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DESIGUALDADES NO ACESSO À SAÚDE: REPERCUSSÕES NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DIAGNOSTICOU DEPRESSÃO OU PSICOSE PUERPERAL? INVESTIGUE O TRANSTORNO BIPOLAR TRATAMENTO DOS EPISÓDIOS DEPRESSIVOS COM CARACTERÍSTICAS MISTAS A ABORDAGEM POR MEIO DO APRENDIZADO DE MÁQUINA (MACHINE LEARNING) EM ESTUDOS DO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS DIRETRIZES DE TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO BIPOLAR PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO BIPOLAR Ano 8 • n°4 • Jul/Ago 2018 ISSN 2236-918X http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4 Editor organizador: Fabiano Alves Gomes

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DESIGUALDADES NO ACESSO À SAÚDE: REPERCUSSÕES NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR

DIAGNOSTICOU DEPRESSÃO OU PSICOSE PUERPERAL? INVESTIGUE O TRANSTORNO BIPOLAR

TRATAMENTO DOS EPISÓDIOS DEPRESSIVOS COM CARACTERÍSTICAS MISTAS

A ABORDAGEM POR MEIO DO APRENDIZADO DE MÁQUINA (MACHINE LEARNING) EM ESTUDOS DO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS DIRETRIZES DE TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO BIPOLAR

PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO BIPOLAR

Ano 8 • n°4 • Jul/Ago 2018ISSN 2236-918Xhttp://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4

Editor organizador: Fabiano Alves Gomes

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3Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

/////////// APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃOPrezado leitor,Com muito orgulho apresentamos aqui uma edição especialmente dedicada ao transtorno bipolar, organizada pelo

colega Fabiano Alves Gomes. São 6 arti gos de atualização, todos escritos por autores experts nessa especialidade da psiquiatria.

Abrindo a edição, Elisa Brietzke e Rodrigo B. Mansur falam sobre desigualdades no acesso à saúde e suas repercussões no tratamento do transtorno bipolar. É sabido que portadores desse transtorno apresentam maior risco para doenças médicas gerais, especialmente cardiovasculares, quando comparados à população geral. Dentre as causas desse desfecho, desigualdades no acesso e no ti po de tratamento implementado são um fator importante. Os autores apresentam as formas buscadas por diferentes países para atenuar esse problema, incluindo cuidado integrado, melhora da comunicação e uso mais efi ciente da tecnologia.

A seguir, Amaury Canti lino e Tati ana Valverde da Conceição tratam da importância de se investi gar transtorno bipolar quando é feito o diagnósti co de depressão ou psicose puerperal, a fi m de avaliar se um episódio depressivo ou de psicose no pós-parto pode ser parte de um transtorno. Os autores salientam a importância do diagnósti co e tratamento corretos e, por outro lado, as consequências devastadoras que podem resultar de um manejo inadequado.

Juliana Casqueiro e Ângela Miranda-Scippa abordam o tratamento dos episódios depressivos com característi cas mistas, os quais ocorrem em proporção signifi cati va de pacientes com transtornos de humor. As autoras fazem uma breve revisão histórica e detalham conceito, diagnósti co, curso, evolução e tratamento preconizado para essas situações.

Gabriel Okawa Belizario et al. nos falam sobre técnicas de aprendizado de máquina (machine learning), uma área emergente no tratamento do transtorno afeti vo bipolar. O objeti vo principal é melhorar o entendimento do transtorno e encontrar associações com variáveis além daquelas identi fi cadas uti lizando os métodos tradicionais de análise. Alguns resultados e desfechos promissores são relatados, bem como seu impacto no diagnósti co e tratamento do transtorno.

Qualidade das diretrizes de tratamento farmacológico do transtorno bipolar é o tema de Ivan Henrique Ranulfo Vaz Filho et al., que fazem uma avaliação críti ca sobre o rigor do desenvolvimento de diretrizes nos últi mos 10 anos. Os autores usaram a base de dados PubMed e a ferramenta Appraisal of Guidelines Research and Evaluati on (AGREE II) para fazer a avaliação. Ao fi nal do processo de busca e seleção, 10 diretrizes são avaliadas, sendo cinco consideradas de boa qualidade. Os autores discutem as limitações dos documentos, mas também salientam a importância de seu papel em prover recomendações para diferentes cenários, como pacientes refratários ou com comorbidades.

Fechando a edição, David de Lucena et al. discutem as perspecti vas futuras existentes para o tratamento farmacológico do transtorno bipolar, especialmente considerando-se que os tratamentos disponíveis não são efi cazes para todos os pacientes. Os autores propõem novos paradigmas nessa área, como novas alternati vas e alvos de tratamento, melhor identi fi cação de subgrupos de pacientes, fases da doença e combinações de medicamentos com desfechos terapêuti cos superiores.

Esta edição foi preparada com muito carinho. Esperamos que nossos leitores apreciem a leitura.

Antônio Geraldo da Silva e João Romildo BuenoEditores Seniores, Revista Debates em Psiquiatria

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4-a

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4 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

DIRETORIA EXECUTIVA

Presidente: Carmita Helena Najjar Abdo - SP

Vice-Presidente: Alfredo José Minervino - PB

Diretor secretário: Claudio Meneghello Martins - RS

Diretor secretário adjunto: Maria de Fátima Viana de

Vasconcellos - RJ

Diretor tesoureiro: Antônio Geraldo da Silva - DF

Diretor tesoureiro adjunto: Maurício Leão de Rezende - MG

DIRETORES REGIONAIS

Diretor Regional Norte: Cleber Naief Moreira - AM

Diretor Regional Adjunto Norte: Kleber Roberto da Silva

Gonçalves de Oliveira - PA

Diretor Regional Nordeste: André Luis Simões Brasil

Ribeiro - BA

Diretor Regional Adjunto Nordeste: Everton Botelho

Sougey - PE

Diretor Regional Centro-Oeste: Renée Elizabeth de

Figueiredo Freire - MT

Diretor Regional Sudeste: Érico de Castro e Costa - MG

Diretor Regional Adjunto Sudeste: Marcos Alexandre

Gebara Muraro - RJ

Diretor Regional Sul: Eduardo Mylius Pimentel - SC

Diretor Regional Adjunto Sul: Carla Hervê Moran Bicca - RS

CONSELHO FISCAL

Titulares:

Itiro Shirakawa – SP

Alexandrina Maria Augusta da Silva Meleiro – SP

Ronaldo Ramos Laranjeira – SP

Suplentes:

Francisco Baptista Assumpção Junior – SP

Marcelo Feijó de Mello – SP

Sérgio Tamai - SP

ABP - Rio de JaneiroRua Buenos Aires, 48 – 3º Andar – Centro

CEP: 20070-022 – Rio de Janeiro - RJTelefax: (21) 2199.7500

Rio de Janeiro - RJE-mail: [email protected]

Publicidade: [email protected]

//////////// EXPEDIENTEEDITORES SENIORES Antônio Geraldo da Silva - DF João Romildo Bueno - RJ

EDITORES-CHEFES Marcelo Feijó de Mello - SPJosé Carlos Appolinário - RJValeria Barreto Novais - CE

EDITORES ASSOCIADOSAlexandre Paim Diaz - SCAntonio Peregrino - PECarmita Helena Najjar Abdo - SPÉrico de Castro e Costa - MGItiro Shirakawa - SPMarcelo Liborio Schwarzbold - SC

EDITORES JUNIORESAlexandre Balestieri Balan - SCAntonio Leandro Nascimento - RJCamila Tanabe Matsuzaka - SPEmerson Arcoverde Numes - RNIzabela Guimarães Barbosa - MGLarissa Junkes - RJ

CONSELHO EDITORIALAlmir Ribeiro Tavares Júnior - MG Ana Gabriela Hounie - SPAnalice de Paula Gigliotti - RJCésar de Moraes - SPElias Abdalla Filho - DFEugenio Horácio Grevet - RSFausto Amarante - ESFlávio Roithmann - RSFrancisco Baptista Assumpção Junior - SPHelena Maria Calil - SPHumberto Corrêa da Silva Filho - MGIrismar Reis de Oliveira - BAJair Segal - RSJoão Luciano de Quevedo - SCJosé Cássio do Nascimento Pitta - SPMarco Antonio Marcolin - SPMarco Aurélio Romano Silva - MGMarcos Alexandre Gebara Muraro - RJMaria Alice de Vilhena Toledo - DFMaria Dilma Alves Teodoro - DFMaria Tavares Cavalcanti - RJMário Francisco Pereira Juruena - SPPaulo Belmonte de Abreu - RSPaulo Cesar Geraldes - RJRicardo Barcelos - MGSergio Tamai - SPValentim Gentil Filho - SPWilliam Azevedo Dunningham - BA

CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONALAntonio Pacheco Palha (Portugal), Marcos Teixeira (Portugal), José Manuel Jara (Portugal), Pedro Varandas (Portugal), Pio de Abreu (Portugal), Maria Luiza Figueira (Portugal), Julio Bobes Garcia (Espanha), Jerónimo Sáiz Ruiz (Espanha), Celso Arango López (Espanha), Manuel Martins (Espanha), Giorgio Racagni (Italia), Dinesh Bhugra (Londres), Edgard Belfort (Venezuela)

Jornalista Responsável: Brenda Ali LealRevisão de Textos e Editoração Eletrônica: Scientific LinguagemProjeto Gráfico e Ilustração: Daniel Adler e Renato OliveiraProdução Editorial: Associação Brasileira de Psiquiatria - ABPGerente Geral: Simone PaesImpressão: Gráfica Editora Pallotti

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5Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

//////////////// SUMÁRIOJUL/AGO 2018

SUMÁRIO6/atualização

Desigualdades no acesso à saúde: repercussões no tratamento do transtorno bipolar

ELISA BRIETZKE, RODRIGO B. MANSUR

12/atualizaçãoDiagnosticou depressão ou psicose puerperal?

Investigue o transtorno bipolar

AMAURY CANTILINO, TATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO

20/atualizaçãoTratamento dos episódios depressivos

com características mistas

JULIANA CASQUEIRO, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA

28/atualizaçãoA abordagem por meio do aprendizado de

máquina (machine learning) em estudos do transtorno afetivo bipolar

GABRIEL OKAWA BELIZARIO, FABRÍCIO ALVES DE FREITAS, ROGERIO SALVINI,

BENY LAFER, RODRIGO DIAS

34/atualizaçãoAvaliação da qualidade das diretrizes de

tratamento farmacológico do transtorno bipolar

IVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHO, MONIQUE GOMES DA SILVA SCALCO, FABIANO ALVES GOMES

43/atualizaçãoPerspectivas futuras para o tratamento

farmacológico do transtorno bipolar

DAVID DE LUCENA, SILVANIA VASCONCELOS, DANIELLE MACEDO

As opiniões dos autores são de exclusiva responsabilidade dos mesmos.

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6 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOELISA BRIETZKERODRIGO B. MANSUR

ResumoPortadores de transtorno bipolar têm maior risco

de morbimortalidade por doenças médicas gerais, especialmente cardiovasculares, comparados à população geral. Embora múltiplas causas contribuam para esse desfecho, desigualdades no acesso e no tipo de tratamento implementado para condições médicas gerais são um contribuinte importante. Diferentes países têm buscado atenuar esse problema com soluções que passam pela implementação de cuidado integrado com psiquiatras e clínicos gerais, melhora das estratégias de comunicação e uso mais eficiente da tecnologia.

Palavras-chave: Transtorno bipolar, mortalidade, doenças cardiovasculares.

AbstractIndividuals with bipolar disorder have a higher risk of

morbidity and mortality due to general medical illnesses, especially cardiovascular diseases, compared to the general population. Although multiple causes contribute to this outcome, inequalities in access to care and in the type of treatment implemented for general medical conditions are an important contributor. Different countries have sought to alleviate this problem with solutions that include the implementation of integrated care with psychiatrists and general practitioners, improvement of communication strategies and more efficient use of technology.

Keywords: Bipolar disorder, mortality, cardiovascular diseases.

IntroduçãoOs últimos 5 anos marcaram um momento de grandes

inovações teóricas nos modelos de doença adotados pela psiquiatria. Talvez o mais óbvio seja o modelo dimensional de psicopatologia, difundido através do projeto Research Domain Criteria (RDoC), do National Institute of Mental Health1. De acordo com o mesmo, doenças como o transtorno bipolar (TB) poderiam ser concebidas como uma confluência de domínios de sintomas que se combinam em intensidade, frequência e duração variáveis em cada indivíduo. O segundo grande avanço foi a elaboração de modelos focados na trajetória dos transtornos do humor, tais como os modelos de estadiamento e neuroprogressão, que visam entender em que extensão é possível prever e potencialmente evitar um curso funcional deteriorante2. Alvo de menos grupos de pesquisa no mundo, mas nem por isso menos relevante, o terceiro modelo teórico foi a síndrome metabolismo-humor (SMH), onde a altíssima taxa de comorbidade entre as formas clássicas do TB e diferentes parâmetros da síndrome metabólica (obesidade, especialmente com acúmulo de gordura abdominal, alterações no metabolismo da glicose, hipertensão arterial sistêmica e hiperlipidemia) é interpretada como intrínseca ao processo de doença3.

De acordo com essa concepção, o TB poderia sem concebido não só como uma doença que acomete o cérebro e com manifestações no comportamento e nas emoções, mas como uma doença sistêmica, com fisiopatologia complexa, atingindo uma miríade de órgãos e sistemas4. Os sistemas afetados incluem –

DESIGUALDADES NO ACESSO À SAÚDE: REPERCUSSÕES NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR

INEQUALITIES IN ACCESS TO HEALTH CARE: REPERCUSSIONS IN BIPOLAR DISORDER TREATMENT

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4-1

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7Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

ELISA BRIETZKE1,2, RODRIGO B. MANSUR1,3

1 Mood Disorders Psychopharmacology Unit (MDPU), University Health Network (UHN), Toronto Western Hospital, Toronto, Canadá. 2 Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil. 3 Department of Psychiatry, University of Toronto, Toronto, Canadá.ARTIGO

ainda que não estejam restritos aos mesmos – o eixo hipotálamo-hipófi se-adrenal, outros sistemas hormonais (ti reoide, estrógeno, testosterona)5, sistema imunológico, alterações no estresse oxidati vo e diferentes sistemas metabólicos6, de mecanismos moleculares envolvidos no envelhecimento7 e até mesmo da microbiota intesti nal8.

A integração desses achados sob a alcunha de SMH tem sido um grande avanço do ponto de vista da pesquisa. Ela permiti u o estudo das manifestações comportamentais e metabólicas de forma integrada, entendendo as últi mas como um domínio da fi siopatologia9. Porém, do ponto de vista clínico, representou um desafi o ainda maior para o psiquiatra, de quem se passou a exigir uma visão holísti ca e integrada do paciente. O objeti vo fi nal passou a ser miti gar os sintomas emocionais, mentais e comportamentais, atentando, também, para a saúde metabólica. Em termos de organização de serviços e da assistência oferecida a portadores de TB, esse paradigma se choca com um robusto corpo de evidências, que demonstram um grave aumento da morbimortalidade por condições médicas gerais nessa população10.

O objeti vo deste estudo é investi gar os dados existentes na literatura a respeito do desafi o de prover cuidados efeti vos para doenças médicas gerais e fatores de risco para morbimortalidade sistêmica e avaliar criti camente a literatura quanto a possíveis diferenças no cuidado recebido por portadores de TB em relação à sua saúde geral.

morbImortalIdade sIstÊmIca no tbÉ bem descrito na literatura que indivíduos com TB têm

um risco de mortalidade de duas a três vezes maior que a população geral, bem como uma redução na expectati va de vida (de 15 anos em média). Embora o suicídio seja inquesti onavelmente um fator importante nesse aspecto, estudos robustos e replicados indicam que a principal causa de mortalidade excessiva e prematura nessa população é a doença cardiovascular11. A mortalidade por doença cardiovascular é evidente principalmente em pacientes mais velhos, mas não é exclusiva desse grupo. Ela aparece também nos grupos etários mais jovens, nos quais as doenças cardíacas, juntamente com outras doenças fí sicas, também são responsáveis pela maior parte do excesso de mortalidade11. Ainda mais importante é a constatação de que o intervalo de

mortalidade entre a idade de morte da população geral e de portadores de TB vem aumentando com o tempo, sugerindo que essas diferenças estão seguindo uma tendência de se aprofundarem gradualmente12.

O aumento progressivo da expectati va de vida em todos os países do mundo é uma história de sucesso na ciência médica. Infelizmente, indivíduos com TB não parecem estar se benefi ciando dessa tendência. Enquanto as taxas gerais de mortalidade por diferentes condições, como doenças cardíacas, câncer e doenças infecciosas, diminuíram acentuadamente, esse declínio é menos evidente na população com TB. Por exemplo, enquanto a incidência de infarto do miocárdio diminuiu em quase 50% na população geral, as taxas de mortalidade por essa causa mudaram muito pouco entre portadores de TB desde o ano de 200313.

Diferentes variáveis têm sido exploradas como possíveis mediadores da prevalência de doença cardiovascular e da mortalidade excessiva ou prematura no TB. Esses fatores incluem, mas não estão limitados a: efeitos metabólicos e cardíacos de medicamentos (especialmente anti psicóti cos de segunda geração, anti depressivos e estabilizadores de humor); maus hábitos de saúde (por exemplo, tabagismo e abuso de álcool); e mecanismos fi siopatológicos intrínsecos à SMH3,14. No entanto, as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde e na qualidade do atendimento recebido, principalmente no que se refere à detecção e tratamento de doenças cardiovasculares e outros problemas fí sicos em pessoas com TB, têm sido menos discuti das.

desIgualdades no acesso aos cuIdados de saÚde geral no tbAo examinarem-se as evidências no assunto, verifi camos

que os sistemas de saúde em todo o mundo, incluindo aqueles de países desenvolvidos, não estão fornecendo intervenções baseadas em evidências e com boa relação custo-benefí cio para essa população já vulnerável. Há evidências replicadas de que os indivíduos com transtornos mentais graves, incluindo o TB, têm menor probabilidade do que a população geral de ter atendimento médico em nível de atenção primária. Essas diferenças permanecem mesmo após os resultados serem controlados para uma série de possíveis fatores de confusão, como idade, sexo, etnia, educação, renda e ti po de seguro saúde15. Estes

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8 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOELISA BRIETZKERODRIGO B. MANSUR

dados poderiam nos levar a pensar, então, que o psiquiatra estaria sendo o médico responsável pelo cuidado clínico geral de pacientes com TB.

Porém, resultados obtidos em diferentes países sugerem que nem psiquiatras nem clínicos gerais conseguem rastrear e monitorar adequadamente indivíduos com TB para fatores de risco metabólicos, apesar das recomendações de várias agências, como a Food and Drug Administration, a American Diabetes Association e a American Psychiatric Association. Por exemplo, as taxas de avaliação metabólica basal em indivíduos que tomam antipsicóticos de segunda geração variam de 8 a 30%, e apenas 8,8% desses pacientes são submetidos ao monitoramento metabólico periódico conforme recomendado16. Além disso, o mesmo grupo de autores descreveu que as anormalidades metabólicas basais não são levadas em conta na escolha de medicações com perfil metabólico mais favorável, incluindo aquelas com menor potencial de causarem ganho de peso16.

Indivíduos com transtornos mentais graves têm menor probabilidade de receberem medicações cardiovasculares (como, por exemplo, anti-hipertensivos, anti-hiperlipidêmicos)17. Dados de estudos epidemiológicos e de ensaios clínicos mostram que 62% dos pacientes com hipertensão e transtornos mentais graves não recebem tratamento anti-hipertensivo satisfatório18,19.

O mesmo acontece com o tratamento de doenças ligadas ao metabolismo glicêmico, como a intolerância à glicose e a diabetes. Estimativas sugerem que no máximo 30% dos pacientes com TB recebem cuidado ótimo para diabetes20. Isso é especialmente preocupante na medida em que existem dados bastante robustos sobre o impacto funcional deletério da diabetes no curso dos transtornos do humor. Sabe-se, por exemplo, que comparados a portadores de TB sem diabetes, pacientes com TB e diabetes têm risco 3,5 vezes maior de estarem desempregados21.

Além disso, diferentes sistemas de saúde falham em oferecer orientação sobre a cessação do tabagismo, mesmo que portadores de TB sejam duas vezes mais propensos a fumar22. Programas de cessação de tabagismo usualmente não rastreiam a presença de transtornos mentais23. As medidas preventivas ao uso do tabaco têm obtido resultados positivos na população em geral, porém não têm sido efetivas para portadores

de TB, uma população em que as taxas de tabagismo permanecem inalteradas desde os anos 9024. Pacientes com TB são raramente referidos a serviços especializados em cessação do tabagismo22, e o tabagismo é pouco tratado na atenção primária25, mesmo com evidências de que pacientes com TB apresentam o mesmo nível de motivação para parar de fumar que indivíduos da população geral26.

Também existem diferenças consideráveis no que se refere à assistência para uma doença cardiovascular já instalada. Indivíduos com um transtorno mental grave, quando em face a um diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, têm menor chance de serem submetidos a tratamentos mais agressivos, especialmente procedimentos cirúrgicos para revascularização, como implante de stent e cirurgia de revascularização. Como resultado, sua taxa de mortalidade após um infarto do miocárdio é três vezes maior do que a da população geral27. Da mesma forma, os pacientes com TB são menos propensos a receber cuidados intensivos, como, por exemplo, arteriografia cerebrovascular ou varfarina após um acidente vascular cerebral28.

Além disso, pessoas com transtornos mentais graves têm menor probabilidade de receber cuidados clínicos ideais para artrite e rastreamento de rotina para câncer29. Esse padrão de acesso precário a cuidados de saúde de qualidade inclui também condições agudas, como apendicite: pessoas com transtornos mentais tendem a ser diagnosticadas mais tardiamente, apresentam mais complicações (por exemplo, gangrena ou perfuração do apêndice) e têm piores desfechos após a cirurgia30.

reduzIndo desIgualdades no cuIdado médIco geralEvidências indicam a possibilidade de uso de diferentes

estratégias para a redução das desigualdades no cuidado à saúde geral de portadores de TB e de outros transtornos mentais31. A maioria passa pelo fornecimento de cuidados integrados, tais como ter um psiquiatra e um clínico geral trabalhando no mesmo local, reduzindo as barreiras para o tratamento. Intervenções preventivas, incluindo (mas sem limitar-se aos mesmos) a educação do paciente, a cessação do tabagismo e programas de perda de peso, mostraram benefícios nessa população. O uso da tecnologia e de melhores estratégias de comunicação também parecem ter benefícios em integrar serviços e

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9Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

ELISA BRIETZKE1,2, RODRIGO B. MANSUR1,3

1 Mood Disorders Psychopharmacology Unit (MDPU), University Health Network (UHN), Toronto Western Hospital, Toronto, Canadá. 2 Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil. 3 Department of Psychiatry, University of Toronto, Toronto, Canadá.ARTIGO

facilitar o envolvimento do portador de TB e de sua família no tratamento31. Efeitos adversos de medicamentos psicotrópicos também podem ser gerenciados de forma efi caz por meio de uma combinação de intervenções comportamentais (por exemplo, dietéti cas e de exercícios) e farmacológicas (por exemplo, metf ormina e liragluti da) ou, ainda, pela priorização de medicações metabolicamente neutras32.

Arti go submeti do em 22/03/2018, aceito em 09/09/2018.Os autores informam não haver confl itos de interesse associados à publicação deste arti go.Fontes de fi nanciamento inexistentes.Correspondência: Elisa Brietzke, Rua Pedro de Toledo, 570, Vila Clementi no, CEP 04038-000, São Paulo, SP. Tel.: (11) 5576.4990. E-mail: [email protected]

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10 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOELISA BRIETZKERODRIGO B. MANSUR

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ARTIGO

ANÚNCIOANÚNCIO

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12 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOAMAURY CANTILINOTATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO

ResumoHá milênios os médicos descrevem mulheres com

sintomas psiquiátricos agudos após o parto. Transtornos de humor, incluindo transtorno depressivo maior e transtorno bipolar, são comuns durante e após a gravidez. Avaliar se um episódio depressivo ou de psicose no pós-parto é parte de um transtorno bipolar pode ser um desafio para o clínico. O manejo farmacológico apropriado depende do correto diagnóstico, e a sua falha pode resultar em sofrimento materno e vínculo infantil prejudicado, tendo o potencial de resultados devastadores, incluindo suicídio e infanticídio. Este artigo procura examinar quais as relações entre o transtorno bipolar e os transtornos psiquiátricos no puerpério, especialmente depressão e psicose.

Palavras-chave: Depressão, psicose, pós-parto.

AbstractFor millennia, physicians have described women with

acute postpartum psychiatric symptoms. Mood disorders, including major depressive disorder and bipolar disorder, are common during and after pregnancy. Assessing whether a postpartum episode of depression or psychosis is part of bipolar disorder can be a challenge for the clinician. Appropriate pharmacological management depends on correct diagnosis; failure may result in maternal suffering and impaired child bonding, with potential devastating outcomes, including suicide and infanticide. This article seeks to examine the relationship between bipolar disorder and psychiatric disorders, especially depression and psychosis, in the puerperium.

Keywords: Depression, psychosis, postpartum.

IntroduçãoNa excelente revisão sobre transtornos mentais graves

durante o pós-parto intitulada “Postpartum psychosis: madness, mania, and melancholia in motherhood”, Bergink et al. rememoram que há milênios os médicos descrevem mulheres com sintomas psiquiátricos agudos após o parto. No entanto, foi Esquirol, no século XIX, quem descreveu mais detalhadamente a psicose puerperal, numa série de 92 mulheres. Entre elas, 53% tinham sintomas predominantemente maníacos, 38% tinham sintomas depressivos, e apenas 9% tinham psicose não afetiva. Também no século XIX, o psiquiatra francês Louis-Victor Marcé publicou uma monografia que incluía descrições clínicas detalhadas de 79 mulheres com distúrbios pós-parto. Embora esses casos possam incluir mulheres com infecção e delirium, a impressionante apresentação afetiva de mulheres com psicose puerperal descritas por Marcé também chama a atenção. Transtornos do humor graves, como mania sem psicose, também parecem ter sido incluídos em muitos estudos, ao longo dos últimos séculos, no termo guarda-chuva psicose pós-parto, com base na relação do episódio com o parto1. Hoje, sabe-se que o risco relativo para o primeiro aparecimento de psicose afetiva é 23 vezes maior dentro das 4 semanas após o parto, em comparação com qualquer outro período semelhante durante a vida de uma mulher2.

Somada a isso, a vulnerabilidade para a recaída no pós-parto em mulheres com transtorno afetivo bipolar (TAB) tem sido investigada. Episódios no pós-parto podem ser um marcador de uma forma familiar de TAB. Uma série consecutiva de 103 pacientes com TAB foi recrutada em uma clínica de lítio e submetida a uma

DIAGNOSTICOU DEPRESSÃO OU PSICOSE PUERPERAL? INVESTIGUE O TRANSTORNO BIPOLAR

DID YOU DIAGNOSE PUERPERAL DEPRESSION OR PSYCHOSIS? INVESTIGATE BIPOLAR DISORDER

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4-2

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13Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

AMAURY CANTILINO1, TATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO2

1 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. 2 Professora adjunta, Psiquiatria, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF.

entrevista semiestruturada, incluindo uma detalhada história familiar. Para os 52 probandos do sexo feminino, também foram obti das informações sobre a relação entre os episódios e o parto. O risco de transtornos afeti vos em parentes de primeiro grau de mulheres bipolares que ti veram um episódio de mania, hipomania ou mania esquizoafeti va com início dentro de 6 semanas do parto foi signifi cati vamente maior do que em parentes de mulheres bipolares que não ti veram episódios após o parto (p = 0,0077)3.

Observa-se, também, que quadros psiquiátricos diagnosti cados durante o pós-parto nem sempre mantêm estabilidade diagnósti ca meses ou anos depois, ou seja, podem mudar a sua manifestação sintomatológica de maneira a preencher critérios para outros transtornos mentais. Num estudo conduzido na Alemanha, pacientes com episódios de delírios e alucinações no puerpério foram acompanhadas por cerca de 12 anos após o episódio índice. Pacientes que foram diagnosti cadas como tendo transtorno afeti vo bipolar com característi cas psicóti cas com episódio inicial no pós-parto mostraram estabilidade diagnósti ca ao longo dos anos. Contudo, muitas pacientes diagnosti cadas como tendo psicose breve (psicose cicloide) no puerpério acabaram por ser diagnosti cadas, posteriormente, como tendo transtorno afeti vo bipolar4.

Muito se tem estudado sobre depressão pós-parto (DPP) nos últi mos anos; no entanto, uma preocupação pouco reconhecida é que as mulheres no pós-parto diagnosti cadas como deprimidas podem ter, na realidade, depressão bipolar e não unipolar. Em um estudo de rastreamento em grande escala, 22,6% das mulheres detectadas como deprimidas apresentavam TAB5.

Além disso, Inglis et al. ressaltam que mulheres com histórico de transtorno depressivo maior (TDM) têm risco aumentado de DPP, mas pouco se tem estudado sobre quantas delas acabam por apresentar mania no pós-parto. Eles conduziram uma pesquisa cujo objeti vo foi determinar prospecti vamente a frequência com que episódios de mania ocorrem no pós-parto entre mulheres que têm uma história prévia de TDM. Entre as mulheres (n = 107) com diagnósti co confi rmado de TDM pela Entrevista Clínica Estruturada para a 4ª edição do Manual Diagnósti co e Estatí sti co de Transtornos Mentais [Structured Clinical Interview for DSM-IV (SCID-IV)],

34,6% (n = 37) experimentaram mania ou hipomania (defi nida por um escore da Altman Self-Rati ng Mania Scale ≥ 6) no período perinatal6.

Diante desse contexto, este arti go procura examinar quais as relações entre o TAB e os transtornos psiquiátricos no puerpério, especialmente depressão e psicose.

consIderações etIolÓgIcasO eixo hipotalâmico-hipofi sário-adrenal exerce efeitos

inibidores profundos e multi níveis no sistema reprodutor feminino. O hormônio liberador de corti cotropina (CRH) e os peptí deos de pró-opiomelanocorti na inibidos pelo CRH inibem a secreção do hormônio liberador de gonadotrofi na hipotalâmico, enquanto os glicocorti coides suprimem o hormônio luteinizante hipofi sário e a secreção de estrogênio e progesterona ovariana e tornam os tecidos-alvo resistentes ao estradiol. O eixo hipotálamo-hipófi se-adrenal é, por exemplo, responsável pela amenorreia hipotalâmica do estresse, que também é vista na depressão melancólica, nos distúrbios alimentares e no alcoolismo ati vo crônico. Por outro lado, o estrogênio esti mula diretamente o promotor do gene do CRH e o sistema noradrenérgico central, o que pode explicar o hipercorti solismo leve das mulheres adultas, além da frequência maior de transtornos afeti vos, ansiosos e alimentares, assim como a vulnerabilidade para doenças autoimunes e infl amatórias. Durante a segunda metade da gestação, ocorre um hipercorti solismo, devido a altos níveis de CRH placentário no plasma. Esse hipercorti solismo provoca uma supressão adrenal transitória no pós-parto, que, juntamente com a reti rada do estrogênio, pode explicar parcialmente os transtornos afeti vos e os fenômenos autoimunes do período pós-parto7. Num estudo publicado no Briti sh Medical Journal, observou-se que as psicoses afeti vas do puerpério estão associadas ao aumento da sensibilidade dos receptores de dopamina no hipotálamo e possivelmente em outras partes do cérebro. Tais mudanças podem ser desencadeadas por essa queda acentuada nas concentrações circulantes de estrogênio após o parto8.

Quanto ao TAB, observa-se consistentemente que a sensibilidade a hormônios endógenos pode afetar o seu início e o seu curso clínico. Cerca de 77% das mulheres relataram aumentos nos sintomas do humor durante

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14 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOAMAURY CANTILINOTATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO

os períodos perimenstrual, pós-natal ou menopausa. Essas mulheres apresentam uma idade mais precoce de início de episódios depressivos e maníacos e uma maior probabilidade de transtornos de ansiedade comórbidos, ciclagem rápida e humor misto em comparação com aquelas que não relataram tais alterações de humor associadas ao ciclo reprodutivo. Mulheres que experimentam episódios pós-natais também são mais propensas a apresentarem mais sintomas do humor por período menstrual e menopáusico9. Mulheres com comorbidade de TAB e transtorno disfórico pré-menstrual têm um início mais precoce da doença bipolar, taxas mais altas de ciclagem rápida e aumento do número de episódios maníacos ou depressivos10.

Bergink et al. examinaram a hipótese de que a disfunção tireoidiana autoimune possa estar associada ao início da psicose pós-parto. Para tanto, 31 primíparas consecutivas com psicose puerperal (e sem antecedentes psiquiátricos) foram pesquisadas. O grupo controle (n = 117) foi composto por primíparas da comunidade. Os níveis de anticorpos contra tireoperoxidase foram quantificados como medidas imunológicas da doença autoimune da tireoide (DAIT). O hormônio estimulante da tireoide e os níveis de tiroxina livre foram medidos para avaliar a disfunção clínica tiroidiana. Às 4 semanas de pós-parto e antes do início da terapia estabilizadora do humor, 19% das mulheres com psicose puerperal estavam com DAIT, comparadas com apenas 5% no grupo controle. Mulheres com psicose pós-parto e DAIT tiveram um risco dramaticamente maior de progressão para disfunção clínica tireoidiana (67%) do que participantes controle com DAIT (20%)11. Já é bem sabido que taxas mais altas de disfunção tireoidiana são encontradas em pacientes com TAB em comparação com a população geral. Também há evidências de aumento da prevalência de autoanticorpos tireoidianos circulantes em pacientes com TAB e TDM, o que ocorre mais amiúde em mulheres. A tireoidite autoimune parece estar relacionada à vulnerabilidade genética para o desenvolvimento de TAB e não ao próprio processo da doença12.

Mulheres que apresentam psicose puerperal e desenvolvem posteriormente TAB parecem ter particular susceptibilidade a episódios maníacos desencadeados por privação de sono. Lewis et al. estudaram 870 mulheres com TAB, coletando dados através de entrevistas e anotações de casos. As mulheres que relataram

episódios de mania desencadeados por perda de sono tiveram duas vezes mais chances de ter experimentado um episódio de psicose puerperal [odds ratio (OR) = 2,09; IC95% 1,47-2,97; p < 0,001] em comparação com as mulheres que não relataram isso13.

Quando o Quadro clínIco levanta suspeItasA depressão mista é uma condição clínica acompanhada

dos sintomas de (hipo)mania e é considerada um preditor do TAB. Çelik et al. investigaram a prevalência de depressão mista durante o período pós-parto. Os escores de hipomania foram significativamente maiores nas mulheres com escores mais elevados de depressão em comparação com as mulheres que receberam escores mais baixos na Escala de Depressão Pós-Natal de Edimburgo [Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS)] (t = -4,713; p < 0,001). Entre as pacientes deprimidas, de acordo com a lista de sintomas de hipomania modificada, 71% apresentavam pelo menos três sintomas de depressão mista14.

Nesse mesmo sentido, um estudo polonês verificou a prevalência das características do espectro bipolar na população de mulheres com sintomas de DPP, bem como analisou as diferenças de personalidade entre puérperas com depressão unipolar e bipolar. A amostra inscrita no estudo transversal consistiu em 344 mulheres 6-12 semanas após o parto. Os autores utilizaram a EPDS, o Mood Disorder Questionnaire (MDQ) para o diagnóstico da bipolaridade e o NEO Five-Factor Inventory (NEO-FFI) para a avaliação de traços de personalidade. As mulheres com depressão eram mais propensas a pontuar positivamente no MDQ, em comparação às não deprimidas. As mulheres deprimidas que também pontuaram positivamente no MDQ foram caracterizadas por maior índice de neuroticismo, em comparação com aquelas que pontuaram positivamente apenas na EPDS. Esses resultados sugerem que a presença de sintomas de DPP está relacionada a escores significativamente mais altos de bipolaridade e neuroticismo. Além disso, a presença de traços fortes de neuroticismo pode ser um marcador da DPP bipolar, em comparação com a forma unipolar do transtorno15.

Um estudo prospectivo avaliou uma ampla gama de sintomas em casos de psicose puerperal em uma coorte de mulheres (n = 130) que passaram por internação

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15Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

AMAURY CANTILINO1, TATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO2

1 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. 2 Professora adjunta, Psiquiatria, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF.

psiquiátrica. Os sintomas mais prevalentes da psicose puerperal foram irritabilidade (73%), alterações patológicas do conteúdo do pensamento (72%) e ansiedade (71%). A ideação suicida e infanti cida esteve presente em 19 e 8% dos pacientes, respecti vamente. Delírios e alucinações muitas vezes ti nham um conteúdo negati vo. Uma análise de classe latente revelou três perfi s de sintomas, maníaco (34%), depressivo (41%) e atí pico (25%). O perfi l maníaco caracteriza-se por sintomas maníacos e agitação, o perfi l depressivo por sintomas depressivos e ansiosos e o perfi l atí pico por perturbação da consciência e desorientação16.

O tempo tí pico de início dos sintomas da psicose puerperal foi entre 3 e 10 dias após o nascimento. Já o início da recaída em mulheres com TAB no pós-parto foi observado como sendo mais cedo, às vezes durante ou imediatamente após o parto. Os sintomas precoces ou prodrômicos da psicose pós-parto incluem insônia, fl utuação de humor e irritabilidade, com surgimento de mania, depressão ou estado misto. Embora as fl utuações rápidas do humor sejam uma característi ca marcante da doença, as mulheres que sofrem de psicose pós-parto muitas vezes apresentam sintomas atí picos quando comparadas às pacientes com TAB. Por exemplo, delírios incongruentes de humor são comuns e frequentemente relacionados ao tema do parto. Comportamento desorganizado, incomum e pensamentos obsessivos sobre o recém-nascido ocorrem com frequência. A psicose pós-parto é notável por sua apresentação de delírios com sintomas cogniti vos, como desorientação, confusão, desrealização e despersonalização. Delírios de homicídio altruísta (frequentemente com suicídio materno associado), para “salvá-los de um desti no pior que a morte”, podem ocorrer, o que faz com que esteja associada a um risco aumentado de suicídio e infanti cídio1.

Bergink et al. observaram que a mediana quanto ao aparecimento dos quadros psicóti cos iniciados no pós-parto ocorreu aos 8 dias de puerpério [intervalo interquartí lico (IQR) = 5-14], e a duração mediana do episódio foi de 40 dias (IQR = 23-69). Pacientes com sintomas depressivos proeminentes ti veram um início signifi cati vamente mais tardio (p = 0,01) de psicose e uma duração mais longa do episódio (p < 0,01) do que pacientes sem sintomas depressivos. Um dado relevante foi que a duração dos episódios com característi cas

de mania foi de cerca de 1 mês, comparado com 2,5 meses para episódios com característi cas mistas ou de depressão17. Esses tempos são semelhantes à duração mediana dos episódios em pacientes com TAB18.

Nessa busca de semelhanças e diferenças entre TAB e psicose puerperal, um estudo comparou 30 episódios de mania iniciados no pós-parto com 30 episódios de mania em mulheres que estavam fora do período perinatal. As mulheres com mania de início no pós-parto ti veram escores mais altos na Escala de Depressão de Hamilton, indicando mais sintomas depressivos. O escore do fator ansiedade nessa escala também foi maior no grupo pós-parto. Com base nas avaliações da Comprehensive Psychopathology Rati ng Scale, perplexidade, tensão muscular, preocupação, tensão interna, labilidade do humor, lassidão e desorientação foram mais comuns no grupo pós-parto, enquanto sintomas maníacos tí picos foram mais comuns no grupo fora do pós-parto. A duração da internação e o desfecho em curto prazo foram, no entanto, semelhantes nos dois grupos19.

Quanto À conversão dIagnÓstIcaNum estudo de coorte retrospecti va, foram avaliadas

120.378 mulheres que receberam atendimento psiquiátrico hospitalar ou ambulatorial pela primeira vez por qualquer ti po de transtorno mental excluindo TAB. Um início de sintomas até o 14º dia após o parto foi preditor de conversão subsequente em TAB (risco relati vo = 4,26; IC95% 3,11-5,85). Aproximadamente 14% das mulheres com primeiros contatos psiquiátricos durante o primeiro mês pós-parto se converteram em um diagnósti co bipolar dentro do período de 15 anos de acompanhamento, em comparação com 4% das mulheres com um primeiro contato psiquiátrico não relacionado ao parto. As internações no período pós-parto também foram associadas a maiores taxas de conversão para TAB do que os pacientes ambulatoriais (risco relati vo = 2,16; IC95% 1,27-3,66)20.

Num estudo de coorte que acompanhou mulheres primíparas após o seu primeiro mês de pós-parto, Chu et al. observaram que, comparadas com seus controles pareados sem depressão, as mulheres com DPP estavam em maior risco de TDM subsequente [hazard rati o (HR) = 7,3; IC95% 5,2-10,3], transtornos de ansiedade (HR ajustada = 3,2; IC95% 2,5-4,0) e TAB (HR ajustada = 4,7; IC95% 1,9-11,9)21.

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16 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOAMAURY CANTILINOTATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO

Parece haver, de fato, evidências de uma diátese bipolar na DPP. Mandelli et al. ressaltam que mulheres que apresentam uma depressão no puerpério comumente recebem um diagnóstico de TAB mais adiante. Pesquisou então o tipo mais frequente de TAB nessa população. Mulheres que já haviam sido mães com diagnóstico de TAB do tipo I (TAB-I) (n = 93), TAB do tipo II (TAB-II) (n = 36) ou TDM (n = 444) foram recrutadas no presente estudo. Todas as mulheres foram avaliadas retrospectivamente para história de DPP e outras características clínicas e sociodemográficas. As mulheres com história de DPP (n = 139; 24%) eram mais jovens, com idade menor no início da doença e tinham mais história familiar de depressão bipolar em comparação às mulheres sem história de DPP (n = 436; 75,9%). Metade das mulheres com TAB-II relatou DPP (50%), em comparação com menos de 1/3 das mulheres com TAB-I e com TDM recorrente (respectivamente, 27,5 e 21,6%) (p = 0,004)22.

Após um primeiro episódio de psicose pós-parto, algumas mulheres experimentam episódios de humor não puerperal, para os quais a psicose pós-parto é a primeira apresentação de um transtorno de humor grave e duradouro. Após uma incipiente psicose afetiva pós-parto, a mulher tem uma chance de 50-80% de desenvolver outro episódio psiquiátrico grave, geralmente dentro do espectro bipolar. Para 20-50% das mulheres, a psicose afetiva permanece limitada ao período pós-parto. Os grandes intervalos são devidos à variabilidade nos números dos poucos estudos disponíveis1.

Impactos sobre o tratamentoUma vez que instabilidades do humor surgem em

decorrência de privação do sono, a ajuda noturna com cuidados infantis deve ser recomendada para minimizar a interrupção do sono da paciente. Uma vez que a condição da paciente chegue à estabilidade, questões como habilidades parentais e vínculo mãe-bebê devem ser abordadas23.

Mulheres que recebem prescrição de antidepressivos após o parto devem ser questionadas sobre sintomas hipomaníacos ou maníacos e monitoradas em longo prazo. Clinicamente, quando a monoterapia antidepressiva é ineficaz ou a mulher apresenta sintomas persistentes, o médico precisa considerar um possível transtorno do espectro bipolar. Foi o que sugeriu uma

coorte dinamarquesa de mais de 120 mil mulheres que receberam prescrição de antidepressivos pela primeira vez. Elas foram separadas em dois grupos, um que recebeu a prescrição dentro de 1 ano após o parto e outro com uma prescrição de antidepressivos pela primeira vez fora do período pós-parto. O risco de TAB entre mulheres com um episódio afetivo pós-parto foi maior do que em mulheres com um episódio afetivo fora do período pós-parto. Para as puérperas, em comparação com as não puérperas, o risco de TAB foi de 1,66 (IC95% 1,12-2,48) quando usaram o antidepressivo em monoterapia e de 10,15 (IC95% 7,13-14,46) para terapia antidepressiva combinada com prescrição subsequente de ansiolítico24.

As opções de tratamento para a DPP incluem psicoterapia e farmacoterapia. A psicoterapia é geralmente recomendada para DPP leve a moderada, enquanto a farmacoterapia isolada ou em combinação com a psicoterapia é geralmente reservada para DPP moderada a grave. Os antidepressivos são comumente usados, mas deve-se ter cautela em pacientes com um primeiro episódio de depressão no período pós-parto e/ou história familiar de TAB. Não há ensaios clínicos controlados de estabilizadores de humor em mulheres com DPP. A compatibilidade do medicamento selecionado com a amamentação e sua eficácia na depressão mista deve ser uma consideração importante no caso da paciente lactante. A presença de sintomas maníacos subsindrômicos indica que ela pode estar em risco de mania emergente após o tratamento com antidepressivos. A lamotrigina pode ser eficaz em alguns pacientes com depressão, mas leva pelo menos 4 a 6 semanas para atingir a dose ideal23.

Verinder Sharma, um importante pesquisador sobre a relação entre os transtornos no puerpério e o TAB, refere que, para uma tomada de decisão sobre o tratamento de DPP, recomenda-se o rastreio de sintomas de hipomania e mania. O uso de antidepressivos pode exacerbar sintomas mistos no período pós-parto, levando a um aumento do risco de início de hipomania. Dessa forma, uma atenção cuidadosa aos sintomas hipomaníacos é sugerida quando os antidepressivos são usados no tratamento da DPP. Quanto ao tratamento da depressão mista no pós-parto, as consequências do uso de antidepressivos são potencialmente sérias, incluindo aumento do risco de hospitalização psiquiátrica. Assim, um teste com a quetiapina em dose baixa deve ser considerado. A

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17Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

AMAURY CANTILINO1, TATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO2

1 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. 2 Professora adjunta, Psiquiatria, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF.

queti apina pareceu ser efi caz no tratamento agudo e de manutenção em casos clínicos de DPP com característi cas mistas, descritos por ele recentemente25.

Para a psicose puerperal, um estudo naturalísti co do grupo de Veerle Bergink com 64 mulheres forneceu evidências de que o líti o é efi caz para o tratamento agudo da psicose pós-parto, bem como o tratamento de manutenção. Os autores observaram que quase todos os pacientes (98,4%) obti veram remissão completa, com duração mediana de 40 dias. O regime de tratamento incluiu a administração sequencial de benzodiazepínicos (por um curto período), anti psicóti cos e líti o, com monitoramento da resposta. A sequência de medicamentos foi projetada para promover o sono, diminuir os sintomas psicóti cos e estabilizar o humor, respecti vamente. As mulheres que remiti ram em monoterapia com anti psicóti co conti nuaram a medicação como terapia de manutenção, enquanto as 48 mulheres que necessitaram tanto de anti psicóti cos quanto de líti o para alcançar a remissão foram manti das em monoterapia com líti o. Aos 9 meses pós-parto, a remissão sustentada foi observada em 79,7% das pacientes. As pacientes tratadas com monoterapia com líti o ti veram uma taxa signifi cati vamente menor de recidiva em comparação com aquelas que receberam monoterapia anti psicóti ca26.

Reed et al. realizaram um estudo retrospecti vo para avaliar melhora clínica após eletroconvulsoterapia (ECT) em psicose puerperal e não puerperal. O desfecho principal foi a melhora do estado mental no fi nal de um curso de ECT, analisado por um avaliador cego em uma escala simples de quatro pontos. Indicadores adicionais de resposta à ECT foram melhora no estado mental 4 semanas após a interrupção da ECT, tempo de permanência hospitalar após ECT e número de ECT recebido. Mulheres com psicose puerperal apresentaram maior melhora clínica do que mulheres com psicose não puerperal27.

recomendaçõesTranstornos de humor, incluindo TDM e TAB, são

comuns durante e após a gravidez. A identi fi cação oportuna e o manejo apropriado dos episódios de humor são essenciais para maximizar o bem-estar materno e minimizar os resultados adversos. A falha em fazê-lo resulta em sofrimento materno e vínculo

infanti l prejudicado e tem o potencial de resultados devastadores, incluindo suicídio e infanti cídio. As mulheres são roti neiramente rastreadas para depressão unipolar durante ou após a gravidez, mas não para o TAB, apesar do fato de o parto estar associado a um grande risco de início ou exacerbação do TAB28.

O TAB-II pode conferir um risco notável para a DPP, que pode ser ainda maior do que o das mulheres afetadas pelo TAB-I. Recomenda-se o acompanhamento cuidadoso das mulheres com TAB durante o período gestacional e no pós-parto, bem como a avaliação de característi cas bipolares em mulheres com DPP sem o diagnósti co atual de TAB22.

Embora ferramentas de triagem validadas estejam disponíveis para a DPP unipolar, existem poucas ferramentas de triagem para hipomania/mania. As ferramentas de triagem para TAB no período pós-parto são essenciais para melhorar a detecção e planejar o tratamento adequado. O MDQ pode ser uma importante ferramenta para tanto29.

Mesmo as mães gravemente doentes com psicose podem desejar manter a amamentação durante o curso do tratamento. Nesses casos, pesar os possíveis benefí cios e riscos da amamentação com a farmacoterapia conti nua sendo um dilema clínico em algumas situações, sobretudo na terapêuti ca com o líti o. Nesse senti do, o clínico precisa se manter atualizado quanto às informações acerca do uso de psicofármacos na lactação. O uso de anti depressivos para o tratamento agudo de DPP com característi cas psicóti cas talvez deva ser evitado se não houver adequada estabilização do humor1.

Atrasos na detecção, bem como erros no diagnósti co do TAB como TDM podem colocar as mulheres em risco de muitas consequências adversas, incluindo exacerbação dos sintomas, hospitalização psiquiátrica e suicídio. Uma avaliação psiquiátrica completa é necessária para estabelecer o diagnósti co, abordar questões de segurança e formular um plano de tratamento28.

Arti go submeti do em 22/03/2018, aceito em 09/09/2018.Confl itos de interesse: Amaury Canti lino ministrou palestras para Apsen e Lundbeck. Tati ana Valverde da Conceição informa não haver confl itos de interesse associados à publicação deste arti go.Fontes de fi nanciamento inexistentes.

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18 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOAMAURY CANTILINOTATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO

Correspondência: Amaury Cantilino, Rua Padre Carapuceiro, 968, sala 108, Boa Viagem, CEP 51020-280, Recife, PE. E-mail: [email protected]

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19Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

AMAURY CANTILINO1, TATIANA VALVERDE DA CONCEIÇÃO2

1 Professor adjunto, Departamento de Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE. 2 Professora adjunta, Psiquiatria, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF.

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20 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOJULIANA CASQUEIROÂNGELA MIRANDA-SCIPPA

ResumoOs episódios depressivos com características mistas

ocorrem em proporção significativa de pacientes com transtornos de humor, contudo seus critérios diagnósticos e tratamento adequados continuam sendo objeto de investigação. Em linhas gerais, para o seu tratamento, não se preconiza o uso isolado de antidepressivos, sendo eles associados a estabilizadores de humor ou a antipsicóticos atípicos.

Palavras-chave: Estados mistos, episódios mistos, especificadores mistos, depressão mista.

AbstractDepressive episodes with mixed features are

highly prevalent in patients with mood disorders. Notwithstanding, diagnostic criteria and adequate treatment are still under investigation. Overall, monotherapy with antidepressants is not recommended, but the latter are used in combination with mood stabilizers or atypical antipsychotics.

Keywords: Mixed states, mixed episodes, mixed features, mixed depression.

IntroduçãoO conceito de estados mistos foi introduzido

inicialmente por Kraepelin para identificar fases da chamada, à época, insanidade maníaco-depressiva: segundo ele, essas fases eram caracterizadas pela presença concomitante de características maníacas e depressivas1-4. Para Kraepelin, os estados mistos eram a manifestação central e a característica unificadora mais importante dessa entidade, pois refletiam a instabilidade dos mecanismos cerebrais subjacentes que governavam os três domínios fundamentais da vida psíquica – o

TRATAMENTO DOS EPISÓDIOS DEPRESSIVOS COM CARACTERÍSTICAS MISTAS

TREATMENT OF DEPRESSIVE EPISODES WITH MIXED FEATURES

humor, a atividade e o pensamento. Segundo ele, os estados mistos ocorriam em processos avançados da doença e englobavam seis tipos: depressão agitada, depressão com fuga de ideias, mania ansiosa-depressiva, mania inibida, mania improdutiva e estupor maníaco1,3.

No entanto, em 1959, Schneider promoveu a ideia de que o que poderia dar a impressão de ser uma combinação de características maníacas e depressivas, na verdade, não deveria ser considerado um episódio único dos transtornos do humor. A influência dele fez com que os estados mistos não fossem levados em consideração pela literatura psiquiátrica durante parte do século passado1. Contudo, o retorno do interesse nesses estados aconteceu no final da década de 1970, nos EUA, e levou à elaboração de vários estudos, principalmente sobre a mania mista e a depressão mista. Nesse período, a publicação do Research Diagnostic Criteria (RDC) (1978)5 foi de extrema importância para esse novo interesse nos episódios mistos, e a partir dele, incluiu-se o subtipo misto do transtorno bipolar (TB) na 3ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III) (1980)6.

A seguir, do DSM-III à 4ª edição revisada (DSM-IV-TR), o episódio misto foi definido de forma muito conservadora, como sendo outra fase do TB, diferente da depressão, da hipomania e da mania. No DSM-III, ele já tinha sido caracterizado como um quadro completo de um episódio depressivo maior e maníaco, misturando-se ou alternando-se rapidamente em poucos dias, sendo que os sintomas depressivos deviam ser proeminentes e com duração de pelo menos 24 horas6. Na 3ª edição revisada (DSM-III-R), essa definição é mantida substancialmente idêntica, com exceção do critério de duração de 2 semanas para os sintomas depressivos7.

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4-3

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21Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

JULIANA CASQUEIRO1, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA1,2,3

1 Programa de Residência Médica em Psiquiatria, Complexo Universitário Professor Edgard Santos (Complexo HUPES), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. 2 Programa de Transtornos de Humor e Ansiedade (CETHA), UFBA, Salvador, BA. 3 Departamento de Neurociências e Saúde Mental, UFBA, Salvador, BA.ARTIGO

Contudo, na 4ª edição (DSM-IV)8 e no DSM-IV-TR9, além da necessidade de sati sfazer os critérios tanto para o episódio maníaco quanto para o episódio depressivo maior, concomitantemente, era necessário que os sintomas durassem, no mínimo, 1 semana. Seguindo estritamente os critérios do DSM-IV-TR, a depressão mista não poderia ser diagnosti cada no TB ti po II, nem no transtorno depressivo recorrente (TDR). Assim, o episódio misto só fazia parte do TB ti po I8,9.

dIagnÓstIco atualNa 5ª edição do DSM (DSM-5), o estado misto deixou

de ser considerado um subti po de episódio do TB e tornou-se um especifi cador de curso, chamado de “com característi cas mistas”, que, a parti r de então, pode ser empregado nos episódios maníaco, hipomaníaco e depressivo do TB ti pos I e II e também no TDR. Segundo essa nova classifi cação, são necessários três ou mais sintomas do polo oposto para que se possa especifi car um episódio com característi cas mistas, sendo que esses sintomas do polo oposto não podem ser critérios sobrepostos, ou seja, que ocorrem tanto na depressão quanto na mania, tais como irritabilidade e distraibilidade10. De fato, o objeti vo da mudança foi auxiliar o clínico a adaptar melhor o tratamento, visto que os indivíduos com sintomas mistos podem apresentar diferenças na resposta aos psicofármacos, com relatos de pouca resposta a anti depressivos (AD) e maior resposta a anti psicóti cos e estabilizadores de humor (EH), por exemplo2,3,11,12.

Assim, os critérios diagnósti cos que justi fi cam um episódio depressivo unipolar com característi cas mistas excluem irritabilidade, distração, insônia e agitação psicomotora, tendo em vista o fato de que esses sintomas podem estar presentes tanto na mania quanto na depressão. Essa defi nição aumenta a especifi cidade do diagnósti co em detrimento da sensibilidade, visto que a maioria dos indivíduos com depressão mista apresenta sintomas sobrepostos11,12.

Por outro lado, alguns autores observam que critérios diagnósti cos alternati vos, alguns deles considerados sobrepostos, enfocam os sintomas mais observados em pacientes com depressão mista, tais como irritabilidade, ansiedade, distração, agitação psicomotora, pensamentos acelerados e raiva, e por isso deveriam ser incluídos

também. Outros sintomas presentes na hipomania, como euforia, grandiosidade e hipersexualidade, são descritos como incomuns durante a depressão. Na verdade, várias classifi cações já foram propostas para os estados mistos, sendo que a maioria considera a presença de dois ou três sintomas de mania/hipomania durante o episódio depressivo. Esses critérios diagnósti cos alternati vos também enfati zam a importância de avaliar o paciente quanto a qualquer histórico familiar de transtornos do espectro bipolar e também comorbidades comuns, tais como enxaqueca, transtornos de ansiedade, abuso de substâncias, obesidade, compulsão alimentar e transtorno de défi cit de atenção e hiperati vidade (TDAH). Embora essas comorbidades sejam observadas tanto no TB quanto no TDR, os estudos sugerem que os pacientes com TB sejam mais propensos a elas1,12.

Apesar de ainda haver um pequeno número de evidências, pesquisas sugerem que a presença de sintomas mistos em um episódio de TDR esteja associada a uma maior probabilidade de conversão diagnósti ca para o TB. Entre eles, Akiskal & Benazzi relataram uma taxa de história familiar de TB quatro vezes maior em pacientes com depressão mista. Além disso, pacientes com TDR com episódios de depressão mista ti veram maior probabilidade de converter para um diagnósti co de TB quando comparados àqueles com depressão pura (não mista)13. No geral, as taxas de conversão de episódio unipolar com característi cas mistas para TB ti pos I ou II foram descritas em torno de 13 a 20%13.

De fato, outros estudos mostraram que, em comparação com a depressão pura, a depressão mista é mais comum no TB, mais frequentemente associada a história familiar de TB, menor idade de início, suicidalidade, indução de mania por AD, ciclagem rápida, longa duração do episódio, depressão severa, resistência a AD, gênero feminino e também a transtornos de ansiedade, uso e abuso de substâncias e transtorno do controle de impulsos3,14-17. Quanto à qualidade dos sintomas, a maioria dos estudos empíricos indica que os sintomas excitatórios durante a depressão mista são, frequentemente, angusti antes, com diminuição da capacidade produti va e grande risco de suicídio, tal como visto na depressão bipolar. Mais ainda, pacientes com depressão atí pica podem apresentar alta prevalência de sintomas hipomaníacos. Apesar de sintomas como a hipersonia e/ou a hiperfagia estarem

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22 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOJULIANA CASQUEIROÂNGELA MIRANDA-SCIPPA

relacionados à atividade mental e motora lenta, existe uma maior associação das características atípicas com a depressão mista18.

curso e evoluçãoUm estudo epidemiológico americano – o National

Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions (NESARC) – analisou a presença de características atípicas na depressão e seus comemorativos. Ele incluiu 43.093 indivíduos durante os anos 2001 e 2002, através da avaliação pela Alcohol Use Disorder and Associated Disabilities Interview Schedule DSM-IV Version (AUDADIS-IV), que é uma entrevista estruturada de diagnóstico projetada para entrevistadores leigos. Os resultados mostraram que a presença de características atípicas durante um episódio depressivo foi associada a maiores taxas de comorbidades psiquiátricas ao longo da vida, incluindo abuso de álcool, dependência de drogas, distimia, transtorno de ansiedade social, fobia específica e qualquer transtorno de personalidade, (exceto antissocial), quando comparado ao episódio sem características atípicas. A presença de episódio depressivo com características atípicas também foi associada a sexo feminino, idade mais baixa de início da doença, maior gravidade e incapacidade, maiores taxas de história familiar de depressão, TB tipo I, tentativas de suicídio e maiores taxas de consultas em saúde mental. Tais características são semelhantes às encontradas em pacientes com depressão mista19.

Durante a realização do NESARC, os pacientes também foram avaliados para depressão com hipomania subclínica. Essa entidade foi significativamente mais associada com qualquer transtorno psiquiátrico, qualquer transtorno por uso de substâncias, distimia e qualquer transtorno de personalidade quando comparada ao TDR. Os participantes também foram significativamente menos propensos a apresentar perda significativa de peso ou apetite, insônia ou hipersonia e mais propensos a relatar pensamentos da própria morte e suicídio, bem como tentativas de suicídio, do que aqueles com TDR. Além disso, aqueles com depressão com hipomania subclínica tiveram taxas significativamente maiores de qualquer tratamento ao longo da vida, uso de medicação e tratamento de 12 meses quando comparados aos portadores de TDR puro20.

Outro estudo que avaliou pacientes com depressão com hipomania subclínica foi o National Comorbidity Survey Replication (NCS-R). Nele, quase 40% dos participantes com história de TDR tinham história de hipomania subclínica, refletindo que muitos pacientes considerados deprimidos puros tinham sintomas hipomaníacos ao longo da vida. Esse subgrupo tinha idade mais baixa no início do transtorno, mais episódios de depressão e maiores taxas de comorbidade do que aqueles sem história de hipomania, além de apresentarem níveis mais baixos de gravidade clínica quando comparados àqueles com TB tipo II21.

Em linhas gerais, a introdução do especificador com características mistas no DSM-5 também reflete um crescente consenso de que os transtornos de humor podem ser entendidos dentro de um espectro que varia da depressão unipolar pura, passando por uma mistura de apresentações de sintomas depressivos e maníacos, até a mania pura. Nesse sentido, talvez um dos maiores desafios em reconhecer a existência de depressão mista seja a questão de como conduzir o tratamento diante de pacientes que apresentam depressão com sintomas concomitantes de hipomania3,12,16,22.

Dentro desse contexto, é importante que os pacientes que estejam em um episódio depressivo sejam avaliados quanto à presença de sintomas de mania, assim como se deve investigar história familiar de transtorno de humor (incluindo principalmente o TB) ou de suicídio antes de iniciar qualquer tratamento. Também é essencial que esses pacientes sejam monitorados regularmente, para detecção do surgimento ou agravamento da hipomania/mania e, consequentemente, de maior risco de suicídio. Deve-se excluir condições comórbidas, como as infecções (HIV, sífilis), o traumatismo cranioencefálico, além do uso de medicamentos ou drogas ilícitas, tais como os corticosteroides, os psicoestimulantes e a cocaína12.

tratamentoAtualmente, há pouca evidência na condução do

tratamento do TDR com características mistas. Um dos primeiros protocolos que deram algum suporte para a terapêutica medicamentosa foi o Florida Best Practice Psychotherapeutic Medication Guidelines for Adults23. Depois dele, alguns outros ajudaram no direcionamento

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23Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

JULIANA CASQUEIRO1, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA1,2,3

1 Programa de Residência Médica em Psiquiatria, Complexo Universitário Professor Edgard Santos (Complexo HUPES), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. 2 Programa de Transtornos de Humor e Ansiedade (CETHA), UFBA, Salvador, BA. 3 Departamento de Neurociências e Saúde Mental, UFBA, Salvador, BA.ARTIGO

do tratamento da depressão com característi cas mistas, porém ainda não há um consenso sobre o manejo medicamentoso dessa condição12.

Em termos de tratamento farmacológico, a monoterapia com AD deve ser evitada em pacientes com depressão mista de qualquer ti po (TDR, TB ti po I ou II), dadas as dúvidas persistentes sobre a sua efi cácia relati va no tratamento do TB e o seu potencial para desestabilizar o humor. Os anti depressivos tricíclicos e os inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina podem ter o maior risco de causar uma virada maníaca, enquanto a bupropiona e alguns inibidores seleti vos de receptação de serotonina podem ter um risco menor. Algumas evidências falam a favor do uso de inibidor da monoaminoxidase para a depressão bipolar12,24-27.

Embora a monoterapia com AD geralmente deva ser reduzida e desconti nuada, é mandatório avaliar cuidadosamente se as característi cas mistas pioram com a monoterapia anti depressiva. Nesses casos, deve-se considerar a associação com um estabilizador de humor ou anti psicóti co atí pico (AA) ou então diminuir e desconti nuar completamente o AD. De fato, o papel dos AD no tratamento, em longo prazo, das depressões com sintomas mistos é controverso e ainda não estabelecido por estudos controlados, mas podem ser usados em uma minoria de pacientes, parti cularmente se houver uma resposta inicial robusta ou remissão sem sinais de desestabilização de humor. Em casos de comprometi mento cogniti vo, pode-se usar vorti oxeti na, enquanto que, se houver insônia pronunciada, o uso de mirtazapina pode ser úti l12,23.

Atualmente, não há agentes psicotrópicos aprovados pela Food and Drug Administrati on (FDA) ou pela European Medicines Agency (EMA) para o tratamento do episódio depressivo com característi cas mistas. Os anti psicóti cos de primeira geração e os benzodiazepínicos/hipnóti cos têm sido usados com sucesso no tratamento de estados mistos depressivos (bipolares ou unipolares), porém os AA são os únicos medicamentos que foram especifi camente testados e mostraram alguma efi cácia no tratamento do episódio depressivo misto. Vale a observação de que nem todos eles demonstraram efi cácia na depressão bipolar, portanto é necessário ter cautela ao extrapolar para o TDR com característi cas mistas12. O protocolo de tratamento do TDR do

Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) já sugere que o tratamento da depressão unipolar com característi cas mistas seja feito em monoterapia com lurasidona ou ziprasidona, pois tais medicações mostraram superioridade em relação ao uso do placebo12,23,28.

Quanto aos EH, apenas a lamotrigina e o líti o foram aprovados para uso no episódio depressivo de qualquer ti po (TDR ou TB, com ou sem característi cas mistas). O líti o tem sido tradicionalmente considerado uma estratégia efi caz de potencialização do tratamento anti depressivo, e doses muito baixas dele podem, com frequência, ser efi cazes para pacientes selecionados que têm TDR. O líti o também é conhecido por seus efeitos anti ssuicidas, anti agressivos e anti maníacos. Contudo, sua efi cácia na depressão mista não foi adequadamente investi gada12.

Os pacientes que não respondem à monoterapia com AA ou EH e conti nuam a ter sintomas ou recaídas podem necessitar de combinação de medicações. As principais combinações com efi cácia na depressão com sintomas mistos são: AA + EH; AA + AD; olanzapina + fl uoxeti na; EH + AD. A combinação de olanzapina ou risperidona com carbamazepina não é recomendada12. O uso de medicação adicional em curto prazo, tais como um benzodiazepínico, pode ser necessário quando um estressor agudo é iminente ou presente, quando surgem sintomas de recaída (especialmente insônia) ou quando a ansiedade se torna proeminente. Medidas adicionais importantes são: assegurar doses adequadas de medicamentos e níveis séricos de líti o e divalproato dentro da faixa terapêuti ca; suspender o uso de álcool ou drogas psicoati vas; investi gar estressores atuais; considerar as intervenções psicossociais, parti cularmente a psicoeducação12, e também a eletroconvulsoterapia (ECT) para pacientes com alto risco de suicídio, psicose, depressão grave durante a gravidez ou inanição com risco de vida12,23.

No tratamento de manutenção do TDR, com ou sem a presença de sintomas mistos, a estratégia contí nua é preferida, ao invés da intermitente, com medicação oral para prevenir novos episódios. Se um dos tratamentos levou à remissão imediata do episódio depressivo misto mais recente, isso pode ser considerado uma evidência a favor de seu uso em longo prazo12,23.

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24 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOJULIANA CASQUEIROÂNGELA MIRANDA-SCIPPA

conclusõesO episódio depressivo com características mistas é

definido como um episódio de depressão com no mínimo três características de mania/hipomania e pode estar presente no TB e no TDR. As pesquisas atuais sugerem que se deve evitar a monoterapia com AD e preferir o uso de AA em associação ou não com EH. Além disso, os pacientes devem ser monitorizados para uma possível conversão diagnóstica para TB e risco maior de suicídio.

Artigo submetido em 22/03/2018, aceito em 09/09/2018.As autoras informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.Fontes de financiamento inexistentes.Correspondência: Ângela Scippa, Sala de Pesquisas da Psiquiatria, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Rua Augusto Viana, s/nº, 3º andar, Canela, CEP 40110-909, Salvador, BA. Tel.: (71) 3283.8076. E-mail: [email protected]

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25Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

JULIANA CASQUEIRO1, ÂNGELA MIRANDA-SCIPPA1,2,3

1 Programa de Residência Médica em Psiquiatria, Complexo Universitário Professor Edgard Santos (Complexo HUPES), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, BA. 2 Programa de Transtornos de Humor e Ansiedade (CETHA), UFBA, Salvador, BA. 3 Departamento de Neurociências e Saúde Mental, UFBA, Salvador, BA.ARTIGO

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ANÚNCIOCENTRALANÚNCIOCENTRAL

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28 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOGABRIEL OKAWA BELIZARIOFABRÍCIO ALVES DE FREITASROGERIO SALVINIBENY LAFERRODRIGO DIAS

ResumoO transtorno afetivo bipolar (TAB) é um transtorno

caracterizado por episódios recorrentes de humor (depressão, hipomania, mania) com uma alta taxa de incapacitação. Estudos recentes sobre o TAB estão utilizando técnicas de aprendizado de máquina (AM), ou machine learning, para melhor entender o transtorno e encontrar associações com outras variáveis que os métodos tradicionais de análise, como a estatística por inferência, não conseguiram encontrar. Alguns estudos recentes utilizando técnicas de AM encontraram resultados promissores, criando algoritmos com acurácias altas e significativas, com impacto tanto no diagnóstico como no tratamento do TAB.

Palavras-chave: Transtorno afetivo bipolar, aprendizado de máquina, algoritmos.

AbstractBipolar disorder is a severe psychiatric disorder

characterized by recurrent mood episodes (depression, hipomania, mania) with a high burden load. Recent studies on bipolar disorder have been employing machine learning techniques to better understand the disorder and to find possible associations with variables other than the ones identified using traditional methods of analysis, such as inferential statistics. Some recent studies employing machine learning approaches have found promising results and developed algorithms with significant, high accuracy rates, with impact on bipolar disorder diagnosis and treatment.

Keywords: Bipolar disorder, machine learning, algorithms.

IntroduçãoO transtorno afetivo bipolar (TAB) é uma doença grave

e debilitante, caracterizada por episódios recorrentes de mania e depressão. Merikangas et al.1 estimam que, na população mundial, 2,4% sejam afetados pelo TAB, tendo o maior índice de suicídio entre todos os transtornos psiquiátricos2. Estudos recentes sobre o TAB estão incluindo análises cada vez mais complexas dos dados, com o objetivo de encontrar associações não encontradas antes pelos métodos de estatística de inferência tradicionais. Uma das técnicas mais utilizadas é a de aprendizado de máquina (AM), também conhecida como machine learning.

Enquanto as abordagens estatísticas avaliam a variabilidade e significância de variáveis associadas a grupos por meio de inferências, as abordagens de AM permitem avaliações exploratórias, preditivas, tanto para diagnóstico como para desfechos clínicos e tratamento3. O princípio básico do método de AM se fundamenta na descoberta de conhecimento em bancos de dados (knowledge discovery in databases – KDD)4. Esse é o processo geral de descoberta de conhecimento a partir de dados, e a mineração de dados refere-se a uma etapa específica desse processo cujo objetivo é a aplicação de algoritmos específicos para extrair padrões dos dados, gerando modelos de predição ou modelos descritivos5. O processo completo de KDD envolve, ainda, etapas de seleção, pré-processamento, amostragem e transformações dos dados6.

A mineração de dados no contexto de AM se propõe a analisar grandes volumes de dados sob diferentes perspectivas, a fim de descobrir informações que

A ABORDAGEM POR MEIO DO APRENDIZADO DE MÁQUINA (MACHINE LEARNING) EM ESTUDOS DO TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR

THE USE OF MACHINE LEARNING APPROACHES IN BIPOLAR DISORDER STUDIES

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4-4

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29Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

GABRIEL OKAWA BELIZARIO1, FABRÍCIO ALVES DE FREITAS2, ROGERIO SALVINI2, BENY LAFER1, RODRIGO DIAS1

1 Programa de Transtorno Bipolar (PROMAN), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP. 2 Instituto de Informática, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO.ARTIGO

normalmente não são visíveis de imediato, trabalhar com grandes bases de dados e numerosa quanti dade de variáveis heterogêneas, encontrar conhecimento novo e relevante, gerar hipóteses, encontrar padrões que não são encontrados por sistemas ditos tradicionais e aprender e apoiar a realização de descobertas a parti r de novos dados disponíveis7.

Para alguns autores, essa abordagem seria a maneira mais adequada de classifi car os transtornos mentais, sendo mais representati va da realidade quando comparada com os critérios consensuais atuais8. Os métodos de AM, por meio da integração de grandes bases de dados complexas, permitem avaliar redes de dependências entre variáveis, sendo mais representati vos das situações encontradas na realidade9. A construção dessas complexas redes capazes de incluir variáveis biológicas e ambientais, com diferentes dinâmicas de relacionamentos, pode levar a modelos prediti vos com grande relevância clínica e de pesquisa10.

A abordagem de AM vai ao encontro dos princípios da medicina de precisão, voltada para o indivíduo. Atualmente, é consensual o entendimento de que a psicopatologia dos transtornos mentais é complexa. Uma abordagem translacional, buscando explorar a integração das diversas dimensões (genéti cas, moleculares, avaliações anatômicas, funcionais, etc.) para a identi fi cação de endofenóti pos, pode ser construída. O AM se adequa à proposta do Research Domain Criteria (RDoC) de preencher essas lacunas de conhecimento com uma abordagem dimensional, além dos sistemas categoriais já existentes, como a 5ª edição do Manual Diagnósti co e Estatí sti co de Transtornos Mentais (DSM-5) e a 10ª edição da Classifi cação Internacional de Doenças (CID-10)11,12.

prIncípIos da abordagem por amA abordagem de AM pode ser dividida em dois métodos

principais: 1) os métodos supervisionados, focados na construção de modelos de predição para variáveis comparati vas (ex.: afetados versus controles; graus de severidade ou desempenho em avaliações; presença ou ausência de fatores genéti cos), onde não há a necessidade de uma hipótese a ser verifi cada, e o objeti vo está em elaborar modelos que classifi cam preditores de um desfecho clínico categorial ou de regressão, prevendo

a evolução de uma variável contí nua, os quais poderiam ser auxiliares no desenvolvimento de protocolos de tomada de decisão; 2) os métodos não supervisionados, que exploram a estrutura dos dados (variáveis) entre os sujeitos estudados (ex.: clusters de pacientes/variáveis; redes de associação), sem uma variável ou objeti vo específi cos, e permitem a observação de grupos, sem uma classifi cação específi ca prévia, excluindo variáveis redundantes13,14.

A abordagem por meio do AM implica em seguir o método de validação cruzada (cross-validati on). Nesse processo, um modelo é criado dentro de uma base de dados de treino (training set) e seus diferentes parâmetros testados (fi tti ng test). Só então o mesmo algoritmo é testado em outra base de dados e sua performance de acurácia de predição avaliada. Esse processo pode ser feito dividindo a amostra de dados em 5 a 10 diferentes subamostras (testi ng set). Caso o modelo tenha uma performance muito melhor no training set, dizemos que houve um ajuste excessivo (over fi tti ng), não podendo ser generalizado para futuros casos. Já nos métodos não supervisionados, a testagem de hipóteses também pode ser explorada por meio dos algoritmos de modelos gráfi cos, nos quais todas as relações entre todas as variáveis são avaliadas. A interpretação desses gráfi cos permite, além da seleção de variáveis, desenhos de novos experimentos (laboratoriais ou clínicos) levando em conta as relações de variáveis.

Com o grande aumento de métodos de mantas de dados (ati vos e passivos) e diversidade dos ti pos de dados (imagens, desempenho em testes, genéti ca, dados fi siológicos), a integração dos mesmos vem exigindo cada vez mais algoritmos complexos que permitam uma visão multi dimensional, ou seja, em várias camadas e com abordagens supervisionadas e não supervisionadas6.

aplIcação da am no estudo do tabApesar de escassos, cada vez mais estudos incluindo

pacientes com TAB uti lizam métodos de AM para analisar seus dados. Entre os estudos com abordagem supervisionada, podemos citar alguns que obti veram resultados interessantes. Salvini et al.15 ti veram como objeti vo discriminar pacientes com e sem recaída, uti lizando a programação lógica induti va (inducti ve logic programming – ILP). O estudo obteve previsão de casos

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30 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOGABRIEL OKAWA BELIZARIOFABRÍCIO ALVES DE FREITASROGERIO SALVINIBENY LAFERRODRIGO DIAS

de recaída em 92% e nenhum caso de recaída em 73%. O autor concluiu que as regras e teorias de variáveis geradas pela ILP reproduzem alguns achados já presentes na literatura científica, além de encontrar associações entre variáveis não encontradas antes por métodos tradicionais de estatística. Castro et al.16, em 2015, utilizaram registros eletrônicos de saúde (electronic health records – EHR) para discriminar pacientes com TAB de controles usando linguagem natural de processamento (natural language processing – NLP). O estudo alcançou 0,85 para o valor preditivo positivo dos pacientes com TAB. O autor concluiu que a mineração semiautomatizada de EHR pode ser usada para discriminar casos de TAB e controles com alta especificidade e valor preditivo comparados aos de uma entrevista diagnóstica padrão.

No entanto, a maioria dos estudos que utilizaram técnicas de AM no TAB é da área de neuroimagem, possivelmente por haver uma enorme quantidade de dados já coletados e passíveis de serem analisados. Grotegerd et al.17 conduziram um estudo que teve como objetivo a discriminação entre depressão unipolar e bipolar nos estágios iniciais da doença utilizando ressonância magnética funcional (functional magnetic resonance imaging – fMRI) e uma abordagem padrão de classificação. O algoritmo alcançou taxas de 90% de precisão. Os autores destacaram que a abordagem incluiu amostras pequenas e que o estudo deve ser considerado apenas como prova de conceito, mas que os resultados são promissores.

Alguns pesquisadores também publicaram estudos aplicando técnicas de AM para analisar neuroimagens de crianças e adolescentes com TAB. Mourão-Miranda et al.18, em 2012, buscaram identificar adolescentes com maior probabilidade de desenvolver futuros transtornos do eixo I utilizando classificadores de processos gaussianos (Gaussian process classification – GPC). O estudo alcançou 75% de acurácia (sensibilidade = 75%; especificidade = 75%). Os autores também relataram que as probabilidades preditivas foram significativamente maiores para os adolescentes em risco que desenvolveram um transtorno do eixo I do que para os adolescentes em risco que permaneceram saudáveis. Mwangi et al.19 investigaram a utilidade de assinaturas neuroanatômicas estruturais da amígdala para diferenciar objetivamente indivíduos com transtorno bipolar

pediátrico de controles saudáveis pareados. O modelo atribuiu 25 de 32 indivíduos corretamente (transtorno bipolar versus saudáveis), traduzindo-se em 78,12% de acurácia diagnóstica, 81,25% de sensibilidade e 75% de especificidade. As previsões foram significativas para p = 0,0014 (valor p do teste χ2). Mwangi et al.20, em um segundo estudo, propuseram distinguir indivíduos com transtorno bipolar pediátrico de controles saudáveis a partir de neuroimagens, utilizando algoritmos de máquina de vetor de suporte (support vector machine – SVM). O algoritmo SVM previu indivíduos com especificidade de 87,5%, sensibilidade de 68,75% e acurácia de 78,12%. Os autores concluíram que um padrão de redução da anisotropia fracionada da substância branca regional foi observado em pacientes pediátricos com transtorno bipolar e que os resultados sugerem que as medições por imagem ponderadas por difusão baseadas em atlas podem distinguir pacientes pediátricos com transtorno bipolar de controles saudáveis.

Entre os estudos com abordagem não supervisionada, podemos citar o estudo de Wu et al.21, que avaliou o desempenho cognitivo pela Bateria Automatizada de Avaliação Cognitiva de Cambridge (Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery – CANTAB)22, incluindo em sua amostra 21 pacientes bipolares eutímicos e 21 controles, por meio da abordagem least absolute shrinkage and selection operator (LASSO). O estudo teve como resultado uma precisão de 71% de area under the curve (AUC) (p = 0,0053). O autor concluiu que é possível distinguir pacientes eutímicos com TAB de controles, baseando-se em anormalidades neurocognitivas, com precisão relativamente alta. Já Hall et al.23 compararam pacientes bipolares com sintomas psicóticos com pacientes com esquizofrenia por meio de um algoritmo de avaliação de grupos (clusters) para identificação de fenótipos e não observaram diferenças entre os grupos quanto aos perfis neurofisiológicos.

A partir da revisão sistemática feita por Librenza-Garcia et al.24 sobre o uso de técnicas de aprendizado de máquina na avaliação de sujeitos com transtorno bipolar, podemos fazer uma avaliação mais precisa dos estudos publicados com AM e TAB. Para a revisão, os autores utilizaram as bases de publicações científicas PubMed, Embase e Web of Science para artigos publicados em qualquer idioma de 1960 até janeiro de 2017. Foram

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31Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

GABRIEL OKAWA BELIZARIO1, FABRÍCIO ALVES DE FREITAS2, ROGERIO SALVINI2, BENY LAFER1, RODRIGO DIAS1

1 Programa de Transtorno Bipolar (PROMAN), Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP. 2 Instituto de Informática, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO.ARTIGO

encontrados 757 resumos e incluídos 51 estudos, que avaliaram a previsão de resultados clínicos e usando AM para construir fenóti pos clínicos mais consistentes do transtorno bipolar. Os estudos apresentaram os mais diversifi cados focos e objeti vos, explicitando as possibilidades de aplicação do AM. Os estudos envolvendo neuroimagem (estruturais e funcionais) foram os mais comuns (24), seguidos por estudos focados em preditores de desfechos clínicos como depressão e suicídio (sete), genéti cos (cinco), identi fi cação de grupos homogêneos com abordagem não supervisionada (quatro), medidas encefalográfi cas (quatro), avaliações neurofi siológicas associadas a marcadores biológicos periféricos (três), marcadores biológicos apenas (dois) e preditores de resposta e eventos adversos ao tratamento (dois). Por fi m, os autores concluíram que, dada a heterogeneidade clínica e tamanho das amostras de pacientes com TAB, técnicas de AM ainda estão em um estágio inicial de aplicação no estudo do TAB.

Podemos concluir que a abordagem de AM pode ser vista como um promissor meio de medicina de precisão (focada no indivíduo) e baseada em evidências. A AM permite fornecer aos clínicos e pesquisadores importantes e diversifi cadas oportunidades de expansão do conhecimento por meio da identi fi cação de endofenóti pos, levando à detecção precoce da doença, seleção individualizada do tratamento e ajuste da dose para melhorar o prognósti co e reduzir a sobrecarga do TAB.

Arti go submeti do em 22/03/2018, aceito em 09/09/2018.Os autores informam não haver confl itos de interesse associados à publicação deste arti go.Fontes de fi nanciamento inexistentes.Correspondência: Gabriel Okawa Belizario, Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, 3º andar, Ala Norte, CEAPESQ, Sala 4, CEP 05403-010, São Paulo, SP. E-mail: [email protected]

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32 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOGABRIEL OKAWA BELIZARIOFABRÍCIO ALVES DE FREITASROGERIO SALVINIBENY LAFERRODRIGO DIAS

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32 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

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ARTIGO

ANÚNCIOANÚNCIO

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34 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOIVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHOMONIQUE GOMES DA SILVA SCALCOFABIANO ALVES GOMES

ResumoIntrodução: O transtorno bipolar (TB) é uma condição

crônica, incapacitante e heterogênea, que deve ter seu tratamento direcionado a cada fase da doença.

Objetivo: Realizar uma avaliação crítica sobre o rigor do desenvolvimento das diretrizes de tratamento farmacológico do TB publicadas nos últimos 10 anos.

Metodologia: Foi realizada uma revisão sistemática da literatura na base de dados PubMed, identificando-se as diretrizes de tratamento farmacológico do transtorno bipolar publicadas em língua inglesa nos últimos 10 anos. Cada diretriz foi avaliada separadamente, e a ferramenta Appraisal of Guidelines Research and Evaluation (AGREE II) foi utilizada para acessar o rigor no desenvolvimento das mesmas.

Resultados: Foram identificados 1.016 artigos, sendo que, ao final do processo de seleção, obtiveram-se 10 diretrizes. Cinco diretrizes foram consideradas de boa qualidade, sendo que as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e do National Institute of Clinical Excellence obtiveram os melhores escores em maior número de domínios. As diretrizes da World Federation of Societies of Biological Psychiatry, do International College of Neuropsychopharmacology e da Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments/International Society for Bipolar Disorders, apesar de algumas restrições relacionadas à aplicabilidade e independência editorial, também foram consideradas de boa qualidade, particularmente em situações não relacionadas à atenção primária.

Conclusão: Diretrizes desenvolvidas por sociedades científicas tiveram, de forma geral, pior desempenho na avaliação relacionada à aplicabilidade e na declaração de conflitos de interesse de seus autores. No entanto, entregam recomendações em diferentes cenários, como pacientes refratários ou com comorbidades, o que pode ser útil para especialistas em saúde mental.

Palavras chave: Transtorno bipolar, diretrizes de tratamento, AGREE II.

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS DIRETRIZES DE TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO BIPOLAR

QUALITY EVALUATION OF BIPOLAR DISORDER PHARMACOLOGIC TREATMENT GUIDELINES

AbstractIntroduction: Bipolar disorder (BD) is a chronic, disabling,

heterogeneous condition that should have its treatment addressed to each stage of the disease.

Objectives: To carry out a critical evaluation of the rigor of development of guidelines for the pharmacological treatment of BD published over the last 10 years.

Methodology: A systematic review of the literature was carried out in the PubMed database searching for BD pharmacological treatment guidelines published in English over the last 10 years. Each guideline was evaluated separately. The Appraisal of Guidelines Research and Evaluation (AGREE II) instrument was used to assess rigor of guideline development.

Results: The search identified 1,016 articles, which resulted in 10 treatment guidelines. Five guidelines were considered of good quality, and the ones issued by the World Health Organization (WHO) and the National Institute of Clinical Excellence (NICE) had the highest scores on the majority of domains. Guidelines by the World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP), the International College of Neuropsychopharmacology (CINP), and the Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments/International Society for Bipolar Disorders (CANMAT/ISBD), despite some drawbacks regarding applicability and editorial independence, were also considered of good quality, particularly in situations related to non-primary care scenarios.

Conclusion: In general, the guidelines developed by scientific societies performed worse in the assessments of applicability and author conflict of interest disclosure. However, they provided treatment recommendations for different scenarios, such as patients with treatment-resistant BD and those with comorbidities, which may be particularly useful for mental health specialists.

Keywords: Bipolar disorder, treatment guidelines, AGREE II.

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4-5

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35Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

IVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHO1, MONIQUE GOMES DA SILVA SCALCO2, FABIANO ALVES GOMES3

1 Pesquisador, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF. 2 Supervisora, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF. 3 Coordenador, Ambulatório de Transtornos do Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF.ARTIGO

IntroduçãoO transtorno bipolar (TB) é uma doença crônica,

incapacitante e heterogênea, de relevância maior, cujo tratamento deve ser considerado separadamente através do curso da doença1.Tem como característi ca principal a recorrência dos episódios de humor alterados, parti cularmente a mania e a hipomania, além dos sintomas depressivos, que dominam o quadro clínico na maioria dos pacientes2.

De acordo com os princípios da medicina baseada em evidências, os dados de pesquisa devem guiar os médicos na tomada de decisão da práti ca diária. No entanto, não é atribuído o mesmo valor a toda evidência, de modo que ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáti cas de evidências randomizadas estão no topo da hierarquia de evidência3.

Dessa forma, merecem destaque as diretrizes (guidelines) que se propõem a guiar os médicos no tratamento diário de seus pacientes sob a luz da evidência cientí fi ca. As diretrizes devem, portanto, fornecer recomendações elaboradas, de forma sistemáti ca, para auxiliar as decisões do clínico e do paciente acerca dos cuidados de saúde mais apropriados em circunstâncias clínicas específi cas. Além disso, as diretrizes clínicas desempenham um papel importante na formação de políti cas de saúde e evoluíram para abranger tópicos em todo o processo de cuidados de saúde, como, por exemplo, promoção da saúde, rastreamento e diagnósti co.

Diversos estudos têm sido realizados sobre a informação que as diretrizes produzem. Uns comparam e tentam mensurar o grau de discordância da prescrição de médicos com relação ao que se é preconizado4; outros estudos buscam avaliar a qualidade da informação que chega aos clínicos3; e outro grupo busca comparar as informações entre si5, numa busca de recomendações unifi cadas. Dentro dessa perspecti va, o presente trabalho foi desti nado a avaliar a qualidade do desenvolvimento das diretrizes sobre o tratamento farmacológico do TB.

metodologIaBase de dados e estratégia de buscaFoi uti lizada a metodologia Preferred Reporti ng Items

for Systemati c Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)6 na busca da literatura. O método incluiu a busca de um ti po de arti go: diretrizes sobre o tratamento

farmacológico do transtorno bipolar. Com esse propósito, foi realizada busca na base de dados PubMed com os termos bipolar disorder, bipolar, manic depression, mania, guidelines, practi ce guideline, recommendati on, algorithm, pharmacological therapy, delimitada para os arti gos publicados em inglês nos últi mos 10 anos, com últi ma atualização em 31/05/2018. Os arti gos encontrados foram revisados, e suas listas de referência exploradas com intuito de melhor abranger a literatura em questão.

Critérios de inclusão e exclusão de arti gosDois autores deste estudo revisaram independentemente

os tí tulos e os resumos para identi fi car as diretrizes elegíveis. As diretrizes eleitas para inclusão deveriam apresentar recomendações para o tratamento farmacológico de adultos com transtorno bipolar. Apenas diretrizes publicadas em inglês e que uti lizaram metodologia apropriada e critérios de pesquisa de alta qualidade foram incluídas. As diretrizes incluídas claramente delinearam seu desenvolvimento, assim como seus níveis de confi ança e recomendações clínicas. Foram excluídas diretrizes que falhassem em corresponder à seguinte defi nição: documentos que incluem recomendações desti nadas a oti mizar o cuidado do paciente, elaboradas a parti r de uma revisão sistemáti ca das evidências cientí fi cas, e que avaliam os benefí cios e os malefí cios das diversas opções de cuidado disponíveis7.

Além disso, foram excluídas diretrizes com foco em populações específi cas, como gestantes, crianças, idosos e indivíduos com comorbidades médicas, assim como também foram excluídas diretrizes que apenas consideraram a opinião de especialistas para formular suas recomendações. Quando diferentes versões da mesma diretriz foram encontradas, apenas a mais recente foi considerada. Confl itos entre os revisores foram resolvidos por consenso; embora pudesse ser realizado, o julgamento por terceiro revisor não foi necessário.

Avaliação da qualidade das diretrizes de tratamento do TBUma avaliação críti ca das diretrizes foi realizada, e

uti lizou-se a ferramenta Appraisal of Guidelines Research and Evaluati on (AGREE II)8, um instrumento desenvolvido para abordar a variabilidade na qualidade de diretrizes. Essa ferramenta avalia o rigor metodológico e a transparência com que uma diretriz clínica é desenvolvida.

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36 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOIVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHOMONIQUE GOMES DA SILVA SCALCOFABIANO ALVES GOMES

O objetivo do AGREE II é fornecer uma estrutura para avaliar a qualidade de diretrizes clínicas, assim como uma estratégia metodológica para o desenvolvimento de diretrizes clínicas, além de informar quais e como as informações devem ser relatadas.

A ferramenta é composta por 23 itens-chave organizados em seis domínios. Cada domínio capta uma única dimensão de qualidade da diretriz:

a) O domínio 1, escopo e finalidade, diz respeito ao objetivo geral da diretriz, às questões específicas de saúde e à população-alvo;

b) O domínio 2, envolvimento das partes interessadas, focaliza em que medida a diretriz foi desenvolvida pelas partes interessadas adequadas e representa a visão dos usuários pretendidos;

c) O domínio 3, rigor do desenvolvimento, diz respeito ao processo usado para coletar e sintetizar as evidências, os métodos para a formulação das recomendações e a respectiva atualização das mesmas;

d) O domínio 4, clareza da apresentação, diz respeito à linguagem, estrutura e formato da diretriz;

e) O domínio 5, aplicabilidade, diz respeito a prováveis fatores facilitadores e barreiras para a implementação, estratégias para melhorar a aplicação, bem como envolvimento de recursos relacionados à utilização da diretriz;

f) O domínio 6, independência editorial, diz respeito à formulação das recomendações de modo a não terem vieses decorrentes de interesses conflitantes.

Escala de classificação pela ferramenta AGREE IICada um dos itens do AGREE II e os dois itens de

avaliação global são classificados em uma escala de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). O escore 1 deve ser dado quando não há qualquer informação que seja relevante para o item do AGREE II ou se o conceito é muito pobremente relatado. O escore 7 deve ser dado quando a qualidade da informação é excelente e quando todos os critérios e considerações articulados pela ferramenta estão atendidos. Um escore entre 2 e 6 deve ser atribuído quando a informação referente ao item do AGREE II não atende todos os critérios ou considerações. A pontuação deve ser atribuída em

função da completude e qualidade do relato e aumentar à medida que mais critérios são contemplados e as considerações abordadas.

Pontuação de cada domínio pela ferramenta AGREE IIPara cada um dos seis domínios do AGREE II, calcula-

se uma pontuação de qualidade. As pontuações dos seis domínios são independentes e não devem ser agregadas em uma única pontuação de qualidade. O cálculo da porcentagem total de cada domínio será: (pontuação obtida – pontuação mínima) / (pontuação máxima – pontuação mínima). A pontuação de cada domínio pode variar entre 0 e 1.

Avaliação de recomendação da diretriz pela ferramenta AGREE IIApesar de a pontuação dos domínios ser útil na

comparação de diretrizes e dar subsídios para que uma diretriz seja ou não recomendada, a ferramenta AGREE II não definiu pontuações mínimas para os domínios ou padrões de pontuação entre os domínios para diferenciar diretrizes de alta e baixa qualidade. Essas decisões devem ser tomadas pelo usuário da ferramenta e orientadas pelo contexto no qual o AGREE II está sendo utilizado. A avaliação global requer que o usuário faça um julgamento sobre a qualidade da diretriz levando em conta os critérios considerados no processo de avaliação. Como não há uma definição por parte da ferramenta sobre quais os valores mínimos a serem considerados, os autores optaram por definir como recomendada a diretriz que apresente, em pelo menos quatro dos seis domínios, nota igual ou superior a 0,5 (50%).

resultadosSeleção de diretrizesA estratégia de seleção de diretrizes identificou

1.016 citações através da busca na base de dados PubMed. Depois de proceder à leitura dos resumos, 974 artigos foram excluídos por não abordarem o tema de interesse – tratamento farmacológico do TB. Foram identificados 42 artigos referentes a 16 diretrizes, sendo que, destes 42 artigos, 26 foram excluídos por serem artigos de menção às diretrizes propriamente ditas; três diretrizes foram excluídas por não apresentarem versão em língua inglesa; uma diretriz foi

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37Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

IVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHO1, MONIQUE GOMES DA SILVA SCALCO2, FABIANO ALVES GOMES3

1 Pesquisador, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF. 2 Supervisora, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF. 3 Coordenador, Ambulatório de Transtornos do Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF.ARTIGO

excluída por ser baseada apenas em consenso/opinião de especialistas; e duas diretrizes foram excluídas por não disponibilizarem seus textos de forma completa. Assim, 10 diretrizes que preencheram os critérios de inclusão foram selecionados para análise (Figura 1). As principais característi cas das diretrizes selecionadas estão resumidas na Tabela 1.

Arti gos identi fi cadosn = 1.016

Iden

ti fi c

ação

Sele

ção

Eleg

ibili

dade

Incl

usão

Relatos rastreadosn = 1.016

Relatos excluídosn = 974

Arti gos excluídosn = 32

- 26 arti gos referentes a 16 diretrizes

- 3 diretrizes em língua não inglesa

- 1 diretriz cuja metodologia é baseada apenas em opinião de especialistas

- 2 arti gos com texto completo não disponível

Arti gos incluídos para leitura integraln = 42

(referente a 16 diretrizes)

Diretrizes incluídas em síntese qualitati va

n = 10

Figura 1 - Diagrama do processo de seleção das diretrizes

A maioria das diretrizes selecionadas são nacionais, enquanto apenas quatro são internacionais; três diretrizes são publicações de primeira edição, enquanto sete já são diretrizes com versões atualizadas. Sete diretrizes foram desenvolvidas por sociedades cientí fi cas, enquanto apenas duas não foram desenvolvidas por sociedades cientí fi cas (NICE e WHO). A média de quanti dade de profi ssionais envolvidos no desenvolvimento das diretrizes foi de 19,5 parti cipantes (variação de 4 a 55 parti cipantes). Na maioria das diretrizes, o público-alvo é o especialista, embora, em alguns casos, médicos generalistas e familiares/cuidadores tenham sido incluídos.

Avaliação da qualidade das diretrizesA avaliação sobre a qualidade das diretrizes mostrou

grande variação dentro de um mesmo domínio do AGREE II, assim como entre domínios diferentes. De forma geral, as diretrizes obti veram maior pontuação nos domínios de escopo/fi nalidade e clareza da apresentação, com médias de 0,77 e 0,76, respecti vamente. Obti veram pior pontuação no domínio de aplicabilidade da diretriz, com média de 0,26.

Com relação à recomendação global, cinco diretrizes foram consideradas não recomendadas (JSMD, TCPBD, RANZCP, IPS e BAP) por não conseguirem escores iguais ou maiores que 0,5 (50%) em pelo menos quatro dos seis domínios contemplados pela ferramenta AGREE II. As outras cinco diretrizes foram recomendadas (CINP, CANMAT/ISBD, NICE, WHO e WFSBP). As notas obti das por cada diretriz, em cada domínio da ferramenta, foram agrupadas na Tabela 2.

dIscussãoA presente revisão sistemáti ca da literatura encontrou

variações no desenvolvimento das diretrizes de tratamento farmacológico do TB, e de forma geral, não foram notadas melhorias nas diretrizes com o passar do tempo. Destacamos, a seguir, os pontos no desenvolvimento das diretrizes em que são necessárias mudanças.

Primeiro, as diretrizes obti veram pior pontuação no domínio da aplicabilidade, o que é um dos pontos-chave para que as diretrizes sejam úteis na práti ca clínica. O conteúdo e o formato da diretriz podem facilitar ou até mesmo impedir o seu uso, de forma que a ideia central é levar em consideração desde as fases iniciais do seu desenvolvimento os pontos relacionados à aplicabilidade da mesma. Fatores que aumentam a chance de aplicação de uma diretriz são relevância, possibilidade de adaptação e uso, validação e comunicabilidade20. Essa falha em abordar a possível aplicabilidade da diretriz pode ser percebida nas diretrizes do CINP e CANMAT/ISBD, diretrizes prototí picas de associações de psiquiatras, que representam a visão do especialista que trata casos graves, em serviços de atenção secundária ou terciária. Apesar de serem mais completos na análise da evidência e na entrega de recomendações nas mais diferentes situações clínicas, como pacientes com comorbidades e

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38 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOIVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHOMONIQUE GOMES DA SILVA SCALCOFABIANO ALVES GOMES

Tabela 1 - Principais características das diretrizes sobre transtorno bipolar incluídas no estudo

Abreviatura Nome da diretriz País StatusSociedade científica Público Membros Multiprofissional

WHO (mhGAP) 20109

World Health Organization (Mental Health Gap Action

Programme)

Mundial Novo Não Área da saúde 23 Sim

JSMD 201210 Guideline for Treatment of Bipolar Disorder by the Japanese Society of Mood

Disorders

Japão Atualizado Sim Especialistas 4 Não

WFSBP 201211 World Federation of Societies of Biological Psychiatry

Mundial Atualizado Sim Especialistas 55 Não

TCPBD 201312 Taiwan Consensus of Pharmacological Treatment for

Bipolar Disorder

Taiwan Novo Sim Especialistas 10 Não

NICE 201413 National Institute for Clinical Excellence/National

Collaborating Centre for Mental Health

Reino Unido

Atualizado Não Especialistas e médicos

generalistas

23 Sim

RANZCP 201514 Royal Australian and New Zealand College of

Psychiatrists

Austrália/Nova

Zelândia

Atualizado Sim Especialistas, pacientes, cuidadores

12 Não

BAP 201615 British Association of Psychopharmacology

Reino Unido

Atualizado Sim Especialistas, médicos

generalistas, cuidadores

27 Não

IPS 201716 Indian Psychiatry Society Índia Atualizado Sim Especialistas médicos

generalistas

12 Não

CINP 201717,18 The International College of Neuropsychopharmacology

Treatment Guidelines for Bipolar Disorder in Adults

Mundial Novo Sim Especialistas 8 Não

CANMAT/ISBD 201819

Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments and

International Society for Bipolar Disorder

Canadá/Mundial

Atualizado Sim Especialistas 21 Não

refratários, falham em analisar possíveis barreiras à sua própria aplicação. Exemplos disso é que não oferecem avaliação relacionada ao impacto financeiro que a diretriz poderia trazer caso fosse adotada por um sistema de saúde; não contam com especialista em economia de saúde como integrante da equipe de elaboração da diretriz; não mencionam um possível feedback das partes interessadas, como pacientes, cuidadores ou integrantes

do sistema de saúde. Em resumo, essas duas diretrizes (CINP e CANMAT/ISBD) conduzem avaliação restrita à eficácia e tolerabilidade das medicações.

Segundo, algumas diretrizes são suscetíveis a vieses relacionados a conflitos de interesse, pois carecem de descrições de independência editorial de financiadores e falham em reportar os disclosures de seus autores. Esse é o caso das diretrizes coreana (TCPBD) e indiana (IPS), que

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39Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

IVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHO1, MONIQUE GOMES DA SILVA SCALCO2, FABIANO ALVES GOMES3

1 Pesquisador, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF. 2 Supervisora, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF. 3 Coordenador, Ambulatório de Transtornos do Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF.ARTIGO

não mencionam confl itos de interesse de seus autores e por isso obti veram nota 0 no domínio de independência editorial.

Além de prejudicados nesse domínio, também pecaram quanto ao rigor do desenvolvimento na elaboração de suas recomendações e, junto com a diretriz japonesa (JSMD), aparecem com as piores notas quanto à metodologia empregada. Por exemplo, falham em apontar o método sistemáti co empregado na busca de suas evidências e não descrevem com clareza os critérios empregados na seleção dessas mesmas evidências. Falham, ainda, na comunicação quanto ao método uti lizado para formulação de suas recomendações, o que deixa o usuário da diretriz sem a informação de que há uma relação explícita entre as recomendações e as evidências que lhe dão suporte.

As diretrizes BAP e RANZCP também foram consideradas não recomendadas. O BAP apresenta falhas quanto à aplicabilidade, independência editorial e rigor do desenvolvimento. A diretriz RANZCP tem uma boa apresentação gráfi ca, sendo didáti ca, mas peca no quesito do rigor metodológico e se assemelha a uma revisão narrati va.

As diretrizes WHO e NICE foram as melhores avaliadas pela ferramenta AGREE II. As duas diretrizes incorporam a ideia de saúde pública e global desde os primeiros

momentos da elaboração de suas recomendações. Contemplam os múlti plos atores envolvidos no cuidado do paciente com transtorno bipolar; englobam análise de custo/impacto fi nanceiro para formular suas recomendações e são mais palatáveis a médicos não especialistas e envolvidos no cuidado desses pacientes na atenção primária.

conclusãoAs diretrizes desenvolvidas por comunidades

cientí fi cas ti veram, de forma geral, pior desempenho na avaliação efetuada pela ferramenta AGREE II, em parte devido à não preocupação com a aplicabilidade da diretriz. Apesar de serem mais completos, no senti do de trazer recomendações em diferentes cenários, como populações especiais, casos resistentes e monitorização do tratamento, apresentam restrições quanto à aplicabilidade. Como ponto positi vo, algumas diretrizes apresentam dados com evidências negati vas sobre determinadas medicações, ou seja, quais medicações não devem ser usadas no tratamento das diferentes fases do transtorno bipolar. Além disso, apresentam escores menores no domínio de independência editorial, podendo estar sujeitos a uma maior infl uência da indústria farmacêuti ca. Sugerimos que, ainda na fase de planejamento de futuras diretrizes,

Tabela 2 - Avaliação de qualidade das diretrizes pela ferramenta AGREE II

Diretriz

D1Escopo e fi nalidade

D2Envolvimento

das partes interessadas

D3Rigor do

desenvolvimento

D4Clareza da

apresentaçãoD5

Aplicabilidade

D6Independência

editorial RecomendaçãoWHO9 0,86 0,88 0,94 0,94 0,88 1,00 SimJSMD10 0,77 0,50 0,12 0,66 0,16 0,25 NãoWFSBP11 0,94 0,22 0,66 0,88 0,12 0,94 SimTCPBD12 0,72 0,22 0,12 0,88 0,12 0,00 NãoNICE13 1,00 1,00 0,88 0,94 0,77 0,50 SimRANZCP14 0,22 0,33 0,22 0,50 0,12 0,33 NãoBAP15 0,66 0,33 0,12 0,72 0,00 0,12 NãoIPS16 0,66 0,22 0,12 0,50 0,00 0,00 NãoCINP17,18 0,94 0,55 0,62 0,66 0,12 0,25 SimCANMAT/ISBD19 0,94 0,61 0,36 1,00 0,36 0,66 SimMédia 0,77 0,48 0,41 0,76 0,26 0,40

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40 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃOIVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHOMONIQUE GOMES DA SILVA SCALCOFABIANO ALVES GOMES

sejam revisadas as melhores metodologias para o seu desenvolvimento adequado, contribuindo, dessa forma, tanto para o desenvolvimento metodológico quanto para a melhor uti lização das evidências cientí fi cas na práti ca clínica.

Arti go submeti do em 22/03/2018, aceito em 09/09/2018.Confl itos de interesse: Fabiano Alves Gomes parti cipou do advisory board da Allergan e ministrou palestras para Daiichi-Sankyo, Libbs e Lundbeck. Monique Gomes da Silva Scalco parti cipou do advisory board da Lundbeck e ministrou palestras para EMS. Ivan Henrique Ranulfo Vaz Filho informa não haver confl itos de interesse associados à publicação deste arti go.Fontes de fi nanciamento inexistentes.Correspondência: Fabiano Alves Gomes, SMHN, Quadra 2, Bloco C, Edifí cio Dr. Crispim, sala 505, Asa Norte, CEP 70710-140, Brasília, DF. E-mail: [email protected]

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41Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

IVAN HENRIQUE RANULFO VAZ FILHO1, MONIQUE GOMES DA SILVA SCALCO2, FABIANO ALVES GOMES3

1 Pesquisador, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF. 2 Supervisora, Ambulatório de Transtornos de Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF. 3 Coordenador, Ambulatório de Transtornos do Humor, Hospital Universitário, UnB, Brasília, DF.ARTIGO

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18. Fountoulakis KN, Yatham L, Grunze H, Vieta E, Young A, Blier P, et al. The internati onal college of neuro-psychopharmacology (CINP) treatment guidelines for bipolar disorder in

adults (CINP-BD-2017), part 2: review, grading of the evidence and a precise algorithm. Int J Neuropsychopharmacol. 2017;20:121-79.

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43Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

ARTIGO

ResumoAté a presente data, os tratamentos farmacológicos

disponíveis para o transtorno bipolar não são eficazes para todos os pacientes. Isso ocorre porque nosso conhecimento sobre a fisiopatologia a ser abordada é muito precário. Desse modo, a medicina precisa investigar novas alternativas e alvos de tratamento, de forma a identificar grupos de pacientes, fases da doença e melhores combinações de medicamentos que apresentem desfechos terapêuticos superiores. Neste artigo, propomos brevemente esses novos paradigmas.

Palavras-chave: Transtorno bipolar, tratamento farmacológico, tratamentos inovadores.

AbstractTo this date, the pharmacological treatments available

for BD are not effective for all patients. This occurs because our knowledge about the pathophysiology to be addressed is scarce. Thus, new treatment options and targets need to be investigated in order to identify patient groups, disease stages, and better combinations of drugs with superior treatment outcomes. In this article we briefly propose these new paradigms.

Keywords: Bipolar disorder, pharmacologic treatment, innovative interventions.

IntroduçãoO transtorno bipolar (TB) é uma doença crônica e

grave, caracterizada por episódios recorrentes de mania/hipomania, além de períodos de depressão maior1,2. O TB está associado à morte prematura, redução da qualidade de vida e outras complicações, como o comprometimento cognitivo3-5. A marca clínica mais evidente do TB é pelo menos um episódio de mania (transtorno bipolar I) ou

hipomania (transtorno bipolar II). A hipomania é diferenciada da mania, de forma simplificada, pela capacidade do paciente de continuar a funcionar e lidar com tarefas normais da vida. A complexidade psicopatológica do TB decorre da gama de sintomas que um paciente pode apresentar ao longo de avaliações transversais e dos imprevisíveis estados de humor cíclicos6-8.

Nesse contexto, nem todos os pacientes se beneficiam do mesmo tratamento, e a escolha terapêutica depende do estado de humor atual do paciente e de suas comorbidades clínicas e psiquiátricas9-12.

Apesar da existência de fármacos bem estabelecidos, como o lítio, valproato e diversos antipsicóticos de segunda geração, o tratamento farmacológico do TB enfrenta uma série de paradigmas: 1) um grande número de pacientes segue com sintomas residuais ao longo da vida; 2) a maioria dos pacientes precisa do uso combinado de dois ou mais fármacos; 3) vários efeitos colaterais são incompatíveis com o uso regular desses medicamentos.

Uma das possíveis explicações para esses fenômenos é a incompreensão do verdadeiro mecanismo fisiopatológico que leva a diátese do TB, bem como a possibilidade de diversas rotas endofenotípicas levarem a quadros sindrômicos semelhantes13-22. A análise adicional dos mecanismos biológicos do TB, como alterações das vias de neurotransmissão e sinalização intracelular, bem como alterações metabólicas, neuroxidativas, imunoinflamatórias e epigenéticas, deve ser feita paralelamente ao desenvolvimento de novas teorias, definindo melhor os subgrupos de pacientes. Novos tratamentos devem, portanto, ser testados de acordo com:

a. perfil de sintomas (como nível de anormalidades cognitivas);

b. presença de fatores de risco ambientais específicos (como abuso infantil);

PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DO TRANSTORNO BIPOLAR

FUTURE PERSPECTIVES FOR THE PHARMACOLOGIC TREATMENT OF BIPOLAR DISORDER

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃODAVID DE LUCENASILVANIA VASCONCELOSDANIELLE MACEDO

http://dx.doi.org/10.25118/2236-918X-8-4-6

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44 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃODAVID DE LUCENASILVANIA VASCONCELOSDANIELLE MACEDO

c. existência de transtornos comórbidos;d. estágio atual do TB.Doravante, há uma premente necessidade de

subclassificação do TB, baseada nas alterações fisiopatológicas apresentadas pelos pacientes, o que pode direcionar o reposicionamento ou desenvolvimento de fármacos para o tratamento de subclasses do TB23-29.

Qual o futuro da psIcofarmacologIa do tb?A modificação das nossas compreensões sobre o TB ao

longo dos derradeiros 30 anos necessita que, na prática, novos alvos terapêuticos sejam explorados. As teorias monoaminérgicas simplificadas foram substituídas por teorias mais complexas que envolvem, entre outros: o sistema circadiano, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, o balanço das respostas imunes Th1/Th2, o balanço dos sistema antioxidante/oxidante, a neuroplasticidade e as alterações epigenéticas ao longo da vida23,30-38.

Observa-se, retrospectivamente, que a farmacodinâmica dos medicamentos disponíveis vão

muito além do local de ação primariamente imaginado, atuando em um ou mais dos novos alvos citados.

Observa-se que os fármacos mais efetivos são, inevitavelmente, aqueles quem têm a capacidade de modular diversos sistemas, levando à regulação de mecanismos epigenéticos de propósito terapêutico. Também é possível concluir o motivo da maioria dos pacientes necessitar de dois ou mais fármacos, pois há necessidade de modular todas as variáveis dos sistemas descritos para que o paciente possa atingir a remissão da doença26,39-45.

É proposto que o uso do conceito de biologia de sistemas possa ser utilizado na psiquiatria e no entendimento do TB, de forma a ampliar nossa capacidade de estimar quais fármacos serão eficazes para o tratamento de um determinado perfil de pacientes, e quiçá, num futuro próximo, poder escolher de forma individualizada quais combinações de fármacos devam ser usadas para cada paciente.

Enquanto não é possível realizar um tratamento totalmente personalizado para cada paciente,

Figura 1 - Modelo teórico proposto em rede biológica de sistemas em que uma medicação deve agir para tratar adequadamente um determinado paciente com transtorno bipolar. As vias imunoinflamatórias, hormonais e epigenéticas são muito pouco exploradas atualmente. Através desse entendimento em rede, compreendemos por que pacientes com TAB necessitam duas ou mais medicações para controle sintomático. O tamanho de cada eixo e sua importância tendem a modificar-se de acordo com o paciente e com a fase da patologia em que o mesmo se encontra (adaptado de Pujol et al.45).

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45Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

DAVID DE LUCENA, SILVANIA VASCONCELOS, DANIELLE MACEDO

Laboratório de Psiquiatria Translacional (LAPSIT), Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicações (NPDM), Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, CE.

ARTIGOacreditamos que, com o estado atual de pesquisas, já podemos escalonar terapias de acordo com o estágio de evolução do TB. Embora esse ti po de procedimento necessite de maiores evidências que levem a uma padronização, acreditamos que, na práti ca clínica, o conhecimento desses dados pode trazer melhores resultados nos consultórios psiquiátricos28-30,46-50.

Pacientes em alto risco para desenvolver TB ou em fase prodrômica podem uti lizar nutracêuti cos como ômega 3, ácido lipoico e dietas anti oxidantes. além de psicoeducação com medidas comportamentais simples para prevenir abuso de substâncias, situações de risco e outros estressores ambientais desnecessários. Vale destacar que os nutracêuti cos uti lizados no pródromo do TB, de uma forma geral, apresentam efeito anti oxidante e/ou anti -infl amatório, o que é de grande valia na prevenção de alterações importantes e progressão da doença46.

Pacientes que já apresentaram um primeiro episódio devem iniciar monoterapia com líti o, acido valproico ou outro fármaco que seja comprovadamente estabilizador do humor e tenha potencial de impedir novas ciclagens de humor. Esta certamente é uma das fases mais críti cas, pois muitas vezes o paciente, a família e o próprio médico podem ter dúvidas sobre o diagnósti co. É necessária uma investi gação minuciosa da história patológica pregressa e aderência formal ao tratamento farmacológico. A realização de psicoterapia também se torna essencial, de modo que o paciente se reconheça e aprenda a lidar melhor com suas emoções e o ambiente. Percebendo que esse estágio de tratamento pode ser um divisor para o controle ou não da evolução do TB, torna-se estratégica a investi gação de fármacos que tenham um perfi l de uso melhor do que os atuais, permiti ndo que o paciente siga sua vida com o mínimo de efeitos colaterais. Baseando-se na biologia de sistemas para uma melhor compreensão da fi siopatologia do TB, conforme citado anteriormente, a modulação de novos sistemas endógenos pode ser a solução para o tratamento desses pacientes. Nesse contexto, o princípio seria o uso de medicamentos com baixíssimo perfi l de efeitos colaterais e capazes de impedir a progressão do TB. São potenciais alvos terapêuti cos e que necessitam de maiores estudos:

1. Sistema renina-angiotensina cerebral, com uso da candesartana e análogos, exercendo efeito neuroprotetor, anti oxidante, anti -infl amatório, consequentemente elevando a sobrevida neuronal

pela inibição de cascatas apoptóti cas, inibição de micróglias e ati vação astrocitária, através do bloqueio de receptores AT2, que estão ati vados em excesso durante diversas fases das doenças maníaco-depressivas5;

2. Sistema imunoinfl amatório, com uso de baixas doses de ácido aceti lsalicílico (AAS), celecoxibe, inibidores de canais de cálcio e análogos, exercendo efeito anti -infl amatório direto pela bloqueio da iniciação de ciclo-oxigenase-2 (COX2) induzida e cronicamente modulando fator nuclear kappa B (NFkB)28;

3. Sistema hormonal, com uso de cronorreguladores, antagonistas do receptor de corti sol e análogos de progesterona51-53;

4. Sistema de neurotransmissores, em especial glutamato e canabinoides, com uso de memanti na, amantadina, canabidiol e canabigerol35,50,54-66.

Pacientes que já apresentaram dois ou mais episódios do TB necessitarão provavelmente de uma combinação de fármacos, de modo a impedir ciclagem temporais para fases depressivas ou maníacas/hipomaníacas. A falha de tratamento nesse estadiamento geralmente leva a danos cogniti vos, que podem ser queixas frequentes e confundir o médico a respeito da resposta terapêuti ca. Existem diversas combinações aprovadas de fármacos, e a descrição das mesmas foge do propósito deste arti go (para uma revisão, acessar Grande et al.)46,64,67,68.

Pacientes que têm uma doença mais agressiva, que ti veram múlti plos episódios ou não se engajaram em um tratamento regular podem evoluir para estágios mais avançados do TB, onde o predomínio de sintomas cogniti vos, depressivos e mistos acontece com larga frequência, às vezes sem remissão completa. Esses pacientes por vezes necessitam farmacoterapia de resgate, especializada nesse conjunto de sintomas, e podem se benefi ciar do uso de anti psicóti cos atí picos, em especial a clozapina. Existem também algumas evidências para uso de fármacos uti lizados em doenças demenciais, como a rivasti gmina, donepezila e memanti na69-76.

consIderações fInaIsApesar de mais de 100 anos de investi gação médica, é

notável que as opções farmacológicas para o tratamento

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46 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

ARTIGOARTIGO DE ATUALIZAÇÃODAVID DE LUCENASILVANIA VASCONCELOSDANIELLE MACEDO

do TB e demais patologias psiquiátricas estejam bem aquém quando comparadas a outras especialidades médicas. Isso ocorre porque a psiquiatria teve como característica histórica o uso de determinado medicamento sem a compreensão da complexidade dos mecanismos fisiopatológicos relacionados a cada transtorno. Um fator complicador que explica a falta de conhecimento desses mecanismos é o caráter subjetivo dos transtornos mentais, o que levou a um atraso no estudo dos mecanismos relacionados às funções cerebrais. Além disso, em relação especificamente ao TB, a presença marcada de duas fases clínicas aparentemente antagônicas, com mecanismos de ciclagem parcialmente compreendidos, dificulta o uso de modelos animais, além do estabelecimento de protocolos terapêuticos simplificados. Portanto, temos a esperança de que, num futuro próximo, novas compreensões e novos instrumentos de busca de fármacos levem ao surgimento de tratamentos mais eficazes e individualizados, de forma a minimizar o sofrimento desses pacientes.

Artigo submetido em 22/03/2018, aceito em 09/09/2018.Os autores informam não haver conflitos de interesse associados à publicação deste artigo.Fontes de financiamento inexistentes.Correspondência: David Freitas de Lucena, Laboratório de Psiquiatria Translacional (LAPSIT), Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicações (NPDM), Universidade Federal do Ceará, CEP 60416-000, Fortaleza, CE. E-mail: [email protected]

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47Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

DAVID DE LUCENA, SILVANIA VASCONCELOS, DANIELLE MACEDO

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48 revista debates em psiquiatria - Jul/Ago 2018

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49Jul/Ago 2018 - revista debates em psiquiatria

DAVID DE LUCENA, SILVANIA VASCONCELOS, DANIELLE MACEDO

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ANÚNCIOANÚNCIO

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ANÚNCIOANÚNCIO

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ANÚNCIO

cloridrato de lurasidona

• Potência na redução dos sintomasdepressivos em monoterapia ou associação

com lítio e valproato (MADRS; CGI-BP).1,2

• Sem alterações metabólicas e de pesosignificativas no curto e longo prazos.1-3

• 1x ao dia.4

• Não necessita titulação.4

Referências bibliográ�cas: 1. Loebel A, et al. Lurasidone monotherapy in thetreatment of bipolar I depression: a randomized, double-blind, placebo-controlled study. Am J Psychiatry. 2014;171(2):160-168. 2.Loebel A, et al. Lurasidone as adjunctive therapy with lithium or valproate for the treatment of bipolar I depression: a randomized, double-blind, placebo-controlled study. Am J Psychiatry. 2014;171(2):169-177. 3. KetterTA, et al; Lurasidone in the long-term treatment of patients with bipolar disorder: a 24-week open-label extension study. Depress Anxiety. 2016;33(5):424-34. 4. Bula do produto.

Latuda® (cloridrato de lurasidona). INDICAÇÕES: Tratamento da esquizofrenia e dos episódios depressivos associados ao transtorno bipolar I (depressão bipolar) em monoterapia ou associada com lítio ou valproato.

CONTRAINDICAÇÕES: alergia a qualquer componente da fórmula; uso concomitante de inibidores potentes da CYP3A4 (ex: cetoconazol) e ; uso concomitante de indutor potente da CYP3A4 (ex: rifampicina). CUIDADOS E ADVERTÊNCIAS: não deve ser utilizada em pacientes idosos com Psicose Relacionada a Demência. Deve ser descontinuada em casos de Síndrome Neuroléptica Maligna, Discinesia Tardia, queda de leucócitos desde que ausentes outros fatores causadores ou como neutropenia grave. Deve ser usada com cautela em pacientes em condições que predispõem à hipotensão. Deve ser utilizada com cautela em pacientes com história de convulsão ou em condições que diminuem o liminar convulsivo. Gravidez e amamentação: só deve ser utilizada durante se o benefício justi�car o risco potencial para o feto. População pediátrica: A segurança e e�cácia em pacientes pediátricos ainda não foram estabelecidas.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS: inibidores e indutores da enzima CYP3A4. Interações com alimentos: Toranja (suco e fruta) deve ser evitada. Interações com o álcool: não são conhecidas interações entre o medicamento e o álcool. REAÇÕES ADVERSAS: Estudos clínicos: Reações muito comuns: acatisia, sonolência, náusea, insônia, parkinsonismo e cefaleia. Reações comuns: agitação, ansiedade, dor nas costas, prolactina sérica aumentada, CPK aumentada, apetite reduzido, diarreia, tontura, distonia, dispepsia, erupção cutânea (rash), inquietação, hipersalivação, vômitos e aumento de peso. Reações incomuns: sonhos anormais, dor abdominal, amenorreia, anemia, bloqueio AV de 1º grau, triglicérides séricos aumentados, bradicardia, disartria, disúria, dismenorreia, disfunção erétil, gastrite, hipoestesia, pânico, prurido, hipotensão ortostática, distúrbio do sono, ideação suicida, síncope, taquicardia, discinesia tardia, urticária e vertigem. Reações raras: angina pectoris, angioedema, visão turva, dor no peito, acidente vascular cerebral, ginecomastia, disfagia, galactorreia, leucopenia, neutropenia, síndrome neuroléptica maligna, falência renal aguda, rabdomiólise, convulsões, morte súbita; frequência desconhecida: hipersensibilidade. Pós-comercialização: frequência desconhecida: hipersensibilidade. POSOLOGIA: deve ser administrada com alimentos (no mínimo 350 calorias). A titulação de dose inicial não é necessária. Esquizofrenia: dose inicial recomendada é de 40 mg uma vez ao dia; dose máxima recomendada é de 160 mg por dia. Pacientes devem ser tratados com a menor dose efetiva. Troca de Antipsicóticos: dose inicial recomendada é de 40 mg/dia. Episódios Depressivos Associados ao Transtorno Bipolar I: dose inicial recomendada é de 20 mg uma vez ao dia em monoterapia ou em terapia adjuvante com lítio ou valproato. Comprometimento renal: recomenda-se ajuste da dose em pacientes com comprometimento renal moderado e grave; dose inicial recomendada é de 20 mg; a dose não deve exceder 80 mg/dia. Comprometimento hepático: recomenda-se ajuste da dose em pacientes com comprometimento hepático moderado; a dose inicial recomendada é de 20 mg; a dose não deve exceder 80 mg/dia. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. SÓ PODE SER VENDIDO COM RETENÇÃO DA RECEITA. Reg M.S.: 1.0454.0184. Farm. Responsável: Dr. Eduardo Mascari Tozzi – CRF-SP 38.995. Importado e Registrado por: Daiichi Sankyo Brasil Farmacêutica Ltda. Serviço de Atendimento ao Consumidor: 08000-556596. MB_02.

Latuda é um medicamento. Durante seu uso, não dirija veículos ou opere máquinas, pois sua agilidade e atenção podem estar prejudicadas.

Material destinado exclusivamente à classe médica.LT(06) Abril/2018 - 550569

SACSERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR.

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*Depressão bipolar tipo I

Eficácia e tolerabilidade no tratamento da depressão bipolar.*1-3

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