Antônio Houaiss

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     ANTÔNIO HOUAISS

    Quinto ocupante da Cadeira 17, eleito em 1º de abril de 1971, na sucessão de ÁlvaroLins e recebido pelo Acadêmico Afonso Arinos de Melo ranco em !7 de a"osto de1971# $ecebeu os Acadêmicos Antonio Callado e %er"io &aulo $ouanet#

    Cadeira:

    17

    Posição:

    '

    Antecedido por:

    Álvaro Lins

    Sucedido por:

    Affonso Arinos de Mello ranco

    Data de nascimento:

    1' de outubro de 191'

    Naturalidade:

    $io de (aneiro ) $(*rasil

    Data de eleição:

    1 de abril de 1971

    Data de posse:

    !7 de a"osto de 1971

    Acadêmico que o recebeu:Afonso Arinos de Melo ranco

    Data de falecimento:

    7 de mar+o de 1999

    BIOGRAFIA 

    Antonio Houaiss, professor, diplomata e filólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 15 de

    outubro de 1915 e faleceu no dia 07 de março de 1999, na mesma cidade.

    Foi o quinto dos sete filhos de Habib Assad Houaiss e Malvina Farjalla Houaiss. Toda asua formação intelectual foi no Rio de Janeiro no ensino público. Perito-contador pela

    Escola de Comércio Amaro Cavalcanti (1933); curso secundário de madureza (1935);bacharel (1940) e licenciado (1942) em letras clássicas pela Faculdade Nacional de

    Filosofia da Universidade do Brasil. Casou-se, em 1942, com Ruth Marques de Salles(falecida a 4 de julho de 1988) e não teve filhos.

    Lecionou português, latim e literatura no magistério secundário oficial do então Distrito

    Federal, de 1934 a 1946, quando pediu exoneração, ao optar pela carreira diplomática. Foitambém membro examinador de português de vários concursos promovidos pelo DASP

    http://www.academia.org.br/academicos/alvaro-linshttp://www.academia.org.br/academicos/affonso-arinos-de-mello-francohttp://www.academia.org.br/academicos/afonso-arinos-de-melo-francohttp://www.academia.org.br/academicos/affonso-arinos-de-mello-francohttp://www.academia.org.br/academicos/afonso-arinos-de-melo-francohttp://www.academia.org.br/academicos/alvaro-lins

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    para preenchimento de cargos públicos (1941 a 1943); colaborador permanente do DASPna elaboração de provas de português para o serviço público (1942-1945), professorcontratado pela Divisão Cultural do Ministério das Relações Exteriores para lecionar

    português no Instituto de Cultura Uruguaio-Brasileiro de Montevidéu (1943 a 1945).

    Na carreira diplomática, por concurso de provas em 1945, foi vice-cônsul do ConsuladoGeral do Brasil em Genebra (1947 a 1949), servindo também como secretário dadelegação permanente do Brasil em Genebra, junto à Organização das Nações Unidas, eintegrando representações brasileiras a assembléias gerais das Nações Unidas, daOrganização Internacional do Trabalho, da Organização Mundial da Saúde e daOrganização Mundial de Refugiados. Foi terceiro secretário da Embaixada no Brasil emSão Domingos, República Dominicana, de 1949 a 1951, e em Atenas, de 1951 a 1953;primeiro secretário e depois ministro de segunda classe da delegação permanente doBrasil junto à Organização das Nações Unidas em Nova York, de 1960 a 1964; membro daComissão de Anistia de Presos Políticos de Ruanda-Urundi que em Usumbura examinouos processos de 1.220 presos políticos, anistiados todos pela Assembléia Geral das

    Nações Unidas por proposta da referida comissão, em 1962; relator da IV Comissão daAssembléia Geral das Nações Unidas (tutela e territórios não-autônomos), em 1963.

    A serviço do Ministério das Relações Exteriores, consolidou as 14.000 instruções deserviço no primeiro Manual de serviço (1947) desse Ministério, ainda vigente, comrefundições. Foi assessor de documentação da Presidência da República, de 1957 a 1960,quando foram publicados 83 volumes documentais do qüinqüênio presidencial, segundoplano sistemário seu. Aposentado, em 1964, com a suspensão de seus direitos políticospor dez anos.

    Foi secretário-geral do Primeiro Congresso Brasileiro de Língua Falada no Teatro,realizado em 1956, em Salvador, para o qual apresentou a tese que se tornou base das

    conclusões - normas da língua falada culta no Brasil - e encarregado da elaboração dosAnais respectivos (Rio de Janeiro e Salvador, 1958). Exerceu as funções de colaborador e

    pesquisador na Casa de Rui Barbosa, de 1956 a 1958 e de secretário-geral do PrimeiroCongresso Brasileiro de Dialectologia e Etnografia (Porto Alegre, 1958), elaborando os

    Anais respectivos, publicados pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, em 1970.

    Colaborou na imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo, tendo sido redator do Correioda Manhã (1964-1965). Membro da Comissão Machado de Assis, desde a sua criação em1958, e da Academia Brasileira de Filologia, eleito em 1960. Editor-chefe da EnciclopédiaMirador Internacional.

    Membro da Comissão para o Estabelecimento de Diretrizes para o Aperfeiçoamento do

    Ensino/Aprendizagem da Língua Portuguesa, instituída pelo Decreto n. 91.372 de 26 de junho de 1985, com relatório conclusivo de 20 de dezembro de 1985.

    Exerceu o cargo de Delegado do Governo Federal para proceder nos países de línguaoficial portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomée Príncipe), recebeu o convite de presença à realização do Encontro para a Unificação

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    Ortográfica da Língua Portuguesa (janeiro - fevereiro de 1986), foi membro da delegaçãobrasileira no Encontro para a Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, realizado noRio de Janeiro de 6 a 12 de maio de 1986, do qual foi o secretário-geral e delegado porta-

    voz brasileiro.

    Em 1988, organizou o Congresso Internacional de Tradutores, realizado no InstitutoInternacional de Cultura (Campos - RJ), tendo sido o vice-presidente e o secretário-executivo do Encontro.

    Foi nomeado para o Conselho Federal de Cultura, do qual participou até a sua extinção.Em 1990, recebeu o Prêmio Moinho Santista, na categoria Língua.

    Ministro da Cultura do Governo Itamar Franco (1993); foi membro do Conselho Nacional dePolítica Cultural, do Ministério da Cultura (1994-1995), de que foi vice-presidente e

    renunciou dessa qualidade em abril de 1995. Foi presidente da Academia Brasileira de

    Letras (1996).

    BIBLIOGRAFIA 

    Crítica e Antologia: 

    Prefácio, in: Vida urbana (1956);

    Crítica avulsa (1960);

    Seis poetas e um problema, estudos de crítica literária, estilística e ecdótica (1967);

    Augusto dos anjos, poesia, antologia, introdução e notas (1960);

    Qual prefácio, in: A rima na poesia de Carlos Drummond de Andrade, de Hélcio Martins(1968);

    Introdução, in: Reunião: 10 livros de poesia, de Carlos Drummond de Andrade (1969);

    Crítica literária e estruturalismo, in II Simpósio de língua e literatura portuguesa (1969);

    Drummond mais Seis poetas e um problema (1976);

    Homenagem a Joaquim Cardoso, conferência (1978);

    Estudos vários sobre palavras, livros e autores (1979).

     

    Filologia, Bibliologia e Documentação: 

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    Tentativa de descrição do sistema vocálico do português culto na área dita carioca,dialectologia e ortofonia (1959);

    Sugestões para uma política da língua (1960);

    O Serviço de Documentação da Presidência da República (1960);

    Introdução filológica às Memórias póstumas de Brás Cubas, fixação do texto crítico (1961);

    Elementos de bibliologia (1967);

    A crise de nossa língua de cultura (1983);

    O português no Brasil (1985);

    O que é língua? (1990);

    A nova ortografia da Língua Portuguesa (1991).

     

    Ensaio Político: 

    A defesa (1979);

    Brasil O fracasso do conservadorismo, em colaboração com Pedro do Coutto (1985);

    Brasil-URSS 40 anos do estabelecimento de relações diplomáticas, obra coletiva (1985);

    Socialismo e liberdade, em colaboração com Roberto Amaral (1990);

    Variações em torno do conceito de democracia, em colaboração com Roberto Amaral(1992);

    Socialismo Vida, morte e ressurreição (1993);

    A modernidade no Brasil Conciliação ou ruptura? (1995);

    Os socialistas e a guerra. Separata da Revista de Informação Legislativa (1991).

     

    Gastronomia e Culinária: 

    Magia da cozinha brasileira, iconografia de Alain Draeger (1979);

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    A cerveja e seus mistérios (1986).

     

    Fixação crítica do texto de clássicos brasileiros: 

    Obras, de Lima Barreto, em colaboração com Francisco de Assis Barbosa e Manuel

    Cavalcanti Proença (1956);

    O texto dos poemas, in: Gonçalves Dias, poesia e prosa escolhida (1959);

    Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (1961);

    Eu, outras poesias, poemas esquecidos, de Augusto dos Anjos (1965);

    Edições críticas de Obras de Machado de Assis, pela Comissão Machado de Assis (1975).

     

    Editoria e organização de obras de referência: 

    Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Língua Falada no Teatro (1956);

    Novo dicionário Barsa das línguas inglesa e portuguesa, 2 vols., em colaboração com

    Catherine B. Avery (1964);

    Grande enciclopédia Delta-Larousse, 12 vols.; Enciclopédia Mirador Internacional, 20 vols.

    e 1 atlas (1975);

    Pequeno dicionário enciclopédico Koogan-Larousse (1979);

    Vocabulário ortográfico da Língua Portuguesa, relator (1981);

    Webster's dicionário inglês-português, 2 vols., em colaboração com Ismael Cardim e

    outros (1982).

    TEXTOS ESCOLHIDOS

    LÍNGUA E REALIDADE SOCIAL

    O tema que nos reúne é a “expansão da língua”. Suspeito, aí, que a língua é nossa, aportuguesa, e a expansão é a que houve, está havendo e poderá ainda haver. Comoestamos entre nós, é possível que a variedade ou variante brasileira seja privilegiada nas

    considerações seguintes.

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    Mas meu tema é a língua e a realidade social, a que está fora dela, digamos assim, e aque nela, língua, se manifesta.

    Importa-nos assim considerar primeiro alguns aspectos da realidade social. Façamos issonum retrospecto rápido - uma diacronia da sociedade, uma história da sociedade naquilo

    que creio ser relevante para os nossos fins.

    Não se trata de tentar sintetizar uma história - externa e interna - da língua portuguesa noBrasil e a formação da variedade brasileira ou variedades brasileiras, estudo esse que, sede conjunto, depois de Serafim Silva Neto e Sílvio Edmundo Elia, continua em aberto, tãograndes são as novas exigências postuladas por semelhante empreendimento, ante o quese está agora fazendo em termos de dialectologia, de etnolingüística e de sociolingüística -para ficarmos nelas. É de crer mesmo que convirá um compasso de espera para que

    possamos amealhar mais material empírico daquelas procedências, sem contar o muitoque está ainda por fazer, a saber, o crivo da documentação (lato sensu) histórica disponível

    e sua interpretação, como achegas relevantes da história externa e interna da língua noBrasil.

    A realidade social em que se insere a língua portuguesa nas plagas brasílicas é arealidade de um ecúmeno sui generis no continente americano. Marginal,

    necessariamente, para a cultura conquistadora, tecnologicamente muito mais poderosa,sequiosa de mercancia e mercantilismo, ocidentalmente cobiçosa e cristamente ambígua

    no querer e fazer, a cultura indígena era das mais atrasadas do mundo (e no continenteamericano só os extintos patagões rivalizariam com ela nesse particular): os brasílicos

    vivíamos (primeira pessoa do plural de empatia...), os brasílicos vivíamos em estádiosculturais compreendidos entre o meio-fim do paleolítico e o meio-início do neolítico, querem culturas de coleta, quer em culturas agrícolas semi-sedentárias. Em ambos os casos,exigiam-se extensos territórios para cada nação, que, decorrentemente, era de baixademografia. Não sabemos quantos eram os brasílicos ao tempo do chamadodescobrimento e no primeiro século - mas suspeitamos que entre 4,5 e 2,5 milhões, a

    densidade possível de gente para a rentabilidade possível da terra, baixa ante a atingidaem terras européias, asiáticas, africanas e mesmo americanas do Pacífico, América

    Central e do Norte. Sob o risco de cairmos em esquematizações excessivas, é lícito dizerque já pelo século XIX se cria que os nossos indígenas pertenciam, numa classificação

    lingüística genealógica, a poucos troncos, a que se filiavam algumas centenas de línguas,correspondentes a alguns milhares de tribos ou nações: afinidades étnicas e lingüísticaspermitiriam em certos casos federações e confederações, desde Anchieta, o que leva asupor um maior ou menor grau de intercomunicação entre certos grupos: tratar-se-ia, sobcerto aspecto, de uma região de humanidade recente - 8 a 10 milênios - em que se derauma progressiva diferenciação lingüística, com incipientes processos, hoje obscuros, deunificação, logo seguida de diferenciação (o que parece ser o caso do chamado tupi).

    Essa divisão horizontal, porque eminentemente territorial, admite pensar, paralelamente,que pequenas ou quase inexistentes eram, em cada nação, as segmentações verticais -

    pois salvo segmentos sociais ocasionais por sexo ou por idade, sobretudo em ritos detrânsito ou de iniciação, ou em práticas religiosas ou hedonísticas, a vida era de

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    participação muito comunitária, nada permitindo supor que a precária divisão de tarefas,sempre colegiadas, pudesse ser base de uma divisão em classes sociais e decorrenteespecializado dialetal de usos lingüísticos. A divisão horizontal por separação tribal para

    facilitar a produção de bens e a reprodução do grupo devia ter sido o caminho rápido paraa diferenciação lingüística e a emergência de novas línguas.

    Assim, pois, é admissível pensar nuns primeiros momentos da colonização em que apopulação brasílica está entre os dois extremos de 4,5 e 2,5 milhões de indígenas, que

    deviam, de fato, falar entre 2 - 1,5 mil línguas, em grande número de casos comintercomunicação através dos línguas, sempre existentes em situação de paz ou conflito,

    quando a partição territorial deve ser permanentemente vigiada e negociada: a técnica deprodução brasílica supunha, para todos, áreas imensas de pousio, para equilíbrio da

    natureza, hoje diríamos para reequilibração ou reciclagem ecológica.

    A intromissão do luso foi catastrófica para esse tipo de estrutura social. Todo um conjunto

    de superioridades era próprio ao português as técnicas em geral, em particular as deguerra, e as econômicas e de relação de produção, pois buscavam o que desse - produto,

    coleta, espólio, butim ou rapina - para o escambo com o ultramar e o entesouramento,desejado de início para o retorno à metrópole, quando o conquistador não é o degredadoad vitam.

    A partir do momento em que o conquistador busca ser proprietário de terra, já pelos fins do

    século XVI, duas conseqüências disso se positivam: a mão-de-obra nativa preada ebaixada, se revela progressivamente rebelde e, assim, inepta, impondo a experiência já

    conhecida da mão-de-obra negra, como necessidade paralela com a crescente usurpaçãoou redução dos territórios dos nativos. Noutros termos, entradas e depois bandeiras -eufemismos para caça ao nativo ou expulsão do nativo rebelde - foram reduzindo osterritórios dos indígenas, obrigando-os, ipso facto, ou a deixarem de ser índios,extinguindo-se, ou a deixarem de ser índios, aculturando-se. Já então se instituíra a práticade comer: os índios, quando possível (quase nunca o foi) comiam os lusos antropofágica e

    vindicativamente; os lusos as comiam, figurativa mas fecundantemente, iniciando a fundamiscigenação. Com os negros, porém, na medida que diminuíam em número nações e

    línguas indígenas, por etnódio ou por unificação indígena para a resistência, a prática deafastamento dos co-étnicos, co-linguageiros e co-familiares, prática sistemática que lhes

    quebrava a resistência ao opróbrio e a própria identidade, que só a língua lhes podia dar afundo prática que só não se manteve adentro da primeira metade do século XIX, nasantevésperas da interrupção do tráfico, período em que a importação das peças foi tãomaciça que não houve como separar tais peças por aqueles critérios - o que é uma dachaves para a compreenssão dos levantes negros urbanos sangrentos da época.

    O caldeamento - vá o termo sem conotação técnica -, o caldeamento lingüístico deve tersido enorme. Se os dados iniciais, com relação aos índios, são aproximativamente osreferidos acima (4,5 a 2,5 milhões), para com os negros são outros. Pesquisas recentes noCentre National de la Recherche Scientifique, na França, permitem presumir hoje em dia

    que, até a extinção do tráfico, o Brasil importou entre 3,5 a 3,8 milhões de negros,enquanto os futuros Estados Unidos da América importaram 800 mil, não mais: a proteção

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    das peças escravas, seu rendimento máximo, não se fez nas plagas conquistadas pelosanglo-saxãos sem levar em altíssima conta que se tratava de gado precioso, cujas criaspuras eram também preciosas, donde um resguardo cuidoso de sua vida média, sem

    torpezas brutas, pois mais barato era cultivá-las que comprá-las. No Brasil malgradoidealizações luso-tropicalescas a vida média do negro foi baixíssima, e sua sustentação

    onerosíssima, se comparada com o preço das peças novas: houve, assim, aqui,dilapidação desse instrumento, com algumas características interessantes, por exemplo, o

    largo uso das fêmeas para todos os fins de fêmeas, desde os acidentalmente reprodutivos(com enorme mortalidade infantil) até os prostibulares para rendimento dos seus, delas,proprietários.

    Salvo nos quilombos - alguns dos quais chegaram aos dias de hoje já abertos a todos -

    onde falares negros e prováveis línguas francas se terão desenvolvido, não é lícito suporque outras influências negras se desenvolveram, pelo menos lingüisticamente: osescravos, em particular as escravas, domésticos, solitários étnica e lingüisticamente, terãotido influências afetivas, sentimentais, conteudísticas e, acaso - e quando estaremos aesse respeito em condições de negar ou afirmar? - e acaso, repito, adstratais. No auge daconcentração africana, ademais coesa, adentro (como disse) da primeira metade doséculo XIX, as línguas africanas - sobretudo um possível nagô, franco - já se defrontavamcom a língua portuguesa em situação majoritária, relativa e absolutamente: por relativo,quer-se dizer que no cotejo de cada grupo lingüístico, numa região ou local “civilizado”,brasileiro, a língua portuguesa em situação majoritária, relativa e absolutamente: por

    relativo, quer-se dizer que no cotejo de cada grupo lingüístico, numa região ou local“civilizado”, brasileiro, a língua portuguesa já era maioria, em face das outras, a franca ou

    geral e as localíssimas, supérstites tribais; por absoluto, na aferição total dos percentuaisbrasileiros de língua portuguesa, de um lado, e as outras, quaisquer, de outro.

    Na luta linguageira de que o Brasil foi palco durante três séculos, o cimento comum para avida prática cotidiana foi, em crescendo, a língua geral, disciplinada para fins da

    “escolarização” incipiente pela didática da catequese jesuítica, a única escolaridadeinstitucionalizada que, com outra missões católicas, a terra teve por muitas décadas.

    Quando, na segunda metade do século XVIII, a Coroa dispõe que os papéis oficiais e asrelações no Brasil só se fizessem em língua portuguesa, o que espanta é a visão política:

    língua outra não teria o favor do rei, não teria a favor do Estado. Mas que língua outra - seescrita - seria essa? Latim, espanhol, francês, holandês? Ou as sós seis cartas em línguaescritas em caracteres latinos por escriba de Filipe Camarão para congraçamento indígenaconta batavos?

    Antes da Independência, um evento capital para a língua portuguesa no Brasil foi orecebimento repentino de 16 - 18 mil portugueses, de fala “moderna”, isto é, com traçosfoneticamente inovadores mas metropolitanos, na capital do vice-reino, a cidade do Rio deJaneiro, que logo passava a capital do reino por curto período: essa população adventíciadobrou a população da cidade e sua periferia, fazendo que a intercomunicação só se

    fizesse avassaladoramente através da língua portuguesa “modernizada”, alastrando-se tais

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    características modernizantes pela província do Rio de Janeiro, pelo litoral norte acima,pelo litoral sul abaixo até a baixada e o porto de Santos.

    A crítica recíproca dos brasileiros entre si - quanto à “beleza” e à “correção” de seusfalares - desde os inícios do século XIX documentada, é sintomática de duas coisas:

    primeiro, a dialetação horizontal já era uma realidade; segundo, a vertical na vida socialbrasileira era também uma realidade; terceiro, a transvertical ou trans-horizontal entre oBrasil e a Metrópole era também uma terceira realidade.

    Permita-se-me um rápido comentário com relação à dialetação horizontal: quero relembrarapenas que houve épocas em que ela se explicava já por influxo indígena, já por africano, já por uma espécie de crioulização, numa até talvez língua híbrida, instável por certobilingüismo ou multilingüismo incompleto, tese a que se opõe a de dialetação endógena,

    românica - qualquer fato dialetal do português do Brasil que pudesse ter paralelo com fatodialetal românico europeu e em particular peninsular ibérico e em particular português era

    mais bem explicado por essa via.

    Com relação à dialetação vertical do português do Brasil, é mister, desde o início, admitir

    uma incipiente diferenciação entre a fala do luso e a fala do nascido e vivido na terra,diferenciação que a esse título tendeu a crescer. Essa tendência, aliás, tem sido objeto de

    inquirições de vários tipos. Com relação ao âmbito do português, Israel Revah, já nadécada de 1950, chamava a atenção para o fato de que, num sistema cujo foco fora para o

    português quinhentista e cujos ramos atuais fossem o português metropolitano, obrasileiro, o angolano, o moçambicano, o cabo-verdiano, o guineense, o macauense e o

    goense, estes últimos todos teriam entre si muito mais afinidade, sobretudo no vocalismo,do que cada um com o português moderno. Estematicamente, supor-se-ia um índice dealternações no português metropolitano, nestes quatro séculos, maior do que nosportugueses ultramarinos.

    Devo ainda relembrar que, com relação ao julgamento de valor do português do Brasil,seja, a variante brasileira, e o português de Portugal, seja, a variante portuguesa éconveniente dizer duas coisas: primeiro, que a língua escrita para fins artísticos, e mesmocientíficos e universalistas, buscou no Brasil modelar-se mesmo com o interregno de“abrasileiramento” do romantismo nos padrões portugueses; segundo, aqui mesmo,

    cultivamos a “consciência” (diríamos hoje a ideologia) de que os proprietários da línguaeram os portugueses, cabendo-lhes a eles sós ditar o que fazer com essa coisa sua deles.No plano do dialeto literário e seu ensino, relembremos que foi com Sousa da Silveira, por

    1928, que se principiou, na preceptiva, a exemplificar com autores brasileiros, é bemverdade que em maioria naqueles casos em que os brasileiros coincidiam com os

    portugueses...

    A realidade social brasileira, do ponto de vista lingüístico, mostra, ao longo do seu

    processo histórico, um número ponderável de traços relevantes. Referirei alguns, ao saborde minhas - digamos - preferências.

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    Eis um: a luta lingüística foi efetivamente popular de representantes das populaçõesconquistadas e conquistandas, sem possível direção da classe dominante e do aparelhoestatal da instrução: ironicamente, o ensino de línguas escolarizado foi o do latim ou o da

    língua geral. É que fomos, no essencial, uma cultura ágrafa e continuamos, agora, quaseque realizando, caricaturalmente, por antecipação, o sonho ou o pesadelo ou o

    futurograma da “aldeia global”: transitaremos de uma cultura ágrafa iliteratada de meracomunicação interpessoal para uma cultura ágrafa para-literatada de comunicação de

    massas.

    Eis outro: houve um brutal hiato entre os pouquíssimos letrados que a cultura da cana e a

    do ouro possibilitou continuar pelo século XIX e inícios do século XX, e a grandíssimaparte da população. Deixando, assim, ao deus-dará tão alto índice de

    intercomunicabilidade na unidade linguageira, busca-se com dificuldade uma explicaçãopara isso: ou se contesta essa unidade lingüística, apelando-se para o nossomultilingüismo ou se contesta o unilingüismo, apelando-se para a dialetação existente.Esta, porém, ainda assim, parece ser - se comparada com a do âmbito românico - de tipohistórico-social bem diferente, cuja explicação ou racionalização talvez não comporteextrapolação ou raciocínio analógico.

    Língua de escravos e senhores, ou de senhores e escravos, com restrita diferenciaçãosocial ao longo do processo de transmissão do português mesmo, a unidade na extensãodo território é um fato, parece um fato, que a culturalização dos inícios deste século paracá tem alterado. Há, como efeito, já hoje, uma seção da população que, além da aquisiçãosocial não instrumentada ou institucionalizada da língua como vernáculo, sofre a influência

    da escolaridade. Há razões para crer que essa escolaridade tem tido efeito sobre a falaculta e também “inculta” dos vários centros urbanos de relevo regional no país. Quanto àparte aberta, o vocabulário, isso é ponto pacifico. Assistimos, assim, a um tipo de

    linguagem que não pode ser estudado (e transmitido) sob parâmetros lingüísticos “puros”nem dialetológicos estritos. A um tempo, a sociolingüística urbana e vertical e sua ação

    rural e horizontal deve ser acompanhada de uma sociolingüística da língua literatada, poisa ação dessa língua dos meios em que é instrumento profissional para a transmissão delamesma ou para a comunicação de massa é no Brasil, como nas culturas complexasmodernas ou modernizantes, elemento de peso cuja análise e interpretação importa cadavez mais a tal ponto que o indivíduo podo pesar no todo: um idioleto sofisticado é bem o

    termo - pode ser multiplicado por um, mil, um milhão de usuários passivos, que sofrerãopor certo a cada vez um infinitésimo da influência eventualmente estruturável.

    Restam-me perguntas:

    Não estaremos pobres de instrumentação normativa?

    Não devemos ter coragem de pensar numa variedade lingüística nacional que se

    compadeça com as regionais e que convivam para o bem comum, numa variedade maisabrangente?

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    Entre a aristocratização da língua escrita e sua anarquização, não haverá um termo dereferência democratizante que não nos lembre que há algo de podre no reino daDinamarca?

    Como criar a escolaridade que efetivamente dê conta da complexidade da aquisição da

    linguagem de modo criador?

    Como colaborar para que a comunidade lusofônica no mundo seja uma realidade departes reciprocamente interessadas nesse bem comum que lhes é a língua comum?

    Sou - como se vê - só indagações, quase sem resposta.

    Mas uma coisa eu sei: dizer-lhes muito obrigado pela atenção com que me ouviram e pela

    paciência que tiveram: muito obrigado.*

    * Palestra no VIII Curso de Férias do Instituto de Estudos Brasileiros sobre “A expansão da

    língua” (Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 22, Universidade de São Paulo, SãoPaulo, 1980, p. 53-58).

    (A crise de nossa língua de cultura, 1983.)