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Ano XXVI • Nº 241 • Dezembro 2016 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Sarney Filho • Mario Mantovani • Braulio Dias • Samyra Crespo Dal Marcondes • Carlos Nobre • Fidel Castro • Rachel Biderman ISSN 0104-0030

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro, José Mon serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo

Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Argentina: Ecosistema

Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão Gráfica Colorset

Jornalista Responsável

Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas Anual: R$ 130,00

[email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21)2275-1490 [email protected]

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Ano X X VI • Dezembro 2016 • Nº 241

ECO•21

Capa: Instalação feita com alimentos orgânicos para a COP-13 sobre Biodiversidade, realizada em Cancún Arte: Silas e Adam Birtwistle. Foto: IISD

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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Tanto na política nacional como internacional o ano 2016 foi pródigo em surpresas. No Brasil tivemos a queda de Cunha, derrocada de Dilma, as revelações da justiça sobre os desmandos dos políticos e empresários, a ascensão do evangélico Crivella para a Prefeitura do Rio e do empresário João Dória para a de São Paulo, o desmantelamento do PT e da Rede de Marina Silva. No exterior, a saída do Reino Unido da União Europeia, e a maior surpresa de todas: a eleição do negacionista Donald Trump. Paralelamente, a natureza mais uma vez mandou seu recado: os polos estão derretendo, inúmeras espécies de animais estão na Lista Vermelha da IUCN. Nos últimos anos foram mortos 145 mil elefantes e só em 2015 quase 1500 rinocerontes. Os ursos brancos, as morsas e as girafas também entraram para a Lista dos animais em extinção. Outra grande tragédia é a dos polinizadores: as abelhas e outros insetos benéficos para a vida estão desaparecendo por causa dos agrotóxicos utilizados em grande escala pelo agronegócio. O desmatamento das florestas no Brasil e na Indonésia atingiu níveis nunca vistos. Diante desse panorama, os ambientalistas reagem, lutam nas Conferências da ONU sobre o clima, a desertificação, a biodiversidade e os recursos hídricos e denunciam os atropelos dos grandes interesses econômicos. O Papa Francisco entrou no coro das vozes que protestam. No mês passado, na Pontifícia Academia das Ciências, perante 60 cientistas de todo o mundo afirmou que “a comunidade científica que demonstrou a crise do nosso planeta, hoje está convocada para constituir uma liderança que indique soluções sobre a água, as energias renováveis e a segurança alimentar. É indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e garanta a proteção dos ecossistemas antes que se produzam danos irreversíveis não só ao meio ambiente, mas também à convivência, à justiça e à liberdade”. Felizmente, o homem, que como disse Fidel Castro na RIO-92 é uma espécie a caminho da extinção, reage. Líderes, como Obama, conseguiram preservar imensas áreas marinhas (no Pacífico) e terrestres (no Alasca e Norte dos EUA) as quais ficaram livres da sobre-exploração da pesca e das empresas dos combustíveis fósseis. Se não foi possível acabar com a caça às baleias, pelo menos houve a sensatez de preservar o Mar de Ross, na Antártida. Que tempos são esses em que se destrói o Cerrado para plantar soja irrigada com glifosato?! O Cerrado, que guarda a cura de inúmeras doenças e armazena as águas do Brasil, virará em poucos anos um deserto sem vida diferente do Saara, o qual, mantém latentes vidas únicas nesse ecossistema tão hostil. Mas, não é só a destruição da natureza que nos espanta. A tragédia de Alepo vai além da imaginação. Kosovo foi quase um treinamento. Treblinka foi o ensaio geral. Quando explodiu a bomba atômica em Hiroshima, a apoteose da destruição, como escreveu Albert Camus, “a guerra, calamidade que se tornou definitiva somente por causa da inteligência humana, não dependerá mais dos apetites ou das doutrinas de tal ou qual Estado. Em face às terrificantes perspectivas que se abrem perante a humanidade, nós percebemos mais ainda que a paz é o único combate que vale a pena ser livrado”. É uma perspectiva aberta pela eleição de Trump, mas ela se contrapõe às palavras do Papa Francisco que nos lembra: “a submissão da política à tecnologia e às finanças que buscam a ganância, se revela pelo atraso na aplicação de acordos mundiais sobre o ambiente, além das contínuas guerras de predomínio que, mascaradas por nobres reivindicações, causam danos cada vez mais graves ao ambiente e à riqueza moral de todos os povos”.A ECO•21 agradece aos nossos colaboradores que sempre nos prestigiaram com seus textos, fotos e todo tipo de incentivo permitindo que a revista prossiga na saga dos seus 27 anos de vida. Felizes festas e um sustentável 2017 para todos!

2016 será lembrado como um ano devastador

4 Eliana Lucena - Na COP-13, Brasil propõe integração de áreas protegidas 6 Emilio Godoy - COP-13 debate novas tecnologias 7 Silvia Ribeiro - Biodiversidade sintética? 8 Dal Marcondes - O desafio da maior extinção desde os dinossauros10 Nathalia Clark - Montante do desinvestimento dobra12 Carlos Nobre e Rachel Biderman - Terra de florestas13 Tasso Azevedo - Sina de desmatar14 Virgílio Viana - Brasil precisa investir no mercado de carbono REDD+16 Reinaldo Dias - Mudanças climáticas causam extinção local da biodiversidade18 Carolina Freire - BRICS e a gestão sustentável dos recursos marinhos22 Júlio Ottoboni - São Paulo tem as cidades mais poluídas do país24 Samyra Crespo - Produzir, consumir, viver e imaginar o tempo28 Ricardo Machado - Entrevista com Mauricio Guetta30 Mario Mantovani - Interesse público versus Licenciamento Ambiental31 Camila Faria - Sarney Filho intervém contra licenciamento “flex”32 Stephen Hawking - Este é o momento mais perigoso para o nosso Planeta34 Rubens S. Vaz Junior - Importância do investimento em fontes renováveis36 Alberto Teixeira da Silva - Degradação nas megacidades38 Fidel Castro - Uma espécie biológica está em perigo: o homem39 David Guggenheim - Amizade de Castro e Cousteau salvou o oceano de Cuba42 Daniela Stefano - Fórum Pacto Global: parcerias e investimentos para os ODS 44 Luana Lourenço - Goiás ameaça ampliação do Parna Chapada dos Veadeiros46 George Monbiot - A negação climática de Trump aponta para a guerra48 José Monserrat Filho - Quem vai tomar conta do arsenal nuclear dos EUA?50 Letícia Verdi - Rio é Patrimônio Mundial

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O Brasil defendeu uma proposta para integrar as Áreas Protegidas da América Latina e do Caribe. O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, e o Secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, José Pedro de Oliveira Costa, apresentaram o projeto “Corredores Ecoló-gicos”, na 13ª Conferência das Partes sobre Diversidade Bio-lógica (COP-13), realizada, em Cancun, México. O objetivo é alinhar os sistemas de Unidades de Conservação e garantir a sustentabilidade na região.

A medida busca resultados na área ambiental ao mesmo tempo em que cria mecanismos para impulsionar a econo-mia. De acordo com o Ministro José Sarney Filho, o projeto dos Corredores está relacionado a questões diversas como “a manutenção do equilíbrio climático, a mitigação de proces-sos de desertificação, a segurança hídrica e, em especial, a conservação da biodiversidade”.

Eliana Lucena | Jornalista do MMA

Na COP-13, Brasil propõe integração de áreas protegidas

“Os Corredores Ecológicos também geram oportunidades de desenvolvimento econômico”, acrescentou o Ministro.Para alcançar esses objetivos, a criação dos Corredores Ecológicos pretende, ainda, promover a cooperação entre diversos setores da sociedade a nível internacional. “Esse projeto implica o envolvimento dos governos estaduais, de organizações da sociedade civil, de universidades, do sistema de áreas protegidas dos países da América Latina e Caribe”, explicou o Ministro.

O Secretário José Pedro adiantou que está organizando uma reunião no Brasil, para início de 2017, com todos os países envolvidos no projeto. “A única alternativa para minimizar as perdas com a biodiversidade é proteger as Áreas de Conserva-ção”, disse José Pedro. Ele usou como exemplo o bem-sucedido programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), no qual já foram investidos 250 milhões de dólares.

IISD

Ministro José Sarney Filho discursa na reunião de Alto Nível da COP-13, em Cancún

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Conectividade

A proposta foi apresentada em evento paralelo com a participação de outras autoridades. O Secretário-Executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, Bráulio Dias, classificou como positiva a proposta dos Corredores Ecológicos apresentada pelo Brasil. “Precisamos tratar da conectividade entre áreas protegidas diante dos esforços que se fazem necessários na adaptação à mudança do clima”, afirmou Dias. Para ele, é fundamental desenvolver corredores numa escala continental.

“Na América Latina, alguns países estão desenvolvendo projetos nesse sentido, mas agora é necessário dar um sentido mais sistêmico”, afirmou. Além dos corredores, Bráulio Dias citou o esforço de Bonn para o reflorestamento de até 150 milhões de hectares até 2030, que esta semana recebeu a adesão do Brasil, como medida importante para que os países possam cumprir as metas assumidas no contexto do Acordo de Paris sobre mudança do clima.

O Desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, também participou do evento e aprovou as medidas que estão sendo adotadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) no combate ao desmatamento. O ministro Sarney Filho afirmou que os avanços obtidos se devem em grande parte ao Poder Judiciário. “Não fosse a participação efetiva do Judiciário, talvez não tivéssemos avançado tanto, porque os desafios são muitos”, afirmou Sarney Filho.

Corredores ecológicos

O Programa Corredores Ecológicos do MMA é uma estratégia para a gestão da paisagem no Brasil ao integrar as políticas públicas do Sistema Nacional de Unidades de Con-servação (SNUC) com a implementação do Código Florestal. A medida ordena as áreas de florestas e de conservação em propriedades privadas e gera a conectividade desejada com áreas públicas protegidas, em harmonia com o setor agrícola e florestal.

A dimensão nacional do projeto permite a construção de um panorama continental na América do Sul e promove a base para o diálogo com países vizinhos e parceiros em todo o mundo. No Brasil, o programa recebe contribuição da academia, por meio do Instituto de Estudos Avançados da USP, além de grupos de ONGs e de iniciativas da Reserva da Biosfera da UNESCO.

Os corredores ecológicos são geograficamente distribuídos no Brasil e na América Latina e incluem áreas protegidas ocupadas por florestas, mas também áreas degradadas com necessidade de recuperação. O Brasil busca aumentar as áreas marinhas protegidas alinhadas com a proposta de criação de um Santuário de Baleias do Atlântico Sul e os Corredores de Mamíferos Marinhos.

“O Brasil tem hoje o maior sistema de áreas protegi-das do Planeta, correspondente a 2,47 milhões de km2 e esperamos superar nos próximos anos esses resultados, por meio de ações como a consolidação do maior programa de conservação de florestas do mundo, o Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA)”, garantiu. Com as ações em curso, José Sarney Filho acredita que será possível cumprir, com folga, a meta de 60 milhões de hectares até 2019, consolidados em termos de gestão, e criação de 6 milhões de hectares em novas Unidades de Conservação.

Ministro mostra iniciativas pela biodiversidade

O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, falou sobre as iniciativas do governo brasileiro para garantir o desenvolvi-mento, com inclusão social e conservação da biodiversidade. “Temos que administrar com eficiência as nossas áreas flores-tais protegidas, diante dos desafios associados à mudança do clima e à perda acelerada da biodiversidade, mas, ao mesmo tempo, proteger os conhecimentos das populações indígenas e tradicionais, associados ao uso da biodiversidade, garantindo os direitos dessas comunidades”, defendeu.

Sarney Filho discursou no Painel sobre Florestas do seg-mento de Alto Nível da Conferência das Partes da Conven-ção sobre Diversidade, realizado no segundo dia do evento de Cancun. O Ministro elogiou os instrumentos e acordos alcançados pela Convenção, afirmando que eles oferecem importante plataforma para a cooperação internacional na área da biodiversidade. Também abordou as diversas iniciativas adotadas pelo Brasil em defesa da biodiversidade, destacando o Cadastro Ambiental Rural (CAR), instituído pelo novo Código Florestal de 2012. “Hoje, já temos registrados 99% da área passível de cadastramento no país”, comemorou. Para Sarney Filho, o CAR representa uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento de políticas ambientais e um instrumento essencial para o desenvolvimento do Programa Corredores Ecológicos do Ministério do Meio Ambiente.

COP-13

A Conferência das Partes (COP) é o principal órgão da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD, na sigla em inglês) das Nações Unidas. A cada dois anos, os países signa-tários reúnem-se sob a COP para firmar pactos e analisar o andamento das metas firmadas anteriormente. A presidência mexicana da 13ª edição da Cúpula, em Cancun, definiu o tema “Integração da Biodiversidade para o Bem-estar” para orientar as negociações. Os principais itens da pauta são avanço na implementação do Plano Estratégico para Biodiversidade 2011-2020 e das Metas de Aichi.

IISD

Bráulio Dias, Secretário-Executivo da Convenção sobre Biodiversidade

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A biologia sintética, a geoengenharia e o reconhecimento dos saberes ancestrais são os temas mais debatidos na COP-13 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que termina no dia 17 deste mês, em Cancún. Para os países do Sul esses temas são vitais devido aos capitais biológico e cultural que concentram em seus territórios e que podem ser desprezados se forem permitidos dentro da estrutura da CDB. “Numa escala de 1 a 10, diríamos que estamos em 4. As negociações estão lentas. Necessitamos que sejam agilizadas e sigam em favor da população”, apontou o venezuelano Santiago Obispo, dirigente da ONG Rede de Cooperação Amazônica.

Quanto à biologia sintética (synbio, em inglês), governos, representantes acadêmicos, da sociedade civil e de indígenas temem seu impacto devastador em ecossistemas e meios de vida das comunidades locais. Essa disciplina consiste em engenharia biológica assistida por computadores para desenhar e construir formas sintéticas de vida, partes vivas, artefatos e sistemas que não existem na natureza.

Atualmente, há pesquisa sobre a criação de sabor sintético de baunilha, cuja produção industrial ameaça o bem-estar de camponeses de países como Comores, China, Madagascar, México, Reunião e Uganda. Também há pesquisas seme-lhantes sobre o vetiver, uma fragrância utilizada em produtos cosméticos e cuja versão biossintética golpeará produtores no Brasil, China, Haiti, Indonésia, Japão, Índia e Reunião.

Aparecem, dentro dessa tecnologia de laboratório, os chamados impulsionadores genéticos, capazes de alterar per-manentemente espécies mediante o impulso de um “caráter” específico dentro do processo reprodutivo dos organismos. Isso possibilita que sejam esses genes alterados os herdados por toda a descendência. O temor é que sejam eliminadas espécies ou ecossistemas com sequelas imprevisíveis.

Em Cancún, onde se reúnem mais de 6.500 delegados oficiais e representantes sociais de 160 ONGs acadêmicas e de povos indígenas, foi pedida uma moratória sobre experimentos que envolvam biologia sintética, como a dos impulsionadores genéticos. Nos debates, os blocos africano e caribenho, secun-dados por El Salvador, Bolívia e Venezuela, se pronunciaram a favor da moratória, mas Austrália, Brasil e Canadá lideram a pressão pela aceitação da synbio dentro do CDB.

Um tema que obteve unanimidade entre os Estados parte é a rejeição às sequências genéticas digitais, estruturas moleculares criadas com programas de computador. Na Declaração de Cancún que é negociada não se inclui a palavra “moratória” à bioengenharia e aos impulsionadores genéticos, mas se faz um convite aos Estados para adiarem esse tipo de pesquisa.

Em COPs anteriores, que acontecem a cada 2 anos, a CDB adotou uma posição cautelosa sobre os efeitos positivos e negativos da synbio e pediu às partes avaliações científicas em torno dela. Para Barbara Unmüssig, uma das presidentes da Fundação Heinrich Böll, vinculada ao Partido Verde alemão, a cúpula de Cancún será um sucesso se a CDB adotar enfoques cautelosos sobre a engenharia biológica e a geoengenharia.

COP debate novas tecnologiasEmilio Godoy | Jornalista da Envolverde/IPS

“A COP-13 deve sair com uma forte postura para dizer às empresas globais em busca da biologia sintética e da geoenge-nharia que devem adotar passos para avaliá-las e estabelecer moratórias. Se essas moratórias forem confirmadas, mostrará que é uma Convenção com determinação e que não está a favor de certas tecnologias”, opinou a ativista alemã.

A geoengenharia representa a manipulação intencional, em grande escala, dos sistemas do Planeta para combater a mudança climática, mediante técnicas de manejo da radiação solar, remoção de gases-estufa e modificação climática. Durante a COP-9, realizada em Bonn, em 2008, a CDB adotou uma moratória para a fertilização oceânica, uma técnica de geo-engenharia, e outra dois anos depois, na reunião de Nagoya, no Japão, uma posição que não mudará em Cancún.

No entanto, os representantes dos povos originários realizam uma grande atividade nesse encontro, em defesa de seus direitos em seus territórios e como guardiões de sua biodiversidade. A Bolívia propôs a criação de um órgão ad hoc responsável pelos temas indígenas, depois que os grupos ancestrais já conseguiram o reconhecimento da CDB do conceito “povos indígenas e comunidades locais” como atores de direitos.

Porém, mesmo com esse reconhecimento, há problemas para que os povos originários possam dar seu consentimento às políticas de proteção e aproveitamento da biodiversidade em seus territórios. O termo “livre”, dentro do proposto con-sentimento prévio, livre e informado, bloqueia as negociações pela rejeição liderada pelos Estados asiáticos e africanos.

Estudos divulgados na Cúpula evidenciam que o mundo continua destruindo os ecossistemas, apesar dos esforços con-servacionistas. A esse respeito, o mundo descumprirá 60% das Metas de Aichi, como são conhecidos os 20 pontos do Plano Estratégico para a Diversidade Biológica 2011-2020, adotado em 2010 pelos Estados partes da CDB e que se referem ao cuidado da riqueza natural, à participação dos povos indígenas e ao aproveitamento sustentável, entre outros.

Umüssig recomendou enfrentar as causas da perda da riqueza biológica. “Temos que deter os fatores de destruição da biodiversidade. Se estamos interessados em manter os ecossistemas, temos que pensar em medidas adequadas contra a superexploração da pesca e contra o cultivo de transgênicos”. E denunciou: “a agroindústria procura se apoderar de terras para destiná-las à monocultura em todo o mundo”.

Temas como o reconhecimento dos polinizadores natu-rais e a designação de áreas marinhas avançam sem maiores contratempos. No primeiro caso, valorizou-se a importância da agroecologia, da manutenção de seus hábitat e “evitar ou reduzir” o uso das substâncias tóxicas usadas na agricultura, os agrotóxicos. No segundo caso, destacou-se a transcen-dência do planejamento marinho. A Conferência de Cancún acontece quando é cumprida a primeira metade da Década sobre Biodiversidade 2011-2020. Em Cancún, decidiu-se que o Egito será a sede da COP-14, em 2018.

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A biologia sintética, uma atualização da engenharia gené-tica que viabiliza novas cons-truções transgênicas e outras mudanças em seres vivos, foi um tema central das discussões na COP-13 da Convenção sobre Biodiversidade, que aconteceu entre 4 e 17 de Dezembro em Cancún, México.

Desde novos riscos ao ambiente e a saúde, enormes desafios de biossegurança, até o tema da nova biopirataria digital, passando pela possibilidade de extinguir espécies ou construir armas biológicas, ninguém ficou à margem do debate. Para seus promotores, agressivos e muito bem financiados pela Fundação Gates ou transacionais, se trata de pequenas mudanças, apenas uma edição genética, quase como cambiar uma palavra num texto, mas prometem resolver (outra vez!) desde a fome até a mudança climática e as doenças. Os mais ousados querem manipular espécies silves-tres e fazer engenharia de ecossistemas, prometem terminar a malária e até reviver mamutes. Curioso que as propostas desta nova raça de conservacionistas seja extinguir espécies, mas as que eles decidam que não é preciso conservar.

Apenas começada a Conferên-cia, mais de 170 organizações de todo o mundo, incluídas as maiores redes globais de camponeses, como a Via Campesina, ambientalistas como Amigos da Terra e outras sindicais, sociais e de consumidores demandaram à CDB deter a tec-nologia de extinção de espécies, se referindo aos impulsores genéticos. Se trata de uma nova aplicação de engenharia genética, que está diri-gida a alterar espécies silvestres, desde insetos a plantas ou animais, para forçar a permanência de um caráter transgênico através de gerações, o qual poderia levar à extinção de uma espécie, dependendo do carácter que se insira. O apelo teve repercussão em várias delegações, principalmente no grupo de países da África, que apresentou a necessidade de aplicar um estrito Princípio de Precaução diante destes novos riscos. O tema continua em consideração.

Segundo explicou a doutora Ricarda Steinbrecher, da Fede-ração de Cientistas da Alemanha, enquanto os transgênicos aplicados a cultivos estão construídos para se expressar em sementes que devem ser plantadas (ainda que através do pólen se cruzem com cultivos não transgênicos, contaminando-os) com os impulsores genéticos, o objetivo é que se disseminem agressivamente no meio ambiente e que persistam através de muitas gerações.

Silvia Ribeiro | Pesquisadora do Grupo ETC

Biodiversidade sintética?Quando a alteração é para que as espécies tenham

somente machos na sua descendência, o objetivo é eliminar uma população completa. E, mesmo que não funcione como afirmam seus promotores, o desequilíbrio genético poderia levar a mudanças imprevisíveis.

Eliminar uma espécie – ou uma população desta – terá uma cascata de repercussões em todo o ecossistema: todas as espécies são parte de um conjunto complexo de co-evolução e co-adaptação, parte das cadeias alimentárias e outros processos. Inclusive aquelas que alguns consideram pragas (como ratões ou ervas daninhas) ou que são vetores de doenças (como mos-quitos), surgem e se desenvolvem porque esse sistema cria um nicho para elas por alguma razão. Os impulsores genéticos não levam em conta nenhuma destas relações, somente pretendem eliminar o que seus promotores definem como problema, sem tocar nas causas, nas condições ambientais – muitas vezes ambientes degradados por outras tecnologias, megaprojetos e alto uso de agrotóxicos – nem nas condições de saúde e socioeconomicas das pessoas afetadas, que na maioria dos casos são os principais fatores que favorecem o que se define rapidamente por praga ou epidemia.

Apesar de que talvez nem funcione, os interesses comerciais e a guerra de patentes sobre estas tecnologias são enormes e principalmente para suas aplicações na agricultura, mas tratando de evitar a rejeição que tiveram os transgênicos,

seus promotores tomaram outros caminhos para lograr sua aceitação: as apresentam como técnicas para doenças ou conservação.

Por outro lado, a industrializa-ção da biologia sintética apresenta toda outra série de temas. Colocar na Internet os mapas genômicos de muitas espécies vegetais, animais, microbianas, permite que as empre-sas e aqueles que tenham aceso às ferramentas adequadas, possam

descarregar a informação genética e construir artificialmente princípios ativos e outros genes, para seu uso em nível industrial. Mas também para outros usos, inclusive usos hostis, como fabricar certos vírus e bactérias, que possam estragar colheitas, animais domésticos e até humanos. O tema é complexo e a alienação de governos é esperada: a maioria dos países do Norte, que possuem as ferramentas, as patentes e são sede das transnacionais, não querem nenhuma nova norma nem discussão, argumentam que dessa forma se promove a ciência porque todos podem aceder à informação. Este princípio, porém, seria bom se fosse aplicado a tudo. Eles não propõem acompanhar este suposto interesse público de uma proibição ao patenteamento, privatização e lucro de resultados que podem obter ao usar a informação. Pelo contrário, se parece muito com a biopirataria de sempre, mas, digitalizada e com um espectro de usos e impactos muito maiores.

IISD

Silvia Ribeiro

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O Brasil tem a responsabili-dade sobre uma megabiodiver-sidade espalhada por seus seis biomas principais e por centenas de outros cenários ambientais, como a costa marítima de quase 10 mil quilômetros com seus mangues e áreas oceânicas.

Ignacy Sachs, economista de triple nacionalidade, brasi-leiro, francês e polonês, definiu o atual período geológico da Terra como “antropoceno”, onde explica que a influência humana sobre o Planeta, os biomas e sua biodiversidade é de tal maneira arrasadora que pode ser comparada a uma das extinções em massa ocorrida nas eras geológicas.

Um dos impactos mais importantes da ação humana é a extinção de espécies ao redor do Planeta, desde grandes animais, assim como de plantas e organismos menores. Para se ter uma ideia do desconhecimento que ainda vigora sobre o tema, os cientistas não tem nenhum consenso sobre o número de espécies existentes na Terra, que pode ser de 5 milhões ou de 30 milhões. Ou, segundo alguns cientistas, pode ser ainda muito mais do que isso.

Justamente pelo desconhecimento ainda profundo da realidade, é preciso estabelecer regras que permitam conter esse genocídio da natureza, que pode levar, em um grau maior, à extinção da própria humanidade. Esse é o foco da COP-13 – Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD), que acontece na cidade mexicana de Cancún, entre os dias 2 e 17 deste mês de Dezembro.

O Brasil leva a essa Conferência da CBD propostas que incluem, principalmente, proteção florestal, planejamento espacial marinho, ecoturismo, agricultura sustentável e segurança alimentar.

O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, apresentou na reunião sua principal pauta para a proteção de biodiversidade na América do Sul, que é a consolidação de corredores do Projeto Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), e a impor-tância dos Corredores Ecológicos na América Latina, além da defesa da implantação das Metas de Aichi, um conjunto de objetivos para reduzir a perda da biodiversidade em nível mundial decididos durante a COP-10 da Convenção sobre Biodiversidade, realizada em Nagoya, no Japão, em 2010 e que estabelece uma Plano Estratégico de Biodiversidade com vigência de 2011 a 2020.

São basicamente cinco objetivos estratégicos, delimitados em 20 metas, que preveem:

O desafio da maior extinção desde os dinossauros

Dal Marcondes | Jornalista. Diretor da Envolverde

• Tratar das causas fundamentais de perda de biodiversi-dade, através da conscientização do governo e sociedade das preocupações com a biodiversidade.

• Reduzir as pressões diretas sobre a biodiversidade e promover o uso sustentável.

• Melhorar a situação da biodiversidade, através da salva-guarda de ecossistemas, espécies e diversidade genética.

• Aumentar os benefícios de biodiversidade e serviços ecossistêmicos para todos.

• Aumentar a implantação, por meio de planejamento participativo, da gestão de conhecimento e capacitação.

“O papel do Brasil nessa COP é fundamental” explica o diretor da Fundação Amazonas Sustentável, Virgílio Viana, que está no México a convite da Associação Nacional de Autoridades Ambientais Estatais daquele país. Para ele a Amazônia é um bioma de visibilidade global e que enfrenta o desafio de proteger a biodiversidade e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento e a inclusão de uma população de deca de 25 milhões de pessoas.

Viana dirige uma entidade que tem desenvolvido inú-meras políticas de inclusão social e econômica associada à preservação e manejo da biodiversidade, entre elas o Bolsa Floresta, instituído pelo Governo do Estado do Amazonas e gerenciado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAZ). Em sua participação, no dia 9 deste mês, defendeu uma ação coordenada dos países da América do Sul, em especial da Amazônia, para a implantação das Metas de Aichi. Além disso, a Fundação também foi destaque no painel “Instru-mentos financeiros para o fortalecimento das capacidades das autoridades ambientais na América Latina. Federalismo, descentralização e governança”, em parceria com a organização The Nature Conservancy.

Já no final, os mais de 190 países reunidos em Cancún conseguiram estabelecer alguns consensos, entre eles que “A vida no Planeta Terra e nosso futuro comum estão em jogo”. Também reconheceram que “É urgente tomar medidas con-tundentes de forma responsável para garantir a sobrevivência da riqueza biológica”.

Essas declarações contundentes estão em linha com um comunicado da organização WWF, de que em 2020 “é possível que o mundo seja testemunha de uma diminuição de dois terços da fauna mundial em apenas 50 anos”. No entanto, o novo Diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Erick Solheim, alertou que os docu-mentos apresentados pelos países para a COP-13 demonstram que muito pouco foi feito em direção ao cumprimento das Metas de Aichi, “nesse ritmo podemos não cumprir o prazo de 2020”, disse, mas ressaltou que é apenas uma questão de decisão política, porque a natureza, com sua grande resiliência, “é capaz de cumprir sua parte”.So

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O movimento global pelo desinvestimento dos combus-tíveis fósseis dobrou de tamanho desde setembro de 2015, de acordo com o Terceiro Relatório anual Global Fossil Fuel Divestment and Clean Energy Investment Movement, publicado pela Arabella Advisors. O Relatório, divulgado hoje (12/12/2016) pela rede Divest-Invest, foi elaborado exatamente um ano após a assinatura do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas. Os compromissos globais com o desinvestimento já envolvem 688 instituições em 76 países e representam um total de US$ 5 trilhões de ativos sob gestão1. Anúncios notáveis incluem a Trinity College de Dublin, 16 universidades no Reino Unido, a Sociedade Islâmica da América do Norte e a Associação Americana de Saúde Pública, entre outras. “À medida que nos aproximamos do fim de 2016, o ano mais quente da história, o sucesso do movimento pelo desinvestimento se mostra inegável”, afirmou May Boeve, Diretora Executiva da 350.org.

Nathalia Clark | Coordenadora de Comunicação da 350.org Brasil e América Latina

Montante do desinvestimento dobra

“Diante dos impactos climáticos cada vez mais fortes e de governos retrógrados e contrários às ações climáticas, como o governo Trump, é mais importante do que nunca que nossas instituições – principalmente em níveis locais – se posicionem e se libertem das empresas de combustíveis fósseis”.

O que começou como uma campanha nos campi uni-versitários dos EUA se tornou um movimento global, per-meando todos os setores da sociedade. Comprometimentos e campanhas pelo desinvestimento vêm de todos os tipos de instituições: de universidades e fundos de pensão até grupos religiosos e organizações de saúde, passando pelo setor de seguros e instituições culturais, entre outros.

Em todo o mundo, instituições culturais estão assumindo a liderança na transição para abandonar os combustíveis fósseis. O Museu de História Natural, em Nova York, respondeu a uma campanha liderada por cientistas e ativistas que pedia que a instituição cortasse seus laços com os combustíveis fósseis. O museu reduziu a relação de seus fundos, que somam cerca de US$ 650 milhões, com ações ligadas ao carvão, petróleo e gás, e procura gestores de portfólio que levem em conta os riscos climáticos e priorizem energias renováveis.

1- As instituições comprometidas com o desinvestimento nos combustíveis fósseis se contabilizam pelo total de ativos sob gestão. Muitas instituições que se comprometeram a abandonar os investimentos em combustíveis fósseis não são transparentes e não divulgam informações sobre seus portfólios. Assim, não foi possível gerar um indicativo preciso do desinvestimento.

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Cinco dias antes do lançamento deste Relatório, ativistas ligados ao Divest Nobel divulgaram uma carta assinada por 17 recebedores do Prêmio Nobel em diversos lugares do mundo, inclusive o arcebispo Desmond Tutu, pedindo que a Fundação Nobel aja de acordo com o testamento de Alfred Nobel e desinvista dos combustíveis fósseis.

Porta-vozes da Divest-Invest destacaram a importância do desinvestimento e da ação climática nos níveis municipais e estaduais. Boeve anunciou que no dia 15 de Dezembro, ativistas ligados à Divest New York realizarão uma ação em uma reunião de um fundo de pensão na cidade de Nova York, pedindo aos diretores que desinvistam completamente dos combustíveis fósseis e reinvistam em uma economia local e sustentável.

No Brasil, em Outubro último, a Diocese de Umuarama, que engloba 45 paróquias e cerca de 490.000 habitantes, se tornou a primeira diocese – e a primeira instituição da América Latina – a desinvestir dos combustíveis fósseis. “Não podemos nos acomodar e continuar permitindo que interesses econô-micos que buscam o lucro antes do bem-estar das pessoas, destruindo a biodiversidade e os ecossistemas, continuem ditando nosso modelo energético baseado nos combustíveis fósseis, quando temos tantas outras possibilidades de energias limpas e renováveis”, afirmou Dom Frei João Mamede Filho, Bispo da Diocese de Umuarama.

Diversos eventos para a imprensa aconteceram hoje no mundo todo para divulgar esse importante marco para o movimento pelo desinvestimento. Figuras notáveis, como o ex-vice-Presidente da Mobil, Lou Allstadt, a estudante Áine O’Gorman, que representa a Trinity College de Dublin, e Mark Campanale, da Carbon Tracker Initiative, participa-ram de uma videoconferência com a imprensa, em Londres e Nova York. Na Cidade do Cabo, ativistas realizaram uma coletiva de imprensa com a participação da Igreja Anglicana da África do Sul (entre outros), que recentemente assumiu o compromisso de desinvestir.

Eventos coordenados também aconteceram em Tóquio, onde ativistas trabalharam com a Arabella Advisors para realizar uma sessão de estudo do Relatório com a imprensa. Na Austrália, grupos religiosos realizaram um seminário on-line destacando o imperativo moral do desinvestimento dos combustíveis fósseis.

Ao mesmo tempo em que o movimento celebra esse marco importantíssimo, ele reconhece a necessidade cada vez mais urgente de ações rápidas e ousadas para combater a crise climática. “O desinvestimento dos combustíveis fósseis se tornou um grande movimento de US$ 5 trilhões porque nossas instituições e a sociedade sabem que precisamos de uma guinada rápida e justa para abandonar a economia dos combustíveis fósseis”, afirmou Yossi Cadan, organizador sênior de campanhas pelo desinvestimento da 350.org.

“Mas muitas instituições estão avançando muito devagar. É por isso que nós realizaremos ações no mundo todo em Maio de 2017, por meio de mobilizações globais, para ressaltar os impactos da indústria dos combustíveis fósseis e intensificar os pedidos para que governos e instituições desinvistam”. A Mobilização Global pelo Desinvestimento, por um mundo livre dos combustíveis fósseis, acontecerá entre 5 e 13 de Maio de 2017.

Para ler o relatório da Arabella, acesse: https://www.arabellaadvisors.com/wp-content/uploads/2016/12/Glo-bal_Divestment_Report_2016.pdf

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Como fazer para que as metas climáticas do Planeta sejam mais ambiciosas ? A questão é crucial para quem participou da Conferência do Clima de Marrakesh e para os habitantes do Planeta.

Ainda que as metas assumi-das no Acordo de Paris sejam necessárias para minimizar os riscos das mudanças climáticas, os compromissos assumidos são insuficientes para limitar o aquecimento global a 2°C em relação à era pré-industrial – e muito distantes do limiar mais seguro, de 1,5°C. O Brasil é o sétimo maior emissor mundial de Gases do Efeito Estufa (GEE). A destruição das florestas tropicais do país responde por 50% das emissões brutas de GEE e colabora, em grande parte, para nossa liderança no ranking.

A preservação e a restauração de florestas são fundamen-tais para reduzir as emissões de GEE e capturar carbono da atmosfera, e o país poderá trazer enorme contribuição ao desafio climático adotando uma nova economia florestal baseada em restauração em larga escala. A restauração com fins ecológicos e econômicos encontra por aqui condições ideais para o sucesso: competência tecnológica, conhecimento em silvicultura, abundância de matéria-prima de sementes, competitividade e excelência empresarial. Além disso, pode gerar empregos, na cadeia de fornecimento das mudas, na coleta de sementes, transporte e plantio, dentre outros.

No entanto, todas as condições necessárias ainda não estão presentes. É preciso criar incentivos fiscais e simplificar processos burocráticos para viabilizar empreendimentos e atrair investimentos para uma economia verde, o que gerará um círculo virtuoso, impactando positivamente a preserva-ção de ecossistemas cujas árvores matrizes e suas sementes consistirão na essência do negócio.

Terra de florestasCarlos Nobre e Rachel Biderman | Climatologista e Diretora do WRI Brasil, respectivamente

Um dos motores para tal economia está colocado: a obri-gação de restauração prevista no Código Florestal e a meta de 12 milhões de hectares de restaura-ção do compromisso do Brasil na Convenção do Clima. Mas, para se dar escala à produção, dentre outras condições alavancadoras, faz-se necessário um programa de pesquisa e desenvolvimento para uso de espécies nativas de árvores. Esse tipo de política industrial

tornou possível no passado o sucesso do programa do álcool e o plantio de eucaliptos, em que nos tornamos campões. Espera-se o mesmo para a economia florestal tropical, uma vocação natural do Brasil. A preservação de terras indígenas é outra medida importante para a diminuição do desmatamento e redução de emissões de GEE.

É um investimento com alto benefício social que favorece os moradores dessas localidades, os países e a sociedade. O estudo do World Resources Institute “Custos e benefícios econômi-cos da garantia de posse comunitária de terras em florestas: evidências do Brasil e da Guatemala” sugere que investir na preservação de Terras Indígenas pode ser das medidas mais efetivas para a mitigação das mudanças climáticas globais, além de contribuir para a manutenção dos ecossistemas e da diversidade étnica do país. O trabalho demonstra como as tradições indígenas de preservação de ecossistemas também evitam a emissão de gases que ameaçam a Humanidade.

A responsabilidade com a saúde do Planeta é de toda a sociedade global – e, portanto, de cada um de nós. O prota-gonismo que o Brasil demonstra nas negociações climáticas, apontando caminhos e buscando soluções, deve se traduzir em ações efetivas de proteção e restauração de florestas e garantia aos povos tradicionais de suas terras. Somos, desde tempos imemoriais, antes de tudo, uma terra de florestas.

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Desde 2004 o Brasil não via o desmatamento crescer na Amazônia por 2 anos seguidos. Mas, em 2015, o desmatamento saltou de 5 mil para 6,2 mil km2, e números preliminares indicam que em 2016 a taxa chegará a 8 mil, um aumento de 60% em 2 anos. Foram derrubados 250 m2/s (isso mesmo, por segundo!) ou, pensando em árvores, cerca de 900 delas por minuto.

Tendo como base os dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, as emissões pelo desma-tamento na Amazônia em 2016 poderão superar sozinhas as emissões totais de todo o setor de energia, transporte e indústrias do Brasil em 2015. É certo que houve grande queda do desmatamento desde o pico de 2004, quando bateu em 27,7 mil km2. Uma série de políticas aplicadas nos anos seguintes derrubou as taxas a 11 mil em 2007. Nesse período, foram implementados o monitoramento mensal dos focos de desmatamento, operações extensivas de combate à exploração ilegal, a forte ampliação das áreas protegidas e da política de gestão de florestas públicas. Em 2008 sinais da reversão da tendência (a taxa chegou a 12,9 mil km2) provocaram uma nova série de medidas, como o embargo de áreas desmatadas ilegalmente, a criação da lista suja de municípios que mais desmatam, as alterações na política de crédito agrícola, a responsabilização da cadeia produtiva pelo desmatamento e a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Sina de desmatarTasso Azevedo | Engenheiro florestal. Coordenador do SEEG do Observatório do Clima e do MapBiomas

Seguiram-se quatro anos de queda, e em 2012 a taxa chegou a 4,5 mil quilômetros quadrados, o número mais baixo registrado na série histórica iniciada em 1988. Os anos seguintes foram de crescimento entre cinco e seis mil.

Apesar deste avanço, o Brasil continuou sendo o país que mais desmata no mundo. Em 2009, na preparação para a Conferência de Copenhague, lançou a meta de reduzir até 2020 o desmatamento em 80% da Amazônia e 40% do Cerrado com relação à média do período de 1996 a 2005. Para a Amazônia, isso significa chegar em 2020 com até 3,9 mil quilômetros quadrados de desmatamento. Em 2016 a taxa de desmatamento deve ser mais do que o dobro desta meta. Estamos nos distanciando dela, em vez de acelerar e buscar o mais rápido possível o desmatamento zero.

Nos últimos anos, as políticas de combate ao desmata-mento e promoção da conservação foram afrouxadas, com a fragilização do Código Florestal, a paralisia na definição de novas áreas protegidas, o corte dos orçamentos da fiscali-zação e a redução da transparência dos sistemas de alerta do desmatamento. Agora a conta chegou.

É hora de reverter este quadro. Os recentes sinais do governo através do Ministério do

Meio Ambiente sobre a retomada da criação de áreas pro-tegidas e destinação das terras públicas não destinadas, a implementação das concessões florestais, a volta dos alertas em tempo real do desmatamento (e não só na Amazônia) e a abertura dos dados do CAR e de todo o sistema de dados de licenciamento e transporte de madeira e pecuária são bons sinais. Mas precisam se concretizar, e rápido. Cada hectare de floresta perdido agrava os problemas climáticos e reduz nossa capacidade de adaptação. É urgente e é para agora!

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O Acordo feito em Paris e reafirmado pelos países em Marrakesh pode reverter a ten-dência de alta da temperatura no Planeta, mas as metas ainda não são suficientes para garantir um nível satisfatório de segurança climática. Durante as negocia-ções sobre o clima no fim de Novembro em Marrakesh, nós ouvimos uma clara mensagem da ciência: o aquecimento global está aumentando em uma escala alarmante, mais rápido do que o previsto.

Os cenários são bastante preocupantes, com o derretimento de calotas polares, maior frequência de super tempestades e outros eventos climáticos extremos. Eles têm sido responsáveis por grandes ondas migratórias humanas para cidades com pouca capacidade de absorvê-las, resultando em conflitos, guerras civis e até o colapso de sociedades inteiras como o que temos visto na Síria. Os compromissos feitos pelos países participantes do Acordo de Paris, se totalmente implemen-tados, podem reduzir as tendências atuais pela metade. Isso não é, entretanto, suficiente. Precisamos multiplicar esses compromissos por dois. E isso requer novas abordagens e pensamentos inovadores agora mesmo.

Virgílio Viana | Superintendente Geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS)

Brasil precisa investir no mercado de carbono REDD+

O Brasil poderia se posicionar como líder em desen-volvimento de uma economia de baixo carbono. Reduzir o desmatamento é a chave para alcançar as enormes reduções em curto prazo que a ciência demanda. Ele pode ser redu-zido rapidamente como bem ilustra o caso da Amazônia brasileira. O desmatamento caiu de 27.000 km² para 6.000 km² no período de 2005 a 2015, resultando na redução de emissão de 5,6 bilhões de toneladas de CO2 – mais do que o alcançado pelo sistema de comercialização de emissões da União Europeia.

O problema é que reduzir o desmatamento custa dinheiro – não se trata de simplesmente reforçar a legislação. Mudar de uma era de expansão da agricultura como meio para o desenvolvimento econômico para uma onde florestas valem mais em pé do que derrubadas é extremamente caro. Deze-nas de bilhões de dólares são injetados todo ano na criação de gado e na expansão da agricultura. Enquanto isso, do lado da floresta, populações extremamente pobres precisam melhorar suas condições de vida, especialmente em termos de educação e saúde.

Neste cenário, o desmatamento voltou a crescer na Amazô-nia, com números que não eram vistos desde 2010. Estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que o crescimento foi de 29% em 2016. No período de Agosto de 2015 a Julho deste ano, o Instituto registrou uma taxa de 7.989 km² de remoção total da cobertura da floresta.

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Virgílio Viana

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O Estado do Pará teve 3.025 km² de sua área devastada, o que representa a maior área de desmatamento na Amazônia Legal. O Amazonas é o Estado que teve o maior aumento, com uma devastação 54% superior à registrada no ano anterior.

Precisamos agregar valor aos serviços ambientais oferecidos pelas florestas, como a sua habilidade de capturar e armazenar o carbono que está aquecendo nosso Planeta. A Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+), além da conservação da floresta e da valorização dos estoques de carbono. Os projetos de REDD+ previnem que o desmata-mento aconteça onde há ameaças como a agricultura. Investir na proteção das florestas tem sido comprovadamente muito mais vantajoso para o Planeta e para as pessoas do que outras abordagens. Os projetos REDD+ ajudam a manter os regimes de chuvas tropicais, conservar a diversidade biológica e gerar oportunidades de renda. REDD+ é, portanto, um condutor de desenvolvimento sustentável em áreas florestais.

Trabalhamos com centenas de comunidades tradicionais cujas vidas têm sido transformadas desde que foram capaci-tados para conservar a floresta e ganhar dinheiro da agricul-tura sustentável. Além disso, a redução das emissões pode acontecer de forma muito mais rápida e a custos mais baixos do que qualquer outra alternativa. O desafio é desbloquear o financiamento privado para atividade de REDD+. O maior fundo operacional para REDD+ é o Fundo Amazônia (1,8 bilhão de reais), financiado majoritariamente pela Noruega, com suporte adicional da Alemanha e da Petrobras. O Fundo captou cerca de 6% do total de emissões verificadas pelo Brasil. Mas é improvável que muitas outras “Noruegas” participem para preencher a lacuna de financiamento. É por isso que não podemos ignorar o potencial que um regime de mercado de carbono bem estruturado pode ter para o finan-ciamento desses projetos de conservação vitais na Amazônia, África Central e Sudeste Asiático. Nossos vizinhos com quem dividimos a floresta Amazônica reconhecem a importância desse mecanismo de financiamento. O Brasil não atingirá seus compromissos sem ele.

Projetos REDD+ on line

E é também por isso que a Fundação Amazonas Susten-tável (FAS), o Estado do Amazonas e a BV Rio lançaram um novo registro online de projetos REDD+ para o Amazonas (http://fas-amazonas.org/). A plataforma também inclui um sistema de negociação para reduções de carbono, que poderia gerar o financiamento que projetos de conservação da floresta tanto precisam.

Aproveitamos a oportunidade das negociações na COP-21, de Marrakesh da Convenção sobre Mudanças Climáticas com o objetivo de entusiasmar o governo brasileiro para que mude sua posição e permita mecanismos de mercado mais amplos para REDD+. Isso foi feito numa Carta Aberta, assinada por diversas organizações como a Fundação Amazonas Sustentável, o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (IDESAM), Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

Investir na mitigação por meio de REDD+ pode servir para preencher a lacuna entre compromissos nacionais para redução de emissões e os exigidos pela ciência. REDD+ deve ser visto como uma forma complementar a todos os setores para um avanço à descarbonização profunda.

Para garantir reduções efetivas, devem ser executados com rigor técnico e científico, evitando dupla contagem. Devem ser direcionados a setores específicos como aviação e ter salvaguardas tanto sociais quanto ambientais, para que os benefícios alcancem adequadamente populações indígenas e tradicionais, as guardiãs da floresta.

Em contraste com outras opções, REDD+ também oferece co-benefícios que são importantes para impulsionar a resiliência e reduzir as desigualdades sociais globalmente. Tornar mais “verde” o setor energético não será o suficiente e leva muito tempo. Precisamos tomar atitudes corajosas e inovadoras agora enquanto ainda há tempo. E o Brasil deve liderar essa transição para Economia Verde, sendo um dos países com a maior biodiversidade do mundo.

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Que o aquecimento global está ameaçando a existência de diversas espécies de animais e aves é algo conhecido e apontado por inúmeros estudos. Ocorre que o fenômeno é mais grave do que se supunha, como apontam os resultados de uma pesquisa divulgada recentemente.

Em estudo publicado na revista Plos Biology em sua edição de 8 de Dezembro deste ano fica evidenciado que quase a metade (47%) das espécies de animais e plantas pesquisados sofreram extinções locais recentes no mundo todo devido às mudanças climáticas. Os mais afetados são os animais das zonas tropicais e em hábitats de água doce.

A pesquisa realizada pelo professor John J. Wiens, da Uni-versidade do Arizona, Estados Unidos, constatou a extinção local de 47% de 976 espécies de animais e vegetais estudados. Foram objeto do estudo 716 animais e 260 plantas de diversas regiões da Ásia, Europa América do Norte, Oceania e América do Sul. A pesquisa considerou como extinção local quando desaparecem as populações em um ou mais lugares de suas distribuições regionais e se deslocam a latitudes mais altas do Planeta em busca de habitats mais frios.

Reinaldo Dias | Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política e especialista em Ciências Ambientais

Mudanças climáticas causam extinção local da biodiversidade

O estudo confirma a suspeita dos cientistas chineses de que o coelho lli PIka (Ochotona Iliensis), uma das criaturas mais belas e mais raras do mundo é uma das prováveis vítimas da extinção local provocada pelo aquecimento global. O coelho, que inspirou o personagem Pikachu, foi descoberto em 1983 nas montanhas do noroeste da China e sua população foi reduzida em 70% durante esses anos.

No Brasil foram descobertas várias espécies de pequenos anfíbios nas áreas de Mata Atlântica nos últimos anos em regiões mais altas de montanhas. Estes pequenos animais têm distribuição restrita e tem seu habitat continuamente modi-ficado pelas mudanças climáticas. A opção desses pequenos anfíbios é migrarem para latitudes mais altas ou se adaptarem à novas condições climáticas.

Nas regiões de altitude da Mata Atlântica, que por si só é um bioma ameaçado, muitas espécies desconhecidas pela ciência poderão desaparecer sem nunca se tornarem conhe-

cidas. Há diversos anfíbios que foram descobertos que se encontram em perigo de extinção.

Em 2015, pesquisadores brasileiros publicaram um artigo científico na revista científica estadunidense PeerJ comunicando a descoberta de sete novas espécies de minúsculos sapos endêmi-cos da Mata Atlântica e que habitam as montanhas da Serra do Mar, entre Paraná e Santa Catarina. Segundo o relato os animais são altamente sensíveis às mudanças climáticas e já são consi-derados ameaçados de extinção.

O estudo revelando que a extinção local da biodiversidade motivada pelas mudanças climáticas é importante para se reavaliar as políticas de conservação no Brasil, considerando áreas até então ignoradas como morros e montanhas que formam ecossistemas localizados contendo espécies animais e vegetais endêmicas e de distribuição restrita.

Essa necessidade de reavaliação dos critérios para criação de Unidades de Conservação se impõe de forma mais contundente pelo fato de que, por exemplo, dos sete anfíbios descobertos, somente um deles habitava uma Unidade de Conservação.

A persistente extinção localizada de espécies, confirmada pelo estudo do pesquisador John Wiens, indica a importância de se acelerar a pesquisa em locais de altitude levando em consideração as possibilidades maiores de extinção relacionadas ao aquecimento global.

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Reinaldo Dias

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A criação do BRICS ocorreu por motivações políticas e econômicas. Insatisfeitos com a ordem global de hoje, os BRICS se propõem a mudar o paradigma mundial prevalecente, oferecendo alternativas distintas de desenvolvimento e gover-nança global. Entretanto, a política e a economia caminham necessariamente em interação direta e indireta com questões ambientais e sociais. A questão da conservação de recursos pesqueiros globais será muito mais eficaz, para cada país e para o Globo, se planejada entre os cinco países integrantes do BRICS, por sua enorme relevância mundial (destaque absoluto para a China), em termos políticos, econômicos e geográficos. O fato de estes países terem, entre as características comuns, extensas áreas costeiras e a economia ainda em desenvolvi-mento, possibilita que medidas comuns possam ser adotadas para unir esforços que viabilizem contribuições significativas para a conservação de recursos globais. Este enfoque também deverá permitir que se evitem ações que não tiveram o efeito esperado em outros países mais desenvolvidos.

Carolina A Freire | Professora de Fisiologia Animal da Universidade Federal do Paraná e Pesquisadora CNPq

Flávia D F Sampaio | Doutora em Zoologia, Bióloga. Professora do Instituto Federal do Paraná

BRICS e a gestão sustentável dos recursos marinhos

Quando se fala em conservar recursos pesqueiros marinhos, a primeira coisa que se deve ter em mente é que muitos desses recursos não estão limitados por fronteiras geográficas e até mesmo políticas. Isto implica no fato de que deverá haver uma união de esforços e a divisão do ônus relativo às medidas de conservação. Para grandes peixes pelágicos, migradores, por exemplo, é muito comum a sua movimentação ao longo de extensas áreas oceânicas que envolvem águas territoriais de vários países e continentes, inclusive alcançando os Polos, de forma direta ou indireta. Por exemplo, não tem muito efeito um país proibir a pesca visando a conservação da espécie, se o animal poderá ser capturado em outro país. Neste contexto podemos citar a espécie do tubarão tigre (Galeocerdo cuvier), que utiliza áreas costeiras do Brasil, em regiões de reservas protegidas como o arquipélago de Fernando de Noronha, e vai até a África em sua rota migratória. De fato, várias espécies de tubarões têm sua captura proibida, porém há grande dificuldade no monitoramento desta atividade, globalmente.

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O manejo para diferentes tipos de pesca

A conservação de recursos pesqueiros exige diferentes estratégias, em função das diferentes modalidades de pesca. Temos no Brasil e em outros países a pesca artesanal, industrial e a esportiva, que movimentam diversos setores da economia, oferecem espécies em geral distintas, em quantidades também diferentes. Esta diversidade de formas de obter e gerenciar o pescado exige dos gestores públicos e dos agentes privados a necessidade de lidar com esta diversidade.

No Brasil, tanto a pesca artesanal quanto a industrial não dispõem de tecnologia de ponta. O Brasil é ainda um país primariamente de pesca artesanal ao longo da sua extensa costa. A industrialização destes setores deveria ser acompanhada de uma melhora significativa na aplicação e fiscalização de políticas de conservação, para que não ocorra diminuição perigosa dos estoques pesqueiros, colocando em risco a biodiversidade marinha brasileira e recursos essenciais para as próximas gerações.

Esta diversidade de formas de obter pescado e seus aspectos de produtividade e conservação, e sustentabilidade da atividade, são questões relevantes globalmente, e bastante relevantes quantitativamente, no contexto dos BRICS. Dentre os BRICS, somente Rússia e China possuem frotas pesqueiras desenvolvidas em escala industrial global. A Índia também depende muito da sua pesca artesanal, mas explora de forma bem extensiva os recursos do Oceano Índico, para alimentar sua grande população. Quando Brasil, Índia e África do Sul atingirem o mesmo patamar, os BRICS estarão contribuindo mais ainda para o comprometimento dos estoques pesqueiros mundiais, ameaçando a segurança alimentar e biodiversidade e funções de ecossistema dos oceanos.

Como medida de curto prazo, pode-se dizer que políticas de incentivos e melhoria da frota pesqueira e petrechos de pesca possibilitariam que as espécies-alvo fossem capturadas de forma mais eficaz e em tamanhos apropriados, evitando a morte de indivíduos de outras espécies como pesca acessória, reduzindo assim a pressão sobre os estoques de forma geral. Um outro aspecto relevante no Brasil e em outros países com destaque para a pesca artesanal é a cadeia produtiva do pescador até o consumidor final. Nestas cadeias a presença de vários intermediários (“atravessadores”) prejudica economicamente os produtores, no caso os pescadores, abaixando os preços dos produtos e aumentando o seu esforço de captura.

Cabe destacar que a pesca exercida pelos BRICS afeta diretamente e indiretamente o planeta inteiro. Muitas espécies migratórias que utilizam as regiões polares principalmente para alimentação são pescadas em áreas costeiras dos BRICS, além do fato da Rússia ser um país Ártico. A frota pesqueira dos países se movimenta conforme o local onde está o recurso. A Rússia é o principal país que atua na pesca na Antártica. Se medidas preventivas não forem intensificadas, como a criação de mais áreas de proteção ambiental, e a pesca se intensificarem nos Polos, poderá aumentar o prejuízo à fauna dos oceanos, somando-se a isso os efeitos do aquecimento global.

A necessidade e a relevância dos peixes como fonte de proteína animal, e seu alto valor nutritivo tendem a fazer crescer mais ainda a demanda por pescado diante do cresci-mento da população mundial, novamente com destaque para os países BRICS. Como a pesca já tem dado indícios de estar no limite para diversas espécies já exploradas comercialmente há décadas, a aquicultura desponta como uma alternativa viável e menos impactante para suprir a crescente demanda, reduzindo a pressão sobre os estoques naturais.

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E de fato, nos últimos anos tem havido estagnação no volume de captura de pescado global, com aumento progressivo na produção mundial por aquicultura. Estas tendências mun-diais podem ser facilmente vistas nos relatórios da FAO.

Teoricamente, como ocorre para os animais terrestres, onde a caça não é mais permitida e toda fonte de proteína animal é proveniente do cultivo das espécies consumidas, de aves e mamíferos, poderia ocorrer o mesmo em relação aos recursos pesqueiros. Para evitar-se esta situação limite, a pesca deve-se manter sustentável, respeitando a manutenção das populações naturais. A atividade de aquicultura pode ser então, cada vez mais, a solução para a redução da pressão sobre os estoques, possibilitando a oferta de alimentos de forma sustentável, atendendo à demanda.

Outro ponto relevante é a constatação de que, como a aquicultura está ainda no início de seu desenvolvimento, comparativamente, é possível desenvolvê-la sem tantos impactos ambientais quanto os ocorridos com espécies em terra. Os conceitos de conservação, sustentabilidade e pre-servação ambiental estão muito mais desenvolvidos agora do que no início da domesticação e criação animal pelos seres humanos, em terra.

De acordo com os dados da FAO, China e Índia são os dois países que lideram a produção aquícola mundial, com a China bem adiante da Índia e dos demais países. Brasil e África do Sul ainda têm potencial para se desenvolverem em relação à aquicultura, mas o Brasil apresenta números bem acima da África do Sul. Atualmente a aquicultura continental tem uma produção aproximadamente sete vezes maior do que a aquicultura marinha no Brasil.

Este é um cenário que precisa ser revertido, com o desen-volvimento da aquicultura marinha, pois a água doce é um recurso cada vez mais escasso, ao passo que temos nosso vasto litoral, com grandes áreas marinhas protegidas que podem ser utilizadas para cultivo. O desenvolvimento da aquicultura marinha no Brasil poderá trazer não só benefícios ambientais, pois haverá menos pressão sobre os estoques naturais, mas também sociais e econômicos.

Dentro do contexto dos BRICS, com um bom planeja-mento e ações sincronizadas com um mesmo objetivo, em teoria é possível minimizar consideravelmente os efeitos negativos provenientes da exploração desenfreada de recur-sos pesqueiros. Existe uma relação direta entre a pobreza e a degradação ambiental. A melhora das condições de vida das populações costeiras de baixa renda, no mundo inteiro, se reverte em significativa melhora ambiental.

Projetos conjuntos entre os países BRICS, com foco em atividade pesqueira industrial e artesanal e aquicultura são relevantes para a sustentabilidade da exploração deste recurso, globalmente, ainda mais diante dos efeitos prementes das mudanças climáticas. Que o Estado brasileiro perceba a ação estratégica de aliar esforços e competências do nosso país com a de seus parceiros BRICS em ações coerentes e eficazes na garantia da sustentabilidade da pesca e da aquicultura.

Estas ações devem ser voltadas especialmente para o oceano e regiões polares, indicada como área prioritária na agenda dos BRICS. Para preservação e uso racional dos recursos globais, inclusive polares, seria bom reforçar laços com a Noruega, país Ártico e de referência de boas práticas tanto na pesca quanto na aquicultura marinha.

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Grandes cidades do interior paulista estão entre as 15 mais poluídas do Brasil. São Paulo lidera o ranking como o Estado com maior número de centros urbanos comprometidos em sua qualidade de vida por poluição atmosférica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) mos-tra a dramaticidade do quadro, que tem no Rio de Janeiro o pior exemplo de qualidade do ar.

Recentes pesquisas realiza-das em nível mundial mostram que a poluição atmosférica é responsável por 70% dos casos de câncer. Junto com a con-taminação da água, o ar da baixa troposfera tem se tornado o grande desafio dos grandes aglomerados urbanos e a tendência é a piora desta condição com o passar do tempo.

Pelo estudo da OMS de 2014, o Brasil ocupa a 12ª posição entre os países mais poluídos. A situação nacional se agrava a cada ano, seja pela acelerada destruição da Floresta Amazô-nica, queimada do Cerrado e a introdução da monocultura e da pecuária extensiva.

São Paulo tem as cidades mais poluídas do país

Júlio Ottoboni | Jornalista científico

O desmatamento da Amazônia voltou a registrar, neste ano, o crescimento de 29%. O Bioma Cerrado também é constantemente destruído, seja por incêndios gigantescos ou pela má utilização do solo. As evidências das mudanças climáticas surgidas pelo aquecimento global de efeito antrópico ainda pouco sensibilizou as autoridades brasileiras, apesar do cenário climatológico do País dar demonstração de sua transformação.

Diversos exemplos como a – nada comum – seca prolon-gada no Sudeste entre 2013 a 2015, os constantes ciclones extratropicais na região Sul do país – que no começo dos anos 2000 registrou o primeiro furacão na porção Sul do Oceano Atlântico, chamado de Catarina – e as tempestades severas com grandes volumes de granizo e o surgimento cada vez mais frequente de tornados dentro de cidades, entre tantos outros exemplos.

Segundo a OMS, a quantidade de poluentes considerada aceitável para o correspondente a um metro cúbico (m³) de ar é de 20 microgramas em seu limite máximo. Pelo levantamento da OMS, a cidade mais poluída do Brasil é o Rio de Janeiro, com 64 microgramas de poluentes por metro cúbico de ar. Ou seja, uma quantidade de 3,2 vezes maior que o volume determinado como o teto aceitável.

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Poluição em São Paulo

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Piores exemplos

A capital do Rio de Janeiro, onde se inclui sua região metropolitana, ficou na 144ª posição em uma lista com mais de 1100 cidades em todo o mundo, na pesquisa recém-divulgada. A ocupação desordenada da faixa de terra plana e dos mor-ros, a supressão da Mata Atlântica e o aumento considerável no volume de automóveis transformaram drasticamente a qualidade do ar na capital fluminense.

Por conta da elevada concentração de pessoas, veículos e indústrias, baixa dispersão dos materiais poluentes em suspensão por falta de brisa, as grandes cidades tendem a gerar uma maior quantidade de poluentes. Entre os piores exemplos expostos pelos cientistas estão Pequim, na China, e Nova Déli, na Índia, conhecidas por seu elevado índice de poluição do ar. O Brasil que tinha esse problema muito concentrado na cidade de São Paulo, agora vê o fenômeno da degradação da qualidade do ar ocorrer em Manaus, Rio de Janeiro e em cidades do interior e litoral.

No ranking das 15 cidades mais poluídas, 9 delas estão em São Paulo. A primeira é Cubatão com 48 microgramas de poluentes por m³, em segundo vem Campinas com 39, seguida por São Paulo e Região Metropolitana com 38. O quinto e o sexto lugares ficam com Sorocaba com 28 e São José do Rio Preto com também 28 mg/m³. Em oitavo e nono estão Araraquara com 27 e Araçatuba com 26. Em 12º lugar vem São José dos Campos, com 21 mg/m³ e Marília, em 13º, com 21 mg/m³. Constam ainda na listagem da OMS, Curitiba e Região Metropolitana (PR) com 29 mg/m³; Volta Redonda (RJ) com 28; Betim (MG) com 22; Belo Horizonte (MG) com 20 e Ibirité (MG) com 18 mg/m³.

A poluição atmosférica se caracterizada por alterações físicas, químicas e biológicas de determinado ambiente por materiais particulados, orgânicos e inorgânicos, nocivos às condições de suporte à vida e a saúde das populações existentes, atuando tanto na fauna quanto na flora.

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Furacão Catarina, o primeiro na região sul do Brasil

Praia do Leme no Rio de Janeiro

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Desde o lançamento desta nova pesquisa em Novembro deste ano, que estamos desen-volvendo no âmbito da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade, com o apoio do PNUMA, uma pergunta tem sido recorrente: o que tem a ver esta questão – novos padrões de produção e consumo do tempo – com a sustentabilidade. A seguir tentarei fazer as conexões que considero relevantes, bem como conquistar a curiosidade dos leitores para que acompanhem o desenrolar deste fascinante estudo.

Uma questão de fundo está presente em todo debate sobre a sustentabilidade: a urgência de se empreender ações de trans-formação de nossa sociedade (tida como insustentável) e o tempo do ciclo da natureza, da história natural da Terra, e das espécies – da nossa evolução. Há um conflito quase hermenêutico entre o curto prazo (no máximo 100 anos) em que um ser humano habita o Planeta e o longo prazo, que representamos na figura das futuras gerações, na figura das civilizações e culturas numa linha de tempo humano que não ultrapassa, se recuarmos, a 10 mil anos.

O ser humano nunca gozou de tanta longevidade, como nas últimas duas décadas, ainda que esta não se distribua por igual no Planeta. Mas o fato é que os quase 80% de pessoas que existem no mundo, e que estão concentrados em cidades poderão viver cerca de 80 a 100 anos.

Contudo e apesar de parecer que ganhamos tempo, nunca se viveu tão agudamente a “angústia do tempo”: a sensação de que ele é um recurso escasso, mal utilizado e que a pressão sobre nossas vidas, exercida por variados fatores ligados ao estilo de vida urbano e à sociabilidade que lhe corresponde, nos oprime (nos faz ficar doentes) ou nos lesa (roubando um tempo precioso) que poderíamos dedicar aos estudos, à família, às ações cívicas, às causas humanitárias, etc.

Samyra Crespo | Ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins MAST/RJ*

Produzir, consumir, viver e imaginar o tempo

No limite, o tempo da natureza não parece combinar com o tempo da cultura humana, e a lentidão na tomada de decisão com relação ao fenômeno das mudanças climáticas vai criando uma sombra sobre o futuro e uma ansiedade que se espraia no presente. Temos mais tempo em nossas vidas, mas temos pressa. Nos falta tempo. Paradoxo, não?

Mas olhemos com alguma perspectiva histórica como esta problemática – a do tempo – vem sendo tratada. No mundo do trabalho, a questão do tempo foi resolvida com a adoção do modo de produção fordista, sobretudo na primeira metade do Século 20, solução resumida na expressão “time is money”. A “eficiência na utilização do tempo” transformou-se numa ques-tão econômica de crucial importância para determinar custos e “produtividade”. Hoje, quando empresas atuam globalmente, e em diferentes fusos horários, a questão do tempo torna-se

essencial para o gerenciamento dos negócios. Diferentes escolas de “administração do tempo” foram então surgindo para, na ótica capitalista, otimizar o tempo. A palavra de ordem entre executivos, “decision” e “policy-makers” passa a ser “a gestão do tempo”. Toda uma literatura com este enfoque passa a influenciar mundo das corporações.

No contraponto desta aborda-gem estão as explorações teóricas de Paul Lafargue com o seu pro-vocativo manifesto “O Direito à Preguiça”, do filósofo Domenico Di Masi, e mais recentemente

da escritora e ativista feminista Rosiska Darcy de Oliveira. Lafargue se insurge contra a venda da força de trabalho que em sua opinião não é senão a venda do “tempo” de lazer, do ócio necessário à filosofia e ao bem viver. Di Masi vai além e defende o “ócio criativo”, sem o qual uma sociedade tende a ficar medíocre e estéril. Rosiska prega a necessidade de uma “reengenharia do tempo”, uma readequação do uso do tempo mediante o reconhecimento de que ele é um dos recursos mais valiosos, e de que o mundo mudou radicalmente com o ingresso massivo das mulheres no mercado de trabalho. Para ela, as alterações no padrão de constituição das famílias, a adoção do estilo de vida urbana e a “realidade das mulheres” que trabalham não foram acompanhadas de um redesenho nos espaços, funções e equipamentos culturais, impondo às mulheres uma sobrecarga brutal especialmente no que diz respeito à discrepância de tarefas e expectativas frente ao tempo real de que dispõe cada indivíduo em sua vida cotidiana.

* Samyra Crespo desde 2013 é uma das principais articuladoras da Rede Brasileira de Mulheres Líderes pela Sustentabilidade. Também coordenou as 5 edições da pesquisa nacional “ O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (MMA, 1992 a 2012).

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Inserir o “feminino” no tempo, tal como é pensado e vivido nesses dias de “modernidade avançada”, onde proliferam as soluções tecnológicas, eis um desafio lançado pela autora. Temos que colocar no coletivo este debate que aparece hoje como um dilema do indivíduo, diz a autora. Nessa segunda escola, a gestão do tempo se transforma numa gestão da qua-lidade do tempo vivido. Cantado em prosa e verso, e citado em nossas diatribes cotidianas, o tempo na perspectiva de nossa pesquisa é um recurso escasso, não pode ser utilizado de maneira predatória e definitivamente é o fator que pode ou não agregar maior ou menor qualidade de vida.

A relação desta problemática com a “agenda da susten-tabilidade” se dá em vários níveis e é estreita a conexão com os vários labels que identificam os nichos de atuação do que há de mais palpitante em termos de novas formulações, novas visões de futuro. Os movimentos “sustainable cities”, “sustainable economy”, “sustainable life-style”, e “sustainable consumption”, estão entre os que mais instigam a pensar a problemática do tempo na ótica da sustentabilidade. As novas tendências contraculturais evidenciam esta relação: o “slow-food”, “slow-cities” “go for better quality of life” cimentam a tese de que é preciso frear a velocidade que imprimimos à nossa jornada cotidiana, e fazer escolhas mais conscientes de como desejamos alocar nosso tempo. Assim, o tempo é um bem raro, escasso, e quando mal utilizado ou desperdiçado nos priva de bem-estar; nos priva de vida.

A relação com a saúde também é fácil de estabelecer: os médicos e terapeutas são unânimes em afirmar que fatores ambientais interferem na saúde e que a pressão do tempo (dead-lines no trabalho, na escola, etc.) é cada vez mais cau-sadora de stress, estando associada às doenças somáticas do século – a ansiedade e a depressão.

Os engarrafamentos, as filas intermináveis, a violência, e uma série de outros fatores contribuem decisivamente para uma série de males somáticos.

Nos últimos anos, as cidades vêm tentando traduzir em políticas públicas as aspirações por uma melhor qualidade de vida urbana, o que tem resultado em desenhos inovadores de espaços e equipamentos urbanos. A questão da mobilidade e das “ facilities” estão na ordem do dia, bem como a de como proporcionar experiências significativas de lazer e de convívio social.

Nosso esforço neste estudo será direcionado a mapear os repertórios com que atores chaves que atuam na transformação da sociedade e que promovem a agenda da sustentabilidade, tratam a produção e o consumo do tempo. De natureza qualitativa a pesquisa tem o objetivo de recolher as noções dominantes sobre “tempo produtivo”, “tempo poupado ou roubado pela tecnologia e pela ausência de facilities”, “tempo para o ócio e lazer”, “tempo para os cuidados com idosos, crianças e doentes”, “o tempo para as ações de cidadania e solidariedade”, entre outros tópicos de interesse. A finalidade é promover escolhas mais conscientes de como alocar o nosso tempo e de como transformar a nossa sociedade promovendo os valores e práticas da sustentabilidade.

Os primeiros resultados da pesquisa serão divulgados no mês de Março do próximo ano, mas toda uma estratégia de engajamento de influenciadores e formadores de opinião está atualmente sendo desenvolvida e divulgada pela nossa página no Facebook:

www.facebook.com/redemulheressustentabilidade. Para finalizar, convido os leitores a acompanhar e contri-

buir visitando o site da Rede de Mulheres: www.redemulhersustentabilidade.org.br

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Que alterações o PL 3.729/2004 propõe em relação à atual legislação sobre o licenciamento e quais as motivações do PL, ao propor uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental?

Antes de tudo é preciso dizer que, anexado ao Projeto de Lei 3.729, que pretende estabelecer a Lei Geral do Licencia-mento, estão 16 textos substitutivos possíveis. O substitutivo que foi pautado em 14 deste mês na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara é o apresentado pelo Deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), integrante da Bancada Ruralista – Frente Parlamentar Agropecuária. Na nossa visão, o texto do Dep. Pereira, entre os 16 substitutivos que estão anexados ao PL, certamente é aquele que impõe os mais graves retrocessos à legislação ambiental, flexibilizando quase que por completo a atual legislação. A primeira alteração que consideramos muito grave em termos de retrocesso é a possibilidade de cada Estado decidir, autonomamente, sem critérios, quais empreendimen-tos serão objeto de licenciamento e quais empreendimentos ficarão sujeitos a cada tipo de licenciamento.

Se o PL for aprovado, vai se instaurar uma guerra fiscal ambiental pela flexibilização do licenciamento entre os Esta-dos. Nesse momento de crise econômica, em que os Estados precisam de investimentos, eles poderiam flexibilizar a sua legislação e as exigências ambientais para atrair investimentos privados. Há ainda previsões de retrocessos como, por exem-plo, a dispensa de licenciamento para empresas poluidoras – em 2001 o STF já considerou inconstitucional qualquer dispensa a empreendimentos poluidores. Há ainda a previsão de licenciamento autodeclaratório, que seria o que chamamos de licenciamento por adesão e compromisso. Por esse tipo de licenciamento, alguns empreendimentos poderiam obter uma licença automática a partir de uma autodeclaração registrada nos sites dos órgãos ambientais.

Pode esclarecer melhor o que é essa autodeclaração?

Hoje, pelo sistema atual, qualquer atividade potencial-mente poluidora deve ser previamente licenciada pelo órgão ambiental do Estado, do Município ou da União. O que se pretende com esse licenciamento autodeclaratório é que os empreendimentos possam registrar as informações no site dos órgãos, sem qualquer tipo de análise do órgão ambiental e, assim, a licença seria emitida automaticamente.

Patricia Fachin e Ricardo Machado | Jornalistas do IHU

Novo licenciamento ambiental vai gerar uma guerra fiscal

Essa experiência foi pioneiramente adotada no Estado da Bahia e tem sido duramente criticada pelo Ministério Público Federal e também pelos próprios servidores dos órgãos licenciadores da Bahia.

Eles realizaram um estudo recente, mostrando que das mais de 150 licenças automáticas analisadas por amostragem, apenas 10% cumpririam com os termos das licenças. Ou seja, mais de 90% das licenças emitidas por esse modelo autodeclaratório seriam irregulares. Isso mostra o desastre e o insucesso dessa medida.

Essa autodeclaração não passaria por nenhuma licença ambiental e mesmo assim as empresas obteriam uma licença ambiental?

Exatamente. Além da óbvia simplificação do licencia-mento, está por trás dessa modalidade o fato de os órgãos ambientais hoje estarem em estado de penúria em termos de recursos institucionais e recursos humanos, e por conta disso, eles não têm conseguido dar cumprimento às suas missões num tempo ágil.

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Entrevista com Mauricio GuettaAdvogado do Instituto Socioambiental - ISA

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Então, ao invés de haver vontade política para investir nos órgãos ambientais, equipá-los e permitir que eles tenham técnicos para que possam atuar nos licenciamentos, o que se propõe como solução é um abandono dos licenciamentos. Essa é uma proposta que retrocede e esbarra na Constituição.

De que modo estados e municípios ficam permitidos a flexi-bilizar exigências ambientais?

Os Estados estarão autorizados e obrigados a instituir esses licenciamentos autodeclaratórios, podendo inclusive definir, a seu bel critério, qual tipo de empreendimento seria passível de autodeclaração. Pode haver inclusive Estados com empreendimentos de médio porte sendo licenciados sem qualquer tipo de controle e repreensão por parte dos órgãos, o que claramente viola qualquer tipo de prerrogativa referente ao licenciamento.

Como esse PL está sendo debatido na Câmara?

Esse texto ainda não foi debatido no Congresso. Ele foi apresentado no dia 15 de Setembro, e dia 12 de Dezembro um novo texto foi apresentado pelo Deputado Mauro Pereira, repetindo termos do PL anterior, mas sugerindo flexibilizar ainda mais a legislação. Não houve nenhuma audiência pública, nenhum debate com especialistas, nenhuma construção de entendimento com os diversos setores da sociedade nem com a academia. Então, é um projeto que se pretende aprovar a toque de caixa, apesar da sua relevância e complexidade. O PL tramita hoje em caráter de urgência, precisa ser aprovado ainda na Comissão de Finanças e Tributação na Câmara e depois na Comissão de Constituição e Justiça para depois ir a plenário. Aprovado no plenário, o PL segue para o Senado e tramita de acordo com o regimento.

Que tipo de atividades estariam dispensadas de realizar o licenciamento ambiental, segundo a proposta do PL?

Diversas atividades estão previstas; as principais são as atividades agrícolas, pecuárias e de silvicultura, independen-temente do porte, da localização, do potencial poluidor, do uso ou não de agrotóxicos e de estarem localizadas próximo de áreas de conservação ou áreas indígenas. O outro tipo de empreendimento dispensável de licenciamento, segundo o texto, seria aquele de caráter temporário. Além disso, o PL não faz nenhuma distinção entre as atividades, o que permi-tiria que empreendimentos temporários de alto risco ou com significado potencial de impacto, como diz a Constituição, também fossem dispensados. A Constituição exigiria para esses casos o estudo de impacto ambiental, que é o estudo mais complexo e completo, mas o PL afronta a Constituição e pretende dispensá-los.

Quais diria que são os principais equívocos dessa Lei e quais seriam os prejuízos ambientais caso o PL seja aprovado?

O licenciamento ambiental é o principal instrumento da política de meio ambiente e entre as suas funções está a de pre-venir danos ambientais, como, por exemplo, o caso de Mariana. A falta do licenciamento ou do licenciamento adequado foi o que gerou o desastre de Mariana, e observamos que os danos ali são quase impossíveis de serem restaurados.

Então, a função do licenciamento é resguardar a principal característica do meio ambiente, que é essa impossibilidade de reparação. Por isso precisamos prevenir os danos, em vez de deixá-los acontecer para depois tentar repará-los. A lógica que está por trás do texto substitutivo do Deputado Pereira é uma lógica que rege a bancada ruralista mais radical, que é a de liberar geral os licenciamentos, o que na realidade consiste em extinguir o licenciamento. Portanto, é uma lógica que não guarda nenhuma coerência com a Constituição e com a legislação atual, e se afasta dos anseios da sociedade e da comunidade internacional no sentido de garantir o equilíbrio ecológico do país, que tem na preservação ambiental uma das suas principais características.

Você já faz alguma previsão de como será a votação do PL?

No momento o cenário político está bastante tormentoso e nebuloso. Existe uma parte da bancada ruralista que, apoiada por setores da indústria, pretende aprovar a flexibilização completa do licenciamento, mas há uma reação da sociedade brasileira. Além disso, ontem (14/12/2016) protocolamos uma nota de repúdio a esse texto, assinada por mais de 250 organizações especialistas no assunto, como a comunidade científica, as organizações da sociedade civil que defendem a pauta socioambiental, os servidores públicos dos órgãos ambientais, os procuradores e promotores do MP, os profes-sores de Direito Ambiental do Brasil, e entidades religiosas. Isso significa que todos os setores da sociedade – salvo uma parcela, como o agronegócio – repudiam esse texto e apoiam o fortalecimento do licenciamento ambiental.

O PL prevê punições em caso de desastre ambiental?

Não, ele é silente em relação a isso.

Esse Projeto de Lei inaugura um novo pacto ambiental?

Se ele for aprovado nos termos que propõe o Deputado Mauro Pereira, o pacto constitucional pela proteção do direito de todos a um meio ambiente equilibrado, seria rasgado. Então, a matéria pararia no Supremo Tribunal Federal e teríamos uma grave insegurança jurídica para o poder público e para os próprios empreendedores. Precisamos de uma Lei forte, que estabeleça critérios rígidos e que caminhe para o forta-lecimento de esse que é o principal instrumento da política nacional do meio ambiente.

Para finalizar deseja acrescentar algo?

Sendo essa uma matéria relevante, sobre a qual podem advir danos irreparáveis para a sociedade, me parece que o debate sobre o licenciamento deve ser aprofundado. Vimos a tentativa da bancada ruralista de aprovar um texto a toque de caixa, sem debate com os especialistas, ou com os depu-tados, e isso é indesejável num país que tem uma relevância ambiental como o nosso. Nesse sentido, o debate deve ser aprofundado inclusive para criarmos consensos e seguirmos na direção que aponta para a prevenção de danos e impactos ambientais, em respeito aos direitos das populações indígenas que são afetadas pelos empreendimentos, além de garantir a participação social, que é um princípio constitucional que rege o licenciamento.

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A Casa Civil deveria enca-minhar ao Congresso uma proposta em elaboração, fruto do trabalho integrado dos Ministérios do Meio Ambiente, Agricultura, Minas e Energia, Infraestrutura, entre outros, que compatibilizavam trechos dos substitutivos já aprovados nas Comissões de Meio Ambiente e de Agricultura, elaborados res-pectivamente pelos Deputados Ricardo Tripoli (PSDB/SP) e Moreira Mendes (PSD/RO).

Porém, o Governo Federal declinou de apresentar a pro-posta, para a surpresa de todos que estavam contribuindo para um novo marco regulatório. Em meio a uma semana tumultuada e diante de uma grande crise institucional, a Casa Civil optou por apoiar a proposta do Deputado Federal Mauro Pereira – que flexibiliza regras vigentes e beneficia diretamente ativi-dades irregulares.

O substitutivo de Mauro Pereira permite a dispensa e a simplificação do licen-ciamento, sem critérios ou diretrizes gerais da União, o que fere princípios consti-tucionais e cria insegurança jurídica, sem resolver o pro-blema fundamental. Delega aos Estados e Municípios, autonomamente, a definição de quais empreendimentos estarão sujeitos ao licenciamento ambiental, de acordo com a natureza, porte e potencial poluidor, sem que esteja prevista qualquer orientação em nível federal sobre os critérios para tal definição.

Essa discricionariedade, incluída no Artigo 3º do subs-titutivo, desconsidera biomas, bacias hidrográficas e áreas estratégicas para conservação, enfraquecendo a União na competência de dar diretrizes gerais para a proteção do meio ambiente. O dispositivo permite, por exemplo, que uma mineração seja dispensada de licenciamento em um Estado e submetida à licenciamento ordinário com EIA/Rima em outro. Essa medida poderá gerar uma verdadeira “guerra de flexibilização do licenciamento ambiental” entre Estados e Municípios, à exemplo da deletéria “guerra fiscal” que o País vem tentando resolver.

Mario Mantovani | Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Interesse público versus Licenciamento Ambiental

O texto praticamente anistia e desobriga empreendimen-tos implantados sem licença de compensatórias por passivos para regularização, limitando apenas os impactos ao meio físico. Caso venha a ser aprovado, impediria, por exemplo, a implantação de infraestrutura de saneamento básico para as comunidades afetadas pela hidroelétrica de Belo Monte, por não reconhecer o impacto socioambiental da obra. Deixaria descobertos também moradores e comunidades das áreas afetadas pelo dano da Samarco, na Bacia do Rio Doce, a quem caberia simplesmente recompor, quando muito, matas ciliares danificadas, desconsiderando ainda potenciais danos futuros que a atividade pode acarretar.

A proposta dispensa do licenciamento ambiental as atividades agropecuárias e de florestas plantadas, à exceção da instalação de novas atividades quando houver restrições à sua implantação, estabelecidas por uma lei específica. O único zoneamento agroecológico aprovado atualmente no

País é o do cultivo de cana-de-açúcar. Sendo assim, não havendo qualquer restrição legal, a entrada em vigor da nova Lei proposta liberaria de forma generalizada as atividades da agricultura e das florestas plantadas.

O texto pode afetar também Áreas Protegidas, patrimônios tombados, qui-lombolas e Terras Indígenas, entre outros instrumentos da atual legislação ambiental brasileira.

Um tema tão importante e estratégico como esse não

pode ser discutido e votado sem transparência e participa-ção da sociedade. Votar o substitutivo do Deputado Mauro Pereira ao PL 3729/04, com apoio da Casa Civil, neste difícil momento do país e no encerramento do ano legislativo, sugere uma afronta à sociedade brasileira e às instituições.

O licenciamento ambiental assegura a vida e garante a ordem social, mas depende de eficiência, orçamento e estru-tura adequados para atender às demandas da sociedade com agilidade e competência.

O sucateamento e o desmonte do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) levaram à burocracia desnecessária e lentidão nos processos. O Brasil precisa urgentemente de uma Lei moderna, que defenda o meio ambiente e a socie-dade, sem retrocessos e faça do Licenciamento Ambiental um instrumento arrojado de ganho para o desenvolvimento socioambiental no país.

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Page 31: Ano XXVI • Nº 241 • Dezembro 2016 • R$ 15,00 • … 21 241_2016.pdfAno XXVI • Nº 241 • Dezembro 2016 • R$ 15,00 • • facebook.com/revista.eco21•21 Sarney Filho

Uma união entre Governo, oposição e sociedade civil, com um auxílio vital da falta de quórum, impôs uma derrota à bancada ruralista no dia 14 deste mês. Numa sessão tensa, caiu da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados o substitutivo ao PL 3.729/2004, conhecido como “Licenciamento Ambiental Flex”. É a segunda vez em dois meses que o pro-jeto, patrocinado pelo agronegócio e a indústria, bate na trave na Comissão. O projeto relatado pelo Deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), membro da Frente Parlamentar da Agropecuária, enfraquece o licenciamento ambiental ao isentar todo o agronegócio e deixar na mão dos Estados a decisão sobre que grau de rigor aplicar a que tipo de empreendimento. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o texto, se convertido em Lei, causaria uma “guerra ambiental” entre os Estados – que passariam a competir pela atração de empresas quanto mais frouxas fossem suas regras de licen-ciamento.

O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA), tinha enviado antes uma carta a seu colega da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS), pedindo que o projeto do licen-ciamento “flex” seja retirado da pauta da CFT. A carta, de duas páginas, estava acompanhada de uma análise de 18 páginas do substitutivo de Pereira. Nela, Sarney Filho reforça ponto a ponto os diversos problemas do texto e apresenta alternativas, muitas contempladas no projeto de Lei Geral do Governo. O primeiro ponto de discordância citado é a intenção de delegar a Estados e municípios a responsabilidade sobre o tipo de licenciamento a ser adotado em cada caso. “Será gerada guerra ambiental entre os Estados, com a aprovação de Leis estaduais e locais com pouco rigor ambiental, em busca de trazer investimentos. Essa ‘guerra’ trará sérios problemas para o país”, afirma o documento.

A proposta de isenção de licenciamento para propriedades rurais também é criticada, e a carta afirma que a Casa Civil propôs 12 itens de dispensa nas versões mais recentes do texto da Lei Geral. O MMA defende que não sejam listados casos de dispensa referentes a setores específicos e que, após definição de uma “lista positiva”, os casos que não estiverem inclusos sejam considerados não sujeitos ao processo. O Ministro reforça também a importância do critério de localização principal fator para determinar o rigor do licenciamento, e afirma que os debates a respeito do tema estavam chegando perto de um consenso nas deliberações da Lei Geral.

Sarney Filho intervém contra licenciamento “flex”

Camila Faria | Jornalista do Observatório do Clima - OC

“Um mesmo empreendimento tem impacto bastante dis-tinto de acordo com a relevância ambiental da área na qual vai ser instalado (…) Avaliamos que os debates ocorridos sobre esse assunto estão próximos de um consenso que, se alcan-çado, muito contribuirá para os processos de licenciamento ambiental”, diz a carta.

O documento afirma, ainda, que o texto apresentado à CFT vai de encontro às metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris, ao reduzir uma série de salvaguardas às áreas protegidas – que estocam carbono. Um de seus parágrafos, por exemplo, dispensa a autorização de órgãos ambientais responsáveis por unidades de conservação para obras que afetem essas unidades. Outro tira do Instituto Chico Mendes a prerrogativa de autorizar linhas de transmissão de energia em unidades de conservação federais de uso sustentável.

“O retrocesso ambiental dessa medida seria imenso, e o País perderia em seus objetivos estratégicos – como o esforço pela segurança hídrica –, e no cumprimento de acordos inter-nacionais – como as metas do clima –, com o consequente sofrimento social que resulta da falta de sustentabilidade. Mas as perdas extrapolariam o aspecto socioambiental (…) Em vez de superar os gargalos que o licenciamento representa hoje, com agilidade e rapidez, assistiríamos aos processos lentos e dispendiosos impostos pela judicialização”, alerta o MMA.

Na segunda-feira 12/12, mais de 250 organizações da sociedade civil, redes e pesquisadores divulgaram uma nota de repúdio ao texto de Mauro Pereira. A nota afirma que o substitutivo, construído sem nenhum debate, é “aquele que pretende impor os mais graves retrocessos à legislação atu-almente em vigor”, e aumentaria o risco de novos desastres como o de Mariana, em Novembro do ano passado.

Seminário na Câmara dos Deputados para discutir a Lei de Licenciamento Ambiental

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Não podemos continuar a ignorar a desigualdade, porque temos os meios para destruir o nosso mundo, mas não para escapar dele.

Como físico teórico baseado em Cambridge, vivi a minha vida numa bolha extraordinaria-mente privilegiada. Cambridge é uma cidade incomum, centrada em torno de uma das grandes universidades do mundo. Den-tro dessa cidade, a comunidade científica de que me tornei parte quando tinha 20 anos é ainda mais rarefeita.

E dentro dessa comunidade científica que o pequeno grupo de físicos teóricos internacionais com quem passei a minha vida de trabalho pode às vezes sentir-se tentada se considerar como o pináculo. Além disso, com a celebridade que veio dos meus livros e o isolamento imposto pela minha doença, sinto que a minha torre de marfim ficou mais alta.

Assim, a recente e aparente rejeição das elites, tanto nos Estados Unidos como na Grã-Bretanha, é seguramente dirigida a mim, tanto quanto a qualquer um. O que quer que pensemos da decisão do eleitorado britânico de rejeitar a adesão à União Europeia e do público estadunidense para abraçar Donald Trump como seu próximo presidente, não há dúvidas na mente dos comentadores de que este foi um grito de raiva de pessoas que sentiram que tinham sido aban-donadas pelos seus líderes.

Stephen Hawking | Físico teórico e cosmólogo

Este é o momento mais perigoso para o nosso Planeta

Foi. Todos parecem concordar, o momento em que os esquecidos falaram, encontrando as suas vozes para rejeitar o conselho e a orientação de especialistas e da elite em todos os lugares. Não sou nenhuma exceção a esta regra. Eu avisei antes da votação que o Brexit prejudicaria a pesquisa científica na Grã Bretanha, que uma votação para sair seria um passo para trás, e o eleitorado – ou pelo menos uma proporção suficien-temente significativa dele – não me prestou mais atenção do que a qualquer um dos outros líderes políticos, sindicalistas, artistas, cientistas, empresários e celebridades que deram o mesmo conselho ignorado pelo resto do país.

O que importa agora, muito mais do que as escolhas feitas por esses dois eleitorados, é como as elites reagem. Deveríamos nós, por sua vez, rejeitar esses votos como derramamentos de populismo bruto que não levam em conta os fatos e tentam contornar ou circunscrever as escolhas que eles representam? Eu diria que esse seria um erro terrível.

As preocupações subjacentes a estas votações sobre as consequências económicas da globalização e a aceleração da mudança tecnológica são absolutamente compreensíveis. A automatização das fábricas já dizimou empregos na fabri-cação tradicional e o aumento da inteligência artificial irá provavelmente estender esta destruição de postos de trabalho para o centro da classe média, sobrando apenas às funções de prestação de cuidados, criativas ou de supervisão. Isso, por sua vez, acelerará a já crescente desigualdade económica em todo o mundo. A Internet e as plataformas tornam possível que grupos muito pequenos de indivíduos possam ter enormes lucros ao empregar muito poucas pessoas. Isso é inevitável, é o progresso, mas também é socialmente destrutivo.

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Precisamos colocar esta informação ao lado do crash financeiro, que fez com que as pessoas se dessem conta que poucos indivíduos trabalhando no setor financeiro podem acumular grandes fortunas e que as restantes pessoas vivem afastadas desse sucesso e pagam a conta quando a sua ganância comete erros. No conjunto, vivemos num mundo de uma desigualdade financeira cada vez maior, em que muitas pes-soas veem não só o seu padrão de vida, mas sua capacidade de ganhar dinheiro desaparecer. Não surpreende, então que estejam à procura de uma nova fórmula. Pode parecer que Trump e o Brexit representem isso.

Outra consequência involuntária da disseminação global da Internet e das redes sociais é que a natureza dessas desi-gualdades seja muito mais aparente do que foi no passado. Para mim, a capacidade de usar a tecnologia para comunicar é uma experiência libertadora e positiva. Sem ela, não teria sido capaz de continuar a trabalhar todos estes anos. Mas também significa que as vidas das pessoas mais ricas nas partes mais prósperas do mundo são agoniantemente visíveis para qualquer pessoa, por mais pobre que seja, desde que tenha acesso a um telefone. E já que há mais pessoas com um telefone do que com acesso a água potável na África subsaariana, isso significa que em breve quase todas as pessoas no nosso Planeta cada vez mais lotado não conseguirão escapar da desigualdade.

As consequências disto são claras: os pobres rurais se reúnem nas cidades, nas favelas, impulsionados pela espe-rança. E então, muitas vezes, achando que o nirvana do Instagram não está disponível lá, procuram-no no exterior do país, se juntando num número cada vez maior de migrantes econômicos em busca de uma vida melhor. Esses migrantes, por sua vez, colocam novas exigências nas infraestruturas e economias dos países aonde chegam, minando a tolerância e alimentando ainda mais o populismo político.

O aspecto mais preocupante é que agora, mais do que em qualquer outro momento da história, a nossa espécie precisa trabalhar em conjunto. Enfrentamos desafios ambientais impressionantes: mudanças climáticas, produção de alimen-tos, superpopulação, dizimação de outras espécies, doenças epidêmicas, acidificação dos oceanos. Juntos, eles são uma lembrança de que estamos no momento mais perigoso do desenvolvimento da humanidade. Temos tecnologia para destruir o Planeta, mas ainda não desenvolvemos a capacidade de escapar dele. Talvez em algumas centenas de anos teremos estabelecido colônias humanas nas estrelas, mas hoje temos só um Planeta e precisamos trabalhar juntos para protegê-lo.

Para fazer isso, precisamos quebrar não construir, barreiras dentro e entre as nações. Se quisermos ter uma hipótese de fazê-lo, os líderes do mundo precisam reconhecer que fra-cassaram e que estão falhando. Com recursos cada vez mais concentrados nas mãos de poucos, teremos que aprender a partilhar muito mais do que no presente. Com não apenas os postos de trabalho, mas indústrias inteiras desaparecendo, devemos ajudar às pessoas a se habilitarem para um novo mundo e apoiá-los financeiramente enquanto o fazem. Se as comunidades e as economias não conseguem lidar com os níveis atuais de migração, devemos fazer mais para encorajar o desenvolvimento global, pois é a única maneira de persuadir os milhões de migrantes a procurar o seu futuro em casa.

Podemos fazê-lo, sou um grande otimista para com a minha espécie; mas exigirá que as elites, de Londres a Harvard, de Cambridge a Hollywood, aprendam as lições dos últimos anos. Para ter, acima de tudo, uma noção de humildade.

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Rubens Sergio dos Santos Vaz Junior | Advogado. Mestre em Planejamento Ambiental

Importância do investimento em fontes renováveis

A utilização da energia eólica no país possui vantagens que a diferencia das energias tradicionais e dos outros tipos de energias renováveis. Isso decorre do seu maior desenvolvimento. Seu funcionamento se dá com o uso de recursos naturais, onde o vento gira uma enorme hélice que é conectada a um gerador, ao nível em que as turbinas de vento são ligadas a uma central de transmissão de energia, gerando a energia eólica e produzindo a eletricidade.

A quantidade de energia produzida através desse mecanismo pode variar em razão do tamanho das hélices e do regime de ventos na região em que está instalada. Para seu pleno funcionamento, fatores como força e regularidade dos ventos são importantes, bem como a região ser livre de turbulências e sem a sujeição de fenômenos climáticos, como tufões.

Embora nas últimas décadas a energia eólica tenha con-quistado amplo espaço no Planeta, na perspectiva mundial, ela ainda tem pequena participação na matriz energética, correspondendo a menos de 4% em 2011.

Contudo, essa forma de geração de energia já se faz presente em diversos países, fazendo existir a possibilidade de cresci-mento. Como exemplo, com o Conselho Mundial de Energia Eólica, 80 países já construíram suas instalações, totalizando uma capacidade superior a 282 GW em 2012 – com desta-que aos países da Europa, como Alemanha e Espanha – que atualmente respondem pela maioria da capacidade instalada mundial, após concentrar esforços de desenvolvimento tecno-lógico na fabricação dos principais aerogeradores.

No mesmo passo, vale destacar, China, Estados Unidos e Índia também aumentaram o seu investimento em energia eólica, alcançando, respectivamente, 75,6 GW, 60 GW e 18,4 GW de capacidade instalada, acompanhados pelo desenvolvi-mento de fornecedores e de tecnologias próprias. Os Estados Unidos e a China, inclusive, têm acompanhado o movimento de países como Dinamarca, Suécia, Irlanda, Alemanha e Reino Unido na criação de parques eólicos offshore.

Na perspectiva nacional, a energia eólica também regis-trou crescimento significativo no mercado elétrico brasileiro. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEÓLICA), em Abril de 2013, o país contou com capacidade eólica instalada de 2.693 MW, oriundos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFRA), que fora criado em 2002. Nesse redimensionamento do setor, o cenário da energia eólica ganha destaque. Através de leilões, são esperados pelo setor de energia eólica, que 195 cidades instalem cerca de 8 GW eólicos até o final de 2016.

O Brasil possui um dos maiores potenciais eólicos do mundo. Em que pese hoje o vento seja responsável por alguns megawatts (MW) instalados no país, o Brasil tem planos estratégicos para a exploração dessa fonte de energia.

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Por muito tempo, o que impediu a instalação de mais centrais eólicas em nosso país foi o preço, por causa de que a energia gerada por uma central eólica varia o custo entre 60% e 70% a mais do que a mesma quantidade gerada por uma usina hidrelétrica. Por outro lado, a energia do vento tem a grande vantagem de ser inesgotável e causar pouquíssimo impacto ao ambiente, além de não emitir gases poluentes nem gerar resíduos e diminuir a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE).

Soma-se a esse benefício a vantagem de o terreno de instalação dos parques eólicos serem compatíveis com outras utilizações como a agricultura e a criação de gado, o que amplia a geração de empregos e o investimento em zonas desfavorecidas, bem como garante benefícios financeiros e maior circulação de bens e serviços.

Ainda que timidamente, o país aos poucos vai crescendo na sua produção de energia eólica. Na última década, os incentivos governamentais destinados ao setor foram responsáveis pelo aumento da participação eólica na matriz elétrica brasileira, embora no exterior ainda possua maior participação.

Não há dúvidas da importância do papel do Estado na economia para permitir um ambiente de investimento pro-dutivo, além do progresso tecnológico e do desenvolvimento econômico sustentado. Os últimos dez anos nos mostraram como a atuação do governo auxiliou como propulsor em termos de infraestrutura, tecnologia e desenvolvimento econômico nas regiões mais pobres, especialmente como o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, vinculado a um programa de financiamento do BNDES e bancos regionais.

O BNDES, por sua vez, não se limitou aos empreen-dimentos hidrelétricos. Aprimorou sua política de apoio às usinas eólicas e térmicas biocombustíveis, fomentando significativamente a prática de energia renovável.

O apoio financeiro da instituição foi fundamental tanto para preservar a solvência das empresas do setor e sua capaci-dade de investimento, quanto para conter a elevação tarifária. Teve papel primordial para o desenvolvimento da cadeia produtiva de energia eólica nacional, ao financiar grande parte dos parques eólicos e fazê-lo com o incentivo de aquisição de equipamentos nacionais credenciados na FINAME, estimu-lando o desenvolvimento da cadeia produtiva no País.

O Plano de Apoio Conjunto Inova Energia, assinado pelo BNDES, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finepe) e a Aneel, tem entre seus objetivos o apoio às empresas no desenvolvimento e domínio tecnológico das cadeias produtivas de energias alternativas no País, caracterizando-se como uma grande oportunidade para que o setor eólico adentre definiti-vamente com suas atividades no Brasil. O desenvolvimento e o domínio tecnológico poderão ocorrer em grupos nacionais, fomentando o desenvolvimento nacional.

Assim, o BNDES, com a aprovação de novas condições de financiamento para o setor de energia elétrica, faz com que as alterações pretendam contribuir para a ampliação de fontes de energias alternativas na matriz elétrica brasileira e direciona investimentos em Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para projetos com alto retorno social e ambiental. As novas condições já passaram a valer para os leilões de 2016, tendo como prioridade a energia solar, refletida em melhores condições financeiras, decorrente do fato de se tratar de tec-nologia em fase inicial de desenvolvimento no País.

As demandas de estímulos para alcançar economias de escala e ganhos associados à difusão tecnológica, com preços mais competitivos, faz do BNDES o mais importante investi-dor do setor elétrico eólico, e, considerando que a instituição busca parceiros privados no fomento ao setor, caracteriza-se uma grande oportunidade para o Brasil atrair capital externo a fim de financiar os empreendimentos.

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O modelo de desenvolvimento urbano-industrial hege-mônico no Planeta tem desencadeado, sobretudo nas últimas décadas, profundas assimetrias de poder, desigualdades socioambientais e espalhado medo e insegurança em grandes metrópoles mundiais. Como sentenciou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, “as cidades se transformaram em depósitos de problemas causados pela globalização”. Esta problemática tem se orientado pelo domínio da racionalidade instrumental, onde as sociedades passam a ser guiadas pela economia de acumulação de bens que direciona uma visão de felicidade baseada no progresso material sem limites.

Os múltiplos tentá-culos da globalização que incide sobre os espaços urbanos, capitaneada por um estilo de moder-nização neoliberal avas-saladora, sob a égide de padrões de produção e consumo insustentáveis, criam sérios desafios para a gestão das cidades que buscam administrar suas agendas domésticas e harmoniza-las com diferentes demandas. Contudo, são as grandes e megacidades, palcos par excellence dos impactos perversos do crescimento econômico excludente, além dos extremos climáticos (ondas de calor, secas, chuvas, etc.) cada vez mais frequentes, gerando, em consequência, problemas crônicos de transporte, habitação e mobilidade.

A recente publicação do filme secreto intitulado “Me-gacidades: o Futuro Urbano, a Emergente Complexidade” (Megacities: Urban Future, the Emerging Complexity) uti-lizado pela Universidade de Operações Especiais Conjuntas (JSOU) do Pentágono, destaca o futuro sombrio e devastador dos centros urbanos já nos próximos 15 anos. Este vídeo exibido pelo https://theintercept.com/, mostra os sinais visíveis de impactos sistêmicos que fazem parte do contexto turbulento das megacidades (acirramento das desigualdades sociais, pobreza, redes criminosas, infraestruturas precárias, etc.).

Segundo o relatório “Cidades do Mundo”, divulgado em Maio de 2016 pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), o atual modelo de urbanização global é insustentável. Todavia, as regiões periféricas são as que convivem com situações mais dramáticas e estão sendo mais afetadas pelo quadro de marginalidade e riscos a que estão expostas, além de possuir baixa capaci-dade de responder aos dramas cotidianos da contaminação atmosférica e ausência de políticas públicas básicas. São necessários mais investimentos e formatos de governança cooperativa, além da democratização do acesso aos espaços e equipamentos urbanos.

Alberto Teixeira da Silva | Doutor em Ciências Sociais. Professor da Universidade Federal do Pará

Degradação nas megacidadesA urbanização indomável nas últimas décadas tem

provocado fluxos migratórios intensos para as cidades, com aumento populacional significativo nas regiões metropolitanas de grandes centros urbanos. Basta dizer que desde 2008, 54% da população mundial vive em cidades, e a tendência é que este percentual cresça de forma vertiginosa. Se em 1995 tínhamos 14 megacidades no mundo, hoje esse número pulou para 29, em sua grande maioria localizada em países subdesenvolvidos ou emergentes. América Latina, África e Ásia devem atrair contingentes populacionais que vão germinar e impactar outras

megacidades que serão criadas até 2030.

Dentro da geopolí-tica mundial, as grandes cidades estão se tornando terrenos caóticos de pro-blemáticas que evoluem para condições de degra-dação socioambiental, mas também são reco-nhecidas como locomoti-vas das mudanças estru-turais que desencadeiam políticas públicas para o reordenamento urbano e

o bem-estar dos cidadãos. As cidades buscam reinventar-se, a partir das exigências de novos paradigmas de inclusão social e territorial, reestabelecendo formatos de planejamento público que abrigue diferentes segmentos vulneráveis e garanta direitos de cidadania com a mobilidade urbana.

A América Latina é a região mais urbanizada e desigual do mundo e extremamente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, tendo 73% de suas populações vivendo em áreas costeiras, contingente populacional que será fortemente afetado pela elevação do nível do mar. Assim como outras megacidades espalhadas nos diversos continentes, São Paulo, Cidade do México e Buenos Aires, sofrem severamente as consequências e danos provocados pelas mudanças climáticas, considerando seu perfil de forte adensamento populacional, poluição atmosférica e emissões derivadas do consumo ener-gético intensivo baseado nos combustíveis fósseis.

As megacidades cada vez mais populosas e atrativas, vão concentrar as principais atividades da economia neste século, gerando oportunidades e progresso material para muitos, mas também condenando milhares de pessoas às injustiças sociais e ambientais, visto que as populações mais vulneráveis serão as mais afetadas pelas catástrofes climáticas. Para tirar a ressaca da ilusão de felicidade diante desse modelo de desenvolvimento global doente, viver em megacidades em tempos sombrios de incertezas e riscos impõe também experimentar o ônus e os perigos desse “maravilhoso mundo tecnológico”. O futuro das megacidades vai se tornando angustiante neste cenário quase ingovernável do capitalismo global.

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Reproduzimos nesta edição o discurso de Fidel Castro pronunciado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no dia 12 de Junho de 1992, como uma homenagem ao seu compromisso para com o meio ambiente e a sua reconhecida liderança na preservação dos ecossistemas cubanos, com particular ênfase ao bioma marinho caribenho. Fidel Castro morreu no dia 25 de Novembro deste ano.

Uma importante espécie biológica está em perigo de desaparecer devido à rápida e progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o homem.

Agora estamos cientes deste problema, quando quase é tarde para impedi-lo.

É preciso assinalar que as sociedades de consumo são as principais responsáveis pela atroz destruição do meio ambiente. Elas nasceram das antigas metrópoles coloniais e de políticas imperiais que, por sua vez, engendraram o atraso e a pobreza que hoje açoitam a imensa maioria da humanidade.

Com somente 20% da população mundial, elas consomem as duas terceiras partes dos metais e as três quartas partes da energia que se produz no mundo. Tem envenenado mares e rios, tem contaminado o ar, têm enfraquecido e perfuraram a Camada de Ozônio, têm saturado a atmosfera com gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer.

Uma espécie biológica está em perigo: o homem

Fidel Castro | Primeiro-Ministro (1959-1976) e Presidente de Cuba (1976-2008)

As florestas desaparecem, os desertos se estendem, bilhões de toneladas de terra fértil vão parar ao mar cada ano. Numerosas espécies se extinguem. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para ainda sobreviver ainda à custa da natureza. Não é possível culpar disto os países do Terceiro Mundo, colônias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje, por uma ordem econômica mundial injusta.

A solução não pode ser impedir o desenvolvimento aos que mais o necessitam. O real é que todo o que contribua hoje para o subdesenvolvimento e a pobreza constitui uma violação flagrante da ecologia. Dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças morrem a cada ano no Terceiro Mundo

por consequência disto, mais do que em cada uma das duas guerras mundiais. O intercâmbio desigual, o protecionismo e a dívida externa agridem a ecologia e propiciam a destruição do meio ambiente.

Se se quiser salvar a huma-nidade dessa autodestruição, teremos que distribuir melhor as riquezas e as tecnologias dis-poníveis no Planeta. Menos luxo e menos desperdício em alguns poucos países para que haja menos pobreza e menos fome em grande parte da Terra. Não mais transferências ao Terceiro Mundo de estilos de vida e de hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente. Faça-se mais racional a vida humana. Aplique-se uma ordem econômica internacional justa. Utilize-se toda a ciência necessária para um desenvol-

vimento sustentável sem contaminação. Pague-se a dívida ecológica e não a dívida externa. Desapareça a fome e não o homem.

Quando as supostas ameaças do comunismo têm desapa-recido e já não há pretextos para guerras frias, corridas arma-mentistas e gastos militares, o que é o que impede dedicar de imediato esses recursos na promoção do desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do Planeta? Cessem os egoísmos, cessem os hegemonismos, cessem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano. Amanhã será tarde demais para fazer aquilo que deveríamos ter feito há muito tempo.

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Fidel Castro assinando a Convenção sobre Biodiversidade na RIO-92 observado por Mostafa Tolba, do PNUMA

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O capitão observou com alguma consternação como um navio não identificado, cinza, sem identificação, vinha na direção do nosso navio ancorado a mais de 50 milhas da costa sul de Cuba. Alguns tripulantes especularam nervosa-mente sobre o barco que se aproximava, nunca antes visto por estas bandas. O barco ancorou ao nosso lado e duas figuras imponentes em uniformes militares verde-oliva desembar-caram. Um representante do Ministério do Interior estava ao lado de seu colega cujo uniforme, assim como o barco que o levou, não possuía identificação alguma. Com a arma no cinto, ele se virou para o capitão e pediu para falar com Robert F. Kennedy Jr.

Naquele momento, Kennedy, uma liderança ativista ambiental, presidente da Waterke-eper Alliance e filho do falecido Senador Robert Kennedy, estava 30 metros abaixo da superfície com o resto do nosso grupo, observando uma dúzia de tuba-rões traçando círculos em volta de nós. Nós estávamos carregando a bandeira do The Explorers Club, visitando e documentando ecossistemas de recifes de coral nunca antes explorados em águas do Sul de Cuba.

Depois de voltar para o barco, a missão dos nossos hóspedes foi revelada. Nós tínhamos sido visitados por um representante da guarda pessoal do presidente cubano Fidel Castro, que tinha uma carta do Comandante para Kennedy. Missão completa, eles posaram para uma foto e parti-ram na viagem de 100 km de volta à costa e mais 6 horas de carro de volta à Havana. Eles tinham viajado uma boa distância para nos encontrar e entregar pessoalmente uma carta. Obviamente, estávamos muito curiosos quanto ao seu conteúdo.

Alguns dias antes, Kennedy Jr. e sua família haviam visitado Castro, que os acolheu calorosamente. Cerca de 52 anos antes, Robert Kennedy, servindo como Procurador Geral dos EUA, e seu irmão, o Presidente John Kennedy, estavam por um fio de uma guerra com Cuba e a União Soviética durante a Crise dos Mísseis. A silenciosa reunião Castro-Kennedy Jr. foi his-tórica. As relações entre Cuba e os EUA estavam aquecendo, embora o dramático anúncio da normalização das relações diplomáticas não ocorreria por mais seis meses.

Amizade de Castro e Cousteau salvou o oceano de Cuba

Kennedy Jr. compartilhou a carta comigo, eram reflexões de Fidel sobre a reunião e amáveis palavras a Kennedy e sua família. Achei muito significativo seu interesse pelos oceanos: “Por muitos anos fui apaixonado e pratiquei pesca submarina sem a devida consciência sobre a beleza e o valor dos recifes de coral. Através disso conheci algumas das experiências de Cousteau, que se apaixonou de tal modo pelo mar que acabou se tornando um dos mais famosos defensores da vida e da importância dos mares. Hoje se sabe que o mar é uma das maiores e mais variadas fontes de alimentos ricos em proteí-nas. Esses fatores me ajudaram a entender a importância dos serviços que você tem prestado ao povo dos EUA e de outras nações do mundo na luta para proteger o meio ambiente”.

A influência de Cousteau em Castro foi um tema recorren-temente comentado por colegas cubanos durante meus muitos anos de trabalho em Cuba. Castro leu e foi influenciado por livros de Cousteau e, em 1985, quando Jacques visitou a ilha para fazer um documentário, os dois finalmente se encontraram e compartilharam uma amizade especial. Castro concedeu a Cousteau um raro privilégio durante suas visitas. Cousteau e sua equipe se tornaram os primeiros não-cubanos, desde 1962, a entrar na base naval dos EUA em Guantánamo, onde fez pesquisas sobre a flora e fauna submarinas. Castro passou grande parte do tempo com Cousteau, jantando com ele a bordo do Calypso, seu navio de pesquisas hidrográficas.

David E. Guggenheim | Presidente do Ocean Doctor em Washington, DC

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No final dos anos noventa, a bordo de outro navio de pesquisa visitando os Estados Unidos, Castro refletiu sobre sua amizade com Cousteau e disse: “Você sabe, ele amava explorar águas cubanas por causa da nossa proteção”. No documentário “Cuba: Waters of Destiny”, Cousteau está claramente envolvido com o que ele observa em Cuba: “Meu primeiro mergulho nas águas cubanas serve como um momento de verdade... em torno de mim, peixes grandes entre florescentes corais, os recifes mais ricos do que qualquer outro que eu já vi em anos”, uma lembrança impressionante que até 30 anos atrás, o desenrolar dos ecossistemas de recifes de coral no Caribe estava bem encaminhado.

Hoje se estima que o Caribe tenha perdido metade de sua cobertura de recifes de coral. Poupado em parte por uma história que levou Cuba a se desenvolver de modo profunda-mente diferente do que o resto do Caribe, juntamente com leis ambientais de nível mundial, muitos dos ecossistemas de recifes de coral de Cuba foram poupados da morte que se observa em todo o Caribe.

Antes de permitir que o Calypso se afastasse das águas cubanas, Castro desafiou Cousteau, perguntando por que ele não tinha um cientista cubano a bordo. Consequentemente, Cousteau depois acolheu o Dr. Gaspar Gonzalez Sansón, ex-vice-Diretor do Centro de Pesquisa Marinha da Univer-sidade de Havana, para trabalhar como cientista convidado a bordo do Calypso na Nova Zelândia. Anos mais tarde, o Dr. Gonzalez se tornaria o nosso co-pesquisador principal durante uma década de expedições ao longo da costa Noroeste de Cuba e nos alegrou com contos hilariantes de um cubano entre os franceses a bordo do Calypso.

Castro e Cousteau na RIO-92

A amizade de Cousteau e Castro continuou reforçada pela solidariedade ambiental na Cúpula da Terra no Rio em 1992, onde Castro fez um discurso nitidamente redigido e estranhamente breve, implorando ao mundo desenvolvido que “parem de transferir ao Terceiro Mundo os estilos de vida e hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente e tornam a vida humana mais racional”.

No início de 1998, menos de seis meses após Cousteau falecer, Castro lembrou com carinho um encontro lúdico com Jacques na RIO-92: “Eles têm todos os Chefes de Estado

alinhados para uma foto de capa no Rio, e eu puxei Cousteau ao meu lado e disse: Capitão, venha sair na foto conosco, porque a maioria das pessoas aqui não sabem nada sobre meio ambiente. E ele veio e saiu na foto com todos nós.”

Em julho de 1997, Cuba pro-mulgou a Lei do Meio Ambiente, um conjunto verdadeiramente impressionante de leis e regula-mentos destinados a reverter o dano ambiental das décadas anteriores e traçar um caminho de sustenta-bilidade. Em uma década, Cuba proibiu a prática da pesca preda-tória de arrasto. Hoje, a ilha quase alcançou o seu objetivo de proteger 25% das suas águas costeiras em áreas marinhas protegidas, uma das maiores percentagens do mundo. (Em comparação, a média global é atualmente de 2 a 3%). Muitos cubanos atribuem a essa Lei o compromisso com a preservação e a ética ambiental de Fidel, que o Comandante Castro, em parte, atribuía a Cousteau.

Com a morte de Castro, e um possível retrocesso nas relações com Cuba pelo Governo Trump, há uma crescente inquietação sobre

o futuro incerto de Cuba. Enfrentando uma profunda crise econômica e necessitando crescer sob uma pressão sem pre-cedentes, especialmente em resposta aos planos que levarão o turismo a triplicar até 2030, Cuba será posta à prova nos anos vindouros. Por agora, a ilha continua a ser uma joia verde, intocada no Caribe. É um lugar onde a política ainda é informada pela ciência e pela verdade, e as decisões regidas por suas leis.

Em 2014, fazia tempo desde que Fidel Castro havia usado uma máscara de mergulho e explorado pessoalmente as águas de Cuba, mas era claro que sua paixão e curiosidade pelo o mar era tão forte como nunca.

Em sua carta, Castro fez um pedido simples, mas urgente a Kennedy Jr: “Hoje, peço-lhe, se você tem alguns minutos, me fale sobre a impressão geral de que você teve da parte submarina...” Várias semanas depois, Kennedy garantiu ao Comandante que, por enquanto, os ecossistemas marinhos de Cuba ainda eram saudáveis e espetaculares.

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Jacques-Ives Cousteau (à esquerda) e Fidel Castro (acima à direita) na RIO-92

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Capacitar, compartilhar, colaborar. Essas são as palavras-chave daqui para frente, na opinião das participantes do painel “Caminhos para a implementar a Agenda 2030”, composto exclusivamente por mulheres. O Fórum Pacto Global (SP, 9/11/2016) analisou os principais desafios para a conquista dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Margarett Groff, Diretora Financeira Executiva da Itaipu Binacional, acredita que o grande desafio é a capacitação dos gestores, para que os empresários se conscientizem do que são os ODS. Segundo ela, é necessária a integração da academia com a indústria. Nesse aspecto, ela diz que as empresas têm um papel fundamental de aproximação com as universidades.

Da parte do Governo Federal, foi assinado, em 31 de Outubro passado, o Decreto que cria a Comissão Nacional para os ODS, com a “finalidade de internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030”, firmada pelo Brasil. A Comissão funcionará com a participação ativa da sociedade civil e dos governos federal, estaduais e municipais, já que a implementação dos ODS “é responsabilidade de todos”, segundo Rúbia Quintão, da Secre-taria de Articulação Social da Presidência da República.

Financiar essa implementação é possível, acredita Tatiana Assali, representante para a América Latina da Principles for Responsible Investments (PRI). Tatiana vê os “Green Bonds” (Títulos Verdes) como uma excelente fonte de recursos. Seme-lhantes aos títulos de dívida comuns, os “Green Bonds” só podem ser usados no financiamento de investimentos consi-derados sustentáveis. Embora esses títulos ainda precisem ser regulados no Brasil, ela comentou que é “nossa missão mudar o mundo ao invés de esperar o mundo mudar”.

Apontando soluções, Tatiana Assali vê nos ODS uma oportunidade de negócios, de investimentos e de mitigação de riscos para o setor privado. Para concretizar isso, as parcerias são fundamentais. “O individualismo não é mais a solução. Temos de trabalhar colaborativamente”, afirmou.

Fórum Pacto Global: parcerias e investimentos para os ODS

Daniela Stefano | Jornalista da Rede Brasil do Pacto Global

Segundo Rachel Biderman, Diretora do World Resources Institute (WRI) no Brasil, “o momento é crucial, e a hora é de agir conjuntamente para limitar o aumento médio da temperatura global a 1,5 graus, como foi acordado na COP-21, em Dezembro do ano passado”. Ela comentou que é hora de unir e agir: “Não é mais possível ter embates entre ambien-talistas e fazendeiros. Não temos mais tempo para ficar nas polarizações, é preciso colocar em prática as inovações”.

O WRI faz parte da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, iniciativa composta por 150 entidades que se reúne semanalmente com o objetivo de gerar medidas con-cretas para atingir a meta proposta pela COP-21. “O nosso objetivo é levar a humanidade com saúde para o próximo milênio”, declarou.

De acordo com Rachel, o Brasil pode contribuir com a melhoria do uso do solo, principalmente com o reflores-tamento. Até 2030, será necessário reflorestar 350 milhões de hectares no mundo. “Embora plantar florestas não seja barato, é dessa forma que o Brasil pode e precisa contribuir. Precisamos de plantadores de árvores”, destacou. Recuperar as áreas degradadas permite o aumento da produtividade do rebanho e reduz a pressão sobre novos desmatamentos. O financiamento do replantio de florestas, segundo Rachel Biderman, se dará pelo agronegócio. “Estão sendo feitos estudos sobre como diminuir os custos da restauração. Uma das maneiras mais baratas é a regeneração natural, ou seja, cerca-se a área e não se desmata mais. Dessa forma, só há o custo da cerca”, explicou.

O setor agrícola brasileiro desempenha um papel impor-tante na redução das emissões de carbono na atmosfera e, consequentemente, pode contribuir para conter as mudanças climáticas. As tecnologias necessárias para isso já existem: basta agora realizar o esforço de colocá-las em prática. É o que mostraram as palestrantes no painel “Agricultura na Era das Mudanças Climáticas”.

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Rachel Biderman Margarett Groff

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Na rodovia GO-118, que liga Brasília a Alto Paraíso de Goiás, a paisagem denuncia o avanço do agronegócio sobre o Cerrado, com lavouras de soja que alcançam a linha do horizonte. A região, uma das últimas fronteiras agrícolas de Goiás, abriga uma das mais importantes formações do bioma, a Chapada dos Veadeiros, reconhecida em 2001 como Patrimônio Natural da Humanidade.

Às vésperas de completar 56 anos, o Parque Nacional criado para proteger a Chapada dos Veadeiros enfrenta um impasse para ampliar sua área de abrangência, que pode garantir a sobrevivência de quase 50 espécies ameaçadas de extinção e preservar formações do Cerrado até agora sem nenhuma proteção, como as matas secas.

Criado em 1961 com 625 mil ha, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros sofreu sucessivas reduções de tamanho, até chegar aos 65 mil ha atuais, cerca de 10% da área original. Em 2001, a ampliação para 240 mil ha chegou a ser decretada pelo ex-Presidente Fernando Henrique, mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falhas no processo e pela não realização de audiências públicas, previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que entrou em vigor em 2000. Agora, uma nova chance de rever a redução da área preservada esbarra em um impasse com o Governo de Goiás, que precisa dar o aval para a ampliação da Unidade pela União.

Luana Lourenço | Jornalista da Agência Brasil

Goiás ameaça ampliação do Parna Chapada dos Veadeiros

“O Cerrado vem perdendo rapidamente sua cobertura vegetal. Proteger essas novas áreas na Chapada e integrá-las ao Parque vai ajudar a segurar o futuro desse bioma. O momento é de seguir adiante e garantir esse último naco de Cerrado do Brasil Central”, defende o professor e pesquisador da Uni-versidade de Brasília (UnB) Reuber Brandão, que considera a ampliação do Parque uma “escolha civilizatória”.

O Chefe do Parque, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Fernando Tatagiba, lista os riscos da desfiguração da abran-gência da unidade federal. “O que está em jogo é a conser-vação de uma área de extrema relevância para a preservação da biodiversidade. O que está em jogo é a proteção de um ecossistema que hoje não está protegido pelos limites atuais do parque, e está em jogo o estabelecimento de uma extensão para o Parque Nacional que é adequada para a conservação de espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção”.

Após um processo que levou mais de cinco anos, entre a realização de estudos, consultorias, audiências e negociação política, o ICMBio – responsável pela gestão das Unidades de Conservação federais – chegou a uma proposta que aumenta o parque dos Veadeiros de 65 mil ha para 222 mil ha, em área contígua, garantindo a implantação de corredores ecológicos e a manutenção do hábitat de grandes mamíferos, como a anta e a onça-pintada, que precisam de grandes extensões.

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| unidades de conservação |

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No começo de Novembro, a proposta foi repassada a representantes dos governos federal, de Goiás e do município de Alto Paraíso, de entidades ligadas ao agronegócio e da sociedade civil. O texto do decreto de ampliação está inclusive pronto na Casa Civil para ser assinado pelo Presidente Temer. “Sentaram em volta da mesma mesa o Governo do Estado, produtores, a Prefeitura de Alto Paraíso de Goiás, o Ministério do Meio Ambiente e a sociedade civil e acharam essa proposta aceitável do ponto de vista da conservação e do ponto de vista do interesse das pessoas que habitam a região”, conta Tatagiba. No entanto, no dia 29 de Novembro, a Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiás (Secima) divulgou uma contraproposta do governo estadual que exclui da ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros todas as terras que ainda dependem de regularização fundiária, ou seja, onde não há título de propriedade. Sem essas áreas, apenas 90 mil hectares poderiam ser anexados ao Parque, em um desenho descontínuo, com buracos na Unidade de Conservação.

Peneira

Representante do Governo, o Secretário-Executivo do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Goiás, Rogério Rocha, reconhece que a contraproposta faz a área de expansão do Parque “parecer uma peneira” por causa dos espaços das terras devolutas (sem titulação). “Não é agradável de ver, mas tem um motivo”, justifica. O principal argumento é que a desapropriação das áreas pela União nas terras não tituladas vai prejudicar as famílias que vivem na faixa a ser anexada. Sem título de propriedade, os posseiros não têm direito à indenização pela terra, apenas pelas benfeitorias, como sede das fazendas, currais e demais estruturas.

“Na verdade, nós concordamos com cem por cento da proposta original feita pelo ICMBio e pelo Ministério do Meio Ambiente. A questão é que vamos precisar de tempos diferentes para a concretização. Nós propomos, de imediato, a expansão em 90 mil hectares e os outros 68 mil hectares após o final da regularização fundiária”, argumenta. Segundo Rocha, das cerca de 500 propriedades da área de provável expansão do parque, 230 não têm posse definitiva, a maioria de pequenos produtores.

Ambientalistas, no entanto, apontam que interesses de grandes proprietários rurais e até do setor da mineração orientaram a contraproposta estadual para a ampliação dos Veadeiros. O governo goiano nega. “Nossa proposta desa-grada o governo federal, que queria 100% da ampliação, e os grandes produtores da região, que querem manter o seu direito à propriedade privada. Só que ela respalda o pequeno. Essas 230 famílias são pequenos produtores, de subsistência, que vivem dessa terra para existir, não têm essa terra lá pra especular. Diferentemente de grandes produtores, que estão fazendo lobby para que a expansão do Parque não aconteça”, rebate o Secretário Executivo.

A contraproposta do governo goiano também não agradou ao agronegócio do Estado. O vice-Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Goiás (FAEG), Marcelo Lessa, diz que a alterna-tiva apenas ameniza os prejuízos dos produtores com a nova demarcação. “Nossa preocupação é justamente com o direito de propriedade dos proprietários rurais que estão inseridos na área de ampliação.

Em nenhum momento a federação se posicionou contrária à ampliação, mas tem que haver segurança jurídica”. Para a FAEG, a eventual ampliação do Parque Nacional deveria se feita em etapas. “Primeiro, regularizar as propriedades; segundo, estudar essas áreas de ampliação com uma espécie de zoneamento e depois abrir um ato voluntário para criação de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e em último momento usar o poder de desapropriar para ampliar”, sugere Marcelo Lessa.

Biólogo de formação, o representante da FAEG diz que o debate sobre a ampliação da área protegida da Chapada dos Veadeiros é maniqueísta e coloca o agricultor como vilão. “Tem que parar com essa polarização entre ruralistas e ambientalistas. Em nenhum momento a gente foi contra a proposta, mas quando a gente fala na ampliação do Parque, a discussão é muito polarizada. Já chegaram a dizer que a ampliação afetaria apenas quatro famílias, um dado absurdo, na verdade são 516”.

Mais prazo

De acordo com Rogério Rocha, do Governo Estadual, a estimativa é que a regularização fundiária pendente na região de ampliação do Parque leve de sete a oito meses para ser concluída e, em seguida, Goiás dará a anuência para que a União leve a cabo a proposta original de dar à Unidade de Conservação os 222 mil hectares propostos inicialmente. “Não estou falando de 20 ou 30 anos para a frente. Estou falando de sete meses, é um prazo muito curto. A ampliação para 90 mil hectares já está autorizada agora, mais 68 mil hectares daqui a sete ou oito meses. A empresa que fará o georreferenciamento será contratada por pregão agora em Dezembro, em Janeiro ela já está trabalhando, em 40 dias termina os estudos, aí nós vamos ter até Julho para fazer todo o processo burocrático, passar pela Procuradoria-Geral do Estado para fazer a titulação”, prevê.

“Enquanto se discute mais esse tempo, tem áreas sendo desmatadas agora. Enquanto o Parque não existe, há inclu-sive autorização para desmatamento legal. Qualquer prazo é demais porque deixa a vegetação fragilizada”, disse uma fonte do Governo Federal.

A coalização de organizações ambientalistas que defende a ampliação imediata do Parque no formato integral também não concorda com o adiamento e vai fortalecer a mobilização pela proposta original do ICMBio. “A Coalizão Pró-UCs con-tinuará aportando todo o conhecimento disponível para que Goiás tome uma decisão que leve em conta a conservação da biodiversidade e não apenas critérios fundiários. Precisamos de limites que façam sentido do ponto de vista ecológico e de gestão”, ressalta Mariana Napolitano, coordenadora do Programa de Ciências do WWF Brasil.

O agronegócio também pretende se mobilizar e promete ir a Brasília, por meio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), para pressionar o Ministério do Meio Ambiente a flexibilizar a demarcação da nova área do Parque.

Segundo o Chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Fernando Tatagiba, a demora em devolver ao Parque a área considerada pela UNESCO no reconhecimento da região como Patrimônio Natural da Humanidade pode levar a entidade a colocar o título em risco, expondo o Brasil a um constrangimento internacional.

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Balance a varinha mágica e o problema se vai. Essas irri-tantes leis de poluição, cortes de carbono e planos de energia limpa: abanem eles para fora e a era de ouro do emprego operário voltará. Essa é a promessa de Donald Trump,na sua mensa-gem gravada no dia 21/11, na qual o presidente eleito disse que liberar o carvão e o fracking pode criar “muitos milhões de empregos bem pagos”. Ele vai acabar com tudo para que isso se torne verdade.

Mas não irá. Mesmo se destroçarmos o mundo em pedaços em busca do pleno emprego, não o encontraríamos. Ao invés, prejudicaríamos a prosperidade – e as vidas – de todas as pessoas. Mesmo os governos se rastejando aos pés do Ludismo corporativo (segundo Eric Hobsbawn, o ludismo era uma técnica de sindicalismo de operários no período que precedeu a revolução industrial), eles não trarão a economia da fumaça de volta.

Ninguém pode negar o problema que Trump diz estar abordando. As antigas áreas de mineração e industriais estão em crise ao redor do mundo rico. E não vimos nada ainda.

George Monbiot | Jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista. Colunista do The Guardian

A negação climática de Trump aponta para a guerra

Eu acabei de reler o estudo publicado pela Escola Martin de Oxford em 2013 sobre os impactos da informatização. O que salta aos olhos, é que os empregos nas cidades do cinturão da ferrugem e em cidades rurais que votaram em Trump estão em alto risco de automação, enquanto as profissões de muitos apoiadores de Clinton estão em baixo risco.

Os empregos que são mais prováveis de serem destruídos são na mineração, na matéria-prima, manufatura, transporte e logística, manuseio de carga, estocagem e varejo, construção (prédio pré-fabricados serão montados por robôs em indústrias), apoio administrativo, administração e telemarketing. Então o que sobrará nas áreas que votaram em Trump?

Empregos em fazendas, quase todos já se foram. Trabalhos em serviços e assistência, onde estavam as esperanças de alguns, serão ameaçados por uma onda de automação, enquanto os robôs – comerciais e domésticos – tomam conta. Sim, terão empregos na economia verde: mais e melhores do que quais-quer outros que pudessem ser revividos na economia fóssil. Mas não serão suficientes para preencher os vácuos, e muitos estarão nos lugares errados perdendo suas profissões.

Em menor risco está o trabalho que exija negociação, persuasão, originalidade e criatividade. Os empregos de gerência e negócios que exijam essas habilidades estão segu-ros da automação; bem como os de advogados, professores, pesquisadores, médicos, jornalistas e artistas.

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George Monbiot

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| política internacional |

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Os empregos que demandam maior obtenção educacional são os menos suscetíveis à automação. A divisão que separa os EUA somente irá se ampliar.

Mesmo essa análise desoladora não representa inteiramente as razões pelas quais empregos bons e abundantes não volta-rão aos locais que mais necessitam deles. Como argumenta Paul Mason em PostCapitalism, os impactos da tecnologia da informação vão além da simples automação: é provável que destrua a base da economia de mercado, e a relação entre trabalhadores e salários.

E, como nota o escritor francês Paul Arbair no artigo mais interessante que li esse ano, além de um certo nível de complexidade, as economias se tornam mais difíceis de sustentar. Há um ponto no qual uma maior complexidade entrega retornos diminuídos; a sociedade então se impres-siona com as demandas, e quebra. Ele argumenta que a crise política nos países ocidentais sugere que tenhamos chegado nesse ponto.

Trump também anunciou que em seu primeiro dia no cargo irá retirar os EUA da Parceria Trans-Pacífica (TPP). Ele está certo em fazê-lo, mas pelas razões erradas. Como a TTIP e a CETA, a TPP é um acordo de comércio falso cujo primeiro impacto é estender os direitos de propriedade corporativos à custa da competição e da democracia. Mas a retirada não irá, como ele diz, “trazer empregos e a indústria de volta ao país”. O trabalho no México e na China que Trump quer reivindicar irá evaporar bem antes de ser repatriado.

Quanto aos empregos de alta qualidade e bem pagos para a classe trabalhadora que ele prometeu, nunca são entregues de mão beijada do topo. Eles são garantidos através da orga-nização do trabalho. Mas os sindicatos foram destroçados por Reagan, e a barganha coletiva foi suprimida desde então pela casualidade e fragmentação. Então como isso irá proceder? Pela bondade no coração de Trump? Bondade... Trump... Coração?

Mas não é só Trump. Clinton e Sanders também fizeram promessas impossíveis de trazer empregos de volta. Metade da plataforma de cada partido foi baseada em uma desilusão.

As crises sociais, ambientais e econômicas que encaramos exigem uma completa reavaliação do modo que vivemos e trabalhamos. O fracasso dos partidos políticos tradicionais em produzir uma nova e persuasiva narrativa econômica, que não se baseia em sustentar níveis impossíveis de crescimento e gerar empregos ilusórios, fornece uma abertura incrível para os demagogos de todos os cantos.

Governos ao redor do mundo estão fazendo promessas que não podem cumprir. Na ausência de uma nova visão, seu fracasso em materializá-las significará apenas uma coisa: algo ou alguém deve ser culpado. Enquanto as pessoas se tornam mais raivosas e mais alienadas, a complexidade e a conecti-vidade dos sistemas globais se tornam mais difíceis de lidar, as instituições como a UE colapsam e a mudança climática torna algumas partes do mundo inabitáveis, forçando centenas de milhões de pessoas para fora de seus lares, a rede de culpa se torna cada vez maior.

Eventualmente, a raiva que não pode ser abrandada por meio de políticas se voltará para outras nações. Tendo que encarar uma escolha entre duras verdades e mentiras fáceis, políticos e seus apoiadores na mídia descobrirão que a agressão estrangeira está entre as poucas opções para a sobrevivência política. Eu acredito agora que veremos uma guerra entre as grandes potências ainda nesse meu tempo de vida. Quem será envolvido, e porque, não é claro. Mas algo que parecia remoto agora parece provável.

Uma completa reavaliação da vida econômica é necessária não apenas para suprimir o risco existencial que a mudança climática apresenta (um risco marcado por uma anomalia de 2°C relatado no Oceano Ártico), mas também outras ameaças existenciais – incluindo guerra.

Os governos de hoje, se são dirigidos por Trump ou Obama ou May ou Merkel, não tem coragem e imaginação até para abrir essa conversa. Resta aos outros conceberem uma visão mais plausível do que tentar voltar magicamente aos bons velhos dias. A tarefa para todos aqueles que amam esse mundo e temem por nossas crianças é imaginar um futuro diferente ao invés de outro passado.

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* José Monserrat Filho é também Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e da Agência Espacial Brasileira

“A guerra é uma negociata. Sempre foi. Possivelmente a mais antiga, sem dúvida a mais rentável, certamente a mais viciosa. É a única na qual os lucros são contados em dólares e as perdas em vidas”.

Smedley Darlington Butler, Major General do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA.

A resposta é: ele mesmo, Donald Trump, o magnata que ganhou as eleições presidenciais dos EUA no Colégio Eleitoral, mas perdeu no voto direto por quase 3 milhões de sufrágios, e que promete fazer qualquer negócio para “recuperar a gran-deza dos EUA” – slogan repetido ad nauseam, mas que não se sabe bem o que significa, nem se tem algum limite. Em 20 de Janeiro, o novo morador da Casa Branca assume o comando da maior potência militar do Planeta e, ato contínuo, passa a controlar todas as armas nucleares do país.

A julgar pelo que disse durante a campanha e tem dito como presidente eleito é difícil avaliar com clareza seu senso de responsabilidade e seu real grau de sanidade. Há quem diga que ele gosta de brincar com fogo. Tanto que já nomeou para comandar o Pentágono o General reformado James Mattis, apresentado como “militar linha-dura” e que é conhecido pelo apelido de “Mad Dog” (cachorro louco), que não diz tudo, mas sugere muita coisa. Isso, claro, ainda não garante que aceite de bom grado uma aventura nuclear, que poderia desperdiçar à toa boa parte de sua fortuna. Mas nunca se sabe. Quem de cabeça fria poria a mão no fogo por Trump?

Os EUA realizaram mais testes nucleares do que o resto do mundo junto e é o único país a ter usado bombas atômicas contra outro país (Hiroshima e Nagasaki, 6 e 9 de Agosto de 1945). Além do mais, ocupa de longe o primeiro lugar entre as 10 maiores potências detentoras dessas armas de destruição em massa. E é a única potência com armas nucleares instala-das em outros países (Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia), dentro do programa nuclear da OTAN.

Os EUA têm o maior gasto militar do mundo, com US$ 596 bilhões, seguido da China, com 215 bilhões (estimados), da Arábia Saudita, com 87,2 bilhões, da Rússia, com 66,4 bilhões, do Reino Unido, com 55,5 bi, da Índia, com 51,3 bi, e da França, com 50,9 bilhões – tudo em dólares, segundo relatório de 2016 do SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute), relativo a 2015.

Em 2015, aliás, o mundo inteiro gastou um trilhão e 676 bilhões de dólares em armas e atividades militares. Para o SIPRI, se comparamos os gastos militares globais com as despesas previsíveis dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Milênio – Agenda 2030, aprovados pelos Chefes de Estado e Governo e altos representantes das Nações Unidas em 27 de Setembro de 2015, é fácil imaginar o que já poderia ter sido conquistado se parte dos gastos militares tivessem sido redirecionados para financiar as Metas do Milênio. Pouco mais de 10% desses gastos seriam suficientes para eliminar a pobreza extrema e a fome no mundo, cumprindo os Objetivos 1 e 2. E menos de 10% bastariam para atender ao Objetivo 4, da Educação. Pouco menos da metade dos gastos militares permitiriam alcançar a maioria dos Objetivos visados, para os quais é essencial dispor de meios financeiros adicionais.

No início do presente ano, 2016, nove países detinham 15.395 armas nucleares – 4.120 delas à disposição de forças operativas e outras 1.800 mantidas em alto estado de alerta. Os nove países, pela ordem de quantidade de armas, são: Rússia, EUA, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. A Rússia aparece em 1º lugar, com 7.290 ogivas, e os Estados Unidos em 2º, com 7 mil – o que é visto como empate técnico. A informação é do mesmo relatório do SIPRI.

José Monserrat Filho | Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA)*

Quem vai tomar conta do arsenal nuclear dos EUA?

AFP

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José Monserrat Filho

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O relatório do SIPRI tem um dado aparentemente posi-tivo: “O número total de ogivas nucleares está diminuindo no mundo, graças, sobretudo às reduções, por parte dos EUA e Rússia, de seus arsenais nucleares, como efeito do Tratado sobre Medidas para Redução e Limitação das Armas Estratégicas Ofensivas (Novo Start), de 2010, e de reduções unilaterais.” Acontece, alerta o SIPRI, que “desde o princípio de 2011, nenhum dos dois países promoveu grandes reduções em suas forças nucleares instaladas” e, como se isso fosse pouco, “tanto os EUA, quanto a Rússia, puseram em marcha extensos e custosos programas de modernização” (de armas nucleares). Ademais, “todos os demais Estados”, com arsenal nuclear bem menor, “estão desenvolvendo ou implantando novos sistemas de armas ou anunciaram a intenção de fazê-lo”.

Já houve nos EUA quem pretendesse resolver o impasse da Guerra Fria com o lançamento de armas nucleares. Foi o general Douglas MacArthur (1880-1964), chefe supremo das Forças Armadas dos EUA na Guerra contra o Japão. Ele comandou as tropas das Nações Unidas (EUA e aliados) na Guerra da Coreia (25/06/1950-27/07/1953), durante o Governo de Harry S. Truman (1884-1972). Seis meses após o início da Guerra da Coreia, em Janeiro de 1951, MacAr-thur passou a defender a ideia de atacar a China e a Coreia do Norte com bombas atômicas, como Truman decidira no caso do Japão.

Desta feita, no entanto, Truman achou que a operação podia não dar certo e apostou no fim do conflito. MacArthur se deu mal: demitido do comando em 11 de Abril de 1951, foi julgado, logo em Maio e Junho, pelo Congresso dos Esta-dos Unidos, que concluiu: o General violou a Constituição do país ao desrespeitar as ordens do Presidente. A posição de Truman acabou vingando em Julho de 1953, quando o General Dwight D. Eisenhower (1890-1969) já era Presidente dos EUA desde o começo do ano e Josef Stalin (1878-1953), que ajudara Mao Tsé-Tung (1893-1976) na Coreia, já tinha morrido, em 5 de Março.

Trump é o McArthur de hoje?

O conflito coreano terminou com um simples e frágil armistício (trégua), e não com um desejável acordo de paz (até hoje não assinado). Esse é um dos graves problemas pendentes.

Poderia Trump ser o McArthur de hoje? Provavelmente, não. Mas também não é impossível. Só Deus sabe.

No artigo “Mister Trump e a bomba” publicado na revista Arms Control Today, seu diretor Daryl G. Kimball escreve: “Durante décadas, os presidentes dos EUA – de ambos os partidos – foram confrontados com uma série de perigos com armas nucleares. Até hoje, apesar de várias falhas e ordens próximas, evitamos a catástrofe e limitamos a disseminação de armas nucleares a nove Estados. Mas, com a eleição de Donald Trump, os EUA e o mundo adentram um território nuclear desconhecido e perigoso”. Kimball considera que de 20 de Janeiro em diante, “o poder devastador do arsenal nuclear dos EUA estará sob o controle de um Comandante-Chefe impetuoso e impulsivo”. A seu ver, ao longo da campanha eleitoral, Trump deu declarações “profundamente preocupan-tes”, deixando claro que “ele está longe de entender os perigos incomparáveis das armas nucleares” e “não tem condições de administrar seus riscos”.

Perguntado se poderia usar armas nucleares, Trump não negou. Deu uma resposta dúbia, evasiva: “Bem, é uma última postura absoluta... [mas] se quiser ser imprevisível”, o que foi interpretado como se, em caso de crise, ele admitisse se envolver com armas nucleares... Afirmou também que seria aceitável se o Japão ou a Coréia do Sul buscassem suas próprias armas nucleares para combater a Coréia do Norte, porque, segundo ele, “isso vai acontecer de qualquer maneira”.

Prometeu, ainda, “desmantelar” o acordo com o Irã, de 2015, do qual que participam seis potências mundiais. Se tentar “renegociar” o acordo, adverte Kimball, poderá estimular a rápida reconstituição da capacidade nuclear do Irã (que teme as bombas de Israel), paralisará os principais aliados dos EUA e criará condições para nova guerra no Oriente Médio, ainda mais desastrosa. Para Kimball, isso significa que “se Trump ou o Congresso liderado pelos Republicanos sabotarem o acordo com o Irã, terão graves consequências geopolíticas”. Na sua visão, ao contrário de Obama, que entrou na Casa Branca com um plano detalhado para reduzir a ameaça nuclear, “Trump não tem uma estratégia discernível para gerenciar os desafios nucleares mais assustadores do nosso tempo”.

Como tratará a Coreia do Norte? Na campanha, ele disse que estaria disposto a conversar com o líder da Coréia do Norte. Mas também sugeriu terceirizar o caso à China. Kimdall tem uma ideia razoável e construtiva a respeito: Pequim só entrará em campo para valer se contar o apoio claro dos EUA para um diálogo renovado e de amplo alcance com a Coreia do Norte. Quer dizer, um diálogo renovado e amplo com a própria China também. Terá Trump cabeça para tanto?

Se tiver (os milagres acontecem quando menos se espera), o mundo estará bem mais seguro do que hoje. Será o fim da nova Guerra Fria, ora em pleno andamento (com gastos de muitos bilhões, como já vimos). Mudando de rumo, o mundo poderá até adotar “Uma proibição completa de testes nucleares”, como em boa hora propõe o atual Secretário de Energia dos EUA, Ernest J. Moniz, deixando um nobre e oportuno recado para Trump.

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A cidade do Rio de Janeiro recebeu, no dia 13/12, o título de Patrimônio Mundial por sua paisagem cultural urbana, conferido de forma inédita pela UNESCO. O reconhecimento destaca as relações entre cidade e natureza que são peculiares à capital fluminense. A cerimônia de entrega do certificado aconteceu aos pés da estátua do Cristo Redentor, no Centro de Visitantes Paineiras do Parque Nacional da Tijuca.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) trabalhou, durante 4 anos, com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a Associação de Empre-endedores Amigos da Unesco para obter o reconhecimento internacional. Também participaram do trabalho o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os governos estadual e municipal do Rio de Janeiro e parceiros privados e públicos. Comitês Institucional e Técnico foram criados para a elaboração do dossiê de candidatura.

O Secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, José Pedro de Oliveira Costa, explicou que a candidatura surgiu em 1999 como proposta de reconhecimento do Jardim Botânico do Rio de Janeiro como Patrimônio Mundial. “Na ocasião, o MMA considerou inapropriado apresentar uma proposta baseada apenas no Jardim Botânico do Rio, considerando sua ligação especial com o Parque Nacional da Tijuca”, disse o Secretário. “Assim, nasceu a ideia de paisagem cultural englobando o Pão de Açúcar, outro ícone da paisagem do Rio”. José Pedro destacou o envolvimento de inúmeros profis-sionais na elaboração da proposta. “Agora, reconhecida como patrimônio mundial, essa é a paisagem que mais simboliza o mundo tropical”, declarou.

Entre o mar e a montanha

Reconhecida como uma das cidades mais belas do mundo, o Rio de Janeiro encontra na relação entre homem e natureza a âncora para o seu título de primeira paisagem cultural urbana declarada Patrimônio Mundial. Em 2012, a cidade foi a primeira área urbana no mundo a ter reconhecido o valor universal da sua paisagem urbana.

Letícia Verdi | Jornalista do MMA - Com informações da ONU Brasil

Rio é Patrimônio MundialAntes disso, os sítios reconhecidos eram relacionados a

áreas rurais, sistemas agrícolas tradicionais, jardins históricos e outros locais de cunho simbólico.

O representante da UNESCO no Brasil, Lucien Muñoz, ressalta que, assim como foi o reconhecimento de Brasília há 30 anos, o título do Rio de Janeiro também foi inovador. Para ele, a convivência da cidade maravilhosa com sua rica paisagem natural indica desafios permanentes para assegurar a perenidade dos atributos únicos. Entre os elementos que contribuíram para a obtenção do título de UNESCO estão o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Floresta da Tijuca, o Aterro do Flamengo, o Jardim Botânico, a praia de Copacabana, a Baía de Guanabara, o Forte e o Morro do Leme, o Forte de Copacabana e o Arpoador, o Parque do Flamengo e a enseada de Botafogo, entre outros.

Gestão integrada

Hoje também foi instalado, oficialmente, o Comitê Gestor do Sítio Patrimônio Mundial, coordenado pelo IPHAN e composto por 20 membros que incluem representantes do Instituto, dos Ministérios da Defesa e do Meio Ambiente, da Prefeitura local, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da UNESCO, sociedade civil e organismos não governa-mentais, como o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e associações de moradores do município do Rio de Janeiro.

Na ocasião, foi apresentado o Plano de Gestão do Sítio “Rio de Janeiro, Paisagens Cariocas, entre a Montanha e o Mar”, aprovado no ano passado na Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial, em Bonn, na Alemanha. O plano tem como princípio a gestão integrada entre os órgãos e agentes de preservação da cultura e da natureza.

O evento contou, ainda, com a inauguração da sinaliza-ção Rio Patrimônio Mundial e o lançamento da publicação “Rio de Janeiro: paisagens cariocas entre a montanha e o mar”, editada pela UNESCO e pela Editora Brasileira de Arte e Cultura.

Christiane Gerbauld Catalão

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