiente.

Page 64: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

63

No final da década de 90 os preços do petró-

leo voltaram a cair, enquanto que os preços in-

ternacionais do açúcar subiam. Nesse quadro

o programa do álcool, extintos os subsídios

iniciais que o impulsionaram, começou a per-

der força e começou a faltar álcool hidratado

nos postos de abastecimento dos veículos. Já

em 1990 o programa havia sido abandonado

e a venda de carros a álcool sofreu uma forte

queda, levando progressivamente a uma gran-

de redução nesse tipo de veículos no Brasil.

A partir de 2003, uma nova reversão de ce-

nários aconteceu, desta vez a favor do uso do

álcool com a introdução do carro bicombustí-

vel (carro flex). Com esse tipo de carro o mer-

cado adquiriu grande flexibilidade e se tornou

rapidamente adaptável a diferentes esque-

mas de oferta de etanol, entre o anidro e o hi-

dratado, ajustando-se às mudanças temporá-

rias nas relações de preços entre a gasolina

e o álcool74. A produção total de álcool que

havia caído um pouco e que em 1990 era de

10,7 bilhões de litros voltou a subir chegando

a 27,9 bilhões de litros em 2010.

Assim, apesar das oscilações e vicissitudes do

álcool em seus usos combustíveis, a produção

de cana cresceu ao longo do período e com

ela a de bagaço. Conforme dados do BEM,

acompanhando a expansão da cana, a produ-

ção de bagaço no país, em milhões de tone-

ladas, passou de 15,2 em 1970, para 33,0 em

1980, 54,8 em 1990, data final do Proálcool, e

mesmo com o encerramento desse programa

continuou subindo para 68,3 em 2000, sen-

do que com o advento do carro flex alcançou

160,3 milhões de toneladas em 2010 em cujo

patamar tem se mantido na década atual.

Sempre que o setor álcool-açucareiro tem se

defrontado com estímulos de preços e credi-

74 Desde que o preço da gasolina não caia por longos períodos abaixo do ponto de viabilidade do álcool. O achatamento do preço da gasolina como o que se deu em 2014, usado como instrumento de controle inflacionário, provocou o fechamento de inúmeras usinas de álcool.

tícios adequados, investimentos complemen-

tares em equipamentos eficientes em coge-

ração têm tornado o bagaço em uma fonte

importante de geração de eletricidade. Esse

bagaço, sem uso economicamente competi-

tivo, tem sido importante fonte de calor e de

energia elétrica para o próprio setor álcool-

-açucareiro, embora estudos apontem para

uma sua possível utilização futura na produ-

ção também de álcool que se for viabilizada

poderá afetar seu uso energético direto.

Como o bagaço se deteriora se armazenado

por longos períodos seu uso costuma acom-

panhar a safra de cana e a própria necessi-

dade de processamento do setor sucro-al-

cooleiro, que no Sudeste/Centro-Oeste se

dá entre os meses de Maio a Dezembro. Esse

período tem a vantagem de coincidir com o

período seco hidrológico da Região Sudes-

te, gerando uma complementaridade positi-

va em relação ao comportamento das usinas

hidrelétricas e amenizando as desvantagens

da sua sazonalidade no que se refere à gera-

ção de eletricidade.

Mesmo com todo o impulso recebido pelo uso

do bagaço de cana com o programa do álcool

e, não obstante o potencial existente de uso de

fontes alternativas em geral no Brasil conside-

rando-se a dimensão do setor elétrico, pouco

se avançou em termos relativos no uso dessas

fontes ao longo do século passado, chegan-

do-se ao ano 2000 com apenas cerca de 831

MW de capacidade instalada em PCHs, cerca

de 1.600 MW em usinas a biomassa e 19 MW

em eólicas, representando apenas pouco mais

que 3% da capacidade total de geração instala-

da no país, que naquele ano era de 73.671 MW.

Mais detalhadamente, dados do BEN indicam

que a biomassa no ano 2000 foi utilizada

Page 65: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

64

como insumo apenas pelas centrais elétricas

autoprodutoras, que geraram naquele ano a

partir de lenha 763 GWh, de bagaço de cana

3.664 GWh, de lixivia 3.006 GWh e de outras

recuperações 3.474 GWh, representando es-

tas fontes cerca de 40% da geração total das

centrais autoprodutoras e cerca de 3% da ge-

ração total do país.

Para se reverter esse quadro e melhor aprovei-

tar o potencial existente dessas fontes alter-

nativas, novas inciativas se faziam necessárias.

O PROGRAMA DE INCENTIVO ÀS FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA ELÉTRICA – PROINFA

Procurando mudar o panorama vigente, o

Programa de Incentivo às Fontes Alternativas

de Energia Elétrica – Proinfa foi lançado em

2002 através da Lei 10.43875, visando aumen-

tar especificamente a participação da biomas-

sa, das PCHs e da energia eólica na geração

de energia elétrica através de empreendimen-

tos controlados por produtores independen-

tes para venda no Sistema Elétrico Interligado

Nacional, no ambiente regulado. Às fontes al-

ternativas tradicionais, envolvendo pequenas

hidrelétricas e biomassa já presentes no siste-

ma brasileiro, ele agregou a fonte eólica ainda

incipiente no país, mas já em desenvolvimen-

to no exterior, suportada por uma indústria in-

ternacional nascente e com seus custos com

tendência de queda.

O Proinfa surgiu em um ambiente marcado

por um lado pela crise de energia de 2001

e pela necessidade de promoção rápida de

novos investimentos e, por outro lado, pelo

75 A primeira etapa do Programa foi regulamentada, inicialmente, pelo Decreto nº 4.541, de 24 de dezembro de 2002, e, posteriormente, alterado através da Lei 10.762 em Novembro de 2003 e pelo Decreto 5.025 em Março de 2004.

76 A Rio-92 foi a segunda conferência desse tipo, depois da conferência similar em Estocolmo, na Suécia, em 1972, e a partir dela foi realizada a Conferência Mundial sobre o Clima em Kyoto, Japão, em 1997 que veio a resultar em um importante esforço para a redução dos gases de efeito estufa, através da edição do Protocolo de Kyoto, embora não ratificado posteriormente pelos Estados Unidos e outros países.

recrudescimento das preocupações ambien-

tais. Por serem de menor porte, as unidades

geradoras visadas por ele tinham condições

de serem implementadas mais rapidamen-

te que as grandes unidades tradicionais e

complementavam assim os projetos térmi-

cos a gás natural que se procurava expandir

na época. Adicionalmente, no caso brasilei-

ro, ele atendia às preocupações ambientais

que haviam sido particularmente fortaleci-

das quando da realização da Conferência

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

no Rio de Janeiro em 1992, conhecida como

Rio-9276, o que gerava um clima favorável a

um maior uso de novas fontes de energia re-

novável, compensando um pouco a expan-

são térmica em curso.

O programa foi planejado em duas fases, sen-

do a primeira baseada no uso de tarifas pré-

-estabelecidas (tipicamente feed-in tariffs),

buscando promover uma capacidade adicio-

nal de 3.300 MW em contratos de longo pra-

zo a serem distribuídos entre as três fontes

selecionadas. A segunda fase teria caracterís-

ticas similares, mas não chegou a ser lançada

tendo o sistema de promoção dessas novas

fontes alternativas sido posteriormente modi-

ficado quando da nova modelagem do setor

elétrico brasileiro editada em 2004, como se

discute mais adiante.

Sua implementação foi conduzida pelo Minis-

tério de Minas e Energia (MME), em conjunto

com a Eletrobras que ficou com a responsa-

bilidade da compra da energia dessas novas

unidades, em contratos de vinte anos. Para o

produtor ficava assegurada uma receita míni-

ma para 70% da energia contratada indepen-

Page 66: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

65

TIPO DE USINA VALOR ECONÔMICO (R/MWh) (PREÇOS)

VALOR ECONÔMICO (US$/MWh) (PREÇOS)

PCH 117,02 39,70

Eólica 180,18 - 204,35 61,12 - 69,32

Biomassa – Bagaço 93,77 31,81

Biomassa – Casca de Arroz 103,20 35,01

Biomassa – Madeira 101,35 34,38

Biomassa – Biogás 169,08 57,36

TABELA 5.1 – VALORES DOS PREÇOS INICIAIS PREVISTOS PARA A FASE 1 DO PROINFA

Fonte: Valores econômicos (Preços) em reais da Portaria MME 45 de 30/03/2004; valores em dólares convertidos pelo valor do dólar do dia 30/04/04 (1 US$ = 2,9479 R$)

dentemente de sua geração efetiva e do mer-

cado de curto prazo, com sua receita função

da energia gerada a um preço estabelecido

pelo MME para cada tecnologia, tendo como

piso o valor da tarifa média de fornecimento

dos últimos doze meses.

Os valores econômicos então inicialmente

propostos para os preços médios oferecidos

inicialmente na fase 1 do Proinfa podem ser

vistos na Tabela 4.1 abaixo; esses preços são

atualizados anualmente por um indicador in-

flacionário, o IGP-M.

No caso das usinas eólicas os preços a serem

pagos pela energia produzida variavam com

os fatores de capacidade (FC) previstos; sen-

do o valor econômico mais alto associado a

um fator de 34% (ou menor) para compensar

as piores condições de vento de alguns locais

e o valor mais baixo associado a um FC mais

elevado de 44% (ou maior); valores interme-

diários implicavam em interpolações lineares

entre esses valores. Desse modo o progra-

ma pretendeu estimular também o aproveita-

mento de ventos em localidades que seriam

em princípio menos atraentes.

Essa energia, por sua vez, é cobrada como um

encargo tarifário a ser distribuído igualmente

entre todos os consumidores do país através

de cotas, cuja receita reverte para uma conta

administrada pela Eletrobras que por sua vez

paga aos produtores contratados. As cotas de

energia e financeiras relativas ao Proinfa são

recalculadas anualmente e distribuídas para

as empresas distribuidoras por conta de seus

consumidores cativos, para as cooperativas de

consumidores rurais e para os consumidores li-

vres ligados à rede básica (através das empre-

sas transmissoras à que estão conectados).

A receita de cada produtor é função da ener-

gia por ele gerada. Cada um pode comercia-

lizar uma determinada energia de referência

calculada caso a caso pela Aneel, da qual são

abatidas as perdas até o centro do sub-mer-

cado, onde a usina se vincula e é remunerada

pela tarifa estabelecida pelo programa. Gera-

ção efetiva abaixo ou acima do valor de refe-

rência devidamente sazonalisado é recebido

ou pago de acordo com os preços do merca-

do de curto prazo (preço de liquidação de di-

ferenças, PLD). Caso a energia gerada em um

Page 67: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

66

ano fique abaixo de 70% da energia de referên-

cia inicialmente calculada, esse valor é revisto e

o novo valor passa a orientar o contrato.

A energia gerada efetivamente por cada usi-

na é comercializada pela Eletrobras no mer-

cado de curto prazo e as receitas vão para a

conta especial por ela administrada à qual são

agregados os subsídios adicionais necessários

para o pagamento aos produtores provenien-

tes de sobretaxa tarifaria.

Pelas regras do programa, a escolha dos pro-

jetos se iniciava com uma chamada pública e o

primeiro critério de seleção entre os empreen-

dimentos que tivessem sido devidamente qua-

lificados, para cada uma das formas de energia,

era a antiguidade da licença ambiental de insta-

lação do proponente. Procurava-se, depois, res-

peitar, se possível, os limites de 15% por estado

da federação para as PCHs e de 20% no caso

das fontes eólica e biomassa. Assim, progres-

sivamente, deveriam ser contratadas as fontes

visadas até superarem as metas do programa.

Independentemente de alguns receios quan-

to aos valores de tarifas oferecidos e às pos-

sibilidades de êxito do projeto, confirman-

do os exemplos internacionais de programas

baseados nas tarifas feed-in (FiT) o Proinfa

foi muito bem sucedido. Através de apenas

duas chamadas públicas viabilizou a contra-

tação de uma capacidade instalada total de

3.299,4 MW, distribuídos entre 1.191,2 MW em

PCHs, 1.422,9 MW em eólicas e 685,2 MW em

usinas a biomassa embora depois nem todos

esses empreendimentos tenham sido efeti-

vamente implementados.

Dificuldades diversas posteriores levaram a

que, em dezembro de 2011, quando após algu-

77 “Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil”, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial –ABDI, Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior, Brasília, 2014.

78 Hoje concentrado por um processo de reestruturações e falências em seis empresas, WEG de capital local, e as multinacionais Wobben (Enercon), Acciona-Nordex, GE-Alston, Siemens-Gamesa e Vestas.

mas prorrogações em relação ao prazo inicial,

previsto para dezembro de 2006, o programa

foi finalmente encerrado. Apenas 2.649,8 MW

das usinas inicialmente contratadas tinham

sido construídos, em 119 empreendimentos, in-

cluindo 59 PCHs com 1.152,5 MW, 41, usinas eó-

licas com 964,0 MW e 19 térmicas a biomas-

sa com 533,3 MW, mas, no seu conjunto, ainda

relativamente próximo das metas iniciais.

Na seleção das eólicas o Proinfa exigiu um grau

de 60% de nacionalização, que difícil de ser al-

cançado exigiu adiamentos de prazos e que, se

por um lado levou muitos projetos contratados

a terem sido deixados de lado, ajudou a tra-

zer e estabelecer no país um grande número

de fabricantes internacionais, principalmente

europeus, motivados pelo tamanho do merca-

do que se abria e pelas facilidades de financia-

mento oferecidas pelo BNDES àqueles projetos

que cumprissem com metas pré-estabelecidas

de conteúdo local em seus investimentos.

O primeiro fabricante de aerogeradores na

América Latina instalado no Brasil foi a Wob-

ben, subsidiaria da Enercon GmbH, cuja pri-

meira unidade fabril foi instalada em 1995 e a

segunda em 2002, ano do inicio do programa.

Apenas com o tempo outros fabricantes vie-

ram a se juntar a ele e, até que isso aconteces-

se, o programa enfrentou sérios gargalos em

seu desenvolvimento. Mas, com o crescimen-

to desse mercado, esse número se expandiu e

hoje inúmeras indústrias atuam em diferentes

estágios das cadeias de produção das usinas

eólicas. Estudo77 da Agência Brasileira de De-

senvolvimento Industrial (ABDI) de 2014 assi-

nala a presença no Brasil, só na fabricação e

montagem dos aerogeradores, de inicialmen-

te cerca de 10 indústrias78.

Page 68: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

67

Cabe assinalar que, conforme tem sido cons-

tatado internacionalmente, o sistema de fee-

d-in revelou-se muito bem sucedido para via-

bilizar a introdução de uma nova forma na

matriz elétrica e construção de uma indústria

correlata como bem exemplificado no caso

das eólicas. Com o Proinfa iniciou-se de fato

a implantação de parques eólicos, que antes

se resumiam a uma experiência pioneira de

uma unidade com 19 MW na ilha de Fernan-

do de Noronha, e de toda uma indústria eólica

no país. Adicionalmente, em relação às outras

formas alternativas, pode-se dizer que com

os incentivos oferecidos pelo programa am-

pliou-se o número de PCHs que estavam um

pouco abandonadas no país, sendo que ape-

nas a expansão das usinas a biomassa ficou

aquém das expectativas, possivelmente em

função dos preços oferecidos não terem sido

atrativos para as mesmas.

Em 2015, as unidades geradoras por ele im-

plantadas na programação prevista para a

Aneel representavam uma geração de 11,1 mi-

lhões de MWh a um custo global de R$ 2,6

bilhões. São 131 empreendimentos, sendo

60 PCHs, 52 usinas eólicas e 19 à biomassa.

O custo médio geral naquele ano a ser pago

pelos consumidores por esta energia é de R$

263,30/MWh, ou seja, decomposto por fonte,

de R$ 220,10/MWh para as PCHs, R$ 371,65/

MWh para as eólicas e R$ 175,51/MWh para as

usinas a biomassa79.

Com as mudanças institucionais ocorridas em

2004, mesmo com o sucesso de inicialização

representado pelo Proinfa, sua segunda fase foi

abandonada já que no novo modelo outros ins-

trumentos - os leilões - se mostravam disponí-

veis e possivelmente mais interessantes para a

promoção dessas formas, assim como de ou-

79 Ou seja, pelo valor do dólar (R$ 3,1556, pelo segundo o Banco Central do Brasil) de 01/04/2015, esses valores seriam de: US$ 83,44 /MWh no global, US$ 69,75 /MWh para as PCHs, US$ 117,77 /MWh para as eólicas e US$ 55,63 /MWh para as usinas a biomassa.

tras alternativas renováveis não contempladas

pelo Proinfa, agregando agora possibilidades

de concorrência inexistentes nas tarifas fee-

d-in. Com esses leilões, os valores pagos aos

produtores para as novas unidades implanta-

das iriam cair bastante, como será apontado a

seguir, consolidando em particular a presença

da energia eólica na matriz elétrica brasileira.

LEILÕES DE FONTES ALTERNATIVAS PARA A PROMOÇÃO DE FONTES ALTERNATIVAS – CONCORRÊNCIA, INTERDEPENDÊNCIA E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Com a reformulação do modelo institucio-

nal brasileiro em 2004 e a criação do am-

biente de comercialização regulado, onde

todas as empresas distribuidoras passa-

ram a declarar suas necessidades futuras e

a contratar seu atendimento, de forma obri-

gatória e coordenada pelo governo, tam-

bém as fontes alternativas renováveis pas-

saram a ter seus espaços no atendimento

ao mercado regulado articulado dentro

desta nova sistemática. Após o sucesso do

Proinfa, além das já tradicionais PCHs e bio-

massas (principalmente bagaço de cana e

cavaco de madeira), as eólicas passaram a

dispor também de uma estruturação indus-

trial mínima que permitia ampliar sua esca-

la, e passaram a ser relacionadas entre as

alternativas para a expansão do sistema ge-

rador do país para atendimento aos sistema

integrado nacional.

Desse modo, desde 2005, as formas renová-

veis alternativas acima citadas foram sendo

incorporadas através dos sistemas de leilões

na matriz elétrica do país, promovidas não de

uma forma única uniforme, mas através dos

Page 69: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

68

diferentes tipos de leilões previstos na legisla-

ção para o mercado regulado, por diferentes

modelos de contratos e com base em diferen-

tes sistemas de seleção. Mais recentemente a

elas se uniu a geração solar fotovoltaica, cujas

primeiras unidades também passaram a ser

contratadas em 2014 e que podem vir a cres-

cer se as prováveis tendências de redução de

seus custos se confirmarem.

Olhando-se de forma global o período 2005-

2016, através dos diversos leilões, até outubro

80 Eventuais dificuldades dos empreendedores podem levar a que alguma parcela desses empreendimentos não seja efetivamente instalada como ocorreu com os projetos do Proinfa, mesmo que com a penalização dos mesmos.

81 Nem toda essa energia foi contratada nos leilões para o mercado regulado, sendo que parte da garantia física dessas novas usinas deverá ser comercializada no mercado livre (ACL).

de 2016 foram contratados no total, conside-

radas todas essas alternativas, novos proje-

tos que propiciaram a instalação de cerca de

26.338 MW80, correspondendo a uma capa-

cidade de geração firme81 de 11.066 MW mé-

dios, ou seja, com um fator de capacidade em

seu conjunto previsto de cerca de 42%. A Ta-

bela 5.2 a seguir dá uma ideia geral do resul-

tado global desses leilões.

FORMA DE ENERGIA CAPACIDADE INSTALADA (MW)

GARANTIA FIRME (MWm)

PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO* VALORES MÉDIOS 2004-16

(R$/ MWh) (US$/ MWh)

Biomassa 6.942,4 2.640,2 157,99 74,41

PCH 1.569,0 832,4 168,49 63,61

Eólica 15.174,4 6.896,4 127,49 60,10

Solar 2.652,7 697,2 275,12 83,13

TOTAL GERAL 26.338,5 11.066,2 147,15 65,23

TABELA 5.2 – FONTES ALTERNATIVAS CONTRATADAS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016

Fonte: elaboração própria a partir dos resultados dos leilões (Aneel, CCEE, EPE, Acende Brasil)(*) Índice custo-benefício (ICB) aqui indicado quando adotado para a seleção dos projetos no lugar dos preços a serem pagos aos geradores; vide a Seção “Critérios de Seleção das Usinas nos Leilões” mais abaixo onde esses índices são discutidos.

Como pode ser visto, a nova energia contra-

tada no ambiente regulado foi predominante-

mente eólica, representando mais de 50% da

capacidade desses novos projetos, e se cons-

tituiu na grande novidade no cenário energé-

tico. A nova capacidade instalada dos proje-

tos selecionados pelos leilões distribuiu-se

assim entre cerca de 15.174 MW de eólicas,

6.942 de biomassas (principalmente bagaço

de cana), 1.569 MW de PCHs, e ainda 2.653

MW de energia solar. Na Tabela A.1 do Anexo

1 deste trabalho estão apresentados de forma

sintética os principais aspectos da sequência

de contratações de energia nova realizadas

no país entre 2005 e 2014 para as novas for-

mas renováveis aqui discutidas.

Para se ter uma ideia do impacto desses lei-

lões, a nova capacidade de fontes alternativas

promovida por eles nesse período (parte hoje

Page 70: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

69

já implantada e parte em implantação) equi-

vale a cerca de 20% da capacidade instalada

total de geração no país em 31 de dezembro

de 2015, que era naquela data de 140.868 MW

segundo dados do Balanço Energético Nacio-

nal, não incluída em nenhum desses números

a geração solar distribuída. Em termos de ca-

pacidade de geração efetiva, a garantia firme

agregada pelas novas usinas representa cerca

de 16% dos 70.261 MW médios (ou 616 TWh

/ano) ofertados no país em 2015 (dados do

BEN). Ou seja, em um curto período de tem-

po essas fontes consideradas alternativas saí-

ram de um papel meramente secundário para

uma participação expressiva no sistema elé-

trico brasileiro.

Acompanhando essa expansão, com o cres-

cimento do mercado e com os apoios finan-

ceiros do Banco Nacional de Desenvolvimen-

to Econômico e Social (BNDES) orientados

por exigências crescentes de conteúdo lo-

cal, constituiu-se no país uma base industrial

ligada à indústria eólica que hoje forma um

verdadeiro “hub” na América Latina naque-

le segmento. Acredita-se que fenômeno simi-

lar poderá também acontecer com a indús-

tria solar, que apenas em 2015 começa a ter

crescimento mais expressivo. Infelizmente,

permanecem ainda sem resposta adequada

o desenvolvimento tecnológico local e a in-

tegração de empresas brasileiras (e da Amé-

rica Latina) em etapas mais sofisticadas das

cadeias globais de produção dos equipamen-

tos nesses novos tipos de aproveitamento de

recursos naturais renováveis.

Nas tabelas 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6 a seguir apre-

senta-se uma visão simplificada por fonte dos

resultados dos leilões e que serão discutidos

mais adiante. Informações mais detalhadas so-

bre esses leilões, como acima apontado, po-

dem ainda ser vistas na Tabela A.1 do Anexo.

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70

DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA

(MW)

ENERGIA MÉDIA (MWm)

PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO

(R$/ MWh) (US$/ MWh)

16/12/05 A5 136,0 54,0 122,35 52,38

29/06/06 A3 162,0 66,5 134,21 60,83

10/10/06 A5 262,0 89,3 137,10 63,03

30/09/08 A5 114,0 44,7 145,00 75,75

27/08/09 A3 48,0 14,2 144,60 77,47

17/08/11 A3 197,8 91,7 102,41 64,69

20/12/11 A5 100,0 43,1 103,06 55,68

29/08/13 A5 647,0 374,8 135,58 57,50

13/12/13 A5 161,8 94,5 134,63 57,65

28/11/14 A5 611,0 309,7 205,76 80,37

30/04/15 A5 111,0 78,5 272,60 91,06

21/08/15 A3 36,5 21,3 211,14 60,50

29/04/16 A5 198,4 116,8 236,88 68,64

Sub-Total A3 /A5 2.785,5 1.399,1 165,08 66,95

14/08/08 Reserva 2.265,6 548,0 156,00 96,30

25/08/10 Reserva 647,9 168,3 145,26 82,22

18/08/11 Reserva 357,0 160,5 100,40 62,51

Sub-Total Reserva 3.270,5 876,8 143,76 87,41

18/06/07 Fontes Altern. 432,0 207,4 138,80 72,22

25/08/10 Fontes Altern. 65,0 22,3 137,92 78,06

27/04/15 Fontes Altern. 389,4 134,6 209,91 70,12

Sub-Total Fontes Altern. 886,4 364,3 165,02 71,80

TOTAL 6.942,4 2.640,2 157,99 74,41

TABELA 5.3 – PROJETOS DE GERAÇÃO A BIOMASSA CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016

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DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA

(MW)

ENERGIA MÉDIA (MWm)

PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO

(R$/ MWh) (US$/ MWh)

16/12/05 A5 72,0 38,0 104,17 44,60

29/06/06 A3 2,0 1,0 124,99 56,65

27/08/09 A3 5,7 1,0 144,00 77,13

30/07/10 A5 79,0 41,8 155,00 88,21

29/08/13 A5 218,4 115,2 125,44 53,20

13/12/13 A5 307,8 148,6 137,37 58,82

28/11/14 A5 43,9 23,7 161,98 63,27

30/04/15 A5 164,3 92,9 183,60 61,33

21/08/15 A3 66,2 35,3 205,01 58,75

29/04/16 A5 262,9 136,2 175,80 50,94

Sub-Total A3 /A5 1.222,2 633,7 154,09 57,74

25/08/10 Reserva 30,5 21,7 133,25 75,75

23/09/16 Reserva 180,3 107,3 277,02 85,39

Sub-Total Reserva 210,8 129,0 252,84 83,77

18/06/07 Fontes Altern. 35,0 21,6 134,99 70,87

25/08/10 Fontes Altern. 101,0 48,1 146,99 83,56

Sub-Total Fontes Altern. 136,0 69,7 143,27 79,63

TOTAL 1.569,0 832,4 168,49 63,61

TABELA 5.4 – PROJETOS DE GERAÇÃO A PCH CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016

Page 73: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

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DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA

(MW)

ENERGIA MÉDIA (MWm)

PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO

(R$/ MWh) (US$/ MWh)

17/08/11 A3 1067,7 484,2 99,58 62,91

20/12/11 A5 976,5 478,5 105,12 56,80

14/12/12 A5 281,9 151,6 87,94 42,20

18/11/13 A3 867,6 332,5 124,45 54,52

13/12/13 A5 2.337,8 1.083,4 119,03 50,97

06/06/14 A3 551,0 274,5 129,97 57,91

28/11/14 A5 926,0 415,1 136,00 53,12

21/08/15 A3 538,8 235,0 181,14 51,91

Sub-Total A3 /A5 7.547,3 3.454,8 125,71 53,35

14/12/09 Reserva 1.805,7 753,0 148,30 84,83

25/08/10 Reserva 528,2 255,1 122,69 69,44

18/08/11 Reserva 861,1 428,8 99,54 61,97

23/08/13 Reserva 1.505,2 700,7 110,51 46,30

31/10/14 Reserva 769,1 333,4 142,30 58,22

13/11/15 Reserva 548,2 284,4 203,45 53,51

Sub-Total Reserva 6.017,5 2.755,4 133,70 63,60

26/08/10 Fontes Altern. 1.519,6 643,9 134,23 76,28

27/04/15 Fontes Altern. 90,0 42,3 177,47 60,70

Sub-Total Fontes Altern. 1.609,6 686,2 136,90 75,32

TOTAL 15.174,4 6.896,4 127,49 60,10

TABELA 5.5 – PROJETOS DE GERAÇÃO EÓLICA CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016

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DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA

(MW)

ENERGIA MÉDIA (MWm)

PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO

(R$/ MWh) (US$/ MWh)

31/10/14 Reserva 889,6 202,3 215,12 88,01

28/08/15 Reserva 833,8 232,9 301,79 84,32

13/11/15 Reserva 929,3 262,0 297,74 78,31

Sub-Total Reserva 2.652,7 697,2 275,12 83,13

TOTAL 1.569,0 832,4 168,49 63,61

TABELA 5.6 – PROJETOS DE GERAÇÃO SOLAR CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016

Ao se examinar de forma mais detalhada esse

novo processo de promoção de novas fontes,

procurando aprofundar sua análise e estabe-

lecer uma visão de síntese, constata-se que,

embora sempre baseado em leilões que ga-

rantiam um mercado para as novas usinas,

ele não foi em nada uniforme sendo que dife-

rentes sistemáticas e incentivos foram sendo

adotados ao longo do tempo.

As contratações através de leilões das novas

fontes alternativas no decênio em exame não

podem assim ser simplesmente diretamente

comparadas sem ressalvas, já que apresenta-

ram diferenças importantes segundo diversos

eixos de análise a serem aprofundados. Por

um lado, as diferenças têm sido função dos

graus de concorrência permitidos em cada

leilão. Também, diferenças importantes refle-

tem as varias condições contratuais ofereci-

das (períodos de contratação, regras para li-

dar com os riscos de falta de suprimento,

etc.), com leilões tanto de contratos de quan-

tidade como de contratos de disponibilidade,

acompanhando a própria diversidade de ti-

pos previstos na legislação setorial. Variaram

ainda bastante os critérios usados para a es-

colha dos projetos vencedores nos diversos

tipos e desenhos dos certames.

Para se entender melhor os incentivos ofe-

recidos aos produtores das novas formas de

energia renovável no Brasil dentro da siste-

mática geral de comercialização estabelecida

no modelo setorial vigente pós 1994, é neces-

sário examinar mais em detalhe as caracterís-

ticas dos diversos tipos de leilão e dos con-

tratos por eles oferecidos e sua evolução ao

longo do tempo.

E antes mesmo, necessita ser discutida uma

questão mais geral que delimita todo o pro-

cesso. A presença significativa das fontes re-

nováveis em um sistema elétrico, a começar

pelas próprias hidrelétricas e que é uma ca-

racterística marcante do sistema elétrico bra-

sileiro desde sua formação traz consigo um

elevado grau de interdependência entre as di-

versas partes do sistema que torna extrema-

mente complexa a tarefa de se identificar e

individualizar os benefícios trazidos por cada

unidade do mesmo e, desse modo, selecionar

e escolher entre projetos concorrentes para

sua expansão, assim como determinar o flu-

xo financeiro a que cada agente faz jus. Devi-

do à enorme complexidade trazida por essa

interdependência, os métodos utilizados para

mensurar os benefícios e custos dos projeto

e para selecioná-los ainda envolvem inúme-

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74

ras aproximações e questionamentos, além

de problemas de mensuração que com a am-

pliação da participação de fontes intermiten-

tes no sistema irão possivelmente requerer

cada vez mais a adoção de equipamentos in-

teligentes capazes de identificar a produção e

o consumo por local e hora do dia.

Interdependência entre as Usinas em um Sistema com Fontes Renováveis e tipo de contratação

A presença de renováveis, além de causar

um grande espalhamento geográfico já que

a localização das usinas fica condicionada

pela disponibilidade de recursos energéticos,

vem usualmente acompanhada pela incerte-

za e variabilidade em relação a esses recur-

sos. No caso hidrelétrico essa incerteza é mi-

tigada pela possibilidade de armazenamento

de água; no caso das usinas solares e eólicas

a variabilidade ainda costuma ser maior e elas

não dispõem da mesma possibilidade de ar-

mazenamento82 que as hidrelétricas. Essa di-

ficuldade costuma ser administrada com a in-

tegração das usinas, já que tanto possíveis

complementaridades entre elas, assim como

a presença de usinas térmicas de custo ope-

racional mais alto em stand-by para serem

utilizadas quando necessárias, reduzem os

riscos de falta de suprimento no sistema. Nes-

se sentido, cabe lembrar que além da escolha

adequada da composição do parque gerador,

também a existência de linhas de transmissão

conectando diversas regiões tem papel fun-

damental nessa forma de gestão da disponi-

bilidade e riscos.

Quando a energia que uma usina é capaz de

adicionar ao sistema depende exclusivamen-

te dela própria sem interdependência com

82 A menos de algumas horas de armazenamento nas centrais solares térmicas. Embora esse panorama tenda a se alterar um pouco no futuro com a possível evolução das tecnologias e redução de custos das baterias, pelo menos no que se refere à geração solar distribuída.

outras partes do sistema, a identificação dos

custos e benefícios a ela associadas é direta

e sua comparação com outras usinas simila-

res não traz nenhuma grande dificuldade. Sua

contratação do ponto de vista dos consumi-

dores em geral pode se apoiar em contratos

por quantidade e sua seleção se faz por uma

comparação direta.

Todavia, quando seus benefícios dependem

de outras partes do sistema, a energia gerada

passa a ser fruto de um “mix” produzido “pelo

sistema” (ou parte dele) que igualmente for-

ma os seus custos, tornando-se mais comple-

xa a mensuração da competitividade das usi-

nas individuais envolvidas. Quando além disso

entram componentes probabilísticos, que é o

caso quando a produção de energia de uma

usina é variável com as condições climáticas,

sua disponibilidade passa a ser probabilística

e o produto “energia” passa a ter que ser qua-

lificado conforme o seu nível de garantia.

Cabe lembrar que na versão anterior do mo-

delo institucional vigente antes de 2004 se

pretendia que cada gerador vendesse livre-

mente no mercado e, se sua energia fosse

hidrelétrica, ele poderia contratar com ge-

radores térmicos sua “garantia” para poder

qualificar sua energia como firme e se prote-

ger quanto a situações em que ele não tivesse

capacidade de supri-la. Naquela modelagem

a operação também era centralizada, e se

tentava equilibrar o uso de coordenação (na

operação e nos preços spot) com o do mer-

cado (na expansão e nos preços e garantias

contratadas). Como assinalado esse processo

não funcionou bem e em 2004 foi substituí-

do integralmente por mecanismos de coorde-

nação, restringindo-se a concorrência aos lei-

lões de novos contratos. Na nova modelagem

Page 76: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

75

todo o processo que governa o perfil do par-

que e seu ritmo de expansão é feito de forma

centralizada, o que de certo modo “otimiza” a

oferta de “garantias” que passam assim a ter

gestão centralizada. Pode se dizer que, com

as mudanças, substituiu-se algumas “falhas

de mercado por algumas “falhas de governo”,

possivelmente com alguma vantagem diante

da complexidade e dimensão do sistema.

Os dois tipos de contratação – por quantida-

de e por disponibilidade – usados hoje nos

leilões refletem as características das usinas

conforme sua dependência ou não das con-

dições climáticas. As diferentes expectati-

vas para o despacho das usinas hidrelétricas

e térmicas, essas últimas historicamente com

o papel principal de fornecedoras de garan-

tia, a serem operadas apenas nos períodos de

baixa hidraulicidade, estão na raiz da existên-

cia dos dois tipos básicos de contratos com

os geradores no mercado regulado (ACR)

brasileiro. Como assinalado no Capitulo an-

terior, os contratos por quantidade são re-

munerados em função da energia gerada di-

retamente pelas usinas, ou ainda no caso das

hidrelétricas pela contribuição delas à gera-

ção global do sistema.

Em um sistema sem interdependências, a ló-

gica que pareceria em princípio mais natural

seria a de contratar com as usinas sempre por

quantidade. No Brasil, mesmo com as inter-

dependências entre as usinas, as hidrelétricas

são contratadas por esse modo, mas com os

ajustes anteriormente mais detalhadamente

descritos, já que a produção física individual

de cada uma delas é “ajustada” através do

mecanismo de realocação de energia, com-

pensando o fato delas serem despachadas de

forma “ótima” e fora do controle de cada usi-

na individual. E, caso necessário, elas terão

83 Tema atualmente em discussão, conforme assinalado no capitulo 4.

que “comprar” para cumprir seus compromis-

sos a energia que falta no mercado spot, pelo

preço de liquidação de diferenças83. Isto con-

forme previsto nas “Regras de Comercializa-

ção” estabelecidas pela CCEE.

Além dos sistemas para contratação das hi-

drelétricas, em um sistema de base hídrica, se

necessita contratar usinas termelétricas para

operarem como um “seguro”, ou seja, em

princípio para quase não gerarem, e os con-

tratos por quantidade para elas seriam clara-

mente insatisfatórios. A solução encontrada

foi contratá-las por disponibilidade, quando o

gerador recebe sempre um valor fixo que co-

bre seus custos de capital e apenas quando

gerar recebe adicionalmente uma parcela va-

riável associada aos seus custos de combustí-

vel. Quando a usina térmica tem um nível mí-

nimo de operação obrigatória, por exemplo

devido a contratos de compra de combustí-

vel tipo “take or pay”, essa parcela de custos

inflexíveis já é considerada como parte da re-

ceita fixa e coberta também pela receita fixa,

e apenas gerações adicionais ao seu compro-

misso mínimo, se houver, é que irão ser com-

pensadas por uma receita variável adicional.

Do ponto de vista econômico-financeiro, ao se

expandir o sistema com a adição de mais uma

unidade térmica desse tipo, o que interessa

para os consumidores é saber se o MWh adi-

cional garantido que ela acrescenta (garante)

ao sistema é mais barato que o que seria ofe-

recido por uma nova hidrelétrica isoladamen-

te, ou seja, é uma decisão que depende direta-

mente do sistema como um todo.

Nos leilões de contratos por quantidade, a dis-

puta se dá usualmente pelo preço a ser pago

pela energia gerada. Já nos leilões por dispo-

nibilidade, disputados também pelas usinas

térmicas a combustíveis fósseis com níveis de

Page 77: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

76

geração bastante variáveis, a seleção entre os

projetos é feita por índices que procuram me-

dir o custo médio esperado daquela energia

que resultará para os consumidores.

A adequação de cada tipo de contrato fica um

pouco menos clara no caso das usinas eólicas

e solares e no caso das usinas térmicas que

consomem combustível a custo zero, sem cus-

tos adicionais significativos como é o caso do

bagaço de cana. Nessas situações a geração

é considerada como inflexível, sendo a usina

sempre que possível despachada, e se em um

contrato de disponibilidade, os seus custos

operativos deverão também ser cobertos pela

receita fixa. O comportamento dessas usinas

(sem custos operacionais adicionais e que

tendem a ser despachadas sempre que pos-

sível) passa a ser mais similar ao das hidrelé-

tricas e mais compatível com os contratos por

quantidade. Por outro lado, a maior incerteza

quanto ao seu suprimento facilita para seus in-

vestidores serem contratados por disponibili-

dade recebendo parcelas fixas.

Por isso mesmo, as usinas eólicas tem sido

contratadas pelos dois tipos de contratos nos

leilões, tanto por quantidade como por dispo-

nibilidade, o que dificulta a comparação dire-

ta entre essas contratações, embora ambos os

tipos tenham sido bem sucedidos. Adicional-

mente os contratos por disponibilidade para

as eólicas possuem regras de revisão quadri-

mestral das “disponibilidades” contratadas já

que as informações iniciais sobre os ventos

nem sempre se confirmam e as receitas fixas

são contratualmente sujeitas a ajustes em fun-

ção do desempenho das usinas. Também os

contratos por quantidade nos leilões de ener-

gia de reserva muito usados para as eólicas,

ao contrario das regras para as hidrelétricas,

não incluem nenhuma exposição dos produ-

84 A menos de decisões específicas quanto à composição ótima do parque gerador e/ou quanto à introdução e consolidação de novas alternativas.

tores ao mercado de curto prazo, com pena-

lidades menos severas em caso de não aten-

dimento. De um certa forma, essas regras

aproximam os contratos por disponibilidade

dos por quantidade no caso das eólicas.

Mantida a modelagem institucional atual, pro-

curando buscar uma ampliação da concor-

rência na seleção de novos projetos, com o

passar do tempo a medida que estas novas

renováveis fiquem mais competitivas, talvez

faça mais sentido84 fazer com que as eólicas,

assim como as térmicas inflexíveis e mesmo

as térmicas para operação na base (que cer-

tamente vão se fazendo necessárias com a

evolução do setor com as limitações nas pos-

sibilidades de expansão das hidrelétricas), ve-

nham todas a disputar contratos por quanti-

dade, mas substituindo o critério de seleção

pelos preços pela adoção dos índices custo

beneficio, para procurar capturar os impactos

de cada projeto sobre o sistema.

Critérios de Seleção das Usinas nos Leilões

Na seleção entre projetos concorrentes para

o atendimento do mercado, os benefícios e

custos de cada um deles precisam ser cui-

dadosamente estimados. Em um sistema in-

terligado fortemente renovável, tanto os in-

crementos de benefícios como os de custos

trazidos por uma nova usina dependem de

sua relação com as demais e ultrapassam os

resultados e custos diretos de sua operação

individualizada. Considerando essa interde-

pendência, a medida do benefício que uma

nova usina, e mesmo que um novo trecho de

linha de transmissão, pode trazer ao sistema

depende diretamente da configuração do sis-

tema ao qual ela se agrega e não apenas da

atual, mas também da evolução dessa confi-

Page 78: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

77

guração ao longo de sua vida útil. Dadas as

dificuldades envolvidas nas medidas desses

benefícios e custos, eles são usualmente es-

timados no Brasil com o apoio de modelos

matemáticos e através de simulações de di-

versos cenários de disponibilidade de recur-

sos e de demanda de energia elétrica. Ainda

que imperfeitas devido às aproximações ine-

vitáveis inerentes à natureza dos modelos es-

sas avaliações têm permitido a incorporação

de uma visão sistêmica na quantificação e se-

leção dos projetos individuais.

Como já foi visto, no caso das grandes hi-

drelétricas a incorporação em sua análise do

seu impacto sobre o sistema elétrico é par-

cialmente administrada com os sistemas de

relocação de energia, e com a determinação

através de modelos para cada usina da sua

garantia física (energia assegurada), definida

em função da operação global e que procura

capturar o benefício que cada usina é capaz

de adicionar ao conjunto como um todo, e as-

sim, quando seus projetos concorrem nos lei-

lões o fazem em termos de seus custos fixos

(principalmente de capital investido) por uni-

dade dessa energia por elas assegurada.

Já ao se avaliar as usinas térmicas em compe-

tição por contratos de disponibilidade e tam-

bém as eólicas quando em disputa com es-

tas, não em todos os leilões, mas em alguns

casos, utilizou-se índices custo-benefício que

visavam capturar os diferentes impactos das

mesmas no sistema como um todo. Para a de-

terminação do benefício (energia agregada ao

sistema), como no caso das hidrelétricas, para

as usinas térmicas em geral são estimadas

as garantias físicas com modelos de simula-

ção em função do incremento assegurado por

85 Esse problema lembra a questão conhecida no ambiente de modelagem como problema do “rabit-and-elephant stew”, que fica sempre só com gosto de elefante.

86 Vide “Índice Custo Benefício (ICB) de Empreendimentos de Geração – Leilões de Compra de Energia Elétrica Proveniente de Novos Empreendimentos de Geração, Metodologia de Cálculo”, Nota Técnica EPE-DEE-RE-102/2008-r5, 02/09/2013.

elas ao sistema. No caso das eólicas, que são

despachadas sempre que possível, sua garan-

tia física, conforme anteriormente apontado, é

por definição considerada a energia anual que

ela pode gerar com 90% de probabilidade.

O principal indicador utilizado nesses leilões

pode então ser pensado como o valor espe-

rado do custo da unidade de energia assegu-

rada adicionada ao sistema em função da im-

plementação de cada usina do ponto de vista

do consumidor. Em sua determinação, cabe

assinalar que para essas usinas renováveis,

todas de porte bastante reduzido em relação

aos demais geradores, as análises através dos

modelos tanto de seus benefícios como seus

custos envolveu um grau significativo de sim-

plificação devido à inviabilidade prática de

incluir cada uma delas em um modelo que

efetivamente simulasse a operação individua-

lizada85 de todas as usinas do sistema integra-

do nacional

Para a determinação dos custos, conforme

metodologia desenvolvida pela EPE86, o Índi-

ce Custo-Benefício (ICB) usado para ordenar

e selecionar os empreendimentos térmicos e

eólicos em geral é calculado como a soma de

três parcelas de custos, divididos pelo acrés-

cimo de energia (garantia física) esperada

que aquela usina deverá agregar ao sistema,

expresso em $R/MWh: (i) o custo fixo recebi-

do pelo empreendedor e que deve remune-

rar os investimentos realizados por ele, assim

como todos os seus custos fixos (ii) o valor

esperado anual do custo de operação e ma-

nutenção da usina, que no caso das usinas eó-

licas ou biomassa com combustíveis de cus-

to zero, fica zerado e (iii) o valor estimado da

energia anual que terá que ser comprada ou

Page 79: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

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vendida no mercado de curto prazo (negocia-

da pelo preço de curto prazo) à medida que

a produção individual da usina em questão fi-

que mensalmente abaixo ou acima do valor

sazonalizado de sua garantia física. Embora

essas duas últimas parcelas possam não ser

custos diretos do produtor em um contrato

por disponibilidade, eles serão custos do sis-

tema e, portanto, dos consumidores, para que

aquela parcela de energia assegurada incre-

mental seja entregue.

Nas Tabelas 5.2, 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6 acima e A.1

anexa, são apresentados os preços médios de

contratação de cada forma de energia reno-

vável em cada leilão quando as disputas são

feitas por preços; e nos casos de contratação

por disponibilidade em que a seleção costu-

ma ser feita por indicadores de custo-bene-

fício, são listados então esses valores. Eles

podem ser vistos como uma estimativa do va-

lor esperado a ser pago como um todo pe-

los consumidores, na média dos diversos ce-

nários hidrológicos estudados, em função da

energia assegurada pelas usinas contratadas

e que tende a diferir da receita recebida dire-

tamente por aqueles produtores renováveis.

Seu uso, nos leilões, visa incluir na análise o im-

pacto global provocado por cada projeto tér-

mico ou eólico individual e nesse sentido repre-

sentam melhor o interesse dos consumidores

que uma mera comparação direta do valor a

ser pago aos produtores. Nesse sentido, par-

ticularidades das diversas formas de energia

são mais adequadamente levadas em conta.

Por exemplo, a terceira parcela dos custos que

formam o índice ICB pode ser positiva ou ne-

gativa. Para uma usina a bagaço de cana, por

exemplo, sua geração acima do valor compro-

missado tende a se dar em períodos de maior

produção de cana e que em geral coincide com

87 Vide “Estudos para a Licitação da Expansão da Geração, Índice de Classificação dos Empreendimentos (ICE) da Energia de Reserva”, Nota Técnica EPE-DEE-RE-064/2008-r1.

a época da baixa hidrologia, onde os preços de

curto prazo costumam ser altos. Assim, a soma

dos valores de sua geração excedente pode ser

maior do que os valores das compras no mer-

cado a prazo quando ela gerar abaixo do seu

compromisso e, desta forma, a terceira parcela

dos custos pode passar a ser uma receita, as-

sumindo valor negativo na expressão e baixan-

do o seu ICB, favorecendo aquele tipo de usina.

Cabe assinalar que esses índices conforme cal-

culados conseguem refletir os aspectos sazo-

nais das novas fontes renováveis, mas que ain-

da não incorporam nas avaliações os impactos

de sua intermitência, supostamente compensá-

veis pelos reservatórios das usinas hidrelétricas,

sem nenhuma valoração específica do uso des-

sa capacidade de armazenamento.

Em um leilão específico, o primeiro Leilão de

Reservas em 14/08/08, a EPE propôs e foi adi-

tada uma metodologia diferente, usada apenas

naquele leilão e depois abandonada. Naquele

caso, o índice usado foi o chamado Índice de

Classificação de Empreendimentos (ICE)87. Na-

quele leilão os contratos de compra de ener-

gia de reserva referiam-se exclusivamente ao

período da safra e, com base nesse argumen-

to, o índice ICE utilizado pela EPE foi compos-

to apenas por duas parcelas, ambas expressas

em R/MWh, considerando a receita fixa recebi-

da pelo empreendimento, menos a receita to-

tal esperada da venda daquela energia no mer-

cado de curto prazo.

Nos dois casos, tanto no cálculo para a de-

terminação do ICB das parcelas estimadas de

custos operacionais acima da geração infle-

xível e das variações na energia gerada aci-

ma e abaixo de seu compromisso, como no

cálculo da parcela variável do ICE, os valo-

res estimados são os valores médios de dois

Page 80: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

79

mil cenários hidrológicos para a configuração

do sistema prevista para os próximos cinco

anos. Dada a dificuldade de se incorporar es-

sas pequenas unidades diretamente nos mo-

delos de simulação, a solução encontrada foi

a utilização dos Custos Marginais de Opera-

ção (CMO)88 esperados mensalmente para os

5 anos e para todos os cenários hidrológicos

e, a partir dos mesmos, “simular-se” a ope-

ração dos empreendimentos em exame, esti-

mando-se os preços spot (Preço de Liquida-

ção de Diferenças), assim como as regras de

operação da usina em função da comparação

de seu custo variável unitário de operação

com o CMO. Dessa maneira, através desses

valores do CMO, introduz-se na análise dos

projetos individuais a visão integrada e al-

guns dos seus impactos sobre o sistema elé-

trico ao qual o projeto deverá ser agregado.

LEILÕES PARA CONTRATAÇÃO DAS NOVAS FORMAS RENOVÁVEIS – PERÍODO 2005-2014

A Tabela A.1, no Anexo 1, apresenta as prin-

cipais contratações das fontes renováveis al-

ternativas realizadas nos leilões entre 2005-

2014, onde se pode observar que as primeiras

seguiram um padrão que se reproduziu ao

longo de todo o período em exame, que fo-

ram através de leilões tipo A-3 e A-5 (para

atender à demanda prevista, respectivamen-

te, a partir de 3 ou de 5 anos adiante) e onde

a maior parte da energia nova no país é con-

tratada no ACR. Nesses leilões costumam ser

oferecidos dois tipos de produtos: um contra-

to em quantidade de energia, apenas para a

disputa ente usinas hidrelétricas, incluindo as

PCHs, e outro em disponibilidade de energia

88 Determinados por rodadas do modelo de simulação dinâmica estocástica Newave, usado no planejamento da expansão do setor elétrico brasileiro pela EPE.

para as usinas térmicas, nos quais além das

térmicas a biomassa foram abertas também

oportunidades para as eólicas.

Nesses leilões mais gerais, as novas renová-

veis têm tido todavia sempre contratação

modesta e, basicamente, das formas mais tra-

dicionais: PCHs nos certames por quantida-

de para hidrelétricas, disputados diretamente

pelos preços da energia, e térmicas a biomas-

sa nos contratos por disponibilidade selecio-

nados em disputa com as demais fontes al-

ternativas e com os geradores térmicos em

geral, por contratos de disponibilidade deci-

didos, na maioria das vezes, pelos índices de

custo-benefício ICB assinalados.

Assim, nos primeiros anos do período 2004-

2014, os leilões estimularam apenas modera-

damente a contratação de PCHs e de térmi-

cas a biomassa. Somente algum tempo depois

de iniciados os leilões direcionados exclusiva-

mente para as fontes alternativas é que essa

situação começou a se modificar. Em um pri-

meiro leilão, apenas para fontes alternativas,

realizado em 18/06/07, as contratações foram

ainda apenas de PCHs e de usinas a biomassa,

mas já com um volume crescente de usinas a

bagaço de cana (432 MW instalados com cer-

ca de 207 MW médios). Em 14/08/08, com a

introdução também da outra nova categoria

- os chamados leilões de reserva - oferecen-

do contratos por disponibilidade, em um cer-

tame ainda voltado exclusivamente para usi-

nas a biomassa, agregou-se um novo volume

expressivo dessa fonte (2.256 MW instalados

com 548 MW médios comercializados).

Mas, foi apenas em 14/12/09, o segundo lei-

lão de reserva agora especificamente orienta-

do para as eólicas e em contratos por quantida-

Page 81: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

80

de89 que veio a resultar na contratação de cerca

de 1.805 MW dessas novas usinas, a primei-

ra adição de eólicas no ACR depois do Proinfa.

A partir daquele ano, elas voltaram a se expan-

dir, agora já com uma base industrial construída,

através dos leilões de reserva e dos leilões para

fontes alternativas geralmente específicos para

cada uma dessas fontes ou, ainda, envolvendo a

concorrência apenas entre eólicas e biomassa.

Nessa nova etapa, as eólicas são acompanhadas

em um menor grau pelo crescimento das térmi-

cas a biomassa, também principalmente através

de leilões específicos e bastante mais lentamen-

te pelas PCHs, estas disputando os leilões com

as hidrelétricas em geral.

Cabe assinalar que, no caso das usinas eólicas

e a biomassa, conforme observado, a escolha

por um tipo de leilão não foi única, pois inicial-

mente selecionadas apenas em disputas com-

petitivas por contratos por disponibilidade (A-

3, A-5 e Fontes Alternativas), também foram

progressivamente contratadas em leilões es-

pecíficos (de Reserva) por quantidade.

É no período 2010-2014 que a energia eólica

se firma, de modo a vir a se afirmar no cenário

energético brasileiro. Em 2010 o terceiro leilão

de reserva contrata em quantidade fontes al-

ternativas através de leilões específicos para

cada forma de energia totalizando 1.200 MW

de capacidade e cerca de 445 MW médios de

energia assegurada, dos quais 255 MW médios

eram de eólica, que também teve o preço mé-

dio mais baixo daquele leilão, da ordem de R$

122,69/MWh; em um leilão em sequência, no

mesmo dia, para fontes alternativas agora com

a eólica e as biomassas concorrendo entre si

por contratos de disponibilidade e, ao contrá-

rio do usual nesse tipo de contratação, sele-

cionadas por preços da energia, saem vence-

dores cerca de 643 MW médios de eólica, a R$

89 Determinados por rodadas do modelo de simulação dinâmica estocástica Newave, usado no planejamento da expansão do setor elétrico brasileiro pela EPE.

134,23/MWm em média e apenas 22,3 MW mé-

dios de biomassa a R$ 137,92/MWh.

Em 2011 estranhamente os preços medidos

em real caem muito para o em torno dos R$

100/MWh e ainda assim tanto as usinas tér-

micas a biomassa como as eólicas continuam

sendo contratadas, tanto em contratos por

disponibilidade (leilões A-3 e A-5 com con-

corrência com as térmicas em geral) como

por quantidade (leilão de reserva com dispu-

ta apenas entre eólicas e biomassa). 2012 é

um ano quase sem leilões e sem contratações

de nenhuma foram de energia, embora ainda

alguma energia eólica nova (151, MW médios

a um ICB muito baixo de R$ 87,94/MWh) ga-

nhe contratos em um leilão A-3.

Mas, em 2013, diante de um progressivo au-

mento de riscos no abastecimento de eletri-

cidade no país, voltam a acontecer contra-

tações com níveis de preço similares aos de

2010, alcançando cerca de 2.850 MW mé-

dios de energia em usinas que se utilizam de

fontes alternativas, entre eólicas, biomassa e

PCHs. Situação que se repete embora com

um pouco menos de vigor em 2014, ano em

que a seca ameaçava os reservatórios e a ne-

cessidade de nova geração se mostrava ainda

maior, com preços agora mais elevados, che-

gando a se ter usinas de biomassa sendo se-

lecionadas em leilão A-5 por ICB da ordem de

R$ 200,00/MWh.

Finalmente, ainda em 2014, um leilão de re-

serva específico para usinas solares fotovol-

taicas, assinala a primeira contratação des-

sas usinas para o mercado regulado, quando

889,6 MW de capacidade de geração fotovol-

taica, correspondendo a uma capacidade as-

segurada de geração de 202,3 MW médios, foi

contratada por quantidade a um preço médio

de R$ 251,12, ainda bastante superior aos va-

Page 82: ANÁLISE DA MATRIZ ENERGÉTICA E DA …...relevantes aos engenheiros e operadores di-retos do sistema, mas secundárias a um deba-te político-social. Ao destacar a estrutura e seus

81

DATA DO LEILÃO EÓLICA BIOMASSA PCH SOLAR

14/08/08 96,30

14/12/09 84,83

25/08/10 69,44 82,22 75,75

18/08/11 61,97 62,51

23/08/13 46,30

31/10/14 58,22 88,01

28/08/15 84,32

13/11/15 53,51 78,31

23/09/16 85,39

TABELA 5.7 – PREÇOS MÉDIOS ALCANÇADOS NOS LEILÕES DE RESERVA COM CONTRATAÇÃO POR QUANTIDADE (US$ CORRENTE/MWH)

Fonte: Preços médios informados pelo CCEE e valores médios do dólar das datas dos leilões conforme o BCB.

lores usuais para as demais formas e efetiva-

mente inaugurando a participação comercial

da energia solar no setor elétrico brasileiro.

Dadas as diferenças de condições contratuais e

de critérios usados nos leilões é difícil fazer-se

uma comparação precisa dos preços, particular-

mente nos valores a serem recebidos pelos pro-

dutores diretamente como resultado dos mes-

mos. Em uma abordagem bastante simplificada,

calculando-se tanto os valores médios para os

preços como os índices de custo benefício dos

projetos ganhadores nos diversos certames ao

longo do decênio 2005-2014, convertendo seus

valores segundo as taxas de dólar vigentes nas

datas dos leilões e ponderando pelas quantida-

des contratadas, chega-se a um valor médio no

período todo de US$ 74,41/MWh para as bio-

massas, US$ 60,10/MWh para a energia eólica e

US$ 63,61/MWh para as PCHs.

No caso das eólicas, comparando o valor aci-

ma obtido com os valores das usinas do Proinfa,

cujos preços esperados em 2015 são da ordem

de US$ 117,77/MWh (pelo dólar de 01/04/2015),

fica claro que, quaisquer que sejam as aproxi-

mações assumidas nesses cálculos, a energia

eólica ficou muito mais competitiva com o tem-

po ao longo da sistemática de leilões.

Destacando agora apenas os leilões de reser-

va com base em contratação de quantidades

de energia comercializadas e considerando os

valores em dólares segundo as taxas de con-

versão vigentes nos leilões, a Tabela 4.7, abai-

xo, permite alguma comparação direta entre

as fontes e indica faixas de preços próximas,

também com alguma vantagem para as usi-

nas eólicas que vem ficando mais competiti-

vas com o tempo.

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Especificamente, no último leilão do período

em que foram contratados projetos eólicos e/

ou solares, foi um leilão de reserva realizado

em 13/11/15, quando o preço médio dos proje-

tos eólicos ganhadores foi de US$ 53,51/MWh

(R$ 203,45/MWh convertido pelo dólar da

época90) enquanto que o dos projetos solares

PV foi de US$ 83,13/MWh (R$ 275,12/MWh),

em um período que a escassez de energia

se mostrava favorável à oferta pressionan-

do os preços para cima. No último leilão (em

29/04/16) tipo A3/A5, para as demais renová-

veis que foram contratadas, os preços médios

foram de US$ 68,64 para biomassa e de US$

50,94/MWh para as PCHs. Estas últimas ainda

foram contratadas no período em um leilão

de reserva em 23/09/16 por US$ 85,39/MWh.

Como assinalado, a diversidade de tipos de

contratos e regras usados na contratação das

novas renováveis dificulta uma comparação

direta entre elas. Mas, não obstante às diferen-

ças entre os tipos de leilão e as condições con-

tratuais oferecidas, em uma tentativa de sínte-

se pode-se afirmar que a expansão das novas

renováveis alternativas através dos leilões teve

amplo sucesso e tanto as usinas a biomassa

(principalmente a bagaço de cana) como as

eólicas tiveram um crescimento expressivo no

período, sendo que apenas as PCHs apresen-

taram um desenvolvimento mais modesto. Es-

tas últimas, ainda assim, conseguiram algum

espaço nas disputas com as demais hidrelétri-

cas, ao que tudo indica diante da carência de

projetos hidrelétricos maduros.

As térmicas a biomassa e, nos anos mais re-

centes, também as eólicas têm conseguido

90 O real estava sendo considerado como supervalorizado por muitos analistas ao longo de 2014, sendo que entre o início de 2015 e a data daquele leilão, 13/11/15, o dólar, em reais, subiu cerca de 30%. Posteriormente, deu-se nova subida forte do dólar que foi apenas revertida no segundo semestre de 2016, o que ainda não nos permite tempo suficiente de estabilidade para avaliar como esses preços evoluirão no novo patamar cambial, dado que entram tanto componentes nacionais como importados nos custos de implantação dessas usinas.

91 O Leilão A-5 realizado em 13/12/13. Excepcionalmente, esse tipo de leilão ofertou um produto de contatos por disponibilidade exclusivamente para projetos eólicos ou solares e que resultou na contratação de projetos eólicos totalizando uma capacidade instalada de 2.337,8 MW.

competir com as térmicas em geral nas dis-

putas de contratos por disponibilidade reali-

zados nos principais leilões para energia nova

realizados nas datas A-3 e mesmo A-5 com

indicadores custo-benefício favoráveis, ajus-

tados pelas suas vantagens em termos de

complementaridade com os regimes hidroló-

gicos que governam as hidrelétricas.

De qualquer modo, a expansão mais signifi-

cativa destas últimas formas alternativas não

tem sido nesses certames abertos e, assim

como o surgimento da energia solar no ACR,

tem sido o resultado principalmente de lei-

lões específicos, envolvendo no máximo algu-

ma concorrência apenas entre a biomassa e

as eólicas. O crescimento das eólicas em par-

ticular se deu em parte em leilões de reserva

e mesmo tipo A591. Em alguns poucos casos

focados exclusivamente para aquela forma

de energia, ou ainda admitindo a concorrên-

cia direta de energia solar ainda muito cara e

portanto em uma concorrência mais simbó-

lica que prática. Nestes tipos de leilões sem

concorrência efetiva foram contratados em

todo o período em exame 7.494 MW de ca-

pacidade de projetos eólicos. Já concorren-

do apenas com usinas a biomassa foram con-

tratados outros 2.381 MW. Todavia, em leilões

mais competitivos, disputados por usinas tér-

micas em geral e avaliados por ICB, foram

contratados ainda projetos eólicos totalizan-

do uma capacidade de 5.300 MW.

Ou seja, a concorrência introduzida no siste-

ma de leilões, em relação ao método do Proin-

fa, tanto no caso das usinas a biomassa como

no das eólicas se deu em grande parte entre

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projetos similares, independentemente das

demais alternativas energéticas. Ainda assim,

essa concorrência se mostrou efetiva na re-

dução dos custos destas usinas. Hoje, no caso

das eólicas, com seus preços que vem cain-

do ao longo do tempo, é possível esperar-se

que estas venham a ter cada vez maior suces-

so em certames mais abertos.

Finalmente a entrada em 2014 da energia solar

fotovoltaica, embora ainda a níveis de preços

mais elevados, promete ser ponto inicial de um

novo movimento expressivo de modificação

da matriz elétrica brasileira em favor das reno-

váveis. Claramente, observando-se o exemplo

da evolução da energia eólica, além de certa-

mes favorecidos, essa ampliação irá depender

também de um processo amplo de estabele-

cimento no país de segmentos expressivos da

cadeia de produção dos bens e serviços que

viabilizem a implantação dessas novas unida-

des e que se constitui assim no maior desafio

de curto prazo no caminho da energia renová-

vel no Brasil.

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CONCLUSÕES O Brasil tem buscado ampliar a participação

de fontes renováveis em sua matriz energéti-

ca e principalmente na geração de eletricida-

de. Considerando apenas as fontes não fós-

seis, que não emitem gases de efeito estufa

(GHG), o Brasil (com uma presença histórica

de renováveis) chegou ao final de 2015 com

cerca de 41% de fontes renováveis e cerca de

1,3% de energia nuclear em sua oferta interna

geral de energia (dados do BEN).

No setor elétrico, onde a penetração das no-

vas fontes renováveis representa uma pro-

funda mudança de paradigma em relação ao

comportamento histórico deste setor nas di-

versas regiões do mundo, o Brasil tem sido

o foco de esforços governamentais coorde-

nados para a promoção dessas novas fontes

alternativas utilizando as tarifas subsidiadas

FIT em um primeiro momento do processo e

logo passando para promovê-las através de

leilões específicos envolvendo diferentes ní-

veis de concorrência.

Tanto a geração a biomassa como o uso de

pequenas usinas hidrelétricas já podem ser

considerados como tradicionais no país, sen-

do que principalmente o uso de biomassa

tem sido continuamente promovido. Das no-

vas fontes, a energia eólica foi como no res-

to do mundo a primeira a crescer fortemente,

estando a energia solar apenas começando a

ocupar espaço na geração elétrica regulada.

Os resultados iniciais desses esforços po-

dem ser vistos a partir da estrutura alcançada

pelo setor elétrico em 2015 conforme indica-

do na Tabela 6.1 abaixo, onde mesmo em um

ano em que as usinas térmicas estiveram liga-

das por alguns longos períodos, ainda assim,

o percentual de geração renovável envolvido

no suprimento das necessidades de eletrici-

dade do país foi superior a 75% e onde a ge-

ração eólica já desponta com um percentual

de 3,5% da geração total o que demonstra o

sucesso inicial dessa nova fonte renovável, do

uso das FIT como forma inicial de promoção

da mesma e posteriormente dos leilões.

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FORMAS DE ENERGIAOFERTA INTERNA DE ENERGIA

(TWh) (%)

Hidro 359,7 58,4

Bagaço de Cana 34,2 5,5

Eólica 21,6 3,5

Outras Renováveis 14,9 2,4

Importação (Hidro) 34,4 5,6

SUB-TOTAL 1.990 1,5

Renováveis 464,8 75,4

Petróleo 25,7 4,2

Gás Natural 79,5 12.9

Carvão Mineral 19,1 3.1

Nuclear 14,7 2.4

Outras Não Renováveis 12,1 2.0

SUB-TOTAL Não Renováveis 151,1 24.6

TOTAL 615,9 100.0

TABELA 6.1 – OFERTA INTERNA DE ELETRICIDADE POR FONTE NO BRASIL EM 2015

Fonte: Resenha Energética Brasileira 2016 – BEM/MME

Apenas para uma rápida comparação, se exa-

minarmos a situação da Alemanha, com seu

bem sucedido programa de transição ener-

gética, o “Energiewende” e que impulsionou

um significativo desenvolvimento tecnológico

naquele setor em parte transferido para ou-

tros países92, a capacidade instalada de ener-

92 No Brasil, a primeira empresa multinacional instalada para produzir equipamentos para geração eólica desde 1995 foi a empresa alemã Enercon, aqui sob o nome de Wobben, homenageando seu fundador.

gia renovável no setor elétrico daquele país

com dados de 2014 havia alcançado cerca de

49,6% da geração do total no país, conforme

indicado na Tabela 6.2 a seguir, e onde o prin-

cipal mecanismo usado nesse processo envol-

veu a adoção dos FIT.

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FONTES RENOVÁVEISALEMANHA BRASIL

Capacidade Instalada (%) Geração (%) Capacidade

Instalada (%) Geração (%)

Hidrelétrica 2 3,4 66,6 63,2

Biomassa 3,3 8 9,2 7,8

Eólica 18 8,6 3,6 2,1

Solar 19,5 5,8 - -

Outras 0,7 - - -

TOTAL 43,6 25,8 79,4 73,1

TABELA 6.2 – PARTICIPAÇÃO DAS FONTES RENOVÁVEIS NA CAPACIDADE INSTALADA E NA GERAÇÃO ELÉTRICA EM 2014 NA ALEMANHA E NO BRASIL

Fonte: Alemanha: RAP (2015); Brasil: N3E/SPE/MME

No Brasil, como foi dito, as tarifas tipo FIT ser-

viram basicamente para estimular o uso inicial

principalmente da geração eólica (Proinfa),

mas depois de uma fase inicial bem sucedi-

da, foram rapidamente substituídas a par-

tir de 2005 como instrumento de promoção

por uma sistemática de leilões acompanhando

uma mudança mais geral do modelo institucio-

nal do setor elétrico brasileiro que introduziu o

processo de leilões para a expansão de toda a

geração nova em geral no ambiente regulado.

Tanto pelo uso de FIT como pelos leilões, pro-

cura-se através de mecanismos específicos

redistribuir os custos adicionais decorrentes

da adição destas novas formas de geração

entre todos os contribuintes, ou pelo menos

entre a maior parte deles. A diferença funda-

mental em relação aos FIT tradicionais é que

através dos leilões se introduz um maior ní-

vel de concorrência nas tarifas a serem pagas

seja através da disputa entre o mesmo tipo

de usinas ou mesmo entre usinas alimenta-

das por diferentes tipos de fontes de energia.

Como as regras dos leilões e as maneiras de

se concretizar as contratações podem variar

bastante, dependendo muito do quadro insti-

tucional vigente, é difícil se estabelecer gene-

ralizações para os mesmos.

Na verdade, os sistemas de FIT e de leilões

são similares, já que ambos admitem (ou po-

dem admitir) pagar aos geradores renováveis

um valor acima dos preços de mercado. Nos

FIT isso é bastante claro; em sua forma tra-

dicional são selecionadas uma ou mais for-

mas de energia para as quais se contratam

todos os projetos de geração que se enqua-

drem em alguns pré-requisitos técnicos e/ou

geográficos vendendo a sua energia a tarifas

pré-estabelecidas que viabilizem a instalação

das novas unidades. Com a expansão inicial

e fortalecimento do segmento em questão,

sua promoção pelos FIT pode ser facilmen-

te substituída pelo uso de leilões de contratos

de mercado com quantidade total definida e

nos quais concorrem os projetos de geração

em função de seus preços, que, como é o caso

dos leilões no Brasil, podem ter um preço má-

ximo estabelecido antecipadamente. Adicio-

nalmente, através de algum mecanismo que

varia com o modelo institucional setorial vi-

gente, os sobre-preços em relação à geração

convencional são distribuídos entre os consu-

midores nacional ou regionalmente.

As diferenças mais significativas entre esses

modelos de promoção das renováveis, es-

tão ligados aos tipos de usinas que se permi-

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te concorrer nos leilões, que vão desde a um

tipo único de fonte renovável até grupos des-

sas fontes, e podem mesmo alcançar muitas

outras fontes de energia renováveis ou não.

Com o crescente aumento de competitivida-

de dessas novas fontes, esse último tipo de

leilões mais competitivos, deverá cada vez

mais se tornar a forma dominante e, com isso,

poderão ir desaparecendo os sobre-preços.

No Brasil, como foi visto, através dos leilões

foram contratados projetos corresponden-

do a 27,6 GW de usinas renováveis alternati-

vas entre 2005 e 2015. A energia eólica que es-

tava sendo contratada em 2009 por cerca de

84 US$/MWh, em 2015 já havia passado para

a faixa do 52-53 US$/MWh enquanto que a

energia solar fotovoltaica em sua primeira con-

tratação pelo mercado regulado em 2014 o foi

por cerca de 88 US$/MWh e veio caindo um

pouco para 78 US$/MWh em 2015 e, se o sinal

dado pelas contratações recentes no Peru e no

Chile se confirmar, também aqui poderá vir a

cair bem mais93.

O aumento de competitividade das novas re-

nováveis está acompanhando os avanços das

pesquisas em desenvolvimento tecnológi-

co e o crescimento da indústria fornecedora

dos equipamentos. Na Alemanha, a expansão

tanto das eólicas como da solar fotovoltaica,

envolveu um crescimento expressivo do par-

que industrial conexo que se instalou com um

foco exportador, embora sofrendo forte con-

corrência de outros países europeus (Dina-

marca, Espanha e outros), dos Estados Uni-

dos e hoje da China. Esta última, no caso da

energia solar, vem dominando os principais

nichos daquele segmento. No Brasil, a indús-

tria de montadoras eólicas e suas redes de su-

primento também se desenvolveu, em gran-

93 Todavia, como o Real passou por uma forte depreciação em 2015 frente ao Dólar e ao Euro, o que deverá afetar também os preços das componentes importados, ainda se levará algum tempo para avaliar o efeito total dessas alterações sobre os preços pelos quais essas fontes deverão ser contratadas no futuro, independentemente das evoluções tecnológicas por si mesmas.

de parte, graças aos financiamentos especiais

a ela direcionados, formando um verdadeiro

“hub” na América Latina com potencial ex-

portador. No caso da indústria solar, ela está

ainda em suas fases iniciais na América Latina

como um todo, mas poderá no Brasil seguir

caminhos similares aos da eólica.

As alterações trazidas pelo crescimento des-

sas novas alternativas energéticas afetando

tanto o setor industrial do setor elétrico, com

a incorporação dessas novas indústrias e suas

cadeias de fornecedores, como as estrutu-

ras de propriedade das empresas de geração,

com essas novas usinas de menor tamanho e

com proprietários bastante diversificados, es-

tão também modificando o campo institucio-

nal do setor elétrico com impactos ainda não

totalmente concretizados e entendidos.

Essas mudanças poderão ainda ser maiores

se a redução de custos da geração fotovoltai-

ca solar continuar no ritmo atual, assim como

dos custos de armazenamento dessa energia

em baterias individuais, o que poderá ampliar

em muito o número de unidades consumido-

ras independentes (ou quase) da rede expan-

dindo a chamada geração distribuída e, de

certo modo, reformulando o modelo de ne-

gócios do setor elétrico concebido e inaugu-

rado por Edson no inicio do século XX.

No momento, a participação dessas novas

fontes renováveis ainda pode ser considera-

da complementar em relação à geração con-

vencional. Todavia, caso as políticas de en-

frentamento ao efeito estufa se ampliarem

no futuro, o uso de fontes não poluentes e o

abandono dos combustíveis fósseis podem se

tornar mandatórios, o que hoje deixaria como

opção apenas a adoção das nucleares e/ou

das renováveis.

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As grandes reduções de custos das novas

renováveis conseguidas nas últimas déca-

das ampliaram muito a competitividade des-

sas fontes, mas ainda não se pode dizer que

elas conseguiriam se estabelecer em uma li-

vre concorrência apenas por preços, dispu-

tando com as fontes convencionais como,

por exemplo, com o carvão. As externalida-

des negativas climáticas dificilmente entra-

riam nos cálculos imediatos do mercado e

a expansão das novas renováveis tem exigi-

do e continuará exigindo um quadro institu-

cional que as promova. O equilíbrio entre os

custos da energia e as necessidades ambien-

tais continuarão a requerer esforços criterio-

sos e continuarão a depender das decisões

políticas da sociedade.

Em qualquer caso, com a ampliação da parti-

cipação das renováveis, necessita-se mais do

que nunca de uma visão clara dos custos adi-

cionais trazidos pela sua integração aos sis-

temas elétricos. Essa tem sido uma das maio-

res dificuldades, claramente identificada no

corrente trabalho, e que surgem ao se procu-

rar realizar uma efetiva análise dos custos e

benefícios dessas novas unidades geradoras

dada a grande interdependência entre as di-

versas partes do sistema envolvidas na com-

plementação das renováveis diante de suas

sazonalidades e intermitências.

Mesmo no Brasil, com uma longa experiência

em lidar com usinas hidrelétricas integradas

que são predominantes em seu sistema, a in-

dividualização das relações custo/benefício

de cada usina ainda gera muitas dificulda-

des94, dependendo de modelos matemáticos

sofisticados mas nem sempre representam

perfeitamente os sistemas reais. Como é

de sua própria natureza, modelos são sem-

pre representações aproximadas da reali-

94 Haja vista as dificuldades hoje enfrentadas com as definições de garantia física das usinas hidrelétricas e com o estabelecimento dos preços spot.

dade e guardam algum grau de imprecisão

por construção. No caso das unidades gera-

doras menores como as eólicas e fotovoltai-

cas, pouco adequadas à representações in-

dividualizadas em modelos do sistema, esse

processo tem sido ainda mais aproximado.

Mesmo assim, tem se buscado capturar es-

ses efeitos sistêmicos com apoio dos valores

marginais calculados pelos modelos na de-

terminação do uso de índices benefício/cus-

to utilizados nos leilões em que essas fontes

competem com outras, conforme assinalado,

o que representa um dos poucos esforços na

direção correta que se têm notícia. Uma me-

lhor mensuração desses custos ainda é um

desafio a ser enfrentado.

Além da identificação clara dos custos e be-

nefícios, necessita-se um planejamento claro

à medida que a energia eólica e solar vão ga-

nhando participação na geração de eletricida-

de, indicando como se lidará com a intermi-

tência dessas usinas. Parte da solução poderá

estar na própria complementaridade entre as

fontes; no Brasil existe uma clara complemen-

taridade entre os períodos secos da Região

Sudeste-Sul com as fases de ventos mais fre-

quentes, com vantagens para a coexistência

entre hidrelétricas e eólicas. O armazenamen-

to de água nas hidrelétricas, fazendo com que

essas acompanhem a carga com alguma faci-

lidade, é um dos principais recursos no Brasil

para lidar com o crescimento do parque eólico

e solar. Todavia, como apontado antes, as usi-

nas com grandes reservatórios não têm sido

mais construídas para evitar o alagamento

de regiões mais extensas diante das pressões

ambientalistas. De uma maneira geral, a pre-

sença de usinas a gás natural com sua facilida-

de de acompanhamento da carga é uma das

soluções mais gerais disponíveis, embora tam-

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bém emissoras de CO2, mesmo que em menor

proporção que outros combustíveis fósseis.

Com a evolução tecnológica, possibilidades

de estoque de energia poderão se tornar mais

competitivas e introduzidas nos sistemas elé-

tricos para mitigar os problemas da intermi-

tência das fontes renováveis. Uma dessas so-

luções com tecnologia simples e disponível

envolve a construção de usinas hidrelétricas

reversíveis com capacidade de bombeamen-

to, que podem operar enchendo reservató-

rios nos períodos de maior disponibilidade de

energia no sistema, para serem posteriormen-

te usadas gerando nos períodos de escassez.

Em um contexto de incertezas, parece apenas

ser uma conclusão robusta que as novas unida-

des renováveis, seu parque industrial e cadeias

de valor são uma realidade concreta e conti-

nuarão a se expandir nos próximos anos, onde

os principais desafios e oportunidades são de

natureza tecnológica e função do desenvolvi-

mento do conhecimento necessário e da for-

mação adequada do capital humano.

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ANEXO 1

DATA E TIPO DE LEILÃO

MODO DE CONTRATAÇÃO

FORMAS DE ENERGIA QUE

PARTICIPAM NO LEILÃO

FORMAS RENOVÁVEIS ALTERNATIVAS: NOVAS USINAS CONTRATADAS NO LEILÃO PARA VENDA NO ACR

RESULTADOS, CRITÉRIO DE SELEÇÃO E OBSERVAÇÕES

GERAISFormas

de Energia

Cap. Inst. (MW)

Energia Média (MWm) GF

Preço ou ICB (R$/MWh)

2004 - 2006

1o leilão novo modelo em 07/12/2004 – energia

existente;

Diversos leilões de energia existente e de ajustes;

1o leilão de energia nova em 16/12/2005;

2005

16/12/05

A-3

A-5

E

Existente

Disponibilidade 15 anos UTEs Bagaço

de Cana 136 54 122,35

O 1o Leilão para energia nova contratou,

entre novas obras e existentes 1.008 MWm de hidrelétricas em geral, e 2.278 MWm de UTEs em geral, (com 1.391 MWm

gás e 546 MWm carvão), selecionados por ICB

2006

29/06/06

A-3

Disponibilidade

15 anosUTEs Bagaço

de Cana 162 66,5 134,21

Contratados para UTEs em geral 654 MWm (com óleo combustível e diesel)

selecionado por ICB

Quantidade

30 anosUHEs PCH 2 1 124,99 Contratados no Leilão

1028 MW hidrelétricas

10/10/06

A-5

Disponibilidade

15 anosUTEs Bagaço

de Cana 262 89,3 137,10

Selecionado por ICB Contratados 535 MWm

térmicos (200 MWm gás natural e 200 MWm gás

de processo);

Nas mesma data Leilão por quantidade, contratou 568 MWm hidro; nenhuma

PCH

TABELA A.1 – CONTRATAÇÃO DE FONTES ALTERNATIVAS NOS LEILÕES DE ENERGIA NOVA NO BRASILFonte: CCEE, Acende Brasil

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2007

18/06/07

1o F.A.

p/ A-3

Quantidade 30 anos PCHs PCH 35 21,6 134,99

Leilão p/ PCH; preço teto baixo e

problemas ambientais

Disponibilidade 15 anos

Biomassa e Eólicas

Bagaço de Cana 402 186,4 138,85 Selecionado por ICB

Leilão pela 1a vez aberto para eólicas, que não se interessaram com preço

teto de R$ 140/MWhCriador Avicola 30 27,1 138,50

26/07/07

A-3

Contratadas térmicas: 1367 MWm a óleo comb., 140 a óleo diesel e 275 a outros óleos – nenhuma

fonte renovável foi contratada

16/10/07

A-5

Contratados 715 MWm hidro e 1597 MWm

térmicos (com 930 MW carvão) nenhuma fonte

alternativa foi contratada

10/12/07

Estrutur.

UHE

Santo Antonio

UHE Santo Antonio, 2218 MWm, a R$78,90/MWh

(Vendendo 30% no ACL, R$ 85/MWh) Furnas, Odebrecht, Andrade,

Cemig

2008

19/05/08

Estrutur.

UHE

Jirau

UHE Jirau, 1975,3 MWm a Canargo, Chesf, Elsul,

Suez

14/08/08

1o Reserva

Disponibilidade 15 anos Biomassa Bagaço

de Cana 2265,5 548156,6 preço

59,19 (ICE);

Leilão específico só p/ biomassa

Critério ICE diferente do ICB e usado apenas nesse

leilão;

ICE = RF/EnOfertada - RAV/ GF RAV = receita anual variável esperada;

Preço teto subiu para $157

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17/09/08

A-3UTEs e Eólicas

Selecionado por ICB

Contratadas térmicas convencionais apenas: 881,0 MWm em óleo combustível (p = R$

127,84/MWh ) e 265,0 MWm a gás natural

liquefeito (p= R$ 130,2 / MWh)

30/09/08

A-5

Disponibilidade 15 anos UTEs e Eólicas Bagaço

de Cana 114 44,7 145

Leilão hidro contratou pouco, apenas 121 MWm ,

a R$ 99/MWh;

Leilão para UTEs em geral selecionado por ICB

contratou 2.969 MWm (óleo, GNL e carvão)

2009

27/08/09

A-3

Disponibilidade 15 anos UTEs e Eólicas Bagaço

de Cana 48 14,2 144,60

Contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB;

Preços tetos não atraíram

Quantidade 30 anos UHEs PCH 5,7 1,0 144,00 Preços tetos não atraíram

14/12/09

2o Reserva

Quantidade 20 anos Eólicas Eólicas 1805,7 753 fc

43,8%148,30

21% desag.

Leilão de reserva específico para eólicas

1a contratação de eólicas por leilão;

selecionado pelo preço de lance

2010

20/04/10

Estrutural

UHE Belo Monte

70% para o ACR, p = R$ 78,00/MWh Chesf, J.

Malucelli, Galvão.

30/07/10

A-5

Quantidade 30 anos UHEs PCH 79,0 41,8 155,00

Leilão exclusivo para hidro; contratou 327 MWm

de hidro a p = R$ 128,2 médio

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25 e 26/08/10

3o Reserva

Quantidade 2011

+ 15 anosBiomassa Bagaço

de Cana 286,9 74,8 154,18

Leilão exclusivo para biomassa para entrega

em 2011 selecionado pelo preço de lance

Quantidade 2012

+ 15 anosBiomassa Bagaço

de Cana 118,0 31,4 145,37

Leilão exclusivo para biomassa para entrega

em 2012 selecionado pelo preço de lance

Quantidade 2012

+ 15 anosUHEs PCH 30,5 21,7 130,73 3a fase Leilão exclusivo só

para PCH

Quantidade 2013

+ 15 anosBiomassa Bagaço

de Cana 243,0 62,1 134,47

3a fase Leilão exclusivo só para Biomassa

selecionado pelo preço de lance

Quantidade 2013

+ 20 anosEólicas Eólica 528,2 255,1 122,69

3a fase Leilão exclusivo só para Eólicas;

Leilões por quantidade específicos por fonte e

selecionados pelos preços de lance

25 e 26/08/10

2o F.A.

Quantidade 30 anos PCHs PCH 101,0 48,1 146,99 Leilão exclusivo só para

PCH

Disponibilidade 20 anos

Biomassa e Eólicas

Eólica 1519,6 643,9 134,23Único leilão por disponibilidade

selecionado a partir da receita fixa exigida

expressa em Preço equivalente – PEQ, receita fixa dividida pela energia contratada em Reais por

MWh

Bagaço da Cana 65,0 22,3 137,92

17/12/10

A-5

Quantidade 30 anos

Contratada apenas a UHE Teles Pires e a energia da UHE Santo Antônio

do Jari num total de 968 MWm

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2011

17/08/11

A-3

Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas

Eólica 1067,7 484,2 99,58

Contratos para UTEs em geral, Selecionado por ICB (competem entre si e com

GN);

Foram contratados também 866,4 MWm de gás natural com ICB de

R$ 103,26 (Na modalidade quantidade este leilão

contratou apenas a expansão de Jirau de

209,3 MWm a um p = R$ 102,00)

Biomassa 197,8 91,7 102,41

18/08/11

4a Reserva

Quantidade 20 anos

Biomassa e Eólicas

Eólica 861,1 428,8 99,54Leilão apenas para

Eólicas e Biomassa por quantidade, selecionado

por preços de lanceBiomassa 357 160,5 100,40

20/12/11

A-5

Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas

Bagaço de Cana 100 43,1 103,06

Contratos para UTEs em geral, Selecionado por

ICB (competem com GN)

(no leilão por quantidade para hidros foram

contatados 81,8 MWm, e nenhuma PCH)

Eólica 976,5 478,5 105,12

2012

14/12/12

A-5

Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas Eólica 281,9 151,6 87,94

Leilão para UTEs em geral selecionado por ICB

(no leilão por quantidade para hidros foram

contatados 150,6 MWm a R$ 93,46/MWh e

nenhuma PCH)

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2013

23/08/13

5a Reserva

Quantidade 20 anos Eólicas Eólica 1505,2 700,7 110,51

Leilão em quantidade só para eólicas;

Selecionado por preço de lance;

Requerendo capacidade de escoamento na rede básica de transmissão

existente ou já contratada;

Também a quantidade de energia a ser oferecida em leilão (GF) passou a ser a P90, ou seja com probabilidade de 90%

29/08/13

A-5

Quantidade 30 anos PCH 218,4 115,2 125,44

Leilão só para hidro; no total contratou 316 MWm de hidro a p médio de R$

114,48 /MWh;

incluiu a contratação de UHE Sinop (215,8 MWm

contratados)

Disponibilidade 25 anos UTEs

Bagaço de Cana 347,0 133,6 133,57 Contratos para UTEs em

geral, selecionado por ICB (competem com GN e

Carvão);Cavaco de Madeira 300 241,2 136,69

18/11/13

A-3

Disponibilidade 20 anos

Gás Natural, Biomassa,

Eólica e SolarEólica 867,6 332,5 124,45

Leilão para hidro por quantidade não teve

interessados

Leilão para térmicas por disponibilidade

selecionado pelo ICB;

Só as eólicas ganharam (rf = R$ 127,82/MWh)

1a leilão incluindo solar; ainda eólica, biomassa, gás natural, Solar > 5 MW; Aerogeradores

importados > 1500 kW

13/12/13

A-5

Quantidade 30 anos UHEs PCH 307,8 148,6 137,37

Leilão em quantidade para hidro; contratadas PCHs e ainda a UHE S. Manoel (no teles Pires) com 421 MWm

a p = R$ 83,49/MWh

Disponibilidade 25 anos UTEs

Bagaço de Cana 145,0 79,6 134,44

Contratos para UTEs em geral, selecionado por

ICB.Cavaco de Madeira 16,8 14,9 136,49

Disponibilidade 20 anos Eólicas e Solar Eólica 2337,8 1083,4 119,03

Competiam apenas Eólicas e Solar,

selecionado por ICB (receita fixa da ordem de

R$120,70/MWh)

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2014

28/03/14

Usina Existente

UHE Tres Irmãos no Rio Tiete com 807,5 MW, era

concessão da CESP;

(1o leilão pós MP 579);

Vendeu Consórcio com Furnas Proposta R$

31.623.036

06/06/14

A-3

Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas Eólica 551,0 274,5 129,96

Leilão de contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB,

(concorrem Gas natural, biomassa, etc.)

(rf = R$ 133,13/MWh)

Foi contratada por quantidade a expansão da UHE Santo Antonio (R$

121,00/MWh)

31/10/14

6o Reserva

Quantidade 20 anos Solar Solar 889,7 202,1 215,1

1a contratação de solar PV (p teto R$ 262,00/MWh) selecionado por preço de

lance p – 82 a 90 US$

Quantidade 20 anos Eólicas Eólica 769,1 333,4 142,30

Só Eólicas ( p teto R$ 144,00/MWh) selecionado

por preço de lance.

Não houve interesse nos contratos para UTE

Biomassa (P teto = R$169,00/MWh), em leilão

específico

28/11/14

A-5

Quantidade 30 anos PCH 43,9 23,7 161,98

As novas UHE oferecidas em leilão não tiveram

interessados; Só as PCHs

UTEs

Bagaço de Cana 283 89,7 202,45

Contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB; contratadas ainda 1700,5 MWm em gás

natural ( R$ 206,50/MWh) e 323,5 MWm a carvão

(R$ 201,98/MWh)

Cavaco de Madeira 328 220,0 207,11

Disponibilidade 20 anos Eólicas e Solar Eólicas 926 415,1 136,00

Leilão de contratos para Eólicas e Solar

Selecionado por preço de lance

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2014

28/03/14

Usina Existente

UHE Tres Irmãos no Rio Tiete com 807,5 MW, era

concessão da CESP;

(1o leilão pós MP 579);

Vendeu Consórcio com Furnas Proposta R$

31.623.036

06/06/14

A-3

Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas Eólica 551,0 274,5 129,96

Leilão de contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB,

(concorrem Gas natural, biomassa, etc.)

(rf = R$ 133,13/MWh)

Foi contratada por quantidade a expansão da UHE Santo Antonio (R$

121,00/MWh)

31/10/14

6o Reserva

Quantidade 20 anos Solar Solar 889,7 202,1 215,1

1a contratação de solar PV (p teto R$ 262,00/MWh) selecionado por preço de

lance p – 82 a 90 US$

Quantidade 20 anos Eólicas Eólica 769,1 333,4 142,30

Só Eólicas ( p teto R$ 144,00/MWh) selecionado

por preço de lance.

Não houve interesse nos contratos para UTE

Biomassa (P teto = R$169,00/MWh), em leilão

específico

28/11/14

A-5

Quantidade 30 anos PCH 43,9 23,7 161,98

As novas UHE oferecidas em leilão não tiveram

interessados; Só as PCHs

UTEs

Bagaço de Cana 283 89,7 202,45

Contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB; contratadas ainda 1700,5 MWm em gás

natural ( R$ 206,50/MWh) e 323,5 MWm a carvão

(R$ 201,98/MWh)

Cavaco de Madeira 328 220,0 207,11

Disponibilidade 20 anos Eólicas e Solar Eólicas 926 415,1 136,00

Leilão de contratos para Eólicas e Solar

Selecionado por preço de lance

2015

27/04/15

3a F.A.

Disponibilidade 20 anos

Biomassa Bagaço de Cama 389,43 134,6 209,91

Contratadas usinas a bagaço existentes

Selecionadas por ICB

Eólicas Eólicas 90,0 42,3 177,47 Selecionadas por ICB

30/04/15

A-5

Quantidade 30 anos UHE PHC 164,3 92,9 183,6

Foram contratadas 8 PCHs, uma UHE nova (UHE Itaocara a R$ 154,99/MWh) e uma

ampliação, totalizando 945,5 MWmédios

Disponibilidade 25 anos

UTEs

Bio, Gas, Carvão

Bagaço de Cana 61,4 37,1 273,00 Foram vencedores 2

UTEs a bagaço de cana, uma UTE a cavaco de

madeira e uma UTE a gás natural, totalizando 867

MWmédios Cavaco de

Madeira 50,0 41,4 272,00

03/07/15

9o LERGás natural

Não houve ofertas, o preço teto era de R$ 581/

MWh

21/08/15

A-3

Quantidade 30 anos UHEs PCHs 66,2 35,3 205,01

Disponibilidade 20 anos UTEs

Bagaço de Cana 28,5 14,5 210,73 Foi contratada ainda uma

UTE a gás natural de 28 MW a R$ 214,25/MWh

Selecionadas por ICBCasca de

Arroz 8,0 6,8 212

Disponibilidade 20 anos Eólicas Eólica 538,8 235,0 181,14 Só para eólicas

Selecionadas por ICB

28/08/15

7O LER

Quantidade 20 anos Solar Solar PV 833,8 232,9 301,79

Primeiro leilão para energia solar

Deságio médio de 15,6% em relação ao preço

inicial de R$ 349,00/MWh

13/11/15

8O LER

Quantidade 20 anos

Eólica Eólica 548,2 284,4 203,45 20 usinas com 4,48% de deságio

Solar Solar PV 929,34 246,0 297,74 33 usinas com 21,8% de deságio

25/11/15

UHE

Com a aprovação da MP 688 realizou-se o

leilão das UHEs, que teve deságio d 0,32%

Vencedoras:

Three Gorges (Ilha Solteira e Juruá), Copel (gov. Parigot), EGP, Cemig,

Celg, Celec.

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98

11/12/15

Existente

Disponibilidade por um ano e

por três anos e Quantidade por

três anos

UHEs, e UTEs a bagaço de cana, resíduo de madeira

e gás natural foram contratadas por índices

ICB

Disp. 3 anos = 129,25

Disp, 1 ano = 162,47

Quant 3 anos = 147,31

2016

29/04/16

A-5

Quantidade 30 anos UHE PCH 262,9 136,2 175,80

324,9 MW de UHE e PCH foram contratados, mas apenas 35,5% de novos

empreendimentos

Disponibilidade 20 anos

UTE

Biomassa e carvão

Bagaço de Cana 122,5 55,5 218,32 UTE biomassa e carvão

só 71,7% de novos empreendimentos;

capacidade de 56 MW e GF de 33,8 MW de GF, já tinham outorga ou operação comercial

Biogas 20,9 13,7 251,00

Cavaco de Madeira 55 47,6 239,00

Disponibilidade 20 anos

UTE

Gás natural

Uma usina a gas natural contratada a R$ 258,00/

MWh

23/09/16

10o LER

Quantidade 30 anos PCH e CGH PCH e

CGH 180,3 107,3 277,02

Leilão para PCHs, e CGHs (< 1 MW) preço teto de R$

248/MWh

Nesse leilão inclui-se mecanismo similar ao

MRE para mitigar riscos; permitindo desvios + ou – a serem acertados no

tempo.

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