52
Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 George Monbiot • Paulo Artaxo • Sérgio Leitão • Luisa Destri Nicki Carter • Irwin Jerome • Ronaldo Koloszuk • Ewa Magiera ISSN 0104-0030

Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21

ECO•21G

eo

rge

Mo

nb

iot

• P

au

lo A

rta

xo

• S

érg

io L

eit

ão

• L

uis

a D

est

ri

Nic

ki

Ca

rte

r •

Irw

in J

ero

me

• R

on

ald

o K

olo

szu

k •

Ew

a M

ag

iera

ISSN

0104-0

030

Page 2: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 3: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Tara Ayuk

Erik von Farfan Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro José Mon serrat Filho

Samyra Crespo Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lídia Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Serviços Infor mativos

Argentina: Ecosistema Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência,

EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil França: Valeurs Vertes, La Recherche

Itália: ECO (Educazione Sostenibile) México: Archipiélago

Direção de Arte

ARTE ECO 21

CTP e impressão Tricontinental

Jornalista Responsável

Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas Anual: R$ 130,00

[email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21) 2275-1490 [email protected]

www.eco21.com.br

Facebook www.facebook.com/revista.eco21

A n o 2 9 • J a n e i r o 2 019 • N º 2 6 6

ECO•21

Capa: Desenho de escultura localizada no Memorial da América Latina, em São Paulo Arte: Oscar Niemeyer

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

w w w. e c o 2 1 . c o m . b r

Há 30 anos, no dia 22 de Dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado por ruralistas e desmatadores do Acre. O disparo já silenciou há muito tempo, mas o morto vive, há muito tempo. Do corpo enterrado nasceu uma nova floresta verde, obstinada em germinar novas vozes mais fortes do que o chumbo das balas, mais duras do que o destino, mais tenras do que as flores e mais vivas do que a própria morte. Trinta anos depois, o sangue das veias abertas da floresta continua espirrando na região amazônica e além dela. No ano passado quase 60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento tanto da Floresta Amazônica quanto a do Cerrado aumentou 40%, só no nosso país. Até Julho do ano passado, a maior parte do desmatamento (62%) ocorreu em áreas privadas; o restante foi registrado em assentamentos de Reforma Agrária (19%), Unidades de Conservação (15%) e Terras Indígenas (4%). Entre 2000 e 2017 o Brasil perdeu meio milhão de km2 de vegetação nativa. Já na Venezuela, o Governo liberou quase 115 mil km2 para exploração de minérios colocando em perigo não somente as comunidades indígenas como a própria biodiversidade. A Bolívia, a Colômbia e o Peru não ficaram atrás. Ao derrubarem a floresta nativa também destruíram o hábitat da rica fauna e flora sul-americana. Basta mencionar a quase extinção da emblemática arara-azul e a do maior felino da região: a onça-pintada. Com a perspectiva de um 2019 mais quente do que todos os anos anteriores, a vida animal e vegetal sofrerá severas alterações. O aquecimento das águas dos oceanos gerará tempestades e chuvas mais intensas e destruirá os corais, que são o berço da vida marinha. Segundo um recente relatório da NASA, a Antártida, entre 2009 e 2017, perdeu cerca de 252 gigatoneladas de massa gelada por ano, o que significa 6 vezes mais do que nos anos anteriores. Como resultado, até o final do século, o nível do mar pode subir em 30 cm. inundando Miami, Buenos Aires e o Rio de Janeiro. O maior problema do mundo, e da nossa região, hoje, é que há governantes que negam a crise climática e a da biodiversidade inspirados na demência de Trump. Por isso, para sobreviver, o melhor a fazer é manter viva a floresta de Chico Mendes.

As veias abertas da biodiversidade e da crise climática

4 George Monbiot - Contra o desastre climático, somente uma ação radical 6 Irwin Jerome - Vivemos a Crise Climática e não a Mudança Climática 8 Ewa Magiera - COI lança iniciativa para ação climática da ONU-Esporte10 Damian Brandy - A nova dinâmica geopolítica é das energias renováveis12 Fernanda Macedo - Entrevista com Paulo Artaxo16 Nicki Carter - Conectar-se à natureza é uma questão de justiça ambiental18 Renato Rodrigues - Agricultura brasileira e redução dos Gases de Efeito Estufa20 Eduardo Geraque - Fauna saudável ajuda a combater mudança climática21 Peter Moon - O destino dos mamíferos após a extinção dos dinossauros24 Elton Alisson - Engenharia da biodiversidade para restaurar ecossistemas28 Kellen Leal - Pesquisadores criam algoritmo para restaurar a Mata Atlântica30 Camila Maciel - 12 pesquisadores brasileiros estão entre os mais influentes32 Cristina Tordin - Bactérias da Antártica produzem substâncias anticancerígenas34 Tara Ayuk - Estudo traz dados sobre 18 mil cavernas36 Luiza Lafuente - Consórcio é opção para investir em sistemas solares38 Ronaldo Koloszuk - Armazenamento da energia solar: a nova fronteira39 Sérgio Leitão - Não finalizar Angra 3 geraria economia de R$ 12,5 bi40 Erik Von Farfan - Itaipu e Undesa tem soluções globais em água e energia42 Luisa Destri - Pela sobrevivência das línguas indígenas48 Daniela Bianchini - Grandes redes de fast-food ignoram o bem-estar de frangos50 Glenda Mezarobba - Segredos da floresta

Page 4: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

O “realismo” político diante do aquecimento global fracassou; isso porque as elites e as corporações bloquearam as saídas. Está na hora de pensar numa reconversão geral da economia.

Foi um momento desses de mudar a vida. Na coletiva de imprensa do Extinction Rebellion (Revolta contra a Extinção) ocorrida recentemente, dois de nós, jornalistas, perguntamos aos ativistas se consideravam realistas seus objetivos. Eles pediam, por exemplo, que as emissões de carbono no Reino Unido fossem reduzidas a zero até 2025. Não seria melhor, questionamos, perseguir alguns objetivos intermediários?

Uma jovem chamada Lizia Woolf deu um passo adiante. Ela não havia se pronunciado antes, e eu quase nem a havia notado, mas a paixão, pesar e fúria de sua resposta foram profundamente convincentes. “O que vocês estão me pedindo, como uma jovem de 20 anos, para encarar e aceitar sobre meu futuro e minha vida?… isto é uma emergência – estamos diante da extinção. Quando vocês fazem perguntas como essa, o que esperam que eu sinta?” Ficamos sem resposta.

Objetivos mais moderados podem ser politicamente rea-listas, mas são fisicamente irrealistas. Apenas as mudanças proporcionais à escala de nossa crise existencial têm alguma perspectiva de evitá-las. O realismo sem esperança, que con-torna o problema pelas bordas nos colocou nessa confusão. Não nos tirará.

Os dirigentes políticos falam e agem como se a mudança ambiental fosse linear e gradual. Mas os sistemas da Terra são altamente complexos, e os sistemas complexos não respondem à pressão de forma linear.

George Monbiot | Jornalista

Contra o desastre climático, somente uma ação radical

Quando esses sistemas interagem (porque a atmosfera, os oceanos, a superfície da terra e as formas de vida do pla-neta não estão sentadas placidamente em caixas que tornam os estudos mais convenientes), suas reações às mudanças tornam-se altamente imprevisíveis. Pequenas perturbações podem ramificar-se de forma selvagem. Os pontos de virada provavelmente permanecerão invisíveis até que tenhamos passado por eles. Poderíamos assistir mudanças de estado tão abruptas e profundas que nenhuma continuidade pode ser prevista com segurança.

Basta que apenas um dos muitos sistemas de suporte à vida de que dependemos – solos, aquíferos, chuvas, gelo, padrões de ventos e correntes, polinizadores, abundância biológica e diversidade – falhe para todo o resto desabar. Por exemplo, quando o gelo do Ártico derreter além de certo ponto, as retroalimentações desencadeadas (tais como água mais escura absorvendo mais calor, derretimento do gelo permanente liberando metano, mudanças no vórtice polar) poderão tornar os distúrbios climáticos desenfreados, impossíveis de deter. Quando o período conhecido como “Dryas Recente” terminou há11.600 anos, os núcleos de gelo da Groenlândia revelam que as temperaturas subiram 10°C em uma década.

Não acredito que o colapso contemporâneo ainda seja inevitável, ou que uma resposta adequada seja impossível, técnica ou economicamente. Quando os EUA entraram na II Guerra Mundial, em 1941, substituíram em poucos meses uma economia civil por uma economia militar. Como lembra Jack Doyle em seu livro, Taken for a Ride (Levado para um passeio).

chim

ney

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•214

| análise |

Page 5: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

“Em um ano, a General Motors desenvolveu e construiu, completamente a partir do zero, as aeronaves Avenger 1000 e Wildcat 1000. Pouco mais de um ano após a Pontiac ser contratada pela Marinha para construir mísseis anti-navios, a empresa começou a entregar o produto completo às esquadras norte-americanas em todo o mundo”. E isso antes que a avan-çada tecnologia da informação tornasse tudo mais rápido.

O problema é politico. Uma análise fascinante do professor de ciências sociais Kevin Mackay sustenta que, no colapso das civilizações, as oligarquias são causa mais fundamental que a complexidade social ou a demanda energética. O controle oligárquico, sustenta Mackay, impede que sejam tomadas decisões racionais, porque os interesses de curto prazo da elite são radicalmente diferentes dos interesses de longo prazo da sociedade. Isso explica por que civilizações passadas entraram em colapso “a despeito de possuírem know-how cultural e tecnológico para resolver suas crises”. As elites econômicas, que se beneficiam da disfunção social, bloqueiam as soluções necessárias.

O controle oligárquico da riqueza, da política, da mídia e do discurso público explica a ampla falência institucional que está nos levando em direção ao desastre. Pense em Donald Trump e seu gabinete de multimilionários; na influência dos irmãos Kock; no império Murdoch e sua contribuição maciça à negação da ciência climática; nas empresas de petróleo e automobilística, cujos lobbies evitam uma mudança mais rápida para novas tecnologias.

Não são apenas os governos que têm fracassado em dar uma resposta, embora eles tenham malogrado de modo espetacu-lar. A mídia pública encerrou deliberada e sistematicamente a cobertura ambiental, ao mesmo tempo em que permitiu que os lobistas, financiados de forma nada transparente, e que se disfarçavam de think-tanks, moldassem o discurso público e negassem o que enfrentamos.

Os acadêmicos, com medo de perturbar seus financiadores e colegas, morderam os lábios. Mesmo os organismos que afirmam estar enfrentando nossa crise permanecem presos em estruturas destrutivas.

Por exemplo, há algumas semanas eu compareci a uma reunião sobre a crise ambiental no Instituto de Pesquisa em Políticas Públicas (Institute for Public Policy Research). Muitas pessoas na sala pareciam entender que o crescimento econômico contínuo é incompatível com a sustentabilidade dos sistemas da Terra.

Como aponta o autor Jason Hickel, a dissociação entre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e o uso global de recursos não aconteceu e não acontecerá. Embora 50 bilhões de toneladas de recursos naturais usados anualmente sejam praticamente o limite tolerável para os sistemas da Terra, o mundo já vem consumindo 70 bilhões de toneladas desses recursos. A inércia dos negócios, com as taxas atuais de crescimento econômico, garantirá que o número chegue a 180 bilhões até 2050.

O uso dos recursos naturais com máxima eficiência, combinado com enormes impostos sobre carbono e algumas suposições bastante otimistas reduziriam isso para 95 bilhões de toneladas: considerados ainda muito além dos limites do meio ambiente. Um estudo que leva em conta o efeito rebote (a eficiência leva a mais uso de recursos) eleva a estimativa para 132 bilhões de toneladas. O crescimento verde, como parecem aceitar os membros do Instituto de Pesquisa em Políticas Públicas, é fisicamente impossível.

No mesmo dia, o mesmo Instituto anunciou um novo grande prêmio de economia para “propostas ambiciosas para alcançar uma melhora na mudança de patamar na taxa de crescimento”. Ele procura ideias que permitam que as taxas de crescimento econômico pelo menos dobrem no Reino Unido. O anúncio foi acompanhado pelo usual blá blá blá sobre sustentabilidade, mas nenhum dos juízes do prêmio tem um currículo notável por interesse ambiental.

Aqueles de quem esperamos soluções movem-se como se nada tivesse mudado. Eles continuam a se comportar como se a evidência acumulada não tivesse nenhum peso em suas mentes. Agora, depois de décadas de insucesso institucional, apenas propostas “não-realistas” – a reconversão da vida econômica, com efeito imediato – têm agora uma chance realista de deter a espiral da morte planetária. E somente aqueles que estão fora das instituições falidas podem liderar esse esforço.

Duas tarefas precisam ser realizadas simultanea-mente: lançarmo-nos à possibilidade de evitar o colapso, como está fazendo a Revolta contra a Extinção, por menor que essa chance possa parecer. E nos prepararmos para o provável fracasso desses esforços, por mais aterrorizante que seja essa perspectiva. Ambas as tarefas requerem uma revisão completa do nosso relacionamento com o planeta vivo. Por-que não podemos nos salvar sem compreender que as lutas contra o domínio oligárquico; por democracia e justiça; e contra o colapso ambiental são uma só e mesma coisa. Não permitamos que aqueles que causaram esta crise definam os limites da ação política. Não permitamos que aqueles cujo pensamento mágico nos colocou nessa confusão nos digam o que pode e o que não pode ser feito.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 5

| análise |

Page 6: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 7: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Mais um ano se passou e o clima da Terra continua cada vez mais extremo, violento e imprevisível. No entanto, todos os dias, em todo o mundo, ouvem-se políticos, industriais, cientistas, acadêmicos, âncoras de notícias e protagonistas ou pessimistas de todas as cores e formas que abusam da expressão da chamada Mudança Climática para descrever qual é a realidade real do que está acontecendo. É uma piada doentia ou uma mentira cruel sendo perpetrada?

Como o choque de ondas furiosas contra todas as margens da Terra, o ruído é tão constante e ensurdecedor quanto é entorpecedor da mente. O barulho está sendo causado pela atividade humana fora de controle e pela civilização moderna igualmente fora de controle do mundo que só sabe criar quantidades excessivamente maiores e maiores daquilo que destrói tudo que está em sua passagem: dinheiro, riqueza, população?, a imigração e a expansão ilimitada de muito mais que continuam a ser projetadas para a frente, desordenadas, em um futuro desconhecido? Ou as constantes, cada vez mais radicais, mudanças planetárias em todos os lugares ocorrem simplesmente como parte de uma série natural e imutável de ciclos intermináveis de nossa mãe, a Terra simplesmente passando pelas muitas mudanças violentas que ela teve que suportar, assim como um zilhão de outros corpos planetários no universo?

Ralph Nader, ex-candidato do Partido Verde à presidência dos EUA, voltou a chamar nossa atenção para o uso cruel e perverso do termo “Mudança Climática”, tão impiedosamente usado por muitos especialistas em negação, que sempre buscam fugir e evitar a inevitável pergunta sobre o “Dilema da Ilha Terra” (Earth Island Dilemma) que subjaz a essa realidade mais crítica desses tempos modernos, sobre os quais o destino da humanidade depende precariamente.

Vivemos a Crise Climática e não a Mudança Climática

Irwin Jerome | Escritor e antropólogo amador

Nader e outros especialistas gostam de chamar a atenção incansavelmente para o fato de que quando normalmente se faz referência à “mudança climática”, ela tem mais a ver com condições meteorológicas locais variáveis, ou mudanças cíclicas das estações, do Inverno à Primavera e do Outono ao Verão. No entanto, muitos protagonistas dissimulados e hipócritas nos campos da política, indústria, ciência, academia e mídia de massas procuram disfarçar ou esconder suas verdadeiras intenções que têm mais a ver com o desastroso dilema humano e planetário, para o qual estão dispostos a participar, seja qual for o fim do seu próprio autosserviço. Repetindo nos ouvi-dos do mundo a frase “mudança climática isto ou mudança climática aquilo”, eles buscam fazer simultaneamente uma lavagem cerebral e distrair a atenção do público da simples verdade de que todas as ações que estão tomando são nada mais nada menos do que a Crise Climática ou pior, o Clima e a Devastação Humana. O ponto exacerba o perene dilema da Ilha de Páscoa que toda a humanidade e civilização moderna enfrentam, causado pela ganância grosseiramente desequili-brada do comportamento humano descontrolado.

Então, aqui está uma nova resolução sugerida para toda a raça humana em 2019. Deste ponto em diante, toda vez que um ou outro político dissimulado, CEO corporativo, acadêmico conhecido ou âncora de jornal use a expressão de lavagem cerebral “mudança climática”, todos nós, cidadãos da Terra, imediatamente chamaremos, escreveremos, ou faremos um tweet manifestando o nosso protesto para quem quer que seja sobre o que está por trás de toda a lavagem cerebral.

Talvez, com a decisão de mudar de vida, que fazemos todo Ano Novo, nós, coletivamente, possamos começar a minimizar em 2019 as tragédias que estão sendo cometidas contra todos nós como um povo, uma raça, um Planeta.

Jae

C. H

ong

Aar

on F

avila

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 7

| crise climática |

Page 8: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Enquanto os líderes mundiais se reuniram na COP-24, na Polônia, para implementar o Acordo de Paris com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, o Comitê Olímpico Internacional (COI) assumiu a nova iniciativa da ONU: “Esporte pela Ação Climática”, que pretende direcionar a luta contra as mudanças climáticas na comunidade esportiva. Esta iniciativa visa ajudar a comunidade esportiva a combater as mudanças climáticas por meio de ações e parcerias concretas, aplicando padrões reconhecidos para quantificar, reduzir e relatar as emissões de Gases de Efeito Estufa no Acordo de Paris.

“Lutar contra a mudança climática é responsabilidade de todos - o COI leva essa missão muito a sério - como organiza-ção, como proprietária dos Jogos Olímpicos e como líder do Movimento Olímpico. O esporte é sinônimo de ação, é urgente que o mundo atue para limitar o aumento de temperaturas, e o Movimento Olímpico e a comunidade esportiva estão comprometidos em contribuir para a iniciativa esporte pela ação climática”, disse Thomas Bach, Presidente do COI.

COI lança iniciativa para ação climática da ONU-Esporte

Ewa Magiera | Gerente de Comunicações do COI

As mudanças climáticas afetam o esporte

Falando numa reunião de alto nível, na COP-24, o Prín-cipe Albert II, Presidente da Comissão de Sustentabilidade e Patrimônio do Comitê Olímpico Internacional, disse: “O COI está orgulhoso de tomar as rédeas da iniciativa Esporte pela Ação Climática. Com seu alcance global, apelo universal, poder inspirador e capacidade de influenciar milhões de pessoas em todo o mundo, o movimento esportivo está singularmente posicionado para liderar a luta contra a mudança climática. Mudança climática em nível internacional e mobilização de pessoas para esta causa À medida que os países reunidos aqui em Katowice se preparam para pôr em prática seus compromissos climáticos, estamos prontos para que o poder do esporte seja voltado no sentido de apoiar seus objetivos sobre o clima”.

A prática esportiva já é fortemente afetada pelas mudanças climáticas. Os invernos amenos, com neve incerta, ameaçam os esportes de inverno.

Dav

id G

erst

ein

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•218

| esporte e clima |

Page 9: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

O aumento das temperaturas no verão e condições climáticas imprevisíveis estão se tornando cada vez mais estressantes para atletas de esportes de verão, organizadores de eventos e espectadores.

O acordo-quadro “desporto para a ação climática” apela ao movimento desportivo - e em particular às federações desportivas, ligas e clubes - para elaborarem um plano de ação climática cinco princípios: promover maior responsabilidade ambiental; reduzir o impacto global das alterações climáticas; aumentar a conscientização sobre a ação climática; incentivar hábitos de consumo sustentáveis e responsáveis; e defender a luta contra as alterações climáticas através de campanhas de comunicação. A iniciativa também visa usar o esporte como um motor de conscientização e ação climática.

O COI, os Comitês Organizadores dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e Paris 2024 e organizações esportivas como a Federação Interncaional de Vela (World Sailing - WS), a World Surf League (WSL), Roland Garros e Forest Green Rovers – um clube de futebol profissional com sede no Reino Unido, cuja missão é “tornar o futebol mais verde” – todos assinaram o Acordo-Quadro. Atletas de todo o mundo expressaram seu apoio a essa iniciativa.

Por meio de seu papel de liderança, o COI ajudará os sig-natários a entender e implementar os princípios orientadores dessa iniciativa. Para apoiar este acordo-quadro, o Comitê Olímpico Internacional publicou hoje dois guias práticos (apenas em inglês): “Metodologia da Pegada de Carbono para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos”, que dá conselhos detalhados aos Comitês Organizadores sobre como medir a pegada de carbono dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos; e “Esportes para a Ação Climática”, publicado em colaboração com a UNFCCC.

Todos os atletas sabem que o objetivo da iniciativa é permitir que o Movimento Olímpico em geral compreenda melhor as questões relacionadas à mudança climática e à gestão do carbono.

Sustentabilidade é um princípio de trabalho do Movi-mento Olímpico e um dos três pilares da Agenda Olímpica 2020, o roteiro estratégico para o futuro do Movimento. A luta contra as alterações climáticas é uma parte importante do trabalho do COI na sustentabilidade: o clima é um dos cinco temas-chave – e um tema transversal – da estratégia de sustentabilidade do COI. A ambição do COI para 2030 é implementar estratégias eficazes de redução de carbono para suas operações e eventos, de acordo com os objetivos do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima.

Como responsável dos Jogos Olímpicos, o COI agora solicita que os Comitês Organizadores estabeleçam planos de gestão de carbono e tomem medidas para incentivar a adoção de soluções de baixo carbono e compensar as emissões de carbono, o gás de efeito estufa. Como organização, o COI implantou iniciativas de redução de carbono e compensou suas emissões residuais com a ajuda de seu parceiro oficial de carbono, a Dow. Como líder do Movimento Olímpico, o COI fornece orientação e apoio personalizados sobre ques-tões climáticas para as Federações Internacionais (IFs) e os Comitês Olímpicos Nacionais (NOCs).

O Comitê Olímpico Internacional é uma organização independente, internacional, sem fins lucrativos, de voluntários comprometidos com a construção de um mundo melhor por meio do esporte. Redistribui mais de 90% de suas receitas para o movimento esportivo em geral, o equivalente a US$ 3,4 milhões por dia para ajudar atletas e organizações esportivas em todos os níveis do mundo.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 9

| esporte e clima |

Page 10: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

A Comissão Global sobre a Geopolítica da Transformação de Energia diz que a nova era da energia reformulará as relações entre estados e regiões; gerando “Um Novo Mundo” de poder, segurança, independência energética e prosperidade.

Líderes políticos e empresariais de todo o mundo deli-nearam as implicações geopolíticas de longo alcance de uma transformação de energia impulsionada pelo rápido cresci-mento da energia renovável. Em um novo relatório lançado hoje na Assembleia da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), a Comissão Global sobre a Geopolí-tica da Transformação de Energia diz que as consequências geopolíticas e socioeconômicas de uma nova era da energia podem ser tão profundas quanto as que acompanharam a mudança de biomassa para combustíveis fósseis há dois sécu-los. Estes incluem mudanças na posição relativa dos estados, o surgimento de novos líderes de energia, atores energéticos mais diversificados, mudanças nas relações comerciais e o surgimento de novas alianças.

A nova dinâmica geopolítica é das energias renováveis

Damian Brandy | Jornalista da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA)

O relatório da Comissão “Um Novo Mundo” sugere que a transformação da energia mudará a política energética como a conhecemos. Ao contrário dos combustíveis fósseis, as fontes de energia renováveis estão disponíveis de uma forma ou de outra na maioria das localizações geográficas. Essa abundância fortalecerá a segurança energética e promoverá maior inde-pendência energética para a maioria dos estados.

Ao mesmo tempo, à medida que os países desenvolvem energias renováveis e integram cada vez mais suas redes elétricas com os países vizinhos, novos padrões de interdependência e comércio emergirão. A análise mostra que os conflitos relacionados a petróleo e gás podem diminuir, assim como a importância estratégica de alguns pontos de estrangulamento marítimos.

A transformação energética também criará novos líderes energéticos, ressalta a Comissão, com grandes investimentos em tecnologias de energia renovável, fortalecendo a influência de alguns países.

IRE

NA

IRE

NA

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2110

| geopolítica |

Page 11: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

A China, por exemplo, aumentou sua posição geopolítica ao assumir a liderança na corrida pela energia limpa, tornando-se o maior produtor, exportador e instalador mundial de painéis solares, turbinas eólicas, baterias e veículos elétricos. Os exportadores de combustíveis fósseis podem ver um declínio em seu alcance e influência global, a menos que adaptem suas economias para a nova era da energia.

“Este relatório representa a primeira análise abrangente das consequências geopolíticas da transição energética impulsio-nada por energias renováveis, e um marco fundamental para melhorar a nossa compreensão desta questão”, disse o presidente da Comissão Olafur Grimsson, ex-presidente da Islândia. “A revolução das energias renováveis melhora a liderança global da China, reduz a influência dos exportadores de combustíveis fósseis e traz a independência energética para os países ao redor do mundo. Um fascinante futuro geopolítico está reservado para países da Ásia, África, Europa e Américas. A transfor-mação da energia traz grandes mudanças de poder”.

“A transformação global de energia impulsionada por energias renováveis pode reduzir as tensões geopolíticas relacio-nadas à energia como as conhecemos e promover uma maior cooperação entre os estados. Essa transformação também pode mitigar os desafios sociais, econômicos e ambientais que muitas vezes estão entre as causas da instabilidade geopolítica e do conflito”, disse Adnan Z. Amin, diretor-geral da IRENA.

“No geral, a transformação global de energia apresenta oportunidades e desafios”, continuou o Sr. Amin. “Os benefícios superam os desafios, mas apenas se as políticas e estratégias corretas estiverem em vigor. É imperativo que líderes e formuladores de políticas antecipem essas mudanças, e sejam capazes de gerenciar e navegar no novo ambiente geopolítico”.

A Comissão diz que os países que dependem muito das importações de combustíveis fósseis podem melhorar significativamente sua balança comercial e reduzir os riscos associados a linhas de suprimento de energia vulneráveis e preços voláteis de combustível através do desenvolvimento de uma maior participação de energia no mercado interno. Com a energia no centro do desenvolvimento humano, as energias renováveis podem ajudar a fornecer acesso universal à energia, criar empregos, impulsionar o crescimento econômico susten-tável, melhorar a segurança alimentar e hídrica e melhorar a sustentabilidade, a resiliência climática e a equidade.

O relatório foi lançado pela Comissão na nona Assembleia da IRENA, na presença de ministros e responsáveis políticos de mais de 150 países.

Comissão Global sobre a Geopolítica da Transformação de Energia

A Comissão Global sobre a Geopolítica da Transformação de Energia foi estabelecida como uma iniciativa independente pela Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) em janeiro de 2018. durante a oitava Assembleia da IRENA. Presidido pelo Sr. Olafur Grimsson, o ex-Presidente da Islândia e apoiado pelos governos da Alemanha, Noruega e Emirados Árabes Unidos, a Comissão foi mandatada para aumentar a conscientização e aprofundar a compreensão das implicações geopolíticas da transformação de energia impulsionada por renováveis. A Comissão é formada por líderes experientes dos mundos da energia, política, comércio, meio ambiente e desenvolvimento.

Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA)

A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) é uma organização intergovernamental que apoia os países em sua transição para um futuro energético sustentável e serve como principal plataforma para cooperação internacional, um centro de excelência e um repositório de política, tec-nologia e recursos. e conhecimento financeiro sobre energia renovável.

IRE

NA

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 11

| geopolítica |

Page 12: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Para limitar o aumento da temperatura global em 2°C e garantir um clima minimamente estável às futuras gerações, será preciso reduzir drasticamente as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) até 2040 e, a partir daí, retirar carbono da atmosfera em grandes quantidades. Esse é o principal alerta que o último relatório (lançado em 2018) do Painel Intergover-namental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelou. Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e membro do IPCC, explica como o Planeta chegou a esse ponto crítico em relação ao clima e os efeitos já percebidos no Brasil e no mundo. Ele aponta os principais desafios dos acordos globais de clima para conseguir criar uma governança comum e evitar que o termômetro ultrapasse 2°C. Embora as previsões sejam preocupantes, Artaxo afirma que “a ciência já tem ferramentas para reduzir essas emissões drasticamente. O grande problema são as decisões políticas, que precisam ser feitas pelos gover-nos de maneira a garantir a sustentabilidade da economia do Planeta como um todo nas próximas décadas”.

Qual é a principal mensagem do novo relatório do IPCC?

A principal mensagem, sem sombra de dúvida, é de que se nós tivermos que limitar o aumento da temperatura em 2°C e se nós quisermos ter um sistema climático minimamente estável para as futuras gerações, temos que mudar radicalmente a maneira como utilizamos os recursos naturais do nosso Planeta, em particular, a redução de emissões de combustíveis fósseis e a eliminação do desmatamento em regiões tropicais, em particular, na Amazônia.

Esse carácter de urgência já apareceu em relatórios anteriores do IPCC?

A cada relatório esse caráter de urgência vai se intensifi-cando devido à falta de ações concretas de redução de emissão de GEE. Então, apesar desse caráter de urgência já ter sido mencionado em outros relatórios do IPCC, agora a urgência é muito maior. Por exemplo, as necessidades de redução de emissões imediatas hoje já são muito mais radicais do que apresentado nos relatórios anteriores do IPCC. Basicamente, agora, a necessidade é de zerar as emissões de GEE até 2040 e, a partir de 2040, retirar CO2 da atmosfera em grandes quan-tidades com tecnologias que a gente ainda não conhece.

IPCC: é urgente reduzir as emissões de GEE até 2040

Fernanda Macedo | Jornalista da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

Como a humanidade chegou a este ponto crítico?

Nós chegamos a este ponto crítico devido à ausência de ações tanto de governos, quanto de setores empresariais em contribuir para políticas de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa. Há mais de 25 anos o IPCC e vários outros órgãos internacionais deixam muito claro que temos que reduzir emissões o mais rápido possível e da maneira mais drástica possível. Essa questão não foi atendida até o momento e isso faz com que a urgência da redução se torne cada vez mais importante.

Por que você acredita que governos e setor empresarial não se mobilizaram o suficiente?

Eles não se mobilizaram porque evidentemente os interesses econômicos prevalecem sobre os interesses da população. Evi-dentemente, todos os governos e as grandes empresas sabem, há várias décadas, dos potenciais impactos das mudanças climáticas na sociedade, na economia e no meio ambiente. Os interesses econômicos das companhias de petróleo falaram mais alto, no exterior. No do Brasil, os interesses econômicos do agronegócio falaram mais alto do que a necessidade de redução de emissões, que é algo quase unânime na sociedade brasileira em geral, com exceção dos pecuaristas do agrone-gócio. Portanto, na verdade, isso é o governo respondendo mais aos interesses de pequenos grupos econômicos do que aos interesses da população em geral.

Entrevista com Paulo ArtaxoFísico, professor do Instituto de Física da USP e membro do IPCC

Arq

uivo

Paulo Artaxo

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2112

| entrevista |

Page 13: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Quais são as principais fontes de emissão de GEE no mundo e, especialmente, no Brasil?

No mundo, globalmente falando, as principais fontes de emissão de gás de efeito estufa são a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. Hoje, essa proporção está em torno de 90% para queima de combustíveis fósseis e 10% para o desmatamento. No Brasil, as duas maiores fontes de emissões são o desmatamento na Amazônia e o setor agropecuário.

Quais efeitos da mudança do clima já são percebidos hoje?

O aumento médio da temperatura no Brasil, ao longo dos últimos 100 anos, já é de 1.5°C. Algumas regiões como, por exemplo, o Nordeste brasileiro, se aqueceram mais do que isso e outras regiões se aqueceram menos. O aquecimento no Brasil já está causando perturbações no ciclo hídrico, na chuva, onde nós vemos uma redução muito drástica da precipitação no Nordeste e na bacia do Rio São Francisco. Há também um aumento da precipitação na bacia Prata e no sul do Brasil. Os eventos climáticos extremos, como chuvas muito pesadas, são cada vez mais frequentes em cidades como São Paulo, onde a quantidade de enchentes e chuvas acima de 100 milímetros por dia aumentou significativamente. Isso representa uma série de aumento na frequência de desastres naturais, como o deslizamento de encostas, que acontece quase todo ano em Petrópolis, por exemplo, e em áreas vulneráveis do Brasil.

Os efeitos das mudanças do clima já são muito bem documentados em todas as regiões brasileiras. No caso da Amazônia, também foi muito forte o efeito das secas de 2005 e 2010 no balanço de carbono da floresta. A floresta acabou emitindo uma quantidade grande de carbono para a atmosfera, como decorrência desses eventos climáticos extremos (secas de 2005 e 2010).

Quais as previsões desses efeitos para os próximos anos?

As projeções são razoavelmente sombrias, para ser honesto com você. Veja, se nós continuarmos a emitir combustíveis fósseis na faixa que estamos emitindo hoje, globalmente, que é de 40 giga toneladas de CO2 por ano, nós podemos esperar, ao longo dos próximos 30 ou 40 anos, um aumento adicional da temperatura de mais uns 3 ou 4°C. Isso iria desestabilizar a produção de alimentos no planeta como um todo, porque causaria alterações no padrão de chuva e redução na produti-vidade primária da maior parte das culturas. É preocupante, por temos que alimentar 10 bilhões de pessoas em 2050 e o clima pode ser muito menos favorável para a produção agrícola do que o que nós temos hoje.

Existe algum estudo que estime em termos econômicos as perdas para a agricultura desse aumento de temperatura?

Sim, a EMBRAPA fez uma série de simulações de potenciais quebras de safra do café, algodão, milho e assim por diante e, obviamente, os prejuízos econômicos são muito significativos. Essas estimativas financeiras ainda têm grandes incertezas porque na verdade ninguém tem bola de cristal para saber como é que, ao longo dos próximos 10, 20 ou 30 anos nós teremos a evolução desse quadro. Mas apesar das incertezas, sabemos e temos certeza de uma coisa: os prejuízos econômicos e sociais vão ser muito grandes.

Se houvesse uma mobilização hoje de todo o setor produtivo nacional para resolver o problema das mudanças climáticas, por onde ele deveria iniciar esse trabalho na área de agri-cultura e de florestas?

A primeira questão muito simples é eliminar o desma-tamento ilegal. No ano de 2017, o Brasil desmatou cerca de 8 mil quilômetros quadrados de florestas primárias. Mesmo nesse cenário catastrófico, ainda estamos destruindo flo-restas que são cruciais para o nosso próprio futuro. Temos uma necessidade urgente de redução de desmatamento na Amazônia. Além disso, temos que ampliar o uso de energia solar e eólica, em particular no Nordeste brasileiro. Há um potencial de geração de eletricidade muito grande que não é aproveitado adequadamente. Esperamos que o próximo governo brasileiro reverta esse quadro e que implemente medidas que tornem o desenvolvimento socioeconômico do Brasil sustentável.

Qual é o papel de práticas de agricultura de baixo carbono nesse contexto?

Desenvolver uma nova agricultura com baixas emissões de carbono é fundamental. Hoje, a agricultura responde glo-balmente por cerca de 30% das emissões de Gases de Efeito Estufa, onde a maior parte dessas emissões se dá através do metano que é emitido na criação do gado. A agricultura de baixo carbono é fundamental também para garantir mercados futuros e o desenvolvimento econômico do Brasil.

Se o Brasil se dedicasse a acabar com o desmatamento ilegal e a investir em práticas de agricultura de baixo carbono e em outras fontes de energia (como a bioenergia, solar e eólica) seria suficiente para cumprir seu compromisso no Acordo de Paris?

Isso depende das metas que o país colocar para si mesmo. No caso da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira do Acordo de Paris, o país se comprometeu a redu-zir em 42% as suas emissões. Entretanto, o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, tentando limitar o aumento da temperatura em 1.5°C, mostra que essa redução tem que ser 80% nos próximos 20 anos e a emissão líquida de Gases de Efeito Estufa em 2040 tem que ser zero. São metas muito ambiciosas, mas são absolutamente necessárias se a gente quiser garantir uma mínima estabilidade no sistema climático terrestre.

Obs

erva

tori

oAB

C

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 13

| entrevista |

Page 14: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

O que podemos esperar da próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP-24) agora que já foi publicado este novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas? (nota: esta entrevista foi realizada no final do último mês de Novembro, antes da COP-24)

Agora, ficou mais claro que é absolutamente necessário aos países do nosso Planeta que precisamos começar a reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa o mais cedo possível, provavelmente em 2020. Isso significa que teríamos dois anos para planejar como essa redução vai ser feita e, a partir daí, começar a reduzir drasticamente, principalmente com a implantação de grandes centrais de geração de eletrici-dade por usinas solares e eólicas. Essa tecnologia já existe e é compatível economicamente com as tecnologias atuais. Basta vontade política para que isso seja implementado. Não precisamos de nenhum desenvolvimento tecnológico novo. A ciência já tem as ferramentas para reduzir essas emissões drasticamente. O grande problema são as decisões políticas que tem que ser feitas pelos nossos governos de maneira a garantir a sustentabilidade da economia do Planeta como um todo nas próximas décadas. Existem sérias dificuldades tanto nos EUA, quanto no Brasil, quanto também em alguns países europeus, do ponto de vista de redução de emissões.

Com tantos países e setores envolvidos, como seria possível estruturar a governança de um esforço global para reduzir as emissões?

Estamos extremamente atrasados na governança porque a ONU não foi estruturada para tratar de problemas destas dimensões e não há nenhum organismo internacional com a competência e o mandato necessários para lidar com uma questão tão complexa como as mudanças climáticas globais. Isso ainda vai ter que ser construído e nós vamos ter que começar essa discussão o mais rápido possível. Quem vai punir um país que não cumpra suas metas? Quem vai coletar eventuais multas? Como será o mecanismo financeiro para adaptação dos países em desenvolvimento? São questões ainda completamente em aberto, mas urgentes que precisam de respostas urgentes.

Como você vê a posição de países como os Estados Unidos, que já anunciaram que vão sair do Acordo de Paris, e as polêmicas sobre esse tema que circularam durante as eleições brasileiras?

Os Estados Unidos são um caso diferente dos demais países porque muitos Estados americanos não concordam com a política de Donald Trump e já estão implementando políticas de emissão zero de Gases de Efeito Estufa, ao longo de 2040 e 2050, como é o caso dos Estados da Califórnia e de Massachusetts.

No caso brasileiro, obviamente toda a política de redu-ção de emissões é dada pelo Governo Federal. Nós vamos depender muito da sustentabilidade do próximo governo na implementação de medidas que possam reduzir as emissões brasileiras, integrar mais fortemente as metas do Acordo de Paris, reforçá-las a partir dessa próxima COP e para garan-tir um clima minimamente estável para o próprio Brasil. É interesse do País reduzir suas emissões de GEE e garantir a sustentabilidade da economia brasileira no futuro.

And

res

Bri

zzi -

ON

U

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2114

| entrevista |

Page 15: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 16: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

A crise ambiental é funda-mentalmente uma crise racista; é também uma crise classista, uma crise sexista e uma crise do capitalismo. O ativismo ambien-tal não tem sentido se não lidar com questões de injustiça e expor as ligações entre a devastação ambiental, a história colonial e as relações de exploração do Norte e do Sul. Mas isso significa que as campanhas focadas em nossas conexões com o mundo natural e o sofrimento de animais não humanos são irrelevantes?

De forma alguma: os ativistas devem reivindicar essas conexões como uma questão política central, em vez de deixar a tarefa de reaprender nosso lugar na natureza para o National Trust ou David Attenborough. Precisamos perguntar por que salvar as baleias e combater o racismo passou a ser visto como uma forma separada de abordar a crise ambiental e como podemos nos unir a elas novamente.

Nicki Carter | Ativista da justiça ambiental. Trabalha nos movimentos de hortas urbanas, mulheres e permacultura

Conectar-se à natureza é uma questão de justiça ambiental

A julgar pelas minhas próprias conversas com outros ativistas, parece haver lacunas entre grupos ambientais que se concentram em reconsiderar nossas relações com o mundo natural – que tendem a ser menos justificadas e explicitamente “políticas” – e aquelas que se concentram em expor as estru-turas que nos trouxeram à nossa atual crise. Não seria mais eficaz considerar essas abordagens como dois lados da mesma mentalidade destrutiva?

Muitos de nós no Norte global nos vemos fora da natu-reza, uma separação que está escrita em nossa língua. Todo o conceito de um “movimento ambiental” é indicativo do fato de que é difícil para nós conceber as crises que enfrentamos como amplas, profundas e multifacetadas. A separação é construída nas fronteiras que criamos entre a “cidade” e o “campo”, e na maneira como somos condicionados a ver a comida em nossos pratos e os objetos que possuímos como divorciados dos ecossistemas que nos sustentam. A ideia de que “humanos” e “natureza” são separados é filha de uma mentalidade colonial que foi fortemente enraizada em todos os aspectos de nossas vidas por sistemas econômicos e políticos construídos sobre extração a qualquer custo.

Para colonizar as pessoas, os colonizadores tinham de ver terras que os indígenas cultivavam há gerações em harmonia com a natureza como algo sem valor. Esta “nova” terra não era “intocada”. As comunidades indígenas sempre promoveram sua biodiversidade e beleza. O escritor e pesquisador M. Kat Anderson descreve como os povos indígenas na Califórnia pré-colonial usaram uma variedade de técnicas para nutrir o mundo ao seu redor e “permitir a colheita sustentável de plantas ao longo de séculos e possivelmente milhares de anos”.

Quando comunidades indígenas foram massacradas ou escravizadas para dar lugar a uma nova forma extrativista de agricultura, muitas dessas técnicas foram erradicadas. Sua supressão e a ampla recusa em reconhecer as origens violentas das sociedades modernas caminham de mãos dadas com a perda de nossa percepção da Terra como uma entidade com a qual podemos ter um relacionamento mutuamente benéfico. Mesmo os mais otimistas entre nós parecem ser capazes de imaginar um mundo no qual os seres humanos se tornam atores “neutros” em relação à natureza. Isso não só restringe drasticamente nossos horizontes; também deixa um buraco na ideia de justiça climática.

Muitas comunidades ainda mantêm relacionamentos mutuamente benéficos e levam dentro deles uma profunda compreensão do mundo natural. Esta é talvez a forma mais valiosa de conhecimento que existe. É também a mais subes-timada. Se quisermos criar um mundo baseado na justiça, os ativistas do Norte precisam fazer mais do que se solidarizar com as comunidades indígenas; precisamos aprender com eles.

Vul

can'

s St

ack

Hou

se

The

Pea

body

Aw

ards

Nicki Carter

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2116

| justiça ambiental |

Page 17: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Aqueles de nós que estão vivendo em sociedades onde está se tornando cada vez mais difícil nos vermos conectados com a natureza precisam iniciar um processo de reaprendi-zado de como restaurar modos de vida que foram roubados, suprimidos ou feitos parecerem ultrapassados, quando em fato eles são indispensáveis.

Não importa o que façamos para mitigar os piores efeitos da mudança climática, já temos décadas de aquecimento global acumulado. Viver num Planeta mudado é inevitável, e se adaptar de modo a defender a justiça será um enorme desafio. Mesmo que países como o Reino Unido assumam a responsabilidade pelo dano desproporcional que causaram e transformem seus sistemas econômicos segundo os limites planetários, a justiça exige que também desafiemos a forma como pensamos sobre o mundo ao nosso redor, a fim de evitar a reprodução das hierarquias existentes e relações destrutivas com a natureza. Temos de aprender a viver justa e criativamente em cooperação num Planeta vastamente alterado.

Interagir com o ambiente natural também tem provado ter efeitos positivos no bem-estar, a ponto de os médicos começarem a direcionar os pacientes para academias e hortas comunitárias para beneficiar sua saúde física e mental. Estudos da Natural England and Mind apoiam essa alegação, enquanto pesquisas do Kings College London confirmam que o apren-dizado na natureza é benéfico para a confiança, resiliência e progresso acadêmico das crianças – embora os sistemas educacionais atuais não ofereçam às crianças oportunidades suficientes para colher esses benefícios. Conectar-se à natureza pode melhorar a autoconsciência e nos permite descobrir como nos encaixamos no mundo de forma construtiva. Mas o acesso à natureza está longe de ser igual; esta é uma questão muito negligenciada da justiça climática.

A quantidade de acesso que cada pessoa tem ao mundo natural está profundamente entrelaçada com questões de classe e raça. Nos séculos que se seguiram aos primeiros recintos de terras agrícolas, o acesso ao meio ambiente foi gradualmente privatizado. Não é por acaso que as áreas mais pobres são mais poluídas, ou que os parques usados por pessoas predo-minantemente da classe trabalhadora são transformados em apartamentos de luxo, ou que as crianças oriundas da classe trabalhadora têm menos acesso à natureza. De acordo com a Natural England: “Mais de uma em nove crianças não havia colocado os pés em um parque, floresta ou outro ambiente natural em relação ao ano anterior. Crianças de famílias de baixa renda, negras, asiáticas e de minorias étnicas (BAME) foram particularmente afetadas. Apenas 56% dos jovens com menos de 16 anos das famílias BAME visitaram o ambiente natural pelo menos uma vez por semana, em comparação com 74% dos agregados familiares brancos”.

O acesso à natureza é constantemente restringido de novas maneiras. Além de ser profundamente injusto, isso é profundamente inútil para a luta contra a destruição ambiental; Como se pode esperar que uma criança visualize um mundo em que as pessoas trabalham com a natureza se nunca tiveram a oportunidade de conhecer seu próprio ambiente natural?

Muitos projetos de jardinagem comunitária e de perma-cultura no Reino Unido estão se adaptando para lidar com essas injustiças. A horta comunitária é um dos espaços mais diversos e politicamente poderosos. Pode não haver cartazes, mas o ato de ocupar espaço e cultivar alimentos junto com pessoas que você nunca conheceria é um ato político, criando espaços e relações que o capitalismo não controla.

Dito isto, a permacultura poderia ser muito mais poderosa se envolvesse mais ativamente com a justiça social e ambiental. As práticas de permacultura são fortemente influenciadas pelas práticas e técnicas indígenas que os agricultores de pequena escala no sul do mundo vêm usando há gerações. É importante que esse patrimônio seja reconhecido pelos permacultores e movimentos de transição, para que não se tornem oásis verdes para os privilegiados.

Sugerir que podemos nos aproximar da justiça ambiental, reconsiderando como nos relacionamos com a natureza, não significa que qualquer um que se considere ambientalista deve ser vegano e cultivar sua própria comida. Mas é sugerir que nos perguntemos se nossas atitudes em relação ao mundo natural podem às vezes ecoar as mentalidades exploradoras e fraturadas que estamos realmente tentando combater.

Quando pensamos em um futuro pós-capitalista, deve-mos pensar em um em que reivindicamos o conhecimento e a compreensão da natureza que foi violentamente corroída nos últimos 300 anos. Os movimentos pelo clima e outras formas de justiça certamente serão muito mais poderosos juntos do que separados.

Essa mudança de mentalidade será enorme e é uma grande questão em tempos de crise em várias frentes. Mas é precisa-mente a natureza dessa crise que exige profundas mudanças em nosso pensamento que vão além do âmbito convencional da política de esquerda. Sem dúvida, este desafio assumirá uma forma diferente para cada pessoa que o fizer.

Não podemos todos nos tornar ecologistas da noite para o dia, mas pelo menos podemos estar conscientes de nossas próprias atitudes em relação ao mundo natural e de como poderíamos desafiá-los. Ao fazer isso, podemos descobrir que a empatia e a curiosidade geradas por meio de nossas interações com a natureza nos tornam pessoas melhores e melhores ativistas.

Ava

x N

ews

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 17

| justiça ambiental |

Page 18: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) provenientes de ações humanas têm aumentado desde o início da Era Indus-trial e chegamos a um ponto em que é possível constatar o maior volume de concentrações de dióxido de carbono, óxido nitroso e metano dos últimos 800 mil anos na atmosfera. Esse impacto contribui decisivamente para as mudanças climáticas. Em período um pouco mais recente, nos últimos 50 anos, a demanda global por alimentos aproximadamente triplicou. O rápido crescimento se deveu ao aumento da população mundial – que dobrou durante esse período – ao aumento do consumo per capita e à elevação do padrão de vida da população.

A agricultura alimenta mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, mas também é causa de impactos ambientais. Ela é responsável por 25% a 33% de todas as emissões de Gases de Efeito Estufa; essa é uma atividade que ocupa grande parte da superfície de terra do Planeta, usa agrotóxicos, defensivos agrícolas e fertilizantes nitrogenados, muitas vezes de forma irresponsável. O uso de práticas inadequadas contribui para o desmatamento – que, por sua vez, resulta em perda de biodiversidade – e para a eutrofização e acidificação de corpos d’água.

Diante desse conjunto de dados, é imperativo desenvolver uma agricultura mais consciente e sustentável (agricultura de baixo carbono - ABC), e o Brasil é um grande player do cenário mundial, sendo observado com atenção por quem importa alimentos. De acordo com a FAO, nosso país alcançará a maior produção agrícola da próxima década e será o maior exportador de alimentos e fibras do Planeta.

Em 2009, na COP-15, realizada em Copenhagen, Dina-marca, o governo brasileiro assumiu compromisso voluntário junto à Convenção sobre Mudanças Climáticas. Nesse com-promisso, está prevista a redução, até 2020, de entre 36,1% e 38,9% das emissões de GEE. E, para alcançar essa meta, foram criados os Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima.

Agricultura brasileira e redução dos Gases de Efeito Estufa

Renato Rodrigues | Secretário de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa

De modo a fortalecer ainda mais o compromisso global no enfrentamento da mudança do clima, durante a COP-21, em 2015, foi assinado o Acordo de Paris, no qual o Brasil apresentou sua proposta de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). Por ela, buscaremos a redução das emissões de GEE em 37% abaixo dos níveis registrados em 2005, até 2025, alcançando 43% em 2030. O Brasil se comprometeu, entre outras medidas, a aumentar a área com adoção de agricultura de baixo carbono no país.

Nesse âmbito, há uma revolução acontecendo na agricul-tura brasileira. A integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) se consolidou como a principal tecnologia para promover a mitigação das emissões de GEE. Trata-se de uma estratégia que visa a produção sustentável, integrando atividades agrícolas, florestais e pecuárias realizadas na mesma área, em cultivo consorciado, em sucessão ou rotativo, e busca efeitos sinérgicos entre os componentes, contemplando a adequação ambiental, a valorização do homem e a viabilidade econômica.

Os sistemas integrados são capazes de promover a mitiga-ção das emissões de GEE devido à menor necessidade de uso de fertilizante nitrogenado e pela oferta de pasto de melhor qualidade ao animal, que melhora a digestibilidade e reduz as emissões de metano. A tecnologia ainda aumenta o estoque de carbono e nitrogênio no solo e na biomassa acima do solo.

O Brasil tem feito o dever de casa. As pesquisas sobre sistemas integrados começaram na Embrapa na década de 1980. Na década passada, 2010, esses sistemas eram ado-tados em algo como 4 milhões de hectares. Hoje, são cerca de 600 pesquisadores envolvidos e mais de 14 milhões de hectares com algum tipo de ILPF. Ainda existem entre 50 e 60 milhões de hectares com solos degradados e disponíveis para avançarmos.

Há muito a fazer, mas a experiência atual mostra que a participação da agricultura brasileira não está apenas em produzir alimentos, mas também em contribuir para um Planeta mais sustentável.

Em

brap

a

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2118

| abc |

Page 19: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 20: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Tecnologias modernas de sensoriamento remoto e conjun-tos de espécies saudáveis em seus ambientes, desde as savanas até as florestas tropicais. Segundo um grupo internacional de pesquisadores, entre eles o cientista brasileiro Mauro Galetti, da UNESP em Rio Claro, esta pode ser uma receita que vai ajudar na mitigação das mudanças climáticas globais. Os cientistas, que publicaram os seus resultados na revista Science, conseguiram medir a importância que os animais selvagens têm na natureza em termos de absorção, emissão ou transporte de carbono.

O carbono, apesar de ser um elemento natural, é o grande vilão do Século 21. A maior emissão de dióxido de carbono na atmosfera, por causa principalmente das atividades humanas, estão aumentando as temperaturas médias do Planeta, segundo milhares de estudos internacionais publicados na última década. Por isso, entender todos os processos que envolvem o carbono na atmosfera passa a ser vital para que políticas públicas de mitigação ao aquecimento global planetário possam surtir efeito.

Fauna saudável ajuda a combater mudança climática

Eduardo Geraque | Jornalista da Unesp Ciência

Os dados gerados pelo time científico liderado por Oswald J. Schmitz, da Yale School of Forestry and Environmental Studies, mostrou que a presença dos animais em determinados ambientes naturais pode aumentar ou diminuir as taxas dos processos biogeoquímicos entre 15% a 250%, ou até mais. “Algum de nós estiveram dizendo por um longo período de tempo que não é apenas a abundância dos animais que importa. Mas o que estes animais fazem também é muito importante”, afirma Schmitz, professor de Ecologia em Yale. “Nós, agora, finalmente, chegamos ao ponto em que existem fortes evidên-cias para embasar estas ideias”, diz o pesquisador.

Análises experimentais e feitas por meio de observação no campo mostraram que alterações na abundância dos animais pode causar grandes mudanças na capacidade dos ecossistemas no armazenamento ou troca de carbono. Em alguns casos, estas mudanças, em um mesmo ecossistema, faz com que este ambiente mude seu status. Em vez de ser uma fonte de carbono para a atmosfera, quando a população animal não é abundante, ele passa a ser uma região que fixa o carbono, quando os animais são abundantes.

Nas florestas tropicais, casos da Mata Atlântica ou da Floresta Amazônica, a conservação de grandes mamíferos mantém vigorosos os serviços ambientais destes ecossistemas, incluindo a dispersão de sementes pelos animais frutíferos e o suporte da produção de plantas pelos herbívoros, o que propicia a fixação de carbono. Um dos estudos que alimentou a pesquisa mostrou que o incremento de 3,5 vezes de espé-cies de mamíferos em uma região fez a retenção de carbono aumentar em até 400% na mesma região.

A pesquisa publicada na Science levanta um desdobramento importante em termos da presença humana nos ambientes naturais da Terra. Por meio da caça, da sobrepesca, da intro-dução de espécies não nativas e da destruição das florestas, o homem está definitivamente reduzindo o tamanho das populações selvagens.

“Se quisermos entender como é o nosso impacto sobre as populações animais e a influência destes processos sobre os ecossistemas e os fluxos do carbono, precisamos de ferra-mentas que nos levem a entender as últimas consequências do papel que os animais têm nos ciclos biogeoquímicos”, afirma Chris Wilmers, professor associado de Ecologia e Mudanças Climáticas na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz.

De acordo com os cientistas que participaram do estudo, os resultados também indicam que os tomadores de decisão precisam considerar nas políticas públicas o uso de processos ecológicos na recaptura e armazenamento de carbono atmos-férico. “Nossa mensagem é que este processo pode ser um ganha ganha. Em termos de conservação da biodiversidade e armazenamento de carbono”, afirma Schmitz.

Dis

Ber

lín

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2120

| ciclos biogeoquímicos |

Page 21: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Quando se fala em extinção em massa, é comum imaginar um meteoro caindo na Terra e dizimando dinossauros, mas não é bem assim. As diversas extinções em massa na história do Planeta ocorreram de forma diferente sobre os grupos de seres vivos. Um exemplo são os mamíferos, classe de vertebra-dos que já existia no tempo dos dinossauros e sobreviveu ao evento extintivo massivo há 66 milhões de anos, que marcou o fim do período Cretáceo.

Havia quatro linhagens de mamíferos contemporâneas dos répteis gigantes. Todas sobreviveram. Algumas saíram mais chamuscadas, outras menos. Em estudo publicado na “Biology Letters”, os biólogos Tiago Bosisio Quental, da Universidade de São Paulo, e Mathias Pires, da Uni-versidade Estadual de Campinas, buscam entender de que forma os diversos grupos de mamíferos atravessaram a extinção em massa no fim do Cretáceo. O trabalho contou com apoio da FAPESP.

“Quando se fala em extinções em massa, subentende-se um evento de grandes proporções, durante o qual um número elevado de espécies se extinguiu em um período relati-vamente curto”, disse Pires.

Outro modo de se olhar para as extinções em massa é observar o número de espécies no registro fóssil. Verif ica-se que em um determinado período geológico ocorreu uma extinção em massa quando o número total de espécies que desapareceu do registro fóssil é muito superior ao número de novas espécies.

“Ou seja, é quando a taxa de extinções, velocidade com que espécies são perdidas, supera a taxa de especiações, a velocidade com que as espécies são geradas. Isso torna negativa a taxa de diversificação, que é dada pela diferença entre as duas taxas”, disse Pires. No registro fóssil dos últimos 500 milhões de anos foram identificadas cinco grandes extinções em massa (e muitas outras de menor escala). Elas ocorreram por diversos motivos, como vazamentos magmáticos por centenas de milhares ou milhões de anos, liberando bilhões de toneladas de gases de efeito estufa que envenenaram a atmosfera e bloquearam a radiação solar.

O destino dos mamíferos após a extinção dos dinossauros

Peter Moon | Jornalista da Agência FAPESP

Foi o que ocorreu na pior das extinções em massa, há 252 milhões de anos, que marcou a passagem dos períodos Permiano ao Triássico (e das eras Paleozoica à Mesozoica), quando mais de 90% das espécies desapareceram. Extinções em massa também ocorreram quando houve a liberação maciça de bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2) aprisionadas no subsolo oceânico, causando um megaefeito estufa – como especula-se ter ocorrido no final do período Triássico, há 201 milhões de anos, com perda de 80% das espécies.

Ou o contrário, com o sequestro de bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera, o que der-rubou as temperaturas, causando uma severa glaciação planetária. Foi assim há 444 milhões de anos, no fim do período Ordoviciano, quando desapareceram 86% das formas de vida.

Evento K-Pg

A extinção em massa de 66 milhões de anos atrás se chama evento K-Pg, a sigla se refere ao momento em que acaba o Cretáceo (Kreide, em alemão) e inicia o perí-odo seguinte, o Paleógeno (Pg). Em uma escala de tempo mais ampla, o evento K-Pg foi o instante geológico que marca o fim da era Mesozoica, aquela dominada pelos dinossauros, e o início da Cenozoica, os últimos 66 milhões de anos.

O evento K-Pg foi provocado pela associação de dois fatores: vaza-mentos magmáticos devastadores onde hoje é a Índia, conjugados com a colisão de um astro celeste de 10 km de diâmetro na península de Yucatán, no atual México. “Todos esses episódios de extinção massiva

são heterogêneos. Tiveram causas diferentes e transcorreram de forma diversa. Da mesma forma, seu impacto sobre as formas de vida não foi absoluto, mas relativo. Alguns grupos sofreram mais, outros menos. Alguns desapareceram, enquanto outros aproveitaram as novas condições ambientais pós-catástrofe para se diversificar rapidamente”, disse Pires. No novo trabalho, os pesquisadores buscaram entender de que modo as diver-sas linhagens de mamíferos existentes no final do Cretáceo ultrapassaram o gargalo biótico do evento K-Pg.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 21

| evolução |

Page 22: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Também participaram do estudo Daniele Silvestro, da Universidade de Gotemburgo (Suécia), e Brian Rankin, da University of California em Berkeley (Estados Unidos).

A grande classe dos mamíferos surgiu no Triássico há pelo menos 220 milhões de anos, idade do fóssil mais antigo que se conhece. No fim do Cretáceo, a linhagem era bastante diversificada. Havia os placentários (como são popularmente conhecidos os eutérios), linhagem à qual pertence o Homo sapiens, assim como todos os primatas, roedores, morcegos, cetáceos e ungulados, entre outros.

Havia também os marsupiais (ou metatérios), grupo que hoje acolhe gambás, cangurus e coalas. Eles dividiam o cenário com o grupo dos monotremados e, por fim, com o dos multituberculados (seu nome deriva do formato específico de seus dentes, com vários tubérculos).

O novo estudo ressalta que a extinção em massa do Cretáceo se abateu fortemente sobre os mamíferos. Isso não quer dizer que todos os quatro grupos sofreram com a mesma intensidade. A extinção em massa foi mais severa para uns do que para outros.

Durante o Cretáceo, entre 145 e 66 milhões de anos atrás, os multituberculados eram a linhagem dominante e a mais diversificada entre os mamíferos. Sabe-se isso porque, no registro fóssil que antecede o evento K-Pg, os fósseis de multituberculados são a grande maioria. Já os fósseis de pla-centários e de marsupiais, embora menos numerosos, também são encontrados em bom número.

A exceção são os monotremados. Assim como ocorre hoje, quando há somente duas famílias de monotremados viven-tes – das quais fazem parte o ornitorrinco e a equidna –, o registro fóssil dos monotremados é muito rarefeito, tanto antes quanto depois do Cretáceo, sugerindo que este grupo sempre foi relativamente marginal em relação às outras linhagens de mamíferos. É também por essa razão que tal linhagem não foi incluída no estudo.

Sabendo-se que havia multituberculados, placentários e marsupiais, qual grupo de mamíferos foi mais severamente atingido no K-Pg? De qual linhagem sobreviveram mais gêneros? Qual grupo apresentou o maior aumento de diver-sidade (maior especiação) nos milhões de anos imediatamente posteriores ao gargalo biótico? Qual grupo jamais se recuperou do cataclismo?

O único meio para tentar obter respostas a essas perguntas é recorrer ao registro fóssil encontrado em uma mesma região do planeta, de modo a tentar garantir que, há 66 milhões de anos e naquela região, a catástrofe se abateu de forma mais ou menos equivalente sobre todos os grupos de mamíferos.

Tiago Bosisio Quental e Mathias Pires elegeram a América do Norte como local do estudo, uma vez que 150 anos de contínuas prospecções paleontológicas naquele continente fornecem um rico painel da diversidade de mamíferos antes, durante e após o evento K-Pg.

“A América do Norte apresenta um registro fóssil com qualidade suficiente para esse tipo de estudo. Já foram feitos outros estudos analisando como os mamíferos ultrapassaram a extinção do Cretáceo, mas até onde pudemos constatar este é um dos primeiros a analisar a dinâmica da diversificação das distintas linhagens de mamíferos”, disse Quental.

Os cientistas utilizaram um conjunto de dados com 188 recentes assembleias fossilíferas do Cretáceo e do Paleoceno – abrangendo um lapso temporal que vai de 69,9 milhões de anos até 55 milhões de anos atrás –, formações localizadas no interior ocidental da América do Norte.

“O registro fóssil de mamíferos da América do Norte possui assembleias muito bem estudadas com datações em torno do evento K-Pg, sendo as ocorrências de fósseis relativamente bem resolvidas, minimizando a incerteza taxonômica. O conjunto de dados que utilizamos inclui informações sobre quase 290 gêneros de mamíferos, entre multituberculados, eutérios e metatérios”, disse Quental.

Mar

k W

itto

n

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2122

| evolução |

Page 23: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Foram empregados diversos métodos estatísticos avançados para identificar padrões de originação, extinção e diversif icação, antes, durante e após o K-Pg. Os resultados evidenciaram que as três linhagens atravessaram a extinção em massa de maneiras bem distintas.

O estudo indica que a taxa de ori-ginação de Methateria (marsupiais), por exemplo, permaneceu aproxi-madamente constante durante todo o intervalo de tempo estudado. No entanto, um claro pico de extinção é identificado durante o K-Pg, gerando um saldo líquido de diversificação negativo. Passado o evento K-Pg, a taxa de extinção diminuiu gradu-almente. Porém, a diversificação líquida negativa persistiu por mais de 2 milhões de anos, até cerca de 64 milhões de anos atrás.

Quanto aos multituberculados, eles estavam se diver-sificando no fim do Cretáceo, apresentando altas taxas de originação e taxas de extinção relativamente baixas. Já em torno do limite K-Pg, a taxa de extinção permaneceu baixa, mas observam-se quedas na taxa de originação, o que derruba a diversificação de multituberculados para perto de zero. Ou seja, durante o K-Pg a taxa de diversificação encontra-se em equilíbrio, pois aproximadamente a mesma quantidade de gêneros de multituberculados está se originando e se extinguindo.

Segundo o estudo, decorrido o K-Pg, embora a taxa de extinção dos multituberculados permanecesse em queda, o declínio na taxa de originação era ainda maior, consequen-temente levando a uma diversificação negativa. Em outras palavras, a quantidade de gêneros de multituberculados continuou diminuindo durante o restante do período ana-lisado, até 55 milhões de anos atrás. Tal declínio parece ter persistido por muito mais tempo, dado que os multituber-culados desapareceram progressivamente do registro fóssil mundial, até, por fim, a linhagem terminar há cerca de 35 milhões de anos.

Especula-se que a razão para o fim dos multituberculados teria sido a competição crescente com uma nova linhagem de eutérios, os roedores, cuja ordem tem origem justamente logo após o evento K-Pg, já no período Paleógeno.

Quanto aos eutérios (placentários), o estudo mostra alta originação e alta extinção perto do limite K-Pg, resultando em uma inflexão na diversidade. As taxas de originação eram muito superiores àquelas das extinções, exceto no período entre 66 milhões de anos e 64 milhões de anos atrás.

Logo após, verifica-se um segundo pulso de originação, acompanhado pela queda nas taxas de extinção, sinal da ocorrência de uma curta explosão na diversificação. Em torno de 62 milhões de anos atrás, a originação de eutérios diminui, enquanto a diversificação fica em torno de zero, sugerindo um equilíbrio de diversidade.

“Encontramos três padrões de diversificação entre os gru-pos de mamíferos. Metatheria se comporta da forma clássica em uma extinção em massa. Diversas extinções se agrupam no tempo, levando a uma queda severa na diversificação”, disse Quental.

Segundo o pesquisador, nos multituberculados a dimi-nuição na diversificação e a subsequente perda de diversidade foram impulsionadas pelo declínio das taxas de originação e não pela extinção: perderam diversidade porque demoravam muito para gerar novas espécies. “Já os eutérios mostram uma dinâmica mais complexa de ascensão e queda, mais precisa-mente atribuída por oscilações rápidas na taxa de especiação durante e logo após o K-Pg, ao mesmo tempo que a taxa de extinção aumenta, porém, não tanto a ponto de causar uma diversificação negativa por muito tempo”, disse Quental.

Pires ressalta que o estudo mostra que a extinção em massa do K-Pg foi ecologicamente seletiva entre as linhagens de mamíferos, “com uma concentração de extinções entre metatérios carnívoros especializados e eutérios insetívoros, enquanto os eutérios e os multituberculados mais generalistas mantiveram maior diversidade”.

Embora os resultados indiquem que os eutérios (placen-tários) sofreram perdas substanciais no limite de K-Pg, essas perdas foram compensadas pelo aumento da originação. Pode ter ocorrido diversificação entre os eutérios sobreviventes, graças à chegada à América do Norte de outros grupos de eutérios provenientes de outros continentes. “A plasticidade de dietas dos multituberculados pode ter permitido que os grupos persistissem, explicando as baixas taxas de extinção. A diversidade ecológica e taxonômica dos multituberculados foi crescente durante o fim do Cretáceo. No entanto, nossas análises mostram que os multituberculados não compensa-ram as perdas por extinção, pois geravam cada vez menos diversidade, diferentemente dos eutérios, cujas perdas foram compensadas por altas taxas de originação”, disse Pires.

A conclusão dos pesquisadores indica que, quando os clados (grupos com ancestral comum) são avaliados indivi-dualmente, eventos de extinção em massa podem ser vistos como mudanças na extinção, na originação ou em ambos os regimes. “Isso significa que os estudos sobre fenômenos macro-evolutivos que são centrados em grandes grupos taxonômicos podem estar deixando de contar uma história macroevolutiva muito mais rica, só percebida em escalas taxonômicas mais sutis”, destacam.

O artigo Diversification dynamics of mammalian clades during the K–Pg mass extinction (doi: 10.1098/rsbl.2018.0458), de Mathias M. Pires, Brian D. Rankin, Daniele Silvestro e Tiago B. Quental, pode ser lido em http://rsbl.royalsocie-typublishing.org/content/14/9/20180458.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 23

| evolução |

Page 24: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Muitos cientistas consideram que as atividades humanas começaram a ter, a partir do fim do século 18, um impacto tão significativo no clima e nos ecossistemas da Terra a ponto de der dado origem a uma época geológica que denominaram Antropoceno.

As eliminações de espécies nesse período mais recente da história do planeta Terra podem rivalizar com as grandes extinções em massa registradas ao longo de outras eras geo-lógicas. A fim de restaurar essa perda de biodiversidade e o funcionamento do ecossistema terrestre seria preciso aplicar, urgentemente, o conhecimento ecológico existente.

Um estudo de autoria de pesquisadores brasileiros e bri-tânicos indicou que há condições teóricas, metodológicas e tecnológicas sem precedentes para enfrentar esse desafio.

Resultado de uma pesquisa apoiada pela FAPESP e de um pós-doutorado realizado com Bolsa da FAPESP, o trabalho teve resultados publicados na revista “Trends in Ecology & Evolution”.

“Estamos a apenas alguns passos de possibilitar a realiza-ção da ‘engenharia da biodiversidade’, ou seja, manipular a biodiversidade para projetar a composição de comunidades ecológicas e garantir a permanência das funções de um ecossistema”, disse Rafael Luís Galdini Raimundo, profes-sor do Departamento de Engenharia e Meio Ambiente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e primeiro autor do estudo, à Agência FAPESP.

Engenharia da biodiversidade para restaurar ecossistemas

Elton Alisson | Jornalista

“Temos agora todas as condições teóricas e metodológicas para entender e prever melhor as consequências da inclusão ou da retirada de uma espécie de uma comunidade para fim de manejo na diversidade funcional de um ecossistema”, avaliou. De acordo com os autores do estudo, a manipulação de comunidades ecológicas para restauração tem uma longa história científica e é feita há mais de um século, principal-mente em países da Europa e nos Estados Unidos.

Tradicionalmente, contudo, as iniciativas de restauração têm sido focadas na inclusão ou na remoção de espécies com o intuito de resgatar padrões de riqueza de plantas e animais, sem se concentrar nas interações ecológicas entre populações, espécies e predadores e presas, por exemplo.

Essas interações ecológicas são determinantes para os padrões de biodiversidade e de funcionamento de um ecos-sistema por moldar a força e os modos de seleção natural. Eventuais mudanças nos padrões dessas interações provocadas pela extinção de espécies ou pela entrada de espécies invasoras, por exemplo, afetam a evolução de características funcionais ecologicamente relevantes, como o tamanho do bico de aves que se alimentam de frutos (frugívoras) e o tamanho dos frutos que dispersam.

Na Mata Atlântica, a perda de grandes espécies de aves como tucanos (Ramphastidae) e jacutingas (Pipile jacu-tinga) tem levado à diminuição da dispersão de árvores com sementes grandes.

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2124

Page 25: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Já a diminuição de espécies dispersoras do palmito-juçara (Euterpe edulis) tem feito com que suas sementes passem a ser distribuídas por poucas áreas do bioma. Consequentemente, tem diminuído o tamanho das sementes da planta, dizem os autores do estudo. “As interações entre espécies representam a ligação entre processos ecológicos e evolutivos e também podem ser vistas como a conexão entre a estrutura da biodiversidade e o funcionamento do ecossistema”, disse Galdini Raimundo.

O desenvolvimento de modelos matemáticos de redes adaptativas permitiu a ecólogos compreender melhor como mudanças nos padrões de interações ecológicas – que definem a estrutura de uma rede de interações – são seguidas por mudanças na dinâmica e nas propriedades das populações de cada espécie, como sua abundância e características.

Essas mudanças ecológicas e evolutivas nas propriedades das espécies podem desencadear novas reconfigurações no nível da rede de interações, fechando um ciclo.

“A aplicação da abordagem de rede à ecologia permite gerar previsões para o que acontece com processos evolu-tivos e ecológicos nessas redes de interações complexas e criar hipóteses testáveis de diferentes estratégias de manejo”, disse Galdini Raimundo. “Com isso, é possível construir comunidades estáveis, com todas as funções ecossistêmicas operando normalmente.”

Apesar do potencial dos modelos de redes adaptativas na gestão de ecossistemas, até recentemente os dados necessários para alimentá-los impediam sua aplicação como uma ferra-menta preditiva na ecologia da restauração. As técnicas de sequenciamento do genoma desenvolvidas nos últimos anos permitiram obter dados de interação de espécies numa escala sem precedentes, originando o big data da biodiversidade.

Segundo os pesquisadores, essas técnicas de sequenciamento possibilitaram não apenas obter dados da estrutura ecológica de redes, mas também sobre as relações filogenéticas entre espécies dentro de uma comunidade – o que é fundamental para prever como uma rede ecológica irá reconectar sua estru-tura e como novas dinâmicas irão remodelar características e a abundância de espécies. “Fundir técnicas de sequenciamento de genoma de última geração com redes ecológicas fornece novas ferramentas para estudar a resiliência de comunidades interagentes às mudanças ambientais, ao mesmo tempo que incorpora importantes atributos, como a diversidade funcio-nal”, disse Darren Evans, professor da Newcastle University, na Inglaterra, e coautor do estudo.

Alguns dos gargalos para o uso desses modelos ecológi-cos evolutivos e preditivos são ampliar as colaborações em pesquisa, de modo a permitir monitorar locais para fazer as previsões de rede adaptativas, e aumentar a interação entre pesquisadores que realizam os trabalhos em campo e imple-mentam as práticas de restauração e os teóricos.

“A aplicação desses modelos depende do estabelecimento de uma via de mão dupla entre o pesquisador que faz os modelos e gera as predições e quem está em campo, testando as práticas de restauração nessa escala de comunidade, para aprimorar os modelos, gerar predições mais acuradas e, com o tempo, em longo prazo, conseguirmos refinar essa engenharia da biodiversidade”, disse Galdini Raimundo.

O artigo Adaptive networks for restoration ecology, de Rafael L. G. Raimundo, Paulo R. Guimarães Jr e Darren M. Evans, pode ser lido por assinantes da revista Trends in Ecology & Evolution em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0169534718301393.

Ana

Hua

ra

Petr

Sim

on

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 25

| biodiversidade |

Page 26: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 27: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 28: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Uma pesquisa inédita desenvolveu um algoritmo capaz de identificar as áreas prioritárias da Mata Atlântica a serem restauradas combinando três fatores essenciais: conservação da biodiversidade, mitigação de mudanças climáticas e redução de custos.

A equipe liderada pelo professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Bernardo Strassburg, apresentou ferramenta baseada em Programação Linear (PL) que aponta um conjunto de cenários possíveis de recuperação florestal em escala nacional. O algoritmo desenvolvido alcança a solução considerada ótima, que tem desempenho 33% melhor em relação às obtidas pelas ferramentas disponíveis, que se baseiam em aproximações matemáticas.

“A diferença que isso faz para a Mata Atlântica é enorme: são 450 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2) a menos na atmosfera, 308 espécies menos extintas e 4 bilhões de dólares de redução de custos”, afirma Strassburg, que é diretor do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS) e coordenador do Centro de Ciências da Conservação e Sustentabilidade do Rio (CSRio).

A pesquisa foi desenvolvida por 25 pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Suécia e Polônia, e mapeou 362 soluções para recuperação florestal com um custo-benefício oito vezes maior do que aquelas obtidas por métodos usuais.

Strassburg participou do desenvolvimento do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, instituído em 2017, que determinou que o Brasil deve restaurar, em 20 anos, 12 milhões de hectares de floresta, sendo 5 milhões de Mata Atlântica - o equivalente a 4% desse bioma.

Pesquisadores criam algoritmo para restaurar a Mata Atlântica

Kellen Leal | Jornalista

“Onde promover essa restauração faz uma grande dife-rença”, afirma o economista e cientista ambiental. Por isso, o grupo buscou desenvolver uma metodologia para entender em quais áreas a recuperação traria um melhor custo-benefício. “Essa ferramenta deveria ter uma abordagem flexível que integrasse múltiplos critérios – não apenas a conservação da biodiversidade, a mitigação das mudanças climáticas ou a redução de custos. Queríamos um algoritmo que fizesse os três ao mesmo tempo”.

Estima-se que, hoje, restam apenas de 22 a 28% da Mata Atlântica original. Por isso, definir onde serão recuperados os 5 milhões de hectares desse bioma requer uma estratégia cautelosa. As 362 soluções ótimas encontradas são diversas e decidir qual é a melhor depende dos objetivos. Num dos melhores cenários, cada um dos três fatores – conservação da biodiversidade, mitigação das mudanças climáticas e custos – têm um desempenho de cerca de 94%, 90% e 80%, respectivamente. “Mas definir se é melhor ter um desempe-nho de 94% para conservação e 90% para redução de CO2 na atmosfera ou o contrário, isso se trata de uma escolha da sociedade”, destaca Strassburg.

Por Lei, cada propriedade deve ter, no mínimo, 20% de vegetação de Mata Atlântica e as que estiverem abaixo devem fazer a restauração – não necessariamente na sua própria terra, pois o produtor pode pagar por essa recuperação em outros locais. “O pior cenário encontrado na análise é cada proprietário restaurar a vegetação em seu terreno, em pequenos projetos pulverizados. Sai mais caro e é pior para a biodiversidade e para o clima. Por isso, é importante considerar a inteligência espacial trazida pelas soluções do algoritmo”.

Div

ulga

ção

Div

ulga

ção

Teresópolis antes Teresópolis depois

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2128

| pesquisas |

Page 29: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

A descoberta, que é conside-rada uma inovação no que diz respeito à recuperação de áreas degradadas e desmatadas, foi publicada na renomada revista Nature Ecology & Evolution em 17 de Dezembro do ano passado em um artigo intitulado em inglês “Strategic approaches to restoring ecosystems can triple conservation gains and halve costs” (https://www.nature.com/articles/s41559-018-0743-8). O Estudo e os mapas produzidos foram entregues ao Minis-tério do Meio Ambiente do Brasil e serão utilizados como instrumento para a definição de áreas prioritárias para restauração. A metodologia está sendo replicada para outros biomas e países.

Sobre o IIS

O Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) é uma organização independente com sede no Rio de Janeiro que desenvolve pesquisa, projetos e ferramentas voltadas à compreensão da relação entre o homem e demais elementos da natureza e implementação de políticas públicas. Tem como principais objetivos a conservação da biodiversidade, o uso sustentável da terra, a mitigação e adaptação às mudanças climáticas e a solução para os desafios associados ao desen-volvimento sustentável.

Fundado em 2009, o Instituto tem oferecido subsídios acerca desses temas à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), à Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) da ONU e a vários governos nacionais. Coliderou o desenvolvimento do Plano Nacional de Restauração do Brasil e participa do Painel Internacional para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.

O mapa mostra as melhores áreas para restauração seguindo os critérios de conservação da biodiversidade, sequestro de carbono e baixo custo

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 29

| pesquisas |

Page 30: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Doze pesquisadores brasileiros estão entre os cientistas mais influentes do mundo em suas respectivas áreas de conhecimento. A lista, produzida anu-almente pela empresa de consultoria “Clarivate Analytics” desde 2014, con-sidera o número de citações por artigos publicados em um período de dez anos. Os selecionados pertencem ao grupo de 1% de pesquisadores que mantiveram as mais altas médias de citações durante o período. Ao todo, foram selecionados cerca de 6 mil pesquisadores, em 21 áreas do conhecimento, além de campos transversais.

O pesquisador Paulo Eduardo Artaxo Netto, da Universidade de São Paulo (USP), é o brasileiro que mais aparece na lista. Ele foi mencionado em 2014, 2015 e 2018. Professor do Instituto de Física, Artaxo atua em áreas como mudanças climáticas globais, meio ambiente na Amazônia e poluição do ar urbana. “As pesquisas que nós temos feito na Amazônia têm trazido implicações para o desenvolvimento de políticas públicas”, disse.

Ele estuda, por exemplo, o impacto de emissões de quei-madas na saúde pública e no meio ambiente amazônico. “Nós demonstramos através de uma série de trabalhos que o desmatamento e as queimadas têm impacto global muito grande no meio ambiente”. As pesquisas desenvolvidas por Artaxo mostram como o processo de ocupação da Amazônia está afetando o ciclo hidrológico na região. “Isso é importante e tem implicações, por exemplo, na produção agrícola brasileira, e tem implicações no papel da Amazônia no ciclo global”.

Lista

Os Estados Unidos são o país com maior número de pes-quisadores mencionados, 2.639 ao todo; em seguida aparece o Reino Unido, com 546; e em terceiro lugar a China, com 482. As três primeiras universidades mais citadas são estadunidenses: Universidade de Harvard (EUA), 186; National Institutes of Health (NIH), com 148; e Universidade de Stanford, que tem 100 pesquisadores entre os mais citados.

A USP é a instituição brasileira com maior número de brasileiros mencionados na lista, um total de quatro. Além de Artaxo, fazem parte do ranking Paulo Andrade Lotufo e Guilherme Vanoni Polanczyk, da Faculdade de Medicina (FM); e Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública (FSP).

12 pesquisadores brasileiros estão entre os mais influentes

Camila Maciel | Jornalista da Agência Brasil

Os demais são: Alvaro Avezum (Ins-tituto de Cardiologia Dante Pazzanese), Luísa Gigante Carvalheiro (Universi-dade Federal de Goiás), Adriano Gomes da Cruz (Instituto Federal do Rio de Janeiro), Daniel Granato (Universidade Estadual de Ponta Grossa), Miriam Dupas Hubinger (Unicamp), Renata Valeriano Tonon (Embrapa), Ana Maria Baptista Menezes e Cesar Gomes Vic-tora (Universidade Federal de Pelotas). Entre as áreas de conhecimento desen-volvidas pelos pesquisadores brasileiros estão ciências agrárias, meio ambiente, geociência, medicina e ciências sociais, além de áreas transversais.

A pesquisadora Miriam Hubinger, da Faculdade de Engenharia de Alimen-tos da Unicamp, teve, entre os trabalhos mais citados, as pesquisas desenvolvidas

com a polpa de açaí. “Nós tentamos estabilizar essa polpa, secá-la e fazer com que ela conservasse propriedades antioxi-dantes e se tivesse uma vida de prateleira, uma vida útil grande e isso foram artigos publicados em 2009 e depois de 10 anos sendo muito citados estão sendo reconhecidos”, explicou.

Outro trabalho inovador foi a microencapsulação de óleo de linhaça e óleo de café torrado. “No caso do óleo de café, para que ele conservasse suas propriedades de aroma, flavour, mais estável, e do óleo de linhaça para que ele fosse mais estável ao armazenamento, não se oxidasse tão facilmente. Teve todo um trabalho de desenvolvimento, formulação e de processo e fez com que eles fossem inovadores na época em que foram publicados”, apontou.

Os pesquisadores consideram promissora a inclusão de brasileiros na lista, mas chamam atenção para a necessidade de investimento continuado em ciência e tecnologia. “Nós temos os cérebros, mas também precisamos de dinheiro. O ideal é que haja muito mais. Nos EUA, o sistema é muito mais incentivado e a pesquisa é mais valorizada do que aqui. Por isso que o Brasil tem a metade dos pesquisadores da Universidade de Maryland que está a posição 50º, mas acho que já é alguma coisa a gente estar na lista”, avaliou Hubinger.

Artaxo considera que, por estar entre as dez maiores econo-mias, o Brasil deveria ter uma posição melhor entre os autores científicos mais citados. “Estar na lista dos pesquisadores mais citados no mundo mostra que o Brasil tem enorme potencial de produção científica, mas não está sendo devidamente aproveitado pela falta de investimento em ciência e tecnologia. Isso atrasa o nosso desenvolvimento e atrasa implementação de políticas públicas baseadas em ciência”, afirmou.

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2130

| cientistas |

Page 31: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 32: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Bactérias que vivem no entorno das raízes de uma gramínea que só ocorre na Antártica apresentaram ação anticancerí-gena. Essa ação foi comprovada no trabalho de doutorado do biólogo Leonardo José da Silva, orientado pelo pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna, SP) Itamar Soares de Melo. Em sua tese, defendida em agosto na Universidade de São Paulo (USP), Silva estudou a planta Deschampsia antarctica, da qual extraiu os micro-organismos que vivem em sua rizosfera (região das raízes).

Cientistas selecionaram um grupo de bactérias associadas a essa gramínea, as actinobactérias, reconhecido por produ-zir uma gama de substâncias bioativas e com comprovado potencial para gerar produtos antitumorais. Desse material, Silva identificou e caracterizou os compostos responsáveis pela atividade antitumoral e avaliou a identidade taxonômica (classificação) de algumas linhagens para descrição de possíveis novas espécies de actinobactérias.

Esses micro-organismos apresentam também o potencial de inibir e controlar a bactéria fitopatogênica Agrobacterium, responsável pela formação de tumores em plantas e que tem causado severos danos a várias culturas de importância agrí-cola. O controle da Agrobacterium tem sido muito difícil e as actinobactérias são capazes de produzir antibióticos para uso na agricultura. Além disso, essas mesmas bactérias têm apresentado forte atividade contra o fungo Pythium apha-nidermatum, um importante agente de doenças de plantas agrícolas.

Bactérias da Antártica produzem substâncias anticancerígenas

Cristina Tordin | Jornalista da Embrapa Meio Ambiente

Ambientes adversos geram moléculas interessantes

Somente duas espécies de plantas vasculares são encon-tradas naturalmente na Antártica: Deschampsia antarctica e Colobanthus quitensis, popularmente chamadas de gramínea antártica e mosto de pérolas, respectivamente.

Silva conta que vários grupos de pesquisa procuram decifrar os processos adaptativos dessas espécies vegetais, bem como explorar os potenciais biotecnológicos ligados à sobre-vivência de plantas em condições adversas. A Deschampsia antarctica forma pequenos cristais de gelo na superfície das suas folhas sob frio extremo e apresenta forte tolerância à radiação ultravioleta.

Estima-se que cerca de 50% dos agentes anticanceríge-nos utilizados atualmente têm origem em plantas e micro-organismos e entre eles as actinobactérias se destacam pela versatilidade metabólica e pela produção de compostos com atividade bactericida, fungicida, algicida e anticâncer. A maior parte dos fármacos apresenta atividade contra a proliferação das células tumorais, e abordagens recentes procuram selecionar agentes bioativos específicos para inibição da vascularização de tecidos tumorais, ou seja, que afetem o fornecimento de sangue das células doentes. Em busca de alternativas de combate, cientistas têm buscado novos recursos microbianos em habitats intocados, principalmente em ambientes extre-mos, os chamados extremófilos, que geralmente produzem substâncias raras.

Proj

eto

Myc

oAnt

ar

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2132

| descobertas |

Page 33: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

As amostras foram coletadas durante a 33ª Operação Antártica. Na época, em dezembro de 2014, poucas áreas com solos livres de gelo foram encontradas. O período foi escolhido por ser época de brotamento das espécies vegetais e de aumento da atividade biológica da região.

Conforme Leonardo José da Silva, 30 linhagens de actinobactérias produtoras de substâncias bioativas foram selecionadas para produção de substâncias antitumorais.

O doutorando identificou e caracterizou os compostos responsáveis pela atividade antitumoral e avaliou a identidade taxonômica (classificação) de todas as linhagens por meio do sequenciamento do DNA e outros métodos. Ele demostrou que grande parte dessa diversidade é formada por novas espécies e, entre elas, a recém-descrita Rhodococcus psychrotolerans sp. nov. Também foram encontradas outras espécies novas dos gêneros Nocardia e Streptomyces.

Bactéria inibe crescimento de tumor

Uma linhagem, identificada como Streptomyces sp. CMAA 1527, apresentou forte atividade antiproliferativa das células cancerosas em condições de laboratório para tumores de mama, pulmão, rim e sistema nervoso central. Uma das substâncias químicas identificadas como responsável por esses efeitos é a cinerubina B.

A CMAA 1527 inibiu completamente o crescimento das linhagens de células tumorais, apresentando maiores efeitos sobre a linhagem de células cancerígenas chamada MCF-7. Além disso, apresentou também efeitos antitumorais em outros tipos de células, como a linhagem HaCaT, eviden-ciando grande potencial de utilização em outros tipos de tumores malignos.

Após realizados os testes, várias actinobactérias foram consideradas promissoras para produção de compostos antitumorais, e passarão agora por ensaios antiproliferativos e caracterização dos agentes ativos, responsáveis pelas pro-priedades de inibição.

Os trabalhos de pesquisa continuam com ensaios para descobertas de novas bactérias da Antártica e estudos dos mecanismos de ação dos compostos produzidos por elas. Os cientistas também estão catalogando actinobactérias até então desconhecidas da ciência.

As linhagens usadas no trabalho foram cedidas pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI) e a linhagem celular de queratinócitos humanos HaCaT (não tumoral), pelo professor Ricardo Della Coletta da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Sob a supervisão do pesquisador Itamar Soares de Melo, da Embrapa Meio Ambiente, a pesquisa foi desenvolvida no escopo de projetos coordenados pela professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) Vivian Helena Pellizari e pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luiz Henrique Rosa.

Também participaram os professores da USP Luiz Alberto Moraes e Ana Lúcia Tasca Ruiz, e Valéria Maia de Oliveira da Unicamp.

Proj

eto

Myc

oAnt

arPr

ojet

o M

ycoA

ntar

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 33

| descobertas |

Page 34: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia do Ministério do Meio Ambiente (MMA), acaba de lançar a primeira edição do “Anu-ário Estatístico do Patrimônio Espeleológico Brasileiro”.

O estudo traz dados sobre 18.358 cavernas brasileiras registradas no Cadastro Nacional de Informações Espeleo-lógicas (CANIE) até dezembro de 2018. As informações são divididas por temas como localização, bacias hidrográficas, biomas, solos, unidades de conservação, rodovias, ferrovias, assentamentos rurais, mineração, petróleo, usinas hidrelétricas e linhas de transmissão.

Na elaboração do anuário, o CECAV cruzou os núme-ros do CANIE com a base de dados dos órgãos e agências reguladoras do governo federal que atuam com cada tema, como a Agência Nacional de Águas (ANA), Ibama, ICM-Bio, Embrapa e Serviço Geológico do Brasil (CPRM), entre outros. O resultado é um panorama detalhado das cavernas conhecidas no Brasil.

Visão ampla

“Por ser uma análise estatística, o Anuário nos ajuda na leitura dos dados, a visualizá-los melhor, nos dando uma visão ampla de como está distribuído o patrimônio espeleológico bra-sileiro frente a diversas tipologias de empreendimentos e áreas protegidas”, diz o coordenador do CECAV, Jocy Cruz.

Tara Ayuk | Jornalista com informações do CECAV/ICMBio/MMA

Estudo traz dados sobre 18 mil cavernas

O estudo pode ser útil para vários setores da sociedade que lidam, de forma direta ou indireta com cavernas, entre eles, gestores ambientais, academia, estudantes e empreendedores. No caso de licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente impactantes ao patrimônio espeleológico, o cadastramento dos dados no Canie é obrigatório.

Na sua primeira edição, o Anuário apresenta um cresci-mento significativo das cavernas cadastradas. Em 2006, eram cerca de 4.500. Isso se deve, segundo Cruz, ao fortalecimento do trabalho de catalogação motivado pelo Decreto 6.640/2008, que regulamentou a gestão das cavernas.

“O Decreto obrigou que empreendimentos potencialmente impactantes ao patrimônio espeleológico realizassem estudo espeleológico no âmbito do licenciamento ambiental, o que praticamente triplicou o número de cavernas conhecidas. Saí-mos de 6.280, em 2009, para 18.358 em 2018”, explica ele.

Em relação às unidades da federação, o Anuário mostra que Minas Gerais, com 7.622 cavernas, é o estado brasileiro que detém o maior número de cavidades naturais subterrâ-neas, seguido pelo Pará com 2.630, Bahia com 1.367 e Rio Grande do Norte com 1.047.

No que se refere às regiões hidrográficas, os números apontam que 6.995 cavernas estão inseridas na bacia do Rio São Francisco e 4.531 na bacia do Tocantins. Juntas, abrigam 63% das cavidades naturais. Já as regiões hidrográficas do Uruguai e Atlântico sul possuem a menor quantidade de cavernas, não passando de 3%.

José

Hum

bert

o de

Pau

la

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2134

| espeleologia |

Page 35: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Com relação à localização por biomas, o estudo constata que 9.177 das cavernas conhecidas no Brasil encontram-se no Cerrado, o que equivale a praticamente metade delas. Já o Pampa e o Pantanal, juntos, têm menos de 1%, com 59 e 16 cavernas, respectivamente. No cruzamento de dados do Canie com as informações de Unidades de Conservação (UC) federais, estaduais, municipais e particulares, observou-se que, das 2.644 UCs, apenas 215, ou seja, 8% abrigam 6.380 das cavernas. Dessas, 54% encontram-se em Unidades classificadas como de uso sustentável e 46% de proteção integral.

Mapa e áreas de ocorrência de cavernas do Brasil

O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas também acaba de lançar o “Mapa de Ocorrências de Cavernas Brasil”. O material foi elaborado a partir da sobreposição da base de dados do CANIE de 18 de abril de 2018 e contém 17.875 cavernas. O mapa traz a visualização de cavernas cadastradas no Brasil e ainda apresenta o tipo de solo e rocha em cada uma delas. O usuário pode, ainda, fazer o down-load no formato PDF e os dados vetoriais com as regiões de ocorrência de cavernas em formato shapefile.

A primeira proposta de classificação do carste brasileiro surgiu na década 1970, elaborada por Karmann & Sánchez (1979) que, a partir da distribuição de rochas carbonáticas, identificaram cinco províncias espeleológicas, isto é, Vale do Ribeira, Bambuí, Serra da Bodoquena, Alto Rio Paraguai e Chapada de Ibiapaba, além de outras nove áreas com fenô-menos cársticos mais restritos. Em 1986, as províncias Rio Pardo, Serra Geral e Alto Urubu, as duas últimas de formação arenítica, foram incluídas nessa classificação (Karmann e Sánches, 1986).

Posteriormente, Auler, Rubbioli e Brandi (2001) carac-terizaram geologicamente a distribuição de 14 áreas carbo-náticas no Brasil, com base no mapa geológico elaborado por Schobbenhaus et al., 1981 citado por Hardt (2004), adotando a terminologia região cárstica para designar áreas com cavernas.

Em 2009, analistas ambientais do CECAV ampliaram a classificação de Auler, Rubbioli e Brandi (2001), a partir dos dados do Mapa Geológico do Brasil (CPRM, 2003), da litoestratigrafia do Geobank (CPRM, 2007) e da base de dados do CECAV, que tinha em torno de 6.000 cavidades naturais subterrâneas registradas e os limites estaduais (IBGE, 2006). Em 2018, no âmbito do projeto Áreas Prioritárias para a Con-servação do Patrimônio Espeleológico, foi delimitada área de interesse espeleológico no Brasil e também se consideraram as ocorrências de cavernas em rochas não carbonáticas.

O Mapa das Áreas de Ocorrência de Cavernas do Brasil foi elaborado foi elaborado a partir da sobreposição da base de dados do Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE) de 18 de Abril de 2018, contendo 17.875, com os seguintes dados digitais:

Cartas geológicas do Brasil ao Milionésimo, da CPRM;Cartas de geodiversidade do Brasil ao Milionésimo, da

CPRM;Geodiversidade estaduais, da CPRM (Geobank), em

escalas variadas (Alagoas e Sergipe, 1:250.000; Pernambuco e Rio Grande do Norte, 1:500.000; Rio Grande do Sul e São Paulo, 1:750.000; Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Piauí, Rondônia e Santa Catarina, 1:1.000.000);

Mapa Geológico do estado do Paraná. MINEROPAR, na escala 1:650.000;

Domínios hidrogeológicos do Brasil, da CPRM, na escala 1:2.500.000;

Mapa Hidrogeológico da Região Nordeste, 2013, do IBGE, na escala 1:2.500.000;

Mapa hidrogeológico do Estado de SC, na escala 1:1.000.000, da CPRM;

Áreas dos processos minerários, do DNPM, disponibilizadas pelo Sistema de Informações Geográficas da Mineração;

Banco de Dados de Geologia da Amazônia Legal Estru-turado em SIG, 2012, IBGE, na escala 1:250.000.

Mar

cio

Cab

ral

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 35

| espeleologia |

Page 36: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

A preocupação com o meio ambiente e o desejo de dimi-nuir os gastos com a conta de luz têm feito com que, cada vez mais, os consumidores optem por sistemas de energias mais sustentáveis, como a solar. Segundo o relatório “Ten-dências globais no investimento em energias renováveis 2018”, publicado pela ONU Meio Ambiente no início deste ano, somente em 2017, o mundo instalou um recorde de 98 gigawatts (GW) de nova capacidade solar e investiu cerca de 160,8 bilhões de dólares nesse tipo de energia - um aumento de 18% na comparação com o ano anterior, e mais do que qualquer outra tecnologia.

“Quando ampliamos a geração de energia para consumo advinda de fonte solar, deixamos de impactar diretamente sobre o meio ambiente, evitando a construção de grandes hidrelétricas que provocam perda de biodiversidade, com supressão de vegetação e barragem de rios, e evitamos a libe-ração de gases de efeito estufa (termelétricas a gás ou carvão mineral). Os benefícios são imensos”, explica o doutor em Ecologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós-doutor pela University of Wisconsin (EUA) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, Fabiano Melo. Apesar das vantagens ao meio ambiente e do aumento na procura por esse tipo de energia, a compra e instalação de painéis solares ainda custam caro, sobretudo no Brasil.

Luiza Lafuente | Jornalista

Consórcio é opção para investir em sistemas solares

Entretanto, o investimento vale a pena, especialmente quando observados o potencial de valorização do imóvel com placas solares, que varia de 3% a 6%, segundo pesquisas do Departamento de Energia dos Estados Unidos, e a redução da conta de luz, que pode ultrapassar facilmente os 60%. “A compra e instalação de um sistema fotovoltaico para uma residência custa a partir de R$ 20 mil, podendo chegar a R$ 120 mil em uma casa de alto padrão. Por outro lado, a pessoa recupera rapidamente esse investimento, tendo em vista a redução significativa no valor da conta de luz”, avalia André Marini, diretor comercial da Ademilar Consórcio de Investimento Imobiliário.

Consórcio: alternativa para compra

Uma alternativa para driblar os altos custos de compra de um sistema fotovoltaico em casa ou na empresa está no consórcio, que funciona como uma poupança programada, sem a cobrança de entrada e juros. “É um sistema de autofi-nanciamento, no qual as pessoas vão pagando parcelas para formar um fundo. Quanto mais o grupo arrecada, melhor para os participantes”, explica Marini.

Especialista em consórcio de imóveis, a Ademilar conta com planos diversos para a compra de painéis solares.

Her

mín

io N

unes

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2136

| energias renováveis |

Page 37: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Os créditos variam de R$ 85 mil reais a R$ 2 milhões, com parcelas a partir de R$ 360. O crédito é atualizado anualmente com base no INCC (Índice Nacional de Custo de Construção), o que garante poder de compra. Vale frisar que a compra do sistema fotovoltaico, por meio do consórcio, pode ser feito se o consorciado optar pelo processo de reforma.

O consórcio pode ser feito tanto por pessoas físicas como jurídicas. As contemplações mensais acontecem por sorteio e lances. Além disso, o consumidor pode contar com consultoria para saber qual sistema fotovoltaico adotar, de acordo com o valor gasto em energia. “O cliente entrega a conta de luz e a empresa que faz a parceria com o licenciado Ademilar já desenvolve o projeto ideal para cada cliente”, finaliza Marini.

Usina solar a custo zero

Uma usina solar que gera energia para utilização no câmpus Ecoville da Universidade Positivo, em Curitiba, acaba de entrar em funcionamento. A geração é equivalente ao abastecimento de 46 residências e deixa de emitir 8 tone-ladas de dióxido de carbono por ano na atmosfera. A grande novidade é que para implantar a tecnologia a instituição não teve custo. A transação utilizada foi viabilizada por meio da Alexandria – empresa brasileira de tecnologia especializada em energias renováveis – que buscou uma alternativa que tivesse o pagamento mensal menor do que o custo com a concessionária de energia.

“Além de ter uma economia imediata, outra vantagem é que depois de um período, a usina passa ser propriedade do cliente a custo zero”, afirma o empresário Alexandre Brandão responsável pelo negócio. Segundo Brandão, os repasses mensais dos clientes são revertidos em LexTokens, a unidade de financiamento das usinas. A instalação da usina solar nesse modelo é apenas a primeira fase de implantação de um grande projeto.

A Universidade Positivo montou um estudo de imple-mentação de forma faseada, que irá combinar vários tipos de energias renováveis e deve seguir no próximo ano com objetivo de dar autossuficiência energética para o grupo.

De acordo com o gerente de Serviços Administrativos da Divisão de Ensino do Grupo Positivo e Gestor do Projeto de Eficiência Energética, Jair Bordignon, a Universidade Positivo já buscava uma solução sustentável há algum tempo. “A usina solar é fundamental tanto do ponto de vista ecológico, quanto do acadêmico. Os estudantes de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Elétrica e Engenharia de Energia, por exemplo, podem utilizar a usina para a prática pedagógica. Além disso, a usina integra o Sistema de Gestão Ambiental da instituição, que já conta com o mercado livre de energia” explica.

Sobre a Rede de Especialistas

A Rede de Especialistas de Conservação da Natureza é uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Sobre a Ademilar

A Ademilar Consórcio de Investimento Imobiliário foi pioneira no país ao trabalhar especificamente com o consórcio de imóveis. Ela está entre as dez maiores administradoras do Brasil no segmento, segundo ranking do Banco Central. Atendimento personalizado, de acordo com as necessidades específicas de cada cliente, e assessoria completa em todas as etapas do processo são os diferenciais da administradora, que tem sede em Curitiba e atuação nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Mais informações em www.ademilar.com.br.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 37

| energias renováveis |

Page 38: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Quando pensamos em baterias, lembramos de dispositivos eletroeletrônicos ou de veículos elétricos. Porém, outros usos de baterias crescem rapidamente no mundo.

Nos Estados Unidos há mais de 800 MWh em bancos de baterias “estacionárias”, ou seja, instaladas na infraestrutura da matriz elétrica ou em consumidores. As baterias estacionárias são usadas para regular e melhorar a frequência e tensão da rede elétrica, para “arbitrar” o consumo em horários de ponta e fora-ponta e para proteger consumidores contra surtos e falhas de fornecimento. Tais usos deverão crescer fortemente, contribuindo para acelerar a transição de geradores basea-dos em fontes fósseis, poluidoras e mais caras para fontes renováveis, limpas e mais competitivas, porém com perfil de geração variável.

Um fator decisivo para o avanço do armazenamento de energia elétrica é a redução dos custos das baterias. Segundo a Bloomberg New Energy Finance, o preço de baterias de íons de lítio despencou mais de 75% entre 2010 e 2018, sendo a segunda tecnologia que mais se barateou no setor elétrico mundial, atrás apenas da solar fotovoltaica, com redução de 83% no mesmo período.

Ronaldo Koloszuk | Presidente do Conselho de Administração da ABSOLAR*

Armazenamento da energia solar fotovoltaica: a nova fronteira

O barateamento das baterias continuará firme nos próximos anos, aproximando a tecnologia do mercado. Para dispositivos eletroeletrônicos e na mobilidade elétrica, a tecnologia de íons de lítio tem sido a mais indicada, pela maior densidade elétrica em comparação com as opções disponíveis. Já para o uso estacionário existem boas alternativas, com vantagens importantes. Uma delas, por exemplo, é a bateria de fluxo de ferro que, apesar da menor densidade elétrica, é mais resis-tente à degradação, não é inflamável e não contêm materiais escassos ou de alta toxicidade em sua composição.

E o que esperar do armazenamento no Brasil?

Baterias cada vez mais baratas acelerarão a substituição de geradores a diesel, caros, poluentes e barulhentos, por sistemas híbridos combinando geração solar fotovoltaica e armazenamento. Para os consumidores conectados à rede, em áreas urbanas e rurais, que reclamam das interrupções ou instabilidades no fornecimento de eletricidade, as baterias serão parte da solução. Adicionalmente, muitos consumidores em média tensão, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, pagam tarifas elevadíssimas no horário ponta e as baterias ajudarão a reduzir estes custos.

Baterias também serão um ativo valioso para as distri-buidoras: além de melhorar a qualidade do fornecimento de energia elétrica, o armazenamento permite a expansão mais eficiente das redes de distribuição, aliviando os picos de demanda em momentos de consumo elevado. Em 2017, a ANEEL aprovou 23 projetos de P&D de armazenamento por meio da Chamada de P&D Estratégico Nº 21/2016, atual-mente em fase de implantação. Adicionalmente, estão sendo desenvolvidos os primeiros projetos comerciais no Brasil, em regiões como Goiás, Pernambuco e Minas Gerais.

Para a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR) e o setor solar fotovoltaico, o armazenamento competitivo é tema de grande interesse: ele proporcionará mais valor e novas funcionalidades aos sistemas solares fotovoltaicos, trazendo aos consumidores maior liberdade e autonomia, e contribuindo para ampliar a participação da fonte solar fotovoltaica na matriz elétrica brasileira. Com isso, ofereceremos novos serviços e opções, como uma gestão precisa da geração e do consumo locais, a criação de microrredes e comunidades de compartilhamento e armazenamento da geração solar fotovoltaica, e o aumento do poder de decisão do consumidor, usando a rede elétrica quando for vantajoso e protegendo os consumidores de custos elevados.

Armazenamento e energia solar fotovoltaica, cada vez mais competitivas, seguirão juntas, abrindo as portas para novas oportunidades de negócio e de crescimento no setor elétrico brasileiro.

*Com a colaboração de: Rodrigo Sauaia, CEO da ABSOLAR e Markus Vlasits, Coordenador da Força-Tarefa de Armazenamento da ABSOLAR

Tes

la

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2138

| energias renováveis |

Page 39: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Não finalizar Angra 3 geraria economia de R$ 12,5 bi

Sérgio Leitão | Advogado, fundador e Diretor-Executivo do Instituto Escolhas

Em 23 de Outubro, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou uma Resolução que viabiliza a conclusão da Usina Termelétrica (UTE) Angra 3, paralisada desde 2015. E o futuro Ministro de Minas e Energia, Almirante Bento Costa Lima de Albuquerque Júnior, anunciou recentemente que a conclusão da usina nuclear será uma das prioridades da sua gestão (Nota: o artigo foi escrito em 24/12/2018).

Para avaliar os custos e benefícios de Angra 3 ao país, o Instituto Escolhas comparou a opção de ter a fonte nuclear no sistema elétrico com os custos de não prosseguir com a obra, concluindo que a melhor opção é não finalizá-la. Segundo a pesquisa, não prosseguir com Angra 3 e substituir a produção de energia nuclear por solar representaria uma economia de R$ 12,5 bilhões ao longo de 35 anos.

Angra 3 é uma sangria aos cofres públicos que precisa ser estancada. Em tempos de ajuste fiscal e da presença de novas opções para o país suprir suas necessidades de ener-gia, a conclusão da usina não se justifica. Para o cálculo, o Instituto Escolhas utilizou uma metodologia inédita lançada em Outubro deste ano no relatório “Quais os reais custos e benefícios das fontes de geração elétrica no Brasil? ”. O estudo é uma realização do Escolhas, em parceria com a PSR Soluções e Consultoria em Energia.

A metodologia considera o custo total da geração de energia no Brasil por meio da avaliação e da valoração dos atributos de cinco componentes: custos de investimento e operação; serviços prestados pela fonte além da produção de energia propriamente dita; custos de infraestrutura causados ou evi-tados pelo gerador; subsídios e isenções; e custos ambientais, como emissão de gases de Efeito Estufa.

Quando a construção da Usina Nuclear de Angra 3 foi paralisada em 2015, já haviam sido investidos R$ 6,6 bilhões com um progresso de 67% das obras: 88% da parte de enge-nharia; 78% de suprimento de equipamentos e materiais; 82% das obras civis e 19% da montagem eletromecânica. Atualmente, os sistemas de proteção para a estrutura da usina já estão prontos e há custos mensais para a preservação das componentes e materiais.

A opção de abandonar o projeto requer o pagamento de multas por rescisões contratuais, liquidação antecipada do financiamento, custos com desmobilização da equipe, rescisão de contratos nacionais, rescisão de contratos com a fornecedora de equipamento (Areva), compensações socioambientais e reservas de contingências.

De acordo com a Eletrobras Eletronuclear – órgão res-ponsável por operar e construir usinas termonucleares no Brasil –, os custos totalizam 11,9 bilhões de reais. Segundo a resolução do MME, o investimento para completar as obras está estimado em R$ 15,5 bilhões, portanto R$ 3,6 bilhões a mais que descontinuá-la.

Uma primeira análise fria dos números pode simular que a melhor deci-são seria continuar a cons-trução.

Ent re t anto, como demonstra nossa meto-dologia, é preciso avaliar a atratividade desta usina em comparação a outras alternativas de expansão, e não apenas com a opção de abandoná-la.

Por isso, o estudo ana-lisa a substituição da energia produzida pela termelétrica por energia das usinas sola-res da região Sudeste, que têm os mesmos atributos de Angra 3: gera energia “na base”, não emite dióxido de carbono (CO2), e está localizada na mesma área, próxima a grandes centros de carga. A diferença é a intermitência da fonte solar, que aumenta, por exemplo, os custos associados à necessidade de uma reserva operativa e à necessidade de potência.

A avaliação realizada pelo Escolhas mostra que retomar as obras da usina nuclear de Angra 3 custará para o sistema 528 R$/MWh durante 35 anos, superior aos R$ 480/MWh publicados como referência pelo Governo Federal na resolução de Outubro de 2018. O cálculo do Instituto avalia a soma de todos os atributos indicados na metodologia, considerando assim o grande subsídio dado à usina advindo das baixas taxas de financiamento do BNDES e da Caixa Econômica Federal, custo esse que é repassado aos consumidores e contribuintes.

Já o custo para a sociedade da fonte solar no Sudeste é de R$ 328/MWh no mesmo período. Portanto, o estudo conclui que o abandono da obra de Angra 3, com a quitação de todos os custos e a construção de usinas solares, traria uma economia ao setor elétrico de R$ 12,5 bi até 2045, o que significa R$ 103/MWh ao longo desses 35 anos.

Cabe ressaltar que esta análise é conservadora sobre o ponto de vista tecnológico, pois não considera a possível redução nos custos de investimento da energia solar após os 20 anos de operação, uma vez que foi considerado o mesmo custo de energia solar ao longo de todo o período analisado.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 39

| opinião |

Page 40: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

A interdependência entre água e energia e sua relação direta com o desenvolvimento sustentável foram os pontos em comum nos discursos dos representantes da Itaipu Binacional e do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Social das Nações Unidas (UNDESA), que fizeram o lançamento da Rede de Soluções Sustentáveis em Água e Energia, durante a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, COP-24, em Katowice, na Polônia.

A Rede é consequência de uma parceria firmada entre as duas instituições em Março do ano passado. Com a Rede, a iniciativa passa a contar com uma plataforma para o com-partilhamento de conhecimentos e boas práticas com uma abordagem integrada dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de Números 6 e 7 (Água potável e sanea-mento, e Energia limpa e acessível, respectivamente). A ideia é, também, promover encontros para a capacitação e a adesão de novos parceiros.

Conforme explica Liu Zhenmin, Subsecretário-Geral das Nações Unidas para a UNDESA, água e energia são assuntos interconectados e cruciais para a Agenda 2030 da ONU. No Brasil, por exemplo, a disponibilidade de água guarda uma relação direta com boa parte da geração de energia, uma vez que a fonte hidráulica responde por cerca de 70% do suprimento nacional de eletricidade. Ao mesmo tempo, o processo de tratamento e fornecimento de água potável é altamente dependente de eletricidade.

Mas mesmo considerando as demais fontes de geração, o uso de recursos hídricos é intensivo em 90% da geração elétrica mundial, conforme destacou Zhenmin. O executivo da UNDESA também chamou a atenção para o fato de que 1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso a eletricidade e 2,1 bilhões de pessoas não dispõem de água potável em casa. “A próxima década é uma janela de oportunidade para a comuni-dade internacional atuar nessas questões e promover avanços significativos. Nesse cenário, a abordagem integrada dos ODS 6 e 7 é uma ferramenta poderosa”, afirmou Zhenmin.

Erik Von Farfan | Jornalista (com informações da Itaipu-Binacional)

Itaipu e Undesa tem soluções globais em água e energia

“E Itaipu é um exemplo disso, como pude testemunhar pessoalmente no último mês de Maio, quando estive na usina”, acrescentou.

A Itaipu foi representada no lançamento pelos diretores financeiros, Mário Cecato (Brasil) e Monica Perez dos Santos (Paraguai), que enfatizaram o compromisso da empresa com o compartilhamento de suas experiências na promoção do desenvolvimento territorial, conservação da biodiversidade, redução da pobreza e geração de renda. “Essa parceria com a UNDESA está intimamente ligada à nossa empresa. Água e energia são temas essenciais para as atividades da Itaipu”, disse Cecato. “É a partir dos cuidados com a água e energia que Itaipu demonstra seu compromisso com a promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental, tanto no Brasil como no Paraguai”, completou Monica.

A cerimônia de lançamento também contou com a par-ticipação do Diretor-Executivo da Associação Internacional de Hidroeletricidade (IHA), Richard Taylor. “Há poucos exemplos bem-sucedidos como a Itaipu no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável, assim como há poucos países que vêm se desenvolvendo como o Paraguai, o que, no caso, se deve ao suprimento confiável de energia de que o país dispõe”, sentenciou Taylor. “Por isso, temos de aprender com esse exemplo. A hora de agir é agora”.

A proposta da rede é atrair outras organizações, governos ou empresas que trabalhem com essa abordagem integrada entre água e energia. E, entre os potenciais parceiros que já demonstraram interesse em aderir à rede, estão o Conselho Mundial de Energia (World Energy Council) e o governo da Espanha, ambos com extenso histórico nessa questão, conforme afirmou o assessor de Energias Renováveis da ONU, Minoru Takada, que assistiu a cerimônia de lançamento.

Para aderir à plataforma, a UNDESA está solicitando aos interessados que produzam estudos de caso sobre suas práticas. Após análise por parte do órgão da ONU, os estudos passarão a ser disponibilizados on-line.

Jorg

e A

rzam

endi

a -

Itai

pu B

inac

iona

l

Jorg

e A

rzam

endi

a -

Itai

pu B

inac

iona

l

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2140

| recursos hídricos |

Page 41: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 42: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

As cerca de 170 línguas indígenas faladas no país constituem hoje importante objeto de pesquisa na área da linguística. Trata-se de uma luta contra o tempo. Diante da estimativa de que esses idiomas possam desaparecer em 50 ou 100 anos, linguistas dedicam-se não apenas a registrá-los, mas também a trabalhar por sua sobrevivência. De livros escolares a dicionários, de sites em idiomas indígenas a corpus linguísticos digitais, uma geração de pesquisadores que iniciou seus estudos junto às comunidades na década de 1990 propõe contribuições que atendem, ao mesmo tempo, exigências científicas da área e propósitos sociais.

“Nós perdemos uma grande diversidade e vamos perder mais ainda”, afirma Luciana Storto, professora do Depar-tamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, lembrando estimativa de que, antes da colonização, eram mais de mil os idiomas nativos falados no país. Ainda assim, o Brasil é reconhecido mundialmente pela multiplicidade de suas lín-guas: são 37 famílias ou subfamílias linguísticas (macro-jê e tupi são os maiores agrupamentos), além de outras 8 línguas isoladas – ou seja, não relacionadas a nenhuma outra.

A população indígena no país tem crescido, chegando atualmente a 896.917 indivíduos, segundo dados do IBGE, mas há cada vez menos falantes dessas línguas – são hoje 434.664 as pessoas aptas a utilizá-las. Embora muitos povos não vivam em terras indígenas, a maior parte desses falantes se concentra em áreas demarcadas, que ocupam 13% do território do país e favorecem a preservação da língua e da cultura dessas etnias. No livro Línguas indígenas: Tradição, universais e diversidade, com lançamento previsto para 2019, Storto explica que, enquanto o atendimento à saúde e à alimentação tem melhorado entre os povos indígenas, o “preconceito histórico” faz com que muitos abandonem suas línguas, acreditando ser esse o caminho mais adequado para obtenção de fluência na língua portuguesa.

Para idiomas de transmissão oral, as consequências desse processo são desastrosas. “O conhecimento é passado de geração a geração principalmente através de narrativas contadas pelos mais velhos e experientes aos mais novos”, esclarece Storto. Quando os mais velhos deixam de utilizar determinada língua e as crianças de aprender, o resultado é o desaparecimento do idioma. A escola, que poderia interferir nesse processo, nem sempre é capaz de fazê-lo. Embora o ensino indígena tenha sua autonomia legalmente garantida desde 1999, não há um projeto educacional estruturado – cada etnia deve se encarregar de conceber o próprio. Com poucos profissionais nativos formados para isso, as comunidades dependem de colaboração especializada para desenvolver materiais espe-cíficos de ensino do próprio idioma.

Luisa Destri | Pesquisadora e jornalista da Pesquisa Fapesp. Dra. em Literatura Brasileira, mestra em Teoria e História Literária

Pela sobrevivência das línguas indígenas

O trabalho do linguista junto às comunidades indígenas é extenso e tem início, quase sempre, com a descrição da língua em seus inúmeros aspectos – os sons e suas combinações, as palavras e sua composição, as sentenças e suas formações, a língua em uso. Uma primeira síntese desses conhecimentos se dá em trabalhos teóricos, que podem assumir a forma, por exemplo, de uma gramática. Foi o caso de Storto, que em sua tese de doutorado, defendida no Massachusetts Institute of Technology (MIT) dedicou-se ao karitiana, idioma de uma comunidade que vive em Porto Velho, Rondônia.

A produção de literatura indica a vitalidade da língua

“É comum que essa seja a primeira abordagem, porque toda língua tem uma lógica, e os linguistas têm técnicas para extrair essa lógica e escrever gramáticas”, explica Filomena Sandalo, professora do Departamento de Linguística do Insti-tuto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas (IEL-Unicamp). Pesquisadora do tema há mais de 25 anos, em sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Pittsburgh, ela também propôs uma gramática, no caso do kadiwéu, idioma falado pela comunidade indígena homônima, cujas terras se situam no Mato Grosso do Sul.

A partir da descrição, que é também uma maneira de conhecer e dominar a língua, o trabalho pode se desenvolver em distintas direções. O de Sandalo tem trajetória pouco comum, porque se subordina a discussões teóricas no campo do gerativismo. Apresentado pelo linguista e filósofo Noam Chomsky no fim da década de 1950, tal campo descreve e explica abstratamente a linguagem, entendida como uma capacidade inata do cérebro humano. “Fiz uma gramática atípica entre aqueles que trabalham na documentação de línguas indígenas”, afirma Sandalo. “O tema que busco são os universais da linguagem. Aquilo que caracteriza a linguagem humana independentemente de cultura e sociedade”.

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2142

| linguística |

Page 43: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Corpus digital e website

Como parte do projeto “Fronteiras e assimetrias em fonologia e morfologia”, que propôs experimentos com o português e o kadiwéu a fim de discutir teoria linguística, Sandalo coordenou a criação de um corpus digital dessa língua indígena. Disponível para consulta no site do Projeto Tycho Brahe, da Unicamp, reúne algumas narrativas desse povo, em arquivos sonoros e de texto, trazendo tradução de cada uma das palavras (as anotações de um texto para explicar, por exemplo, o sentido de uma palavra são chamadas pelos linguistas de “glosas”) e análise morfológica. O objetivo é duplo: servir tanto para as pesquisas linguísticas como para o uso escolar. “O corpus é também um mecanismo de preservação de línguas”, afirma a coordenadora do projeto.

No campo das pesquisas teóricas, a produção de material para uso nas comunidades é vista como uma maneira de retribuir a contribuição dos indígenas. “Nós fazemos um trabalho pesado documentando textos, sentenças, e precisamos que eles nos ajudem o tempo todo com traduções. Em troca, produzimos material didático, uma ortografia, um projeto de documentação”, afirma Storto. Tais projetos, ela explica, têm importante valor para as comunidades. “Se exibido na escola, o vídeo de antepassados falando o idioma, por exemplo, é útil como memória do conhecimento tradicional.”

Diante da importância da escrita para a cultura ocidental, o fato de as línguas indígenas serem ágrafas contribui para sua vulnerabilidade. Por isso, a proposta da ortografia faz parte, com frequência, do trabalho do linguista, que estabelece o alfabeto e as regras para a sua utilização. Foi o que fez Wilmar D’Angelis, no início dos anos 2000, em um trabalho conjunto com os Kaingang do oeste paulista – etnia junto à qual atua há quase quatro décadas, inicialmente como indigenista e, mais tarde, como linguista.

Em um processo participativo, comunidade e pesquisador adaptaram uma ortografia elaborada na década de 1960 para os Kaingang do Sul do país. Defensor e criador de projetos inclusivos, Wilmar D’Angelis que é professor de Linguística da UNICAMP, destaca também a importância da visibili-dade da língua indígena em comunidades onde a tecnologia está presente: não ver o próprio idioma na internet, “naquilo que aos indígenas parecerá o maior espaço de divulgação e circulação de ideias e informações”, pode gerar a convicção de que as línguas nativas têm valor apenas como folclore, sem função no mundo real. Por isso, o pesquisador considera fundamental a criação de contextos em que o idioma seja de fato utilizado.

Foi esse pensamento que norteou a criação, em 2008, do Kanhgág Jógo, primeiro website totalmente em língua indígena no Brasil, resultado da colaboração de seu grupo de pesquisa com integrantes de comunidades Kaingang do Rio Grande do Sul, depois repetida com outras etnias. Para D’Angelis, impossibilitar o uso da tecnologia como ferra-menta a serviço da língua indígena seria como levar uma geladeira para a aldeia e permitir apenas o armazenamento de alimentos trazidos da cidade, deixando de fora aqueles produzidos localmente.

Recuperação de informações

Com alunos reunidos no grupo de pesquisa InDIOMAS, o professor da Unicamp realiza projetos com a participação de integrantes de diversas comunidades indígenas. Por envolver idiomas prestes a sair de uso, com os nhandewa-guarani, os krenak e os kaingang paulistas, por exemplo, os pesquisa-dores trabalham na recuperação da informação linguística, realizando oficinas de formação de professores e produzindo material para o ensino da língua.

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 43

| linguística |

Page 44: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

O grupo está finalizando o segundo volume do livro Lições de gramática nhandewa-guarani e, como demanda da própria comunidade, em 2019 deverá publicar um dicionário escolar do kaingang paulista. Diferente de obras que apontam termos correspondentes em português e no respectivo idioma nativo – e que, segundo estima D’Angelis, teriam uma consulta de indígena para cada 100 consultas de não índios –, o dicio-nário propõe mostrar o que os termos significam na cultura Kaingang. Entre os desafios para sua realização está a tarefa de estimular, nos poucos falantes remanescentes, a memória de termos que não usam mais, porque ligados a situações ou elementos agora inexistentes, como animais que já não são vistos ou costumes não mais praticados.

Também na contramão de propostas que apresentam a cultura indígena a partir do olhar ocidental, Cristina Far-getti, professora de linguística da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FCL-Unesp), campus Araraquara, vem desenvolvendo desde 2010 um vocabulário juruna. Ela explica que, em vez de traduzir termos como “neve” para uma cultura que não tem esse conceito, seu objetivo é perguntar como os Juruna veem a própria realidade. Para um verbete sobre determinado pássaro, por exemplo, além da tradução para o português, importa conhecer aspectos como sua associação a algum mito ou canção e as conotações de seu canto.

Produção literária

O trabalho de Fargetti junto a essa comunidade do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, teve início há cerca de 30 anos, nas pesquisas para o mestrado, dedicadas à língua juruna.

Naquela época, a língua não tinha registro escrito – com exceção de listas de palavras assinaladas por viajantes e alguns cientistas. Poucos anos depois, a participação em um projeto de formação de professores indígenas levou à proposta de uma ortografia juruna, em que integrantes da própria comunidade discutiram soluções para uma escrita que facilitasse seu uso. “Hoje há muitos jovens teclando em sua própria língua, e teclando muito rápido. Isso é sinal de que a língua faz sentido, tem funções, e de que preferem usar o juruna ao português”, observa Cristina, coordenadora do Linbra (Grupo de Pesquisa de Línguas Indígenas Brasileiras).

A valorização da própria cultura é, entre os Juruna, uma realidade baseada na importância conferida ao idioma. Se no final da década de 1960, eles eram em torno de 50, atualmente são mais de 500, todos falantes da língua nativa. O português é utilizado apenas com não índios ou visitantes de outras etnias. Segundo a professora da UNESP, com o aprendizado da escrita juruna, os mais jovens passaram a demonstrar mais interesse pelas histórias e mitos contados pelos mais velhos. “Descobriram que as histórias escritas eram sempre reduções, adaptações daquilo que é vivo e dinâmico na fala e com isso valorizou-se a fala também”, explica Fargetti. Há também uma literatura sendo produzida em juruna, especialmente em versos. Tal fato constitui, para a pesquisadora, motivo de comemoração: “Poetas jamais anunciam a morte de sua língua, mas, sim, a sua plena vitalidade”, ela afirma.

Entre os Karitiana as últimas décadas foram de valoriza-ção da própria cultura, com gradativa ascensão de lideranças formadas na comunidade, diz Storto. Desde pelo menos 1991 líderes e professores têm sido substituídos por integrantes da comunidade, que se tornou autogerida e está lutando para oferecer, na própria aldeia, todo ensino fundamental.

Val

ter

Cam

pana

to -

AB

r

Índios de Cacoal (RO) das etnias Suruí, Cinta-Larga e Karitiana participam da solenidade de entrega de tablets

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2144

| linguística |

Page 45: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

“A tendência é que se tornem autossuficientes, mas sem isolamento”, observa. “As pessoas estão na internet, estão estu-dando, querendo emprego. Não é possível parar o tempo. O ideal é que levem a diversidade e as especificidades, próprias de suas culturas, para as profissões que irão exercer”, analisa.

Preservação desde a infância

Quando foi convidada pelos Juruna para registrar suas cantigas de ninar, Cristina Fargetti ficou surpresa: alguns anos antes, havia perguntado a integrantes da comunidade se havia a tradição de mulheres cantarem, à noite, para seus filhos. Não havia. “Quem faz a pergunta errada recebe a resposta errada”, constata hoje, depois de descobrir que a tradição existe, mas que as cantigas de ninar podem ser entoadas apenas durante o dia, até por volta das 16h. Os Juruna acreditam que o sono leva temporariamente a alma para longe do corpo. Se entoadas à noite, essas cantigas afastariam a alma com rapidez. Puxada para o escuro, ficaria impedida de voltar. Isso provocaria o adoecimento ou, até mesmo, a morte da criança.

O resultado da pesquisa, que tinha como objetivo revitalizar essa tradição da comunidade indígena, está em Fala de bicho, fala de gente – Cantigas de ninar do povo juruna. O livro traz um estudo completo do gênero, comparando-o a cantigas portu-guesas e brasileiras, discutindo seu significado entre os Juruna e apresentando transcrição e tradução contextualizada de 49 cantigas. O rico repertório musical dessa etnia é objeto ainda de um estudo da pesquisadora e compositora Marlui Miranda, que assina a transcrição das cantigas recolhidas por Fargetti num CD que acompanha o volume. Há também discussões sobre o humor entre os Juruna e o modo como entendem as diferenças entre humanos e animais – aspectos importantes para a compreensão das cantigas e que evocam conhecimentos específicos da linguística e da antropologia.

Roo

sew

elt P

inhe

iro

AB

r

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 45

| linguística |

Page 46: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 47: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 48: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 49: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

O relatório global da Proteção Animal Mundial (World Animal Protection) aponta uma negligência quase universal das grandes redes de fast-food para o bem-estar de frangos consumidos em seus restaurantes.

Tendo como base informações públicas das empresas, o ranking “Botando ordem no galinheiro 2018” avaliou as redes Burger King, Domino’s, KFC, McDonalds, Nando’s, Pizza Hut, Starbucks e Subway. O resultado é alarmante: nenhuma das empresas está levando a questão a sério, nem mesmo colocando o assunto em seus planos anuais.

“O ranking traz à tona um problema que já estamos acompanhando há muito tempo. Grandes redes fast-food lucram com o sofrimento desnecessário de animais, que tem as suas vidas impactadas negativamente pelo modo de criação industrial intensiva. A população precisa se conscientizar e pressionar os fast-foods a mudar esse cruel cenário”, afirma o gerente de animais de fazenda da Proteção Animal Mundial, José Rodolfo Ciocca.

Entre os principais resultados do relatório “Botando ordem no galinheiro 2018” estão:

• De forma alarmante, nenhuma das redes fast-food tem políticas globais para melhorar o bem-estar dos frangos. Na maioria das áreas, os frangos nem têm garantia de abate humanitário.

• Nenhuma empresa recebeu uma nota melhor que “ruim”.

• Apenas três das empresas - Burger King, Starbucks e Subway - demonstraram interesse e ambição em abordar os principais problemas enfrentados pelos frangos de corte. No entanto, os compromissos são todos limitados a uma região ou país.

• Quatro empresas - McDonald’s, KFC, Pizza Hut e Nando’s - foram classificadas como “muito ruim” na questão do bem-estar de frangos.

• A rede Domino’s foi totalmente reprovada, recebendo a classificação “deficiente”.

As companhias foram analisadas por meio de informações publicamente disponíveis em três áreas: política, usando como parâmetro as prioridades da empresa no bem-estar dos frangos; objetivos e metas, avaliando o que empresa pretende fazer para melhorar a vida dos frangos; e desempenho, ana-lisando o quão transparente a empresa é em seus relatórios de desempenho.

Grandes redes de fast-food ignoram o bem-estar de frangos

Daniela Bianchini | Jornalista com informações da World Animal Protection

Mude pelos Frangos – “Botando ordem no galinheiro 2018” é a pri-meira edição de um ranking anual adotado pela Proteção Animal Mundial para checar a situação da indústria de fast-food no que diz respeito ao bem-estar de frangos e documentar seu progresso (ou regresso) anualmente.

A pesquisa é parte da campa-nha “Mude pelos Frangos”, cujo objetivo é parar com a crueldade e sofrimento na produção mundial

desses animais e garantir que empresas de fast-food compro-metam-se com critérios mais elevados de bem-estar.

Cerca de 60 bilhões de frangos são criados anualmente para consumo global. Dois terços deles vivem em galpões superlotados, sem enriquecimento ambiental ou acesso a luz natural ou ar fresco, impossibilitados de expressar seu comportamento natural. Devido ao tamanho exagerado e à velocidade na qual eles são criados, muitos sofrem com problemas de locomoção, pulmões, coração e lesões.

Com a campanha, a Proteção Animal Mundial orienta as redes de fast-foods a utilizar linhagens de frangos que crescem a uma taxa mais saudável; garantir que os frangos tenham espaço para se comportarem de maneira mais natural (por meio do enriquecimento ambiental e extinção do uso de gaiolas); e assegurar que os frangos sejam abatidos usando métodos humanitários.

World Animal Protection

A World Animal Protection (Proteção Animal Mundial, anteriormente conhecida como Sociedade Mundial para a Proteção Animal) mudou o mundo para proteger os animais por mais de 50 anos. A organização trabalha para melhorar o bem-estar dos animais e evitar seu sofrimento.

As atividades da organização incluem trabalhar com empresas para garantir altos padrões de bem-estar para os animais sob seus cuidados; trabalhar com governos e outras partes interessadas para impedir que animais silvestres sejam cruelmente negociados, presos ou mortos; e salvar as vidas dos animais e os meios de subsistência das pessoas que dependem deles em situações de desastre. A organização influencia os tomadores de decisão a colocar os animais na agenda global e inspira as pessoas a mudarem a vida dos animais para melhor.

Mais informações:www.protecaoanimalmundial.org.br.W

orld

Ani

mal

Pro

tect

ion

ECO•21 J a n e i r o 2 0 1 9 49

| saúde animal |

Page 50: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento

Com abordagem multidisciplinar, o livro “Amazônia exótica: Curiosidades da floresta” resgata lendas e registros de naturalistas para revelar aspectos pouco conhecidos da Amazônia.

A despeito de a primeira expedição “científica” à maior floresta tropical do mundo ter sido registrada no Século XVIII, a Amazônia segue cercada de mistérios. Não poderia ser diferente se considerarmos, por exemplo, sua dimensão. São cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados cobrindo territórios localizados em nove países. Com 60% da floresta em áreas brasileiras, o bioma está presente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Embora a ciência ainda não consiga descrever ou explicar boa parte do que lá existe, não é pouco o conhecimento acumulado sobre a floresta, como atesta o acervo da biblioteca do Museu Paraense Emílio Goeldi. Foi lá que a biblioteconomista Olímpia Reis Resque garimpou as preciosidades que compõem “Amazônia exótica: Curiosidades da floresta” (Empíreo), que permitem conhecer um pouco melhor a região, considerada desde 2000 Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Segundo volume de uma trilogia iniciada em 2011, os 57 verbetes que compõem o livro são resultado do empenho da pesquisadora da história da Amazônia em revelar detalhes de espécies muito utilizadas pela população local. “Foi a forma que encontrei de divulgar não apenas nossa fauna e flora, mas também nosso acervo”, conta.

Bibliotecária da instituição durante 35 anos, Resque iniciou sua trajetória profissional no próprio museu, como estagiária, quando ainda cursava a Universidade Federal do Pará. Não demorou a perceber que ali não lhe faltaria informação. Com 300 mil volumes, entre revistas e livros disponíveis ao público, e mais 3 mil obras raras, a biblioteca Domingo Soares Ferreira Penna, fundada no século XIX, reúne o maior acervo sobre a Amazônia do país.

Glenda Mezarobba | Editora de Humanidades da Pesquisa Fapesp

Segredos da floresta

Múltiplos olhares

Como indicam os breves registros que exemplificam esta reportagem, no livro há informações de distintas perspectivas. Organizadas em ordem alfabética das espécies selecionadas, revelam a etimologia das palavras, priorizam relatos de natu-ralistas e reproduzem lendas e curiosidades dos habitantes da floresta.

Além da bibliografia consultada, que inclui raridades como “Pátria selvagem, a floresta e a vida, mythos amazônicos: Os escravos vermelhos”, publicado no início do século XIX por Alexandre de Mello Moraes Filho (1844-1919), o livro apresenta um glossário de termos regionais, como caruana (gênio do bem) e paul (pântano), e breve biografia de meia centena de viajantes que passaram pela região, com destaque para uma única mulher.

Lendo a obra, descobre-se que a artista botânica inglesa Margaret Mee (1909-1988) iniciou sua primeira expedição à Amazônia aos 47 anos de idade e manteve contato com a população local durante as três décadas seguintes.

Parte das imagens que ilustram o livro foi extraída do acervo do museu e de sua coleção de obras raras. Algumas aquarelas foram pintadas por artistas locais contemporâneos e há ilustrações de sites como o Plant Illustrations.

Encantada com o espaço reservado ao feminino no ima-ginário de povos indígenas e comunidades ribeirinhas, no último volume da trilogia, Olímpia Reis Resque pretende explorar a figura da mãe. “Na Amazônia, para tudo existe uma mãe”, diz. “Jaci é mãe da lua, Coaraci, a mãe do sol. Para os povos da floresta, a mata é a mãe dos bichos e não pode ser desrespeitada.”

“Depois de 40 anos frequentando diariamente o museu, ainda me surpreendo com a coleção, que é riquíssima. Entro no acervo para procurar um livro e encontro outro, que nunca tinha visto”, conta Resque.

J a n e i r o 2 0 1 9 ECO•2150

| ecocultura |

Page 51: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento
Page 52: Ano XXIX • Nº 266 • Janeiro 2019 • R$ 15,00 • …60 ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento