Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ANÁLISE DAMATRIZ ENERGÉTICAE DA PROMOÇÃODA ENERGIA RENOVÁVEL NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
ANÁLISE DAMATRIZ ENERGÉTICAE DA PROMOÇÃODA ENERGIA RENOVÁVEL NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
NOVEMBRO | 2016
DIRETOR DO NPII E COORDENADOR DO PROJETO
Renato Galvão Flôres Junior
COORDENADOR DA EQUIPE TÉCNICA
Ruderico Pimentel
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
MG2 Soluçõeswww.mg2solucoes.com.br
REALIZAÇÃO APOIO
RENATO GALVÃO FLÔRES JUNIORDiretor do FGV/NPII
APRESENTAÇÃO
A Energia é cada vez mais motivo de atenção,
preocupação e discussão no âmbito das políti-
cas públicas e no delineamento de uma trajetó-
ria de desenvolvimento sustentável. A Alema-
nha, junto com suas diversas fundações e think
tanks, é país pioneiro nesse tema, estimulando
e financiando um leque variado de iniciativas,
tanto com foco doméstico como externo.
O escritório brasileiro da Fundação Konrad
Adenauer, KAS/Brasil, não foge a essa regra,
vindo já há algum tempo manifestando cres-
cente dedicação ao assunto e seus diversos
desdobramentos.
O trabalho que ora apresentamos é parte de
um ambicioso projeto há muito negociado
com a KAS/Brasil.
Nas páginas a seguir, traça-se um perfil acura-
do da matriz energética brasileira -suas boas
práticas e também deficiências-, com vistas a
permitir comparações internacionais. O con-
teúdo é fiel ao espírito do Núcleo de Pros-
pecção e Inteligência Internacional, FGV/NPII,
unidade da Presidência da FGV que se ocupa,
sempre sob uma visão estratégica de médio a
longo prazo, de questões internacionais com
forte interação e influência no desenvolvi-
mento e bem estar dos brasileiros. Foi redigi-
do sob a orientação do Dr. Ruderico Pimentel,
membro do FGV/NPII e uma das autoridades
incontestes do setor no Brasil.
Os passos seguintes incluem várias possibili-
dades. No caso das comparações, o propósi-
to será sempre o de identificar lições e ideias
interessantes para ambos os países, enrique-
cendo a compreensão e o aprimoramento de
suas trajetórias energéticas.
O texto, entretanto, possui valor em si, sendo
útil a todos os que procuram uma visão ampla
e estratégica do quadro energético brasileiro;
séria e completa, mas sem entrar em maiores
minúcias técnicas, que seriam inegavelmente
relevantes aos engenheiros e operadores di-
retos do sistema, mas secundárias a um deba-
te político-social.
Ao destacar a estrutura e seus módulos fun-
damentais, prepara-se o terreno para discus-
sões que envolvam os fundamentais aspectos
sociais, ambientais e de sustentabilidade em
general; problemas comuns ao Brasil e diver-
sos países em desenvolvimento e desenvolvi-
dos, como a própria Alemanha.
O trabalho se insere também em linha de in-
vestigação maior do FGV/NPII, que com-
preende a situação das fontes renováveis e a
possibilidade de iniciativas internacionais co-
muns, no caso, no âmbito da América do Sul.
É, pois, com enorme prazer que o FGV/NPII,
graças ao apoio indispensável da KAS/Brasil,
oferece esse documento ao público.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 04
FONTES RENOVÁVEIS NO SETOR ELÉTRICO 09
O Setor Elétrico e os Gases do Efeito Estufa (GHG) 09
A Energia Eólica 13
A Energia Solar 15
Mecanismos de Promoção de Renováveis 20
A MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA 23
Introdução 23
Oferta primária e consumo de energia no Brasil 24
Evolução Histórica das Principais Formas Renováveis Comerciais 29
Planejamento Oficial, Perspectivas e Questões 31
EVOLUÇÃO RECENTE E PANORAMA ATUAL DO MODELO INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO 41
Transformações nas Últimas Décadas 41
Construção do Modelo Institucional Atual 48
Mudanças Regulatórias Recentes no Setor Elétrico e Questões 54
A PROMOÇÃO DAS NOVAS FORMAS DE ENERGIA RENOVÁVEL NO BRASIL 61
Antecedentes 61
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – Proinfa 64
Leilões de Fontes Alternativas para a Promoção de Fontes Alternativas – Concorrência, Interdependência e Critérios de Seleção 67
Leilões para Contratação das Novas Formas Renováveis – Período 2005-2014 79
CONCLUSÕES 84
ANEXOS 90
4
INTRODUÇÃO
Relatório do Intergovernmental Panel on Cli-
mate Change (IPCC)1 confirma que o plane-
ta está convivendo desde a segunda metade
do Século passado com níveis sem prece-
dentes de aquecimento com fortes conse-
quências para a vida, incluindo visíveis de-
gelos e aumento dos níveis dos oceanos. A
utilização crescente dos combustíveis fós-
seis que caracterizou a Revolução Indus-
trial levou a que a concentração na atmos-
fera de dióxido de carbono e outros gases,
chamados gases efeito estufa (Greenhouse
Gases – GHG), alcançasse níveis elevadíssi-
mos, sendo essa considerada como a extre-
mamente provável principal causa do aque-
cimento identificado. Na ausência de novas
ações significativas de mitigação a tempera-
tura da terra tenderá a apresentar aumentos
médios superiores a 2°C no final do sécu-
1 Fifth Assessment Report, Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 1st November 2014.
lo 21 em relação às temperaturas pré-indus-
triais, com riscos de impactos irreversíveis.
Não obstante às posições críticas que apon-
tam a existência de alguma incerteza quanto ao
papel do homem nas causas efetivas das mu-
danças climáticas, o risco de ignorar esta pro-
babilidade e não agir a tempo pode levar à con-
sequências desastrosas para a vida na terra.
As ações de mitigação necessárias propugna-
das pelo IPCC envolvem entre outras o aban-
dono do uso dos combustíveis fósseis e a sua
substituição, sempre que possível, por fontes
de energia renováveis. Esse processo gera de-
safios de toda ordem a serem superados e en-
tre eles saltos tecnológicos que possam ser
capazes de tornar administráveis os custos
das mudanças desejadas.
Um dos principais setores econômicos mais
diretamente alcançados por essa necessida-
de de transformação é o setor elétrico, sendo
que a geração de eletricidade e calor no mun-
do representa algo como 25% das emissões
5
totais de GHG em 20142. Conforme claramen-
te explicitado no relatório do IPCC não se con-
seguirá deter o processo de aquecimento glo-
bal com apenas um tipo de medida, mas sim
com um amplo conjunto de ações e, entre es-
sas medidas, a redução radical das emissões
de GHG no setor elétrico até o ano 2100 tem
importância capital.
O presente trabalho analisa as transformações
que têm sido implementadas no setor elétrico
brasileiro, e mais especificamente relativas à
penetração de fontes renováveis em substitui-
ção dos combustíveis fósseis no Brasil.
Ele pretende ainda em uma fase posterior ser-
vir de base para uma comparação desses es-
forços com os realizados na Alemanha. Brasil
e Alemanha são dois países paradigmáticos,
ambos com matrizes elétricas onde as fon-
tes renováveis tem papel relevante, seja em
função de sua evolução histórica, como é o
caso do Brasil, seja face ao enorme desafio
de penetração de novas tecnologias, comum
aos dois países, e marcadamente já assumido
pela Alemanha. Tanto o Brasil quanto a Ale-
manha são nações que buscam viabilizar um
modelo de desenvolvimento sustentável. Am-
bas buscam atingir uma situação que compa-
tibilize o crescimento econômico e o bem es-
tar de suas populações com a preservação do
meio ambiente e com a redução das pegadas
de carbono.
A Alemanha, consciente da importância da
mitigação das alterações climáticas no mun-
do e diante do repúdio de sua sociedade à
geração elétrica de origem nuclear, decidiu
ampliar sua parcela de energia renovável pro-
2 A participação da produção de calor e de eletricidade na emissão dos gases GHG é estimada em 17%, ou 24% ou 30%, dependendo da métrica usada conforme indicado pelo IPCC, em “Climate Change 2014, Synthesis Report”; já a participação da produção e uso global de energia em todos os setores na emissão dos gases GHG está estimada em cerca de 65% do total, conforme, por exemplo, o relatório “Energy and Climate Change”, International Energy Agency (IEA), 2015.
3 A geração solar e eólica teve um pico de produção às 14:00 do dia 15 de maio de 2016, e foi responsável pela geração de 45,5 GW quando a demanda total era de 45,8 GW conforme informações do Agora Energiewende e divulgadas pela Bloomberg, enquanto a Alemanha exportava parte de sua geração térmica que não poderia ter sido desligada naquele horário.
curando reduzir o uso dos combustíveis fós-
seis, inclusive do carvão (embora este seja um
recurso amplamente disponível no país), as-
sim como da energia nuclear (esta sendo le-
vada a zero), não obstante ter o completo do-
mínio desta tecnologia. Ou seja, mesmo com
forte dependência de combustíveis importa-
dos, em particular do gás natural da Rússia, e
dispondo de soluções domésticas imediatas
(linhito) para ampliar seu suprimento, esco-
lheu apostar no futuro e na expansão de no-
vas tecnologias de suprimento energético a
partir de fontes renováveis, mesmo que ainda
mais caras e com novos desafios tecnológicos
a serem superados.
Com essa transição, o país assumiu posição
de vanguarda nas novas formas de energia re-
novável de acordo com as diretrizes expres-
sas na Política de Transição Energética Alemã
(Energiewende). A expansão da energia reno-
vável alemã promovida por esse programa foi
tão bem sucedida que em 15 de maio de 20163,
chegou-se em um dado momento do dia a ter
quase toda a demanda doméstica de eletrici-
dade suprida por fontes renováveis, principal-
mente eólica e solar. Nesse processo, todavia
os desafios para a Alemanha ainda são mui-
tos, tais como a integração dessa nova gera-
ção intermitente no seu sistema elétrico, assim
como a necessidade de novas redes de trans-
missão de energia elétrica da costa, onde se
dispõe de maiores recursos eólicos e hídricos
e onde se busca expandir a geração eólica off-
-shore, para o interior do país. No entanto, aci-
ma de qualquer outro desafio está o custo fi-
nanceiro trazido pelas mudanças no perfil do
suprimento energético e o encarecimento da
6
energia para sua população e a redução da
competitividade de seus segmentos produti-
vos mais intensivo em eletricidade.
Por sua parte, o Brasil tem a vantagem de ter
historicamente investido em um parque hi-
drelétrico que é responsável pela maior par-
te da produção de eletricidade no país. Hoje
todavia, com os novos projetos hidrelétricos
mais distantes da carga e com fortes resistên-
cias locais a seu desenvolvimento pleno e à
construção de grandes reservatórios para po-
der manter limpa a sua matriz elétrica o país
terá que ampliar fortemente a participação
das demais fontes renováveis com ênfase não
apenas nas eólicas (hoje já competitivas com
as fontes tradicionais em pelo menos alguns
casos), mas também na energia solar, assim
como ampliar o aproveitamento da biomas-
sa e desenvolver outras alternativas ainda em
evolução como a energia das marés.
A energia eólica já se consolidou como indús-
tria, o que é atraente para investidores e já
há mais de 399 usinas eólicas (incluindo mini
geradoras) em funcionamento no Brasil com
uma capacidade instalada total de cerca de
10,0 GW4. No setor solar essa opção energé-
tica está se tornando cada vez mais compe-
titiva, até bem pouco tempo comercialmente
viável apenas no atendimento a sistemas iso-
lados e hoje apresentando quedas constantes
em seus custos. O desenvolvimento tecnoló-
gico e um melhor posicionamento nas cadeias
de produção dos equipamentos necessários a
essa expansão, tanto eólica como solar, são
desafios cruciais a serem enfrentados.
Como na Alemanha, esse processo no Bra-
sil implicou também, pelo menos em um pri-
meiro momento, em aumentos de custos da
energia para a população, sendo que aqui
se terá que conviver com o desafio paralelo
4 Em setembro de 2016, segundo informação da ABEEÓLICA – Associação Brasileira de Energia Eólica.
e maior de elevar o padrão de vida dos seg-
mentos mais carentes ainda muito expressi-
vos no país. Ou seja, o avanço tecnológico e
industrial precisará, o mais rapidamente pos-
sível, ainda que acompanhado por fortes me-
didas de aumento da eficiência, conter e logo
que possível reduzir os custos de produção
de energia. Geração de empregos na indústria
da energia, englobando também atividades
tecnologicamente mais elaboradas no apro-
veitamento e exploração dos diversos recur-
sos naturais disponíveis, é também objetivo
paralelo essencial a ser alcançado nesse pro-
cesso de construção do futuro. Nos dois paí-
ses, a evolução tecnológica e a redução dos
custos industriais permanecem como um dos
mais importantes passos a serem alcançados
para que o movimento de ampliação da par-
ticipação das novas fontes renováveis se con-
cretize de forma significativa.
Em termos comparativos, ao enfrentarem o
desafio da ampliação dos renováveis em suas
matrizes energéticas, pode-se dizer que a Ale-
manha tem como principais vantagens suas
instituições, elevado nível educacional, sofis-
ticada base tecnológica e um parque indus-
trial bem estruturado e competitivo em termos
mundiais (ou seja com maiores probabilidades
de liderar os avanços tecnológicos necessá-
rios) e o Brasil tem ampla disponibilidade de
recursos naturais renováveis, e uma experiên-
cia particular na sua integração em seu siste-
ma elétrico (cuja maior interdependência afeta
fortemente toda a forma de operar e comer-
cializar energia) que poucos países têm, com-
plementada por um abrangente sistema de
transmissão de energia. A base hidrelétrica
ainda traz uma facilidade adicional já que a ex-
pansão das demais renováveis, diante de sua
intermitência, requer complementação e que
pode ser feita pelas usinas hidrelétricas devido
7
à sua capacidade de armazenamento5 e pos-
sibilidade de variar sua geração acompanhan-
do a carga.
Dadas suas características inovadoras e cus-
tos iniciais mais elevados, o desenvolvimen-
to de programas de transição, como almejado
pelos dois países, impõe que políticas públi-
cas eficazes sejam direcionadas para o seu
apoio, promovendo o uso de fontes limpas e
impulsionando uma rápida evolução tecnoló-
gica e dando suporte ao fortalecimento de um
sistema de produção de bens e serviços com-
petitivo. Diferentes mecanismos de incentivos
têm sido usados no mundo, para fazer fren-
te às alterações climáticas e ao aumento de
temperatura da terra, seja via simples proi-
bições até medidas econômicas como taxas,
subsídios e mecanismos que procuram inter-
nalizar nos custos de mercado as externalida-
des negativas geradas pelas atividades eco-
nômicas poluidoras.
Uma análise das duas situações e desafios
pode fornecer uma perspectiva mais abran-
gente para o entendimento das alternativas
estratégicas disponíveis para diversos países,
em suas diferentes realidades, enfrentarem
os problemas trazidos pela emissão dos ga-
ses do efeito estufa e do aquecimento global.
Adicionalmente, o aspecto crucial tecnológi-
co e de participação na cadeia de valor que
deverá suprir essas novas tecnologias, requer
esforços intensos de colaboração, interação e
trocas em diversos níveis, abrindo oportuni-
dades importantes para novas parcerias dos
setores industriais brasileiros e alemães.
Nesse primeiro projeto, o foco está todo no
Brasil, mas pretende-se que ele vá servir de
base para em uma segunda etapa gerar uma
visão comparada da situação e das perspec-
5 Alternativamente a geração renovável pode ser complementada pela geração a gás natural que acompanha com facilidade as variações na demanda, mas que também libera gases causadores do efeito estufa, ainda que em menor proporção que outros combustíveis fósseis.
tivas de uma transição energética na direção
das fontes renováveis dos dois países – Brasil
e Alemanha, objetivo final dessa investigação
Deve-se assinalar que aqui não são desenvol-
vidos novos dados e estudos, mas trabalha-se
a partir de uma pluralidade de informações
disponíveis, procurando-se extrair conclusões
que possam ser úteis para as políticas de am-
pliação da participação de fontes renováveis
nas matrizes elétricas em geral. Embora o uso
das novas fontes renováveis e em particular
da energia solar tenha também encontrado
espaço para sua expansão na micro-geração
diretamente nas unidades consumidoras, o
foco principal deste trabalho está nas unida-
des maiores que fornecem usualmente para
o mercado regulado e que concorrem assim
mais diretamente com a geração térmica fós-
sil, principal responsável pela emissão dos ga-
ses do efeito estufa no setor elétrico.
Este trabalho está organizado da seguinte for-
ma. Na Seção 2, tendo em vista a necessidade
de redução das emissões de gases do efeito
estufa, faz-se um breve resumo do panorama
mundial do uso de renováveis no setor elétri-
co e das expectativas de penetração na matriz
elétrica mundial das novas formas de energia
renovável, em particular da energia eólica e da
energia solar, assim como, discute-se resumi-
damente os principais mecanismos regulató-
rios adotados para a sua promoção.
A Seção 3 se volta para a análise da Matriz
Energética brasileira atual com destaque para
a situação das hidrelétricas e a questão das
novas fontes renováveis (álcool, bagaço e bio-
massa, eólicas e solar, entre outras). Comen-
ta-se ainda os planos governamentais para o
setor energético brasileiro desenvolvidos pela
8
Empresa de Planejamento Energético (EPE).
Procura-se ainda indicar algumas das necessi-
dades industriais e tecnológicas.
A seguir, dada a centralidade dos aspectos
institucionais nesse trabalho, a Seção 4 con-
centra-se na descrição da evolução recente e
na situação atual do modelo que rege o setor
elétrico brasileiro e particularmente nos as-
pectos mais relacionados à promoção e sele-
ção das novas formas renováveis.
Mais especificamente, como foco principal do
presente relatório, a Seção 5 detalha as expe-
riências brasileiras de estímulo às renováveis
no setor elétrico nos anos recentes desde o
programa inicial – Proinfa que estimulou a en-
trada das novas fontes renováveis e das pe-
quenas centrais elétricas na produção de ele-
tricidade no país – até as demais políticas de
promoção de fontes renováveis no setor elé-
trico hoje vigentes.
Na Seção 6 são finalmente alinhadas algumas
conclusões extraídas dessas análises.
9
FONTES RENOVÁVEISNO SETOR ELÉTRICO6
O SETOR ELÉTRICO E OS GASES DO EFEITO ESTUFA (GHG)
O relatório da International Energy Agency
(IEA)7 de 2013, indicava que a temperatura da
terra já havia subido até 2011 cerca de 0,8°C
em relação ao período pré-industrial e que a
manutenção desse aumento limitado a 2°C,
meta estabelecida pelos governos8 no âmbi-
to das Nações Unidas, embora considerada
possível requererá mudanças muito expressi-
vas, já que a rota atual sem alterações apon-
ta para aumentos na faixa de 2,8°C a 4,5°C.
Posteriormente, essa meta das Nações Uni-
6 Existem algumas pequenas discrepâncias entre os dados utilizados nesse item, já que provenientes de estudos e fontes diversas; todavia são de pequena monta e acredita-se que não afetam os pontos aqui levantados.
7 Redrawing the Energy-Climate Matrix, World Energy Outlook Special Report, International Energy Agency (IEA), 10 June 2013.
8 Meta estabelecida pelos governos dos diversos países participantes na “United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) Conference of the Parties” (COP-16), em Cancun, Mexico, 2010.
9 Energy and Climate Change, Work Energy Outlook Special Report, International Energy Agency (IEA), 2015.
das foi tornada ainda mais ambiciosa em de-
zembro de 2015 na 21a Conferencia em Paris, a
chamada COP21, que mantendo o objetivo de
se ter um aumento máximo de 2°C, solicitou
aos países participantes esforços ainda maio-
res para que esse aumento não venha a ultra-
passar 1,5°C.
Para conter esse processo de aquecimento e
evitar suas consequências muitas delas irre-
versíveis, a IEA propõe hoje o abandono dos
combustíveis fósseis até 2100, o que implica-
rá possivelmente em uma mudança radical no
modelo de sociedade construído pela revolu-
ção industrial. Examinando-se a situação em
seus componentes9, constata-se que a produ-
ção e o uso da energia pela sociedade é atual-
mente responsável por cerca de dois terços
de todas as emissões mundiais antropogêni-
cas dos gases do efeito estufa.
10
Em 2013, ainda segundo o IEA10, a produção
mais especificamente de eletricidade e de ca-
lor respondeu por cerca de 42% da emissão
mundial de CO2, correspondendo a cerca de
13,5 Gt de CO2 em um total de 32,2 Gt emiti-
dos globalmente, o que coloca a produção de
energia como o maior emissor individual de
CO2 (responsável por mais de 75% do GHG)
naquele ano.
Dados globais para o ano de 201311 indicam
que 68% da geração de eletricidade no mun-
do era proveniente de combustíveis fósseis
(41% de carvão, 22% de gás natural e 5% de
derivados de petróleo), 11% nuclear, e apenas
21% de fontes renováveis (sendo 16% hidroele-
tricidade e 6% outras fontes). A IEA indica que
o grande responsável pela emissão de CO2 no
setor elétrico é a geração a carvão, que libe-
rou para a atmosfera em 2013 cerca de 9,8 Gt.
Cabe ainda assinalar que 60% da geração a
carvão em 2013 estava concentrada em dois
países: China (43%) e Estados Unidos (18%),
o que revela a centralidade dos mesmos nas
necessárias ações de mitigação. Não obstante
o peso relativo desses dois países, o abando-
no dos combustíveis fósseis é uma tarefa co-
letiva e necessita ser enfrentada por todas as
nações do planeta se, de fato, se pretende al-
cançar as metas preconizadas pelas Nações
Unidas. Para isso, a ampliação do uso de fon-
tes renováveis no setor elétrico é um dos mais
importantes instrumentos disponíveis.
Ao se procurar conceber uma civilização com
reduzido uso de combustíveis fósseis, como a
gasolina e o óleo diesel, pode-se pensar em
novos modelos de transporte e mesmo de
ocupação espacial e necessidades de des-
locamento capazes de minimizar o hoje ex-
tensivo uso desses produtos naquele setor.
10 Idem.
11 Idem.
Todavia é muito pouco provável que tal so-
ciedade vá prescindir também do uso da ele-
tricidade, forma de energia cada vez mais es-
sencial em um mundo informatizado. Para
atender a essa necessidade sem deixar pe-
gadas de carbono será necessário construir
uma matriz elétrica bastante modificada em
relação à atual e na qual as fontes renováveis
terão que desempenhar papel relevante.
É verdade que o impacto do desenvolvimen-
to recente nos Estados Unidos da produção
de petróleo e gás através do fraturamento hi-
dráulico de rochas reduziu os custos da pro-
dução marginal desses combustíveis e em
conjunto com um enfraquecimento global das
atividades econômicas baixou os preços mé-
dios do barril de petróleo da faixa dos 100 dó-
lares para cerca de 50 dólares tornando ain-
da mais difícil sua substituição do ponto de
vista econômico. Mas, acredita-se que com a
ampliação da consciência mundial quanto aos
danos ambientais associados aos sistemas de
produção e uso da energia atualmente vigen-
tes essa seja apenas uma situação temporá-
ria e que, embora retardando o processo de
transformação, coloca ainda mais pressão na
necessidade da redução dos custos das novas
fontes e de ações institucionais (não merca-
do) que suportem esses desenvolvimentos.
Hoje as fontes renováveis alternativas ainda
têm participação reduzida na matriz energé-
tica mundial, mas seu uso na geração de ele-
tricidade está crescendo e terá que se am-
pliar ainda muito mais para que efetivamente
se consiga reduzir o uso de combustíveis fós-
seis naquele setor, ainda que contando com o
apoio de novas medidas de conservação e de
aumento de eficiência dos sistemas elétricos.
Outras opções como a energia nuclear e a
11
captura do carbono emitido por combustíveis
fósseis, também têm sido consideradas e po-
derão contribuir, mas dificilmente terão papel
dominante. A energia nuclear dados os riscos
envolvidos enfrenta ampla resistência em inú-
meros países que limitam muito suas possibi-
lidades de crescimento e as experiências com
a captura do carbono emitido na geração ain-
da são bastante incipientes, caras e localiza-
das. Um dos casos mais promissores na cap-
tura de carbono, mas ainda assim com custos
muito elevados refere-se ao uso do CO2 na re-
cuperação de poços de petróleo12.
O uso de energia renovável para gerar eletri-
cidade não é novo já que tradicionalmente a
energia hidrelétrica sempre foi amplamente
utilizada para esse fim, e cuja história13 acom-
panhou a evolução dos sistemas elétricos com
a adoção da corrente alternada e das linhas
de transmissão a longa distância. Comple-
mentarmente, é também tradicional o uso de
diversos tipos de biomassa, incluindo a lenha
e diversos resíduos agrícolas como o bagaço
de cana em centrais elétricas autoprodutoras,
principalmente em processos de co-geração
de eletricidade e calor, embora sua expansão
em maior escala seja fenômeno mais recente.
O caráter renovável de diversas formas de
geração de energia significa que seu uso não
afeta sua disponibilidade já que os recursos
utilizados são repostos por processos natu-
rais. Em geral não envolvem combustão e li-
beração de GHG, a menos das biomassas aci-
ma assinaladas. Estas últimas todavia tem
12 O primeiro projeto de geração a carvão com recuperação de carbono nos Estados Unidos, o “Kemper County Energy Facility”, está em construção pela Mississippi Power e sua operação comercial estava prevista para 31 de Agosto de 2016, com 582 MW de potência e custo estimado de US$ 6,6 bilhões (em relação a um orçamento inicial de US$ 2,2 bilhões em 2004), onde cerca de 65% do CO2 produzido deverá ser transportado, aproveitando gasoduto existente, por 62 milhas para re-injeção em poços de petróleo para recuperação secundária. Do investimento total US$ 2,8 bilhões foram aceitos pelo Mississippi Public Service Commission (MPSC) para serem recuperados por via tarifária. Com custos que elevarão as tarifas locais, o projeto se beneficia ainda, para se viabilizar, da sua proximidade de minas de carvão e dos poços de petróleo, além de recursos públicos e créditos tributários (fontes: MPSC, jornais diversos – Washington Post, 17 de Maio de 2014, e The Guardian de 12 de Março de 2014; revista on-line Power em 05 de Abril de 2016, publicada pela Electric Power).
13 Por exemplo, em 1896 foi inaugurada a usina hidrelétrica de Niagara Falls nos Estados Unidos com 75 MW, uma das primeiras usinas de maior porte na época e cuja energia passou a ser transmitida para Buffalo a 32 km de distância com o uso da corrente alternada.
caráter renovável desde que sejam fruto de
produtos agrícolas e resíduos (renováveis)
que em seu desenvolvimento fixaram carbo-
no e que é liberado posteriormente pela com-
bustão, resultando em uma situação de soma
zero quanto ao mesmo.
Em relação à hidroeletricidade, potenciais ex-
pressivos ainda estão disponíveis para uso
com viabilidade ambiental, principalmente na
África, América Latina e Ásia e deverão ter
que ser necessariamente desenvolvidos para
que se consiga reduzir as emissões de GHG
conforme almejado. Soluções de compromis-
so terão que ser encontradas para lidar com
as resistências usuais das comunidades atingi-
das pelos projetos; como em geral as oportu-
nidades ainda disponíveis para a concretiza-
ção dos novos projetos se situam em regiões
afastadas dos grandes centros, grande par-
te das dificuldades para se chegar a entendi-
mentos compensatórios refletem muito mais
a ausência do Estado e a carência das locali-
dades e das populações atingidas. Os impac-
tos ambientais desses projetos têm que ser
mitigados e no limite contrapostos aos im-
pactos inevitáveis das demais formas de ge-
ração competitivas com os mesmos.
O uso de biomassa, principalmente dos resí-
duos da produção agrícola industrial e do lixo
urbano, ainda tem espaços significativos de
crescimento. Aqui também investimentos em
pesquisa e desenvolvimento e apoio institucio-
nal precisam ser ampliados e sustentados. Um
exemplo é o do uso do bagaço de cana na ge-
12
ração elétrica no Brasil que devidamente esti-
mulado tem acompanhado a produção de eta-
nol da cana de açúcar, mas cuja manutenção e
expansão tem estado em risco em função dos
preço baixos da gasolina automotiva e que
sem apoio institucional podem se definhar.
Ambas as formas já tradicionais - hidreletrici-
dade e biomassas - certamente terão que ser
apoiadas e exploradas de maneira ampla, mas
dado os seus limites de disponibilidade, dificil-
mente poderão isoladamente atender às novas
e expressivas necessidades de transformação.
Pesquisadas e com utilizações pontuais ao
longo do século XX, apenas a partir das duas
últimas décadas do século passado outras
fontes renováveis além da hidrelétrica pas-
saram a ter sua utilização multiplicada, cami-
nhando para ter um papel significativo na ex-
pansão dos sistemas elétricos, com destaque
principalmente para a energia eólica hoje já
competitiva em muitas regiões e para a ener-
gia solar em rápido processo de redução de
custos. Outras fontes alternativas ou têm ape-
nas impacto localizado, como é o caso da
geotermia, ou estão ainda em fase de pesqui-
sa e desenvolvimento e poderão vir a assumir
maior importância em um futuro um pouco
mais remoto, entre elas a energia das ondas e
das marés, cuja rota de desenvolvimento ain-
da é bastante incerta.
Inicialmente promovidas com o apoio de polí-
ticas de subsídios e tarifas especiais essas no-
vas renováveis - eólica e solar - antes conside-
radas apenas como fontes alternativas estão
gradualmente ganhando espaço nas matrizes
elétricas dos diversos países do mundo. Em
um primeiro momento sua promoção respon-
dia aos choques do petróleo dos anos 197014
14 Como é tipicamente o caso da legislação norte americana da época; o “Public Utilities Regulatory Policies Act - PURPA” de 1978 que requeria que as distribuidoras comprassem energia de origem renovável.
15 Enerdata Yearbook, 2014; Enerdata - Global Energy Intelligence.
e posteriormente, já no presente século, está
refletindo um grande crescimento da cons-
ciência ambiental na busca de soluções para
os problemas do aquecimento global.
A participação das fontes renováveis como um
todo na geração elétrica no mundo, incluindo
as mais tradicionais como a hidreletricidade,
depois de uma fase de relativa estagnação en-
tre 1980 e 2005, sofreu uma aceleração e pas-
sou a apresentar um crescimento expressivo
nos últimos anos, principalmente em função
da maior competitividade da energia eólica.
Dados disponibilizados pela firma de consul-
toria Enerdata15 indicam que esse percentual
que era de 19,9% em 1990, caiu para 18,6% em
2005, mas recuperou-se de forma expressiva
chegando a 22,1% em 2013. Infelizmente, esse
esforço de descarbonização não foi suficiente
no setor elétrico e também não se repetiu em
outros setores econômicos, sendo que de um
modo geral a emissão global de CO2 cresceu
continuamente em todo o período, saindo de
cerca de 19,9 Gt em 1980, passando a 26,4 Gt
em 2005 e a 32,2 Gt em 2013, ou seja, no seu
conjunto, a utilização de combustíveis fósseis
continuou aumentando.
No caso específico do setor elétrico, dados
do Banco Mundial mostram que em uma vi-
são global a expansão das fontes renováveis
acompanhou a expansão do uso do gás natu-
ral no setor e em seu conjunto ambas as fon-
tes ocuparam espaços da geração nuclear e
da geração à derivados de petróleo. Todavia,
o maior emissor de CO2, o carvão, vem man-
tendo sua participação nas matrizes elétricas
de muitos países. E, pelo contrário, ela subiu
um pouco do final do século passado para
os dias atuais, passando de cerca de 38% em
2000 para 41% em 2013. Se não se conseguir
13
ANO PETRÓLEO CARVÃO GÁS NUCLEAR HIDRO OUTRAS GERAÇÃO (TWh)
1980 17 37 10 10 25 0 6901
1985 10 39 9 17 24 1 8216
1990 10 38 19 21 21 1 10121
1995 8 37 16 20 18 1 12494
2000 7 38 18 17 18 2 14445
2005 6 40 20 15 17 2 17110
2010 4 40 22 13 17 4 20013
2013 4 41 22 11 16 5 23354
TABELA 2.1 – ESTRUTURA DA GERAÇÃO DE ELETRICIDADE POR FONTE NO MUNDO (%)
Fonte: Banco Mundial (World Development Indicators)
reduzir radicalmente essas emissões oriun-
das da queima de carvão as metas ambien-
tais globais certamente se frustrarão, o que é
um problema particularmente sério no caso
alemão. A Tabela a seguir apresenta a evolu-
ção dos perfis da matriz elétrica mundial nas
últimas décadas.
Com o desenvolvimento mais recente da ener-
gia eólica e da energia solar, pode-se espe-
rar um forte crescimento de ambas nos anos
vindouros. Todavia fazer com que esse cresci-
mento, somado à expansão hidrelétrica e da
biomassa econômica e ambientalmente viá-
vel remanescente, permita em condições de
competitividade substituir a geração de ele-
tricidade a partir do carvão é claramente o
grande desafio que se coloca para o setor elé-
trico mundial, quando se pensa na redução de
suas pegadas de carbono.
Considerando os estímulos governamentais e
as reduções de custos trazidas pela evolução
tecnológica e pelos ganhos de escala, pode-
-se constatar que principalmente a energia
eólica e em sequência a energia solar, vêm
ganhando espaço de forma acelerada na ge-
ração de energia elétrica no mundo, e é ne-
16 “Technology Roadmap – Wind Energy – 2013 Edition, International Energy Agency (IEA)”.
cessário torná-las ainda mais competitivas
com novos desenvolvimentos tecnológicos e
ganhos de escala.
A ENERGIA EÓLICA
Estudo16 da IEA sobre a situação da energia
eólica indicou que em 2012 ela correspondia a
cerca de apenas 2,5% da geração elétrica mun-
dial com cerca de 292 GW instalados, sendo
75GW na China, 59 GW nos Estados Unidos
e 31 GW na Alemanha. Apenas uma peque-
na parcela dessas usinas se situava off-shore
(cerca de 5,4 GW), neste caso com maior pre-
sença no Reino Unido e na Dinamarca e ain-
da em estágio menos avançado de desenvol-
vimento e com custos mais elevados. Naquela
época a fabricação de turbinas se dava prin-
cipalmente em seis países - Dinamarca, Ale-
14
manha e Espanha, na Europa, e nos Estados
Unidos, China e Índia, sendo a Dinamarca, país
pioneiro nessa indústria; nos últimos anos, to-
davia, têm-se observado um crescimento ace-
lerado das industrias chinesas e que hoje já
dominam o segmento industrial.
Nos últimos anos o crescimento da geração
eólica no mundo foi explosivo. Em 2015 mais
de 63 GW foram acrescentados naquele ano,
chegando-se ao final de 2015 com cerca de
433 GW instalados e continuando a crescer.
Neste último ano a capacidade instalada de
plantas eólicas foi a forma de geração que
mais cresceu na Europa e nos Estados Unidos,
sendo que na China ficou em segundo lugar
(embora individualmente tenha sido o pais
que mais instalou unidades eólicas em 2015,
totalizando cerca de 31 GW)17. Além destes
dois países, também a Alemanha, o Brasil e a
Índia têm estado entre os dez países que mais
expandiram esse tipo de geração.
Em 2015 o maior fabricante mundial de aero-
geradores passou a ser a Goldwind chinesa,
que ultrapassou a Vestas, dinamarquesa. Em
terceiro lugar ficou a GE que absorveu naque-
le ano a unidade de produtos eólicos da Als-
ton. Outras empresas nos “top ten” foram as
alemãs Enercon e Siemens, a Gamesa espa-
nhola (que em 2016 está em processo de fu-
são com a Siemens) e as chinesas United Po-
wer, Ming Yang, Envision e CSIC Haizhuang.
Estas dez empresas representaram em 2015
cerca de 69% do mercado mundial.
Em 2012 os preços médios da energia eólica
ainda estavam em geral elevados na faixa de
US$ 60-130/MWh, podendo em alguns casos
ser competitivos dependendo de sua localiza-
ção e condições de vento, mas em sua maior
parte exigindo ainda algum apoio institucio-
nal e subsídios para sua absorção nos siste-
17 ‘Renewables 2016 – Global Status Report”, REN21 network.
mas elétricos. Todavia, o processo de redução
de custos da geração eólica em curso reduziu
muito esses preços que alcançam hoje valo-
res inferiores aos US$ 50/MWh. De um modo
geral, essa redução tem acompanhado o au-
mento da potência das unidades geradoras
e do diâmetro dos rotores. Assim, têm sido
também observado nos países pioneiros o re-
-potenciamento de muitas usinas mais anti-
gas, com a substituição de unidades tipica-
mente de 0,5 GW com rotores de diâmetro de
40m por unidades de 2,0 GW e diâmetro de
80 m, muito mais produtivas. As tendências
de evolução apontam para o aumento das di-
mensões das unidades, das alturas das torres
e dos comprimentos das lâminas, com uma
continua redução dos custos unitários.
Considerando a meta do IEA de se ter uma
participação global de 18% na geração de ele-
tricidade, compatível com os objetivos de re-
dução dos GHG, em termos de curto prazo
a capacidade instalada dessa fonte terá que
chegar a cerca de pelo menos 500 GW em
2018 (cenários do IEA) o que hoje não pare-
ce difícil. Espera-se que esse nível possa ser
alcançado com a expansão na China, nos Es-
tados Unidos e na Alemanha. Do total a ser
instalado, 28 GW devem ser em geração off-
-shore cujos custos hoje ainda estão em faixas
mais elevadas que os custos em terra, varian-
do em função de sua proximidade da cos-
ta e dos custos de instalação e operação, e
para os quais se trabalha com cenários de re-
dução de custos da ordem de 45% até 2050,
enquanto que para a geração eólica em ter-
ra essa redução esperada é da ordem de 25%.
Embora conseguir manter uma continuada
queda de custos com a evolução tecnológi-
ca e com ganhos de escala seja fundamental
para a concretização desses objetivos, sérios
15
problemas de integração da geração eólica
no sistema também precisam ser superados e
a modelagem institucional adequada ser de-
senvolvida. Aqui repete-se uma situação já vi-
vida com a energia hidrelétrica, embora um
pouco mais complexa. No caso da utilização
de recursos renováveis em primeiro lugar, ao
contrário da instalação de usinas térmicas,
tem-se limitada escolha em seu posiciona-
mento geográfico e a oferta está comumen-
te longe da carga, exigindo extensos sistemas
de transmissão a longa distância. Mais ainda,
enquanto que a variabilidade das fontes hi-
drelétrica é suavizada pela possibilidade de
armazenamento nos reservatórios das usinas,
no caso das eólicas a intermitência da dispo-
nibilidade requer a existência de back-up no
sistema suficiente para cobrir os períodos de
indisponibilidade de ventos. Em alguns casos
a sua complementação quando dependente
de usinas térmicas exige contraditoriamente
a instalação de novas usinas a combustíveis
fósseis, mesmo que para permanecerem ocio-
sas parte do tempo.
Cabe assinalar que com a geração renovável,
a localização da oferta não respeita frontei-
ras geográficas e políticas e costuma ser um
fator em favor da integração energética en-
tre países, já que a existência nos mesmos de
diferentes perfis de matrizes elétricas, muitas
vezes complementares, podem permitir sig-
nificativos ganhos com a integração de seus
sistemas energéticos.
A ENERGIA SOLAR
Além das eólicas, como dito acima, a ou-
tra forma de geração renovável com presen-
ça mundial e com possibilidade de desempe-
nhar hoje papel relevante na substituição dos
18 Para as tecnologias de geração solar térmica ver: “Technology Roadmap – Solar Thermal Electricity, 2014 Edition, IEA”; e para a geração solar fotovoltaica: “Technology Roadmap – Solar Photovoltaic Energy, 2014 Edition, IEA”.
combustíveis fósseis é a geração baseada na
energia solar. Nese caso, dois tipos principais
de tecnologias18 estão em desenvolvimento: a
geração fotovoltaica (PV) e a geração térmica
solar (STE), esta usualmente baseada na con-
centração da energia solar (CSP).
Atualmente, a geração fotovoltaica está
mais desenvolvida e competitiva que a ge-
ração térmica solar, mas esta última poderá
ter seus custos reduzidos no tempo, poden-
do ser pensada mesmo como complementar
à PV já que ela tem a vantagem importante
de poder ser implementada com alguma ca-
pacidade de armazenamento.
No caso das STE, diferentes tecnologias es-
tão competindo, mas de maneira geral envol-
vem a chamada “Concentrating Solar Power
(CSP)”, onde coletores concentram a energia
solar que desviada para ponto focal aquecem
um líquido cujo vapor move as turbinas si-
milarmente às térmicas convencionais. Essas
unidades, tem sido desenvolvidas com capa-
cidade de armazenamento devido à indispo-
nibilidade de energia solar à noite; nesse caso,
a energia solar incidente nas horas de sol é
usada para aquecer sais fundidos que de-
volvem essa energia nas horas de indisponi-
bilidade de incidência. Esse armazenamento
é usualmente medido em “horas” de funcio-
namento adicional que essas usinas ganham
com esse sistema. Desse modo as unidades
STE desempenham papel diferenciado em re-
lação às PV, e mesmo mais caras tem seu es-
paço nas matrizes que se pretende alcançar
com geração renovável.
A primeira unidade comercial CSP construí-
da foi na Califórnia nos anos 80. Nos anos re-
centes os maiores esforços se deram na Es-
panha que em fins de 2014 já contava com
16
cerca de 2,3 GW dos 4,5 GW globais de STE
instalados, sendo a maior parte das unidades
comerciais com cerca de 50MW de potência
instalada cada. Considerando apenas a Espa-
nha e os Estados Unidos, países pioneiros na
geração CSP, essa capacidade instalada glo-
bal passou de cerca de 0,6 GW em 2009 para
3,9 GW no final de 201419. Desenvolvimen-
tos previstos nos Estados Unidos20, Norte da
África, África do Sul, Chile e Oriente Médio
deverão aumentar no médio prazo essa ca-
pacidade. Assinale-se ainda que alguns pro-
jetos implantados e em desenvolvimento tem
características hibridas usando energia solar
e complementarmente combustíveis fósseis,
como o gás natural, para manter a unidade
em funcionamento pleno.
Espera-se, nos cenários estudados pelo IEA
com uma maior penetração de renováveis,
chegar a cerca de 11% da matriz mundial em
2050 com geração STE, que deverá ser acom-
panhada por cerca de 16% com geração PV,
levando a contribuição solar total a 27% da
matriz elétrica mundial.
Os custos de instalação de uma unidade de
CSP são elevados estando na faixa de US$
4000 a 9000 por kW instalado; nos cenários
do IEA espera-se que eles caiam da ordem de
10% a cada duplicação do sistema existente;
em 2050 é possível que uma unidade com 6
horas de armazenamento esteja custando da
ordem de US$ 2800 a 4100 por kW instalado,
com 4500 horas ano de geração (ou seja com
um fator de capacidade de cerca de 52%, si-
milar aos das hidrelétricas, embora com pa-
drão de disponibilidade distinto). Os custos
médios de geração não são facilmente esti-
máveis, mas as tarifas especiais oferecidas
19 “On the Path to SunShot: Advancing Concentrating Solar Power Technology, Performance and Dispatchability”, SunShot – US Dep. Of Energy, Sandia, NREL, May 2016.
20 Em fevereiro de 2014 entrou em operação no Estado da Califórnia nos Estados Unidos a “Ivanpah Solar Electric Generation System”, no deserto de Mojave, uma unidade tipo CSP/STE com 392 MW, a maior planta desse tipo no mundo naquela data, desenvolvida através de uma parceria publico-privada.
(“Feed-in-Tariffs”, FiT) podem dar uma indica-
ção e tem estado na ordem de US$ 400/MWh
na Espanha para unidades com 7 horas de ar-
mazenamento. Em países com muito sol es-
ses custos tendem a ser menores. Contratos
de longo prazo no Marrocos estão pagando
US$ 190/MWh para uma unidade de 160 MW
com 3 horas de armazenamento. Nos Esta-
dos Unidos tem-se o exemplo de unidade im-
plementada com tarifa de US$ 135/MWh, mas
para tanto recebendo subsídios. Nos cenários
de longo prazo do IEA trabalha-se com cus-
tos médios da ordem de US$ 71/MWh, sen-
do que cenários do Departamento de Energia
dos EUA são ainda mais otimistas estiman-
do custos da ordem de US$ 60/MWh a longo
prazo (em 2020).
Na América Latina, algumas plantas tipo CSP
de grande porte estão sendo instaladas no Chi-
le onde as condições de insolação são extre-
mamente favoráveis, como é o caso das plan-
tas Atacama 1 e Atacama 2 com 110 MW cada,
da Abengoa (embora com seu desenvolvimen-
to retardado devido aos problemas financeiros
enfrentados pela Abengoa) e da planta Pedro
de Valdivia de 360 MW, da Ibereolica.
De concreto, em termos atuais, a tecnolo-
gia parece estar tendo seus custos mais rapi-
damente se aproximando de valores comer-
cialmente competitivos em amplas regiões
do planeta, todavia é a geração fotovoltaica
(PV), embora sem as possibilidades de arma-
zenamento direto como a STE, mas que pode-
rão ser complementadas por baterias conven-
cionais a medida que estas também venham
a alcançar custos sensivelmente menores que
os atuais.
17
A geração fotovoltaica se aproveita de pro-
priedades de materiais semicondutores para
gerar eletricidade (corrente continua) direta-
mente a partir da energia solar incidente. As
células de material semicondutor são junta-
das em módulos que montados em painéis,
são complementados por estruturas e equi-
pamentos diversos em seu conjunto conhe-
cidos como “Balance of the System (BoS)”
que incluem conversores de corrente contínua
em alternada para a integração desses siste-
mas na rede elétrica. Embora existam algumas
possibilidades alternativas, as células fotovol-
taicas hoje são predominantemente produzi-
das a partir de compostos de silício purificado.
A PV apresenta também a importante carac-
terística diferenciada de poder ser usada de
maneira adequada alternativamente tanto em
unidades de porte para o atendimento da rede
elétrica tradicional, como em pequenas unida-
des de uso residencial, comercial ou industrial,
diretamente instaladas nas unidades consumi-
doras. Assim enquanto que as maiores unida-
des costumam compartilhar com a maioria das
demais fontes renováveis o fato de terem sua
localização afetada por fatores de disponibili-
dade e assim em geral dependentes de longas
linhas de transmissão para sua integração no
sistema, as pequenas unidades, pelo contrário,
viabilizam o que se costuma denominar de ge-
ração distribuída, situando-se diretamente nos
pontos de consumo e que se não fosse pelo
problema da intermitência e da necessidade
de back-up, poderiam vir a dispensar a neces-
sidade da rede elétrica21.
As duas situações têm lógica econômica e ne-
cessidades regulatórias diferentes. No caso das
grandes unidades, elas competem em termos
econômicos com as fontes mais tradicionais e
21 Curiosamente, embora possivelmente com papel apenas localizado, esse tipo de opção descontrói o modelo se negócios criado por Edison e que substituía exatamente os geradores individuais e que governou a histórica implantação mundial dos sistemas elétricos.
suas principais dificuldades são similares às en-
frentadas pela geração eólica e se relacionam à
sua variabilidade, e sua otimização tem que ser
pensada em termos sistêmicos já que reque-
rem algum tipo de back-up que funcione quan-
do a energia solar estiver indisponível.
Principalmente no caso das pequenas uni-
dades, localizadas junto aos consumidores,
a questão de variabilidade pode vir a ser re-
solvida com a agregação de baterias caso os
preços dessas caiam, ou por back-up forne-
cido pela própria rede, e que em ambos os
casos necessitam ser adequadamente precifi-
cados para a análise de sua efetiva viabilida-
de. Como vantagem para sua competitivida-
de econômica, seu uso direto prescinde das
redes de distribuição e de transmissão. Sua
viabilidade comercial é função da compara-
ção direta de seus custos, acrescida dos cus-
tos de armazenamento ou back-up, com as
tarifas delas cobradas pelas empresas distri-
buidoras. Usualmente se fala nesses casos em
se alcançar paridade com a rede (grid parity)
para se estabelecer sua viabilidade comercial.
A geração PV tipo “rooftop”, descentraliza-
da, em pequenas unidades residenciais, co-
merciais e industriais, acredita-se representar
cerca de 60% do mercado dessa tecnologia.
Entre as soluções regulatórias iniciais usadas
para lidar e estimular a geração tipo “rooftop”,
propõem-se que a energia que essas micro-u-
nidades devolvem à rede deveria ser contabi-
lizada pelo mesmo valor da energia forneci-
da pela empresa distribuidora local, no que se
chamou de “net metering”. Ou seja, a unidade
consumidora-geradora seria cobrada apenas
da diferença entre os kWh a ela fornecidos e
os devolvidos por ela à rede (o que costuma
ser em horários bastante diferentes).
18
Esse sistema dá claramente uma enorme van-
tagem à micro geração, versus os forneci-
mentos pela distribuidora que não são ape-
nas gerados em algum local, mas transmitidos
e distribuídos até a unidade consumidora, in-
correndo em todos os custos necessários do
sistema. Com isso, grandes debates tem se
dado nos USA e diversos estados norte-ame-
ricanos tem alterado sua legislação (vide por
exemplo Brown e Bulyan22 sobre o assunto);
como essas unidades não são normalmente
auto-suficientes e, mesmo se fossem, necessi-
tam da disponibilização de fornecimentos de
back-up pelo sistema, como compatibilizar
essas necessidades e dividir seus custos har-
moniosamente entre os diversos usuários é
uma questão em amadurecimento, e que po-
derá crescer em importância se esse tipo de
geração distribuída se generalizar.
Nos anos recentes tem-se observado um for-
te crescimento na instalação de PV, de ambos
os tipos, inicialmente apoiado em incentivos
e subsídios, mas com seus custos em proces-
so de forte redução, se aproximando nas me-
lhores situações da economicidade direta. Se-
gundo os dados coletados pelo IEA23, no final
de 2013, o total de geração PV instalada no
mundo era superior a 135 GW e estava em
franco crescimento tanto em pequenas uni-
dades como em unidades maiores para venda
às distribuidoras, com a indústria se deslocan-
do da Europa (Alemanha e Itália) para a China
que hoje lidera o mercado mundial de PV se-
guida pelos Estados Unidos. Em pouco tempo
esses números foram amplamente superados
e ao final de 201424 já se tinha 229 MW insta-
lados em plantas solares PV.
22 Brown, A e J. Bulyan, “Valuation of Distributed Solar: A Qualitative View ”, The Electricity Journal, December 2014, Vol. 27, Issue 10.
23 “Technology Roadmap – Solar Photovoltaic Energy, 2014 Edition, IEA”.
24 Dados apesentados em “Energia Solar no Brasil e no Mundo – Ano de Referência 2015”, SPE/MME, Julho 2016.
25 “Recent Facts about Photovoltaics in Germany”, compilados por Dr. Harry Wirth, Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE, Abril de 2016.
Em alguns países a PV já marca sua presen-
ça na matriz elétrica. Na Alemanha, suporta-
da pela política do Energiewende, segundo o
IEA em 2013 cerca de 1,3 milhões de unidades
geraram 30 TWh representando 5,3% da ofer-
ta de eletricidade do país naquele ano. Da-
dos25 coletados pelo Fraunhofer Institute indi-
cam que em 2015 apenas a Alemanha instalou
cerca de 1,3 GW de nova capacidade em PV,
cerca de 2% de todas as unidades instaladas
no mundo naquele ano e que no final de 2015
a Alemanha tinha cerca de 40 GW instalados
de PV em cerca de 1,5 milhão de unidades ge-
radoras, subindo para 6,4% da geração bruta
do país em 2015.
Diferenças expressivas de rendimento entre
regiões mais e menos ensolaradas, tem favo-
recido um movimento de expansão e concen-
tração dessas usinas nas regiões mais favo-
ráveis. Estimativas de fatores de capacidade
apontam valores bem diferenciados de 11,6% e
de 24,3% para, respectivamente, regiões com
níveis de incidência solar variando de 1.200
kWh/m2 (média europeia) e regiões com inci-
dências de 2.500 kWh/m2, utilizada a mesma
tecnologia. De uma maneira geral, geração so-
lar, seja STE ou PV, costuma ser mais favoreci-
da em regiões quentes e áridas, o que é ainda
mais significativo no caso da PV que sem pos-
sibilidade de armazenamento direto tem seu
percentual de disponibilidade muito depen-
dente dos períodos e horários de insolação.
As expectativas de crescimento da geração
PV solar no mundo são elevadas, embora os
cenário difiram muito entre si, indicando ele-
vado grau de incerteza. Por exemplo nos ce-
19
nários preparados pelo “World Energy Coun-
cil”26 em 2013, a participação da energia solar
na geração de eletricidade mundial em 2050
varia entre 5,5% (Cenário Jazz) a 16,2% (Cená-
rio Synphony) com uma capacidade instala-
da de respectivamente 1.654 GW e 4.439 GW
nestes dois cenários. Também alguns cenários
do IEA apresentam diferenças semelhantes.
No cenário da IEA de expansão de geração
renovável muito otimista (“hi-ren scenario”)27
desenvolvido em um “Road Map” para a gera-
ção PV em 2014, espera-se que esse tipo de
geração alcance cerca de 400 GW de capaci-
dade instalada em 2020 (110 GW na China, 50
GW na Alemanha e no Japão, 40 GW nos Es-
tados Unidos), 1.700 GW em 2030 (com 630
GW na China) e 4.760 GW em 2050 corres-
pondendo a 16% da geração global de eletri-
cidade. Já em análises mais recentes do IEA
(“World Energy Outlook 2016”) até 2040 o
seu caso base prevê um crescimento da ener-
gia solar PV mais moderado, embora seja ain-
da a fonte de geração elétrica que mais cres-
ce no período a uma taxa de cerca de 8,3% ao
ano entre 2012-2040, alcançando em 2040
cerca de 10% da geração renovável, ou cerca
de 3,1 % da geração global naquele ano.
Correspondendo a esses cenários, espera-se
que os custos de PV continuem a apresentar
fortes quedas. Nos últimos anos os custos das
células combustíveis e das placas caíram mui-
to, sendo hoje cerca de um quinto do que eram
alguns anos atrás. Com isso a parcela de BoS,
que não se reduziu no mesmo ritmo, represen-
ta hoje, embora variando muito de região para
região, grande parte dos custos finais da ener-
gia produzida. Os custos médios das placas,
em 2014, na China se situaram na faixa de US$
26 “World Energy Scenarios: Coposing energy futures to 2050”, World Energy Council 2013.
27 “Technology Roadmap – Solar Photovoltaic Energy, 2014 Edition, IEA”.
28 E ainda, em Setembro de 2016, em Abu Dhabi, a chinêsa JinkoSolar em parceria com a japonesa Marubeni apresentaram uma proposta à Abu Dhabi Water & Energy Authority de suprir eletricidade a partir de uma unidade solar PV a um preço recorde de US$ 24,2 /MWh.
0,59 a 0,60/W, enquanto que nos demais paí-
ses de US$ 0,67 a 0,79/W. Já os custos totais
(incluindo os custos de BoS) médios de ins-
talação da PV descentralizada (rooftop), bas-
tante variáveis por país e por local, estavam
em 2014 em torno de US$ 1,5/W na China, US$
2,4/W no Japão e de US$ 4,9/W nos Estados
Unidos, para unidades residenciais.
Em 2013, segundo o IEA, o valor presente (le-
velized) médio anual dos custos de energia
fotovoltaica de maneira geral estava na fai-
xa de US$ 119-318/MWh, e nos cenários com
forte penetração de renováveis espera-se que
ele se reduza para os intervalos US$ 56-239/
MWh em 2030 e US$ 40-97/MWh em 2050.
No caso das unidades descentralizadas, um
pouco mais caras, essas mesmas faixas de
custos do MWh, seriam de US$ 135-539/MWh
em 2013, de US$ 80-301/MWh em 2025 e de
US$ 45-159/ MWh em 2050.
Recentemente e surpreendentemente, em di-
versos leilões na América Latina alguns proje-
tos de PV conseguiram contratos com tarifas
muito baixas, abaixo de US$ 50 / MWh. É o
caso de algumas licitações recentes: no Méxi-
co, onde a Canadian Solar vai vender energia
a US$ 47,95 / MWh de seu projeto de 63 MW
em Aquascalientes; também no Peru, a Enel
Green Power ganhou contratos a US$ 47,98 /
MWh para o projeto Rubi de 144 MW, e a US$
48,50 /MWh para o projeto Moquegua de 40
MW. Mas, ainda mais surpreendente, foi o re-
sultado de leilão em Agosto no Chile onde a
Solarpack ganhou um contrato de venda de
energia de sua planta solar PV de 120 MW a
US$ 29,10 /MWh28. Não está claro ainda se es-
ses são fenômenos isolados, aproveitando ca-
20
racterísticas e condições excepcionais, ou se
estão indicando uma queda efetiva de preços
mais geral. Algumas considerações prelimina-
res indicam que esses preços baixos. Pelo me-
nos em parte, podem ser fruto de um dese-
quilíbrio global entre oferta de demanda de
painéis solares no mundo, como é apontado
pelo World Energy Outlook 2016 da IEA, já que
em 2016 a capacidade de produção global de
painéis estaria em 60,5 GW/ano enquanto que
a produção estava em 39,9 GW/ano.
Ao se considerar esses números, não obstante
sua importância para indicar as possibilidades
de desenvolvimento dessa forma de energia,
cabe sempre ressalvar que no caso da ener-
gia solar, principalmente fotovoltaica, assim
como no caso da energia eólica, ambas sem
possibilidade de armazenamento e com for-
necimento variável em função de sua disponi-
bilidade, as comparações de seus preços com
os das energias firmes convencionais, não se
restringem ao valor esperado da energia, mas
precisam levar em consideração também suas
necessidades de complementação e seu per-
fil de oferta em relação à curva de carga a ser
atendida. A análise mais completa das alter-
nativas de expansão dessas novas formas de
energia renovável requer uma visão integrada
dos sistemas elétricos nos quais elas irão par-
ticipar. Para os reguladores desses sistemas o
desafio é estabelecer regras claras que identi-
fiquem de maneira correta os custos e os be-
nefícios de responsabilidade de cada agente,
ajustando adequadamente suas possibilida-
des de remuneração.
29 Entre eles: Azuela, G.; Barroso, L, “Promoting renewable energy through auctions”, Live Wire Knowledge note series; no. 2014/12, Washington, DC World Bank Group, disponível em http://documents.worldbank.org/ curated/en/2014/06/19670591/promoting-renewable-energy-through-auctions; e Meier, P., M. Vagliasindi e M. Imram; “ The Design and Sustainability of Renewable Energy Incentives – An Economic Analysis”, World Bank Group, Novembro de 2014, disponível em http://dx.doi.org/10.1596/978-1-4648-0314-7.
MECANISMOS DE PROMOÇÃO DE RENOVÁVEIS
Deixadas exclusivamente às forças de merca-
do, dificilmente as unidades geradoras com
base nas novas renováveis teriam sido inicial-
mente implantadas a menos de algumas situa-
ções pontuais como é o caso do atendimento
a localidades isoladas e, possivelmente, demo-
rariam ainda muitos anos para que a participa-
ção dessas formas de energia chegasse a ga-
nhar alguma escala e alcançar os percentuais
hoje praticados, ainda que modestos. Diante
porém das significativas externalidades envol-
vidas e das pressões temporais impostas pelo
aumento do aquecimento global, sua promo-
ção inicial tem sido assumida pelos governos
de inúmeros países usando para isso diversos
tipos de incentivos.
Nesse sentido, ações governamentais mais ge-
rais tais como impostos, subsídios, financia-
mentos favorecidos e garantias tem sido em-
pregados, incluindo mecanismos de apoio
direto aos empreendimentos e a concessão de
direitos de comercialização do uso de carbono
(carbon taxes). Todavia, além destas e das ne-
cessárias políticas de apoio e subsídios para as
inovações tecnológicas e para a criação de no-
vas empresas, um conjunto significativo de me-
didas e regulamentações específicas tem sido
implementadas em inúmeros países para via-
bilizar a expansão dessas novas tecnologias.
Análises detalhadas dessas alternativas podem
ser encontradas em diversos artigos recentes,
particularmente em trabalhos abrangentes e
aprofundados produzidos e editados no âmbi-
to do Banco Mundial29.
De maneira simplificada, pode-se dizer que as
principais políticas específicas usadas histo-
21
ricamente para promover a expansão inicial
da participação das novas renováveis no se-
tor elétrico no atendimento ao mercado regu-
lado podem ser agrupadas em dois tipos prin-
cipais: medidas diretamente orientadas para
a quantidade de energia a ser instalada e me-
didas orientadas para os preços a serem pra-
ticados por essas usinas.
Nas regulamentações orientadas aos preços
estes são fixados e deixa-se ao mercado a es-
colha da quantidade de energia a ser produ-
zida. Esses preços pré-estabelecidos podem
ser definidos a partir dos custos de produção
previstos, são as chamadas “Feed-in-Tariffs
(FIT)”, associadas a contratos de longo prazo
com regras de correção em função da infla-
ção. Outras opções para a definição dos pre-
ços nesse tipo de regulamentação incluem o
uso do custo evitado, ou de preços com “prê-
mios” acima dos preços do mercado ataca-
dista, ou mesmo acima dos preços no varejo.
As FIT podem ser tanto gerais para todos os
tipos de renováveis, como, mais comumente,
estabelecidas separadamente para cada tipo
de tecnologia em consideração.
Diversos estudos globais publicados têm mos-
trado que os FIT, amplamente usados na Eu-
ropa e em outras regiões, se mostraram como
mecanismos eficientes na promoção da ex-
pansão de renováveis, embora correndo o ris-
co de gerarem rendas econômicas expressivas
para os geradores. Em alguns casos foram ofe-
recidos acompanhados de algum sistema de
redução da tarifa no tempo, procurando redu-
zir seu impacto futuro sobre os preços finais
da energia elétrica. Na verdade, não existe um
modelo único e diferenças expressivas nos de-
senhos dos FIT podem ser encontradas de país
para país, já que podem haver diversas varia-
ções em sua implementação, envolvendo, por
30 De acordo com a US Energy Information Administration (EIA), em Março de 2014 mais de 30 estados norte-americanos adotavam alguma forma de RPS.
exemplo, os prazos dos contratos, a forma de
estabelecimento do valor das tarifas, sua evo-
lução no tempo, a existência ou não de limites
superiores para a nova geração contratada etc.
Já no caso das regulamentações orientadas
às quantidades, define-se inicialmente a quan-
tidade (ou percentual) de energia renovável
que se deseja alcançar e deixa-se o mercado
estabelecer os preços a serem pagos por essa
energia. É o caso das chamadas “Renewable
Portfolio Standards (RPS)”, onde os distribui-
dores de energia são obrigados pelos regula-
dores a incluírem em seu mix de suprimento
uma certa quantidade ou um certo percentual
de energia proveniente de fontes renováveis.
Em muitos casos esses distribuidores podem
atender a essas obrigações comprando cer-
tificados de produtores renováveis qualifica-
dos, independentemente de sua localização
geográfica e da entrega física da energia ao
comprador do certificado, o que aumenta as
possibilidades de concorrência.
Nos Estados Unidos, um grande número de Es-
tados já adotou alguma forma de RPS30. Cabe
observar que os RPS podem ser e são usados
nos EUA tanto em mercados regulados pelo
custo do serviço como em mercados compe-
titivos. Embora menos empregados como for-
ma de impulso inicial para a geração renová-
vel que os FIT, eles costumam permitir alguma
concorrência entre as fontes renováveis redu-
zindo assim seu impacto global sobre os pre-
ços finais no varejo. Para permitir que alguma
nova fonte menos econômica se estabeleça os
RPS podem usar pesos diferentes para quanti-
ficar a quantidade de cada uma das fontes no
atendimento aos requisitos impostos.
Outros sistemas de incentivos que estão hoje
em uso cada vez mais amplo podem se enqua-
22
drar em ambas as linhas citadas (por quantida-
de ou por preço) e se baseiam no uso de leilões
(“tenders”) de contratos obrigatórios de com-
pra de energia por prazos definidos, tipicamen-
te 20 ou 30 anos, que são oferecidos aos gera-
dores renováveis, ou mesmo ainda em leilões de
subsídios a serem dados a esses geradores. Es-
ses leilões de contratos de venda de energia tan-
to podem ser realizados a partir de quantidades
pré-estabelecidas como a partir de preços máxi-
mos que serão pagos aos geradores, ou mesmo
podem envolver um misto dos dois com limites
superiores para as quantidades a serem comer-
cializadas como para as tarifas de compra e ven-
da. A natureza e as características desses leilões
variam e dependem principalmente do modelo
setorial vigente em cada país que os promove.
Os FIT e os RPS foram os dois mecanismos
dominantes para a inicialização da geração
renovável no mundo, mas nos últimos anos
tem se observado um crescimento do uso dos
leilões como forma de expansão da participa-
ção de fontes renováveis nas matizes elétricas.
Com as indústrias de equipamentos eólicos e
solar se consolidando em termos mundiais,
os FIT tendem a ser substituídos pelos leilões
que procuram agora explorar as possibilida-
des de concorrência e estimular preços mais
competitivos para essas unidades geradoras.
No Brasil após uma etapa inicial de utilização
dos FIT, o mecanismo dos leilões passou a ser
adotado a partir de 2005 com sucesso. Na
Alemanha também está agora prevista a in-
trodução dos leilões em substituição aos FIT.
Cabe notar que no caso dos RPS o uso de lei-
lões já é naturalmente uma da opções conside-
radas em sua instrumentação, sendo que de-
pendendo do grau de desregulamentação do
sistema elétrico a escolha dos supridores pode
ser também mais ou menos regulada. Quando
a concorrência se dá ao nível do varejo, as em-
presas distribuidoras por si mesmas tem um
forte estímulo para buscarem as fontes de su-
primento mais econômicas, limitadas apenas
pelas exigências impostas pelos RPS, e nesse
caso podem usar alguma forma de leilão ou al-
ternativamente negociações diretas com os ge-
radores. Já em ambientes mais regulados onde
não houve introdução de concorrência, ou
mesmo, esta se limita a se dar no atacado, o re-
gulador necessita impor regras que estimulem
que as compras de energia pelas distribuido-
ras sejam feitas ao menor custo possível. Nes-
ses últimos casos a imposição de leilões é uma
das soluções mais naturais para manter o aten-
dimento das RPS o mais econômico possível.
Assim, progressivamente os leilões têm ocupa-
do papel cada vez mais significativo como me-
canismo de promoção das novas fontes alter-
nativas no setor elétrico. As formas que podem
ser assumidas por eles dependem diretamente
das características específicas do modelo insti-
tucional do setor elétrico de cada país. Apenas
para ilustrar algumas dessas diferenças, esses
leilões podem ser desenhados tanto para a con-
tratação de energia já existente ou para a con-
tratação de novos projetos; podem ser focados
em alguma tecnologia, ou como no caso dos
leilões para atendimento dos RPS abertos para
diversas tecnologias competindo entre si; po-
dem ter foco geográfico ou não, podendo até
mesmo estar voltados para um empreendimen-
to específico. Em seu desenho os comprado-
res tanto podem ser empresas de distribuição
como entidades governamentais que depois
repassam os contratos. Os prazos desses con-
tratos podem variar; a evolução dos preços ao
longo dos contratos podem ser governados por
diferentes regras, embora usualmente indexa-
dos por algum índice inflacionário.
Algumas dessas diversas possibilidades serão
exploradas mais adiante na análise do caso
brasileiro e futuramente em suas compara-
ções com o modelo alemão.
23
A MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA
INTRODUÇÃO
No Brasil, historicamente, a oferta de energia
sempre foi marcada por uma grande presen-
ça de fontes renováveis, embora nem sempre
em bases que hoje seriam consideradas am-
bientalmente recomendáveis. Basta retornar-
mos a 1950 e observarmos que naquela épo-
ca cerca de 78,1% da oferta total de energia
primária era proveniente da lenha e do car-
vão vegetal, fruto principalmente de desma-
tamento, época em que cerca de 64% da po-
pulação do país vivia em áreas rurais.
Com o processo de industrialização e urbani-
zação do país na segunda metade do sécu-
lo XX cresceram tanto a eletrificação como o
papel do petróleo, este principalmente no se-
31 De acordo com os dados apresentados no Balanço Energético Nacional (BEN) do Ministério de Minas e Energia (MME) relativos ao ano de 2015.
tor de transportes, com a redução concomi-
tante do uso da lenha em seus diversos usos.
Mas, mesmo nessa transição para uma socie-
dade urbanizada, uma participação relevan-
te de fontes renováveis foi preservada graças,
principalmente, a uma continua expansão da
hidreletricidade e em menor escala à utiliza-
ção do álcool combustível.
Hoje com cerca de 85% da população do país
vivendo em áreas urbanas, o consumo de le-
nha e carvão vegetal31 representa apenas cerca
de 8,1 % de sua oferta primária interna, enquan-
to que a hidroeletricidade cerca de 11,3%. Tota-
lizando-se as fontes renováveis (41,2%) e o urâ-
nio (1,3%) chega-se um percentual de 42,5% da
oferta, o que em termos mundiais é um valor
bastante elevado, versus 57,5% de fontes fós-
seis (carvão, gás natural e petróleo).
Para o futuro próximo, o planejamento oficial
desenvolvido pelo Ministério de Minas e Ener-
gia (MME), com o apoio da Empresa de Pes-
quisa Energética (EPE), expresso pelo Plano
24
2030 e complementado pelo Plano Decenal
de Energia 2015-24, estabelece como meta
alcançar a participação de 46,6% de fontes
renováveis na oferta de energia no ano de
203032. Embora esse objetivo local ainda es-
teja muito aquém das necessidades de redu-
ção mundial do uso de combustíveis fósseis
a longo prazo, a meta de 46,6% não é uma
meta fácil de ser atingida e o caminho para
lá envolverá dificuldades que precisarão ser
enfrentadas com clareza, até mesmo porque
a hidreletricidade, um dos grandes responsá-
veis pela relativa limpeza da matriz brasileira,
começa a enfrentar limites à sua expansão.
32 Segundo o mais recente PDE 2015-2024 a meta para 2024 é de uma participação de 45,2% de fontes renováveis na oferta de energia no país.
OFERTA PRIMÁRIA E CONSUMO DE ENERGIA NO BRASIL
A evolução histórica da oferta primária bru-
ta da energia no país, conforme dados do Ba-
lanço Energético Nacional, pode ser acom-
panhada a partir dos dados apresentados na
Tabela 3.1 abaixo e onde pode-se ver que a
quantidade de energia ofertada no Brasil se
multiplicou na segunda metade do século XX,
acompanhando as profundas transformações
do país que de uma economia basicamente
agrícola, fortemente dependente da produ-
ção de café, diversificou-se e expandiu suas
atividades industriais.
ANOS
PETRÓLEO, GÁS
NATURAL E DERIVAD.
CARVÃO MINERAL E DERIVAD.
HIDRO E IMPORT. ELETRIC.
LENHA E CARVÃO VEGETAL
PRODUTOS DA CANA OUTRAS1 TOTAL TAXA (%)
a.a.
1940 1.522 1.520 352 19.795 563 0 23.752
1950 4.280 1.583 536 25.987 892 0 33.278 3,4
1960 12.668 1.412 1.580 31.431 2.131 0 49.222 4,0
1970 25.420 2.437 3.420 31.852 3.593 223 66.946 3,1
1980 56.485 5.902 11.063 31.083 9.129 1.010 114.673 5,5
1990 62.085 9.598 20.051 28.537 18.988 2.724 141.983 2,2
2000 96.999 12.999 29.980 23.060 20.761 6.244 190.043 3,0
2010 129.250 14.462 37.663 25.998 47.102 14.321 268.796 3,5
2015 152.597 17.675 33.897 24.519 50.648 19.876 299.211 2,2
TABELA 3.1 – EVOLUÇÃO DA OFERTA BRUTA DE ENERGIA NO BRASIL (MIL TEP)
Fonte: Balanço Energético Nacional (BEN) N3E/MME; 1 Inclui Outras Fontes Primárias Renováveis e Urânio
25
ANOSPETRÓLEO, GÁS
NATURAL E DERIVAD.
CARVÃO MINERAL E DERIVAD.
HIDRÁULICA E ELETRICIDADE
LENHA E CARVÃO VEGETAL
PRODUTOS DA CANA OUTRAS1
1940 6,4 6,4 1,5 83,3 2,4 0,0
1950 12,9 4,8 1,6 78,1 f2,7 0,0
1960 25,7 2,9 3,2 63,9 4,3 0,0
1970 38,0 3,6 5,1 47,6 5,4 0,3
1980 49,3 5,1 9,6 27,1 8,0 0,9
1990 43,7 6,8 14,1 20,1 13,4 1,9
2000 51,0 6,8 15,8 12,1 10,9 3,3
2010 48,1 5,4 14,0 9,7 17,5 5,3
2015 51,0 5,9 11,3 8,2 16,9 6,6
TABELA 3.2 – EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DA OFERTA BRUTA DE ENERGIA NO BRASIL (%)
Fonte: Balanço Energético Nacional (BEN) N3E/MME; 1 Inclui Outras Fontes Primárias Renováveis e Urânio
Como indicado, em valores absolutos, a ofer-
ta interna bruta global em 2015 foi de 299,2
milhões de tep (toneladas equivalentes de
petróleo) correspondendo a um crescimento
médio de 3,4% ao ano desde 1940, enquanto
sua população no mesmo período cresceu a
uma taxa média de 2,2%. Com um Produto In-
terno Bruto de US$ 2.944 bilhões em 2015 e
uma população de 205 milhões, esse consu-
mo de energia corresponde a uma oferta de
1,458 tep per capita, quase triplicando o seu
valor que em 1940 era de cerca de 0,580 tep.
A Tabela 3.2 apresenta essa mesma evolução
da oferta interna no país, expressa em termos
percentuais para melhor explicitar a mudança
de papel das diversas fontes de energia. De-
ve-se observar que para a construção de am-
bas as tabelas as diversas formas de energia
foram contabilizadas em uma mesma unida-
de – a tonelada equivalente de petróleo (tep)
– para o que foram utilizados coeficientes de
conversão universalmente adotados nas aná-
lises do setor de energia, mas que inevitavel-
mente introduzem algumas distorções. Em
particular, para uma melhor compreensão do
papel da hidreletricidade face às distorções
introduzidas, vide as considerações metodo-
lógicas no Box 3.1.
26
No período 1940-2015, com as mudanças na
sociedade brasileira e a substituição da lenha,
os combustíveis fósseis (petróleo + gás + car-
vão mineral) cresceram a uma taxa de 5,7%,
enquanto que a hidreletricidade cresceu 6,4%
ao ano. A penetração do uso do petróleo, ao
lado da eletrificação, foram as principais ino-
vações no setor associadas ao processo de
modernização do país. O período de maior
crescimento do consumo de energia, entre
1970 e 1980, é também a época em que o pe-
tróleo mais amplia o seu uso no país. Já a hi-
dreletricidade cresce principalmente nos últi-
mos 30 anos do século XX, alcançando o pico
de sua participação percentual no ano 2000.
Cabe assinalar que nos anos de 2014-2015 te-
ve-se uma situação anômala no setor elétri-
co, o que explica uma participação abaixo
do esperado para a fonte hidráulica na ma-
BOX 3.1 – CRITÉRIOS DE CONVERSÃO PARA TEP E A ENERGIA HIDRELÉTRICA
Em relação à participação percentual da
hidreletricidade na matriz brasileira, cabe
uma observação que é particularmente
relevante quando se fazem comparações
internacionais entre países, já que o Bra-
sil é um dos poucos com participação hi-
drelétrica tão expressiva.
Ao se calcular os números globais, incluin-
do diversas formas de energia, alguns cri-
térios de conversão são usados para que
se possa trabalhar com essas formas nas
mesmas unidades, usualmente em tonela-
das equivalentes de petróleo (tep).
Para isso, utiliza-se como principal re-
ferência o poder calorífico das diversas
fontes em relação ao do petróleo. Com
combustíveis essa aproximação funcio-
na razoavelmente sem grandes distor-
ções, mas no caso de algumas fontes
não combustíveis como a hidroeletrici-
dade uma possível solução seria medir o
equivalente em petróleo para produzir a
mesma eletricidade.
Essa última opção foi usada no Brasil, no
passado, para a hidreletricidade, mas foi
abandonada e substituída pelo uso do po-
der calorífico da eletricidade por ela gera-
da, já que esse é o critério mais universal-
mente adotado e com isso comparando
a hidreletricidade diretamente aos com-
bustíveis fósseis primários. Com isso, po-
rém, passou-se a subestimar, por um fator
de cerca de 3, o papel da hidreletricidade,
ao medi-la já em uma foram secundária,
mais nobre, desconsiderando as “perdas”
nas transformações que são inevitáveis
no processo de geração elétrica térmica a
partir de outras formas primárias.
Deve-se também observar que, no caso
brasileiro, o aumento do consumo global
da energia efetivamente utilizada no sé-
culo XX é até mesmo subestimado quan-
do medido por tep e contabilizado atra-
vés do consumo de energia primária, não
apenas por conta do peso da hidreletri-
cidade sub-avaliada, como pelo fato de
que a substituição da lenha, cuja utiliza-
ção energética era muito ineficiente, por
formas comerciais, por si só teria provo-
cado uma redução nos números globais,
mas que foram amplamente compensa-
dos pelos aumentos efetivos do uso de
energia no país.
27
triz naqueles dois anos. Com as hidrelétricas
afetadas por uma forte seca e com as usinas
térmicas gerando continuamente na base, am-
pliou-se muito a participação dos combustí-
veis fósseis em relação às hidrelétricas na ge-
ração de eletricidade naqueles anos afetando
a estrutura da oferta de energia no país, si-
tuação essa que poderá ser progressivamen-
te revertida nos anos seguintes, embora a ex-
pansão das grandes usinas hidrelétricas esteja
sofrendo fortes questionamentos por parte
dos movimentos ambientalistas.
A redução do uso da lenha e do carvão vege-
tal se deu principalmente na parcela oriunda
do desmatamento. O carvão vegetal remanes-
cente é usado em parte para fins siderúrgicos
e oriundo de florestas plantadas para essa fi-
nalidade, e absorveu cerca de 30% da produ-
ção de lenha em 2015. Outros 2% da lenha fo-
ram para a geração de energia elétrica, indo
o restante para o consumo final, sendo que
quase metade desse consumo (outros 30% da
produção total de lenha) foi feito pelo setor
industrial, em sua maior parte também com
lenha oriunda de florestas plantadas.
Entre os combustíveis fósseis as maiores al-
terações nesse período se referem à penetra-
ção do gás natural, iniciada no século XX, mas
tendo seu crescimento mais significativo já no
século atual. De uma produção anual de cer-
ca de 3 bilhões de metros cúbicos em 1970,
ela cresceu para cerca de 13 bilhões em 2000,
ano em que também as importações de gás
iniciadas em 1999 começam a ter papel im-
portante, chegando em 2015 a uma produção
anual de cerca de 35 bilhões de m3, à qual se
somou uma importação de 18 bilhões de m3,
dos quais 18 bilhões foram usados na geração
de eletricidade e 11 bilhões consumidos nas
indústrias, seus dois usos mais importantes,
33 Os dados sobre energia no Brasil tem sido cuidadosamente contabilizados pela equipe N3E/SPE do MME responsável pela edição do Balanço Energético Nacional já por muitas décadas em um trabalho que merece registro.
além do uso residencial e comercial nos gran-
des centros nas regiões com acesso às redes
de gasodutos.
Nesse processo de mudanças estruturais, ao
longo do tempo os derivados de petróleo
passaram a ocupar papel chave em diversos
setores da vida econômica, como o do GLP
no uso residencial, da gasolina e o diesel nos
transportes, do diesel na agricultura e do óleo
combustível na indústria (mais recentemente
substituído pelo gás natural), passando assim
o petróleo a ser um produto essencial para a
realização da maioria das atividades no país.
Estes produtos tiveram papel secundário ape-
nas na geração de eletricidade diante do uso
crescente da energia hidrelétrica.
Quanto aos segmentos consumidores de
energia no Brasil, dados continuam sendo or-
ganizadamente coletados pelo MME33 desde
1970 e refletem a predominância dos seto-
res industrial e de transportes como princi-
pais destinos dos produtos energéticos, e
ainda mostram uma contínua redução relati-
va do peso do setor residencial no período,
neste caso, reflexo da substituição do consu-
mo de lenha pelo GLP e pelo gás natural para
cocção e dos ganhos em eficiência nos eletro-
domésticos. Em 2015, a estrutura de consumo
de energia final por setor no Brasil foi de 6,0%
para usos não energéticos, 10,7% para consu-
mo interno do próprio setor energético, 9,6%
para o setor residencial, 3,3% para o comer-
cial, 1,5% para o setor público, 4,4% para o se-
tor agropecuário, 32,2% para o setor de trans-
portes e 32,5% para o setor industrial.
Enquanto que nessa evolução no século XX as
questões de disponibilidade e custos jogavam
os papéis principais nas opções energéticas
assumidas, principais responsáveis pela estru-
28
tura de produção e uso de energia hoje vigen-
te, com a virada do século, as questões am-
bientais34 vieram aos poucos tomando mais
força e embora o país disponha de uma ma-
triz excepcionalmente limpa em termos com-
parativos mundiais, passaram a desempenhar
papel chave no processo decisório. Estes fa-
tores explicam em parte tanto, contraditoria-
mente, a redução no crescimento da energia
hidrelétrica, como a penetração mais recente
das novas renováveis no setor elétrico.
Em termos comparativos, ainda segundo da-
dos disponibilizados pelo BEN, o percentual da
oferta interna de energia renovável na matriz
34 A realização da conferência Rio 2000 é marco simbólico dessa mudança.
35 “Resenha Energética Brasileira”, Exercício de 2015, Edição de Maio de 2016, N3E, MME.
brasileira, 41,2%, mesmo com a hidreletricidade
contabilizada de maneira subavaliada, é muito
superior à média mundial que é de 13,8% as-
sim como muito superior à média dos países da
OCDE que é de 9,8%.
Dados apresentados em documento produ-
zido pelo BEN/MME35 para 2015, com uma
agregação ligeiramente diferente da utiliza-
da na Tabela anterior, permite uma compara-
ção da situação atual do país com o quadro
mundial, este separado em países participan-
tes da OCDE e os demais, conforme indicado
na Tabela 3.3 abaixo.
FONTES BRASIL OCDE NÃO OCDE MUNDO
Petróleo 37,3 35,8 24,1 30,8
Gás Natural 13,7 25,2 20,2 21,4
Carvão e Outras Não-Renováveis 6,5 19,5 36,8 28,7
Urânio 1,3 10,0 1,8 4,9
Hidro 11,3 2,3 2,6 2,6
Outras Renováveis 29,9 7,2 14,4 11,6
Participação Renováveis (%) 41,2 9,4 17,1 14,3
Oferta Total (milhões de tep) 299 5.185 7.814 13.653
TABELA 3.3 – OFERTA INTERNA BRUTA DE ENERGIA NO BRASIL E NO MUNDO EM 2015 (%)
Fonte: N3E/ MME
29
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PRINCIPAIS FORMAS RENOVÁVEIS COMERCIAIS
O processo de transformação da sociedade
brasileira ao longo do século XX envolveu,
como acima apontado, a substituição do uso
predatório da lenha por formas de energia
comerciais, mas mantendo ainda uma grande
presença de fontes renováveis.
A observação da Tabela 3.3 deixa bem clara as
singularidades do quadro energético do Bra-
sil quando comparado com o resto do mundo,
mesmo considerando diferentes grupos de paí-
ses em diferentes estágios de desenvolvimento,
como é o caso das diferenças entre os países
da OECD e os demais. Caracteriza a matriz bra-
sileira a reduzida utilização de carvão mineral36
que é compensada: (1) pelo uso intensivo de
energia hidrelétrica e (2) pelo papel das outras
renováveis, onde, no caso, destaca-se a partici-
pação percentual já apontada anteriormente de
16,9% de produtos da cana (etanol e bagaço).
36 Recurso disponível no Brasil apenas na região Sul e com teor de cinzas muito elevado.
37 Em 1901 a Light inaugurou a Usina de Parnaíba (hoje Edgar de Souza) no Rio Tiete inicialmente com 1 MW e depois ampliada para 12 MW para atender os serviços de iluminação e suas linhas de bondes elétricos de São Paulo e em 1907 a Usina de Fontes no Ribeirão das Lajes de 12 MW e depois de 24 MW, na época a maior do país, para atender o Rio de Janeiro.
Desde às suas origens, no final do século XIX,
a geração de eletricidade brasileira se baseou
fortemente nas usinas hidrelétricas. Comple-
mentarmente, já nas últimas décadas do sé-
culo passado, o programa do álcool substituiu
parte do consumo de gasolina. Desse modo, o
país, como poucos no mundo, conseguiu pre-
servar uma significativa participação de fon-
tes renováveis em seu suprimento energético.
No que se refere à hidreletricidade pode-se di-
zer que seu uso começou no país junto com o
uso da eletricidade. Experiências pioneiras da-
tam ainda do século XIX; posteriormente quan-
do a eletricidade começa a penetrar nas gran-
des cidades para iluminação e para transporte
urbano, a Light, empresa canadense com capital
norte-americano que dominou as concessões
no Rio de Janeiro e em São Paulo, desenvolveu
as primeiras usinas37 consideradas na época de
porte. Em 1950 a capacidade instalada total no
pais era de 1.882 MW dos quais 1.334 MW em
usinas hidrelétricas; dessa capacidade cerca de
980 MW pertenciam ao grupo Light.
ANOS HIDRO TÉRMICAS NUCLEAR EÓLICA SOLAR TOTAL
1950 1.536 347 1.883
1960 3.642 1.158 4.800
1970 8.828 2.405 11.233
1980 27.649 5.823 33.472
1990 45.558 6.835 657 53.050
2000 61.063 10.481 1.966 19 73.671
2010 80.703 28.762 2.007 928 1 112.400
2015 91.650 39.564 1.990 7.633 31 140.868
TABELA 3.4 – EVOLUÇÃO DA CAPACIDADE INSTALADA NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO (MW)
Fonte: Balanço Energético Nacional N3E/MME; e “Panorama do setor de energia elétrica no Brasil”, Memória da Eletricidade.
30
Mais tarde, com a formação das geradoras es-
tatais essa expansão hidrelétrica se multiplicou.
A primeira empresa federal criada foi a Chesf
para atuação na região Nordeste38 em 1945, e
depois Furnas em 1957. Posteriormente com a
criação da Eletrobras em 1962 as empresas fe-
derais foram reunidas em um conglomerado
único. Com a Eletrobras e com as empresas es-
tatais estaduais maiores, como Cemig (Minas
Gerais), Copel (Paraná) e Cesp (São Paulo), im-
pulsionou-se a construção das hidrelétricas, as-
sim como do sistema de transmissão integran-
do o sistema elétrico brasileiro. O predomínio
hidrelétrico nessa expansão pode ser clara-
mente observado na Tabela 3.4 acima.
A geração térmica de uma maneira geral foi
desenvolvida com três objetivos principais: (1)
complementar a geração hidrelétrica nos pe-
ríodos secos, com isso permitindo um melhor
aproveitamento dos recursos hídricos e “fir-
mando” a chamada energia secundária hidrelé-
trica não disponível em períodos mais secos;
(2) atender as localidades isoladas, que não se-
riam viáveis de se alcançar através da rede de
transmissão integrada; e (3) aproveitar os re-
síduos industriais e agrícolas, mais comumen-
te em processo de co-geração de eletricidade
e calor. Cabe assinalar que entre os exemplos
desse terceiro caso, cerca de um terço da gera-
ção térmica no Brasil utiliza como combustíveis
a biomassa e, principalmente, bagaço de cana.
Em 2015 a capacidade instalada de geração a
biomassa era de 13.336 MW sendo 10.532 MW
de térmicas a bagaço de cana.
A geração nuclear se desenvolveu em dois mo-
mentos. Em uma primeira etapa uma usina de
640 MW foi construída com tecnologia da Wes-
tinghouse que teve sua construção iniciada em
1972. Em 1974 os Estados Unidos suspenderam
a colaboração nuclear com o Brasil e a constru-
38 Em 1954 a Chesf concluiu a Usina de Paulo Afonso I no Rio São Francisco, então com 180 MW, e que duplicou a capacidade de atendimento da região Nordeste.
ção da usina teve vários atrasos e só entrou em
operação comercial em 1985. Em 1975, assinou-
-se um ambicioso acordo nuclear com a Alema-
nha, em cujo âmbito construiu-se uma usina de
1350 MW, Angra II (que entrou em operação em
2001), como parte de um programa que previa
ainda outras 7 unidades, mas que se restringiu
a apenas mais uma, Angra III, de 1405 MW, que
está ainda em construção com término previs-
to para 2018. Como em inúmeros outros países,
os acidentes nucleares e a percepção de seus
riscos pela sociedade não permitiram a conti-
nuidade desses investimentos. Recentemente,
planos para construção de outras unidades na
região Nordeste não tiveram andamento após
os eventos em Fukushima.
A outra fonte de energia renovável que cres-
ceu nas últimas décadas e que ocupa hoje pa-
pel expressivo na matriz energética brasileira
é a cana de açúcar, fonte de etanol e de baga-
ço de cana, resultado de uma política gover-
namental agressiva de substituição de deriva-
dos de petróleo nos transportes.
Na década de 1970, com uma produção do-
méstica bastante reduzida, as importações de
petróleo tinham peso importante na balança
comercial brasileira. Os dois choques de pre-
ços daquele período, principalmente o de 1979,
exigiram respostas urgentes na política ener-
gética do país para fazer frente às grandes ele-
vações de preço. Duas linhas de ação princi-
pais acabaram por ser bem sucedidas. Por um
lado, um forte esforço de pesquisa, exploração
e produção de petróleo no país que identificou
reservas expressivas off-shore, principalmen-
te em águas profundas na Bacia de Campos,
e que hoje deixam o Brasil próximo à autossu-
ficiência, com eventuais perspectivas de até
mesmo converter o país em um exportador lí-
quido de petróleo e derivados. Por outro lado,
31
um ambicioso programa de ampliação da pro-
dução de etanol da cana de açúcar e de subs-
tituição parcial do uso da gasolina automoti-
va está hoje consolidado e passou a ocupar
parte desse mercado. Complementarmente, o
bagaço de cana passou a ser utilizado em co-
geração, com uma produção excedente de ele-
tricidade hoje oferecida ao mercado.
Não obstante as características acima apon-
tadas que deixaram o setor energético bra-
sileiro em posição privilegiada em relação à
emissão de gases do efeito estufa em termos
comparativos com a situação mundial, em
2015, o petróleo, conforme apontado, desem-
penhou papel crucial e caso se pretenda atin-
gir metas ambientais ambiciosas como uma
redução radical do uso dos combustíveis fós-
seis até o final do século, grandes desafios te-
rão que ser enfrentados.
Em 2015, o GLP é responsável por cerca de
26,2% da energia usada pelo setor residencial,
que tem ainda 25,4% de um uso remanescente
de lenha. Naquele ano, no setor de transpor-
tes, a participação da gasolina era de 27,7%
versus 18,4% de etanol; mais crítico ainda nes-
te último segmento é a forte dependência do
diesel nos transportes com uma participação
de 46,7%, ainda que acompanhada de 2,4%
de biodiesel, promovido de forma mandatória
para mistura no diesel de petróleo. O diesel
tem ainda importância central no setor agro-
pecuário, com uma participação de 55,1% no
seu consumo de energia. Entre os derivados
pesados, o uso de óleo combustível na indús-
tria não é expressivo, correspondendo a ape-
nas 2,6% do consumo de energia desse setor,
diante de um uso de 11,8% de gás natural, que
embora fóssil é menos poluente que o óleo.
Com um sistema de transportes de cargas
centrado principalmente no modo rodoviário,
39 Setembro de 2016.
qualquer redução adicional do papel do petró-
leo passa claramente pelo uso do diesel para
os transportes. Mudanças mais radicais no con-
sumo de diesel irão possivelmente envolver
mudanças não apenas de combustível, mas
possivelmente de modal de transporte e, mais
ainda, até mesmo dos modelos de organização
da produção e da forma de vida urbana.
No setor elétrico, embora se tenha chegado
a 2015 em uma situação bastante confortável
em termos de uso de energia renovável, isso
não quer dizer que essa situação irá perdu-
rar automaticamente diante de limitações que
têm sido colocadas à expansão hidrelétrica e
novas alternativas terão que ser desenvolvidas
para que a situação não regrida, contexto no
qual as novas formas renováveis podem vir a
desempenhar papéis centrais, mesmo que ain-
da não esteja claramente sinalizado nos plane-
jamentos energéticos oficiais de longo prazo.
PLANEJAMENTO OFICIAL, PERSPECTIVAS E QUESTÕES
O último documento de planejamento a lon-
go prazo emitido pelo Ministério de Minas e
Energia (MME) e elaborado com o apoio da
Empresa de Pesquisa Energética (EPE) foi o
Plano Nacional de Energia 2030, publicado
em 2008. Uma nova versão o Pano 2050 está
sendo elaborada mas ainda não foi concluída.
Até o presente momento39 em que esse tex-
to está sendo escrito foram publicadas duas
notas técnicas pela EPE que deverão prelimi-
narmente formar os dois primeiros capítulos
desse plano e se referem aos cenários e parâ-
metros macroeconômicos e às projeções de
demanda de energia correspondentes.
Com um horizonte apenas de médio prazo,
planos decenais costumam também ser re-
gularmente elaborados pelo MME e o últi-
32
mo disponível é o Plano Decenal de Energia –
PDE 2024, divulgado em 2015 para o período
2015-24. Nas considerações abaixo se utiliza-
rá o Plano 2030 como referência geral inicial,
mas ajustando suas hipóteses, diante das pro-
jeções mais recentes do PDE 2024.
Em sua visão de futuro, como já assinalado,
o MME propunha que se alcançasse em 2030
uma participação de cerca de 46,6% de fon-
tes renováveis no abastecimento energéti-
co do país e de 3% da energia nuclear. Nes-
se sentido, trabalhou-se com um aumento
expressivo de participação dos produtos da
cana e das novas renováveis que compensas-
sem uma pequena redução na participação
da hidreletricidade e uma forte redução da le-
nha e do carvão vegetal. Acompanhando es-
sas mudanças, supunha-se ainda uma forte
expansão do gás natural.
A Tabela 3.5 apresenta a estrutura percentual
da oferta preconizada pelo Plano para o ano
40 Indicado no Plano 2030 como Cenário B1; o crescimento médio anual do consumo de energia, entre 2005 e 2030, nos quatro cenários esboçados no Plano foram 4,3% (Cenário A), 3,6% (Cenário B1), 3,1% (Cenário B2) e 2,5% (Cenário C) correspondentes a diferentes hipóteses macroeconômicas.
41 Nos estudos preliminares divulgados para o Plano 2050, a EPE já trabalha com hipóteses inferiores às do plano 2030 para o crescimento do PIB no período inicial, assim de 2015 a 2021 os cenários deverão considerar a faixa de 1,8% a 2,3% ao ano para 2015-2020, todavia para 2021-2030 o crescimento já subiria para a faixa de 3,6% a 4,0%, e para os períodos seguintes, fora do horizonte do Plano 2030, de 3,3% a 3,8% em 2031-2049 e 3,1% a 3,6% em 2041-2050.
de 2030, a partir de 2005, ano base usado
como referência; no cenário básico40 traba-
lhou-se com uma expectativa de crescimen-
to do PIB de 4,1% ao ano e um corresponden-
te crescimento da oferta de energia a 3,6%
ao ano. Com essas expectativas se chegaria a
2030 com uma oferta per capita de 2,33 tep e
de 0,262 tep/ mil US$ de PIB.
No que se refere à energia renovável, o Pla-
no 2030 se caracteriza por uma expressiva
expectativa de aumento tanto da produção
de biodiesel como da produção de álcool da
cana de açúcar. No caso do bagaço da cana,
o Plano previa não apenas sua utilização para
queima na geração de calor e de eletricidade,
mas também uma progressiva transformação
de parcelas do mesmo em etanol através de
novas tecnologias em desenvolvimento.41
FORMA DE ENERGIA 2005 2030
Lenha e Carvão Vegetal 13,0 5,5
Hidreletricidade 14,8 13,5
Produtos da Cana 13,8 18,5
Outras Renováveis 2,9 9,1
Urânio 1,2 3,0
Carvão Mineral 6,3 6,9
Gás Natural41 9,4 15,5
Petróleo e Derivados 38,7 28,0
Total (milhões de tep) 220,6 555,7
TABELA 3.5 – ESTRUTURA DA OFERTA DE ENERGIA NO BRASIL - CENÁRIO BASE (B1) DO PLANO 2030 (%)
Fonte: “Plano 2030”
33
A estrutura de abastecimento almejada pelo
Plano 2030 teria assim petróleo e derivados
com 28,0%, e gás natural com 15,5%. Na soma,
43,5%, um pouco menos que os 48,1% de
2005, ano base do plano, e bem menos que os
52,9% constatados em 2014. Completando os
combustíveis fósseis, o plano trabalhou com o
carvão mineral alcançando um percentual de
6,9%, ligeiramente maior que os 6,3% do ano
base e que os 5,7% constatados em 2014. A
participação total de combustíveis fósseis se-
ria assim de 50,4% no ano 2030
Entre os combustíveis fósseis, a mudança es-
trutural mais expressiva prevista para o pe-
ríodo 2005-30 seria a forte ampliação da
participação do gás natural, com uma dispo-
nibilização para o mercado consumidor em
2030 de 257 milhões de m3 (sendo 72 mi-
lhões importados) bastante acima dos 51 mi-
lhões de m3 utilizados em 2014. No caso da
importação, o plano trabalhou com um au-
mento da compra de gás natural liquefeito
(GNL). Na produção interna, esperava-se um
forte crescimento que exigiria uma expansão
de 12% ao ano entre os 32 milhões disponibili-
zados internamente em 2014 e os 195 milhões
desejados em 2030.
Quanto à produção de eletricidade, o Plano
2030 trabalhou com a hipótese de se alcan-
çar 2030 com uma estrutura ainda predo-
minantemente hidrelétrica, embora mais di-
versificada que a dos dias atuais. Com uma
menor expansão da capacidade instalada hi-
drelétrica no período, o país deveria incluir
em sua matriz elétrica uma ampliação da
participação de diversas outras fontes de
42 Um exemplo claro dessas dificuldades pode ser visto no caso do projeto da usina São Luiz do Tapajós, talvez o maior projeto em exame no país, que teria uma capacidade de 8.040 MW mas afetaria a aldeia de Sawré Muybu onde vivem cerca de 260 índios do grupo Munduruku, e cuja licença ambiental foi negada.
43 Apenas para referência, em 2015, segundo dados do Balanço Energético Nacional 2016, foram instalados cerca de 6,9 GW adicionais de capacidade no país, dos quais 2,7 em eólicas e apenas 2,3 em usinas hidrelétricas.
44 A adição dos óleos vegetais ao diesel, incialmente autorizada por medida provisória em 2004 e convertida em lei em 2005, passou a ser mandatória em 2008, inicialmente na proporção de 2% na mistura, depois de 5% e a partir de novembro de 2014 em 7%.
geração, como o gás natural, a energia nu-
clear e o bagaço de cana, e até mesmo do
carvão mineral e ainda um pequeno aumen-
to das eólicas.
Ainda assim, nessa hipótese, a participa-
ção da hidreletricidade passaria de 14,8% de
2005, ano base do plano para cerca de 13,5%
em 2030. Cabe lembrar que, conforme ante-
riormente assinalado, os 11,5% verificados em
2014 para a energia hidrelétrica foi fruto de
uma situação atípica, valor que por si mes-
mo não traz impactos sobre essa projeção.
As maiores dúvidas quanto à viabilidade des-
sa meta se referem mais às dificuldades que
têm sido criadas pelos movimentos ambien-
talistas e órgão judiciários para a construção
das novas usinas42. Partindo-se de hoje, para
alcançá-la, considerando os 86 GW já insta-
lados em 2015, seria necessário a implanta-
ção da ordem de mais 70 MW em novas usi-
nas até 203043.
Para a energia renovável, alterações relevan-
tes eram esperadas no uso do biodiesel; pelo
Plano 2030 os 2% iniciais (atualmente44 já são
7% e mandatórios) de biodiesel na mistura
passariam com o tempo para 12%; além disso,
por uma outra rota tecnológica, algumas refi-
narias deveriam se utilizar do chamado H-Bio,
ou seja, do uso de até 10% de óleos vegetais
misturados diretamente nas refinarias na pro-
dução de diesel, em unidades de hidrotrata-
mento, medidas essas que amenizariam a for-
te dependência de diesel do petróleo no país
e as pressões que essa situação provoca so-
bre a estrutura de refino.
34
Examinando-se agora o nível do consumo de
energia final, a estrutura de consumo conside-
rando as diversas formas de energia evoluiria
45 A versão preliminar dos estudos de demanda do Plano 2050 já publicados indicam uma diferente estrutura de consumo prevista para o ano de 2030: 41,8% derivados de petróleo; 19,8% eletricidade, 16,2% produtos da cana, 8,0% gás natural, 5,1% carvão mineral, 5,7% lenha e carvão vegetal, 19,8% de outras fontes primárias.
entre 2005 e 2030, no cenário de referência
B1, conforme a Tabela 3.6 abaixo45.
Como costuma acontecer com todo plane-
jamento a longo prazo, o futuro tende a tra-
zer surpresas que alteram o panorama pre-
visto, particularmente naqueles aspectos
diretamente dependentes dos preços inter-
nacionais, como o do petróleo, e/ou da evo-
lução tecnológica, que costuma atingir as
novas formas renováveis de energia. Decorri-
dos quase dez anos da elaboração do Plano
2030, diversos desenvolvimentos ocorridos
nesse meio tempo afetaram as expectativas
iniciais do plano e cujas correções têm sido
incorporadas nos planos decenais, embora
com um horizonte de planejamento menor.
46 A principal fonte de biodiesel no Brasil tem sido a soja, secundada pelo sebo de gado; outras oleaginosas têm sido também usadas, mas em proporção muito menor.
No caso do biodiesel46, a regulamentação edi-
tada posteriormente não incluiu como man-
datória a rota do H-bio, o que, desse modo,
não foi implementada. Embora existindo refi-
narias habilitadas para esse tratamento, com
a queda dos preços do petróleo, o litro do
óleo vegetal ficou mais caro que o do diesel,
tornando a adoção do H-bio antieconômica.
Também na época da elaboração do Plano
2030, os custos da geração eólica e da gera-
ção solar não pareciam justificar uma grande
ampliação em seu uso. Todavia, já em 2014,
a energia eólica se mostrou competitiva e a
energia solar sinalizou possíveis reduções fu-
FORMA DE ENERGIA 2005 2030
Derivados de Petróleo 40,5 36,0
Eletricidade 18,9 21,6
Produtos da Cana 12,2 15,0
Gás Natural 5,7 8,1
Carvão Mineral 6,0 6,5
Lenha e Carvão Vegetal 14,2 6,3
Biodiesel - 3,8
Outros 3,2 3,2
Total (milhões de tep) 165,1 402,8
TABELA 3.6 – ESTRUTURA D0 CONSUMO FINAL DE ENERGIA NO BRASIL - CENÁRIO BASE (B1) DO PLANO 2030 (%)
Fonte: “Plano 2030”
35
turas de custo. Assim, no Plano Decenal 2024,
essas expectativas foram revistas e, embora
com hipóteses possivelmente ainda um pou-
co conservadoras, incorporou-se no planeja-
mento para o setor elétrico uma participação
bem mais expressiva das mesmas.
Desse modo, embora no PDE 2024 as proje-
ções globais para a estrutura da matriz ener-
gética tenham se mantido similares às do Pla-
no 2030 para os grandes agregados, elas se
diferenciaram principalmente nas expectati-
vas quanto às novas formas renováveis. Traba-
lhando em um horizonte menor, as hipóteses
do PDE 2024, para a oferta interna de ener-
gia, conduziram assim a estrutura da oferta
de energia apontada na Tabela 3.7 em compa-
ração com os valores já constatados em 2014.
FORMA DE ENERGIA 2015 2024
Lenha e Carvão Vegetal 7,5 6,9
Hidreletricidade 13,5 13,3
Produtos da Cana 16,8 16,9
Outras Renováveis 4,8 8,1
Urânio 1,3 1,7
Carvão Mineral 6,0 5,8
Gás Natural 11,3 11,8
Petróleo e Derivados 38,2 34,9
Outras Não Renováveis 0,6 0,7
TOTAL (mil tep) 306.198 412.162
TABELA 3.7 – ESTRUTURA DA OFERTA INTERNA DE ENERGIA PREVISTA NO PDE 2024 (%)
Fonte: PDE 2023
Enquanto que no planejamento de longo pra-
zo se previa para as “Outras Renováveis” uma
participação de cerca de 9,1 % em 2030, na qual
teriam um papel expressivo na adoção de bio-
diesel ao diesel de petróleo, assim como a ado-
ção da rota tecnológica do H-bio, agora para
um horizonte mais curto, 2024, a expectativa
para esse conjunto de fontes é ainda similar, de
cerca de 8,1%, mas onde apenas 1% correspon-
de ao uso do biodiesel. Nos novos cenários as
novas formas limpas de geração elétrica, eólica
e solar, vieram a compensar um pouco a redu-
ção dos valores anteriormente planejados para
o biodiesel, quanto à presença da energia reno-
vável na matriz.
36
FORMA DE ENERGIADEZ 2014 DEZ 2024
(MW) (%) (MW) (%)
Hidreletricidade1 89.789 67,6 116.972 56,7
PCH 5.480 4,1 7.445 3,6
Eólica 5.000 3,8 24.000 11,6
Solar - - 7.000 3,4
Biomassa 11.000 8,3 18.000 8,7
Urânio 1.990 1,5 3.395 1,6
Carvão Mineral 3.064 2,3 3.404 1,7
Gás Natural 11.043 8,3 21.219 10,3
Derivados de Petróleo 4.825 3,6 4.325 2,1
Gás de Processo 687 0,5 687 0,3
TOTAL 132.878 100,0 206.447 100,0
TABELA 3.8 – PROJEÇÃO DA EXPANSÃO DA CAPACIDADE INSTALADA NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
Fonte: Plano Decenal de Energia 2015-2024 (EPE/MME)1 De maneira simplificada o PDE incluiu nesse números a parcela paraguaia de Itaipu.
O PDE 2024 incorporou assim a perspectiva
de um rápido crescimento da geração eóli-
ca e um modesto, mas inicial crescimento da
geração solar, trabalhando com uma possível
capacidade instalada em 2024 de cerca de
47 Cabe assinalar que no plano decenal anterior, no PDE 2023, a expectativa era de se chegar a 2023 com cerca de 3.500 MW instalados de energia solar e que nesse novo documento já se trabalha com 7.000 MW em 2024, refletindo as enormes e rápidas mudanças que vêm ocorrendo no que se refere a essa fonte.
24 GW em usinas eólicas e de 7 GW em uni-
dades solares fotovoltaicas47, conforme pode
ser visto na Tabela 3.8 que apresenta as pro-
jeções do mesmo para a expansão do setor
elétrico brasileiro.
No período 2015-24, embora a participação
da hidreletricidade venha a cair, ainda assim
está prevista a instalação de cerca de 28 GW
em novos grandes projetos, além de mais 2
GW em pequenas usinas (PCH), sendo que
mais de 20 GW em projetos hidrelétricos de
maior porte já estão contratados nos leilões
anteriormente realizados, incluindo a UHE
Belo Monte (11 GW) que iniciou suas opera-
ções em 2016. Entre os novos projetos a se-
rem contratados estavam previstas as gran-
des usinas no Rio Tapajós, a UHE S. Luiz do
Tapajós com 8 GW e a UHE Jatobá com 2,3
GW, que deveriam iniciar suas operações nos
últimos anos do período (mas hoje são objeto
de contestação inclusive judicial).
A expansão hidrelétrica deveria também com-
pensar uma redução na oferta interna oriunda
da UHE Itaipu em função do aumento do con-
37
sumo no Paraguai no período, o que deverá
causar uma redução de cerca de 1,5 GW das
importações do Paraguai. São ainda aponta-
dos no PDE 2024, possibilidades outras de
importação de eletricidade a partir de outros
países da América do Sul, mas nenhuma delas
foi efetivamente contabilizada. Entre as alter-
nativas indicadas estão a construção de usi-
nas binacionais com a Argentina e com a Bo-
lívia, além de possíveis projetos hidrelétricos
na Bolívia, Peru e nas Guianas, que poderiam
redundar em novas importações para o país.
Cabe ainda comentar que o Tratado de Itai-
pu entre Brasil e Paraguai vence no ano 2023,
no final do corrente PDE, e cuja renovação in-
troduz alguns elementos de incerteza a serem
enfrentados, e que não foram discutidos no
plano; apenas como referência no documento
anterior, PDE 2023, dos 7.000 MW de capaci-
dade da parcela paraguaia, imaginava-se que
estariam sendo ainda importados para o Bra-
sil cerca de 4.700 em 2023.
O PDE 2024 inclui ainda em seu planejamen-
to da expansão no período a adição líquida de
cerca de 10,0 GW de usinas termelétricas, re-
sultado de 10,1 GW de novas usinas a gás natu-
ral (com a observação de que dependendo das
condições de suprimento poderiam ser subs-
tituídas por outras térmicas, inclusive por uni-
dades a carvão mineral), e de 0,4 GW de car-
vão mineral e pela redução de cerca de 0,5 GW
em unidades a óleo diesel e óleo combustível.
Também, uma nova usina nuclear, Angra III de
1.405 MW está prevista para o ano de 2018.
No esforço de preservação da participação
de renováveis, o PDE 2024, trabalhou com a
hipótese da entrada no setor elétrico de cer-
ca de 35,0 GW das fontes renováveis conside-
radas alternativas (incluindo as PCH). Nesse
sentido o plano trabalha com um aumento de
cerca de 2,0 GW em PCHs, 7,0 GW de ener-
gia solar fotovoltaica, 7,0 GW em Biomassa e
19,0 GW de usinas eólicas, sendo essas últi-
mas, claramente, a maior novidade no pano-
rama energético do país no período.
A introdução em escala dessas novas formas
no setor elétrico, além de preservar o nível
de geração renovável, traz ainda impactos
positivos de caráter industrial e tecnológico.
O crescimento da geração eólica propiciou
um importante desenvolvimento industrial
de tal modo que o Brasil tornou-se inclusive
em um hub industrial na área para o resto da
América Latina. É possível que, com a ener-
gia solar, algo similar venha a se desenvolver.
Ainda assim, o desenvolvimento tecnológico
conexo ainda é um desafio importante a ser
enfrentado e impulsionado.
Essas questões todavia não foram abordadas
no planejamento, assim como não foi discuti-
do como essas unidades geradoras de caráter
intermitentes serão incorporadas ao sistema e
balanceadas. A medida que sua participação
aumenta, cuidados especiais se tornam ne-
cessários não apenas de caráter técnico ope-
racional, mas também em relação à estrutu-
ra do parque gerador e o papel das diversas
fontes. Em princípio a presença de usinas hi-
drelétricas deverá ajudar já que estas têm ca-
pacidade não só de armazenamento como de
variar a geração no atendimento à carga. Fa-
cilidade de acompanhar a carga costuma ser
característica também das usinas termelétri-
cas a gás natural, mas dependendo se seus
contratos de compra de gás assim o permi-
tirem. Uma situação dessas parece favorecer
o uso de mais geração nuclear e térmica na
base, enquanto que as usinas hidrelétricas re-
forçam o atendimento nas horas de ponta e
nos horários em que as usinas eólicas e sola-
res não puderem gerar.
Complicando ainda essa discussão está o fato
de que a capacidade de armazenamento das
38
usinas hidrelétricas no Brasil está se redu-
zindo em termos relativos; o documento de
planejamento anterior, o PDE 2023, já avisa-
va que para um crescimento de cerca de 29%
da capacidade hidrelétrica instalada espera-
va-se um aumento de apenas 2% na capaci-
dade global de armazenamento do sistema.
Isto porque, por pressões dos movimentos
ambientalistas, as novas usinas que se situam,
principalmente, na região amazônica estão
sendo construídas quase sem reservatórios,
como usinas “a fio d’água”, para evitar o ala-
gamento das regiões em seu entorno.
Uma possível alternativa complementar, para
compensar a intermitência de algumas fontes
e a redução geral da capacidade de armaze-
namento das hidrelétricas, que está começan-
do a ser estudada e ainda não se tem clareza
quanto a sua viabilidade e escala, é a constru-
ção de usinas reversíveis com pequenos re-
servatórios que possam bombear água para
esses reservatórios nos horários de baixo con-
sumo, para gerar energia depois, em outros
horários, quando necessário.
Embora os custos sistêmicos provocados pe-
las usinas renováveis quando em disputa com
a geração térmica nos leilões, tenham sido le-
vados parcialmente em conta através de in-
dicadores custo-benefício (como é discutido
em detalhe no Capitulo 5), esses indicadores
ainda precisam ser aprimorados e o debate
sobre a composição do parque gerador preci-
sa se aprofundar.
Também no PDE 2024, como no Plano 2030,
as questões sobre a produção local de gás na-
tural ainda envolvem um grau elevado de in-
certezas. Como grande parte da produção de
gás no país está prevista para se efetuar na re-
gião do pre-sal, ainda não está claro quais po-
dem ser seus custos e competitividade quan-
do trazidos para a costa. Essa questão se casa
com a da composição do parque gerador elé-
trico e necessitará também ser melhor escla-
recida. O plano trabalha ainda com um cres-
cimento expressivo das importações de GNL.
Para concluir, cabem alguns comentários fi-
nais sobre o PDE 2024 em relação ao docu-
mento anterior, PDE 2023, e a forte mudança
nos cenários, agora já em 2016 com a van-
tagem do “olhar para trás”, no que tange às
expectativas anteriores de crescimento hoje
bastante afetadas pela crise político-econô-
mica que o país vem atravessando.
Enquanto que o PDE 2023 havia sido elabora-
do com base em uma hipótese de crescimen-
to do consumo de energia no período, a uma
taxa média anual de 3,7%, o PDE 2024 reduziu
essa hipótese para uma taxa média anual de
2,9%, acompanhando as hipótese de cresci-
mento do PIB adotadas em cada caso confor-
me a Tabela 3.9 a seguir. Para o consumo de
energia elétrica manteve-se taxas decenais
bastante similares em ambos os planejamen-
tos, mesmo tendo se reduzindo a expectati-
va de crescimento do PIB do PDE 2023 para
o PDE 2024.
39
PDE 2024
(% a.a.) 2014-2019 2019-2024 2014-2024
PIB 1,8 4,5 3,2
Oferta Interna de Energia 1,9 3,6 2,7
Oferta Interna de Eletricidade 3,4 4,9 4,2
PDE 2023
(%a.a.) 2013-2018 2018-2023 2013-2023
PIB 4,1 4,5 4,3
Oferta Interna de Energia 4,3 3,1 3,7
Oferta Interna de Eletricidade 4,9 3,8 4,4
TABELA 3.9 – CENÁRIOS DE CRESCIMENTO DO PIB E DO CONSUMO DE ENERGIA
Fonte: PDE 2024 e PDE 2023
Com a visão de hoje, sabe-se que o crescimen-
to do PIB em 2014 foi de apenas 0,1%, em 2015,
negativo de -3,8%, que em 2016 espera-se
nova queda de -3,2% e apenas em 2017 alguma
recuperação com um crescimento de 1,3%48, e
o quinquênio 2015-2019 poderá ter como taxa
média de crescimento econômico anual um
valor inferior a 1%, ou mesmo negativo.
Como o crescimento energético tem alguma
resiliência em relação às oscilações da econo-
mia, o crescimento observado da oferta em
2014 foi ainda de cerca de 3,1% e o de ener-
gia elétrica 3,2%; já em 2015 ambas as taxas
caíram, tendo a oferta de energia no país va-
riado cerca de -2,1% e o consumo de ener-
48 Previsões do mercado segundo “Focus – Relatório de Mercado” de Setembro de 2016, Banco Central do Brasil.
49 Balanço Mensal de Energia – junho de 2016, N3E/SPE/MME.
gia elétrica em -1,8%. Em 2016, esses valo-
res continuam negativos, segundo dados do
MME49, sendo que, até junho de 2016, em re-
lação a igual período do ano anterior, a ofer-
ta de energia e o consumo de eletricidade, va-
riaram a taxas, respectivamente, de -2,8% e
de -1,9%, prevendo-se que o consumo de ele-
tricidade do ano de 2016 fique em uma taxa
de cerca de -1,8%. É curioso assinalar que en-
quanto o consumo de energia elétrica conti-
nuou caindo, a carga do sistema no mesmo
período (até junho) cresceu cerca de 0,6%, in-
dicando um aumento significativo das perdas
comerciais, fruto provável das dificuldades
trazidas pela crise econômica.
40
Com essas mudanças de cenário, mesmo que
elas não afetem diretamente a estrutura futu-
ra da oferta de energia e a entrada das novas
energias renováveis, elas estão afeando o ritmo
da entrada dessas novas usinas e pode-se infe-
rir que os valores projetados pelo Plano 2024
e aqui apresentados deverão no mínimo so-
frer um significativo adiamento, exigindo, des-
sa forma, alguns cuidados em sua observação.
Comunicação recente da EPE avisa que, da-
das às mudanças recentes nos patamares de
consumo, o Plano 2025 que estava em elabo-
ração foi abandonado e apenas em 2017 será
apresentado o novo plano decenal.
41
EVOLUÇÃO RECENTE E PANORAMA ATUAL DO MODELO INSTITUCIONAL DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
TRANSFORMAÇÕES NAS ÚLTIMAS DÉCADAS
Introdução e Antecedentes
O modelo institucional do setor elétrico bra-
sileiro passou por profundas mudanças desde
o final do século passado e continua ainda em
um processo de transformações. As caracte-
rísticas particulares desse setor no país, prin-
cipalmente o predomínio da hidroeletricidade,
o diferenciam da maioria dos sistemas encon-
trados no mundo, onde a presença de energia
renovável é percentualmente menor, com me-
nor interdependência entre as usinas e menos
influenciado por fatores climáticos em sua ca-
pacidade de suprimento.
Alguns dos problemas institucionais que ne-
cessitam hoje ser enfrentados por países que
procuram reduzir o uso de combustíveis fós-
seis e, para isso, ampliar de forma significativa
a presença de fontes renováveis em suas matri-
zes elétricas, encontram similaridades em mui-
tas das dificuldades encontradas no desenvol-
vimento dos desenhos regulatórios no Brasil,
o que torna o caso brasileiro paradigmático e
seus erros e acertos oferecem lições importan-
tes sobre como lidar com a predominância de
fontes renováveis em uma matriz elétrica.
Antes de se discutir em detalhes (o que é feito
no Capitulo seguinte) o processo adotado no
Brasil para a promoção das novas renováveis
cabe observar resumidamente o enquadra-
mento setorial vigente no país e sua evolução
recente, historicamente voltado para a promo-
ção da geração hidrelétrica.
Deve-se assinalar que nas duas últimas déca-
das do século XX mudanças em geral na for-
ma de organização do setor elétrico se disse-
42
minaram no mundo, a partir de experiências
pioneiras no Chile e no Reino Unido, que al-
cançaram também o Brasil alterando radical-
mente sua estrutura institucional e onde cujas
respostas tiveram que lidar com o desafio de
compatibilizar essas mudanças com um siste-
ma de geração hidrelétrico.
Estas alterações tiveram em comum a bus-
ca da introdução de elementos de concorrên-
cia em setores antes totalmente regulados e,
quando estatizado, a transferência total ou
parcial da propriedade das empresas do Es-
tado para o setor privado.
No mundo, os preços da energia em geral sofre-
ram fortes impactos com as crises do petróleo
dos anos 1970. Assim, nos países desenvolvi-
dos, elevados preços da eletricidade, motiva-
ram diversos grupos de interesse dos consumi-
dores a pressionarem por uma maior eficiência,
o que estimulou e facilitou a realização de refor-
mas setoriais naqueles países, mesmo com al-
guma resistência das empresas instaladas.
No Brasil, todavia, não obstante os fortíssimos
impactos dos aumentos dos preços do petró-
leo, vivia-se no setor elétrico uma situação di-
versa, já que seus preços eram artificialmente
contidos por uma política que priorizava o con-
trole da inflação a qualquer custo e as empre-
sas, em sua maioria estatais, não tinham muita
margem de manobra. A geração e a transmis-
são estavam majoritariamente sob controle do
governo federal através da Eletrobras50, acom-
panhada por umas poucas empresas estaduais
verticalizadas fortes. A maior parte das em-
50 Empresa holding estatal federal, controladora de empresas de geração regionais, distribuidoras estaduais e da geradora nuclear além de 50% da usina binacional Itaipu.
51 Como indicava o processo do “Revise – Revisão Institucional do Setor Elétrico”, vide Comitê Executivo do Revise (1989).
52 Pela edição da Lei 8631/93, conhecida como Lei Eliseu Resende, que alterou a legislação tarifária e promoveu o equilíbrio econômico-financeiro do setor, logo seguida pelos primeiros trabalhos de preparação de processo de privatização, conduzidos pelo BNDES.
53 Sobre a evolução histórica do setor elétrico brasileiro vide J. L. Lima, “Políticas de Governo e Desenvolvimento do Setor de Energia Elétrica do Código de Águas à Crise dos Anos 80 (1934-1984)”, Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 1995 e R. A. Medeiros, “O Capital Privado na Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro”, Tese de Mestrado, COPPE, UFRJ, Rio de Janeiro, 1993.
presas de distribuição eram estatais estaduais.
Com a compressão tarifaria imposta pelo go-
verno federal, as empresas estaduais, sem re-
cursos, não pagavam os custos da geração à
Eletrobras que, também sem recursos, não pa-
gava seus impostos e recorria ao Tesouro Na-
cional para fechar suas contas.
Nesse contexto de inadimplências e mesmo
sem pressões diretas dos consumidores, o an-
seio por mudanças no país vinha de dentro do
próprio setor51, diante da situação de desorga-
nização financeira dos anos 80.
Somando-se a uma tendência mimética a re-
produzir aqui aquilo que vai acontecendo nos
centros mais desenvolvidos, as maiores forças
motivadoras das transformações setoriais lo-
cais foram então a necessidade de reformu-
lação do papel do Estado e de obtenção de
uma maior eficiência alocativa e gerencial no
setor elétrico, e do alcance e preservação de
seu equilíbrio econômico-financeiro.
Processo Inicial de Transformações Setoriais
Em um processo que pode-se marcar como
tendo início no ano de 199352, o quadro insti-
tucional então vigente, hierárquico, predomi-
nantemente estatal e regulado nominalmen-
te pelo custo do serviço, começou a mudar53.
As “regras do jogo” do setor no país come-
çaram a ser modificadas, ao mesmo tempo
em que novos atores privados vieram a as-
sumir o controle de parcela significativa das
empresas de energia elétrica, alterando-se, si-
43
multaneamente, a natureza dos agentes em-
presariais pelo processo de privatização e de
retirada (temporária) do Estado dos investi-
mentos na expansão e o desenho do quadro
regulador com crescimento do papel da com-
petição e do mercado.
O modelo histórico de regulamentação de
preços no Brasil e que havia sido adotado
na maior parte do século XX, reproduzindo
o padrão dos princípios gerais no mundo na
época, era o de regulamentação pelo custo-
-do-serviço, pelo qual somando-se todos os
custos incorridos em todos os segmentos da
geração à comercialização final, desde que
fossem considerados justos, e utilizando-se
uma remuneração predeterminada para o ca-
pital, chegava-se à tarifa final a ser fixada.
Na verdade, esse processo estabelecia, na
pratica, na melhor das hipóteses, quando
não discricionariamente aplicado, um padrão
de discussão entre o regulador e a empresa
para que se conseguisse chegar a algum va-
lor próximo da remuneração requerida diante
dos custos reais da empresa. Com um regula-
dor precariamente estruturado e abrigado di-
retamente na burocracia do governo federal,
diante da inevitável assimetria de informações
entre regulador e empresas, e considerando
ainda que o preço que se procurava estabele-
cer valeria para um período futuro que embo-
ra próximo estava eivado de incertezas, não
se tinha como se ter resultados precisos.
Apesar da falta de estímulos econômicos que
promovessem a eficiência e ganhos de produ-
tividade, o sistema tinha a vantagem de ga-
rantir que os novos investimentos na expan-
são do setor seriam incluídos na base usada
para cálculo tarifário e, portanto remunerados
a contento, funcionando como estímulo à ex-
pansão (no limite, como estímulo à formação
de capacidade ociosa excedente).
Teoricamente, apesar de seus problemas o
método funcionou por algum tempo e poderia
ter continuado a funcionar por um longo pe-
ríodo. Na prática, porém, foi progressivamen-
te desrespeitado, com a tarifa historicamente
usada como instrumento (de curto prazo) de
combate à inflação, criando problemas graves
quanto à expansão do setor a longo prazo,
só não agravados por que a natureza estatal
das empresas fazia com que as mesmas con-
tinuassem a investir, mesmo com uma rentabi-
lidade duvidosa e grandes riscos regulatórios.
As pré-condições para a reforma institucional
do setor elétrico brasileiro foram estabeleci-
das em 1933 pela Lei 8.631/93, que, além de
promover o equilíbrio financeiro setorial, indi-
vidualizou as tarifas anteriormente equaliza-
das em todo o país e introduziu fórmula pa-
ramétrica para regular o processo de reajuste
tarifário. São também desta fase inicial os pri-
meiros esforços para a montagem de projetos
conjuntos de geração entre empresas estatais
e a iniciativa privada, que envolveram a cons-
trução das usinas hidrelétricas de Itá, pela Ele-
trosul e de Serra da Mesa, por Furnas, mesmo
com todas as limitações do quadro regulador
então vigente.
É ainda daquele ano a primeira tentativa de
viabilização do conceito do livre acesso às
redes de transmissão, através do Decreto
1.009/93 que abriu o acesso ao sistema de
transmissão do Sistema Eletrobrás à auto-
produtores e concessionárias em geral, sem
grandes consequências práticas pela falta de
um quadro regulador mais amplo.
O processo de mudanças vai, todavia, ter seu
marco radical de ruptura estabelecido pela le-
gislação mais geral representada pelas cha-
madas Leis das Concessões que regulavam
dispositivos da Constituição de 1988, de modo
a colocá-los em vigor. Com a primeira delas, a
44
Lei 8.987/95, a obrigatoriedade da realização
de licitações, basicamente pelo menor pre-
ço de venda de energia ou pelo maior valor
pago à União, para a outorga de concessões
de serviços públicos, introduziu uma dimen-
são competitiva nesta outorga.
Por aquela primeira lei, a tarifa dos serviços
públicos concedidos passava a ser regida pelo
preço fixado na proposta vencedora da licita-
ção e suas regras de revisão deveriam ser de-
terminadas pela legislação, pelo edital e pelo
contrato de concessão do qual, junto com o
preço, eram cláusula essencial. Desse modo,
toda a legislação anterior baseada no custo do
serviço não mais tinha que ser obedecida para
qualquer tipo de concessão nova licitada.
Na segunda Lei das Concessões, a Lei 9.074/95,
explicitou-se que também o aproveitamento
energético dos cursos de água (concessões
de bens públicos) estava sujeito às licitações
para sua concessão, nos termos de ambas as
leis, alterando de vez a antiga forma de dis-
tribuição das mesmas entre as empresas esta-
tais. Também esta lei formalizou a situação dos
produtores independentes de energia com re-
gras operacionais e comerciais próprias, cujos
preços de venda ficavam sujeitos a critérios
gerais a serem fixados pelo poder concedente.
Ainda a Lei 9.074/95, separava a rede de
transmissão considerada como rede básica,
sujeita a concessões específicas, com pre-
ços próprios, dos demais elementos de rede,
englobados ou nas concessões de geração
ou nas de distribuição e remunerados junto
com as mesmas.
Note-se que esta legislação, embora acompa-
nhada com ansiedade pelas empresas do se-
tor, não teve sua aprovação envolvida em uma
discussão aberta e completa do novo marco
regulador, mesmo que baseadas em dispositi-
vo constitucional. Apesar de suas consequên-
cias terem sido bastante profundas, seu de-
bate ficou restrito apenas aos seus impactos
mais imediatos, sem uma visão mais abran-
gente de longo prazo e nem todo os pon-
tos relevantes foram amplamente explorados.
Por exemplo, a adoção de concessões tem-
porais no setor elétrico, com prazos preesta-
belecidos, não é uma solução universalmen-
te adotada para todos os seus segmentos e
não passou por questionamentos específi-
cos na época da aprovação dessa legislação.
Também, em muitos países, uma empresa dis-
tribuidora só tem sua concessão cassada em
caso de mal atendimento, outrossim ela con-
tinua servindo sem prazos definidos.
Além dessas mudanças estruturais, como o
processo de concessão de novas licitações
que passou a ser aberto e disputado pelos
agentes privados, o governo optou ainda por
afastar suas empresas da expansão e pode-
-se dizer que, com elas, além da introdução
da competição, a expansão da geração foi de-
legada indiretamente ao setor privado.
Ainda em 1995, iniciou-se o processo de pri-
vatização das empresas federais pelas distri-
buidoras, com a venda da Escelsa no Estado
do Espírito Santo, seguida, mais tarde, pela
venda da Light no Estado do Rio de Janeiro.
Na falta de definições legais para as regras do
setor, os editais e contratos de concessão ti-
veram que servir de instrumentos para balizar
esse processo.
Com as duas Leis das Concessões, caiu em
grande parte toda a sistemática de regula-
mentação pelo custo do serviço, gerando um
vácuo legal e regulatório cuja necessidade
de rápido preenchimento se fazia sentir, tor-
nando ainda mais indispensável uma reorga-
nização institucional, espaço que, em projeto
contratado pela Secretaria de Energia do Mi-
nistério de Minas e Energia (SE/MME), a Coo-
pers & Lybrand (C&L) procurou parcialmente
45
ocupar, ajudando a desenhar as linhas mes-
tras da mudança que já havia sido iniciada.
Mesmo que a proposta da C&L não tenha
passado, como deveria, por um necessário
processo amplo e efetivo de debates, nego-
ciação e ajustes entre os agentes setoriais54,
ela teve o mérito de fornecer uma diretriz
para as iniciativas do novo agente regulador
que havia sido simultaneamente criado55, a
ANEEL, e para a Lei 9.648/9856 que criou
as condições mínimas para a operacionali-
zação desse novo modelo, dando origem à
formação do Operador Nacional do Sistema
(ONS), governando a operação do sistema
e do Mercado Atacadista de Energia (MAE),
contabilizando e liquidando os fluxos finan-
ceiros entre as empresas.
A característica fortemente hidrelétrica do
sistema brasileiro e com um potencial dispo-
nível para expansão desta fonte, de pelo me-
nos, da mesma ordem de grandeza da capa-
cidade já instalada, fez com que a montagem
desse modelo obedecesse características
próprias, bastante diferenciadas dos modelos
internacionais, tanto por razões operacionais
como pelas necessidades de expansão.
A nível operacional, esta situação específica
brasileira foi plenamente considerada com a
criação e papel central definido para o ONS já
que um parque hidrotérmico exige uma ope-
ração integrada, com uma significativa inter-
venção de um agente coordenador, capaz de
gerenciar todas as externalidades inerentes
ao processo, incluindo suas consequências em
termos de preço da energia hidrelétrica.
54 A elaboração da proposta pela C&L foi de fato acompanhada por um grande grupo de técnicos do setor que foram reunidos diversas vezes no MME, mas que não se envolveram de fato no processo decisório, além do que as direções das empresas e instituições do setor não foram formal e regulamente consultadas.
55 Pela lei 9.427/96, cuja elaboração também antecedeu a conclusão do próprio estudo da Coopers&Lybrand.
56 Pode-se dizer que o projeto da C&L mesmo sem ter sido formalmente invocado como base desta nova lei, era a única referência detalhada disponível na época e cujas discussões haviam sido acompanhadas por grande parte do quadro técnico do setor na época envolvido na discussão de sua legislação.
Desse modo, cada usina individualmente rece-
beu um direito de geração firme (energia asse-
gurada) que ela pode comercializar, conforme
sua contribuição para o sistema como um todo,
identificada por modelos analíticos. E para que
se fizesse possível se manter a operação otimi-
zada em seu conjunto e não em função do inte-
resse individual das usinas, criou-se ainda o Me-
canismo de Relocação de Energia (MRE), pelo
qual a energia gerada pelas usinas que geraram
mais é redistribuída contabilmente para as de-
mais que geraram menos em função das de-
cisões centralizadas, contra apenas um paga-
mento por parte destas últimas de uma tarifa
de otimização capaz de cobrir os custos opera-
cionais das primeiras.
Infelizmente, enquanto que a operação inte-
grada foi preservada nesse processo, o siste-
ma de planejamento a médio e longo prazos
colegiado anterior e coordenado pela Eletro-
bras foi desmontado sem substituição, mes-
mo tendo sido assinada pelo projeto da C&L
a necessidade de um planejamento energé-
tico global e cujo vazio institucional só viria
a ser reformulado anos depois. Também na
época, grande parte dos quadros com expe-
riência nessa atividade se dispersou pelas di-
versas empresas, perdendo-se parte do co-
nhecimento acumulado na área até então.
Primeira Etapa do Novo Modelo - O Serviço pelo Preço e a Concorrência
Com a Lei 9.648/98, detalhada pelo Decreto
2.655/98, completou-se a liberação dos pre-
ços da geração no atacado, não apenas para
os produtores independentes, mas para todas
46
as operações de compra e venda de energia
elétrica entre concessionários ou autorizados,
sendo que a sistemática proposta pela C&L,
orientou estes diplomas legais, assim como
as regras subsequentemente validadas pelo
MAE. Com essa legislação foram também li-
berados os grandes consumidores para com-
prarem diretamente, se assim o quisessem, no
mercado atacadista, sendo os chamados con-
sumidores livres, ampliando, desse modo, as
possibilidades de concorrência no atacado.
Esta foi uma primeira fase do modelo setorial
brasileiro que vigorou até 2004, quando ele
foi revisto e modificado. Nesse primeiro pe-
ríodo, toda a energia comercializada no siste-
ma interligado deveria ser no âmbito do MAE,
sendo que, se a parcela não tivesse sido con-
tratada bilateralmente, tinha sua regra de de-
terminação de preços expressa em um acor-
do a ser acordado entre os participantes e
homologado pela ANEEL.
Por aquele sistema, os preços dos contratos
para venda de energia ficaram liberados, a me-
nos dos chamados contratos iniciais para as
usinas existentes, com preço regulado em pe-
ríodo de transição que se encerraria comple-
tamente em 2006, a partir de quando a Lei
previa a completa liberação dos preços da ge-
ração a serem todos estabelecidos nas nego-
ciações contratuais bilaterais entre os agentes.
A formação dos preços das novas unidades
geradoras, passou a ser governada então pelo
mercado através dos contratos bilaterais livre-
mente pactuados entre geradores e distribuido-
res, sendo que as novas concessões passaram a
ser licitadas sob o regime de “maior valor pago
à União” para não amarrar antecipadamente os
preços finais do produto, e que deveria servir
57 “Energia Assegurada” de acordo com uma determinada probabilidade de déficit pré-estabelecida; o sistema brasileiro, vinha tendo seu planejamento referido à aceitação de um risco máximo de 5%; antes da adoção de critérios probabilísticos, o critério de garantia era que o sistema devia atender ao mercado com a “energia firme” que poderia ser produzida no chamado “período crítico” hidrológico de 1953-56.
também para capturar eventuais rendas econô-
micas associadas aos projetos hidrelétricos.
Para a energia não contratada e comerciali-
zada no curto-prazo, os preços passavam a
ser definidos pela entidade responsável pelo
mercado, em função dos valores marginais in-
dicados pelo algoritmo de otimização do des-
pacho e calculados por regras devidamente
aprovadas pelo regulador.
Nesta modelagem manteve-se a filosofia de
separação físico-financeira da comercializa-
ção na geração hidrelétrica, já previsto ante-
riormente pela Lei 9648/98, que havia estabe-
lecido o mecanismo de relocação de energia
para mitigação de risco hidrológico, parte es-
sencial para a implantação desta separação, o
acima citado MRE. O Decreto 2.655/98, por
sua vez, além de melhor caracterizar o meca-
nismo de relocação, assegurou que cada usina
teria o direito de comercializar uma dada fra-
ção da energia assegurada57 (conceito proba-
bilístico alternativo ao de energia firme histori-
camente utilizado e que indicava a energia que
poderia ser produzida no pior período hidroló-
gico registrado) do sistema a ela alocada.
Como a competição pela geração estava limi-
tada aos grandes consumidores, sem alcançar
o varejo, ficava pendente a questão dos cus-
tos de geração para os consumidores cativos,
sem acesso direto ao mercado. Nesse sentido,
essa Lei estabeleceu, ainda, que a ANEEL de-
via fixar critérios para limitar os repasses dos
custos de compra de energia por parte das
distribuidoras aos seus consumidores cativos.
Foram os chamados valores normativos que
limitavam para cada tipo de geração os cus-
tos máximos que as distribuidoras poderiam
repassar em suas tarifas finais.
47
Com a criação e atuação da ANEEL, o sistema
de tarifação ficou um pouco mais claro, em-
bora ainda bastante incompleto, ficando esta-
belecido o regime de serviço pelo preço, com
tarifas fixadas por contratos resultantes de li-
citação ou renovação de concessões e/ou do
processo de privatização, ou por ato especí-
fico da ANEEL, em caso de revisão ou reajus-
te. Este regime passou a ser válido para quais-
quer concessões, sejam elas de geração (se
ainda reguladas), transmissão ou distribuição.
Com essas licitações, introduziu-se uma di-
mensão competitiva na fixação inicial desses
preços, já que, pelo menos no primeiro mo-
mento, todos eles deveriam resultar de uma
operação de mercado (tanto nas novas con-
cessões, como na relicitação das antigas), em-
bora nas etapas seguintes as concessões de
distribuição recaíssem em preços regulados.
No caso dos preços regulados, como esses
são dinâmicos e têm que ser revistos pe-
riodicamente, os editais e contratos, tanto
de privatização como de concessão de dis-
tribuição, após 1995, embora não expres-
so formalmente em Lei, passaram a adotar
como regra um sistema de “price cap”, pos-
teriormente assumido e regulamentado pela
Aneel, estando hoje as tarifas de distribui-
ção submetidas a um sistema de revisões
periódicas a cada quatro anos e a reajustes
anuais nos demais períodos.
Quanto aos preços da transmissão, a Lei
9.648/98 previu que os mesmos fossem regu-
lados pela ANEEL, sendo a contratação e ad-
ministração desses serviços, assim como de
suas condições de acesso e serviços ancilares,
de responsabilidade de ONS, a serem cobra-
dos meio a meio da geração e da carga, con-
forme preconizado no projeto da Coopers &
Lybrand. As condições gerais de contratação
de acesso e uso das instalações de transmis-
são da rede básica foram, complementarmen-
te, regulamentadas pela ANEEL. Os segmen-
tos de linhas fora da rede básica passaram a
ter sua remuneração como parte da conces-
são de geração ou de distribuição em que ela
se conecta.
O pagamento dos novos agentes de transmis-
são tem assim por base o serviço pelo preço,
referido à licitação que lhes outorgou a conces-
são. Esses valores são corrigidos por regras de
reajuste previstas em cada contrato de conces-
são. São ainda previstas multas (redução da re-
muneração) em caso de falhas de desempenho
causada por manutenção insuficiente.
Conforme historiado acima, o modelo então
implantado seguiu uma diretriz de segmenta-
ção da atividade de geração, com seus preços
apoiados em contratos de longo prazo, livre-
mente estabelecidos entre as partes e bali-
zados, no curto prazo, por preços regulados,
que deveriam refletir o custo marginal (deter-
minado por modelo matemático), para as par-
celas não contratadas.
Através destas mudanças as novas regras tari-
fárias vieram sendo construídas, desde a rup-
tura criada pela Lei das Concessões. Embora
esse sistema não tenha reduzido os custos de
monitoramento, ele trouxe estímulos econô-
micos para ganhos de eficiência, o que foi cer-
tamente um grande avanço. Os maiores ques-
tionamentos em relação ao mesmo, todavia,
se relacionavam a sua capacidade de estimu-
lar novos investimentos, principalmente nos
grades projetos hidroelétricos altamente in-
tensivos em capital e de longa maturação.
A Crise de 2001
No período de transição institucional brasilei-
ro acima descrito, três mudanças significati-
vas se deram em simultâneo, todas com con-
sequências que, pelo menos no curto prazo,
48
dificultavam a realização de novos investi-
mentos, o que requeria um esforço significa-
tivo do governo, direto e/ou indireto, para ga-
rantir a continuidade da expansão, o que não
aconteceu, pelo menos de forma compatível
com as necessidades.
Conforme apontado, os três principais eixos
de mudança incluíram: (1) a substituição de
investidores estatais por privados, com sua
mudança de lógica econômica, (2) a mudança
de modelo, com todo um conjunto de regras
novas ainda sendo definidas passo a passo, e
(3) a mudança nos modelos de montagem fi-
nanceira e na natureza dos empreendimentos,
agora cada vez mais executados através de
empresas de propósito específico.
Não é de se estranhar que, nesse contexto, te-
nham surgido dificuldades significativas para
a concretização de novas obras. Esperava-se
que houvesse uma expansão das termelétri-
cas a gás natural. Enquanto que as hidrelé-
tricas são altamente capital intensivas, envol-
vendo cada vez mais complexas negociações
ambientais, as térmicas a gás deveriam mais
facilmente atrair investidores privados. En-
tretanto, isso não se deu, sendo que o gover-
no lançou, apenas tardiamente, em feverei-
ro de 2000, o chamado Plano Prioritário de
Termeletricidade (PPT) com maiores incenti-
vos para a construção de usinas termelétricas,
mas já era tarde demais para evitar uma crise
no abastecimento.
Assim, não poderia ter sido “mais anunciada”
a crise que eclodiu em junho de 2001, onde um
período de condições hidrológicas desfavorá-
veis no Sudeste e no Nordeste se juntou à fal-
ta de investimentos e a oferta da energia não
foi mais suficiente para atender ao crescimen-
58 Segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002).
59 O racionamento foi mantido até fevereiro de 2002.
60 Lei nº 11.943, de 28 de maio de 2009, e Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004.
to do consumo, o que exigiu a implantação de
um racionamento, com grandes desgastes po-
líticos para o governo federal da época58, com
uma necessidade de corte de cerca de 20%
do consumo59 do país, exceto na Região Sul
onde a situação era normal, mas de onde não
se tinha transmissão suficiente para importar
o adicional de energia necessário.
CONSTRUÇÃO DO MODELO INSTITUCIONAL ATUAL
A Reformulação em 2004
A crise de 2001-2002 deixou claras algumas
insuficiências do modelo então vigente, prin-
cipalmente no que se referia à atração de no-
vos investimentos. Em 2004, foram então
reformuladas as regras setoriais em vigor, es-
tabelecendo-se um novo marco institucional60
para o sistema integrado nacional que, com-
plementado por alterações e ajustes posterio-
res, é o responsável pela regulação do setor
no país nos dias atuais.
O novo governo, em 2004, de viés mais esta-
tizante que o anterior, manteve grande parte
da modelagem vigente, mas reformulou com
sucesso as regras relacionadas à expansão do
sistema gerador e formalizou a retirada das
empresas geradoras controladas pela Eletro-
brás do Programa Nacional de Desestatiza-
ção (PND). Foram mantidos da modelagem
anterior conceitos e regras como a licitação
das novas concessões, a operação integrada,
o modelo de gestão da transmissão, o siste-
ma de contabilização e liquidação do mercado
atacadista no curto prazo, a presença de con-
sumidores livres no atacado, e os agentes co-
mercializadores atuando como intermediários.
49
Foram ainda adotadas mudanças nas relações
entre os agentes governamentais. Reforçou-
-se o papel de formulador e gestor da política
energética do Ministério de Minas e Energia,
criou-se a Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), uma entidade para a realização de es-
tudos de planejamento, extinguiu-se o MAE,
transferindo suas responsabilidades reformu-
ladas para a Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica (CCEE) e foi constituído um
comitê governamental para monitorar a segu-
rança do suprimento elétrico.
Entre os principais aspectos modificados em
relação à modelagem então vigente, desta-
ca-se a retomada do planejamento pelo Es-
tado, que havia se enfraquecido na fase de
mudanças, e da coordenação do ajuste en-
tre a oferta e a demanda por meio de leilões
integrados de mercado e de novas conces-
sões. Tornou-se obrigatório para as distri-
buidoras, a partir de 2004, preverem em um
horizonte de pelo menos cinco anos e con-
tratarem, em conjunto, suprimento adequa-
do para essa sua demanda, através de leilões
em separado para energia existente e para
novos projetos. Estes últimos, selecionados
pelo governo, passaram a ter suas conces-
sões oferecidas pela menor tarifa, já dispon-
do de licença ambiental prévia.
Dois movimentos essenciais foram feitos para
impulsionar a expansão hidrelétrica. Um ape-
nas com uma mudança de orientação: as es-
tatais foram novamente estimuladas a in-
vestirem em novos projetos, principalmente
através de parcerias com os agentes privados,
procurando reduzir os riscos desses e facilitar
o encaminhamento das negociações ambien-
tais com os grupos afetados pelos grandes
projetos e com os organismos de licencia-
mento. O outro, efetivamente através da mu-
dança nas regras do jogo, com o casamento
das novas concessões dos projetos com os
contratos firmes de compra de energia, ago-
ra fracionados e distribuídos entre todas as
empresas distribuidoras que declarem neces-
sidade de energia futura no horizonte do pro-
jeto em questão.
Com essas alterações, deu-se prioridade ao
mercado de contratos de longo prazo como
principal mecanismo de formação dos pre-
ços da geração no atacado, em consonância
com os requisitos do sistema brasileiro, pre-
dominantemente hidrelétrico. A opção pe-
los leilões das novas concessões pela menor
tarifa, por sua vez, alterou a forma de apro-
priação de possíveis rendas econômicas pas-
sando indiretamente as mesmas para os con-
sumidores através da redução resultante nas
tarifas. Como desvantagem, o pagamento por
essa geração, variável caso a caso dependen-
do das características físicas da usina, poderia
ficar muito abaixo do valor marginal da ener-
gia, deixando de sinalizar para os consumido-
res o valor econômico da mesma.
Ao lado do mercado regulado, mantiveram-se
as compras dos consumidores livres, através de
contratos, fora dos mecanismos de leilões, em-
bora contabilizados e liquidados também pela
câmara de comercialização CCEE. É o chama-
do Ambiente de Contratação Livre (ACL) em
contraste com o sistema de compra no ataca-
do das distribuidoras, o chamado Ambiente de
Contratação Regulada (ACR).
Manteve-se também no modelo a possibilida-
de de atuação dos agentes comercializadores,
intermediando contratos de compra e de ven-
da de energia, tanto no ACL como no ACR,
nesse último ambiente limitados à negociação
de apenas energia de usinas existentes.
O modelo, embora tenha reduzido os espa-
ços de livre negociação, trouxe alguns estí-
mulos à eficiência e novos mecanismos pro-
curando garantir o abastecimento. Com ele,
50
veio a obrigação das distribuidoras de contra-
tarem geração para cobrir 100% de seu mer-
cado, acompanhada por regras de repasse de
preço que penalizam as empresas que não o
fizerem, procurado conduzir a um aumento
no nível de garantia do sistema.
Ao lado da nova regulamentação para a ex-
pansão da geração, também se manteve a
sistemática anterior de leilões para a promo-
ção dos investimentos em linhas de transmis-
são constituintes da rede básica. As demais
linhas, de menor porte, são objeto de autori-
zações e estão associadas às concessões de
geração ou de distribuição.
Mercados Regulado (ACR) e Livre (ACL)
No mercado regulado são registrados os con-
tratos resultantes dos leilões regulados e nele
podem atuar os geradores, as distribuidoras,
e ainda os comercializadores, estes últimos,
como assinalado acima, apenas nos leilões
de energia existente. Também nesse mercado
são registrados os contratos regulados relati-
vos à energia de Itaipu e do Proinfa (progra-
ma de incentivo ao uso das fontes alternati-
vas, que foi lançado em 2002, já encerrado e
que será discutido no Capitulo seguinte).
São também registrados no mercado regula-
do contratos entre as distribuidoras e geração
distribuída local, contratada por chamada pú-
blica feita diretamente pela distribuidora, mas
limitada a 10% de sua carga total.
No mercado livre são realizadas negociações di-
retas entre compradores e vendedores, ficando
todavia os primeiros sujeitos ainda ao pagamen-
to de todos os encargos e taxas cobrados dos
consumidores cativos regulados. Podem atuar
nesse mercado geradores, comercializadoras,
importadores, exportadores (importadores e
exportadores são tratados como comercializa-
doras) e os consumidores livres e especiais.
Um consumidor livre é aquele que opta por
essa condição e apresenta uma demanda de
potência superior a 3 MW. Também consumi-
dores que demandam acima de 500 kW, po-
dem optar pela condição de consumidor livre,
desde que contratem diretamente com pro-
dutores de fontes alternativas incentivadas,
PCHs (com potencia inferior a 30 MW), eóli-
cas, biomassas, solar e outras; são os chama-
dos consumidores especiais.
Um consumidor pode ser parcialmente livre,
ou seja, contratar apenas parte de sua ener-
gia no ACL e a outra parte no ACR. Consumi-
dores livres que desejem retornar ao mercado
regulado só podem fazer após terem notifica-
do a empresa distribuidoras cinco anos antes,
a menos que esta aceite prazo menor. Simi-
larmente, os consumidores especiais obede-
cem à mesma regra, apenas com prazo me-
nor de 180 dias.
Garantias Físicas das Usinas (Energia Assegurada)
Dadas as características integradas do siste-
ma, a energia a ele adicionada por cada usi-
na envolve uma análise global da operação
do sistema para um todo, sendo então de-
finido, para um dado critério de garantia de
suprimento (igualando os custos marginais
de operação e de expansão) a “garantia físi-
ca” (GF) global que é a máxima energia que
o sistema pode suprir em condições de lon-
go prazo, calculada por meio de simulações
da operação, considerando séries sintéticas
de energia afluente por metodologia definida
pela ANEEL. Posteriormente, essa GF global é
rateada inicialmente nos blocos hidrelétricos
e não hidrelétricos e a seguir rateada em valo-
res individualizados (exceto para as usinas de
menor porte que não são passíveis de trata-
mento individual pelos modelos do sistema)
entre todas as unidades geradoras proporcio-
51
nalmente à energia firme de cada uma e sazo-
nalidade conforme sua variação mensal.
A GF de cada usina indica a quantidade de
energia (assegurada) que ela pode vender em
seus contratos. Esses valores podem ser revi-
sados ordinariamente a cada 5 anos, podendo
ser reduzidos no máximo em 5%, sendo que no
conjunto de revisões desde à outorga de sua
concessão as reduções podem ser no máximo
de 10%. Revisões extraordinárias podem ser
feitas diante da ocorrência de fatos relevan-
tes. A GF das usinas hidrelétricas é calculada
em relação ao que ele acrescenta ao sistema
na data de sua entrada prevista e é calculada
com base nesse cenário. Tanto para as usinas
hidrelétricas como para as termelétricas as ga-
rantias físicas determinadas com o apoio dos
modelos é determinada na barra de saída do
gerador, sem considerar o abatimento do con-
sumo da usina e as perdas na rede básica.
Já as usinas menores tem sua GF calculada
em separado e definida como a máxima quan-
tidade de energia que a usina pode vender no
sistema. Para as pequenas usinas hidrelétricas
(PCHs) sua GF é calculada pela sua produção
média esperada, assim como as usinas eólicas
e solares. Para as usinas eólicas utiliza-se a
chamada P90, ou seja, considerando o histó-
rico de medidas de ventos, considera-se uma
produção possível de ser excedida em pelo
menos 90% das situações, para um período de
variabilidade futura de 20 anos. A GF de uma
eólica equivale á P90 descontado seu con-
sumo interno e as expectativas de manuten-
ções programadas e paradas forçadas. Para as
usinas solares PV a GF é calculada com base
na disponibilidade de energia declarada pela
usina, descontando também seu consumo e
paradas para manutenção e forçadas, assim
como para as usinas termelétricas movidas à
biomassa cana de açúcar e similares cujo cus-
to variável unitário de operação é nulo.
Ou seja, para todas essas usinas alterativas,
sua GF é individualizada sem se levar em con-
ta o impacto das mesmas no sistema como
um todo, como é feito para as hidrelétricas.
Essas considerações aparecem apenas na for-
ma de calculo do índice benefício custo des-
sas usinas quando usado para fins de ordena-
mento, onde os custos marginais do sistema
como um todo entram nos cálculos, e assim,
indiretamente, a situação do sistema como
um todo é refletida na análise individualizada
dessas unidades, mas sem que o impacto de-
las sobre o sistema seja efetivamente incorpo-
rado na modelagem.
Contratos por Quantidade ou por Disponibilidade
Os contratos a serem realizados em função
dos resultados dos leilões no ACR, são os
chamados Contratos de Comercialização de
Energia no Ambiente Regulado (CCEAR) ou
ainda, no caso dos leilões de energia de reser-
va (que serão vistos mais adiante) Contratos
de Energia de Reserva (CER).
Os CCEAR podem ser realizados em dois ti-
pos de modalidades diferentes, dependendo
da alocação dos riscos hidrológicos: contra-
tos por quantidade, em que os riscos hidro-
lógicos ficam com os geradores, e contratos
por disponibilidade, em que esses riscos ficam
com os compradores, com direito de repasse
aos consumidores finais. Em geral os contra-
tos por quantidade se destinam a geradores
hidrelétricos e fixam o preço e as quantidades
(determinadas pelas garantias físicas das usi-
nas) a serem comercializadas, sendo que ex-
cedentes ou faltas devem ser acertados atra-
vés do mercado de curto prazo.
No caso dos contratos por disponibilida-
de esses são usualmente destinados a ge-
radores termelétricos e costumam também
52
ser oferecidos aos geradores que usam fon-
tes alternativas. Eles preveem uma remune-
ração fixa, para cobertura dos custos fixos
do gerador que tem direito adicionalmente
a uma remuneração variável quando essas
usinas são despachadas pelo ONS e que de-
vem cobrir os custos variáveis, incluindo os
de combustíveis. Os CER utilizados nos lei-
lões de reserva em alguns casos são feitos
nessa última modalidade.
Leilões no Ambiente Regulado
Todo ano (ano A) as distribuidoras e os con-
sumidores livres devem declarar à Aneel suas
projeções de mercado para os anos (A, A+5).
Para a determinação do mercado líquido a
ser licitado, são subtraídos: os contratos vi-
gentes, a compra (compulsória) da energia de
Itaipu, contratos com geração distribuída (pe-
quenas hidrelétricas e térmicas a biomassa e
a resíduos de processos, limitados a 10% da
carga), e os contratos com usinas que se utili-
zam das novas fontes renováveis e que foram
desenvolvidas no âmbito de um programa ini-
cial de promoção das mesmas (Proinfa).
Os processos licitatórios para o atendimento
dessa demanda distinguem usinas existentes e
novas, assim, como por lei, é prevista a possibi-
lidade de realização de leilões exclusivos para
fontes alternativas. As concessões das novas
usinas a serem oferecidas para o atendimen-
to da demanda prevista em cada leilão são ho-
mologadas pelo MME a partir de propostas da
EPE e podem considerar também propostas
de agentes interessados. As licitações de usi-
nas no ACR, devem ser realizadas pela ANEEL,
diretamente ou por intermédio da CCEE.
No ambiente regulado, os vendedores são as
geradoras e comercializadoras, e os compra-
61 Originalmente esse limite, dado pelo Decreto 5163/1004, era de apenas 1%, com a crise mais recente e procurando reduzir a exposição das distribuidoras aos elevados preços no mercado de curto prazo, o Decreto 8379/2014 elevou esse percentual para os 5% hoje praticados.
dores são as distribuidoras. A programação
do suprimento das necessidades de energia
identificadas é realizada com base em leilões
para compra de energia existente descontra-
tada ou compra de energia futura de novas usi-
nas cujas concessões serão simultaneamente
outorgadas e que terão direitos a contratos de
fornecimento de energia para entrega a partir
do ano A. Esses leilões podem ser de diversos
tipos: (i) para novas usinas realizado em A-5,
(ii) para novas usinas realizado em A-3, (iii)
para usinas existentes realizado em A ou em
A-1, (iv) para usinas existentes em A de ajustes
entre as distribuidoras, (v) para novas usinas
para formação de energia de reserva, (vi) para
novas usinas gerando especificamente a partir
de fontes alternativas e (vii) para usinas espe-
cíficas consideradas estruturantes.
Pela legislação, as geradoras que vencerem
os leilões em A-1, A-3 e A-5, têm que fazer
contratos bi-laterais com todas as distribui-
doras do sistema que demandaram energia
com prazos de vigência entre 15 e 30 anos
para novas usinas, entre 1 e 15 anos para usi-
nas existentes e entre 10 e 30 anos para fon-
tes alternativas.
Os leilões de ajuste procuram corrigir pe-
quenos desvios entre as previsões feitas pe-
las empresas e o comportamento do merca-
do e envolvem contratos individuais entre as
partes envolvidas, com prazos máximos de vi-
gência entre três meses e 2 anos e com a en-
trega da energia começando, no máximo, até
4 meses após o leilão. Nesses leilões cada dis-
tribuidora pode comprar no máximo61 5% da
sua carga contratada, a critério do MME.
Os leilões de reserva formam uma nova ca-
tegoria instituída em 2008 e visam criar uma
margem de segurança para garantir o abaste-
53
cimento. De fato eles revelam implicitamen-
te a insegurança das autoridades setoriais em
relação aos valores vigentes das “garantias fí-
sicas” que foram definidas para as usinas hi-
drelétricas e que a prática tem mostrado esta-
rem superestimadas. A energia gerada pelas
usinas contratadas nesses leilões são contabi-
lizadas e liquidadas no mercado de curto pra-
zo revertendo esses valores para uma conta
operada pela CCEE, que recebe também os
encargos de energia de reserva (EER), pagos
por todos os consumidores do país, conside-
rados como usuários das energias de reserva,
para a partir de cuja conta se puder pagar aos
geradores as receitas contratadas nos leilões.
Os leilões específicos para as fontes alternati-
vas foram instituídos desde a revisão do mo-
delo em 2004 e formam uma categoria a parte
onde competem apenas as fontes de caráter
renovável, tais como as usinas eólicas, a bio-
massa, solar e pequenas centrais hidrelétricas.
Completando o modelo de comercialização,
ele prevê ainda a possibilidade de algumas
transferências de sobras e de déficits entre
as distribuidoras. Completado este processo,
quaisquer vendas e compras adicionais se dão
obrigatoriamente no mercado de curto prazo
com preços determinados por modelagem ma-
temática e definidos pela CCEE para cada sub-
-mercado, com valores máximos e mínimos es-
tabelecidos pela ANEEL, e que devem refletir
os valores marginais de curto prazo - é o cha-
mado preço de liquidação de diferenças (PLD).
Regras de Repasses de Preços aos Consumidores Finais pelas Distribuidoras
Algumas regras de repasse de preços na co-
mercialização no ACR visam estimular uma
maior garantia de suprimento no sistema, já
que permitem a sobre-contratação chegar a
3% da carga sem penalização. Também é fa-
cultado aos agentes de distribuição reduzi-
rem os valores contratados nos CCEAR em
até 4% no ano A para valer a partir de A+2; e
podem ainda reduzir contratos para compen-
sar saídas de consumidores livres.
Estimulam também a contratação nos leilões
em A-5, em relação aos em A-3, limitando o
preço da energia nova a ser repassado, pela
média ponderada dos preços de compra no
dois tipos de leilões que serão realizados du-
rante os três primeiros anos a partir do ano
A e penalizando os repasses das compras em
A-3 que envolverem quantidades maiores que
2% da carga total da distribuidora medida no
ano A-5.
Dão ainda prioridade às compras de reposi-
ção da energia existente descontratada, pe-
nalizando o repasse dos custos de energia
nova se a contratação em A-1 for muito baixa.
Transferem para os consumidores eventuais
ganhos obtidos no mercado de curto prazo
por distribuidoras subcontratadas. Impedem
repasses de compras no mercado de curto
prazo a valores muito elevados por distribui-
doras subcontratadas, a menos se tal subcon-
tratação tiver sido involuntária por falta de
oferta. Neste último caso, protegem as distri-
buidoras, repassando integralmente os custos
de compras no mercado de curto prazo para
os consumidores.
Distribuição de Riscos entre os Agentes
Em função da nova modelagem adotada,
nova divisão de riscos ficou estabelecida en-
tre os agentes setoriais, em diversos casos.
Os riscos hidrológicos: (i) Para contratos por
“disponibilidade de energia”, os riscos são
das distribuidoras, mas a exposição ao mer-
cado de curto prazo, se involuntária, pode ser
54
repassada aos consumidores finais, (ii) Para
contratos por “quantidade de energia” os ris-
cos são das geradoras62.
Os riscos de mercado: (iii) As distribuidoras
podem sobre contatar até 3% de sua carga
e repassar na tarifa. Além disso, após a com-
pensação de sobras e déficits entre as distri-
buidoras, estas podem reduzir os contratos
de compras de energia existente, feitos com
as geradoras, unilateralmente, repassando
os riscos se o mercado cair até 4%, caso os
consumidores potencialmente livres mudem
para outros fornecedores (isso leva a um au-
mento no nível de garantia do sistema, mas
a redução unilateral dos contratos penaliza
as geradoras).
Riscos de racionamento: (iv) Em caso de ra-
cionamento, todos os contratos por quanti-
dade de energia no ACR devem ter seus vo-
lumes ajustados na mesma proporção da
redução de consumo verificado (os vende-
dores não ficam expostos aos preços do
mercado de curto prazo, mas tem redução
de receita, o que não acontece com os con-
tratos por disponibilidade).
MUDANÇAS REGULATÓRIAS RECENTES NO SETOR ELÉTRICO E QUESTÕES
O quadro do setor elétrico no inicio do ano
2015 era de uma situação de crise em gran-
de parte provocada por um período acentua-
do de secas, mas também consequência de
decisões intempestivas e de problemas na
modelagem, cujo enfrentamento vem exigin-
do constates remendos e ajustes no modelo
institucional, sem que ainda se tenha conse-
guido realizar uma reformulação mais profun-
62 Legislação recente permite que geradores hidrelétricos contratem com o sistema proteção contra parte desses riscos pagando prêmios a uma conta centralizadora.
63 “Um modelo com defeitos genéticos – Artigo que tenta explicar a crise”, Roberto Pereira d’Araújo, Instituto Ilumina, 10 de janeiro de 2015, disponível em http://ilumina.org.br/da-superficie-para-as-entranhas-um-modelo-com-defeitos-geneticos/.
da que parece ser necessária mas difícil de
ser concretizada porque certamente terá que
afetar direitos e contratos vigentes.
Atualmente, pode-se simplificadamente des-
tacar alguns problemas principais de nature-
za estrutural que precisam ser enfrentados,
tanto alguns relativos a situação de curto pra-
zo do setor quanto outros ligados às perspec-
tivas de longo prazo.
Os fluxos hidrológicos que alimentam as usi-
nas brasileiras nos últimos anos têm se mos-
trado desde 2012 abaixo da média de longo
prazo, reduzindo progressivamente no pe-
ríodo a capacidade de geração hidrelétri-
ca. Agravando esse quadro as últimas usi-
nas construídas tem tido reservatórios cada
vez menores por causa das pressões geradas
pelos questionamentos ambientais contra o
alagamento de florestas, reduzindo a capa-
cidade de armazenamento do sistema. Com-
pondo-se esse processo com o fato de que,
desde 2010, foram adicionadas muitas usinas
termelétricas, a relação entre capacidade de
armazenamento global e o mercado tem caí-
do significativamente e continua se reduzin-
do. Cálculos63 feitos pelo Instituto Ilumina in-
dicam que entre 2004 e 2014 a capacidade
de armazenamento do sistema caiu de cerca
de 6 para 5 meses de consumo do país e cada
vez os reservatórios se esvaziam mais rapida-
mente, aumentando a sua vulnerabilidade a
situações de secas prolongadas.
Complicando a situação hidrológica desfavorá-
vel, os critérios de definição da “garantia física”
das hidrelétricas foram claramente superesti-
mados e com isso os modelos de planejamen-
to e operação do sistema demoraram para in-
dicar a necessidade de novos leilões a tempo,
55
atrasando ainda a contratação de novo supri-
mento, cuja necessidade não se mostrava apa-
rente quando examinada pelos modelos.
Cabe assinalar que desde 2008 o governo já
estava realizando leilões da chamada ener-
gia de reserva, voltados para fontes renová-
veis alternativas. Estes serviam para aumen-
tar a capacidade de atendimento global e
refletiam implicitamente as dúvidas existen-
tes quanto à precisão das garantias físicas
que haviam sido definidas para as usinas hi-
drelétricas. Não obstante ao sucesso desses
certames para a promoção de novas fontes, a
capacidade instalada no país ainda ficou bas-
tante aquém daquela que se faria necessária
em 2014-15 para fazer frente aos problemas
que vinham se avolumando.
Nesse contexto, concessões de inúmeras
usinas existentes estavam chegando próxi-
mo ao fim de seu período de validade, quan-
do, pela lei em vigor, deveriam ser nova-
mente licitadas. O governo, no final de 2012,
visando reduzir as tarifas finais, propôs atra-
vés de uma alteração da legislação64 reno-
var antecipadamente essas concessões para
seus detentores que assim o desejassem,
mas com tarifas extremamente baixas, teori-
camente calculadas para cobrir os custos de
manutenção e operação.
Diante de um cenário de curto prazo em que
já se percebia difícil, com os custos margi-
nais formadores dos PLD crescendo, apenas
a Eletrobras “aceitou” a proposta do gover-
no federal reduzindo significativamente suas
receitas e comprometendo sua situação fi-
nanceira, sendo que as demais geradoras em
64 Através da Medida Provisória 579 de setembro de 2012, depois transformada na Lei 12.783/13.
65 Situação em que os custos podem ser repassados aos consumidores finais, embora isso normalmente só aconteça nos próximos reajustes tarifários anuais.
66 Arcando com significativos prejuízos com um conjunto de empresas de distribuição deficitárias por ela controladas a partir do processo de restruturação setorial, a perda de receita resultante da MP 579 provocou uma forte redução no EBITDA da Eletrobras, comprometendo fortemente a sua capacidade de captação de novos recursos.
situação similar recusaram e deixaram a ener-
gia das suas usinas em questão para serem
comercializadas no curto prazo nos últimos
anos de concessão que ainda restavam. Com
isso, involuntariamente, as distribuidoras en-
frentaram maiores dificuldades no ACR e não
conseguiram contratar nos leilões seguintes
de energia existente a totalidade da deman-
da por elas requerida, aumentando sua expo-
sição, embora involuntária65, ao mercado de
curto prazo.
O resultado dessa medida é que a redução ta-
rifaria conseguida sinalizou erroneamente na
direção de um maior consumo em um mo-
mento em que já se deveria estar buscando
racionalizá-lo e deixou as distribuidoras com
parcelas elevadas de demanda sem cobertu-
ra contratual. Além disso, a Eletrobras66 ficou
em uma situação financeira muito difícil, ten-
do tido sua geração interna de caixa forte-
mente reduzida e com ela a sua capacidade
para bancar seu programa de investimentos.
O curioso é que, logo após a edição des-
sa medida, o operador do sistema finalmen-
te decidiu tardiamente colocar em operação
as usinas térmicas, deixando de lado a cha-
mada ordem de mérito do sistema fruto de
uma falsa otimização, já que era apoiada em
premissas sobre a capacidade de geração hi-
drelétrica que não se apoiavam na realidade.
Com isso, naturalmente, os custos de geração
que se esperava reduzir com as reduções im-
postas aos preços da geração amortizada da
Eletrobras começaram a subir levando consi-
go também os preços calculados pela mode-
lagem para o mercado de curto prazo.
56
Se somarmos a esse quadro os atrasos de inú-
meras obras previstas, principalmente face as
dificuldades e demora nos licenciamentos am-
bientais, foi nessa situação que o sistema elé-
trico chegou a 2014 com uma das piores hi-
drologias da história registrada no país, quase
igual à do chamado período crítico67 de 1953-
1956. Não obstante os sinais de crise, em 2012
havia-se demorado a acionar as usinas ter-
melétricas e, em 2014, já com todas as térmi-
cas ligadas, como era um ano eleitoral não fo-
ram tomadas medidas adicionais preventivas
para promover a poupança de energia pelo
lado do consumo, chegando-se a 2015 com ní-
veis extremamente baixos de armazenamen-
to, inferiores aos da crise de 2001 e a situação
só não foi pior porque o sistema contava na-
quela época com um percentual mais elevado
de usinas térmicas que na crise anterior.
As térmicas, tardiamente acionadas, acaba-
ram por funcionar quase continuamente, in-
clusive as menos eficientes de maior custo. A
maioria destas usinas haviam sido construí-
das para operar como uma espécie de “segu-
ro”, apenas por períodos curtos e para tanto
foram projetadas. Usinas térmicas previstas
para operação contínua “na base” com contra-
tos firmes de compra de combustíveis, devem
ter custos unitários menores que as planeja-
das para operação apenas eventual. Nova-
mente, conforme a análise citada de Araujo
do Instituto Ilumina, um exercício de caráter
apenas ilustrativo estima que se as térmicas
mais baratas tivessem sido acionadas mais
cedo ao longo do período 2008-2012 a ener-
gia hidrelétrica a mais que poderia estar “ar-
mazenada” nos reservatórios em fins de 2012
67 O período 1953-1956, conhecido como período crítico, costumava ser usado para definir a situação limite a ser enfrentada pelos modelos de planejamento no passado antes da adoção de critérios probabilísticos.
68 Reduzido apenas a partir do início de janeiro de 2015 para R$ 388,38/MW, novo limite máximo para o PLD estabelecido pela Aneel, através de sua Resolução Homologatória nº 1.832 de 25 de novembro de 2014, em função de mudança metodológica em sua determinação.
69 Em janeiro de 2015 estimava-se que a energia armazenada nos reservatórios das hidrelétricas seria capaz de atender apenas 0,8 mês da demanda do país.
deixaria uma folga de cerca de 20% naque-
la data, o que teria reduzido e muito os riscos
enfrentados posteriormente.
A conta financeira dessa situação no bolso
dos consumidores cresceu. Em vez da redu-
ção tarifária almejada inicialmente pelo gover-
no em 2012 ela levou a um enorme aumento
de custos da energia no país, agregando duas
parcelas adicionais: os custos de geração tér-
mica e os custos das compras “involuntárias”
das distribuidoras no mercados de curto pra-
zo a valores extremamente elevados do Pre-
ço de Liquidação de Diferença (PLD) que al-
cançaram seu limite superior68 de R$ 780,03/
MWh em 2013 e de R$ 822,83/MWh em 2014.
As empresas distribuidoras descontrata-
das tentaram, com reduzido sucesso, contra-
tar suprimento a preços menores nos anos
de 2013 e 2014 nos leilões de curto prazo de
energia existente. Em 2012, esse tipo de leilão
não havia sido promovido, exceto no caso dos
leilões de ajustes onde apenas parcelas redu-
zidas de energia podiam ser comercializadas.
Desse modo, somaram-se em 2014 aos custos
de uma quase contínua e cara geração térmi-
ca, uma parcela expressiva de compras invo-
luntárias no mercado de curto prazo contabi-
lizadas por elevados valores de PLD.
O sistema chegou assim a 2015 em condições
hidrológicas continuamente desfavoráveis69,
com reduzido armazenamento nos reservató-
rios das usinas hidrelétricas, com tarifas eleva-
das a serem repassadas aos consumidores e,
na ausência de ações mitigadoras tempestivas,
com riscos de racionamento e mesmo de um
colapso no abastecimento.
57
A situação só não se agravou porque a for-
te crise econômica conteve o crescimento da
demanda, que pelo contrário começou a cair
fortemente, aliviando as pressões sobre o sis-
tema elétrico. Em 2015, o consumo de eletri-
cidade no Brasil caiu cerca de 1,8% em rela-
ção ao ano anterior e, em 2016, estima-se que
essa queda deverá se situar em uma taxa pró-
xima a 2%. Não obstante, as necessidades de
mudança estruturais são flagrantes e apon-
tam para problemas a serem resolvidos em
dois níveis, conforme inicialmente assinalado:
problemas resultantes da situação imediata
de curto prazo, e problemas associados às di-
ficuldades potenciais a longo prazo.
A curto prazo, a crise apontou para a necessi-
dade imediata de ajustes na modelagem insti-
tucional. As regras usadas para definição das
garantias firmes das usinas hidrelétricas ne-
cessitavam ser revistas, assim como as que
regiam a distribuição dos riscos hidrológicos.
Diante dos enormes pagamentos que as gera-
doras teriam que arcar pelas regras do mode-
lo com o esvaziamento dos reservatórios em
2014-2015, pelo menos estas última regras co-
meçaram a ser alteradas. O principio básico
de distribuição de riscos que é o de “aloca-los
àqueles agentes que têm maior possibilidade
de gerenciá-los” não havia sido respeitado na
construção das regras então vigentes. A ca-
pacidade do conjunto das usinas hidrelétri-
cas de gerarem sua garantia física global (de-
pois redistribuída individualmente pelo MRE)
é função das regras de operação que ficam
fora da atuação gerencial dos proprietários
daquelas usinas. Os proprietários das usinas
hidrelétricas deviam assim incorrer nos custos
da falta de suprimento mas sem ter nenhuma
ingerência nem sobre a operação nem sobre
a expansão do sistema e, portanto, nada po-
dendo individualmente fazer para enfrentar
as situações hidrológicas desfavoráveis.
Na situação recente vivida pelo sistema elé-
trico brasileiro em 2012, quando a geração
térmica não foi acionada, mesmo quando te-
ria sido necessária, os reservatórios das usi-
nas hidrelétricas passaram a ser esvaziados
de forma arriscada, o que se por um lado per-
mitia que energia “barata” continuasse a ser
gerada, atendendo a conveniências políticas,
por outro, comprometia a capacidade de su-
primento do sistema e fez com que as usinas
hidrelétricas em seu conjunto ficassem peri-
gosamente com maiores dificuldades de ge-
rar a sua “garantia física”, dependente sem-
pre da disponibilidade de água armazenada
no sistema.
Diante dessa situação critica, soluções de
compromisso foram então elaboradas de
modo que os geradores passassem a ser res-
ponsabilizados apenas parcialmente pela im-
possibilidade de gerarem as garantias físi-
cas que foram determinadas para suas usinas.
Para não inviabilizar totalmente esses gera-
dores hidrelétricos que contestavam a sua
obrigação de comprar energia no mercado
de curto prazo a preços muito elevados para
compensar sua insuficiência de geração em
2014-2015, a solução adotada foi então ofere-
cer a estes a oportunidade de , mesmo que re-
troativamente, pagando um prêmio de risco,
se protegerem dessa obrigação, transferindo
a conta para um encargo a ser incorporado
nas tarifas de todos os consumidores, através
da Medida Provisória 688 de 2015, converti-
da posteriormente na Lei 13.203 de 8/12/2015.
Uma possível opção de mudança mais defi-
nitiva que poderia ter sido considerada mas
não foi, dada a natureza do sistema hidro-
térmico e considerando que os investidores
não têm como gerenciar os riscos sistêmi-
cos, seria retirar definitivamente esses riscos
dos mesmos, passando todos os contratos
CCEAR para a modalidade de disponibilida-
58
de, deixando sobras e déficits a serem ratea-
dos nas tarifas para todos os consumidores.
Um outro problema na modelagem corren-
te que precisa ser discutido refere-se ao uso
do valor marginal para referência do mercado
de curto prazo. A solução atualmente adota-
da para governar a operação do sistema de-
fine o despacho das usinas não por regras de
mercado mas sim buscando a otimização do
conjunto70, com base em modelos matemáti-
cos, o que parece ser bastante sensato dada a
natureza do sistema brasileiro. Todavia, desse
modo, na falta de um mercado de curto prazo
efetivo, o valor marginal obtido a partir dos
modelos passa a ser a referência possível para
a definição dos preços de curto prazo.
Na metodologia atual, os preços diários para
o mercado permanecem regulados seguindo
uma proxy do que seria alcançado por um
mercado concorrencial ideal. Como o siste-
ma tem a possibilidade de armazenar “ener-
gia” potencial sob a forma de água, suas de-
cisões de operação têm que levar em conta
um horizonte de vários anos, vinculando for-
temente as ações em diversos períodos, ao
contrário do que acontece em um sistema
de base térmica. O uso dos resultados de um
modelo como uma “proxy” para os preços de
curto prazo, tem como maior defeito o fato
de necessitar, como pré-requisito, de uma
definição dos cenários da evolução da ofer-
ta e da demanda para alimentar o algoritmo,
além de uma estimativa do “custo do déficit”
para os consumidores.
Quando é o mercado que estabelece esses
preços, ele reflete o conjunto de expectativas
dos diversos agentes e em relação às quais
eles aplicam efetivamente seus recursos. É
característica dos preços de mercado refle-
70 Cabe assinalar que a eficiência dessa otimização é hoje contestada por alguns autores, como por exemplo pelo Prof. Adilson de Oliveira – vide: “Um análise da nota técnica Aneel 238/2015”de 13/11/2015 disponível em ilumina.org.br/uma-analise-da-nota-tecnica-aneel-2382015/ onde ele aponta algumas das falhas na determinação dos valores das Garantias Físicas, mas também contesta os resultados otimizantes da modelagem usada para governar a operação dos sistemas elétricos pelo ONS.
tir as expectativas dos agentes e “economizar
informações” em relação às alocações de re-
cursos realizadas dentro de hierarquias.
Mais ainda, como qualquer modelo, por mais
elaborado que seja, é sempre uma aproxima-
ção da realidade e os valores marginais re-
sultantes estão sempre sujeitos a algumas
distorções. Essas distorções ficam mais fla-
grantes quando o sistema vive situações ex-
tremas. Atualmente, diante dos valores eleva-
díssimos que estavam sendo assinalados para
os preços de curto prazo, as regras para sua
definição foram revisadas e limites superiores
passaram a ser adotados.
Talvez não seja possível encontrar solução me-
lhor que a atual, mas cabe estudar com mais
profundidade a possibilidade da compatibi-
lização de alguma sinalização de um efetivo
mercado, de alguma maneira, talvez estabe-
lecendo faixas limites, com a otimização física
da operação, mesmo com alguma perda des-
ta última. O fato é que, no mundo real, o PLD
gera pagamentos e receitas que não deveriam
se afastar muito das realidades do mercado.
Além das necessidades de revisão a curto pra-
zo da modelagem, é necessário pensar também
sobre a estruturação do campo institucional do
setor e suas consequências a longo prazo. Nes-
sa perspectiva, a questão mais séria que se co-
loca refere-se à necessidade de investimentos
e a atração de investidores que se disponham
a realizá-los. Com a reformulação institucional
iniciada em 1995, ampliou-se fortemente a par-
ticipação privada na expansão, facilitada por
um ambiente mais ordenado na área de distri-
buição com preços realistas e empresas mais
saudáveis, focadas no negócio energia elétrica.
Nesse contexto, os grandes projetos hidrelétri-
cos têm sido alavancados por parcerias entre
59
empresas estatais e privadas. Considerando-se
os custos elevados de capital no país, os lon-
gos horizontes de maturação dos projetos, as
delicadas questões ambientais envolvidas em
sua concretização e as incertezas envolvidas,
essa participação estatal tem se mostrado, na
prática, uma garantia para o atendimento às
necessidades energéticas do país.
Com a MP 579/12, todavia, reduziu-se for-
temente a capacidade de investimentos da
Centrais Elétricas Brasileiras – Eletrobras, que
historicamente sempre foi uma espécie de
“investidor de última instância” e, mesmo em
ambientes incertos, que em projetos de baixa
rentabilidade, com tarifas comprimidas, sem-
pre se dispôs a investir. Alguns grandes pro-
jetos, como os do Rio Madeira e a Usina de
Belo Monte, estão em andamento e cobrirão
muitas necessidades de expansão. Mas e de-
pois disso? Particularmente, cabe perguntar
se a expansão dos grandes projetos hidrelé-
tricos ainda por serem concretizados, como
os do Rio Tapajós, hoje contestados pelo ór-
gãos ambientais diante da presença de indí-
genas em sua área de influência, poderá ser
feita apenas com investidores privados, em
ambiente geral pouco favorável.
Às tarifas elevadas em 2015 e às incertezas
setoriais, junta-se um cenário difícil de ajustes
fiscais necessários e encarecimento dos cus-
tos de capital, que podem dificultar a atração
de investidores, principalmente nos grandes
projetos. Nesse sentido, a expansão de novas
fontes renováveis, mais pulverizadas, deverá
ajudar, mas dificilmente cobrirá as necessida-
des de energia do país, mesmo que com cres-
cimento moderado. Além do que, a expan-
são de projetos maiores de energia renovável,
cuja localização pode estar afastada das car-
gas, tem que ser coordenada com as necessi-
dades de expansão das linhas de transmissão,
o que nem sempre tem acontecido na prática.
Adicionalmente, caso essa expansão de fon-
tes intermitentes continue surpreendendo
positivamente com uma continua redução
de custos e revolucionando os desenhos de
expansão do sistema, novos tipos de com-
plementação e possivelmente de formas de
armazenamento serão necessárias, como o
desenvolvimento hoje em estudo de usinas
hidrelétricas reversíveis, e exigirão significa-
tivo esforço de coordenação, tanto através
de regras de mercado eficientes e de pre-
ços que reflitam essas necessidades, como
de atuação governamental.
Novamente, como no passado, usinas a gás
natural podem também ser apontadas como
parte das soluções para a expansão e para
a integração de fontes renováveis, mas fal-
ta uma política clara que garanta o abasteci-
mento desse produto a preços competitivos,
além do que, nesse caso, implicarão em um
aumento da participação dos combustíveis
fósseis na geração elétrica, andando no senti-
do inverso das necessidades de redução das
emissões de gases do efeito estufa.
Naturalmente, as incertezas vigentes ultra-
passam os limites do setor elétrico. No passa-
do, a atuação estatal sempre foi fator relevan-
te na manutenção de investimentos futuros,
principalmente levando-se em conta os lon-
gos intervalos entre as decisões e seus efei-
tos, e os longos prazos para que novos pro-
jetos sejam estruturados e implementados.
A lógica econômica dos agentes privados é
diferente, mais avessa ao risco. É da nature-
za desses agentes que uma empresa privada
procure investir em ambientes mais estáveis,
e um agente estatal aceite correr maiores ris-
cos, já que o custo de um eventual déficit no
suprimento, embora não alcance diretamen-
te a empresa investidora, para a qual é uma
externalidade, deva ser levado em conta por
seus controladores estatais.
60
Como foi dito, a solução que vinha sendo
adotada na prática para os grandes projetos,
acompanhando os novos modelos de finan-
ciamento, era a realização de parcerias entre
empresas estatais e privadas concretizadas
através se empresas de propósito específico.
A manutenção desse modelo nos dias atuais,
facilitando ainda a concretização dos gran-
des projetos estruturantes, irá requerer uma
difícil recuperação da Eletrobras, além de um
maior envolvimento das grandes empresas
estatais estaduais como a Cemig e a Copel.
Caso se decida concretizar a reestruturação
da Eletrobras, barreiras e oposições significa-
tivas terão que ser ultrapassadas. Os limites
políticos impostos à empresa sempre dificul-
taram sua gestão, fazendo-a assumir novos
encargos sem rentabilidade. Em particular, a
impediram de vender um conjunto de empre-
sas distribuidoras que não haviam sido alcan-
çadas pelo processo de privatização por ser-
virem regiões mais carentes, mas cuja venda
seria ainda possível, e que nas mãos do Esta-
do pressionadas por necessidades locais que
ultrapassam o setor elétrico, produzem pre-
juízos hoje que alcançam cerca de dois bi-
lhões de reais por ano. Também, um mode-
lo organizacional multidivisional construído
com subsidiarias de raízes regionais profun-
das teria que ser repensado de modo a redu-
zir as duplicações de custos e promover ga-
nhos de eficiência, o que nunca se mostrou
até hoje politicamente viável.
Com ou sem significativo envolvimento das
empresas estatais e, na ausência de recur-
sos públicos abundantes (que hoje não exis-
tem...), para que os investidores privados efe-
tivamente assumam papel expressivo nos
projetos de geração e transmissão de eletri-
cidade, é necessário todo um trabalho institu-
cional, capaz de atuar na correção das falhas
da modelagem e na recuperação das condi-
ções de confiança no setor, para que crises de
abastecimento, independentemente até da si-
tuação hidrológica, não se tornem realidade
cotidiana no futuro mais distante.
Talvez, um dos maiores desafios seja conse-
guir estabelecer um sistema de preços capaz
de refletir o efetivo valor da energia consu-
mida, considerando sua localização, sazonali-
dade e hora de consumo e que desse modo
valorize também a necessidade de armazena-
mento e back-up proporcionada não apenas
pelas unidades geradoras, mas também pe-
las redes de transmissão e distribuição. Essas
questões irão certamente se agravar e acom-
panhar a ampliação da participação das novas
formas de energia renovável aqui discutidas
no sistema e, mais ainda, o provável cresci-
mento da geração distribuída que tende a ser
alavancada pela continua redução dos custos
da geração solar fotovoltaica.
61
A PROMOÇÃO DAS NOVAS FORMAS DE ENERGIA RENOVÁVEL NO BRASIL
ANTECEDENTES
O uso de fontes renováveis no Brasil acompa-
nha a história da evolução do setor elétrico no
país, predominantemente hidrelétrico, incluin-
do as hoje consideradas pequenas usinas hi-
drelétricas (PCH) com menos de 30MW de po-
tência instalada que fazem parte da história do
setor e, se hoje costumam ser incluídas entre
as chamadas fontes alternativas, não era assim
nos primeiros anos do século XX onde desem-
penharam papel significativo na geração de
eletricidade, sendo que apenas gradualmente,
com o desenvolvimento e expansão do siste-
ma integrado nacional e das usinas hidrelétri-
cas de médio e grande porte, foram passando
a ter papel secundário.
Embora com menos expressão observa-se
também ao longo de toda a expansão do se-
tor elétrico brasileiro, um histórico de utili-
zações pontuais de diversas formas de bio-
massa oriunda de diversas fontes tais como: a
lenha e os resíduos das indústrias da madeira
e da celulose, incluindo a lixivia negra produ-
zida nessa última; o bagaço de cana e outros
resíduos agrícolas como as cascas de arroz; e
ainda o biogás gerado a partir de rejeitos só-
lidos rurais e urbanos. Em grande parte essa
produção de eletricidade complementar se
desenvolveu associada à produção de calor
em processos de cogeração visando atender
as necessidades do próprio produtor sendo o
excedente de energia quando disponível en-
tão vendido para a rede.
Considerando apenas as fontes renováveis al-
ternativas (ou seja, excluindo a hidreletrici-
dade de maior porte) e sem levar em conta
as PCHs, pode-se dizer que a utilização des-
sas novas fontes na geração de eletricidade
no país de forma mais significativa só começa
a se esboçar no final do século passado com
62
uma maior expansão da produção e do uso
energético do bagaço de cana.
O primeiro movimento mais importante veio
assim nas últimas décadas do século XX provo-
cado pela expansão da produção do álcool au-
tomotivo promovida pelo chamado Programa
do Álcool (Proálcool)71, lançado em resposta
aos grandes aumentos nos preços internacio-
nais do petróleo. Esse programa, provocando
a produção de grandes quantidades de baga-
ço residual criou oportunidades para o incre-
mento da cogeração de eletricidade e calor
requeridas pelas usinas e para a produção de
quantidades expressivas de eletricidade exce-
dente para venda. Esse processo foi ainda fa-
cilitado pelas mudanças institucionais por que
passou o setor elétrico na mesma época, com
a regulamentação da figura do produtor inde-
pendente de energia e com a estabilização do
mercado de eletricidade.
Por muitas décadas, as ações governamen-
tais na área da produção de álcool estiveram
voltadas à busca da estabilização do setor
diante das flutuações do mercado internacio-
nal do açúcar. Esta situação, todavia se alte-
rou com o primeiro choque de preços do pe-
tróleo promovido em 1973 pela OPEP e em
1975 o Proálcool foi criado ainda sob o impac-
to daquele choque como uma forma de rea-
ção ao mesmo dada à extrema dependência
do país na época do petróleo importado. Em
sua primeira fase procurou impulsionar a pro-
dução de álcool anidro para mistura na gaso-
lina, reduzindo assim o consumo desta última.
Em consequência das ações governamentais
promovidas no âmbito do programa, a produ-
ção de álcool subiu de cerca de 600 milhões
71 O Proálcool foi criado pelo Decreto No. 76.593 de 14 de Novembro de 1975.
72 Balanço Energético Nacional BEN, Núcleo de Estudos Estratégicos de Energia, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético – SPE, Ministério de Minas e Energia – MME, diversos anos.
73 Vide “Agricultura e produção de energia: um modelo de programação linear para avaliação econômica do Proálcool”, O. A. F. Tourinho, L. R. Ferreira e R. F. Pimentel, Revista Pesquisa e Planejamento Econômico, Vol 17, No 1, Abril 1987.
de litros na safra 1975/76 para 3,7 bilhões em
1980 (conforme o Balanço Energético Nacio-
nal - BEN72).
Com o segundo choque de preços do petró-
leo em 1979, a situação energética do país se
agravou ainda mais e o programa entrou em
sua segunda fase, bastante mais desafiadora,
onde a prioridade passou a ser a introdução
do carro à álcool e da expansão da produção
do álcool hidratado para ser usado como com-
bustível desses novos carros, tendo em vista
agora alcançar a substituição plena da gasoli-
na, mobilizando, para isso, além do setor agrí-
cola, a indústria automobilística e o sistema de
distribuição e comercialização de álcool.
Impulsionado por benefícios fiscais, facilida-
des de créditos e outros estímulos esta fase
foi muito bem sucedida levando a produção
global de álcool em 1990 para 11,6 bilhões de
litros. Em 1987 cerca de 90% dos carros novos
vendidos no país já eram a álcool, trazendo na
época inclusive inúmeros questionamentos
sobre seu eventual impacto sobre a produção
de alimentos. Todavia, estudos73 conduzidos
pelo Instituto de Planejamento Econômico e
Social (IPEA), na época, indicaram que ele
não deveria afetar significativamente as de-
mais culturas, como de fato se veio a consta-
tar mais tarde. A economicidade do uso com-
bustível do álcool entretanto sofria oscilações
em função das alterações do preço do petró-
leo, o que atingia principalmente o álcool hi-
dratado e os carros à álcool. O álcool anidro
era menos atingido já que apresentava algu-
mas vantagens sobre o hidratado já que em
sua mistura com a gasolina se tornava ener-
geticamente mais eficiente.
63
No final da década de 90 os preços do petró-
leo voltaram a cair, enquanto que os preços in-
ternacionais do açúcar subiam. Nesse quadro
o programa do álcool, extintos os subsídios
iniciais que o impulsionaram, começou a per-
der força e começou a faltar álcool hidratado
nos postos de abastecimento dos veículos. Já
em 1990 o programa havia sido abandonado
e a venda de carros a álcool sofreu uma forte
queda, levando progressivamente a uma gran-
de redução nesse tipo de veículos no Brasil.
A partir de 2003, uma nova reversão de ce-
nários aconteceu, desta vez a favor do uso do
álcool com a introdução do carro bicombustí-
vel (carro flex). Com esse tipo de carro o mer-
cado adquiriu grande flexibilidade e se tornou
rapidamente adaptável a diferentes esque-
mas de oferta de etanol, entre o anidro e o hi-
dratado, ajustando-se às mudanças temporá-
rias nas relações de preços entre a gasolina
e o álcool74. A produção total de álcool que
havia caído um pouco e que em 1990 era de
10,7 bilhões de litros voltou a subir chegando
a 27,9 bilhões de litros em 2010.
Assim, apesar das oscilações e vicissitudes do
álcool em seus usos combustíveis, a produção
de cana cresceu ao longo do período e com
ela a de bagaço. Conforme dados do BEM,
acompanhando a expansão da cana, a produ-
ção de bagaço no país, em milhões de tone-
ladas, passou de 15,2 em 1970, para 33,0 em
1980, 54,8 em 1990, data final do Proálcool, e
mesmo com o encerramento desse programa
continuou subindo para 68,3 em 2000, sen-
do que com o advento do carro flex alcançou
160,3 milhões de toneladas em 2010 em cujo
patamar tem se mantido na década atual.
Sempre que o setor álcool-açucareiro tem se
defrontado com estímulos de preços e credi-
74 Desde que o preço da gasolina não caia por longos períodos abaixo do ponto de viabilidade do álcool. O achatamento do preço da gasolina como o que se deu em 2014, usado como instrumento de controle inflacionário, provocou o fechamento de inúmeras usinas de álcool.
tícios adequados, investimentos complemen-
tares em equipamentos eficientes em coge-
ração têm tornado o bagaço em uma fonte
importante de geração de eletricidade. Esse
bagaço, sem uso economicamente competi-
tivo, tem sido importante fonte de calor e de
energia elétrica para o próprio setor álcool-
-açucareiro, embora estudos apontem para
uma sua possível utilização futura na produ-
ção também de álcool que se for viabilizada
poderá afetar seu uso energético direto.
Como o bagaço se deteriora se armazenado
por longos períodos seu uso costuma acom-
panhar a safra de cana e a própria necessi-
dade de processamento do setor sucro-al-
cooleiro, que no Sudeste/Centro-Oeste se
dá entre os meses de Maio a Dezembro. Esse
período tem a vantagem de coincidir com o
período seco hidrológico da Região Sudes-
te, gerando uma complementaridade positi-
va em relação ao comportamento das usinas
hidrelétricas e amenizando as desvantagens
da sua sazonalidade no que se refere à gera-
ção de eletricidade.
Mesmo com todo o impulso recebido pelo uso
do bagaço de cana com o programa do álcool
e, não obstante o potencial existente de uso de
fontes alternativas em geral no Brasil conside-
rando-se a dimensão do setor elétrico, pouco
se avançou em termos relativos no uso dessas
fontes ao longo do século passado, chegan-
do-se ao ano 2000 com apenas cerca de 831
MW de capacidade instalada em PCHs, cerca
de 1.600 MW em usinas a biomassa e 19 MW
em eólicas, representando apenas pouco mais
que 3% da capacidade total de geração instala-
da no país, que naquele ano era de 73.671 MW.
Mais detalhadamente, dados do BEN indicam
que a biomassa no ano 2000 foi utilizada
64
como insumo apenas pelas centrais elétricas
autoprodutoras, que geraram naquele ano a
partir de lenha 763 GWh, de bagaço de cana
3.664 GWh, de lixivia 3.006 GWh e de outras
recuperações 3.474 GWh, representando es-
tas fontes cerca de 40% da geração total das
centrais autoprodutoras e cerca de 3% da ge-
ração total do país.
Para se reverter esse quadro e melhor aprovei-
tar o potencial existente dessas fontes alter-
nativas, novas inciativas se faziam necessárias.
O PROGRAMA DE INCENTIVO ÀS FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA ELÉTRICA – PROINFA
Procurando mudar o panorama vigente, o
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas
de Energia Elétrica – Proinfa foi lançado em
2002 através da Lei 10.43875, visando aumen-
tar especificamente a participação da biomas-
sa, das PCHs e da energia eólica na geração
de energia elétrica através de empreendimen-
tos controlados por produtores independen-
tes para venda no Sistema Elétrico Interligado
Nacional, no ambiente regulado. Às fontes al-
ternativas tradicionais, envolvendo pequenas
hidrelétricas e biomassa já presentes no siste-
ma brasileiro, ele agregou a fonte eólica ainda
incipiente no país, mas já em desenvolvimen-
to no exterior, suportada por uma indústria in-
ternacional nascente e com seus custos com
tendência de queda.
O Proinfa surgiu em um ambiente marcado
por um lado pela crise de energia de 2001
e pela necessidade de promoção rápida de
novos investimentos e, por outro lado, pelo
75 A primeira etapa do Programa foi regulamentada, inicialmente, pelo Decreto nº 4.541, de 24 de dezembro de 2002, e, posteriormente, alterado através da Lei 10.762 em Novembro de 2003 e pelo Decreto 5.025 em Março de 2004.
76 A Rio-92 foi a segunda conferência desse tipo, depois da conferência similar em Estocolmo, na Suécia, em 1972, e a partir dela foi realizada a Conferência Mundial sobre o Clima em Kyoto, Japão, em 1997 que veio a resultar em um importante esforço para a redução dos gases de efeito estufa, através da edição do Protocolo de Kyoto, embora não ratificado posteriormente pelos Estados Unidos e outros países.
recrudescimento das preocupações ambien-
tais. Por serem de menor porte, as unidades
geradoras visadas por ele tinham condições
de serem implementadas mais rapidamen-
te que as grandes unidades tradicionais e
complementavam assim os projetos térmi-
cos a gás natural que se procurava expandir
na época. Adicionalmente, no caso brasilei-
ro, ele atendia às preocupações ambientais
que haviam sido particularmente fortaleci-
das quando da realização da Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
no Rio de Janeiro em 1992, conhecida como
Rio-9276, o que gerava um clima favorável a
um maior uso de novas fontes de energia re-
novável, compensando um pouco a expan-
são térmica em curso.
O programa foi planejado em duas fases, sen-
do a primeira baseada no uso de tarifas pré-
-estabelecidas (tipicamente feed-in tariffs),
buscando promover uma capacidade adicio-
nal de 3.300 MW em contratos de longo pra-
zo a serem distribuídos entre as três fontes
selecionadas. A segunda fase teria caracterís-
ticas similares, mas não chegou a ser lançada
tendo o sistema de promoção dessas novas
fontes alternativas sido posteriormente modi-
ficado quando da nova modelagem do setor
elétrico brasileiro editada em 2004, como se
discute mais adiante.
Sua implementação foi conduzida pelo Minis-
tério de Minas e Energia (MME), em conjunto
com a Eletrobras que ficou com a responsa-
bilidade da compra da energia dessas novas
unidades, em contratos de vinte anos. Para o
produtor ficava assegurada uma receita míni-
ma para 70% da energia contratada indepen-
65
TIPO DE USINA VALOR ECONÔMICO (R/MWh) (PREÇOS)
VALOR ECONÔMICO (US$/MWh) (PREÇOS)
PCH 117,02 39,70
Eólica 180,18 - 204,35 61,12 - 69,32
Biomassa – Bagaço 93,77 31,81
Biomassa – Casca de Arroz 103,20 35,01
Biomassa – Madeira 101,35 34,38
Biomassa – Biogás 169,08 57,36
TABELA 5.1 – VALORES DOS PREÇOS INICIAIS PREVISTOS PARA A FASE 1 DO PROINFA
Fonte: Valores econômicos (Preços) em reais da Portaria MME 45 de 30/03/2004; valores em dólares convertidos pelo valor do dólar do dia 30/04/04 (1 US$ = 2,9479 R$)
dentemente de sua geração efetiva e do mer-
cado de curto prazo, com sua receita função
da energia gerada a um preço estabelecido
pelo MME para cada tecnologia, tendo como
piso o valor da tarifa média de fornecimento
dos últimos doze meses.
Os valores econômicos então inicialmente
propostos para os preços médios oferecidos
inicialmente na fase 1 do Proinfa podem ser
vistos na Tabela 4.1 abaixo; esses preços são
atualizados anualmente por um indicador in-
flacionário, o IGP-M.
No caso das usinas eólicas os preços a serem
pagos pela energia produzida variavam com
os fatores de capacidade (FC) previstos; sen-
do o valor econômico mais alto associado a
um fator de 34% (ou menor) para compensar
as piores condições de vento de alguns locais
e o valor mais baixo associado a um FC mais
elevado de 44% (ou maior); valores interme-
diários implicavam em interpolações lineares
entre esses valores. Desse modo o progra-
ma pretendeu estimular também o aproveita-
mento de ventos em localidades que seriam
em princípio menos atraentes.
Essa energia, por sua vez, é cobrada como um
encargo tarifário a ser distribuído igualmente
entre todos os consumidores do país através
de cotas, cuja receita reverte para uma conta
administrada pela Eletrobras que por sua vez
paga aos produtores contratados. As cotas de
energia e financeiras relativas ao Proinfa são
recalculadas anualmente e distribuídas para
as empresas distribuidoras por conta de seus
consumidores cativos, para as cooperativas de
consumidores rurais e para os consumidores li-
vres ligados à rede básica (através das empre-
sas transmissoras à que estão conectados).
A receita de cada produtor é função da ener-
gia por ele gerada. Cada um pode comercia-
lizar uma determinada energia de referência
calculada caso a caso pela Aneel, da qual são
abatidas as perdas até o centro do sub-mer-
cado, onde a usina se vincula e é remunerada
pela tarifa estabelecida pelo programa. Gera-
ção efetiva abaixo ou acima do valor de refe-
rência devidamente sazonalisado é recebido
ou pago de acordo com os preços do merca-
do de curto prazo (preço de liquidação de di-
ferenças, PLD). Caso a energia gerada em um
66
ano fique abaixo de 70% da energia de referên-
cia inicialmente calculada, esse valor é revisto e
o novo valor passa a orientar o contrato.
A energia gerada efetivamente por cada usi-
na é comercializada pela Eletrobras no mer-
cado de curto prazo e as receitas vão para a
conta especial por ela administrada à qual são
agregados os subsídios adicionais necessários
para o pagamento aos produtores provenien-
tes de sobretaxa tarifaria.
Pelas regras do programa, a escolha dos pro-
jetos se iniciava com uma chamada pública e o
primeiro critério de seleção entre os empreen-
dimentos que tivessem sido devidamente qua-
lificados, para cada uma das formas de energia,
era a antiguidade da licença ambiental de insta-
lação do proponente. Procurava-se, depois, res-
peitar, se possível, os limites de 15% por estado
da federação para as PCHs e de 20% no caso
das fontes eólica e biomassa. Assim, progres-
sivamente, deveriam ser contratadas as fontes
visadas até superarem as metas do programa.
Independentemente de alguns receios quan-
to aos valores de tarifas oferecidos e às pos-
sibilidades de êxito do projeto, confirman-
do os exemplos internacionais de programas
baseados nas tarifas feed-in (FiT) o Proinfa
foi muito bem sucedido. Através de apenas
duas chamadas públicas viabilizou a contra-
tação de uma capacidade instalada total de
3.299,4 MW, distribuídos entre 1.191,2 MW em
PCHs, 1.422,9 MW em eólicas e 685,2 MW em
usinas a biomassa embora depois nem todos
esses empreendimentos tenham sido efeti-
vamente implementados.
Dificuldades diversas posteriores levaram a
que, em dezembro de 2011, quando após algu-
77 “Mapeamento da Cadeia Produtiva da Indústria Eólica no Brasil”, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial –ABDI, Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comercio Exterior, Brasília, 2014.
78 Hoje concentrado por um processo de reestruturações e falências em seis empresas, WEG de capital local, e as multinacionais Wobben (Enercon), Acciona-Nordex, GE-Alston, Siemens-Gamesa e Vestas.
mas prorrogações em relação ao prazo inicial,
previsto para dezembro de 2006, o programa
foi finalmente encerrado. Apenas 2.649,8 MW
das usinas inicialmente contratadas tinham
sido construídos, em 119 empreendimentos, in-
cluindo 59 PCHs com 1.152,5 MW, 41, usinas eó-
licas com 964,0 MW e 19 térmicas a biomas-
sa com 533,3 MW, mas, no seu conjunto, ainda
relativamente próximo das metas iniciais.
Na seleção das eólicas o Proinfa exigiu um grau
de 60% de nacionalização, que difícil de ser al-
cançado exigiu adiamentos de prazos e que, se
por um lado levou muitos projetos contratados
a terem sido deixados de lado, ajudou a tra-
zer e estabelecer no país um grande número
de fabricantes internacionais, principalmente
europeus, motivados pelo tamanho do merca-
do que se abria e pelas facilidades de financia-
mento oferecidas pelo BNDES àqueles projetos
que cumprissem com metas pré-estabelecidas
de conteúdo local em seus investimentos.
O primeiro fabricante de aerogeradores na
América Latina instalado no Brasil foi a Wob-
ben, subsidiaria da Enercon GmbH, cuja pri-
meira unidade fabril foi instalada em 1995 e a
segunda em 2002, ano do inicio do programa.
Apenas com o tempo outros fabricantes vie-
ram a se juntar a ele e, até que isso aconteces-
se, o programa enfrentou sérios gargalos em
seu desenvolvimento. Mas, com o crescimen-
to desse mercado, esse número se expandiu e
hoje inúmeras indústrias atuam em diferentes
estágios das cadeias de produção das usinas
eólicas. Estudo77 da Agência Brasileira de De-
senvolvimento Industrial (ABDI) de 2014 assi-
nala a presença no Brasil, só na fabricação e
montagem dos aerogeradores, de inicialmen-
te cerca de 10 indústrias78.
67
Cabe assinalar que, conforme tem sido cons-
tatado internacionalmente, o sistema de fee-
d-in revelou-se muito bem sucedido para via-
bilizar a introdução de uma nova forma na
matriz elétrica e construção de uma indústria
correlata como bem exemplificado no caso
das eólicas. Com o Proinfa iniciou-se de fato
a implantação de parques eólicos, que antes
se resumiam a uma experiência pioneira de
uma unidade com 19 MW na ilha de Fernan-
do de Noronha, e de toda uma indústria eólica
no país. Adicionalmente, em relação às outras
formas alternativas, pode-se dizer que com
os incentivos oferecidos pelo programa am-
pliou-se o número de PCHs que estavam um
pouco abandonadas no país, sendo que ape-
nas a expansão das usinas a biomassa ficou
aquém das expectativas, possivelmente em
função dos preços oferecidos não terem sido
atrativos para as mesmas.
Em 2015, as unidades geradoras por ele im-
plantadas na programação prevista para a
Aneel representavam uma geração de 11,1 mi-
lhões de MWh a um custo global de R$ 2,6
bilhões. São 131 empreendimentos, sendo
60 PCHs, 52 usinas eólicas e 19 à biomassa.
O custo médio geral naquele ano a ser pago
pelos consumidores por esta energia é de R$
263,30/MWh, ou seja, decomposto por fonte,
de R$ 220,10/MWh para as PCHs, R$ 371,65/
MWh para as eólicas e R$ 175,51/MWh para as
usinas a biomassa79.
Com as mudanças institucionais ocorridas em
2004, mesmo com o sucesso de inicialização
representado pelo Proinfa, sua segunda fase foi
abandonada já que no novo modelo outros ins-
trumentos - os leilões - se mostravam disponí-
veis e possivelmente mais interessantes para a
promoção dessas formas, assim como de ou-
79 Ou seja, pelo valor do dólar (R$ 3,1556, pelo segundo o Banco Central do Brasil) de 01/04/2015, esses valores seriam de: US$ 83,44 /MWh no global, US$ 69,75 /MWh para as PCHs, US$ 117,77 /MWh para as eólicas e US$ 55,63 /MWh para as usinas a biomassa.
tras alternativas renováveis não contempladas
pelo Proinfa, agregando agora possibilidades
de concorrência inexistentes nas tarifas fee-
d-in. Com esses leilões, os valores pagos aos
produtores para as novas unidades implanta-
das iriam cair bastante, como será apontado a
seguir, consolidando em particular a presença
da energia eólica na matriz elétrica brasileira.
LEILÕES DE FONTES ALTERNATIVAS PARA A PROMOÇÃO DE FONTES ALTERNATIVAS – CONCORRÊNCIA, INTERDEPENDÊNCIA E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO
Com a reformulação do modelo institucio-
nal brasileiro em 2004 e a criação do am-
biente de comercialização regulado, onde
todas as empresas distribuidoras passa-
ram a declarar suas necessidades futuras e
a contratar seu atendimento, de forma obri-
gatória e coordenada pelo governo, tam-
bém as fontes alternativas renováveis pas-
saram a ter seus espaços no atendimento
ao mercado regulado articulado dentro
desta nova sistemática. Após o sucesso do
Proinfa, além das já tradicionais PCHs e bio-
massas (principalmente bagaço de cana e
cavaco de madeira), as eólicas passaram a
dispor também de uma estruturação indus-
trial mínima que permitia ampliar sua esca-
la, e passaram a ser relacionadas entre as
alternativas para a expansão do sistema ge-
rador do país para atendimento aos sistema
integrado nacional.
Desse modo, desde 2005, as formas renová-
veis alternativas acima citadas foram sendo
incorporadas através dos sistemas de leilões
na matriz elétrica do país, promovidas não de
uma forma única uniforme, mas através dos
68
diferentes tipos de leilões previstos na legisla-
ção para o mercado regulado, por diferentes
modelos de contratos e com base em diferen-
tes sistemas de seleção. Mais recentemente a
elas se uniu a geração solar fotovoltaica, cujas
primeiras unidades também passaram a ser
contratadas em 2014 e que podem vir a cres-
cer se as prováveis tendências de redução de
seus custos se confirmarem.
Olhando-se de forma global o período 2005-
2016, através dos diversos leilões, até outubro
80 Eventuais dificuldades dos empreendedores podem levar a que alguma parcela desses empreendimentos não seja efetivamente instalada como ocorreu com os projetos do Proinfa, mesmo que com a penalização dos mesmos.
81 Nem toda essa energia foi contratada nos leilões para o mercado regulado, sendo que parte da garantia física dessas novas usinas deverá ser comercializada no mercado livre (ACL).
de 2016 foram contratados no total, conside-
radas todas essas alternativas, novos proje-
tos que propiciaram a instalação de cerca de
26.338 MW80, correspondendo a uma capa-
cidade de geração firme81 de 11.066 MW mé-
dios, ou seja, com um fator de capacidade em
seu conjunto previsto de cerca de 42%. A Ta-
bela 5.2 a seguir dá uma ideia geral do resul-
tado global desses leilões.
FORMA DE ENERGIA CAPACIDADE INSTALADA (MW)
GARANTIA FIRME (MWm)
PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO* VALORES MÉDIOS 2004-16
(R$/ MWh) (US$/ MWh)
Biomassa 6.942,4 2.640,2 157,99 74,41
PCH 1.569,0 832,4 168,49 63,61
Eólica 15.174,4 6.896,4 127,49 60,10
Solar 2.652,7 697,2 275,12 83,13
TOTAL GERAL 26.338,5 11.066,2 147,15 65,23
TABELA 5.2 – FONTES ALTERNATIVAS CONTRATADAS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016
Fonte: elaboração própria a partir dos resultados dos leilões (Aneel, CCEE, EPE, Acende Brasil)(*) Índice custo-benefício (ICB) aqui indicado quando adotado para a seleção dos projetos no lugar dos preços a serem pagos aos geradores; vide a Seção “Critérios de Seleção das Usinas nos Leilões” mais abaixo onde esses índices são discutidos.
Como pode ser visto, a nova energia contra-
tada no ambiente regulado foi predominante-
mente eólica, representando mais de 50% da
capacidade desses novos projetos, e se cons-
tituiu na grande novidade no cenário energé-
tico. A nova capacidade instalada dos proje-
tos selecionados pelos leilões distribuiu-se
assim entre cerca de 15.174 MW de eólicas,
6.942 de biomassas (principalmente bagaço
de cana), 1.569 MW de PCHs, e ainda 2.653
MW de energia solar. Na Tabela A.1 do Anexo
1 deste trabalho estão apresentados de forma
sintética os principais aspectos da sequência
de contratações de energia nova realizadas
no país entre 2005 e 2014 para as novas for-
mas renováveis aqui discutidas.
Para se ter uma ideia do impacto desses lei-
lões, a nova capacidade de fontes alternativas
promovida por eles nesse período (parte hoje
69
já implantada e parte em implantação) equi-
vale a cerca de 20% da capacidade instalada
total de geração no país em 31 de dezembro
de 2015, que era naquela data de 140.868 MW
segundo dados do Balanço Energético Nacio-
nal, não incluída em nenhum desses números
a geração solar distribuída. Em termos de ca-
pacidade de geração efetiva, a garantia firme
agregada pelas novas usinas representa cerca
de 16% dos 70.261 MW médios (ou 616 TWh
/ano) ofertados no país em 2015 (dados do
BEN). Ou seja, em um curto período de tem-
po essas fontes consideradas alternativas saí-
ram de um papel meramente secundário para
uma participação expressiva no sistema elé-
trico brasileiro.
Acompanhando essa expansão, com o cres-
cimento do mercado e com os apoios finan-
ceiros do Banco Nacional de Desenvolvimen-
to Econômico e Social (BNDES) orientados
por exigências crescentes de conteúdo lo-
cal, constituiu-se no país uma base industrial
ligada à indústria eólica que hoje forma um
verdadeiro “hub” na América Latina naque-
le segmento. Acredita-se que fenômeno simi-
lar poderá também acontecer com a indús-
tria solar, que apenas em 2015 começa a ter
crescimento mais expressivo. Infelizmente,
permanecem ainda sem resposta adequada
o desenvolvimento tecnológico local e a in-
tegração de empresas brasileiras (e da Amé-
rica Latina) em etapas mais sofisticadas das
cadeias globais de produção dos equipamen-
tos nesses novos tipos de aproveitamento de
recursos naturais renováveis.
Nas tabelas 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6 a seguir apre-
senta-se uma visão simplificada por fonte dos
resultados dos leilões e que serão discutidos
mais adiante. Informações mais detalhadas so-
bre esses leilões, como acima apontado, po-
dem ainda ser vistas na Tabela A.1 do Anexo.
70
DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA
(MW)
ENERGIA MÉDIA (MWm)
PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO
(R$/ MWh) (US$/ MWh)
16/12/05 A5 136,0 54,0 122,35 52,38
29/06/06 A3 162,0 66,5 134,21 60,83
10/10/06 A5 262,0 89,3 137,10 63,03
30/09/08 A5 114,0 44,7 145,00 75,75
27/08/09 A3 48,0 14,2 144,60 77,47
17/08/11 A3 197,8 91,7 102,41 64,69
20/12/11 A5 100,0 43,1 103,06 55,68
29/08/13 A5 647,0 374,8 135,58 57,50
13/12/13 A5 161,8 94,5 134,63 57,65
28/11/14 A5 611,0 309,7 205,76 80,37
30/04/15 A5 111,0 78,5 272,60 91,06
21/08/15 A3 36,5 21,3 211,14 60,50
29/04/16 A5 198,4 116,8 236,88 68,64
Sub-Total A3 /A5 2.785,5 1.399,1 165,08 66,95
14/08/08 Reserva 2.265,6 548,0 156,00 96,30
25/08/10 Reserva 647,9 168,3 145,26 82,22
18/08/11 Reserva 357,0 160,5 100,40 62,51
Sub-Total Reserva 3.270,5 876,8 143,76 87,41
18/06/07 Fontes Altern. 432,0 207,4 138,80 72,22
25/08/10 Fontes Altern. 65,0 22,3 137,92 78,06
27/04/15 Fontes Altern. 389,4 134,6 209,91 70,12
Sub-Total Fontes Altern. 886,4 364,3 165,02 71,80
TOTAL 6.942,4 2.640,2 157,99 74,41
TABELA 5.3 – PROJETOS DE GERAÇÃO A BIOMASSA CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016
71
DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA
(MW)
ENERGIA MÉDIA (MWm)
PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO
(R$/ MWh) (US$/ MWh)
16/12/05 A5 72,0 38,0 104,17 44,60
29/06/06 A3 2,0 1,0 124,99 56,65
27/08/09 A3 5,7 1,0 144,00 77,13
30/07/10 A5 79,0 41,8 155,00 88,21
29/08/13 A5 218,4 115,2 125,44 53,20
13/12/13 A5 307,8 148,6 137,37 58,82
28/11/14 A5 43,9 23,7 161,98 63,27
30/04/15 A5 164,3 92,9 183,60 61,33
21/08/15 A3 66,2 35,3 205,01 58,75
29/04/16 A5 262,9 136,2 175,80 50,94
Sub-Total A3 /A5 1.222,2 633,7 154,09 57,74
25/08/10 Reserva 30,5 21,7 133,25 75,75
23/09/16 Reserva 180,3 107,3 277,02 85,39
Sub-Total Reserva 210,8 129,0 252,84 83,77
18/06/07 Fontes Altern. 35,0 21,6 134,99 70,87
25/08/10 Fontes Altern. 101,0 48,1 146,99 83,56
Sub-Total Fontes Altern. 136,0 69,7 143,27 79,63
TOTAL 1.569,0 832,4 168,49 63,61
TABELA 5.4 – PROJETOS DE GERAÇÃO A PCH CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016
72
DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA
(MW)
ENERGIA MÉDIA (MWm)
PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO
(R$/ MWh) (US$/ MWh)
17/08/11 A3 1067,7 484,2 99,58 62,91
20/12/11 A5 976,5 478,5 105,12 56,80
14/12/12 A5 281,9 151,6 87,94 42,20
18/11/13 A3 867,6 332,5 124,45 54,52
13/12/13 A5 2.337,8 1.083,4 119,03 50,97
06/06/14 A3 551,0 274,5 129,97 57,91
28/11/14 A5 926,0 415,1 136,00 53,12
21/08/15 A3 538,8 235,0 181,14 51,91
Sub-Total A3 /A5 7.547,3 3.454,8 125,71 53,35
14/12/09 Reserva 1.805,7 753,0 148,30 84,83
25/08/10 Reserva 528,2 255,1 122,69 69,44
18/08/11 Reserva 861,1 428,8 99,54 61,97
23/08/13 Reserva 1.505,2 700,7 110,51 46,30
31/10/14 Reserva 769,1 333,4 142,30 58,22
13/11/15 Reserva 548,2 284,4 203,45 53,51
Sub-Total Reserva 6.017,5 2.755,4 133,70 63,60
26/08/10 Fontes Altern. 1.519,6 643,9 134,23 76,28
27/04/15 Fontes Altern. 90,0 42,3 177,47 60,70
Sub-Total Fontes Altern. 1.609,6 686,2 136,90 75,32
TOTAL 15.174,4 6.896,4 127,49 60,10
TABELA 5.5 – PROJETOS DE GERAÇÃO EÓLICA CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016
73
DATA TIPO DE LEILÃOCAPACIDADE INSTALADA
(MW)
ENERGIA MÉDIA (MWm)
PREÇO OU ÍNDICE CUSTO-BENEFÍCIO
(R$/ MWh) (US$/ MWh)
31/10/14 Reserva 889,6 202,3 215,12 88,01
28/08/15 Reserva 833,8 232,9 301,79 84,32
13/11/15 Reserva 929,3 262,0 297,74 78,31
Sub-Total Reserva 2.652,7 697,2 275,12 83,13
TOTAL 1.569,0 832,4 168,49 63,61
TABELA 5.6 – PROJETOS DE GERAÇÃO SOLAR CONTRATADOS NOS LEILÕES ENTRE 2004-2016
Ao se examinar de forma mais detalhada esse
novo processo de promoção de novas fontes,
procurando aprofundar sua análise e estabe-
lecer uma visão de síntese, constata-se que,
embora sempre baseado em leilões que ga-
rantiam um mercado para as novas usinas,
ele não foi em nada uniforme sendo que dife-
rentes sistemáticas e incentivos foram sendo
adotados ao longo do tempo.
As contratações através de leilões das novas
fontes alternativas no decênio em exame não
podem assim ser simplesmente diretamente
comparadas sem ressalvas, já que apresenta-
ram diferenças importantes segundo diversos
eixos de análise a serem aprofundados. Por
um lado, as diferenças têm sido função dos
graus de concorrência permitidos em cada
leilão. Também, diferenças importantes refle-
tem as varias condições contratuais ofereci-
das (períodos de contratação, regras para li-
dar com os riscos de falta de suprimento,
etc.), com leilões tanto de contratos de quan-
tidade como de contratos de disponibilidade,
acompanhando a própria diversidade de ti-
pos previstos na legislação setorial. Variaram
ainda bastante os critérios usados para a es-
colha dos projetos vencedores nos diversos
tipos e desenhos dos certames.
Para se entender melhor os incentivos ofe-
recidos aos produtores das novas formas de
energia renovável no Brasil dentro da siste-
mática geral de comercialização estabelecida
no modelo setorial vigente pós 1994, é neces-
sário examinar mais em detalhe as caracterís-
ticas dos diversos tipos de leilão e dos con-
tratos por eles oferecidos e sua evolução ao
longo do tempo.
E antes mesmo, necessita ser discutida uma
questão mais geral que delimita todo o pro-
cesso. A presença significativa das fontes re-
nováveis em um sistema elétrico, a começar
pelas próprias hidrelétricas e que é uma ca-
racterística marcante do sistema elétrico bra-
sileiro desde sua formação traz consigo um
elevado grau de interdependência entre as di-
versas partes do sistema que torna extrema-
mente complexa a tarefa de se identificar e
individualizar os benefícios trazidos por cada
unidade do mesmo e, desse modo, selecionar
e escolher entre projetos concorrentes para
sua expansão, assim como determinar o flu-
xo financeiro a que cada agente faz jus. Devi-
do à enorme complexidade trazida por essa
interdependência, os métodos utilizados para
mensurar os benefícios e custos dos projeto
e para selecioná-los ainda envolvem inúme-
74
ras aproximações e questionamentos, além
de problemas de mensuração que com a am-
pliação da participação de fontes intermiten-
tes no sistema irão possivelmente requerer
cada vez mais a adoção de equipamentos in-
teligentes capazes de identificar a produção e
o consumo por local e hora do dia.
Interdependência entre as Usinas em um Sistema com Fontes Renováveis e tipo de contratação
A presença de renováveis, além de causar
um grande espalhamento geográfico já que
a localização das usinas fica condicionada
pela disponibilidade de recursos energéticos,
vem usualmente acompanhada pela incerte-
za e variabilidade em relação a esses recur-
sos. No caso hidrelétrico essa incerteza é mi-
tigada pela possibilidade de armazenamento
de água; no caso das usinas solares e eólicas
a variabilidade ainda costuma ser maior e elas
não dispõem da mesma possibilidade de ar-
mazenamento82 que as hidrelétricas. Essa di-
ficuldade costuma ser administrada com a in-
tegração das usinas, já que tanto possíveis
complementaridades entre elas, assim como
a presença de usinas térmicas de custo ope-
racional mais alto em stand-by para serem
utilizadas quando necessárias, reduzem os
riscos de falta de suprimento no sistema. Nes-
se sentido, cabe lembrar que além da escolha
adequada da composição do parque gerador,
também a existência de linhas de transmissão
conectando diversas regiões tem papel fun-
damental nessa forma de gestão da disponi-
bilidade e riscos.
Quando a energia que uma usina é capaz de
adicionar ao sistema depende exclusivamen-
te dela própria sem interdependência com
82 A menos de algumas horas de armazenamento nas centrais solares térmicas. Embora esse panorama tenda a se alterar um pouco no futuro com a possível evolução das tecnologias e redução de custos das baterias, pelo menos no que se refere à geração solar distribuída.
outras partes do sistema, a identificação dos
custos e benefícios a ela associadas é direta
e sua comparação com outras usinas simila-
res não traz nenhuma grande dificuldade. Sua
contratação do ponto de vista dos consumi-
dores em geral pode se apoiar em contratos
por quantidade e sua seleção se faz por uma
comparação direta.
Todavia, quando seus benefícios dependem
de outras partes do sistema, a energia gerada
passa a ser fruto de um “mix” produzido “pelo
sistema” (ou parte dele) que igualmente for-
ma os seus custos, tornando-se mais comple-
xa a mensuração da competitividade das usi-
nas individuais envolvidas. Quando além disso
entram componentes probabilísticos, que é o
caso quando a produção de energia de uma
usina é variável com as condições climáticas,
sua disponibilidade passa a ser probabilística
e o produto “energia” passa a ter que ser qua-
lificado conforme o seu nível de garantia.
Cabe lembrar que na versão anterior do mo-
delo institucional vigente antes de 2004 se
pretendia que cada gerador vendesse livre-
mente no mercado e, se sua energia fosse
hidrelétrica, ele poderia contratar com ge-
radores térmicos sua “garantia” para poder
qualificar sua energia como firme e se prote-
ger quanto a situações em que ele não tivesse
capacidade de supri-la. Naquela modelagem
a operação também era centralizada, e se
tentava equilibrar o uso de coordenação (na
operação e nos preços spot) com o do mer-
cado (na expansão e nos preços e garantias
contratadas). Como assinalado esse processo
não funcionou bem e em 2004 foi substituí-
do integralmente por mecanismos de coorde-
nação, restringindo-se a concorrência aos lei-
lões de novos contratos. Na nova modelagem
75
todo o processo que governa o perfil do par-
que e seu ritmo de expansão é feito de forma
centralizada, o que de certo modo “otimiza” a
oferta de “garantias” que passam assim a ter
gestão centralizada. Pode se dizer que, com
as mudanças, substituiu-se algumas “falhas
de mercado por algumas “falhas de governo”,
possivelmente com alguma vantagem diante
da complexidade e dimensão do sistema.
Os dois tipos de contratação – por quantida-
de e por disponibilidade – usados hoje nos
leilões refletem as características das usinas
conforme sua dependência ou não das con-
dições climáticas. As diferentes expectati-
vas para o despacho das usinas hidrelétricas
e térmicas, essas últimas historicamente com
o papel principal de fornecedoras de garan-
tia, a serem operadas apenas nos períodos de
baixa hidraulicidade, estão na raiz da existên-
cia dos dois tipos básicos de contratos com
os geradores no mercado regulado (ACR)
brasileiro. Como assinalado no Capitulo an-
terior, os contratos por quantidade são re-
munerados em função da energia gerada di-
retamente pelas usinas, ou ainda no caso das
hidrelétricas pela contribuição delas à gera-
ção global do sistema.
Em um sistema sem interdependências, a ló-
gica que pareceria em princípio mais natural
seria a de contratar com as usinas sempre por
quantidade. No Brasil, mesmo com as inter-
dependências entre as usinas, as hidrelétricas
são contratadas por esse modo, mas com os
ajustes anteriormente mais detalhadamente
descritos, já que a produção física individual
de cada uma delas é “ajustada” através do
mecanismo de realocação de energia, com-
pensando o fato delas serem despachadas de
forma “ótima” e fora do controle de cada usi-
na individual. E, caso necessário, elas terão
83 Tema atualmente em discussão, conforme assinalado no capitulo 4.
que “comprar” para cumprir seus compromis-
sos a energia que falta no mercado spot, pelo
preço de liquidação de diferenças83. Isto con-
forme previsto nas “Regras de Comercializa-
ção” estabelecidas pela CCEE.
Além dos sistemas para contratação das hi-
drelétricas, em um sistema de base hídrica, se
necessita contratar usinas termelétricas para
operarem como um “seguro”, ou seja, em
princípio para quase não gerarem, e os con-
tratos por quantidade para elas seriam clara-
mente insatisfatórios. A solução encontrada
foi contratá-las por disponibilidade, quando o
gerador recebe sempre um valor fixo que co-
bre seus custos de capital e apenas quando
gerar recebe adicionalmente uma parcela va-
riável associada aos seus custos de combustí-
vel. Quando a usina térmica tem um nível mí-
nimo de operação obrigatória, por exemplo
devido a contratos de compra de combustí-
vel tipo “take or pay”, essa parcela de custos
inflexíveis já é considerada como parte da re-
ceita fixa e coberta também pela receita fixa,
e apenas gerações adicionais ao seu compro-
misso mínimo, se houver, é que irão ser com-
pensadas por uma receita variável adicional.
Do ponto de vista econômico-financeiro, ao se
expandir o sistema com a adição de mais uma
unidade térmica desse tipo, o que interessa
para os consumidores é saber se o MWh adi-
cional garantido que ela acrescenta (garante)
ao sistema é mais barato que o que seria ofe-
recido por uma nova hidrelétrica isoladamen-
te, ou seja, é uma decisão que depende direta-
mente do sistema como um todo.
Nos leilões de contratos por quantidade, a dis-
puta se dá usualmente pelo preço a ser pago
pela energia gerada. Já nos leilões por dispo-
nibilidade, disputados também pelas usinas
térmicas a combustíveis fósseis com níveis de
76
geração bastante variáveis, a seleção entre os
projetos é feita por índices que procuram me-
dir o custo médio esperado daquela energia
que resultará para os consumidores.
A adequação de cada tipo de contrato fica um
pouco menos clara no caso das usinas eólicas
e solares e no caso das usinas térmicas que
consomem combustível a custo zero, sem cus-
tos adicionais significativos como é o caso do
bagaço de cana. Nessas situações a geração
é considerada como inflexível, sendo a usina
sempre que possível despachada, e se em um
contrato de disponibilidade, os seus custos
operativos deverão também ser cobertos pela
receita fixa. O comportamento dessas usinas
(sem custos operacionais adicionais e que
tendem a ser despachadas sempre que pos-
sível) passa a ser mais similar ao das hidrelé-
tricas e mais compatível com os contratos por
quantidade. Por outro lado, a maior incerteza
quanto ao seu suprimento facilita para seus in-
vestidores serem contratados por disponibili-
dade recebendo parcelas fixas.
Por isso mesmo, as usinas eólicas tem sido
contratadas pelos dois tipos de contratos nos
leilões, tanto por quantidade como por dispo-
nibilidade, o que dificulta a comparação dire-
ta entre essas contratações, embora ambos os
tipos tenham sido bem sucedidos. Adicional-
mente os contratos por disponibilidade para
as eólicas possuem regras de revisão quadri-
mestral das “disponibilidades” contratadas já
que as informações iniciais sobre os ventos
nem sempre se confirmam e as receitas fixas
são contratualmente sujeitas a ajustes em fun-
ção do desempenho das usinas. Também os
contratos por quantidade nos leilões de ener-
gia de reserva muito usados para as eólicas,
ao contrario das regras para as hidrelétricas,
não incluem nenhuma exposição dos produ-
84 A menos de decisões específicas quanto à composição ótima do parque gerador e/ou quanto à introdução e consolidação de novas alternativas.
tores ao mercado de curto prazo, com pena-
lidades menos severas em caso de não aten-
dimento. De um certa forma, essas regras
aproximam os contratos por disponibilidade
dos por quantidade no caso das eólicas.
Mantida a modelagem institucional atual, pro-
curando buscar uma ampliação da concor-
rência na seleção de novos projetos, com o
passar do tempo a medida que estas novas
renováveis fiquem mais competitivas, talvez
faça mais sentido84 fazer com que as eólicas,
assim como as térmicas inflexíveis e mesmo
as térmicas para operação na base (que cer-
tamente vão se fazendo necessárias com a
evolução do setor com as limitações nas pos-
sibilidades de expansão das hidrelétricas), ve-
nham todas a disputar contratos por quanti-
dade, mas substituindo o critério de seleção
pelos preços pela adoção dos índices custo
beneficio, para procurar capturar os impactos
de cada projeto sobre o sistema.
Critérios de Seleção das Usinas nos Leilões
Na seleção entre projetos concorrentes para
o atendimento do mercado, os benefícios e
custos de cada um deles precisam ser cui-
dadosamente estimados. Em um sistema in-
terligado fortemente renovável, tanto os in-
crementos de benefícios como os de custos
trazidos por uma nova usina dependem de
sua relação com as demais e ultrapassam os
resultados e custos diretos de sua operação
individualizada. Considerando essa interde-
pendência, a medida do benefício que uma
nova usina, e mesmo que um novo trecho de
linha de transmissão, pode trazer ao sistema
depende diretamente da configuração do sis-
tema ao qual ela se agrega e não apenas da
atual, mas também da evolução dessa confi-
77
guração ao longo de sua vida útil. Dadas as
dificuldades envolvidas nas medidas desses
benefícios e custos, eles são usualmente es-
timados no Brasil com o apoio de modelos
matemáticos e através de simulações de di-
versos cenários de disponibilidade de recur-
sos e de demanda de energia elétrica. Ainda
que imperfeitas devido às aproximações ine-
vitáveis inerentes à natureza dos modelos es-
sas avaliações têm permitido a incorporação
de uma visão sistêmica na quantificação e se-
leção dos projetos individuais.
Como já foi visto, no caso das grandes hi-
drelétricas a incorporação em sua análise do
seu impacto sobre o sistema elétrico é par-
cialmente administrada com os sistemas de
relocação de energia, e com a determinação
através de modelos para cada usina da sua
garantia física (energia assegurada), definida
em função da operação global e que procura
capturar o benefício que cada usina é capaz
de adicionar ao conjunto como um todo, e as-
sim, quando seus projetos concorrem nos lei-
lões o fazem em termos de seus custos fixos
(principalmente de capital investido) por uni-
dade dessa energia por elas assegurada.
Já ao se avaliar as usinas térmicas em compe-
tição por contratos de disponibilidade e tam-
bém as eólicas quando em disputa com es-
tas, não em todos os leilões, mas em alguns
casos, utilizou-se índices custo-benefício que
visavam capturar os diferentes impactos das
mesmas no sistema como um todo. Para a de-
terminação do benefício (energia agregada ao
sistema), como no caso das hidrelétricas, para
as usinas térmicas em geral são estimadas
as garantias físicas com modelos de simula-
ção em função do incremento assegurado por
85 Esse problema lembra a questão conhecida no ambiente de modelagem como problema do “rabit-and-elephant stew”, que fica sempre só com gosto de elefante.
86 Vide “Índice Custo Benefício (ICB) de Empreendimentos de Geração – Leilões de Compra de Energia Elétrica Proveniente de Novos Empreendimentos de Geração, Metodologia de Cálculo”, Nota Técnica EPE-DEE-RE-102/2008-r5, 02/09/2013.
elas ao sistema. No caso das eólicas, que são
despachadas sempre que possível, sua garan-
tia física, conforme anteriormente apontado, é
por definição considerada a energia anual que
ela pode gerar com 90% de probabilidade.
O principal indicador utilizado nesses leilões
pode então ser pensado como o valor espe-
rado do custo da unidade de energia assegu-
rada adicionada ao sistema em função da im-
plementação de cada usina do ponto de vista
do consumidor. Em sua determinação, cabe
assinalar que para essas usinas renováveis,
todas de porte bastante reduzido em relação
aos demais geradores, as análises através dos
modelos tanto de seus benefícios como seus
custos envolveu um grau significativo de sim-
plificação devido à inviabilidade prática de
incluir cada uma delas em um modelo que
efetivamente simulasse a operação individua-
lizada85 de todas as usinas do sistema integra-
do nacional
Para a determinação dos custos, conforme
metodologia desenvolvida pela EPE86, o Índi-
ce Custo-Benefício (ICB) usado para ordenar
e selecionar os empreendimentos térmicos e
eólicos em geral é calculado como a soma de
três parcelas de custos, divididos pelo acrés-
cimo de energia (garantia física) esperada
que aquela usina deverá agregar ao sistema,
expresso em $R/MWh: (i) o custo fixo recebi-
do pelo empreendedor e que deve remune-
rar os investimentos realizados por ele, assim
como todos os seus custos fixos (ii) o valor
esperado anual do custo de operação e ma-
nutenção da usina, que no caso das usinas eó-
licas ou biomassa com combustíveis de cus-
to zero, fica zerado e (iii) o valor estimado da
energia anual que terá que ser comprada ou
78
vendida no mercado de curto prazo (negocia-
da pelo preço de curto prazo) à medida que
a produção individual da usina em questão fi-
que mensalmente abaixo ou acima do valor
sazonalizado de sua garantia física. Embora
essas duas últimas parcelas possam não ser
custos diretos do produtor em um contrato
por disponibilidade, eles serão custos do sis-
tema e, portanto, dos consumidores, para que
aquela parcela de energia assegurada incre-
mental seja entregue.
Nas Tabelas 5.2, 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6 acima e A.1
anexa, são apresentados os preços médios de
contratação de cada forma de energia reno-
vável em cada leilão quando as disputas são
feitas por preços; e nos casos de contratação
por disponibilidade em que a seleção costu-
ma ser feita por indicadores de custo-bene-
fício, são listados então esses valores. Eles
podem ser vistos como uma estimativa do va-
lor esperado a ser pago como um todo pe-
los consumidores, na média dos diversos ce-
nários hidrológicos estudados, em função da
energia assegurada pelas usinas contratadas
e que tende a diferir da receita recebida dire-
tamente por aqueles produtores renováveis.
Seu uso, nos leilões, visa incluir na análise o im-
pacto global provocado por cada projeto tér-
mico ou eólico individual e nesse sentido repre-
sentam melhor o interesse dos consumidores
que uma mera comparação direta do valor a
ser pago aos produtores. Nesse sentido, par-
ticularidades das diversas formas de energia
são mais adequadamente levadas em conta.
Por exemplo, a terceira parcela dos custos que
formam o índice ICB pode ser positiva ou ne-
gativa. Para uma usina a bagaço de cana, por
exemplo, sua geração acima do valor compro-
missado tende a se dar em períodos de maior
produção de cana e que em geral coincide com
87 Vide “Estudos para a Licitação da Expansão da Geração, Índice de Classificação dos Empreendimentos (ICE) da Energia de Reserva”, Nota Técnica EPE-DEE-RE-064/2008-r1.
a época da baixa hidrologia, onde os preços de
curto prazo costumam ser altos. Assim, a soma
dos valores de sua geração excedente pode ser
maior do que os valores das compras no mer-
cado a prazo quando ela gerar abaixo do seu
compromisso e, desta forma, a terceira parcela
dos custos pode passar a ser uma receita, as-
sumindo valor negativo na expressão e baixan-
do o seu ICB, favorecendo aquele tipo de usina.
Cabe assinalar que esses índices conforme cal-
culados conseguem refletir os aspectos sazo-
nais das novas fontes renováveis, mas que ain-
da não incorporam nas avaliações os impactos
de sua intermitência, supostamente compensá-
veis pelos reservatórios das usinas hidrelétricas,
sem nenhuma valoração específica do uso des-
sa capacidade de armazenamento.
Em um leilão específico, o primeiro Leilão de
Reservas em 14/08/08, a EPE propôs e foi adi-
tada uma metodologia diferente, usada apenas
naquele leilão e depois abandonada. Naquele
caso, o índice usado foi o chamado Índice de
Classificação de Empreendimentos (ICE)87. Na-
quele leilão os contratos de compra de ener-
gia de reserva referiam-se exclusivamente ao
período da safra e, com base nesse argumen-
to, o índice ICE utilizado pela EPE foi compos-
to apenas por duas parcelas, ambas expressas
em R/MWh, considerando a receita fixa recebi-
da pelo empreendimento, menos a receita to-
tal esperada da venda daquela energia no mer-
cado de curto prazo.
Nos dois casos, tanto no cálculo para a de-
terminação do ICB das parcelas estimadas de
custos operacionais acima da geração infle-
xível e das variações na energia gerada aci-
ma e abaixo de seu compromisso, como no
cálculo da parcela variável do ICE, os valo-
res estimados são os valores médios de dois
79
mil cenários hidrológicos para a configuração
do sistema prevista para os próximos cinco
anos. Dada a dificuldade de se incorporar es-
sas pequenas unidades diretamente nos mo-
delos de simulação, a solução encontrada foi
a utilização dos Custos Marginais de Opera-
ção (CMO)88 esperados mensalmente para os
5 anos e para todos os cenários hidrológicos
e, a partir dos mesmos, “simular-se” a ope-
ração dos empreendimentos em exame, esti-
mando-se os preços spot (Preço de Liquida-
ção de Diferenças), assim como as regras de
operação da usina em função da comparação
de seu custo variável unitário de operação
com o CMO. Dessa maneira, através desses
valores do CMO, introduz-se na análise dos
projetos individuais a visão integrada e al-
guns dos seus impactos sobre o sistema elé-
trico ao qual o projeto deverá ser agregado.
LEILÕES PARA CONTRATAÇÃO DAS NOVAS FORMAS RENOVÁVEIS – PERÍODO 2005-2014
A Tabela A.1, no Anexo 1, apresenta as prin-
cipais contratações das fontes renováveis al-
ternativas realizadas nos leilões entre 2005-
2014, onde se pode observar que as primeiras
seguiram um padrão que se reproduziu ao
longo de todo o período em exame, que fo-
ram através de leilões tipo A-3 e A-5 (para
atender à demanda prevista, respectivamen-
te, a partir de 3 ou de 5 anos adiante) e onde
a maior parte da energia nova no país é con-
tratada no ACR. Nesses leilões costumam ser
oferecidos dois tipos de produtos: um contra-
to em quantidade de energia, apenas para a
disputa ente usinas hidrelétricas, incluindo as
PCHs, e outro em disponibilidade de energia
88 Determinados por rodadas do modelo de simulação dinâmica estocástica Newave, usado no planejamento da expansão do setor elétrico brasileiro pela EPE.
para as usinas térmicas, nos quais além das
térmicas a biomassa foram abertas também
oportunidades para as eólicas.
Nesses leilões mais gerais, as novas renová-
veis têm tido todavia sempre contratação
modesta e, basicamente, das formas mais tra-
dicionais: PCHs nos certames por quantida-
de para hidrelétricas, disputados diretamente
pelos preços da energia, e térmicas a biomas-
sa nos contratos por disponibilidade selecio-
nados em disputa com as demais fontes al-
ternativas e com os geradores térmicos em
geral, por contratos de disponibilidade deci-
didos, na maioria das vezes, pelos índices de
custo-benefício ICB assinalados.
Assim, nos primeiros anos do período 2004-
2014, os leilões estimularam apenas modera-
damente a contratação de PCHs e de térmi-
cas a biomassa. Somente algum tempo depois
de iniciados os leilões direcionados exclusiva-
mente para as fontes alternativas é que essa
situação começou a se modificar. Em um pri-
meiro leilão, apenas para fontes alternativas,
realizado em 18/06/07, as contratações foram
ainda apenas de PCHs e de usinas a biomassa,
mas já com um volume crescente de usinas a
bagaço de cana (432 MW instalados com cer-
ca de 207 MW médios). Em 14/08/08, com a
introdução também da outra nova categoria
- os chamados leilões de reserva - oferecen-
do contratos por disponibilidade, em um cer-
tame ainda voltado exclusivamente para usi-
nas a biomassa, agregou-se um novo volume
expressivo dessa fonte (2.256 MW instalados
com 548 MW médios comercializados).
Mas, foi apenas em 14/12/09, o segundo lei-
lão de reserva agora especificamente orienta-
do para as eólicas e em contratos por quantida-
80
de89 que veio a resultar na contratação de cerca
de 1.805 MW dessas novas usinas, a primei-
ra adição de eólicas no ACR depois do Proinfa.
A partir daquele ano, elas voltaram a se expan-
dir, agora já com uma base industrial construída,
através dos leilões de reserva e dos leilões para
fontes alternativas geralmente específicos para
cada uma dessas fontes ou, ainda, envolvendo a
concorrência apenas entre eólicas e biomassa.
Nessa nova etapa, as eólicas são acompanhadas
em um menor grau pelo crescimento das térmi-
cas a biomassa, também principalmente através
de leilões específicos e bastante mais lentamen-
te pelas PCHs, estas disputando os leilões com
as hidrelétricas em geral.
Cabe assinalar que, no caso das usinas eólicas
e a biomassa, conforme observado, a escolha
por um tipo de leilão não foi única, pois inicial-
mente selecionadas apenas em disputas com-
petitivas por contratos por disponibilidade (A-
3, A-5 e Fontes Alternativas), também foram
progressivamente contratadas em leilões es-
pecíficos (de Reserva) por quantidade.
É no período 2010-2014 que a energia eólica
se firma, de modo a vir a se afirmar no cenário
energético brasileiro. Em 2010 o terceiro leilão
de reserva contrata em quantidade fontes al-
ternativas através de leilões específicos para
cada forma de energia totalizando 1.200 MW
de capacidade e cerca de 445 MW médios de
energia assegurada, dos quais 255 MW médios
eram de eólica, que também teve o preço mé-
dio mais baixo daquele leilão, da ordem de R$
122,69/MWh; em um leilão em sequência, no
mesmo dia, para fontes alternativas agora com
a eólica e as biomassas concorrendo entre si
por contratos de disponibilidade e, ao contrá-
rio do usual nesse tipo de contratação, sele-
cionadas por preços da energia, saem vence-
dores cerca de 643 MW médios de eólica, a R$
89 Determinados por rodadas do modelo de simulação dinâmica estocástica Newave, usado no planejamento da expansão do setor elétrico brasileiro pela EPE.
134,23/MWm em média e apenas 22,3 MW mé-
dios de biomassa a R$ 137,92/MWh.
Em 2011 estranhamente os preços medidos
em real caem muito para o em torno dos R$
100/MWh e ainda assim tanto as usinas tér-
micas a biomassa como as eólicas continuam
sendo contratadas, tanto em contratos por
disponibilidade (leilões A-3 e A-5 com con-
corrência com as térmicas em geral) como
por quantidade (leilão de reserva com dispu-
ta apenas entre eólicas e biomassa). 2012 é
um ano quase sem leilões e sem contratações
de nenhuma foram de energia, embora ainda
alguma energia eólica nova (151, MW médios
a um ICB muito baixo de R$ 87,94/MWh) ga-
nhe contratos em um leilão A-3.
Mas, em 2013, diante de um progressivo au-
mento de riscos no abastecimento de eletri-
cidade no país, voltam a acontecer contra-
tações com níveis de preço similares aos de
2010, alcançando cerca de 2.850 MW mé-
dios de energia em usinas que se utilizam de
fontes alternativas, entre eólicas, biomassa e
PCHs. Situação que se repete embora com
um pouco menos de vigor em 2014, ano em
que a seca ameaçava os reservatórios e a ne-
cessidade de nova geração se mostrava ainda
maior, com preços agora mais elevados, che-
gando a se ter usinas de biomassa sendo se-
lecionadas em leilão A-5 por ICB da ordem de
R$ 200,00/MWh.
Finalmente, ainda em 2014, um leilão de re-
serva específico para usinas solares fotovol-
taicas, assinala a primeira contratação des-
sas usinas para o mercado regulado, quando
889,6 MW de capacidade de geração fotovol-
taica, correspondendo a uma capacidade as-
segurada de geração de 202,3 MW médios, foi
contratada por quantidade a um preço médio
de R$ 251,12, ainda bastante superior aos va-
81
DATA DO LEILÃO EÓLICA BIOMASSA PCH SOLAR
14/08/08 96,30
14/12/09 84,83
25/08/10 69,44 82,22 75,75
18/08/11 61,97 62,51
23/08/13 46,30
31/10/14 58,22 88,01
28/08/15 84,32
13/11/15 53,51 78,31
23/09/16 85,39
TABELA 5.7 – PREÇOS MÉDIOS ALCANÇADOS NOS LEILÕES DE RESERVA COM CONTRATAÇÃO POR QUANTIDADE (US$ CORRENTE/MWH)
Fonte: Preços médios informados pelo CCEE e valores médios do dólar das datas dos leilões conforme o BCB.
lores usuais para as demais formas e efetiva-
mente inaugurando a participação comercial
da energia solar no setor elétrico brasileiro.
Dadas as diferenças de condições contratuais e
de critérios usados nos leilões é difícil fazer-se
uma comparação precisa dos preços, particular-
mente nos valores a serem recebidos pelos pro-
dutores diretamente como resultado dos mes-
mos. Em uma abordagem bastante simplificada,
calculando-se tanto os valores médios para os
preços como os índices de custo benefício dos
projetos ganhadores nos diversos certames ao
longo do decênio 2005-2014, convertendo seus
valores segundo as taxas de dólar vigentes nas
datas dos leilões e ponderando pelas quantida-
des contratadas, chega-se a um valor médio no
período todo de US$ 74,41/MWh para as bio-
massas, US$ 60,10/MWh para a energia eólica e
US$ 63,61/MWh para as PCHs.
No caso das eólicas, comparando o valor aci-
ma obtido com os valores das usinas do Proinfa,
cujos preços esperados em 2015 são da ordem
de US$ 117,77/MWh (pelo dólar de 01/04/2015),
fica claro que, quaisquer que sejam as aproxi-
mações assumidas nesses cálculos, a energia
eólica ficou muito mais competitiva com o tem-
po ao longo da sistemática de leilões.
Destacando agora apenas os leilões de reser-
va com base em contratação de quantidades
de energia comercializadas e considerando os
valores em dólares segundo as taxas de con-
versão vigentes nos leilões, a Tabela 4.7, abai-
xo, permite alguma comparação direta entre
as fontes e indica faixas de preços próximas,
também com alguma vantagem para as usi-
nas eólicas que vem ficando mais competiti-
vas com o tempo.
82
Especificamente, no último leilão do período
em que foram contratados projetos eólicos e/
ou solares, foi um leilão de reserva realizado
em 13/11/15, quando o preço médio dos proje-
tos eólicos ganhadores foi de US$ 53,51/MWh
(R$ 203,45/MWh convertido pelo dólar da
época90) enquanto que o dos projetos solares
PV foi de US$ 83,13/MWh (R$ 275,12/MWh),
em um período que a escassez de energia
se mostrava favorável à oferta pressionan-
do os preços para cima. No último leilão (em
29/04/16) tipo A3/A5, para as demais renová-
veis que foram contratadas, os preços médios
foram de US$ 68,64 para biomassa e de US$
50,94/MWh para as PCHs. Estas últimas ainda
foram contratadas no período em um leilão
de reserva em 23/09/16 por US$ 85,39/MWh.
Como assinalado, a diversidade de tipos de
contratos e regras usados na contratação das
novas renováveis dificulta uma comparação
direta entre elas. Mas, não obstante às diferen-
ças entre os tipos de leilão e as condições con-
tratuais oferecidas, em uma tentativa de sínte-
se pode-se afirmar que a expansão das novas
renováveis alternativas através dos leilões teve
amplo sucesso e tanto as usinas a biomassa
(principalmente a bagaço de cana) como as
eólicas tiveram um crescimento expressivo no
período, sendo que apenas as PCHs apresen-
taram um desenvolvimento mais modesto. Es-
tas últimas, ainda assim, conseguiram algum
espaço nas disputas com as demais hidrelétri-
cas, ao que tudo indica diante da carência de
projetos hidrelétricos maduros.
As térmicas a biomassa e, nos anos mais re-
centes, também as eólicas têm conseguido
90 O real estava sendo considerado como supervalorizado por muitos analistas ao longo de 2014, sendo que entre o início de 2015 e a data daquele leilão, 13/11/15, o dólar, em reais, subiu cerca de 30%. Posteriormente, deu-se nova subida forte do dólar que foi apenas revertida no segundo semestre de 2016, o que ainda não nos permite tempo suficiente de estabilidade para avaliar como esses preços evoluirão no novo patamar cambial, dado que entram tanto componentes nacionais como importados nos custos de implantação dessas usinas.
91 O Leilão A-5 realizado em 13/12/13. Excepcionalmente, esse tipo de leilão ofertou um produto de contatos por disponibilidade exclusivamente para projetos eólicos ou solares e que resultou na contratação de projetos eólicos totalizando uma capacidade instalada de 2.337,8 MW.
competir com as térmicas em geral nas dis-
putas de contratos por disponibilidade reali-
zados nos principais leilões para energia nova
realizados nas datas A-3 e mesmo A-5 com
indicadores custo-benefício favoráveis, ajus-
tados pelas suas vantagens em termos de
complementaridade com os regimes hidroló-
gicos que governam as hidrelétricas.
De qualquer modo, a expansão mais signifi-
cativa destas últimas formas alternativas não
tem sido nesses certames abertos e, assim
como o surgimento da energia solar no ACR,
tem sido o resultado principalmente de lei-
lões específicos, envolvendo no máximo algu-
ma concorrência apenas entre a biomassa e
as eólicas. O crescimento das eólicas em par-
ticular se deu em parte em leilões de reserva
e mesmo tipo A591. Em alguns poucos casos
focados exclusivamente para aquela forma
de energia, ou ainda admitindo a concorrên-
cia direta de energia solar ainda muito cara e
portanto em uma concorrência mais simbó-
lica que prática. Nestes tipos de leilões sem
concorrência efetiva foram contratados em
todo o período em exame 7.494 MW de ca-
pacidade de projetos eólicos. Já concorren-
do apenas com usinas a biomassa foram con-
tratados outros 2.381 MW. Todavia, em leilões
mais competitivos, disputados por usinas tér-
micas em geral e avaliados por ICB, foram
contratados ainda projetos eólicos totalizan-
do uma capacidade de 5.300 MW.
Ou seja, a concorrência introduzida no siste-
ma de leilões, em relação ao método do Proin-
fa, tanto no caso das usinas a biomassa como
no das eólicas se deu em grande parte entre
83
projetos similares, independentemente das
demais alternativas energéticas. Ainda assim,
essa concorrência se mostrou efetiva na re-
dução dos custos destas usinas. Hoje, no caso
das eólicas, com seus preços que vem cain-
do ao longo do tempo, é possível esperar-se
que estas venham a ter cada vez maior suces-
so em certames mais abertos.
Finalmente a entrada em 2014 da energia solar
fotovoltaica, embora ainda a níveis de preços
mais elevados, promete ser ponto inicial de um
novo movimento expressivo de modificação
da matriz elétrica brasileira em favor das reno-
váveis. Claramente, observando-se o exemplo
da evolução da energia eólica, além de certa-
mes favorecidos, essa ampliação irá depender
também de um processo amplo de estabele-
cimento no país de segmentos expressivos da
cadeia de produção dos bens e serviços que
viabilizem a implantação dessas novas unida-
des e que se constitui assim no maior desafio
de curto prazo no caminho da energia renová-
vel no Brasil.
84
CONCLUSÕES O Brasil tem buscado ampliar a participação
de fontes renováveis em sua matriz energéti-
ca e principalmente na geração de eletricida-
de. Considerando apenas as fontes não fós-
seis, que não emitem gases de efeito estufa
(GHG), o Brasil (com uma presença histórica
de renováveis) chegou ao final de 2015 com
cerca de 41% de fontes renováveis e cerca de
1,3% de energia nuclear em sua oferta interna
geral de energia (dados do BEN).
No setor elétrico, onde a penetração das no-
vas fontes renováveis representa uma pro-
funda mudança de paradigma em relação ao
comportamento histórico deste setor nas di-
versas regiões do mundo, o Brasil tem sido
o foco de esforços governamentais coorde-
nados para a promoção dessas novas fontes
alternativas utilizando as tarifas subsidiadas
FIT em um primeiro momento do processo e
logo passando para promovê-las através de
leilões específicos envolvendo diferentes ní-
veis de concorrência.
Tanto a geração a biomassa como o uso de
pequenas usinas hidrelétricas já podem ser
considerados como tradicionais no país, sen-
do que principalmente o uso de biomassa
tem sido continuamente promovido. Das no-
vas fontes, a energia eólica foi como no res-
to do mundo a primeira a crescer fortemente,
estando a energia solar apenas começando a
ocupar espaço na geração elétrica regulada.
Os resultados iniciais desses esforços po-
dem ser vistos a partir da estrutura alcançada
pelo setor elétrico em 2015 conforme indica-
do na Tabela 6.1 abaixo, onde mesmo em um
ano em que as usinas térmicas estiveram liga-
das por alguns longos períodos, ainda assim,
o percentual de geração renovável envolvido
no suprimento das necessidades de eletrici-
dade do país foi superior a 75% e onde a ge-
ração eólica já desponta com um percentual
de 3,5% da geração total o que demonstra o
sucesso inicial dessa nova fonte renovável, do
uso das FIT como forma inicial de promoção
da mesma e posteriormente dos leilões.
85
FORMAS DE ENERGIAOFERTA INTERNA DE ENERGIA
(TWh) (%)
Hidro 359,7 58,4
Bagaço de Cana 34,2 5,5
Eólica 21,6 3,5
Outras Renováveis 14,9 2,4
Importação (Hidro) 34,4 5,6
SUB-TOTAL 1.990 1,5
Renováveis 464,8 75,4
Petróleo 25,7 4,2
Gás Natural 79,5 12.9
Carvão Mineral 19,1 3.1
Nuclear 14,7 2.4
Outras Não Renováveis 12,1 2.0
SUB-TOTAL Não Renováveis 151,1 24.6
TOTAL 615,9 100.0
TABELA 6.1 – OFERTA INTERNA DE ELETRICIDADE POR FONTE NO BRASIL EM 2015
Fonte: Resenha Energética Brasileira 2016 – BEM/MME
Apenas para uma rápida comparação, se exa-
minarmos a situação da Alemanha, com seu
bem sucedido programa de transição ener-
gética, o “Energiewende” e que impulsionou
um significativo desenvolvimento tecnológico
naquele setor em parte transferido para ou-
tros países92, a capacidade instalada de ener-
92 No Brasil, a primeira empresa multinacional instalada para produzir equipamentos para geração eólica desde 1995 foi a empresa alemã Enercon, aqui sob o nome de Wobben, homenageando seu fundador.
gia renovável no setor elétrico daquele país
com dados de 2014 havia alcançado cerca de
49,6% da geração do total no país, conforme
indicado na Tabela 6.2 a seguir, e onde o prin-
cipal mecanismo usado nesse processo envol-
veu a adoção dos FIT.
86
FONTES RENOVÁVEISALEMANHA BRASIL
Capacidade Instalada (%) Geração (%) Capacidade
Instalada (%) Geração (%)
Hidrelétrica 2 3,4 66,6 63,2
Biomassa 3,3 8 9,2 7,8
Eólica 18 8,6 3,6 2,1
Solar 19,5 5,8 - -
Outras 0,7 - - -
TOTAL 43,6 25,8 79,4 73,1
TABELA 6.2 – PARTICIPAÇÃO DAS FONTES RENOVÁVEIS NA CAPACIDADE INSTALADA E NA GERAÇÃO ELÉTRICA EM 2014 NA ALEMANHA E NO BRASIL
Fonte: Alemanha: RAP (2015); Brasil: N3E/SPE/MME
No Brasil, como foi dito, as tarifas tipo FIT ser-
viram basicamente para estimular o uso inicial
principalmente da geração eólica (Proinfa),
mas depois de uma fase inicial bem sucedi-
da, foram rapidamente substituídas a par-
tir de 2005 como instrumento de promoção
por uma sistemática de leilões acompanhando
uma mudança mais geral do modelo institucio-
nal do setor elétrico brasileiro que introduziu o
processo de leilões para a expansão de toda a
geração nova em geral no ambiente regulado.
Tanto pelo uso de FIT como pelos leilões, pro-
cura-se através de mecanismos específicos
redistribuir os custos adicionais decorrentes
da adição destas novas formas de geração
entre todos os contribuintes, ou pelo menos
entre a maior parte deles. A diferença funda-
mental em relação aos FIT tradicionais é que
através dos leilões se introduz um maior ní-
vel de concorrência nas tarifas a serem pagas
seja através da disputa entre o mesmo tipo
de usinas ou mesmo entre usinas alimenta-
das por diferentes tipos de fontes de energia.
Como as regras dos leilões e as maneiras de
se concretizar as contratações podem variar
bastante, dependendo muito do quadro insti-
tucional vigente, é difícil se estabelecer gene-
ralizações para os mesmos.
Na verdade, os sistemas de FIT e de leilões
são similares, já que ambos admitem (ou po-
dem admitir) pagar aos geradores renováveis
um valor acima dos preços de mercado. Nos
FIT isso é bastante claro; em sua forma tra-
dicional são selecionadas uma ou mais for-
mas de energia para as quais se contratam
todos os projetos de geração que se enqua-
drem em alguns pré-requisitos técnicos e/ou
geográficos vendendo a sua energia a tarifas
pré-estabelecidas que viabilizem a instalação
das novas unidades. Com a expansão inicial
e fortalecimento do segmento em questão,
sua promoção pelos FIT pode ser facilmen-
te substituída pelo uso de leilões de contratos
de mercado com quantidade total definida e
nos quais concorrem os projetos de geração
em função de seus preços, que, como é o caso
dos leilões no Brasil, podem ter um preço má-
ximo estabelecido antecipadamente. Adicio-
nalmente, através de algum mecanismo que
varia com o modelo institucional setorial vi-
gente, os sobre-preços em relação à geração
convencional são distribuídos entre os consu-
midores nacional ou regionalmente.
As diferenças mais significativas entre esses
modelos de promoção das renováveis, es-
tão ligados aos tipos de usinas que se permi-
87
te concorrer nos leilões, que vão desde a um
tipo único de fonte renovável até grupos des-
sas fontes, e podem mesmo alcançar muitas
outras fontes de energia renováveis ou não.
Com o crescente aumento de competitivida-
de dessas novas fontes, esse último tipo de
leilões mais competitivos, deverá cada vez
mais se tornar a forma dominante e, com isso,
poderão ir desaparecendo os sobre-preços.
No Brasil, como foi visto, através dos leilões
foram contratados projetos corresponden-
do a 27,6 GW de usinas renováveis alternati-
vas entre 2005 e 2015. A energia eólica que es-
tava sendo contratada em 2009 por cerca de
84 US$/MWh, em 2015 já havia passado para
a faixa do 52-53 US$/MWh enquanto que a
energia solar fotovoltaica em sua primeira con-
tratação pelo mercado regulado em 2014 o foi
por cerca de 88 US$/MWh e veio caindo um
pouco para 78 US$/MWh em 2015 e, se o sinal
dado pelas contratações recentes no Peru e no
Chile se confirmar, também aqui poderá vir a
cair bem mais93.
O aumento de competitividade das novas re-
nováveis está acompanhando os avanços das
pesquisas em desenvolvimento tecnológi-
co e o crescimento da indústria fornecedora
dos equipamentos. Na Alemanha, a expansão
tanto das eólicas como da solar fotovoltaica,
envolveu um crescimento expressivo do par-
que industrial conexo que se instalou com um
foco exportador, embora sofrendo forte con-
corrência de outros países europeus (Dina-
marca, Espanha e outros), dos Estados Uni-
dos e hoje da China. Esta última, no caso da
energia solar, vem dominando os principais
nichos daquele segmento. No Brasil, a indús-
tria de montadoras eólicas e suas redes de su-
primento também se desenvolveu, em gran-
93 Todavia, como o Real passou por uma forte depreciação em 2015 frente ao Dólar e ao Euro, o que deverá afetar também os preços das componentes importados, ainda se levará algum tempo para avaliar o efeito total dessas alterações sobre os preços pelos quais essas fontes deverão ser contratadas no futuro, independentemente das evoluções tecnológicas por si mesmas.
de parte, graças aos financiamentos especiais
a ela direcionados, formando um verdadeiro
“hub” na América Latina com potencial ex-
portador. No caso da indústria solar, ela está
ainda em suas fases iniciais na América Latina
como um todo, mas poderá no Brasil seguir
caminhos similares aos da eólica.
As alterações trazidas pelo crescimento des-
sas novas alternativas energéticas afetando
tanto o setor industrial do setor elétrico, com
a incorporação dessas novas indústrias e suas
cadeias de fornecedores, como as estrutu-
ras de propriedade das empresas de geração,
com essas novas usinas de menor tamanho e
com proprietários bastante diversificados, es-
tão também modificando o campo institucio-
nal do setor elétrico com impactos ainda não
totalmente concretizados e entendidos.
Essas mudanças poderão ainda ser maiores
se a redução de custos da geração fotovoltai-
ca solar continuar no ritmo atual, assim como
dos custos de armazenamento dessa energia
em baterias individuais, o que poderá ampliar
em muito o número de unidades consumido-
ras independentes (ou quase) da rede expan-
dindo a chamada geração distribuída e, de
certo modo, reformulando o modelo de ne-
gócios do setor elétrico concebido e inaugu-
rado por Edson no inicio do século XX.
No momento, a participação dessas novas
fontes renováveis ainda pode ser considera-
da complementar em relação à geração con-
vencional. Todavia, caso as políticas de en-
frentamento ao efeito estufa se ampliarem
no futuro, o uso de fontes não poluentes e o
abandono dos combustíveis fósseis podem se
tornar mandatórios, o que hoje deixaria como
opção apenas a adoção das nucleares e/ou
das renováveis.
88
As grandes reduções de custos das novas
renováveis conseguidas nas últimas déca-
das ampliaram muito a competitividade des-
sas fontes, mas ainda não se pode dizer que
elas conseguiriam se estabelecer em uma li-
vre concorrência apenas por preços, dispu-
tando com as fontes convencionais como,
por exemplo, com o carvão. As externalida-
des negativas climáticas dificilmente entra-
riam nos cálculos imediatos do mercado e
a expansão das novas renováveis tem exigi-
do e continuará exigindo um quadro institu-
cional que as promova. O equilíbrio entre os
custos da energia e as necessidades ambien-
tais continuarão a requerer esforços criterio-
sos e continuarão a depender das decisões
políticas da sociedade.
Em qualquer caso, com a ampliação da parti-
cipação das renováveis, necessita-se mais do
que nunca de uma visão clara dos custos adi-
cionais trazidos pela sua integração aos sis-
temas elétricos. Essa tem sido uma das maio-
res dificuldades, claramente identificada no
corrente trabalho, e que surgem ao se procu-
rar realizar uma efetiva análise dos custos e
benefícios dessas novas unidades geradoras
dada a grande interdependência entre as di-
versas partes do sistema envolvidas na com-
plementação das renováveis diante de suas
sazonalidades e intermitências.
Mesmo no Brasil, com uma longa experiência
em lidar com usinas hidrelétricas integradas
que são predominantes em seu sistema, a in-
dividualização das relações custo/benefício
de cada usina ainda gera muitas dificulda-
des94, dependendo de modelos matemáticos
sofisticados mas nem sempre representam
perfeitamente os sistemas reais. Como é
de sua própria natureza, modelos são sem-
pre representações aproximadas da reali-
94 Haja vista as dificuldades hoje enfrentadas com as definições de garantia física das usinas hidrelétricas e com o estabelecimento dos preços spot.
dade e guardam algum grau de imprecisão
por construção. No caso das unidades gera-
doras menores como as eólicas e fotovoltai-
cas, pouco adequadas à representações in-
dividualizadas em modelos do sistema, esse
processo tem sido ainda mais aproximado.
Mesmo assim, tem se buscado capturar es-
ses efeitos sistêmicos com apoio dos valores
marginais calculados pelos modelos na de-
terminação do uso de índices benefício/cus-
to utilizados nos leilões em que essas fontes
competem com outras, conforme assinalado,
o que representa um dos poucos esforços na
direção correta que se têm notícia. Uma me-
lhor mensuração desses custos ainda é um
desafio a ser enfrentado.
Além da identificação clara dos custos e be-
nefícios, necessita-se um planejamento claro
à medida que a energia eólica e solar vão ga-
nhando participação na geração de eletricida-
de, indicando como se lidará com a intermi-
tência dessas usinas. Parte da solução poderá
estar na própria complementaridade entre as
fontes; no Brasil existe uma clara complemen-
taridade entre os períodos secos da Região
Sudeste-Sul com as fases de ventos mais fre-
quentes, com vantagens para a coexistência
entre hidrelétricas e eólicas. O armazenamen-
to de água nas hidrelétricas, fazendo com que
essas acompanhem a carga com alguma faci-
lidade, é um dos principais recursos no Brasil
para lidar com o crescimento do parque eólico
e solar. Todavia, como apontado antes, as usi-
nas com grandes reservatórios não têm sido
mais construídas para evitar o alagamento
de regiões mais extensas diante das pressões
ambientalistas. De uma maneira geral, a pre-
sença de usinas a gás natural com sua facilida-
de de acompanhamento da carga é uma das
soluções mais gerais disponíveis, embora tam-
89
bém emissoras de CO2, mesmo que em menor
proporção que outros combustíveis fósseis.
Com a evolução tecnológica, possibilidades
de estoque de energia poderão se tornar mais
competitivas e introduzidas nos sistemas elé-
tricos para mitigar os problemas da intermi-
tência das fontes renováveis. Uma dessas so-
luções com tecnologia simples e disponível
envolve a construção de usinas hidrelétricas
reversíveis com capacidade de bombeamen-
to, que podem operar enchendo reservató-
rios nos períodos de maior disponibilidade de
energia no sistema, para serem posteriormen-
te usadas gerando nos períodos de escassez.
Em um contexto de incertezas, parece apenas
ser uma conclusão robusta que as novas unida-
des renováveis, seu parque industrial e cadeias
de valor são uma realidade concreta e conti-
nuarão a se expandir nos próximos anos, onde
os principais desafios e oportunidades são de
natureza tecnológica e função do desenvolvi-
mento do conhecimento necessário e da for-
mação adequada do capital humano.
90
ANEXO 1
DATA E TIPO DE LEILÃO
MODO DE CONTRATAÇÃO
FORMAS DE ENERGIA QUE
PARTICIPAM NO LEILÃO
FORMAS RENOVÁVEIS ALTERNATIVAS: NOVAS USINAS CONTRATADAS NO LEILÃO PARA VENDA NO ACR
RESULTADOS, CRITÉRIO DE SELEÇÃO E OBSERVAÇÕES
GERAISFormas
de Energia
Cap. Inst. (MW)
Energia Média (MWm) GF
Preço ou ICB (R$/MWh)
2004 - 2006
1o leilão novo modelo em 07/12/2004 – energia
existente;
Diversos leilões de energia existente e de ajustes;
1o leilão de energia nova em 16/12/2005;
2005
16/12/05
A-3
A-5
E
Existente
Disponibilidade 15 anos UTEs Bagaço
de Cana 136 54 122,35
O 1o Leilão para energia nova contratou,
entre novas obras e existentes 1.008 MWm de hidrelétricas em geral, e 2.278 MWm de UTEs em geral, (com 1.391 MWm
gás e 546 MWm carvão), selecionados por ICB
2006
29/06/06
A-3
Disponibilidade
15 anosUTEs Bagaço
de Cana 162 66,5 134,21
Contratados para UTEs em geral 654 MWm (com óleo combustível e diesel)
selecionado por ICB
Quantidade
30 anosUHEs PCH 2 1 124,99 Contratados no Leilão
1028 MW hidrelétricas
10/10/06
A-5
Disponibilidade
15 anosUTEs Bagaço
de Cana 262 89,3 137,10
Selecionado por ICB Contratados 535 MWm
térmicos (200 MWm gás natural e 200 MWm gás
de processo);
Nas mesma data Leilão por quantidade, contratou 568 MWm hidro; nenhuma
PCH
TABELA A.1 – CONTRATAÇÃO DE FONTES ALTERNATIVAS NOS LEILÕES DE ENERGIA NOVA NO BRASILFonte: CCEE, Acende Brasil
91
2007
18/06/07
1o F.A.
p/ A-3
Quantidade 30 anos PCHs PCH 35 21,6 134,99
Leilão p/ PCH; preço teto baixo e
problemas ambientais
Disponibilidade 15 anos
Biomassa e Eólicas
Bagaço de Cana 402 186,4 138,85 Selecionado por ICB
Leilão pela 1a vez aberto para eólicas, que não se interessaram com preço
teto de R$ 140/MWhCriador Avicola 30 27,1 138,50
26/07/07
A-3
Contratadas térmicas: 1367 MWm a óleo comb., 140 a óleo diesel e 275 a outros óleos – nenhuma
fonte renovável foi contratada
16/10/07
A-5
Contratados 715 MWm hidro e 1597 MWm
térmicos (com 930 MW carvão) nenhuma fonte
alternativa foi contratada
10/12/07
Estrutur.
UHE
Santo Antonio
UHE Santo Antonio, 2218 MWm, a R$78,90/MWh
(Vendendo 30% no ACL, R$ 85/MWh) Furnas, Odebrecht, Andrade,
Cemig
2008
19/05/08
Estrutur.
UHE
Jirau
UHE Jirau, 1975,3 MWm a Canargo, Chesf, Elsul,
Suez
14/08/08
1o Reserva
Disponibilidade 15 anos Biomassa Bagaço
de Cana 2265,5 548156,6 preço
59,19 (ICE);
Leilão específico só p/ biomassa
Critério ICE diferente do ICB e usado apenas nesse
leilão;
ICE = RF/EnOfertada - RAV/ GF RAV = receita anual variável esperada;
Preço teto subiu para $157
92
17/09/08
A-3UTEs e Eólicas
Selecionado por ICB
Contratadas térmicas convencionais apenas: 881,0 MWm em óleo combustível (p = R$
127,84/MWh ) e 265,0 MWm a gás natural
liquefeito (p= R$ 130,2 / MWh)
30/09/08
A-5
Disponibilidade 15 anos UTEs e Eólicas Bagaço
de Cana 114 44,7 145
Leilão hidro contratou pouco, apenas 121 MWm ,
a R$ 99/MWh;
Leilão para UTEs em geral selecionado por ICB
contratou 2.969 MWm (óleo, GNL e carvão)
2009
27/08/09
A-3
Disponibilidade 15 anos UTEs e Eólicas Bagaço
de Cana 48 14,2 144,60
Contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB;
Preços tetos não atraíram
Quantidade 30 anos UHEs PCH 5,7 1,0 144,00 Preços tetos não atraíram
14/12/09
2o Reserva
Quantidade 20 anos Eólicas Eólicas 1805,7 753 fc
43,8%148,30
21% desag.
Leilão de reserva específico para eólicas
1a contratação de eólicas por leilão;
selecionado pelo preço de lance
2010
20/04/10
Estrutural
UHE Belo Monte
70% para o ACR, p = R$ 78,00/MWh Chesf, J.
Malucelli, Galvão.
30/07/10
A-5
Quantidade 30 anos UHEs PCH 79,0 41,8 155,00
Leilão exclusivo para hidro; contratou 327 MWm
de hidro a p = R$ 128,2 médio
93
25 e 26/08/10
3o Reserva
Quantidade 2011
+ 15 anosBiomassa Bagaço
de Cana 286,9 74,8 154,18
Leilão exclusivo para biomassa para entrega
em 2011 selecionado pelo preço de lance
Quantidade 2012
+ 15 anosBiomassa Bagaço
de Cana 118,0 31,4 145,37
Leilão exclusivo para biomassa para entrega
em 2012 selecionado pelo preço de lance
Quantidade 2012
+ 15 anosUHEs PCH 30,5 21,7 130,73 3a fase Leilão exclusivo só
para PCH
Quantidade 2013
+ 15 anosBiomassa Bagaço
de Cana 243,0 62,1 134,47
3a fase Leilão exclusivo só para Biomassa
selecionado pelo preço de lance
Quantidade 2013
+ 20 anosEólicas Eólica 528,2 255,1 122,69
3a fase Leilão exclusivo só para Eólicas;
Leilões por quantidade específicos por fonte e
selecionados pelos preços de lance
25 e 26/08/10
2o F.A.
Quantidade 30 anos PCHs PCH 101,0 48,1 146,99 Leilão exclusivo só para
PCH
Disponibilidade 20 anos
Biomassa e Eólicas
Eólica 1519,6 643,9 134,23Único leilão por disponibilidade
selecionado a partir da receita fixa exigida
expressa em Preço equivalente – PEQ, receita fixa dividida pela energia contratada em Reais por
MWh
Bagaço da Cana 65,0 22,3 137,92
17/12/10
A-5
Quantidade 30 anos
Contratada apenas a UHE Teles Pires e a energia da UHE Santo Antônio
do Jari num total de 968 MWm
94
2011
17/08/11
A-3
Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas
Eólica 1067,7 484,2 99,58
Contratos para UTEs em geral, Selecionado por ICB (competem entre si e com
GN);
Foram contratados também 866,4 MWm de gás natural com ICB de
R$ 103,26 (Na modalidade quantidade este leilão
contratou apenas a expansão de Jirau de
209,3 MWm a um p = R$ 102,00)
Biomassa 197,8 91,7 102,41
18/08/11
4a Reserva
Quantidade 20 anos
Biomassa e Eólicas
Eólica 861,1 428,8 99,54Leilão apenas para
Eólicas e Biomassa por quantidade, selecionado
por preços de lanceBiomassa 357 160,5 100,40
20/12/11
A-5
Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas
Bagaço de Cana 100 43,1 103,06
Contratos para UTEs em geral, Selecionado por
ICB (competem com GN)
(no leilão por quantidade para hidros foram
contatados 81,8 MWm, e nenhuma PCH)
Eólica 976,5 478,5 105,12
2012
14/12/12
A-5
Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas Eólica 281,9 151,6 87,94
Leilão para UTEs em geral selecionado por ICB
(no leilão por quantidade para hidros foram
contatados 150,6 MWm a R$ 93,46/MWh e
nenhuma PCH)
95
2013
23/08/13
5a Reserva
Quantidade 20 anos Eólicas Eólica 1505,2 700,7 110,51
Leilão em quantidade só para eólicas;
Selecionado por preço de lance;
Requerendo capacidade de escoamento na rede básica de transmissão
existente ou já contratada;
Também a quantidade de energia a ser oferecida em leilão (GF) passou a ser a P90, ou seja com probabilidade de 90%
29/08/13
A-5
Quantidade 30 anos PCH 218,4 115,2 125,44
Leilão só para hidro; no total contratou 316 MWm de hidro a p médio de R$
114,48 /MWh;
incluiu a contratação de UHE Sinop (215,8 MWm
contratados)
Disponibilidade 25 anos UTEs
Bagaço de Cana 347,0 133,6 133,57 Contratos para UTEs em
geral, selecionado por ICB (competem com GN e
Carvão);Cavaco de Madeira 300 241,2 136,69
18/11/13
A-3
Disponibilidade 20 anos
Gás Natural, Biomassa,
Eólica e SolarEólica 867,6 332,5 124,45
Leilão para hidro por quantidade não teve
interessados
Leilão para térmicas por disponibilidade
selecionado pelo ICB;
Só as eólicas ganharam (rf = R$ 127,82/MWh)
1a leilão incluindo solar; ainda eólica, biomassa, gás natural, Solar > 5 MW; Aerogeradores
importados > 1500 kW
13/12/13
A-5
Quantidade 30 anos UHEs PCH 307,8 148,6 137,37
Leilão em quantidade para hidro; contratadas PCHs e ainda a UHE S. Manoel (no teles Pires) com 421 MWm
a p = R$ 83,49/MWh
Disponibilidade 25 anos UTEs
Bagaço de Cana 145,0 79,6 134,44
Contratos para UTEs em geral, selecionado por
ICB.Cavaco de Madeira 16,8 14,9 136,49
Disponibilidade 20 anos Eólicas e Solar Eólica 2337,8 1083,4 119,03
Competiam apenas Eólicas e Solar,
selecionado por ICB (receita fixa da ordem de
R$120,70/MWh)
96
2014
28/03/14
Usina Existente
UHE Tres Irmãos no Rio Tiete com 807,5 MW, era
concessão da CESP;
(1o leilão pós MP 579);
Vendeu Consórcio com Furnas Proposta R$
31.623.036
06/06/14
A-3
Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas Eólica 551,0 274,5 129,96
Leilão de contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB,
(concorrem Gas natural, biomassa, etc.)
(rf = R$ 133,13/MWh)
Foi contratada por quantidade a expansão da UHE Santo Antonio (R$
121,00/MWh)
31/10/14
6o Reserva
Quantidade 20 anos Solar Solar 889,7 202,1 215,1
1a contratação de solar PV (p teto R$ 262,00/MWh) selecionado por preço de
lance p – 82 a 90 US$
Quantidade 20 anos Eólicas Eólica 769,1 333,4 142,30
Só Eólicas ( p teto R$ 144,00/MWh) selecionado
por preço de lance.
Não houve interesse nos contratos para UTE
Biomassa (P teto = R$169,00/MWh), em leilão
específico
28/11/14
A-5
Quantidade 30 anos PCH 43,9 23,7 161,98
As novas UHE oferecidas em leilão não tiveram
interessados; Só as PCHs
UTEs
Bagaço de Cana 283 89,7 202,45
Contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB; contratadas ainda 1700,5 MWm em gás
natural ( R$ 206,50/MWh) e 323,5 MWm a carvão
(R$ 201,98/MWh)
Cavaco de Madeira 328 220,0 207,11
Disponibilidade 20 anos Eólicas e Solar Eólicas 926 415,1 136,00
Leilão de contratos para Eólicas e Solar
Selecionado por preço de lance
97
2014
28/03/14
Usina Existente
UHE Tres Irmãos no Rio Tiete com 807,5 MW, era
concessão da CESP;
(1o leilão pós MP 579);
Vendeu Consórcio com Furnas Proposta R$
31.623.036
06/06/14
A-3
Disponibilidade 20 anos UTEs e Eólicas Eólica 551,0 274,5 129,96
Leilão de contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB,
(concorrem Gas natural, biomassa, etc.)
(rf = R$ 133,13/MWh)
Foi contratada por quantidade a expansão da UHE Santo Antonio (R$
121,00/MWh)
31/10/14
6o Reserva
Quantidade 20 anos Solar Solar 889,7 202,1 215,1
1a contratação de solar PV (p teto R$ 262,00/MWh) selecionado por preço de
lance p – 82 a 90 US$
Quantidade 20 anos Eólicas Eólica 769,1 333,4 142,30
Só Eólicas ( p teto R$ 144,00/MWh) selecionado
por preço de lance.
Não houve interesse nos contratos para UTE
Biomassa (P teto = R$169,00/MWh), em leilão
específico
28/11/14
A-5
Quantidade 30 anos PCH 43,9 23,7 161,98
As novas UHE oferecidas em leilão não tiveram
interessados; Só as PCHs
UTEs
Bagaço de Cana 283 89,7 202,45
Contratos para UTEs em geral, selecionado por ICB; contratadas ainda 1700,5 MWm em gás
natural ( R$ 206,50/MWh) e 323,5 MWm a carvão
(R$ 201,98/MWh)
Cavaco de Madeira 328 220,0 207,11
Disponibilidade 20 anos Eólicas e Solar Eólicas 926 415,1 136,00
Leilão de contratos para Eólicas e Solar
Selecionado por preço de lance
2015
27/04/15
3a F.A.
Disponibilidade 20 anos
Biomassa Bagaço de Cama 389,43 134,6 209,91
Contratadas usinas a bagaço existentes
Selecionadas por ICB
Eólicas Eólicas 90,0 42,3 177,47 Selecionadas por ICB
30/04/15
A-5
Quantidade 30 anos UHE PHC 164,3 92,9 183,6
Foram contratadas 8 PCHs, uma UHE nova (UHE Itaocara a R$ 154,99/MWh) e uma
ampliação, totalizando 945,5 MWmédios
Disponibilidade 25 anos
UTEs
Bio, Gas, Carvão
Bagaço de Cana 61,4 37,1 273,00 Foram vencedores 2
UTEs a bagaço de cana, uma UTE a cavaco de
madeira e uma UTE a gás natural, totalizando 867
MWmédios Cavaco de
Madeira 50,0 41,4 272,00
03/07/15
9o LERGás natural
Não houve ofertas, o preço teto era de R$ 581/
MWh
21/08/15
A-3
Quantidade 30 anos UHEs PCHs 66,2 35,3 205,01
Disponibilidade 20 anos UTEs
Bagaço de Cana 28,5 14,5 210,73 Foi contratada ainda uma
UTE a gás natural de 28 MW a R$ 214,25/MWh
Selecionadas por ICBCasca de
Arroz 8,0 6,8 212
Disponibilidade 20 anos Eólicas Eólica 538,8 235,0 181,14 Só para eólicas
Selecionadas por ICB
28/08/15
7O LER
Quantidade 20 anos Solar Solar PV 833,8 232,9 301,79
Primeiro leilão para energia solar
Deságio médio de 15,6% em relação ao preço
inicial de R$ 349,00/MWh
13/11/15
8O LER
Quantidade 20 anos
Eólica Eólica 548,2 284,4 203,45 20 usinas com 4,48% de deságio
Solar Solar PV 929,34 246,0 297,74 33 usinas com 21,8% de deságio
25/11/15
UHE
Com a aprovação da MP 688 realizou-se o
leilão das UHEs, que teve deságio d 0,32%
Vencedoras:
Three Gorges (Ilha Solteira e Juruá), Copel (gov. Parigot), EGP, Cemig,
Celg, Celec.
98
11/12/15
Existente
Disponibilidade por um ano e
por três anos e Quantidade por
três anos
UHEs, e UTEs a bagaço de cana, resíduo de madeira
e gás natural foram contratadas por índices
ICB
Disp. 3 anos = 129,25
Disp, 1 ano = 162,47
Quant 3 anos = 147,31
2016
29/04/16
A-5
Quantidade 30 anos UHE PCH 262,9 136,2 175,80
324,9 MW de UHE e PCH foram contratados, mas apenas 35,5% de novos
empreendimentos
Disponibilidade 20 anos
UTE
Biomassa e carvão
Bagaço de Cana 122,5 55,5 218,32 UTE biomassa e carvão
só 71,7% de novos empreendimentos;
capacidade de 56 MW e GF de 33,8 MW de GF, já tinham outorga ou operação comercial
Biogas 20,9 13,7 251,00
Cavaco de Madeira 55 47,6 239,00
Disponibilidade 20 anos
UTE
Gás natural
Uma usina a gas natural contratada a R$ 258,00/
MWh
23/09/16
10o LER
Quantidade 30 anos PCH e CGH PCH e
CGH 180,3 107,3 277,02
Leilão para PCHs, e CGHs (< 1 MW) preço teto de R$
248/MWh
Nesse leilão inclui-se mecanismo similar ao
MRE para mitigar riscos; permitindo desvios + ou – a serem acertados no
tempo.