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Ano XXVII • Nº 246 • Maio 2017 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Leonardo DiCaprio • Elizabeth Mrema • Benedito Braga • Sarney Filho Carlos Rittl • Alfio Bonanno • João Paulo Capobianco • Isauro Torres ISSN 0104-0030

Ano XXVII • Nº 246 • Maio 2017 • R$ 15,00 • ... 246.pdfTijuca. Assinamos o projeto de reintrodução da Ararinha-azul em seu hábitat, na Caatinga, em parceria com insti-tuições

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Ano XXVII • Nº 246 • Maio 2017 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro, José Mon serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo

Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Argentina: Ecosistema

Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão

Tricontinental

Jornalista Responsável Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas

Anual: R$ 130,00 [email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21)2275-1490 [email protected]

www.eco21.com.br

Facebook www.facebook.com/revista.eco21

A n o 2 7 • M a i o 2 0 1 7 • N º 2 4 6

ECO•21

Capa: Cerrado em chamas Foto: Luiz Claudio Marigo

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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A política de terra arrasada das bancadas ruralistasCom uma rara lucidez que não prima entre grande parte dos membros do legislativo nacional, o Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, no dia 24 deste mês, enviou ao Presidente da República, Michel Temer, uma recomendação de veto às Medidas Provisórias Nº 756 e 758, aprovadas um dia antes pelo Senado, após ter sido aprovadas na Câmara dos Deputados. Ambas MPs reduzem quase 600 mil hectares de áreas protegidas na região amazônica sendo apenas “o prenúncio de um esfacelamento para o qual caminha o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e, com ele, um dos principais ativos de que dispõe a Nação brasileira: suas florestas, com sua biodiversidade, os mananciais, a segurança hídrica e climática e toda a gama de serviços ecossistêmicos que elas representam”, segundo Maurício Voivodic, Diretor Executivo do WWF-Brasil. A solicitação do Ministro estava baseada em estudos e pareceres técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e da Secretaria de Biodiversidade. De acordo com o apelo de Sarney Filho, os textos aprovados prejudicam a implantação das políticas de governo adequadas para enfrentar essas questões, notadamente o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que prevê, entre outras medidas, a ampliação, consolidação e fortalecimento de Unidades de Conservação na Amazônia. Também sinaliza de forma antagônica os esforços do Governo Federal em conter o desmatamento na Amazônia, cujos índices voltaram a subir atingindo, em 2016, a marca dos oito mil quilômetros quadrados. Segundo o ex-Deputado Constituinte e autor da Lei da Mata Atlântica, Fabio Feldmann, “a Constituição Federal de 1988 consagrou a obrigatoriedade do licenciamento ambiental de empreendimentos com significativo impacto, assegurando transparência no processo decisório”. Mas, a ofensiva da bancada ruralista permite profundas alterações em Leis que resguardam políticas públicas ao direito de acesso à terra e à cidade. A medida permite, entre outras graves permissividades, regularizar áreas contínuas maiores que um módulo fiscal e até 2,5 mil há sendo que Código Florestal previa um limite de até 1,5 mil ha. O próprio MMA afirma que os textos aprovados prejudicam a implantação das políticas de governo adequadas para enfrentar essas questões, especialmente o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que prevê, entre outras medidas, a ampliação, consolidação e fortalecimento de unidades de conservação na Amazônia. Nesse clima de terra arrasada, o Presidente Trump avança sobre as iniciativas ambientais de Obama e declara a guerra contra o Acordo de Paris. Felizmente, na Europa, a razão supera a demência e com a eleição de Emmanuel Macron na França, Jesse Klaver, na Holanda, Alexander Van der Bellen, na Áustria e o fortalecimento de Angela Merkel, na Alemanha, entre outras boas notícias contra o radicalismo anticlimático de Trump, a perspectiva de manter vivo o Acordo de Paris é mais do que uma possibilidade, uma certeza. Por sua vez, a China de Xi Jiping que está empenhada em abrir 13 milhões de empregos somente na área das energias renováveis até 2020, planeja implementar um sistema nacional de cap-and-trade para reduzir a poluição de CO2 neste ano. E já há sinais de que o crescimento de décadas na queima de carvão da China desacelerou ou mesmo parou, cumprindo potencialmente a promessa de Paris de alcançar um pico de poluição até 2030. Esta mudança de curso é destinada a combater a mudança climática e também reduzir a poluição do ar insalubre que até mesmo os líderes do governo em Pequim não podem evitar respirar. Enquanto o mundo luta pela manutenção do Acordo de Paris, o Brasil abre um enorme espaço para o desmatamento, a grilagem, a destruição do Cerrado, a mineração altamente predatória, o fim de milhares de espécies da fauna e flora de quase todos os ecossistemas nacionais. As palavras de Marcia Hirota, da Fundação SOS Mata Atlântica soam quase proféticas: “Precisamos nos mobilizar para frear o desmonte e proteger a nossa legislação ambiental que já foi uma das mais avançadas do mundo. Devemos aprender com os erros da história e não repeti-los”.

4 José Sarney Filho - Carta ao Partido Verde 6 Rede de Especialistas de Conservação da Natureza - Redução de áreas naturais 8 Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura - Carta Aberta10 Oswaldo Braga de Souza - Medida Provisória acaba com as normas ambientais12 Nathália Clark - Mobilização global leva o mundo ao desinvestimento14 Carlos Rittl - Procura-se líder climático16 Rafaela Rosas - CEBDS faz estudo sobre oportunidades da NDC brasileira18 Leo Heileman - Para cumprir os ODS, América Latina deve descarbonizar19 Roberta Caldo - A importância das parcerias ao efetivar os ODS20 Fernanda Kluppel - Cidades inteligentes devem gerar US$ 1,5 trilhão até 202022 Carol J. Guthrie - Agir contra a mudança do clima estimula o crescimento24 Jaime Gesisky - Governo quer mineração sem salvaguarda ambiental28 Juliana Amorim Arantes - Entrevista com Benedito Braga32 Samuel Antenor - Governança garantiu avanços na Amazônia, diz Capobianco34 Amanda Lelis - Instituto Mamirauá pesquisa dinâmica da floresta amazônica36 Ricardo Machado - A força da biodiversidade e da vontade de viver da Caatinga38 Bianca Pyl - Campanha contra os impactos da destruição do Cerrado40 Renata Leite - Convenção reconhece 7 novos Sítios Ramsar no Brasil42 Isauro Torres - O oceano como nova fronteira da ação climática44 Alfio Bonanno - Vaticano: os buracos negros e os desafios da cosmologia46 Elizabeth Mrema - Os produtos químicos não são bem avaliados48 Norbert Suchanek - Queimar pneus é uma violência contra o ambiente50 Leonardo DiCaprio - Salve uma baleia, salve um mundo

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Nosso partido tem uma causa, mas a causa que defende-mos não tem partido. Assumi o Ministério para servir o País na área socioambiental, em que tenho atuado ao longo de todo o meu percurso político. Acre-dito que nos períodos críticos, aqueles que são engajados em lutar por seus ideais têm res-ponsabilidade redobrada.

Assumi em um momento de crise política e econômica, ciente das dificuldades que enfrentaria, mas também da oportunidade de reagir aos retrocessos que vinham ocor-rendo há alguns anos nessa área e conseguir avanços concretos para o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável do Brasil.

E temos conseguido isso no Ministério do Meio Ambiente. Com uma equipe altamente qualificada e comprometida, o que realizamos em apenas um ano foi muito significativo.

Mantemos diálogo com todos os setores da sociedade, tendo aproximado o Ministério tanto da sociedade civil quanto do setor produtivo. Fortalecemos também a relação com os governos e as secretarias de meio ambiente dos estados e municípios.

Arquivamos o processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós, no Pará, e, juntamente com o BNDES, temos desestimulado as usinas termelétricas movidas a carvão mineral e a óleo combustível e incentivado as fontes de energia limpas e renováveis. Fechamos a Usina de Candiota, no Rio Grande do Sul, que era a maior usina termelétrica a carvão do País.

Em poucos meses, concluímos a fase de povoamento do Cadastro Ambiental Rural e lançamos instrumentos para utilização de sua base de dados. Estamos capacitando e inte-grando os estados para análise dos cadastros e avanço nas fases seguintes, de PRA (Programa de Regularização Ambiental) e CRA (Cotas de Reserva Ambiental).

Ratificamos, de forma célere, o Acordo de Paris, man-tendo o País como protagonista da questão climática. Nosso Espaço Brasil, na COP-22 da Convenção sobre Mudanças Climáticas, acolheu todos os setores da sociedade, fomen-tando debates de alto nível técnico e compartilhando nossas posições e nosso trabalho com lideranças globais e com o público internacional.

O Ministério, através do IBAMA, coordena o Conselho Interfederativo sobre o desastre de Mariana. O Instituto notificou e autuou a Samarco em diversas ocasiões.

José Sarney Filho | Ministro do Meio Ambiente

Carta ao Partido VerdeReestruturamos o orça-

mento de 2016 dos órgãos de comando e controle, ICMBio e IBAMA. Com isso, estamos revertendo a curva do desmata-mento, que foi ascendente nos dois últimos anos. Percorremos a Amazônia Legal com todos os dirigentes do Ministério do Meio Ambiente, em uma Caravana Verde, estabelecendo parcerias com os estados para o combate ao desmatamento.

Lançamos o SINAFLOR, Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais, que permitirá o acompanhamento de toda a cadeia produtiva da madeira e tornará os processos muito mais simples e transparentes, para os empreendimentos que trabalham de forma sus-tentável.

Preparamos um plano de concessões de parques nacio-nais para desenvolvimento do turismo em parceria com a iniciativa privada, com abertura de editais em 2017. Serão pelo menos 6 concessões este ano e estão sendo realizados estudos para viabilidade de outras 15 entre 2017 e 2018. Além disso, aumentamos em 18% a área total de florestas federais em regime de concessão para manejo sustentável. São ações de estímulo à economia verde, com alternativas sustentáveis, que valorizam a floresta em pé.

Criamos o Refúgio da Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes, no litoral norte de São Paulo e inauguramos o Complexo Paineiras-Corcovado, no Parque Nacional da Tijuca. Assinamos o projeto de reintrodução da Ararinha-azul em seu hábitat, na Caatinga, em parceria com insti-tuições nacionais e internacionais, e também um termo de ajuste complementar do acordo de cooperação entre Brasil e Alemanha para implementação do Projeto de Proteção e Gestão Integrada da Biodiversidade Marinha e Costeira (Projeto TerraMar). Lançamos, na COP-13 da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, o Programa Corredores Ecológicos, fundamental para a conservação de nossas espécies nativas.

Retomamos o Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas (PLANAFE), de modo pactuado com a sociedade civil. Em apoio ao extrati-vismo, publicamos portaria com definição de espécies nativas de valor alimentício, para fins de comercialização nas com-pras públicas e ainda assinamos TED com a CONAB para fortalecimento e ampliação da Política de Garantia de Preços Mínimos para produtos da sociobiodiversidade.

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Contratamos 5 projetos de apoio a planos de gestão territo-rial e ambiental em Terras Indígenas e instituímos, através de portarias, o Grupo de Trabalho GAT Quilombolas e a Mesa de Diálogos com as Quebradeiras de Coco Babaçu.

Já fizemos muito e temos muito a fazer no horizonte pró-ximo. São conquistas fundamentais para o futuro do País, e devemos refletir com honestidade se podemos nos furtar do papel de empreendê-las. É preciso continuar e aprimorar o combate ao desmatamento. Estamos trabalhando por uma fiscalização mais eficiente e ampliaremos as medidas para o desenvolvimento de uma economia sustentável, que preserve a Amazônia e os demais biomas.

Estamos prestes a iniciar um grande programa de recupe-ração de nascentes e revitalização dos rios. O objetivo central é recuperar áreas de preservação permanente hídricas e de nascentes. O programa tem três eixos principais: utilização de ativos florestais nativos como fonte de sementes e insumos de propagação vegetal; plantios e ações de ampliação da cobertura vegetal nativa; e participação social, a partir de aplicativo de relacionamento entre quem demanda recomposição de APP e quem tem projetos, recursos, insumos ou presta serviços.

Temos uma perspectiva de criação e ampliação de bom número de Unidades de Conservação, a exemplo do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que em breve deverá ter sua área expandida. Esta é uma necessidade premente para a conservação do Cerrado.

Estamos revisando o Decreto 6514, de 2008, nos artigos que tratam da conversão de multas, para criar a possibilidade de conversão da multa simples em serviço ambiental. Esta-mos, com isso, regulamentando previsão da Lei de Crimes Ambientais. A execução poderá ser direta ou indireta.

O instituto da conversão, conforme estamos propondo, admite desconto da ordem de 35% sobre o valor da multa consolidada para a execução direta, chegando a 60% para a execução indireta. Com isso, os recursos arrecadados serão revertidos em melhoria da qualidade ambiental de forma mais efetiva.

A Lei Geral de Licenciamento Ambiental está para ser votada. Ao longo de um ano, realizamos um esforço perma-nente para a construção de um projeto que traga benefícios para o desenvolvimento do País, com regras mais claras, menos burocracia e maior segurança jurídica, sem, contudo, descuidar da proteção ambiental. Esse empenho, que contou com a participação de vários atores governamentais e dos diversos setores da sociedade ligados à questão, resultou num texto que, sem ser o ideal de qualquer dos envolvidos, atende às necessidades ambientais, sociais e econômicas do nosso País.

As alternativas que se apresentam à proposta gerida no Ministério do Meio Ambiente trazem perspectivas sombrias, com graves ameaças ao futuro do povo brasileiro. Estamos diante de um desfecho iminente e o MMA precisa continuar a agir com firmeza e determinação, como vem fazendo.

Por tudo isso, apesar do contexto político conturbado, dos riscos de retrocesso ambiental e institucional, enquanto tiver a convicção de poder contribuir para a nossa causa, a causa da sustentabilidade e da economia verde, garantindo ganhos socioambientais, estarei disposto a ocupar este espaço que, nesta crise, adquiriu importância ainda maior.

20 de Maio de 2017Cordialmente, Sarney Filho

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Ministro José Sarney Filho em reunião com Deputados do Partido Verde

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Recentemente, o Governo Federal propôs a redução de mais de 1 milhão de hectares da área de Unidades de Conservação (UCs), que inclui áreas do Pará, na Amazônia, e de outras regiões do Brasil.

A mudança, que já foi aprovada por uma Comissão Mista de Deputados e Senadores, acontece por meio de uma ferramenta ágil e destinada apenas a assuntos urgentes: as Medidas Provi-sórias. No último dia 16 de Maio, a MP 756 foi aprovada pela Câmara dos Deputados, que autoriza a mudança de categoria de Parques Nacionais e de Florestas Nacionais e os transforma em Áreas de Preservação Ambiental (APAs), cujas restrições para exploração são menores.

A proposta atinge uma região que sofre com o desmatamento há anos. Apesar da redução do índice histórico de desmatamentos na Amazônia, em 2016 ainda foram registrados 8 mil km² pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – área equivalente a quase uma vez e meia o Distrito Federal, que tem 5,7 mil km². As consequências dessas ações não afetam somente quem vive perto das florestas, mas abrange todo o País, de Norte a Sul, sem contar o impacto causado na fauna, na flora e nos serviços ambientais daquelas áreas reduzidas pela proposta.

Confira dez fatos e impactos que a redução de florestas causa para o meio ambiente e para a população:

1. A falta ou excesso de chuva no Brasil é influenciada pela Amazônia

É na Amazônia que são formados os rios aéreos ou voadores, que são massas de ar carregadas de vapor d’água. A floresta amazônica atrai a umidade evaporada pelo oceano e cria correntes de ar que transportam essa umidade em direção ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

Rede de Especialistas de Conservação da Natureza

10 impactos causados pela redução de áreas naturais

De acordo com Fábio Olmos, biólogo e Diretor da Permian Brasil, existem diversos estudos que mostram que a segurança hídrica

nacional depende da Amazônia. “Tanto os centros urbanos como o campo, a região mais povoada do País ou a mais remota, dependem dos serviços ambientais fornecidos pela floresta e outros ecossistemas naturais. Isso sem nem mencionar a questão das emissões de GEE associadas ao desmatamento, que intensificam a mudança global do clima”, afirma ele.

2. Conservação da natureza não está na lista da maioria dos governantes

Parece ser uma triste verdade. As recentes mudanças anunciadas pelo governo brasileiro demonstram que as regras atendem aos inte-resses de poucos e não a vontade de muitos. No Pará, os limites do Parque Nacional do Rio Novo, Parque Nacional do Jamanxim e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós correm sérios riscos de serem alterados. Essas últimas mudanças aconteceram por meio das MPs 756 (aprovada pela Câmara dos Depu-tados em 16/5) e 758, que, além do Pará, também propõe alteração na área do Parque Nacional de São Joaquim, em SC.

3. Não estamos reduzindo o desmatamento

Por cerca de 10 anos, até a celebração do Acordo de Paris na Conferência de Dezembro de 2015 (COP-21), a redução de desmatamentos na Amazônia era des-taque global ano após ano: a taxa anual foi reduzida em 83% e oscilou entre 5 a 6 mil km²/ano até 2015. Em 2016, no entanto, os desmatamentos medidos pelo sistema

PRODES do INPE registraram quase 8 mil km² na região. Entre as causas,

podem-se apontar tanto as redu-ções orçamentárias dos órgãos ambientais reguladores, como

mudanças do Código Florestal Brasileiro, em 2012, que anistiaram

desmatamentos ilegais do passado, encorajando o descumprimento da Lei.

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4. O Brasil não cumpre acordos internacionais

O Acordo de Paris foi assinado em 2015 por dezenas de países que se comprometeram a parar e reduzir o aqueci-mento global e suas consequências. O ideal é que as nações signatárias promovam mudanças para que o aumento não supere 1,5°C. O Brasil foi protagonista nas negociações que concretizaram o pacto e se comprometeu a reduzir em 37 por cento as emissões de gases de Efeito Estufa até 2025, 43 por cento até o ano 2030 em relação às emissões do ano 2005, e zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. Ou seja, até lá, o Brasil está dizendo que continuará tendo des-matamento ilegal na Amazônia; e, quanto aos demais Biomas, o compromisso brasileiro não traz metas específicas.

De acordo com o climato-logista Carlos Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências, com as constantes reduções de áreas protegidas e o aumento do desmatamento, dificilmente chegaremos à meta de desmatamento zero, que já era desafiadora. “A relação entre o desmatamento, a floresta e o clima é real e nos afeta diaria-mente. Não podemos perder o trem da história, pois o custo será o futuro de nossa e das próximas gerações”, analisa Nobre.

5. O clima do planeta está esquentando

A temperatura média do Planeta está aumentando e isso é perigoso! Dados divulgados pela NASA, agência espacial dos Estados Unidos, e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), em Janeiro deste ano, confirmam que a temperatura da Terra bateu recordes pelo terceiro ano consecutivo. Em 2016, o Planeta estava 0,99 grau Celsius mais quente que a média do Século 20. Há grande consenso científico de que a maior parte do aquecimento observado nos últimos 60 anos é devido ao aumento da concentração de gases de Efeito Estufa, como o dióxido de carbono (CO2), decorrente da emissão de combustíveis fósseis, do desmatamento, entre outros. Quanto menos áreas naturais tivermos, pior ficará a situação.

6. Quando uma floresta é derrubada, as outras regiões também são afetadas

Além do impacto no regime de chuvas, as florestas também atuam como reguladores do clima, proteção de rios e das espé-cies que vivem nelas, entre muitos outros fatores. O recente surto de febre amarela que alarmou o Brasil é consequência do desmatamento da Mata Atlântica, por exemplo.

7. Pecuária é uma das atividades mais poluentes

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) lançou o relatório “Estado das Florestas do Mundo 2016” e concluiu que, no Brasil, mais de 80% do desmatamento está ligado à conversão de terras em terrenos de pasto.

Além disso, o relatório analítico do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa) do Obser-vatório do Clima mostra que as emissões diretas e indiretas do agronegócio representam dois terços das emissões brasileiras de gases de Efeito Estufa.

8. MPs deveriam ser usadas com mais cautela

Na hora de mudar ou propor normas, o Governo tem três caminhos possíveis: as Medidas Provisórias (MPs), os Decretos e os Projetos de Lei. Os Decretos podem ser feitos apenas pelo presidente, governadores e prefeitos para determinadas Leis.

Os Projetos de Lei são a maneira mais tradicional e “certa” de se propor uma mudança, mas também são mais lentas e burocráticas. É aí que surgem as MPs, que devem ser usadas apenas em casos relevantes e urgentes e quem define isso é o Presidente da República. Uma medida precisa ser aprovada em no máximo 120 dias e tem força de Lei imediata. Usar uma MP para alterar a área de uma Unidade de Conservação, por exemplo, é uma distorção grave da Lei, de acordo com o advo-

gado especializado em causas ambientais, Marcelo Dantas. “Se as alterações sugeridas na Amazônia são urgentes a ponto de pedir uma medida provisória, certamente elas atendem a interesses específicos e que divergem da opinião da população. Essa manobra foi feita para driblar a burocracia e reduzir a resistência na aprovação”, explica.

9. Florestas e UCs podem gerar emprego e renda

Acreditar que desmatamento e danos ambientais estão ligados ao desenvolvimento é um pensamento, no mínimo, atrasado. Carlos Eduardo Young, economista, defende o con-ceito de Economia Verde: uma prática que estimula atividades associadas à preservação ambiental, uso eficiente de recursos e inclusão social. “As atividades ‘verdes’ tendem a ser mais intensivas em mão de obra e em produtos manufaturados com maior conteúdo de inovação”, explica.

10. O desmatamento induz a mais violência no campo

Há no Brasil uma tradição de que, se for estabelecido um uso produtivo da terra, é possível ter direito à sua posse. Nesse ponto de vista, a taxa de desmatamento tende a aumentar e dar a oportunidade para que grileiros reclamem para si o direito à posse; e o resultado: violência. De acordo com o artigo “Direitos de Propriedade, Desmatamento e Violência: Problemas para o Desenvolvimento da Amazônia”, publicado em 2014, nos municípios onde há mais desmatamento, a taxa de homicídios também é maior. Para o pesquisador Carlos Young e um dos autores, “há inúmeros estudos que apontam como o processo de desmatamento é acompanhado por atos de violência, que vão do conflito entre posseiros e grileiros, até a expulsão dos antigos moradores da floresta. Casos, ainda, que podem resultar em homicídio”, explica.

Carlos Nobre, Carlos Eduardo Young, Fábio Olmos e Marcelo Dantas fazem parte da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza, uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira. A Rede foi constituída em 2014, por iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

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Ao Excelentíssimo SenhorPresidente da República, Michel Temer,

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – movi-mento composto por representantes da sociedade civil, setor empresarial e academia – solicita ao senhor Presidente da República que vete integralmente as Medidas Provisórias (MPs) 756/2016 e 758/2016. Tais medidas, aprovadas pelo plenário do Senado no dia 23 de maio, por meio dos Projetos de Lei de Conversão (PLVs) 4/2017 e 17/2017 reduziram a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no município de Novo Progresso (PA); o Parque Nacional (Parna) do Jaman-xim, nos municípios de Itaituba e Trairão (PA); e o Parna de São Joaquim (SC).

A aprovação dessas MPs vai na direção contrária à proteção do meio ambiente e ao combate ao desmatamento crescente nos biomas brasileiros e compromete a credibilidade das necessárias iniciativas de desenvolvimento econômico no País. Essas medidas, que trazem danos irreparáveis à biodiversidade e ao clima, resultarão no beneficiamento de alguns poucos indivíduos em detrimento do interesse nacional.

Carta aberta Pelo veto às MPs 756 e 758

A sanção desses PLVs promoverá a retirada da proteção de 588,5 mil ha de florestas na Amazônia e a redução em 20% do Parna de São Joaquim, um dos principais refúgios da biodiversidade da Mata Atlântica, bioma mais ameaçado do País. Resultará, ainda, no estímulo por parte da mais alta autoridade da República ao aumento da exploração e depredação ilegais, criando um precedente indesejado para novas ocupações de áreas preservadas em UCs.

A Flona do Jamanxim, criada em fevereiro de 2006, têm um importante papel na região ao se somar a outras UCs formando uma barreira verde com mais de 6,4 milhões de hectares. Esse bloqueio conseguiu conter o avanço avassalador do desmatamento ao longo da BR-163, rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), que aumentou em mais de 650% entre os anos de 2001 e 2004, em decorrência da aceleração da especulação imobiliária de terras públicas.

Setores que defendem a aprovação da redução dessas inestimáveis áreas protegidas argumentam que as dificuldades enfrentadas pelo poder público para implantá-las impediu o efetivo controle da exploração ilegal e predatória por meio do desmatamento e do garimpo.

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No entanto, reduzi-las é o pior caminho para solucionar esses problemas que, ao contrário, se agravarão sem a proteção legal. Prova do altíssimo risco a que serão submetidas essas áreas com a desafetação pode ser comprovada com a análise das imagens obtidas pela plataforma MapBiomas. Esses mapas, que apresentamos abaixo, revelam que de 2004 a 2016, a Flona do Jamanxim perdeu mais de 117 mil hectares de florestas, o que gerou a liberação de 70 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, segundo cálculos do IPAM . Até 2030, a desafetação da área pode resultar em 280 mil hectares de florestas a menos e 140 milhões de toneladas de CO2 emitidas. Esse é um processo que precisa ser evitado.

É importante destacar que o ICMBio, órgão federal responsável pela gestão das UCs, reconheceu em relatório próprio que a ocupação na Flona do Jamanxim é recente, ao afirmar que 67,7% dos que lá estão entraram pouco antes ou logo após sua criação, em 2006. Esse dado comprova que as ocupações tiveram caráter especulativo.

Outras propostas em tramitação no legislativo e executivo ameaçam o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que apoia a gestão de UCs na região. A aplicação dos recursos ao ARPA, cerca US$ 215 milhões proveniente de doadores internacionais, está atrelada a diversos compromissos, como a inexistência de perda de áreas protegidas. Assim, os projetos que visam as desafetações, recategorizações e alterações de limites de unidades de conservação em curso no Governo descumprem claramente um compromisso brasileiro, podendo afetar as ações de desembolso de um dos maiores programas mundiais de conservação de florestas da história.

As medidas aprovadas pelo Senado afetarão a segurança jurídica e prejudicarão os investimentos no país, afastando investidores e consumidores exigentes de sistemas produtivos sustentáveis.

Num mundo em que critérios socioambientais cada vez estão mais no centro da tomada de decisão dos grandes inves-tidores, o Brasil se afasta ainda mais da oportunidade de se tornar uma economia competitiva e respeitada.

Em um cenário de recrudescimento do desmatamento na Amazônia verificado nos últimos dois anos, MPs como essas estimulam a ocupação predatória e o desrespeito às áreas de proteção ambiental, pondo em risco os ganhos obtidos nas tentativas de controlar o desmatamento na região e compro-metem a imagem do país e do agronegócio.

A regularização fundiária de áreas que apresentaram desmatamento ilegal não pode ser autorizada pelo Governo. Caso contrário, não será factível zerar o desmatamento ilegal, conforme prevê o Código Florestal Brasileiro e cumprir os acordos internacionais de clima e biodiversidade assumidos pelo País, como a implementação da NDC, fundamentais para a construção de uma economia de baixo carbono.

O Brasil precisa de uma política de Estado para enfrentar os desafios da ocupação e do desmatamento ilegal e garantir a sustentabilidade nos projetos de logística na Amazônia, como no caso da Ferrogrão. A condução destas medidas no Congresso não foi bem sucedida e associa a ferrovia a um dano desnecessário à floresta, à biodiversidade e ao clima. Isso afasta investidores e pode resultar em questionamentos judiciais. Será preciso reiniciar esse debate, com bases técnicas e ampla participação dos interessados.

O primeiro passo nessa direção, Senhor Presidente, é, ao nosso ver, o veto integral dos Projetos de Lei de Conversão 04/2017 e 17/2017.

São Paulo, 25 de maio de 2017

Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

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O plenário da Câmara aprovou, no dia 24 deste mês (Maio), a Medida Provisória (MP) 759/2016, que prevê a regularização fundiária de áreas rurais e urbanas em todo país e também altera a legislação da reforma agrária. A MP segue agora ao plenário do Senado. Ela perde validade no dia 1/6/2017. Se for referendada até lá pelos senadores, segue à sanção presi-dencial. A norma abre caminho para a legalização massiva de áreas griladas, o agravamento da concentração fundiária e dos conflitos de terra, em especial na Amazônia. Por causa disso, foi apelidada de “MP da grilagem”. Estima-se que, só na Amazônia, poderá disponibilizar à iniciativa privada, por valores bem abaixo do mercado, em torno de 40 milhões de hectares de terras públicas – o equivalente à duas vezes o território do Paraná.

O que passou despercebido para muitos é que a MP irá estimular o desmatamento não apenas pelo fato dele já estar associado à grilagem há décadas na Amazônia. A norma também retira exigências ambientais que existiam para a regularização fundiária.

A legislação anterior determinava que o posseiro poderia perder o título se a Área de Preservação Permanente (APP) ou de Reserva Legal fosse desmatada num prazo de dez anos. O texto original da MP, saído da mesa de Michel Temer, já flexibilizava essa restrição, ao permitir que o ocupante pudesse assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O parecer do relator da Comissão Mista que analisou a matéria, Senador Romero Jucá (PMDB-RR), simplesmente aboliu todas essas condicionantes ambientais. A proposta do parlamentar obriga apenas o Cadastramento Ambiental Rural (CAR) da posse. Na prática, a nova redação possibilita a transferência de terras públicas sem que o posseiro se comprometa a recuperar seu passivo ambiental.

Previsto pelo Código Florestal de 2012, o CAR pretende viabilizar a regularização ambiental por meio do registro das áreas desmatadas e das que devem ser reflorestadas numa propriedade. O cadastro é autodeclaratório, feito pela inter-net e, até agora, não tinha valor para fins de regularização fundiária. O problema é que os Programas de Regulariza-ção Ambiental (PRAs) - que devem ser implantados pelos governos estaduais e são o próximo passo fixado na Lei para viabilizar a recuperação florestal - ainda não saíram do papel em grande parte do País.

Oswaldo Braga de Souza | Jornalista do Instituto Socioambiental - ISA

Medida Provisória acaba com as normas ambientais

E muitos ruralistas lutam para mudar a legislação e conceder uma nova anistia às derrubadas irregulares antes que esses programas comecem a funcionar. “A revogação dessas cláusulas de natureza ambien-tal é inconstitucional e deve ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). A revogação exime o Poder Público da incumbência de preservar e restaurar os processos ecológi-cos essenciais”, alerta Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. Ela explica ainda que outra

consequência da transformação da MP 759 em Lei será o aumento da pressão sobre as terras de comunidades indígenas e tradicionais ainda não definitivamente oficializadas.

A possível aprovação da MP 759 pelo Congresso acon-tece em meio a um novo salto da taxa de desmatamento na Amazônia. Entre 2013 e 2016, o desflorestamento aumentou 60%. A MP é uma das moedas de troca oferecida por Michel Temer para conseguir o apoio da poderosa bancada ruralista diante da mais grave crise política de seu governo. Ela faz parte do pacote de projetos que os ruralistas pretendem aprovar no Congresso antes da possível queda de Temer, a exemplo das MPs 756 e 758, que reduzem UCs no Pará e em Santa Catarina. A MP 759 foi apreciada na Câmara numa votação rápida, sem a presença da oposição, que se retirara do plenário em protesto contra a repressão às manifestações pela saída de Temer da presidência, do lado de fora do Congresso.

Jucá acrescentou vários outros pontos que viabilizam a legalização da grilagem. A redação original da MP fixava um limite de até 1,5 mil hectares para a regularização de áreas rurais. O texto do Senador permite oficializar a posse de terras públicas ou em disputa de até 2,5 mil ha. “Não há qualquer justificativa para a regularização de áreas de até 2.500 ha com dispensa do processo de licitação. A medida atenta contra o princípio da impessoalidade e autoriza o poder público a repassar terras ao domínio particular a preço de banana”, reforça Batista.

O relator aumentou também o público-alvo da regulariza-ção: ocupantes anteriores a Julho de 2008 serão beneficiados e aqueles que pagarem o valor total da área ocupada até cinco anos antes da entrada em vigor da MP também poderão ser regularizados. Na prática, isso permitirá que toda e qual-quer terra grilada até Dezembro de 2011 se torne passível de regularização. Na Lei 11.952/2009, a data-limite era 1º de Dezembro de 2004.

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O movimento pelo desinvestimento mais rápido da história se expande para novas regiões, aumentando a pressão para que sejam quebrados os laços com empresas de combustíveis fósseis que causam as mudanças climáticas.

Enquanto conselheiros do mundo todo participam das negociações climáticas de Bonn e ministros se preparam para a reunião do G7 na Sicília, milhares de pessoas participaram de mais de 260 eventos em 45 países em seis continentes durante a Mobilização Global de Desinvestimento, que aca-bou no dia 15 deste mês (Maio). Ativistas, grupos religiosos, acadêmicos e comunidades locais impactadas pelas mudanças climáticas demonstram a liderança dos movimentos de retirada de investimentos em combustíveis fósseis, que agora está se espalhando pela Ásia, América Latina e África, estabelecendo as bases para futuros desinvestimentos.

Num momento em que os governos estão decepcionando suas populações, quando o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está ameaçando abandonar o Acordo de Paris e os impactos climáticos nos levam a um território inexplorado em termos de inundações, incêndios florestais, ondas de calor, tempestades e desertificação, o desinvestimento se mostrou uma ferramenta eficaz para minar o poder da indústria dos combustíveis fósseis, política e financeiramente.

Nathália Clark | Coordenadora de Comunicação da 350.org Brasil e América Latina

Mobilização global leva o mundo ao desinvestimento

“Não podemos nos manter isentos. As mudanças cli-máticas já são uma realidade, e milhões de pessoas e toda a biodiversidade são impactadas diariamente. Temos uma opção de interromper esse cenário de destruição, que tende a piorar com o agravamento do aquecimento global, desinvestindo de projetos poluentes e perversos como o fracking e deixando os combustíveis fósseis no solo”, alerta Nicole Figueiredo de Oliveira, Diretora da 350.org Brasil e América Latina.

Durante a Mobilização Global, cidadãos e instituições respeitadas em todo o mundo promoveram uma imediata e necessária forma de liderança climática. Isto incluiu o anún-cio de nove organizações católicas de todo o mundo sobre a decisão de retirar seus investimentos dos combustíveis fósseis, no maior ato de desinvestimento católico conjunto até hoje. Com isso, chegamos a um total de 27 instituições católicas que já desinvestiram. Enquanto isso, no Brasil, mais de 3 mil pessoas participaram de orações em uma vigília no pátio da Catedral de Umuarama, no Paraná, para expressar suas esperanças em um futuro sem combustíveis fósseis.

Ao todo, mais de 700 instituições em 76 países já se comprometeram a desinvestir, representando mais de US$ 5,5 trilhões em ativos sob gestão, indicando que a indústria de combustíveis fósseis não tem futuro.

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Manifestação da ONG 350.org a favor do desinvestimento no centro financeiro do Rio de Janeiro

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Mais de mil pessoas marcharam em Munique, na Alema-nha, e manifestações aconteceram em todo o Reino Unido, incluindo comícios em 14 prefeituras em Londres, exigindo o desinvestimento. Os ativistas também pressionaram os fundos de pensão das universidades, instituições religiosas, de saúde e culturais, como o Louvre, em Paris, o Museu Van Gogh, em Amsterdã, e o Museu Britânico.

“Não há dúvida de que estamos atualmente em um estado de emergência. Dia após dia as pessoas morrem pelos efeitos das mudanças climáticas. Há muitas maneiras de enfrentar esta emergência e o desinvestimento nos permite entrar no caminho do dinheiro, que financia os projetos de combustíveis fósseis e que está por trás da crise. O fato de que o movimento de desinvestimento em combustíveis fós-seis cresceu exponencialmente nos últimos anos é a melhor notícia de todos os tempos. Das Ilhas do Pacífico à África do Sul, dos Estados Unidos à Alemanha, as pessoas se levantam para desafiar o poder da indústria dos combustíveis fósseis”, afirmou o ambientalista e ativista do clima, Bill McKibben, cofundador da ONG 350.org.

A batalha para proteger as pessoas e o clima está conectada em todo o planeta. O dinheiro que sai de um canto do mundo está ligado a projetos de infraestrutura de combustíveis fósseis sendo construídos em outros lugares. Centenas de pessoas se reuniram em Jacarta para ouvir representantes da comunidade de Indramayu contarem os problemas que encontram vivendo à sombra de uma usina de carvão. Durante um evento no Japão, estudos de caso de bancos japoneses financiando usinas de carvão na Indonésia e oleodutos nos Estados Unidos foram destacados para pressionar os bancos japoneses a retirarem seus investimentos de combustíveis fósseis.

Na Nova Zelândia e na Austrália, os ativistas se dirigiram à gigante australiana do carvão, Adani, pedindo aos bancos que investem nela, incluindo o CommBank, para que parem o financiamento. Enquanto isso, em Nova York, 150 ativistas reuniram-se dentro da Trump Tower, para pedir aos funcio-nários da cidade de Nova York que cortem seus laços com as companhias sujas de petróleo e gás que controlam a Casa Branca, demonstrando que os líderes locais podem mostrar liderança climática de peso, enquanto outras partes do país sofrem com inundações graves.

O desinvestimento também fornece os meios para aprovar uma transição justa, reinvestindo em sistemas de energia renovável. Isso foi discutido em eventos realizados em diversos países da África, em universidades e comunidades locais, onde a sua culpa da indústria dos combustíveis fósseis pelas mudanças climáticas foi discutidas juntamente com soluções de energia limpa, frente a algumas das piores secas que o continente já sofreu.

Para Kumi Naidoo, Diretor do Centro Africano da Socie-dade Civil e ex-Diretor Executivo Internacional do Greepeace, um futuro com 100% de energias renováveis é inevitável. “Comunidades em todo o mundo estão retomando seu poder através do desinvestimento. Elas estão se desvinculando dos combustíveis fósseis e mandando uma mensagem forte para políticos e empresários: o fim dos combustíveis fósseis está acontecendo. Aqueles que apostaram em um futuro baseado em combustíveis fósseis continuarão perdendo. Os cidadãos estão exigindo em todo o mundo uma transição justa para um futuro verde. O movimento de desinvestimento está mostrando o que os governos deveriam estar fazendo: retirar o dinheiro dos problemas e investir em soluções”.

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Manifestação pelo desinvestimento em Berlim

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Nos próximos dias, os EUA de Donald Trump poderão se tornar o primeiro país do mundo a abandonar o Acordo de Paris sobre o clima, ratificado por 142 nações. A decisão será tomada por um grupo de assessores próximos ao Presidente, hoje divididos, de um jeito que reflete bem a insanidade dos dias atuais: o Administrador da EPA (Envi-ronmental Protection Agency) é a favor de abandonar o Tratado, enquanto o Secretário de Estado, ex-CEO da maior petroleira do mundo, defende a permanência dos EUA na mesa.

Qualquer que seja o veredicto, provavelmente será um gesto apenas simbólico. Afinal, semanas atrás, Trump tomou a decisão política que importava mais sobre o assunto, ao assinar um Decreto que autoriza a EPA a desmontar o Plano de Energia Limpa de Barack Obama. O Plano é a principal regulação federal destinada a cortar emissões de carbono do setor de geração de energia. O ato significa que o segundo maior emissor de Gases de Efeito Estufa do mundo está aban-donando a ação contra as mudanças climáticas num momento em que os fatos e a ciência nos gritam que ela deveria estar sendo criticamente acelerada.

Carlos Rittl | Secretário-Executivo do Observatório do Clima

Procura-se líder climáticoOs impactos da decisão para os objetivos do Acordo de

Paris deverão ser gravíssimos. Mas igualmente ruim fica a situação da economia americana: Trump entregou de bandeja sua competitividade à China.

A premissa por trás do desmonte do Plano de Energia Limpa é uma suposta “guerra ao carvão” que teria sido movida por Obama. Mentira pura – ou, para usar uma expressão do léxico trumpista, “fato alternativo”: o que condenou o carvão à morte nos EUA não foi a regulação ambiental, mas sim a competição com tecnologias energéticas melhores e mais efi-cientes. O carvão declinou porque os americanos descobriram no gás natural extraído por fraturamento hidráulico uma fonte mais barata, abundante, eficiente e menos poluente. E foi só quando a realidade dessa competição já estava precificada na economia americana que o ex-presidente pôde adotar suas regulações mais ousadas da poluição das termelétricas e ampliar os incentivos às energias renováveis, que são o futuro da energia global.

Com o Decreto, Trump dá uma banana para a inovação tecnológica, que sempre foi a pedra de toque da economia de seu país, na tentativa de prover uma sobrevida a duas fontes energéticas condenadas – o carvão e o petróleo. Esses dois setores hoje geram menos empregos do que as energias renováveis, mas isso não importa para Donald Trump, mais interessado em proteger os investimentos de seus aliados na indústria fóssil.

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Carlos Rittl

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O plano tende a fracassar, já que enfrentará forte oposição da sociedade civil, de Estados, de cidades e de diversas indús-trias poderosas, que apostam num futuro descarbonizado. A cruzada obscurantista de Trump contra a ciência da mudança climática foi alvo de uma marcha de cientistas no dia 22 de Abril, que ocorreu em 600 cidades em todos os continentes, inclusive no Brasil. E, no dia 29, 200 mil pessoas marcharam pelo clima em Washington e outros milhares em mais de 370 cidades mundo afora.

É previsível, ainda, que haja uma chuva de ações judiciais exigindo a manutenção do plano energético de Obama. Que ninguém tenha dúvida: a matriz energética americana já está embicada para a descarbonização, e a maior prova disso é que as emissões do país no ano passado caíram 1,6% – as menores desde 1990 – mesmo com um crescimento econômico de 3%. Isso quer dizer que o PIB americano está enfim desacoplado dos combustíveis fósseis.

No entanto, o Decreto autorizando o fim do Plano de Energia Limpa terá repercussão imediata em dois aspectos. O primeiro é que, mesmo sem sair formalmente do Acordo de Paris, Trump terá provavelmente minado a chance de a humanidade alcançar sua meta mais ambiciosa, a de estabilizar o aquecimento global em 1,5°C.

Para que isso tivesse uma chance razoável de ocorrer, o mundo precisaria cortar profundamente emissões até 2020. Como os EUA respondem por 17% das emissões do mundo, precisariam liderar esse esforço. Mas nem mesmo o Plano de Energia Limpa, se fosse 100% implementado, daria conta da tarefa: ele contempla menos de 20% da NDC, a tarefa que os EUA impuseram a si mesmos como contribuição ao Acordo de Paris de cortar de 26% a 28% das emissões até 2025 em relação a 2005. Ou seja, os EUA precisariam estar criando novas políticas de corte de emissões para que a meta do 1,5°C tivesse mais chance.

E estão fazendo o oposto. O sinal é o pior possível, já que outros países, como a Rússia, podem sentir-se tentados a agir de forma análoga.

O segundo efeito é deixar um vácuo de liderança na área de clima e energia, a ser preenchido por quem se apresentar. O primeiro candidato natural é a China, que tem nas energias renováveis prioridade de sua política industrial e já se apre-sentou neste ano, no Fórum de Davos, como substituta dos EUA nessa agenda. Investimentos que iriam para os Estados Unidos (“America First”?) agora farão a curva e tomarão rumo ao Leste.

Mas há outros países que perderam relevância internacional recentemente e que deveriam estar interessados nisso. Veja, por exemplo, o Brasil: o país teve um grande sucesso recente de combate às emissões, com a queda do desmatamento na Amazônia; possui vasta experiência em biocombustíveis; e uma matriz energética ainda relativamente limpa. Caso resolvesse encarar o desafio, como fez a China, o Brasil poderia investir num programa maciço de descarbonização, de produção de commodities agrícolas com baixa emissão e de criação de uma indústria de base florestal.

Infelizmente, porém, nossos líderes parecem quase tão apegados ao passado quanto Donald Trump: destinamos 70% dos nossos investimentos em energia aos combustíveis fósseis, como o petróleo do pré-sal. Sintomático, aliás, nossa direita e nossa esquerda estejam engalfinhadas atualmente num debate sobre qual é o melhor método de jogar o carbono do pré-sal na atmosfera: se o “neoliberal” ou o “estatista”.

E nosso Congresso, amplamente representado no Executivo, está mais ocupado em dizimar Terras Indígenas, Unidades de Conservação e regulações ao agronegócio do que em olhar para frente. Na pátria das oportunidades perdidas, estamos deixando passar mais uma.

A China agradece.

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O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvi-mento Sustentável (CEBDS) lançou o estudo “Oportunidades e Desafios da NDC brasileira para o Setor Empresarial”. O documento levanta as possibilidades de negócio que se abrem com a implementação dos compromissos de luta contra as mudanças climáticas que o Brasil assumiu no Acordo de Paris (Contribuição Nacionalmente Determinada - NDC brasileira) e também as barreiras que podem limitar o seu pleno aproveitamento.

“A atual estrutura produtiva do país, em conjunto com atributos naturais, dão ao Brasil vantagens comparativas e posição privilegiada em um contexto de esforços globais pela mitigação. E nosso estudo demonstra que o atingimento da NDC não somente é economicamente viável como também é financeiramente lucrativo. A constituição de uma econo-mia de baixo carbono impulsionada pelo Acordo de Paris, embora tenha múltiplos desafios, é uma oportunidade iné-dita de requalificação do desenvolvimento do país em bases realmente sustentáveis”, afirma a Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, Marina Grossi.

De acordo com o estudo, os investimentos em ações de mitigação, que reduzem as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), podem ter efeito positivo sobre as receitas futuras das atividades produtivas. Ou seja, a mitigação nestes casos tem um custo negativo, aumentando o lucro esperado dos agentes econômicos quanto menor for a emissão. Além de fazer uma avaliação das metas assumidas pelo Brasil sob uma perspectiva macroeconômica, a publicação lançada pelo CEBDS também destrincha as oportunidades e desafios colocados para os cinco setores contemplados nas Contribuições Nacionalmente Determinadas: florestal, energia, agropecuário, industrial e de transportes.

CEBDS faz estudo sobre oportunidades da NDC brasileira

Florestal

O aproveitamento de áreas florestadas tem efeito sinér-gico com diferentes medidas propostas pela NDC brasileira. Considerando o compromisso de restaurar e reflorestar 12 milhões de ha até 2030, para múltiplos usos, o plantio de espécies vegetais produtivas, com custo de abatimento negativo, apresenta-se como uma das oportunidades. Partes dessas áreas podem ser utilizadas para o atendimento da meta de aumento da participação de bioenergia sustentável na matriz energética. Outras atividades associadas podem aumentar a lucratividade do reflorestamento. Sistemas Integrados de Lavoura, Pecuária e Florestas (iLPF) associados à Recuperação de Pastagens Degradadas (RPD), apresentam um retorno de R$ 13 mil/ha. A RPD é capaz de quadruplicar a produtividade de atividades pecuaristas e, em alguns casos, gerando um retorno sobre o investimento (ROI) da ordem de 170%.

Agropecuário

Para o produtor, as áreas florestadas aumentam a resiliência financeira ao diminuir a dependência de insumos externos e pela diversificação de fontes de renda. A ampliação de pro-gramas de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) pode tornar possível a capitalização de outros serviços ambientais gerados pela manutenção de áreas naturais ou recuperadas, como a regularização dos recursos hídricos ou a polinização de espécies vegetais. O mercado de Cotas de Reserva Ambiental (CRA) permite ao dono de terras, com uma área de Reserva Legal (RL) maior do que a requerida pelo Código Florestal ser pago por proprietários deficitários nessas áreas. Este mercado aumenta a rentabilidade de ações de restauração e diminui os custos de regularização ao aproveitar áreas mais propícias.

Rafaela Rosas | Jornalista

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Indústria

Parte significativa do potencial de mitiga-ção no setor industrial (40%) também pode ser alcançada com opções de investimento com custo de abatimento negativo. Além de medidas de eficiência energética, principal parcela dessas opções, e de otimização de processo, o aproveitamento de resíduos como matéria-prima em outras linhas de produção, característico de uma economia circular, pode trazer grandes ganhos de receita no longo prazo. Estima-se que sistemas produtivos circulares na Europa vão faturar, até 2030, 1,8 trilhões de euros, em comparação a receitas de 900 bilhões de euros em uma economia linear.

Transportes

Investimentos na infraestrutura de transporte de baixo carbono têm o potencial de reduzir os custos de frete e benefi-ciar os setores Industrial e Agropecuário. A integração modal, com a ampliação de transportes aquaviários e ferroviários, pode significar uma redução de mais de 50% no custo total da tonelada transportada por km. Além disso, a eletrificação do modal ferroviário e o desenvolvimento de sistemas híbri-dos de propulsão em embarcações pode reduzir o consumo energético destes modais em até 33%.

Energia

O aumento significativo no uso de combustíveis renováveis, previsto pela Contribuição Nacionalmente Determinada, demandará grande crescimento de diversos setores. Por exem-plo, o rápido aumento da demanda por etanol, possibilitado pela predominante frota de automóveis flex-fuel, implicará na necessidade de construção de 75 novas usinas para a expansão do parque sucroalcooleiro nacional, criando 250 mil novos postos diretos de trabalho até 2030. Ainda, somente para que a geração elétrica em térmicas a carvão vegetal possa atingir os 70 TWh previstos para 2050, estima-se que área plantada para este fim precise atingir 3,8 milhões de hectares, que representa 50% da área total de plantações de eucalipto e pinus no Brasil.

Saídas para o financiamento

Estima-se que o investimento necessário para o cumprimento da NDC será da ordem de 890 a 950 bilhões de reais até 2030. Apesar da gama de oportunidades para as empresas com retornos positivos, o seu financiamento apresenta-se como um grande desafio. Diver-sos instrumentos financeiros podem auxiliar na superação dessas barreiras.

Os setores florestal, agrícola e de energia possuem linhas de crédito específicas, como para manejo de florestas comerciais, recupera-ção de pastagens e geração de energia elétrica renovável. Outros instrumentos - como incentivos à inovação tecnológica, finan-ciamento de eficiência energética e emissão de Títulos Verdes (Green Bonds) - podem

ser aproveitados por diferentes tipos de produtores ou presta-dores de serviço. A utilização ainda limitada de parte desses instrumentos pode estar associada com a falta de informação ou a necessidade de sua readequação, com taxas de juros mais adequadas e um rol mais amplo de beneficiários.

Acordo de Paris

Com a ambição de tentar limitar o aumento da tempera-tura global em 1,5°C, em comparação a níveis pré-industriais, o Acordo de Paris foi assinado por 194 países, incluindo os maiores emissores globais, EUA e China. A base principal para esta cooperação internacional são as NDC, a serem elaboradas por cada país. Tendo como referência as emissões observadas em 2005, a NDC brasileira compromete o país a reduzir, em 2025, as suas emissões de GEE em 37% e, indicativamente, para 2030, reduzir mais 6% – totalizando uma redução de 43% das emissões – com relação ao mesmo ano base.

Em 2005 o Brasil emitiu 2,1 bilhões de toneladas de CO2e. Isso significa que em 2025 o país deverá emitir não mais que 1,3 bilhões de tCO2e e, em 2030, 1,2 bilhões tCO2e. Para alcançar esta meta, é esperada uma grande mudança no perfil de emissão nacional de GEE. Estima-se que o setor de Floresta e Uso da Terra, que foi responsável por mais da metade das emissões totais em 2005, passe a contribuir com uma emissão líquida negativa em 2030, removendo 131 milhões tCO2e da atmosfera neste ano.

Rob Vander Zee

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Combater a polui-ção do meio ambiente e descarbonizar a economia devem ser prioridades da América Latina e do Caribe para que países consigam cumprir a Agenda 2030 da ONU. A conclusão é da ONU Meio Ambiente que, durante o primeiro Fórum dos Países da América Latina e do Caribe sobre Desenvolvimento Sus-tentável, lançou um apelo (28 do mês passado, Abril) por mais esforços contra a contaminação do ar, das águas e dos solos. Um em cada quatro cursos fluviais da região está severamente contaminado principalmente por esgoto e pela produção agrícola, industrial e de exportação.

Fórum da América Latina

Em mensagem divulgada por ocasião desse primeiro Fórum dos Países da América Latina e do Caribe sobre Desenvolvimento Sustentável, a ONU Meio Ambiente alertou que 100 milhões de habitantes da região vivem em áreas vulneráveis à poluição da atmosfera. Além disso, 3 milhões de quilômetros quadrados de terra foram afetados por degradação antropogênica, ou seja, causada pelo homem.

Lembrando que o consumo de combustíveis fósseis está por trás das mudanças climáticas, é fundamental atuar no que se pode descrever como a “descarbonização da economia”. Isso significa reduzir a zero as emissões de dióxido de carbono geradas pela produção de energia, pelo uso de meios de transporte, pela indústria e pela exploração dos solos.

A contaminação da água, do ar e do solo tem implicações graves para a saúde pública e é, em grande parte, uma consequência de nossos padrões de desenvolvimento. O problema da poluição será tema central da terceira sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Evento acontece em Dezembro em Nairóbi, no Quênia.

Para cumprir os ODS, América Latina deve descarbonizar

Leo Heileman | Diretor Regional da ONU Meio Ambiente

“Este evento é de enorme importância para conhecer as preocupações do setor privado e propiciar um diálogo renovado em pós desenvolvimento sustentável com o resto

dos atores sociais, especialmente com as organizações da sociedade civil, que muitas vezes percebem com frustração algumas das consequências da atividade empresarial, como a concentração da riqueza em poucas mãos e a deterioração ambiental”, disse Alicia Bárcena, Secretária

Executiva da CEPAL. Igualmente, é necessário insistir na necessidade de desvincular o

uso dos recursos naturais do crescimento econômico.

Segundo dados da agência da ONU Meio Ambiente, o aumento do consumo nas últimas quatro décadas levou

à triplicação da quant idade de matérias-primas extraídas da Terra.

Se a tendência atual se mantiver, o con-

sumo de matérias-primas do Planeta chegará a 180 bilhões

de toneladas por ano em 2050. É bom enfatizar, também, que é

essencial enfrentar desafios ambien-tais para alcançar os ODS - Objetivos

de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Outro tema abordado no primeiro Fórum dos Países da América Latina e do Caribe sobre Desenvolvimento Sustentá-

vel, é o da gestão do lixo, esgoto e outros resíduos. Mais de 50 por cento dos resíduos

coletados nos países de baixa renda são despejados em terrenos inseguros que não são monitorados.

Na América Latina e no Caribe, a geração de resíduos a nível municipal é estimada em 160 milhões de toneladas por ano – volume equivalente a 12 por cento do total global. A ONU Meio Ambiente prevê que até 2025 essa quantidade dobre.

Os resíduos sólidos também afetam rios e mares da região num ritmo sem precedentes. Depois do Mediterrâneo, o mar do Caribe é considerado o mais contaminado por plásticos em todo o mundo.

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A conquista dos Objetivos do Desenvolvimento Susten-tável (ODS) pelo Brasil até 2030 depende de parcerias e da cooperação entre governos, sociedade civil, academia e setor privado, inclusive no âmbito municipal. Essa foi a conclusão de participantes do “IV Seminário sobre a Localização dos ODS no Brasil: Parcerias para Integrar, Inovar e Incluir”, realizado no dia 26 deste mês (Maio) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro.

Aprovada em 2015 pelos países-membros da ONU, a Agenda 2030 é um conjunto de objetivos que devem ser atingidos pelas nações nos próximos 15 anos que incluem erradicação da pobreza, redução das desigualdades, combate às mudanças climáticas, entre outros.

“A Agenda 2030 demanda parce-rias por conta de sua abrangência e, por isso, precisamos de todos os atores da sociedade. Nesse sentido, o PNUD no país oferece assessoria técnica para monitoramento e avaliação das políticas públicas, apoiando estados e municípios na implementação de ações aceleradoras para os ODS”, disse Didier Trebucq, Diretor de País do PNUD no Brasil em entrevista ao Centro de Informação da ONU no Brasil (UNIC-Rio).

Quarto de uma série de cinco eventos pelo país, o seminário teve como foco o fomento de parcerias multissetoriais, bem como o financiamento para acompanhamento e avaliação de impacto de políticas e ações voltadas ao desenvolvimento sustentável. “Visualizo dois caminhos possíveis para os próxi-mos anos: o primeiro, que é o que conhecemos, do business as usual, do crescimento econômico que não resolve plenamente os desafios da desigualdade e da sustentabilidade. O segundo caminho é o dos ODS”, afirmou Trebucq durante a abertura do seminário.

O Diretor de Planejamento do BNDES, Vinicius Carrasco, declarou que todos os ODS estão em linha com a missão do Banco. “A nossa priorização da inovação e do desenvolvimento sustentável se manifesta em nossas políticas operacionais”, disse. “Atividades de inovação, de energia limpa e de desen-volvimento sustentável de maneira mais ampla levam as melhores condições em nossas políticas operacionais. Nosso guia sobre o que financiamos e como financiamos denota nosso compromisso com essas atividades”, completou.

Roberta Caldo | Jornalista do UNIC-Rio

A importância das parcerias ao efetivar os ODS

No seminário, foi anunciada também uma parceria entre o BNDES, a empresa de energia ContourGlobal, o parque eólico Chapada do Piauí I e o PNUD, com o objetivo de fortalecer políticas que acelerem a implementação da Agenda 2030 no Estado. “Nossa parceria com o PNUD se confirma com a apreciação pelo BNDES de um projeto da ContourGlobal de R$ 2,5 milhões para uma Agenda de Desenvolvimento Sustentável no Estado do Piauí”, afirmou o Diretor de Pla-nejamento do BNDES.

Na opinião do Secretário Nacional de Articulação Social, Henrique Villa, a Agenda 2030 é uma oportunidade para o estado brasileiro pensar no longo prazo, para além de quatro anos. “Nosso horizonte de planejamento é sempre de quatro anos, a cada governo. A Agenda 2030 nos dá a oportunidade de olhar para 2030. É uma mudança de modus operandi. Os governos vão ter que ter compromisso com a Agenda 2030”, declarou o Secretário.

Segundo ele, a cooperação entre setores e instituições será importante, especialmente no âmbito regional e local. “A Agenda 2030 se realiza nos estados e, sobretudo, nos muni-cípios. É um processo coordenado entre esferas de governo, da sociedade civil, no território”, disse Henrique Villa.

A Secretaria de Governo, da qual faz parte a Secretaria Nacional de Articulação Social, compõe a Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Criada em Outubro último, tem a missão de estimular a participação social no cumprimento das metas da Organização das Nações Unidas e garantir transparência na sua implementação.

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O setor público costuma ser mais lento do que as empre-sas privadas na adoção de novas tecnologias, mas diante do impacto positivo que elas geram em pontos como produti-vidade, eficiência e relevância na vida dos cidadãos, isso está mudando. Com o objetivo de avaliar os desafios enfrentados pelas administrações públicas frente à Transformação Digital e de mostrar como elas podem se fortalecer durante esse processo, a Avaya encomendou o White Paper “Cidades e Administrações Inteligentes: A Transformação Digital na área do Governo”, realizado pela empresa de pesquisa Frost & Sullivan.

Um dos principais pontos de interseção entre o setor público e a tecnologia são as Cidades Inteligentes. A ideia é que soluções automatizadas resolvam muitos dos problemas enfrentados pelos cidadãos diariamente em serviços públicos como saúde, meio ambiente, segurança, alimentação e trans-portes. Com o aumento da eficiência em diversos processos, o benefício é imediato e, por isso, os governos precisam estar atentos a esse conceito.

Um exemplo concreto é o caso do Brasil. Em 2016, o setor público investiu um total de 980 milhões de dólares em telecomunicações e TI. “A Frost & Sullivan define como Cidades Inteligentes aquelas que estiverem construídas com base em soluções e tecnologias que levam inteligência a no mínimo cinco de oito setores: administração e educação; energia; edifícios; mobilidade; infraestrutura; tecnologia; saúde; e cidadãos”, afirma Juan Gonzalez, Diretor de Pesquisa de Transformação Digital.

Dessa forma, os governos buscam obter benefícios concretos a partir da implementação das Cidades Inteligentes:

Cidades inteligentes devem gerar US$ 1,5 trilhão até 2020

Fernanda Kluppel | Jornalista

• Ter mais visibilidade sobre todos os processos da cidade para desenvolver serviços mais eficientes, e Identificar das expectativas dos cidadãos para com o governo;

• Obter assistência para minimizar imprevisibilidades geradas por turbulências econômicas, desastres naturais ou epidemias;

• Criar uma plataforma que impulsione o crescimento econômico sustentável e a inovação para atrair investimentos externos e talento humano;

• Garantir um ambiente seguro e estável para os cidadãos e as organizações;

• Criar uma plataforma que promova a inclusão e a melhoria da interação cidadã com os serviços da cidade e com o governo;

• Reduzir o gasto público e proporcionar um modelo adequado de funcionamento e financiamento da cidade.

De acordo com pesquisas recentes da Frost & Sullivan, globalmente, o mercado de soluções para Cidades Inteligentes chegará a uma receita de 1,5 trilhão de dólares em 2020.

Os Progressos na América Latina

Na América Latina, o desenvolvimento das Cidades Inte-ligentes ainda está em crescimento, mas progressos concretos já podem ser observados em várias das principais cidades da região, tais como Rio de Janeiro, Buenos Aires, Bogotá e a Cidade do México.

Os segmentos onde se encontram as principais oportu-nidades para os governos da região são:

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1 Administração e educação2 Mobilidade3 Segurança4 Infraestrutura5 Energia6 SaúdeAo referir-se ao cidadão como consumidor, melhorar a

eficiência e eficácia na prestação de serviços se transforma em uma meta fundamental em todo o setor público, e conhecer a fundo suas necessidades requer o fortalecimento dos canais de comunicação entre o governo e os cidadãos. Nesse sentido, começa a surgir uma nova classe de cidadãos, que almeja ser comprometida, proativa e demanda mais participação sobre como são definidos os serviços e as políticas de uma cidade.

Diante desse cenário, a Frost & Sullivan conclui que:1) O setor de administração pública baseia sua gestão

nas interações e trocas entre os cidadãos e no aumento da sua satisfação. Ao mesmo tempo, e de forma transversal, as crescentes restrições orçamentárias obrigam as administra-ções a fazerem mais com menos, melhorando a eficiência em cada um dos processos e serviços. Diante desses desafios, os governos podem apoiar-se na Transformação Digital para superá-los, ou manter suas ferramentas atuais e ver seus esforços serem em vão.

2) A tecnologia assume um papel primordial – e assim será cada vez mais – de fornecer interações mais satisfatórias e fortalecer os serviços públicos por meio de soluções inte-ligentes. A implementação de plataformas tecnológicas na gestão pública pode: aumentar a produtividade e satisfação dos funcionários; aumentar a eficiência e efetividade de pro-cessos; fortalecer o relacionamento com o cidadão; oferecer soluções inteligentes para problemas estruturais e, ao mesmo tempo, gerar uma economia de custos sempre desejada pelas administrações.

No entanto, o uso dessas ferramentas traz consigo seus próprios desafios, entre os quais se destaca a segurança da informação.

3) Os governos lidam com uma quantidade de infor-mação de seus cidadãos que é muito sensível e valiosa para cibercriminosos sendo foco de uma crescente quantidade de ataques em todo o mundo. Por esse motivo, os governos que queiram iniciar o caminho da transformação digital, devem procurar um parceiro estratégico com experiência comprovada e suficiente no mercado e que possa oferecer-lhes uma proposta que abranja plataformas de Cidades Inteligentes, soluções ver-ticais, serviços de colaboração e produtividade, mobilidade e segurança cibernética. Somente assim, as agências de governo poderão continuar sendo relevantes para os seus cidadãos, protegendo suas informações e mantendo-se seguras.

Sobre a Avaya

A Avaya facilita o funcionamento em tempo real da operação das aplicações de comunicação mais importantes do mundo. Como líder global no fornecimento de melhores experiências de comunicações, a Avaya disponibiliza o mais completo portfólio de software e serviços para contact center e comunicações unificadas, com Networking integrada e segura, seja nas instalações da empresa, na nuvem ou em modelo híbrido. O mundo digital de hoje exige mais habilidades em comunicações e nenhuma outra empresa está melhor posicionada para fazer isso do que a Avaya.

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De acordo com um novo Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvi-mento Econômico (OCDE) preparado pela presidência alemã do G20, integrar à atual política econômica medidas que atuem contra as mudanças climáticas pode ter um impacto positivo sobre o crescimento econômico de médio e longo prazo.

Intitulado “Investir no Clima, Investir no Cresci-mento” (Investing in Cli-mate, Investing in Growth), o Relatório demonstra que aproximar as ações em favor do crescimento daquelas que se ocupam do clima, em vez de tratá-las separadamente, poderia aumentar o PIB dos países do G20 entre 1% até 2021 e 2,8% até 2050. Se forem levados em conta os benefícios econômicos da eliminação de certos efeitos das mudanças climáticas, tais como os danos devido a inundações e tempestades costeiras, o aumento líquido do Produto Interno Bruto (PIB) em 2050 chegaria perto dos 5%.

O relatório diz que os países do G20, que representam 85% do PIB mundial e 80% das emissões de CO2, deveriam adotar uma série de medidas favoráveis à economia e ao meio ambiente no quadro de suas estratégias de um crescimento inclusivo e do desenvolvimento. Isto envolve a combinação de medidas climáticas tais como a precificação do carbono além de medidas econômicas de apoio para gerar um crescimento inclusivo centrado no investimento de infraestruturas de baixas emissões e resilientes em relação ao clima.

“Longe de ser um obstáculo, a integração da ação climá-tica a uma política voltada ao crescimento pode ter um efeito econômico positivo. Não há desculpa econômica que justifique não agir contra as mudanças climáticas. O problema é tão urgente que nós devemos passar para a ação imediatamente”, disse Angel Gurría, Secretário-Geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, durante a apresentação do relatório no encontro “Diálogo de Petersberg sobre o Clima”, realizado em Berlim.

Os investimentos em infraestrutura a serem realizados durante os próximos 10 a 15 anos serão cruciais para alcançar o objetivo do Acordo de Paris concluído em 2015; isto é, estabilizar as mudanças climáticas. Por isso, retardar a ação acabará custando mais caro. O Relatório mostra que atuar depois de 2025, e não agora, resultará numa perda do PIB nas economias do G20 de 2% em média ao final de dez anos.

Carol J. Guthrie | Jornalista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

Agir contra a mudança do clima estimula o crescimento

Adiar as ações imporá a adoção, apressadamente, de medidas climáticas mais duras, o que poderia resultar em perturbações econômicas e ambientais mais profundas prejudicando a viabilidade econômica de um número crescente de ativos relaciona-dos a combustíveis fósseis.

A pedra angular do cres-cimento econômico, a infra-estrutura, poderá sofrer um desinvestimento crônico na maioria dos países do G20. Conter o aumento da tempe-ratura global abaixo dos 2°C,

como propõe o Acordo de Paris, exigirá investimentos nas infraestruturas de US$ 6.900 bilhões por ano entre hoje e 2030, isso é, apenas 10% a mais do que um crescimento intensivo de alto carbono. Além disso, as infraestruturas respeitosas do clima são menos “energívoras” e permitiriam uma economia anual de combustíveis fósseis US$ 1.700 bilhões em total, o que compensaria de longe o custo adicional.

Mesmo em países onde a transição para uma economia de baixo carbono será problemática do ponto de vista econômico, entre exportadores de combustíveis fósseis, por exemplo, é possível, com o lançamento de uma série de ações adequa-das, garantir que o crescimento de baixo carbono compense os impactos sobre a economia e o emprego resultantes da implementação das medidas de mitigação.

Recomendações do Relatório aos países do G20:•Garantir a integração dos objetivos climáticos nas

reformas em favor do crescimento, em particular, garantir uma melhor alocação de recursos, maiores investimentos e reformas estruturais compatíveis com a transição para baixas emissões de carbono.

•Reforçar as políticas de mitigação das mudanças cli-máticas, especialmente na taxação do carbono, reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis, regulamentos jurídicos, pesquisa e desenvolvimento e ajuda aos mercados públicos para contribuir no estímulo à inovação do baixo carbono.

•Intensificar os esforços mobilizando investimentos priva-dos nas infraestruturas de baixas emissões e resilientes ao clima mediante iniciativas para esverdear o sistema financeiro.

•Envolver as autoridades locais, empregadores e tra-balhadores na transição das atividades e das comunidades em risco, a fim de que seja justo para os operários e que a implementação das estratégias centradas no crescimento e no clima sejam equitativas.

Angel Gurría e Angela Merkel no lançamento do Relatório da OCDE

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Atrair investimentos é a palavra de ordem no Governo como resposta a uma das maiores recessões da história do Brasil. Para isso, o Governo prepara um pacote para beneficiar o setor de mineração. A expectativa é aumentar em 50% a participação mineral no PIB brasileiro e reverter a paralisia em que o setor se encontra nos últimos anos. Essa paralisia, segundo diagnóstico oficial, decorre da insegurança jurídica criada pelo debate da mudança do Marco Regulatório, pro-posta ao Congresso em Junho de 2013, e que seria sinônimo de maior intervenção estatal nos negócios.

O pacote circula de forma reservada no Governo atende pelo nome de Programa para a Revitalização da Indústria Mineral Brasileira, que lança mão de instrumentos como Medidas Provisórias, Decretos e Projetos de Lei. O Governo planeja liberar 2,5 milhões de km2 para a participação do capital estrangeiro em mineração na faixa de fronteira com os países vizinhos, desde o Amapá até o Rio Grande do Sul. Uma área de 46 mil km2 entre o Pará e o Amapá proibida à mineração desde 1984 poderá ser aberta em breve à iniciativa privada como uma das medidas previstas pelo Governo Temer para engordar o PIB brasileiro.

Governo quer mineração sem salvaguarda ambiental

Jaime Gesisky | Jornalista do WWF-Brasil

Levantamento do WWF

A região conhecida como Reserva Nacional de Cobre tem elevado potencial de ouro e outros metais, dois grandes depósitos de fosfato e centenas de garimpos de ouro. A libera-ção da área deve ser feita por meio de Decreto da Presidência da República entre um conjunto de medidas que deve ser anunciado em breve.

Além disso, o pacote pretende licitar via leilão eletrô-nico milhares de áreas “em disponibilidade” para pesquisa, cujos requerimentos caducaram. Os dados constam de um levantamento do WWF-Brasil sobre as principais medidas em análise no governo e que almejam abrir perspectivas ao setor minerário sem, contudo, garantir segurança para o meio ambiente.

As principais preocupações são quanto ao avanço da atividade sobre as áreas protegidas e ao provável estímulo de flexibilização das regras do licenciamento ambiental, em plena discussão no governo. Embora o licenciamento não seja objeto principal do documento, o tema está no radar da organização não-governamental.

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Da proposta de mudança no Marco Regulatório do setor minerário que vinha sendo tratada no Congresso Nacional, o Governo deve aproveitar muito pouco, como a criação de uma agência reguladora para o setor, em substituição ao atual Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia.

Para começar, o Governo deve retirar de tramitação Projeto de Lei 5.807/2013, que reformula o Marco Regula-tório da mineração. No cenário ainda a possível liberação da faixa de fronteira para a participação do capital estrangeiro em atividade de mineração. Essa área corresponde a 27% do território nacional (2,5 milhões de km2). A proposta será incorporada pelo relator do Projeto de Lei do Senado 398/2014, Fernando Bezerra Coelho (PSB/PE), pai do atual Ministro de Minas e Energia.

Em vez de mudar o atual Código de Mineração, o Governo quer apenas regulamentar, por Decreto, mudanças feitas durante o Governo FHC e que abriram a mineração no país ao capital estrangeiro. O Decreto tem por objetivo encurtar o tempo entre o requerimento de pesquisa e a liberação da atividade mineral, que pode durar 12 anos.

O Governo também deve enviar ao Congresso Projeto de Lei alterando a base de cálculo da Compensação Finan-ceira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), que passará a incidir sobre o faturamento bruto e não mais sobre a receita líquida. A expectativa é aumentar a arrecadação (até dobrar), que foi de 1,8 bilhão em 2016. A proposta não altera o percentual da receita que cabe à União, Estados e municípios e passa a gestão da arrecadação para a Secretaria de Receita Federal. As alíquotas incidentes sobre minério de ferro sofrerão variação (de 2% a 4%), de acordo com a cotação internacional da tonelada da commodity. As demais substâncias serão taxadas entre 0,2% (lavra garimpeira de ouro, por exemplo) e 3% (bauxita, manganês).

Também deve aumentar os investimentos em mineração, o Governo já incluiu em Setembro passado 4 áreas estudadas pelo Serviço Geológico do Brasil no Programa de Parcerias para Investimentos para licitação ao mercado, o que deve ocorrer ainda em 2017. Somam quase 111 mil ha as áreas de carvão, cobre, chumbo, zinco e fosfato em Goiás, Tocantins e Pernambuco. Há mais 20 mil processos de áreas requeridas para pesquisa “em disponibilidade”. A intenção é licitar rapidamente pacotes dessas áreas, por meio de leilões eletrônicos.

Numa primeira leitura, é possível afirmar que, da maneira como está sendo planejada pelo Governo, o aumento da ativi-dade mineral gerará tensão nas UCs. Basta sobrepor a base de dados com os pedidos de pesquisa e lavra do Departamento Nacional de Produção Mineral ao mapa das áreas protegidas para que se acenda o sinal de alerta, conforme mostra o WWF. Se passarem as medidas de flexibilização das regras do licen-ciamento ambiental como querem alguns setores do Governo, e de parte do setor industrial, o Brasil poderá retroceder nas salvaguardas socioambientais para grandes obras. “Não dá para apostar todas as fichas nos investimentos e esquecer as salvaguardas ambientais e sociais”, alerta Maurício Voivodic, Diretor Executivo do WWF-Brasil.

Há apenas uma única e discreta menção no pacote do Governo sobre ações relativas a barragens de rejeitos de mine-ração, numa alusão ao traumático rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em Novembro de 2015, tido como o maior desastre ambiental ocorrido no Brasil.

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Benedito Braga é uma das maiores autoridades mundiais no tema da água. Foi Diretor da ANA - Agência Nacional de Águas, Presidente do Conselho Brasileiro do Programa Hidrológico Internacional (PHI) da UNESCO e atual Pre-sidente do Conselho Mundial da Água, a maior instituição internacional ligada a recursos hídricos, com sede em Marselha, França. Professor da USP e atual Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Governo do Estado de São Paulo, ele é o principal responsável por organizar o Fórum Mundial da Água que, em sua oitava edição, acontecerá no ano 2018 em Brasília. É a primeira vez que o Cone Sul sedia esse evento que se realiza de três em três anos. A atenção mundial da área de saneamento básico se volta para o Brasil e para esse brasileiro, que falou para o Informativo REBOB sobre o que está sendo feito para que o nosso país tenha um bom desempenho no evento do próximo ano.

A presença de um brasileiro na presidência do Conselho Mundial da Água faz com que os olhos do mundo tenham uma expectativa maior sobre o fato do Fórum Mundial da Água acontecer no País. O Sr. está vendo movimentos que sinalizem que o Brasil pode fazer um Fórum Mundial da Água de grande alcance mundial?

O Brasil é um país continental, que tem em seu território uma das maiores reservas de água doce em estado líquido do mundo, e tem vários cenários diferentes, desde o excesso de chuvas até a seca histórica no semiárido do Nordeste. Por todos esses fatores físicos e por tudo o que o País tem avançado em governança, engenharia e pesquisa na área, acreditamos que o Brasil pode realizar um evento de excelente nível técnico e político. O Fórum Mundial da Água é organizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água e pelo país e cidade anfitriã. Ao todo, já ocorreram sete edições, as quais foram distribuídas estrategicamente em países de diferentes continentes. Essa distribuição busca representar as diferen-tes temáticas de usos e de gestão do recurso água. A última edição do evento aconteceu em 2015, na Coreia do Sul, em duas cidades: Daegu e Gyeongbuk. O evento, que é o mais importante sobre o tema da água no mundo, contribui para o diálogo do processo decisório sobre o tema da água em nível global, visando a segurança hídrica através da criação de infraestrutura e uso racional e sustentável deste recurso.

Juliana Amorim Arantes | Jornalista da Rede Brasil de Organismos de Bacias Hidrográficas - REBOB

Por sua abrangência política, técnica e institucional, o Fórum tem como uma de suas características principais a participação aberta e democrática de um amplo conjunto de atores de diferentes setores, traduzindo-se em um evento de grande relevância na agenda internacional. Participam gover-nantes, especialistas acadêmicos, representantes de órgãos de fomento, ONGs e empresas que atuam no setor.

A crise moral porque passa o País e a troca de comando de governos podem de alguma forma ameaçar o engajamento necessário dos governos na realização do Fórum?

O Brasil não passa por uma crise moral. Pelo contrário, estão sendo postas e discutidas questões importantíssimas para definir que País somos e que País queremos ser. Como todo país democrático, os rumos têm que ser discutidos e caminhos têm que ser apontados para que avancemos como civilização. Todos os países passam ciclicamente por situações como esta e, como a água é um bem fundamental, que está ligado a todas as áreas da nossa vida, creio que a discussão do seu futuro vai mobilizar, como sempre faz, governos, especialistas, empresas e a sociedade em geral.

A crise da água no mundo não é apenas uma ameaça

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Entrevista com Benedito BragaPresidente do Conselho Mundial da Água e Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos de SP

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O que está faltando para que a mídia brasileira se engaje de forma mais efetiva na estruturação desse Fórum?

A mídia normalmente busca os fatos mais imediatos do

cotidiano. Com a aproximação da data do evento, deve haver maior participação em geral. A troca de experiências nas áreas de sustentabilidade e segurança hídrica durante o Fórum deverá resultar em políticas públicas importantes para o País, que podem beneficiar diretamente a população. O debate sobre estas políticas se torna ainda mais importante diante das situações que o País tem enfrentado, como aconteceu com São Paulo, Distrito Federal e o Nordeste. Em breve, a mídia deve se aperceber disso.

É a primeira vez que o Fórum acontece no Cone Sul e por isso tem uma característica continental, dada a importância do Brasil na América Latina. O senhor percebe na sociedade brasileira a consciência e o comprometimento para que o Brasil assuma um papel de liderança regional nesse tema?

Pelas características físicas que citamos na primeira resposta e por seu papel de liderança na América Latina, o Brasil pode e deve assumir um papel de protagonista na questão da água. Em 2014, a candidatura do Brasil foi selecionada e Brasília a escolhida como cidade-sede do evento. Desse modo, o evento ocorrerá pela primeira vez no Hemisfério Sul. O tema “Com-partilhando a Água” é muito importante, já que temos 261 países que dividem bacias hidrográficas e com esse recurso se tornando cada vez mais escasso, é fundamental criar políticas que permitam o seu uso racional em conjunto.

O Brasil, por exemplo, compartilha a Bacia Amazônica e a Bacia do Paraná/Prata com diversos países. Os temas dos fóruns são sempre uma sequência de discussões, mantendo um diálogo constante e evolutivo. Com as mudanças do clima, a questão da água se torna cada vez mais importante, porque ela tem reflexos diretos na qualidade de vida e no crescimento econômico.

Na Coreia, em 2015, foram 40 mil visitantes e 18 mil participantes em palestras e workshops. A expectativa é de que em Brasília tenhamos ainda mais. O Fórum tem painéis glo-bais e regionais, com temas como investimento, ecossistemas, governança e sustentabilidade não só na área ambiental, mas também na econômica e social. A parte técnica do evento, com os órgãos técnicos e governamentais, acontecerá no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. A parte empresarial terá lugar no Estádio Mané Garrincha, na feira anexa.

Na situação em que o mundo vive neste momento, quais os resultados que representariam avanços significativos para a gestão de recursos hídricos no Planeta?

A crise da água no mundo não é apenas uma ameaça em

si mesma, mas um risco múltiplo, envolvendo saúde, produ-ção de alimentos e geração de energia, entre outros campos, e se refletindo diretamente na estabilidade política e social. Segurança hídrica significa disponibilidade confiável em níveis aceitáveis de quantidade e qualidade de água para saúde, sustento e produção, conjugada a um nível também aceitável de riscos. Em outras palavras, significa proteger a sociedade de perigos associados a enchentes e secas e garantir acesso das pessoas à água, contribuindo para seu desenvolvimento social e econômico.

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Mas esse avanço exige infraestrutura e isso só se consegue com investimento de longo prazo. O que significa que nas próximas décadas precisaremos, aqui no Brasil e no mundo todo, de mais infraestrutura, uso eficiente dos recursos, planejamento e governança fortalecida. Ou seja - usando uma adaptação livre - a construção da resiliência do setor envolve três “i”s: Instituições (governança, comitês de bacia, regulação e organizações que deem suporte); Infraestrutura (aumentar a capacidade de armazenamento para resiliência a eventos extremos) e Investimento (a infraestrutura hídrica tem custos associados elevados). Segundo o Banco Mundial, para que o mundo todo tenha acesso a abastecimento de água e saneamento até 2030 seria necessário um investimento aproximado de U$ 50 bilhões anuais. E o benefício direto de se atingir a segurança hídrica em nível global seria um cresci-mento da economia mundial de 0,5%, o que significaria um incremento de U$ 500 bilhões anuais de riqueza produzida. Superar esses desafios é um chamado para as lideranças nos níveis governamentais mais altos em todo o mundo. Vamos continuar trabalhando juntos e unir esforços para dar à segurança hídrica a importância que ela merece.

Na realização deste evento no Brasil, quais os exemplos de boas práticas que o mundo levar do Brasil?

Temos a importante experiência de São Paulo, que

enfrentou uma aguda crise hídrica com a seca de proporções inéditas registrada em 2014/15. As soluções encontradas e o aprendizado são importantes, tanto que outros países e outros estados têm vindo conhecer o que foi feito aqui no período. Acredito que temos dois legados muito claros e importantes da crise hídrica. O primeiro, de caráter comportamental, é a mudança de hábitos no consumo da água por parte da grande maioria da população, e o segundo, no plano da infraestru-tura, é a constatação de que, para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, é necessário contar com estruturas redundantes. Mais do que nunca, na crise todos sentimos o quanto a água é importante e o debate sobre o tema tomou conta da sociedade e daqueles que são encarregados de decisões na esfera político-governamental.

A aderência de mais de 80% da população da Grande São Paulo à atitude de racionalização da água, estimulada pelas campanhas educativas do Governo do Estado e da Sabesp e pela adoção do bônus/ônus, mostra o quanto foi bem sucedida essa ação. E a permanência de índices de consumo cerca de 20% inferiores aos de antes da crise deixa claro que essa mudança comportamental veio para ficar. No campo da infraestrutura, obras de redundância, como as interligações Rio Grande-Alto Tietê e Jaguari-Atibainha, vêm para trazer um nível de segurança hídrica muito acima do que tínhamos antes. São obras que ficarão boa parte do tempo de “stand by”, mas que poderão ser acionadas a qualquer momento quando necessárias. Em suma, caminhamos para o futuro com muito mais segurança e conhecimento, preparados para novos desa-fios que venham a ocorrer. São Paulo e o Brasil também têm experiências interessantes na área de governança. Os comitês de bacia são um grande avanço nesse sentido funcionando de forma participativa, democrática, dinâmica e de elevado nível técnico. São os verdadeiros parlamentos da água, onde se resolvem os conflitos sobre o uso desse bem fundamental não com foco na disputa, mas com foco em qual a melhor forma de compartilhá-lo. E, falando em compartilhar a água, que é o tema do Fórum, temos ainda o exemplo do uso da água da represa Jaguari, do rio Paraíba do Sul. Esta represa, que hoje abastece o Rio, poderá em breve fornecer água para São Paulo também através da obra de interligação Jaguari-Atibainha. Essa obra permitirá inclusive que a água do Cantareira possa ser bombeada no sentido inverso, para a Jaguari, para ajudar o Rio de Janeiro caso a seca afete o reservatório que atende a maior parte dos cariocas. Assim, com uma obra só e um trabalho de governança muito interessante, estamos compartilhando a água e aumentando a segurança hídrica para a população dos dois estados.

Braga, qual é a sua expectativa em relação à realização do Fórum Mundial da Água no Brasil?

A mudança de comportamento da população em relação à falta d´água é um dos legados que o Brasil vai levar ao Fórum.

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As ações implementadas na Amazônia brasileira pelo governo federal entre os anos de 2003 e 2010 foram respon-sáveis por um expressivo ganho de qualidade na governança socioambiental na região, o que redundou em uma significativa redução do desmatamento. A afirmação resulta de análises feitas durante a pesquisa de doutorado de João Paulo Ribeiro Capobianco, desenvolvida no Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP) sob orientação do físico José Goldemberg, Ministro do Meio Ambiente em 1992 e que, atualmente, é Presidente da FAPESP.

A pesquisa buscou identificar e descrever o marco conceitual e os fundamentos que orientaram as ações governamentais, assim como seus diferenciais em relação ao desenvolvido desde a década de 1960, quando a Amazônia passou a ser objeto de ações planejadas por parte do governo federal. A partir disso, foi feito um comparativo com ações na região realizadas em gestões anteriores, especificamente na década de 1990.

O objeto da análise foi o conjunto de políticas públicas, planos e ações elaborados entre os anos de 2003 e 2010, com avaliação específica e detalhada de ações em três frentes, compostas pelo Programa Amazônia Sustentável (PAS), desenvolvido para promover o desenvolvimento sustentável na macrorregião amazônica, pelo Plano BR163 Sustentável, voltado ao desenvolvimento local de regiões ameaçadas pela expansão da chamada fronteira predatória, e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), para intervenções imediatas e reversão de índices de desmatamento em curso.

Samuel Antenor | Jornalista da Agência FAPESP

Governança garantiu avanços na Amazônia, diz Capobianco

Com base em dados públicos oficiais, Capobianco analisou ainda eventuais efeitos de políticas públicas implementadas nesse período sobre os vetores socioeconômicos, incluindo a exploração e o uso de recursos naturais na Amazônia, a fim de discutir os efeitos duradouros dessas políticas na região. “Durante a pesquisa foram verificados os efeitos das ações de controle do desmatamento entre 2003 e 2010 e analisados comparativamente a evolução da área plantada de soja e do rebanho bovino, o preço das commodities e o desmatamento, incluindo sua dinâmica espacial”, explica o pesquisador.

De acordo com dados usados na pesquisa, à medida que diminuiu o desmatamento, aumentou a área de soja plantada, que não foi afetada pelo aumento do valor do grão no mercado. O mesmo aconteceu com a evolução anual do rebanho bovino na Amazônia Legal, que manteve seu ritmo de crescimento mesmo com a queda no desmatamento.

Para a análise dessas questões, os dados usados na pes-quisa foram fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) da Escola Superior de Agri-cultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP. O pesquisador considerou também a evolução do número de autuações por danos à flora emitidas pelo IBAMA no período de 2000 a 2012 e a evolução do crédito destinado à agricultura e à atividade pecuária na Amazônia legal, entre 1999 e 2012, nos municípios prioritários para a implantação de medidas de controle do desmatamento.

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De acordo com Capobianco, algumas premissas foram consideradas essenciais para que fossem alcançados resultados nas três frentes analisadas. “A questão da sustentabilidade na Amazônia passou a ser encarada como um problema de governo, saindo da esfera setorial do Ministério do Meio Ambiente e obtendo o aval direto da presidência da República para a sua articulação, o que garantiu densidade política e poder de convocação interna no aparato de governo”, afirma o pesquisador, que trabalhou também como Secretário Exe-cutivo do Ministério do Meio Ambiente durante a gestão de Marina Silva (2003-2008).

Para ele, as ações intersetoriais no período, que envol-veram tanto os ministérios quanto os órgãos vinculados do governo federal relacionados ao tema, influenciaram direta ou indiretamente a solução do problema por meio do uso de capacidades institucionais. “Foi estabelecido um sistema de avaliação permanente das políticas implementadas, gerando informações periódicas com qualidade e credibilidade, o que contribuiu para consolidar uma comunidade externa de apoio para a definição, implementação e pressão por continuidade das políticas públicas na área”, avalia Capobianco.

Índices sustentáveis

A obtenção de índices considerados promissores na questão do controle do desmatamento na Amazônia, segundo o estudo, resultou da substituição das ações pontuais de controle do desmatamento na Amazônia, iniciadas nos anos 1990, por uma série de políticas governamentais de controle do desma-tamento, feitas no período compreendido pela pesquisa.

Os números oficiais mostram que houve um aprimo-ramento entre as ações de monitoramento, fiscalização e controle ambiental.

“O monitoramento do INPE passou a controlar o des-matamento em tempo real, acompanhado por centenas de operações do IBAMA integradas com o INCRA. Houve um inédito protagonismo da Polícia Federal que, com a Polícia Rodoviária Federal e o Exército, além das polícias ambientais estaduais, atenderam a um planejamento estratégico que con-siderou critérios técnicos e prioridades territoriais”, diz ele.

Para José Goldemberg, a análise revela que a queda no desmatamento na Amazônia só pode ser mantida com políticas públicas consistentes e ações organizadas, em diferentes frentes. “Isso denota uma estratégia complexa adotada pelo governo durante o período, garantindo que a sociedade civil entendesse a importância de diminuir o desmatamento”, conclui.

Capobianco aponta outros motivos que contribuíram para a queda no desmatamento na Amazônia brasileira durante o período analisado. “Foi feito um ordenamento territorial, com a destinação de cerca de 25 milhões de ha para UCs, priorizando zonas de conflitos e de expansão da fronteira agrícola. Também houve a homologação de terras indígenas, a implementação de sistemas de licenciamento e cadastramento ambiental georreferenciado de imóveis rurais, os zoneamentos ecológico-econômicos estaduais e a criação do ICMBio.”

Na pesquisa, destaca outras ações corresponsáveis pela queda no desmatamento da Amazônia, como o combate à grilagem, com o cancelamento de cerca de 66 mil pleitos de títulos de terra sem origem legal comprovada no Incra, a modificação dos mecanismos e procedimentos para registro de posse e o estímulo à exploração florestal sustentável.

“A regulamentação do sistema de gestão de florestas públicas e do controle de circulação de madeira e a ampliação da área de florestas manejadas certificadas na Amazônia, entre outros motivos, também contribuíram para ampliar o conjunto de fatores que levaram à queda no desmatamento.”

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Ao longo do ano, a floresta amazônica passa por diferen-tes mudanças. No sobe e desce dos rios, quanto de matéria orgânica é retida em madeira na floresta? Para responder esta e outras questões, pesquisadores do Instituto Mamirauá estão monitorando duas áreas de uma Unidade de Conservação no Amazonas, com o objetivo de avaliar a dinâmica florestal em ambientes com diferentes níveis de alagação. Em parceria, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) estão testando e validando os dados de um sensor de georreferenciamento para estimar a biomassa da floresta.

Os dois projetos de pesquisa contam com o financiamento do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desen-volvimento (BNDES). “Com o monitoramento das parcelas permanentes, comparamos os ambientes de várzea alta e baixa para verificar se há diferenças na dinâmica e composição da estrutura florestal desses dois ambientes. Buscamos, também, entender quanto de carbono a floresta estoca, se ela estoca ou não e o quanto de biomassa lenhosa ela está produzindo”, comentou Tamara Felipim, do Grupo de Pesquisa de Eco-logia Florestal do Instituto Mamirauá - que atua como uma unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação.

De acordo com Tamara, a partir dos dados coletados em campo, é feito um cálculo com base em modelos estatísticos para estimar estocagem de carbono pela floresta naquela área. “A quantificação da biomassa e do carbono da Amazônia é objeto de estudos de diversos pesquisadores que, a partir de diferentes metodologias e dados, buscam entender a dinâmica da vegetação da região”, completou Aline Jacon, pesquisadora no INPE. Ela destaca que os mapas desenvolvidos a partir desses estudos podem servir como subsídio para a criação de políticas públicas sobre emissões de gás carbônico, assim como sobre estimativas de balanço de carbono.

A pesquisa é realizada na Reserva de Desenvolvimento Mamirauá. São 12 parcelas - áreas demarcadas, que funcionam como amostras florestais para a pesquisa - instaladas em dois setores administrativos da Reserva, em áreas com diferentes níveis de inundação: várzea alta e várzea baixa. Cada parcela mede 50 por 200 metros. Dentro da área, são registrados e identificados todos os indivíduos que possuem mais de 10 cm de diâmetro. A proposta do projeto é que estas parcelas sejam monitoradas anualmente e serão avaliadas e comparadas as diferenças da dinâmica florestal nestes dois ambientes.

“A floresta é um sistema dinâmico, todo ano tem mudanças, com as remedições anuais, a gente vai conseguir responder algumas questões, por exemplo, ao avaliar a dinâmica florestal, o incremento de biomassa, a estrutura florestal, a diversidade de espécies e a influência da água nesta dinâmica, teremos subsídios para responder quão significativas foram essas mudanças”, enfatizou Tamara.

Amanda Lelis | Jornalista do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá

Instituto Mamirauá pesquisa dinâmica da floresta amazônica

Uma parte das parcelas foi instalada em 2015, em uma área contemplada pelo manejo florestal comunitário. A pro-posta, como explica a pesquisadora do Instituto Mamirauá, é avaliar os impactos do manejo na dinâmica florestal. A ação, desenvolvida pelo Instituto Mamirauá, também conta com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para o pagamento de bolsas de estudo.

Na mesma área monitorada pelo Instituto Mamirauá, uma equipe de técnicos e pesquisadores do Centro de Ciências do Sistema Terrestre do INPE está testando metodologias para otimizar os cálculos de estimativa de biomassa da floresta amazônica. “O projeto Monitoramento Ambiental por Satélite no Bioma Amazônia tem como objetivo propor melhorias para as estimativas de biomassa e para os modelos que esti-mam as emissões oriundas por mudança do uso da terra na Amazônia, por meio de dados LiDAR (Light Detection And Ranging - ALS - Airborne Laser Scanning) aerotransportado”, explica Aline Jacon.

De acordo com Aline, o LiDAR é um sistema de sensoria-mento remoto, que coleta informações por meio da emissões de luz laser, e que possibilita extrair métricas sobre a estrutura e altura do dossel florestal da área contemplada pelo sobre-voo. Em Fevereiro deste ano, a equipe esteve em campo para georreferenciar as parcelas do setor Jarauá, a fim de validar os dados de biomassa obtidos a partir de um sobrevoo já realizado com a tecnologia na mesma região em 2016.

A pesquisadora esclarece que, para calibrar o modelo que estima a biomassa florestal, a partir dos dados do LiDAR, “é necessário que a biomassa das árvores seja medida em campo, dentro de cada parcela, seja conhecida e localizada”.

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O termo Caatinga vem do Tupi e significa algo como “mata” (caa) “branca” (tinga). Esse aspecto de mata seca, no entanto, não corresponde à realidade do bioma em toda sua complexidade, porque no período de chuvas a Caatinga é uma floresta verde e, além disso, rica em biodiversidade. “A Caatinga é a única floresta exclusivamente brasileira. Trata-se de uma floresta seca tropical, o que é inusitado, mas esta é a região semiárida do Planeta com maior biodiversidade”, pontua Rodrigo Castro, pesquisador e Coordenador-Geral do Projeto de Conservação do Tatu-bola. “As árvores abortam suas folhas como um processo de adaptação climática, para resguardar as plantas da perda de água por transpiração, porque sem folhas transpiram menos e suportam melhor o período de seca”, explica.

“Tendo condições de se regenerar, sem caça, fogo e desmatamento, a Caatinga tem uma grande capacidade de regeneração. A restauração florestal se dá espontaneamente com a sucessão natural do meio ambiente”, reiterou Castro, durante sua conferência “Bioma Caatinga: biodiversidade, riquezas e fragilidades” (no dia 25 deste mês), que integra a programação do evento “Os biomas brasileiros e a teia da vida”, promovido pelo IHU.

Ricardo Machado | Jornalista do Instituto Humanitas Unisinos

A força da biodiversidade e da vontade de viver da Caatinga

Teia da vida

Castro destaca que a relação evolutiva da espécie humana sempre foi muito arraigada à relação com as árvores e às flo-restas, mas que o Brasil é, atualmente, líder mundial negativo no que diz respeito à preservação das matas nativas.

“O Brasil lidera o ranking dos países com maior perda de floresta nativa, segundo levantamento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO com dados de 2010 a 2015. A taxa de desmatamento do Cerrado é maior que da Amazônia, seguido da Caatinga”, descreve Rodrigo Castro.

Por outro lado, mais da metade das floretas nativas sobreviventes em escala global estão nas regiões tropicais e subtropicais, da qual o Brasil faz parte. Entretanto, o ponto central é que estas regiões também são as mais frágeis econo-micamente. “A monocultura, principalmente as plantações de soja e milho, e a ocupação do território por meio do cres-cimento das cidades tem afetado a preservação ambiental. Some-se a isso o uso da lenha e o carvão vegetal para queima com vistas à produção energética, que tem gerado prejuízo grande à Caatinga”, sustenta o conferencista.

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Rios voadores

A crise hídrica que atingiu fortemente a região sudeste a partir de 2014 está também relacionada aos poucos cuidados com as regiões interioranas do Brasil, onde estão as nascentes de água. Ainda há a questão do aquecimento global, que interfere no equilíbrio ambiental em sentido mais amplo, porque as florestas também são depósitos de carbono, que vão parar na atmosfera quando elas são queimadas.

“Quanto maior for o desmatamento da Amazônia mais erráticos serão os ciclos das chuvas. Avançarmos no desmata-mento da Amazônia em nome da agricultura é um tiro no pé, porque sem chuva não há agricultura nem grãos para serem exportados e manterem a balança comercial brasileira”, frisa Castro. “Esses rios voadores viajam por até 4 mil quilômetros e precipitam grandes volumes de água o que é fundamental para várias regiões”, complementa.

Quanto vale a floresta?

Engrossando o coro de outros conferencistas que partici-param do ciclo de debates sobre os biomas brasileiros, Rodrigo Castro aposta na importância de se valorizar economicamente a sustentabilidade da Caatinga a partir da ideia da “floresta de pé”. “Atribuir valor à riqueza da biodiversidade da Caatinga encurta o caminho para a sustentabilidade. O que eu posso extrair da floresta manejando ela sem desflorestar?”, provoca. “A questão não é o lucro a curto prazo e a destruição, mas a construção de um valor agregado em médio e longo prazo”, propõe o pesquisador.

Nesse sentido, um dos caminhos que ele aponta é tentar mobilizar a sociedade e as comunidades que defendem seu sustento da preservação ambiental da Caatinga. “É necessário ampliar o conhecimento sobre os recursos florestais, o que consequentemente levará a uma justificativa econômica, porque considerando que estamos em uma economia de mercado, essa estratégia permitirá que tenhamos mais sucesso”, analisa Rodrigo Castro.

Alternativas

Estas estratégias já estão sendo colocadas em prática em vários locais do Nordeste brasileiro com a produção de mel, cooperativas de recolhimento e seleção de resíduos sólidos que antes iam para o meio ambiente, mutirão de construção de cisternas que custam menos de R$ 2 mil e garantem segurança hídrica para uma família de até cinco pessoas durante um ano. “Não precisa desmatar para plantar, há a possibilidade de fazer o uso da terra de forma consorciada e sustentável”, sublinha.

Outro mecanismo que parece ser importante para uma preservação sustentável social e ambientalmente é a criação de incentivos financeiros, por parte do Estado, para quem presta serviços ambientais.

“Quem preserva a natureza precisa de uma equação matemática econômica para se sustentar. Muitos países já trabalham com isso e o Brasil está atrasado. Há dois progra-mas no Brasil que tratam disso o Marco regulatório sobre Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil e o programa Produtor de Água”, apresenta Castro.

Há também a alternativa das cotas reserva ambiental, mas que não existe de maneira efetiva no país. “As cotas de reserva ambiental permitem que um produtor que não tenha protegido sua cota de área conforme o Código Florestal possa pagar para que em outro terreno um outro proprietário man-tenha preservado uma área equivalente a sua cota”, esclarece o palestrante.

Quando se fala em preservação e recuperação de áreas degradadas imagina-se um trabalho cujos frutos só serão colhidos em décadas. Todavia, na Caatinga se uma nascente seca, ela volta a brotar água quatro anos depois de ter sua região reflorestada. “O tatu bola só será salvo se protegermos as áreas onde eles vivem e é nestas áreas onde estão as nascentes que dão a segurança hídrica às pessoas que vivem nas grandes cidades”, reitera Castro.

“Um futuro possível depende de nós e só de nós. Da nossa coragem e engajamento”, complementa.

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Alguns Estados já têm tido racionamento de água e espe-cialistas afirmam que o desmatamento do Cerrado é uma das causas do problema. No dia 22 de Março é comemorado o Dia Mundial da Água, e na área dos recursos hídricos, o Cerrado é fundamental para o Brasil continuar tendo água.

Notícias sobre racionamento de água já foram manchetes em alguns Estados do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e agora Brasília. Diferentes estudos da Universidade Federal de Goiás, da Universidade de Brasília, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Brown University (publicada na revista científica Global Change Biology em 2016) apontam que o desmatamento no Cerrado é uma das causas para a crise. Isso porque o Bioma é considerado o berço das águas; é no Cerrado onde estão localizados os três grandes aquíferos que abastecem boa parte do país: Guarani, Urucuia e Bambuí.

O Cerrado ocupa um quarto do território nacional e está localizado no coração do Brasil, abrangendo 13 Estados. Apesar de sua importância para o equilíbrio ambiental, o Cerrado tem sido destruído nas últimas décadas para a expansão do agronegócio e grandes empreendimentos e mais de 50% da sua vegetação já foi desmatada.

A legislação brasileira não garante plena proteção ao Cerrado. Apenas 11 por cento do Cerrado é coberto por Reservas ou Unidades de Conservação, comparados com quase 50% da Amazônia.

Bianca Pyl | Jornalista

Campanha contra os impactos da destruição do Cerrado

A Campanha

Enquanto um proprietário de terras é obrigado a proteger 80 por cento da floresta se sua fazenda estiver na Amazônia, no Cerrado essa porcentagem cai para 35 por cento. Em outras palavras, o desmatamento permitido, legal, é muito mais comum.

Com o objetivo de alertar a sociedade para esse e outros impactos, 43 organizações e movimentos sociais se uniram para lançar a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado. A campanha busca valorizar a biodiversidade e as culturas dos povos e comunidades do Cerrado, que lutam pela sua preservação.

A água é o mote atual da Campanha “Sem Cerrado, sem água, sem vida” para reforçar o papel central do Bioma Cerrado no abastecimento de água do país.

A Campanha prevê ações ao longo dos próximos dois anos, e, além de dar visibilidade ao Bioma, busca promover a visibilidade dos povos e comunidades tradicionais que vivem nas regiões de Cerrado, já que eles convivem historicamente de forma harmônica com o meio ambiente. As organizações envolvidas buscam também trazer para a esfera política o debate sobre a elevação do status do Cerrado para Patrimô-nio Nacional e exigir um acordo político para estancar o desmatamento.

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O Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, anun-ciou no dia 26 do mês passado (Abril) o reconhecimento pela Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Interna-cional de sete novos Sítios Ramsar no Brasil. A divulgação das novas áreas foi feita durante o I Congresso Nacional de Direito Ambiental Florestal da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo. “Hoje compartilho com vocês mais uma conquista: foram reconhecidos sete novos Sítios Ramsar no País. É um aumento muito expressivo da nossa participação na Lista de Ramsar, passando de 13 para 20 Sítios”, detalhou Sarney Filho.

O Ministro explicou que a Convenção de Ramsar estabelece marcos para ações nacionais e cooperação internacional, para promover a conservação e o uso racional de áreas úmidas no mundo. “Essas áreas são fundamentais pela sua biodiversidade e os importantíssimos serviços ecossistêmicos que prestam, além de seu valor socioeconômico, cultural, científico e recreativo”, declarou.

O reconhecimento como Sítio Ramsar favorece ao Brasil a obtenção de apoio internacional para o desenvolvimento de pesquisas, o acesso a fundos internacionais para financiamento de projetos e a criação de um cenário favorável à cooperação internacional.

Segundo o Diretor do Departamento de Conservação de Ecossistemas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Carlos Alberto Scaramuzza, o pedido de reconhecimento dessas áreas é antigo e a atenção dada pelo Ministro Sarney Filho ao tema contribuiu para esse desfecho. “O que fizemos foi um acompanhamento mais próximo da tramitação. Esse reconhecimento chega num momento bem interessante, quando estamos montando a estratégia para implementação de Ramsar no Brasil”, contou.

Scaramuzza informou que será realizada uma oficina de trabalho, em Brasília, nos dias 25 e 26 de Julho, para a ela-boração da estratégia. A reunião contará com a participação dos gestores das 20 áreas reconhecidas no Brasil e de repre-sentantes do Comitê Nacional de Zonas Úmidas (CNZU). “Os Sítios Ramsar representam as áreas úmidas brasileiras reconhecidas internacionalmente pela sua importância. É como se os Sítios fossem o foco para promovermos ações de conservação em áreas úmidas”, disse o diretor.

Foram contemplados como novos sítios Ramsar brasilei-ros: Parque Nacional do Viruá (Roraima), Parque Nacional de Anavilhanas (Amazonas), Reserva Biológica Federal do Guaporé (Rondônia), Estação Ecológica Federal do Taim (Rio Grande do Sul), Estação Ecológica Federal de Gua-raqueçaba (Paraná), Parque Nacional e a Área de Proteção Ambiental (APA) de Fernando de Noronha (Pernambuco) e Lund-Warming, que é uma parte da APA Federal Carste Lagoa Santa (Minas Gerais).

Renata Leite | Jornalista do MMA

Convenção reconhece 7 novos Sítios Ramsar no Brasil

Parque Nacional de Anavilhanas

O Parque Nacional de Anavilhanas, arquipélago fluvial localizado no Mosaico de Unidades de Conservação do Baixo Rio Negro, no Estado do Amazonas, está inserido no Corredor Central da Amazônia pelo Projeto Corredores Ecológicos. O Parque é Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO, além de ser umas das 16 Unidades de Conservação (UCs) federais consideradas prioritárias para estruturação da visitação por parte do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

De grande beleza cênica, o Parque Nacional de Anavi-lhanas apresenta formações florestais diversas, como floresta ombrófila densa, igapó, campina e campinarana, caatinga-gapó e chavascal, além de ecossistemas fluviais e lacustres. A parte fluvial do Parque, com mais de 400 ilhas, aproximadamente 130 km de extensão e em média 20 km de largura, representa 60% da Unidade, enquanto a porção de terra firme representa 40%. Cerca de 70 lagos desenham a paisagem com formatos elípticos alongados.

Fernando de Noronha

O Sítio Ramsar corresponde ao Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e à APA de Fernando de Noronha, Rocas, São Pedro e São Paulo. Com cerca de 2,6 mil hectares, a área abriga um alinhamento de montanhas subaquáticas que se estende do Atlântico Dorsal para a plataforma continental brasileira. Há elevada quantidade de algas e vegetação arbórea. Fernando de Noronha é um dos destinos mais populares do Brasil e recebe aproximadamente 60 mil turistas por ano.

Parque Nacional de Anavilhanas, Amazonas

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Estação Ecológica de Guaraqueçaba

A Estação Ecológica de Guaraqueçaba no Paraná é uma UC de Proteção Integral, sendo formada por manguezais, restingas e ilhas litorâneas. Possui uma área total de 5.928 hectares e está totalmente inserida na APA de Guaraqueçaba. A região é considerada uma das melhores do país para observação de aves da Mata Atlântica. Lá ocorrem mais de 300 espécies de aves, entre elas, o papagaio-da-cara-roxa e o garimpeirinho. Também ocorrem espécies como o gavião-pomba, o sabiá-pimenta e o mico-leão-da-cara-preta e o boto cinza.

Reserva Biológica Guaporé

Localizada na região sul do Estado de Rondônia, limite com a Bolívia, foi criada em 1982 com a finalidade de proteger o ecossistema de transição entre Pantanal, Cerrado e Floresta Amazônica. Faz parte do Corredor Ecológico Guapore/Itenez Mamoré, criado para minimizar os efeitos do desmatamento na região da BR-364, no Estado. Assemelha-se ao Pantanal mato-grossense devido aos regimes hídricos dos rios da região, principalmente o Guaporé. A Reserva possui formações pioneiras aluviais conhecidas como campos alagados do Guaporé, além de savanas, floresta estacional semidecidual, floresta ombrófila aberta de aluviais e manchas de floresta ombrófila densa. Abriga espécies ameaçadas de extinção como cervo do pantanal, cachorro vinagre, onça pintada, tamanduá bandeira, ariranha e tatu canastra. É uma área relevante para espécies de aves e peixes, além de servir de área de reprodução de tartaruga da Amazônia e outros quelônios.

Parque Nacional Viruá

O Parque Nacional Viruá, no Estado de Roraima, é a Unidade de Conservação com a maior riqueza de espécies de vertebrados registradas no Brasil (mais de 1,2 mil espécies), com populações de 119 espécies de mamíferos, 531 espécies de aves, 71 espécies de répteis, 47 espécies de anfíbios e 500 espécies de peixes. A diversidade da flora está estimada em mais de 4 mil espécies. Em 2014, foi o Parque Nacional da Amazônia mais pesquisado e o terceiro na taxa anual de recebimento de turistas.

O Parque realiza programas de combate ao incêndio, monitoramento da biodiversidade, ecoturismo de base comu-nitária, controle da caça de tartaruga no Rio Amazonas, além de campanhas e programas educativos.

Estação Ecológica de Taim

Na Estação Ecológica de Taim, no Rio Grande do Sul, destacam-se praias, falésias, sistema de banhados e áreas alagadas. É uma das zonas mais ricas em aves aquáticas da América do Sul. Por ser um dos remanescentes deste tipo de ecossistema, tem grande valor como patrimônio genético e paisagístico. O banhado do Taim possui uma função muito importante para a manutenção do equilíbrio ecológico da região, como a produção de alimento, a conservação da biodiversidade, a contenção de enchentes e o controle da poluição. Os processos mais importantes nesse ecossistema são a geração de solo, a produção vegetal e a estocagem de nutrientes, água e biodiversidade.

A Reserva é moradia de pelo menos 30 espécies diferentes de mamíferos e 250 aves, com destaque para animais como o cisne-de-pescoço-preto, capororoca, tachã, garça-moura, cabeça-seca, socozinho, ximango, martim-pescador, marrecão e marreca-piadeira.

Peter Lund Karst

O Sítio corresponde a uma parcela da Área de Proteção Ambiental Federal Carste Lagoa Santa, em Minas Gerais. É composto por rios, lagos e pântanos de água doce, águas alcalinas subterrâneas e sistemas hidrológicos cársicos sub-terrâneos. O plano de manejo da área está em processo de revisão. Entre as ameaças enfrentadas pela APA se encontram a agricultura, pastagem, urbanização, construção de rodo-vias e construção de sumidouros que podem contaminar o sistema hídrico.

Atualmente, existem propostas para a criação de um pro-grama de monitoramento da água superficial e subterrânea, para a criação de um programa que ofereça tecnologias alternativas para a agricultura, para o tratamento do esgoto de toda região e para a promoção do turismo com o objetivo de explorar as 800 cavernas e o potencial arqueológico da região.

APA Federal Carste Lagoa Santa, em Minas Gerais

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O Acordo de Paris esta-beleceu uma nova direção e um roteiro para o mundo. Os governos adotaram este Acordo histórico e apresentaram Contri-buições Nacionalmente Deter-minadas (NDCs) que descrevem seus planos e ações para um caminho de desenvolvimento mais limpo e um futuro mais resiliente ao clima.

A maioria dos NDCs foi apresentada em suas versões originais antes da 21ª Conferência das Partes (COP-21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), num esforço coletivo para construir confiança e demonstrar a vontade política que logo depois foi Galvanizado no Acordo de Paris. Antes de 2020, os governos terão a oportunidade de atualizar os seus compromissos a fim de cobrir todos os aspectos da ação climática. Nesse sentido, um dos maiores desafios que enfrentamos é a conexão entre a ação climática e os oceanos.

Isauro Torres | Diretor de Meio Ambiente e Assuntos Oceânicos, Ministério das Relações Exteriores do Chile

O oceano como nova fronteira da ação climática

Os oceanos desempenhas um papel crítico na resposta global às alterações climáticas. Eles absorvem quase 30% de todos os gases de Efeito Estufa, bem como 90% do excesso de calor causado pelo aquecimento global. No entanto, isso vem a um custo grande, ameaçando todos os benefícios que os oceanos ofereces, e que a comunidade internacional não pode dar ao luxo de dar por certo. A interação química com o CO2 e sua absorção nos oceanos produz acidificação; Os oceanos também sofres de desoxigenação, bem como aumento do nível do mar, branqueamento de corais e danos aos ecossistemas. Isso ameaça as cadeias alimentares, os ser-viços dos ecossistemas, bem como os meios de subsistência e os empregos em grande escala.

Com esse cenário, os governos precisam intensificar seus esforços para conservar os ecossistemas marinhos dos impactos das mudanças climáticas. O primeiro passo que propomos nessa direção é construir uma forte ligação entre a conservação dos oceanos e os NDCs, pois constituem o alicerce básico da ação climática e o principal veículo para implementar o Acordo de Paris. O Chile, em parceria com a França, Mônaco e outros países, liderou as declarações “Because the Ocean”, assinadas durante a COP-21 e a COP-22.

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Isauro Torres

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A segunda declaração “Because the Ocean” foi assinada em Marrakesh por 17 países, e esperamos que muitos mais se juntem a nós nos próximos meses. É um apelo aos governos para que considerem a conservação do oceano como um elemento-chave de seus NDCs. Sabemos que ligar o oceano e o clima é tão importante como desafiador. Embora o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já tenha mostrado evidências consistentes de que os oceanos estão seriamente afetados pelas mudanças climáticas, temos muito terreno para cobrir antes de entender quais políticas podem evitar e minimizar mais eficientemente esses impactos negativos. Os governos precisarão de orientação, e é por isso que o Relatório Especial do IPCC sobre o oceano e a criosfera (regiões cobertas por gelo e neve permanentemente), a ser publicado até 2019, é uma grande notícia.

A este respeito, os países signatários da segunda declaração “Because the Ocean” declaram que: “Gostaríamos de subli-nhar a importância do conhecimento científico adicional que pode ser levado à luz e que pode ser crítico para nós, decisores políticos. Para, assim, compreender melhor, em termos de mitigação, as interações biológicas entre a biodiversidade marinha, as emissões e as remoções de gases do Efeito Estufa e o sistema climático; e, em termos de adaptação, as implicações socioeconómicas e ambientais dos impactos das mudanças climáticas sobre os oceanos”. Com isso em mente, o Chile apresentou uma proposta à UNFCCC, argumentando que as dimensões de mitigação e adaptação precisam ser levadas em consideração para o desenvolvimento de políticas sobre o clima oceânico.

Estudos recentes demonstraram que quase 70% dos NDCs apresentados até à data incluíram, espontaneamente (sem orientação da UNFCCC), uma componente de proteção dos ecossistemas costeiros. Destes, mais de 90% indicaram a intenção ou o interesse em desenvolver ações de adaptação para a proteção desses ecossistemas costeiros marinhos. Isto indica claramente que existe um grande interesse em avançar na ligação entre a ação climática e os oceanos, o que torna extremamente necessários os conhecimentos neste domínio para a concepção de políticas nacionais relevantes.

A próxima Conferência das Nações Unidas para os Oceanos (também conhecida como Conferência de Apoio à Implemen-tação da Meta de Desenvolvimento Sustentável (SDG) 14: Conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos) é uma oportunidade muito importante para promover estas ligações.

A Conferência da ONU para os Oceanos inclui não só questões relacionadas com o clima, como a acidificação, mas também muitos outros desafios que são sensíveis ao clima, como a pesca sustentável, a segurança alimentar e o desenvolvimento social das comunidades costeiras, incluindo os pequenos pescadores artesanais. A este respeito, a Con-ferência Ocean é uma oportunidade única para salientar que as alterações climáticas devem ser abordadas como uma questão transversal para a saúde do oceano. Um não pode ser alcançado sem o outro.

O Chile tomou medidas concretas nesse sentido, criando grandes Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) em torno de Rapa Nui (Ilha de Páscoa), Nazca-Desventuradas, promovendo a conservação e contribuindo para a adaptação aos cenários climáticos futuros. A Presidente Michelle Bachelet anunciou a criação dessas AMPs durante a Segunda Conferência Our Ocean, organizada em Valparaiso em Outubro de 2015. Nessa reunião, assim como na Terceira Conferência Our Ocean (Washington DC, Setembro de 2016), a comunidade internacional consolidou um processo dinâmico De ações voluntárias que são relatadas de forma transparente e identifi-cadas oportunidades de colaboração. A este respeito, a Quarta Conferência sobre o Oceano, que se realizará em Malta em Outubro de 2017, representará uma excelente ocasião para avançar nessa direção, em especial sobre a forte relação entre os oceanos e as mudanças climáticas.

Os desafios à frente são tão vastos como o próprio oce-ano. À medida que o mundo se desloca para uma estratégia mais resiliente ao clima, precisamos nos certificar de que as nossas ações são consistentes com um oceano saudável. Isso requer uma ação imediata por parte de todos os países, e um entendimento comum de que o que está em jogo é o bem-estar da humanidade.

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“Buracos Negros, Ondas Gravitacionais e Singularidade do Espaço-Tempo” (Buchi neri, onde gravitazionali e singolarità dello spazio-tempo): esse foi o tema da Conferência que realizada na Specola Vaticana, em Castel Gandolfo, nas proximidades de Roma (9 a 12 de Maio 2017). O evento teve o intuito de celebrar a herança científica do cosmólogo e sacerdote belga, Monsenhor Georges Lemaître, considerado o pai da Teoria do Big-Bang, ex-Diretor da Pontifícia Academia das Ciências de 1960 a 1966, ano de sua morte.

Trinta e cinco participantes da África, Ásia, Europa e Esta-dos Unidos animaram esse evento, promovido pelo Instituto Nacional de Astrofísica (INAF) e pelo Instituto Nacional de Física Nuclear (INFN) da Itália. Na véspera do início dos trabalhos, na noite de 8 de Maio, realizou-se uma recepção oficial que contou com a presença, dentre outros, do Cardeal Giuseppe Bertello, Presidente do Governatorato, que, em um discurso, lembrou o falecido padre jesuíta William Stoeger, cosmólogo do Observatório do Vaticano.

Durante três dias de intenso debate (no último dia, houve uma audiência com o Papa), os participantes tiveram a possi-bilidade não só de expor as suas teses através das apresentações orais, mas também de participar, no fim de cada dia, de uma discussão sobre os principais assuntos abordados.

Organizada com a contribuição do Instituto Nacional Italiano de Astrofísica, a Conferência foi apresentada na Sala de Imprensa da Santa Sé pelo planetologista e Diretor do Observatório Astronômico Vaticano (Specola Vaticana), padre Guy Consolmagno, e os cosmólogos padre Gabriele Gionti, Alfio Bonanno e Fabio Scardigli.

O que aconteceu nos primeiros instantes do Big-Bang, quando a partir de um átomo originário tudo teria tido início? Qual é o destino último do cosmo? Quais sãos os limites da cosmologia moderna? A Conferência teve como finalidade encorajar um intercâmbio profícuo entre cosmologia teórica e observacional, para entender quais desafios científicos poderão ser explorados no futuro próximo.

Vaticano: os buracos negros e os desafios da cosmologia

Alfio Bonanno | Cosmólogo do Observatório Astrofísico de Catania

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Entre cientistas convidados do mundo inteiro encontra-vam-se o Nobel de Física Gerald’t Hoof e Roger Penrose e os cosmólogos George Ellis, Andrei Linde e Joe Silk.

O padre Consolmagno recordou que a Specola Vaticana “foi fundada em 1891 pelo Papa Leão XIII para mostrar ao mundo que a Igreja apoia a boa ciência. Mas para fazer isso é preciso ter uma boa ciência”, esperando que o encontro “possa ser um exemplo de ciência verdadeiramente emocio-nante!” – acrescentou.

O cosmólogo da Specola Vaticana, padre Gionti, recordou a genialidade de Monsenhor Lemaître: “Em 1927 publicou o famoso artigo no qual mostrava que o aumento do distanciamento entre as galáxias se devia a uma nova cosmologia, que nas-cia de uma solução das equações da Relatividade Geral de Albert Einstein, que tinham sido descobertas há pouco tempo. Todavia, ele foi uma pessoa muito modesta e humilde: jamais fez grande publicidade desta sua descoberta, que é fundamental”.

O que aconteceria se caíssemos num buraco negro? Essa foi uma das questões mais analisadas na Conferência. Uma primeira resposta que deixa todos atônitos é a seguinte: Dentro de um buraco negro, o espaço torna-se tempo e o tempo torna-se espaço. Pode parecer uma brinca-deira, mas na realidade não é. Esta é a solução matemática, dentro de um buraco negro. Ademais, há outros mistérios matemáticos: parece, a partir da equação de Einstein, que seja possível utilizar os buracos negros para ter uma coleção de universos, um pegado no outro. Ora, a pergunta é: são objetos matemáticos ou têm uma dignidade científica? Esperamos poder dizer algo ou poder intuir algo nos dias de Conferência na Especola Vaticana.

Trata-se de uma Conferência que constitui um marco para a cosmologia moderna. A cosmologia moderna tem grandes ‘monstros’ a serem combatidos, atualmente. De um lado, este objeto estranho que ainda não sabemos decifrar, que é a matéria obscura, razão pela qual os astrônomos observam que deve existir nas galáxias uma matéria adjunta, graças à qual explicar as velocidades radiais, como as galáxias giram, porém, esta matéria adjunta não se vê e não sabemos ainda a sua natureza. Em inglês chama-se dark matter, que constitui cerca de 30% da matéria total do universo. Além disso, temos o problema da dark energy (energia obscura): em 1998, a partir da medida de algumas supernovas de tipo A foi revelado que o universo não somente se expande, mas na realidade ace-lera, e essa aceleração – que na física é sintoma da presença de uma força que é contrária à gravidade – não sabemos o que venha a ser. Lemaître tinha entendido esse objeto que se chama energia obscura, mas propriamente porque é obscura não sabemos bem de que se trata. Basta pensar que a energia obscura constitui 68-69% da massa de energia total do uni-verso: portanto, estamos diante de um problema substancial para a cosmologia contemporânea.

Os buracos negros, no centro também da atividade científica do Monsenhor Lemaître contêm singularidades do espaço-tempo, e, ao seu redor, pensa-se que as leis da física perdem completamente a validade.

Um dos principais debates foi o problema da perda de informação (unitariedade) que ocorre dentro de um buraco negro. A solução desse problema, junto com o da singularidade do espaço-tempo no instante do Big Bang, exigiria, obrigato-riamente, para muitos cientistas, a necessidade de introduzir uma teoria, a gravidade quântica, que unifique a Relatividade Geral de Einstein, que descreve o universo em grande escala,

com a mecânica quântica do microcosmo atômico e subnuclear. Por isso, falou-se também dos buracos negros quânticos. Estes mostram que as suas singularidades centrais desaparecem por efeitos quânticos.

Há pelo menos 3 abor-dagens para a gravidade quântica: a Asymptotic Safety, a Loop Quantum Gravity e a Teoria das Cor-das. Em todas essas aborda-gens, surgiu das discussões que a Teoria dos Campos Quânticos, que descreve o mundo subnuclear, não é suficiente para descrever

também o comportamento em pequenas escalas da gravidade. Essas várias abordagens para a gravidade quântica fazem surgir mais aspectos da gravidade em pequena escala que a teoria dos campos quântica não contempla.

Uma das provas fundamentais para a Teoria do Big Bang foi a descoberta da radiação de fundo cósmica (CMB). Mede-se que todos os pontos sobre a CMB estão na mesma temperatura. Isso implica a necessidade de introduzir um mecanismo, que se chama de inflação cosmológica, que envolve uma expansão exponencial do universo logo após o Big Bang. A inflação sai do congresso como o modelo mais confiável. No entanto, algumas das suas implicações, como o multiverso, a possibilidade da existência de mais de um universo, foram seriamente questionadas.

Especial atenção foi dedicada à recente descoberta das ondas gravitacionais. Previstas pela Teoria da Relatividade Geral, elas foram verificadas depois de um século de pesquisas teóricas e observacionais. Abrem uma nova janela no campo dos sinais astrofísicos. Hoje também se pode estudar o cosmos através de sinais gravitacionais e não somente eletromagnéticos.

Daí, a importância de relançar um diálogo frutuoso na comunidade científica, como explicou o cosmólogo da Scardigli, da Politécnica de Milão: “A finalidade desta Con-ferência é buscar, de certo modo, fazer com que dialoguem ou se juntem essas duas grandíssimas construções teóricas da física do Século 20, que são a Relatividade Geral e a Mecânica Quântica, que se falam entre si, mas talvez – por assim dizer – não se entendam completamente entre si”.

Seria realmente formidável poder repetir a extraordinária tensão criativa das discussões ocorridas nesses dias e repetir esse tipo de interrogações em futuras oficinas dedicadas a esses temas.

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Quando eu era criança, crescendo no sopé do Kilimanjaro, meus pais cuidavam da fazenda sem acesso a fertilizantes sin-téticos, pesticidas e antibióticos. As colheitas eventualmente eram fracas e o gado às vezes sucumbia a doenças, mas o clima era mais previsível naquela época, as secas eram mais raras e havia menos espécies invasoras. Caminhávamos bastante para buscar água, mas ela era limpa, e vivíamos a maior parte do tempo sem o risco de exposição a substâncias nocivas.

Naquele tempo, os compostos químicos eram menos pre-sentes em nossas vidas do que hoje em dia. Ao mesmo tempo, os desafios, embora muitas vezes fossem grandes, eram menos complexos do que os que enfrentamos atualmente.

Produtos químicos agora são os tijolos da vida moderna. Eles estão em nossos remédios e produtos sanitários, preservam nossa comida e – através de baterias e outros componentes de nossos tablets e telefones – tornam possível a comunicação moderna. Também nos permitem usar painéis solares e car-ros elétricos, bem como outras tecnologias necessárias para mitigar os impactos da mudança climática e para acelerar nossa mudança rumo a uma economia verde.

Em outras palavras, as substâncias químicas fazem parte de nosso futuro. Mas esse futuro será limpo e verde ou tóxico e perigoso? A escolha é nossa, mas temos que agir com rapidez. Até 13 milhões de pessoas morrem a cada ano por causa da poluição e da degradação ambiental, incluindo cerca de 190 mil por intoxicação acidental.

Sem garantir a gestão ambientalmente responsável de substâncias nocivas, a regulação adequada e a eliminação progressiva do uso de alguns compostos especialmente peri-gosos, nós continuaremos a ver mais vidas sendo perdidas para a intoxicação, a contaminação e a poluição. Todos nós já vimos os dados: a poluição não é um problema apenas de países em desenvolvimento. Parisienses e londrinos – para não citar o número significativo de poloneses e montenegrinos – também estão no combate aos gases tóxicos.

Ao mesmo tempo, corporações sem escrúpulos e o crime organizado continuam a transportar resíduos altamente tóxicos da Europa para as margens de muitas das nações mais pobres do mundo. Alguns desses resíduos fazem parte das 36 milhões de toneladas de lixo eletrônico que é processado sem regulamentação, ameaçando a saúde de centenas de milhares de mulheres e crianças e causando danos de longo prazo ao meio ambiente através da poluição por metais pesados.

A resposta regulatória global aos compostos químicos e ao lixo é simplesmente muito devagar para acompanhar o ritmo de um problema crescente. As Convenções de Basileia, Roterdã e Estocolmo, que ajudam a controlar os fluxos e o descarte internacionais de resíduos nocivos, e o controle da produção e do uso dos Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) regulam atualmente cerca de cem compostos químicos.

Elizabeth Mrema | Diretora da Divisão de Direito da ONU Meio Ambiente

Os produtos químicos não são bem avaliados

Isso deixa aproximadamente 140 mil substâncias em circulação nos mercados internacionais de hoje, contribuindo para a produção anual de 10 milhões de toneladas de resíduos sólidos nas cidades. A maior parte desses compostos químicos não foi cuidadosamente avaliada por seus impactos ambientais e sobre a saúde. Então, por que, com a ameaça das substâncias nocivas sendo tão evidente, é tão difícil alcançar uma gover-nança internacional eficaz na gestão dos compostos químicos? Parte da resposta está em nossa atitude quanto aos riscos. Tendemos a esperar que uma substância prove ser nociva à saúde humana e ao meio ambiente antes de agirmos.

Relacionado a essa questão, está o papel do setor privado. Eles não apenas possuem conhecimento profundo sobre a maioria dos produtos, como também controlam o dinheiro. Nenhum quadro regulatório efetivo pode ser pensado sem seu apoio e sem seus investimentos em testes e avaliações.

Até 2030, a China deterá 44% dos 6,3 trilhões de euros movimentados pelo mercado de químicos. Isso significa que o fracasso em engajar adequadamente o país na governança das substâncias tornará sem sentido qualquer regimento futuro sobre compostos. A boa notícia é que já estão sendo imple-mentadas algumas tentativas para construir um regimento mais abrangente sobre compostos e resíduos. A Abordagem Estratégia para a Gestão Internacional de Químicos (SAICM) é uma plataforma voluntária única, na qual governos, o setor privado e a sociedade civil podem discutir questões envol-vendo os produtos químicos e os resíduos. Um dos objetivos da SAICM é concentrar os esforços na concepção de uma estrutura de governança mais flexível para o período pós-2020, a fim de lidar com um leque mais amplo de substâncias.

Um ano importante para os produtos químicos e para os resíduos é 2017. Em Março, cerca de 180 países se reuniram em Genebra para as COPs das Convenções de Basileia, Roterdã e Estocolmo para decidir como enfrentar os impactos causados por substâncias e resíduos potencialmente nocivos sobre o meio ambiente e sobre a saúde. Nessa ocasião, tiveram a participação de líderes da indústria, incluindo representantes de empresas como Dow Chemical, Plastics Europe e Dell.

Em Setembro próximo, a Convenção de Minamata sobre Mercúrio realizará sua primeira grande reunião de Estados-membros e, em Dezembro, a ONU Meio Ambiente sediará sua 3ª Assembleia Ambiental, também conhecida como a Cúpula da Poluição. Países serão convocados a firmar compromissos de forma honesta e resoluta para reduzir a poluição por meio de medidas práticas, incluindo políticas, leis e regulações.

Esperamos que esse chamado seja ouvido e que seja cum-prido porque não podemos viver sem produtos químicos, mas não podemos continuar perdendo vidas para a poluição fatal causada pela gestão inadequada. Temos de levar os produtos químicos a sério, nossas vidas dependem disso.V

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O dia 28 de Abril de 2017 foi o dia da fumaça preta. No Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória, São Luiz e várias outras cidades brasileiras, manifestantes e black blocs do evento chamado “Greve Geral” queimaram dezenas de pneus e vários ônibus inteiros e colocaram ruas e bairros em nuvens de fumaça preta. Isto foi um ato não somente contra a saúde das populações dos lugares afetados, mas também contra os próprios manifestantes. O resultado desta orgia de chamas pode ser fatal para as pessoas que involuntariamente inalaram este ar pesado da fumaça preta.

Pneus não são fabricados apenas com borracha natural dos seringueiros do Acre. Eles são um produto industrial bastante complexo e contém um verdadeiro coquetel de químicos: vários tipos de borracha natural e borracha sintética à base de petróleo, o elemento químico negro de fumo, poliéster e nylon, fios de aço, óxido de zinco e ácido esteárico, enxofre e vários antidegradantes, aceleradores e retardadores. Concreta-mente um pneu comum contem 27% borracha sintética, 14% borracha natural, 28 % negro de fumo, 17 % de derivados de petróleo e produtos químicos, 10 % aço e 4 % têxtil, que também são produtos químicos.

Por isto, quando se queima um pneu vários gases tóxicos são liberados e tantos outros nascem das chamas, como, por exemplo: monóxido de carbono, ácido benzeno, óxido de enxo-fre, óxidos de metais pesados, furanos e várias dioxinas.

Especialmente as dioxinas e furanos são substâncias perigosíssimas, porque elas são teratógenas (causam má formação fetal), mutagênicas (causam mutações genéticas) e carcinogênicas (causam vários tipos de câncer no corpo). Sem dúvida, as dioxinas estão no top da lista das químicas mais tóxicas da humanidade e podem criar deformações embrionárias horríveis.

Queimar pneus é uma violência contra o ambiente

Norbert Suchanek | Jornalista

A dioxina TCDD (popularmente conhecida como dio-xina de Seveso), por exemplo, é conhecida como a grande vilã dentro do famoso agrotóxico chamado Agente Laranja (Agent Orange), usado pelos Estados Unidos na guerra do Vietnã, que criou sofrimento inexplicável aos milhões de vietnamitas afetados.

“Para que tenhamos uma ideia: a queima de pneus a céu aberto é 13 mil vezes mais mutagênica que a queima de carvão”, escreveu o Deputado Marcos Mullerem, em 2016, na justificativa do seu projeto de lei Nº 2176/2016 para proibir a queima de pneus. E a diretora do Departamento de Qualidade Ambiental e Gestão de Resíduos do Ministério do Meio Ambiente, Zilda Maria Faria Veloso, disse: “Se queimado, o produto (pneu) libera componentes químicos pesados e poluentes classificados pelas organizações inter-nacionais como os mais tóxicos já produzidos pelo homem. Esses elementos não são degradados nem pela atmosfera, nem pelo corpo humano, que desenvolve doenças como o câncer e a infertilidade”.

Uma substância altamente perigosa da fumaça dos pneus também é o benzeno. “Há relação causal comprovada entre exposição ao benzeno e ocorrência de todos os tipos de Leu-cemia”, disse Danilo Costa, médico da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo na sua publicação “A luta contra a intoxicação pelo Benzeno no Brasil”.

Em conjunto, qualquer pessoa que esteja inalando a fumaça tóxica dos pneus queimados pode ter alergia respiratória, como rinite, tosses e espirros. Mais vulneráveis são ainda crianças, idosos, grávidas e asmáticos. “As pessoas nem imaginam o quanto é tóxico à saúde. Quem tem tendência à insuficiência respiratória fica mais suscetível a ter infecções, a exemplo de gripes, viroses e até a pneumonia”, alerta a pneumologista Fátima Alécio.

Mas dentro deste coquetel de tóxicos da fumaça preta da queima de pneus ou de transportes coletivos cheio de produtos plásticos, existe uma substância ainda muito mais perigosa e mortal. Um veneno extraordinário chamado cianureto de hidrogênio ou ácido cianídrico ou ácido prússico. Este gás cianídrico é um verdadeiro assassino e já causou a morte de milhares de vítimas envolvidas em incêndios com produtos plásticos. Este tóxico também é a base de um gás conhecido como Zyklon B (Ciclone B) produzido pela empresa alemã “Degussa AG” e usado nas “câmaras de gás” dos campos de extermínio do regime de Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial.

Por isto: Queimar pneus ou ônibus para bloquear ruas ou para mostrar presença não é uma boa ideia, é uma violência contra o meu ambiente, contra o povo brasileiro - e para o próprio manifestante é uma forma de suicídio mais ou menos lento e doloroso.

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Em 1997, uma cena dramá-tica se desdobrava perto de Los Angeles com a descoberta de um filhote de baleia-cinzenta que foi encontrado encalhado em Marina del Rey. Ele tinha se separado da mãe durante a migração anual do Alasca para o México. Centenas de volun-tários levaram barcos e furgões e usaram macas improvisadas para mover o solitário bebê fêmea por mais de cem milhas até San Diego, numa tentativa desesperada de salvar sua vida. Apelidada JJ por seus salvadores, ela chegou fraca, desidra-tada e desorientada – mas após 18 meses sob cuidado, ela recuperou sua saúde e foi solta na natureza. Embora muitos tenham celebrado aquele dia, os desafios que JJ superou não são nada comparados às ameaças que ela e toda a espécie das baleias-cinzentas enfrentam hoje, 20 anos mais tarde. Essas ameaças são as mudanças climáticas.

Hoje, nossos oceanos estão sob imensa pressão, uma vez que suas águas absorvem grande parte do dióxido de carbono e outros gases do Efeito Estufa liberados no ar pela atividade humana, causando um aumento de 30% na acidez. O pro-gresso da corrida humana, especialmente desde a Revolução Industrial, provocou impactos devastadores em todo o nosso clima, e esses impactos são particularmente maiores em nossos oceanos.

As conchas estão mais frágeis, antigas formações massivas de coral estão sofrendo branqueamento e ecossistemas essen-ciais estão morrendo. A cadeia alimentar marinha está em perigo: mexilhões, ostras, lagostas e caranguejos – que são a dieta básica para as grandes criaturas do mar, como focas, leões-marinhos e morsas – estão sob ameaça de extinção.

O mais preocupante de tudo é que o plâncton, anfípodes – minúsculas criaturas semelhantes a camarões – e outros organismos microscópicos que sustentam baleias imensas e peixes de todos os tipos e tamanhos são cada vez mais difí-ceis de achar. Essa tendência assustadora significa que JJ vai provavelmente morrer de fome antes do fim do curso normal de sua vida e significa que uma grande parte da vida marinha, da qual bilhões de humanos dependem, vai desaparecer.

Diferentemente de outras ameaças ao oceano, como a poluição por plástico e a pesca predatória, essas mudanças nem sempre são fáceis de ver, mas existem alertas óbvios. Mais da metade das 17 espécies de pinguins do mundo estão atualmente em perigo, principalmente devido a quedas em seus suprimentos de comida associadas às mudanças climáticas.

Mexilhões comuns estão menores do que nunca – eles estão literalmente desaparecendo diante de nossos olhos – e os humanos também sofrerão com essa perda. Foi provado que uma proteína encontrada em um marisco comum pode curar alguns tipos de câncer. Vamos recorrer a quê quando ele desaparecer?

Salve uma baleia, salve um mundoLeonardo DiCaprio | Ator e Mensageiro da Paz da ONU

Como resultado das mudanças climáticas, os oceanos do mundo já estão esquentando, chegando a um nível em que eles não mais conseguem absorver nossa poluição – o que significa que esforços para reduzir emissões de carbono terão de ir bem mais longe do que o que está definido pelo Acordo de Paris de 2015, se quisermos evitar os impactos mais catastróficos. O aumento do nível do mar e os danos às regiões costeiras causados por tempestades mais longas e intensas já varreram do mapa comunidades vulneráveis e situadas a baixas altitudes, bem como os meios de subsistência de pescadores locais, de trabalhadores do setor de turismo, de agricultores e de tantos outros. Nossa sede de petróleo levou a vazamentos massivos que trouxeram ainda mais danos. Mas há esperança.

O Acordo de Paris pavimentou o caminho para um futuro mais sustentável, especialmente para os oceanos. Minha fundação tem apoiado pesquisas no Projeto Soluções que mostram que o mundo pode ser alimentado por energia 100% limpa e renovável até 2050.

No Vietnã, manguezais estão sendo recuperados ao longo da costa para absorver carbono, para servir de berçário para inúmeras espécies de peixes e para reduzir o impacto de tempestades violentas sobre o litoral. E nas mesmas águas próximas a Los Angeles, onde JJ foi encontrada há duas décadas, voluntários estão replantando florestas de algas gigantes – que são o lar de 800 espécies de outras plantas e animais e que fornecem oxigênio para todos.

Será suficiente? Centenas de voluntários se uniram para resgatar JJ – pessoas de todas as classes, idades, contextos. Elas deixaram suas agendas na praia e mergulharam, num sentido bem literal, para salvar o animal que passava extrema necessidade. Podemos fazer isso novamente pelos nossos oceanos, por nós mesmos e pelo nosso futuro.

Mas assim como nós tomamos uma decisão consciente para resgatar JJ em algum momento no passado, nós estamos agora fazendo uma escolha igualmente profunda – se vamos deixá-la viver uma vida normal e plena ou se vamos deixar uma maior degradação do oceano levá-la a morrer de fome, prematuramente. Se isso acontecer, nós também estaremos condenando nossas crianças a uma qualidade de vida muito pior do que a que tomamos por garantida hoje em dia.

Sabemos que a humanidade é poderosa o suficiente – e aparentemente tola o suficiente – para alterar a composição química de dois terços do Planeta. Os mesmos alarme e urgência que soaram para salvar JJ em 1997 precisam soar hoje, conforme aumenta a enorme ameaça contra ela e contra toda uma classe de biodiversidade marinha.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de Nº 14 da ONU pede que nós “conservemos e usemos de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. Lembremos que essa meta não pode ser alcançada simplesmente limitando o número de peixes que tiramos do mar ou acabando com a exploração petrolífera de risco em águas costeiras, mas também pela eliminação de ameaças trazidas para os oceanos pelas mudanças climáticas e pelas emissões que produzimos em terra firme.

UN

Leonardo DiCaprio

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