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Ano III • n. 4 • jan. - jun. 2006
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini TineNicolai FilimonoffHelânia Thomazine Porto VeronezAline dos Santos Lopes / Anna BarrosHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos SantosAline dos Santos Lopes / Anna Barros
DOSSIER – IV FÓRUM DE DEBATESPERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES NAS ARTES E NAS HUMANIDADESAlfredo César da VeigaElisa da Silva GomesJessyluce Cardoso ReisLeslye Revely dos Santos / Mario Fernando BolognesiMarco Antonio Queiroz SilvaMarilia G. Ghizzi Godoy / Lincoln Etchebéhère JuniorPaulo Henrique Simão MouraTatiana Giovannone TravisaniWagner Leite VianaNamur Matos Rocha
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Universidade São Marcos
2007
PESQUISA EM DEBATEREVISTA ELETRÔNICA DO PROGRAMA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E COMUNICAÇÃO
ISSN 1808-978X
Ano III, no 4, jan-jun 2006
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 5Universidade São Marcos
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Reitor: Ernani Bicudo de Paula
Vice-Reitora Acadêmica e de Relações Internacionais: Luciane Miranda de Paula
Vice-Reitor de Gestão e Desenvolvimento: Marcio Luiz Miranda de Paula
PESQUISA EM DEBATERevista eletrônica do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação
Diretora da Revista: Prof.ª Dr.ª Anna Barros
Comissão editorial:
Carlos Felipe Moisés, Laima Mesgravis, Reynaldo Damazio, Rosemari Fagá Viegas
Conselho consultivo:
Alzira Lobo de Arruda Campos, Ana Mae Barbosa (USP), Carlos Elias Kater, Cidmar Theodoro Pais (USP),
Cléa Lebjman, Dilma de Melo e Silva (USP), Eduardo de Camargo Oliva, Fernando Cilento Fittipaldi (SMA –
Instituto Geológico), Gilbertto Prado (USP), Gilda Figueiredo Portugal Gouvêa (Unicamp – Fecap), Hélio de
Souza Santos, João Alexandre Barbosa (USP), João Batista Brito (UFPB), Joaquim Antônio Severino (FEA –
USP), José Americo Martelli Tristão, Laima Mesgravis, Leda Tenório da Motta (PUC-SP), Leonel Mazzali,
Liana Maria Sabino Trindade, Lincoln Etchebèré Junior, Lúcia Santaella (PUC-SP), Luiz Fernando Santoro
(USM), Marcos Antonio Lorieri (PUC- SP), Maria Esther Maciel (UFMG), Marília Gomes Ghizzi Godoy (USM),
Milton Sogabe (Unesp), Paulo Sérgio Marchelli (USM), Regina Silveira (USP), Sandra Farto Truffem (USM),
Saulo César da Silva (Centro Universitário Álvares Penteado), Senira Annie Ferraz Fernandes (USM)
Site: www.smarcos.br
Presidente: Luciane Miranda de Paula
Editor: Reynaldo Damazio
Imagem da Capa: © Anna Barros
Capa: Ricardo Botelho
Diagramação: Regina Kashihara
Conselho Editorial:
Álvaro Cardoso Gomes, Carlos Felipe Moisés, Fabio Magalhães, Fernando Novais,
Ismail Xavier, Manuel da Costa Pinto, Marcelo Perine, Myriam Augusto da Silva Vilarinho,
Paulo Roberto de Almeida, Sergio Paulo Rouanet
End.: Rua Clóvis Bueno de Azevedo, 176 • Ipiranga • 04266-040 • São Paulo • SP
Tel.: (11) 3491-0500 ramal 5524 • Fax: ramal 5504
e-mail: [email protected] • Site: www.marcoeditora.com.br
© Marco Editora 2007
ISSN 1808-978X
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 •p. 5Universidade São Marcos
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Sumário
APRESENTAÇÃO / PRESENTATION
Anna Barros • 9
ARTIGOS
Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicas e pontuais
a ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel • 11
A criação da Escola Politécnica de São Paulo
Nicolai Filimonoff • 18
O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismos
Helânia Thomazine Porto Veronez • 26
Uma visão contemporânea do balé clássico
Aline dos Santos Lopes / Anna Barros • 35
Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino Médio
Helena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos • 40
A imagem simbólica na dança
Aline dos Santos Lopes / Anna Barros • 49
DOSSIER – IV FÓRUM DE DEBATES
PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES NAS ARTES E NAS HUMANIDADES
Arte e imagem e o uso político do passado
Alfredo César da Veiga • 57
Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TV
Elisa da Silva Gomes • 63
O cotidiano urbano delineado pela presença do protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis • 76
A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrino no espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi • 86
O tempo, a vida, o poema em Mario Quintana
Marco Antonio Queiroz Silva • 93
O Museu Paulista e a formação de um espaço de modernidade no bairro do Ipiranga
Marilia G. Ghizzi Godoy / Lincoln Etchebéhère Junior • 98
Análise ambiental prospectiva
Paulo Henrique Simão Moura • 108
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 6Universidade São Marcos
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História oral brasileira e jornalismo de grande extensão: esboço para um diálogo
Ricardo Santhiago • 115
Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obras
Tatiana Giovannone Travisani • 115
Uma leitura fenomenológica da ludicidade em Portinari
Wagner Leite Viana • 122
Relações estético-estruturais entre música e arquitetura: alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha • 129
NORMAS EDITORIAIS • 140
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 7Universidade São Marcos
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It may not be true, 2005-2006 (still de animação computadorizada com saída em papel fotográfico) de Anna Barros.Galeria da Call, UnB, Brasília, 2005 e Centro Cultural São Paulo, 2006.
© A
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Voltar � 9 � Sumário PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • Universidade São MarcosApresentação • p. 9
Apresentação / Presentation
Tradição é memória que se tornou,
historicamente, consciente de si mesma.
Pierre Nora
Uma revista acadêmica provém da necessidade de comunicação entre os membros de uma
instituição e da necessidade de divulgar à comunidade um conhecimento especializado dos autores
que, um dia, tornar-se-ão distintos nesse meio social. Reflete a dedicação dos professores que os
orientam, na tarefa, nem sempre fácil, de converter informações em conhecimento, o que se torna
ainda mais dramático em um mestrado interdisciplinar, uma nova forma de modalidade universitária,
que demanda uma compreensão de interesses comuns e de sua importância em uma sociedade
globalizada.Esta publicação foi por mim iniciada em reuniões com estudantes do programa,
confrontados entre a premência da divulgação de suas pesquisas e a ausência de publicações
especializadas, que recebessem textos de mestrandos.
Em seu terceiro ano, Pesquisa em Debate, além de artigos, abre espaço a textos selecionados,
do IV Forum de Debates – Perspectivas Interdisciplinares nas Artes e nas Humanidades, realização
conjunta da Universidade São Marcos e da Universidade Estadual Paulista – Unesp. O fato das duas
universidades estarem localizadas no Ipiranga, reforça a importância do local, com suas particularidades,
em uma sociedade ávida de se tornar global e sem especificidades inerentes à sua individualidade.
Ao mesmo tempo situa essa localização em um âmbito mais largo, incluindo informações referentes
ao espaço considerado como global.
Profa. Dra. Anna Barros
Diretora da Revista
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PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 11-17Universidade São Marcos
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Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicase pontuais a ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel
Educação ambiental:o desafio de integrar atividades específicas e pontuais
a ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro*
Jomar Barros Filho*
Solange da Penha Boldrini Tinel**
Resumo
Diante do quadro de agravamento das questões ambientais globais, é natural que educadores busquem
impregnar seus programas específicos associados à Educação Ambiental com ações que ajudem a
evidenciar a insustentabilidade das sociedades contemporâneas. É natural também que se inquietem
diante da possibilidade de que esses projetos específicos se esgotem no pontualismo e não contribuam
com leituras críticas capazes de revelar toda a extensão da crise ambiental. Neste trabalho, procuramos
refletir sobre esses aspectos que envolvem a prática da Educação Ambiental, bem como sobre o desafio
da busca de mecanismos que permitam a integração de ações específicas em torno de propostas ou
programas mais abrangentes.
Palavras-chave: Educação Ambiental; desenvolvimento sustentável.
Abstract
Due to the growing and rising questions about global environment, teachers seek to fill their pedagogical
plans relating to Environmental Education by practising those activities that help to make clear the lack
of self-sustaining of our contemporaneous societies. Teachers are also constantly fear of the occurrence
of a possible emptiness of their specific and distinct projects, because some of these works may not be
received and understood by society as critical positions on all the environmental real crisis. In this work
we intended to ponder on those aspects involving the practice of Environmental Education as well as the
challenge of searching new ways that allow the integration of both proposals and programs to specific
educative activities.
Key-words: Environmental Education; sustainable development.
* Professores do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da
Universidade São Marcos.** Mestranda do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 11-17Universidade São Marcos
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Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicas e pontuaisa ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel
Refletir sobre o fazer em Educação Ambiental, modalidade educativa à qual se atribuem
características como a interdisciplinaridade, o enfoque holístico, a sustentabilidade ambiental, a leitura
crítica das causas dos problemas ambientais, a construção de valores sociais, entre outras (BRASIL1),
por vezes pode aprofundar dúvidas e incertezas em vez de trazer certezas. É o que vivenciou, por
exemplo, o professor que resolveu desenvolver um trabalho educacional envolvendo seus alunos e
moradores do entorno de um manancial no qual a quantidade de garrafas plásticas que boiavam em
suas águas chamava a atenção. Centrado na questão do lixo, o trabalho adotado acabou comportando
ações concretas, como o recolhimento de garrafas plásticas para confecção de artesanatos e também
para revenda a empresas de reciclagem.
Diante de um problema concreto, detectado na realidade em que se atua, na ânsia de atacá-lo
de forma concreta, é natural que se busquem programas educativos compostos por ações diretamente
voltadas para minimizá-lo, fato que, como assinala Cascino2, pode induzir a práticas que, por vezes,
atropelam a reflexão sobre conceitos, objetivos e até mesmo sobre metodologias.
Preocupado com esse aspecto, o professor em questão se viu motivado a procurar subsídios
que pudessem acrescentar reflexões ao seu fazer e que pudessem auxiliá-lo no processo de avaliação
e reavaliação de seu trabalho. Isso o levou a se deparar com diferentes linhas ou correntes de
pensamentos que refletem sobre a problemática ambiental e, de imediato, chamaram-lhe a atenção
posicionamentos como os dos ecologistas, para quem as questões ambientais só poderão ser
adequadamente equacionadas com mudanças profundas nas bases da sociedade contemporânea.
Para os ecologistas, “[...] a atual crise ecológica não se deve a ‘defeitos’ setoriais e ocasionais no
sistema dominante, mas é conseqüência direta de um modelo de civilização insustentável do ponto
de vista ecológico” (Lago e Pádua).3
Diante disso, logo se inquietou sobre a validade de seu projeto educativo, o qual, ao invés de
ajudar a evidenciar as contradições de uma sociedade de consumo, voraz por matéria natural e
ávida por energia, poderia estar, implicitamente, mascarando essa realidade. O reaproveitamento e a
reciclagem de um descarte específico, considerou ele, poderia induzir à lógica de que não é preciso
mudar muita coisa, mas que ajustes e mudanças não muito profundas nos modelos de desenvolvimento
seriam suficientes. Ou seja: havia uma mensagem, implícita, de que o modelo e o próprio consumo
não são um problema, desde que iniciativas como reaproveitamento dos rejeitos, a reciclagem e
outras adequações sejam incorporadas a contento.
1 BRASIL. Lei 9.795, de 27 abr. 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de
Educação Ambiental (...).2 CASCINO, Fabio. Educação Ambiental: princípios, história, formação de professores. 2. ed. São Paulo:
SENAC, 2000.3 LAGO, A.; PÁDUA, J. A. O que é ecologia. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 11-17Universidade São Marcos
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Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicase pontuais a ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel
Nessa inquietação, acreditando que as suas ações eram meramente remediadoras e que não
contribuíam para evidenciar a insustentabilidade ambiental das sociedades contemporâneas, pautadas
no consumismo exacerbado, resolveu abandonar o programa enquanto procurava aprofundar sua
reflexão sobre a legitimidade dessa modalidade de prática educativa.
Nas sociedades contemporâneas, as quais, como lembra Pietrocolla4, podem ser consideradas
“con-sagrada” ao consumo, os negócios e as atividades são concebidos a partir das potencialidades
econômicas e avaliadas segundo as expectativas de lucros de quem as move ou as desenvolve. E
não é o quanto basta que contenta um empreendedor, mas o quanto pode obter naquele ramo ou
atividade. Quanto mais conseguir produzir, vender, tanto melhor. Quanto mais for consumido,
comprado, melhor para quem produz, para quem vende e melhor para a economia. É preciso haver
consumo crescente, é preciso que se compre, mesmo que não se necessite de nada, pois os
empregos, os impostos, a circulação de dinheiro, a geração de renda, enfim, o próprio funcionamento
da sociedade, basicamente depende disso.
Nessa lógica, mesmo que seja possível criar um equipamento, como os de uso doméstico, que
funcione por longo tempo, isso não é conveniente. Quem produz pode ficar sujeito a fluxos
descontínuos de vendas e de ganhos. O ideal passa a ser um produto que não dure tanto quanto
poderia durar, mas que não deixe o consumidor desconfiado ou descontente, o que o faz estar
sempre repondo seus equipamentos. Mas há estratégias melhores para manter o fluxo de troca de
equipamentos já adquiridos. Basta criar novidades e sugerir, através de sofisticadas estratégias de
propagandas, que eles representam o novo, o moderno, a moda e que quem não os tem está
ultrapassado, desatualizado, fora de moda.
Isso funciona muito bem não só para forçar constante troca de equipamentos como também
para criar novas necessidades associadas sempre a novos produtos e novidades a serem consumidos.
Da década de 1980 para cá, entraram no rol dos equipamentos domésticos e de uso pessoal o vídeo
cassete, com toda produção generalizada de fitas (que agora jazem nos depósitos de lixo); o forno
de micro-ondas e parafernália inerente; os microcomputadores e periféricos associados; os telefones
celulares cujos modelos mudam a espantosa velocidade; e tantos outros novos produtos.
Assim se realimenta a disposição para consumir e fazer funcionar o sistema. O anseio crescente
de se colecionar cada vez mais os bens adquiridos ou de alguma forma comprados, se torna o
princípio motriz do modo de vida, impregnando a base da cultura contemporânea e seus valores
inerentes. A inserção nos elos sociais torna-se função direta da capacidade de adquirir e do conjunto
de bens já adquiridos, do patrimônio constituído. O que limita a ânsia de consumo não é sensação
4 PIETROCOLLA, Luci Gati. O que todo cidadão precisa saber sobre sociedade de consumo. São Paulo:
Global, 1986.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 11-17Universidade São Marcos
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Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicas e pontuaisa ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel
de que se tem o que se precisa para o momento, mas restrições decorrentes do poder aquisitivo, do
poder de compra, fato que sempre frustra as expectativas da maioria das pessoas. Então, não é
pecado grande lançar mão de qualquer expediente para superar essa frustração, vencendo a distância
entre o que se deseja e o que se consegue ou pode consumir.
Porém, do ponto de vista ambiental, é preciso lembrar que por trás de cada produto consumido,
de cada objeto adquirido, há uma rede complexa de intervenções no ambiente, que envolve o consumo
de matéria natural, o consumo de energia e a geração de sobras que precisam ser eliminadas.
A confecção, uso e descarte de um simples clipe de prender papel, por exemplo, traz consigo uma
seqüência de fases; essas nem sempre fáceis de serem mapeadas, mas que representam algum
nível de impacto ambiental. Desde a extração do metal básico empregado, até o descarte final do
clipe, após seu uso, há processos e fases que, direta e indiretamente, envolvem gasto de energia e
de matéria natural, além de representar algum nível de geração de resíduos. Como lembra Penna5,
“pouquíssimas pessoas dão-se conta do fluxo de materiais e energia, isto é, de que qualquer serviço
utilizado demanda a descoberta, extração e transformação de matérias-primas, incluindo-se nesse
processo o consumo de combustíveis fósseis ou de energia elétrica, a utilização de outras matérias-
primas e a geração de resíduos poluentes”.
É um bom exercício olhar para qualquer objeto que se possua ou que se use e tentar seguir a
intrincada rede de implicações que ele promove no meio, procurando identificar as mais diferentes
fases nas quais há consumo de energia, de matéria natural e eliminação de restos ou rejeitos. É uma
tarefa complexa, já que todo processo de produção exige a participação de inúmeros equipamentos
cuja fabricação também envolve diversas fases que comprometem direta e indiretamente o meio. Na
fabricação do clipe, por exemplo, é preciso considerar desde as luvas que o operário usa até as
grandes máquinas de metalurgia utilizadas no processo de fabricação desse objeto.
A partir dessa leitura sobre as redes de transformações e impactos ambientais ocasionados pelas
diferentes fases do ciclo de vida de um dado produto, rapidamente pode-se perceber que os impactos
transformadores são proporcionalmente maiores ou menores em relação à geração e consumo de
determinado produto. E rapidamente também se pode concluir que quem tem mais ou consome mais
patrocina mais impactos do que quem tem menos ou consome menos. Aquele que tem duas camisetas
provoca mais impactos do que aquele que tem apenas uma; quem trabalha de terno, mais do que o
que trabalha de bermuda e camiseta; quem mora em residência de 150 metros quadrados mais do que
o outro que mora em casa de 90; quem tem piscina própria mais do que quem usa as coletivas; quem
joga vídeo game mais do que aquele que joga bola no campinho do bairro.
5 PENNA, C. G. (1999). O estado do planeta: sociedade de consumo e degradação ambiental. Rio de Janeiro:
Record, 1999.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 11-17Universidade São Marcos
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Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicase pontuais a ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel
O princípio de que o consumo intensifica os impactos ambientais é bem conhecido e campanhas
educativas que se centram em alguma de suas dimensões já são desenvolvidas há tempos. Há
escolas, por exemplo, que organizam campanhas com seus alunos visando à racionalização do uso
de papel, já que ele é fabricado a partir de árvores. Embora estas sejam plantadas para o corte,
consumir menos papel significaria contribuir para que menos árvores fossem derrubadas, fato que
representaria típico exercício de “atitude ambiental responsável”.
Outras escolas, e também empresas, fazem campanhas para a substituição do emprego dos
copos descartáveis, para água e café, por xícaras e copos de uso permanente. Mas logo vem o
questionamento: como um programa desse tipo seria recebido por alunos de uma escola situada
nas proximidades de uma fábrica de copos descartáveis na qual seus pais eventualmente
trabalhassem? Provavelmente o desconforto provocado pelo temor de possíveis demissões de
funcionários, entre eles seus pais, os atingiria em cheio.
Dessa questão provocativa, vê-se logo surgir um impasse relacionado ao discurso da necessidade
de redução dos impactos ambientais através da redução do consumo. Na verdade, no modelo de
sociedade contemporânea que se globaliza, o consumo precisa crescer sempre, e crescer muito,
praticamente sem limites, para aumentar a produção, a geração de empregos e a geração de renda.
Quando se pensa na esmagadora maioria da população brasileira e mundial que vive distante
dos bens mais básicos que deseja consumir, e que tem direito a eles, percebe-se logo que o problema
é de grande monta. Há aqueles que fazem contas e mais contas para justificar que se o modo de
vida de um americano médio ou de um brasileiro de classe média fosse comungado por todos os
habitantes da Terra que desejassem tê-lo, precisaríamos de algo equivalente a dois ou três Planetas
para fornecer os chamados recursos naturais e para acondicionar as montanhas de lixo. Sobre esta
expectativa, Durning6 sentencia que “muito antes que todas as pessoas do mundo pudessem atingir
o sonho americano, contudo, o planeta viraria um depósito de lixo”. Nessa mesma linha de advertência,
Jostein Gaarder7 salienta que “se a cultura ocidental tivesse êxito em exportar sua ideologia consumista
para a África, Índia, China e Sudeste Asiático, por exemplo, a catástrofe global seria inevitável”.
Por sua vez, há o temor de que o modelo atual de consumo só se manterá com base na exclusão,
como adverte Altvater8, para quem “[...] as sociedades industriais só podem reivindicar para si as
benesses da afluência industrial enquanto o mundo ainda hoje não industrializado assim permanece”.
6 DURNING, A. Perguntando o quanto é suficiente. In: BROWN, L. R. Qualidade de vida 1991 – Salve o
planeta! São Paulo: Globo, 1991. p.205-223.7 GAARDER, Jostein. Uma ética ambiental para o futuro. Revista Eco 21, n. 98, jan. 2005.8 ALTVATER, E. (1995). O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo:
Unesp, 1995.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 11-17Universidade São Marcos
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Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicas e pontuaisa ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel
Tudo se agrava quando pensamos no contínuo crescimento populacional, que embora tenha
sua velocidade gradativamente reduzida, aponta para acréscimos significativos na população
mundial nas próximas décadas. No Brasil, por exemplo, anualmente há um acréscimo de, no mínimo,
dois milhões de novas pessoas, bem como há um contínuo aumento na expectativa de vida da
população (IBGE9).
Diante do quadro exposto, é natural esperar que educadores que se aprofundem na reflexão
sobre a problemática ambiental passem a buscar formas de impregnar seu programas educativos
com ações e procedimentos que ajudem a evidenciar a insustentabilidade das sociedades
contemporâneas. A exemplo do ocorrido com o professor citado no inicio deste trabalho, é natural
também esperar que esses educadores se inquietem diante da possibilidade de que projetos
específicos e locais se esgotem no pontualismo, não contribuindo para uma leitura crítica capaz de
revelar toda a extensão da crise ambiental e de suas causas.
A educação, de maneira geral, tende a ser vista como um complexo processo integrado por
diferentes ações nas dimensões formais, informais e não formais, às quais o sujeito está submetido
diuturnamente. Experiências geradas e vivenciadas em uma atividade educativa específica podem
facilmente se diluir ou se dissipar se processos capazes de gerar vínculos, continuidade e
aprofundamentos reflexivos não forem considerados e estabelecidos. É conveniente, portanto, encarar
programas e atividades específicas enquanto momentos em processos mais amplos aos quais
precisam estar interligados e integrados. Se concebermos a Educação Ambiental com aspecto de uma
frente que comporta diferentes linhas de ações concatenadas a partir de instâncias que disponibilizem
mecanismos integradores, o pontualismo de ações específicas e locais pode ser minimizado.
O desafio, portanto, passa a ser o de buscar instâncias ou mecanismos capazes de se constituir
em redes que permitam a integração e coesão das diferentes ações específicas em torno de propostas
ou programas mais abrangentes capazes de dar conta de diferentes dimensões associadas à aplicação
mais plena dos princípios relacionados à Educação Ambiental.
9 IBGE. Brasil já tem mais de 180 milhões de habitantes. Notícias, 30 ago 2004.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 11-17Universidade São Marcos
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Educação ambiental: o desafio de integrar atividades específicase pontuais a ações socioambientais mais abrangentes
João Luiz Pegoraro / Jomar Barros Filho / Solange da Penha Boldrini Tinel
Referências bibliográficas
ALTVATER, E. O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo:
Unesp, 1995.
BRASIL. Lei 9.795, de 27 abr. 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de
Educação Ambiental (...). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 02 nov. 2006.
CASCINO, F. Educação Ambiental: princípios, história, formação de professores. 2. ed. São Paulo:
SENAC, 2000.
DURNING, A. Perguntando o quanto é suficiente. In: BROWN, L. R. Qualidade de vida 1991 – Salve o
planeta! São Paulo: Globo, 1991. p.205-223.
GAARDER, J. Uma ética ambiental para o futuro. Revista Eco 21, n. 98, jan. 2005. Disponível em:
<http://www.ambientebrasil.com.br>. Acesso em: 07 jun. 2006.
IBGE. Brasil já tem mais de 180 milhões de habitantes. Notícias, 30 ago 2004. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br>. Acesso em: 02 nov. 2006.
LAGO, A.; PÁDUA, J. A. O que é ecologia. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
PENNA, C. G. (1999). O estado do planeta: sociedade de consumo e degradação ambiental. Rio de
Janeiro: Record, 1999.
PIETROCOLLA, L. G. O que todo cidadão precisa saber sobre sociedade de consumo. São Paulo:
Global, 1986.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 18-25Universidade São Marcos
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A criação da Escola Politécnica de São PauloNicolai Filimonoff
A criação da Escola Politécnica de São Paulo
Nicolai Filimonoff*
Resumo
No final do século XIX e início do XX, as novas condições econômicas e sociais implantadas no
Brasil (dentre as quais a abolição da escravatura, a proclamação da República e o desenvolvimento
da lavoura cafeeira) deram início a uma busca incessante pelo desenvolvimento e industrialização.
Nesse contexto, a criação de uma escola de engenharia que proporcionasse a solução dos problemas
técnicos que a cidade de São Paulo vinha sofrendo com sua expansão desenfreada, tornou-se uma
necessidade latente.
Palavras-chave: Escola de engenharia, Escola Politécnica, ensino, engenharia.
Abstract
In the end of the 19th century and beginning of the 20th, a new economic and social conditions introduced
in Brazil (among them the abolishment of slave trade, the proclamation of the Republic and the
development of coffee plantation) started a incessant search for development and industrialization. In
this connection, the creation from a school of engineering what provides the solution from the problems
technicians what the city he used to come suffering from with she sweats expansion reinless, turned
out a necessity hidden.
Key words: School of engineering, Polytechnic, school, engineering.
Introdução
O historiador Boris Fausto observou que “1850 não assinalou no Brasil apenas uma metade de
século. Foi o ano de várias medidas que tentavam mudar a fisionomia do país, encaminhando-o para
o que então se considerava modernidade” (FAUSTO, 2002, p. 112). Dentre as principais mudanças
sócio-econômicas ocorridas no Brasil a partir da segunda metade do XIX está o crescimento
econômico, sobretudo do centro-sul do país.
O Estado de São Paulo esteve à frente de um processo de desenvolvimento caracterizado pela
urbanização, o surto industrial e a imigração, derivados em grande parte do capital oriundo das
exportações de café. O café passara a ser o eixo da economia desde 1837, quando sua produção já
* Docente da Universidade São Marcos.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 18-25Universidade São Marcos
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A criação da Escola Politécnica de São PauloNicolai Filimonoff
ultrapassava as outras atividades agrícolas na região e até mesmo a cana-de-açúcar. Na década de
50, São Paulo já era o maior exportador brasileiro do produto. Os altos custos dos transportes, feitos
anteriormente em lombo de animais por estradas sem pavimentação, fizeram com que os cafeicultores
paulistas despertassem para a necessidade de construir estradas pavimentadas e mais seguras,
que garantissem o rápido escoamento do produto para os portos brasileiros.
Para concretizar uma certa “perspectiva desenvolvimentista”, São Paulo requeria pessoas
com formação superior em ciências exatas, que atendessem às necessidades locais, no setor de
transportes e na construção de túneis, pontes, navegação fluvial e toda sorte de construção civil.
No entanto, a despeito de todo desenvolvimento econômico que atingia São Paulo, havia
grandes lacunas no campo educacional, principalmente na área de ciências exatas: até então, o
ensino superior em São Paulo estava voltado exclusivamente para a formação de bacharéis em
Direito, na tradicional Academia do Largo São Francisco, aqui instalada em 1827. Os candidatos
à carreira de engenheiros tinham poucas alternativas, que incluíam a Politécnica do Rio de Janeiro
(fundada em 1910), a Escola de Minas de Ouro Preto (1875), ou os principais centros universitários
europeus. Decorria daí a necessidade de buscar engenheiros fora do Brasil para auxiliarem na
construção de estradas e ferrovias era comum, o que nem sempre se configurava em tarefa fácil
de ser realizada.
Não era possível para a elite progressista do final do século XIX, fortemente influenciada
pelas idéias positivistas e cientificistas européias, conceber um país sem conhecimento suficiente
para atender sua demanda interna: era preciso resolver esse problema em caráter de urgência.
Uma escola de engenharia que, através do conhecimento das ciências puras e aplicadas
proporcionasse a solução dos problemas técnicos que a cidade vinha sofrendo dada a sua
expansão desenfreada, passou a ser indispensável para irrigar esse “deserto tecnológico”. Esta
instituição seria responsável por uma valorização da formação teórica e prática dos responsáveis
pelo desenvolvimento da sociedade.
Uma nova era tecnológica
A palavra “politécnico” procede do termo francês politechnicien, que se refere ao depositário
dos conhecimentos técnico-científicos necessários à implantação da sociedade industrial. Esperava-
se de um politécnico a demonstração de capacidades pragmáticas e criativas, apoiadas sobre rígida
metodologia científica.
Assim, derivada de projetos anteriores que tramitaram no Congresso entre 1891 e 1893 (dentre
eles a Associação Protectora das Sciencias de São Paulo e a criação da Escola Polytechnica; a
Escola Superior de Agricultura e Engenharia e o Instituto Polytechnico de São Paulo que, embora
diferentes em suas configurações buscavam um mesmo objetivo), foi inaugurada, em 15 de fevereiro
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A criação da Escola Politécnica de São PauloNicolai Filimonoff
de 1894, pela lei nº. 191 de 24 de agosto de 1893, a Escola Polytechnica de São Paulo1. A eleição
do engenheiro ituano Antônio Francisco de Paula Souza como deputado estadual em São Paulo
foi fundamental na conclusão deste processo. Embora sua idéia de criar uma escola de caráter
profissionalizante tenha sido arduamente combatida por alguns membros da instrução pública da
câmara, que não acreditavam que o país estivesse maduro o suficiente para abarcar projeto tão
pretensioso, Paula Souza insistiu na proposta da interação entre teoria e prática (herança de sua
formação na Suíça, onde era enfatizado o ensino de ciências fundamentais e de ciências aplicadas
a partir de métodos experimentais) e, na fusão de duas leis, a que se referia à formação de
engenheiros práticos, construtores e condutores de máquinas, mestres de oficinas, diretores de
indústrias, e a que previa uma escola superior de matemáticas e ciências aplicadas às industrias,
encontrou o norte da “sua escola”.
O evento foi noticiado pelo O Diário Popular dessa maneira:
“Instala-se finalmente, graças à iniciativa propriamente estadual, uma escola superior de nível técnico,
que pode ter um brilhante futuro, proporcionando ainda mais facilmente conhecimentos da maior
utilidade pelo seu caráter prático e imprescindível. Uma Escola Politécnica, tal como está delineada
em São Paulo, há de ser um poderoso instituto em que se preparam as mentalidades para lançarem
as bases de ema rede de comunicações que, trazendo novos fatores do nosso Estado, conduza-o
e mais rapidamente ao caminho progressivo tão orgulhosamente trilhado aqui” (HUBER e SOUZA,
1993, p. 36).
Os ideais de “progresso e modernização” foram associados à criação da Escola Polytechnica de
São Paulo, assim como à vitória dos ideário do novo regime político. Dr. Cesário Motta Jr., discursando
na cerimônia de abertura da Escola, salientou como a instituição contribuiria com esses ideais:
“Possuímos o mais gigantesco sistema fluvial e quase não temos navegação interior; temos lavoura
e falta-nos o braço; temos a matéria-prima e não temos a fábrica; temos a mina e não a possuímos
o mineiro (...). Tudo isso convida, senhores, a nos emparelharmos para essa luta, que nos dará o
domínio de tantas forças perdidas, de tantas riquezas abandonadas e de tantos produtos naturais
que o trabalho ainda não valorizou. E foi para isso que se criou a Escola Polytechnica de São
Paulo” (HUBER e SOUZA, 1993, p. 36).
1 Convém lembrar que em 1835, a Assembléia Legislativa da Província de São Paulo criara um curso especial
de “engenheiros de estrada”, denominado “Gabinete Topográfico”. Apesar de ter tido uma curta duração,
pontuada de dificuldades, tanto financeiras como de falta de profissionais, o Gabinete é considerado como
uma das instituições que posteriormente deram origem à Escola Politécnica. Sobre o assunto, ver
FILIMONOFF, Nicolai. Gabinete Topográfico: Precursor no ensino da engenharia em São Paulo. In: Pesquisa
em Debate. Revista Eletrônica do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da
Universidade São Marcos. São Paulo: Unimarco, ano II, número 3, julho a dezembro de 2005, p. 48-55.
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A criação da Escola Politécnica de São PauloNicolai Filimonoff
É preciso destacar que desde as suas origens, a Escola Polytechnica foi uma instituição voltada
para o projeto de industrialização paulista e brasileiro. Seu compromisso era “promover a divulgação
dos conhecimentos úteis ao progresso e engrandecimento de nossa Pátria”. Maria Cecília Loschiavo
dos Santos considera que:
“Catalisadora de todas as exigências e necessidades de desenvolvimento e progresso, a Politécnica
não foi apenas uma escola de engenharia, pois, ao lado da formação científica dos engenheiros,
ela formou mão de obra técnica e desenvolveu cursos de ciências matemáticas e naturais, exercendo
importante papel no desenvolvimento desses outros setores da ciência, principalmente através da
contratação, para integrar o seu corpo docente, de vários cientistas estrangeiros de renome, que
aqui fizeram escola” (1985 p. 12).
O funcionamento e a organização da Escola
A Esscola Politécnica de São Paulo começou a funcionar no antigo solar do Marquês de Três Rios,
no Bairro da Luz, sob a direção de Antônio Francisco de Paula Souza. A Escola reunia os seguintes
cursos superiores: engenharia civil, com cinco anos de duração; engenharia industrial, com cinco anos
de duração; engenharia agrícola, com três anos de duração e artes mecânicas, um curso anexo que
demandava três anos de estudo. O primeiro currículo do curso de engenharia civil incluía disciplinas
como geometria descritiva e suas aplicações à teoria de sombras e mecânica à vapor.
Para a instalação da escola recém - fundada foram contratados inicialmente dez funcionários,
entre porteiros, contínuos, um secretário encarregado de serviços burocráticos e um bibliotecário. O
corpo docente incluía 22 lentes catedráticos, oito substitutos e quatro professores. Para o ensino prático
nas oficinas, foram contratados mestres e ajudantes, brasileiros advindos das poucas escolas de
engenharia do país, e estrangeiros. A dotação orçamentária para a instalação dos dois primeiros anos
do curso de engenharia civil e artes mecânicas foi de 220:000$000 (duzentos e vinte mil réis), e deveria
incluir os salários de dez funcionários, dentre eles os porteiros e contínuos de bedel.
Para poderem se matricular nos cursos, os candidatos a “futuros politécnicos” precisavam ser
aprovados em português, francês, latim, geografia e história do Brasil, matemática e desenho
geométrico, entre outras disciplinas. No seu primeiro ano de funcionamento, trinta e um alunos
regulares e vinte e oito ouvintes se matricularam nos quatro cursos oferecidos.
O aluno que completasse os estudos e fosse classificado como o melhor dentre os outros teria
o direito de viajar à Europa ou aos Estados Unidos para aumentar os seus conhecimentos, ou poderia
optar por uma colocação nas repartições do Estado.
Esse estímulo dado aos alunos reflete a preocupação da Escola em manter um alto nível de
ensino, assim como a importância de se ter pessoas qualificadas na área tecnológica. O símbolo
dessa tecnologia era então representado pela deusa Minerva, a Athena grega.
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A criação da Escola Politécnica de São PauloNicolai Filimonoff
Referências bibliográficas
Annuario da Escola Polytechnica de São Paulo para o anno de 1900. 1º ano. São Paulo: Typographia do
Diário Oficial, 1900.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
HUBER, Gilberto e SOUZA, Ferdinando Bastos de (Org.). Escola Politécnica: cem anos de tecnologia
brasileira. São Paulo: Expressão e Cultura, 1993. p. 36.
SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. Escola Politécnica (1894-1984). São Paulo: Edusp, 1985.
Os estudantes da Escola Politécnica de São Paulo participaram intensamente das obras
ferroviárias e rodoviárias paulistas, fornecendo tecnologia no que se referia ao aperfeiçoamento das
estradas de ferro (como a Paulista, por exemplo), devido à visão experimental e de cunho prático
que era adquirida nos cursos. O campo da indústria da construção civil foi o que mais prosperou sob
a influência do ensino politécnico, e as primeiras atividades no setor da tecnologia mecânica tiveram
início com a fundação da Escola. O próprio Paula Souza e seu assistente Victor da Silva Freire
cuidaram da disciplina Tecnologia do Construtor Mecânico, ministrada na Oficina Mecânica. Em 1902,
foi instalada uma fundição de ferro, anexa à Oficina Mecânica, para fins didáticos.
A Escola Politécnica e a cidade de São Paulo
A criação da Escola Politécnica resultou das próprias necessidades da cidade, que ia deixando
paulatinamente o seu ar provinciano para incorporar-se à condição de metrópole. O desenvolvimento
tecnológico para poder satisfazer essas novas necessidades era, portanto, urgente. O progresso
notava-se por toda parte, graças ao café, que trouxe o fomento da imigração e das ferrovias.
Neste sentido, os engenheiros formados pela Politécnica contribuíram muito para a transformação
da cidade, buscando soluções para os problemas que todo grande centro urbano possui (abastecimento
de água, rede de esgotos, coleta de lixo, calçamento das vias públicas, etc), investindo em novas
pesquisas e aperfeiçoando as obras ferroviárias e rodoviárias: sua vinculação aos problemas urbanos
da cidade de São Paulo, fosse nos transportes, na eletrificação, na construção civil, no saneamento
básico, na malha viária, nas telecomunicações ou em outras áreas, sempre esteve presente a
contribuição da capacidade inventiva dos politécnicos paulistas. Embora a aplicação dos
conhecimentos científicos das salas de aula, manuais e laboratórios na indústria não tenha sido
imediato, dada a inexistência de uma demanda prévia na indústria paulista ou brasileira, podemos
até arriscar que, a partir do advento da Escola Politécnica de São Paulo, a cidade passou a viver
uma “nova era tecnológica”, crescendo e modernizando-se e, assim, configurando um
desenvolvimento conjunto.
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A criação da Escola Politécnica de São PauloNicolai Filimonoff
Governo Provisório de São Paulo, presidido por Prudente de Moraes, com a participação de Paula Souza (1889/1890)
O Solar do Marquês de Três Rios ocupava o nº 1 da Av. Tiradentes e foi adquirido em 1893,para abrigar a Escola Politécnica
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismos
Helânia Thomazine Porto Veronez*
Resumo
Este artigo trata de uma das expressões artístico-cultural das comunidades Pataxó de Cumuruxatiba
(Ba) – o artesanato, especificamente a preservação do artesanato como uma das formas de resistência
da identidade étnica, elo de antigas representações e reconhecimento coletivo ao esforço de cada sujeito
em dar forma e sentido aos seus trabalhos artísticos.
Palavras-chave: Índios Pataxó; artesanato;cultura indígena.
Abstract
This article is about one of the artistical and cultural expressions from Pataxó of Cumuruxatiba (Bahia)
communities – workmanship, specifically preservation of workmanship as one of the ways of resistence
of ethical identity, link of ancient representation and collective recognition for the effort of everybody in
givirg shape and sense to his artistical works.
Key words: Pataxó Indians; workmanship; indigenous Culture.
Eu faço todos os tipos de artesanato,
faço brincos de coquinho de tucum,
faço brincos de pena de papagaio e de periquito.
Com as madeiras e sementinhas de mata -pasto, posso tentar mauí
e com dentes de caititu, sarigue, paca, macaco e outras caças.
Eu gosto muito de fazer artesanato,
porque é a minha arte e faz parte da minha cultura.
Aqui na aldeia é assim, todos fazem o artesanato.
Angthichay Pataxó
O depoimento da jovem Pataxó indica a identificação do povo Pataxó com uma de suas expressões
artísticas – o artesanato. Nas comunidades Pataxó da Bahia, o artesanato é uma linguagem, um veículo
de comunicação, assim como as danças e as músicas que eles vivenciam representam elos de
atualização de antigas representações e o fortalecimento da identidade cultural desses grupos.
* Especialista em Lingüística Aplicada e Psicopedagogia. Tem formação em Arte-Terapia e Psicanálise e mestrado
em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos. Professora da Universidade do
Estado da Bahia – UNEB e Membro do Grupo de Pesquisa Estudos Indígenas da UNEB/PPG/PROEX.
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
1. Apresentando os Pataxó do extremo sul baiano
As atuais comunidades Pataxó do extremo sul da Bahia estão distribuídas entre os municípios
do Prado e Santa Cruz de Cabrália. Esta região compreende: os municípios: Porto Seguro, Itamaraju,
Itabela e Prado e a vila de Cumuruxatiba; além do Parque Nacional de Monte Pascoal, a região do
Parque Nacional do Descobrimento.
Nessas regiões, consideradas áreas de preservação e portais turísticos da Bahia, estão instaladas
vinte aldeias Pataxó. A soma dos grupos aldeados que ocupam a área do extremo sul somam
aproximadamente 10.000 indivíduos.
Quanto à história dos Pataxó do extremo sul, pode ser sintetizada em três momentos que se
interpenetram: um primeiro, em que bandos autônomos percorriam as florestas do sul e extremo sul
baiano até final do século XVII, os conflitos com os colonos na região – reação às frentes de ocupação,
o contato gradativo com a sociedade envolvente, até o aldeamento compulsório do grupo Pataxó
pacificados na aldeia Barra Velha, em 1861; um segundo momento, o da integração dos índios aldeados,
as relações interétnicas entre Pataxó e demais etnias indígenas: Tupiniquin, Maxakali, Kamakãn, o
desenvolvimento da aldeia, o fogo de 51, até a desagregação do grupo; e um terceiro, a adaptação dos
núcleos familiares na região de Cumuruxatiba, a integração desse grupo à sociedade envolvente, o
impacto do turismo (década de 1970) e a especialização do artesanato, e os atuais movimentos
reivindicatórios e mobilizações em prol da reconstrução do território e da identidade cultural.
Hoje os grupos de Cumuruxatiba se identificam como povos Pataxó partindo de forma organizada
em busca dos seus semelhantes (designados por eles de parentes, independentemente da etnia);
destacam a importância de sua cultura e organização sociopolítica, mediante a afirmação de suas
identidades e dos seus direitos históricos, e por meio de mobilizações e ações coletivas essas
comunidades vão se apropriando de áreas próximas das regiões que pertenceram aos seus ancestrais,
instituídas recentemente por áreas de reserva ecológica. Eles justificam essas ações como a única
maneira de assegurar para as gerações futuras a garantia do acesso à terra e de seus bens naturais,
assim também a melhoria das condições de vida, aliada à necessidade da compensação das perdas
históricas, sociais e culturais a que foram submetidos.
2. A produção do artesanato – Ontem e hoje
A produção do artesanato para as comunidades Pataxó do extremo sul da Bahia até a década
de 1950 era considerada uma atividade secundária exercida em momentos não dedicados às
atividades consideradas mais importantes como a agricultura, a pesca e a caça.
Em virtude da saga de 1951, que teve como conseqüências a ausência de território para o
desenvolvimento das atividades agrícolas e a escassez de animais para a caça e a pesca, e mais
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
tarde, a partir de 1970, o desenvolvimento turístico na região litorânea do extremo sul baiano, os
Pataxó passaram a ver o artesanato como um dos principais meios de captação de recursos para as
aldeias ressurgidas. Isto porque não se abriu para esse grupo, ao longo desses vinte anos, outra
opção que não a de marginais rurais e/ou urbanos.
Assim também os Pataxó que se encontravam no povoado de Cumuruxatiba já buscavam também
no artesanato uma forma de captação de recursos.
Os trabalhos manuais dos Pataxó diante do contato ininterrupto com não-índios, a partir da
década de 1950 passaram a ser modificados em função dos possíveis consumidores, turistas e
moradores da própria região, que encomendavam artefatos, como cortinas de bambu e sementes,
cestos e abajures. De certa forma a procura pelos artefatos – mormente as cortinas de sementes,
contas e conchinhas – possibilitou que esses produtos não deixassem de ser produzidos por eles.
Mesmo que essas produções artísticas continuem ameaçadas pela presença dos industrializados,
ainda permanecem vivos no cotidiano dessas comunidades.
A comercialização dos trabalhos manuais (pequenos cestos, colares, brinquedos, travesseiros
de macela, arcos e flechas, maracás, entre outros) além de possibilitar aos Pataxó a subsistência de
algumas famílias, permite o compartilhar com os não-índios os seus trabalhos manuais e o
fortalecimento de uma imagem de que os índios Pataxó estão presentes geográfica e historicamente
na região, pois a compra de uma lembrança por um turista ou por moradores da região é a prova real
de que alguém o fez, e, portanto, existe.
A produção de artesanatos para venda é predominante entre os Pataxó de Cumuruxatiba, sendo
estes produtos confeccionados em maior intensidade pelos grupos das aldeias Tibá e Cahí, uma vez
que nessas aldeias há a presença das índias Pataxós Zabelê e Jovita, que sempre se dedicaram à
confecção de artesanato e à transmissão de seus saberes a filhos, sobrinhos e netos. São as mais
velhas artesãs que dividem esse patrimônio simbólico aos seus descendentes. Mas isto não que
dizer que em cada aldeia não haja famílias que também produzem artesanatos, especificamente
adornos: colares, brincos e armas, como arco e flecha, tacape e bordunas.
Apesar de o artesanato ser uma atividade desempenhada pela maioria, há em cada aldeia famílias
consideradas como de melhores artesãos, pois criam designs diferentes com as matérias-primas:
sementes, penas de aves domésticas, madeiras.
Os artesãos Pataxó vendem seus produtos nas aldeias ou nas casas da vila de Cumuruxatiba.
As casas da vila pertencentes às lideranças se institucionalizaram como locais de venda. Comumente,
nas aldeias e nas residências da vila os produtos ficam expostos em varais de madeira pendurados
nas paredes, à espera de visitantes e turistas sazonais interessados.
Não há a presença de intermediários na comercialização dos produtos. Os turistas que freqüentam
as praias de Cumuruxatiba no verão têm um papel decisivo no escoamento do artesanato. Mas os
principais compradores de objetos utilitários são os moradores locais e da região.
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
O resultado da venda do artesanato é para a aquisição de bens de consumo indispensáveis,
como alimentos, roupas e utensílios.
Zabelê, a matriarca da aldeia Tibá, relatou em um dos seus depoimentos, que na sua infância,
em Barra Velha, ao visitarem os parentes que viviam em Corumbal, os indígenas levavam presentes
como gamelas de madeira cheias de alimentos, frutas e tubérculos, e que em troca recebiam peixe
e caça. As trocas de presentes operavam o estabelecimento de uma reciprocidade equilibrada na
circulação de bens, a fim de se estreitarem os laços de solidariedade grupal.
Está implícito no discurso da artesã que o artesanato, apesar de ser um mecanismo ideológico
que reforça a etnicidade do grupo, hoje também tem a função de trazer dinheiro (kaiambá) para a
aldeia. As relações de dependência e aliança entre os grupos foram substituídas pelo comércio das
peças. Essa mudança no sistema econômico, na acepção da Pataxó Zabelê, foi um prejuízo para as
comunidades, que tiveram que aceitar essas mudanças ante as transformações que sofreram em
seus costumes.
As demais lideranças, caciques das aldeias, explicam que a finalidade da fabricação do artesanato
é considerada uma fonte de renda para as famílias: “O artesanato é para trazer recurso para a
aldeia, o Awê é uma tradição de nossa comunidade. Tudo é forte para nós, a dança, o artesanato.”
(Cacique Baiara, da aldeia Pequi, em 2006)
Percebeu-se, no período de convivência com as comunidades, de 2004 a 2006, que ao produzir
o material artístico há uma satisfação, um prazer em mostrar o trabalho final. Deixou de ser o
cumprimento de uma função simplesmente econômica, sendo também um instrumento de resgate
de suas raízes, o desenvolvimento de percepções, intuição, do sentimento e do pensamento criativo.
Sendo o artesanato o fazer artístico desses Pataxó.
Os que gostam e se dedicam ao artesanato são reconhecidos na comunidade e seu trabalho é
elogiado pelos demais. Os trabalhos são feitos com dedicação e zelo, desde a seleção do material
natural de boa qualidade até o acabamento.
Os jovens artesãos Pataxó do extremo sul criaram novos estilos de adornos, rompendo com a
tradição da confecção de algumas peças como colares e brincos, que eram feitos originalmente de
uma única maneira, quando a maior produção era a de colares de sementes de mata-pasto e tento.
Esse processo vem permitindo uma individualização na coletividade, pois cada peça traz as
marcas simbólicas de quem o fez, estabelecendo novas relações sociais no grupo, uma identidade
determinada pelo conhecimento do novo, pelos produtos reelaborados, mesmo que partindo da
memória dos ancestrais. O certo é que cada artesão imprime em sua arte a singularidade do seu
modo de ser. Assim, o desenvolvimento dos trabalhos manuais podem contribuir para canalizar a
criatividade de uma forma produtiva, colaborando com o desenvolvimento das potencialidades
expressivas desses indivíduos.
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
Esses novos artesãos produzem uma diversidade de peças, com diferentes formas e cores.
A cada adorno é dado um tratamento diferenciado em função das peculiaridades da matéria-
prima empregada, da técnica utilizada e das solicitações dos compradores.
Os mais velhos continuam a produzir seus trabalhos de acordo com seus conhecimentos
tradicionais, nomeadamente os trabalhos das artesãs Zabelê e Jovita, que preferem fabricar longos
colares de sementes e cortinas de conchinhas, sementes, bambu, predominando o estilo conservador.
Em um mesmo espaço geográfico – na aldeia, há o artesanato produzido pelos mais velhos,
como os colares longos feitos com sementes de tento e mata-pasto e o confeccionado pelos jovens:
gargantilhas, brincos, pulseiras com traçados, trabalhados com sementes diversas e de cores
variadas, às vezes com figuras geométricas, outros em forma de margaridas, teias, redes, e
gargantilhas em forma de arco simbolizando a união na aldeia. O que se observa é uma infinidade
de formas e cores compartilhados num mesmo território, sem que haja a valorização de um trabalho
em detrimento do outro. O que existe é o reconhecimento coletivo ao esforço de cada sujeito em dar
forma e sentido ao seu trabalho artístico-cultural.
3. A confecção dos artesanatos
Os artesanatos das comunidades pesquisadas – aldeias Tibá, Pequi, Cahí e Alegria Nova de
Cumuruxatiba se caracterizam por uma peculiaridade – adereços confeccionados com matéria-prima
de origem vegetal ou animal: sementes de juerana, flamboyant, falso pau-Brasil, pariri, mata-pasto,
olho-de-pombo, aleluia, tinguir, café-beirão, fava-de-cobra, milagre, salsa, sereia, tento, olho-de-
boi, tiririquim, mauir, pacari; dentes de vários animais e vértebras de peixes e cobras; penas de aves
silvestres e domésticas, sendo que estas são coloridas com anilinas, além da utilização da casca do
coco da palmeira naiá e do coco-bahia. Essa variedade de matérias-primas que ainda se encontra
nas regiões das matas atlântica favorece a possibilidade de criação das diferentes peças.
Na aldeia Pequi há detalhes no artesanato que marcam a identidade desse grupo, como a
presença da casca de coco seco nos trabalhos, material não utilizado pelos artesãos das aldeias
Cahí e Tibá, por uma questão de preferência uma vez que há coqueiros nas áreas costeiras próximas
dessas aldeias.
Ribeiro (1989, p.18) compreende a comercialização dos artesanatos como um sistema de
comunicação: de um lado tem-se o produtor da mensagem – o artesão que deseja ser notado usando
a arte como canal, e de outro, o consumidor – o que levará consigo a mensagem, representada
simbolicamente por uma peça adquirida, ali contido o saber daquela comunidade. Entre esses dois
interlocutores – o canal, isto é, as relações de trocas, e os códigos utilizados na comercialização –
vocábulos do dialeto Pataxó (o Patxohã) empregados em meio a frases em língua portuguesa e, por
fim, o objeto dessas relações – o artesanato.
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
Verifica-se que os artesanatos confeccionados por esses grupos, apresentados neste artigo
não se constituem de toda a riqueza cultural que ainda se faz presente nas relações cotidianas
desses Pataxó. Foi feito um recorte dos trabalhos artesanais que fazem parte do cotidiano dos Pataxó
de Cumuruxatiba considerados por eles como estratégias de resistência cultural e de construção da
alteridade, e também um canal de comunicação entre índios e não-índios.
Há a necessidade de se aprofundar nas relações místicas que esses trabalhos carregam, de
entrecruzar os saberes que circundam essa arte tão significativa para eles. Assim, pesquisas que
partem das contribuições da Antropologia, da Semiótica e da Psicanálise para o conhecimento dos
sistemas simbólicos na socialização da arte Pataxó poderão preencher a lacuna existente sobre o
estudo da arte indígena, fundamentalmente dos povos ressurgidos. Ribeiro, em seus estudos de
1978, já alertava para a importância de pesquisas dessa natureza:
O estudo dos objetos, das técnicas que os tornam possíveis e de seus significados é tema ligado às
esferas do econômico, do social e do simbólico nas sociedades indígenas. Os esquemas de
interpretação dessa problemática, na medida em que forem ampliados, reorganizados e discutidos
possibilitarão o desenvolvimento empírico e teórico de uma antropologia da arte, uma etno-estética
ou uma arte étnica dignas desse nome. (Op. cit., p. 25).
Desse modo, tais manifestações expressivas, como o artesanato Pataxó, não correm o risco de
serem desconhecidas, não apenas em seu aspecto artístico-cultural, mas numa abordagem mais
ampla em que possamos conhecer a estrutura social, a religião, as simbologias embutidas nos objetos,
as mensagens que cada peça porta e que só podem ser perquiridas e decodificadas partindo do
conhecimento da visão de mundo de cada artesão.
Em síntese, a arte estabelece um vínculo com a sociedade, transcendendo-a e influenciado-a,
exprimindo em cada artefato, adorno, um estilo artístico, uma linguagem visual, a essência de cada
artesão. Assim, nasce um novo jeito de se fabricar os adornos Pataxó, brotado da exclusão e do
desrespeito à cultura e à memória desses índios baianos ao longo da nossa história.
Referências bibliográficas
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
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PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 26-34Universidade São Marcos
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
Foto 1 – Cortina de bambu e sementes, fabricada por Zabelê.
Foto 2 – Trabalhos da artesã Jovita, expostos para venda em sua residência.
Foto 3 – Colares feitos por Zabelê, expostos em sua residência – aldeia Tibá
Imagens
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O artesanato Pataxó – tradições, significados e simbolismosHelânia Thomazine Porto Veronez
Foto 4 – Colares produzidos pelos jovens artesãos
Foto 5 – 1º:colar teia com flores; 2º: gargantilha teia e triângulo
Foto 6 – Brincos de sementes diversas
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Uma visão contemporânea do balé clássicoAline dos Santos Lopes / Anna Barros
Uma visão contemporânea do balé clássico
Aline dos Santos Lopes*
Profa. Dra. Anna Barros**
Resumo
O texto aborda considerações sobre o balé clássico baseando-se em idéias de Klauss Viana, bailarino,
coreógrafo e professor de dança brasileiro, contrapondo-as aos pensamentos de Isadora Duncan, uma
das iniciadoras da dança moderna, a qual criticava as técnicas clássicas. O balé clássico é uma linguagem
expressiva com importante significação cultural e, que por ser viva está sujeita a transformações.
A autora aponta algumas alternativas que podem facilitar o caminho para que o bailarino chegue a uma
maior expressividade por enfocar a importância da emoção no trabalho corporal. Esse fator é responsável
pela postura do bailarino.
Palavras-chave: balé clássico, dança moderna, Klauss Viana, Isadora Duncan, emoção corporal,
educação.
Abstract
This article discusses some ideas about classical ballet and modern dance through the point of view of
Klauss Viana and Isadora Duncan. Classical ballet is a live dance and subjected to transformations. The
author proposes some body technics that may help the dancer concentrate on emotion which can be
responsible for the corporal posture.
Key words: classical ballet, modern dance, Klauss Viana, Isadora Duncan, corporal emotion, education.
O balé nasceu na Renascença. Ainda é muito discutido o fato do balé ter sido criado na França
ou na Itália. Mas, certamente, foi Luís IX quem deu apoio oficial à nova arte, com a criação da
Academie Royale de la Musique.1
Desde então, o balé clássico teve uma evolução muito grande.
* Mestranda do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.** Professora do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da
Universidade São Marcos.1 FARO, Antonio José. Pequena história da dança. Rio de Janeiro: Zahar (1986)
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Uma visão contemporânea do balé clássicoAline dos Santos Lopes / Anna Barros
Na atualidade, Klauss Vianna, bailarino, coreógrafo e professor de dança, brasileiro, coloca o
balé clássico como uma linguagem viva, sujeita a transformações2, conceito que faz cair por terra a
convicção de alguns profissionais de dança moderna e contemporânea que acreditam ser o balé
clássico uma modalidade de dança antiga e ultrapassada. O autor também discute o fato de certas
formas serem utilizadas no balé clássico, sem que seja considerado o porquê de sua utilização, e de
que, no Brasil, o balé acadêmico seja tido como uma técnica antianatômica, afirmação da qual ele
discorda, dizendo que o balé clássico é o que de mais anatômico já foi criado na arte ocidental,
sendo a rotação da musculatura realizada no sentido máximo que ela pode atingir.3
A questão da forma e da anatomia corporal é muito importante no balé clàssico. “A vida
produz formas... Precisamos aprender a repensar a anatomia como mais do que um simples
materialismo estático, ilustração de mortos, abstração sobre a forma de fórmulas fisiológicas, idéias
a respeito da natureza em vez da natureza em si mesma” 4; podemos pensar a forma na dança
também como algo que se determina pelo funcionamento energético/orgânico e não só pela
mecânica do corpo.
A afirmação de Vianna de que os brasileiros acham a técnica clássica antianatômica, pode estar
relacionada com o fato de que o físico do brasileiro não é tão longilíneo quanto o do bailarino europeu;
mas mesmo sem este atributo físico, o bailarino brasileiro pode dançar de forma tão bela quanto os
bailarinos de outras nacionalidades. É apenas uma questão de saber se expressar bem pelo uso do
seu corpo, mesmo que este corpo não tenha movimentos mecânicos tão amplos. Acreditamos que
esta diferença possa ser compensada, trabalhando-se a energia e a projeção deste corpo no espaço,
bem como a personagem, no caso de balé com enredo. Vianna também cita o risco que a excessiva
preocupação com a técnica pode representar para o bailarino.5
Adiantamos que a técnica deva ser uma facilitadora da realização dos movimentos harmônicos
e expressivos, e não uma “camisa de força”, à qual nos mantenhamos presos, anulando-se a
expressividade do corpo.
“O desafio do artista é como manter um alto nível de execução sem perder o sentimento de
espontaneidade de suas ações, que confere vida e prazer ao que estiver fazendo”.6
O que procuramos é desenvolver um estudo sobre técnicas corporais que possam ser utilizadas
em conjunto com a técnica do balé e que possibilitem a junção do trabalho técnico e expressivo do
artista, de modo que um não aconteça em detrimento do outro.
2 VIANNA, Klauss. A dança. São Paulo: Siciliano, 1990,3 VIANNA, Opus cit.4 KELEMAN, Stanley. Anatomia emocional. São Paulo: Summus Editorial, 1992, p. 11 e 174.5 VIANNA, Opus cit.6 LOWEN, Alexander. Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982. p. 231.
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Uma visão contemporânea do balé clássicoAline dos Santos Lopes / Anna Barros
Vianna discorre sobre o trabalho dos cinco sentidos que Isadora Duncan realizava e sobre
musculatura da emoção, que não podemos ignorar, mas também critica Duncan por ter ignorado o
elemento técnico do bailado clássico, dizendo que “sua técnica improvisada e pobre não pode perdurar
como meio altamente elevado de expressão”.7
Isadora Duncan e sua crítica sobre o balé clássico
Paul Bourcier, declara que Isadora conhecia muito bem o balé clássico, tendo até uma foto de
Isadora de tutu (vestido de saias de tule curtas e armadas, que deixam as pernas das bailarinas a
mostra).8 Mas, conhecendo ou ignorando o balé, não se pode negar que Isadora não concordava com os
preceitos da dança acadêmica. Pelo menos, não dentro dos padrões em que o balé era então executado.
Isadora Duncan, bailarina moderna americana, conta que começou a estudar balé, mas não se
sentiu satisfeita com a técnica utilizada, denominando-a de ginástica rígida e vulgar. Mais tarde,
quando visitou a Escola Imperial do Ballet Russo, chamou-a de inimiga da natureza e da arte. Analisa
também o ensaio de Pavlova, bailarina russa, dizendo que ela parecia ter corpo de aço e que todo
esse treino aparentava ter por escopo separar completamente os movimentos do corpo dos da alma,
o que era oposto à sua teoria, na qual o corpo se torna transparente e não é mais do que o intérprete
da alma e do espírito.9
Estas características do balé clássico, expostas por Duncan, salientam a sobrecarga física e
emocional à qual um bailarino pode se submeter, a fim de realizar a movimentação imposta pela
linguagem. Mas, se ao contrário de Duncan, e concordando com Vianna acreditarmos que a técnica
clássica é uma linguagem significativa e viva (sujeita a transformações), podemos pesquisar algumas
alternativas que tornem o balé clássico mais orgânico e expressivo. Para tanto, podemos nos beneficiar
de técnicas e estudos corporais como a Anatomia Emocional de Stanley Keleman, a Bioenergética
de Alexander Lowen, a Eutonia de Gerda Alexander, Princípios do Movimento de Rudolf Laban e a
Técnica de Frederick Matthias Alexander, entre outras.
Contribuições que outras técnicas e estudos corporais podem
proporcionar à Dança Clássica
Nossa musculatura exerce papel essencial, não somente na dança, mas em todas as atividades
físicas. Assim: ”os músculos nos dão a sensação de contenção e controle, tanto no que se refere a
7 VIANNA. Opus cit., p. 56 e 71.8 BOUCIER, Paul. História da dança no ocidente. São Paulo: Summus, 1992.9 DUNCAN, Isadora. Minha vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
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Uma visão contemporânea do balé clássicoAline dos Santos Lopes / Anna Barros
nós quanto aos outros. Quando os músculos e seu bombeamento estão rígidos devido ao medo,
densos por desafio, inchados por falso orgulho ou em colapso por falta de suporte, nosso amor
próprio se debilita, nosso auto-domínio se enfraquece e nosso domínio do mundo é afetado”10.
A postura ereta é muito importante na dança clássica. A postura ereta é mais do que um ficar em
pé. É um evento emocional e sócia, é um impulso genético que requer uma rede social e interpessoal
para se realizar; é também aquilo que a natureza pretende atingir como desenvolvimento e expressão
da forma humana; sendo influenciada pela história pessoal e emocional. As experiências emocionais
da vida criam forma. A forma dá, às emoções, pensamentos e sentimentos, um escoadouro para a
sua expressão e satisfação, ou, inversamente, para sua inibição e dor. Com nossa forma, interagimos
com o mundo e criamos relacionamentos.
O funcionamento da postura ereta pode ser influenciado pelo que Keleman chama de
“agressão”, o que, pela perspectiva somática, abrange todos os eventos internos ou externos que
despertam o reflexo de susto. O reflexo de susto tem por objetivo lidar com emergências e pequenos
períodos de alarme.
O reflexo de susto consiste em uma série de respostas de alarme (seis estágios posturais) aos
quais Keleman denomina continuum. Este continuum é um estado temporário, o qual deve passar
assim que a ameaça desaparece. Mas isto nem sempre acontece, uma reação pode persistir ou
aumentar até que se torne parte contínua da estrutura. Essa continuidade da resposta temporária
chama-se estresse.
Num primeiro estágio, as agressões aumentam o estado de alerta, organizando a atenção e a prontidão
para a ação. Há um ligeiro aumento na produção de adrenalina. Esse estado não é necessariamente
negativo. Atores, locutores, atletas e estudantes utilizam este padrão básico. Esse estado é considerado
como desejável nas competições e realizações. Ele parece ser mais do que o estado normal, causando
alerta e uma correspondente excitação, embora sem o medo do combate. Estar alerta, mas não combativo,
é algo raro, porque a excitação mobiliza os músculos de ataque-fuga.11
Este primeiro estágio do reflexo de susto parece ser a postura físico-emocional ideal para a
aprendizagem e execução do balé clássico, coincidindo com o alinhamento corporal exigido do
bailarino; o problema é que esta postura é exigida de maneira mecânica, sem levar em consideração
a experiência emocional do bailarino. Talvez a técnica clássica seja considerada como difícil por
alguns, por exigir este padrão postural atento, mas não combativo.
“A dança se faz não apenas dançando, mas também pensando e sentindo: dançar é estar inteiro.”12
10 KELEMAN. Opus cit. p. 53.11 KELEMAN. Opus cit.12 VIANNA. Opus cit. p. 25.
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Uma visão contemporânea do balé clássicoAline dos Santos Lopes / Anna Barros
Quando o professor de balé tem conhecimento desta relação emocional e postural, ele pode
tentar gerar este estado de atenção e prontidão no aluno (primeira postura do continuum do reflexo
de susto de Keleman), cuidando para que o aluno não passe para as próximas etapas do continuum.
Um professor que ameaça pode fazer com que o aluno sinta medo, e que, embora mecanicamente
ele entenda a postura correta do exercício, seu lado emocional possa querer defender seu corpo de
uma suposta ameaça, criando-se um conflito entre a postura ideal e a postura que sua emoção lhe
impõe. Quando temos conhecimentos das mudanças que os sentimentos podem determinar nas
posturas corporais este conflito pode ser evitado, criando-se uma maior possibilidade de
desenvolvimento na área da dança.
A partir desta conclusão podemos perceber a importância do olhar global que o professor deve
ter com relação a seu aluno, procurando observar suas reações físicas e emocionais, que poderão
ser distintas, e, procurando, também abordá-lo de forma a beneficiar seu desenvolvimento dentro da
proposta de ensino.
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DUNCAN, Isadora. Minha vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
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VIANNA, Klauss. A dança. São Paulo: Siciliano, 1990.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino Médio
Profª Drª Helena Rosa Vieira Lima*
Profa. Regina Ap. Martinez dos Santos**
Resumo
O objetivo deste artigo é discutir práticas diversificadas para a formação do leitor do ensino médio.
A hipótese que tentamos postular é da utilização do método interdisciplinar como forma de integrar e
privilegiar as habilidades e competências do estudante, além de motivá-lo na produção e leitura de
gêneros textuais diversos.
Palavras-chave: educação, ensino médio, literatura, interdisciplinar, protagonismo juvenil.
Abstract
The purpose of this article is to discuss a number of diversified practices to the formation of the high
school reader.
The hypothesis tried to be postulate is the utilization of the interdisciplinary method as a way to integrate
and to privilege the skills and competences of the student, as well as motivate him in the production and
reading of different textuals kinds.
Keys words: education, high school, literature, interdisciplinary, youthful protagonism
Presencia-se no século XXI uma produção de conhecimentos inigualável, surgem novas formas
de organização do trabalho e a necessidade de constituir competências básicas para uma adequada
inserção no mercado de trabalho.
A sociedade de informação acelera a velocidade do progresso científico e tecnológico. O conhecimento
torna-se rapidamente superado, exigindo permanente atualização em todas as áreas profissionais.
Num mundo em constante mudança, a criatividade e a imaginação devem ser valorizadas
como formas de promover talentos e fortalecer a liberdade do pensamento, respeitando-se a
diversidade cultural.
* Doutor /Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Docente do Programa de Mestrado em Educação,
Administração e Comunicação da Universidade São Marcos.
** Professora concursada de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo e da
Rede Municipal de Ensino de São Caetano do Sul.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
Isso só se dá com a consciência crítica e o poder de análise que são adquiridos a partir dos
conhecimentos obtidos e da capacidade de estabelecer relações entre conhecimentos assimilados
e novos. Quanto melhor preparado estiver o jovem, maior será sua possibilidade de inserção na
sociedade da informação.
Como os conflitos são inevitáveis, a educação passa a ser o vetor da conciliação ética frente à
grande diversidade cultural.
A informação chega por diversos meios, Internet, jornais, TV, rádio, celular, entre outros,
abrangendo uma gama tão grande de conteúdos que saber utilizá-los ou pesquisá-los passa ser
uma exigência inquestionável, porém de competência de poucos.
Selecionar, direcionar, eliminar e identificar são fatores muito importantes na sociedade do
conhecimento. A leitura como prática diária é a grande ferramenta de conhecimento, pois através da
interpretação, do entendimento e da análise do gênero escolhido pode-se decifrá-lo, compreendê-lo
criticamente e utilizá-lo corretamente.
A partir do cenário exposto e considerando-se que o domínio da leitura e a competência de
comunicar-se oralmente e por escrito constituem-se mecanismos de enfrentamento dos desafios da
atualidade, pretende-se, neste artigo, analisar e discutir a formação do leitor do Ensino Médio da
Rede Estadual de Ensino, sob a ótica do protagonismo juvenil, concebido como uma forma de
participação de adolescentes agindo como atores sociais e participando de tomadas de decisões,
integrando, de forma ativa, os projetos educacionais sob a orientação direta ou indireta de educadores.
Quando estão à frente dos projetos, os jovens estão menos sujeitos à manipulação e exercitam
sua capacidade de agir com responsabilidade e autonomia.
O adolescente não pode sentir-se excluído da estrutura da escola, agindo como mero espectador
do que lhe é transmitido. O mundo escolar precisa acolher o adolescente e tratá-lo como uma pessoa
de potencialidades ilimitadas, não podendo tê-las restringidas ou anuladas, mas desenvolvidas por
meio de trabalhos diversificados que busquem a criatividade e a integração, privilegiando habilidades
e competências diferenciadas.
A educação nacional tem como objetivos maiores a formação integral do educando preparando-
o para o ingresso, permanência e ascensão no mundo do trabalho, bem como desenvolvendo a sua
auto-realização e propiciando também uma atuação responsável pelas causas sociais. Tais
competências e habilidades devem ser exercitadas e orientadas pelos docentes, numa metodologia
que o insira no mundo competitivo e globalizado..
Embora a democratização escolar dependa da postura do jovem estudante para que saiba
discernir, interpretar e avaliar as diversas situações em que se vê como sujeito da ação, ela tem
ocorrido nos últimos anos apenas no que diz respeito ao ingresso à escola.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
A escola continua funcionando de acordo com a mesma concepção de educação que possuía
em décadas anteriores: o ensino continua sendo propedêutico e seletivo ao longo do percurso escolar,
ou seja, organizado com o único objetivo de levar o aluno a um nível mais adiantado e prestigiando
predominantemente os melhores, aqueles que já vêm com um preparo intelectual adquirido no seu
espaço familiar.
Uma escola democrática passa, necessariamente, pelo rompimento com essa visão seletiva e
uma das melhores formas de empreender essa construção é a promoção de um trabalho pedagógico
coletivo por meio de projeto(s) interdisciplinar (es), que permite(m) a integração entre conhecimentos
de diversas disciplinas acadêmicas.
Deve-se considerar que a interdisciplinaridade não pode ser entendida como obrigatória, ou
como um modismo, panacéia para os males da escola. Ela é um processo a ser desenvolvido por um
grupo de pessoas que acredita em sua eficácia e sente prazer em aplicá-la, com atitude crítica e
investigativa.
A Resolução CNE/CEB Nº 3, DE 26 DE JUNHO DE 1998, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio que distribuem os conteúdos em três grandes áreas de conhecimento:
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e
Ciências Humanas e suas Tecnologias, aponta claramente para o tratamento metodológico
interdisciplinar, conforme explicita o artigo 8º:
Artigo 8º - Na observância da Interdisciplinaridade as escolas terão presente que:
I. a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, partirá do princípio de que todo
conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de
questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos
não distinguidos;
II. o ensino deve ir além da descrição e procurar constituir nos alunos a capacidade de analisar,
explicar, prever e intervir, objetivos que são mais facilmente alcançáveis se as disciplinas,
integradas em áreas de conhecimento, puderem contribuir, cada uma com sua especificidade,
para o estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de
investigação e/ou de ação;
III. as disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que representam, carregam
sempre um grau de arbitrariedade e não esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos
e sociais, devendo buscar entre si interações que permitam aos alunos a compreensão mais
ampla da realidade;
IV. a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento dos alunos, e, por esta razão, as
disciplinas devem ser didaticamente solidárias para atingir esse objetivo, de modo que
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
disciplinas diferentes estimulem competências comuns, e cada disciplina contribua para a
constituição de diferentes capacidades, sendo indispensável buscar a complementaridade
entre as disciplinas a fim de facilitar aos alunos um desenvolvimento intelectual, social e
afetivo mais completo e integrado;
V. a característica do ensino escolar, tal como indicada no inciso anterior, amplia significativamente
a responsabilidade da escola para a constituição de identidades que integram conhecimentos,
competências e valores que permitam o exercício pleno da cidadania e a inserção flexível no
mundo do trabalho.
O agrupamento dos conteúdos curriculares por áreas de conhecimento possibilita a compreensão
do mundo, como um todo, sendo necessário, portanto, que se estabeleçam relações entre os
conteúdos das diferentes disciplinas do currículo, criando um diálogo entre elas e minimizando a
fragmentação do saber.
O trabalho interdisciplinar com literatura privilegia o protagonismo juvenil, pois pretende que o
jovem seja agente de uma ação, a fim de estar preparado para o exercício da cidadania, na medida
em que ele tem a oportunidade de vivenciar situações de justiça social, de pluralismo cultural, de
solidariedade e de diferentes cuidados em relação a si próprio, ao grupo social e à natureza.
A literatura pode ser importante instrumento de trabalho educacional, pois analisa os recursos
expressivos da linguagem verbal, relacionando textos/contextos, mediante a natureza, função,
organização, estrutura, de acordo com as condições de produção, recepção, intenção, época, local,
interlocutores participantes da criação e propagação das idéias e escolhas de tecnologias disponíveis.
Edgar Morin1 , em entrevista a revista Nova Escola afirma que:
“Nada mais passional do que um romance, nada tão maravilhoso quanto a poesia! Nada retrata
melhor a problemática humana do que as grandes obras literárias. Os saberes não devem assassinar
a curiosidade. A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música,
para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel.”
Despertar o interesse dos alunos do Ensino Médio para o prazer da leitura, para poder saborear
as palavras dos poetas e dos grandes escritores é uma tarefa desafiadora para os docentes. A
internet, o cinema, a TV, a mídia, em geral, fascinam com as imagens, sons e recursos fantásticos,
ao passo que a leitura obriga a uma viagem através da imaginação, da descoberta dos sentimentos,
pela decifração dos códigos e da reflexão.
1 MORIN, Edgar. Fala mestre. Revista Nova Escola. São Paulo, ed. Abril, nº. 168, ago/2003.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
Os esforços e os métodos para a análise literária são bem menos imediatos, pois exigem
pensamento abstrato, diálogo autor/leitor e construção mental de imagens concebidas por meio de
palavras, além da multiplicidade de sentidos que podem ser atribuídos ao texto.
O discente deve perceber que a arte literária não é solta no tempo e no espaço, é necessário
crer e fazer crer que ler, entender, apaixonar-se pelas palavras resultarão também na melhoria da
arte de redigir, bem como, auxiliarão na compreensão da realidade e no conhecimento dos momentos
históricos e sociais em que cada obra foi produzida, o que ela retrata, evoca ou denuncia.
Estudar poesia é outro grande desafio, o que nos remete a trabalhar o conceito de belo e de
estética, como a cultura e a sociedade influem no gosto individual e quais os critérios para definir a
beleza de uma obra.
A arte de trabalhar com a estrutura da linguagem e sua semântica pode ser uma atividade
prazerosa para o adolescente. As sensações do desconhecido e da descoberta facilitam o interesse
pela atividade e a busca de outras similares. O jovem percebe em canções, em frase do seu dia-a-
dia o uso das diversas figuras de linguagem, muitos criam seus próprios poemas e enchem de
palavras recém-descobertas seus cadernos com poesias.
O sentimento lúdico não tem idade, ele está presente em todas as faixas etárias, e brincar com
as palavras despertará a curiosidade do jovem leitor/escritor.
Trabalhar poemas diversos criando novas versões, paráfrases e paródias são tarefas que podem
ser estimuladas, no sentido de despertar o interesse pela versão original. Uma experiência realizada
com alunos do ensino médio, de período noturno, de uma escola estadual explorando-se o poema
“Traduzir-se” de Ferreira Gullar 2 , exemplifica essa possibilidade. Os alunos conseguiram passar
para o papel suas emoções e tentaram traduzir um pouco de sua personalidade nos textos produzidos.
Os trabalhos foram expostos em murais na entrada da unidade escolar3, o que os surpreendeu, pois
não tinham confiança na beleza e na qualidade de seus poemas. Com a atividade, foi possível
detectar a elevação de sua auto-estima, estreitando-se seu contato com textos literários, até então,
distantes deles.
Descobrir o poder e a magia da poesia e da linguagem poética são enigmas interessantes para
serem desvendados. A sensação de se criar um belo texto é a mesma que o pintor, escultor ou
qualquer outro artista enfrenta para criar sua obra e aprimorá-la.
Relacionar pinturas, esculturas com a arte literária também incentiva os alunos na procura da
cultura, leva à integração entre a linguagem verbal e a não-verbal, permite a articulação entre Artes
2 Ferreira Gullar, Na vertigem do dia, 9ª ed., In: Toda poesia, José Olympio, 2000.3 Paulo Freire, Educação e mudança, 7ª ed., RJ, Paz e Terra ,1987, p. 32.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
Plásticas, Educação e Língua Portuguesa, o que pode resultar em trabalhos criativos e diversificados
por parte dos alunos.
Essas atividades com textos e imagens têm o objetivo de problematizar o momento da criação
e sensibilizar o aluno para a arte de escrever e de criar. O discente pode observar que dedicação,
interesse e perseverança são fatores essenciais para a realização de um trabalho criativo e de
qualidade.
O jovem leitor deve saber relacionar, opinar, estabelecer diferenças em todos os gêneros
estudados. Deve levantar argumentos para elaboração de raciocínios objetivos e subjetivos. Como
cita Paulo Freire4: “Em todo homem existe um ímpeto criador, o ímpeto de criar nasce da inconclusão
do homem. A educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este ímpeto ontológico de criar. A
Educação deve ser desinibidora e não restritiva”.
O trabalho com literatura cria oportunidades para que os alunos sejam eles mesmos, demonstrem
seu poder de criação e inovação e interajam de forma positiva debatendo os textos, recriando-os,
resumindo-os e elaborando novos textos.
Um trabalho integrado entre as disciplinas de Filosofia, Artes, História e Português pode ser
uma aliança muito útil para essa atividade, pois deve motivar o jovem a essa prática e entendimento
das contradições humanas tão presentes nas obras poéticas.
O teatro, como manifestação cênica de um texto, apresenta-se, também, como uma atividade
profícua no estímulo à formação do leitor. A interpretação de um texto é árdua, pois demanda recriar
o contexto social e cultural de uma época, tentando entender as contradições, emoções e realizações
dos homens.
Com o trabalho teatral, o aluno percebe os diferentes papéis que interpreta no seu dia-a-dia,
incentiva a vontade de estudar as peças, sugerir diálogos e adaptações, surgem talentos tanto na
interpretação como na criação de cenários, roteiros, iluminação, sonoplastia, composição de músicas,
criação de folhetos e cartazes, bem como criando adaptações para os dias atuais de obras clássicas
do repertório de língua portuguesa.
Diversão, cultura e criação devem ser propostas para abrirem mentes dos adolescentes e levá-
los a caminhos de reflexão e de conhecimento, tornando-os agentes do processo, uma forma efetiva
do protagonismo juvenil.
Outra forma de iniciar a leitura de textos mais complexos é a utilização de contos, como “A
Cartomante”5 de Machado de Assis. Em uma experiência com jovens do ensino médio, obteve-se um
4 ABDALA JÚNIOR, Benjamin. Contos brasileiros, 3ª ed., São Paulo, Scipione, p.10-20.5 LISPECTOR, Clarice. Melhores contos de Clarice Lispector, 3ª ed., São Paulo: Global, 2001, p. 58.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
bom resultado com produção de textos mais curtos, mas não de menor qualidade. O conto foi utilizado
em sala de aula com o acompanhamento de uma fita cassete que narrava o texto; posteriormente
formaram-se grupos que pesquisaram o autor, sua vida e sua obra, para posterior elaboração de um
texto ilustrado. As cenas foram fotografadas e foi produzido um trabalho de acordo com as habilidades
individuais e a interação do grupo. As personagens (os próprios discentes) foram caracterizadas, os
cenários criados, as falas, as ações e os fatos foram resumidos sem que se fugisse do tema central
da obra. Durante e após o desenvolvimento do trabalho, houve aprendizagem, motivação, criatividade
e participação ativa dos alunos.
Ao descobrirem a história de vida de alguns escritores como Cruz e Souza, Aluízio de Azevedo,
Machado de Assis, entre outros, os jovens se defrontaram com situações de superação e de luta,
observaram que as diferenças sociais, preconceitos e outras barreiras podem ser transpostas com
dedicação e empenho.
O distanciamento do jovem com relação à leitura e à obra literária hoje não é mais resultado da
falta de acesso aos livros. Nos últimos anos as escolas estaduais de São Paulo têm recebido um
acervo literário muito valioso e variado. Essa condição, no entanto, não tem sido suficiente para
promover o hábito da leitura de textos literários.
Segundo Dewey (1973:82) “Somente quando uma atividade é monótona, a emoção de felicidade
e bem-estar deixa de acompanhar a sua execução. E isso porque monotonia quer dizer parada de
desenvolvimento e de crescimento, dado que nada de novo entra para levar a atividade para frente”.
Ao professor compete refletir, examinar, planejar e desenvolver atividades objetivando esse
saber, dessa forma as mudanças podem ocorrer, tanto no discente quanto no docente.
Nos resultados a serem obtidos, destacam-se os ganhos que o estudante pode obter ao longo
de seu processo de aprendizagem. Ao final do trabalho, professores e alunos podem avaliar esses
resultados e examinar em que medida eles influem em outras situações de aprendizagem na escola.
As práticas pedagógicas docentes também serão objetos de análise, avaliando-se, criticamente,
o projeto quanto aos objetivos propostos e às metas alcançadas.
Dessa forma, a escola propicia séria discussão e valorização do papel da leitura no desempenho
escolar do aluno; os professores dos diferentes componentes curriculares (disciplinas) assumem
seu papel na formação de leitores para a vida toda.
Por fim, é preciso considerar que será difícil formar leitores insistindo em idealizações a respeito
da leitura, aceitando passivamente a constatação de que o jovem não gosta de ler e não se interessa
pela literatura, ignorando a existência de diferentes formas de ensinar o texto literário. Considerar
que o problema está “lá fora” é conferir poder aos fatores externos, permitindo que controlem o
processo de ensino e aprendizagem.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
Uma abordagem pró-ativa prescreve a mudança de dentro para fora: ser diferente e, ao ser
diferente, alterar positivamente o que está lá fora. A atitude pró-ativa em relação a um problema
consiste em reconhecê-lo, resolvê-lo e aprender com ele.
Há a necessidade de ultrapassar os obstáculos, utilizando novas metodologias de ensino, afinal
o direito de aprendizagem está garantido na LDB. Somente conhecer novas metodologias não é
suficiente, o desejo de aplicá-las e acreditar nelas é primordial.
Importante é fazer renascer na equipe pedagógica o espírito jovem e curioso da criança que
desperta para o novo, assim como no conto “Aniversário”,de Clarice Lispector6 (2001:58) no qual
a personagem observa:: “– Mas eu acho que se devia contar os anos pela alma. A garotinha
dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma. E o cara tinha morrido mas era com setenta
anos de corpo...”.
A mudança na rotina pedagógica poderá beneficiar o ensino e aprendizagem e a transformar o
fracasso escolar em sucesso, pois com a amplitude das mudanças sociais e com a série de desafios
que a sociedade enfrenta, diariamente, a necessidade de capacitar os discentes passa a ter uma
maior abrangência, com a ética e a humanização do saber num mundo globalizado.
Alunos críticos passam a ter compromisso com uma sociedade democrática, a fim de propiciar
um mundo com menor exclusão, guerras e desenvolvimento harmonioso, concretizando, assim, o
papel da educação contemporânea, conforme recomenda o relatório da Comissão Internacional sobre
Educação da UNESCO7
“...entre outros caminhos e para além deles, como uma via que conduz a um desenvolvimento mais
harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões,
as opressões e as guerras."
Jacques Delors
6 Educação: um tesouro a descobrir. 4. ed., São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2000, p. 11.
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Práticas diversificadas para a formação do leitor do Ensino MédioHelena Rosa Vieira Lima / Regina Ap. Martinez dos Santos
Referências bibliográficas
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ABDALA JÚNIOR, Benjamin. Contos brasileiros. 3ª ed. São Paulo: Scipione, 1996.
ARRUDA, Maria Lúcia, PIRES, Maria Helena. Filosofando introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1988.
COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil: adolescência e participação democrática.
Salvador: Fundação Odebrecht, 2000.
DEWEY, John. Vida e educação. trad. brasileira., 8ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1973.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 13ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987.
LAJOLO, Marisa et al.. Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 8 ed. Porto Alegre:
Mercado Aberto,1988.
NASCIMENTO, Jarbas Vargas. et al. Discutindo a prática docente em língua portuguesa. São Paulo: IP/
PUC-SP, 2000.
TAVARES, Hênio. Teoria literária. 9 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989.
REVISTA IMAGEM MODERNA, São Paulo: ed. Moderna; nº 2, março 2001.
REVISTA PANGEA,, São Paulo, ed.______; nº. 3, maio 2001.
REVISTA LÍNGUA PORTUGUESA, São Paulo, IBEP; nº. 2, junho2001
REVISTA NOVA ESCOLA São Paulo, Ed. Abril, nº. 168, agosto 2003
Educação: um tesouro a descobrir. – 4. ed. – São Paulo:Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2000.
Sites:
<http://www.cidadeedu.usp.br>. Acesso em 02 de fev. 2003.
<http://www.pucsp.br/>. Acesso em 02 de fev. 2003.
Fontes
Brasil, PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS:ENSINO MÉDIO./Ministério da Educação.Secretaria
da Educação Média e Tecnológica.Brasília:Ministério da Educação, 1999.
O CURRÍCULO NA ESCOLA MÉDIA:DESAFIOS E PERSPECTIVAS, Secretaria da Educação, Coordenadoria
de Estudos e Normas Pedagógicas.São Paulo:SE/CENP; Brasília:MEC/SEMTETC/BID,2004.– CENP-
SEE 2004
LEI DIRETRIZES E BASES, Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996
RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº. 3, DE 26 DE JUNHO DE 1998, Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio.
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A imagem simbólica na dança Aline dos Santos Lopes / Anna Barros
A imagem simbólica na dança
Aline dos Santos Lopes*
Anna Barros**
Resumo
Este artigo discute a dança vista por meio de imagens. Destaca seu simbolismo, apresentando as
definições de imagem propostas pela semiótica de Pierce. Considerando as imagens como representações
visuais atualizadas em qualquer suporte concreto assim como as imateriais provindas de nossa mente
(visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos e representações), buscou-se uma relação com o
universo de mitos, símbolos e arquétipos à luz da psicologia profunda de Jung, inter-relacionar estes
elementos com a dança.
Palavras-chave: imagens, símbolos, dança.
Abstract
This article discuss dance through its images. It tries to do so detaching the symbolism and the way that
the symbol is seen by Peirce in semiotics. It also go into images in general, in any support, as visual
representations, as well as the ones that exist in our mental phantasies, the article tries to analyse them
as myth, symbols and archetypes as seen by Jung in his pshychology in order to relate them to dance.
Keywords: images, symbols, dances
A dança é um dos meios expressivos mais antigos e complexos que conhecemos. Desde os
tempos mais remotos, a dança assume um importante papel na organização da vida humana.
A dança nos é apresentada, por meio de imagens simbólicas, desde as representações de danças
nas cavernas, pertencentes aos homens pré-históricos.
Mas, como podemos dividir as formas da imagem?
O Mundo das Imagens divide-se em dois domínios:
Imagens, como representações visuais, existentes em qualquer suporte concreto.
* Mestranda do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade
São Marcos.** Professora do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da
Universidade São Marcos.
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A imagem simbólica na dança Aline dos Santos Lopes / Anna Barros
“Imagens, no domínio imaterial da nossa mente, aparecendo como visões, fantasias, imaginações,
esquemas, modelos e representações mentais.”1
Estas definições existem para fins didáticos de estudo das imagens. Na prática artística é muito
difícil estabelecer quando uma começa e outra termina. Elas se inter-relacionam.
Pintura e fotografia são signos.
Signo degenerado no maior grau é um ícone. A pintura é um exemplo de ícone.
Signo degenerado no menor grau é um índice. A fotografia é um exemplo de índice.
Vale a pena falar sobre o surgimento da fotografia na história, o que trouxe uma grande revolução
da imagem, influenciando as várias modalidades artísticas.
Na dança, foi o momento de se passar da litografia para a fotografia.
Ao lado, podemos ver uma litografia do Rei Luís XIV, o Rei Sol, que
fundou a Academia Real de Dança, na França, em 1661.
Com base na teoria peirciana, representação é o processo de
apresentação de um objeto a um intérprete de um signo ou a relação
entre o signo e o objeto.
Símbolos são signos representativos.
Índices são signos não representativos.
Na psicologia profunda de Jung, chamamos de símbolo a um termo,
um nome ou mesmo a uma imagem que pode nos ser familiar na vida diária, embora possua
conotações especiais, além do seu significado evidente e convencional.
Sabemos que a imagem no sonho é atemporal, não apresentando linearidade relativa a tempo
e espaço.
“Assim uma palavra ou imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu significado
manifesto e imediato”.2
“Quando a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance da nossa
razão. A imagem de uma roda pode levar nossos pensamentos ao conceito de um sol ‘divino’, mas, neste
ponto, nossa razão vai confessar a sua incompetência: o homem é incapaz de descrever um ser ‘divino’.”3
Figura 1
1 SANTAELLA, Lucia e NOTH, Winfried. Imagem – cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2005, p. 15.2 JUNG, Carl. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003, p. 20.3 JUNG. Opus cit. p. 20 e 21.
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A imagem simbólica na dança Aline dos Santos Lopes / Anna Barros
Na “imagem há uma múltipla relação de significados, de disposições, de proposições presentes
simultaneamente. Nossa dificuldade em compreendê-las, por exemplo, nos sonhos, vem de nosso
vício de linearidade. Nossa incapacidade de experimentar e vivenciar a simultaneidade de significados
de cada imagem, vem da necessidade de transformá-las em história, em temporalidade: uma coisa
por vez, uma coisa depois da outra.”4
“Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana é que frequentemente
utilizamos termos simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou
compreender integralmente”.5
Arquétipos, na perspectiva Junguiana, são fatores de estruturação, tanto psíquica quanto fisica.
São elementos estruturais do inconsciente coletivo, que providos de uma dinâmica, são levados à
nossa consciência, como símbolos, por meio dos complexos pessoais, enquanto conteúdo do
inconsciente pessoal.
Os arquétipos mais caracterizados são aqueles que com mais freqüência afetam o ego: grande
mãe, grande pai, persona, sombra, anima/animus, herói e self.
Shiva Nataraja: deus da dança e do movimento
As mitologias apresentam-nos uma infinidade de material
arquetípico e simbólico.
Shiva é um deus da mitologia hindu. Ele participa da trindade
hindu como o Destruidor (a destruição vista como ato criativo que
gera o novo e, por isso, ele também é chamado de o Transformador)
junto com Brahma, o Criador, e Vishnu, o Preservador. O nome
Shiva significa “aquele que é puro” ou “aquele que purifica pela
evocação de seu nome”. Ele é uma das mais antigas divindades
veneradas em várias partes do mundo. Pode ser apresentado sob
vários nomes: Shambo, Shankara, Ardhanaríshvara, Mahadeva.
A trindade também é uma característica que se repete dentro
das religiões e até da ciência. Na religiosidade judaico-cristã temos a santíssima trindade. Pierce,
que estabeleceu as bases da semiótica, concebeu uma teoria toda baseada na tríade.
4 BARCELOS, Gustavo. A anima 30 anos pós-Jung. Artigo publicado no site do Instituto Junguiano de São
Paulo, 1991.5 JUNG. Opus cit. p. 21.
Figura 2
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A imagem simbólica na dança Aline dos Santos Lopes / Anna Barros
Shiva Pashupati pode ter sido a primeira representação
de Shiva e surgiu no neolítico por volta de 4000 a.C. Ele é
o Senhor dos Animais e está sentado em posição de
meditação, o que nos faz pensar que as técnicas
meditativas já existiam naquele período.
Shiva Nataraja é o Rei dos Dançarinos. Representa o
eterno movimento do universo, que foi impulsionado pelo
ritmo do tambor e da dança.
Parvati, na mitologia hindu, é uma das formas da deusa
Shakti, que seduz Shiva. Aqui encontramos os arquétipos do grande pai, da grande mãe, a anima,
que é a imagem do feminino presente no homem e o animus, que é a imagem do masculino presente
na mulher.
Mandala, serpente e cisne
Símbolos de transcendência são aqueles que representam a luta do homem para alcançar o seu
objetivo. A mandala, o cisne e a serpente são símbolos de trancendência. Podemos perceber sua
presença na dança.
Mandala é a palavra sânscrita que significa círculo, uma representação geométrica da dinâmica
relação entre o homem e o cosmo. De fato, toda mandala é uma exposição plástica e visual do
retorno à unidade pela delimitação de um espaço sagrado e pela atualização de um tempo divino.
A mandala circular representa o equilíbrio interior do homem.
Este equilíbrio interior pode nos remeter à circularidade da alma, outra noção muito antiga.
A alma repete-se infinitamente, e na repetição está uma tentativa de aprofundamento.
No balé clássico temos vários movimentos de giro, onde descrevemos círculos no solo e no
espaço aéreo. São as piruetas, os fouettes e os doublé tours executados pelos bailarinos. Semelhantes
à mandala como símbolos de transcendência, os giros representam o ponto máximo do
aperfeiçoamento técnico do bailarino. Os fouettes, giros consecutivos sobre a mesma perna,
demonstram a força e equilíbrio da bailarina.
As manifestações naturais e livres do centro psíquico caracterizam-se por quatro divisões, ou
por qualquer outra estrutura derivada da série numérica 4, 8, 16, etc. Nos balés de repertório, o
número de fouettes realizado pela bailarina, convencionalmente, é de 16 ou 32, números da
quaternaridade. Estes giros são repetidos 16 ou 32 vezes. Esta repetição pode querer simbolizar o
equilíbrio do corpo e da alma.
Figura 3
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A imagem simbólica na dança Aline dos Santos Lopes / Anna Barros
Dentre os símbolos primordiais, a serpente é um dos que encerram toda uma complexidade de
arquétipos. Presente em todas as culturas de qualquer época espalhadas pelos cinco continentes,
sua imagem mitológica assume sempre um papel fundamental, associada que está, antes de tudo, à
essência primordial da natureza, à fonte original de vida, ao princípio organizador do Caos, anterior
à própria criação.
Uma imagem do Uruboros, a serpente que se devora pela própria cauda, e que para Jung
simboliza a dinâmica auto regulativa da libido, uma representação muito eficaz da integração e da
assimilação do oposto.
Na mitologia grega, Zeus aproxima-se de Leda na forma de um cisne. Leda não queria
envolvimento com nenhum deus, mas como Zeus veio disfarçado, Leda tomou-o nos braços e
acariciou-o. Depois de algum tempo, romperam do ventre de Leda, dois ovos, dos quais nasceram
os filhos de Zeus: Castor e Pólux.
No balé clássico de repertório temos duas obras que apresentam o cisne.
A Morte do Cisne e O Lago dos Cisnes.
Estas obras tiveram tanta repercussão, que mesmo os leigos, quando
ouvem falar em balé, associam a imagem da bailarina à imagem do cisne.
A Morte do Cisne é uma coreografia que, como o próprio nome sugere,
mostra-nos os últimos movimentos de um cisne em agonia. Esta coreografia,
carregada de lirismo e poesia, pôe-nos em contato com um dos principais
símbolos da transcendência: a morte. Não é à toa que o animal escolhido
para tal empreitada seja o cisne.
O Lago dos Cisnes, com uma história mais complexa, nos moldes do conto de fadas, nos coloca
em contato com vários arquétipos: o príncipe Siegfrield, chegando à maturidade, precisa escolher
uma moça para casar-se. Como em sua festa de aniversário nenhuma das pretendentes o agrada,
resolve ir ao lago caçar com seus amigos. É neste lago que avista uma linda jovem, Odete, e conhece
sua história. Ela está sob o feitiço do bruxo Rothebart e somente um verdadeiro amor poderá libertá-
la da condição de ser cisne durante o dia e moça somente à noite.
Siegfried enamorado da linda jovem jura-lhe amor eterno. De volta ao castelo, no dia seguinte,
recebe a visita de um mago, que é Rothebart disfarçado, com uma moça semelhante à que Siegfried
conhecera no lago. Siegfried confuso jura-lhe amor, pois pensa que a jovem seja Odete, mas é
Odile, o cisne negro. Esta leviandade de Siegfried provoca o quase suicídio de Odete. Mas como
nestas histórias o amor quase sempre vence, Siegfried consegue matar Rothebart e com ele, o
feitiço de Odete. Siegfried e Odete casam-se e vivem felizes.
Figura 4
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A imagem simbólica na dança Aline dos Santos Lopes / Anna Barros
Esta narrativa que pertence ao repertório do balé clássico é carregada de arquétipos. Além da
figura do cisne como símbolo de transcendência, caracterizam-se nele a sombra positiva Odete
(cisne branco) e a sombra negativa Odile (cisne negro). Enquanto Siegfried não consegue trabalhar
internamente com as duas imagens da mesma mulher, assimilando-as, não pode chegar ao equilíbrio:
o casamento feliz.
Observando as narrativas anteriores, podemos concluir que arquétipos e símbolos estão
presentes nas artes, nas mitologias e na própria sociedade, e fazem parte dos costumes e das
tradições de nossa vida cotidiana. Conhecer e entender os arquétipos (e aqui falamos de um
entendimento aberto a novas possibilidades), remete-nos à própria história do homem, com seus
medos e angústias, mas, principalmente, com sua necessidade de superação.
Referências bibliográficas
ANDERSON, Jack. Dança. São Paulo: Editorial Verbo, 1978.
BARCELOS, Gustavo. A anima 30 anos pós-Jung. Artigo publicado no site do Instituto Junguiano de
São Paulo, 1991. Disponível em: <http//www.ijsp.org.br>.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
MAY, Robin. O mundo do ballet. São Paulo: Verbo, 1982.
SANTAELLA, Lucia. NOTH, Winfried. Imagem. Cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2005.
WOSIEN, Maria-Gabriele. Sacred dance. Encounter with the gods. New York: Avon Books, 1974.
Iconografia
1. Luís XIV. Anderson, Jack. Dança. São Paulo: Editorial Verbo, 1978, p. 23.
2. Shiva Nataraja. Wosien, Maria-Gabriele. Sacred dance. Encounter with the gods. New York: Avon
Books, 1974, p. 36.
3. Shiva e Parvati. Jung, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002,
p. 136.
4. O Lago dos Cisnes. May, Robin. O mundo do ballet. São Paulo: Verbo, 1982, p. 75.
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Dossier
IV Fórum de DebatesPerspectivas Interdisciplinares nas Artes
e nas HumanidadesSessão de Comunicações Livres
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PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 57-62Universidade São Marcos
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Arte e imagem e o uso político do passadoAlfredo César da Veiga
Arte e imagem e o uso político do passado
Alfredo César da Veiga*
No livro organizado por François Hartog e Jacques Revel a respeito dos usos políticos do
passado1, os autores advertem para o risco de se fazer uma revisão instrumentalizada com fins
políticos quando se recorre a fatos passados, trazendo ao debate interpretações impróprias e
simplificadoras.
A recorrência ao passado sempre foi a atitude preferida da Igreja ao tentar explicar ao mundo a
sua missão de ser para todas as nações “o sacramento universal da salvação”2. Esse recurso não foi
utilizado apenas por um grupo de teólogos e historiadores da religião considerados da ala
conservadora, como também por aqueles que se declaram abertamente da ala progressista.
Neste artigo pretendo discorrer sobre a problemática estabelecendo um tempo delimitado entre
aquilo que se convencionou chamar de modernidade de um lado e pós-modernidade, de outro sem,
no entanto, marcar esses acontecimentos como uma sucessão cronológica, evitando, assim, o quanto
possível, o “demônio das origens”, o qual Marc Bloch considerava o inimigo satânico da história.
Minha escolha irá recair, sobretudo, na imagem como fonte de persuasão, especialmente quando
veiculadas às camadas com menos acesso à educação. O padre, com seu discurso, atinge menos o
coração do fiel do que a estátua ou a figura de um santo.
O período escolhido abrange dois momentos da história da Igreja. De um lado, a Teologia da
Libertação, que nasce impulsionada sob o ritmo de uma Modernidade negada, até a Reforma encetada
pelo Papa João XXIII, de 1963 a 1965, e cujo ocaso acontece num clima cultural denominado por
muitos de Pós-Modernidade, que traz de volta uma Igreja preocupada não tanto com o sujeito, mas
com a sua própria sobrevivência num clima de nova desconfiança das instituições terrenas e
proclamando o retorno à espiritualidade.
* Mestre em Estética e História da Arte e doutorando em História Social (USP).1 Les usages politiques du passè. Paris: Editions de L’École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 20012 Conc. Vat. II, Decreto “Ad Gentes”, 1.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 57-62Universidade São Marcos
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Arte e imagem e o uso político do passadoAlfredo César da Veiga
As correntes modernizantes que sacudiram a Igreja e que culminaram no Concílio Vaticano II
(1962-1965) auxiliaram na gestação dessa Teologia. No bojo de tais correntes havia questionamentos
ainda não resolvidos, frutos da Reforma e do mundo moderno, mas que foram simplesmente deixados
sem resposta ou deliberadamente ignorados por uma instituição que prescindia da história quando
se tratava de prover experiência religiosa. Para o crente, segundo essa corrente, basta uma luz
interior para ter acesso à fé3.
O Concílio significou, mais que uma reforma nas estruturas eclesiásticas, um envolvimento com
o mundo que antes desprezava e considerava locus do mal4, de forma a romper o muro de separação
que vez ou outra insistia em se levantar entre as esferas temporal e espiritual. Ao anunciar o Concílio
Vaticano II, o papa João XXIII deixou clara a sua intenção em “abrir as janelas da Igreja a fim de
deixar entrar nela um ar fresco do mundo exterior”5, abandonando, assim, lentamente, uma postura
condenatória e preferindo outra, de conciliação e diálogo.
Os ares do Concílio chegaram aos teólogos da América Latina quando, por ocasião da Segunda
Conferência dos Bispos Latino-americanos (CELAM) em 1968, produziram-se documentos que
convidavam o cristão a fazer uma análise mais profunda da situação injusta e desumana dos nossos
povos, vítimas de um colonialismo interno e externo, gerador de violência e opressão.
A condição pós-moderna, no entanto, produziu uma espécie de eclipse nas teorias veiculadas
pela TL, e o aparente triunfo do capitalismo global fez cair por terra seus discursos, juntamente com
o fim das esperanças de um mundo socialista. A Igreja da Conferência de Medellin, que queria maior
conscientização e participação, cede lugar a uma outra, mais clerical e hierárquica, acentuadamente
fechada em si mesma. A primeira, assimilando os valores modernistas, procurava romper com a
Modernidade enquanto sinônimo de uma civilização ocidental que baseia sua prática no uso do
homem pelo homem e na exploração das riquezas dos países pobres com clara finalidade de manter
a opulência dos mais ricos e poderosos. A segunda, nunca teve a intenção de romper, mas de assimilar
os valores da sociedade pós-industrial.
As duas alas, durante todo esse período, lutaram ferozmente na tentativa de obter espaço de
influência dentro da instituição, e para isso, cada uma à sua maneira, utilizaram os mesmos meios
de persuasão: o uso do passado como força política para reforçar sua razão de ser no presente.
Como isso aconteceu na prática? Da mesma forma como sempre foi: o apelo à Tradição da
Igreja, representada pelos ensinos bíblicos e pelos escritos das primeiras autoridades cristãs em
3 BLOCH. Marc. Apologia da história,2002, p. 57.4 Contribuiu muito para afirmar essa idéia a Encíclica do papa Pio IX: Quanta Cura (Quantos cuidados), de
1864 onde abordava os oitenta erros que o cristão deveria evitar. O primeiro deles era a tentativa de identificar
Deus com o mundo.5 CHOPP, Rebecca. The praxis of suffering, 1989, p.15
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matéria de fé. Essa postura tem o significado simbólico de fornecer um ancoradouro seguro em
tempos de intempéries, de forma que é fato pacífico e sempre aceito ao longo de quase vinte séculos
que, se algo vale para a Tradição, deve valer também para a teologia tout court.
Vejamos como a recorrência à força da Tradição foi utilizada por pensamentos tão díspares
numa tentativa de justificar o presente num passado que representa permanência e estabilidade. Se,
por um lado o passado é o ponto de encontro das duas tendências, o que as separa é questão de
saber em qual passado elas irão buscar suas fontes.
No que diz respeito à Teologia da Libertação, a práxis social é a matéria prima da sua fundamentação
teórica, e numa tentativa de justificar sua hermenêutica, a tradição bíblica se tornou o ponto convergente
de investigação. Nesse caso, os fatos antigos servem não somente no sentido de buscar justificativa
ideológica para as lutas assumidas pelos agentes pastorais, mas principalmente, como memorial para os
dias de hoje, uma recordação da ação divina na história da caminhada de um povo em todas as épocas.
Tendo a tradição bíblica como ponto de partida, é fácil perceber como os heróis do presente
encarnam os do passado, numa tentativa de construção de um ideário. Os guardiões da assim
chamada Verdadeira Tradição nunca deixaram de lembrar os perigos de uma tal interpretação
sociológica da religião, especialmente quando passa pelo viés marxista.
A mesma postura de interpretação dos textos sagrados é usada também pelos teólogos da
libertação para ajudá-los a enfrentar tal oposição. Utilizando a mesma fonte, deixam claro que fazem
parte da mesma Igreja, isto é, mostram seu desejo de continuar sendo parte integrante da Tradição,
condição indispensável para sua catolicidade.
No campo da linguagem, o esquema simbólico se torna a coluna dorsal na construção da
mensagem. Personagens, situações, experiências do mundo bíblico são selecionados e transformados
numa pragmática do tempo presente.
Nesse sentido, a imagem de um Deus Libertador, que no Antigo Testamento conduzia o povo da
escravidão no Egito para uma terra livre, transforma-se no Deus que quer, nos dias de hoje, conduzir
o povo sofrido do Terceiro Mundo para uma terra livre dos interesses neocolonialistas e imperialistas.
Nessa mesma linha, a luta contra o Faraó serve de inspiração na luta a ser encetada contra o governo
dos países explorados, e até mesmo a fé monoteísta, que era uma espécie de garantia da unidade
de um povo ou de uma sociedade com apenas uma classe econômica6, tornou-se a base de
sustentação da fé dos teólogos da libertação na sua luta contra a idolatria do capital.
Papel preponderante têm os profetas, que nos tempos bíblicos assumiam o encargo de anunciadores,
nessa releitura, assumem uma nova missão: a de denunciadores dos processos de exploração e injustiça
6 BARROS SOUZA, Marcelo de e CARAVIAS, José. Teologia da terra, 1988, p. 149.
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perpetrados pelos povos estrangeiros que introduzem não mais seus ídolos tipificados por estátuas,
mas por suas ideologias cuja finalidade seria a de cimentar o sistema de dominação.
Os salmos se tornam o grito do pobre contra a violência do rico:
O Senhor libertará o pobre que pede auxílio
e o desvalido, privado de ajuda.
Ele terá compaixão do fraco e do indefeso
e salvará a vida dos pobres.
Da opressão e da violência lhes resgatará a vida
e o sangue, que é precioso a seus olhos (Salmo 72,12-14)
No Novo Testamento, Jesus é o protótipo do Libertador. Ele não veio para os ricos, mas para os
pobres e desvalidos. Sua prática é toda voltada para aliviar seus sofrimentos e conduzi-los ao Reino,
que não significa, necessariamente, o céu, mas muito mais, a promessa de uma nova terra que tem
início aqui e agora, no centro da História do homem.
Ainda faz parte essencial na releitura das fontes do passado, a figura da Virgem Maria. Mais do
que ser simplesmente a santa, ela é, sobretudo, a mulher: exemplo de luta contra a discriminação e
opressão do forte e do poderoso. Seu canto é repetido pelas comunidades em busca de libertação:
“Dispersou os orgulhosos, derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (Lucas 1, 51).
Da década de 1980 em diante, a economia se globaliza, os regimes autoritários na América
Latina e no Leste Europeu cedem espaço aos processos democráticos e a sociedade se entrega
sem reservas à alta tecnologia, inaugurando, assim, aquilo que se convencionou chamar de Pós-
Modernismo. Se o Pós-Moderno é um fato ou tão somente a restauração de um modernismo
domesticado que ganhou força com um retorno político conservador na era Kohl-Thatcher-Regan,
ou, por outro lado, de acordo com os seus críticos, simplesmente um jogo de marketing, não importa
agora. O que importa é o fato de que o Pós-Moderno esconde o sintoma de uma profunda
transformação cultural da sociedade ocidental.
No campo da religião, contrariando previsões pessimistas sobre o seu fim, percebe-se, ao
contrário, não somente uma sobrevivência, mas, sobretudo, uma busca ansiosa e angustiosa de
sentido que a religião traz. Porém, essa busca não vem acompanhada de sua versão tradicional. O
interesse se revela na procura de um sagrado sem compromisso, uma espécie de catarse que reduz
a experiência religiosa à mera terapia, um cristianismo que o sociólogo David Lyon compara ao
Magic Kingdom “onde tudo é fantasia, ilusão, superfícies escorregadias, realidades revisadas,
múltiplos significados e centrado no princípio do prazer7”.
7 Jesus in Disneyland, p. 11.
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Nesse caso, a Igreja da pós-modernidade reage tirando sua força de um passado onde
representou ao mesmo tempo a estabilidade da tradição e o triunfo da sua força política. Pode-se
facilmente perceber essa tendência na arquitetura e na decoração das novas igrejas. Hoje, os artistas
cristãos, passando pela rica Europa até os rincões africanos, recorrem à arquitetura românica e ao
ícone bizantino a fim de assegurar ao homem contemporâneo um espaço que represente ao mesmo
tempo, ascese e refúgio contra os males do mundo.
O interesse pelo religioso é fruto da perda de identidade comunitária e remédio ao caos e à desordem
contemporâneos. Nesse caso, a Igreja recorre novamente à autoridade da tradição que evoca um
tempo imóvel, identificado no ícone bizantino através dos olhos amendoados e constantemente abertos,
parecendo congelar o olhar para algo além deste mundo, numa clara decisão de abandonar a realidade
imediata e conduzir o fiel de volta a um espaço harmônico e belo, protótipo da cidade espiritual.
Portanto a Igreja, nas suas várias visões de mundo, nas tendências direitistas ou esquerdistas,
sempre fez uso do passado para justificar ora uma, ora outra dessas tendências movendo seus
seguidores fiéis entre duas realidades: passado e presente.
O problema ao revisitar o passado aparece quando se tenta fragmentá-lo, com o intuito de
proceder a uma apropriação indiscriminada de uma ou mais de suas partes a fim de presentificar
algo carregado de sentido a uma determinada cultura apenas. Um passado assim, dificilmente pode
servir de explicação ou conhecimento histórico devido à sua excessiva simplificação. Tal recurso
pode tirar do passado o significado que lhe é próprio ou mesmo destituí-lo completamente de sentido.
Um passado mutilado serve para intensificar um direito divino de pretensão à verdade, reduzindo a
complexidade da autonomia e da discordância e conduzindo à repetição de um mito regulador que
promete reduzir o conflito e enraizar o sujeito num presente que representa unicamente continuidade,
sem tropeços, sem sobressaltos.
O uso indiscriminado do passado como justificativa de ações presentes pode transformar o
tempo num tempo mimético, cuja função é a de parodiar, subvertendo a verdade e relegando-a ao
mundo da aesthesis, produzindo, assim, uma “sociedade esquizofrênica”, incapaz de discernir a
verdade das aparências, como afirmou Baudrillard8.
O uso político do passado pode reduzir o tempo a um eterno presente, sem perspectiva de
futuro, retirando, da história, a lógica da evolução. Seria tirar da natureza humana a sua força histórica,
a sua capacidade de mudar e reinventar o futuro. Seria esquecer que o passado construiu a sua
própria história, e seu uso indiscriminado pode trancafiar o homem dentro da fatalidade de um destino
do qual ele não participou e não construiu.
8 Simulacros e simulação, p. 133.
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Arte e imagem e o uso político do passadoAlfredo César da Veiga
Referências bibliográficas
BARROS SOUZA, Marcelo e CARAVIAS, José. Teologia da terra. Petrópolis: Vozes, 1988.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D’água, 1991.
BLOCH, Marc. Apologia da história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
CHOPP, Rebecca. The praxis of suffering: an interpretation of liberation and political theologies. Maryknoll,
New York: Orbis Books, 1989.
HARTOG, François e REVEL, Jacques. Les usages politiques du passè. Paris: Editions de L’École des
Hautes Etudes en Sciences Sociales, 2001.
LYON, David. Jesus in Disneyland. Malden, MA: Polity Press, 2000.
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
Casos de família:a conjugalidade nas antenas da TV
Elisa da Silva Gomes*
Introdução
Tornou-se banal, hoje, a mídia exaltar o sucesso comercial de programas que expõem aspectos
da vida privada, tanto de celebridades quanto de indivíduos comuns1. Segundo Bourdieu (1997), a
televisão dos anos 1990 visa atingir a mais ampla audiência, oferecendo aos telespectadores produtos
“brutos”, cujo paradigma é o talk-show, apresentando fragmentos de vida, exibições cruas de
experiências pessoais. Se de um lado, a “vida em família” nos seus novos modelos de recomposição
familiar e novos valores e comportamentos é constantemente abordada pela mídia em geral; de outro,
as relações familiares constituem campo fecundo das Ciências Sociais e, nas últimas décadas, têm
sido analisadas através das representações veiculadas pela mídia televisiva. Assim, Goldenberg (2001)
afirma que a mídia consegue melhor retratar as mudanças do contexto familiar do que a academia,
devido à velocidade de suas produções. Bianco (1984) vai mais além, argumentando que a ficção, nas
linguagens televisiva, cinematográfica e literária, consegue apreender com maior facilidade e
acompanhar a dinâmica familiar e traduzir mais rapidamente as mudanças comportamentais.
A televisão como um objeto a ser pensado
Segundo o censo do IBGE (2000), cerca de 38 milhões de domicílios possuem aparelhos de televisão,
ou seja, 87% dos domicílios brasileiros. Isto representa algo em torno de 145 milhões de telespectadores.
Para o IBGE, há mais domicílios que possuem televisores do que aparelhados de geladeira2.
* Mestranda em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas.1 Vide o crescimento do mercado de revistas especializadas em “fofocas” de celebridades (modelos, atrizes,
etc.) como Contigo, Viva, Caras, etc. E ainda programas que abordam a vida de pessoas do mundo artístico,
atrações televisivas e indivíduos comuns, como Melhor da Tarde (Bandeirantes), TV Fama e Te vi na TV
(ambos da Rede TV), além do sucesso dos reality shows.2 O IBGE contabiliza apenas 1 aparelho por domicílio mesmo que este contenha mais.
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Bourdieu (1997) assinala o papel da televisão como único meio de informação responsável pela
formação de grande parte da população. Para Wolton (1996), a televisão tem um papel importante
nas sociedades complexas enquanto reafirmadora e mantenedora do laço social. Segundo o autor,
“a televisão é elemento central da democracia de massa e exige um verdadeiro investimento intelectual
para que se compreenda o seu papel. No entanto, durante muito tempo, o mundo acadêmico não
refletiu o suficiente sobre a televisão como se ela não fosse um objeto de conhecimento ‘nobre’”.3
(Wolton,1996:6)
Apesar desta grande penetração e relevância da televisão, Miceli (1972) já destacava a dificuldade
de estudá-la devido à escassez de trabalhos que submetam o objeto a uma análise sociológica
sistemática. Os anos passaram e o quadro não teve grandes mudanças, como ressalta Duarte (2004)
que observa a escassez de publicações, em língua portuguesa, de obras teórico-metodológicas que
se debrucem sobre os processos de significação e sentido no campo da produção televisiva. Sob a
mesma perspectiva Almeida (2003b) argumenta que, no Brasil, apesar da imensa rede televisiva
(que abrange praticamente todo território nacional) e do considerável número de telespectadores, a
Sociologia tem se interessado pouco e praticamente não tem explorado a televisão enquanto tema
de estudo. A autora, ao pesquisar em algumas das principais revistas de Ciências Sociais do país,
constatou uma quantidade irrisória de trabalhos sobre o tema4.
Rocha (1995) enfatiza a necessidade e urgência de se estudar a Comunicação de Massa posto
que é um dos elementos de sustentação e força alimentadora da modernidade. A Comunicação de
Massa mostra-se como ferramenta essencial através da qual conhecemos a nós mesmos. Como
num espelho vemos nela partes do mundo que nos rodeia, de nossas vidas e seus fragmentos.
O universo que projeta funciona como o mais eficaz e abrangente instrumento de criação do imaginário
coletivo da atualidade.
No mesmo caminho prossegue a reflexão de Almeida (2003b) que observa que a televisão é um
produto cultural como qualquer outro, no entanto com especificidade própria, posto que há relação
entre o que se produz na televisão e a sociedade que a produziu e na qual foi produzida. Dessa forma,
segundo a autora, pesquisando a televisão torna-se possível compreender a sociedade em que vivemos.
Assim, visto o papel da televisão desde seu advento e atuando contra os críticos mais ferozes
ao estudo da televisão, sigo o preceito de Lahire (2005) de que não há objetos “mais sociais” do que
3 Ainda sobre esta questão, para Wolton “poucas atividades tão amplamente utilizadas têm sido, há tanto
tempo, objeto de uma tal preguiça intelectual, de um tal conformismo crítico e, por último, de uma tal submissão
às modas do momento (...) A televisão ou o objeto mal amado da nossa sociedade individualista de massa,
da qual nos protegemos emitindo a seu respeito uns bons e velhos estereótipos, deixando sempre para
amanhã uma análise mais razoável.”(Wolton, 1996:11)4 No período de 1981 a 2002 foram encontrados apenas cinco artigos sobre o assunto.
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outros. O relevante é a forma como o pesquisador aborda o objeto, sua perspectiva que delineia e o
molda antes e durante a pesquisa. Semelhante a tudo na realidade contemporânea a televisão é
algo plural, multifacetada e que não pode ser entendida a partir de pré-noções de cunho crítico que
cerceiem qualquer análise mais profunda.
Nesta pesquisa, procuro observar uma atração televisiva que possui características muito próximas
a um gênero de programação em grande expansão na atualidade, a saber, os reality shows. Convém,
dessa forma, alguns apontamentos sobre este gênero que ganha cada vez mais espaço e audiência
nos canais televisivos. Kilborn (1994) e Vilches (1996) salientam que os reality shows são formatos
híbridos de gêneros diversos – melodrama, documentário, show de calouros, noticiário, gincana e
videoclipe – e uma tendência relativamente nova na programação. Esses programas têm como
protagonistas pessoas anônimas, ordinárias. (apud Freire-Medeiros e Bakker, 2005)
Esse gênero televisivo surgiu na Europa, no final dos anos 60, nos canais públicos da Alemanha,
Inglaterra e França, desembarcando na América nos anos 70 com a estréia de “An American Family”,
em 1973. A proposta do programa era a de apresentar o cotidiano de uma família supostamente
convencional, cujas estrutura e relações entre os membros seriam espelhos das famílias americanas.
Pode-se argumentar, assim, que as representações de família estiveram presentes desde o início da
construção deste formato televisivo.
Para além dos julgamentos de valor, argumentam Freire-Medeiros e Bakker (2005) que os reality
shows são produtos que atestam, usando uma expressão de Badiou (2002), uma “paixão pelo real”
apresentando uma roupagem inédita contemporaneamente e questionando as fronteiras entre o
público e o privado.
Aliás, como salienta Andrejevic (2004), o apelo para o real e a interatividade mostra-se como a
promessa de um formato único em que o espectador participa da construção do programa e se vê
nele, deixando sua posição aparentemente passiva de mero membro da audiência. Hamburguer
(2002) segue a mesma linha de raciocínio ao comparar o fenômeno de comoção de massa, ocorrido
com a morte da princesa Diana, com programas como reality shows. O que ambos têm em comum é
a possibilidade de participação do mundo do espetáculo, de interação, promovendo um rompimento
epistemológico onde o telespectador passa para o outro lado, para a tela da televisão. Os reality
shows promovem a idéia de comunicação imediata e de preocupação com a experiência cotidiana,
compartilhando histórias íntimas e, é exatamente este caminho que Casos de família5, o programa
proposto para análise, explora.
5 De acordo com a emissora, o programa “traz temas do cotidiano que vão ressaltar as emoções dos participantes
presentes no palco, da platéia convidada e dos telespectadores que estão em casa, resgatando valores sem
apelar para provocações ou escândalos”. Disponível em: <http:// www.sbt.com.br/casos_familia>.
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
Visto estas questões acerca da televisão, mostra-se relevante refletir sobre o que é oferecido
aos 145 milhões (ou mais) de telespectadores, muitos dos quais têm nela a sua única fonte de
informação, de lazer e cultura. No mais, a televisão pode mostrar-se reveladora da sociedade, ou de
pelo menos uma representação construída dela.
E a família, como vai?
Até aqui, discorri sobre a importância de se estudar a televisão, procurarei agora delinear algumas
considerações sobre os estudos de família. Vários autores já analisaram a relação entre família e
sociedade. Velho (1987), por exemplo, preocupa-se com o papel social da família, atribuindo-lhe um
lugar fundamental no processo de socialização da subjetividade. Argumenta o autor que existe uma
articulação entre as várias famílias nucleares e essa rede de relações contribui para a construção
social da identidade, sendo essencial para o entendimento da subjetividade dos indivíduos6.
Na perspectiva de Simmel (2001), o estudo da família, em especial o estudo histórico, é relevante
porque a partir dele observamos o processo de socialização de um pequeno grupo, inserido num
outro mais amplo, e que surge de interesses simples e facilmente acessíveis. O autor aponta que há
um núcleo fixo, uma díade em torno do qual se constitui a família – a relação mãe e filho, este é o
elemento essencial e comum em todas as culturas.
Assim, a família pode assumir formas diversas de acordo com o contexto social e período histórico.
Além disso, seu papel também pode ser diferenciado de acordo com estas variáveis, aliadas a outras
como classe social, arranjo conjugal, divisão sexual do trabalho etc. Embora discordem em alguns
pontos, estes autores concordam sobre a relevância do papel da família para a sociedade, seja
moderna ou tradicional, pertencente ao domínio da cultura ou da natureza, da civilização ocidental
ou dos ditos “povos primitivos”....
No tocante a relação entre família e televisão, alguns estudos foram realizados. No campo da
recepção temos como referência a pesquisa de Almeida (2003 e 2003a) realizada na cidade de
Montes Claros, Minas Gerais, com famílias de camadas médias e populares. Aliás, os estudos sobre
recepção têm despertado cada vez mais o interesse de pesquisadores na área de Ciências Sociais
e poderíamos citar como exemplo as publicações de Abu-Lughod (2001), Prado (1999) e de Leal
(1995). Em comum estes trabalhos mostraram como as pessoas vêem o conteúdo dos programas
televisivos ficcionais, principalmente telenovelas, e se pautam sobre a perspectiva de que o receptor
6 Analisando camadas médias urbanas da Zona Sul, Velho (1987) propõe que os indivíduos que a integram, e
suas famílias, se caracterizam pelo vanguardismo, pelo individualismo e por uma forte influência das teorias
psicológicas, em especial da Psicanálise.
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
não é um ser manipulado, um receptáculo vazio. As autoras argumentam sobre as diversas formas
de recepção dessas mensagens, enfatizando como as pessoas se reconhecem ou rejeitam aqueles
estereótipos que percebem mais familiares ou estranhos ao seu mundo, o que lhes permite pensar
sobre suas próprias experiências. Apesar do crescente interesse no campo da recepção, poucos
estudos foram realizados no campo da própria imagem televisiva e sua produção, onde a pesquisa
de Miceli (1979) sobre o programa apresentado por Hebe Camargo, é referência importante. No que
tange a relação entre televisão & família no âmbito da produção televisiva o quadro é ainda mais
escasso, excetuando alguns raros trabalhos como o de Goldenberg (2001), sobre a imagem de
família, do papel feminino e do papel masculino na novela “Laços de Família”, produzida pela Rede
Globo de Televisão. Assim, podemos observar que a grande maioria dos estudos sobre televisão
têm analisado, principalmente, as telenovelas.
A proposta apresentada nesta pesquisa não é a de estudar um produto da dramaturgia, mas um
programa próximo a um gênero específico de programação ainda pouco explorado, a saber, os
reality shows, que se situam nas fronteiras entre realidade e ficção e, que põe em pauta a discussão
entre público e privado.
Segundo Bourdieu (1997a), a família é uma categoria e como tal diz respeito a um conjunto de
palavras que descrevem e constroem uma realidade social. Há um movimento cíclico no sentido de
que família é uma categoria social objetiva (estrutura estruturante) que baseia a categoria social
subjetiva (estrutura estruturada). Família como categoria subjetiva fundamenta diversas ações que
ajudam a reproduzir a categoria social objetiva. Dessa forma a família tem um papel fundamental
na manutenção da ordem social, na reprodução da estrutura do espaço social e das relações
sociais. O arsenal de estereótipos sobre os quais se alicerçam as mensagens proferidas na televisão,
que operam este movimento cíclico, ganha dimensão sem igual por estar em uma mídia de alcance
tão abrangente como a televisão. Além do evidente alcance geográfico televisivo, Bourdieu (1997)
também aponta para o papel decisivo que a televisão tem de formar consciências que se baseiam
nela como única fonte de informação. A televisão é capaz de produzir um “efeito do real”, é capaz de
fazer-ver e fazer-crer que a imagem veiculada, a partir de um processo de seleção pautado pela
audiência, possui status de realidade e é, portanto, legítima.
Dessa forma, julgo interessante e importante analisar a idéia de família veiculada pela mensagem
televisiva, bem como os valores por ela formulados visto que quase todos os programas de televisão
abordam a questão da família direta ou indiretamente7. Ademais, como argumentam alguns autores
7 De fato, podemos observar a família sempre presente na programação televisiva de todos os gêneros e na
mídia impressa em geral. Como exemplo, podemos citar a novela “Cabocla” (Rede Globo de Televisão) que
mostrava a rivalidade entre duas famílias, os programas “Bem Família” (Rede Bandeirantes) e “A grande
Família” (Rede Globo), assim como o encarte “Família” do Jornal O Globo.
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
citados anteriormente, a mídia é capaz de sinalizar rapidamente mudanças na dinâmica familiar pela
sua própria lógica de produção pautada na velocidade.
Afinal, que programa é esse?
Casos de família estreou na grade de programação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão)
em 18 de maio de 2004. Trata-se de um talk show que retrata situações do cotidiano vividas por
indivíduos anônimos8. O programa é exibido de segunda a sexta feira, de 16h00 às 17h00 e
apresentado pela jornalista Regina Volpato.
De acordo com o site da emissora “o programa se propõe a ser um talk show diferente que
retrata a vida de cidadãos comuns com realidade e sensibilidade9”. Cada programa aborda uma
questão diferente das relações familiares e conjugais, sempre buscando uma normalização ou
harmonização auxiliando as partes envolvidas no conflito – “a intenção é orientar e até mesmo
solucionar os casos apresentados, contando com a participação de um profissional especializado
em comportamento”10. Conflitos familiares são apresentados em temas como “Ela quer tudo do jeito
dela”, “Minha mulher não é mais minha companheira”, “Minha mãe se comporta como uma garota”,
“Ela tem mania de fazer regime”, “Ela não é boa mãe” etc. No decorrer do programa, a apresentadora
e a platéia fazem perguntas aos convidados e opinam sobre as situações apresentadas. O especialista
em comportamentos faz o diagnóstico dos casos e aponta soluções. No último bloco, a apresentadora
aglutina os relatos, dando explicações, ou sugestões, de caminhos a seguir para a dissolução das
questões apresentadas.
Objetivos e justificativa
A partir destas considerações, proponho analisar a imagem da família no programa televisivo
Casos de Família, particularmente as relações conjugais. Pois acredito que através do entendimento
da mensagem transmitida pelos organizadores dessa emissão, poderia melhor compreender que
modelo conjugal estaria à mídia televisiva construindo como modelo de família brasileira. Quais os
valores a ele associados e as permanências ou transformações apresentadas na televisão no que
se refere aos relacionamentos conjugais e familiares? Quais são os papéis masculinos e femininos
que evoca? Estas são algumas das questões que estarão em pauta neste trabalho.
8 “Os protagonistas de cada uma das histórias relatadas, são pessoas anônimas que revelam seus sentimentos
com sinceridade e verdade”. Disponível em: <http://www.sbt.com.br/casos_familia>.9 Idem.10 Idem. Este profissional a que se referem é, em geral, um psicólogo.
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
Considerando que se trata de um programa diário, de 1 hora e que foi criado em 2004, torna-se
impossível analisar todas as emissões já apresentadas. Assim, selecionei os programas exibidos no
mês de novembro de 2005 porque apresentaram temas variados sobre as relações conjugais e
familiares. São eles:
QUADRO 1: EXIBIÇÃO POR TEMA ABORDADO
Dia de Exibição Tema
01/11 “Ela é viciada em estética”
02/11 “Meu filho se deixa influenciar por amigos”
03/11 “Quero me separar, mas ninguém me apóia”
04/11 “Ela tem mania de grandeza”
07/11 “Ela quer tudo do jeito dela”
08/11 “Você sempre me criticou e agora faz o mesmo”
09/11 “Minha mulher não é mais minha companheira”
10/11 “Ela tem mania de fazer regime”
11/11 “Não me acerto com mulher nenhuma”
14/11 “Ela não acredita mais no amor”
15/11 “Ela vive me comparando com o ex”
16/11 “Meu filho é muito agressivo”
17/11 “Minha amiga reclama que não arruma namorado”
18/11 “Não gosto do nome que você me deu”
21/11 “Ela só me faz passar vergonha”
22/11 “Estou tentando salvar meu casamento”
23/11 “Ele cria bichos estranhos”
24/11 “Ela me passou a perna no trabalho”
25/11 “Minha mulher não liga para minhas reclamações”
28/11 “Minha mãe gosta mais do meu irmão”
29/11 “Ela largou o emprego para ser dona de casa”
30/11 “Meu marido me dá menos do que eu mereço”
Total 22 exibições
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Se observarmos mais detalhadamente as questões propostas para serem discutidas e
“solucionadas” no programa relativas às relações familiares, podemos classificá-las em torno dos
seguintes sub-temas:
QUADRO 2: EXIBIÇÃO POR SUB-TEMAS
Dia de Relações Relações Relações Relações Corpo, Saúde, Outros Total
Exibição conjugais amorosas pais e filhos de trabalho Aparência
01/11 X
02/11 X
03/11 X11
04/11 X
07/11 X
08/11 X
09/11 X
10/11 X
11/11 X
14/11 X
15/11 X
16/11 X
17/11 X
18/11 X
21/11 X
22/11 X
23/11 X
24/11 X
25/11 X
28/11 X
29/11 X
30/11 X
Total 10 3 4 2 2 1 22
Notamos que a maioria das transmissões de novembro 2005 tratam de questões ligadas à
conjugalidade, tópico de discussão de 10 das 22 emissões. Portanto, neste período a pauta de
discussão mais significativa foi sobre relações conjugais e é, assim, a que fornece maiores indícios
sobre a imagem que o programa pretende veicular. As demais temáticas foram menos abordadas
dificultando, assim, as possibilidades de análise sobre os diversos tipos de composição familiar
apresentados nesta emissão televisiva. Desse modo, para entender a percepção de família buscarei
especificamente analisar a percepção da família conjugal ideal apresentada pela mensagem
11 Os entrevistados dessa emissão não eram casais, mas parentes discutindo sobre casamento.
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
transmitida neste programa, por meio dos discursos da apresentadora, da platéia e dos profissionais
convidados. Sendo assim, enfatizo as transmissões que pautam seu discurso nesta temática. Contudo,
as demais exibições não serão descartadas quando permitirem a compreensão dessa questão.
Os relatos dos protagonistas dos casos apresentados serão analisados comparativamente uma vez
que informam situações díspares que rompem com o ideal apresentado e, neste sentido,
diagnosticadas como algo a ser solucionado. Para via comparativa, pretendo gravar e analisar as
transmissões que serão veiculadas no mesmo mês em 2006, a fim de observar se o que esta em
pauta durante esse período enfatiza também as relações conjugais.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa antropológica que se inscreve nas fronteiras da antropologia audiovisual
e da antropologia de comunicação de massas. Não pretendo, aqui, produzir imagens, mas analisar
as imagens (e mensagens) produzidas por este programa de televisão. Nelas busco entender como
são veiculadas as relações conjugais e, portanto, qual é o modelo de família conjugal que a mídia
televisiva cria e transmite aos seus telespectadores.
Analisar imagens não é tarefa fácil e Peixoto (1991) nos desperta para esta problemática,
observando que os pesquisadores estão familiarizados com a linguagem escrita e não com a
linguagem das imagens o que torna difícil “ler antropologia na imagem” (1991:222). Para se familiarizar
com tal linguagem e aprender a interpretá-la é necessário que se visualize intensivamente imagens
e que se indague sobre elas. “Ler imagens” requer que se observe seu sentido, seu significado.
“Para tal, há de delas se aproximar, detalhar esses sinais por meio de outras fontes: o trajeto do
olhar, as impressões visuais globais, as rupturas ou contradições entre o que é percebido e o que é
compreendido. E isso é muito mais amplo do que uma simples leitura. Desse modo, “ler” e “imagem”
devem ser mutuamente re-vistos, pois a expressão só tem sentido na condição de lembrarmos que
a imagem não é um texto sem palavras e que “ler imagens” é diferente da leitura que se faz de um
texto em que decodificamos cada signo buscando seu sentido; é, principalmente, a análise do
conjunto desses signos e de sua produção.” (Peixoto, 1991:222)
Assim, é também necessário observar o que está além do que é mostrado na tela, a realidade
contínua da imagem que ultrapassa o produto final exibido. É necessário refletir, como observa Bourdieu
(1997), sobre o processo de elaboração da imagem, como ela foi produzida, a lógica de seleção dessas
imagens o que vai ou não ser transmitido, veiculado. Neste sentido, buscarei observar os bastidores
do programa, sua produção, o que é escolhido para ser exibido e o que é descartado, a seleção dos
casos, dos temas etc. Para tanto, pretendo observar a produção de uma das emissões do programa e
entrevistar membros da produção, participantes, platéia e se possível, a própria apresentadora.
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
A observação dos bastidores da produção e as entrevistas (platéia, produção e participantes)
possibilitarão perceber além do horizonte daquilo que é veiculado e entender a perspectiva da produção
do programa. Isto permitirá um mergulho nos anseios, desejos, aspirações, perspectivas dos participantes
de Casos de Família, observando como o programa se insere na vida das pessoas que tanto participam
quanto assistem. Por outro lado, o diálogo com os produtores possibilitará desvendar os mecanismos de
produção do programa, seus objetivos, o que pretendem mostrar, que público pretende atingir etc.
Velho (2002) observa como determinada gramática social se projeta no indivíduo. Segundo o
autor, o indivíduo capta, filtra a configuração social na qual está inserido. No entanto, há uma potência
no indivíduo que o torna capaz de mudar uma relação social, ele não só incorpora, mas também
retoma o que está na sociedade e pode mudá-la dentro de um campo de possibilidades limites
de ação. Como membros de uma sociedade os produtores, convidados, especialista, platéia e
apresentadora inserem-se em configurações sociais diversas e tentam ou não muda-las e/ou
retraduzi-las, assim, através das entrevistas, análise dos relatos e imagem tentarei observar o como
este contexto social plural no qual estão mergulhados reflete-se em suas falas. Compartilho com o
autor a preocupação em não banalizar, não colocar somente o “pitoresco”, o “exótico”. Além disso,
procurarei perceber a tensão entre os projetos individuais do marido e da esposa e, nesses casos,
como fica a questão da família.
A família é um espaço eminentemente moral, com o auxílio de Velho (2002), abordarei como
ocorre a hierarquia e o individualismo nesta esfera através dos relatos sobre essas relações,
especificamente no que tange as questões conjugais mostradas no programa.
De certa forma, toco no ponto da construção simbólica de distinções sociais já que observo a
imagem de família ideal veiculada pelo programa sob a perspectiva dos produtores, em contraste ou
não, com as famílias “reais” que vão aquele espaço. Observo as distinções morais ligadas a uma
estilo de vida e status que constroem distinções sociais elaboradas socialmente e reiteradas e/ou
rompidas no programa. De um lado o universo dos produtores, especialistas e apresentadora e, de
outro, a pluralidade de mundos dos participantes. Pretendo reconstruir estas esferas a partir das
entrevistas e da própria observação do programa. Como Heilburn (2004) trabalho no plano do discurso,
no entanto, entrevistas e relatos atuam em conjunto com a própria imagem, configurando, assim, a
chave para o cotidiano desses casais. Trabalho com o relato dos sujeitos sobre sua relação conjugal
e o discurso do programa sobre como esta deve ser.
Para perceber esse ethos, este estilo de vida, parto do princípio que o público do programa, os
participantes - que majoritariamente pertencem às classes populares – e os produtores possuem culturas
próprias, distintas, e, até certo ponto autônomas, mas que tem relação entre si, como salienta Zaluar
(2000) “(...) Este contínuo comentário sobre o que se passava no local, na cidade, no governo e na
campanha eleitoral foi que me permitiu pensar num processo de constituição de uma cultura de classe
autônoma ate certo ponto, e nunca una, homogênea e completamente sistematizada.” (Zaluar,2000:31)
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
Casos de Família talvez possa ser compreendido como uma arena onde se encenam conflitos
gerais presentes na sociedade de forma geral. Gluckman (1987) e Sahlins (2004) com especificidades
próprias de cada autor, apontam para uma perspectiva de entendimento do conflito a partir do conceito
de evento. Um evento é algo que se destaca por mudar ordem das coisas, gerar uma diferença.
O desejo de quem vai relatar seus dramas no palco é de que este episódio seja um “evento” em sua
vida o que pode ou não acontecer. Este desejo é alimentado pelo fato da mídia poder potencializar
determinadas situações para provocar mudança e da visibilidade alcançada através dela, isto, unido
às especificidades do programa como o uso de especialistas e os conselhos da apresentadora.
O clímax do evento seria o palco, há uma busca por harmonia e após este ponto um novo equilíbrio
entre os familiares opositores se daria. Talvez o que mais distinga o programa de outros do gênero,
como antecessor apresentado por Márcia Goldschimidt, seja essa busca por equilíbrio, além do uso
de especialistas que também serve a este propósito. Por outro lado, os conflitos se sucedem dia
após dia, caso após caso no programa, ali, idéias contraditórias coexistem diariamente. Assim, neste
cenário e sob esta perspectiva, como argumenta Zaluar (2000) os conceitos mais apropriados são
os de campo e arena “(...) condizentes com a flexibilidade de entrada de atores na interação e a
fluidez dos recursos e significados dos membros participantes (Swartz, 1968), bem como a
intercambiabilidade entre palco e platéia.” (Zaluar,2000:27)
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Casos de família: a conjugalidade nas antenas da TVElisa da Silva Gomes
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O cotidiano urbano delineado pela presençado protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis
O cotidiano urbano delineado pela presença do protestantismo:Teixeira de Freitas, Bahia*
Jessyluce Cardoso Reis**
Os padrões culturais instituídos nas comunidades revelam configurações de valores que delineiam
o espaço urbano. Essa ordenação apresenta diversas situações basilares que estabelecem um marco
regulador de ordem ideológica na manutenção do “poder simbólico1”. Sobre esta delimitação do espaço
urbano como resultante do comportamento do homem como ser cultural, vemos no protestantismo,
a instauração de uma nova ordem social na contemporaneidade, em que o movimento religioso
passou a exercer forte influência na dinâmica cultural das comunidades. Nessa perspectiva, é
imprescindível a análise dos reflexos desta manifestação religiosa na organização da sociedade.
As considerações feitas nesta introdução são resultantes de observações do cotidiano da cidade,
a partir da alta concentração de evangélicos no espaço urbano. A incidência dos valores do
protestantismo sobre o mercado traduz o ”espírito do capitalismo”2, o que estimula a cidade a adotar
determinados padrões culturais oriundos da ética protestante3.
Essa tendência merece atenção quanto aos vários protestantismos que estão inseridos hoje, na
cultura brasileira, o que diversifica os costumes de cada denominação religiosa protestante, contudo,
* Artigo apresentado no IV Fórum de Debates – Perspectivas Interdisciplinares nas Artes e nas Humanidades
– Sessão de Comunicações Livres. Promovido pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP) e Universidade São Marcos.** Mestranda do Programa Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação da Universidade São Marcos.1 Sobre o poder simbólico: É, com efeito, esse poder invisível, o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Vide: BOURDIEU, Pierre.
O poder simbólico. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.2 Para Weber, historicamente, o calvinismo, religião protestante, foi um dos agentes educacionais do espírito
do capitalismo. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Edição revisada. São Paulo:
Martin Claret, 2002.3 Segundo Weber, a Ética Protestante traça o tipo ideal da conduta religiosa que contribui decisivamente para
o desenvolvimento qualitativo do capitalismo.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 76-85Universidade São Marcos
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O cotidiano urbano delineado pela presençado protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis
a auto-identificação de “protestante” ou “evangélico” significa um perfil diferenciando dentro de um
determinado contexto social. Percebe-se, então, nesse contexto, a representação da Igreja como
um forte Aparelho Ideológico de Estado-AIE4, cujo funcionamento relaciona-se à produção das
relações de produção. Sendo, conseqüentemente, a religião, uma forma de manutenção da produção
capitalista. Devido às variáveis apresentadas por esse fenômeno cultural, pretende-se, nesta
comunicação, deter apenas às questões relacionadas ao cotidiano urbano, a saber, o desenvolvimento
das atividades econômicas baseadas nos valores instituídos pelos evangélicos.
No primeiro momento, far-se-á um breve histórico da evolução do protestantismo na cidade de
Teixeira de Freitas, Bahia. No segundo momento, a análise da organização dos espaços de lazer,
comércio e cultura da população; em seguida, serão descritos os valores do protestantismo explícitos
e implícitos no perfil do consumidor e do comerciante teixeirenses. A seguir, as tendências do mercado
consumidor como resultante do dogma protestante. Por fim, reflexões sobre relatos de evangélicos,
em razão das suas escolhas, para melhor compreensão do comportamento destes, e o impacto no
espaço urbano da comunidade pesquisada.
1. As “origens” da cidade de Teixeira de Freitas, Bahia
Localizada no Extremo Sul da Bahia, a 884 km da capital do Estado, a cidade de Teixeira de
Freitas, formada inicialmente por famílias afro-descendentes, ora conhecida pelo nome de “Mandiocal”
ora de “Comércio dos Pretos”, não apresentava perspectiva de crescimento. A partir dos anos 60, com
o grande comércio de madeira de lei, o povoado desenvolveu-se bastante, o que proporcionou, assim,
a imigração de comerciantes, agricultores e pecuaristas de outras regiões. Implantado às margens da
BR 101, o município de Teixeira de Freitas cresceu assustadoramente, sendo emancipado com uma
população de 63 mil habitantes em 09 de maio de1985. Segundo dados do censo demográfico de
2005, atualmente, a referida cidade tem uma população estimada em 120.000 habitantes.
O município de Teixeira de Freitas tem tradição nas atividades agropecuárias e comerciais,
sendo um dos fatores fundamentais para tais aptidões, a sua localização geográfica, uma vez que, a
cidade faz limites com os Estados do Espírito Santo e Minas Gerais. Com a implantação das empresas
de celulose, o eucalipto passou a ser o grande negócio da região. A cidade conta com o Distrito
Industrial, além do significativo número de estabelecimentos comerciais, sendo hoje uma das grandes
4 Althusser defende a idéia de a Igreja ter sido o AIE, de maior dominação, por reunir as funções religiosas,
escolares e boa parcela das funções culturais, o que ocasionou a luta ideológica do século XVI ao XVIII;
desde o primeiro abalo da Reforma, se concentrou numa luta anticlerical e anti-religiosa. ALTHUSSER,
Louis. Apud GUILHON, J. A Albuquerque. Aparelhos ideológicos do Estado: nota sobre os aparelhos Ideológicos
de Estado (AIE). 8 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 76-85Universidade São Marcos
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O cotidiano urbano delineado pela presençado protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis
fontes de renda da cidade, o que faz da mesma, uma geradora em potencial de empregos. Sob este
aspecto, Teixeira de Freitas apresenta índices de desenvolvimento crescente a cada ano, sendo
inclusive motivo de incentivo para que, empresas, de diversos Estados do país, a escolham para
instalação de lojas.
Paralelo ao crescimento populacional, cresceu ao longo dos últimos cinqüenta anos, o número
de evangélicos da referida cidade. Segundo testemunhos orais, a origem do protestantismo em Teixeira
de Freitas emerge a partir da segunda Guerra Mundial quando o aeroporto de Caravelas, município
do qual a cidade de Teixeira de Freitas era distrito, servia de base aérea para os soldados americanos.
Na ocasião, um desses soldados de religião Batista, converteu alguns moradores do município de
Caravelas, o que mais tarde se disseminaria pelo entorno.
Ainda segundo relatos orais, a Estrada de Ferro Bahia-Minas, também localizada no município
de Caravelas, influenciou na propagação dessa evangelização, culminando com a fundação do
primeiro Templo Batista do Extremo Sul Baiano, em 1947. Outra incidência na inserção dos
protestantes na cidade de Teixeira de Freitas foi a construção da BR 101 nos anos 60, quando aqui
chegaram os primeiros membros da Igreja Assembléia de Deus, e nesse mesmo período, fundaram
a primeira congregação. Sendo essas duas denominações, portanto, as pioneiras do protestantismo
na referida cidade.
Ao longo desses cinqüenta anos, o índice de adeptos ao protestantismo contribui para o
crescimento significativo de igrejas das mais diversas denominações evangélicas, perfazendo um
total de 200 igrejas protestantes, sendo este universo bastante heterogêneo, o que apresenta três
vertentes: a dos protestantes históricos, a dos pentecostais e a dos chamados neopentecostais.
Esses números evidenciam traços culturais poucos comuns ao Estado da Bahia, contrariando o
sincretismo religioso e algumas práticas genuinamente baianas, a exemplo do candomblé ou mesmo
de atividades como a capoeira, o carnaval, dentre outros, os quais não mereceram a atenção da
população teixeirense. O protestantismo, sem dúvida, estabeleceu ao longo da sua proliferação, a
cultura do seu dogma religioso, tornando a cidade de Teixeira de Freitas uma singularidade no contexto
cultural da Bahia.
2. A presença de valores do protestantismo no espaço urbano
Ao adentrar a cidade de Teixeira de Freitas, percebe-se que, definitivamente, não se está pisando
em solo baiano, se considerar os valores culturais constituídos ao longo da formação do Estado da
Bahia. Trata-se de uma cidade pujante pela efervescência do seu comércio local e pela organização
do espaço urbano. Na arquitetura, não distancia das tendências nacionais. Contudo, o poder de
consumo da referida cidade, indubitavelmente, apresenta-se como um diferencial no contexto do
desenvolvimento econômico do Estado da Bahia.
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 76-85Universidade São Marcos
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O cotidiano urbano delineado pela presençado protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis
A forma como a cidade se comporta revela a sua identidade; a saber, o número significativo de
templos, a prática das escolas dominicais que conduz centenas de pessoas a se deslocarem de um
lado para o outro, nas manhãs de domingo, alterando a paisagem urbana, ou mesmo a praça central
da cidade, antes denominada de Praça da Independência, fora renomeada depois de uma reforma,
com o nome de Praça da Bíblia, em virtude dos grandes eventos evangélicos que são realizados no
referido local.
A concentração de evangélicos na Praça da Bíblia não sofreu alteração, mesmo com a chegada
de um Shopping Mall na cidade, por ser a praça, o local de realização dos grandes cultos, da
apresentação de Bandas Gospel, dentre outras atividades protestantes; esses eventos convergiram
na alteração da própria arquitetura da praça, quando da sua fundação foi feita ao lado uma área para
patinação, ciclismo e apresentações festivas diversas. Gradativamente, a praça se transformou numa
imensa área comercial para atender aos evangélicos em suas noites de lazer gospel. Gouveia e
Velasques (2002) afirmam: “O protestantismo sempre foi uma religião urbana. Ela surge na cidade e
se desenvolve dentro do processo de industrialização”. A alteração da urbanização em detrimento
da cultura protestante, historicamente, se constituiu a partir da dominação desses espaços e,
concomitantemente, a adaptação destes para atender às suas necessidades, na medida em que o
protestantismo dentro da evolução religiosa do cristianismo apresenta-se como um elo de recuperação
permanente do simbólico. No caso da cidade de Teixeira de Freitas, é fortalecido e legitimado pela
adequação do espaço urbano. Essa demarcação geográfica da exploração do espaço justifica a
manutenção dos interesses simbólicos que objetivam a representação mental da divisão da cultura
em prol da manutenção da religiosidade.
Em Bourdieu5, vê-se, para além da religiosidade, a imposição de um determinado grupo social
em cuja sustentação residem as diversas formas de se estigmatizar o espaço, pela imposição sutil
de um conjunto de regras e valores, com os quais determinado espaço social vai se adequando;
essa divisão se torna real pelo imaginário, pelo mágico. A conceituação do principio da divisão trata-
se de um ato mágico, quer dizer propriamente social.
Em relação ao sincretismo religioso baiano, a cidade de Teixeira de Freitas se impôs, delimitando
espaços que diferenciam em sua gênese cultural, tanto os aspectos relacionados às convicções
religiosas, quanto à forma de lazer revelada pela conduta do povo teixeirense. A exemplo das festas
juninas ou do carnaval, que não são características da comunidade pesquisada. Em todo o entorno
regional se comemora o São João, festa tradicionalmente nordestina, entretanto, tal prática não faz
5 As lutas a respeito da identidade étnica ou regional, quer dizer, a respeito de propriedades (estigmas ou
emblemas), ligados a origem através do lugar de origem e dos sinais duradouros que lhe são correlativos,
como o sotaque, são um caso particular das lutas de classificações, lutas pelo monopólio do fazer ver e fazer
crer , de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a divisão legítima do mundo social e, por este meio,
de fazer e de desfazer os grupos. (BOURDIEU, p. 113, 2005).
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 76-85Universidade São Marcos
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O cotidiano urbano delineado pela presençado protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis
parte do cotidiano da cidade. Da mesma forma, o carnaval que só merece destaque, quando se
comemora a festa de aniversário da cidade, quando os trios elétricos tomam a Getúlio Vargas, principal
avenida da cidade, e apenas dois blocos de foliões se divertem no circuito festivo; neste momento
considerado exclusivo da profanidade, os protestantes também participam da programação da festa
em apresentações paralelas com Bandas Evangélicas para os fiéis. Ações como estas se devem à
religiosidade dos teixeirenses, cujo comportamento nega a tradição das principais manifestações
socioculturais decorrentes da evolução histórico-geográfica da Bahia, que instituiu as Festas
Populares6 de caráter religioso, em toda parte do seu território sob forma de danças, culinária, tipos
regionais, grupos folclóricos e outros. Que a religiosidade protestante delineia o cotidiano da cidade
pesquisada é expressivo, contudo, é preciso compreender para além da ideologia, e fundamentar a
razão de ser da opção por uma cultura diferenciada da cultura do Estado. É preciso, também,
compreender até que ponto essa influência dita as normas de conduta e institui valores, considerando
que os problemas sociais que a cidade enfrenta não são diferentes dos problemas sociais enfrentados
por outras cidades que não apresentam esse perfil religioso.
Um outro questionamento seria se essa realidade ora apresentada seria uma tendência da
contemporaneidade. As possíveis respostas surgem no cotidiano da cidade, como a cultura dos
shoppings, que foi absorvida pelo Brasil e que o interior do país não fugiu à regra dessa cultura. Em
Teixeira de Freitas, a chegada do Shopping Mall, representou certa ameaça às Igrejas protestantes,
à medida que a cidade ganhou um significativo espaço de lazer para as famílias. Pensando em
conciliar a nova opção de lazer com os afazeres religiosos, algumas denominações protestantes
construíram templos nas proximidades do Shopping, sendo que uma dessas denominações utilizou
uma estratégia mais audaciosa, a locação de um salão no interior do Shopping para funcionamento
de um templo. Quiçá, a primeira igreja do país a funcionar dentro de um shopping. Assim, os fiéis
assistem ao culto e, ao término das atividades religiosas, passeiam pelo Shopping.
3. Fé e mercado: consumo resultante dos dogmas religiosos
O desenvolvimento econômico, se associado ao perfil do consumidor da cidade de Teixeira de
Freitas, sem dúvida , remeterá às conclusões, outrora feitas por Weber7, quando da suas reflexões
6 As Festas Populares da Bahia, estão sempre associadas às questões religiosas ou folclóricas, contudo,
independente da peculiaridade da festa ocorrem quase sempre juntas. Dentre as Festas Populares mais
importantes destacam-se: O Reisado, Carnaval, Quaresma, Festas Juninas, Vaquejada e as Festas dos
Padroeiros. Sobre as danças, culinária e tipos regionais, vide NENTWIG, Bárbara C. Silva (et al). Atlas
escolar Bahia: espaço geo-histórico e cultural. 2 ed. João Pessoa: Grafset, 2004.7 Sociólogo alemão, Max Weber (1864-1920) sinaliza que o calvinismo, com sua ética de sucesso forneceu as
motivações religiosas e psicológicas para o desenvolvimento do capitalismo moderno.
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O cotidiano urbano delineado pela presençado protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis
sobre “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”8, observa-se no comportamento do consumidor
teixeirense que, de certo, as tendências do mercado na referida cidade são resultados, também, da
cultura dos protestantes, considerando a porcentagem da população formada de evangélicos. Essa
representação simbólica do protestantismo é, em algumas situações, tão latente, que se manifesta a
partir dos nomes que os evangélicos colocam em seus estabelecimentos comerciais: Salão de Beleza
Shalon; Supermercado Cristo Rei; Laboratório de Análises Clínicas Yová Rafá; Escola Flores de
Ehloi; Supermercado Aliança Eterna; Variedades Filha de Sião.
Essa externalização também se faz presente nas propagandas que pulverizam o comércio dando
o tom da crença, como é o caso da música gospel. É comum o consumidor adentrar as lojas do
comércio local, e fazer suas compras, ao som de uma música gospel que traduz a crença do dono do
estabelecimento, ou mesmo comprar o acarajé, alimento genuinamente baiano, consagrado ao Senhor
Jesus, salientando que, o acarajé só passou a ter aceitação na cidade de Teixeira de Freitas no fim
dos anos noventa, quando certa comerciante da iguaria, aqui denominada baiana, colocou o seu
produto a venda.
A princípio, a rejeição da comunidade protestante era notável, porque, segundo a sua crença,
não poderia ingerir o acarajé pelo fato de ser um alimento amaldiçoado, uma vez que, segundo a
tradição, as baianas do acarajé consagram o primeiro alimento aos orixás9, o que o torna, preceitos
evangélicos, um alimento impuro. Anos depois, por circunstâncias outras, a comerciante do acarajé
se converteu ao protestantismo, passando inclusive a dar os seus testemunhos de vida pós-conversão
para os seus clientes, deixando claro que, o seu produto era diferenciado dos demais acarajés,
porque o seu acarajé era consagrado ao Senhor Jesus. A descrição de tais comportamentos pode se
justificar pelo poder simbólico da religião sobre as pessoas, como afirma Bourdieu10.
Por conseguinte, a reprodução da crença no protestantismo passa a ser uma das condições
para estabelecimento do status quo, ou seja, o poder simbólico da conversão ao protestantismo gera
8 É bem verdade que a maior participação relativa dos protestantes na propriedade capital, na direção das
esferas mais altas das modernas empresas comerciais e industriais pode, em parte, ser explicada pelas
circunstâncias históricas oriundas de um passado distante, nas quais a filiação religiosa não poderia ser apontada
como causa da condição econômica, mas até certo ponto parece ser resultado desta. (WEBER, 2002, p. 37).9 Deuses do candomblé (culto africano).10 O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar
ou de transformar, a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto, o mundo; poder quase
mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força, graças ao efeito especifico de
mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário (...) isto é, na própria
estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras de ordem,
poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as
pronuncia, crença cuja produção na é da competência das palavras. (BOURDIEU, 2005, p.14).
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no cliente dessa comunidade segurança em relação ao produto que se pretende consumir, o que
significaria que “o produto convertido é abençoado, e aprovado pelo controle de qualidade”11. A crença
legitima o produto.
Um outro aspecto relevante é o crescimento da informalidade do comércio de Teixeira de Freitas,
sendo que este se fortaleceu na referida Praça da Bíblia que, devido a grande concentração de
evangélicos, em função das programações das igrejas que freqüentemente acontecem no local nos
fins de semana, passaram a explorá-la como espaço de lazer. Nessa perspectiva, o comércio da
cidade prospera a cada dia, sendo que, em muitas situações, o empresário protestante impõe com a
sua crença os produtos que devem ser comercializados em suas lojas, a exemplo, restaurantes que
não vendem bebidas alcoólicas, ou mesmo dos adventistas que não abrem seus comércios aos
sábados; ou as butiques que vendem roupas confeccionadas no estilo evangélico.
Essas observações permitem compreender o limite entre o ideológico e o mercadológico. Sobre o
poder ideológico da religião encontra-se a razão de ser, re-visitando, Althusser12, quando da sua afirmativa
de que “todos os Aparelhos Ideológicos do Estado – AIE, quaisquer que sejam, concorrem para o mesmo
fim: a reprodução das relações de produção, isto é, das relações de exploração capitalistas (2001, p. 78).
Fazer negócio em Teixeira de Freitas inclui, portanto, essa significativa parcela de clientes dispostos
a consumir o suficiente, sendo o limite para o consumo “o que é agradável aos olhos do Senhor”13.Vemos
nesse comportamento, a representação ideológica da ideologia14. Assim, a ideologia como representação
da relação imaginária, coloca os indivíduos em paridade com suas condições reais de existência,
retratando a concepção de mundo baseada na verdade maior que é a crença religiosa, essa última
justifica o modus vivendi15; limite ideológico; já em relação ao limite mercadológico esses são
representados pelo modus faciendi16 dos teixeirenses.
4 . Nas veredas protestantes: relato de experiências
Ante as relações coletivas vivenciadas no cotidiano da cidade de Teixeira de Freitas, observa-
se em situações diversas, o impacto do protestantismo que, delimita espaços e cria condições outras
11 Grifo meu12 Louis Althusser – Filósofo francês, autor da obra Aparelhos ideológicos de Estado – AIE13 Versículo bíblico: Levítico 10:1914 A representação ideológica da ideologia é, ela mesma, forçada a reconhecer que todo “sujeito” dotado de
uma “consciência” e crendo nas “idéias” que sua “consciência” lhe inspira, acentuando-as livremente, deve
“agir segundo suas idéias” imprimindo nos atos de sua prática material as suas próprias idéias enquanto
sujeito livre. (ALTHUSSER, Apud GUILHON, 2001, p. 90).15 Expressão latina que significa: Modo de viver. Pr: “modus vivendi”.16 Expressão latina que significa: Modo de fazer. Pr: “modus faciendi”.
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para manutenção da cultura evangélica, que se revela em muitos contextos geográficos da cidade.
O mapa urbano sinaliza as mais de duzentas igrejas protestantes espalhadas pelos bairros: dos
centrais aos periféricos. Essa manifestação também é evidenciada no perfil dos cidadãos teixeirenses.
Ao ouvi-los pudemos analisar as circunstâncias em que se deram as conversões ao protestantismo,
e em que contexto se tornam suscetíveis, as conversões. Ao dialogar com alguns protestantes sobre a
opção religiosa, obtivemos as seguintes respostas: A princípio, era uma forma de sair de casa, ou seja,
ter para onde ir, ter com quem sair. Com o tempo percebi que estar naquele ambiente era mais que
fazer amigos, e eu comecei a fazer parte do corpo de Igreja de maneira que não conseguia mais me
ver fora daquele contexto; essa decisão foi aos 14 anos de idade, toda minha adolescência foi dentro
da Igreja , onde firmo a minha fé. Hoje tenho 29 anos e posso afirmar que não vivo sem Jesus em
minha vida. Sinto-me cada dia mais feliz por fazer parte do Corpo de Cristo, afirma Fabiana Guerra,
membro da Igreja de Deus. Quando questionada sobre o estilo de vida dos jovens protestantes na
cidade de Teixeira de Freitas, Fabiana Guerra completa dizendo: em Teixeira de Freitas, temos opções
de lazer, onde podemos nos reunir com os demais irmãos e juntos adorar o nome do Senhor. Aqui
somos felizes, vamos aos shows nas praças. Quando não há programação na praça, nós jovens fazemos
a nossa festa, ou seja, reunimos, oramos, cantamos, enfim, glorificamos ao Senhor. Não nos sentimos
diferentes ou constrangidos pela cidade, somos muitos, afirma.
A compreensão dos elementos que fazem parte do cotidiano dos convertidos17 de Teixeira de
Freitas é premissa básica para conhecer a base da disseminação ideológica, que penetra no cotidiano
da população. Como sugere Bourdieu (1987: IX) em relação à observação da cultura como estrutura
estruturada, ou seja, como instrumento de poder e uma forma de legitimação da ordem vigente, o
que enfatiza o caráter alegórico dos sistemas simbólicos.
Ao conversar com Daniel Moraes, 24 anos, advogado, nascido em Teixeira de Freitas , sobre as
causas da sua escolha religiosa, explicou: “nasci num lar evangélico, meu pai era presbítero e meu
avô fundou dois templos da Igreja Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo,18 um templo aqui em
Teixeira e outro na cidade de Alcobaça. Cresci dentro da Igreja , o meu universo até os 14 anos foi
esse: escola dominical, culto matutino, culto noturno. Aos 16 anos fui morar em Vitória,ES, ali continuei
freqüentando a Igreja por um período, depois me desviei da Igreja. Estudar Direito em Ilhéus, durante
o tempo que passei lá, cinco anos, não ia a nenhuma Igreja, era outro contexto, outra vida, fiquei
literalmente no mundo. Este ano,2006, retornei a Teixeira de Freitas e voltei para a Igreja, graças ao
Senhor Jesus! Estou firme na fé, diz o jovem. Quando questionado se a cidade de Teixeira havia
influenciado na sua decisão de retornar à Igreja, explica: não tenho dúvida, aqui em Teixeira nos
sentimos mais a vontade para servir ao Senhor, aqui tem muitos evangélicos, muitas programações
17 Aquele que adere a uma nova crença.18 Denominação religiosa criada pelo senhor Amazias Barreto, um dos moradores mais antigos da região.
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Jessyluce Cardoso Reis
envolvendo o mundo do crente , muitos jovens, além de ter muitas Igrejas. Ser evangélico aqui é
comum, você não se sente rotulado como um cara careta, revela.
Dos depoimentos sobre a influência da cidade de Teixeira de Freitas na escolha religiosa dos
protestantes da cidade, alguns destes apresentavam o mesmo teor no discurso, com foi o caso do
Sr. Osvaldo, comerciante que veio de Juazeiro da Bahia para Teixeira de Freitas, há cinco anos: vim
para Teixeira de Freitas com a minha família porque as coisas não estavam fáceis em Juazeiro,
principalmente para o meu tipo de comércio (representação de cosméticos e perfumaria). Sempre
ouvi dizer que aqui era uma cidade promissora, e que o comércio aqui era muito forte. Quando aqui
chegamos, minha mulher entrou em depressão, pois aqui nem parece ser Bahia, as pessoas têm
costumes diferentes. Nós estávamos acostumados com a cultura de Juazeiro, as festas juninas, o
forró, as amizades. Aqui as pessoas se demonstravam frias e indiferentes. Até que um dia fomos
convidados para participar de um culto na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Como não tínhamos outra
opção de lazer, passamos a freqüentar a Igreja, lá tivemos apoio dos membros, e então aceitamos a
Cristo. Hoje entendo que talvez as pessoas daqui não sejam tão frias, porém a maioria delas tem um
estilo de vida diferente. Na verdade, a Igreja representou para nós uma forma de sermos inseridos
na cidade, ressaltou.
Conforme depoimento anterior, dentre as razões mais citadas pelos convertidos ao protestantismo,
a partir da sua moradia na cidade de Teixeira de Freitas, está a necessidade de fazer parte do meio
social. Pois as programações que as Igrejas oferecem, a exemplo dos encontros de casais, chá, jantares,
shows, congressos, acampamentos, intercâmbios, serenatas, excursões, são atraentes e preenchem
as expectativas de lazer.
O universo simbólico do cotidiano da cidade de Teixeira de Freitas varia entre o misticismo e a
racionalidade, em relação ao mundo, e conseqüentemente, o estilo de vida. Contudo, independente
da categoria de religiosidade no quadro geral do protestantismo sendo tradicionais ou pentecostais,
a ética cotidiana não altera em relação aos costumes, influenciando inclusive na postura, por exemplo,
dos católicos, que apresentam costumes pouco diferenciados concernentes à prática da religiosidade.
Tal conduta, segundo depoimento da comunidade pesquisada, faz da cidade de Teixeira de Freitas,
uma comunidade com grande chance de ser “arrebatada no juízo final”.19
19 Grifo meu.
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O cotidiano urbano delineado pela presençado protestantismo: Teixeira de Freitas, Bahia
Jessyluce Cardoso Reis
Referências bibliográficas
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(AIE). Louis Althusser; tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro: introdução
crítica de José Augusto Guilhon Albuquerque. 8 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico; tradução Fernando Tomaz (português de Portugal). 8 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil , 2005.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censos Demográficos Bahia – 2005. Disponível
em: <http//www.ibge.gov.br>. Acesso em 22 out. 2006.
JORNAL ALERTA. Edição especial do aniversário da cidade de Teixeira de Freitas. Maio de 2006.
LOPES, Waldemar. Um grande brasileiro: idealismo e ação, devotamento e espírito público, pertinácia e
trabalho: Mário Augusto Teixeira de Freitas. 1 ed. Recife: Livros de Amigos, 1999.
MENDONÇA, Gouveia Antonio e Prócopo Velasques Filho. Introdução ao protestantismo no Brasil. 2
ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 1 ed. São Paulo: Martin Claret, 2002.
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A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi
A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos*
Mario Fernando Bolognesi**
No século XX, conforme Eugenio Barba (1995, p. 26), surge a necessidade, por parte do atores,
de montar laboratórios, escolas, centros teatrais que colocam em questionamento o fazer teatral.
Segundo Jacques Copeau (1974), por volta de 1926, surge também a necessidade de uma escola
que seja diferente da tradicional relação professor e aluno, algo como uma comunidade real capaz
de ser auto-suficiente e responder às próprias necessidades.
A situação pedagógica está ligada não ao “último grito”, mas ao “primeiro grito”, construindo o
processo de formação para a criatividade, de aprender a sabedoria de ter conhecimentos e
possibilidades de escolher o que aprender. Também por essa razão, a escola é um lugar separado
onde se vive o hoje do futuro, uma comunidade à parte (da cidade, do teatro, do mundo “normal” ou
burguês), Stanislavski (Teatro de Moscou), Casa de campo de Copeau (Vieux Colombier), Atelier
de Dullin, Borgonha das Copiaus, Escola Hellerau de Dalcroze, Escola de Arte, de Laban. Todas
têm em comum a reflexão do processo criativo. (BARBA;SAVARESE, 1995, p. 28).
A máscara a partir daí, foi um dos instrumentos utilizados para se ensinar a arte teatral, que
tanto pode resultar numa característica cênica, como apenas um instrumento de aprendizado.
Pesquisando sobre os principais mestres de máscaras, nota-se uma preocupação em desenvolver
no ator não apenas uma personagem, mas também uma lógica de interpretação capaz de lidar com
imprevistos, uma dinâmica ampliada de gestos, uma prontidão cênica, algumas habilidades artísticas
para composição de repertórios, um domínio maior do intérprete em relação ao público, entre outros.
* Professora auxiliar da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, pesquisadora / assistente do projeto
- Doutores da Alegria e coordenadora de teatro da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado. Cursa
Mestrado em Artes Cênicas na UNESP.
** Possui Livre-Docência em Estética e História da Arte pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP). É professor adjunto do Instituto de Artes da UNESP.
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A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi
Somente na década de 1980, no Brasil, tem-se conhecimento de uma aproximação das máscaras
teatrais como fator para ampliar a qualidade da interpretação e da encenação. Vários grupos de teatro
procuraram a pedagogia das máscaras e alguns profissionais estrangeiros, que já trabalhavam nessa
vertente, vieram para o Brasil, como o diretor italiano Francesco Zigrino, bem no início daquela década1.
Francesco Zigrino atuava como diretor em grupos teatrais no sul da Itália e participou da escola
de Jacques Lecoq, na França, anos antes de vir ao país. Lecoq (1996) criou um esquema das técnicas
com as máscaras para auxiliar tanto no treinamento do ator quanto na sua desenvoltura pessoal.
A partir da preparação corporal, poderia aprimorar-se a dinâmica dos gestos. Através da máscara,
o ator, cheio de caretas e sorrisos sem sentido, desaparecia, possibilitando uma nova consciência
de atuar. Acreditava-se que, diminuindo o potencial da face para comunicar algo, o ator era obrigado
a utilizar o corpo todo e alternativas para estabelecer uma ponte com o público, ampliando possibilidades
de criação e atuação.
A partir de ensinamentos do francês o diretor Francesco Zigrino veio ao Brasil através de um
convite do Instituto Italiano de Cultura para apresentar seu espetáculo Pinóquio em 1983. Ao chegar
aqui, estabeleceu parcerias com a Universidade São Paulo – USP, particularmente na Escola de Arte
Dramática – EAD e Escola de Comunicação em Artes – ECA. Nessas escolas, o diretor desenvolveu
cursos acerca da pedagogia das máscaras, além de espetáculos também montados com essas
características. Durante sua passagem, formaram-se vários profissionais que deram continuidade à
atuação teatral com o trabalho de máscaras de um modo geral e que hoje são referências importantes
no teatro paulistano. Essas técnicas, quando chegaram aqui, nesse período, eram consideradas
muito novas e despertavam muitas curiosidades perante, principalmente, os alunos de teatro.
Francesco Zigrino, no entanto, almejava trabalhar a commedia dell’arte com atores brasileiros.
Com alunos do 2º ano da EAD2, o diretor foi convidado para dirigir um espetáculo em 1985, a partir
do roteiro de Flamínio Scala, Il cavadente. O canovaccio foi a base para a criação dos diálogos,
realizados com ajuda das improvisações das atrizes.
O processo de O arranca dentes foi bastante intenso. As atrizes fizeram curso antes dos
ensaios, baseado na máscara neutra e depois na commedia dell’arte. Zigrino desenvolvia um grande
trabalho físico no início, estimulando-as a fazer aulas de circo para ganhar a prontidão corporal
que as máscaras precisavam. Débora Serritielo (2006) explica que, nesse período, o Circo Escola
1 Esta pesquisa faz parte da dissertação de mestrado na área de Artes Cênicas, a ser defendida na UNESP –
Instituto de Artes em 2007 com o título: “A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrino: uma influência no
teatro de São Paulo anos 1980”, mestranda: Leslye Revely dos Santos, orientador: Mario Fernando Bolognesi.2 Elenco da montagem com o diretor Francesco Zigrino: Débora Nogueira, Carmen Cozzi, Débora Serritiello,
Tiche Vianna, Fortuna Dwek, Soraya Saide. Atrizes Convidadas: Miriam Palma, Vânia Leite, Mônica Jurado,
Ariela Goldman e Cristiane Paoli Quito.
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A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi
Picadeiro era uma espécie de “quintal” da EAD, pois vários atores da escola, ligados ao teatro
físico, exercitavam-se naquela escola.
Dentre seus exercícios de aquecimento, Zigrino utilizava um exercício no qual os atores ficavam
em volta de duas cadeiras. O diretor dava um tema. Os dois que iam para o centro tinham de ter
opiniões contrárias. A platéia também participava do jogo. Se um ator no centro falava e não se mexia,
o outro poderia mexer-se. Caso o ator não falasse, mas se mexesse, o outro poderia falar, mas não se
mexer. Um paralisava o outro nas ações, pois não podiam fazer as mesmas coisas simultaneamente.
A platéia aplaudia o ator que estivesse agradando na movimentação ou na fala: se ela aplaudisse dava
permissão para que ele continuasse realizando sua ação. Esse tipo de exercício estimulava a escuta
do outro, da platéia, além de trabalhar ritmo, prontidão e disponibilidade para o jogo.
Um exercício muito utilizado também era o da corda. Conforme Tiche Vianna (2005), as atrizes
tinham de pular corda, tanto sozinhas quanto em duplas e até em trios, como se estivessem em
cena. Então, trabalhava-se o ritmo coletivo, o tempo de cada atriz e a sintonia de cada uma em cena.
O companheiro de cena funcionava como o metrônomo do outro. O ritmo é um elemento muito
importante para a comédia e que necessita de um trabalho de prontidão, agilidade e destreza.
Zigrino fazia, principalmente no início de trabalho com máscaras, exercícios de base, ou seja, o
ator plantar seus pés no chão. Assim, seu olhar era mais preciso e seu gesto mais bem desenhado
e pontuado. Quando o ator tinha consciência de seu corpo e da sua base para o trabalho, tinha
facilidade em focar no objetivo principal.
As atrizes experimentaram todas as máscaras e a escolha final para cada papel foi feita a partir do
melhor desempenho e de aptidões físicas de cada uma para aquele determinado personagem. Por
exemplo, quem tinha um desempenho melhor nas acrobacias acabou ficando com Arlequino ou Brighella.
A triangulação era treinada e realizada técnica e geometricamente, ou seja, enquanto uma
personagem falava e olhava pra frente, os outros olhavam para ela. Quando a outra personagem
começava a falar, invertia, e assim sucessivamente.
Um artesão argentino chamado Wenceslau Valim, no bairro Bexiga, foi quem confeccionou as
máscaras, baseados nas de Donato Sartori3.
Zigrino, para dirigir, fazia uma figura de cara zangada, quando as atrizes estavam de máscaras,
para estabelecer uma relação entre o diretor e as personagens. Ele trabalhava numa relação de
risco total, pois caso as atrizes não estivessem agradando, ele simplesmente largava tudo e ia embora,
ou exigia de forma rígida uma postura de esforço e qualidade. Se formos comparar esse processo é
3 Donato Sartori foi um italiano que desenvolveu uma pesquisa junto com Jacques Lecoq para confeccionar
máscaras teatrais.
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A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi
parecido com a commedia dell’arte original, que faziam seus trabalhos na rua e se o público não
estivesse gostando, ia embora.
Francesco Zigrino não trabalhava com o objeto espelho, instrumento utilizado por alguns
professores de máscaras, onde o ator se vê no espelho e constrói as posturas das máscaras. Ele
acreditava que a função do espelho era realizada pelo outro e pelo público. Assim, o ator, além de
outras coisas, conscientizava-se do seu espaço no palco, da relação de cada personagem e da
reação do público.
O diretor apresentava para as atrizes cada uma das personagens e também atuava e fazia
todas as máscaras. Para Débora Serritielo (2006), ele demonstrava ser bom em todas as máscaras,
e as fazia com perfeição. Soraya Saide (2005) ressalta que, além de fazer qualquer máscara, tinha
uma disposição física invejável, pois saltava, pulava, girava, assumia qualquer postura, tinha o
raciocínio de todas as personagens e preenchia o espaço muito bem.
A formação de repertório individual era outro elemento que Zigrino costumava exigir das atrizes.
Ele instigava cada uma a buscar o que era delas, características que somente elas sabiam fazer e
ninguém mais, para engrandecer e diferenciar o trabalho. E ainda, estimular uma relação com a sua
história, a sua identidade, o seu local de trabalho e assim por diante.
O cenário era bem rústico, com tapetes pendurados ao fundo do palco e uma pequena casa no
lado direito tinha uma janela para os enamorados ficarem. Segundo Soraya Saide (2005), Francesco
Zigrino não deixou que elas terminassem de pintar o cenário. Na opinião dela, era para demonstrar ao
público, que aquilo era um treinamento de alunas, um exercício aberto e amador, não necessariamente
um espetáculo profissional.
As atrizes tiveram um trabalho de mesa com o roteiro antes de irem para a cena. Depois de
construírem as personagens e entenderem as ações da peça, improvisavam e anotavam os
diálogos que funcionavam de acordo com suas próprias opiniões e com a do diretor. Zigrino
procurava realizar o paralelo entre as máscaras originais e como seria sua interpretação no Brasil.
Então, experimentaram um Arlequino com sotaque nordestino e com um pensamento típico da
região. O Pantalone era paulistano, com um pouco de sotaque italiano, o Dottore era mineiro e o
Brighella carioca. As personagens falavam em dialeto italiano algumas palavras, principalmente
os xingamentos.
Para as atrizes do elenco, essa montagem tinha um teor altamente didático, tanto para elas,
quanto para o público. Francesco Zigrino queria mostrar como era realmente a commedia dell’arte
no século XVI. Portanto, havia formalismo nos diálogos, algumas piadas eram italianas, não havia
nenhum tipo de humor nos enamorados, os xingamentos eram medievais, a peça era longa, pois
seguia fielmente o roteiro, entre outras características. Como construção da personagem o processo
foi riquíssimo, mas como resultado de encenação o espetáculo não comunicava com a platéia.
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A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi
Para Tiche Vianna (2005), o resultado para o público não foi satisfatório nessa montagem. Como
tudo era muito formal, tinha um aspecto antigo, que não funcionava para o público. O brasileiro não
ria das piadas. Além disso, a linguagem das máscaras era uma novidade e o espetáculo não se fazia
entender. Como encenação era algo que despertava a curiosidade e o interessante por trazer uma
proposta nova, mas por tratar-se de comédia, não proporcionava o riso da platéia.
A idéia das atrizes permanecerem na cena sem máscara e quando era sua vez colocarem a
máscara tinha o intuito de explicitar o que era a commedia dell’arte. Elas permaneciam sentadas o
tempo inteiro assistindo, e quando chegava sua vez colocavam a máscara de costas para o público
e viravam com a personagem. Francesco Zigrino desejava ser didático: “essa história com a máscara
era de ficar em cena mesmo. Era um espetáculo que nascia numa escola, então deveria ter também
características pedagógicas e didáticas” (2005).
Para Débora Serritielo (2006), esse método era muito difícil: estar em cena mas não representar,
apenas assistir, e depois entrar em cena com a personagem tinha um aspecto muito interessante
para quem assistia, porém muito complicado para quem fazia. Muito depois, elas entenderam que se
tratava de um exercício, pois ensinavam para o público o que era a commedia dell’arte, ou seja, os
atores usam máscaras e constroem as personagens, ao mesmo tempo mostrando que aquilo tinha
uma característica pedagógica.
O espetáculo O arranca dentes ficou cerca de um mês em cartaz no Teatro da USP. Depois da
temporada, Zigrino apresentou uma proposta para as atrizes de continuar o trabalho e ainda trabalhar
com o clown. Elas ficaram entusiasmadas, pois ainda tinham um convite para se apresentarem no
Centro Cultural São Paulo. Porém, uma semana depois, Zigrino voltou para a Itália e deixou na mão
o espetáculo e as atrizes.
Soraya Saide (2005) diz que o processo com Zigrino foi muito mais enriquecedor do que o
espetáculo propriamente dito. O mecanismo de construir personagens de fora para dentro, ou seja,
a partir da expressão, do tipo da máscara, e chegar a uma interiorização, é o melhor processo de
trabalho do ator que ela já vivenciou. A máscara, com sua fraqueza ou força, com sua beleza e
feiúra, tira do ator elementos fantásticos, ao mesmo tempo em que empresta ao ator características
expressivas importantes para seu trabalho.
Tiche Vianna (2005) ressalta que aprendeu direção teatral com o Zigrino. A relação que ele
tinha com o ator, de manter uma personagem rígida e severa, obriga o ator a exigir mais de si
próprio, da sua atitude. “A exigência do Francesco era assim, se caso você apresentasse uma
coisa para ele, corria o risco de ele resmungar e não gostar. Daí, ou você também resmunga e não
tenta mais nada ou você, por acreditar no trabalho dele, continua tentando até agradá-lo. Mas
ele não dizia qual era o jeito certo, então eu aprendi direção com o Francesco” (VIANNA, 2005).
A direção era também diferente das convencionais. O ato de dirigir dava-se nessa relação em que
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A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi
o ator tinha de entendê-lo na prática para conseguir desenvolver seu trabalho, pois caso contrário
não o conquistava.
O espetáculo, para Zigrino, foi realmente um exercício, pois as meninas eram muito jovens e
precisavam de um contato maior com a máscara. Além do mais, segundo as atrizes, o processo com
a máscara era muito novo e a comunicação com o diretor muito difícil, pois muitas vezes elas não
entendiam o que ele queria. O espetáculo precisaria ser adaptado à nossa realidade brasileira e as
atrizes precisavam tornar aquela técnica mais orgânica.
Com um espetáculo em mãos, o elenco de O arranca dentes da EAD, mesmo com a saída de
Francesco Zigrino, não desistiu. Por conta da saída do diretor, algumas atrizes também decidiram
não participar mais da montagem. Porém, as atrizes4 que ficaram desejavam muito continuar com a
pesquisa das máscaras. O convite para apresentarem-se no Centro Cultural de São Paulo estava
esperando uma resposta e elas optaram por continuar com a proposta.
O espetáculo passou por uma reforma considerável. A começar pela direção, que foi assumida
pela Cristiane Paoli Quito, com a supervisão de dramaturgia de Tiche Vianna. Algumas tiveram de
dobrar personagens com a saída de outras atrizes. Elas não tinham o apoio da EAD, que afirmava
não ter vínculos com as atrizes em virtude da saída do diretor. Assim mesmo elas resolveram continuar
com os ensaios, fundando o grupo Le Maschere, por conta própria.
Os enamorados foram as personagens que sofreram muitas mudanças: ganharam um humor
que não tinham, cantarolando músicas de amor, de sucesso, conhecidas pelo público brasileiro. “O
que era um pouco acadêmico passou a ter um timing mais adaptado à realidade brasileira. Uma das
maiores mudanças foram as relações dos enamorados e o meu papel [o Horácio]. Zigrino queria, por
exemplo, um contraponto, em que os enamorados fossem mais românticos, mais simples, mais
sérios, e nós [nesta segunda montagem] enfiamos o pé na jaca e era uma das coisas mais engraçadas
do espetáculo” (QUITO, 2005).
A duração do espetáculo foi diminuída para uma hora e vinte minutos, o que o tornou mais
aceitável e interessante para o público. O cenário modificou-se com uma estrutura acabada,
rejuvenescendo o aspecto antigo que queria Francesco.
A peça fez um sucesso muito grande perante a crítica e o público com esse novo formato.
Participou de diversos festivais e ganhou muitos prêmios, como o Festival de Tatuí, de São José do
Rio Preto e o SESC Consolação. De dezessete indicações, ganhou onze prêmios, como figurino,
direção, atriz, atriz coadjuvante, entre outros. “O Francesco voltou, ele ficou chocado, porque viu
que a gente deu continuidade ao trabalho, e não abandonou, pelo contrário, tudo o que ele ensinou
4 Elenco da segunda montagem, com direção de Cristiane Quito: Tiche Vianna, Soraya Saide, Débora
Serritielo, Cristiane Quito, Carmen Cozzi, Vânia Leite, Débora Nogueira.
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A pedagogia das máscaras por Francesco Zigrinono espetáculo “O arranca dentes” de 1985-86
Leslye Revely dos Santos / Mario Fernando Bolognesi
a gente inovou para uma coisa próxima, mais engraçada, porque a gente fez com que o público
risse, a gente conseguiu se comunicar com o público. Aconteceu que ele tinha uma técnica boa, só
que não tinha a ponte, que comunicava, e a gente conseguiu fazer isso” (SERRITIELO, 2006).
Assim, as atrizes do Grupo Le Maschere, se apropriaram das técnicas apresentadas pelo diretor
e as transformaram conforme as características da nossa região e por isso o espetáculo conseguiu
se comunicar e fez sucesso. Elas ainda continuaram atuando juntas, fundando a Troupe de Atmosfera
Nômade, e realizando montagens ainda mais significantes, como por exemplo, Rapsódia para atores
extravagantes, misturando commedia dell’arte e clown.
Além disso, várias profissionais que vivenciaram o processo de Zigrino, atualmente, no Brasil,
são profissionais de referência no ensinamento da linguagem das máscaras. Porém, conforme seus
próprios questionamentos, pontos de vistas e trabalhos práticos, desenvolveram suas próprias
metodologias e conceitos. Como exemplos temos: Cristiane Paoli Quito, se especializou no clown e
ministra cursos e workshops no Estúdio Nova Dança, Tiche Vianna fundou o Barracão do Teatro,
local de pesquisa e investigação das máscaras da commedia dell’arte, Débora Serritielo é atriz e
professora de commedia dell’arte, Soraya Saide é atriz dos Doutores da Alegria, palhaça nos hospitais,
Cida Almeida possui o Clã – Estúdio das Artes Cômicas, que pesquisa o intérprete cômico brasileiro
baseado no clown e nas máscaras em geral.
Referências bibliográficas
BARBA, E.; SAVARESE, N. A arte secreta do ator. Dicionário de antropologia teatral. Campinas: Hucitec
e Unicamp, 1995.
COPEAU, Jacques. Registres I ; Appels. Paris: Gallimard, 1974.
LECOQ, Jacques. Le corps poetique. Paris: Actes Sud-Papiers, 1997.
SCALA, Flaminio. A loucura de Isabella e outras comédias da commedia dell’arte. Organização, tradução,
introdução e notas de Roberta Barni. São Paulo: Iluminuras, 2003.
Entrevistas
QUITO, Cristiane Paoli. Entrevista. Gravada na Escola de Arte Dramática (EAD), São Paulo (SP),
15 jun. 2005.
SAIDE, Soraya. Entrevista. Gravada na Sede dos Doutores da Alegria, São Paulo (SP), 04 mai. 2005.
SERRITIELO, Débora. Entrevista. Gravada na sua residência, São Paulo (SP), 19 jun. 2006.
VIANNA, Tiche. Entrevista. Gravada no SESC Pinheiros, São Paulo (SP), 01 mai. 2005.
ZIGRINO, Francesco. Entrevista. Gravada no Clã – Estúdio das Artes Cômicas, São Paulo (SP).
29 ago. 2005.
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O tempo, a vida, o poema em Mario QuintanaMarco Antonio Queiroz Silva
O tempo, a vida, o poema em Mario Quintana
Marco Antonio Queiroz Silva*
I
Pequeno Poema Didático**
O tempo é indivisível. Diz,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore,
Contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconseqüente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são horas extremas!
“Pequeno Poema Didático” está incluído em Apontamentos de História Sobrenatural (1976),
que aos olhos de Tania Franco Carvalhal – talvez a mais abalizada especialista no poeta gaúcho e
responsável pela organização de sua Poesia Completa pela Nova Aguilar – é um livro decisivo no
conjunto da obra de Mario Quintana. Ousaríamos dizer: aos 70 anos, Quintana dá ao leitor esta
que é uma das obras poéticas mais densas e marcantes da poesia brasileira: Apontamentos de
História Sobrenatural.
* Mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo, atualmente é Coordenador do Curso de
Letras da Fundação Municipal de Ensino Superior de Bragança Paulista.** “Pequeno Poema Didático” e “O Velho do Espelho”, objetos de nossas considerações, foram extraídos da
Poesia completa de Mario Quintana, publicada pela Nova Aguilar.
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O tempo, a vida, o poema em Mario QuintanaMarco Antonio Queiroz Silva
“Pequeno Poema Didático”, a começar pelo título, explicita a intenção do poeta em oferecer
instrução/orientação ao leitor. É necessário, então, perguntar-se: trata-se de que instrução/orientação?
Dentre os diversos temas e motivos de que se ocupou Mario Quintana ao longo de sua obra, é notável
a presença de poemas em que o poeta – consciente das dificuldades que se impõem ao leitor de
poesia – se vê impelido seja à reflexão sobre a poesia, seja ao desvelamento do processo de escritura,
seja mesmo à auto-reflexão sobre a própria condição do poeta na sociedade moderna. No caso de
“Pequeno Poema Didático”, Quintana parece, portanto, afirmar que é necessário – para a poesia atingir
o leitor e assim cumprir-se plenamente – informar, instruir e orientá-lo num sentido literalmente didático.
Em se tratando do caráter didático apontado nesse poema, é digna de atenção a presença dos
filosofemas – “O tempo é indivisível” (1a estrofe), “A vida é indivisível” (2a estrofe) e “Todos os poemas
são um mesmo poema” (3a estrofe) – estabelecendo para o leitor dois elementos essenciais para a
compreensão do poema: “tempo” e “vida”. Os termos “tempo” e “vida” no entrelace com a poesia são
essenciais à compreensão da visão de mundo de Mario Quintana, indissociáveis mesmo de sua
concepção poética, como pretendemos apontar nesta comunicação.
“O tempo é indivisível” no sentido de imensurável. A ciência e a técnica não lhe podem apreender.
Como uma imobilidade, falsa, que se impõe ao “tempo”, escapa ao “calendário” que o esforço
ordenador, próprio da razão analítica, nada pode contra a instabilidade e inconstância do “vento
incerto e vário”, que é a “vida”, regendo-lhe as ações. A “árvore”, símbolo da “vida”, está em perpétua
regeneração e evolução. Regeneração e evolução são os dois movimentos básicos da “vida”. “Tombam
as folhas e fica a árvore” alude à capacidade regenerativa que a “árvore” está fadada a cumprir em
sua função e papel no organismo vital, na natureza. “Tombam as folhas e fica a árvore” alude, portanto,
ao ciclo da “vida”. No entanto não é só a força cíclica/regenerativa que rege a “vida”. A “árvore” está
sujeita, digamos assim, aos ‘caprichos’ da perpétua ação evolutiva, que é própria da “vida”. Se a
“vida” obedece a um certo padrão de ocorrência e previsibilidade na natureza, ela “vida” viola suas
próprias regras sempre que assim o deseja. Por outras palavras, se a “vida” é uma linha fechada
(tempo como fatum), sempre há um ponto de fuga. Por outras palavras, se a “vida” impõe leis,
sempre está pronta a alterá-las. O “tempo” é indissociável da “vida”. Tempo e vida como sucessão
perpétua da “continuidade” e da “ruptura”.
“A vida é indivisível” no sentido de indissociável. Sob pena de incorrermos em crime de lesa-
poesia, reescrevamos o restante da estrofe a fim de, desfazendo elipses e implícitos, alcançarmos o
entendimento: mesmo a vida que se julga a mais dispersa na mais inconseqüente conversa pertence
a um eterno diálogo. Assim, “a vida é indivisível” no sentido de indissociável da comunicação. O diálogo
é a origem e a finalidade da vida. A vida é um “eterno diálogo”, porque essencializa a experiência
humana. Ser homem consiste em voltar-se para o outro e comunicar-se. A despeito das diferenças
que separam os homens, as experiências de “vida” os entrelaçam e podem ser entrelaçadas na
comunicação. A “vida” indissociável do “diálogo”, da poesia. “A poesia: procura dos outros, descoberta
da outridade” – lição que nos deixou o mestre Paz.
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O tempo, a vida, o poema em Mario QuintanaMarco Antonio Queiroz Silva
“Todos os poemas são um mesmo poema” porque indissociáveis de “tempo” e “vida”. “Todos os
poemas são um mesmo poema” porque incomensuráveis racionalmente como “tempo” e “vida”. “Todos
os poemas são um mesmo poema” porque há uma trama que os entrelaça e que compreende em si
“tempo” e “vida”. “Todos os poemas são um mesmo poema” porque transita neles a seiva que vivifica
a árvore da vida, produzindo o mesmo fruto e o diferente. Por isso: “Não é de uma vez que se morre”.
“Todos os poemas são um mesmo poema” porque, se o homem só se situa se o faz em face da “vida”
e na dimensão do “tempo”, a continuidade e perpetuação da “vida” não são suficientes para
salvaguardá-lo de si mesmo e da mudança inesperada. Por isso: “Todas as horas são horas extremas”.
Ou deveriam assim ser sentidas e vividas.
II
O velho do espelho
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto... é cada vez menos estranho...
Meu Deus, meu Deus... Parece
Meu velho pai – que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar – duro – interroga:
“O que fizeste de mim?!”
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que me importa?! Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia – a longa, a inútil guerra! –
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...
“O velho do espelho”, também incluído em Apontamentos de História Sobrenatural, permite-nos
estender um pouco mais nossas considerações acerca do entrelaçamento “tempo”, “vida” e “poema”.
Primeiramente, o acaso. É o “acaso” que surpreende o eu lírico ao procurar no espelho a própria
imagem e encontrar outra, a de um estranho que, no entanto, desveladoramente se torna familiar.
O espelho, campo de observação da identidade, abre para o sujeito a identificação com a figura do
próprio pai. Notável é a construção lingüística de que se serve Quintana para caracterizar não o que
pareceria a princípio mera sobreposição de duas imagens: “Como pude ficarmos assim?” Há uma
intensidade e tensão suscitadas pelo desdobramento do tempo verbal passado (“pude”) em solução
de continuidade presente (“ficarmos”), que é o que causa um efeito de estranhamento sui generis.
Necessário é ressaltar que a ‘torção gramatical’ de “pude ficarmos” é reflexo de um abalo perceptivo
que resultará em sismo na consciência do sujeito, levando-o a compreender que comportamos nosso
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O tempo, a vida, o poema em Mario QuintanaMarco Antonio Queiroz Silva
passado a ponto de correspondermos aos moldes do passado: “Eu sou, ainda, / Aquele mesmo
menino teimoso de sempre”. Para seguirmos de perto as chaves adotadas ao início nesta abordagem
de Mario Quintana, poderíamos dizer que a força da natureza nos impõe a continuidade/semelhança,
de modo que forçosamente acabamos por retomar nossa ascendência. Não obstante, é importante
notar a presença, de certo modo insidiosa, da, digamos, vontade do menino – de “menino teimoso”
– que, embora noutra condição, novamente se insurge contra o pai. Novamente.
“Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga... Que importa?! Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino de sempre”
Se os traços fisionômicos se repetem inevitavelmente no filho, o que chamamos de ‘vontade’ do
filho deseja marcar/firmar distinção, isto é, identidade distinta em relação ao pai. “E os teus planos
enfim lá se foram por terra.” Para o eu lírico, é como se a semelhança imposta pela “vida” estivesse
limitada tão-só a uma projeção natural do organismo segundo as coordenadas previstas pelo “tempo”.
De um lado, a equação “vida” + “tempo”, tão insistentemente tratada, é igual a certeza de continuidade.
De outro, é essa certeza de mera continuidade que o eu lírico deseja repelir. E aí os dois versos
finais compõem, a nosso ver, uma aliança convincente e regeneradora entre pai e filho.
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra! –
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...
<<Je est un autre>>, de Rimbaud, que supomos já repercutir no plano expressivo em “Como
pude ficarmos assim?”, talvez assinale a conciliação, no horizonte do humano, entre pai e filho.
Notável é compreender que não se sabe ao certo de quem é autoria dos três versos finais. Esses
versos como fala/discurso podem ser atribuídos tanto ao filho quanto ao pai. Da indistinção física ao
sentimento de que somos nós sem deixarmos de ser outros. De um Pai que fracassa em seus “planos”
em relação ao filho a um filho que se trai em seus próprios “planos”, como o de alimentar talvez o
assassinato, no sentido de apagamento das sombras/vestígios, do pai. Parafraseando Rimbaud,
“Eu é pai” como a constatação de que é inútil mesmo essa luta contra a figura paterna. Não é o
confronto que sobra, e sim um “orgulho triste”: o do velho do espelho. “Todos os filhos são o mesmo
filho” porque, embora desejosos de diferenciação, não logram vencer a transitoriedade da vida que
os torna inevitavelmente humanos, tal como o pai que eles filhos buscam superar. E assim tal filho,
tal pai: o velho ao espelho como perspectiva de continuidade no jovem.
“Todos os poemas são um mesmo poema” porque, uma vez que há um elo que unifica homem
“tempo” e “vida”, a poesia é um produto humano inerente às tramas da vida. Vida e arte não são dois
pesos e duas medidas. Todo grande poeta escreve e ‘re-escreve’ o mesmo poema a considerar-se a
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O tempo, a vida, o poema em Mario QuintanaMarco Antonio Queiroz Silva
integridade de sua natureza humana indissociável da poesia. Em todo grande poeta há, portanto,
unidade de concepção de arte e vida. Assim nos ensina o grão-mestre Antonio Candido. Assim nos
ilumina o grão-bruxo Mario Quintana. Em tempo: a distinção também é ilusória – “Eu é Crítico-Poeta”.
Quem mesmo?
Referências bibliográficas
QUINTANA, Mario. Poesia completa (vol. único). Org. prefácio e notas de Tania Franco Carvalhal. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.
PAZ, Octavio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 2003.
TREVISAN, Armindo. Mario Quintana desconhecido. Porto Alegre: Brejo, 2006.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Coord. Carlos Sussekind. Dicionário de símbolos. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1988.
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O Museu Paulista e a formação de um espaçode modernidade no bairro do Ipiranga
Marilia G. Ghizzi Godoy / Lincoln Etchebéhère Junior
O Museu Paulista e a formação de um espaço de modernidadeno bairro do Ipiranga
Marilia G. Ghizzi Godoy*
Lincoln Etchebéhère Junior**
Um diálogo impõe-se entre a organização da vida humana nos espaços da cidade de São Paulo
e a efervescência histórica representada pela presença da modernidade como marca do Museu
Paulista, da independência e, por extensão, do progresso civilizatório. O bairro do Ipiranga tornou-se
um centro de valores e de significados que foram cultivados a partir da criação do Museu Paulista e
de transformações urbanas da área. Pode-se retratar o afloramento de uma nova realidade onde a
vida dos seres humanos firmou-se por um estilo de vida expressivo das transformações.
Emergiu um universo qualitativo próprio diante de uma aceleração de valores cosmopolitas que
indicam a cidade como um cenário que engendra contrastes polarizadores de representações
subjetivas de moradores e sujeitos de experiências culturais. Como assinala Seabra “os
pertencimentos tendem a ser eletivos, fundados em auto-reconhecimento” (Seabra, 2000:17).
De forma marcante e diferente de outros bairros paulistas, o Bairro do Ipiranga criou-se com
uma carga simbólica própria onde os estímulos do progresso – estar ao lado do museu – tomaram
vulto pela introdução de uma modernidade. Uma criatividade perseverante vai sendo articulada numa
relação de historicidade que se impõe no micro lugar como a ordem de um engrandecimento. Neste
artigo, os autores refletem sobre o tema da formação do Museu Paulista em sua dimensão de ser um
pólo de representação para a região onde ele se insere e como uma marca dos acontecimentos
históricos vividos pelos habitantes.
O significado próprio e que adquiriu realismo teve origens no Brasil Colonial, como discutiremos
em seguida.
* Mestre em Antropologia Social pela USP, Doutora em Psicologia Social pela PUC(SP) e professora do
Programa de Pós-Graduação em Educação, Administração e Comunicação da Universidade São Marcos
** Mestre e Doutor em História (USP) e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Administração
e Comunicação da Universidade São Marcos.
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O Museu Paulista e a formação de um espaçode modernidade no bairro do Ipiranga
Marilia G. Ghizzi Godoy / Lincoln Etchebéhère Junior
1. O Ipiranga: entre o litoral e a capital
Já na época da fundação de São Paulo, em 1554, destacava-se a região pela qual se atingia
o litoral.
O cenário impunha-se pela presença de grupos indígenas tupiniquins, tamoios e guaianas1.
O acesso ao litoral, pela trilha dos Tupiniquins ao longo do R. Tamanduateí era cercado de ataques
entre indígenas dessas etnias. Por volta de 1560 esse caminho foi proibido, e, substituído pelas trilhas
dos Guaianas que foi percorrida por José de Anchieta e que veio a se constituir no Caminho do Mar.
Este trajeto distanciava-se do Vale do Tamanduateí e do antigo núcleo Santo André da Borda do Campo.
A região do riacho vermelho, em sua designação tupi y-piranga, ordenava-se entre as extensões
dos campos de Piratininga e esse caminho2. Registra-se a atuação dos grupos indígenas nessas
imediações; destacam-se os Guaianas e os Tupiniquins aos quais pertenciam os familiares de
João Ramalho3.
No local desenvolvia-se um ambiente de circulação de mercadorias, de tropeiros e de
aprisionamentos de indígenas4.
O cenário caracterizava um desenvolvimento mais acelerado que as outras regiões paulistanas.
Nos séculos XVI-XVII e XVIII tornou-se a área alvo de exploração agrícola e pecuária sendo povoada de
fazendas, sítios e chácaras. Tratavam-se de proprietários que haviam recebido as terras por sesmarias.
Por meio do Caminho do Mar atingia-se o comércio com o Rio de Janeiro, através de São Vicente.
Em 1789, a instalação da Calçada do Lorena tornou a estrada para o litoral mais acessível
permitindo maior afluência do tráfego. Aí se estabeleciam os pousos de tropas, os quais permaneceram
até o século XIX.
1 Registra-se nas regiões de Piratininga no planalto, no século XVI, como grupos indígenas, os Guaianas, os
Tupiniquins e eventualmente os Tamoios. Os Guarulhos, Carijós, Guarani se alojavam em regiões vizinhas,
mais distantes, conforme John Manuel Monteiro (1994). Enquanto os tupiniquins eram de origem tupi com
um desenvolvimento da agricultura e viviam organizados em aldeias, os guaianas eram de origem gê, nômades
(ib).2 Lembremos que em tupi as palavras y-piranga significam y água, rio e piranga vermelho (conforme Silveira
Bueno, 1998). Na nomenclatura do bairro o y (rio) foi gradativamente substituído por i (Ipiranga).3 João Ramalho era um português que anos antes da fundação de S. Vicente se integrara ao grupo local
tupiniquim chefiado por Tibiriçá (apud Monteiro, 1994). Assumiu destaque lendário por seu casamento com
a filha de Tibiriçá (Bartira) e por ter se aliado aos portugueses e no comando de aprisionamento de indígenas.
Esses personagens foram retratados nos quadros de Pedro Américo e constam do acervo do Museu Paulista.4 Vide Monteiro (ib) sobre a atuação de João Ramalho, de outros portugueses e indígenas no desenvolvimento
da escravidão indígena, que fez sentido nessa época.
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O Museu Paulista e a formação de um espaçode modernidade no bairro do Ipiranga
Marilia G. Ghizzi Godoy / Lincoln Etchebéhère Junior
Entre as fazendas da região, as que resultaram de doações a congregações religiosas adquiriram
maior importância na região que vinha sofrendo perdas, durante o século XVII e XVIII, com o
deslocamento das atividades econômicas para as regiões das minas5.
Na área marcada inicialmente pela presença de João Ramalho e pelo riacho do y-piranga surgiu
uma casa de pouso para abrigo de tropeiros. Inseriu-se ela nos registros da proclamação da
independência, no século XIX6.
2. 3. A criação do Museu Paulista e a formação de um ambiente cultural
O Museu Paulista, marco comemorativo da independência, iniciou-se após a independência,
embora sua inauguração tinha ocorrido apenas em 1895.
Inicialmente, orientado para o campo das ciências naturais, o museu foi aos poucos adquirindo
uma marca histórica. Esta dinâmica ficou mais acentuada com o deslocamento do Museu de Zoologia
em espaço anexo, nos anos 30.
O clima da cultura brasileira dessa época salientava a proposta científica de dar apoio aos
evolucionistas e darwinistas como expressa Lilia Schwarcz (1993). O museu permitia um diálogo com
o exterior; ele introduzia a presença da ciência e da ideologia do progresso como foco de sua projeção.
A tendência histórica que tomou o rumo da instituição no início e meados do século XX caracterizou-
se pela dominância do ambiente paulista ligado a uma situação de nativismo pós-republicana e à
criação de uma tradição definidora de traços da São Paulo antiga conforme indica Alves (2001:28-29).
Registra-se nessa dinâmica de projeção do Museu Paulista a inauguração do monumento,
o que ocorreu no primeiro centenário da Independência7. Em 1963 o museu foi incorporado a
administração da USP. Em 1971 foi criado o Parque da Independência e em 1989 as áreas de
arqueologia e de etnologia foram deslocadas para o Museu de Arqueologia e Etnologia (USP).
Uma paisagem social acompanhava os acontecimentos dando destaque a um urbanismo e
complexidade territorial que ganham feição por impor uma direção própria da historicidade.
A estrada de ferro São Paulo Railway cujo início de funcionamento foi em 1867 trouxe um
progresso que se tornava visível pelos alojamentos urbanos no seu percurso.
5 São Caetano do Sul e São Bernardo surgiram dessas congregações.6 Pousos dessa natureza serviam para pernoite dos tropeiros, descanso dos animais e aprovisionamento para
prosseguir viagem. A Casa do Grito (século XX) figura no quadro de Pedro Américo “Independência ou
Morte”, existente no Museu Paulista.7 O monumento foi de autoria de Ettore Ximenez, compreende mais de 130 peças esculpidas, quatro onças,
dois leões e quatro tripodes (Arco Verde, ib: 152).
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O Museu Paulista e a formação de um espaçode modernidade no bairro do Ipiranga
Marilia G. Ghizzi Godoy / Lincoln Etchebéhère Junior
Os imigrantes alojados inicialmente nas imediações, no Vale do Tamanduateí, davam início a
um processo de industrialização, com a formação de indústrias. Dirigiram-se eles para a área do
Ipiranga. Formaram em 1890 a indústria cerâmica dos irmãos Falchi. Desenvolveram-se moradias
para os operários. A maior parte dos habitantes era de proveniência italiana.
Ganhou vulto a presença de imigrantes árabes a qual se destacou pela indústria de fiação e
tecelagem dos irmãos Jafet. Através dela e da indústria de tecido dos Samarone foram gerados uns
10 mil empregos, na época (Arco Verde, s/d).
Em função da presença do Museu originou-se uma linha de bonde que permitia o transporte
coletivo e ligação com o centro da cidade. O percurso tornou-se notável com as iniciativas de
arruamento e de iluminação, que ocorreram em 1922 e indicam a urbanização no local.
Ordenava-se nesta época, pela estrada velha de Santos, Estrada das Lágrimas, o contacto
com o litoral.
É também marcante no ambiente a construção e inauguração da Via Anchieta. Foi ela autorizada
durante o Estado Novo (1934), mas, só se efetivou no pós-guerra. Em 1947 foi inaugurada a pista
ascendente e a segunda em 1953. Tornou-se esta via um dos mais importantes corredores de
exportação do país.
A presença da modernidade e formação do estilo de vida ocidental expande-se no meio local
pelas obras do Conde José Vicente de Azevedo. Elas irão reforçar o ideário progressista e civilizatório
que emergia na região. A educação como fator de desenvolvimento e promoção social inseria-se nas
marcas da modernidade, da época.
4. As obras do Conde José Vicente de Azevedo:
espaço cultural religioso e educacional
Expandindo-se desde as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX as obras
do Conde projetam-se no meio filantrópico da cidade de São Paulo e tornam-se uma realidade diante
das influências da época. Destacam-se o protestantismo, o término do regime de trabalho servil, a
imigração e chegada dos anarquistas principalmente nas áreas urbanas, as encíclicas Rerum Novarum
de Leão XIII (1878-1913) e a Quadragésimo Anno, de Pio XI (1922-1939) as quais objetivavam
soluções da questão operária por meios filantrópicos (Lincoln Etchebéhère, 2002:155-156).
No ambiente cultural da época, a obra do Conde assume um sentido diante da pobreza como na
citação seguinte:
“A situação dos bairros operários era um celeiro fértil para as agitações, para as reivindicações
sociais. Os anarquistas editavam pequenos jornais, a maioria em língua italiana, convocando a
classe operária para a revolução. O número de crianças desamparadas aí aumentou
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consideravelmente, e as instituições existentes, acima mencionadas, não eram suficientes para
amenizar a situação. Neste ambiente, a Igreja apela à elite católica, para que atue em favor dos
menos favorecidos e para que a auxilie em suas obras” (ib, p. 158).
Entendemos que educação e filantropia eram valores extensivos dos ideais da modernidade
representados na questão política e cultural do museu conforme situou Alves (ib).
Inicialmente criou o Liceu de Artes e Ofícios de São José, em 1891, e transferiu-o para a direção
do Padre José Marchetti que o transformou quatro anos após no Orfanato Cristóvão Colombo, hoje
Instituto Cristóvão Colombo. Destinou-se a abrigar órfãos, no início os filhos de imigrantes italianos,
depois estendeu-se para atender crianças e adolescentes em situação de carência econômica e
cultural, missão que se mantém até a atualidade.
Em seguida teve origem o Asylo das Meninas Orphãs, em 1896. Posteriormente, em 1939, tornou-
se o Instituto Nossa Senhora Auxiliadora. É administrado pela Fundação Nossa Senhora Auxiliadora
do Ipiranga (FNSAI), entidade dirigida também por descendentes do Conde e que toma conta das
várias obras na região.
O Educandário Sagrada Família data de 1905. Compreendia um orfanato para filhas de ex-
escravas e hoje abriga crianças em situação de abandono. Irmã Paulina foi a fundadora, diretora,
administradora do Instituto Sagrada Família, por muitos anos8. No local funcionou o Colégio Sagrada
Família que foi depois transferido para a Via Anchieta. A capela que aí se criou e que se tornou o
Santuário da Sagrada Família, concentra até hoje grande público, devoto do catolicismo, na região.
Desde 1973 parte desses prédios vêm sendo parcialmente alocados pela Universidade São Marcos.
O Instituto Padre Chico compreendeu inicialmente a doação de um terreno que se anexou a
um antigo pavilhão; atendeu o Conde um pedido da Condessa de Serra Negra que foi a primeira
presidente do Instituto de Cegos Padre Chico. Inaugurado em 1929 teve por finalidade educar e
instruir crianças cegas de todas as classes sociais, sem distinção de raça ou credo religioso. Foi a
primeira instituição de cegos de São Paulo. Na atualidade expandiu essa missão para programas
educacionais diversos com cegos. Parte desses prédios foram alocados pela Universidade São
Marcos, desde há uns 8 anos.
Correspondendo aos ideais do Conde de criar no Ipiranga uma universidade católica, ocupou-se
parte da grande área de terras (16 alqueires) a qual foi adquirida do governo e também comprada de
particulares. Iniciou-se em 34 o Seminário Central do Ipiranga tendo os cursos de filosofia e teologia.
8 A canonização de Madre Paulina foi inscrita pelo papa João Paulo II, no dia 19 de maio de 2002; sendo a
primeira santa do Brasil. Sua santificação foi exaltada pelo papa por ter ela anunciado o evangelho dos
pobres e enfermos. Seus restos mortais estão no Santuário; a congregação das Irmãzinhas da Imaculada
Conceição, fundada por ela vem perseverando as missões de caridade pioneiras da instituição.
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Em 50 aí se desenvolveu a Faculdade Teológica Nossa Senhora da Assunção. Em 1971 formou-se a
Faculdade Associada do Ipiranga com o nome de Fundação Seminário Paulopolitano (FAI).
O plano de criação em 1921 das Oficinas de São José ligou-se ao Internato Nossa Senhora
Auxiliadora e transformou-se no Grupo Escolar São José; em 1944 teve o prédio próprio que funcionou
durante 35 anos. Em 1959 essa escola retornou para a Fundação Nossa Senhora Auxiliadora; o
curso profissionalizante foi extinto anos depois. Parte da obra foi destinada a Fundação Nacional de
Aprendizagem Industrial. Em 67 foi alocado sendo que o antigo Grupo Escolar São José passou
para o Ginásio e Colégio Comercial São Marcos; em 1971 tem início as Faculdades São Marcos
nesse local.
A formação do Noviciado Nossa Senhora das Graças em 1923, compreendeu anteriormente
(em 1920) a Casa Maria Auxiliadora, que resultou de uma doação às Irmãs Salesianas de uma área
de 5.400 m2 (em 1909). A obra de requinte tornara-se muito grande para o pequeno número de
noviças que foram então transferidas para outro local. Transformou-se no centro João XXIII, no ano
de 1970, com a finalidade de ser um centro de espiritualidade para religiosas das filhas de Maria
Auxiliadora, para seus alunos e também para leigos. Em 1974 parte do prédio foi alocado pelas
Faculdades São Marcos e na outra parte funcionou um pensionato para jovens até 1986. Em 1979
uma área de 4.992 m2 desse centro foi vendida para as Faculdades São Marcos que passou a
administrar toda esta propriedade designada Prédio João XXIII.
O Juvenato do SS. Sacramento formou-se em 1937, de uma doação a congregação Salesiana
“destinado a Obra da Adoração Perene e Perpetua de Jesus Cristo Sacramentado e à educação
católica de jovens adolescentes” (Franceschini et alli, 1996:166-167). Após 5 anos a congregação
Salesiana retirou-se do imóvel que passou a abrigar a Clínica Infantil do Ipiranga e a capela.
Posteriormente aí se instalou o “Seminário das Educandas Nossa Senhora da Glória” depois escola
oficial sob o nome de “Seminário Nossa Senhora da Glória” até ser desapropriado pelo Governo do
Estado, para a sede do Instituto de Artes do Planalto, da UNESP (ib).
O Colégio São Francisco Xavier surgiu nos anos 30 com a finalidade de formar missionários de
origem japonesa que seriam enviados ao Japão e entregues aos padres jesuítas. Foi posteriormente
transformado em colégio para a formação não eclesiástica.
Destacam-se ainda as obras Clínica Infantil do Ipiranga, Hospital e Maternidade Dom Antonio de
Alvarenga que atuaram na área desde 1931. Parte dos prédios dessas obras ficaram sendo utilizados
pela Faculdade São Camilo, mais recentemente.
Arco Verde (ib:198) retrata o sentido que as obras do Conde alocaram no bairro pelas suas
dimensões filantrópicas que resultaram na denominação “tabernáculos do Ipiranga”. Uma dinâmica
própria de ênfase na questão social pode se estruturar e definir os conteúdos filantrópicos ligados
ao tema da modernidade como representação de civilidade e educação.
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5. Um ambiente de sociabilidade e de modernidade desde meados do século XX
As influências históricas dos bairros paulistanos que surgiram ligados ao passado da imigração
e de vida operária tornaram-se o cenário de lembranças de sociabilidade, de vida comunitária, como
o Brás, o Belenzinho, a Mooca (conforme Andrade, 2000).
No Ipiranga, a memória de antigos moradores registra acontecimentos que indicam vivências
coletivas expressivas de um meio cultural que se construiu ao lado das moradias e vida familiar.
Destacam-se a presença de paróquias que envolveram os estrangeiros em suas devoções ao
catolicismo. Indicaram-se as Igrejas de São José do Ipiranga que foi criada em 1891. Quatro anos
após originou-se a Igreja de São João Clímaco. Desde o início do século XX, a capela e depois o
Santuário Sagrada Família era um grande centro de acontecimentos religiosos na área.
A vida em clubes foi amplamente difundida pela presença de antigos clubes que ainda conservam
seus velhos associados. Destacam-se Cisplatina Futebol Clube, Clube Atlético Ypiranga, Esporte
Clube Estrela do Ipiranga, Clube Canto do Ipiranga. A Sociedade Espano-Brasileira que se formou
no bairro tomou vulto inicial como uma instituição filantrópica; atualmente, conhecido como Clube
Espano-Brasileiro cultiva uma dimensão intercultural e está também ligado ao lazer, educação.
A geração mais antiga lembra-se com saudades de ter freqüentado com assiduidade os
cinemas que aí funcionaram: o Cine D. Pedro, Cine Paroquial da Igreja São José, o Cine Anchieta
e o Cine Samaroni.
Os acontecimentos, manifestações e dinâmica urbana estão registrados nos jornais que aí
circulam semanalmente, e contam com um serviço de distribuição aos moradores os quais, geralmente,
aguardam a doação e os noticiários. O mais renomado é a Gazeta do Ipiranga que teve origem em
1968 e está atualmente no nº 2.454 (em 30.08.06). O Grito originou-se nessa época mas deixou de
circular há alguns anos. O jornal Independência precedeu o atual Patriota o qual também é desta
mesma época. O Ipiranga News surgiu mais recentemente, em 1977.
Um roteiro ainda embrionário em demandas reflexivas é a compreensão das inúmeras entidades
de classes, sociedades de amigos, clubes de serviços que se destacam no meio cultural e circulam
desde muitos anos nos noticiários dos jornais locais. Entre essas, destaca-se a Associação Comercial
de São Paulo (Distrital Ipiranga) que acolhe reuniões de entidades diversas e da Comissão
Organizadora de Festejos de Aniversário do Bairro do Ipiranga (COFABI).
Essa comissão tem por objetivo cultivar a identidade histórica do bairro mediante a organização
de festejos os quais se prolongam por todo o mês de setembro e têm o cenário do Museu e da
Independência como foco central. Ela já existe há uns 15 anos, tem um site próprio (upiranga.com.br)
e conta com uma organização específica. Entre os acontecimentos planejados no mês destaca-se o
desfile que é realizado geralmente no último ou penúltimo domingo do mês. Pela manhã ele se
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realiza percorrendo a R. Silva Bueno e atualizando a memória que o bairro cultiva como o local da
proclamação da independência do Brasil. Segue o desfile ostentando alas representativas das grandes
escolas e destaques, geralmente, na área esportiva dos clubes, os programas de terceira idade.
Invade as motivações do público o tema “Perpetuar a memória da Independência”.
O Rotary Clube de São Paulo Ipiranga, o Lions Clube Ipiranga, a Maçonaria compreendem
espaços restritos e elitizados no contexto sócio-cultural; eles ordenam a população em sua dinâmica
de sociabilidade e adesão pessoal no compartilhamento bairrista.
Nos anos 90, surge a Casa de Cultura Chico Science e em 1992, foi inaugurada a unidade do
SESC Ipiranga. Ambas compreendem áreas de lazer com programações de diferentes atividades,
para públicos específicos.
6. Um olhar sobre a atualidade
O cenário do progresso, de formação da cultura comprometida com o letramento, com a educação
formal e a instrução tornou-se a marca de um centro e polarização de poder.
As gerações inseridas nesta evolução puderam projetar suas aspirações no compromisso com
que a ciência pode alojar os anseios e aspirações.
O sentido de independência que se alojou entre os habitantes e a antiga organização do bairro
agora criam uma forma de isolamento que se introduz pelos contrastes.
No universo do convívio social a cerca que invadiu a área do Parque da Independência, nos
anos 90, tornou-se um sintoma das mudanças e o surgimento de novas situações.
As regiões de alta densidade e as quais alocam as migrações de nordestinos alojaram-se nas
imediações do centro discutido. Com freqüência são elas mencionadas no universo de vagas nas
escolas, nos programas inseridos nas áreas pioneiras do bairro, nas oportunidades de emprego.
A memória da independência invade agora uma nova dinâmica social. Indicam-se também os
vários programas de terceira idade freqüentados pela geração que construiu as raízes da coletividade.
Cultivar o estilo de vida urbano formado em torno do Museu passou a abranger uma população
estranha que se vê atraída pelo espaço verticalizado que se aloja no ambiente. O valor imobiliário
dos novos apartamentos tem como termômetro as “proximidades do Museu”. Os novos moradores
originam-se de áreas distantes. Para esses a antiga dinâmica do bairro é avaliada em função do
estilo de vida que aí se cultiva e que agora articula um público em sua expressiva conotação de ser
uma “clientela”.
De forma a replicar a antiga representação filantrópica, na atualidade destacam-se muitas
ONGs que se estabeleceram pelo cultivo de direitos e cidadania, particularmente para atender a
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população alojada na periferia. A mais destacável delas é a Unas – União dos Núcleos, Associações,
Sociedades de Heliópolis e São João Clímaco; ela mobiliza um conjunto de projetos sociais para a
educação e cidadania. Várias parcerias voltadas para um trabalho social criam visibilidade e projetam
de forma humanística os habitantes da comunidade Heliópolis a qual, há alguns anos já possuía
100 mil habitantes9.
Os dados apresentados projetam-se de diferentes formas no cotidiano das pessoas que cruzam
pelas ruas do bairro, eles projetam um mundo de valores paulistanos que se expandem pelas
vizinhanças do Museu Paulista e compartilham com essa instituição ideais libertários da civilização
moderna que a cidade vai construindo e criando entre seus habitantes.
9 Destaca-se o trabalho Parceiros da Criança que é um programa de educação complementar, da Universidade
São Marcos em parceira com a General Motors o qual já vem funcionando há 4 anos.
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Análise ambiental prospectivaPaulo Henrique Simão Moura
Análise ambiental prospectiva
Paulo Henrique Simão Moura*
Introdução
A análise prospectiva é um estudo de um cenário futuro provável. No caso do meio ambiente
seria uma previsão futura de como pode estar a situação ambiental do planeta após alguns anos,
décadas, ou qualquer outro tempo futuro.
O ambiente de um ecossistema, seja natural ou construído, depende de fatores sociais, culturais,
políticos e econômicos, por isso deve ser encarado de forma global. A análise prospectiva precisa
estar associada a todos os fatores citados anteriormente, pois todos podem influenciar nas tomadas
futuras das cidades, estados, ou até mesmo do país.
O mundo vive fantásticas inovações tecnológicas, que estão melhorando a vida das pessoas,
trazendo mais conforto, mais esperança de vida, como no caso da evolução da medicina; carros
cada vez mais sofisticados, sistemas interligados a Internet para compra de produtos, aplicações
bancárias, tudo isso sem precisar sair de casa. A indústria busca cada vez mais qualidade em seus
produtos e serviços reduzindo custos e automatizando seus processos industriais. Mas é claro que
não existe tecnologia por si só, pois quem a inventa é o homem, logo o mundo de hoje está exigindo
uma valorização intelectual das pessoas muito maior do que alguns anos atrás, de maneira que,
quem não acompanhar as tendências vai ficar a cada dia que passa, mais para trás. Hoje o profissional
precisa ter criatividade, adaptabilidade, flexibilidade, comunicação, espírito de equipe e sempre estar
estudando para poder acompanhar as mudanças ocorridas não só na sua área, como também em
outros assuntos, ou seja, tem que ser multi-especializado, adquirindo visão global de todos os setores
onde trabalha e sempre estar procurando informação relevante.
Para se ter acesso as informações relevantes é preciso saber que não se pode usar tanto tempo
do nosso cotidiano lendo, assistindo programas e reportagens que não trazem nada de retorno sob
o ponto de vista cultural. É preciso que todos tenham acesso a tecnologia, mas além disso é necessário
saber utilizá-la.
* Professor do Colégio Monte Serrat e da Universidade Santa Cecilia, em Santos, SP.
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Análise ambiental prospectivaPaulo Henrique Simão Moura
Será preciso abordar os aspectos citados anteriormente, para se fazer uma previsão futura
sobre o meio ambiente daqui a alguns anos, pois as pessoas precisam saber que esta tecnologia
cada vez mais avançada pode trabalhar a favor do controle ambiental, com agressões menores ao
meio ambiente.
Este artigo não tem a pretensão ambiciosa de profetizar lista de tendências desconexas, sem qualquer
padrão de interligação ou as forças com probabilidade de modificá-las. Nesses casos, o resultado para a
mudança, passa a ser entendido como anárquico, ou sem sentido algum. Para se entender as mudanças
atuais, precisamos ver como diferentes aspectos de nossa sociedade se relacionam entre si.
1. População mundial
Uma das obras de maior repercussão da história da humanidade sem dúvida foi Princípio da
População do reverendo Thomas Robert Malthus. Seu estudo era uma constatação estatística de
que os meios de subsistência na natureza e na sociedade humana não conseguem crescer no mesmo
ritmo em que se multiplicam as populações e que, se um colapso não ocorre, isso se deve a existência
de limitações naturais (ou de origem sócio-cultural, no caso humano) que restringem a natalidade ou
a proporção dos nascidos que chegam à idade madura1. Malthus munido de dados sobre o crescimento
das populações humanas em várias partes do mundo; sobre a produtividade agrícola dos solos em
diferentes regiões; sobre os resultados obtidos com emprego de modernas técnicas de manejo e
adubação do solo, chegou a conclusão que os povos tendem a multiplicar-se em razão geométrica,
enquanto que a produção de alimentos cresce em proporção muito menor (provavelmente numa
proporção aritmética). Segundo Malthus deveriam existir obstáculos restringindo a multiplicação dos
povos, para evitar um colapso. O Princípio da População de Malthus encontra-se, assim, á raiz de
dois grandes fenômenos que, desde do início do século XIV, vêm abalando as convicções do homem
a respeito dos caminhos do mundo: um responsável pelas características do mundo do passado, da
origem das espécies e ecossistemas atuais; outro de origem muito mais recente, afetando o mundo
presente e comprometendo o mundo futuro, através da explosão populacional, origem primária e
poderosa de todo o processo de degradação do meio ambiente terrestre2.
Infelizmente, as perspectivas parecem sombrias neste aspecto, pois o planeta a algumas décadas
mostra sinais de que com o curso atual de aumento da população mundial, chegaremos em pouco tempo
a uma população de 10 bilhões de habitantes, que acabará por intensificar ainda o problema da fome no
mundo, principalmente em países da América Latina e África. O aumento da população provoca maior
exploração dos recursos naturais e ampliações de áreas urbanas, diminuindo áreas antes preservadas.
1 BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica, uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente.
2.ed. São Paulo: Edgard Blucher, 1999.2 BRANCO, Samuel Murgel, op. cit.
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Análise ambiental prospectivaPaulo Henrique Simão Moura
2. Políticas ecológicas
Durante o período da democracia em massa, pessoas, partidos e diretrizes eram caracteristicamente
categorizados como de esquerda ou de direita. Os problemas eram em geral, “internos” ou “externos”.
Eles se encaixavam numa estrutura perfeita.
O novo sistema de criação de riqueza torna obsoletos esses rótulos que os acompanhavam.
Catástrofes ecológicas não são nem de direita nem de esquerda, e algumas são internas e internacionais.
Muitos de nossos mais sérios problemas ambientais – da poluição do ar ao lixo tóxico – são
subprodutos dos velhos métodos industriais de criação de riqueza, onde existia a preocupação
puramente capitalista de produzir e lucrar, sem se preocupar com os custos ambientais desse sistema
adotado. Em contraste, o novo sistema, com a sua substituição de recursos materiais pelo conhecimento,
a sua dispersão, e não concentração, da produção, sua crescente eficiência no uso da energia, e seu
potencial de avanços nas tecnologias de reciclagem, mantém a esperança de combinar sanidade
ecológica com progresso econômico.
Parece muito pouco provável, no entanto, que as próximas décadas passem sem novos acidentes
como o do césio-137 em Goiânia no Brasil, derramamento de óleos pelas organizações petrolíferas
pelo mundo, explosões de reatores nucleares como em Chernobyl na Ucrânia, crescentes queimadas
e desmatamentos, como correm na Amazônia brasileira todos os dias.
Estes, por sua vez, provocarão novos conflitos relacionados com novas tecnologias e suas
possíveis conseqüências. Grupo sociais dentro de cada país irão exigir uma indenização ecológica
uns dos outros e lutar pela distribuição dos custos de limpeza. Outros irão fazer chantagem ecológica
ou pedir resgate ecológico para se absterem de atos que possam provocar precipitação radioativa,
chuva ácida, mudanças climáticas, extinção de espécies de fauna e flora, degradação de áreas
plantadas, falta de qualidade no acesso a água potável, lixos tóxicos ou outros produtos químicos
perigosos além das fronteiras de seus vizinhos.
Hoje temos uma nova regra estabelecida, onde empresas de países de primeiro mundo afim de
não ultrapassarem suas cotas de lançamento de dióxido de carbono na atmosfera estabelecidas
pelo Protocolo de Kioto, compram créditos de carbono em outros países. Trata-se de uma política
compensatória, pois essas empresas bancam projetos ambientais em outros países, para poderem
poluir mais em seu país. Esta política tem boas motivações, mas apenas este sistema adotado não
vai modificar de forma relevante os níveis de dióxido de carbono na atmosfera.
Um terremoto que ocorra na China pode, atirar Wall Street ao caos. Será que Wall Street deveria
contribuir para os programas da China a fim de prepará-la para os terremotos. Os problemas
ambientais passam a não ser mais nem internos e nem externos ou de esquerda ou de direita. A
tentativa de lidar politicamente com problemas assim irá não só fragmentar velhas alianças, mas
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Análise ambiental prospectivaPaulo Henrique Simão Moura
criar fanáticos – salvadores do mundo para os quais as exigências ambientais (tal como eles as
definem) sobrepõem-se às sutilezas da democracia3.
3. Ecoguerras
Os problemas ambientais atravessam, cada vez mais, as fronteiras nacionais, de modo que a
poluição provocada em águas brasileiras pode afetar o Paraguai, a chuva ácida ignora fronteiras, a
extinção de espécies de baleias, pássaros, mamíferos e o desflorestamento e as queimadas
constantes ocorridas na Amazônia tornaram-se preocupação global.
O aumento do conhecimento ambiental pode ajudar a reduzir esses problemas, mas também
abre caminho para a manipulação sofisticada do meio ambiente de um país por aqueles que elaboram
a política de outro4.
Um exemplo foi o anúncio feito em 1989 pela Turquia, de que iria fechar o fluxo de água do rio
Eufrates para o Iraque e a Síria por um mês. O fechamento ameaçava a agricultura do Iraque e o
fornecimento de energia elétrica para a Síria. O objetivo, segundo os turcos, era fazer reparos na
represa Ataturk. Mas a população dos países afetados insistiu em que havia mais por trás disso.
Do outro lado da fronteira meridional da Turquia, no Iraque e na Síria, estão remotas bases de
separatistas curdos que pertencem ao marxista Partido dos Trabalhadores Curdos. Os guerrilheiros
do PTC entravam na Turquia às escondidas. Por sua vez, a Turquia exigia que o Iraque e a Síria
vigiassem a fronteira evitando penetrações. As incursões não pararam, e foram seguidas pelo anúncio
turco do fechamento de uma represa. Isso, por sua vez, foi seguido, quatro dias depois, por um
ataque de guerrilheiros que deixou 28 mortos numa aldeia turca na fronteira iraquiana. Esse exemplo
mostra que o poder sobre fatores ambientais pode desencadear conflitos armados inclusive. A invasão
americana ao Iraque mais recentemente sob a alegação de impedir a utilização iraquiana de armas
químicas e biológicas, na verdade, parece bem evidente tinha objetivo bem diferente, a busca por
uma riqueza que está com os dias contados em território americano, o petróleo. Não é difícil imaginar
que países com maior potencial bélico possam invadir outro país com pretextos diferentes de seu
real objetivo, que pode ser a busca por mais petróleo e a água.
Um dia, países poderão soltar insetos geneticamente modificados contra um adversário, ou
tentar modificar as condições climáticas, dando início a Ecoguerras.
3 TOFLER, Alvin. As mudanças do poder. 5.ed. São Paulo: Record, 1998.4 TOFLER, Alvin, op. cit.
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Análise ambiental prospectivaPaulo Henrique Simão Moura
4. As condições econômicas
A economia mundial continua sendo uma das forças motrizes da degradação ambiental, tanto
quando se trata da perda da floresta tropical como do aquecimento da Terra por milhões de toneladas
de gases que são despejados na atmosfera por veículos e fábricas. Os pobres são os mais
prejudicados, simplesmente porque têm menos recursos para sobreviver. Esta disparidade manifesta-
se de modo mais evidente na expectativa de vida: No Japão acima de 80 anos, enquanto que em
alguns países africanos a expectativa não chega aos 50 anos. O crescimento mundial na década de
80 foi menor do que na década de 70. Para o Brasil por exemplo a década de 80 foi considerada uma
década perdida. A divida externa disparou com a moratória decretada pêlos governos, suas matérias-
primas perderam valor de mercado, sua indústria tornou-se obsoleta pela falta de competitividade
internacional e as políticas de ajuste não funcionaram. Claro que esta situação não foi exclusividade
brasileira, e sim de muitos países em desenvolvimento. Muitos governos mundiais, como o brasileiro,
se preocuparam unicamente com a crise econômica e política a curto prazo. Infelizmente, a
administração e conservação de recursos ambientais não foram considerados prioridade nos governos.
A economia mundial nesses últimos anos melhorou muito, em parte alavancado pelo crescimento
frenético de países como Índia e China, e a preocupação com as questões ambientais também sofreu
evoluções na adoção de políticas mais conscientes, investimentos, aplicação de legislação mais rígida,
porém os problemas relacionados ao modelo excessivamente consumista das pessoas, e a busca do
lucro a qualquer preço ainda prevalecem com grande distância em relação as melhorias alcançadas.
A maioria dos nossos problemas ambientais tem suas raízes em fatores socioeconômicos,
políticos e culturais, e que não pode ser prevista ou resolvida por meios puramente tecnológicos.
Abordar esses problemas apenas sob o aspecto ecológico é desconhecer, de forma até ingênua, a
realidade desfavorável que precisamos modificar5.
Existe uma verdadeira incompatibilidade entre a preservação do meio ambiente e o acúmulo
privilegiado de riquezas. O desenvolvimento de um país não se faz acumulando-se riquezas, e sim
trazendo felicidade ao povo, não alterando suas águas e áreas verdes, não comprometendo a sua saúde.
Conclusão
Os aspectos sociais influenciam diretamente a situação ambiental, pois uma população cheia de
problemas primordiais, como: comer, ter um teto para morar, possuir um emprego, atendimento médico
de qualidade, acesso a boa educação, momentos reservados ao lazer, recebimento de água e esgoto
5 DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental princípios e práticas. 5.ed. São Paulo: Gaia, 1998.
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Análise ambiental prospectivaPaulo Henrique Simão Moura
tratado, torna-se utópico acreditar que sem acesso a alguns dos itens citados ou mesmo todos eles,
essas pessoas terão preocupações e atitudes conscientes com relação à questões ambientais.
Nosso país por exemplo, têm uma série problemas econômicos: as pessoas precisam de trabalho,
de pagar suas contas ao fim do mês e não tem dinheiro; como então vão priorizar questões ambientais
em suas vidas.
A crise do desemprego foi bastante abordada nas últimas eleições, e todos prometeram resolver
esse problema tão grave que aflige o brasileiro, falando uma porção de mentiras. A verdade é que a
tecnologia está substituindo o homem nos processos, e isto acaba por gerar desemprego,
principalmente da mão de obra desqualificada, mas gera emprego para os mais capacitados. È preciso
que as pessoas se preparem para se antecipar as mudanças.
Os políticos não definem uma política ambiental de forma clara e objetiva, pois suas prioridades
são outras, então nosso país por exemplo, que é abundante em áreas para a agricultura, com um
clima favorável, rico em recursos naturais, vai se deteriorando sob pena de um dia não sermos tão
abundantes. Para se ter uma idéia do desperdício nas cidades com relação ao lixo urbano, 80 a 90%
de todo o lixo poderia ser reciclado, e o restante usado como alimento para animais, usado como
adubo, ou na produção de gases combustíveis em biodigestores.
As escolas precisam ter papel fundamental para melhorar a cultura e a informação em ralação
as relações as questões ambientais, introduzindo desde cedo projetos e estudos de caso sobre o
assunto nas mais diversas disciplinas, trabalhando-se de forma interdisciplinar.
O Brasil e o mundo estão passando por uma fase de adaptação as inovações tecnológicas, e o
preço disso é a distância que aumenta cada vez mais entre pobres e ricos. O cenário parece ser
complicado nos próximos anos, pois enquanto temos empresas e boa partes dos governos do mundo
adotando medidas de proteção ao meio ambiente, por outro lado, temos os problemas da maioria da
população do planeta, com taxas de desemprego cada vez maiores, fome desnutrição, falta de água
e de esperança para o povo. Dessa forma as questões ambientais acabam por ficar de lado em suas
vidas, por ter problemas mais complicados para resolver. Ao leitor desse artigo faço a seguinte
indagação: Um pessoa que acorda todos dias desempregada sem saber se terá dinheiro para almoçar,
vai se preocupar ou tomar alguma atitude, se souber que uma indústria da região onde mora esta
poluindo o rio que passa pela cidade onde vive?
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Análise ambiental prospectivaPaulo Henrique Simão Moura
Referências bibliográficas
BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica, uma abordagem integrada dos problemas do meio ambiente.
2.ed. São Paulo: Edgard Blucher, 1999.
DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental princípios e práticas. 5.ed. São Paulo: Gaia, 1998.
TOFLER, Alvin. As mudanças do poder. 5.ed. São Paulo: Record, 1998.
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Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obrasTatiana Giovannone Travisani
Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital:análise de obras
Tatiana Giovannone Travisani*
Introdução
A arte sempre esteve relacionada à outras áreas de conhecimento como, por exemplo, a física,
na Renascença e a matemática, nas artes árabe e egípcia. Mesmo quando o homem ainda habitava
as cavernas, ele utilizava as ferramentas existentes na época para manifestar-se nas rocha. O
desenvolvimento do uso das ferramentas, a tecnologia, confunde-se com o próprio desenvolvimento
humano, até chegarmos, atualmente, a utilização do equipamento mais complexo de todos os tempos:
o computador ( ZAMBONI, 1998).
Seu caráter binário, de códigos zeros e uns, assim como a estrutura tri-dimensional dos eixos x,
y e z, compreendem o sistema básico na construção de qualquer programação, sendo essencialmente
matemática. Toda forma de produção artística se adapta a uma nova maneira de manifestação estética,
sinestésica e estrutural. Com a era digital, muitos artistas estão trabalhando na fronteira entre o
científico e o tecnológico em suas pesquisas, para isso, estão produzindo suas obras em parceria
com outras áreas disciplinares, além da matemática: engenharia, semiótica, lingüística, física,
comunicação, biologia, design de interface, geometria, psicologia, entre outras.
Este trabalho pretende ilustrar alguns exemplos incluindo laboratórios, equipes, grupos de
pesquisa e eventos, onde se desenvolvem trabalhos artísticos contemporâneos interdisciplinares,
que contribuem para a reflexão da interação máquina humano na revolução digital que afetou todas
as áreas de conhecimento, relacionado-as ainda mais.
O artista e a interdisciplinaridade
Muitos dos centros de pesquisa voltados a arte computacional, no Brasil, se encontram dentro
das universidades. Este cenário propicia uma possibilidade maior de interação entre áreas distintas.
* Mestranda do Instituto de Artes / UNESP
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Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obrasTatiana Giovannone Travisani
Em grande parte desses estudos, há necessidade de equipamentos e serviços de ponta para incluírem
temas como realidade virtual e interatividade. O artista se utiliza das ferramentas como forma de
experimentação, de explorar o processo de criação e assim depende de conhecimentos específicos
para alcançar resultados complexos.
De acordo com Edmound Couchot (2003), desde os anos 60 do século 20 há uma intensa
experimentação na arte provocada pela ciência e a tecnologia, cuja relação estabeleceu-se mesmo
antes que as noções de arte e ciência surgissem separadamente. Um exemplo de pioneirismo em
arte e tecnologia digital foi Waldemar Cordeiro, que trabalhava diretamente com engenheiros nos
anos 50, em meio ao movimento da arte concreta. Um dos maiores interesses do movimento
concretista era pelas descobertas científicas e invenções tecnológicas. Pretendia-se explorar toda a
capacidade sensória dos humanos através das ferramentas da época, para alcançar outros níveis
de percepção táteis, auditivas, visuais e gustativas. Foi uma grande influência para o cenário atual.
Hoje, pode-se perceber que o fenômeno da revolução digital não afetou somente as
experimentações poéticas. Ele modificou toda a forma de criação e pensamento das diversas áreas e
permitiu uma comunicação muito maior entre as disciplinas para fortalecerem as pesquisas
contemporâneas (VENTURELLI, 2005).
A rapidez da evolução tecnológica é uma característica do nosso tempo, obrigando os artistas a
questionarem a real utilidade de todos esses utensílios tecnológicos inventados por grandes empresas
e depositados na sociedade em forma de inclusão ao pensamento moderno. Para conquistar um
efeito tanto poético quanto conscientizador é importante que o artista se una a profissionais de
outras competências para não correrem o risco de serem mal interpretados e/ou classificados
Em agosto de 2003, ocorreu um Workshop no Rio de Janeiro sobre Interdisciplinaridade em IHC
(Interação Humano-Computador). Para esse workshop foi desenvolvido um material didático,
disponíbilizado na internet. Um dos assuntos abordados era a experiência da arte dentro da temática
do curso. Nele, a autora, Luciana Silveira, classifica a união de artistas com outros profissionais, o
uso que fazem da tecnologia digital, de forma preconceituosa e claramente desatualizada do contexto
atual. Pode-se citar uma de suas colocações:
Uma opção que se apresenta ao artista é se transformar também em engenheiro ou programador.
Este fato traria como conseqüência imediata o prazer, que muitos artistas sentem, em trabalhar
isoladamente, reforçando a idéia renascentista de que o artista é um gênio criador e sua criação é
produto de seu processo criativo individual, não dependendo de alguém que traduza as suas idéias
estéticas em tecnologia operacional, podendo assim construir e destruir as máquinas por ele mesmo.
(Silveira, 2003, p. 05)
Para evitar esse tipo de pensamento, a própria autora confirma as vantagens do trabalho em equipe
interdisciplinar, que está sendo cada vez mais valorizado em se tratando da interação humano-computador.
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Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obrasTatiana Giovannone Travisani
A seguir, serão citados alguns exemplos de obras bem sucedidas de arte e tecnologia além de
eventos que incentivem esse segmento da interdisciplinaridade da arte, cada vez mais decorrente.
Obras interdisciplinares
Um dos casos da atualidade, surgidos com o advento dos softwares para computador, em que há
inter-relação da arte com outras disciplinas, é o design de interface. Para Steven Johnson, um dos
principais pesquisadores da área, “a explosão de tipos de meios de comunicação no século XX, permitiu,
pela primeira vez, aprender a relação entre forma e conteúdo, entre meio e a mensagem, entre a engenharia
e a arte” (Johnson, 1997, p. 09). Para o autor, os artista sempre estiveram ligados a engenharia, como
Leonardo da Vinci, mas hoje, principalmente no design de interface, não há maneira de desvincular o
artista da programação, mesmo que nos campos universitários e nos museus mantenham à distancia.
Não é só na engenharia que as obras contemporâneas se relacionam. Diana Domingues, artista
e pesquisadora, desenvolve no grupo Artecno 1, da Universidade Caxias do Sul (UCS) estudos sobre
arte e tecnologia de ponta. Produz jogos virtuais, ambientes imersivos de realidade virtual e programas
com algoritmos de comportamento inspirado em animais. Para isso, em sua equipe há profissionais
de áreas variadas para contribuírem de forma específica à pesquisa. Além de artistas, programadores
visuais, engenheiros, biólogos e lingüistas.
A biologia, assim como a física, são áreas que inspiram cada vez mais artistas contemporâneos.
Eduardo Kac2, brasileiro que vive nos Estados Unidos, cria polêmica ao proporcionar em suas obras
a discussão da manipulação genética. Alguma delas são questionadas até quanto ao caráter ético,
mas apenas evidenciam uma tendência das empresas de alimento trangênico e de frigoríficos de
grande porte com seus procedimentos de alimentação animal questionáveis. Entre elas pode-se
citar O Oitavo Dia, denominada bioart, que inclui pesquisas de biorobótica, e GPSBunny.
O Oitavo.de Eduardo Kac e GPS Bunny
1 www.artecno.ucs.br2 www.ekac.org
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Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obrasTatiana Giovannone Travisani
Na Suíça, o laboratório MIRAlab3 da Universidade de Geneva, se denomina como um centro de
pesquisa interdisciplinar, voltado para pesquisa de humanos virtuais e trabalhos tecnológicos
multimídia. Nele os estudos, são de um nível altíssimo de complexidade e apresentam resultados
pioneiros. Dentro de sua equipe, fazem parte estudantes e profissionais Phds em artes visuais,
programação 3D, design de interface, entre outros.
O SCIArts4 é um grupo da cidade de São Paulo e compreende em sua equipe, artistas, um
matemático e um físico. Entre suas obras, estão o Atrator Poético e o Gira. S.o.l.. As duas incluem a
imagem digital como princípio poético, interagindo com as leis das ciências naturais. É muito
interessante perceber o discurso entre arte e ciência que o grupo propõe em ambos trabalhos.
Ventrella5 é um multi artista, de multi temáticas. Suas obras, além de irônicas, são baseadas em
teorias de outras áreas de conhecimento, como o evolucionismo de Darwin, o projeto Genoma e leis
de fisiologia. A obra Disney meets Darwin foi desenvolvida com algoritmos genéticos, em que estes
unem-se à a ciência da física, gerando a sensação de vida em movimento. A arte de Ventrella nesse
trabalho, engloba figuras sintéticas animadas com comportamento de grande expressividade.
O laboratório alemão Mars6, Media Arts Research Studies, incorpora um grupo interdisciplinar
focado na experiência do homem com as novas tecnologias. Através da arte, buscam compreender
e experimentar as novas linguagens da transição homem-máquina, integrando a arte nas pesquisas
científicas e a ciência nas pesquisas artísticas.
Para finalizar essa exemplificação, é interessante incluir a obra Eden de Jon Mccomarck.
Desde de 2000, Mccomarck vem atualizando essa obra, incorporando novas sistemas, aumentando
assim sua complexidade. Tendo como base estrutural algoritmos genéticos, também inspirados na
teoria evolucionista de Darwin, construiu um sistema que simula o comportamento celular. São
formas, conectadas em sensores, que se alimentam e reproduzem de acordo com a interação das
pessoas que participam da imersão da instalação. Ainda há a utilização de som e luz, projetados
entre os participantes. Este trabalho é um bom exemplo de como a interdisciplinaridade da arte em
tecnologia digital, é capaz de produzir novos sentidos estéticos dando sinais do que essa união
poderá gerar no futuro.
3 www.miralabwww.unige.ch4 www.sciarts.org.br5 www.ventrella.com6 www.maus.gmd.de/imk_web-pre2000
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Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obrasTatiana Giovannone Travisani
Eden de Jon Maccomarck
Eventos
Além das obras, é importante salientar a importância das mostras e exposições que contribuem
para essas pesquisas continuares existindo e se aperfeiçoando. Serão citados alguns desses eventos
que ocorrem em território nacional.
A terceira edição do Emoção Art.Ficial, em abril de 2006, foi sediado no Instituto Itaú Cultural da
cidade de São Paulo. Compreende uma bienal internacional de arte e tecnologia. A temática escolhida
associava os conceitos de interface e cibernética. Havia obras de artistas de várias partes do mundo,
dando um panorama do que está sendo desenvolvido de mais atual nos grupos e centros de pesquisa.
No mesmo local, porém no ano anterior (2005), ocorreu a mostra Cinético Digital. Nele, teve-se
a intenção de reunir obras pioneiras de arte e tecnologia, de Abraham Palatinik e Waldemar Cordeiro,
até as mais contemporâneas em arte digital produzidas no Brasil. Reuniu cerca de 60 obras, onde
criou-se um espaço de reflexão sobre como o poder visionário da arte transcende a noção meramente
utilitária do avanço tecnológico.
Evento de porte semelhante, a 4D – Arte Computacional Interativa, ocorreu no Centro Cultural
Banco do Brasil (CCBB) da cidade de Brasília no ano de 2004. De acordo com o curador Arlindo
Machado, o evento homenageou a trajetória de cinqüenta anos da história das poéticas tecnológicas
no Brasil. Entre as obras expostas, estavam a de grupos de pesquisa interdisciplinares de universidade
como o de Diana Domingues (Universidade Caxias do Sul), Bia Medeiros (Universidade de Brasília)
e de Gilberto Prado (USP).
Além desses eventos de grande porte, é necessário incluir as exposições e mostras multimídia
promovidas, em grande parte, por empresas de telefonia celular cada vez mais recorrentes. Neles,
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Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obrasTatiana Giovannone Travisani
inclui-se novos artistas e grupos de pesquisa que surgem com uma reflexão diferenciada das
pesquisas já consolidadas. Geralmente, são espaços de experimentações em novas tecnologias e
com um olhar mais na realidade urbana, envolvendo um caráter menos acadêmico, porém não menos
artístico e interdisciplinar.
Considerações finais
Tendo como base de reflexão as obras em tecnologia digitais citadas, é possível perceber a
relação direta que há entre a arte e outras áreas de conhecimento. Mesmo que a história já tenha
nos apontado essa tendência, é importante observar através de experiência reais – que crescem
ainda mais com a inserção de máquinas computacionais no dia-a-dia da sociedade –, transformando
a nossa maneira de pensar e enxergar o mundo.
Para que isso ocorra de maneira que incorpore toda a complexidade naturalmente existente
nessa transição, artistas se unem com profissionais de várias áreas para compreenderem melhor
essa nova ferramenta de produção de sentidos estéticos, sinestésicos e interagentes. Esse fenômeno
interdisciplinar é cada vez mais comum nas universidades, e é também devido a ele, que há um
aumento na quantidade de espaços para exposição de obras contemporâneas em arte digital. Assim,
unindo competências entre vários saberes, pode-se atingir um grau de percepção muito maior do
período histórico que vivemos.
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Interdisciplinaridade em arte e tecnologia digital: análise de obrasTatiana Giovannone Travisani
Referencial bibliográfico
CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Maior ou igual a 4D – Arte computacional interativa. Brasília:
CentroCultural Banco do Brasil, 2004.
COUCHOT, Edmond e HILLARIE, Norbert. L’art numérique: comment la technologie vient au monde de
l’art. Paris: Flammarion, 2003.
JOHNSON, Steven. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e
comunicar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
VENTURELLI, Suzete e MACIEL, Mario. Arte virtual interativa. ANAIS da COMPOS 2005.
ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores
Associados, 1998.
Sites pesquisados (acessos no período de 17 a 19 de novembro de 2006):
www.artecno.ucs.br
www.arte.unb.br/museus/labs.htm
www.ekac.org
www.itaucultural.org.br
www.maus.gmd.de/imk_web-pre2000
www.miralabwww.unige.ch
www.sciarts.org.br
www.suzeteventurelli.ida.unb.br
www.ventrella.com
www.v2.nl
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Uma leitura fenomenológica da ludicidade em PortinariWagner Leite Viana
Uma leitura fenomenológica da ludicidade em Portinari
Wagner Leite Viana*
Ao me aproximar, nesta pesquisa, do fenômeno da leitura da obra de arte procuro por uma postura
de leitura inspirada no problema da époché ou método da redução fenomenológica, que envolve uma
suspensão da atividade natural de emitir juízos sobre as coisas, buscar a situação inicial, constante e
final da própria dependência do reflexivo em relação à uma vida irrefletida, não é retirar a reflexão do
mundo, mas buscar tomar distância dele e fazer aparecer “os fios intencionais” que nos ligam a ele
revelando–o em sua estranheza e paradoxalidade, “voltar às coisas mesmas” o conhecimento que
temos delas tal qual elas se apresentam à nossa consciência, que não está isolada na medida em que
é entendida como consciência de algo, suspender-se para buscar o ato de perceber e aquilo que é
percebido. Tenho em vista como enfoque, a dimensão pessoal e singular envolvida nessa experiência;
eu enquanto pesquisador, procurando mergulhar nela e observar, descrever e compreender o fenômeno
a partir do encontro entre leitor e obra. O que está em jogo no acontecimento estético é o estado de
exceção onde se dá o surgimento da imagem poética como experiência inantecipável na consciência
de um leitor, sua origem no aqui - agora com a obra. Na experiência estética da leitura esse encontro
é entendido como um estar “entre”, âmbito onde se pode observar as tensões e distensões, revelações
e ocultamentos suscitados na dialética leitor-obra, num tempo fenomenológico onde se pode manifestar
as experiências latentes do leitor e as que o autor “formou” na obra. A linguagem é investigada em seu
caráter de novidade, em que a atribuição de sentido não é algo dado, mas algo a se fazer na experiência
do mundo, o que na pintura manifesta-se como o irrefletido, o silêncio, o invisível e nos dá muito mais
do que temos consciência. A visão mostra muito mais do que é visto e a intenção de significar na
obra surge no momento em que é vista, vai do visível ao invisível, o que se mostra e o que se
imagina. É procurar a pintura não pelo que ela nos mostra diretamente e sim pelo que ela tem de
oculto, é uma tentativa de não matar o mistério do mundo, porque o mundo é o que eu vivo não
aquilo que eu penso dele, estou aberto a ele, me comunico com ele, mas não o possuo ele é
inesgotável, não o abarcamos e não cessamos de nos dirigir a ele, procurar o mundo que se dispõe
em torno de mim no instante em que começa a existir para mim, procurar na linguagem da Arte não o
* Mestrando em Artes Visuais, Instituto de Artes – UNESP.
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Uma leitura fenomenológica da ludicidade em PortinariWagner Leite Viana
que está instituído, pronto e acabado, mas sim um mundo nascente na qualidade de instituinte, e a
leitura dele experienciada como um salto, se fazendo e não pronta.
Na leitura da obra de Arte, procuro observar como se dá a experiência de problematização no
encontro com a obra (uma parada no tempo, suspensão, estranhamento), que em linguagem
cotidiana pode ser expresso como experiência do sei o que é isso e não sei o que é isso. Nesse
encontro, trabalho com a noção de leitor-inventor, invenção de acordo com Virgínia Kastrup, é um
modo de entender o ato de conhecer e que mobiliza processos cognitivos (memória, percepção,
linguagem etc...), pode-se falar em memória inventiva, percepção inventiva, um ser inventor inventaria
problemas e não se reduziria a solucionar problemas pré-existentes. O problema da invenção se
aproxima da busca de uma ontologia do ser porque no processo de inventar o ser inventa-se a si
mesmo, invento e inventor são resultados de uma invenção, o Ser é posto na qualidade de Ser
inventor. Um olhar leitor inventor se colocando nessa experiência seria como um olhar à espreita,
porque não antecipa o que encontrará, como encontrará, o que denuncia uma intencionalidade de
busca aberta nesse encontro, o fenômeno a surgir num campo perceptivo a criar-se numa consciência,
entendida a partir da problemática do sensível em Merleau-Ponty, para ele a pintura aparece como
uma linguagem silenciosa. Para isso recorro aos estudos acerca da percepção, consistência da
atividade do pintor, cujo trabalho e seus resultados expressos se assemelham às preocupações da
fenomenologia de Merleau-Ponty. O filósofo destaca a pintura em seu papel de elucidação ou revelação
da busca da zona intermediária ou de indistinção entre sujeito e objeto.
Merleau-Ponty vincula a linguagem à atividade corporal, toda atividade, seja reflexiva ou não,
tem como fundamento a percepção do mundo. Na ação cotidiana os gestos inconscientes predominam
sobre os conscientes. A busca da linguagem como nascida do corpo, o estado nascente da percepção
com as coisas mudas do mundo, que pela linguagem indireta da pintura pode fazê-las tornarem-se
prestes a serem proferidas. A partir da percepção o sujeito opera a passagem do vivido ao pensado,
ela se constitui como solo para todo conhecimento, o mundo fenomenológico como fundação do Ser
não explicitação de um Ser anterior, a Arte não é reflexo de uma verdade prévia, mas a realização de
uma verdade. A busca do sentido do mundo ou da história em estado nascente.
O pintor pensa com a pintura, o olho não é só operação do pensamento como quer Descartes
em sua filosofia onde a pintura é uma forma enganadora de apresentar o mundo, no pensamento de
Merleau-Ponty ela é uma forma de revelar a verdade porque ela é feita do mesmo tecido do corpo,
do mundo e do sujeito; o irrefletido, o silêncio, o invisível. Desse modo se dá a passagem de uma
filosofia da consciência para uma filosofia do corpo, da percepção. Há uma transubstanciação quando
o pintor dá seu corpo ao mundo e o transforma em pintura, há que se reencontrar o corpo operante
e atual que é entrelaçamento de visão e movimento, corpo e mundo. O filósofo e o pintor estão
diante do mesmo enigma da realidade, observado na analogia: quando a mão direita toca a mão
esquerda, quem toca e é tocada? Qual é sujeito e qual é o objeto?
PESQUISA EM DEBATE • Ano III • n. 4 • jan-jun 2006 • p. 122-128Universidade São Marcos
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Uma leitura fenomenológica da ludicidade em PortinariWagner Leite Viana
Coloca-se o problema da reversibilidade entre sujeito e objeto, a mão que toca e que é tocada, uma
relação em que elas se alternam e a identidade está sempre em vias de ocorrer numa sucessão sem fim.
Para Merleau-Ponty toda reflexão está voltada para um irrefletido, um “retorno as coisas mesmas”
que significa voltar ao mundo anterior ao conhecimento, do qual o conhecimento sempre fala.
Ao falar-se do pré-reflexivo fala-se numa consciência de algo que o sujeito não conhece ainda
totalmente, constata-se aí uma anterioridade do involuntário com relação ao voluntário, do invisível
com relação ao visível. O nível pré-pessoal é o corpo entendido como um relacionamento com-o-
mundo (corpo-sujeito). O “eu quero”, “eu posso” precedem ao “eu penso”. Nossas intenções estão
enraizadas nas intenções corporais.
Por meio de um equilíbrio dialético Merleau-Ponty demonstra no corpo o entrelaçamento entre
natureza e cultura, a natureza submete meu corpo as coisas e este se dispõe receptivamente em
relação a elas e as sofre, a cultura abre dimensões no entrelaçamento contínuo do real e institui
níveis. O corpo não tem o papel de passividade e inércia, mas sim o de apresentar o nascimento da
expressão do comportamento simbólico, além de colocar-nos em contato com o outro e o mundo,
pelo sensível ele se ata às coisas e nos conduz à intersubjetividade porque o sensível é algo comum
na experiência que temos do outro. Se o corpo é visto como um objeto entre outros aceita apenas
relações exteriores e mecânicas; além de estímulos e respostas ele é animado por relações que se
estabelecem com o mundo. Deve-se abandonar o tratamento do corpo como objeto, ou seja, “parte
extra partes”, para buscá-lo numa experiência atual. Daí a exigência de uma filosofia da existência
se instalar na concretude do mundo.
Totalidade, globalidade, conjunto são noções que se equivalem e Merleau-Ponty lança mão da
noção de estrutura, os próprios reflexos integram estruturas, o particular só encontra uma razão de
ser enquanto faz parte de uma totalidade. Nosso corpo reage ao mundo de forma bem diferente
daquela imposta em laboratório. Trata-se de responder a situações complexas e não a estímulos
isolados. As condições artificiais de laboratório não podem ser consideradas como uma “realidade
biológica”, o organismo deve ser desafiado a atuar em contato com o meio e a situação, onde há a
possibilidade de se ajustar à situação numa riqueza de adaptações.
No pensamento de totalidade não há sensação pura elas já vêm acompanhadas de nossas
interações com o mundo. O pensamento da cor não é a cor no seu sentido pleno. Há a possibilidade de
se pensar a cor destacando-a do mundo vivido, do comércio com o mundo, numa tentativa de destacar
sua qualidade específica, mas é uma atitude que faz desaparecer o espetáculo, porque cor é relação.
O corpo objetivo é o fisiológico, anatômico; o corpo fenomenal é visto como expressão e realização
de nossas intenções, desejos e projetos. Nosso corpo não é como um objeto no mundo nem o
mundo como uma soma de objetos, mas como horizonte latente de nossa experiência. Há uma
interação no que corresponde à iniciativa do sujeito e solicitação do mundo; a criança ao dirigir-se
para um objeto não olha a mão, mas elas vão direto a ele como que atraídas por ele.
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Uma leitura fenomenológica da ludicidade em PortinariWagner Leite Viana
O homem é também voltado para o virtual, lança-se em direção a um projeto que se vai delineando
a medida que o pomos em execução. Nesse sentido situa-se no nível do vir-a-ser.
A fenomenologia é reaprender a ver o mundo e anterior a todo conhecimento científico ou
filosófico, está o conhecimento direto da realidade que é original, espontâneo e pré-reflexivo que é
ponto de partida para os outros. O filósofo analisa a percepção como ponte entre consciência e o
mundo exterior, não concebe a consciência como construtora do mundo. É no horizonte da percepção
que se dá a mediação com o mundo, consciência de algo que tem na percepção uma zona
intermediária, surpreender a consciência aprendendo, comprometida com a existência.
O mundo não está nas coisas, mas no horizonte das coisas, A filosofia de Merleau-Ponty quer
ficar nessa posição entre a coisa e a consciência. A coisa não é tratada como um “em si” é da
essência dela e do mundo permanecer aberta a nós, toda coisa só sentido como sendo “para nós”.
Ela nunca se dá inteiramente a nós, se dá por perfis na estrutura objeto-horizonte, na medida em
que os objetos se dissimulam é também um meio de se desvendarem, há um saber da coisa pelo
que ela não manifesta. É esse lado oculto da coisa e do mundo que excita o pintor, o visível e o
invisível são partes da mesma coisa.
A linguagem para o filósofo é capaz de expressar através dos espaços “entre”, pelo que diz e
pelo que não diz. O ato de expressão nos faz ultrapassar o universo dos objetos de uso é um
transbordamento do real, excesso de significação. A expressão não é tradução de um pensamento
claro é ato criativo, fundação de algo novo. A “concepção” não pode preceder a “execução”. É linguagem
falante, corpo expressivo dotado de atitudes que independem dele.
O trabalho do pintor é obscuro por ele desconhecer os caminhos que o levam à perfeição, mas é
um trabalho orientado, basta iniciar a obra que ele se vê rodeado de sentido, como no ato da palavra.
Merleau-Ponty ao inverter o idealismo platônico enraizando o cogito na percepção, põe em questão
a racionalidade e a certeza intelectual da filosofia transcendental, inicia a busca por uma filosofia da
reabilitação ontológica do sensível. O olhar, diferente de um pensamento de ver, é mais como um “ver
ser visto” onde o enigma da visão se faz no meio das coisas.
O corpo marca a presença do mundo em nós porque a experiência vivida funda-se num ato
perceptivo, campo de entrelaçamento entre corpo e mundo. A intencionalidade como abertura do
corpo ao mundo não pousa fixamente num ponto, mas antes ocorre como modulação intencional
(intencionalidade operante), posto que o campo de forças aberto na experiência estética da leitura
mobiliza o reflexivo, o pré-reflexivo, pede um Ser sensível com uma atenção a si e ao mundo, um Ser
que na experiência em ação se encontra entre sujeito e objeto. Olhar o mundo em encontro, acontecendo,
se distancia de um olhar numa única direção é mais um olhar multidirecionado, modulado pelas in-
tensões e ex-tensões (forças mobilizadas na cognição), misturando leitor e obra neste acontecer,
se aproxima mais de um olhar de um caleidoscópio multidimensional que o olhar de uma luneta.
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Uma leitura fenomenológica da ludicidade em PortinariWagner Leite Viana
O olhar do leitor inventor que vê a partir de um campo de forças, que também é ver-se “entre”,
tencionado, deslocado, em estado de estranhamento, um ver que tensiona a obra e tensiona a si.
Uma intenção em significar que também é in-tensão e ex-tensão , forças de espacialização do
encontro com a obra que inventa habitats, e ao habitar também na memória atualiza nossas gavetas
de guardados, e faz conviver num mesmo plano de força a experiência do reconhecimento e da
novidade na obra.
Na procura de ver este método concreto, posto em ação eu delimito neste estudo um tema e um
artista, a partir dos quais levanto os seguintes problemas:
A partir dos circos de Portinari é possível levantar questões referentes ao processo de leitura de
obra e surgimento da imagem poética?
As obras circos, produzidas ao longo da vida do artista, são representativas no sentido de
descrever um percurso dentro da sua obra?
Como construir um olhar – leitor inventor que vá ao encontro do olhar – menino, da memória de
Portinari, expresso nos Circos?
É possível descrever como a imagem poética do circo surge no espaço de confluência do olhar
do leitor e do olhar de Portinari menino?
O surgimento da imagem poética na leitura dos Circos pode ser colocado como o acontecimento
de um âmbito e campo de ação? Este campo imaginário é aberto pela ação da leitura? Pode ser
encarado como resultado da função lúdica da imaginação?
A escolha do artista Portinari se justifica pela importância e significado para a Arte moderna
Brasileira, é um pintor polêmico e eclético quanto aos estilos e temáticas. O seu olhar crítico-social é
conhecido, por exemplo, na tela “Os retirantes”, desveladora das mazelas e contradições sociais.
Como criador de imagens o artista compartilha com a sociedade as várias possibilidades de olhares,
Portinari busca no seio da própria criação olhares que se contradizem, mas coexistem simultaneamente.
Isto pode ser visto no homem que foge da terra seca porque quer vida, um produtor semi-escravizado
quase reduzido a mãos e pés. Nas crianças que também correm brincando como que seduzidas pela
terra. Estas leituras estão presentes no olhar-fome, o olhar – criança, o olhar – festa, olhar – morte.
Coloca-se como desafio ler as obras de Portinari que tenham como temática o imaginário do circo,
são obras produzidas ao longo de sua vida que trazem diversos momentos formais. Do total de treze
obras serão escolhidas algumas com a idéia de ilustrar, pelo olhar de escolha, um percurso dentro da
obra do artista, essas pinturas se enquadram em um conjunto de outras, tais como as cenas de
brincadeiras, nas quais o artista trabalha o olhar da infância vivida em Brodósqui, no interior paulista.
O elemento terra aparece com ênfase nas cenas de brincadeiras, plantações, circos, etc... O
interesse de Portinari em pintar essa temática da terra, fica evidente numa carta enviada à Rosalita
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Uma leitura fenomenológica da ludicidade em PortinariWagner Leite Viana
Cândido Mendes, datada de 12 de julho de 1930, do período em que esteve na Europa, usufruindo
do Prêmio obtido na Escola Nacional de Belas-Artes, nela Portinari refere-se à paisagem infantil
internalizada e expressa nos circos como forte ligação com o espaço.
Nos Circos o artista põe em suspenso as questões da terra e desvela, a partir das habitações
que se faz dela, um olhar que revive na memória a condição humana de ser criança, esse estado de
ser tão singular, põe em jogo o imaginário na maneira de transformar o espaço da brincadeira. A
ludicidade modifica o espaço coletivo do circo, por meio da liberdade humana de criar cosmos no
jogo, abrindo espaços imaginados em sua imensidão.
Essa faceta da obra de Portinari torna mais clara a percepção que temos dela, humanista,
denunciadora, lírica que mostra o artista aberto a receber a vida em sua complexidade, política,
poética e outras mais. Realizo esta pesquisa, motivado pela imensidão desse artista tão conhecido
no Brasil e no mundo, mas com uma obra ainda tão pouco explorada nas possibilidades de leituras
que oferece e nas contribuições ao imaginário brasileiro.
Pessoalmente meu encontro com Portinari - artista começa pelas questões da ludicidade assim
como meu encontro com Portinari – menino que ocorreu pela generosidade do artista em compartilhar
a condição humana universalizada na experiência da infância e do circo. Sua obra contextualizada é
num tempo – espaço específico; no tempo fenomenológico em que a imagem poética surge na minha
consciência de leitor inventor, a experiência do circo é suscitada pelo encontro do olhar-artista e do
olhar-leitor.
Objetivo neste trabalho
Ler as obras de Portinari que tenham por tema o circo;
Propor a partir de um recorte um percurso de leitura dentro da obra do artista;
Observar e descrever o surgimento da imagem poética na consciência do olhar-leitor inventor e
destacar o papel da imaginação nesse surgir;
Propor a ação da leitura como jogo que se dá no espaço imaginário;
Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa de caráter fenomenológico e tem em alguns
momentos outros aspectos tais como: a procura de documentos imagéticos da obra do artista e
leitura de material escrito pelo próprio artista que contextualize a importância do tema na sua obra,
se configurando numa pesquisa documental; Pesquisa de bibliografia que fundamente a postura de
leitura escolhida.
O primeiro momento será uma tentativa de busca do olhar em Portinari sobre as questões do
homem, a contingência da vida humana, uma condição que se estabelece a partir da terra tendo-a
como cenário ou protagonista, o homem posto na situação histórica a transformá-la pelo trabalho ou
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Uma leitura fenomenológica da ludicidade em PortinariWagner Leite Viana
brincadeira. No segundo, o foco será o olhar do artista para a infância e sua poética sendo a terra
determinante de como essa infância aparece, muitas vezes conflitante como a infância fome de
“Retirantes” e a infância liberdade de “Pipas”. Essas questões da terra e da infância desembocam no
circo que será tema tratado num terceiro momento, é melhor dizer “circos”, pois aparecem em toda
trajetória de Portinari, é um tema recorrente em várias fases estilísticas do pintor.
Referências bibliográficas
CARMO, Paulo Sérgio do. Merleau-Ponty: a pintura como expressão do silêncio. São Paulo, 1990 –
Dissertação de Mestrado em Filosofia da PUC. Orientador: Urias Correa Arantes.
CARMO, Paulo Sérgio do. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2004.
COELHO JÚNIOR, Nelson. Merleau-Ponty: filosofia como corpo e existência. Nelson Coelho Júnior,
Paulo Sérgio do Carmo. São Paulo: Escuta 1991.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
FABRIS, Annatereza. Portinari pintor social. São Paulo: Perspectiva, 1990.
FABRIS, Annatereza. Cândido Portinari. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
FOLSCHEID, Dominique & WUNENBURGER, Jean-Jacques. Metodologia filosófica. Tradução Paulo
Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
KASTRUP, Virgínia. A aprendizagem da atenção na cognição inventiva. Disponível em: <http://
www.Psicologia.ufrj/pospsi/política.pdf>. Acesso em 05 abr. 2006.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O olho e o espírito. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
PORTINARI, Cândido. Catálogo Raisonné. Concepção e coordenação geral, João Cândido Portinari;
Organização: Christina S. Gabaglia Penna, João Cândido Portinari; Apresentação: José Eduardo Dutra;
versão para o inglês: Lisa Hawkins. Rio de Janeiro: Projeto Portinari, 2004.
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Relações estético-estruturais entre música e arquitetura: alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha
Relações estético-estruturais entre música e arquitetura:
alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha*
Introdução
Iniciamos esse estudo esboçando algumas das maneiras de utilização dos conceitos de alienação
e de estranhamento na história para, numa fase mais adiantada do texto, empreendermos breves
análises sobre as conformações estético-estruturais de obras musicais e arquitetônicas.
Segundo Jesus Ranieri1 na história os conceitos de alienação e de estranhamento foram abordados
por Platão, pela tradição Judaico-Cristã, pela tradição e reflexão do Direito Natural e Contratualista,
pela Psiquiatria e pela Medicina, pelo Idealismo Alemão, chegando até a reflexão Marxista.
A concepção platônica, que via o mundo natural como uma projeção imperfeita do mundo das
idéias, pode ser entendida como uma das primeiras reflexões que tomava o fenômeno como central.
Na tradição judaico-cristã, a doutrina do pecado original e da redenção, assim como a exteriorização
e o estranhamento do ser divino ao materializar-se em humano, que é um momento de separação
de seus atributos sagrados; da mesma forma, a privação humana da obtenção da graça, em virtude
da queda no pecado. Na tradição contratualista, o termo está relacionado com a transferência para
outra pessoa, da autoridade soberana do humano sobre si mesmo, ou seja, traspassagem de um
direito a outro.“[...]Hegel integra logicamente alienação e estranhamento nas objetivações do espírito
em seu trajeto em direção ao absoluto. Também Hegel atribui ao termo o sentido de exteriorização
do trabalho numa etapa da constituição do absoluto, na medida em que é um momento particular
da constituição da idéia, pôr ser levada a efeito pôr um espírito finito (humano)”. “[...] Pôr último, na
tradição marxista, alienação (em geral sendo atribuída à identidade lógica hegeliana), refere-se à
impossibilidade do humano de ter acesso aos produtos de sua atividade; ao fato de esses produtos
submeterem o próprio ser ao seu controle e à impossibilidade de os homens reconhecerem-se
mutuamente enquanto produtores da história”. (RANIERI, 1995, p.3).
* Mestrando em Música pelo Instituto de Artes – UNESP.1 RANIERI, Jesus, J. Alienação e estranhamento nos manuscritos de 1844 de Karl Marx, 1995. Dissertação de
Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Campinas, p. 3.
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Relações estético-estruturais entre música e arquitetura:alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha
Segundo Ranieri o conceito de alienação (Entäusserung) foi trabalhado na história de tal maneira
que seu sentido na maioria das vezes esteve associado à negatividade do “estranhamento”
(Entfremdung). Mas, para ele, o conceito de alienação não necessariamente deve ser entendido como
um sentido negativo. Nesse contexto, para que seja possível estabelecer um entendimento sobre o
tema em estudo, faz-se necessário distinguirmos qualitativamente a noção positiva de alienação (que
implica o reconhecimento) da noção negativa de alienação (que implica o estranhamento).
Sendo assim, temos que, já de início, sublinhar que, na obra de Marx, diferentemente da forma
trabalhada e consagrada pela bibliografia que tratou do tema, existe uma distinção entre alienação
(Entäusserung) e estranhamento (Entfremdung): enquanto alienação tem o significado de algo
ineliminável do homem, uma exteriorização que o autoproduz e forma no interior de sua
sociabilidade, estranhamento é designação para as insuficiências de realização do gênero humano
decorrentes das formas históricas de apropriação do trabalho, incluindo a própria personalidade
humana, assim como as condições objetivas engendradas pela produção e reprodução do homem.
Em outras palavras, pode-se dizer que aquilo que Marx designa por alienação (ou exteriorização,
extrusão, Entäusserung) tem a ver com atividade, objetivações do ser humano na história, ao
mesmo tempo em que estranhamento, pelo contrário, compõe-se dos obstáculos sociais que
impedem que aquela atividade se realize em conformidade com as potencialidades humanas,
obstáculos que, dadas as formas históricas de apropriação do trabalho e também de sua
organização por meio da propriedade privada, faz com que a alienação apareça como um fenômeno
concêntrico ao estranhamento2.
O sentido positivo de alienação (Entäusserung) fica evidente quando o conceito é utilizado com
a finalidade de expressar, o ato de objetivação da consciência por intermédio do trabalho não
estranhado. Ou seja, quando o conceito é evocado para expressar uma ação de exteriorização do
espírito; de expressão do sujeito; de objetivação da memória segundo a qual ocorre a satisfação
humana por meio do reconhecimento de si nesse objeto posto de e por si mesmo.
Segundo esse ponto de vista o conceito de alienação (Entäusserung) pode carregar um sentido
positivo quando é associado à idéia de atividade humana. Isto é, quando remete a um estado de
liberdade do pensamento, a um livre arbítrio de ações, à idéia de livre manifestação de vida por
intermédio do trabalho, à sinceridade nas relações entre os seres humanos, entre todas outras coisas.
Portanto, pode-se interpretar positivamente a categoria da alienação desde quando se refere às
2 RANIERI, Jesus. Alienação e estranhamento: a atualidade de Marx na crítica contemporânea do capital. In:
CONFERENCIA INTERNACIONAL LA OBRA DE CARLOS MARX Y LOS DESAFIOS DEL SIGLO XXI, 3,
2006. Havana. Disponível em: <http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/congreso06/conf3_ranieri.pdf>. Acesso
em: 31 jul. 2006.
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Relações estético-estruturais entre música e arquitetura: alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha
atitudes de manifestação da consciência humana em seu vir a ser no presente perceptual imediato3,
o viver no mundo, o estar vivo e interagindo com o meio exterior, com o mundo da cultura humana e
com a natureza; também, quando remete aos processos de produção humana por intermédio do
trabalho não estranhado. Isto é, aos processos de objetivação do pensamento num objeto exterior a
si, mas, que ao mesmo tempo, seja representativo do sujeito que o produziu e, finalmente, até quando
a alienação remete às relações em que se efetiva a atividade inevitável da representação do outro
(sendo esse ativo ou inativo). Atividade essa que é elaborada quotidianamente pelo pensamento
humano dentro do desenvolver de seu processo de percepção.
Em função de todas essas colocações nota-se que o conceito de alienação, como já expressamos,
pode ser associado à idéia de trabalho reconhecido. Também, que esse conceito pode remeter à
noção de objetivação do sujeito num produto de si mesmo; que ele pode ser associado à noção de
produção humana; que pode remeter à noção de materialização da idéia por meio da estruturação
objetiva do pensamento e, portanto, que a alienação pode ser associada à idéia de Projeto e de
Composição e, então, à noção de Comunicação. Por isso, a alienação mantém relação com a
Arquitetura e com a Música, na medida em que essas formas de expressão são postas através dos
processos de objetivação do sujeito; de expressão da memória; de exteriorização da personalidade:
de alienação espiritual.
A face negativa da alienação fica evidente quando esse conceito é utilizado com a função de
expressar a noção de trabalho estranhado. A negatividade do termo fica clara quando expressa a
geração da impossibilidade de auto-manifestação de vida do ser humano; quando expressa a idéia
de ilusão, a idéia de inativação da possibilidade de constituição da auto-identidade humana; a noção
de privação humana da possibilidade do auto-conhecimento, do auto-reconhecimento, do auto-
entendimento e as noções de impossibilidade do conhecimento, do reconhecimento e do entendimento
do outro. Então, quando a alienação é efetivada para a negação da noção de alteridade quando é
utilizada como a base de constituição do preconceito de um em relação a outro diferente de si,
assim, a alienação pode ser interpretada negativamente como causa que tem por efeito o
estranhamento: a alienação como o ato de estranhar4.
3 JOURDAIN, Robert, Música, cérebro e êxtase cap. 5 pag. 182. O presente perceptual tem definição clássica
pelo filósofo americano William James. Remete aos eventos no breve espaço de tempo em que nossos
cérebros (direito, esquerdo, primário secundário...) podem perceber sem precisar do recurso às imagens
mentais lembradas. É o mínimo espaço de tempo que se leva para sentir, perceber e categorizar. E é ditado
pela velocidade de estimulação dos neurônios. O que varia de sujeito para sujeito.4 Na medida em que, esse último, só pode existir a partir da relação que mantém com a primeira. Mas, não
sendo necessariamente verdadeira a sentença inversa. Pois, sabemos que a supressão ou a superação da
alienação-estranhamento – se for possível de ser efetivada – não implica necessariamente a supressão de
toda objetividade, ou seja, da alienação.
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Relações estético-estruturais entre música e arquitetura:alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha
Portanto, do ponto de vista da reflexão de Marx sobre as alienações referentes ao gênero humano,
é possível perceber que está solidificado no estranhamento do trabalho o conjunto das determinações
que dizem respeito àquilo que, de maneira geral, é entendido por alienação: a privação, o alheamento,
a insuficiência sócio-histórica das expectativas pessoais. Pensamos que, no entender de Marx, a
suplantação destas privações e insuficiências só se dará através da supressão dos estranhamentos,
mas não das alienações, pois estas últimas seguem a determinação de ser objetos e atos da produção
e reprodução humanas e, portanto, derivadas da ineliminável atividade que caracteriza o homem. A
negatividade destas alienações está dada pela sua forma estranhada de aparecimento e sua origem
encontra-se no estranhamento do trabalho5.
Então, a alienação em sua face negativa também pode manter relação com a Arquitetura e com
a Música, posto que essas formas de expressão são realizadas através do processo de objetivação
do sujeito; de expressão da memória; de exteriorização da personalidade. E se nesse contexto não
ocorrer a satisfação humana através do reconhecimento de si mesmo no produto de seu próprio
trabalho, evidencia-se o trabalho estranhado. Estranhamento que se manifesta pela ação de
inatividade humana, o que, enfim, é função da alienação espiritual.
Um possível sentido filosófico para as obras de arte
O desenvolvimento histórico das abordagens sobre os conceitos de alienação e estranhamento
chega também ao período moderno através da Escola de Frankfurt por intermédio de Theodor Adorno
e Max Horkheimer. Estes abordaram claramente essa temática em textos como “A Indústria Cultural”
e “Dialética do Esclarecimento” de modo que, a dialética marxista pode ser
encontrada como uma estrutura profunda da teoria sobre estética no contexto das obras de
arte. Jimenez6 confirma isso quando expõe:
O método crítico e dialético de Adorno, aplicando à obra de arte, à sua lógica interna e à sua
estrutura mais íntima, a análise marxista da sociedade, permite compreender como e por que os
conflitos sociais se inscrevem, ao longo da história, na própria forma da obra como problemas
imanentes, problemas a serem resolvidos (JIMENEZ, 1977 p. ).
5 (RANIERI, Jesus. Alienação e estranhamento: a atualidade de Marx na crítica contemporânea do capital. In:
CONFERENCIA INTERNACIONAL LA OBRA DE CARLOS MARX Y LOS DESAFIOS DEL SIGLO XXI, 3,
2006. Havana. Disponível em: <http://www.nodo50.org/cubasigloXXI/congreso06/conf3_ranieri.pdf>. Acesso
em: 31 jul. 2006).6 JIMENEZ, Marc, Para ler Adorno; trad. Roberto Ventura, Rio de Janeiro, F. Alves, 1977.
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Relações estético-estruturais entre música e arquitetura: alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha
No texto “Sobre o Relacionamento Contemporâneo entre Filosofia e Música”,7 Adorno aborda o
tema da alienação intimamente relacionado à música. O autor desenvolve o texto pelo ponto de vista
estético-filosófico abordando como a música pode fazer parte da alienação-estranhamento e, portanto,
cumprir o papel de mais uma mercadoria entre as outras no mercado, ou como a música pode ser
uma exteriorização que denuncia o estranhamento submerso nas relações sócio-humanas, cumprindo
assim verdadeiramente um papel qualitativo para o desenvolvimento das relações humanas na
sociedade moderna. Adorno expõe claramente neste texto que:
Se a música deseja escapar da nulidade que a ameaça, [...], então ela somente pode esperar fazê-
lo se realizar o que Schoenberg realizou no Sobrevivente de Varsóvia – se ela confrontar a
negatividade absoluta, a mais extrema, pela qual a inteira constituição formal da realidade é feita
manifesta. (ADORNO, 2002, p.150 – tradução nossa).8
Ao nosso ver o que Adorno expressa é que a música pode abarcar em sua forma estética
características que a remetem contra ou que a submetem à alienação-estranhamento. A forma estética
de uma obra de arte pode determinar sua assimilação ou não pelos meios de comunicação de massa,
revelar sua participação na produção mercadológica e refletir sua concordância ou discordância em
relação aos sistemas, estatutos e leis que regem uma sociedade em determinado período. Pois, como
expõe Adorno, “a forma estética é conteúdo social sedimentado” (JIMENEZ, 1977: 72)9.
Fig.1 Maquete do Memorial do Holocausto-Peter Eiseman
7 ADORNO, Theodor. Sobre o relacionamento contemporâneo entre filosofia e música, Essays on Music,
University of Califórnia, Press, 2002.8 A tradução do seguinte texto: “If music is to escape from the nullity that threatens it, [...], then in can only hope
to do so if it accomplishes what Schoenberg accomplished in the Survivor from Warsaw – if it confronts the
utter negativity, the most extreme, by which the entire complexion of reality is made manifest.”9 Contudo, devemos também levar em consideração que o sentido de uma obra artística, seja ela sonora ou
visual, não pode ser encarada de maneira determinista, mas sim de modo relativo. O sentido de uma obra de
arte ocorre em função das relações que se estabelecem entre o apreciador e a própria obra. O sentido
emerge da interação que se estabelece entre o universo cultural da pessoa que experimenta a obra – o que
compreende as características de personalidade, a memória, as motivações, as variáveis que influenciam
no momento da apreciação, etc. – e as características estéticas que permeiam a obra e indicam um possível
caminho interpretativo. A esse respeito: ZAMPRONHA, Edson. Notação e representação e composição: um
novo paradigma da escritura musical. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2000.
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Relações estético-estruturais entre música e arquitetura:alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha
Música
Tendo consciência de que o sentido de uma obra não é apenas objetivo nem subjetivo10, mas
surge da interação entre a personalidade do apreciador e a estrutura indicativa da obra e, tomando-
se como base a idéia de que, como expõe Adorno: “os antagonismos não resolvidos da realidade
retornam nas obras-de-arte como problemas inerentes de sua forma” (JIMENEZ, 1977, p. 72), tem-
se que as relações entre forma e conteúdo de uma obra de arte podem representar para um apreciador,
sob determinada circunstância e segundo específico ponto de vista, características dramáticas
intimamente ligadas ao desenvolvimento histórico das relações entre seres humanos na realidade da
vida em sociedade, bem como, essas mesmas relações dramáticas que constituem o estranhamento
entre os homens na realidade podem ser o mote que inspira o compositor na confecção de uma obra
de arte sonora, como no caso de Schoenberg ao compor o Sobrevivente de Varsóvia. Nesta obra o
ouvinte pode claramente se deparar com uma carga dramática de tensões sonoras que, quando
confrontadas com o sentido do texto, podem levar o ouvinte a interpretar (alienação positiva de
significados) a peça como uma crítica à situação existencial de horror (estranhamento) pela qual
passaram milhões de seres humanos judeus na segunda guerra mundial.
O desenvolvimento sonoro dessa obra pode gerar no ouvinte a sensação conflito permanente
(estranhamento), pois a organização de grupos sonoros que caracterizam arquétipos-harmônicos11
essencialmente tonais são deformados pela utilização de outros grupos com características
intervalares mais complexas e distintas daquelas caracterizadas pela sobreposição de terças. Os
acordes, dessa maneira, não mais permitem a identificação imediata de uma única direção
harmônica, mas possibilitam a percepção de uma multi-direcionalidade pela utilização de intervalos
que atuam como pólos antagônicos às tônicas que fundamentam os eixos das harmonias tonais.
Neste contexto a sonoridade pura pode gerar para um ouvinte não familiarizado com a música
contemporânea um efeito de ambigüidade na percepção que o leva a experimentar sonoramente
sensações de estranhamento estético, os quais, pelo ponto de vista filosófico podem ser interpretados
como representativos dos estranhamentos éticos que afloram na realidade das relações entre
nazistas e judeus, na medida em que o sentido verbal do texto poético indica um caminho
interpretativo para o ouvinte. Assim, através do exemplo que essa específica obra poético-musical
de Schoenberg nos fornece torna-se aceitável a idéia de que uma obra de arte pode conter em sua
estrutura características que permitem um apreciador interpretá-la como uma denúncia da face
negativa da alienação. Pois, as associações possíveis entre forma sonora e conteúdo semântico
expresso pelo texto poético permitem ao apreciador projetar na obra significados que remetem à
10 Idem, 2004, p. 79.11 A respeito da noção de arquétipos harmônicos: MENEZES FILHO, Florivaldo, Apoteose de Schoenberg, São
Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
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Relações estético-estruturais entre música e arquitetura: alienação e estranhamento
Namur Matos Rocha
condição ética de impossibilidade de auto-manifestação de vida do ser humano; que expressam a
idéia de ilusão da verdade; a idéia de inativação da possibilidade de constituição da auto-identidade
humana; a noção de privação humana da possibilidade do auto-conhecimento, do auto-reconhecimento,
do auto-entendimento e as noções de impossibilidade do conhecimento, do reconhecimento e do
entendimento do outro.
Arquitetura
Nesse momento é importante recapitular algo que já expressamos na primeira parte desse artigo,
a saber: que o conceito de alienação pode ser associado à idéia de trabalho reconhecido e de
trabalho estranhado. Afirmamos que tanto a noção positiva quanto a noção negativa de alienação
mantêm relação com a arquitetura e com a música desde os processos de composição das idéias,
passando pelos processos de construção das obras concretas e chegando finalmente aos processos
de percepção e representação dessas obras por parte do sujeito fruidor, na medida em que música
e arquitetura são formas de exteriorização do ser humano através do trabalho. Também é importante
citar Souriau quando diz que:
Poesia, arquitectura, danza, música, escultura, pintura: son otras tantas actividades que sin duda,
profunda y misteriosamente, comunican o comulgan entre si.12 Especialmente se puede observar
una vinculación entre la arquitectura y la música por cuanto se despliegan en el límite del mundo,
debido a su carácter figurativo-simbólico y al hecho de que en ambas puede destacarse una
naturaleza abstracta y asemántica.
Se para o leitor os argumentos acima parecem coerentes pode-se dizer então que é possível
transpor as interpretações estético-filosóficas através dos conceitos de alienação e estranhamento,
genericamente, para o âmbito das artes visuais, e especificamente, para o âmbito da arquitetura.
Em se tratando da relação entre pintura e alienação pode-se citar o próprio Adorno quando afirma
que o Sobrevivente de Varsóvia é “uma peça irmã de Guernica de Picasso” (ADORNO, 2002, p.
150). Retomando-se, então, a idéia de que a forma estética representa características que constituem
o conteúdo social é possível interpretar as distorções das formas visuais, que é uma das características
essenciais do cubismo, como uma indicação de que, na realidade sócio-cultural à qual o quadro faz
referência, existe algo de distorcido.
Essa mesma lógica aplicada às obras de artes visuais pode ser associada às formas
arquitetônicas e às proporções espaciais no contexto da cultura ocidental.
12 E. Souriau, La correspondencia entre las artes, México, Fondo de Cultura Económica, 1979, p. 11.
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Neste caso as formas arquetípicas também são aquelas consagradas pela natureza das formas
e pela cultura arquitetônica ocidental.13 O que importa nesse momento é notar como a arquitetura
pode permitir a interpretação de sua estrutura estético-espacial como uma denúncia do estranhamento
ou como uma crítica a uma determinada situação existencial negativa. Uma obra representativa
dessa possibilidade interpretativa da arquitetura é o Memorial do Holocausto de Peter Eisemam
(Fig. 1, 2 e 3).
Assim como, no caso das imagens sonoras, a distorção dos arquétipos harmônicos consagrados
pela história da música ocidental pode gerar a percepção de uma ambigüidade na direcionalidade
sonora; também como no caso das imagens visuais a distorção dos arquétipos harmônicos pode
gerar uma ambigüidade na apreensão da direcionalidade luminosa, assim também no caso da
arquitetura a distorção dos arquétipos espaciais pode gerar ambigüidade na percepção da
direcionalidade espacial.
13 Também no caso da arquitetura podemos perceber a influência tanto da natureza quanto da cultura na
formação dos padrões estéticos. A ciência da ergonomia é um exemplo de que a natureza das formas humanas
influenciou na concepção dos espaços arquitetônicos, pois a proporcionalidade dos espaços também já foi
pensada em termos de dimensões humanas, como o foi em termos culturais e ideológicos.
Fig. 2 Maquete do Memorial do Holocausto – Peter Eiseman
Entre as inúmeras características estéticas importantes desta obra podemos destacar que o
senso de mobilidade e localização espacial pode ser afetado devido às transformações que ocorrem
no material arquitetônico disposto no espaço. À medida que se ingressa no espaço da obra as lápides
que medem centímetros vão se tornando maiores e, em função da extrema regularidade dos intervalos,
bem como, da pequena dimensão entre as placas de concreto que conformam o espaço pode-se ter
a sensação de enclausuramento
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14 É importante ressaltar a consciência de que, assim como no caso do sentido da oba artística, também as
interpretações referentes às características dum espaço não são deterministas, mas são dependentes tanto
da estrutura arquitetônica quanto das motivações, da memória, da cultura, das condições particulares do
ambiente de apreciação, etc. Portanto, um mesmo espaço arquitetônico pode ser percebido de diferentes
formas por pessoas distintas e representar para um a idéia de liberdade, devido a sua amplitude, e para
outro a idéia de solidão em função da mesma característica.
Pois, é coerente a idéia de que, como espaços amplos e abertos possibilitam maior número de
opções de deslocamento, estes podem gerar a sensação de liberdade, ao passo que, em espaços
pequenos e fechados podem gerar a noção de confinamento.14
Fig. 3 Vista Interna do Memorial do Holocausto – Peter Eiseman.
Uma outra característica estética fundamental da obra de Eiseman está relacionada ao tipo de
material construtivo. Dentre os diversos tipos de sensação que podem ser gerados ao se deparar
com as lápides de concreto aparente certamente estão as sensações de frieza, devido ao matiz cromático
do material, e de rusticidade devido à sua textura. Somando-se a isso o fato de que o memorial esta
diretamente ligado á idéia de Holocausto pode-se, enfim, dizer que também esta obra pode provocar
no sujeito fruidor um estranhamento estético que pode ser interpretado como representativo do
contexto de estranhamento ético pelo qual passa a sociedade à qual faz referência. Enfim, posto
que música e arquitetura são formas de expressão artística mantêm relação inevitável com a alienação
(Entaüsserung), tanto no sentido positivo de atividade, quanto no sentido negativo de estranhamento
(Entfremdüng), isto é, de inatividade. Pois, sendo a arte uma exteriorização do espírito humano
mantém relação direta com a noção de trabalho. E, sendo trabalho um ato genérico de manifestação
da consciência engloba as esferas da composição, da performance e da percepção. Assim, tanto a
noção positiva quanto a noção negativa de alienação mantêm relação com a arquitetura e com a
música desde os processos de composição das idéias, passando pelos processos de construção
das obras concretas e chegando finalmente aos processos de percepção e representação dessas
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obras por parte de um apreciador. Dessa forma, segundo as possibilidades de interpretação que são
fornecidas pela estrutura estética das obras analisadas e as relações que esta estrutura mantém
com um apreciador específico, as características estéticas dessas obras podem ser entendidas como
ideais humano-societários corporificados nas obras de arte que representam, segundo o ponto de
vista filosófico, dilemas existenciais inerentes à sociabilidade ocidental do séc XX, isto é: alienação
e estranhamento.
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