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Ano VIII nº 13 (Jan./Jun. 2010) Revista da Faculdade de ... · José Carlos Libâneo – UCG/GO José Cerchi Fusari – FEU/SP Laurinda Ramalho de Almeida – PUC/SP ... o autor

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DEMATO GROSSO

ReitorProf. Taisir Mahmudo Karim

Vice ReitorProf. Elias Renato da SilvaJanuário

Pró-Reitora de Pesquisa e PósGraduaçãoProfa. Carolina Joana da Silva

Pró-Reitor de Ensino eGraduaçãoProf. Agnaldo Rodrigues da Silva

Pró-Reitor de Extensão eCulturaProfa. Emília Darci de SouzaCuyabano

Pró-Reitor de Administração eFinançasProf. Wilbum de AndradeCardoso

Pró-Reitora de AdministraçãoAnapaula Rodrigues Vargas

Pró Reitor de Planejamento eDesenvolvimento InstitucionalProf. Weilly Toro Machado

Diretor da Faculdade deEducaçãoProf. Afonso Maria Pereira

Revista da Faculdade de Educação

EndereçoFaculdade de EducaçãoAv. Tancredo Neves, 1095 Cavalhada IICáceres/MT CEP: 78.200-000Fone: (65) 3221 0036 / (65) 3221 [email protected]

Conselho EditorialAfonso Maria Pereira – UNEMATBeleni Salete Grando – UNEMATEmilia Darci de Souza Cuyabano – UNEMATElizeth Gonzaga dos Santos Lima – UNEMATHeloisa Salles Gentil – UNEMATIlma Ferreira Machado – (UNEMAT/Editora)Irton Milanesi – UNEMATMaria Izete de Oliveira – UNEMATTatiane Lebre Dias – UNEMAT

Conselho ConsultivoAna Canen – UFRJAbigail Alvarenga Mahoney – PUC/SPBernardete Angelina Gatti – FCC/SPClaudia Davis – PUC/SPFarid Eid – UFSCARFilomena Maria de Arruda Monteiro – UFMTIlma Passos A. Veiga - UnBJadir Pessoa – UFGJorcelina Elizabeth Fernandes - UFMTJosé Carlos Libâneo – UCG/GOJosé Cerchi Fusari – FEU/SPLaurinda Ramalho de Almeida – PUC/SPLuiz Augusto Passos – UFMTLuiz Carlos de Freitas – UNICAMPManuel Francisco de Vasconcelos Motta –UFMTMariluce Bittar – UCDB/MSMauro Cherobin – UNESPMelania Moroz – PUC/SPVera Placco – PUC/SP

EDITORA UNEMATAv. Tancredo Neves, 1095 - Cavalhada - Cáceres - MT - Brasil - 78200000Fone/Fax 65 3221 0080 - www.unemat.br - [email protected]

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Ficha Catalográfica elaborada pela Coordenadoria de BibliotecasUNEMAT - Cáceres

Copyright © 2010 / Editora UnematImpresso no Brasil - 2010

Marilda Fátima DiasMaristela Cury SarianJaime Macedo FrançaGuilherme Angerames R. VargasJaime Macedo França

Coordenação EditorialRevisãoDiagramaçãoCapaArte Final/Capa Final

EDITORA UNEMATAv. Tancredo Neves, 1095 - Cavalhada - Cáceres - MT - Brasil - 78200000Fone/Fax 65 3221 0080 - www.unemat.br - [email protected]

Todos os Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquerforma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crimeestabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Revista da Faculdade de Educação/Universidade do Estado de MatoGrosso: multitemática – Coordenação: Ilma Ferreira Machado. AnoVIII, nº 13 (jan./jun. 2010) – Cáceres-MT: Unemat Editora.

Semestral Multitemática

142 p.

ISSN 1679-4273 CDU – 37 (05)

M961

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por quaisquermeios, sem a prévia autorização por escrito da editora.

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SUMÁRIO

EDITORIAL_______________________________________________________07Ilma Ferreira Machado

ARTIGOSENTRELAÇANDO SABERES E COMPETÊNCIAS DO EDUCADOR PARA OATENDIMENTO AO ALUNO TALENTOSO_____________________________13Arlei PeripolliMarilu Palma de OliveiraSilvio Carlos dos SantosSoraia Napoleão Freitas

POLÍTICA EDUCACIONAL NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO_________31Wercy Rodrigues Costa Jr.

UM OLHAR SOBRE (O CAMPO) A EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO: A QUESTÃODAS ESPECIFICIDADES DO ENSINO_________________________________51Odimar J. Peripolli

DA RETÓRICA DA AUTONOMIA DAS ESCOLAS À HETERONOMIA DASPRÁTICAS DOCENTES – ANÁLISE DE UM CASO NUM AGRUPAMENTO DEESCOLAS PORTUGUESAS_________________________________________63Daniela Vilaverde e Silva

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES_______87Mário Antônio da Silva

TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS: ESTUDO DE CASO DE UM GRUPO DEPROFESSORAS QUE ATUA NO ENSINO FUNDAMENTAL_______________101Filomena Maria Arruda Monteiro

A ARGUMENTAÇÃO NAS ATIVIDADES DE GEOMETRIA DESENVOLVIDAS PORACADÊMICOS DE UM CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA______117Antonio SalesLuiz Carlos Pais

COMUNICAÇÃODINÂMICAS CORPORAIS COMO FERRAMENTAS SOCIOEDUCATIVAS____135Tania Suely Azevedo Brasileiro

NORMAS DA REVISTA PARA APRESENTAÇÃO DE PRODUÇÕESCIENTÍFICAS____________________________________________________141

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EDITORIAL

A análise da história da educação nos permite afirmar que esta, apartir da revolução burguesa, tem se configurado como um importanteinstrumento de propagação de políticas públicas, assim como dos ideaisda classe dominante. Por isso mesmo, é possível dizer que a história daeducação é uma história de lutas e conflitos de interesses entre aquelesque querem a perpetuação de um modelo de dominação e aqueles quealmejam a superação desse modelo, buscando a transformação no sentidoda afirmação dos interesses populares e coletivos. Nesse segundo caso,se coloca grande parte dos educadores comprometidos com umapedagogia crítica e emancipadora. Os artigos apresentados neste númeroda revista expressam algumas formas de luta empreendidas peloseducadores, tanto em termos de práticas pedagógicas, quanto em termosde políticas educacionais, que produzem desdobramentos no interior dasescolas e na formação dos sujeitos.

No artigo Entrelaçando saberes e competências do educador parao atendimento ao aluno talentoso, os autores Arlei Peripolli, Marilu Palmade Oliveira, Silvio Carlos dos Santos e Soraia Napoleão Freitas discutemqual é a formação e quais os saberes necessários para se desenvolveruma prática pedagógica com educandos talentosos. De acordo com osautores, a competência do educador deve estar baseada no pressupostoda indissociabilidade entre teoria e prática e da valorização à atitudecrítico-reflexiva como elemento vital num fazer pedagógico concebidocomo prática social, portanto, em estreita articulação com a complexa econtraditória realidade social.

Wercy Rodrigues Costa Jr., no texto Política educacional no contextodo neoliberalismo, procura evidenciar as estreitas articulações entre aspolíticas educacionais e o neoliberalismo no Brasil. Nesse processo, oneoliberalismo desenvolve mecanismo para assegurar a produção e areprodução de valores, imagens e ideias que são essenciais para legitimaro mecanismo de acumulação do capital e perpetuar o injusto sistema declasses.

No âmbito da discussão das políticas públicas também coloca-se otexto de Odimar J. Peripolli, Um olhar sobre (o campo) a educação no/docampo: a questão das especificidades do ensino. Ao questionar se o campobrasileiro estaria totalmente subsumido ao capital, questiona até queponto seria legítimo e coerente defender uma educação para o campo.Propõe uma reflexão ampla e profunda ao indagar “como as políticaspúblicas/projetos/programas vêm lidando com estas questões?”,argumentando que é a respostas a esta questão que vai demandar

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determinadas ações/políticas para o campo, inclusive, em termoseducacionais.

Em outras paragens vemos a manifestação de preocupações nãomuito diferentes das apresentadas por educadores brasileiros. É o queretrata o artigo de Daniela Vilaverde e Silva, intitulado Da retórica daautonomia das escolas à heteronomia das práticas docentes – análise deum caso num agrupamento de escolas portuguesas, que procura explicitaras relações entre as práticas docentes e as normas ministeriaiscaracterizadas, por um lado, pela centralização do sistema educativo e,por outro lado, pela autonomia consagrada pelo Decreto-Lei nº 115 – A/98. Segundo a autora, os resultados da pesquisa apontam a existência dedistintos constrangimentos burocráticos que bloqueiam a autonomia dasescolas, evidenciando simultaneamente comportamentos de resistênciapor parte dos atores organizacionais face à heteronomia ministerial.

No artigo Educação e formação humana: algumas considerações,Mário Antônio da Silva faz uma reflexão em torno da questão educacionalcontemporânea, criticando a instrumentalização da educação pela ordempolítica e econômica do mundo globalizado, que reduz o homem a objetocoisificado e à mera força de trabalho à disposição do mercado de trabalho.Como uma das medidas de superação desse estado de coisas, o autorindica a necessidade de uma formação humana que inclua o acesso aconhecimentos e habilidades críticas possibilitadoras de um agirconsciente, crítico e transformador.

Pensando, também, na formação e, mais especificamente, naconstituição da profissionalidade docente, Filomena Maria ArrudaMonteiro, no texto Trajetórias profissionais: estudo de caso de um grupode professoras que atua no ensino fundamental em Cuiabá, Mato Grosso,ressalta que dos depoimentos das professoras depreende a situação deconstante busca de re-elaboração de um repertório de conhecimentosconstitutivos da profissionalidade docente. Da mesma forma, revela aexistência de estreitas relações entre as aprendizagens construídas natrajetória profissional e a ação de ensinar, que também é influenciadapelo contexto organizacional e curricular. Nessas trajetórias profissionais,segunda a autora, vislumbra-se a possibilidade de aprofundamento nasdiscussões sobre mudança, inovação e construção de autonomia dessesprofissionais.

A autonomia é uma dimensão preciosa não apenas aos docentes,mas também aos discentes, e um dos elementos constitutivos daautonomia é a liberdade e o direito à livre expressão e argumentação.Quando falamos em argumentação, tendemos a referenciar o termo àprodução oral e escrita. Mas de que forma essa questão se coloca no

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contexto do ensino de matemática? É um pouco essa discussão queAntonio Sales e Luiz Carlos Pais procuram fazer no artigo A argumentaçãonas atividades de geometria desenvolvidas por acadêmicos de um cursode licenciatura em matemática. Por meio de uma pesquisa qualitativa dotipo etnográfico, os autores situam a argumentação no contexto das provase demonstrações e discutem a importância da mesma na EducaçãoMatemática.

Por fim, Tania Suely Azevedo Brasileiro apresenta um relato deexperiência metodológica com caráter de intervenção teórico-prática,baseado na aplicação de Dinâmicas corporais como ferramentassocioeducativas, fundamentando-se no pensamento de Paulo Freire, queconcebe o sujeito como ser histórico e coletivo, cuja subjetividade searticula com as dimensões objetivas do contexto ideológico e social. Noprocesso de constituição do sujeito e de sua consciência de ser, em que odomínio da palavra ocupa um lugar de destaque.

Como podemos perceber, a palavra escrita ou falada é um dosgrandes vetores de comunicação nas mais diferenciadas instâncias emodalidades educativas. Mais do que isso, a palavra é elementoconstitutivo da identidade e autonomia dos sujeitos e esta por sua vez,serve para reafirmar modos de ser, de viver e de educar e é condição sinequa non de uma prática educativa emancipatória.

Que os textos aqui apresentados possibilitem ampliar o nossopoder de argumentação face às demandas e conflitos emanados daeducação!

Ilma Ferreira MachadoEditora da Revista da FAED/UNEMAT

Cáceres, 16 de junho de 2010

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ENTRELAÇANDO SABERES E COMPETÊNCIAS DO EDUCADOR PARAO ATENDIMENTO AO ALUNO TALENTOSO

Arlei Peripolli1

Marilu Palma de Oliveira2

Silvio Carlos dos Santos3

Soraia Napoleão Freitas4

RESUMO: Este artigo busca refletir, por meio desta pesquisa bibliográficae descritiva, sobre a formação e os saberes necessários para as novaspossibilidades de práticas pedagógicas junto aos educandos talentosos.Procura delinear, desta forma, um novo paradigma em relação àscompetências do educador, baseado no pressuposto de que essas devemarticular teoria e prática, valorizar a atitude crítico-reflexiva comoelemento vital num fazer pedagógico situado enquanto prática social.Compreende-se, pois, as competências como um continuum, ou seja, comoum processo que se (re)constrói na ação, representando, nesse caso, oprocesso de construção de identidade pessoal e profissional do educador.Trata-se de (re)pensá-lo e re)significá-lo como sujeito de um fazer, de umsentir e de um saber, através das experiências cotidianas. Acredita-seque a  reflexão  contínua  e  o  autoconhecimento  denotem  caminhosdesenhantes que possibilitam os sonhos, num movimento constante de:existir, sentir, refletir e ir.

PALAVRAS-CHAVE: educador, competência, práticas pedagógicas,educandos talentosos.

ABSTRACT: This article seeks to reflect, through this bibliographical anddescriptive research, the formation and the necessary knowledge to newpossible pedagogical practices along with talented students. Trying to1 Mestrando em Educação Especial/Altas Habilidades/Superdotação/UFSM-RS. Coordenador daEducação Especial do Sistema Municipal de Ensino de Santa Maria-RS e Professor Formador noCurso de Aperfeiçoamento de Professores para Atendimento Educacional Especializado/UFSM– RS. E-mail: [email protected] Mestranda em Educação Especial/UFSM-RS. Professora Especialista da Rede Estadual de Ensinodo Acre, atuando no NAAS – AC. E-mail: [email protected] Graduado em Letras e Psicologia/USC-SP. Me. em Letras/UNESP-SP. Prof. Substituto no Dep. deMetodologia do Ensino/UFSM – RS. Prof. Formador no Curso de Aperfeiçoamento de Professorespara Atendimento Educacional Especializado/UFSM–RS. Doutorando em Educação Especial/AltasHabilidades/Superdotação/UFSM-RS. E-mail: [email protected] Profa. Dra. do Dep. de Educação Especial/UFSM, vinculada ao Programa de Pós-Graduação emEducação-UFSM-RS. E-mail: [email protected]

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delineate, in such a way, a new paradigm to competences of the educator,based on the assumption that these must articulate theory and practice,enriching the critical-reflective attitude as a vital element in makinglearning as social practice. Understanding, therefore, such competencesas continuing, in other words, as a process that builds and rebuilds inaction, representing, in this case, the construction process of personalidentity and professional educator. It regards to think and rethink and tosignificate and resignificate it as subject of an action, feeling and knowing,through everyday experiences. It’s believed that the continuing reflectionand self-knowledge indicate clear ways to make dreams possible, in aconstant movement of: Existing, Feeling, Reflecting and Going.KEYWORDS: educator, competence, pedagogical practices, talentedstudents.

Palavras iniciaisA teia global da sociedade e do capitalismo neoliberal, o avanço

tecnológico e comunicacional têm imposto novas exigências em relação àescola, à inclusão, às competências docentes e às práticas pedagógicas. Aimportância da educação, como fator de desenvolvimento e detransformação social, revela a inquietação com o ensino e coloca oeducador como elemento de destaque nas mudanças que se devemoperar.

As competências e a formação do educador apresentam-sedesvinculadas da teoria e a prática, promovida por uma cultura conteudistaque exige técnicas de aplicabilidade, ou seja, o fazer pelo simples fazer,não levando em consideração o ser que aprende e que tem característicaspróprias. Essa concepção se mostra arcaica para o mundo contemporâneo,que requer outros subsídios para (re)significá-la.

Discutir as competências do educador e o processo atual deinclusão implica revisar a compreensão das práticas pedagógicas. Significa,também, refletir sobre a necessidade de articulação entre os saberesteóricos e as práticas, compreendendo tanto a inclusão como ascompetências, vivenciadas no contexto da sala de aula, comopossibilitadoras de aprendizagens.

Para Nunes (2001), altercar sobre as competências docentes e aformação do educador requer o (re)conhecer a contextualização destas,bem como demanda observar as condições históricas e sociais. Assim,Nunes (2001, p.30) considera que é preciso resgatar

[...] a importância de se considerar o professor em suaprópria formação, num processo de auto-formação, de

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reelaboração dos saberes iniciais em confronto coma prática vivenciada. Assim seus saberes vão seconstituindo a partir de uma reflexão na e sobre aprática. Essa tendência reflexiva vem-se apresentandocomo um novo paradigma na formação de professores,sedimentando uma política de desenvolvimentopessoal e profissional dos professores e dasinstituições escolares.

É nesse contexto que atualmente observamos uma mobilizaçãode vários setores políticos e sociais frente ao novo modelo escolar: ainclusão dos educandos que apresentam necessidades educacionaisespeciais nas salas de aula do ensino regular.

Dessa forma, o desafio da educação contemporânea é aimplementação da política de inclusão, fazendo gerar uma mudança nagestão da educação, possibilitar o ingresso às classes comuns do ensinoregular e ampliar a oferta de atendimento educacional especializado,promovendo, assim, a organização de escolas para que atendam a todossem nenhum tipo de discriminação. Portanto, criar espaços que valorizemas diferenças como fator de enriquecimento do processo educacional eque transpõe barreiras para a aprendizagem e a participação comigualdade de oportunidades.

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica(2001) orienta os sistemas para a prática da inclusão, os quais devemmatricular a todos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimentoaos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando ascondições necessárias para uma educação de qualidade.

Dessa forma, os sistemas educacionais estão em processo detransformação e refletem uma nova visão do direito à educação, quecomeça a transpor a concepção tradicional de ensino, alterando oentendimento sobre a educação dos educandos com necessidadeseducacionais especiais e exigindo uma mudança na formação doseducadores, na aquisição de competências e na organização dos recursosnecessários para efetivar a educação inclusiva.

Esse movimento (re)significa os educadores, provendo a reflexãosobre esses novos paradigmas que perpassam a convivência com adiversidade em um mesmo espaço, a mudança na organização de toda aprática pedagógica e, principalmente, o foco de discussão deste artigo: acompetência do educador para atuar com o educando com altashabilidades/superdotação.

A análise dessa temática, portanto, visa a, por meio da relaçãoestabelecida entre o mundo objetivo – atuação profissional do educador

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– e a subjetividade – os saberes essenciais à sua formação – descreverquais competências ele deve ter para propor novas possibilidades àspráticas pedagógicas junto aos educandos talentosos.

Delineia-se, assim, um novo paradigma às competências doeducador, baseado no pressuposto de que essas devem articular teoria eprática, valorizando a atitude crítico-reflexiva como elemento vital numfazer pedagógico situado enquanto prática social. Compreende-se, pois,as mesmas como um continuum, ou seja, como um processo que se(re)constrói na práxis, representando, nesse caso, um processo deconstrução de identidade pessoal e profissional.

Para a realização deste trabalho, utilizou-se um caminho chamadometodologia, do qual se destacou o tipo de pesquisa utilizada e aabordagem. Segundo Lakatos (2004), há dois aspectos quando se estáanalisando o tipo de pesquisa: quanto aos fins e quanto aos meios. Quantosaos fins, a pesquisa caracteriza-se como descritiva; quantos aos meios,bibliográfica. De acordo com Cervo e Bervian (2002), a pesquisabibliográfica expõe um problema a partir de referências teóricasapresentadas por outros autores. Esta foi feita a partir do levantamentode referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos, comolivros e artigos científicos. A abordagem utilizada, nesta investigação, foia qualitativa, porque consistiu em analisar uma temática que relaciona omundo objetivo com a subjetividade do sujeito.

Enfatiza-se que nosso interesse em pesquisar acerca do temadecorre da necessidade de refletirmos sobre as competências do educadorque atua com os educandos talentosos como um desafio possível. Trata-se de (re)pensá-lo como sujeito de um fazer, de um sentir e de um saber,por meio das experiências cotidianas.

Os teóricos e a educação: caminhos desenhantes em eterna construçãoA escola, historicamente, caracterizou-se pela visão da educação

que delimita a sua ação como privilégio de um grupo, uma exclusão quefoi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordemsocial.

Eis o paradigma que ainda norteia o processo ensino/aprendizagem em nossas escolas: o educador é colocado na posiçãodaquele que possui o conhecimento e sua tarefa é transmiti-lo. Embora jáfaça parte do discurso de que não se aprende apenas na escola, a práticapedagógica revela que a aquisição de conhecimentos válidos passasomente pela escolarização.

O educador é um elemento chave na organização das situações deaprendizagem, pois lhe compete dar condições para que o educando

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aprenda a aprender, desenvolvendo situações diferenciadas, estimulandoa articulação entre saberes e competências.

Teóricos contemporâneos afirmam que as transformações pelasquais a sociedade está passando estão criando uma nova cultura emodificando as formas de produção e apropriação dos saberes, cabendo,então, aos educadores mediar a construção do processo de conceituaçãoa ser apropriado pelos educandos, buscar a promoção da aprendizagem edesenvolver competências significativas para que eles, enquantocidadãos, participem da sociedade que muitos estão chamando desociedade do conhecimento. 

Fazenda (2001, p.11) traz o conceito de uma competênciainterdisciplinar, que constitui a característica profissional que define oser como educador:

Interdisciplinaridade é uma nova atitude diante daquestão do conhecimento, de abertura à compreensãode aspectos ocultos do ato de aprender e dosaparentemente expressos, colocando-os em questão.Cinco princípios subsidiam uma práticainterdisciplinar: humildade, coerência, espera,respeito e desapego.

A mesma autora enfoca quatro diferentes tipos de competência:a intuitiva, intelectiva, prática e emocional. A intuitiva é própria doeducador que busca sempre novidades para seu fazer pedagógico, não secontentando em apenas executar um simples planejamento elaboradoinicialmente. É um educador que vai além de seu tempo e espaço. Éousado, equilibrado e comprometido. Envolve-se com a pesquisa, poisesta representa a possibilidade da dúvida. É questionador e estimula seusalunos a serem também.

A intelectiva é inata do educador analítico, o qual é dotado de umaforte capacidade de reflexão, visto como um pensador, respeitado nãoapenas pelos educandos, mas também por seus pares. Doa-se,colaborando na organização, classificação e definição de ideias.

Planejamento e organização fazem do educador dotado da práticaa base estrutural de seus educandos. Utiliza-se de técnicas diferenciadase aprecia a inovação. Seleciona o que é bom e busca atingir resultados dequalidade.

O educador que possui a emocional trabalha o conhecimentosempre a partir do autoconhecimento. Para a autora (1995, p.15),

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[...] o conhecer a si mesmo é conhecer em totalidade,interdisciplinarmente. Tal conhecimento potencializasaberes e instiga o trabalho docente a um processode buscas, através dos sentimentos, auxiliando naorganização das emoções e contribuindo também paraa organização de conhecimentos mais próximos àsvidas.

Pode-se pensar a formação do educador a partir dodesenvolvimento de tais competências entrelaçadas às aprendizagensfundamentais propostas por Dellors (1999) e que constituem os quatropilares da Educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender aviver juntos e aprender a ser.

O aprender a conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender,num constante exercício de atenção, memória e pensamento, concebendoo conhecimento como algo que se constrói ao longo de toda a existência,onde quer que esteja. O educador, dotado de uma competência intuitiva,busca aprender a conhecer constantemente, fazendo da dúvida, suainspiração; da busca, uma pesquisa; e da experiência, um encontro.

Em Alarcão (2003, p.23) encontramos a legitimação desse aprendera conhecer, quando este diz:

[...] compreender o mundo, os outros e a si mesmo,bem como as interações entre estes várioscomponentes, sendo capaz ele de intervir,estabelecendo o alicerce para vivência e a cidadania[...], posto que é através desta compreensão que nostornamos preparados para o incerto, para o novo, parao difícil, para outras circunstâncias através depermanente [...] interação, contextualização ecolaboração [...], além da capacidade de aprenderautonomamente.

Aprender a fazer, apesar de indissociável do aprender a conhecer,está mais ligado à questão da formação desse educador, significando nãoapenas desenvolver uma qualificação, mas um leque de competênciasque oportunize, cada vez mais, um saber fazer distinto. A competênciaprática é característica do educador inovador, que usa saberes distintos,possui capacidade de organização prática e que consegue alcançarresultados de qualidade. A essa aprendizagem pode-se relacionar também

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a competência intelectiva, visto que os enfrentamentos de situações novase o saber fazer distinto exigem um pensamento reflexivo.

Aprender a viver juntos é, sem dúvida, uma aprendizagem querepresenta um dos maiores desafios da educação especial inclusiva, poisimplica, muitas vezes, colocar-se no lugar do outro para sentir suasfrustrações, angústias, desejos e, assim, descobri-lo, o que pressupõe adescoberta de si mesmo. Esta pode levar à compreensão e valorizaçãodas diferenças, privilegiando o desenvolvimento da cultura de paz e dacolaboração. Para tanto, é necessário conhecer a si mesmo e, assim,conhecer o outro e aceitá-lo.

Aprender a ser implica, automaticamente, em conhecer-se a simesmo para abrir-se à relação com o outro, num constante processo deautoconhecimento. O educador emocionalmente competente vive esseprocesso e desenvolve, em seu fazer pedagógico, a afetividade.

É importante salientar que o educador que atua com o educandotalentoso deve estar em constante (re)significação, discutindo, crescendo,atualizando-se, agindo e interagindo, integrando e se entregando, vendo-se e revendo-se, conhecendo e conhecendo-se. Um educador – imbuídode uma vontade que nasce construída na escola e gestada, lentamente,no âmago de seu ofício – transforma o seu fazer pedagógico em objeto deestudo, que vê os educandos e os profissionais com os quais convivecomo parceiros de jornada e, sua própria vida, como um eterno buscar.

Formar nessa e para essa dimensão exige um (re)pensar a históriade vida de cada educador, a maneira como esse foi se formando comopessoa e como profissional, as marcas que foram historicamente construídas,   delineando, assim, o seu  fazer pedagógico. Nesse sentido, é interessante reportar-se, novamente, ao trabalho de Fazenda (2001),pois o mesmo entende que a memória retida, quando acionada, (re)lembrafatos, histórias particulares, épocas, contudo, o mais importante é o quepermite a análise e a projeção dos fatos – um educador competente resgataa origem de seu projeto de vida, o que fortalece a busca de sua identidadepessoal e profissional, sua atitude primeira, sua marca registrada.

O educador, que atua no atendimento das necessidadeseducacionais especiais do aluno talentoso, terá que ser um profissionalde relações abertas em todos os aspectos – cognitivo, afetivo e social – epreparado para ações transformadoras. Os desafios profissionaispropostos visam a uma perspectiva relacional entre o atendimento aoeducando e o acompanhamento do seu processo educacional.

Tal compreensão permite entender que a atuação desse educadordeixa de ser formativa, técnica e limitada. Nesse sentido, a noção de

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competência, que mais responde ao paradigma da educação inclusiva, éaquela que qualifica, dialeticamente, o saber teórico e o saber prático.

 Seguindo os pensamentos de Gauthier  (1998, p.188),  em  suasreflexões sobre os conhecimentos próprios ao ensino, pode-se enfatizarque é essencial a revelação e a validação das competências da experiênciadocente a fim de que essas não permaneçam circunscritas às práticasindividuais de cada um. Essa percepção revela que as competênciasprecisam ser socializadas. Nesse caso, seguindo o mesmo autor, pode-seressaltar que a socialização dos resultados sobre práticas e competências“[...] poderiam criar um saber a mais para o reservatório de conhecimentosa partir do qual os professores alimentam sua prática [...]”.

Por sua vez, a análise de Tardif (2000, p.119), no que concerne aessa questão, baseia-se no pressuposto de que a prática pedagógica nãose resume a um espaço de aplicação de competências, mas compreendeque essa prática é, também, um palco de produção de saberes relativos àprofissão. O autor compreende que os educadores são sujeitos doconhecimento, detentores de um saber específico relativo às suas açõespedagógicas. Assim, propõe que “[...] o trabalho dos professores deprofissão seja considerado como um espaço prático e específico deprodução, de transformação e de mobilização de saberes e, portanto, deteorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos ao ofício deprofessor [...]”.

Na acepção de Imbernón (2000), pode-se inferir que a competênciado educador está relacionada à especificidade da atuação docente. Esteentende que esse conhecimento é de natureza polivalente, dinâmico,(re)construído de forma permanente no exercício da função e na relaçãoteoria/prática.

Legitimando as reflexões, pode-se dizer que Nóvoa (1995, p.17)analisa as relações do educador com as competências, explicitando aimportância de se “[...] conceder um estatuto ao saber emergente daexperiência pedagógica dos professores.” Explica, ainda, que cadaeducador (re) constrói estilos próprios de ser e de ensinar, intercruzandoo pessoal e o profissional.

Garcia (1987), por sua vez, corrobora as análises feitas nessadiscussão e ressalta que o conhecimento prático dos educadores decorredo fazer pedagógico. A partir desse conhecimento, o educadorfundamenta e organiza seus estilos próprios de ser e de estar, baseadoem suas crenças e concepções. Ressalta, contudo, que o conhecimentoprático toma a ação como referência – é ligado ao como fazer – masfundamenta-se, de modo geral, no pensamento do educador acerca do

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ser humano, do mundo, do ensino e da educação, expressando ascompetências do fazer pedagógico.

Segundo as concepções de Pimenta (1999), há uma convergênciados pensamentos dos autores citados que revelam o entendimento dascompetências como saberes produzidos no cotidiano da sala de aula. Ascompetências, segundo essa análise, resultam das reflexões sobre aprática, das trocas entre pares, bem como dos estudos realizados a partirdas produções teórico-científicas na área. A autora propõe a(re)significação das competências, na perspectiva de articular açõesespecializadas, práticas reflexivas e conhecimentos advindos daexperiência. E, assim, afirma:

A formação passa sempre pela mobilização de váriostipos de saberes: saberes de uma prática reflexiva,saberes de uma teoria especializada, saberes de umamilitância pedagógica. O que coloca os elementos paraproduzir a profissão docente, dotando-a de saberesespecíficos que não são únicos, no sentido de quenão compõem um corpo acabado de conhecimentos,pois os problemas da prática profissional docente nãosão meramente instrumentais, mas comportamsituações problemáticas que requerem decisões numterreno de grande complexidade, incerteza,singularidade e de conflito de valores. (p.30).

Focalizando, da mesma forma, os estudos de Fiorentini et al (1998,p.319), percebe-se contribuição significativa no tocante às referênciassobre as relações teoria/prática, pois situa a prática pedagógica comoinstância de problematização e de retradução das competências. Segundoo autor, há a perspectiva, no contexto atual, de valorização dascompetências, assim como há uma tendência de percepção do educadorcomo produtor de saberes articulados à natureza de sua ação. A práticapedagógica é compreendida como fonte de competências originais e nãoapenas como espaço de transmissão de conhecimentos, pois:

O saber do professor, portanto, não reside em saberaplicar o conhecimento teórico ou científico, mas sim,saber negá-lo, isto é, não aplicar pura e simplesmenteeste conhecimento, mas transformá-lo em sabercomplexo e articulado ao contexto em que ele étrabalhado/produzido.

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 Corroborando esse pensamento, Guarnieri  (2000, p.10) enfoca oeducador como sujeito que (re)constrói sua ação pedagógica,desenvolvendo, na vivência do cotidiano da sala de aula, conhecimentosrelativos ao seu ofício, aprendendo a fazer-se educador por meio das suasinter-relações, vivendo, pois, os conflitos e desafios postos pelo fazerpedagógico. Desse modo, destaca:

Tais conhecimentos, desenvolvidos a partir do exercícioprofissional, permitem ao professor avaliar a própriaprática e detectar nas condições em que seu trabalhoacontece, os problemas, as dificuldades que limitamsua atuação e exigem dele a tomada de decisões,desde aquelas de natureza pragmática, até as queenvolvem aspectos morais.

A prática pedagógica, com base nessa visão, demanda aarticulação/mobilização de uma diversidade de competênciascontextualizadas. Nesse sentido, vale lembrar que o espaço escolarenvolve não somente o trabalho com os conteúdos de ensino, mas tambémrelações interpessoais. Implica, ainda, a construção de habilidades paragestão da sala de aula, assim como requer a mobilização de diferentescompetências diante das situações que surgem e que não são pré-determinadas, exigindo que o educador busque saídas para os problemase conflitos que permeiam o ato de ensinar o educando talentoso.

No enfoque de Therrien (2000, p.78), a prática pedagógica, naperspectiva de uma prática reflexiva, demanda conceber o fazerpedagógico como fundamentado numa racionalidade, manifestada nasações, decisões e julgamentos do educador nas diferentes situações docotidiano da sala de aula. Ao referir-se ao agir pedagógico, pondera:

[...] procurar compreender a racionalidade do fazerpedagógico na sala de aula significa buscar, desvelaras “certezas” que dão suporte às decisões do professor.Significa, igualmente, explorar o universoepistemológico que fundamenta o agir pedagógico,ou seja, identificar e caracterizar os elementosfundantes de uma razão eminentemente prática queestrutura o fazer. Significa, finalmente, revelar aopróprio docente as bases de ação, pondo em evidênciadimensões relacionadas à sua formação para omagistério.

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Dessa forma, a prática pedagógica do educador requer a reflexãona e sobre a ação e demanda a mobilização de saberes heterogêneos,levando em conta a singularidade do fazer pedagógico, permeado porinstabilidades e conflitos de diferentes naturezas. Nesse aspecto,considera-se importante a análise de Fiorentini (1998, p.319) ao afirmarque “entendemos que o referencial da prática, além de fundamental paraa significação dos conhecimentos teóricos, contribui para mostrar que osconhecimentos em ação são impregnados de elementos sociais, ético-políticos, culturais, afetivos e emocionais”.

Outro aspecto a ser considerado na prática pedagógica relaciona-se ao seu caráter heterogêneo e complexo, exigindo que o educadorpossua competência de reflexão crítica sobre si, percebendo sua naturezadinâmica, suas possibilidades e suas limitações. A realidade do processode ensinar/aprender requer, certamente, que esse seja capaz de pensarcriticamente sua intervenção pedagógica a fim de que possa, de formacompetente, encontrar respostas criativas para os problemas e conflitosinerentes à sua prática pedagógica. Nesse sentido, sugere Azzi (1999, p.46): 

O professor, na heterogeneidade de seu trabalho, estásempre diante de situações complexas para as quaisdeve encontrar respostas, e estas, repetitivas oucriativas, dependem de sua capacidade e habilidadede leitura da realidade e, também, do contexto, poispode facilitar e/ou dificultar a sua prática.

Segundo Perrenoud (2000), ter competência significa ser capaz deatuar cognitivamente com capacidade para solucionar situações diversas.Com essa compreensão, o educador deverá unir os conhecimentos aosvalores, às atitudes e às habilidades na concretização de ações junto aoeducando com necessidades educacionais especiais, principalmente,aqueles que apresentam talentos. Esses educandos sofrem influênciasdos diversos fatores ativos no seu ambiente físico e sociocultural, portanto,apresentam características individuais, habilidades diversificadas, cominteresses, estilos de aprendizagem, nível de motivação e necessidadeseducacionais próprias.

Para o mesmo autor (2001, p.17), “[...] a abordagem porcompetências não pretende mais do que permitir a cada um, aprender ausar seus saberes para atuar [...]”, criando, para o ensino de melhor

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qualidade, condições de formação que saiba, além das palavras,decodificar sinais e símbolos do mundo e da cultura de sua época.

Diante disso, o educador terá que demonstrar competências paraprover respostas adequadas às necessidades educacionais desseseducandos, configurando-se como um significativo desafio profissional.Segundo Rios (2005, p.23): “A competência pode ser definida como saberfazer bem o que é necessária e desejável no espaço da profissão. Isso nosrevela na articulação de suas dimensões técnica, política, mediada pelaética”.

Entende-se que o fazer bem envolve uma valoração que orienta aprática pedagógica na efetivação de seu sentido político, tanto pararesponder às necessidades educacionais dos educandos talentosos,quanto para mediar ações que possibilitem uma educação de qualidadeadequada metodologicamente ao contexto, à visão de um ensino nãotécnico, mas de um conhecimento em construção, pois traz em seu bojocomprometimento com os valores éticos, morais e o desenvolvimentode todos eles como pessoas humanas.

Considerando que esse educador atuará no processo educacionaldo educando que apresenta, de acordo com as Diretrizes Nacionais deEducação Especial na Educação Básica (2001, p.7),

[...] notável desempenho e elevadas potencialidadesem qualquer dos seguintes aspectos isolados oucombinados: capacidade intelectual geral, aptidãoacadêmica específica, pensamento criativo ouprodutivo, capacidade de liderança, talento especialpara artes e capacidade psicomotora [...].

É mister que sua ação não se restrinja tão somente à formação dele, masterá, sim, que transmitir e instrumentalizar a comunidade escolar quantoàs suas características e, assim, mediar a identificação do educando nesseambiente, incentivando práticas educacionais reflexivas.

Quando orientadas, de forma construtiva, as habilidades acimacitadas favorecem a aprendizagem e as relações interpessoais. Aocontrário, tornam-se dificultadoras e determinantes para a manifestaçãode possibilidades de exclusão escolar.

Com o propósito de auxiliar os sistemas de ensino na identificação,no planejamento e nas adequações necessárias ao atendimento doseducandos talentosos, a atuação do educador passa pela adoção de uma

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nova ética e de uma nova ótica de (co)responsabilidade no provimentode uma educação de qualidade.

Implícita, no conceito de Educação Especial, há uma visão dedesenvolvimento humano que, segundo esse paradigma, o educandotalentoso passa a ocupar o centro do processo educacional. Essa visãoultrapassa tanto o individualismo fragmentador quanto o coletivismomassificante, que colocam os atores educacionais como merosinstrumentos a serviço de uma sociedade capitalista. Portanto, esseeducador terá que questionar sua prática, refletir se ele tem se preocupadoem atualizar e construir respostas educativas que contribuem com odesenvolvimento do educando enquanto cidadão historicamente ativona sociedade em que vive.

Retomando as ideias de Perrenoud (2000), para desenvolvercompetências é preciso trabalhar com desafios e isso propõe uma atuaçãoprofissional ativa, cooperativa, aberta e em equipe, com ética esolidariedade. A aquisição de competências para o desenvolvimentohumano é o fio condutor na formação profissional do educador naconcepção de uma educação inclusiva.

Desempenhar o papel de educador como profissional da educaçãoinclusiva é um processo de busca de competências ampliadas eaprofundadas. Ao pressupor uma atuação adequada do educador juntoao educando talentoso, constitui-se como estímulo para odesenvolvimento de saberes e valores que estarão norteando a formaçãopessoal e social de ambos como cidadãos.

Ao revisitar Rios (2005, p.47), ela diz: “A resposta às questões quenos propomos só pode ser encontrada em dois espaços: no da nossaprática, na experiência cotidiana da tarefa que nos propomos a realizar, eno da reflexão crítica sobre os problemas que essa prática faz surgir comodesafios para nós”.

A atuação do educador tem primordial importância, já que é a eleque compete o papel de incentivador para a construção de um sistemaeducacional que seja respeitoso e responsivo às necessidadeseducacionais especiais dos educandos talentosos.

É importante que o educador tenha flexibilidade na condutapedagógica e nas relações com seus educandos, possibilitando ocrescimento de talentos e habilidades e oportunizando desafios econtextos interessantes que motivem a aprendizagem. Para Rios (2005,p.63), “[...] o ensino competente é o ensino de qualidade [...]”, o que

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apresenta a possibilidade de conexão entre as dimensões: técnicas,política, ética e estética da formação docente.

Dessa forma, as práticas pedagógicas do educador devem prevero preparo para a autonomia e a independência, o desenvolvimento dehabilidades, a implementação de diferentes formas de pensamento eoferecimento de estratégias que estimulem o posicionamento crítico eavaliativo não só do educando, como dos demais envolvidos no processoeducacional.

A oportunização de experiências educacionais adequadas para oseducandos e para a comunidade escolar, como: estimular a independênciade estudo; a utilização de processos cognitivos complexos; a discussãosobre questões, fatos e ideias; o exercício de análise para tomada dedecisões; o incentivo para o desenvolvimento de habilidades decomunicação necessárias para o trabalho em equipe e o respeito aos sereshumanos, independentemente de suas características, talentos ecompetência caracterizam uma atuação profissional de qualidade, quecontempla os princípios da educação inclusiva.

Para Freire (1991, p.79): “Ninguém educa ninguém, comotampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam emcomunhão, mediatizados pelo mundo [...]”, ou seja, essa educaçãocorresponde ao processo de humanização. Toda situação educativa –mesmo quando nos referimos aos educandos com necessidadeseducacionais especiais – implica em aprendizagem de procedimentos evalores, e não só de conceitos, pois envolve ato de consciência econhecimento.

Ainda seguindo o mesmo autor, o educador se faz profissional,permanentemente, por meio da prática e da reflexão sobre a mesma.Portanto, para que haja mudanças na sua atuação, é fundamental que oeducador mude a sua forma de pensar e de perceber o mundo que orodeia.

A discussão sobre as competências necessárias ao educador – paraatuar com o educando que apresenta altas habilidades/superdotação –vai além da sua formação profissional, inicial e continuada. Nesta pesquisa,ficou evidenciado que a formação de competências do educador passapelo individual e social, tendo sempre em vista uma postura reflexiva,capacidade de observar, de inovar, de aprender com os outros profissionais,com os educandos e com sua própria experiência.

Tais competências devem ser norteadas pelos princípios básicosdo desenvolvimento humano, que são: ético, enquanto autonomia,responsabilidade, solidariedade e respeito por si e pelos outros; político,referindo-se aos direitos e deveres de cidadania, e estético, quando se

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trata da sensibilidade, criatividade e diversidade de manifestaçõesartísticas e culturais.

Palavras finaisConcluindo, a prática mobiliza o educador na articulação e na

construção de competências para responder às situações concretas doespaço escolar, instando-o a transformar o conhecimento científico emsaber articulado às reais necessidades do fazer pedagógico vivenciado nocotidiano escolar. Nessa concepção, o educador produz, no exercício daprofissão, os saberes necessários à sua ação, (re)elaborando e(re)construindo sua intervenção pedagógica, numa atitude crítico-reflexiva, produzindo modos de ser e de agir essenciais nodesenvolvimento de suas ações.

Deve-se reforçar que as competências são importantes,entretanto, por si só, não são suficientes para dar conta das idiossincrasiase da complexidade do fazer pedagógico. Portanto, as reflexõessistematizadas, neste artigo, apontam uma convergência no pensamentodos diferentes teóricos referenciados nas discussões sobre a educaçãocontemporânea, seus educadores, suas competências e a formação. É,pois, consensual a ideia de que esses educadores vão se modificando natrajetória profissional, a partir da prática reflexiva, e, também, a partir dapercepção de que produzem competências originais relativas à profissão.Essas, nas abordagens empreendidas, são importantes na práticapedagógica por possibilitarem a construção da identidade profissional epor permitirem a integração desses com os educandos talentosos.

Ser educador implica em lidar com outros profissionais quetrabalham na mesma instituição e com educandos distintos. É necessáriocompreender a sua formação dentro dessa diversidade, uma vez que,mais do que nunca, faz-se necessário que se aprenda o saber ser, quepossibilita o aprender a conviver com o outro, que exige, por sua vez, aaquisição e o aperfeiçoamento das competências e dos saberesfundamentados  pelos  teóricos dialogicamente,  (re)visitados no decorrerdeste artigo. Acredita-se que a reflexão contínua e o autoconhecimento(re)signifiquem caminhos desenhantes que possibilitam os sonhos, nummovimento constante de Existir, Sentir, Refletir e Ir.

Enfim, falar de competência profissional do educador para atenderas necessidades educacionais especiais do educando talentoso nãosignifica tratar de ser sensível ou criativo de maneira banalizada, mascomo um conjunto de valores e princípios orientadores de ações

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educativas voltadas para o desenvolvimento humano, em uma sociedadecapitalista.

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Recebido em: 18/05/09Aprovado em: 07/12/09

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POLÍTICA EDUCACIONAL NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO

Wercy Rodrigues Costa Jr.1

RESUMO: Este artigo discute a relação entre políticas públicas educacionaise o neoliberalismo. A narrativa neoliberal, que supõe a produção e areprodução de valores, imagens e idéias, precisa de veículos eficientespara sua efetivação. Nessa perspectiva, pode-se dizer que os processossociais mais abrangentes de reprodução e os processos educacionaisencontram-se intrinsecamente unidos. A educação, desta forma,apresenta-se como uma peça indispensável para legitimar o mecanismode acumulação do capital ao estabelecer, por meio de consensos,terminologias e categorias próprias, a reprodução do injusto sistema declasses. Em vez de se manifestar como um instrumento eficaz para amudança, fornece os meios e o pessoal necessários à maquinaria produtivaem expansão no sistema capitalista.PALAVRAS-CHAVE: educação, políticas públicas, neoliberalismo,capitalismo.

ABSTRACT: This article argues the relation between educational publicpolitics and the neoliberalismo. The neoliberal narrative, that assumesthe production and the necessary reproduction of values, images andideas of efficient vehicles for its achievements. In this perspective, it canbe said that the more including social processes of reproduction and theeducational processes meet joined intrinsically. The education, in such away, if presents as an indispensable part to legitimize the mechanism ofaccumulation of the capital when establishing by means of consensuses,proper terminologies and categories, the reproduction of the unjustsystem of classrooms. Instead of if revealing as an efficient instrumentfor the change, it supplies to the necessary ways and the staff to theproductive machinery in expansion in the capitalist system.KEYWORDS: education, public politics, neoliberalismo, capitalism.

IntroduçãoVivenciamos um amplo processo de redefinição global das esferas

política, pessoal e social, no qual complexos e eficientes mecanismos de

1 Graduado em Filosofia pela Universidade Católica Dom Bosco. Mestrando em Educação pelaUniversidade Católica Dom Bosco, na linha de pesquisa: Políticas Educacionais, Gestão da Escolae Formação Docente. E-mail: [email protected]

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representação e significação são utilizados para criar e recriar um ambientefavorável à perspectiva social e à política neoliberal. Mais do que areestruturação das esferas econômica, política e social, o que está emjogo é a redefinição e a reelaboração das próprias formas de significaçãoe representação social. A estratégia neoliberal de conquista hegemônicaextrapola o campo educacional, embora ocupe sempre destaque, pois aeducação e as políticas educacionais dependem das características e dopoder dos grupos hegemônicos e não só das condições políticas de umaconjuntura histórica.

Esse processo de reestruturação citado acima deve ser entendidocomo uma nova fase do capitalismo. A partir da década de 1970, o mundopassou a presenciar uma crise do modo de produção capitalista, que levoua transformações na produção da vida material objetiva e subjetiva. Taismudanças “ocorrem na esfera do Estado, da produção, do mercado etambém no âmbito ideológico-político-cultural, em conseqüência dosprocessos de Reestruturação Produtiva, da Globalização e doNeoliberalismo” (PERONI, 2006, p.11). A crise estrutural do capital – queno auge do fordismo2 e do keysianismo3 manifestaram um períodopróspero de acumulação de capital impulsionam, entre os anos de 1970 a1990, uma gama de mudanças sócio-históricas capazes de afetarsubstancialmente a estrutura social. Assim, a implementação de um vastoprocesso de reestruturação do capital afeta de forma contundente omundo do trabalho, ao alterar profundamente a maneira com que seencontra organizada a classe dos trabalhadores assalariados. Antunes(2000, p. 23) ressalta que essas modificações foram tão intensas que a

2 Conjunto de métodos de racionalização de produção elaborado pelo industrial norte-americano Henry Ford, baseado no princípio de que a empresa deveria adotar a verticalização,chegando a dominar não apenas as fontes das matérias-primas, mas até o transporte dos seusprodutos. Para reduzir os custos a produção, deveria ser em massa e dotada de tecnologiacapaz de desenvolver ao máximo a produtividade de cada trabalhador. O trabalho deveria sertambém altamente especializado e cada operário realizando apenas um tipo de tarefa. Paragarantir a elevada produtividade, os trabalhadores deveriam ser bem remunerados e asjornadas de trabalho não deveriam ser muito longas (SENDRONI, 2002, p. 250).3 Modalidade de intervenção do Estado na vida econômica, com a qual não atinge a totalmentea autonomia da empresa privada e que prega a adoção, no todo ou em parte, das políticassugeridas na principal obra de Keynes, Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Tais políticaspropunham solucionar o problema do desemprego pela intervenção estatal, desencorajandoo entesouramento em proveito das despesas produtivas, por meio da redução das taxas dejuros e do incremento dos investimentos públicos. As propostas da chamada “revoluçãokeynesiana” foram feitas no momento em que a economia mundial sofria o impacto da GrandeDepressão, que se estendeu por toda a década de 30 até o início da II Guerra Mundial (SENDRONI,2002, p.324).

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“classe-que-vive-do-trabalho” viveu a mais intensa crise do século, umavez que tanto a materialidade como a subjetividade foram afetadas,transformando o modo de ser dessa classe. Nesse contexto, o mundo dotrabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, assim comonas formas de representação política e sindical, também sofreutransformações profundas.

Nessa perspectiva, a educação se apresenta como um veículo eficazde efetivação das exigências do modelo neoliberal, pois, como ressaltamGentili e Silva (1995), há estratégias específicas para a educaçãoinstitucionalizada. E é essa relação entre política educacional e modeloneoliberal, no contexto do modo de produção capitalista e do processoda globalização, que pretendemos analisar neste texto.

Política educacional no contexto do capitalismo e do neoliberalismoO liberalismo – ainda que seja uma palavra ambígua no vocabulário

econômico e político – designa uma filosofia política, fundada no valor daliberdade individual, mas descreve igualmente um conjunto de princípiosideológicos que identifica uma perspectiva de análise diante dos processose mecanismos que orientam o funcionamento da economia ocidental.

Esses princípios têm a sua origem e seu fundamento no liberalismoclássico, que se caracteriza por uma perspectiva de mundo que remonta,pelo menos, até Adam Smith4. Contudo, pode-se afirmar que os princípiosbasilares do liberalismo foram formulados ao longo do século XVIII com[...] “os teóricos do Direito Natural como os pensadores que representamos antecedentes do pensamento político liberal, preocupados com aproblemática da natureza e organização do poder em um momento emque se produziam transformações sociais” (BIANCHETTI, 1996, p.47).

Tais princípios podem ser assim sintetizados:- O indivíduo é a fonte de seus próprios valores morais. Portanto,

com um compromisso irrestrito com a liberdade pessoal, que supõe anão intervenção na busca de suas metas privadas;

4 Provavelmente Kircaldy, Fife, 5 de junho de 1723 – Edimburgo, 17 de julho de 1790. Economistaescocês, um dos mais eminentes teóricos da economia clássica. Entre 1764-1766 morou naFrança, convivendo com Quesnay, Turgot e outros. Ao retornar a seu país, a preocupação com osfatores que produziriam o aumento da riqueza da comunidade, o levaria a escrever, em 1776,sua obra célebre, A Riqueza das Nações: investigação sobre sua Natureza e suas Causas. Apublicação do livro coincidiu com a Revolução Industrial e satisfazia aos interesses econômicosda burguesia inglesa. Nele, Smith exalta o individualismo, considerando que os interessesindividuais livremente desenvolvidos seriam harmonizados por uma “mão invisível” eresultariam no bem-estar coletivo (SENDRONI, 2002, p. 565).

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- [...] “uma política de estrita liberdade econômica, quehabitualmente se denomina laissez faire”5;

- Uma doutrina do governo limitado e restringido a garantir asfunções básicas de organização e funcionamento da sociedade, de maneiraespecial, a liberdade, a segurança e a justiça.

Todavia, o Liberalismo Clássico entrou em crise já nos fins do séculoXIX e, particularmente nos EUA e no Reino Unido, o termo liberal começoua ser empregado com frequência para descrever um liberalismointervencionista ou social. Ainda que liberal, no sentido político, chegoua identificar-se com aquele que assumiu propensão pela intervenção doEstado para corrigir, de maneira particular, as injustiças sociais, uma vezque o Estado de Bem-Estar incorporava [...] “critérios outros que aquelesde mercado, isto é, critérios sobre a utilidade social de certos bens, anecessidade de padrões mínimos de saúde e educação, em suas decisõesrelativas à produção, à locação e consumo de bens” (BIANCHETTI, 1996,p.32).

O Estado de Bem-Estar, porém, deve ser compreendido como umconjunto de medidas e ações públicas que procuravam garantir a todos oscidadãos de uma nação o acesso a um mínimo de serviços públicos capazesde melhorar ou potencializar suas condições de vida. Tal conjunto deações, referentes à intervenção direta das estruturas públicas na melhoriado nível da população e ao fato de que tais ações são reivindicadas peloscidadãos como direito, devem ser situadas nos 20 e 30 do século XX. APrimeira Guerra Mundial, como mais tarde a Segunda, permiteexperimentar a maciça intervenção do Estado tanto na produção (indústriabélica) como na distribuição (gêneros alimentícios e sanitários). Mas agrande crise de 1929 - o pior e o mais extenso período de recessãoeconômico do século XX, caracterizado por uma crise de superprodução,em que a oferta (mercadorias) era maior que a demanda (consumidores)-, com as tensões sociais criadas pela inflação e pelo desempregoprovocam, em todo o mundo ocidental, um intenso aumento dos gastospúblicos para a sustentação do emprego e das condições de vida dostrabalhadores.

Para Bobbio (2000, p.417),

5 Laissez-faire. Um termo francês que em tradução aproximada significa “permissão para fazer”,conta com duas principais definições sociológicas. É associado à descrição de Adam Smithsobre o papel ideal do Estado em relação ao capitalismo, que implica nada fazer e deixar queos capitalistas e os mercados regulem a si mesmos. Segundo o capitalismo do laissez- faire, acompetição (concorrência) assegura que os bens que indivíduos querem comprar serãoproduzidos em abundância e vendidos aos preços que estão dispostos a pagar (JOHNSON, 1997,p.134).

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O aumento do défic it público provoca instabilidadeeconômica, inflação, instabilidade social, reduzindoconsideravelmente as possibilidades da utilização doWelfare em função do assentimento ao sistemapúblico. Alguns Estados são obrigados a limitar aintervenção assistencial, quando o aumento da cargafiscal gera em amplos estratos da opinião públicauma atitude favorável à volta à contribuição baseadano princípio contratualista.

O Estado de Bem-Estar, ou Estado assistencial, pode ser definido,à primeira análise, como Estado que garante tipos mínimos de renda,alimentação, saúde, habitação, educação assegurados a todo o cidadão,não como caridade, mas como direito político. Essa orientação políticapredominou até meados dos anos sessenta, quando se constata umaconsiderável quebra da separação entre sociedade (ou mercado, ou esferaprivada) e o Estado (ou política, ou esfera pública), tal como era constituídana sociedade liberal. E nova relação que se estabelece entre “o Estado e asociedade é entendida em termos de equilíbrio, de compromisso e decoexistência pacífica, se bem que com o rompimento da separação”(BOBBIO, 2000, p.418). A crise fiscal do Estado é tida como um vestígio doantagonismo natural entre as duas funções do Estado assistencial: “ofortalecimento do consenso social, da lealdade para com o sistema dasgrandes organizações de massa, e o apoio à acumulação capitalista com oemprego anticonjuntural da despesa pública” (BOBBIO, 2000, p. 418). Porisso, a singular relação estabelecida entre Estado e sociedade pelo WelfareState deixa de ser entendida em termos de equilíbrio, mas como elementoque levará à natural eliminação de um dos dois polos.

As causas dessa crise não devem, porém, ser interpretadas demaneira uníssona. Há um grupo de pensadores, entre os quais Habermas(1973), que sustentam a posição de que o Estado assistencial traz comoresultado a estatização da sociedade. Assim, “trabalho, rendimento,chances de vida não são mais determinados pelo mercado, mas pormecanismos políticos que objetivam a prevenção dos conflitos, aestabilidade do sistema, o fortalecimento da legitimação do Estado”(BOBBIO, 2000, p. 418). A vontade política não se forma mais pelo livrejogo das associações na sociedade civil, mas se solidifica por meio demecanismos institucionais que atuam como filtro na seleção dassolicitações funcionais ao sistema. Partidos, sindicatos e Parlamento

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operam como organismos dispensadores de serviços, trocando-os peloapoio politicamente disponível (BOBBIO, 2000, p.419).

Por outro lado, a crise do Estado de bem-estar pode sercompreendida como um processo de socialização do Estado. Nessaperspectiva, o Estado assistencial difundiu, segundo Bobbio (2000, p. 419),uma ideologia igualitária, que

tende a deslegitimar a autoridade política; adisposição do Estado a intervir nas relações sociaisprovoca um enorme aumento nas solicitações dirigidasàs instituições políticas, determinando a sua paralisiapela sobrecarga da procura; a competição entre asorganizações públicas leva à impossibilidade deselecionar e aglutinar os interesses, causando a totalpermeabilidade das instituições às demandas maisfragmentadas.

Nesse contexto, a saída da crise fica entregue à capacidade deresistência das instituições, à sua autonomia em face das pressões degrupos sociais, numa perpétua atitude reivindicativa. Esse panorama afetao Estado benfeitor na sua natureza e no seu fundamento, por causa dacrise econômica e política que se instala nessa década, mudando demaneira radical a perspectiva da necessidade da intervenção do Estado.

Nessa conjuntura é que se insere a implementação de um novo eamplo processo de reestruturação do capital, com vistas a recuperar o seuciclo produtivo, afetando intensamente o mundo do trabalho ao promovermudanças significativas na forma de organização da classe dostrabalhadores assalariados. Juntamente com o Estado Benfeitor entra emdecadência o modelo de produção taylorista/fordista que vigorou nagrande indústria ao longo do século XX. Assim, após um período bemsucedido de acumulação de capitais, entre os anos de 1950 e 1960 quecorrespondem, igualmente, à crise do fordismo e do keysianismo, o capitalpassa a dar mostras de um quadro crítico, que pode ser observado poralguns elementos, como:

A tendência decrescente da taxa de lucro decorrentedo excesso de produção; o esgotamento do padrão deacumulação taylorista/fordista de produção; adesvalorização do dólar, indicando a falência doacordo de Breeton Woods; a crise do Welfare State oudo “Estado de Bem-Estar Social”; a intensificação das

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lutas sociais (com greves, manifestações de rua) e acrise do petróleo que foi um fator que deu forteimpulso a esta crise. (PEDROSO, 2004, p. 1).

O método de produção desse modelo pautava-se na separaçãoentre gerência, concepção controle e execução. O que havia em especialem Henry Ford e que torna possível a distinção do fordismo (marcadopela categoria tempo) do taylorismo (marcado pela concepção de série)era o seu reconhecimento explícito de que a produção em massasignificava consumo em massa, um novo sistema de reprodução da forçade trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, emsuma, um novo tipo de sociedade democrática e racionalizada (PEDROSO,2004). Ford lança, assim, os fundamentos de um sistema em que os própriostrabalhadores deveriam ser considerados também como consumidores,e não apenas como mão-de-obra empregada no limite de suaspossibilidades.

Assim, em síntese, salienta Pedroso (2004, p.2):

Podemos afirmar que o sistema taylorista/fordistacaracteriza-se pelo: padrão de acumulação em massa,objetivando reduzir custos de produção bem comoampliar o mercado consumidor; produçãohomogeneizada e enormemente verticalizadaobedecendo à uniformidade e padronização, onde otrabalho é robotizado, disciplinado e repetitivo;parcelando as tarefas, o que conduzirá o trabalhooperário à desqualificação.

Repetir a mesma operação mecânica várias vezes por dia nãoconduzia e tampouco incentivava qualquer crescimento intelectual,provocando, inclusive, a insatisfação com o trabalho, uma vez que nãohavia um processo de identificação com ele. O fordismo, então, estimulavao estranhamento entre trabalhador e trabalho.

Nesse ambiente, muitas insatisfações emergem dos indivíduosdevido à rigidez desse modo de produção, uma vez que essecomportamento implicava a intensificação de trabalho extenuante e aeliminação do saber do indivíduo como elemento constitutivo do processode trabalho. Constata-se, a partir de então, “um movimento generalizadode lutas e resistências nos locais de trabalho, que havia se desqualificadoe mesmo destruído o saber daqueles trabalhadores de ofício, que tinhamum determinado controle e autonomia no seu trabalho” (PEDROSO, 2004,

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p.2). A emergência da contradição entre autonomia e heteronomia,própria do processo de trabalho fordista, adicionada pela contradição entreprodução e consumo, intensificava os pontos de saturação desse modelo.

Por conseguinte, os movimentos sociais, as mobilizações nas ruase nas fábricas tornam o fordismo improdutivo. Por isso, à medida quecrescia o acirramento das lutas de classes e a recusa dos trabalhadores asubmeter-se à gestão fordista, implicava, igualmente, numa crise doregime de acumulação intensiva, possibilitando a visualização de umacrise de caráter estrutural.

Da crise do modelo fordista nasce um novo modelo,fundamentado em fórmulas inovadoras, no objetivo de superar as falhasdo taylorismo/fordismo. Esse modelo, chamado de toyotismo, estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, pormeio de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação,dependendo das condições de mercado. O toyotismo é uma resposta àcrise do fordismo nos anos 1970. Em vez do trabalho desqualificado, ooperário torna-se polivalente. Em vez da linha individualizada, ele seintegra em uma equipe. Em vez de produzir veículos em massa para pessoasque não conhece, ele fabrica um elemento para a satisfação da equipeque está na sequência da sua linha (ANTUNES, 2000, p.36).

O modelo toyotista elabora um discurso voltado para a valorizaçãodo trabalho em equipe, da qualidade no e do trabalho, damultifuncionalidade, da flexibilização e da qualificação do trabalhador.Oculta, porém, retomando a posição de Mézáros (1995), a exploração, aintensificação e a precarização do trabalho, inerentes à busca desenfreadado lucro pelo sistema de metabolismo social do capital, que, por não terlimites, configura-se como ontologicamente incontrolável.

Nessa nova etapa do modo de produção capitalista, o Estado deixade ser a solução e passa a ser o problema, porque, segundo seus críticos,esta instituição, para legitimar-se, atendendo as necessidades dapopulação via políticas sociais, gastou mais do que devia, provocandouma crise fiscal. Também porque, “ao regulamentar a economia,atrapalhou o livre andamento do mercado” (PERONI, 2006, p.13).

Desse modo, a ideologia do neoliberalismo emerge como umareação política e teórica enfática contra o Estado de Bem-Estar ouintervencionista e à necessidade de se implementar um amplo processode reestruturação do capital, com vistas a recuperar o seu ciclo de produçãonascidos também da crise do modelo fordista/taylorista, que promoverammudanças importantes na forma de organização do trabalho. Foi deFrederich Hayek o livro – O caminho da servidão - escrito em 1944, queforneceu as bases teóricas do neoliberalismo. Do ponto de vista político-

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ideológico, neoliberalismo é uma “superestrutura ideológica e políticaque acompanha uma transformação histórica do capitalismo moderno”(THERBORN, 1995, p.39).

O neoliberalismo é um corpo de doutrina coerente,“autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo omundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensãointernacional” (ANDERSON, 1995, p.22). Ou seja, um programa de reformase ajustes estruturais de efeito ampliado pelo monopólio da ciência e dasnovas tecnologias, o que possibilitou uma expansão do capital até atingira atual etapa de globalização (CORRÊA, 2000, p.39).

O texto de Hayek trata-se “de um ataque apaixonado contraqualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado,denunciando como uma ameaça letal à l iberdade, não somenteeconômica, mas também política” (ANDERSON, 1995, p.9). Dessa forma,torna-se evidente que a pretensão de Hayek e dos participantes daSociedade Mont Pèlerin6 era combater o keynesianismo e o solidarismoque imperavam, a fim de preparar os fundamentos de um capitalismodiferente, totalmente livre de regras para o futuro. Para esse teórico, oigualitarismo promovido pelo Estado de Bem-Estar “destruía a liberdadedos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia aprosperidade de todos” (p.10).

Durante um período considerável, essas ideias ficaram em latência,mas, a partir da década de 1970, chega a crise do modelo econômico pós-guerra, fazendo o mundo capitalista avançado cair numa profunda e longarecessão. Para o neoliberalismo, as políticas sociais implementadas no

6 A sociedade do Mont Pélerin foi fundada em 1947 pelo economista austríaco August Friedrichvon Hayek. Ensinou na universidade de Chicago. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1974;depois, cinco dos seus alunos sucessivamente foram honrados igualmente pelo júri Nobel. Asociedade do Mont Pélerin tira o seu nome da estância suíça próxima de Montreux. Reúne-se emsessão uma semana por ano, de cada vez numa cidade diferente. Em 1994, em Cannes,participaram cerca de quatrocentas e cinquenta personalidades. Esse clube, muito fechado,felicita-se de contar com Margaret Thatcher e Alain Madelin entre os seus membros. O seupresidente actual é um francês, o professor Pascal Salin (Paris-Dauphine), que sucedeu a EdwinJ. Feulner (presidente de The Heritage Foundation). As teorias ditas «libertarianas» de Hayekestigmatizam as políticas de reactivação do consumo que, segundo ele, distorceriam os preçose provocariam a prazo um desemprego em massa. Compreendem também uma espécie deantropologia. Hayek denuncia o imobilismo da ordem natural, assim como utopias quepretendem «do passado fazer tábua rasa». Opõe-lhes o mercado como único modo de melhoriada ordem natural, logo, como única fonte de progresso. Em matéria constitucional, Hayekdesenvolve um esquema original. As instituições seriam compostas de duas assembleias: aprimeira, de vocação legislativa, votaria as receitas do orçamento; enquanto a segunda, devocação executiva, votaria as despesas (http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo176.htm. Acesso em: 06set.2008).

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Estado de Bem Estar Social, baseadas numa maior distribuição de renda,constituem-se num saque à propriedade privada, “além de serem umobstáculo ao livre andamento do mercado, visto que os impostos onerama produção” (PERONI, 2006, p.13).

Assim, o surgimento do neoliberalismo, nesse período,principalmente nos países capitalistas desenvolvidos, deve sercompreendido com base em algumas condições históricas, tais como: asfiguras políticas de Margareth Thatcher na Grã-Bretanha e Ronald Reagannos EUA, a crise pela qual passava a economia mundial no contexto dagênese do neoliberalismo e a crise do petróleo, que corroborou para arecessão econômica. Os governos Tatcher contraíram a emissão monetária,elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre osrendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaramníveis de desemprego massivos, impuseram uma nova legislaçãoantisindical e cortaram os gastos sociais. E, finalmente, esta foi uma medidasurpreendentemente tardia, “se lançaram num amplo programa deprivatização, começando por habitação pública e passando em seguida aindústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água”(ANDERSON, 1995, p.12).

Por sua vez, Ronald Reagan, na sua política interna, também reduziuos impostos em favor dos ricos, elevou as taxas de juros e reprimiu greves.Mas, decididamente, “não respeitou a disciplina orçamentária; aocontrário, lançou-se numa corrida armamentista sem precedentes,envolvendo gastos militares enormes, que criaram déficit público muitomaior do que qualquer outro presidente da história norte-americana”(ANDERSON, 1995, p.12). Nesse caso específico, a prioridade liberal sereferia mais à competição militar com a União Soviética, concebida comouma estratégia para destruir a economia soviética, ao mesmo tempo quebuscava derrubar o regime comunista na Rússia.

Por fim, é atribuída à intervenção do Estado o desemprego em massae a debilidade do crescimento, uma vez que se começa, então, a [...]“manifestar-se um estancamento econômico, acompanhado de umprocesso de estagflação7, que reflete a existência de problemasestruturais no padrão de acumulação do crescimento” (BIANCHETTI, 1996,p. 29). Esse cenário corrobora a posição de Milton Friedman, para quem[...] “a intervenção governamental é maléfica em si, afinal os grandes

7 “Situação na economia de um país na qual a estagnação ou o declínio do nível de produção eemprego se combinam com uma inflação acelerada. O fenômeno contraria a teoria clássicasegundo a qual a inflação tenderia a declinar com o aumento do desemprego. Fenômeno típicodo pós-guerra, a estagflação tem se acentuado em quase todas as economias capitalistasdesenvolvidas depois da chamada crise do petróleo (1973-1975)” (SENDRONI, 2002, p.221).

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avanços da civilização [...] nunca vieram de governos centralizados”(FRIEDMAN, 1985, p.13). Assim, fica exposto à crítica o fracasso das políticasestatais, colocando em questão a eficiência do setor público na produçãode serviços sociais.

No entanto, a crítica mais severa ao Estado keynesiano se referiaaos gastos públicos, resultado imediato da política estatal, que interferiano processo de crescimento e no funcionamento do mercado, uma vezque incentivava as ações sociais e, portanto, coletivas, capazes de invertero centro do funcionamento do mercado, que tende a potencializar eincentivar a ação de agentes individuais, considerados centrais no sistemaeconômico. Tal crítica evidencia sub-repticiamente o objetivo fundamentalda política econômica neoliberal, que é a de criar as condições depossibilidade para o funcionamento flexível do mercado, eliminando osobstáculos que se impõem à livre concorrência.

Historicamente, a regulação das relações de trabalho estevefortemente ancorada ao Estado. Por essa razão, sua retirada do mercadode trabalho suscitou uma situação de turbulência moral. (BEYNON, 1998,p.36). As reformas neoliberais adquiriram várias formas e matizes, masalguns elementos estiveram presentes em todas elas: assim como a“remercantilização da força de trabalho, a contenção ou desmontagemdos sindicatos, a desregulação dos mercados de trabalho e a privatizaçãode muitos serviços sociais que estiveram previamente em mãos do Estado”(FIORI, [S.d.], p.13). Dessa maneira, pode-se dizer que “governosneoliberais propõem noções de mercados abertos e tratados de livrecomércio, redução do setor público e diminuição do intervencionismoestatal na economia e na regulação do mercado” (GENTILI, 2001, p.114).

Ao fazer sua a teoria do livre câmbio e apoiando-se em ideologiasvárias para justificar sua visão de mundo como um grande mercado, oneoliberalismo imprime uma percepção de que todas as pessoas e paísespodem competir nas mesmas condições de igualdade, segundo suaspróprias possibilidades. Como se depreende, o que caracterizafundamentalmente o neoliberalismo é o alargamento do raio de ação dalógica do mercado. Portanto, a ideia do Estado Mínimo é uma consequênciada utilização da lógica do mercado em todas as relações sociais, que nãopodem ser reduzidas, ou diminuídas, ao aspecto econômico somente. Aideia de Estado Mínimo pressupõe um deslocamento das atribuições doEstado perante a economia e a sociedade. Preconiza-se a não-intervençãoe esse afastamento em prol da liberdade individual e da competição entreos agentes econômicos, segundo o neoliberalismo, é o pressuposto daprosperidade econômica. A única forma de regulação econômica, portanto,

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deve ser feita pelas forças do mercado, as mais racionais e eficientespossíveis.

Ao Estado Mínimo cabe garantir a ordem, a legalidade e concentrarseu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários para tanto:policiamento, forças armadas, poderes executivo, legislativo e judiciárioetc., abrindo mão, portanto, de toda e qualquer forma de atuaçãoeconômica direta, como é o caso das empresas estatais. A concepção deEstado mínimo surge como reação ao padrão de acumulação vigentedurante grande parte do século XX, em que o Estado financiava não só aacumulação do capital, mas também a reprodução da força de trabalho,via políticas sociais. Na medida em que esse Estado deixa de financiaresta última, torna-se, ele próprio, “máximo” para o capital. O suporte dofundo público (estatal) ao capital não só não deixa de ser aporte necessárioao processo de acumulação, como também se maximiza diante dasnecessidades cada vez mais exigentes do capital financeiro internacional.O Estado Minímo, nesse sentido, deve ser entendido como uma concepçãofundada nos pressupostos da reação conservadora que deu origem aoneoliberalismo.

Esse cenário nos permite dizer que o Estado capitalista foi criadopela burguesia para reproduzir, na sua estrutura e funcionamento, ascaracterísticas das relações sociais e econômicas que constituem essemodo de produção. O Estado se constitui como um complexo de práticase teorias que justificam e mantêm o domínio, ao mesmo tempo queconquista o consentimento daqueles sobre os quais exerce o domínio.Nessa perspectiva, as políticas sociais se apresentam como estratégiaspromovidas pela classe hegemônica para implantar e desenvolverdeterminado modelo social: “Estas estratégias se compõem de planos,projetos e diretrizes específicas em cada área de ação social” (BIANCHETTI,1996, p.88). Portanto, podem estar em estreita relação com as necessidadese os interesses de concentração de capital.

Por conseguinte, o projeto neoliberal, que se apresentafundamentalmente conservador, supõe a elaboração de um espaço quetorna possível pensar o econômico, o social e o político dentro,unicamente, das categorias que justificam o arranjo social capitalista. Talofensiva necessita ser vista, sobretudo, como uma luta para criarcategorias próprias, noções e terminologias por meio das quais se podemnomear a sociedade e o mundo. E mais: a assimilação de tais terminologiase noções, tais como: qualidade total, adequação do ensino àcompetitividade do mercado internacional, modernização da escola, “novavocacionalização, incorporação das técnicas e linguagens da informática eda comunicação, abertura das universidades aos financiamentos

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empresariais, pesquisas práticas, utilitárias e produtividade” (SILVAJÚNIOR, 1996, p.42) são capazes de imprimir uma performatividade, ouseja, um jeito de ser, agir e ver o mundo naqueles que incorporam taisterminologias e noções. Essa lógica, perceptivelmente excludente,precisa, para sua perpetuação e funcionamento, ser internalizada eassumida como perspectiva única das pessoas. Para tanto, necessita deveículos que disseminem essa representação de mundo.

As políticas educacionais como mediadoras do processo de reproduçãodo modelo neoliberal

É inegável que os processos sociais mais abrangentes dereprodução do modo de produção capitalista e os processos educacionaisencontram-se intrinsecamente unidos. À educação sempre coube a funçãohistórica de mediar os projetos políticos que tanto podem ser“democráticos como autoritários, includentes ou de exclusão das maioriase, portanto, local onde se articulam interesses diversos e antagônicos,local de disputa ideológica e de hegemonias” (CORRÊA, 2000, p.50).

A educação, por meio das políticas públicas, marcadas pelosinteresses dos grupos hegemônicos, e, portanto, marcada pela lógica domercado, tem assumido o papel de preparar cidadãos acríticos capazes,unicamente, de desempenhar funções de perpetuação e acirramento detal lógica.

Os indivíduos, na medida em que internalizam o valor mercantil eas relações mercantis como padrão dominante de interpretação de mundopossíveis, “aceitam – e confiam – no mercado como o âmbito em que,“naturalmente”, podem – e devem – desenvolver-se como pessoashumanas” (GENTILLI, 1995, p.228).

A “mercantilização de tudo”, nessa fase do capitalismo, implicaatingir os homens, suas relações e práticas sociais – suas vidas, suaeducação, suas consciências, por meio de um processo de doutrinaçãoneoliberal utilizando, inclusive, as novas tecnologias de comunicação.Daí a importância, segundo Corrêa (2000, p.51), de compreender esseprocesso identificando os limites e as possibilidades de uma reelaboraçãodas consciências no interior mesmo do movimento hegemônico. Odiscurso neoliberal redesenha o cenário da vida social e política a partirdos valores e princípios neoliberais em nível mundial, mas dentro dasparticularidades locais e regionais.

O neoliberalismo é mais do que uma alternativa teórica,econômica, ético-política, educacional porque constitui uma ideologiaque, ao ser introjetada pelo senso comum, “pode tornar-se hegemônicacomo se fosse a única leitura possível e viável para os problemas criados

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pelo próprio capitalismo” (CORRÊA, 2000, p.41). Ao invadir as consciências,constrói um senso comum presidido pelos valores neoliberais,desenvolvendo, assim, um processo de naturalização da exclusão e dasformas de violência contra grupos e populações deixadas à sua própriasorte.

Tal processo é implementado, inclusive, por escolas e movimentosde tendência neoliberal que, com unanimidade, propagam a centralidadedo econômico como o “elemento estruturador das relações sociais, ouseja, a utilização das categorias econômicas para analisar as relaçõessociais, o papel do Estado e da política” (CORRÊA, 2000, p.41). Nessecontexto, a educação é transferida do âmbito dos direitos para o âmbitoprivilegiado do mercado, transformando-a de um direito social para umserviço, uma mercadoria que deve ser adquirida no livre mercado, umavez que a educação é redefinida segundo a lógica do mercado pelasreformas neoliberais.

Ainda para Corrêa (2000, p.46), as políticas neoliberais de educaçãosão impostas por organismos nacionais e internacionais, como o BancoMundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional), dentre outros, quedefinem como o conjunto das nações devem se ajustar à globalização docapital e ao neoliberalismo. A interferência do Banco Mundial no âmbitoeducacional está se ampliando desde a década de 1970, tanto pelo poderde suas orientações, no sentido de produzir as reformas educativas, comopelo volume dos recursos financeiros aplicados. Esse ordenamentoobjetiva:1. Adequar as políticas educacionais ao movimento de esvaziamento daspolíticas de bem-estar social;2. Estabelecer prioridades, cortar custos, racionalizar o sistema, enfim,embeber o campo educativo da lógica do campo econômico;3. Subjugar os estudos, diagnósticos e projetos educacionais a essa lógica(WARDE, 1998, p. 11).

Essas reformas na educação, ditadas pelo Banco Mundial para oBrasil e vários países da América Latina,

representam uma proposta articulada organicamente,um pacote de medidas a partir de uma ideologianeoconservadora e neoliberal, com um viéseconomicista no enfoque da educação, isto é, tratandoa educação, a cultura e a política com a mesma teoriae metodologia de uma economia de mercado. Areforma educativa passou a ser entendida como restritaa uma reforma do sistema escolar, que precisa serurgentemente mudado. (CORRÊA, 2000, p.47).

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Essa orientação, porém, mascara a realidade, uma vez que aeducação é somente uma das expressões objetivas do modo como asociedade produz e reproduz a sua própria existência. E a ideologia liberaldesconsidera as dimensões estruturais das questões educacionais, comoa econômica, a ética, a política, reduzindo-as somente a problemasadministrativos. Essa realidade vale igualmente para as esferas teóricas eepistemológicas, pois a educação e o conhecimento também foramsubordinados à lógica da produção e do mercado.

Na realidade, o papel da educação, nesse contexto, é o de “produzircidadãos que não lutem por seus direitos e pela desalienação do e notrabalho, mas cidadãos ‘participativos’, não mais trabalhadores, mascolaboradores e adeptos do consenso passivo” (FRIGOTTO, 1998, p.48). Opadrão mercantil promove o individualismo, desmobiliza ações desolidariedade e de participação social, mas tranquiliza a consciência, umavez que a lógica do modelo é considerada a lógica da natureza: vence omais capaz (CORRÊA, 2000, p.41).

Dito de outra forma, a educação tornou-se uma peça no mecanismode acumulação do capital ao estabelecer consensualmente a reproduçãodo injusto sistema de classes. Tornou-se mecanismo de perpetuação dosistema, em vez de instrumento da emancipação do homem. Anecessidade de buscar a adesão, o consentimento e a legitimação para asreformas neoliberais fizeram com que a consciência adquirisseimportância fundamental nesse vasto processo de elaboração econsolidação da tendência hegemônica do neoliberalismo nessas últimasdécadas.

No entanto, apesar de usar várias formas para dificultar a luta paraa transformação dos homens e dessas perversas estruturas sociaisvigentes, não consegue impedir que surjam iniciativas contrárias àhegemonia do capitalismo mundializado, como sistema político,econômico e social e da superestrutura ideológica que o acompanha nessafase de seu desenvolvimento histórico, o neoliberalismo. Esse processohistórico e contraditório possibilita o surgimento de formas contrárias deresistência a essa lógica.

Portanto, o neoliberalismo é um fenômeno contraditório em simesmo. Ou seja, nele existem forças contrárias que geram ora ummovimento de afirmação, ora de negação, e até mesmo de superação. Acontradição no neoliberalismo expressa a complexidade das forçaspresentes em determinado fenômeno da realidade, expressando ematerializando as relações de força que o compõem.

A diminuição da interferência e das responsabilidades do Estado,o descaso e as políticas antidemocráticas são as maiores geradoras do

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próprio movimento contraditório no interior do neoliberalismo, como éo caso, por exemplo, dos movimentos sociais. Eles surgem e se organizamno âmbito da sociedade civil, em confronto com o Estado, ou, algumasvezes, em ações complementares ao próprio Estado. Esses movimentos,via de regra, quando genuinamente nascidos das bases organizadas dasociedade civil, debatem e elaboram propostas e reivindicações quesinalizam saídas concretas para suas necessidades básicas, tendo em vistaa implementação de políticas públicas que atendam a essas mesmasnecessidades, na direção de um direito conquistado.

Como exemplo, dentre muitos, da ação dos movimentos sociaisna esfera da educação, mais especificamente, na educação superior,mencionamos o processo de implantação da política de cotas para negrosna educação superior pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul(UEMS). Por pressão do movimento negro sul-mato-grossense, que exigiaa implantação de cotas nas universidades públicas, iniciou-se um amplodebate político no Estado. Diante da “situação de desigualdade, no finaldos anos 1990 e início dos anos 2000, os movimentos sociais organizadosde Mato Grosso do Sul começaram a pressionar os poderes públicos aformularem políticas e incorporarem ações que visassem a modificar taisindicadores” (BITTAR; ALMEIDA, 2006, p.7). Para essas mesmas autoras(p.12-13), o sistema de cotas

[...] possibilita uma concorrência mais eqüitativa, umavez que se oferecem condições concretas de igualdadede acesso, pois nas vagas gerais muitos dos queconcorrem são provenientes de escolas privadas,colocando-os, automaticamente em posiçãoprivilegiada para obter aprovação no vestibular.

Assim, a UEMS, a exemplo de outras universidades públicas, comoa Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a Universidade Estadualdo Norte Fluminenese (UENF) e a Universidade Estadual da Bahia (UNEB),implantou, em 2003, pela Lei n. 2.605/03, de 06/01/2003, a política de cotaspara negros na educação superior. Esse movimento abriu um “amploprocesso de discussão com a comunidade interna e externa sobre oscritérios a serem estabelecidos para atender ao requisito de reserva de20% das vagas para negros em seus cursos de graduação” (BITTAR;ALMEIDA, 2006, p.10).

Doravante, algumas experiências estão sendo desenvolvidas porgrupos que estão emergindo na sociedade e fazendo as resistências e as

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diferenças contra as formas regulatórias do Estado nos princípiosneoliberais, com base em práticas emancipatórias.

O papel da educação é, assim, único, tanto para o planejamentode meios adequados e apropriados para transformar as condições objetivasde reprodução, como para a efetivação de uma mudança metabólica radicalnos indivíduos, por meio de uma automudança consciente. Portanto, nãoé surpreendente que na concepção marxista a “efetiva transcendência daauto-alienação do trabalho seja caracterizada como uma tarefainevitavelmente educacional” (MÉSZÁROS, 2005, p. 15).

É por isso que hoje o sentido da mudança educacional radical nãopode ser outro senão o de perseguir, de modo planejado e consistente,uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, comtodos os meios disponíveis, bem como com todos os meios ainda a serinventados e que tenham o mesmo espírito, como salienta Mészáros(2005).

ConclusãoA educação não está imune às transformações da base material da

sociedade. Por isso, tanto as políticas sociais como as políticas educacionaisestão sendo hoje orientadas pelas proposições capitalistas queconsideram o mercado o eixo das relações sociais. As políticas sociaisforam jogadas às leis do mercado, como bem assinala Sanfelice (2001).

Doravante, a educação, que poderia ser um instrumento eficaz eessencial para a mudança, tornou-se meio daqueles estigmas dasociedade capitalista ao “fornecer os conhecimentos e o pessoalnecessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista,mas também gerar e transmitir um quadro de valores que legitimem osinteresses dominantes” (MESZÁROS, 2005, p. 15). Porém, a emancipaçãohumana, possível pela educação, é o objetivo central dos que lutam contraa intolerância e a alienação da sociedade mercantil.

Para que tal realidade seja possível, dois conceitos devem sertomados como prioritários: a universalização do trabalho como atividadehumana autorrealizadora e a universalização da educação. É por isso queé necessário, como observa Mézáros (2005), romper com a lógica do capitalse quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacionalsignificativamente diferente. Mas não podemos nos esquecer o que disseMészáros em outra obra (2002, p.16), que é impossível “superar o capitalsem a eliminação do conjunto dos elementos que compreende essesistema”. Para tanto, a educação não pode estar desvinculada do destinodo trabalho humano, haja vista que “um sistema que se apóia na separaçãoentre trabalho e capital, que quer a disponibilidade de uma enorme massa

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de força de trabalho sem acesso a meios para sua realização, necessita, aomesmo tempo, socializar os valores, que permitem a sua reprodução”(MÉSZÁROS, 2005, p. 15).

Há a necessidade de se recuperar a verdadeira lógica da educação,que é a de potencializar a capacidade humana de interagir com o mundode forma consciente e ativa. Consciência supõe a capacidade de fazeruma leitura crítica da estrutura em que se vai atuar, por meio de umapráxis transformadora, no exercício responsável da cidadania. Todavia,essa realidade só será possível se o profissional da educação for,igualmente, capaz de perceber primeiro a complexa estrutura –excludente e reificadora - por meio de uma leitura criteriosa e crítica domundo, podendo, assim, apresentar-se como mediador da ação conscientedo aluno no contexto histórico no qual se encontra inserido.

Utopia? Talvez! Mas ser um utópico, segundo Löwi (1998), épossibilitar uma alternativa crítica e subversiva à ideologia neoliberal,que se propõe a veicular formas de representação e de valores que visama manter ou fortalecer a ordem estabelecida que institua uma visão demundo conservadora e legitimadora da realidade e da história. Toda utopiatraz em si mesma uma crítica ao topos.

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Recebido em: 15/06/09Aprovado em: 04/01/10

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UM OLHAR SOBRE (O CAMPO) A EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO:A QUESTÃO DAS ESPECIFICIDADES DO ENSINO

Odimar J. Peripolli1

RESUMO: Este texto se propõe a trazer algumas reflexões sobre o temavoltado à Educação no/do Campo, mais especificamente, sobre asdiscussões que gravitam em torno da questão das especificidades (ounão) do campo e, consequentemente, da necessidade (ou não) de umaproposta de ensino diferenciada. Hoje, o campo (meio rural) e a cidade(meio urbano) são realidades que se opõem ou que se complementam?Com o avanço do capitalismo no campo, este teria (ou não) submetidotodas as relações de produção às relações capitalistas, inclusive, as nãocapitalistas? Ou seja, na sociedade capitalista, todas as relaçõesestabelecidas estariam em consonância com as leis regidas pelo capital,não havendo, portanto, especificidade no campo e, consequentemente,a não necessidade de um currículo voltado a atender essa singularidadeda escola que aí se insere? Como as políticas públicas/projetos/programasvêm lidando com estas questões? A importância dessas respostas está nofato de que é destas que vão demandar determinadas ações/políticaspara o campo, inclusive, educacionais. Por isso, a necessidade de, ao seolhar para a escola no/do campo, olhar primeiro para o campo.PALAVRAS-CHAVE: Educação, educação do campo, rural/campo, cidade/urbano.

ABSTRACT: This text aims to bring some thoughts on the topic turned toeducation in and of the field, more specifically on the discussions revolvingaround the question of the special (or not) from the field and hence theneed (or not) of a proposal for differentiated education. Today, the field(rural areas) and city (urban) are realities that oppose or complementeach other? With the advance of capitalism in the field, this would have(or not) submitted all the relations of capitalist production relations,inclusive of non-capitalist? That is, in capitalist society, all relations wereestablished in accordance with the laws governed the capital, there istherefore no specificity in the field and, consequently, no need for a

1 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor da UNEMAT(Universidade do Estado de Mato Grosso), campus universitário de Sinop-MT. Professor efetivona área da Metodologia Científica. Trabalha em projetos de pesquisa voltados à educação no/do campo junto aos assentamentos de reforma agrária do INCRA (norte de Mato Grosso). E-mail:[email protected]

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curriculum aimed at meeting the unique school that there falls ? As publicpolicies / projects / programs have been dealing with these issues? Theimportance of these responses is the fact that it is these that will requirecertain actions / policies for the field, including education. Hence theneed, when you look at the school / field, look first to the field.KEYWORDS: Education, rural education, rural/rural, town/city.

IntroduçãoHá uma tendência dominante em nosso país,

marcado por exclusões e desigualdades, de considerar amaioria da população que vive no campo como a parte

atrasada e fora do lugar no almejado projeto demodernidade

(KOLLING; NERY; MOLINA, 1999)

Ao escrevemos sobre o tema educação escolar, especificamentesobre a escola no/do campo, uma questão logo se nos apresenta: afinal,por que razão a nossa história tem negado a esses trabalhadores o direitoao saber produzido na escola?

Estaria a escola do campo, por meio das instituições formadoras,também comprometida com certo tipo de sociedade que não essa a quese referem os trabalhadores do campo? Sim, a considerar que aindaprevalece a concepção tradicional de ensino, “fruto de um sistemaestruturado para manter o controle e o poder nas mãos de uns poucos[...]” (FERRARO; RIBEIRO, 2001, p.73).

Ao pensarmos a escola para os filhos dos trabalhadores, seja docampo ou da cidade, imediatamente saímos em defesa de que de estadeva ser pública, gratuita e de qualidade. O que nos parece mais do quejusto, a considerar, além da importância e significado que esta tem,ressaltam-se as características em comum de quem a busca, ou seja, osfilhos de trabalhadores, da classe de trabalhadores pobres. Considerandoesses aspectos, concordo com Garcia (2001), p. 11) quando diz que a escolapública ainda é a “única possibilidade de democratização da educação”.

Ouso, inicialmente, chamar a atenção para o fato de que, noconjunto das discussões sobre o tema, costuma-se deixar de lado umaquestão que me parece muito importante, qual seja: a da necessidade debuscar estabelecer uma relação entre a concepção que se tem de campoe dos sujeitos que ali vivem e trabalham (os povos do campo) e o tipo deeducação/escola a eles dispensada, isto é, a qualidade de ensino. Em

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resumo, ao nos perguntarmos que escola (?), teríamos que nos perguntar,primeiro, que campo (?).

Essa compreensão, esse entendimento, ao que me parece, temsua importância maior na medida em que é da maneira de como se concebeum e outro (o meio e seus sujeitos) que são pautadas, via de regra, aspolíticas públicas para atender as demandas que ali passam a existir.Dentre outras, a educacional.

Acredito que, frente ao desenfreado movimento do capital sobreo campo (e a consequente proletarização dos trabalhadores), fazem-senecessários novos/outros olhares sobre as novas necessidades que aí estãosendo criadas, dentre outras, a de uma outra/nova escola, qual seja,construídas sob novas paradigmas. Estes, obviamente, construídos pelossujeitos que ali vivem, trabalham e estudam. Diria que é preciso re/construir concepções outras sobre o campo e de trabalhador rural/docampo, levando-se em consideração, necessariamente, os valores e osprincípios estabelecidos e vivenciados pelos seus sujeitos, o homem docampo.

Esse novo olhar – para além daquele construído pelo capital, quevê o campo apenas sob a ótica da produção de mercadorias, possibilitaráver que existem outras formas, outros meios, outras alternativas de seproduzir e de se fazer educação/escola. Isso significa dizer, sob novosvalores/princípios, quais sejam: pautados sob a realidade e asnecessidades dos que vivem no e do campo. Desta forma, abrem-se outrasperspectivas/possibilidades de reconhecer o campo com suasespecificidades e de uma escola que venha ao encontro destas, o que farácom que o cotidiano desta seja cada vez menos estranho aos alunos/educandos e à comunidade.

O que se pode dizer sobre o campo, a principio, é que este, via seregra, tem sido visto como um lugar que se caracteriza pelo atraso,desprovido da modernidade, e os trabalhadores que lidam com a terra,com o gado e com a enxada, como sujeitos que precisam ser “amansados”,“civilizados”, “urbanizados” (a modernidade é atribuída à cidade/aourbano). Essa visão estigmatizada do campo tem correspondido - e aí estaa gravidade da questão - à oferta de políticas compensatórias, dentreoutras tantas, a educacional.

O reflexo dessa forma estigmatiza de pensar o campo estámaterializado nas escolas: construções, barracões; transporte, sucateado;professores mal-pagos e com pouca/nenhuma formação; conteúdos e

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métodos, adaptados/copiados da escola urbana. Pior, cópia pobre (GRITTI,2003).

Quando, porém, o campo for visto/pensado como um espaço denovas/outras possibilidades (além daquelas impostas pelo capital) deprodução e reprodução da vida, de vivências e convivências, estaremoslançando sobre essa realidade, sobre esses trabalhadores, novos olharese, consequentemente, buscando novas formas de se fazer políticaspúblicas, quais sejam: que os trabalhadores do campo sejam seusverdadeiros protagonistas.

Nesse sentido concordo com Kolling, Nery e Molina (1999, p. 24apud FERRARO; RIBEIRO, 2001, p.106) que ao se referirem à escola docampo, a veem no sentido de que seu compromisso esteja, basicamente,voltado “[...] no sentido de ‘processos de formação humana’, que constróireferências culturais e políticas para a intervenção das pessoas e dossujeitos sociais na realidade, visando uma humanidade mais plena e feliz”.

Acredito que a importância do tema está em possibilitar que asreflexões caminham no sentido de se pensar a escola a partir de seusentornos, deixando a ela apenas suas funções específicas, produzirconhecimentos, bem como contribuir no sentido que levem aproblematização de questões teórico-práticas voltadas à proposta de umaEducação no/do Campo, tendo como pano de fundo a questão dasespecificidades do campo. Essa forma de abordagem nos possibilitará vera escola do campo sob outro/novo olhar, qual seja, a partir do meio emque esta está inserida.

Ver/pensar a escola a partir da realidade que a cerca, dos sujeitosque a constroem possibilitará que se construam propostas de umaeducação cada vez mais próxima às reais necessidades dos trabalhadoresdo campo. Desta forma, teremos mais e melhores condições de entenderos limites e as possibilidades de uma proposta de uma educação escolarque, ao nos propor contrapor à proposta oficial, que esta avance, no sentidode propor alternativas para o conjunto dos trabalhadores, quer trabalhemno campo ou na cidade.

1. O rural e o urbano: que mundos são esses?Hoje, são muito fortes dois discursos quanto ao modo de conceber

o campo: há os que defendem a questão da especificidade do meio, ouseja, veem o campo como possuidor de singularidades, de cultura própria,enfim, de uma realidade diferente da urbana, e os que defendem quenão há diferenças entre campo/cidade. Vejamos, dentre outros tantos:

“Essa escola, construída fisicamente no meio rural, foi produzidasob a lógica urbano-industrial” (GRITTI, 2000, p.149). Para Leite (1999, p.

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56), “o currículo é inadequado, geralmente estipulado por resoluçõesgovernamentais, com vistas à realidade urbana”.

Diferentemente desses autores, há os que criticam a defesa deprogramas específicos:

O perigo dessa divisão está em se pensar dois tiposde cidadania: a escola fornecendo conteúdos dacultura do industrialismo aos moradores da cidade epreparando os homens e mulheres rurais para umbucólico mundo de hortas e pomares que o complexoagroindustrial pretende eliminar da paisagem. Sãoequívocos de uma política educacional que pensa omundo de forma dual (WHITAKER; ANTUNIASSI, 1993,p.15).

Para Lovato (2003, p.190), o rural/campo e urbano/cidade se“ interpenetram para compor uma totalidade”. Para a autora, “nocapitalismo não há configurações para espaços diferenciados, uma vezque o capital penetra em todos os ‘poros’ do modo de produção eorganização da sociedade capitalista” (p.109). E conclui:

[...] a sociedade regida pelo capital procura dissimularo antagonismo e o conflito entre as duas c lasses, edos capitalistas e a dos trabalhadores. Essa é umaestratégia para manter o equilíbrio social e amenizaras tensões, para não ferir os interesses da classecapitalista. (p.109).

No mesmo sentido caminha Martins (1986, p. 99), quando diz queo “rural e o urbano fazem parte do mesmo movimento do capital”.

Então, ao falarmos de um e de outro, campo/cidade, rural/urbano,estaríamos falando de realidades que se contrapõem, antagônicas, ou derealidades que, formadas de partes, formam um todo e se complementam?

Há que se perguntar, então: o capital teria submetido todas asrelações de produção às relações às capitalistas, como é o caso daprodução camponesa? Para Fernandes (2002a, p. 34), sim. Segundo o autor,as relações de produção não capitalistas são aos poucos “subordinadaspelas relações capitalistas de produção e seus valores, costumes, sendoinvadida por valores burgueses”. Nesse caso, negar-se-ia uma dessasrelações de produção não capitalista, no caso, a produção camponesa,

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que se constitui, segundo o autor, como um modo “particular de produção,como um sistema próprio de produção e uma visão de mundo particular”(p.34). Ou, então, a expansão das relações capitalistas no campo,subordinadas à relação camponesa de produção e sua visão de mundo àideologia dominante.

2. A fronteira entre o rural e o urbano, entre o campo e a cidadeHá, de fato, fronteira entre o rural e o urbano (entre cidade e

campo)? Se há, como se apresenta? Se não há, onde está o limite entreum e outro?

2.1 Cultura burguesaUm dos principais problemas da educação é a

padronização nos métodos e conteúdos ministrados. Aeducação formal (escola) não valoriza as diferenças

regionais e nem as particularidades culturais [...].(FERNANDES, 2002a)

Com o nascimento da sociedade capitalista, a escola passou a tercerto “status”, qual seja, o de ser um lugar privilegiado capaz de possibilitarque as estruturas de valores burgueses pudessem ser reproduzidas e que,sem as quais, esta não poderia se manter. À escola, então, foi incumbidaa tarefa de desenvolver as potencialidades e a apropriação de “saberessociais”, saberes aqui entendidos como conjunto de conhecimentos ehabilidades, atitudes e valores que são produzidos pela classe dominante(FERNANDES, 2002a, p.40).

Na perspectiva do capital, a escola procura homogeneizar osvalores, os costumes, a maneira de ver a realidade em seu entorno. Emoutras palavras: tudo passa a ser visto sob a ótica dos valores capitalistas.Portanto, estamos falando de uma tentativa de padronização da cultura,ou seja, da cultura burguesa. Mas o que caracteriza a cultura burguesa?Aquela centrada na propriedade privada. Esta é vista como um direitosagrado e tudo passa a girar em torno dela.

Nessa perspectiva, a valorização do indivíduo é maior do que ocoletivo; o “eu” vale mais do que o “nós”; as relações que se estabelecemsão aquelas voltadas às leis do mercado, da competição, doindividualismo, do lucro, da competição. O coletivo desaparece e dá lugarao “salve-se quem puder”. A terra perde sua função social (MARÉS, 2003).A reforma agrária se dá no plano estabelecido pelo mercado, daí o sentidode “reforma agrária de mercado” (MARTINS, 2004, p.65). A escola se limitea buscar o “conhecimento útil”, tornar os sujeitos “úteis” (LAVAL, 2004;

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JARES, 2005), para atender a demanda do capital. E, nesse contexto, ossujeitos/pessoas saem de cena e entra o mercado.

Ao falarmos da educação no Estado capitalista, há que se levar emconta que este necessita da escola, criação burguesa (ALVES, 2001), ouseja, esta tem a função de disseminar, semear todo um conjunto de ideiasque vão reproduzir e manter a ideologia dominante. Este, por sua vez,apresenta-se como uma instituição acima de qualquer interesse de classe.

2.2 Cultura camponesaAs discriminações são, muitas vezes, piores,

porque as relações sociais no campo são maisconservadoras do que nas cidades

(VENDRAMINI, 2000, p. 94-95)

Para quem conhece a vida no campo, sabe que os trabalhadoresque ali vivem e trabalham possuem uma cultura com costumes e valoresbastante diferentes daqueles transmitidos pela sociedade capitalistaurbana. Ou seja, diferente da cultura burguesa. Às vezes, estas diferençasquase não são e/ou são pouco percebidas, principalmente por aquelesque estão longe dessa realidade, o campo. Muitas vezes, os própriosencarregados de fazer políticas públicas.

Não há como negar que mesmo estando subordinada aocapitalismo, a produção camponesa possui aspectos que lhes sãoparticulares: é uma cultura centrada no trabalho; no mutirão, na ajudamutua, quando alguém da família adoece e/ou em caso de morte; natroca de dia de serviço, em épocas de plantio e de colheita; na repartiçãoda carne de porco e da banha, do bolo assado no forno à lenha, no períodode maior escassez; na troca de sementes, na época do plantio; nocompadrio, dar o filho para batizar; no serão, reza, novena; na visita eajuda da comadre, quando nasce um filho; no emprestar sem cobrar aluguelou juros.

Estamos falando de uma cultura, a camponesa, que ainda traz/carrega, na sua essência, valores básicos que a caracteriza, dentre outrosaspectos, pela partilha, pela solidariedade, pela comunhão entre ostrabalhadores. São valores/princípios/atitudes que não interessa aocapital. A não ser que estes e/ou quando estes vierem, de algum modo,ao encontro de alguns de seus muitos interesses e/ou vantagens.

Percebe-se que as transformações que vêm ocorrendo no campo,principalmente após as décadas de 1960/70, provocadas pela modernização(conservadora) do campo e a consequente afirmação crescente dasrelações capitalistas de produção, têm modificado (em muito) as relações

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sociais no mundo do trabalho e da produção. Esse novo desenho vemprovocando mudanças profundas e a cultura capitalista urbana vem, apassos largos, substituindo esses valores por outros, impostos pelo capitalburguês.

Nesses campos de lutas, campo e cidade (campo/cidade), espaçosque ora se distanciam, ora de aproximam, não podemos deixar de levarem conta que quem dá sustentação é a classe burguesa. A classe burguesa,urbana, capitalista tem uma cultura, valores diferentes da culturacamponesa. Estes derivam, via de regra, de interesses/valores que sãoantagônicos aos da classe trabalhadora camponesa, ou seja, da culturacamponesa.

2.3 A unidade contraditória[...], com relação aos processos contraditórios e

desiguais do capitalismo, devemos entender que eles têmsido feitos no sentido de ir eliminando a separação ente acidade e o campo, entre o rural e o urbano, unificando-os

numa unidade dialética. [...] Aí reside um ponto importantenas contradições de desenvolvimento do capitalismo, tudo

indicando que ele mesmo está soldando a uniãocontraditória que separou a agricultura e a industriam e a

cidade e o campo [...].(OLIVEIRA, 1994, p. 53-54)

Ao se buscar encontrar os limites entre o rural e o urbano, há quese levar em conta que só no período anterior ao capitalismo existia umadiferenciação mais aguda entre esses dois espaços/territórios. Com oadvento do capitalismo, mais especificamente, com a industrialização,foi se acentuando, cada vez mais, uma maior aproximação e articulaçãoentre a produção industrial e agrícola “como faces indiferenciadas domesmo processo” (SILVA, 2004, p.100).

Há que se chamar a atenção para o fato de que estamos falandoem aproximação, o que não significa dizer que não existam especificidadesem cada um dos modos de produção, ou seja, tanto na produção agrícolaquanto na produção industrial.

Oliveira (1994, p.54), ao falar sobre o desenvolvimento docapitalismo no Brasil, ressalta que essa “unidade contraditória não eliminasuas diferenças; ao contrário, aprofundo-as, tornando cada vez maisespecífica, porém, cada vez mais portadora da característica geral deambas”. Portanto, estamos falando de duas realidades, cada uma, cadavez mais, com as características uma da outra, formando uma novarealidade. Um todo formado de partes. Cada parte, com suas

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especificidades, formando um todo. Nesse caso, poderíamos falar emantagonismos entre o rural e o urbano? Entre campo e cidade?

Abramovay (2003, p.20), ao discutir o futuro das regiões rurais, dizque “não existe uma definição universalmente consagrada de meio rurale seria vã a tentativa de localizar melhor entre as atualmente existentes”.Segundo autor, o que há é um traço comum ou um consenso entre ospesquisadores, no sentido de que “o rural não é definido por oposição esim na sua relação com as cidades”. Nas suas análises, ressalta o fato deque há todo um esforço no sentido da “procura das relações entre asregiões rurais (que não podem ser definidas como as que se encontramem campo aberto, fora dos limites das cidades) e as verdadeirasaglomerações urbanas de que dependem” (p.20).

Nessa perspectiva, entendendo o rural e o urbano como fazendoparte de uma realidade maior, em que o antagonismo dá lugar à unidadeou complementaridade, o que nos parece essencial não é apenas buscarsaber se uma determinada área ou uma região é rural ou urbana, masquais são suas dinâmicas, sem que haja qualquer tipo de isolamento eque as pessoas que ali vivem tenham condições de viver uma vida comdignidade.

Concordo com o autor (ABRAMOVAY, 2003) quando afirma que maisimportante que os números que definem censitariamente os espaçosrural e urbano é compreender a dinâmica regional, as relações sociais,econômicas, culturais e políticas entre o campo a cidade. Essas relações,ao mesmo tempo que integram e aproximam o rural e o urbano, ao quenos parece, reafirmam as particularidades de cada um desse espaço. Ariqueza de ambos está nessas particularidades/especificidades.

2. 4 Visão estigmatizada do campoSe o meio rural for apenas a expressão, sempre

minguada, do que vai restando das concentrações urbanas,ele se credencia, no máximo, a receber políticas sociais que

compensem sua inevitável decadência e pobreza.(ABRAMOVAY, 2003, p. 21)

Em que pese a distância que nos separa do período em que o paísera predominantemente agrícola, ainda é bastante forte a concepção deque o campo é o lugar que se caracteriza, basicamente, pelo cultivo diretoda terra. Pior: a essa posição foi agregada a ideia do campo como algo

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ligado ao atraso, onde vivem os “jecas tatus”, ou um lugar marcado pelaausência da modernidade (o que é atribuído à cidade).

Infelizmente, em pleno século XXI, o campo (ainda) é visto comose ali houvesse um movimento inevitável de urbanização que se sobrepõea um espaço que está morrendo aos poucos, ou mesmo um lugar semfuturo. Ora, se assim é concebido, como um lugar prestes a desaparecer,por que se haveria de pensar em políticas agrícolas e em políticaseducacionais? Para quê uma e outra, sem ninguém para trabalhar, semninguém para estudar? Repito: é desta forma de pensar o campo quederivam as atuais políticas públicas, visivelmente marcadas pelo descaso.

Recorrendo novamente a Abramovay (2003, p.19), este chama aatenção para o fato de que “há um vício de raciocínio na maneira como sedefinem as áreas rurais no Brasil que contribui decisivamente para quesejam assimiladas automaticamente a atraso, carência de serviços e faltade cidadania”. E conclui: “como definir o meio rural de maneira a levar emconta tanto a sua especificidade (isto é, sem encarar seu desenvolvimentocomo sinônimo de ‘urbanização’), como os fatores que determinam suadinâmica (isto é, sua relação com as cidades)?”.

2.5 A escola do campoA intenção é fazer uma educação que privilegie a

realidade rural, as questões específicas dessa realidade, demodo que ajude a superar a dicotomia entre campo e

cidade, contribuindo para superar discriminações epreconceitos próprios da estrutura social capitalista

(FERRARO; RIBEIRO, 2002, p.95)

Levando essas considerações para o campo da educação, maisespecificamente, para a educação no/do campo, há que se trazer para oleque das discussões alguns outros elementos que nos ajudarão a melhorencaminhar a temática voltada à proposta Por Uma Educação no/do Campo.

Segundo Fernandes (2002b), há a necessidade de se substituir otermo “rural” (carregado de estigmas) pela expressão “campo”,concebendo-o, desta forma, como um espaço social com vida, identidadecultural própria e práticas compartilhadas por aqueles que lá vivem etrabalham, diferentemente da ideia do campo visto apenas como umespaço territorial, demarcador de área.

Há que se chamar a atenção também para o fato de que o cultivodessa imagem negativa, estigmatizada do campo, tem resultado na prática,na oferta de políticas compensatórias, materializadas em uma educaçãode baixa qualidade, em decorrência da contratação de professores sem

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qualificação adequada (“leigos”), veiculada em estruturas físicas precárias(barracões), transporte (sucateado), métodos e conteúdos adaptados domeio urbano, distante das preocupações e necessidades dos alunos e dacomunidade camponesa. O número ainda significativo de analfabetos nocampo vem confirmar isso. Não há como negar. Basta que visite umassentamento de Reforma Agrária do INCRA.

À guisa de conclusãoAcredito que para que haja justiça social no campo, começando

por um trabalho que resulte na conquista de uma educação de qualidadepara os filhos desses trabalhadores, seja necessário reconstruir, primeiro,no imaginário coletivo, uma nova visão do campo. Esse trabalho devecomeçar, necessariamente, pelo imaginário da população que ali vive. Énecessário que o campo seja visto como um lugar de possibilidades, comoum espaço de transformação pelo trabalho e que suas identidades emanifestações culturais sejam valorizadas. Mas, acima de tudo, um espaçode vida, de vivência e convivências. Isso se iniciará quando a escolacomeçar a formar novos sujeitos criadores de uma nova cultura agrária nomundo rural do país.

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Recebido em: 22/04/09Aprovado em: 03/11/09

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DA RETÓRICA DA AUTONOMIA DAS ESCOLAS À HETERONOMIADAS PRÁTICAS DOCENTES – ANÁLISE DE UM CASO NUM

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS PORTUGUESAS

Daniela Vilaverde e Silva1

RESUMO: Este artigo pretende elucidar, a partir de uma investigaçãoempreendida num Agrupamento Vertical de Escolas do Ensino Básico, asrelações entre as práticas docentes e as normas ministeriais num contextomarcado, por um lado, pela centralização do sistema educativo, e, poroutro lado, pela autonomia consagrada pelo Decreto-Lei nº 115 – A/98. Osdados obtidos na investigação denunciam a existências de distintosconstrangimentos burocráticos que bloqueiam a autonomia das escolas,evidenciando, simultaneamente, comportamentos de resistência porparte dos atores organizacionais face à heteronomia ministerial em quese encontram.PALAVRAS-CHAVE: autonomia, centralização, descentralização.

ABSTRACT: This article intends to clarify, by an investigation in a verticalgrouping of the Basic System of Education, the relationship between theteacher’s practices and the government laws in a context characterized,on one hand, by the centralization of educational system and, on theother hand, by the autonomy consecrated by the Decree-law nr 115 – A/98. The investigation shows us the existence of bureaucratic restraintsthat block the school’s autonomy and at the same time, displayingbehaviours of resistance of the organizational actors to the heteronomyministry.KEYWORDS: autonomy, centralization, decentralization.

IntroduçãoA centralização tem constituído, nos últimos séculos, a tradição

administrativa em Portugal. Os diferentes sectores da administraçãopública, incluindo a educação, têm sido sujeitos quotidianamente àspressões centrífugas do Estado. Essa situação tem perdurado no tempo,conforme nos elucida Barreto (1995, p.167):

1 Mestre em Educação, na área de especialização em Organização Educativas e AdministraçãoEducacional. Professora do Instituto de Educação da Universidade do Minho, Braga, Portugal. E-mail: [email protected]

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[...] desde as luzes dos finais do século XVIII, passandopelo vintismo, pelos liberais e pelos regeneradores,até aos republicanos, ao corporativismo e àdemocracia do fim do século XX, foi um longo caminhono sentido da centralização e da unificação daeducação. Curricula, programas, métodos, disciplina,manuais, calendário, horários, sinais exteriores,símbolos, etiqueta, estética e rituais, nada escapou.

Todavia, os discursos que marcam as agendas políticas dossucessivos governos têm conferindo elevado protagonismo aos conceitosde descentralização e regionalização2. A promoção da descentralizaçãoeducativa e da desconcentração tem sido proclamada sucessivamente.No entanto, apenas se têm registrado movimentos políticos a favor dacentralização-desconcentração. No contexto educativo, estes movimentostêm sido acompanhados por discursos que enaltecem as virtualidades daautonomia das escolas portuguesas, sem, contudo, “devolver”-lhesqualquer tipo de autonomia.

Nesse sentido, o estabelecimento das relações entre as Escolas/Agrupamentos3 e o Ministério da Educação constitui um objecto de estudo

2 A este respeito, vale a pena citar Barreto (1984, p.202), quando afirma: “A regionalização e adescentralização estão na moda. Tal como a desburocratização e a reforma administrativa, nãohá texto que se lhes oponha, nem força que as combata. A Constituição; os programas de Governo;eleitorais e dos partidos; os discursos dos dirigentes; as leis e os comunicados oficiais; os planose as intenções; livros e relatórios: a descentralização é estudada, desejada e planificada. Masas realizações são adiadas, quando não lhes são contrárias. O que é certo é que os seusadversários, activos ou por inércia, não se exprimem abertamente. A opinião pública e colectivaparece ser receptiva à descentralização e a retórica dos responsáveis políticos, quando maisnão seja, na esperança de seduzir clientelas e eleitores, está atenta a esse facto”. Em Portugal,a Constituição de 1976 (revista em 1982) consagra, da maneira mais ampla de sempre, “osprincípios da regionalização e da descentralização, assim como de autonomia do poder local edas competências municipais. […] Todavia, são frequentes as disposições centralizadoras. […]Apesar das inspirações descentralizadoras da Constituição, as realidades têm revelado maisfortes tendências centralizadoras. Tal como, aliás, tinha acontecido durante a PrimeiraRepública, são nítidas as contradições entre os programas políticos do novo regime (governose partidos) e a prática legislativa e administrativa. Assim, por exemplo, as próprias normasconstitucionais sobre a regionalização e a descentralização nunca foram postas em prática noterritório continental, nem sequer parcialmente cumpridas” (BARRETO, 1984, p.198).3 Os Agrupamentos de Escolas foram desenvolvidos em Portugal a partir de 1998, com apublicação do Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de maio. O Agrupamento de Escola é entendidocomo “unidade organizacional, dotada de órgãos próprios de administração e gestão,constituída por estabelecimentos de educação pré-escolar e de um ou mais níveis e ciclos deensino, a partir de um projecto pedagógico comum” (artigo 5º do Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4de maio). É uma unidade organizacional composta por um conjunto de escolas, conservandocada estabelecimento a sua designação própria, mas pertencendo a um agrupamento deescolas com uma outra designação, que o identifica e cuja administração e gestão se encontramcentralizadas na escola-sede.

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cada vez mais pertinente, embora situado num contexto paradoxal,marcado por uma agenda centralizadora, mas aclamando,simultaneamente, a autonomia das escolas. Neste artigo, pretende-seanalisar essa relação a partir, sobretudo, das representações dos docentesde um Agrupamento de Escolas. Assim, o que procuramos centralizar noestudo apresentado é a análise de como os actores escolares, isto é, osprofessores, percepcionam essa relação e que lógicas presidem às acçõesdos professores no contexto organizacional escolar4.

O estudo da autonomia como instrumento potenciador de um maiorpoder político na organização escolar coloca novas pistas teóricas sobre opróprio conceito, sobretudo, quando o Decreto-Lei nº 115-A/98 se instituicomo “apologista” da autonomia “consagrada” (LIMA, 1998) ou “decretada”(BARROSO, 1997). Contudo, também não é indiferente que este Decretose encontre sob a alçada de uma administração centralizada, o que poderestringir e, no limite, anular a autonomia.

Na investigação empreendida, as relações entre o agrupamentoAlfa com o Ministério da Educação são as que se revelaram mais paradoxais.Integrado no âmbito da aplicação do “regime de autonomia” do Decreto-Lei nº 115-A/98, o Agrupamento Alfa tem vivenciado movimentoscontraditórios em relação à materialização do conceito de autonomia.

1. Breves dimensões conceptuais sobre a centralização, descentralizaçãoe autonomia

Situando o nosso estudo no âmbito da escola pública, tuteladapelo Estado, urge clarificar a dimensão conceptual da administração públicaportuguesa para podermos reflectir sobre o pendor centralista oudescentralista da administração do sistema de ensino. Para tal,começaremos por analisar o conceito de centralização e, posteriormente,o conceito de descentralização, procurando enquadrar o conceito deautonomia nessas opções administrativas.

A centralização ocorre quando “todas as decisões importantes sãotomadas no topo do sistema, isto é, nas chefias dos serviços centrais doMinistério da Educação” (FORMOSINHO, 1986, p.63). A centralização, à luz

4 As metodologias de investigação utilizadas incluíram: inquérito por questionário aos docentesdo Agrupamento, entrevistas aos docentes dos órgãos de administração, observação doquotidiano escolar e das reuniões do Conselho Pedagógico e Assembleia do Agrupamento,conversas informais e análise documental.

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duma óptica jurídica, assume duas formas no domínio da administraçãopública: a concentrada e a desconcentrada.

A administração centralizada concentrada corresponde à detençãode poder num só organismo. Nas palavras de Machado (1982, p.4), aadministração é concentrada quando

[...] os problemas que se lhe deparam só podem serdecididos pela autoridade que se situa no topo dahierarquia, limitando-se os serviços subordinados apreparar e informar os processos que vão a despachodessa autoridade e a transmitir e cumprir as ordensou decisões emanadas da mesma.

Desta forma, verifica-se a divisão entre o topo, a direcção confinadaao poder de decisão e a base, enquanto agente reprodutor/executor dasnormas emanadas do Ministério da Educação.

Por sua vez, na administração centralizada desconcentrada5, oprocesso de tomada de decisões é distribuído por órgãos intermédios einferiores, cujos chefes têm competências para decidir, “embora sujeitosà direcção e inspecção dos superiores, que podem modificar as decisõestomadas” (FORMOSINHO, 1986, p.63). Numa óptica jurídica, adesconcentração consiste na “‘delegação de poderes’, mediante adelegação nos órgãos estaduais periféricos (ou seja, nas direcções deserviços locais) de poderes para a decisão de certos problemasadministrativos que se lhes deparem”6 (MACHADO, 1982, p.4).

Embora na administração centralizada desconcentrada o poder dedecisão não tenha carácter definitivo, este tipo de administração tambémpode apresentar algumas potencialidades, nomeadamente, a rapidez,clareza das decisões, o descongestionamento dos serviços centrais

5 Segundo Formosinho (1986, p.64), a centralização desconcentrada pode originar de distintasfontes, nomeadamente:- originária “quando a própria lei dá competências aos chefes subalternos para tomar decisões”;- delegação de poderes “quando o superior delega certas competências no inferior [...] que podecessar a todo o tempo”;- fragmentada “se em cada distrito ou região os diversos departamentos centrais tiverem umadelegação que comunica directamente com eles”;- coordenada “quando existe a novel local um serviço que coordena e dirige as diversasdelegações”.6 A desconcentração pode, segundo Machado (1982, p.5), ser de duas formas: vertical, na qual,certos poderes de decisão são delegados pelo superior hierárquico nos seus subordinados, ehorizontal, nomeadamente em “nível governamental quando as diversas atribuições ecompetências da administração central são repartidas por vários departamentos ministeriais”.

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(FORMOSINHO, 1986). No entanto, a desconcentração também reforça ocontrolo central, na medida em que “uma rede desconcentrada multiplicaa presença do poder central em todos os locais, mantendo-se a cadeiahierárquica de comando e proporcionando-se a possibilidade de acção decontrolo indirecto” (p.64). Lima (1995) também considera que adesconcentração vem reiterar o controlo por parte do poder central,definindo-a como uma forma de centralizar “por controlo remoto”. Essametáfora surge na sequência das medidas desconcentradas pelo Ministérioda Educação, por meio da criação das Direcções Regionais de Educação(DRE’s) em 1987 e dos Centros de Área Educativa (CAE’s) com intervençãode âmbito municipal e intermunicipal em 1994.

A descentralização caracteriza-se, numa perspectiva jurídica, pela“‘devolução de poderes’ mediante a criação de pessoas colectivas dedireito público (institutos públicos ou autarquias institucionais a cadauma das quais comete o exercício de uma atribuição ou de um feixe deatribuições” (MACHADO, 1982, p.4). No que diz respeito ao sistemaeducativo, a descentralização rege-se pela existência de

[...] organizações e órgãos locais não dependenteshierarquicamente da administração central do Estado(não sujeitos, portanto, ao poder de direcção doEstado), autónomas administrativa e financeiramente,com competências próprias e representando osinteresses locais. (FORMOSINHO, 1986, p.64).

Nesse tipo de administração, destaca-se a autonomia dessasorganizações ou órgãos locais em relação ao Estado, as quais têmcompetências de decisão cuja revogação não é levada a cabo pelo Estado,mas pelo recurso ao tribunal.

O estudo das concepções e lógicas de autonomia pressupõe adesocultação do conceito. Do ponto de vista etimológico, autonomiaderiva do conceito francês autonomie, que significa “direito de se regerpelas próprias leis” (MACHADO, 1977, p.354). Essa definição vai aoencontro dos contributos de Weber (1983, p.108, grifo do autor) aoconsiderar que, numa perspectiva sociológica, uma organização/associação pode ser

[...] autónoma ou heterónoma; [...] Autonomia significa,ao contrário de heteronomia, que a ordem daassociação não é outorgada – imposta – por alguémfora da mesma e exterior a ela, mas pelos própriosmembros e nessa qualidade qualquer que seja aforma em que tal tenha lugar.

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A capacidade de os actores definirem a “ordem” numa organizaçãoe desta forma terem o

[...] poder de se autodeterminar, de auto-regular ospróprios interesses - ou o poder de se dar a próprianorma. [significa que em] sentido amplo, o entepúblico autónomo exerce o seu poder de autonomiamuito especialmente quando elabora os seus própriosestatutos e emana os seus regulamentos. (MACHADO,1982, p.8).

Essa ideia está também ligada à concepção de “auto-governo”(BARROSO, 1997) de uma determinada organização. Desta forma, entendera autonomia das escolas públicas básicas e secundárias correspondelinearmente à capacidade da organização escolar produzir as leis pelasquais se rege, a qual implica a transferência de competências dosdiferentes níveis de administração para os órgãos da organização escolar.Nesse sentido, entendemos, seguindo Barroso (2000, p.24), que a

[...] autonomia é sempre relativa e desenvolve-se noquadro de múltiplas dependências, de que sedestacam: a tutela dos diferentes serviços centrais eregionais do Ministério da Educação, as atribuições ecompetências das autarquias, os direitos dos cidadãos(em particular dos alunos e suas famílias); os saberes,competências e direitos profissionais dos professores.

Então, na perspectiva do autor, o conceito de autonomia encerraem si diferentes dimensões, entre elas, a dimensão “ética, social epolítica”, de forma a alargar o “campo de decisão” dos actoresorganizacionais, já que a redução da autonomia à existência de um“diploma legal” será negligenciar a dimensão social da capacidade deagência dos actores organizacionais.

2. Paradoxos da autonomia consagrada: entre os constrangimentosburocráticos e a resistência docente

A autonomia constitui o chavão do Decreto-Lei nº 115-A/98, sendodefinida neste documento legal como “o poder reconhecido à escola pelaadministração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico,pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro doseu projecto educativo e em função das competências que lhe estãoconsignados”. Este poder “reconhecido” (e não “devolvido”) à escola é

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auxiliado pela produção dos instrumentos de autonomia, nomeadamenteo projecto educativo, regulamento interno e plano anual de actividades.

Tendo em conta a investigação desenvolvida num Agrupamentode Escolas de Braga (SILVA, 2004), no inquérito aplicado aos professores,colocávamos a seguinte pergunta: “O Agrupamento aumentou o poderde decisão em matérias relevantes face ao Ministério da Educação?”, apartir da qual os inquiridos teriam de se posicionar em relação ao seu graude anuência. Assim, os dados obtidos foram expressos, conformeobservamos no gráfico seguinte, no sentido em que a maior parte dosdocentes (47,6%) discordava da afirmação, contra apenas 21,2% deprofessores que concordava.

GRÁFICO 1 – As Escolas do Agrupamento aumentaram o Poder deDecisão em Matérias Relevantes face ao Ministério de Educação.

De acordo com os dados obtidos, os discursos dos docentesrevelam alguma ambiguidade relativamente ao poder de decisão daescola. Por um lado, os professores consideram que há autonomia,sobretudo por a escola produzir os instrumentos de autonomia. Por outrolado, reconhecem que a construção da autonomia é boicotada pelos órgãosadministrativos do Ministério da Educação.

Observemos, então, alguns dos discursos dos professores relativosà relação entre o Agrupamento e Ministério da Educação:

Por um lado há autonomia, mas por outro não temosautonomia. Estou-me a lembrar de um exemplo emque estivemos no passado a trabalhar no nossoprojecto curricular de Agrupamento. Houve muitasreuniões e decisões analisadas, debatidas ereflectidas por todos, tomamos uma série de opçõesa nível da escola, depois saíram umas circulares em

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Junho e simplesmente não podemos fazer nada doque tínhamos pensado, foi tudo por água abaixo. Sintoe acho que quem trabalha sentiu-se completamentedefraudado com essas situações. Foi todo um projectoque foi trabalhado, pensado e que toda a escolaparticipou, foi ouvida, tomamos opções e depois nãopodemos pôr nada em prática [...]. Abandonamos umbocado o projecto porque o que tínhamos definidoanteriormente teve de ser alterado. Tínhamos pensadoque haveria dois professores para a área de projectoe afinal não, tínhamos um professor dentro da sala,com uma turma inteira, para as aulas de novastecnologias. Portanto, tudo o que tínhamos pensadofoi impossível de pôr em prática, houve uma série dequestões e directrizes superiores que surgiram àúltima da hora. Isto foi o que senti mais na pele.(Excerto da entrevista nº1).

Este discurso sublinha o débil poder de decisão das escolas, bemcomo o forte pendor legislativo sobre as escolas que impede as iniciativasdos docentes.

A mesma realidade “sofreu” o regulamento interno doAgrupamento. Após ter sido homologado pela Direcção Regional deEducação, surge o Decreto-Lei nº 30/2002, de 20 de dezembro, que defineum conjunto de alterações a introduzir no regulamento interno. Destaforma, o processo de implementação da autonomia das escolas, sobretudopor meio da constante reformulação e posterior aprovação por parte dosorganismos do Ministério da Educação, parece vincar um controlo àautonomia, como refere este actor:

O CAE toma um papel que se compreende comoestrutura intermédia, toma um papel boicotando umpouco a autonomia. Na alteração do regulamentointerno, penso que já se sofreu uma alteração e vaisofrer outra, como sabe. (Excerto da entrevista nº 3).

Outros actores identificam as relações entre Agrupamento eMinistério da Educação, sobretudo como “disfunções” burocráticas. Ademora, a lentidão das decisões a que a própria Lei obriga a que sejamtomadas pelos organismos do Ministério da Educação constitui tambémum factor disfuncional no próprio sistema, como observa o seguinteentrevistado:

Depois há situações que nós vemos realmente que aprópria CAE não sabe, mas também a própria DRENmuitas vezes mostra-se indecisa, demorada, demoramuito tempo a decidir. Aquele aluno por causa de umanota que foi contestada por causa de Educação Física.

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[...] Nessa altura falou-se [no Conselho Pedagógico,]duma situação que já está em trânsito do ano lectivoanterior, uma contestação de uma nota. Ainda nãoestava resolvida. Entretanto não sei mas também nãoé de admirar nos últimos tempos tem estado na ordemdo dia a celeridade da resolução de problemas. Istoagora não é excepção, não é. Mas sinto assim estasituação. (Excerto da entrevista nº3).

A impessoalidade e o carácter normativo, típicos da burocracia nodomínio dessas relações, também são registados por outro actor:

O Ministério da Educação não conhece as escolas quetem, esta é a primeira coisa porque não há duasescolas iguais e por isso é impossível o Ministérioconhecer... Mesmo agora, com os Agrupamentos, éimpossível conhecer como as coisas são. Portanto, apartir daí faz leis iguais para todos e depois as escolatêm que se adaptar. Há muitas situações em que eupreferi interpretar aquilo da maneira como entendiae decidir, entendia que uma pessoa razoável, não é?.Não ia entrar por caminhos de choque directamentecom o CAE, a DREN, os serviços centrais de uma maneirageral, mas dentro daquilo que era possível, eu semprelutei. Havia colegas que quando queriam uma coisaiam perguntar ao CAE e quanto mais se pergunta parao CAE pior é porque o CAE ou não sabe ou então nãopode sair estritamente daquilo que está escrito […].Eu, pessoalmente, sempre evitei obter informações eesclarecimentos. (Excerto da entrevista nº 8).

Todavia, e como se depreende deste discurso, nem sempre osprofessores agem de acordo com a própria Lei. Lima (1998) demonstrouclaramente essa posição, sobretudo quando propôs o conceito de“infidelidade normativa” no domínio organizacional. Segundo essa linha,podemos concluir que os docentes, por um lado, seguem uma lógicaburocrática, adoptando, num certo sentido, uma dependência em relaçãoà administração central, mediada pelas constantes “perguntas” dirigidasàs estruturas intermédias, procurando reproduzir as normas eprocedimentos estatais. Por outro lado, podem adoptar comportamentosmais congruentes com uma “autonomia clandestina” (BARROSO, 1997)que os actores organizacionais mobilizam para a produção de novas regrasorganizacionais.

A “prestação de contas” da escola ao Ministério da Educaçãoconstitui outro dos domínios dessa relação em análise. De acordo com osdados obtidos, o gráfico nº 2, abaixo, regista que actualmente, e após apublicação do Decreto-Lei nº 115-A/98, 45,9% dos professores concordamque o Ministério da Educação exige uma maior “prestação de contas” ao

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Agrupamento, o que poderá representar a denuncia de uma “autonomia”controlada, cujas margens de acção são ainda reduzidas.

GRÁFICO 2 – O Ministério de Educação exige agora uma maior“Prestação de Contas” às Escolas do Agrupamento.

Contudo, o aumento da “responsabilização” verificou-se tambémem relação à comunidade local, conforme nos mostra o gráfico nº 3, aseguir.

GRÁFICO 3 – O Agrupamento aumentou a Responsabilidadeperante a Comunidade Local

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Face a estes dados, podemos induzir que a escola aumentou a“prestação de contas” perante o Ministério da Educação, o que poderámanifestar a representação de que os docentes consideram que oMinistério da Educação centralizou ainda mais o seu poder, contrariandoa pretensão “descentralizadora”, ao mesmo tempo que a escoladescentraliza os parcos poderes em relação à comunidade, chamando-a aintervir e participar de uma forma mais activa e construtiva.

Nesse sentido, os professores concordam maioritariamente como aumento de responsabilidade, de forma quase consensual. De formadiferente, os professores dividem-se quando se coloca a questão de saberse os órgãos do Agrupamento aumentaram as competências com aimplementação do Decreto-Lei nº 115-A/98. Em relação a essa afirmação,os professores dividem-se entre o “concordo totalmente” e “concordo”,registrando um total de 41%, e o “discordo totalmente” e “discordo” com31,1%, conforme o gráfico nº4:

GRÁFICO 4 – Os Órgãos do Agrupamento têm mais Competênciasque anteriormente.

O aumento da responsabilidade do Agrupamento, que, na opiniãodos professores, aumentou entre a comunidade local, vem suscitaralgumas interrogações sobre a responsabilização de outros actores, quenão os professores, sobretudo na Assembleia do Agrupamento. Noentanto, os dados parecem também apontar para o facto de que essa

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responsabilidade cresceu, embora não seja unânime que as competênciasdos órgãos tenham aumentado.

Desta forma, parece-nos que, no que diz respeito às relações entredocentes e a administração central, os docentes sentem-se maiscontrolados e simultaneamente mais responsabilizados, contrariamenteao que se passa com a administração local.

Na linha que temos vindo a seguir, a autonomia do Agrupamentoem relação ao Ministério da Educação era, por um lado, esperada comouma das esperanças potenciadoras de maior politicidade no campo escolar,embora, por outro lado, poderia constituir factor de resistência, sobretudoquando essa autonomia se encontra, paradoxalmente, hiper-regulamentada por parte do Ministério da Educação.

O excesso de normativos a que a administração já habituou osprofessores não deixa de estar presente no processo de autonomia. A“autonomia” hiper-regulamentada pela administração central tambémfaz parte do quotidiano do Agrupamento observado. Daí os docentesentrevistados considerarem de forma unânime que o Decreto-Lei nº 115-A/98 não desenvolveu, do ponto de vista prático, mudanças significativasno quotidiano do Agrupamento, conforme esclarece este docente:

Não teve assim grande impacto, no meu ponto de vista.O impacto do aparecimento do 115 foi interessante!Nós acreditamos que íamos ter autonomia,acreditamos que a escola ia poder decidir mais por siprópria. Só que logo a seguir ao 115 apareceram nãosei quantas explicações ao 115, e a pontos do 115 emais leis, e logo começou a perceber-se que a ditaautonomia estava muito controlada, que ia haversempre muito controlo sobre aquilo que se poderiadecidir nas escolas. Mas inic ialmente pensou-se quevinha aí qualquer coisa de diferente, foi a primeiraideia que tivemos, uma expectativa assim maispositiva em relação as decisões. Agora não me estoua lembrar de nenhum caso concreto, mas sei que aseguir, quer em termos de decisões sobre os horários,decisões sobre a formação de turmas, ensinoespecial, tudo. Logo a seguir, veio tudo controlado,através decretos-lei que saíram e vieramcomplementar as ideias do 115. E depois havia tambémuma comissão de acompanhamento da autonomia nasescolas, quer dizer acompanhavam as decisões. Nofundo, quando não concordavam, lá vinha uma carta aexplicar que aquilo não estava de acordo com omodelo, etc. Foram mais expectativas, penso eu, do

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que propriamente conclusões práticas (Excerto daentrevista nº9).

A denúncia de uma “autonomia” altamente controlada constituium dos obstáculos ao processo de implementação da mesma, reforçandoo pendor burocrático através da formalização das normas e procedimentosa adoptar pelos professores. A legislação subsequente ao Decreto-Lei nº115-A/98 veio interferir nas dinâmicas que os docentes começavam aempreender. Um exemplo destes bloqueios, o qual observamos no anolectivo de investigação, refere-se ao processo de ordenamento da redeescolar, que vem redimensionar a constituição dos Agrupamentos deescolas.

Nessa linha, o expoente da regulamentação por parte doMinistério da Educação é atingido, sobretudo no final do ano lectivo,quando da publicação do Despacho Conjunto nº 13 313/2003, de 8 de julho,que vem redefinir e até reiterar o domínio da administração central faceàs escolas.

Este Despacho cessa os “mandatos dos titulares dos órgãos deadministração e gestão dos Agrupamentos horizontais, verticais ou deescolas dos 2.º e 3.º ciclos, do ensino básico que integrem os Agrupamentosa constituir, uma vez que são extintas as anteriores estruturas orgânicasno âmbito das quais foram eleitos” (Preâmbulo).

A publicação deste Despacho originou distintos focos deresistência entre os docentes do Agrupamento, que denunciam aexistência de um conflito manifesto entre Agrupamento e Ministério daEducação. Face a este Despacho, instalou-se na escola uma série demovimentos de resistência, de indignação em relação aos princípiosdemocráticos até então conquistados e colocados em causa pelo Ministérioda Educação, conforme registramos nas “notas de campo” e que, a títulode exemplo, relatamos seguidamente.

Numa reunião do Conselho Pedagógico, a presidente do ConselhoExecutivo afirmou que:

‘Temos que nos preparar para receber a escola do 1.ºciclo neste Agrupamento’, facto que tinha sidopreviamente ‘aconselhado’ na reunião do CAE, tal comoficou registado em acta, ‘que se inic iasse o processoda integração da escola do 1.º Ciclo’ [nome], pois podevir a qualquer momento a decisão oficial para o seuinício. (excerto da Acta nº 11).

Para além da inclusão de mais uma escola do 1.º ciclo noAgrupamento, as indicações fornecidas pelo Centro de Área Educativa de

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Braga caminhavam no sentido de, na sequência dessas alterações,dissolvesse-se o actual Conselho Executivo para dar lugar a uma ComissãoInstaladora que, como ironicamente referiu a presidente do ConselhoExecutivo, seria “para instalar os desinstalados” (Notas de campo do dia18 de Junho 2003, reunião do Conselho Pedagógico).

As reacções a essa medida revestiram a forma de uma resistênciamanifesta, declarada. Vários diálogos foram tecidos nessa reunião, naqual ainda a intranquilidade e o desagrado iam ganhando cada vez maisexpressão, como demonstra o seguinte desabafo da presidente doConselho Executivo, registado nas “notas de campo” na reunião doConselho Pedagógico, do dia 11 de Junho de 2003:

Temos de dar inicio a isto! Se me perguntarem o queeu queria agora era apresentar a minha demissão.Quando eu me propus, [à presidência] foi para darestabilidade à escola e chegar ao fim dos três anos eter de haver mais alguém em termos de presidência.O meu mandato vai ser interrompido... Parece umabrincadeira. [...] Vão ter de me exonerar.

A perplexidade, a “revolta” em relação ao Ministério da Educaçãoe a solidariedade para com a presidente do Conselho Executivo eram ossentimentos que iam sendo expressos pelos diferentes membros doConselho Pedagógico. Começaram, então, a delinear algumas propostaspara o processo de fusão entre o Agrupamento e a escola do 1º ciclo. Deacordo com as “notas de campo”, uma das propostas pretendia que o“actual Conselho Executivo fosse a futura Comissão Instaladora” à luz deduas argumentações: primeiro, porque foi eleita, respeitando-se ademocraticidade, e, segundo, uma vez eleito pelo Agrupamento, oConselho Executivo “tem a nossa confiança”. Essa proposta foi, contudo,refutada pela presidente do Conselho Executivo, afirmando que “nãopodemos privar a escola de estar representada”.

Outra proposta foi lançada por um elemento do 1.º ciclo, queafirmou, segundo as nossas “notas de campo”: “se a Assembleia é o órgãomáximo, deve decidir isto”; ao que o presidente da Assembleia responde:“não trabalho sem nada escrito. Será contraproducente”. No entanto,complementou a ideia afirmando que: “a Assembleia também devepropor, e se for igual à nossa, tudo bem; se for diferente, vão as duas”.

As propostas definidas pelo CAE não tinham aceitação. Conformeregistramos no “diário de campo”, um dos docentes referiu que “o CAEpara redimensionar o Agrupamento propôs eleições e a constituição deuma comissão instaladora. [...] Devíamos tomar uma atitude”. Os

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professores constatam e reconhecem que “não temos a nossaautonomia!”. O projecto de construção de autonomia saía defraudado:“Tudo está em causa e os documentos que elaboramos. [...] Todos osinstrumentos de autonomia perdem a validade a partir da inclusão deoutra escola. [...] Tudo se dissolve [...] e a Assembleia também” (Diário deCampo, 11.06.2003).

Destes discursos emergia, contudo, um compromisso entre duaslógicas distintas: a lógica de reprodução, manifestada, sobretudo, pelaconcepção do professor como funcionário público, que deve obedecer,mas, concomitantemente, uma concepção de professor assente nareflexão, na crítica, na transformação assente numa lógica de resistência,conforme comprovamos com os dados da observação, através de umdesabafo de um professor: “a nossa dignidade deve ser respeitada. Soufuncionário público, posso manifestar o meu desagrado, mas cumpro.[...] Mesmo com base legal, é preciso espernear. Nós aguentamos tudo,desenrascamo-nos”.

A oposição a essa medida era unânime entre os membros doConselho Pedagógico e do Conselho Executivo, no qual se questionava ahipótese de uma oposição mais activa, embora os actores considerassemque “legalmente não há possibilidade de cumprir prazos. Se queremosopôr, talvez não haja necessidade de fazer nada, porque ele [projecto deinclusão da escola para Setembro] é impossível” (Diário de Campo,11.06.2003).

Nessa reunião, questionou-se o próprio poder do Ministério deEducação, bem como a legalidade dessas medidas, conformecomprovamos pelos seguintes registros no “diário de campo”: “quemmanda, pode; há decisões que têm de ser tomadas”; “eu não conheço leique anule o presidente do Conselho Executivo”. Mas a resignação acabapor tomar conta, sobretudo na fase final deste ponto, constatando que“depois disto tudo... vem aí uma comissão instaladora para depois aindavir o gestor. Então, que venha já” (Diário de Campo, 11.06.2003).Finalmente, ficou decidido, conforme observamos e ficou registrado emacta, que:

O Conselho Pedagógico manifesta o seu desagradopela forma como se pretende fazer a integração daescola do 1.º ciclo de [nome]. Este órgão não discordada integração da citada escola, mas, face ao exposto,pretende que a mesma se faça com tempo, de modo apermitir uma reorganização do Agrupamento de formacuidada. Um documento com este teor irá ser enviadoao CAE, dando conhecimento da posição tomada por

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este Conselho Pedagógico. (Excerto da acta nº 11 doConselho Pedagógico).

Decorrentes da aplicação do Despacho, os órgãos de administraçãodo Agrupamento vão ser alvo das mudanças previstas. Os órgãos quesofrem essas mudanças são, sobretudo, o Conselho Executivo e aAssembleia do Agrupamento. Em relação a essas alterações, uma dasprofessoras entrevistadas afirma:

Deixa de existir Conselho Executivo, a Assembleia deEscola foi dissolvida. Depois o Conselho Executivo teriaque arranjar uma situação para que alguém fossenomeado para avançar para a comissão executivainstaladora. A nossa posição, das quatro, foi que nósnão avançaríamos para a comissão executivainstaladora. A Assembleia de Escola foi extinta,dissolvida [...]. (Excerto da entrevista nº4).

A dissolução destes dois órgãos vem lançar a instabilidade noAgrupamento conforme observamos. Das conversas informais quemantivemos com alguns professores, nesta altura surgiam váriasexclamações de desilusão, apontando para o défice democrático. Porexemplo, um docente afirmou que “o projecto democrático mata-se a sipróprio!” (Diário de Campo, 10.07.2003).

Os professores, de acordo com os dados observados, parecemconsiderar que o projecto de construção da autonomia se encontravafiliado em pressupostos democráticos, no qual tendiam a associar obinómio democracia /autonomia. Contudo, na prática, o sentimento quedetectamos, no final do ano lectivo, era totalmente inverso:

Não consigo encontrar uma lógica na própria situaçãodo Ministério da Educação. Fazer esta alteração daeleição feita democraticamente por um conjunto deprofessores porque este ano já nós apresentamos umalista [...], a lista foi a votação, fomos eleitosdemocraticamente e não consegui compreender comoé que um despacho vem anular uma eleição por umprocesso democrático. Penso que isto pode ocorrernoutras situações. Estou muito espantada com aatitude dos sindicatos, que não fizeram grandealarido, [...] porque não é o Conselho Executivo nem acomissão executiva que vão definir nada, o que vaidefinir é todo aquele trabalho, os documentos, osprojectos pedagógicos, regulamento interno, etc.Seriam dois anos de preparação, respeitar-se-ia asituação de uma eleição democrática, se temos que

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assumir, assumimos. [...].Uma das coisas que eu disse,e disse-o perante toda a gente, eu não faria nuncaparte de uma comissão executiva instaladoranomeada pelo Ministério da Educação porque nãoaceito que ficássemos numa comissão executivainstaladora com os quatro elementos e eu disse quenão, e se o CAE me nomeasse eu, pura e simplesmente,metia atestado [...]. (Excerto da entrevista nº4).

No Conselho Pedagógico também se verificou a existência decomportamentos de resistência face a essa medida do Ministério daEducação. Na penúltima reunião deste Conselho, em Julho de 2003, foiapresentada, por parte de um professor pertencente a este Conselho,uma proposta de demissão geral dos elementos do órgão como forma deoposição activa. No âmbito da justificação apresentada pelo professor,estava presente a solidariedade para com os outros órgãos. A proposta foia votação, mas não teve a aceitação por parte dos restantes elementos.Este resultado é assim justificado por uma das professoras presentes doseguinte modo:

[...] o Conselho Pedagógico tomou a posição, no início.[...] Portanto, houve uma proposta do professor [nome]para que o próprio Conselho Pedagógico se demitisse,só que a proposta chumbou porque as pessoasachavam que tinham sido eleitas pelos colegas e quea extinção do Conselho Pedagógico não ir ia dar emnada, antes pelo contrário, ir ia erradicar o trabalhoda comissão executiva instaladora que entrasse.Achavam que a proposta podia ser entregue ao CAE, àDREN, mas numa situação não de demissão, mas dedizer que estavam contra todo o processo. (Excerto daentrevista nº4).

Apesar da proposta não ter vingado, este facto não impediu queeste membro se demitisse do cargo que estava a ocupar. Apesar dediferentes pedidos, por parte dos colegas, a decisão deste professor nãose alterou. Tendo em conta essa situação, uma das professoras presentesfez as seguintes considerações:

Penso que em relação a isto, os professoresacomodaram-se porque [...] Pesou um pouco asreduções, a carga horária, a diminuição da cargahorária. Eu penso que foi um bocadinho mais umaspecto pessoal. Entristeceu-me um bocado. Acho queo facto dessa proposta ser chumbada... Acho que foimais por questões pessoais porque havia uma

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solução, que era uma tomada de posição em relaçãoàs pessoas que tinham sido eleitas e todas foramconsultar o seu departamento, não percebo porquê?Porque é que todos consultaram os departamentos?Acho que aquilo é uma posição pessoal de cada um.Aí, à partida fiquei muito admirada quando comecei aouvir: ‘eu consultei o meu departamento e eles achamque não’ [...] Mas entristece-me um bocado porque euacho que nestas coisas, eu sempre tenho, às vezes, atal autonomia... [Na nossa relação com os] superioreshierárquicos sabíamos que basicamente nãoadiantava muito, ir ia atrasar o processo porquehaveria eleições, [mas] havia uma tomada de posição,uma sugestão minha [foi] de que nós, o ConselhoExecutivo, deveríamo-nos demitir. Só que também mefoi dito que em relação a isso não valia a pena porqueeles aceitavam ou não aceitavam a demissão, nóséramos Conselho Executivo. (Excerto da entrevista nº4).

Neste discurso, é reforçada a ideia da resistência, de uma oposiçãomanifesta, do desejo de uma “tomada de posição” por parte dosprofessores. Contudo, essa resistência é atenuada, resultando numaresignação dos professores em relação ao poder instituído (do Ministérioda Educação). A constatação de que a resistência “não valia a pena” vemacentuar o peso da lógica burocrática, embora o posicionamento de algunsprofessores revele simultaneamente um compromisso entre essa lógicae a lógica de resistência. Por outras palavras, manifesta-se, por um lado, apossibilidade de mudança, de transformação, de “resistência” (GIROUX,1986) e, por outro lado, a resignação, a “reprodução”, a aceitação simbólicae material das normas ministeriais.

Outro exemplo dos paradoxos da autonomia consagrada éfornecido pela reestruturação do Regulamento Interno. Este documentoé definido como um dos instrumentos de autonomia. De acordo com oDecreto-Lei nº 115-A/98, o Regulamento Interno é

o documento que define o regime de funcionamentoda escola, de cada um dos seus órgãos deadministração e gestão, das estruturas de orientaçãoe dos serviços de apoio educativo, bem como osdireitos e os deveres dos membros da comunidadeescolar. (Artigo 3.º -2b).

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Como se deduz da definição apresentada e dada a sua abrangência,este documento acaba por ser sempre sujeito a reformulações, consoantea mudança também das Leis.

Um episódio dessa reformulação advém da imposição legal doDecreto-Lei nº 30/2002, de 20 de dezembro. A partir deste Decreto-Lei,que vem regulamentar o “novo” estatuto do aluno, os RegulamentosInternos têm de ser revistos e posteriormente homologados pelos órgãosdesconcentrados do Ministério da Educação.

A revisão do Regulamento Interno no Agrupamento foi levada acabo através de uma equipa proposta pelo Conselho Executivo e aprovadano Conselho Pedagógico e posteriormente pela Assembleia doAgrupamento.

Essa equipa era constituída por diferentes protagonistas dacomunidade educativa do Agrupamento, de modo a cumprir os princípiosda participação e representatividade, conforme apresentamos no seguintequadro:

QUADRO 1 – Composição da Equipa de Reestruturação doRegulamento Interno.

É este grupo de trabalho, composto por 13 representantes, quevai imprimir uma nova dinâmica para a alteração do Regulamento Interno.

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O trabalho desenvolvido foi realizado através de distintas sessões,conforme nos esclarece a docente que coordenou esta equipa:

O trabalho foi orientado da seguinte forma: dividimosos itens em varias sessões, de cada sessão saía umrelatório, 48 horas antes das sessões eram expostasna sala dos professores os vários itens e quemquisesse apresentar as sugestões para seremdebatidas durante o grupo (que deveriam entregar aoConselho Executivo). Não surgiu nenhuma. Nuncaninguém apresentou nada e não fazia sentido nóstrabalharmos cada item e depois expor e depois alterarconsoante as diferentes opiniões das pessoas. Foium trabalho muito demorado... isto foi desde abrilaté 23 de Junho com reuniões quinzenais de cinco-seis horas. Depois desses relatórios foi feita umacompilação final que daria a nova versão doregulamento interno. (Excerto da entrevista nº7).

Numa reunião do Conselho Pedagógico, a proposta deRegulamento Interno é analisada. Nesta ordem, são explicitadas algumasdimensões relacionadas com o trabalho desenvolvido pela equipa, bemcomo são debatidos alguns dos itens propostos, conforme observamos erelatou a líder deste grupo de trabalho:

Foi feito em horário pós-laboral, depois dosprofessores terminarem as suas aulas, principalmenteà noite por causa dos representantes dos pais.Ninguém participou, ninguém deu uma sugestão, otrabalho foi muito exaustivo, até devido ao teor doDecreto-Lei 30, foram focados aspectos muitomelindrosos em relação à conduta, aos valores, aoscomportamentos meritórios, aos tipos de“penalizações” em relação ao regime disciplinar, todasessas questões são muito subjectivas. E por vezes umcomportamento dito não normal numa criança poderáter atenuantes e outras vezes poderá não teratenuantes, e muitas vezes entramos numa situaçãoem que temos que ter critérios, de maneira que foibastante melindroso e cansativo este trabalho. Depoislevamos ao Pedagógico, foram vistas algumasquestões e depois apareceu a alteração aoAgrupamento. (Excerto da entrevista nº7).

No entanto, ainda a proposta da alteração do Regulamento Internonão tinha sido analisada globalmente pelo Conselho Pedagógico, quando

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a administração central e os órgãos desconcentrados do Ministério daEducação vêm anular todo este trabalho, tal como nos explicou a docente:

Fomos um bocado surpreendidos porque perguntamoscomo queriam que nós enviássemos as alterações equando fizemos essa pergunta disseram-nos no CAEque não as fizéssemos porque o regulamento internoia sofrer todas as outras alterações porque estavam apensar incluir a Escola [nome] no nosso Agrupamento.Portanto, todo o regulamento interno ia ser alterado.Todo o trabalho parou aí e nem aprovado foi. (Excertoda entrevista nº 7).

O pendor burocrático constitui um dos entraves para a construçãoda autonomia política das escolas7. A integração de mais uma escola do1.º Ciclo no Agrupamento em estudo veio repensar e contrariar o “espíritode autonomia” (Notas de campo: reunião do Conselho Pedagógico, 11 dejunho de 2003), tal como afirmou um docente nessa reunião, bem como aausência de auscultação entre as partes envolvidas, conforme afirmouum docente na mesma reunião: “não somos ouvidos sobre esta matéria”.A nostalgia evidenciada no discurso da entrevistada vem sublinhar atendência do predomínio da lógica de reprodução sobre o processo deimplementação da autonomia das escolas.

Desta forma, a prevalência desta lógica vem questionar o domínioda própria autonomia, anulando-a e colocando o Agrupamento numaposição de total heteronomia em relação ao Ministério da Educação. Oexemplo que observamos vem corroborar esta tendência, pois, após mesesde trabalho desenvolvido por diferentes intervenientes, a proposta dealteração do regulamento interno, por mais paradoxal, “nem chegou a servisto, nem chegou a ir à Assembleia” (Excerto da entrevista nº7).

ConclusãoNeste trabalho, podemos constatar que o processo de

implementação do “regime de autonomia”, proporcionado pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, encontra-se mergulhado num centralismo administrativoque bloqueia e inibe as iniciativas docentes. As argumentações queprevaleceram nas relações Agrupamento-Ministério da Educação resultam

7 Outros estudos realizados sobre o processo de elaboração do regulamento interno têmevidenciado o “desgaste (e a desmotivação) que a elaboração do primeiro Regulamento Internoprovocou nos membros [...] e os conflitos (segundo alguns, intromissões) que o processo dehomologação provocou por parte das direcções regionais” (BARROSO, 2001, p.18). Além disso,os autores também chamaram a atenção para a “‘enormidade’ da dimensão de algunsexemplares e a obsessão regulamentadora que por vezes está presente” (p.18).

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de um compromisso entre a lógica de reprodução estatal alternando, porvezes, com movimentos assentes em actos de resistência. No entanto,embora o Decreto-Lei no plano retórico centralize o conceito deautonomia - o que à partida nos indicia uma tentativa de mudança daadministração do sistema educativo para um pendor mais congruentecom a descentralização -, na prática, o mesmo não teve impacto. Lima(2000, p.71), tendo em conta os pressupostos e a implementação desteDecreto-Lei, argumenta que “em todo o caso, parece relativamente descrerna possibilidade de uma mudança profunda e global da administração daeducação, isto é, na vontade política do governo para descentralizar e vira reconhecer efectiva autonomia às escolas”. A ausência de um plano dedescentralização administrativa do sistema educativo, crucial para odesenvolvimento da autonomia das escolas, é susceptível de diferentesinterpretações. Seguindo a linha de Estêvão (1999, p.148), consideramosque

não obstante o decreto convocar o princípio dadescentralização, o que, à partida, pode garantir ainclinação para o primeiro bloco de valores[democratização, igualdade de oportunidades eequidade], há que saber se esta mesmadescentralização, sobretudo num contexto de escassezde recursos, não se transformará numa técnica degestão (em que a responsabilidade pela captação dosrecursos recai sobretudo sobre a sociedade civil), comefeitos c laros ao nível da tão apregoada ‘qualidadeeducativa’ e de versões mais radicais de justiça.

Assim sendo, concluímos que apesar da proliferação do conceitode autonomia em diferentes normativos, na prática, os docentesencontram-se ainda sobre o forte pendor centralista e burocrático daadministração central. À luz desta consideração, a materialização daautonomia na organização Agrupamento tem ainda um longo caminho apercorrer. A implementação do Decreto-Lei nº 115-A/98 não passa de umaautonomia “retórica”, em que a emancipação e a cidadania ainda não seconcretizam plenamente, adiando o projecto de construção de uma escolaverdadeiramente democrática, que reclama pela sua efectivação atravésda mudança. Com efeito, o ideal da autonomia poderá ficar comprometido,como um chavão sem tempo e sem lugar.

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Recebido em: 18/06/09

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EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Mário Antônio da Silva1

RESUMO: O presente artigo pretende elaborar uma reflexão crítica emtorno da questão educacional contemporânea. A crítica denuncia ainstrumentalização da educação pela ordem política e econômica domundo globalizado, reduzindo o homem a simples mão-de-obra alienadae barata. O texto acentua que o acesso a conhecimentos e habilidadesconstitui parte do processo de formação humana, mas não deve serconfundido com a totalidade do processo. Em seu aspecto proposicional,o texto defende que só podemos falar de educação se a tarefa educativafor pensada em termos de formação humana.PALAVRAS-CHAVE: educação, razão instrumental, emancipação.

ABSTRACT: The present article intends to elaborate a critical reflexionaround the contemporany educational matter. The critic denounces theinstrumentalization of the education by the political and economical orderof the globalizated world, decreasing the man to a simple alienated andcheap labor hand. The text points out that the access to know ledge andskills are parts of the human formation process but it must not be massedwith the totality in its proposal aspect. The text stated that we con onlytalk about education if the educational task is thought in human formationterms.KEYWORDS: education, instrumental reason, emancipation.

IntroduçãoInicialmente precisamos admitir que estamos diante de uma crise

educacional. Nessa crise, o que importa é que cada educador realize umareflexão sobre sua prática educativa; que cada educando reflita sobre aeducação recebida; que cada membro da sociedade reflita sobre aeducação produzida. Pensar a educação não significa apresentar“verdades” sobre problemas educacionais. De teorias, metodologias edidática que se proclamam como salvadoras e verdadeiras, a doxografiaeducacional atual está repleta. Trata-se, ao contrário, de pensar a educação

1 Mestre em Filosofia Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas-PUCCAMP.Professor de História e de Filosofia na Rede Pública Estadual de Alto Araguaia/MT. E-mail:[email protected]

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tendo como objetivo principal a formação, não como novos modismosque nos paralisam.

A educação, enquanto campo dos saberes, não pode ser concebidacomo uma arena de opiniões. Um campo que poderia primar pelamultiplicidade, já que é perpassado pela filosofia, pelas diversas ciências,pela arte, tem sido loteado por modismos que se proclamam como aúnica verdade. Metodólogos, sociólogos, filósofos, psicólogos, cientistas,além dos chamados “especialistas em educação”, estão imersos emmodismos, à procura de novidades, que, na maioria das vezes, nãogarantem a aprendizagem, nem se desenvolvem sob o prisma daformação. É preciso questionar essas propostas que imaginam podercomeçar tudo de novo, como se um novo método implicasse uma educaçãode qualidade.

Investimentos financeiros e panacéias não irão resolver osproblemas educacionais. Isso porque as escolas e as universidades têmum conjunto de tarefas importantíssimas, complexas e desafiadoras, comoa formação ética, a cidadania, os valores da justiça, da tolerância, dopluralismo, da democracia e da paz. A solução desses desafios dependemuito mais de uma disposição de espírito do que de dinheiro ou dequalquer fórmula mágica. Somente conseguiremos trabalhar esses valoresse os mesmos forem vivenciados no dia-a-dia da instituição escolar e foradela. Esses valores são tão ou mais importantes do que o ensino dashabilidades básicas como aprender a ler, escrever e calcular. A educação,neste terceiro milênio, necessita estimular a reflexão e a imaginação dosestudantes a respeito de que mundo eles gostariam de viver, quesociedade desejariam construir e sobre que tipo de pessoas gostariam deser.

O terceiro milênio e a educaçãoEm nossa época, o conhecimento aumenta cada vez mais. Por meio

da ciência e da técnica, o homem não tem mais limites para conquistar oespaço e controlar o tempo. Mas, por outro lado, esses avanços científicostrouxeram inúmeros problemas ecológicos e crises existenciais,decorrentes do cientificismo e da fragmentação do saber. Nesse sentido,pensar o processo do conhecimento de forma integrada torna-se umaexigência cada vez mais urgente. Ao refletir sobre o projeto interdisciplinarde Georges Gusdorf, o professor Flávio B. Siebneichlr destaca “a sua atitudedecidida em prol de uma racionalidade traçada em dimensões mais amplasdo que as da matemática, englobando não somente o rigor e a exatidão

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científica, mas também as significações do mundo vivido, que superam oâmbito do fraccionável e do mensurável” (SIEBENEICHLR, 1989, p.160).

No início deste século, devemos colocar a fundamental e essencialpergunta: como viverá o ser humano neste novo milênio? E nesse “comoviver” é que as instituições educacionais devem se concentrar os esforçossobre o seu papel da educação e sua contribuição na formação do homeme na construção de uma sociedade mais justa. Para responder a essesdesafios, a educação precisa estar articulada com as questões concretasdo universo epistemológico, ético-político, estético e subjetivo. Nãopodemos pensar a educação de forma abstrata ou reducionista, poisprecisamos de novos horizontes e de muita reflexão para percebermos oparadigma em que estamos engajados, no qual se fundamenta nossainterpretação de mundo e nossas ações. A escola precisa pautar-se numaprática crítico-reflexiva e, enquanto educadores, é preciso compreenderque a ação educativa supõe uma visão de mundo, uma representação dotempo, uma concepção de história e, portanto, uma antropologia e umaaxiologia que, de forma implícita ou explícita, não deixam de existir e deatuar.

O desafio que se coloca aos educadores neste terceiro milênio é ode desmascarar as ideologias que estão subjacentes à educação de nossotempo, principalmente daqueles projetos educacionais que possuem apretensão de reduzir as questões referentes ao homem e à realidade aum discurso científico, instrumentalizando as pessoas em função domercado de trabalho. Para superar essa situação, emerge a necessidadede se construir um projeto educacional que transcenda os limitesdisciplinares e conceituais do conhecimento, a fim de que a escolacontribua na formação de pessoas reflexivas e críticas, capazes de convivercom a incerteza e seus mistérios, uma educação capaz de ajudar as pessoasa dar um sentido ao caos e à complexidade do mundo contemporâneo.

Realizar uma reflexão rigorosa sobre a educação, partindo daprópria ação pedagógica, torna-se uma necessidade inadiável. Refletirnão somente a partir dos resultados já atingidos, mas que leve em contao que ainda não é e se pretende alcançar. De nada adianta os técnicos e os“teóricos” da educação formularem novos métodos e novas técnicas deensino, sem integrar esse esforço num projeto mais amplo detransformação da sociedade e na formação do educando. E aquilembramos das sábias observações do filósofo Paul Ricoeur, para o qual“a teoria pedagógica não é nada sem uma ética” (1986, p. 152). O quesignifica que a educação propriamente dita depende das atitudes e das

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virtudes das pessoas envolvidas no processo educativo, não podendo serobtida simplesmente pela aplicação de novas técnicas.

Se o trabalho escolar não estiver pautado num projetotransformador2 das relações sociais, nas virtudes e na ética, a açãoeducativa se reduzirá a uma simples instrução, não podendo ser jamaisuma educação formadora. A prática educativa necessita constituir-se numdiálogo entre os sujeitos, numa articulação entre pensamento e ação, naformação de indivíduos responsáveis e à altura dos problemas e dosdesafios do mundo em que vivemos. A escola, de acordo com o filósofoitaliano Gianni Vattimo, deve contribuir na “formação do cidadão domundo, quer dizer, pessoas abertas à pluralidade de paradigmas, dehorizontes culturais” (1981, p.79). Uma das funções mais importantes daescola é a de formar pessoas capazes de restabelecer a intercomunhãoentre as diversas manifestações da vida.

Educação e razão instrumentalA prática pedagógica não é neutra. Ao contrário, ela é permeada

pelos valores da sociedade que, ao transmiti-los, influencia os indivíduos.A pretensão de adaptar os indivíduos de acordo com um ideal de homeme de sociedade perdura até hoje. Por isso, para compreendermos aeducação contemporânea, torna-se necessário, mesmo que de formabreve, retroceder até a Antiguidade grega.

A educação é um fazer-se no tempo. Cada época possui, além deuma imagem de homem e de sociedade, uma imagem de educação a qualse propõe. A palavra educar (do latim educare) é uma tradução do gregopaidagogia, que possui o significado de educação integral da pessoa: física,intelectual, estética e moral. Na tradição ocidental, a educação foiconcebida como paidéia (para os gregos antigos), ou seja, como construçãode si enquanto sujeito ético. O objetivo da educação é formar em vez deinformar; de um exercício de formação de si, da paidéia que ensina a viverem harmonia com a razão. Não se trata da mera transmissão deconhecimentos teóricos, mas como Werner Jaeger afirma, de “pôr todosesses conhecimentos como forças formadoras a serviço da educação e deformar verdadeiros homens como o oleiro molda o barro e o escultorforma a pedra” (1995, p.12).

Para os gregos, a ação educativa foi pensada enquanto paidéia evisava a modelar o homem de acordo com a imagem de homem universal.

2 O papel transformador da educação entendemos como um trabalho de formar pessoas críticas,éticas, tolerantes e solidárias, capazes de agir no cotidiano em que vivem. Não concordamosque a educação se reduza a um instrumento a serviço de ideologias totalizantes e totalitárias,como, por exemplo, o marxismo e outros “ismos”.

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Nesse processo, que vai do homem real ao homem ideal, a educação estáa serviço da sociedade, não do homem individual. De acordo com WernerJaeger, para a época clássica grega, “a descoberta do homem não é a do eusubjetivo, mas a consciência gradual das leis gerais que determinam aessência humana” (1995, p.14).

Encontramos em Platão o apelo a um processo não técnico, masformativo da educação. Para ele, a verdadeira educação deve ter em vistaa formação integral do caráter, não o aprendizado de uma habilidade. Aotratar da educação, Platão afirma:

Falo da educação das crianças na virtude, que despertana criança o desejo e o amor de se tornar um cidadãoperfeito e saber comandar com justiça e obedecer àjustiça. Somente esta é a educação, enquanto a outra,que visa ao dinheiro ou à força física, ou a qualqueroutra habilidade sem intelecto e justiça, é coisa vulgare servil e absolutamente indigna de ser chamada deeducação. (1980, p. 643-644ª).

A pedagogia dominante, na Antiguidade e na Idade Média, quevai de Platão aos neotomistas, é denominada de pedagogia da essência.Essa pedagogia antepõe a qualquer ação pedagógica um transcendente apriori. A educação grega, enquanto paidéia, é concebida como educaçãoformadora, desenvolvendo-se pelo prisma da formação do indivíduo e docidadão. Ela não é uma ciência na ordem da epistéme. Diferente dossofistas, que pretendem despejar a ciência na alma, a paidéia platônicanão consiste em acumular conhecimentos e informações, mas naapreensão intuitiva do Bem ao término de um procedimento dialético.Para Lebrun, “essa educação é um aprendizado de descentramento aotermo do qual o discípulo não terá aumentado seu domínio deconhecimentos, mas saberá orientar-se diferentemente no pensamento”(1988, p.28).

No diálogo Menon, de Platão, Sócrates desenvolve o métododialético com um jovem escravo estrangeiro e ágrafo, para que eleencontre, por seu próprio esforço, a essência das coisas e a contemplaçãoda verdade. Educar possui o significado de criar condições para que oeducando seja capaz de encontrar por si mesmo as respostas para suasperguntas e seus questionamentos. Para Sócrates, o ato de filosofar, quedeve permear a atitude educativa, é inseparável do ato de viver. O filosofartem como objetivo a conscientização de que nada sabemos. O princípio

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da sabedoria é o reconhecimento da própria ignorância. De acordo comLebrun:

A ignorância da qual (Sócrates) faz com que nosenvergonhemos é uma ignorância muito específica.Uma ignorância que não é analfabetismo, falta deconhecimentos, mas cegueira acrescida de estupidez.Essa ignorância não se traduz na palavra grega agnóia,mas sim na amathia: nada saber e crer que sabe (1988,p.29).

A partir do século XVII, temos a imagem-ideal da época moderna,que pretende se emancipar do passado. O processo educativofundamenta-se na razão, entendida como princípio supremo diante darealidade. No campo do conhecimento, o progresso é concebido comoilimitado, sob a condição de emancipar o homem de todas as superstiçõese de todos os entraves que lhe são impostos. A educação passa a sedesenvolver não mais como paidéia, mas como aventura da própria razão.De acordo com a filósofa Marilena Chauí, aos poucos foi sendo construída“a idéia da educação como autonomia da razão que se fez autonomia dohomem contra a Natureza e, depois, contra si mesmo” (1997, p.5). A razãofoi assumindo a pretensão de reduzir o discurso sobre o mundo e sobre ohomem a um discurso científico. O mito, a religião, a filosofia, a poesia, osonho, a magia passaram a ser concebidos como obstáculos aoconhecimento considerado verdadeiro.

Para o projeto logocêntrico da ciência moderna, que se instituiucomo o único projeto merecedor de confiança, o pensamento mítico,religioso, filosófico, artístico passou a ser visto como mistificação, comosinônimo de ignorância e, na melhor das hipóteses, de pensamentoingênuo. A partir do Renascimento, a análise das ciências repousa numarepresentação matematizada e abstrata da natureza. A razão, na sua versãode racionalidade técnica, aparece com a função de pré-ordenação dofuturo das pessoas. O modelo das ciências naturais erigiu-se como único,negando o valor das ciências humanas.

A partir do desenvolvimento do capitalismo, uma outra imagem-ideal de homem e de sociedade se impõe. Sob a determinação capitalista,todas as esferas da vida humana e da sociedade não passam de idealizaçõesdo capital, fundamentadas na divisão do trabalho, na produção demercadorias e no lucro. A educação passa a ser apropriada pelo capital,concebida como mercadoria, num processo que embrutece e debilita ao

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mesmo tempo o corpo e o espírito. Ao analisar a situação da escola,Thomas Ranson Giles declara que:

Sob o capitalismo, a escola representa apenas umaentre tantas outras armas poderosas de mistificaçãoe de conservação da situação existente. Dá aoeducando uma educação que o torna leal e resignadodiante do sistema e o impede de descobrir as suascondições internas. É um molde que prepara para asfábricas e para os escritórios, um instituto de treinopara a prisão assalariada (1987, p.97).

Ao ser absorvida pelo sistema capitalista, a educação passou a serconcebida como instrumento de desenvolvimento econômico, e nãocomo um processo formativo. A educação perdeu o vínculo com os valorese com as dimensões mais profundas da existência. Na escola, o alunofrequenta uma superposição de séries, e não um curso que articula aprodução de conhecimentos com a construção de valores integrativos. Deacordo com o professor Benedito Nunes, “as paidéias ocidentais subjazemno vazio ético das sociedades de consumo; entre a anomia permissiva e oconformismo hedonístico do indivíduo moderno” (1993, p.177). Nasociedade em que vivemos, a escola esvaziou-se de seu papel educativo,enquanto agente formador do ethos3.

A prática pedagógica abandonou a reflexão axiológica e limitou-se a uma racionalidade instrumental, que só conhece a linguagemeconômica da produtividade. As instituições educativas, na maioria doscasos, respondem apenas pela função de preparar os alunos para omercado de trabalho, para passar nos concursos, comprometendo, assim,qualquer pretensão formadora, perpetuando uma ordem social alicerçadano cálculo e no rendimento. Limitada aos propósitos econômicos, aeducação contribui para a regressão humana, pois alunos são reduzidos anúmeros, a dados estatísticos. Com isso, o processo educativo atinge osupremo estágio de mercantilização, levando à perda da própria ideia dehomem.

Entretanto, não podemos condenar as qualificações profissionaisde forma absoluta. Ao contrário, apenas queremos enfatizar que o trabalhoprecisa se desenvolver a partir de uma finalidade consciente. Se aceitarmosa denominação de Aristóteles de que “o homem é um animal político”, o

3 A palavra ethos aparece, pela primeira vez, em Homero, na Ilíada, e significa morada, habitat,não no sentido geográfico, mas se refere principalmente à maneira, à forma de habitar. “Physise ethos, natureza e o “ético”, participam da não-separação originária do cosmos animal, humanoe divino - pois a “natureza” grega manifesta-se como potência autônoma que possui, comunicae organiza a vida” (MATOS, 2006, p.89).

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que equivale a dizer um ser social, então, o ensino (tecne) e a educação(pedagogiam) precisam ser pensados de forma integrada. Concebidocomo um ser integral, a formação da personalidade e do caráter devefazer parte da formação profissional, pois nenhuma profissão sedesenvolve à parte da sociedade.

A educação deve contemplar, ao mesmo tempo, a formaçãohumana e profissional, uma vez que o trabalho é uma condiçãofundamental de nossa existência social. Quando a qualificação não vieracompanhada de uma formação, o trabalho se converte em adestramento,numa tarefa mecânica e alienante, e o trabalhador se reduz a um autômato.Ao se pensar na dialética entre saber e fazer, é iluminador o conceito dephrônesis4, no qual Aristóteles articula teoria e prática, a partir de umaética que realiza as melhores escolhas no âmbito político e social.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 não contrapõe formaçãohumana e qualificação profissional. No artigo 205, a Carta Magna define:“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, serápromovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando aopleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício dacidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Educação e emancipação humanaComo afirmamos anteriormente, a cultura ocidental,

principalmente a partir do século XVII, valorizou excessivamente aracionalidade científica, o aspecto racional da educação, em detrimentodo pensamento crítico e da sensibilidade. A educação da sensibilidade foiesquecida ou deixada em último plano na formação do homem, reduzidoa executor de tarefas exigidas pela sociedade industrial a quepertencemos. A escola passou a produzir uma gama enorme deinformações e de conhecimentos técnicos, mas empobreceu a vida interiordos educandos.

A tendência dessa educação técnica-profissional é a de aguçarnosso egoísmo, aumentar nossa ambição de consumo, despertar nossasenergias narcísicas, tornando-nos mais competitivos e menos solidários,indiferentes à miséria e ao drama dos que sofrem as injustiças. Moldaresse estranho ser que aceita, insensível, as injustiças sociais, convertendo-o em presa fácil das ilusões da propaganda, cujo objetivo é o de transformarnosso corpo, nossa libido e nossa alma em mercadoria descartável pareceser a contribuição do trabalho escolar. Para Paul Ricoeur, uma sociedade

4 Para Aristóteles, o conceito de phrônesis significa sabedoria prática, escolha deliberada, ocomportamento do homem prudente que realiza suas ações pautadas pela ética.

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“que se defina unicamente em termos econômicos é essencialmente umasociedade de luta, de competição, [...] que suscita os sentimentos deinjustiça e insensatez” (1986, p.163).

A escola não pode se constituir numa instituição legitimadora daordem social dominante, reduzindo-se a uma agência formadora de mão-de-obra alienada e barata para o capital. Dessa forma, a instituição escolarnão contribui para a formação de pessoas, para a formação de cidadãos.Ao contrário, o ser humano fica preso a uma visão mercantildesumanizadora. O Outro passa a ser o inimigo a ser destruído pelacompetição econômica. O próximo não é o companheiro com quem seluta para transformar a realidade, mas passa a ser visto como um inimigoque deve ser eliminado.

Grande parte de nossos problemas sociais tem origem na ausênciade uma educação formadora. As guerras, a violência, o racismo e asinjustiças não resultam de um acidente de percurso da filogênese, masdecorrem do desenvolvimento da razão moderna, vinculada ao projetoda sociedade industrial agressiva. Essa sociedade gera um estilo de vidabaseado na aquisição de bens materiais, na propriedade, na administraçãodos negócios etc., que são fontes de preocupações, ansiedades, angústiase, mais grave ainda, de esquecimento do verdadeiro sentido da vida.

Frente a isso, a escola precisa se constituir num espaço deconvivência, onde os educandos possam exercitar os valores da paz, datolerância, da justiça e da liberdade. A escola se tornará agente deemancipação se formar o homem livre, libertando-o de tudo aquilo que oaliena e o aprisiona. Uma das principais finalidades da escola é a decontribuir para que os educandos adquiram sabedoria, tornando-sepessoas sábias. O sábio distingue-se do tecnocrata. Este se reduz a umbárbaro que vive apenas o momento presente, sem se preocupar com ofuturo. O sábio está imbuído de cultura e pensa a eternidade dos séculos.As pessoas sábias não são famintas de poder, mas de liberdade. Sábio nãoé o erudito, o intelectual, aquele que fala vários idiomas e que escrevevários livros, mas aquele que procura tornar a vida mais bela e ahumanidade mais feliz.

É necessário refletir e questionar a visão positivista que impregnanosso currículo escolar, expulsando as disciplinas chamadas dehumanidades. Se pretendermos somente crescer economicamente, basta,então, que a escola ofereça conhecimentos técnicos e contribua para queos alunos tenham uma profissão e sejam reduzidos a instrumentosanimados em função da produção de mercadorias. Agora, se além dodesenvolvimento econômico e científico desejamos construir um paíscivilizado, baseado nos valores da justiça, da ética, da tolerância, do

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pluralismo, precisamos oferecer aos nossos educandos uma educaçãobaseada na filosofia, na história, na antropologia, na sociologia, na arte,etc., enfim, numa sólida formação cultural. Criadas pela sensibilidade epela razão humana, a arte e a cultura contribuem para que o ser humanopossa entender o mundo e se entender enquanto ser no mundo.

Portanto, a educação formadora encontra nos produtos da culturaum de seus aspectos mais importantes. A música, o teatro, a pintura, afilosofia, a poesia, a literatura, as obras clássicas se constituem numaexperiência simbólica que trabalha nosso mundo interior, não podendoser reduzidas a mero entretenimento. A fruição das obras de arte e aleitura trabalham nosso mundo subjetivo, produzindo reflexão ediscernimento. A cultura eleva nosso espírito, o entretenimento hipnotiza.Por isso, são empobrecedoras as didáticas que se reduzem a simplestécnicas de entretenimento, gerando pessoas incapazes de refletir e decriar. A única finalidade dessas técnicas de imbecilização é agradar e divertiro aluno, mesmo que este não aprenda nada.

A educação é formadora na medida em que for capaz de despertarno ser humano a imaginação e os ideais de uma humanidade que se recusaa ser mera produtora de sua própria sobrevivência. A educação também éemancipadora quando proporciona um agir comunicativo, em que cadasujeito seja livre e capaz de procurar o entendimento, buscando, de formaintersubjetiva, a noção de verdade. Para Adorno (1995), a educação para aemancipação é a que visa à formação do espírito que desestabilize a apatiada razão, o torpor dos hábitos, a inércia do preconceito.

Para ser emancipadora, a educação precisa resgatar o núcleo sadioda tradição clássica e pautar-se pelo desenvolvimento do pensamentocrítico, pois somente o pensamento nos proporciona o descentramentodo nosso eu e a compreensão do Outro. O pensamento é o antídoto daviolência. Para fazer com que os alunos aprendam a pensar, a educaçãonecessita livrar-se da demagogia da facilidade, que exige um máximo dedistração e nada de reflexão. Olgária Matos diz que sob a influência damídia, “a educação foi se impregnando com a demagogia da facilidade -com o que a indústria cultural banaliza tanto a formação dita superiorquanto à de resistência, produzindo, segundo Adorno, uma espécie debarbárie estilizada” (2006, p.43).

Desprovida de pensamento, a demagogia da facilidade faz de tudopara divertir o aluno. Fascinada pela novidade, evita criar conflitos equestionar os preconceitos e estereótipos inculcados na mente dos alunospelo mercado e pela mídia. Pretende ser acessível e compreensível aomaior número de indivíduos, prescindindo do trabalho paciente da leitura

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e da pesquisa. Dessa forma, cria aquilo que Hans Entzensberger designoucomo analfabetismo secundário, que ele assim o define:

O analfabeto secundário é uma pessoa de sorte, poisnão sofre com a perda da memória; o fato de não teruma mente própria o exime de pressões; sabe darvalor a sua incapacidade de se concentrar em algumacoisa; acha que é uma vantagem não saber e nãocompreender o que está acontecendo com ele. Ele éativo. É adaptável... É impensável que possa sentir-sefrustrado com seu ambiente. Afinal, foi esse ambienteque o gerou e formou para garantir sua sobrevivênciasem problemas (ENTZENSBERGER apud MATOS, 2006,p.24).

A construção de um país civilizado e de homens livres exige asuperação da esquizofrenia social imposta pelo totalitarismo midiático,cujo resultado temos: direitos humanos sem sujeito autônomo, cidadaniasem cidadãos, política sem participação consciente, democracia semespírito democrático. Somente uma sólida formação cultural podecontribuir para a superação dessa apatia social. De acordo com OlgáriaMatos, a educação não se reduz à aprendizagem. Para ela, “a educação édiferente da aprendizagem, pois aquela deve se perguntar sobre seusfins últimos - o homem justo, virtuoso, lúdico e criativo, tanto em sua vidade indivíduo quanto de cidadão. Não se pode educar sem ensinar, mas émuito fácil ensinar sem educar” (2006, p.47-48).

Em seu texto intitulado “A crise da educação”, escrito em 1958, afilósofa Hannah Arendt aborda a crise da educação que atinge os EstadosUnidos e os países desenvolvidos. Nesse texto, ela diz que diferente daaprendizagem, a educação sabe, a priori, o fim a que quer alcançar. Aodistinguir educação e aprendizagem, a autora critica os que visam somenteao treinamento profissional, afirmando: “Ele não visa mais a introduzir ojovem no mundo como um todo, mas sim em um segmento limitado eparticular dele” (1997, p.246).

O fato de compartilharmos o espaço geográfico juntamente comoutros seres humanos implica uma responsabilidade comum com o mundoem que habitamos. E a essa responsabilidade a escola não pode se furtar.Ao refletir sobre a educação infantil, Hannah Arendt faz um alerta sobre aresponsabilidade dos educadores ao introduzirem as crianças em ummundo em contínua mudança. Para a pensadora, “qualquer pessoa que serecuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter

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crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação” (1997,p.239).

A partir da tradição kantiana de defesa da Aufklärung, Adornoexplica seu entendimento do que significa educação como emancipação,afirmando que “de um certo modo, emancipação significa o mesmo queconscientização, racionalidade” (1995, p.143). Para o pensador da Escolade Frankfurt, a educação como produção de um sujeito crítico e reflexivoé uma exigência política, pois “uma democracia com o dever de não apenasfuncionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoasemancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquantouma sociedade de quem se é emancipado” (1995, p.141-142).

Todavia, a educação emancipadora pressupõe um professoremancipado. Conforme Jacques Rancière, em O mestre ignorante (2002),o educador necessita emancipar-se a si mesmo, para que seu trabalhodocente possa tornar-se um ato de emancipação, e não deembrutecimento. Somente emancipado, com postura crítica diante darealidade e de si mesmo, o educador poderá ser agente de emancipação,contribuindo para um processo de subjetivação em que cada um se eduquea si mesmo.

A educação emancipadora exige disciplinas formadoras, e nãoperformáticas. Uma educação que tenha como eixo central a preocupaçãocom o destino do ser humano e do planeta. Uma educação que liberte ohomem dessa realidade objetivamente, sem horizonte e sem sentido.Uma educação para além do fazer finito, capaz de reconduzir o homempara a transcendentalidade.

Considerações finaisO século XXI iniciou mostrando a todos nós que o mundo ainda

convive cotidianamente com as guerras mais absurdas e com a violênciamais cruel. Essa realidade, de difícil solução, coloca a cada um de nós odesafio de enfrentar questões como a dominação, a intolerância e ainjustiça. Numa sociedade em que os valores da justiça, da solidariedadee da convivência pacífica foram deixados de lado, somente o resgatedesses valores pela escola poderá contribuir com a construção de ummundo mais justo e de paz. A indiferença da escola frente a essa realidade,além de ser uma miopia política, constitui-se numa falta deresponsabilidade e de sensibilidade para com as atuais e futuras gerações.

Em meio a tantos problemas que decorrem do projeto logocêntricoe tecnocêntrico da civilização atual, temos que nos perguntar qual é afinalidade da educação. Diante de um quadro caótico, que suscita tantosdesafios aos educadores, só faz sentido uma escola que seja formadora

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dos valores humanos, uma educação que seja uma arte de buscar a vidajusta e o bem viver. Afinal, de que adianta as pessoas passarem cerca devinte anos de suas vidas na escola – e depois no meio social – levaremuma vida pautada no preconceito, na intolerância, na corrupção, usandode todas as armas e truques, abdicando da ética, do caráter e do respeitopelo seu semelhante? Podemos evidenciar essa prática perversa quandoas pessoas ocupam um cargo público.

A escola se tornará agente de emancipação na medida em que seconstituir enquanto locus privilegiado de formação do humano, enquantosujeito livre e ético, construtor de si e do mundo. Uma educação em queos homens possam se alimentar de imagens e símbolos que dão sentido àexistência pessoal e coletiva. Uma educação capaz de plantar a esperança,suscitando a meditação sobre a condição humana e seu destino na história.

A escola, neste terceiro milênio, precisa desenvolver umpensamento autorreflexivo que tenha força de emancipação. Uma escolacapaz de auxiliar os educandos na construção de um estado de espíritovoltado para a prática do Bem. Uma escola que não seja expressão daalienação, da indiferença e esvaziadora da dimensão humana.

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Recebido em: 04/09/09Aprovado em: 13/01/10

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TRAJETÓRIAS PROFISSIONAIS: ESTUDO DE CASO DE UM GRUPODE PROFESSORAS QUE ATUA NO ENSINO FUNDAMENTAL1

Filomena Maria Arruda Monteiro2

RESUMO: Este artigo apresenta a compreensão da construção dastrajetórias profissionais, tomando como referência o estudo de caso deum grupo de professoras do ensino fundamental. Os depoimentos queaparecem no decorrer do texto se constituem como parte das unidadesnarrativas de quatro professoras do sistema municipal de educação deCuiabá-MT. As análises revelam concepções e práticas pedagógicas queevidenciam busca constante de re-elaboração de um repertório deconhecimentos constitutivos da profissionalidade docente. Igualmente,sinaliza para a relação que há entre as aprendizagens construídas nodecorrer da trajetória profissional e como as professoras as incorporamem sua ação de ensinar, influenciadas pelo contexto organizacional ecurricular. Nesse sentido, vislumbra-se aprofundamento nas discussõessobre mudança, inovação e construção de autonomia desses profissionais.PALAVRAS-CHAVE: profissionalidade docente, prática educativa, formaçãode professores.

ABSTRACT: This article presents understanding of the construction ofprofessional trajectories, taking as reference the case study of a group ofteachers of elementary school. The statements that appear throughoutthe text is part of the units are narratives of four teachers the municipalsystem of education in Cuiabá-MT. The analysis show concepts andteaching practices that show constant search for re-development of arepertoire of knowledge constitutive of professional teaching. Likewise,for signals that the relationship between the built learning during theprofessional career and as teachers to incorporate into their act of teaching,influenced by organizational context and curriculum. Accordingly, thereis deepening in discussions about change, innovation and construction ofautonomy of these Professional.

1 Este artigo é resultado parcial de uma pesquisa intitulada Formação continuada: investigandoaprendizagens da docência. Os estudos aqui mencionados são aqueles que fizeram parte deminha leitura durante a pesquisa, o que significa um recorte na extensa bibliografia sobre atemática.2 Pesquisadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UniversidadeFederal de Mato Grosso/ UFMT, líder do grupo de Estudos e pesquisas em Política e formaçãodocente. E-mail: [email protected]

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KEYWORDS: professional teaching, practice education, teacher´sformation.

IntroduçãoNeste artigo analiso os sentidos e as significações de um grupo de

professoras que atua nas séries iniciais no município de Cuiabá-MT sobreo percurso de construção de suas trajetórias profissionais. A compreensãodas trajetórias, bem como a construção da profissionalidade, incluem osdiferentes aspectos que envolvem uma profissão, assim como as diversasações que o profissional realiza. Nesse sentido, é preciso considerar aestreita relação entre fatores extrínsecos e intrínsecos.

Tal estudo toma como referência a perspectiva deprofissionalidade docente de Gimeno Sacristán (1995), como tudo aquiloque é específico na ação docente, ou seja, o conjunto de comportamentos,conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem aespecificidade de ser na profissão. Para Contreras (2002, p.73-74), a opçãopor esse termo “possibilita resgatar o que de positivo tem a idéia deprofissional no contexto das funções inerente ao trabalho da docência”.Acrescenta ainda o mesmo autor que a profissionalidade se refere “àsqualidades da prática profissional dos professores em função do querequer o trabalho educativo” (p.71).

Vários estudos em âmbito internacional têm contribuído com odebate em torno do saber específico do professor e para a produção deconhecimento nessa área: Shulman (1986), Clandinin e Connelly (1988),Tardif, Lessard e Lahaye (1991), Nóvoa (1991,1992 e 1995), Schön (1992),Pérez Gómez (1992), Marcelo (1992, 1999), entre outros. Em seus estudos,direta ou indiretamente, priorizam a constituição do trabalho docente e aanálise das inter-relações que se dão no interior da prática pedagógica,assim como os diferentes tipos de saberes, no sentido de compreender aepistemologia da ação.

No que se refere aos conhecimentos específicos do professor,Clandinin e Connelly (1996, apud MIZUKAMI, 2002) enfatizam que osconhecimentos profissionais são construídos/reconstruídos na interfacedesse processo, pois possuem enraizamentos tanto na história de vidadessas professoras, nas suas experiências pessoais/profissionais, nos seuspercursos formativos, quanto nas relações que vão sendo compartilhadase nos contextos em que estas se dão.

Clandinin e Connelly (1988) apontam que o conhecimento práticodos professores é constituído de um conjunto de convicções e significadosque surgem tanto da experiência pessoal como social e que se expressamnas ações, pressupondo uma relação dialética entre teoria e prática. Assim,

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é um conhecimento que vai sendo construído pela convergência de váriasaprendizagens (dimensão teórica, dimensão experiencial, dimensãoafetiva e outras), à medida que o profissional vai confrontando-as com aprática real e as internaliza em suas ações.

Para Shulman (1986), a essência da profissionalidade está nodomínio dos conhecimentos pelos professores. Ao se referir a esseconhecimento, apresenta o estudo do Desenvolvimento doConhecimento no Ensino, em que investiga os diferentes tipos emodalidades de conhecimentos que os professores possuem e queconstituem a dimensão epistemológica da identidade do professor. Dentreesses diferentes conhecimentos, o conhecimento do conteúdopedagógico é aqui destacado por ser a forma como cada indivíduo elaborao conhecimento ao confrontar-se com a intencionalidade de ensinar algoque foi apreendido em sua trajetória formativa.

Com base no que esses autores discutem, embora produtos dereferenciais teórico-metodológicos diversos, pode-se perceber um eixoconvergente importantíssimo: suas investigações têm apontado para anatureza de construção do conhecimento profissional docente, trazendoelementos necessários à compreensão e à análise dos processos vividospelos professores em situação concreta de ensino.

Na literatura nacional, os trabalhos de Fiorentini (1998), Pimenta(1999), Mizukami (2000, 2002), Lelis (2001) entre outros, embora comreferências e abordagens teórico-metodológicas específicas, vêmdestacando a importância do desenvolvimento de pesquisas que procuramanalisar os saberes docentes, tendo como ponto de partida a visão dossujeitos envolvidos, contribuindo, assim, para a discussão da problemáticada formação do professor e de estratégias de pesquisa, de intervenção epromoção de processos formativos compatíveis com a natureza deprocessos de aprendizagem da docência.

Essas reflexões teóricas nos remetem aos contextos em que taispráticas se desenvolvem e aos diferentes contextos formativos em queos professores se encontraram envolvidos. Como estes influenciam naconstrução da profissionalidade docente?

A compreensão da existência de inter-relações dinâmica edialética entre os contextos e as situações práticas de diferentes naturezasque configuram o exercício profissional parece propiciar aos professoresperceberem em que medida tais contextos mediam ou limitam sua atuaçãodocente.

De acordo com Gimeno Sacristán (1995), o elemento fundamentalda profissionalidade “reside nesta relação dialética entre tudo o que,através dele, se pode difundir - conhecimentos, destrezas profissionais,

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etc. - e os diferentes contextos práticos” (p.74). O referido autor salienta,no entanto, que a prática profissional depende da tomada de decisãoindividual, que é regida por um conjunto de regras coletivas adotadas porgrupos de professores e por normas da organização escolar.

Nessa perspectiva, as condições de trabalho dos professoresdevem ser consideradas como um aspecto importante, uma vez que ascaracterísticas de tais condições poderão influenciar nas crenças, atitudese conhecimentos que o professor constrói durante seu desenvolvimentoprofissional. Com isso, a melhoria dessas condições e o aumento deautonomia e da capacidade de mudanças dos professores, individual ecoletivamente, devem estar presentes nas análises de propostas deformação de professores.

Parece ser consenso entre vários autores, ao considerarem asmúltiplas dimensões inerentes aos processos da mudança, que adimensão pessoal aparece como tendo um papel essencial nesse processo.As teorias implícitas ou subjetivas têm contribuído na investigação sobreo pensamento do professor, servindo de referência para explicar melhoressa dimensão pessoal e psicológica de mudança. Partem do princípio deque os professores, num primeiro momento, organizam/reorganizam suascrenças ou concepções pessoais sobre o processo de ensino-aprendizagem,bem como sobre a imagem de professor e de aluno, para, num segundomomento, adotarem mudanças na conduta.

A esse respeito, Marcelo Garcia (1999) apresenta a proposta deGuskey, que acredita que as condutas dos professores mudam sem queestes estejam totalmente convencidos de obter sucesso com os alunos,ou seja, sem que suas concepções pessoais tenham sido reelaboradas.Essa forma de ver a mudança parece ser aceita, acrescenta o referidoautor, quando diz respeito a mudanças menores que não implicam riscos.Aquelas que causam grandes inseguranças parecem exigir dos professoresmais tempo e uma quantidade/qualidade maior de informações nastomadas de decisões. Com isso, mudança e inovação3 devem serentendidas como processos de aprendizagem e de desenvolvimentopessoal/profissional, que ocorrem ao longo de suas trajetóriasprofissionais.

3 A noção de inovação aqui entendida se diferencia da concepção como uma reorganização desituações e procedimentos exteriores à situação inovada, como afirma Cunha (2000, p. 143).

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Significação das professoras sobre suas trajetórias: tensões, conflitos econtextos de superação

A presente reflexão apoia-se em pesquisa que teve como objetivorealizar um estudo exploratório junto a um grupo de quatro (4) professoras,com quem se obteve contato direto e prolongado durante a coleta dedados nas unidades escolares em que atuavam. Os relatos orais e escritosse converteram na base documental das análises, gerando o conjunto deeixos de orientação definido em função de elementos recorrentes nasnarrativas. Concepções, modos de viver a profissão, conhecimentopedagógico, significado atribuído às aprendizagens na docência são algunseixos evidenciados como constitutivos das narrativas produzidas pelogrupo pesquisado.

Para compreender como as professoras vão construindo talprocesso, foram utilizadas as unidades narrativas propostas por MacIntyre(1981 apud CLANDININ; CONNELLY, 1988) que surgem como umapossibilidade privilegiada para investigar de que forma as professorasvão dando sentido e significado às experiências e aos conhecimentosconstruídos nas ações pedagógicas. Assim, a análise dos diferentes níveisde interpretação das narrativas pressupõe a exploração não só do que édito, mas também de como é dito, contextualizando as ações e as históriaspessoais. Como afirma Suárez (2008, p.110), tais narrativas

podem ser consideradas como uma qualidadeestruturada da experiência humana e social,entendida e vista como relatos. Esses relatos sãoreconstruções dinâmicas das experiências nas quaisseus atores dão significado ao acontecido e vivido,mediante um processo reflexivo e, em geral recursivo.Por isso, nessa perspectiva, pode se afirmar que asnarrativas estruturam nossas práticas sociais e queessa “linguagem da prática” tende a esclarecer ospropósitos dessas práticas, fazendo que a linguagemnarrativa não fale apenas sobre elas, mas que, alémdisso, as constitua e colabore na sua produção.

Nos relatos, as professoras4 reconhecem que somente após teremexercido por mais de cinco anos a profissão é que passam a ter um olhardiferenciado sobre o trabalho docente e começam a questionar a simesmas, sobre suas práticas pedagógicas e o contexto institucional noqual desempenhavam seu trabalho, o que as levou à necessidade demudança. Chamam a atenção para a relação existente entre a

4 As professoras pesquisadas serão aqui denominadas pela inicial P, seguida dos números 1,2,3,4,sempre correspondendo à mesma professora, como identificação de suas narrativas.

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temporalidade no exercício do magistério e suas aprendizagensprofissionais. Um exemplo é o relato de duas professoras:

[...] Meu trabalho passou a ser reconhecido a partir dosegundo ano que fui assumindo... Aí, depois da quartaturma eu peguei novamente aquela turma dealfabetização por pedido da coordenadora e mudeimeu jeito de planejar, eu já começava a me sentirinsatisfeita e angustiada frente à ideia de que tudopermanecia igual e repetitivo, ano após ano. (P3).

Então eu fui criando com minhas experiências, umaestratégia aqui, outra ali, até ficar mais segura. [...] ascrianças te indicam o que dá certo e eu só percebi issocom uma turma que eu tive problemas... Assumi umasala com crianças repetentes e ao me deparar comessa realidade me senti perdida, tive que refletir muitoe buscar tudo que já tinha feito nos anos anteriores.Passei a discutir mais minha prática, aprendi que umasala nunca se apresenta como um agrupamentohomogêneo de crianças [...]. (P4).

Revelam, ainda, a ideia descrita por Elliott, de que “todo processode reflexão sobre a prática incorpora a crítica institucional, bem como aautocrítica” (apud CONTRERAS, 2002, p. 146).

Nos relatos das P3 e P4, respectivamente, a emancipação começacom o reconhecimento de seus limites e das diferenças:

Eu precisei romper com algumas coisas, para superarmeus limites

A gente começa a ver como era antes e passa a ver ascoisas de outra forma, passei a ver as crianças deforma diferente e consegui começar a ajudá-las.

Parece perceberem, também, como aponta Perrenoud (1997), que

ensinar é confrontar-se com um grupo heterogêneo(do ponto de vista das atitudes, do capital escolar, docapital cultural, dos projectos, das personalidades,etc.). Ensinar é ignorar ou reconhecer estas diferenças,sancioná-las ou tentar neutralizá-las, fabricar osucesso ou o insucesso através da avaliação informale formal, construir identidades e trajectórias. (p.28).

Os depoimentos enfatizam a teoria como um conhecimento queas professoras buscam e valorizam, porém, deixam claro que o aspecto

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significativo é a forma como essas teorias são abordadas e analisadas emalgumas propostas de formação, a fim de que possam ajudá-las nareelaboração do exercício profissional. E isso é evidenciado no relato daP1:

Foram as teorias que me explicaram o que acontecequando eu faço isso, as conseqüências dessa prática,só que não é qualquer teoria que serve para te ajudara entender isso, alguns especialistas não entendemassim e acham que basta propor formação [...].

Revelam, também, como enfatiza Contreras (2002),

os processos de reflexão e de emancipação parecemnecessitar de influências seja em formas de teoriascríticas, que formulam as leituras adequadas dosfenômenos da vida social e do ensino que devem sermodificados, seja em forma de “ ilustradores” quetrazem o referido conhecimento e colabora na auto-reflexão dos docentes para que superem suasdistorções ideológicas. (p.186).

Os relatos mostram ainda que, ao passarem a se perguntar sobreo sentido do que fazem, passam a compreender e ter consciência do quefaziam e das premissas que sustentavam suas ações. Isso parece levar asprofessoras a re-significarem e reconstruírem tais ações, pois sãoestimuladas e motivadas à elaboração de um conhecimento próprio,dando, assim, significado às suas aprendizagens. Nesse mesmo sentido,narram a importância das aprendizagens coletivas que são construídasquando partilhadas no interior da unidade escolar.

A busca de autonomia (compreendida como um processo coletivoe contínuo de construção e emancipação, desencadeada no processo deformação continuada a partir do contexto de trabalho) propiciou a busca ea criação de alternativas próprias, a compreensão de si mesmas, dasrelações pessoais/profissionais e a consciência crítica, como mostram asfalas:

[...] comecei a criar, hoje vejo diferente as questões desala de aula, até com a família e os amigos eu tambémmudei e me sinto mais feliz com isso. (P3).

[...] você vai até aprendendo a criar, o magistério nãome deu essa visão, nem oportunidade de criar [...]então eu posso dizer que me tornei criativa [...]. (P4).

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Isso vem reforçar que a participação de todos os envolvidos naproposta de formação continuada, desde o planejamento até a execução,contribuiu para o desenvolvimento da autonomia, adquirida por umprocesso de reflexão crítica, em que se problematizam as próprias práticas,as crenças e valores e os contextos. Knowles et al (1994) reforçam essaideia, ao dizer que não é suficiente ter experiência de formação ouengajar-se em quaisquer atividades que tomem como referênciaferramentas investigativas e reflexivas, pois o significado dessasexperiências depende da qualidade delas, não somente o quanto elassão agradáveis, mas também o quanto elas influenciam as práticas.

Dessa forma, a autonomia, como reafirma uma das entrevistadas,pressupõe um processo de compreensão e construção de si mesma paraque se possa compreender o outro: “Porque antes eu pensava que queriamudar o meu aluno, eu não pensava que precisava mudar a mim primeiro”(P1).

Quanto às mudanças na prática pedagógica, estas foramenfatizadas como responsáveis pelos conflitos referentes aos aspectosda organização do trabalho em sala de aula e das relações interpessoaisna escola:

[...] a troca de experiência, na formação por sermosprofessores houve essa troca... tudo isso por maisinsignificante que fosse nos detalhes, valeu muito[...] ta certo que quando você quer mudar a coisa ficadifícil, as pessoas estranham é [...] parece que virabagunça, mas até você mesma encontrar o caminho,aí é só persistir [...]. (P1).

[...] a escola tem que ter como objetivo a criança,trabalhar para que essa criança avance e não ficarsatisfeita com o mínimo. (P3).

[...] Aí, como eu falei pra você a gente aprendeutambém com as colegas, uma colega mostrava asatividades que fazia para outra. Eu mesmo levei paraminha sala uma cruzadinha, caça palavras de nomesde pessoas. E aí eu comecei a criar também outrasatividades. (P4).

Enfatizam, assim, terem uma nova compreensão sobre suas açõespedagógicas. Apontam também que a cooperação e o apoio dos parescontribuíram na mudança das práticas e as trocas de estratégias de açãoforam essenciais nesse processo. Isso reafirma que “a reinvenção deatividades e respectivo material é um elemento importante no

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enriquecimento e na apropriação pessoal do papel profissional” (cf.PERRENOUD, 1993, p.48).

Os relatos da P3 e P4 apontam, ainda, como o tipo de gestãorealizada na escola pode influenciar no trabalho docente e que asprofessoras passaram a questionar a submissão incondicional às ordenshierárquicas da escola: “[...] mesmo com muitos anos de professora, eusempre não conseguia falar nas reuniões com a coordenadora [...]” (P4).

Nesse sentido, os relatos apontam que as práticas pedagógicasestão, de certa forma, sujeitas às variações e pressões contextuais, comoas políticas educacionais e a gestão da escola, assim como a forma comoas professoras concebem as situações, suas crenças, valores, etc.

Em se tratando especificamente das aprendizagens dos alunos,falam de posturas de mediação e criação, expressando concretamenteum repensar do trabalho pedagógico, compartilhando experiências,trocando conhecimentos e se auxiliando mutuamente, levando emconsideração o contexto da sala de aula:

[...] hoje as contas são feitas nos problemas, nassituações diárias para que a criança entenda o sentidodaquilo, sabe?[...] Então chegamos no final do anovocê até se emociona quando os pais vem dizer: -Professora hoje minha filha já pergunta o porquê dascoisas, se interessa[...] Puxa isso é um passo muitogrande, as nossas crianças estão acostumadas a ficarlá caladinhas, tinha criança que não tinha estímulo ede repente ao final do ano está assim argumentando,são alunos percebendo sentido na escola. (P1).

[...] as crianças te indicam o que está realmente nodia a dia deles [...]. (P2).

[...] passei a aproveitar muitas coisas deles, frases,revistas das mães que eles levavam, eles adoravamaquilo, respeitar mais as crianças [...]. (P4).

Apontam, em seus relatos, um compromisso com a aprendizagemdos alunos, expresso na preocupação com os resultados de taisaprendizagens, propiciando às professoras maior domínio para improvisar,seja aproveitando as coisas deles ou descobrindo aquilo que os alunosindicavam e incentivando uma atuação mais ativa e espontânea dessesalunos. Assim, as relações estabelecidas com os alunos também parecemdemarcar tais práticas. Tardif, Lessard e Lahaye (1991) apontam esse

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processo em que as experiências atuam como filtro, por meio do qual asprofessoras selecionam e analisam os saberes.

Ao serem solicitadas a falar sobre a aula dada no dia anterior,mencionam crenças e posturas que vão das mais rígidas como aquelasadotadas anteriormente (referindo-se à prática pedagógica desenvolvidanos primeiros anos de atuação) às mais flexíveis, em que passam aconsiderar as necessidades dos alunos:

Antes, a aula era pré-planejada, as atividades eramaquelas que eu escolhia, é eu tenho que dar issodaqui que está lá no planejamento anual, o assuntoé esse e esse assunto tem que vir depois daqueleque eu já dei tá? Então já montava as atividades emcima daquilo ali. Hoje não, eu discuto com os alunos,vejo se ficou alguma coisa, se as crianças sabemtrabalhar realmente com aquele assunto tá? Sabemme explicar no que usariam aquilo e aí eu passoadiante de acordo com o interesse deles, se elesdemonstraram interesse por um outro assunto queseja continuidade daquele tá? Senão a gente volta[...] é c laro que sem fugir totalmente de umplanejamento, mas você tem base pra vamos dizer [...]que hora que cada uma entra, essa é a diferença. Vocêtem um planejamento, um assunto puxa o outro, queseria uma seqüência lógica, mas de lógica não temnada sabe. Eu to achando que a minha lógica é a dascrianças e não é [...] não sei se estou me fazendoentender. (P1).

Eu mudei meu jeito de planejar e atuar, eu tenhoproposto jogos de faz de conta, eu tenho conseguidoatravés de histórias que eles aprendam os problemas[...] (P3).

No começo eu não conseguia nem fazer o plano deaula dessa forma diferente, então só listava osconteúdos e fui fazendo o plano após cada aulaquando eu relembrava o que tinha acontecido. Entãoeu fui criando essa estratégia até ficar mais segura[...] (P4).

Enfatizam que recorrem aos seus alunos como fonte deinformações e motivação para seus trabalhos, adotando uma atitude deobservação constante e de escuta sensível em relação a estes. Mostramtambém que tomaram consciência da importância do conhecimento do

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aluno para sua prática, ou, como esclarece Perrenoud (1993), passaram aver de forma diferenciada aquilo que geralmente é percebido de formadifusa.

É possível ainda observar, pelos depoimentos, que as professorascomeçam a perceber a não existência de uma linearidade entre ensino-aprendizagem e passam a adotar, em relação aos seus planejamentos,decisões interativas e pós-ativas.

Quanto às concepções sobre o ensino que ministram, este passoua ser visto como um processo de aprendizagem permanente, podendosofrer modificações no decorrer de sua execução:

Em termos pedagógicos, eu só passava coisa noquadro, nunca deixava o aluno fazer coisas por si só eisso mudou, sabe? Hoje não sou mais aquelaprofessora. Tudo que eu tenho proposto para osalunos por meio de jogos, das histórias tem dado certo,eles têm aprendido e gostam das aulas. Eu tenhoconseguido que eles aprendam os problemas, porquea gente mesmo não gostava de ensinar a matemáticae isso mudou. (P3).

Durante toda minha carreira eu mais trabalhei comalfabetização e eu não gostava de ver os alunos aliquietinhos, em fila, mas o que fazer? Eu tinha medono começo de trabalhar assim e foi gostoso,principalmente na leitura, poder criar novas dinâmicas,um dia eu levava jornal [...] Eu levava essas atividadeslá para minha escola, livros de literatura [...]. (P4).

Assim, mostram que ensinar é um processo complexo, pessoal econtextual. Revelam que o ensino vem sendo reorganizado e reconstruídopor meio dos processos de reflexão/investigação, à medida que foram sesentindo mais seguras e que aprofundavam suas compreensões sobresuas ações.

No que diz respeito aos aspectos dos conhecimentos com os quaislidavam, estes são mencionados pelas professoras numa perspectiva deconflito entre teorias pessoais e práticas profissionais, assim como deimpasses frente às dificuldades teórico-metodológicas:

O que tem me dado um pouco de dor de cabeça é essaquestão de interdisciplinaridade, porque nós sabemosque o conhecimento não se separa [...], hoje eu vouaprender só matemática, só português, história,geografia [...] mas não fica difícil você [...pensa] queestá com 15 anos de raízes naquela disciplina

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fechadinha, cada uma no seu momento, que ainda euestou achando dificuldade. Eu acho que em qualquernível de estudo, eu sei que você tem que buscar algosozinha [...] e esse buscar é seu, você sabe danecessidade, é pessoal [...]. (P1).

A supervisora pede que trabalhemos com o temagerador[...] Então, você artificializa as atividades, agente força a barra... vamos dizer assim [...] é essa aminha dificuldade. (P2).

Nós sentimos que o que aprendemos ainda é pouco,então sentimos que precisamos agora especializarainda mais. Porque os alunos às vezes sabem coisasque a gente não sabe, eles vêem televisão, estão aídiretamente recebendo essas coisas e a gente nãotem tempo para isso, ficamos de manhã e à tarde nasala de aula. Pretendo estudar mais, não quero pararpor aqui. (P3).

[...] Então após vários momentos de formação eu fiqueiassim [...] muito ansiosa, porque eu não queria voltarao tradicional, mas também eu percebi que agoraestava sozinha, né? Eu queria trabalhar como vinhafazendo [...] e eu estava naquela mistura sem saber oque estava fazendo direito e ficava o medo [...]. (P4).

O depoimento de uma professora expressa a compreensão destade que seu conhecimento sobre o ensino é pessoal e singular frente aalgumas situações, visto como um processo provisório e inacabado,possibilitando sempre novas perspectivas. Valoriza como fonte deconhecimento a prática de outros professores e percebe que oconhecimento científico e teórico de alguns conteúdos que ensinam éainda insuficiente, reconhecendo que precisa de formações constantes.Os relatos também sugerem que tais dificuldades não devem serrelacionadas a um único fator; deve-se, pois, considerar a políticaeducacional e pedagógica, a cultura dessas escolas, o papel que lhes estãoatribuindo, entre outros.

Os impasses apontados, embora percebidos diferentemente pelasprofessoras, parecem não possuir força suficiente para impedir que elascontinuem a refletir e construir novos saberes. Como diz uma das

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entrevistadas: “eu passei a refletir mais, procurar explicações para aquiloque não dava certo” (P3).

Como se pode observar , a reflexão leva o grupo de professoras àelaboração cada vez mais profunda sobre o que fazem, pensam e dizem eisso enriquece o processo de construção de suas identidades profissionais.Como nos alerta Contreras (2002), “autonomia, responsabilidade,capacitação são características tradicionalmente associadas a valoresprofissionais que deveriam ser indiscutíveis na profissão docente” (p.73)Nesse sentido, falar em processo de construção da profissionalidadeimplica ir além da descrição do desempenho do professor ao ensinar,envolve “expressar valores e pretensões que se deseja alcançar edesenvolver nesta profissão” (p.74).

Algumas consideraçõesAs análises aqui apresentadas possibilitam algumas reflexões

sobre os significados, as implicações sobre o processo de construção edesenvolvimento profissional desse grupo de professoras e sobre suaspráticas pedagógicas. Sugerem, ainda, reflexões sobre a estratégiainvestigativa adotada na coleta de dados em contextos específicos: asnarrativas. A utilização de narrativas como estratégia investigativo-formativa apresenta-se também como possibilidade para formadores deprofessores, sobretudo, acompanhar, analisar e desencadear processosde desenvolvimento e aprendizagem em propostas de formação inicial/continuada.

No entanto, o estudo aqui realizado não deve ser consideradocomo definitivo, pois o mesmo é o ponto de partida de um projeto maior,por isso, foram aqui destacados apenas alguns elementos, e não outros.Tal opção traz alguns riscos que são conscientes, mas considerando o limitedisponível para o estudo da questão, preferiu-se evidenciar o percurso aser trilhado em termos de abrangência como em profundidade.

Retomando as reflexões sobre o grupo de professoraspesquisadas, os dados apontam indícios de busca constante pelaprofissionalidade com características de prática profissional, ou seja,utilização de um conhecimento-base profissional previamente adquirido.Igualmente, sinaliza para a relação que há entre as aprendizagensconstruídas no decorrer da trajetória profissional e como as professorasas incorporam em sua ação de ensinar, influenciadas pelo contextoorganizacional e curricular.

A valorização profissional passa pelo reconhecimento de que estegrupo é capaz de tomar decisões, intervindo sobre os processoseducativos, sendo a autonomia e a capacidade de inovação, dimensões

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intimamente relacionadas às escolas em que atua. Ao defender avalorização da profissionalidade docente, também se está reivindicandoum contexto mais amplo de desenvolvimento e autonomia para essasprofessoras, bem como o reconhecimento social do seu papel e o retornoem termos salariais. Assim, é possível perceber que o debate sobre umapolítica de valorização dessa categoria requer também uma discussãosobre a educação, a escola e o processo educacional por aqueles quelutam por uma educação democrática e de qualidade para todos.

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Recebido em: 22/04/09Aprovado em: 02/11/09

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A ARGUMENTAÇÃO NAS ATIVIDADES DE GEOMETRIA DESENVOL-VIDAS POR ACADÊMICOS DE UM CURSO DE

LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Antonio Sales1

Luiz Carlos Pais2

RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar o resultado de umaatividade de pesquisa na Educação Matemática envolvendo aargumentação em um curso de Licenciatura de Matemática. Situa aargumentação no contexto das provas e demonstrações e discute a suaimportância na Educação Matemática. Apresenta uma síntese da TeoriaAntropológica do Didático, utilizando-a como suporte teórico para análiseda atividade e se insere no contexto da pesquisa qualitativa do TipoEtnográfico. Alguns resultados apontam para a presença da argumentaçãológica na resolução apresentada pelos acadêmicos e institui um teoremaaté então desconhecido por elesPALAVRAS-CHAVE: argumentação, teoria antropológica do didático,educação matemática.

ABSTRACT: This article aims to present the result of an activity of researchin mathematical education involving the argument of a licenciate Coursein Mathematics. It points out the argumentation in the context of theevidence and statements and discusses its importance in the MathematicalEducation. It presents a synthesis of the Anthropological Theory of theDidactic and uses it as theoretical support for analysis of the activity andfall within the contest of the kind of qualitative research Ethnography.Some results point with respect to the presence of the logicalargumentation in the resolution presented by academics and establishinga theorem until then unknown for them.KEYWORDS: argumentation, anthropologic theory of the didactic,mathematical education.

1 Professor Doutor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade de Nova Andradina,MS, e integrante do Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática Escolar (GPHEME).E-mail: [email protected] Professor Doutor do Departamento de Educação da UFMS, Professor do PPGEDU/UFMS,Orientador do Projeto de Pesquisa e Coordenador do GPHEME. E-mail: [email protected]

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IntroduçãoEste artigo tem por finalidade apresentar a análise da

argumentação produzida por acadêmicos do primeiro ano de Licenciaturaem Matemática na resolução de uma tarefa de geometria euclidiana. Umaanálise que é apenas um fragmento de um trabalho de maior amplitude,que culminou em uma tese de doutorado no Programa de Pós-Graduaçãoem Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGEDU/UFMS), campus de Campo Grande. Insere a argumentação no contexto daprova e da demonstração, levando em conta que: demonstrar, justificar eprovar são ações presentes no estudo da Matemática, nãonecessariamente nessa ordem, mas sempre significando que ocumprimento da tarefa proposta não estará completo se não fordevidamente comprovado, ou explicado, segundo regras pré-estabelecidas e aceitas como verdadeiras. São ações que desempenhamum papel fundamental no estudo e no ato de fazer a Matemática.

Essas ações estão presentes desde o século VI a.C., quando Talesde Mileto pensou dedutivamente na geometria e provou alguns teoremas(BOYER, 1996), os quais ganharam destaque quando, séculos depois,Euclides de Alexandria (séc. III a.C.) sistematizou a Matemática produzidaaté os seus dias, nos treze volumes dos Elementos. Desde então, o estudodessa ciência tem sido conduzido tendo em vista a formalização dosconceitos definidos pelo matemático e a demonstração das propriedadesdesses conceitos (BICUDO, 1999). Essas propriedades, uma vezdemonstradas, são em seguida despersonalizadas, descontextualizadase generalizadas, de modo que podem ser aplicadas em contextos maisamplos. A sistematização e a formalidade é um fim a ser perseguido,especialmente no presente contexto, em que predomina a concepçãoformalista encabeçada por David Hilbert (SNAPPER, 1984; BRASIL, 1998). Aformalidade é uma característica essencial e inconfundível da Matemática.

Até mesmo em sala de aula, no ensino fundamental, o seu estudo,através dos livros didáticos, por vezes, apresenta-se excessivamenteformal e precocemente sistematizado (BRASIL, 2007). Essa abordagemreveste a Matemática de uma ausência de flexibilidade e a desprovê dapotencialidade de “ser o motor de inovações e de superação dosobstáculos, desde os mais simples até aqueles que significam verdadeirasbarreiras epistemológicas no seu desenvolvimento” (BRASIL, 1998, p.26).

Entendemos que a demonstração tem uma grande contribuiçãopara a aprendizagem da Matemática, mas que essa contribuição somentese efetiva quando são elaboradas atividades de tal modo que ademonstração seja a culminância de um processo. Há, no nosso entender,alguns procedimentos que devem preceder a demonstração,

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procedimentos esses que são insuficientes em si mesmos para seconstituírem em um final de processo e, por essa razão, possuem aflexibilidade necessária para conduzir à percepção da necessidade de umprocedimento mais completo, que é a demonstração. Essesprocedimentos pré-demonstrativos ao mesmo tempo que contribuempara o desenvolvimento da habilidade de demonstrar também contribuempara convencer da necessidade da demonstração.

Entendemos que quando a demonstração é apresentada, deantemão, como um fim improrrogável, ou então é utilizada antes mesmoque a questão proposta esteja esclarecida, faz transparecer um caráterimpositivo. Apresentada dessa forma, ela encerra abruptamente oassunto e, como vivemos em um contexto social em que o debate évalorizado, gera a questão: por que o ensino da Matemática acontece nacontramão do contexto histórico em que vivemos?

Em um contexto de estudo da Matemática entendemos que hámomentos de informar, que consiste em explicar, apresentar oconhecimento; há momentos de convencer, que consiste em justificar,provar e demonstrar e há momentos de utilizar o conhecimento pararesolver os problemas. Estamos supondo que esses momentos de informar,convencer e resolver são muito próximos, indissociáveis e que os doisúltimos são facilmente confundíveis, pois um problema está efetivamenteresolvido quando a pessoa está convencida da resposta encontrada.

A explicação se faz presente, nesse processo, no instante em quese buscam as informações existentes para organizar o trabalho de resoluçãoou convencimento. A todo esse processo de informar, convencer, resolverdenomina-se argumentação. No nosso trabalho de pesquisa, estamosinteressados na argumentação que ocorre no ato de resolver tarefas degeometria euclidiana.

Distinguimos também três níveis de precisão e formalidade daargumentação. O primeiro deles é a argumentação ou explicação, de carátermais geral, que contém a prova e a demonstração, porém, não está restritaa estas. É toda tentativa de esclarecer, provar, convencer, estabeleceruma verdade. É todo discurso que procura conduzir a uma conclusão. Essediscurso, às vezes, é ingênuo ou “folclórico”, tendo por base fatos isolados,a fala de alguém ou ideias pré-concebidas. No entanto, no estudo daMatemática, o interesse é direcionado para a argumentação que sefundamenta em elementos racionais originários da própria Matemática.

O segundo nível é o da prova. De caráter mais específico, ela seaproxima mais da demonstração, podendo ser confundida ou coincidircom esta. A prova, em Matemática, pode conter elementos empíricos eter por base os experimentos. Podemos fazer uma prova por “exaustão”

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com o uso da calculadora ou computador até ultrapassar determinadolimite. De modo mais amplo, dizemos que a prova é um argumento aceitocomo válido por um grupo social não especializado. É toda argumentaçãoque levou ao convencimento. Um convencimento que pode ser definitivoou temporário.

No terceiro nível está a demonstração. Esta é uma prova aceitapelos matemáticos. Ela possui formalidade, já possui uma conclusão pré-estabelecida, parte de premissas aceitas como verdadeiras e tem caráterconclusivo ou definitivo.

Embora a demonstração também seja uma argumentação, a suaincontestabilidade, o excesso de rigor que a constitui, seu formalismo apriori e o seu fim já conhecido de antemão são fatores que a tornamquestionável do ponto de vista da educação. Sendo ela o ponto final deuma procura, o encerramento de um debate, discute-se o seu valorformativo em um contexto de valorização do diálogo. Especialmentequando, conforme já foi dito em linhas anteriores, ela é imposta, isto é, éutilizada para “convencer” quem ainda não se deu conta do que está sendotratado.

A teoria de análise adotada, que será exposta em parágrafosposteriores, pressupõe que o estudo é uma ação institucionalizada e queocorre em um contexto social. Eventualmente esse contexto pode sercomposto por uma única pessoa, mas, de modo geral, o estudo se dá noembate sócio-cognitivo, mesmo que o outro não esteja presente, empessoa, em determinado instante, como acontece quando se prepara paraenfrentar os questionamentos de uma banca examinadora, por exemplo.É um a perspectiva que valoriza a argumentação.

Uma argumentação é suficientemente lógica se alcançar o seuobjetivo (DEWEY, 1928, p. 99) e uma demonstração é uma argumentaçãoproduzida em conformidade com o ritual aceito pela comunidadecientífica. Nesse caso, explicação, justificativa e prova são elementos pré-demonstrativos.

Nessa forma de entender, em uma argumentação, há aspectosexplicativos e aspectos justificativos. Pressupomos que a explicação sejamais ampla do que a justificativa. Isso significa dizer que a segunda estácontida na primeira conforme esquema que apresentamos abaixo.Entendemos que a diferença entre ambas está na intencionalidade.

O aspecto explicativo de uma argumentação tem sua ênfase noesclarecimento, podendo ou não ter por objetivo justificar. Explicar nãoimplica, necessariamente, uma defesa, uma prestação de contas. Podesignificar apenas um esclarecimento ou a reunião de informaçõesnecessárias para produzir as demais etapas do processo. A justificativa,

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porém, sempre implicará numa defesa de um ponto de vista, de umaação, de um fato, ou, no caso específico da resolução de uma tarefamatemática, na defesa de um determinado passo resolutivo, na defesade uma técnica ou de um resultado. Nesse último caso, a técnica utilizadana resolução da tarefa proposta pode ser a própria justificativa doresultado.

Dessa forma, estamos entendendo que quem explica pode ter ounão a intenção de justificar, mas quem se propõe a justificar terá,necessariamente, que recorrer a uma explicação. O esquema (Figura 1) aseguir resume o exposto:

FIGURA 1 - Relação entre explicação e justificativa.

De qualquer forma, não se explica ou se argumenta por nada enão se concebe uma argumentação sem interlocutores, ainda quetemporariamente ausentes. Oléron (1987) define argumentação como oprocesso pelo qual uma pessoa, ou um grupo, tenta conduzir um públicoa adotar uma posição por meio do recurso da apresentação de assertivas,cujo objetivo é mostrar a validade, a lógica ou consolidação da propostaapresentada. Dessa forma, entendemos que a atividade de argumentar écomposta por elementos racionais.

Toulmin (1993) entende que a argumentação é a prática da lógica.É a relação entre a lógica e o cotidiano. Toda argumentação é uma maneirade explicar algo.

A lógica, segundo ele, não se ocupa das coisas do “espírito”, dopensamento puro, mas dos modos de pensar, dos hábitos e práticas quesão adquiridos no processo de evolução da sociedade. Defende também

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o direito da lógica, enquanto ciência, de distinguir bons e maus modos deconduzir uma argumentação, de separar os argumentos corretos dosargumentos “aberrantes”.

Para Toulmin, separar a lógica da argumentação é pressupor umalógica sobre o nada e, nesse sentido, vemos que ele se aproxima da TeoriaAntropológica do Didático (TAD), concebida por Chevallard, Bosch e Gascón(2001), que será o nosso aporte de análise. A TAD pressupõe que toda aatividade humana faz sentido em um contexto social. Toulmin épragmático e oferece um esquema para análise da argumentação.

TAD: uma teoria da práticaOs autores analisam o estudo da Matemática em termos de

praxeologia. Praxeologia é uma teoria que se ocupa da atividade humanaou, mais precisamente, da ação eficiente. Essa teoria denomina-se deantropológica porque discute processos imbuídos do conhecimento comoproduto social, no seio das instituições sociais.

É uma teoria do didático por considerar que cada tema a serestudado deve ser objeto de um tratamento específico da didática. Didáticose refere ao estudo. Nessa perspectiva teórica, há produção ou apropriaçãode conhecimento sempre que houver um problema, de qualquernatureza, cuja solução exige que se construa um conhecimento ou seaproprie de um já existente. Esse problema é produzido no contexto dasinstituições sociais, cujas explicações, justificativas e técnicas utilizadasna sua resolução se processam conforme a lógica institucionalizada.

A TAD se constitui num modelo de análise do estudo daMatemática a partir do próprio conteúdo, uma vez que o problema dadificuldade na sua aprendizagem, segundo esse ponto de vista, não estáno sujeito que ensina e nem no sujeito que aprende, mas no próprioconhecimento. O estudo da Matemática tem estatuto próprio, uma formaprópria de se organizar e se justifica por uma argumentação própria.

A praxeologia didática, nesse contexto, tem duas faces. Uma é aorganização matemática que está relacionada à disposição dos objetosmatemáticos a serem utilizados. A outra face é a organização didática queconsiste em mobilizar planejamentos, ações e instrumentos para que oobjetivo proposto seja alcançado. É a organização de ações com o objetivode envolver o sujeito no processo, desafiá-lo por meio de um problema.As duas são inseparáveis e interdependentes. Portanto, praxeologia estásendo concebida como a teoria da forma eficaz de estudar Matemáticavisando à utilização dos objetos matemáticos.

De acordo com a TAD, uma organização matemática, com o objetivode estudar sempre que houver indivíduos dispostos a isso em sala de aula

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ou fora dela, é composta de tarefas, técnicas, tecnologias e teoria. Osconceitos e os símbolos matemáticos recebem a denominação de objetosmatemáticos (CHEVALLARD; BOSCH, 1999).

O elemento mais amplo considerado numa praxeologia é a teoria.É ela que embasa a tecnologia. Teoria nos transmite a ideia de generalidadee abstração; algo afastado das preocupações utilitárias e elementares.Corresponde a um contemplar o cenário em busca das causas, das relações,dos objetivos, enfim, dos porquês.

Tecnologia não tem o sentido de artefato, um utilitário resultantede uma investigação cientifica, como normalmente se concebe. Nocontexto da TAD, tecnologia significa a explicação da lógica dofuncionamento do artefato, a justificativa racional do princípio defuncionamento e das razões da sua existência. Tecnologia é aargumentação utilizada para tornar válido o processo e a conclusão datarefa. Tecnologia é a justificativa da técnica.

Tarefa é a atividade proposta com o objetivo de desafiar, deconduzir a uma constatação das propriedades de um objeto matemático,de aplicar as propriedades de um objeto na resolução de um problema oude representar o próprio objeto. A técnica, por sua vez, consiste namobilização de recursos intelectuais e emocionais e na “manipulação”dos objetos matemáticos, com a finalidade de resolver a tarefa proposta.É o procedimento.

No que se refere aos objetos, a TAD concebe que um objetomatemático é uma construção social e por isso tem uma representaçãotambém social, embora nem sempre semiótica. Os objetos dividem-seem duas categorias: os ostensivos e os não-ostensivos. Os que têmmaterialidade e os que não têm materialidade. Um objeto é ostensivoquando se mostra, se faz sentir, enquanto os objetos denominados não-ostensivos são os que não se mostram por si mesmos por pertencerem aocampo das ideias. São os conceitos. Eles são “vistos” e “manipulados” pormeio dos objetos ostensivos. A grafia, a palavra falada, o desenho, o gesto,os símbolos são formas de construir, abordar, manipular, dar visibilidadeaos objetos matemáticos não-ostensivos. Estes são os objetos ostensivos.

Na resolução de uma tarefa proposta, recorre-se a uma ou maistécnicas. Essas técnicas, quando conduzem a uma resolução correta, sãoexplicadas pela tecnologia, isto é, por uma argumentação que, por suavez, se apoia na teoria geral da ciência da qual faz parte a tarefa proposta.A argumentação ou tecnologia é o elo entre a técnica e a teoria.

Mas a TAD pressupõe ainda que todo estudo é composto pordiversos “momentos didáticos” (CHEVALLARD, 2001), momentosvivenciados simultaneamente e que se constituem na tessitura do

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processo, que consiste em se deparar com o problema, envolver-se nabusca de uma técnica de resolução, ampliar a eficácia dessa técnica porintermédio de um discurso tecnológico e a verificação se os passosseguidos estão amparados pelo arcabouço teórico da ciência da qual oproblema faz parte.

Essa teoria se ocupa da lógica existente no processo de estudarmatemática. Procura explicar como ocorrem as organizações, como astarefas são desenvolvidas e explicadas, os momentos didáticosvivenciados durante o processo e os elementos racionais, oriundos dateoria, evocados na argumentação.

A metodologia da pesquisaA atividade matemática analisada a seguir foi elaborada visando a

estudar as organizações que os acadêmicos colocam em prática aodesenvolver o discurso explicativo ou o justificativo durante as atividadesde geometria euclidiana. Ao propor a atividade, pretendia-se observar osobjetos ostensivos utilizados, as técnicas utilizadas e as justificativasapresentadas, isto é, a pertinência da tecnologia utilizada e a lógica daargumentação. Visava também a identificar e analisar os “momentosdidáticos” vivenciados pelos acadêmicos na resolução de uma tarefa. Emoutras palavras: descrever as organizações matemática e didática postaem ação durante o estudo.

Foi uma pesquisa conduzida em sala de aula com quarentaacadêmicos do primeiro ano de um curso de Licenciatura em Matemáticae desenvolvida durante o primeiro semestre de 2009. Os dados foramcoletados no momento em que surgiam em decorrência do envolvimentodos acadêmicos. A coleta se processou, principalmente, através de fotos,gravações e diário de bordo (ANDRÉ, 2008).

No início do ano foi solicitada aos acadêmicos a permissão deconduzir uma pesquisa a partir do trabalho com a participação deles. Foraminformados de que muito do material que viesse a ser produzido por elesseria analisado à luz de uma teoria e que poderia servir como materialpara publicação.

As tarefas eram propostas para serem resolvidas em grupos de,no máximo, quatro pessoas, ficando os acadêmicos livres para o diálogocom outros grupos, tendo em vista que se tratava de uma pesquisa queenvolvia a argumentação justificativa. Cada grupo precisava convencer osoutros da validade da resposta encontrada ou da pertinência da técnicautilizada. Como houve muita disposição para colaborar e envolvimento

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na resolução das tarefas propostas, o ambiente se tornou rico emargumentações.

Todo trabalho foi desenvolvido em um contexto de estudo dageometria euclidiana, no qual muitas atividades, envolvendo os conceitosde paralelas e transversais, ângulos colaterais internos e colateraisexternos, ângulos alternos internos e alternos externos, ânguloscomplementares e suplementares foram trabalhadas. A congruênciaentre ângulos alternos internos, entre ângulos correspondentes e entreângulos alternos externos foi postulada. A condição de que os ânguloscolaterais internos e os colaterais externos são suplementares entre sifoi verificada, justificada e provada. Várias atividades foram desenvolvidasenvolvendo essas propriedades.

O resultado que será exposto a seguir faz parte de uma pesquisade maior amplitude, conforme exposto em parágrafos precedentes. Todotrabalho foi desenvolvido na perspectiva da Etnografia, conforme André(2008). Por se desenvolver em ambiente de sala de aula, envolvendo umgrupo de pessoas com a mesma perspectiva profissional, que vivenciam amesma organização didática, proveniente de escolas públicas de umamesma região e, portanto, supostamente com uma variação cultural eescolar não muito grande, optou-se pode desenvolver uma pesquisa dotipo etnográfico.

A tarefa proposta e a sua resoluçãoEsta tarefa apresentava o seguinte enunciado: “Sabendo que r//s,

calcule x” (GONÇALVES JÚNIOR, 1995, p.57):A Figura 2 contém, portanto, o problema, onde r e s são assumidas

como retas e paralelas entre si.

FIGURA 2 - A tarefa proposta (GONÇALVES JR., 1995, p.57).

A técnica que se esperava que fosse usada para resolver a tarefaconsistia na construção de uma reta passando pelo vértice do ângulo, cuja

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medida se quer determinar e que seja paralela às retas r e s. A soma dosângulos suplementares, dos alternos internos dos ângulos dados noproblema seria a solução imediata do problema. Dessa forma: x= [(180º -120º) + (180º - 140º)] = 100º. Tendo em vista que essa técnica é a praticadapela maioria dos autores que propõem esse tipo de tarefas, esta édenominada de técnica canônica e supomos que seria a de uso imediato.

No entanto, a técnica apresentada por um grupo foi outra. Damos,a seguir, a descrição resumida da técnica usada pelo grupo e que foi expostapor uma acadêmica representando o grupo.

Solução apresentada:“a soma dos três ângulos é 360º, logo, 120º+140º+x=360º e x=100º”.

Diante da apresentação dessa técnica tão resumida, e semesclarecimentos, a discussão foi conduzida para a validade da afirmação:“a soma dos três ângulos é 360º”. É a partir desse ponto que a tarefa seconstitui em uma nova tarefa. Enquanto os acadêmicos se reorganizavam,procurávamos socializar a norma institucional de que toda afirmação dessanatureza é valida se for devidamente provada, usando os recursos que ateoria nos proporciona.

Um grupo anunciou pouco tempo depois que tinha a prova. Oconvite para expor foi atendido por um representante do grupo, que veioimediatamente ao quadro.

A Figura 3 é a foto da técnica apresentada pelo acadêmico, na qualele pula o passo de indicar um correspondente do ângulo de 120º:

FIGURA 3 - Foto da resolução da tarefa.

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Análise da praxeologia dos acadêmicosOs parágrafos seguintes, incluindo a tabela e o esquema, contêm

a análise, na perspectiva da TAD, da técnica, da argumentação, dos registrosde linguagem utilizados e dos momentos didáticos vivenciados naresolução da tarefa. Traz também um esquema de análise do argumentona perspectiva de Toulmin.

TABELA 1 - Descrição da técnica matemática usada para resolver anova tarefa.

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Esquema de Toulmin (3)

De alguma forma, os elementos teóricos dessa praxeologia foramexpostos no quadro acima e na descrição da metodologia. Nesse caso,tivemos uma atividade dinâmica, em que uma técnica gerou um novoproblema e apelou para novos resultados tecnológicos. Esses resultadosfortaleceram a técnica apresentada e produziram novos resultados(CHEVALLARD, 2001). Tivemos na perspectiva de Toulmin oestabelecimento de uma verdade.

Parte da OD dessa atividade foi explicitada na introdução da tarefa.Um elemento novo surge nesse caso. Foi o desafio para se provar que asoma dos ângulos dados mais o ângulo a ser determinado era de 360º.Uma organização didática que surgiu de repente, pois a solução esperadapassava por outra técnica. Nessa OD foram privilegiados o diálogo, osdesafios, as conjeturas e a argumentação. Essas são competênciascomplexas segundo avaliadores do PNLD (BRASIL, 2007) que devem serdesenvolvidas na Educação Básica e os sujeitos da pesquisa são futurosprofessores desse nível de escolaridade.

Embora apenas um acadêmico tenha exposto a técnica, todotrabalho foi desenvolvido em grupo com a participação da classe, tendoem vista que esta, normalmente, é consultada e opina a qualquer instante

3 Segundo Toulmin, todo argumento válido expõe a sua própria limitação, antevendo as possíveisrefutações.

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quando uma ideia é exposta por um grupo. De qualquer forma, o trabalho,no mínimo, foi de uma dupla.

O primeiro grupo não explicitou como lhes sobreveio a idéia deque a soma daqueles ângulos era 360º. Até o instante em que foi exposta,nenhuma alternativa tinha sido proposta pela classe, portanto, a soluçãoapresentada foi resultado de uma conjetura do próprio grupo.

É possível, no entanto, inferir que tenha advindo da visualização deum quadrilátero construído a partir do traçado de uma paralela a uma dastransversais e passando pelo ponto de intersecção da outra transversalcom uma das paralelas.

Essa inferência decorre do fato de que essa tarefa voltou à tona nasessão seguinte e essa solução foi apresentada por outro acadêmico quefazia parte do primeiro grupo. Dessa forma, podem-se destacar diversos“momentos didáticos” que foram vivenciados nessa atividade.

O contato com o problema de forma refletida, assumindo oproblema como seu, é um desses momentos. Nesse contexto, ocorreuuma multiplicidade de questões que não conseguimos precisar, porqueficaram perdidas nas falas, nos gestos e nos esboços que não colhemos.

Houve o momento da exploração de uma técnica. Aliás, mais deuma técnica, porque, após a solução, quando apresentada a outros grupos,estes tentaram encontrar outras técnicas de resolução, muitas delasdescartadas, por serem insuficientes. Houve o momento dainstitucionalização, quando se formulou o teorema e efetuou-se a suademonstração segundo técnicas institucionalizadas.

Naquele contexto, foi produzida uma matemática nova para todosos envolvidos no processo. Foi descoberto e demonstrado um teoremaque pode enunciado da seguinte forma:

São dadas duas retas paralelas. Se essas paralelas são cortadas porduas transversais que se interceptam na região interna em relação àsparalelas, então a soma dos ângulos internos, que estão de um mesmolado das transversais, é 360º.

Hipótese: r e s são paralelas, t e u são transversais que se interceptamna região interior das paralelas.

Tese: a soma dos ângulos internos que estão de um mesmo ladodas transversais é 360º (a+b+x=360º).

A demonstração do teorema (Figura 4), após traçar a reta u, podeser resumida, levando em conta que os ângulos a=a´, a´=a´´, a´´=a´´´, porserem correspondentes e x=x´ por serem alternos internos em relação auma das transversais. Observa-se que a´´´+b+x´=360º e o teorema ficademonstrado4.

4 Destacamos que a demonstração terá um passo a menos se for eliminada a reta v, que édesnecessária. Destacamos, ainda, que há outras formas de demonstrar o mesmo teorema.Esta foi escolhida por coincidir com o raciocínio dos acadêmicos.

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FIGURA 4 - Demonstração do teorema.

Esse é um teorema que deve ser antigo e ter sido enunciado eprovado por muitos outros, mas que não era conhecido pelos acadêmicosenvolvidos. Foi um teorema novo para eles e recebeu dos própriosenvolvidos o nome de Kamyle, em homenagem à acadêmica que fez aprimeira exposição, em nome do seu grupo, e que produziu o desafio.

Entendemos que dentre as múltiplas razões apresentadas parainserção do estudo da Matemática e, particularmente, da geometriaeuclidiana na Educação Básica, a perspectiva de que ela permitedescobertas sem pôr em risco a integridade das pessoas seja uma delas.

Na Matemática, os experimentos podem ocorrer à vontade,porque, se conduzida em um contexto ético, não causam danos. A“toxidade” de um erro matemático está restrita ao campo da ética,especificamente, da ética do professor. Dessa forma, o que parecia serum erro do grupo representado pela Kamyle e que, em outra ciência,poderia conter riscos, resultou em uma experiência enriquecedora e dignade ser relatada.

Na perspectiva da TAD, esses são momentos didáticos importantes,porque institucionalizam práticas, levam ao estudo, geram explicações epromovem a busca pela tecnologia.

Os registros de linguagem utilizados na apresentação da técnica ena exposição da solução encontrada foram todos centrados naverbalização, nos gestos e nos traçados geométricos por serem os quemais facilitam a comunicação. Em uma linha de pensamento marcada peloformalismo, esses registros não são estimulados por lhes faltar o rigor. Noentanto, a TAD, ao partir do pressuposto de que o conhecimento é umaprodução social e que os registros de linguagem exercem um importantepapel na comunicação das ideias, enfatiza a importância desses registros

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na manipulação dos objetos matemáticos. Não há, nessa perspectiva,supremacia entre os registros durante uma organização didática. Osregistros verbais e gestuais também podem compor uma praxeologia,uma ação eficaz no estudo da Matemática, em que os gestoscomplementam as dificuldades de verbalização, de escrita e de traçadosgeométricos. O percurso da mão de quem explica ou os movimentoscorporais explicitam o pensamento quando um traçado ou uma palavra semostram insuficientes.

Considerações finaisDe alguma forma, a análise da praxeologia dos acadêmicos já

contempla nossas considerações. Nesse ponto destacaremos apenas maisalguns elementos que ficaram apenas implícitos nos parágrafosprecedentes. Um desses pontos consiste em destacar como a manipulaçãode objetos matemáticos não-ostensivos, através de objetos ostensivos,contempla a vivência de diversos “momentos de estudo” e pode conduzirsistematicamente para estágios formais e conclusivos.

Outro ponto a destacar é que os registros de linguagem de carátertemporário, como é o caso dos gestos e dos registros orais, necessitamser complementados pelos registros de caráter permanente (geométrico,algébrico e o escrito na língua materna), isto é, serem avaliadas e validadaspela comunidade científica. Somente após a validação, essa técnica, e asolução encontrada, poderão se tornar instrumentos para a resolução deoutras tarefas do mesmo tipo. Não obstante, essa “convivência” deregistros temporários com registros permanentes é consequência diretado processo interacionista adotado, portanto, esperada.

Um terceiro ponto é que no teorema Kamyle ficou evidente odesejo de verdade e a necessidade de buscar argumentos para convencer,no sentido matemático. Esse é um fator relevante, porque a TAD buscaexplicar o processo didático que se manifesta nessa procura pela verdadee a função da escola é encaminhar para a verdade científica. O exercíciode transformar uma resposta dada em uma nova tarefa evidenciou tambéma possibilidade de se vivenciar uma experiência científica em sala de aula.

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Recebido em: 05/09/2009Aprovado em: 01/04/2010

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DINÂMICAS CORPORAIS COMO FERRAMENTASSOCIOEDUCATIVAS1

Tania Suely Azevedo Brasileiro2

RESUMO: Esta comunicação se propõe a compartilhar uma experiênciametodológica de intervenção teórico-prática, baseada na aplicação deDinâmicas Corporais como ferramentas socioeducativas, tendo como baseteórica os fundamentos do pensamento de Paulo Freire, no qual o sujeitoé concebido como um ser histórico, coletivo e que a palavra ocupa umlugar de destaque na constituição de sua consciência, a partir de umcontexto ideológico e social, subsidiado por uma forma dialética de pensaras relações interdisciplinares no campo da Educação, levando em conta oser humano e as condições sociais, históricas e econômicas em que elevive.PALAVRAS-CHAVE: ações socioeducativas, Paulo Freire, metodologiaproblematizadora, dinâmicas corporais.

ABSTRACT: This communication if considers to share a methodologicalexperience of theoretician-practical intervention, based in the CorporalDynamic application as educations social tools, having as theoretical basethe beddings of the thought of Paulo Freire, where the citizen is conceivedas a historical, collective being, and that the word occupies a place ofprominence in the constitution of its conscience, from an ideological andsocial context, subsidized for a form dialectic to think the relationsinterdisciplinary about the field of the Education, leading in account thehuman being and the social conditions, historical and economic where itlives.KEYWORDS: Educations social action, Paulo Freire, problematicmethodology, corporal dynamic.

Levando em consideração a realidade adversa a que muitascrianças e jovens estão expostos em nosso país, devido a fatores devulnerabilidade social, tais como a ausência ou precária renda, o trabalho

1 Trabalho publicado nos Anais do I Congresso Pan-Amazônico de Educação Física e Esportes – AEducação Física e o Esporte sob a ótica social, Porto Velho/RO, promovido pelo Departamentode Educação Física da Universidade Federal de Rondônia, em setembro de 2008.2 Doutora em Educação pela Universidade Rovira i Virgili (URV)/Espanha. Docente doDepartamento de Educação da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e Líder do Grupo depesquisa PRAXIS, cadastrado no CNPq. E-mail: [email protected]

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informal e o desemprego, o precário ou nulo acesso aos serviços dasdiversas políticas públicas, a perda ou fragilização de vínculos depertencimento e de relações sociofamiliares e as discriminações,consideramos a urgência em defender uma política social inclusiva, quegaranta uma vida digna. Essa é uma missão das políticas públicas de umEstado social de direito e entendemos que as práticas socioeducativas,ações necessárias para combater essa realidade, constroem-se por meiode processos e atividades que possibilitem aprendizagens articuladas,que contribuam para o desenvolvimento pessoal e social de crianças eadolescentes, atualizando e complementando conhecimentos já trazidospor estes de sua vivência familiar e experiência cultural. Essas práticasdevem concretizar “a educação integral e se dão por meio doentrelaçamento da proteção social às características das práticaseducacionais e culturais” (PARÂMETROS SOCIOEDUCATIVOS, 2007, p.9),bem como sua promoção vai exigir um diálogo articulado com outrosatores da sociedade, visando à efetividade da garantia dessa proteção.

Encontramos na teoria freireana, atenta a esta realidade - que édinâmica, imprevisível, marcada pela contradição – algumas pistas, linhasde partida, para os caminhos a descobrir, na construção de um futuromelhor e, mais que respostas às nossas indagações, ela apresenta desafiosà nossa reflexão crítica, à nossa criatividade e um apelo à nossa ação, poispropõe uma Pedagogia aberta, fiel à realidade sempre tão diferente ecomplexa de cada comunidade, instigando-nos a desenvolver um tipo derelação ser humano-mundo problematizadora e humanizada.

Essa perspectiva teórica pode nos ajudar no trabalhosocioeducativo, pois o mesmo visa à promoção de aprendizagens deconvívio social e de participação na vida pública. Sabemos que este écomplexo, na medida em que tem o desafio de conjugar a intencionalidadeda área educacional e a valorização dos saberes populares e da ética dodireito, que define o usufruto dos serviços, não como privilégio, mascomo direito à cidadania, além de envolver outras dimensões, como odesenvolvimento do sentido coletivo, da autonomia na vida, do acessoaos serviços básicos, do reconhecimento e do compromisso com questõesque afetam o bem comum. Essas são condições essenciais para quecrianças e adolescentes alcancem o sentido de pertencimento e inclusãosocial, podendo favorecer sua integração a redes de proteção social apartir das políticas públicas, das famílias e das comunidades.

Segundo Freire (1997), vamos encontrar na Educação o terrenoem que o poder e a política se expressa de maneira fundamental, no quala produção de significado, de desejo, de linguagem e de valores estãocomprometidos e respondem às crenças mais profundas acerca do que

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significa ser humano, sonhar e lutar por um futuro e uma forma de vidasocial especiais. Assim, ela se converte ao mesmo tempo em um ideal eem um referencial de mudança a serviço de um novo tipo de sociedade.Cabe ao educador, comprometido com uma sociedade mais justa eigualitária, assumir a favor de quem e contra o quê vai atuar.

A teoria freireana de poder, e sua demonstração do caráterdialético, cumpre a importante função de ampliar o nosso entendimentoacerca das esferas e âmbitos em que atua. Afirma que a lógica da dominaçãorepresenta uma combinação de práticas materiais ideológicas, históricase contemporâneas num contexto de relações assimétricas de poder. Paraeste autor, o poder é uma força negativa e ao mesmo tempo positiva,pois, por ser de natureza dialética, seu exercício consiste sempre em algomais que na simples repressão. O poder atua sobre e através das pessoas.Do mesmo modo que as ações de homens e mulheres estão limitadaspelas restrições específicas, estes/as são também responsáveis pelasrestrições e pelas possibilidades que venham a surgir ao desafiá-las.

Tomando o exposto como referência para nossas reflexões,sentimo-nos corresponsáveis por essa superação e assumimos o viés dapossibilidade de enfrentamento, apoiando-nos em uma educação quebusca a emersão das “consciências” de que resulte sua inserção crítica narealidade. Com isso, após vários anos de pesquisa e aplicação na escola,na universidade e nos espaços de socialização institucional doconhecimento, elaboramos uma proposta metodológica de natureza crítica,na qual dinâmicas corporais são usadas como ferramentas socioeducativas,com o intuito de tornar o corpo, consciente, capaz de travar com seu meiouma ação dialética de vida. Palavras geradoras são adotadas como recursoauxiliar na aplicação dessas dinâmicas, consideradas ferramentas detrabalho na construção de um mundo mais humanizado. Buscamoscomeçar nossa reflexão pela problemática: “o que é seu corpo para você?”.Essa pergunta nos leva a pensar as ações/interações desde os contextosindividual e social, contribuindo para ampliar nossa visão de mundo e opapel que devemos/queremos assumir na transformação da realidade.

A metodologia problematizadora que conduz este trabalho é denatureza dialética e seu contexto vivencial é o campo da comunicação emtorno das situações reais, concretas, existenciais, ou em torno dosconteúdos intelectuais, demandando a compreensão dos signossignificantes dos significados por parte dos sujeitos interlocutoresproblematizados (FREIRE, 1997), diminuindo, assim, a distância entre aexpressão significativa do educador e a percepção pelos educandos emtorno do significado, que passa a ter a mesma significação para ambos.Para mediatizar essa relação dialógica, que deve ser de caráter

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multiprofissional, criamos e/ou adaptamos algumas técnicas para usocomo ferramenta socioeducativa. Dentre elas, destacamos as seguintes:descoberta; corpo objeto; retrospectiva; técnica dos rótulos; diálogo dasmãos; passar o corpo; dentro/fora; elevar o corpo. Essas dinâmicascorporais buscam facilitar a descoberta de si mesmo, do/a outro/a e desuas relações no processo ensino-aprendizagem, aprendendo a lidar comseus próprios sentimentos e emoções, bem como auxiliar no processo deconscientização, por meio da tomada de consciência pelo empenho críticode desmistificação da realidade, em que os “conteúdosproblematizadores” se tornam objeto cognoscível da interação doeducando e do educador – investigadores críticos dessa realidade. A seguir,priorizamos a descrição de três delas, a título de exemplificação.

A técnica Retrospectiva foi criada com o objetivo de conscientizaros estágios de vida, as marcas que cada etapa deixa registrada em nossosubconsciente; provavelmente essas experiências irão influenciar na nossamaneira de ser e de nos posicionarmos diante dos outros. Aplicação daTécnica: 1º momento: deve-se imaginar seu corpo quando criança/adolescente/ adulto e registrar, numa folha de papel, uma palavra quevenha representar cada etapa do seu desenvolvimento; 2º momento:convida-se uma pessoa do grupo para expressar com movimentos, atravésdo seu corpo, o que está escrito no papel que foi escolhido. A linguagemverbal não deve ser usada nesse momento. Os outros membros do grupotentarão identificar a etapa de vida e quem é aquela pessoa que aescreveu; 3º momento: abre-se a discussão no grupo sobre as palavrasque mais aparecem e o que representam para esse grupo, procurandofazer uma relação com nossa maneira de ver os outros e a nós mesmos. Épossível fazer uma variação no 2º momento da aplicação da técnica,podendo a comunicação ser feita através de movimentos (dramatização),expressando como cada um se percebeu e, em dupla, seu/suacompanheiro/a tentará adivinhar o que foi ou demonstra ser para ele/a,pela linguagem do seu corpo, sua percepção do/a outro/a, podendoanalisar se esta confere com o registro das palavras que inicialmente foiregistrada em papel.

A técnica Descoberta busca utilizar jornais, que são colocados nochão, formando um grande quadrado ou retângulo, sem deixar espaçovago entre eles. Ela pode ser aplicada com crianças, mas visando a umtrabalho de coordenação motora geral, além de contribuir na socializaçãodo grupo. Aplicação da Técnica: 1º momento: caminhar, de olhos fechados,descalço e procurar não tocar uns nos outros, buscando perceber seupróprio corpo e as sensações do desconhecido; 2º momento: ainda deolhos fechados, procurar tocar o colega, com partes do corpo, evitando

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invadir o espaço dele; 3º momento: andar rápido, sem deixar que os jornaissaiam da formação. Os olhos agora deverão estar abertos, procurandoreconhecer as pessoas que você possa ter tocado no momento anterior;4º momento: todos se sentam nos jornais e à medida que se sentem àvontade, vão relatar como foi a experiência (quais foram os pontospositivos e negativos). Há variações que vão desde introduzir música epedir que os/as alunos/as se locomovam no ritmo proposto, até usar oapito como estímulo para o deslocamento, a partir da formação doquadrado de jornais no chão. O importante é a reflexão sobre nosso corpono espaço (nesse caso, limitado) e diante do desconhecido.

Corpo Objeto é uma técnica que propõe várias situações ao grupo,que irão ajudar no trabalho de consciência corporal. Aplicação da Técnica:1º momento: caminhar à vontade pela sala, procurando observar tudo aoredor; evitar olhar para o colega, devendo concentra-se nos objetos eseus detalhes; 2º momento: deve-se registrar como se sente fazendoparte do grupo e não se comunicando com ele; 3º momento: andar rápido,evitando o contato com os colegas, mas olhando bem nos olhos daqueleque cruzar seu caminho; procura-se passar uma mensagem nessa troca deolhar; 4º momento: para-se em frente de um colega e “usa-o” como“objeto” de sua vontade, fazendo-o mover-se (ocupar formas estáticasno espaço) de acordo com sua determinação. Depois, deve-se passar a ser“comandado” por ele. Registra-se como foi a experiência; 5º momento: asduplas devem procurar manifestar seus sentimentos, após vivenciarem aatividade, partindo para a discussão no grupo sobre a questão do “CorpoObjeto” (a partir de uma situação-problema proposta).

Pela compreensão da unidade dialética em que se encontramsolidárias subjetividade e objetividade, podemos escapar ao errosubjetivista, como ao erro mecanicista, e então perceber o papel daconsciência ou do corpo consciente na transformação da realidade (FREIRE,1977).

Para Leontiev (1978, p.43), “cada indivíduo aprende a ser umhomem. O que a natureza lhe dá quando nasce não basta para viver emsociedade. É preciso adquirir o que foi alcançado no decurso dodesenvolvimento histórico da sociedade humana”. O desenvolvimentoindividual não é visto, portanto, como resultante de uma “propriedade”ou “faculdade” primitivamente existente no sujeito (definidas por razõesdivinas ou biológicas), nem como puro reflexo de condicionamentosexternos; não é imutável e universal, nem tampouco independente dodesenvolvimento histórico e das formas sociais da vida humana. Nesseparadigma, a cultura humana é parte constitutiva da natureza humana, jáque a formação das características psicológicas individuais se dá através

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da internalização dos modos e atividades psíquicas, historicamentedeterminados e culturalmente organizados. Ao mesmo tempo queinternaliza o repertório social, o sujeito o modifica e intervém em seumeio. Nesse processo bidirecional de influências, o indivíduo é capaz,inclusive, de renovar a própria cultura.

Acredita-se que ferramentas como essas podem ajudar a criarcondições propícias para uma aprendizagem significativa das dimensõesdo conhecimento como um todo, do autoconhecimento e doconhecimento do outro, numa perspectiva de aquisição e ampliação derepertórios culturais que desenvolvam nas crianças, adolescentes e jovens,motivação e interesse para continuar aprendendo por toda a vida,exercendo assim um papel fundamental no processo de conscientizaçãoe de emancipação do ser humano. Nesse sentido, os princípios teórico-metodológicos de Paulo Freire subsidiam-nos na luta por um mundomelhor para todos.

ReferênciasFREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1977._______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práticaeducativa. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1997.LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1978.PARÂMETROS SOCIOEDUCATIVOS: proteção social para crianças,adolescentes e jovens: Igualdade como direito, diferença como riqueza:Caderno 1: Síntese / CENPEC – São Paulo. SMADS; CENPEC; Fundação ItaúSocial, 2007.

Recebido em: 04/09/09Aprovado em: 11/01/10

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