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Ano XXVIII • Nº 258 • Maio 2018 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Emílio Lèbre La Rovere • Alfredo Sirkis • Michael Löwy • Roberto Klabin Iara Pietricovsky de Oliveira • José Graziano da Silva • Rodrigo Sauia ISSN 0104-0030

Ano XXVIII - Revista ECO•21 | Jornalismo Ambiental de ... 21_258_baixa.pdfApesar de avanços, dirigentes da ONU alertam que esses recursos não são inesgotáveis e estão ameaçados

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Ano XXVIII • Nº 258 • Maio 2018 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro, José Mon serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo

Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Argentina: Ecosistema

Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão Gráfica Cruzado

Jornalista Responsável

Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas Anual: R$ 130,00

[email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21)2275-1490 [email protected]

www.eco21.com.br

Facebook www.facebook.com/revista.eco21

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Capa: Técnico montando painéis solares Foto: Sandia

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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O Dia Internacional para a Diversidade Biológica (22/5) marca os 25 anos da entrada em vigor da Convenção sobre Biodiversidade. A Convenção foi aberta para assinaturas durante a RIO-92 e entrou em vigor em 1993, hoje somam 196 os países que se comprometeram em garantir a conservação e uso sustentável dos recursos naturais do Planeta. Apesar de avanços, dirigentes da ONU alertam que esses recursos não são inesgotáveis e estão ameaçados pelas atividades humanas. Para o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, “o futuro coletivo depende da proteção e conservação global da biodiversidade, seu uso sustentável e a partilha equitativa de seus benefícios”. Essa visão faz parte dos esforços para o cumprimento da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. “Proteger e restaurar os ecossistemas e garantir o acesso a serviços ecossistêmicos são caminhos necessários para a erradicação da pobreza extrema e da fome. A redução do desmatamento e da degradação do solo e a ampliação dos estoques de carbono nas florestas, nas terras áridas, nas pastagens e zonas agrícolas são necessárias para mitigar a mudança climática. A proteção da biodiversidade das florestas e bacias hidrográficas sustenta o abastecimento limpo e abundante de água”, afirmou Guterres. Mas, apesar da comunidade internacional conhecer os ganhos trazidos por iniciativas de conservação, a perda de biodiversidade continua em todo o Planeta. Guterres lembrou que ainda em 2018, os países-partes da Convenção elaborarão um novo Plano de Ação para implementar os princípios do Tratado. O objetivo da estratégia será garantir que, até 2050, a biodiversidade seja valorizada, conservada, restaurada e usada sabiamente para o benefício de todos os povos. “No Dia Internacional para a Diversidade Biológica, convoco governos, empresas e pessoas em todos os lugares a agir para proteger a natureza que nos sustenta. Nosso futuro coletivo depende disso”, completou o Secretário-Geral. Segundo a ONU Meio Ambiente a conservação deixou de ser vista como barreira para o desenvolvimento. Pena que alguns deputados no Congresso Nacional ainda não pensem dessa forma. No campo específico dos novos resíduos tecnológicos, o que se fará com os painéis solares quando termine seu ciclo de vida útil? Como será a reciclagem de milhares de toneladas quando esse material fique obsoleto? Segundo a Solar Energy Industries Association (SEIA), “a indústria solar já está realizando programas para capacitar as empresas comerciais que se dedicam à reciclagem e para que eles compreendam o que contém os produtos e como tratá-los, mas sem dúvida ainda falta muito caminho pela frente”. Diversos analistas consideram que o barateamento dos custos das instalações da energia solar nos últimos anos fez com que essa fonte renovável fosse muito mais acessível, dando lugar a um aumento exponencial na sua utilização desde uma perspectiva não só industrial, mas também da dos lares, em nível mundial. Então, pensar na reciclagem é importante para que todos os sistemas fotovoltaicos proporcionem soluções e não representem uma carga de resíduos para as futuras gerações. A energia solar está vivendo seu momento de apogeu. Desde início do ano 2000, a quantidade de painéis solares instalados em todo o mundo cresceu exponencialmente, e se espera que continue assim durante décadas. Segundo a SEIA, em final do ano passado já havia instalada em todo o mundo uma quantidade estimada em 403 Gigawatts de energia solar; porém, segundo um recente informe da Agência Internacional de Energias Renováveis, ela poderia atingir 4.500 GW em 2050. Mas, os painéis solares não durarão para sempre. A vida útil média é de 25 a 30 anos, o que significa que alguns dos painéis instalados no início deste Século, não demorarão em ser desativados; e a cada ano que passa muitos mais serão retirados do serviço. Os módulos fotovoltaicos de vidro e metal em pouco tempo começarão a somar milhões de toneladas métricas de material. A previsão é que para o ano 2050 teremos aproximadamente entre 70 e 80 milhões de toneladas de resíduos de painéis fotovoltaicos em todo o mundo. Segundo a Ambientum, só na União Europeia foram adotadas regulações específicas para a reciclagem; mas a maioria dos países os considera lixo ou material industrial. Em casos excepcionais, como no Japão ou nos EUA, os governos dispõem de normas gerais que classificam os painéis como material perigoso. Já Pablo Seguí, diretor de Ovacen, informa que "os processos de tratamento ou destruição dos mesmos são classificados mediante uma legislação muito pobre e geral. Ainda falta muito a percorrer desde a perspectiva legislativa. As empresas buscarão garantir que os processos sejam suficientemente baratos e eficientes para enfrentar o tsunami de painéis desmantelados que o mundo começará a gerar em pouco tempo. E, para isso, o custo tem que ser muito baixo para que ninguém tenha que pensar em outra opção, a não ser a de reciclar".

A indústria solar se prepara para a reciclagem

4 Alfredo Sirkis - Novos instrumentos financeiros para a descarbonização 6 Iara Pietricovsky - Catástrofe climática: como matar os salvadores 7 Silvia Dias - ONU marca nova rodada de debates climáticos10 Roberto Klabin - Um passo à frente na luta pela proteção do mar12 Guilherme Delgado - Economia e recursos naturais diante da fraqueza do Estado14 José Graziano da Silva - A escolha desta geração16 Renata Andrada Peña - 40% do Planalto pantaneiro está em alto risco17 Adnan Z. Amin - Mudança global de energia: um roteiro para 205018 Dan Gearino - Califórnia impõe painéis solares para novas casas 20 Vanessa Brito - Entrevista com Rodrigo Sauaia24 Claudio Sales - Senhores do vento28 Rudá Capriles - Dia Mundial da Vida Selvagem29 Renata Meliga - Países celebram Dia das Aves Migratórias30 Maria Ziegler - Cidades inteligentes dependem de ação entre setores da sociedade32 Isis Cerchiari - Criar cidades mais saudáveis, seguras e felizes34 Rogério de Oliveira - A bicicleta como ferramenta para o estudo da paisagem36 Luiza Lafuente - Conexão Mata Atlântica reforça a conservação das florestas38 Michael Löwy - Ecossocialismo e recuperação do legado ecológico de Marx40 Carmo Gallo Netto - Mudanças por água abaixo42 Ellen Brown - A fusão Bayer-Monsanto é má notícia para o Planeta46 Hannah Lownsbrough - A Fundação Nobel investe em combustíveis fósseis48 Ronaldo Soares - Lixo eletrônico, problema real que ameaça o futuro do planeta50 Rika Cerutti - Desmatamento na Amazônia soma duas Alemanhas

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A mudança climática assume uma urgência cada dia mais dramática. Além do que vemos todos os dias, estudos científicos alarmantes se sucedem apontando para cenários piores do que os previamente considerados. O prazo está se esgotando para a humanidade manter o aquecimento global abaixo do limite considerado seguro de 2C°. Impõe-se uma forte redução das emissões mundiais de Gases de Efeito Estufa.

Dois fatores podem ajudar nesse sentido. O primeiro é que tecnologias limpas se tornaram disponíveis a baixo custo e em grande escala. Não apenas parques eólicos e painéis solares, também baterias, veículos elétricos, biocombustíveis, florestas plantadas e agricultura de baixo carbono. Mas a transição vai precisar de vultosos investimentos: mais de um trilhão de dólares por ano na próxima década nos países em desen-volvimento, onde se encontram as melhores oportunidades.

Parece uma quantia enorme, mas é só 5% do PIB da Europa, que há pouco lançou o Plano Juncker para investir 700 bilhões de dólares em sua infraestrutura, no prazo de apenas cinco anos. Um plano semelhante para enfrentar as mudanças climáticas traria benefícios muito maiores para todos.

O segundo fator é a gigantesca massa de recursos financeiros em mãos de fundos de pensão, fundos soberanos, seguradoras e gestores de patrimônios privados buscando opções para sair de ativos em combustíveis fósseis crescentemente arriscados e problemáticos. Os mercados globais de bonds circulam 100 trilhões de dólares, e os de investimento 60 trilhões. Como mostra o sucesso recente das emissões de greenbonds, uma parcela crescente deste montante estaria disponível para aplicar em infraestrutura sustentável de baixo carbono, desde que os riscos sejam reduzidos.

Há nesse universo uma cultura de aversão ao risco que apresentam investimentos com um grande dispêndio inicial (o upfront investment), longo prazo de maturação e retorno lento, que parecem menos interessantes em comparação com outros, notadamente os de caráter mais especulativo.

No entanto, “ações de mitigação” (que resultam em emissões de GEE reduzidas, removidas ou evitadas) têm um “valor econômico, social e ambiental” intrínseco, reconhecido no Parágrafo 108 do preâmbulo do Acordo de Paris, cujo texto original foi apresentado pelo Brasil. Como reduzir esses riscos e os riscos cambiais e de estabilidade política dos países hospedeiros? Garantias públicas de países industrializados que cubram uma parcela do investimento em projetos de baixo carbono nos países em desenvolvimento podem constituir um instrumento eficiente para alavancar capitais privados (o efeito multiplicador típico é de 12 a 15 vezes), a um custo bem menor (spreads 2,5 a 3,5% menores) e com prazos de amortização bem maiores (12 a 18 anos).

Novos instrumentos financeiros para a descarbonização

Alfredo Sirkis e Emilio Lèbre La Rovere | Coordenador Geral do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e Professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe, respectivamente

A reunião de cúpula convocada pelo Presidente Macron, que levou 127 países a Paris no dia 12/12/2017, forneceu a oportunidade para um primeiro passo elementar. Com efeito, no âmbito do 5º novo compromisso assumido pela França, “sair das energias do passado e acelerar o desenvolvimento das ener-gias renováveis”, um dos pontos mencionados foi “o aumento do recurso às garantias públicas para desenvolver as energias renováveis nos países em vias de desenvolvimento”.

Uma forma de realizar essa ideia seria a constituição de um Clube de Iniciativas Financeiras para enfrentar a Mudança Global do Clima, com mais governos além do da França, bancos centrais, bancos de desenvolvimento e agências multilaterais, fundos soberanos e investidores institucionais, dispostos a avançar na experimentação de novos mecanismos de finan-ciamento baseados no valor das ações de mitigação.

O próximo passo seria a constituição de um Fundo Garan-tidor para financiamento de projetos de descarbonização nas áreas florestal, de energia, transportes, agricultura, etc. Esses parceiros, unidos, teriam como tarefa coletiva colocar sobre a mesa garantias públicas capazes de permitir uma condição AAA a projetos descarbonizantes em países onde, em condições normais, esses seriam proibitivos – entre eles o Brasil.

Isto também forneceria uma contribuição importante ao cumprimento de outros compromissos internacionais assu-midos no “One Planet Summit” de 12 de Dezembro: “Ações dos bancos centrais e das empresas” (Nº 9), “Mobilização internacional dos bancos de desenvolvimento” (Nº 10), “engajamento dos fundos soberanos” (Nº 11) e “Mobilização dos investidores institucionais” (Nº 12).

O valor econômico intrínseco das ações de mitigação seria expresso em garantias públicas capazes de alavancar recursos muito maiores do setor privado, destinados não só aos investimentos propriamente ditos como também ao pré-investimento, para preparar um pipeline de bons projetos, hoje em falta: mesmo que houvesse a almejada disponibilidade de capital, há na atualidade – e não apenas no Brasil—um déficit de bons projetos que possam ser rapidamente executados.

Esta proposta foi elaborada por uma rede internacional de proponentes de novos mecanismos de financiamento com a participação de gestores públicos, acadêmicos e quadros do setor empresarial e do terceiro setor do Brasil, França, Índia, EUA e outros países, para ser colocada na ocasião dessa Cúpula, cujas características permitiram o lançamento de ideias mais audaciosas e ousadas do que as COPs da UNFCCC, depen-dentes do consenso de 196 governos e de uma visão dominante que ainda vê o financiamento da descarbonização sob a ótica de transferências líquidas intergovernamentais Norte-Sul. Pode ser um pequeno grande passo.N

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Em 2015, em Paris, na 21º Conferência das Partes (COP-21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC), representantes de governos, orga-nizações da sociedade civil, povos indígenas e comunidades tradicionais reuniram-se para definir as bases e conceitos para aprovação da participação dos povos indígenas e comunidades tradicionais no âmbito da Convenção.

O Acordo de Paris reconheceu, assim, o importante papel dos povos indígenas e das comunidades locais na proteção das florestas, na prevenção do uso e da cobertura da terra, além dos conhecimentos tradicionais de que são detentores. Eles representam hoje, sem dúvida, o maior freio para o processo desenfreado de desmatamento e destruição do solo e subsolo promovido pelos interesses ligados ao grande capital.

Na ocasião, deu-se início às negociações para implementa-ção da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) no âmbito do Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice (Grupo Auxiliar para Aconselhamento Científico e Tecnológico, ou SBSTA). Em 2017, na COP-23, em Bonn, desencadearam-se os debates sobre a operacionali-zação da Plataforma, processo que segue até o momento atual, na interseccional de Bonn, em Maio de 2018.

Catástrofe climática: como matar os salvadores

Iara Pietricovsky de Oliveira | Antropóloga, mestra em Ciência Política. Membro do colegiado de gestão do INESC

Essa Plataforma, à semelhança do Painel Intergoverna-mental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), pretende ser um grupo assessor e ao mesmo tempo fortalecer os conhecimentos tradicionais, as práticas e os esforços destas comunidades para o combate à mudança climática. Além disso, pretende cons-truir um banco de informação pública sobre as experiências e práticas dos sistemas de conhecimento indígenas, assim como de políticas nacionais e internacionais existentes no tema. Não há dúvida que a criação da Plataforma é um dos fatos mais importantes da COP. Para além das dificuldades normais de sua implementação, desconfio que nosso maior inimigo, nesse caso, mora em casa.

É verdade que o governo brasileiro, desde o início, teve uma posição favorável à Plataforma e já resolveu interna-mente, e até legalmente, o conceito de “comunidades locais ou tradicionais” – o que não aconteceu em outros países e está sendo motivo de tensionamento na elaboração do rascunho da Plataforma que deverá ser encaminhado à COP-24, em Katowice, na Polônia, em dezembro próximo.

Contudo, o que vemos acontecer internamente no Brasil está na contramão dos esforços preconizados pelo debate internacional no âmbito da COP, ou mesmo dos direitos dos povos indígenas, reconhecidos desde 1997 pela Organização das Nações Indígenas (ONU). Exemplo disso são os cortes orçamentários da FUNAI, o seu sucateamento e aparelhamento pela bancada ruralista, somado à Emenda Constitucional 95, conhecida como “Teto de Gastos” – conforme denunciado em artigos do INESC.

Os povos indígenas experimentam um genocídio histórico e o inferno não tem fim: seus territórios continuam sendo invadidos e suas lideranças assassinadas, só por defenderem suas terras, cultura e os recursos naturais existentes. Não basta uma legislação que impeça esse desmando. Os interesses que destroem são maiores que as leis – modificam as leis, se necessário for. Não é a toa que o Brasil, segundo o relatório da Anistia Internacional, é o país onde mais se mata ativistas de direitos humanos e lideranças de movimentos sociais no mundo.

Enquanto se constrói um consenso no âmbito multilateral, da importância inquestionável dos povos indígenas e comu-nidades locais para a resolução dos problemas climáticos, que dizem respeito a todos os povos do Planeta, no âmbito nacional reina a destruição e a bala rege a resolução dos conflitos.

Se a Plataforma de Comunidades Locais e de Povos Indí-genas da UNFCCC e o multilateralismo vão ajudar a frear nossa triste situação é outra coisa. Como diz o velho ditado: “Não há mal que dure, nem bem que nunca acabe”. O pro-blema é o preço que estamos pagando e o tempo que estamos perdendo para impedir essa realidade; que tem certamente, no Estado brasileiro, seu maior responsável.

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A ONU confirmou que as negociações climáticas deste ano terão uma intersessional a mais, programada para a semana de 3 a 8 de Setembro em Bangcoc, na Tailândia. A rodada adicional de conversas visa avançar nas diretrizes que permitirão colocar o Acordo de Paris em prática, orientando nada menos que a transformação das economias dos 196 países signatários para o baixo carbono. O anúncio foi feito ao final da intersessional de Bonn, que se encerrou hoje, na Alemanha, cidade que vive um mês de abril excepcionalmente quente. Foram duas semanas de conversações para preparar o conteúdo a ser analisado e adotado na conferência climática anual, a COP-24, a ser realizada em Katowice, na Polônia, em dezembro.

“Estou satisfeita que algum progresso tenha sido feito aqui em Bonn. Mas muitas vozes estão ressaltando a urgência de avançar mais rapidamente na finalização das diretrizes operacionais. O pacote que está sendo negociado é altamente técnico e complexo. Precisamos colocá-lo em prática para que o mundo possa monitorar o progresso na ação climá-tica”, disse Patricia Espinosa, Secretária Executiva da ONU Mudança Climática.

O grande destaque do encontro das últimas duas sema-nas na Alemanha foi o lançamento do Diálogo de Talanoa - conversas que visam o fortalecimento dos planos climáticos nacionais. Eles foram idealizados na COP-23, presidida por Fiji, e incluem países, empresas, cidades, investidores e socie-dade civil no debate sobre ações tomadas até agora e ações ainda necessárias para cumprir os compromissos climáticos assumidos sob o Acordo de Paris.

No idioma do arquipélago, Talanoa significa um processo tradicional de narração de histórias. Na UNFCCC, o processo tornou-se uma verificação da realidade na qual estamos em relação à ação climática. O diálogo aborda três questões: onde estamos, para onde queremos ir e como chegamos lá. A China sugeriu acrescentar uma quarta pergunta - de onde viemos? - para manter na mesa a questão das responsabi-lidades históricas. Mas isso não impediu que os Diálogos efetivamente infundissem um espírito de colaboração entre as partes. Mais de 700 histórias de luta e inspiração climática foram compartilhadas. Nas plenárias de terça e quarta-feira, muitos delegados disseram que sentiram uma dinâmica positiva proveniente do número de histórias inspiradoras compartilhadas, de pedidos de urgência a soluções práticas e transformacionais. O espírito de confiança e solidariedade de Talanoa e a energia alavancada por este formato inovador impactaram toda a sessão de trabalho.

Muitos países e partes interessadas não-estatais expressa-ram sua expectativa de que o Diálogo de Talanoa seja agora traduzido em um resultado político que levará os países a intensificar suas promessas climáticas até 2020.

Silvia Dias e Rita Silva | Jornalistas da AViV Comunicação

ONU marca nova rodada de debates climáticos

Entre os que aumentaram essa expectativa estão as dele-gações da União Europeia, os Pequenos Estados Insulares (AOSIS), o grupo dos Países Menos Desenvolvidos, um grupo de oito países do Caribe e da América Latina (AILAC), os 43 países mais vulneráveis às mudanças climáticas (CVF) e Fiji, que ocupou a presidência da COP-23. “O Diálogo Talanoa forneceu uma imagem ampla e real de onde estamos e esta-beleceu um novo padrão de conversação”, disse o presidente designado da COP-24, Michał Kurtyka da Polônia. “Agora é hora de sair desta fase preparatória do diálogo para preparar sua fase política, que acontecerá na COP-24”, acrescentou.

Mas, se Talanoa surpreendeu positivamente, os debates sobre o livro de regras que permitirá a implementação do Acordo de Paris não avançaram o suficiente. A conferência fez progressos especialmente sobre as regras comuns para a análise global, a revisão de 5 anos dos esforços climáticos dos países que desencadearão maior ambição (mecanismo de ambição). Surpreendendo positivamente muitos observadores, as partes concordaram, na noite de quarta-feira, em dar aos co-presidentes o mandato de reconciliar suas posições em um texto que servirá como base comum para a próxima rodada de negociações em Bangcoc.

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Outro ponto que deixou a desejar foi o financiamento climático. As conversas sobre como os doadores fornecem informações antecipadas sobre financiamento climático para o mundo em desenvolvimento não foram conclusivas. “O Diálogo de Talanoa mostrou que mais ambição nos próximos anos é tanto necessária como possível e que os países preci-sam, até 2020, apresentar NDCs aprimorados para 2030. Mas a falta de financiamento climático suficiente se tornou evidente em Bonn”, analisa Rixa Schwarz, Líder de Equipe da Política Climática Internacional da Germanwatch. “O financiamento climático é necessário para a ambição dos países em desenvolvimento na mitigação e na gestão dos impactos climáticos não evitáveis”, completa. Para Mohamed Adow, líder internacional do clima da organização Christian Aid. “O silêncio sobre dinheiro espalha entre os países pobres o medo de que seus pares mais ricos não levem a sério suas promessas. Esse financiamento não é apenas uma moeda de barganha, é essencial para a entrega dos planos nacionais que compõem o Acordo de Paris. Para que o Acordo de Paris seja um sucesso, precisamos que a COP de Katowice seja um sucesso. E para que a COP de Katowice seja um sucesso, precisamos de garantias de que as fontes de financiamento virão”.

Agricultura

A Conferência de Bonn fez um avanço significativo no “Trabalho Conjunto Koronivia na Agricultura”, adotando um roteiro para os próximos dois anos e meio que aborda questões como as dimensões socioeconômicas e de segurança alimentar das alterações climáticas, avaliações de adaptação na agricultura, cobenefícios e resiliência e gestão da pecuária. O objetivo é responder à comunidade agrícola do mundo, que reúne mais de 1 bilhão de pessoas, já que a atividade agropecuária é particularmente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas, tais como secas prolongadas e mudanças nos padrões de chuvas, além de ser uma importante fonte de emissões de gases de efeito estufa. O roteiro também visa atender os 800 milhões de pessoas que vivem em situações de insegurança alimentar, principalmente nos países em desenvolvimento.

Educação climática

A Conferência de Bonn também deu o pontapé inicial na Ação para Empoderamento do Clima (ACE, na sigla em inglês). Um rascunho, a ser adotado na COP-24, pede às Partes que nomeiem pontos focais nacionais e desenvolvam estratégias nacionais para promover educação e conscienti-zação pública para apoiar o Acordo de Paris. Também pede a integração do ACE em todas as atividades de redução de emissões e construção de resiliência.

Próximos eventos

As conversações sobre Mudança Climática da ONU são parte integrante de uma agenda global de debates sobre mudanças climáticas que inclui:

- Diálogo de Petersberg, em Berlim (17 a 19 de Junho), do qual a Alemanha e a Polônia são anfitriãs.

- Reunião Ministerial sobre Ação Climática organizada pela China, Canadá e União Europeia, Bruxelas (20/21 Junho).

- Cúpula Global de Ação Climática em setembro, em São Francisco, EUA. O encontro reunirá diversas partes interessadas do mundo todo para mostrar a ação climática e inspirar compromissos mais profundos de governos nacionais e outros países em apoio ao Acordo de Paris. A Secretária Executiva da ONU para Mudanças Climáticas será co-anfitrião do evento.

- Também em setembro acontece a Semana do Clima, ao lado da Assembleia Geral da ONU em Nova York. Ela reunirá líderes internacionais de empresas, governos e sociedade civil para mostrar o ímpeto incontrolável da ação climática global.

- O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) adotará seu Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 1,5°C em 8 de outubro em sua reunião na Repú-blica da Coréia.

- O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, anunciou que irá realizar uma Cúpula do Clima em Nova Iorque, em setembro de 2019, para rever os compromissos do Acordo de Paris.

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O Brasil acaba de dar um importante passo em direção à proteção do mar brasileiro com a criação do grande mosaico de Unidades de Conservação (UCs) marinhas na região da Cadeia Vitória-Trindade e do Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Com a assinatura do Decreto de criação pelo Presidente Michel Temer, o governo brasileiro se posiciona como um defensor dos mares e da soberania nacional. No entanto, é a partir de agora que o desafio realmente começa para garantir robustos planos de manejo e de infraestrutura para sua implementação.

Uma das temáticas que tem recebido atenção crescente no cenário ambiental internacional são os oceanos. Desde a RIO+20, em 2012 – com a assinatura do documento “O Futuro que Queremos” e com a publicação da Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) –, muitos convênios e tratados internacionais têm dado especial atenção ao tema. Na esteira dessas ações, as Nações Unidas proclamaram a Década da Ciência do Oceano para o Desen-volvimento Sustentável (2021-2030), voltada a reunir infor-mações e conhecimento para apoiar plenamente os países no alcance do ODS 14 – Vida na água, sobre a conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.

Pedro Luiz Passos e Roberto Klabin | Presidente e Vice-Presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, respectivamente

Um passo à frente na luta pela proteção do mar

No final de 2017, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou o início de uma negociação para um novo tratado que virá a regular as atividades, uso e conservação das regiões em alto-mar, e que inclui a criação de grandes áreas marinhas protegidas para além das jurisdições nacionais. Os últimos 10 anos também foram marcados pela criação de grandes Unidades de Proteção Marinha nos Estados Unidos, Chile e Reino Unido, entre outros. Com a criação das quatro UCs marinhas da Cadeira Vitória-Trindade e do Arquipélago de São Pedro e São Paulo, o Brasil soma-se a essa grande onda, ou por que não, tsunami em prol dos oceanos.

A criação de grandes unidades marinhas tem causado bastante polêmica em todos os países. Por aqui não pode-ria ser diferente, pois por muitos anos as zonas costeira e marinha brasileiras foram governadas por políticas setoriais, tornando-se um território de conflito e competição por uso e exploração.

Na iniciativa do governo brasileiro, resultado de impor-tante articulação entre os Ministérios do Meio Ambiente, Defesa, Marinha e das Minas e Energia, com a participação da sociedade civil, os limites de proteção integral – categoria mais restritiva – ficaram aquém da expectativa dos especia-listas e cientistas.

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Estudos realizados nos Arquipélagos de São Pedro e São Paulo e na Cadeia de Vitória e Trindade dão total suporte à inclusão das ilhas como Unidades de Proteção Integral e são resultado de pesquisas desenvolvidas por cientistas brasilei-ros desde 1995, com apoio de diferentes órgãos de fomento federais e estaduais.

Embora o pleito da sociedade civil tenha sido massiva-mente pela proteção total das Ilhas, o ato abre caminho para um longo e árduo trabalho de implementação e construção participativa dos planos de manejo. Há de se reconhecer que para o Arquipélago de Trindade e Martin Vaz o avanço foi significativo no incremento da proteção integral. Já na região do Arquipélago de São Pedro e São Paulo ainda há a necessidade urgente de avanços na proteção da região marinha no entorno das ilhas e na imediata necessidade de se proibir a pesca na região. A peculiaridade e diversidade biológica marinha simplesmente não comportam o impacto de atividades extrativas.

O país se comprometeu a pro-teger 10% das áreas marinhas nas Metas de Aichi para a Biodiversi-dade. Com a criação dessas novas UCs, o Brasil passará dos atuais 1,56% para mais de 20% de áreas marinhas protegidas. Porém, a meta não é alcan-çada apenas com números. Essas grandes áreas marinhas protegidas não podem ser vistas como uma ação pontual. É fundamental que a iniciativa venha acoplada com uma garantia de estrutura de recursos humanos e financeiros para sua implementação.

Deve-se aproveitar o ambiente propício para refletir e debater com a sociedade civil sobre as demais iniciativas existentes, visando desenvolver um projeto de Estado para nossa Amazônia Azul.

Nesse sentido, é preciso um maior compromisso do governo para implementar as Unidades, criar outras áreas de conservação marinha e, assim, garantir representatividade e conectividade dos ecossistemas. Os gigantes mosaicos prote-gendo esses importantes Arquipélagos podem dar início a uma nova gestão costeira e marinha no país. Um novo termo, no qual os Ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia, da Defesa e a Marinha trabalhem integrados em prol do maior ativo da nossa economia: a biodiversidade.

Parte desse pacote envolve iniciativas que vem sendo gestadas nas três esferas. Dentro do Governo, há a Iniciativa

Azul do Brasil; no Legislativo, o Projeto de Lei 6.969/2013, que institui a Política Nacional para Uso e Conservação do Bioma Marinho, a “Lei do Mar”; e, por parte da sociedade civil, a Parceria Nacional para Conservação dos Oceanos, que visa integrar visões em rede.

A zona costeira e marinha brasileira se estende por aproxi-madamente 4,5 milhões de km de águas jurisdicionais brasileiras, ao longo de uma linha de costa de 10,8 mil km. O desafio não é pequeno. Entretanto, se o mar for olhado de

forma estratégica, com uma visão de desenvolvimento, será mais fácil inovar e modernizar para promover uma gestão sustentável. O tamanho do litoral, aliado à grande diversidade de ecossistemas e espécies, gerou a falsa ideia de um inesgotável potencial de exploração. Durante as últimas décadas, essa percepção levou à adoção de políticas de desenvolvimento que pouco se preocuparam com a sustentabilidade do uso de seus recursos. Essa não é mais a nossa realidade. Como disse a notável oceanógrafa americana Sylvia Earle: “Não podemos mais usar como desculpa para a falta de ação o desconhecimento sobre o problema. Nós sabemos, e precisamos agir”.

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Não é novidade a tese de que a economia brasileira entrou no Século 21 com um projeto de inserção externa baseado na exportação de bens primários, as chamadas commodities. Tampouco é novidade a perda relativa de importância das manufaturas, tanto nas exportações quanto no Produto Interno. As fontes empíricas tanto do Comércio Exterior quanto das próprias Contas Nacionais são pródigas em demonstrar ou corroborar essas proposições.

Mas o que temos em gestação no presente, ou mais propria-mente no período crítico 2015-2018, é algo qualitativamente mais grave e perverso.

Ensaiam-se em vários gabinetes, não apenas do Palácio do Planalto, como da Avenida Paulista, Avenida Rio Branco (RJ) e quantos outros endereços se possa imaginar, algo que já se tentou emplacar como fato consumado no próprio Governo Temer, mas por enquanto é uma espécie de pré-estreia de um projeto integral de internacionalização de quatro mer-cados distintos de recursos naturais: 1) Terras Destináveis a Exploração Agropecuária; 2) Reservas Minerais; 3) Campos do Pré-Sal; 4) Mananciais de Água.

É preciso desde cedo chamar a atenção para o fato de que nenhum desses bens naturais implícitos – terras agricultáveis, reservas minerais, reservas de petróleo e mananciais de água – pode ser considerado em suas dotações naturais como se fossem produtos do trabalho humano, portanto, produzidos e reproduzidos como mercadorias.

Muito embora se obtenham por distintos processos de extração as chamadas commodities, estas se distinguem qualitativamente das suas dotações originais. Tratá-las como ‘mercadorias como outras quaisquer’ é uma espécie de qua-dratura do círculo ou algo talvez pior, como vamos examinar em sequência.

Guilherme C. Delgado | Doutor em Economia. Foi economista do IPEA. Consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz

Economia e recursos naturais diante da fraqueza do Estado

Observe-se que sobre os dois primeiros mercados houve iniciativas explícitas no final de 2016 e primeiro semestre de 2017 – caso da internacionalização dos mercados de terras rurais preconizado pelo Projeto de Lei 4059-2012, iniciativa da Bancada Ruralista, acolhida com exuberante entusiasmo pelos Ministros Meirelles, da Fazenda, e Padilha, da Casa Civil. Depois o Governo fez completo silêncio sobre o Projeto, que mesmo com regime de urgência aprovado desde o início de 2017 não foi pautado e obviamente votado no ano passado.

O segundo exemplo, também em regime de pré-estreia, foi a tentativa de colocação na vitrine do mercado externo a macrorreserva mineral da RENCA, no Amapá, objeto de um Decreto presidencial, editado e revogado em 2017.

Por sua vez, o terceiro caso – os leilões de aquisição de campos no Pré-Sal, sob legislação liberal e até subsidiada em termos tributários – está em pleno vigor. E no último caso já há um Projeto de Lei do Executivo (de final de Janeiro de 2018), propondo a venda da Eletrobrás e em conexão as reservas hidroelétricas controladas pela Empresa.

Os 4 exemplos citados são peças esparsas de um projeto mais grave, evidentemente com forte conexão externa, mas que conta internamente com verdadeira “banda de música” privatista e entreguista, na linha das entrevistas do senhor Paulo Guedes do Instituto Milenium e de muitos dos áulicos da “Casa das Garças”, outrora ninho tucano. Esse projeto mais grave de internacionalização dos mercados de recursos naturais, de forma tácita ou explícita, têm duas metas ou pré-condições a executar, ambas requerentes da conquista do Estado:

1) mudar o(s) marco(s) regulatório(s) dos bens naturais no plano constitucional e infraconstitucional, de sorte a convertê-los em “mercadorias como outras quaisquer”;

2) enfraquecer substancialmente o conceito e as estrutu-ras do Estado que cuidam da gestão do território (INCRA, IBAMA, FUNAI etc.), bem como daquelas que cuidam da própria soberania territorial (Forças Armadas), desviando-as para outras finalidades.

A ideia de ‘mercadorização’ casada com internacionalização do território, das reservas minerais, dos campos petrolíferos e mananciais de água desconhece ou explicitamente atropela o conceito de Nação e do Estado Nacional com soberania territorial explícita. Tudo isso vai para a vala comum dos mercados globalizados, juntamente com a população residente e o espaço ambiental.

O processo político-eleitoral precisa urgentemente se apropriar dessa discussão, denunciar explicitamente o jogo em curso, visto que os arautos do mercado já contam 2019 como momento oportuno para apresentar o filme inteiro, no qual o Governo Temer foi apenas o primeiro ato.

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| análise |

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José Graziano da Silva | Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

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Nos registros dos 75 anos de existência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) não existe precedente de uma nação com demografia da ordem de 200 milhões de habitantes que tenha conseguido erradicar a fome em apenas uma década. O caso único na história é o do Brasil. Essa singularidade encerra mais que um trunfo. Ela se oferece como um leme ecumênico, capaz de aglutinar o consenso mínimo necessário a uma nação que necessita urgentemente se reencontrar com o seu desenvolvimento e acreditar na democracia como mediadora dos conflitos inerentes a esse passo da história.

O legado da erradicação da fome coloca a régua num ponto do qual uma sociedade não pode retroceder sob pena de se desintegrar moralmente. Uma recaída à pobreza extrema encerra o risco de devolver o país ao Mapa da Fome, do qual se libertou pioneiramente em 2014. Isso é inconciliável com a estabilidade política que a retomada do crescimento requer.

O Brasil já mostrou do que é capaz ao reduzir em 82% o universo da desnutrição, ou seja, da fome, no período de 2002 a 2014. Foi a maior queda verificada entre as 6 nações mais populosas da Terra, e de longe superior à média obtida na América Latina no período (43,1%). Em 2014, segundo dados da FAO, o Brasil tinha apenas 3,4 milhões de desnutridos.

Como se conseguiu romper essa crosta sedimentada em cinco séculos de desigualdade granítica, fundada desde a instituição das capitanias hereditárias, que deram semente jurídica a uma assimetria patrimonial nunca enfrentada? Com políticas públicas inclusivas.

A prioridade à segurança alimentar nos últimos 13 anos criou um generoso guarda-chuva social, sob o qual se abrigam milhões de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, o Pronaf, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, a valorização do salário mínimo, a aposentadoria rural plena, as cisternas no Nordeste, entre outras ações de uma lista de algumas dezenas de medidas.

Estudos recentes da equipe de Thomás Piketty mostram que essas iniciativas não são suficientes para alterar a linha pétrea da desigualdade brasileira, cujo ponto de partida patri-monial é um dos mais assimétricos do Planeta. Controvérsias à parte, o que realmente assusta na concentração de renda brasileira é a sua estabilidade. É difícil mover o índice de Gini, mas quando você eleva a base da sociedade e avança na universalização de direitos sociais, a cauda inferior da miséria e da fome é seccionada com desdobramentos inestimáveis, se não houver retrocesso.

A forma de evitar o retrocesso é avançar sobre a fatura social para que ela não nos devore. O custo de fazê-lo pela metade é alto. Fomos a última nação ocidental a abolir a escravidão, após 388 anos de senzala e casa grande. E não o fizemos por inteiro. Quarenta anos antes da Lei Áurea, foi concedida a liberdade aos filhos de escravos, com uma restrição refundadora da exclusão: a Lei da Terra de 1850 proibia os filhos de escravos de acesso à propriedade fundiária.

José Graziano da Silva | Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)

A escolha desta geraçãoCriou-se uma enorme massa de pobres dependentes da

agricultura, sem acesso aos meios de produção. Pior: gerou-se uma engrenagem excludente que marcou a própria industria-lização. Não tivemos a miríade de pequenas manufaturas coaguladas depois em grandes corporações. Nosso parque fabril já nasceu como grande indústria!

Fraturas sociais acumuladas nesse padrão de grandes estruturas que dispensaram as pequenas associações bateram à porta do Estado, da urbanização e da democracia nos anos 1960 e 1970, quando os gargalos foram magnificados pelo apogeu da modernização excludente do campo.

Frequentemente se evoca a educação como panaceia para corrigir o trem descarrilhado do Brasil. A escola tem muito a contribuir. Mas não é a diferença de acesso a ela que explica a desigualdade. Ao contrário, é a desigualdade da riqueza captada por ela que se traduz nas diferenças de escolaridade.

Não há bala de prata. O passo indispensável rumo a uma sociedade mais justa é incluir os pobres no orçamento do Estado.

Essa admissão orçamentária é a mola propulsora capaz de mover outras de natureza tributária ou política. Duas notícias decorrentes daí se oferecem ao escrutínio do país nesse divisor de sua história. A boa é que o Brasil já pactuou a inclusão do pobre no orçamento desde a Constituição Cidadã de 1988. E a implementou com resultados auspiciosos.

No início do Século 21, o país tinha 41 milhões de mise-ráveis; esse contingente caiu a 2,5% da população dez anos depois. Em colóquio recente do qual participamos no Forum Brazil 2018, organizado pela London School of Economics, a ex-Ministra Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, lembrava um fato que resume todos os demais: o Nordeste vive a pior seca em 100 anos, mas não há fome, não há saque, não há êxodo.

Agora a má notícia: os recursos que propiciaram esse enraizamento da inclusão estão se esvaindo do orçamento. Para que seja mantido o ritmo de emancipação da pobreza da década de 2000, o Programa de Aquisição da Agricultura Familiar, por exemplo, teria que reverter uma perda orça-mentária recente de 44 por cento; o estratégico Programa Nacional de Alimentação Escolar teria que quintuplicar a dotação atual; o mesmo vale para o Programa de Cisternas; e o Bolsa Família teria que reverter o desempenho negativo dos últimos dois anos.

A desigualdade originária não cedeu, mas em pouco mais de uma década o degelo social abriu avenidas inclusivas pavimentadas por políticas públicas transparentes e perma-nentemente monitoradas.

Isso não tem preço. Ou melhor, tem. Mas é barato comparado ao retorno que propicia em vigor econômico e democrático. Esse é o cálculo sereno que precisa ser feito: o Brasil já fez o mais difícil. Dispomos da capacitação para ampliar a rota inclusiva. Temos que exercê-la no orçamento da oitava maior economia da Terra.C

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O “Estudo Índice de Risco Ecológico” (IRE) do WWF-Brasil revela que 40% do pla-nalto da Bacia do Alto Paraguai estão em alto risco. Entre as ameaças estão o intenso pro-cesso de conversão de áreas de vegetação do Cerrado por pastagens e cultivos agrícolas, a criação de barragens para geração de energia, uso ine-ficiente e degradação de áreas agrícolas e pastagens, impactos causados por áreas urbanas e falta de saneamento básico (menos de 15% do esgoto, em média, recebe tratamento e há um índice médio de perda de água nos sistemas de distribuição de 26%).

A região do planalto pantaneiro é importante porque é lá que se concentram as “torres de água”, ou seja, fontes de água que fazem do Pantanal uma área úmida. Portanto, só é possível conservar a planície alagável do Pantanal se essas “fontes” forem preservadas. “Estamos enfrentando um cenário alarmante. Menos de 1% do planalto pantaneiro é protegido por Unidades de Conservação (UCs) e 55% da área já foi desmatada. A conversão de vegetação do Cerrado na maioria das vezes não ocorreu segundo critérios de segu-rança ambiental, como a manutenção de vegetação ripária e reservas legais. Somente no estado de Mato Grosso, o déficit estimado de reserva legal é de 392 mil hectares”, afirma o coordenador do Programa Cerrado Pantanal do WWF-Brasil, Júlio César Sampaio.

O documento aponta ainda que a expansão econômica da agropecuária sem o devido planejamento ambiental trouxe impactos não apenas relacionados à perda da biodiversidade, mas também ao aumento da perda de solos, causando alte-rações no regime hídrico do Pantanal e em sua dinâmica de inundação. “A produção na região nem sempre obedece a melhores práticas. Em áreas de pecuária é frequente o sobre-pastejo, causando a compactação dos solos e maiores taxas de escoamento superficial. É fundamental que sejam adotadas técnicas para manejo adequado do gado, evitando um número excessivo de animais por hectare e que sejam aplicadas técnicas para diminuição e controle de processos erosivos. Em áreas de cultivo agrícola, técnicas como terraceamento e plantio direto também devem ser expandidas, reduzindo o impacto do assoreamento nos ecossistemas aquáticos”, afirma Iván Bergier, pesquisador da Embrapa Pantanal.

Renata Andrada Peña | Jornalista do WWF-Brasil

40% do Planalto pantaneiro está em alto risco

O IRE aponta que a ins-talação de hidroelétricas é uma grave ameaça à região do planalto da bacia do Alto Paraguai, onde estão projetadas aproximadamente 110 inter-venções, entre Pequenas Cen-trais Hidroelétricas (PCHs) e Centrais Geradoras. Quarenta desses empreendimentos já foram instalados, barrando aproximadamente 20 cursos d’água. “Se todas as usinas planejadas forem instaladas, mais de 45 afluentes do rio Paraguai terão suas vazões alteradas, causando impactos

ainda desconhecidos ao sistema hidrológico e à migração reprodutiva de peixes, que saem da planície e nadam em direção às cabeceiras (piracema)”, explica José Sabino, pesquisador da UNIDERP e coordenador do Projeto Peixes de Bonito.

Propostas de navegação industrial, como a hidrovia do rio Paraguai, são ameaças identificadas. A intensificação de dragagens e desobstrução de barreiras naturais precisam ser melhor compreendidas num contexto integrado, com avaliação da sinergia dos impactos ambientais na bacia. “Tais avaliações devem considerar períodos críticos de funcionamento do Pantanal, particularmente períodos históricos de seca (pre-vistos para serem mais intensos e frequentes com mudanças climáticas). Precisamos entender bem como mudanças no fluxo e velocidade de água nos canais podem ter efeitos no pulso de inundação, gerando ameaças para a dinâmica social, econômica e ecológica do Pantanal”, diz Fábio Roque, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

O IRE agrega a análise de riscos ao planejamento terri-torial, com foco na conservação dos recursos hídricos. Essa abordagem permite compreender a extensão e a intensidade das atividades humanas na paisagem e expressar os riscos de degradação hídrica e ambiental associados a essas atividades. Também permite delinear ações de manejo, conservação e recuperação de áreas de ecossistemas direcionadas à ameaça. O índice foi calculado pela primeira vez em 2012 e subsidiou importantes ações de conservação, como, por exemplo, o projeto Pacto Pelas Cabeceiras do Pantanal, que já garantiu a recuperação de mais de 80 nascentes de tributários do rio Paraguai. Para o desenvolvimento do estudo, participaram mais de 20 pesquisadores e técnicos atuantes na temática de recursos naturais na bacia do rio Paraguai, de todos os quatro países que compartilham a ecorregião.

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| biomas |

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A energia renovável precisa ser ampliada pelo menos seis vezes mais rápido para que o mundo atinja os objetivos de descarboni-zação e mitigação climática estabelecidos no Acordo de Paris; esta afirmação se encontra no informe “Global Energy Transformation: A Roadmap to 2050” da Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA).

O histórico Acordo climático de 2015 visa, no mínimo, limitar a elevação da temperatura global média a “bem abaixo de 2°C” no século atual, em comparação com os níveis pré-industriais. Como esse relatório de 2018 mostra, energia renovável e eficiência energética podem, em conjunto, fornecerem mais de 90% da energia necessária relacionada às reduções de emissões CO2. E isso pode acontecer usando tecnologias seguras, confiáveis, acessíveis e amplamente disponíveis. Embora caminhos diferentes possam mitigar a mudança climática, as energias renováveis e a eficiência energética fornecem a rota ideal para efetuar a maioria dos cortes de emissões necessários na velocidade necessária.

As atuais tendências de emissões de dióxido de carbono (CO2) ainda não estão no caminho certo. De acordo com as políticas atuais e as planejadas (incluindo as Contribuições Nacionalmente Determinadas sob o Acordo de Paris), o mundo esgotaria seu orçamento de carbono relacionado à energia em menos de 20 anos. Mesmo assim, os combustíveis fósseis, como petróleo, gás natural e carvão, continuariam a dominar o mix global de energia nas próximas décadas. O “orçamento de carbono” para manter o aquecimento global abaixo de 2°C se esgotará em menos de 20 anos.

Manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C é tecnicamente viável. Também seria mais econômica, social e ambientalmente benéfica do que o caminho resultante dos planos e políticas atuais, revelados no relatório. No entanto, o sistema energético global deve passar por uma profunda transformação, substituindo o atual sistema que é amplamente baseado em combustíveis fósseis.

A quota total de energias renováveis deve aumentar e ficar em cerca de 18% do consumo total de energia final (com relação a 2015) para cerca de dois terços até 2050. No mesmo período, a percentagem de energias renováveis no sector aumentaria de cerca de um quarto para 85%, principalmente através do crescimento da geração de energia solar e eólica. A intensidade energética da economia global terá que cair cerca de dois terços, reduzindo a demanda de energia em 2050 para um pouco menos do que os níveis de 2015.

Mudança global de energia: um roteiro para 2050

Adnan Z. Amin | Diretor-Geral da Agência Internacional de Energias Renováveis - IRENA

Segundo o Relatório isso é possível, apesar do signifi-cativo crescimento populacional e econômico, melhorando substancialmente a eficiência energética.

As energias renováveis podem representar dois terços do mix energético até 2050, com uma intensidade energética significativamente melhorada.

Embora o setor energético já tenha visto uma descarboni-zação significativa, esse progresso deve ser acelerado. Como a eletricidade de baixo carbono se torna a principal fonte de energia, a parcela de eletricidade consumida nos setores de uso final (edifícios, aquecimento e transporte) precisaria dobrar, de aproximadamente 20% em 2015 para 40% em 2050. As energias renováveis também devem expandir significativamente como fonte para usos diretos, incluindo combustíveis para transporte e calor direto, acrescenta o Relatório. A análise é baseada no mapa global da IRENA para aumentar as energias renováveis, conhecido como REmap.

A transformação global da energia faz sentido econô-mico. No entanto, exige mais investimentos em tecnologias de baixo carbono sem demora. Compreender sua pegada socioeconômica, entretanto, é essencial. A análise da IRENA mostra que a mudança para as energias renováveis deve criar mais empregos energéticos do que aqueles perdidos nas indústrias de combustíveis fósseis. Também impulsionaria o PIB global em 1% em 2050 e melhoraria significativamente o bem-estar geral.

A transição energética geraria mais de 11 milhões de empregos adicionais em energia até 2050.

No entanto, a transformação de energia prevista não pode acontecer por si só. O Relatório da IRENA identifica seis áreas de foco onde a política e os tomadores de decisão precisam agir.

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| energias renováveis |

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Os telhados solares já são mais comuns no Estado da Califórnia do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos. Agora eles serão necessários para a maioria das novas casas e apartamentos até 2020. Isso é parte de uma política histórica adotada no dia 9 de Maio de 2018 e que, os simpatizantes deles, esperam que inspire outros Estados a seguir o exemplo.

A Comissão de Energia da Califórnia aprovou por una-nimidade os padrões de construção num processo que foi notável pela falta de oposição, principalmente empresarial. A Comissão estima que as regras levem a uma redução nas emissões de Gases de Efeito Estufa equivalente a 224 milhões de quilos de carbono por ano. Isso é aproximadamente equi-valente a tirar 50.000 carros da estrada.

“Este é um grande marco para a energia solar distribuída”, disse Mike O’Boyle, Gerente de Política de Eletricidade da Energy Innovation, um centro de estudos de São Francisco. “Isso reduzirá o preço da energia solar na cobertura por meio da capacitação nos setores de construção de telhados e residên-cias, criando incentivos para os arquitetos construírem suas casas e fazer seus projetos solares com o intuito de minimizar os custos, resultando num ciclo virtuoso”.

Hoje, uma em cada 5 casas recém-construídas na Califór-nia têm painéis solares, o que significa que a indústria solar nos telhados do Estado já está operando em grande escala, e agora precisará acelerar seu crescimento. O pacote solar faz parte de um conjunto mais amplo de padrões de construção, todos voltados para a obtenção de profundas reduções nas emissões de Gases de Efeito Estufa.

Dan Gearino | Jornalista do Inside Climate

Califórnia impõe painéis solares para novas casas

Enquanto a Califórnia enfrenta alguns desafios logísticos para implementar as regras, os defensores da energia limpa também estão olhando para a forma de como a pegada de carbono da habitação pode ser cortada em outros Estados. “Queremos um laboratório para desenvolver políticas que possam ser adotadas por outros Estados e basicamente avançar na construção eficiente em todo o país”, disse Pierre Delforge, cientista sênior responsável pela descarbonização do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. De acordo com a Comissão, as regras estão projetadas para adicionar cerca de US$ 30 por mês no pagamento da hipoteca mensal típica, mas economizar US$ 80 por mês nos custos de energia. A Comissão espera que as regras incrementar a capacidade solar do Estado de 200 para 400 megawatts por ano. Isso aumentaria a liderança do Estado em energia solar em mais de 21.000 megawatts instalados, incluindo projetos em escala de serviços públicos.

Novos padrões de energia vão além do solar

A Comissão de cinco membros da Califórnia votou por 5 a 0 numa Câmara, com parte do público lotando uma sala. Os novos padrões entrarão em vigor em 1º de Janeiro de 2020 e serão atualizados a cada três anos.

Outros componentes das regras de Código de Construção incluem:

- Padrões de eficiência energética atualizada que, combi-nados com painéis solares, têm como objetivo reduzir o uso de eletricidade líquida a zero.

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- Padrões de ventilação para melhorar a qualidade do ar nas áreas internas.

- Padrões de iluminação para edifícios comerciais e industriais, com o objetivo de reduzir a energia usada para iluminação em 30%.

O requisito solar se baseia numa regra de construções anterior do Estado que exigia que as novas casas, a partir de 2014, terem telhados e sistemas de eletricidade prontos para a energia solar. O tamanho mínimo do sistema solar varia dependendo do tamanho da casa.

As regras solares têm uma série de exceções que permi-tem aos construtores pular painéis solares em alguns casos ou instalar menos que o mínimo. Eles podem atender aos requisitos instalando armazenamento de energia, às vezes em combinação de energia soar e eólica. O leasing solar também dispõe de regras reduzindo os custos iniciais. E há previsões de como as casas localizadas em áreas sombreadas possam atender.

A construção civil tem ressalvas, mas não se opôs

Em muitos Estados, os grupos comerciais da indústria da construção civil lideraram a acusação contra esses tipos de regras. A Califórnia é diferente, disse Bob Raymer, Diretor Técnico da Associação da Indústria da Construção da Cali-fórnia. O Estado tem sido líder em redução de emissões, em parte porque vê os efeitos da mudança climática e reconhece o risco. Uma avaliação do clima em todo o Estado, divulgada pela Agência de Proteção Ambiental da Califórnia, apresentou as evidências da elevação do nível do mar, aumento dos danos causados por incêndios florestais, secas e ondas de calor.

“Nós sabíamos que dizer não simplesmente não ia resol-ver isso”, disse Raymer. “Nós assumimos uma posição que preferimos sermos fortes participantes no desenvolvimento das regras”. Mas Raymer se preocupa com os possíveis efeitos de curto prazo das regras sobre o mercado imobiliário. Ele aponta para estimativas da Associação Nacional de Constru-tores Residenciais mostrando que, para cada aumento de US$ 1.000 no preço de uma nova casa na Califórnia, o número de potenciais compradores diminui em mais de 15.000.

Isso, junto com uma aguda escassez de moradias na Cali-fórnia lhe dá um tempo. Ele também tem preocupações sobre se haverá equipamentos solares suficientes disponíveis para atender ao aumento da demanda e se a indústria de energia solar terá trabalhadores suficientes para fazer as instalações. Todos esses obstáculos potenciais fizeram parte do debate, pois a Comissão elaborou as regras e concluiu que o mercado pode lidar com isso. A equipe observou que as novas mora-dias são apenas 2% do número de casas na Califórnia num determinado ano, e a demanda por painéis solares no teto já é muitas vezes maior do que o número de novas unidades habitacionais que serão construídas. Além disso, muitos novos empreendimentos imobiliários já estão tornando a energia solar um recurso padrão.

Isso poderia definir um padrão para outros Estados?

A Califórnia tem uma história de ser uma referência para os padrões ambientais. Se suas regras solares são vistas como um sucesso, como a Comissão Estadual espera, a próxima pergunta é como outros Estados podem seguir a liderança da Califórnia.

Delforge do NRDC está olhando para o Código Inter-nacional de Conservação de Energia (International Energy Conservation Code - IECC ), um código modelo que é usado como base para muitos Códigos Estaduais. Ele acha que o “próximo passo lógico” é que o IECC adicione elementos das regras da Califórnia.

É menos provável que outros Estados resolvam imedia-tamente suas próprias necessidades solares. A Califórnia está singularmente posicionada para ser a primeira porque já tem uma próspera infraestrutura solar no último estagio e por causa das Leis que dão à Comissão de Energia amplo poder sobre as regras de construção.

“Se esta proposta decola em outros Estados, chega a algumas questões iniciais”, disse O’Boyle, da Energy Inno-vation. Essas questões se resumem em como a grade pode se adaptar a uma presença muito maior de energia solar, e se a economia de longo prazo acaba sendo tão favorável quanto o previsto. “Se a Califórnia pode integrar esta política de forma transparente e eficiente, então não há razão para que outros Estados não possam seguir”, disse ele.

A Comissão fez “uma decisão indiscutivelmente histórica para o Estado da Califórnia e para os EUA”, disse Abigail Ross Hopper, Presidente e CEO da Solar Energy Industries Association. “Outros Estados podem não estar prontos ainda para esta etapa, mas esta é uma política de estabelecimento de precedentes que trará enormes benefícios e redução de custos para os consumidores”, disse ela. “Minha esperança é que quando outros Estados, muitos dos quais estão desenvol-vendo seus próprios mercados solares em rápido crescimento, vejam os benefícios desta política, eles desenvolverão políticas similarmente agressivas”.

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| energias renováveis |

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Para comemorar o Dia Mundial da Energia (29/5), o portal do Centro Sebrae de Sustentabilidade (www.sustentabilidade.sebrae.com.br) publicou entrevista realizada com Rodrigo Sauaia, Presidente da ABSOLAR - Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica. Ele é também co-fundador e membro do conselho diretivo do Global Solar Council (GSC), entidade formada pelas principais associações regionais e nacionais, que representa o país em fóruns internacionais sobre o tema. É consultor estratégico para a área de energia solar fotovoltaica junto ao Greenpeace Brasil.

A formação acadêmica do Presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica inclui doutorado em Engenharia e Tecnologia de Materiais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com colaboração internacional na área de energia solar fotovoltaica realizada no Fraunhofer Institut für Solare Energiesysteme (Fraunhofer ISE, Alemanha); é mestre em Energias Renová-veis com especialização em Energia Solar Fotovoltaica pela Loughborough University e Northumbria University, no Reino Unido, com colaboração internacional realizada no ETH Zürich, na Suíça; além de bacharelado e licenciatura em Química pela Universidade de São Paulo (USP).

País solar

Apesar do enorme potencial do Brasil para a energia solar fotovoltaica, atualmente esta tecnologia é responsável por menos de 1% da geração nacional de energia elétrica - que utiliza fontes hidráulica (73%), térmica (14,6%), eólica (8,2%), nuclear (3,6%), solar (0,4%) e importação (0,2%), segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no dia 25.05.18 às 14h06.

Nos últimos seis anos, porém, este cenário começou a mudar. Consumidores residenciais e empresariais, além de produtores rurais, começaram a produzir sua própria energia, aderindo aos sistemas de mini e microgeração solar fotovoltaica como fonte renovável e limpa para reduzir gastos e garantir autonomia energética, com retorno de investimento garantido, entre cinco e sete anos. Depois desse período, o consumo tem custo praticamente zero, durante 18 a 25 anos. Só os telhados das casas brasileiras, sem usar nenhum metro quadrado a mais de área, gerariam cerca de 164 GW, mais do que a matriz elétrica atual instalada no país (160 GW), segundo Rodrigo.

Vanessa Brito | Jornalista do Centro Sebrae de Sustentabilidade

A tecnologia solar fotovoltaica se tornou mais segura para investir, depois que a Agência Nacional da Energia Elétrica (ANEEL) aprovou a Resolução Normativa (RN) 482 em 2012, regulamentando a micro e minigeração distribuída e o sistema de compensação de energia elétrica. Foi uma mudança de paradigma, resume ele. Outras duas resoluções posteriores aprimoraram o assunto: as RNs 687/2015 e 786/2017. Hoje, o país conta com um excelente arcabouço regulatório, que deve ser mantido e avançar ainda mais, diz o entrevistado.

A data

O Dia Mundial da Energia, comemorado em 29 de Maio, foi criado pela Direção Geral de Energia de Portugal, em 1981, com o propósito de motivar a conscientização civil e política sobre a importância da poupança de energia e do incentivo ao uso de energias renováveis (não fósseis). O uso de energias que possuem como fonte o petróleo e carvão mineral potencializa a poluição ambiental, prejudicando a vida de todos os seres do Planeta. Esta data serve para despertar em cada pessoa, que ela pode fazer a sua parte para evitar o desperdício de energia, aproveitando ao máximo o uso da luz natural (do sol) e comprando eletrodomésticos com classe energética mais eficiente.

O potencial solar brasileiro poderia atender 170 Brasis

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Entrevista com Rodrigo SauaiaPresidente da ABSOLAR

Rodrigo Sauaia

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Como avalia a situação mundial atual relacionada com a produção e consumo de energia? Temos bons motivos para comemorar o Dia Mundial da Energia no Brasil e no mundo?

O Dia Mundial da Energia é um evento importante para que possamos nos conscientizar sobre a importância deste insumo estratégico e fundamental para a vida, sobretudo nas sociedades modernas. Sem energia países e economias não funcionam; as atividades de lazer, sociais, o transporte, a logística, nada funciona. Especificamente na energia elétrica, temos um insumo que é ainda para uso de curto prazo, é difícil de estocar e armazenar.

Neste sentido, esta data nos ajuda a celebrar uma trans-formação que vem acontecendo no mundo. No Século 20, trabalhava-se baseado fundamentalmente em fontes fósseis de energia; agora, no Século 21, estamos vivendo um processo de transição importantíssimo, diminuindo a participação das fontes fósseis e ampliando a participação e a relevância das fontes renováveis, cada vez mais protagonistas das matrizes elétricas do mundo.

No caso específico do Brasil, temos motivos importantes para celebrar: primeiro, porque é um país de fato privile-giado do ponto de vista de seus recursos enérgicos e do seu potencial em relação às fontes renováveis; e segundo, por já possuir uma das matrizes renováveis mais limpas do mundo: a hidrelétrica. Na área de energia solar fotovoltaica, temos um potencial capaz para atender a demanda de energia elétrica de 170 Brasis.

Estamos no meio da transição para matrizes de baixas emissões, com a participação das novas fontes renováveis modernas (solar, eólica e biomassa) e a diversificação para além das hidrelétricas. Estas matrizes de baixa emissão, de fontes renováveis não-hídricas são seguras e têm a vantagem de serem muito competitivas.

A transição para uma economia mais limpa está em pleno andamento, principalmente nos países mais ricos. Existe um ranking mundial sobre a adoção da tecnologia solar? Quais países estão à frente e qual é a colocação do Brasil?

A fonte solar fotovoltaica no Brasil está num processo de rápido crescimento e desenvolvimento. No início de 2017, alcançamos a marca histórica importante de 1,1 GW de ener-gia solar fotovoltaica operando em nossa matriz, só atingida por aproximadamente 30 países no mundo. Agora, fazemos parte deste seleto grupo de países. A ABSOLAR já projeta que, este ano, o Brasil deve ultrapassar 2.000 mil MW, o que representará um passo relevante para o desenvolvimento desta tecnologia no país.

Hoje, neste momento, a fonte solar fotovoltaica ainda representa menos de 1% da matriz elétrica brasileira, mas com o forte crescimento, a projeção do Instituto de Pesquisa Energética do governo federal, a fonte solar fotovoltaica poderá representar 10% da matriz elétrica do país, em 2030. Este é um número bastante significativo, que trará ao Brasil inúmeras oportunidades de negócios, inclusive para micro, pequenos e médios negócios. Quando olhamos a potência adicionada em 2017, pela primeira vez ingressamos no ranking dos 10 países do mundo geradores de mais de 1 GW, ocupando a 10ª posição. Assim nos tornamos uma nova potência solar fotovoltaica.

Nos últimos anos, constatamos a vulnerabilidade de nossa matriz energética, baseada na geração hidrelétrica (73%), especialmente durante longos períodos de estiagem. Os níveis de água nos reservatórios de usinas hidrelétricas importantes do país baixaram drasticamente, impactando os custos e preço da energia ao consumidor final. Nosso padrão energético está ameaçado? Devemos nos preocupar com o padrão hidrelétrico brasileiro, devido ao aquecimento global, que reduz o volume de chuvas, altera o clima, etc.?

Hoje, nossa matriz elétrica está ainda bastante dependente das hidrelétricas, dos recursos hídricos. Por este motivo, é fundamental que o país avance no processo de diversificação de suas matrizes energética para que possamos reduzir a nossa dependência da água, como geradora de energia elétrica, até porque a água é um recurso de múltiplas funções, tanto para abastecimento humano, dos animais, para a irrigação e atividades produtivas. É um recurso fundamental não só para gerar energia elétrica. A água está cada vez mais escassa e estratégica. Para que isto não gere maior pressão sobre a matriz brasileira, é importantíssimo que o país diversifique as fontes renováveis, que não precisem de água para gerar energia elétrica, como é o caso da tecnologia solar fotovoltaica.

Nesse sentido existe um risco hídrico crescente em nossa matriz, por conta das mudanças climáticas. As secas conti-nuadas no Nordeste que já somam cinco anos consecutivos e podem ser uma sinalização de mudança no regime de chuvas da região. Temos que nos planejar para fazer uso desta água escassa. A fonte solar fotovoltaica vai aliviar esta pressão e ajudar a diversificar a nossa matriz, trazendo maior segurança energética a preços muito interessantes e atraentes. A tecnologia solar tem mostrado competitividade crescente, seja em leilões, seja em geração distribuída de energia elétrica.

Quais são as fontes renováveis mais recomendadas para o Brasil?

O Brasil possui portfólio amplo e diversificado de fontes renováveis, que podem ser aproveitadas para a geração de energia elétrica. São vantagens comparativas e competitivas estratégicas como país. O Brasil tem excelente potencial hídrico, que já foi a base da expansão da nossa matriz elétrica, nas últimas décadas, mas que agora já se torna visível que há limites para esta expansão, seja por questões ambientais ou questões sociais - muitas vezes os reservatórios alagariam áreas significativas de florestas, de regiões protegidas ou até mesmo por áreas ocupadas por pessoas, comunidades tradi-cionais ou modernas.

O recurso hídrico é importante e precisa ser levado em consideração e aproveitado. Mas além de nosso potencial hídrico, cujo potencial técnico total soma 172 GW, dos quais um terço está na região amazônica e, portanto, é de difícil aproveitamento e grande parte do recurso restante já foi aproveitada. Nós temos também o recurso eólico de excelente qualidade, com potencial técnico total de cerca de 440 GW, maior do que o potencial hidrelétrico disponível, bastante localizado nas Regiões Sul e Nordeste, onde estão os ventos de alta qualidade do país. Em comparação, quando olhamos o potencial técnico da fonte solar fotovoltaica, os números são impressionantes: são mais de 28.500 GW em potencial técnico, maior do que a somatória de todas as fontes renováveis e fósseis.

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O potencial solar supera todos os recursos em potencial e, quando olhamos apenas para os telhados das casas bra-sileiras, sem usar nenhum metro quadrado a mais de área, seria possível gerar cerca de 164 GW em potência instalada, número maior do que a matriz elétrica instalada no país (160 GW, hoje em potência).

Além do elevado potencial técnico, a tecnologia solar vem demonstrando crescentes ganhos de competitividade, nos últimos leilões de energia solar. Igualmente a geração solar distribuída também está se mostrando cada vez mais competitiva pela combinação dos preços e aumentos da energia elétrica que são pagos pelos consumidores brasileiros.

O primeiro leilão de energia solar do governo federal, em 2014, vendeu por US$ 88/MW/h – já foram feitos cinco leilões, até o momento. No leilão realizado, em abril 2018, a fonte solar fotovoltaica foi vendida a R$ 118,07, equivalente a US$ 35,25. Então, os preços foram reduzidos significativamente, de 2014 para 2018. Atualmente a fonte solar já é considerada o segundo menor preço de energia no país - menor, inclusive, do que as pequenas centrais hidrelétricas (PCEs) - e mais competitivo do que todas as usinas termelétricas fosseis e biomassa. A tecnologia solar fotovoltaica se tornou altamente competitiva, tanto para a população brasileira, como também para o governo federal via leilões.

A regulamentação e normas definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), nos últimos anos, são suficientes para estimular a adesão de empresas, pequenos produtores rurais e cidadãos à microgeração e minigeração distribuída de energia solar fotovoltaica?

Olhando especificamente para as micro, pequenas e médias empresas, o preço da tarifa média da energia elétrica tem aumentado de forma intensa para os brasileiros. No período de 2012 a 2015, aumentou cerca de 500% – um aumento significativo, segundo Ministério de Minas e Energia. Os consumidores, sejam eles residências, comércio, micro e pequenas indústrias e prestadores de serviços, estão pagando cada vez mais caro pela energia elétrica.

E esta tendência infelizmente continua, tanto que, em 2017, tivemos inflação média de 2,95%, mas a tarifa de energia elétrica subiu 10%, na média, ou três vezes mais do que a inflação.

Em 2018, dando o exemplo da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), em Minas, a tarifa elétrica subirá mais de 20 por cento. A tecnologia da energia fotovoltaica tem tido redução no preço, já acumulou redução de 80 por cento e se tornou competitiva. Significa dizer que já é mais barato gerar energia em seu telhado, de forma renovável e limpa, economizando dinheiro do que comprar energia da distribuidora.

Quando a gente olha o tempo de retorno do investi-mento, são necessários por volta de 5 a entre 7 anos, para que o consumidor, que investiu em energia solar fotovoltaica, recupere o investimento inicial, com a vantagem que esta é uma tecnologia robusta, sem partes móveis, feita para durar e com vida útil estimada em mais de 25 anos.

Um período muito interessante, longo e positivo para que o consumidor, investidor ou empresa, que vai ter energia praticamente de graça, entre 18 a 25 anos, se beneficie com energia renovável com preços de energia bem mais baixos.

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Esta tem sido uma forma com que os pequenos negócios estão se diferenciando, demonstrando seu compromisso com o meio ambiente e sustentabilidade, e com isso tendo uma melhor proximidade com os clientes e posicionando sua marca mais positiva junto à sociedade.

As normas da ANEEL, hoje em vigor, em especial no caso da geração solar fotovoltaica, uma das mais relevantes é a Resolução Normativa 482 /2012, que trata da micro e mini-geração distribuída e do sistema de compensação de energia elétrica. Foi uma mudança de paradigma importante, que permitiu que consumidores brasileiros em geral (residências, empresas, instituições, edifícios públicos, propriedades rurais) passassem a poder gerar energia renovável na sua própria unidade consumidora (no telhado, fachada do prédio ou terreno na área rural) para consumir esta energia. Qualquer excedente produzido não é desperdiçado, pode ser injetado na rede e disponibilizado para região ou bairro onde está. O consumidor recebe um crédito de energia, que poderá ser abatido em seu consumo nos meses posteriores.

Este modelo foi aprimorado pelas Resoluções Normati-vas 687/2015 e 786/2017. Hoje, o Brasil tem um excelente arcabouço regulatório em favor da geração distribuída solar fotovoltaica, permitindo aos consumidores investir nesta tec-nologia com tranquilidade e com bom retorno financeiro.

Nossa maior ressalva e ponto de atenção como setor é conseguir manter estes pontos alcançados na regulamentação e continuar avançando para que o ambiente regulatório e de negócios possa contribuir para o crescimento dessa fonte no país. Existe um anseio da população e sociedade brasileira por gerar a sua própria energia.

No agronegócio, a tecnologia solar pode se tornar uma parceira dos produtores rurais?

A energia solar fotovoltaica tem grande potencial no meio rural, uma vez que os produtores rurais, hoje, já são grandes usuários de energia solar para a produção de alimentos. São justamente eles, que abastecem as áreas urbanas com alimentos. Eles também podem passar a serem produtores de energia renovável, por meio do sol, para abastecer as áreas urbanas. Esta tecnologia pode ajudá-los a terem mais autonomia energética, mais independência, e planejar a expansão da sua atividade produtiva, com menos custos de infraestrutura e distribuição.

O meio rural tem acesso às melhores linhas de financia-mento para energia solar fotovoltaica. Por este motivo, temos visto, desde 2017, que este setor tem muita sinergia e vem regis-trando crescimento acelerado no uso de energia fotovoltaica, pelos produtores rurais do agronegócio, em especial.

Os produtores rurais podem usar financiamentos, como a linha do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) que, inclusive, foi aberta pela primeira vez para projetos fotovoltaicos, em parceria com a ABSOLAR e ABEEOLICA (Associação Brasileira de Energia Eólica); e a linha do Banco do Brasil chamada Agro Energia; existem, ainda, as linhas dos fundos constitucionais para os Bancos da Amazônia, do Nordeste e BB. Também o BNDES tem linhas para geração de energia renovável no campo. Uma das linhas importantes se chama Inovagro para projetos de maior porte. Então, desde o agricultor familiar até o grande produtor rural vão encontrar boas linhas de financiamento para energia solar fotovoltaica no campo.

Qual a solução para os pequenos produtores rurais? Eles terão de se associar em cooperativas para gerar energia a partir de biomassa, biogás e outras fontes renováveis, já que estas tecnologias custam caro?

Os pequenos produtores que tiverem interesse de reduzir seus gastos com energia elétrica, por meio da fonte solar fotovoltaica, podem investir diretamente nesta tecnologia ou podem se reunir em cooperativas ou consórcios de energia renovável.

Uma iniciativa importante neste sentido foi desenvolvida pela OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), que publicou gratuitamente uma cartilha sobre cooperativas e consórcios de geração de energia, explicando como construí-los e estruturá-los, que contou com apoio da ABSOLAR. Acreditamos que esta publicação vai contribuir para a adoção dessa tecnologia no campo e também na área urbana.

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A voracidade arrecadatória dos políticos acaba de ultra-passar os maiores absurdos já registrados em Brasília, terra que parece viver em realidade diferente da que vivemos no resto do Brasil.

Num ramo que já sofre com uma carga de tributos e encargos equivalente a 51 por cento da receita bruta opera-cional das empresas do setor elétrico, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 97 de 2015, de autoria do Deputado Federal Heráclito Fortes (PSB-PI), que prevê a participação no resultado ou com-pensação financeira (royalties) pela exploração de recursos eólicos aos Estados, Distrito Federal, municípios e órgãos da administração direta da União.

Essa iniciativa parlamentar não deixa dúvidas: a motivação de alguns legisladores não é criar um ambiente previsível para quem investe no país e para quem depende de eletricidade para sua produção ou consumo final. A motivação é inventar as piores formas para aumentar a arrecadação que financia a ineficiência do Estado.

Os congressistas que se animaram com a ideia acima preci-sam saber que a origem da cobrança dos royalties estava ligada à intenção de prover alguma compensação para a extração de recursos naturais finitos nas terras “pertencentes ao rei”, tais como madeira, água e recursos minerais. A palavra royalty deriva de royal, ou “aquilo que pertence ao rei”.

Na atualidade, royalty é o termo que designa o valor pago ao detentor de recurso natural finito, produto, marca, patente de produto, processo de produção, ou obra original, pelos direitos de exploração, uso, distribuição ou comercialização do referido produto ou tecnologia.

Este definitivamente não é o caso dos ventos, que não têm nada de “finitos”.

A exploração da energia eólica tampouco remete à neces-sidade de compensação financeira, modelo usado para energia hidráulica. No caso de usinas hidrelétricas – embora não conste da Lei que criou a Compensação Financeira pelo Uso de Recurso Hídrico (CFURH) – a motivação foi compensar a perda de renda gerada pela área inundada com a formação dos reservatórios.

Portanto, o objetivo da Lei que criou a CFURH foi com-pensar Estados e Municípios pelos tributos que deixaram de ser arrecadados pela exploração econômica da área que foi inutilizada. Este também não é o caso da energia eólica: as instalações eólicas não inviabilizam o uso da área onde elas são instaladas.

Se não bastassem os argumentos puramente racionais acima – o uso dos ventos não exige pagamento ou “compensação” a quem quer que seja – não existe registro de cobrança de royalties por geração eólica em nenhuma parte do Planeta.

Permitiremos que nossos políticos criem mais uma das nossas “jabuticabas”, que só geram ineficiência para o setor elétrico e para a economia do país?

Uma ineficiência que passará a ser paga de forma perma-nente pelos consumidores de energia elétrica?

Senhores do ventoClaudio Sales e Alexandre Uhlig | Presidente e Diretor do Instituto Acende Brasil, respectivamente

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A biodiversidade desaparece a velocidade mil vezes mais rápida por causa do homem. O alerta foi dado pela Vice-Secretária-Geral da ONU, Amina Mohammed, num pro-nunciamento para lembrar o Dia Mundial da Vida Selvagem, celebrado cada dia 3 de Março. A ONU chama atenção para os perigos que os grandes felinos enfrentam.

Intervenções do homem na natureza fazem com que a biodiversidade do Planeta desapareça a uma taxa mil vezes mais rápida do que a estimada para um cenário sem a ameaça de atividades humanas.

Entre os problemas por trás da extinção de espécies, estão a destruição e degradação de hábitats, as mudanças climáticas, o tráfico ilícito de animais e plantas silvestres e conflitos entre o homem e o meio ambiente. “Essas causas também estão associadas aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 e não podem ser vistas isoladas deles”, afirmou Amina.

Como exemplo, a dirigente lembrou o Objetivo Nº 1 (Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares), que prevê a eliminação da miséria. “A pobreza pode ser a causa da perda de biodiversidade, como vemos com a caça ilegal e o uso insustentável da terra, incluindo a derrubada e queimada de florestas, o comércio ilegal de madeira e o sobrepastoreio”, disse a dirigente. “A perda da biodiversidade, por sua vez, aumenta a pobreza, uma vez que os ecossistemas se esgotam e se tornam incapazes de sustentar vidas e prover meios de subsistência.”

Amina defendeu que a comunidade internacional “tem de trabalhar obstinadamente para aprimorar a conservação da biodiversidade e para eliminar a ingerência, o comércio ilícito, a corrupção e o tráfico”.

Dia Mundial da Vida SelvagemRudá Capriles | Jornalista e Cinegrafista (Com informações da ONU)

“É por isso que temos o ODS Nº 15, para proteger, restaurar e promover o uso sustentável de ecossistemas terrestres, admi-nistrar sustentavelmente as florestas, combater a desertificação e reverter a degradação da terra”, acrescentou.

A Vice-Chefe das Nações Unidas também chamou atenção para os riscos de extinção enfrentados pelos gran-des felinos, como os leopardos, onças, jaguares, guepardos, leões e tigres. “Há apenas um século atrás, havia 100 mil tigres selvagens vivendo na Ásia. Hoje, existem pouco mais de 4 mil”, lembrou Amina, que cobrou mais compromisso de países e comunidades pela proteção dessas espécies. “Os grandes felinos são espécies centrais. Protegê-los também significa proteger os vastos hábitats em que eles vivem e a ampla variedade de vida que abrigam”, defendeu a dirigente. “A solução para salvá-los, bem como todas as outras espécies ameaçadas ou em perigo, é a conservação baseada na ciência e no Estado de Direito”.

Na avaliação da Subsecretária, é necessário um novo paradigma de desenvolvimento, que não considere a conser-vação da natureza como elemento antagônico ao crescimento econômico. “As soluções vão além da adoção de Leis rigorosas e do estabelecimento de áreas protegidas nacionais. Precisamos de novas formas de parceria entre governos, conservacionistas e comunidades locais para lidar com a conservação da vida silvestre como uma fonte de oportunidades e estabilidade econômica”.

Amina concluiu sua análise enfatizando que a conservação da vida selvagem é uma “responsabilidade compartilhada” e que todos – consumidores, legisladores e gestores políticos e o setor privado – têm um papel a cumprir na proteção do patrimônio natural do Planeta.

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Todo dia 10 de Maio é come-morado o Dia Mundial das Aves Migratórias (World Migratory Bird Day), data instituída pela Convenção sobre Espécies Migratórias (CMS), em 2006, com objetivo de aumentar a conscientização da sociedade sobre a necessidade de conservação das aves migratórias e seus habitats.

A analista ambiental Krishna Bonavides, do Ministério do Meio Ambiente, destaca que, “por ser uma data de âmbito mundial, é uma ferramenta importante de sensibili-zação da sociedade sobre as ameaças que as aves migratórias enfrentam, sua importância ecológica e sobre a necessidade de cooperação interna-cional para conservá-las”.

Com o tema “O Futuro Deles É Nosso Futuro - Um Planeta Saudável para Aves Migratórias e as Pessoas”, a campanha do ano passado teve como objetivo sensibilizar sobre a necessidade de uma gestão sustentável dos recursos naturais, demonstrando que a conservação das aves também é crucial para o futuro da humanidade.

Todos os anos, pessoas em diversas partes do mundo orga-nizam eventos públicos, tais como festivais de aves, programas de educação, exposições e passeios de observação de pássaros para comemorar e dar visibilidade ao tema.

Esse é um dos objetivos do Encontro Nacional de Obser-vadores de Aves (AVISTAR), que se realizará de 18 a 20 de Maio no Instituto Butantan, em São Paulo. O evento promove o registro, conservação e conhecimento da avifauna brasileira, além de estimular uma relação saudável com a natureza, turismo responsável, ciência-cidadã e relação responsável dos usuários com as Unidades de Conservação.

Durante o AVISTAR de 2017, por exemplo, Pedro Develey, diretor da Sociedade para a Conservação das Aves do Brasil (SAVE-Brasil), instituição parceira do Ministério do Meio Ambiente (MMA), tratou sobre a “Alianza del Pastizal”, uma iniciativa que tem como objetivo integrar o desenvolvimento do bioma Pampa com a conservação da biodiversidade, por meio da promoção de técnicas de manejo favoráveis ao meio ambiente.

A Alianza del Pastizal, representada no país pela Save Brasil, conserva mais de 100 mil hectares de campos nativos e 12 espécies de aves globalmente ameaçadas de extinção.

Países celebram Dia das Aves Migratórias

Renata Meliga | Jornalista do MMA

O Dia Mundial das Aves Migra-tórias tem embaixadores entre aves aquáticas e terrestres ou aves de rapina, que voam sobre diferentes partes do mundo, mas enfrentam ameaças semelhantes durante a migração. Das sete espécies embai-xadoras, duas ocorrem no Brasil: andorinha-de-bando (Hirundo rus-tica) e Maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus).

Classificada na categoria Menos Preocupante (LC) na avaliação de seu estado de conservação, a andorinha-de-bando é uma espécie amplamente distribuída no mundo, podendo ser encontrada na Europa, África, Ásia, Américas e norte da Austrália. Segundo a analista ambiental Nadinni Oliveira, tam-bém do MMA, a ave está presente periodicamente em todo o território brasileiro, sendo vista principalmente entre Setembro e Março.

Já o maçarico-de-papo-vermelho é considerado como Criticamente em Perigo (CR) na Lista Nacional Oficial das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção. Krishna Bonavides conta que a subespécie que ocorre no Brasil (rufa) migra do Círculo Polar Ártico ao Sul do Brasil, Uruguai e da Argentina, sempre em regiões costeiras e nunca dentro do continente, e passa o período não-reprodutivo no Brasil, havendo concentrações populacionais especialmente no Maranhão e no Rio Grande do Sul. “As principais ameaças descritas para a espécie no Brasil é o declínio da qualidade do habitat devido a atividades humanas nas praias”, explica.

A implementação da Convenção sobre Espécies Migratórias no Brasil é coordenada pelo Departamento de Conservação e Manejo de Espécies do MMA. “Com isso, buscamos ampliar a representação sobre conservação de aves migra-tórias em fóruns internacionais e também, juntamente com o ICMBio, a implementação do Plano de Ação Nacional para Conservação de Aves Limícolas Migratórias”, informa Krishna Bonavides.

A Convenção sobre Espécies Migratórias tem como obje-tivo conservar as espécies que migram tanto pela via terrestre, quanto marinha e/ou aérea, desconsiderando as fronteiras físicas entre países, demandando esforços comuns e uma efetiva cooperação internacional. É um acordo intergovernamental, concluído sob a coordenação da ONU Meio Ambiente.

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Mais da metade da população mundial vive em cidades e a expectativa é que até 2050 o índice salte para 75%. Especialistas defendem que para gerar qualidade de vida, combater problemas do sistema de saúde e até mesmo pla-nejar movimentos econômicos, o poder público, a iniciativa privada e os cidadãos terão que lidar com questões referentes às cidades inteligentes.

Essa foi a opinião levantada por participantes do evento “Mobilidade e Cidades Inteligentes”, realizado em 16 de Abril pela FAPESP em parceria com o Instituto do Legislativo Paulista (ILP).

Foi o quinto evento do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, que contou com a participação do Deputado Estadual Marco Vinholi, de Leonardo Quintiliano, Diretor-Executivo do ILP, e de Carlos Américo Pacheco, Presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP.

Na avaliação de um dos palestrantes, Fabio Kon, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP), cada vez mais a tendência será criar aplicações e serviços para a população a partir da coleta e análise de dados, seja em transportes, saúde, coleta de lixo, por exemplo.

“Isso é a base das cidades inteligentes. Porém, a velocidade com que esse movimento vai ocorrer depende de nós, cientis-tas, depende do Legislativo, das empresas e da população”, disse o membro da Coordenação Adjunta - Pesquisa para Inovação da FAPESP.

Maria Fernanda Ziegler | Jornalista da Agência FAPESP

Cidades inteligentes dependem de ação entre setores da sociedade

Segundo ele, não é raro que a preocupação inicial de pre-feituras seja com a compra de determinado produto atrelado a cidades inteligentes. “Isso é uma maneira de se obter uma cidade burra. Saber que hardware comprar é a última coisa a se fazer. Fazer uma cidade inteligente exige ter especialistas e cientistas trabalhando de forma integrada com funcionários da prefeitura para entender quais são as necessidades da população, fazer diagnósticos e elaborar projetos para uma política pública de longo prazo. Somente quando se chega a esse ponto é que se escolhe o produto a comprar ou se é preciso desenvolver um novo”, disse.

Kon apresentou projetos desenvolvidos na USP que possi-bilitam a criação de políticas públicas baseadas em evidência. Entre eles estava um sistema que monitorava a relação entre sistema de saúde e mobilidade urbana.“Calculamos quanto as pessoas precisam se deslocar para receber determinado tratamento de saúde. Vimos que elas se deslocam muito. Estudos como esses podem justificar a localização de novos hospitais, ou, se o governo tem dinheiro apenas para investir em um e não cinco hospitais, que o investimento seja feito da melhor maneira possível”, disse.

Ainda na toada de políticas públicas baseadas em evidên-cias, Marcio Cabral, da startup Scipopulis, empresa apoiada pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), mostrou como o monitoramento em tempo real da frota de ônibus na cidade de São Paulo pode auxiliar na tomada de decisões e melhoria de vida dos passageiros.

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“A partir da nossa análise de dados conseguimos responder a perguntas sobre mobilidade urbana e ter uma análise global do trânsito. Com o monitoramento é possível fazer uma análise global tanto para o passageiro, que precisa saber que horas o ônibus vai chegar, quanto para o gestor. A análise para o gestor utiliza também dados históricos para indicar onde há problemas crônicos ou momentâneos que exijam uma ação planejada ou imediata da cidade”, disse Cabral.

Recentemente, a Scipopulis mapeou a cidade de São Paulo com números de linhas de ônibus, escolas, empresas, hospitais. O objetivo foi conseguir, a partir dos dados, prever quantas pessoas circulam pela cidade e avaliar as interseções das linhas de ônibus da cidade. “A partir de simulações em um sistema de machine learning [aprendizagem de máquina] conseguimos prever quais mudanças nas linhas podem atender melhor a cidade”, disse Cabral.

A cidade interfere na economia e na saúde das pessoas. Qual é o peso de morar em uma grande cidade? Segundo Paulo Saldiva, Diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, é possível identificar o peso da metrópole em seus moradores. “Em São Paulo, fazemos 15 mil autópsias por ano. É o maior número no mundo e é possível ver as impressões da cidade sobre os corpos. É possível ver as manchas de car-bono, de poluição, nos pulmões. A partir de entrevistas com parentes, o patologista consegue saber onde aquela pessoa morava. Com isso, chegou-se à estimativa de que duas horas que a pessoa passa no trânsito de São Paulo equivalem a fumar um cigarro. O trânsito já tem efeito mais nocivo do que ser fumante passivo”, disse.

Saldiva explicou que as cidades afetam a saúde de seus moradores principalmente em três questões de saúde: obe-sidade, saúde mental e câncer. “Sabe-se que quanto maior for a cidade, maiores serão as taxas ajustáveis de obesidade, depressão, ansiedade, esquizofrenia e câncer”, disse.

Para o pesquisador – que acaba de lançar o livro “Vida Urbana e Saúde” –, é possível também traçar um perfil da cidade. “Se São Paulo fosse uma mulher, seria uma senhora de 464 anos obesa que cresceu mais que a estrutura permitia. Teria artérias entupidas com trombos metálicos de quatro rodas, bronquite crônica por poluição e insuficiência renal, com diarreia aquosa em seus rios. Além disso, também teria diabetes por usar energia de forma perdulária, e Alzheimer, por esquecer o que foi feito nas gestões anteriores”, disse.

Saldiva defende que os temas cidades inteligentes e mobi-lidade urbana, além de serem uma questão de saúde, estejam relacionados aos direitos fundamentais das pessoas. “A forma como nos locomovemos nas cidades está conectada a essas doenças e também pode ser interpretada como um método de exclusão. Como um jovem que precisa de três horas para se locomover vai estudar e se tornar uma pessoa melhor para a sociedade? Calculamos o preço de mudar, mas ninguém sabe o preço de manter como estamos hoje”, disse.

Danilo Igliori, professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, falou sobre a relação das cidades com a economia. “Em economia, defendemos que as paisagens econômicas revelam realidades complexas. Quais os custos e os benefícios de morar em uma cidade como São Paulo. Em nossos estudos vimos que o acesso ao transporte público tem relação com o peso de uma vaga de garagem no valor do imóvel”, disse.

Um estudo do Departamento de Economia da FEA, com dados de 15 milhões de imóveis, mostrou que quanto mais próximo de uma estação de metrô estiver o imóvel, menor será o peso da vaga no valor total do imóvel. Segundo o levantamento, a vaga pode representar até 11,7% do valor de um imóvel. De acordo com o cálculo, uma vaga de estacionamento pode deixar um apartamento de 60 m2 de R$ 14 mil a R$ 238 mil mais caro, dependendo da proximidade do metrô.

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Como a construção da resiliência em projetos integrados de infraestrutura pode transformar cidades na Ásia-Pacífico lugares mais atraentes para se viver e investir? As cidades na Ásia-Pacífico têm sido as receptoras de alguns dos maiores choques e tensões dos últimos anos. O processo de urba-nização fez com que pessoas se mudassem para as cidades num ritmo mais rápido do que a capacidade de adaptação da infraestrutura.

Com a globalização, os desafios de uma cidade cada vez mais se refletem nas outras. E as cidades assentadas em deltas de rios, no litoral e em planícies se tornaram vulneráveis aos piores efeitos da mudança climática.

Chennai, no Sul do Estado indiano de Tamil Nadu, é uma cidade que materializa essas questões. Construída em sua maior parte em uma planície inundável, ela foi atingida por severas enchentes em 2005 e 2015. A imigração recente fez dela uma das quatro maiores regiões metropolitanas do mundo. E muitos dos recém-chegados vivem em áreas de alto risco nas periferias da cidade. Enquanto isso, em Bangkok, metade dos 10 milhões de habitantes da cidade vem de outras províncias e outros países em busca de trabalho.

Isis Cerchiari Lima | Jornalista do 100 Cidades resilientes

Criar cidades mais saudáveis, seguras e felizes

Muitos são pobres e vulneráveis

Ainda assim, apesar de terem visto os danos que desastres naturais podem causar, e a pressão que o rápido crescimento de populações coloca sobre os sistemas e serviços, poucas cidades na Ásia-Pacífico estão desenvolvendo a resiliência como parte de seus projetos de infraestrutura. Em vez disso, elas focam em projetos bem básicos que prometem trazer um grande retorno econômico.

Acreditamos que está na hora de uma nova abordagem. As cidades na região deveriam mirar-se no exemplo de suas semelhantes ao longo da Nova Rota da Seda, assim como em Bangkok e Semarang, para ver como integrar resiliência em projetos que resolvem múltiplos desafios e trazem benefícios sociais e econômicos no longo prazo.

4 questões sobre cidades resilientes na Ásia-Pacífico

1 - Qual é o problema?

As cidades na região da Ásia-Pacífico estão se apres-sando em atingir os padrões mínimos em seus projetos de infraestrutura. Ao fazer isso, desconsideram a resiliência, o que as deixa indefesas a choques e tensões no futuro. E seus cidadãos mais novos e mais pobres pagam um preço despro-porcionalmente alto.

2 - Quais são os custos?

A enchente de 2011 em Bangkok e a fraca gestão de inun-dações em Quy Nhon, Vietnã, são exemplos de como o fato de não planejar integralmente o que fazer em uma situação de desastre pode custar extremamente caro. A enchente de Bangkok causou um prejuízo estimado em US$ 45 bilhões à cadeia global de suprimentos, dos quais apenas US$ 10 bilhões estavam sob seguro. E quando o tufão Mirinae atingiu Quy Nhon, em 2009, as inundações subsequentes causaram cerca de US$ 21 milhões de prejuízo.

3 - Por que o problema existe?

A iniciativa 100 Cidades Resilientes identificou as três maiores razões para essa falta de planejamento adequado: urbanização, globalização e mudança climática. O processo de urbanização é particularmente problemático na Ásia-Pacífico. Enquanto as pessoas estão deixando as cidades no Ocidente, mais de 400 mil se mudam para as cidades no Leste Asiático por semana. Das 10 cidades que crescem mais rapidamente no mundo, seis encontram-se na Ásia.

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A região viu muitas políticas e gastos realizados pelo governo em resposta ao alardeado déficit de gastos de US$ 1 trilhão por ano. Isso significa que as cidades estão hesitantes em questionar as políticas, ou em falar com clareza se elas não estão mirando no futuro. As cidades também tendem a estar isoladas em sua maneira de fazer negócios. O Departamento de Obras Públicas pode não estar trabalhando com as pessoas ligadas a investimento econômico ou investimento estrangeiro direto, logo, as pessoas que promovem diferentes zonas de desenvolvimento econômico podem não estar considerando as enchentes ou a drenagem em seus planos.

Por fim, as cidades menores da região não têm o mesmo acesso ao capital privado que as maiores. Algumas não têm qualquer acesso aos mercados de capital e têm que recorrer aos seus governos nacionais. Os que têm acesso se acostumaram a priorizar projetos de infraestrutura básica, porque pensam que isso vai lhes dar mais chance de garantir financiamento.

4 - Como motivar cidades e atores do ambiente da cons-trução a investir em fazer as coisas de outra maneira?

Construir cidades resilientes é algo que demanda uma nova abordagem. Os projetos de infraestrutura precisam ser integrados, de modo que eles enfrentem os desafios urbanos de maneiras que beneficiem tanto os cidadãos quanto os investidores. A cidade holandesa de Rotterdam é um bom exemplo. Ela investiu 100 milhões de euros em medidas ino-vadoras de mitigação de eventos climáticos, como parquinhos de crianças que se transformam em sistemas de drenagem de água quando há chuvas fortes.

Cidades que escolhem essa abordagem tornam-se lugares onde as pessoas querem viver, trazendo investimentos e aumen-tando o valor dos imóveis. Em Nova York, o desenvolvimento desencadeado pelo projeto High Line deverá trazer US$ 4 bilhões em investimento privado e US$ 900 milhões em receitas para a cidade pelos próximos 30 anos. A construção de um viaduto nunca traria esses benefícios mais amplos.

As cidades situadas ao longo da Nova Rota da Seda já começaram a reconhecer essa correlação. Yiwu, na província chinesa de Zhejiang, está considerando como desenvolver uma vida cultural que dê suporte aos trabalhadores que fazem a cidade crescer 13% ao ano.

Como a maioria desses recém-chegados é de estrangeiros, os responsáveis pelo planejamento de Yiwu também estão usando uma abordagem inclusiva. Além de pensar na infraestrutura, eles estão pensando nas instituições e sistemas que irão apoiar a infraestrutura. Por exemplo, criaram tribunais mistos, assim, em uma disputa comercial, as pessoas apresentam seus casos a um júri que é 50% chinês e 50% estrangeiro.

Sobre 100 Cidades Resilientes

O projeto 100 Cidades Resilientes ajuda cidades ao redor do mundo a se tornarem mais resilientes para desafios sociais, econômicos e físicos inerentes ao Século 21. O 100CR pro-move essa assistência por meio do financiamento para um Chefe de Resiliência em cada cidade que liderará os esforços de resiliência; recursos para desenvolver uma Estratégia de Resiliência, acesso ao setor privado, público, acadêmico, ferramentas de resiliência de ONGS; e adesão em uma rede global de cidades parceiras para compartilhar as melhoras práticas e desafios.

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Qualquer nova proposição na ciência começa pelo uso dos sentidos. “É só dos sentidos que procede toda a autenticidade, toda a boa consciência, toda a evidência da verdade”, dizia Nietzsche. Embora as circunstâncias mudem historicamente, é inegável que as atuais tecnologias ampliam as possibilidades dos sentidos. No entanto, elas não representam um bem em si mesmo, pelo menos no que se refere à ciência. Primeiramente, os ganhos de tempo decorrentes das tecnologias, que tornam tudo mais rápido, muitas vezes se transformam numa verdadeira apologia à velocidade e à quantidade, ficando muitos campos carentes de investigação e de novas proposições. Como em um círculo vicioso, velocidade e quantidade tendem a sobrepor o uso de um sentido (a visão), em detrimento de outros. Mas em se tratando de estudos sobre sistemas complexos como a paisagem e sua transformação, o uso dos demais sentidos pode ter uma importância diferenciada.

Paisagem e transformação são duas coisas que andam juntas. A paisagem nunca está congelada ou permanece está-tica. Em um permanente processo de transformação, ela se constitui em uma resultante do encontro de forças humanas e não humanas. Nesse encontro, o tempo desempenha um importante aspecto: olhar uma paisagem significa olhar para o passado. É aí que entra a bicicleta. Ela pode vir a favorecer, em uma escala que lhe é própria, alternativas de percepção de muitos elementos da paisagem e, ao mesmo tempo, discutir as possibilidades metodológicas que a mesma oferece no estudo da história ambiental.

Rogério de Oliveira | Diretor e Professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio

A bicicleta como ferramenta para o estudo da paisagem

Quase toda criança já viajou de bicicleta por lugares dis-tantes. Eu não fui uma exceção. Na minha estive em terras longínquas a partir de meus seis anos. Não existiam duas voltas iguais. Mas lá pelos meus 12 essa magia encolheu e a bicicleta sumiu do meu horizonte. Em um belo dia, uns 50 anos depois, o trânsito infernal da cidade me obrigou a alugar uma bicicleta para um compromisso. Foi só sentar nela e toda a magia dos meus 6 anos voltou no ato. Andar de bicicleta é, antes de qualquer coisa, algo extremamente lúdico. Você pode dirigir um carro mal-humorado; uma bicicleta, jamais.

Adulto, pude ver novamente que o transporte ativo possi-bilita outras maneiras de se perceber a paisagem. As bicicletas permitem novas experiências e percepções mesmo em paisagens familiares. Isso porque andar de bicicleta estimula substan-cialmente o uso combinado dos sentidos humanos.

Meio que sem querer, ou querendo, essa minha percepção se alinhou totalmente ao movimento da Slow Science, que defende o direito de cientistas fugirem da corrida pelo grande número de publicações e priorizem a qualidade da pesquisa. Portanto, venho desenvolvendo cada vez mais estudos da paisagem utilizando a bicicleta como meio de transporte e ferramenta de pesquisa.

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A bicicleta é considerada o veículo de propulsão humana mais eficiente já inventado pelo homem. Trata-se de um veículo extremamente útil para deslocamentos curtos, a um custo baixíssimo. É um meio de transporte porta a porta, amigável, não poluente, espacialmente econômico, de fácil manuseio e de barata manutenção, de fácil integração com outros meios de transporte, acessível a todas as idades e classes sociais e um excelente exercício físico. Além disso, a bicicleta permite uma elevada flexibilidade ao seu usuário por não estar presa a horários e rotas prefixadas, podendo ainda circular em locais inacessíveis a outras modalidades de transporte.

Muitos laços ligam a bicicleta a políticas ambientais, nota-damente no que se refere à poluição ambiental e à conservação de energia. A comparação com outras formas de transporte passivo (como o automóvel e motocicleta) traz talvez como principal distintivo justamente o acesso aos sentidos. Em uma autobiografia, o historiador britânico Eric Hobsbawm diz que os ciclistas se deslocam à velocidade das reações humanas e não estão isolados da luz, do ar, dos sons e aromas naturais por trás de para-brisas de vidro.

A percepção do ambiente através do corpo constitui uma prática espacial que comprime o tempo, expande distâncias e torna os lugares mais densos em detalhes e complexidade. Experiências sensoriais através da visão, sons, tato e cheiros precedem a construção de significados através da linguagem e, frequentemente não podem ser convertidas em palavras. A percepção sensorial constitui assim um elemento essencial na prática da história ambiental.

No entanto, é importante ressaltar que embora os sentidos sejam fundamentais para a obtenção de dados na pesquisa, eles não são os mesmos nas diferentes culturas. Ou seja, existe uma interpolação cultural entre sentidos e cultura. Imagens, cheiros, sons, texturas, gostos, palavras e qualquer outro aspecto da cultura são elementos relevantes para a maneira como apreendemos o mundo.

O transporte ativo possibilita outras maneiras de se per-ceber a paisagem. As bicicletas permitem novas experiências e percepções mesmo em paisagens familiares. Isso porque andar de bicicleta estimula substancialmente o uso combinado dos sentidos humanos

Na sua construção, a ciência não pode prescindir de novos paradigmas, modelos, representações e interpretações de mundo. Estes são alcançados pelo pesquisador por caminhos os mais diversos, mas sempre pela intermediação dos sentidos humanos. A mudança de paradigmas, particularmente aqueles ligados ao estudo da paisagem, muitas vezes aparece de forma fortuita, não intencional, tendo como porta de entrada os sentidos de quem a pesquisa. Cores, formas, ritmos, odores e sons circundantes trazem informações ao cérebro que, reagindo com percepções e conhecimentos anteriores, podem abrir novas combinações de sensações e pensamentos, possibilitando a sua organização sob a forma de um novo caminho.

O entrar em contato com a paisagem em sua vertente natural e cultural representa um convite a novas interpretações que ligam as relações entre os seres humanos e as paisagens, mediado por um uso mais intenso dos sentidos.

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Mais uma data que fortalece a preocupação com o meio ambiente é comemorada e tem foco em um dos biomas mais ameaçados do Brasil: a Mata Atlântica. No dia 27 de Maio, a floresta tropical que ocupa o Leste, Sudeste e Sul do Brasil, além de algumas regiões fora do território brasileiro, é lem-brada e reacende o debate da importância de sua conservação. Conhecida por ser um dos locais mais ricos em espécies da flora e da fauna no mundo e, além disso, um dos mais ame-açados, a Mata Atlântica é também o Bioma em que vivem mais de 70% dos brasileiros.

Com o objetivo de conservar a maior quantidade de áreas desse Bioma, foi lançado o Conexão Mata Atlântica, um pro-grama coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), em parceria com as áreas ambienatis dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, sendo financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Luiza Lafuente | Jornalista

Conexão Mata Atlântica reforça a conservação das florestas

Conexão Mata Atlântica

O projeto tem como foco o incentivo do manejo susten-tável da paisagem florestal pelos proprietários rurais da bacia do Rio Paraíba do Sul, por meio da promoção de atividades de restauração ecológica de florestas nativas, regeneração natural assistida e práticas conservacionistas de uso do solo e dos recursos hídricos.

No Estado do Rio de Janeiro o projeto é uma iniciativa do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) e da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento (SEAPPA), em parceria com a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio de Janeiro (Emater-Rio), a Fundação Educacional Dom André ArcoVerde (CESVA/FAA), a Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae) e a representação fluminense da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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“O nosso objetivo é promover a adequação ambiental das propriedades rurais associadas ao desenvolvimento econômico sustentável, por meio de instrumentos econômicos como o Pagamento por Serviços Ambientais. Essa iniciativa promove mais uma oportunidade para a implementação de mecanis-mos para sustentabilidade e recuperação ambiental da Mata Atlântica. Trata-se de um programa focado na melhoria da provisão de serviços ecossistêmicos de conservação da bio-diversidade e sequestro de carbono em propriedades rurais. Isso irá proporcionar, a médio e longo prazos, a reversão do quadro de degradação ambiental da bacia do rio Paraíba do Sul”, avalia Marie Ikemoto, funcionária do INEA e coor-denadora do projeto Conexão Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro.

A Fundação Grupo Boticário participou da construção dos pilares do programa desde o início de 2017 e segue apoiando também no desenho do Programa de Sustentabilidade Finan-ceira, focado na aceleração de negócios na região de atuação. Este segundo programa aporta conhecimentos relacionados à agenda de Negócios de Impacto que, além de gerar receita, tem o propósito de gerar benefícios sociais e/ou ambientais, com base na experiência das iniciativas Oásis e Araucária+.

O Oásis é uma iniciativa de Pagamento por Serviços Am-bientais (PSA) criada há 12 anos, atualmente estruturada em uma rede de impacto, que promove a valorização dos ambientes naturais por meio de mecanismos de incentivo econômico a proprietários que se comprometam com a conservação das áreas naturais e a adoção de práticas conservacionistas de uso do solo. Já o Araucária+ é uma iniciativa desenvolvida em Santa Catarina com o objetivo de gerar inovação em negócios que contribuem para a conservação da floresta com araucárias.

“O Programa de Sustentabilidade Financeira terá grande visibilidade e potencial de geração de cases que integram a agenda PSA e Negócios de Impacto, um dos focos da Fun-dação Grupo Boticário”, explica o coordenador de Soluções Baseadas na Natureza da Fundação Grupo Boticário, Renato Atanazio.

O edital do Conexão Mata Atlântica, com as inscrições abertas até 26/6, permite que todos os selecionados recebam recursos a título de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) para adequação ambiental e investimentos em suas atividades produtivas. Ver www.inea.rj.org.br/conexaomataatlantica. Para consultar o edital acesse: https://goo.gl/jaAPYE.

Sobre a Fundação Grupo Boticário

A Fundação Grupo Boticário é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A insti-tuição foi criada em 1990, dois anos antes da RIO-92, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial. A Fundação Grupo Boticário apoia ações de conservação da natureza em todo o Brasil, totalizando mais de 1.500 iniciativas apoiadas financeiramente. Protege 11 mil ha de Mata Atlântica e Cerrado, por meio da criação e manutenção de duas reservas naturais. Atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e nas políticas públicas, além de contribuir para que a natureza sirva de inspiração ou seja parte da solução para diversos problemas da sociedade. Também promove ações de mobilização, sensibilização e comunicação inovadoras, que aproximam a natureza do cotidiano das pessoas.

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Embora a teoria ecológica dominante tenha desprezado Karl Marx, pesquisas sérias nas últimas décadas recuperaram algumas de suas importantes descobertas sobre questões ecológicas. Os pioneiros foram James O’Connor e a revista Capitalism, Nature and Socialism – uma tradição continuada por Joel Kovel –, mas as investigações mais sistemáticas e completas sobre as visões ecológicas de Marx são as de John Bellamy Foster e seus amigos da Monthly Review.

Muitos ecologistas acusam Marx de “produtivismo”. Essa acusação é justificada? Não, na medida em que nin-guém denunciou tanto quanto Marx a lógica capitalista da produção para a produção: a acumulação de capital, riqueza e mercadorias como objetivo em si.

A ideia fundamental de uma economia socialista - contrária às suas miseráveis caricaturas burocráticas - é a produção de valores de uso, bens necessários à satisfação das necessidades humanas. Além disso, a principal importância do progresso técnico para Marx não era o crescimento infinito de bens (“ter”), mas a redução da jornada de trabalho e o aumento do tempo livre (“ser”).

A oposição entre “ter” e “ser” é frequentemente discutida nos Manuscritos de 1844. In Capital, vol. III, Marx enfatiza o tempo livre como a fundação do “Reino da Liberdade” socialista (Marx 1968, III, 828)

Como Paul Burkett demonstrou perceptivelmente, a ênfase de Marx no autodesenvolvimento comunista, no tempo livre para atividades artísticas, eróticas ou intelectuais - em contraste com a obsessão capitalista com o consumo de bens cada vez mais materiais - leva a uma redução decisiva da pressão da produção no ambiente natural. (Burkett 2009, 329)

No entanto, é verdade que se pode encontrar em Marx - e ainda mais nas correntes marxistas dominantes que se seguiram - uma postura um tanto acrítica em relação às forças produtivas criadas pelo capital, e uma tendência a ver no “desenvolvimento das forças produtivas” o principal fator de progresso humano.

O texto supostamente canônico a este respeito é o famoso Prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859), um dos escritos de Marx mais carregados de um certo evolucionismo, uma crença no inevitável progresso histórico e uma visão não problemática da produtividade existente forças: “Em certo estágio de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais entram em contradição com as relações de produção existentes. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações se tornam grilhões [Fesseln]. Em seguida, abre uma época de revolução social… Uma formação social nunca desaparece antes que todas as forças produtivas para as quais ela seja ampla o suficiente sejam desenvolvidas... ” (Marx, 1964, 9)

Ecossocialismo e recuperação do legado ecológico de Marx

Michael Löwy | Escritor, autor de “Um Manifesto Ecossocialista” e “Ecossocialismo: uma alternativa radical à catástrofe capitalista”

Nesta passagem bem conhecida, as forças produtivas criadas pelo capital parecem ser neutras, e a revolução tem apenas a tarefa de suprimir as relações de produção que se tornaram “grilhões”, para um desenvolvimento maior (ilimitado?) das forças produtivas.

O Rompimento Metabólico

Em vários outros escritos, entretanto, e em particular aqueles concernentes à agricultura nos três volumes de Capi-tal, pode-se perceber elementos-chave para uma abordagem verdadeiramente ecológica, através de uma crítica radical dos resultados desastrosos do produtivismo capitalista.

Como John Bellamy Foster mostrou com grande perspi-cácia, podemos encontrar nos escritos de Marx uma teoria da divisão metabólica entre as sociedades humanas e a natureza, como consequência da lógica destrutiva do capital (Foster 2001, 155-167).

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A expressão Riss des Stoffwechsels, fenda metabólica – uma ruptura nas trocas materiais entre a humanidade e o meio ambiente – aparece, por exemplo, no capítulo 47, intitulado “Gênese do aluguel do solo capitalista”, Volume III do Capital: “A grande propriedade fundiária reduz a população agrícola a um mínimo cada vez maior e a confronta com uma população industrial cada vez maior espremida em grandes cidades; produz, assim, condições que provocam uma ruptura irre-parável no processo interdependente do metabolismo social, um metabolismo prescrito pelas leis naturais da própria vida” (Marx, 1981, 949).

A questão da fissura metabólica pode encontrar-se tam-bém em outra passagem conhecida do Capital, Volume 1, a conclusão do capítulo sobre grande indústria e agricultura. Este é um dos escritos mais importantes de Marx, porque tem uma visão dialética das contradições do “progresso” e de suas consequências destrutivas, sob o domínio capitalista, para o ambiente natural: “A produção capitalista perturba a interação metabólica [Stoffwechselentre]entre o homem e a terra, isto é, impede o retorno ao solo de seus elementos constituintes consumidos pelo homem na forma de alimento e vestuário; daí impede o funcionamento das condições naturais eternas para a fertilidade duradoura do solo… Todo progresso na agricultura capitalista é progresso na arte, não apenas de roubar o trabalhador, mas de roubar o solo; Todo progresso no aumento da fertilidade do solo por um tempo dado é um progresso em direção a arruinar as fontes mais duradouras de fertilidade. Quanto mais um país, os Estados Unidos, por exemplo, se desenvolve com base na grande indústria, mais esse processo de destruição ocorre rapidamente. A produção capitalista, portanto, apenas desenvolve a técnica e o grau de combinação do processo social de produção ao minar simultaneamente as fontes originais de toda riqueza - o solo e o trabalhador”. (Marx 1970, 637-638)

Vários elementos são significativos nesta importante pas-sagem. Em primeiro lugar, a ideia de que o progresso pode ser destrutivo, um “progresso” na degradação e deterioração do ambiente natural. O exemplo escolhido por Marx é limitado – a perda de fertilidade pelo solo – mas o leva a levantar a questão maior dos ataques à natureza, às “condições naturais eternas”, pela produção capitalista.

Em segundo lugar, a exploração e degradação dos traba-lhadores e da natureza são apresentadas de um ponto de vista similar, como resultado da mesma lógica predatória, da lógica da grande indústria capitalista e da agricultura industrial. Este tópico aparece frequentemente no Capital, por exemplo, em algumas seções do capítulo sobre a jornada de trabalho:

“A limitação do trabalho industrial foi ditada pela mesma necessidade que levou à disseminação do guano sobre os campos da Inglaterra. A mesma ganância predatória [Raubgier] que de um lado esgota o solo, por outro ataca as raízes da força vital da nação... Na sua avidez cega e ilimitada, na sua fome lobisomem [Werwolfs-Heisshunger] pelo trabalho excedente, o capital não se sobrepõe apenas os limites morais, mas também os fisiológicos da jornada de trabalho. Alcança seu objetivo ao reduzir a vida do trabalhador, à medida que um proprietário de terras ganancioso obtém maior rentabilidade esgotando a fertilidade do solo”. (Marx, 1968, p. 280- 281)

Essa associação direta entre a brutal exploração capitalista do proletariado e da terra estabelece as bases teóricas para uma estratégia que articula a luta de classes e a luta ecológica, numa luta comum contra a dominação do capital.

Preservação da Natureza

Marx considerou a preservação das condições naturais como uma tarefa essencial do socialismo. No Volume III do Capital, ele se opõe à lógica capitalista na agricultura, base-ada na brutal exploração e esgotamento do solo, uma lógica diferente, uma socialista baseada no “tratamento consciente e racional da terra como propriedade comunal permanente” - um tratamento que considera o solo não como fonte de lucro de curta visão, mas como “a condição inalienável para a existência e reprodução da cadeia das gerações humanas”.

Algumas páginas acima, encontramos uma declaração muito significativa, que associa diretamente a superação da propriedade privada com a preservação da natureza: “Do ponto de vista de uma formação socioeconômica mais elevada, a propriedade privada de indivíduos particulares na Terra parece tão absurda quanto a propriedade privada de um homem em outros homens. Mesmo uma sociedade inteira, uma nação ou todas as sociedades simultaneamente existentes, não são proprietárias da terra. Eles são simplesmente seus possuidores, seus beneficiários e têm que legá-lo em um estado melhorado às gerações sucessivas como boni patres famílias”. (Marx 1970, III, 911, 948-49).

Em conclusão: os ecossocialistas do Século 21 não podem se satisfazer apenas com a herança ecológica marxista do Século 19 e precisam de uma distância crítica em relação a algumas de suas limitações. No entanto, por outro lado, uma ecologia capaz de enfrentar os desafios contemporâneos não pode existir sem a crítica marxista da economia política e sua notável análise da lógica destrutiva inerente à acumulação ilimitada de capital.

Uma ecologia que ignora ou despreza Marx, sua Teoria do Valor ou sua crítica ao fetichismo e à retificação da mercadoria está condenada a se tornar meramente uma “correção” dos “excessos” do produtivismo capitalista. Os ecossocialistas de hoje podem se basear nos argumentos mais avançados e coerentes de Marx e Engels, a fim de alcançar uma verdadeira compreensão materialista da dinâmica perversa do sistema; desenvolver uma crítica radical da destruição capitalista do meio ambiente; e, projetar a perspectiva de uma sociedade socialista respeitando as “condições inalienáveis” da vida no Planeta Terra.

ReferênciasBurkett, Paul, 2009. Economia Ecológica. Em direção

a uma economia política vermelha e verde , Chicago, Hay-market Books.

Foster, John Bellamy, 2001. Ecologia de Marx. Materia-lismo e Natureza , Nova York, Monthly Review Press.

Kovel, Joel, 2007. O Inimigo da Natureza , Nova York, Zed Books.

Marx, Karl, 1964. “Zur Kritik der politischen Ökonomie”, Vorwort, Marx Engels Werke (MEW), Volume 13, Berlim, Dietz Verlag.

Marx, Karl, 1968. Das Kapital, Volume I, MEW , Volume 23.

Marx, Karl, 1968. Das Kapital, Volume III, MEW , Volume 25.

Marx, Karl, 1970. Capital, Volume I , Nova Iorque, Vintage.

Marx, Karl, 1981. Capital, Volume III , Nova Iorque, Vintage.

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| ecofilosofia |

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O economista ecológico Bruno Peregrina Puga propôs-se a compreender como atores e instituições dentro do sistema de governança hídrica lidaram com a crise decorrente de um evento climático extremo (seca) enfrentado pelo Estado de São Paulo de 2013 a 2015, considerando que ocorrências decorrentes de mudanças climáticas extremas são importantes para revelar as falhas institucionais no enfrentamento desses novos desafios.

Em tese desenvolvida na área de economia do meio ambiente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e orien-tada pelo professor Ademar Ribeiro Romeiro, ele adota uma abordagem institucional focada em três aspectos principais da governança hídrica: a distribuição de poder, a capacidade adaptativa e a capacidade de mudança institucional em decorrência da aprendizagem política.

A abordagem considera que a gestão de recursos hídricos envolve uma grande coordenação de diversos e diferentes atores e níveis institucionais; que os problemas que afetam a provisão e a qualidade dos recursos hídricos são difusos e envolvem distintos interesses e visões sobre melhor forma de alocação das limitadas disponibilidades financeiras; que embora a política ambiental tenha deixado de estar centrada principalmente nos Estados e se estendido para várias escalas institucionais e atores sociais, descentralizando a gestão ao nível das bacias hidrográficas, paradoxalmente, a crise analisada trouxe à baila os problemas da falta de transparência dos organismos oficiais e a centralização das decisões no governo do Estado que, mesmo depois dela, não foram resolvidos.

Carmo Gallo Netto | Jornalista do Jornal da Unicamp

Mudanças por água abaixo

Para o pesquisador, “o enfrentamento da crise nos diversos níveis institucionais demonstrou sérios problemas de gover-nança hídrica em termos de adaptabilidade, transparência e efetividade de ações. A segurança hídrica em São Paulo, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), está longe de ser alcançada e talvez tenhamos per-dido a oportunidade de avançarmos na institucionalidade necessária para lidarmos com as incertezas oriundas das mudanças climáticas”.

Um momento perdido

A crise hídrica constituiu um momento fértil para formação de redes de contatos entre pesquisadores, movimentos sociais, políticos e ambientalistas que se encontravam dispersos mesmo tendo um tema comum. Emergiram daí muitas reflexões, diversas análises e recomendações, mas permanecia ao final o mesmo sentimento comum: a impermeabilidade do processo político como impedimento para a internacionalização desses atores fora da burocracia estatal.

Ficou clara a continuidade na adoção de um modelo essencialmente técnico centrado na busca de novas fontes de água para a Região Metropolitana de São Paulo, como ampliação de interligações entre sistemas de abastecimento e construção de novas represas, sem considerar a importância de obras de saneamento e da gestão da demanda, ainda ínfimas se comparadas às experiências internacionais estudadas pelo pesquisador.

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Exemplos de outros países têm mostrado a impossibi-lidade da continuidade da adoção desse modelo tecnicista, principalmente em decorrência da inclusão cada vez maior de territórios adjacentes à bacia, e que as soluções que buscam a eficiência hídrica são muito mais bem-sucedidas e de custo-benefício maior. Mas tais soluções foram menos priorizadas sem que se avaliassem os reais custos de grandes obras de engenharia em termos ecológicos e sociais. Em suma, a tese procura mostrar que não houve mudanças fundamentais na gestão dos recursos hídricos em São Paulo, mesmo diante dos anseios da sociedade civil, devido à assimetria de poder e centralismo das decisões no Estado.

Puga mostra que a nova legislação sobre recursos hídricos, promulgada em 1997, ainda não foi capaz de resolver problemas de coordenação e incentivos em várias escalas, a começar dos municípios, responsáveis pelo uso do solo, e que deveriam ser levados a uma atuação mais efetiva sobre a contaminação das águas por esgoto, atividades agrícolas e pecuárias e na recuperação e preservação das matas, fundamentais para a manutenção das bacias hidrográficas. O pesquisador aponta também a pouca autonomia dos comitês de bacia para atuação nos municípios que abrangem. Por fim, destaca a pequena cooperação entre os sistemas de bacias vizinhas que mantêm uma ligação fundamental para as transposições que garantem água para as regiões mais populosas, o que acaba gerando conflitos municipais e até estaduais, amplamente divulgados pela imprensa por ocasião da última grande crise.

Em suma, diz o autor, “temos uma governança pendular que funciona com alguma estabilidade quando não há grandes conflitos, mas que se demonstrou extremamente frágil em tempos de crise, com tendência ao centralismo do poder nas mãos da burocracia estatal”.

Para o autor da pesquisa, a crise hídrica que a RMSP enfrentou entre 2013 a 2015 pode ser vista sob vários pris-mas. Os meteorologistas a investigam como evento climático extremamente raro e imprevisível. Economistas geralmente a analisam em termos de alterações de eficiência, regulação, investimento em capital e infraestrutura e da perspectiva da privatização ou reestatização das empresas de água, a depender do viés ideológico.

Cientistas sociais a observam preferencialmente através do processo político e relações de poder. Pesquisadores ligados às ciências naturais e ecologia destacam a deterioração de características biofísicas e ecológicas dos sistemas na provisão da água. Urbanistas consideram os movimentos de ocupação desenfreado do solo e processos descontrolados de urbanização e concentração territorial.

Outros, exemplifica o pesquisador, destacam os processos de descentralização e mudanças no modelo de gestão dos recursos hídricos, caso das privatizações de empresas do setor de saneamento, como fatores que explicam a insegurança hídrica e o descaso com questões relacionadas ao saneamento. Há os que sustentam a tese de que as crises de abastecimento causadas por eventos extremos decorrem do próprio modo de governança dos recursos hídricos, em que se mesclam ideologia, gestão de água, produção natural e regulação ambiental. Por-tanto, como definir o escopo da análise configura um desafio dado a complexidade da questão, o pesquisador esclarece sua opção: “Ao adotar uma abordagem holística e baseada em um pluralismo metodológico, busquei analisar a complexidade da governança dos recursos hídricos de forma distinta da adotada na teoria econômica tradicional”.

A questão geral, que a tese buscou responder, é se a atual governança brasileira é capaz de garantir a segurança hídrica frente aos eventos extremos, partindo da hipótese de que somente uma governança policêntrica, em que há múltiplos centros de decisão em um mesmo território e nível institucional, pode levar à capacidade adaptativa do sistema e à garantia da segurança hídrica.

Igualmente, diz Bruno, “deve-se procurar compreender se os processos de descentralização e arranjos institucionais vigentes são realmente efetivos na gestão dos recursos hídricos em uma época em que se vislumbram incertezas climáticas”. Ele considera que a análise em um momento pós-crise de abastecimento urbano em algumas das bacias selecionadas para estudo, particularmente as do Alto Tietê e do sistema Piracicaba/Capivari/Jundiaí, permitiu revelar conflitos e gargalos que estavam escondidos ou eram desconhecidos de seus gestores.

Para o pesquisador, ficou claro que a crise hídrica enfrentada por São Paulo resultou de um conjunto de falhas de gover-nança em que os processos de descentralização da gestão não foram capazes de ampliar a capacidade adaptativa do sistema e contribuíram de forma sistemática para um processo de produção de escassez.

Puga acredita que, ao analisar como as diferentes formas de poder estão configuradas, emergem a descentralização e a governança hídricas, que devem ser consideradas não apenas um evento isolado, mas como um problema de abastecimento urbano resultante do conflito entre usos distintos da água, que teve como gatilho um período de escassez de chuvas, mas que revela uma situação permanente.

“Busquei identificar, do ponto de vista institucional e polí-tico, se houve mudanças significativas depois da crise na forma de gerir os recursos hídricos e quais atores as bloquearam ou facilitaram. A forma como esses atores se organizaram e que tipos de estratégias, recursos e narrativas utilizaram, ajudam a entender como foi montada a agenda de enfrentamento do problema”, concluiu Puga.

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Dois novos estudos euro-peus mostram que o número de aves em áreas agrícolas da França caiu um terço em apenas 15 anos, com algumas espécies quase erradicadas. O colapso da população de aves espelha a descoberta em Outubro de 2017 de que mais de três quartos de todos os insetos voadores na Alema-nha desapareceram em apenas três décadas. Os insetos são a principal fonte de alimento das aves, os polinizadores de frutas e os aeradores do solo. O principal suspeito nesta extinção em massa é o uso agressivo de pesticidas neonicotinóides, particularmente o imidaclopride e a clotianidina, ambos fabricados pela gigante química Bayer, sediada na Alemanha. Esses pesticidas, juntamente com os herbicidas tóxicos do glifosato, como o Roundup, causaram um impacto nas borboletas Monarca, nas abelhas e nas aves. Mas ao invés de proibir esses produtos químicos tóxicos, em 21/3 a Comissão Europeia aprovou a fusão de US$ 66 bilhões da Bayer e Monsanto, a gigante norte-americana do agronegócio que produz o Roundup e as sementes genetica-mente modificadas (OGM), as quais reduziram globalmente a diversidade de sementes. A fusão fará do conglomerado Bayer-Monsanto a maior empresa de sementes e pesticidas do mundo, dando-lhe enorme poder para controlar as práticas agrícolas, colocando os lucros privados acima do interesse público. Como observou a Senadora Elizabeth Warren, em Massachusetts, num discurso em Dezembro no Open Markets Institute, as grandes empresas estão se fundindo em entidades que dominam o mercado e investem parte de seus lucros no lobby e no financiamento de campanhas políticas, moldando o sistema político a seus próprios fins. Ela pediu ao Governo Trump para vetar a fusão da Bayer-Monsanto, que está sob escrutínio antitruste e ainda precisa ser aprovada nos Estados Unidos.

Uma pesquisa de 2016 da base de eleitores de Trump descobriu que mais da metade desaprovava a fusão Mon-santo-Bayer, temendo que isso resultasse em preços mais altos dos alimentos e em custos mais altos para os agricultores.

A fusão Bayer-Monsanto é má notícia para o Planeta

Ellen Brown | Advogada, Presidente do Public Banking Institute

Antes de 1990, havia 600 ou mais empresas de sementes pequenas e independentes no mundo, muitas delas de propriedade familiar. Em 2009, apenas cerca de 100 sobreviveram e os preços das sementes mais do que dobra-ram. Mas o controle desses poderosos conglomerados é mais do que apenas uma questão de economia. Pode

ser uma questão da sobrevivência da vida neste Planeta.Enquanto os pesticidas neonicotinóides da Bayer eliminam

insetos e pássaros, o glifosato da Monsanto foi associado a mais de 40 doenças humanas, incluindo o câncer. Suas sementes foram geneticamente modificadas para sobreviver a esse herbicida tóxico, mas as plantas o absorvem em seus tecidos. Nos humanos que comem as plantas, o glifosato perturba o sistema endócrino e o equilíbrio das bactérias do intestino, danifica o DNA e é um motor de mutações cancerígenas.

Um grupo de pesquisadores resumindo um estudo de 2014 sobre glifosatos no Journal of Organic Systems os vin-cularam ao enorme aumento de doenças crônicas nos EUA, com a percentagem de milho transgênico e soja plantada nos Estados Unidos mostrando correlações altamente signi-ficativas com inúmeras doenças como hipertensão, derrame cerebral, diabetes, obesidade, distúrbio do metabolismo das lipoproteínas, doença de Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla, hepatite C, doença renal terminal, insuficiência renal aguda, câncer da tiroide, fígado, bexiga, pâncreas, rim e leucemia mielóide. Mas os reguladores fecharam os olhos, captados por lobistas corporativos e por uma agenda política que tem mais a ver com o poder e o controle do que com a saúde das pessoas.

Trump já aprovou a fusão entre os ex-rivais Dow e DuPont, e assinou a aquisição da gigante suíça de pesticidas Syngenta pela ChemChina. Se a Monsanto-Bayer for aprovada também, apenas 3 corporações dominarão a maioria dos mercados mun-diais de sementes e pesticidas, dando-lhes um enorme poder para continuar a envenenar o Planeta à custa dos seus habitantes.

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A obscura história da Bayer e do cartel petroquímico

Para entender a magnitude dessa ameaça, é necessário mergulhar na história. Esta não é a primeira vez que a Mon-santo e a Bayer unem forças. Nas duas guerras mundiais, eles fizeram explosivos e gases venenosos usando tecnologias compartilhadas que venderam para os dois lados. Após a Segunda Guerra Mundial, eles se uniram como MOBAY (MonsantoBayer) e forneceram os ingredientes para o Agente Laranja na Guerra do Vietnã.

De fato, fusões e cartéis corporativos desempenharam um papel central na história da Bayer. Em 1904, se juntou às gigantes alemães BASF e AGFA para formar o primeiro cartel químico. Depois da Primeira Guerra Mundial, toda a indústria química da Alemanha se fundiu para se tornar a IG Farben. No começo da Segunda Guerra Mundial, a IG Farben era a maior corporação industrial da Europa, a maior companhia química do mundo, e parte do cartel mais gigantesco e poderoso de toda a história.

Um cartel é um agrupamento de empresas vinculado por acordos destinados a restringir a concorrência e manter os preços altos. A sombria história do cartel da IG Farben foi detalhada em um livro de 1974 intitulado “World Without Cancer”, de G. Edward Griffin, que também escreveu o best-seller “Criatura da Ilha Jekyll”, na sombria história do Federal Reserve. Griffin citou um livro intitulado “Treason’s Peace”, de Howard Ambruster, um engenheiro químico nor-teamericano que estudou as estreitas relações entre a química alemã e certas corporações americanas. Ambruster advertiu: “A Farben não é uma mera empresa industrial conduzida por alemães para a extração de lucros no país e no exterior. Pelo contrário, é e deve ser reconhecida como uma organização cabalística que, através de subsidiárias estrangeiras e de liga-ções secretas, opera uma máquina de espionagem altamente eficiente, o propósito final é a conquista do mundo e de um superestado mundial dirigido por Farben”.

O cartel IG Farben surgiu da indústria internacional de petróleo. O alcatrão de carvão ou petróleo bruto é o material de origem para a maioria dos produtos químicos comerciais, incluindo aqueles usados em drogas e explosivos. A IG Farben estabeleceu acordos de cartel com centenas de empresas norte-americanas. Eles tinham pouca escolha a não ser capitular depois que o império Rockefeller, representado pela Standard Oil de Nova Jersey o fez, porque não podiam esperar competir com a combinação Rockefeller-IG.

A maior influência do grupo Rockefeller foi exercida através de finanças internacionais e investimentos bancários, colocando-os no controle de um amplo espectro da indústria. Sua influência foi particularmente pesada em produtos farma-cêuticos. Os diretores da American IG Chemical Company incluíam Paul Warburg, irmão de um diretor da matriz na Alemanha e arquiteto-chefe do sistema do Federal Reserve.

O cartel IG Farben foi tecnicamente dissolvido nos jul-gamentos de Nuremberg após a Segunda Guerra Mundial, mas na verdade ele simplesmente se dividiu em três novas empresas – Bayer, Hoescht e BASF – que continuam sendo gigantes farmacêuticas hoje. Para esconder sua história, Bayer orquestrou uma fusão com a Monsanto em 1954, dando ori-gem à MOBAY Corp. Em 1964, o Departamento de Justiça dos EUA entrou com uma ação antitruste contra o MOBAY e insistiu que ela fosse desmembrada, mas as empresas con-tinuaram a trabalhar juntas não oficialmente.

Em “Sementes de destruição: A Agenda Oculta da Mani-pulação Genética” (2007), William Engdahl afirma que o controle global de alimentos e despovoamento se tornou política estratégica dos EUA sob o protegido de Rockefeller, Henry Kissinger, que foi Secretário de Estado na década de 1970. Junto com a geopolítica do petróleo, essas políticas seriam a nova “solução” para as ameaças ao poder global dos EUA e o contínuo acesso dos EUA a matérias-primas baratas no mundo em desenvolvimento. “Controle o petróleo e você controla nações”, declarou Kissinger notoriamente. “Controle a comida e você controla as pessoas”.

O controle global de alimentos quase foi alcançado, reduzindo a diversidade de sementes e estabelecendo con-trole proprietário com sementes transgênicas distribuídas por apenas algumas empresas transnacionais, lideradas pela Monsanto; e por uma massiva campanha de propaganda subsidiada pelos contribuintes em apoio a sementes de OGM e pesticidas neurotóxicos. Um cartel de fato de gigantescas empresas químicas, farmacêuticas, petrolíferas, bancárias e seguradoras ligadas por direções interligadas colhe os lucros de ambas as extremidades, empreendendo uma agressão farmacêutica muito lucrativa às doenças criadas pelos seus químicos agrícolas tóxicos.

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A Abordagem Russa

No final, a Revolução Verde projetada por Kissinger para controlar os mercados e garantir o domínio econômico dos EUA pode ser nosso inimigo. Enquanto os EUA lutam para manter sua hegemonia pela coerção econômica e pela força militar, a Rússia está vencendo a batalha pela saúde das pessoas e do meio ambiente. O Presidente Vladimir Putin, proibiu os transgênicos e decidiu tornar a Rússia a maior fornecedora mundial de alimentos orgânicos.

Famílias russas estão mostrando o que pode ser feito com métodos de permacultura em hortas simples. Em 2011, 40% da comida da Rússia foi cultivada em dachas (hortas ou lotes), predominantemente orgânicas. Os jardins das dachas produziam mais de 80% dos frutos e vagens do país, mais de 66% dos vegetais, quase 80% das batatas e quase 50% do leite da nação, a maior parte do qual é consumida cru. O autor russo Vladimir Megre comenta: “Essencialmente, o que os pequenos agricultores russos fazem é demonstrar que a agricultura familiar pode alimentar o mundo, e você não precisa de nenhum OGM, fazendas industriais ou qualquer outro artifício tecnológico para garantir que todos tenham comida suficiente para comer. Tenha em mente que a Rússia tem apenas 110 dias de estação de crescimento por ano, por-tanto, nos EUA, por exemplo, a produção dos horticultores pode ser substancialmente maior. Hoje, no entanto, a área ocupada por gramados nos EUA é duas vezes maior que a dos hortos da Rússia e não produz nada além de uma indústria multibilionária para o cuidado do gramado”.

Nos Estados Unidos, apenas 0,6% da área agrícola total é dedicada à agricultura orgânica. A maioria das terras agrícolas é embebida em pesticidas e herbicidas. Mas a necessidade desses produtos químicos tóxicos é um mito.

Num artigo de Outubro de 2017 no periódico inglês The Guardian, o colunista George Monbiot, especialista em temas ambientais, citou estudos mostrando que a redução do uso de pesticidas neonicotinóides realmente aumenta a produção, porque os pesticidas prejudicam ou matam os polinizadores dos quais as culturas dependem. Em vez de um acordo de comércio internacional que permite que grandes corporações transnacionais ditem regras aos governos, ele argumenta que precisamos de um tratado global para regulamentar os agro-tóxicos e exigir avaliações e relatórios de impacto ambiental para a agricultura.

Ele escreve: “Agricultores e governos foram exaustivamente enganados pela indústria global dos agrotóxicos. Garantiu que seus produtos não deveriam estar devidamente regulamentados ou mesmo, em condições devidamente avaliadas. Os lucros dessas empresas dependem do ecocídio. Permitimos que eles retenham o mundo ou reconheçamos que a sobrevivência do mundo dos vivos é mais importante do que o retorno aos seus acionistas?”.

O Presidente Donald Trump, durante a campanha elei-toral, se gabou de ganhar prêmios por proteção ambiental. Se ele for sincero em defender o meio ambiente, ele precisa bloquear a fusão da Bayer e da Monsanto, duas gigantes do agronegócio empenhadas em destruir o ecossistema para obter lucros privados.

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A Fundação Nobel está em conflito com o objetivo do legado de Alfred Nobel e o objetivo dos laureados do Nobel. Para aqueles que traba-lham em ciência, litera-tura e paz internacional, ganhar um Prêmio Nobel é considerado o auge da realização e recompensa humana. Mas quando se trata de seu próprio por-tfólio de investimentos, parece que a Fundação Nobel, por trás do prêmio, está preparada para aban-donar seu compromisso com altos padrões.

Em vez de usar os mesmos princípios pro-gressistas que guiam sua doação para orientar suas aplicações financeiras, a Fundação Nobel lucra com o investimento de sua dotação na indústria de combustíveis fósseis. Em 2017, a Fundação admitiu ter dado apenas “um primeiro passo” contra as empresas exclu-dentes, com uma grande parcela de seus lucros advindos da mineração de carvão, e não mencionou o desinvestimento do petróleo e do gás. Isto está claramente em conflito com o objetivo do legado de Alfred Nobel e o objetivo dos laureados. Os membros da SumOfUs estamos solicitando à Fundação Nobel que limpe sua história.

Se a Fundação Nobel tomar a iniciativa e classificar seus investimentos, ela não estará agindo sozinha. Mais de 837 instituições com ativos totais de mais de US$ 6 trilhões se comprometeram a parar de investir em empresas de combus-tíveis fósseis, assumindo uma postura clara contra um dos principais impulsores das mudanças climáticas. Além disso, a Fundação reconheceu anteriormente a importância de alinhar seu portfólio aos seus princípios, tendo, no passado, retirado investimentos de empresas relacionadas a armas nucleares.

Não há como negar que as armas nucleares ameaçam a existência da vida na Terra. Mas, embora a mudança climá-tica possa oferecer uma versão mais lenta do Armagedom, não há como fugir da ciência: se não agirmos decisivamente para enfrentar a ameaça da mudança do clima, isso também colocará em risco a vida como a conhecemos. Com o aumento da incidência de eventos climáticos extremos, as pessoas e hábitats do mundo já estão sob uma enorme pressão devido à crescente frequência de furacões, tufões e inundações.

A Fundação Nobel investe em combustíveis fósseis

Hannah Lownsbrough | Diretora Executiva da agência internacional de defesa do consumidor SumOfUs

A Fundação Nobel já reconheceu a importância de lidar com a mudança climática em seus premia-dos. Em 2007, o Prêmio Nobel foi concedido a Al Gore e alguns dos prin-cipais cientistas do clima no Painel Intergoverna-mental sobre Mudanças Climáticas, “por seus esforços para construir e disseminar um maior conhecimento sobre as mudanças climáticas provocadas pelo homem, e para estabelecer as bases e as medidas que são neces-sárias para neutralizar essa mudança”. Agora eles devem fazer com que seu compromisso intelectual

se alie ao financiamento e liderar pelo exemplo, abandonando seus investimentos em combustíveis fósseis.

Nos últimos dois anos ganhou força o movimento soli-citando à Fundação Nobel que se desfaça dos combustíveis fósseis. A organização Fossil Free Sweden começou sua cam-panha de Despejo Nobel em 2016, depois de ter conseguido persuadir as cidades de Malmö e Estocolmo a se desfazerem de combustíveis fósseis. Mais de 20 ganhadores do Prêmio Nobel e cientistas de todo o mundo aderiram à campanha.

A campanha pede que a Fundação Nobel ajuste sua política de investimento para se distanciar das corporações que obtêm lucros de combustíveis fósseis e prepare um plano para se retirar desse tipo de investimento nos próximos cinco anos. A campanha insta à Fundação Nobel a assumir esse processo de transparência e com uma declaração pública de suas intenções, que também serve para chamar outras insti-tuições a seguirem o exemplo.

A Fundação Nobel forjou uma reputação de reconhecer e recompensar a grandeza, muitas vezes antes que o mundo em geral percebesse o significado de um avanço ou uma des-coberta. Ele moldou a ambição da humanidade de entender nossa própria situação e se esforçar para agir para melhorá-la. A mudança climática ameaça todas as facetas das conquistas que a Fundação Nobel trabalha para elevar e apresenta alguns dos maiores desafios que a fundação nos encoraja a abordar. Para manter seu status aos olhos do mundo, agora deve colo-car sua própria casa em ordem sobre a mudança climática e descartar seus investimentos em combustíveis fósseis.E

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No Brasil, o assunto lixo eletrônico, em geral, ainda não possui grande atenção da sociedade. Apesar de ser um assunto regulamentado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) através da Lei 12305 de 2010, pouco ou quase nada progrediu em relação ao tema. Percebe-se uma falta de interesse pelo poder público, já que ações e penalidades que deveriam ser feitas não existem ou são inócuas.

Existem pessoas que confundem “Spam” com “lixo ele-trônico”. Spam é termo utilizado em referência aos e-mails não solicitados que você recebe em seu computador; já o “lixo eletrônico” são os aparelhos elétricos e/ou eletrônicos ou partes destes que deixam de ter utilidade, por defeito ou por estarem obsoletos. Agregam-se a estes também todas as fontes de energia elétrica como pilhas e baterias, bem como todos os tipos de lâmpadas. Assim, pela definição, desde um pequeno pen drive, uma televisão de porte médio, chegando até um refrigerador, todos fazem parte deste conjunto de aparelhos que um dia serão lixo eletrônico.

Quem, entre nós, entrega um aparelho eletrodoméstico sem uso, um celular obsoleto ou uma lâmpada queimada em um posto de recolhimento? Pesquisa realizada pelo IDEC-Market Analysis, em 2013, mostra que apenas 1% dos descartes dos celulares, 2% dos eletroeletrônicos e 5% dos eletrodomésti-cos são feitos em pontos de coleta específicos. Enquanto na Europa a reciclagem destes produtos chega a 35% do total gerado; no Brasil estima-se uma geração de lixo eletrônico na faixa de 1,7 milhão de tonelada, o reaproveitamento fica em torno de 4% deste total.

Lixo eletrônico, problema real que ameaça o futuro do planeta

Ronaldo Soares | Professor da Fundação Educacional Inaciana - FEI. Mestre em Sistemas de Potência

E o Brasil tem papel de destaque nas estatísticas. Isso porque o País é líder na geração de lixo eletrônico na América Latina e segundo colocado nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos. O dado fica ainda mais preocupante quando a ONU divulgou que em 2017 a previsão de geração de lixo eletroeletrônico no mundo atingiria a marca dos 50 milhões de toneladas. Os motivos pelos quais a geração de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (REEE) aumenta no Brasil, não diferem dos países em desenvolvimento e são:

- ciclo de vida dos eletroeletrônicos;- dependência crescente de produtos eletrônicos;- fluxo de resíduos eletroeletrônicos dos países desenvol-

vidos para países em desenvolvimento:O que acontece com fogões, geladeiras e micro-ondas,

eletrodomésticos que costumam ser utilizados por muitos anos, não acontece com os celulares, notebooks e televisores. Estes itens em 80% das residências são trocados com muita frequência. Os dados traduzem-se através de uma análise do ciclo de vida do produto: o consumidor dá maior importân-cia à durabilidade para geladeiras, máquinas de lavar, etc. e maior importância de aquisição das novas tecnologias como aparelhos digitais.

Aproximadamente, 50% das trocas de aparelhos digitais, celulares e eletroeletrônicos não foram efetuadas por desgaste ou mau funcionamento do aparelho e sim, porque o novo era mais atual, mais moderno, melhor ou com mais funções, ou seja, não havia necessidade de troca, o que contribui signifi-cativamente para o aumento do lixo eletrônico.

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| lixo eletrônico |

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Para agravar o problema de geração deste tipo de lixo, além das trocas de equipamentos motivadas pela propaganda e novas tecnologias e, assim como já acontece nos países desenvolvidos como EUA, Japão e outros países, aqui no Brasil inicia-se o descarte de equipamentos em perfeito estado.

Como consequência, temos o mais grave dos problemas da geração de lixo eletroeletrônico. O “catador” sai da captação de plástico, papelão e latas de alumínio, para desmontar os equipamentos eletroeletrônicos em busca principalmente de cobre, porém sem conhecimento dos perigos inerentes a estes desmontes e sem os equipamentos adequados de proteção individual. Sendo assim, tem contato direto ou indiretamente com substâncias nocivas à sua saúde.

É normal encontrar em um celular ou computador mais de 40 elementos químicos diferentes e alguns destes apresentam-se como vetores de dermatites e outros mais nocivos à saúde, provocando cânceres, enfisemas (infecções nos pulmões) e alterações neurológicas e cromossômicas.

Como exemplos: o chumbo está presente em circuitos impressos e baterias; o cádmio em tubos catódicos, circuitos de refrigeração e circuitos impressos; o mercúrio em algumas lâmpadas e baterias; o antimônio nos circuitos impressos e tubos de raios catódicos, entre outros.

O chumbo acumula-se no organismo e mesmo em baixas concentrações; age no sistema nervoso, renal e hepático, causando intoxicações crônicas. Níveis elevados de chumbo podem causar vômito, diarreia, convulsão, coma ou até mesmo a morte. O cádmio é absorvido pela respiração, mas também com os alimentos. Provoca descalcificação óssea, lesões nos rins e afeta os pulmões, tem efeitos teratogênicos e cancerígenos. O mercúrio é considerado como altamente tóxico. Tem efeito acumulativo no corpo humano e pequenas quantidades, entre 3 g e 30 g podem ser fatais ao homem. Provoca lesões no cérebro; tem ação teratogênica – má for-mação de fetos durante a gravidez.

No caso do antimônio temos as contaminações por con-tato, ocasionando dermatites. Por inalação temos irritação do trato respiratório, sendo uma substância potencialmente cancerígena.

Além dos malefícios à saúde, há também a contamina-ção do solo e das águas fluviais, que atingem diretamente e indiretamente o ser humano, através da cadeia alimentar. A solução, ou minimização, dos efeitos do lixo eletrônico vem com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010, que traz o reconhecimento do trabalho dos catadores e exige das cidades e empresas privadas, a parceira com associações e cooperativas de catadores.

Assim, surge a responsabilidade compartilhada entre governo, empresas e sociedade, visando o retorno dos produ-tos após o consumo. Um dos pontos relevantes da PNRS é a inclusão dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis no processo de logística reversa.

Como ficaria este assunto no Brasil após implantação da Lei 12.305?

- O município contrata uma cooperativa, onde os fun-cionários serão os próprios catadores, agora com treinamento e capacitação, reduzindo riscos à sua saúde e aumentando sua renda.

- Através da Logística Reversa as empresas devem coletar seus produtos. Mais produtos retornarão às indústrias após seu uso pelo consumidor. As empresas devem divulgar aos consumidores onde descartar o lixo eletrônico.

- Através da reciclagem dos resíduos, haverá uma dimi-nuição da extração mineral.

- O consumidor exercerá seus direitos junto aos gover-nantes. Através de campanhas educativas, os consumidores farão a separação mais criteriosa nas residências.

A PNRS tinha prazo inicial estipulado para implantação em 2014. Como os municípios não conseguiram cumprir o prazo foi aprovado na Câmara de Deputados mais 4 anos, através da MP 651/14 e este prazo vence em 2018. Como nenhum órgão municipal avançou neste assunto, provavelmente, nada estará implantado este ano. Resta ao corpo técnico-científico divulgar informações para a população sobre os riscos de manuseio destes resíduos eletroeletrônicos, orientando sobre os descartes corretos, na esperança que as informações se multipliquem e cheguem à população. Especialmente, daqueles que fazem da reciclagem destes produtos o seu sustento.

Sobre o Centro Universitário FEI

Com 77 anos de tradição, o Centro Universitário FEI é referência entre as instituições universitárias no Brasil, nas áreas de Administração, Ciência da Computação e Engenharia. A Instituição, com campus em São Bernardo do Campo e na capital paulista, já formou mais de 50 mil profissionais, entre engenheiros, administradores de empresas e profissionais da área de Ciência da Computação, muitos ocupando posições de liderança nas principais empresas do País.

Mantido pela Fundação Educacional Inaciana Pe. Sabóia de Medeiros, o Centro Universitário FEI integra a Rede Jesuíta de Educação e agrega marcas históricas de instituições de ensino de São Paulo: Faculdade de Engenharia Industrial, Escola Superior de Administração de Negócios e Faculdade de Informática.

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O seminário “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”, realizado em São Paulo, apresenta dados atuais sobre a situação do bioma e mostra como o Brasil pode cessar a remoção de florestas.

Oito organizações ambientalistas - Greenpeace Brasil, ICV, Imaflora, Imazon, IPAM, Instituto Socioambiental, WWF-Brasil e TNC Brasil - apresentam pela primeira vez no Brasil o relatório “Desmatamento zero na Amazônia: como e por que chegar lá”. O seminário tem como objetivo debater as propostas apresentadas pelo grupo no documento para frear o desmatamento, que atualmente causa perdas para o Brasil – cessar a remoção de florestas na região e mudar a forma como o solo é usado, por sua vez, só trarão vantagens ao país.

A área de floresta perdida na Amazônia já equivale a duas vezes o território da Alemanha. Sem controle, a taxa de des-matamento poderá atingir patamares anuais entre 9.391 km2 e 13.789 km2 até 2027. A taxa média de desmatamento entre 2013 e 2017 foi 38% maior do que em 2012, ano com a menor taxa registrada, a situação pode piorar devido à impunidade a crimes ambientais, retrocessos em políticas ambientais, falhas nos acordos da pecuária, estímulo à grilagem de terras públicas e retomada de grandes obras.

A pegada da pecuária, um dos principais vetores do des-matamento, é pesada: do total desmatado, 65% são usados para pastagens de baixa eficiência, com menos de um boi por hectare. O argumento de que é preciso derrubar floresta para crescer economicamente não se sustenta: o desmatamento registrado entre 2007 e 2016 (7.502 km2 por ano, em média) teve potencial de adicionar anualmente apenas 0,013% do PIB brasileiro. Além disso, compromissos corporativos ainda falham na sua implementação e não monitoram a cadeia por completo.

A meta do Brasil, assumida internacionalmente, de zerar o desmatamento ilegal na Amazônia apenas em 2030 é insufi-ciente. Em 2016, as mudanças no uso da terra representaram 51% das emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil e man-tiveram o país como o sétimo maior emissor do mundo.

Combater o desmatamento demanda compromissos dos setores público, privado e a sociedade. Uma das ações mais urgentes é estancar a grilagem de terras públicas. Há 70 milhões de hectares que precisam ser destinados para uso coordenado, seja para preservação, atividades extrativistas, entre outros – em 2017, 28% do desmatamento aconteceu nessas áreas, e de forma ilegal.

O fim do desmatamento na Amazônia coloca o Brasil na frente de uma tendência mundial: a produção de commodities com zero conversão florestal: além de abrir mercados, é um estímulo ao desenvolvimento de outras alternativas econômicas em harmonia com a floresta e seus povos.

Rika Cerutti | Jornalista

Desmatamento na Amazônia soma duas Alemanhas

O Brasil dessa maneira protege a própria produção agropecuária, já que, sem florestas, a chuva diminui e o clima esquenta. O evento traz a participação de Ana Toni, Diretora Executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS); os pesquisadores Eduardo Assad, da Embrapa, e Paulo Artaxo, da USP; e Paulo Pianez, diretor de Sustentabilidade do Car-refour Brasil. Os palestrantes discutem caminhos e ações para que o governo, as empresas e a sociedade civil atuem em conjunto para a superação do desmatamento em quatro eixos: a implementação de políticas públicas ambientais efetivas e perenes, o apoio a usos sustentáveis da floresta e melhores práticas agropecuárias, a restrição do mercado para produtos associados a novos desmatamentos e o engajamento de eleitores, consumidores e investidores nos esforços de zerar o desmatamento.

Sobre os palestrantes:

Ana Toni: Diretora executiva do Instituto Clima e Socie-dade (ICS) e sócia-fundadora do GIP (Gestão de Interesse Público). Economista e doutora em Ciência Política, Ana possui longa trajetória no trabalho e apoio a projetos voltados à justiça social, à promoção de políticas públicas, à área do meio ambiente e mudanças climáticas e à filantropia. Ana foi presidente de Conselho do Greenpeace Internacional (2010 e 2017), diretora da Fundação Ford no Brasil (2003-2011) e da ActionAid Brasil (1998-2002). Atualmente é integrante da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabili-dade e dos conselhos da Agência Pública, da Gold Standard Foundation, do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e do Fundo Baobá por Igualdade Racial.

Eduardo Assad: Pesquisador, coordenador técnico nacional do Inventário Nacional de Gases de efeito Estufa, coordena-dor do projeto especial “Riscos na agricultura” da Embrapa, membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (IPCC), coordenador do subprojeto Clima e Agricultura do INCT Mudanças Climáticas, professor do mestrado em Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVAgro).

Paulo Artaxo: Professor titular do Instituto de Física da USP e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

Paulo Pianez: Diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil, é economista pela Unicamp e pós-graduado em Esta-tística pela mesma instituição. Atua há dez anos em susten-tabilidade, em especial nos desafios de conciliar produção/operação do setor privado com conservação e diminuição dos impactos ambientais.

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