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Antônio Geraldo e o Barquinho Santa Cruz por Kako * http://arcadauniao.org/artigo.php?idEdicao=15&idArtigo=191 Antônio Geraldo. Esse homem eu conheci, fez sua passagem sete anos atrás. Ele mesmo já tinha ido aos cinqüenta e dois anos quando, maduro, decidiu morrer para si e viver por seus irmãos. Quantos mares com ele naveguei e quantos mares ainda espero navegar. É emocionante relembrar o maior homem que conheci. Antônio Geraldo da Silva. Meu mestre, meu amigo, meu irmão, meu eterno comandante. A minha primeira experiência com o Daime foi em 1987, em Ouro Preto, quando amigos que estiveram no Acre trouxeram um pouco do daime da Barquinha. Lua cheia, agosto, dia dos Pais. Foi feito um trabalho no qual cantamos o hinário do Mestre Irineu. O grupo gostou muito, foi uma experiência profunda, de reflexão e limpeza. Então, poucos meses depois, Sandra, filha do seu Antônio Geraldo, chegou em Ouro Preto. Fizemos uma série de três trabalhos, oportunidade em que ela apresentou uma gravação cantada pelo seu pai dos salmos. Nesse momento, rompeu uma represa de sentimentos dentro de mim, que desaguou em um mar enorme, quando eu

Antônio Geraldo e o Barquinho Santa Cruz

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Antônio Geraldo e o Barquinho Santa Cruz

por Kako * http://arcadauniao.org/artigo.php?idEdicao=15&idArtigo=191

Antônio Geraldo. Esse homem eu conheci, fez sua passagem sete anos atrás. Ele mesmo já tinha ido aos cinqüenta e dois anos quando, maduro,

decidiu morrer para si e viver por seus irmãos. Quantos mares com ele naveguei e quantos mares ainda espero navegar. É emocionante relembrar o

maior homem que conheci. Antônio Geraldo da Silva. Meu mestre, meu amigo, meu irmão, meu eterno comandante.

A minha primeira experiência com o Daime foi em 1987, em Ouro Preto,

quando amigos que estiveram no Acre trouxeram um pouco do daime da

Barquinha. Lua cheia, agosto, dia dos Pais. Foi feito um trabalho no qual cantamos o hinário do Mestre Irineu. O grupo gostou muito, foi uma

experiência profunda, de reflexão e limpeza. Então, poucos meses depois, Sandra, filha do seu Antônio Geraldo, chegou em Ouro Preto. Fizemos uma

série de três trabalhos, oportunidade em que ela apresentou uma gravação cantada pelo seu pai dos salmos. Nesse momento, rompeu uma represa de

sentimentos dentro de mim, que desaguou em um mar enorme, quando eu

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ouvi uma voz, que no primeiro momento eu não identifiquei, o canto se transformava em miração e realidade. Foi um grande impacto e posso dizer

que custei a compreender, em termos mitológicos, o que tinha acontecido.

. Depois, eu morava em Ouro Preto, mas já era fardado da igreja do Céu do

Mar, no Rio de Janeiro, numa época muito rígida da introdução da doutrina nos centros urbanos, sob o comando do Paulo Roberto, casado com uma das

filhas do padrinho Sebastião Mota. Nessa época, havia certa pressão para que eu firmasse um Ponto de Cura em Ouro Preto, mas eu não sentia que

havia ainda escutado o chamado.

Então foi realizada uma estrela e, anteriormente, foi pedido que as pessoas chegassem na hora exata de iniciar, dizendo que quem se atrasasse não

poderia entrar. Devido ao trânsito, eu me atrasei. Mas mesmo assim me apresentei e fiquei ali, do lado de fora, passeando pela encosta, olhando a

lua e o mar naquela paisagem privilegiada da Floresta da Tijuca. Quando eu voltei me disseram que o comandante havia permitido a minha presença.

Paulo Roberto estava querendo me provar, para que pudesse abrir o ponto.

Entrei no salão e percebi que todos os presentes já estavam muito pegados (1). E o Paulo Roberto no centro com um copo de daime até a borda me

esperando. Tomei o copo, enorme, e sentei muito apertado entre os outros fardados, aqueles bancos desconfortáveis de madeira, todos se encostando

pois estava muito cheio. Não deu meia hora e houve outro despacho (2) geral. Eu tentei não ir, fechei os olhos e fiquei quietinho. Mas depois olhei e

vi o vice-comandante, na época o Paulo Coutinho, me chamar com um copo cheio, eu estava nos primeiros lugares e não tive como fugir. Fiquei sem

jeito e tomei. Foi uma passagem enorme. .

Nesse momento da minha vida, entrei em contato com a força do Céu do Mar original que rege essa igreja. Dentro dos meus sentimentos, o Céu do

Mar se encaixa com a colônia espírita „Nosso Lar‟, localizada no astral acima da pedra da Gávea. O desenho do Nosso Lar é uma estrela de Salomão. De

repente em desemboquei nesse lugar, onde havia umas figuras de terninho

tipo Mao, eram homens espíritas generosíssimos que trabalhavam a caridade espiritual. Eles me entregaram um feto, muito fraco, para eu

cuidar. Eu não podia me desconcentrar dele senão ele morria. Eu compreendi que a faixa vinho era a devoção de segurar a vida, deixar de

pensar em você, a verdadeira caridade.

Neste drama da miração do feto frágil, tudo balançava, só tinha um senhor que eu via de costas, firme como uma rocha dentro do trabalho. O resto das

pessoas balançava, a casa de estrela balançava. Eu me afundando, não me achava capaz de ter atenção para manter a vida daquele ser. Fiquei até o

final do trabalho com o menininho no colo, sofrendo. O senhor como um mastro, no centro, me transmitia toda firmeza. No final do trabalho

comentaram sobre a presença honrosa da visita do seu Antônio Geraldo, participando da estrela. Então eu soube que o lugar em que me sentei

estava quentinho por causa dele, que estava neste lugar, e foi transferido

para frente quando eu cheguei.

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Com o tempo pude conhecê-lo, ele o instrumento da voz que ouvi na miração, nas minhas primeiras experiências com a bebida em Ouro Preto.

Dentro de um trabalho onde tudo balançava, só aquele senhor de cabelos

brancos sentado a minha frente permanecia completamente estável. E como me ajudou sentir a estabilidade naquela tão difícil travessia... Um pouco

mais tarde, numa preleção, proferiu as palavras que precisava ouvir para finalmente aceitar a missão de assumir um comando. Eu que estava tão

relutante: - “O chefe é o que mais precisa seguir as normas”. Que luz; meus amigos! Que felicidade para São Francisco sentir alguém que nas provações

da vida demonstra ser tão generoso, tão despojado. Também para São Sebastião ver um corajoso receber flechas e transformar a dor por elas

causada em doce amor de Jesus e perdão aos que as atiravam. E São José, patriarca, zelando seu povo, sua família. São José do Ribamar...”

A Barquinha possui uma tradição muito especial, da „linha da Barquinha‟,

que é a tradição do „salmista‟. Cantar salmos é um costume antigo do judaísmo. O dom da Barquinha é o dom do salmista. Rei Davi foi um grande

salmista, que evoluiu muito a elegância da prática, Salomão também, assim

como era costume de todos os patriarcas. Jesus foi um grande salmista para seus apóstolos e multidões. A preparação da pessoa para essa função

permite o acesso às chaves, que permitem a abertura dos mundos dos encantos, dos múltiplos encantos do mar. Esses reinos começam lá no alto

mar, no qual estamos todos mergulhados, que é o grande mar da estrastofera. É um mar em que navegam grandes navios, uniões de seres.

Quando a barquinha navega nessa estratosfera, ela cria uma conexão dessa superfície (astral) até onde estamos, no fundo do mar. Com um fio, arrasta

tudo que conecta a ela, dá direção, transforma, como um barco.

Antônio Geraldo chegou na doutrina em 1949, por insistência de sua esposa Francisca, que pedia que ele procurasse Daniel Pereira, para se curar do

problema de alcoolismo. Ele conta que Daniel ficava em uma taperazinha, onde havia uma porção de santos esculpidos em madeira. E dentro seu

Daniel, pretinho pretinho, de óculos, fazendo congás. Era a barquinha

nascente.

Daniel Pereira, o fundador da Barquinha, era também alcoólatra. Ele teve sua primeira revelação espiritual sob a força da cachaça. Estava dentro de

um igarapé, bêbado, quando viu começar a descer um livro de capa azul, seguro por mãos angélicas, para lhe ser entregue. Mas, quando tenta

receber, toda visão se retira, ele percebe que não lhe foi permitido o acesso por causa da bebida. Fica indignado, desesperado e joga a garrafa fora. Vai

em busca do Mestre Irineu e fica frustrado porque o mestre não estava. Mas tinha um daime de guarda lá, na casa do Mestre. Num impulso ele tomou.

Entre o Alto Santo e a Vila Ivonete, nessa época, era somente floresta

fechada. As pessoas costumavam andar a noite nos leitos secos dos igarapés, pois era mais iluminado. Quando a força chegou ele se deitou

nessa areia seca e viu, em grande estilo, romperem-se os céus e os anjos

lhe entregam novamente o livro. Daniel vê o livro aberto, era o livro dos salmos. Ele foi se aconselhar com o Mestre Irineu e entendeu que era o

nascimento de uma nova linha, de dentro das matas do mestre, que chamou

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de „linha do astral‟. O mestre concordou e deu a ele as primeiras bombonas de daime para iniciar seus trabalhos.

Daniel muito talentoso. Músico, tocava saxofone, violão e outros instrumentos. Introduziu a música aos seus trabalhos. Isso causou um

grande impacto no Alto Santo, e músicos seguidores do Mestre Irineu pediram para que também fosse permitido isso na sua liturgia. Isso foi entre

1946, 47 mais ou menos. Em 49 o seu Antônio Geraldo chegou, muito dedicado ao trabalho espiritual, conseguiu se curar do alcoolismo. Em 1958,

Daniel faleceu, mas antes indicou Antônio como sucessor.

Antonio Geraldo era moreno claro e fazia uns serviços como eletro-técnico. Mas, quando recebeu a missão ele se entregou completamente a ela.

Comandar a barquinha era uma coisa fortíssima, a pessoa tinha que parar de trabalhar, viver da obra de caridade, são preparações longas, novenas e

a cada trabalho ele se preparava muito antes de todos chegarem, numa salinha reservada. Viveu por muitos anos de donativos, para se sustentar e

aos seus dez filhos, frutos da união com dona Antônia, única mulher da sua

vida, ambos da mesma idade. Ele era nativo do Rio Grande do Norte, chegou ao Acre no movimento de migração dos soldados da borracha, mas

nunca mais tinha retornado a sua terra natal.

A farda e o baile da Barquinha foram recebidos por Antonio Geraldo. Mas isso foi feito em duas etapas diferentes, separadas por nove anos, ocasião

em que viajou de volta para sua terra natal. Essa viagem foi incentivada por seu vice-comandante e grande amigo, seu Manoel Araújo, que se propôs a

pagar os custos da viagem da família e dirigir o centro na sua ausência. Os votos de caridade da Barquinha duram dez anos. Antônio Geraldo estava em

seu momento de renovação dos votos do serviço e resolveu ir.

Ele conta que, quando voltou, nove anos depois, pretendia retornar ao trabalho que tinha deixado. Caminhou com seus dez filhos até a cancela do

templo original, no terreiro da sua própria casa, onde está o túmulo de

Daniel Pereira, para rever sua irmandade. Ao ser impedido de reassumir seu antigo posto, Antônio Geraldo deu meia volta respeitosamente e foi se

mudar para bem perto, quase ao lado. Eu procurei saber o porque desse lugar e soube que ele ocupou novamente o terreiro da primeira igreja do

Mestre Irineu, na vila Ivonete. Ou seja, onde é o coreto era o espaço físico inicial do Mestre Irineu. Eu acho isso incrível!

O templo construído novamente por Antônio Geraldo era uma tetéia.

Imagine aqueles cartõezinhos religiosos, tudo lindo, cuidado, enfeitado, miríades de anjinhos. E a pureza das pessoas que cuidavam, senhores e

senhoras, sempre zelosos de cumprir um calendário de novenas de preparação para o festejo de cada santo. Há várias Barquinhas, mas esta é a

mais arrumadinha.

O processo de concentração da barquinha é muito severo, a consciência

remonta a um esforço pessoal, para ir fundo ao ponto da sua alteração, ao momento da sua vida em que se permitiu de acontecer essa alteração. Para

ver o momento em que se fez isso, que se errou. Eu me lembro de ouvir dos

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antigos senhores que um sofria porque quando era garoto matava passarinho, outro porque brincava com querosene quente e machucou a

mãe. A barquinha te leva a isso, a uma auto purgação, julgamentos, cai-se

no inferno. Mas por sua coragem de enfrentar, algo te salva e te leva para o céu. Na Barquinha da dona Chica Gabriel esse processo se dá pela umbanda.

Mas no seu Antonio Geraldo isso acontece no discreto, de maneira oculta. A atuação de outros seres acontece em um pleno carnaval. As entidades da

barquinha são fabulosa, cantores, quando o som do canto da entidade ressoa não se tem a menor dúvida de que se está diante e abaixo do poder

de um ser superior.

Quando eu vi o meu herói cantar, quando eu fui ao Acre, os marujos estavam em volta da mesa em forma de cruz para a concentração. Eu

estava sentado de frente a ele, no canto, nas laterais. O comandante senta na ponta maior da cruz e a concentração acontece por três horas. Ficamos

calados, mas ouvindo os cantos, uma maravilha, eu estava de olhos fechados mirando e explodiu, me levou a quase morrer de felicidade por

vários momentos. Eu abri os olhos e ele estava cantando com uns óculos

escuros enormes. Perguntei depois sobre isso e me informaram que ele recebia o bispo Policarpo. As eminências da Barquinha são os bispos

cantores, aparelhados pelos marujos. Através da perfeição do canto se mostra a perfeição espiritual do trabalho. Os bispos são os mentores

espirituais da igreja.

Antônio Geraldo sofreu muitas provas para que o astral permitisse a sintonia na terra com o Barquinho Santa Cruz, para que os seus seguidores

pudessem usufruir daquelas maravilhas. Para isso, alguns trabalhos começaram a ser de noite inteira, com este começo de concentração de três

horas, que antecede o carnaval e todos vão purinhos para a festa. As pernas somem no bailado, porque é o mar, então se entra na água, as mulheres

viram sereias e os homens barquinhos. Soltam-se os braços, pois é no soltar dos braços que se faz a limpeza. Também muda-se a farda para o baile,

coloca-se uma farda mais relaxada, com menos divisas. Quando se

materializa na terra o Barquinho Santa Cruz, dentro do coreto, seu Antônio Geraldo dizia: “Que seja completa a felicidade de todos”.

O quê esses homens tinham em comum era a idéia de navegar. O que é o

marujo? É aquele que tem um equilíbrio corporal, está sempre no eixo, mesmo no balanço do barco no mar. Isso tem a ver com a experiência

alcoólica, todo o êxtase da boêmia, de rodas em noites nas mesas de bar. Os salmos são sambas e valsas, quem já participou de rodas de samba sabe

da maravilha, da catarse espiritual. Outra característica marcante é a sensualidade, muito presente nas barquinhas. Alguém me disse uma vez

que a diferença entre uma mesa de bar e a Barquinha era que se tirava a garrafa de cachaça e se colocava a de daime. Uma redução de danos natural

da floresta.

Para concluirmos esta homenagem de agora quero publicar uma das últimas

mensagens psicografadas pelo Médium Antônio Geraldo da Silva (em 10 de abril de 1999), intitulada "MENSAGEM DO SOLDADINHO DE LUZ: O

SEGREDO DA VIDA"

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Prezado irmão; depressão é pressionar para baixo, quando as coisas não

andam como nós gostaríamos que andassem. Nos voltamos para dentro e

nos afundamos em nós mesmos. A sensação é de desânimo, peso, falta de vontade de viver. Vemos tudo preto, parece que não tem saída. Muitas

vezes estamos vivendo bem, achamos que já caminhamos bastante, que nossos principais problemas foram resolvidos. De repente tudo volta e nós

caímos do cavalo. Sentimos que não saímos do lugar, nos decepcionamos conosco, não vemos mais saída. Parece que estamos andando para trás,

perdemos até a vontade de viver. Não desespere, a depressão não é negativa. Você está caminhando para frente, ela é um sinal de que você está

tomando consciência de si mesmo. A tomada de consciência é dolorosa, na depressão nós damos um mergulho dentro de nós mesmos, vamos lá no

fundo do nosso ser, às vezes na lama, mas é a lama que serve de alimento para a Flor de Lótus. Da mesma é essa que vai adubar a Flor que está

desabrochando em você. Só mergulhando dentro de você mesmo, você encontrará a solução de seus problemas. Lá no fundo de si mesmo.

O segredo da vida humana está na entrega sem questionamentos a Deus e na consciência de sua presença amorosa.

O autor junto ao Mestre Antônio Geraldo e sua neta.