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1 UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DISCIPLINA E CONTROLE NA ESCOLA: DO ALUNO DÓCIL AO ALUNO FLEXÍVEL ANTÔNIO LUIZ DE MORAES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU- ULBRA) em cumprimento a exigências para obtenção do Título de Mestre em Educação. LINHA DE PESQUISA: CURRÍCULO E PEDAGOGIAS CULTURAIS ORIENTADOR: ALFREDO VEIGA-NETO CANOAS/RS Maio de 2008

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DISCIPLINA E CONTROLE NA ESCOLA:

DO ALUNO DÓCIL AO ALUNO FLEXÍVEL

ANTÔNIO LUIZ DE MORAES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU-ULBRA) em cumprimento a exigências para obtenção do Título de Mestre em Educação. LINHA DE PESQUISA: CURRÍCULO E PEDAGOGIAS CULTURAIS ORIENTADOR: ALFREDO VEIGA-NETO

CANOAS/RS Maio de 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA _____________________________________________________________________

Moraes, Antônio Luiz de M827d Disciplina e controle na escola: do aluno dócil ao aluno flexível /

Antônio Luiz de Moraes. – 2008.

145 f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Luterana do Brasil, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2008, Canoas/RS, Brasil.

Orientador: Alfredo José da Veiga-Neto

1. Educação escolar 2. Vigilância disciplinar 3. Controle rizomático 4. Telefone celular 5. Novas subjetividades

I. Título. II. Moraes, Antônio Luiz de.

CDU – 371.5 _____________________________________________________________________

Bibliotecária Cristiane Dariva Costa CRB 10-1744

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COMISSÃO EXAMINADORA

Profª.Drª. Karla Saraiva – Universidade do Vale do Rio dos Sinos (PPGEDU)

Prof.Dr. Luís Henrique Sommer – Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU)

Profª.Drª. Cristianne Famer Rocha – Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU)

Prof.Dr. Alfredo Veiga-Neto – Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU)

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Para Janaina, Fernanda e Gabriela

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer aos professores Luís Henrique Sommer, Cristianne Famer Rocha

e Karla Saraiva que gentilmente aceitaram o convite para a comissão examinadora

desta Dissertação.

Faço um agradecimento muito especial ao professor orientador Alfredo Veiga-Neto

que, pelo seu exemplo de desprendimento intelectual, paciência com nossas limitações

e confiança em nossas potencialidades, encerra as melhores qualidades de um mestre.

Gostaria de agradecer também aos colegas do grupo de orientação: Ana, Helena,

Roberta, Sandra e Sérgio pelo carinho e atenção dispensados.

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Face às formas próximas de um controle incessante em meio aberto, é possível que os

confinamentos mais duros nos pareçam pertencer a um passado delicioso e

benevolente. Gilles Deleuze (1992: 216)

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RESUMO

A popularização da Internet, associada à larga difusão das tecnologias móveis de

conexão sem fio, inaugura, na aurora do século XXI, uma era de conexão e mobilidade,

envolvendo-nos num ambiente de conexão generalizada por meio de processamentos

contínuos, ultra-velozes e rizomáticos nas mais variadas condições de realidade e

distância. Essa tendência para uma computação onipresente e personalizada, marca a

emergência de uma sociedade hiperconectada, em que “consumir informação” e

“tornar-se informação consumível” passam a constituir modos correntes de pensar e

estar no mundo. Esta Dissertação de Mestrado busca entender como se dá a articulação

dessas novas configurações sociais com a escola – instituição tradicionalmente assente

nos procedimentos disciplinares de confinamento, enquadramento e vigilância. As

discussões acerca da proibição do uso do telefone celular na sala de aula foram o ponto

de partida para esta pesquisa. A hipótese inicial é de que alguns comportamentos

renitentes dos alunos na escola como o uso e a exibição de telefones celulares na sala de

aula, atitude geralmente qualificada como indisciplinar, podem ser entendidos como

manifestações dessas outras formas de subjetivação, centradas no controle planetário

viabilizado pela instantaneidade dos fluxos informacionais nas redes digitais

rizomáticas. O uso reiterado dessa tecnologia no espaço fechado da sala de aula, então,

não é um ato de indisciplina, ou expressão de rebeldia contra o professor ou contra a

escola, mas, antes, uma “luta” contra a disciplina e as subjetividades por ela

engendradas, centradas na vigilância e na oposição clara e distinta do dentro e do fora.

Dessa forma, a ênfase na estrutura hierárquica, centralizada e estável da disciplina

escolar – seja no eixo do corpo, seja no eixo dos saberes – desloca-se, agora, em favor de

práticas que são cada vez mais flexíveis, descentralizadas e cambiantes. A ênfase dos

processos de subjetivação, assim, parece se deslocar da docilidade para a flexibilidade.

Palavras-chave: educação escolar, vigilância disciplinar, controle rizomático, telefone

celular, novas subjetividades.

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ABSTRACT

The popularization of the Internet, associated with the large diffusion of new wireless

mobile Technologies, sets off, at the dawn of the XXI century, an age of connection and

mobility, involving us in an environment of general connections by means of

continuous, fast and rizomatic processes in a great range of reality conditions and

distance. This trend to a present and personalized computer technology, sets the

emergency of a hyperconnected society, where “to consume information” and “to

become consumer information” starts to be present ways of thinking and being in the

world. This Master Dissertation tries to understand how the articulation of this new

social configurations happen with the school – a traditional institution of disciplinary

confinement, framing and vigilance. The discussions about the prohibition of using cell

phones in the classroom were the starting point for this research. The initial idea is that

some repetitive behavior of the students in a school like the use and exhibition of cell

phones in the classroom, an attitude generally qualified as indiscipline, can be

understood as these other types of subjectivity, centered in the planetary control via

instantaneous information flow in the rizomatic digital nets. The reiterated use of this

technology in the close space of a classroom is not then an act of indiscipline, or an

expression of rebellion against the teacher or the school, but it is, indeed, a “fight”

against discipline and the subjectivities connected to it, centered in the vigilance and in

the clear distinction opposition of the in and out. This way, the emphasis in the

hierarchical, centered and stable school discipline – be it in the body or the knowledge

basis – more now in favor of practices which are more flexible, not centered and

changing. The emphasis of the subjectivity processes, so, seems to move from docility

to flexibility.

Key words: school education, disciplinary vigilance, rizomatic control, cell phone, new

subjectivities.

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

QUADRO 1 – Procedimentos de poder (p.28)

QUADRO 2 – Lei de Moore (p.37)

FIGURA 1 – Vigilância hierárquica, piramidal (p.54)

FIGURA 2 – Polivalência do Panóptico (p.58)

FIGURA 3 – Rizoma Internet (p.73)

FIGURA 4 – Árvore-raiz do conhecimento (p.77)

FIGURA 5 – Diagrama de avaliação de competências e habilidades (p.92)

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LISTA DE SIGLAS ENIAC - Eletronic Numeric Integrator And Calculator ULA - Unidade lógica e aritmética RAM - Random Access Memory ROM - Read-Only Memory CI - Circuito integrado PC - Personal Computer BIOS - Basic Input/Output System Arpanet - Advanced Rearch and Projects Agency TCP/IP - Transmission Control Protocol/Internet Protocol CERN - Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire WWW - World Wide Web WiMAX - Worldwide Interoperability for Microwave Access SMS – Short Message Service 3G - Telefonia móvel de terceira geração LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional CNE - Conselho Nacional de Educação ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente CDC - Código de Direitos do Consumidor INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio IBCD - Instituto Brasileiro de Convergência Digital PBID - Programa Brasileiro de Inclusão Digital ProInfo - Programa Nacional de Informática na Educação MEC - Ministério da Educação e Cultura MCT - Ministério de Ciência e Tecnologia ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS RESUMO ABSTRACT LISTA DE QUADROS E FIGURAS LISTA DE SIGLAS APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 13 SEÇÃO I – A LÓGICA DAS PRÁTICAS .................................................................... 22

Capítulo 1 – PODER E INSTITUIÇÕES ................................................................. 23

1.1 Relações de poder e liberdade ....................................................................... 23 1.2 Decifrar a lógica das práticas ......................................................................... 25 1.3 A produção da subjetividade ......................................................................... 26 1.4 Da disciplina ao controle: mudança de ênfase ............................................ 27

Capítulo 2 – NOVOS SABERES ............................................................................... 31

2.1 O cérebro eletrônico ....................................................................................... 33 2.2 Cada vez menor, mais capaz e mais veloz ................................................... 37 2.3 Computação personalizada ............................................................................ 40 2.4 Espaço sem dimensões .................................................................................... 42 2.5 Tempo de conexões ......................................................................................... 46 2.6 Organizações flexíveis multidirecionais ...................................................... 49

Capítulo 3 – PROCEDIMENTOS DA DISCIPLINA ........................................... 54

3.1 O confinamento e a distribuição espacial .................................................... 55 3.2 A capitalização do tempo e o controle da atividade .................................. 56 3.3 Vigilância hierárquica: vigiar e ser vigiado ................................................. 57 3.4 Sanção normalizadora: a arte de punir ........................................................ 58 3.5 Exame: cada indivíduo um caso .................................................................... 60 3.6 Panóptico: máquina óptica universal ........................................................... 61

Capítulo 4 – PROCEDIMENTOS DO CONTROLE ............................................. 64

4.1 A conexão e a dispersão espacial .................................................................. 64 4.2 O tempo real e o controle de fluxos informacionais ................................... 66 4.3 Controle rizomático: consumir informação e tornar-se informação

consumível ................................................................................................

70 4.4 Imperativo da conexão: o afã de interligar .................................................. 73 4.5 Perfil informático: diferenciar e personalizar .............................................. 75 4.6 Corpo-Rede: híbrido de corpo com rede ...................................................... 77

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SEÇÃO II – REFINANDO AS PRÁTICAS ................................................................. 80 Capítulo 1 – A ESCOLA DA DISCIPLINA ............................................................ 81

1.1 Disciplina-saber, disciplina-corpo ................................................................. 82 1.2 A penalidade açucarada ................................................................................. 87

Capítulo 2 – A ESCOLA SOB CONTROLE .......................................................... 91

2.1 Flexibilidades no ensinar e aprender ............................................................ 92 2.2 Romper com a educação bancária ................................................................. 96 2.3 Conectar é preciso ............................................................................................ 101

SEÇÃO III – RESSONÂNCIAS ..................................................................................... 105

Capítulo 1 – SUJEITO SEM FRONTEIRAS ........................................................... 106

1.1 O corpo dócil-rotinizado ................................................................................ 108 1.2 O corpo-digital flexível ................................................................................... 110 1.3 Jovens flexíveis conexos .................................................................................. 114

Capítulo 2 – A CONEXÃO AMBIENTE ................................................................. 120

2.1 Extensão do corpo e mobilidade digital ....................................................... 121 2.2 Descompressão da sala de aula ..................................................................... 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 130 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 138

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APRESENTAÇÃO

Assim, não é o poder, mas o sujeito, que constitui o tema geral de minha pesquisa.

(FOUCAULT, 1995: 232)

a aurora do século XXI, as novas tecnologias digitais de informação e

comunicação instantânea, especialmente as tecnologias móveis,

envolvem-nos num ambiente de conexão generalizada e encolhem

cada vez mais as distâncias geográficas e os horizontes temporais. Essas tecnologias

mudam, radicalmente, o modo como representamos o espaço e o tempo e, em

decorrência, a maneira como interpretamos o mundo e o modo como agimos em

relação a ele. As novas configurações espaço-temporais alcançam todos os âmbitos

sociais e articulam-se muito particularmente com a escola, instituição modelarmente

disciplinar. Pretendo, com a presente pesquisa, trazer à discussão algumas questões

relativas às práticas escolares contemporâneas e às novas subjetividades, engendradas

por novas formas de poder, radicalizadas pela convergência das tecnologias digitais, e

que passam a povoar o espaço escolar.

Para uma maior contextualização da temática e das escolhas que serão feitas ao

longo desse trabalho, acredito ser importante fazer antecipadamente dois registros.

N

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Primeiro: a minha formação em filosofia teve uma forte ênfase no positivismo1.

Instigado pela busca do significado do lema positivista “ORDEM E PROGRESSO”

estampado na Bandeira Nacional, propus-me a realizar uma revisão bibliográfica

referente ao positivismo no Brasil. Verifiquei que a Constituição Rio-Grandense de 14

de Julho de 1891, idealizada por Júlio de Castilhos, fortemente inspirada no

positivismo de Augusto Comte, é uma experiência inédita e única no mundo para a

instauração de uma “sociocracia2” nestas terras. O trabalho de conclusão de curso, com

o título: “O positivismo no Rio Grande do Sul: elementos para uma sociocracia”, é uma

análise dessa carta política que estabeleceu, ao menos em parte, um modelo político

que se perpetuou no Rio Grande por quase quatro décadas, e marcou profundamente a

história gaúcha.

Segundo: trabalho há 12 anos na função de coordenador de disciplina numa

instituição de ensino privado de educação básica no município de Canoas, que atende,

principalmente, famílias de classe média3. Desde 1996, exerço essa função em tempo

integral, trabalhando diretamente com alunos da 5ª série do ensino fundamental ao 3º

ano do ensino médio.

Faço durante toda esta pesquisa um exercício constante de flexibilidade diante

das marcas indeléveis da minha formação acadêmica e atuação profissional. Confesso a

minha limitação. Porém, esforço-me no sentido de desprender-me da noção de

quaisquer realidades verdadeiramente essenciais, tendo presente a assertiva de Costa

(2000) de que não há realidade intrinsicamente verdadeira, ou seja, os enunciados

tomados como verdades devem ser tidos como construídos discursivamente segundo

um regime ditado por relações de poder.

1 “O termo positivismo foi adotado por Augusto Comte para designar toda uma diretriz filosófica marcada pelo culto da ciência e pela sacralização do método científico. O positivismo expressa um tom geral de confiança nos benefícios da industrialização, bem como um otimismo em relação ao progresso capitalista, guiado pela técnica e pela ciência [...] O objetivo do método positivo é a pesquisa das leis gerais que regem os fenômenos naturais. Assim, o positivismo diferencia-se do empirismo puro porque não reduz o conhecimento aos fatos observados. É na elaboração das leis gerais que reside o grande ideal das ciências.” (COTRIM, 2000: 189-90)

2 Forma de governo em que o poder cabe à sociedade como um todo. (HOUAISS, 2001) 3 Classe média-alta: renda familiar mensal acima de R$ 5 mil; classe média-média: renda familiar mensal entre R$ 2,5 mil e R$ 5 mil; classe média-baixa: renda familiar mensal entre R$ 1 mil e R$ 2,5 mil. (Quadros, 2004)

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A questão da disciplina na escola é uma temática bastante recorrente na

atualidade. O assunto tem constituído um amplo cenário de debates na comunidade

educacional e, mais difusamente, na sociedade civil. O livro do psiquiatra Içami Tiba

(2004) “Disciplina - limite na medida certa” já vendeu quase 200.000 exemplares e já foi

adotado pelo MEC para o Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio,

conforme informado na home page da Integrare Editora. O autor conclui que a

“indisciplina” faz mal porque freqüentemente é confundida com liberdade. A

disciplina é um ingrediente da liberdade. Por isso, para ter disciplina é necessário se

voltar para a saúde social e não apenas para o bem estar pessoal. O professor pode ser

amigo com disciplina e inimigo com “indisciplina”. Os limites são os interesses do

grupo. Vasconcellos (1998), no livro “Disciplina – construção da disciplina consciente e

interativa em sala de aula e na escola” observa que há de se fazer um trabalho

educativo, preventivo. A atitude do diálogo é fundamental para a superação dos

problemas de disciplina, preferencialmente ao enfoque tradicional no enfrentamento

da “indisciplina”: o sermão e a punição. La Taille (2001) no texto “A questão da

indisciplina: ética, virtudes e educação” trata da questão da “indisciplina” na escola

propondo a reflexão sobre o significado da ética, da moral e das virtudes. O autor

afirma que “o tema das virtudes, trabalhado de forma rica e aberta, pode ajudar as

crianças e os adolescentes a abrirem o leque dos valores que inspiram suas respostas às

perguntas como viver e quem eu quero ser”’ (2001: 95 – grifos do autor). Aquino (2003) no

livro “Indisciplina – o contraponto das escolas democráticas” faz uma reflexão sobre o

universo da “indisciplina” na escola. O autor propõe estratégias democráticas para o

enfrentamento dos eventos disciplinares, priorizando o contrato pedagógico e as

assembléias de classe. Muitos outros recortes podem ser feitos sobre essa questão, mas

creio que os exemplos que foram apresentados são bastante elucidativos no sentido de

mostrar a relevância do tema da disciplina na escola contemporânea.

Quando assumi a função de coordenador de disciplina, os registros disciplinares

eram feitos manuscritamente num livro pautado, seqüencialmente, um após o outro,

em forma de ata. A nova ordem jurídica inaugurada pelo advento do Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA) passou a exigir dos administradores escolares uma

reestruturação e uma dinamização das suas práticas. Na escola, cada dia letivo

representa um mundo de situações, e a memória facilmente nos trai. Dessa forma, senti

necessidade de encontrar uma alternativa para o famoso “livro preto”.

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O registro das ocorrências no “livro preto” era muito moroso; a busca de

informações mais demorada ainda; a reunião de informações sobre um determinado

aluno, ao longo de um determinado período, muito complexa e ineficaz. Percebi que a

dinâmica da escola já não cabia mais nas linhas pautadas do “livro preto”. Então, em

1998, lancei mão dos meus parcos conhecimentos de informática e comecei a

desenvolver, de forma experimental, um sistema informatizado que visava às

demandas específicas do serviço de disciplina.

No ano de 2002, fiz um curso de pós-graduação Latu Sensu em Administração na

Educação na Universidade Luterana do Brasil, ULBRA. Apresentei a monografia de

conclusão do curso com o título: “Informatização na administração escolar: subsídios

técnicos, legais e filosóficos para equacionamento de questões disciplinares”. Nesse

trabalho tratei da administração escolar, especificamente no que diz respeito à questão

da disiciplina-indisciplina dos alunos, abordando aspectos culturais, legais e

filosóficos. Defendi o uso da informatização na administração escolar, convencido de

que os recursos de informática, se bem equacionados, constituiriam uma poderosa

ferramenta na administração e organização da escola. Empreendi a elaboração do

projeto de um sistema de banco de dados relacional e integrado de atendimento ao

aluno.

O projeto de um sistema informatizado para atendimento ao aluno, tinha por

objetivo integrar e facilitar o fluxo de informações entre os serviços afins da escola que

trabalham diretamente com o aluno: coordenação de curso, orientação educacional,

disciplina, e outros. Visava colocar continuamente à disposição dos serviços

informações sempre atualizadas. Os dados, dessa forma, seriam compatilhados entre

os usuários pertinentes evitando-se o retrabalho, ou seja, a digitação ou a entrada da

mesma informação duas ou mais vezes. Isso permitiria que atualizações feitas fossem

automaticamente disponibilizadas para todos os usuários. No ano de 2003, o projeto

foi submetido a um tratamento profissional e incorporado ao sistema informatizado

que atende toda a escola.

Por ocasião da seleção para o curso de Mestrado, durante a entrevista, comentei

com os professores entrevistadores sobre o sistema informatizado desenvolvido para o

tratamento de questões disciplinares. O professor Luís Henrique Sommer fez a

seguinte afirmação: “- Vocês inventaram um sistema eletrônico de adestramento!” A

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expressão “adestramento” impressionou-me sobremaneira. Isso remoeu-me durante

um bom tempo, pois estava absorto pela concepção vulgar da palavra adestramento.

Primeiro, fiquei indignado. Mais tarde a indignação transformou-se em inquietação.

Durante o curso, percebi que essa provocação inicial foi o que, fazendo uma alegoria,

preparou “o vôo de renovação da águia4”.

No decorrer do curso, ao aproximar-me, sobretudo, das formulações de Michel

Foucault acerca do “poder disciplinar”, passei a entender que a “indisciplina” na escola

deve ser verificada além dos “bons” e “maus” comportamentos que se observam.

Devemos antes olhar os comportamentos como “requeridos” por práticas discursivas e

não-discursivas. Na escola, as práticas de disciplinarização atravessam seu cotidiano,

normalizam e punem os atos com exatidão, diferenciando e classificando os indivíduos

dentro dos seus limites territoriais. Assim, pode-se dizer que as práticas da disciplina

adestram, ou seja, tornam destros, direitos, para melhor retirar e apropriar-se das

forças5. A “indisciplina”, ou a falta de disciplina, na perspectiva foucaultiana, será o

correlato direto da disciplina, ou melhor, os comportamentos desviantes na escola são

a contrapartida das práticas escolares de disciplinarização.

Feitos esses esclarecimentos iniciais, passo a apresentar o tema desta pesquisa. A

partir do olhar do coordenador de disciplina de uma determinada escola, observo que,

nos últimos anos, muito do tempo, na sala de aula, é empenhado numa frustrada

tentativa de coibição do uso de telefones celulares. A teimosia por parte dos alunos no

uso e exibição desses aparelhos na sala de aula tem sido freqüentemente qualificada

como uma atitude de “indisciplina”. Mas essa pertinaz atitude dos alunos não seria

uma “luta por uma nova subjetividade” (FOUCAULT, 1995: 236)? Se assim a

consideramos, temos de admitir que tal atitude não tem o objetivo direto de atacar a

autoridade do professor e da escola. Antes, essa é uma “luta” contra uma forma de

4 A águia chega a viver 70 anos, mas para chegar a essa idade, aos 40 anos é obrigada a tomar uma decisão difícil. Nessa idade ela está com as unhas compridas e frágeis, e não consegue mais agarrar as presas das quais se alimenta; o bico, alongado e pontiagudo, se curva; as asas estão envelhecidas e pesadas em função da grossura das penas. A águia tem duas alternativas: morrer ou enfrentar um doloroso processo de renovação que durará perto de 150 dias. Ela voa para o alto de uma montanha e se recolhe a um ninho. Ali ela bate o bico na pedra até conseguir arrancá-lo. Espera pacientemente nascer um novo bico, com o qual vai depois arrancar as unhas. Quando as unhas começam a nascer, ela passa a arrancar as velhas penas. Depois de cinco meses sai para o seu vôo de renovação para então viver mais 30 anos. 5 Veiga-Neto, comunicação pessoal em 07.12.2006.

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poder, no caso, a disciplina. Por isso, o uso reiterado do telefone celular na sala de aula,

antes de ser um ato de indisciplina, é uma manifestação de uma nova subjetividade,

engendrada por uma nova forma de poder: o controle. A partir dessa perspectiva,

tenho o objetivo de discutir algumas questões referentes às práticas de disciplina na

escola, lançando vistas também sobre algumas “novas práticas” escolares, advindas

das novas configurações espaço-temporais, introduzidas pelas novas tecnologias de

informação e comunicação instantânea, especialmente as tecnologias móveis. Assim,

procuro caracterizar minimamente os procedimentos de poder do controle com base

nas descrição dos procedimentos de poder da disciplina, para a partir daí, identificar

algumas práticas escolares engendradas pela disciplina e outras produzidas pelo

controle. A pergunta central é: alguns comportamentos renitentes dos alunos, como o uso e

exibição de telefones celulares na sala de aula, atitude facilmente qualificada como

“indisciplina”, não seriam, talvez, “manifestos” por uma nova subjetividade que é gerada,

prioritariamente, por práticas de controle espraiadas pelo planeta, mas que também se articulam

muito diretamente com a escola, instituição modelarmente disciplinar?

Foucault é freqüentemente considerado, conforme Deleuze (1992a), o pensador

das sociedades disciplinares. O próprio Deleuze reconhece que Foucault é um dos

primeiros a assinalar que as sociedades disciplinares seriam aquilo que estaríamos

deixando para trás. Porém, Hardt (2000) ressalta que é difícil encontrar na obra de

Foucault uma formulação clara da passagem da sociedade disciplinar à sociedade de

controle. Deleuze formula essa passagem no pequeno artigo “Pós-scriptum sobre as

sociedades de controle”. Nesse artigo, Deleuze afirma que já estamos vivendo numa

sociedade de controle que funciona não mais por confinamento, mas por controle

contínuo e comunicação instantânea.

A passagem da sociedade de disciplina para a sociedade da informação e

controle6 tem articulação imediata com a escola, tendo em vista que essa instituição,

tradicionalmente, é fortemente marcada pelos procedimentos da disciplina. Isso

acarreta uma “urgência” de redirecionamento de muitas das práticas escolares, bem

como a adoção de outras. Assim, pode-se apontar a “necessidade” de substituição do

6 Conforme ficará mais claro a partir daqui, quando me refiro à “passagem da sociedade de disciplina para a sociedade da informação e controle” não estou querendo dizer que um tipo de sociedade foi substituído por outro tipo, mas sim que houve e continua havendo uma mudança de ênfase dos procedimentos da disciplina para os procedimentos do controle.

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“livro preto” por um sistema informatizado de registro de ocorrências, mais ágil e mais

flexível, como uma evidência dessas novas demandas.

Os meios de controle, mais flexíveis, difusos e abrangentes, passam a rivalizar

com as práticas escolares de confinamento, enquadramento e vigilância. Os métodos

tradicionais da escola restritos a quatro paredes, como a palavra, o giz, o quadro-negro,

a leitura, a escrita, não são mais do que uma ilhota em meio aos fluxos de informações,

apelos e solicitações prementes de um universo digital em tempo real. Rocha (2005),

analisando reportagens veiculadas sobre a escola, procura debruçar-se sobre a

violência escolar, as novas tecnologias de comunicação e informação, os mecanismos

de controle e a educação à distância (EaD). Para a pesquisadora, esses são temas que

mostram algumas das dificuldades enfrentadas pela escola contemporânea para

continuar operando nos tempos e espaços em que historicamente e tradicionalmente

tem operado. No mesmo sentido, Saraiva (2006) registra que a educação a distância

(EaD) tem sido muitas vezes apresentada como uma nova solução para superar os

velhos problemas. Essa pesquisadora defende a tese de que os modos de controlar e

normalizar os sujeitos estão passando por deslizamentos e reacomodações

relacionados com as transformações espaço-temporais contemporâneas. Dessa forma,

as práticas escolares tradicionais, disciplinares, formatadas para a produção de um

determinado tipo de sujeito - o aluno dócil, rotinizado, passam a ser recobertas por

práticas hegemônicas de controle, constituindo práticas mais abertas e flexíveis,

transparentes e contínuas, que respondem à demanda de um outro tipo de sujeito – o

aluno flexível, conectado7.

Esta pesquisa tem sido orientada pela exaustiva tentativa de caracterização dos

procedimentos de poder do controle e sua inserção na escola. Referenciado naquilo que

autores como Dreyfus & Rabinow (1995) afirmam, de que a história é o jogo de rituais

de poder, é a humanidade avançando de uma dominação para outra, tenho orientado

minha busca com base na magistral descrição de Foucault acerca dos procedimentos de

poder da disciplina, principalmente na obra Vigiar e Punir. A partir das estratégias de

utilização do espaço, do tempo e do corpo da disciplina, bem como de suas operações,

procurarei caracterizar as estratégias e as operações do controle. Tenho o propósito de

7 Nos sub-capítulos: “Corpo dócil-rotinizado” e “Corpo-digital flexível”, discutirei o uso das palavras dócil e flexível. Não se trata de fixar um sentido para cada uma dessas palavras, mas sim de procurar diferenciá-las, de modo que elas, assumindo sentidos diferentes, possam descrever situações e coisas diferentes.

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identificar pontos mínimos de simetria entre disciplina e controle, para poder

reconhecer com mais clareza pontos de assimetria.

Tal empreitada se mostrou bastante complexa, digna do gênio de um “Foucault”.

Diante disso, busquei apoio em alguns autores muito fecundos em suas discussões

sobre as novas configurações sociais contemporâneas. Dentre esses autores cito em

especial: Gilles Deleuze, Michael Hardt, Antônio Negri, Manuel Castells, Pierre Lévy,

Stuart Hall, Richard Sennett. Muitos outros estudiosos e pesquisadores, inclusive no

Brasil, têm se debruçado sobre a nova “ordem mundial de controle”. Dentre os

pesquisadores brasileiros, cito em especial: Alfredo Veiga-Neto e André Lemos.

Amparado nesses autores, e tendo como pano de fundo a analítica interpretativa

foucaultiana, proponho-me a traçar algumas características dos regimes de controle e a

descrever minimamente seus procedimentos de poder.

A complexidade da tarefa, bem como a riqueza do material empírico, impeliu-me

a um leque muito variado de leituras e possibilidades de pesquisa. A cada nova leitura,

obrigatória ou sugerida, durante o curso, novos caminhos e novas possibilidades

surgiam. Nesse ínterim, reuni muito material de leitura e de pesquisa. Porém, em

virtude da brevidade do curso de Mestrado, tive de fazer algumas escolhas, e toda

escolha implica redução. Embora as escolhas sejam feitas a partir de minha vivência,

formação acadêmica e experiência profissional, sem dúvida nenhuma, foram bastante

refinadas pelas leituras realizadas ao longo do curso e pelas ricas discussões nas

reuniões de orientação.

A presente Dissertação está estruturada em três seções.

A Seção I, “A lógica das práticas” está dividida em três capítulos. No capítulo 1,

“Poder e instituições”, procuro apropriar-me do conceito foucaultiano acerca das

relações de poder e produção da subjetividade, empenhando-me, dessa forma, na

demarcação dos aportes teóricos da pesquisa. No capítulo 2, “Novos saberes”, tendo

presente que todo poder constitui um campo de saber correlato, esforço-me, com base

principalmente nas reflexões de Castells (2007) sobre a revolução da tecnologia da

informação, em apresentar um breve histórico das tecnologias de informação. Tal

percurso vai dos primeiros computadores, passando pelo computador pessoal,

Internet, até as recentes tecnologias móveis de conexão sem fio que explodem na

aurora do século XXI, de modo a mapear minimamente as condições materiais de

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possibilidade dos procedimentos do controle. No capítulo 3, “Procedimentos da

disciplina”, procuro fazer uma apresentação do conceito da disciplina e das suas

principais técnicas a partir das minuciosas descrições de Foucault. No capítulo 4,

“Procedimentos do controle”, aventuro-me a uma modesta tentativa de descrição dos

procedimentos de poder do controle, essa outra lógica de dominação, a partir do ensaio

de uma aproximação com os procedimentos de poder da disciplina, caracterizadas e

analisadas por Foucault.

A Seção II, “Refinando as práticas” está dividida em dois capítulos, “A escola da

disciplina” e “A escola sob controle”, onde procuro caracterizar mais refinadamente

algumas das práticas da disciplina e do controle que atravessam a escola

contemporânea e, até mesmo, constituem-na.

A Seção III, “Ressonâncias” está dividida em dois capítulos. No capítulo 1,

“Sujeito sem fronteiras”, constato que as escalas indefinidas de espaço-tempo

introduzidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação instantânea,

especialmente as tecnologias digitais móveis, apontam para um modelo de sujeito sem

limites ou fronteiras, um sujeito flexível, múltiplo. No capítulo 2, “A conexão

ambiente”, procuro mostrar, em primeiro lugar, que a evolução das tecnologias digitais

com o desenvolvimento da computação móvel e das tecnologias de conexão sem fio,

trama para uma convergência de tecnologias por meio da digitalização das

informações em suas diversas manifestações, integrando-as num mesmo suporte, e

estão nos introduzem num ambiente generalizado de conexões. Em segundo lugar,

procuro olhar mais especificamente para o telefone celular como a expressão da

radicalização da convergência de tecnologias digitais. Também, pretendo examinar as

implicações e significações do uso reiterado do telefone celular pelos alunos a partir

das iniciativas no sentido da regulamentação do uso desse aparelho no espaço fechado

da sala de aula.

Ao final desta pesquisa, aspiro confirmar a assertiva de Veiga-Neto (2008) de que

a escola, ainda bastante vinculada aos modos de pensar e estar no mundo que foram

constituídos na Modernidade, ao mesmo tempo em que sofre as conseqüências da

grande crise contemporânea dos valores da Modernidade, contribui para que ela

aconteça e vá adiante.

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SEÇÃO I – A LÓGICA DAS PRÁTICAS

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Capítulo 1: PODER E INSTITUIÇÕES

Na verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais de verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção.

(FOUCAULT, 2002: 161)

As pessoas sabem aquilo que elas fazem; freqüentemente sabem porque fazem o que fazem; mas o que ignoram é o efeito produzido por aquilo que fazem. (FOUCAULT apud DREYFUS & RABINOW, 1995: 206)

análise das relações de poder numa dada sociedade e num

determinado contexto histórico não pode se restringir ao estudo de

uma série de instituições. Tal exame passa pelas instituições, porém o

ponto de apoio fundamental das relações de poder “deve ser buscado aquém [pois] as

formas e os lugares de ‘governo’ dos homens uns pelos outros são múltiplos numa

sociedade: superpõem-se, entrecruzam-se, limitam-se e anulam-se, em certos casos, e

reforçam-se em outros” (FOUCAULT, 1995: 245-247 – grifo do autor). Ou seja, não é

apropriado analisar as relações de poder a partir das instituições, mas as instituições é

que devem ser investigadas, esquadrinhadas e dissecadas a partir das relações de

poder.

1.1 Relações de poder e liberdade

Viver em sociedade, de acordo com Foucault (1995), significa viver de tal modo

que seja possível a alguns agirem sobre a ação dos outros, num embate contínuo de

A

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forças desiguais, assimétricas e móveis. Essas relações de forças ou de poder têm um

papel diretamente produtivo, pois que não há poder que se exerça sem um conjunto de

fins e objetivos.

Foucault (1995) define o poder como uma situação estratégica complexa numa

sociedade dada, e afirma: “uma sociedade sem relações de poder só pode ser uma

abstração” (1995: 246 – grifo do autor). Veiga-Neto (2006) confirma essa sentença ao

ressaltar que não há como estar fora de toda e qualquer relação; não “há um fora do

poder [pois] em qualquer relação sempre existe um diferencial entre aquilo de que uma

parte é capaz - de ser, ter ou fazer - e ‘aquiloutro’ de que a outra parte é capaz - de ser,

ter ou fazer.” (2006: 24 – grifos do autor)

Para Foucault (1995), a liberdade é condição da existência do poder. Portanto,

Foucault não vê confronto entre poder e liberdade.

De fato, aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua própria ação. Uma ação sobre a ação, sobre ações eventuais, ou atuais, futuras ou presentes. Uma relação de violência age sobre um corpo, sobre as coisas; ela força, ela submete, ela quebra, ela destrói; ela fecha todas as possibilidades; não tem, portanto, junto de si, outro pólo senão aquele da passividade; e, se encontra uma resistência, a única escolha é tentar reduzi-la. Uma relação de poder, ao contrário, se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por ser exatamente uma relação de poder: que “o outro” (aquele sobre a qual ela se exerce) seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como o sujeito da ação; e que se abra, diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis. (FOUCAULT, 1995: 243 – grifo do autor)

O poder, entendido dessa forma, só pode ser exercido sobre sujeitos “livres”,

enquanto “livres”. O poder, portanto, não é uma mercadoria, algo que alguém ou um

grupo detenha em detrimento de outros. O poder é uma relação de forças; é uma

matriz geral de relações de forças, num tempo dado, numa sociedade dada. O exercício

do poder é um modo de ação de alguns sujeitos ativos sobre outros sujeitos ativos. É

um conjunto de ações “livres” sobre ações “livres”. Por isso, não há relação de poder

sem resistência, sem pontos de insubmissão, pois “no centro das relações de poder e

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como condição permanente de sua existência, há uma ‘insubmissão’ e liberdades

essencialmente renitentes (FOUCAULT, 1995: 248 – grifo do autor)”.

Foucault (2002) ressalta, porém, que as relações de poder têm alcance imediato

sobre o corpo. Elas o investem, marcam-no, dirigem-no, sujeitam-no a trabalhos,

obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe signos. O corpo, investido por relações de poder

e dominação, encontra-se preso num sistema de sujeição onde a necessidade é

diligentemente organizada, calculada e utilizada. O corpo torna-se assim, produtivo,

submisso, força útil.

1.2 Decifrar a lógica das práticas

Para compreender a materialidade do poder em seu funcionamento cotidiano,

“deve-se remeter ao nível das micropráticas, das tecnologias políticas onde nossas

práticas se formam” (DREYFUS & RABINOW, 1995: 203).

Veiga-Neto (1995) enfatiza que o poder “não existe (no sentido definido do artigo e

no sentido duro do verbo), mas existem práticas em que ele se manifesta, atua,

funciona, se espalha universal e, capilarmente” (1995: 32). Essas práticas, em dado

momento e em tal contexto histórico fixam-se sob formas rituais8, impondo obrigações

e direitos e estabelecendo procedimentos minuciosos com uma lógica intrínseca. Pode-

se referir, portanto, a uma lógica das práticas.

Os efeitos de dominação serão atribuídos, dessa forma, antes, a disposições,

manobras, táticas, técnicas, envoltas numa rede de relações sempre tensas e

interessadas. Logo, o poder mais se exerce do que se possui. Não é o privilégio

adquirido ou conservado; é o efeito de posições estratégicas que constituirão e

direcionarão as nossas práticas diárias.

Dreyfus & Rabinow (1995) argumentam que o pesquisador genealogista deve

concentrar o estudo sobre o surgimento de um campo de batalha que define e esclarece

um espaço de relações desiguais e assimétricas. O genealogista deve se voltar para o

jogo das vontades onde sujeição, dominação e luta são encontradas em toda parte;

deve se deter sobre as estratégias, as disposições, as manobras, as táticas, as técnicas de

8 Por rituais, quero me referir ao conjunto de práticas consagradas pelo uso ou por normas que devem ser observadas de forma invariável em ocasiões determinadas.

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dominação, em suma, sobre a lógica das práticas dominantes. Em vez de origens, o

genealogista deve procurar relações de força funcionando em acontecimentos

particulares e movimentos históricos. Os sujeitos não preexistem ao campo de batalha,

mas emergem nesse campo, e é aí que desempenham seus papéis. Assim, a história dos

indivíduos ou das sociedades é a história das relações de força ou de poder, ou melhor,

das práticas sociais materiais, que os produzem como tais: indivíduos ou sociedades.

O genealogista deve buscar a superfície dos acontecimentos, as minúcias, as

menores mudanças e os contornos sutis para identificar e isolar os programas

explícitos e implícitos, as estratégias políticas, que se fixam em dado lugar e momento

da história, para decifrar a lógica que subjaz às práticas dominantes num determinado

contexto histórico de interesse.

1.3 A produção da subjetividade

Numa abordagem genealógica, portanto, a subjetividade não é dada a priori, mas

se forma no campo das forças sociais, ou seja, “as subjetividades que interagem no

plano social são substancialmente criadas pela sociedade” (HARDT, 2000: 368). Dessa

forma, descarta-se qualquer noção de subjetividade pré-social. Busca-se enraizar a

produção da subjetividade no funcionamento das principais instituições da sociedade.

Não se considera a subjetividade como algo fixo ou dado; é um processo constante de

produção. Hardt (2000) ressalta que são as práticas materiais impostas aos sujeitos no

contexto das instituições que formam o processo de produção de sua própria

subjetividade. “O sujeito é, portanto, submetido à ação, engendrado através dos seus

próprios atos” (idem).

Foucault (1995) afirma que é perfeitamente legítimo analisar as relações de poder

em instituições bem determinadas. Porém, alerta que a análise das relações de poder

nos espaços institucionais fechados apresenta alguns inconvenientes. Primeiro, porque

uma parte importante dos mecanismos operados por uma instituição é destinada a

assegurar sua própria conservação e, em segundo lugar, porque ao analisar as relações

de poder a partir das instituições, corre-se o risco de buscar nas instituições a

explicação e a origem das relações de poder, ou seja, de explicar o poder pelo poder.

Assim, conforme mencionado anteriormente, “é necessário, antes, analisar as

instituições a partir das relações de poder, e não o inverso” (FOUCAULT, 1995: 245),

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mesmo que as relações de poder se incorporem e se cristalizem numa determinada

instituição. Dreyfus & Rabinow (1995) afirmam que “apesar de as relações de poder

serem imanentes às instituições, poder e instituições não são idênticos” (1995: 203).

Conforme Foucault (1995) é uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos.

Existem dois significados para a palavra sujeito: “sujeito a alguém pelo controle e

dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou

autoconhecimento” (1995: 235). Ambos os significados sugerem uma forma de poder

que “subjuga” e “torna sujeito a”. Por isso, o objetivo de muitos dos pontos de

insubmissão, ou lutas, não é atacar uma ou outra instituição de poder, mas, antes, uma

técnica, uma forma, um procedimento de poder. Não se pode confundir, assim, poder e

instituições.

1.4 Da disciplina ao controle: mudança de ênfase

As diversas instituições da Modernidade formavam um arquipélago com grandes

ilhas (a fábrica, o exército, a prisão, a escola, a família). Os indivíduos entravam nas

diversas instituições e, no lado de dentro de suas fronteiras, encontravam-se

parcialmente protegidos das forças de outras instituições, ao mesmo tempo em que

eram formados de acordo com as regras e as lógicas próprias de cada instituição. Os

limites eram bem definidos, passando o indivíduo uma vida deslocando-se de uma

instituição à outra. Essa relação entre dentro e fora é capital para o funcionamento das

instituições disciplinares. (HARDT, 2000)

A Modernidade, assim, constrói uma maquinaria de poder através do controle

dos corpos. Os procedimentos de poder que permitem o controle minucioso das

operações do corpo sujeitam suas forças e lhe impõem uma relação de docilidade-

utilidade, são chamados por Foucault (2002) de “disciplinas”. As instituições

disciplinares modernas são grandes meios de confinamento que funcionam como

espaços de moldagens independentes. Conforme Deleuze (1992b), os grandes

confinamentos disciplinares são moldes, distintas moldagens. Os indivíduos passam

por diferentes espaços de confinamento, sendo por eles formados independentemente.

Por serem meios independentes, entre um confinamento e outro, as instituições pré-requisitam, no ato do ingresso, um começo do

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zero. Em contrapartida oferecem, no momento do seu egresso, o sentimento de quitação aparente, ou seja, a sensação de que a “dívida” contraída pelo sujeito com a instituição e consigo mesmo se encontra supostamente quitada. Esta sensação perdura até o ingresso em outro confinamento, que por sua vez pré-requisitará um novo recomeço e assim sucessivamente. (FRANCO, LEAL, 2005: 3)

Os procedimentos disciplinares levam os indivíduos a viverem num estado de

eterno recomeço. Na disciplina não se pára de recomeçar, enquanto nos regimes de

controle nunca se termina nada. (DELEUZE, 1992b)

Para Hardt (2000), mesmo com a passagem dos procedimentos da disciplina para

os procedimentos do controle, as subjetividades continuam sendo produzidas pelas

instituições sociais, porém mais intensamente. A crise contemporânea das instituições

significa que os espaços fechados que definiam seus rígidos limites territoriais e

simbólicos estão se volatizando. Dessa forma, a lógica que funcionava outrora

principalmente no interior dos muros institucionais se estende, hoje, a todo o campo

social. As fronteiras das instituições são flexibilizadas, borradas, de modo que se torna

impossível distinguir um dentro e um fora. A produção da subjetividade no regime do

controle, então, espraia-se; ou seja, tende a não se limitar a lugares específicos e tempos

determinados, espalhando-se continuamente e aceleradamente por todo o corpo social.

As grandes instituições - grandes confinamentos ou grandes ilhas - da

Modernidade são, agora, flexibilizadas e fragmentadas, passando de formas

determinadas, rígidas e centralizadas de produção de subjetividades para uma

multiplicidade de processos difusos de geração de subjetividades. Sennett (2006),

porém, alerta que mesmo no arquipélago fragmentado e permeável dos regimes

flexíveis há um continente de poder, ou seja, a concentração do poder é muito maior e

mais intensa. A descentralização do poder, dessa forma, é compensada por um

controle intenso.

O quadro comparativo a seguir é o resultado de uma tentativa experimental de

aproximação das estratégias de utilização do espaço, do tempo e do corpo da disciplina

e suas operações com as estratégias espaço-temporais do controle e suas operações.

Esses procedimentos de poder engendram práticas sociais de disciplina e práticas

sociais de controle.

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A elaboração deste quadro representa todo o esforço envidado ao longo desta

pesquisa no sentido de estabelecer alguns pontos mínimos de simetria entre os

procedimentos da disciplina e os procedimentos do controle. Parece-me que essa

investida é importante para caracterizar com maior clareza os pontos de assimetria e

dessa forma delinear mais seguramente os procedimentos do controle.

Quadro 1: Procedimentos de poder

DISCIPLINA

CONTROLE

Estratégias espaço-temporais

Confinamento e distribuição espacial Capitalização do tempo e controle da atividade

Conexão e dispersão espacial Tempo real e controle de fluxos informacionais

Operações Vigilância hierárquica Sanção normalizadora Exame

Controle rizomático Imperativo da conexão Perfil informático

Figura arquitetural

Panóptico (poucos vigiam muitos)

Corpo-Rede (controle de padrões de informação)

Produção Corpo dócil-rotinizado Corpo-digital flexível

Fonte: elaboração do autor.

Os procedimentos da disciplina são apresentados com base nas descrições de

Foucault. A partir dessas descrições, procederei à caracterização e descrição de alguns

dos procedimentos do controle. Parto do princípio de que a disciplina e o controle são

procedimentos de poder semelhantes em muitos aspectos, porém engendram práticas

diferentes e produzem subjetividades diferentes.

Os procedimentos da disciplina e os procedimentos do controle importam

práticas muito específicas. No nível das práticas, as diferenças entre a disciplina e o

controle podem ser muito sutis e quase ilegíveis, conforme observa Sennett: “Na

verdade, a nova ordem impõe novos controles, em vez de simplesmente abolir as

regras do passado, mas também esses novos controles são difíceis de entender”

(SENNETT, 2006: 10). Nos capítulos “Procedimentos da disciplina” e “Procedimentos

do controle”, procuro descrever as estratégias espaço-temporais, as operações e as

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figuras arquiteturais. No capítulo “Sujeito sem fronteiras”, pretendo caracterizar as

subjetividades produzidas por esses procedimentos de poder.

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Capítulo 2 – NOVOS SABERES

Ao transformarem os processos de processamento das informações, as novas tecnologias da informação agem sobre todos os domínios da atividade humana e possibilitam o estabelecimento de

conexões infinitas entre diferentes domínios, assim como entre os elementos e agentes de tais atividades. (CASTELLS, 2007: 120)

oucault mostra que todo poder produz saber, ou seja, poder e saber estão

diretamente imbricados. O autor propõe que “não há relação de poder

sem a constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não

suponha e não constitua ao mesmo tempo, relações de poder” (2002: 27). Ou ainda:

“temos que produzir a verdade como temos que produzir riquezas, ou melhor, temos

que produzir a verdade para produzir riquezas” (2001b: 180). O conhecimento, então,

não decorre da atividade de um sujeito independente, mas são as estratégias de

relações de forças, que atravessam o sujeito e o constituem como tal, que determinam

as formas e os campos possíveis de conhecimento.

Deleuze (1992b), conforme já referido, afirma que, desde o término da Segunda

Guerra Mundial, está acontecendo a implantação progressiva e dispersa de um novo

tipo de dominação, acarretando uma crise generalizada nas instituições fundadas sob a

lógica dos grandes confinamentos disciplinares. Desde então, estamos entrando em

sociedades que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e

F

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comunicação instantânea, de modo que “sociedade disciplinar” é o que deixávamos de

ser desde então.

No mesmo sentido, Castells (2007) observa que uma verdadeira revolução nas

tecnologias da informação e comunicação, cuja progenitora foi a Segunda Guerra

Mundial, remodelou a base material da sociedade a passos largos.

Um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital tanto está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura como personalizando-os ao gosto das identidades e humores dos indivíduos [...] as redes globais de intercâmbios instrumentais conectam e desconectam indivíduos, grupos, regiões e até países, de acordo com sua pertinência na realização dos objetivos processados na rede, em um fluxo contínuo de decisões estratégicas. (CASTELLS, 2007: 40)

O autor defende a tese de que estamos vivenciando um novo paradigma de

desenvolvimento que está baseado nas tecnologias da informação: o

informacionalismo. A sociedade industrial, com o industrialismo, é voltada à

maximização da produção. A sociedade pós-industrial, com o informacionalismo, visa

o desenvolvimento tecnológico, ou seja, a acumulação de conhecimentos e maiores

níveis de complexidade do processamento da informação. Portanto, “devemos esperar

o surgimento de novas formas históricas de interação, controle e transformação social”

(CASTELLS, 2007: 54).

Os procedimentos do controle, dessa forma, assentados na instantaneidade dos

fluxos informacionais nas redes digitais rizomáticas, desconsideram os grandes

confinamentos disciplinares, flexibilizam seus limites e borram suas fronteiras.

Estabelece um campo de batalha difuso, global e ao mesmo tempo local, no qual não

mais importam as distâncias e as posições geográficas, disseminando, assim, uma crise

generalizada nas instituições disciplinares, forjadas na esteira da Revolução Industrial.

A estratégia principal da disciplina é o confinamento territorial; opera por meio de

lócus, locais fechados, heterogêneos, fixando os indivíduos com o objetivo de colocá-los

sob uma constante visibilidade nesses espaços, tornando-os força útil. O controle

opera, prioritariamente, on line.

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Nesse sentido, penso que uma abordagem genealógica que nos ajude a decifrar a

história do presente, não poderá negligenciar as relações de poder a partir da

decifração das práticas planetárias de controle viabilizadas pela instantaneidade dos

fluxos informacionais nas redes digitais rizomáticas.

A seguir, traço um breve histórico, de certo modo conservador, das tecnologias

da informação, passando pelos primeiros computadores, pelo computador pessoal e

pela Internet para aportar nas tecnologias digitais móveis de conexão sem fio. Ressalto

que não tenho o objetivo, nesta pesquisa, de fazer uma discussão técnica e

pormenorizada a respeito desses assuntos. Planejo, apenas, apresentá-los

sucintamente, de modo a mapear, razoavelmente, as condições materiais que estão

dando suporte aos procedimentos do controle.

2.1 O cérebro eletrônico

Conforme Deleuze (1992b), as antigas sociedades de soberania manejavam

máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios. As sociedades disciplinares tinham

por equipamento modelar as máquinas energéticas; as sociedades de controle operam

por máquinas de uma terceira espécie: máquinas de informática e computadores.

Foi na Segunda Guerra Mundial que realmente nasceram os computadores

atuais. A Marinha dos EUA em conjunto com a Universidade de Harvard, desenvolveu

o computador Harvard Mark I, projetado por Howard Aiken. Simultaneamente, o

Exército dos EUA, desenvolvia um projeto semelhante, cujo resultado foi o primeiro

computador a válvulas, o Eletronic Numeric Integrator And Calculator (ENIAC). O

ENIAC começou a ser desenvolvido em 1943. Pesava 30 toneladas, media 5,50 metros

de altura e 25 metros de comprimento e ocupava 180 metros quadrados de área

contruída. Contava com 70 mil resistores e 17.468 válvulas. Essa máquina não tinha

sistema operacional9; tinha de ser operada manualmente. Para cada tarefa, era preciso

conectar fios, relés e seqüências de chaves para que se determinasse a tarefa a ser

executada, e a resposta era dada por uma seqüência de lâmpadas. (CASTELLS, 2007)

9 É um programa de base sobre o qual rodam os diversos programas utilizados por um computador. O sistema operacional recebe as ordens do usuário, traduzindo-as para uma linguagem compreensível do computador. Também traduz, em uma linguagem mais acessível, a resposta da máquina aos comandos do usuário. O sistema operacional pode ser considerado um intérprete entre o usuário e o computador, além de um gerenciador das atividades realizadas pela máquina. (WIKIPÉDIA, 2008)

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John von Neumann10 propôs a idéia de transformar as máquinas calculadoras em

“cérebros eletrônicos”, ou seja, modelar a arquitetura do computador segundo o

sistema nervoso central. Para isso, os computadores teriam de ter três características: a)

codificar as instruções de uma forma possível de ser armazenada na memória do

computador (Von Neumann sugeriu que fossem usados uns e zeros); b) armazenar as

instruções na memória, bem como toda e qualquer informação necessária à execução

da tarefa e c) quando processar o programa, buscar as instruções diretamente na

memória, ao invés de lerem um novo cartão perfurado a cada passo. O computador

programável, onde o programa e os dados estão armazenados na memória ficou

conhecido como Arquitetura de von Neumann. Quase todos os computadores pessoais

atuais ainda utilizam essa arquitetura. (WIKIPÉDIA, 2008)

Norbert Wiener (1968), em Cibernética e sociedade, obra publicada em 1950, define

a cibernética11 como a ciência do estudo do controle, dos sistemas auto-reguláveis de

processamento de informações. A cibernética parte da crença de que a realidade e os

entes materiais são interpenetrados por fluxos informacionais e que a informação pode

circular inalterada entre diferentes substratos materiais. Segundo Wiener, informação é

aquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele. Receber e utilizar

informação é o processo de contínuo ajuste às contigências do meio ambiente e de

nosso efetivo viver nesse meio ambiente. De maneira análoga, uma ação complexa,

executada por uma máquina, é aquela em que os dados introduzidos (entrada) para

obter um efeito sobre o mundo exterior (saída), pode implicar um grande número de

combinações dos dados introduzidos no momento com os registros obtidos de dados

anteriores armazenados na máquina (memória).

10 Matemático (1903-1957). Foi um dos pioneiros da computação. 11 “A palavra cibernética vem do grego “kibernytiky”. Etimologicamente, a palavra parece ter sua origem no século VI a.C., quando a mitologia grega conta que Teseu fez uma viagem à Creta, conduzido por dois pilotos de barco pelo mar. Para glorificar o feito, Teseu instituiu festas aos “cibernésios”, os pilotos do mar. Posteriormente, Platão (427-347 a.C.) utilizou a palavra Kybernytiky em seus diálogos “Alcebíades” e “Górgias” (com o sentido de arte de dirigir um navio ou um carro), em “Clítofo” (com o significado de arte de dirigir homens) e na “República” (significando governar, em geral). Mais recentemente, em 1834, Ampère (1775-1836) retomou a palavra com o sentido de significar controle ou direção e, em 1868, James Maxwell (1831-1879) a utilizou com o significado de regulador ou governador.” (CHIAVENATO, 1983: 470-7l)

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Essa concepção do sistema nervoso corresponde à teoria daquelas máquinas que consistem numa seqüência de dispositivos de comutação em que a abertura de um comutador posterior depende da ação de combinações precisas de comutadores anteriores, que levam a ele e que se abrem ao mesmo tempo. Esta máquina do tipo tudo-ou-nada é chamada máquina digital. Apresenta grandes vantagens para a solução dos mais variados problemas de comunicação e controle. Particularmente, a nitidez da decisão entre “sim” e “não” permite-lhe acumular informação da maneira a facultar-nos discriminar diferenças muito pequenas em quantidades muito grandes. (WIENER, 1968: 64 – grifo do autor)

Seguindo a arquitetura de von Neumann, os computadores possuem quatro

sessões principais: a unidade lógica e aritmética, a unidade de controle, a memória e os

dispositivos de entrada e saída. O processador (ou CPU) é uma das partes principais

do hardware12 do computador e é responsável pelos cálculos, execução de tarefas e

processamento de dados. A velocidade com que o computador executa as tarefas ou

processa dados está diretamente ligada à velocidade do processador.

A unidade lógica e aritmética (ULA) é a unidade central do processador, que

executa as operações aritméticas e lógicas entre dois números. A unidade de controle é

a unidade do processador que armazena a posição de memória e que contém a

instrução corrente que o computador está executando. A unidade de controle informa à

ULA qual a operação a executar; busca a informação da memória que a ULA precisa

para executar tal ou qual operação; e transfere o resultado de volta para o local

apropriado da memória. Feito isto, a unidade de controle vai para a próxima instrução

localizada na próxima posição da memória, a menos que a instrução seja uma instrução

de desvio informando que a próxima instrução está em outra posição. (WIKIPÉDIA,

2008)

12 Hardware é a parte física do computador, ou seja, é o conjunto de componentes eletrônicos, circuitos integrados e placas, que se comunicam através de barramentos. Em contraposição ao hardware, o software é a parte lógica, ou seja, o conjunto de instruções e dados processado pelos circuitos eletrônicos do hardware. A interação dos usuários com os computadores é realizada através do software, que é a camada, colocada sobre o hardware, que transforma o computador em algo útil para o ser humano. (WIKIPÉDIA, 2008)

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A memória é um dispositivo que permite ao computador armazenar dados por

certo tempo. A memória RAM (Random Access Memory), ou memória primária, aceita

gravação, regravação e acontece a perda de dados. A memória ROM (Read-Only

Memory), ou memória secundária, é uma memória que só pode ser lida e os dados não

são perdidos com o desligamento do computador. A memória secundária é usada para

gravar grande quantidade de dados por um longo período de tempo sem perda de

dados. Exemplos de memória secundária incluem o disco rígido e mídias removíveis

como o CD-ROM, o DVD, o disquete e o pen drive. O acesso à memória secundária é

mais lento do que o acesso à memória primária. (WIKIPÉDIA, 2008)

Os dispositivos de entrada e saída são periféricos usados para a interação

usuário-computador. O que todos os dispositivos de entrada têm em comum é que eles

precisam codificar (converter) a informação de qualquer tipo em dados que podem ser

processados pelo sistema digital do computador. Os dispositivos de saída, por outro

lado, descodificam os dados em informação compreensível ao usuário do computador.

A principal característica dos computadores, o que o distingue de outras

máquinas, é que pode ser programado. Isto significa que uma lista de instruções pode

ser armazenada na memória e executada posteriormente. O computador tem apenas

um limitado número de instruções bem definidas. O conjunto particular de instruções

que um computador possui é conhecido como a linguagem de máquina do

computador. Na prática, as instruções não são escritas diretamente na linguagem de

máquina, mas em uma linguagem de programação, que é posteriormente traduzida na

linguagem de máquina através de programas especiais. As linguagens de programação

que se aproximam da linguagem de máquina são chamadas de baixo nível. As

linguagens que se distanciam bastante dos detalhes de operação da máquina,

tornando-se mais compreensíveis ao usuário, são chamadas linguagens de alto nível.

Os programas, incluindo-se os aplicativos, são simplesmente grandes listas de

instruções para o computador executar para determinados fins e aplicações. Muitos

programas de computador contêm milhões de instruções e muitas destas instruções

são executadas repetidamente, porém, em altíssimas velocidades. O computador

precisa sempre de no mínimo um programa em execução por todo o tempo para

operar, que é chamado de sistema operacional (veja-se nota de rodapé nº 9).

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2.2 Cada vez menor, mais capaz e mais veloz

O primeiro computador programável e o transistor13, que é a fonte da

microeletrônica, são o verdadeiro cerne da revolução da tecnologia da informação no

século XX. O transistor foi inventado nos Laboratórios da Bell Telephone em dezembro

de 1947 pelos físicos Bardeen, Brattain e Schockley que receberam o prêmio Nobel da

Física em 1956 pela descoberta. O transistor começou a ser difundido a partir de 1951

com a invenção do transistor de junção por Schokley. A mudança para o silício,

pioneiramente realizada pela Texas Instruments, inaugurou a revolução na areia. A

invenção do processo plano pela Fairchild Semiconductors – empresa fundada no Vale

do Silício14 - possibilitou a integração de componentes miniaturizados com precisão de

fabricação. (CASTELLS, 2007)

O transistor tornou possível a revolução dos computadores e equipamentos

eletrônicos. A importância do transistor deve-se ao fato de ser produzido em enormes

quantidades utilizando-se técnicas simples, o que resulta em preços irrisórios. É

13 O transistor é o um componente eletrônico cujas funções principais são amplificar e chavear sinais elétricos, permitindo ou interrompendo a transmissão do sinal elétrico. O termo vem transfer resistor (resistor de transferência). O transistor é considerado uma das maiores descobertas ou invenções da história moderna, pois tornou possível a revolução dos computadores e equipamentos eletrônicos. (WIKIPÉDIA, 2008) 14 “Para entender as raízes sociais da revolução da tecnologia da informação nos Estados Unidos, além dos mitos que a cercam, farei um breve relato do processo de formação de sua fonte tecnológica mais notável: o Vale do Silício. Como já mencionei, foi no Vale do Silício que o circuito integrado, o microprocessador e o microcomputador, entre outras tecnologias importantes, foram desenvolvidos, e é lá que o coração das inovações eletrônicas bate há quarenta anos [...] Além disso, toda a área da Baía de São Francisco [...] também participou do início da engenharia genética e é, na virada do século, um dos principais centros mundiais de software avançado, projetos e desenvolvimento na Internet, engenharia genética e projetos de processamento de dados em multimídia. [O desenvolvimento] do Vale do Silício (condado de Santa Clara, 48 km ao sul de São Francisco, entre Stanford e San Jose) pode ser atribuído à instalação do Parque Industrial Stanford pelo visionário diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Stanford, Frederick Terman, em 1951. Ele, pessoalmente, patrocinara dois de seus pós-graduandos, William Hewlett e David Packard, para a criação de uma empresa de eletrônicos em 1938. A Segunda Guerra trouxe prosperidade à Hewlett-Packard e a outras empresas iniciantes no ramo da eletrônica. Portanto, elas foram os primeiros inquilinos de uma nova e privilegiada localidade onde somente as empresas que a Stanford julgasse inovadoras poderiam desfrutar o benefício de um aluguel irreal. Como o Parque logo ficou lotado, novas empresas de eletrônica começaram a se estabelecer ao longo da rodovia 101, na direção de San Jose. O acontecimento decisivo foi a mudança para Palo Alto, em 1955, de William Schockley, o inventor do transistor [...] assim que os conhecimentos se instalaram no Vale do Silício, o dinamismo de sua estrutura industrial e a contínua criação de novas empresas, transformaram esse lugar no centro mundial da microeletrônica, no início da década de 70.” (CASTELLS, 2007, 99-101)

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conveniente salientar que é praticamente impossível encontrar circuitos integrados que

não possuam internamente centenas, milhares ou mesmo milhões de transistores. Por

exemplo, o microprocessador Pentium 4 da Intel tem 42 milhões de transistores,

usando uma arquitetura de fabricação de 130 nanômetros, ou seja, cada transistor

distancia-se dos outros por 130 milionésimos de um milímetro. Veja-se o quadro 2, na

página 41.

O baixo custo de produção do transistor tem sido crucial para o crescente e

vertiginoso processo de digitalização de todas as formas de informação. Os

computadores transistorizados, que incorporam uma grande capacidade de ordenar e

encontrar rapidamente a informação codificada em dígitos binários15 (0 ou 1), mais e

mais se somaram esforços no sentido de transformar toda a informação em códigos

digitais. Hoje, praticamente todas as formas de processamento da informação,

inclusive as telecomunicações, são fornecidas em formato digital, e estão, cada vez

mais, integradas na mesma rede operada por computadores.

Da combinação de vários transistores, tem-se um circuito integrado (ou chip) que

foi inventado em 1957 por Jack Kilby da Texas Instruments. O chip é um dispositivo

microeletrônico que consiste de muitos transistores e outros componentes interligados

capazes de desempenhar múltiplas funções. Quanto maior o número de transistores de

um microchip, maior é o número de operações que ele será capaz de executar. Suas

dimensões são extremamente reduzidas, os componentes são formados em pastilhas de

material semicondutor16. A importância da integração está no baixo custo e alto

desempenho, além do tamanho reduzido dos circuitos. A resistência mecânica dos

15 Bit é a menor unidade de medida de transmissão de dados usada em computação. É a contração de dígito binário (binary digit). Um bit tem um único valor – 0 ou 1, verdadeiro ou falso, ou quaisquer dois valores mutuamente exclusivos. Os bits podem ser representados fisicamente por vários meios: pela eletricidade, pela luz, por via de ondas eletromagnéticas, ou também, por via de polarização magnética. O bit (0 ou 1) é um dado e não pode ser confundido como a menor unidade de medida de informação armazenável: o byte (conjunto de 8 bits, suficiente para 256 combinações diferentes). Um conjunto de 1024 bytes forma um kilobyte. Um conjunto de 1024 kbytes forma um megabyte e um conjunto de 1024 megabytes forma um gigabyte. Usa-se também os termos kbit, megabit e gigabit para representar conjuntos de 1024 bits e caracterizar o volume de tráfego nas redes de computadores e telecomunicações. (WIKIPEDIA, 2008) 16 Diz-se de ou substância com resistividade entre a de um condutor e a de um isolante, e que pode variar segundo as condições físicas a que está submetida. A condução ocorre pelo movimento dos portadores de carga, elétrons, buracos ou íons. São exemplos de semicondutores o silício e o germânio. (HOUAISS, 2001)

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circuitos integrados permitiu montagens cada vez mais resistentes aos choques e

impactos mecânicos, possibilitando, desta forma, a concepção de portabilidade dos

dispositivos eletrônicos. (CASTELLS, 2007)

Em 1971, Ted Hoff, da Intel, empresa fundada e localizada no Vale do Silício

americano, inventou o microprocessador, que é o computador em um único chip. A

evolução tecnológica envolvida é surpreendentemente grande. De microprocessadores

que podiam processar alguns milhares de instruções por segundo, atingiu-se o poder

de processamento de centenas de milhões de instruções por segundo17. A

complexidade também cresceu: de alguns milhares de transistores para centenas de

milhões de transistores numa mesma pastilha. A eletrônica, na atualidade, entra na era

da nanotecnologia18, passando da microeletrônica para a nanoeletrônica. (CASTELLS,

2007)

Gordon Moore, fundador da Intel, num artigo publicado em 1965, constatou que

a cada 2 anos a capacidade de processamento dos computadores dobraria, enquanto os

custos permaneceriam constantes. Esse princípio ficou conhecido como Lei de Moore e

pode ser aplicado também a outros aspectos da tecnologia digital como chips de

memória, discos rígidos e até a velocidade das conexões da Internet. Embora,

17 “A capacidade dos chips pode ser avaliada por uma combinação de três características: sua capacidade de integração, indicada pela menor largura das linhas de condução no interior do chip medida em mícrons (1 mícron = a milionésima parte de uma polegada); sua capacidade de memória, medida em bytes: milhares (kbytes) e milhões (megabytes); e a velocidade do microprocessador medida em megahertz. Assim, o primeiro processador de 1971 foi produzido com linhas de aproximadamente 6,5 mícrons; em 1980 alcançou 4 mícrons; em 1987, 1 mícron; em 1995, o Pentium da Intel tinha um tamanho na faixa de 0,35 mícron; e as projeções já estavam em 0,25 mícron em 1999. [...] Em 1971, a capacidade de memória, indicada como memória DRAM (memória dinâmica de acesso aleatório), era de 1.024 bytes; em 1980, 64.000; em 1987, 1.024.000; em 1993, 16.384.000; e, segundo as projeções, de 256.000.000 bytes em 1999. No tocante à velocidade, em meados da década de 1990 os microprocessadores de 64 bits eram 550 vezes mais rápidos que o primeiro chip da Intel em 1972; e o número de MPUs dobra a cada 18 meses. As projeções para 2002 prevêem uma aceleração da tecnologia de microeletrônica na integração (chips de 0,18 mícron), na capacidade da memória DRAM (1.024 megabytes) e na velocidade dos microprocessadores (até mais de 500 megahertz, comparados aos de 150 de 1993)”. (CASTELLS, 2007: 77-78)

18 A expressão “nanotecnologia” foi utilizada pela primeira vez em 1974 para descrever as tecnologias que permitiam a construção de materiais a uma escala de 1 nanômetro. Isso significa, numa breve comparação, que um grão de areia de 1 mm está para uma praia com 1000 km de extensão, assim como 1 nanômetro está para 1 metro. (WIKIPEDIA, 2008)

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atualmente o próprio Moore reconheça que o nível de miniaturização esteja chegando

ao limite, é surpreendente a atualização desse princípio19.

Quadro 2: Lei de Moore

Tipo de processador Ano de introdução Número de transistores

4004 1971 2.250

8008 1972 2.500

8080 1974 5.000

8086 1978 29.000

286 1982 120.000

386™ processor 1985 275.000

486™ DX processor 1989 1.180.000

Pentium® processor 1993 3.100.000

Pentium II processor 1997 7.500.000

Pentium III processor 1999 24.000.000

Pentium 4 processor 2000 42.000.000

Fonte: MCT, Observatório Nacional

O Quadro 2 mostra a evolução dos microprocessadores, o computador em único

chip, produzidos pela Intel, confirmando as previsões de Gordon Moore.

2.3 Computação personalizada

Um computador pessoal (ou sua abreviação em inglês PC, de Personal Computer),

é um computador de pequeno porte e baixo custo, que se destina ao uso pessoal ou

para uso de um pequeno grupo de indivíduos. O termo PC tem sido utilizado apenas

para microcomputadores pessoais derivados do modelo da IBM, o IBM-PC.

Até o final dos anos 70, reinavam absolutos os mainframes, computadores

enormes, que ficavam trancados em salas refrigeradas e eram operados por poucas

pessoas que detinham o conhecimento técnico para tal. Somente algumas grandes

19 Apesar do ciclo evolutivo dos transistores estar próximo do fim, eles ainda devem continuar evoluindo por pelo menos mais uma década, até os limites das técnicas de 0.02 mícron, onde cada gate terá o equivalente a apenas um átomo de ouro de largura. Atualmente estamos migrando dos 0.18 para os 0.13 mícrons, ainda restam pelo menos mais 5 gerações pela frente, as barreiras de 0.10, 0.07, 0.05, 0.03 e 0.02 mícron. Esgotadas as possibilidades dos transístores, restam os chips óticos, os nanotubos, os processadores quânticos e o que mais poderá surgir pela frente. A evolução dos computadores não deverá parar tão cedo. (GONÇALVES, 2005)

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empresas podiam investir alguns milhões de dólares para tornar mais eficientes alguns

processos internos e o fluxo de informações.

Em 1976, Steve Jobs e Steve Wozniak iniciaram uma empresa que mudaria o

rumo da informática: a Apple, localizada no Vale do Silício americano. Wozniak criou

o primeiro microcomputador: o Apple I. Em 1977, foi lançado o primeiro

microcomputador tal como o conhecemos hoje, o Apple II. O equipamento já vinha

montado com teclado integrado e era capaz de gerar gráficos coloridos. Em dezembro

de 1979, a Apple Computer já era a empresa de maior sucesso no ramo da

microinformática. Em apenas seis anos de atividades, alcançou a marca de US$ 583

milhões em vendas. (CASTELLS, 2007)

Entretanto, os micros ainda eram difíceis de usar. Para operar um

microcomputador, era necessário conhecer a linguagem do sistema operacional e ainda

a sintaxe correta. Qualquer troca de letra, impedia a operação. Todas as interações do

usuário com a máquina eram feitas através da digitação dos comandos. Assim, antes

de aproveitar os benefícios da informática, era indispensável aprender todos os

comandos de controle do computador. Em janeiro de 1984 surgiu o Macintosh, o

primeiro microcomputador de sucesso com uma interface gráfica amigável, onde na

tela aparecem imagens (ícones) que permitem o acesso a funções de programas

instalados e do sistema operacional, por meio do teclado ou de simples cliques no

mouse. (WIKIPÉDIA, 2008)

Em 1981, a IBM entrou no mercado da microinformática e lançou o IBM-PC com

sistema operacional desenvolvido pela Microsoft de Bill Gates: o MS-DOS. A IBM

definiu que a BIOS20, componente básico para funcionamento do computador, seria de

sua fabricação exclusiva. Todos os demais componentes do computador eram

fornecidos por outras empresas. A IBM tinha na BIOS a sua maior fonte de renda e o

único componente que vinculava qualquer PC à IBM. Algumas empresas, dentre elas a

Compaq, clonaram a BIOS da IBM e construíram computadores similares ao IBM-PC.

Em 1982, a Compaq anuncia o primeiro PC que não usava a BIOS da IBM e mantinha

total compatibilidade com o IBM-PC. Com a criação dos “IBM-PC Compatíveis”, o

20 É a sigla para Basic Input/Output System (Sistema Básico de Entrada/Saída). Primeiro programa executado pelo computador ao ser ligado. Sua função primária é preparar a máquina para que o sistema operacional possa ser executado. (WIKIPÉDIA, 2008)

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mercado mundial de produção de microcomputadores cresceu vertiginosamente.

(WIKIPÉDIA, 2008)

A IBM, após perder um enorme mercado com a clonagem da BIOS, via o sistema

operacional MS-DOS ficar obsoleto com a introdução da interface gráfica do

Macintosh. Era necessário reagir rápido. Então, a Microsoft lança em novembro de

1985 o sistema operacional Windows 1.0, uma interface gráfica para o MS-DOS. A

Microsoft usufruiu muito da expansão mundial do mercado de PCs pois, como o

sistema operacional Mac OS21 só era executado em computadores da Apple, o

Windows era a única opção para os IBM-PC Compatíveis. A Microsoft desenvolveu e

ainda desenvolve sucessivas versões do Windows, tornando-se a maior empresa de

informática do mundo. Hoje, os sistemas operacionais para microcomputadores

predominantes são Microsoft Windows, Mac OS e Linux22. A IBM abandonou

progressivamente o ramo da microinformática, dedicando-se ao mercado de

servidores. (WIKIPÉDIA, 2008)

As enormes evoluções técnicas em relação aos primeiros PCs e o estão

proporcionando, na aurora do século XXI, uma progressiva convergência entre PCs

desktop (em cima da mesa), laptop (em cima do colo), palmtop (na palma da mão),

telefones celulares e outros dispositivos digitais móveis, de modo que portabilidade e

mobilidade passam a ser indicadores de inovação em computação. Também, a

aplicação de métodos nanotecnológicos à criação de chips, promete viabilizar ambientes

de processamento nos quais bilhões de microscópicos nanocomputadores se

espalharão por toda a parte, incluindo-se os corpos. A computação está se tornando,

assim, cada vez mais personalizada e acoplada aos corpos.

2.4 Espaço sem dimensões

O espaço, conforme Castells (2007), é o suporte material de práticas sociais de

tempo compartilhado. O espaço, dessa forma, reúne práticas que são simultâneas no

21 Sistema operacional da Apple Computers. 22 Linux é um sistema operacional derivado do Unix que foi desenvolvido por Linus Torvalds inspirado no sistema Minix, que por sua vez é uma versão simplificada do Unix. O Linux é um dos maiores exemplos de software livre com código aberto. Qualquer pessoa pode utilizá-lo, estudá-lo, modificá-lo e distribuí-lo livremente. Software é um conjunto instruções específicas que serão executadas pela máquina. (WIKIPÉDIA, 2008)

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tempo. O espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo

compartilhado que funcionam por meio de fluxos informacionais. O espaço de fluxos é

a forma material de suporte dos processos e funções dominantes na sociedade da

informação e controle. Esse espaço, segundo o autor, é composto por três camadas:

1) A primeira camada, o primeiro suporte material do espaço de fluxos, é

constituída por um circuito de impulsos eletrônicos. É o suporte material

de práticas simultâneas, onde nenhum lugar existe por si mesmo, pois as

posições são definidas pelos intercâmbios de fluxos informacionais da

rede.

2) A segunda camada é constituída por seus nós e centros de comunicação.

O espaço de fluxos não é desprovido de lugar, mesmo que sua estrutura

lógica o seja. Esses lugares são a conexão do local com a rede eletrônica,

onde são conectados lugares específicos com características sociais,

culturais, físicas e funcionais bem definidas.

3) A terceira camada refere-se à organização espacial das elites gerenciais

dominantes. O espaço de fluxos é a lógica espacial dominante

atualmente, porque é a lógica espacial dos interesses dominantes. Essa

camada ocupa posição privilegiada, pois permite coordenar os fluxos

informacionais que circulam nas redes.

O espaço de fluxos é um espaço eletrônico de fluxos informacionais. Tem

ascendência direta sobre o tempo e atua de maneira desordenadora na seqüência dos

eventos. O tempo real permite que pessoas experimentem os acontecimentos sociais e

as expressões culturais numa simultaneidade sem precedentes. Essa temporalidade

simultânea conflitará com temporalidades específicas que constituem o espaço de

lugares.

Na primeira fase da microinformática, nos anos 70, surgiram os computadores de

uso pessoal, os PCs. Na segunda fase, anos 80-90, com a ascenção da Internet, surge a

concepção de que os computadores sem conexão são instrumentos sub-aproveitados e

que, na realidade, o verdadeiro computador é a grande rede, o computador coletivo.

Atualmente, as tecnologias móveis, incorporando progressivamente maiores

possibilidades de conexão sem fio, estão inaugurando uma terceira fase da

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microinformática: a do computador coletivo móvel, proporciona uma larga expansão

do espaço eletrônico de fluxos informacionais. (LEMOS, 2004)

O desenvolvimento da Internet23 configurou a segunda fase da microinformática.

A Internet é um conglomerado de redes em escala mundial que interliga milhões de

computadores em todo o mundo. No ano de 1962, o governo norte-americano iniciou o

desenvolvimento de uma rede de comunicações para fins militares. O Departamento

de Defesa dos EUA desenvolveu a Arpanet (Advanced Rearch and Projects Agency)

para interligar pontos estratégicos a uma rede de informações descentralizada que não

pudesse ser destruída por bombardeios.

A Arpanet, voltando-se para a área de pesquisas científicas das universidades,

obteve relativo sucesso. Em 1974, o número de instituições participantes sobre para

quarenta. Com o aumento crescente de participantes, o sistema foi dividido em dois

grupos: a Milnet, que possuia as localidades militares e a nova Arpanet, que possuía as

localidades não militares. A partir daí, o desenvolvimento da rede começou a

acontecer.

Em 1983, a Arpanet mudou seu protocolo para TCP/IP (Transmission Control

Protocol/Internet Protocol), a linguagem comum usada por todos os computadores

conectados à rede até hoje. Contudo, a Internet como hoje conhecemos, com sua

interatividade, um sistema de hipertextos que funciona a partir de links clicáveis que

levam a outros sites ou sítios, formando uma estrutura de redes interligadas de

computadores e seus conteúdos multimídia, só se tornou possível pela contribuição do

cientista Tim Berners-Lee do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire -

Centro Europeu de Pesquisas Nucleares), que criou a World Wide Web em 1991, dois

anos depois de começar a criar o HTML, o HTTP e as primeiras páginas web no CERN.

O ponto crucial do crescimento da Internet foi em 1993 quando foi lançado o

navegador Mosaic que permitia o acesso à rede num ambiente totalmente gráfico. Em

23 “A lógica do funcionamento das redes, cujo símbolo é a Internet, tornou-se aplicável a todos os tipos de atividades, a todos os contextos e a todos os locais que pudessem ser conectados eletronicamente. [...] Além disso, o extraordinário aumento da capacidade de transmissão com a tecnologia de comunicação em banda larga proporcionou a oportunidade de se usar a Internet, ou tecnologias da comunicação semelhantes à Internet, para transmitir voz, além de dados, por meio de troca de pacotes, o que revolucionou as telecomunicações e sua respectiva indústria.” (CASTELLS, 2007: 89-90)

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1996, a Internet já era de uso comum, e o número de pessoas e de computadores

conectados à rede começou a crescer de forma exponencial. (WIKIPÉDIA, 2008)

A World Wide Web (WWW ou simplesmente Web) significa “rede de alcance

mundial”. É um sistema de documentos em hipermídia que são interligados e

executados na Internet. Os documentos podem estar na forma de vídeos, sons,

hipertextos e figuras. Para visualizar a informação, pode-se usar um programa de

computador chamado navegador para descarregar informações (páginas) de

servidores Web (sítios) na tela do usuário. O usuário poderá, então, seguir as

hiperligações na página para outros documentos ou mesmo enviar informações de

volta para o servidor. Navegar é o ato de seguir as hiperligações.

Independentemente da arquitetura de computador utilizada por dois

computadores conectados entre si na Internet, desde que eles compreendam o

protocolo de Internet, eles podem se comunicar. Isso permite que diferentes tipos de

máquinas e sistemas possam conectar-se à grande rede. A Internet forma um grande

rizoma de conexões e de nós, ou gemas, terminais que, de alguma forma, se

comunicam. Com a popularização da Internet, o computador pessoal foi transformado

em computador coletivo. Um computador conectado na rede pode recorrer às

capacidades de outros computadores da rede. As funções da informática são

pulverizadas. O computador não é mais um centro, mas um fragmento na trama,

passou a ser uma máquina de conexão. No fundo, hoje só há um único computador - o

computador coletivo, em que tornou-se impossível de traçar seus limites, fixar seus

contornos. Um computador cujo centro está em toda parte e em nenhuma ao mesmo

tempo. (LÉVY, 1996)

A Internet forma a infraestrutura técnica e material do ciberespaço (cyberspace) -

termo que foi cunhado por Gibson (1984), na obra Neuromancer. O ciberespaço (espaço

não físico ou territorial) é um espaço eletrônico de fluxos informacionais - um universo

de pura informação digital formado pelas redes digitais rizomáticas em que se pode

navegar de forma instantânea e reversível. O ciberespaço é um espaço simbiótico - um

espaço sem dimensões.

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2.5 Tempo de conexões

Os protocolos da Internet foram desenvolvidos para serem independentes do

meio físico de transmissão. Qualquer rede de comunicação, seja através de cabos ou

sem fio, que seja capaz de transportar dados digitais de duas vias, é capaz de

transportar tráfego da Internet. Por isso, os pacotes Internet podem ser transmitidos

por uma variedade de meios de conexão, tais como: cabo coaxial, fibra ótica, redes sem

fio ou por satélite. Todas essas redes de comunicação formam a Internet, a rede das

redes digitais rizomáticas.

Conforme referido anteriormente o termo “computador pessoal” está sendo

discutido em função da convergência entre PCs desktop, laptop, palmtop, telefones

celulares e outros dispositivos digitais móveis (mp3, por exemplo), concorrendo para

uma computação cada vez mais personalizada e acoplada aos corpos. A Apple

recentemente lançou o iPhone. Esse aparelho é um telefone celular com inúmeras

outras capacidades, como acessar a Internet (qualquer site), escutar música, ter acesso a

notícias, clima, mapas mundiais, calendário, agenda, etc.

No começo deste século, desenvolve-se prodigiosamente a terceira fase da

microinformática, que iniciou com a larga difusão da Internet nas duas últimas

décadas e está sendo radicalizada com o desenvolvimento da computação sem fio, a

partir da popularização dos telefones celulares e das redes de acesso à Internet sem fio.

Dessa forma, não é mais o usuário que se desloca até a rede. É a rede que passa a

envolver os usuários e os objetos num ambiente de conexão generalizada. Esse

movimento implica transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço urbano

e na forma de produzir e consumir informação (LEMOS, 2004). Radicalizando ainda

mais, poderíamos pensar nos bilhões de processadores incluídos nos mais diversos

aparelhos presentes em nosso quotidiano, desde barbeadores até automóveis. Seria

exagero pensar que esses processadores possam, algum dia, ser interligados em rede

como o computador?

Bill Gates, num artigo publicado na revista Veja Tecnologia, agosto de 2007, sobre

as tendências para os próximos dez anos, afirma que estaremos cada vez mais

conectados, pois os recursos de software, associados a PCs e à flexibilização dos serviços

oferecidos pela Internet, poderão nos apresentar todas as informações de que

precisamos, em qualquer lugar.

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Estaremos mais conectados, pois a computação será efetivamente móvel. Os dispositivos serão menores, mais baratos e versáteis. Seremos capazes de usá-los com grande facilidade, independentemente de estarmos na mesa de trabalho ou em trânsito [...] Em um futuro não tão distante, qualquer dispositivo poder estar conectado à internet, oferecendo às pessoas tudo aquilo que diz respeito a seus interesses: arquivos, agenda de compromissos, informações e preferências. As notícias se moverão automaticamente com os indivíduos, durante seus deslocamentos de um lugar para outro, circulando também de um aparelho para outro. (GATES, 2007: 70)

Gates (2007) observa que não será mais necessário preocupar-se com redes ou

com as diferenças entre vários aparelhos como: celulares, computadores ou tocadores

de música digital. Poder-se-á conectar dispositivos portáteis a qualquer monitor que

estiver por perto, seja a TV ou qualquer outro, em qualquer lugar. É uma nova

tendência, denominada computação onipresente ou ubíqua. Ressalta também que o

maior impacto, por conta dessa convergência de tecnologias digitais, resultará na

disseminação das tecnologias entre bilhões de pessoas sem acesso aos instrumentos da

sociedade da informação. Hoje, aproximadamente 1 bilhão de pessoas usam PCs para

uma população de 6 bilhões de pessoas, e a Microsoft estabeleceu como meta para os

próximos cinco anos estender os benefícios da computação para mais 1 bilhão de

pessoas. Gates acredita que isso é viável com os rápidos avanços das tecnologias. “À

medida que a computação se tornar mais conectada e centrada no usuário, mais

onipresente e móvel, mais natural e intuitiva, o poder transformador da tecnologia

digital se expandirá de várias maneiras” (GATES, 2007: 72).

Algumas tecnologias foram desenvolvidas no sentido de transformar as redes

digitais em um ambiente generalizado de conexão, envolvendo o usuário em plena

mobilidade. O nome wireless significa “sem fio” (wire = fio, less = fio), e é comumente

utilizado para designar as tecnologias que permitem comunicação sem conexão física

direta entre os equipamentos. Essas tecnologias utilizam ondas de rádio ou outras

formas de ondas eletromagnéticas, sem necessidade de utilizar cabos de conexão entre

os equipamentos para transmissão de dados.

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1) Wi-Fi é a abreviatura de Wireless Fidelity. É a tecnologia para conexões sem fio

entre equipamentos no raio de ação ou área de abrangência de um ponto de

acesso (hotspot). Hotspot é o nome dado para os locais onde há cobertura do

serviço de Internet sem-fio. O ponto de acesso transmite o sinal sem fios

numa distância de aproximadamente 100 metros.

2) Wi-MAX ou WiMAX24, é o acrônimo para Worldwide Interoperability for

Microwave Access (Interoperabilidade Mundial para Acesso por Microondas).

É uma tecnologia de banda larga sem-fio com alcance previsto de até 50 km e

capacidade de transmissão de 70 Mbps. A tecnologia WiMAX tem como

objetivo estabelecer a parte final da infra-estrutura de conexão de banda

larga, oferecendo conectividade sem-fio para uso doméstico, empresarial e em

pontos de acesso (hotspot).

3) Bluetooth é uma tecnologia que permite comunicação sem-fio e de baixo

consumo de energia, utilizando ondas de rádio no lugar de cabos, que

permite a transmissão de dados entre dispositivos compatíveis com a

tecnologia (computadores, smartphones, telefones celulares, mouses, teclados,

fones de ouvido, impressoras e outros dispositivos). A transmissão de dados é

feita através de radiofreqüência, permitindo que um dispositivo detecte o

outro independente de suas posições, desde que estejam dentro do limite de

proximidade.

O tempo real é o tempo do espaço de fluxos informacionais das redes digitais

rizomáticas. O tempo real não é um tempo linear e progressivo, passado-presente-

futuro, mas um tempo de conexões. A hora da conexão é qualquer hora; o lugar da

conexão é qualquer lugar, público ou privado. As tecnologias digitais móveis trazem a

24 A Universidade Federal de Ouro Preto e a Prefeitura Municipal da cidade se unem ao Ministério da

Educação, à Intel, líder do projeto internacional WiMAX e a outras empresas e instituições para

desenvolver e operacionalizar o projeto “Ouro Preto - Cidade Digital”. Por meio desse projeto-piloto,

serão conectados computadores sem a necessidade de cabos, através da tecnologia WiMAX que oferece

conexão em rádio-freqüência para cobrir grandes distâncias em banda larga. Foram instaladas, em locais

diversos, doze antenas para operação, além de duas bases, para dar suporte à cobertura. O sistema, com a

tecnologia fornecida pela Intel, atinge toda a sede do município e funciona de maneira semelhante à

telefonia celular. As antenas buscam automaticamente um ponto de contato (uma das bases), criando um

ambiente no qual os computadores vão se relacionar. A partir daí, os computadores conectados às antenas

estarão dentro de uma nuvem de conectividade local, e essa nuvem vai se conectar à Internet. Essa

tecnologia, diferente da Wi-Fi, permite uma cobertura maior, com banda de conexão mais larga. (UFOP,

2005)

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promessa de “libertação” das limitações geográficas e amplificam o espaço eletrônico

de fluxos informacionais pela criação de um ambiente de conexões generalizadas. É a

era da conexão e da mobilidade digital, rizomática, horizontal, em todos os sentidos.

As tecnologias digitais, e as novas formas de conexão sem fio, criam usos flexíveis do espaço urbano: acesso nômade à internet, conectividade permanente com os telefones celulares, objetos sencientes que passam informações aos diversos dispositivos [...] A cidade contemporânea torna-se, cada vez mais, uma cidade da mobilidade onde as tecnologias móveis passam a fazer parte de suas paisagens. (LEMOS, 2004: 1)

O tempo real é o tempo da conexão; é um tempo de urgência, do aqui e agora, em

que nunca se termina nada, conforme Deleuze (1992b). A disciplina opera in loco, o

controle on line. A temporalidade das conexões instantâneas, favorecida por uma

computação cada vez mais onipresente, personalizada e acoplada aos corpos, introduz

pressões nos espaços de lugares - atrelados a temporalidades localizadas,

corroborando, dessa forma, para a compressão do espaço-tempo tradicional em

benefício da expansão do espaço eletrônico de fluxos informacionais.

2.6 Organizações flexíveis multidirecionais

A fábrica, um lugar de produção em massa, adstrito a um território, dá lugar na

economia da informação e controle à empresa, uma alma, um gás, conforme Deleuze

(1992b), pois os lugares de produção tendem à desterritorialização. As redes eletrônicas

de informação liberam a produção das limitações territoriais. Hardt & Negri (2005)

ressaltam que a produção, agora, tende a ser organizada em redes horizontais de

empresas, em oposição ao tradicional modelo vertical industrial e social.

O processo de informatização das práticas administrativas das organizações

acarreta uma rejeição das hierarquias piramidais e uma repulsa à rotina disciplinar-

burocrática. As organizações, nas redes digitais rizomáticas, são mais flexíveis,

conectáveis e horizontalizadas, características da nova economia informacional. O

sistema de produção industrial, organizado a partir de grandes confinamentos, ficou

muito rígido, pesado e dispendioso.

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A seguir, procuro fazer uma breve descrição acerca do conceito da burocracia,

modelo administrativo característico dos regimes disciplinares, com base nas

descrições de Chiavenato (1983). Na seqüência, com base nas reflexões de Sennett

(2006), procuro apresentar algumas decorrências para as práticas administrativas das

organizações, quando essas são investidas por processos de flexibilização e controle.

A burocracia25 é uma organização ligada por normas e regulamentos previamente

estabelecidos por escrito que conferem às pessoas investidas da autoridade um poder

de coação sobre os subordinados e também os meios coercitivos capazes de impor a

disciplina. As normas e os regulamentos devem ser necessariamente colocados por

escrito, para assegurar uma interpretação unívoca e contínua. As regras, decisões e

ações administrativas, dessa forma, são sempre formuladas e registradas por escrito. A

burocracia, assim, lança mão de rotinas e de formulários para facilitar a comunicação e

padronizar os procedimentos.

Numa burocracia, há uma sistemática divisão do trabalho. Cada funcionário tem

um cargo específico, funções específicas, esfera específica de competência e de

responsabilidade. O funcionário deve saber exatamente qual a sua tarefa, qual a sua

capacidade de comando sobre outros, e, sobretudo, os limites de sua tarefa. Cada cargo

abrange uma competência e uma responsabilidade rigidamente pré-estabelecida. A

autoridade de comando é, portanto, inerente ao cargo que incorpora funções

previamente ajustadas e não ao funcionário que as desempenha. Assim, a burocracia

distribui a autoridade dentro da organização, estabelecendo uma inflexível vigilância

hierárquica.

A burocracia procura sempre prever, antecipadamente, todas as ocorrências e

rotinizar sua execução. Como tudo dentro da burocracia é rotinizado, padronizado,

previsto com antecipação, o funcionário corre o risco de tornar-se um mero executor de

rotinas e procedimentos. Também, a necessidade de registrar por escrito e formalizar

todas as comunicações, pode conduzir a um excesso de formalismo e,

conseqüentemente, de acumulação de papelada.

25 É uma forma de organização humana e que se baseia na racionalidade, isto é, na adequação dos meios aos objetivos (fins) pretendidos, a fim de garantir a máxima eficiência possível no alcance desses objetivos. Max Weber (1864-1920) foi o criador da Sociologia da Burocracia. (CHIAVENATO, 1983)

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Sennett (2006) enfatiza que a sociedade contemporânea busca meios de destruir

os males da rotina burocrática e hierárquica da era do fordismo26 por meio da criação

de instituições mais flexíveis, baseadas no modelo de produção do toyotismo27. Porém,

Castells (2007) ressalta que o toyotismo é uma forma de flexibilidade organizacional,

mas ainda não tem a característica das redes multidirecionais.

O “toyotismo” é um modelo de transição entre a produção em massa padronizada e uma organização de trabalho mais eficiente, caracterizada pela introdução de práticas artesanais, bem como pelo envolvimento de trabalhadores e fornecedores em um modelo industrial baseado em linhas de montagem [...] As redes são e serão os componentes fundamentais das organizações. E são capazes de formar-se e expandir-se por todas as avenidas e becos da economia global porque contam com o poder da informação propiciado pelo novo paradigma tecnológico. (CASTELLS, 2007: 224-25 – grifo do autor)

Castells (2007) propõe como modelo organizacional na economia informacional

das redes digitais rizomáticas a empresa Cisco Systems28, localizada no Vale do Silício

americano. Castells observa que a Cisco Systmes organizou na Internet, e ao redor dela,

todas as relações com os clientes, os fornecedores, os parceiros e os funcionários.

Montou uma rede de fornecedores on-line, reduzindo ao máximo sua própria

manufatura. O núcleo de funcionamento da empresa está em seu sítio na Internet, que

é atualizado diariamente. É uma indústria que quase não fabrica nada. Foi criada em

1985 com um investimento inicial de dois milhões de dólares. Abriu o capital em 1990,

e o valor de suas ações subiu 2.356% entre 1995 e 1999, chegando a um valor de

26 A produção industrial fordista operava com base em três princípios: a concentração de todos os elementos da produção num lugar (confinamento); a lógica da hierarquia (vigilância hierárquica) e a lógica do tempo métrico, onde o tempo era minuciosamente calculado para que os estratos mais altos da hierarquia soubessem com precisão o que todos deviam estar fazendo num dado momento (controle da atividade). (SENNETT, 2006) 27 Modelo organizacional que se baseia numa inversão da estrutura fordista de comunicação entre a produção e o consumo. Idealmente, neste modelo, o planejamento da produção se comunica com os com os mercados constante e imediatamente. As fábricas mantêm estoque zero, e as mercadorias são produzidas na medida exata, de acordo com a demanda atual dos mercados existentes. (HARDT & NEGRI, 2005) 28 Empresa universalmente conhecida no setor da Internet com sede em San Jose, no Vale do Silício, que fornece comutadores e roteadores que conduzem dados pelas redes de informação. (CASTELLS, 2007: 225)

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capitalização de mercado de 220 bilhões de dólares. A Dell Computers é outro exemplo

significativo.

O importante a destacar, conforme Castells (2007), é que esse modelo

organizacional tornou-se possível por causa dos poderosos microprocessadores

instalados em microcomputadores ligados a redes de telecomunicações

interconectadas. A integração em redes digitais rizomáticas tornou-se a chave da

flexibilidade organizacional e do desempenho empresarial na economia informacional.

As redes digitais rizomáticas são mais abertas, mais permeáveis do que as

instituições disciplinares burocráticas, hierárquicas e verticais. Sennett (2006) ressalta

que a “junção dos nódulos da rede é mais frouxa, pode se tirar uma parte, pelo menos

em teoria, sem destruir outras” (2006: 55), definindo, dessa forma, a característica

rizomática para as organizações flexíveis, própria das redes digitais. Assim, as grandes

instituições, ou os grandes confinamentos disciplinares, são fragmentados; suas

fronteiras são volatizadas, abrindo-se para múltiplas intervenções.

À medida que as burocracias verticais-hierárquicas são substituídas por redes

mais frouxas, de pouca profundidade, abrem-se caminhos horizontais mais largos,

instalando um processo de desagregação vertical, em favor de uma mobilidade em

todos os sentidos na horizontalidade. A produção flexível, assim, expande-se na

direção de uma organização em redes horizontais, flexíveis e rizomáticas de empresas

com as seguintes características: flexibilização e a-rotinização - rejeição da rotina

burocrática hierárquica-piramidal; especialização flexível - adequação à volatilidade e

efemeridade da demanda dos consumidores (personalização); concentração de poder

sem centralização de poder. (SENNETT, 2006)

Os grandes confinamentos disciplinares, hierárquicos e burocráticos, estabelecem

um sistema de comando claro e preciso. Cada comando ordena uma ação específica e

deve provocar reações definidas e imediatas que devem ser executadas de forma

rotinizada num dado espaço de confinamento. As organizações flexíveis, valendo-se de

eficientes tecnologias de informação e comunicação nas redes digitais rizomáticas,

dispensam a rotina e organizam os elementos da produção em uma multiplicidade de

pequenas ilhas dispersas.

Numa burocracia hierárquica e disciplinar, a tomada de decisões perde rapidez, à

medida que os papéis sobem ao topo. O princípio organizacional flexível é a disposição

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de deixar que as mutantes demandas do mercado conduzam o processo produtivo e

determinem a estrutura interna da organização. A organização será tanto mais flexível,

quanto maior for a velocidade e maior a eficiência na resposta à demanda dos

consumidores.

O senhor-consumidor, contrariamente ao esperado, em vez de ver-se

engrandecido pelo seu poder de compra, encontra-se frágil e vulnerável diante do

poder do mercado mundial. Surge a necessidade de proteção dos interesses das

pessoas, enquanto consumidores. No Brasil, esse movimento é representado pelo

Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990.

As redes digitais rizomáticas permitem um monitoramento mais amplo sobre a

produção a partir de um ponto central e remoto. Dessa forma, a organização flexível dá

às pessoas nas categorias inferiores mais controle sobre sua atividade.

O controle será estabelecido instituindo-se metas de produção ou lucro para uma ampla variedade de grupos na organização, que cada unidade tem liberdade de cumprir da maneira que julgar adequada. Essa liberdade, no entanto, é especiosa. É raro as organizações flexíveis estabeleceram metas de fácil cumprimento; em geral as unidades são pressionadas a produzir ou ganhar muito mais do que está em suas capacidades imediatas. (SENNETT, 2006: 65)

Hardt & Negri (2005), também salientam que a descentralização e dispersão dos

processos e lugares de produção por meio da integração em redes digitais rizomáticas,

provocam uma centralização correspondente do controle sobre a produção. Embora

haja uma descentralização do poder, há, em contrapartida, uma concentração, uma

intensificação do poder, e um conseqüente robustecimento do controle. O movimento

centrífugo da produção é equilibrado pela tendência centrípeta do comando, conforme

Hardt & Negri (2005), ou de acordo com Sennett (2006): o arquipélago do poder

flexível fica ao largo de um continente de poder. Na economia da informação e

controle, as organizações internacionais passam de multinacionais para

multidirecionais.

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Capítulo 3: PROCEDIMENTOS DA DISCIPLINA

A disciplina faz “funcionar” um poder relacional que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos e substitui o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados.

(FOUCAULT, 2002: 148 – grifo do autor)

vida na sociedade moderna foi organizada em torno da produção

industrial. Essa sociedade, também denominada “sociedade dos

produtores” (BAUMAN, 2000), necessitava, para sua manutenção e

progresso, de hordas de trabalhadores disciplinados. Necessitava-se “fixar” operários

nas fábricas e soldados nos exércitos, arregimentando corpos dóceis que pudessem ser

submetidos, utilizados, transformados e aperfeiçoados para os afazeres de cada ofício.

Foucault (2002), em sua genealogia do sujeito moderno, mostra que nos séculos

XVII e XVIII ocorre o aparecimento ou a invenção de uma nova mecânica do poder,

incompatível com as relações de soberania29. O novo mecanismo de poder se exerce

29 A teoria jurídico-política da soberania foi o grande instrumento da luta política e teórica em relação aos sistemas de poder dos séculos XVI e XVII. Antes de tudo, referiu-se a um mecanismo de poder efetivo, o da monarquia feudal. Em segundo lugar, serviu de instrumento, assim como de justificativa, para a constituição das grandes monarquias administrativas. Em terceiro lugar, a partir do século XVI e sobretudo do século XVII, a teoria da soberania foi uma arma que circulou tanto num campo como no outro, tendo sido usada em duplo sentido, seja para limitar, seja, ao contrário, para reforçar o poder real. (FOUCAULT, 2001b)

A

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mais sobre corpos e seus atos, do que sobre a terra e seus produtos. É um tipo de poder

que se exerce continuamente através da vigilância, em detrimento da violência física,

como os suplícios, por exemplo, prática recorrente do regime da soberania. Foucault

(2001b) afirma que este poder não soberano alheio a toda forma de soberania, é o

“poder disciplinar”. A emergência desse poder desencadeou um processo de fixação

de indivíduos a lugares e forneceu as condições de possibilidade para a sociedade

moderna de produção industrial.

Foucault (2002) descreve que a disciplina esquadrinha o espaço, decompõe e

recompõe as atividades, rege as relações do uso do tempo, dos corpos e das forças.

Adiciona e capitaliza o tempo sobre os indivíduos de maneira que seja possível a sua

utilização e o seu controle. Tomemos a escola como exemplo: o tempo escolar é

decomposto em seqüências separadas e ordenadas a um ponto terminal e estável. As

seqüências são progressivas - sucessão de elementos integrados uns nos outros

segundo uma complexidade crescente. Os segmentos temporais são finalizados por um

termo marcado pela fixação de uma prova. Por fim, são estabelecidas séries de séries,

com exercícios específicos para cada segmento, de maneira que cada indivíduo se

encontre preso numa série temporal.

A seguir, passo à apresentação dos procedimentos da disciplina com base nas

minuciosas descrições de Foucault na obra Vigiar e Punir. Pretendo trazer alguns

aspectos relevantes acerca dos mecanismos disciplinares, para caracterizar melhor

algumas das práticas escolares quanto ao investimento desses mecanismos. Abordo,

em primeiro lugar, as estratégias de utilização do tempo, do espaço e do corpo que a

disciplina realiza: o confinamento e a distribuição espacial, a capitalização do tempo e

o controle da atividade. Na seqüência, discuto as operações da disciplina: a vigilância

hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. Destaco a figura arquitetural do

Panóptico, que materializa a funcionalidade dos procedimentos disciplinares,

especialmente o instrumento da vigilância.

3.1 O confinamento e a distribuição espacial

A utilização estratégica do espaço é fundamental para a disciplina. O espaço deve

ser um meio de distribuição que permita a análise e a utilização particular e

combinatória dos indivíduos. No espaço disciplinar, cada indivíduo tem o seu lugar e

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todos os lugares têm a sua destinação. Não há espaços vazios que permitam uma

utilização anônima. A cada lugar deve ser identificado quem o ocupa e a cada

indivíduo o lugar que ocupa. O enquadramento no espaço deve possibilitar a

localização exata dos indivíduos e uma vigilância constante sobre seus

comportamentos para que, quando necessário, se apliquem sanções sobre eles, além do

acompanhamento de suas reações.

O confinamento, assim, será a técnica principal da disciplina. Seu objetivo

imediato é a alocação dos indivíduos em lugares fixos, num determinado espaço

territorial que pode ser recortado e vigiado em todos os seus pontos. Nos espaços de

confinamento disciplinares os menores movimentos podem ser controlados, operando-

se um “antinomadismo”.

A disciplina, nos seus espaços de confinamento, utiliza-se de técnicas de

separação e de verticalização que se opõem à força intrínseca e adversa da

multiplicidade (a multidão). É um processo de quadriculamento piramidal

individualizante e contínuo que constitui sistemas de micro-poderes essencialmente

inigualitários e assimétricos. Nesse sentido, Foucault (2002) ressalta que a primeira das

grandes providências da disciplina é a “constituição de quadros vivos que transformam

as multidões confusas ou perigosas em multiplicidades organizadas” (FOUCAULT,

2002: 126-27 – grifo do autor).

3.2 A capitalização do tempo e o controle da atividade

Para o controle total das atividades, o tempo dessas deve ser integralmente útil.

Por isso, qualquer distração que venha a comprometer a menor fração de tempo deve

ser dissipada. A atividade é decomposta em etapas. Para cada etapa, há uma previsão

de um período de tempo determinado em que ela deve ocorrer. Pequenas frações de

uma etapa são relacionadas a pequenas frações de tempo. O uso sempre crescente do

tempo supõe que esse possa ser inesgotavelmente dividido e investido por alguma

função, de forma a buscar a máxima eficiência.

O tempo disciplinar é organizado de forma a compor-se de séries múltiplas e

progressivas. Essa composição parte da divisão de uma duração dada em segmentos

postos em série. A sucessão obtida deverá partir de elementos simples que irão se

combinando num grau de complexidade crescente. A conformação de uma série, que

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parte do simples para o complexo, permite uma análise completa de todo o

encadeamento temporal que começa a ser elaborado. Para isso, é necessário que a

atividade, prevista para cada segmento temporal colocado em série, seja

diligentemente executada.

Para a continuidade de qualquer realização ligada a um segmento de tempo é

necessário que todos os seus componentes que ficaram para trás tenham sido

rigorosamente cumpridos. Nenhuma série temporal pode ficar incompleta. Por isso,

procede-se à fixação do término de cada segmento temporal por meio de um sistema

de avaliação. Antes de se passar à etapa seguinte, testa-se a eficácia do cumprimento

dos exercícios sucessivos da etapa anterior por meio de um teste, uma prova ou exame.

Dessa forma, o tempo disciplinar conduz sempre a um ponto definido, por intermédio

de exercícios sucessivos.

3.3 Vigilância hierárquica: vigiar e ser vigiado

O ato de vigiar e ser vigiado será o principal meio pelo qual os indivíduos são

reunidos no espaço disciplinar. A vigilância hierárquica é a garantia da realização das

estratégias disciplinares. Bujes (2002) ressalta que a vigilância permanente possibilita

que a disciplina não necessite recorrer à força para se realizar, ou seja, o indivíduo

acaba vigiando a si próprio, tornando-se o princípio de sua própria sujeição.

A disciplina, por meio da vigilância hierárquica, piramidal, torna-se um sistema

integrado; estabelece uma rede de relações de alto a baixo, mas também de baixo para

cima e lateralmente. Essa rede sustenta o conjunto e perpassa-o de efeitos de poder que

se apóiam uns sobre os outros: “fiscais perpetuamente fiscalizados” (FOUCAULT,

2002: 148). A vigilância disciplinar distribui os indivíduos e os coloca num campo

permanente de visibilidade, jogando na oposição do “vigiar” e “ser vigiado”, do “ver”

e do “ser visto”, onde poucos vigiam/vêem muitos.

Por intermédio do mecanismo da vigilância hierárquica, os estratos hierárquicos

inferiores são observados pelos estratos superiores diretos e assim sucessivamente. A

seqüência de observação culmina no estrato mais alto. O importante é que nenhuma

das atitudes dos vigiados do estrato inferior permaneça em segredo ou oculto ao olhar

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dos vigilantes do estrato superior direto. A figura do poder, assim, tem a forma de uma

pirâmide. Por isso, a vigilância disciplinar é hierárquica e piramidal.

Figura 1: Vigilância hierárquica, piramidal.

Fonte: elaboração do autor.

A Figura 1 mostra que o olho do poder vai do estrato mais alto para o estrato

mais baixo, mas também vai do mais baixo ao mais alto e lateralmente. Os que estão no

estrato mais baixo comunicam-se diretamente com os do estrato imediatamente

superior e indiretamente com os estratos mais superiores. A comunicabilidade e a

mobilidade se dão de forma ascendente e descendente, sempre num movimento

verticalizante.

Os grandes confinamentos disciplinares implicam correlações intrínsecas (para

dentro). A ausência ou ineficácia de um elemento interfere no funcionamento do

conjunto. Na organização rizomática, como veremos adiante, o corte ou a dissociação

de qualquer elemento não interfere no funcionamento do conjunto, a não ser no espaço

que ocupa, porque as correlações no rizoma são extrínsecas (para fora).

3.4 Sanção normalizadora: a arte de punir

Vinculada essencialmente à vigilância hierárquica aparece a sanção

normalizadora. Ela opera a partir da especificação dos aspectos mais detalhados do

comportamento cotidiano por meio de regulamentos exaustivos.

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A penalidade disciplinar, dessa forma, coloca em funcionamento cinco operações

distintas:

A arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo exatamente a repressão. Põe em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra de conjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima, como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto. Medir em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a ‘natureza’ dos indivíduos. (FOUCAULT, 2002: 152-53 – grifos do autor)

Por meio de um processo criterioso e permanente de vigilância, a sanção

normalizadora, ao mesmo tempo em que permite isolar e agir sobre pequenas

condutas, emprega formas sutis e singulares de punição aos comportamentos

caracterizados como anormais. A norma é uma medida, uma maneira de produzir uma

medida comum, a partir do jogo das oposições entre o normal e o anormal. Através da

punição disciplinar, aparece o poder de produção da norma. Os processos de

normalização produzem mais do que constrangem; individualizam sempre, fabricando

indivíduos.

A sanção disciplinar tem o objetivo de corrigir os desvios e as inobservâncias. Por

isso, o castigo, que é a forma de punição da sanção normalizadora, é o exercício da

própria observância da regra. O castigo caracteriza-se como um exercício que visa

redirecionar os comportamentos desviantes de acordo com o direito. Ou seja, as

punições disciplinares têm o objetivo de adestrar (treinar, exercitar) os

comportamentos a fim de torná-los cada vez mais conformes às regras estabelecidas.

A sanção normalizadora também opera por um sistema de recompensas. Esse

sistema permite classificar os comportamentos em adequados, merecedores de

recompensa, ou em desviantes, merecedores de castigo. Esse procedimento permite a

qualificação crescente das condutas e a conseqüente diferenciação dos indivíduos.

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3.5 Exame: cada indivíduo um caso

O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que

normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar,

classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles

são diferenciados e sancionados. O exame situa os indivíduos numa rede de anotações

escritas; compromete-os em toda uma quantidade de documentos que os captam e os

fixam. O exame realiza uma inversão da visibilidade no exercício do poder. Os

indivíduos são obrigados a uma visibilidade cada vez maior e mais detalhada.

Os procedimentos do exame são acompanhados de um sistema de registro

intenso e de acumulação documentária. A vigilância detalhada e permanente permite a

extração de um grande número de informações sobre os vigiados. As informações

coletadas são transformadas em relatório de modo que possa ser arquivado e

manipulado quando necessário.

O exame faz de cada indivíduo um caso (FOUCAULT, 2002). Com esse

procedimento, a disciplina constitui o indivíduo enquanto objeto de descrição e

documentação, e por esse processo constante de objetivação e sujeição, o indivíduo

pode ser controlado e dominado.

As operações da vigilância, da sanção normalizadora e do exame, que reúne, de

certa forma, a vigilância e a sanção normalizadora, permitem a realização das funções

disciplinares: o confinamento e a distribuição espacial e a capitalização do tempo e o

controle da atividade. Essas operações não ocorrem isoladamente; mas em conjunto.

Vê-se claramente a vigilância hierárquica em operação na organização escolar.

Muitos alunos são vigiados por poucos professores que, por sua vez, são vigiados por

um número muito reduzido de supervisores. Os supervisores, por sua vez, são

vigiados pelo diretor. A sanção normalizadora é materializada nos regimentos

escolares e outros documentos normativos que definem as regras, os direitos e os

deveres dos discentes e docentes. Ao estabelecerem o que é normal, definem o que é

anormal. Ou seja, o anormal é um caso da norma. Nesse sentido, pode-se dizer que a

indisciplina é um caso da disciplina. O exame opera nos trabalhos, testes, provas e

principalmente nas avaliações ao final de cada série temporal. Também opera nos

dossiês e relatórios que contêm um grande número de informações, e que fazem de

cada aluno um caso.

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A escola da disciplina, nas últimas décadas, tem dado mostras de abrandamento

de suas práticas. O professor, por exemplo, já não representa uma autoridade

inquestionável, tanto no aspecto do conhecimento, quanto no da moralidade. O

professor tem que ser flexível, ou melhor, sedutor. A relação professor-aluno-escola

passa a se basear menos na coerção para o adestramento e mais na comunicação para a

adaptação. É uma relação: “eu te seduzo, tu me seduzes”, de acordo com Baudrillard

(2006). As regras não mais convencem simplesmente pela autoridade de quem as

elaborou; a avaliação, enquanto instância de marcação das séries temporais é

duramente questionada. Nesse quesito, a LDB 9394/96, por exemplo, define no artigo

23 que a avaliação será contínua e cumulativa com prevalência dos aspectos

qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período (ano letivo ou

semestre letivo) sobre os de eventuais provas ou exames finais, alinhando-se aos

processos de flexibilização das instituições.

3.6 Panóptico: máquina óptica universal

Foucault (2002) reconhece no projeto do Panopticon de Jeremy Bentham, de 1791,

o dispositivo arquitetural exemplar das tecnologias disciplinares. Trata-se de uma torre

no centro da prisão, donde se pode observar a totalidade dos seus espaços, permitindo

dar visibilidade permanente aos comportamentos, mesmo os mais simples e

corriqueiros. Não é necessária a presença de uma pessoa na torre para que a vigilância

seja efetiva, pois só com a existência da torre, dentro da qual é impossível ver se há

alguém ocupando-a ou não, já é o suficiente, para que os prisioneiros internalizem esse

olhar perscrutador. Pelo efeito da luminosidade nas celas, é possível vigiar da torre os

indivíduos que nela se encontram em seus menores atos.

Cada indivíduo pode ser vigiado permanentemente e tem consciência desse seu

estado. Essa consciência assegura que a vigilância nunca deixe de produzir seus efeitos

sobre o vigiado, pois ele tem sempre diante de si o símbolo do poder que vigia. O

indivíduo vigiado não pode ter a certeza de que, num determinado momento, esteja ou

não sendo vigiado. Sua única certeza é a de que pode estar sendo vigiado a qualquer

momento. Isso garante o funcionamento automático da vigilância. Embora a vigilância

possa não ocorrer a todo instante, ela é sentida permanentemente. O indivíduo

constantemente vigiado aprende a vigiar a si mesmo, internaliza as relações de poder,

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aprende a disciplinar seu corpo e sua forma de vida, tornando-se, assim, o seu próprio

guardião.

O Panóptico (pan + ótico = visão da totalidade) leva ao máximo de eficiência o

princípio de inspeção. O Panóptico não é uma prisão. “É um princípio geral de

construção, o dispositivo polivalente da vigilância, a máquina óptica universal das

concentrações humanas” (MILLER, 2000: 77). Assim, com algumas adaptações de

detalhe, o princípio do panoptismo servirá tanto para prisões, como para escolas,

fábricas, hospitais.

O Panóptico é um mecanismo de localização dos corpos no espaço, de

distribuição dos indivíduos uns em relação aos outros, de organização hierárquica.

Efetua o controle sobre os corpos, através de uma organização eficiente do espaço. No

Panóptico, “poucos” podem tudo ver, sem nunca serem vistos; e “muitos” podem ser

vistos completamente, sem nada poder ver, exceto o símbolo dos “poucos” que vêem.

Os “poucos” vigilantes podem estar ou não vendo, o que lhes assegura uma presença

ininterrupta diante dos “muitos” que são vigiados.

Figura 2: Polivalência do Panóptico B. Poyet, Projeto de hospital, 1786.

Fonte: Foucault (2002: 40)

Foucault (2002) destaca que o Panóptico é o modelo compacto do poder

disciplinar. “É um espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os

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indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são

controlados, onde todos os acontecimentos são registrados” (FOUCAULT, 2002: 163).

O Panóptico encerra uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é

constantemente localizado.

A Figura 2 mostra a polivalência do projeto do Panóptico, pois representa o

projeto de um hospital. Foucault (2002) chamou o Panóptico de “maquinaria óptica

universal”. Nessa maquinaria, pouco importa quem exerce o poder, quem ocupa a

torre central. Um indivíduo qualquer, quase tomado ao acaso, pode fazer funcionar a

máquina.

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Capítulo 4 – PROCEDIMENTOS DO CONTROLE

Portanto, as pessoas ainda vivem em lugares. Mas, como a função e o poder em nossas

sociedades estão organizados no espaço de fluxos, a dominação estrutural de sua lógica altera de forma fundamental o significado e a dinâmica dos lugares.

(CASTELLS, 2007: 517)

seguir esboço uma tentativa de descrição dos procedimentos do

controle tendo por referência as estratégias espaço-temporais e

operações da disciplina descritas no capítulo anterior. Trato,

primeiramente, das estratégias de utilização do espaço e do tempo: a conexão e a

dispersão espacial, o tempo real e o controle de fluxos informacionais. Em seguida,

procuro caracterizar as operações do controle: o controle rizomático, o imperativo da

conexão e o perfil informático. Destaco o Corpo-Rede, do qual o Rizoma Internet é o

exemplo mais insigne e, talvez, a figura arquitetural do regime do controle, em

oposição ao modelo óptico do panoptismo.

4.1 A conexão e a dispersão espacial

O confinamento territorial é a principal estratégia da disciplina. A disciplina

concentra os corpos num espaço fechado que é recortado, destinando cada indivíduo a

um lugar e a cada lugar um indivíduo. Os procedimentos do controle, valendo-se das

A

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novas tecnologias da informação e comunicação instantânea, flexibilizam os limites e

borram as fronteiras. O controle rizomático menospreza os grandes confinamentos

disciplinares; as posições geográficas não mais importam; existem somente linhas

múltiplas, mutantes e dispersas.

Castells (2007) define o espaço como o suporte material de práticas sociais de

tempo compartilhado, ou seja, o espaço reúne práticas sociais que são simultâneas no

tempo. O espaço de fluxos informacionais é a organização material das práticas sociais

de tempo compartilhado que funcionam por meio de redes digitais rizomáticas. O

suporte material é o conjunto de elementos que sustentam essas redes e viabilizam a

possibilidade material de sua articulação em tempo simultâneo. Conforme já descrito

anteriormente, o primeiro suporte material do espaço de fluxos informacionais é

constituído por um circuito de impulsos eletrônicos, fundamentais para a formação das

redes digitais rizomáticas. Nessas redes, não existe nenhum lugar por si mesmo, pois

as posições são definidas pela interconexão dos fluxos informacionais. A segunda

camada do espaço eletrônico de fluxos informacionais é constituída por seus nós, ou

gemas, e centros de comunicação. A localização num determinado nó, conecta a

localidade a toda a rede. A terceira camada do espaço eletrônico de fluxos

informacionais refere-se à formação da elite informacional, que é cosmopolita, ao passo

que as pessoas são locais.

A conexão e a dispersão espacial definem a condição dos corpos na sociedade da

informação e controle. Conexão é o ato ou efeito de conectar. Conectar, conforme o

dicionário Houaiss (2001), significa estabelecer conexão entre (dispositivos ou

computadores) com o objetivo de transferir dados; interligar. Do latim connectére

‘juntar, ligar’; nexus, us ‘enlaçamento, enlace, ligadura, laço, nó; encaixe; laço (de

direito), obrigação, contrato’; connecto ou conecto, is, exùi, exum, ère ‘prender, atar, ligar

juntamente, unir’; connexus ou conexus, a, um ‘ligado, atado, unido juntamente;

entrelaçado’. Dispersão é a separação de pessoas ou coisas por diferentes lugares. O

indivíduo, conectado às redes digitais rizomáticas, passa a integrar uma coletividade

dispersa pelo espaço territorial. Gibson (1984) inventou o termo ciberespaço

(cyberspace) para designar um espaço não físico ou territorial, que se compõe de um

conjunto de redes de computadores através das quais todas as informações circulam,

sob as suas mais variadas formas (LEMOS, 1996). A noção de ciberespaço, conforme

Saraiva (2006), traz consigo um novo conceito de espaço.

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Como calcular nossa posição no ciberespaço? Como calcular qualquer posição no ciberespaço? Velocidade já não é a taxa de distância percorrida pelo período de tempo, mas a quantidade de dados que conseguimos receber num dado lapso temporal. A distância no ciberespaço parece ser a quantidade de bits e bytes percorrida... (SARAIVA, 2006: 53)

Lévy (1999) define o ciberespaço como o espaço de comunicação aberto pela

interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. No lugar

onde estamos, quando entramos num ambiente virtual, esse é o lugar do ciberespaço.

Também, o conjunto de redes de computadores, interligadas ou não, em todo o

planeta, constitui o lugar o ciberespaço. Quanto maior é a conexão, maior é o número

de lugares interconectados, e mais se expande o ciberespaço - um espaço de fluxos

informacionais, como uma nuvem baixa sobre esses lugares. Assim, percebe-se o

movimento inverso da disciplina. Os tradicionais espaços (lugares) institucionais de

confinamento transformam-se, pouco a pouco, em espaços flexíveis, em favor de uma

grande dispersão espacial e uma intensa integração global simultânea no espaço de

fluxos informacionais das redes digitais rizomáticas.

4.2 O tempo real e o controle de fluxos informacionais

O universo acelerado das redes digitais rizomáticas, favorece um tipo de

relacionamento quase independente dos lugares geográficos e da sincronia dos tempos.

As particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os membros de um grupo

humano (independente da população) se coordenem, cooperem, alimentem e

consultem uma memória comum.

Segundo Castells (2007), a Modernidade pode ser entendida como o domínio do

tempo cronológico sobre o espaço e a sociedade. O tempo como repetição da rotina

diária, centralizador e universalizante. O tempo linear, irreversível, mensurável e

previsível é fragmentado na organização em rede que suprime a distribuição

geográfica e a diferença de horários.

À medida que o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia “global” de telecomunicações e uma “espaçonave planetária” de interdependências econômicas e ecológicas [...] e à medida que os horizontes temporais se encurtam até o ponto em que o presente é

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tudo o que existe, temos de aprender a lidar com um sentimento avassalador de compressão de nossos mundos espaciais e temporais. (HARVEY, 2005: 219)

A informação on line, isto é, diretamente acessível, reabsorve o espaço-tempo

tradicional em proveito de uma reorganização permanente e em tempo real cujas

máximas são a velocidade, a flexibilidade, o fluxo constante, o estoque zero, o prazo

zero. Os eventos em um determinado lugar têm impacto imediato sobre pessoas e

lugares situados em distâncias variáveis. A instantaneidade e a descartabilidade,

conforme Harvey (2005), são elevadas à categoria de valores, tornando difícil qualquer

planejamento de longo prazo. A noção de tempo real, secretado pelas tecnologias da

informação, e a condensação no presente produzem uma compressão do tempo linear-

progressivo.

O conceito de tempo real, observa Vilela (2007), tido como a capacidade de

realizar transações ao mesmo tempo em que ocorre a entrada de dados, já está

ultrapassado devido aos avanços tecnológicos que significaram um aumento

considerável na velocidade de processamento de dados (de Megahertz para Gigahertz)

e nas taxas de transmissão de dados (de kilobits para Gigabits)30. A noção de tempo real,

segundo o autor, não é apenas processar, em alta velocidade, dados definidos e

conhecidos. O grande desafio é interagir em tempo real, ou seja, permitir processar

continuamente nas variadas condições de realidade e de distância, exatamente

enquanto os eventos ocorrem.

A disciplina confina os corpos, organiza-os no espaço e os distribui no tempo. A

disciplina atua in loco. A idéia que subjaz é a do tempo linear e progressivo: passado-

presente-futuro. A atividade, assim, é decomposta e relacionada a pequenas frações de

tempo, das mais simples às mais complexas. Os procedimentos do controle,

essencialmente dispersivos, condensam no presente, ao mesmo tempo em que borram

30 “Avanços importantes em optoeletrônica (transmissão por fibra ótica e laser) e a tecnologia de transmissão por pacotes digitais promoveram um aumento supreendente da capacidade das linhas de transmissão. As IBNs (Redes de Banda Larga Integradas) vislumbradas na década de 1990 poderiam ultrapassar substancialmente as propostas revolucionárias dos anos 70 de uma IDSN (rede digital de serviços integrados); enquanto a capacidade transportadora da ISDN através de fios de cobre ficava em torno de 144 mil bits, nos anos 90, a da IBN, por fibras óticas, embora a preço mais alto, ficaria em torno de um quatrilhão de bits, se e quando pudesse ser operacionalizada.” (CASTELLS, 2007: 81)

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as fronteiras dos espaços de lugares. Já não há espaço fechado, nem segmentos

temporais sucessivos e progressivos. O tempo do controle é o tempo real, um tempo

sempiterno e efêmero. O controle atua on line. O tempo é comprimido, e em última

análise, negado. Castells (2007) propõe a idéia do tempo intemporal. Esse ocorrerá

quando as redes digitais rizomáticas causam confusão sistêmica na ordem seqüencial

dos fenômenos sucedidos em determinado contexto. A concentração dos processos

sociais no espaço de fluxos informacionais das redes digitais rizomáticas acarreta uma

mistura geral dos tempos, em que a instantaneidade e, por conseqüência, a

descartabilidade, conforme já referido, revestem-se de capital importância.

Debord (1997) formula com precisão essa perspectiva de obsolescência

instantânea:

Quando o importante se torna socialmente reconhecido como o que é instantâneo, e vai sê-lo um instante depois – diferente e igual -, e que sempre substituirá uma outra importância instantânea, pode-se dizer que o meio utilizado garante uma espécie de eternidade dessa não-importância, que fala tão alto. (DEBORD, 1997: 178)

A noção de tempo real, segundo Lévy (1993), resume a característica principal da

informática: a condensação no presente, na “operação em andamento”. O autor afirma

que o tempo real anuncia um novo ritmo que não é mais o da história. Harvey (2005)

aponta que o conceito de passado e futuro, como elementos vinculados linearmente

pelo tique-taque do relógio, está perdendo sua relevância.

O tempo real pertence ao espaço eletrônico de fluxos informacionais. No regime

do controle, o foco deslocará da programação da atividade em inúmeros segmentos

temporais para os fluxos de informação nas redes digitais rizomáticas. Surgem sempre

mais exigências de resultados de curto prazo; deve-se fazer mais no menor tempo

possível; deve-se agir sem demora. É o reinado da urgência, conforme Lipovetsky

(2004).

Deleuze (1992a) afirma que a sociedade de controle representa uma mutação do

capitalismo. Já não se trata de um capitalismo dirigido para a produção, para os ritmos

de duração, mas para o produto, para o mercado global de consumo, para a profusão

ilimitada de coisas. A duração no tempo é sempre o lugar e o meio das diferenças de

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natureza (qualitativas), ao passo que o espaço não é mais que o meio para o conjunto

de diferenças de grau (quantitativas).

Consideremos um pedaço de açúcar: há uma configuração espacial, mas sob esse aspecto nós só apreendemos tão-somente diferenças de grau entre esse açúcar e qualquer outra coisa. Contudo, há também uma duração, um ritmo de duração, uma maneira de ser no tempo, que se revela pelo menos em parte no processo de dissolução, e que mostra como esse açúcar difere por natureza não só das outras coisas, mas primeiramente e, sobretudo, de si mesmo. (DELEUZE, 1999: 22)

Compreende-se, dessa forma, a afirmação de Harvey (2005) de que o capitalismo

de acumulação flexível encontrará sua razão na produção contínua e incessante de

novas coisas (objetos e serviços). Essa característica está relacionada à centralidade dos

procedimentos do controle no espaço eletrônico de fluxos informacionais – um espaço

virtual, com a conseqüente supressão dos ritmos temporais. Dessa forma, são

multiplicadas a quantidade e a velocidade das diferenças de grau para reduzir a

“zero”, ou “quase zero”, as diferenças de natureza. Para isso, o capitalismo de

acumulação flexível necessita descartar as coisas com a mesma velocidade que as

produz, ou produz coisas com a mesma velocidade que as descarta. Nesse contexto, o

marketing, a moda e o crédito tornam-se poderosas ferramentas para uma modulação

global do consumo, ao se associarem à enorme flexibilidade e plasticidade dos perfis

informáticos que permitem prever e predizer em escala global. Bauman (2007)

corrobora essa situação, quando diz que o lixo é o principal produto da sociedade

líquido-moderna31, sendo que a remoção do lixo é um dos principais desafios a

enfrentar e resolver.

31 Bauman adota a metáfora dos líquidos para caracterizar os regimes flexíveis e moduláveis em contraponto aos regimes sólidos e moldáveis. “Fluidez é a qualidade de líquidos e gases [...] Os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam”, “borrifam”, “pingam”; são “filtrados”, “destilados”; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho [...] Os sólidos são moldados para sempre. Manter os fluidos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço perpétuo.” (BAUMAN, 2001: 7,8,14 – grifos do autor)

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4.3 Controle rizomático: consumir informação e tornar-se informação consumível

A vigilância hierárquica é um dos principais meios pelos quais os corpos são

reunidos num espaço investido por procedimentos disciplinares. A figura da vigilância

hierárquica é a pirâmide. Os indivíduos do estrato mais baixo em maior número são

vigiados pelos indivíduos do estrato imediatamente superior em menor número, e

assim progressivamente, até o topo mais alto da pirâmide. Isso coloca os indivíduos

num campo de permanente visibilidade, e faz com que a comunicabilidade e a

mobilidade sejam no sentido ascendente e descendente, em outras palavras, vertical. A

vigilância disciplinar remete à metáfora da árvore-raiz.

Na Contemporaneidade, o controle rizomático é um dos principais meios pelos

quais os corpos dispersos em distâncias variáveis são reunidos, pelo menos

virtualmente, no espaço de fluxos informacionais das redes digitais rizomáticas. O

controle é rizomático, porque se faz em rizoma, com mobilidade horizontal,

comunicabilidade transversal e expansividade multidirecional – num movimento de

caranguejo, conforme Sennett (2006).

Os rizomas são caules subterrâneos que se mantêm juntos à superfície do solo.

Podem ser distinguidos das raízes pelo fato de apresentarem muitas gemas32 laterais.

Quando uma gema consegue fixar-se a um solo fértil, mesmo que superficialmente,

crescem novas plantas, semelhantes às iniciais33. O corte de uma ou mais gemas, ou a

morte por falta de nutrição, não interfere no desenvolvimento ou manutenção das

outras gemas, a não ser no espaço que ocupa(m).

Os rizomas têm numerosas ramificações de superfície laterais e horizontais, em

todos os sentidos (CÉSAR e SESAR, 2000). Por isso, espraiam-se, ocupando maior

espaço, porém sem profundidade. A árvore-raiz, diferentemente, é pivotante34, cresce

verticalmente, ocupa um espaço menor, contudo com muito maior profundidade. A

árvore-raiz, o eucalipto, por exemplo, possui uma única gema na região apical de

crescimento, um único ponto de fixação e nutrição, e tem necessidade de uma grande

32 Gema: protuberância no caule ou ramos de uma planta, lateral ou apical, que dá origem a folhas, flores, outros ramos, ou a uma nova planta. (HOUAISS, 2001) 33 Alguns caules prostrados que crescem rente ao solo, como os rizomas superficiais de gramíneas e os estolhos dos morangueiros, também têm gemas que produzem novas plantas enraizadas, as quais podem se tornar independentes da planta original. (CESAR e CEZAR, 2000: 119) 34 Pivotante: que gira em torno de um ponto fixo. (HOUAISS, 2001)

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quantidade de água e sais minerais para subsistir. O fluxo da seiva bruta (que sobe) e

da seiva elaborada (que desce) é pré-definido. Porém, se as gemas caulinares forem

cortadas, aí não cresce mais nada. O rizoma, por outro lado, tem várias gemas e vários

pontos de fixação; cresce horizontalmente; necessita de água e sais minerais em

quantidades muito menores para subsistir, porém numa área espacial muito mais

ampla. O corte de uma ou mais gemas não interfere no desenvolvimento e manutenção

das outras. A grama é um exemplo de rizoma.

Deleuze & Guattari (1995) registram que a perspectiva da árvore-raiz remete à

unidade, enquanto o rizoma remete à multiplicidade. A imagem do rizoma, diferente

da árvore, não se presta à hierarquização. Os autores propõem algumas características

aproximativas de uma organização em rizoma:

a) Princípio da conexão: qualquer ponto de um rizoma pode ser ou estar

conectado a qualquer outro ponto. É diferente da estrutura arborescente

em que as relações entre os pontos obedecem a uma determinada

hierarquia.

b) Princípio da heterogeneidade: o rizoma rege-se pela heterogeneidade,

porque qualquer conexão é possível. Numa estrutura arborescente, a

hierarquia leva a uma homogeneização das relações.

c) Princípio da multiplicidade: o rizoma é sempre multiplicidade e não pode

ser reduzida à unidade. Num rizoma não há pontos ou posições como

numa estrutura hierárquica e arborescente; existem somente linhas

multidirecionais.

d) Princípio da ruptura a-significante: um rizoma pode ser rompido, quebrado

em qualquer lugar, e retoma sua reprodução segundo uma ou outra de

suas linhas. Todo rizoma compreende linhas de segmentaridade,

segundo as quais ele é estratificado, territorializado, organizado,

significado, mas compreende também linhas de fuga e

desterritorialização pelas quais foge sem parar.

e) Princípio da cartografia: o rizoma pode ser mapeado, cartografado. Possui

múltiplas entradas, ou seja, pode ser acessado de infinitos pontos,

podendo daí remeter a quaisquer outros pontos em seu território. O

rizoma, por isso, é estranho a qualquer idéia de estrutura profunda.

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f) Princípio da decalcomania: o mapa opõe-se ao decalque (reprodução,

cópia). O mapa faz parte do rizoma. Um mapa tem múltiplas entradas; é

aberto, conectável em todas as suas dimensões, suscetível de receber

constantes modificações.

Pode-se deduzir das características do rizoma, propostas por Deleuze & Guattari

(1995), que o controle rizomático romperá com qualquer forma de hierarquização. A

horizontalidade de suas múltiplas linhas multidirecionais opõe-se à verticalidade de

uma estrutura hierárquica, piramidal e unidirecional.

Nas redes digitais rizomáticas, cada nó representa uma “ilha de informação” e

pode incluir um indivíduo, um grupo, uma empresa e até mesmo um Estado. Pode

representar muita ou pouca gente. Considerando os nós como sendo as gemas do

rizoma, tem-se que, de cada nó, ou gema, da rede digital, pode derivar um ou vários

nós, ou gemas, em qualquer direção, dando continuidade à expansão da rede. As

derivações se darão, se houverem “solos férteis para fixação”, ou melhor, ambientes

favoráveis para conexão (software de interface e uma taxa de transferência de dados

adequada, por exemplo).

As gemas do rizoma são laterais e, por isso, expandem-se na superfície do solo

em todos os sentidos na horizontalidade. Não existem estratos e também não há

itinerário fixo. Os rizomas são “extradependentes” na sua sobrevivência. O controle

rizomático, portanto, é horizontal, de pouca profundidade, e expande-se para todos os

lados. Numa estrutura arborescente, a comunicação entre os pontos (galhos) acontecerá

de acordo com a filiação desses pontos a uma estrutura central (tronco), de maneira

centralizada e unidirecional, com uma circulação pré-definida da seiva bruta que sobe

e da seiva elaborada que desce. As árvores-raiz são “intradependentes” na sua

sobrevivência; crescem segundo uma ordem hierárquica, vertical, expandindo-se para

cima e para baixo.

No eixo dos saberes, a disciplina importa um modelo arborescente. Desse modo,

os saberes disciplinares são rigidamente hierarquizados e compartimentalizados como

forma de mediatizar e regular o fluxo de informações pelos caminhos internos da

árvore-raiz do conhecimento. Fazer rizoma dos saberes significa romper com a

hierarquização e unidirecionalidade do fluxo de informações em favor de uma

transversalidade sempre maior que traz consigo múltiplas possibilidades de conexões,

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aproximações, cortes, percepções etc. (GALLO, 2003). No eixo da disciplina-corpo, a

vigilância disciplinar joga na oposição do “vigiar” e “ser vigiado” nos espaços de

confinamento e enquadramento. O controle rizomático, centrado na instantaneidade

dos fluxos informacionais, joga na oposição do “consumir informação” e “tornar-se

informação consumível” no espaço eletrônico de fluxos informacionais das redes

digitais rizomáticas.

4.4 Imperativo da conexão: o afã de interligar

Na sociedade da informação e controle, de acordo com Lévy (1999), a conexão

deve ser tida como um bem em si mesmo. A interconexão planetária dos computadores

tende a tornar-se a principal infra-estrutura de produção, transação e gerenciamento

econômicos. O ciberespaço, para o autor, será em breve o principal instrumento

coletivo internacional de memória, pensamento e comunicação, e alerta que as políticas

educacionais terão de levar isso em conta.

Se a conexão é um bem em si, então é imperativo categórico que cada

computador do planeta, cada aparelho, cada máquina possua um endereço na Internet,

de modo que o menor dos artefatos possa receber informações de todos os outros e

responder a eles, de preferência sem fio. Dessa forma os veículos de informação não

estarão mais no espaço, mas, todo o espaço se tornará um canal interativo, envolvente.

O ciberespaço, assim, transforma-se em um ambiente generalizado de conexão, de

modo a envolver o usuário em plena mobilidade.

A cibercultura aponta para uma civilização da telepresença generalizada. Para além de uma física da comunicação, a interconexão constitui a humanidade em um contínuo sem fronteiras, cava um meio informacional oceânico, mergulha os seres e as coisas no mesmo banho de comunicação interativa. A interconexão tece um universal por contato. (LÉVY, 1999: 127)

Essa era de conexões também é uma era de mobilidade digital (LEMOS, 2004). As

novas tecnologias digitais sem fio redefinem o uso dos espaços de lugares e dos

espaços de fluxos. A idéia de uma computação onipresente em que o computador

desaparece nos objetos está se tornando realidade na aurora do século XXI. A Microsoft

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está apostando na nova tendência, denominada computação onipresente (pervasive

computing):

No futuro, o potencial do software e dos microprocessadores girará em torno de objetos do cotidiano, tais como a mesa de trabalho, o carro, o telefone ou a geladeira. Todos esses objetos estarão conectados à internet e poderão compartilhar informações sobre as preferências, os contatos e os interesses dos usuários. (GATES, 2007: 71)

Os tradicionais espaços (lugares) institucionais de confinamento, de fechamento,

transformam-se, pouco a pouco, em espaços flexíveis, de abertura, onde a constante e

progressiva dispersão espacial (de lugares) se integra simultaneamente num espaço de

fluxos de informações digitalizadas.

No mesmo sentido, Lipovetsky (2005b) afirma que a sociedade centrada no

consumo é inseparável da profusão de informações, da cultura midiática de massa e da

solicitude da comunicação. É fundamentalmente um sistema de abertura e despertar

permanentes. “Gozar a vida, sim, mas também se manter informado, estar ligado”

(LIPOVETSKY, 2005b: 88 – grifo do autor). O consumismo impõe o imperativo de se

informar, de administrar a si próprio. Os consumidores, ou usuários, conforme De

Certeau (1999), socializam-se pela lógica das necessidades e da informação.

A capacidade de estabelecer conexões de maneira flexível e universal passa a

fundamentar os modos correntes de “estar” no mundo. Isso acarreta um

desmantelamento de estruturas rígidas e hierárquicas. A lógica disciplinar, burocrática

e rotinizada, típica do modo de produção industrial-fordista, é preterida em favor de

práticas flexíveis, descentralizadas, cambiantes e rizomáticas. Dessa forma, rejeitam-se

as estruturas uniformes e desenvolvem-se estruturas flexíveis e moduláveis em torno

dos instáveis interesses e desejos dos consumidores.

Para Lipovetsky (2005b), uma organização social flexível baseada na informação e

no estímulo das necessidades nos faz sair da era disciplinar e entrar numa era de

combinações (ou de conexões). Esse processo reduz a rigidez das práticas

organizacionais, substituindo os modelos verticais e unidirecionais, por dispositivos

flexíveis, multidirecionais, que privilegiando a comunicação em relação à coerção. Essa

nova configuração social exige um sujeito capaz de fazer constantes escolhas, sempre

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aberto e flexível para a diversidade e multiplicidade de escolhas (ou conexões)

possíveis, sensível a uma variedade de diferentes posições de sujeito. Tudo deve se

interligar e adaptar-se sem resistência.

4.5 Perfil informático: diferenciar e personalizar

Na sociedade da informação e controle, verifica-se um deslocamento do

procedimento disciplinar do exame para a composição de perfis informáticos, de modo

que a informação se torna componente estratégico de constituição e de controle dos

indivíduos. O modelo disciplinar supõe uma co-presença dos vigilantes e dos vigiados

num espaço homogêneo que instaura uma onipotência do olhar. Com o auxílio de

programas computacionais de processamento de informação, é possível compor perfis

personalizados a partir dos cruzamentos, comparações, seleções, agrupamentos,

projeções, seja para conter, seja para incitar. Os perfis informáticos, assim, permitem

ver adiante, prever e predizer; possibilitam sempre apanhar o “freguês” de jeito

diferente. Tome-se, por exemplo, o banco de dados do Imposto de Renda da Receita

Federal. Por um comando, selecionam-se todos os declarantes que possuem

automóvel. Por outro comando, agrupam-se todos os declarantes que tem ensino

superior completo. As informações são manipuláveis de diversas formas, de maneira a

atender a uma ampla gama de necessidades, com grande precisão, velocidade,

constância e independência de locais. A plasticidade dos perfis informáticos advém da

crença da cibernética, conforme apresentada por Wiener (1968), de que a informação

pode circular inalterada entre diferentes substratos materiais.

A enorme flexibilidade e plasticidade dos bancos de dados computacionais

permitem escolher critérios, executá-los e alterá-los com extrema rapidez. Dessa forma,

o marketing, a moda e o crédito, conforme já citado, por meio de processos de

diferenciação e personalização, encontram nos perfis informáticos - facilitados pelas

redes digitais rizomáticas e que permitem prever e predizer em escala global - uma

poderosa vertente para uma modulação global do consumo, atravessando fronteiras

nacionais, interconectando localidades e organizações em novas combinações de

espaço-tempo. Os perfis informáticos para as instituições disciplinares importarão um

desencaixe35 entre as práticas disciplinares locais, baseadas na coerção e vigilância em

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determinados espaços de confinamento, e as práticas de controle planetárias, fundadas

na comunicação e predição proporcionadas pelas redes digitais rizomáticas.

Hardt & Negri (2005) enfatizam que a globalização ou mercado mundial

estabiliza uma verdadeira política da diferença. Hall (2005) refere que há uma

mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política da diferença. O

mercado de consumo junta as diferenças; pois toda diferença é uma oportunidade de

negócio.

O marketing, em si, é uma prática baseada em diferenças, e quanto mais diferenças houver mais as estratégias de marketing encontraram campo para se desenvolver. Populações cada vez mais híbridas e diferenciadas apresentam um número prolífico de “mercados alvos” que podem ser alcançados com estratégias específicas de marketing. (HARDT & NEGRI, 2005: 170 – grifo dos autores)

O marketing, na nova lógica de acumulação capitalista, tem a importante função

de juntar as diferenças em escala mundial, interligando-as com a produção flexível. Por

isso, tende à multiplicidade e à heterogeneidade, de modo a aumentar

permanentemente o espectro ligações e conexões. A moda oferece sempre um cardápio

renovado, multiplicando as possibilidades de escolha e de posições de sujeito. Absorve

os indivíduos, cada vez mais rápido, por uma demanda “louca” de novidades, de

estímulos e de informação.

Institucionalizando o efêmero, diversificando o leque dos objetos e dos serviços, o terminal da moda multiplicou as ocasiões de escolha individual, obrigou o indivíduo a informar-se, a acolher as novidades, a afirmar preferências subjetivas: o indivíduo tornou-se um centro decisório permanente, um sujeito aberto e móvel através do caleidoscópio da mercadoria. (LIPOVETSKY, 2005: 175)

A moda, ou a obsolescência orquestrada, conforme Harvey (2005), importa uma

socialização não mais por coerções disciplinares, mas por múltiplas escolhas. Assim, a

moda instaura um regime de mudanças descontínuas e fragmentárias. “Os indivíduos

35 Desencaixe: Os mecanismos de desencaixe retiram a atividade social dos contextos localizados, reorganizando as relações sociais através de grandes distâncias tempo-espaciais. (GIDDENS, 1991)

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são conduzidos inelutavalmente a posicionar-se em relação ao que vêem, a rever mais

cedo ou mais tarde as opiniões aceitas, a fazer comparações entre aqui e ali, eles

próprios e os outros, o antes e o depois” (HARVEY, 2005: 224 – grifo do autor). O

consumo de objetos e serviços, dessa forma, acontece menos pela satisfação do objeto

ou serviço em si, e mais pela “informação nova” que representa.

Por operações de crédito, os objetos e serviços antecipam-se à soma dos esforços e

do trabalho que representam. O crédito pessoal fomenta o fluxo contínuo de conexões.

Aumentando as oportunidades de escolha, o crédito acelera e expande o consumo e,

por conseguinte, o tempo de giro da produção, corroborando para um fluxo

internacional de imagens, informação, dinheiro, pessoas, produtos e serviços. O

consumidor ou usuário, por múltiplas e variadas opções e operações de crédito, é

relegado a uma posição contínua de atraso, de débito. Dessa forma, o crédito pessoal

hipoteca o tempo do indivíduo para obtenção das sempre “novas informações” que os

ventos planetários trazem.

O marketing, a moda e o crédito, poderosamente associados aos perfis

informáticos, implicam um processo sem-fim de rupturas e fragmentações que

produzem múltiplas e mutantes posições de sujeito, de modo que a totalidade do

tempo do indivíduo se transforme em tempo descontínuo de consumo de “novas

informações”, e por esse meio seja controlado. Esse processo de flexibilização e

controle, na escola, materializa-se numa atitude bem menos disciplinar, autoritária e

rotinizada, em favor de uma atitude muito mais permissiva e flexível, atenta aos

interesses e desejos individuais das crianças e dos adolescentes. Uma evidência desse

movimento é o avanço do psicologismo36 no universo escolar.

4.6 Corpo-Rede: híbrido de corpo com rede

Para Lemos (1997), o ciberespaço é um imenso corpo-sem-órgãos. Deleuze &

Guattari (1995) referem que um corpo-sem-órgãos não é um corpo morto, mas um

corpo vivo, e tão vivo e tão fervilhante que expulsou o organismo e sua organização,

36 Lipovetsky afirma que numa sociedade reestruturada pela temporalidade da moda “nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer” (LIPOVETSKY, 2004: 61).

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em que cada elemento não pára de variar e modificar sua distância em relação aos

outros.

De Rosnay (1995), citado por Lemos (1997), propõe o termo Cybionte para definir

uma entidade cyborg formada pelos neurônios humanos e as redes de circulação de

informação digital. O Cybionte é um cérebro planetário formado pelo cérebro humano,

computadores e redes digitais rizomáticas. O Cybionte ramifica-se em todos os sentidos

e cresce com a dinâmica da multiplicidade das conexões, e por isso assemelha-se à

estrutura rizomática. O Corpo-Rede, da mesma forma, é um espaço simbiótico,

rizomático, um híbrido de corpo com rede, um corpo-sem-órgãos, que não tem

fronteiras claras entre a parte física e a parte rede.

A Internet representa mais amplamente o Corpo-Rede (ciberespaço ou Cybionte).

Expande-se de forma rizomática, compondo-se de múltiplas e variadas conexões. É um

organismo complexo, interativo e auto-organizante. Por essas características, talvez não

seja exagero dizer que o “Rizoma Internet”, constitui a figura arquitetural dos

procedimentos do controle.

No regime disciplinar não se parava de recomeçar; no regime do controle, nunca

se termina nada. O controle não tem início, nem fim, não tem centro, nem periferia,

está sempre no meio. No Panóptico, o guarda vê todos os prisioneiros e os prisioneiros

sabem que podem ser vistos permanentemente. Existe uma co-presença dos vigilantes

(que são poucos) e dos vigiados (que são muitos) num determinado espaço de

confinamento, onde impera a onipotência de um olhar despótico. O Rizoma Internet é

o oposto do Panóptico. No Rizoma Internet, não estamos num lugar, mas temos um

endereço, aberto à conexão possível. São linhas de fuga e de desterritorialização que se

ramificam em todas as direções. Conforme Baudrillard (1991), já não há imperativo de

submissão ao olhar, não há mais vigilância, apenas a circulação orbital da informação

digitalizada, em que a última instância é o bit (1/0) – a menor unidade de impulso

eletrônico, onde a distinção entre o ativo e o passivo é abolida. O controle, dessa forma,

tem como objeto um “corpo-digital” - puro padrão de informação.

A Figura 3 é o resultado gráfico do mapeamento da trajetória de pacotes de

informação na rede da sua origem até o seu local de destino proposto por Branigan,

Burch, Cheswick e Wojcik (2001). Observe-se a verossimilhança com a estrutura

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rizomática. Onde estão os vigilantes e os vigiados nas linhas que se ramificam em

todas as direções? No não-lugar, sem início e sem fim.

Figura 3: Rizoma Internet

Fonte: Cunha, 2007.

Num futuro não tão distante, a tendência para uma computação onipresente,

personalizada e acoplada aos corpos, expandirá extraordinariamente o Corpo-Rede

(ciberespaço, Cybionte). O Rizoma Internet, dessa forma, incorporará mais amplamente

os procedimentos do controle e terá suas linhas notavelmente multiplicadas.

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SEÇÃO II – REFINANDO AS PRÁTICAS

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Capítulo 1 – A ESCOLA DA DISCIPLINA

Continuo insistindo no sentido de que sob uma mesma denominação, uma mesma palavra – disciplina -, estamos nos referindo tanto ao modo como se organizam os saberes quanto ao modo

como se organizam as ações dos nossos corpos. Assim, tanto a Matemática, a Biologia e a Sociologia são disciplinas quanto o uso do espaço e do tempo, dessa ou daquela maneira, é uma maneira de ter

ou não ter disciplina. (VEIGA-NETO, 2008)

endo presente que os procedimentos de poder engendram práticas que

lhes são próprias, procurei, nos capítulos anteriores, descrever os

procedimentos da disciplina e caracterizar os procedimentos do controle.

Neste capítulo, tenho a intenção de apresentar algumas das práticas escolares próprias

do regime disciplinar. Ressalto que não tenho a pretensão de explorar todas as práticas

escolares, bem como todos os aspectos das práticas de disciplina; apenas proponho

garimpar algumas práticas escolares investidas pelo paradigma disciplinar.

A educação escolarizada, tal como a conhecemos, constituiu-se ao longo da

Modernidade. Esse modo de educação nasce na esteira das tecnologias disciplinares e

como tal está “empenhada” em dar conta da demanda de sujeitos disciplinados, dóceis,

autogovernáveis, eficientes e úteis. A escola moderna é uma instituição bastante

investida dos procedimentos da disciplina, motivo pelo qual passo a chamá-la de

“escola da disciplina”. Por isso, suponho que a resistência da escola em despir-se de

T

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suas práticas disciplinares deve-se ao fato de que isso implicaria a negação da sua

própria constituição.

Atualmente, nas escolas, não seria exagero dizer, talvez, na sua quase totalidade,

verificam-se procedimentos disciplinares em grande parte de suas práticas. Por isso, a

garimpagem de práticas disciplinares na escola parece-me não ser tarefa difícil,

embora, contemporaneamente, seja quase impossível pensar-se uma instituição

investida exclusivamente do paradigma disciplinar.

1.1 Disciplina-saber, disciplina-corpo

Veiga-Neto (1996) defende a tese de que a disciplina comporta dois eixos: a

disciplina-saber e a disciplina-corpo. O eixo da disciplina-saber encontra-se na divisão

e hierarquização dos conteúdos, dispostos numa estrutura curricular. O autor

argumenta que “o currículo implica, por si mesmo, uma lógica disciplinar, isto é, uma

lógica de disposições, aproximações, afastamentos, limites, hierarquias, contrastes que,

por si só e silenciosamente, também engendram regimes de verdade” (VEIGA-NETO,

1996: 253). A disciplina-corpo se dá principalmente na forma de práticas escolares que

procuram ocupar rotineira e produtivamente, mais e mais, o corpo e o tempo do

indivíduo na escola.

A hierarquização do saber, promovida pelo eixo da disciplina-saber pode ser

representada pela metáfora da árvore-raiz do conhecimento de Gallo (2000). Essa é

uma grande árvore, cujas extensas raízes devem estar fincadas em solo firme, em

premissas verdadeiras. O fluxo entre os saberes é pré-definido. A comunicação entre os

campos deve obedecer a uma hierarquia específica. O tronco se ramifica em galhos e

mais galhos, estendendo-se assim pelos mais diversos aspectos da realidade.

A Figura 4 representa a árvore-raiz do conhecimento. Os mitos são as raízes; a

filosofia é o tronco; os galhos - a matemática, a física, a química, a medicina, a biologia,

por exemplo, se ramificam em mais galhos, que por sua vez se ramificam em outros

galhos, especializando-se cada vez mais os campos do saber. Os galhos, isolados,

comunicam-se obedecendo à hierarquia e à circulação das seivas (saberes): a seiva

bruta sobe, a seiva elaborada desce.

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Figura 4: Árvore-raiz do conhecimento.

Fonte: Gallo (2000: 175)

Deleuze & Guattari (1995) opõem à metáfora da árvore-raiz do conhecimento a

metáfora do rizoma. Os autores afirmam que a árvore é filiação, enraizamento. As

conexões se dão hierarquicamente, por meio de um centro de significância. Por isso, os

sistemas arborescentes impõem o verbo ser.

A árvore impõe o verbo ‘ser’, mas o rizoma tem como tecido de conjunção ‘e... e... e...’ Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Para onde vai você? De onde você vem? Aonde quer chegar? São questões inúteis [...] partir do meio, pelo meio, entrar e sair, não começar nem terminar. (DELEUZE & GUATTARI, 1995: 37)

As disciplinas produzem saberes científicos que pretendem o estatuto de

“verdades”. Nesse contexto, o professor é o tradutor das “verdades” para os alunos; a

escrita é o modo de reprodução dessas verdades. No mesmo sentido, Lévy (1993)

ressalta que o saber, baseado na escrita, é marcado pela interpretação da realidade.

Procura-se adequar a idéia à coisa mesma que a interpreta, com o objetivo de descrever

uma “realidade” que seja “verdadeira”, ou uma “verdade” que esteja de acordo com a

“realidade”. Uma questão-verdade investe na interpretação e na reprodução de uma

verdade. Não é uma escolha entre alternativas possíveis, porque o enunciado remete

necessariamente a uma única resposta que pertence àquela realidade enunciada. Na

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escola da disciplina, assim, o exercício da escrita e a escrita de exercícios têm uma

dupla importância: tanto como forma de marcação dos segmentos temporais, como

forma de conhecimento. Por isso, a memorização graduada e progressiva, mediada

pelo exercício da escrita, é central nos métodos pedagógicos tradicionais.

Um rizoma dos saberes, conforme já referido, romperá com a hierarquização,

tanto no aspecto do poder e da importância, quanto no aspecto das prioridades de

circulação entre os saberes, próprio do paradigma disciplinar-arbóreo. Ao romper com

essa circulação estanque entre os saberes, o rizoma dos saberes requisita uma nova

forma de trânsito. O autor defende uma transversalidade rizomática, que significaria o

fim da compartimentalização, reconhecendo a multiplicidade das áreas do saber, o que

viabilizaria todo e qualquer trânsito entre os saberes. (GALLO, 2003)

No eixo da disciplina-corpo, a organização do espaço escolar, por exemplo,

disporá os alunos em turmas e por séries. Os alunos de uma mesma turma são locados

numa mesma sala de aula. Nesse espaço, os alunos são dispostos em fileiras,

principalmente a partir da 5ª série do Ensino Fundamental, havendo sempre um lugar

fixo para cada aluno. As carteiras são todas iguais. A mesa do professor, maior que a

dos alunos, é colocada diante do imenso quadro negro, de frente para todos os alunos.

Dessa forma, há o destaque do professor no lugar físico a ele destinado. Todos os

alunos podem vê-lo, porém somente o professor tem uma visão abrangente de todos os

alunos em seus lugares. Nenhum aluno pode mudar de lugar sem a autorização prévia

do professor. Cada lugar está relacionado a um aluno e cada aluno está relacionado a

um lugar. Todo aluno tem um número de matrícula associado a uma turma, onde cada

aluno é identificado por um número de chamada. Esse é um exemplo do

procedimento disciplinar do enquadramento individualizante em ação, e também o

princípio do panoptismo em que “poucos vigiam muitos”.

As turmas da mesma série são colocadas próximas umas das outras. Os níveis de

ensino: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio são distribuídos de

acordo com a proximidade das séries. Ainda, no ensino fundamental, os alunos de 1ª a

4ª série compõem as turmas de séries iniciais, sendo muitas vezes chamados de

“pequenos”. Os alunos de 5ª a 8ª série inserem-se numa organização curricular

semelhante à do ensino médio. Por isso, são chamados muitas vezes de “grandes”. As

turmas de educação infantil, geralmente ocupam um prédio próprio, com

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independência dos demais ambientes. As turmas de 1ª a 4ª série também são alocadas

em prédio próprio quando possível, porém já estão bem mais integradas às demais

turmas. No recreio, “os pequenos” não se misturam com “os grandes”. Quando

possível, fazem recreio em pátios separados ou em horários diferenciados. Dessa

forma, conforme aponta Foucault (2002), ao se determinar lugares individuais abre-se a

possibilidade do controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos.

O controle das atividades é feito por uma divisão do tempo progressivamente

esmiuçante. Os estudantes fazem testes de verificação dos conhecimentos

regularmente. Os resultados, expressos por nota ou conceito são reunidos no final do

ano letivo. Esses resultados permitem estabelecer os progressos, determinando-se

aqueles que podem avançar no currículo, passando a freqüentar a série seguinte ou os

que devem permanecer na mesma série temporal.

Na seqüência, focalizarei alguns aspectos da Lei de educação nº 5692 de 12 de

agosto de 1971, promulgada num tempo histórico, bem mais permeado por

procedimentos disciplinares, ao menos no Brasil, que na ocasião era governado por

militares. Essa Lei, bem de acordo com a lógica disciplinar, dispunha no Art. 8º:

A ordenação do currículo será feita por séries anuais de disciplinas ou áreas de estudo organizadas de forma a permitir, conforme o plano e as possibilidades do estabelecimento, a inclusão de opções que atendam às diferenças individuais dos alunos e, no ensino de 2º grau, ensejem variedade de habilitações. (LEI 5692/71)

Vê-se que há um destaque para a ordenação do currículo por séries anuais. No

parágrafo primeiro, admitia-se a organização semestral no ensino de 1º e 2º graus e, no

de 2º grau, a matrícula por disciplina sob condições que assegurassem o

relacionamento, a ordenação e a seqüência dos estudos. O tempo escolar dessa maneira

é organizado de tal maneira a compor-se de séries múltiplas e progressivas. A

atividade prevista para cada segmento temporal deve ser rigorosamente cumprida. O

final de cada série é fixado por meio de um sistema de avaliações. Os estudantes com

aproveitamento insuficiente devem ser submetidos a estudos de recuperação, para que

possam freqüentar a série seguinte, de forma que sejam cumpridos rigorosamente os

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componentes anteriores para dando continuidade a uma complexidade sempre

crescente.

O ano escolar ou ano letivo, definido na Lei 5692/71, no artigo 11, indicava que,

independentemente do ano civil, teria no mínimo 180 dias de trabalho escolar efetivo,

excluído o tempo reservado às provas finais, caso essas fossem adotadas. Se a escola

optasse pela organização semestral do ano escolar, cada semestre deveria ter 90 dias de

trabalho efetivo.

O artigo 18 dizia que o ensino de 1º grau teria a duração de oito anos letivos e

compreenderia, anualmente, pelo menos 720 horas-aula de atividades, o que

corresponde a 4 horas-aula de trabalho por dia letivo. Esse tempo é dividido em

unidades menores: períodos de 45 ou 50 minutos. Nesses períodos, são alocadas as

disciplinas. Cada disciplina, de acordo com a grade curricular, terá um número

específico de períodos por semana.

O artigo 22 definia que o ensino de 2º grau deveria ter três ou quatro séries

anuais, conforme previsto para cada habilitação, compreendendo, pelo menos, 2.200 ou

2.900 horas de trabalho escolar efetivo, respectivamente. Ainda, quanto à assiduidade,

no parágrafo 3º do artigo 11, lia-se que seria considerado aprovado o aluno com: “a)

freqüência igual ou superior a 75% na respectiva disciplina, área de estudo ou

atividade; b) o aluno de freqüência inferior a 75% que tenha tido aproveitamento

superior a 80% da escala de notas ou menções adotadas pelo estabelecimento”.

A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) 9394/96, sucessora da Lei de educação

5692/71, a despeito de seu interesse na flexibilização dos sistemas educacionais, define,

no seu artigo 24, que a carga horária mínima anual será de 800 horas, distribuídas por

um mínimo de 200 dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos

exames finais, quando houver. Depois de muitos questionamentos sobre como se

deveria considerar a hora-aula, o Parecer nº 05/97 do Conselho Nacional de Educação,

ratificado pelo Parecer CNE/CES nº 575/2001, esclarece que a contagem das 800 horas

de aulas mínimas anuais considera a hora-relógio oficial, isto é, hora de 60 minutos.

Esse mesmo Parecer, para dirimir quaisquer dúvidas, define que a escola deverá

cumprir 48.000 minutos de trabalho efetivo por ano letivo, evidenciando, talvez, a

intensificação e a generalização da disciplina, citada por Hardt (2000).

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1.2 A penalidade açucarada

Foucault (2002) defende que na essência de todos os sistemas disciplinares

funciona um pequeno mecanismo penal. As disciplinas “quadriculam um espaço

deixado vazio pelas leis” (FOUCAULT, 2002: 149). Pertence à penalidade disciplinar

uma infinidade de pequenas atitudes e comportamentos que escapam ao controle dos

grandes sistemas de punição, ou seja, tudo o que está inadequado à regra, tudo o que

se afasta dela, os desvios. O que interessa à penalidade disciplinar são as atitudes e

comportamentos referentes à maneira de utilização do tempo, maneiras de se expressar

e manifestar, e formas de se usar o corpo e a sexualidade. Tais atitudes são os atrasos,

ausências, desatenções, negligência, falta de zelo, grosseria, desobediência, tagarelice,

insolência, imodéstia, indecência, etc.

Os objetos da penalidade disciplinar são, portanto, as pequenas atitudes e

comportamentos. Por um processo de vigilância permanente no espaço de

confinamento, são caracterizados aquelas atitudes e comportamentos inadequados às

regras estabelecidas, naquele espaço. Então, o que pertence à penalidade disciplinar é a

inobservância, tudo o que está inadequado à regra, tudo o que se afasta dela, os

comportamentos desviantes.

O castigo disciplinar é fixado com o objetivo de corrigir os desvios e as

inobservâncias, privilegiando punições que são mais da ordem do exercício do que da

repressão; de modo que “castigar é exercitar” (FOUCAULT, 2002: 150). A repetição dos

comportamentos, conforme a regra, serve de castigo aos comportamentos

caracterizados como desviantes e, ao mesmo tempo, exercita o comportamento que é

de acordo com a regra. O castigo não é uma prática de vingança ou de demonstração

de força, mas um exercício que visa redirecionar.

A penalidade disciplinar tem o objetivo de treinar os comportamentos de modo a

torná-los cada vez mais conformes às regras estabelecidas. Desse modo, a punição

obriga a um exercício e também estabelece um sistema de recompensas com a

finalidade de hierarquizar as condutas, ou seja, classificar os comportamentos em

“bons” e “maus”. A punição-exercício, ao lado de um mecanismo de recompensas, é

que permitirá a adequação e a qualificação dos indivíduos. Assim, a disciplina

diferencia, hierarquiza e classifica os comportamentos e, por conseqüência, os

indivíduos.

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Na escola da disciplina, o documento principal para a definição das regras é o

regimento escolar. Esse documento sintetiza os procedimentos reguladores dos

aspectos administrativos-pedagógicos da escola. O regimento, junto com outros

documentos normativos, estabelece os direitos e os deveres dos docentes (professores)

e dos discentes (alunos) e as sanções aplicáveis aos comportamentos desviantes.

Conforme o dicionário Houaiss (2001), regimento é o ato, efeito ou modo de

reger, de dirigir; conjunto de normas impostas ou consentidas; disciplina, regime. Do

verbo latino rego, is, rexi, rectum, regère ‘dirigir em linha reta (sentido físico ou moral);

ter a direção ou comando de, reger, governar’. Regulamento é o ato ou efeito de

regular, de estabelecer regras; estatuto, instrução que prescreve o que deve ser feito;

conjunto de regras para qualquer instituição ou corpo coletivo. Do latim regula, ae

‘régua (reta e simples)’. Regra: aquilo que regula, dirige, rege; princípio, norma,

preceito. Do latim regula, ae ‘régua, barra de pedreiro ou carpinteiro para aferir e tornar

reta uma superfície; pau ou ripa que sustenta alguma coisa, tala que endireita osso

quebrado; preceitos ou normas que servem de guia a procedimentos ou

comportamentos’; regère ‘dirigir, guiar, conduzir, governar’.

Assim, o investimento dos procedimentos disciplinares na escola acarreta uma

caracterização detalhada das regras, de modo a dar conta de um universo de pequenas

atitudes e comportamentos, levando à confecção de regulamentos exaustivos. A

penalidade disciplinar “passa a régua”, corrige os desvios e as inobservâncias do que é

da regra média institucionalizada. O regulamento, caracterizando o que é normal,

classifica, hierarquiza, distribui lugares e estabelece o que é o “anormal”.

O desvio das regras regimentais é o objeto da penalidade disciplinar. A escola da

disciplina tem no regimento a sua principal força. O regimento escolar, de acordo com

o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, é o

documento legal e obrigatório para a aplicação de medidas disciplinares. Dele devem

transparecer objetivamente quais são as regras, para que se possa caracterizar com

maior clareza o ato de indisciplina. Deve dispor sobre as medidas aplicáveis e quem

detém a competência de aplicá-las.

O ECA faz uma distinção entre ato de indisciplina, circunscrito ao ambiente

escolar, e ato infracional. Ato infracional é todo aquele que se caracterize como conduta

prevista como crime ou contravenção na legislação penal, sendo que os menores de 18

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anos são inimputáveis. O ato de indisciplina nasce do descumprimento do regimento e

das regras dentro dos muros escolares.

Ao ser verificado a prática de um ato infracional, a autoridade competente

poderá aplicar ao adolescente, conforme o artigo 112, as seguintes medidas sócio-

educativas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à

comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em

estabelecimento educacional; ou qualquer uma das medidas previstas no artigo 101, I a

VI (encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias

em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário

ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento

médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão

em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e

toxicômanos). O parágrafo primeiro define que a medida aplicada ao adolescente

levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da

infração.

No âmbito das escolas, por força da legislação menorista que prevê “medidas

sócio-educativas” ao invés de “penalidades” para os atos infracionais, não ficou lá

muito politicamente correto, por exemplo, tratar os procedimentos de correção dos

desvios e das inobservâncias das normas de “penalidades”, “sanções” ou “punições”

disciplinares. O ECA fez com que os regimentos escolares suprimissem toda e qualquer

referência a penalidades. A alternativa encontrada pelas escolas que não querem se

desfazer da “arte de punir” é o uso do termo “medidas pedagógicas”. Da mesma forma

que o ECA, as medidas pedagógicas devem guardar uma relação de proporcionalidade

com o desvio. Assim, as medidas pedagógicas na escola observarão uma ordem

progressiva de aplicação: advertência verbal com aconselhamento e orientação;

advertência escrita; suspensão temporária das atividades escolares. Após a suspensão,

o aluno poderá ser encaminhado para outra instituição escolar, em acordo com a

família, ou procedido o cancelamento do contrato de matrícula. A aplicação de todas as

medidas deve ser de conhecimento dos pais ou responsáveis, e devem ser

acompanhadas pelos serviços de orientação educacional e supervisão escolar;

psicologia e orientação religiosa, se a escola os mantiver, ou qualquer outro serviço de

assistência ao aluno. Ou seja, todos os setores da escola devem participar das medidas

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pedagógicas. Ainda, o encaminhamento para outra instituição ou o cancelamento do

contrato de matrícula deve ser submetido à apreciação de um órgão colegiado que

inclui representantes de todos os serviços, mais uma representação dos professores.

A minoração da penalidade disciplinar, introduzida pelo ECA, aliada a outros

procedimentos do controle que atravessam a escola na Contemporaneidade, acarretam

um abrandamento das práticas disciplinares na escola em favor de práticas mais

flexíveis, descentralizadas e cambiantes. Os muros das instituições estão

desmoronando, conforme Hardt (2000). Dessa forma, a caracterização do ato de

indisciplina intramuros escolares, conforme define a legislação menorista, torna-se

uma empreitada bastante complexa, corroborando para um afrouxamento da

disciplina no espaço fechado da escola. A expressão desse estado de coisas é a “medida

pedagógica”: uma “penalidade açucarada”.

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Capítulo 2 – A ESCOLA SOB CONTROLE

São exemplos frágeis, mas que permitiriam compreender melhor o que se entende por crise das instituições, isto é, a implantação progressiva e dispersa de um novo tipo de dominação.

(DELEUZE, 1992: 225)

possível uma escola sem disciplina? Conforme Foucault (1995), o que

faz dos indivíduos sujeitos, é sempre uma forma de poder. A disciplina é

uma forma de poder, um conjunto de ações sobre ações possíveis.

Dreyfus & Rabinow (1995), conforme já referido, destacam que o poder não está

restrito às instituições políticas, ou seja, os procedimentos de poder não podem ser

identificados com instituições particulares. Porém, é exatamente quando determinados

procedimentos encontram uma localização em instituições específicas, quando

investem nessas instituições, é que de fato começam a funcionar. As relações de poder

são imanentes às instituições, mas não são idênticas a elas.

Por exemplo, a escola não pode ser reduzida à sua função disciplinar. O conteúdo da geometria euclidiana não mudou devido à arquitetura da escola. Porém, muitos outros aspectos da vida da escola mudaram pela introdução da tecnologia disciplinar

É

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(horário rígido, separação dos alunos, vigilância da sexualidade, classificação, individualização, etc). (DREYFUS & RABINOW, 1995: 204)

A escola moderna é uma instituição privilegiadamente investida dos

procedimentos da disciplina. Isso não exclui que outros procedimentos de poder

passem a investir sobre a escola. A escola da disciplina, outrora a grande responsável

de forjar alunos dóceis, futuros trabalhadores disciplinados, perde,

contemporaneamente, grande parte de sua influência. Os procedimentos do controle,

centrados na instantaneidade dos fluxos informacionais, produzem e legitimam um

tipo de organização social não limitado a espaços fechados. O trabalhador disciplinado,

dócil e parcimonioso de outrora, forjado nas carteiras escolares, entre as quatro paredes

da sala de aula, cede lugar, agora, ao trabalhador flexível, perdulário, produzido em

diferentes contextos do mundo contemporâneo, sendo que a escola é apenas um deles.

Os procedimentos do controle, viabilizados pelas redes digitais rizomáticas,

pairam, como uma nuvem baixa, sobre o espaço escolar, tradicional meio de

disciplinamento, enquadramento e vigilância, e instalam zonas de conflito. Assim, a

escola da disciplina vê-se compelida a abandonar práticas consagradas, ao mesmo

tempo em que se sente constrangida a legitimar outras. Busco neste capítulo, como no

capítulo anterior, em relação às práticas de disciplina na escola, apresentar algumas

das práticas escolares contemporâneas investidas dos procedimentos do controle. Da

mesma forma, não tenho a menor pretensão de dar conta da totalidade das práticas

escolares correntes, bem como do universo dos procedimentos do controle que, mais

amplamente, estão constituindo os modos de pensar e estar no mundo contemporâneo.

Almejo, apenas, enxergar, em alguma ou em algumas práticas, os procedimentos do

controle em ação, de modo a testar, minimamente, a pertinência e também a resistência

dos conceitos desenvolvidos nos capítulos precedentes, principalmente no capítulo

“Procedimentos do controle”.

2.1 Flexibilidades no ensinar e aprender

A distribuição tradicional dos corpos no espaço fechado da sala de aula, por

exemplo, dispõe os alunos em fileiras, onde há um lugar sempre fixo para cada aluno e

onde há o destaque para o professor no lugar físico a ele destinado. Todos os alunos

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podem ver o professor, porém somente o professor tem uma visão abrangente de todos

em seus lugares fixos. A disposição em fileiras é uma forte evidência do investimento

do modelo panóptico-disciplinar, em que a vigilância hierárquica e piramidal é a

dominante. Essa forma de distribuição dos corpos no espaço fechado da sala de aula,

há um tempo no passado inquestionável, atualmente, é substituída, muitas vezes, com

grande entusiasmo pela disposição dos alunos em “círculo”, em “U” ou em pequenos

grupos, de modo a colocar todos de frente para todos. Todos, situados no mesmo

plano, podem controlar-se mutuamente. Essa disposição harmoniza-se mais com o

controle rizomático, onde, no intenso entrecruzamento dos olhares, qualquer nó

(aluno) pode estar conectado a qualquer outro nó (aluno), sendo que o professor, no

mesmo plano, representa apenas “outro nó”. Dessa forma, todos – alunos e professor -

são conduzidos a um estado de total transparência.

A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9394 de 20

de dezembro de 1996, promulgada sob a égide da Carta Magna de 5 de outubro de

1988 e sob o impulso de uma intensa abertura política, está imbuída de grande

interesse pela flexibilização dos sistemas educacionais. Dessa forma, sintoniza-se com

os procedimentos do controle, ratificando-os nos espaços escolares.

O artigo 23 da LDB dispõe:

A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. (LDB 9394/96)

O texto desse artigo deixa transparecer que não há mais uma centralidade da

organização por séries. Na Lei de educação anterior (5692/71), há um destaque para a

ordenação do currículo em séries anuais ou semestrais. Conforme aponta Veiga-Neto

(1996), o currículo implica, por si mesmo, uma lógica disciplinar, uma lógica de

disposições, aproximações, afastamentos, limites, hierarquias. A distinção, conferida à

ordenação do currículo nas séries, aponta para a inserção da Lei 5692/71 numa lógica

disciplinar. A LDB 9394/96 desloca o foco de atenção para o processo de

aprendizagem. Por conta dessa prioridade, toda forma de organização que for

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necessária e útil, para que o aluno efetivamente aprenda, passa a ser válida, abrindo

caminho para uma flexibilização crescente da organização curricular e, por

conseqüência, da organização escolar.

Na escola da disciplina, são levantadas rígidas fronteiras entre os segmentos

temporais (séries) que são marcadas por um sistema de avaliações. Essas fronteiras são,

agora, flexibilizadas pela nova legislação. No artigo 24, inciso V, lê-se:

a) a avaliação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) a avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos ao longo do período sobre os de eventuais provas finais; b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar; c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado; d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito; e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos. (LDB 9394/96)

Pela alínea “a” prevalecem os aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos

resultados ao longo do período letivo sobre os de eventuais provas finais. Ao mesmo

tempo pela alínea “b” é possível acelerar os estudos para alunos com atraso e pela

alínea “c” é possível avançar nos cursos e nas séries, se o aluno mostrar aprendizado

para tanto. Por isso, se um aluno pode progredir com velocidade maior, a escola

poderá proporcionar-lhe a possibilidade de apressar seu processo formativo. Porém, se

outro aluno se atrasar, a escola deverá empenhar-se com todos os seus recursos

possíveis e imagináveis para recuperá-lo. Diferentemente, na escola da disciplina, a

atividade prevista para cada série ou segmento temporal, deve ser efetivamente

cumprida. Antes de passar à série seguinte, deve-se testar a eficácia da realização da

etapa anterior por meio das provas finais (exames).

Quanto à assiduidade, a nova Lei também é mais flexível ao dispor no artigo 24,

inciso VI, que exige a freqüência mínima de 75% do total de horas letivas para

aprovação. Ou seja, um aluno pode faltar até 50 dias durante um ano, independente

das disciplinas. Na Lei anterior, era necessária freqüência mínima de 75% da carga

horária de cada disciplina. Isso mostra que a nova Lei é mais condescendente em

relação à presença física do aluno no espaço de confinamento da escola.

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Os procedimentos do controle, centrados na instantaneidade dos fluxos

informacionais nas redes digitais rizomáticas, recobrem e fragmentam os espaços

escolares tradicionais. O aluno dócil e disciplinado de outrora, formado entre os muros

da escola, onde as regras da escolarização eram claramente definidas de acordo com

uma autoridade hierárquica, local, vertical, cede lugar à produção espraiada de um

sujeito flexível, que deve ter a capacidade de se movimentar num contexto mais fluido

(POPKEWITZ, 1998).

A escola, na Contemporaneidade, como toda instituição marcadamente

disciplinar, está sendo atravessada por procedimentos do controle. Esse investimento,

que vem de todos os lados, inclusive da própria legislação, implica a urgência sempre

renovada de realinhamento das práticas escolares, preparando o terreno para um

“ambiente perpétuo de mudança”. Dessa forma, a avaliação continuada e a formação

permanente passarão a ser defendidas e pretendidas cada vez mais na “arena

educacional37”. Nesse novo contexto, os alunos e os professores, em primeiro lugar,

terão de desenvolver competências e habilidades de modo a transformarem-se em

indivíduos solucionadores de problemas, “autônomos e pessoalmente flexíveis, que

agem em contextos que não têm nenhum conjunto claro de fronteiras ou respostas

simples” (POPKEWITZ, 1998: 116).

Laval (2003) aponta que esse contexto de “solução-de-problemas” em educação

está diretamente relacionado à nova estrutura empresarial, menos hierárquica e

piramidal, mais ágil e mais flexível. A agilidade e a flexibilidade são condições de

sobrevivência num mundo globalizado em que a instantaneidade e a descartabilidade

são valores capitalizáveis. Isso acarreta uma flexibilização das práticas de trabalho,

demandando dos trabalhadores um estado de alerta e de contínua “solução-de-

problemas”, de modo que a empresa esteja sempre pronta a dar respostas imediatas às

demandas sempre renovadas dos consumidores. Assim a escola, um investimento de

longo prazo, ressente-se com essas demandas de “curto-curtíssimo” prazo.

O capitalismo de acumulação flexível, conforme Laval (2003), apresenta-se

voluntariamente como cada vez mais libertador e redefine o homem como um

indivíduo essencialmente privado capaz de aprender ao longo da vida o que lhe será

37 Thomas Popkewitz (1998) afirma que utiliza “arena” para pensar as práticas educacionais como ocorrendo num campo de relações cambiantes.

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útil profissionalmente - o eterno aprendiz. Nesse contexto, o professor deverá

desenvolver capacidades de auto-reflexão, “solução-de-problemas” e disposição

permanente para aprender. O aluno, por sua vez, deve ser dotado pela escola inicial de

um pacote de “competências de base”, habilitando-o a resolver problemas de forma

flexível, num processo contínuo de adaptação a situações complexas e cambiantes. O

professor, assim, deixa de ser aquele que ensina, e passa a ser um gestor, um gerente,

um guia, um tutor, um mediador do aprendizado. Isso demanda uma pedagogia cujo

princípio organizador é a resolução de problemas em situação de incerteza38.

A escola, nesse contexto, deverá abandonar quaisquer referências à acumulação

de saberes própria dos sistemas disciplinares hierárquicos e arborescentes. O professor

deverá acompanhar os alunos isolados, num processo crescente de diferenciação e

personalização. Dessa forma, a escola deverá passar de uma lógica de transmissão de

conhecimentos para uma lógica de desenvolvimento de competências de base:

adaptabilidade, comunicabilidade, trabalho em equipe, escolha e “solução-de-

problemas”. Essa organização requererá a construção de sistemas fortes de controle e

monitoramento, materializados no Brasil, por exemplo, pelos exames nacionais: SAEB

(educação básica), ENEM (ensino médio), ENADE (ensino superior), ENCCEJA

(educação de jovens e adultos). A Provinha Brasil, também, é um instrumento de

avaliação da alfabetização das crianças após um ano de escolaridade. Em março de

2008 foi disponibilizado o primeiro teste e demais instrumentos de apoio que

compõem a Provinha Brasil. A avaliação continuada, de maneira insidiosa, modifica o

olhar dos professores e o seu trabalho desde os primeiros passos da criança na escola,

controlando e engessando dessa forma a atividade escolar.

2.2 Romper com a educação bancária

Focalizarei alguns aspectos do ENEM extraídos do site do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP). O INEP tem por missão promover estudos,

pesquisas e avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de

subsidiar a formulação a implementação de políticas públicas para a área educacional. 38 “Ao invés da clássica pergunta: como se deve ensinar a escrever, Emilia Ferreiro perguntou como alguém aprende a ler e escrever independente do ensino.” Esse é o título de um artigo sobre alfabetização construtivista de Vera Lúcia Camara Zacharias (2007). Emília Ferreiro - psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, é doutora pela Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget.

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Justifico a escolha pelo ENEM, porque esse é um teste que está colocado ao final da

educação básica e tem caráter de síntese. O monitoramento do desempenho dos alunos

egressos do Ensino Médio quanto à aquisição e desenvolvimento de competências39 e

habilidades40, ao mesmo tempo que controla, engessa e direciona as práticas escolares.

Julgo que o ENEM, mais do que monitorar competências e habilidades, está

empenhado em interpor modelos cujo objetivo final é a produção de sujeitos flexíveis,

dirigidos para escolhas permanentes. Nessa perspectiva, as competências e as

habilidades já não disputam o estatuto de verdade. Antes, visam marcar os sujeitos,

nas palavras Bujes (2002), pelas senhas de acesso, em termos de aptidão ou não-aptidão

para lidar com uma quantidade e uma variedade considerável de informações, nem

sempre tão estável como as verdades científicas.

Já na página inicial está disposto o objetivo do ENEM:

Tomando como referência principal a articulação entre educação e cidadania firmada pela Constituição Federal e ratificada pela LDB, o Enem foi criado com o objetivo de avaliar o desempenho do aluno ao final da escolaridade básica, para aferir o desenvolvimento das competências e habilidades requeridas para o exercício pleno da cidadania. (INEP, 2007)

O ENEM, segundo os seus idealizadores, foi concebido como uma prova

interdisciplinar, distinto dos vestibulares. Ressaltam que tal concepção favorece a

complementaridade e a integração entre os conteúdos das diversas disciplinas e áreas

do conhecimento, em contraste com o ensino compartimentalizado dos currículos

tradicionais arborescentes.

O modelo de avaliação do Enem também é inovador por romper com a educação bancária, que concebe o processo de ensino-aprendizagem como uma simples transferência do conhecimento

39 Competências: são as modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer. (INEP, 2007)

40 Habilidades: decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do “saber fazer”. Por meio das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências. (INEP, 2007)

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do professor para o aluno, visto como um depositário passivo de quem não se espera mais do que o esforço mecânico de memorização de fatos, regras e conceitos. Ao invés de testar a retenção de conteúdos das diversas disciplinas que compõem o currículo da educação básica, como fazem os vestibulares tradicionais, o Enem exige que o aluno demonstre o domínio de competências e habilidades na solução-de-problemas, fazendo uso dos conhecimentos adquiridos na escola e na sua experiência de vida. (INEP, 2007)

O ENEM não mede, portanto, a capacidade do aluno de assimilar e acumular

(memorizar) informações. Seu foco de aferição centra-se na capacidade de utilizar

informações em contextos adequados, servindo-se dos conhecimentos adquiridos para

a tomada de decisões autônomas e socialmente relevantes. Dessa forma, o ENEM,

opondo-se aos exercícios de memorização, desqualifica a acumulação de

conhecimentos ou a retenção de conteúdos e incorre numa contradição. Laval (2003)

denuncia essa discrepância:

Uma das contradições pedagógicas da nova ordem escolar está nisso: como mobilizar a atividade intelectual dos estudantes, desvalorizando as disciplinas científicas e culturais e deixando pensar que a experiência prática, espontânea e “informal”, os engajamentos associativos ou as boas intenções caritativas são da mesma ordem que os estudos escolares e educação física e cultural que eles proporcionam. (LAVAL, 2003: 63)

O autor aponta que a lógica de competência, dando maior ênfase às qualidades

diretamente úteis da personalidade, desprezando conhecimentos que não seriam

necessariamente e imediatamente úteis economicamente, comporta um sério risco de

desintelectualização da juventude. Donde surgem perguntas no corpo discente, tais

como: Por quê estudar História? Por quê estudar Filosofia? Ressalta-se que nenhum

campo do saber está isento desse questionamento, haja vista que, na lógica das

competências e habilidades, o conhecimento só é legítimo na medida em que é

necessário e imediatamente útil.

A Figura 5 mostra a estrutura de elaboração da prova. Ela é feita a partir de uma

matriz de cinco competências, expressas em 21 habilidades, de modo a permitir uma

avaliação global do desempenho do participante e uma interpretação do desempenho

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em cada uma das cinco competências de base. Essa estrutura é diferente da estrutura

hierárquica e arbórea do conhecimento. Está mais para uma estrutura de rede de

informação em que todas as ilhas de informação se interconectam.

Figura 5: Diagrama de avaliação de competências e habilidades

Fonte: INEP, 2007.

Os idealizadores defendem que o exame, embora ocorra num contexto de

simulação, portanto artificial, é uma ferramenta ideal para a verificação da aquisição

das competências e habilidades básicas pelos estudantes egressos do Ensino Médio,

desenvolvidas e fortalecidas com a mediação da escola. Lévy (1993) afirma que o

conhecimento por simulação é um dos novos gêneros de saber possibilitado pela

informática. Um modelo digital não é nem verdadeiro nem falso, apenas será mais ou

menos útil, mais ou menos eficaz. No universo digital, as verdades cedem lugar aos

modelos e previsões, a escrita cede lugar à simulação por computador. Um modelo

informático não é lido ou interpretado como um texto, mas é explorado

interativamente, porque é plástico, dinâmico e detém certa autonomia de ação e reação.

A situação-problema, por ser artificial, não-natural, pode ser alterada e, por isso,

recorre, inventa ou cria contextos que favoreçam a avaliação ou o julgamento de uma

dada questão. Uma situação-problema define-se por uma questão que coloca um

problema, ou seja, faz uma pergunta e oferece algumas alternativas, das quais apenas

uma melhor se articula com o que foi enunciado. Para isso, o avaliado deve analisar o

conteúdo proposto na situação-problema e escolher a alternativa que melhor articula as

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duas partes (enunciado e alternativas) que compõem a situação-problema como um

todo.

Vejamos dois exemplos de situações-problemas:

Exemplo 1: (ENEM, 2001)

“Os progressos da medicina condicionaram a sobrevivência de número cada vez maior de indivíduos com constituições genéticas que só permitem o bem-estar quando seus efeitos são devidamente controlados através de drogas ou procedimentos terapêuticos. São exemplos os diabéticos e os hemofílicos, que só sobreviveram e levam vida relativamente normal ao receberem suplementação de insulina ou do fator VII da coagulação sanguínea.” SALZANO, M. Francisco. Ciência Hoje. SBPC : 21(125), 1996. Essas afirmações apontam para aspectos importantes que podem ser relacionados à evolução humana. Pode-se afirmar que, nos termos do texto: (A) Os avanços da medicina minimizam os efeitos da seleção natural sobre as populações. (B) Os usos da insulina e do fator VIII da coagulação sanguínea funcionam como agentes

modificadores do genoma humano. (C) As drogas medicamentosas impedem a transferência do material genético defeituoso

ao longo das gerações. (D) Os procedimentos terapêuticos normalizam o genótipo dos hemofílicos e diabéticos. (E) As intervenções realizadas pela medicina interrompem a evolução biológica do ser

humano.

O relatório pedagógico do ENEM 2001 aponta que cerca de 40% dos participantes

demonstram compreender os efeitos dos avanços da medicina na manutenção de

determinadas características nas populações humanas. O elevado índice de escolha de

alternativas incorretas sugere, provavelmente, conforme o relatório, pouco domínio da

linguagem e conceitos científicos.

Exemplo 2: (ENEM, 2001) A refrigeração e o congelamento de alimentos são responsáveis por uma parte significativa do consumo de energia elétrica numa residência típica. Para diminuir as perdas térmicas de uma geladeira, podem ser tomados alguns cuidados operacionais. I. Distribuir os alimentos nas prateleiras deixando espaços vazios entre eles, para que ocorra a circulação do ar frio para baixo e do quente para cima. II. Manter as paredes do congelador com camada bem espessa de gelo, para que o aumento da massa de gelo aumente a troca de calor no congelador. III. Limpar o radiador (“grade” na parte de trás) periodicamente, para que a gordura e a poeira que nele se depositam não reduzam a transferência de calor para o ambiente. Para uma geladeira tradicional é correto indicar, apenas, (A) A operação I. (B) A operação II. (C) As operações I e II. (D) As operações I e III. (E) As operações II e III.

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O relatório pedagógico aponta que apenas 42% reconhecem a importância

relacionada com as trocas de calor externas à geladeira. Os demais participantes

acreditam, erradamente, que o gelo “ajuda a conservar o frio da geladeira”,

demonstrando não compreender os processos de troca de calor que ocorrem nos

congeladores.

Os exemplos de situações-problemas trazidos mostram a recorrência entre os

enunciados e as alternativas de expressões como: “pode-se afirmar que”, “é correto

indicar”. Numa questão-verdade, há uma relação de pertencimento entre o enunciado

e a resposta correta. Na situação-problema há uma relação de articulação entre o

enunciado e a alternativa correta. Ou seja, não há alternativa correta por si mesma. Será

correta a alternativa que melhor articular as duas partes de uma situação-problema:

enunciado e alternativas. Não há, portanto, uma alternativa “naturalmente” correta.

Todas as alternativas de uma situação-problema são corretas, porém somente uma

delas se articulará melhor com o contexto do enunciado. No ENEM, conforme seus

idealizadores, não “há pegadinhas”.

Os baixos níveis de desempenho, apontados pelos relatórios pedagógicos,

indicam o acerto da crítica de Laval (2003), pois o ENEM não pode prescindir de

conhecimentos científicos sólidos e verdadeiros. Talvez isso requeira uma revisão de

sua proposta, bastante reducionista, de total rompimento com uma “educação

bancária”, desprezando qualquer esforço em favor da memorização de fatos, regras e

conceitos.

2.3 Conectar é preciso

A interconexão generalizada é a condição fundamental para a consolidação das

redes digitais rizomáticas que constituem o Corpo-Rede ou ciberespaço. Lévy (1999)

sugere que o desenvolvimento do ciberespaço e das comunidades virtuais coopera

para um aprofundamento da democracia. A morosidade da democracia representativa,

conforme o autor, já não responde às demandas de formas mais diretas e ágeis de

comunicação e interação das organizações contemporâneas. As redes digitais

rizomáticas possibilitam um aprofundamento da democracia, uma democracia que

seria direta e em tempo real, minimizando os inconvenientes da democracia

representativa.

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Porém, a configuração de uma “ágora virtual” ou democracia eletrônica,

proposta por Lévy (1997), requer algumas condições. Primeiramente, deve-se lutar pelo

acesso universal às novas tecnologias de informação e comunicação, em especial a

Internet, de modo a minimizar a exclusão. A participação política, no modelo da

democracia eletrônica, que prefiro chamar democracia digital, demanda

necessariamente processos de inclusão digital em massa, o que implica uma série de

medidas prévias. A inclusão digital e o acesso universal às redes, gerando

continuamente informações em tempo real, promoveriam o desenvolvimento de todas

as regiões, inclusive as menos favorecidas.

Gates (2007) ressalta que, hoje, aproximadamente um bilhão de pessoas utiliza

computadores personalizados para uma população mundial de seis bilhões de pessoas.

Sintonizado com o conceito de democracia digital, afirma:

À medida que tornamos a tecnologia mais acessível e mais simples de usar, podemos reduzir efetivamente o abismo entre as sociedades ricas e as mais pobres e estender as oportunidades sociais e econômicas a toda a humanidade. Essas oportunidades podem ser traduzidas em maior acesso à educação, à informação, à saúde e aos mercados globais. (GATES, 2007: 72)

O governo brasileiro tem dado mostras significativas do propósito de fornecer a

infra-estrutura necessária para a instauração de uma democracia digital, muito mais

extensivas do que o voto eletrônico, já praticado há alguns anos. Para isso, instituiu o

Programa Brasileiro de Inclusão Digital que visa à inclusão do maior número possível

de brasileiros no espaço de fluxos informacionais das redes digitais rizomáticas.

Esse Programa desenvolve-se em quatro eixos:

1) O eixo PC Conectado tem os seguintes objetivos: articular a produção e

comercialização de um computador de qualidade e recursos compatíveis com o uso

residencial e comercial de pequeno porte (micro e pequenas empresas); oferecer acesso

facilitado aos serviços e informações disponíveis na Internet; oferecer preço e condições

de financiamento compatíveis com a disponibilidade de recursos das famílias com

renda acima de três salários mínimos. Esse é o eixo do Programa que visa à inclusão

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digital da população que não têm computador, mas tem condições de comprometer

parte da renda familiar para a aquisição.

2) O eixo Casa Brasil visa à inclusão digital da população que não tem

computador e não tem disponibilidade de renda para aquisição.

3) O eixo Infra-Estrutura Tecnológica visa aproveitar melhor a infra-estrutura

tecnológica do governo para promover a inclusão digital.

4) O eixo Incorporação do Ministério da Educação visa promover a inclusão

digital nas escolas.

No dia 12 de dezembro de 2007, o Governo Federal emitiu o Decreto nº 6.300 que

dispõe sobre o Programa Nacional de Tecnologia Educacional – ProInfo com o seguinte

objetivo definido no artigo 1º, parágrafo único, inciso IV: contribuir com a inclusão

digital por meio da ampliação do acesso a computadores, da conexão à rede mundial

de computadores e de outras tecnologias digitais, beneficiando a comunidade escolar e

a população próxima às escolas. O Decreto dispõe no artigo 6º que o Ministério da

Educação coordenará a implantação dos ambientes tecnológicos, acompanhará e

avaliará o ProInfo.

O Ministério da Educação prevê que todas as escolas públicas terão

computadores e Internet até 2010, conforme informado no portal do MEC e apresenta a

seguinte evolução:

O ProInfo ampliou seu atendimento de 1,8 mil municípios para aproximadamente 5,3 mil ainda em 2007, e de 6,5 mil para 13 mil escolas até o final deste ano. A universalização do atendimento às escolas de ensino médio brasileiras está próxima. Em 2008, mais de 20 mil escolas serão atendidas; já foram comprados 90 mil computadores para nove mil escolas. As atividades de formação de professores têm início em março de 2008, atendendo a 80 mil pessoas por ano, somando 240 mil professores até 2010. Os diretores também serão capacitados: 15 mil em 2008, 28 mil em 2009 e 28 mil em 2010. Nesses três anos, 1,8 milhão de alunos serão beneficiados.

Assim, confirma-se que para a sociedade da informação e do controle “conectar é

preciso”. Há um movimento contínuo e crescente de expansão da conexão, no sentido

de que todos tenham a possibilidade de se conectarem ao universo das redes digitais

rizomáticas. Nesse contexto, a conexão torna-se um “bem em si mesmo”, conforme

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Lévy (1999). Para uma democracia digital, proposta esse autor, é imperioso conectar

todas as regiões, especialmente as mais desfavorecidas. O ProInfo, sob

responsabilidade do Ministério da Educação, ao pretender conectar todas as escolas

públicas, independente das distâncias geográficas, traz como objetivo secundário,

porém não menos importante, a inclusão digital da população próxima às escolas, por

intermédio das jovens gerações, cujas dificuldades de para utilização de computadores

e softwares quase inexistem. Como a rede de escolas cobre o território nacional, pode-se

entrever a relevância desse projeto no âmbito do Programa Brasileiro de Inclusão

Digital. A escola, assim, passará a fazer parte integrante da infra-estrutura necessária

para a inclusão digital em massa, formando o suporte material necessário para a

expansão das redes digitais rizomáticas, fundamental para uma “bem-aventurada”

democracia digital que traz a promessa sedutora de “abolição” dos males da atual

democracia representativa.

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SEÇÃO III - RESSONÂNCIAS

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Capítulo 1 – SUJEITO SEM FRONTEIRAS

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando

fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. (HALL, 2005: 12)

arvey (2005), conforme já citado, sugere que os usos e significados do

espaço e do tempo mudaram com a transição do capitalismo de

produção industrial para o capitalismo de acumulação flexível. Nas

últimas duas décadas, mais especificamente, estamos vivenciando “processos que

revolucionaram as qualidades objetivas do espaço e do tempo a ponto de nos forçarem

a alterar, às vezes, radicalmente, o modo como representamos o mundo para nós

mesmos” (HARVEY, 2005: 219). A expansão do Corpo-Rede – Cybionte ou ciberespaço,

promove uma interatividade sempre crescente, que suspende os limites territoriais e

reduz os horizontes temporais a um ponto em que só existe o presente. Perde-se “o

presente, o passado e o futuro em proveito exclusivo de um tempo que escorre”

(DELEUZE, 1992c: 96). Instaura-se o primado da urgência; o capital torna-se nervoso.

Para Castells (2005), passamos do paradigma do industrialismo para o paradigma do

informacionalismo em que flexibilidade e adaptabilidade se tornam valores

fundamentais para garantir a velocidade e a eficiência da reestruturação do

capitalismo.

H

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Contrariamente à vigilância hierárquica que pressupõe a onipotência de um olhar

absoluto, o hipercontrole rizomático provocará uma dispersão do olhar. Essa economia

de micro-olhares difusos, anônimos e isolados, empobrece as relações interpessoais e,

no lugar do grupo humano organizado, dá-se a multidão: uma massa de indivíduos

desligados e imprevisíveis que não se comportam como membros de um grupo

organizado, mas que estão sempre predispostos à sedução, desejos sempre crescentes e

quereres voláteis (BAUMAN, 2001): perfil do consumidor ideal. Antes, o corpo dócil-

rotinizado, disciplinado para a produção; agora, o corpo-digital flexível, seduzido para

o consumo.

Baudrillard (1991) ressalta que já não estamos numa lógica dos fatos e numa

ordem de razões. Estamos numa lógica de simulação, onde não há sujeito nem ponto

focal, não há centro nem periferia, apenas a circularidade da informação. Existe cada

vez mais informação e cada vez menos sentido, pois a recorrência indefinida aos

processos de simulação resulta forçosamente na implosão do sentido pela coexistência

de vários sentidos simultâneos que se destroem. Essa lógica rompe todas as distinções

ideais do verdadeiro e do falso, do bem e do mal, em favor de uma lei radical de

equivalências e trocas informacionais.

Giddens (1991), citado por Hall (2005), refere-se ao “desalojamento do sistema

social”, isto é, a extração das relações sociais de contextos locais de interação e sua

reestruturação num contexto de interconexão global, ao longo de escalas indefinidas de

espaço-tempo, trazem como conseqüências políticas a fragmentação ou a pluralização

das identidades.

Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. (HALL, 2005: 74)

Na medida em que as culturas nacionais e locais se tornam mais expostas a

influências externas, por meio dos fluxos informacionais que atravessam fronteiras

nacionais e que tornam o mundo mais interconectado e que possibilitam uma contínua

composição e recomposição de perfis informáticos, é difícil, conforme observa Hall

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(2005), conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem

enfraquecidas, justamente em função do bombardeamento de informações e da

conseqüente infiltração cultural.

Hall (2005) apresenta três concepções de identidade. A primeira está relacionada

ao sujeito do Iluminismo, um indivíduo centrado, unificado, dotado de razão e

consciência. A segunda concepção está relacionada ao sujeito sociológico, que ainda

mantém um núcleo ou essência, cuja identidade é formada na interação entre o eu e a

sociedade. A terceira concepção de identidade é formada pelo sujeito pós-moderno,

cuja identidade está em mutação. O sujeito pode assumir diferentes identidades em

diferentes momentos, não unificadas em torno do “eu” coerente, o que acarreta um

deslocamento ou descentramento, ao mesmo tempo em que produz uma multiplicação

das identidades.

A cibercultura41 contemporânea aponta para um modelo de sujeito flexível, sem

fronteiras, que é o produto da multiplicação das posições de sujeito que se viabiliza

pela proliferação das possibilidades de conexão em tempo real e da própria

reordenação espacial e temporal introduzida pela integração global das novas

tecnologias da informação e comunicação, especialmente as tecnologias digitais

móveis, que nos envolvem num ambiente generalizado de conexões.

1.1 O corpo dócil-rotinizado

Foucault (2002) argumenta que o corpo em qualquer sociedade “está preso no

interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou

obrigações” (FOUCAULT, 2002: 118). Logo, a produção das subjetividades e

identidades passa necessariamente pelo corpo. A disciplina opera um controle

minucioso das operações do corpo através da vigilância para a fabricação de

subjetividades “dóceis”. Os procedimentos disciplinares exercem uma coerção

contínua, ininterrupta nos espaços de confinamento, mecanizando e rotinizando os

movimentos, os gestos, as atitudes, visando obter maior eficácia e economia. A

41 No despontar do século XXI, o amplo desenvolvimento do novo espaço de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores – o ciberespaço, condiciona cada vez mais as práticas, as atitudes, os modos de pensamento e os valores correntes. Quanto mais o ciberespaço se expande, mais universal se torna, e novos hábitos de cultura suscita.

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rotinização visa a um monitoração total do tempo num determinado espaço de

confinamento.

A disciplina procede em primeiro lugar à distribuição dos corpos num espaço de

confinamento para concentrar, distribuir no espaço e ordenar o uso do tempo. Coloca o

corpo dentro de uma matriz quadriculada em que o espaço e o tempo são rigidamente

estabelecidos. A disciplina supõe um tempo linear, cumulativo e evolutivo, formado

por instantes repetitivos que se integram uns com os outros na direção progressiva de

pontos que se encontram sempre à frente. (FOUCAULT, 2002)

No regime da disciplina, os indivíduos passam por diferentes espaços de

confinamento, deles saem de maneira linear, sendo por eles formados. Esse processo

implica sempre o recomeço do zero, quando do ingresso do indivíduo numa dada

instituição, bem como uma quitação aparente quanto do egresso dessa mesma

instituição. Dessa forma, a disciplina realiza a sujeição constante das forças do corpo e

lhe impõe uma relação de docilidade e utilidade, trabalhando o corpo detalhada e

individualmente. Exerce sobre ele uma coerção sem folga nos espaços de

confinamento, adestrando-o por meio de rotinas para melhor retirar e apropriar-se das

forças. Por meio de exercícios progressivos, os indivíduos são treinados para diferentes

tarefas a partir de sua repetição. A repetição graduada envolve sempre um novo

elemento da evolução prevista. Através do exercício e de sua repetição, é possível

caracterizar os indivíduos em função do seu procedimento na série ou etapa em que

está inserido. O exercício qualifica cada indivíduo a partir de seu rendimento e sua

adequação aos segmentos temporais. (FOUCAULT, 2002)

Dócil é um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, transformado e

aperfeiçoado. No dicionário Houaiss (2001), encontra-se que dócil é aquele que

aprende com facilidade, que se submete a alguém ou a algo, sem oferecer resistência.

Docilis (latim) – que aprende facilmente, fácil de manejar, brando, macio, dócil, ligado a

docére (latim) – fazer aprender, ensinar. Exercitar significa exercer uma prática com

regularidade, dar adestramento a (alguém ou si mesmo); dar ou adquirir força,

habilidade, perícia por meio de exercícios; perseguir, acossar, não dar folga ou repouso.

Dessas definições, depreende-se o caráter “aprendível” da subjetividade dócil. Assim,

um corpo dócil-rotinizado, por meio da vigilância ininterrupta e de exercícios sem

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folga nos espaços de confinamento, é a expressão da linearidade e da onipotência do

olhar absoluto que caracterizam os procedimentos da disciplina.

A disciplina parte do princípio de que é possível extrair forças de todos os

momentos da vida de um indivíduo, desde que esses momentos sejam corretamente

diferenciados e combinados com os outros, numa série crescente de exercícios. Tudo

isso, sob um sistema de comandos claros e precisos que deve provocar reações

definidas e imediatas. Cada comando ordena uma ação específica. Quanto mais útil for

o indivíduo, mais obediente será e melhor poderá ser exercitado e treinado nas séries

progressivas de exercícios. A única cerimônia que realmente importa para a disciplina

é a do exercício. Por isso, a disciplina interessa-se, muito particularmente, por

padronizar ou rotinizar minuciosamente todas as atividades envolvidas num

determinado processo. (FOUCAULT, 2002)

Nesse sentido, Sennett (2006) observa que a flexibilidade organizacional impõe

diferentes ritmos e arranjos temporais, resultando numa revolta contra o tempo

rotineiro. Porém, observa que o tempo rotinizado é um investimento de longo prazo e,

por isso, permite ao indivíduo construir uma narrativa de vida pessoal de maneira

linear, progressiva e cumulativa. Nas organizações flexíveis, o tempo da flexibilidade

dilui a linearidade, a previsibilidade e as fronteiras, instalando um processo sem-fim

de rupturas e impondo a necessidade de tolerância com a fragmentação. Os processos

de flexibilização, sustentados pelas redes digitais rizomáticas, reificam o curto prazo,

comprimem o sujeito dócil focado no longo prazo e sustentam as condições de

possibilidade para um sujeito episódico, engendrado em inúmeros impulsos

momentâneos de conexão.

1.2 O corpo-digital flexível

Na sociedade da informação e controle, ainda existem instituições, mas seus

contornos geográficos e simbólicos se encontram em franco declínio, tornando

impossível distinguir um dentro e um fora. Experimenta-se uma hiper-interatividade

com os computadores e os bancos de dados, por meio de uma interconexão planetária

em que informações digitalizadas são trocadas e distribuídas em volumes cada vez

maiores, com total independência dos lugares e dos tempos. O controle rizomático, em

que qualquer um dos seus pontos (ou gemas) pode ser ou estar conectado a qualquer

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outro ponto, que pode ser rompido num lugar e, também, retomado, segundo uma ou

outra de suas linhas, abre a possibilidade para que todos possam ser, ao mesmo tempo,

emissores e receptores de informação, abolindo, dessa forma, a distinção hierárquica

entre emissor e receptor. No rizoma, conforme Deleuze & Guattari (1995), não há

pontos ou posições definidos como numa estrutura hierárquica-arborescente, mas

somente linhas: linhas de segmentaridade e territorialização, linhas de fuga ou de

desterritorialização, interconectadas, planas, que remetem umas às outras, a partir de

múltiplos, variados e mutantes pontos de acesso.

Aos sistemas centrados, os autores opõem sistemas a-centrados, redes de autômatos finitos, nos quais a comunicação se faz de um vizinho a um vizinho qualquer, onde as hastes ou canais não preexistem, nos quais os indivíduos são todos intercambiáveis, se definem somente por um estado a tal momento, de tal maneira que as operações locais se coordenam e o resultado final global se sincroniza independente de uma instância central. (Deleuze & Guattari, 1995: 27 – grifo dos autores)

As redes digitais rizomáticas comportam os princípios da conexão entre os nós,

ou gemas, da heterogeneidade, da multiplicidade, da interação e da troca. Nas redes,

tudo se interconecta, e é suscetível de receber constantes modificações. Deleuze (1992b)

observa que no regime disciplinar a assinatura identifica o indivíduo e o número de

matrícula assinala sua posição na massa. Nos regimes do controle, correspondemos a

uma senha que autoriza o acesso à informação, a inclusão no espaço de fluxos

informacionais ou a rejeição e exclusão. Tornamo-nos dividuais, divisíveis. Assim,

experimentamos a possibilidade de múltiplas personalidades coexistentes, repartidas

nos diferentes bancos de pertencimento. Os procedimentos da disciplina operam na

duração de um espaço de confinamento. Os procedimentos do controle, valendo-se das

novas tecnologias ultra-velozes e rizomáticas da informação e comunicação, efetuam-se

a céu aberto, formando uma nenoveiro de conectividade, e requerem inclusão diferente

em diferentes bancos de dados, impingindo abertura e flexibilidade diante da

multiplicidade das conexões. A rede digital rizomática é um espaço simbiótico, um

híbrido de corpo com rede, um Cybionte, onde os bits e bytes formam um espaço

simbólico em que as novas subjetividades se fazem presente.

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Certamente, o controle está em toda a parte, porém em qualquer parte em que

houver corpos conectados. Assim, a capacidade para estabelecer conexões múltiplas e

variadas passa a constituir modos correntes de “pensar” e “estar” nessa nova

configuração social.

A expansão do espaço de fluxos informacionais das redes digitais rizomáticas

está diretamente relacionada à maior democratização e ao melhor encanto lúdico42 dos

ambientes de conexão. Mcluhan (1971) defende a tese de que, ao estarmos

continuamente incorporando tecnologias, relacionamo-nos a elas como

servomecanismos, ou seja, funcionamos como um sistema de controle automático de

realimentação para movimentos futuros. Hardt & Negri (2005) apontam que o estudo

do ciberespaço é o reconhecimento da “nova condição humana” em que “máquinas

interativas e cibernéticas tornaram-se uma nova prótese integrada a nossos corpos e

mentes, sendo uma lente pela qual redefinimos nossos corpos e mentes” (HARDT &

NEGRI, 2005: 312). Nesse mesmo sentido, Baudrillard (2006) afirma que no ciberespaço

já não há emissor nem receptor, apenas terminais que se reconhecem. Nos regimes do

controle, troca-se a forma tradicional de submissão ao poder – o olho-no-olho, o cara-a-

cara, o tête-à-tête, por uma forma de submissão eletrônica; o que implica uma nova

sociabilidade. A superfície deslizante das telas não retém nada. Na tela, toda explicação

possível se torna nebulosa e apaga-se. A tela detém-se em fazer desfilar dados

(imagens e sons) em abundância que já estarão esquecidos no instante seguinte. Essa é

a condição do corpo-digital flexível, conectado e adaptado.

Flexível, segundo o dicionário Houaiss (2001), entre outros sentidos, é o que se

dobra ou se curva com facilidade; arqueável, flexo, que revela agilidade; elástico,

elegante, fácil de manejar; que se acomoda facilmente às circunstâncias; que tem

aptidão para diferentes atividades. Flex – conexo com o verbo latino flectó, is, flexi,

flexum, fectère ‘curvar, dobrar, flexionar, fletir; fazer voltas, voltar; desviar, mudar; ação

de curvar; dobradiço. Conectar significa estabelecer conexão entre; unir, ligar;

estabelecer conexão entre (dispositivos ou computadores) com o objetivo de transferir

dados; interligar. Do latim connectére ‘juntar, ligar’; nexus, us ‘enlaçamento, enlace,

ligadura, laço, nó; encaixe; laço (de direito), obrigação, contrato’; connecto ou conecto, is,

42 Lúdico: relativo a jogo, a brinquedo; qualquer objeto ou atividade que vise mais ao divertimento que a qualquer outro objetivo. (HOUAISS, 2001)

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exùi, exum, ère ‘prender, atar, ligar juntamente, unir’; connexus ou conexus, a, um ‘ligado,

atado, unido juntamente; entrelaçado’. O caráter de mudança e articulação associado

ao comportamento flexível, define o corpo-digital flexível como aquele que é capaz de

articular-se por entre as múltiplas e variadas possibilidades de conexões, de modo que

portabilidade e mobilidade digital passam a incorporar as práticas sociais correntes.

O corpo-digital flexível é essencialmente informação, aberto a toda conexão

possível nas redes digitais rizomáticas. Assim como a tela, não deve reter nada. Deve

ter a capacidade de dobrar-se diante da multiplicidade das linhas e ambientes de

conexão. O corpo-digital flexível deve, permanentemente, autoregular-se e autogerir

otimamente o seu estoque de informações. Transformando-se em informação, o corpo

abre-se a todas as formas de conexão, sendo controlado a partir dos múltiplos pontos

de acesso. Assim é que “o produtor disciplinado foi substituído pelo consumidor

controlado, cujo perfil está em algum banco de dados que, por sua vez, também é um

produto à venda” (PENA, 2003: 11). O corpo-digital flexível é um corpo com

mobilidade digital, que desconsidera as fronteiras geográficas e os limites histórico-

culturais. Dessa forma, a identidade fragmenta-se e multiplica-se nas super-vias de um

ambiente generalizado de conexão.

Porém, o corpo-digital flexível, sem limites ou fronteiras, diante da multiplicação

das possibilidades de significação e da compressão espacial e temporal, em realidade,

torna-se incapaz de dar conta dessas múltiplas significações, introduzidas pelo

bombardeamento contínuo de informações. A crença cibernética de que a informação

supera a materialidade, resulta, ao fim e ao cabo, em fantasias de corpos puramente

digitais, desmaterializados, cujas subjetividades nada mais são do que puros padrões

de informação. Também, a atemporalidade e a imaterialidade presentes no espaço

eletrônico de fluxos informacionais permitem a realização de desejos de forma virtual e

anônima, o que libera o indivíduo de toda inibição ou restrição. O sujeito nas redes

digitais rizomáticas pode ser múltiplo, flexível, mutável, implicando relacionamentos

fluidos, em que há o desejo de relação sem a disposição do compromisso. As

capacidades ilimitadas de “ser” e “estar”, viabilizadas pelo anonimato, ao mesmo

tempo em que exercem considerável sedução, esvaem-se diante da abrangência e do

excesso de informações do universo ultra-veloz da digitalidade. Dessa forma, o sujeito

flexível, engendrado por mudanças aceleradas e contínuas, que importam a dissolução

de quaisquer certezas, empreende, dessa forma, uma busca desesperada de encontrar

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alguma estabilidade diante dos novos significados do espaço e do tempo do mundo

digital-globalizado. (PENA, 2003)

O corpo-digital flexível é a expressão do curto-curtíssimo prazo contemporâneo e

da centralidade dos procedimentos do controle na instantaneidade dos fluxos

informacionais nas redes digitais rizomáticas.

1.3 Jovens flexíveis conexos

Vivemos, na Contemporaneidade, uma profusão de novidades tecnológicas que

aumentam indefinidamente a velocidade e o volume de informação acessível.

Experimentamos um mundo on line, com múltiplos, e perpetuamente renovados,

momentos presentes nas linhas de conexão digital; momentos que se chocam, que

nunca formam uma progressão contínua ou lógica. O tempo se comprime, o espaço se

volatiza. No espaço das redes rizomáticas reina a pura digitalidade, onde, conforme já

apontado, o corpo-digital flexível, aberto para múltiplas e variadas formas de conexão,

se auto-regula e autogere eletronicamente o seu estoque de informações.

A revista Veja Tecnologia, citada anteriormente, traz uma matéria entitulada “A

nova civilização on-line”. As autoras afirmam que a Internet, atualmente, vive em ritmo

acelerado e já aboliu a separação entre os relacionamentos do mundo real e os do

mundo virtual.

Na reportagem, um jovem de 17 anos afirma que seu círculo de amizades é

formado por “meio milhão de pessoas”. Coordena um fórum no Orkut que reúne

70.000 internautas, entre 13 e 18 anos. Uma jovem de 15 anos diz que conversa com 700

pessoas no MSN. Estima-se que 260 milhões de pessoas freqüentam sites de

relacionamento em comunidades virtuais em todo o mundo. O preferido dos

brasileiros é o pioneiro Orkut, com aproximadamente 50 milhões de cadastrados. Uma

estudante de 15 anos diz ter mais intimidade com o computador do que com os seus

pais. Ela diz que tem coisas que só consegue dizer através do computador. Uma mãe

diz que seu filho de 15 anos passa oito horas diárias na frente do computador. Ela tem

de lembrá-lo até de almoçar e jantar, senão o filho não come.

Penso que não é por acaso a predominância de declarações de jovens de 15 a 17

anos nessa reportagem, pois conforme indicado anteriormente, as dificuldades de

aprendizado para utilização de computadores e softwares parecem quase inexistentes

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para as jovens gerações. Essa condição torna os jovens os principais dignatários dessa

civilização on line. Sugiro, de acordo com a perspectiva foucaultiana, que esse discurso

antes de descrever, tem o efeito positivo de produzir sujeitos com as características

destacadas.

O Dossiê Universo Jovem, pesquisa planejada e desenvolvida pela MTV Brasil, na

seção sobre a interação do jovem com as tecnologias de comunicação, traz informações

muito interessantes. Em 2005, a MTV realizou o terceiro Dossiê, sendo que os

resultados do primeiro estudo foram divulgados em 1999 e os do segundo em 2000.

Foram realizadas 2.359 entrevistas junto a homens e mulheres entre 15 e 30 anos, das

classes A, B e C residentes em São Paulo, capital, São Paulo, interior, Rio de Janeiro,

Salvador, Brasília, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre. Segundo o estudo, o público

de 12 a 14 anos não foi considerado, pois se consolidou como um segmento com

características próprias que seria melhor retratado em estudo específico.

A seguir, apresento elementos dados dessa pesquisa. O objetivo de trazê-los não é

simplesmente desfilar dados estatísticos. A intenção é contribuir para uma visualização

da enorme penetração das tecnologias de informação e comunicação entre os jovens

brasileiros, mais especificamente entre os de 15 a 17 anos, justamente aqueles que estão

cursando o ensino médio, público alvo do ENEM. A interação quase que desenfreada

dos jovens com as tecnologias digitais, concorre poderosamente, para a produção de

um sujeito de conexão ilimitada, em que Viver sem fronteiras, conforme slogan da TIM,

empresa de telefonia móvel, passa a ser requerida em todas as instâncias sociais.

Embora o Dossiê tenha sido elaborado em 2005, o que significa muito tempo em termos

de tecnologias digitais, acredito que suas informações são relevantes para o presente

estudo.

Entre os entrevistados, 6% pertencem à classe A, 36% pertencem à classe B e 58%

pertencem à classe C (C+: 26% e C-: 32%). As classes A, B e C representam 54% da

população brasileira. O perfil amostral (classe, faixa etária e praças selecionadas)

representa 51 milhões de brasileiros.

Abaixo, apresento alguns dados que considero relevantes, e que podem

contribuir com o desenvolvimento do trabalho.

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Entre os jovens entrevistados, 71% possuem celular, e entre eles, apenas 28% estão com o primeiro aparelho adquirido, ou seja, 72% já trocaram de aparelho; sendo que 41% já o fizeram de “duas a três vezes”.

A telefonia celular é uma comunicação portátil que oferece aparelhos bastante

sofisticados com possibilidade de personalização. A comunicação através desse recurso

tecnológico cresce com a classe social, chegando a 87% entre os jovens de classe A.

Na amostra, a posse de computador tem hoje índice total de 46%: mais que o dobro do registrado em 1999 (22%). Em Brasília este percentual cresce para 54%. Na classe A, 94% tem computador em casa – eram 73% há 5 anos. A classe C mais que triplicou seu índice: de 7% em 1999 para 24% em 2004. A posse de computador (46%) aumenta inversamente à idade: quanto menor a idade, maiores os índices de posse. Assim, os jovens entre 15 e 17 anos são definitivamente, os consumidores mais poderosos. O acesso regular à Internet foi de 15% a 66%. O acesso à Internet é ainda maior na faixa de 15 a 17 anos - 76%. Vale ainda ressaltar que a maioria da classe C já mantém acesso regular à Internet: 53%.

Além dos telefones celulares, a Internet representa um significativo fator de

mudança no cenário da comunicação entre os jovens. Dentre os atributos ligados à

Internet, destacam-se:

• A Internet muda para melhor a forma de me relacionar com os amigos:

51%;

• Fico mais à vontade para dizer determinadas coisas pela Internet: 51%;

• Tem pessoas com quem me relaciono apenas na Internet: 50%;

• Às vezes eu minto na Internet: 48%;

• Com a Internet eu passei a falar mais com meus amigos: 39%.

As novas tecnologias da informação tornam a comunicação mais fácil, mais veloz

e mais abundante, franqueando espaços, garantindo freqüência e flexibilidade. A

pesquisa mostra que os jovens de 15 a 17 anos são os consumidores e usuários mais

poderosos de tecnologias computacionais e também são os usuários mais assíduos da

Internet.

O diário na Internet recebeu o nome de Blog, criado pelos próprios praticantes do gênero. A palavra é uma contração entre web (página na Internet) e log (diário de bordo). Os jovens entre 15 e 17 anos, são, portanto os mais envolvidos: 67% conhecem o Blog e 62%, o Fotolog; 17% declaram possuir e 36% visitam habitualmente.

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O diário na Internet começou, no Brasil, no início do ano 2000. Também, nesse

quesito, os maiores usuários se encontram na faixa etária de 15 a 17 anos.

O Orkut é um site que disponibiliza espaço para criação de comunidades virtuais, sobre qualquer assunto. Entre os jovens, 48% conhecem o Orkut, sem qualquer diferença significativa por faixa etária e sexo. No entanto, o conhecimento e a posse são expressivamente maiores, quanto mais elevada a classe (72% classe A) e nas cidades de São Paulo (57%) e Porto Alegre (63%).

O Orkut é o “clube fechado” mais aberto do mundo. Foi criado em janeiro de

2004. Em abril de 2005, o site passou a ter uma versão em língua portuguesa para

usuários cadastrados com nacionalidade brasileira. Nesse período, a participação dos

jovens brasileiros já representava 66,49% do total de usuários do Orkut no mundo. O

segundo colocado era os EUA, com apenas 8,52% de usuários, e o terceiro, o Irã, com

6,72%.

O Instant Messenger é um programa que permite a conversa on-line, em tempo real, simultaneamente com diversas pessoas. É mais rápido do que o e-mail, mais discreto do que uma chamada telefônica. É conhecido por 71% da amostra e vai ganhando envolvimento quanto menor a idade e quanto mais elevada a classe social. O mesmo acontece com o índice de posse, que no total é de 43%. Novamente, são os meninos e meninas de 15 a 17 anos que predominam sobre a amostra total: 77% conhecem e 54% possuem.

A maioria das conversas no Messenger acontece através de textos. A escrita, para

tornar-se mais fácil e rápida, ganha novos formatos e abreviações. Elimina-se o

máximo de letras possível. Surge o “internetês”, uma escrita fragmentada.

Mais uma vez, os usuários mais assíduos nesse serviço são os jovens de 15 a 17

anos, aqueles que freqüentam o ensino médio.

O correio eletrônico de acesso seguro e fácil, onde a comunicação se estabelece numa linguagem mais formal que a dos demais recursos disponíveis atualmente. Possibilita um contato menos invasivo, onde os assuntos tendem a ser mais aprofundados e/ou diretos e relevantes. Emissor e destinatário têm tempo para pensar e elaborar com cuidado a mensagem e o destinatário também fica à vontade para ponderar e responder. Do total da amostra, 84% enviam e recebem e-mails habitualmente.

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Todas essas tecnologias mudaram o nosso cotidiano de forma radical e muito

rápida, envolvendo a todos numa sensação de que o tempo passa cada vez mais rápido

ou de um tempo que escorre, conforme Deleuze (1992c). Pelas informações do Dossiê,

verifica-se que os jovens, principalmente os da faixa etária 15-17 anos, estão cada vez

mais “conectados”, navegando livremente no universo digital do ciberespaço, abolindo

os limites espaciais, temporais e culturais dos lugares.

É importante destacar que essas tecnologias evoluíram de forma muito rápida. A

empresa Google, por exemplo, foi fundada em 1998, há apenas dez anos, e hoje é a

marca mais valiosa do mundo, superando marcas centenárias como a Coca-Cola e

General Eletric. As tecnologias da informação e comunicação seduzem e interpelam os

jovens de forma poderosa, de modo que, para as crianças e adolescentes, o

aprendizado para utilização dessas tecnologias é quase imediato. Dessa forma, as

tecnologias da informação e comunicação se aproveitam plenamente da política de

proteção integral adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): criança e

adolescente como titulares de direitos; destinatários de absoluta prioridade. Porém, ao

dissolverem fronteiras espaciais e suprimirem ritmos temporais, apresentam

dificuldades de respeito à condição peculiar do jovem de pessoa em desenvolvimento

circunscrita a determinado contexto histórico-cultural.

A descentralização da organização jurídico-administrativa, trazida pelo ECA,

introduz um processo de flexibilização na legislação menorista. Nesse sentido, pode-se

sugerir que o ECA, embora se proponha a uma ampla tutela dos direitos da criança e

do adolescente, representa, na realidade, um alinhamento aos processos de

flexibilização organizacional, centrados na instantaneidade dos fluxos informacionais

das redes digitais rizomáticas, que borram as fronteiras nacionais e tornam o mundo

mais interconectado e on line.

Nesses dois aparatos, numa edição da revista Veja e num dossiê encomendado

pela MTV Brasil, também pode-se ver o movimento de constituição de um campo de

saber correlato a um poder. A revista Veja e a MTV Brasil pertencem à Editora Abril,

grande grupo editorial e de comunicação. Essas pesquisas e reportagens, portanto,

antes de denunciar, contabilizam e regozijam seus propugnadores, corroborando para

a produção de jovens flexíveis e rizomáticos, com limites diferentes daqueles impostos

pelo paradigma disciplinar. O sujeito dócil, formado dentro dos limites territoriais e

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simbólicos das instituições disciplinares, está cedendo lugar ao sujeito flexível, gerado

em inúmeros impulsos momentâneos de conexão, quase independente da

normatização institucional, mas plenamente envolvido pelo imperativo da conexão.

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Capítulo 2 – A CONEXÃO AMBIENTE

O desenvolvimento da computação móvel e das novas tecnologias sem fio (laptops, palms, celulares) estabelece, no começo do século XXI, a passagem do acesso por “ponto de presença”

(internet fixa por cabos), ao “ambiente generalizado de conexão” [...], que envolvem o usuário, em plena mobilidade. (LEMOS, 2007: 8 – grifos do autor)

termo convergência tecnológica vem sendo empregado para

representar as evoluções das tecnologias digitais que permitiram a

integração de texto, áudio, imagem e números num mesmo suporte.

Portanto, o princípio básico da convergência tecnológica é a digitalização das

informações (transformação em zeros e uns, em bits e bytes) em suas diversas

manifestações de modo a homogeneizar sua transmissão. Castells (2007) salienta que a

revolução tecnológica caminha a passos largos para um sistema altamente integrado,

onde a microeletrônica, as telecomunicações e os computadores são todos integrados

na mesma rede de informação.

O atual processo de convergência entre diferentes campos tecnológicos no paradigma da informação resulta de sua lógica compartilhada na geração da informação. Essa lógica é mais aparente no funcionamento do DNA e na evolução natural e é, cada vez mais, reproduzida nos sistemas de informação mais avançados

O

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à medida que os chips, computadores e software alcançam novas fronteiras de velocidade, de capacidade de armazenamento e de flexibilidade no tratamento da informação oriunda de fontes múltiplas. (CASTELLS, 2007: 111)

Dessa forma, observa o autor, as telecomunicações, atualmente, são apenas uma

forma de processamento da informação. As tecnologias de transmissão e conexão estão

cada vez mais diversificadas e integradas na mesma rede operada por computadores.

A popularização da Internet, conforme Lemos (2004), associada à difusão de

tecnologias de conexão sem fio, e a estupenda penetração dos telefones celulares,

inauguram uma nova fase da computação: a computação móvel, com a supremacia das

novas tecnologias portáteis (laptop, palmtop, celulares). Estamos entrando numa era de

conexão e mobilidade, onde o Corpo-Rede transforma-se em um ambiente

generalizado de conexão; uma nuvem baixa que envolve o usuário em plena

mobilidade. Caminhamos a passos largos para uma computação onipresente,

personalizada e acoplada aos corpos, onde o computador se incorporará, cada vez

mais, aos objetos do cotidiano e aos corpos, viabilizando processamentos contínuos,

ultra-velozes e rizomáticos, nas mais variadas condições de realidade e de distância,

exatamente enquanto os eventos ocorrem.

2.1 Extensão do corpo e mobilidade digital

A convergência para uma computação onipresente (pervasive computing) marca a

emergência de uma sociedade hiperconectada, móvel, com uma variedade de fontes de

informação e comunicação que se encontram disponíveis nos mais variados locais

(casa, trabalho, escola, trânsito etc). A portabilidade é dada pelo fato dessas tecnologias

moverem-se de um local para o outro ou mesmo por disponibilizarem-se em diferentes

lugares.

O telefone celular, no entendimento de Lemos (2004) expressa a radicalização

dessa convergência de tecnologias digitais, transformando-se em um “teletudo” para o

gerenciamento móvel do quotidiano.

Pode-se afirmar que o uso do telefone celular retrata uma necessidade de se registrar o momento experimentado e compartilhá-lo com o próximo. Os usuários tornam-se uma espécie de “agência de notícias” emitindo boletins diários sobre os

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acontecimentos relevantes do seu cotidiano para sua rede de contatos. (MANTOVANI, 2006: 130)

O celular está sempre junto do usuário, onde quer que ele esteja, sendo uma

extensão do corpo. Segundo Mantovani (2006), o telefone celular representa um

poderoso símbolo, pois o seu porte mostra que o usuário está acessível para interagir

com os outros e com os fluxos informacionais das redes digitais rizomáticas. Isso

concede ao portador a garantia de mobilidade digital, permitindo-lhe, por exemplo,

medir sua sociabilidade pelo número de nomes gravados em sua agenda e pela

quantidade de mensagens e chamadas recebidas.

Os telefones celulares estão cada vez mais presentes na paisagem urbana, de

modo que os espaços de lugar se transformam, pouco a pouco, num grande espaço

eletrônico de fluxos informacionais. No Brasil, o mês de dezembro de 2007, segundo

dados da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), fechou com 120.980.103

telefones celulares habilitados. Somente no ano de 2007 foram registrados 21.061.482

novos acessos. Em janeiro de 2008, houve 1.877.474 novas habilitações na

telefonia celular, número 135,12% maior do que as 798.520 adesões registradas

em janeiro de 2007. Com isso, o Brasil aproxima-se de 123 milhões de assinantes

no Serviço Móvel Pessoal (SMP). Os 122.857.577 celulares registrados no País

representam um crescimento de 1,55% em janeiro. Do total de acessos,

99.217.125 (80,76%) são pré-pagos e 23.640.452 (19,24%), pós-pagos. Os telefones

celulares passaram de 4,6 milhões em 1997 para quase 121 milhões de habilitações no

final de 2007. Um aumento de aproximadamente 2.630 % em dez anos. A tendência de

crescimento da teledensidade do serviço móvel no país se mantém. Com um

crescimento de 1,44%, o Brasil alcançou o índice de 64,50. Comparado com janeiro de

2007, quando o índice era de 53,61, o crescimento foi de 20,31% em 12 meses. A

teledensidade é o indicador utilizado internacionalmente para demonstrar o número

de telefones em serviço em cada grupo de 100 habitantes. (ANATEL, 2008)

O potencial de inclusão digital do telefone celular passará por uma super

revigoração. O casamento da telefonia móvel com a Internet de banda larga, a partir do

advento e expansão da telefonia móvel de terceira geração (3G), já em operação no

Brasil, fazem do celular um mix de diferentes elementos de mídia, incluindo voz, vídeo,

som, cor, imagens e animação, tudo em tempo real. Com o telefone celular, pode-se

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“falar, ver TV, pagar contas, interagir com outras pessoas por SMS, tirar fotos, ouvir

música, pagar o estacionamento, comprar tickets para o cinema, entrar em uma festa e

até organizar mobilizações políticas e/ou hedonistas” (LEMOS, 2004: 3).

A telefonia móvel de terceira geração (3G), conforme a revista Convergência

Digital do Instituto Brasileiro pra Convergência Digital (IBCD), ao incorporar o acesso a

Internet de banda larga, apresentará uma ampla variedade de serviços de transferência

de voz, texto e dados, em alta velocidade. O telefone celular de terceira geração,

conectado em banda larga, irá proporcionar acesso a uma megamídia completa:

telefonia, televisão, computação, e-mail, e-business, e-commerce, rádio, som, fax, vídeo,

walkman, etc. A velocidade de conexão é a principal vantagem da tecnologia 3G, pois

permitirá conexão em tempo integral à Internet de banda larga, como se estivesse

diante do computador em casa ou no escritório. O fato de estar conectado à Internet em

alta velocidade permitirá que os telefones celulares venham a oferecer uma ampla

gama de serviços como, por exemplo: TV Digital, que permitirá assistir a toda a

programação televisiva; e vídeo conferência, que possibilitará ligações telefônicas,

utilizando as câmeras dos aparelhos para ver as imagens dos interlocutores. Por essas

características, o telefone celular representa a radicalização da convergência digital - o

novo nômade da era da conexão (LEMOS, 2004).

Assim, a telefonia móvel celular, tecnologia que melhor encarna as características

da portabilidade e da mobilidade, está em posição de liderança dos processos inclusão

digital no Brasil, haja vista o número de acessos no país, muito mais expressivo do que

o número de acessos à Internet fixa. A possibilidade de acessar à Internet, em alta

velocidade, como se estivéssemos em casa ou no escritório na frente do computador,

cooperará, sem dúvida, para que o telefone celular de terceira geração (3G) amplie,

consideravelmente, essa posição de liderança em relação a outras tecnologias digitais.

O telefone celular, dessa forma, constitui-se numa verdadeira extensão do corpo e

símbolo da mobilidade digital, cooperando poderosamente para uma computação

onipresente, ubíqua e personalizada.

2.2 Descompressão da sala de aula

Na Contemporaneidade, a hiperconexão secretada pelas redes digitais

rizomáticas remodelam as formas de interação entre os sujeitos. O espaço de fluxos

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informacionais das redes digitais rizomáticas permite, cada vez mais, pelo menos

virtualmente, a ampliação dos círculos de relacionamento dos sujeitos. A Internet, ao

reduzir o tempo e a distância, possibilita uma conectividade global via rede,

possibilitando conexão entre pessoas independente de suas posições geográficas. Nesse

contexto de hiperconexão, os telefones celulares tornaram-se um dos principais ícones

desse “estar em rede”. O número de usuários de telefones celulares não pára de

crescer, conforme demonstrado anteriormente, exercendo impacto, direto ou indireto,

por sua alta conectividade e mobilidade, sobre a vida privada dos sujeitos e os espaços

públicos de convivência.

O telefone celular coloca o sujeito como um ponto permanente de múltiplas

conexões com outros sujeitos e com informações que gravitam ao seu redor.

Eliminando as fronteiras espaciais e abolindo os limites temporais, o celular torna-se

um elemento agregador ao possibilitar um estado de conexão onisciente e

personalizada.

O usuário do telefone celular, ao contatar determinada pessoa, independente do

local em que se encontre ou do que esteja fazendo em dado momento, pode

representar um meio de promoção do isolamento do ambiente imediato. Assim, pode

ocorrer uma suspensão da interação face-a-face dos grupos localizados, quando

conexões privadas, curtas e frágeis, entre indivíduos, são introduzidas pelo telefone

celular à revelia dos lugares e dos tempos. (MANTOVANI, 2006)

Pode-se considerar que a necessidade de mobilidade e de contato permanentes,

introduzida pelo imperativo da conexão, é a propulsora da telefonia celular. Na sala de

aula, um local privilegiado de interação face a face entre os limites de suas paredes, o

uso indiscriminado do telefone celular, fomentando intensas mobilidades digitais,

introduz pressões e tensões nesse espaço fechado de reunião. (MANTOVANI, 2006)

A crescente penetração dos telefones celulares entre os adolescentes, conforme

demonstrado no sub-capítulo “Jovens flexíveis conexos”, que os levam para dentro da

sala de aula, funciona mais como um poderoso símbolo. O portador mostra aos colegas

que está plenamente acessível à conexão. O aparelho, que pode realizar várias funções,

está sempre junto ao aluno, estando em movimento ou enquanto realiza atividades

escolares. Dessa forma, os vários modelos de telefone celular com possibilidade de

personalização de sons e aparências, passam a fazer parte de sua vestimenta,

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diferenciando-o dos demais e constituindo um modo significativo de expressão da sua

subjetividade.

Abaixo, transcrevo o conteúdo de um registro disciplinar, extraído do sistema

informatizado de atendimento ao aluno referido no início deste trabalho. No meu

entender, esse registro é paradigmático para ilustrar a relação “aluno-celular” dentro

da sala de aula.

Enquanto o professor fazia sua exposição ouvia toques de telefones celulares. O professor indignou-se e recolheu todos os celulares numa determinada fileira de classes, de onde provavelmente os sons estavam sendo emitidos. Havia 7 alunos na fila; foram recolhidos 7 celulares e entregues à coordenação. No final do turno, após advertência, os aparelhos foram devolvidos aos alunos. Uma aluna pegou seu aparelho, beijou-o, e disse: “Meu celular querido. Ai que saudade!”

(8ª série do Ensino Fundamental – Registro nº 598 de 18.09.2007 NDSistemas)

O uso de telefones celulares por parte dos alunos na sala de aula tem ensejado

calorosas discussões. Apesar de seu uso em sala de aula ter restrição na maioria das

escolas, é cada vez maior o número de alunos que portam esses aparelhos na sala de

aula, causando desordens e conflitos sempre crescentes. Vários estados e municípios

brasileiros estão se mobilizando no sentido de regulamentar o uso desses aparelhos no

espaço da sala de aula. Em seguida, apresentarei algumas dessas iniciativas que

povoaram o segundo semestre de 2007, embora existam iniciativas anteriores.

Tais iniciativas são uma resposta aos enormes clamores dos educadores que estão

na sala de aula e lidam diariamente com essas situações. Os conflitos advindos do uso

reiterado do telefone celular na sala de aula estão cada vez mais intensos e já não são

mais contidos entre os muros escolares. Essas contendas transbordam os muros

escolares e chegam até o Legislativo. Julgo que essas iniciativas sintetizam e indicam a

grande relevância dessa problemática no cotidiano das escolas na atualidade e,

portanto, parecem-se suficientes para o escopo desta pesquisa. O que talvez seja muito

proveitoso para uma análise futura, é verificar se a tentativa de regulamentação do uso

do telefone celular na sala de aula, por intermédio de uma lei, será suficiente para dar

conta dessas questões.

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Em São Paulo, no dia 11.10.2007, o governador José Serra, sancionou o projeto de

lei que proíbe o uso de aparelhos celulares durante o horário de aula nas escolas. O

autor do projeto, deputado Orlando Morando, justifica que estudos comprovam que o

uso do celular compromete o desenvolvimento e a concentração dos alunos, e os

professores relatam uma significativa diminuição no rendimento escolar, depois que o

aparelho ficou popular entre os jovens. São muitas as reclamações, pois os alunos

utilizam o telefone celular para práticas que não pertencem ao meio escolar (troca de

torpedos, cola eletrônica, jogos, ligações), distraindo-se das aulas. Outro ponto que

desfoca o aprendizado, conforme o deputado, é o exibicionismo, pois o telefone celular

é considerado objeto de status entre os alunos. Morando, justifica também, que a lei

devolverá a autoridade do professor, visto que dará o respaldo necessário para o

professor reter o aparelho, no caso de uso. (BOTARO, 2007)

No Estado da Paraíba, o deputado Nivaldo Manoel apresentou o projeto de lei nº

282/2007, que foi aprovado na Assembléia Legislativa no dia 06.11.2007, e está

aguardando regulamentação pelo Governo do Estado. O Projeto pretende proibir o uso

de telefones celulares nas escolas de ensino fundamental e médio. De acordo com o

deputado a medida visa assegurar a essência do ambiente escolar, onde a atenção do

aluno deve estar 100% direcionada aos estudos. O uso do celular na sala de aula pode

comprometer a concentração, pois, pelo celular as pessoas estão conectadas ao mundo

24 horas por dia, mas o uso indisciplinado pode ser prejudicial. (MONTEIRO, 2007)

No Mato Grosso do Sul, a deputada Celina Jallad apresentou à Assembléia

Legislativa projeto de lei que proíbe o uso de telefone celular durante o horário de aula.

A parlamentar argumenta que a sala de aula não é lugar para o uso do telefone celular.

Os toques do celular incluem diversos tipos de tons, músicas e sons que comprometem

o ambiente da sala de aula. O projeto visa assegurar a essência do ambiente escolar,

onde a atenção dos alunos deve estar 100% direcionada aos estudos, sem que nada os

desvie desse objetivo. (BITENCOURT, 2007)

Na Bahia, o projeto de lei nº 16.819/2007 de autoria do deputado Adolfo

Menezes dispõe sobre a proibição do uso de telefone celular, jogos eletrônicos,

aparelhos de MP3, MP4 e demais equipamentos eletroeletrônicos, nos horários de aula.

O deputado justifica que a popularização do uso desses aparelhos pelos estudantes

tornou-se um transtorno para os professores e alunos, pois tira a atenção de ambos. A

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lei, segundo Menezes, vai permitir que o aluno fique mais centrado nas explicações do

professor e evitará a cola durante as avaliações. É muito comum, também, o aluno

esquecer a aula por causa dos jogos eletrônicos. No parecer do deputado, proibir o uso

de celular e equipamentos eletroeletrônicos na sala de aula, apesar de ser uma medida

traumática, representa um avanço, pois que esses aparelhos prejudicam o aprendizado

e a socialização face a face. (MENEZES, 2007)

Em Santa Catarina, o deputado Antônio Aguiar também defende junto à

Assembléia Legislativa projeto de lei que proíbe celulares nas escolas, porque, no seu

entendimento, o celular compromete o desenvolvimento e a concentração dos alunos

com troca de torpedos e ligações, mesmo silenciosas. O uso de celulares vira uma

espécie de competição; é uma grife como a marca do tênis. Isso distrai os alunos. O

projeto de lei não inclui outros aparelhos como MP3, Ipod, MP4 e câmera digital, mas o

deputado pensa em inseri-los. Aguiar acredita que é o início de um processo de

disciplinarização do uso do celular na sociedade. (STÜPP, 2007)

No Estado do Ceará, o deputado Moésio Loiola apresentou à Assembléia

Legislativa projeto de lei que proíbe o uso de celulares nas escolas estaduais do Estado.

O projeto visa, conforme o deputado, assegurar a atenção do aluno aos estudos, pois o

uso do celular no ambiente escolar compromete claramente a concentração dos alunos.

A troca de mensagens, jogos, colas eletrônicas afetam o desempenho escolar. O

parlamentar, citando Yves de La Taille, afirma que o uso do telefone celular,

alimentando relações não presenciais, prejudica o aprendizado e a socialização face a

face. (LOIOLA, 2007)

No Espírito Santo, o deputado Marcelo Santos afirma que o intuito do projeto de

lei de sua autoria sobre a proibição do uso do telefone celular nas salas de aula é

assegurar que o aluno tenha sua atenção voltada exclusivamente aos estudos

curriculares. Em função do uso indiscriminado do telefone celular, torna-se necessário

o estabelecimento de algumas normas para que esse aparelho não venha a se tornar

instrumento de desordem e de conflito, quando usado inadequadamente. O uso do

telefone celular na sala de aula compromete claramente o desenvolvimento e a

concentração dos alunos. Além da troca de mensagens, jogos e colas eletrônicas, a

questão do exibicionismo também atrapalha muito. Cada dia surge um aluno com um

modelo novo, dotado de novas tecnologias. (SANTOS, 2007)

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No Estado de Goiás, o deputado Wellington Valim, apresentou à Assembléia

Legislativa projeto de lei que visa proibir o uso de telefones celulares nas escolas

públicas do Estado. Valim explica que na sala de aula o aparelho desvia a atenção dos

alunos, que muitas vezes são flagrados em ligação durante a aula, ou usam o aparelho

para colar nas avaliações. (SABINO, 2007)

Na cidade do Rio de Janeiro, a Câmara de Vereadores derrubou o veto do

prefeito Cesar Maia ao projeto de lei que proíbe o uso de telefone celular, games, Ipod,

MP3 e qualquer outro equipamento eletrônico na sala de aula. Conforme a vereadora

Márcia Teixeira, autora do projeto, a utilização dos equipamentos tira a concentração

dos alunos e inibe a memorização do que está sendo ensinado. A vereadora acredita

que com essa lei, o professor será mais respeitado e o ensino dentro das salas de aula

será resgatado. Em seu veto ao projeto, o prefeito invoca a inconstitucionalidade de tal

projeto, e afirma que os aparelhos eletrônicos são uma necessidade da vida

contemporânea, e podem, inclusive, ser utilizados como instrumentos pedagógicos.

Entende que é desnecessário proibir por lei o uso desses aparelhos eletrônicos, porque

há meios menos traumáticos, como orientar os alunos a não utilizá-los na sala de aula,

sob pena de sanção disciplinar. Com a derrubada do veto do prefeito, o projeto foi

transformado em lei. A Lei nº 4.734 de 04 de janeiro de 2008 proíbe o uso de telefone

celular e outros em sala de aula, ficando compreendida como sala de aula todas as

instituições de ensino, fundamental, médio e superior do município. (TAVARES, 2008)

No Rio Grande do Sul, o deputado Giovani Cherini, apresentou em setembro de

2007, o projeto de lei nº 344/2007 que objetiva proibir a utilização do telefone celular na

sala de aula. O projeto foi inspirado na proposta apresentada pelo deputado Orlando

Morando em São Paulo. Cherini justifica que o uso do celular no ambiente escolar

compromete o desenvolvimento e a concentração dos alunos. O uso do celular em sala

de aula contribui com a falta de concentração. É comum a troca de torpedos entre

alunos dentro da sala de aula e também para outras salas. Outros o utilizam para jogar,

e também para colar nas provas, através de mensagens de texto e armazenamento da

matéria no próprio aparelho. Outro ponto que tira a atenção é o exibicionismo, pois,

entre os jovens, o celular é considerado objeto de status, que querem exibir sempre o

modelo mais sofisticado dotado das mais avançadas tecnologias. (CHERINI, 2007)

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O projeto, aprovado na Assembléia Legislativa, foi sancionado e transformado

em lei pela governadora Yeda Crusius no dia 03 de janeiro de 2008. A Lei nº 12.884

proíbe a utilização de aparelhos de telefonia celular dentro das salas de aula nos

estabelecimentos de ensino do Estado.

O telefone celular, conforme Lemos (2004), expressa a radicalização da

convergência das tecnologias digitais móveis, uma das maravilhas tecnológicas do

século XX. Concomitantemente aos seus benefícios, aparecem os malefícios, dentre

eles, a perturbação de espaços públicos como a sala de aula, por exemplo. Por isso, o

telefone celular virou um “mal necessário”. Em cada cinco brasileiros, três possuem

um aparelho, cada vez mais sofisticado e de diminuto tamanho, chip personalizado, e

outras coisas. O que foi concebido inicialmente para se comunicar a qualquer hora ou

lugar, passou a ser utilizado como um acessório indispensável. Assim, o telefone

celular torna-se cada vez mais um “teletudo”, uma extensão do nosso corpo.

Essas iniciativas, no sentido da regulamentação do uso do telefone celular na sala

de aula, por meio da lei, são questionadas em muitas instâncias, inclusive, pelas

próprias escolas e entidades representativas. Como se pode observar, as iniciativas

concentram-se em torno de uma justificativa maior: o uso do telefone celular na sala de

aula compromete a concentração e desvia a atenção dos alunos e professores; gera

conflitos e tensões nesse ambiente e prejudica desempenho escolar. Essas investidas,

portanto, representam mais uma movimentação no sentido da restauração do público e

do privado, do dentro e do fora, do próximo e do distante. Visam “baixar a pressão” na

sala de aula, introduzida pelo entrechoque de comportamentos flexíveis, engendrados

em inúmeros impulsos momentâneos de conexão, com comportamentos dóceis,

formados em rotinas de longo prazo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em termos bem resumidos, pode-se dizer que a Educação, ao mesmo tempo em que sofre as conseqüências desta grande crise, contribui para que ela aconteça e vá adiante [...] Em outras

palavras, educação e crise são, reciprocamente, causa e conseqüência uma da outra. (VEIGA-NETO, 2008)

o finalizar esta Dissertação, gostaria de salientar que o objetivo

principal, ao longo de todo o trabalho, foi o de caracterizar e

descrever, razoavelmente, os procedimentos de poder do controle,

tendo por base de orientação a minuciosa descrição dos procedimentos de poder da

disciplina feita por Foucault (2002). O propósito é a construção de “lentes” adequadas

para aguçar o olhar sobre algumas das práticas escolares contemporâneas, de modo a

perceber as diferenças e os contornos sutis que marcam um deslocamento de ênfase da

estrutura hierárquica, centralizada e estável da disciplina escolar – seja no eixo do

corpo, seja no eixo dos saberes – para práticas escolares que são cada vez mais flexíveis,

descentralizadas e cambiantes.

Reconheço que fiz pouco mais do que um percurso panorâmico (de cunho

principalmente teórico) sobre questões das práticas escolares com as quais tenho me

envolvido nos últimos anos. Se ensaiei sugerir algumas distinções conceituais, foi com

A

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o objetivo de contribuir para o refinamento das ferramentas que a perspectiva

foucaultiana nos oferece. Nesse sentido, é claro que não se trata, aqui, de fixar sentidos,

de dizer “o que é mesmo isso” ou “o que é mesmo aquilo”; trata-se apenas de propor

distinções que nos ajudem a compreender melhor a história do presente.

As questões sobre disciplina na escola e seu correlato direto, a “indisciplina”, são

bastante exploradas. As análises sobre os procedimentos do controle são muito ricas e

sedutoras. No entanto, penso, no que tange à educação, que a questão dos

comportamentos requeridos por procedimentos do controle e seu correlato direto,

talvez o “des-controle”, está passando ao largo. Isso pode levar a uma cristalização das

análises em torno de uma atitude bastante superficial em relação aos comportamentos

dos estudantes e prematura em relação à educação escolarizada.

Na escola, a ênfase dos processos de subjetivação parece se deslocar, agora, da

docilidade para a flexibilidade. Assim, pensar na passagem das práticas da disciplina

para práticas do controle significa pensar a passagem do aluno dócil ao aluno flexível.

Do mesmo modo, uma mudança de ênfase das práticas do controle para as práticas da

disciplina na escola significaria, teoricamente, a passagem do aluno flexível ao aluno

dócil. Na prática, esse movimento é bastante complexo, haja vista a hegemonia dos

procedimentos do controle na Contemporaneidade. É certo que a escola hoje, como

toda grande instituição da Modernidade, está sitiada por práticas de flexibilização e

controle que consagram o presente e instauram o reino da efemeridade e urgência. A

escola, por ser tradicionalmente um investimento de longo prazo, produz uma

sensação de continuidade no tempo, alinhando-se mais às práticas disciplinares de

docilização e rotinização. Dessa forma, a escola entra em conflito com o curto-

curtíssimo prazo contemporâneo e é forçada a rever suas posições. É necessário,

porém, ter o cuidado de não confundir a escola com as práticas de flexibilização e

controle, pois, conforme Foucault (2005), as relações de poder investem e cristalizam-se

em determinadas instituições, mas não podem ser confundidas com elas. Essa postura

amplia, consideravelmente, o leque de possibilidades de análise das práticas escolares

correntes, e pode representar um caminho muito útil para contemporizar práticas de

rotinização e práticas de flexibilização na escola.

Docilidade e flexibilidade, ambas, podem denotar a mesma coisa. Nos sub-

capítulos: “Corpo dócil-rotinizado” e “Corpo-digital flexível”, procurei recorrer à

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origem etimológica das palavras dócil e flexível, a fim de diferenciá-las, de modo que

pudessem descrever situações e coisas diferentes. De certa maneira, a docilidade, que

tem um caráter “ensinável” e “aprendível” tende à permanência ou, pelo menos, a

longas durações, pois que atinge o âmago dos sujeitos. A flexibilidade tende a ser

sempre provisória, sem vínculos profundos, e é capaz de reversão a qualquer

momento. Dócil está mais para rotina, repetição, continuidade, memorização,

fidelidade, poupança, coerção. Flexível está mais para a-rotina, mudança,

descontinuidade, esquecimento, compreensão, crédito, comunicação. A disciplina

interessa-se por uma rotinização minuciosa, linear, progressiva e cumulativa das

atividades, para que o tempo da vida se torne tempo de trabalho, o tempo de trabalho

se torne força de trabalho, e a força de trabalho se torne força produtiva. O sujeito

flexível deve ter a capacidade de dobrar-se diante da profusão de “novas informações”,

renovando continuamente o seu estoque de informações, de modo que o tempo da

vida se torne tempo de consumo informacional, o tempo de consumo informacional se

torne força de consumo informacional, e a força de consumo informacional se torne

força de produção informacional.

Docilidade encontra-se como sinônimo de flexibilidade; o contrário não acontece.

Se a docilidade está mais para a disciplina e a flexibilidade está mais para o controle,

pode-se, de certa maneira, sugerir que o controle pode valer-se da disciplina e mesmo

confundir-se com ela. Assim, na escola, alguns comportamentos apressadamente tidos

como indisciplinares podem ser comportamentos decorrentes das práticas do controle

que a atravessam, cada vez mais intensamente, na atualidade. A educação entre quatro

paredes já não comporta o aluno flexível. Esse forçará os limites para fora, cooperando

para a abolição da distinção entre o dentro e o fora, entre o público e o privado. O

aluno dócil não faz essa movimentação. O comportamento dócil é “intrínseco”; o

flexível é “extrínseco”.

No dia 8 de março, por ocasião da redação dessas considerações finais, já com o

prazo de entrega da Dissertação no limite, deparei-me com uma situação inesperada: a

falta prolongada de energia elétrica. Quedas rápidas de energia elétrica são comuns,

porém, nesse dia, por volta das 16h20min, um assaltante em fuga num automóvel

roubado derrubou um poste (ABC DOMINGO, 2008) há três quadras da minha casa.

Devido à urgência, telefonei para a AES Sul, concessionária de energia elétrica.

Informaram-me que não havia previsão de quanto tempo levaria para regularizar a

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situação, pois o poste teria de ser substituído. Diante disso, só restava esperar. Logo

anoiteceu, e tive que fazer uso de velas. De repente comecei a refletir sobre essa

situação inusitada, pois me dei por conta do quanto estamos dependentes, na

atualidade, da energia elétrica. McLuhan (1971) ressalta essa nossa dependência, ao

observar que a energia elétrica tem um grande poder de transformar toda e qualquer

estrutura espaço-tempo, de trabalho ou da sociedade na qual penetra ou com a qual

entra em contato.

Com a falta de energia elétrica, onde foram parar os bits e os bytes? Talvez seja

ilustrativo fazer uma analogia com a circulação sanguínea. A energia elétrica que passa

pelos cabos suspensos ou subterrâneos, é o plasma que corre entre as paredes dos

vasos. Os bits e os bytes são os glóbulos brancos e vermelhos. Tal metáfora, bastante

simplista, parece-me elucidativa para as análises sobre a disciplina e o controle. O

espaço de fluxos informacionais das redes digitais rizomáticas necessita de meios

pesados para subsistir (vasos e plasma). Os bits e os bytes “guardados” nas memórias

dos chips, dali não saem sem o aporte da energia elétrica e de toda sua rede de

produção e distribuição. Pode ser que no futuro, outras formas de energia sejam

produzidas e distribuídas de maneiras diferentes, porém, o fato é que, hoje, o espaço

eletrônico de fluxos informacionais, para sua subsistência, necessita da energia elétrica

e de sua infra-estrutura de produção e distribuição. Mas, ao mesmo tempo em que o

espaço de fluxos se vale dos espaços de lugar, consome-os na imaterialidade dos

padrões de informação. Analisando sob o aspecto dos procedimentos de poder, pode-

se dizer que o controle, centrado no espaço eletrônico de fluxos informacionais, de

inquilino tende à parasita dos lugares onde penetra e encontra guarida.

O controle, ao mesmo tempo em que se ergue, cai (HARDT & NEGRI, 2005). A

informação devora os seus próprios conteúdos (BAUDRILLARD, 1991). Talvez seja

importante criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, para escapar ao controle

(DELEUZE, 1992). Eis o paradoxo! A fúria do controle pela dissolução de todos os

limites geográficos e pela supressão de todos os ritmos temporais, se não for

adequadamente contemporizada, ameaçará a autonomia dos lugares e culturas, e nos

conduzirá, inevitavelmente, ao ápice da fantasia humana, ao concebermos a nós

mesmos como padrões de informação num banco de dados DNA. Dessa forma, basta

descobrir a maneira de armazenar “nossos dados”, para alcançarmos a “imortalidade”

(PENA, 2003).

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A questão norteadora dessa pesquisa é: alguns comportamentos renitentes dos

alunos, como o uso e a exibição de telefones celulares na sala de aula, atitude

facilmente qualificada como indisciplinar, não seriam, talvez, “manifestos” por uma

nova subjetividade que é gerada, prioritariamente, por práticas do controle espraiadas

pelo planeta, mas que também se articulam muito diretamente com a escola, instituição

modelarmente disciplinar? Concluo, com base nas assertivas foucaultianas, que o uso

reiterado do telefone celular na sala de aula pelos alunos, causa de tantos conflitos e

contendas, não é uma expressão de rebeldia do aluno contra o professor ou contra a

escola, mas uma manifestação de uma outra subjetividade - o “corpo-digital flexível”,

diferente daquela tradicionalmente requerida no espaço de confinamento da sala de

aula - o “corpo dócil-rotinizado”. A teimosia dos alunos deve ser, antes, encarada como

uma “luta” contra uma forma de poder. O uso renitente do telefone celular na sala de

aula, então, não é um ato de indisciplina, pois a indisciplina é a contrapartida da

disciplina; é uma “luta” contra a disciplina e as subjetividades engendradas por essa

tecnologia de poder. A lei que proíbe o uso do celular na sala de aula, pelas

justificativas apresentadas, antes de disciplinar, exercerá uma função de

descompressão, pois as subjetividades flexíveis que são geradas predominantemente

fora dos limites da sala de aula, já não são mais contidas por esse espaço de

confinamento. Em suma, as iniciativas para regulamentação do uso do telefone celular

na sala de aula, é uma reação, ainda que não bem delimitada, aos novos modos de

subjetivação e organização da vida social, que começam a ameaçar esse espaço de

lugar.

Mas a escola não é agente passivo. Ela contribui para aumentar a pressão na sala

de aula ao incorporar, mais e mais, práticas de flexibilização e controle. Atualmente, o

sistema informatizado e integrado para atendimento de questões disciplinares, na

escola onde trabalho, permite o envio automático de uma mensagem via correio

eletrônico (e-mail) ao responsável do aluno no caso de atraso no início das aulas ou

falta, no mesmo instante em que é feito o registro. Esse é um exemplo significativo de

como disciplina e controle podem manter uma relação de inquilinato. A disciplina

escolar se beneficia dos bancos de dados integrados em redes digitais rizomáticas,

ganhando flexibilidade no registro das ocorrências, velocidade na localização e

eficiência no agrupamento dos registros de determinado(s) aluno(s), bem como,

agilidade na comunicação com os pais/responsáveis. O controle, dessa forma, pela

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memória estendida dos bancos de dados, associa-se ao olhar vigilante e hierárquico da

disciplina, revigorando-o. A disciplina, por sua vez, pelo seu enorme interesse em

quadricular e normalizar condutas em espaços públicos pode ceder ao controle os ares

de moralidade de que tanto necessita para “evitar a dissimulação brutal que nos

confrontaria com a evidente realidade de uma perda radical do sentido”

(BAUDRILLARD, 1991: 105). O controle também se beneficia da disciplina escolar ao se

estabilizar mais um nó, ou gema, daí podendo remeter a outros nós ou gemas,

expandindo as possibilidades de ramificação de suas linhas, ampliando, assim, o

Corpo-Rede. Mas os interesses e métodos da disciplina e do controle são diferentes. A

disciplina supõe uma co-presença dos vigilantes e dos vigiados, em que há uma

submissão a um olhar soberano nos espaços de encerramento. O controle dispensa a

presença física imediata em favor de uma submissão eletrônica remota com ênfase na

circulação orbital da informação digital, buscando legitimar-se na contínua aceleração e

expansão de suas invisíveis linhas rizomáticas. Mesmo que a disciplina se utilize de

bancos de dados eletrônicos, ela não pode prescindir de um sistema de encerramento,

enquadramento e vigilância, sob pena de debilitar-se. Porém, é importante ter presente

que o controle, assente no espaço eletrônico de fluxos informacionais, conspirará

sempre para a supressão da distinção do “dentro-fora”, do “ontem-hoje-amanhã”,

distinções muito caras à disciplina escolar.

A ênfase em práticas de flexibilização e controle, na escola, redundam,

invariavelmente, num aumento da pressão intramuros, ao se promover o entrechoque

de comportamentos flexíveis com comportamentos dóceis. Dessa forma, a mesma

escola que levanta muros, borra suas fronteiras. Veiga-Neto (2008), tem razão ao

afirmar que a escola, constructo da Modernidade, ao mesmo tempo em que sofre as

conseqüências da grande crise contemporânea dos valores da Modernidade, contribui

para que ela aconteça e vá adiante. Por isso, acredito que as reflexões aqui

desenvolvidas, especialmente as que dizem respeito aos procedimentos do controle

que investem sobre a escola, são fundamentais para uma análise mais apropriada sobre

o panorama das práticas e “reformas” pedagógicas contemporâneas. Algumas análises,

ainda incipientes, realizadas no capítulo: “A escola sob controle”, apontam para a

possibilidade futura e, também, para a necessidade, talvez premente, de análises mais

amplas e refinadas.

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Uma conclusão geral que se pode tirar de todo o investimento feito ao longo

desta pesquisa, com base na tese foucaultiana de que todo conhecimento está

intimamente relacionado a alguma forma de poder, e ainda, que toda forma de poder

tem uma espacialidade e uma temporalidade, é que, assim como as maneiras de pensar

e estar da Modernidade foram identificadas por muitos estudiosos como sendo

“eurocêntricas”, talvez seja plausível dizer que os modos de pensar e estar no mundo

contemporâneo são “americanocêntricos”. Embora na Contemporaneidade, conforme

Hardt (2000), não há um lugar do poder, pois ele está em todos os lugares e em

nenhum deles ao mesmo tempo, acredito que é muito pertinente a análise de Castells

(2007) sobre a revolução da tecnologia da informação. Ao demonstrar a origem, o

desenvolvimento e difusão da microeletrônica, mais especificamente a partir dos anos

70, nos EUA, Castells defende que ao final do século XX e início do século XXI, há uma

mudança de paradigma tecnológico. Assim como a Revolução Industrial, a partir da

Europa, trouxe para o centro da vida social moderna os modos de “pensar” e “estar”

europeus, a revolução informacional, a partir dos EUA, tem trazido para o centro do

mundo contemporâneo, os modos de “pensar” e “estar” americanos.

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